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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEBReitora: Ivete Alves do Sacramento; Vice-Reitor: Monsenhor Antônio Raimundo dos AnjosDEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS IDiretora: Ângela Maria Camargo Rodrigues; Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PEC/UNEB – Coordenadora: Jaci Maria Ferraz de MenezesCOMISSÃO DE EDITORAÇÃOEditora Geral: Yara Dulce Bandeira de AtaideEditor Executivo: Jacques Jules SonnevilleEditora Administrativa: Maria Nadja Nunes BittencourtCONSELHO CONSULTIVO: Ângela Maria Camargo Rodrigues (UNEB), Alexandre Tocchetto Pauperio (FAPESB),Edivaldo Machado Boaventura (A Tarde), Jaci Maria Ferraz de Menezes (UNEB), Lourisvaldo Valentim (UNEB),Cesário Francisco das Virgens (UNEB), Marcel Lavallée (Université de Québec), Nadia Hage Fialho (UNEB), RobertE. Verhine (UFBa).

CONSELHO EDITORIAL

Conselheiros nacionaisAdélia Luiza PortelaUniversidade Federal da BahiaCipriano Carlos LuckesiUniversidade Federal da BahiaEdivaldo Machado BoaventuraUniversidade Federal da BahiaJaci Maria Ferraz de MenezesUniversidade do Estado da BahiaJacques Jules SonnevilleUniversidade do Estado da BahiaJoão Wanderley GeraldiUniversidade de CampinasIvete Alves do SacramentoUniversidade do Estado da BahiaJonas de Araújo RomualdoUniversidade de CampinasJosé Carlos Sebe Bom MeihyUniversidade de São PauloJosé Crisóstomo de SouzaUniversidade Federal da BahiaKátia Siqueira de FreitasUniversidade Federal da BahiaMarcos Silva PaláciosUniversidade Federal da BahiaMaria José PalmeiraUniversidade do Estado da Bahia e UniversidadeCatólica de SalvadorMaria Luiza MarcílioUniversidade de São Paulo

Maria Nadja Nunes BittencourtUniversidade do Estado da BahiaNadia Hage FialhoUniversidade do Estado da BahiaPaulo Batista MachadoUniversidade do Estado da BahiaRaquel Salek FiadUniversidade de CampinasRobert Evan VerhineUniversidade Federal da BahiaWalter Esteves GarciaAssociação Brasileira de Tecnologia Educacional /Instituto Paulo FreireYara Dulce Bandeira de AtaídeUniversidade do Estado da BahiaConselheiros internacionaisAntônio Gomes FerreiraUniversidade de Coimbra, PortugalEdmundo Anibal HerediaUniversidade Nacional de Córdoba, ArgentinaEllen BiglerRhode Island College, USALuís Reis TorgalUniversidade de Coimbra, PortugalMarcel LavalléeUniversité du Québec à Montréal, CanadaMercedes VilanovaUniversidade de Barcelona, EspañaRosalba GueriniUniversidade de Pádova, Itália

Pareceristas ad hoc (n.22): Alexandra Lilaváti Pereira Okada (PUC-SP), Alfredo Matta, Arnaud Lima Junior, Cristinad´Ávila, Lynn Alves (UNEB), Marco Silva (UERJ), Edméa Oliveira dos Santos, Marcos Palácios (UFBa).

Equipe de produção deste número:Jacques Jules Sonneville (organização); Regina Helena Araújo Soares (revisão); Débora Toniolo Rau (bibliotecária); ÉricMaheu (versão para o inglês); Uilson Moraes (capa); Joseh Caldas (editoração); Elen Barbosa Simplício (estagiária).

Revista financiada com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa da Estado da Bahia – FAPESB e doDepartamento de Educação I da UNEB

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ISSN 0104-7043

Revista da FAEEBARevista da FAEEBARevista da FAEEBARevista da FAEEBARevista da FAEEBA

EducaçãoEducaçãoEducaçãoEducaçãoEducaçãoe Contemporaneidadee Contemporaneidadee Contemporaneidadee Contemporaneidadee Contemporaneidade

Departamento de Educação - Campus IDepartamento de Educação - Campus IDepartamento de Educação - Campus IDepartamento de Educação - Campus IDepartamento de Educação - Campus I

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

Volume 13 Número 22 julho / dezembro 2004

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Revista da FAEEBA / Universidade do Estado da Bahia, Departamentode Educação I – v. 1, n. 1 (jan./jun., 1992) - Salvador: UNEB, 1992-

Periodicidade semestral

ISSN 0104-7043

1. Educação. I. Universidade do Estado da Bahia. II. Título.

CDD: 370.5CDU: 37(05)

Impressão e encadernação: Bureau Gráfica e EditoraTiragem: 1.500 exemplares

Revista da FAEEBA – EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADERevista do Departamento de Educação – Campus I(Ex-Faculdade de Educação do Estado da Bahia – FAEEBA)

Publicação semestral temática que analisa e discute assuntos de interesse educacional, científico e cultural. Os pontosde vista apresentados são da exclusiva responsabilidade de seus autores.

ADMINISTRAÇÃO E REDAÇÃO: A correspondência relativa a informações, pedidos de permuta, assinaturas, etc.deve ser dirigida à:

Revista da FAEEBA – Educação e ContemporaneidadeUNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIADepartamento de Educação I - NUPERua Silveira Martins, 2555 - Cabula 41150-000 SALVADOR - BAHIATel. (071)3117.2316

Instruções para os colaboradores: vide últimas páginas.

E-mail da Revista da FAEEBA: [email protected]

E-mail para o envio dos artigos: [email protected]

Homepage da Revista da FAEEBA: http://www.uneb.br/Educacao/centro.htm

Indexada em / Indexed in:– REDUC/FCC – Fundação Carlos Chagas – www.fcc.gov.br - Biblioteca Ana Maria Poppovic– BBE – Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília/INEP)– Centro de Informação Documental em Educação – CIBEC/INEP - Biblioteca de Educação– EDUBASE e Sumários Correntes de Periódicos Online – Faculdade de Educação – Biblioteca UNICAMP– Sumários de Periódicos em Educação e Boletim Bibliográfico do Serviço de Biblioteca e Documentação – Universidadede São Paulo - Faculdade de Educação/Serviço de Biblioteca e Documentação.www.fe.usp.br/biblioteca/publicações/sumario/index.html– CLASE – Base de Dados Bibliográficos en Ciencias Sociales y Humanidades da Hemeroteca Latinoamericana –Universidade Nacional Autônoma do México:E-mails: [email protected] e [email protected] / Site: http://www.dgbiblio.unam.mx

Pede-se permuta / We ask for exchange.

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 241-474, jul./dez., 2004

253 As tecnologias da informação e da comunicação e as possibilidades de interatividade para aeducaçãoSimone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti

265 Conhecimento compartilhado no espaço colaborativo das comunidades virtuais deaprendizagemCristina d’Ávila

275 Tutorías: los rostros de la educación a distanciaAna María Schmid

287 Diários (eletrônicos) de professores: histórias que se cruzam na sociedade aprendenteAdriane Lizbehd Halmann

297 Identidade-diferença, novas TICs e a cultura dos grupos: os contextos intersticiais comoagentes de transformaçãoDaniela Maria Barreto Martins

305 Comunidades virtuais de aprendizagem - CVAs: uma visão dos ambientes interativos deaprendizagemAnnelisse Rettori; Helen Guimarães

313 Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia naaprendizagem?Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes

327 A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho parainclusão digital?Alexandra Okada

341 A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiênciaCláudia Regina Dantas Aragão

353 O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto VidaEunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb

365 Jogos eletrônicos e violência: um caleidoscópio de imagensLynn Alves

375 Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambientede aprendizagemSiddharta Fernandes; Marco Silva

S U M Á R I OS U M Á R I OS U M Á R I OS U M Á R I OS U M Á R I O

249 Editorial

250 Temas e prazos dos próximos números da Revista da FAEEBA – Educação eContemporaneidade

EDUCAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 241-474, jul./dez., 2004

385 A utilização do chat como ferramenta didáticaLuís Paulo Leopoldo Mercado

401 Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual comometáfora para educação e o currículoArnaud S. de Lima Junior

417 Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirintoEdméa Oliveira dos Santos

431 Tecnologias para a colaboraçãoAlfredo Eurico Rodrigues Matta

441 Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricospara uma análise da política de educação profissionalJosé dos Santos Souza

455 O educador na contemporaneidade: formação e profissãoJacques Jules Sonneville

TESE E DISSERTAÇÕES: RESUMOS

469 O conhecimento de si: narrativas do itinerário escolar e formação de professores. Tese(Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Educação. UFBA, Salvador, 2004.Elizeu Clementino de Souza

470 A interatividade na prática pedagógica da Ead online. Um estudo de caso no cursoComunidades de aprendizagem e ensino Online. Dissertação (Mestrado) – Programa dePós-graduação em Educação e Contemporaneidade. UNEB, Salvador, 2004.Cláudia Regina Dantas Aragão

471 Desenvolvimento Profissional e Prática Pedagógica: um estudo sobre a formação continuadade professores na cidade de Alagoinhas – Bahia. Dissertação (Mestrado) – Programa dePós-graduação em Educação e Contemporaneidade. UNEB, Salvador, 2004.Gerusa Oliveira Moura

473 Instruções aos colaboradores

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 241-474, jul./dez., 2004

S U M M A R YS U M M A R YS U M M A R YS U M M A R YS U M M A R Y

249 Editorial

250 Themes and Time Limit to Submit Manuscript for the Next Volumes of Revista da FAEEBA– Education and Contemporaneanity

EDUCATION AND NEW TECHNOLOGIES

253 Information and Communication Technologies and the Possibilities for Interactivity inEducationSimone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti

265 Shared knowledge in the collaborative space of virtual learning communitiesCristina d’Ávila

275 Tutorships: the Faces of Online EducationAna María Schmid

287 Teacher’s Blogs: Stories which Intersect in Learning SocietyAdriane Lizbehd Halmann

297 Identity-difference, Information and Communication Technologies and groups culture: theinterstitial contexts as agents of changeDaniela Maria Barreto Martins

305 Virtual Learning Communities – VLCs: a Vision of an Interactive Learning EnvironmentAnnelisse Rettori; Helen Guimarães

313 Computer and Internet in Basic Education: a New Frame for Learning’s Autonomy?Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes

327 Pedagogical Mediation and Information and Communication Technologies: a Way throughDigital Inclusion?Alexandra Okada

341 Interactivity in Online Pedagogical Practice: Relating an ExperienceCláudia Regina Dantas Aragão

353 The Computer in Teenagers’ Development Process: the Experience of the Vida ProjectEunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb

365 Electronic Games and Violence: a Kaleidoscope of ImagesLynn Alves

375 To set up an online radio in school: interactivity and cooperation in a Learning EnvironmentSiddharta Fernandes; Marco Silva

385 Chat as a Didactic ToolLuís Paulo Leopoldo Mercado

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 241-474, jul./dez., 2004

THESIS ABSTRACTS

401 Intellectual Technologies and Education: Making more explicit the Propositional andHypertextual Principles as a Metaphor for Education and CurriculumArnaud S. de Lima Junior

417 Labyrinthic Ideas about CurriculumEdméa Oliveira dos Santos

431 Technologies Made for CollaborationAlfredo Eurico Rodrigues Matta

441 Work, qualification science and technology in the contemporary world: a theoreticalframework for an analysis of the politics of professional educationJosé dos Santos Souza

455 The Contemporaneous Educator: Formation and ProfessionJacques Jules Sonneville

469 The Knowledge of Oneself: Narratives of School Itinerary and Teachers’ Formation. Ph.D.Thesis. UFBA, Salvador, 2004.Elizeu Clementino de Souza

470 Interactivity in Online Pedagogical Practice. A Case Study from the Course: LearningCommunities and Online Teaching. Master thesis. UNEB, Salvador, 2004.Cláudia Regina Dantas Aragão

471 Professional Development and Pedagogical Practice: a Study upon the permanent Formationof Teachers in the city of Alagoinhas, Bahia, Brazil. Master thesis. UNEB, Salvador, 2004.Gerusa Oliveira Moura

473 Instructions for collaborators

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, jul./dez., 2004 249

EDITORIAL

EDUCAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS é o tema do número 22 daRevista da FAEEBA – EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE. Semdúvida, a introdução maciça da informática em todos os níveis da sociedadeabriu espaço para um novo modo de viver e de pensar a educação. Devido àatualidade da temática, esperávamos receber um bom número de contribuições.De fato, chegaram textos de todos os estados do Brasil e até do exterior(Argentina), tendo como autores doutores(as), doutorandos(as), mestres emestrandos(as), e até graduandos(as), demonstrando que a temática está sendoobjeto de pesquisa em todos os níveis da academia.

Mas recebemos e foram aprovados tantos artigos, que fomos obrigados aselecionar uma primeira parte para ser publicada neste número 22, tendo comoúnico critério a disponibilidade imediata dos textos, e a deixar o restante parauma próxima edição sobre o mesmo tema, junto com outros estudos. Dividimosos textos desta edição em três blocos.

O primeiro consiste em seis artigos que analisam propostas para o desenvol-vimento de uma outra educação, propiciada pelas tecnologias da informação eda comunicação. A temática dos textos é construída a partir de alguns conceitosbásicos sobre o uso das novas tecnologias na educação, tais como: interativida-de; aprendizagem colaborativa; tutoria; diários eletrônicos; identidade; ambien-tes virtuais de aprendizagem. Deram origem aos seguintes artigos: 1) As tecno-logias da informação e da comunicação e as possibilidades de interativi-dade para a educação; 2) Conhecimento compartilhado no espaçocolaborativo das comunidades virtuais de aprendizagem; 3) Tutoría: losrostros de la educación a distancia; 4) Diários (eletrônicos) de profes-sores: histórias que se cruzam na sociedade aprendente; 5) Identidade-diferença, novas TICs e a cultura dos grupos: os contextos intersticiaiscomo agentes de transformação; e 6) Comunidades virtuais de aprendiza-gem – CVAs: uma visão dos ambientes interativos de aprendizagem.

O segundo bloco contém sete textos, desta vez dedicados à descrição eanálise de pesquisas, experiências ou projetos, em que se mostra como o usodas novas tecnologias de informação e comunicação de fato leva a uma novaabordagem da prática educativa. Os textos mostram, por exemplo, comocomputador e rede no ensino fundamental levam a uma outra dimensãopara a autonomia na aprendizagem; ou que mediação pedagógica etecnologias de comunicação e informação são um caminho para inclusãodigital. Um terceiro texto faz um relato da experiência sobre a interatividadena prática pedagógica online; enquanto outro descreve o uso docomputador no processo de desenvolvimento dos adolescentes, segundo

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, jul./dez., 2004250

1 O n. 23 terá os demais artigos do tema Novas Tecnologias e um Dossiê sobre História Oral,com previsão de lançamento em julho 2005.

Temas e prazos dos próximos números

da Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade1

Nº Tema Prazo de entrega Lançamentodos artigos previsto

24 História da Educação 30.05.05 setembro de 2005

25 Educação, Arte e Ludicidade 30.09.05 março de 2006

26 Educação e Trabalho 30.05.06 setembro de 2006

a experiência do Projeto Vida. O bloco finaliza com três temas bemespecíficos, a saber: jogos eletrônicos e violência; criação e desenvolvimentode uma rádio online na escola; e a utilização do chat como ferramentadidática.

O terceiro e último bloco consiste em cinco artigos, que colocam o temadas novas tecnologias num contexto mais amplo, como: o currículo na educação,a evolução do modelo capitalista contemporâneo e a profissionalização doeducador. Assim temos: 1) Tecnologias intelectuais e educação: explicitandoo princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e ocurrículo; 2) Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirin-to; 3) Tecnologias para a Colaboração; 4) Trabalho, qualificação, ciênciae tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para umaanálise da política de educação profissional; e 5) O educador na contempo-raneidade: formação e profissão.

Os leitores já perceberam que, no decorrer dos dezoito textos, alguns temase conceitos deverão ser repetidos, sendo tratados sob diversos ângulos, deacordo com o enfoque que lhes é dado. Assim terão a oportunidade de compararas diversas abordagens do uso das novas tecnologias na educação, mostrandocomo, junto com a interconexão mundial dos computadores, a tecnologia digitale online criou um novo ambiente comunicacional, abrindo um novo espaço decomunicação, organização e informação, com conseqüências profundas paraa produção do conhecimento e a prática educacional.

Os Editores: Jacques Jules SonnevilleMaria Nadja Nunes BittencourtYara Dulce Bandeira de Ataide

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004 253

Simone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti

RESUMO

Por meio deste artigo, objetivamos discutir sobre a interatividade presentepropiciada pelas tecnologias da informação e da comunicação como elementodeterminante para o desenvolvimento de uma outra educação, seja elapresencial, semi-presencial ou a distância. Ressaltamos que a tecnologia por sisó não irá transformar o modelo de educação tradicional ainda presente nosdias atuais. O desenvolvimento de uma outra educação mais interativa dependemuito mais de uma mudança na lógica de comunicação do professor do quedos meios tecnológicos de que ele possa vir a dispor e utilizar no processo deaprendizagem. Em síntese: as tecnologias podem constituir-se em condiçãonecessária, mas certamente não suficientes para garantir a interatividade.

Palavras-chave: Educação – Interatividade – Tecnologias da Informação eComunicação

ABSTRACT

INFORMATION AND COMMUNICATION TECHNOLOGIES ANDTHE POSSIBILITIES FOR INTERACTIVITY IN EDUCATION

This paper aims at discussing the present interactivity established by theinformation and communication technologies, as a determinant element to developanother Education, which could be traditional, on line or in between. We stressthat technology alone will not transform the prevalent model of Education.Another kind of education depends more of a transformation in the teachercommunication logic than in the technological tools he or she may use in thelearning process. We conclude that technologies constitute a necessary conditionbut are in themselves insufficient to assure interactivity.

Keywords: Education – Interactivity – Information and CommunicationTechnologies

* Doutoranda em Educação na UFBA; Mestre em Educação pela UFSC; professora da Faculdade Hélio Rocha no cursode Comunicação Social: Produção Editorial, Salvador/BA; professora do Núcleo de Tecnologia Educacional NTE2 daSecretaria de Educação do Estado da Bahia. Endereço para correspondência: Faculdade de Educação / UFBA, Programade Pós-graduação, Avenida Reitor Miguel Calmon s/n, Campus Canela – 40110-100 Salvador/ BA. E-mail: [email protected]** Doutor em História e Filosofia da Educação pela PUC/SP; Mestre em Educação pela PUC/RJ; professor no Centrode Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, SC. Endereço para correspondência: UniversidadeFederal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Educação, Caixa Postal 476 – 88040-900 Florianópolis/SC.E-mail: [email protected]

AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO

E AS POSSIBILIDADES

DE INTERATIVIDADE PARA A EDUCAÇÃO

Simone de Lucena Ferreira *

Lucídio Bianchetti **

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004254

As tecnologias da informação e da comunicação e as possibilidades de interatividade para a educação

Criando alguns links

As tecnologias da informação e da comuni-cação (TIC) são meios altamente contributivospara criar condições de modificar as formas daspessoas se relacionarem, construírem e trans-mitirem conhecimentos. Por meio dessas tecno-logias, é possível a construção do conhecimentocoletivo com sujeitos localizados em espaços etempos distintos, mas que integram o mesmoambiente virtual ou a mesma comunidade virtualde aprendizagem. As formas de buscar infor-mações e de divulgá-las a um maior número depessoas também foram alteradas com a disponi-bilização dessas tecnologias.

Nesse sentido, percebemos que está surgin-do uma nova relação entre professor e aluno,não mais pautada na hierarquia em que o pro-fessor tem a centralidade do saber, como predo-minantemente ocorria no processo ensino-aprendizagem tradicional, de caráter presencial.Ao mesmo tempo, a simples existência das TICnão garante um processo pedagógico mais ricoe desafiador. É possível continuar tradicionalmesmo usando as novas tecnologias.

O que queremos evidenciar neste trabalhoé que a presença das TIC, aliada a uma pers-pectiva comunicacional que contemple a interati-vidade, em que alunos e professores possamser emissores e receptores que interagem, tantovirtual como presencialmente, de forma bidi-recional, baseada na participação-intervenção ena permutabilidade-potencialidade, poderá seruma forma de concretizar uma outra educação.Atualmente, porém, ainda percebemos apredominância de uma educação baseada noparadigma tradicional, na qual o professor depo-sita conteúdos no aluno, que rapidamente conse-gue esquecê-los, pois não foram conhecimentosconstruídos: foram apenas informações trans-mitidas e decoradas. Segundo Freire (1977, p. 28et passim), a construção de conhecimentos nãopode ser uma questão de transferibilidade pois:

... no processo de aprendizagem, só aprendeverdadeiramente aquele que se apropria doaprendido, transformando-o em apreendido. (...)Aquele que é ‘enchido’ por outro de conteúdoscuja inteligência não percebe; de conteúdos quecontradizem a forma própria de estar em seumundo, sem que seja desafiado, não aprende.

Essa interligação de conhecimentos remete-nos ao hipertexto como uma metáfora impor-tante para o processo educacional, pois “comoessa área trabalha com os processos de signifi-cação, com relações intersubjetivas, com hete-rogênese do humano, relacioná-las com redeshipertextuais pode abrir novos espaços de com-preensão e atuação para as práticas pedagó-gicas” (BONILLA, 2002, p. 187).

Dessa maneira, não cabe mais ao professora função de transmitir informações ou realizarqualquer outra atividade que possa ser substituídapor softwares ou pela internet. Para Lévy(1996), as TIC criam um processo de “desinter-mediação”1, que significa a eliminação de postosde trabalho em vários setores, uma vez que aspessoas passam a ser substituídas por tecno-logias que realizam o trabalho antes feito porelas. Na educação, contudo, por ser um processoeminentemente comunicativo, torna-se difícilpensar na eliminação completa do professor.Sua presença continuará sendo de grande im-portância, pois é ele que irá propor desafios,fazendo o aluno transitar por entre as zonas dedesenvolvimento real, proximal e potencial,como nos sugere Vygotosky (1991), ou reali-zando atualizações e virtualizações, segundoLévy (1996). Hoje, até mesmo as instituiçõesque desenvolvem cursos de EAD constatam quehá um maior aproveitamento da aprendizagemquando as atividades são realizadas em etapaspresenciais e a distância. Sob essa perspectiva,reafirmamos que submeter a educação a umprocesso de desintermediação é algo pratica-mente impossível de acontecer, uma vez queessa é uma relação que depende da presença eda troca entre humanos.

Nesse aspecto, é importante ressaltar quehá uma imprescindibilidade de que o educadorseja articulador, comunicador e mediador de

1 A desintermediação a que Lévy (1996) faz referência é adenominação que se dá ao processo que vai eliminando pos-tos de trabalho ou categorias intermediárias de trabalhado-res, substituindo-os por hardwares e softwares que passam afazer a comunicação entre o produtor e o consumidor. Umexemplo de desintermediação são os caixas de bancos, queforam substituídos pelos caixas eletrônicos. Assim tambémos cobradores de ônibus estão sendo trocados por catracaseletrônicas.

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004 255

Simone de Lucena Ferreira; Lucídio Bianchetti

conhecimentos. Contudo, o professor transmis-sor de conteúdos e antidialógico muito provavel-mente estará próximo da desintermediação, poisas TIC oferecem informações mais atuais ecom possibilidades interativas.

Entretanto, se as informações hoje podemser acessadas com maior facilidade nas redesde comunicação, cabe então ao professoratribuir-lhes significados, associando-as a outrosconteúdos, bem como interpretando-as erelacionando-as à cultura e às experiências devida de cada sujeito. Nesse sentido, Lévy (1993,p. 72) ressalta que:

... a operação elementar da atividade interpreta-tiva é a associação; dar sentido a um texto é omesmo que ligá-lo, conectá-lo a outros textos, eportanto, é o mesmo que construir um hipertexto.É sabido que pessoas diferentes irão atribuir sen-tidos por vezes opostos a uma mensagem idênti-ca. Isto porque, se por um lado o texto é o mesmopara cada um, por outro o hipertexto pode diferircompletamente. O que conta é a rede de relaçõespela qual a mensagem será capturada, a redesemiótica que o interpretante usará para captá-la.

Por esse motivo, este autor considera o hi-pertexto como uma multimídia interativa quepode ser adequada aos processos educativos,pois, para ele, “é bem conhecido o papel fun-damental do envolvimento pessoal do aluno noprocesso de aprendizagem. Quanto mais ativa-mente uma pessoa participar da aquisição deum conhecimento, mais ela irá integrar-se e reteraquilo que aprender” (LÉVY, 1993, p. 40).

A criação de um hipertexto é uma atividadeque, inicialmente, pode parecer complexa e, porisso, ser rejeitada por professores que não sesintam capazes de criá-lo. Muitas vezes, issofaz com que alguns educadores acabem de-legando essa tarefa ao Webmaster. A utiliza-ção de hipertextos na educação, no entanto, éalgo que poderá ser melhor explorado por pro-fessores e alunos, se forem criados links queestabeleçam novas conexões onde seja possível,diante da informação, analisá-la, modificá-la,compartilhá-la e produzir outros conhecimentospor meio das múltiplas imagens, vozes e textos.

Atualmente, os jovens, identificados porTapscott (1999) como a geração digital, criam

novas formas de se relacionarem com as tecno-logias e com o mundo, dentro de uma lógicanão linear e rizomática em que as construçõesocorrem por associações e por links. Nesse sen-tido, pensar uma educação em que as tecnolo-gias digitais possam estar presentes, significadizer que ela não poderá ser linear, nem hierár-quica e que será preciso mudar o paradigmaeducacional tradicional. Não é interessante usaras novas tecnologias para repetir velhas práticaseducacionais em que o aluno continuará sendoapenas o receptor de conteúdos padronizados.

Utilizar as TIC na educação será um desafiopara o professor, pois logo ele perceberá que alógica interativa destas tecnologias requer umapostura diferenciada daquela da sala de aulatradicional. Nem todos os professores, porém,conseguem perceber essa diferença e, então,dessa forma subutilizam as tecnologias digitais,tornando-as ferramentas pedagógicas.

Pretto (1996, p. 115) diz que há duas possi-bilidades de se utilizar as tecnologias na educa-ção: como instrumentalidade e como fundamen-to. Usá-las como instrumentalidade é colocá-las como recursos didáticos, que servem para‘animar a aula’, ‘motivar o aluno’ ou ‘prender aatenção dos estudantes’. Nessa perspectiva, “aeducação continua como está, só que com novose avançados recursos tecnológicos. Ou seja, ofuturo está no equipamento e não na escola”.Ao utilizar a tecnologia, seja ela um vídeo ouum software ‘educativo’, de forma instrumentalpara substituir a aula, que poderia ser uma comu-nicação interativa entre alunos e professoresno debate de diferentes aspectos e iniciandoinvestigações, o professor estará, ele próprio,iniciando seu processo de desintermediação.

Já a outra possibilidade, apontada por Pretto,consiste em utilizar as TIC como fundamento,ou seja, como elemento determinante, carregadode conteúdo e possibilitador de uma nova formade ser, pensar e agir. Na perspectiva do funda-mento é possível também incorporar o uso ins-trumental, que poderá ajudar a realizar atividadesconstrutivas. Mas o inverso, que seria usar asTIC como instrumentalidade e, a partir daí comofundamento, não é possível de acontecer.Segundo Pretto (1996, p. 114), “....o uso como

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instrumentalidade esvazia esses recursos desuas características fundamentais, transforman-do-os apenas num animador da velha educação,que se desfaz velozmente uma vez que o encantoda novidade também deixa de existir.”

A inserção das tecnologias digitais na educa-ção re-orienta uma discussão que há muitotempo vem sendo realizada sobre a Educaçãoa distância – EAD. Esta forma de educaçãonão é nova, porém as TIC propiciam novoselementos que necessitam ser analisados. Comoserá esta ‘nova’ EAD na perspectiva pedagó-gica e tecnológica? Como professores e alunosirão interagir?

Educação: uma questão deinteratividade?

A televisão, como veículo de comunicação,tem sido, desde a sua invenção, um meio paratransmitir informação; nela o receptor/telespec-tador apenas assiste sem poder interferir noconteúdo apresentado. Aliás, esta não é apenasuma característica da televisão, mas de todasas mídias de massa desenvolvidas no séculoXX. Tecnologicamente, elas poderiam ser inte-rativas e oferecer possibilidades de trocas bidire-cionais entre emissor e receptor, porém interes-ses políticos e econômicos quase sempre dificul-taram ou impediram que tal aspecto pudesseser contemplado. Percebe-se, assim, umainterdependência na maneira como as tecnolo-gias são concebidas, produzidas e historicamenteutilizadas. Nesse sentido, Silva (2000, p. 122)ressalta o fato de que:

... as tecnologias de comunicação nascerambidirecionais, mas acabaram perdendo esta qua-lidade por imposição não simplesmente de suaprodução em escala industrial, mas por força dopróprio peso funcionalista e da apropriação ins-trumental como propaganda comercial e políti-ca. Por exemplo: o telégrafo sem fio de Marconiera bidirecional (...) o cinematógrafo dos irmãosLumière era câmera e projetor num só equipa-mento; o fonógrafo de Edson ao mesmo tempogravava e reproduzia sons. Aliás o rádio erabidirecional, quando utilizado com fins militaresou para a navegação.

Contudo, se por um lado as tecnologias decomunicação não ofereciam ao receptor apossibilidade dele intervir na mensagem, poroutro lado, o próprio receptor também não esta-va satisfeito com a sua condição de sujeito passi-vo. Essa sua insatisfação com relação ao mode-lo de comunicação das mídias de massa pôdeser percebida com a criação do controle remoto,que permitiu o exercício do zapping.

Zapear passou a ser uma forma de constru-ção da própria informação a partir de váriosfragmentos. Mas isso ainda não significa mudara informação emitida, pois no zapping o recep-tor continua sendo passivo, apenas tem agora aalternativa de não mais acompanhar conteúdoslineares. Há, aqui, uma retroatividade, não umainteratividade.

Com o desenvolvimento das TIC, observa-se uma mudança na forma de comunicação, poiso modelo linear da lógica de distribuição da in-formação emissor-mensagem-receptor transfor-ma-se e a mensagem passa a ser um conteúdomanipulável por emissores e receptores. Entre-tanto, mesmo sendo as TIC potencializadoras deuma outra forma de comunicação, é precisoconsiderar que nem todas as comunicaçõesrealizadas por meio dessas tecnologias oferecema perspectiva de participação-intervenção. Háinformações que são transmitidas ainda seguindoo modelo linear das mídias de massa.

No entanto, há possibilidades de uma outraforma de comunicação mais interativa, na qualo emissor oferece ao receptor várias alternati-vas de manipular a informação. É desta formaque Couchot (1997) percebe a arte interativadentro de um círculo móvel em que a obra, oautor e o espectador estão constantemente tro-cando de posições.

É importante perceber que, para haver inte-ratividade, não é imprescindível a presença dasTIC, pois ela está relacionada à disponibilizaçãode um mais comunicacional (SILVA, 2000).Embora a utilização da palavra interatividadetenha sido empregada com maior freqüênciaapós o desenvolvimento das tecnologias infor-máticas para designar a relação entre a pessoahumana e as máquinas, o conceito de interativi-dade vai além dessa relação.

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No âmbito educacional, a utilização dainteratividade como forma comunicacional entreprofessor e aluno provoca um repensar daeducação enquanto transmissão de conteúdoslineares, hierárquicos e sistematizados, pautadosno falar/ditar do mestre. A interatividade na salade aula oferece a possibilidade de novas rela-ções, criadas a partir das trocas interativas nosentido todos-todos, em que não há sabereshierarquizados, mas uma construção coletiva.Dessa forma, emissor e receptor tornam-se,juntos, autores e co-autores de produções cons-truídas interativamente.

Uma nova modalidade de comunicação inte-rativa em sala de aula pressupõe mudanças nospapéis dos sujeitos envolvidos no processo deaprendizagem. O professor não será mais oemissor de informações nem o aluno será ummero receptor. Ao disponibilizar-se para o maiscomunicacional, ele convida o aluno a participare intervir nos conteúdos, passando-os do pata-mar da informação para o do conhecimento(BIANCHETTI, 2001). Segundo Silva (2000,p. 193), o professor “disponibiliza domínios deconhecimento de modo expressivamente com-plexo e, ao mesmo tempo, uma ambiência quegarante a liberdade e a pluralidade das expres-sões individuais e coletivas”.

É nesse sentido que as TIC podem contri-buir, ampliando a rede de conhecimentos inter-conectados, virtualizando novos problemas eatualizando novas soluções. Não queremos dizerque as tecnologias são indispensáveis para umaeducação interativa, pois isso dependerá muitomais de uma predisposição do professor do queda presença das TIC, uma vez que os alunos jáinteragem com a tecnologia.

Educar com as novas tecnologias significapropor desafios que possam ajudar o aluno aentrar no labirinto da informação, mas sem ametáfora do fio de Ariadne2, pois cada link esta-belecido é uma oportunidade de rever os conhe-cimentos já construídos e construir novos sabe-res. Nesse sentido, o professor não estabeleceum caminho, muito menos um mapa ou umarota. É importante que o aluno crie seu própriopercurso, produzindo a sua teia de informações,interligando os saberes e realizando a permuta-

bilidade-potencialidade própria das redes digitais.Nesse ambiente hipertextual, os sujeitos inseridosno processo educacional terão espaço para aparticipação, o diálogo e a construção coletivade novas linguagens. Quando novos meios enovas linguagens são incorporados à apren-dizagem, eles acabam gerando novas formas deconceber o mundo, estruturando novas relaçõese novas maneiras de agir frente a uma proble-mática.

A interatividade potencializada pelas tecno-logias digitais possibilita uma aprendizagem emque o aluno irá trilhar seus próprios caminhos,traçando sua cartografia com base nos seusdesejos e necessidades, realizando, também,trocas dinâmicas e instantâneas com os demaissujeitos envolvidos no processo de produção doconhecimento. Dentre as possibilidades síncro-nas e assíncronas oferecidas pelas TIC, vemosque a realização de chats e videoconferênciassão algumas das formas que melhor disponibili-zam interatividade para a realização de umaeducação a distância interativa. No entanto, devi-do aos problemas tecnológicos que dificultam atransmissão de dados com qualidade de imageme som pela web, além do alto investimentofinanceiro, a videoconferência ainda é um dosrecursos pouco utilizados na educação.

Inserir as TIC nas escolas pode significarnão apenas a redução do fosso entre incluídose excluídos, mas a necessidade de repensar aprópria educação ainda baseada na lógica co-municacional linear, seqüenciada e bancária. Sea geração digital desenvolveu novos modos deser, pensar e agir, então:

... cada vez menos, será possível manter um mo-delo educacional que não leve em consideraçãoas características dos jovens alunos. E cada vezmais os jovens exigem que a escola esteja empermanente processo de transformação, deaprendizagem, ou seja, em permanente movimen-to. Que seja uma escola aprendente... (BO-NILLA, 2002, p. 100).

Pensar nas possibilidades interativas que asTIC possibilitam para o processo educativo podeser o divisor de águas entre a educação tradi-

2 Conforme Bianchetti (2001).

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cional e uma outra educação que poderá serpresencial, semi-presencial ou a distância, masque perceba o aluno como sujeito interagentedo processo de construção de conhecimentos.

A interatividade na educaçãoa distância

A análise de alguns cursos a distância, dispo-níveis na internet, permite-nos perceber quequase todos eles utilizam, no processo ensino-aprendizagem, a lógica tradicional e linear detransmissão de conteúdos. Assim sendo, vimospáginas web com conteúdos seqüenciais que,em alguns casos, oferecem um hipertextofechado onde o aluno não tem a possibilidadede participar e intervir.

Os cursos de EAD no Brasil, com a utili-zação de aparatos tecnológicos, tiveram seu iní-cio por meio de transmissões via rádio e poste-riormente via TV, visando promover a qualifica-ção profissional de trabalhadores que moravamdistante das instituições escolares. Esses proje-tos tinham uma perspectiva de auto-aprendi-zagem. Programas utilizando conjuntamentevídeo e TV só começaram a aparecer a partirda década de 1980. Outros, utilizando tecnolo-gias mais atuais como CD-ROM e internet,começam a surgir a partir do início dos anos1990, porém com a mesma perspectiva dosprimeiros3.

Uma das instituições pioneiras em cursos deEAD no Brasil foi o Instituto Universal Brasi-leiro4, que, desde a década de 1940 do séculopassado, realizava as aulas por correspondência;o aluno recebia o material didático em casa,respondia às questões e mandava-as de voltaao Instituto. Hoje, essa mesma instituição utilizaa internet para oferecer cursos a distância coma mesma perspectiva anterior. As aulas restrin-gem-se à leitura de textos e resolução de ques-tionários. Podemos perceber que esta é umaforma de subutilizar a internet e de torná-laapenas um instrumento didático motivador deaulas tradicionais. Se o paradigma educacionalnão muda, possibilitando ao sujeito ser autor econstrutor do seu conhecimento, então as TIC

servirão apenas para ilustrar as velhas práticaspedagógicas. (PRETTO, 1996).

Desde 1996, quando a atual Lei de Diretrizese Bases (LDB) da educação nacional entrouem vigor, as instituições de ensino passaram acontar com a possibilidade de oferecer cursosde educação a distância em todos os níveis deensino. Esta mesma lei também estabeleceu quetodos os professores de ensino fundamental emédio deveriam ter curso superior e, paraaqueles que ainda não o possuíam, foi dado umprazo relativamente curto para a sua realização.Nesse contexto, os cursos de EAD passaram aser uma alternativa para o cumprimento da lei.

Nos últimos anos, temos percebido umaumento no número de cursos de EAD. Hoje oBrasil possui cerca de 84.713 alunos5 freqüen-tando cursos virtuais. Deste total, 54.757 pes-soas estão em cursos autorizados pelo MEC,enquanto os demais estão matriculados emcursos autorizados por conselhos estaduais deeducação. Atualmente uma das metas do Minis-tério da Educação é ampliar este número, aten-dendo a alunos de diversos níveis de ensino, pois,do ponto de vista do ministério, a EAD é umadas formas de diminuir a exclusão social e digitaldo país. Nessa empreitada, articulam-se institui-ções públicas e privadas, oferecendo variadoscursos que utilizam os mais diferentes meios decomunicação a distância, como telefone, fax,material impresso, internet, TV e vídeo. Aindahá, no entanto, muitas interferências de ordemtecnológica, organizacional e política. Nestaúltima perspectiva, percebe-se que a indicaçãopara uma padronização do ensino no sentido detorná-lo universal está vinculada a diretrizespolíticas internacionais recomendadas por insti-tuições financeiras, como o Banco Mundial(BIRD), para os países menos desenvolvidoscomo o Brasil. Essas indicações feitas pelas

3 Alves e Nova (2003) apresentam uma coletânea de textosque trata da EAD. Nesta obra, há um texto nosso, ondeanalisamos o uso da Internet na construção do conheci-mento (FERREIRA, 2003).4 Disponível em: http://www.uniub.com.br, acessado em: 23fev. 2004.5 Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/useg/eco-nomia/mundovirtual/artigo/0,,1099812,00.html, acessadoem: 20 fev. 2003.

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agências financeiras interferem na soberanianacional e desrespeitam os direitos de cidadania,pois elas retiram o caráter educativo de ensino,tornando-o um processo rápido e de baixo custo(FONSECA, 1999).

Atualmente, as indicações do Banco Mundialpara a formação de professores apontam paraa necessidade de que sejam organizados cursosem forma de treinamento, mais aligeirados etambém mais baratos, ao invés de uma forma-ção stricto sensu. Essas sugestões têm por baseuma pesquisa feita pelo Banco no qual ficaevidenciado que “o desempenho dos alunos nãodepende mais da formação do professor e simdo que chamam de ‘pacotes instrumentais’, ouseja, do livro didático, do material pedagógicoetc” (FONSECA, 1999, p. 73).

Nessa perspectiva, a EAD transformou-seem estratégia rápida de oferecer a qualificaçãonecessária para um grande número de profes-sores. Dessa maneira, podemos denominá-la deeducação de massa, na qual as tecnologias dacomunicação passaram a ser utilizadas como oinstrumento pedagógico que melhor atende aomodelo de educação tradicional, revestido deuma lógica de comunicação no sentido broad-casting6. Essa forma de comunicação distribuia informação em larga escala sem consideraras especificidades de cada cultura e da realidadeescolar. Certamente, em muito pouco estamaneira de ensinar e aprender se diferencia da“educação bancária”, criticada por Paulo Freire(1979).

As tecnologias da informação e da comuni-cação vêm contribuindo para a modificação daforma de as pessoas se relacionarem e de cons-truírem conhecimentos, pois elas proporcionammúltiplas disposições à intervenção do interagen-te (PRIMO, 2002). Essas novas modalidadescomunicacionais proporcionadas pela presençadas TIC criam novos tempos e espaços interati-vos descentralizados, não lineares e provocammudanças estruturais na forma de se produzir,distribuir e compartilhar a informação, passandode um sistema “Um-Todos” para “Todos-Todos” (BRECHET, citado por DANTAS,1996; LÉVY, 1999; LEMOS, 2001). Na rede,todos os nós são centros7, ligados entre si,

formando uma teia, onde os conhecimentos sãopermanentemente (re)construídos, a partir dasinter-relações entre os sujeitos.

É possível afirmar que, com as tecnologiasjá disponibilizadas, as páginas criadas na internetpodem conter uma outra lógica, mais interativa,sendo a todos possibilitado interagir com todos;em que cada sujeito possa, além de acessarinformações, disponibilizar também as suas pro-duções, partilhando, trocando, intervindo namensagem do outro.

Será que a educação a distância, na era tec-nológica, diante de uma geração digital que temuma outra maneira de perceber e de se rela-cionar com o mundo, poderá deixar de contem-plar a interatividade na relação de aprendizagem?Por que não pensarmos em construir ambientesvirtuais para a educação online que desafiem oaluno a interagir, a construir o conhecimento,escolhendo seus próprios caminhos?

Apesar da internet ser um dos espaços quemelhor possibilita a interatividade para os cursosde EAD, nem sempre esse meio é o mais usadopelo fato da maior parte da população brasileiraainda não estar conectada à rede mundial decomputadores. Contudo, o fato de termos umbaixo índice da população conectada não podeservir de justificativa para não criarmos alterna-tivas de cursos interativos na internet. É neces-sário pensar no desenvolvimento de espaçosvirtuais interativos e buscar meios de garantir oacesso ao maior número possível de pessoas aessa tecnologia. Por esse motivo, a implemen-tação de políticas públicas é imprescindível paragarantir o acesso de todos às tecnologias.

Criar uma tevê na internet que possa trans-mitir diariamente programas voltados para aeducação poderia ser uma alternativa para aEAD. Essa tevê, no entanto, não deveria serunidirecional; ela precisaria estar baseada nos

6 Ou seja, uma comunicação no sentido UM-TODOS em quea informação é criada por um pólo emissor para diversosreceptores. (LÉVY, 1999).7 Gilson Schwartz, coordenador do projeto “Cidade do co-nhecimento” (http://www.cidade.usp.br/), menciona a ins-crição na torre da praça do relógio na USP onde está escritoque “no mundo da cultura, o centro está em toda parte”,como referência para realizarmos conexões em todos asdireções e sentidos.

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fundamentos da interatividade e, dessa forma,disponibilizar a participação-intervenção, a bidi-recionalidade-hibridação e a permutabilidade-potencialidade. Proporcionar um amplo espaçoeducacional como este significaria oportunizara formação de alunos críticos, participativos,autônomos e dinâmicos. Além da tevê nainternet, o ambiente virtual para a EAD poderácontar ainda com listas de discussão, fóruns,blogs e demais possibilidades que permitam aossujeitos interagirem e serem autores e co-autoresde conhecimentos coletivos.

As possibilidades tecnológicas para o desen-volvimento de uma EAD interativa já existem;contudo, os desafios colocados hoje para aeducação são sobretudo de ordem pedagógicae econômica. Há, agora, uma necessidade depreparar os professores para atuar com essastecnologias, pois, como já percebemos, eles nãopoderão mais ser simplesmente professoresconvencionais com a mesma postura de dissemi-nador de informações. Será importante que oprofessor, além dos conhecimentos teóricos etecnológicos, esteja aberto para o mais comu-nicacional, para deixar o aluno expor suasidéias e trilhar seus próprios caminhos. O profes-sor não poderá mais ser aquele que “conduz oaluno a”, mas quem o desafiará a entrar nolabirinto, mergulhar no mar de informações,interligar os saberes e buscar as soluções paraos seus problemas, construindo conhecimentos.

Tecendo outros nós

As discussões iniciadas neste trabalho leva-ram-nos a perceber que a escola poderá serum espaço de aprendizagens que emerge devárias experimentações, incluindo também asexperiências realizadas com as TIC. Contudo,isso nos leva a questionar qual será a função doprofessor nesse novo ambiente virtual onde tudoacontece ao mesmo tempo agora, o tempotodo?8 Com certeza, ele não será mais ocentralizador do conhecimento e, por essemotivo, é importante que esteja aberto ao maiscomunicacional com os alunos para que juntospossam exercitar a autoria e a co-autoria, utili-

zando a rede também como meio disponibiliza-dor de suas produções.

Para trabalhar com as tecnologias da infor-mação e da comunicação na sala de aula, oprofessor terá que se colocar aberto para o novo,o inesperado, pois cada aluno irá trilhar caminhosdiferentes e difíceis de serem previstos. É nestesentido que acreditamos que com a interativida-de não será possível haver determinações apriori e o professor não será mais transmissorde conteúdos. É de se esperar que ele estejadisposto e disponível a abrir um leque depossibilidades para que o aluno realize suasescolhas, relacionando os novos saberes comoutros já construídos.

O que se tem observado atualmente é que,embora a educação a distância esteja sendodesenvolvida em diversas instituições, nemsempre encontramos o professor atuando demaneira interativa. Em geral, os cursos de EADainda estão presos a uma perspectiva educa-cional que pode ser caracterizada como tradi-cional e que já não funciona mais nem presen-cialmente, tampouco a distância. Alguns propo-nentes e participantes de cursos disponíveis nainternet realizam discussões por meio de salasde bate-papo. Nessa atividade, entretanto, oprofessor permanece com a mesma posturacentralizadora da sala de aula presencial, ondeele organiza e coordena as discussões. Eleprovavelmente não percebe que, na ambiênciavirtual, assim como na aula presencial, nãoprecisa ser o centro do processo e responder atodas as perguntas, pois caso haja, por exemplo,20 alunos no bate-papo, poderão existir 20perguntas e será praticamente impossível a umprofessor responder a todas simultaneamente.Um chat é um espaço onde todos interagem comtodos e não apenas no sentido professor-aluno.

Diante desta situação, reforçamos que ainteratividade depende muito mais de umamudança de postura do professor e do aluno doque da inserção das novas tecnologias. As TICnão irão resolver por si só os problemas da

8 Esta expressão é utilizada na propaganda publicitária datevê on line ALLTV analisada na dissertação de Ferreira(2004).

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educação, uma vez que a interatividade não estánas tecnologias; ela está presente nas relaçõessociais que poderão ser mediadas pelas tecno-logias. Insiste-se, no entanto, que esposar essapostura de não sucumbir ao determinismo tecno-lógico não significa abrir mão da luta para ga-rantir que todos, sem exceção, possam disporde conexões. Isto significa radicalizar nas rei-vindicações e no engajamento, no sentido decontar com políticas públicas voltadas para ainclusão digital.

Do nosso ponto de vista, acreditamos que,para desenvolver uma educação com o uso dasTIC, seja ela presencial, semi-presencial ou adistância, será importante um grande esforço dosprofissionais da educação no sentido de concre-tizar a construção de ambientes de aprendizagemalternativos, onde os sujeitos envolvidos nesseprocesso tenham a possibilidade de criar, recriar,modificar, agir em tempo real, ser autores e co-autores de produções. Nesse espaço de apren-dizagem não haverá necessidade de “desinter-mediação” – retirada – do professor do processocomunicacional/educacional, pois ele será oagente mediador que desafiará constantementeo aluno no seu desenvolvimento cognitivo.

Dessa forma, o processo de aprendizagemtornar-se-á uma produção coletiva, em que aconstrução do conhecimento poderá ser com-parada a uma viagem no labirinto da informação(web), em que nenhuma parada (link) estádefinida e cada ´obstáculo´ (nó) poderá ser umrecomeço. Para navegar no labirinto, a alternativanão está em usar o fio de Ariadne, mas na dançados gêranos9, em que todas as possibilidadespoderão ser vivenciadas em tempos e espaçossimultâneos.

Nesse sentido, nós, educadores, temos muitoa aprender com a chamada geração digital, queinterage íntima e familiarmente com a tecnolo-gia, criando, recriando, analisando e criticandotudo aquilo que lhe é pro(im)posto. Assim sendo,é preciso questionar-se a respeito das implica-ções que esta geração trará para uma escolaque não é interativa e que nem sempre é per-meável a mudanças. A educação vive momentosde crise, com professores despreparados, combaixos salários e desmotivados e, principalmente,

com poucos recursos tecnológicos capazes depropiciar conexões. Como, assim, desenvolveruma educação desafiadora à atual geração?

Os alunos questionadores estão a todo o ins-tante sinalizando que a escola não está maisatendendo a seus anseios, necessidades e ex-pectativas e, por isso, é importante haver mudan-ças. Contudo, nem os responsáveis por imple-mentar políticas públicas nem os professoresconseguem perceber as indicações dadas pelosalunos. Esta é uma das explicações que podenos ajudar a entender a razão de a escola con-tinuar trabalhando praticamente os mesmos con-teúdos e realizando as mesmas atividades quedesenvolvia com as gerações passadas.

Percebe-se, ainda, que há um descompassoentre aquilo que o aluno deseja da escola e oque a escola está podendo oferecer-lhe. Ou ditode outra forma: há um descompasso entre omundo da vida e o mundo da escola. Isto acabagerando relações conflituosas entre educadorese educandos. Não havendo passagem para outropatamar de comunicação/educação, acabaocorrendo que os alunos ou sucumbem ao statuquo ou revoltam-se, desestruturando a ‘ordem’da aula/escola ou – saída-limite – evadem-se.E os professores e autoridades educacionaisficam a perguntar-se sobre o porquê dessa gera-ção assim se portar. Com certeza, ao ser ‘vítima’dessa escola, a geração digital não perde tempocom esses porquês!

Estas análises nos levam a questionar: qualo futuro da escola quando não há convergênciade proposta e de ação entre os atores que delafazem parte? Que futuro poderá ter uma escolaquando um dos agentes quer mais interação,mais comunicação, mais produção e a outraparte não consegue satisfazer tais anseios ounão dispõe de meios para tal?

9 A dança dos Gêranos ou a Dança do Grou é um tipo decoreografia típica da Ilha de Creta. Nessa dança rapazes emoças dançam de mãos dadas em fila simulando o percursodo labirinto. Em cada ponta da fila há um guia. Desta formaeles podem correr em cada um dos sentidos. Quando uma daspontas encontra dificuldades no caminho, o guia sinaliza paraque o guia da outra ponta procure outra saída. “A beleza e aastúcia da estrutura do labirinto estão na multiplicidade daspossibilidades e na vivência de tempos e espaços simultâne-os” (MACHADO, 1997, p. 257).

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As tecnologias da informação e da comunicação e as possibilidades de interatividade para a educação

Pensar em mudanças educacionais em curtoprazo pode parecer uma utopia, contudo énecessário buscar-se um entre-lugar, onde sejapossível trabalhar com os limites e as possibili-dades. Convergimos com Vázquez (2001, p.364), quando nos lembra que “em suma, a utopianão é o reino do absolutamente impossível, nemdo aleatoriamente possível, mas sim do possívelem determinadas circunstâncias e condições”.

Se juntarmos o potencial interativo e tecnoló-gico de que dispomos hoje com uma políticapública voltada à extensão dos meios e dos

benefícios desse potencial a todos e passássemosa contar com professores qualificados e motiva-dos, o que não seria possível esperar/realizar?

É evidente que já dispomos de potencialtecnológico capaz de desenvolver novos ambien-tes educacionais interativos que possam satisfazeraos anseios da chamada geração digital, ávida pornovas opções de comunicação e de interatividade.Nesta perspectiva, a bola da vez ou a palavra estácom os professores e com os responsáveis porelaborar e implementar políticas públicas inclusivas.

Eis o desafio! Eis as imensas possibilidades!

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 253-263, jul./dez., 2004 263

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Cristina d´Ávila

RESUMO

Mesmo com as mais avançadas tecnologias, como a introdução do ambientewww, muitos cursos oferecidos à distância permanecem presos a um passadopedagógico, no qual o professor é o detentor exclusivo de um saber abstrato,amorfo e sem vida. Paulo Freire (1999) tinha razão quando cognominou essetipo de educação de bancária, em que os alunos são depositários de umconhecimento abstrato e exterior à sua própria experiência. Por vislumbrar oanacronismo de tal modelo pedagógico, é que decidimos refletir, neste artigo,sobre alguma modalidade de prática pedagógica, presencial ou à distância,capaz de representar uma mudança de horizonte, aliando dois ingredientesúteis e inovadores: o socioconstrutivismo – como teoria que oferece suporte àcompreensão dos processos cognitivos – e as comunidades virtuais de aprendiza-gem – como espaço privilegiado à adoção de uma perspectiva pedagógica quesuplante as características bancárias da educação. Tomamos como referen-ciais, os estudos de Jonassen, Harasim, Hiltz Telews e Turoff, Dimenstein,além dos socioconstrutivistas Vygotsky, Coll, Carretero, Deheinzelin, dentreoutros, buscando articular o socioconstrutivismo pedagógico às comunidadesvirtuais de aprendizagem, numa contribuição dirigida aos que se encontramenvolvidos na desafiadora aventura de educar à distância.

Palavras-chave: Pedagogia – Socioconstrutivismo – Comunidades virtuaisde aprendizagem – Cooperação.

ABSTRACT

SHARED KNOWLEDGE IN THE COLLABORATIVE SPACE OFVIRTUAL LEARNING COMMUNITIESEven with the more advances technologies, with the introduction of the 3Wuniverse, many distance learning programs stay rooted in a pedagogical past inwhich the professor was the unique possessor of an abstract, passive andlifeless knowledge. Paulo Freire was right when he talked about bankingeducation where the students are depositories of an abstract knowledge with

CONHECIMENTO COMPARTILHADO

NO ESPAÇO COLABORATIVO

DAS COMUNIDADES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM

Cristina d’Ávila∗

* Doutora em Educação pela UFBA, com estágio doutoral na Université de Montréal, Canadá. Professora adjunta daFaculdade de Educação – FACED/UFBA. Professora adjunta do Departamento de Educação Campus I e do Mestradoem Educação e Contemporaneidade – UNEB. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia -UNEB, Campus I, Mestrado em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000SALVADOR/BA. E-mail: [email protected] .

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Conhecimento compartilhado no espaço colaborativo das comunidades virtuais de aprendizagem

no relation to their own experience. In this paper, as a way to demonstrate theanachronism of such a pedagogical model, we will reflect upon some modalitiesof the pedagogical practice, within the classroom or in distance learning, ableto represent an alternative framework. Our purpose is to join two new andinnovator ingredients: socioconstructivism (as a theory which enables us tounderstand cognitive process) and the virtual learning communities (as a privi-leged space to adopt a pedagogical stance which would overthrow education’sbanking characteristics). We used the studies from Jonassen, Harasim, HiltzTelews and Turoff and Dimenstein, as well as the socioconstructivists Vygotsky,Coll, Carretero and Deheinzelin among others, trying to articulate pedagogicalsocioconstructivism and the virtual learning communities. We hope to contributeto those which are involved in this challenging adventure of distance teaching.

Keywords: Pedagogy – Socioconstrutivism – Virtual learning communities –Cooperation

Introdução

Aprender significa muito mais que reterinformações esparsas. E, nesse sentido, ensinarvai além da transmissão de um saber abstrato– essa espécie de entidade autônoma e ser de-sencarnado. O saber se constrói; a aprendiza-gem, por isso mesmo, não é um traço herdadoou ajuntado a ferro e fogo na memória. A teoriaconstrutivista oferece subsídios valiosos à com-preensão da aprendizagem como um processoconstrutivo e significativo, além de poder geraruma nova abordagem de Educação a Distância– EAD. Indo um pouco mais além, o sociocons-trutivismo – que incorpora as relações sociocul-turais no processo de construção do conheci-mento – pode garantir um arcabouço teóricoque possibilite pensar num modelo educacionalmais coerente com os reclamos da sociedadecontemporânea. As comunidades virtuais deaprendizagem poderão se constituir, nessa pers-pectiva, em ambiente propício à construção eprática de uma pedagogia cooperativa, conside-rando os sujeitos envolvidos (professor e alunos)como partícipes em todo o processo.

Neste artigo, objetivamos apresentar umaproposta pedagógica em EAD que alia o socio-construtivismo à idéia de comunidades virtuaisde aprendizagem, acreditando nestas comoespaço privilegiado ao diálogo, ao trabalhocooperativo e, por isso mesmo, à aprendizagemsignificativa e reconstrução de conhecimentos.

Num primeiro momento, explicitaremos oconceito de construtivismo e socioconstrutivis-mo; em seguida, como são constituídas ascomunidades de aprendizagem, concluindo pelaconstrução de um processo pedagógico colabo-rativo no espaço das comunidades virtuais.

Tomamos como referencial teórico osestudos de Jean Piaget (1965a, 1970b, 1970c),Deheinzelin (1996), César Coll (2001), LevVygotsky (1984; 1987) para explicitação doconceito de construtivismo e socioconstrutivis-mo, Paulo Freire (1999) a fim de abordar a idéiade diálogo pedagógico e cooperação, DavidJonassen (1996) e Guimarães (2001) para tratarda questão dos ambientes virtuais de aprendiza-gem, aprendizagem construtivista em EAD,dentre outros.

Esperamos, assim, poder contribuir para asreflexões na área da formação e prática docen-te, especificamente em EAD, com o intuito depromover mudanças de atitudes que rompamcom o paradigma do magister convencional einaugurem práticas pedagógicas mais dialógicase colaborativas.

Construtivismo e socioconstrutivis-mo: de Piaget a Vygotsky

O construtivismo pode ser compreendidocomo um referencial explicativo de natureza

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psicopedagógica, organizado empiricamente efundamentado em inúmeras pesquisas: de JeanPiaget (1965a, 1970b, 1970c) a Vygotsky (1984a,1987b), seus maiores expoentes. Aqui seránecessário que compreendamos a teoria de ume outro autor para que se torne possível uma sín-tese que dê conta da compreensão do fenômenoeducativo tal como desejamos.

O construtivismo piagetiano

São as ações físicas e lógico-matemáticas,para Piaget, as duas principais fontes dos conhe-cimentos científicos, sendo que tais ações nãopodem ser consideradas isoladamente. O queimporta ao conhecimento é o esquema dessasações, o que é geral e pode ser transposto deuma situação à outra. O esquema é, pois, oresultado da generalização das ações e não desua percepção.

É aqui que o conceito de noção, em Piaget,se faz importante e a diferenciação entre esta ea percepção, pois o autor não acredita em fór-mulas de aprendizagem, cuja percepção imediatase coloque como única exigência. Efetivamente,a noção é mais rica que a percepção por causade tudo o que a ação ajunta à percepção:

... o espaço nocional é essencialmente operató-rio, significa dizer que ele introduz sistemas detransformações lá onde a percepção se contentade estruturas estáticas; ora, estas transforma-ções têm sua fonte nas ações (que englobam aspercepções sinalizadoras) e não nas percepçõescomo tais. (PIAGET, 1970b, p. 88, tradução nos-sa).1

A noção não se reduz a simples abstraçõese generalizações do dado percebido, ela éconstituída de construções, isto é, por generali-zações construtivas, e de construções ligadasdesde o ponto de partida à ação. Daí o princípiode que aprender não se limita a perceber, areceber impressões exteriores como fotografiasdatadas, mas agir sobre o real e seus objetos.Ensinar, por seu turno, não pode se limitar àtransmissão de informações sem vida, mas agerar condições criativas, mobilizadoras e desa-fiadoras de aprendizagem. A percepção sozinhanão é suficiente à formação dos conhecimentos.

A ela se reúnem a ação e suas coordenações, oque traz novamente à tona a inteligência. Astransformações possuem a chave do saber,assim concluiu Piaget:

Ora, se a ação e a inteligência transformamem retorno à percepção, e se esta, longe de serautônoma, é de mais a mais estritamente estru-turada pela esquematização pré-operatória eoperatória, a hipótese da origem sensorial dosconhecimentos deve ser considerada, não somen-te como incompleta (...), mas também como falsano terreno perceptivo em si mesmo, na medidaem que a percepção como tal não se reduz apenasa uma leitura de dados sensoriais, mas consistenuma organização onde prefigura a inteligênciasendo mais ainda influenciada pelos progressosdesta. (PIAGET, 1970b, p. 101, tradução nossa).

A interação cognitiva, portanto, de que falaPiaget, não se restringe a percepções ou sensa-ções, mas a todo um processo ativo de objetiva-ção. A interação é, pois, mediatizada, uma vezque tal objetivação estabelece uma distâncianecessária entre sujeito e objeto, recorrendo oprimeiro a um sistema objetivo de regulaçãopsicogeneticamente constituído.

Tanto quanto em Vygotsky, a contribuiçãode Piaget, para a práxis pedagógica, reside nooferecimento de condições científicas para acompreensão dos elementos que envolvem oprocesso de objetivação cognitiva, onde se inserea aprendizagem e, por conseqüência, o processode ensino. É tarefa quase impossível elencar osaspectos mais importantes da teoria piagetianavoltados à compreensão dos processos queenvolvem aprendizagem e desenvolvimento

1 Or, en fait, la notion est plus riche que la perception et,dans le cas de l’espace, elle est même infiniment plus richeque le percept correspondant, et cela pour deux raisonscomplémentaires. La première est qu’elle ne consiste passimplement à traduire le donné perceptif, mais aussi (etsouvent surtout) à le corriger, en substituant par exempleune isotropie parfaite à l’anisotropie du champ visuel, uncontinu précis au continu approximatif de la perception(...). La seconde raison est que la notion est plus riche àcause de tout ce que l’action a ajouté à la perception: l’espacenotionnel est essentiellement opératoire, c’est-à-dire qu’ilintroduit des systèmes de transformations là où la perceptionse contente de structures statiques appauvries; or, cestransformations ont leur source dans les actions (quienglobent les perceptions signalisatrices) et non pas dansces perceptions comme telles. (Piaget, 1970b, p. 88).

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Conhecimento compartilhado no espaço colaborativo das comunidades virtuais de aprendizagem

cognitivo, mas pode-se conceder ênfase a algunsdesses aspectos:a) a base do conhecimento é a atividade

mental construtiva do aluno: a aprendiza-gem constituída e significativa permite aconstrução/desconstrução/reconstrução deesquemas que tecem redes de significados:a ação do professor deve incidir na ativida-de construtiva do aluno, criando condiçõesfavoráveis para que os esquemas de conhe-cimento sejam os mais profícuos possíveis;

b) educar significa propor desafios cogni-tivos: colocando-se na posição não de meroconferencista de um saber já acabado, masna posição de questionador hábil do conhe-cimento que deve ser reconstruído pelos alu-nos;

c) para modificação e enriquecimento pro-gressivo dos esquemas de conhecimento,é preciso que o professor seja capaz de ge-rar o conflito e sua possibilidade de resolu-ção, sendo também capaz de gerar a con-frontação de pontos de vista divergentes nasala de aula (transformar os conflitos emcontrovérsias) e, finalmente, compreenderos erros e resultados obtidos como ponto departida para a modificação dos esquemasde conhecimento;

d) cooperação social: pressupõe a coorde-nação das operações de dois ou mais sujei-tos; a procura da reciprocidade entre os pon-tos de vista permite a construção do pensa-mento lógico, ao contrário da coação queimpede o desenvolvimento cognitivo.A epistemologia construtivista de Jean Piaget

e suas contribuições para o processo educativonão se esgotam nos pontos delimitados aqui.Todavia, importa reafirmar que um dos aspectosfundamentais de sua teoria – a idéia de que oconhecimento não é um dado exterior ao ho-mem, mas um processo construtivo nascido doseu inefável desejo de conhecer – fundamentaa concepção pedagógica que trazemos à baila.O construtivismo nos fornece, assim, a chavepara a elaboração da síntese pedagógica quealia esse referencial ao conceito de comunidadesde aprendizagem.

A teoria socioconstrutivistade Vygotsky

Não se pode falar dos estudos de Vygotskysem se reconhecer a dimensão social do desen-volvimento humano. Um de seus pressupostosbásicos é de que o ser humano constitui-se en-quanto sujeito na relação com o outro. O funcio-namento psicológico do homem é formado aolongo da história humana, sendo, pois, moldadopela cultura (VYGOTSKY, 1984, p.21).

Dentre os fundamentos da teoria sociocons-trutivista, uma idéia central se refere à origemcultural das funções psíquicas superiores. Nessaperspectiva, o desenvolvimento mental humanonão se dá de modo independente do processohistórico que o envolve e determina.

Outra idéia fundante de sua teoria é a daplasticidade cerebral: essa tese se refere à basebiológica do funcionamento psicológico dohomem; é o cérebro a sua matéria prima. Nadaimutável, o cérebro humano é entendido comoum sistema aberto, cujos modos de funciona-mento são moldados ao longo da história doindivíduo. A análise psicológica que considera ofuncionamento psicológico imiscuído nas teiasdo processo histórico, em outras palavras, acompreensão da consciência humana comoproduto da história social, constitui a tese deVygotsky. O postulado da plasticidade cerebralcontrapõe-se às teorias que colocam odesenvolvimento cognitivo como processo quepassa por etapas mentais fixas, ocasionando,dessa maneira, o surgimento de comportamen-tos mentais (e sociais) típicos. Talvez este sejao diferencial mais importante entre Vygotsky ePiaget. O cérebro, para o primeiro, é um sistemaaberto:

... cuja estrutura e modos de funcionamento sãomoldados ao longo da história da espécie e dodesenvolvimento intelectual. Dadas as imensaspossibilidades de realização humana, essa plas-ticidade é essencial: o cérebro pode servir a no-vas funções, criadas na história do homem, semque sejam necessárias transformações morfo-lógicas no órgão físico. (KOOL, 1992, p. 24).

A idéia de mediação simbólica é outra tesedefendida por Vygotsky. Assim sendo, as relação

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entre os homens e entre estes e o mundo émediada por signos culturalmente constituídos,tendo a linguagem particular destaque nessainterpretação. Sua hipótese está assentada natese marxista que sustenta a idéia de objetivaçãoda atividade humana através do trabalho. ParaMarx, é a categoria do trabalho o elemento res-ponsável pela mediação entre o homem e omundo. Então, para Vygotsky, o instrumento (ori-ginalmente do trabalho, o arco, a flecha, etc.) éproduzido pelo homem como resposta às suasnecessidades e evocar a sua função, a fim detransmitir e perpetuar culturalmente esses ins-trumentos, é característica eminentemente hu-mana. Os outros animais podem até ser capazesde criar instrumentos, mas evocar as suas fun-ções, conferindo-lhe um significado que perdureatravés do tempo (passado para outras gera-ções) é função especificamente humana. DisseVygotsky:

... a invenção e o uso de signos auxiliares parasolucionar um determinado problema psicológi-co (lembrar, comparar coisas, relatar, escolheretc.) é análoga à invenção e uso de instrumen-tos, só que agora no campo psicológico. O sig-no age como um instrumento da atividade psi-cológica de maneira análogo ao papel de um ins-trumento no trabalho. (1984, p. 59-60).

Sem dúvida, com o uso dos signos, o homempode controlar e, mesmo, ampliar sua atividadepsicológica, como, por exemplo, anotar os com-promisso numa agenda, escrever suas memórias,consultar um dicionário para verificar o significa-do de palavras, consultar um atlas para se locali-zar no espaço etc.

A linguagem representa, pois, o sistema sim-bólico fundamental na relação entre os gruposhumanos, organizando os signos, historicamente,em estruturas complexas e permitindo, primeiro,que o homem se relacione com os objetos domundo exterior, mesmo que ausentes; segundo,permite abstrair e generalizar (por exemplo, umapalavra como “árvore” designa qualquer tipo deárvore) através do uso de categorias, em que seinserem os objetos. Resumindo, a formação deconceitos e sua organização em categorias espe-cíficas, a comunicação social que garante atransmissão e preservação de valores/informa-

ções como produtos históricos, são processospossíveis graças à linguagem. São os sistemassimbólicos os elementos mediadores da cultura.

Segundo Vygotsky (1987), o acesso ao objetoé sempre mediado por representações do reale requer dois aspectos complementares :a) a representação mental que se refere a re-

cortes do real operados pelos sistemas sim-bólicos de que dispõe o sujeito;

b) a capacidade de fazer relações mentais naausência dos referentes concretos, o queequivale a dizer do desenvolvimento da abs-tração e da generalização.A transposição das idéias vygotskianas para

o contexto pedagógico (do saber científico parao fazer pedagógico) foi tarefa possível paraalguns educadores, na atualidade, dentre os quaiscabe destacar Coll e Solé (2001), Teberosky(1993) e Deheinzelin (1996), dentre outros, queviram na sua teoria os elementos necessários ecomplementares à obra de Piaget (não opostos),quanto à explicitação dos processos que envol-vem aprendizagem e desenvolvimento cognitivo.Descobrir, daí, os aspectos que se prestamtambém à compreensão do processo de ensinoe buscar modos de intervenção pedagógica quesejam, de fato, significativos para o desenvolvi-mento dos educandos, foi, e é ainda, um grandedesafio. São vários os conceitos que, uma vezbem compreendidos, poderão garantir uma açãopedagógica muito mais consistente, como sepode atestar da síntese que apresento a seguir:a) zona proximal de conhecimento: significa

a distância entre o nível real de desenvolvi-mento, determinado pela capacidade de re-solver independentemente um problema, e onível de desenvolvimento potencial, determi-nado através da resolução de um problemasob a orientação de alguém mais capaz (pais,colegas, amigos ou professor). Para uma açãopedagógica eficaz, basta que o professor re-conheça essa distância nos seus alunos e sai-ba ensinar de acordo, fazendo com que estesavancem rumo às novas descobertas do sa-ber. Logo, a intervenção pedagógica deve serfacilitadora da ampliação da zona proximalde conhecimento e da criação, eventualmen-te, de zonas novas;

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Conhecimento compartilhado no espaço colaborativo das comunidades virtuais de aprendizagem

b) todo conhecimento humano brota das re-lações do sujeito com seu meio sócio-cul-tural: logo, o que o aluno traz para a sala deaula é um manancial riquíssimo de conteú-dos a serem explorados no ambiente esco-lar e relacionados ao saber sistematizado;

c) a consciência humana é produto da his-tória social: como é a universidade o espa-ço formador, por excelência, das consciên-cias humanas, não se pode deixar de desen-volver uma postura pedagógica sensível àhistória dos seus sujeitos; a escuta sensívelé, pois, um expediente pedagógico de im-portância vital no processo educativo;

d) Interações cognitivas: a busca do conheci-mento corresponde a necessidades da vidasocial, evocando, assim, as relações interpes-soais; logo um aluno aprenderá mais e melhorse estiver em companhia solidária de outros.Ao invés de oposição, há complementaridade

entre as obras de Vygotsky e seus seguidores daEscola Sócio-Histórica de Moscou e a obra deJean Piaget e de seus colaboradores da Escolade Genebra. O elemento da cultura, tão criticadoe tido como alheio na obra de Piaget, deve ser,então, incorporado ao que se pode chamar desocioconstrutivismo. A compreensão de uma ede outra teoria é de importância capital na estru-turação de um novo pensamento pedagógico quetem na cooperação sua força motriz.

Por que a abordagem construtivista naconstituição e implementação das co-munidades virtuais de aprendizagem?

Segundo Jonassen (1996), os ambientes deaprendizagem devem ser ambientes instigantes,constituídos de problemas relevantes, sobre osquais os alunos devem refletir e buscar soluções.As tarefas a serem disponibilizadas devem origi-nar-se do real, a fim de que a aprendizagem seja,de fato, significativa. Além disso, recuperandoaqui o ideário pedagógico cooperativo, devem serapoiadas pela colaboração entre os participantese constituídas pelo diálogo pedagógico.

Estes princípios encontram sustentação naepistemologia construtivista. Em ambas as cor-

rentes apresentadas (a epistemologia construti-vista de Piaget e socioconstrutiva de Vygotsky),a cooperação social se faz presente, conside-rando-se, para os efeitos pedagógicos deseja-dos, que a busca da reciprocidade entre pontosde vista distintos conduz à reordenação doconhecimento e do pensamento lógico. Nateoria vygotskyana esse aspecto é ainda maisenfatizado, levando-se em conta a premissa deque todo conhecimento humano medra dasrelações entre sujeito e meio social.

O objetivo de aliar o socioconstrutivismo aoensino à distância, reside em afastar essamodalidade de educação dos métodos instrucio-nais tradicionais. O processo educativo deveestar centrado no sujeito cognoscente e tambémafetivo-relacional, no qual o professor não é aúnica fonte do saber. A autonomia do aprendizassume forte impacto nessa tendência.

É tarefa do aluno buscar, pesquisar, proble-matizar o conhecimento, contextualizar, desco-brir. E as tecnologias do computador devemapoiar a aprendizagem construtiva do alunoatravés das variadas ferramentas de que dispõe.Assim, a perspectiva instrucionista de ensinocederia espaço à construção do conhecimento,desenvolvida em ambientes de aprendizagempropícios, contextualizados, e em estratégias deensino/aprendizagem compartilhadas. Ao pro-fessor caberia criar situações problematizadorase instigantes, capazes de favorecer a busca derespostas e conseqüente ressignificação dosaber.

Com tais características, poderíamos incorrerno risco da compreensão apressada capaz dever o professor como uma peça descartável nessaengrenagem, destituindo-o de toda e qualquerpossibilidade de transmissão do saber e respon-sabilidade pedagógica. Todavia, não é isso quese propõe. O professor não poderá se furtar defornecer explicações, de acompanhar, criar situa-ções de conflito, estando atento, porém, à ne-cessidade de reequilibrações cognitivas do grupo.Esse sujeito é um mediador de saberes e nãopode estar alijado do processo de aprendizagemconstrutiva do aluno.

Ainda Jonassen (1996, p. 4-5) cita algumascaracterísticas importantes à aprendizagem

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significativa que poderiam ser suscitadas a partirde um trabalho desse tipo. Trago aqui as suasidéias, com algumas modificações:– A aprendizagem deve ser ativa: isto é, re-

sultar de experiências genuínas, comprome-tendo-se o aprendiz com atividades nas quaisse encontre implicado, e dispondo de ferra-mentas que possam ser manipuladas ativa-mente pelo aprendiz.

– A aprendizagem deve ser construtiva, pro-priamente: onde os alunos possam integrarexperiências novas aos esquemas concei-tuais já constituídos, tornando-se capazes,também, de imprimir significado próprio àsnovas aprendizagens.

– A aprendizagem deve ser reflexiva: pois,sem reflexão, não há como se constituir con-ceitos próprios. Ao contrário da aprendiza-gem mecânica e reflexa, baseada no esque-ma estímulo/resposta (S — R), a aprendiza-gem reflexiva evoca no aprendiz as possí-veis análises e críticas daquilo que leu ouaprendeu. Principalmente na EAD, deve-seexigir dos alunos que analisem a tarefa, asestratégias e ferramentas que utilizaram, bemcomo as respostas obtidas para que, assim,sejam capazes de aplicar esse conhecimen-to em outras situações.

– A aprendizagem deve ser cooperativa: istoé, desenvolvida a partir das múltiplas intera-ções entre os pares; assim, o conhecimentoconstruído e compartilhado será ainda maissignificativo, vez que exposto, discutido, di-alogado.

– A aprendizagem deve ser intencional: a partirde objetivos pessoais, inicialmente, e coleti-vos, quando a interação com o grupo (nascomunidades) se fizer sentir. Quando umaintenção se revela ao aprendiz, ele se sentiráimediatamente, comprometido com todo oprocesso de aprendizagem. Quando essa in-tenção se transformar em objetivo coletivo,mais ainda envolvido com os destinos de todoo processo educativo ele estará.

– A aprendizagem deve ser contextualizada:quanto mais as atividades de ensino/apren-dizagem forem elaboradas para um contex-to específico, muito mais a aprendizagem

será significativa. Disso decorre a necessi-dade de se envolver o aprendiz em experiên-cias que tenham alguma ressonância com suavida, que toque seus objetivos pessoais e, pos-teriormente, coletivos também. Longe dointelectualismo abstrato das pedagogias maistradicionais, o que deve se levar em contanessa perspectiva, é a conexão do saber aocontexto sociocultural dos educandos.

– A aprendizagem deve ser socializadora: aoque Jonassen chama de coloquial, chama-rei aqui de aprendizagem socializadora. Visaensejar a troca de opiniões, de idéias e aorganização de novos conceitos na estrutu-ra cognitiva dos alunos. Esse aspecto serámuito beneficiado na EAD, uma vez queestarão conectadas pessoas de várias par-tes – a troca de experiência e de saberespoderá ser extremamente rica se o profes-sor for habilidoso o suficiente para favore-cer o clima de socialização no grupo. Aqui adimensão de comunidade se explicita: nãofaz sentido a aprendizagem de novos conhe-cimentos se não se pode compartilhar de seusresultados e construir uma realidade melhor.A partir dessas dimensões, poderemos

visualizar a idéia de rede que Jonassen (1996,p. 5) concebeu (com a modificação introduzidanesse texto de aprendizagem coloquial parasocializadora e exclusão da idéia de aprendi-zagem complexa) (Fig. 1).

Figura 1 – Aprendizagem significativa

As comunidades virtuais de aprendizagempodem ensejar o encontro afetivo-relacional e

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Conhecimento compartilhado no espaço colaborativo das comunidades virtuais de aprendizagem

intelectual entre as pessoas componentes de umgrupo. Isso favorece o enriquecimento dos es-quemas de conhecimento, obtido em todas asoportunidades em que os conflitos cognitivos seinstauram e geram as controvérsias coletivas –assim, os esquemas conceituais se transformam.

Nesse contexto, o ambiente é de fundamen-tal importância e dependerá do professor a suaorganização. É aqui que gostaríamos de imiscuira concepção de comunidades de aprendizagem.

Como se constituem as comunida-des de aprendizagem

As comunidades de aprendizagem sãoambientes de sociabilidade virtual e a performan-ce comunicativa desse ambiente se vale do usode representação gráfica – os avatares.

Essas comunidades virtuais são fenômenossocietários com algumas características básicas:a- noção de tempo compartilhado;b- permanência e vínculos entre os membros

de um grupo.Mário Guimarães (2001), em seu trabalho

Etnografia em ambientes de sociabilidadevirtual multimídia, distingue ambiente de so-ciabilidade virtual de comunidades virtuais.Para o autor, o termo comunidade deve ser re-servado para as circunstâncias em que os ele-mentos denotativos de uma comunidade real-mente apareçam (pelo menos as característicasacima mencionadas de tempo compartilhado epermanência de vínculos nas relações estabeleci-

das). O autor caracteriza ambiente de sociabili-dade como:

... o lócus criado no ciberespaço por programasespecíficos orientados à comunicação de doisou mais usuários que é povoado por indivíduosque estabelecem uma atividade societária por umdeterminado tempo. A partir desta sociabilidadepodem se desenvolver comunidades virtuaisestáveis que irão abrir mão dos mais variadosrecursos disponíveis para veicular esta sociabi-lidade. As comunidades virtuais não estão ne-cessariamente associadas a apenas um ambien-te, mas sim às relações entre seus integrantes.(GUIMARÃES, 2001, p. 2).

Vê-se, a partir da contribuição de Guimarães,que o que caracteriza uma comunidade são osvínculos estabelecidos entre os componentes deum determinado grupo – vínculos que se formampelo convívio num tempo/espaço compartilhado.

O ensino a distância, então, para lograr êxitoprecisa levar em consideração a importânciada organização dos grupos para que estes seconvertam em verdadeiras comunidades deaprendizagem com objetivos e tarefas comparti-lhadas. A pedagogia cooperativa2, nesse contex-to, garante o suporte didático-pedagógico neces-sário ao desenvolvimento do grupo do ponto devista intelectual e afetivo-relacional. E, mais, ateoria socioconstrutivista fornece as lentes atra-vés das quais podemos vislumbrar os processosque conduzem às aprendizagens mais significati-vas e a contínua reconstrução do saber.

2 A esse respeito sugere-se leitura do artigo da autora “Pedagogia cooperativa e EAD: uma aliança possível”. (D’AVILA, 2003).

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Recebido em 23.08.04Aprovado em 05.11.04

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Ana Maria Schmid

TUTORÍAS:

LOS ROSTROS DE LA EDUCACIÓN A DISTANCIA

Ana María Schmid ∗

RESUMEN

La utilización de las tecnologías de la información y la comunicación en laeducación a distancia ocupa a educadores interesados en las prestaciones decalidad. Sin embargo, muchas de estas tecnologías no resultan accesibles parauna gran cantidad de población. Resulta entonces oportuno revisar lascompetencias y funciones de los tutores, profesionales que se constituyen enlas verdaderas caras de los sistemas a los que pertenecen mientras sirven devínculo entre los estudiantes y los programas y se instalan como factor de éxitoo fracaso de los mismos.

Palabras Clave: Tutor – Tipos de tutoría – Actividades recomendadas

ABSTRACT

TUTORSHIPS: THE FACES OF ONLINE EDUCATION

The use of Information and Communication Technologies in Online educationkeeps busy teachers preoccupied with the quality of their teaching. Without adoubt we can assess that much of technology is not available to the greater partof the population. It seems therefore logical to revise the competences andfunctions of tutors and professionals, which constitute the real faces of the systemsfor those who are part of it. At the same time, they serve as intermediate betweenstudents and programs, which make them a factor of students’ success or failure.

Keywords: Tutor – Kind of Tutorship – Suggested activities

* Lic. en Ciencias de la Educación, Doctoranda en Educación con orientación en Educación a Distancia. Postgrado enEducación de Adultos y Educación a Distancia en UNED-España (1983). Coordinadora de carreras y cursos decapacitación a distancia. Coautora y tutora del Curso de Postgrado en Educación a Distancia - Universidad Nacional delComahue. Directora General de la CAPTEL – EDUCACIÓN A DISTANCIA. Dirección: Av. Medrano 233 – 2º ‘6’ –(1178) Ciudad Autónoma de Buenos Aires – Argentina. E-mail: [email protected]

INTRODUCCIÓN

Voy a hablar acerca de algunas de laspersonas que hacen a la educación a distancia.Situada en medio de entornos virtuales dediferente complejidad, siento la imperiosanecesidad de referirme a las personas, a los

sujetos que están detrás de cada computadora,de cada teléfono, de cada sobre recién enviadopor el correo convencional y que convierten enreal – al encarnarla – a la educación a distancia.

Es hora de volver a hablar de tutores ytutorías, de contenidos y de procesos deaprendizaje que se producen en seres humanos

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Tutorías: los rostros de la educación a distancia

reales, que sienten, viven y palpitan. Y no esque no se haya hablado lo suficiente acerca delos tutores; de hecho, colegas de diferentespaíses (1) han cubierto interesantes y valiosaspáginas describiendo y explicando el rol tutorialy los efectos que mejores o peores prácticaspueden causar en el desarrollo de los programas.

Simplemente creo que en los últimos cincoaños hemos estado ocupados y fascinados conlas tecnologías de la información y la comunica-ción (TIC), con la utilización de Internet, con eldesarrollo de plataformas, con los avances enlas videoconferencias, con el mejor aprovecha-miento de las redes y últimamente con lasweblogs.

Tal vez el arrollador avance y el agresivomarketing que han desarrollado las empresasresponsables de las mismas, nos ha confundido.O distraído respecto de aquello que es sustancialen los procesos educativos a distancia: las perso-nas, el conocimiento, las ideas, los contextos, lasrelaciones inter e intrapersonales, los procesos.

No obstante, reconozco el fantástico univer-so que nos abren estas TIC y las oportunidadesde ampliar, expandir, profundizar, compartir yresignificar permanentemente el conocimientoque nos permiten. Sólo que no olvido que ennuestros países sólo un 10% de la población estáconectada a Internet regularmente y que el 90%restante también tiene derecho a acceder apropuestas educativas a distancia de similarcalidad a las que transportan las TIC.

Voy entonces a revivir algunas cuestionesacerca de los tutores y las tutorías, deteniéndo-me especialmente en las ocasiones de contactopersonal, individual o grupal que, incluidas enlos programas a distancia, ahora sabemos quelos enriquecen.

Pero antes, quiero proponer algunos comen-tarios a modo de reflexiones acerca del escenarioen el que nos toca actuar.

EL ESCENARIO

Que la educación a distancia (EAD) se hatransformado de crisálida en mariposa o deCenicienta en niña bonita (MENA, 1999), resulta

una realidad fácilmente comprobable a travésde las innumerables ofertas de carreras, cursosy capacitaciones en la modalidad que diaria-mente nos sorprenden y convocan.

También es evidente que las tecnologías dela información y las comunicaciones ha resultadoun poderoso estímulo para el desarrollo de laEAD. Así, el principio esencial de acercar losbeneficios de la educación a todos, en cualquierlugar y durante toda la vida, parece cada vezmás próximo y realizable.

Del mismo modo, las posibilidades de comu-nicación de los diversos actores del sistemaentre sí y con la institución, parecen haber aboli-do el concepto de distancia limitando la diferen-cia entre la EAD y la educación convencionala los aspectos recintuales en que se desarrollanlos procesos de enseñanza. De todos modos,los entornos virtuales más o menos sofisticadosque permiten el uso de plataformas, ya van enpos de los espacios compartidos.

Sin embargo, el escenario sobre el que trans-curren tales cambios no resulta plenamenteauspicioso: el mundo es cada vez más desigual(GALEANO, 1997), entendiendo por ello quecada vez más un grupo más pequeño de perso-nas detentan el poder económico, la riqueza ysus beneficios en detrimento de un cada vezmayor número de habitantes. Del mismo modo,la información y las comunicaciones se hanconcentrado en un reducido número de empresasque informan y moldean la opinión de una enormecantidad de sujetos que, curiosamente, parecencada vez más sordos y aislados.

El segundo proceso de globalización, causay consecuencia de las TIC, ha cambiado parasiempre los procesos de producción y consumo,ha transnacionalizado la economía, la política yla seguridad de los estados, ha logrado la inter-dependencia de países y bloques, ha abolido lasfronteras culturales, desdibujado las identidadesnacionales, instaurado la dictadura del discursoy la imagen únicas, ha fragmentado la historiade modo tal que las mayorías han quedado sinpasado conciente y sin futuro deseable, desola-dos y desorientados.

Hace unos pocos años, Roberto Aparici(2000) proponía la existencia de, al menos, diez

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mitos1 acerca de las TIC y la EAD, y a travésdel análisis de cada uno de ellos mostraba quedentro de las actuales condiciones planetarias– y sin desconocer la importancia de estos avan-ces – las TIC podían no sólo segmentar el accesode la población a la EAD sino que ésta podíaresultar cada vez más autoritaria mientras losmodelos pedagógicos y comunicativos nosufrieran profundas transformaciones. Ambassituaciones remiten al modelo ideológico al cualsirve y/o debe servir la educación, sin interesarsu modalidad.

Para la misma época, David Moursund(2004) lanzaba al mercado las diez ideaspoderosas2 que incidirían en el desarrollo de lasTIC dentro de la educación. De todas ellasresaltamos la conectividad y la comunicaciónen el ciberespacio como motores del conoci-miento y la integración de contenidos relaciona-dos con las TI aún en aquellas disciplinas queno son TI, como recursos del docente y laenseñanza y como reconocimiento a su condi-ción de transversalidad.

Resulta interesante observar la tensión entreambas propuestas y la carga que conllevan: yaque no es posible mostrar indiferencia ante lastecnologías ni su decisiva participación en la vidacotidiana bajo las más variadas formas, comotampoco es posible cifrar en su utilización eléxito de la gestión institucional y curricular. Partede esa tensión podría resolverse aprendiendo autilizarlas correcta, crítica y criteriosamentedurante la formación de grado.

En la última reunión del CREAD3, losrepresentantes de instituciones educativas delMERCOSUR y de otros países americanos,mostraron que el eje actual de la discusiónpasa ahora por los contenidos y los procesosde enseñanza. Esta laudable reorientación delas propuestas pareció mostrar tanto la com-prensión de que la calidad de la EAD no sereduce a la menor o mayor sofisticación de lasplataformas y demás componentes tecnológicosy, paralelamente, que los mismas ya han dejadode ser un objeto de estudio en sí mismos paraconvertirse en el soporte de diversos procesos.Se han transformado en los artefactos inteligen-tes de que habla Moursund.

Sin dejar de reivindicar el importante papelque desempeñan las TIC, sostengo que hoy másque nunca la EAD de calidad puede – y debe –ser desarrollada en todos los soportes necesariospara responder a las posibilidades de acceso ala educación de todos los aspirantes, indepen-dientemente de los requerimientos tecnológicosde que dispongan.

En este mismo contexto, que delineo contrazos muy gruesos, propongo recuperar losretos a superar por educadores e institucionesde EAD. Los que se mencionan más frecuente-mente remiten a la superación de los hiatos obrechas sociales, culturales, económicas y ge-neracionales que desarrollos tecnológicos desi-guales producen en los distintos países y quecondicionan la accesibilidad a las ofertas EADy, simultáneamente, al logro de procesos educa-tivos más flexibles, significativos y personali-zados que consoliden la credibilidad de la EADcomo modalidad educativa con especificidadespropias (SANGRÁ MORER, 2002; MENA,1999).

LAS CARAS DE LA EAD

Las condiciones de flexibilidad, significativi-dad y personalización de los procesos educativosa distancia están, en gran medida, en manos delos tutores. ¿Qué es un tutor? Los tutores,¿nacen o se hacen? ¿Qué funciones cumplenlos tutores? ¿Quiénes pueden ser tutores? ¿Los

1 Los mitos: Que las TIC producen bienestar universal entodo el planeta; Que con las TIC podemos cambiar la EAD,Que las TIC favorecen la comunicación entre todos, Elmito de la globalización, El mito de la sociedad de lainformación, El mito de la democracia y la interactividad,El mito de la libertad de expresión, El mito del libre merca-do, El mito de la participación en la red, El mito de laigualdad de oportunidades. (APARICI, 2000).2 Conectividad; artefactos inteligentes; procedimiento efecti-vo; interfaz de usuario; las TI como parte integral del conteni-do de las disciplinas que no son TI; solución de problemas conayuda de las TI; modelación y simulación; comunicación enel ciberespacio; empoderamiento de estudiantes mediante elaprendizaje basado en proyectos; aprender durante toda lavida, en cualquier lugar y en cualquier momento.3 CREAD: Consorcio Red de Educación a Distancia de lastres Américas, con sede en la NOVA Southern University deFlorida, USA.

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Tutorías: los rostros de la educación a distancia

tutores on line cumplen funciones diferentes alos tutores a distancia? Estas cuestiones y otrasrelacionadas nos ocuparán de aquí en adelante.

¿Qué es un tutor?

Para quienes alguna vez han practicado lajardinería, encontrarán que definir a un tutor eshacerlo en relación con cualidades tales comodefensa, cuidado, promoción, sostén, guarda,conservación.

En el ámbito de la educación a distancia, ladefinición de tutor remite a la persona designadapor la institución para establecer contacto conel alumno y, a través de una relación personal,facilitar a éste el desarrollo de todo su potencialintelectual y comunicacional. En la misma línea,Arizmendi Posada y González afirman que“tutoría es el servicio que presta el tutor a losalumnos, con el fin de orientarlos para queconozcan sus posibilidades y limitaciones frentea la actividad de aprender, con el propósito deguiarlos hasta la consecución eficaz de susmetas académicas y de su desarrollo personaly social” (ARIZMENDI; GONZÁLEZ, 1987).Estos mismos autores también señalan lapertenencia del tutor a una institución que brindaeducación desescolarizada.

Sin embargo, el tutor no enseña en el sentidoconvencional del término. No da clases ni produ-ce materiales. El tutor acompaña, orienta, guía,propone caminos alternativos si el estudiante losrequiere; el tutor contiene, advierte sobre situa-ciones complejas o conflictivas; a partir del co-nocimiento individual de los alumnos sugiere laformación de grupos de trabajo colaborativos ola conformación de redes con propósitos especí-ficos; evalúa y reorienta los procesos de aprendi-zaje del cursante para obtener mejores logros;procura conocer los motivos últimos que animana sus estudiantes para contribuir mejor al proce-so de significación del aprendizaje.

Finalmente, el tutor como persona es porta-dor de valores y los evidencia en cada contacto,sugerencia, propuesta: esto es lo que hace altutor único e irrepetible.

A pesar de todo lo dicho, creo que hay doscualidades tutoriales sobre las cuales nunca se

insiste lo suficiente: la primera es el genuinointerés por las personas que debe animar al tutory que conduce a la personalización del procesoeducativo característico de la educación a dis-tancia – me gusta decir, a raíz de lo anterior,que la EAD es la última oportunidad que tienela educación de personalizar sus procesos –; lasegunda es la capacidad de liderazgo y comuni-cación que permite el establecimiento de relacio-nes vinculares sólidas y próximas – a pesar dela distancia física – sobre las que se construyenluego productivos procesos de enseñanza yaprendizaje.

Es oportuno aquí advertir aquí acerca de losefectos que puede producir un tutor con necesi-dad de ejercer control permanente sobre loscursantes al punto de inhibir sus iniciativas, esdecir, un tutor capaz de asfixiar antes que dis-puesto a abrir puertas y vías de comunicación.Del mismo modo resultan nocivas actitudes talescomo la hiperexigencia constante o la insatis-facción permanente respecto de los procesos yresultados de aprendizaje de los estudiantes. Deigual modo, es posible encontrar tutores inse-guros y desconfiados que consideran cualquierdesviación a lo establecido como una agresiónpersonal.

Cualquiera de estos casos puede disimularun prejuicio acerca de la validez y confiabilidadde los estudios a distancia. Por ello, las institu-ciones oferentes deben estar alertas para detec-tar cualquiera de estos síntomas y adoptar lasmedidas adecuadas antes que incidan en losporcentajes de abandono, ya de por sí habitual-mente elevados.

Tutor ¿se nace o se forma?

La respuesta a este interrogante no es sim-ple, ya que las situaciones que involucran perso-nas son de por sí complejas. Por tanto, a lascualidades que mencioné anteriormente comocompetencias necesarias, como actitudes pre-vias que deben figurar en el inventario personalde cada aspirante a tutor, es necesario agregarlas habilidades que se desarrollan medianteadecuados procesos de capacitación.

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Resulta lamentable comprobar que, en gene-ral, la función del tutor se encuentra subvaloradaen las organizaciones de EAD. Esta situaciónes compartida con los profesionales de la edu-cación presencial, que padecen los efectos dela desvalorización social bajo la forma de bajossalarios, insuficiente formación, deficientescondiciones laborales. Este prejuicio acerca delas débiles funciones del tutor de EAD ha crecidoya que por definición, los tutores mantienenescasos contactos personales con sus estudian-tes y aún hoy hay quienes consideran que lasrelaciones pedagógicas no presenciales deman-dan menos esfuerzo, compromiso, preparacióny energía que aquellas que se desenvuelven caraa cara.

Estas mismas consideraciones sirven tambiénpara reclutar tutores entre estudiantes avanzadoso profesionales recientemente graduados, quienesaunque rebosen de entusiasmo y buenas inten-ciones aún carecen de la formación y experiencianecesaria para el desempeño de la tarea. En estoscasos, es recomendable un esfuerzo adicional enla capacitación y en la supervisión de las activi-dades que lleven a cabo.

Finalmente, las condiciones de trabajo nosiempre resultan las más adecuadas, no sólo porla cantidad de estudiantes a cargo de cada tutorsino por los honorarios que perciben. El tiempoy esfuerzo que demanda la tutoría para cadaalumno está en relación con el modelo pedagó-gico didáctico que sustente el programa. Lasdemandas resultarán cualicuantitativamente di-ferentes si hablamos de propuestas grupales,con actividades y evaluaciones de respuesta es-tandarizada o si nos referimos a propuestas contrabajo colaborativo en grupos pequeños o indivi-duales, con producciones originales, trabajo decampo y aplicaciones variadas. Estas considera-ciones deben estar presentes al momento dedefinir el tiempo de dedicación y los honorariosresultantes. No representa ninguna novedad quecuando las personas se sienten reconocidas yestimuladas, aumentan su sentimiento depertenencia institucional y el compromiso conla organización y todo el conjunto resultabeneficiado.

¿Qué competencias debe poseer untutor para lograr un buen desem-peño?

Especialmente debe conocer en profundidad:• la disciplina que va a tutorar, pero también• las características de intervención didáctica

en la modalidad a distancia como las estra-tegias de aprendizaje y enseñanza;

• las diferentes tecnologías con las que la insti-tución ha diseñado el servicio de informacióny el proceso de comunicación, su utilización,posibilidades y limitaciones.Estas tres áreas deben estar presentes en

cualquier proceso de capacitación inicial y debenser actualizadas periódicamente, en la medidaen que se modifiquen programas o se introduz-can nuevas TIC.

Respecto del conocimiento de la disciplina,no creo necesario abundar en el valor del cono-cimiento científico riguroso y de la actualizaciónpermanente tanto provista por la institucióncomo procurada por el propio tutor.

En cuanto al conocimiento de la modalidady el modelo pedagógico didáctico que subyaceal programa a tutorar, existe un área poco explo-rada por las instituciones que trabajan con adul-tos y es la psicología del aprendizaje de estafranja etaria.

Las motivaciones de los adultos para apren-der no son las mismas que las de los adolescen-tes o los niños, tampoco son iguales los modosde abordar el objeto de conocimiento ni lasestrategias y experiencias previas que se ponenen juego en ese momento. Es necesario que eltutor tenga un manejo hábil de estas característi-cas de modo tal que pueda proponer caminosalternativos adecuados a las particulares condi-ciones de cada estudiante.

Finalmente el manejo adecuado de las TICfacilitará comunicaciones fluidas, pertinentes, atiempo, permitirá una adecuada utilización delas mismas (¿han observado que en algunasoportunidades las herramientas para informarse utilizan para comunicar y a la inversa?), yresolverá inconvenientes técnicos sencillos quepuedan entorpecer la actividad de los estu-diantes.

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Tutorías: los rostros de la educación a distancia

Algunas recomendaciones puntuales que sepueden dar a los tutores son las siguientes:• inicie la relación con sus alumnos (debe

actuar como un pescador que sale en buscade su objetivo…)

• dé siempre una segunda oportunidad• nunca deje de responder a un mensaje,• hágalo dentro de las 24 hs. de recibirlo.

¿Qué funciones cumplen los tutores?

Las funciones tutoriales no se circunscribena las relaciones con los estudiantes… Es precisorecordar que la educación a distancia es unsistema interdisciplinario conformado por lossiguientes subsistemas: la tutoría, la producciónde materiales, la evaluación del aprendizaje ydel programa, la organización y administración,todos armonizados por un coordinador.4

las necesidades y posibilidades de los estu-diantes.• La primera función, la que define el rol de

tutor, es la relación con los alumnos. Al res-pecto, ya señalé que es la de proporcionarinformación académica, científica, tecnológi-ca, administrativa, así como motivar, asesorary evaluar a los estudiantes.

• Respecto de la producción de materiales, lasresponsabilidades del tutor se distribuyenentre los tutorandos y el programa. Para conlos primeros, debe leer completa, profunday críteriosamente todo aquello que se proveaa los cursantes de modo tal que esté encondiciones de responder satisfactoriamentea las consultas que se le hagan, así comoreorientar los procesos de lectura y preescri-tura (esquemas, cuadros) que realicen loscursantes. También deberá procurar por símismo lecturas y materiales complementa-rios que le permitan ampliar sus conocimien-tos y enriquecer su participación en foros ychateos y mejorar la estimulación y evalua-ción crítica del trabajo de los grupos colabo-rativos o la resolución de actividades. Paracon el sistema, su función será la de infor-mar acerca de los niveles de dificultad delos textos, actividades y bibliografía brindandoinsumos a los autores y diseñadores didácti-cos para facilitar el proceso de mejora con-tinua de los materiales.

• En relación con el subsistema de evaluación,los tutores no sólo aplican sino que calificanlas actividades de evaluación parciales y fina-les. En las actividades de evaluación parcia-les el tutor puede ser autorizado a modificar-las si la situación particular del alumno y/o

Debido a la articulación recíproca de loscomponentes del sistema y a la interdependenciaresultante, observamos entonces que los tutorescumplen funciones para con los estudiantes ytambién para con los otros subsistemas.

Veamos cuáles son unas y otras y cómo llegael tutor a comportarse como articulador entreel exterior (alumno y contexto) y el sistema, alobtener información acerca de su funciona-miento y eficacia y ajustarlo para responder a

4 La educación a distancia es un sistema interdisciplinario, endonde cada subsistema está conformado por profesionalesque interactúan dinámicamente entre sí para lograr el objeti-vo de brindar el mejor servicio EAD. Los especialistas quepor lo general intervienen son: el coordinador, que debe serun pedagogo con sólida formación en la modalidad, habidacuenta que se hace cargo de la gestión total del sistema; elespecialista en contenidos; el diseñador didáctico o instruccio-nal; el diseñador gráfico o multimedial; el especialista eninformática que podrá asumir las funciones de webmasterpara el trabajo con plataforma, redes y otras prestaciones; elespecialista en evaluación con orientación en evaluación dela calidad; el tutor.

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Ana Maria Schmid

de su proceso así lo requieren. Para el casode las evaluaciones finales, también podríahacerlo pero contando con la autorizaciónde la coordinación. Esta actividad tutorial loscoloca en condiciones de informar acercade la adecuación de los niveles de dificultadde cada ítem de las mismas, así como de supertinencia en relación con los objetivosiniciales y su consistencia en relación con losmateriales, bibliografía y actividades desar-rolladas durante el curso.

• En relación con el subsistema de organiza-ción y administración, el tutor ejerce unasuerte de control de gestión indirecto al cono-cer y compartir con los estudiantes las instan-cias relacionadas con inscripciones, calenda-rios de exámenes, requisitos para mantenerla situación de regularidad en los cursados,etc. En cierto modo el tutor representa parael estudiante la encarnación de las políticasinstitucionales y para la institución, la posibi-lidad de validación de las mismas.

• En cuanto al coordinador, el tutor represen-ta la cara y la voz de la institución. Es lacara ante los estudiantes y la voz de éstosante el sistema. Sus observaciones y suge-rencias deben ser evaluadas críticamente yaque es el nexo entre los propósitos de laorganización y los logros de los alumnos. Esconveniente sistematizar esas observacionesy registrarlas adecuadamente en formatosespecíficos.

¿Quiénes pueden ser tutores?

Nunca resulta demasiada la insistencia enla necesidad de seleccionar y formar adecuada-mente a los tutores si se desea asegurar el éxitode un programa. Ya hemos visto las importantesfunciones que desempeñan como interlocutores,orientadores, asesores y motivadores de loscursantes.

Ahora bien, no todos los programas cuentancon una estructura interdisciplinaria completani un financiamiento tal que permita la divisiónde roles y tareas. En otros casos, si bien secuenta con las condiciones adecuadas, la espe-

cificidad de las temáticas abordadas o las parti-culares características de los cursantes o laíndole del problema que resolverá el programaa distancia, ameritan otra combinación de fun-ciones.

Me estoy refiriendo a la posibilidad de con-centrar en un solo profesional las funciones deespecialista en contenidos, tutor y evaluador.Esta combinación muestra las siguientes venta-jas: el tutor posee aptitudes suficientes para mo-dificar y/o actualizar contenidos, puede transfor-mar actividades porque reúne la información delalumno, de la disciplinar y de la metodología,puede articular nuevas actividades y propuestasde trabajo, puede evaluar y calificar ponderandootros elementos de juicio.

Si el programa prevé encuentros presencia-les, este tutor que llamaremos integrado, es quiense encuentra en mejores condiciones no sólo decoordinar el evento sino de diseñar actividadesde aprendizaje que permitan la generación denuevas síntesis a partir de los logros previosobtenidos con el proceso a distancia.

También ha resultado valiosa la elección yposterior capacitación de figuras de autoridad.Con esta denominación me refiero a supervi-sores que se desempeñan como tutores enprogramas de capacitación de docentes o jefesde personal que lo hacen con sus empleados,por citar sólo estos ejemplos.

Si el proceso de selección logra evitar la in-corporación de personas con rasgos autoritarios,afectivamente distantes y más comprometidosconsigo mismos que con los objetivos institu-cionales, los resultados de su tarea suelen resultarpositivos para los cursantes, para el sistema ypara el contexto en general.

¿De qué tutorías hablamos?

De todas las que resulten adecuadas paracualificar la ‘distancia transaccional’ que existeen las relaciones educativas y que varía deacuerdo con la cantidad y calidad de los inter-cambios que se produzcan espontánea o planifi-cadamente por el tutor o por el diseño del progra-ma. Estas siempre deberán resultar adecuadas

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Tutorías: los rostros de la educación a distancia

a las características y posibilidades de los cur-santes y de la disciplina de que se trate.

En los albores de la educación a distancia latutoría se resolvía epistolarmente. El tutor secomunicaba con sus alumnos a través de cartasenviadas por el correo convencional, con losinconvenientes que hoy conocemos: disminuciónde la motivación por la lentitud del intercambio,dificultades para expresar adecuadamente lasdudas y respuestas que a veces no resultabantodo lo completas que se deseaban. Sin embar-go, pensemos en los comienzos del siglo pasado– o en épocas anteriores5 – y en el beneficio quela modalidad llevó a personas alejadas de lasgrandes ciudades, con inquietudes pero con obstá-culos de diferente tipo que la EAD franqueaba.Hoy el correo convencional está casi totalmentereemplazado por el correo electrónico y el fax.Sin embargo, hay recomendaciones a los tutoresque todavía resultan útiles, tales como:• Sea cuidadoso al escribir, corrija el escrito

cuantas veces sea necesario para asegurar-se de que dice exactamente lo que quieredecir y que además, lo hace claramente ysin errores ortográficos. Si la cuestión queestá tratando es particularmente delicada, so-licite a algún colega la lectura del mensajepara garantizar su amplia comprensión.

• Piense siempre que está hablando con otro…por carta. La tutoría siempre es un diálogomediado. Por tanto, no omita el saludo ni fra-ses introductorias; interrogue a su alumnoacerca de las dificultades que manifiesta eindague por otras posibles, utilice un regis-tro amistoso aunque formal, despídase ade-cuadamente. No vacile en explicar lo queresulte necesario aunque lleve algunas hojasy si debe incorporar materiales complemen-tarios o actividades extraordinarias, éste seráel mejor momento para hacerlo. Recuerdeque las ventajas que se obtienen de una flui-da comunicación, recompensan el tiempo queinsume la confección del texto. Estas reco-mendaciones resultan igualmente pertinen-tes para el tráfico electrónico.

• Responda siempre lo más rápidamente quepueda. No agregue tiempo a los tiempos delcorreo.

Otros recaudos debemos tomar cuando latutoría se hace por teléfono, por correo electró-nico con voz, con la ayuda de una webcam, porradio o grabadas en casete.

Estamos hablando de tutorías sincrónicas(teléfono, webcam) y asincrónicas (e-mail convoz). La radio puede ser utilizada de ambasformas, ya sea con canal abierto o con lecturao grabación de consultas.

Aquí las recomendaciones las refiero no sóloal uso de la voz.• Durante las primeras consultas con el tutor,

el alumno manifiesta algún grado de ansie-dad debido en parte a la expectativa de cons-trucción del vínculo. Por tanto, recíbalo conentusiasmo. Salúdelo, llámelo por su nombre,pregunte acerca de su situación general yparticular y, fundamentalmente, sonría. Lapersona que habla sonriendo se percibecomo un otro amistoso y predispuesto, es-pecialmente si esa sonrisa es sincera.

• Escuche atentamente lo que le dicen y lo quese callan. Ambos niveles de conversación sonimportantes. No interrumpa ni presione. Unavez que escuchó con atención (si es posible,vaya tomando notas de la consulta), respon-da pausadamente a cada uno de los puntos,verificando la comprensión de sus respuestas.No prometa nunca lo que no pueda cumplir.

• Cumpla con su horario de atención telefónica.Es muy lamentable y desmotivador esperarel día y el horario establecido para la con-sulta y encontrar que el tutor está ausente.Piense que hay personas que deben trasla-darse muchos kilómetros para efectuar unallamada telefónica. No los defraude.

• En el caso de los medios asincrónicos, cuideel tono y la modulación de las palabras, seacoloquial pero preciso e incorpore en su dis-curso los principales conceptos que se estántratando en el programa. Piense que tantoen la radio como en el e-mail con voz o através del casete grabado puede haber una

5 ¿Cuándo nació la EAD? ¿De qué fecha es su partida denacimiento? Existen varias alternativas para escoger: elnacimiento de la escritura, la invención de la imprenta, lacreación del primer sello postal, la demanda de los colonosingleses en Australia reclamando educación para sus hijos yla respuesta bajo la forma de envíos por correspondencia…

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Ana Maria Schmid

audiencia desconocida a la que también be-neficiar. Para el caso específico de la web-cam, no olvide mirar directamente a la cáma-ra y sonreír. Es la llave para establecer unacorriente empática significativa.En cuanto al uso de la videoconferencia, la

televisión o los videos, la primera es el vehículopara una tutoría sincrónica del tipo uno-a-uno ouno-a-muchos, la segunda puede ser utilizadade cualquiera de ambos modos y el tercero eseminentemente asincrónico.

Como estos medios reúnen audio e imagen,redes, movimiento y color, es interesante utilizar-los adecuadamente. Con ello quiero decir queesta oportunidad de conocer al tutor, verlo,observar cómo se mueve y gesticula, escucharsu voz y verificar dónde enfatiza más su dis-curso, es importante. Tan importante como apro-vechar el medio para construir o mostrar esque-mas, gráficos, láminas, imágenes, a otros cursan-tes o tutores, al especialista en contenidos o alespecialista en evaluación. Es decir, no adoptarel estilo de ‘busto parlante’ o de ‘conversaciónen el estar de la casa’ que resulta monótono ypoco provechoso. Es sumamente gratificantepara educadores y estudiantes disponer de tec-nologías avanzadas para apoyar el proceso deaprendizaje. Pero resulta más estimulante aúncuando las mismas son correctamente utilizadas,respetando los lenguajes que les son propios.

¿Y el tutor on line?

Participa de las características y merece lasrecomendaciones dadas para los tutores adistancia que utilizan otras tecnologías diferentesa las electrónicas.

Sin embargo, siguiendo a Adell y Siges(1999) resulta apropiado hacer aquí algunasconsideraciones acerca de la distancia transac-cional, los procesos de interacción, el controlde los procesos y el contexto social.

Ya mencioné que la distancia transaccionales la cantidad y calidad de las relaciones que seestablecen entre el tutor y el cursante. Esta dis-tancia percibida se modifica drásticamente cuan-do el alumno siente que cada vez asume mayorcontrol sobre su propio proceso de aprendizaje y

cuando percibe que este control está en relacióncon la calidad de los intercambios con el tutor.Es por estas situaciones que la educación adistancia es una modalidad personalizante.

Los procesos de interacción en los estudioson line se realizan entre los estudiantes y entrelos estudiantes y el tutor. Prefiero reservar eltérmino interactividad para la relación que esta-blece el estudiante con la interfase comunicativasobre la que se desarrolla el programa.

También aquí es el tutor el encargado de‘tirar la primera piedra’, de comenzar el juego,de estimular a los cursantes para participar enconversaciones electrónicas, en foros, o simple-mente a través de intercambios por e-mail. Eltutor es como un pescador que arroja la redcada semana en procura de contactos con susestudiantes. No espera a que lo llamen, va haciaellos con solicitud y compromiso.

En ese arrojar la red, deberá poner especialcuidado en respetar las condiciones del contexto,especialmente del contexto social: no es infre-cuente encontrar cursantes que se inhiben antela sola posibilidad de manifestarse por escrito oque reconocen desventajas en este sentido. Serápreciso procurar alternativas y/o asumir las difi-cultades con mesura y procesualmente, brin-dando indicaciones y sugerencias para la mejorade la escritura.

CONCLUSIÓN

Si bien ya hemos ingresado en la era de lasrespuestas automatizadas y hace mucho tiempoque existen los tutorials, creo que la educación adistancia, para continuar llamándose así, seguirárequiriendo de la figura del ‘tutor humano’.

Seguramente será preciso ajustar los diseñosdel subsistema tutorial, mejorar las condicionesde trabajo, proveer a una mejor selección y auna capacitación permanente de los tutores comomiembros del equipo que diseña y desarrolla elprograma.

Pero la función del tutor como agente vincu-lante entre el medio exterior y el equipo EADcontinúa prevaleciendo a la hora de estimular,orientar, personalizar, contextualizar y resignificarcon el alumno los procesos de aprendizaje yenseñanza.

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Recebido em 30.09.04Aprovado em 19.11.04

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Adriane Lizbehd Halmann

RESUMO

Os diários eletrônicos (blogs) apresentam-se como um meio promissor paraviabilizar a reflexão docente, propiciando um ambiente para práticacompartilhada e para a construção cooperativa de novos saberes. Este é otema de pesquisa de Adriane L. Halmann no seu trabalho de mestrado noPrograma de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia,orientada pela professora Maria Helena Bonilla. Este artigo pretende, apósuma breve introdução, tratar sobre o professor como um participante reflexivo,que, continuamente, pensa a prática articulada com a teoria. Em um segundomomento, abordam-se as tecnologias e suas implicações no contexto educativocomo alternativa para uma outra educação que leva em conta a complexidadeda sociedade e dos seus movimentos. Assim, em um terceiro momento, trazem-se os diários eletrônicos como meio de, não só registrar a prática, mas torná-lareflexiva e partilhada, que busca soluções de problemas comuns. Comoperspectivas, conclusões, vê-se a possibilidade de este meio (os diárioseletrônicos de prática de ensino), vinculado a outros veículos de comunicaçãoe produção (listas de discussão, fóruns, mural, editores de texto coletivo), seapresentar como um convite à aprendizagem cooperativa, fundante de umasociedade aprendente.

Palavras-chave: Formação de professores – Diários Eletrônicos – Tecnologiasde Informação e Comunicação – Prática educativa reflexiva

ABSTRACT

TEACHER’S BLOGS: Stories which Intersect in Learning Society

Blogs appear to be a promising tool to facilitate teacher’s thinking, providing aplace for shared practices and for the cooperative construction of newknowledge. This is the research theme of Adriane L. Halmann in her masterthesis (Universidade Federal da Bahia, director: Maria Helena Bonilla). Thispaper aims first at considering the teacher as a reflexive participant who,continually, thinks practice in an articulated way with theory. We will thenapproach technologies and their implication in educational context, as analternative for another education which considers the complexity of societyand its dynamics. Finally, we will analyze electronic blogs as ways not only to

DIÁRIOS (ELETRÔNICOS) DE PROFESSORES:

histórias que se cruzam na sociedade aprendente

Adriane Lizbehd Halmann *

* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Grupo de Pesquisa em Educação, Comunicação e Tecnologias,Universidade Federal da Bahia. Endereço para correspondência: GEC, Faculdade de Educação – UFBA, Av. ReitorMiguel Calmon, Vale do Canela, s/n. – 40110-100 Salvador/BA. E-mail: [email protected].

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Diários (eletrônicos) de professores: histórias que se cruzam na sociedade aprendente

Introdução

Escrever sobre a prática educativa é um inte-ressante exercício para refletir sobre o que seestá fazendo e as conseqüências disto no con-texto educacional. Essa reflexão da prática ena prática, como processo contínuo e de for-mação, aliada à troca de experiências, pode faci-litar e tornar mais coerente as transformaçõesdo instituído, auxiliando na construção de umanova epistemologia da prática, na construçãode saberes e resoluções de problemas.

A escola e os professores, inseridos em umasociedade complexa, devem estar atentos àssituações novas que surgem a cada dia, devendoestar dispostos a repensar suas atividades eabertos a novas formas de educar. Aparecemcomo promissores, novos espaços e meios parapromover diferentes saberes, as muitas culturase novas educações. Isto acontece ao mesmotempo em que surgem, em uma velocidade cadavez maior, inovações tecnológicas que estãocada vez mais presentes na vida das pessoas,intervindo no modo de fazer coisas que já sefaziam e possibilitando o fazer de coisas queantes não eram sequer pensadas.

Este permanente estado de mudança nostraz para uma era de incertezas, um estado dedesapossamento, que nos indica a necessidadede pensarmos uma formação de professoresque dê espaço para olhar as práticas educativasem uma perspectiva crítica, disposta a repensarconceitos e práticas instituídas, que reconheçaa importância de se estar levando em conside-ração o mundo que envolve o aluno, disposta aconversar sobre a prática (leia-se estar compro-metido também com a prática dos outros e abrira sua prática para críticas dos outros), disposta

a reformular a prática. As tecnologias de infor-mação e comunicação podem auxiliar nesseprocesso, sendo necessário repensarmos os usosdestas, considerando novas possibilidades, taiscomo a reflexão partilhada e a aprendizagemcooperativa no processo de formação (inicialou continuada) de professores.

Pensando nisto, estamos propondo o uso dediários de bordo / diários de classe (onde osprofessores registram seus planejamentos e areflexão sobre a prática) na web, visando inves-tigar a possibilidade destes atuarem como meiopara publicar experiências e reflexões, bem co-mo a troca de informações e reflexões coletivas.Pensa-se este como um espaço onde os profes-sores atuem trocando informações, colaborandouns com os outros e construindo, cooperativa-mente, novos saberes e respostas a problemascomuns, rumo a uma nova educação, rumo auma escola aprendente.

Professor como participantereflexivo

É inconcebível pensar a educação fora deum contexto, que tem complexidades, proble-mas, incompletudes. Ver essas incompletudespede do professor uma posição disposta à mu-dança, um processo contínuo de formação mú-tua, em que, como aponta Freire (1996), o for-mador se faz formando quando forma.

Essa atitude disposta à transformação doinstituído é viabilizada pela postura investigativa,curiosa, questionadora, inquieta e prática refle-xiva. Escrevendo e conversando com outrosprofissionais, o professor pode clarificar seusproblemas e planejar de um modo mais adequa-

register practice but making it reflexive and shared, looking up for solution tocommon problems. We conclude to the possibility for the blogs, linked to othertools of communication and production (lists, forum, and collective wordprocessing) to present an invitation to cooperative learning, which is the baseof a learning society.

Keywords: Teachers formation – Blogs – Information and CommunicationTechnologies – Reflexive educational practice

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do. A reflexão ajuda a pôr juntos pedaços paraformar uma educação mais efetiva (PETERS,2004).

A insatisfação da prática pode ser promis-sora no sentido de motivar o professor pararefletir, observar os alunos, sua postura, a escola;buscar leituras de autores e tentar “ler” a reali-dade. A reflexão, ao contrário da ação-rotina,implica em um espírito aberto, disposto a falare a ouvir com sinceridade, com um espírito deresponsabilidade, ciente de seu compromissopolítico (DEWEY, 1959; ZEICHNER, 1993;KINCHELOE, 1997). Ao repensar a prática, oprofessor está olhando para quem está direcio-nado seus esforços, o que essas pessoas que-rem e precisam, como atingir objetivos. Umtrabalho transformador, disposto a questionar-se, avaliar-se e reformular a prática (HYPO-LITTO, 2004).

Um exercício interessante para refletir sobreo que se está fazendo e suas conseqüências nocontexto educacional, é a escrita (MARQUES,2001). Ela, aliada à troca de experiências, podefacilitar e tornar mais coerente as transforma-ções do instituído, auxiliando na construção deuma nova epistemologia da prática, na constru-ção de saberes e resoluções de problemas(PERRENOUD, 2002).

Essa escrita pode estar orientada em umdiário (PORLÁN, 1997), onde ficam registradosos planejamentos, as ações, as angústias, cren-ças e (in)certezas, os medos, as raivas, esseconjunto que faz do professor e de sua práticaeducativa, única, singular, ao mesmo tempo queparte de um todo. É o processo de juntar pensa-mentos e experiências, colocar em ordem (se éque ela existe), articular isto com teorias, exami-nar e aprender com isto.

Reiman (1999) defende que a prática refle-xiva passa pela descrição, análise, explanaçãoe reflexão. Isto se traduz em contar como ocorreo processo de ensino-aprendizagem (ver, clarifi-car os problemas), pensar em soluções/alterna-tivas para os problemas, examinando o que éefetivo ou não, comunicação (oral ou escrita)dos efeitos desse processo, além da identifi-cação dos significados e das significações daprática.

Isso só é possível quando é criada/estabele-cida uma cultura de reflexão na e sobre a ação(SCHÖN, 1983). Refletir na ação é olhar paraver o problema, observar a reação dos alunos eutilizar isto para ajustar as ações. A reflexãosobre a ação ocorre antes da aula, quando faze-mos o planejamento, e depois, quando conside-ramos o que aconteceu.

A reflexão implica na imersão consciente dohomem no mundo de sua experiência, um mundocarregado de conotações, valores, intercâmbiossimbólicos, correspondências afetivas, interessessociais e cenários políticos; supõe um sistemáticoesforço de análise, que captura e orienta a ação.Implica no enfrentamento dos não saberes, dopensamento em uma ação educativa maisprovocadora e instigante, que “envolve o examecuidadoso de toda crença ou espécie hipotéticade conhecimento, aspirando à construção designificações” (MARTINS, 2004).

A reflexão denota para o reconhecimento do pa-pel ativo dos educadores, a valorização de suaspróprias teorias pautadas na riqueza da experi-ência de sua ação pedagógica, e a necessidadede um processo de aprender a ensinar que seprolongue durante toda sua carreira profissio-nal. (MARTINS, 2004)

Peters (2004) fala da reflexão como um pro-cesso de descrição, análise/interpretação e deatitude. Em um primeiro momento, se descre-veria em detalhes a ação (o que cada um fez,quais foram as reações, o que as causaram, oque funcionou e o não funcionou, quais evidên-cias existem de que os alunos estão apren-dendo...). Depois, se partiria para um processode análise e interpretação, que é quando tenta-mos simbolizar/representar o motivo de o queaconteceu e o que poderia ter acontecido,tentando ver isto por diferentes perspectivas earticulando com teorias (quais são os outrosmodos de olhar para o que aconteceu, quaisteorias podem ajudar a entender melhor o queaconteceu, isto tem relação com fatos anterio-res, posso analisar isto mais profundamente).Segundo o autor, isso daria condições para oque ele chama de “take a intelligent action”,que é o que acontece quando fazemos estemovimento pensando em como gerar atitudes

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Diários (eletrônicos) de professores: histórias que se cruzam na sociedade aprendente

transformadoras do ambiente de aula. Assim,ele também indica os diários como um consis-tente caminho para a reflexão.

Efetivar a reflexão oferece um auxílio parao melhor conhecimento de si mesmo, dosmomentos significativos dos percursos profissio-nais e pessoais do professor (NÓVOA, 1992).Dá subsídios para analisar os motivos que origi-naram sua prática, as formas atuais como sepode refletir sobre seu desempenho no sentidode superar-se e ser cada dia melhor professor-pessoa, na visão muito particular como se arti-culam estes dois sujeitos dentro de si mesmo(KENSKI, 1997)

Tecnologias e suas implicações nocontexto educativo

Quando retomamos alguns aspectos históri-cos, vemos que a sociedade vem se reconfigu-rando, contínua e mundialmente. Um conjuntode fatos históricos desencadeou uma série deprocessos sociais e políticos que caracterizamnossa sociedade atual. Os meios de transportee comunicações facilitam e agilizam a produção,venda e distribuição de produtos, o que aceleraas transformações econômicas e sociais.

Algumas tecnologias, estrategicamente, sãodesenvolvidas cada vez mais rapidamente. Orádio e a televisão (comunicação unidirecional,um-todos) se fazem presentes na maioria doslares e influenciam diretamente algumas deci-sões das pessoas. O telefone (comunicação um-um) é uma ferramenta que facilita – ou podefacilitar – a vida das pessoas. E o computador,que primeiramente era visto como uma grandemáquina de calcular, inútil ao usuário “domésti-co”, fica cada vez mais leve e menor (chips),assim como passa a interagir com o usuário(teclado, monitor...) a ponto de este conseguirinserir dados e manipulá-los com facilidade. Ossoftwares se encarregaram de dar uma aplica-ção do computador ao usuário que precisavacalcular, monitorar e manipular informações comrapidez. A digitalização, simulação e hipertextua-lidade, associadas a computadores ligados emredes (comunicação multidirecional, todos-

todos), fazem desta uma máquina cada vez maispresente na vida das pessoas, necessária.

O desenvolvimento dessas tecnologias pare-ce encurtar distâncias, globalizar, e nos mostraum universo de culturas singulares que se(re)constroem em uma época de dilúvio infor-macional, que demonstra a pluralidade, a diver-sidade e a desigualdade entre os grupos. Essedesenvolvimento traz novas possibilidades, comoa TVDigital (que permite a interatividade ecomunicação todos-todos através de um aparelhode tv), novos softwares (que deixa de ser deinteresse puramente técnico para, por vezes, serconsiderado até movimento social, como acontececom os Projetos Software Livre espalhados pelopaís) e as comunidades virtuais, que vemrevolucionando os relacionamentos interpessoais.

Este contexto aponta novas necessidades,causando certo desconforto para os queacreditam nas ditas ‘verdades científicas’ crista-lizadas (SIQUEIRA, 1999) e, ao mesmo tempo,gera um ‘estado de desapossamento’ (LEVY,1999a), que pode ser promissor, alternativa parauma educação que leva em conta a comple-xidade da sociedade e seus movimentos.

Nunca se falou tanto e tão genericamentede tecnologias, o que traz as mais diversas inter-pretações e aplicações do termo, que, por vezes,atingem resultados inovadores e, por outras, aca-bam por fazer as mesmas coisas, mas comrecursos novos. Isto nos faz deter um pouco deatenção para o que é Tecnologia e, conseqüen-temente, Tecnologias de Informação e Comuni-cação (TICs), Tecnologias Educacionais (TEs)e ‘Novas’ Tecnologias (NTs).

Por muito tempo cultivamos a cultura de oque é novo é bom e que todos devemos aban-donar os sistemas tradicionais para adotar oinovador. Mas será que o novo sempre é bom?Para que adotar o novo? Para fazer o velho deum modo mais “na moda”? E se resolvermostrabalhar com a Inclusão Digital (que soa semsentido se falarmos sem levar em conta umaInclusão Social), devemos pensar para quem édirigido isto, com que propósitos, incluir onde(BONILLA, 2002a).

Muitas vezes, nesta busca da troca pelo novo,chegamos à conclusão de que o ‘velho’ não é

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Adriane Lizbehd Halmann

tão ruim. Outras vezes, temos a certeza de queos recursos, espaços, meios e métodos de quedispomos não nos servem mais. Mas como agiraté que tenhamos novos espaços, técnicas emétodos? De quem estes devem vir? Comtantas possibilidades, deveríamos (ou podería-mos) esquecer os espaços não formais de apren-dizagem?

Com todas estas novas tecnologias, nosvemos diante de uma diversidade de modos defazer educação. Podemos fazer Educação adistância (o que já era feito antes deste boomtecnológico) e, além disso, fazer educação emdiferentes espaços e tempos, tornando as açõesem EAD e presencial cada vez mais intrínsecasuma da outra, cada vez mais difícil (e até injusti-ficável) a sua cisão.

Caminha-se para que nos comuniquemosmais (e mais eficientemente), colaboremos unscom os outros, estabeleçamos sistemas decooperação para a construção coletiva de obje-tos comuns. Porém, só conseguiremos caminharrumo a uma inteligência coletiva, se repensarmosa educação e a formação dos professores, noponto em que se insere o tema do projeto quegerou este artigo: os diários como convite àreflexão docente e possibilidade de aprendi-zagem cooperativa.

Nessa perspectiva, toda a comunidade esco-lar, em especial os professores, deve estar aten-ta às novas formas de educar, ressignificar espa-ços e metodologias que levem em conta as diver-sidades em um contexto global (não universa-lizante, não homogêneo).

Diários: prática reflexiva partilhada

É necessário pensarmos uma formação deprofessores que dê espaço para olhar as práticaseducativas em uma perspectiva crítica, dispostaa repensar conceitos e práticas instituídas, quereconheça a importância de se estar levandoem consideração o mundo que envolve o aluno,disposta a conversar sobre a prática (leia-seestar comprometido também com a prática dosoutros e abrir a sua prática para as críticas dosoutros), disposta a reformular a prática. As

tecnologias de informação e comunicação po-dem auxiliar neste processo, sendo necessáriorepensarmos os usos destas, considerando novaspossibilidades, como a interatividade, as comuni-dades virtuais, a construção coletiva através deinformações partilhadas.

A idéia é utilizar os diários eletrônicos, nãosó para registrar os planejamentos (o que já erafeito nos diários de navegação – um dos primei-ros diários amplamente difundidos – Oliveira,2004) e as reflexões, e sim, para poder partilharesses saberes e articulá-los com os recursosdisponibilizados pelas tecnologias contemporâ-neas, especialmente a web.

Isto faz com que esta não seja mais umaexperiência educativa isolada, sem repercussãosocial. Um aspecto para o qual temos de dirigiresforços é a socialização e a difusão dos conhe-cimentos em educação, pois, hoje, não faz maissentido reconstruirmos grandes bancos de dadosa partir do zero, e sim verificar o que já existe,trocar idéias, partilhar, adaptar para contextosespecíficos, experimentar e reunir esforços emum movimento convergente à ampliação dossaberes.

Lévy (1999a) aponta que é necessário, naeducação, estabelecer-se uma nova relação como saber. Estamos em uma época em que é sur-preendente a velocidade de surgimento e derenovação dos saberes; pela primeira vez nahistoria, a maioria das competências adquiridasna formação inicial de uma pessoa, estarãoobsoletas no fim de sua carreira (ou até bemantes disso). Assim como os saberes são produ-zidos rapidamente, eles também são transmitidosa outras pessoas, sendo assim produzidos novossaberes, o que, associado às tecnologias intelec-tuais que amplificam, exteriorizam e modificamnumerosas funções humanas (memória – bancode dados, hiperdocumentos; imaginação – simu-lações; percepção – sensores digitais, telepre-sença; raciocínios – inteligência artificial), de-monstra-nos uma nova perspectiva na formaçãode novos saberes, tanto como forma de aprendi-zagem ou trabalho: a Aprendizagem Coope-rativa Assistida por Computadores. A aprendi-zagem cooperativa parece ser a direção maispromissora, que, por sinal, traduz a perspectiva

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de uma inteligência coletiva para a humanidade.O aprendizado firma-se tanto pelos formandoscomo pelos formadores, que atualizam continua-mente seus saberes, não apenas os “disci-plinares”.

Isto é possibilitado, inclusive, pelas redes, queampliam as possibilidades de comunicação, queacentuam e generalizam outras e novas possi-bilidade de ser e agir, no momento em que pro-cessos e estruturas organizam e movimentam,em escala mundial, as perspectivas do indivíduo.

Esta nova configuração pede uma atençãoespecial aos processos de formação de profes-sores. Se esperamos que ele seja um ‘animadorda inteligência coletiva’, é necessário que eleconsiga participar efetivamente desta ‘constru-ção coletiva da inteligência’.

Paulo Freire (1996) nos aponta a importânciado processo contínuo de formação, ou seja, oformador se faz formando quando forma. Isto,porém, só se efetiva quando existe uma reflexãosobre a prática, o que é proposto por Porlán(1997) quando ele fala sobre os diários, nãoapenas como forma de relato (utilizado naspráticas de ensino), mas como forma de reflexãosobre as ações (e reações) das práticas, os senti-mentos, as angústias, que fazem do professor-pessoa (se é que é possível fazer a cisão destesdois sujeitos) inquieto, investigativo, pesquisadore participante.

Porlán (1997) lembra que a mudança naforma de pensar não altera, por si só, a maneirade atuar; porém, dificilmente mudaremos nossaforma de atuar sem refletirmos sobre nossasconcepções.

Além disso, o diário pode ser uma construçãoem equipe. Isto pode ser imaginado na forma deuma reunião na escola, ou em uma comunidadevirtual, refletindo sobre a ação. Assim, quandoampliamos o horizonte e compartilhamos críticae rigorosamente em uma equipe, os problemaspassam a não ser somente os meus problemas:são problemas compartilhados e melhor objetivá-veis. Esse intercâmbio de pontos de vista deveriaabarcar as visões que os professores têm de suaautonomia profissional, a opinião que têm dosistema educativo, dos alunos, dos outros profes-sores, dos esquemas de conhecimento que

possuem, suas crenças, os obstáculos queencontram, suas necessidades e condutas queapresentam frente aos problemas. Isto propor-ciona um novo “desenho” da realidade:

El intercambio, la contrastación y el análisis delos aspectos mencionados facilitan la ampliaciónde los puntos de vista iniciales y favorece, portanto, la evolución de las concepciones. Estasnuevas ideas deben traducirse en el diseño deuna nueva intervención, los cambios en las ideas(“el saber”) han de tener un reflejo de los cambiosen el programa (“en el saber hacer”). (PORLÁN,1997, p. 38)

Este novo desenho, ainda, não deveria dar-se apenas sobre os problemas concretos,podendo ampliá-los para uma escala mais global.

El diseño de la nueva intervención no deberíacentrarse sólo en el tratamiento de problemasconcretos, ya que éstos están inmersos en uncontexto que generalmente determina el origeny las causas de los mismos... Por tanto, esdeseable que, partiendo de los problemas con-cretos detectados en las reuniones de equipo, eldiseño de la nueva práctica se aborde desdeplanteamientos más globales, a través de laelaboración y experimentación de centros deinterés o unidades didácticas. (PORLÁN, 1997,p. 39)

Esta colocação nos indica a importância dosmúltiplos canais de comunicação, como as Lis-tas de Discussão, que abordam problemáticasemergentes da realidade que causam inquie-tação; Fóruns; que possibilitam, inclusive, abriro diálogo para além da disciplina; ou ainda comoa construção conjunta de novos saberes, comoartigos coletivos (propiciados pelas plataformas/ferramentas de escrita coletiva/colaborativa).

Pensando nessas possibilidades, foi construí-do o seguinte projeto: “Diários da prática peda-gógica como dispositivo para a reflexão parti-lhada e aprendizagem cooperativa : análise deexperiências com diários eletrônicos”, que con-sidera os seguintes problemas de pesquisa:1. partindo de experiências de relatos/reflexões

docentes (diários) existentes em meios ele-trônicos (internet), verifica-se se estes ser-vem/se prestam para promover/facilitar aprática educativa reflexiva, partilhada noprocesso de formação de professores;

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2. esta prática educativa reflexiva partilhadapode encaminhar um processo de aprendi-zagem cooperativa (construtos de objetoscomuns). Se esta acontece, como ela se dá?Sendo assim, a pesquisa pretende:

1) identificar experiências que dêem espaçopara relatos/reflexões sobre a prática docen-te (diários) em meios eletrônicos e verificarse/como propiciam um ambiente que auxi-lie/facilite a formação de professores comuma prática reflexiva partilhada;

2) verificar se são estabelecidas trocas de in-formações entre/a partir dos diários (refe-rências de uns em outros) e se/como estassão utilizadas para a construção conjunta desaberes novos e respostas a problemas.Este projeto de pesquisa pretende estudar

casos de diários eletrônicos sobre a prática deensino, visando investigar se/como podem serum espaço para reflexões partilhadas e quepromovam construções de objetos comuns. Estapesquisa surge da preocupação com a formaçãode professores, no sentido de que esta sejacontextualizada (levando em consideração aspossibilidades das tecnologias existentes) e queremeta a uma prática reflexiva dialógica. Pre-tende-se utilizar como espaço de pesquisaalguns ambientes disponíveis na internet, sendoque será realizado um levantamento de ambien-tes existentes para que se possa selecionar osmais propícios para a pesquisa.

Os ambientes, publicamente disponibilizadosna internet, podem ser estruturantes de análisessobre os relatos e reflexões sobre as práticasde docentes que não têm localização geográficanecessariamente determinada. As pessoas en-volvidas no processo são, assim, professores quese dispõem a relatar publicamente, através dediários eletrônicos (na web), suas práticas, per-mitindo que haja reflexões, o compartilhamentodestas, além da possibilidade de construçõescoletivas. Após identificar ambientes que dêemespaço para que os professores disponibilizemrelatos de práticas e reflexões, podendo partilhá-las e construir sobre isto, serão escolhidos algunsambientes.

Para escolher tais ambientes, estará se le-vando em conta a significatividade desses am-

bientes (relevância para o contexto educativo),as perspectivas de continuidade (que estejadisponível, pelo menos, durante o período de coletade dados) e se esses ambientes possibilitam ainteração entre os professores e a vinculação aoutros meios de comunicação. A coleta serárealizada através de ambientes virtuais, verifican-do o que está disponível na internet.

Nos ambientes, estará se olhando para osdiários, se estes possibilitam (e de que maneira)a reflexão sobre a e na prática, de forma partilha-da. Busca-se identificar, nos diários, fluxos deinformações e referências de outros diários, alémde verificar elementos que demonstrem a preo-cupação em repensar a prática em um processocoletivo.

Vinculando isto a outros ambientes, preten-de-se propor chats, fóruns, listas de discussão,a fim de captar as mesmas informações citadasanteriormente, fazendo um acompanhamentocontínuo do processo de construção dos diáriose das reflexões, das conversas e construções.

Assim, pretendemos analisar os diários comodispositivo para relato, partilha, reflexões econstruções conjuntas.

Quem sabe seja utopia, mas os diários ele-trônicos de prática podem se estabelecer comomeio de formação e comunicação, onde nãoapenas professores em formação inicial, masaqueles que já estão em atuação, possam efetivaruma reflexão partilhada baseada nas práticas deuns e outros professores, que também têm angús-tias e esperanças, assim como problemas que osfazem ir adiante...

Perspectivas: construção de sabe-res comuns

A nova sociedade configura-se como umamassa fluida, móvel, que vai tomando as formasdos grupos num universal intotalizável, que vaise moldando e se fazendo uma “sociedadeaprendente”. O presente contexto, formado porvisões singulares, pede uma construção quevalorize o individual em um coletivo. Tudo istosinaliza uma nova perspectiva para a educação:o uso das tecnologias de informação e

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comunicação como forma de desencadear aaprendizagem cooperativa e construção de co-nhecimentos rumo a uma inteligência coletiva.

Pensando nisso, estamos propondo o uso de‘diários de bordo’ / ‘diários de classe’ (onde osprofessores registram seus planejamentos e areflexão sobre a prática) na web, visando inves-tigar a possibilidade destes atuarem como meiopara publicar e partilhar experiências e refle-xões. Mais ainda, a combinação/articulação comoutros canais de produção e comunicação podecompor o processo de forma mais efetiva. Pen-sa-se este como um espaço onde os professoresatuem trocando informações, colaborando unscom os outros e construindo, cooperativamente,novos saberes e respostas a problemas comuns.

Sabemos, porém, que não basta termos boasferramentas (e podemos encontrar várias ferra-mentas, que atendem ou não, em diferentesníveis, certas necessidades), é necessário mudaro jeito de “fazer educação” em vários aspectos.As tecnologias, por exemplo, são cada vez maispresentes na vida das pessoas, logo, não fazsentido utilizá-las como meras ferramentas parafazer de um jeito “mais na moda” as mesmascoisas que se fazia antes. Ou utilizá-las comoalgo à parte, como uma disciplina ou apenasaquele instrumental que nos permite “digitar umtexto”. De nada adianta comprar novos “atrati-vos” para fazer a velha educação, que se sabe

que não funciona assim tão bem. (BONILLA,2002)

Ao professor também não cabe a soluçãode todos os problemas do mundo, mas é neces-sário que ele se saiba como “ser” no mundo eseja consciente de sua atuação em seu contexto.É por esta razão que nós pretendemos analisaralternativas que propiciem/facilitem a reflexãodocente, coerentemente com as necessidadese possibilitadas que nos são colocadas (e cons-truídas por nós) na sociedade atual. Mas, talvez,o mais difícil seja mudar toda uma cultura jáinstituída de que o professor é um ser pronto,que “transmite” saberes superiores e acabados,inquestionáveis. É necessário que parta do pro-fessor a vontade/necessidade de mudar o instituí-do. É a atitude inquietante que o vai levar abuscar alternativas para seus problemas, paraa qual acreditamos que as reflexões nos diárioseletrônicos sejam promissoras.

A práxis pedagógica só vai ter um sentidosocial no momento em que nos comunicarmos econstruírmos conhecimentos cooperativamente,levando em consideração os saberes da co-munidade inserida no global, com diversidades,conhecimentos não lineares, compartilhandonossas angústias e saberes em uma sociedadeque abra espaço para uma ‘moldagem conjun-ta’, que permita a construção de saberes comuns,aplicáveis à resolução de nossos problemas.

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Daniela Maria Barreto Martins

RESUMO

O presente artigo busca trazer à tona reflexões acerca do binômio identidade-diferença nos contextos educativos-formativos contemporâneos, marcados pelocrescente desenvolvimento tecnológico. A partir da análise de acontecimentoscomo a dilatação dos espaços de relacionamento e informação, com o incrementodo ciberespaço e da popularização das mídias de massa, apresentamos algunsaspectos cruciais que demandam novas formas de conhecer e educar, agregandoforças socialmente ativas e diferenças culturais.Palavras-chave: Diferença – Ciberespaço – Mídias de massa – Entre-lugares– Educação

ABSTRACT

IDENTITY-DIFFERENCE, INFORMATION AND COMMUNICA-TION TECHNOLOGIES AND GROUPS CULTURE: the interstitialcontexts as agents of change

This paper aims at provoking reflections upon the binomial identity-differencein the contemporary educative contexts, framed by the growing technologicaldevelopment. From the analysis of event like the dilatation of relationship andinformation spaces, the implementation of cyberspace and the popularizationof mass media, we present some crucial dimensions which require new waysof knowing and educate, aggregating forces socially active and culturaldifferences

Keywords: Difference – Cyberspace – Mass media – Interspaces – Education

IDENTIDADE-DIFERENÇA, NOVAS TICs

E A CULTURA DOS GRUPOS:

os contextos intersticiais como agentes de transformação

Daniela Maria Barreto Martins ∗

* Mestranda em Educação e Contemporaneidade / UNEB, Especialista em Educação e Tecnologias da Comunicação eda Informação / UNEB, Psicóloga, membro do Conselho Diretor da COMUNGOS – conexões comunitárias, Organiza-ção da Sociedade Civil voltada à constituição de ambientes educativos-formativos, Coordenadora do Programa deAssistência Integral à Família em Capim Grosso – BA. Endereço para correspondência: Mestrado em Educação eContemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula – 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: [email protected]

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Identidade-diferença, novas TICs e a cultura dos grupos: os contextos intersticiais como agentes de transformação

A questão fundamental que se coloca noâmbito da relação identidade-diferença e quetem animado diversas discussões em torno des-ses conceitos, na atualidade, é a de saber como,num contexto de cultura globalizada, carac-terizado pela dilatação dos espaços de infor-mação e relacionamento, sobretudo pela digi-talização e popularização das novas mídias,podemos lidar com expressões minoritárias,com as diferenças que se mostram dentro e paraalém dos limites localizados.

O que aqui definimos como expressõesminoritárias está relacionado diretamente àsreferências contemporâneas que anunciam afalência de grandes relatos (LYOTARD, 2002)e abrem caminho para a emergência de novosolhares e compreensões enredadas em contex-tos locais (GEERTZ, 2001), em situações coti-dianas, cujas especificidades e singularidadesnão podem estar submetidas às grandes catego-rias generalizantes que predominaram nasciências humanas até então.

As formas de distribuição e classificaçãoque utilizam modelos para identificar, comparar,ordenar, seriar e rebater pela representação têmservido como matéria-prima para a construçãoe consolidação de projetos educacionais com-prometidos com as noções de representação eidentidade, em que a cidadania, a consciência ea participação tornam-se as medidas que avaliama eficiência de dispositivos técnicos. Diante detal entropia, cabe perguntar: e o que acontececom as manifestações, presenças ou atos (nãoraro criativos, provocadores, desconcertantes)que fogem aos enquadres e que, muitas vezes,são ignoradas e/ou hostilmente rejeitadas?

Segundo Deleuze (1988, p. 415-416),enquanto a diferença é submetida às exigên-cias da representação, ela não é nem podeser pensada em si mesma. À diferença em si,quando não aniquilada, resta o resgate sob asespécies da razão, que a tornam visível e pen-sável, que fazem dela objeto de uma representa-ção orgânica. Dessa forma, temos que a dife-

rença em si permanece maldita, pois apenaspode ser pensada quando submetida aos enqua-dres da representação definida sobre a suaestrutura.

A tradicional visão da diferença, como umemaranhado à espera de elucidação ou comoaberração mediante a irredutibilidade a estru-turas simples, cada vez mais puras, outroraassociada à representação sistêmica da com-plexidade (ARDOINO, 1998), apresenta-separticularmente inadequada ao estudo das reali-dades sociais em países como o Brasil, historica-mente constituído como uma sociedade mul-tiétnica, culturalmente híbrida, enfim, complexa.

As conseqüências dessa nova instituição dasubjetividade são imensas: quem é o outro? Éalguém que sabe. E sabe coisas que eu não sei.O outro não é mais um ser assustador, amea-çador: como eu, ele ignora bastante e dominaalguns conhecimentos (...) Ele pode aumentarmeu potencial de ser, e tanto mais quanto maisdiferir de mim ... (LÉVY, 2000, p. 27).

Para Geertz (2001), o “encontro” entre osdiferentes é um espaço conflituoso que propor-ciona significativas transformações. CitandoDanton (apud GEERTZ, 2001, p. 76), o autorapóia suas idéias no pressuposto de que “são aslacunas entre mim e os que pensam diferente demim – o que equivale a dizer todos os outros enão apenas os segregados por diferenças degerações, sexo, nacionalidade, seita e até raça –[que] definem as verdadeiras fronteiras do self”.As tensões são típicas passagens nesse processocoletivo que, muitas vezes, consiste em arriscar-se, abrir mão da solidez de certos lugares paraestar disponível a uma nova jornada.

No espaço pedagógico, estar diante da dife-rença, atravessar um meio desconhecido, passarpelo que é compreendido enquanto irregula-ridade, falha, equívoco e que, por isso, deve serbanido, para um novo entendimento que aproxi-ma, negocia e relaciona exige uma compreensãomaior do processo educativo, que não se confun-de com a política do convencimento, prenhe

Nem a cultura localizada no tempo e no espaço, nem os indivíduos nos quais ela se encarna definem umnível de identificação básico aquém do qual nenhuma alteridade seria pensável.

(Marc Augé)

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de uma tolerância vazia que não provocatransformações.

Nesse sentido, Bhabha (2003) apresenta-nosos espaços híbridos de formação, compreendi-dos enquanto entre-lugares, espaços de encon-tro e articulação de diferenças, lugares de fron-teira, de negociação complexa, que podem sertanto consensuais quanto conflituosos. E, comoo próprio autor adverte, a diferença não deveser tomada precipitadamente como reflexo detraços culturais ou étnicos preestabelecidos,inscritos na lápide fixa da tradição. O direitode se expressar a partir da periferia do poder edo privilégio autorizados não depende da persis-tência da tradição; ele é alimentado pelo poderda tradição de se reinscrever através das condi-ções de contingência e contraditoriedade quepresidem a vida dos que estão na minoria.

As diferenças sociais não são simplesmente da-das à experiência através de uma tradição cultu-ral já autenticada; elas são os signos da emer-gência da comunidade concebida como projeto– ao mesmo tempo uma visão e uma construção– que leva alguém para “além” de si para poderretornar, com um espírito de revisão e reconstru-ção, às condições políticas do presente”(BHABHA, 2003, p.22)

Os entre-lugares, pois, se constituem enquan-to universos de possibilidades comuns e interes-ses compartilhados, como não hegemônicos1.Propõem uma nova tônica para as concepçõesatuais acerca dos processos educativo-formati-vos, que passam, então, a ser compreendidoscomo:

... uma ‘construção simbólica’, portanto, algoque, historicamente, pode e deve ser ‘re-signifi-cado’ e, conseqüentemente, conter uma ‘polisse-mia’, pois o conhecimento não é algo único, de-finitivo e acabado, mas uma ‘configuração’contextualizada, limitada, inacabada; um proces-so ‘transitório’, ‘aberto’, ‘conflituoso’, ‘prová-vel’, ao mesmo tempo que legítimo e necessário.(LIMA Jr., 2003b, p. 1 – grifos do autor)

Encontramos algumas semelhanças entreessas definições dos entre-lugares e o conceitode lugar antropológico em oposição ao não-lugarde Marc Augé (1994). Tomando como referên-cia as idéias de Certeau (apud AUGÉ, 1994, p.

75), Augé nos fala do conceito de lugar antro-pológico, o que, em sua opinião, equivale ao “lugarpraticado”, à animação do lugar por uma forçamotriz, o que, para o lugar, equivaleria ao que setorna a palavra quando é falada. Em contra-posição, estão os não-lugares, espaços de circu-lação, passagem e consumo: as vias aéreas,ferroviárias, rodoviárias, os próprios meios detransporte, os aeroportos, as estações, as grandescadeias de hotéis, lugares em que predomina oanonimato e em que “nunca as histórias individuaisforam tão explicitamente referidas pela históriacoletiva, mas nunca, também, os pontos deidentificação coletiva foram tão flutuantes”(AUGÉ, 1994, p. 39)

Para Augé, os pontos flutuantes de iden-tificação, ampliados pelo poder de intrusão dasmensagens (de identificação, comando e/ou comfins publicitários) que perpassam os lugares enão-lugares, possuem um caráter singular queexpressa toda uma “linhagem política”, cujo eixoé o tema das liberdades individuais e que seoriginam a partir de esquemas de representaçãonos quais são informadas as categorias daidentidade e da alteridade.

Felix Guattari (1986) torna este ponto da dis-cussão ainda mais crítico, ao afirmar que a noçãode ideologia e emancipação, associada à questãoda conscientização das massas, sustenta o dis-curso democrático, que orienta um processo desemiotização e subjetivação concernente às“necessidades das grandes máquinas produtivasem escala mundial, das grandes máquinas decontrole social e das instâncias psíquicas quedefinem a maneira de perceber o mundo” (p. 27).Dessa forma, uma prática política que pretendasubverter a subjetividade, num plano micropo-lítico, de modo que permita o agenciamento desingularidades desejantes, deve revelar a sub-jetividade dominante, ao invés de denunciá-la. Emlugar do discurso emancipatório (noção direta-mente ligada à problemática da consciência, de

1 Esta é especificamente a tensão da concepção dos entre-lugares, que se constitui, ao mesmo tempo, como o seuhorizonte: o estar entre-mundos: na aproximação de dife-rentes interesses, referências, valores, vislumbra-se um ho-rizonte de composição possível, sem sobredeterminações –é o estar entre... que não se efetiva necessariamente nosespaços oficiais, mas se amplia pelas fronteiras institucionais.

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Identidade-diferença, novas TICs e a cultura dos grupos: os contextos intersticiais como agentes de transformação

acordo com Guattari) e da conclamação das mas-sas, inventar subjetividades delirantes, movimen-tos caosmóticos que, num embate com a sub-jetividade capitalística, possam enfraquecê-la.

Importante notar é o fato de que o discursoincorporado pelos grupos que se insurgem con-tra os “detentores do poder” é necessário e,muitas vezes, produzido dentro dos limites detal “dominação”, como uma forma de equilíbrioentrópico, produção de contra-força, que justi-fica a força. E é parte desse repertório a fabu-lação da liberdade, como resultado de umprocesso de conscientização e emancipação, deforma tal que não são raras as situações emque esses conceitos são “vendidos” como mer-cadorias ou ainda como promessas caras asso-ciadas a um hábito de consumo.

Gianni Vattimo (1992), ao abordar o fenô-meno da comunicação generalizada da socie-dade contemporânea, define os mass media2

como um forte dispositivo de mobilização políticae emancipação em favor das sociedades. Esseentusiasmo pode parecer exagerado diante dofato de que, como o próprio autor menciona,Adorno, Orwell (com o grande irmão de 1984),Nietzsche e outros pensadores já denunciavama ação funesta da modelagem subjetiva que,não raro, é o caminho traçado pelos mass mediapara o controle e assentamento de uma realida-de sólida e fértil, na qual se desenvolvam asinstituições de seu interesse, ou melhor, a docliente.

Os mass media, na atualidade, se constituembasicamente como grandes empresas, comfaturamentos suficientes para concorrerem nomercado e se manterem influentes na opiniãopública. Muitas dessas empresas de comunica-ção estão a serviço de grupos políticos e, ne-cessariamente, de grupos econômicos, que sãonada menos que os patrocinadores. A maioriados jornais, por exemplo, reclama que a tiragemnão cobre nem mesmo o preço de custo. Ocritério explícito dos mass media não se reduzà difusão, o alcance, mas o grau de audiência etambém a relação com os diversos gruposatuantes, se concorrentes ou parceiros, etc.

No entanto, Vattimo (1992), em sua visãootimista dos mass media, dá a impressão de

que fala de um fenômeno que cresce exata-mente em oposição aos mass media.

A emancipação consiste mais no desenraiza-mento, que é também, e ao mesmo tempo, liber-tação das diferenças, dos elementos locais, da-quilo que poderíamos chamar, globalmente,dialecto (...) A libertação das diversidades é umato com que elas (as diferenças) «tomam a pala-vra», se apresentam, se «põem em forma» demodo a poderem tornar-se reconhecidas”(VATTIMO, 1992, p.15 - grifos do autor).

Um novo movimento de apropriação das mí-dias foi fortuitamente beneficiado pela populari-zação das novas tecnologias. A partir de mani-festações periféricas, tem sido possível fazercom que grupos e indivíduos, antes meros recep-tores de informações, entrem em cena e criemseus próprios nichos identitários, a exemplo dasrádios comunitárias e das centrais de mídiaindependentes, apenas para citar alguns. Isso,obviamente, diz respeito a uma produção subjeti-va, mas, nestes casos, pratica-se, comumente, asubversão de lógicas hegemônicas, a partir dapropagação de mosaicos de devires minoritá-rios, alguns deles incidentais, transitórios, fractais.

O que pretendemos afirmar é a) que no nasci-mento de uma sociedade pós-moderna um papeldeterminante é desempenhado pelos mass me-dia; b) que estes caracterizam esta sociedadenão como uma sociedade mais «transparente»,mais consciente de si, mais «iluminada» mascomo uma sociedade mais complexa, até caóti-ca; e por fim, c) que é precisamente neste relati-vo «caos» que residem as nossas esperançasde emancipação (VATTIMO, 1992, p.10 – grifosdo autor)

É no amálgama dessas tensões de represen-tatividades e identidades sociais que vem cres-cendo a cultura dos grupos. Ora maiores, oramenores, com contornos mais ou menos defi-nidos, funcionam como nichos identitários, aotempo em que se singularizam, compondo coma diversidade. Para Serpa (2004a), os processoseducativos vivenciados em grupos, à medida queincorporam a diferença enquanto base fundanteda formação dos seres em relação, autorizam-lhes a gestar os seus processos identitários, en-

2 Mídias de massa.

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quanto também são gestados por eles. Tal dinâ-mica pressupõe uma disposição horizontal rizo-mática em que cada ser, singular, exerce umacentralidade em relação aos seus próprios pro-cessos, ao tempo em que se conecta com outrassubjetividades e é identificado pelo grupo, emum jogo permanente instituído-instituinte.

As pedagogias que tenham como fundante odiferente na diferença des-constroem o discur-so teórico vigente das teorias pedagógicas, pois,para qualquer pedagogia da diferença, são im-portantes o acontecimento, a contextualizaçãoda linguagem e seu sentido e a singularidade.Sob o ponto de vista da práxis, a vivência decontextos e a convivência das múltiplas subjeti-vidades em uma contigüidade virtual e/ou realformam o caráter dos processos educativos quetenham como base qualquer pedagogia da dife-rença. (SERPA, 2004c, p.157)

A questão em voga, que concerne à multipli-cação dos saberes face à intensificação da co-municação entre indivíduos e grupos, bem comoo pluridimensão dos espaços de formação einformação, é a da conjunção de conhecimentosnum campo de co-construção de saberes coleti-vos e/ou coletivizados. Para tanto, é imprescindí-vel pensar-se numa vivência comum, na aberturadas possibilidades de convivência entre diversasformas de saber, no compartilhamento dessessaberes na perspectiva de horizontalidade,buscando decidir conjuntamente quais seriam asformas mais adequadas e legítimas para procederdesta ou daquela forma, destituindo, assim, acondição de soberania e verdade última, associadacomumente aos conhecimentos oficiais.

Segundo Lévy (2000, p.26) e sua visão defuturo, dois eixos complementares estariam rela-cionados a estas novas organizações do Espaçodo saber: o da renovação do laço social porintermédio do conhecimento e o da inteligên-cia coletiva propriamente dita. Esses processosseriam especialmente sensíveis ao momento atualde perda de referenciais, implosão de gruposhumanos pela produção sectária de comunidadespor pertença étnica, nacional ou religiosa, quehistoricamente conduziram às intolerâncias, lutassangrentas e injustiças sociais, conhecidas e aindamuito presentes na atualidade.

O ciberespaço3, nesta perspectiva, “tornar-se-ia o espaço móvel das interações entre co-nhecimentos e conhecedores de coletivos inteli-gentes desterritorializados” (LÉVY, 2000, p. 29).Esta imagem móvel de inter-relações entre pro-jetos, competências, singularidades diversas,enfim, constituiria zonas de possíveis identifica-ções sociais, em que os laços entre indivíduos egrupos se formariam por aproximações de inte-resses, afinidades, segundo uma “economia dasqualidades humanas e uma estética da invenção”(LÉVY, 2000, p. 29).

Vattimo (1992) sustenta a sua idéia positivados mass media ao analisar a produção e veicu-lação de imagens como fenômeno contem-porâneo, cujo sentido dado à produção tecnoló-gica não se reduziria ao domínio da naturezaatravés das máquinas, ou, como expresso emHabermas (1968), dos subsistemas de açãoracional teleológica4, mas amplia-se no sentidodo desenvolvimento específico da informaçãoe da construção do mundo como imagem.

A partir disso, Vattimo (1992) faz duas cons-truções bastante esclarecedoras: 1) Ao invésda transparência esperada pelas instituiçõesmodernas (inspirados em ideais iluministas), emque o homem estivesse liberto das ilusões efalsas interpretações do mundo, os mass mediateriam corroborado para a fabulação do mundoe, conseqüentemente, tornado essas imagensfalsas em verdadeiras, ou melhor, objetivas,reais porque funcionais, ou seja, parte inerenteda autoconsciência da sociedade. CitandoNietzsche, postula “Não nos fizeram apenasinterpretações, o mundo verdadeiro tornou-sefábula” (NIETZSCHE, apud VATTIMO, 1992,p. 32).

Para o autor, esta mesma sociedade em quea tecnologia tem o seu apogeu na informaçãoé também, essencialmente, a sociedade dasciências humanas – no duplo sentido, objetivo

3 Espaço criado por via das tecnologias digitais contempo-râneas, que permite a interconexão intensa de indivíduos egrupos em todo o mundo, transformando-se, na atualidade,no espaço com maior potencial de encontros sincronizadosentre grupos humanos. A sua realização depende, funda-mentalmente, de uma rede de computadores conectados,largamente utilizada e conhecida: a Internet.4 Ação racional dirigida a fins.

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Identidade-diferença, novas TICs e a cultura dos grupos: os contextos intersticiais como agentes de transformação

e subjetivo, do genitivo: aquela que é conhe-cida e construída pelas ciências humanas comoo seu objeto adequado; e aquela que se exprimede forma determinante para essas ciências.

...mas tem mais sentido reconhecer que aquiloque chamamos «realidade do mundo» é algumacoisa que se constitui como «contexto» dasmúltiplas fabulações – e tematizar o mundo nes-tes termos é precisamente o dever e o significa-do das ciências humanas. (...)

Se (já?) não pudermos iludir-nos sobre a pos-sibilidade de revelar as mentiras das ideologiase atingir um fundamento último e estável,podemos, porém, explicitar o caráter plural das«narrações», fazê-lo agir como elemento delibertação da rigidez das narrações monológicas,dos sistemas dogmáticos do mito (VATTIMO,1992, p. 32/33 – grifos do autor).

A propiciação de uma maior comunicabi-lidade entre heterogêneos, que advém de umamovimentação social nas fronteiras, de umfluxo pluridirecionado de produções e constru-ções, em que não se pode determinar de ante-mão algum domínio de base (econômico, polí-tico, artístico etc.) (vide DELEUZE; GUATTA-RI, 1996, p.85), tem determinado a necessidadede reformulações conceituais, que tendem aagregar, ou talvez reagrupar as disjunções pro-duzidas pela capitalização do conhecimento, quedefiniu de maneira hostil os limites para o re-conhecimento dos saberes humanos.

Abre-se caminho para o reconhecimentodos saberes extra-curriculares, para a composi-ção dos conteúdos previstos com os imprevistos,para uma certa “singularização dos modos depráxis” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.30).

Recentemente os seres desse mundo conse-guiram produzir artefatos que permitiram criar umespaço-tempo virtual, isomorfo ao originário dasua mitologia. Nos acontecimentos, o tempoapresenta-se espacializado e o espaço torna-sesincrônico. Nesse momento, esses seres vêem apossibilidade de tornar sua mitologia, atravésdo espaço-tempo produzido por seus artefatos,a base de múltiplos processos educativos. (...)Dessa maneira seres e artefatos são isomorfos,desfazendo-se o ser no artefato, e este ganhan-do sentido no ser. (SERPA, 2004b)

Como pano de fundo de uma movimentaçãosocial nos arredores, que assume formas singu-lares, figuram ideologias que por vezes contras-tam, incitando a participação civil num planomoral que determina rigidamente os termos emque se deve dar essa participação, que a tornaum processo mecânico, reterritorializa, man-tém a estabilidade e reinscreve representaçõesdo cotidiano e ordinário das instituições.

Para a educação na contemporaneidade, istosignifica que, no que se refere aos novos espa-ços de experimentação e relacionamento, poten-cializados pela introdução das novas TICs, háum tênue limiar entre a apropriação de caráterestruturante e relacional, processo constituídopelas diferenças na diferença e uma outraapropriação fundamentada no domínio e expan-são de um maquinário ideológico, que hierarquizae verticaliza, colocando-se no centro, reservandoa outros grupos, quando muito, o estatuto deconsumidores.

Quando as Instituições Educacionais aumen-tam a circulação e o intercâmbio com forçassociais, internas e externas, tornando-se maispermeáveis, também podem explorar outrosmodos de inserção na vida das sociedades,intensificando as relações inter-institucionaisque implicam em desdobramentos e transfor-mações sociais expressivas. Desse modo, vêm“compartilhando sua autoridade social e histó-rica na formação do homem e mulher contem-porâneos, bem como na mediação entre o indi-víduo social e a sociedade.” 5. A escola vem sen-do, então, recolocada no centro das discussões,como recurso fundamental para o implementodas transformações sociais necessárias, sobre-tudo no que diz respeito à produção de novassubjetividades.

As tecnologias de comunicação potenciali-zaram construções subjetivas em torno dagrande horda, a idéia de uma grande aldeia glo-bal – para utilizar a expressão cunhada por Mar-shall McLuhan (1971) –, produzindo um certo

5 Conforme interlocução com Arnaud Soares de Lima Jr,professor do Mestrado em Educação e Contemporaneidade– PEC/UNEB, por ocasião de orientação no curso de espe-cialização em Educação e Tecnologias da Comunicação e daInformação, UNEB, 2003.

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alívio humanitário, que parece reconduzir aquestão naquele sentido de uma igualdadeabstrata e fabular, que tem servido muito maiscomo meio de garantir um maior número dereceptores conectados. Conforme as considera-ções anteriores acerca desta surpreendenteexpansão dos espaços sincrônicos de relaciona-mento, é evidente que o aparato tecnológico emsi não representa grandes avanços.

No entanto, as novas organizações que ape-nas começamos a observar e que, provavelmen-te, já serão outras quando, enfim, pudermos com-preendê-las em sua totalidade, exigem uma novaeducação, atenta à multiplicidade de expressõesculturais, às moviment(ações) na rede que favo-reçam a horizontalidade proporcionada poten-cialmente pelas novas TICs, de forma que osgrupos humanos, em sua diferença, possamentão participar da construção e circulação doconhecimento.

Nesse contexto, em que é preciso redimen-sionar as concepções atuais acerca do mundo edas nossas formas de intervenção, criando outrasformas de conhecer e aprender, que impliquemem mudanças efetivas nos modos de vida, torna-se fundamental o reconhecimento e a co-auto-rização das diversas expressões sociais, inte-grando e/ou estimulando a interconexão ativadesses grupos e autonomia dos indivíduos (no

sentido de co-autoria na realidade em que seinsere e/ou está inserido) e, desta forma, reapro-ximando a educação da vida ou do que é vivido.

O contínuo das situações concretas exigede nós um saber-em-ato, um saber que, semse distinguir da experiência, é ele mesmo umaespécie de experiência primeira. Portanto, aEducação aqui passa a ser vista como um atocontínuo, em que aprender equivale a viver.Estimamos que esta conclusão deslinde-se emnovas páginas, pois que o fim é sempre equi-valente a um começo na disposição rizomáticado conhecimento, com reverberações infinitasdo produzir e reproduzir, que constituem o jogodo instituído-instituinte, aspectos fundantesda experiência humana (SERPA, 2004b).

A infinitude está presente em cada um de nós,enquanto potência, o que nos possibilita sermosiguais e, ao mesmo tempo, a finitude expressa-seem cada um de nós, enquanto acontecimento, oque nos faz singulares e únicos. Assim, somosiguais em potência, virtualmente, e somos singu-lares nos acontecimentos. Mais significativo ain-da é que cada acontecimento é acompanhado pelainfinitude potencial, como o lançamento de umamoeda produz um acontecimento que é acompa-nhado por esta. (...) E é exatamente isso que to-dos são, incluindo-se aí o Universo: Virtualmenteeterno, sem princípio ou fim, e transitório nosacontecimentos. (SERPA, 2004b)

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Recebido em 30.09.04Aprovado em 11.11.04

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Annelise Rettori; Helen Guimarães

RESUMO

Este artigo pretende elucidar a dinâmica dos atuais locus de construção doconhecimento e relacionamento da contemporaneidade: os Ambientes Virtuaisde Aprendizagem (AVAs) e as Comunidades Virtuais (CVs). Dessa formapretendemos expor e verificar os aspectos da Interatividade própria a essesatores tecnológicos, presentes ainda como coadjuvantes, no processo decognição humana e, por conseguinte, detectar seus limites e vislumbrar suaspossibilidades, mostrando alguns fatos que se desenrolam a partir da interaçãodos sujeitos entre si, com estes atuais espaços sociais e as ferramentasinterativas dispostas a fim de enfatizar a práxis própria desses espaços.

Palavras-chave: Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) – ComunidadesVirtuais de Aprendizagem (CVAs) – Ferramentas interativas

ABSTRACT

VIRTUAL LEARNING COMMUNITIES – VLCs: a Vision of an Inter-active Learning Environment

This paper aims at elucidate the dynamic of the present locus of contemporaryknowledge construction: the Virtual Learning Environments (VLEs) and theVirtual Learning Communities (VLCs). In this way, we pretend to expose andverify the distinctive components of interactivity of these technological actors,which act as coadjuvant in the process of human cognition. We will thereforeshow their pros and cons, showing some facts which rise up from the subjects’interaction between themselves and with theses socials spaces and theinteractive tools ready to stress the distinctive praxis of theses spaces.

Keywords: Virtual Learning Communities – VLCs – Virtual Learning Environ-ments – VLEs – Interactive tools

COMUNIDADES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM – CVAs:

uma visão dos ambientes interativos de aprendizagem

Annelisse Rettori *

Helen Guimarães ∗∗

* Graduanda em Pedagogia para educação básica, no DEDC I/ Salvador, Universidade do Estado da Bahia - UNEB naRua Silveira Martins, 2555 - Cabula / Salvador-Bahia-Brasil / CEP.: 41.150-000 / Tel.: 0xx(71) 387-5000. Bolsista peloPIBIC. Endereço para contato: Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação I, Rua Silveira Martins,2555, Cabula – 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: [email protected].** Graduanda em Pedagogia para Educação Básica, no DEDC.I/ Salvador, Universidade do Estado da Bahia - UNEB naRua Silveira Martins, 2555 - Cabula / Salvador-Bahia-Brasil / CEP.: 41.150-000 / Tel.: 0xx(71) 387-5000. Bolsista pelaFAPESB. Endereço para contato: Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação I, Rua Silveira Martins,2555, Cabula – 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: [email protected] .

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Comunidades virtuais de aprendizagem – CVAs: uma visão dos ambientes interativos de aprendizagem

1. Um passeio no ciberespaço: co-nhecendo os AVAs1

Comecemos por tentar contextualizar algumasconsiderações referentes aos Ambientes Virtuaisde Aprendizagem, visto que muito se fala sobreos AVAs como um espaço apto à promoção daEducação a Distância, principalmente depois daregulamentação dessa modalidade de ensinoatravés da Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional – LDB 9394/96. É interessante situar-mos que o advento dos AVAs se deu a partir daemergência do ciberespaço, o que designa nãotanto os novos suportes da informação, mas simas formas originais de criação, da navegação noconhecimento e da relação social que esseespaço permite (LÉVY,1993).

Também com base em Lévy (1993), po-demos reverenciar o ciberespaço como umcampo aberto à intercomunicação e ao estabe-lecimento de interfaces com todos os dispositi-vos de criação, de registro de comunicação esimulação representadas por ferramentas dis-postas nesse espaço virtual, lembrando que ve-remos uma abordagem sobre essas ferramentasmais à frente.

Na concepção do ciberespaço como localde construção do conhecimento, mais do quecomo mera troca de informações, concordamoscom Lévy (1998), quando este sinaliza que nãotratamos somente do conhecimento científico,mas também dos espaços de convivência e dopensamento coletivo que poderia organizar aexistência e a sociabilidade das comunidadeshumanas, visto que, em cada espaço, conviveum tipo de entidade, um gênero de desejo, umaestrutura psíquica, territorial e afetiva, tal qualas existentes nas relações humanas presenciais(comunidades, grupos, salas de aula).

Para Matta (2002), as transformações pro-vocadas por esses novos ambientes romperamcom padrões clássicos de relacionamento e inte-ração vividos principalmente no ambiente comu-nitário urbano, para galgar novas formas e di-mensões, criando possibilidades de inter-relacio-namento entre os sujeitos envolvidos.

É interessante situarmos que foi com aentrada das tecnologias digitais e telemáticas

em quase todos os campos de atuação e relaçãohumana que se tornou possível termos umambiente de convivência em rede eletrônica quecausasse “novidades” quanto às possibilidadesde vivência e organização comunitária dos sereshumanos para construções sociais e, até mes-mo, para relações produtivas da contempora-neidade (MATTA, 2001).

Dessa forma, como poderíamos conceituaresse ambiente que já nasce repleto de poten-ciais? Compreendendo-o como espaço fecundode significação onde os seres humanos e objetostécnicos interagem, potencializando-se, assim,a construção do conhecimento (SANTOS,2002). Logo, a busca por aprendizagem é umcaminho para o desenvolvimento dos AVAs e,por conseguinte, das CVAs.

Também é possível nos referenciarmos aosAVAs como um locus de convivência e inter-relação de sujeitos com objetivos e interessessimilares, que se organizam em prol da coleti-vidade através da colaboração mediada pelossuportes telemáticos digitais (propriamente aWeb), bem como a apropriação da linguagemhipertextual e não-linear presente nessas rela-ções, em que todo e qualquer signo pode serproduzido e socializado no ciberespaço, com-pondo, assim, um processo de comunicação emrede, próprio dos AVAs.

Quanto às características técnicas, os Am-bientes Virtuais (AVAs), não só quanto a educa-ção formal, destacam-se pela possibilidade detornar sua interface mais amigável e realista naapresentação ao usuário, devido ao uso de técni-cas de realidade virtual e de animação, com oobjetivo de criar ambientes virtuais inteligentesque disponham melhores representações gráfi-cas, diferentes formas de interação a fim depotencializar a dinamicidade, o realismo e ausualidade do ambiente. Esses AVAs vêm sendoutilizados em diversas áreas, principalmente nas

1 A elaboração deste artigo foi subsidiada pelos dados obtidosa partir da pesquisa desenvolvida no projeto “Ensino online:trilhando novas possibilidades pedagógicas mediadas pelosjogos eletrônicos”, vinculado ao grupo de pesquisa - Comu-nidades Virtuais - cadastrado no diretório do CNPQ. URL doprojeto: www.comunidadesvirtuais.pro.br.

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Annelise Rettori; Helen Guimarães

que se relacionam com educação, como Moodle2;simulação, como o jogo Vivo Em Ação3, e entre-tenimento, como Orkut4.

2. Percepção da interatividade eferramentas interativas (em es-paços virtuais)

Para conhecermos mais sobre os atuais locusde construção do conhecimento, os AVAs e asCVs, faz-se necessário abordarmos algunsaspectos da sua constituição. Para isso, optamospor tratar aqui da Interatividade presente nosambientes e, por conseguinte, nas comunidadesvirtuais de aprendizagem, visto que as ferra-mentas disponibilizadas nesses ambientes neces-sitam ter um nível de interatividade tal que auxi-liem no desenvolvimento do processo de apren-dizagem e/ou relacionamento que ocorre nessesespaços.

É interessante dizer que o termo interativi-dade não é algo proveniente da era digital. AInteratividade surgiu através da arte, na décadade 1960, com a chamada “obra aberta”. Encon-tramos, como um dos melhores exemplos dessaobra, o “Parangolé” do artista plástico HélioOiticica, que rompe com o objetivo de somentefazer da arte um mero transmissor, tornando opúblico apenas espectadores contemplativos. Aintenção de Oiticica foi promover a participaçãona criação da obra, que não estava acabada e,sim, disposta a modificações e manipulações, emque o “participador” inscreve “sua emoção, suaintuição, seus anseios, seu gosto, sua imagina-ção, sua inteligência“ (SILVA, 2004, p. 4). Apesardisso, o termo interatividade só veio realmenteà tona e a tornar-se conhecido com a chegadadas novas tecnologias a partir de 1970, sendoconsiderada por pesquisadores, como Machado(2001) e Lemos (2004), não como uma inovação,mas, sim, como uma ampliação na relação ho-mem-máquina. Segundo Lemos (apud PRIMOe CASSOL, 2004) “o que se compreende hojepor interatividade é nada mais que uma novaforma de interação técnica, de característicaeletrônico-digital, diferenciando-se da interaçãoanalógica que caracteriza a mídia tradicional”.

Para Lemos (2004), há três níveis de intera-ção: a interação técnica, tipo analógico mecâni-co, que se refere a uma relação do homem coma máquina propriamente dita, com os botões deum teclado, por exemplo; a interação técnica,tipo eletrônico digital, em que não há a interaçãoapenas com o objeto, mas com o conteúdo, noqual a interatividade permite alterações diretasnas informações que as ferramentas lhe ofere-cem; e, além dessas, há também a interaçãosocial, denominada a relação homem com omundo. Com isso, percebe-se que Lemos nãoconsiderava as novas tecnologias comocriadoras da interatividade, mas como mediado-ras na evolução da mesma.

Steuer, citado por Primo e Cassol (2004),por exemplo, considera como interatividadeapenas a provinda das novas tecnologias, limi-tando-se unicamente à relação homem-com-putador e entendendo-a como interação emtempo real, ou seja, apenas a ação instantâneado usuário que altera o ambiente, afirmativa essaque se opõe a Lemos. Para este último, as mídiastradicionais, como o rádio, a televisão ou os li-vros, impõem uma interação passiva, havendosomente a recepção de informações, com pe-quenas escolhas entre o que já está programadopara ser transmitido. As tecnologias digitais, aocontrário, distinguindo-se das anteriores, pro-põem uma nova forma de transmissão de infor-mações descentralizadas e não definidas, no qualtodos são emissores e transmissores simul-taneamente.

Dessa forma, “acompanha-se então, umapassagem do modelo transmissionista ‘ÜM-TODOS’, para outro modelo, ‘TODOS-TODOS’, que constitui uma forma descentrali-zada e universal de circulação de informações”.(PRIMO e CASSOL, 2004).

Como exemplo dessa interação “TODOS-TODOS”, existente nas tecnologias síncronas,

2 Ambiente a distância criado em 1999 por Martin Dou-giamas e quer dizer Modular Objective Oriented DinamicLearnig Environment; http://www.moodle.org. A UNEB vemutilizando atualmente a mediação do moodle em suas disci-plinas presenciais. Ver URL: www.moodle.uneb.br3 Disponível em: http://vivoemacao.vivo.com.br/4 Site de convivência que abordaremos mais à frente.

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Comunidades virtuais de aprendizagem – CVAs: uma visão dos ambientes interativos de aprendizagem

temos hoje a Internet (LÉVY, 1999). Por terum alto potencial de interatividade, ou melhor,por ser a interação propriamente dita, esta auxiliana promoção de verdadeiras comunidadesvirtuais, que são definidas, de acordo com Rhein-gold (apud FREITAS, 2003), como redes eletrô-nicas de comunicação interativa, organizadasem torno de um interesse ou uma finalidadecompartilhados, ajudando muito no aumento doscursos a distância.

Devido à crescente demanda por formaçãocontinuada e procurando supri-la, dando suportea essa modalidade de ensino, surge, assim, a ne-cessidade do uso das mídias telemáticas5, pelofato destas apresentarem a possibilidade de man-ter, de forma simultânea e fácil, a interação aluno-professor, além de romper com as barreiras deespaço e tempo, dando, assim, início aos cursosonline. Estes se constituem basicamente de umavariedade de multimídias, de possibilidades detrocas de mensagens síncronas e assíncronas ede uma lógica não linear, sendo essas possibi-lidades responsáveis por um maior nível de inte-ratividade nessa modalidade de ensino.

Para a realização de cursos a distância nosambientes de ensino online há a necessidadeda utilização de diversas ferramentas que estãodivididas em síncronas e assíncronas. Nas sín-cronas a interação ocorre em tempo real, simul-taneamente, ou seja, o aluno e professor intera-gem no mesmo momento cronológico.

A exemplo dessas ferramentas, temos oChat ou Bate-papo, nos quais os participantes,com novas identidades e avatares6, enviam erecebem mensagens coletivamente ou até mes-mo reservadamente. Esse espaço pode ser mui-to bem aproveitado nos cursos online, sendoutilizado para discutir os textos lidos e tirar dú-vidas, tendo um melhor rendimento quando rea-lizado com um grupo pequeno, limitando-se nomáximo a quinze integrantes, pois, dessa forma,diminui-se a chance de haver excesso de infor-mação relacionada ao assunto ou não, ocorren-do, assim, a não dispersão do mesmo, facilitandoa interação e proporcionando, também, a oportu-nidade de todos participarem.

Outra ferramenta relevante, consideradauma das melhores, utilizada em tempo real, é a

videoconferência. Esta permite aos participan-tes de diversas localidades conversarem simul-taneamente não por uma via textual, como aChat, e sim áudio-visual. Nos cursos de EADos alunos e professores podem ter um contatovisual, percebendo todas as ações e reaçõesexpostas durante a interação. Essa ferramentapermite a locomoção do usuário por diversoslugares sem a necessidade de gastar com via-gens. Mas não é uma realidade popular devidoaos grandes custos com o material necessário:placa processadora de som e imagem, câmara,microfone, dentre outros, além de uma infra-estrutura de telecomunicações adequada.

Nas ferramentas assíncronas, a interaçãonão é simultânea. As trocas de texto e mensa-gens entre as pessoas ocorrem de acordo coma disponibilidade de tempo de cada uma. Comoexemplo desse tipo de ferramenta, temos o e-mail, dentre os demais, o mais conhecido eutilizado.

A comunicação ocorre através de transfe-rência de textos e mensagens entre as pessoasque apresentam endereços individuais, podendo,também, haver envio de mensagem coletiva seesta for mandada para mais de um endereço,assemelhando-se à dinâmica de uma lista dediscussão, já que há um grupo de endereçoscadastrados em um único endereço, facilitandoo envio da correspondência. Já nas listas de dis-cussão a comunicação pode ser controladaquanto à transmissão de informações que nãocorrespondem a um determinado assunto queestá sendo discutido, ou pode ser livre, ou seja,sem restrições, dependendo da forma como omoderador a determina quando a constrói.

Assim como o e-mail e listas de discussãohá também o Fórum. Este apresenta espaços

5 A telemática é a combinação da informática com a telefo-nia, tendo como exemplo a Internet.6 O avatar pode ser designado como a identidade assumidapelo jogador em um determinado ambiente, sendo este des-crito como uma figura gráfica similar ao personagem de umvideogame. Segundo Machado (2002, p. 9), sua utilizaçãoresulta em “um processo de negociação entre, de um lado,as iniciativas, as fantasias e os desejos de um jogador realprojetados em um avatar e, de outro, as convenções, atribu-tos e possibilidades previstas no programa” que, podem apre-sentar avatares pré-estabelecidos ou permitem ao usuário aescolha de diferentes personalidades.

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Annelise Rettori; Helen Guimarães

apropriados para discussões de diversos assun-tos, em que os participantes colocam suas opi-niões a qualquer momento, estando os assuntosdivididos em temas e as mensagens organizadasde forma seqüencial a fim de serem facilmenteidentificadas.

Há também ferramentas para construção detextos em grupos: o TWiki7, por exemplo. Nessaferramenta assíncrona, há a troca entre diversaspessoas para o desenvolvimento de trabalhoscoletivos, ou seja, há uma composição dinâmicado conteúdo. Um texto pode ser escrito e rees-crito por diversas pessoas, qualquer um temacesso ao texto, podendo modificá-lo oucompletá-lo como bem entender.

3. Visão de comunidade

Quanto à nossa visão sobre as comunidadesvirtuais, podemos afirmar que são notórias asmudanças ocorridas nos padrões clássicos deinteração e relacionamento humanos, que foramreeditados a partir do surgimento dos ambientesem rede, possibilitando novas construções sociaise/ou relações produtivas, como a construção decomunidades que se “encontram e trabalhamvirtualmente através da rede mundial de compu-tadores” (MATTA, 2003, p.398).

A investigação do conceito ComunidadeVirtual nos remete às bases da sociologia, bemcontextualizada por Recuero, ao demonstrarque, na visão de autores da sociologia clássica,o conceito de comunidade estava baseado naorientação da ação social, envolvendo inter-relações emocionais e afetivas em seu âmbito.A autora descreve que, para Weber, “Chama-mos de comunidade a uma relação social namedida em que a orientação da ação social, namédia ou no tipo ideal, baseia-se em um sentidode solidariedade: o resultado de ligações emo-cionais ou tradicionais dos participantes”.(WEBER, apud RECUERO, 2002, p.2)

Para contextualizar as comunidades, Recue-ro também se baseia em teóricos contemporâ-neos, como Rheingold, um dos autores que seapropriaram do termo Comunidades Virtuais,para definir os indivíduos/sujeitos que concre-

tizam relações sociais no ciberespaço por temposuficiente para constituir “sentimentos huma-nos”, como vínculos sócio-culturais de colabora-ção e afetividade.

Matta (2002, p.386) enfatiza que, apesar deterem um encontro virtual assíncrono e indepen-dente da posição geográfica, “as comunidadessão reais e não virtuais e seus efeitos e influen-cias são concretos”. Essa afirmação torna-semais perceptível quando nos deparamos comcomunidades de práxis como as de aprendiza-gem, entretenimento (muito comum entre osjovens) e as que fomentam a produção de mate-riais, tendo essas comunidades a Gestão doConhecimento. É como destaca Nina e TeixeiraFilho (2004), ao afirmar que “... a popularizaçãoda Internet e das comunidades virtuais vem aoencontro da abordagem da Gestão do Conheci-mento, favorecendo o estabelecimento de umacultura favorável ao compartilhamento de expe-riências, conhecimentos e melhores práticas nasorganizações.”

Assim, tendo Matta como referência, nosinteressa a concepção de que os partícipes des-tas comunidades são capazes de manter diálo-gos e tomar decisões, encontrar soluções, istode forma colaborativa, que talvez contemplemapenas um participante, mas que envolvam osintegrantes da comunidade como se estivessemem um mesmo local.

É de grande valia fazermos aqui uma brevereferência às comunidades de entretenimentocomo, por exemplo, o Orkut8. É um sistema,ainda em protótipo, criado em fevereiro de 2004por um funcionário da Google, Orkut Buyukkok-ten, turco de 29 anos. Pode ser caracterizadocomo uma ferramenta para construção de redesocial9, o “social network”. Sua estrutura defuncionamento é simples, usual para um Ambien-te Virtual; nele, só se pode entrar com convite,o que evidencia uma organização sociocultural

7 Disponível em: http://twiki.im.Ufba.br/bin/view/Main/WebHome8 Disponível em: www.orkut.com9 Compreendemos rede social como um termo referente àformação das inter-relações que ocorrem na rede, possibili-tando relacionamentos sociais, pessoais e/ou comunitários,ou seja, uma articulação de grupos através da Internet.

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Comunidades virtuais de aprendizagem – CVAs: uma visão dos ambientes interativos de aprendizagem

e afetiva, com leis e códigos desenvolvidos noe para o ciberespaço, como se todos fossem dealguma forma ligados. Parece muito com alógica vista no poema10, onde Orkut lembra:Maria que adiciona João, que adiciona He-lena que é fã de Orkut que vai adicionarmais alguém.

Os usuários também podem se organizar ecriar fóruns de discussão sobre temas variados.Uma razão para o sucesso desse fenômeno é ofato de que essa rede virtual está baseada nosrelacionamentos e negócios que se desenvolveme se concretizam também fora do ciberespaço.A liberdade de relacionamentos é maior, mas acoisa acontece com alguma organização já quea comunidade formada tem moderadores e atéregras de comportamento ou punição. Mesmoassim, as possibilidades de inter-relações atraí-ram até pessoas que antes não eram ligadas àInternet.

Questiona-se o porquê de um provedor comoo Google11 apostar nessa experiência. É possívelafirmar que o poder de conhecer mais do queuma resumida ficha de perfil com e-mail eendereço dos usuários, clientes em potencial dasempresas que contratam o Google, é um motivosignificativo para esse provedor acreditar emuma experiência como o Orkut. Desta forma,faz-se necessário saber gerir, com equilíbrio,este poder de informação, para não descaracte-rizar o papel de inter-relacionamentos própriodas Comunidades Virtuais.

Também não se deve perder de vista o papeldo sujeito nesse espaço, sendo que uma comuni-dade virtual de práticas não toma impulso se osparticipantes não se tornarem autônomos e ati-vos, além de manterem uma dinâmica de disse-minação e compartilhamento de conhecimentocomo base dessa comunidade. De acordo comNina e Teixeira Filho (2004), visando destacara contribuição de comunidades virtuais para odesenvolvimento da sociedade em todos seussetores, a formação de uma cultura de colabo-ração “pode preexistir ou ser enfatizada pelacriação da própria comunidade”.

4. Considerações sobre uma vivên-cia nos ambientes TelEduc eMoodle

No que concerne às Comunidades de Apren-dizagem, verifica-se que elas favorecem as inte-rações sociais, pois permitem aos sujeitos viven-ciar relações para além das suas comunidadeslocais, exigindo destes inter-relações colabora-tivas, estimulando também a construção do co-nhecimento através dessa proposta de aprendiza-gem em rede. Sendo assim, pensamos que nãose deve explorar as potencialidades positivasdesses espaços de comunicação apenas no planoeconômico, político e/ou sócio-cultural, mastambém para realizar mudanças qualitativas emmúltiplas direções, como no caso da Educação aDistância (OKADA, 2003).

Dessa forma, tendo em vista a construçãodo conhecimento no ciberespaço, observamos odesenvolvimento do processo de ensino-apren-dizagem que ocorre nos cursos de educação adistância em ambientes virtuais de aprendizagem.Decidimos, assim, por destacar uma breve análiseda nossa participação em cursos online, nosambientes TelEduc12 e Moodle13, experiênciavivida pelos alunos e pelos formadores dessescursos. Tais experiências basearam-se na cons-trução de conhecimento através da formaçãotanto de Ambientes quanto de ComunidadesVirtuais de Aprendizagem voltados paraEducação a Distância.

No que se refere aos cursos realizados noTelEduc14, contávamos com encontros presen-ciais, CD-Rom com plugins e softwares neces-sários à concretização das atividades propostas,bem como com as ferramentas oferecidas peloambiente. Neste curso tivemos a prática de

10 Referimo-nos ao famoso poema “ Quadrilha” de CarlosDrummond de Andrade.11 Site de busca que atualiza sua base de informações diaria-mente: www.google.com.br.12 Ambiente de educação a distancia idealizado pela Unicamp:http: / /www.ead.unicamp.br/~teleduc/pagina_inicial /index.php?13 Site do Moodle/Uneb: http://www.moodle.uneb.br/14 Estamos nos referindo ao Curso Comunidades Virtuais eEnsino On-line realizado pela UNEB - Departamento deEducação – Campus I, no período de abril a junho/2003.

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Annelise Rettori; Helen Guimarães

aluno online, com expectativas e curiosidadede quem vive uma nova experiência. Percebe-mos que foi preciso desenvolver característicaspróprias dessa modalidade, sendo a principal aautonomia.

Analisamos que, como forma de estimularessa autonomia, a existência de verdadeiros am-bientes interativos se tornou de extrema rele-vância, pois não objetivavam somente a trans-missão do conhecimento, dando apenas, comoresponsabilidade ao educando, o dever de anotartudo e decorar, mas, ao contrário, as atividadespropostas no curso pediam a participação diretado aluno na construção do mesmo, oferecendo-nos uma vasta opção de elementos e ferra-mentas para livre manipulação, possibilitandosignificações e interpretações diversificadas, oque nos proporcionou trilhar de forma autônomaa construção do nosso conhecimento. Mesmocom toda a interatividade existente, nem todosos educandos foram capazes de terminar ocurso ou terem uma participação total no mes-mo, o que gerou um significativo nível de evasão,comprovando, assim, que a prática do estudoonline requer um alto nível de interesse e esfor-ço, já que o professor é caracterizado como

mediador na construção do conhecimento e nãocomo mero transmissor.

Já no ambiente Moodle foi dado destaque àformação dos professores/mediadores15, paraatuarem em cursos a distância desenvolvidosnessa mesma plataforma. Percebemos, aqui,que as múltiplas possibilidades do ambientetambém requerem um perfil próprio de professor,com características de mediador do conheci-mento, mais do que um monitor em informáticaou professor especialista.

Enfim, todos os limites e todas as possibili-dades das Comunidades Virtuais de Aprendiza-gem aqui descritos e analisados requerem umestudo mais aprofundado, pois, apesar destatemática ser recente, ela esta constantementesendo ressignificada e ampliada através doaperfeiçoamento das ferramentas interativas, daatuação dos sujeitos e das relações humanasdesenvolvidas no ciberespaço. Isso demonstra,cada vez mais, a importância do estudo para aconstrução do perfil de sujeitos e profissionaisparticipativos na sociedade contemporânea epara a composição de práticas mais interativasde construção do conhecimento nos Ambientese Comunidades Virtuais.

15 Curso realizado pelo Professor Dr. Rommel Barbosa e pela Professora Dra. Lynn Alves, no período de março a junho/2004

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 305-312, jul./dez., 2004312

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Recebido em 29.09.04Aprovado em 28.11.04

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004 313

Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes

RESUMO

A questão da autonomia na aprendizagem não é nova, mas o fato de ser situadacomo foco do ensino apoiado pelo computador e rede lhe dá outra dimensão.Este artigo, derivado de uma pesquisa, tem por objetivo discutir como umaescola, academicamente conceituada, vem trabalhando com essas tecnologias.A investigação encontrou na abordagem qualitativa a forma mais adequadapara estudar suas questões de estudo. Foram aplicados questionários a docentese especialista em informática e realizadas observações de campo, sendo osdados obtidos tratados pela técnica de Análise de Conteúdo e interpretados àluz de um embasamento teórico que sumarizou contribuições de Edgar Morin,Pierre Lévy, Paulo Freire, Otto Peters, Séraphin Alava, dentre outros. A pesquisalevou a três conclusões principais: (a) em uma fase de transição como a quenos encontramos, é importante ter na escola o apoio de especialista eminformática; (b) quando a escola tem um projeto pedagógico consistente, otrabalho com as tecnologias flui de modo mais harmonioso; e (c) os professoressó conseguem ver mudanças no desempenho dos alunos; eles ainda não sesituam como parte da relação tecnologias-educação.

Palavras-chave: Tecnologias da informação e comunicação – Autonomia naaprendizagem – Ensino fundamental

ABSTRACT

COMPUTER AND INTERNET IN BASIC EDUCATION: A NEWFRAME FOR LEARNING’S AUTONOMY?

The question of Learning’s autonomy is not new, but the fact of being situatedas the focus of the computer and Internet supported education, reframe it toanother dimension. The objective of this qualitative research-based paper is todiscuss the way in which a prestigious school has been working with these

* Doutora em Educação (UFRJ). Docente do Curso de Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá (UNESA).Endereço para correspondência: Universidade Estácio de Sá, Campus Centro – Avenida Presidente Vargas, 642, 22o

andar, Centro – 20071.001 Rio de Janeiro, RJ. E-mail: [email protected]** Mestre em Educação (UNESA). Coordenadora Acadêmica do campus Ilha do Governador da Universidade Estáciode Sá. Endereço para correspondência: Universidade Estácio de Sá – Estrada do Galeão, 1900, Ilha do Governador –21931.002 Rio de Janeiro, RJ. E-mail: [email protected]

COMPUTADOR E REDE NO ENSINO FUNDAMENTAL:

UMA OUTRA DIMENSÃO

PARA A AUTONOMIA NA APRENDIZAGEM?

Lúcia Regina Goulart Vilarinho ∗

Fátima Pinto Gomes ∗∗

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004314

Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia na aprendizagem?

Introdução

Apesar de todas as críticas aos seus aspec-tos negativos, a chamada “exposição didática”ainda hoje predomina nas práticas pedagógicasconduzidas em diferentes níveis de ensino, le-vando os alunos a acreditarem que o conheci-mento se encontra pronto e acabado, que éneutro e independente de quem o conhece(JAPIASSU, 1983).

Abordagens teóricas e estudos empíricostêm evidenciado as dificuldades e inconsistênciasdeste procedimento didático, quando se desejaque o aluno: seja o “centro do processo deaprender” (DEWEY, 1971); aja sobre seus obje-tos de aprendizagem, transformando-os (PIA-GET, 1972); construa-se como um sujeitohistórico-crítico em suas aprendizagens (FREI-RE, 1998).

É fácil, no entanto, compreender por que aexposição didática se mantém como une piècede résistence: ultrapassá-la exige o planeja-mento de atividades diversificadas e, mais doque isto, a capacidade de enfrentar o desafiode ver o aluno como sujeito de sua aprendiza-gem e não apenas como mero reprodutor dopensamento docente, o que pressupõe umaprática pedagógica alinhada à perspectiva deautonomia (FREIRE, 2003). Esse desafio aindase torna mais complexo em função do impactoque as tecnologias da informação e comunica-ção vêm projetando na sociedade, na cultura e,conseqüentemente, na educação. Segundo Lima

(2000), vivemos um momento da história deintenso questionamento dos processos educati-vos e de seus modelos paradigmáticos, o queexige uma revisão das bases filosóficas dosprocessos de ensinar e aprender. Este autorafirma, também, que a educação para o “ensinara fazer”, na qual o professor assume apenas afunção de instrutor/transmissor de conhecimen-tos, não conseguirá sobreviver ao confronto comuma sociedade em que as tecnologias vêm sebanalizando e levando os homens a desenvol-verem uma polivalência em suas ações, em graununca imaginado. Nessa perspectiva, cabe con-cordar com Morin (2000a, p.74) quando afirmaque “é preciso inventar um modelo novo deeducação, já que vivemos uma época quefavorece a oportunidade de disseminar um outromodo de pensamento”.

Quando assumimos que o papel da educa-ção, hoje, não é mais o da simples transmissãode informações e que lhe cabe, sobretudo, aformação de um outro homem, autônomo, críti-co, consciente de sua responsabilidade individuale social, enfim “um novo cidadão para uma novasociedade” (KENSKI, 2002, p.264), torna-seindispensável investigar como devem serutilizadas as Tecnologias da Informação e Co-municação (TIC), especialmente o computadore a rede, na escola.

Embora muitos educadores já usem astecnologias em seu trabalho cotidiano, diversosdeles ainda as visualizam como um fim em simesmo. Como bem reforça Kenski (2002), não

technologies. The inquiry was constructed upon answers to a form, and fieldworkobservations. The form was sent to professors and specialists in the field ofcomputing. The data obtained was submitted to content analysis and interpretedto the light of a theoretical frame constituted by a synthesis of ideas fromEdgar Morin, Pierre Lévy, Paulo Freire, Otto Peters, Séraphin Alva, amongothers. The research led to three major conclusions. First, in the presenttransitional phase, it is important to have within the school, the presence ofcomputing specialist. Second, when a school have a coherent pedagogical project,any technological based work flows in a more harmonious way. Third, teachersare only able to perceive transformations in the student’s performance, theydon’t perceive themselves as part of the technology-education relation.

Keywords: Information and communication technology – Learning’s autonomy– Basic education

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 313-326, jul./dez., 2004 315

Lúcia Regina Goulart Vilarinho; Fátima Pinto Gomes

são as tecnologias que vão revolucionar o ensinoe, por extensão, a educação, mas o modo comosão utilizadas.

Essas preocupações aqui esboçadas nos en-corajaram a procurar respostas para as seguin-tes indagações: (a) que objetivos educacionaistem o professor quando utiliza o computador ea rede em sua disciplina de ensino? (b) como oprofessor introduz esses recursos na sala deaula? (c) em que medida o uso dessa tecnologia,em salas de aulas do ensino fundamental, ajudaos docentes a romperem com práticas tradicio-nais de ensino, em especial a simples exposiçãodidática? (d) qual o lugar da ‘autonomia naaprendizagem’ no contexto da sala de aulasituada como objeto de pesquisa?

Contribuições teóricas à compreen-são do estudo

Na revisão inicial da literatura que conduzi-mos para nos aproximar do problema de estudo,emergiram duas questões fundamentais, a saber:a primeira referiu-se ao papel que a educaçãodeve cumprir na era da tecnociência; a segundarelacionou-se aos objetivos educacionais do pro-fessor, quando procura integrar o uso das tecno-logias ao ensino presencial. Essas questões foramaprofundadas ao longo da pesquisa em duasdimensões: na pesquisa de campo e no estudoteórico. As contribuições teóricas são a seguirresumidas; foi a partir delas que analisamos osresultados da pesquisa de campo.

Para compreender melhor o papel da educa-ção na contemporaneidade, recorremos a Lom-bardi (2000). Ele nos esclarece que a atual revo-lução científica e tecnológica vem provocandoum amplo conjunto de transformações na socie-dade, afetando não apenas a produção dos servi-ços, mas as relações sociais, os processos decomunicação, a produção teórica, literária, artís-tica, a relação do homem com a natureza. Esteautor salienta que o impacto da informatizaçãona sociedade é de tal ordem, que a velha divisãode classes sociais, antes produzida pela diferen-ça entre os que detêm e os que não possuem osmeios de produção, começa a ser desesta-

bilizada pela força dos que possuem acesso aum novo fator discricionário: a informação. Talperspectiva já tinha sido explorada por Schaff(1990, p.62), quando este sinalizou que asociedade da informação representava “o maiorperigo de uma divisão entre os que possuem e osque não possuem as informações adequadas”.

Que implicações educacionais derivam-sedessas colocações? Muitas, evidentemente; aqui,porém, nos parece importante reconhecer a con-tribuição de Morin (2000b). Para ele, o funda-mental é reformar o pensamento. Significa dizerque a escola é o local mais apropriado para secomeçar a mudança. É nela que alunos e profes-sores podem tomar consciência da complexi-dade do real, compreendendo que há outrasformas de organizar as idéias, as quais extra-polam o que este autor chama de “inteligênciacega”, isto é, uma inteligência iluminada pelosprincípios da disjunção, redução e abstração, osquais têm marcado a racionalidade científica,isto é, o paradigma dominante no mundo ociden-tal (SANTOS, 2003). Trata-se, portanto, de umesforço enorme no sentido de se buscar umavisão multidimensional e a contextualização dosconteúdos estudados na escola. Como bem dizMorin (2000b), o problema fundamental do novomilênio é fazer com que cada cidadão (aluno)tenha acesso às informações sobre o mundo,com a possibilidade de articulá-las e organizá-las, o que exige uma reforma paradigmática enão programática. A reforma do pensamentopoderá minimizar os efeitos do uso cego datecnologia, isto é, de um uso orientado apenaspela racionalidade técnica (GIROUX, 1986).

Assim, entendemos que as TIC não podemser incorporadas à educação por mero modismo,sob pena de cairmos novamente no criticado“tecnicismo educacional”. Como resultantes dodesenvolvimento científico-tecnológico, devemcontribuir para consolidar o novo papel da escola:um papel que vá além da mera relação deensinar e aprender, dirigindo-se à formação decidadãos críticos, capazes, inclusive, de questio-nar o próprio uso das tecnologias.

Ao assumirmos essa mudança no papel daeducação, torna-se indispensável repensar osobjetivos educacionais do professor, esteja ele

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valendo-se ou não das TIC no processo ensino-aprendizagem. Segundo Lévy (1993), o ciberes-paço convida para a comunicação direta, intera-tiva e coletiva, uma vez que permite múltiplaspossibilidades de acesso às informações. Alavae colaboradores (2002) esclarecem que o ci-berespaço foi pensado, sobretudo, para ser umespaço social de comunicação e de trabalhocoletivo. No âmbito educacional, leva à des-construção da idéia de saber “pronto e acabado”,isto é, de conhecimento como produto consoli-dado. Por meio de seus hipertextos, enseja aco-autoria, aumentando “o potencial de inteli-gência coletiva de grupos humanos” (LÉVY,1993, p.157). A perspectiva desses autores,impregnada de uma visão construtivista deaprendizagem, enfatiza que estamos, hoje, diantedo desafio de buscar novas práticas que concor-ram para a autoformação. Considerando a im-portância do aluno tornar-se sujeito de suaaprendizagem, o que implica em desejar sabere ter o controle do que sabe, condição impres-cindível para que possa conduzir-se neste mundocada vez mais diversificado, veloz e tecnológico,então se colocam na “ordem do dia” questõesantigas como a da autonomia. Como compreen-der melhor essa questão e explorá-la pedagogi-camente quando se insere o computador e arede na sala de aula?

A autonomia, na história da educação, temse expressado de modos distintos. Sócrates(século V, AC), ao aplicar sua maiêutica, en-quanto “ensinamento que buscava dar à luz osconhecimentos que se formavam nas mentesde seus alunos” (ABBAGNANO, 1962, p.610),estava potencializando a autonomia dos alunos.No movimento da “Escola Nova”, ela aparecesubjacente ao (re)conhecido princípio pedagó-gico do “aprender a aprender”, o qual visava,sobretudo, levar os alunos à “utilização sistemá-tica do método científico como padrão ideal doestudo inteligente e da busca das potencialidadesinerentes à experiência” (DEWEY, 1971, p.90).Mais recentemente, a autonomia do educandovem sendo considerada em uma perspectivaemancipatória, sendo alcançada por meio de diá-logo, pesquisa, criticidade, respeito à diversidade,comprometimento, reflexão crítica, tomada de

consciência, amorosidade, esperança e ética(FREIRE, 2003).

Peters (2001) acredita que o termo autono-mia é muito mais abrangente e complexo doque a idéia de estudo auto-dirigido. Para ele, aautonomia tem três dimensões, a saber: filosófica– implica na capacidade do aprendiz libertar-sedo outro (que educa); pedagógica – traduz-sena capacidade do aluno ser sujeito de suaprópria educação; e didática – quando o apren-diz estuda autonomamente. Para este autor, osalunos tornam-se autônomos quando: reco-nhecem suas necessidades de aprendizagem;sabem definir seus objetivos de estudo; selecio-nam os conteúdos que lhes são mais pertinentes;buscam materiais didáticos complementares;conseguem identificar fontes básicas e adicionaisde pesquisa e fazem bom uso delas; dirigem,controlam e avaliam seu processo de aprendiza-gem. Isso mostra que a autonomia na aprendiza-gem depende de uma metacognição, o quesignifica não apenas construir conhecimentos,mas refletir sobre o construído e os respectivosprocessos mentais realizados. Este significadode autonomia se articula ao novo papel daeducação na contemporaneidade.

Outros autores têm-se ocupado desta ques-tão. Alava e colaboradores (2002), por exemplo,partem do pressuposto de que a aprendizagemé atividade autônoma, isto é, só ocorre quandohá uma mudança no sujeito, sendo muitas vezessolitária. Acreditam, no entanto, que quando oprocesso de ensino pode contar com o computa-dor e a rede, facilita-se o autodidatismo. Paraesses autores, “o ciberespaço aumenta a mar-gem de manobra dos aprendizes e exige umamodificação das dinâmicas de interação entreformadores e aprendizes” (p.16). Considerandoque o ciberespaço é mais do que um simplesdispositivo midiático, que oferece ferramentase oportunidades inimagináveis de comunicação,esclarecem que essas novas dinâmicas de inte-ração “colocam, de forma contundente, o pro-blema do poder do aprendiz e de seu controlesobre os processos de formação” (p.16). Admi-tem, também, que o desenvolvimento de compe-tências metacognitivas parece ser o cerne daaprendizagem autônoma. Já Kenski (2003) situa

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o foco da autonomia para além da sala de aula,esclarecendo que nele também se inscreve acapacidade de criticar as tecnologias, entenden-do-as como espaço de luta e transformação.

É, pois, a construção da autonomia um dosprincipais objetivos educacionais do professorcontemporâneo. Que alternativas de ensino po-demos utilizar nessa construção?

Alguns caminhos metodológicos têm contri-buído para a consecução desse objetivo, quandose utiliza o computador e a rede na sala de aula.Entre esses caminhos, destacam-se as seguintesformas de aprendizagem: colaborativa, proble-matizadora, hipertextualizada e dialógica.

Silva (2000) esclarece que aprendercolaborativamente envolve planejar e desenvol-ver ações, tais como: receber, selecionar e enviarinformações; estabelecer conexões; refletir sobreo processo em desenvolvimento juntamente comseus pares; desenvolver a competência de resol-ver problemas em grupo; buscar e fazer por simesmo, o que implica em autonomia. Para Al-meida (2001), o grupo que trabalha em colabora-ção é autor e condutor de um processo deinteração e criação. Trabalhar colaborativamen-te exige a redefinição dos papéis tradicionaisde aluno e professor.

A aprendizagem problematizadora é aquelaque se dá a partir de problemas concretos, rela-cionados à vida real, de forma a envolver osalunos. Nela é fundamental que todos os partici-pantes, em contexto de aprendizagem colabora-tiva, possam relatar e trocar suas experiências,pronunciar-se a respeito das questões em estu-do. Palloff e Pratt (2002) afirmam que relacionaro aprendizado feito no cotidiano à aprendizagemformal não só confere uma maior sensação deimportância aos participantes de um curso,como também valoriza as pessoas que possuemos conhecimentos e que podem aplicá-los aoutros contextos.

Segundo Parente (1999, p.87), a hipertextua-lidade implica numa forma de pensamento emrede que se contrapõe à ideologia de uma leiturapassiva, guiada pela ordem linear do discurso.Assim, aprendizagem hipertextualiza refere-seà capacidade de lidar com os conteúdos deensino de forma interativa, não linear, inter-

textual, heterogênea (CORREIA; ANTONY,2003). A interatividade se expressa no hipertextopor meio das possibilidades que o aluno tem depoder interferir e transformar o texto, tornando-se, nesse caso, um co-autor. A não linearidaderefere-se às múltiplas associações que podemser feitas entre os diferentes pontos do hipertex-to, seja por meio de uma ação intencional (refle-tida) ou por uma opção aleatória; significa,portanto, que não há uma ordem ou percursopré-definido a ser seguido. Já a intertextualidaderelaciona-se à idéia de que a aprendizagemrealizada pelo aluno é tanto individual, única,inédita, como, também, é resultante de aprendi-zados concretizados por outros sujeitos. A hete-rogeneidade significa a possibilidade de seintegrar atos comunicacionais bastante diversos,como, por exemplo: lingüísticos, perceptivos,gestuais, cognitivos, imagens fixas e em movi-mento. A associação de diversas fontes percepti-vas é um diferencial do computador / rede.

A aprendizagem dialógica baseia-se, funda-mentalmente, na disponibilidade do professorpara o diálogo, na capacidade de saber escutaro aluno, estimulando-o a falar. Freire (2003)esclarece que escutar o aluno vai muito alémda escuta auditiva; implica em respeito ao outro,tolerância, humildade, abertura ao novo, disponi-bilidade à mudança, persistência na luta, recusaao fatalismo, abertura à justiça, pois o diálogonão se faz apenas com ciência e técnica.

Essas dimensões de aprendizagem aquiconsideradas ajudam a construir a autonomiaem ambientes de aprendizagem que incorporamas TIC.

Traçado metodológico do estudo

Considerando o teor das questões de pesqui-sa, centrado nas falas de professores, entende-mos que a abordagem qualitativa seria a maisadequada para conduzir o estudo. Nessa aborda-gem, segundo Rey (2002), é fundamental aqualidade dos participantes, isto é, que estespossuam algum conhecimento do problema queestá sendo pesquisado, de modo que possamoferecer respostas significativas às questões

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investigativas. Em função dessa premissa, esco-lhemos uma escola muito conceituada na áreaeducacional, localizada na zona sul do municípiodo Rio de Janeiro, que atende a crianças dasclasses média alta e alta, para ser o contextodo estudo. A escolha se deveu ao fato de que amaioria dos professores do ensino fundamentalda escola era pós-graduada, isto é, possuía otítulo de especialista ou mestre, sendo que algunsdeles cursavam o doutorado. Essa caracterís-tica dos docentes foi tomada como um indicadorde que o trabalho ali desenvolvido seria merece-dor de estudos mais detalhados.

A investigação contou com a participaçãode 16 sujeitos, dos quais 10 eram docentesatuando em turmas de 5a e 7a séries do ensinofundamental e os demais integrantes da equipede informática da escola.

Para atender aos propósitos da pesquisa, uti-lizamos os seguintes instrumentos: dois questio-nários e um roteiro de observação. Os ques-tionários foram aplicados aos docentes e espe-cialistas, sendo compostos de duas partes: aprimeira, englobando perguntas fechadas, tinhapor objetivo estabelecer o perfil básico dossujeitos do estudo quanto a: sexo, idade, titulação,disciplina lecionada, tempo de magistério; e asegunda, integrada por quinze questões abertas,visava coletar as informações pertinentes aospropósitos da pesquisa. Cabe destacar que osquestionários, antes de serem aplicados, foramvalidados por duas especialistas na área daEducação a Distância, as quais, além de recebe-rem os instrumentos, foram informadas dosobjetivos da pesquisa. Tivemos, também, o cui-dado de apresentar a essas especialistas umresumo, retirado da revisão inicial da literatura,sobre o significado de autonomia na situaçãode ensino-aprendizagem apoiada pelo compu-tador/rede e das principais alternativas didáticasfavorecedoras da construção da autonomia. Taismedidas foram tomadas para facilitar a análiseda pertinência das perguntas dos questionáriosàs questões do estudo. O roteiro de observação,utilizado para dar maior objetividade às observa-ções conduzidas no Laboratório de Informática,foi derivado das perguntas validadas pelas espe-cialistas. A estratégia de confrontar as respostas

dos docentes com as dos especialistas e o con-junto dessas respostas com os dados coletadosna observação das aulas contribuiu para ampliara confiabilidade dos achados da pesquisa.

As respostas dos questionários, oriundas dasquestões fechadas, foram tratadas em termosnuméricos. Já as informações apresentadas nasperguntas abertas sofreram um processo deanálise de conteúdo, baseado nas orientaçõesde Bardin (1992). Nessa análise, buscamos de-purar o que se evidenciava como mais recor-rente nas respostas, procurando, ainda, inferiridéias que, embora não ditas, estavam implícitasno conjunto das respostas.

Como esse estudo foi conduzido em umaescola que foge aos padrões existentes emnosso país – situa-se em um espaço pedagógicomuito bem equipado; seus professores possuemelevada titulação; os alunos são oriundos declasses sócio-econômicas privilegiadas – enten-demos que seus resultados se restringem aocontexto da pesquisa. No entanto, não podemosdeixar de admitir que a forma como essa escolavem incorporando o uso das tecnologias em telaoferece pistas para outras instituições de ensinoe, até mesmo, para secretarias de educação noque se refere à forma de organizar e planejar otrabalho nos laboratórios de informática, tendoem vista que, hoje, já é significativo o númerode escolas públicas que dispõem desse espaçopedagógico.

Resultados da pesquisa de campo

Para uma melhor compreensão dos dadosdepurados dos questionários, aplicados aosprofessores e especialistas, e das observaçõesdas aulas, conduzidas no Laboratório de Infor-mática, torna-se indispensável explicitar algunsaspectos que caracterizam essa escola.

Trata-se de uma instituição de ensino fun-damental e médio, de origem religiosa, cuja filo-sofia educacional se projeta para o aperfeiçoa-mento do aluno em uma relação humana e socialcom o mundo em que se insere. Atende a alunosde famílias de classes média alta e alta, distri-buídos nos dois turnos diurnos, oferecendo,

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também, à noite, ensino supletivo gratuito parajovens e adultos de baixo nível sócio-econômico.O corpo docente, em sua maioria, é pós-gra-duado. Além de professores e funcionários deapoio, a escola tem vários diretores, assessorespedagógicos, coordenadores de séries, orien-tadores educacionais e uma equipe de Infor-mática Educativa, esta formada por seis profes-sores, sendo que cinco deles já possuem oMestrado e dois destes estavam cursando oDoutorado (um em Educação e o outro em In-formática). A instituição possui: quatro labo-ratórios (de Química, Ciências, Física e Bio-logia); salas ambiente para Matemática, Geo-grafia, História, Português, Religião, Inglês/Francês; um anfiteatro; piscina semi-olímpica;campo de futebol de salão; ginásio de esportes;sala de projeção; três laboratórios de informáti-ca com microcomputadores ligados em rede;um departamento de Informática Educativaequipado para o desenvolvimento de softwarese CD-Rooms; bibliotecas central e setoriais;além de outros recursos, como filmoteca, video-teca, mapoteca e uma gráfica própria com mo-derna tecnologia de computação gráfica.

Desde 1991, os alunos utilizam o computadornas tarefas escolares; assim, o domínio dessa tec-nologia, como apoio à aprendizagem, tornou-separte integrante do currículo escolar. Para atenderaos seus objetivos educacionais, referentes aouso das TIC, a escola estruturou uma equipe deespecialistas em informática. No início do ano,professores das diferentes disciplinas e docentesespecialistas do Departamento de Informáticareúnem-se para definir os conteúdos que podemser trabalhados pelas múltiplas linguagens dastecnologias. A partir daí, inicia-se um processocontínuo de planejamento e criação. O Logo foia linguagem escolhida por permitir operaçõesdentro de subunidades conhecidas comomicromundos, que oferecem a oportunidade deexplorar idéias e resolver problemas de uma áreaespecífica como, por exemplo, o programa deGeometria da Tartaruga; este, além de propor-cionar um ambiente de aprendizagem onde oaluno interage com os objetos nele existentes,facilita o desenvolvimento de conceitos e ocontrole do próprio processo de aprendizagem.

Para implementar a Informática Educativa,a instituição envolveu a comunidade escolar:docentes, administração, alunos e pais; promo-veu programas de capacitação e aperfeiçoa-mento de professores com acompanhamentosistemático, visando à formação continuada. Se-gundo depoimentos informais dos docentes, aintegração à proposta pedagógica exigiu assu-mir reflexivamente os objetivos propostos, ba-seados na visão construtivista do processo ensi-no-aprendizagem.

Por essa descrição pode-se ter uma idéia,ainda que incompleta, das condições favoráveisde que a escola dispõe para atender às mais dife-rentes necessidades de seus alunos. Não ape-nas o espaço físico e seus recursos são privi-legiados; o corpo docente também possui titula-ção muito mais elevada que a exigida. A essesdois aspectos soma-se a existência de equipespedagógicas específicas, tudo e todos contribuin-do para a qualidade do processo educacional.

Como ficou anteriormente indicado, o focoda pesquisa estava na questão da introduçãodas TIC (computador e rede) no processo ensi-no-aprendizagem. Os resultados a seguir apre-sentados foram coletados em campo. Não foipossível aplicar o questionário a todos os profes-sores que atuam no nível fundamental e observarsua prática pedagógica, por serem muitos, comturmas nos horários matutino e vespertino. Játodos os seis especialistas em informática res-ponderam ao questionário. Visando facilitar oacesso aos professores, solicitamos à Coordena-ção de ensino fundamental que nos indicasseum total de dez professores para participaremdo estudo. Essa escolha teve como critérios:ser o horário das aulas no Laboratório de Infor-mática compatível com a possibilidade de umadas pesquisadoras estar em campo para proce-der à coleta de dados; e a opção por distintasdisciplinas, uma vez que cada uma delas mantémuma relação específica com a tecnologia emquestão. Cabe destacar que a escolha de dezdocentes respaldou-se em Rey (2002): afirmaele que a abordagem qualitativa não se legitimapela quantidade dos sujeitos a serem pesquisa-dos, mas pela qualidade de sua expressão. Nessalinha de raciocínio, tendo em vista a homoge-

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neidade do corpo docente, considerou-se quedez sujeitos seriam representativos do conjuntode professores vinculados ao segundo segmentodo ensino fundamental.

Os professores que participaram da pesquisaassim se distribuíam: 2 de Matemática; 3 dePortuguês; 3 de Geografia; 2 de Artes, todosatuando em turmas de 5ª e 7ª séries. Desses 10docentes, 6 eram do sexo feminino e 4 do mas-culino, sendo que 7 deles se encontravam nafaixa dos 40 aos 59 anos e 3 estavam entre os30–39 anos. Cinco professores tinham mais de10 anos de experiência de magistério e quatromais de 20. Somente um desses docentes eraapenas graduado; os demais possuíam pós-graduação, sendo 5 mestres e 4 especialistas.A faixa etária e a experiência profissional dessessujeitos sugerem que se tratava de um grupomaduro, com uma trajetória no magistério.

Os especialistas, também pós-graduados,enquadravam-se em uma faixa etária similar àdos docentes.

Todos os docentes utilizam regularmente(uma vez por semana) o Laboratório de Infor-mática para desenvolver suas atividades deensino. As aulas no Laboratório seguem o quefica definido no planejamento didático, realizadoem conjunto com os especialistas. As reuniõesenvolvendo docentes e especialistas são sema-nais. Pelas explicações oferecidas em uma dasperguntas do questionário, depreendemos quea integração dos docentes com os especialistasacaba gerando duas modalidades de prática: emnúmero maior (7 docentes), sobressai a queevidencia uma “acomodação” ao que é definidono planejamento conjunto. Já um número bemmenor (3 docentes) registrou que o planejamentoé uma base para o trabalho pedagógico, quedeve ser sempre ampliada para enriquecer osobjetivos de ensino. Duas respostas são a seguirtranscritas para ilustrar a relação de “acomoda-ção” e de “ampliação” que esses docentes man-têm com o planejamento das aulas no Labora-tório.

– O planejamento é feito nas reuniões semanaiscom a equipe de informática para desenvolveratividades com a utilização de programas relacio-nados com os conteúdos trabalhados. Não há

necessidade de criar novas situações porque asdo Laboratório de Informática já fazem parte doplanejamento curricular e o trabalho desenvol-vido já é rotina.

– Embora as aulas façam parte da rotina, costu-mo agendar um chat, distribuindo, via e-mail paratodos os participantes, o guia de acesso com ospassos e telas que acrescentam novas informa-ções ao que está sendo trabalhado, além de pla-nejar outras atividades envolvendo o uso deprogramas e softwares.

A relação de dependência dos docentes àequipe de especialistas também pode ser sentidaem falas destes, como as seguir apresentadas.

– No encontro com os professores de turma sãoselecionados os conteúdos a serem trabalhadosnas aulas que envolvem a informática e tambémas formas como vão ser explorados.– Geralmente, no início da parceria, a equipe ele-ge os conteúdos mais complexos e as múltiplaslinguagens passíveis de serem trabalhadas noLaboratório de Informática. A partir daí, começao trabalho semanal de planejamento e criação.

Os docentes, ao falarem sobre os objetivoseducacionais que buscam alcançar quandoapóiam a aprendizagem dos alunos no compu-tador e na rede, foram unânimes em afirmarque o principal objetivo é a conquista da auto-nomia na aprendizagem. Ao mesmo tempo,salientaram que visam à interatividade e aotrabalho colaborativo. Preocupam-se, também,com a capacidade seletiva (selecionar informa-ções na internet) e organizativa (organizar asinformações) dos conteúdos, o que exige aconsolidação do senso de responsabilidade dosalunos. Dois docentes destacaram que os objeti-vos educacionais são processuais, isto é,desenvolvem-se a longo prazo, evidenciandoque vêem a educação como processo contínuo.Eles afirmaram, também, que existem limitaçõespara o alcance dos objetivos; entre essas aponta-ram: o número de alunos por turma, que ainda égrande, atingindo um total de 40; a resistênciade alguns alunos ao trabalho colaborativo; adispersão de outros. Disseram, também, quederivam seus objetivos de ensino de abordagensteóricas e pedagógicas construtivistas (umaabordagem que vise à construção do

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conhecimento), relacionando-os, ainda, a pers-pectivas educacionais extraídas de autoresconsagrados no meio acadêmico, como EdgarMorin, Pierre Lévy, Marco Silva. Consideraramesses autores atuais, afirmando que, emboratenham visões distintas sobre a relação do ho-mJá os especialistas, após destacarem que ainformática é usada como um facilitador daaprendizagem, também situaram a autonomiana aprendizagem como principal objetivo daequipe. Duas respostas desses sujeitos são aseguir transcritas para expressar melhor aproposta da equipe.

– Os objetivos são os mesmos das aulas: contri-buir para o ensino e aprendizagem de maneiralúdica e criativa, fazendo com que esses alunossejam autores de seu processo de conhecimento.

– Busca-se atender às demandas do planejamen-to e trazer para a escola novas formas de comu-nicação e expressão que vêm surgindo, isto sig-nifica preparar o aluno para ler e escrever nosdias atuais.

Portanto, ao tratarem de seus objetivos edu-cacionais, tanto docentes como especialistasconcederam um lugar de destaque à autonomiana aprendizagem, o que entendemos como umaresposta à nossa quarta questão de estudo.

A segunda questão da pesquisa voltava-separa o modo como os recursos (computadore rede) são introduzidos nas aulas. A maioriados docentes destacou que os recursos sãoatrelados a atividades que têm como tônica aresolução de problemas, o questionamento, apesquisa. As respostas que se seguem podemoferecer uma visão mais abrangente da relaçãoque se estabelece entre esses recursos e aaprendizagem.

– As atividades propostas visam levar os alu-nos a desenvolver caminhos próprios para che-garem à solução das situações apresentadas,além de permitir-lhes tempo necessário para cadadupla chegar às devidas conclusões.

– Incentivando a pesquisa através de questões,temas e problemas.

Pelo conjunto das respostas dos docentes,captamos as atividades didáticas mais utilizadaspara desenvolver a autonomia dos alunos:

contextualização, trabalhos colaborativos,debates. Algumas dessas respostas são aquitranscritas.

– A integração das informações obtidas na redeaos conteúdos desenvolvidos faz parte das ati-vidades normalmente. Também é comum fazer-mos debates no fim das aulas (...) através de si-tuações-problema que levem o aluno a desen-volver o raciocínio lógico-matemático, envolven-do a realidade. Procuramos contextualizar as atu-ações apresentadas, esperando que o aluno uti-lize a linguagem matemática para resolver pro-blemas do dia-a-dia.

– A partir de várias fontes da rede, diferentessites, o aluno é levado a sistematizar e sintetizaras informações obtidas, transformando-as emconhecimento.

– Através de jogos, programas educativos, usoda internet, construção de homepages, fixamose aprofundamos o conteúdo debatido.

Do mesmo modo, os especialistas indicarama problematização como “a porta de entrada”para a inserção do computador e da rede nasatividades de ensino, conforme se pode verificarnas respostas que se seguem.

– As atividades estimulam a escolha, a pesqui-sa, a troca entre os alunos da turma. Ao longodos anos as atividades vão se diversificando e,assim, estimulam as possibilidades para o de-senvolvimento da autonomia.

– O professor deve dar a possibilidade de en-saio ao aluno. É necessário que este seja capazde criar caminhos e soluções para os problemasapresentados e, inversamente, problemas paraas soluções que se busca.

Em relação à terceira questão desta pes-quisa: em que medida a tecnologia ajuda aromper com práticas tradicionais de ensi-no, em especial com o uso exclusivo da ex-posição oral, todos os docentes e especialistasconfirmaram que mudanças significativas foramobservadas no desempenho dos alunos. Dentreelas, destacaram: aumento da participação e dointeresse, bem como melhoria na compreensãodos conteúdos. Relacionaram essas mudançasà forma colaborativa de aprendizagem que éproposta aos alunos, o que significa uma descen-tração do professor no processo de ensino.

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Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia na aprendizagem?

Selecionamos algumas respostas oferecidaspelos docentes para ilustrar as mudanças nodesempenho dos alunos e a diminuição daimportância do professor como “doador” deconteúdos.

– Os alunos se mostram mais motivados para asatividades de redação; também há mais partici-pação.

– Observamos melhor compreensão dos conteú-dos, bem como grande ganho de tempo no estu-do desses conteúdos.

– O uso desses recursos serve para aguçar ointeresse, já que é uma ferramenta amplamenteutilizada pelos alunos no seu dia-a-dia.

– Os alunos sabem que tarefa cumprir. O traba-lho do professor é só acompanhar.

Os especialistas afirmaram que a interativi-dade, obtida pela via da problematização,representa uma mudança significativa na formade se ensinar. Nela se expressam as produçõesfeitas nas duplas de alunos e no grupo comoum todo. A interatividade entre todos os atores,alunos e professores, coloca em segundo planoas explicações orais do professor, que, há algunsanos atrás, dominava o cenário da sala de aula.As falas que se seguem evidenciam que mu-danças significativas acontecem nas aulas con-duzidas no Laboratório de Informática.

– Como nas aulas os estudantes têm de resolverproblemas o tempo todo, uns com os outros,com suas montagens, com linguagens de pro-gramação, com textos e pessoas via internet,acabam em interatividade.

– A interatividade é a capacidade de ação con-junta, mútua. A possibilidade dos alunos traba-lharem em duplas, comunicando ao grupo e par-tilhando com este suas produções, aceitando crí-ticas e sugestões dos outros, é a forma comoprivilegiamos a interatividade nas aulas do La-boratório de Informática.

Além dos dados depurados das respostasdesses 16 sujeitos, a pesquisa também contoucom informações coletadas diretamente naobservação das aulas conduzidas no Laboratóriode Informática. Uma análise do conjunto dasobservações permitiu-nos a elaboração da sín-tese que se segue.

De um modo geral, no início das aulas, osprofessores distribuíam o material contendo aproposta de atividade e as etapas a serem cum-pridas. Os alunos, em um primeiro momento,trabalhavam em duplas, discutindo e trocandoinformações sobre os problemas apresentados.Cada dupla seguia o seu ritmo próprio; cadaaula compreendia um conjunto de três temposde 50 minutos. Quando os alunos optavam portrabalhar sozinhos, os professores não se opu-nham. Na maioria das aulas observadas, nãose verificou interferência direta dos professores;eles atendiam aos alunos quando eram solici-tados; muitos atendimentos, no entanto, erampara tirar dúvidas quanto ao uso das ferramen-tas. As interferências dos docentes se deram,sobretudo, quando algum aluno tentava monopo-lizar o computador. O papel dos professores era,fundamentalmente, o de estimular a reflexãosobre os problemas que estavam em discussão.Como sempre acontece em um grupo de do-centes, dois deles tendiam a apresentar respos-tas prontas, apontando os erros no monitor efazendo, eles próprios, a correção. Antes dotérmino da aula, as duplas apresentavam relató-rios das atividades desenvolvidas; quando com-pletavam um módulo de estudo (geralmentecompreendendo 3 aulas), os alunos imprimiamseus trabalhos para serem entregues ao pro-fessor. A finalização do módulo incluía, também,uma apresentação, usando o datashow e o telão,com vista à apreciação dos trabalhos por todosos participantes.

Em Artes, por exemplo, durante nossa obser-vação, verificamos que os alunos estavam pre-parando um CD-Rom com um projeto de ani-mação: eles construíam story-boards, criandopersonagens, enredos, cenários. Nas aulas deGeografia, os alunos trabalhavam conceitos decoordenadas geográficas, fuso-horário, interpre-tavam gráficos, resolviam problemas que in-cluíam simulações de viagens, cálculos e visitasvirtuais aos países escolhidos. As viagens virtuaispermitiam, ainda, discussões sobre as culturasdos países “visitados”. Os próprios alunos faziamos roteiros de suas viagens. Constatamos queos conceitos trabalhados eram contextualizados,ou seja, envolviam a realidade dos alunos.

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As duplas deviam cumprir todas as etapasda atividade e, quando estas ficavam concluídasantes do tempo previsto, os alunos podiam utili-zar outros programas que estavam à sua dis-posição, como, por exemplo, o jogo de batalhanaval que envolve o conhecimento de coorde-nadas geográficas.

Ao final de cada aula, os alunos tinham defechar os seus arquivos no computador, guardarseus roteiros preenchidos com os resultados dasatividades realizadas, assinalando as etapas aserem cumpridas no próximo encontro, deixandoo laboratório arrumado para a turma seguinte.

É digno de registro que os alunos interagiamsem dificuldade com a tecnologia pelo fato damesma já ser usual em suas vidas, tendo acessona escola e em casa.

Conclusões inferidas da pesquisa

Como anunciamos no início deste trabalho,nossa preocupação de pesquisa estava na ques-tão da introdução do computador e da rede nasala de aula, com especial enfoque para osobjetivos educacionais do professor ao se valerdessas tecnologias, o modo como delas se utiliza,as mudanças que produzem nesse ambiente eo destaque dado à autonomia na aprendizagem.

A revisão da literatura evidenciou-nos que oimpacto das tecnologias, em especial do com-putador e da rede, é, hoje, tão marcante quenão há como a educação deixar de ser atingida,sob as mais diversas formas. Quando se falaem impacto das tecnologias é indispensávelcompreender que nele se insere uma gama defenômenos inusitados: novas formas de relaçãosocial, circulação rápida e infinita de informa-ções, novas formas de trabalho e produção doconhecimento. Tudo isso vem exigir uma mu-dança substancial em nosso modo de pensar:trocar as visões simplificadas da realidade peloesforço contínuo de olhar fatos, fenômenos,problemas, situações do cotidiano, por umaperspectiva complexa, isto é, uma visão quesaiba, sobretudo, contextualizar e relacionar aspartes de um todo, mantendo a integridade dessetodo (MORIN, 2000b). Esta forma de pensarpode ser estimulada com o uso do computador

e da rede, uma vez que o hipertexto e acomunicação direta imediata levam o “ciber-nauta” não só a acessar uma quantidade signifi-cativa de informações, como ainda a entrar emcontato com outras realidades, pessoas ediferentes modos de organizar o pensamento,favorecendo não apenas a interatividade(LÉVY, 1993), mas, também, uma visão maisabrangente (complexa) da realidade.

Essa nova forma de pensar não surge es-pontaneamente, ela é construída e o melhor lugarpara a sua construção ainda é a escola, com aorientação de docentes capazes não apenas derefletir criticamente sobre a realidade, mas detransformá-la; docentes que saibam ajudar seusalunos a se tornarem paulatinamente autônomosna construção do seu conhecimento (FREIRE,1998), uma autonomia que expresse a capaci-dade do próprio aluno reconhecer suas necessi-dades, dificuldades e processos de aprendiza-gem (PETERS, 2001).

A conquista da autonomia, em ambientes deaprendizagem que incorporaram o computadore a rede, pode ser favorecida com a utilizaçãode atividades baseadas no trabalho colaborativo(SILVA, 2000), na problematização (PALLOFFe PRATT, 2002), no hipertexto (PARENTE,1999), no diálogo (FREIRE, 2003).

Foi com essas idéias que buscamos interpre-tar os dados coletados nos questionários e naobservação de campo e essa interpretação re-presenta as conclusões de nosso estudo.

Os recursos em tela são utilizados pelosalunos regularmente, uma vez por semana, nasaulas desenvolvidas no Laboratório de Informá-tica, seguindo um planejamento integrado, reali-zado por docentes e especialistas em informá-tica. Inicialmente, os especialistas têm comotarefa básica selecionar os softwares que maisse ajustam ao conteúdo programático; em segui-da, todos juntos discutem e definem os modosde operacionalização dos temas e problemas deestudo. Esse planejamento integrado se projetatanto para o ensino no âmbito de uma disciplinaespecífica, como para as possibilidades deintegração entre as disciplinas.

A equipe de informática, pela sua experiên-cia, acaba dando o “rumo” das aulas no

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Computador e rede no ensino fundamental: uma outra dimensão para a autonomia na aprendizagem?

Laboratório. Pensamos que esse “rumo” do usodidático da tecnologia pode induzir o docente aficar atrelado apenas ao que está no seu roteirode trabalho, deixando de visualizar a aula comoacontecimento único, que exige arte, criatividadee capacidade de se apropriar das dificuldadesque ocorrem no ato do ensino como outras possi-bilidades para a aprendizagem (PENIN, 1996).Mais uma vez, ficou evidente que em todo grupodocente há sempre os que querem “ir além”;que não conseguem se cingir às amarras de umplanejamento; foi o caso dos docentes que agen-dam chats, usam o correio eletrônico, a internetpara pesquisa e outros softwares que não cons-tam no planejamento. Essa vontade de “ir além”ultrapassa o tecnicismo ou instrucionismo quenega a condição de sujeito por parte do aluno.Giraffa (2002) afirma que, há muitos anos,defende a idéia de que só teremos informáticana educação quando o professor dominar atecnologia e usá-la de forma crítica. Acreditaque é a partir do domínio que se pode esta-belecer novas metodologias e alternativas deaprendizagem. A visão desta autora se expres-sou na pesquisa: os docentes que estavam maisseguros em relação à tecnologia foram aquelesque ultrapassaram os limites do planejamento,levando os alunos a atividades complementares.

Aqui cabe nossa primeira conclusão: esta-mos em uma fase de transição, com uns pro-fessores sabendo mais e outros menos (ou quasenada) em relação ao uso educacional do compu-tador e da rede. Nesta etapa, acreditamos serimportante o apoio direto de especialistas eminformática; no entanto, um cuidado deve sertomado, que é o de estimular os docentes a “iremalém” do planejado. Esta conclusão se impõeaté que tenhamos alcançado o patamar “sonha-do” por Giraffa.

Os objetivos perseguidos por esses atores,compreendidos como finalidades educacionaismais amplas, coincidem com as possibilidadesde aprendizagem que a literatura específicadestaca para o ensino apoiado pelas TIC. Pro-fessores e especialistas também visavam: auto-nomia, interatividade, cooperação, desenvolvi-mento da capacidade seletiva e organizativa,responsabilidade. Ao perceberem os objetivos

educacionais em uma perspectiva de processo,deram-nos a entender que os conteúdos e atecnologia são meios de que a prática pedagó-gica pode lançar mão para a obtenção de algomuito mais amplo e complexo que é o desenvol-vimento do sujeito para enfrentar os desafiosda vida. Os objetivos desses professores e espe-cialistas, enriquecidos pelas leituras atualizadasque realizam, convergem para uma prática quevisa, sobretudo, a construção ativa e coletivado conhecimento, baseada na problematização.Os resultados obtidos revelam o empenho dainstituição de ensino em superar o paradigmatradicional de ensino e implantar o paradigmaeducacional emergente (MORAES, 2000). Háuma preocupação em romper com o ensinorepetitivo, em que a expressão do aluno é igno-rada. Os professores, conscientemente ou não,assumiram o compromisso com a renovação.

Neste ponto situamos nossa segunda con-clusão: quando a escola tem um projeto clarosobre o uso das TIC, quando facilita o aperfei-çoamento de seus professores e apóia o trabalhoque desenvolvem, então se torna bem mais fácila consecução de seus objetivos educacionais.Os dados coletados / analisados evidenciaram-nos a atualidade e a consistência das aulas apoia-das pelo computador e pela rede. A construçãoda autonomia revelou-se como foco principaldessas aulas. Para essa construção, os docentese especialistas valeram-se de alternativas quevêm sendo bastante destacadas na literaturareferente à utilização pedagógica desses recur-sos. Eles problematizaram, levaram os alunos abuscar respostas para os problemas de formacolaborativa, estimularam a procura de informa-ções e a troca de saberes, facilitaram e horizon-talizaram o diálogo, criando, ainda, um espaçopara a avaliação do construído. A lacuna queencontramos em relação à construção da auto-nomia desses alunos referiu-se à metacognição,mas talvez seja o caso de indagarmos se esseprocesso já é factível de ser vivenciado poralunos de 5a e 7a séries.

Todos os docentes afirmaram que o uso docomputador e da rede trouxe mudanças nodesempenho dos alunos: maior motivação, maisinteresse e participação, melhor compreensão

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dos conteúdos. Não foram capazes, no entanto,de se verem no contexto das mudanças. Pode-mos, então, perguntar: em que eles, professores,mudaram? Como ficou sua prática? Ela ficoumais criativa e rica? Em que “cresceram” comoprofissionais de ensino? Estariam as mudançasno desempenho dos alunos interferindo na salade aula convencional? Por que esses docentesnão se viram como parte integrante do projeto,sendo passíveis também de mudança? Nãopodemos deixar de retomar Freire (1998, p. 30)quando nos diz que ensinar exige reflexão críticasobre a prática: “quanto mais me assumo comoestou sendo e percebo as razões de ser, deporque estou sendo assim, mais me torno capazde mudar, de promover-me, no caso, do estadode curiosidade ingênua para o de curiosidadeepistemológica”. Desta mesma linha de racio-cínio, extraímos nossa terceira conclusão: é váli-do supor que os docentes ainda carecem de umareflexão mais abrangente (complexa) sobre asalterações que as tecnologias vêm trazendo àprópria prática pedagógica.

O uso do computador e da rede nessa escolaobrigou os docentes a: trabalharem com o hiper-texto; promoverem relações mais amplas entreos conteúdos, ou seja, praticarem a interdiscipli-

naridade; aceitarem que seus alunos estabele-cessem outros diálogos, isto é, saíssem da rela-ção vertical professor-aprendiz; colocarem osdiscentes diante de inúmeros desafios inerentesà tecnologia escolhida. Para Alves (2001, p 119),a rede está, hoje, no “âmago da nova forma deconstruir o conhecimento, em todas as áreasde atividades humanas – das ciências aos movi-mentos sociais, do mundo do trabalho à comu-nicação social”. Esta autora complementa: odesafio está, então, na capacidade de pensarmoscriticamente sobre esse processo, para nele atuarmais agilmente, decidindo a favor de quem vaiser exercido.

Os alunos foram estimulados a criar, expres-sar suas idéias e a fazer uma leitura crítica dainformação. Os professores buscavam desen-volver a autoconfiança e as potencialidades decada um. Havia satisfação no trabalho, entusias-mo. As crianças gostavam, participavam. Nãopodemos, portanto, deixar de destacar o pionei-rismo da instituição no enfrentamento dos desa-fios postos pelo uso didático das tecnologias,admitindo que a mesma encontrou um caminhopara trabalhar com o computador e a rede,valorizando a construção da autonomia.

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Recebido em 30.09.04Aprovado em 05.12.04

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Alexandra Okada

RESUMO

Esse trabalho tem a intenção de investigar como a mediação pedagógica etecnologias de comunicação e informação podem propiciar o caminho parainclusão digital. Para isso, durante uma disciplina de pós-graduação sobre“Inclusão e Alfabetização Digital”, analisamos um projeto de formação contínuade professores alfabetizadores de adultos em escolas públicas de São Pauloque utilizam as novas tecnologias. Nesse projeto, foram envolvidos professoresda pós-graduação, alunos pesquisadores e professores da rede pública . Nessecaso investigado, observamos que ocorreu uma rede de processos (reflexões eações), possibilitando que os sujeitos reconstruíssem e construíssemconhecimentos tornando-se mediadores no processo.

Palavras-chave: Mediação pedagógica – Inclusão digital – Novas tecnologias

ABSTRACT

PEDAGOGICAL MEDIATION AND INFORMATION AND COM-MUNICATION TECHNOLOGIES: A WAY THROUGH DIGITALINCLUSION?

In this paper, we investigate how pedagogical mediation and information andcommunication technologies may supply the way to digital inclusion. In agraduated course entitled “Inclusion and digital literacy”, we have analyzed aproject of adult literacy teacher’s permanent formation in some Sao Paolopublic schools where this technology was used. This project involved universityprofessors, researchers and public school teachers. In the studied case, weobserved a network of process (reflection and action) making for the subjectpossible the construction and reconstruction of knowledge, making themmediators within the process.

Keywords: Pedagogical mediation – Digital inclusion – Information andCommunication Technologies.

A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA

E TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO:

UM CAMINHO PARA INCLUSÃO DIGITAL?

Alexandra Okada ∗

* Graduada em Computação pelo ITA, Mestre e Doutoranda pela PUC-SP, atualmente pesquisa cartografia - mapas deinformação para construção de redes de conhecimento, principalmente em projetos de investigação acadêmica. Endere-ço para correspondência: Rua Ministro Godoi, 969, 4º andar, Bloco A – 05015-901 São Paulo, SP. E-mail:[email protected] .

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A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho para inclusão digital?

O cenário atual, marcado pelas mudançasrápidas e contrastes dramáticos1 – globalizaçãoe exclusão, superabundância e escassez, gran-des avanços da tecnologia e do conhecimentoparalelamente ao aumento dos índices de pobre-za e ignorância – é um forte convite para repen-sar o papel da Escola, em especial, da Uni-versidade.

Araújo Filho (2000, p. 7), presidente do FórumNacional de Extensão, resgata a missão do EnsinoSuperior, destacando não só a importância deconstruir conhecimentos mas, também, de torná-lo acessível a todos e, principalmente, útil para oindivíduo e para o coletivo.

Como terceira função da Universidade (além doEnsino e da Pesquisa), a Extensão é, hoje, com-preendida como uma das atividades que a Uni-versidade realiza, de forma indissociada das duasoutras, para alcançar o seu objetivo: produzir oconhecimento e torná-lo acessível. A Extensão édimensionada, para usar a terminologia do Pla-no Nacional de Extensão brasileiro, “(...) comofilosofia, ação vinculada, política, estratégiademocratizante, metodologia, sinalizando parauma Universidade voltada para os problemassociais com o objetivo de encontrar soluçõespor meio de pesquisas básicas e aplicadas, vi-sando a realimentar o processo ensino-aprendi-zagem como um todo e intervindo na realidadeconcreta.”

Segundo a Declaração Mundial sobre aEducação Superior no Século XXI, é funda-mental criar oportunidades para que as pessoaspossam inserir-se na sociedade do conheci-mento, visando atender às necessidades sociais.

... os sistemas de educação superior devem au-mentar sua capacidade para viver em meio daincerteza, para transformar-se e provocar a tro-ca, para atender as necessidades sociais e fo-mentar a solidariedade e igualdade, preservar eexercer o rigor e a originalidade científica comespírito imparcial por ser um requisito préviodecisivo para alcançar e manter um nível indis-pensável de qualidade, e colocar os estudantesem primeiro plano numa perspectiva de uma edu-cação ao longo da vida a fim de que possamintegrar plenamente na sociedade mundial doconhecimento.

Com esse intuito, muitos projetos estão sur-gindo tanto no Ensino Superior2 como também

no Ensino Médio e Fundamental3 e, dentre eles,uma parte bem significativa está se direcionandopara a “inclusão no mundo da globalização, datecnologia e do conhecimento”.

Isto vem ocorrendo na área de Educação eé prioridade máxima de muitos governos emdiversas nações, fato que pode ser observadonas páginas principais dos sites de cada país,na Agenda 21 e no Relatório de Desenvolvi-mento Humano e, inclusive, com o crescimentode Telecentros4 no mundo e no Brasil.

Não restam dúvidas sobre a importância dainclusão no cenário mundial e nacional comomeio de propiciar a construção-reconstrução esocialização de conhecimentos, visando a trans-formação da realidade para um melhor contextoindividual e social. Nesse sentido, a integraçãoda pesquisa, ensino e extensão e principalmenteo entrelaçamento da teoria e da prática é essen-cial para encontrar o caminho da práxis5.

Agora, a grande questão é: “como articulara teoria com a prática”? Como entrelaçá-lasem prol da inclusão? Como utilizar a tecnologianeste processo?

1 Segundo o relatório da ONU(1997), dos 5,5 bilhões dehabitantes no mundo: 1,5 bilhões são desesperadamentepobres e mais de um bilhão sobrevivem com uma rendadiária que não chega a um dólar, inclusive nos países desen-volvidos. O Brasil tem cerca de 160 milhões de habitantes e10º maior PIB (Produto Interno Bruto) do mundo. Entre-tanto, cerca de 40% da população são analfabetos, 47%pobres e indigentes.2 No VI Congresso Iberoamericano de Extensão (2001)http://vicongressoibero.epm.br/indexportugues.htm foramapresentados mais de 500 trabalhos de Universidades Brasi-leiras, sendo que mais de 100 voltados para a área de Educa-ção. Nesse conjunto, 80% voltados para inclusão com atu-ação não só no Brasil, como também no Exterior - Temascomo, por exemplo: Alfabetização de Jovens e Adultos,Formação de Alfabetizadores, Alfabetização solidária emTímor Leste, em Moçambique, Informática para idosos,Compromisso social com o conhecimento adquirido na for-mação profissional...)3 No Ensino Médio e Fundamental existem projetos como,por exemplo, Escola Voluntária de Informática – ColégioDante Alighieri http://www.dantealighieri.com.br/ , Ética eCidadania – Escola Santa Cruz http://www.santacruz.g12.br/,Programa Cidadania – Colégio Bandeirantes http://www.colband.com.br/4 Segundo Dimenstein (Folha de São Paulo, 12 ago. 2001),“recém-implantados no Brasil, os chamados telecentrospúblicos, destinados a facilitar o acesso da população caren-te à internet, já funcionam há quatro anos em Moçambique,na África, considerado um dos países mais miseráveis doplaneta”5 Segundo Freire (1987), práxis é a ação e a reflexão paratransformação da realidade visando um mundo melhor.

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Alexandra Okada

Esses foram alguns dos desafios que sur-giram na disciplina “Inclusão e AlfabetizaçãoDigital” 6 no curso superior de pós-graduação,Educação: Currículo PUC/SP para os professo-res, mestrandos e doutorandos que integrarampesquisa, ensino e extensão através de ativida-des em conjunto com professores alfabetizado-res da Rede Municipal de Ensino de São Paulo.O objetivo principal dessas atividades foi buscar,através da fundamentação teórica e prática,uma metodologia para a inclusão e alfabetizaçãodigital.

Colocando em evidência a atualidade, a rele-vância do tema e os desafios acima, centrare-mos nosso estudo no tema deste trabalho – Amediação pedagógica: um caminho para in-clusão? Como?

Segundo Masetto (2000), a mediação peda-gógica significa a atitude, o comportamento doprofessor que se coloca como um facilitador,incentivador e motivador da aprendizagem, ouseja, uma ponte móvel entre o aprendiz e suaaprendizagem, que ativamente contribui para queo aprendiz chegue aos seus objetivos.

Para isso, através do estudo de caso, investi-garemos como a mediação pedagógica ocorreuentre os professores organizadores desta disci-plina, os pesquisadores alunos do curso,professores alfabetizadores da Rede Municipalde Ensino de São Paulo e alunos alfabeti-zandos jovens e adultos.

Freire (1987) e Dussel (2000) enfatizam queé essencial que o sujeito ocupe espaço próprio,construa e se faça oportunidade. É através daconstrução da própria história através da capa-cidade de fazer-se, inserir-se e de interferir narealidade, construir e reconstruir conhecimentosque os sujeitos podem transformá-la para umcontexto melhor tanto para si quanto para ocoletivo – o foco desta investigação é analisarcomo a Mediação Pedagógica, usufruindoda tecnologia, pode contribuir para aformação de sujeitos históricos.

Destacamos assim a importância da media-ção pedagógica: propiciar a conscientizaçãotransitivo-crítica na qual, segundo Freire (1987),os sujeitos se colocam como seres de relações,capazes de identificar a sua própria palavra, a

do outro, e conseguem distinguir as ambigüida-des, dicotomias, singularidades.

Dussel (2000) enfatiza que esse processosó é possível quando os próprios sujeitos se dãoconta da realidade que os cerca. Então, atravésdo consenso, alcançam a validade intersubjetiva.E, considerando-se sujeitos capazes (factibilida-de ético-crítica), são capazes de criticar o siste-ma (alcançar a validade anti-hegemônica a par-tir da comunidade das vítimas) e, assim, buscarefetivamente a práxis.

A tecnologia poderia ser utilizada neste senti-do? Muitos autores destacam várias vantagensdo uso da tecnologia no processo de ensino-aprendizagem. Dentre eles, Almeida (2001)sublinha a “Tecnologia de informação ecomunicação na educação: aprendizagem eprodução da escrita”, citando como contribui-ções da TCI: o desenvolvimento da escrita e daleitura de forma prazerosa, a representação dopensamento, a construção do conhecimento, oincentivo à autoria e cooperação entre sujeitos.Valente (1999) mostra “Diferentes usos doComputador na Educação”: ferramenta edu-cacional para desenvolvimento da autoria e auto-nomia do aluno, resolução de problemas atravésde desafios, controle de processos com coleta,análise e representação de dados, transmissãode informação, comunicação, enriquecimento daaprendizagem com o redimensionamento dosconceitos já conhecidos e possibilidades decompreensão através do processo de descrever,refletir e depurar.

Os próprios alunos pesquisadores desta disci-plina (2001) complementam os autores, indican-do como outras contribuições da tecnologia: pos-sibilidade de registro, resgate e acesso à grandediversidade de informações, alteração e atuali-zação rápida, grande facilidade de seleção, clas-sificação e reorganização e, assim, construção ereconstrução de conhecimentos, comunicaçãorica através de recursos, como a multimídia e ohipertexto, rapidez, flexibilidade, descentrali-zação, agilidade na troca de informações, favo-recendo trabalho coletivo e cooperativo...

6 Disciplina ministrada pelo Prof. Dr. Fernando José Almeida– atual Secretário da Educação de São Paulo e pela Prof.Dra. Maria Elizabeth Almeida – consultora do ProgramaNacional de Informática PROINFO.

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 327-340, jul./dez., 2004330

A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho para inclusão digital?

São inúmeras as vantagens e também as críti-cas quanto ao uso da tecnologia. Tanto pelosautores citados, como também por outros. Moraes(1997, p.16) nos adverte que o simples:

... fato de integrar imagens, textos, sons, anima-ção, e mesmo de interligar informação semsequências não-lineares, como as atualmenteutilizadas em multimídia e hipermídia, não é agarantia de boa qualidade pedagógica. Progra-mas visualmente agradáveis, bonitos e até mes-mo criativos podem continuar representando oparadigma instrucionista.

Demo (2001, p.1) complementa esta mesmaidéia destacando a importância do professor.

Já se sabe: software educativo não existe – o“educativo” do software não está no aparatotecnológico, mas na habilidade humana ambien-tal. Enquanto o aparato tecnológico pode favo-recer, empurrar, instigar, provocar, não consegue“educar” propriamente, porque esta habilidadeexige a conexão semântica, muito além da sintá-tica, ou dos códigos binários. (...) A peça maisessencial da aprendizagem ainda é o professor -sem ele, temos tecnologia, mas não educação.

Machado (2001, p.1) também acrescentapossibilidades e riscos com relação ao uso datecnologia na Educação, destacando 5 pontos:1. O novo como pseudo-valor:

... o novo não é um valor apenas porque é novo,como no terreno da tecnologia. A transposiçãodesse automatismo para as práticas na sala deaula é, além de indevida, perniciosa. A escola éum lugar de permanentes embates em busca dediscernimento entre o que deve conservar e oque se deve transformar.

2. A rapidez com a pressa:Temos que ser rápidos, mas não podemos serapressados. Antes da pressa, é necessário sa-ber aonde queremos ir. O uso ansioso pode darimpressão de ganho de tempo, mas a pressa fazcom que não observemos direito e nem desfru-temos dos sítios por onde passamos.

3. Parecer em relação a ser:... hoje, os recursos de multimídia e as redesinformacionais conduziram o cerne da questãopara outro local: não se busca tanto nem o sersem o ter quanto o parecer. A preocupação coma aparência predomina e o brilho fulgaz atrai maisdo que as agruras da construção do caráter.

4. Meio em fim:... ter computadores nas escolas não é meta: émeio de realização dos projetos (...). E mesmo aausência de equipamentos, não nos impede,como educadores, de termos sonhos mais colo-ridos e projetos mais ambiciosos.

5. Fim da pessoalidade:... a despeito de todas as comodidades propicia-das pelos recursos computacionais, é precisoestar atento para o modo como tais elementosinterferem em nossa constituição como pessoa.A pessoalidade é o valor máximo e o máximo fimda Educação. Em cada um de nós há um fundopessoal, há um âmbito interno em que somos amáxima autoridade sobre nós mesmos, em queninguém pode nos constranger a coisa alguma.

O curso de Inclusão e Alfabetização Digitalocorreu no 2º semestre de 2001 durante 18encontros presenciais7: doze na UniversidadePUC-SP e seis na Secretaria Municipal de Edu-cação com a presença dos professores da RedeMunicipal de Ensino que trabalham com a Edu-cação de Jovens e Adultos e têm acesso aolaboratório de informática da escola.

Segundo os mediadores da disciplina, M.E.B.Almeida e F.J. Almeida (2001, p. 1):

A apropriação do conhecimento é um ato deconscientização. Processo educativo é intenci-onal, supõe capacidade de observação críticada realidade e de uso da expressão por intermé-dio dos instrumentos da técnica, da cultura epela história.Nosso curso analisará as dimensões políticas,ideológicas, educacionais desse fenômeno as-sim como trará a luz das teorias de Paulo Freire,Vygotsky, Morin entre outros como diretrizes daspráticas pedagógicas para sua superação histó-rica. Analisar-se-ão experiências na área assimcomo se proporão trabalhos inovadores de alfa-betização digital como prática da liberdade e dalibertação.

Os trabalhos inovadores realizados nestadisciplina (destacados pelos alunos pesqui-sadores) compreenderam não só a vivência

7 Sobre os dezoito encontros realizados na disciplina: dezes-seis ocorreram no laboratório de informática e os outrosdois no auditório em evento aberto da Universidade PUC-SP e da Secretária Municipal de Educação.

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das teorias8 que deram origem às pesquisas(como este próprio trabalho) como também oentrelaçamento com a prática 9 que iniciou oprocesso com os alfabetizadores da redemunicipal de ensino de São Paulo paraelaboração da metodologia do Mova Digital.10

Nesse primeiro momento, destacamos aimportância do(s) mediador(es) definirem eexplicitarem claramente os seus objetivos/intencionalidades no curso, e ouvir tambémos participantes. E, então, convidar todospara a co-construção. Construir em conjuntopossibilita a co-autoria e, assim, maior envolvi-mento, comprometimento, reflexão da própriaação e também a valorização de cada um.

Isto pode ser destacado tanto na fala dospesquisadores: “Surgiu o desafio para constru-ção coletiva. E, assim, a valorização de cadaum.” E, também, nos depoimentos dos alfabeti-zadores: “Quando o aluno tem a oportunidadede sentir-se “capaz de”, tem a oportunidade deaumentar a sua auto-estima”.

De acordo com Freire (1987, p. 68): “Oeducador já não é o que apenas educa, mas oque, enquanto educa, é educado, em diálogocom o educando que ao ser educado tambémeduca. Ambos, assim, se tornam sujeitos doprocesso em que crescem juntos.”

Num segundo momento, sublinhamos aimportância do mediador não só mergulhar nocontexto de atuação do aprendiz para com-preender a sua problemática e desenvolver asações de formação mas também possibilitarque o aprendiz mergulhe, se possível, no con-texto do objeto a ser estudado. (ALMEIDA,2000).

Também evidenciamos isto nos depoimentosdos pesquisadores:

Conhecemos o contexto desses professores nosseus relatos de experiência como alfabetizadores.No primeiro dia, estávamos separados, mas nofinal nos constituímos num grupo, sem separa-ções entre acadêmicos e alfabetizadores – teoriae prática.

E, também, dos alfabetizadores:Nossos alunos gostam mais de trabalhar comaquilo que é dos seus próprios interesses, quefaz parte da realidade deles. Neste ano, por exem-

plo, eles pediram para trabalhar com tipos de si-tuações que vivenciam no cotidiano: como seportar numa entrevista; como se apresentar noemprego; (...) o que vestir; ...

Nesse processo de mergulhar no contextodo outro e possibilitar que o outro estenda tam-bém no seu próprio contexto, Freire adverte que,em relação à extensão, é fundamental estarciente de que “O conhecimento não se estendedo que se julga sabedor até aqueles que se julganão saberem, o conhecimento se constitui nasrelações homem/mundo, relações de transfor-mações, e se aperfeiçoa na problematizaçãocrítica destas relações” (FREIRE, 1975, p.36)

A vivência e a contextualização, ou seja,esse olhar voltado para aquilo que traz sentidopara si e para o outro, internamente e externa-mente facilitou muito a mediação pedagógicano incentivo à reconstrução das dinâmicas epráticas pedagógicas, cada qual dentro do seucenário.

Assim, neste terceiro momento, destacamoscomo outro ponto importante da mediação –possibilitar a reconstrução de conhecimen-tos a partir do que traz significado articu-lado com a vivência e principalmente como contexto investigado.

Neste caso investigado, observamos queocorreu uma “cascata” de processos (reflexõese ações), possibilitando os sujeitos reconstruíreme construírem conhecimentos, e também, setornarem mediadores no processo (Quadro I).

Oferecer apoio necessário para que osaprendizes possam reconstruir os seus co-nhecimentos é outro ponto de destaque da me-diação pedagógica.

Demo (2000, p.4) destaca o termo recons-trutivismo para “indicar que aprendemos do quejá aprendemos, conhecemos do que já conhece-mos, em contexto histórico-hermenêutico.

8 Por exemplo, as teorias de Freire nas quais cada pesquisa-dor reescreveu sua história de vida e, a partir da apresenta-ção em duplas, foram destacados temas geradores.9 Por exemplo, a construção coletiva da dinâmica para fa-zer emergir os temas geradores dos alfabetizadores, o con-vite para co-autoria e reflexão do processo.10 O nome Mova Digital foi escolhido para enfatizar o pro-jeto já existente MOVA – Movimento de Alfabetização deJovens e Adultos, abrangendo também a inclusão digital.

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Quadro I

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Reconstruímos conhecimento mais do queconstruímos”. (Quadro II).

Outro item importante para a mediação pe-dagógica é fazer a intervenção quando ne-cessário, e principalmente convidar o outroa fazer intervenções também. É a interven-ção que possibilita dar “saltos qualitativos noprocesso de aprendizagem”.

Almeida (2001, p. 4) destaca que é importan-te “fazer as intervenções no momento apropria-do de modo a desestabilizar as certezas inade-quadas e impulsionar a busca do rigor científicona investigação e na transformação do conheci-mento do senso comum em conhecimentocientífico”.

Essa intervenção pode ser desde um comen-tário crítico, um elogio, uma orientação, umconvite à reflexão, a uma revisão de pensamentoe postura, até mesmo à desconstrução. Cadaaprendiz tem seu ritmo, é importante estar atentoao processo e identificar o momento de fazeras intervenções. Este é um momento importantee rico, no qual a mediação pedagógica pode tra-zer contribuições significativas para o aprendi-zado do aluno.

Observar as intervenções dos alunos é umapossibilidade de perceber os avanços no proces-so de aprendizagem, inclusive, também, umaoportunidade de uma nova intervenção.

Podemos observar a seguir, como as inter-venções foram importantes para que o pes-

quisador pudesse reconstruir melhor o seu temade investigação. (Quadro III)

Segundo Freire, os temas geradores têm odesafio de gerar situações-limites, incentivandoo homem a romper suas fronteiras e agir. Asações tornam-se atos-limites, visando superaros desafios.

No momento em que estes as percebem não maiscomo uma fronteira entre o ser e o nada, mascomo uma fronteira entre o ser e o mais ser” sefazem mais críticos na sua ação, ligados àquelapercepção. Percepção em que está implícito oinédito viável como algo definido, a cujaconcretização se dirigirá sua ação. (FREIRE, 1987,p. 94).

Nesse sentido, a mediação pedagógica éfundamental para:• conduzir os aprendizes para que cada um

estabeleça seus próprios desafios,• oferecer apoio durante a caminhada possi-

bilitando a percepção da realidade e a re-construção do seu desafio de acordo comesta percepção.Como a tecnologia foi utilizada para trazer

contribuições no processo? Segundo Burd(1997b, p. 1):

... não existe software que por si só seja capaz deeducar uma pessoa ou gerar aprendizado. O queexiste, de fato, são atividades que propiciam si-tuações favoráveis para que uma pessoa refor-mule/construa conhecimento, e sistemas compu-

Quadro II

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Quadro III – Intervenções de Professores e alunos

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tacionais que oferecem maior ou menor suportea este tipo de atividade. Para isto, o que pode serfeito é “aplicar/adaptar o corpo teórico da Teoriada Atividade da escola russa de psicologia aodesenvolvimento de programas de computadormais adequados à atividade a que se dirigem.

Leontiev, psicólogo soviético, consolidou aTeoria da Atividade cujas origens se deram naspesquisas de Vygostky (seu professor) com raí-zes nas idéias de Marx e Engels (década de 20).O ponto de partida para a concepção dessa teoriaé o conceito de atividade como integração entreo mundo mental e o mundo físico. Nestaabordagem, o conhecimento é construído atravésda integração das atividades mentais e práticasdo sujeito visando também a integração do ho-mem com o mundo. O enfoque desta teoria nãoestá nas estruturas genéticas, como exemplo dosesquemas piagetianos, mas sim nas interaçõessociais, no sócio-interacionismo. As suas inves-tigações não são só epistemológicas, mas tambémfilosóficas. O que leva as pessoas a agirem?

Desse modo, define a atividade como tendoalgumas características essenciais. Toda ativi-dade envolve motivo, contexto e interatividade.As atividades podem ser individuais e coletivas,compostas por ações e estas por um conjuntode operações. As atividades são orientadas pormotivos (desejos, necessidades). As ações sãoestabelecidas por metas conscientes. E as ope-

rações são acionadas por situações bem espe-cíficas, automáticas ou instintivas.

O conhecimento seria atingido através dainter-relação entre homem e natureza num pro-cesso de internalização e externalização, vistono sócio-interacionismo. E, também num proces-so de conceitualização (transformação dasoperações para as ações) e operacionalização(das ações para operações) para realizar as ati-vidades. Este seria um trânsito entre consciênciae não-consciência.

Considerando a teoria da atividade, o com-putador pode ser utilizado como um artefatoentre o mundo mental e o mundo físico. SegundoBellamy (1996, 125):

Todo artefato tem o potencial de alterar uma ati-vidade, mas é necessário todo um contexto paradeterminar o que de fato acontecerá: a atividadeé influenciada pelas ferramentas e símbolos usa-dos no objeto, pelo papel que o indivíduo temem sua comunidade, e pela divisão do trabalho(como a atividade é distribuída entre os mem-bros da comunidade, algo fundamental para quea comunidade atinja um objetivo comum).

Observamos que durante as atividades da dis-ciplina os computadores foram utilizados pelos pro-fessores, pesquisadores, alfabetizadores e al-fa-betizandos não só como um instrumento paraconstrução e expressão do pensamento, comotambém para trocas e intervenções. (Quadro IV)

Quadro IV

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A mediação pedagógica e tecnologias de comunicação e informação: um caminho para inclusão digital?

A utilização da tecnologia ocorreu dentro docontexto de cada um (tempo e espaço) e comouma forma de articulação desses contextos.Essa articulação trouxe ricas contribuições paraque cada um pudesse conhecer o universo dooutro e, construir e reconstruir coletivamente.

Segundo o Centro da Teoria da Atividade ePesquisas de Desenvolvimento do Trabalho daUniversidade de Helsinki (1998), a Teoria daAtividade apresenta 3 gerações.

Na primeira geração, Vygotsky trouxe o con-ceito de mediação, mostrando que a linguagemé um dos primeiros meios de interação entre ossujeitos, como um meio de comunicação e com-partilhamento de ações. Gradualmente, a lin-guagem é internalizada, transformando em pen-samento e possibilitando que o sujeito controlea ação. Deste modo, o relacionamento entresujeitos e objetos do ambiente são mediados pelacultura, ferramentas e signos. (Figura 1)

Na segunda geração, Leontiev reconstruiua tríade de Vygotsky, acrescentando a divisãode trabalho como processo histórico fundamen-tal. Porém, quem trouxe contribuições ao dia-grama de Leontiev foi Engeström, acrescen-tando também regras sociais, comunidade etrabalho (1987, p. 78). (Figura 2)

Na terceira geração, foi necessário desen-volver “organização ativa coletiva”, na qual asferramentas conceituais são construídas paracompreender o diálogo em múltiplas perspecti-vas, e vozes através de uma rede de organiza-ções ativas de interações. (Figura 3)

Partindo da terceira geração da Teoria daAtividade, poderíamos imaginar o acoplamentodestas pirâmides de acordo com o compartilha-mento de interesses comuns, como, por exem-plo, objetos de estudo entre os professores,pesquisadores, alfabetizadores e alfabetizandos.(Figura 4)

Figura 1Atividade: conscientização do uso do computador como instrumento

para leitura e reescrita

Figura 2

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Com referência aos tópicos analisados sobrea mediação pedagógica, observamos algumascontribuições decorrentes do uso da tecnologia:

1. Definir e explicitar objetivos/intencio-nalidades em conjunto, convidando to-dos para a co-construção.As intenções tanto coletivas como individuais

podem ser discutidas e resgatadas no início docurso e durante o percurso, tanto presencial-mente como através da Internet. Isto ocorreuna mediação entre os pesquisadores e profes-sores (nas listas de discussão e no ambienteTeleduc).

2. Mergulhar no contexto de atuação doaprendiz para compreender a sua pro-blemática e desenvolver as ações e pos-

sibilitar que o aprendiz mergulhe, sepossível, no contexto do objeto a serestudado.Os registros (sobre aula, teorias, leituras,

entrevistas, relatos etc ) durante a trajetória doscursos socializados na Internet permitiramperceber mais o contexto dos pesquisadores edos alfabetizadores.

3. Possibilitar a reconstrução de conheci-mentos a partir do que traz significadoarticulado com a vivência e principal-mente com o contexto investigado.Algumas atividades foram criadas no com-

putador com este objetivo: reescrita da históriade vida, do significado do nome, do documentode identidade. Para isto, foram utilizadoseditores de texto e de desenho.

Figura 3

Figura 4

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4. Oferecer apoio necessário para que osaprendizes possam reconstruir os seusconhecimentos é outro ponto de desta-que da mediação pedagógica.Muitas informações foram trocadas na

Internet (lista de discussão) entre pesquisadores,professores: notícias de jornal (por exemplo, G.Dimeinstein “Sem Telas”) textos (InformationEcologies, Teoria da Atividade ...).

5. Fazer a intervenção quando necessárioe convidar o outro a fazer intervençõestambém.Tanto no ambiente Teleduc, como na Lista

de discussão temos as intervenções dosprofessores e dos colegas. A grande vantagemé que as comunidades podem trocar informaçõesentre si (e um ser mediador do outro).

6. Conduzir os aprendizes para que cadaum estabeleça seus próprios desafios,incentivando a percepção da realidadee a reconstrução do seu desafio de acor-do com esta percepção.Isto também ocorreu na Internet durante o

processo: nas interações entre os sujeitos, nasdiscussões sobre as atividades, nas produçõesdos trabalhos de investigação.

Se os alfabetizadores e alfabetizandos tives-sem acesso à Internet na escola, poderiam usu-

fruir muito mais em relação à comunicação e àtroca de informações .

Tendo como referência o diagrama da Teoriade Organizações Ativas (LEWONTIN, 1982,p. 163), poderíamos analisar as relações entresujeitos, comunidades e objetos tendo comoartefato as tecnologias de comunicação e infor-mação para intermediar essas relações.

As interações entre professor, pesquisador,alfabetizador e alfabetizando e suas comunida-des podem ser realizadas também através dastecnologias de comunicação e informação.

Segundo Freire (1987), os sujeitos cons-troem o conhecimento um com o outro me-diatizados pelo mundo. Nesta construção ereconstrução, o diálogo, a reflexão, a negocia-ção, a definição de metas, intencionalidades,objetivos, teorias são importantes, principal-mente quando ocorrem em conjunto, coleti-vamente entre todos os participantes. Alémdisso, é necessário também existir possibili-dades e oportunidades para a ação, o traba-lho, a prática, a divisão de tarefas de formatambém consensual e cooperativa. Nestecontexto, a mediação pedagógica ocupa umpapel fundamental para integrar a reflexão ea ação, as teorias e as práticas entre os sujeitosenvolvidos (minhas e dos outros, da minhacomunidade e da comunidade dos outros) emque todos são co-autores. (Figura 5)

Figura 5

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Os homens (...), ao terem consciência de sua ati-vidade e do mundo em que estão, ao atuarem emfunção de finalidades que propõem e se pro-põem, ao terem o ponto de decisão de sua buscaem si e em suas relações com o mundo de sua

presença criadora através da transformação querealizam nele, na medida em que dele podem se-parar-se e separando-se, podem com ele ficar, oshomens, ao contrário do animal, não somentevivem, mas existem, e sua existência é histórica”.(FREIRE,1987, p.89)

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Recebido em 30.09.04Aprovado em 10.01.05

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Cláudia Regina Dantas Aragão

RESUMO

O presente artigo é o relato da experiência vivenciada como aluna e pesquisa-dora do curso Comunidades de aprendizagem e ensino online que serviucomo campo empírico para pesquisa da dissertação do Mestrado em Educação1.O objetivo principal do trabalho consistiu em compreender, com base naexperiência do curso em questão, as possibilidades e os limites da interatividadee sua vinculação com a prática pedagógica da EAD em ambientes deaprendizagem online. Analisa, também, a inserção das tecnologias digitais quetrazem novas possibilidades de mediação pedagógica à distância.

Palavras-chave: Interatividade – Tecnologias da informação e comunicação– Educação online – Prática pedagógica

ABSTRACT

INTERACTIVITY IN ONLINE PEDAGOGICAL PRACTICE:RELATING AN EXPERIENCE

This paper relates a long-term experience as a student and a researcher forthe course Learning communities and online teaching which we used as anempirical base for our master studies in Education. Our main objective was tounderstand, based upon this experience, the possibilities and the limits ofinteractivity and its link with online teaching in virtual learning environments.We have also analyzed the insertion of digital technologies which lead to newpossibilities of online pedagogical mediation.

Keywords: Interactivity – Information and Communication Technologies –Online Education – Pedagogical Practice

A INTERATIVIDADE NA PRÁTICA PEDAGÓGICA ONLINE:

RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA

Cláudia Regina Dantas Aragão∗

* Mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB; Especialista em Educaçãoe Novas Tecnologias da Comunicação e Informação. Professora do curso de Comunicação Social da UNEB - CampusI. Endereço para Correspondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus I, Departamento de CiênciasHumanas, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 Salvador-BA. E-mail: [email protected]

1 Este estudo foi feito em função da minha Dissertação (Mestrado em Educação e Contemporaneidade – UNEB), intitulada“A interatividade na prática pedagógica da EAD online: um estudo de caso no curso Comunidades de aprendizagem eensino online”, realizada sob orientação do Profº Dr. Jacques Jules Sonneville, que colaborou também na redação destetexto.

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A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiência

Introdução

Quando se pretende refletir sobre questõesrelativas à educação e contemporaneidade, mui-tos são os aspectos que podem ser abordados.O foco central eleito para este trabalho foi aquestão da interatividade, categoria essencialem qualquer processo de aprendizagem.

Para efetuar o estudo foi necessário inves-tigar o conceito de interatividade que vem sendoutilizado como sinônimo de interação. Percebe-mos, entretanto, que o termo interatividade ébem mais recente do que o conceito de intera-ção. O termo interatividade passou a ser usadoprincipalmente após a disseminação das Tecno-logias da Informação e Comunicação (TIC),entre o final da década de 70 e início da décadade 80.

Para alguns autores, como Maria Luiza Be-loni (2001), é fundamental esclarecer comprecisão a diferença entre o conceito sociológicode interação, definida pela autora como a açãorecíproca entre dois ou mais atores na qual ocorreintersubjetividade, isto é, o encontro de sujeitos– que pode ser direta ou indireta (mediatizadapor algum veículo técnico de comunicação, porexemplo, carta ou telefone) –, e a interatividade,termo que vem sendo usado indistintamente comdois significados diferentes: de um lado, apotencialidade técnica oferecida por determinadomeio (por exemplo, CD-ROMs de consulta,hipertextos em geral, ou jogos informatizados) e,de outro, a atividade humana, do usuário, de agirsobre a máquina, e de receber em troca uma“retroação” da máquina sobre ele.

Nicoletta Vittadini também concorda que hádiferença entre interação e interatividade. A pri-meira estaria relacionada ao contato interpes-soal, enquanto a segunda seria mediada. A in-teratividade seria, então, “un tipo de comuni-cación posible gracias a las potencialidades es-pecíficas de unas particulares configuracionestecnológicas” (1995, p.154).

Em nossa pesquisa bibliográfica, notamosque, ao contrário das autoras acima citadas, quedefinem os termos interação e interatividade demaneira diferenciada, outros autores usam osdois termos como sinônimos. Uns preferem usar

o termo interação, como é o caso de Alex Primo(1995; 1998), que percebe um uso indiscrimi-nado do termo interatividade e opta por utilizaro termo interação. Outros como Silva (2000) eMachado (1997) acreditam que a interatividadenão está somente relacionada à relação homem-máquina.

Existe, pois, entre os autores pesquisados,uma visão distinta em relação ao termo interati-vidade: uns defendem que a interatividade acon-tece através de ambientes informáticos, ou seja,a partir da relação homem-máquina, enquantooutros a percebem dentro de uma perspectivamais comunicacional, que pode ser mediada ounão pela máquina. Esta é a perspectiva deinteratividade adotada para esta pesquisa, maisespecificamente a partir dos estudos de Silva(2000, 2003), ligada aos fundamentos da interati-vidade que pressupõem participação, interven-ção, bidirecionalidade-hibridação e permu-tabilidade-potencialidade dos sujeitos no pro-cesso de educação e comunicação.

Assim, o percurso que fizemos foi tentarcompreender a interatividade na Educação aDistância (EaD), especialmente na Ead onlineque acontece mediada pelo computador conec-tado à internet. A característica básica dessescursos é que as relações de aprendizagem seestabelecem à distância. Alunos e professoresnão compartilham os mesmos espaços e tempos,comuns nas situações de aprendizagem presen-cial. Para tanto, é necessária a utilização de umamultiplicidade de recursos tecnológicos que ajamcomo interfaces mediadoras dessas relações.Nas práticas tradicionais de EaD, os materiaisou recursos tecnológicos configuravam-se comoelementos auto-suficientes, tornando-se o centrode todo o processo. A exemplo, destaca-se a limi-tação das interfaces como impressos, TV, vídeos,utilizadas para distribuir informações em massa.

A demanda crescente desses cursos vemprovocando também pesquisas nessas áreas;mas muitas reflexões permanecem ainda em-brionárias, daí a necessidade de aprofundar adiscussão. Acredita-se que, para se realizar ex-periências de EaD que aproveitem as possibili-dades trazidas pelas redes digitais com maiorinteratividade, permitindo uma efetiva troca

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entre os sujeitos do processo pedagógico, épreciso haver muito mais que suporte técnico,estrutura e conexão via internet.

Inter-relação comunicaçãoe educação

Segundo Freire (1977), a comunicação é arelação que se efetiva pela co-participação dossujeitos no ato de conhecer. Considera-se queo ato educativo é uma forma particular de comu-nicação. Nas relações sociais entre os sujeitosda aprendizagem, dá-se uma síntese dialética,como momentos de um processo comunicativoe educativo, num contexto socioculturalmentedado, cuja compreensão requer considerar suanatureza intersubjetiva, ou seja, a participaçãoativa dos sujeitos do processo. Desse modo,reitera-se que os indivíduos participem dasinterações sociais como sujeitos ativos, e nãomeros objetos, nem meros depositários, nemreprodutores passivos.

Assim, uma perspectiva comunicacional daeducação implicaria em um fazer pedagógicointerativo, dinâmico, comprometido com a cria-ção e a construção do conhecimento, e, acimade tudo, aberto ao diálogo. Isso significa levarem consideração as características e contribui-ções da comunicação contemporânea para pro-mover uma outra educação, desvencilhando-seda abordagem pedagógica tradicional, pautadana transmissão e reprodução.

As tecnologias digitais e as mudan-ças na prática pedagógica

Falar das novas tecnologias é focalizar atrajetória das diferentes tecnologias que foramcriadas e ampliadas por caminhos próprios, masque, principalmente em função de opçõespolíticas, passaram a convergir, de forma inexo-rável, a partir da revolução da microeletrônica.No atual estágio da sociedade, o homem encon-tra-se diante de um modelo totalmente novo deorganização social. Assim, como bem apontaLévy (2000):

Novas maneiras de pensar e de conviver estãosendo elaboradas no mundo das telecomunica-

ções e da informática. As relações entre homense trabalho, a própria inteligência, dependem, naverdade, da metamorfose incessante de disposi-tivos informacionais de todos os tipos, escrita,leitura, visão, audição, criação, aprendizagem,que são capturados por uma informática cadavez mais avançada ...

É importante perceber, entretanto, que tec-nologia não se restringe apenas a novos usosde determinados equipamentos e produtos, nãopodendo ser reduzida ao aspecto material, enfo-que que a ciência moderna lhe conferiu, que éum sentido mecânico oriundo da industriali-zação, ligado à idéia de produtividade. A tecnolo-gia constitui-se numa “rede de significados”, naqual o humano está implicado, envolvendo asubjetividade humana e todo o contexto cultural.

As tecnologias, tradicionalmente, tambémforam entendidas como meios de comunicaçãotransmissores de mensagens entre emissor ereceptor. Essa concepção de comunicação naeducação resulta em práticas, em que o profes-sor é o emissor e o aluno, receptor. Precisamosexplorar uma nova modalidade comunicacional,compreendendo que ela implica em outra lógicae em outra relação que possibilitam novoscaminhos e aprendizagens. Como alerta Kenski(1998, p.61), “O estilo digital engendra, obriga-toriamente, não apenas o uso de novos equipa-mentos para a produção e apreensão de conhe-cimento, mas também novos comportamentosde aprendizagem, novas racionalidades, novosestímulos perceptivos.”

Assim, compreende-se que a prática peda-gógica, na perspectiva das tecnologias da infor-mação e comunicação, também deve ser pen-sada sob uma nova lógica: não mais a perspec-tiva estrutural e linear de apresentação e desen-volvimento metodológico do conteúdo a ser ensi-nado, mas uma lógica comunicacional interativa,baseada na exploração de novos tipos de racio-cínio, em que se enfatizem variadas possibi-lidades de participação dos sujeitos no processode ensino/aprendizagem e se estimule umacomunicação baseada na interatividade. Nessalógica, alteram-se, principalmente, os procedi-mentos didáticos, independentes de uso ou nãode tecnologias.

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A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiência

Entende-se que, se por um lado às tecnolo-gias contribuem para aumentar de modo signifi-cativo nosso acesso à informação, por outro, porsi só, elas não implicam em conhecimento. Oseducadores devem lutar contra posturas ingê-nuas e considerações de ordem quase “mági-cas” no que se refere à tecnologia e a suas po-tencialidades, pois o uso das tecnologias nãoproduzirá relações comunicativas diferentes semnovas posturas sobre as formas de ensinar, apren-der e comunicar. Caso contrário, é bastanteconcreta a possibilidade de usar-se novas tecno-logias com velhas concepções pedagógicas.

Nessa lógica, é preciso que o professor nãoseja mais visto como o detentor do saber, mascomo um parceiro da aprendizagem. Esseprofessor tem que organizar suas estratégias edinâmicas pedagógicas, levando em considera-ção não só o conhecimento formal e científico,mas os diversos tipos de saberes e práticas cultu-rais, sociais e políticas dos sujeitos envolvidos.Na realidade, em tempos de mudanças acelera-das nessa sociedade da informação, interessaaprofundar mudanças de mentalidade, valores,atitudes, posturas, práticas e paradigmas. Estasnão são simples, nem fáceis, nem rápidas.

O desafio, aqui apontado aos professores eà sua prática, consiste em dar conta do estilode conhecimento engendrado pelas tecnologiasda informação e comunicação. Para enfrentaresse desafio, é preciso haver uma mudança napostura comunicacional, baseada nos funda-mentos da interatividade defendidos por Silva(2000; 2003). O autor se refere à disposição deo professor promover participação, intervenção,bidirecionalidade-hibridação e permutabilidade-potencialidade, rompendo com a prevalência datransmissão. Nesse sentido, o professor poderedimensionar sua prática, modificando a basecomunicacional e inspirando-se na digital. Elepassa a disponibilizar ao aluno autoria, partici-pação, co-autoria e informações as mais varia-das possíveis, permitindo associações, reformu-lações e novas construções.

Com base nestas reflexões, questiona-se co-mo são estabelecidas essas relações, especifi-camente na educação a distância em ambientesonline, que é o foco central deste estudo. Nessa

nova modalidade de educação, são utilizadosmeios tecnológicos digitais para mediar asrelações no processo de aprendizagem, incluindoas hipermídias, as redes de comunicação intera-tiva e todas as tecnologias intelectuais, numnovo estilo de pedagogia, que favorece a apren-dizagem coletiva em rede.

Mapeando a interatividade no cur-so Comunidades de aprendizagem eensino online

Compreender a interatividade e as potenciali-dades que podem ser trazidas para a práticapedagógica online é uma tarefa bastante com-plexa, pois se trata de perceber como os sujeitosse comportam, se comunicam e constroemconhecimentos através de ambientes de apren-dizagem.

Para analisar mais profundamente a questãoda interatividade na educação online, utilizamoso curso de extensão Comunidades de aprendi-zagem e do ensino online, realizado atravésda parceria Universidade do Estado da Bahia(UNEB) e Universidade Federal da Bahia(UFBA), utilizando o ambiente TelEduc2. Ocurso teve uma carga horária de 60 horas, subdi-vididas em 8 horas presenciais e 52 horas àdistância e foi organizado e mediado por umgrupo de cinco professores das duas instituições.

A interatividade, categoria-chave desse tra-balho, foi compreendida baseando-se em Silva(2000, 2001), como a possibilidade real departicipação/intervenção dos sujeitos (alunos eprofessores) no processo de comunicação/edu-cação. O nosso objetivo foi perceber a interati-vidade vivenciada por esses sujeitos no curso,o feixe de relações que se estabeleceram e suasarticulações com interfaces do ambiente utiliza-do para o curso, o TelEduc, e ir mapeando o

2 O TelEduc é um ambiente para a EaD, que foi desenvolvi-do tendo como alvo a formação de professores parainformática na educação. Seu desenvolvimento teve início,em 1997, no Núcleo de Informática Aplicada à Educação(NIED), em parceria com o Instituto de Computação (IC),ambos da UNICAMP, apoiando-se em estudos e pesquisas arespeito do processo construcionista de formação de pro-fessores.

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processo da prática pedagógica online com seusentraves e suas potencialidades.

Explorando a Interatividade

Os fundamentos da interatividade podem sertomados como modificadores da práxis comu-nicacional em sala de aula e, conseqüentemente,da prática pedagógica. A interatividade deve sercompreendida a partir dos seus fundamentosque trazem em si a perspectiva da comunicaçãocomo co-criação. É a partir destas três cate-gorias que será analisada a interatividade nocurso em questão. (SILVA, 2000; 2003),• Participação/intervenção: implica na pos-

sibilidade de intervenção do sujeito, modifi-cando o curso da mensagem como co-cria-ção.

• Bidirecionalidade/hibridação: a comuni-cação é produção conjunta da emissão e darecepção, é co-criação. Os dois pólos codi-ficam e decodificam o que sinaliza uma co-municação bidirecional em que desaparecemas diferenças entre professor e aluno.

• Permutabilidade/potencialidade: consis-te na oferta de múltiplas alternativas deaprendizagem para que os sujeitos constru-am articulações e significados.É importante deixar claro que, na tentativa

de mostrar, através das relações dos sujeitos ede suas ações, como as três categorias seevidenciaram no processo do curso, não podeser esquecido que essas categorias, como afirmaSilva (2000), apesar de trazerem aspectosdistintos, não são independentes; ao contrário,se combinam e dialogam. Assim, esses ele-mentos encontram-se imbricados no decorrerdo processo, mas serão enfatizados separada-mente em alguns momentos, por motivosmetodológicos.

A escolha metodológica adotada pelos pro-fessores no curso em questão exigia a partici-pação/intervenção ativa dos sujeitos, indo alémda mera recepção de informações. Assim, ainteratividade pôde ser percebida pelo modocomo os conhecimentos são propostos e nãomeramente transmitidos (modificação do para-

digma comunicacional e pedagógico). A sala deaula online não pode ser vista como uma salade aula no sentido tradicional, mas um encontroem que se busca o conhecimento, ao invés deser exclusivamente transmitido. Como bemaponta Freire: “A verdadeira comunicação nãonos parece estar na exclusiva transferência outransmissão do conhecimento de um sujeito aoutro, mas em sua co-participação no ato decompreender a significação do significado.”(1977, p. 70).

Para realizar o exercício de romper com omodelo de prática tradicional, centrada nodiscurso do professor, foram utilizadas, a fimde proporcionar a bidirecionalidade, as diversasinterfaces do ambiente, com momentossíncronos e assíncronos. Contudo, a experiênciade aprender/produzir coletivamente apresentoudiferentes dinâmicas.

A cada semana era apresentado um tema aser debatido através das várias interfaces doambiente, proporcionando a participação/intervenção dos sujeitos no processo pedagógi-co. Observa-se que o ambiente TelEduc, comsuas várias interfaces3, possibilita essa flexibi-lidade, permitindo o registro e a partilha designificados no sentido “todos-todos”. Os com-ponentes integrados que compõem o ambientepermitem uma comunicação interativa, uma vezque cada sujeito tem a liberdade plena para usarqualquer interface e partilhar suas idéias comtodos. Com isso, ele pode construir seu discursoe interferir no do outro. Isso atende aos pres-supostos do dialogismo freireano, na medida emque cada sujeito deixa de ser receptor passivode informação e passa a ser construtor esocializador de conhecimento.

A bidirecionalidade/hibridação foi per-cebida em vários momentos do curso, mas ficoumais evidenciada quando a emissão e recepçãose imbricavam e se confundiam, permitindo quea mensagem não fosse apenas transmitida, mas(re)significada e co-criada pelos sujeitos doprocesso.

3 A descrição detalhada das interfaces utilizadas no curso foiamplamente descrita na dissertação que serviu de base paraprodução deste artigo.

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A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiência

Os professores colocavam as provocaçõesna agenda da semana e estas provocações(mensagens) eram discutidas, modificadas (re-criadas) pelos sujeitos através das várias inter-faces do ambiente (fórum, chats, diário de bordoetc). Os alunos tinham inteira liberdade de criare sugerir a partir daquela temática. Asprovocações iniciais serviam apenas como pontode partida.

Assim, o debate ia se enriquecendo com apossibilidade de participação de todos os sujeitos,no sentido de uma comunicação “todos-todos”,na qual todos podiam interferir na mensagem,criar novos sentidos e novos significados. Odebate se enriquecia também à medida que ossujeitos participavam no sentido de trazer suasexperiências e suas opiniões eram respeitadas.O emissor, seja professor ou aluno, podiadisponibilizar múltiplas redes articulatórias. Aspossibilidades para os sujeitos intervirem namensagem eram inúmeras, já que as provoca-ções colocadas podiam tomar caminhos diver-sos, o que se concretizava no curso através dapermutabilidade/potencialidade.

A cada tema discutido, através das interfa-ces, eram oferecidas inúmeras possibilidades ecaminhos para que cada um traçasse a suaprópria rota a partir do interesse individual. Nasinterfaces Material de apoio e Portifólio eramdisponibilizados, tanto por alunos como porprofessores, textos, links e bibliografias queampliavam e enriqueciam a discussão.

A interatividade nas diversas inter-faces do curso

Os fóruns

A natureza assíncrona do fórum favoreceua reflexão e a elaboração das participações,possibilitando maior qualidade e aprofundamen-to. Além dos fóruns temáticos estabelecidos pelocurso, que foram seis, houve também fórunslivres. Estes eram abertos ou pelos alunos oupelos professores à medida que surgiam outrasquestões. Como pesquisadora, coloquei algumasquestões em relação à interatividade no cursoe, em seguida, nove alunos se dispuseram ao

diálogo. Seguem, aqui, três depoimentos sobreo conceito interatividade.

O que você entende por interatividade?

A interatividade é o processo de encontro/rela-ção das/entre diferentes histórias de vida rumoà construção coletiva do conhecimento. Sem ela,é difícil falarmos de aprendizagem real. Se pen-sarmos bem, a todo momento estamos interagin-do: com os sujeitos, com a realidade social, comnossas indagações, com os nossos objetivos ecircunstâncias de vida, com nossas ausências/incompletudes...Enfim, um processo sempre pre-nhe de novas vivências e construções.

Interatividade é compartilhar (pessoas/instru-mentos), socializar, aprender e ensinar, estar aber-ta a novidades e ter um senso critico multirrefe-rencial; são importantes para a aprendizagemvisto que o saber poderá ser dado por váriosprocessos (o texto está sem acentuação devidoa meu teclado estar quebrado).

Quanto à questão da interatividade, a conceboda seguinte forma: in (dentro) teratividade (daatividade). É estar dentro da atividade, partici-pando, colaborando no seu processo criativo,movendo esforços para o crescimento do pro-cesso de que está participando, criando situa-ções desafiadoras.

Percebe-se, a partir desses três depoimen-tos, o sentido de partilha e de colaboração queos sujeitos atribuem à questão da interatividade,no fórum Qual a importância da interativi-dade para o ensino? Também se percebemoutras falas bastante interessantes sobre o con-ceito de interatividade a partir das contribuiçõesdo grupo:

A interatividade é de fundamental importânciapara o ensino atual, porque permite uma partici-pação aberta no processo de criação, gerandouma interlocução entre as partes.

Ressaltamos que a interatividade, tanto na EaDquanto na sala de aula presencial, contribui sig-nificativamente para que a educação deixe deser um produto acabado, no qual só há a repro-dução de conhecimento, para se tornar um pro-cesso que cria e constrói o conhecimento. O quevcs acham ?

Não existe educação sem interatividade já que ainteratividade acontece quando as habilidadesintelectuais, cognitivas e de aprendizagem dos

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sujeitos dialogam. Na educação, o que se cons-tata é que existe um aproveitamento muito redu-zido do potencial de interatividade, seja na EaD,seja no presencial. Prevalece ainda hoje o mode-lo tradicional de educação, baseado na trans-missão para a memorização, ou na distribuiçãode pacotes fechados de informação. Acho que aquestão é: como a interatividade pode serpotencializada no sentido de promover a partici-pação, intervenção dos sujeitos?

Alguns fóruns levantaram mais polêmicas eparticipações. A seguir, os três que tiveram ummaior número de mensagens postadas:• Qual a importância da interatividade para o

ensino, com 37 mensagens postadas;• Ambientes EaD, com 33 mensagens posta-

das;• Avaliação, com 28 mensagens postadas.

Mas, observou-se que dois fóruns, nãocontemplados na relação acima, possibilitarammaior interatividade. Neles ficou claro que ainteratividade não depende da simples parti-cipação, no sentido de colocar uma mensagemno fórum, e sim no sentido de intervir noprocesso. Um deles foi o primeiro fórum do cur-so, que teve como tema Limites e possibili-dades da EaD, e foi realizado através da listade discussão, pois o ambiente ainda não haviasido liberado para o curso. Nesse fórum, talvezpor ter sido o primeiro, sentiu-se uma partici-pação/intervenção ativa dos alunos, não sóenviando mensagens, mas questionando, criti-cando, (re)significando a questão norteadora dofórum com outras questões. Um dos alunosconstruiu um texto sobre o tema:

Oi pessoal,Aproveitando a discussão do chat de ontem (21/05/03), estou socializando um texto que escrevisobre as interfaces de EaD free.

Um outro fórum que não estava previsto eque também promoveu intensa interatividade foio fórum do roteiro coletivo, que teve 35mensagens postadas. A idéia da construção deum roteiro coletivo surgiu em um dos chats enão estava previsto como atividade no curso.

R fala para C@: Poderíamos participar da cria-ção de um roteiro interativo (permanente), usaravatares, imergir na criação de personagens,interagir com outros e agenciar ações...

C@ fala para R: Acho que seria interessanteconstruir um roteiro coletivo, mas teríamos quepensar numa estrutura ... talvez pudesse ser umproduto legal de um curso como esse.R fala para C@:Concordo, seria um exercíciointeressante e talvez pioneiro.C@ fala para R: Acho que poderíamos pensarem um roteiro que fizéssemos coletivamente, emhtml, com links .... depois, faríamos uma limpezae produziríamos mídias para conectar os links...iria ser um bom exercício.

A idéia se concretizou com a participação dealunos e professores numa escrita hipertextualcoletiva. Para a criação do roteiro foi criado umfórum. É interessante ressaltar que foi um dosfóruns que mais mobilizou as pessoas ainteragirem; a narrativa ia tomando rumos inusi-tados com participação dos sujeitos, concreti-zando o verdadeiro sentido da interatividade. Oroteiro inicia-se a partir da leitura de um texto deBorges: O livro de areia. Daí, a história come-ça a ser criada, (re)significada, hipertextualizada.

Essa escrita coletiva foi um momento muitorico para o curso, trazendo à tona a concreti-zação da interatividade, unindo os princípios daparticipação, bidirecionalidade e permutabilidade,e de várias das categorias acima apontadas, afim de repensar EaD numa perspectiva maisinterativa, como a colaboração e a cooperação,à medida que os sujeitos construíram o textocoletivamente, colaborando uns com os outros,todos cooperando com todos para a concreti-zação da atividade.

Os Chats

A interface Bate-Papo foi eleita pelos parti-cipantes do curso como um importante espaçopara a socialização:

Os chats foram de suma importância, apesar dealguns não defenderem que seja essencial, massem eles acredito que o curso perderia suahumanização, pois, na minha opinião, é atravésdeles que conhecemos mais as pessoas com quemestamos interagindo, devido ao fato de ser ummomento em que as pessoas estão desprovidasde muita racionalidade, externando os sentimen-tos, reagindo diretamente às provocações.

Eu, pessoalmente, gosto muito do Chat, pois éuma expressão mais espontânea, just-in-time, emque as pessoas demonstram com menos censu-

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A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiência

ra aquilo que pensam e sentem diante das opi-niões do outro”.Mas, o mais interativo é o Bate-Papo, pois atra-vés dele se consegue troca de idéias e informa-ções com rapidez. Melhor, só ao vivo.

Os chats são caracterizados por Borba(2004) como o acontecimento de diversosdiálogos entrecruzados, denominados pelosautores como multidiálogos, e a possibilidade deos sujeitos participarem de várias discussões aomesmo tempo. O ritmo da discussão nos chatsfoi determinado pela quantidade de participa-ções. Quanto mais mensagens eram escritas,mais rápida era a discussão. Os sujeitos que játinham experiência em chats, que envolve ahabilidade com o teclado e sincronia com asmensagens que vão sendo colocadas, habilidadede participar de vários diálogos ao mesmotempo, interagiam mais; outros ficavam apenasobservando a discussão se desenvolvendo e, devez em quando, interferiam na discussão. Aleitura ou não dos textos indicados tambéminterferia na interatividade, pois quem não havialido ficava sem saber sobre aquele aspecto queestava sendo discutido e ficava sem elementospara interferir na mensagem do outro. Isso foipercebido nas falas:

Acho que durante os chats, muitas discussõesficaram soltas e havia pessoas que falavam, ouseja, na verdade escreviam textos, pressupondoque vc já possuía aquele conhecimento. Senti-me um peixe fora d’água.... muitas vezes o chat começava por uma linha eas pessoas conduziam complemente para outra....

Nesse sentido, apesar de o chat potencializara socialização online, promovendo uma integra-ção maior dos sujeitos, o que foi colocado pelosparticipantes como positivo, muitas vezes astemáticas propostas para os chats se perdiame as discussões ficavam na “superficialidade”,apesar das constantes chamadas realizadaspelos professores que as mediavam. Isso sinali-za, segundo uma das professoras do curso, adificuldade em pensar teoricamente sobre osproblemas que envolvem a prática pedagógicaem ambientes de aprendizagem, acentuando,assim, um fato que se observa cotidianamenteem sua experiência como professora: adificuldade que os alunos têm de ler, sistematizar

e discutir, respaldados por um conhecimento jáconstruído teoricamente.

A partir dessa afirmação, deduziu-se que osalunos, muitas vezes, ainda se sentiam ame-drontados e acanhados em aprofundar os conhe-cimentos e discussões mediante a interlocuçãocom os autores, mesmo que isso pudesse serfeito em “tempo real”, pois havia textos, paradiscussão, de autoria dos próprios professoresdo curso. Isso ainda demonstra o peso dosvínculos com a educação tradicional, na qual oprofessor é o detentor do saber.

Outro problema percebido, no início, foi ogrande número de pessoas participando nummesmo horário. Isso fazia com que os chats setornassem uma grande “torre de Babel”, ondemuitos falavam quase ao mesmo tempo, numritmo acelerado, e outros não conseguiam acom-panhar. Uma das estratégias encontradas pelosprofessores para tentar melhor organizar os chatse fazer com que fossem mais produtivos,evitando que determinado horário ficasse commuitos participantes e outros vazios, foi disponi-bilizar quatro horários em três dias diferentes eos alunos iam fazendo suas opções. Isso nãosignificava que eles não pudessem participar forado seu horário, o que aconteceu muitas vezes.

Um outro aspecto importante nos chats, quemerece uma análise, foi a postura dos professo-res. Muitas vezes havia mais de um professorparticipando, o que enriquecia o debate. Foi ado-tada a conduta de mediador, atuando, conformedefine Vigotsky (1994), na “Zona de Desenvol-vimento Proximal”4, realizando questiona-mentos sobre aspectos importantes, para o temaem discussão, valorizando as contribuições e aexperiência pessoal de cada um, motivando aparticipação dos que pouco opinaram e tentandoevitar a dispersão da temática proposta, o quesempre era possível.

Essa forma de mediação também reflete apostura pedagógica dos professores no curso,que se avalia como interativa.

4 Para Vygotsky, “zona de desenvolvimento proximal” é arelação entre o conhecimento real – o que sabemos – e oconhecimento potencial – o que queremos e podemos apren-der.

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Cláudia Regina Dantas Aragão

A lista de discussão

A lista de discussão5 foi uma interface bas-tante utilizada, principalmente no início do cursoquando o TelEduc ainda não havia sido disponi-bilizado, como apontado acima. Esta serviu paraa comunicação assíncrona dos participantes e,para garantir que a comunicação entre os sujei-tos não fosse interrompida por algum eventualproblema com o ambiente, sendo utilizada, então,uma lista de discussão fora do TelEduc. Elaserviu para recados, detalhes administrativos e,até mesmo, para a realização do primeiro fórum.Isso ocasionou um grande uso da mesma, como recebimento de mais de cem mensagens nosprimeiros dias do curso.

O Diário de Bordo

A interface Diário de bordo foi extrema-mente rica para conhecer alguns detalhes queno fórum ou no chat dificilmente são percebidos.É utilizado como um “espaço de catarse” noqual os alunos colocaram suas angústias, medos,dificuldades em relação à participação no curso,mas também seus progressos e suas descober-tas. O problema é que nem todos interagiramcom a interface por timidez, medo de se exporou pela própria dificuldade em lidar com atecnologia. A maioria dos participantes fez so-mente uma ou duas interações no Diário debordo. Essa interface também possibilita quetanto os professores como os alunos façamcomentários sobre falas colocadas, ajudando osque expuseram dificuldades, parabenizando,incentivando, enfim, interagindo com o outro.Em muitas falas percebem-se os mais diversossentimentos:

TimidezSou tímida e por isso tenho dificuldade deinteragir, isso não vale apenas para este curso(online), sou assim também nos cursos presen-ciais. Isso não quer dizer que eu não leio, muitomenos que não tenho interesse.

Comentário feito por um dos professoresO espaço deste curso contempla a diversidade.Todos podem se colocar no momento que dese-

jar, como você fez no diário. Cada um com a suasingularidade vai deixando a sua contribuição.

Solidão no ambiente

Quando estou no ambiente TelEduc, sinto faltade discutir com os colegas algumas dúvidas ouemitir uma opinião sobre algum assunto. Istoporque o ambiente TelEduc não possibilita sa-ber quem está online.

ComentárioVocê tem razão. Essa pode ser uma das limita-ções do TelEduc, mas quando você está onlinepode ver os demais companheiros de discussãoatravés do MSN que se constitui em um canal decomunicação instantânea. Bjs

Impressões sobre o cursoEsta semana está sendo diferente, pois estouconseguindo interagir mais com o curso no sen-tido que estou conseguindo cumprir com mais“tarefas” que nas semanas passadas. O textosobre planejamento foi o que mais me chamou aatenção, pois, de certa forma, tive que deter umtempo maior para poder lê-lo devido aos várioslinks. Mesmo no chat: esta semana, senti maiorfacilidade para colocar minha opinião. Com cer-teza foi pelo fato de, por ter lido o texto, sentirmais segurança para opinar. É isso...

O messenger do MSN

Constituiu-se como um canal de comunica-ção instantâneo para os participantes. Essa possi-bilidade de “conversa online” foi utilizada comdiversos objetivos: esclarecimento de dúvidas,pedidos de socorro, ou como o próprio espaçopara o chat. A interface Bate-Papo no TeleEducteve alguns problemas técnicos e o os chatsforam realizados através do Messenger. Essainterface também possibilitou as conversasinformais entre os alunos e professores,proporcionando uma aproximação maior entreos mesmos, fora do ambiente do curso.

5 A lista de discussão é uma ferramenta de comunicaçãoassíncrona que objetiva agregar um grupo de pessoas quevisam discutir uma determinada temática. No curso em ques-tão foi usada a lista do yahoogrupos: http:// www. yahoogrupos.com.br

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004350

A interatividade na prática pedagógica online: relato de uma experiência

Pontos altos e avanços

A prática pedagógica dos professores docurso proporcionou uma mudança na forma deconceber a educação e a comunicação. Nessaperspectiva, os alunos deixaram de ser conside-rados apenas receptores para assumirem acondição de co-autores e produtores. A posturados professores possibilitou um debate plural deidéias e o exercício da argumentação e dainteratividade, como, por exemplo, o RoteiroColetivo, que se constituiu em uma das expe-riências mais ricas para o curso.

A elaboração do curso, por ter sido cons-truída e vivenciada pelos próprios professores,é um ponto que merece destaque, desde aescolha e produção do material didático, comotextos e CD-ROM, escolha de interfaces eatividades, até a mediação do curso. Todasessas tarefas realizadas no planejamento de umcurso online mostram a importância da forma-ção e do envolvimento de uma equipe deprofessores que trabalha de forma articulada, enão a simples divisão de tarefas, separando,inclusive, a concepção intelectual do curso dasua aplicação, “gerando uma separação dosaber do fazer, a teoria da prática”. (SANTOS,2003, p.218).

A proposta do curso trouxe várias possibili-dades para a comunicação síncrona e assíncro-na entre os sujeitos. O ambiente escolhido, atra-vés de suas várias interfaces, foi extremamenteacessível e possibilitou várias formas dos sujeitosinteragirem, dialogarem, construírem. É interes-sante destacar que foram também planejadasalternativas para comunicação fora do ambien-te, como a lista e o messenger, que permitiramum contato mais direto e instantâneo entre todosos participantes. Isso se constituiu em umaoferta rica de possibilidades interativas.

Nós e entraves

A administração do tempo e as dificuldadestécnicas para o estudo a distância são aindadesafios a serem vencidos. Consideramos queessas questões representam um ponto vital aser pensado no planejamento de um cursoonline, visto que elas podem comprometer ainteratividade e o andamento das atividades.

Coloca-se a necessidade de que os cursos sejamconcebidos, levando-se em consideração apredisposição de interação dos sujeitos, comopré-requisitos para sua realização ou, ainda, quese estruturem tipos de formação específica paraalunos que têm mais dificuldade.

Esses entraves – administração do tempo edificuldades técnicas – geraram um outro pro-blema que, no nosso entender, foi a necessidadede reestruturação do planejamento através dofreedback dos sujeitos, o que não foi feito. Umcurso online tem que ser planejado a partir darealidade vivida por cada público e reavaliadoconstantemente a cada movimento dos sujeitosno curso.

A outra questão a ser salientada é que oprofessor ou a equipe de professores que cons-trói, articula e viabiliza estruturalmente o cursoprecisa estar presente o tempo todo. A presençaa que nos referimos é de estar atento, intera-gindo, atuando como mediador, para manter ocurso vivo, funcionando. Constatamos, assim,a total e inteira vinculação da mediação pedagó-gica com a interatividade.

A análise dos dados também evidenciou queo aparato tecnológico, por si só, não garante ainteratividade dos sujeitos envolvidos, nem aqualidade do processo, pois, apesar das possibi-lidades de interatividade oferecidas no curso,somente um quinto6 dos participantes interagiuno sentido da bidirecionalidade, co-autoria eintervenção no processo. Queremos destacarque não basta disponibilizar as interfaces, o fun-damental é como os sujeitos interagem com elas.

6 Através do movimento dos sujeitos no curso, fez-se umaanálise das formas de participação e interatividade e cons-tatou-se que, dos 46 alunos que participaram do curso, 15alunos, representando 32,6%, acessavam o ambiente deforma muito breve, não interagiam com colegas e professo-res, tinham uma postura receptora de informações, escolhi-am o chat como forma de participação, mas de forma pas-siva, ficavam observando, sem intervir no processo; 21alunos, representando 45,6% do total dos participantes,interagiam pouco com colegas e professores, apresentavamalgumas sugestões, opiniões, mas não participavam ativa-mente do curso; e 10 alunos, representando 21,7%, tiveramparticipação apoiada nos fundamentos da interatividade:participação/intervenção; bidirecionalidade/hibridação;permutabilidade/potencialidade. Esses alunos conseguiramparticipar ativamente do processo, intervindo nas discus-sões, trazendo colaborações, acessando com freqüência oambiente. São os que estão sempre presentes em quase todasas atividades propostas.

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 341-351, jul./dez., 2004 351

Cláudia Regina Dantas Aragão

Um dos entraves, talvez o mais forte e maisdifícil de ser rompido, seja a formação que rece-bemos, nossa forma de ver o mundo, de partici-par, de comunicar, que ainda está muito centradaem modelos tradicionais, como o modelo de distri-buição e transmissão de informação. Por isso, ofato de um quinto dos participantes ter interagidono sentido da bidirecionalidade, co-autoria eintervenção no processo, também pode ser vistocomo um fato positivo, no sentido de mostrar uminício de ruptura, por uma parte dos participantes,com o modelo tradicional de aprendizagem.

Considerações finais

Em síntese, trouxemos, através da pesquisarealizada, algumas construções teóricas que nos

definem e que contam um pouco da nossatrajetória e da experiência vivenciada. Monta-mos, assim, uma espécie de hipertexto, que sealtera constantemente a partir da consciência eda necessidade de mudanças na nossa maneirade pensar, agir e comunicar na educação online.Consideramos que para a interatividade tornar-se efetiva em todas as suas potencialidades,promovendo a participação e intervenção dossujeitos na prática pedagógica online, não exis-tem fórmulas prontas nem modelos a seguir.Apontamos como possíveis caminhos algunselementos que julgamos essenciais para umaEaD mais interativa, entre eles: a autonomia, acooperação, a colaboração, a hipertextualidade,a dialogicidade, a mediação. Todos essesaspectos devem atuar em conjunto com atorese autores da comunicação.

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Cláudia Regina Dantas. A interatividade na prática pedagógica da EAD online: um estudo decaso no curso Comunidades de aprendizagem e ensino online. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade. Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, 2004.BELONI, Maria Luiza. Educação a distância. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2001.BORBA, Marcelo de C. Dimensões da Educação Matemática a Distância. In: BICUDO, Maria Aparecida V. eBORBA, Marcelo de C. Educação matemática: pesquisa em movimento. São Paulo, SP: Cortez, 2004.FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. 3. ed. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1977._____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24. ed. São Paulo, SP: Paz eTerra, 1996 (Coleção Leitura).KENSKI, Vani. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas: Papirus, 2003.LÉVY, Pierre. Entrevista concedida ao “Programa Roda Viva”, da TV Cultura, agosto/2000MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.PRIMO, Alex. Interação mútua e interação reativa: uma proposta de estudo. In: CONGRESSO DAINTERCOM, 21., Recife, 1998. Anais... Recife: 1998.SANTOS, Edméa Oliveira dos. Articulação de saberes na EAD online: por uma rede interdisciplinar einterativa de conhecimento em ambientes virtuais de aprendizagem. In: SILVA, Marco (org). Educaçãoonline. São Paulo, SP: Loyola, 2003.SILVA, Marco (org). Educação online. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2003._____. Educação na cibercultura: o desafio comunicacional do professor presencial e online. Revista daFAEEBA: Educação e Contemporaneidade, v. 12, n. 20, p.261-271, jul./dez., 2003._____. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro, RJ: Quartet, 2000.VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 5.ed. São Paulo, SP: Martins Fontes,1994.VITTADINI, Nicoleta. Comunicar con nuevos media. In: BETTETINI, Gianfranco; COLOMBO, Fausto. Lasnuevas tecnologías de la comunicación. Tradução de Juan Carlos Gentile Vitale. Barcelona: Paidós, 1995.

Recebido em 30.09.04Aprovado em 22.11.04

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 353-363, jul./dez., 2004 353

Eunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb

RESUMO

O interesse deste trabalho está em se aprofundar a questão da informática comoum meio facilitador na aquisição de habilidades básicas. Busca-se demonstrarque a utilização do computador como ferramenta pode ajudar no processo dedesenvolvimento cognitivo dos adolescentes do Projeto Vida. São Jovens carentese rotulados pela dificuldade de aprendizagem. Pretende-se demonstrar que oproblema se situa não nos alunos, mas no modelo escolar que já não dá conta deatendê-los. Nesse modelo, os alunos demonstram um grande desinteresse pelasaulas, extremamente teóricas, que não fazem alusão à sua realidade. Passam,então, a ser considerados como pessoas com dificuldades de aprendizagem.Nesse sistema escolar, não são levados em consideração os conhecimentos préviosdos alunos. Criam-se excluídos. Neste contexto, o computador poderá ser utilizadocomo uma ferramenta que vai assessorar e facilitar o trabalho do professor e doaluno, criando possibilidades de ampliação da capacidade cognitiva deste último.Ao escolher alguma atividade que seja apoiada pelo computador, o professorconta com vários tipos de software ou de recursos tecnológicos que podem serusados para atingir os objetivos pretendidos. Há a necessidade do uso da tecnologiacomputacional, não mais como uma disciplina escolar, mas como uma ferramentade grande potencial para auxiliar o professor.

Palavras-chave: Aprendizagem - Educador - Tecnologia - Informação -Computador

ABSTRACT

THE COMPUTER IN TEENAGERS’ DEVELOPMENT PROCESS:the Experience of the Vida Project

This paper aims at exploring the question of computing as a way to facilitate theacquisition of basic abilities. We try to demonstrate that computer use as a tool atthe Vida project may help in the teenagers’ cognitive development process. Theteens come from low-income background and are labeled by their learning

O COMPUTADOR NO PROCESSO DE

DESENVOLVIMENTO DOS ADOLESCENTES:

a experiência do Projeto Vida

Eunides Nogueira Santos ∗

Warlley Ferreira Sahb ∗∗

* Especialista em Informática na Educação pela PUC Minas. Técnico de Laboratório - PUC Minas Contagem. Endereçopara correspondência: PUC Minas Contagem, Rua Rio Comprido, nº 4.580, CINCO – 32285.040 Contagem/MG. E-mail: [email protected]** Mestrando em Educação pela PUC Minas. Analista de Projetos – Coordenadoria de Extensão da PUC MinasContagem. Endereço para correspondência: PUC Minas Contagem, Rua Rio Comprido, nº 4.580, CINCO – 32285.040Contagem/MG. E-mail: [email protected]

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O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto Vida

Introdução

Inicialmente, deve-se ressaltar a importânciade projetos como o que iremos explicitar nesteartigo, uma vez que trata de incluir pessoasexcluídas em uma sociedade cada vez maisconcorrente entre seus pares.

A educação é um elemento fundamental paraa realização da vocação humana. Não apenas aeducação escolar, mas a educação em sentidoamplo. Pensada em âmbito geral, implica nosistema escolar, mas não se basta nele, porque oprocesso educativo começa com o nascimento etermina apenas no momento da morte do serhumano. Pode ocorrer no âmbito familiar, na suacomunidade, no trabalho, junto com seus amigos,nas igrejas etc. Os processos educativos per-meiam a vida das pessoas.

Com este entendimento, consideramos a ne-cessidade de um reposicionamento da educaçãodiante dos novos padrões de produtividade, decompetitividade e de cooperação, decorrentesdos avanços científicos e tecnológicos, sendo quea compreensão das economias modernas indicaque um novo caminho deve ser tomado no quediz respeito à educação, à inclusão e à respon-sabilidade social.

O grande salto ocorrido nos últimos tempos,nas áreas de tecnologias da informação e dacomunicação, tem causado uma verdadeirarevolução social, inclusive em hábitos há muitoestabelecidos, demonstrando uma mudança navida do homem nos dias de hoje. De acordocom Costa (2002), a percepção atual dos espa-ços e do tempo, as alterações nas comunicações,

passando do correio convencional para o e-mail,o rápido acesso às informações pela internet,dentre outros, são alguns exemplos da pós-modernidade presente no cotidiano do serhumano.

Está cada vez mais difícil prender a atençãodos alunos em salas de aula convencionais,tendo em vista que recebem um mundo deinformações fora da escola por meio dos maisdiversos sistemas de mídias. Portanto, há umanecessidade de serem remodelados os métodosde ensino, facilitando o processo de ensino-aprendizagem e motivando os alunos. Entretan-to, como já é possível perceber, nas escolasinformatizadas, o computador, por si só, nãomelhora o ensino. A informatização da escolasó dará bons resultados se for conduzida porprofessores que saibam exatamente o quequerem, pois, sem um projeto pedagógico, ocomputador perde o seu sentido, transformando-se apenas em uma máquina de transmitirconteúdos.

Desde março de 2002, vem sendo desenvol-vido, no laboratório de informática da PUCMinas Contagem, um trabalho que se inicioucom um grupo de 20 adolescentes, entre 13 e16 anos, cujo objetivo era ensinar-lhes infor-mática, buscando prepará-los para o mercadode trabalho. Esses adolescentes fazem parte doProjeto Vida, coordenado pela Professora Dilmada Silva1, o qual começou em outubro de 2001e tem como objetivo a promoção das famílias

difficulties. We try to demonstrate that the problem is not part of the students butpart of a school model which does not meet their need. In this model, the teensshow no interest for classes, extremely theoretical and disconnect from theirreality. From this point, they are labeled as young with learning difficulties. In thissystem, they are no consideration for the students’ previous knowledge whichexcludes some of them. In this context, the computer can be used as a tool tosupport and facilitate the teacher’s and student’s task, provoking possibilities of aincreasing of the student’s cognitive capacity. The teacher while choosing somecomputer related activity, can make use of various software or technologieswhich can be used to reach his or her objectives. There is a need of using computingtechnology, not as a school matter but as a potent tool to support teachers.

Keywords: Learning - Educator - Technology - Information - Computer

1 Professora da PUC Minas Contagem, idealizadora e coor-denadora do Projeto Vida.

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Eunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb

da Vila Beatriz, uma vila carente do Municípiode Contagem, em Minas Gerais. Por meio deum trabalho com a comunidade, pretende-se atransformação da realidade de crianças, jovens,adolescentes e adultos, com vistas à sua melhoriae superação. É importante ter presente que oconceito de promoção passa, cada vez mais, pelaelevação da qualidade de vida, pela eqüidadesocial e pela sustentabilidade ambiental.

Nas primeiras aulas em que se utilizou ocomputador, foi possível perceber a grandedificuldade de aprendizagem apresentada pormuitos adolescentes. Apenas três deles estãona faixa etária escolar. Os outros estão repetin-do, pelo menos uma vez, a mesma série do ensinofundamental. São alunos do 2º e do 3º ciclos,mas alguns mostram dificuldades referentes ao1º ciclo, que ainda não foram superadas. Comisso, surgiu o interesse de se utilizar a informá-tica, não apenas como uma ponte para inseri-los no mercado de trabalho, mas também paraque o computador se tornasse uma ferramentaaliada ao processo de desenvolvimento cognitivodesses jovens.

Ao longo das aulas, foi possível perceberque, quando o educador está próximo dos alunosque apresentam maior dificuldade na apreensãode determinado conteúdo, há um desenvolvi-mento mais ordenado das atividades. Isso fezsurgir o questionamento: será que, realmente, oaluno rotulado com “dificuldades de aprendiza-gem” tem tal dificuldade, ou ele se desenvolvenormalmente quando acompanhado de pertopelo educador?

Cabe aqui questionar se, realmente, elesapresentam dificuldades de aprendizagem ou seos meios e técnicas utilizadas nas escolas públi-cas não estão atendendo às crianças. Vale lem-brar que os recursos didáticos disponíveis nasescolas públicas de Contagem não são suficien-tes para uma melhoria na qualidade do ensino,uma vez que são escassos e/ou muito velhos,sobrando ao educador, na maioria das vezes,apenas o giz, o quadro negro e a sua voz.

Para os educadores da Rede Municipal deContagem, da Rede Estadual de Ensino, queatuam no desenvolvimento desse projeto, surgi-ram ainda outras indagações: como ficarão essesadolescentes no mundo do trabalho formal, sem

saber informática? Como poderão esses jovenster acesso à informática, se a escola onde estu-dam não oferece a disciplina? O mundo dotrabalho formal exige que os novos trabalhadoressaibam informática, porém as escolas municipaisde Contagem não oferecem essa disciplina aosseus alunos. Diante desse quadro social tãocontroverso, como ficarão os futuros trabalha-dores neste mercado tão competitivo?

O trabalho realizado no Projeto Vida procuraser uma contribuição à formação humana desses20 adolescentes, visando ao seu crescimentocomo seres sociais ativos e participativos nasociedade. Antes de chegar ao ponto central dotrabalho, dá-se um olhar nas tecnologias dainformação e da educação, no uso do computadorna Educação; avalia-se como as crianças caren-tes utilizam o computador, mostrando o desenvol-vimento do trabalho com os jovens do ProjetoVida.

Este trabalho não se encerra por si só; eleapenas dá os indícios de uma longa e árduajornada a ser trilhada, que deve se refletir naconstrução de um sistema de ensino inclusivo,que atenda às especificidades de seus alunos.

Um olhar sobre as tecnologias dainformação e da comunicação

O grande avanço das tecnologias da infor-mação e da comunicação leva vários pensado-res a terem diferentes pontos de vista sobre oassunto. Um ponto discutido, atualmente, é aquestão do livro impresso. As grandes mudan-ças nos hábitos sociais das pessoas que utilizamo computador várias horas por dia acabam des-pertando o interesse da pesquisa e levam autoresa afirmar que o livro entrará em extinção. Ou-tros, mais otimistas, acreditam na perpetuaçãodo livro e da leitura, apesar dos avanços da tec-nologia computacional.

Para Cagliari (2000), a televisão terá, dentreoutras funções, o papel de livro do futuro. Oscomputadores serão os responsáveis pela rein-venção do livro, porém, agora, em formato ele-trônico. Para as crianças do futuro, segurar umacaneta para escrever será um gesto conhecido

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O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto Vida

apenas pela História. O papel vai ser um materialassociado mais a outras tarefas do que à deveicular escrita. Para o autor, os textos, basica-mente, voltarão a ser orais ou, então, convertidosem orais para uso comum.

Já Freitag (2000) não compartilha tal idéia.Apresenta, sim, um pensamento mais otimista,dizendo que o livro persistirá enquanto houverleitores. Anunciar o fim do livro seria pressuporo fim da cultura letrada e, até mesmo, o fim dacultura geral. Sendo assim, se não houver livroe nem cultura letrada, certamente estaremospróximos do fim da cultura em geral.

Aqui, concordamos com Freitag, pois o quese percebe, hoje em dia, nos cursos de graduaçãoe até mesmo em cursos a distância, é que osalunos, muitas vezes, preferem o papel impressoa ficarem lendo na tela do computador. Eles ale-gam que, através da tela, poucas páginas con-seguem ser lidas, pois o cansaço abate-os rapida-mente. Ao passo que um livro pode ser lido horasa fio sem que sentissem os olhos cansados oupesados, facilitando inclusive o manuseio.

Tal como a agricultura e a escrita que foraminventadas diversas vezes e pelas grandescivilizações da Antigüidade, as novas tecnologiasda informação e da comunicação são um cami-nho sem volta (LÉVY, 1998). Resta, agora, aospensadores e educadores se equipar com taisconceitos e aprender a lidar, da melhor formapossível, com as ferramentas capazes de auxiliaro processo de ensino-aprendizagem, a fim depreparar os educandos para o futuro.

Se aos professores-educadores cabe lidarcom tais tecnologias, então, devem ser criados,nas escolas, ambientes informatizados de apren-dizagem, a fim de que se utilize o computadorcomo um recurso pedagógico, pois, sozinho, omesmo não tem nenhuma autonomia paraconduzir qualquer processo de ensino-apren-dizagem.

Mas isso não é uma tarefa fácil. Para tanto,os educadores deverão equipar-se e preparar-se para enfrentar o que é proposto. Os professo-res deverão valer-se das tecnologias da informa-ção e da comunicação, para criar ambientes quesejam construtivistas. Atualização permanenteé o primeiro passo, para depois se investir na

árdua tarefa da condução dos processos deensino e de aprendizagem.

Tanto os novos professores como os jáatuantes deverão ter boa formação, planejar eelaborar projetos de trabalho que estejam numcaminho, pelo menos, multidisciplinar, mas comvistas ao processo interdisciplinar. Eles deverãoorganizar seus espaços e tempo, criando novi-dades, ter conhecimento da gestão em sala deaula e ter uma visão sobre a avaliação de hoje,pensando em mudar os caminhos e, sobretudo,em ter ética e compromisso.

Para criar ambientes que sejam construti-vistas, os educadores deverão partir da realidadeque os cerca. Não há nenhuma necessidade dese copiar aquilo que é dos outros, pois nemsempre a realidade, advinda da Europa ou dosE.U.A., serve para ser implantada em nossassalas de aula. Como diz Freire (1979, p. 35): “Épreciso partir de nossas possibilidades parasermos nós mesmos. O erro não está na imitação,mas na passividade com que se recebe a imitaçãoou na falta de análise ou de autocrítica.”

Os ambientes construtivistas criam condi-ções de desenvolvimento que resultam de umaação em parceria, quando alunos e professoresaprendem juntos. De acordo com a pedagogiade Freire, para que isso aconteça, deve-se dei-xar espaço para o aluno construir seu próprioconhecimento, sem se preocupar em repassarconceitos prontos, como ainda acontece freqüen-temente na prática tradicional, que faz do alunoum ser passivo, mero depositário dos conheci-mentos.

Quando se fala que o aluno aprende e, emcontrapartida, o professor aprende com aquele,trata-se de um ambiente cuja abordagem é cons-trucionista. Em um ambiente desse tipo, cabe aoprofessor promover a aprendizagem do alunopara que este possa construir o seu próprio conhe-cimento. “As teorias interacionistas explicam oconhecimento mediante a participação tanto dosujeito quanto dos objetos do conhecimento, oque resulta não só na organização do real comotambém na construção das estruturas do sujeito.”(COUTINHO, 1992, p. 81).

Para Piaget, o conhecimento não é transmiti-do. Ele é construído progressivamente por meiode ações e coordenações de ações que são

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Eunides Nogueira Santos; Warlley Ferreira Sahb

interiorizadas e se transformam. A inteligênciaé um instrumento de adaptação do sujeito aomeio. Portanto, as relações que se estabelecementre o sujeito e o meio implicam em um per-manente processo de construção e reconstru-ção, resultando, assim, na formação de estru-turas do pensamento.

Piaget (1967) explica que, para o aluno alcan-çar novas estruturas em um ambiente escolar, épreciso que este faça suas pesquisas sozinho.Que seja proporcionado a ele a condição de fazerexperimentos, ler e discutir com iniciativa sufi-ciente e não simplesmente ficar agindo sob “enco-menda”, de acordo com os pensamentos dos pro-fessores. Que também possa pensar por si mes-mo e não fique sob a custódia do pensamento deoutrem, reproduzindo o outro. Pois, se isso aconte-cer, corre-se o risco do aluno ficar alienado.

De acordo com Freire (1979), todas as vezesque um ser humano fica à mercê da imitaçãode outrem, já não é ele mesmo, pois, quantomais alguém tenta ser o outro, tanto menos éele mesmo. Se os alunos forem educados dessaforma, não irão adquirir independência. Nãoconseguirão agir com autonomia, tendo, assim,bloqueada sua criatividade.

É exatamente aqui que se tenta estabelecercritérios para a inserção de computadores nasescolas. O computador não deve ser usado comomero transmissor de informações. De acordocom Almeida (2000), muitas experiências edu-cacionais se restringem a colocar microcom-putadores e, também, programas diversos nasescolas para uso em disciplinas que visampreparar os alunos para o domínio de recursosda computação. Percebe-se que isso acabouoriginando uma nova disciplina no currículo doensino tradicional, dissociando totalmente oconteúdo ensinado no laboratório das demaisdisciplinas.

Ademais, na sala de aula, em ambientesinformatizados de aprendizagem, é preciso queo professor se esforce para reconhecer ostemas de interesse dos alunos, bem como perce-ber quando e como intervir. Mas, para isso, nãohá nenhuma regra de como agir necessa-riamente. A atuação do professor será, sobre-tudo, uma ação de forma pessoal, intuitiva esubjetiva.

O uso do computador na educação

Os professores progressistas procuram empre-gar o computador como um instrumento de trans-formação, mas a escola criou um currículo para ocomputador e, assim, acrescentou mais uma dis-ciplina para reforçar a prática tradicional.(ALMEIDA, 2000, p. 55)

Existem formas múltiplas de educação, poisexistem sujeitos diversos na sociedade. Em meioa tudo isso, a função da educação é possibilitarformas para que o conhecimento e os saberessejam transmitidos pelos diversos homens dasociedade, possibilitando uma formação para opleno exercício da cidadania e do trabalho.

A história nos mostra que a capacidade deuma nação preservar progressos sociais, cultu-rais e econômicos, em longo prazo, depende,dentre outros fatores, do poder de sua popula-ção em se organizar, acumular e transmitir oconhecimento.

No entanto, em pleno século XXI, a profis-são secular de professor, ou melhor, educadorexige uma mudança completa de mentalidade.Aquele que ensina deve deixar de lado o papelde transmissor do conhecimento e passar adividir com o estudante a tarefa de construir oaprendizado.

No contexto atual, não basta aos estudantesdominar um nível mínimo de informação que seresume em escrever frases ou em executaroperações matemáticas simples. Na era da infor-mática, cada vez mais será necessário processare comunicar informações eficientes, ter espíritocrítico e ser capaz de criar novas soluções, a fimde participar da cultura humana. Com tal busca,os indivíduos terão melhores condições de con-tribuir para a construção e a reconstrução perma-nente das máquinas pensantes que são asinstituições.

Para tal, tem-se o computador como umaliado capaz de proporcionar um melhor desen-volvimento cognitivo aos estudantes. Como dizLucena (1997), pensar em computadores naEducação não significa meramente pensar namáquina e, sim, na Educação. A educação e ainformática devem ser consideradas como umtodo, visando sempre o benefício da sociedade.

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O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto Vida

É notório – e vem sendo veiculado pelospensadores das Novas Tecnologias, tais comoCosta (2002), Oliveira, Costa e Moreira (2001)e Valente (1996; 1998) – que as atividades pro-porcionadas pelo uso de comunicação, mediadapelo computador, permitem ao estudante umacompreensão mais imediata e profunda domundo em que vive, enriquecendo a formaçãode conhecimentos em várias áreas de estudo.

O computador pode ser usado também como fer-ramenta educacional. Segundo esta modalidadeo computador não é mais o instrumento que en-sina o aprendiz, mas a ferramenta com a qual oaluno desenvolve algo, e, portanto, o aprendiza-do ocorre pelo fato de estar executando uma ta-refa por intermédio do computador. (VALENTE,1998, p.12).

O computador não deve ser usado mera-mente como um método de instrução programa-da, fazendo o papel apenas de, como nosmétodos tradicionais, transmitir informações aoaluno. Deve, sim, ser utilizado de modo que,através do software, o aluno possa “ensinar”ao computador. Para Valente (1998), o com-putador ensina ao aluno e, como tal, assume opapel de máquina de ensinar, utilizando um tipode abordagem que tem suas raízes nos métodosde instrução programada tradicionais, apenassubstituindo o papel ou o livro pelo computador.Contudo, o computador deverá ser utilizado, naeducação, como uma ferramenta que vai auxiliare facilitar o trabalho do professor e do aluno,criando possibilidades de ampliação da capaci-dade cognitiva deste último. Ao escolher algumaatividade que seja apoiada pelo computador, oprofessor contará com vários tipos de softwareou de recursos tecnológicos que poderão serusados para atingir os objetivos pretendidos.

Assim, como diz Almeida (2000), o professorprecisa estar atento e conhecer os interesses enecessidades dos alunos, observando as capaci-dades e as experiências anteriores de cada um,a fim de propor planos cuja concepção possaresultar em um trabalho cooperativo, realizadopor todos os envolvidos no processo de aprendi-zagem. Dessa forma, o desenvolvimento daatividade resultará em uma ação de parceria,em que alunos e professores aprendem juntos.

É por isso que Freire (1995) diz que a pedagogiadeve, então, deixar espaço para que o alunopossa construir seu próprio conhecimento, semse preocupar em repassar conceitos prontos,ao contrário da prática tradicional de ensino, naqual os alunos são seres passivos, em quem se“depositam” os conhecimentos apenas para secriar um banco de respostas mentais.

Em função desse pensamento, muito se temdiscutido e questionado sobre o uso dos compu-tadores nas escolas. O fato é que o mundo daeducação não pode se isolar dos processos detransformação econômica e social, como tam-bém não pode deixar de incorporar, no sistemaeducacional, os novos recursos tecnológicos dis-poníveis. A utilização da informática como instru-mento de aprendizagem e busca do conhecimentovem aumentando de forma rápida. Nesse sentido,a educação vem passando por mudanças estrutu-rais e funcionais frente a essa nova tecnologia:mudanças tais como a reorganização do espaçoescolar, na medida em que a implementaçãodessas novas tecnologias altera o ambiente deaprendizagem, estendendo-a para além da salade aula, com a utilização de salas de bate-papo,uso de conferência à distância, troca de e-mails,dentre outros recursos disponíveis.

A introdução do computador na educaçãovem causando uma revolução na concepção doensino e da aprendizagem. Para tanto, Valente(1996) diz que o computador pode ser utilizadocomo uma máquina de ensinar ou, então, comomeio para incentivar e propiciar a construção doconhecimento. No primeiro caso, o mesmo con-siste apenas na informatização dos métodos deensino tradicionais; no segundo caso, a utilizaçãodo computador é caracterizada como sendo aabordagem voltada para o construtivismo.

A EXPERIÊNCIA DO PROJETO VIDA

O uso do computador com criançascarentes

... cada aluno, com sua individualidade, interes-se e capacidade está se apropriando do compu-tador como uma ferramenta para satisfazer as suasnecessidades e para desenvolver o seu poten-

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cial. Naturalmente, uns com mais ou menos in-tensidade; porém, o que importa é que essa apro-priação seja personalizada, parta do interesse doaluno e não seja imposta pelo professor ou pelaestrutura da escola. (VALENTE, 1998, p. 189)

O Brasil apresenta uma das maiores taxasde analfabetismo da América Latina. Com oavanço da tecnologia e da competição industrialem níveis mundiais, esse contingente fica cadavez mais à margem do mercado de trabalho e,conseqüentemente, da possibilidade de alcançarou manter condições mínimas de uma vida digna.

O analfabetismo é encontrado em váriaspartes do país. Diante desse quadro, alguns seg-mentos da sociedade brasileira, que têm a granderesponsabilidade de contribuir para a elevaçãodo nível educacional, têm-se mobilizado a fim demostrar resultados positivos para todos.

De acordo com Valente (1998), o trabalhocom crianças carentes e a literatura sobre oassunto mostram que essa população é bastanteheterogênea. Com o objetivo de contribuir paraamenizar esse quadro social, as aulas deinformática, para os adolescentes participantesdo Projeto Vida, tiveram início no dia primeirode março de 2002.

Esses adolescentes freqüentam diariamenteo Centro de Apoio Promocional e EducacionalSanto Hermann José (CEPA), que acolhe crian-ças e adolescentes carentes dos bairros Bernar-do Monteiro, Bela Vista e, principalmente, daVila Beatriz do município de Contagem, buscan-do a promoção humana.

O Projeto Vida foi idealizado pela ProfessoraDilma Silva que almejava desenvolver um traba-lho voltado para a formação dos valores e daconsciência de cidadão nos membros da co-munidade e para que cada um conhecesse seusdireitos e deveres, o valor da justiça, do diálogoda solidariedade e da família. Buscava, ainda,resgatar a importância de um processo educa-cional que mostrasse que teoria e prática sãointerligadas.

Como atividade desenvolvida pelo ProjetoVida, foi proposto, dentre tantas outras ativida-des, que os alunos tivessem aulas de informáticapara que, ao adquirirem a competência neces-sária para manusear o computador, se habilitas-

sem à inserção no mercado de trabalho. Para odesenvolvimento das atividades de informática,ficou definido que seria utilizado um dos labora-tórios da PUC Minas, Contagem. As aulas se-riam ministradas uma vez por semana.

O primeiro objetivo dessas aulas foi pro-porcionar aos alunos os conhecimentos elemen-tares em informática, para que eles pudessemcomeçar a sua trajetória de inserção no merca-do de trabalho.

Já é fato notório, nos meios de comunicação,que a informática pode revolucionar a educa-ção, o que despertou a curiosidade e o interessedesses alunos para o nível cognitivo que certa-mente iriam adquirir ao participarem desseprocesso. Ao interagirem com esse novo objetoem suas vidas, eles estariam tendo a possibili-dade de ampliar suas idéias e seus pensamentos,uma vez que, “a captação da realidade atravésdas NTS potencializa o multienvolvimentosensorial, afetivo e intelectual dos indivíduosinseridos nos sistemas de informação”.(COSTA, 2002, p. 2).

A primeira aula começou com uma conversainformal. Constatou-se que quase todos estuda-vam na Escola Municipal Josefina de SouzaLima, situada no Bairro Bela Vista. A maior partedas 20 crianças era moradora do mesmo bairroonde fica a escola; os demais residiam noBernardo Monteiro ou no Beatriz, dois bairrospróximos, e estudam nas escolas desses bairros.

A idade dos alunos variava entre 13 e 16anos. Apenas 3 não estavam fora da faixa etáriaescolar. São alunos do 2º e 3º ciclos do EnsinoFundamental (antiga 5ª a 8ª série). Seis delesestão cursando a mesma série pela 3ª vez. Naprimeira aula, a atenção deles foi chamada parauma coincidência que, certamente, os identificoucom o professor, que, entre seus 10 e 15 anosde idade, morou nos mesmos três bairros: Ber-nardo Monteiro, Bela Vista e Beatriz, respecti-vamente. Sendo assim, ele conhecia a realidadevivida por esses jovens. Além disso, foi um in-centivo a mais para os alunos, mostrando queeles também são capazes de progredir.

O objetivo da 1ª aula foi deixar os alunosbem à vontade. Todos sentados diante da má-quina, apenas esperando as instruções para

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O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto Vida

começarem. Alguns demonstravam certa ansie-dade, outros, aparentemente tranqüilos. Mas ofato é que estavam todos curiosos com o queiria acontecer.

A intenção, ao acessar a máquina, era deque os alunos apenas adquirissem a coordena-ção motora para controlar o mouse e conheceras primeiras teclas que utilizariam. Surpreen-dentemente, em seus primeiros contatos com amáquina, nove fizeram, também, seus primeirosdesenhos.

Era perceptível, no rosto daqueles jovens, aalegria e o prazer que sentiam naquele momento.Ao ver seus primeiros trabalhos, a surpresa foigeral. Foi muito emocionante perceber que, dealguma forma, aquelas aulas, agora, passariama fazer parte do processo de ensino-aprendi-zagem, contribuindo para a formação daquelesmeninos e meninas.

Costa (2002) diz que um ambiente de apren-dizagem pode estar voltado a dois segmentosdiferentes: um para conteúdos e o outro para odesenvolvimento de esquemas cognitivos noaluno. O mais importante é que ambos devemser elaborados pelos professores ou grupo deprofessores, tendo em vista o ator principal doprocesso, que é o aluno. Desse modo, semprese buscou planejar as aulas com o objetivo delevar os alunos do Projeto Vida a desenvolveremconceitos não apenas informáticos, mas concei-tos de vida, como, por exemplo, amizade, família,grupo, companhia, cooperação, dentre outrosvalores que servem para um bom crescimentohumano.

Em 2003, foi montada uma nova turma,também com 20 alunos. O projeto seguiu comas aulas de informática, normalmente. A turma1 continuou seu desenvolvimento, só que agoraeles estariam interagindo e compartilhando aaprendizagem com a turma 2. Nesta nova turma,a maioria (14) dos alunos tem entre 12 e 13anos de idade.

Neste processo de ensino-aprendizagem,teoria e prática têm sido concomitantes. De umlado, quando surgem dúvidas dos alunos, assoluções vão sendo criadas, paulatinamente, natentativa de levar os mesmos a construir concei-tos sobre o que estão aprendendo. Por outro

lado, há incentivos e estímulos na tentativa delevá-los a aprender coisas novas. Quanto aostrabalhos que eles apresentam prontos, semprehá o incentivo para melhorar as produções. Ocomputador não é utilizado para perpetuar osmétodos de ensino tradicionais. Ao contrário,tenta-se desenvolver atividades que valorizema perspectiva construcionista, levando os alunosa pensar na construção de seus próprios concei-tos. Espera-se que a informática possa ajudarna ampliação das possibilidades de conheci-mentos desses adolescentes, bem como abrirum novo campo de atuação para que possamdar seguimento às suas vidas.

Quatro casos para se refletir

De acordo com Valente (1998), a criançacarente é aquela que, mesmo vivendo com ospais ou com um deles, possui muito poucos laçosafetivos. Isso pode levar essas crianças a apre-sentar problemas de aprendizagem por razõesde ordem social, emocional e mental. Na maioriadas vezes, são crianças muito pobres e, por faltade “condições econômicas, muitas já nascemsubnutridas e o ambiente onde vivem é bastantepobre em possibilidades necessárias de desen-volvimento mentais básicas”. (p. 167).

São exatamente as condições que os adoles-centes envolvidos no projeto apresentam. Todoseles vão ao Centro de Apoio Promocional eEducacional Santo Hermann José – CEPA, como objetivo de fazer refeições e, também, teracompanhamento nas atividades da escola. Ascrianças do projeto são rotuladas como criançascom dificuldades de aprendizagem. Mas o quese pode perceber é que isso, nem sempre, podeser tomado como verdade, a partir dos quatrorelatos a seguir.

Inicialmente, temos o caso de um aluno de13 anos, que está na 5ª série do ensino funda-mental. Ele considera o CEPA um ótimo lugar,que contribui muito para seu crescimento comopessoa. Sempre presenciou, em casa, a luta damãe com o irmão mais velho, para tirá-lo dasdrogas. Esse aluno se mostrava, no início denossas aulas, bastante agressivo, com dificul-

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dade de concentrar-se e inseguro ao tentar fazeralguma coisa no computador. É extremamentecarente, tanto financeira quanto afetivamente.Tem uma grande necessidade de atenção, cari-nho e gosta muito quando se diz que ele está-sesaindo bem. Realmente, ele parecia ter sériasdificuldades de aprendizagem, mas o que sepode perceber é que ele precisava, apenas, criarindependência e autonomia. Ele gosta muito depoemas e, ao acessar a internet, procura logoas páginas relacionadas a poemas. Como eleainda não superou totalmente a fase da leitura,nas primeiras vezes ficou lendo, para despertarmais o gosto com o texto escrito. Na última aula,no mês de novembro de 2002, por incrível quepareça, ele solicitou a presença do educadorsomente uma vez. Conseguiu fazer a atividadeproposta quase toda sozinho e correta.

O segundo caso refere-se a uma aluna de15 anos, moradora do bairro Bela Vista, cursan-do a 5ª série do ensino fundamental. Extrema-mente introvertida, nas primeiras aulas não fazianada. Tudo que ela conseguia realizar era coma ajuda de sua colega. Gostava de sentar-sesempre nos últimos micros do laboratório. Aose notar que ela tinha um problema agudo devisão, o professor passou a aumentar a letra domonitor em que fosse trabalhar. Assim, foisubstancial a sua melhoria nas aulas seguintes.

Quando o professor chegava perto, ela sim-plesmente parava com a atividade que estavafazendo. Tinha medo de errar. Nesse caso, aobservação do educador é de extrema importân-cia. Ela, ao contrário do caso anterior, em ne-nhum momento, solicitava a presença do profes-sor. Houve aulas em que, quase no final, elanem havia saído do início da atividade proposta.Ao ser indagada, ela simplesmente dizia que nãosabia como fazer. Aos poucos, durante as aulas,a aproximação foi acontecendo. Hoje, apesarda timidez com o docente, já adquiriu uma certaautonomia e já aprendeu a pedir ajuda.

Em uma das últimas aulas (mês de novem-bro), foi distribuída uma atividade. De imediato,vários pediram ajuda. Alguns conseguiram ter-minar na metade da aula e outros não. Mesmoo professor chegando perto da aluna, ela nãoparou de fazer a atividade e já estava quase no

final. Aquilo demonstrou que ela estava adquirin-do autonomia e, o mais importante, estavaaprendendo. Melhor do que aprender a fazer aatividade sozinha foi aprender a lidar com difi-culdades que certamente atrapalhavam seuaprendizado: a timidez e o medo constante deerrar. Parece que ela estava começando a com-preender que, errando, a gente também aprende.

Ela demonstrou um grande interesse pelainternet. Apesar de não ter conseguido criarsozinha seu e-mail, ela, insistentemente, emquase todas as aulas, quer ficar navegando. Naúltima aula, desenvolveu um trabalho cujo temaera: o que é internet. Ela pesquisou na internet,leu e escreveu o que entendia.

O terceiro caso é o relato de uma aluna quetem 14 anos, mora no bairro Bernardo Monteiro,está cursando a 8ª série do ensino fundamental.Ela é uma das três crianças que não faz partedaquelas que repetem a série de ano, mas era,também, considerada uma menina com dificul-dade de aprendizagem. Durante as aulas, po-rém, pôde ser verificado que ela era uma garotanormal como qualquer outra. Aparentementenão apresenta nenhum distúrbio e sempre acom-panhou as aulas com muita atenção. Semprebuscava ajudar quem estava ao lado. Semprefoi uma das primeiras a terminar todas as ativi-dades. A esta altura do projeto, ela já virou moni-tora da turma.

Como se vê, ela é um daqueles casos decrianças em que, em determinado momento desua vida, alguém a impediu de fazer perguntas,interrompendo seu processo de crescimento. Évisível que a adolescente não apresenta ne-nhuma dificuldade de aprendizagem. Ao come-çar as aulas, sempre foi uma das alunas maisatentas a tudo que se passava e sua aprendi-zagem acontece normalmente.

O quarto e último caso é o de uma aluna,que faz parte da turma nova. No início, perce-bemos que ela era muito quieta. Sempre recebiaajuda da sua amiga inseparável. Na escola, elatem muita dificuldade no português e na mate-mática. Nunca ouvíamos sua voz. Foi quandodescobrimos a grande dificuldade que tem parafalar. Mas sua dificuldade de falar é provenientede problemas de audição. Ela não escuta direito

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O computador no processo de desenvolvimento dos adolescentes: a experiência do Projeto Vida

e isso a impede de aprender mais rápido. É umaótima desenhista e estamos trabalhando maisno desenvolvimento deste tipo de atividade.Estamos buscando alternativas para trabalharmelhor este caso, levando-a a se desenvolvermelhor.

Os quatro casos demonstram que, na verda-de, é o sistema escolar que não dá conta deatender às necessidades das crianças que che-gam à escola. Os professores, muitas vezes malpreparados, não sabem como lidar com essascrianças. Além disso, as escolas mal equipadasnão oferecem condições à criação de ambientesinformatizados de aprendizagem. A falta deinvestimentos públicos nas escolas está, cadavez mais, contribuindo para o fracasso escolardos alunos.

Considerações finais

Certamente o trabalho com o computadorteve um papel importante no progresso dessesadolescentes. É claro que, mesmo participandode um projeto como este, eles ainda terão umlongo caminho a percorrer para superar suasdeficiências. Através das aulas, vários alunostêm demonstrado que podem conhecer melhora si mesmos do ponto de vista intelectual eemocional. Muitos deles dizem que têm melho-rado até mesmo no relacionamento com oscolegas, pois têm sempre um fato novo paracontar sobre computador.2 Não se pode esque-cer que vários desses alunos são consideradosos piores nas escolas onde estudam, tanto emcomportamento, quanto em desenvolvimentoescolar.

Cada aluno tem a sua história para ser conta-da, cada uma revelando um caminho percorridono processo de construção do conhecimento edo desenvolvimento cognitivo. De acordo comValente, no contexto educacional, os ambientesinformatizados de aprendizagem já existentespermitem que cada aluno possa utilizar os recur-sos disponíveis na escola e que se aproprie delesde maneira particularizada, de modo a satisfazersuas necessidades e seus interesses. Somentedessa forma, a escola estará sendo efetiva,

ajudando essa população de alunos margina-lizados da sociedade a serem responsáveis pelosseus próprios destinos, ao invés de viverem àmercê da sociedade que os discrimina.

Algumas escolas estão sendo equipadascom computadores, fazendo uso de multimídia,e a internet passou a ser uma das principaisfontes de busca de informação. Com o avançoda tecnologia e da competição industrial emníveis mundiais, um contingente de analfabetos,no Brasil, fica, cada vez mais, à margem domercado de trabalho e, conseqüentemente, dapossibilidade de alcançar ou manter condiçõesmínimas de uma vida digna. Para tanto, cabe atodos os segmentos da sociedade brasileira lutarna tentativa de banir ou amenizar as desigual-dades sociais.

Entretanto, é bom que se tenha consciênciade que o computador, por si só, não é a soluçãopara resolver todos os problemas ora apresen-tados. A idéia de que esses adolescentes e tantosoutros têm dificuldade de aprendizagem precisaser revista pela comunidade de educadores.Muitas dessas crianças estão defasadas na escolasimplesmente por uma questão circunstancial. Ofato é que o sistema escolar atual não está pre-parado para trabalhar com essa população maiscarente. Valente (1998) afirma que falta conhe-cimento aos educadores e aos órgãos compe-tentes sobre essa população de crianças e ado-lescentes. Esse dado faz com que o professornão tenha meios para penetrar no mundo dessascrianças, a fim de conhecê-las e poder estabe-lecer vínculos intelectuais que permitam a criaçãode um ambiente de aprendizagem que estejavoltado para as necessidades delas.

Desse modo, o que se tem percebido emprojetos desenvolvidos, utilizando computadores,é que esses alunos, considerados como pessoascom dificuldades de aprendizagem, têm desen-volvimento cognitivo normal. É claro que nãovemos o computador como o solucionador detodos os problemas da educação nem que essepossa substituir o professor ou algum materialpedagógico. Ele é mais um recurso, com uma

2 Neste sentido foram registrados depoimentos de 11 alunosda turma 1 e de 5 alunos da turma 2.

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função de facilitar ao aluno e ao professor enten-derem o processo de raciocínio. Deve ser usadointegrado a uma abordagem pedagógica diferen-te, que seja voltada às reais necessidades doaprendiz, ao invés do currículo escolar pré-estabelecido.

Espera-se que este trabalho sirva de incen-tivo e de base para uma ação conjunta entre a

PUC Contagem, os projetos sociais existentes,o governo e a escola pública. Tais instituiçõespossuem qualidades suficientes para agir, con-juntamente, no intuito de transformar a socieda-de. Sem a educação, a sociedade não muda,embora, sozinha, a educação também não trans-forme a sociedade. É por isso que se faz ne-cessário unir forças.

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Recebido em 30.09.04Aprovado em 05.01.05

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Lynn Alves

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados da tese de doutorado Game over: jogoseletrônicos e violência, apontando que os games podem se constituir emespaços de aprendizagem e ressignificação de desejos, atualizando-os, semnecessariamente levar os jogadores a comportamentos e atitudes hediondas esocialmente inaceitáveis. Dentro desta perspectiva, o trabalho enfatiza queé fundamental analisar a violência mediante os aspectos sociais, econômicos,culturais, afetivos, etc, já que esse fenômeno se constitui em uma linguagemque o sujeito utiliza para dizer algo. A investigação conclui que os jogos eletrônicose de RPG devem ser explorados principalmente nos ambientes escolares, jáque possibilitam a construção de conceitos vinculados aos aspectos sociais,cognitivos, afetivos e culturais. E também, que os jogos eletrônicos de diferentesnarrativas e conteúdos atuam na Zona de Desenvolvimento Proximal dossujeitos, de forma lúdica, prazerosa e atrativa.

Palavras-chave: Jogos eletrônicos – Violência – RPG – Espaços deaprendizagem

ABSTRACT

ELECTRONIC GAMES AND VIOLENCE: A KALEIDOSCOPE OFIMAGES

This paper presents the results of our Ph.D. thesis: Games over: ElectronicGames and Violence. We show that electronic games may constitute learningenvironment and opportunity to re-signify desires, making them more concretewithout necessarily leading players to adopt hostile and socially unbearableattitudes and comportments. In this perspective, we focus on the necessity toanalyze violence within a social, economical, cultural and emotional frame, asviolence constitute a language used by the social subject to express something.We conclude that electronic games and RPG must be used, especially in schools,as they permit to construct notions linked to social, cognitive, cultural and schoolrelated dimensions. We also assess that electronic games of various type andnarratives, work in the subject’s zone of proximal development, in a playful,attractive and pleasurable way.

Keywords: Electronic games – Violence – RPG – Learning spaces

JOGOS ELETRÔNICOS E VIOLÊNCIA:

UM CALEIDOSCÓPIO DE IMAGENS

Lynn Alves ∗

* Doutora em Educação e Comunicação; professora da Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Endereço paracorrespondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus I, Mestrado em Educação e Contemporaneidade,Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: [email protected]

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Jogos eletrônicos e violência: um caleidoscópio de imagens

Estrangeiro... é essa a sensação de um pes-quisador quando imerge em um mundo, a priori,desconhecido. Investida da minha intenção deaveriguar o mundo dos jogos eletrônicos, mer-gulhei nesse novo universo, o que se constituiuem um grande desafio, principalmente porquenunca havia jogado antes, mas apenas observa-do os jovens na fruição dos games.

Com um gravador e uma câmera na mão,estava determinada a escutar os sujeitos dapesquisa, acompanhada da minha hipótese inicialde que a interação com os jogos eletrônicos nãoproduzia comportamentos violentos nos jovens.

Imersa nessa cultura da simulação1, apro-priei-me dos novos códigos e procurei estabele-cer relação com os referenciais teóricos quenortearam a construção da tese Game over:jogos eletrônicos e violência2, o que efetivoua assimilação da linguagem dos jogos.

Assim, durante o percurso, pude concretizaros objetivos inicialmente estabelecidos no proje-to de pesquisa, o qual se propunha a analisar ainfluência dos jogos eletrônicos no cotidiano dosjogadores e suas possíveis implicações em umcomportamento “violento”, que poderia se refle-tir nos ambientes sociais e, principalmente, naescola.

A escuta sistemática dos “participantes en-trevistados” permitiu a estruturação da tese, quetraz à tona o olhar dos sujeitos que jogam e cons-troem inúmeras relações entre os games e suasvidas.

Ao ouvir os sujeitos e trazer para esta inves-tigação o olhar e o discurso de cinco jovens quevivem intensamente no universo dos games,pude confirmar que, na perspectiva destes auto-res e atores, os games, estes agenciamentossociotécnicos constituem-se em espaços de ela-boração das questões ligadas às suas subjeti-vidades. (LÈVY, 1993).

Outro objetivo também concretizado foi asistematização teórica dos referenciais que nor-teiam a relação jogos eletrônicos e violência.

As questões norteadoras que permitiramalcançar os objetivos propostos foram:

1) A interação com os jogos eletrônicos queexibem e disponibilizam informações e cenasde violência provocam alterações no comporta-

mento dos sujeitos que vivem imersos no mundotecnológico?

2) Qual a concepção de violência dos jovensque interagem com os jogos eletrônicos consi-derados violentos?

3) Quais as relações que os jovens estabele-cem em torno dos jogos eletrônicos com a vio-lência?

4) As pessoas que interagem com os jogoseletrônicos, considerados violentos, saem repro-duzindo no cotidiano as cenas de violência exibi-das nesses programas?

Esses questionamentos se constituíram emtrilhas que subsidiaram as entrevistas e as obser-vações das atividades realizadas pelos jovensenvolvendo jogos eletrônicos ou não.

Depois de uma imersão no referencial teóricoque subsidiaria a leitura e organização dasinformações colhidas, durante a pesquisa foipossível realizar o trabalho de campo, partindodas seguintes hipóteses a respeito da violência:– deve ser vista de forma construtiva e se

constitui em uma linguagem, uma forma dedizer algo;

– vende por favorecer um efeito terapêutico,possibilitando aos sujeitos uma catarse, namedida em que canaliza os seus medos, de-sejos e frustrações no Outro, identificando-se ora com o vencedor ora com o perdedordas batalhas;

– a violência, vista desta maneira, passa a serconsiderada de forma construtiva, como umdos motores propulsores do desenvolvimen-to afetivo e cognitivo dos sujeitos. Nessesentido, os jogos podem se constituir em es-paços de elaboração de conflitos, medos eangústias.A violência, presente no mundo contempo-

râneo, vem se constituindo em uma linguagem,

1 Na perspectiva de Turkle (1997, 1989), a cultura da simu-lação emerge mediante os modelos computacionais comoseus representantes e os jogos eletrônicos como elementosque compõem essas representações. Representações estasque instauram uma lógica não linear e fazem parte do uni-verso da Geração Screenagers.2 Tese de doutorado defendida em 07/06/04 na Faculdade deEducação da UFBa. A tese encontra-se, na integra, na URL:www.comunidadesvirtuais.pro.br e foi publicada pela Edito-ra Futura.

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isto é, uma forma de dizer (ROCHA, 1997;DIOGENES, 1998). Os sujeitos que utilizam aviolência enquanto linguagem podem estar sinali-zando a necessidade da mediação dos adultos,já que o contato com os seus familiares estácada vez mais esparso, devido às necessidadesde ordem econômica, que tem levado os adultos(e até alguns jovens) a longas jornadas de tra-balho para manter o orçamento familiar. Estes,portanto, cada vez mais vivem entregues a sipróprios, perdendo a referência dos indivíduosque podem lhes possibilitar a sua estruturaçãocomo sujeito, levando-os a uma perda de identi-ficação e de ressignificação de valores. Essesvalores passam a ser reconstruídos medianteos diferentes grupos em que o jovem se inserepara ser aceito. Esse processo de aceitação podelevar a comportamentos transgressores, comoa utilização de drogas, vandalismos, enfim, atosque os distanciam dos adultos e os aproximamdos seus pares.

Considerando o desenvolvimento de todo otrabalho de pesquisa, penso que a interação comos jogos eletrônicos não produz comportamentosviolentos nos jovens. A violência emerge comoum sintoma que sinaliza questões afetivas (de-sestruturação familiar, ausência de limites etc)e socioeconômicas (queda do poder aquisitivo,desemprego etc.).

Essa averiguação tomou como referencialmetodológico a abordagem qualitativa, que nãoobjetivava “provar” nada, mas demonstrar comoforam apreendidas as questões que nortearama investigação, analisados os problemas e o al-cance dos resultados. Esse percurso permitiu aconcretização dos objetivos e a construção deum olhar diferenciado sobre a relação jogoseletrônicos e violência.

É importante ressaltar que, em alguns mo-mentos, as conclusões referentes aos sujeitosnão puderam ser universalizadas, uma vez queos “participantes entrevistados” apresentaramposturas e discursos diferentes em relação àproblemática da pesquisa.

Contudo, a conclusão deste trabalho ratificoua tese de que os jogos eletrônicos, consideradosviolentos, não geram violência, isto é, a relaçãonão é de causa e efeito.

É fundamental analisar o fenômeno da vio-lência mediante os aspectos sociais, econômicos,culturais, afetivos etc.

Outra aprendizagem importante relaciona-se ao fato de compreender os jogos como espa-ços de aprendizagem que devem ser exploradosprincipalmente nos ambientes escolares, já quepossibilitam a construção de conceitos vincula-dos aos aspectos sociais, cognitivos, afetivos eculturais.

Enfim, os jogos eletrônicos de diferentes nar-rativas e conteúdos atuam na Zona de Desenvol-vimento Proximal dos sujeitos, de forma lúdica,prazerosa e atrativa.

O lugar dos jogos eletrônicos

Apresento uma análise das categorias inves-tigadas durante as entrevistas e que permitiramconstruir um olhar diferenciado sobre a relaçãojogos eletrônicos e violência.

Os consoles de videogame foram os pri-meiros elementos da cultura da simulação pre-sentes na vida dos “participantes entrevistados”.Para Caótico, Conan e Expert, eles constituí-ram um passaporte para os jogos de computa-dores. Tony e Narciso acompanharam a evolu-ção de suas plataformas e ainda se mantêm fiéisà estrutura dos videogames3.

Esses Screenagers 4 buscam interagir comos jogos eletrônicos mais recentes, que exigemrapidez de movimentos e demandam uma inteli-gência sensório-motora, o que ratifica a idéiade que essas gerações apresentam formas dis-tintas de pensar e compreender o mundo. Abremmuitas janelas simultaneamente, interagem comas tecnologias de forma diferenciada, isto é,escutam música, vêm televisão, estudam, usamo computador, batem papo nos chats, fazem tudoao mesmo tempo, exigem, portanto, interativi-dade.

3 Narciso e Expert foram nomeados de acordo com suashistórias de vida e os demais indicaram os nomes que gos-tam de utilizar.4 Expressão utilizada por Rushkoff (1999) para referir-se àgeração que nasceu a partir da década de oitenta, depois docontrole remoto, joystick, mouse, etc...

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Jogos eletrônicos e violência: um caleidoscópio de imagens

Em palestra realizada no II Encontro de Edu-cação a Distância em Salvador, em novembrode 2003, o professor Nelson Pretto denominouessa geração de ALT/TAB, exatamente por pos-suir essa mobilidade de interagir com diferentesjanelas no computador. A ação ALT/TAB permi-te ao usuário acessar as janelas que vêm traba-lhando e estão momentaneamente minimizadas.

No que se refere à jogabilidade dos games,os sujeitos da pesquisa identificam, em algunstítulos, a exemplo do Counter Strike5, uma belezaestética nas diferentes telas que apresentamações violentas e o desenvolvimento deestratégias e habilidades presentes nesse tipode jogo. Percebe-se, então, que essa interaçãopode estimular a construção de novas possibili-dades cognitivas, acionadas quando os players6

são desafiados.Quanto ao nível de sociabilidade promovido

pelos jogos eletrônicos, o discurso dos sujeitosenfatizou a experiência de jogar com outros par-ceiros e adversários. Essa possibilidade permitecriar novas estratégias e intercambiar soluçõespara os desafios, tanto nos games que envolvemapenas dois jogadores por jogada, como naquelesque podem ser jogados com múltiplos usuários,nos quais, as trocas podem acontecer em ummesmo espaço geográfico ou na rede Intranetou Internet.

Caótico, Expert, Conan e Tony são sujeitosque compreendem os jogos como possibilidadesde fazerem amigos, de serem aceitos, de esta-rem dentro de um grupo, pertencerem a umatribo, criarem vínculos, enquanto Narciso prefe-re jogar sozinho.

Embora os jogos de videogame não permitammais que dois sujeitos por vez (com raras exce-ções), os gamers entrevistados encontram for-mas de socializar as partidas, os jogos, o que,além de potencializar uma variedade de aventu-ras, lhes permite estabelecer relação entre asdiferentes plataformas.

Neste movimento, quem sabe mais ensinaao que, momentaneamente, sabe menos, o queconstitui uma demanda nos jogadores de apren-derem uns com os outros, num processo detrocas coletivas com os pares, atuando dessaforma na Zona de Desenvolvimento Proximal

dos sujeitos envolvidos (VYGOTSKY, 1994).Esses aspectos são intensificados nos jogos emrede, como o Counter-Strike, e nos jogos on-line, a exemplo do Quake.

RPG, leitura, escrita e novas possi-bilidades narrativas7

Foi possível perceber que a compreensãoda escrita como uma técnica cognitiva que pos-sibilita a sistematização das idéias, para seremsocializadas e registradas enquanto uma produ-ção do sujeito, foi ressignificada.

Os autores e atores redigem, escrevem empequenas telas, telas essas de batepapo, em queo texto não exige o “domínio” de uma escritamais elaborada, mas a rapidez e fluidez deinformações pontuais, que têm o objetivo desocialização, o que vem, cada dia mais, sinalizar

5 O Counter Strike (CS) é uma modificação (Mod) do jogoHalf-Life (HL), criado por Minh Le e Jess Cliffe, e é consi-derado pelos gamers como excelente, tendo recebido maisde dez prêmios concedidos por revistas e sites especializados,no período de 1999 a 2000. Baseado num programa desimulação de batalhas utilizado para o treinamento do Exér-cito americano, o game já foi baixado da Internet mais dedois milhões de vezes, desde seu lançamento. Dentro daclassificação de jogos eletrônicos, está na categoria comba-te (FRAGOSO, 1996).6 Players e Gamers são expressões utilizadas para se referiraos jogadores de games, sendo que a primeira também éusada para os jogadores de RPG (RolePlaying Game, signifi-ca “Jogo de Interpretação de Personagem”, ou “Jogo defaz-de-conta”).7 Nos últimos anos, tem crescido de forma significativa adiscussão em torno das possibilidades pedagógicas dos RPG.Existem atualmente várias listas de discussão, que reúnemjogadores de RPG, pesquisadores e especialistas que vêmdiscutindo as relações entre RPG e Educação. Merece desta-que a lista [email protected], que temcomo objetivo socializar os diferentes usos e aplicações doRole Playing Game, debatendo idéias e buscando encontrarsoluções e novas aplicações para os jogos de RPG, que podese constituir em uma ferramenta do trabalho pedagógico.Em setembro de 2004, foi realizado o III Simpósio RPG &Educação, que reúne jogadores e pesquisadores para discutiras questões pedagógicas relacionadas aos RPGs. http://www.simposiorpg.com.br/simposio.htm. Outra referênciasignificativa foi o trabalho de Andréa Pavão (2000): A aven-tura da leitura e da escrita entre mestres de role-playinggames. Atualmente vem sendo desenvolvido na UNEB -Departamento de Educação, o projeto de pesquisa EnsinoOn-line: trilhando novas possibilidades pedagógicas media-das pelos jogos eletrônicos, que enfatiza a lógica dos jogosde RPG, na modalidade Ensino a Distância. O projeto e ohipertexto produzido pelos bolsistas e pesquisadora encon-tra-se na URL: www.comunidadesvirtuais.pro.br/.

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a emergência de um outro código – uma escri-tura dinâmica.

Trata-se de uma escrita que se dá atravésde ícones e da incorporação de “imagens desíntese”, que são construídas com base em ummodelo que irá engendrar outras imagens alter-nativas, formando, assim, uma nova escrita, quemodificará profundamente nossos métodos derepresentação, hábitos visuais, modos de traba-lhar e de produzir, tocar os sentidos e criar umaimpressão física forte e envolvente. Esse surgi-mento de uma nova escrita pode ser denomi-nada de “ideografia dinâmica”, de acordo comLévy (1998), supondo infinitas interfaces ho-mem/máquina, o que se configura em uma tec-nologia intelectual de grande flexibilidade.

Esta escrita utilizada pelos “participantes en-trevistados” nas salas de bate papo, nos fóruns,nos blogers, também está repleta de imagens.E a imagem, como uma técnica cognitiva, possi-bilita ao leitor/escritor associações lineares enão-lineares, na medida em que organiza umalinguagem do pensamento com representaçõesdo inconsciente, no qual a concepção de temponão é linear e, sim, atemporal. Atemporal, por-que as imagens e conteúdos que permeiam essainstância psíquica não seguem a ordem seqüen-cial dos fatos ocorridos.

Os livros de RPG ocupam um lugar diferen-ciado no universo dos “participantes entrevis-tados”. Conan, que além de jogar, mestra aspartidas de RPG, sempre busca novas inspira-ções para as suas histórias nos livros, articulando,inclusive, o conteúdo literário da faculdade naqual estuda, com os enredos que cria nos jogos.

As narrativas das histórias dos games, prin-cipalmente dos RPGs, mobilizam Caótico, Co-nan e Narciso a buscar nesses jogos um con-junto de aspectos, que vão além da repetiçãode movimentos e comportamentos violentos.Estes sujeitos querem atuar e criar novas possi-bilidades de ação.

A violência e os jogos eletrônicos

Pude apreender que, para os entrevistados,o conceito de violência não se limita apenas àviolência física e estrutural. Existe um tipo de

violência que incomoda mais o grupo da pesquisa:a violência simbólica, principalmente, se ela vemdos seus pares ou de figuras parentais.

Os sujeitos acreditam que a violência é inatae, dessa forma, somos todos potencialmenteviolentos, cabendo à cultura o papel de noscontrolar. Assim, são ignorados os aspectos eco-nômicos, políticos, sociais e culturais que envol-vem a problemática da violência.

As informações coletadas durante pesquisa,mediante o discurso e as observações feitas en-quanto acompanhava os sujeitos nos jogos, apon-taram para a idéia dos jogos como espaço deressignificação e de catarse. Os autores e ato-res da pesquisa defendem o argumento de que ainteração com esses suportes tecnológicos temuma ação terapêutica, na medida em que o jogadorpode extravasar as suas energias e emoçõesreprimidas, desviando, assim, esses sentimentosdo seu semelhante. Dessa forma, o sujeito liberao stress através da participação vicária.

Os “participantes entrevistados” ilustravamessas conclusões com exemplos do seu coti-diano, nos quais, muitas vezes, o simples fatode jogar fazia com que se sentissem aliviados,ratificando, assim, as premissas da teoria dacatarse, tanto no que se refere à psicologia(SANTOS, 2003; LAPLANCHE e PONTA-LIS, 1992) quanto à área de comunicação (SÍL-BERMAN e LIRA, 2000) que, ao estabelecerinterlocução com essa concepção, descarta osefeitos nocivos das mensagens das mídias.

Narciso defende claramente a concepçãode que os jogos o tornaram mais violento, namedida em que associa o seu nível de agressivi-dade ao seu contato com os jogos desde ainfância. Porém, uma análise detalhada da suahistória é suficiente para percebermos queexistem questões de ordem afetiva relacionadasa sua estrutura familiar que potencializam o seucomportamento agressivo, manifestado maisfortemente na sua relação com os objetos,principalmente, os suportes e periféricos dosvideogames, como, por exemplo: joystick, Cd-rom, o próprio videogame; cada vez que sedefronta com a perda, os destrói.

Logo, confirma-se a proposição de que aviolência emerge muito mais como uma lingua-

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Jogos eletrônicos e violência: um caleidoscópio de imagens

gem, uma forma de dizer, que marca questõesafetivas (desestruturação familiar, ausência delimites, etc) e sócio-econômicas (queda do poderaquisitivo, desemprego, etc...). No caso de Nar-ciso, este dado foi confirmado, ao narrar a suatrajetória de vida, na qual pontua sua difícilrelação com o pai, a fuga para as drogas, o pro-cesso de depressão em que vive imerso e o leva,muitas vezes, à perda do sentido da vida.

Tais comportamentos registram a necessi-dade da mediação dos adultos na vida dosjovens, que precisam ser aceitos. Esse processode aceitação, quando não intermediado, podelevar a comportamentos transgressores, comoutilização de drogas, vandalismos, inserção emuma cultura diferenciada do seu grupo, como éo caso de Caótico8, enfim, atos que os distan-ciam dos adultos ou marcam um outro lugar eos aproximam dos seus pares.

Portanto, a violência apresentada, nestes su-portes tecnológicos, favorece um efeito terapêu-tico que possibilita aos sujeitos uma catarse, namedida em que canaliza os seus medos, desejose frustrações para o outro, para os personagensque permeiam o universo de imagens dos games.Os gamers se identificam, ora com o vencedor,ora com o perdedor das batalhas. Vista dessaforma, a violência passa a ser considerada deforma construtiva, como motor propulsor dodesenvolvimento desses indivíduos. Nessesentido, os jogos se constituem em espaços deelaboração de conflitos, medos e angústias.

Logo, é possível dizer que, por meio dasimagens ficcionais e reais, o sujeito, através dosjogos, realiza os seus desejos e necessidadesafetivas, visto que pode projetar idéias e fan-tasias, em que a tela atuaria como um espelhoque possibilita um novo espaço (virtual) paraaprender a viver. O sujeito passaria a se consti-tuir através de uma “linguagem da tela”, emque intercambiaria significantes e em que cadaum deles é uma multiplicidade de partes, frag-mentos e conexões.

Assim, na perspectiva desses jovens, os jogosfuncionam como uma válvula de escape, libera-dora de questões intrínsecas aos sujeitos e queprecisam ser resolvidas.

Isso promove um efeito catártico para aagressividade existente em todos nós, ocupando

as horas de prazer e lazer como um meropassatempo, portanto, não sendo encaradoscomo uma compulsão. Embora os “participantesentrevistados” joguem diariamente, no caso es-pecífico deste grupo, isso não se constitui emuma compulsão, uma vez que eles desenvolvemoutras atividades sociais, nas quais os jogos nãoentram em cena. Jogam para relaxar, para co-meçar um novo dia, para deixar fluir as emoções.

Os sujeitos da pesquisa, em nenhum mo-mento, fazem a transposição do universo ficcio-nal dos jogos para o seu cotidiano; pontuam,inclusive, que aqueles que o fazem apresentamalgum distúrbio psíquico.

Em consonância com as idéias dos autores eatores da pesquisa, ratifico o meu posicionamentoanterior de que os jovens que fazem a transpo-sição da tela, do virtual para o real, utilizam alinguagem da violência como uma forma de dizeralgo, apontando aos adultos questões de ordememocional, social, cultural e econômica. Estessujeitos podem estar a demandar uma atençãomaior dos seus pais e ou pares e buscam expe-rimentar situações de risco no intuito de (re)sig-nificar o seu lugar enquanto sujeito.

É importante ressaltar que os autores e atoresda pesquisa, em nenhum momento, se mostra-ram violentos e que não apresentam em suashistórias dados que os coloquem nesse lugar.

Isso confirma a idéia de que não devemosproibir os jovens de jogarem games violentos,mesmo porque as narrativas dos jogos estão setornando mais complexas e ampliam aspossibilidades de interatividade, palavra-chaveno discurso desses sujeitos9.

Todos eles enfatizam a importância de veros resultados, de se aproximar do real; são fasci-nados pelo universo do jogo que, dentre os su-portes tecnológicos existentes, é o que mais pos-sibilita a imersão em outros mundos.

8 Caótico é gótico e o seu nickname emerge a partir dajunção das expressões que designam a cultura gótica e acultura do caos.9 Para Murray, “quanto mais construtivo for o ambiente dahistória, mais oportunidades oferecerão para ser algo maisque a repetição de padrões destrutivos. O objetivo dos am-bientes maduros de ficção não é de excluir o materialantisocial, senão incluí-lo de modo que o usuário possaenfrentá-lo, dando-lhe forma e trabalho” (1999, p.184).

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Esses jogos atraem diferentes níveis gera-cionais porque estimulam a competição, o desa-fio de vencer a máquina e o outro, o que, muitasvezes, pode se constituir em uma experiênciaexcitante que promove níveis de dificuldade nasdiferentes fases do jogo. Um exemplo interes-sante é a famosa derrota, em 1997, de GaryKasparov – campeão mundial de xadrez – peloprograma Deep Blue. Contudo, não se trata deresgatar a dicotomia homem/máquina, mas depensar que existe ainda uma dificuldade, emespecial da imprensa, em compreender que essarelação não é mais de disputa, na qual existeum lado que domina e outro que obedece, o quereifica a máquina. O homem não abre mão desua autonomia e controle das coisas, o que tornadistante a situação retratada no filme clássicoda ficção científica da década de 60, 2001 –Uma Odisséia no espaço10, no qual o compu-tador Hall assume o controle da nave e dostripulantes e simboliza a primazia da máquinasobre o homem. Ou ainda, numa versão maisatualizada, o exemplo de Matrix11 ou a animaçãoMetropolis12. A eterna dicotomia homem/máqui-na perde seu significado neste início de um novomilênio. Os meios tecnológicos de comunicaçãoe informação assumem, assim, o papel de rearti-culadores e reorganizadores de toda a socie-dade. A imaginação, em contraponto com arazão da era antropocêntrica, passa a predo-minar e os ícones assumem um papel relevante;os conhecimentos construídos no mundo darazão são rearranjados pelos meios de comuni-cação, podendo desaparecer ou sofrer colora-ções diferentes. Caótico, por exemplo, quandonos traz a “mente digital”13, sinaliza uma com-preensão da técnica que não se limita à extensãoda mente humana.

O que os sujeitos desejam é se sentireminteratores do processo, falantes e não-falantese, ao mesmo tempo, obter respostas imediatas,utilizar a tela do computador, da TV e/ou dasmáquinas de jogos eletrônicos como um espaçopara novas formas de escrever o mundo, o quecaracteriza, assim, uma dimensão comunitária,baseada na reciprocidade, o que permite acriação e interferência por parte dos indivíduos(MACHADO, 2002).

Os atores e autores da pesquisa imergemno mundo dos games e da rede mediados poravatares14, que permitem o exercício do faz-de-conta e uma maior interatividade, possibilitama aprendizagem, a comunicação, o estabeleci-mento de novos vínculos, relacionamentos,desenvolvem habilidades motoras, lingüísticase sociais e potencializam a construção de novosolhares, significados e significantes para a socie-dade na qual estão inseridos. Essas múltiplaspossibilidades dos games tornam possível apren-der diferentes conteúdos, caracterizando esseagenciamento sociotécnico como um novo espa-ço de aprendizagem que se constitui em espaçodo saber vivo, real, exigindo o rompimento coma linearidade que ainda se institui na sala deaula convencional, com práticas pedagógicaspautadas no paradigma moderno.

10 Título original: 2001: A Space Odyssey. Tempo de Dura-ção: 148 minutos. Ano de Lançamento (Japão): 1968. Di-reção: Stanley Kubrick. Com Keir Dullea e Gary Lockwood,William Sylvester, Daniel Richter, Douglas Rain, MargaretTyzack, Leonard Rossiter Robert Beatty e Sean Sullivam11 Título original: THE MATRIX Reloaded. Direção: Larrye Andy Wachowski. Com: Keanu Reeves, LaurenceFishburne, Carrie Anne-Moss, Jada Pinkett-Smith, HugoWeaving, Monica Belucci. Estados Unidos, 2003, duração:138 minutos.12 Título Original: Metropolis. Tempo de Duração: 90 minu-tos. Ano de Lançamento (Japão): 2001. Direção: Rintauro.Roteiro: Katsuhiro Otomo. Fotografia: August Jakobsson.Vozes: Yuka Imoto, Kei Kobayashi, Kohki Okada.13 No que se refere ao papel ocupado pelos jogos, Caóticoafirma: “O videogame é, acima de tudo, o contato com olúdico, mas o lúdico traz contribuições. Assim, uma coisaque muita gente fala é que os jogos desenvolvem o pensa-mento lógico e a inteligência. Porque, no computador, vocêesta interagindo com uma mente digital, vamos dizer assim,que oferece algum desafio e, às vezes, é bastante inteligen-te. Tem esse contato com o lúdico e tem o desenvolvimen-to da inteligência.“14 Os avatares se caracterizam como uma persona virtual,assumida pelos participantes de jogos e de diferentes comu-nidades virtuais, “... que inclui uma representação gráfica deum modelo estrutural de corpo (presença de braços, tentá-culos, antenas, etc.), modelo de movimento (o espectro demovimento que esses elementos, juntos, podem ter), mode-lo físico (peso, altura, etc.), e outras características. Umavatar não necessita ter a forma de um corpo humano, podeser um animal, planta, alienígena, máquina, ou outro tipo e/ou figura qualquer. Alguns sistemas interativos no ciberes-paço, que incorporam o conceito de avatar, foram criados apartir de 1995, em função da tecnologia VRML VirtualReality Modeling Language), e são conhecidos como MUD(Multi-Users Domains). São espaços virtuais onde estabele-cemos contatos sensoriais com outros indivíduos, de dife-rentes partes do mundo, que estão se transformando tam-bém em palco de experimentações artísticas (PRADO; AS-SIS, [2001-]).

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Jogos eletrônicos e violência: um caleidoscópio de imagens

Diante do exposto, pude aprender e apreen-der, através do processo de investigação, que ainteração com os jogos eletrônicos consideradosviolentos não geram comportamentos semelhan-tes. Essas atitudes estão relacionadas a outrosaspectos como, por exemplo: questões de ordemfamiliar, afetiva e socioeconômica, a exemplodas histórias de Expert15 e Narciso, que sinaliza-ram dados importantes do relacionamentofamiliar que podem estar refletindo no comporta-mento dos “participantes entrevistados”.

Logo, a agressividade que emerge na dinâ-mica dos jogos atua de forma construtiva, namedida em que possibilita aos sujeitos ressignifi-carem as suas insatisfações e, portanto, exercemum efeito catártico, um potencial dos games,que se constituiu num dos aspectos mais enfati-zados pelos sujeitos da pesquisa.

Outro dado importante refere-se a espetacu-larização e à estetização das imagens violentasapresentadas nos jogos eletrônicos, que podemlevar a uma banalização da violência, tornandonecessária a mediação de outros sujeitos parafomentar a discussão acerca do que está sendovisto. No discurso dos sujeitos, foi possível per-ceber que esse universo imagético não é vistode forma maniqueísta, isto é, as imagens violen-tas são naturalizadas. Tal constatação me reme-teu ao filme A Primeira Vista16, no qual o prota-gonista, cego, ao fazer uma cirurgia e voltar aenxergar, se depara com imagens nada belasdo cotidiano, como a miséria dos pedintes. Taiscenas o incomodam e fazem com que questioneo fato de a mocinha da história passar pela calça-da sem demonstrar nenhum tipo de constrangi-mento e avaliar a importância de enxergarcenas tão violentas e ficar indiferente. Tratava-se de uma violência que tem causas estruturais.

Cenas como essas se repetem em váriosmomentos do nosso dia-a-dia, seja presencial-mente, seja através das inúmeras telas queinundam o nosso universo.

No que se refere à aprendizagem, os “parti-cipantes entrevistados” confirmaram que é pos-sível aprender e construir conceitos cognitivos,afetivos e sociais na interação com os jogoseletrônicos, principalmente, os classificadoscomo de simulação, a exemplo dos jogos da sérieSim (SimCity, SimLife, SimAnt, SimHealth e

The Sims)17, nos quais o jogador deve desen-volver novas formas de vida, gerir sistemaseconômicos, constituir famílias, enfim, simularo real, antecipar e planejar ações, desenvolverestratégias, projetar os seus conteúdos afetivose sociais. Como não tem regras rígidas, essesgames admitem a emergência de vários estilosde jogos singulares, construindo uma narrativabem particular, idiossincrática. Nesses enredos,é possível projetar questões particulares dosenvolvidos nos games, ressignificando-as, istoé, tornando-se autor e ator de suas histórias,como, por exemplo, o caso de Conan que sempretrazia para a trama aspectos do seu cotidiano.

Os jogos de RPG, em especial, tambémpermitem uma riqueza pedagógica que deve serexplorada; a constituição de clans ou clãs permi-te a troca de novos conhecimentos nos diferen-tes níveis, o que fomenta a criação de comuni-dades virtuais que intercambiam diferentessaberes (RHEINGOLD, 1997). Estas tendema se tornar permanentes, mesmo depois do tér-mino das partidas, o que as torna espaços quepossibilitam aos seus gamers, players a partilhade algo importante. Essa magia não implica,necessariamente, em especial, no caso dos su-jeitos dessa pesquisa, na transposição das reali-dades apresentadas na tela para a vida real, istoé, os conteúdos violentos são vivenciados dentrodo enquadre do jogo, sem nenhuma repercussãono dia a dia.

As conclusões aqui apresentadas foram fun-damentadas no discurso dos sujeitos da pesquisa,na interlocução com os autores e na imersãono locus dos jogadores.

Ressalto que os autores e atores, ao longoda pesquisa, passaram por um processo de me-

15 Refiro-me ao seguinte episódio narrado por Expert: “Eu jáfui vítima de violência. Eu já fui assaltado, mas eu conseguirecuperar. Eu não me dei por vencido e fui atrás dele. E eupergunto: Você não teve medo? Ele não estava armado? E eleresponde: não. Eu estava com raiva. Ele estava com a faca,ele levou meu boné. Aí eu esperei ele. Eu estava de bicicleta.Aí eu esperei ele sair um pouquinho, foi na orla, passei namenina do caldo de cana e pedi o facão como se fosse parapuder ajeitar alguma coisa, sentei na bicicleta e fui atrás dele.”16 Título Original: At First Sight. Tempo de Duração: 129minutos. Ano de Lançamento (EUA): 1999. Direção: IrwinWinkler. Com Val Kilmer, Mira Sorvino e Kelly McGillis.17 O primeiro e o último são mais conhecidos no Brasil ecitados pelos entrevistados.

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Recebido em 11.09.04Aprovado em 24.10.04

tamorfose em suas ações e narrativas, o quepermitiu adentrar no seu universo, atenta parao fato de que, cada vez que olhava o caleidos-cópio constituinte dos sujeitos, ele tinha uma

nova configuração, visto que o cotidiano dessessujeitos tinha dinamicidade e permitia uma apro-ximação das suas vidas. Vidas e histórias que,como no caleidoscópio, se entrecruzavam.

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004 375

Siddharta Fernandes; Marco Silva

RESUMO

A pesquisa investigou a utilização pedagógica do rádio online em uma escolade ensino médio, sob o ponto de vista da direção, da coordenação, deprofessores e de alunos. O estudo desenvolveu-se em uma escola particulardo Rio de Janeiro. O referencial utilizado reúne o tratamento da ciberculturade Lévy, as dinâmicas da sociedade em rede segundo Castells, a teoria dainteratividade em Silva e em Marchand e o mapeamento da aprendizagemcooperativa tal como foi estruturado por Barros e Maçada & Tijiboy. Essereferencial permitiu definir linhas de atuação do pesquisador e bases paraintervenção no cenário escolar. A opção pela pesquisa-participante contoucom entrevistas, produção e avaliação coletiva de programas de uma rádio,envolvendo alunos, professores e representantes da direção da escola. Essesagentes participaram de todas as etapas do projeto. As conclusões mostramque a utilização pedagógica da rádio online traz para os alunos a percepçãoda importância de sua participação ativa e colaborativa nos processosdecisórios da escola. Para a direção e professores significou possibilidade demodificação da postura comunicacional vigente em favor da aprendizagemcooperativa.

Palavras-chave: Educação – Rádio online – Interatividade – Trabalhocooperativo

ABSTRACT

TO SET UP AN ONLINE RADIO IN SCHOOL: INTERACTIVITYAND COOPERATION IN A LEARNING ENVIRONMENT

Our research investigated the pedagogical use of an online radio in a privatehigh school in Rio de Janeiro from the direction’s, teachers’ and student’s

CRIAR E DESENVOLVER UMA RÁDIO ONLINE NA ESCOLA:

INTERATIVIDADE E COOPERAÇÃO NO

AMBIENTE DE APRENDIZAGEM

Siddharta Fernandes ∗

Marco Silva ∗∗

* Mestre em Educação pela Universidade Estácio de Sá. Professor adjunto e Coordenador do Curso de Matemática daUniversidade Estácio de Sá. Endereço para correspondência: Colégio Teresiano, Rua Marquês de São Vicente, 331,Gávea – 22451.041 Rio de Janeiro/RJ. E-mail: [email protected]** Sociólogo, doutor em educação pela USP, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UniversidadeEstácio de Sá – UNESA, e da Licenciatura da UERJ – Universidade do Estado de Rio de Janeiro. Autor dos livros Salade aula interativa. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Quartet, 2003; e Educação online (Org.). São Paulo, SP: Loyola, 2003.Endereço para correspondência: Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá. Av. Presidente Vargas, 642, 22ºandar, Centro – 20071.001 Rio de Janeiro/RJ. E-mail: [email protected] - site: www.saladeaulainterativa.pro.br

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004376

Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambiente de aprendizagem

Introdução

Usamos as tecnologias das mídias para com-partilhar uma experiência ao invés de criarmosuma experiência compartilhada... É a diferençaentre passividade e participação, falar e conver-sar. (SCHRAGE, 1995, p.23)

Criar uma rádio na escola parece bastanteinacessível devido a questões legais e operacio-nais, a começar pela liberação da concessãogovernamental para a radiodifusão, do custo dosequipamentos de emissão e recepção e da capa-citação técnica do pessoal. Mas, com a evolu-ção tecnológica ocorrida no final do século XX,hoje é possível implantar uma rádio onlineidealizada e desenvolvida por todos os envolvi-dos no processo de aprendizagem – alunos,professores, pais e funcionários. Uma rádio vei-culada na Internet extrapola o modelo de trans-missão próprio da tradicional mídia de massa eda secular pedagogia da transmissão. Ademais,estimula a interatividade e a criação cooperativano ambiente escolar.

A utilização pedagógica das mídias não énovidade. Pesquisas1 indicam que a inter-rela-ção entre a Comunicação e a Educação ganhoudensidade própria, criando um campo de inter-venção social específico denominado de “educo-municação”. Segundo Soares (1999, p. 9):

Trata-se de um conjunto de práticas quepropiciam a introdução dos recursos da infor-mação no ensino, não apenas como instrumen-

tos didáticos (tecnologias educativas) ou objetode análise (leitura crítica dos meios), mas,principalmente, como meio de expressão e deprodução cultural.

Essa inter-relação se potencializa com a atualorganização sócio-técnica engendrada pelo ci-berespaço que fez surgir comunidades virtuais,em que as relações humanas privilegiam ocompartilhamento do saber como interatividade.Trata-se de um novo investimento na produçãode saberes, de um novo ambiente favorável àparticipação colaborativa.

Pensar a educação no ciberespaço significa,então, pensar estratégias que nos levem à parti-cipação colaborativa. Mas a que estratégias es-tamos nos referindo? A direção mais promisso-ra, que traduz a perspectiva de interatividade noambiente escolar é a do aprendizado cooperativo.Professores e estudantes, juntos, explorando osrecursos materiais e informacionais à sua dispo-sição, constroem comunicação e aprendizagem.Os professores, abertos às diversidades, navegam(e muitas vezes aprendem) ao mesmo tempo emque os estudantes atualizam continuamente seussaberes “disciplinares” e do cotidiano, mobilizandocompetências pedagógicas: a observação, a sele-ção, o registro, a interpretação, a análise, a síntese.

perspective. The theoretical framework is based upon Lévy’s cyberculture,Castells’ network society dynamic, Silva and Marchand’s theory of interactivityand, Barros and Maçada & Tijiboy’s mapping of cooperative learning. Thisframework enabled us to define action lines as a researcher and basis forintervention in the scholar scene. We have chosen a participating research inwhich we used interviews, production and collective evaluation of a radioprogram, implying students, teachers and representatives from the schooldirection. All of them have participated to all the stages of the research. Weconclude, showing that the pedagogical use of an online radio, led the studentsto perceive the important of their active and collaborative participation in thedecisional process within the school. In the case of the school direction, theproject signified a change from the traditional communicational position in favorof cooperative learning.

Keywords: Education – Online radio – Interactivity – Cooperative work

1 Citamos, por exemplo, as pesquisas realizadas pelo NCE –Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comuni-cações e Artes da Universidade de São Paulo – coordenadaspelo Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares, sobre a Comunica-ção Educativa e Educação para os Meios de Comunicação.

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Siddharta Fernandes; Marco Silva

O processo de cooperação entre os sujeitospossibilita intercambiar pontos de vistas, conhe-cer e refletir sobre diferentes questionamentos,refletir sobre seu próprio pensar, ampliar comautonomia sua tomada de consciência para bus-car novos rumos. Estamos falando da dinâmicaeducacional que supera os sistemas apegadosa noções como centro, margem, hierarquia,linearidade, substituindo-as pela multiplicidade,por nós, nexos e rede.

Barros (1994) reforça o caráter cooperativoda rádio online quando identifica a cooperaçãocomo um fenômeno que envolve vários proces-sos: comunicação, negociação, coordenação,co-realização e compartilhamento. Processosque constituem e caracterizam a proposta daRádio online.

Na figura 1, Maçada e Tijiboy (1998, p.7)relacionam as características da postura dossujeitos em um ambiente cooperativo. Todasessas características são fundamentais para aatitude cooperativa. Mas, segundo as autoras,

a interação é o elemento básico e inicial de todoo processo, determinante da forma de comunica-ção. Elas reforçam, como os outros teóricos, aimportância de se estabelecer na postura coope-rativa relações heterárquicas entre os sujeitos,conforme ilustrado na figura 2. Relações quepermitam a tomada de decisão em grupo deforma consensual e não imposta de cima paraabaixo ou de um(s) sobre o(s) outro(s). Ou seja,que promovam uma consciência social em queestão presentes a tolerância e convivência comas diferenças dos membros do grupo.

Nesse modelo, desfaz-se a idéia de centroemissor que dita uniformizações para uma recep-ção massiva e passiva. Surge a comunicação inte-rativa que propõe o diálogo, a seletividade, a va-riedade, a conectividade, a bidirecionalidade e aintervenção na mensagem aberta à operatividadee à autoria criativa.

Pode-se dizer que um novo cenário comuni-cacional ganha centralidade com a cibercultura.Ocorre a transição da lógica da distribuição

Colaboração

Tomada de decisãoem grupo

ObjetivosComuns

Trocas e conflitossócio-cognitivos

Consciênciasocial

ReflexãoIndividual/Social

Construção de umainteligência coletiva

Tolerância e convi-vência com diferenças

Ações conjuntase coordenadas

Responsabilidade do aprendizpelo seu aprendizado

e pelo do grupo

Descentralizaçãodo pensamento

Relaçõesheterárquicas

(1) Postura Cooperativa

(2) Estrutura do ambiente

Figura 1 – Postura cooperativa

Interação(constante negociação)

(3) Funcionamento Heterár-quico do Ambiente

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Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambiente de aprendizagem

(transmissão) para a lógica da comunicação (inte-ratividade). Isso significa modificação radical noesquema clássico da informação baseado naligação unilateral emissor-mensagem-receptor:• O emissor não emite mais, no sentido que

se entende habitualmente, uma mensagemfechada, oferece um leque de elementos epossibilidades à manipulação do receptor.

• A mensagem não é mais “emitida”, não émais um mundo fechado, paralisado, imutá-vel, intocável, sagrado, é um mundo aberto,modificável na medida em que responde àssolicitações daquele que a consulta.

• O receptor não está mais em posição de re-cepção clássica, é convidado à livre criação,e a mensagem ganha sentido sob sua inter-venção (MARCHAND, 1986).Trata-se, portanto, de mudança paradigmá-

tica na teoria e pragmática comunicacionais. Amensagem só toma todo o seu significado sob aintervenção do receptor que se torna, de certamaneira, criador. Enfim, a mensagem que agorapode ser recomposta, reorganizada, modificadaem permanência sob o impacto das intervençõesdo receptor dos ditames do sistema, perde seu

estatuto de mensagem emitida. Assim, parececlaramente que o esquema clássico da infor-mação, que se baseava numa ligação unilateralou unidirecional emissor-mensagem-receptor, seacha mal colocado em situação de interati-vidade.

Mas essa perspectiva educacional ainda estámuito distante da prática educacional atual. Nogeral, as experiências que aproximam educaçãoe comunicação não colocam educadores ealunos como potenciais produtores de suaspróprias aprendizagens, mas, sim, como merosconsumidores das informações de fontes fecha-das, separando emissão e recepção – livro, jornal,vídeo, rádio analógica.

O professor, muitas vezes, atribui às mídiasfunções como ilustrar, introduzir o tema ou trans-mitir um conteúdo. Não vislumbra a possibilidadede promover a discussão, de criar espaços inte-rativos para a aprendizagem cooperativa.

A Rádio online surge como uma possívelestratégia para se estabelecer a comunicaçãointerativa no ambiente educacional. Baseada emum trabalho cooperativo, na interatividade entreos participantes e no compartilhamento de idéias

Figura 2 – Relações heterárquicas

Autonomia na tomadade decisão

(3) Funcioamento Heterárquicodo Ambiente

(2) Estrutura doambiente(1) Postura Cooperativa

Feed-back (todos-todos)Organização legitimada

pelo grupo

Reorganização de acordocom a necessidade do grupo

Avaliação continuada

Organização da dinâmica

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Siddharta Fernandes; Marco Silva

e de propostas, a Rádio online apresenta-secomo uma mídia em que os alunos se sentemparte importante e ativa do processo de comu-nicação e, com isso, passam a assumir uma pos-tura de responsabilidade com relação a sua pró-pria aprendizagem e a do grupo como um todo.Isso nos leva a uma proposta de ruptura do modeloeducacional tradicional baseado na transmissãolinear de conteúdos disciplinares, em que seseparam emissão e recepção. Ou seja, o rádiocomo um espaço privilegiado para o aluno con-viver com outros sujeitos (alunos, professores,pais, ...) através de relações que estimulem acooperação e o respeito mútuo, ao invés derelações baseadas no prestígio e na autoridadehierárquica e unidirecional próprias do ambienteescolar tradicional.

A comunicação interativa

A origem do termo comunicação (communi-care) nos remete a “tornar comum”. Mas o atode tornar comum pode ser um ato individual oucoletivo, pode ser algo transmitido ou construído.Com relação a essa diversidade de sentido, Salo-mon (1981) propôs a distinção de eventos em:informativos (transmitem aos sujeitos fatosrelacionados ao próprio evento) e comunicacio-nais (abertos ao diálogo, a intervenções dossujeitos). Nos eventos informativos, encontram-se as mídias de massa: o rádio, a televisão, aimprensa e o livro. Por outro lado, o carátercomunicacional existe “sempre e quando duaspessoas interagem e, intencionalmente ou não,negociam o significado de um determinadofenômeno” (PEARSON; TODD-MANCIL-LAS, 1993, p.29).

As distinções entre as duas modalidadesencontram-se na elaboração da mensagem, nasua forma de disponibilização e na sua leitura.Na modalidade comunicacional, na qual a Rádioonline se insere, cada leitura torna-se um atode escrita. Cada pessoa torna-se uma emissora,o que, obviamente, não acontece nas mídias demassa. Essa diferença na postura dos espec-tadores faz surgir uma tipologia sobre o uso dosdispositivos de comunicação. Há um tipo em

que não existe interatividade porque tem umcentro emissor e uma multiplicidade de recep-tores. Esse primeiro dispositivo chama-se “Um-Todos”. Um segundo dispositivo é o tipo “Um-Um”, que pode ser interativo, mas que não temuma emergência do coletivo da comunicação,como é o caso do uso do telefone. O ciberespaçointroduz um terceiro tipo: o interativo que supõeum mais comunicacional na perspectiva do“Todos-Todos” e de uma inteligência coletiva(LÉVY, 1994a).

A inteligência coletiva desfaz a polaridadeentre um centro emissor ativo e receptores pas-sivos. A imagem, o som e o texto surgem comocampo aberto de possibilidades diante da açãoexploratória do usuário. Essa plasticidade, sus-tentada pelas tecnologias comunicacionais – ahipermídia e as redes digitais – funda o novoambiente comunicacional interativo.

A comunicação interativa aparece no ci-berespaço em diversos momentos. Os canaisde bate-papo (chat) são um exemplo. Cada umentra na sala que mais lhe interessa, na horaque deseja, com a identidade que quiser semostrar. Conversa em grupo ou individualmente,em tempo real. Vale destacar que, nas salas dechat, todos podem “falar” com todos simulta-neamente, sempre de acordo com a sua escolha.É a essência da comunicação interativa.

A construção dos programas da Rádio on-line é mais um exemplo da comunicação inte-rativa, agora no ambiente educacional. E, paraampliarmos a discussão sobre as possíveis mu-danças na escola com a comunicação “todos-todos”, trazemos a redefinição da mensagem,do emissor e do receptor proposta por Silva(2000, p.73). O autor propõe as seguintes dis-tinções no Quadro 1.

Assim, para se situar dentro da lógica comu-nicacional, o rádio tem que pressupor a mensa-gem como fruto da recursão entre a emissão erecepção, um processo compartilhado de codifi-cação e decodificação. E, para ter o cunho edu-cacional, tem que se basear na flexibilidade, emrelação tanto aos conteúdos quanto às formasde apresentação, à organização, ao momentode acesso, à definição do ambiente da aprendi-zagem e à constituição do grupo humano com o

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Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambiente de aprendizagem

qual se trabalha. Uma mídia pouco formalizada,porém muito estruturada quanto às possíveissituações de aprendizagem.

Essas características fazem do ciberespaçoo ambiente favorável para o rádio se re-configu-rar. O ciberespaço propõe uma ruptura ao mo-delo unidirecional. Funda-se na busca da bidire-cionalidade: a liberdade de expressão, de experi-mentação e, particularmente, o questionamentoà manipulação exercida pelas mídias unidire-cionais.

Para ilustrar o grau de comprometimento dorádio online com a bidirecionalidade, vemos emLévy (1999, p.82) alguns indícios dos quaisdestacamos: as possibilidades de apropriação ede personalização da mensagem recebida, sejaqual for a natureza dessa mensagem; a recipro-cidade da comunicação (a saber, um dispositivocomunicacional “Um-Um” ou “Todos-Todos”);

a implicação da imagem dos participantes nasmensagens.

A nossa proposta com esse trabalho é retor-nar ao rádio, agora online, a conotação comuni-cacional que favorece a troca entre os interlo-cutores. Troca no sentido da possibilidade deagir, de intervir sobre os programas. E, de certaforma, estabelecer uma conotação educacionalno sentido de favorecer o uso das mídias con-forme mudanças descritas no Quadro 2.

Assim visto, o rádio online delimita bem aaproximação entre a educação e a comunica-ção. Permite compreender o ensino e a aprendi-zagem como um único momento que envolveum processo de comunicação interativa. Issomuda a concepção de ensino-aprendizagemporque, com a interação, não se transmite algo,mas se produz coletivamente.

Quadro 2 – MODELOS DE RÁDIO

RadiodifusãoProgramas são escutados no momento em que arádio tocaAprendizagem sistemática, baseada na transmissãoe retenção de informações.Meio de divulgação.Aluno como reprodutor de informações.Reforça a fixação de conteúdos.

Programas curriculares.Produção externa ao grupo e centrada no meio.Utilização rígida.Foco na veiculação dos programas.

Rádio OnlineProgramas são escutados quando o ouvinte deseja.

Aprendizagem cooperativa, baseada na troca, na construçãodo conhecimento.Meio de produção cultural.Aluno como transformador de uma realidade.Permite a problematização da realidade e o desenvolvimentodo pensamento crítico.Programas temáticos construídos coletivamente.Produção centrada no interesse do grupo.Manipulável.Foco no processo de construção dos programas.

Quadro 1 – COMUNICAÇÃO

Modalidade unidirecional

MENSAGEM: fechada, imutável, linear,seqüencial.

EMISSOR: “contador de histórias”, narradorque atrai o receptor (de maneira mais ou menossedutora e/ou por imposição) para o seuuniverso mental, seu imaginário, sua récita.

RECEPTOR: assimilador passivo.

Modalidade interativa

MENSAGEM: modificável, em mutação, na medida em queresponde às solicitações daquele que a manipula.

EMISSOR: “designer de software”, constrói uma rede (não umarota) e define um conjunto de territórios a explorar; ele não ofereceuma história a ouvir, mas um conjunto intrincado (labirinto) deterritórios abertos à navegação e dispostos a interferências, amodificações.

RECEPTOR: “usuário”, manipula a mensagem como co-autor,co-criador, verdadeiro conceptor.

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Siddharta Fernandes; Marco Silva

Rádio GETUP, uma rádio online

Para aprofundar a investigação sobre a rela-ção Comunicação e Educação, optamos por de-senvolver uma pesquisa a partir da criação deuma rádio online em uma escola particularsituada no bairro de Jacarepaguá, na cidade doRio de Janeiro, que atende, aproximadamente,a 1.200 alunos do Ensino Fundamental aoEnsino Médio. O trabalho de campo foi realizadoentre os meses de abril e agosto de 2003.

Optamos pela pesquisa-participante, umavez que essa concepção de pesquisa colocacomo prioridade à participação dos envolvidos,prática condizente com a própria modalidadecomunicacional a ser engendrada coletivamente,acolhendo e potencializando os saberes afins jápresentes na ambiência pesquisada.

A nossa chegada à escola coincidiu com ummomento em que se iniciava uma reformulaçãoeducacional. Reformulação no sentido de buscarnovas diretrizes para a escola, de redefinir aatividade docente e de ampliar a participação dosalunos na sua aprendizagem. Ações que vão aoencontro da proposta deste trabalho e que nosfizeram sentir como participantes dessa reflexão.

Antes de propormos a construção de umamídia interativa como a Rádio online, fomosconhecer a visão da equipe docente sobre Co-municação. Deparamo-nos com o modelo queassocia comunicação a algo informativo. Naverdade, não é só a escola, mas a sociedadecomo um todo que vê as mídias tradicionais(jornal, televisão e rádio) como o principal canalde comunicação. Não enxergam a massificação,a uniformização a que estamos submetidos. Ena escola não é diferente. Nós, educadores,ainda não nos demos conta de que comunicaçãoé diálogo, é troca.

A criação da rádio envolveu a montagem deum “estúdio”. Para isso, a escola reservou umasala, ou mesmo o laboratório de informática,onde os alunos produziram o site, gravaram osprogramas e planejaram o trabalho. Utilizamosum, ou mais, computadores multimídia com pelomenos 128 Mb de memória RAM. Arquivos desom são grandes e requerem também umespaço em disco razoável.

Pode-se utilizar uma mesa de som, mas é op-cional. A mesa permite acoplar, simultaneamente,diversos dispositivos de entrada de som ao com-putador (microfones, gravador, mesa de efeitos,dentre outros) e, também, “brincar” com efeitoscomo eco, delay, distorção e outros. Mas os efei-tos podem ser inseridos através dos softwaresde edição. O editor que escolhemos chama-seSound Forge. A sua escolha deveu-se à riquezade recursos aliada à facilidade de operação.

Quanto à parte musical da rádio, deve serfeita em tecnologia streaming para evitar que se“baixe” todo o programa da rádio para escutá-lo. Assim, escuta-se o som enquanto o arquivo étransferido simultaneamente pela internet. Nãoprecisa fazer download. Os programas maisusuais no momento são Real Player (Real Áudio)e Media Player (Windows), disponíveis inclusiveem versões gratuitas no site do fabricante.2

Nossos encontros foram semanais com du-ração aproximada de três horas. Uma hora des-tinada ao planejamento do programa e duas horaspara a gravação. A equipe da rádio foi constituídainicialmente por um grupo de 24 alunos voluntáriosdo Ensino Médio. Como se trata de uma propostapedagógica, toda essa produção dos alunos deveser acompanhada por, pelo menos, um professor.Na escola em questão, esse acompanhamentoaos alunos foi assumido por uma Coordenadorae pela professora de Informática.

Grupo formado, momento então de se orga-nizar o que cada um vai fazer. Parte do grupoficou responsável por desenvolver o site darádio, e outra parte por produzir os programasa serem veiculados. Os conteúdos do site sãoreferentes aos programas, mas abordados comoutro enfoque, com uma outra linguagem. En-quanto na rádio predomina a linguagem oral, nosite, em geral, a informação encontra-se emforma de texto e imagem. Mas ambas as produ-ções, as páginas e os programas, compõem aRádio. Assim, devem ser elaborados, produzidose disponibilizados concomitantemente. E paraisso funcionar, somente com os grupos cami-nhando em conjunto.

2 Real Player – http://www.real.com/realone/?src=realplayerMedia Player – www.windows.com.br

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 375-384, jul./dez., 2004382

Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambiente de aprendizagem

Na equipe de produção do programa, ogrupo se subdividiu nas funções de locutores,repórteres, produtores e responsáveis pela edi-ção dos programas. O programa final é frutoda integração dos trabalhos de cada grupo. Nãopode ser visto como a união de esforços indivi-duais, pois temos o mesmo assunto discutido eapresentado por diversos enfoques diferentes.Idealizados para se complementarem.

Toda rádio, enquanto um veículo de comuni-cação, tem uma proposta (musical, editorial, etc),tem regras de funcionamento, tem uma “cara”.Na busca dessa identidade, público alvo, nome,marca (logo) e vinhetas, iniciam o processo decaracterização da Rádio. O público alvo foi fácildefinir: “adolescentes, como nós!”. Para a esco-lha do nome ficamos entre dois procedimentos:realizar um concurso envolvendo os alunos daescola ou fazer uma eleição entre os nomes su-geridos pela equipe da rádio. GETUP3 enqua-dra-se no segundo caso.

No geral, propomos a adoção de programastemáticos. Além de buscar a participação dosouvintes que conhecem ou se interessam pelotema escolhido, é uma oportunidade de abordaros conteúdos curriculares de uma forma maislivre, sem divisão disciplinar. Os conceitosaparecem naturalmente como algo presente emnosso dia-a-dia. Assim, tudo o que acontece naescola pode virar tema. Cabe à equipe da Rádioestar atenta a todos os acontecimentos na escola– projetos, eventos – para convidar os envolvidosa participarem da programação. É aí que entramos professores como estimuladores, dinamiza-dores e co-criadores de um espaço coletivo eeducativo que envolve a comunicação.

Os programas tiveram duração aproximadade vinte minutos para que pudessem tambémser executados durante os recreios dos alunos.A implantação de uma rádio online permitiu-nos registrar e investigar todos os aconteci-mentos durante o processo de criação: a apre-sentação da proposta à escola, a constituiçãoda equipe, a produção dos programas, asrelações entre os sujeitos.

O desenvolvimento da Rádio GETUP dispo-nibilizada no endereço eletrônico www. garriga.g12.br/radio/index.htm nos permitiu estudar as

implicações do rádio online nos processos edu-cacionais, mais especificamente, nos processosde ensino-aprendizagem que passam a se for-mar a partir da redefinição dos espaços e dalógica da interação educador/educando.

Em diversos momentos, observamos que aestratégia adotada para o desenvolvimento daRádio online privilegiou o diálogo: a escolha donome da Rádio, a definição dos temas dosprogramas, o planejamento do site, as músicastocadas nos programas, etc.

O diálogo encaminhou a discussão e a análi-se de todas as idéias levantadas pelo grupo.Para cada um dos itens da Rádio GETUP haviauma imensa diversidade de opções. Todos ti-nham voz ativa. Todos compartilharam da cons-trução e da sensação de posse da Rádio.

Apesar de ser uma atividade prazerosa, criara Rádio online foi mais do que uma brincadeira.Foi uma forma dos alunos fazerem amigos.Deles se aproximarem da escola. Isso fica muitoevidente quando uma aluna integrante da Rádioacrescenta:

A gente agora sente como se fosse da outra par-te do colégio, sabe.. A gente antes era os alu-nos....agora a gente chegou mais perto delesmesmo, sabe. A gente se aproximou um pouco.Ele [o diretor] agora tá diferente, quando encon-tra a gente... “e lá na rádio”, não sei o que... “euquero o meu programa, hein!” ... a gente vê opapel do diretor, aquele homem sério, e a gentepôde ver o outro lado, sabe, o brincalhão, né. Osprofessores também, agora te reconhecem,....agora a gente conversa.

Observamos a existência de separações fun-cionais na escola. Separações que estabelecemgraus de importância e de hierarquia. E, com odestaque obtido por participar da Rádio online,deixaram de ser somente “os alunos”. Destaqueque favoreceu não só o reconhecimento pelosprofessores, mas também como uma aberturaao diálogo como vemos em sua fala: “agora tereconhecem,.... agora a gente conversa”. Issonos leva a crer que precisou que elas fizessem

3 O nome GETUP foi escolhido, pois trazia a conotação deaprontar, de atiçar. Como descrito no dicionário inglês-português de Leonel Valandro (Editora Globo) sobre a ex-pressão inglesa get up.

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Siddharta Fernandes; Marco Silva

algo (nesse caso uma rádio) para que a escolalhes atribuísse uma identidade. Para que fossem“promovidas” e reconhecidas pelo diretor epelos professores.

Baseado nessas observações, podemos di-zer que a Rádio online favoreceu a mudançada postura dos alunos. Mudança no sentido deuma maior participação colaborativa no cotidianoescolar. Mudança nas relações que se estabele-cem entre os alunos e os demais sujeitos. Mu-danças na organização de um novo laço social,agora reunido em torno de centros de interessescomuns, com sua configuração singular, deli-neado pela própria coletividade, não mais de-marcada por questões territoriais ou por ques-tões de poder.

Apesar de a Rádio GETUP não ter concreti-zado uma mudança na postura dos professores,podemos observar que houve uma mudança nocentro de atuação: os alunos convidaram os pro-fessores a participar de uma atividade pedagó-gica. Verificamos que somente com dois pro-gramas a Rádio online rompeu com as situa-ções de aprendizagem centradas no interessedos professores. Os alunos convidaram o pro-fessor a participar de algo que eles queriamabordar, e da forma que achavam interessante.

Essa discussão nos permite concluir que aRádio online surge como uma possibilidade deabandonar a prática de “difusão dos conheci-mentos”, executada com uma eficácia maiorpor outras mídias de comunicação. Surge comouma possibilidade de o docente desenvolver emseus alunos o seu lado inventivo, a sua com-petência de aprender a aprender. Colaborati-vamente, como disse Lévy (1999), transformaro docente em um animador da inteligênciacoletiva dos grupos dos quais se encarregou.Centrar sua atividade no acompanhamento eno gerenciamento dos aprendizados, através daincitação ao intercâmbio dos saberes, da media-

ção relacional e simbólica, da individualizaçãodos percursos de aprendizado.

O processo de elaboração da Rádio onlinedespontou como uma possibilidade de seestabelecer o diálogo na escola. Essa constata-ção se deu no momento em que o Diretor daescola vislumbrou a possibilidade de o aluno “secomunicar, saber solicitar as coisas ou discutiras coisas, saber conversar com as pessoas,saber ouvir, (...) porque quando se tem umarádio, tem que ter muita troca na comunicação”.

Processo que nos leva a crer que surgiu apossibilidade de se estabelecer um novo modelocomunicacional na escola a partir da Rádioonline. Um modelo baseado no diálogo entrealunos, pais, professores e equipe de direção.Todos com voz ativa, ou seja, sem um centroemissivo que dita uniformizações para uma re-cepção passiva. Estamos nos referindo a umacomunicação do tipo “todos-todos” fundada nabidirecionalidade, na intervenção na mensagem.Estamos nos referindo à comunicação interativa.

Concluímos, então, que a Rádio online surgecomo uma estratégia de criação de ambientesde comunicação e de aprendizagem baseadosna interatividade e na cooperação.

“A educação é comunicação, é diálogo, namedida em que não é a transferência de saber,mas um encontro de sujeitos interlocutores quebuscam a significação dos significados”. (FREI-RE, 1988, p. 69). É necessário, portanto, investirem outros trabalhos sobre o novo campo deintervenção social que aproxima Comunicaçãoe Educação, no qual a Rádio online se insere.Os resultados obtidos com este trabalho nos fa-zem crer que repensar a educação no ciberespa-ço significa muito mais do que prover a escolade novos recursos ou tecnologias. Trata-se deinvestir na criação de novas estratégias educa-cionais que reformulem a dinâmica de ensino-aprendizagem.

REFERÊNCIAS

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Criar e desenvolver uma rádio online na escola: interatividade e cooperação no ambiente de aprendizagem

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Recebido em 30.09.04Aprovado em 08.11.04

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Luís Paulo Leopoldo Mercado

RESUMO

Este artigo tem como objetivo explorar a natureza do chat como ferramentadidática de interação na sala de aula. Aborda os usos, vantagens, possibilidadese limitações para a realização de aprendizagem cooperativa. Apresenta o usodo chat na exploração de distintos temas em sala de aula, como Internet naeducação e educação a distância; avaliação do uso da Internet na educação;avaliação do uso do chat na sala de aula; chat a partir da leitura de um texto esugestões de atividades envolvendo o uso pedagógico do chat por professores.

Palavras-chave: Internet – Chat – Professores

ABSTRACT

CHAT AS A DIDACTIC TOOL

This paper aims at showing the nature of chat, as a didactic tool within theclassroom. We show the chat’s pros and cons to implement cooperative learning.We present chat as a way to explore various themes in the classroom, likeInternet and Education and Online Education, the evaluation of the use of Internetin Education, evaluation of the use of chat in the classroom, or chat based upontext reading and propositions of activities implying the pedagogical use of chat.

Keywords: Internet – Chat – Teachers

A UTILIZAÇÃO DO CHAT COMO FERRAMENTA DIDÁTICA

Luís Paulo Leopoldo Mercado ∗

* Doutor em Educação (PUC/SP); coordenador do Mestrado em Educação Brasileira, Universidade Federal de Alagoas.Endereço para correspondência: Universidade Federal de Alagoas, Centro de Educação, Av. Lourival Melo Mota, s/n,Campus A.C. Simões, km 14, BR 101, Tabuleiro do Martins – 57072-970 Maceió/AL. E-mail: [email protected] .

1. Introdução

O chat como ferramenta de comunicaçãosincrônica é um meio com potencial didático aser estudado. Observamos que, apesar de suaspotencialidades na educação, o chat é aindapouco utilizado nas atividades pedagógicas oué visto como algo sem uso didático.

Estudos na literatura sobre o uso pedagógicodo chat ainda são iniciais; a maior parte dessesmateriais se limita a assinalar suas característi-cas gerais, sem entrar em detalhes sobre suaspossibilidades concretas. Assim, faz-se neces-sário realizar estudos experimentais relaciona-

dos com seu uso como ferramenta de comuni-cação e ferramenta pedagógica, gerando apren-dizagem e mecanismos de superação das difi-culdades e limitações oferecidas no uso do chatna aprendizagem.

Apresentaremos exemplos de utilização dochat envolvendo: exploração de distintos temasem sala de aula, como internet na educação eeducação a distância; avaliação do uso da inter-net na educação; avaliação do uso da ferramentachat na sala de aula; chat a partir da leitura deum texto e sugestões de atividades envolvendoo uso pedagógico do chat por professores.

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A utilização do chat como ferramenta didática

2. O chat como ferramentadidática

O chat permite a comunicação sincrônicaentre distintas pessoas que se encontrem conec-tadas em determinado momento. Essa caracte-rística de comunicação simultânea representauma grande contribuição para a interatividadena educação a distância, pois permite a discus-são em rede das tarefas assinaladas, das dúvidasque existam sobre o conteúdo do material e dosprojetos em grupo.

Para Prado (2001), este encontro on-line podecaracterizar-se como um momento criativo,construído coletivamente para gerar novas idéiase temas a serem estudados e aprofundados.

A principal característica do chat vem dasua utilização para comunicação em grupo. Ochat funciona em um tipo de central (servidor)onde várias pessoas se encontram virtualmentepara conversar. O diálogo pode tomar qualquerdireção, dependendo do grupo, mas, na maiorparte das vezes, as pessoas conversam ameni-dades. Por isso, o chat fica muito mais próximoda esfera do lúdico e do lazer. Esse sistemapermite o anonimato dos participantes, quepodem escolher um nome ou mesmo assumiruma identidade qualquer, ou seja, nesse lugarvirtual, as pessoas podem assumir um persona-gem, como se estivessem brincando ou fazendoteatro. A comunicação no chat se dá via texto,como no correio eletrônico – aqui também háuma recuperação da escrita.

A aplicação dessa ferramenta na educaçãoestá na possibilidade de compartilhar informa-ções em tempo real (ao mesmo tempo emlugares diferentes), servindo de plataforma paradebates, discussões, análise de alguns problemasdesde diferentes pontos de vista.

Assim, esse sistema pode ser de grandeutilidade para a educação se cumpridas certascondições, como o adequado planejamento eguia por parte do professor, mantendo sempreum grupo importante de detratores, dados seusriscos. Esses riscos se centram nos temas que,em geral, são tratados nestes canais de conver-sação, na linguagem utilizada ou na má intençãode alguns dos participantes.

Uma interação num chat apresenta as se-guintes características, conforme Lazaro (2002):

a) Agilidade nos diálogos – os diálogosproduzidos são ágeis e naturais, pois não há lu-gar para um discurso planejado em um momentoeminentemente coloquial como o do chat, noqual abundam as intervenções curtas devido àausência de planejamento, e estas se sucedemsegundo a marcha do tema, das interferênciasdos participantes, de suas necessidades de co-municação etc.

Na linguagem oral, em uma conversação deum registro coloquial, observa-se que os inter-locutores trocam de tema por outro sem porisso sentirem-se agredidos. É habitual que seesteja comentando um assunto e se introduzaoutro totalmente diferente do que tenha passadopela cabeça de outro interlocutor. A mudançade tema se faz por meio de diversos recursoslingüísticos e não-lingüísticos que permitem quea conversação continue sem rumo.

No chat, essa superposição de temas tam-bém é habitual, produz-se pelas mesmas causasque levam à mudança de tema na conversaçãocoloquial, mas também por questões físicas docanal de transmissão: a tela tem uma extensãoconcreta e os temas vão se enquadrando perdi-dos à medida que a tecla enter vai enviando men-sagens ao ciberespaço com um destino concreto.

b) Simultaneidade – traduz-se em umaordem linear de aparição das intervenções, o quefaz com que, se algum leitor demorar em escreveruma resposta por querer pensar por mais tempo,o rumo de sua intervenção vá ser quebrado,entrando várias mensagens no meio, que, talvez,não tenham nada a ver com sua resposta. Existea opção de criar uma sala privada, se há interesseespecial em manter uma conversa com alguémespecífico sem ser lida pelos demais participantes.Em um grupo numeroso, numa situação cotidiana,é habitual que se produzam conversas simultâ-neas sem repercutir no fato de que se mantenhao eixo temático principal da conversação, ou oiniciado em primeiro lugar, já que agora atenda amenos interlocutores.

c) Participação – em um chat, são difíceisde controlar os turnos de palavras quando umgrupo é de mais de dois participantes. Não existe

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nenhum indício de quem vai participar até omomento de a mensagem aparecer na tela. Emuma conversa entre dois atores através da telado computador, o papel do silêncio se traduz naausência de textos. É de supor que o interlocutoresteja preparando uma intervenção um poucomais extensa ou tenha necessidade de um tempode resposta mais longo, ou pode ocorrer, sim-plesmente, que as redes demorem alguns segun-dos a mais em deixar no destino a mensagem.Esse silêncio faz com que o emissor fique impa-ciente e trate de interrompê-lo com uma novamensagem em que parafraseie o dito (o emissorpode pensar que talvez não tenha se expressadobem) ou se estenda em alguma explicação arespeito. Isso se deve a que não se tem emis-sões de quem escuta, que guie o que se fala deforma evidente, alguns desses reguladores daconversação, retroalimentadores próprios da lín-gua oral, os quais tentam também se intercalarna conversação escrita, precisamente para evitarproduzir os vazios que mal-interpretam o desen-volvimento da situação entre os participantes.

As frases são curtas e interrompidas devidoà agilidade que se trata de imprimir nas inter-venções para não perder o turno da palavra.As mensagens longas podem ser enviadas porpartes, ou seja, remete-se uma parte enquantoo emissor segue escrevendo o resto da mensa-gem. Produz-se, lê-se e interpreta-se ao mesmotempo em que se escreve o resto do texto, semesperar o final da intervenção, buscando a simul-taneidade do ato.

d) Presença de ruídos de comunicação– que se produzem e que se fazem incômodos;há uma intenção de controlar a comunicaçãocom perguntas do tipo: “está aí?” que veríamosescrita como *“esta ahi??????????”, “leu o queacabei de contar?” etc. As intervenções tendem,por este motivo, dentre outros, a ser breves, oque permite o discurso ágil.

e) Falhas ortográficas e estilísticas – éhabitual encontrar falhas de ortografia, pelarapidez com que se trata de escrever os textos(que, por suposto, não se revisam). Os acentosgráficos são bastante prejudicados em áreas deagilidade da emissão da mensagem.

f) Ausência de revisão – a ausência derevisão do texto, tanto no plano conceitual como

no plano estilístico, é uma das grandes diferen-ças em relação ao processo habitual da criaçãode textos. Neste deve ser incluído o processode escritura de uma mensagem que será envia-da por correio eletrônico, já que é muito reco-mendável que se revise antes de pressionar atecla enviar. Não obstante, o uso tão ágil dessaferramenta (e-mail), tanto no campo profissionalcomo no pessoal, faz com que tende a criar umaestrutura que rompa com os convencionalismosda linguagem epistolar e cujo registro lingüísticose acerque da linguagem coloquial.

g) Uso de “emoticons” – a escrita no chatdesenvolveu uma própria simbologia, os já co-nhecidos emoticons, que são pequenos conjuntosde caracteres que pretendem transmitir umaemoção ou estado de espírito durante um bate-papo. Conhecidos comumente como carinhas,contribuem para enfatizar a parte expressiva damensagem: (;–), :–o, :D, :*, etc.). A intenção emusar esses símbolos é transmitir ao receptor umareação que, de outra maneira, não seria possível.Assim, temos as gargalhadas, as dúvidas, o choro,inclusive o abraço no ciberespaço. Vide algunsexemplos de emoticons (Quadro 1)

Por ser síncrono, o chat gera uma tensãomaior, pois o tempo de participação é normal-mente dividido entre vários participantes, sendo,portanto, quase sempre limitado. As mensagenstambém precisam ser curtas o suficiente paraserem lidas no espaço exíguo oferecido pelasferramentas de “bate-papo”.

A tensão imposta pelo pouco tempo e a li-mitação de espaço nos chats se manifestam nalinguagem, que costuma ser caracterizada porformas lingüísticas e expressivas bastante sim-plificadas como abreviaturas (vc em lugar de“você”; tb em lugar de “também”; pq em lugarde ‘porque’) e acrônimos (EMHO para dizer“em minha humilde opinião”).

Trentin (1999, apud CARVAJAL, 2002)coloca que a interação no chat pode ajudar amudar as atitudes com respeito à redação, me-lhorando as habilidades literárias e convertendo-se numa ferramenta social. Este autor desen-volveu um projeto piloto de dois anos de duraçãocujo objetivo era promover a literatura e incenti-var a redação colaborativa de poemas e contosem estudantes italianos de bacharelado.

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A utilização do chat como ferramenta didática

A escrita no chat é tão importante que podeinibir as pessoas que têm dificuldades de reda-ção. Normalmente na conversação oral, recor-remos a elementos do contexto (tom de voz,gestos, a situação em si) para evitar interpre-tações erradas, confusões ou inferências erra-das. Durante a conversação em rede, não dispo-mos de todos esses mecanismos, o que nos levaa suplantar alguns deles por outros, por exemplo,algumas vezes, recorremos aos emoticons, sím-bolos como J, utilizados para mostrar algumsentido particular.

Além disso, a velocidade ou lentidão do tipode usuário se converte em outro elemento queenvolve um papel importante durante odesenvolvimento dessa conversação em rede.Às vezes, esse fator ocasiona o rompimento dofluxo da conversação, obrigando a retomaralgum ponto, ou simplesmente a mudar de tema,levando a uma interrupção do discurso prévio.

Pallof & Pratt (2002) argumentam que, muitasvezes, a discussão sincrônica via chat não leva auma discussão ou participação produtiva. Paraos autores, o participante com maior facilidadede escrever tende a dominar a discussão, inclusi-ve a sincronia se perde quando a resposta adeterminado comentário se dá várias linhas maistarde. Outro problema surge quando o participan-te se confunde devido à falta de clareza entre asinstruções que guiam o encontro. Mas, para estes

autores, se forem respeitados certos pontos, taiscomo: número de participantes reduzido, clarezanas instruções e atendimento ao horário definido,esse encontro em rede pode ser dinâmico eprodutivo, podendo facilitar o intercâmbio deidéias e levar a uma aprendizagem.

O chat é extremamente útil nos processosde tomada de decisão, resolução de problemas,brainstorming, criação e fortalecimento delaços sociais; mas, por outro lado, não éadequado a atividades em que se exija tempomaior de reflexão e elaboração de conteúdosmais complexos.

A sensação de presença social existe, já queacontece em tempo real (há alguém ao vivo dooutro lado da tela), vivencia-se uma experiênciade fluxo, na qual a ação e atenção caminhamjuntas; não se percebe o tempo passar e oengajamento é profundo.

O chat, quando utilizado para fins educativos,apresenta algumas limitações, como: não éadequado a exposições longas e palestras;participantes que morem em regiões comdiferentes fusos horários, ou os que só podemacessar a Internet em horários diferenciados;grupos muito grandes e não moderados;participantes com baixa habilidade de digitação,pouca familiaridade com o ferramental,dificuldade em digitar e simultaneamente ler asmensagens na tela. (CHAVES, 2002)

Quadro 1

:–) estou alegre ou sorriso:–( estou triste:–D desconectar sorrindo}:–> sacana:–] sorriso sarcástico;–) piscando o olho:–P careta c/ a língua p/ fora8–) uso óculos(:–|K– mensagem formal||*( aperto de mão oferecido||*) aperto de mão aceito?:–) não entendi@&:–) estou confuso(:–...msg de cortar o coração:–S assunto sigiloso

[]’s abraços:–* com soluços:–O bocejando:/i não fume:–C inacreditável:–B estou babando:–| muito desgostoso:–? lambendo os lábios:–)) gargalhada(:–$ doente(:–& com raiva(:–( muito triste:–(=) linguarudo%–) quebrei o óculos:–)<* falando várias coisas

:–X beijões(:–) sou careca:–x beijinhosP–) sou pirata:–# censurado|–) estou com sono:’( chorando|–O morrendo de sono<:–) palhaçoO:–) anjo / inocente:–{) tenho bigode@:–) novo penteado:–V gritando:–W falando forçado:–)<? não sei responder

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Luís Paulo Leopoldo Mercado

Oeiras (2002) aborda as dificuldades para arealização de muitas atividades, principalmenteas que envolvem discussão de algum temaespecífico. A representação seqüencial de men-sagens propicia o aparecimento de diversos pro-blemas relacionados à administração de discur-sos. Vários participantes podem enviar mensa-gens simultaneamente, ocasionando o rompi-mento do controle da sessão e resultando emtópicos paralelos. Assim, torna-se complexoacompanhar uma discussão, pois surgemconversas paralelas e é necessário que o alunofaça, mentalmente, as ligações coesivas entreos enunciados de uma mesma conversa.

Chaves (2002) apresenta algumas dicas úteispara um bom chat em aula presencial ou a dis-tância: planeje a agenda de discussão do chatcom antecedência e envie a pauta a todos osparticipantes via e-mail, por exemplo. Assegure-se de que todos tomaram conhecimento do(s)horário(s) do evento; o assunto a ser discutidoe que, preferencialmente, tenham acessado elido materiais importantes para a discussão(casoseja necessário); realize chats de 60 a 90 minu-tos no máximo, por sessão. Uma dinâmica quepode ser utilizada em um chat estruturado édividir os participantes em grupos pequenos, queassíncrona ou sincronicamente podem, com an-tecedência, preparar um material para discussãocom questões a serem colocadas para o grupotodo no chat. Por exemplo, numa turma de 20participantes, 5 grupos de 4 pessoas: em cadasessão de chat, um grupo teria um tempo deter-minado para suas colocações, antecedido deuma abertura pelo moderador com a pauta dodebate e suas regras. Após a colocação do grupo,se abriria o chat para discussão geral com todosos participantes e pode-se convidar um pales-trante para um chat tipo “roda viva”. Esse pro-fissional seria alguém especialista na área dotema em discussão, que pudesse responderdúvidas, motivar os alunos e aprofundar ques-tões, introduzir uma nova visão sobre o temadiscutido. O ideal seria que, antes do chat, osparticipantes pudessem ler artigos, comentáriosdo convidado; salvar a sessão do chat,disponibilizando-a de forma assíncrona (e-mail,página Web) para quem não pode comparecerou queira rever a discussão.

3. Atividades envolvendo a intera-tividade propiciada pelo chat emcontextos de formação de pro-fessores

Na atualidade, quase todos os pesquisadorestêm acesso à Internet, tendo a possibilidade deconhecer, com rapidez, o trabalho de outroscolegas na outra ponta do mundo, ou consultaroutros especialistas sobre a estratégia de inves-tigação que vai desenvolver numa próxima in-vestigação. Desse modo, é possível participardiretamente em todo o processo de criação deuma idéia ou um invento. Outra importantemelhora introduzida pela Internet, do ponto devista científico, é o trabalho em grupo, mas adistância (DUART, 2000; SANGRÁ, 2000;HARASIM et al., 2000).

As possibilidades de comunicação que a In-ternet oferece a qualquer pessoa ou grupo, semimportar as distâncias, permitem trocas rápidase econômicas de todo o tipo de informação (tex-to, imagens, vídeos etc.), repercutindo tambémno sistema educacional.

A Internet facilita a comunicação entre aspessoas, empresas e instituições mediantediversos sistemas, que podem gerenciar atransmissão de textos e arquivos de todo o tipo,assim como a comunicação mediante voz eimagens em tempo real.

Podemos realizar vários tipos de comunica-ção via chat com finalidade pedagógica, dentreestas temos:

a) Encontros eletrônicos com especia-lista – interação pontual com objetivo de discutirum tema com um especialista da área. É ne-cessário uma preparação prévia das discussõesque serão realizadas. O trecho do chat abaixofoi extraído da sessão realizada em 08/03/03,com alunos da disciplina da Metodologia doEnsino Superior II do Curso de Especializaçãoem Docência no Ensino Superior do Centro deEstudos Superiores de Maceió e partiu daproposta de discutir o tema Educação a distância(EAD): possibilidades e limites na docência noensino superior. A discussão partiu de um filmesobre as diversas tecnologias da informação eda comunicação na educação a distância, visitaem sites de cursos disponibilizados na Internet.

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A utilização do chat como ferramenta didática

O chat iniciou com a pergunta: você acredita numa aprendizagem a distância? Existe uma construçãodo conhecimento neste ensino? (Quadro 2)

b) Tutoria – interação continuada entre umespecialista e um ou mais alunos sobre um temaespecífico, numa disciplina ou num curso, emque o aluno necessita ajuda acadêmica eacompanhamento na realização das etapas

propostas. O extrato do chat abaixo transcrito,realizado no dia 29/07/03, no Curso Estratégiae Tomada de Decisões para EAD, promovidopela UNISUL nos mostra como é uma tutoriavia chat. (Quadro 3)

Quadro 2

(08:48:41) Lais e Veronica fala para Professor: sim, pq a construcao do conhecimento estaligada a motivacao do aluno... (08:49:02) she-ha/he-man fala para Professor: Aaprendizagem à distancia merece crédito, até pq é realizada para um público específico.(08:52:52) vit@l czr & josman reservadamente fala para Professor: Sim, ao nosso ver aEAD adicionou novos significados para a aprendizagem e as possibilidades para entregade conhecimento e informacao para os estudantes. Abriu um novo mundo para atransferencia de conhecimentos, vemos que a educacao ON LINE veio para ficar. (08:53:26)Professor: A discussão est;á interessante, pelas falas c olocadas a EAD é uma realidadee dependendo da forma como o curso está construído, pode levar a uma construção doconhecimento. Esta construção vai acontecer se o curso tiver atividades e propostasque exijam do aluno pensar e relacionar com situações concretas. (08:56:54) vit@l czr &josman grita com TODOS: Vemos que a parte interessante do curso EAD eh a diversidadeno uso das diversas midias e a questao do tempo. (08:57:34) kk & jojo reservadamentefala para Professor: os recursos utilizados permite o acesso a muitas informações, porém,o acumulo de conhecimentos sem um direcionamento poderá ocasionar um desvio deconhecimento. (08:58:22) vit@l czr & josman grita com Professor: Vemos que a parteinteressante do curso EAD eh a diversidade no uso das diversas midias e a questao dotempo, ou seja podemos adequa-lo de acordo com a disponibilidade. A partedesinteressante o alto custo dos equipamentos. (08:58:34) ada e antonio responde paraProfessor: Para quem ja tem um conhecimento prévio o ensino à distancia é grandioso.Mas precisamos saber lidar com as diferenças culturais. Como lidar com seres humanosque nao sabem sequer o que é telefone imaginemos o que seja internet?. (08:59:03)andrea e ana paula fala para Professor: o conhecimento pode ser adquirido de váriasformas, e o universo de aprendizagem se torna mais extenso e atrativo, e o que não éinteressante é a falta de socializacão que as aulas presenciais proporcionam. (08:59:05)Lais e Veronica fala para Professor: A EAD possibilita aquisicao de conhecimento deuma forma mais abrangente dando autonomia ao aluno p/ navegar na direcao do seuinteresse.... Mas se esse conhecimento nao for bem direcionado acaba se dando umaevasao e consequentemente o resultado sera negativo....

Quadro 3

(21:40:27) Aluno Fabio: Estou tentando finalizar “minhas tarefas”. encontrei dificuldadesnas pesquisas sobre “questões da tecnologia” e dos custos. Professora, espero que aconexão te deixe plugada. Sobre a rede: parece ser um problema em nossos cursos.(21:42:11) Tutora - Pois Fabio, o seu problema e comum a muitos, pesquisar os custos.Com este curso percebi que temos um nicho de mercado a atender, já pensou um portalcom informacões sobre fornecedores de EAD (21:42:23) Aluno Fabio - Eu fiquei encantadocom o material enviado. O texto e muito bom. Eu aprendi bastante. Tenho certeza de queminhas opiniões a dimensão do EaD não e a mesma. (21:43:51) Tutora - Que bom quevocê esta aproveitando e gostando dos materiais. Quanto à rede, e bom deixar claro que

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quando digo nossa rede, falo em termos de Brasil. (21:44:02) Aluno Fabio - E, acho que ainstituição que trabalho seria um cliente em potencial do portal.Falta informações sobreos custos e os recursos. (21:45:29) Tutora - Pois verifiquei que a dificuldade para muitosficou na hora de realizar esta pesquisa. Mas por outro lado não concebo a imagem de umestrategista e tomador de decisão que não pesquisa estas referencias. você nãoconcordas..(21:49:44) Aluno Fabio - Sobre a rede. A Senhora tem parâmetros de outrospaíses Como e o funcionamento da rede na Espanha, por exemplo. Sobre o estrategista ea pesquisa. Li hoje na revista “@prender virtual” que não podemos tomar decisão semreferencias de pesquisas. Concordo com a Senhora. Portanto, a instituição que querinvestir em EaD precisa de uma equipe capaz de pensar, pesquisar, produzir e entender osignificado e as perspectivas da EaD. E esse o caminho. O material que consultamosdurante o curso reforça a importância da equipe de trabalho. (21:51:14) Aluno Fabio -Desculpa, e uma pergunta. E esse o caminho Sobre equipe, pesquisa....(a afirmação feitaanteriormente). (21:53:40) Tutora - Sobre a rede em outros paises, pelo que tenho certezafunciona bem em paises como EUA, Canadá, Austrália, Suíça. Na Espanha e Europaquando por lá estive no final de 1999, te falo que achei bem lenta, mas estavam tomandoações para melhorar. Veja só, aqui em casa tenho Net Verta e mesmo assim, hoje foi difícil.Quanto à equipe de trabalho, a EAD sem ela não de nada, pois são muitas as funções. Porexemplo, aonde eu trabalho, na unisul virtual acompanho o trabalho de outros colegas daequipe e todo dia alguma pesquisa de fornecedor e custos de equipamentos esta sendofeita. (21:56:49) Tutora - Desculpe citar a Suíça, e depois a Europa como duas coisas, maso texto saiu assim... (21:59:39) Tutora - Veja que nas ferramentas síncronas, como esteplugados, o improviso e que rege o andamento. A digitação precisa ser precisa, mas comosomos humanos, estamos fadados a erros. Mas já que estamos por hora dialogando entrenos. Me fale sobre a sua instituição, vocês estão implantando ou já possuem cursos namodalidade EAD. (22:00:05) Aluno Fabio - Professora, e uma dica interessante. Perceboque não existe solução simples para problemas complexos. Talvez esteja ai o fracasso deprojetos em EaD. No UNISAL, perguntaram: quanto custa um projeto de EaD Nãoconheciam o impacto, as possibilidades e a dimensão do EaD. Por exemplo. Acho muitoimportante a UNISUL conciliar projetos mistos - material impresso e aprendizado noambiente virtual. A UNISU diversifica as mídias. O que quero dizer: não podemos quantificaro EaD sem saber o que queremos, qual o objetivo, qual o publico. Acompanhar diariamenteos custos e uma demonstração de seriedade. Do UNISAL temos 2 pessoas fazendo ocurso. Acredito que temos uma missão: apontar caminhos, sensibilizar. (22:03:30) Tutora- Fabio, uma instituição assumir a EAD e uma questão de mudança de cultura. Realmenteprecisa de tempo, vocês estão no caminho certo, primeiro precisam formar agentesmultiplicadores da idéia, convencer uma boa parte do grupo e ai aos poucos realizar aaquisição da tecnologia... (22:04:46) Tutora - Sem duvida, e interessante realizar um bomplanejamento estratégico, saber aonde se espera ir, a quem atender, o que fazer, o quecomprar pronto, etc. (22:08:58) Tutora - Sem duvida Fabio, quando a gente percebe adimensão de coisas que envolver oferecer serviço educacional a distancia, verifica anecessidade do planejamento, da pesquisa, do design,da produção dos materiais, doapoio e suporte ao aluno e tecnologias. (22:10:13) Tutora - Oi Verônica, estamos falandosobre a experiência do Fabio e a implantação da EAD da instituição dele, junto com osprincípios da EAD, e isso Fábio. (22:12:21) Aluno Verônica – tenho experiência com EAD,mais com material impresso e uma proposta pedagógica bem articulada que de conta dadistancia , o que nem sempre acontece quando ficamos na expectativa de responder pelaInternet o material tem que ser auto-explicativo para isso. (22:15:50) Aluno Fabio - Verônica.E interessante perceber que o EaD modifica a concepção de produção do material impresso.Não e o mesmo que escrever uma apostila para o ensino presencial ou um artigo para umarevista. Estou correta As IES precisam formar e investir em pedagogos que pensem no“perfil” do material e na metodologia de ensino. (22:16:18) Aluno Verônica - neste curso

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tenho muitas dificuldades para conseguir acompanhar a proposta pedagógica, minhasexpectativas e os recursos tecnológicos. (22:17:31) Tutora - Verônica, me fale mais dasdificuldades para melhor entendê-la. (22:19:07) Aluno Verônica - o material impressos temuma proposta, apos ler não consigo desenvolver as atividades por falta de conhecimentonão solicitados na inscrição ou mesmo por discordar de algumas coisas. (22:22:29) Tutora- Pois então, primeiro você deveria rever o objetivo do curso, perceber que ele e voltadapara o projetista, estrategista, tomador de decisões. A dinâmica do curso pressupõeleitura para contextualização do assunto, e como atividade (formulário) propõe que vocêrealize um projeto voltado para uma instituição, aonde parte disto implica em conhecer oque tem ou que não tem... (22:23:47) Aluno Verônica - para que quer trabalhar com EAD terformação para elaborar material didático para qualquer mídia é uma questão indispensável,algumas pessoas confundem material para aula presencial ou de apoio com material paraEAD que tem características própria e que faz a mediação neste processo. (22:26:46)Tutora - depois propõe pesquisa de equipamentos e recursos, e assim vai estruturando eafinando suas decisões. Mas me diga, você ao acompanhar as unidades on-line nãopercebe também as instruções auto-explicativas. (22:26:53) Aluno Verônica - temos recursostecnológicos e formação para professores e tutores em ead e conheço os recursos danossa instituição, mais determinados tipos de atividades os bolsistas podem fazer ouseja levantamento de preço, mas analise destes dados ai sim acredito que seja doestrategista. (22:28:29) Tutora - O que você acha Fábio. (22:28:43) Aluno Fabio - Verônica.Acho que eu era uma dessas pessoas que confundiam as coisas. O texto do curso explicaa característica do material impresso, a preocupação que devemos ter com a redação. Anecessidade do texto provocar o aluno em relação à auto-aprendizagem. Tua afirmaçãoreforça essa perspectiva. (22:29:13) Aluno Verônica - A minha tendência e o materialimpresso, gosto de objetividade quero ler um material que possa fazer correlação, ler umtexto do méxico e sair à caca de informações. (22:33:00) Tutora - Pelo que você estadizendo você já tem um modelo estruturado do que e EAD. Te digo que existe variasverdades, diversas formas de realizar o processo de aprendizagem. Quando comecei arealizar este projeto, por ser muito nacionalista, também inicialmente me muni de muitaspedras, mas resolvi flexibilizar, e hoje acredito que estudar a partir da realidade de umoutro Pais promove um colorido diferente, E que cabe nos, alunos e professoresconstruirmos juntos a realidade do nosso Pais. Veja que nas participações no Fórum e,Galeria, foi isso que se deu. (22:36:02) Aluno Fabio - Bom, o material impresso do curso eobjetivo, mesmo assim, provocam a reflexão. O que e bom. Estou contente com o material.Estou com dificuldades para terminar de responder os questionários, pois nunca trabalheicom esse tipo de informações. Mas se pretendo ser um estrategista em EaD, tenho quepesquisar e conhecer mais sobre as questões de custo, tecnologia.... (a intenção e opinarsobre o curso). (22:39:49) Tutora - Verônica acho que fui objetiva demais, me perdoe àspalavras tão diretas. Mas entenda que o Curso em si, claro como outro qualquer temaspectos positivos e outros nem tanto. Para mim o importante e aproveitarmos aoportunidade de estarmos reunidos neste entorno.

c) Desafio colaborativo – através da inter-net é possível que os estudantes trabalhem emtorno de um desafio ou a resolução de um pro-blema, usando recursos como cartas de correioeletrônico, encontrando-se no chat ou compar-tilhando informações numa lista de interesses.O desafio pode ser bastante amplo, posto quepode envolver desde a resolução de um pro-blema até o planejamento de soluções a um

problema real da comunidade. Os estudantesaprendem a trabalhar com outros para alcançarum objetivo comum e descobrem que acooperação pode ser uma opção viável para aresolução de conflitos ou problemas.

Os alunos de diversas escolas realizam pro-jetos conjuntos, coordenando seu trabalho atra-vés do chat. A realização de debates entrealunos de diversas escolas e/ou países constitui

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outra atividade de grande riqueza educativa.(MOREIRA, 2002).

Abaixo transcrevemos um trecho do chatrealizado no dia 10/10/02 pelos alunos dos

Cursos de Pedagogia, Matemática e Psicologia,na disciplina Informática Educativa daUniversidade Federal de Alagoas, no qual umdesafio é lançado. (Quadro 4)

Quadro 4

(11:28:30) lucimar/luciana fala para Professor: Hoje estamos passando um momento detransição com relação ao ensino da matemática. Requer que seja ensinado matemáticacom significado, mas temos diante de nós enormes dificuldades: na nossa própriaformação(tradicional), falta de estrutura na escola pública. Sabemos que apesar distoprecisamos estudar para nos atualizarmos, mas isto significa um sacrifício pessoal. Issonos leva a pensar em desistir da profissão. (11:30:35) rosselin/cristiane fala para Professor:Como podemos trabalhar utilizando o banco de dados da internet se o governo nãoinveste em educação, existe alguma pressão da comunidade acadêmica para que a aulavirtual faça parte do processo ensino/aprendizagem?

d) Debate a partir de um tema – os pro-fessores discutem em grupo tema relacionadocom o ensino, através do qual trocam suasopiniões sobre temas relacionados à docênciae, nesse caso, pedem ajuda sobre determinadastemáticas aos colegas. Dessa maneira, é possí-vel aproveitar o chat para estabelecer contatosconcretos de trabalho com professores e alunosde outros estabelecimentos. Esses contatos seconcretizam em “projetos colaborativos” que

têm como objetivo compartilhar experiênciassobre a base de um ou mais conteúdos, atégerar, finalmente, conhecimentos em formaconjunta.

O extrato do chat abaixo mostra-nos o deba-te resultante da atividade envolvendo a explo-ração e debate do tema Internet na Educação,realizado no dia 27/09/02, pelos alunos doMestrado em Educação Brasileira, da Universi-dade Federal de Alagoas. (Quadro 5)

Quadro 5

(16:30:54) Professor: Vamos iniciar nossa interação sobre o tema Internet na Educação.Inicialmente gostaria que voces escrevessem sobre como foi a experiência de ter usado aInternet e que perspectivas vêem no uso na educação. (16:33:30) magda fala para Professor:A experiência é sempre agradável pq traz o sabor da novidade e da interação possibilitandoum momento muito agradável de discussão. (16:36:18) amelzia sorri para TODOS: Mesmopara os estudos, pesquisas, sinto que minha curiosidade é pouca. Sou da cultura livresca.São raras as vezes que conecto com a rede. É algo que estou em busca de mudanças.(16:36:35) irailde: possibilita romper com com a aula enquanto transmissão do conhecimento,viabiliza a pesquisa. (16:36:36) Severina: Amelzia, sinto que a internet , por um lado, veioacrescer também frustrações pois tenho pouco tempo paraela e também ainda é umaferramenta car... (16:37:39) Professor fala para magda: como lidar com a frustração de nãoencontrarmos o que procuramos na Internet ou de não termos tempo para fazer estasbuscas?. (16:38:29) magda fala para Professor: Acredito que nada de efetivo acontece senão houver primeiramente uma intenção/propósito e um planejamento para que haja umaaprendizagem significativa. (16:39:12) Severina: para mim a internet tem possibilitadorealmente muitas informações e também acesso aos livros também... (16:41:18) amelziasorri para TODOS: Vejo adolescente e jovens têm muita curosidade e vão aprendendocom mais facilidade tanto para utilizar e aprender, manter contatos,etc. (16:43:02) magdafala para Professor: De fato a frustração é algo q incomoda,principalmente pq não sinto

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A utilização do chat como ferramenta didática

e) Aula virtual – o chat se converte em umespaço de encontros virtuais para discutir astarefas, construir um texto, rediscutir um projeto,realizar trabalhos ou promover o intercâmbiode idéias sobre algum tema. A possibilidade determos várias pessoas em vários lugares, a partirde computadores interligados em rede, permitecriar uma comunidade virtual. O chat seria umexemplo desse tipo de comunidade, devido àsua capacidade para promover o sentimento depertencer e estar num grupo na medida em queconversam ou discutem sobre assuntos comuns.A capacidade de interação grupal dá lugar adistintas formas de aprendizagem colaborativae nela os estudantes trabalham em equipeajudando-se reciprocamente.

As discussões grupais que se realizam atra-vés do chat constituem uma das categorias de ativi-dades grupais que exigem uma tomada de decisõesconjunta e a resolução criativa de um problema.

Algumas atividades em grupo oferecem mui-

tos benefícios, mas também existem algumasdesvantagens, como a distração dos participan-tes do grupo, fugindo da temática proposta eentrando em conversas sem propósito, reforçandoa mediocridade, incrementando a ansiedade, pro-vocando enfrentamentos culturais. Nessasinterações, é fundamental o papel moderador doprofessor ou de quem estiver assim responsável:controlar a situação e as trocas entre os alunos,examinar os elementos que possam estarproduzindo confusão ou se distanciando do focoprincipal, sugerir vias alternativas de discussão.

No registro do chat abaixo, realizado no dia25/01/03 pelos alunos da disciplina Metodologiado Ensino Superior II do Curso de Especializaçãoem Docência no Ensino Superior do Centro deEstudos Superiores de Maceió, temos uma auladiscutida online, a partir da leitura do texto Ensinarno século 21 de Alvin e Heidi Tofler, publicadona Folha de São Paulo de 08/03/1998 e disponívelno site: www.folha.com.br. (Quadro 6)

nenhuma atração pelo uso da internet e tenho muito mais intimidade com o livro. Gosto degrifar, sou detalhista e não acompanho a velocidade e o ritmo virtual.Esse é um dosmotivos pelos quias rejeito sempre que posso seu uso, apesar de saber de sua importânciavital. (16:45:04) Professor fala para magda: diante dessa situação, como conviver comestas possibilidades? (16:46:37) Professor fala para magda: severina e magda estãocolocando um ponto muito importante, que é o texto escrito diante do texto digital. Emnenhum momento se discute a extinção de um em detrimento do outro e sim aspossibilidades de termos os dois num mesmo contexto.ea e precia. (16:47:16) Severina:Amelzia, concordo com a questão “ o mundo parece pequeno“ também me preocupa afalta de acesso só que dentro de uma biblioteca o mundo também fica pequeno, vc acha?.(16:47:37) magda fala para Professor: Não há como retroceder.É uma questão de adaptação,a qual, na medida do possível, estou buscando. Acredito q não desenvolverei o prazermas farei uso como instrumento mediador, por necessidade. (16:48:22) Professor fala paramagda: a partir da necessidade precisamos buscar formas prazeroras de atingir o que sebusca.s (16:49:04) amelzia sorri para TODOS: O texto escrito é nossa praia. Foi umaprendizado ter prazer pela leitura e pelo estudo .Certamente esta possibilidade surgirácom ste novo aprendizado com a informática.

Quadro 6

(16:41:33) Professor fala para Todos – Na leitura do texto Ensinar o século 21, os autoresHeide e Alvin Tofler colocam cinco elementos necessários para uma educação no século21: informática, mídia, pais, comunidade e professores. Voces concordam com a escolhadestes elementos? Que relações trazem ao nosso contexto de docência?. (16:42:34) EvertonFabiano fala para Professor – MUDA O PAPEL DO PROFESSOR E DO ALUNO NOPROCESSO DE APRENDIZADO. (16:44:46) Everton Fabiano fala para Professor –PROFESSOR PASSA A SER UM ORIENTADOR NO QUE SE REFERE A SELECIONAR

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INFORMAÇÃO E TRANSMITI-LA DE MODO ATRAENTE E ORGANIZADO, FAZENDOUSO DA TECNOLOGIA ATUAL. (16:45:45) isabel / lenilce fala para Everton Fabiano - oprof. tem que esta preparado p/ usar nova tecnologias e incentivar os alunos a faze-lo.(16:46:12) Professor fala para Everton Fabiano - Esse é um papel interessante e difícil defazermos, mas é fundamental para estarmos na docência hoje. (16:46:32) dupla12- falapara Todos - temos dificuldade de gerenciar as informações que são passadas no bate-paPO. (16:46:30) Everton Fabiano fala para Professor - ALEM DE ENSINAR A SELECIONARINFORMAÇÕES O ALUNO PASSA A SER EXIGIDO NO SENTIDO DE FILTRAR ASINFORMAÇÕES E EFETURAR SUA P’ROPIA SELEÇÃO DE ACORDO COM SEUSINTERESSES. (16:47:26) Everton Fabiano fala para isabel / lenilce - DEVE CONSTAR NAFORMAÇÃO DO PROFESSOR, JÁ NA UNIVERSIDADE.. (16:47:37) Professor fala paraleila e alexandre - Investir em tecnologias só tem sentido se acompanhada de mudançasinovadoras nas práticas de sala de aula e nos currículos dos cursos. Somente comprarmáquinas levará a uma situação: para que usá-las se näo sabemos como?. (16:48:47)isabel / lenilce fala para lucymeire - vc acha que o prof. da rede pública esta capacitado p/as novas tecnologias, conforme o governo deseja? (16:48:58) isabel / lenilce fala paralucymeire - vc acha que o prof. da rede pública esta capacitado p/ as novas tecnologias,conforme o governo deseja?. (16:49:12) Juliana e Armando fala para aline e jonólia - Bem,no que entendemos sobre o texto e claro que concordamnos, é que só investir emequipamento colocando nas salas de aulas um computador, sem que haja um planejamentonão faz sentido. (16:49:12) vania e ironaldo fala para Everton Fabiano - Voces acham quea dificuldade para introdução de novas tecnologias na escola pública resolveria se todastivessem apenas os equipamentos e educadores treinados?. (16:49:48) DUPLA3 comentacom Todos - ACHAMOS QUE AS NOVAS TECNOLOGIAS PROPOSTAS PARA O ENSINODO SÉCULO 21, NÃO CONDIZ COM A REALIDADE... , POIS EM ESCOLAS QUE ASVEZES POSSUEM MÁQUINAS NÃO TEM PESSOAS CAPACITADAS PARA OPERÁ-LAS. (16:50:01) dupla12- fala para Carol e Carla - sim.PQ? (16:50:19) dupla 10 fala paraTodos - O texto, como os próprios autores afirmam, apresenta um projeto utópico para arealidade brasileira. Pois, num país que a grande massa supervaloriza apenas futebol,pagode e carnaval,torna-se difícil implantar certos valores. A começar pela Educação, queé muito desvalorizada, tanto quanto aos salários dos professores, ao desenvolvimentoda pesquisa e principalmente a seriedade das pesquisas no país, sem atender a ideologiassomente dominantes. O texto é muito interessante quanto utópico. (16:50:30) EvertonFabiano fala para Professor - Ó INVESTIMENTO EM TECNOLOGIA SÓ TEM SENTIDOSE VIER ACOMPANHADO DE UM INVESTIMENTO, ATUALIZAÇÃO, DO PESSOALQUE VAI SERVIR DE DOCENTE PARA DIFUNDIR A UTILIZAÇÃO DESSES RECURSOS.(16:50:48) Juliana e Armando fala para aline e jonólia - Quando falamos em planejamento,incluir-se também treinamento do professores e preparação dos alunos para aceitaremmudanças tão radicais. (16:50:58) Arli e Alinne fala para Professor, como seria na práticaesse lugar onde as crianças trabalhariam de verdade na conquista de um melhoraprendizado?. (16:52:03) aline e jonólia fala para Professor - a utilização das novastecnologias, continuam a ser reflexo de uma disparidade social, que mesmo tendo umacompanhamento educativo, sua inserção nas escolas será fadada a um enfeiteinstitucional?. (16:53:25) leila e alexandre fala para Professor - então que conclusão.poderiamos almejar um maior aprendizado para o aluno apartir de situações concretas nasua comunidade incentivando a habilidades básicas, fazendo com que a educação saiamais da paredes de tijolo. (16:54:26) Carol e Carla fala para Todos - O QUE VCS ACHAMDA INTRODUÇÃO DA INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO INSERIDA NA ATUALCONJUNTURA DE NOSSO PAÍS?. (16:56:33) Hanah,Marci e Eli fala para Todos - voltandoao assunto ..., o que vcs acham do aproveitamento nas comunidades?. (16:56:55) lucymeirefala para Everton Fabiano - o texto enfatisa a realidade da educação?. (16:57:25) Professorfala para Arli e Alinne - Que sugestões podemos trazer para diminuir as dificuldades do

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A utilização do chat como ferramenta didática

acesso as tecnologias e na incorporação da mesma nas nossas aulas?. (16:57:32) isabel /lenilce fala para Neto (sem dupla) - lembre que o pessoal carente tem que ser preparado p/o mercado de trab. que exige conhecimento e habilidade p/ lidar c/ o computador. (16:57:47)DUPLA3 pergunta para o Professor - O TEXTO RESSALTA QUE UM DOS OBJETIVOSDA EDUCAÇÃO É O DE SIMULAR NA SALA DE AULA , A VIDA REAL DOS ALUNOSNO FUTURO. COMO EXECUTAR ESSA TAREFA?. (16:57:54) Juliana e Armando falapara Neto (sem dupla) - A prefeitura entra com a sala de aula na escola publica e a telemarentra com a doação dos equipamento e móveis para a sala, entra também com acessogratuíto com banda larga e internet . (16:58:50) Professor fala para Arli e Alinne - O projetoTelemar apontado pela dupla Juliana e Armando é uma experiência pioneira do uso dainternet na escola e permitiu a inclusão digital de alunos carentes na escolaenvolvida.....(16:58:51) claumir fala para isabel / lenilce - voces acham que muitosprofessores sabem menos sobre uso de computador do que os alunos?. (16:59:28) Julianae Armando fala para Neto (sem dupla) - Na cidade de Murici participamos da implantaçãodesse projeto e vimos a satisfação das crianças, que nunca timham visto um computadoe nem tão pouco a internet ficarem maravilhados. (17:00:04) Everton Fabiano fala paraProfessor - O investimento nao pode ser só em maquimas, tem deser tambem na atualizacaoda populacao. (17:00:10) Professor fala para DUPLA3 - fazendo articulações com avidacotidiana, com o nosso dia-a-dia, organizando conteúdos currículares que contemplemesta realidade. (17:02:30) lucymeire fala para Everton Fabiano - nao ha resistencia mas simfalta de iniciativa. (17:03:03) Arli e Alinne fala para Todos - Seria ótimo e necessario aparticipacao de outras empresas no mesmo projeto. (17:03:17) Everton Fabiano fala paraclaumir - Investimento em atualizacao tecnologica e educacional. Arté que uma conscienciaseja formada. (17:03:18) Hanah,Marci e Eli fala para Todos - acreditamos que as coisasainda estão longe da perfeição. Enquanto as pessoas não derem valor à educação comoum bem precioso, não poderemos ter uma melhoria social. (17:04:30) aline e jonólia falapara Professor - As dificuldades existem... mas é necessário um amparato educacional esocial para defendermos a inclusão dos indivíduos na renda nacional, e não permitir oacesso sem inserir estes em um plano maior... (17:04:46) leila e alexandre fala para Todos -a mudaça haverà quando o problema for de todos. (17:05:16) Everton Fabiano fala paraProfessor - Solucao = Liberdade + educacao + desconforto. (17:05:47) Arli e Alinne falapara Todos - Pessoal, o uso da tecnologia é importantissimo,mas devemos lembrar que asescolas tem carencia de quadro e giz, quanto mais de computadores...(17:06:19) aline ejonólia fala para leila e alexandre - o problema nunca será de todos, mas o problema évigente, resolve-lo ou adiar?. (17:07:58) Professor fala para Todos - Pessoal, pela discussãovimos muitas dificuldades e muitos problemas no no cenário educacional proposto pelosautores do texto. A realidade brasileira está longe do contexto americano trazido no texto,mas não está a parte do que acontece. Existem experiências acontecendo e existem práticasse estabelecendo. Precisamos ver os ponto positivos e o que de qualidade podemostrazer para a nossa prática. (17:09:14) aline e jonólia fala para Todos - algumas soluções jáforam tomadas em rede pública, como direcioanar a compra do material necessario daescola na mão dos diretores e do conselho escolar, porque os diretores, os professores ea comunidade não prima por essa inovação em sala de aula?

f) Avaliação – pode-se utilizar o chat paraavaliar formativamente os grupos ou cada aluno,pois cada encontro pode ser gravado. Nessesregistros o professor poderá avaliar o desempe-nho dos alunos e seu próprio desempenho nessainteração e revisar seu desempenho, traçandonovas estratégias para os próximos encontrosvirtuais. Na avaliação, o professor prepara uma

série de perguntas e as coloca durante a realiza-ção da sessão de chat. Todos os participantesrespondem e, ao mesmo tempo, podem fazerobservações sobre os comentários expressadospelos demais alunos.

No trecho do chat abaixo, realizado no dia08/03/03 pelos alunos disciplina Metodologiado Ensino Superior II do Curso de Especializa-

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ção em Docência no Ensino Superior, do Centrode Estudos Superiores de Maceió, temos oregistro de uma atividade envolvendo umaavaliação do uso da ferramenta chat na salade aula. Partiu da seguinte problematização:pode-se trabalhar com um papo educacionalem uma sala de chat?. Apresenta sugestões arespeito de como um professor poderia usar

grupos de discussão e listas de distribuição dainternet na sala de aula, como um recurso parao próprio professor ou para uma atividade comos alunos. Para essa atividade, devem simularque são professores participantes de váriasregiões do país. Eles devem se comunicarusando somente o chat e não falar em voz alta.(Quadro 7)

Quadro 7

(09:05:39) Professor: Pessoal, já deu para sentir o clima de uma interação no chat. Vamosagora para a etapa final desta atividade que é dizer se acharam esta ferramenta (Chat)interessante e dizer como usariam na sua aula presencial ou numa aula a distância. (09:07:15)Josenil e Luiz Car: o chat é muito interessante, que deve ser uma ferrramenta no processode ensino /aprendizagem. (09:08:35) BRÍCIO/FÁTIMA pergunta para Professor: O chat,professor é um momento de grande interação e satisfação do usuário. (09:08:45) vit@l &risoleta fala com Professor: Achamos interessante ateh demais, jamais utilizei paradiscursao sobre tema isolado, tentaremos nas proximas navegadas, escolhermos temascom enfase em educacao superior, pois soh achavamos que Chat só servia para abobrinhas.Valeu professor. (09:08:48) ada e antonio responde para Professor: Usaria sempre utilizandoe incentivando a pesquisa, a organizacao metodologica do conhecimento e , na medidado possivel, para propiciar novas formas de interacao social. (09:08:56) andrea e anapaula fala para Professor: o chat é interessante,mais é preciso que o docente trace suasestratégias e objetivos para que o resultado seja alcançado. (09:12:02) cesar: o chat e beminteressante, so que precisa de uma coordenacao qie origanize os dialogos, se nao hahuma poluicao visual. (09:12:25) rosilene/margarida fala para Professor: É de sumaimportância o processo de aprendizagem, sendo vivenciado de forma interativa.Obrigada.(09:15:49) lucila sorri para Professor: aula torna-se dinâmica e rica possibilitando contatocom vàrias opiniões ao mesmo tempo ‘ seria usada esta tècnica no labòratorio como este.(09:16:18) sonia: A ferramenta (Chat) com certeza além de interessante para a comunicaçãode um grupo independente de ser dentro da prática pedagógica; tanto na sala de aulapresencial como na aula a distância. Com certeza o docente como o discente se não seatualizar na área/informática ficará marginalizado. Enfatizamos ainda a praticidade eeficiência de aplicarmos nas práticas pedagógicas o arsenal disponível para aprendizagem.

g) Intercâmbios pessoais – muitos projetosutilizam a Internet para que os alunos ou gruposde alunos de diversos cursos da mesma escola,de outra escola do país ou de diversos paísesdo mundo possam “falar” eletronicamente comoutros estudantes, professores, especialistas ououtro tipo de “entidades”. Os intercâmbiospodem ser indivíduo-a-indivíduo, indivíduo-a-grupo ou grupo-a-grupo. Os tipos mais fre-qüentes de projetos dessa categoria são: a cor-respondência escolar, as aulas globais, as “apari-ções especiais” eletrônicas, os serviços de per-guntas e respostas e a representação de perso-nagens. É muito atrativo e motivador para os

alunos conhecerem outras culturas, acercarem-se delas e compartilhar experiências, trabalhose projetos. Os estudantes se comunicam median-te correio eletrônico com estudantes de outroslugares. Na sala de aula, preparam os textos(sons e imagens) que pensam enviar e mostramsua revisão para o professor, transmitindo-ospor correio eletrônico. Dessa maneira, conhe-cem outras realidades e praticam outros idiomas.Um exemplo desse tipo pode ser a experiênciaem que os grupos participantes, pertencentes arealidades culturais diferentes, se informam erefletem sobre sua própria identidade cultural,para, daí, conhecer o resto, confrontando sua

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A utilização do chat como ferramenta didática

visão com a imagem que os demais têm sobreesta. Aprendem sobre a cultura dos demaisgrupos participantes e enriquecem a imagemprévia que tinham destes. É importante que oprofessor contate previamente os “companhei-ros de conversação”, selecionando um tempoacordado para a conversação. O professorprecisa comentar com os alunos as expectativas

da conversação com base em um planejamentoprévio detalhado, posto que, se não está dirigida,os alunos só conversarão para socializarem-se.Com o devido planejamento, podem realizar“emparelhamento” a cada aluno com um alunoou pessoa de outro lugar ou grupo, ou um cursocompleto com outro curso de outra localidade.(Quadro 8)

Quadro 8

SUGESTÕES DE USO DO CHAT NA SALA DE AULA

Troca de Mensagens: A partir de um tema ou problema é iniciada uma discussão via chat.

Construção coletiva de texto: o texto pode ser iniciado por um aluno e finalizado por outroaluno.

Seminário: O aluno elabora um relatório sobre determinado assunto e envia para a listade discussão, solicitando participar de um debate numa sala de chat.

Debate virtual: a partir de um determinado assunto, podem-se promover debatesargumentativos com análises prós e contras.

Socialização de pesquisas: realizar num primeiro momento uma pesquisa na Internetsobre um tema sugerido pelo professor e logo após fazer a discussão através do chat.

4. Considerações finais

O chat é um recurso dinâmico como espaçode discussão, mas é preciso que todos os parti-cipantes compartilhem os mesmos objetivos. Emvirtude de uma superlotação da sala, a comu-nicação pode ficar a desejar, pois os partici-pantes não tem respostas às perguntas feitas.Para isso, é importante, após a sessão de chat,que a mesma seja disponibilizada a todos osparticipantes para uma análise mais detalhadae para elaboração de novas colaborações quepoderão ser disponibilizadas por e-mail ou fórumde discussão.

Prado (2001) nos coloca, como uma daspossibilidades de se trabalhar com o chat, a suagravação para leitura e discussão posterior.Segundo a autora, o registro da conversa on-line pode ser tratado como um texto a ser orga-nizado, a ser trabalhado pelo professor junto comos alunos, organizando as questões em catego-rias para serem discutidas e ampliadas.

A partir das interações realizadas no chatcom os professores, ao avaliarmos o uso desta

ferramenta, sua importância e suas possibilida-des de uso pedagógico, podemos destacar comopontos positivos: 1) a possibilidade e importânciade se conhecer a opinião dos outros em relaçãoao mesmo tema, permitindo ampliar a visão doparticipante; 2) o espaço do chat é interessante,pois nem sempre as pessoas sentem-se a vonta-de para colocar suas posições pessoalmente;3) permite trocar informações e interagir comvárias pessoas no mesmo instante, estando elasem diversos lugares; 4) é uma ferramenta deinteração de grupo ou em dupla que nos permitetrocar idéias, atualizando ou consumindo novospontos de vista sobre um determinado assunto,lembrando, porém, que a invasão de pessoasinoportunas pode eventualmente estragar aevolução do conhecimento; 5) é uma ferramentaque permite uma conversa online, ou seja, emtempo real ou simultânea; 6) cria um debatesobre um determinado assunto em online, arespeito do qual os alunos colocam suas expe-riências e expectativas sobre o assunto; 7) pode-se, através de chats, abrir uma discussão emuma aula programada juntamente com os alunos

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e interagir com alunos de outras universidades,outras realidades, novas idéias; 8) um professorpode orientar uma pesquisa para cada aluno,individualmente, executá-la e, em dia e horamarcado, todos entrarem no chat para discutiro conteúdo pesquisado; 9) o chat pode ser umaexcelente ferramenta para os tímidos, permitindoque aconteçam contribuições dessa forma,enquanto pessoalmente não seria possível paraeles colocar um determinado assunto.

O uso do chat como ferramenta de comunica-ção possibilita a troca de informações em temporeal, discussões colaborativas e construções emgrupo. O chat permite interagir e assimilar váriasopiniões a respeito de qualquer assunto. Aocontrário de muitas opiniões, o chat não é ferra-menta para jogar conversa fora. Ele pode, sim,ser usado com finalidade educativa e bem usado.Não podemos esquecer que o chat ainda é umrecurso disponibilizado para poucos – vivemosnum contexto em que a grande maioria vai àescola para comer, outros vão para satisfazeras necessidades ou expectativas de seus pais.Mas, quando mal utilizado, se torna um passa-tempo para pessoas desocupadas que perdemtempo com banalidades.

Algumas situações conflitantes no uso dochat em sala de aula ou a distância exigem umarevisão da forma do seu uso e novas pesquisassobre a utilização do chat como ferramenta didá-

tica. Por exemplo, o professor poderá ter dificul-dades em interagir com várias pessoas ao mes-mo tempo e, também, em interagir a partir daescrita, que demora e exige tempo para organi-zação da mensagem. Ter contato simultanea-mente com várias pessoas ao mesmo tempo éinteressante, pois alguns concordam, outrosdiscordam, mas a presença física não deve sersubstituída em todas as situações, pois nemsempre se pode avaliar e observar a expressãofacial do outro. É preciso criar formas de traba-lhar o texto, evitando um intercâmbio desorgani-zado. Outras dificuldades são: a dispersão dosalunos numa sala de chat por falta de interesseno assunto, as brincadeiras entre os alunos; afalta de autonomia no estudo, levando àdispersão e fuga do assunto.

Cada vez mais se percebe a utilidade dos chatspara o desenvolvimento de trabalhos cola-borativos e discussões focadas, juntamente comas mídias assíncronas e eventuais discussões pre-senciais. Eles permitem um senso de comuni-cação imediata, de presença pessoal (o que seressente na comunicação assíncrona). Os diálo-gos gerados nesta forma de comunicação, quandobem estruturados, podem ser uma boa saída paradiminuir a sensação de isolamento e a distânciatransacional, e questões pendentes podem serresolvidas rapidamente e mal entendidos, solu-cionados.

REFERÊNCIAS

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A utilização do chat como ferramenta didática

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PRADO, Maria E. Educação a distância: os ambientes virtuais e algumas possibilidades pedagógicas.Salto para o Futuro/SEED/MEC. Brasília, DF: MEC/SEED, 2001. p. 20-25. (Tecnologias e educação: novostempos, outros rumos).

Recebido em 02.09.04Aprovado em 16.11.04

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Arnaud S. de Lima Junior

RESUMO

Trata-se de uma reflexão filosófico-antropológica sobre o fenômeno técnico,como base para uma compreensão crítica das tecnologias de comunicação einformação, dando ênfase ao computador em rede. Em conseqüência,explicitam-se seus princípios proposicional e hipertextual para se estabeleceruma relação metafórica com a Educação escolar e o currículo, problematizando-se a base epistemológica deste último. O artigo, enfim, traz uma provocaçãoteórica e visa à instituição de novas práticas educativas e curriculares a partirda generalização da comunicação e informação na Contemporaneidade.

Palavras-chave: Educação – Epistemologia – Currículo – Tecnologias deComunicação e Informação

ABSTRACT

INTELLECTUAL TECHNOLOGIES AND EDUCATION: Makingmore explicit the Propositional and Hypertextual Principles as aMetaphor for Education and Curriculum

This paper articulates a philosophical anthropological reflection upon a technicalphenomenon. We took as a basis, a critical understanding of information andcommunication technologies, stressing the interconnected computer.Consequently, we explicit the propositional and hypertextual principles of ourreflection in order to establish a metaphorical relation with school educationand the curriculum. We problematize the epistemological foundation of thecurriculum. Finally, we made a theoretical provocation as to promote theinstitution of new educational and curricular practices based upon thegeneralization of communication and information in the contemporary world.

Keywords: Education – Epistemology – Curriculum – Information andCommunication Technologies

TECNOLOGIAS INTELECTUAIS E EDUCAÇÃO:

explicitando o princípio proposicional/hipertextual

como metáfora para educação e o currículo

Arnaud S. de Lima Junior ∗

* Doutor em Educação e Comunicação. Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia – UNEB; coordenadorda Linha de Pesquisa “Educação, Tecnologias Intelectuais, Currículo e Formação do Educador”, do Mestrado emEducação e Contemporaneidade – PEC/UNEB. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia -UNEB, Mestrado em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: [email protected]

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Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo

Conceito grego de teckné: uma vi-são histórico-antropológica (a no-ção do imbricamento homemáquina)

Este artigo1 visa especificar uma perspectivanão instrumental e não mecanicista da tecnolo-gia, isto é, defini-la a partir da abordagem dafilosofia grega de técnica, rompendo-se com adicotomia homem-máquina, em nome de umimbricamento “homemáquina”. Em conseqüên-cia, visa demonstrar o computador, dentre astecnologias digitais de comunicação e informa-ção, como tecnologia proposicional. A partirdessas definições, aponto um certo significadoda relação Educação e Tecnologias da Comuni-cação e Informação, enfatizando suas conse-qüências e seus significados para a aproximaçãoe ressignificação da base epistemológica docurrículo.

O significado da relação Educação e Tec-nologias de Comunicação e Informação (TCI),centrado no caráter proposicional do compu-tador, lança as bases para a compreensão econstrução de um novo horizonte para a Educa-ção em geral e, para o currículo, em particular.A dinâmica, característica e lógica de funciona-mento do atual contexto tecnológico de comuni-cação e informação servem como metáforapara uma abordagem do Currículo numa pers-pectiva comunicacional e informacional.

Como o contexto comunicacional e informa-cional contemporâneo foi profundamente ressig-nificado pela emergência das tecnologias digitais,com especial destaque para os micro-processa-dores (computadores) e sua dinâmica de rede,torna-se necessário perceber/compreender/re-fletir sobre os significados dessa emergênciatecnológica a fim de se poder entender quais aspossibilidades que trazem ao se articular/inte-ragir/situar com o mundo pedagógico escolar,especialmente do currículo.

Nessa perspectiva, a tecnologia não é enten-dida apenas enquanto aparato maquínico (basematerial), potencializador do trabalho e de habi-lidades humanas, nem no sentido mecânicooriundo da industrialização, ligado à idéia deprodutividade e de mediação instrumental, senti-do esse que a modernidade forjou com a

potencialização que a ciência trouxe para atécnica, tornando-a mecânica, instrumental euma instância pretensamente independente dasubjetividade humana, fora do contexto cultural,numa vertente da tecnociência moderna(SERPA, 1991). Embora tais dimensões sejampressupostas, a tecnologia abordada aqui retornaà matriz grega de teckné que, segundo JacquesPerrin:

... a teckné designava ‘o método, a maneira defazer eficaz’ para atingir um objetivo (...) [hoje]Retomando o sentido original da teckné, definir-se-ão as técnicas de produção como o conjuntode meios necessários para atingir determinadoobjetivo de produção (...); esses conjuntos demeios são muito diversos, pois vão dos conhe-cimentos e das habilidades às ferramentas e má-quinas, passando pela organização (as empre-sas, por exemplo), as instituições (que fixam asregras e as normas), sem esquecer as represen-tações simbólicas que usamos a propósito dastécnicas, que lhes conferem, a nossos olhos, certovalor (...). Abordamo-las [as técnicas] por váriosângulos, iluminando-as, a cada vez, de maneiraparcial, ao passo que, para entender a históriadas técnicas e tentar imaginar seu futuro, é ne-cessário levar em conta o conjunto de seus com-ponentes (artefatos, conhecimentos, organiza-ções, instituições, símbolos). (apud BAYLE, 1996,104-105).

Logo, a tecnologia tem uma gênese históricae, como tal, é inerente ao ser humano que acria dentro de um complexo humano-coisas-instituições-sociedade, de modo que não serestringe aos suportes materiais nem tão poucoaos métodos (formas) de consecução de fina-lidades e objetivos produtivos, muito menosainda, não se limita à assimilação e à reproduçãode modos de fazer (saber fazer) pré-determi-nados, estanques e definitivos; mas, ao contrário,podemos dizer que consiste em: um processocriativo através do qual o ser humano utiliza-se de recursos materiais e imateriais, ou oscria a partir do que está disponível na natu-reza e no seu contexto vivencial, a fim deencontrar respostas para os problemas de seucontexto, superando-os.

1 Adaptado do primeiro capítulo da minha Tese de Doutora-do (LIMA JR, 2003).

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Arnaud S. de Lima Junior

Nesse processo, o ser humano transformaa realidade da qual participa e, ao mesmo tem-po, transforma a si mesmo, descobre formasde atuação e produz conhecimento sobreelas, inventa meios e produz conhecimentosobre tal processo, no qual está implicado.

Aqui, interessa-me destacar que o ser huma-no, ao vivenciar um tal processo criativo, trans-formativo, tecnológico, também se percebenesse processo, reflete sobre o próprio processo,representando-o para si mesmo e para os outros,de modo que gera conhecimentos específicossobre a tecnologia e sobre a técnica, sobreformas e meios de atuação, expressando-osatravés de linguagens e instituindo-os a partirde interesses diversos e do jogo de poder aíexistente. Tal processo e os conhecimentos quelhe são inerentes são transmitidos, mas tambémsão ressignificados no desenrolar histórico.

Portanto, nesta acepção, técnica tem a vercom arte, criação, intervenção humana e comtransformação. Tecnologia, em decorrência,refere-se a esse processo produtivo, criativoe transformativo. Como já afirmara Marx(1978) sobre o trabalho humano, o ser humano,ao criar artifícios materiais e imateriais paraatuar no seu meio, transformando-o, transforma,também, a si mesmo, ressignificando seu con-texto e se ressignificando com ele.

A tecnologia, portanto, para além de sua basematerial e do enfoque que a ciência modernalhe conferiu, está ligada à idéia de processocriativo e transformativo. Isso, do ponto devista da relação Educação-TCI, significa que,independentemente da presença do suportematerial da comunicação informação no con-texto educacional escolar, a compreensão maisaprofundada do significado da tecnologia paraa educação escolar, em todos os seus aspectos,é essa perspectiva criativa e de transformação.Evidentemente, a presença dos recursos tecno-lógicos é indispensável, mas, desde que osmesmos possam ser entendidos e exploradoscom essa ênfase na criatividade e na metamor-fose (mudança, transformação de si e do con-texto local).

Urge explicitar quais os potenciais de mudan-ças que as TCI trazem para a Educação e para

o currículo, a partir de suas bases científicas,da dinâmica de seu funcionamento e de suascaracterísticas peculiares, já que contrastamcom as bases científicas, a dinâmica e as carac-terísticas da Educação escolar e de currículo e,por isso mesmo, trazem possibilidades de mu-danças.

O processo tecnológico, de acordo com amatriz grega, relaciona e articula indissociavel-mente o ser humano e os utensílios e recursosmateriais ou imateriais por ele criados, de modoque não há como concebê-los como realidadesindependentes, autônomas. A constituição datecnologia (vinculando-a à noção de teckné) eda técnica é humana, já que é conseqüência daação imaginativa, reflexiva e motora do serhumano. Então, inerentemente, é humanizada;bem como, por outro lado, o ser humano é tecno-logizado, uma vez que se ressignifica, recria-see se transforma no processo de criação eutilização de recursos e instrumentos para atuarno seu contexto vivencial.

Logo, refletir a tecnologia é refletir o própriohomem, porque o ser humano está totalmenteimplicado na tecnologia e a tecnologia está total-mente implicada no humano, mesmo no contextodo advento da industrialização, com a tecno-cientifização da sociedade, enquanto uma insti-tuição social, política, econômica, cultural, sim-bólica. Por isso, também, nas reflexões e políti-cas na área de Educação e TCI não se trata dedeslocar a ênfase do humano para o maquínico,nem o inverso, visto que há um imbricamentohomemáquina inevitável e inesgotável, o qualrompe com a visão dicotômica dominante nodiscurso pedagógico e na matriz do pensamentomoderno que o sustenta.

A tecnologia tem uma gênese histórica eantropológica e o ser humano, por seu turno,tem uma gênese histórico-tecnológica (MAR-CONDES, 1998). Esse processo de imbrica-mento homemáquina dá-se ao modo de umcampo virtual, ou seja, enquanto um campo depossibilidades que pode originar, eventual eindefinidamente, qualquer tipo de atualizaçãotanto para o ser humano quanto para a máquina.

A questão tecnológica, a meu ver, para alémdo mero aspecto material e instrumental,

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Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo

constitui-se numa rede de significados na qualo ser humano está implicado. Assim, parece-me que se tornou extremamente necessáriocompreender a lógica e o funcionamento destarede, como metáfora inspiradora ou arquétipode um novo pensar/agir na prática pedagógica,especialmente, na práxis curricular.

Arquétipo, aqui, é recorrente ao pensamentojungiano (2000), pelo menos em dois sentidosespecíficos. Primeiro, porque este largo sentidoda palavra técnica (e do sentido aqui atribuídoà tecnologia) remonta não só ao uso e domíniode ferramentas; mas aos anseios e sonhos pri-mordiais do ser humano que, mobilizando seusdesejos, desencadeia suas atuações e movimen-tos na instituição da vida humana e da realidade,através de seu comportamento, quer individual,quer coletivo. Nesse sentido, diz Antoine Picon:

Certos sonhos da humanidade são muito velhos,como o do automatismo (...). Para compreender aevolução das técnicas e dos valores ligados aelas, portanto, é preciso considerar ao mesmotempo os mais antigos sonhos humanos e assucessivas modalidades segundo as quais elesse transformam. (apud BAYLE, 1996, p. 25-26).

Segundo, esta categoria recorrente é útil nosentido de que, ao tratar da relação educação/TCI, ou currículo e TCI, não é suficiente lidarcom os conceitos, os conhecimentos operacio-nais, mas é necessário lidar com a subjetividadehumana, em seu modo de ser, em seu comporta-mento e funcionamento que traz subjacentecristalizações e introjeções 2 ligadas às intera-ções tecnológicas no contexto histórico-social.

Não basta compreender o significado dasTCI, mas funcionar, viver dentro de sua dinâ-mica, sua inteligibilidade, sua racionalidade, suascaracterísticas e princípios, ressignificando emodificando a própria base psíquica de compor-tamento. Então, as tecnologias atuais de comuni-cação representam não só um conjunto deferramentas e métodos de funcionamento, masuma composição simbólica que atua no desejoe na subjetividade. Não basta pensar a tecnolo-gia, é necessário também funcionar tecnologica-mente. Essa noção está sutilmente presente naconsideração de Antoine Picon: “Um sistematécnico (...) é sempre acompanhado de um

conjunto de conhecimentos, de habilidades, derepresentações, coisas que poderiam ser rea-grupadas sob o termo pensamento técnico latosensu. (apud BAYLE, 1996, p.32).

Entretanto, o dinamismo das TCI constitui-se a partir de princípios científicos, formas desocialização, modos de produção simbólica,historicamente condicionados, de modo que re-presentam os limites, a cosmovisão, o molde,no qual os seres humanos atuam, reagem, vivem,porque os internalizaram através de váriosmecanismos. No caso das TCI, seu dinamismorompe com o modo de ser da Modernidade,criando novas possibilidades que vão atuandona subjetividade humana, naquilo que é consti-tutivo do ser humano. Portanto, essas tecnolo-gias são também composições abstratas e sim-bólicas que vão-se criando como produção ima-ginária, histórico-social, podendo, assim, ter umanatureza arquetípica.

Isto será importante quando da análise dasdificuldades que os educadores têm com as TCI,uma vez que todo esforço se concentra nosaspectos exteriores da questão (interesses políti-co-econômicos, dinâmica do mercado consumi-dor, limites institucionais etc), esquecendo-sedos fatores internos aos sujeitos, cujo modo deser está cristalizado, dentre outras coisas, nodinamismo tecnocientífico da modernidade, como qual quero romper3.

A questão da tecnologia, pois, está revestidade muitas camadas do humano, revelando-secomo um complexo processo de instituição histó-

2 [Do ingl. introjection.] S. f. Psican. Mecanismo psicológi-co pelo qual um indivíduo, inconscientemente, se apossa deum fato, ou de uma característica alheia, tornando-o(s) par-te de si mesmo, ou volta contra si mesmo a hostilidadesentida por outrem.3 Tal constatação leva-me a introduzir a questão da escutapsicanalítica como processo necessário à formação dos edu-cadores na área Educação e TCI, a fim de se possibilitar umtipo de conhecimento e modo de produzir conhecimento queviabilizam a descoberta de si mesmo, dos próprios interessese desejos, dos princípios e mecanismos que explicam o pró-prio comportamento, o próprio modo de ser e de funcionar,processo a partir do qual se pode romper com as repetiçõescomportamentais destrutivas e elaborar novas formas de in-vestimento, na realização de desejos mais construtivos, tor-nando-se co-responsável pela constituição de si mesmo e docontexto social mais amplo com o qual se interage. Apenasmenciono a questão a fim de se apontar outros horizontes dereflexão no âmbito da TCI e Educação.

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rica, social e imaginária, contendo um complexode significados, um nó aberto de possibilidades.(CASTORIADIS, 1982; LÉVY, 1998).

No imaginário pedagógico, fruto da mentali-dade dicotômica, a tecnologia é sempre vistacomo um concorrente do professor, como algoestranho e autônomo que pode lhe tirar o controleeficaz do processo pedagógico. Tal perspectivadesconsidera a gênese histórica e antropológicada tecnologia, gerando resistências, distorções,equívocos e mesmices no trato com as TCI.

Dado que, a partir da perspectiva aqui adota-da, a tecnologia que dá suporte aos processoscontemporâneos de comunicação e informaçãoé da ordem da complexidade, podendo, por issomesmo, ser tratada sob vários aspectos (econô-mico, social, cultural, psicológico etc), cumpre-me delimitar que meu interesse é discutir a basecientífica que fundamenta a dinâmica e a lógicados computadores, principais responsáveis pelageneralização da comunicação e informação, afim de apontá-la como um fundamento paraindicação de possíveis significados e trajetóriaspara o currículo em seu aspecto epistemológico.

Nesse sentido, não serão analisados todosos suportes de comunicação e informação con-temporâneos, mas apenas o computador comouma tecnologia proposicional e, por essa suacaracterística, considerando-o uma nova tecno-logia. Esse seu caráter proposicional, uma vezexplicitado, poderá servir como base parapensar sua relação com o currículo e suasconseqüentes possibilidades de mudança no quese refere aos conhecimentos e aos modos deos produzir e articular.

O computador: uma tecnologiaproposicional

Pierre Lévy (1998) considera qualquertecnologia, dentre as quais os suportes materiaisde comunicação e informação hodiernos e, porsua vez, dentre estes o computador, como sendointelectual porque, numa abordagem cultural,interferem na organização e instituição histórico-social da ecologia cognitiva do ser humano.Ou seja, os dispositivos tecnológicos são tam-

bém elementos instituintes e instituídos da/pelacognição humana, compreendida a partir de umarelação complexa entre indivíduos-sociedade-coisas-instituições, conforme:

Qual a imagem que sobressai desta dissoluçãodo sujeito cognitivo em uma microssociedadebiológica e funcional na base, e de sua imbricaçãoem uma megassociedade povoada por homens,representações, técnicas de transmissão e dedispositivos de armazenamento, no topo? Quempensa? Não há mais sujeito ou substânciapensante, nem “material”, nem “espiritual”. Opensamento se dá em uma rede na qual neurô-nios, módulos cognitivos, humanos, instituiçõesde ensino, línguas, sistemas de escrita, livros ecomputadores se interconectam, transformam etraduzem as representações. (LÉVY, 1998, p.135 -grifos meus).

Contudo, neste trabalho faço uma distinçãoante o conceito de Lévy, ressignificando acategoria tecnologia intelectual, restringindo-a ao computador por sua característica propo-sicional, oriunda de sua base matemática. Cum-pre-me, pois, explicar o computador como umatecnologia proposicional, a partir de sua basematemática e como essa característica exterio-riza o modus operandi (modo de funcionamen-to) do pensar humano e, enfim, suas implicaçõesepistemológicas e curriculares, escopo principaldesta reflexão.

Segundo Robinson Tenório (1991, p. 11), oscomputadores são máquinas abstratas4, pois“Em vez de lidarem com materiais ou energias,como as máquinas da Revolução Industrialfaziam, os computadores tratam informação.”Tais equipamentos têm sua gênese nas má-quinas abstratas de Post e Turing e só podemser compreendidos a partir de sua base lógicade funcionamento.

4 Conceito elaborado por Turing (matemático inglês 1912-1954), foi a base da teoria dos autômatos e da calculabilidade:representada por uma sucessão de instruções que agemseqüencialmente sobre valores de entrada e fornecem valo-res de saída. Portanto, são cálculos matemáticos que produ-zem uma mecânica (movimento físico) no suporte materi-al, a partir do controle da passagem de energia, ao tempoem que permitem uma infinidade de combinações ao usuá-rio. Tais máquinas foram os primeiros protótipos dos atuaiscomputadores, cujo hardware funciona a partir dos progra-mas, os softwares utilizados, os quais são também cálculosmatemáticos traduzidos em linguagem de máquina.

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Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo

Para Tenório, a compreensão das limitaçõesdo computador está relacionada às limitaçõesda lógica formal e suas possibilidades sãorelativas à virada epistemológica da matemática,na qual se baseia o computador. Assim, a des-mistificação do computador e, conseqüentemen-te, o aprofundamento de sua compreensão,dependem da compreensão de sua lógica ou desua dinâmica de funcionamento e, por outrolado, consiste em superar a visão dicotômicaque coloca como pólos antagônicos e mutua-mente excludentes o ser humano e a máquina,ou a cultura e a tecnologia.

O computador, segundo Tenório, tem umaestrutura lógico-operacional, daí explicita suanatureza proposicional ou abstrata. É neces-sário tirar todas as conseqüências da compreen-são da estrutura lógico-operacional a fim detranspô-la para o currículo. São essas estruturaslógicas que Tenório chama de máquinas abs-tratas e Serpa de máquinas proposicionais,as quais utilizarei como sinônimo de tecnologiasinteligentes ou intelectuais, ressignificando eespecificando o sentido destas últimas categoriasutilizadas por Lévy para se referir a qualquertecnologia e, ao mesmo tempo, restringindo-asao âmbito do computador.

É de suma importância a nota feita porTenório a esse respeito: “O excepcional nestesartigos aqui considerados [de Turing e Post] éque ambos, independentemente, antecipam,através desses arquétipos (as máquinas abstra-tas), o funcionamento dos modernos compu-tadores digitais eletrônicos, antes mesmo doaparecimento destes.” (1991, p. 15).

Tenório explica porque denomina as máqui-nas de Post e Turing de máquinas abstratas:

A máquina de Post – e também a máquina deTuring – são estruturas conceituais e, por isso,chamadas máquinas comutadoras abstratas.Poderiam ser construídas com algum materialapropriado mas, não o sendo necessariamente,são máquinas virtuais e não reais; ressalte-se,contudo, que as suas existências, enquanto es-truturas conceituais, asseguram a sua concretu-de, ou seja, a possibilidade de serem conceitual-mente operadas. (1991, p. 41-42 – grifos meus).

Destaco, sobretudo, que as máquinas, sendoabstratas, operam. As abstrações fazem a

máquina funcionar. Os programas das máqui-nas, portanto, as abstrações ou proposições(conceituais/formais ou não formais e matemáti-cas) fazem-na funcionar: “O funcionamento damáquina consiste no movimento do carro e naimpressão ou eliminação de marcas nas casas.Esse funcionamento ocorre de acordo com umconjunto de instruções [algoritmos] que cons-tituem o programa da máquina de Post. (TE-NÓRIO, 1991, p. 43)5.

Esse funcionamento da máquina, por sua vez,provoca efeitos e significações no contexto ondeestá inserido, abrindo um campo de possibilida-des infinitas, ou seja, virtualizando o contexto,engendrando, por seu turno, uma rede aconteci-mental.

As criações de Post e de Turing surgem nomomento histórico em que se coloca a questãoda obtenção de um método mecânico universal(TENÓRIO, 1991, p. 46), além de que aestrutura dessas criações tem implicações parao problema da decidibilidade de Hilbert. Esteaspecto é fundamental para podermos, também,compreender as implicações qualitativas e revo-lucionárias para a educação e o currículo.

As máquinas de Turing e de Post derrubamas pretensões hilbertianas ao demonstrarem queexistem funções não-calculáveis:

1. Não existe método comum para decidir a ver-dade ou falsidade de todas as sentenças lógicasformuladas. Isto porque (...) Gödel mostrou aincompletude de sistemas formais abrangentes.2. Mesmo as sentenças matemáticas demons-tráveis não podem ser provadas a partir de umconjunto de axiomas da lógica formal. Crurch,Post e Turing mostraram a existência de funçõesnão-calculáveis em seus sistemas lógicos.(TENÓRIO, 1991, p. 59).

O desenvolvimento das máquinas abstratase, portanto, também a base de funcionamentodos atuais computadores, estão relacionados aoavanço na matemática no que diz respeito aoseu rompimento com a lógica formal.

5 Trata-se de um invento que contém um suporte móvel,chamado carro, que ao se mover imprime marcas ou carac-teres previamente programados com base em cálculos ma-temáticos; portanto são as operações lógicas e conceituaisque desencadeiam um movimente físico, mecânico.

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Arnaud S. de Lima Junior

Hilbert propõe um programa formalista:1) a matemática é descritiva dos objetos e ela-bora construções, sendo extralógica;2) a lógica é o instrumento articulador das teo-rias formais construídas com os objetos mate-máticos;3) o trabalho matemático deve ser o de elaborarteorias formais consistentes, sempre maisabrangentes, até se conseguir a sua formalizaçãocompleta (...). [A consistência:] Uma teoria for-mal é dita consistente se dentro dela é impossí-vel demonstrar uma proposição e, ao mesmo tem-po, a negação da proposição. Em outras pala-vras, se, numa teoria formal não pudermos teruma proposição verdadeira e falsa ao mesmotempo, então ela é consistente. Note-se que aconsistência se refere ao princípio da não-con-tradição (...). [A completude:] uma teoria formalé completa se toda fórmula construída de acor-do com as regras de formação de teoria édecidível, ou seja, verdadeira ou falsa, a partirdos axiomas dessa teoria. Compare-se com oprincípio do terceiro excluído. (TENÓRIO, 1991,p. 35-36 - grifos do autor).

Mas, em 1931, Kurt Gödel estabeleceu doisresultados que derrubaram a proposta hilbertia-na (TENÓRIO, 1991, p. 36-37):

1) uma prova absoluta de consistência para sis-temas abrangentes (...) é altamente improvávele, seguro, dentro do próprio sistema impossível;2) é sempre possível construir enunciados, apartir das regras de uma teoria formal, que nãosão dedutíveis do conjunto de axiomas de talteoria e, mais ainda, com qualquer conjunto au-mentado finito de axiomas, é sempre possívelconstruir, dentro dessa teoria formal, uma novaproposição indecidível.

Os intuicionistas, antes de Gödel, contribuí-ram para a rejeição da lei do terceiro excluído:“Para os intuicionistas é possível a construçãode proposições com sentido, mas ... nem verda-deiras ... nem falsas. (TENÓRIO, 1991, p. 38).

Qual é a relação dessa descoberta da con-tradição e da complexidade, na realidade ena matemática, com os computadores? Ou,noutras palavras, qual a relação dessa evoluçãoda matemática com o computador?

A resposta está no fato dos computadoresou máquinas abstratas serem operadas combase nesse avanço da matemática que, segundo

as explicações acima, não se reduz à lógicaformal, mas inclui – como na realidade danatureza e do ser humano – a contradição e oterceiro excluído (ou seja, a complexidade),a partir da possibilidade de se construir enun-ciados que tenham sentido, mas que não sejamnem verdadeiros nem falsos e, ao mesmo tempo,de se poder demonstrar, a partir de uma teoriaformal ou de uma proposição, tanto a verdadecomo a falsidade, embora também permaneçaa possibilidade de elaboração de proposiçõesformais.

Deste modo, e exatamente por isso, tais com-putadores são tecnologias proposicionais, nosentido de que só eles se baseiam na matemá-tica não reduzida à lógica formal. Por outro lado,com tal fundamento, os computadores são comoreflexo ou extensão do modo operativo dopensar humano, que é capaz de elaborar abstra-ções formais e não formais, a partir das quaisse atua transformando a si mesmo e ao mundoem seu redor – por isso, essas proposições sãooperacionais ou operativas.

O pensar humano é operativo porque, porum lado, nossas produções abstratas, imaginá-rias e intelectuais, engendram nossas ações eatividades dentro dos variados contextos em quenos encontramos, instaurando mudanças nopróprio contexto e em nós mesmos, em diversosníveis. Por outro lado, tal atividade imaginativae racional constitui-se num tipo de ação ou ativi-dade, ao modo de uma unidade complexa, dialé-tica e dialógica, conflituosa, entre teoria-prática,pensamento e ação.

O computador, por sua vez, exterioriza ereproduz esse modo operativo do pensar humano,pois toda a dinâmica e o funcionamento de suaparte material (hardware) dependem e são en-gendrados dos algoritmos, que são cálculos ma-temáticos que geram e alimentam, constante-mente, os programas (softwares) que, por suavez, são abstrações ou proposições, os quais,ao serem utilizados interativamente pelo serhumano, desencadeiam uma rede aconteci-mental e de significados, já que cada programasuporte das funções computadoras representaalgum sentido para o usuário, servindo-lhe comouma referência que lhe permite encontrar solu-

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ções para os problemas do seu contexto viven-cial, alterando tal contexto e a si mesmo, sendotodo esse processo permeado de interesses,valores, possibilidades cognitivas; todos transi-tórios e diversificados, porém, válidos.

É em conseqüência da compreensão do cará-ter proposicional do computador que podemospensar a sua relação com a Educação, no quediz respeito à questão da práxis curricular, nãono sentido convencional de mera utilização dosuporte material para o aprimoramento e eficáciado modelo formal que serve de base à concepçãoe ao fazer pedagógico da Educação e do currículoescolares; mas, no sentido de estender sua baselógico-operacional à práxis curricular e educa-cional. Isto é, identificando-a e instituindo-a aomodo proposicional, ao mesmo tempo em que,fruto dessa compreensão, explorar/experimentar/vivenciar o suporte material para o desenvolvi-mento e aprofundamento de competências, es-tratégias, dinâmicas e performances que rom-pam, na prática, com a matriz racional modernasubjacente aos modelos curriculares vigentes naeducação escolar brasileira.

O rompimento da matemática com a lógicaformal, que serve de estrutura para o computa-dor, representa um salto qualitativo na compreen-são epistemológica. Importa, pois, considerar asimplicações que essa ruptura epistemológica(base estrutural do computador enquanto tecno-logia proposicional) traz para a questão do co-nhecimento e do seu modo de produção; bemcomo, explicitar seu significado potencial parao currículo. Ou seja, demonstrar as possibilida-des de mudanças que o computador, a partir desua base científica, representa para a concepçãode conhecimento e do modo de produção/cria-ção de conhecimento que dá sustentação aocurrículo escolar – portanto, enfatizando a baseepistemológica da questão.

Epistemologia proposicional: maqui-nização do conhecimento humano

Em resumo, vê-se que a natureza e a gêneseproposicional do computador, enquanto tecnolo-gia de comunicação e informação, emerge como

um fundamento para o entendimento da relaçãoentre a Educação escolar e as TCI para alémde sua possibilidade instrumental, abrindo pos-sibilidades de releitura e de transformações daprática pedagógica e do currículo, discutido aquido ponto de vista epistemológico.

A virada matemática de Gödel, que está nabase do computador, tem uma relevância epis-temológica que se constitui, ao mesmo tempo,no elemento fundamental e fundante da compre-ensão das possibilidades que a tecnologia propo-sicional traz para a educação e para o currículoque, em certo sentido, independe do aparatotecnológico disponibilizado no sistema educacio-nal, mas servindo como metáfora e uma lógica/inteligibilidade na concepção e desenvolvimentoda educação e, especificamente, da prática cur-ricular.

Isto significa que, mesmo sem a presençados suportes materiais da comunicação e dainformação contemporâneos, pode-se ter umapostura e um agir tecnológico comunicacional/informacional no âmbito educativo, como reflexode sua articulação dialética com o contexto tec-nologizado da sociedade em geral, a partir daapropriação de seu modo de funcionamento, desuas características e, particularmente, de suabase científica. Cabe, portanto, explicitar sinteti-camente as implicações epistemológicas datecnologia intelectual.

O primeiro núcleo de considerações episte-mológicas é relativo ao próprio conceito deconhecimento. No enfoque tradicional da lógicaformal – vigente na Modernidade e com o qualas dinâmicas da tecnologia proposicional rom-pem – o conhecimento consiste em leis exterio-res ao ser humano, pertencente à realidadenatural fora do homem, pretensamente capta-das através de abstrações lógico-matemáticas,expressas em conceitos e/ou sentençasmatemáticas, supondo-se sempre uma identi-dade entre tais leis e a realidade, conferindo aesta última uma estrutura lógico-formal; comosendo algo regular, estático, organizado coe-rentemente, plenamente apreensível e exprimí-vel através de linguagem matemática; analisávela partir de divisões ou fragmentos e, por conse-guinte, plenamente manipulável e controlável.

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Nessa acepção tradicional, o conhecimentose refere ao processo de instituição de leis abs-tratas para explicar a realidade exterior, aomesmo tempo em que se refere ao processo deredução e simplificação da realidade a taisestruturas abstratas, concebidas de modo frag-mentado, quantitativo, seqüencial, conceitual.

Essa matriz epistemológica consiste nummodelo de racionalidade da ciência moderna,constituído a partir da revolução científica doséculo XVI e está subjacente a toda concepçãoe prática curricular, especialmente ligadas aocapitalismo6 e presentes em todas as pedago-gias, das reprodutivistas às críticas, todas inspi-radas na mesma matriz científica e epistemo-lógica. Conforme Boaventura Santos (1998, p.10), trata-se: “... de um modelo global deracionalidade científica que admite variedadeinterna mas que se distingue e defende, por viade fronteiras ostensivas e ostensivamente poli-ciadas, de duas formas de conhecimento pertur-badoras e intrusas.” (grifos meus). Essa racio-nalidade é um modelo totalitário, que nega ocaráter racional a todas as formas de conheci-mento que não se organizam pelos seus princí-pios epistemológicos e por suas regras meto-dológicas.

De acordo com esta perspectiva tradicional,ainda hegemônica no âmbito educacional,embora em profunda crise e esgotada, o ele-mento “racional” é relativo ao “científico”, nasua base lógico-formal. Quando a educaçãoescolar e suas respectivas expressões curricula-res, ao longo de seu desenvolvimento no períodomoderno, centram-se no conhecimento formal,tornam-se, portanto, exclusivamente relativas edependentes dessa epistemologia científica,totalitária.

Entretanto, a meu ver, e diferentemente doque está implícito em Santos, surge uma questãofundamental: o rompimento com essa racionali-dade não está em reconhecer esse mesmo cará-ter racional em outras formas de conhecimento,pois, desse modo, se reafirma sutilmente e demodo mais refinado a hegemonia da razão cientí-fica. Trata-se, ao contrário, de se identificar ereconhecer que outras formas de conheci-mento têm sua racionalidade ou inteligibi-

lidade própria, distinta e que convivem nocenário histórico-social, cada uma com suasregras, convenções, métodos (modo de seproduzir) próprios. Cada uma cumprindo deter-minadas funções sociais, gerando leques depossibilidades, contendo também limitações eimpossibilidades.

A questão epistemológica não está, pois, emse ampliar a razão científica a outras modali-dades de conhecimento, mas em compreenderas diversas razões que convivem no cenárioexistencial humano, histórico-social.

Por outro lado, conseqüentemente, a questãoeducativa (e curricular) consistirá em se convi-ver/transitar por essa diversidade epistemológica,instaurando novas formas e critérios para aprodução social de conhecimentos e para aformação humana, neste contexto que tambémguarda relações com a emergência das tecnolo-gias proposicionais. Esse processo, necessaria-mente, tem um potencial de alterações nainstituição da educação escolar e do currículo.

O currículo moderno, isto é, a concepção eprática curricular que se instituiu e se desenvol-veu na Modernidade, tem sua base epistemoló-gica nos traços principais dessa racionalidadecientífica, que são:– sua visão do mundo e da vida se reconduz a

duas distinções fundamentais: a primeira,entre conhecimento científico e conhecimen-to do senso comum, a segunda, entre natu-reza e pessoa humana. Considera as evidên-cias da nossa experiência imediata, que es-tão na base do conhecimento comum, ilusó-rias. (SANTOS, 1998)

– o conhecimento científico avança pela ob-servação sistemática e rigorosa dos fenô-menos naturais, dessa forma opõe a razãoentregue a si mesma à certeza da experiên-cia ordenada;

– as idéias que presidem à observação e àexperimentação são as idéias matemáticas:

6 Não apenas como um modo de produção econômica, mas,como diz Ciro Marcondes (1992), enquanto um modo capi-talista de ser que, partindo dos elementos macro-estrutu-rais, acaba também atingindo a subjetividade humana, pro-duzindo, através de inúmeros mecanismos, a inculcação e acristalização de um modo de ser e de atuar capitalista.

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Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo

“A matemática fornece à ciência moderna,não só o instrumento privilegiado de análise,como também a lógica da investigação, comoainda o modelo de representação da própriaestrutura da matemática”. (SANTOS, 1998,p. 14);

– duas conseqüências derivadas desse lugarcentral da matemática: primeiro, conhecersignifica quantificar, pois, conforme Santos(1998, p. 15), “O rigor científico afere-se pelorigor das medições. As qualidades intrínse-cas do objeto são, por assim dizer, desquali-ficadas e, em seu lugar, passam a imperaras quantidades em que eventualmente sepodem traduzir”;

– segunda conseqüência, ainda conforme San-tos (1998, p. 15): o método científico assen-ta na redução da complexidade: “Conhecersignifica dividir e classificar para depois po-der determinar relações sistemáticas entreo que se separou”.

– distingue “condições iniciais” e “leis da na-tureza”;

– trata-se, pois, de “... um conhecimento cau-sal que aspira à formulação de leis, à luz deregularidades observadas, com vistas a pre-ver o comportamento futuro dos fenômenos”(SANTOS, 1998, p. 16).

– as leis são categorias de inteligibilidade quese baseiam num conceito de causalidadeescolhido entre os oferecidos pela físicaaristotélica;

– uma vez que é um conhecimento que sebaseia na formulação de leis, tem como“pressuposto metateórico a idéia de ordeme de estabilidade do mundo, a idéia de que opassado se repete no futuro;

– essa forma de conhecimento está na baseda idéia de progresso da sociedade capita-lista, vendo, portanto, na ordem e na estabi-lidade a pré-condição da transformaçãotecnológica do real.Nessa perspectiva, também, enfatiza-se a

realidade exterior enquanto o lócus do conheci-mento (as leis de seu funcionamento e existên-cia), privilegiando assim o “objeto do conheci-mento” no processo de produção do conheci-mento, descuidando-se tanto do “sujeito doconhecimento” quanto do processo histórico que

relaciona e articula a ambos. Em conseqüência,ainda, um tal processo é visto como imutável,definitivo, verdadeiro em termos absolutos,invariável, monádico7, acabando também por setornar mágico, porque plenamente eficaz, coe-rente, permitindo o pleno acesso à realidade e àsua manipulação e acima da história e da tramahumana, social e individual.

Com o salto qualitativo de Gödel, observa-seque a lógica formal – substrato da racionalidadecientífica – não explica tudo que ocorre na rea-lidade que, portanto, não pode ser reduzida à ló-gica formal. Também a matemática não podecumprir com tal programa, de modo que deixade identificar-se com a lógica formal, passandoa ser vista como criação humana limitada e, comotal, não pode se pretender a verdade única, defi-nitiva e universal, ao mesmo tempo em que oconhecimento também não pode se polarizar naracionalidade científica tradicional, passando aser visto como um processo histórico-social quearticula e combina o sujeito, o objeto, as formase os meios que os engendram. Desta perspectiva,deriva-se a compreensão de que o conhecimentonão está fora do homem, como também a reali-dade, mas é instituído a partir dele e de seu modode percepção, de comunicação e de funciona-mento.

Todo conhecimento, portanto, é entremeadode subjetividade, uma vez que emerge a partirde desejos, interesses, valores, modo de percep-ção, linguagens, atribuição de significados, arti-culados no contexto vivencial e interno dosujeito. O objeto do conhecimento, pois, é umacriação do sujeito, ou melhor, é uma criação naqual a subjetividade está totalmente implicada.Falar do objeto (descrevê-lo, narrá-lo, compreen-dê-lo, atribuir-lhe finalidades etc), é tambémfalar do processo e mecanismos internos aosujeito que o instituiu.

7 Relativo a Mônada. [Do lat. tard. monade (monas, adis <gr. monás, ádos, ‘único’).] S. f.1. Biol. Organismo ou unidade orgânica diminuta e muitosimples.2. Filos. Segundo Leibniz (v. leibniziano), cada uma dassubstâncias simples e de número infinito, de natureza psí-quica (dotada de apercepção e apetição), e que não têmqualquer relação umas com as outras, que se agregam har-moniosamente por predeterminação da divindade, consti-tuindo as coisas de que a natureza se compõe; enteléquia.

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Boaventura Santos, embora refletindo sobreo novo estatuto do conhecimento científico, traza noção de auto-conhecimento (1998, p. 52). Mas,isso vale para o conhecimento em geral: todaforma de conhecimento é autoconhecimento. Estadiscussão se refere à relação sujeito/objeto e aoquestionamento do status quo metodológico eàs noções de distância social em que ele assenta.Hoje, percebe-se, a partir de descobertas científi-cas e pela emergência de fenômenos contempo-râneos, a continuidade entre sujeito/objeto, demodo que se torna recorrente o questionamentometodológico e da problemática da primazia doconhecimento científico.

Esta consideração tem um desdobramentona concepção de conhecimento, logo umdesdobramento epistemológico imediato:

A ciência moderna não é a única explicação pos-sível da realidade e não há sequer qualquer ra-zão científica para a considerar melhor que asexplicações alternativas da metafísica, da astro-logia, da religião, da arte ou da poesia. A razãopor que privilegiamos hoje uma forma de conhe-cimento assente na previsão e no controle dosfenômenos nada tem de científico. É um juízo devalor. A explicação científica dos fenômenos é aauto-justificação da ciência enquanto fenôme-no central da nossa contemporaneidade. A ciên-cia é, assim, autobiográfica. (SANTOS, 1998, p.52).

O uso social que se faz do computador edas redes de comunicação e informação temessa característica, pois toda produção nestecontexto é autobiográfica, uma vez que remeteaos desejos, interesses dos que interagem narede, a partir de competências, formas de co-nhecimento, experiências e tipos de aprendi-zagem os mais diversos.

No contexto comunicacional e informacional,pode-se escolher as trajetórias, os tipos de troca,a aplicabilidade das informações, partindo-se dodisponibilizado e programado, assimilando-os,portanto, mas, ao mesmo tempo, atingindo-senovas configurações de significados, de co-nhecimentos, de textos, de aprendizagens, devivências, num permanente transitar/produzir(pelas) paisagens de sentido. (LÉVY, 1998).

A subjetividade do conhecimento não ésubjetivismo, porque, embora o conhecimento

não consista em se buscar a identidade entreleis abstratas e os fenômenos da realidade, todosentido produzido a partir da interioridade dosujeito visa algo bem concreto, que é incidirsobre a vida, melhorando e respondendo àsdemandas contextuais, materiais, imateriais(espirituais) da vida, em sua complexidade.

Então, a subjetividade do conhecimento su-põe a objetividade, que também não se inscreveno estabelecimento de leis abstratas, uniformese universais, acima da história, da sociedade,da cultura e do indivíduo (objetivismo). Mas,objetividade no mesmo sentido de ter implica-ções na vida concreta, cotidiana, contextual,histórico-social; portanto, respondendo a inte-resses e demandas humanos bem concretos esituados no tempo e no espaço, no entre-lugardas relações intersubjetivas, dos conflitos, dasnegociações, da dinâmica da vida.

Nesse sentido, sobre a ciência, BoaventuraSantos (1998) identifica que esta não busca maisa sobrevivência, a partir do domínio do modode funcionamento do mundo, mas a compreen-são do mundo, a fim de se viver melhor.

Essa noção, que hoje emerge na racionali-dade científica, já estava presente milenarmentenoutras racionalidades, como é o exemplo doconhecimento oriundo da fé judaica, depreen-dida das narrativas bíblicas do Antigo Testamento(A.T.), e da fé cristã, a partir da ênfase que sedá no mistério da encarnação, contido nosrelatos do Novo Testamento (N.T.), que, segun-do os exegetas, é o escopo do A.T., já que tudoo que se narra daquele contexto religioso é figurado que se realiza no evento Jesus Cristo8.

Na experiência religiosa judaica, o povotomava consciência de sua experiência com adivindade, tratando-se de uma vivência comDeus. Dessa tomada de consciência, vividanuma dimensão de fé, emergiam princípios enoções alheias a sua experiência históricaanterior, que inclusive rompiam com sua lógicae sua mentalidade, tais como a noção de justiça,de serviço, de amor, cuja validade estava em se

8 Para aprofundar essa questão, para além dos comentáriosespecíficos e úteis à minha argumentação, ver: Bentzen(1968), Gopegui (1977), Goffi e Secondin (1992).

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Tecnologias intelectuais e educação: explicitando o princípio proposicional/hipertextual como metáfora para educação e o currículo

traduzir numa mudança da vida humana, noplano pessoal, coletivo, moral, econômico, polí-tico etc. Trata-se de viver segundo os princípiosinstituídos a partir da experiência de uma aliançacom Deus. Logo, a subjetividade do conheci-mento da experiência de fé não é uma formade alienação, ou de fantasia, nem de anulamentoda personalidade.

No N.T. também se vê que a fé cristã, entreoutros fundamentos, baseia-se no mistério daencarnação. Sem entrar em maiores argumen-tos teológicos para explicar tal questão, destacoa idéia recorrente de que “o Deus se encarna”.Isto é, faz-se homem, assume a humanidadesem perder sua divindade. Torna-se divino ehumano, com isso, entra na história humana poruma aliança de amor, fazendo com que a di-nâmica da vida divina se misture com a dinâmicada vida humana, abrindo um horizonte infinitopara o desenvolvimento da humanidade.

Nesse relato, a fé mais uma vez não sesepara da vida, mas deve acontecer nela. Temum caráter transcendente, porque projeta odesejo humano para algo além do material e, aomesmo tempo, imanente, porque começa, de-senvolve-se e se plenifica na própria humani-dade, a partir de si mesma, isto é, de seus con-dicionantes: a história, a cultura, a sociedade.

Nessa perspectiva religiosa, a humanidadese modifica, passando por mudanças qualita-tivas ao longo de sua história, movida pelo desejode realizar na vida tudo que se apreendeu e secompreendeu dessa experiência de união comDeus e de Deus com os seres humanos, numprocesso permanente de luta, de tensão, decriatividade (Deus e os seres humanos, juntos,atualizam a criação do mundo, da vida, da fé).A fé aqui, seguindo o evento fundante JesusCristo, tem que ser encarnada; isto é, implicaro ser humano e a própria vida através do tempo.Retoma-se sobre outras bases o mesmofundamento da experiência judaica.

Os místicos da fé cristã costumam falar desuas experiências usando metáforas, porque alinguagem usual da cultura não dá conta, comexatidão, do significado dessa experiência. Poroutro lado, a razão dominante no contextocultural da experiência religiosa, que é também

o substrato do modo de pensar da comunidadede fé, esforça-se por entender a fé e o dado dacomunicação divina na história humana, emboraa fé pertença a uma outra esfera de sentido,supondo outro tipo de lógica, daí o esforço daunidade fé/razão da teologia contemporânea.

Observe-se, pois, nesse processo, que se tratade articular modalidades distintas de conheci-mento, de inteligibilidades, traduzindo por suavez o esforço humano de compreender a simesmo na vida de fé, recorrendo, para isso, amecanismos, estratégias, métodos e saberesque são inerentes ao desenvolvimento complexoe multidimensional de sua vida e de sua historia.Trata-se, nesse processo de produção de senti-dos, de um transitar por referências distintas,de jogar com tais referências, de modo que oconhecer exprime-se como algo da ordem doeventual, do rizomático (rede), do virtual e dohipertextual.

Para Boaventura Santos, entretanto, afinalidade do conhecimento científico é tornar-se saber prático, uma vez que ensina a viver.Enfatiza que o paradigma emergente do co-nhecimento instaura um processo multirrefe-rencial que tem no diálogo, entre as modalidadesde conhecimento, principalmente com o sensocomum, sua característica marcante e a possi-bilidade da racionalidade do conhecimentohumano. Neste caso, racionalidade não signi-fica mais a objetividade atingida através de leisabstratas universais, mas na permanente tessi-tura de articulações, diálogos, entre os tiposde conhecimento a fim de se dar sentido àvida, à existência humana, historicamente.

A partir daí, entendo que, na rede aconteci-mental que hoje constitui a produção de co-nhecimento, enquanto produção de sentido eenquanto caracterizada pelas inter-relações dosdiversos saberes, pelo jogo que o tecer socialestabelece entre eles a partir de contextos espe-cíficos, cada modalidade de conhecimento temsua inteligibilidade, portadora de possibilidadese limites, mas, ao mesmo tempo, reconhecendoalguma característica comum a todas elas: volta-se para as questões existências, enquantorespostas às demandas, necessidades e interes-ses da vida, dando a todo conhecimento um

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caráter prático. Ao mesmo tempo, isto tambémremete à explicitação dos modos sociais deproduzi-lo e de comunicá-lo; tornando-o refle-xivo e auto-referente (recursivo), em perma-nente transformação por seu vínculo com arealidade, complexa e dinâmica, em um fluxoaberto, nunca definitivo e nem final.

Para Santos, a ruptura epistemológica pós-moderna consiste em estabelecer uma racionali-dade feita de racionalidades (1998). Nisso elepermanece moderno, porque ainda pensa emtermos de uma única e suficiente metanarrativaque contenha todas as racionalidades, sendo talmissão a vocação da ciência pós-moderna.

Ao contrário, romper com esse esquemaepistemológico moderno (muito ao modo doprograma hilbertiano) consiste em permanecerna diversidade e singularidade de cada tipo desaber, ao mesmo tempo em que confere a cadaum deles o estatuto de conhecimento, tudo issonum permanente exercício epistemológico deconvivência, diálogo, combinações, jogo, ten-sões, não construído a partir de exigência lógicaapenas, mas a partir dos problemas contextuaisda vida humana, histórico-social – pano de fun-do de toda trama do conhecimento e de seusmodos de instituição.

Não se trata de dar hegemonia a uma racio-nalidade que contenha as demais, mas de sesuperar o princípio hegemônico no campo epis-temológico por uma convivência/co-existênciadas racionalidades como princípio histórico dosprocessos de produção de conhecimento dahumanidade.

Assim, torna-se cada vez mais necessárioconviver com a incerteza, como forma de com-preender a dinâmica mesma da vida e de lidarmelhor com ela. Não só do ponto de vista daciência, mas do conhecimento de um modo geral.

Mais uma vez, torna-se recorrente o arqué-tipo como metáfora do conhecimento, pois,como visto na citação acima, o conhecimentocientífico, de um lado, corresponde ao maisantigo sonho e desejo da humanidade de atuarna realidade de modo seguro, de explicação dosentido da vida; de outro, como é próprio dodesejo humano, nunca se realiza plenamente,de modo que a atualização histórica do arquétipo

no período moderno, com a ciência moderna,torna-se também um delírio, quando pretende aplena justificação e realização do sonho e dodesejo na escrita da ciência, com sua gramáticae seus cânones.

Então, tinha-se uma cristalização no conheci-mento como formalização abstrata (objetiva) deleis e, atualmente, rompendo com tal cristaliza-ção, a possibilidade do transitar e da interaçãoentre os saberes, num jogo aberto entre asracionalidades distintas, como um novo momentode instituição histórico-social do conhecimento,mas sem perder de vista seu caráter de atuali-zação histórica, ao modo de uma nova inscriçãodo arquétipo original, que embora venha àsuperfície da história numa forma concreta deconhecimento, como satisfação parcial da buscade sentido e de explicação da vida e do real,tem também seu lado de fantasia e de delírio,porque a vida e a realidade, e o próprio modode conhecer, são transitórios, sujeitos aos impre-vistos e à dinâmica interminável da história.

A produção de conhecimento não é umprocesso de simplificação, mas é contextual ecomplexo. Na realidade, o ser humano, indivi-dual e coletivamente, é desafiado a encontrarsaídas e respostas aos problemas colocados porsuas demandas, necessidades, interesses (ma-teriais e imateriais), dentro de certos contextosexistenciais, condicionados e marcados peloespaço-tempo, em contínua relação consigomesmo e com os outros, semelhantes ediferentes de si mesmo.

Nesse processo, percebe a si mesmo emmúltiplas relações e atuações, traduzindo talpercepção em linguagens, a fim de comunicá-la. Desse modo, institui saberes diversos e es-pecíficos, a partir de diferentes fontes subje-tivas (percepção sensorial, imaginação, emoção,raciocínio, abstração, inconsciente) e objetivas(tudo do exterior com que interage e se articulade forma variada), que são articulados e combi-nados no contexto, a depender das necessidades,demandas e interesses, sempre abertos e dinâ-micos. Nessa rica vivência, humanizando-se ehumanizando o mundo, porque o transforma ese transforma ao modificá-lo, dependendo inevi-tavelmente dessa relação para sobreviver e

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implicando-se em tudo que cria.Tudo isso tem a ver com a operatividade

da mente humana que, historicamente, vaiinstituindo modos específicos de respostas àvida, produzindo modos de viver, sentidos e oscorrespondentes tipos de conhecimento. É,justamente, essa operatividade que se exterio-riza no computador como máquina proposicional,porque relativa à superação do conhecimentocomo um pensar formal sobre a realidade esobre as possibilidades de atuação do ser hu-mano na realidade, em vista de um conheci-mento que só tem sentido dentro de determinadocontexto histórico e a partir da subjetividadehumana que o institui em um jogo entre as diver-sas racionalidades.

Vê-se, assim, o processo de produção deconhecimento e o próprio conhecimento comoteckné e, por outro lado, é este amplo significadomaterializado nas redes digitais de comunicaçãoe informação que serve de base para pensar ocurrículo. Sob essa visão é que se pode compre-ender e desenvolver potenciais de mudançasque o computador e suas redes de comunicaçãorepresentam para a educação como um todo.

Nesta perspectiva epistemológica, os co-nhecimentos que emergem como inscrições his-tóricas são transitórios, contextuais, subjeti-vos, complexos. O conhecer, portanto, nãoimplica em estabelecer regras definitivas,regulares, ordem fragmentada, seqüência linear,previsão, verdades absolutas, como forma per-feitamente coerente de representação do real.Mas, ao contrário, implica num atribuir sentidoe significado ao real de modo irregular, variável,

com diversas possibilidades de organização daprópria representação do real (diversas ordens),que é instável na medida em que se instituicontextualmente.

Trata-se, ainda, da produção de significa-dos, a qual combina e joga com modos distintosde instituição e elaboração, ou seja, trata-se detipos diferentes de conhecimento, cada um comnormas e regras diferenciadas que vão se articu-lando a partir do um contexto problemático/pro-blematizador. Tais conhecimentos são verdadesna medida em que se traduzem em respostasconcretas às demandas de desejo, necessidades,oriundas do contexto vivencial; na medida em quese traduzem em melhoria da vida humana. En-tão, trata-se de validade do conhecimento, quese negocia e ressignifica na própria dinâmica davida e da história humana, a partir de contextoslocais.

Conhecer é, ainda, cruzar/articular/jogarcom essas possibilidades, não a partir de umaexigência teórica, mas das demandas existenciaise contextuais. Qual das modalidades de conheci-mento será mais importante, dependerá docontexto, da situação, que acionará num dadomomento este ao aquele tipo de conhecimento,ou alguns deles, ou todos os que estiverem dis-poníveis, ou a serem criados. Então, conhecer éuma ação aberta, flexível, histórica, que acon-tece, até certo ponto, de modo rigoroso, previ-sível, consciente, estável, pois, ao mesmo tempoe a partir de certo ponto da situação, torna-sealtamente criativo, original, fruto da imprevisibi-lidade e do caráter inusitado, irregular, caóticoda situação/contexto.

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Edméa Oliveira dos Santos

RESUMO

Iniciamos um novo milênio num contexto complexo e multifacetado de agencia-mentos sócio-técnicos. Nesse contexto, emergem debates críticos queproblematizam a fragmentação do conhecimento humano em diversos campose espaços de trabalho e aprendizagem, pondo em xeque a organização curriculardesses espaços. Este texto é um convite à discussão acerca do campo docurrículo, de sua parceria com a ciência moderna, dos desafios para gestão denovas práticas curriculares coerentes com o nosso tempo, apontando limites epossibilidades de abordagens de articulação de saberes, como, por exemplo, asabordagens: multidisciplinar, pluridisciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar emultirreferencial.

Palavras-chave: Currículo - Disciplinaridades - Multirreferencialidade

ABSTRACT

LABYRINTHIC IDEAS ABOUT CURRICULUM

We initiate a new millennium in a complex and multiple contexts of social technicalarrangements. In this context, critical debates which problematized the splittingup of human knowledge in various areas and spaces of work and learning arestanding out. They put in check the curricular organization of these spaces. Thispaper open the debate about the curricular area and its partnership with modernscience, its challenges to manage new curricular practices, coherent with ourtimes, showing the pros and cons of the knowledges articulation approach, asfor example: multidisciplinarity, pluridisciplinarity, interdisciplinary,transdisciplinarity and the multireferential approach.

Keywords: Curriculum - Disciplinarities - Multireferentiality

IDÉIAS SOBRE CURRÍCULO,

CAMINHOS E DESCAMINHOS DE UM LABIRINTO

Edméa Oliveira dos Santos *

* Doutoranda pela FACED/UFBA, atualmente pesquisa a relação entre a cibercultura e a formação de professoras.Endereço para correspondência: Av. Paralela, Cond. Vilas do Imbuí, Ed. Jaciara, ap 102, Salvador, Bahia. E-mail:[email protected]

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Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto

LABIRINTO

Não haverá nunca uma porta. Estás dentroE o alcácer abarca o universo

E não tem nem anverso nem reversoNem externo muro nem secreto centro.

Não esperes que o rigor do teu caminhoQue teimosamente se bifurca em outro,Que teimosamente se bifurca em outro,

Tenha fim. É de ferro teu destinoComo teu juiz. Ao aguardes a investida

De touro que é um homem e cuja estranhaForma plural dá horror à maranha

De interminável pedra entretecida.Não existe. Nada esperes. Nem sequer

A fera, no negro entardecer.

(Jorge Luis Borges)

No campo da educação, o currículo traz dis-cussões polissêmicas enraizadas nos discursosde variados espaços-tempos-históricos. Há adefinição mais simples, que se refere meramen-te ao elenco de disciplinas de um curso. Mashá também percepções complexas, que dizemrespeito a conteúdos curriculares e a sua gestão,sua relação vivida entre os sujeitos e o conheci-mento. No entanto, a noção de currículo acabareduzida, quase sempre, ao elenco ou disposiçãode conteúdos. É preciso então insistir no debateque vai a fundo, discutindo currículo explicito eoculto, formal e informal, currículo desejado ecurrículo real, em sintonia com os saberes docotidiano, populares, empíricos, científicos.Acima de tudo, é preciso enfatizar que o currí-culo não é um conceito, mas uma construçãocultural, jamais um conceito abstrato que tenhaalgum tipo de existência fora ou anterior àexperiência humana.

Ao longo da minha experiência docente,venho pesquisando acerca do significado docurrículo em diversos espaços de aprendizagem:escolas, universidades, ciberespaço. Vejamosalguns exemplos que expressam a concepçãoda grande maioria dos professores e professorascom quem interagi:

– Conjunto de itens que caracterizam a organi-zação de uma proposta pedagógica. São os

objetivos, as metas, a direção do processoensino-aprendizagem.

– Currículo é um ‘documento’ onde a escolaexpressa a sua proposta educativa. É a gradecurricular com as suas ementas.

– São um conjunto de disciplinas. As institui-ções seguem orientações do MEC, procuran-do adaptar a sua realidade local.

– Conjunto de habilidades que devem ser ad-quiridas através de disciplinas teóricas e prá-ticas.

– São as normas de uma instituição elabora-das por todo o corpo docente e administrati-vo da escola, visando o aprendizado do alu-no para que o mesmo seja crítico, conscientee livre.

Sendo o currículo uma prática social queagrega a diferença humana, não é estranho en-contrarmos representações tão diferentes, refle-tindo concepções diversas, seja da educação,do social, do político e do cultural. Essas dife-renças estão diretamente relacionadas às expe-riências teórico-práticas dos sujeitos que atuame configuram os diversos espaços de aprendi-zagem. Contudo, as representações acima ex-pressam, na sua grande maioria, a idéia decurrículo ilustrada no dicionário, matérias de umcurso. Essa idéia reduz o campo do currículo aidéia de programa, “seqüência de ações prede-terminadas que só pode se realizar num ambien-te com poucas eventualidades e desordens”(MORIN, 1999, p. 220).

A tentativa de programar, ordenar e encadearos processos de construção curricular tem seusfundamentos num modelo produtivo, que frag-mentava o processo de produção, não aceitandomudanças ao longo do processo. Tudo issoestruturado por um conhecimento científico ba-seado nos princípios de “relação causa-efeito”,“separação entre sujeito e objeto do conheci-mento”. A ciência moderna buscava os fatosindependentemente da sua temporalidade econtexto histórico-cultural. A parceria entre capi-talismo industrial e ciência moderna influencioua concepção de currículo que ora criticamos.Segundo Doll (1997, p.53):

O caráter gradual do progresso e o encadeamentolinear do desenvolvimento foram transportados

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para a teoria educacional e do currículo. Supu-nha-se, e ainda se supõe, que o currículo deveser organizado em passos graduais. Lacunas,rompimentos ou furos não só estão ausentes docurrículo como também são vistos exclusivamen-te em termos cumulativos, como mais longo otempo, mais aprendizagem se acumula.

O currículo, nesta perspectiva, é visto comouma experiência acumulativa, descontextualiza-da, com objetivos comportamentais definidos apriori, pautado em conteúdos definidos exterior-mente, fora do contexto sócio-histórico dos sujei-tos da aprendizagem. Essa construção culturalde currículo vem sendo questionada na contem-poraneidade, dentre outros motivos, devido àprópria crise da ciência moderna e pela emer-gência de novos espaços de trabalho e aprendi-zagem, muitos destes estruturados pelo paradig-ma digital. Nesse contexto, elenco a seguir novasidéias sobre o currículo na contemporaneidade:

O currículo é uma construção de atores e atrizeseducativos de natureza ideológica, plural e en-carnada. Dessa forma é histórico e contextuali-zado. Constitui um processo identitário das prá-ticas educativas de uma instituição, em meio àdiversidade das suas relações. É um processode socialização dialógica e dialética, constitui-se, portanto, na interação. Em sendo uma cons-trução sócio-cultural e histórica, o currículo nu-tre-se da sua irremediável natureza mutável. Ocurrículo possibilita a formação: técnica – cons-trução/apreensão de conteúdos/saberes; ética– âmbito dos valores; política – campo das op-ções, dos interesses e luta do poder nas suasdiversas manifestações. (MACEDO, 2000, p. 43).

O currículo não é veículo de algo a ser transmiti-do e passivamente absorvido, mas o terreno emque ativamente se criará e produzirá cultura. Ocurrículo é, assim, um terreno de produção e depolítica cultural, no qual os materiais existentesfuncionam como matéria-prima de criação e, so-bretudo, de contestação e transgressão. (SIL-VA; MOREIRA, 1995, p. 28).

Processo social que se realiza no espaço con-creto da escola, cujo papel principal é o de con-tribuir para o acesso, daqueles sujeitos que aíinteragem, a diferentes referenciais de leitura demundo e de relacionamento com este mesmo

mundo, proporcionando-lhes não apenas um las-tro de conhecimentos e de outras vivências quecontribuam para a sua inserção no processo dahistória, como sujeito do fazer dessa história,mas também para a construção como sujeito (qui-çá autônomo) que participa ativamente do pro-cesso de produção e de socialização do conhe-cimento e, assim, da instituição histórico-socialde sua sociedade. (BURNHAM, 1998, p. 37).

As diversas abordagens acima coincidem notratamento do currículo para além do “conjuntode matérias”. O currículo apresenta-se como umarede de relações complexa e interativa quearticula os “nós” da prática dos espaços de apren-dizagem com os “nós” dos arranjos sociais,econômicos, culturais e políticos. Em outras pala-vras, temos uma implicação mútua entre escolae sociedade. Por estarmos envolvidos numasociedade cada vez mais estruturada pelastecnologias de comunicação e de informação, éfundamental percebermos como o paradigmadigital vem também influenciando as práticascurriculares na construção de novas formas detrabalhar e aprender no mundo contemporâneo.

Urge discutir como as influências sócio-técnicas das tecnologias digitais de comunicaçãoe informação podem estruturar ou estão estrutu-rando o campo do currículo em nosso tempo. Oque vimos até aqui é apenas um pequeno de-monstrativo da polifonia que existe a respeitodo currículo. Entretanto, o debate sobre o currí-culo ainda está muito preso a velhos rançosteóricos modernos. Por isso, procurarei adentrarum pouco mais no labirinto traçado pela ciênciamoderna e em suas implicações para o campodo currículo.

A parceria com a ciênciamoderna

Dentre as diversas inquietações que vêmincomodando educadores e educadoras, pelomenos os mais “antenados” com a contempora-neidade, podemos destacar o problema da frag-mentação dos saberes. A disjunção dos sabe-res compartimentalizados em disciplinas nos

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Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto

espaços de aprendizagem não combina maiscom as novas demandas de aprendizagem nacontemporaneidade que exige percepções eencaminhamentos cada vez mais glocais, trans-diciplinares, multirreferenciais.

Falta uma visão mais abrangente na produ-ção e socialização de saberes e conhecimentosnos espaços de aprendizagem, sobretudo nasinstituições formais. Tanto as escolas básicasquanto as instituições de ensino superior estãocada vez mais sendo questionadas neste séculoque se iniciou sob o signo emergente da “socie-dade da informação”, da “sociedade em rede“,da “era digital” ou da “cibercultura”.

As atuais discussões sobre o campo docurrículo vêm ganhando macro dimensões queemergem desde a reforma das políticas públicas,estruturadas pelo currículo nacional/oficialaté a gestão dos conhecimentos nos espaçosmicros – currículo-ação – onde professores eestudantes constroem conhecimentos. Elemen-tos paradigmáticos que caracterizavam e queainda caracterizam a gestão do currículo estãosendo postos em xeque devido, dentre outrosfatores, à multiplicidade de formas de participa-ção, intervenção e criação de processos de apren-dizagem estruturados, dentre outros fatores, pelainteração com as novas tecnologias da comunica-ção e da informação, principalmente pelossuportes das redes digitais.

Tais mudanças nos processos de aprendiza-gem vêm exigindo uma compreensão mais con-textualizada do paradigma moderno de constru-ção do conhecimento para que possamos, nocontexto de uma transição paradigmática, resig-nificar as práticas curriculares. É conhecido evivido pelos atores sociais o problema da frag-mentação disciplinar das áreas de conhecimento,onde a relação professor-estudantes-conheci-mentos configura grandes divórcios.

A concepção de conhecimento está, quasesempre, relacionada a uma figura imagética,metafórica, que representa a ação curricular tan-to no discurso dos documentos oficiais comona organização das práticas docentes: o enca-deamento linear. Esse modelo está vinculadoao paradigma que fundamenta o conhecimento

científico moderno, ilustrado pela metáfora dacadeia, onde conhecer é encadear linearmenteuma seqüência de dados partindo do simplespara o complexo e da parte para o todo.

Neste contexto, o currículo é estruturadopela presença da sequencialização de pré-requi-sitos – “pensar de maneira ordenada” como osantigos geômetras com suas “longas cadeias deraciocínio”, sempre prosseguindo gradualmente,daquilo que é “mais simples e fácil de compreen-der” para o mais complexo1; pela linearidadeda fragmentação – dividir cada dificuldade “emtantas partes quanto possível” para solução maisfácil2; pela memorização e acúmulo de infor-mações – aceitar apenas o que se apresentapara a mente “tão clara e distintamente” que asua verdade é auto-evidente3; e pela visão detotalidade no que se refere ao ato de conhe-cer – revisar tudo o que foi dito acima, para ter“certeza de que nada foi omitido”4.

Quando Descartes desenvolve as quatro re-gras metodológicas para a orientação do pro-cesso de desenvolvimento do conhecimentocientífico, ele imprime e demarca uma lógicaque orientará todo um processo histórico defragmentação do conhecimento. Conhecer estáassociado à idéia de cadeia:

... se a cadeia for, digamos A=>B=>F=>G=>X=.>S=>D=>>..., então a não abordagem do tema Gimpossibilitaria o tratamento do tema X, reten-do-se o aluno no ponto G até que o mesmo sejaaprendido. Apesar de multiplicarem-se os exem-plos, de que o conhecimento de S favoreceu oconhecimento de X, ou de que o conhecimentode X é possível sem o perfeito conhecimento deG, a linearidade, como um dogma, nunca pareceser posta em questão” (MACHADO, 2000, p.129).

Tal paradigma mais tarde foi reforçado poroutros personagens, como Comte, na implemen-tação da disciplinaridade, e por Taylor e Ford,com a fragmentação do processo de produção

1 Terceira regra metodológica criada por Descartes. (DOLL,1997, p.46).2 Segunda regra. (DOLL, 1997, p.46).3 Primeira regra. (DOLL, 1997, p.46).4 Quarta regra. (DOLL, 1997, p.46).

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industrial, que por sua vez influenciaram signifi-cativamente o campo do currículo.

Com a racionalidade científica “surge umnovo modelo de saber. Este não é mais tradiçãodaquilo que já se sabia, mas a procura do quenão se sabe” (JAPIASSU, 1976, p. 48). Dessaforma, configurou-se um conjunto de metanarra-tivas que legitimaram a ciência como o conheci-mento hegemônico da modernidade. A diversi-dade de saberes religiosa, mística, mítica e coti-diana não legitimava a verdade universal queimprimia bandeiras de “ordem e progresso”. Pro-gresso esse, bastante questionado e proble-matizado contemporaneamente, como nos alertaEdgar Morin:

Desde a já longínqua Hiroxima, sabemos que aenergia atômica significa potencialidade suicidapara a humanidade; sabemos que, mesmo pacífi-ca, ela comporta perigos não só biológicos, mas,também e, sobretudo, sociais e políticos. Pres-sentimos que a engenharia genética tanto podeindustrializar a vida como biologizar a indústria.Adivinhamos que a elucidação dos processosbioquímicos do cérebro permitirá intervençõesem nossa afetividade, nossa inteligência, nossoespírito. (1999, p. 18).

Segundo Doll (1997), o método científicodesenvolvido por Descartes separa a realidadeem duas qualidades, constituindo o homem mo-derno como um ser separado da natureza. Aprimeira qualidade denominada primária/mate-mática é de caráter objetivo da natureza, quese constitui de formas, tamanho, posição e mo-vimento; já a segunda, denominada secundária,conseqüentemente inferior, de caráter subjetivoé aquela reconhecida pelos sentidos – cor, pala-dar, audição, tato. “Ao lado dessas novas formasde produção, a ciência passou a exigir a instau-ração de uma nova relação entre o homem e anatureza, pela necessidade de manipular o con-texto para realizar observações quantitativas”.(SERPA, 2000, p. 182).

É no divórcio do homem com a natureza queemergem as diversas dicotomias – tempo ver-sus espaço, observador versus observável, sujei-to versus objeto, emissor versus receptor – quecaracterizam a fragmentação do conhecimento

científico moderno, influenciando conseqüente-mente as relações dos processos curriculares.Para Marques (1993, p. 46):

Colocam-se as leis do universo sob o domínioda razão ao mesmo passo que a sociedade e acultura são naturalizadas, sujeitas a leis ao mes-mo tempo racionais, naturais e universais, de umanatureza humana comum, livre dos elementoshistóricos e culturais das épocas e lugares, par-ticular e colocado na dinâmica do progresso in-definido.

No entanto, a fragmentação do conheci-mento científico não conseguiu comandar oconhecimento sobre a vida na sua multi-dimensionalidade biológica, social, física,cultural, espiritual, psicológica. Mesmo assim,esse modo de produção científica imprimiuuma lógica mecanicista em vários espaços deaprendizagem, dentre eles a escola, sendo orompimento da mesma um grande desafio.Desafio no sentido de criar formas de gestãoe articulação de saberes, que rompam com osprocessos de “imprinting”, isto é, “marcaoriginal irreversível que é impressa no cére-bro. Segundo Morin (1999, p. 50), “na escolae na universidade, sofremos imprinting terríveis,sem que possamos, então, abandoná-los.Depois disso, a invenção acontecerá entreaqueles que sofreram menos imprinting e queserão considerados como dissidentes oudiscordantes”.

É através do currículo materializado pelasrotinas de tarefas, discursos e materiais signifi-cantes que imprintings são criados. O conceitode ordem, instituído pelo modo de produção doconhecimento moderno, é de base seqüenciallinear e toda relação é baseada na lógica decausa e efeito. O processo de organização cur-ricular forjado de forma seriada e gradual, orga-nizado por faixa etária; os planos de curso, uni-dade, aula, bem como os livros didáticos e tam-bém alguns softwares educativos são organiza-dos por etapas uniformes e adicionais – daspartes para o todo. A aprendizagem é estrutura-da por unidades disciplinares que territorializamo conhecimento, inviabilizando uma formaçãohumana interativa e complexa.

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Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto

Reforço à fragmentação – o proble-ma da disciplinaridade

A fragmentação disciplinar tem sua históriacalcada pela recursividade entre conhecimentocientífico, escola, universidade e a própria socie-dade. A organização da ciência em disciplinas5,a disciplinaridade, tem sua origem no séculoXIX, “principalmente com a formação das uni-versidades modernas e, depois, se desenvolveuno século XX, com o progresso da pesquisacientífica” (MORIN, 2000, p. 27).

É no cenário do século XIX6 que o processode desintegração dos conhecimentos é instituído,sendo Comte o grande percussor do discursodisciplinar que:

...consiste em classificar as diferentes ciênciassegundo a natureza dos fenômenos estudados,consoante a sua generalidade e a sua indepen-dência decrescente ou a sua complicação cres-cente; daí resultam especulações cada vez me-nos abstratas e cada vez mais difíceis, mas tam-bém cada vez mais eminentes e completas, emvirtude de sua relação mais íntima com o homem,ou melhor, com a Humanidade, objeto final detodo sistema teórico. (COMTE, 1990, p. 93).

Nesse sentido, fica claro que o positivismofoi, e ainda é, o grande responsável pelo proces-so de formação do conhecimento científico,construindo territórios separados, onde cadacompartimento ou disciplina cria seus própriosprocessos, sistemas, métodos, conceitos eteorias. As disciplinas separam-se umas dasoutras por “fronteiras rígidas, cada disciplina seconvertendo num pequeno feudo intelectual,cujo proprietário está vigente contra toda intro-missão em seu terreno cercado e metodolo-gicamente protegido contra os “inimigos” defora.” (JAPIASSU, 1976, p. 58).

Desta forma, o currículo torna-se um campode trabalho, onde cada área de conhecimento,através do seu discurso particular, monorrefe-rencializa a realidade humana, reduzindo o co-nhecimento à dimensão da própria especiali-zação. Tal especialização, além de ser problemá-tica no sentido de não dar conta da complexi-dade humana, não permite ainda que a mesmarealidade seja resignificada historicamente. Sa-bemos que a história humana é um movimento

dinâmico e mutável pelo próprio percurso deprodução cultural, entendida aqui como “umcampo de produção de significados, no qual osdiferentes grupos sociais, situados em posiçõesdiferenciais de poder, lutam pela imposição deseus significados à sociedade mais ampla”.(SILVA, 1999, p. 133-4).

Com o objetivo de romper com uma visãolinear de história, a contextualização torna-secontemporaneamente mais um grande desafiopara a organização curricular. Além de criar egestar uma postura de comunicação entre asáreas de conhecimentos, muitas vezes organiza-das em disciplinas, torná-se necessário criardispositivos que permitam intercambiar o vivido,o cotidiano, construindo uma relação dialógicacom as esferas do conhecimento científico.

De diversas maneiras, damo-nos conta de que osensualismo, a precedência do imaginário, umaconcepção do tempo marcada pelo presente epelo trágico, o relativismo intelectual, tudo istodá ênfase à pluralidade das abordagens destesaspectos. Sob uma forma mais moderna, pode-mos afirmar que a unidimensionalidade do pen-samento é inapta para entender a polidimen-sionalidade do vivido. (MAFFESOLI, 1998, p.98-99).

|Coloco em destaque que a criação de dispo-sitivos curriculares que possibilitem a comu-nicação disciplinar, bem como a sua contex-tualização com múltiplas referências do cenáriosócio-histórico-cultural dos sujeitos, não é uma

5 Para Edgar Morin, “Uma disciplina pode ser definida comouma categoria que organiza o conhecimento e que instituinesse conhecimento a divisão e especialização do trabalho,respondendo à diversidade de domínios que as ciências reco-brem”. (2000, p. 27).Para Hilton Japiassu, “disciplina, tal como entendemos, éusada como sinônimo de ciência, muito embora o termo“disciplina” seja mais empregado para designar o “ensinode uma ciência” ao passo que o termo “ciência” designamais uma atividade de pesquisa.” (1976, p. 61).6 “O processo de transformação social que ocorria nos paí-ses europeus mais desenvolvidos e que necessitava de umaespecialização de acordo com a divisão material do proces-so de produção favorecido pela industrialização. As técnicase saberes foram se diferenciando progressivamente; por suavez, as linguagens que os caracterizavam foram se especi-alizando e circunscrevendo a âmbitos específicos. Destemodo, surge o conceito de disciplina com um objeto deestudo, marcos conceituais, métodos e procedimentos es-pecíficos”. (SANTOMÉ, 1998, p. 55-6).

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tarefa fácil. Ao mesmo tempo que a discipli-naridade ainda é um domínio sectário de estudo,a mesma vem criando um processo históricocheio de obstáculos.

A cultura da especialização disciplinar impri-me, nos sujeitos que instituem o campo disci-plinar, uma territorialização existencial profunda.Podemos ilustrar a afirmação recorrendo à aná-lise do comportamento científico representadopelo protagonista do filme Franskteim. Na narra-tiva cinematográfica, o protagonista, que repre-senta um cientista moderno, produz conheci-mento científico sem se dar conta da complexi-dade humana. A ciência é construída de formaisolada e inconseqüente, sem consciência. Nes-se sentido nos alerta Edgar Morin:

O conhecimento não é uma coisa pura, indepen-dente de seus instrumentos e não só de suasferramentas materiais, mas também de seus ins-trumentos mentais que são os conceitos; a teo-ria científica é uma atividade organizadora damente, que implanta as observações que implan-ta, também, o diálogo com o mundo dos fenôme-nos. Isso quer dizer que é preciso conceber teo-ria científica como uma construção. (1999, p. 44).

Tentativas de articulaçãodos saberes

Paradoxalmente, é dentro do processo dafragmentação disciplinar do conhecimento queemergem modalidades diversas de articulaçãode saberes. A mais conhecida modalidade deintegração disciplinar é comumente denominadade interdisciplinaridade. Esse conceito é apre-sentado pela literatura através de uma polisse-mia notável. “Trata-se de um neologismo cujasignificação nem sempre é a mesma e cujo papelnem sempre é compreendido da mesma forma”(JAPIASSU, 1976, p. 72).

O termo interdisciplinaridade chega a sercontemporaneamente um significante bastantebanalizado. Devido à necessidade de resignificaras práticas curriculares – seja pelo desejo doseducadores e educadoras, seja pela pressão dosdiscursos apresentados pelos documentosoficiais, a exemplo dos parâmetros e diretrizes

nacionais da educação – principalmente no quetange a gestão dos saberes, qualquer tentativade comunicação entre as áreas de conhecimen-tos é diretamente classificada como interdiscipli-naridade.

Nesse sentido, torna-se necessário apontar-mos algumas modalidades que na prática curri-cular, ganham o status de interdisciplinaridadesem, na verdade, contemplar o mínimo de cri-térios que a caracterizam como tal. As modali-dades que ilustraremos a seguir, incluindo aprópria interdisciplinaridade, refere-se às formasde relação entre as disciplinas, bem como aqualidade da interação entre as especialidades.

Abordagem multidisciplinar

Quando uma prática curricular necessita ape-nas da participação de várias disciplinas na com-posição e exercício de um trabalho, seja de ensi-no e ou de pesquisa, sem estabelecer claramen-te os links 7 de interligação entre elas, estamosdiante da modalidade multidisciplinar8. ParaSantomé, (1998, p. 71), a multidisciplinaridade“caracteriza-se pela justaposição de matériasdiferentes, oferecidas de maneira simultânea,com a intenção de esclarecer alguns dos seuselementos comuns, mas na verdade nunca seexplicam claramente as possíveis relações entreelas”. Nessa modalidade, o objeto de estudo évisto sobre diferentes olhares em forma de agru-pamentos disciplinares, mas sem a integração deconceitos, procedimentos e atitudes. O trabalho

entre os sujeitos nãoé cooperativo, sendoque cada disciplinamantém seus própriosobjetivos, formas edinâmicas de traba-lho. (Fig. 1)

MULTIDISCIPLINARIDADE

FIG. 1

7 O termo link emerge da linguagem informática significan-do uma conexão entre hipertextos. Utilizei o termo com oobjetivo de ilustrar a possibilidade de interação na diferençadas disciplinas, criando relações que extrapolem e poten-cializem as fronteiras das mesmas.8 A imagens que ilustram as abordagens multi/pluri/inter etransdisciplinar foram inspiradas a partir de transparênciasapresentadas pela professor Teresinha Fróes em conferên-cia realizada na FACED/UFBA em outubro de 2000.

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Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto

Basicamente, as organizações curricularessão multidisciplinares, agravando-se a partir dos3º e 4º ciclos do ensino fundamental, estenden-do-se nas progressões da formação básica atéa pós-graduação. O currículo é representado co-mo uma grade, que compartimentaliza os sabe-res disciplinares em horários estanques, con-trolados por sinetas que demarcam a prática dasespecialidades como um ritual de passagementre uma disciplina e outra. Para isso, os con-teúdos são claramente planejados e programa-dos para oferecer informações fragmentadassobre cada área de conhecimento, cabendo aosestudantes significarem espontaneamente taissignificados históricos.

Um dos grandes problemas da multidiscipli-naridade está na falta de contextualização comoutros saberes produzidos pelos sujeitos emoutros espaços de aprendizagem, fazendo comque os conteúdos apresentados por cada disci-plina na escola não sejam significados no cotidia-no das vivências dos sujeitos.

Até então, discutimos acerca da organizaçãodo trabalho científico e também escolar na pers-pectiva paradigmática disciplinar, em que cadaespecialidade se estrutura de forma relativamen-te singular, com poucas possibilidades de intera-ção intencional e/ou institucionalizada. Parado-xalmente, é no próprio contexto da disciplina-ridade que algumas instituições tem percebidoque tratar a complexidade da vida humana écontemporaneamente inviável no âmbito dafragmentação. Como diz Marques (1993, p. 58):“Nenhum campo, só ele, do saber se sustentaem si mesmo; muito menos oferece bases sóli-das para as demais. As questões antropológi-cas, éticas, políticas, religiosas, econômicasperpassam todos os domínios, deles exigentese por eles exigidas”.

Abordagem pluridisciplinar

Mesmo sendo o currículo estruturado pelaarquitetura disciplinar, os sujeitos da ação, pro-fessores e ou pesquisadores, podem, em mo-mentos específicos e pontuais, estabelecer algu-mas relações de comunicação entre os saberes.

Nesse sentido, temos a pluridisciplinaridadecomo mais uma modalidade que aparece naspráticas curriculares. Para os teóricos Santomé(1998) e Japiassu (1976), a pluridisciplinaridadecaracteriza-se, basicamente, pela justaposiçãode disciplinas mais ou menos próximas, de cam-pos de saberes semelhantes. Podemos citar, porexemplo, relações pontuais entre práticas defísica e química, história e geografia, psicologiae didática. Isso não significa que serão sociali-zados conceitos, métodos e objetivos. Na verda-de um especialista, professor e ou pesquisador,pode solicitar a intervenção de outro especialistana sua prática de trabalho. Contudo, uma espe-

cialidade não contri-buirá na modificaçãoepistemológica, mui-to menos metodológi-ca de cada disciplinaem particular. (Fig. 2)

Entretanto, podemos notar que a justaposiçãode conhecimentos, nas práticas curriculares, nemsempre se fecha no mesmo nível hierárquico. Émuito comum, principalmente nas escolas, queespecialistas de diferentes áreas de conheci-mentos também estabeleçam pontuais momentosde comunicação. Podemos citar, por exemplo,relação entre a matemática e as artes, física ehistória, dentre outros. Contudo, a problemáticaainda se limita a momentos pontuais e esporádi-cos. Existe, na relação entre os especialistas, umcerto nível de cooperação, mas não umacoordenação intencional dos vínculos.

Abordagem interdisciplinar

Quando o trabalho é norteado por experiên-cias intencionais de interação entre as discipli-nas, com intercâmbios, enriquecimentos mútuose produção coletiva de conhecimentos, estamosdiante de uma prática interdisciplinar, seja noâmbito da academia, seja no lócus do currículoescolar. A interdisciplinaridade caracteriza-semais pela qualidade das relações, “cada umadas disciplinas em contato são por sua vezmodificadas e passam a depender claramente

PLURIDISCIPLINARIDADE

FIG. 2

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umas das outras” (SANTOMÉ, 1998, p. 73),do que pelas quantidades de intercâmbios. Osobjetivos, conceitos, atitudes e procedimentossão (re)significados dentro e fora do limitedisciplinar. As relações deixam de ser remotase/ou pontuais para serem estruturadas pelacolaboração e coordenação intencional de umprojeto coletivo de trabalho. (Fig. 3)

Em muitos casos, a implicação entre disci-plinas é tão intensa que novas áreas de conheci-mentos e/ou disciplinas são instituídas. A Psico-pedagogia, Bioética, Sociobiologia, Bioquímica,Cibernética, Biotecnologia, Sociopsicologia, den-tre outras, são exemplos de interações interdisci-plinares. Contudo, vale a pena questionarmos areal contribuição epistemológica da interdisci-plinaridade. Para Serpa (2000)9, “o conhecimentocientífico é tão fragmentado na sua essência que,mesmo na interação disciplinar, outra disciplinaé criada – é a fragmentação da fragmentação”.Em relação ao campo do currículo, a interdisci-plinaridade, apesar de ser um significativo avançocurricular, “não ultrapassa o Zeitgeist10 do pa-radigma disciplinar; epistemologicamente frag-mentário, não se caracteriza enquanto autênticaruptura epistemológica”. (MACEDO, 1998, p.57).

Por mais que haja interações qualitativas noâmbito do interdisciplinar, paradoxalmente crian-do até outras disciplinas, podemos ainda ilustrara falência de disciplinas na criação de pseudo-disciplinas. Na história do currículo brasileiro,na década de 60, tivemos um esfacelamento dacrítica disciplinar, substituindo a própria ciênciapor temas ideologicamente e epistemologica-mente questionáveis como “Educação Sexual,Educação Moral e Cívica, Matemática Financei-ra, Estudo dos Problemas Brasileiros, Resolu-ções de Problemas, Construções Geométricas,entre outras, quase sempre desprovidas doselementos mínimos que garantem a um assunto

o estatuto e dignidade disciplinar” (MACHA-DO, 2000, p. 115).

Vale a pena destacar que a construção desaberes e conhecimentos, por se constituir emuma relação social, é essencialmente um campode lutas (poder) e de recursividades intensas.As tradições científicas e também curricularessão condicionadas pelos interesses de grupossócio-econômicos, militares, relações internacio-nais, dentre outras. Para tanto, devemos buscaro entendimento dos limites e das possibilidadesde uma prática interdisciplinar que entenda oprocesso de construção de conhecimentosenquanto devir. E como tal, aberto aos aconteci-mentos, ao erro e também às incertezas.

A abordagem transdisciplinar

Pensar o conhecimento científico enquantounidade na complexidade é pensar na possibili-dade de comunicações entre vários níveis deinterdisciplinaridade. O conceito de transdiscipli-naridade tem como fundamento a superação dasfronteiras disciplinares, construindo o conheci-mento científico de modo sistêmico, em que asinter-relações disciplinares produzam uma ciên-cia unificada no sentido de não fragmentar –(re)ligar – a ciência em ciência social, física enatural. Segundo Edgar Morin:

As ciências humanas tratam do homem, que énão somente um ser psíquico e cultural, mas tam-bém um ser biológico. De certa forma, as ciênci-as humanas encontram-se enraizadas nas ciên-cias biológicas, às quais estão enraizadas nasciências físicas, sendo que nenhuma delas é,evidentemente, redutível à outra. Entretanto, asciências físicas não são o pedestal último e pri-mitivo sobre o qual se edificam todas as outras:as ciências físicas, por sua vez que aparecemnuma história e numa sociedade humana. (pode-se citar por exemplo a elaboração do conceito deenergia, inseparável da tecnização e da industri-alização das sociedades ocidentais no séculoXIX). (2000, p. 34).

INTERDISCIPLINARIDADE

FIG. 3

9 Comentário feito pelo professor Felippe Serpa no EDUCA-UFBA de novembro de 2000.10 Segundo Macedo (1998): “predomínio de um pensamen-to em uma determinada época”.

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Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto

Não é possível separar o ser humano dassuas próprias construções – sociedade, culturae técnica. Sendo a ciência uma construção só-cio-técnica, devemos entendê-la, também, comouma construção complexa, sem fragmentá-laem territórios ou sub-conjuntos estanques e comparcas interações. É nesse contexto que o con-ceito de transdisciplinaridade torna-se importan-te. A transdisciplinaridade procura religar asdiversas modalidades científicas, fragmentadasno próprio contexto da história das ciências.Ainda segundo Edgar Morin:

É, portanto, necessário enraizar o conhecimentofísico, e igualmente biológico, numa cultura,numa sociedade, numa história, numa humani-dade. A partir daí, cria-se à possibilidade de co-municação entre as ciências, e a ciência trans-disciplinar é que poderá desenvolver-se a partirdessas comunicações, dado que o antropos-social remete ao biológico, que remete ao físico,que remete ao antropossocial”. (1999, p. 139 -grifo meu).

Dentre as diversas modalidades das relaçõesdisciplinares discutidas até agora, seja no âmbitoepistemológico e/ou metodológico, o conceitode transdisciplinaridade é o conceito que maisavança na questão da superação da fragmenta-ção disciplinar do conhecimento. No meio esco-lar podemos notar a ressignificação de estraté-gias, como, por exemplo, a Pedagogia de Proje-

tos, que tem como objetivo gestar uma práticapedagógica baseada na cooperação transdisci-plinar, que contextualiza os saberes disciplinaresda realidade sócio-cultural do coletivo em umespaço de aprendizagem. (Fig. 4)

Não obstante todas essas considerações, de-vemos questionar a hegemonia do conhecimentocientífico nos discursos acerca da produção esocialização dos saberes na contemporaneida-de. O grifo, na citação acima, tem o objetivo dedestacar, principalmente na fala de Edgar Morin,que apesar da contemplação da heterogeneidadedo conhecimento humano, todo o discurso aindaestá centrado na primazia da ciência.

Para além das disciplinaridades: aabordagem multirreferencial

Nós que passamos apressados pelasruas da cidade merecemos ler as le-tras e as palavras de Gentileza11, porisso eu pergunto a vocês no mundose mais inteligente o livro ou a sabe-doria, o mundo é uma escola, a vida éo circo...”. (Marisa Monte)

Dentre as diversas críticas à produção, so-cialização e legitimação de saberes e conheci-mentos na atualidade, podemos destacar a ciên-cia como mais uma referência e não mais umagrande narrativa. “A exuberância, a abundância,a riqueza das práticas sociais proíbem concreta-mente sua análise clássica por meio da decom-posição-redução”. (ARDOINO, 1998, p. 26).

Ademais, os próprios acontecimentoscientíficos12, ao longo da história da ciência

TRANSDISCIPLINARIDADE

FIG. 4

Ciências Naturais

Ciências Físicas

Ciências Sociais

11 Segundo a artista brasileira Marisa Monte – em showrealizado no Teatro Castro Alves, em 13 jan. 2000 – Gen-tileza era um cidadão carioca que saia pelas ruas do Rio deJaneiro “pregando” solidariedade e compartilhando seusconhecimentos do/no cotidiano da cidade. Nesse contexto,produziu uma obra de arte nos pilares de um viaduto no Riode Janeiro. Sua obra foi brutamente apagada pela compa-nhia de limpeza pública do Estado, sendo – ainda bem –restaurada por uma ONG batizada Gentileza. A destruição desua obra é um exemplo da falta de valorização dos saberesproduzidos pela experiência do cotidiano.12 “Por um lado, as potencialidades da tradução tecnológicados conhecimentos acumulados fazem-nos crer no limiar deuma sociedade de comunicação e interactiva libertada das

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permitem que iniciemos não só uma discussãosobre a necessidade de construção de uma novaciência, “ciência transdisciplinar”, como nosalerta Morin, mas sobretudo a possibilidade delegitimar outras referências e/ou saberes e co-nhecimentos. Tal preocupação vem ganhandodestaque devido às diversas mutações sócio-técnicas, vividas neste novo século que se inicia.Nesse contexto, podemos lançar mão de maisuma abordagem epistemológica e metodológica,a multirreferencialidade.

O conceito de multirreferencialidade é perti-nente para contemplar, nos espaços de aprendi-zagem, uma:

...leitura plural de seus objetos (práticos ou teó-ricos), sob diferentes pontos de vistas, que im-

plicam tanto visões específicas quanto lingua-gens apropriadas às descrições exigidas, em fun-ção de sistemas de referenciais distintos, consi-derados, reconhecidos explicitamente como nãoredutíveis uns aos outros, ou seja, heterogêne-os” (ARDOINO, 1998, p. 24).

A multirreferencialidade como um novo pa-radigma torna-se hoje grande desafio. Desafioque precisa ser gestado e vivido, principalmentepelos espaços formais de aprendizagem, queainda são norteados pelos princípios e pelaspráticas de uma ciência moderna. Por outro lado,diferentes parcelas da sociedade vêm criandonovas possibilidades de educação e de formaçãoinicial e continuada. (Fig. 5)

A emergência de atividades (presenciais e/ou a distância, estruturadas por dispositivoscomunicacionais diversos), cursos (livres, suple-tivos; qualificação profissional), atividades cultu-rais diversas, artísticas, religiosas, esportistas,comunitárias começam a ganhar, neste novotempo, uma relevância social bastante fecunda.

carências e inseguranças que ainda hoje compõem os dias demuitos de nós: o século XXI a começar antes de começar.Por outro lado, uma reflexão cada vez mais aprofundadasobre os limites do rigor científico ecológico ou da guerranuclear fazem-nos temer que o século XXI termine antes decomeçar”. (SANTOS, 1997, p. 6).

FIG. 5 – MULTIRREFERENCIALIDADE

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Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto

Tal acontecimento vem promovendo a legitima-ção de novos espaços de aprendizagem, espaçosesses que tentam “fugir do reducionismo quesepara os ambientes de produção e os de apren-dizagem (...), espaços que articulam, intencio-nalmente, processos de aprendizagem e de tra-balho”. (BURNHAM, 2000, p. 299).

Os sujeitos que vivem e interagem nos espa-ços multirreferenciais de aprendizagem expres-sam, na escola, insatisfações profundas, pondoem xeque o currículo fragmentado, legitimandoinclusive espaços diversos – espaços esses quehá bem pouco tempo não gozavam do statusde espaços de aprendizagem – através da auto-ria dos sujeitos construídos pela itinerância dosprocessos nesses espaços. É pela necessidadede legitimar tais saberes e também competên-cias que diversos espaços de trabalho estãocertificando os sujeitos pelo reconhecimento dosaber fazer – competência – independentemen-te de uma suposta formação institucional espe-cífica, como, por exemplo, as experiências “for-mais” de formação inicial.

A noção de espaço de aprendizagem vai alémdos limites do conceito de espaço/lugar. Com aemergência da “sociedade em rede”13, novosespaços digitais e virtuais de aprendizagem vêmse estabelecendo a partir do acesso e do usocriativo14 das novas tecnologias da comunicaçãoe da informação. Novas relações com o sabervão-se instituindo num processo híbrido entre ohomem e a máquina, tecendo teias complexasde relacionamentos com o mundo.

Para que a diversidade de linguagens, pro-duções e experiências de vida sejam de fatocontempladas de forma multirreferencializada,nos e pelos espaços de aprendizagem, os sabe-res precisam ganhar visibilidade e mobilidadecoletiva, ou seja, os sujeitos do conhecimentoprecisam ter sua alteridade reconhecida, sen-tindo-se implicados numa produção coletiva,dinâmica e interativa que rompa com os limitesdo tempo e do espaço geográfico.

Nesse sentido, precisamos operacionalizarnovas metáforas que rompam com as imagensde um currículo linear estruturado pela imagemda cadeia e/ou pelas imagens dos fluxogramasarborescentes das disciplinaridades. “Os siste-

mas arborescentes são sistemas hierárquicosque comportam centros de significância e desubjetivação, autômatos centrais como memó-rias organizadas” (DELEUZE; GUATTARI,1995, p. 26). Dessa forma, os currículos sãocompostos por programas que dificultam a nave-gação na complexidade das teias de relaçõesvividas pela humanidade.

Operacionalizar a multirreferencialidade étentar compor, nos processos de construção esocialização de saberes e conhecimentos, umaimagem dinâmica, uma rede de relações.Deleuze & Guattari nos sugerem a metáforado rizoma, que é uma possibilidade de rompercom a lógica linear dos processos curriculares.Segundo os autores:

... os principais caracteres de um rizoma: diferen-temente das árvores ou de suas raízes, o rizomaconecta um ponto qualquer com outro pontoqualquer e cada um de seus traços não remetenecessariamente a traços de mesma natureza; elepõe em jogo regimes de signos muito diferentes,inclusive estados de não signos. (DELEUZE;GUATTARI, 1995, p. 32).

Pensar num currículo rizomático é tambémpensar em ações que contemplem a dinâmicadas “redes locais que as pessoas tecem intra eintersubjetivamente: num mesmo período de suasvidas, elas convivem muito proximamente (notempo e no espaço) nos ambientes da escola, dolar, do parque de lazer, do terreiro de candomblé,do shopping center...” (BURNHAM, 2000, p.301).

Diante da necessidade de intencionalizarpráticas multirreferenciais para que os sujeitosaproveitem melhor suas aquisições de saberese conhecimentos, como poderemos visualizaras competências dos sujeitos em um espaço deaprendizagem? Como poderemos reconhecere legitimar as competências? Como gestar umpercurso de aprendizagem individual e coletiva?Como formar parcerias e construções mais cole-

13 Expressão utilizada por Manuel Castells (1999) para ilus-trar a dinâmica econômica e social da nova era da informa-ção, estruturada por tecnologias de natureza digital.14 Uso criativo no sentido de uso para produção de conheci-mentos e não para execução de tarefas de automação deprocessos.

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Edméa Oliveira dos Santos

tivas e colaborativas sem necessariamente estarnum mesmo tempo/espaço?

O desafio de criar um currículo que contem-ple a diversidade do coletivo, permitindo que assingularidades possam emergir, potencializandoas experiências multirreferenciais dos sujeitos,requer não só uma mudança paradigmática dasconcepções de currículo, como requer tambémo uso de dispositivos comunicacionais, interfacesdigitais, que permitam uma dinâmica social querompa com as limitações espaço/temporais dosencontros presenciais. Nesse sentido, o acessoe uso criativo das tecnologias em rede podemestruturar as relações curriculares de forma com-

plexa e dinâmica. Obviamente, o uso de dispo-sitivos comunicacionais por si só não construiráum currículo em rede; entretanto, pode potencia-lizá-lo.

Para construir conhecimentos numa aborda-gem complexa e multirreferencial, é necessárioque os sujeitos da ação curricular sejam, elesou elas, docentes, estudantes, pesquisadores, decompetência polivalente, que tenham capacida-de reflexiva para poder reconhecer a diversida-de, a incerteza e certeza, ordem e desordem,os acontecimentos, o caos dos processos deformação. “Ter medo do caos, da dissipaçãode energia é ter medo da vida”15.

15 Fala do professor Felippe Serpa em conferência proferida no Seminário Currículo e Formação de professores: questõesatuais, realizado na UEFS no dia 16 out. 2000.

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Idéias sobre currículo, caminhos e descaminhos de um labirinto

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Recebido em 31.07.02Aprovado em 16.03.03

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Alfredo Eurico Rodrigues Matta

RESUMO

Trata-se de um estudo sobre as abordagens de análise para possívelcompreensão da sociedade informatizada atual, em uma perspectiva materialistadialética. Partindo deste fundamento, estudam-se questões da emergência eimplantação das tecnologias da informação e comunicação (TIC). A discussãoé um diálogo com minha tese de doutorado sobre Educação, Informática eaprendizagem de História, na qual defendi uma posição dialética baseada emautores tais como Vigotsky, Paulo Freire e Gramsci. O trabalho constrói umaposição crítica às interpretações de pensadores pós-modernos ou, pelo menos,à ala pós-estruturalista destes, mas também representado por Habermas e porPierre Lévy, que constroem uma visão idealista e messiânica da inovaçãotecnológica, claramente determinista, traduzida apressadamente como“Sociedade do Conhecimento”. Nossa posição pretende desmistificar a visãofabulosa da tecnologia e algumas interpretações espetaculares da sociedadeatual, interessando-se pela construção de uma interpretação histórica e lógicadialética do processo de tecnologização e mundialização contemporâneo. Adiscussão é dividida em 3 pontos inter-relacionados: a existência de uma possívelSociedade do Conhecimento; a compreensão metodológica das fontes doconhecimento, do significado dos textos, discursos e fontes; e finalmente aemergência das técnicas de escrita e hiperescrita e sua participação nas práxissociais.

Palavras-chave: Análise histórica das TIC – Crítica dialética – Capitalismotardio – Pós-moderno

ABSTRACT

TECHNOLOGIES MADE FOR COLLABORATION

This paper aims at showing the possible analysis approaches to the presentcomputerized society in the dialectic materialism perspective. On this base, westudy the questions related to the emergency and implementation of theInformation and Communication Technologies (ICTs). We open a dialogue withour Ph.D. Thesis about Education, Computer Sciences and the learning ofHistory, in which we put forward a dialectic position based upon authors likeVygotsky, Paulo Freire e Gramsci. We critic the interpretations of post-modern

TECNOLOGIAS PARA A COLABORAÇÃO

Alfredo Eurico Rodrigues Matta ∗

* Doutor em Educação pela UFBA/FACED. Professor de Educação a Distância do Mestrado em Educação eContemporaneidade, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, e do Departamento de História da UniversidadeCatólica do Salvador – UCSal. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Mestradoem Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail:[email protected].

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Tecnologias para a colaboração

Introdução

O trabalho versa sobre as (novas?) forçasprodutivas do capitalismo e trata de estudar,em caráter teórico, as abordagens capazes deanalisar e exercitar a compreensão dos avançosda sociedade informatizada de nosso tempo. Defato, o texto se refere à emergência e implantaçãodas tecnologias da informação e comunicação(TIC), ou seja, ao campo da interpretação dasrecentes inovações tecnológicas advindas doavanço da computação e de suas aplicações.

A discussão tem origem no diálogo entre aexperiência como historiador, a minha tese dedoutorado (MATTA, 2001) sobre o tema Edu-cação, Informática e Aprendizagem de Histó-ria, na qual defendi uma posição dialética epróxima à de Vigotsky e Paulo Freire, e emleituras recentes de trabalhos de Perry Anderson(1999) e Fredric Jameson (1997), dentre outros.O trabalho se interessa por construir uma posi-ção crítica ao que é interpretado pelos pensa-dores pós-modernos, especialmente pela alapós-estruturalista destes, mas também porHabermas (1987) e por Pierre Lévy (1996; 1997;1998), dentre outros, que constroem uma visãoidealista e messiânica sobre a inovação tecnoló-gica. Essa abordagem idealista, hoje hegemô-nica, está claramente voltada para o tecnicismoe para o determinismo tecnológico do processosocial, traduzido apressadamente e semdemonstração no termo “Sociedade do Conhe-cimento”, hoje amplamente utilizado.

O trabalho, na verdade, apresenta o resumode uma discussão, longa e complexa, que temem vista a necessidade de contarmos com alter-nativas para a interpretação da emergência daschamadas novas tecnologias e de sua influênciana sociedade. A discussão é uma provocaçãopara estudos posteriores, mais profundos.

A discussão é dividida em 3 pontos inter-relacionados: a existência de uma possível Socie-dade do Conhecimento; a compreensão metodo-lógica relacionada às fontes do conhecimento,aos significados dos textos, dos discursos e dasfontes, e como considerá-las; e, finalmente, oprocesso de surgimento das técnicas da escritae da hiperescrita, e sua participação nas práxissociais reprodutivas.

Tecnologias para a Colaboração

No que se refere à “Sociedade do Conheci-mento”, muitos falam do atual “nascer em umacultura tecnológica”. Afirma-se, dentre outrascoisas, que assistimos ao emergir de “um novomodo de pensar” ou de “um novo comporta-mento intelectual, repleto de raciocínios analógi-cos e de assaltos do inconsciente”, ou ainda deuma “sociedade da informação”. Não há, porém,estudo aprofundado sobre o contexto social eas práticas cotidianas que justifiquem tais afir-mações, o que faz com que elas soem quasecomo ficção científica, já que não há nenhumademonstração empírica ou de nenhuma outra

thinkers, or at least of the post-structuralist wing , interpretations also defendedby Habermas and Pierre Lévy who present an idealist and messianic vision oftechnological innovation, which is clearly deterministic and hastily translatedas the “Learning Society”. Our position, aim at demystifying the fabulousperspective on technology as well as some amazing interpretation of the modernworld. We articulate this perspective through a historical and logic dialecticinterpretation of the contemporary tecnologization and globalization. Weconclude discussing the three following points: the existence of a so-calledlearning society; the methodological understanding of the sources of knowledge,the meaning of texts, discourses and other sources; and, finally, the emergenceof writing and hypertext techniques and their participation in social praxis.

Keywords: Historical analysis of ICTs – Dialectical criticism – Late capitalism– Post-modernism

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Alfredo Eurico Rodrigues Matta

espécie sobre tais novidades, e muito menosevidência de alteração na vida concreta da so-ciedade em nossa volta.

As relações sociais capitalistas são todas asmesmas velhas conhecidas e continuam total-mente hegemônicas, o que não justificaria ne-nhuma afirmação pós-moderna do tipo referidoacima, exceto como marketing ou sonho. En-quanto a extrema exploração e o imperialismocontinuam vigorando mais fortes do que nunca,crescentes mesmo, parte dos estudos sobreessas tecnologias caminha fingindo que tudo nomundo mudou. Sabemos, porém, que tecnologiaem si nada muda.

Quantas vezes, somos testemunhas de sujei-tos que tomam para si representarem o avançotecnológico e estarem a serviço de alguma ini-ciativa futurista e de até pregarem que são umexemplo daquilo que será o padrão daqui a 10anos. O pior é que, há uns 20 anos, estamosescutando isso e muitas dessas visões messiâni-cas das tecnologias, que prometiam futuro esucesso, já desapareceram; a última a entrarem baixa foi o e-learning mecanicista e asenciclopédias multimídia. Aí se diz que as mu-danças são tão rápidas que o que vale hoje nãovalerá daqui a 2 anos e isso serve para movi-mentar mais o mercado de sistemas e a chama-da Nova Economia. As tecnologias parecemhoje substituir a perspectiva de terra prometidaou de julgamento final, que antes serviam parareduzir o efeito das contradições sociais.

Mas o pior é quando a pós-modernidademessiânica resolve atacar aquele professor quehá 20 anos tem alfabetizado e educado con-cretamente milhares de pessoas em um municípiodo interior. Aí chega o especialista em novastecnologias e diz que ele é pré-histórico, que suaaula não mudou nada desde 1814, ou desde 3000a.C., e que seu conhecimento prático não presta.Na maioria das vezes, o crítico tecnológico nuncaalfabetizou ninguém nem entende nada daeducação da comunidade na qual o professorestá presente. Quando a pregação tecnológicaatinge tal proporção, passa mesmo a ser danosae a contribuir para deslegitimizar comunidades erelações entre sujeitos concretos, o que contribuipara o processo de alienação capitalista.

Vivemos em um período de modas intelec-tuais retratadas na sucessão de autores e livrosdo momento e, para entrar nesse fashion inte-lectual, alguém inventa um termo benquisto,justifica com elucubrações que não refletem ne-nhuma realidade concreta, para então entrar nagraça da indústria editorial, sempre preocupadaem propagar aquilo que interessa à hegemoniade classes. A realização de edições voltadaspara a divulgação de tais idéias cria rapidamenteo clima do “novo”, da “nova tendência”. Divul-gam a idéia e todos começam a repetir a mesmacoisa, mesmo que não haja nenhuma evidênciaou discussão aprofundada. Depois de um tempo,aquele autor passa, a moda passa, mas logo éposto outro no lugar. O conhecimento sobre aaplicação das tecnologias da informação estámuito influenciado por este processo tão histori-camente atual quanto a própria tecnologia.

Esse tipo de argumentação parece se ali-mentar de dúvidas. Argumenta-se que está tudoem construção, tudo por fazer e, com isso, está-se criando espaço para que qualquer discussãoou opinião ganhe capacidade de influenciardecisões e pesquisas, sem o necessário examerigoroso de suas proposições. O pior é quepassam uma falsa impressão de que o mundoestá mudando, de que o melhor está por vir, queestá chegando uma nova “ciber-época” de es-plendor, o que significa dar um caráter quasereligioso, certamente messiânico, às novas tec-nologias e ao futuro da sociedade, pleno de novascaracterísticas e novos paradigmas possibili-tados pelo surgimento das novidades tecnoló-gicas.

Essa espécie de “oba-oba” tecnológico, mui-tas vezes, não é detida nem mesmo pela consta-tação da existência dos “flanelinhas”, não sóem Salvador ou São Paulo, mas no centro deNova York, Montreal ou Londres. Parece claroque, se as relações sociais não mudaram, aintrodução das tecnologias não pode ser avaliadacomo determinante de um novo quadro de orga-nização social, que justifique chamar a socie-dade de nova nisso ou naquilo. Se as relaçõessociais não mudaram, se as relações de podere as de consumo não mudaram, se a práxiscultural não mudou, mesmo que tenhamos

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Tecnologias para a colaboração

mudado alguns hábitos, estes estão apenasocupando estruturalmente o lugar dos velhoshábitos – onde está então a novíssima sociedadee seus novíssimos paradigmas?

Muitos estudos bastante conhecidos, advin-dos de tradições pós-modernas e pós-estrutura-listas, do chamado culturalismo, podem seranalisados a partir destes argumentos (MORIN,1996; GERTZ, 1978; CANTON, 2001; NE-GROPONTE, 2001; LEVY, 1997; PARENTE,1996).

Não se trata de criticar as tecnologias nemsua expansão, principalmente porque, sabendoda elevada produtividade e de sua penetraçãoem todas as atividades humanas, nem se cogitaem não aceitá-las. Desejamos oferecer um ou-tro caminho explicativo, menos voltado à visãotecnicista ou individualista, que vê no adventoda tecnologia por si só a novidade social, paratrilhar alternativamente leituras focalizadas nacaracterística colaborativa e de intensa intera-tividade social das redes de computadores etecnologias da informação. Parece mais adequa-do caracterizá-las como tecnologias para acolaboração, já que, desde os anos 40 do séculoXX, elas têm respondido à demanda por otimi-zação, eficácia e maior integração das relaçõeshumanas, contribuído para a construção dapráxis e do conhecimento coletivizados. Há umpotencial de transformação social e da práticahumana no relacionamento colaborativo e plenode interatividade, possibilitado às comunidadeshumanas pelas tecnologias da informação. Masesse potencial se realiza a partir do diálogoconcreto entre as necessidades dos sujeitos edas coletividades e a capacidade das tecnologiasde atender a essas necessidades. Os estudosque investigam os casos de sucesso desse tipode interação têm oferecido progressos científi-cos concretos capazes de sobreviver à tempo-ralidade dos modismos intelectuais.

Nas últimas décadas, ficou cada vez maisevidente a dificuldade e até a falência das inicia-tivas tradicionalmente individualistas e não cola-borativas do capitalismo competitivo tradicional.De fato, cada vez maior número de estudiososidentifica os limites e a insustentabilidade dosistema capitalista (MEZSAROS, 2002). A in-

formática e as tecnologias da informação sãorespostas claras da práxis humana para essademanda por colaboração e interação entre osdiversos atores individuais, sejam empresas,ONGs, setor público, ou simples sujeitos singu-lares. A anterior propensão do sistema produtivopor investir em mais produtividade individual,para alimentar a disputa entre concorrentes, aospoucos tem dado lugar à propensão ao inves-timento em otimização. Investir em otimizaçãoé pensar no contexto, na complexidade de todasas relações envolvidas em um processo. Dessaforma, o processo social do presente passou aestimular maior cooperação e colaboração, emdetrimento da competição, como elementoreprodutor de suas relações de existência. Ainformática e os computadores são artefatos quesurgiram a partir dessas necessidades e, por-tanto, respondem a uma dada tecnologia paraa colaboração. Vista assim, a informatizaçãoda sociedade pode ser interpretada como umademanda por abordagens menos individualistase voltadas para maior e crescente esforço porcolaboração.

Mas, para chegar ao exame do potencial detransformação social concreta das chamadasTecnologias da Informação, é necessário an-tes depurar os conceitos vigentes sobre as mes-mas, que já se tornaram uma espécie de sensocomum e que escamoteiam possibilidades dialé-ticas de interpretação. Aí chegamos ao nossosegundo ponto de discussão sobre como temsido discutido o significado dos textos, das fontesde interpretação e sobre como se pode inter-pretar a comunicação e a interação entre os su-jeitos realizada a partir dos meios de comunicação.

Preocupam-nos, por exemplo, as posturaspós-estruturalistas que pressupõem uma neu-tralidade disfarçada do cientista e uma “des-conexão” da localidade com o contexto global,isso em plena expansão da mundialização dasrelações sociais. Ao analisar o discurso de formaindividualizada e sem possibilidade outra que nãoa da coerência interna do argumento, dissocia-se o sujeito de sua ação. Dissocia-se também apráxis do sujeito daquela práxis coletiva, na qualsempre estão situadas as práxis singularesindividuais, do significado do texto, que mesmo

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Alfredo Eurico Rodrigues Matta

referente a uma autoria individual, por convi-vência e interação desse indivíduo com seu meio,pertence sempre ao coletivo mais amplo do qualo autor participa. A análise de discurso pós-estruturalista não permite assumir cada fontecomo produto de realidades mais abrangentesque o micro e a localidade. Vem daí certo “lo-calismo”. A análise de discurso e de suas coe-rências internas transfere para o formato e alógica formal do processo discursivo, para aorganização e interlocução simbólica e para atecnologia de comunicação, o papel de deter-minação das interações e do processo histórico.O texto e a vida são, então, vistos como umacriação de espaços identitários sem nenhumaperspectiva dialética ou concreta, que esteja forados simbolismos e do relativismo da subjetivi-dade introjetada de cada um, expressa na ordemdas idéias do discurso desvinculado à práxis daexistência. Essa visão, bem calcada nos estudose sugestões metodológicas de Foucault (1972)e Derrida (1973), está situada em posição total-mente oposta ao sócio-construtivismo necessa-riamente contextualizado, que trabalha com inte-ração, com mediação, com zona proximal deaprendizagem, e com construção social do co-nhecimento, que podem ser lastro para a com-preensão dialética do emergir das tecnologiasda informação.

A situação é pior, ao constatarmos que, nasúltimas décadas, esses estudos das contradiçõesdo processo de construção do significado, tãobem estudado pelo sócio-construtivismo dialéticode Liev Vigotsky, foram absorvidos por certastendências da ciência norte-americana, quedescaracterizaram algumas perspectivas funda-mentais dos estudos vigotskianos, distorcendo-os, para que pudessem ser utilizados em parceriacom a pós-modernidade pós-estruturalista(FRAWLEY, 2000).

A idéia de separar o contexto social, o examedas pré-condições e articulações sociais pre-sentes nos textos, vistos como representaçãosocial exclusiva da subjetividade de um autorindividual, a idéia de “des-historicizar” o autordo discurso e da oralidade de sua práxis coletivae de seu processo de reprodução metabólico,como sujeito parte do coletivo, desconsiderando

sua formação social e a participação de todasas interações de sua experiência em sua vida,parece ser o ponto mais importante a ser criti-cado dentre todos os argumentos pós-estrutura-listas e pós-modernos, que acabam embasandoa interpretação das novas tecnologias maisconhecidas, realizada por essas correntes.

A idéia de separar o pré-concebido, o con-texto, supõe o texto como representação socialdo individuo que o gerou, representação indivi-dualizada, e a conseqüente idéia de que o co-letivo só pode ser realizado por igualdadesidentitárias criadas e traduzidas em mensagens,códigos e decodificações, reduzindo a vastacomplexidade da experiência humana a pro-cessos de ação comunicativa e à decodificaçãosimbólica. O homem reduzido à condição decódigo, nem sei se a pouco mais que um soft-ware. O texto, isolado do contexto, seria capazde revelar, no seu interior, no intertexto, ascoerências internas do discurso dos indivíduosque “criam, inventam” olhares e as realidades,independentemente da práxis de suas vidas edas relações concretas, cheias de contradiçõese lutas de interesses, inclusive de classes, que,caso fossem consideradas, detonariam a pers-pectiva pós-estruturalista toda, inviabilizando-a.Aceitar a práxis para além de reduzi-la ao dis-curso revelaria que todo significado é social-mente construído e, portanto, impossível de serindividualizado no texto.

Esta questão nos põe diante da contradiçãoentre idealismo e materialismo como aborda-gens úteis para a interpretação da própria exis-tência e das suas evidencias históricas, assimcomo para interpretar e compreender as tecnolo-gias da informação. É a visão das fontes, comosendo discurso ou unicamente organização sim-bólica subjetiva de coerência individual, que abreespaço para que se considere o mundo mudandoe a história sendo determinada pelas chamadasações comunicativas e pela evolução de novís-simas tecnologias inventadas pelo imaginárioprivilegiado humano, ou de alguns homens donosdo futuro e da globalização. Esses donos dofuturo, da história, do que será daqui a 15 anos,são então capazes de dizer o que os outrosdevem aprender e fazer, chamando essa atitude

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“inclusão” social, ou “digital”. Essas atitudes,por terem origem “no futuro”, não encontrariamrestrição, nem aguardariam observação ou vali-dação em experiências concretas.

Um terceiro ponto de análise trata das tecno-logias da escrita e de uma proposta de expli-cação historiográfica materialista para o surgi-mento da tecnologia associada a ela. A cons-trução histórica da tecnologia da escrita retiroudos sujeitos comuns, da maioria da populaçãode uma dada sociedade e de sua práxis departicipação no cotidiano, a capacidade imediatade articular construções coletivas existenciais,a partir da escrita, sempre dirigidas, ao menosem parte, pela verdade registrada. A hegemoniade uma parte, sempre menos numerosa, dasociedade sobre outra é facilitada por quem“congela” a práxis “certa” e socialmente aceitacomo verdade genérica e aplicável a muitassituações, independentemente do contexto, o quecria uma supremacia do “registro” sobre a prá-tica e a necessidade imediata dos sujeitos. Aescrita não é uma simples “invenção” ou des-coberta tecnológica do gênio subjetivo humano.Não é uma representação linear e seqüencialda realidade nem implica em que a sociedade,a partir dela, pensa e faz tudo linearmente ouseqüencialmente, reduzindo sua flexibilidade.Tudo isso são interpretações apressadas da pós-modernidade e do pós-estruturalismo. Ela é umaconstrução social de uma coletividade que pre-cisou daquele tipo de tecnologia em um momentohistórico. Esta perspectiva de análise é de fatouma possibilidade de explicação histórica paraa emergência da escrita muito mais próxima dasposições teóricas de Vigotsky (2001), Freire(1980) ou Gramsci (1991) ou de RaymondWilliams (apud HIGGINS, 1999) ou Bakhtin(2004), ou de Marx (1999; 2002), do que aperspectiva defendida por Lévy, Habermas eoutros de tendência pós-estruturalista, ou próxi-ma a ela. De fato, essa abordagem está emoposição à explicação de Lévy sobre a questãoda linearidade da escrita do texto impresso deGutenberg e do advento da hipermídia. Tambémse opõe à sua visão sobre espaços antropológi-cos, perspectiva na qual Levy fragmenta a exis-tência em quatro espaços de convivência,

arbitrariamente escolhidos, sem práxis ou con-cretude, e por ele generalizados para toda ahumanidade e para toda a história..

A questão está relacionada ao discurso daverdade que, por sua vez, se relaciona com apráxis social ou cultural hegemônica em umasociedade. Toda verdade só o é na práxis.Então vejamos: a verdade oral, aquela imediatae que media a práxis do cotidiano mesmo,respondia bem à necessidade social de caracte-rísticas que precisam ter suas verdades cole-tivas resolvidas em cada caso, em cada momen-to e sem uma hegemonia contínua de alguémou algum subgrupo sobre os outros. O oral ésuficiente para muitos casos, como, por exem-plo, para a prática de um jogo de futebol oupara a realização de uma caçada. Cada dia umanova caçada, um novo jogo, um novo desafiocom características singulares, o que equivaleà construção de uma nova verdade resolvida enegociada no coletivo ali, no calor do próprioevento cotidiano. Essa foi a única forma deconstrução da comunicação e da verdade porpelo menos 150.000 ou 100.000 anos de hu-manidade (LEROI-GOURHAN, 1981; TIME-LIFE (eds.), 1996). A escrita só foi inventadahá uns 10.000 anos e em várias partes diferentesdo globo. Se a ciência sabe que o ser humanonão mudou há 150.000 anos, que é o mesmoHomo Sapiens, que teria levado a escrita ademorar tanto tempo para ser criada? O métodocientífico não existia então, ou seja, não existiamprojetos científicos e busca por soluções aproblemas de forma sistematizada. Isso querdizer que, na hora da necessidade, é que eramconstruídas as novidades e soluções, e assim éprovável que tenha sido com a escrita; ela pro-vavelmente foi criada quase que imediatamenteà emergência de demanda social por umatecnologia do registro. Não por método comple-xo, nem por “genialidade individual”, mas poruma necessidade coletiva. É importante entãotentarmos perceber essa necessidade.

Na medida em que as populações humanasse adensavam pelo planeta, cada vez mais vito-riosas sobre as pressões da natureza e da con-corrência com outros animais, dentre 30.000 e5.000 anos atrás; na medida em que suas

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sociedades pré-históricas, que chamaremos eco-interativas, pois que se reproduziam sociometa-bolicamente em interação ecológica e atitudecoletiva e colaborativa ao contexto ambiental quehabitavam, se multiplicavam e conquistavam maisespaço físico ambiental para a humanidade emdetrimento de outras espécies vivas, passaram acontar com menos condições de sobrevivência ecada vez menos recursos. Pior, passaram a con-correr seriamente com outros seres humanos egrupos de característica similar, concorrência bemmais séria que a oferecida por outras espéciesde animais. As sociedades eco-interativas foram-se tornando insuficientes, ineficientes, para asustentação da reprodução sociometabólica,necessária a todos os grupos e sujeitos que viviamsegundo aquela práxis.

Isso resultou na necessidade desses sujeitose grupos atuarem no sentido de construir siste-mas de sujeição do ambiente para que se pu-desse extrair mais energia deste, em benefíciode suas comunidades cada vez maiores e commais demandas. Formas menos eco-interativascomeçaram a aparecer, com cada vez maior ca-pacidade de extrair energia do sistema ambiental,para que pudessem ser capazes de reproduzirsociedades cada vez maiores e mais complexas,capazes de concorrer com outras sociedadesrivais.

O surgimento dessa relação desequilibradacom a natureza fez emergir a hegemonia dealguns que conseguiam organizar a maioria emesforços coletivos cada vez mais complexos eeficientes, mais especializados e mais fortes queos esforços das comunidades de eco-interação,como sistema de práxis social e poder. Issogerou condição para o surgimento de sociedadesmais complexas, que sobreviviam e se reprodu-ziam como dominantes, reprimindo e reduzindoo espaço de outras formas de interação sociale organização humana. Esse processo é maisou menos notável entre 30.000 e 5.000 anosem várias partes do planeta ao mesmo tempo.Trata-se de uma transformação social conduzidapela interação dialética entre ação humana econdicionamento ambiental, interação esta reali-zada pela existência em contexto sócio-ambien-tal. A escrita era necessária naquela situação.

Ela foi capaz de “congelar”, fixar ou registrar averdade hegemônica, aquela que prevalecia empráxis e que necessitava ser repetida com igualeficiência no dia seguinte. As soluções nego-ciadas para cada evento, para cada caso nãotinham a mesma eficiência. A verdade registradanecessitava ser repetida, para que se mantivessenão só a hegemonia da então recente primeiraclasse dominante, como também para repro-duzir a sociedade bem sucedida em seu controleda natureza e na eficiência reprodutiva socio-metabólica, para que ela continuasse bem suce-dida no dia seguinte, expandindo-se em detri-mento de outras menos capazes.

A escrita foi solução para que fossem consti-tuídos traços permanentes, verdades social-mente aceitáveis e repetíveis. Mitos, justifica-tivas, legitimações, processos técnicos bem su-cedidos passavam então a ser reproduzidos. Osregistros, porém, não mediam a ação por sisomente, exceto quando de novo transformadosna práxis do cotidiano pela classe dominantesenhorial emergente, que traduzia a verdadeescrita para o formato de ação coletiva. A ver-dade agora tendia a ser a de uns sobre a deoutros, necessitando ser reproduzida continua-mente e não mais em cada caso ou necessidadeespecífica. Era necessário repetir a melhor ca-çada, aquela forma de plantar, a maneira exatade chegar a um dado recurso, ou se o perderiapara um grupo concorrente. A escrita era, então,uma tecnologia vantajosa.

Não é difícil perceber que a tecnologia socialda escrita é efetivada em dois estágios subse-qüentes. No primeiro estágio, o senhorial, pode-se identificar a escrita legitimando o poder e oprocesso social. As técnicas são mitificadas, per-tencem à religião, às tradições, aos ritos quetodos devem seguir. O segundo estágio é bur-guês. A verdade continua escrita, mas é cientí-fica, mecanicista e determinista, e todos devemsegui-la devido à força da demonstração. Aburguesia fabrica então sua verdade neutra edevidamente escrita, objetivando os contextose as condições e retirando da natureza a condi-ção dialética de diálogo e mútua realização entreas condições ambientais e a subjetividade e aexistência humana. A natureza e as condições

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são tratadas como objeto frio e passivo e, nãomais, como parceira e conjunto condicionante/condicionado da existência.

Então, o que “congela”, o que é linear, o queé determinista e mecanicista é a necessidadeda classe hegemônica no poder de impor suaverdade, que não é cotidiana, nem relativa àpráxis do dia-a-dia. São verdades que serãoreproduzidas pelos atos e atividades regidos pelaleitura e decodificação de registros, que virãorepletas de fetiches e falsos determinismos, ca-pazes de reproduzir, ao lado das formas coletivassociometabólicas necessárias à comunidade, asrelações de exploração e controle social dese-jadas pela ordem e classe dominantes.

De nada adiantam as interpretações idealis-tas e subjetivistas sobre a emergência das tecno-logias e sobre as novidades dos hipertextos epossibilidades de leituras e escritas não lineares,se essa relação de poder e de validação deverdades não for superada, e ela não pode sersuperada tecnicamente, ou seja, devido a inten-ções e implementações técnicas. Transforma-ções que implementem alternativas de relaçõesmais colaborativas e que caminhem para a cons-trução de uma alternativa de sociedade mais justasó podem ser implementadas em práxis social eem vida cotidiana. Portanto, enquanto a vidacotidiana ou a experiência de uma coletividadefor dominada pela práxis burguesa, todo texto ouhipertexto será linear e determinista, não devidoa características técnicas implícitas, mas devidoà necessidade da práxis sociometabólica porreproduzir verdades pertencentes a algumahegemonia de classe. Todos acabarão seguindoos registros de verdade morta da classe hege-mônica, no caso a burguesia, que ressuscitarácada vez que sua práxis for aplicada e, junto dela,as relações de domínio e controle que asconstituem.

A linearidade ou não de um argumento nãoestá caracterizada pela tecnologia de sua ex-pressão, pelo fato desta expressão ser oral, escritaou hiperescrita, mas sim pela presença ou nãodas relações de classe e de hegemonia e explo-ração entre classes. A depender dessa relaçãode classes, teremos versões comunitárias e cola-borativas das verdades sociais, sejam elas escri-

tas ou hiperescritas, ou teremos que conviver coma alienação e o fetiche registrado em favor dealguma versão parcial das verdades, convenienteapenas a uma parte do conjunto da coletividade,a classe dominante. Não há nada de estruturanteem modalidades de comunicação e nem elas têmrelação exclusiva com o processo de significaçãoda construção coletiva, cuja práxis é muito maiscomplexa do que poderia ser interpretada quandoreduzida apenas ao discurso e ao simbólico. Vistoassim, tanto a oralidade, como a escrita, ou ahiper-escrita, são dinâmicas não lineares e com-plexas, integradas à dialética da vida, caso este-jam em diálogo com a práxis de uma comunidadeem processo existencial plenamente colaborativo.Estão assim em cheque, e demandando resposta,as argumentações pós-estruturalistas.

Conclusão

Nas últimas décadas, temos assistido à emer-gência esmagadora de perspectivas pós-estru-turalistas, que aos poucos se fizeram pós-mo-dernas, de explicação sobre a sociedade huma-na e, em particular, sobre o fenômeno da emer-gência das tecnologias da informática e comuni-cação. Este crescimento criou uma explicaçãoque, embora defenda a diversidade, o faz apenasenquanto seja parte do imaginário e do simbólico,desestimulando leituras alternativas da realidadee da práxis concreta, reduzida à ação discursiva.Isso acabou por criar uma explicação monolíticae endógena sobre o assunto, dificultando queos movimentos sociais tomem posse e argumen-tem sobre a questão, para assim poderem contarcom estudos sobre as tecnologias que sejamúteis a suas demandas.

Aos poucos, parece que esta situação estáse tornando evidente, e isso tem provocado, noBrasil, mas também no ambiente internacional,uma reação e a possibilidade de buscar explicaro problema sob outras perspectivas teóricas,dentre as quais vem-se destacando a abordagemdialética aplicada à necessidade da construçãode uma sociedade socialista sustentável.

Uma elemento que parece não dar mais paradesconsiderar é que se tornou cada vez mais

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evidente ser impossível discutir seriamente aquestão das tecnologias da informação e dacomunicação, sua emergência e grande alcance

social, sem considerar seu processo de constru-ção histórica e sua presença estratégica comrelação à luta de classes.

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Recebido em 25.07.04Aprovado em 29.10.04

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José dos Santos Souza

RESUMO

As análises sobre a política de educação profissional, freqüentemente, partemda mera descrição empírica das mudanças recentes no mundo do trabalho. Istoimplica na ausência de crítica a tal política, cuja orientação tem se pautado nalógica mercadológica de garantia de empregabilidade. A partir de revisão deliteratura, este artigo sistematiza elementos teóricos capazes de oferecer umavisão para além do pragmatismo corrente. Fruto da revisão de literatura quefundamenta o quadro teórico-metodológico do projeto de pesquisa intitulado“Diagnóstico da Política de Formação Profissional em Vitória da Conquista”, oartigo compreende as mudanças recentes na política de educação profissionalcomo decorrência do avanço da base científica e tecnológica do trabalho e davida urbano-industrial inerente ao desenvolvimento do capital. Diante da crise deacumulação desencadeada desde 1970, a burguesia tem sido obrigada a redefinirsua ação política, passando a utilizar-se de estratégias inusitadas em busca doconsentimento ativo das massas em detrimento do uso da coerção; ao mesmotempo tem sido obrigada a intensificar o uso da ciência e da tecnologia e implantarestratégias de flexibilização do trabalho para aumentar a produtividade. A análiseda política de educação profissional se insere nesse contexto.

Palavras-Chave: Reestruturação Produtiva – Trabalho – Qualificação –Ciência e Tecnologia – Formação Profissional

ABSTRACT

WORK, QUALIFICATION SCIENCE AND TECHNOLOGY IN THECONTEMPORARY WORLD: a theoretical framework for an analysisof the politics of professional education

Analysis about politics of professional education is frequently limited to a simpleempirical description of the recent change in the world of work. It implies theabsence of any critical stance of this kind of politics, which orientations havebeen based upon the market logic of workability. Starting from a revision of the

TRABALHO, QUALIFICAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

NO MUNDO CONTEMPORÂNEO:

fundamentos teóricos para

uma análise da política de educação profissional

José dos Santos Souza *

* Doutor em Sociologia pela UNICAMP, professor de política educacional do Departamento de Filosofia e CiênciasHumanas da UESB e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Trabalho Política e Sociedade (NETPS)desta universidade; é autor do livro “Trabalho, Educação e Sindicalismo no Brasil”, e co-autor do livro “Educação ePolítica no Limiar do Século XXI”, ambos da Editora Autores Associados. Endereço para correspondência: UNIVER-SIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA. Departamento de Filosofia e Ciências Humanas – DFCH.Estrada do Bem Querer, Km 04 - Cx. Postal 95 – 45083-900 Vitória da Conquista/BA. E-mail: [email protected]

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Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma análise da política de...

1. Introdução

Em uma cartilha dirigida a trabalhadores quefreqüentavam cursos promovidos pelo Ministériodo Trabalho e Emprego – MTE (BRASIL, 2001),em parceria com governos estaduais, centraissindicais e federações patronais, por intermédiodo PLANFOR, o Governo Fernando HenriqueCardoso buscava disseminar suas ideologias, coma finalidade de construir o consenso em torno deseu projeto neoliberal de governo e, com isto,mediar o conflito de classe no campo das políticaspúblicas de emprego e renda. A crise do capitalera vista de forma fenomênica, a partir de suasdeterminações sociais, econômicas e culturais,especialmente no que se referia ao mercado detrabalho. Nesse documento, o governo buscavapropagar a seguinte idéia:

A globalização está provocando uma disputa cadavez maior entre as empresas. A concorrência hojeé entre produtos nacionais e internacionais. Omercado de trabalho também está mudando. Oque as empresas procuram hoje é qualidade, pro-dutividade e competitividade. Hoje o trabalhadortem que estar preparado para ser um profissionalcompetente e útil em qualquer empresa – isso éempregabilidade. O trabalhador precisa estar sem-pre aprendendo e se atualizando. E não pára poraí, precisa ser empreendedor. Ter iniciativas, idéi-as novas e criativas no trabalho, estar sintoniza-do com as mudanças no campo profissional. Quemsabe até montar seu próprio negócio! (BRASIL,2001, p. 06-141 – grifos do autor)

Em que pese a simplicidade do argumento,não se pode negar que essa idéia se tornou refe-rência para diferentes sujeitos coletivos interpre-tarem o significado das mudanças ocorridas nomundo inteiro a partir dos anos 70, seja ela repre-sentativa do empresariado nacional ou dos tra-balhadores. Considerando-se que a realidadeempírica oferece constantemente diferenteselementos que corroboram tal idéia – haja vistao acirramento da concorrência entre capitais, ainserção cada vez mais intensa de ciência e tec-nologia nos processos produtivos, a demandapor qualificação da força de trabalho, diminuiçãodo trabalho vivo nos processos produtivos, au-mento do desemprego, concentração de rendaetc –, não há muitas dificuldades para que elase constitua a ideologia do capital para a inter-pretação do conjunto de mudanças que vivencia-mos nas últimas três décadas.

Essa ideologia sugere uma leitura das mu-danças recentes no mundo do trabalho e nocotidiano da sociedade capitalista, cuja implica-ção mais perversa é a propagação da idéia deque essas transformações são uma mera conse-qüência do avanço científico e tecnológico, espe-cialmente na microeletrônica e na informática.Essa forma de conceber o avanço científico etecnológico tem o mérito de mitificar o processocada vez mais intenso de inserção da ciência e

literature, this paper systematizes theoretical elements constituting a perspectivebeyond the present pragmatism. Fruit of a revision of literature on which isbased the theoretical frame of our research project entitled “Diagnostic of thepolitics of professional formation in Vitória da Conquista”, this paper presentsthe recent changes in professional education as consequences of both progressin the scientific and technologic dimensions of work and the urban-industriallife inherent to the development of capitalism. After the accumulation of capitalcrisis of the 1970, the bourgeoisie had to redefine its political action, using newstrategies while looking for the active consent to the masses to the detrimentof coercion. At the same time, the bourgeoisie had to intensify the use of scienceand technology and implement strategies of relaxing work’s regulations as away to increase productivity. The analysis of politics of professional educationis part of this context.

Keywords: Productive restructuring – Work – Qualification – Science andTechnology – Professional Formation

1 O parágrafo citado estende-se ao longo das páginas 06 a 14da cartilha ilustrada.

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da tecnologia nos processos de trabalho e deprodução, atribuindo-lhe um caráter natural. Porconseqüência, afirmam-se inexoráveis as reper-cussões desse processo, sejam elas positivasou negativas, como se não restasse à humanida-de nada além de conformar-se diante dos des-dobramentos dos fatos.

Inexoráveis também têm sido consideradasas novas exigências de qualificação do traba-lhador, pois, diante de um processo “natural” dedesenvolvimento científico e tecnológico, aformação de novas competências no conjuntodos trabalhadores tornou-se condição para ageração de emprego e renda. Como conseqüên-cia, ocorre uma verdadeira despolitização dosesforços sociais para a formação/qualificaçãoprofissional. Aparentemente, a política de edu-cação profissional nada mais é do que uma práticasocial de adaptação dos trabalhadores às novasdemandas de qualificação do trabalho e daprodução, vista por diferentes sujeitos sociaiscomo condição básica de inserção e permanênciano mercado de trabalho. Enfim, a política deeducação profissional é subtraída de todo o seucontexto sócio-histórico, de modo a desvinculá-la do processo de valorização do capital.

Por essa razão, neste artigo, procuraremosfazer algumas considerações acerca da idéia decrise do capital, de modo a concebê-la para alémdos limites impostos por uma leitura economicistapara, posteriormente, sistematizarmos o papel daciência e da tecnologia nesse contexto. Nossameta principal é desmitificar a ciência e atecnologia, atribuindo-lhes um significadoobjetivo, para além de suas determinaçõeshistóricas, em busca de seu sentido ontológico,seguindo o método proposto por Lukács (1976).Somente a partir destas considerações é queconsideramos possível compreender as mudan-ças recentes na política de educação profissional.

2. Crise do Capital e Recomposiçãodas Bases de (Re)Produção Soci-al da Vida Material

O capital é um modo totalizante e dominantede desenvolvimento da ordem produtiva arti-

culado a uma configuração institucional dasrelações de poder e a práticas sociais determi-nadas. É um sistema de mediações que su-bordina todas as funções de reprodução socialao imperativo absoluto da expansão de suasbases de acumulação. Ao submeter todas aspráticas sociais à sua lógica, o capital condicionao cotidiano social em todas as suas dimensões(relações de classe, de gênero, de raça, a cultu-ra, a arte, a religião etc.), de modo que apro-funda e legitima a incompatibilidade entre aprodução para o atendimento das necessidadeshumanas e as demandas de auto-reproduçãode si próprio, aumentando cada vez mais a com-petitividade, a precarização do trabalho e a de-gradação do meio ambiente. Nesse processo, arelação entre o homem, a tecnologia e a natu-reza é subsumida à lógica do sistema produtorde mercadorias. (ANTUNES, 2000).

O desenvolvimento do capital no mundocontemporâneo tem se dado a partir de umprocesso permeado por mudanças em sua basetécnica e ético-política, que configuram umarealidade contraditoriamente marcada por ruptu-ras e conservações no âmbito do trabalho, daprodução e das relações de poder. Tais mudan-ças são determinadas, em uma dimensão, peloavanço do patamar científico e tecnológico dosprocessos de trabalho e de produção e pelaflexibilização das relações de produção, que seexpressam nas práticas cotidianas dos sujeitossociais; em outra dimensão, essas mudanças sãodeterminadas pela configuração das relaçõesde poder na sociedade, especialmente no quese refere à correlação de forças políticas noâmbito do Estado2. A articulação dessas dimen-sões estruturais e superestruturais constitui umtipo renovado de industrialismo, uma forma

2 Estado, aqui, concebido no sentido gramsciano, ou seja:“como uma contínua formação e superação de equilíbriosinstáveis (no âmbito da lei) entre os interesses do grupofundamental e os interesses dos grupos subordinados; equilí-brios em que os interesses do grupo dominante prevalecematé um determinado ponto, excluindo o interesse econômi-co-corporativo estreito” e, ainda, considerando que “nanoção geral de Estado entram elementos que também sãocomuns à noção de sociedade civil (neste sentido, poder-se-ia dizer que Estado = sociedade política + sociedade civil,isto é, hegemonia revestida de coerção)” (GRAMSCI, 1989b,p. 50 e 149, respectivamente).

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Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma análise da política de...

específica de metabolismo social característicade um momento histórico determinado.

O desenvolvimento do capital é, por natureza,expansionista, mundializado e incontrolável.3

Nesse processo de desenvolvimento, o sistemade metabolismo social do capital assume umaestruturação cada vez mais complexa, o queacirra, crescentemente, o conflito de classe, bemcomo aperfeiçoa seus mecanismos de media-ção. Acerca desse processo de desenvolvi-mento do capital, Antunes (2000, p. 27) ressaltaque “sua continuidade, vigência e expansão nãopodem mais ocorrer sem revelar uma crescentetendência de crise estrutural que atinge a tota-lidade de seu mecanismo”. Tal observação serespalda na evidência de que os períodos deesgotamento das bases de acumulação do capi-tal estão cada vez mais freqüentes e suas alter-nativas de contra-tendência à queda tendencialdas taxas de lucro têm gerado crises cada vezmais intensas. É isso o que deflagra uma depres-são contínua, uma crise cumulativa endêmica,permanente e crônica, com a perspectiva deuma profunda crise estrutural.

Seria esse o quadro explicativo do conjuntode mudanças vivenciadas na atualidade. Seusignificado mais profundo é a evidência e a con-firmação da tese marxista da queda tendencialdas taxas de lucro como uma marca inerenteao processo de desenvolvimento do capital. Emdecorrência dessa tendência, a luta visceral docapital para recompor suas bases de acumu-lação deflagra outras duas tendências quepoderiam ser apontadas como dimensões de suacrise estrutural: a depreciação do valor de usodas mercadorias e a incontrolabilidade do siste-ma de metabolismo social do capital (ANTU-NES, 2000).

A crise, paradoxalmente, é um elementofundamental para o capital, na medida em quegera profundos processos de reorganizaçãoprodutiva, de redefinição das relações de produ-ção, assim como de reestruturação institucionaldo conflito de classe. Contraditoriamente, acrise é, ao mesmo tempo, elemento de destrui-ção e de construção do próprio sistema. Osperíodos de crise são uma demanda condicionalao desenvolvimento do capital, pois é nesses

momentos que se produzem as rupturas neces-sárias para a conservação de suas bases deacumulação no processo histórico.

Nos anos 30, por exemplo, momento em quese desenvolvia no Leste Europeu a experiênciasocialista, o capitalismo vivia sua mais impor-tante crise. E foi justamente essa crise orgânicaque tornou necessário um conjunto de medidasde contratendência que tratou de conduzir/re-conduzir as classes trabalhadoras ao leito eco-nômico-corporativo. Em busca da recomposiçãode suas bases de acumulação, o capital construiuuma experiência combinada de keynesianismoe Welfare State, compatibilizando de formainédita na história a dinâmica da acumulaçãocapitalista com a garantia de direitos políticos esociais, mesmo que em limites estreitos e apenassuficientes para a manutenção da ordem socialcapitalista. Desse modo, gestaram-se formascombinadas de liberalismo e de social-democra-cia e, com elas, as condições objetivas e subje-tivas para ratificar a ideologia do capital comoúnico horizonte possível. Da mesma forma,essas mudanças também trouxeram consigo aredefinição dos mecanismos de mediação doconflito de classe como forma de manutençãoda hegemonia. Tal empreitada foi conseguidacom tal êxito que fez as classes trabalhadorasaceitarem por tempo considerável esse patamar,esse horizonte histórico como se lhe fossepróprio (DIAS, 1996).

Seguindo a mesma tendência de queda dataxa de lucros, a história do desenvolvimentodo capital ainda nos oferece outro exemplo decrise, quando, após as décadas de ouro doWelfare State, a questão das formas e das con-dições de vida e de participação política das

3 No Manifesto, Marx evidencia para a classe trabalhadoraque o constante processo revolucionário das forças produti-vas e das relações de produção fundam uma condição tal queas forças produtivas nunca são suficientes para o desenvol-vimento da ordem social burguesa, constituindo-se sempreem um obstáculo para seu desenvolvimento, de modo quepoderíamos afirmar que o desenvolvimento do capital éuma constante superação/condicionamento das forças pro-dutivas, o que precipita uma condição de ordenamento/desordenamento de toda a sociedade burguesa, ameaçandopermanentemente a existência da propriedade privada.Como Marx aponta, as relações burguesas resultam demasi-ado estreitas para conter as riquezas criadas em seu seio.(MARX & ENGELS, 1972).

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classes subalternas é recolocada como proble-ma condicionante da valorização do capital.Agora, como medida de contratendência, o ca-pital articula e põe em cena uma dupla solução:o neoliberalismo, como modo de regulaçãosocial, e o toyotismo4, como regime de acumu-lação. Como nos alerta Dias (1996, p. 37),“estas duas estratégias constituem uma unidadeindissolúvel”. No bojo dessa ação visceral, ocapital tem lançado estratégias para superar osprincipais obstáculos à continuidade de sua ordemsocial de produção material, especialmente pormeio do questionamento e do ataque ao cha-mado bem-estar social. Assim, o capital temcriado novos mecanismos de mediação doconflito de classe, dando uma nova configuraçãoa suas estratégias de manutenção da hegemo-nia. Embora essa crise mais recente recoloquea questão dos direitos sociais, hoje, distintamentedo que ocorria nos anos de 1930 e 1940, “osmovimentos partidário, sindical e popular quese reivindicam dos trabalhadores estão, tambémeles, em uma brutal crise” (DIAS, 1996, p. 37).

O que atualmente está colocado para o capi-tal é a necessidade de frear as demandas popu-lares consideradas pelo conjunto do empresaria-do e seus teóricos como condicionantes da go-vernabilidade econômica e política. Como nosaponta Dias:

... de elemento vital à sobrevivência do capital, apolítica compensatória do bem-estar é, agora,apresentada como responsável pela crise. Faceà inflação, à diminuição da sua capacidade deacumular, enfim, às limitações impostas pelo tra-balho na sua luta cotidiana contra o capital, aestratégia capitalista passa a ser a do “desen-gessamento” das condições da acumulação. Osneoliberais sustentam a tese de que o preço dotrabalho está sobrevalorizado, esterilizando ocapital; o poder sindical inibe a liberdade domercado. É preciso, pois, restaurar o mercadocomo fonte última e única de qualquer sociabili-dade possível. Mesmo realizando essa tarefade neutralização das classes subalternas, o Es-tado de Bem-Estar era, e é, visto pelos teóricosmais reacionários do capitalismo (Hayek espe-cialmente, mas não só) como a “submissãoao comunismo”. Os teóricos do neoliberalismosempre colocaram essa questão com clareza.(1996, p. 37).

Diante desses ensinamentos da história, épossível afirmar que o sentido da atual recom-posição do capital é, na realidade, uma re-in-trodução da sua velha alternativa em temposde crise: modificar a gestão e intensificar a apli-cação diretamente produtiva da ciência e tecno-logia. Ou simplesmente, como afirma Dias(1996, p. 37), “se não é mais possível acumularcomo antes, é necessário mudar a política naprodução: a gestão, o comando”. Assim, paraaumentar a produtividade do trabalho no seuestágio atual de desenvolvimento, o capital temprocurado eliminar os tempos mortos, por meioda inserção cada vez mais intensa de ciência etecnologia nos processos produtivos, e resgatara velha disciplina por meio de novos mecanis-mos de gestão do trabalho. Obviamente, aformação de um trabalhador coletivo de novotipo torna-se imprescindível. O avanço científicoe tecnológico, principal instrumento de obtençãoda disciplina e da incorporação ativa do trabalhovivo ao trabalho morto, constitui, ele mesmo, amaterialidade do novo tipo de subordinação dotrabalho ao capital, conseguido por meio deações educativas desenvolvidas no ambiente detrabalho e no cotidiano da vida em sociedade.A esse respeito, Dias (1996, p. 42) observa que,desse modo, o capital pretende “conquistar cora-ções e mentes, conseguir que o trabalhador vistaa camisa da empresa, [o que] significa fazê-lodesejar o capital, fazer como na ‘dialética dosenhor e do escravo’, que ele veja o capitalistacomo a sua naturalidade”.

Para isso, formulações e ações concretasvoltadas para a recriação da institucionalidadeda ordem capitalista tornam-se essenciais. Bus-ca-se, então, eliminar a idéia de totalidade, estig-matizando-a; afirma-se o fragmento, o cotidia-no, o mínimo; propaga-se o pós-modernismo, a“nova história” como discursos científicos, desi-deologizados, por excelência. Assim, “o neo-liberalismo encontra seu discurso, sua forma

4 Mais adiante, procuraremos tratar, de forma mais detalha-da, como elementos do padrão de gestão da produção inau-gurado pelo toyotismo tornam-se universais e se constitu-em paradigmas para a administração capitalista na atualida-de.

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teórica solidária” (DIAS, 1996, p. 48)5. O obje-tivo central dessa ofensiva do capital no mundodo trabalho e da produção, bem como dessareconfiguração de seus mecanismos de manu-tenção da hegemonia, é a desregulamentaçãodas relações de produção, a flexibilização docontrato de trabalho, a privatização das políticassociais e a exaltação da lei do mercado comoinstrumento regulador da sociedade. E isso seexpressa no âmbito do Estado da seguinte forma:

Mais do que um Estado como articulação parti-cular das classes em luta, com seu aparelhoinstitucional próprio e capacidade real de sobe-rania, ele se transforma, mais e mais, em simplesesferas de influência de um capital que se inter-nacionalizou. Este capital não (re)conhece maisas fronteiras nacionais. Pelo contrário, conse-gue, graças à articulação dos seus intelectuais(no fundamental, no interior do sistema finan-ceiro internacional), seus práticos e dirigentes,criar em todos os países um mesmo terreno deabsoluta liberdade institucional. Este capital in-ternacionalizado constrói e destrói políticas eco-nômicas, sociais, de emprego, enfim, exerce suacidadania sem limitações. Por isso é necessárioque a reforma política do Estado se faça em to-dos os países (abstração jurídico-política) e emtodas as partes. A destruição dos limites é suacondição máxima de existência. (DIAS, 1996,p. 50).

Ainda a título de apreensões oferecidas peloprocesso histórico do desenvolvimento do capi-tal, é possível observar que os períodos de crisee, em decorrência, os períodos cada vez maistênues de estabilidade do capital são fenômenosque se expressam no cotidiano social em formade um conjunto complexo de mudanças per-manentes no seu processo de desenvolvimento,que abrange, desde as forças produtivas e asrelações de produção, até as relações de poder,passando pelo imaginário social, a cultura, a arte,a religião etc. A amplitude multidimensional desseprocesso de recomposição do capital constitui,em determinados momentos históricos, uma uni-dade contraditória e discordante entre o econô-mico e o político, entre a natureza e o espírito,unidade dos contrários e dos distintos. A isto,Gramsci chamou de bloco histórico, ou seja,estágio em que a relação entre governantes e

governados, mediatizada pelos intelectuais, seestabelece graças a uma ação orgânica, possi-bilitada pela hegemonia, propiciando a troca deelementos individuais entre governantes e go-vernados, entre dirigentes e dirigidos, consoli-dando-se assim o sentimento de unidade entreintelectuais e massa, entre filosofia e sensocomum, de onde emana a vida do conjunto(GRAMSCI, 1999; 2000; PORTELLI, 1997).

Como não poderia deixar de ser, a respostaatual do capital à sua crise estrutural mantém-se na superfície do problema, agindo na suadimensão fenomênica, sem atingir os pilares es-senciais do seu modo de produção. Sua preocu-pação central é reestruturar o regime de acumu-lação taylorista-fordista em busca de condiçõesde flexibilidade do trabalho e da produção, bemcomo romper com o modo de regulação socialpróprio do Estado de Bem-Estar Social e rede-finir o papel do Estado, especialmente no queconcerne a questões sociais, enxugando a apare-lhagem estatal, com vistas no controle do déficitpúblico, uma marca registrada do esgotamentodesse modelo de regulação social (ANDER-SON, 1995). Assim, o capital procura implantarum novo industrialismo,6 isto é, uma forma reno-

5 O Termo “Solidário” parece ser a palavra-chave para acio-nar os sentimentos de cooperação mútua de todos os segmen-tos sociais para a solução dos problemas gerados pela crise docapital, embora com a mínima ajuda do Estado. Traz consigouma ideologia que se opõe à do Estado provedor e sugere umaoutra, de Estado parceiro dos segmentos sociais que, sob aaura da solidariedade, funciona como dinamizador das inicia-tivas individuais para a solução dos problemas sociais. Assim,o termo “solidário” funciona como um chamado para quecada um faça a sua parte, um convite à cultura do individua-lismo, uma porta para um novo tipo de corporativismo.6 Utilizamo-nos do termo “industrialismo” para fazer refe-rência à unidade contraditória e discordante constituída, deum lado, pelas ações e formulações decorrentes da inserçãode ciência e tecnologia nos processos de produção, da im-plantação de novos modelos de gestão da força de trabalho,de surgimento de novos requisitos de formação e qualifica-ção profissional, de flexibilização do trabalho e das relaçõesde produção; de outro, pela reconfiguração dos mecanismosde mediação do conflito de classe, pela complexificação dasrelações de poder, pela renovação da idéia das leis de merca-do enquanto reguladoras da vida em sociedade, pelo culto aoindividualismo, pela ofensiva ao modelo de Estado de Bem-Estar Social, minimização do papel do Estado na gestão daspolíticas sociais, redefinição da relação entre Estado e soci-edade civil. Compreendemos “Industrialismo” enquanto umequilíbrio entre as esferas estrutural e superestrutural da so-ciedade que conforma um tipo determinado de metabolismo

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vada de metabolismo social, numa luta visceralde recomposição de suas bases de acumulação,utilizando-se de novos e velhos mecanismos degestão do trabalho e da produção, combinandosua vocação antidemocrática com inusitadasestratégias de socialização da política, dandocorpo a um novo tipo de metabolismo social capazde dar sustentabilidade a uma nova configuraçãodo bloco histórico.

Em suma, poderíamos afirmar que o conjuntode transformações vivenciadas desde os anos70 significa a materialização da crise de ummodelo de desenvolvimento do capital fundadono regime de acumulação rígida, que possuíano taylorismo/fordismo seu modelo de organi-zação produtiva e, no Estado de Bem-Estar So-cial, seu modelo de regulação social. O esgota-mento desse modelo de desenvolvimento funda-do no pós II Guerra Mundial, somado ao acú-mulo de inovações tecnológicas no campo damicroeletrônica e da informática e ao avançodas conquistas políticas da própria classe traba-lhadora, constituíram as condições objetivas quecondicionam a empreitada do capital no nívelmundial para recompor suas bases de acumu-lação e implantar novas modalidades de produ-ção e de mediação do conflito capital/trabalho.A expressão política dessa recomposição docapital se consubstancia em uma verdadeiraredefinição do papel do Estado e no fomentode uma “nova” cultura cidadã fundada no indi-vidualismo e na competitividade, regulada pelalógica mercadológica, compondo a formação deum novo bloco histórico, um novo industrialismo,um novo tipo de metabolismo do capital.

É oportuno ressaltar que, embora essa recom-posição do capital mundial venha provocando

mudanças significativas nas áreas social, política,econômica e cultural, seus princípios fundamen-tais, pelo menos em sua essência, não se altera-ram: a apropriação privada da produção social, aextração de mais-valia, a alienação do trabalhoetc. Tantas mudanças, como se pode notar,ocorrem apenas na dinâmica da acumulação decapital, mas a essência da ordem social capitalistapermanece inalterada ou, talvez, radicalizada.

No bojo desse processo de mudanças pro-fundas vivenciadas desde o início dos anos 70,é possível verificar um maior estreitamento entrea ciência e os processos produtivos, entre aeducação e o trabalho, de tal sorte que, inevita-velmente, os limites da dicotomia entre trabalhomanual e trabalho intelectual, entre a concepçãoe a execução de atividades produtivas, têmsofrido mudanças significativas. Tais mudançasse articulam com a elaboração de uma novacultura organizacional suficientemente respal-dada nas ações políticas de flexibilização dasrelações de trabalho e na redefinição dos meca-nismos de mediação do conflito de classe.

As ações do empresariado para garantirmaior flexibilização dos direitos trabalhistas econdições renovadas de mediação do conflitode classe se dão, de forma privilegiada, no âm-bito do Estado7. Por meio do desmantelamentodas instituições do Estado de Bem-Estar Social,respaldado no discurso do Estado Mínimo, aatual redefinição do papel do Estado articula-se ao desenvolvimento de novas tecnologias deprodução e à flexibilização do trabalho e daprodução. No bojo desse fenômeno, surgemnovas demandas de qualificação para o trabalhoe para a vida social. Um novo valor é atribuídoà formação do trabalhador, seja no nível daeducação básica ou da educação profissional.Nesse sentido, a reformulação do modelo dedesenvolvimento do capital sob a hegemonianeoliberal tem se materializado no campo edu-cacional na forma de políticas públicas para aadaptação dos sistemas educacionais às7 Entretanto, o conjunto de mudanças na gestão do trabalhoe da produção tem trazido para o âmbito da empresa capita-lista inúmeros mecanismos para tornar o trabalhador umparceiro ativo no processo de flexibilização de direitos tra-balhistas e de renovação dos mecanismos de mediação doconflito de classe.

social que garante a reprodução da vida social. O indus-trialismo é um estágio da vida em sociedade determinadopelo seu patamar de desenvolvimento científico e tecnoló-gico e pelo seu nível de complexificação das relações depoder na sociedade civil. No contexto do conflito de classe,o industrialismo pressupõe, em sua dimensão estrutural, ascondições objetivas e subjetivas para a sustentabilidade daacumulação de capital e, em sua dimensão superestrutural, aefetividade dos mecanismos de mediação do conflito capi-tal/trabalho, de modo a sustentar a hegemonia da concep-ção de mundo burguesa, obtida por meio do consentimentopassivo das camadas subalternas, enquanto modo de vidasocialmente aceito. Ao equilíbrio destas duas dimensões é oque denominamos de metabolismo social.

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necessidades imediatas do mercado de trabalho,muitas vezes utilizando-se de estratégias deconformação da escola e de seus profissionaisà ordem de profundas mudanças sociais e eco-nômicas em curso no mundo inteiro.

Enquanto no mundo do trabalho essas mu-danças têm se materializado em ações con-cretas de flexibilização do processo de trabalhoe das relações de produção, no âmbito das rela-ções de poder, elas têm constituído a proposiçãode uma nova relação entre o aparelho de Estadoe a sociedade civil, fundada numa renovada con-cepção de participação, no qual a população pla-neja e toma suas próprias decisões com pequenaparticipação financeira do Estado, sendo obriga-da a captar financiamentos privados para a ga-rantia de seu bem-estar. Trata-se de um tipo deassociativismo, uma parceria entre Estado esociedade civil, uma forma sofisticada de muti-rão que constitui uma estratégia sutil que osgrupos dominantes encontraram para convidar apopulação trabalhadora a aderir a seus planosde desenvolvimento sem aumentar sua partici-pação na riqueza produzida. É, na realidade, aforma contemporânea de manutenção da hege-monia do capital sobre o trabalho, conseguida pormeio da subsunção real do trabalho ao capital eda conformação ético-política das camadas su-balternas nos limites da lógica neoliberal, mesmoque nesta nova conjuntura seja possível perceberum relativo alargamento dos mecanismos decontrole social sobre as decisões estatais.

A realidade brasileira contemporânea temevidenciado que a política educacional do Paístornou-se um campo privilegiado das açõesconcretas voltadas para a conformação ética emoral das massas nos limites do projeto neo-liberal. A burguesia nacional tem direcionadosuas atividades teóricas e práticas para o campoda formulação e gestão de políticas públicaspara a educação. Seu intuito é justificar umaracionalidade mais adequada à atual crise deacumulação do capital: a validade moral da com-petição, do esforço individual, da rentabilidadedos serviços, como critérios de qualidade paraos serviços educacionais. Esse fenômeno temseguido a tendência mundial, conforme pode serverificado na bibliografia sobre o tema. Diversos

autores, inclusive, têm apontado a importânciasignificativa da educação na agenda do capitalno contexto atual (ANDRADE, 1996; 2000;FRIGOTTO, 1995a; RODRIGUES, 1998, den-tre outros). Tal importância decorre da tendênciamundial em atribuir à formação profissional ostatus de parte das políticas públicas de geraçãode emprego e renda, cujo objetivo é estabilizaros níveis de emprego e/ou criar formas de gera-ção de renda por intermédio de ações especí-ficas, pontuais e direcionadas para o mercadode trabalho. Como observa Cêa (2000, p. 94),“tal tendência sugere uma forma tangencial elimitada de se encarar uma problemática comraízes efetivamente estruturais (relações mate-riais de produção)”.

Antes de tratarmos das mudanças ocorridasno processo de trabalho e de produção e suasimplicações na qualificação social e profissionalda classe trabalhadora, faremos algumas consi-derações sobre o papel da ciência e tecnologiano processo de desenvolvimento do capital.Acreditamos que tais considerações são essen-ciais para nossa análise da nova cultura dotrabalho e da conformação psicofísica do traba-lhador na atualidade.

3. Papel da Ciência e da Tecnologiano Processo de Desenvolvimen-to do Capital

As transformações recentes ocorridas nocampo das forças produtivas e das relações deprodução têm sido explicadas, freqüentemente,como mera conseqüência do avanço científicoe tecnológico, especialmente na microeletrônicae na informática. Essa vertente de interpretaçãoacaba por naturalizar as implicações dessa inci-dência cada vez maior de inserção da ciência eda tecnologia nos processos de trabalho e deprodução, ao mesmo tempo em que fetichiza oavanço científico e tecnológico, atribuindo-lheo status de elemento determinante da superaçãoda sociedade de classes.

Essa linha de pensamento, de caráter econo-micista, confunde força produtiva com tecnolo-gia, quando as concebe como equivalentes,

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desconsiderando que a principal força produtivaé o próprio homem, o qual se constitui como taljustamente quando ele põe em ação outras for-ças produtivas no contexto das relações sociais.A tecnologia, na realidade, “é a condensaçãodas contradições classistas buscando dar-lhesentido e direção, ou seja, solução” (DIAS, 1996,p. 13). Mas a ordem de reflexão economicistaconcebe a tecnologia como um elemento neutro,imune às contradições do processo de acumu-lação.

Em nossa análise, entretanto, partilhamos deuma compreensão do papel da ciência e datecnologia no processo de desenvolvimento docapital a partir das leis do valor, conformeapontadas n’O Capital de Marx (1994). Nossopropósito é, em princípio, evitar uma leitura talque atribua às mudanças no campo das forçasprodutivas uma natureza própria que subordinatudo e todos a uma realidade pré-determinada,recusando a possibilidade do homem se consti-tuir como sujeito da história. Essa leitura dasmudanças atuais que pretendemos evitar é aforma mais perversa do positivismo, conformenos indica Dias:

O economicismo procede por reduções. O con-ceito de formação social desaparece diante doconceito de modo de produção, que é tomadocomo uma abstração que tende a coincidir com oreal. O modo de produção é reduzido à esfera do“econômico”. Logo, reduz-se o conjunto dasforças produtivas às relações de produção, vis-tas como base e motor da história. Um outro errodessa visão é a redução das forças produtivas àtecnologia. Concluído esse círculo vicioso omarxismo está devidamente reduzido a um con-junto de dogmas. De redução em redução cai-sena famosa contradição trabalho-capital, tomada,universal e abstratamente. Trata-se não de umaracionalidade classista, mas de uma abstraçãovazia, com o que caímos na mais brutal metafísica:“as forças produtivas são a expressão da liber-dade dos homens em relação às forças da natu-reza”. Todas as demais contradições parecemdesaparecer em uma espécie de Triângulo dasBermudas. Este é um dos erros fundamentais doesquematismo economicista. (1996, p. 13).

Procuraremos aqui, então, resgatar o sentidodo processo recente de avanço científico e tec-nológico na sociedade de classes em busca de

compreender seu significado. Pretendemos evi-tar, desse modo, o risco de explicarmos as trans-formações atuais no mundo do trabalho comouma revolução científica e tecnológica, em vezde uma revolução no (e não do) industrialismocomo alternativa do capital para conservar suasbases de acumulação no século XXI.8

Isto implica também em conceber a tecnolo-gia muito mais como uma materialização dasrelações de produção do que como força pro-dutiva. Isso porque ela condensa a contradiçãofundamental da relação capital/trabalho: a extra-ção de mais-valia – justamente o que lhe dásentido. A sua identificação como força produtiva– conforme lhe é freqüentemente atribuída, atémesmo por alguns marxistas – contribui incon-testavelmente para sua fetichização, obscure-cendo ainda mais seu papel determinante naextração de mais-valia relativa (KATZ, 1996b).

Assim, o que permeia as transformaçõesocorridas no mundo do trabalho e da produção,desde o final do século passado, é o conflito declasse (DIAS, 1996; KATZ, 1996a/b; eCOGGIOLA, 1996). E essas transformaçõessão, ao mesmo tempo, determinantes e deter-minadas pela correlação de forças políticas nasociedade. Por isso, elas não ocorrem senãomediante a alteração do metabolismo social,evento que significa, como já dito antes, um novotipo de conformação das camadas subalternassob renovados mecanismos de mediação doconflito de classe – um novo industrialismo.

Esse novo industrialismo – o qual muitosautores vêm denominando de regime de acu-mulação flexível – não é algo verdadeiramentenovo, já que a flexibilização é uma característicahistórico-ontológica das condições de produçãocapitalista, bem como também o é a inserçãocada vez maior de ciência e tecnologia nos pro-cesso de trabalho e de produção. Alves (2000,p. 23), inclusive, nos recorda os ensinamentosde Marx ao afirmar que “um dos traços ontoló-gicos do capital é a sua notável capacidade em‘desmanchar tudo que é sólido’, revolucionar,

8 Um debate interessante sobre a distinção entre a visãomarxista e a visão economicista desse processo pode serconsultada em: Katz, 1996a e 1996b; Coggiola, 1996; Dias,1996.

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de modo constante, as condições de produçãoe reprodução; pôr – e repor – novos patamaresde mobilidade do processo de valorização nosseus vários aspectos”. Mas em que consiste,afinal, o novo patamar histórico da flexibilidadeno novo industrialismo? A nova manifestaçãoda categoria “flexibilidade” é uma realidadehistórica e política de novo tipo, justamente peloseu caráter descontínuo no interior de uma con-tinuidade plena, ou seja:

O que torna a nova manifestação da categoriade flexibilidade algo essencialmente novo, emtermos qualitativos, é sua vinculação estruturalao estágio, também recente, do desenvolvimen-to capitalista: a mundialização do capital. O pre-domínio da financeirização sob o capitalismomundial tende a incrementar a velocidade, inten-sidade e amplitude do ser-precisamente-assimdo capital, propiciando um salto qualitativo emseu potencial ofensivo sobre o trabalho assala-riado, fomentando a sua “robustez ontológica”.O capitalismo mundial sob a dominância finan-ceira, a mundialização do capital, tende a promo-ver a perpétua sublevação das condições de pro-dução (e reprodução) das mercadorias. Por con-seguinte, incrementa-se o poder das corpora-ções transnacionais, verdadeiros “agentes” docapital em geral. São elas que tendem a impulsi-onar o novo modo de acumulação do capital – a“acumulação flexível”. (ALVES, 2000, p. 26).

É justamente o atual patamar de desenvolvi-mento das forças produtivas e as conquistas daclasse trabalhadora o que tem demandado aflexibilização da força de trabalhado e de suasformas de gestão. Para garantir suas condiçõesde acumulação, o capital passa a implementarmedidas de gestão do trabalho e da produção,no sentido de proporcionar maior maleabilidadeaos processos produtivos, aumentar a capaci-dade de adaptação da força de trabalho confor-me a necessidade, criar nela a disposição paraceder a mudanças de circunstâncias. Dessemodo, o capital passa a dispor de múltiplos usosda capacidade de trabalho, desenvolve a multi-funcionalidade ou a polivalência do trabalhador.Esses atributos, que antes não faziam parte daspreocupações tayloristas-fordistas, hoje, passama ser pré-requisitos indispensáveis. Além deproporcionar ao capital maior mobilidade daforça de trabalho, tornando-a apta para ser

deslocada para postos, máquinas, funções e se-tores diversos, esses requisitos também favore-cem a ampla utilização das potencialidades dotrabalhador, intensificando seu trabalho.

Além da flexibilização da força de trabalhoem si, o capital também implementa ações nosentido de flexibilizar as formas de organizaçãodo trabalho e gestão da produção. Com a preo-cupação de tornar o processo de produção ver-sátil e integrado, capaz de dar respostas rápidasàs demandas do mercado, o capital adota formasflexíveis de organização do trabalho como umelemento propulsor da cadeia produtiva, inspi-rando-se no modelo japonês de produção. Comtais reformulações, além de aumentar a produ-tividade das empresas, aumenta também a ex-tração da mais-valia relativa e absoluta.

Essa flexibilização acarreta uma maior capa-cidade de adaptação do capital às demandas domercado, graças à introdução da microeletrônicae da informática no processo de trabalho e deprodução. Tais transformações na organizaçãodo trabalho carregam em seu bojo uma novacultura organizacional para dar suporte ideológicoà redefinição da forma de organização e gestãoda força de trabalho – a administração capitalista.Novos conceitos relacionados ao processoprodutivo, organização do trabalho e qualificaçãodo trabalhador surgem como elementos-chavepara garantir os saltos de produtividade ecompetitividade perseguidos pelo capital.

Esse processo de flexibilização do trabalhoe da produção é, na realidade, uma universali-zação do modelo japonês de produção por partedo capital como forma de implementar mecanis-mos renovados de controle sobre o processode trabalho e de conformação psicofísica dotrabalhador. A flexibilização toyotista incorpora,de forma bem mais intensa, a subjetividadeoperária ao processo de valorização do capitaldo que a rigidez do modelo fordista. Esse pro-cesso, permeado de implicações sociais e políti-cas, remonta à experiência de Ohno, engenheiroda Toyota, empresa japonesa que, nos anos de50, introduziu conceitos interpretados ora comorompimento, ora como renovação e re-significação do taylorismo-fordismo (FIDAL-GO, 2000).

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Mas o toyotismo é muito mais que uma merapropagação de um modelo de gestão do trabalhoe da produção. A universalização desse modelode produção constitui, na atualidade, o surgimentode uma nova lógica de produção de mercadorias,de novos princípios de administração da produçãocapitalista, de gestão da força de trabalho, cujovalor universal é constituir uma nova hegemoniado capital na produção capaz de produzircondições renovadas de subsunção real dotrabalho ao capital. O toyotismo, enquanto umanova lógica de produção, “é um estágio superiorde racionalização do trabalho, que não rompe, arigor, com a lógica do taylorismo-fordismo”(ALVES, 2000, p. 31). Nesse sentido, seria oque se pode denominar de “neofordismo”.

Um dos elementos distintivos do toyotismoem relação ao fordismo é o salto qualitativo queele proporciona na captura da subjetividadeoperária pela lógica do capital (ALVES, 2000,p. 31). Os princípios (e técnicas) organizacionaisdo toyotismo são capazes de garantir, em maiorou menor proporção, a constituição de uma novasubjetividade operária, capaz de promover umanova via de racionalização do trabalho. Nesseaspecto, a experiência do toyotismo atende per-feitamente às necessidades da acumulação docapital no contexto do novo industrialismo, aomesmo tempo em que se ajusta à sua nova basetécnica da produção, sendo capaz de desen-volver suas plenas potencialidades de flexibili-dade e de manipulação da subjetividade operária(ALVES, 2000, p. 32).

A originalidade do toyotismo consiste, exata-mente, na sua capacidade de articular a conti-nuidade da racionalização do trabalho, intrínsecaao taylorismo-fordismo, com as novas necessi-dades de acumulação capitalista, superando, nosentido dialético (superar conservando), algunsaspectos predominantes da gestão da produçãoinspirada no modelo de produção massificada enas formas rígidas de trabalho. Ao mesmo tempoem que significa uma “ruptura” com a lógicataylorista-fordista, o toyotismo corresponde auma continuidade no aperfeiçoamento da formade acumulação do capital.

Tal como o taylorismo e fordismo, o objetivosupremo do toyotismo – ou da “produção enxu-

ta” – continua sendo incrementar a acumulaçãodo capital, por meio do incremento da produtivi-dade do trabalho, o que o vincula à lógicaprodutivista da grande indústria, que dominouo século XX. Ele pertence, tal como taylorismo eo fordismo, ao processo geral de racionalizaçãodo trabalho (e, portanto, de sua intensificação)instaurado pela grande indústria. Por outro lado,cabe a ele – o toyotismo – articular, na novaetapa da mundialização do capital, uma opera-ção de novo tipo de captura da subjetividadeoperária, uma nova forma organizacional capazde aprofundar – e dar uma nova qualidade – asubsunção real do trabalho ao capital inscrita nanova forma material do capitalismo da TerceiraRevolução Científica e Tecnológica. (ALVES,2000, p. 36).

É no contexto de desenvolvimento da novabase técnica da produção microeletrônica e demundialização do capital que a cultura organi-zacional do toyotismo encontrará o solo fértiladequado às necessidades técnicas do novo in-dustrialismo, pois o avanço das iniciativas orga-nizacionais de envolvimento do trabalhador, acaptura da subjetividade operária, a inserção en-gajada dos trabalhadores no processo produtivo(a auto-racionalização operária) constituem osingredientes indispensáveis para a atual recom-posição das bases de acumulação do capital.Talvez por isso Alves aponte a vigência da“manipulação” do consentimento operário comouma característica central do toyotismo, mate-rializada em um conjunto de inovações orga-nizacionais e institucionais no mundo da produ-ção, que permitem “superar” os limites postospelo taylorismo-fordismo. É nesse sentido queo toyotismo, para Alves:

É um novo tipo de ofensiva do capital na produ-ção que reconstitui as práticas tayloristas efordistas na perspectiva do que poderíamos de-nominar uma captura da subjetividade operá-ria pela produção do capital. É uma via de racio-nalização do trabalho que instaura uma soluçãodiferente – que, a rigor, não deixa de ser a mes-ma, mais que na dimensão subjetiva é outra – daexperimentada por Taylor e Ford, para desenvol-ver, nas novas condições do capitalismo mundi-al, um dos problemas estruturais da produçãode mercadorias: o consentimento operário (oude como romper a resistência operária à sanhade valorização do capital, no plano da produ-ção). (2000, p. 38-39 – grifos do autor).

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Trabalho, qualificação, ciência e tecnologia no mundo contemporâneo: fundamentos teóricos para uma análise da política de...

Embora o taylorismo-fordismo tivesse instau-rado uma sociedade “racionalizada”, sua uni-versalização não foi capaz de incorporar a sub-jetividade operária à racionalidade capitalista naprodução, conforme o toyotismo, que por meiodos mecanismos de conquista do comprometi-mento operário, tem sido capaz de fazer nosmomentos atuais. Enquanto o taylorismo-for-dismo manteve o nexo da hegemonia do capitalno âmbito externo à produção, por meio da inter-venção estatal na mediação do conflito capital/trabalho, o toyotismo traz para o “chão-de-fábri-ca” o nexo da hegemonia do capital, recompondo,a partir daí, a articulação entre consentimentooperário e controle do trabalho9. Isso só é possíveldevido à sua capacidade de capturar a subjetivi-dade operária, inaugurando um novo patamar dasubsunção do trabalho ao capital, e devido àreconfiguração das condições superestruturais docotidiano social, caracterizada pelas alteraçõessignificativas dos mecanismos de mediação doconflito de classe, permeada pela ideologia doEstado mínimo e pautada em estratégias depersuasão em detrimento das de coerção.

Nesse sentido, compreendemos que, ao pas-so que a base científica e tecnológica do trabalhoe da vida urbano-industrial avança, as classesem disputa pela direção da sociedade têm sidoobrigadas a valorizar, cada vez mais, a adesãovoluntária das massas aos seus projetos políticosem detrimento da submissão imposta pelacoerção. Assim, na conjuntura atual, a burguesiatem sido obrigada a redefinir sua ação políticano âmbito do Estado, passando a utilizar-se deestratégias inusitadas em busca da incorporaçãodas massas ao seu projeto de sociedade para oterceiro milênio.10

Portanto, as políticas públicas de educaçãoprofissional são uma resposta simultânea às ne-cessidades de valorização do capital e de media-ção política dos interesses antagônicos que per-passam a sociedade urbano-industrial. Assim,a educação profissional tem respondido, demodo específico, às necessidades de valoriza-ção do capital, ao mesmo tempo em que tem seconstituído em um espaço de significativopotencial contra-hegemônico para a classe tra-balhadora, na medida em que, através daampliação das oportunidades de acesso ao co-

nhecimento, abre novas possibilidades de or-ganização e luta por educação para a classetrabalhadora. Todavia, a especificidade do desen-volvimento dos sistemas educacionais nos últimosanos de crise do capital pode ser explicada pelas“repercussões econômicas e político-sociais dasaplicações diretamente produtivas da ciência noprocesso de trabalho sob o sistema de máquinas”(Neves, 1999: p. 17).

4. Conclusão

As discussões aqui propostas nos remetema uma constatação bastante desconcertante.Trata-se de estarmos vivenciando um fenômenosocial concreto em que, aparentemente, ocorreuma confluência de interesses entre capital etrabalho no que tange à formação/qualificaçãoda força de trabalho para a garantia de empregoe renda. Atualmente, no Brasil, trabalhadores,empresários e governo têm atribuído à educaçãoo papel de formação e qualificação da força detrabalho diante da exigência de novas competên-cias técnico-operacionais e sociais demandadaspelo atual patamar de desenvolvimento científicoe tecnológico e sua aplicação cada vez maisintensa nos processos de trabalho e de produçãoe na vida urbano-industrial. Tal iniciativa temem vista a garantia de maior produtividade equalidade da indústria nacional como diferencialde competitividade no mercado dito globalizado.

Apesar dos limites consideráveis, não sepode negar que as demandas atuais para o de-senvolvimento do capital, no que tange à forma-ção/qualificação da força de trabalho, têm abertonovas possibilidades de acesso ao conhecimentocientífico tecnológico para a classe trabalhado-

9 Para Alves (2000, p. 40), “o toyotismo restringe o nexoda hegemonia do capital à produção”. Talvez este autortenha exagerado ao dizer que os mecanismos de manuten-ção da hegemonia do capital ficam restritos ao “chão-de-fábrica”. Entretanto, somos obrigados a reconhecer que,hoje, conforme já mencionamos anteriormente, o cotidia-no da empresa capitalista se tornou um espaço significativode articulação entre consentimento operário e controle dotrabalho, na medida em que traz para o interior da adminis-tração capitalistas mecanismos renovados de mediação doconflito de classe tipicamente utilizados na relação entreEstado e sociedade civil.10 Sobre este processo o qual denominamos de ampliação docontrole social sobre as decisões estatais, sugerimos consul-tar Coutinho (1994 e 2000).

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ra. Tais possibilidades se materializam nas açõese formulações do Estado e do empresariadonacional no campo da formação/qualificação so-cial e profissional da classe trabalhadora. Dianteda necessidade de formação de novas compe-tências sociais e profissionais, o empresariadonacional, em parceria com o Estado, busca aadesão dos trabalhadores na promoção e univer-salização da educação básica e das oportuni-dades de educação profissional. Paradoxalmen-te, é inerente a essa política a diminuição (enão sua extinção) da dicotomia entre teoria eprática, trabalho e educação, ciência e vida, em-bora ainda nos marcos estreitos impostos pelavalorização do capital. Da mesma forma, parapromover a universalização da educação básicae ampliação das oportunidades de formação/qualificação profissional com a participação ati-va da classe trabalhadora, torna-se necessárioo alargamento dos mecanismos de controlesocial sobre as decisões estatais.

Não obstante, alguns avanços têm sido con-tabilizados no que tange ao tratamento dado pelomovimento sindical à relação entre educação bá-sica e educação profissional. Mas as demandasimpostas pelo desemprego e a ação do Estado edo empresariado na implementação de novosmecanismos de manutenção da hegemonia têmimposto limites consideráveis ao movimentosindical nesse campo. Muitas vezes, compelidopelo imediatismo da luta pela manutenção e gera-ção dos postos de trabalho, o sindicalismo brasi-leiro tem sido obrigado a fazer concessões no cam-po da política de educação profissional. Devemser somados a tudo isto dois elementos importantes,de cujas repercussões se ressentem as ações eformulações do movimento sindical brasileiro naatualidade: a crise do paradigma socialista e domovimento sindical em todo o mundo.

Estes fatos trazem à tona algumas conside-

rações. A primeira delas é que, diante do desen-volvimento social e político do país, combinadocom as transformações tecnológicas no mundodo trabalho e da produção, a formação para otrabalho passa a constituir-se não apenas em umcampo estratégico para o aumento da produ-tividade e competitividade da indústria nacional,mas também um campo privilegiado de disputapela hegemonia. A segunda é que a disputa po-lítica travada no campo da formação/qualifica-ção profissional, na atualidade, possui o méritode abrir novas possibilidades para a classe tra-balhadora organizada construir um projeto alter-nativo ao do capital para a formação da classetrabalhadora. E, por fim, justamente no momentoem que o capital se vê obrigado a ampliar suascontradições no campo da formação/qualifica-ção profissional, o sindicalismo brasileiro – e detoda a América Latina – passa por uma verda-deira recomposição diante da ofensiva neoliberal.

Em contrapartida, o empresariado nacionalvem apresentando maior desenvoltura na incor-poração das massas ao seu projeto de sociedade,obtida através de sua ação em busca do consen-so, tanto no âmbito dos aparelhos privados dehegemonia quanto no âmbito da aparelhagemestatal. Além disso, esse setor tem-se mostradomais atento às necessidades impostas pela crisedo capital a um país ameaçado pela baixa produ-tividade e qualidade do trabalho, antecipando-se, na maioria das vezes, na proposição de alter-nativas para a inserção do País no mercado glo-balizado, embora em condição subalterna. Namaioria das vezes, esse segmento social temencontrado pouca resistência para a efetivaçãode suas proposições no campo educacional. Issotem contribuído para que o Bloco no Poder tenhauma agenda clara e bem definida para o encami-nhamento da política educacional no país, condi-ção básica para a realização de seus interesses.

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Recebido em 30.09.04Aprovado em 06.12.04

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004 455

Jacques Jules Sonneville

RESUMO

Neste ensaio, o objetivo é fazer uma leitura reflexiva sobre alguns aspectosimportantes abordados na Revista da FAEEBA – Educação e Contemporanei-dade, n. 20, dedicado ao tema Educação e Formação do Educador, a fim dedestacar sua relação com a profissão do educador. Os assuntos aqui abordadosforam agrupados ao redor de um tema central: a educação na contemporanei-dade. Pretendemos mostrar que a qualificação do educador tem uma relaçãodireta com a qualidade da sua profissão. Não há como pedir uma qualificaçãocada vez mais intensa ao educador cuja profissão não oferece as condiçõesessenciais de qualidade. Qualificação profissional e condições de trabalho sãoos dois pólos inerentes à profissão do educador.1

Palavras-chave: Formação do educador – Profissão do educador – Educaçãona contemporaneidade – Formação continuada – Condições de trabalho

ABSTRACT

THE CONTEMPORANEOUS EDUCATOR: FORMATION ANDPROFESSION

Our objective with this essay, is to make a reflexive reading upon some importantaspects analysed in the Revista da FAEEBA, number 20, upon Education inthe Contemporary World dedicated to the theme Education and TeacherEducation, so as stress its relation with the teacher’s profession. The themesdiscussed were reunited around a central theme: education in the contemporaryworld. We aim to show that teacher’s qualification has a direct relation withhis or her professional quality. You can’t ask an always-greater professionqualification to a teacher whose profession does not offer the essential conditionsof quality. Professional qualification and work’s conditions are the two polesinherent to the teacher’s profession.

Keywords: Teacher’s formation – Teacher’s profession – Education in thecontemporary world – Permanent formation – Work conditions

O EDUCADOR NA CONTEMPORANEIDADE:

FORMAÇÃO E PROFISSÃO

Jacques Jules Sonneville ∗

* Mestre em Ciências Sociais pela UFBA. Doutor pela Universidade Católica de Louvain – Bélgica. Professor na linhade pesquisa 2 do Mestrado em Educação e Contemporaneidade da UNEB – PEC/UNEB. Editor executivo da Revistada FAEEBA: Educação e Contemporaneidade. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia -UNEB, Mestrado em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVADOR/BA. E-mail: [email protected] A relação direta da qualificação do educador com a sua profissão deixa claro que o termo “qualificação” deve ser entendidono sentido de “profissionalização”, cujo conteúdo será explicitado no decorrer deste trabalho. Rejeitamos a qualificaçãocomo estratégia de formação de mão-de-obra nas empresas, de acordo com as políticas neoliberais.

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004456

O educador na contemporaneidade: formação e profissão

Introdução

Educação e Formação do Educador foi otema do número 20 da Revista da FAEEBA –Educação e Contemporaneidade. Como edi-tor executivo participei ativamente de todas asetapas da elaboração desse número, um dosmais importantes de toda a trajetória da revista.Neste ensaio, pretendo retornar aos textos, ago-ra com os olhos de leitor, fazendo uma análisereflexiva sobre alguns dos temas abordadosnessa edição, a fim de destacar o conteúdo dealguns artigos, de acordo com a perspectiva daprofissão do educador.

Formação do Educador é o tema centralquando se trata da Educação. Mesmo não sendotematizado explicitamente, o assunto está sem-pre presente em todas as abordagens do fenô-meno educacional. Em todas elas, fica evidenteo papel cada vez mais importante do educadorno processo pedagógico, exigindo dele compe-tência, dedicação e motivação. Qualificação doeducador, porém, exige que sua profissão sejalevada a sério, em outras palavras, que seja umaprofissão prestigiada e bem remunerada. Torna-se cada vez mais premente a necessidade decriar as condições de trabalho de acordo com aimportância de seu trabalho na sociedade con-temporânea, capaz de atrair e manter os recur-sos humanos mais competentes.

O que nos levou a elaborar este ensaio foi oacúmulo de fatos estarrecedores que envolvema educação básica no Brasil, especialmente noensino fundamental. Esses fatos já se tornaramtão corriqueiros, conhecidos por todos, repetidosa cada instante, que aparentemente não causammais nenhum impacto na sociedade. Tanto noplano nacional, quanto no plano internacional,os resultados dos testes para medir o grau deconhecimento dos alunos do ensino fundamentalsão um indicador de que a educação no Brasilestá longe das demandas contemporâneas dasociedade de conhecimento. Bastam algunsexemplos:

Num teste feito com alunos de 40 países, algunsdeles pobres, o Brasil ficou em último lugar emmatemática; em leitura, fomos ligeiramente me-lhor.(...) A surra do teste internacional nem é o

pior resultado. Periodicamente divulgam-se da-dos do SAEB (Sistema Nacional de Avaliação daEducação Básica): gira em torno de 3% a por-centagem de alunos de escolas públicas com umnível de aprendizado considerado adequado.Vale repetir: 97% não aprenderam o que deve-riam. (DIMENSTEIN, 2004).

Estes resultados não são nenhuma surpresapara os que conhecem de perto a situação con-creta do nosso ensino público, freqüentado pelagrande maioria da população brasileira. Ementrevista a Lillian Witte Fibe (UOL News, 2004),o economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fon-seca, professor de História do Pensamento Eco-nômico das Faculdades Ibmec, deu o seguintedepoimento:

Brasil fez um esforço enorme para aumentar acobertura da rede de ensino. Hoje temos 97%das crianças freqüentando o ensino fundamen-tal. Mas, 50% das crianças em famílias pobres, oque dá 40% das crianças brasileiras, não com-pletando oito anos na escola. Deveria ter no fi-nal do ensino fundamental um exame nacionalpara saber quem conseguiu aprender as compe-tências que correspondem a este grau. Todas asfamílias têm o direito de saber se a nossa escolaestá boa ou não.Mas, o Estado tem horror de avaliar a educaçãono Brasil. Isto faria aparecer toda a precariedadedo ensino. Temos que ter informação confiávelda qualidade das escolas.Andei de manhã todos os dias em Tiradentes,em Minas Gerais, onde passei três meses escre-vendo meu último livro, e ao passar em frente àsduas escolas de ensino público da cidade, vi oque estava acontecendo. Era uma algazarra. Viprofessor falando e aluno de costas, vi alunosconversando. Havia muito pretexto para parali-sação de aulas. Nada era cobrado. Se as crian-ças perderem estes anos sem aprender nada, istomais tarde vai ser cobrado. Por isso a minha idéiado exame. As escolas que não passassem nesseexame ficariam expostas e sujeitas a maior co-brança.

O depoimento acima é o retrato de uma si-tuação por demais conhecida por todos que lidamou trabalham na educação. O que mais importapara o nosso assunto, porém, é o conjunto dosfatores que causaram estes fatos estarrecedo-res, dentre os quais deve ser citada a falta dequalificação e de preparo dos professores.

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Jacques Jules Sonneville

Devemos esclarecer, com a maior veemên-cia possível, que citar a falta de formação ade-quada dos professores como a causa preponde-rante da situação calamitosa em que se encontraa educação brasileira não significa, de modoalgum, responsabilizá-los por estes fatos. Éexatamente o contrário: a responsabilidade é dopoder público, cujo dever constitucional consisteem providenciar uma educação de qualidadepara todos e, por conseguinte, adotar uma polí-tica permanente e consistente de qualificaçãodos educadores em todos os níveis, especial-mente na Educação Básica, destinada a todosos cidadãos, sem distinção de classe, gênero ouraça.

É de propósito que faço a relação entre pro-fissão e formação do educador. Os dois aspectossão intimamente ligados: a qualidade do preparodo educador está relacionado à qualidade (con-dições de trabalho, remuneração, formação con-tinuada, apoio institucional, acompanhamentoetc) da profissão do educador. Em outras pala-vras, a qualificação e o preparo profissional doeducador somente serão possibilitados quandofor levada a sério a profissão do educador, nãono discurso oficial ou através de promessaseleitorais, mas com fatos concretos. Dito de mo-do mais claro: antes de ser um problema cien-tífico2 ou pedagógico, o problema da qualifica-ção do educador é de natureza política. É aresposta que a sociedade e o poder públicoprecisam dar à seguinte pergunta: qual é de fatoo valor que se atribui ao educador no Brasil?

A resposta atual está contida nos fatos,revelados numa pesquisa publicada pela FolhaOnline Educação (http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/), em 20 de dez. de 2003, sobo título: País corre risco de ficar sem profes-sores na rede pública em 15 anos.

O Brasil corre sério risco de ficar sem profes-sores na rede pública na próxima década. O dadofoi obtido em pesquisa realizada pela CNTE (Con-federação Nacional dos Trabalhadores em Edu-cação) com 4.656 professores de dez Estados.Feita no início do ano, a pesquisa foi tabuladapelo Dieese (Departamento Intersindical de Es-tatística e Estudos Sócio-Econômicos), e a ten-dência de “desaparecimento” de profissionaisde educação foi informada somente agora.

O descompasso entre a perda de profissionais eo baixo ingresso de jovens na profissão indicaque, em um período de no máximo 15 anos, nãohaverá mais professores para diversas áreas noensino público. E todas as disciplinas estãoameaçadas.A sondagem da CNTE aponta que, dos cerca de2,5 milhões de educadores, cerca de 60% estãomais perto da aposentadoria que do início decarreira. (BLASCHKAUER, 2003)

Entre as causas apontadas pelo pouco inte-resse dos jovens pela profissão estão as péssi-mas condições de trabalho: os baixos salários(média de R$ 500 a R$ 700 por 20 horas sema-nais, de modo que a maioria trabalha até 70 horaspor semana, provocando problemas de exaus-tão); a violência nas escolas (com ameaças demorte) e a superlotação em salas de aula. Épreciso atentar para o fato de que os saláriosno ensino particular, mesmo sendo mais altos,tendem a tomar como parâmetro os do ensinopúblico.

Mesmo assim, o número de cursos em Peda-gogia é um dos maiores no universo das universi-dades.3 As condições precárias de trabalho,porém, explicam o alto grau de insatisfação dosprofessores e a vontade da maioria de fazeroutro curso superior (SONNEVILLE, 1996, p.

2 Vide Tardif: Saberes docentes e formação profissional(2002), que desenvolve a proposta do estudo do conjuntodos saberes utilizados pelos profissionais em sua práticacotidiana para desenvolver as suas tarefas, como parte es-sencial dos estudos acadêmicos na área educacional. A tese édesenvolvida, em parte, como reação à tese sobre as origensdas dificuldades encontradas no campo educacional, comosendo a desqualificação e a incompetência dos professores.É preciso, contudo, atentar para o fato de que essa propos-ta, como boa parte das atuais idéias inovadoras no campoeducacional, foi desenvolvida dentro de um contexto depaíses desenvolvidos, como Canadá e Inglaterra, onde ascondições de trabalho dos professores são amplamente fa-voráveis, bem diferentes das que podemos constatar no Bra-sil. No nosso país, não faltam cientistas, aprofundando acompreensão do fenômeno educacional e propondo novaspráticas pedagógicas. O que faz falta são políticas educaci-onais que estimulam, apóiam e promovem a profissão deeducador, diretamente envolvido nas práticas pedagógicas.3 “Em 1993, havia 441 cursos de Pedagogia – licenciaturaplena – cadastrados no Ministério da Educação e do Des-porto. É um número espantoso, pois supera o de todos osoutros cursos de ensino superior no país, incluindo os cursosde Letras (405), Administração (373), Ciências Contábeis(307), História (214) e Ciências Econômicas (189), e dei-xando para longe os cursos tradicionais de Direito (202),Engenharia Civil (105) e Medicina (81).” (SONNEVILLE,1996, p. 61).

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O educador na contemporaneidade: formação e profissão

65; 81).4 Seria ingenuidade (ou grave erro deinterpretação dos argumentos acima citados)afirmar que a simples melhoria das condiçõesde trabalho, por si só, provocaria uma elevaçãosignificativa da qualificação ou do preparo doseducadores no país. Todo o número da Revistada FAEEBA, dedicado ao tema da Formaçãodo Educador, diz exatamente o contrário: é cadavez mais urgente a necessidade de aperfeiçoara competência e o senso de compromisso doseducadores. O que se pretende mostrar, porém,é que a formação do educador está intrinseca-mente ligada à valorização concreta da suaprofissão.

Neste texto, abordamos alguns aspectos daFormação do Educador na perspectiva da educa-ção na contemporaneidade. A partir das idéiasexpostas, teremos maior clareza em relação aoobjetivo proposto: a exigência de melhoria naqualificação do educador é o fundamento paraexigir melhores condições profissionais para esteeducador.

A educação na contemporaneidade

Sem dúvida, a introdução maciça da informá-tica em todos os níveis da sociedade abriuespaço para um novo modo de viver e de pensara educação. É importante frisar: abriu espaçoou potencializou, porque a simples presençaou o uso das novas tecnologias nas escolas, porsi só, não modifica o modelo tradicional de trans-missão dos conhecimentos. Ao contrário, emmuitos casos, elas significam apenas um atrativocomercial ou a criação de um novo mercadopara a comercialização dos produtos, a cada anorenovados, da indústria da informática. Por outrolado, a cibercultura, como novo ambiente co-municacional que surge com a interconexãomundial de computadores, criou um novo espaçode comunicação, de conhecimento e de edu-cação. (SILVA, 2003a).

A cibercultura introduziu uma nova modali-dade comunicacional, superando a mera trans-missão e recepção passiva de mensagens, po-dendo ser definida como Interatividade. Maisdo que um modismo, este termo “significa a

comunicação que se faz entre emissão e recep-ção entendida como co-criação da mensagem.”(SILVA, 2003a, p.262). Esta nova modalidadecomunicacional tem conseqüências radicaispara a educação, levando o professor amodificar sua ação em sala de aula, modificandoseu modo de comunicar.

Isto significa modificação em seu clássicoposicionamento na sala de aula. Significa antesde tudo que ele não mais se posiciona como odetentor do monopólio do saber, mas como oque disponibiliza a experiência do conhecimen-to. (...) De mero transmissor de saberes, “parcei-ro” ou “conselheiro”, ele torna-se um formuladorde problemas, provocador de situações, arqui-teto de percursos, enfim, agenciador da cons-trução do conhecimento na experiência viva dasala de aula. (SILVA, 2003a, p. 267)

A aprendizagem digital surge num novocontexto sócio-econômico-tecnológico, exigindodo professor, acostumado ao primado da meratransmissão na educação, a sua imaginaçãocriadora, para atender às novas demandas so-ciais de aprendizagem interativa.

Uma primeira conclusão se impõe: ao con-trário do que se imaginava, a informática nãodiminuiu o papel central do educador; mais doque antes, é da sua competência e dedicaçãoque depende a qualidade do processo ensino/aprendizagem.

“Aprendizagem interativa” lembra outroconceito importante: “aprendizagem coopera-tiva”, baseado na pedagogia de Freinet, que,na primeira metade do século XX, definia acooperação como a essência do trabalho peda-gógico. (D´ÁVILA, 2003).

A esse respeito, não podemos deixar de lem-brar que o estudo da Educação na contempo-raneidade não dispensa a retomada atenta dasidéias dos grandes pedagogos do passado. Estes,sem dúvida, não dão conta de toda a problemá-tica dos tempos atuais, cada vez mais complexae em constante mutação. De outro lado, deve-

4 Na seleção de 2004 para o Mestrado em Educação eContemporaneidade, UNEB, havia várias centenas de can-didatos para 30 vagas (posteriormente aumentadas para 40,por causa da enorme demanda). Para a disciplina optativade Formação de Educador, no 2º semestre de 2004, havianada menos que 280 candidatos para 13 vagas de alunosespeciais.

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mos ficar atentos ao aspecto revolucionário dasidéias inovadoras dos pedagogos clássicos, sobpena de querer reinventar o que já foi defendidoe amplamente divulgado no passado.

Freinet propôs um trabalho pedagógico, noqual não existiam “responsabilidades individuais,mas co-responsabilidade; não existia produçãoindividual, mas compartilhada; não existia opoder da cátedra, mas o diálogo.” (D´ÁVILA,2003, p. 275). Segundo Freinet:

... o trabalho cooperativo exige autodisciplina edesperta o entusiasmo dos alunos. A classe dei-xa de ser um espaço estranho à vida; incorpo-rando-a, passa a ser uma comunidade de indiví-duos capazes de regular a vida em grupo a partirde objetivos comuns. Esse aspecto está extre-mamente presente na abordagem cooperativa daatualidade. É através do compartilhamento deobjetivos e responsabilidades que o educandoconstrói sua trajetória como sujeito cognoscentee cidadão. (D´ÁVILA, 2003, p. 276).

No Brasil, encontramos em Paulo Freire osmesmos princípios do ideário cooperativo, se-gundo o qual “a relação dialógica é o selo doato cognoscitivo, no qual o objeto cognoscível,mediatizando os sujeitos cognoscentes, se en-trega a seu desvelamento crítico” (FREIRE,1985, p. 18). Assim, não há educador do edu-cando, nem educando do educador, mas educa-dor-educando e educando-educador.

Também a teoria socioconstrutiva de Vygots-ky embasa o ideário pedagógico cooperativo,sendo a sala de aula um espaço definido, porexcelência, para as interações cognitivas e tam-bém sociais, exigindo a colaboração de todosos membros do grupo e acentuando a responsa-bilidade individual e a reciprocidade. (D´ÁVILA,2003).

A educação, na contemporaneidade, com ouso da informática, seja na modalidade presen-cial, seja na modalidade a distância5, não podemais ser projetada nem aplicada fora dos prin-cípios da pedagogia cooperativa, ou seja, dainteratividade, exigindo do educador competên-cia e engajamento cada vez maiores.

Outro exemplo da importância do papel doeducador, especificamente da sua competênciae qualificação, foi a introdução da teoria dePiaget, que deu origem à educação construti-

vista. Na década de 90 do século passado, estaimpôs-se com uma força tal, como se fosse asolução de todos os problemas (sobretudo osaltos índices de fracasso escolar e abandono)que afligiam a educação nas séries iniciais doensino fundamental. Em vários estados e muni-cípios, foi adotada a educação construtivista eem Salvador ela foi aplicada em toda a redemunicipal. Os resultados foram, no mínimo,decepcionantes (SONNEVILLE, 1997). É queestes dependiam, antes de tudo, da qualificaçãodos professores, a fim de pôr em prática umaconcepção revolucionária da construção dosaber. A educação construtivista, antes de seruma metodologia de ensino, exige uma posturaradicalmente nova em relação ao processoensino/aprendizagem.

Ao contrário das posturas anteriores – empiristae racionalista – , o construtivismo valoriza o pa-pel do sujeito na construção do saber, bem comosua interação efetiva com o objeto do conheci-mento e com outros sujeitos. A bipolarização, noprocesso de produção do conhecimento, é re-pensada, enquanto os processos interativos narelação sujeito-objeto-sujeito é pressuposto ini-cial.Há, na educação construtivista, uma mudançaradical de natureza qualitativa no processo ensi-no-aprendizagem, e na forma como a produçãode conhecimento é pensada.O ser humano construtivo é aquele ser capaz derealizar mudanças, tentar novas soluções paraos problemas e situações que se lhe apresentamna vida pessoal e grupal. São atores, atrizes, au-tores, autoras e críticos(as) da realidade, quepercebem a complexidade da dinâmica do mun-do, buscando (re)construí-lo e (re)significá-lo.(SANTOS, 2003, p. 302).

A necessidade de uma maior qualificaçãodos professores fica ainda mais patente com acrítica de Morin à teoria de Piaget, que teriapermanecido no terreno da ciência positiva eexperimental – o conhecimento científico, lógico,racional, matemático e universal – de modo quesua teoria pretendia ter um alcance universal,independente do processo histórico-cultural.Contra essa visão, Morin propõe sua teoria da

5 A legislação atual permite que 20% do programa escolarseja dado na modalidade a distância.

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O educador na contemporaneidade: formação e profissão

complexidade, defendendo a idéia de que o“conhecimento construído é “Complexus”, ouseja ele é relacionalmente biológico, social,emotivo, inconsciente, consciente, histórico,mítico, poético, político, espiritual, enfim, ele nãoé uno, é múltiplo, multifacetado e plural.” (LATAILLE, 1992, apud SANTOS, 2003, p. 306).

A teoria da complexidade apresenta princípiosepistemológicos e éticos para uma nova con-duta humana: o princípio dialógico (dualidadedentro da unidade), o princípio da recursividadeorganizacional (ou da causalidade circular), oprincípio da representação hologramática (otodo está nas partes e as partes estão no todo),o princípio da auto-organização (simultaneida-de de ordem e caos), o princípio da autopoiese(teia de processos que vai produzindo ingredi-entes, componentes e padrões, caóticos e orde-nados, que se regeneram continuamente, atra-vés de suas interações e transformações) e oprincípio da retroação ou retroalimentação (pro-priedade dos sistemas nos quais parte da circu-lação de energia e informação retorna sobre seuinício e, a partir daí, se re-espalha e ricochetasobre o sistema). (SANTOS, 2003, p. 306).

A adoção e a aplicação da teoria da comple-xidade na prática pedagógica, sem dúvida, exi-girão uma mudança radical na percepção, com-preensão e postura do educador.

Mais do que nunca, essa complexidade estápresente num dos aspectos mais importantesda contemporaneidade: a produção de mensa-gens, com destaque nas imagens veiculadaspelos meios de comunicação de massa, cons-tituindo uma produção imagética através deuma linguagem própria, que “permite a difusãoem massa e o uso político das imagens, modifi-cando a percepção espaço/temporal que dá aoleitor a sensação de “tempo real” e de anulaçãoespacial, abolida pelas distâncias geográficas.”(SANTOS; OKADA, 2003, p. 288-9).

Os meios de comunicação são uma presençaconstante no dia-a-dia do nosso povo. Destemodo, é fundamental que os professores ealunos saibam lidar com as informações editadase emitidas, incluindo-as nas suas práticas cur-riculares. “Neste contexto, a mediação pedagó-gica tem papel essencial para criar situações ecircunstâncias nas quais os aprendizes possam

desenvolver seus olhares críticos e expressar-se através das diversas linguagens com posturaética e consciente.” (SANTOS; OKADA,2003, p. 288-9).6

Finalmente, a profissão de educador e, porconseguinte, sua formação têm uma relaçãointrínseca com a educação ética. Para Lins(2003), todo professor deve ser um educador,aliando aos seus conhecimentos específicos apreocupação com a educação ética/moral dosalunos sob sua responsabilidade. Para com-preender a importância do educador como pro-fissional e de seu papel na sociedade, é impor-tante considerar que seu trabalho não se limitaà formação das diversas habilidades ou compe-tências, por mais necessárias que sejam paracada pessoa na sociedade contemporânea.

O trabalho do educador também não se limitaao ensino dos diversos conteúdos básicos paraa formação do cidadão. Esses conhecimentosconstituem a formação cultural sólida e global,essencial e um direito de todos, a serem apreen-didos não mais de acordo com o paradigma pe-dagógico tradicional, no qual os alunos absor-vem, de modo passivo e fragmentado, o quelhes é transmitido, mas como sendo os múltiplosolhares sobre uma realidade complexa e multi-facetada, resultado de uma construção ativa,em colaboração com os professores e os colegasde aprendizagem e numa perspectiva multirre-ferencial do currículo.7

No entanto, competências e conteúdos de-vem necessariamente ser impregnados daquiloque constitui a essência e a finalidade da edu-cação: a formação do cidadão, pessoa compe-tente e informada, mas que sabe pensar e agircriticamente, é consciente social e politicamen-

6 Os autores propõem algumas dinâmicas (2003, p. 295-6),tais como: Discussões e reflexões coletivas; Leituracontextualizada; Leitura crítica; Leitura técnica; Re-ediçãoe ação em conjunto: definindo o roteiro, essencial para aelaboração da mensagem (Conteúdo, Forma, Técnica). “Apóso roteiro, o grupo pode definir a forma mais convenientepara reconstruir a releitura das imagens vistas, por exemplo,através da dramatização, filmagem, desenhos, pinturas, tea-tro de fantoches, jornal impresso, noticiário, páginas web,apresentações multimídia, etc...” (2003, p. 296)7 A perspectiva multirreferencial do currículo contempla adiversidade dos saberes coletivos, potencializando as expe-riências singulares dos sujeitos e rompendo com os limitesdo tempo e do espaço geográfico.

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te, responsável e ética. A educação ética podeser descrita por outra expressão: pedagogia paraa autonomia. (FREIRE, 2004). É a capacidadeda pessoa para agir de modo responsável, com-petente e fundamentado, de acordo com os inte-resses da comunidade, estabelecendo laços decooperação com os outros, para construir algoque beneficia a todos. É a educação pluricultural,que consiste na aceitação dos valores essenciaisdos diversos grupos culturais que compõem opovo brasileiro, estimulando referências e práti-cas que permitam a todos seus cidadãos cons-truir uma sociedade que proporcione inclusão ejustiça social.8

Sem educação para a autonomia ética, habi-lidades e conhecimentos fazem pessoas compe-tentes e bem informadas, mas sem nenhumcompromisso crítico de natureza ética ou políti-ca, bem ao gosto de um modelo político-social,em que impera o individualismo ou a lei do maisforte, a exemplo do modelo sócio-econômicovigente, o neoliberalismo.

Um exemplo da importância do papel doeducador para a formação ética dos educandosé o estudo de caso realizado por Cunha e Lordelo(2003), em que realizam uma análise detalhadae crítica do trabalho pedagógico numa escolade educação infantil, encontrando fortes diferen-ças quanto às práticas pedagógicas relacionadasà formação de valores morais. O maisimportante neste estudo foi mostrar como aeducação infantil, antes que ensinar habilidadesou conhecimentos, deve contribuir para criar umambiente sócio-moral que seja propício aodesenvolvimento da autonomia ética.

Ficaram, assim, definidos os conceitos bási-cos que norteiam a educação na contempora-neidade: Cibercultura e Interatividade, Peda-gogia e Aprendizagem Cooperativa, EducaçãoConstrutivista e Conhecimento Complexo, Me-diação Pedagógica Crítica dos Meios de Comu-nicação, Educação Ética. São conceitos queexigem uma mudança radical na postura e nacompetência do profissional da Educação. Aeducação na contemporaneidade, se não quiserficar limitada apenas a um conjunto de conceitos,sem nenhuma modificação na realidade educa-cional, deve ser posta em prática, experimen-

tada e testada quanto às suas reais condiçõesde alterar o fazer pedagógico.

Para isso, são necessários profissionais com-petentes e motivados, dispostos a fazer umaconstante reflexão sobre seu fazer pedagógicosob pena de transformar-se em meras práticasreceitadas e petrificadas. Isso ainda é mais im-perativo, tendo em vista as constantes trans-formações da educação na contemporaneidade,tais como foram descritas acima. (MENEZES,2003). É a chamada formação continuada,quando se quer fazer uma distinção da formaçãoinicial, prevendo-se uma separação entre otempo escolar, como preparação para a vida, eo tempo de exercício profissional da vida, dire-cionada para a mudança.

Uma forma cada vez mais utilizada para pro-mover a formação continuada e, conseqüen-temente, o desenvolvimento profissional doeducador, é a Educação a Distância – EAD,especialmente com a utilização da internet, pos-sibilitando o acesso rápido e seguro a um deter-minado número de alunos, espalhados em qual-quer ponto do território nacional (MAGNA-VITA, 2003). Em poucos anos, surgiu umainfinidade de cursos a distância, tanto a partirdas universidades, quanto através de iniciativasdiversas, ligadas a uma instituição de ensino ouuma empresa.9 Em pouco tempo, também, ofenômeno tornou-se objeto de inúmeros estudosem livros (SILVA, 2003b), periódicos10 e pes-quisas acadêmicas (ARAGÃO, 2004).

O conceito Interatividade, no sentido dabidirecionalidade, co-autoria e intervenção noprocesso, tornou-se o centro destes estudos, afim de superar o tradicional paradigma doprocesso ensino-aprendizagem, o ditar/falar doprofessor e o assimilar/reproduzir do aluno. AEad abriu a “possibilidade” de substituir o esque-

8 Vide a Revista da FAEEBA: Educação e Contemporanei-dade, Salvador, v. 12, n. 19, jan../jun. 2003, dedicada inte-gralmente ao tema Educação e Pluralidade Cultural.9 Para dados mais recentes, acessar o site da AssociaçãoBrasileira de Educação a Distância – ABED: http://www.abed.org.br10 O n. 22 da Revista da FAEEBA – Educação e Contempora-neidade é dedicado ao tema Educação e Novas Tecnologias,cuja maioria dos artigos tem alguma ligação com a Educa-ção em Rede ou a Distância.

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ma de comunicação um-todos, onde o professoré o guardião que encaminha textos e testes deconhecimento pelo esquema todos-todos, emque prevalece a construção coletiva do co-nhecimento (SILVA, 2000; 2003c).

A formação, inicial e continuada, dos edu-cadores para as TIC – Tecnologias de Informa-ção e Comunicação – é a nova face da profissãodo educador na contemporaneidade (PASSOS,2003). Tornou-se urgente discutir os conceitosde tecnologia que perpassam a formação dosprofessores, mostrando a necessidade de inves-timento na sua formação inicial e continuada, afim de criar espaços para reflexão crítica sobreo potencial e as especificidades das tecnologiasintelectuais nos processos educacionais.

Considerações finais

Educação de qualidade tem como base aqualificação do educador na contemporanei-dade. Esta exige uma nova modalidade comu-nicacional, de acordo com os princípios da pe-dagogia cooperativa, ou seja, da interatividade,exigindo do profissional uma postura constru-tivista tendo em vista um conhecimento com-plexo e crítico da realidade, incluindo o mundoimagético produzido pela mídia de massa. Final-mente, a educação ética, destinada a formar ocidadão crítico, autônomo e consciente, deveser a característica fundamental da atuação doeducador. Por isso, a formação do educador,seja inicial, seja continuada (presencial ou a dis-tância), deve ter as características de qualidade,de acordo com os princípios acima, preparandoos educadores para o domínio das TIC – Tec-nologias de Informação e Comunicação.

A qualificação do educador, porém, tem umarelação inerente à qualidade da sua profissão.Não há como pedir uma qualificação cada vezmais intensa ao educador cuja profissão nãooferece as condições essenciais de qualidade.É essa qualidade, ou seja, as condições de traba-lho do educador, que são o incentivo para a suaqualificação. Em outras palavras, a profissãode educador na contemporaneidade exige quesejam atendidas as condições de trabalho essen-ciais e adequadas à importância de seu trabalho

na sociedade. Entre essas condições11 podemser citadas como básicas: salário adequado coma importância da profissão na sociedade con-temporânea; limite de horas-aula por semanapara o exercício da profissão do educador-do-cente; limite de alunos para sala de aula.

1) Em primeiro lugar, a remuneração. Nãohá nenhuma novidade na afirmação de que aremuneração do educador, no Brasil, está muitoaquém daquilo que se deve ou pode esperar parauma profissão tão vital para a sociedade. Provadisso são as iniciativas governamentais como aFUNDEF e a FUNDEB, cujos objetivos incluemassegurar uma melhoria salarial para os pro-fessores.12 Apesar de serem uma solução insu-ficiente e, ainda por cima, alvo de inúmeroscasos de corrupção e desvio do dinheiro público,os resultados foram positivos, no sentido de que,em 2003, o número de crianças entre 7 e 14anos que freqüentam a escola chegou a 97%.Continua, porém, o enorme atraso na qualidadedo ensino, como foi demonstrado no início desteensaio: qualidade que, antes de tudo, dependeda qualificação do educador, a qual, por sua vez,é fruto da qualidade da sua profissão.

Quanto à remuneração, no âmbito destetrabalho, é difícil estabelecer um determinadovalor para o salário-base do professor, emtempo integral e com dedicação exclusiva.Isso depende de uma avaliação e uma compara-ção com as profissões com importância similarpara a sociedade. De qualquer modo, deve serestabelecido um salário-base inicial (fora dasgratificações por tempo de serviço, progressãofuncional, incentivos por desempenho etc.), tantopara os profissionais com formação de ensinomédio quanto para os profissionais com forma-ção de nível superior, a fim de atrair e manteros bons profissionais na área educacional.13

11 Neste ensaio, são tratadas as condições de trabalho para aEducação Básica (Ensino Fundamental e Médio).12 FUNDEF, do governo anterior, destinado ao ensino fun-damental, e o FUNDEB, do governo atual, ainda em fase deprojeto, que inclui o ensino médio. Para mais detalhes, vide:http://www.mec.gov.br/sef/fundef/ e http://www.mec.gov.br/sef/fundeb/.13 Na nossa opinião, apenas como sugestão, este salário nãopode ficar em menos de 2.000 reais para os que têm forma-ção de ensino médio, e 3.000 reais para os profissionaiscom formação de nível superior.

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2) O segundo item importante para a quali-dade da profissão de educador é o limite dehoras-aula por semana. Boa parte dos profis-sionais está sendo obrigada a trabalhar 2 ou 3turnos, ou seja, 40 a 70 horas por semana,impedindo um trabalho sério como educador equalquer tipo de formação continuada, além delevar o profissional a sérios problemas de saúdefísica e/ou mental. Deste modo, mesmo que estevolume de trabalho talvez possa levar a umaremuneração de acordo com a proposta acima,ele é altamente prejudicial para os educandos epara o próprio educador.

Limitando o número de horas-aula porsemana para o professor (em tempo integral ededicação exclusiva)14, as aulas poderão serdadas com todo empenho e entusiasmo, dei-xando um espaço de tempo disponível parapreparação das aulas, para leituras, pesquisase cursos de formação continuada, além deadquirir os conhecimentos e as habilidades emrelação ao potencial e às especificidades dastecnologias intelectuais no processo educacio-nal. Somente assim, o profissional terá ascondições indispensáveis para desenvolver suaatividade educativa com uma postura inte-rativa, construtiva e cooperativa junto aoseducandos, de acordo com as exigências daeducação na contemporaneidade acimadescritas.

3) O número de alunos em sala de aula, a fimde possibilitar essa atuação profissional, não deveultrapassar vinte a vinte e cinco. Salas de aulacom 40, 50 ou mais alunos obrigam o professor atrabalhar em circunstâncias incompatíveis comas exigências da educação na contemporanei-dade, impedindo-o de ter um relacionamentodireto com todos os educandos, além de submetero profissional e os próprios alunos a váriosproblemas, como indisciplina, desordem e outros.

Além disso, é evidente a necessidade deplanejamento e gestão pedagógicos em todosos níveis, federal, estadual, local e em cadaescola, sem os quais nenhum sistema educacio-nal pode funcionar a contento. Devem ser acres-centados os investimentos em infra-estrutura deacordo com as exigências pedagógicas atuais,

porém, por si só, insuficientes sem as condiçõesde trabalho dos profissionais.

Alguns leitores podem achar essas condiçõesde trabalho uma utopia ou incompatíveis comas possibilidades econômicas do país. Parecemser uma utopia, apenas porque nos acostuma-mos com as circunstâncias aviltantes em que aeducação é praticada no Brasil. Quanto às pos-sibilidades econômicas do país, a sociedadecomo um todo e as autoridades políticas, juntocom as associações dos profissionais em educa-ção, precisam decidir, de uma vez por todas,sobre a qualidade de educação básica a ser ofe-recida no país, como condição primordial paraseu pleno desenvolvimento, a fim de tirar as devi-das conclusões quanto aos investimentos indis-pensáveis a serem feitos.

Sem esta decisão e as medidas conseqüentes,nenhum programa para aumentar o acesso àuniversidade terá pleno êxito. Ao contrário, estesprogramas governamentais podem criar a falsailusão de que o acesso democrático à universi-dade possa ser realizado somente por decretoou medidas burocráticas, deixando de lado averdadeira questão a ser resolvida: a qualidadeda educação publica no ensino fundamental emédio, como caminho seguro para o acesso aoensino superior.

No setor da educação pública, porém, a omis-são dos governos é o fator fundamental para oestado lamentável em que se encontra o proces-so de ensino/aprendizagem, omissão que se re-vela não apenas nas aviltantes condições de tra-balho impostos aos educadores, mas tambémna falta de acompanhamento sistemático doprocesso de processo de ensino/aprendizagemnas escolas e nas turmas de alunos. Há umsentimento generalizado de que a qualidade doensino público é o que menos importa para asautoridades responsáveis. Por isso, existe a ne-cessidade urgente de um tipo de fiscalização, aser estabelecida em conjunto com os órgãos declasse, a fim de definir seus objetivos, seusprocedimentos e suas medidas. De algum modo,

14 Vinte horas-aula por semana podem ser consideradas comoum bom parâmetro.

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O educador na contemporaneidade: formação e profissão

REFERÊNCIAS

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é preciso introduzir uma sistemática de fiscali-zação/acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem nas instituições de ensino públiconas quais estuda a grande maioria das crianças

e dos jovens do nosso país. Se é o dever doEstado assegurar uma educação de qualidadea todos os cidadãos, cabe a ele a obrigação defiscalizar e de cobrar.

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 455-465, jul./dez., 2004 465

Jacques Jules Sonneville

SONNEVILLE, Jacques Jules. Os alunos de pedagogia: um estudo de caso. Revista da FAEEBA, n. 5, p. 61-86, jan./jun. 1996.

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UOL News com Líllian Witte Fibe. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/uolnews/. Acessado em: 17dez. 2004.

Recebido em 29.09.04Aprovado em 15.02.05

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 469-471, jul./dez., 2004 469

Elizeu Clementino de Souza

A pertinência desta pesquisa inscreve-se numamplo movimento de investigação-formação, oqual tem adotado a abordagem biográfica comoperspectiva epistemológica sobre a aprendiza-gem dos sujeitos a partir de suas próprias expe-riências, entendida, no contexto desta pesquisa,como narrativa autobiográfica do itinerário es-colar, no campo de um projeto experiencial deinvestigação-formação. A intenção primeiradeste trabalho consiste em analisar e compre-ender as implicações das narrativas no proces-so de formação e autoformação. Tenciono sis-tematizar os percursos da construção do traba-lho no contexto do estágio supervisionado e osprocedimentos utilizados para análise do corpus– narrativas – no contexto do projeto de inves-tigação-formação. Para a análise interpretativadas fontes, utilizei a idéia metafórica de umaleitura em três tempos – leitura cruzada, leituratemática e leitura interpretativa-compreensivado corpus –, por considerar o tempo de lem-brar, narrar e refletir sobre o vivido, mantendoentre si uma relação de reciprocidade e dialogi-cidade constante. A tese conclui que a fecun-didade da epistemologia da formação e do es-tágio como iniciação revela, a partir da aborda-gem experiencial, dispositivos e rituais pedagó-gicos engendrados nas identidades e subjetivi-dades das histórias de vida no processo de for-mação inicial, ao permitir às professoras em for-mação, através de suas experiências formado-

SOUZA, Elizeu Clementino de.∗∗∗∗∗ O conhecimento de si: narrativas do itinerá-rio escolar e formação de professores. 2004. 344 f. Tese (Doutorado) -Programa de Pós-graduação em Educação. Faculdade de Educação, Uni-versidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2004.∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗

ras e recordações-referências da trajetória deescolarização, estabelecer outros sentidos aotrabalho escolar e construir potencializaçõessobre a sua própria prática.

Palavras-Chave: Formação inicial de profes-sores – Narrativas de formação – Abordagemautobiográfica – Estágio Supervisionado.

ABSTRACT: The Knowledge of Oneself:Narratives of School Itinerary and Teachers’Formation

The Ph.D. thesis analyses the implications andfecundity of the formation’s narratives and theirrelation with the supervised training as life expe-rience. It was developed within a project of basicteacher’s formation which took place at the Facultyof Education – Campus of the Universidade do Esta-do da Bahia (UNEB), from march 2001 up to march2002. Ten students of the Pedagogy programconstituted the subjects of the research throughwriting narratives about themselves. These narrati-ves included their trajectory in the world of school,how they learned about themselves, and how theylearned to become teachers. They reveal contexts,stories and memories which enabled me to learnabout the decisive event of the school life and theirrelation with identity construction, knowledge andconstant learning of the teacher’s profession.

Keywords: Teachers’ initial formation – Formation’snarratives – Autobiographic approach – Supervisedtraining

* Doutor em Educação pela FACED/UFBA. Professor do Departamento de Educação I, Universidade do Estado daBahia – UNEB, e das Faculdades Integradas Olga Mettig. Endereço para correspondência: Universidade do Estado daBahia - UNEB, Mestrado em Educação e Contemporaneidade, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 SALVA-DOR/BA. E-mail: [email protected]** Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Ornélia Marques (FACED/UFBA), Co-orientador Prof. Dr. António Nóvoa (FPCE/UL); tese defendida no dia 17 de setembro de 2004; banca: Prof.ª Dr.ª Denice Bárbara Catani (FEUSP), Prof.ª Dr.ª StelaRodrigues dos Santos (UNEB), Prof.ª Dr.ª Yara Dulce Bandeira de Atahide (UNEB) e Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo(FACED/UFBA).

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 469-471, jul./dez., 2004470

O conhecimento de si: narrativas do itinerário escolar e formação de professores.

A interatividade vem emergindo como um ele-mento chave da educação contemporânea, prin-cipalmente com a inserção das tecnologias dainformação e comunicação, trazendo novas pos-sibilidades de mediação pedagógica à distância.O objetivo maior deste trabalho consistiu emcompreender de que modo e sob que condiçõesestabeleceu-se a interatividade dos sujeitos naprática pedagógica online. O campo de investi-gação dessa pesquisa foi o curso Comunidadesde aprendizagem e ensino online, realizadoatravés do ambiente TelEduc. Inicialmente, es-tudou-se o conceito de interatividade, buscando-se interlocutores nas teorias da comunicação,nas novas tecnologias da informação e no cam-po da educação. Refletiu-se também sobre inte-ratividade e educação no universo da cibercultu-ra e suas contribuições para a Ead online. Aanálise dos dados evidenciou que o aparatotecnológico, por si só, não garante a interativi-dade nem a qualidade do processo, pois, apesarde meios propícios de interatividade oferecidosno curso, apenas um quinto dos participantesinteragiu no sentido da bidirecionalidade, co-autoria e intervenção no processo. Portanto,mostrou-se que não bastam ferramentas e cir-cunstâncias adequadas, é preciso considerar aforma como os sujeitos interagem. Diante disso,

ARAGÃO, Cláudia Regina Dantas.∗∗∗∗∗ A interatividade na prática pedagógicada Ead online. Um estudo de caso no curso Comunidades de aprendizageme ensino Online. 2004. 151 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade. Universidade do Estadoda Bahia (UNEB), Salvador, 2004.∗∗∗∗∗∗∗∗∗∗

apontaram-se aspectos julgados essenciais parauma EaD online, de fato, interativa – autonomia,cooperação, colaboração, hipertextualidade,dialogicidade e mediação.

Palavras-chave: Interatividade − Ead online− Tecnologias da Informação e Comunicação− Prática pedagógica

ABSTRACT: Interactivity in Online PedagogicalPractice. A Case Study from the Course:Learning Communities and Online Teaching

The main objective of this research consists inunderstanding the pros and cons of interactivityand its link with pedagogical practice in onlineeducation in interactive learning environment. Theresearch’s fieldwork was the course: Learningcommunity and online teaching, which was realizedthrough the learning environment TelEduc. Westudied initially the notion of interactivity, lookingfor interlocutors in communication theories, ininformation and communication technologies andin the field of education. We also reflected uponinteractivity and education in the cybercultureuniverse and from the point of view of its contribu-tion to online education.

Keywords: Interactivity − Online Education −Information and Communication Technologies −Pedagogical practice

* Mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB; Especialista em Educaçãoe Novas Tecnologias da Comunicação e Informação. Professora do curso de Comunicação Social da UNEB - CampusI. Endereço para Correspondência: Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus I, Departamento de CiênciasHumanas, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula, 41150-000 Salvador-BA. E-mail: [email protected]** Orientador: Prof. Dr. Jacques Jules Sonneville (UNEB); data: 09 de setembro de 2004; banca: Prof. Dr. Marco Silva(UERJ), Prof. Dr Arnaud Soares de Lima Jr.(UNEB).

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, p. 469-471, jul./dez., 2004 471

Elizeu Clementino de Souza

Este trabalho de pesquisa é um estudo de casoetnográfico, de base qualitativa, que centra suaatenção nas contribuições do “curso deformação de professores (em serviço) para asséries iniciais do ensino fundamental” para odesenvolvimento profissional e possíveis ressig-nificações e mudanças da prática pedagógicadas professoras/sujeitos do estudo. A funda-mentação teórica é lastreada por Paulo Freire,Kenneth Zeichner, Antonio Nóvoa, AntonioJoaquim Severino, dentre outros. Tem comocampo empírico 06 escolas da Rede Municipalde Educação de Alagoinhas-BA, nas quaistrabalham professoras egressas da primeira fasedo Projeto Rede UNEB 2000. Como instrumen-tos de pesquisa, utilizamos observações, entre-vistas semi-estruturadas e análise dos relatórios(de supervisão em processo e de observaçãoparticipada). A análise dos dados está organizadaem três categorias: vivência pessoal, vivênciaprofissional e vivência institucional. Comoprincipais resultados temos que as contribuiçõesdo curso e as mudanças foram pontuais, porémconsistentes, e referem-se ao fortalecimento daauto-estima das professoras, ao acesso deconhecimento acadêmico/científico, ao olharsobre a criança e à concepção de aprendiza-gem. Com referência à terceira categoria – Vi-vência institucional – pode-se afirmar que mui-tas questões estão em aberto e necessitam dereflexão por parte dos sujeitos e população dapesquisa, uma vez que a escola ainda não sesente responsável pela formação dos seus

MOURA, Gerusa Oliveira.* Desenvolvimento Profissional e Prática Pedagógica:um estudo sobre a formação continuada de professores na cidade deAlagoinhas - Bahia. 114 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade. Universidade do Estadoda Bahia (UNEB), Salvador, 2004.**

professores, concebendo essa formação comoelemento isolado das ações institucionais.

Palavras-chave: Formação de professores –Prática pedagógica – Desenvolvimento profis-sional

ABSTRACT: Professional development andpedagogical practice: a study upon thepermanent formation of teachers in the cityof Alagoinhas - Bahia

This master’s thesis is a case study focused oncontributions made by a program of professionalformation addressed to elementary school teachers.We have evaluated these contributions in terms ofprofessional development and possible newmeanings and forms in the teachers’ pedagogicalpractices. The theoretical framework is based uponworks of Paulo Freire, Kenneth Zeichner, AntonioNóvoa and Antonio Joaquim Severino, amongothers. The fieldwork took place in six schools fromthe municipal school network of Alagoinhas, Bahia,Brazil. We used as research’s tool: fieldworkobservations, half-structured interviews and reportsanalysis. We conclude that the contributions of theprograms as well as the change were punctual butconsistent, concerning the reinforcement of theteachers’ self-esteem, access to academic know-ledge, the glance upon the child and the conceptionof learning, the fact the school institution does notperceive itself as responsible for the teachers’formation, conceiving it as isolated from institutionalactions.

Keywords: Teachers’ formation – Pedagogicalpractice – Professional development

* Mestre em Educação e Contemporaneidade, pela Universidade do Estado da Bahia; Especialista em Planejamento deCurrículo e Ações Educacionais, pela UCSal. Professora da disciplina Fundamentos Teóricos e Metodológicos doEnsino Médio no Curso de Pedagogia da Faculdade Social da Bahia; professora do Curso de Pedagogia das FaculdadesSantíssimo Sacramento, Alagoinhas-BA. Endereço para correspondência: Faculdades Santíssimo Sacramento, RuaMarechal Deodoro, s/n, Centro – Alagoinhas-BA. E-mail: [email protected]** Orientador: Prof. Dr. Jacques Jules Sonneville (UNEB); Co-orientadora Profa. Dra. Cristina d´Ávila Maheu (UNEB);data: 30 de julho de 2004; Banca: Profa. Dra. Regina Céli Oliveira da Cunha (UFRJ), Profa. Dra. Kátia Mota (UNEB).

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, jul./dez., 2004 473

INSTRUÇÕES AOS COLABORADORES

A Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade é uma publicação semestral eaceita trabalhos originais que sejam classificados em uma das seguintes modalidades:– resultados de pesquisas sob a forma de artigos, ensaios e resumos de teses ou monografias;– entrevistas, depoimentos e resenhas sobre publicações recentes.

Os trabalhos devem ser apresentados em disquete ou enviados via Internet para Jacques JulesSonneville – e-mail: [email protected] / [email protected] - segundo as normasdefinidas a seguir:

1. Na primeira página devem constar: a) título do artigo; b) nome(s) do(s) autor(es), endereço,telefone, e-mail para contato; c) titulação; d) instituição a que pertence(m) e cargo que ocupa(m).

2. Resumo (português) e Abstract (inglês), cada um com no máximo 200 palavras, incluindoobjetivo, método, resultado, conclusão. Logo em seguida, as Palavras-chave (português) eKeywords (língua estrangeira), cujo número desejado é de, no mínimo, três e, no máximo,cinco.

3. As figuras, gráficos, tabelas ou fotografias, quando apresentados em folhas separadas, devemter indicação dos locais onde devem ser incluídos, ser titulados e apresentar referências de suaautoria/fonte. Para tanto, devem seguir a Norma de apresentação tabular, estabelecida peloConselho Nacional de Estatística e publicada pelo IBGE em 1979.

4. Sob o título Referências deve vir, após parte final do artigo, em ordem alfabética, a lista dosautores e das publicações conforme a NBR 6023 de setembro de 2003, da ABNT (AssociaçãoBrasileira de Normas Técnicas). Vide os seguintes exemplos:

a)Livro de um só autor:BENJAMIM, Walter. Rua de mão única. São Paulo, SP: Brasiliense, 1986.

b)Livro até três autores:NORTON, Peter; AITKEN, Peter; WILTON, Richard. Peter Norton: a bíblia do programador. Traduçãode Geraldo Costa Filho. Rio de Janeiro, RJ: Campos, 1994.

c)Livro de mais de três autores:CASTELS, Manuel et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: artes medicas,1996.

d)Capítulo de livro:BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: Barbosa Joaquim (Org.).Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 168-198.

e)Artigo de periódico:MOTA, Kátia Maria Santos. A linguagem da vida, a linguagem da escola: inclusão ou exclusão? Umabreve reflexão lingüística para não lingüistas. Revista da FAEEBA, Salvador, v. 11, n. 17, p. 13-26, jan./jun. 2002.

f) Artigo de jornais:SOUZA, Marcus. Falta de qualidade no magistério é a falha mais séria no ensino privado e público. OGlobo, Rio de Janeiro, 06 dez. 2001. Caderno 2, p. 4.

g)Artigo de periódico (formato eletrônico):TRINDADE, Judite Maria Barbosa. O abandono de crianças ou a negação do óbvio. Revista Brasileirade História, São Paulo, SP, v. 19, n. 37, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acessado em: 14ago. 2000.

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 22, jul./dez., 2004474

h)Livro em formato eletrônico:SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, SP, 1999. v. 3. Disponível em: <http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm >. Acessado: em 19 out. 2003.

i) Decreto, Leis:BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos paradespacho de aeronave em serviço internacional. Lex: Coletânea de legislação e Jurisprudência, SãoPaulo, SP, v. 48, p. 3-4, jan./mar., 1. trim. 1984. Legislação Federal e marginalia.

j) Dissertações e teses:SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestrado)– Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.

k)Trabalho publicado em Congresso:LIMA, Maria José Rocha. Professor, objeto da trama da ignorância: análise de discursos de autoridadesbrasileiras, no império e na república. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORDESTE:HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 13., 1997. Natal. Anais... Natal: EDURFRN, 1997. p. 95-107.

IMPORTANTE: Ao organizar a lista de referências, o autor deve observar o correto emprego dapontuação, de maneira que esta figure de forma uniforme. Por exemplo: após cada ponto, deixardois espaços antes de iniciar a parte seguinte da referência.

5. O sistema de citação adotado por este periódico é o de autor-data, de acordo com a NBR10520 de 2003. As citações bibliográficas ou de site, inseridas no próprio texto, devem virentre aspas ou em parágrafo com recuo e sem aspas, remetendo ao autor. Quando o autor fazparte do texto, este deve aparecer em letra cursiva, observando e respeitando a língua portu-guesa. Exemplo: De acordo com Freire (1982, p.35), etc. Já quando o autor não faz parte dotexto, este deve aparecer no final do parágrafo, entre parênteses e em letra maiúscula, comono exemplo a seguir: A pedagogia das minorias está à disposição de todos (FREIRE, 1982,p.35). As citações extraídas de sites devem, além disso, conter o endereço (URL) entre parên-teses angulares e a data de acesso. Para qualquer referência a um autor deve ser adotado igualprocedimento. Deste modo, no rodapé das páginas do texto, devem constar apenas as notasexplicativas estritamente necessárias, que devem obedecer à NBR 10520, de 2003.

6. As notas numeradas devem vir no rodapé da mesma página em que aparecem, assim como osagradecimentos, apêndices e informes complementares.

7. Os artigos devem ter, no máximo, 30 páginas, e as resenhas até 4 páginas. Os resumos deteses/dissertações devem ter, no máximo, 250 palavras, e conter título, número de folhas, autor(e seus dados), palavras-chave, orientador, banca, instituição, e data da defesa pública.

Atenção: os textos só serão aceitos nas seguintes dimensões no Winword 97 ou 2000:• letra: Times New Roman 12;• tamanho da folha: A4;• margens: 2,5 cm;• espaçamento entre as linhas: 1,5 linha;• parágrafo justificado.

8. As colaborações encaminhadas à revista são submetidas à análise do Conselho Editorial, aten-dendo a critérios de seleção de conteúdo e normas formais de editoração, sem identificação daautoria para preservar isenção e neutralidade de avaliação. A aceitação da matéria para publi-cação implica na transferência de direitos autorais para a revista.

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