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1 unidade A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO E SUA ARTICULAÇÃO COM AS CIÊNCIAS SOCIAIS Seção I Civilização e escrita na formação de atitudes antropológicas e pedagógicas. Seção II Civilização e oralidade na formação de atitudes antropológicas e pedagógicas. Seção III Colonialismo e pensamento social.

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1unidade

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO E SUA ARTICULAÇÃO COM AS CIÊNCIAS SOCIAIS

Seção I Civilização e escrita na formação de atitudes

antropológicas e pedagógicas.Seção II Civilização e oralidade na formação de atitudes

antropológicas e pedagógicas. Seção III

Colonialismo e pensamento social.

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• Seção I: refletir sobre escrita como ferramenta cultural

para a formação de atitudes pedagógicas e antropológicas.

• Seção II: refletir sobre a oralidade como ferramenta

cultural para a formação de atitudes pedagógicas e

antropológicas.

• SeçãoIII:refletirsobreocolonialismocomoprocessode

formação do pensamento social.Obje

tivos

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO E SUA ARTICULAÇÃO COM AS

CIÊNCIAS SOCIAIS

seções 1 2 3

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SEÇÃO ICIVILIZAÇÃO E ESCRITA NA FORMAÇÃO DE

ATITUDES ANTROPOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS

Vamos tentar compreender a relação entre a Antropologia

e a Educação. Inicialmente iremos buscar algumas referências

históricasquenosauxiliemaestabelecerrelaçõesentreumaeoutra.

Antropologia e Educação são duas importantes áreas do conhecimento

científicomodernoquesedistanciamnosseusconteúdosdereflexão,

masquetambémseaproximamnosseusprocessosdeanálise.

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20 Módulo 2 I Volume 1 EAD

Civilização e escrita na formação de atitudes antropológicas e pedagógicas Antropologia e Educação

Antropologia: palavra originária do grego que significapensamentosistemáticosobreohomem. Anthropos:

homem e logos: razão.

Educação: no sentido aplicadoaotextosignifica

área do conhecimento quebuscacompreenderasrelaçõesestabelecidas

entre os homens na produçãodesaberes.

Tanto a Antropologia quanto a Educação tomam por tarefa

do pensamento o homem e a cultura. Digamos que, enquanto a

Antropologia busca compreender como a cultura produz o homem

e vice-versa, a Educação busca compreender como, através do

ensinoedaaprendizagem,aespéciehumanaproduzcultura.Ambas

possuemcomoreferênciasdeanáliseohomem,suasexperiênciasde

convíviosocialeaspráticasesaberescomosquaisaespéciehumana

serelacionacomaculturasoba formadepensamento,atitudese

linguagem.

Os primeiros grandes pensadores da antiguidade não separaram

Antropologia e Educação como áreas distintas do conhecimento. Ao

criaremseussistemasdeideias,dedicavamotrabalhodeumavida

ao pensamento. A este trabalho chamaram de Filosofia (amor ao

saber).Hoje são reconhecidos comofilósofos por teremelaborado

ensinamentosquebuscavam,de formaordenada, compreenderas

açõeshumanasatravésdeprincípioseconceitosqueorientamtais

ações.Afilosofiaocidentalemsuaorigemgregabuscavademonstrar,

comoatravésdavidaemsociedade,oshumanosproduzemconceitos

que ordenam suas atitudes. Foi o uso dos registros escritos que

permitiu à humanidade acesso a esses ensinamentos que, ainda

hoje,nospossibilitamoacessoàmaneiracomooutrascivilizações

organizavam seus sistemas de ideias e seus sistemas sociais.

Tomemos como exemplo dois pensamentos e uma atitude

filosóficaquedemonstrama importânciado conhecimento sobreo

homemparaodesenvolvimentodacivilizaçãodaespéciehumana.O

primeiropensamentoestáinscritonoOráculodeDelfos,umtemplo

erguido pelos gregos entre os anos de 650 ac. e 550 ac. na cidade

gregadeDelfos.Logonaentradadooráculo,estáescritaaseguinte

frase: “conhecea timesmo”.Atravésdestepensamento, atribuído

aossetesábiosdaantiguidadegrega,osperegrinosquevisitavamo

temploeramconvidadosapensarsobresimesmosparaalcançarem

averdade.Paraserematendidosnasuabusca,eranecessárioque

exercitassem o autoconhecimento. Seriam merecedores da verdade

seconhecessemobastantesuasqualidadeseseusdefeitos,sóassim

poderiam lidar,de formamaisadequada,comosensinamentosdo

deus Apolo.

O nosso segundo exemplo vem da China Antiga. Está nas

palavrasdopensadorKung-Fun-Tsemaisconhecidoentrenóscomo

Confúcio,edizoseguinte:“aprendersempensarétempoperdido”.

Confúcioéconsideradoumdosmaiorespensadoresdascivilizações

orientais. Os registros dos seus ensinamentos foram organizados

pelosseusdiscípuloseorientam,atéhoje,astradiçõeschinesasque

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seguem o confucionismo como um sistema de ideias. O ensinamento

destacado anteriormente mostra a importância do pensamento

para tornar mais significativas as aprendizagens humanas. Desse

ensinamento se deduz que o homem ou a mulher que não pensam

sobreaquiloqueaprendemnãoconseguemguardarliçõesimportantes

parasuasexperiênciasdevida.

Oterceiroexemplotambémvemdaantiguidade.Temasua

origememHeródoto,pensadorquenasceunacidadedeHalicarnasso

(hojeBodrum,Turquia),noséculoVac..Heródotoéconsideradopor

muitos o pai da História, daEtnografia e da Antropologia. Este

pensadordedicoutodaasuavidaàdescriçãodeinúmerosfeitosdas

civilizaçõesantigas,sobretudoascivilizaçõesegípcia,gregaepersa.

Passoumuitos anos viajando, observando e registrando anotações

sobre costumes, guerras, tradições e saberes de outros povos.

Organizou seus registros segundo a ordem cronológica das suas

observações e, após a elaboraçãodos livros que compõema obra

Histórias, dava aulas públicas, nas quais relatava as experiências

culturais de outros povos e defendia a observação e o registro da

históriatalcomoelaévividapelospovoscomoaformamaisadequada

deseconhecerverdadeiramenteascivilizações.

Talatitudecontribuiatéosdiasdehojeparaodesenvolvimento

dopensamentohumano,sejanocampofilosóficosejanocampodas

ciênciashumanas.Contudonosinteressa,nestemomento,destacar

o caminho feito porHeródoto para chegar ao conhecimento: ir ao

encontro de outros povos,observar a maneira como se organizam e

vivem suas tradições,registrar aquilo que foi observado,sistematizar

as informações coletadas, compartilhar com outras pessoas o

conhecimento produzido a partir da experiência vivida. Tais atitudes

foramextremamenteinovadorasparaastradiçõesdaépoca.Osgregos

aprendiamaHistóriaatravésdanarrativaoral

dos mitos que, namaioria das vezes, eram

apresentadosatravésdasagadepersonagens

fantásticos tais como: deuses, semideuses

e heróis (homens e mulheres capazes de

grandes realizações). Tais narrativas míticas

eramorganizadassoba formadeEpopeias.

Pararealizartaltrabalho,opensadorrecolhia-

se na sua individualidade para rememorar

histórias orais de sua tradição e idealizar,

de forma grandiosa, os textos que serviriam

de base para a compreensão da relação do

humano com o mundo. A partir do exemplo de

Etnografia: prática de pesquisa que deu origem à antropologia aplicada namodernidade.Significa

literalmente registro escrito das tradições

de um povo.Oprefixogrego etnos designa: tradição,povo,raça.Osufixographos designa:

registro escrito. No pensamento antropológico contemporâneoécomumcompreendê-lacomodescrição da cultura.

História: No sentido atribuídonotexto,refere-seaocampodasciências

humanas dedicado ao registro sistemático no tempo e no espaço dos

acontecimentos que constituem a humanidade.

SAIBA MAIS

Epopeia: gênerodaproduçãoliteráriaapresentadosob a forma de poemas e canções que expõemas narrativas dos grandes feitos de personagens míticos da história antiga.

Mito: campodosaberatravésdoqualoserhumanoestabelece uma relação ‘mágica’ com a tomadade consciência do conhecimento. Personagens,eventos e contextos míticos são compostos por características humanas e mais que humanas queosqualificamcomosuperioresnacapacidadede realização de grandes feitos. Estão presentes em fábulas, causos e nasmais diversas crenças,que tem por fundamento a existência de formasde inteligência e saberes superiores aos sabereshumanos.

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22 Módulo 2 I Volume 1 EAD

Civilização e escrita na formação de atitudes antropológicas e pedagógicas Antropologia e Educação

AmúsicadoOlodum,Faraó Divindade do Egito,nosexpõedeformaprimorosaelementosdealgunsdosmitosmaisimportantesdaHistóriadahumanidadedonortedaÁfrica,emsuasrelaçõescomaculturanegracontemporânea,presentenacapitalbaiana.OEgitoeoPelourinhocelebramahistóriacomoumencontroentreculturaseevocam,atravésdacanção,umnovoolharsobreaimportânciadopovonegroparaahumanidade.

A letra da canção diz o seguinte:

LEITURA COMPLEMENTAR

Heródoto,acivilizaçãogregadaépocapassouaquestionaraverdade

contida nas narrativas míticas sem, no entanto, abandoná-las no

seuvalorliterárioounoseuconteúdoreligioso.Afinaldecontasera

através dosmitos que contemporâneos deHeródoto cultuavamos

seus deuses.

ATIVIDADE

• Organizeassuasdúvidasemformadeperguntaetenterespondê-las.

• Qualaimportânciadoconhecimentodohomempelohomem?

• Quaisreflexõese/ouquestõesestetextolheprovocou?Citeasmaisimportantes.

• Apartirdassuasexperiênciasdevidaquaisas relaçõesquevocêconsegue

estabelecercomotexto?

• Qualasuaideiadehomem?

• Qualasuaideiadecultura?

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Faraó Divindade do EgitoComposição: Luciano Gomes

Deuses DivindadeinfinitadouniversoPredominanteEsquema mitológicoAênfasedoespíritooriginal“Chu”FormaráNoÉdenoovocósmico

Aemersão,nemOsírissabecomoaconteceuAemersão,nemOsírissabecomoaconteceu

Aordemousubmissãodoolhoseutransformou-se na verdadeira humanidade

EpopéiadoCódigodeGuebE Nut gerou as estrelas

OsírisProclamou matrimônio com ÍsisE o mal SethIrado o assassinouEm per-aäHoruslevandoavanteavingançadopaiDerrotandooimpériodomalSethE grito da vitóriaQue nos satisfaz

Cadê?TutancâmomHeiGizéAkahenatonHeiGizéTutancâmomHeiGizéAkahenatonEufaleiFaraóÊeeeeFaraóEu clamo Olodum PelourinhoÊeeeeFaraóPirâmideaPazdoEgitoÊeeeeFaraóÉeuclamoOlodumPelourinhoÊeeeeFaraóÉquemaramaraMaravilhaêEgitoEgitoê

EgitoEgitoêÉquemaramaraMaravilhaêEgitoEgitoêEgitoEgitoêFaraóóóóóFaraóóóóó

HumPelourinhoUma pequena comunidadeQueporémOlodumuniraem laço de confraternidade

Despertai-vos paraCulturaegípcianoBrasilEmvezdecabelostrançadosVeremosturbantesdeTutancâmom

EnascabeçasEnchei-asdeliberdadeo povo negro pede igualdadedeixandodeladoasseparações

Cadê?TutancâmomHeiGizéAkahenatonHeiGizéTutancâmomHeiGizéAkahenaton

EufaleiFaraóÊeeeeFaraóEu clamo Olodum PelourinhoÊeeeeFaraóPirâmidedaPazdoEgitoÊeeeeFaraóÉeuclamoOlodumPelourinhoÊeeeeFaraó

ÉquemaramaraMaravilhaêEgitoEgitoêEgitoEgitoêÉquemaramaraMaravilhaêEgitoEgitoêEgitoEgitoêFaraóóóóóFaraóóóóó

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Civilização e oralidade na formação de atitudes antropológicas e pedagógicas Antropologia e Educação

RESUMINDO

ATIVIDADE

Após esta leitura, procure identificar elementos da cultura distante do povo

egípcio, procure conhecê-los, reflita sobre a importância destes elementos para a

compreensão da formação humana no seio de uma determinada tradição cultural e

escrevaoseuprópriotextosobreoseguintetema:Homem, cultura e vida em sociedade.Estetextodeveráter,nomínimo,trintalinhase,nomáximo,sessentalinhas.Elaboreotextocomoseorganizasseoseuprópriomapadetrajetosparaacompreensãodarelação entre Antropologia e Educação.

Osobjetivosdotextoapresentadosão:a)apresentaraAntropologia

eaEducaçãocomoatitudesindissociáveisnaexperiênciadeduascivilizações

da antigüidade: a civilização grega e a civilização chinesa; b) destacar a

relaçãoentrehomemeculturacomoumaexperiênciasocialdeproduçãodo

conhecimento, que torna possível o desenvolvimento do pensamento e da

linguagem; c) destacar queo conhecimentodohomempelo homemdefine

abasedoconhecimentofilosóficodaantropologiae,queoensinamentodo

conhecimentosobreohomemdefineabasepedagógicadaconstruçãodavida

comumemdiferentescivilizaçõesdistantes.

Destacam-se como exemplos da escrita como ferramenta cultural das

civilizaçõesgregaechinesa:oOráculodeDelfoseodesafiodoautoconhecimento

compiladopelosseguidoresdeConfúcioparaadifusãodabasemoraldoseu

pensamento.

HeródotoéconsideradoopaifundadordaHistória,daEtnografiaeda

Antropologia,suasorientaçõesparaaaplicaçãodaobservaçãoeoregistrodos

fatosparaelaboraçãodopensamentosobreoutrasculturasintroduzematitudes

antropológicas e pedagógicas para a utilização da escrita como ferramenta

cultural no processo civilizatório ocidental.

LEITURA RECOMENDADA

AcesseositedeprocuraGoogleparaobtermaioresinformaçõessobreasreferênciasutilizadasnotextoparaaabordagemdotemadaaula:www.google.com.br.

Assista ao filme Ran, de Akira Kurosawa, para conhecermelhor o universo da civilização japonesa.Atravésdofilmeprocureestabelecerconexõesentreas tradiçõesculturaiseosprincípioseducativosapresentadopelofilme

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AntesdachegadadosportuguesesaoBrasil,maisdemilpovos

de diferentes etnias ocupavam as terras que hoje compreendem

a nossa nação. Tais povos tinham em comum a oralidade como

ferramenta de preservação e multiplicação dos seus conhecimentos na

experiênciadavidaemsociedade.Parapertenceraumdeterminado

grupo étnico, o indivíduo deveria conhecer a história do seu povo

atravésdaexperiênciadosseusancestrais.

SEÇÃO IICIVILIZAÇÃO E ORALIDADE NA FORMAÇÃO DE ATITUDES ANTROPOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS

Etnias: palavra de origem gregaquesignificapovo

ou raça.

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26 Módulo 2 I Volume 1 EAD

Civilização e oralidade na formação de atitudes antropológicas e pedagógicas Antropologia e Educação

A ancestralidade pode ser compreendida como uma linguagem

predominantementeoralatravésdaqualosmaisvelhoscompartilham

com os mais novos os ensinamentos originais dos seus antepassados.

Segundoestaexperiência,aideiadehomeméindissociáveldaideia

decosmoseossaberesefazeresqueconstituemaculturaespecífica

de cada povo ou nação consolidam as aprendizagens fundamentais

paraavivênciadoindivíduoemsuacomunidadedeorigem.

ComotráficodeescravosdaÁfricaNegraparaoBrasil,outros

povos de tradição oral passam a compor os cenários de formação do

povobrasileiro.Aoralidade foi fundamental paraqueosprimeiros

africanos transpostos para nossas terras mantivessem vivas suas

memóriasculturais,sobretudonoquedizrespeitoaosseuscostumes

religiosos,culinários,linguísticos,agrícolas,manufaturaisefestivos.

Tambémparaestespovos,apalavrafalada,emplenacirculaçãona

experiência da vida em grupo, radicava visões demundo em que

tornar-sehumanoera,sobretudo,pertenceraumpovo,vincular-se

a uma etnia.

Nestescontextosemqueaoralidadedimensionaasrelações

entre linguageme pensamento, a construção coletiva damemória

culturalserevelacomofundamentodasexperiênciasantropológicase

pedagógicasque,diferentementedascivilizaçõesemqueaexperiência

daescritaindicaocaminhodahistóriadascivilizações,tomampor

base o convívio e a troca da palavra falada como fundamento da

consciênciadesicomosoutrosnavidaemsociedade.

Tais povos construíram nações, sistemas econômicos,

armamentos,rituaisreligiosos,artefatosagrícolas,práticasdecura,

enfimumsemnúmerodesaberes,valoresefazeresqueosdefiniam

como praticantes de uma experiência específica de civilização. O

trágico contato de etnias indígenas e africanas com portugueses,

holandeses, franceses, espanhóis e ingleses, no processo de

colonização no Brasil, erradicou parcialmente a experiência da

oralidadenaconstruçãoefetivadeumaoutracivilizaçãoquehojenós

experimentamos nacionalmente.

Noentanto,muitasdesuas tradiçõesatravessaramosmais

de quinhentos anos de história do nosso país. Segundo os dados

do Instituto Socioambiental (2006), ainda existem no Brasil cerca

de225etnias pré-cabralinas em nossas terras. Com relação às

tradiçõesdeorigemafricanas,osremanescentesdequilombosnas

zonas rurais e urbanas e os afrodescendentes dosmais diferentes

estadosbrasileiros,preservamnointeriordanossacultura,inúmeros

elementos dos seus antepassados. Isto nos revela a importância

da oralidade como elemento da nossa formação. Revela ainda a

EtniasPré-Cabralinas:povos existentes nas terras brasileirasantesdainvasãodosportugueseschefiadaporPedroÁlvaresCabral.

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importânciadapalavrafaladacomoferramentaderegistro,resistência

eafirmaçãoculturaldeumpovo.

Destepontodevista,podemoscompreendera Antropologia

e a Educação como experiências vividas que se constituem e se

consolidam no interior da vida em grupo. Ao contrário dos povos

ocidentais e orientais que encontraram na escrita uma ferramenta

deregistrodahistória,os povos ágrafos celebram a palavra falada

como garantia de manutenção de sua própria existência. A oralidade

é,emúltimaanálise,adimensãoexistencialmaisprofundadarelação

entreoindivíduoeogrupo.Destepontodevista,aAntropologiae

aEducaçãonãopodemsercompreendidascomofilosofiaouciência,

mas como sabedorias necessárias para garantir aos indivíduos

sentimento e conhecimento de pertença a um grupo.

Oreconhecimentodovalordestasexperiênciasantropológicas

epedagógicasdeoutrasculturasaindaétemadedebatenaatualidade.

Podemosafirmarqueaexcessivavalorizaçãodapresençadoseuropeus

noBrasilproduziuumavisãoeurocêntricadomundo.Talvisãoainda

está presente nos nossos modelos de organização da sociedade em

que,atítulodeexemplo,apalavraescritaaindaémaisvalorizada

queapalavrafalada,osabercientíficoémaisvalorizadoqueosaber

popular, os padrões culturais europeus são mais valorizados que

outrospadrõesculturais.Noentantodiversasexpressõesdesaberes

não-europeusatravessamahistóriaenosindicamaimportânciada

oralidade como forte expressão de pensamento e linguagem entre

nós.

PovosÁgrafos:povosquenão possuem o domínio da

escrita.

ATIVIDADE

• Organizeassuasdúvidasemformadeperguntaetenterespondê-las.

• De que maneira você define a Antropologia e a Educação como saberes

produzidosatravésdaexperiênciavivida?

• Qualaimportânciadaoralidadeparaodesenvolvimentodopensamentoeda

linguagem?

• Oquevocêentendeporancestralidade?

• Quaisascontribuiçõesculturaisdepovosindígenaseafricanosparaaformação

desuacomunidade?

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28 Módulo 2 I Volume 1 EAD

Civilização e oralidade na formação de atitudes antropológicas e pedagógicas Antropologia e Educação

LEITURA COMPLEMENTAR

Os textos apresentados a seguir foram retirados de duas importantes obraspublicadasrecentementenoBrasil:Terra dos Mil Povos(2002)eO Espírito da Intimidade (2003).Oprimeiro foiescritoporKakáWerá Jecupé, representantedaetniabrasileiraTxucarramãe;osegundolivrofoiescritoporSobonfuSome,umaafricanaquepertenceà triboDagaradaÁfricadoOeste.Colocam-seemdestaquenos trechos transcritos,a memória cultural e a iniciação como fundamentos do pertencimento do indivíduo a um povoesuastradições.

A Memória Cultural

“Amemóriacultural sebaseianoensinamentooralda tradição,queéa formaoriginaldaeducaçãonativa,queconsisteemdeixaroespíritofluiresemanifestaratravésda fala aquilo que foi passado pelo pai, pelo avô e pelo tataravô. Amemória culturaltambémsedáatravésdagrafia-desenho,amaneiradeguardarasíntesedoensinamentoqueconsisteemescreveratravésdesímbolos,traços,formasedeixarregistradonobarro,no trançado de uma folha de palmeira transformado em cestaria, na parede e até nocorpo,atravésdepinturasfeitascomjenipapoeurucum.

Um narrador da história de um povo indígena começa um ensinamento a partir da memóriaculturaldoseupovo,easraízesdessamemóriaculturalcomeçamantesdeoTempoexistir.OTempochegoudepoisdosancestraisquesemearamastribosnoventredaMãeTerra.OsancestraisfundaramoMundo,aPaisageme,desimesmos,fundaramahumanidade.FoinessemomentoqueoTemposurgiu. Paraopovoindígena,aorigemdatribohumanaestáintimamenteligadaàformaçãodaTerra,assimcomooTempoestá intimamente ligadoà formaçãodahumanidade.OTempoorganizouoespaçodosancestrais,doHomem,dapaisagem,dasTribos. A formaçãodaTerraestá ligadaao coraçãodoSol, da LuaedasEstrelas.Naconsciênciaindígena,taisserestambémfazempartedoGrandeConselhodosAncestrais,demaneiraquepertencemos,pelamemória,pelosangue,tambémàpartedescendente.Essa visão pode ser chamada de cosmologia nativa.”

KakáWeráJecupé,2002Iniciação: aprendizado

“Em nossa aldeia, as crianças aprendem sobre intimidade e ritual desde onascimento. Quando amadurecem, torna-se crucial desenvolverem uma compreensãoprofundadessasquestões.Nainiciação,osanciãosorientamosjovenssobreintimidade,sexualidadeeritual,paraquesaibamoquelhesespera.Assim,evitamosquesefiramquando adentram o território desconhecido da maturidade.”

“Ainiciaçãodasmulheresocorredepoisdoseuprimeirociclomenstrual.Éfeitaumavezporano,entredezembroefevereiro.Assim,seoseuprimeiroperíodoforemmarço,vocêterádeesperaratéapróximainiciação.Nocasodoshomens,ainiciaçãoéfeitanapuberdade,quandocomeçamaquererseradultos,quandooshormônioscomeçama aparecer...

Durantea iniciação,vocêaprendemuitascoisas;sexoe intimidadesãoapenaspartedosensinamentos.Mesmoapósainiciação,háumlongoperíododeacompanhamentoporumtutor.Quandovocêsentequeháalgoquenãoestáentendendo,semprepodeprocurar um ancião.

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ATIVIDADE

Apesardasdiferentesorigensétnicasedegênerodosdoisautores,ostextos

revelamelementosimportantesparacompreendermosasexperiênciasantropológicas

e pedagógicas entre povos indígenas e africanos: a memória cultural como contexto

dos ensinamentos ancestrais e a iniciação como prática de ensino das tradições de

um povo.Vocêserecordadesuasexperiênciasdeaprendizagemoral?Quaisasque

maismarcaramsuasvivências?Elaboreumtextodescritivoemquevocêapresente

de formaresumidaumaexperiênciadeaprendizagemnacomunidadeemquevocê

vive ou no grupo familiar a que você pertence. Procure descrever com precisão o

contexto social desta aprendizagem (grupo social e local em que ela aconteceu); a

forma como foi ensinado ou ensinada; o conteúdo apreendido desta experiência; a

pessoa responsável pelo ensinamento e a posição social que esta pessoa ocupa na sua

família ou na sua comunidade.

LEITURA RECOMENDADA

Acesseositewww.mec.gov.brcliquenolinkeducação,aoentrarnapáginadoMinistériodaEducação,logo na primeira coluna à direita você vai encontrar a indicação: professores e diretores, cliqueno linkpublicaçõesefaçadownloaddo livro:HistóriadaEducaçãodoNegroeoutrashistórias.Oprimeiroartigodestelivrobuscadefinir:Umaabordagemsobreaeducaçãodosnegros.Trata-sedeuminteressantetextodeMariléiadosSantosCruz.Aproveitealeiturapararefletirsobreasquestõesapresentadasatéaqui.

Assistaaofilme:NarradoresdeJavé.OenredodofilmebuscaapresentarosdilemasvividosporumacomunidadenointeriordaBahia,oshabitantesdeJavénãodominamaescritaeprecisamelaborarumdocumentoqueproveaimportânciahistóricadolocalqueestáameaçadodedeixardeexistir,poissuasterrasserãoutilizadasnaconstruçãodeumabarragem.

Intimidade é algo sagrado, e não se deve brincar com isso. Existe umgrandeperigona intimidade.Quandovocêmergulhanela deolhos fechados, pode facilmenteferir-se.Éporissoqueosmentoressãotãoimportantes:paraqueapessoaeviteagircombaseemconhecimentoilusório.”

SobonfuSomé,2003

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30 Módulo 2 I Volume 1 EAD

Colonialismo e pensamento socialAntropologia e Educação

RESUMINDO

O texto busca apresentar a experiência cultural, através das tradições

orais de outros povos como fundamento da construção da noção de

homem e cultura. É importante destacar a oralidade como ferramenta de

elaboraçãoemanutençãodamemóriaculturalquetraduzaAntropologiae

aEducaçãocomosabedoriasemergentesdaexistênciadospovosindígenas

eafricanos.Ressalta-seaindaovalordohomemedaculturaentreetnias

indígenaseafricanascomobaseparaaconstruçãodoconhecimentonavida

em comunidade. As situações de conflito cultural entre tradições escritas

e tradições orais constituem o processo de colonização que deu origem à

civilizaçãobrasileiracontemporânea.

Paracompreenderareflexãopropostapelotextoéimportantetomar

comoreferênciasdeanálisedoseuconteúdo:a)aoralidadecomobaseda

cultura dosmais demil povos habitantes do Brasil antes da chegada dos

portugueses; b) ancestralidade como linguagem que traduz a experiência

humana como traçomarcante das etnias indígenas e africanas no Brasil;

c) Antropologia e Educação como sabedorias construídas nas vivências

comunitárias dos indivíduos em suas etnias de pertencimento.

No conjunto tais pressupostos indicam a existência de atitudes

antropológicas e pedagógicas em outras culturas em que tanto a escrita

quantoopensamentofilosóficotradicionaldoocidenteestãoausentes.

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A expansãodaEuropapelomundo, a partir do séculoXVI,

produziuumasériesignificativademudançasemescalaplanetária.

Os europeus já tinham desenvolvido modelos de organização

políticaesocial,tecnologiasmilitares,denavegaçãoedeexploração

comercial que em muito se diferenciavam da maioria das sociedades

não europeias, pelo uso do processo de industrialização, em larga

escala,damadeiraedometalnaproduçãodesuasferramentasde

dominação econômica.

SEÇÃO IIICOLONIALISMO E PENSAMENTO SOCIAL

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32 Módulo 2 I Volume 1 EAD

Colonialismo e pensamento socialAntropologia e Educação

Através da descoberta e exploração de outros povos, os

europeusderammarchaaumprocessodecolonizaçãoque,nosséculos

posteriores,iriamredefiniropapeldoconhecimentodeoutrospovos

eoutrasculturasnoprocessodecolonizaçãodasAméricas,África,

ÁsiaeOceania.Astripulaçõesdoscolonizadoresconduziamhomens

dedicadosàtarefadaobservaçãoeregistrodoscostumesdospovos

aseremcolonizados.Taishomensexecutavamotrabalhoquemais

tardepassariaacaracterizarabasemetodológicadaantropologia.

Umavezinstaladosnascolônias,oseuropeusconstituírammissõesde

educadoresparaimplantar,nasterrasexploradas,suaculturaeseus

modelosdedominação,disseminandoaquelasqueseriamasbases

do pensamento e da prática pedagógica de formação educacional nas

colônias.

O princípio da dominação exigia conhecimento e controle social

eculturalsobreospovoscolonizados.Parasedimentartalprincípio,

oseuropeusutilizaramferramentasdesuaprópriacultura.Àépoca

daformaçãodasprimeirascolônias,grandesfilósofosepensadores

europeus já formulavam as bases do pensamento científico e

pedagógico que orientariam a organização dos Estados-Nações na

Europa,bemcomoaexpansãodessesEstados-Naçõesatravésdos

processos de colonização dos povos não europeus.

Dada a diversidade e complexidade histórica da expansão

da Europa pelomundo, tomemos, a título de exemplo, a chegada

dos portugueses noBrasil. A Carta, de Pero Vaz deCaminha, é o

primeiroesboçodescritivodaobservaçãosistemáticadospovosaqui

encontrados. Provavelmente é o primeiro documento de natureza

antropológica produzido pelos colonizadores em nossas terras.

O desembarque das missões jesuíticas para evangelização dos

“selvagens”,porsuavez,éoprimeirofeitodeintervençãopedagógica

na colônia. Tanto o texto de Pero Vaz de Caminha quanto os princípios

daeducaçãojesuíticaestavamfundamentadosnavisãodemundodos

europeus. A imagem dos povos e da cultura locais era interpretada

segundoacompreensãodecivilizaçãodoscolonizadores,oqueviria

a ser criticado mais tarde como etnocentrismo europeu.

À medida que tais conceitos eram postos em prática nas

colônias,váriosconflitosdificultavamauniversalizaçãodopensamento

europeu fora da Europa. Os povos colonizados falavam diversas

línguas e dialetos, possuíam diferentes formas de organização

políticaesocial,viviamemterrascujageografiaeclimaemmuito

sediferenciavamdaEuropa,enfimtornavamdifíceisecomplexasas

condiçõesdedomíniopeloscolonizadores.Aocontráriodestecenário,

dentrodocontextoeuropeu,onascimentodasprimeirasescolase

Estado-nação:definiçãoutilizadapelasciências

políticas para se referirem a um território delimitado por um governo e uma

população de composição étnico-culturalcoesa.

Etnocentrismo: etnocentrismoéuma

postura de compreensão do mundo fechada no ponto de vista de um grupo ou sociedade. SegundoRocha(1984,p.39)“...onossoprópriogrupoétomadocomocentro de tudo e todos os outros grupos são pensados e sentidos atravésdosnossos

valores,nossosmodelos,nossasdefiniçõesdoqueé

existência...”.

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universidadesunificavaaspráticasdeproduçãodoconhecimentoe,

apesardasdiferençasculturaisentreospovosdaEuropa,aatividade

dopensamentofilosófico,científicoeartísticoaproximavacadavez

mais estes povos na sua forma de compreender e dominar outros

povos.

SegundooantropólogofrancêsFrançoisLaplantine(2000),o

nascimentodopensamentocientíficonaEuropa tem inícionofinal

doséculoXVIIIeestámarcadopeladivisãoentreaobservaçãoeo

objetodoconhecimento.Quandoohomemtomaoprópriohomem

comoobjetodeconhecimento,aciênciainauguraumanovaformade

pensamento.Devemoslembrarqueafilosofiafoiocaminhoencontrado

naAntiguidadeenaIdadeMédia,paraareflexãosistemáticasobrea

existênciahumanaesobreanatureza.Afilosofiasempreusoucomo

recurso de suas reflexões a contemplação e a abstração sobre os

fenômenos contemplados como exercício de expansão do pensamento.

Emcontraposiçãoaestapostura,aciênciapassaaseropensamento

queiráinterviratravésdaexperiênciavividapeloobservadornaquilo

quedefineoseuobjetodereflexão.VoltemosaoexemplodePero

VazdeCaminha.Emboranãotenhadesenvolvidoumateoriasobre

assituaçõesobservadasnasnossasterras,eleconseguedelimitaro

campodassuasobservaçõesedescreverdeformasistemáticaaquilo

quefoiobservado.SuaCartaaindaéumdocumentovaliosoparaas

ciênciashistóricasesociais.

No que diz respeito à orientação conceitual do trabalho

pedagógico praticado pelos jesuítas no Brasil, eram utilizadas as

regras da Ratio Studiorum, um plano de estudos que indicava

os princípios gerais da educação católica de acordo com as Ordens

Jesuíticas.SegundoGadotti(2006p.72)“...Aeducaçãodosjesuítas

destinava-se à formação das elites burguesas, para prepará-los

a exercer a hegemonia cultural e política...” dos povos com que a

CompanhiadeJesuscolaboravacomoprocessodecolonização.

Neste sentido, tanto aAntropologia quanto a Educação vão

encontrar,nocontextoeuropeu,ascondiçõesparaaformaçãodeum

pensamento social de caráter científico.O surgimento da biologia,

da física,dahistória,dapedagogia,dasociologia,daetnologia e

dapsicologia,entreosséculosXVIIIeXIX,irácriarnovascondições

paraqueopensamentosobreohomemeaculturapossaconstruir

novas bases de compreensão e intervenção intelectual da espécie

humanasobresimesma.

A Antropologia, no final do século XIX, irá despontar como

ciência na medida em que o estranhamento e a observação de

diferentesculturasvãoservirdebaseparaaconstruçãodeteorias

Etnologia: estudo dos povos ou raças. Esta éumadasdefiniçõesda prática teórica da antropologia que se

dedica à compreensão das formas de organização sóciocultural de outros povos.Muitasvezesé

utilizada como sinônimo da antropologia no sentido

amplo.

Ratio Studiorum: expressão de origem latina utilizada para designaroconjuntoderegras pedagógicas da CompanhiadeJesusparaoensinamentodafé

católica.

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34 Módulo 2 I Volume 1 EAD

Colonialismo e pensamento socialAntropologia e Educação

quebuscamdefinircientificamenteamaneiracomoosindivíduos,a

sociedade e a cultura interagem na criação de fenômenos passíveis de

novasinterpretações.Nocasodaexperiênciadacolonização,outro

antropólogofrancês,GeorgesBalandier(1976),irámostrarquetanto

aHistória como a própria Antropologia irão se interessar por este

fenômeno comoobjeto da ciência. Para os historiadores, o evento

da colonização vai servir debasepara a compreensãodas formas

modernas de imperialismo.Do ponto de vista dos antropólogos, a

colonizaçãovaiorientarosestudossobrecontatosentrediferentes

povoseconflitosculturais.Tantoemumquantoemoutroexemplo,o

queconcluímoséqueoprocessodecolonizaçãodeoutrospovospelos

europeus foi decisivo para a consolidação e expansão do pensamento

socialcomociênciadentroeforadaEuropa.

ATIVIDADE

• Organizesuasdúvidassobaformadeperguntasetenterespondê-las.

• Quaisasprincipaisdiferençasentreopensamentofilosóficoeopensamento

científicosobreohomem?

• Qual a importância da observação de outros povos para a formação do

pensamentosocialdaEuropaapartirdoSéculoXVI?

• Nasuaopinião,comoaciênciapodecontribuirparaopensamentodohomem

pelohomem?

• De acordo com os exemplos do texto quais a principais contribuições dos

colonizadoresparaaintroduçãodaAntropologiaedaPedagogianoBrasil?

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Ostextosapresentadosaseguirbuscamesboçarexplicaçõesparaamaneira

comoosgrupossociaisseorganizameestabelecemdiferençasentreosindivíduos.O

primeiroéumabrevedescriçãodecomoosfrancesesutilizamagravatacomosímbolo

de distinção social. Trata-se de um trecho da Fisiologia do Vestir,escritoporHonoré

deBalzac(2004),noséculoXIX.Osegundotextofoiretiradodeumensaioproduzido

peloantropólogoPierreClastres (1988)emostra comosedáadivisãodo trabalho

entre homens e mulheres numa comunidade Guaiaqui,nafronteiraentreoBrasileo

Paraguai.

Sobre a gravata

“ARevoluçãofoiparaovestir,comoparaaordemcivilepolítica,umtempodecrise

e de anarquia; ela introduziu com a gravata em particular uma dessas mudanças

orgânicasquevieram,comséculosdeintervalo,renovarafacedascoisas.Soboantigo

regime,cadaclassedasociedadetinhaseumododevestir;reconhecíamospelotraje

osenhor,oburguês,oartesão.Entãoagravata(seéquepodemosdaressenomeà

golademusselinaeaoretalhoderendaquenossospaisenvolviamopescoço)nãoera

nadamaisqueumavestimentanecessária,detecidomaisoumenosrico,massem

consideração,comosemimportânciapessoal.Enfim,osfrancesessetornaramtodos

iguaisemseusdireitos,etambémemsuasvestimentas,eadiferençadotecidoou

adiversidadenos trajesdeixoudedistinguirascondições.Comoentão reconhecer-

se no meio desta uniformidade? Por que sinal exterior distinguir a classe de cada

indivíduo?Desdeentãoestavareservadoàgravataumdestinonovo:elanasceupara

avidapública,adquiriuimportânciasocial;poisfoichamadaarestabelecerosmatizes

inteiramenteapagadosdovestir,tornou-secritériopeloqualsereconheciaohomem

digno deste nome e o homem sem educação”.

HonorédeBalzac,2004

O arco e o cesto

“Uma oposição muito clara organiza e domina a vida quotidiana dos guaiaqui: aquela

doshomensedasmulherescujasatividadesrespectivas,marcadasfortementepela

divisão sexual das tarefas, constituemdois campos nitidamente separados e, como

aliásemtodososlugares,complementares.Mas,diferentementedamaioriadasoutras

sociedadesindígenas,osguaiaquinãoconhecemformadetrabalhoemqueparticipem

aomesmotempooshomenseasmulheres.Aagricultura,porexemplo,alternatanto

atividades masculinas como femininas, já que, em geral as mulheres se dedicam

a semear, a limpar os campos de cultivo e a colher os legumes e cereais, são os

homensqueseencarregamdeprepararolugardasplantaçõesderrubandoasárvores

e queimando a vegetação seca”.

PierreClastres,1988

Os dois textos fazemo uso da observação e descrição de práticas culturais

LEITURA COMPLEMENTAR

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36 Módulo 2 I Volume 1 EAD

Colonialismo e pensamento socialAntropologia e Educação

RESUMINDO

ATIVIDADE

parabuscarexplicitarcomoos indivíduossignificamseuspapéissociaisdentrodo

grupo emque estão inseridos. Balzac descreve o uso da gravata em sua própria

sociedade.Clastresdescreveaorganizaçãodotrabalhonumacomunidadeindígena.

Os dois textos expressam posturas que são adotadas na contemporaneidade pelos

antropólogos: a observação da sociedade da qual o observador pertence, a observação

de uma sociedade da qual o observador é um estrangeiro.Combasenestesexemplos,

procure desenvolver um texto descritivo, no qual você apresenta significações de

diferentespapéissociais,observadosnascomunidadesaquevocêspertencem.

O processo de expansão colonial da Europa produziu as condições

de emergência da observação de outros povos e formação de um novo

pensamentosocial.Aformaçãodasciênciashistóricasesociais,sobretudo

aAntropologiaeaPedagogia,apartirdaexperiênciaentreeuropeusenão

europeus,constituiuasbasesparaas investigaçõesteóricasdaculturae

suasrelaçõescomaeducação.Situarohomemeaculturacomoobjetos

daciênciadopontodevistadosmodelosdeorganizaçãosocialepolíticada

Europaconfigura-secomoomaiorlegadodocolonialismoparaonascimento

do pensamento social.

No Brasil a experiência do Colonialismo e suas interfaces com o

pensamento social pode ser compreendida a partir de dois documentos

históricos básicos: a) aCarta de Pero Vaz de Caminha como a primeira

experiência sistemática da antropologia no Brasil; b) aRatio Studiorum

comopedagogiajesuíticadebasesocialereligiosa.Emtaisdocumentos,

encontraremos as diretrizes fundamentais que orientam o processo de

dominaçãocolonialdosportuguesesnoBrasil.

LEITURA RECOMENDADA

ParaconhecerotextodaCartadePeroVazdeCaminhaentrenositedoMinistériodaEducação,acesseaolinkDomínio Público e solicite o texto. Assista ao documentário OPovoBrasileirodeDarciRibeiro, organizadopelaGNT.Adquirao livro:Oqueéetnocentrismo? escrito por Everardo P. Guimarães Rocha, da Coleção PrimeirosPassos,daEditoraBrasiliense.

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RESUMINDO A UNIDADE I

AntropologiaeEducaçãotêmasuaorigem,dopontodevistahistórico,como

atitudes intelectuaisdaespéciehumanasobresi.Atravésdaescritaeda

oralidade,diferentescivilizaçõesproduziramconhecimento,inscrevendoem

seussaberesesuaspráticasasconcepçõesdehomemsubjacentesassuas

tradições.

Civilizações ocidentais e orientais utilizaram a escrita como uma

ferramenta cultural. Na antiguidade os usos da escrita foram fundamentais

paraaconstituiçãodeumabasefilosóficadopensamento.Ossistemasde

ideiasdosfilósofosantigoscontribuíramparaonascimentodaAntropologia

FilosóficaedaPedagogia.Noquedizrespeitoàsorigensdapesquisasobrea

culturadeoutrospovos,amaiorreferênciadaAntiguidadeClássicaéHeródoto.

AodescreveroscostumesdeoutrospovosaquelequeéconsideradooPaida

História,contribuiu,também,paraasorigensdaetnografia.

AsCivilizaçõesAfricanasePréColombianasutilizaramcomorecurso

deafirmaçãodesuas tradiçõesaoralidade.Ensinamentos transpassados,

geração após geração, consolidaram suas concepções de homem e

sociedade.Paraestascivilizações,emboraaAntropologiaeaEducaçãonão

constituíssemformasespecíficasdeconhecimentocomoaFilosofia,pensar

o homem e a sua educação era a base para a formação de um povo. É

importante destacar que para estes povos a vida humana estava intimamente

ligadacomanatureza.Nestaperspectivaaculturaéumaformaampliadada

relação do humano com o universo.

Os processos de expansão colonial da Europa no mundo introduziram

novas formas de dominação cultural. Intelectuais, ocupados da tarefa de

conhecerospovosdominados,contribuíramparaonascimentodopensamento

socialentreosséculosXVIIeXVIII.ComosurgimentodasCiênciasSociais

originam-se as principais orientações teóricas e metodológicas que iriam

possibilitar a emergência da Antropologia e da Educação como áreas

disciplinaresdopensamentocientíficomoderno.

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38 Módulo 2 I Volume 1 EAD

Colonialismo e pensamento socialAntropologia e Educação

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FE

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LAPLANTINE, François.Aprender antropologia. Trad. de Marie-AgnèsChauvel.SãoPaulo:Brasiliense,2002.

MERCIER, Paul. História da Antropologia. Trad. de Claudia Menezes.SãoPaulo:EditoraMoraes,s/d.

ROCHA, Everardo P. G. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense,1984.

SOMÉ, Sobonfu. O espírito da intimidade.Trad. de DeborahWeinberg.SãoPaulo:OdysseusEditora,2003.

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Suas anotações

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