decisÕes de investimento em mercados...
TRANSCRIPT
FACULDADE DE ECONOMIA E FINANÇAS IBMEC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA
DDIISSSSEERRTTAAÇÇÃÃOO DDEE MMEESSTTRRAADDOO PPRROOFFIISSSSIIOONNAALLIIZZAANNTTEE EEMM AADDMMIINNIISSTTRRAAÇÇÃÃOO
DECISÕES DE INVESTIMENTO EM MERCADOS IMPERFEITOS UTILIZANDO
UMA NOVA ABORDAGEM PARA A SELEÇÃO DA AMOSTRA
GGuuiillhheerrmmee FF.. VV.. ddaa CCuunnhhaa FFiillhhoo
ORIENTADOR: PROF. DR. Fernando Nascimento de Oliveira
Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2010.
DECISÕES DE INVESTIMENTO EM MERCADOS IMPERFEITOS UTILIZANDO UMA NOVA ABORDAGEM PARA A SELEÇÃO DA AMOSTRA
GUILHERME FRANCISCO VIEIRA DA CUNHA FILHO
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Profissionalizante em Administração como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Administração. Área de Concentração: Administração Geral
ORIENTADOR: FERNANDO NASCIMENTO DE OLIVEIRA
Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2010.
DECISÕES DE INVESTIMENTO EM MERCADOS IMPERFEITOS UTILIZANDO UMA NOVA ABORDAGEM PARA A SELEÇÃO DA AMOSTRA
GUILHERME FRANCISCO VIEIRA DA CUNHA FILHO
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Profissionalizante em Administração como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Administração. Área de Concentração: Administração Geral
Avaliação:
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________________
Professor Dr. Fernando Nascimento de Oliveira (Orientador) Instituição: IBMEC-RJ _____________________________________________________
Professor Dr. Roberto Marcos da Silva Montezano Instituição: IBMEC-RJ _____________________________________________________
Professor Dr. Carlos Bastian Instituição: PUC-RJ
Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2010.
FICHA CATALOGRÁFICA
M 658.152 C 972d
Cunha Filho, Guilherme Francisco da. Decisões de Investimento em Mercados Imperfeitos Utilizando uma Nova Abordagem para a Seleção da Amostra. Faculdades IBMEC, 2010: Rio de Janeiro. 66 Páginas. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Profissionalizante em Administração. Área de concentração: Finanças Corporativas Orientação: Dr.Prof. Fernando Nascimento de Oliveira 1. Mercado - Investimentos. 2. Investimentos – Economia. I. Cunha Filho, Guilherme Francisco Vieira da. II. Dr.Prof. Fernando Nascimento de Oliveira. III. Título.
vi
RESUMO
Este trabalho analisa a sensibilidade do investimento de empresas brasileiras sob a hipótese
das restrições financeiras ao crédito decorrentes de imperfeições de mercado. Partindo de
uma base de dados contendo 168 empresas abertas brasileiras, são construídas três sub-bases
compreendendo firmas que satisfazem a um, dois ou três de alguns dos critérios de seleção
mais utilizados pela literatura. Estas sub-bases são testadas sob um modelo empírico de
investimento adaptado para imperfeições de mercado utilizando a regressão de dados em
painel. A hipótese testada sugere que, firmas que compõem o conjunto interseção dos
principais critérios de seleção para a categoria “financeiramente restrita” devam ser
igualmente dependentes de recursos próprios para investimento. É investigada também a
sensibilidade do investimento em relação ao fluxo de caixa em períodos de crises econômicas,
bem como a importância do BNDES na concessão de crédito a empresas a ele vinculadas. Os
resultados corroboram a hipótese de que empresas com maiores restrições financeiras segundo
os critérios selecionados dependem mais da retenção de lucros para financiamento próprio.
Palavras Chave:
Investimento, restrições financeiras, estrutura de capital, imperfeições de mercado, Q de
Tobin.
vii
Abstract
This study examines the sensitivity of the investment account in Brazilian companies under
the assumption of financial constraints due to credit market imperfections. From a database
comprising 168 public companies in Brazil, three bases are constructed comprising firms that
satisfy one, two or three of some of the most used criteria in the literature. These databases are
tested over an empirical model of investment adapted to credit market imperfections using
panel data regression. The leading hypothesis suggests that firms that comprise the
intersection of the main selection criteria for the "financially constrained" category should be
as much as dependent on their own resources for investment. It also investigates the
investment sensitivity relative to the cash flow in periods of economic crisis as well as the
importance of BNDES in granting loans to companies linked to it. The results support the
hypothesis that companies with greater financial constraints according to the criteria selected
are more reliant on retained earnings to its own finance.
Key Words:
Investment, financial constraints, capital structure, market imperfections, Tobin's Q.
viii
LISTA DE FIGURAS
Figura I - Relação de equilíbrio entre custo de financiamento e estoque de capital desejado segundo modelo neoclássico. Fonte: Hubbard (1998, p.4)......................................................... 8
Figura II - Relação de equilíbrio entre custo de financiamento e estoque de capital desejado segundo modelo de investimento em presença de imperfeições de mercado. Fonte: Hubbard (1998, p.4) ................................................................................................................................ 15
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Firmas que compõem as categorias “financeiramente restritas” e “não financeiramente restritas” para os três grupos de empresas construídos .................................. 29
Tabela 2 – Relação (Financiamento de Curto Prazo) / (Ativo Total) e (Receita Operacional) / (Ativo Total) das bases de dados construídas ........................................................................... 30
Tabela 3 - Parâmetros da distribuição estatística das características financeiras do Grupo 3 .. 31
Tabela 4 - Testes da média para firmas classificadas quanto à restrição financeira no Grupo 3 .................................................................................................................................................. 32
Tabela 5 - Análise de painel desbalanceado para os Grupos 1, 2 e 3. ...................................... 35
Tabela 6 - Análise do painel para o modelo de investimento adaptado para restrições financeiras incluindo variável dummy para capturar o efeito de crises econômicas sobre as restrições no acesso ao crédito.................................................................................................. 38
Tabela 7 - Resultados da regressão adicionando a associação ao BNDES como quarto critério de seleção .................................................................................................................................. 40
Tabela 8 - Resultados da regressão do modelo empírico sobre o grupo de firmas comprovadamente associadas ao BNDES ................................................................................ 41
Tabela 9 - Resultados do terceiro teste de robustez substituindo a dummy original FR em (2) pela dummy BNDES como proxy para firmas financeiramente restritas .................................. 42
x
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 1
2 REVISÃO DE LITERATURA: ........................................................................................ 6
2.1 O estudo das decisões de investimento ....................................................................................................... 6
2.2 A abordagem neoclássica ............................................................................................................................ 7
2.3 Extensão do modelo neoclássico incluindo imperfeições nos mercados de capitais ............................. 10
2.3.1 Novas abordagens sobre o estudo das decisões de investimento ........................................................ 10
2.3.2 Estudos sobre assimetria de informação ............................................................................................. 12
2.3.3 Efeitos da assimetria de informação sobre as decisões de investimento ............................................ 14
2.3.4 A pesquisa sobre decisões de investimento em presença de imperfeições de mercado ...................... 16
3 BASE DE DADOS ....................................................................................................... 25
3.1 Critérios de seleção para empresas financeiramente restritas ............................................................... 26
3.2 Nova abordagem para a seleção amostral: a interseção dos principais critérios utilizados na literatura .............................................................................................................................................................. 28
3.3 Estatísticas descritivas ............................................................................................................................... 30
4 ANÁLISE EMPÍRICA ................................................................................................... 33
4.1 Modelo empírico ........................................................................................................................................ 33
4.2 Operacionalização das variáveis ............................................................................................................... 34
4.3 Resultados ................................................................................................................................................... 35
4.4 Testes de Robustez ..................................................................................................................................... 39
5 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 44
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 49
ANEXO A ............................................................................................................................ 53
1
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa sobre as decisões de investimento das firmas foi um dos grandes temas que
fomentaram o desenvolvimento da literatura econômica a partir da segunda metade do século
XX. Embora o estudo do investimento corporativo tenha abordado inicialmente temas como
hierarquia de financiamento e estrutura de capital (Meyer e Kuh, 1957), a publicação das
proposições de Modigliani e Miller (doravante MM) ao final da década de 1950 alterou o
curso da linha de pesquisa isolando as decisões de investimento de questões puramente
financeiras. A abordagem teórica proposta por estes autores sugere que, em um mercado
eficiente e com ausência de impostos, o valor de uma firma é medido exclusivamente pelas
suas oportunidades de crescimento (refletidas no preço de seus ativos) e independente de sua
estrutura de capital.
A partir do início da década de 1980, a linha de pesquisa sobre decisões de investimento
retornou ao seu caminho original quando passou a incluir em seu escopo a questão das
restrições financeiras no acesso ao crédito. Os artigos publicados buscaram estender os
modelos empíricos neoclássicos incorporando proxies para variáveis financeiras (como o
fluxo de caixa) na tentativa de evidenciar algum tipo de dependência entre investimento e
estrutura de capital.
2
A hipótese por trás da teoria sugere que, se o desnível entre os custos do financiamento
externo e interno for pequeno, práticas de retenção de lucros não deveriam explicar variações
nas contas das despesas com investimento. No entanto, caso este desnível seja significativo,
seria um indício de que tais firmas não disporiam de fontes de crédito externo de baixo custo
utilizando assim recursos próprios para financiarem seus investimentos.
Fazzari, Hubbard e Petersen (doravante FHP) publicaram artigo seminal1 sobre o tema,
relacionando os modelos tradicionais de investimento às descobertas provenientes das
pesquisas sobre imperfeições de mercado. FHP observam diferenças nos padrões de
financiamento de firmas de diferentes tamanhos e formulam uma hipótese na qual os custos
de financiamento interno e externo, em presença de ineficiências de mercado, não seriam
perfeitamente substituíveis. Os autores estendem o modelo neoclássico tradicional baseado no
Q de Tobin incluindo o fluxo de caixa da firma para capturar a sensibilidade do investimento
às variações na sua estrutura de capital. As principais descobertas sugerem que exista uma
relação significativa entre investimento e alterações nos níveis de patrimônio líquido e
reservas de lucro de uma firma.
A premissa metodológica utilizada pelas pesquisas consiste na divisão das amostras em
grupos de firmas mais ou menos suscetíveis a restrições financeiras baseada em alguma
característica estabelecida a priori e na análise dos coeficientes do fluxo de caixa resultantes
das regressões. Os critérios utilizados para segmentação da amostra diferem entre os artigos
publicados2. A distinção entre firmas segundo a taxa de distribuição de dividendos, por
exemplo, é abordada por FHP, Fazzari e Petersen (1993) e Allayanis e Mozumdar (2004). Já
Hoshi, Kashyap e Scharfstein (1991) avaliam o grau de proximidade das firmas a grandes
1 (FAZZARI, HUBBARD e PETERSEN, 1988) 2 O Anexo A apresenta uma tabela resumo dos principais artigos publicados sobre o tema apresentando as características das bases de dados e critérios de seleção utilizados.
3
conglomerados japoneses como proxy para acesso a um maior número de fontes de
financiamento. A divisão segundo a avaliação dos títulos privados e o acesso à emissão de
commercial papers é abordado por Gilchrist & Himmelberg (1995) e Calomiris, Himmelberg
& Wachtel (1994). Carpenter, Fazzari e Petersen (1994) utilizam o critério de tamanho para
definir o grau das restrições financeiras enfrentadas pelas empresas.
Muito embora exista uma tendência da academia em aceitar os resultados obtidos por autores
que se basearam nesta linha metodológica, o fato das amostras serem construídas sobre
pressupostos de certa forma subjetivos divide a opinião de alguns autores e levanta
questionamentos acerca da aplicabilidade dos modelos utilizados e da correta interpretação
dos resultados obtidos3. Uma crítica notável a este critério de classificação é abordada por Hu
& Schiantarelli (1998). Estes autores argumentam que nem sempre os indicadores escolhidos
para a divisão da amostra seriam boas aproximações para detectar o nível de restrições
financeiras de uma firma. Além do mais, o uso de um simples indicador também impediria a
pesquisa de observar outros parâmetros que também explicariam seu fôlego financeiro e sua
capacidade de captação de recursos.
O presente trabalho aplicou a técnica da regressão de dados em painel ao modelo empírico de
investimento proposto por FHP em uma base de dados derivada do ECONOMÁTICA
contendo 168 empresas brasileiras de capital aberto entre os anos de 1986 e 2009 utilizando
uma abordagem alternativa para o critério de seleção da amostra. Ao invés de utilizar a
divisão da amostra baseada em um único critério isolado, a abordagem proposta trabalhou
com o conjunto interseção das firmas que satisfazem até três de alguns dos critérios de seleção
utilizados entre os principais artigos já publicados na literatura: tamanho das firmas, taxa de
3 Em (KAPLAN e ZINGALES, 1997) é elaborada uma forte crítica sobre os critérios de classificação usados por FHP e sobre a interpretação da sensibilidade do investimento ao fluxo de caixa. Maiores detalhes sobre o artigo na revisão de literatura do presente trabalho.
4
distribuição de dividendos e acesso ao mercado de emissão de títulos. A intenção foi eliminar
vieses de seleção presentes em outros trabalhos diminuindo o nível de incerteza acerca da
elegibilidade de uma firma à categoria “financeiramente restrita”. Foram construídas três sub-
bases de dados contendo o conjunto interseção das firmas que satisfizeram apenas um, dois ou
os três critérios de seleção empregados. Estas sub-bases de dados foram chamadas de Grupos
1, 2 e 3 respectivamente. Esta abordagem se propôs a diminuir as dúvidas lançadas não
apenas sobre a representatividade dos dados, mas também sobre a correta interpretação dos
resultados obtidos nos trabalhos publicados anteriormente.
A aplicação do modelo empírico de FHP sobre esta base de dados procurou investigar a
validade das descobertas de que o fluxo de caixa seria um bom indicador para detectar uma
relação de dependência entre investimento e retenção de lucros, evidenciando possíveis
restrições financeiras no acesso ao crédito externo e a existência de uma hierarquia de capital.
A pesquisa ainda ampliou a abrangência do tema investigando o comportamento da hipótese
de FHP para empresas situadas no mercado brasileiro. Embora este mercado já tenha sido
explorado no trabalho de Esteves e Ness (2005), considera-se que o estudo aprofundado do
mercado nacional possa enriquecer significativamente o entendimento do assunto em função
da diversidade de seu contexto macroeconômico.
Os resultados obtidos sugerem um alto grau de dependência das firmas classificadas como
financeiramente restritas para todas as regressões nos grupos considerados. Em contrapartida,
firmas classificadas como não financeiramente restritas não apresentaram coeficientes que
pudessem relacionar a retenção de fluxo de caixa como variável relevante na explicação do
investimento.
5
Adicionalmente, foram realizados testes empíricos adicionais incluindo variáveis dummy em
períodos marcados por crises econômicas. Esta hipótese sugere que exista um efeito
amplificador de choques macroeconômicos sobre empresas que enfrentam maiores custos de
monitoramento. Estes custos seriam refletidos em uma maior dificuldade de obtenção de
crédito junto às instituições financeiras. Em um período de recessão seria esperado um
declínio na parcela de crédito concedido às empresas suscetíveis à maiores custos de agência
como forma de reduzir a exposição ao risco das instituições financiadoras. Os resultados
mostraram com alto grau de relevância estatística que, nos períodos marcados por crises, as
firmas de modo geral se utilizam mais de recursos próprios para alavancagem de projetos.
Finalmente, foram realizados testes de robustez incluindo empresas que dispõem de facilidade
de obtenção de crédito junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). A associação
de uma firma ao BNDES foi utilizada como proxy para o acesso ao crédito de baixo custo
simulando a hipótese formulada por Hoshi, Kashyap e Scharfstein4. Os resultados apontaram
que firmas que não possuem acesso às linhas de crédito desta instituição possuem maior nível
de retenção de fluxo de caixa em relação ao investimento, sugerindo a dependência do
financiamento próprio para viabilização de projetos.
O restante deste artigo está estruturado da seguinte forma. Na seção 2, é realizada a revisão da
literatura. Na seção 3, são apresentados a base de dados e o método de construção da
abordagem para o critério de seleção. Na seção 4, são discutidos o modelo empírico, os
resultados e os testes de robustez. Na seção 5, o trabalho é concluído.
4 Em Hoshi, Kashyap, & Scharfstein (1991) os autores utilizam o grau de associação das firmas situadas no mercado japonês com grandes conglomerados de empresas do país conhecidos como keiretsu. Segundo a hipótese formulada, firmas componentes de tais grupos disporiam de maior quantidade e qualidade de alternativas de crédito para financiamento de seus projetos.
6
2 REVISÃO DE LITERATURA:
2.1 O ESTUDO DAS DECISÕES DE INVESTIMENTO
A preocupação com o tema das decisões de investimento foi originalmente abordada por John
Meyer e Edwin Kuh no livro “The Investment Decision”, publicado em 1957 (Meyer & Kuh,
1957). A partir da demonstração de resultados de 750 firmas de 12 setores da indústria
fornecidas pela SEC entre os anos 1946 e 1950, Meyer e Kuh sugerem que a decisão de
investimento de uma empresa está sujeita a uma série de motivadores que por sua vez
provocam diferenças de comportamento em diferentes períodos de tempo. Segundo os
autores, a diferença mais proeminente seria uma clara tendência de questões relativas à
liquidez e considerações financeiras influenciando as decisões de investimento no curto prazo.
No longo prazo, entretanto, o estudo apontou que o investimento em instalações e
equipamentos estaria associado a uma relação entre produção (vendas) e estoque de capital.
De acordo com os resultados, o nível de investimento observado aumentaria assumindo uma
expansão no volume de vendas desde que a capacidade produtiva estivesse plenamente
empregada e houvesse recursos internos suficientes para financiá-lo. Estes recursos internos,
por sua vez, seriam representados pelas reservas de lucros condicionadas à formação de
estoques e distribuição de dividendos aos acionistas.
Estudos semelhantes aos de Meyer e Kuh, no entanto, tornaram-se cada vez mais escassos a
partir do final da década de 1950 com a publicação das proposições de Modigliani e Miller
7
(1958). MM demonstram teoricamente que, dentro das premissas assumidas, decisões reais de
investimento motivadas pela maximização do valor dos acionistas seriam independentes de
fatores financeiros como liquidez, endividamento e política de dividendos. Em outras
palavras, a estrutura de capital de uma firma seria irrelevante nas suas decisões de
investimento. Embora tenham sido fortemente atacadas pela força e inflexibilidade de suas
premissas, MM utilizaram toda a polêmica criada em torno do assunto para torná-las ainda
mais famosas cada vez que as contra-argumentavam em suas defesas.
A publicação deste artigo foi uma espécie de divisor de águas na pesquisa sobre o tema das
decisões de investimento e, sob aspecto ainda mais abrangente, ajudou a consagrar o
pensamento neoclássico no ensino de economia e finanças ao longo das décadas que se
sucederam.
2.2 A ABORDAGEM NEOCLÁSSICA
No que tange à pesquisa sobre decisões de investimento, as proposições de MM (assim como
outras hipóteses neoclássicas) contribuíram de forma significativa para as alterações na
maneira como a pesquisa seria explorada a partir de então. A hipótese da irrelevância da
estrutura de capital pressupunha que os financiamentos interno e externo seriam perfeitamente
substitutos e o custo de capital da firma naturalmente atribuído por um mercado eficiente.
Neste contexto, toda informação disponível sobre uma determinada empresa seria
automaticamente refletida em seu valor de mercado e independente de questões financeiras.
Hubbard (1998) apresenta um desenvolvimento teórico que explica de forma intuitiva, por
meio de um modelo de equilíbrio, as principais características da visão neoclássica. Na Figura
1, Hubbard ilustra a relação entre a demanda por capital de uma firma e a oferta de fundos. A
quantidade de capital demandada e o seu custo de capital situam-se nos eixos horizontal e
8
vertical respectivamente. A curva D da demanda representa a relação inversamente
proporcional entre o custo de fundos da firma e a quantidade demandada do investimento.
Quanto maior o custo de capital, menores são as oportunidades de investimento que
satisfariam o critério da lucratividade marginal. Sua localização é determinada justamente por
estas oportunidades de crescimento. Um aumento nas oportunidades (e.g nova tecnologia
empregada no processo produtivo; novos produtos) deslocaria a curva para a direita
aumentando o nível de capital desejado. Por outro lado, uma contração na demanda (e.g.
período de recessão econômica) deslocaria a curva para a esquerda.
Figura 1 - Relação de equilíbrio entre custo de financiamento e estoque de capital desejado segundo modelo neoclássico. Fonte: Hubbard (1998, p.4)
A curva da oferta, por sua vez, é representada pela taxa real de juros da economia (r) ajustada
para o risco da empresa. Desta forma, um aumento na taxa de juros reduz o nível de capital
desejado enquanto que uma diminuição desta taxa, coeteris paribus, aumenta o número de
oportunidades de crescimento e consequentemente a demanda por capital. A interseção entre
as curvas D e r aponta para a solução ótima do problema K* na qual a lucratividade marginal
das oportunidades de crescimento se iguala ao custo de capital da firma. Como se pode
verificar, todo o processo decisório acerca do investimento é independente de qualquer fator
relativo à sua estrutura de capital. Sempre que uma oportunidade de investimento é
9
vislumbrada, a firma pode emprestar ou se financiar à taxa de juros da economia dado que
toda a informação sobre a empresa é antecipada de antemão por um mercado eficiente e
disponibilizada de forma homogênea para as instituições de crédito.
Sendo assim, satisfeitas todas as premissas neoclássicas, uma firma deverá tomar a decisão de
investir toda a vez que a percepção do mercado sobre suas oportunidades de crescimento
(automaticamente refletidas no preço da firma segundo a hipótese dos mercados eficientes)
for relativamente superior ao seu custo de reposição de capital.
O artigo publicado por James Tobin (1969) trouxe à literatura de finanças a abordagem do
indicador Q e contribuiu para a extensão dos modelos de investimentos existentes utilizando
outra formulação sob a ótica neoclássica. Nestes modelos, a razão entre o valor de mercado de
uma firma sobre seu custo de reposição de ativos seria a variável básica que explicaria a
demanda por investimentos. A esta razão deu-se o nome de Q de Tobin. Esta demanda, por
sua vez, traduzir-se-ia em oportunidades de investimento que seriam atribuídas à avaliação do
mercado sobre o próprio estoque de capital.
Como conseqüência à unificação do racional neoclássico com o indicador Q de Tobin, muitos
trabalhos empíricos começaram a ser produzidos com o intuito de testar a aplicabilidade do
novo modelo. Jorgenson e Hall (1967) realizaram testes e obtiveram sucesso relativo na
comprovação da teoria neoclássica não considerando a influência de possíveis fatores
financeiros. Um ano depois Jorgenson e Siebert (1968) publicaram artigo sugerindo a
superioridade do modelo neoclássico relativo à teoria de fundos internos utilizando dados de
15 grandes empresas norte-americanas. Mais tarde Elliot (1973), replicando o mesmo estudo
de Jorgenson e Siebert para 184 firmas, reconsideraria os resultados originais. Em seguida,
Hayashi (1982) estende o modelo neoclássico tradicional derivando uma taxa ótima de
10
investimento como função do Q marginal ajustada para impostos; e Chirinko (1993) revisa a
literatura sobre investimento fixo corporativo apresentando uma avaliação do nível de
conhecimento adquirido sugerindo propostas para trabalhos futuros.
No entanto, a principal limitação da pesquisa essencialmente neoclássica, segundo FHP, seria
a premissa da firma representativa comum a todos os trabalhos. Esta “firma comum” não
permitiria a visualização de diferenças na sensibilidade ao investimento decorrente de
questões financeiras comprometendo assim a correta interpretação dos resultados.
A percepção de que as conclusões tiradas sobre os modelos de investimento tradicionais
seriam questionáveis, mesmo apesar da sólida fundamentação teórica, abriu espaço para o
estudo de modelos alternativos incorporando novas linhas de pesquisa recém-introduzidas à
literatura de economia e finanças. A estas novas linhas de pesquisa destacam-se a teoria dos
contratos, a hierarquia de financiamento e estudos sobre aceleradores financeiros que
procuravam flexibilizar algumas das fortes premissas que sustentavam a teoria neoclássica.
2.3 EXTENSÃO DO MODELO NEOCLÁSSICO INCLUINDO IMPERFEIÇÕES NOS MERCADOS DE CAPITAIS
2.3.1 Novas abordagens sobre o estudo das decisões de investimento
Na década de 1970, após uma série de testes empíricos conduzidos sobre a pedra fundamental
da teoria neoclássica – a hipótese dos mercados eficientes – produzir um volume de
conhecimento que pudesse finalmente lançar dúvidas sobre sua precisão, novas linhas de
pesquisa explorando imperfeições de mercado surgiram e não demoraram a incorporarem-se
ao tema das decisões de investimento. A hipótese da irrelevância da estrutura de capital foi
logo questionada e a pesquisa sobre relações de dependência entre investimento e restrições
financeiras ganhou novos horizontes não mais assumindo a perfeita substituição entre
11
financiamento interno e externo. Estas relações foram abordadas sob duas óticas, uma macro e
outro microeconômica (Hubbard, 1998, p.2).
A ótica macroeconômica procurou entender os movimentos cíclicos sobre o investimento em
ativos fixos enfrentados pelas empresas ao longo dos ciclos de negócio. As respostas de
algumas empresas às variações dos ciclos seriam em algumas ocasiões muito pronunciadas e
duradouras para serem explicadas por indicadores de mercado, expectativas futuras de lucro
ou mudanças no custo de capital. Esta constatação conduziu os pesquisadores a suspeitarem
de um fator amplificador de choques econômicos sobre o financiamento das empresas e,
conseqüentemente, sobre seus níveis de investimento. O termo “aceleradores financeiros” foi
designado para explicar esta amplificação de choques macroeconômicos sobre o acesso ao
crédito e ao investimento corporativo. Bernanke, Gertler e Gilchrist (1996) investigaram os
efeitos dos aceleradores financeiros e de que forma eles se relacionavam no acesso ao crédito
de diferentes empresas. Segundo os autores, a amplificação dos efeitos de choques
econômicos sobre empresas que enfrentam maiores custos de monitoramento seriam
refletidos em uma dificuldade maior de obtenção de crédito junto a instituições financeiras.
Em um período de recessão, por exemplo, seria esperado um declínio na parcela de crédito
concedido às empresas mais suscetíveis a custos de monitoramento como forma de reduzir a
exposição ao risco das instituições. A esta preferência por firmas menos expostas a custos de
agência, os autores chamam de “flight to quality”. Os resultados obtidos pela pesquisa
revelaram que empresas menores são substancialmente mais afetadas com relação a vendas,
estoques e acesso ao crédito de curto prazo se comparadas a firmas maiores e supostamente
menos suscetíveis a custos de agência corroborando a hipótese formulada.
A abordagem micro, por sua vez, procura entender os efeitos da assimetria de informação nos
mercados de capitais. Segundo esta abordagem, níveis distintos de informação por parte de
12
executivos e instituições de crédito conduziriam a uma diferença nos custos de financiamento
interno e externo. Esta diferença invalidaria a hipótese dos mercados eficientes em suas
formas forte e semi-forte no que diz respeito à perfeita substituição entre as formas de
financiamento e destitui as oportunidades de crescimento e o custo de capital como únicos
determinantes para o investimento.
2.3.2 Estudos sobre assimetria de informação
O hiato entre custos de financiamento foi exaustivamente estudado nas últimas décadas e
originou diferentes linhas de pesquisa na literatura. A teoria dos contratos explorou a questão
do problema de agência que trata das dificuldades que aparecem quando uma entidade
principal oferece um contrato a uma entidade agente para representá-la em determinada
atividade sendo que as partes, sob condições de informação incompleta ou assimétrica,
possuem interesses (utilidades) diferentes.
Jensen e Meckling (1976) estudaram o problema de agência e o definiram como um contrato
onde uma parte (o principal) atribui a outra (o agente) o direito de representá-la, outorgando
ao agente o poder de decisão sobre determinados assuntos. Assumindo que ambas as partes
nessa relação sejam maximizadoras de suas próprias utilidades, é intuitivo pensar que
principal e agente nem sempre tenderão a agir em prol de objetivos comuns. O problema
agente-principal aparece quando o principal se utiliza de compensações e incentivos para
modificar a utilidade do agente visando à convergência de interesses entre as duas partes.
Desta forma o principal consegue limitar divergências entre os interesses estabelecendo
incentivos apropriados para o agente, algumas vezes forçando-o a empregar recursos para
garantir que o mesmo não tomará decisões contrárias ao interesse do principal e, em outras
ocasiões, investindo em custos adicionais de monitoramento e informação dedicados a prever
13
e controlar eventuais discordâncias. Embora estes mecanismos consigam limitar a divergência
entre interesses, é impossível garantir que nessa relação o agente sempre agirá prol dos
interesses do principal.
Os custos de agência foram conseqüências naturais da evolução dos tradicionais modelos
econômicos de equilíbrio geral que, com o passar do tempo, foram mostrando-se
representantes não tão satisfatórios da teoria econômica. Os modelos tradicionais,
desenvolvidos à luz dos mercados eficientes, vigoraram até certo ponto quando se viu que
imperfeições e desequilíbrios inerentes às transações econômicas precisavam ser levados em
consideração para melhor entendimento da realidade. A pesquisa e o estudo destas
imperfeições e desequilíbrios deram origem aos modelos de equilíbrio parcial incorporando
custos de agência como a seleção adversa e o risco moral. Os modelos de seleção adversa
ilustram situações onde características importantes do agente não são observadas durante sua
seleção pelo principal. Akerlof (1970) mostra que esta assimetria de informação sobre a
qualidade e/ou risco dos projetos dos agentes gera um custo adicional de monitoramento por
parte do agente e ao desnível entre os custos de financiamento interno e externo do mesmo.
Os modelos de risco moral por sua vez representam situações em um contrato onde uma parte
(agente) possui informações sobre suas ações ou intenções que a outra (principal) não possui.
Dessa forma, instituições de crédito sob condições de assimetria de informação, tenderiam a
cobrar um retorno maior incluindo-o no custo do financiamento para cobrir despesas com o
monitoramento e o risco moral associados às atitudes dos executivos no que diz respeito à
alocação e uso de seus recursos. Já Myers e Majluf (1984) derivaram um modelo teórico de
equilíbrio dinâmico sob três cenários quando agentes possuem diferentes níveis de
informações que os principais não possuem investigando os efeitos da assimetria de
informação sobre as decisões de financiamento das firmas.
14
2.3.3 Efeitos da assimetria de informação sobre as decisões de investimento
Os modelos neoclássicos tradicionais sugerem que as decisões de investimento seriam
totalmente independentes de fatores financeiros (segundo a irrelevância da estrutura de capital
de MM) assumindo que toda a informação sobre as firmas e intenções de seus executivos
seria disponibilizada de forma homogênea por um mercado eficiente. Hubbard (1998) em sua
revisão sobre os estudos a respeito do investimento e imperfeições de mercado enfatiza a
força destas premissas. Ele ainda sugere que executivos possuem acesso a informações
privilegiadas sobre questões relevantes da firma em níveis muito maiores do que acionistas e
credores e que esta assimetria de informação conduziria a potenciais problemas de seleção
adversa e risco moral. Hubbard então deriva um modelo de equilíbrio parcial para o
investimento corporativo assumindo a existência de risco moral e procurando explicar
variações associadas aos custos referentes à assimetria de informação.
De acordo com a Figura 2 (e em presença de imperfeições de mercado) o ponto W representa
o patrimônio líquido da firma que é o montante através do qual uma firma poderia realizar
investimentos utilizando capital próprio. Segundo Hubbard, qualquer oportunidade de
investimento financiada externamente abaixo deste ponto poderia ser paga com recursos
internos e, portanto, não seria afetada por custos adicionais de monitoramento apresentando
assim taxa de retorno esperado igual ao custo de capital da firma (curva r). Quando o
montante a ser financiado excede este ponto W implicando no surgimento de oportunidades de
risco moral, a instituição de crédito ajusta sua taxa de retorno esperado de maneira a refletir
custos adicionais de monitoramento (curva S(W0)). Assim, em presença de tais custos, o
equilíbrio de estoque de capital da firma passa a ser determinado pelo ponto K0 na interseção
entre as curvas D e S(W0). A diferença entre este ponto e a solução neoclássica ótima K*
15
indica a ocorrência de sub-investimento quando oportunidades de crescimento são
inviabilizadas em função do spread cobrado nas taxas de retorno das instituições financeiras.
Figura I - Relação de equilíbrio entre custo de financiamento e estoque de capital desejado segundo modelo de investimento em presença de imperfeições de mercado. Fonte: Hubbard (1998, p.4)
Mantendo constantes as oportunidades de investimento (curva D) e os custos de
monitoramento, e supondo um aumento no patrimônio líquido de W0 para W1 observa-se um
aumento no estoque de capital K0 para K1. Finalmente, quanto maior forem os custos de
monitoramento sobre uma determinada firma, maior será a inclinação das curvas S(W0) e
S(W1) e vice-versa. Ou seja, firmas que apresentem baixos custos de monitoramento ou que
possuam capital próprio suficiente para investirem tenderiam a se aproximar da solução
neoclássica K*.
Hubbard sugere que o racional teórico subjacente aos modelos explicados acima permeia
grande parte da pesquisa empírica sobre o tema do financiamento e decisões de investimento.
Os principais estudos conduzidos e que nortearam a realização deste trabalho serão abordados
na próxima seção.
16
2.3.4 A pesquisa sobre decisões de investimento em presença de imperfeições de mercado
A hipótese oriunda dos estudos sobre o problema de agência de que o crédito externo estaria
sujeito à cobrança de encargos extras de transação invalida a intuição da irrelevância da
estrutura de capital de MM e abre espaço para pesquisas incorporando imperfeições de
mercado aos modelos tradicionais. Segundo esta hipótese, o financiamento de projetos com
recursos internos seria naturalmente menos custoso do que o financiamento externo sujeito a
custos adicionais de informação. Esta preferência por um determinado tipo de recurso dá
origem a uma hierarquia de financiamento conhecida na literatura de finanças como “pecking
order”. Esta teoria foi abordada por Myers e Majluf (1984) e sugere que as empresas
priorizam suas fontes de financiamento de acordo com o princípio da utilidade marginal.
Assim, recursos internos seriam utilizados em primeiro lugar (financiamento próprio) seguido
da captação de crédito junto a instituições financeiras. A partir do momento em que o
benefício marginal da captação torna-se negativo, a emissão de dívida seguido da abertura de
capital seriam as escolhas naturais.
O artigo seminal de FHP aborda a hipótese da hierarquia de financiamento e sugere que o
investimento corporativo depende, sim, de fatores financeiros como a disponibilidade de
recursos internos e acesso aos mercados de crédito e de capitais. Os autores estendem o
modelo neoclássico tradicional baseado no Q de Tobin compreendendo a questão da
imperfeição nos mercados e formulam uma nova hipótese associando variáveis
essencialmente financeiras para explicar variações nos níveis de investimento das empresas.
O modelo proposto por FHP e utilizado por grande parte das pesquisas que se seguiram à sua
publicação possui a seguinte forma:
17
� ����� � � � · �� � · ���� ��� �� ���
(1)
Nele, Iit representa o montante utilizado para investimento em ativos fixos da firma, Qit seria o
valor do Q de Tobin médio, FCit o fluxo de caixa interno e Kit o estoque de capital da firma i
no período t de acordo com o método de regressão de dados em painel. Ainda, �� seria a
componente relativa aos efeitos fixos do modelo e ��� o termo de erro, com E[���] = 0 e
Var[���] = σ2.
FHP analisam particularidades nas decisões de investimentos de acordo com suas taxas de
retenção de lucros e distribuição de dividendos. De acordo com os autores, se o custo do
financiamento externo das firmas for desprezível, a taxa de retenção de lucros não deverá
sugerir informações concretas a respeito do investimento. Elas simplesmente utilizarão esta
forma de financiamento para cobrir seus investimentos toda vez que houver flutuações em sua
estrutura de capital. Em contrapartida, caso o custo deste endividamento seja significativo,
firmas que retenham boa parte de sua receita sugeririam que não existem outras formas de
financiamento de baixo custo, o que mostraria uma relação de dependência entre
investimentos e flutuações em seus fluxos de caixa. Assim FHP selecionam uma amostra de
empresas norte-americanas contendo informações financeiras provenientes da Value Line
entre os anos de 1969 e 1983 e as classificam em três grupos de acordo com suas práticas de
distribuição de dividendos. Eles acreditam que o investimento de 49 firmas categorizadas
como Classe 1, por possuírem taxa de distribuição de dividendos menores do que 10% e
serem classificadas como financeiramente restritas, deveriam apresentar maior sensibilidade à
flutuações sobre variáveis financeiras (no caso em questão o fluxo de caixa) do que firmas
que distribuam parcela maior de seus lucros na remuneração de seus acionistas. Os resultados
18
obtidos apontam fortes evidências para as hipóteses levantadas a respeito da teoria “pecking
order”.
Grande parte das pesquisas seguintes acompanhou o trabalho de FHP. O sentido lógico das
premissas que nortearam a elaboração do modelo, alinhado aos fortes resultados obtidos
reavivou o interesse da academia pelo tema das decisões de investimento. Alguns trabalhos
utilizaram o mesmo modelo empírico procurando confirmar os resultados de FHP dividindo
os conjuntos amostrais de acordo com outros critérios de seleção, como tamanho das firmas e
o acesso ao mercado de emissão de títulos. A motivação era encontrar evidências que
pudessem da mesma forma comprovar a hipótese na qual firmas mais expostas a custos de
monitoramento tendem a reter maior parcela de lucros para financiamento próprio.
É o caso de Hoshi, Kashyap e Scharfstein (1991) que utilizam a abordagem de FHP dividindo
uma amostra de firmas situadas no mercado japonês de acordo com o grau de relacionamento
a grandes conglomerados corporativos. Empresas ligadas a estes conglomerados teriam maior
disponibilidade por fontes de financiamento a menores custos em relação a firmas não
associadas a tais grupos. Os autores concluem que existem evidências suficientes para sugerir
que os problemas de informação e incentivo nos mercados de capitais possuem efeitos
significativos sobre as decisões de investimento corporativo. Estas evidências derivam-se do
fato de que os níveis de investimento em firmas com laços estreitos a determinados bancos
são muito menos sensíveis aos níveis de financiamento com recursos próprios do que firmas
que não possuem nenhuma ligação com instituições financeiras ligadas a grandes grupos
empresariais. Um trabalho semelhante foi conduzido por Chow, Song e Kit (2010) no
mercado chinês investigando a sensibilidade do investimento de firmas chinesas com
diferentes níveis de participação acionária do Estado no controle das companhias.
19
Schaller (1993) também se propõe a utilizar a metodologia de FHP, porém sugere três novos
testes baseados em características exógenas das firmas na expectativa de capturar a existência
de assimetrias de informação. Estes testes utilizam a “maturidade”, “concentração de
propriedade” e “disponibilidade de ativos colateralizáveis” como proxy para diferentes níveis
de restrições financeiras. Além disso, Schaller expande a lista de países nos quais existem
evidências da importância empírica de imperfeições de mercado estudando firmas situadas no
Canadá5. Os resultados sugerem que firmas jovens pagam preço mais alto para financiamento
de capital em relação a firmas maduras e que seus níveis de investimento são mais suscetíveis
a parâmetros vinculados à liquidez. Schaller também observa este padrão para firmas
consideradas mais pulverizadas em relação a firmas com propriedade concentrada.
Finalmente, o autor avalia o estreito relacionamento das firmas com grandes grupos
industriais, como uma forma de facilitar o acesso ao financiamento externo e por isso torná-
las menos sensíveis às restrições financeiras se comparadas a outras firmas classificadas como
independentes.
Outros artigos por sua vez procuraram demonstrar a inviabilidade do modelo neoclássico
evidenciando seus pontos fracos. Blundell, Bond, Devereux e Schiantarelli (1992) analisam
em que medida os modelos de investimento utilizando o Q de Tobin fornecem arcabouço
empírico representativo para as decisões de investimento das firmas em geral. Os autores
formulam um modelo de investimento essencialmente neoclássico e, considerando diferentes
premissas e métodos econométricos, avaliam a eficácia deste indicador. Os resultados obtidos
sugerem alta sensibilidade do indicador Q a erros de medida e à sua especificação (críticas de
que o Q seria baseado sob premissas muito fortes). Além disso, os autores concluem que estas
restrições comprometem a utilização do Q médio como proxy para o Q marginal.
5 Degryse e De Jong (2006) publicam trabalho semelhante ao de Schaller, porém investigando firmas que compõem o mercado dinamarquês.
20
A maior parte da literatura, no entanto, deriva o modelo fundamental de FHP procurando
evidências de outras variáveis financeiras na explicação do investimento. Fazzari e Petersen
(1993) investigam o papel do capital de giro como primeira opção para equilibrar os níveis de
investimento das firmas em presença de restrições financeiras. Os autores examinam duas
hipóteses. A primeira investiga o papel do fluxo de caixa como proxy para a existência de
restrições financeiras nos mercados (como sugere grande parte literatura) ou para mudanças
nas oportunidades de crescimento (hipótese levantada por alguns críticos como KZ). Nesse
caso, a literatura sugere que mudanças no capital de giro deveriam competir com
investimentos fixos pelo uso dos recursos de financiamento. A segunda hipótese investiga a
eficácia do modelo geralmente utilizado para prever o efeito de longo-prazo dos choques nos
níveis de fluxo de caixa. A conclusão do artigo sugere que o capital de giro, além de
importante fonte de recursos, é uma medida de liquidez bastante utilizada para abrandar
variações no investimento fixo em presença de choques no fluxo de caixa. Ainda, o capital de
giro seria “excessivamente sensível” às flutuações no fluxo de caixa e, quando incluído nas
regressões como fonte de recursos, apresentaria coeficiente negativo comparado aos
investimentos fixos, rejeitando a hipótese de que a correlação positiva entre fluxo de caixa e
investimento seria representativa apenas para variações na demanda por investimentos e não
para medida de restrições financeiras sobre acesso ao crédito externo.
Já Bond e Meghir (1994) aprofundam o tema das implicações de choques cíclicos na demanda
e variações temporárias sobre os lucros nas decisões de investimento das empresas. Eles
investigam a questão da sensibilidade do investimento das firmas com relação à
disponibilidade de financiamento interno (lucros retidos) em resposta a choques exógenos na
demanda. Abordam o assunto no contexto da teoria da hierarquia de financiamento realizando
testes empíricos sobre modelos dinâmicos de investimento para empresas situadas no Reino
21
Unido. Os resultados encontrados são significativos no que diz respeito à correlação entre
investimento corrente e fluxo de caixa em períodos defasados.
Na mesma linha, Calomiris, Himmelberg e Wachtel (1994) investigam as características das
empresas emitentes de títulos commercial paper e comparam-nas a firmas com diferentes
níveis de acesso ao crédito. Eles elaboram um painel para identificar as características de
firmas que possuem acesso ao mercado de commercial paper. Além disso, analisam como as
firmas emitentes de títulos de curto-prazo diferem-se das demais e verificam a existência de
situações especiais que possam levar firmas a aumentar seu endividamento de curto-prazo. Os
principais resultados do estudo mostram que o acesso ao mercado de commercial paper está
intimamente ligado a condições de crédito de alto nível (alta liquidez) e que firmas com
acesso a este tipo de crédito mantêm níveis muito menores de capital de giro.
Ainda, Carpenter, Fazzari e Petersen (1994) analisam a sensibilidade dos estoques de
produção em resposta a variações na estrutura de capital em função de restrições de
financiamento provocadas por imperfeições de mercado, efeitos de políticas monetárias e
períodos de recessão econômica. Os resultados obtidos corroboram a intuição de que as
empresas respondem a choques sobre decisões de financiamento através de mudanças no
investimento em estoques e que estes efeitos são mais pronunciados em firmas menores e
mais sujeitas a restrições de crédito, muito embora os resultados também se mostrem
significativos para empresas de grande porte. Além disso, flutuações nos níveis de estoque
respondem fielmente ao declínio na produção e vendas durante períodos de recessão. Os
autores sustentam que o desinvestimento em estoques é a primeira medida tomada para
absorver flutuações na estrutura de capital. Entretanto, quando os níveis de estoque já se
apresentam baixos no início de uma recessão ou quando esta perdura por períodos mais
22
longos, as restrições de financiamento tendem a impactar outras atividades das firmas,
principalmente os investimentos fixos.
No que tange ao mercado brasileiro é importante citar Esteves e Ness (2005) que investigam a
hipótese das restrições financeiras ao investimento fixo em uma amostra de empresas
brasileiras de capital aberto utilizando o modelo fundamental de FHP incluindo o capital de
giro como variável independente. Os primeiros resultados obtidos revelaram que empresas
brasileiras no período analisado (1994 – 2003) enfrentaram de fato restrições financeiras
traduzidas em dificuldade de acesso ao crédito externo. Outros resultados indicaram que
empresas de tamanho reduzido, com menores taxas de distribuição de dividendos e menores
índices de liquidez também sofreram restrições a investimentos em ativos fixos no período
analisado. A hipótese que testava a correlação entre o nível de investimento e o
endividamento não foi confirmada. Os autores atribuem este resultado à utilização da média
do indicador de endividamento que pode ter distorcido o valor mais representativo para este
índice. Finalmente, os autores verificaram que empresas domésticas enfrentaram maiores
dificuldades de financiamento se comparadas a empresas multinacionais.
Muito embora a hipótese proposta por FHP seja considerada referência sobre o assunto,
existem ainda algumas limitações conceituais que levantam dúvidas sobre a precisão de seus
resultados. As principais críticas provêm do trabalho realizado por Kaplan e Zingales (1997)
que investiga a consistência das premissas subjacentes ao artigo de FHP como o critério de
seleção da amostra e a eficácia do indicador fluxo de caixa para capturar relações de
dependência entre investimento e uma hipotética hierarquia de financiamento. Para isso, KZ
examinam a relação entre o investimento e fluxo de caixa (I/FC) das 49 firmas classificadas
por FHP como financeiramente restritas. Utilizando informações qualitativas e quantitativas,
procuram determinar com maior precisão o nível de restrição financeira das firmas analisadas.
23
Os resultados obtidos surpreendem pela divergência com os de FHP. KZ afirmam que seus
argumentos qualitativos podem ser fielmente corroborados por testes quantitativos
envolvendo variáveis como a relação dívida-ativo, LAJIDA e taxa distribuição de dividendos.
Finalmente KZ sugerem que, de acordo com os resultados obtidos, firmas classificadas por
FHP como menos sujeitas a restrições financeiras apresentariam maiores sensibilidades para o
fluxo de caixa do que firmas tidas como financeiramente restritas. A principal crítica de KZ
sugere que o fluxo de caixa, na verdade, atuaria como proxy para oportunidades futuras de
investimento e não como sinalizador para diferentes níveis de acesso ao crédito.
Na réplica ao trabalho de Kaplan e Zingales, FHP (2000) primeiramente utilizam heurísticas
microeconômicas para rejeitar a hipótese de que a utilização da relação investimento-fluxo de
caixa seria ineficiente para proxies sobre sensibilidade de acesso ao crédito. Esta suspeita foi
levantada em função desta relação não variar monotonicamente com o nível das restrições
financeiras enfrentadas pelas 49 firmas de FHP. Em seguida, FHP questionam o método
subjetivo utilizado por KZ para classificar o nível das restrições financeiras enfrentados pelas
firmas. Finalmente, FHP rebatem a descoberta empírica de KZ a qual revelou que a
sensibilidade da relação I/FC seria maior para firmas classificadas, segundo KZ, como menos
financeiramente restritas.
KZ (2000) rebatem os argumentos de que o esquema de classificação proposto em seu
trabalho é falho e reiteram a relevância dos resultados empíricos. A discussão final fica por
conta da diferença entre os termos conceituais de restrições financeiras e estresse financeiro.
A situação atual da literatura sobre o tema das decisões de investimento em presença de
imperfeições de mercado sugere que os resultados obtidos em favor da metodologia proposta
por FHP revelam evidências significativas de uma forte relação entre investimento e fluxo de
24
caixa corroborando a hipótese da hierarquia de capital. Esta metodologia procura testar
modelos de investimento tradicionais adaptados para imperfeições de mercado sobre
conjuntos de amostras divididas por critérios escolhidos a priori e que, teoricamente,
indicariam tendências a respeito dos níveis de restrições financeiras enfrentadas pelas
empresas que as compõem.
25
3 BASE DE DADOS
Este capítulo discutirá a construção da base de dados bem como a proposta para o critério de
seleção da amostra para classificação das firmas quanto à restrição financeira.
Para a construção da base de dados foram inicialmente selecionadas, por meio da base
ECONOMÁTICA, empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo, não financeiras e
com dados trimestrais desagregados e ajustados à inflação pelo índice IPCA entre os anos de
1986 e 2009. Esta primeira triagem resultou numa amostra de 349 firmas.
Em seguida, foram descartadas todas as empresas que não possuíam informações financeiras
completas divulgadas nos últimos dez anos (entre 1999 e 2009). Dessa forma, empresas com
baixo número de registros e que encerraram suas operações neste período foram eliminadas.
O conjunto amostral após este descarte compreendeu 178 firmas.
Finalmente, foi utilizada a abordagem proposta por Esteves e Ness (2003) para remoção de
possíveis outliers. Tal abordagem propõe que sejam removidos da base firmas que apresentem
registros financeiros dos indicadores utilizados (ativo total, taxa de distribuição de dividendos,
fluxo de caixa e investimento fixo) fora do intervalo de mais ou menos três desvios padrão em
torno da média. Após esta etapa, a amostra final conteve 168 empresas.
26
3.1 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO PARA EMPRESAS FINANCEIRAMENTE RESTRITAS
Um dos objetivos deste trabalho é investigar a eficiência dos principais critérios de seleção da
literatura no que se refere às suas capacidades de separarem empresas que enfrentam
diferentes níveis de restrições financeiras. O Anexo A apresenta um resumo dos principais
estudos nos quais o presente trabalho se baseou. Cada artigo estudado foi analisado com base
em alguns critérios como: período utilizado, tamanho da amostra, origem da base de dados,
modelo empírico empregado, critérios de seleção e testes de robustez.
Face à proposta do artigo de apresentar uma alternativa para diminuir possíveis vieses de
seleção, imaginou-se que a utilização de uma amostra que satisfaça os principais critérios da
literatura ao mesmo tempo conduza a um conjunto que possa representar e diferenciar, com
nível de confiança significativo, firmas classificadas como financeiramente restritas. Em
outras palavras, uma análise empírica sobre firmas que representem o conjunto interseção
para a categoria “financeiramente restrita” dos principais trabalhos publicados na literatura
poderia contribuir para a discussão acerca da validade do modelo empírico proposto por FHP
e para a teoria do investimento corporativo em presença de imperfeições de mercado.
Sendo assim, foram selecionados três de alguns dos critérios mais utilizados nos principais
artigos publicados: tamanho das firmas, taxa de distribuição de dividendos e acesso ao
mercado de emissão de títulos.
O critério “tamanho das firmas”, apesar de ser o mais utilizado na literatura, é bastante
subjetivo no que diz respeito a um limite para o valor da conta ativo total que possa
determinar com confiança se uma empresa pode ser classificada como grande ou pequena. Por
27
exemplo, Bernanke, Gertler e Gilchrist (1996) utilizam a cifra de US$250MM (em dólares de
1991) para diferenciar entre firmas grandes e pequenas. Já Carpenter, Fazzari e Petersen
(1998) utilizam US$300MM para tal diferenciação. Gilchrist e Himmelberg (1995) e Oliveira
(2008), no entanto, empregam abordagens diferentes. Estes autores utilizam a classificação
por percentis para diferenciar firmas grandes das pequenas e assim aumentar o desnível entre
os valores do ativo total a fim de representar com maior fidelidade esta categoria.
Neste trabalho, considerou-se como “pequena” uma firma cujo ativo total é inferior ou igual
ao percentil 30% da distribuição em qualquer trimestre analisado. Da mesma forma,
consideramos “grande” uma firma cujo ativo total é superior ou igual ao percentil 70% da
distribuição. Após esta operação, obtivemos uma amostra resultante de 36 firmas grandes e 29
pequenas.
Com relação à taxa de distribuição de dividendos, a subjetividade na definição do critério é
substancialmente menor. Este critério foi inicialmente proposto no trabalho seminal de FHP
(1988) e replicado por outros autores como o Hubbard, Kashyap e Whited (1995), Kaplan e
Zingales (1997), Fazzari e Petersen (1993), entre outros. A proposta é utilizar a mesma
abordagem de FHP, na qual empresas que nunca pagaram mais do que 10% de seus lucros em
dividendos ao longo de todo o período analisado poderiam ser consideradas como
financeiramente restritas. Desta forma, a base de dados dividida pela taxa de distribuição de
dividendos apresenta 151 firmas não restritas e 17 financeiramente restritas.
Finalmente, no que compete ao acesso à emissão de títulos, foi utilizada uma derivação da
abordagem de Calomiris, Himmelberg e Wachtel (1994) e Gilchrist e Himmelberg (1995)
para determinar se uma firma possui acesso ou não a este mercado. Estes autores se
beneficiam da maturidade do mercado norte-americano e utilizam informações de domínio
28
público a respeito da graduação dos títulos das empresas que o compõem além do acesso a
outros títulos negociados, como os commercial papers. A proposta aqui é classificar firmas
que fazem uso da emissão de títulos como sendo não financeiramente restritas e vice-versa.
Esta hipótese baseia-se na premissa de que, para utilizar tal forma de financiamento, a firma
deva atender uma série de requisitos impostos pelo mercado a fim de garantir a liquidez dos
títulos emitidos. Aplicando este critério, a base de dados apresentou 94 empresas não restritas
e 74 restritas.
A proposta original do trabalho iria utilizar um quarto critério de seleção: o acesso ao crédito
de baixo custo fomentado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento, o BNDES. Esta
abordagem seria derivada do trabalho publicado por Hoshi, Kashyap e Scharfstein (1991) que
investiga o investimento fixo de firmas japonesas pertencentes ou não a grandes
conglomerados corporativos como fonte de acesso ao crédito de baixo custo. Devido ao
número reduzido de informações de domínio público a respeito da existência de concessão de
crédito do BNDES junto às firmas analisadas (comparativamente aos outros critérios), optou-
se por utilizar tal critério de seleção como o principal de teste de robustez do modelo
analisado posteriormente.
3.2 NOVA ABORDAGEM PARA A SELEÇÃO AMOSTRAL: A INTERSEÇÃO DOS PRINCIPAIS CRITÉRIOS UTILIZADOS NA LITERATURA
Em virtude da polêmica provocada pela subjetividade das premissas escolhidas a priori para
determinar o grau de restrição financeira de uma firma, a sugestão aqui é investigar o
comportamento do investimento em diferentes conjuntos de dados que satisfaçam a um ou
mais dos critérios de seleção definidos anteriormente.
29
A hipótese em questão pode ser mais bem explicada da seguinte forma: uma firma
classificada como pequena, que nunca distribuiu mais do que 10% de seus lucros em forma de
dividendos em toda a sua história e que nunca emitiu títulos pertenceria, com maior nível de
confiança, à categoria “financeiramente restrita” do que firmas que satisfaçam a apenas um
dos critérios de seleção. O objetivo neste sentido é investigar a validade da hipótese na qual o
investimento das firmas consideradas mais financeiramente restritas seria mais bem explicado
pelo financiamento próprio (através do fluxo de caixa) do que por recursos de terceiros.
Sendo assim, o modelo empírico utilizado no trabalho (desenvolvido na próxima seção) será
testado sobre conjuntos amostrais de firmas que satisfaçam: i) apenas um dos critérios
selecionados; ii) a dois dos critérios selecionados; iii) à totalidade dos critérios selecionados.
Para facilitar o entendimento, firmas classificadas por apenas um critério de seleção serão
chamadas de Grupo 1. Firmas classificadas por dois critérios de seleção serão chamadas de
Grupo 2 e firmas que satisfaçam simultaneamente os três critérios de seleção serão
classificadas como Grupo 3.
Tabela 1 - Firmas que compõem as categorias “financeiramente restritas” e “não financeiramente restritas” para os três grupos de empresas construídos
O critério de seleção foi elaborado a partir de três critérios amplamente utilizados pela literatura: “tamanho”, “taxa de distribuição de dividendos” e “acesso ao mercado de emissão de títulos”. Depois da exclusão dos outliers a amostra conteve 168 empresas. Firmas que satisfazem um, dois e a três dos critérios foram classificadas respectivamente como Grupos 1, 2 e 3. Para associar o nível de restrição financeira ao tamanho das firmas considerou-se “restritas” as firmas abaixo do percentil 30% da distribuição do ativo total. Firmas com ativo total acima do percentil 70% da distribuição foram classificadas como “não restritas”. Firmas que nunca pagaram mais do que 10% de lucros na forma de dividendos são consideradas financeiramente restritas (FHP, 1988). Com relação ao acesso ao mercado de títulos, firmas que emitiram títulos privados pelo menos uma vez no período compreendido pela amostra foram consideradas “não restritas”.
Grupo Critérios utilizados Financeiramente
Restritas Não Financeiramente
Restritas N N
1 Tamanho 29 36 Distribuição de Dividendos 17 151 Emissão de Títulos 74 94
2 Tamanho / Distribuição de Dividendos 9 36
3 Tamanho / Distribuição de Dividendos / Emissão de Títulos
6 30
30
3.3 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS
Nesta seção serão apresentadas estatísticas descritivas e características financeiras das firmas
que compõem as bases de dados construídas.
Tabela 2 – Relação (Financiamento de Curto Prazo) / (Ativo Total) e (Receita Operacional) / (Ativo Total) das bases de dados construídas
A partir de uma amostra de 168 empresas brasileiras de capital aberto com dados completos entre os anos de 1999 e 2009 foram construídos três grupos de dados contendo firmas classificadas como financeiramente restritas ou não de acordo com três de alguns dos critérios de seleção mais utilizados na literatura. Foram selecionados os critérios “tamanho”, “taxa de distribuição de dividendos” e “acesso ao mercado de emissão de títulos”. Firmas que satisfazem a apenas um dos critérios de seleção foram classificados como Grupo 1. Firmas que satisfazem a dois dos critérios utilizados compõem o Grupo 2. Firmas que satisfazem os três critérios de seleção compõem o Grupo 3. Para associar o nível de restrição financeira ao tamanho das firmas considerou-se “restritas” as firmas abaixo do percentil 30% da distribuição do ativo total. Firmas com ativo total acima do percentil 70% da distribuição foram classificadas como “não restritas”. A taxa de distribuição de dividendos assumiu a proposta de FHP (1988) a qual sugere que firmas que nunca pagaram mais do que 10% de lucros na forma de dividendos são consideradas financeiramente restritas. Com relação ao acesso ao mercado de títulos, firmas que emitiram títulos privados pelo menos uma vez no período compreendido pela amostra foram consideradas “não restritas”. A construção das relações “Financiamento de Curto Prazo/ Ativo Total” e “Receita Operacional / Ativo Total” para os três grupos de dados construídos revela diferenças nos padrões financeiros das firmas classificadas quanto à restrição financeira. A participação do financiamento de curto prazo em empresas financeiramente restritas é significativamente maior do que nas demais.
Grupo Critérios utilizados
Financeiramente Restritas Não Financeiramente Restritas
N
Financ. CP
Receita Operacional
N
Financ. CP
Receita Operacional
Ativo Total
Ativo Total Ativo Total
Ativo Total
1
Tamanho 29 22,61% 17,71% 36 6,97% 10,08%
Distribuição de Dividendos
17 30,81% 13,62% 151 7,40% 12,19%
Emissão de Títulos 74 8,93% 15,53% 94 9,86% 10,07%
2 Tamanho / Distribuição de Dividendos
9 50,40% 15,52% 36 6,97% 10,08%
3 Tamanho / Distribuição de Dividendos / Emissão de Títulos
6 50,86% 11,55% 30 10,57% 7,48%
Nitidamente é possível perceber uma grande diferença entre a parcela de participação do
endividamento de curto prazo entre os três grupos. A maior parcela de endividamento de curto
prazo para a categoria financeiramente restrita do Grupo 3 sugere que as firmas que compõem
este grupo realmente possuam menos acesso a financiamentos mais longos. Esta restrição
31
seria explicada por maiores custos de agência e assimetria de informação que inviabilizariam
a captação de crédito de terceiros de longo prazo. Do ponto de vista da instituição
financiadora, a não concessão de empréstimos de longa duração poderia ser explicada por
questões como baixa liquidez da firma e risco de falência.
O percentual relativo entre a receita operacional e o ativo total para as firmas financeiramente
restritas poderia ser explicado por dois motivos. O primeiro seria pelo valor absoluto do ativo
total que é muito maior para empresas não financeiramente restritas (grandes empresas
segundo o critério de tamanho). O segundo motivo seria pela maior capacidade de geração de
receita de empresas menores, mais ágeis e em processo de amadurecimento.
Tabela 3 - Parâmetros da distribuição estatística das características financeiras do Grupo 3
A partir de uma amostra de 168 empresas brasileiras de capital aberto com dados completos entre os anos de 1999 e 2009 foram construídos três grupos de dados contendo firmas classificadas como financeiramente restritas ou não de acordo com três de alguns dos critérios de seleção mais utilizados na literatura. Foram selecionados os critérios “tamanho”, “taxa de distribuição de dividendos” e “acesso ao mercado de emissão de títulos”. Firmas que satisfazem a apenas um dos critérios de seleção foram classificados como Grupo 1. Firmas que satisfazem a dois dos critérios utilizados compõem o Grupo 2. Firmas que satisfazem os três critérios de seleção compõem o Grupo 3. Para associar o nível de restrição financeira ao tamanho das firmas considerou-se “restritas” as firmas abaixo do percentil 30% da distribuição do ativo total. Firmas com ativo total acima do percentil 70% da distribuição foram classificadas como “não restritas”. A taxa de distribuição de dividendos assumiu a proposta de FHP (1988) a qual sugere que firmas que nunca pagaram mais do que 10% de lucros na forma de dividendos são consideradas financeiramente restritas. Com relação ao acesso ao mercado de títulos, firmas que emitiram títulos privados pelo menos uma vez no período compreendido pela amostra foram consideradas “não restritas”. A tabela abaixo apresenta os parâmetros média e desvio padrão das distribuições resultantes de características financeiras do Grupo 3. Este grupo contém firmas que satisfazem, ao mesmo tempo, os critérios de tamanho, taxa de distribuição de dividendos e acesso ao mercado de títulos para as categorias financeiramente restritas ou não. Os valores apresentados revelam diferenças entre as distribuições estatísticas das firmas classificadas quanto à restrição financeira.
Grupo Características Financeiras Financeiramente Restritas Não Financeiramente Restritas Média Desvio Padrão Média Desvio Padrão
3
Ln(Ativo Total) 10,19 1,41 16,29 1,13
Receita Operacional / Ativo Total
11,55% 17,61% 7,48% 9,81%
Despesas financeiras / Ativo Total
9,69% 24,80% 1,50% 2,48%
Dívida de curto prazo / Ativo Total
50,86% 177,45% 10,57% 7,56%
32
Os valores apresentados apontam diferenças significativas entre os parâmetros das
distribuições estatísticas das categorias divididas pelos critérios selecionados (tamanho,
distribuição de dividendos e acesso à emissão de títulos). Estas diferenças sugerem que as
premissas utilizadas para separação das firmas de acordo com cada critério de seleção seriam
satisfatórias e garantiriam bom nível de confiança quanto à representatividade da base.
Tabela 4 - Testes da média para firmas classificadas quanto à restrição financeira no Grupo 3
A partir de uma amostra de 168 empresas brasileiras de capital aberto com dados completos entre os anos de 1999 e 2009 foram construídos três grupos de dados contendo firmas classificadas como financeiramente restritas ou não de acordo com três de alguns dos critérios de seleção mais utilizados na literatura. Foram selecionados os critérios “tamanho”, “taxa de distribuição de dividendos” e “acesso ao mercado de emissão de títulos”. Firmas que satisfazem a apenas um dos critérios de seleção foram classificados como Grupo 1. Firmas que satisfazem a dois dos critérios utilizados compõem o Grupo 2. Firmas que satisfazem os três critérios de seleção compõem o Grupo 3. Para associar o nível de restrição financeira ao tamanho das firmas considerou-se “restritas” as firmas abaixo do percentil 30% da distribuição do ativo total. Firmas com ativo total acima do percentil 70% da distribuição foram classificadas como “não restritas”. A taxa de distribuição de dividendos assumiu a proposta de FHP (1988) a qual sugere que firmas que nunca pagaram mais do que 10% de lucros na forma de dividendos são consideradas financeiramente restritas. Com relação ao acesso ao mercado de títulos, firmas que emitiram títulos privados pelo menos uma vez no período compreendido pela amostra foram consideradas “não restritas”. A tabela abaixo mostra os resultados dos testes da média para as distribuições estatísticas de algumas características financeiras das firmas que compõem o Grupo 3. Observa-se que a hipótese de igualdade de médias é fortemente rejeitada para todas as variáveis financeiras analisadas.
Características Financeiras
Teste da Média
Ln (Ativo Total) 102,8
(0,000)
Ln (Receita Operacional Líquida)
36,8
(0,000)
Ln (Dívida de Curto Prazo)
17,6
(0,000)
Ln (Imobilizado) 33,1
(0,000)
Os resultados observados nos testes acima sugerem que a hipótese de igualdade entre médias
é fortemente rejeitada para todas as variáveis financeiras utilizadas.
33
4 ANÁLISE EMPÍRICA
4.1 MODELO EMPÍRICO
A análise empírica do trabalho utilizou a técnica da regressão de dados em painel. Foram
utilizadas informações contidas nos relatórios financeiros trimestrais de empresas brasileiras
listadas na Bolsa de Valores de São Paulo entre os anos de 1986 e 2009 extraídos da base de
dados ECONOMÁTICA.
A metodologia empírica baseou-se no trabalho de FHP (1988) que testa a sensibilidade do
investimento de uma firma às variações no seu fluxo de caixa e ao Q de Tobin procurando
demonstrar a correlação entre o investimento e a hipótese das restrições financeiras no acesso
ao crédito em mercados imperfeitos. Esta hipótese sugere que dificuldades de obtenção de
crédito de terceiros criaria uma hierarquia de capital onde as firmas naturalmente escolheriam
inicialmente as fontes de recursos mais baratas.
� ����� � � � · �� � · ���� ��� � · �
��� ��� · ��� ��� ���
(2)
No modelo acima, Iit corresponde ao investimento em ativos fixos da firma i no período t, Kit
ao estoque de capital da firma (ativo total), Qit ao Q de Tobin e FCit ao fluxo de caixa. A fim
34
de evidenciar a influência da variável fluxo de caixa sobre o investimento das firmas, foi
incluído no modelo adaptado para restrições financeiras uma variável dummy FRi
(Financeiramente Restrita) para diferenciar as firmas, atribuindo “1” para as financeiramente
restritas e “0” caso contrário. Em seguida, �� corresponde à componente relativa aos efeitos
fixos do modelo e ��� ao termo de erro, com E[���] = 0 e Var[���] = σ2.
O objetivo é investigar a relevância estatística dos coeficientes �, � e � na explicação do
investimento de uma empresa. Um � positivo e próximo de 1 (hum) indicaria uma tendência
da explicação do investimento pela teoria neoclássica (representada pelo Q de Tobin) onde as
oportunidades de investimento são percebidas pelo mercado e diretamente refletidas no valor
do preço dos ativos. Da mesma forma, um � positivo e tendendo a 1 (hum) (para todas as
firmas contidas no conjunto de dados, sejam elas financeiramente restritas ou não) rejeitaria a
hipótese de que restrições financeiras comprometem a capacidade de captação de recursos das
firmas, tornando-as dependentes de capital próprio para financiamento de projetos
(representado por FC/K). Finalmente, � positivo e próximo de 1 (hum) (apenas para firmas
classificadas como financeiramente restritas) fortaleceria a hipótese das restrições financeiras
como empecilho à captação de recursos externos por parte das firmas.
A estimação foi realizada utilizando o método dos mínimos quadrados ordinários (OLS)
controlando para efeitos fixos das firmas, apropriado quando as variáveis dependentes são
caracterizadas como não-aleatórias.
4.2 OPERACIONALIZAÇÃO DAS VARIÁVEIS
O cálculo do Q de Tobin foi realizado conforme convenção proposta por FHP (1988 p.194).
Nela, o Q de Tobin foi calculado da seguinte forma:
35
� �� � � ��� (3)
V, B e N correspondem respectivamente aos valores de mercado das ações da firma, da dívida
e dos estoques, no início do período em questão. É importante enfatizar a crítica a respeito da
eficiência do Q de Tobin médio como proxy para o Q marginal na captura de oportunidades
de crescimento6.
A variável fluxo de caixa (FC) por sua vez foi calculada como a soma da receita líquida da
firma (após juros e impostos) e todas as deduções não financeiras incidentes sobre a receita,
como depreciações e amortizações.
4.3 RESULTADOS
Após a definição dos critérios de seleção e construção da base dados, foram iniciadas as
regressões sobre o modelo empírico descrito na seção anterior. A Tabela 5 apresenta o resumo
dos resultados obtidos.
Tabela 5 - Análise de painel desbalanceado para os Grupos 1, 2 e 3.
Foram construídos três grupos de firmas conforme o critério de seleção proposto. Firmas do Grupo 1 são aquelas que satisfazem apenas um dos critérios de seleção utilizados (tamanho, dividendos e acesso ao mercado de títulos). Firmas Grupo 2 compõem o conjunto interseção das firmas que satisfazem dois dos critérios acima. O Grupo 3 contem o conjunto interseção das firmas que satisfazem os três critérios utilizados. Aplicou-se o modelo de investimento adaptado para restrições financeiras aos três grupos de firmas utilizando a técnica de regressão de dados em painel controlando para efeitos fixos. Neste modelo, procura-se explicar o investimento I de uma firma através do Q de Tobin (representante da teoria neoclássica no qual todas as oportunidades de investimento de uma firma seriam automaticamente identificadas por um mercado eficiente e refletidas em seu valor de mercado) e de seu fluxo de caixa (proposta para modelo adaptado de FHP(1988) na qual a existência de imperfeições de mercado motivadas por problemas de agência e assimetria de informação proporcionaria um desnível entre o custo de captação de recursos originando assim uma hierarquia de capital na qual as firmas escolheriam primeiramente recursos próprios – menos custosos e mais acessíveis - para financiamento de investimentos). A coluna N mostra a quantidade total de firmas que compõem cada grupo. A coluna Q apresenta o coeficiente da regressão e o p-valor para o Q de Tobin. A coluna FC apresenta o coeficiente do fluxo de caixa para a totalidade de firmas de cada grupo e seu p-valor. A coluna FC*FR destaca a relevância do fluxo de caixa
6 Hubbard (1998, p.27) discute os principais problemas de utilizar o Q de Tobin médio como proxy para o Q marginal, o construto teórico da escola neoclássica.
36
na explicação do investimento para empresas financeiramente restritas. A coluna R2 apresenta o coeficiente de determinação do modelo para os grupos testados. Grupo Critérios N Q FC FC*FR R2
1
Tamanho 65 -0.0059 (0.0000)
-0.6553 (0.0000)
0.6135 (0.0000)
0.7791
Distribuição de Dividendos 168 -0.0098 (0.0000)
-0.0301 (0.0201)
0.0359 (0.1457)
0.6930
Emissão de Títulos
168 -0.0094 (0.0000)
-0.0461 (0.0110)
0.0420 (0.0664)
0.6923
2 Tamanho / Distribuição de Dividendos
45 -0.0060 (0.0001)
-0.6551 (0.0000)
0.6485 (0.0000)
0.6805
3 Tamanho / Distribuição de Dividendos / Emissão de Títulos
36 -0.0056 (0.0004)
-0.6162 (0.0000)
0.6258 (0.0000)
0.6329
Os resultados empíricos mostram participação significativa do fluxo de caixa na explicação
do investimento para empresas financeiramente restritas. À exceção das regressões Grupo 1 –
Distribuição de Dividendos e Grupo 1 – Emissão de Títulos, todas as outras simulações
apontaram relevância estatística no nível de confiança de 95%. Não foi detectado, porém,
nenhum comportamento crescente e linear sobre os valores dos coeficientes FC*FR do Grupo
1 para o Grupo 3 à medida em que são incluídos critérios de seleção no conjunto interseção da
categoria financeiramente restrita. Tal comportamento poderia sugerir que, à medida que são
incluídos novos critérios na interseção, as firmas que os satisfizessem tornar-se-iam mais
financeiramente restritas.
Em contrapartida, o fluxo de caixa, quando utilizado para todo o conjunto da amostra (sendo
este composto em sua grande maioria por empresas não restritas) é significativo no nível de
confiança 95%, porém pouco explica o investimento. Esta descoberta está em linha com a
teoria proposta por FHP de que empresas não restritas dependem menos do financiamento
próprio para alavancarem seus projetos. Os resultados ainda apontam a baixa relevância do Q
de Tobin na explicação do investimento. Este resultado pode ser explicado pelo problema da
representatividade do Q médio como proxy para o Q marginal; pela dificuldade na construção
37
Q de Tobin para o cenário brasileiro (Esteves e Ness, 2000, p.9); ou pela própria ineficiência
do mercado nacional, fato este que corroboraria os resultados acima apresentados.
Em seguida, investigou-se a influência de crises econômicas sobre as restrições financeiras no
acesso ao crédito. Esta hipótese sugere que choques econômicos sobre o ciclo de negócios de
um país seriam amplificados em função de piores condições do mercado de crédito. Estas
condições adversas seriam motivadas, por sua vez, por problemas de agência e proporcionais
à ineficiência do mercado local.
Para o teste, foi incluída no modelo original a variável dummy CRISES. A esta variável
atribuiu-se o valor “1” em todos os períodos nos quais o país atravessou alguma crise
política/econômica ou evento significativo na economia do país que tenha sido de proporções
relevantes no que compete ao desenvolvimento da atividade industrial. Resumidamente, os
eventos incluídos na dummy foram: Plano Collor (1990), Plano Real (1994), crise do México
(1995), crise dos Tigres Asiáticos (1997), crise da Rússia (1998), crise cambial (1999), crise
das eleições presidenciais (2002) e a crise dos EUA (2008). O modelo resultante
compreendendo a dummy proposta foi:
� ����� � � � · �� � · ���� ��� � · �
��� ��� · ��� � · �
��� ��� · ������� ��� ���
(4)
Neste modelo, a variável Iit novamente representa o investimento da firma i no período t. Kit
representa a variável estoque de capital (ativo total), Qit o Q de Tobin, FC o fluxo de caixa da
firma, FRi a variável dummy da firma i para identificar a mesma quanto à restrição financeira
segundo os critérios de seleção (“1” para financeiramente restrita e “0” caso contrário).
CRISESt corresponde à variável dummy inserida para capturar o efeito de crises econômicas
38
sobre o investimento das firmas, ait ao termo de efeitos fixos das firmas e εit ao termo de erro
com E[���] = 0 e Var[���] = σ2.
É importante enfatizar que a dummy CRISES não multiplica a dummy FR. Desta forma,
procura-se observar a influência das crises econômicas sobre o investimento das firmas de
modo geral. A Tabela 6 resume os resultados obtidos na análise do painel para os três grupos
de firmas.
Tabela 6 - Análise do painel para o modelo de investimento adaptado para restrições financeiras incluindo variável dummy para capturar o efeito de crises econômicas sobre as restrições no acesso ao crédito
Foram construídos três grupos de firmas conforme o critério de seleção proposto. Firmas do Grupo 1 satisfazem apenas um dos critérios de seleção utilizados. Firmas Grupo 2 compõem o conjunto interseção das firmas que satisfazem dois dos critérios acima. O Grupo 3 contem o conjunto interseção das firmas que satisfazem os três critérios utilizados. Aplicou-se o modelo de investimento adaptado para restrições financeiras aos três grupos de firmas utilizando a técnica de regressão de dados em painel controlando para efeitos fixos. Neste modelo, procura-se explicar o investimento I de uma firma através do Q de Tobin (representante da teoria neoclássica no qual todas as oportunidades de investimento de uma firma seriam automaticamente identificadas por um mercado eficiente e refletidas em seu valor de mercado) e de seu fluxo de caixa (proposta para modelo adaptado de FHP(1988) na qual a existência de imperfeições de mercado motivadas por problemas de agência e assimetria de informação proporcionaria um desnível entre o custo de captação de recursos originando assim uma hierarquia de capital na qual as firmas escolheriam primeiramente recursos próprios – menos custosos e mais acessíveis - para financiamento de investimentos). Nesta simulação, foi incluída uma variável dummy CRISES para capturar o efeito de crises econômicas ocorridas nos últimos 20 anos que impactaram significativamente o ciclo econômico do país. A coluna N mostra a quantidade total de firmas que compõem cada grupo. A coluna Q apresenta o coeficiente da regressão e o p-valor para o Q de Tobin. A coluna FC apresenta o coeficiente do fluxo de caixa para a totalidade de firmas de cada grupo e seu p-valor. A coluna FC*FR destaca a relevância do fluxo de caixa na explicação do investimento para empresas financeiramente restritas. A coluna FC*CRISES revela a influência do investimento próprio em períodos de contração econômica quando a restrição ao crédito é mais pronunciada. A coluna R2 apresenta o coeficiente de determinação do modelo para os grupos testados. Grupo Critérios N Q FC FC*FR FC*CRISES R2
1
Tamanho 65 -0.0058 (0.0000)
-0.6660 (0.0000)
0.6166 (0.0000)
0.0289 (0.3309)
0.7792
Distribuição de Dividendos 169 -0.0093 (0.0000)
-0.1307 (0.0000)
0.1281 (0.0000)
0.1486 (0.0000)
0.6941
Emissão de Títulos
168 -0.0089 (0.0000)
-0.0944 (0.0000)
0.0445 (0.0517)
0.0922 (0.0000)
0.6929
2 Tamanho / Distribuição de Dividendos
45 -0.0058 (0.0001)
-0.7376 (0.0000)
0.7304 (0.0000)
0.2270 (0.0040)
0.6816
3 Tamanho / Distribuição de Dividendos / Emissão de Títulos
36 -0.0054 (0.0005)
-0.7367 (0.0000)
0.7459 (0.0000)
0.3427 (0.0003)
0.6352
39
Os resultados confirmam os testes realizados anteriormente no que diz respeito à dependência
do fluxo de caixa na explicação do investimento para as firmas financeiramente restritas.
Além disso, revelam novas evidências a respeito da restrição ao crédito para financiamento de
investimentos em períodos de contração econômica. Este fato pode ser comprovado
contrastando os coeficientes obtidos para os regressores FC e FC*CRISES. Os anos que
compreendem a totalidade da amostra (1986 a 2009) revelam pouca relevância do fluxo de
caixa na explicação do investimento das firmas de modo geral. No entanto, os anos
evidenciados pelas crises selecionadas (FC*CRISES) mostram relevância significativa do
financiamento próprio na explicação do investimento para todas as firmas da base de dados,
sejam elas financeiramente restritas ou não. Este resultado sugere que, em períodos de crises
econômicas, a amplificação de choques macroeconômicos tende a restringir de forma geral o
mercado de crédito. Esta restrição seria explicada fundamentalmente pelo aumento do prêmio
cobrado pelas instituições financiadoras pela decisão de assumir riscos em períodos de
turbulência econômica. Em tais períodos, os custos de agência são igualmente amplificados
pelo aumento dos encargos cobrados sobre a exposição ao risco. Nesta linha, Bernanke,
Gertler e Gilchrist (1996)7 resumidamente chamam de “flight to quality” a seleção mais
criteriosa de firmas classificadas como “não restritas” para concessão de crédito em períodos
onde a atividade econômica de um país é afetada por choques macroeconômicos.
4.4 TESTES DE ROBUSTEZ
Os principais testes de robustez realizados utilizam a associação de firmas brasileiras com o
Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) como proxy para uma fonte de financiamento
de baixo custo. Conforme abordado na introdução do trabalho, a idéia original era incluir esta
variável como mais um critério de seleção de acordo com a proposta de Hoshy, Kashyap e
7 (Bernanke, Gertler e Gilchrist, 1996, pág. 6)
40
Scharfstein (1991). Porém, em função de informações reduzidas a respeito da participação do
Banco sobre o financiamento das firmas componentes da amostra (comparadas às outras
informações extraídas do ECONOMÁTICA), optamos por utilizá-la nos testes de
comprovação de resultados. A principal fonte de consulta foi a página do BNDES na internet
onde são disponibilizados registros das operações do Banco de 2008 em diante. As empresas
não listadas nesta relação durante este período foram pesquisadas diretamente na internet ou
em relatórios financeiros à procura de informações que comprovassem vínculos com linhas de
crédito concedidas pelo Banco.
Sendo assim, foram realizados três testes de robustez utilizando o grau de associação com o
Banco. Primeiramente, a variável “associação ao BNDES” foi adicionada como um quarto
critério de seleção aos três previamente escolhidos (Tamanho, Dividendos e Emissão de
Títulos). Devido ao número reduzido de informações a respeito desta associação, o número de
firmas que atendem os quatro critérios de seleção para a categoria “financeiramente restritas”
diminuiu para três. À sub-base construída a partir da inclusão do critério de associação ao
BNDES chamou-se Grupo 4.
Tabela 7 - Resultados da regressão adicionando a associação ao BNDES como quarto critério de seleção
O primeiro teste de robustez consistiu na inclusão do critério de seleção “associação ao BNDES”. Às firmas componentes do conjunto interseção dos quatro critérios utilizados deu-se o nome de Grupo 4. Aplicou-se o modelo de investimento adaptado para restrições financeiras a este grupo utilizando a técnica de regressão de dados em painel controlando para efeitos fixos. Neste modelo, procura-se explicar o investimento I de uma firma através do Q de Tobin e de seu fluxo de caixa (FHP,1988). A coluna N mostra a quantidade de firmas que compõem o Grupo 4 para as categorias financeiramente restritas ou não. A coluna Q apresenta o coeficiente da regressão e o p-valor para o Q de Tobin. A coluna FC apresenta o coeficiente do fluxo de caixa para as 23 firmas do grupo e seu p-valor. A coluna FC*FR destaca a importância do fluxo de caixa na explicação do investimento para empresas financeiramente restritas. A coluna R2 apresenta o coeficiente de determinação do modelo para os grupos testados.
Grupo Critérios N
Q FC FC*FR R2 FC NFC
4 Tamanho / Distribuição de Dividendos / Emissão de Títulos / Associação ao BNDES
3 20 -0.0836 (0.0000)
-0.3169 (0.0012)
0.2484 (0.0756)
0.6406
41
Os resultados apontam que firmas financeiramente restritas do Grupo 3 e que não possuem
acesso ao crédito de baixo custo concedido pelo BNDES dependem de recursos próprios para
financiamento de seus investimentos. Embora não seja estatisticamente significativo no nível
de confiança de 95%, o resultado sugere influência do Banco como fonte de liquidez das
empresas que o têm como associado.
No segundo teste de robustez, aplicou-se o modelo empírico original (2) apenas sobre o
conjunto de firmas comprovadamente associadas ou não BNDES. Em outras palavras, foi
mantida a associação ao Banco como um critério de seleção e incluído este conjunto de firmas
ao Grupo 1 (firmas financeiramente restritas por apenas um critério de seleção).
Tabela 8 - Resultados da regressão do modelo empírico sobre o grupo de firmas comprovadamente associadas ao BNDES
Este teste incluiu o critério de seleção “associação ao BNDES” ao Grupo 1 (firmas que satisfazem apenas um critério de seleção). Aplicou-se o modelo de investimento adaptado para restrições financeiras a este grupo utilizando a técnica de regressão de dados em painel controlando para efeitos fixos de acordo com (2). Neste modelo, procura-se explicar o investimento I de uma firma através do Q de Tobin (representante da teoria neoclássica no qual todas as oportunidades de investimento de uma firma seriam automaticamente identificadas por um mercado eficiente e refletidas em seu valor de mercado) e de seu fluxo de caixa (proposta para modelo adaptado de FHP(1988) na qual a existência de imperfeições de mercado motivadas por problemas de agência e assimetria de informação proporcionaria um desnível entre o custo de captação de recursos originando assim uma hierarquia de capital na qual as firmas escolheriam primeiramente recursos próprios – menos custosos e mais acessíveis - para financiamento de investimentos). A coluna N apresenta as quantidades que compõem o grupo de firmas comprovadamente associadas ao BNDES ou não. A coluna Q apresenta o coeficiente da regressão e o p-valor para o Q de Tobin. A coluna FC apresenta o coeficiente do fluxo de caixa para as 61 firmas do grupo e seu p-valor. A coluna FC*FR destaca a importância do fluxo de caixa na explicação do investimento apenas para firmas financeiramente restritas. A coluna R2 apresenta o coeficiente de determinação do modelo para os grupos testados.
Grupo Critérios N
Q FC FC*FR R2 FC NFC
1 Associação ao BNDES 30 31 -0.0360 (0.0000)
-0.4875 (0.0000)
0.2995 (0.0001)
0.8248
Os resultados da regressão sobre o grupo de firmas associadas ou não ao BNDES corroboram
os resultados do primeiro teste de robustez. Neles, firmas que não possuem acesso às linhas de
crédito de baixo custo junto ao Banco dependem significativamente de recursos próprios para
alavancarem seus projetos.
42
O terceiro teste de robustez considerou a associação ao BNDES como uma variável dummy e
não mais como um critério de seleção. Sendo assim, foram efetuadas regressões sobre os
Grupos 1, 2 e 3 descritos anteriormente com a dummy original FR (Financeiramente Restrita)
substituída por uma dummy BNDES representando a associação ao Banco. Desta forma,
empresas comprovadamente não associadas ao Banco receberam o valor “1” (financeiramente
restritas quanto ao grau de proximidade ao BNDES) e todas as outras - associadas ao Banco
ou mesmo aquelas em que não foram encontradas evidências sobre esta associação –
receberam “0”. Esta abordagem faz sentido a partir do momento em que é interessante olhar
apenas para firmas que seguramente não possuem vínculo ao Banco.
� ����� � � � · �� � · ���� ��� � · ���� · �� ��� ��� ���
(5)
Tabela 9 - Resultados do terceiro teste de robustez substituindo a dummy original FR em (2) pela dummy BNDES como proxy para firmas financeiramente restritas
Este teste incluiu a variável dummy BNDES como proxy para restrições financeiras substituindo a dummy FR proposta em (2). Firmas comprovadamente não associadas ao Banco receberam o valor “1”. Todas as outras firmas – comprovadamente associadas ou cuja informação não foi encontrada – receberam o valor “0”. Aplicou-se o modelo de investimento adaptado para restrições financeiras aos três grupos de firmas construídos anteriormente utilizando a técnica de regressão de dados em painel controlando para efeitos fixos. Firmas do Grupo 1 são aquelas que satisfazem apenas um dos critérios de seleção utilizados (tamanho, dividendos e acesso ao mercado de títulos). Firmas Grupo 2 compõem o conjunto interseção das firmas que satisfazem dois dos critérios acima. O Grupo 3 contem o conjunto interseção das firmas que satisfazem os três critérios utilizados. Neste modelo, procura-se explicar o investimento I de uma firma através do Q de Tobin e de seu fluxo de caixa (FHP,1988). A coluna N apresenta a totalidade de firmas que compõem os Grupos 1, 2 e 3. A coluna Q apresenta o coeficiente da regressão e o p-valor para o Q de Tobin. A coluna FC apresenta o coeficiente do fluxo de caixa ao longo das regressões para os três grupos bem como seu p-valor. A coluna FC*FR destaca a importância do fluxo de caixa na explicação do investimento apenas para firmas financeiramente restritas através da associação ao BNDES. A coluna R2 apresenta o coeficiente de determinação do modelo para os grupos testados. Grupo Critérios N Q FC FC*BNDES R2
1
Tamanho 65 -0.0063 (0.0000)
-0.6709 (0.0000)
0.6164 (0.0000)
0.7768
Distribuição de Dividendos 168 -0.0092 (0.0000)
-0.3953 (0.0000)
0.3848 (0.0000)
0.6938
Emissão de Títulos
168 -0.0088 (0.0000)
-0.5878 (0.0000)
0.5773 (0.0000)
0.6935
2 Tamanho / Distribuição de Dividendos
45 -0.0063 (0.0000)
-0.7004 (0.0000)
0.6701 (0.0000)
0.6750
3 Tamanho / Distribuição de Dividendos / Emissão de Títulos
36 -0.0054 (0.0006)
-0.7255 (0.0000)
0.7110 (0.0000)
0.6263
43
Os resultados novamente revelaram a importância do BNDES como fonte de financiamento
de baixo custo para firmas que possuem acesso às suas linhas de crédito. Quando utilizado
como dummy para evidenciar a categoria financeiramente restrita, a associação ao Banco
apresenta resultados estatisticamente significativos na explicação do investimento corporativo
para todos os grupos de firmas analisados.
44
5 CONCLUSÃO
Este trabalho estendeu o tema do investimento corporativo em presença de imperfeições de
mercado aplicando um modelo empírico derivado de FHP (1988) a uma base de dados
trimestral de empresas brasileiras de capital aberto entre os anos de 1986 e 2009. O estudo
analisou os principais trabalhos publicados na literatura e concluiu que a maior parte deles
utiliza algum critério definido a priori para classificar as firmas componentes da base quanto
à restrição financeira. Em meio a uma série de críticas sobre a validade das premissas
utilizadas pelos critérios de seleção, este trabalho sugere que a utilização do conjunto
interseção das firmas que satisfazem os principais critérios propostos pela literatura poderia,
sim, diminuir os supostos vieses de seleção inerentes à escolha de um determinado critério em
detrimento a outro.
Desta forma, foram selecionados três dos principais critérios utilizados em pesquisas
anteriores – tamanho das firmas, taxa de distribuição de dividendos e acesso ao mercado de
emissão de títulos – e construídos conjuntos de dados contendo as firmas que satisfizeram
apenas um, dois ou os três critérios estabelecidos simultaneamente. A estes conjuntos de
dados deu-se o nome de Grupos 1, 2 e 3 respectivamente.
45
A aplicação das regressões em painel a estas sub-bases revelou a importância do fluxo de
caixa na explicação do investimento das firmas classificadas como financeiramente restritas
para os três grupos analisados. As evidências obtidas com as regressões corroboram a
hipótese das restrições financeiras no acesso ao crédito como fator preponderante nas decisões
de investimento das firmas sugerindo a existência de uma hierarquia de capital entre fontes de
recursos de diferentes custos. Neste sentido, firmas classificadas como financeiramente
restritas (nos três grupos analisados) são significativamente dependentes de recursos próprios
para financiarem seus projetos. Esta dependência pelo capital próprio em relação a recursos
de terceiros pode ser explicada por custos adicionais de agência que incidem sobre o risco da
firma encarecendo (e muitas vezes inviabilizando) esta forma de captação de recursos.
O trabalho ainda investigou a influência de crises econômicas sobre a intensidade das
restrições financeiras no acesso ao crédito externo. A hipótese sugere que, em períodos de
crises, exista uma amplificação de choques econômicos com intensidade proporcional à
maturidade dos mercados. Dessa forma, um mercado “mais ineficiente” em relação a outro
reagiria de forma mais violenta no que compete à restrição na concessão de crédito para
financiamento de novos projetos. Estes diferentes níveis de restrição financeira impactariam
direta e diferenciadamente o investimento agregado dos países. Os resultados obtidos com a
inclusão da variável dummy CRISES revelaram que, em períodos de recessão econômica, o
fluxo de caixa explica significativamente e de forma geral (ou seja, para firmas
financeiramente restritas ou não), o investimento em ativos fixos das empresas. Esta
descoberta implica na hipótese de que, no mercado brasileiro, a diminuição nos níveis de
concessão de crédito nos períodos de crises enfrentados pelo país nos últimos 15 anos, afetou
46
de forma geral as empresas utilizadas no trabalho e classificadas quanto aos diferentes níveis
de restrição financeira8.
Para verificar a consistência dos resultados obtidos, foram realizados testes de robustez
analisando a influência do BNDES com relação à ampliação da medida de liquidez para
firmas a ele associadas. Todos os testes realizados comprovaram que o BNDES é uma fonte
de recursos importante no cenário nacional e que diferencia significativamente firmas que
possuem ou não acesso às suas linhas de crédito de baixo custo.
A ineficiência do indicador Q de Tobin na explicação do investimento lança dúvidas sobre a
validade de sua aplicação, amplia a gama de trabalhos que não encontra resultados relevantes
para este indicador e fortalece as críticas a respeito das rigorosas premissas que o sustenta
com destaque para a hipótese dos mercados perfeitos. No entanto, é importante novamente
enfatizar algumas dificuldades encontradas na construção desta variável além de uma intuição
importante derivada dos resultados obtidos. Primeiramente, a falta de algumas informações
financeiras contidas nas bases de dados dificultou a construção de alguns termos necessários
para um cálculo mais fiel do indicador. Além do mais, se faz necessário novamente abordar a
questão do Q de Tobin médio como proxy para o Q marginal.
A principal contribuição dos resultados obtidos com o Q diz respeito à hipótese de que o
mercado brasileiro talvez não seja um ambiente propício à aplicação deste indicador. Esta
hipótese é sustentada pelo fato do Brasil ainda se tratar de um mercado em processo de
maturidade, suscetível a choques econômicos externos e sensível a componentes importantes
das políticas fiscal e monetária, como as altas taxas de juros e carga tributária aplicada pelos
8 Hipótese válida para os critérios de seleção utilizados no trabalho (tamanho das firmas, taxa de distribuição de dividendos e acesso ao mercado de emissão de títulos.
47
últimos governos. Esta hipótese foge do escopo do trabalho atual, porém poderia ser aplicada
em trabalhos futuros que queiram abordar o assunto.
Além da dificuldade na utilização e construção do Q de Tobin, é importante mencionar
também outras limitações percebidas ao longo da elaboração do trabalho. A falta de
informações financeiras completas das empresas que compunham a economia do país no
início da década de 1990 é um fator importante para a confiabilidade dos resultados. De forma
semelhante, a escassez de informações assertivas e completas sobre o acesso das firmas às
linhas de crédito do BNDES compromete a inferência dos resultados relativos ao Banco.
No que se refere às diferenças entre as pesquisas realizadas em diferentes mercados é
importante destacar a política de dividendos no mercado nacional que determina em 25% a
distribuição do lucro para as ações preferenciais e a maior capacidade informativa desta forma
de remuneração no mercado norte-americano. De acordo com Esteves e Ness (2000, p.17)
“em que pesem essas diferenças, bem como as distinções entre os critérios de formação das
amostras, a presente pesquisa confirma para o mercado brasileiro o resultado obtido por
FHP (1988) para o mercado norte-americano.”.
Outra interessante extensão do trabalho seria incluir como critério de seleção, indicadores de
governança corporativa além das classificações atribuídas pela Bovespa (Novo Mercado e
Governança 1 e 2) às firmas que compõem seu mercado. Esta hipótese sugere que firmas que
satisfazem os critérios de aceitação para a obtenção destes selos tenderiam a serem ainda
menos restritas por se tratarem de empresas com alto grau de transparência sobre a divulgação
de resultados e gestão de seus recursos.
48
É importante ainda mencionar que um estudo mais aprofundado da influência do BNDES
como mecanismo de concessão de liquidez às empresas revela-se necessário para
complementação dos resultados aqui obtidos.
49
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGCA, S.; MOZUMDAR, A. The impact of capital market imperfections on investment-cash flow sensitivities. Journal of Banking and Finance, n. 32, 2008. 207-216. AGGARWAL, R.; ZONG, S. The cash flow–investment relationship: International evidence of limited access to external finance. Journal of Multinational Financial Management, n. 16, 2006. 89-104. AKERLOF, G. A. The Market For "Lemons": Quality Uncertainty And The Market Mechanism. Quarterly Journal of Economics, 84, Ago 1970. 488-500. ALLAYANIS, G.; MOZUMDAR, A. The impact of negative cash flow and infuential observations on investment-cash flow sensitivity estimates. Journal of Banking and Finance, n. 28, 2004. 901–930. ASCIOGLU, A.; HEGDE, S. P.; MCDERMOTT, J. B. Information asymmetry and investment–cash flow sensitivity. Journal of Banking and Finance, 2008. 1036–1048. BERNANKE, B.; GERTLER, M.; GILCHRIST, S. The Financial Accelerator And The Flight To Quality. Review of Economics & Statistics, 78, Fev 1996. 1-15. BHADDURI, S. Investment and Capital Market Imperfections: Some Evidence from a Developing Economy, India. Review of Pacific Basin Financial Markets and Policies, 11, n. 3, 2008. 411–428. BHAGAR, S.; MOYENA, N.; SUH, I. Investment and internal funds of distressed firms. Journal of Corporate Finance, 2005. 449–472. BLOCH, C. R&D Investment and Internal Finance: The Cash Flow Effect. Economics of Innovation and New Technology, 14, n. 3, Abril 2005. 213–223. BLUNDELL, R. et al. Investment and Tobin's Q. Journal of Econometrics, v. 51, n. 1, p. 233-257, Jan 1992. BNDES. Consulta às operações diretas com empresas - BNDES. BNDES - O Banco Nacional do Desenvolvimento. Disponivel em:
50
<http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/BNDES_Transparente/Consulta_as_operacoes_do_BNDES/setorprivado.html>. Acesso em: 15 ago. 2010. BOBILLO, A.; SANZ, J.; GAITE, F. Investment Decisions, Liquidity and Institutional Activism: An International Study. Journal of Business Ethics, 87, 2009. 25–40. BOND, S.; MEGHIR, C. Dynamic investment models and the firm's financial policy. Review of Economic Studies, v. 61, n. 207, p. 197-223, Abr 1994. BROWN, J.; PETERSEN, B. Why has the investment-cash flow sensitivity declined so sharply? Rising R&D and equity market developments. Journal of Banking & Finance, 33,2009. 971–984. BROWN, J.; PETERSEN, B. Public entrants, public equity finance and creative destruction. Journal of Banking & Finance, 34, 2010. 1077–1088. CALOMIRIS, C. W.; HIMMELBERG, C. P.; WACHTEL, P. Commercial Paper, Corporate Finance, and the Business Cycle: A Microeconomic Perspective. NBER Working Paper No. W4848, Set 1994. CARPENTER, R. E.; FAZZARI, S. M.; PETERSEN, B. C. Inventory Investment, Internal-Finance Fluctuations, and the Business Cycle. Brookings Papers on Economic Activity, n. 2, p. 75-138, 1994. CHIRINKO, R. S. Business Fixed Investment Spending: Modeling Strategies, Empirical Results, and Policy Implications. Journal of Economic Literature, v. 31, n. 4, p. p1875-1911, 93. CHIRINKO, R. S. Multiple capital inputs, Q, and investment spending. Journal of Economic Dynamics & Control, v. 17, n. 5/6, p. p907, Sep/Nov 93. CHOW, C.; SONG, F.; KIT, W. Investment and the soft budget constraint in China. International Review of Economics and Finance, 19, 2010. 219–227. CLEARY, S. International corporate investment and the relationships between financial constraint measures. Journal of Banking & Finance, 30, 2006. 1559–1580. DASGUPTA, S.; SENGUPTA, K. Corporate liquidity, investment and financial constraints: Implications from a multi-period model. Journal of Financial Intermediation, 16, 2007. 151–174. DEGRYSE, J.; DE JONG, A. Investment and internal finance: Asymmetric information or managerial discretion? Internation Journal of Industrial Organization, 24, 2006. 125–147. ELLIOT, J. W. Theories of Corporate Investment Behavior Revisited. American Economic Review, v. 63, p. 195-207, Março 1973. ESTEVES FILHO, M.; NESS JR., W. L. Restrições Financeiras Aos Investimentos Fixos De Empresas Brasileiras Listadas Em Bolsa De Valores No Período De 1995 A 2003. V
51
Encontro Brasileiro de Finanças. São Paulo: SBFin - Sociedade Brasileira de Finanças. 2005. p. 25. FAMA, E. F.; FRENCH, K. R. Testing Trade-Off and Pecking Order Predictions About Dividends and Debt. Review of Financial Studies, 15, Out 2002. 1-33. FAZZARI, S. M.; HUBBARD, R. G.; PETERSEN, B. C. Financing Constraints and Corporate Investment. Brookings Papers on Economic Activity, 1988. 141-206. FAZZARI, S. M.; PETERSEN, B. C. Working capital and fixed investment: New evidence on financing constraints. RAND Journal of Economics, v. 24, n. 3, p. 328-342, Out 1993. GILCHRIST, S.; HIMMELBERG, C. P. Evidence on the role of cash flow for investment. Journal of Monetary Economics, v. 36, n. 3, p. 541-573, Dez 1995. HAYASHI, F. Tobin's Marginal Q And Average Q: A Neoclassical Interpretation. Econometrica, v. 50, n. 1, p. p213-224, Jan 1982. HOSHI, T.; KASHYAP, A. Corporate Structure, Liquidity And Investment: Evidence From Japanese Industrial Groups. Quarterly Journal of Economics, 106, n. 1, Fev 1991. 33-60. HOSHI, T.; KASHYAP, A.; SCHARFSTEIN, D. Corporate Structure, Liquidity, And Investment: Evidence From Japanese Industrial Groups. Quarterly Journal of Economics, 106, n. 1, Fev 1991. 33-60. HU, X.; SCHIANTARELLI, F. Investment And Capital Market Imperfections: A Switching Regression Approach Using U.S. Firms Panel Data. Review of Economics & Statistics, 80, n. 3, Agosto 1998. 466-480. HUBBARD, R. G. Capital-market imperfections and investment. Journal of Economic Literature, v. 36, n. 1, p. p193-225, Março 1998. JORGENSON, D.; HALL, R. Tax Policy and Investment Behavior. American Economic Review, v. 57, n. 3, p. 391-414, Junho 1967. JORGENSON, D.; SIEBERT, C. A Comparison of Alternative Theories of Corporate Investment Behavior. American Economic Review, v. 58, p. 681-712, Setembro 1968. KAPLAN, S. N.; ZINGALES, L. Do Investment-Cash Flow Sensitivities Provide Useful Measures Of Financing Constraints? Quarterly Journal of Economics, 112, Fev 1997. 169-215. MECKLING, W. H.; JENSEN, M. C. Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. Journal of Financial Economics, 4, n. 3, Outubro 1976. 305-360. MEYER, J.; KUH, E. The Investment Decision: an empirical study. Cambridge: Harvard University Press, 1957.
52
MODIGLIANI, F.; MILLER, M. H. The cost of capital, corporate finance and the theory of investment. The American Economic Review, June 1958. 261-297. MYERS, S. C. The Capital Structure Puzzle. The Journal of Finance, 39, Jul 1984. 575-592. MYERS, S. C.; MAJLUF, N. S. Corporate Financing And Investment Decisions When Firms Have Information That Investors Do Not Have. Journal of Financial Economics, 13, Jun 1984. p187-221. SCHALLER, H. Asymmetric information, liquidity constraints, and Canadian investment. Canadian Journal of Economics, v. 26, n. 3, p. 552-575, 1993. TOBIN, J. A General Equilibrium Approach to Monetary Theory. Journal of Money, Credit, and Banking, v. 1, p. 15–29, 1969. WIKIPEDIA. Deductive reasoning, 26 abr. 2010. Disponivel em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Deductive_reasoning>. Acesso em: 26 abr. 2010. WIKIPEDIA. Neoclassical economics - Wikipedia, the free encyclopedia, 18 abr. 2010. Disponivel em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Neoclassical_economics>. Acesso em: 26 abr. 2010.
53
ANEXO A
É apresentada no Anexo A tabela construída ao longo do estudo da revisão de literatura e que
serviu de base teórica para a formulação da abordagem proposta para o critério de seleção da
amostra.
1
Referência Período Frequência Tamanho (firmas) Fonte Critério de Seleção
Fazzari, Hubbard e Petersen (1988)
1970 - 1984 Anual 421 Value Line Taxa de distribuição de
dividendos
Bernanke, Gertler e Gilchrist (1996)
1977-1994 Trimestral - Quarterly Financial
Reports
Tamanho Acesso ao mercado de
commercial papers Composição da dívida
Esteves e Ness (2003) 1995-2003 Anual 160 Economática, SABE,
CVM e Bovespa
Tamanho Taxa de distribuição de
dividendos Acúmulo de estoques
Níveis de endividamento Nacionalidade
Blundell, Bond, Devereux e Schiantarelli (1992)
1968 - 1986 Anual 532 DataStream International
e London Share Price Database
Segmentos da indústria de manufatura
Bond e Meghir (1994) 1974 - 1986 Anual 626 Datastream International Segmentos da indústria de
manufatura Carpenter, Fazzari e
Petersen (1994) 1982 - 1991 Trimestral - Compustat Tamanho
Hoshi, Kashyap e Scharfstein (1991)
1965 - 1986 Anual 165
Tokyo Stock Exchange Nikkei Financial Data
Tapes Keiretsu no Kenyu
Industrial Groupings in Japan
Associação a grandes conglomerados industriais
japoneses
Fazzari e Petersen (1993) 1970 - 1979 Anual - Value Line Taxa de distribuição de
dividendos
Gilchrist e Himmelberg (1995)
1979 - 1989 Anual 428 Standard & Poor’s
Compustat
Taxa de distribuição de dividendos
Tamanho das firmas Classificação de títulos Acesso ao mercado de
commercial papers
Calomiris, Himmelberg and Wachtel (1994)
1985-1992 Trimestral 326 Standard & Poor’s
Moody’s Compustat
Acesso ao mercado e classificação de títulos
2
Referência Período Frequência Tamanho (firmas) Fonte Critério de Seleção
Kaplan e Zingales (1997) 1970-1984 Anual 49 Compustat Taxa de distribuição de
dividendos Carpenter, Fazzari e
Petersen (1998) 1981-1992 Trimestral - Compustat Tamanho
Hubbard, Kashyap e Whited (1995)
1976 - 1987 Anual 428 Compustat Taxa de distribuição de
dividendos
Huntley Schaller (1993) 1973 - 1986 Anual 212
Laval Database Intercorporate Ownership
Financial Post Annual Corporate DB
Maturidade Concentração de
propriedade Disponibilidade de ativos
colateralizáveis
Raj e Aggarwal (2006) 1997 – 2001 Anual
1464 firmas americanas 387 firmas britânicas 1041 firmas japonesas
180 firmas alemãs
Compustat Global Vantage
Fixed Charge Coverage (EBIT / Despesas
Financeiras + Dividendos Preferenciais) como proxy
para liquidez
Agca e Mozumdar (2008) 1970 - 2001 Anual e Trimestral -
Compustat CRSP
Federal Reserve’s Flow of Funds Account of the
USA I/B/E/S
CDA/Spectrum Investors
Research Responsibility Center
Intervalos de tempo (1979–2001) (1992–1995) (1985–2001) (1990–2001)
Allayanis e Mozumdar (2004)
1977 – 1996 Anual 524 firmas (1977 - 1986) 708 firmas (1987 - 1996)
Compustat Taxa de distribuição de
dividendos Bhagar, Moyena e Suh
(2005) 1979 – 1996 Anual - Compustat
Taxa de distribuição de dividendos
Bhadduri (2008) 1997 - 2004 Anual 576 Capital Line Plus
Segmentos da indústria Maturidade Tamanho
Associação a grandes conglomerados industriais
3
Referência Período Frequência Tamanho (firmas) Fonte Critério de Seleção
Ascioglu, Hegde e Mcdermott (2008)
2000–2003 Anual 509 firmas (2000) 483 firmas (2003)
CRSP NYSE TAQ Compustat
Taxa de distribuição de dividendos
Bloch (2005) 1989–2001 Anual 63 firmas Copenhagen Stock
Exchange
Segmentos da indústria Tamanho
Composição da dívida Investimento em P&D
Bobillo, Sanz e Gaite (2009)
1995–2004 Anual 3535 firmas do Reino
Unido, França, Espanha, Dinamarca e Alemanha
Compustat Amadeus
Bases estatísticas oficiais do Reino Unido, França, Espanha, Dinamarca e
Alemanha
Participação acionária e controle institucional
Brown e Petersen (2009) 1970–2006 Anual 1851 firmas Compustat Maturidade
Brown e Petersen (2010) 1970-2004 Anual 1786 firmas Thompson Financial’s
SDC New Issues database Compustat
Segmentos da indústria de manufatura
Chow, Song e Kit (2010) 1997-2003 Anual 1173 firmas China Stock Market & Accounting Research
(CSMAR)
Participação acionária do Estado Chinês
Cleary (2006) 1987–1997 Anual
4095 firmas dos EUA, Reino Unido, Japão, Alemanha, França, Canadá e Austrália
Global Vantage Tamanho
Taxa de distribuição de dividendos
Degryse e De Jong (2006) 1993-1998 Anual 132 firmas holandesas
Statistics Netherlands Amsterdam Stock
Exchange Het Financieele Dagblad
Yearbook of Dutch Companies
Tamanho Segmento da indústria
Maturidade