artigo de rita e miriam - artigo sobre feitiçaria - faeeba n35

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 EDUCAÇÃO E RELIGIÕES

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EDUCAÇÃOE RELIGIÕES

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB

Reitor: Lourisvaldo Valentim da Silva; Vice-Reitora: Amélia Tereza Santa Rosa Maraux

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS IDiretor: Antônio AmorimPrograma de Ps-Graduação em Educação e Contemporaneidade – PPGEduC – Coordenador: Elizeu Clementino de Souza 

CONSELHO EDITORIAL

GRUPO GESTOR Editora Geral: Tânia Regina DantasEditora Executiva: Liége Maria Sitja FornariCoordenadora Administrativa: Noélia Teixeira de MatosAntônio Amorim (DEDC I), Elizeu Clementino de Souza (PPGEduC),Walter Von Czekus Garrido, Maria Nadija NunesBittencourt, Lynn Rosalina Gama Alves (Suplente), Joselito Brito de Almeida (representante discente).

REVISTA FINANCIADA COM RECURSOS DA PETROBRAS S.A.

Conselheiros nacionaisAntônio Amorim Universidade do Estado da Bahia-UNEBAna Chrystina Venâncio MignotUniversidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ 

Betânia Leite RamalhoUniversidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN Cipriano Carlos LuckesiUniversidade Federal da Bahia-UFBADalila OliveiraUniversidade Federal de Minas Gerais-UFMGEdivaldo Machado BoaventuraUniversidade Federal da Bahia-UFBAEdla EggertUniversidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS Elizeu Clementino de SouzaUniversidade do Estado da Bahia-UNEBJaci Maria Ferraz de MenezesUniversidade do Estado da Bahia-UNEB

João Wanderley GeraldiUniversidade Estadual de Campinas-UNICAMP José Carlos Sebe Bom MeihyUniversidade de São Paulo-USP Liége Maria Sitja FornariUniversidade do Estado da Bahia-UNEBMaria Elly Hertz GenroUniversidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS Maria Teresa Santos CunhaUniversidade do Estado de Santa Catarina-UDESC  Nádia Hage FialhoUniversidade do Estado da Bahia-UNEB

 Paula Perin VicentiniUniversidade de São Paulo-USP 

Conselheiros internacionaisAdeline Becker 

 Brown University, Providence, USAAntônio Gomes FerreiraUniversidade de Coimbra, Portugal Antnio NvoaUniversidade de Lisboa- Portugal Cristine Delory-Momberger Universidade de Paris 13 – FrançaDaniel SuarezUniversidade Buenos Aires- UBA- Argentina

Ellen Bigler  Rhode Island College, USA Edmundo Anibal HerediaUniversidade Nacional de Crdoba- ArgentinaFrancisco Antonio LoiolaUniversité Laval, Québec, CanadaGiuseppe MilanUniversitá di Padova – ItáliaJulio César Díaz ArguetaUniversidad de San Carlos de GuatemalaMercedes VillanovaUniversidade de Barcelona, EspañaPaolo OreceUniversitá di Firenze - Itália

Coordenadores do n. 35: Lívia Fialho Costa (UNEB); Sueli Mota (UNEB)Revisão: Luiz Fernando Sarno; Bibliotecária (referências): Jacira Almeida Mendes; Tradução/revisão: Eric Maheu; Capa eEditoração: Linivaldo Cardoso Greenhalgh (“A Luz”, de Carybé – Escola Parque, Salvador/BA); Secretária: Maria Lúcia deMatos Monteiro Freire.

Robert Evan VerhineUniversidade Federal da BahiaTânia Regina DantasUniversidade do Estado da Bahia-UNEBWalter Esteves Garcia

 Associação Brasileira de Tecnologia Educacional / Instituto Paulo Freire

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Revista da FAEEBA

Educaçãoe Contemporaneidade

Departamento de Educação - Campus I

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

ISSN 0104-7043

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, jan./jun. 2011

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Tiragem: 1.000 exemplares

Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade / Universidade do

Estado da Bahia, Departamento de Educação I – v. 1, n. 1 (jan./jun.,1992) - Salvador: UNEB, 1992-

Periodicidade semestral

ISSN 0104-7043

1. Educação. I. Universidade do Estado da Bahia. II. Título.CDD: 370.5CDU: 37(05)

Revista da FAEEBA – EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADERevista do Departamento de Educação – Campus I(Ex-Faculdade de Educação do Estado da Bahia – FAEEBA)

Publicação semestral temática que analisa e discute assuntos de interesse educacional, cientíco e cul-

tural. Os pontos de vista apresentados são da exclusiva responsabilidade de seus autores.ADMINISTRAÇÃO: A correspondência relativa a informações, pedidos de permuta, assinaturas, etc.deve ser dirigida à:

Revista da FAEEBA – Educação e ContemporaneidadeUNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIADepartamento de Educação I - NUPERua Silveira Martins, 2555 - Cabula41150-000 SALVADOR – BAHIA - BRASILTel. (071)3117.2316

E-mail: [email protected]  Normas para publicação: vide últimas páginas.

E-mail para o envio dos artigos: [email protected] / [email protected] da Revista da FAEEBA: http://www.revistadafaeeba.uneb.br 

Indexada em / Idxd in:- REDUC/FCC – Fundação Carlos Chagas - www.fcc.gov.br - Biblioteca Ana Maria Poppovic- BBE – Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília/INEP)- Centro de Informação Documental em Educação - CIBEC/INEP - Biblioteca de Educação- EDUBASE e Sumários Correntes de Peridicos Online - Faculdade de Educação - Biblioteca UNICAMP- Sumários de Periódicos em Educação e Boletim Bibliográco do Serviço de Biblioteca e Documentação- Universidade de São Paulo - Faculdade de Educação/Serviço de Biblioteca e Documentação.www.fe.usp.br/biblioteca/publicações/sumario/index.html- CLASE - Base de Dados Bibliográcos en Ciencias Sociales y Humanidades da Hemeroteca

Latinoamericana - Universidade Nacional Autônoma do México:E-mails: [email protected] e [email protected] / Site: http://www.dgbiblio.unam.mx- INIST - Institut de l’Information Scientique et Technique / CNRS - Centre Nacional de la RechercheScientique de Nancy/France - Francis 27.562. Site: http://www.inist.fr - IRESIE - Índice de Revistas de Educacin Superior e Investigacin Educativa (Instituto deInvestigaciones sobre la Universidad y la Educacin - México)

Pede-se permuta / We ask for exchange.

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 1-240, jan./jun. 2011

S U M Á R I O9 Editorial

10 Temas e prazos dos prximos números da Revista da FAEEBA – Educação e Contempo-raneidade 

EDUCAÇÃO E RELIGIÕES

15 Apresentação: Lívia A. Fialho Costa; Sueli Ribeiro Mota Souza

19 A dimensão da espiritualidade no processo de constituição identitária do professor Marili M. S. Vieira; Vera Maria Nigro de Souza Placco

31 Ciclos Festivos na escola pública e pluralismo religioso: conitos e interações – umensaio por uma abordagem terico-metodolgica do estudo da festa no espaço escolar Maria Edi da Silva; Roberta Bivar Carneiro Campos

41 Cinema e Religião em santo forte de Eduardo CoutinhoGiovana Scareli

55 Secularizacin y cultura (s) catlica (s) entre jvenes universitarios de Mérida Luis A. Várguez Pasos

69 Produção, circulação e leitura de textos religiosos em prosa e verso: Educação catlicana literatura de folhetos do NordesteGilmário Moreira Brito

85 Família, Escola e Religião. Que conitos e negociações? Lívia Alessandra Fialho Costa

95 A escola dominical presbiteriana: disseminação de saberes e práticas educativasEster Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento

 Nicole Bertinatti

105 De benevolências, vocações e fraternidades: discursos da seara da Educação Paula Corrêa Henning 

115 Educação e Religião: Notas sobre ensino e aprendizagens terapêuticas no SCS da IpdaSueli Ribeiro Mota Souza

125 La religin como producto turístico: El caso de los Altos de Jalisco, México Rogelio Martínez Cárdenas

137 Intelectuais, educação e catolicismo na capital do Paraná (1929-1954) Névio de Campos

151 Reeducando la mirada. Reexiones sobre la reguración de nociones católicas entre practicantes de terapias alternativas en Buenos Aires (Argentina) Alejandra Giménez; María Mercedes Saizar 

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 1-240, jan./jun. 2011

163 “Deus é quem sabe”: transcendência da verdade e educaçãoGiorgio Borghi

177 Educando (com) os sentidos: escrita, oralidade e estesia no processo de educaçãocontinuada das religiões afro-brasileiras

 Roberto Conduru187 Notas sobre o aprendizado no Candomblé

Miriam C. M. Rabelo; Rita Maria Brito Santos

201 Religiosidade, feitiçaria e poder na África e no BrasilValdélio Santos Silva

217 Juan Soldado, protector sobrenatural de los migrantes  Cándido González Pérez; Alfonso Reynoso Rábago 

233   Normas para publicação

RESUMOS DE TESES E DISSERTAÇÕES

231 MACÊDO, Maria Dalva de Lima (Professora da Universidade do Estado da Bahia – Campus IV). Título: Resistência Cultural de Estudantes Negros (as) da roça nas escolas públicas de Santa Bárbara -Ba. Salvador, 2011. 129 f.

232 SOARES JÚNIOR, Néri Emílio. O lugar da pesquisa no currículo da formação inicialdos professores de Educação Física, 2010. f. 132. Dissertação (Mestrado) – Programa dePs-Graduação em Educação da Universidade de Brasília - UnB, Brasília

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 1-240, jan./jun. 2011

C O N T E N T S

11 Editorial

12 Themes and Terms to Submit Manuscript for the Next Volumes of Revista da FAEEBA – Education and Contemporaneity

15 Presentation  Lívia A. Fialho Costa; Sueli Ribeiro Mota Souza

19 The Spiritual Dimension in the Process of the Teacher Identity Construction Marili M. S. Vieira; Vera Maria Nigro de Souza Placco

31 Religious Diversity: traditional feasts cycles in public schools - conict and interaction. A proposal of a theoretical and methodological approach for the study of feast at school.Maria Edi da Silva; Roberta Bivar Carneiro Campos

41 Cinema and Religion in Santo Forte by Eduardo Coutinho Giovana Scareli

55 Secularization and Catholic Culture between Young University sSudents in Merida(Argentina). 

 Luis A. Várguez Pasos

69 Production, Circulation and Reading of Religious Texts in Prose and Verse: catholic

education in leaet literature of the northeast of Brazil Gilmário Moreira Brito

85 Family, School and Religion. Which conicts and negotiations? Lívia Alessandra Fialho Costa

95 Presbyterian Sunday School: dissemination of knowledge and educational practices Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento; Nicole Bertinatti

105 About Benevolences, Vocations and Fraternities: discourses from the education harvest Paula Corrêa Henning 

115 Education and Religion: Notes about teachings and therapeutic learning in the healthcare

System of the Pentecostal Church Deus é Amor Sueli Ribeiro Mota Souza

125 Religion as a Touristic Product: the Altos de Jalisco (Mexico) case. Rogelio Martínez Cárdenas

137 Intellectuals, Education and Catholicism in the Capital City of Paraná (1929-1954) Névio de Campos

151 Re-educating Worldviews: reections on the re-assignment of catholic’s knowledge between alternative therapies practitioners in Buenos Aires (Argentina) Alejandra Giménez; María Mercedes Saizar 

EDUCATION AND RELIGIONS

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 1-240, jan./jun. 2011

233 Instructions for publication 

163 “God Knows”: transcendence of truth and educationGiorgio Borghi

177 Educating (with) the Senses: writing, orality and aesthesia in afro-brazilian religions’ process of permanent education.

 Roberto Conduru187 Notes on Learning in the Candomblé

Miriam C. M. Rabelo; Rita Maria Brito Santos

201 Religiosity, Witchcraft and Power in Africa and BrazilValdélio Santos Silva

217 Juan Soldado: supernatural protector of the migrantsCándido González Pérez; Alfonso Reynoso Rábago

231  MACÊDO, Maria Dalva de Lima (Professora da Universidade do Estado da Bahia -Campus IV). Resistência Cultural de Estudantes Negros (as) da roça nas escolas públicas de Santa Bárbara -Ba. Salvador, 2011. 129 f.

232  SOARES JÚNIOR, Néri Emílio. The Role of Research in the Program of InitialFormation for Teachers of Physical Education . 2010. f. 132. Master thesis. - Programa dePs-Graduação em Educação da Universidade de Brasília - UnB, Brasília

THESIS’ ABSTRACTS

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, jul./dez. 2010 9

EDITORIAL

Educação e Religiões é a temática abordada no número 35 da Revista daFAEEBA, que prossegue em sua trajetria na divulgação dos conhecimentose saberes produzidos por professores/pesquisadores de várias IES nacionais eestrangeiras. Neste número conta com a valiosa colaboração de docentes doPrograma de Ps-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGeduc),do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

O pensamento que se expandiu durante o iluminismo legitimou como fontesda produção do entendimento humano a lgica e a razão instrumental, descar-tando a emoção, o sentimento e a percepção como formas de conhecimento.

 As dimensões do Humano – o eros (corporeidade), o pathos (sensibilida-

de), o mythus (espiritualidade) e o logos (razão) – constituem as referênciashistoricamente elaboradas pela sociedade ocidental. Momentos há de sobreva-lorização, negação, hierarquização entre elas. A perspectiva holista acredita na possibilidade de buscar nas diferentes referências que expressam as dimensõesaqui apontadas, regiões de encontros, de contatos, em vez de privilegiar umdiscurso único de referência. O debate, notadamente no campo das CiênciasSociais, acerca da secularização/ dessecularização ou do declínio/ressurgimentoda religião, bem como do poder que a religião sempre desfrutou no decorrer da histria, ainda esquenta acirradas discussões na contemporaneidade. Asestatísticas no Brasil têm mostrado que, ao longo das últimas décadas, nãoapenas os indivíduos estão se declarando pertencentes a uma religião, como

também têm participado de vários grupos religiosos emergentes. Esse novo tipode moral, construída no âmbito da intimidade (em que participam do diálogoa família/comunidade na sua relação com terreiros, centros, templos, igrejas),estende-se ao espaço público (escolas/instituições). Essa dupla condição quecaracteriza o mundo das crenças – ser expressão da intimidade e construir-senas relações sociais, revelando-se no âmbito público pela inevitável externa-lidade do éthos dos grupos – tem alimentado amplas discussões no campo daeducação na medida em que é na prática que professores e estudantes têm sedeparado com a questão da convivência com a pluralidade religiosa. Que papelas experiências religiosas têm na socialização? Que contornos a religião podeassumir: controle, subserviência, passividade, libertação, ampliação do campo

 perceptivo? Que mudanças ocorreram na forma de viver a religião na contem- poraneidade? O pluralismo religioso, característica da contemporaneidade, nãoseria o resultado de um processo de reencantamento do mundo? Que conitosemergem do convívio com a pluralidade cultural e religiosa e da coexistência devários credos/valores? É no interior destas indagações que o tema da Religiãoencontra a Educação, seja ela formal ou informal. Para a Educação, importareetir sobre as diversas direções para as quais o discurso religioso pode apontar:a busca da unidade pela construção de identidade de sentidos e, no extremo

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, jul./dez. 201010

Temas e praos dos prximos nmeros

da Revista da FAEEBA:

Educação e Contemporaneidade

Enviar textos para Liége Fornari: [email protected]/[email protected]

oposto, passando por diferentes interpretações entre identidade e diferenças,o seu contrário, o conito entre as diferenças, marcado pelo entendimento davalidade de uma única via verdadeira da experiência religiosa.

Este número, coordenado pelas doutoras Lívia Fialho Costa e Sueli Mota,

docentes e pesquisadoras do PPGeduc – associadas à Linha 1, Projetos Civi-lizatrios, Educação, Memria e Pluralidade Cultural –, traz artigos nacionaise internacionais com ampla pluralidade dos focos de abordagem do fenômenoreligioso, produto da diversidade da formação acadêmica dos autores: antrop-logos, socilogos, cientistas sociais, psiclogos, historiadores e pedagogos. Issorevela que a interpretação da prática religiosa humana não cabe nos estreitoslimites disciplinares, em um único discurso, em uma única linguagem.

Esperamos que os textos reunidos neste número 35 da Revista da FAEEBA,que chega ao público no bojo da renovação do patrocínio com a Petrobras – oque garante a produção deste peridico por mais dois anos –, possam agregar ressonâncias produtivas para o estudo do fenômeno religioso.

Tânia Regina Dantas – Editora Geral da Revista da FAEEBALiege Sitja Fornari – Editora Executiva da Revista da FAEEBA

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, jul./dez. 2010 11

EDITORIAL

Education and Religion is the theme of the volume 35 of the Revista daFAEEBA which persists in its dedication to promulgate knowledge produced by professors/researchers of various university in Brazil and abroad. This volumecounts with the valorous colaboration of professors form the graduate programin Education of the Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

Knowledge expanded during the Enlightenment and legitimated logic andreason as sources of human understanding, setting aside emotion, feelingsand perception.

The human dimension– eros (embodiment), pathos (sensibility), mythus (spirituality) and logos (reason) – are the historically elaborated frames of theWest. There were moments of overvalue, negation and hierarchy between them.

The holist perspective believes in the possibility of looking for the various refer-ences which express the mentioned dimensions, areas of encounter or contact, in place of privileging a unique discourse of reference. The debate about secular-ism, and the decline or renewal of religion, as well as about the power of religionalong times especially within social sciences, is still feeding strong discussionstoday. Brazilian statistics have been showing that, throughout the last decades,not only do individuals declare to have one religion, they participate in variousnew religious groups. This new kind of morale, constructed in the context of intimacy (where family, community and various religious churches and spacesdialogue) is extensive to public space (school and institutions). This doublecondition characterize the world of beliefs: to be the expression of intimacy

and to be constructed in social relations. It is revealed in a public context bythe unavoidable externality of the groups’ ethos, which has stimulated amplediscussions in the eld of education, as it is through practice that professorsand students have been awake of the questions of living with religious plurality.Which role do religious experiences have in socialization? What forms religioncan assume: control, subjugation, passivity, liberation, amplication of the perceptual eld? Would not religious pluralism, characteristic of our time, bethe result of a process of re-enchantment of the world ? Which conicts surgefrom the contact with cultural and religious diversity and from the coexistenceof various values and creeds? It it within those interrogations that the theme of religion encounter formal or informal education. It is important for education

to reect upon the various directions through which the religious discourse canlead: the seek for unity through the construction of meaning identity, or in anopposite way, through various interpretations between identity and differences,the conict between differences, marked by the understanding of an only onereal way for religious experiences.

This volume, coordinated by Lívia Fialho Costa and Sueli Mota, professorsand researchers of our graduate program in education, pertaining to the rstaxis (Education, Memory and Cultural Plurality), presents paper from Braziland abroad, with an ample pluralism of perspectives and approaches of the

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 19, n. 34, jul./dez. 201012

Email papers to Liége Fornari: [email protected]/[email protected]

Themes and terms for the next ournals

of Revista da FAEEBA:

Educação e Contemporaneidade

religious phenomenon, which can be related to the fact that the authors areanthropologist, sociologist, psychologist, historian and educators. This revealthat the interpretation of human religious practice can not be restricted to thenarrow limits of disciplinary elds, with an unique discourse and language.

We hope that the collected texts of this volume 35 of the Revista daFAEEBA, which is published with the renew sponsorship of Petrobras (whichensures the production of this periodical for more two years) may provokes productive repercussions in the study of the religious phenomenon.

Tânia Regina Dantas – Editora Geral da Revista da FAEEBALiege Sitja Fornari – Editora Executiva da Revista da FAEEBA

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EDUCAÇÃO

E RELIGIÕES

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15Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 15-18, jan./jun. 2011

Lívia Fialho Costa e Sueli Mota

APRESENTAÇÃO

Em um tempo em que grupos místico-esotéricos se fazem cada vez mais presentes

nas capitais e cientistas sociais se lançam na árdua tarefa de compreender valores,visões de mundo de grupos religiosos emergentes; em um tempo em que se fala deconstrução de religiosidades e identidades baseadas em um trânsito existente entrerituais, doutrinas e práticas diversas; em um tempo em que o Estado adota a pers- pectiva ”laica” – não da irreligião, mas do reconhecimento de todos os credos comolegítimos para gozarem de liberdade de expressão – e os indivíduos, dessecularizados,aproximam-se de um éthos que dene seu estar no mundo, é um tempo em que, maisdo que antes, muitos campos do saber são convidados para um diálogo alimentado por questões tericas e práticas implicadas por e numa realidade em que a religião éfator que orienta práticas e organiza a vida em sociedade.

A indagação sobre o que promove a religião na contemporaneidade foi a questão

de fundo que nos mobilizou a organizar esse dossiê temático da Revista da FAEEBA.A constatação de que o campo da Educação há muito vem discutindo questões impor-tantes como aquela estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96),que veta o proselitismo religioso na sala de aula, leva-nos a avaliar os sentidos dodebate acerca da formação e capacitação de professores, bem como da importânciada atenção ao respeito à diversidade e ao exercício da tolerância (Parâmetros Curri-culares Nacionais). A diversidade e o pluralismo são realidades sempre tensas porquenos remetem ao problema de como fazer conviver diferentes perspectivas – muitasvezes paradoxais – num ambiente harmonioso e de respeito ao Outro. A Antropologia,a Sociologia, a Histria, a Educação, dentre outras disciplinas, estão aqui presentesnos artigos, colaborando com a compreensão da amplitude do tema ”Educação e

Religiões”. Os artigos aqui reunidos são não apenas oriundos de diversas áreas quedialogam com a Educação, como também apresentam uma diversidade temática,metodolgica e epistemolgica. Assim, um conjunto de textos aqui apresentados éresultado de pesquisas que discutem e problematizam a dimensão prática de lidar com a convivência dos diferentes credos e dos impasses colocados ao exercício datolerância; outro conjunto traz elementos para a compreensão histórica ou losócadas bases religiosas e a dimensão educativa presente em diferentes credos.

 No primeiro texto, intitulado “A dimensão da espiritualidade no processo de cons-tituição do professor”, Marili Vieira e Vera Nigro de Souza Placco apresentam o re-sultado de uma pesquisa destinada a compreender como a dimensão daespiritualidade contribui e participa da constituição identitária de professores, enten-

dida como um sentido dado não apenas à sua vida pessoal mas como aspecto inte-grante da sua atuação prossional. “Ciclos Festivos na escola pública e pluralismoreligioso: conitos e interações – um ensaio por uma abordagem teórico-metodoló-gica do estudo da festa no espaço escolar”, de Maria Edi da Silva e Roberta Bivar Carneiro Campos, toma a escola pública, em particular os Ciclos Festivos, comocampo empírico que intensica o debate sobre a pluralidade religiosa existente nesseespaço. “Cinema e religião em Santo Forte de Eduardo Coutinho”, de autoria deGiovana Scareli, é uma interessante contribuição acerca de como um lme que abor -da a questão da religiosidade é construído por seu autor. A análise do lme Santo

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16 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 15-18, jan./jun. 2011

Apresentação

 Forte compreende a descrição das imagens e a transcrição das falas, criando umainterlocução entre as sequências do lme e teóricos de várias áreas, como os do Ci-nema e da Educação. Baseado em uma pesquisa com estudantes de distintas univer-sidades (uma pública, uma laica e uma religiosa), Luis A. Várguez Pasos busca em

“Secularizacin y cultura (s) católica (s) entre jvenes universitarios de Mérida”compreender como grupos de jovens pertencentes a distintos tipos de universidadesconstroem suas respectivas “culturas católicas” e o signicado que estes atores atri- buem à sua religião, crenças e práticas religiosas apreendidas na infância/adolescên-cia. “Produção, circulação e leitura de textos religiosos em prosa e verso: educaçãocatlica na literatura de folhetos do Nordeste” é uma contribuição de Gilmário Mo-reira Brito acerca da educação religiosa realizada pela Igreja Catlica, por meio defolhetos organizados no formato da literatura de cordel, para divulgar princípios re-ligiosos com os quais pretendeu doutrinar grupos sociais do interior do Nordeste,entre as duas primeiras décadas do século XX. O estudo apresentado possibilita acompreensão de como grupos incorporaram seletivamente escritura e oralidade afe-rindo permanentes signicados na constituição/reconstituição de “culturas religiosas”.Em “Família, Escola, Religião. Que conitos, que negociações?”, Lívia A. FialhoCosta apresenta resultados de uma pesquisa desenvolvida em Salvador (Bahia) sobrea questão dos conitos e das negociações que envolvem família e escola quando otema é diversidade religiosa. Os dados mostram como a escola constitui-se em umdos espaços de tensão para as famílias – sobretudo as evangélicas – de estudantes deensino fundamental de escolas públicas da periferia de Salvador. Em “A Escola Do-minical Presbiteriana: disseminação de saberes e práticas educativas”, Ester FragaVilas-Bôas Carvalho do Nascimento e Nicole Bertinatti discutem o modelo pedag-gico das Escolas Dominicais Presbiterianas no Brasil, caracterizando-as como umespaço de educação extraescolar presente nas igrejas protestantes. Os resultadosapresentam a Escola Dominical como um espaço de realização de práticas pedag-gicas no qual o principal objetivo era ensinar a doutrina protestante por meio da Bíblia.As Escolas Dominicais tornaram-se um ambiente relevante de contato dos novosconvertidos com a nova cultura religiosa, aprendendo a interpretar a Bíblia. PaulaCorrêa Henning, em “De benevolências, vocações e fraternidades: discursos da sea-ra da Educação”, com base em algumas teses defendidas pelo Programa de Ps-graduação em Educação da Unisinos, problematiza as relações com os modos de pensar a Educação, tão marcada por uma das bandeiras da Revolução Francesa: afraternidade. Mesmo quando tais discursos pretendem a crítica dos fundamentoseducacionais modernos, reencontram-se inscritos no solo positivo da episteme mo-derna, que longe de representar apenas um período histrico das Ciências, é um modohegemônico de estabelecer relações com a Verdade e com a Moral. “Educação e re-ligião: notas sobre ensino e aprendizagem terapêuticas no SCS da IPDA”, de SueliRibeiro Mota Souza, é uma reexão sobre o aprendizado do sistema de cuidado coma saúde no pentecostalismo, em particular sobre experiências de formação de ensinoe aprendizado dos terapeutas e suas formas de educar os modos de atenção corporalde curadores e pacientes no âmbito do “ritual de cura”. A contribuição de RogelioMartínez Cárdenas em “La religin como producto turístico: el caso de los Altos deJalisco, Mexico” é mostrar a experiência da região de Altos de Jalisco (México) noque diz respeito ao imaginário difundido para sua promoção turística. O autor faz

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Lívia Fialho Costa e Sueli Mota

uma revisão bibliográca de diversos artigos que tratam do turismo religioso emlocais nacionais e internacionais, bem como da relação turismo/crescimento econô-mico. Já “Intelectuais, educação e catolicismo na capital do Paraná (1929-1954)”, deautoria de Névio de Campos, é um artigo que analisa o processo de organização do

laicato catlico na cidade de Curitiba no período de 1929 a 1954, enfatizando suaação no Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB). Mais precisamente, o texto analisaos sentidos dos enunciados promovidos pelo laicato catlico, privilegiando suas redesde liação e de socialização (campo), suas visões de mundo (representações/conhe-cimento) e seus modos de dizer (discursos). Em “Reeducando la mirada. Reexionessobre la reguración de nociones católicas entre practicantes de terapias alternativasen Buenos Aires (Argentina)”, Alejandra Giménez e María Mercedes Saizar analisamas transformações e regurações de algumas noções da cosmovisão católica com basena perspectiva de usuários de disciplinas da Nova Era em Buenos Aires. GiorgioBorghi, em “ Deus é quem sabe: transcendência da verdade e educação”, apresentauma reexão sobre a dimensão hermenêutica da racionalidade humana, analisandocomo, na losoa antiga, destaca-se a transcendência da verdade, e mostrando que avisão da educação muda profundamente quando não se admite tal transcendência,como no caso dos sostas. “Educando (com) os sentidos: escrita, oralidade e estesiano processo de educação continuada das religiões afro-brasileiras” é uma excelentecontribuição para o entendimento dos processos educativos nas religiões afro-brasi-leiras, em paralelo à educação escolar. O autor do artigo, Roberto Conduru, analisacantigas e outros objetos, práticas e seres que participam da iniciação religiosa emterreiros de umbanda e de candomblé no Rio de Janeiro, associados a reexões sobreas religiões afro-brasileiras publicadas em livros e revistas. O autor ressalta a cres-cente presença da escrita nesse contexto formativo, embora com a dominância daoralidade e de outros meios de comunicação, os quais demandam a constante educa-ção dos sentidos. Estas práticas de educação continuada baseadas na estesia sugeremsua articulação às práticas de educação formal nas escolas. Aproximando-se desteobjeto, “Notas sobre o aprendizado no candomblé”, de autoria de Miriam C. M. Ra- belo e Rita Maria Brito Santos, examina o processo de aprendizado no candomblé.Partindo da noção de aprendizado como treino da atenção, proposta pelo antroplogoTim Ingold, as autoras procuram mostrar os meios, técnicas e relações mediante asquais aqueles que ingressam em um terreiro vêm a se tornar membros experientes. Oartigo está fundamentado em pesquisa de campo realizada em terreiros de Salvador,incluindo observação de atividades e realização de entrevistas. As autoras observamcomo o processo de “aprendizagem” no candomblé envolve o desenvolvimento dehabilidades diversas por meio de um engajamento ativo do corpo em contextos mul-tissensoriais carregados de signicado. Valdélio Santos Silva vem demonstrar comoos referentes culturais inuenciam na conformação das variadas modalidades de práticas religiosas. Em “Religiosidade, feitiçaria e poder na África e no Brasil”, oautor argumenta que diferentemente das concepções individualizantes de religião noOcidente, as religiosidades de origem africana baseiam-se na experiência coletiva decultuar os deuses. Dança, música, transe e as realizações positivas são, assim, aquina terra, fundamentais nessas religiosidades. O último artigo deste dossiê, “JuanSoldado, protector sobrenatural de los migrantes”, de Cándido González Pérez eAlfonso Reynoso Rábago, é um texto que revela como trabalhadores mexicanos

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Apresentação

migraram para os EUA, a partir do século XIX, e buscaram apoio sobrenatural paraalcançarem seus objetivos na tradição religiosa herdada da Espanha. O ”protetor sobrenatural” de muitos desses migrantes é Juan Soldado, em vida, um assassinoconfesso.

Os textos aqui reunidos são resultado de uma seleção dentro de um conjunto maisnumeroso de artigos enviados. Agradecemos a colaboração de todos os participantesneste número dedicado ao tema “Educação e Religiões” e esperamos que as discus-sões aqui selecionadas promovam reexões para a prática de muitos autores e atores.Finalizamos esta apresentação, aps reunirmos conteúdos que tocam, no fundo,questões de formação de valores, sentimentos, identidades, sob o impacto da chacinaenvolvendo crianças de uma escola pública no Rio de Janeiro. Que a escola –  locus da educação e da formação – esteja atenta às questões cognitivas e epistemolgicassem abrir mão da formação de subjetividades sensíveis e implicadas com a criaçãode um mundo melhor.

 

Lívia Fialho Costa e Sueli Mota

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Marili M. S. Vieira; Vera Maria Nigro de Souza Placco

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 19-30, jan./jun. 2011

A DIMENSÃO DA ESPIRITUALIDADE NO PROCESSO DE

CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DO PROFESSOR

Marili M. S. Vieira *

Vera Maria Nigro de Soua Placco **

RESUMO

Este artigo objetiva divulgar uma pesquisa feita para compreender como a dimensãoda espiritualidade contribui e participa da constituição identitária de professores. Comoreferencial teórico, quanto à identidade prossional, recorre-se a Dubar e Bauman.Para explicar a escola como espaço para a constituição identitária, busca-se Berger e Luckmann. Os mesmos propõem compreender a necessidade de comunidades deapoio no processo criação de sentido de vida e, consequentemente, de constituiçãoidentitária. Na escola, as várias dimensões do professor são acionadas cotidianamente.Recorre-se a Placco, que propõe que se considere a sincronicidade entre essasdimensões, dentre elas, propõe-se a dimensão da espiritualidade. Para compreensãoda dimensão da espiritualidade, usa-se Frankl, que propõe a espiritualidade comoo sentido da vida de cada pessoa. Todos os autores do referencial propõem a buscade sentido como movimento central ao ser humano. Realizou-se a pesquisa emuma escola confessional na cidade de São Paulo, com cinco professores do EnsinoMédio, a diretora e a coordenadora pedaggica. Considera-se que a espiritualidadeé essencial para o docente e um meio pelo qual se pode atuar na reexão dele sobreseu sentido de vida e sobre o sentido de sua atuação prossional, atingindo o alvonal da educação.

Palavras-chave: Identidade – Espiritualidade – Projeto pedaggico – Formação de professores

ABSTRACT

The Spiritual Dimension in the Process of the Teacher Identit Construction

This paper aims to discuss how teacher spiritual dimension contributes to his or her identity process. The theories brought forth are the following: Dubar and Bauman todiscuss the identity constitution process, Berger and Luckmann to discuss the necessityof community in the process of meaning construction. Placco proposes that weconsider the multiple dimensions of a teacher and how they interact with each other 

* Doutora. Coordenadora do Sistema Mackenzie de Ensino. Professora do Centro de Ciências e Humanidades da UniversidadePresbiteriana Mackenzie. Endereço para correspondência: R. Caraíbas, 1051, ap 111. São Paulo, SP - CEP 05020-000. E-mail:[email protected].** Doutora. Professora titular do Departamento de Educação da PUC-SP. Coordenadora e professora do Programa de EstudosPs-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da PUC - SP. Endereço para correspondência: Rua Tagipuru, 225 ap. 61São Paulo – SP. CEP 01156-000. E-mail: [email protected] 

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in the teaching process. To these dimensions, we have added the spiritual dimensionand for this purpose we use Frankl´s proposition of spirituality as revealing meaningin man´s acts. This research was done in a confessional school in the city of São Paulo,with ve teachers, the school director and the pedagogical coordinator. Finally, it is

considered that spirituality is essential to the teacher and is a way by which one canwork with teachers on the meaning they give to life, and consequently on how theycan help students reach schools aim.

Kewords: Spirituality – Teacher formation – Teacher identity – Pedagogical projects.

Introdução

A educação, tomada em seu sentido mais amplocomo um processo reexivo, cria as condições de  possibilidade para que os estudantes – movidos  pela complexidade das experiências humanas – formulem questões essenciais, questões em queindagam pelo sentido das coisas. Dessa formaa escola – espaço privilegiado da educação for-mal – constitui-se em um contexto em que váriasdimensões humanas se expressam, dentre elas, adimensão espiritual.

Tomando-se a escola em sua função formativa,os professores são aqueles que diretamente assu-mem o papel de formadores. A sala de aula é o espa-

ço onde aoram diversas concepções da dimensãoda espiritualidade – religiosas ou não, que envol-vem crenças, valores especícos e mesmo dogmas,sempre complexos e algumas vezes contraditrios. Neste artigo, nos propomos a reetir sobre a relaçãoentre a dimensão da espiritualidade do professor,sua função formativa e a diversidade de orientaçõesespirituais e religiosas dos estudantes.

O professor, como todo ser humano, percebe omundo baseado em dimensões biolgicas, cogniti-vas, sociais, afetivas e espirituais. Há pesquisas que

têm tratado de aspectos diversos do professor e dainuência dos mesmos sobre sua atuação e sobrea aprendizagem do aluno. A espiritualidade do ho-mem é, igualmente, signicativa no direcionamentodas ações humanas, inclusive prossionais.

Placco (1992, 1994, 2003) aponta várias dimen-sões pertinentes ao professor: a técnico-cientíca,a humana interacional, a política, a da formaçãocontinuada, a estética e cultural e outras, demons-trando a sincronicidade das mesmas ainda quando

tomam relevos diferentes a cada nova circunstânciaque é acionada na vida, tanto prossional quanto pessoal. Este autor defende que cada ação queinterra em uma dessas dimensões terá inuênciasobre as demais dimensões. Consequentemente, o processo de formação deveria promover a tomadade consciência dessas dimensões e permitir mu-danças na prática docente.

Placco e Silva (2003) consideraram que as vá-rias dimensões do trabalho do professor precisamde uma ação dirigida de reexão para gerar cons-ciência das suas necessidades e das modicaçõesnecessárias em sua prática. Isso levanta algumasquestões importantes. Como identicar essas ne-cessidades e acessar o professor naquilo que lhe émais importante, naquilo a que ele atribui sentido, para que ele assuma o projeto pedaggico da escolae com ele contribua e participe? Como promover a consciência dele sobre as dimensões diversas deseu trabalho de forma que possa ter disponibilidade para fazer correções e modicações em sua prática pedagógica? Todo esse processo de reexão deveriagerar mudanças na prática do professor.

Supõe-se, com a reexão, um caminho de aper -feiçoamento, uma mudança que deve ser constantee deve passar pelas várias dimensões do professor.

Como citou o professor Fusari no momento denossa qualicação de mestrado em 2001, “a mu-dança sempre supõe um movimento, do que temos(real) para o que queremos ou desejamos (ideal).”Compreende-se que isso nada mais é do que o  processo de constituição identitária prossional proposto por Dubar, uma negociação entre o reale o virtual. O prossional, negociando com o queseus pares, superiores e familiares lhe atribuem,vivendo suas crises, passa a aceitar algumas des-

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sas atribuições e negar outras. Nessa negociação,o que mais pesará é a pertença que ele tem mais profunda, o sentido de sua existência, o sentido desua atuação no mundo, o seu trabalho.

Partindo-se do pressuposto de que a identidade prossional constitui-se nas relações de trabalho,que a instituição, com sua cultura e sua histria, participa intensamente desse processo, que a lo-soa da escola (expressão da dimensão espiritualda instituição) é central nessa cultura institucionaltanto quanto a espiritualidade é central para o pro-fessor (dimensão do ser humano) e que ao acionar aespiritualidade do professor, possivelmente haverá,sincronicamente, reexos nas demais dimensões prossionais e pessoais dele e vice-versa, iniciou-se esta pesquisa de doutoramento na PontifíciaUniversidade de São Paulo.

Esperava-se identicar em que medida a insti-tuição, com seus valores e sua losoa, interageno processo identitário do professor com base na perspectiva de sua dimensão espiritual. Para tanto,escolheu-se pesquisar uma escola religiosamenteconfessional. A escola tem cerca de 140 anos econta com 2.000 alunos, além de fazer parte de umainstituição maior, que engloba uma Universidade.Entende-se que neste tipo de escola seria mais evi-dente a negociação relativa à dimensão espiritual do professor, pois a escola confessional, conforme a própria categoria denota, tem uma dimensão losó-ca forte, e que deseja explicitar em sua identidadeinstitucional, em seu projeto pedaggico. Assim,a escola confessional é o espaço em que se podeobservar, de maneira mais evidente, a inuência dadimensão da espiritualidade no exercício prossio-nal do professor e em sua constituição identitária prossional. Nela, de maneira explícita, atribui-seao professor a função de sustentar, por meio de suas práticas diárias, de suas atitudes e mesmo de seusatos de ensinar, a losoa que a escola professa.Por sua vez, o professor poderá observar a maneiraque toma essa atribuição como pertença ou reagea ela, rejeitando-a. Como isso afeta a identidade prossional do professor é o ponto central desteestudo.

Tinha-se a hiptese de que o professor que atuaem uma instituição, mesmo não confessional, masna qual o projeto pedagógico é vivido e reetido demodo que atribui a ele a tarefa de sustentar a loso-

a da escola, estará, pela negação desta atribuiçãoou por assumir essa atribuição, reetindo sobre suadimensão espiritual, seu sentido de vida e, conse-quentemente, atuando na sua formação continuada

e no processo de constituição de sua identidade.Para vericar esta hipótese, trabalhou-se com acoordenadora pedaggica do Ensino Médio, a dire-tora de escola e cinco professores do Ensino Médio,escolhidos, primeiramente, em virtude do tempo deserviço na escola. Para examinar com maior pre-cisão o processo de negociação identitária teve-seo cuidado de trabalhar com professores ingressan-tes e professores com mais de 20 anos, indicados pela coordenação, aps consulta do desejo delesde participar. Foi solicitado que pelo menos um professor fosse de denominação religiosa diferentedaquela adotada pela escola, para não trabalharmosapenas com a noção de pertença à denominação, esim vericar o processo de negociação deles coma denominação da instituição (sua losoa). Doscinco professores, três foram de denominaçõesdiferentes da escola.

Partindo-se do pressuposto de que o projeto  pedaggico revela a identidade da escola, sualosoa, seu sentido de existência, assim como aespiritualidade do professor faz parte de sua iden-tidade como pessoa e como prossional, procedeu-se a uma breve análise do Projeto Pedaggico daescola, com o objetivo de identicar sua losoa,como ela atribui isso aos seus professores.

Realizaram-se entrevistas semiestruturadascom a coordenação pedaggica do Ensino Médioe com a Diretora da escola para vericar como elasentendem a concepção da escola quanto à dimen-são da espiritualidade; segundo, como fazem para“garantir” que os professores atuem de acordo coma dimensão proposta e defendida pela escola.

Com esses dois movimentos de pesquisa, decerta forma, o olhar foi direcionado para o eixoda atribuição que é feita para o professor. Nesselevantamento de dados, buscou-se perceber comoo professor lida com as atribuições que a escola faza ele (identicações ou pertença) e se, na opiniãodele, essa dimensão tem reexos em sua práticaem sala de aula.

Para proceder à análise dos dados pesquisados,utilizou-se um amplo referencial teórico. Para de-nir espiritualidade trabalhou-se com Viktor Frankl

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(1984, 1992, 2003) e outros autores que defendem aespiritualidade como uma busca de sentido da vida.Acrescentou-se a isso a discussão levantada por Berger e Luckmann (2004) sobre a crise de sentido

que nossa sociedade vive atualmente e como se busca sentido em suas diversas comunidades.A questão da constituição identitária foi sus-

tentada com base nos conceitos trazidos pelossocilogos Dubar (2005, 2006) e Bauman (2005).Esses autores abordam questões sociais comocausadoras de crises de identicação e declaram a busca de sentido como uma direção do homem noseu processo de constituição identitária.

Discutiram-se as dimensões prossionais colo-cadas por Placco (1994), buscando fazer as relaçõesentre essas dimensões prossionais e a dimensãoda espiritualidade.

Considera-se importante justicar o fato deque se trabalha com autores com um referencialterico sobre identidade de fundo marxiano e umde fundo humanista (Frankl) com um assuntoquase metafísico, a espiritualidade. Primeira-mente, a questão da espiritualidade não surge nodebate sociolgico, a não ser recentemente comas discussões sobre o conceito de ps-moder-nidade. Em segundo lugar, percebemos que háespaço, na teoria de Dubar (2006), para incluir essa questão da espiritualidade, pelo fato de eleapontar a busca de sentido no processo narrativoda identidade, assim como os demais autoresapontam a busca de sentido, o que tentaremosapresentar ao longo do trabalho. 

1.Espiritualidade e crise de sentido

Para Dupré (1982), as demandas do século XX – desde a grande informatividade a que todos sãosubmetidos até a necessidade de que, em um dia,uma pessoa exerça diferentes papéis, em diferenteslugares e contextos – geraram nos homens umanecessidade de fortalecimento da interioridade por meio da expansão do individual ao social e comuni-tário. A vida interior mistura-se com o engajamentosocial e ecolgico valorizando um sentimento de piedade do indivíduo. Entretanto, essa piedade, essacapacidade de interessar-se pela realidade como umtodo além de si não é simplesmente uma manifes-tação solidária, mas a manifestação desesperada de

um indivíduo que cada vez mais teme ter-se indi-vidualizado a ponto de não pertencer a mais nada.Surge, então, essa necessidade de coerência entre avida social e a vida espiritual. A vida espiritual não

deve isolar o sujeito da sociedade, mas integrá-lode tal forma que a sociedade receba seus efeitos.Para ele: “A vida espiritual é transformadora detodos os aspectos da vida” (DUPRE, 1982, p. 3).Vê-se, em sua denição, que espiritualidade im- plica na relação com o outro, transcende a pessoaem si e contamina seu espaço de convivência. Issoé constatado na fala de um dos cinco professoresque concordaram em participar desse estudo con-cedendo entrevistas:

 A gente tem que preparar o aluno para o mundo

que tá aí fora. A gente tem que preparar o aluno para participar de uma sociedade, questionando-ae tentando melhorá-la (Professor 3).

Essa visão de dar-se ao outro parece conferir sentido ao exercício prossional do professor.

Também para Webster (2003), a espiritualidadeestá relacionada com a busca de sentido na vida e a busca pelo signicado das experiências que se vive.Para ele, a espiritualidade deverá ser conceituadacomo universal, intrínseca à educação e à noção deuma pessoa educada para que ela possa determinar 

sua relevância no mundo; deve ser disponível paraos religiosos e não religiosos.

Frankl argumenta que o homem é um ser  bio-psico-espiritual: “Não será demais dizer quesomente esta totalidade tripla torna o homem com- pleto” (1992, p. 21). A espiritualidade, para ele, éa característica mais especíca do homem. Aindamais importante para o que se deseja reforçar, elearma que

[...] o ser humano propriamente dito começa ondedeixa de ser impelido (impulsionado) e cessa quandocessa de ser responsável. O homem propriamentedito se manifesta onde [...] houver um eu que decide.(FRANKL, 1992, p. 21)

Ainda, para ele, o trabalho é o âmbito em que secria algo para o outro. É no âmbito do trabalho quese exerce e exterioriza a espiritualidade. Portanto, pode-se dizer que o professor é alguém que, emseu trabalho, essencialmente cria algo para o outro,cria espaço de crescimento, cria espaço para desen-

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Marili M. S. Vieira; Vera Maria Nigro de Souza Placco

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volvimento de sentido de vida, cria diálogo comseus alunos. A escola seria um dos espaços em queo professor pode exteriorizar sua espiritualidade,trabalhando. O Professor 2 revela isso:

Você, ao entrar na sala de aula, dar a sua matéria, seu conteúdo e ir embora - não cou completo. En-tão, eu tenho que relacionar sempre o meu conteúdocom a missão que eu escolhi.

A espiritualidade é essa preocupação com anitude da vida, com seus limites, com o sentidoda existência. Essa preocupação afeta o outro,afeta a sociedade, transforma as relações e conferesignicado às experiências que vivem uns com osoutros. Portanto, espiritualidade é uma dimensãoestritamente humana com a qual o sujeito confere

sentido à sua existência e gera nele a responsabili-dade pelo seu semelhante, pela existência humanaem geral. É uma dimensão que exerce, de maneirasincrônica às demais dimensões do professor (oudo homem em geral), inuência nas demais dimen-sões. No entanto sua força transcende às demaisdimensões do professor, pois oferece o pano defundo sobre o qual cada um constri seus sentidos,constri o sentido de sua existência. Portanto, ohomem é constituído para autotranscendência, para o encontro com o outro, desde o Divino até o

seu semelhante. O homem realiza-se na execuçãode atos espirituais dirigidos a alguém. Esses atosmanifestam-se no amor e no trabalho. Esses sãoatos que constituem sentido à vida; são maneiras pelas quais o ser humano projeta-se para fora desi mesmo. Portanto, quando Delors (1996) armaque a educação deve ajudar o aluno a encontrar asrespostas às perguntas essenciais da vida: de ondevim, para onde vou e por que existo, ele está apon-tando que a escola trabalha com o sentido da vida.Essencialmente, ela trabalha com a espiritualidade

da pessoa, pois se entende que a espiritualidade,ontológica ao ser humano, congura o sentido devida de cada um.

Sendo a espiritualidade central ao ser humano, pois revela seu sentido de vida, ela é essencial ao professor, que ao reetir sobre seu sentido de exis -tência o revelará para o seu aluno por meio de sua prática e motivará o aluno ao mesmo exercício. Eé por ser um agente ontolgico que sua identidade prossional afeta a identidade losóca da escola.

Este movimento dialético é o que aponta para anecessidade de que a escola, no seu lidar cotidianocom os professores, tenha a preocupação de tra- balhar com eles a reexão sobre sua losoa (seu

 projeto pedaggico), e o sentido de vida e sentido prossional do professor.Berger e Luckmann (2004, p.7) apontam que

hoje existe uma “crise de sentido”, de forma quenunca foi tão pertinente às escolas desempenharemseus papéis de abrirem um espaço acadêmico emque haja um exercício ontolgico. E convém ressal-tar como a escola é um espaço pertinente para esseexercício, já que, analisando essa crise de sentidoque a sociedade moderna e plural vivencia, Berger e Luckmann chegaram à conclusão de que é na

consciência das relações das experiências de vidaque o sentido se estabelece. E não seria a escola umespaço de excelência para colocar-se em prática aconscientização das múltiplas relações de vida queesse espaço concentra e oferece?

Berger e Luckmann também explicam que essarelação entre as experiências de vida está alicerça-da no agir. São as ações que projetam as pessoas(tanto individualmente quanto coletivamente) e é pela ação que elas se avaliam (enquanto indivídu-os e como coletividade). O agir do homem é um

agir social e é direcionado a pessoas presentes ouausentes; a um indivíduo ou a uma coletividade;como um ato único ou para ser repetido por elesmesmos ou por outros em momentos semelhantesque se seguirem. É no agir, portanto, que o indi-víduo constitui sua identidade e a identidade dacomunidade a qual pertence.

 No entanto, na sociedade plural e moderna, avida, a identidade e a razão da existência são cons-tantemente colocadas em questionamento. De acor-do com Berger e Luckmann (2004, p.57), a maioria

das pessoas: “Sente-se insegura num mundo confu-so e cheio de possibilidades de interpretação e, (...) perdidos”. Em cada comunidade de vida, as regrase os valores são questionados e passam por adap-tações para atender aos indivíduos e seus desejos evalores individuais. Os suprassentidos perdem seu“lugar”. Nessa direção, os autores propõem que secriem pequenas comunidades de sentido, nas quaisos sujeitos possam encontrar valores comuns, bases para direcionarem suas ações e intenções. Pode a

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escola atender a essa necessidade? Pode ela ser uma comunidade de sentido para um determinan-do grupo de professores? Ao examinar a fala dosProfessores 2 e 3, respectivamente, referindo-se à

escola em que trabalham, entende-se que sim.[...]eu percebi que havia uma linha muito prximaa que eu acredito. Uma linha de trabalho muito pr-xima àquela que eu acredito.

Mas, eu me sentia assim: é a minha casa, a gentequer a mesma coisa. Eu vejo assim, não está ligadoà minha denominação, mas eu sinto como se fossealgo que é nosso.

2. O trabalho do professor e a espiri-tualidade

Mellouki e Gauthier (2004) propõem que seolhe o professor como um intelectual, pois eleherda, interpreta, critica, produz e divulga cultura, papel esse de um intelectual na sociedade.

É nessa tarefa de mediação que se revela o papelde intelectual do professor, (...) de intérprete e deguardião responsável pela consolidação das regrasde conduta e daquelas maneiras de ser valorizadas pela sociedade e pela escola. Herdeiro, crítico e in-térprete da cultura, é esse o papel fundamental que o

 professor desempenha (MELLOUKI; GAUTHIER,2004, p. 545 e 556).

Conforme os autores citados, cultura é o uni-verso de símbolos que engloba a arte, a ciência e areligião. É o modo de ser, de pensar e de se com- portar, se alimentar, se vestir e se comunicar de umacomunidade qualquer. Há ainda outro conceito decultura que é mais clássico: o conjunto de conhe-cimentos de diversas áreas que formam o gosto eo senso crítico dos indivíduos. Ambos os conceitos proporcionam um cdigo de leitura e de

compreensão daquilo que eles são em interação comos outros, daquilo que o Outro é, se é semelhante oudiferente do Ns, do seu meio natural, social, culturalhistórico. (...) É neste sentido que se pode denir acultura não apenas como produto, mas, ao mesmotempo, como a matéria-prima elaborada ao longoda histria humana e indispensável à sua construção(MELLOUKI; GAUTHIER, 2004, p. 540).

Assim, o papel de mestre é tornar o aluno

consciente de sua herança, colocando-o em con-tato com a obra humana passada e com as cul-turas de outros lugares, com o desenvolvimentodas letras e das artes, das histrias das ciências

e das ciências e tecnologias. E o professor, aotrabalhar com o saber sistematizado, introduz oaluno à cultura erudita (SAVIANI, 2000), traduzesses saberes permeados pelo seu sentido devida e interage com o sentido de vida do aluno.Auxiliando o aluno a situar os conhecimentos,objetos culturais e modos de vida em seu contex-to social e histrico é que o mestre contribui paraa formação cultural do aluno e o ajuda a tomar consciência dos pontos de junção e ruptura quemarcam a histria humana.

Cada discurso, cada gesto, cada maneira de fun-cionar e de estar com os alunos exige decodicação,leitura, compreensão, explicação. Quer queiramquer não, quer trabalhem apenas a sua disciplina,ou façam um trabalho medíocre, os professoresrealizam um trabalho de intelectuais, abrindo oespírito dos jovens para os diversos modos de viver,de pensar e de ser. Esta é a natureza e a nalidadede seu trabalho (MELLOUKI; GAUTHIER, 2004, p. 559).

O professor não é um agente neutro, e ao tra- balhar com a cultura, trabalha com determinadosvalores que são por ele escolhidos ou selecionadosde maneira consciente e às vezes inconsciente. Éconsequência natural que o aluno seja inuencia-do em determinados valores e visões. De certaforma, o professor, no seu exercício prossional para atingir o m da educação, ajuda o aluno aestabelecer signicados para as experiências quevive na sociedade; ajuda-o no processo de conferir sentido à vida.

Para poder fazer tudo isso, o professor precisaráestar consciente desses aspectos em sua prpria pessoa. Faz-se necessário que ele esteja conscien-temente reetindo sobre o sentido das experiênciasque ele prprio vive. Nesse sentido, Gatti (2003, p. 4) ressalta que não se deve olhar os professoresapenas como intelectuais, mas como “seres sociais,com suas identidades pessoais e profissionais,imersos numa vida grupal na qual partilham umacultura, derivando seus conhecimentos, valores eatitudes dessas relações”, auxiliando-o no proces-so de consideração dos aspectos mais amplos em

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que está inserido, tais como os ambientes cultural,econômico, político e social.

3. A escola e a espiritualidade do pro-

fessor

A escola poderá proporcionar esse processo deconscientização do professor sobre os valores esentidos que ele estabelece nas experiências quevive por meio da explicitação do projeto pedag-gico, da gestão dos professores e do contato com asfamílias. Como parte da gestão, e inclusos em seu projeto pedaggico, a escola precisa propiciar mo-mentos de reexão e discussão, os quais envolvamsua losoa. Nenhuma instituição é neutra. Todas

têm sua ideologia, seu modo de ver o mundo. O processo de explicitá-la com os professores e coma comunidade gera sentido para as experiências quese vive na instituição.

Cada pessoa tem uma forma de ver o mundo,uma ideologia na qual se embasa, e é baseada nes-ses princípios que agirá no mundo. Diante disso,a escola que propõe uma maneira de apresentar o mundo à criança fará isso com o trabalho dosseus professores, e eles precisam ter explicitados,e conscientes, os seus papéis de herdeiros, intér-

 pretes, críticos e divulgadores. Essa reexão do professor sobre seus papéis precisa ser constante, pois, mergulhado na cultura, ele torna-se tão habi-tuado a ela que pode deixar de ter consciência desuas ações. Todo este caminho não deverá ser umareexão doutrinadora, pois a falta de liberdade écerceadora do desenvolvimento da espiritualidade,mas deve proporcionar espaço para que o indiví-duo reita sobre o sentido das experiências queele vive.

 Nessa pesquisa, identicou-se nas falas dos

  professores entrevistados o reconhecimento dalosoa da escola como diferencial entre outrasescolas confessionais. Eles a reconheceram comofazendo diferença em suas posturas na sala de aula,e como uma escola que respeita e dá liberdade de pensamento e ação a seus professores.

O Professor 3, quando questionado sobre comoé trabalhar em uma escola de uma determinada con-ssão religiosa, revela valores e sentido de vida:

Ateu eu diria que não. Mas, não sigo, não vou à

missa, não participo de nenhum culto religioso.Estou aberto à existência de Deus. ...Então, eu achoque, se eu consigo pautar minha vida tendo as mi-nhas regras de acordo,... a partir do momento queelas batem, que elas vão ao encontro de, pode ser 

até outras regras que chegam ao mesmo ponto, eu penso que eu estou seguindo uma regra minha queeu acho que é interessante. Eu acho que é mais oumenos por aí. Inclusive eu acho, (...) uma coisa queme disseram quando eu entrei aqui (...) ‘você temuma losoa cristã?’ ‘Sim, eu acho que eu tenhouma losoa cristã. Os meus valores batem com osvalores cristãos e eu tenho uma postura que é uma postura cristã. Eu não preciso necessariamente ser religioso e seguir uma religião, acho que a gente temque ter esse conjunto de valores em comum.

Ao falar sobre o que lhe é inegociável, revelouum posicionamento político em relação à socieda-de, uma postura crítica, como apontou também al-guns supravalores que o direcionam para o sentidode vida prossional:

 É inegociável. Por exemplo, se eu tiver que negar osmeus valores e princípios, isso é inegociável. Então,um dos princípios que eu tenho é dar o conteúdo deuma forma questionadora, reexiva.

 A gente tem que preparar o aluno para o mundo queta aí fora. A gente tem que preparar o aluno para

 participar de uma sociedade, questionando-a e ten-tando melhorá-la. Isso pra mim é inegociável.

O Professor 4 revelou o respeito que a escolatem por ele, e ao falar isso, demonstrou que este éum assunto abordado pela escola na convivênciae no trabalho com os professores:

Os jeitos são diferentes, mas eu nunca me sentidesrespeitado (...)

Se eu trabalho, por exemplo, num local que é con- fessional e que tem esta losoa; que tem esta visão

das coisas, o prossional que vem aqui trabalhar,ele tem que respeitar essa visão. E eu acho que é justo o aluno saber as várias vertentes. Por exemplo,na semana passada, teve aqui um simpósio sobre

 Darwinismo, sobre Design Inteligente e sobre oCriacionismo. Então, eu acho que isso é uma dis-cussão democrática. Hoje a escola quer mostrar 

 para o público qual é a sua cara. Então, eu vejoisso com naturalidade.

 Eu acho que é aquilo que te falei: não car enges- sado. O professor, quando entra na sala de aula,

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tem que ter a liberdade de dar sua aula comoachar melhor. Ele tem que ter uma credencial para

 poder desenvolver o conteúdo do jeito que achar melhor.

A Professora 5, por sua vez, ao revelar que pro-curou a escola pela losoa que tem em comumcom ela, também demonstrou que a losoa daescola é algo que é evidente para a comunidadee interfere no modo de agir das pessoas na insti-tuição:

 Então, eu entreguei o currículo nas escolas particu-lares da região, que tinham o perl de escola que euestava acostumada a trabalhar, mas eu gostaria que

 fosse nessa escola que eu estou por ser uma escolaconfessional... A que me chamou foi justamente esta

daqui. Então, isso pra mim foi importante.  Nesse caso, pode-se perceber o quanto a atri-

 buição, feita pela escola, e a pertença da professoramisturam-se:

Mas eu me sentia assim: ‘é a minha casa, a gentequer a mesma coisa.’ Eu vejo assim, não está ligadoà minha denominação, mas eu me sinto como se fossealgo que é nosso. (professora 5)

Ao valorizar o professor intelectual, intérpretee herdeiro da cultura, a escola reconhece que ele

está em contínuo movimento, nem sempre ummovimento consciente, mas um movimento docotidiano. Portanto, faz-se necessário que o pro-fessor esteja em permanente formação, reetindosobre seus valores, sobre os valores da escola emque atua, sobre os valores de seus alunos e suasfamílias. Mais ainda, reetindo sobre como se dáessa negociação de valores para o estabelecimentode sua identidade pessoal e prossional. Esse éum desao colocado pela questão da constituiçãoidentitária.

Como se pode observar nos relatos lidos até omomento, ao falar da escola, fazer atribuições a ela,o professor está também revelando a sua pertença.O processo identitário prossional implica na nego-ciação que o sujeito faz entre o que lhe é atribuído pelo outro (nesse caso a escola) e o que incorporacomo pertença. Contudo, a instituição não existesem esses sujeitos. Sua identidade institucionaltambém se constitui nas relações que se estabele-cem entre seus atores. Portanto, as atribuições feitas

aos professores e por eles assumidas se voltam para a instituição como atribuições do professor àmesma. É o professor que faz a tradução da cultura da instituição.

4.O movimento de constituição identitáriado professor na escola

Para Dubar (2005), cada conguração identitá-ria é resultante de uma dupla transação: uma entreo indivíduo e as instituições (transação objetiva),e outra entre o indivíduo em confronto com umamudança e o seu passado (transação subjetiva).Isso é resultado de uma articulação entre umaidentidade (virtual) atribuída pelo outro e uma

identidade (virtual) para si construída ao longode uma trajetria de vida anterior (pertença). Essadupla transação proposta por Dubar é tambémapontada por Bauman como essencial no processode constituição identitária. Bauman (2005, p. 21)arma que “a identidade só nos é revelada comoalgo a ser inventado, e não descoberto; como alvode um esforço”. De certa maneira, há uma coinci-dência entre a armação dele e a de Dubar, pois adignidade humana vem da liberdade de escolha eda segurança do pertencimento. O ser humano vive

um conito, uma tensão constante para inventar-se, para encontrar-se. Na articulação entre as atribui-ções e as pertenças, ele busca o que dele permaneceao longo do tempo e das circunstâncias. Nos relatosapresentados na sessão anterior, vê-se a escolha dos professores como um fator de liberdade e comouma provável tensão entre as atribuições losócasda escola e a pertença dos professores. Esta tensãoé mobilizadora da constituição identitária dos pro-fessores. O processo de constituição identitária do professor, de acordo com a proposição de Dubar (2005), está na relação entre a dinâmica de atribui-ção e a dinâmica de pertença.

 No ambiente escolar, a atribuição é feita pelosrepresentantes da instituição, normalmente a equipetécnico-pedaggica e a direção, e é percebida pelo professor, que negocia com ela e a assume ou nãocomo pertença. Algumas dessas atribuições, já per-cebidas nos relatos dos professores, são armadas pela direção e pela coordenação pedaggica. Sãoatribuídas a eles as características de serem exce-lentes academicamente, serem pontuais, cumprido-

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res de acordos e modelo ético para os alunos:

(...), É inegociável a competência acadêmica e aética. Não dá pra abrir mão disso. Mas o trabalhoé sempre no sentido de dar a ele todos os instrumen-

tos necessários para que ele aprenda exigir dele omáximo e ser modelo. Cumprir as suas obrigações eos prazos, ser gentil, educado, respeitar o aluno. (...)

 Na postura do professor mais do que no versículobíblico ou no culto que possa fazer, é a postura do

 professor com o aluno que vai mostrar que é umaescola séria, comprometida com a formação do ser humano (Diretora).

 Não adianta o professor ser exigente na prova se não foi exigente na sala de aula. Além disso, trabalhavamuito com eles a importância de variar a metodolo-

 gia... Então, esses três itens para mim são inegoci-

áveis, o conteúdo a ser transmitido, a postura delecomo professor, pois ele está formando indivíduos,e a postura dele em cumprir regras (Coordenadora pedaggica).

 Na instituição pesquisada, constatou-se que os professores assumem as atribuições e negociamcom as que não concordam, de acordo com osvalores que eles consideram também como seus.As pertenças que revelam são fruto não s dasatribuições que a escola lhes faz, mas, também, dasescolhas que zeram de atribuições que lhes foram

sendo feitas ao longo da vida. Há constante intera-ção entre suas pertenças e as atribuições feitas pelaescola. Entram em acordo com a escola e parecem professar a mesma losoa de vida, sem abriremmão de suas pertenças subjetivas. Por isso, pode-seconrmar, de acordo com Dubar (2006), que esse processo de negociação identitária é um processodinâmico, que evolui ao longo das conguraçõeshistricas e culturais de cada momento.

Entende-se que a maneira de pensar a vida,a visão de mundo de cada um, estabelece uma

relação direta com a forma de encarar os objeti-vos do projeto da escola. Portanto, a identidadeda instituição é dialeticamente produzida pelos professores, como também participa da produção/constituição da identidade deles. A instituição queestiver trabalhando com os professores na direçãode examinarem o seu projeto pedagógico, a losoaque a sustenta, estará favorecendo ao professor aoportunidade de reetir sobre o sentido dado à sua prossão, à sua responsabilidade na sociedade, na

escola, com o outro, estará favorecendo a consti-tuição identitária do professor e suas dimensões  prossionais. Como consequência, favorecerá o processo de aprendizagem e formação dos alunos,

assim como sua prpria identidade.

4.1. As dimensões do professor

Placco (1992) defende a tese de que a ação, otrabalho, do professor pode ser estudada levandoem consideração as dimensões dele, ou os várioscomponentes do trabalho dele. Inicialmente, ela propõe três grandes dimensões: a dimensão polí-tica, a dimensão humano-interacional e a dimen-são técnica. Segundo Placco, estas dimensões

são inerentes à ação do sujeito; estão presentes einteragem simultaneamente nele. A apresentaçãocomo dimensões separadas é uma medida mera-mente didática. Ela propõe que, no processo deformação do professor, deve-se levar em consi-deração a interação entre essas várias dimensões.Em seus estudos, ela explica que há momentosem que uma ou mais das dimensões do professor estarão em relevo na ação dele. Haverá momen-tos em que ele poderá distanciar-se de uma delas,  privilegiando outras. Contudo não deixam de

estar todas sempre presentes em sua ação. Placcodenomina essa interação de sincronicidade, queé o movimento entre os componentes políticos,humano-interacionais e técnicos do educador. Aotrabalhar com uma dimensão haverá interferên-cias e mudanças nas outras dimensões, mesmoque inconscientemente. O processo de formaçãoque leve em consideração essa sincronicidadeajudará o professor a tomar consciência dessasdimensões à medida que forem trabalhadas e quesofrerem alterações.

Para Placco (1994), trabalhar a consciência dasincronicidade é favorecer o questionamento sobrea prática de forma que a percepção do professor sobre o aluno, sobre a realidade, sobre a escola,sobre si mesmo, sobre sua prática, sobre a cultura,os valores, possa ser redirecionada. Mais uma vezca clara a necessidade de não se permitir que ocotidiano que alienante, seja “adormecido”.

O caminho para a consciência da sicronicidade

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  passaria por um processo de reexão crítica doeducador sobre sua ação pedaggica e as relaçõesdesta com os fenômenos culturais, econômicos e políticos, reexão que, por sua vez, deve levá-lo auma mudança em seu posicionamento e desempenho,

na direção da construção de um novo conhecimento(PLACCO, 1994, p. 27).

Mais tarde, Placco e Silva (2000) ampliamessas dimensões: dimensões da formação técnica,humano-interacional, ético-política, dos saberes  para ensinar, da formação continuada, crítico-reexiva, estética e cultural. Placco arma queoutras dimensões poderão ser propostas, na medidaem que melhor se compreenda como o professor interage com seu contexto social e histrico, com

seus alunos e com o projeto pedaggico da escola. Nessa abertura, pode ser inserida a dimensão daespiritualidade no trabalho do professor.

Viu-se que a espiritualidade é a dimensão queconfere ao sujeito o sentido de sua existência eque o projeta para fora de si. Assim, entende-seque é uma dimensão de base, da qual as demaisretiram valores para o trabalho. A sincronicidadedessas dimensões, assim, é não apenas válida, mastambém impossível de se tirar do processo. Todasas experiências que revelam e atribuem signicadoà vida trazem consigo valores que penetram emtodas as suas esferas. Portanto, fazer reetir, sugerir narração sobre qualquer dimensão prossional ou pessoal do professor, remete-o a um exame dosvalores que sustentam sua existência e alteram asdemais dimensões de sua vida. É um exercício dadimensão espiritual. Diante disso, entende-se que adimensão espiritual é uma dimensão que dá corpoe sustentação às demais.

Quando Placco propõe que se trabalhe com os professores tendo em conta as suas várias dimen-sões, ela revela essa preocupação com a dinâmicada prpria vida. Dependendo da situação que sevive na escola (crise econômica, crise de posicio-namento acadêmico no mercado, crise moral etc.),a conguração do trabalho que vier a ser feito  pela instituição com os professores inuenciaráas demais dimensões dele. Se, conforme Placcosugere, trabalhar a consciência da sincronicidade éfavorecer o questionamento sobre a prática, um dosaspectos a ser questionado é o sentido da funçãodo professor em sala de aula.

Portanto, acionando a dimensão espiritual do professor, todas as demais dimensões ganham orealce do sentido que dão à existência e à ação que praticam; sua dimensão técnica, sua prática peda-

ggica e sua relação com aluno são diretamenteafetadas e ganham uma relevância relacionada aosentido que dão à vida e à prossão.

Diante do fato de que é a dimensão espiritualque confere sentido às ações do professor, entende-se que ela poderia levá-lo a diversos questiona-mentos e a entrar, dessa forma, em contato comsua missão prossional. Tal experiência amplia asua responsabilidade pelo outro, congurando-seem um espaço para reetir, narrar-se e ver-se comoalguém que transcende a si mesmo e torna-se res- ponsável pelo outro, seu aluno, que também buscasentido para sua existência em uma sociedadecomplexa como a nossa.

O professor necessita conhecer os pressupostosda escola, sua losoa, sua ideologia, para tomar consciência destes elementos e transformá-los emexperiências vivenciadas de aprendizagem. Aofazer isso, ele reforça e dá sustentação à institui-ção e, necessariamente, estabelece relações entrea ideologia da escola e a sua prpria.

Ao ter consciência da ideologia da escola emque atua, o professor poderá alterar várias dimen-sões de seu trabalho, exercendo um autoexame edesenvolvendo seu autoconhecimento, favorecendoo desenvolvimento de sua identidade narrativa.

À medida que o professor entrar em contatocom a razão de ser de sua existência, haverá inu-ência direta sobre o desempenho de suas funções,sobre a busca de crescimento pessoal nas demaisdimensões – humano-interacional, afetiva, ética,técnica e estética.

É pertinente lembrar que Berger e Luckmann(2004), bem como Bauman (2005), anunciam umasociedade em que há falta de valores comuns,de comunidades de ideias que deem sustentaçãoaos projetos de vida das pessoas. Desse modo, os professores, como qualquer ator social, sofreminuências da sociedade a qual pertencem.

Inegavelmente, em uma sociedade como aanunciada por esses autores, uma escola que se  proponha a trabalhar reforçando determinadavisão de mundo, tanto por meio de exemplos e posturas, como por discursos, imprime valores

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que podem estruturar a dimensão espiritual do professor e, portanto, são passíveis de produzir ascendência sobre várias áreas de sua vida. Issoocorre porque esse trabalho se dá em relação à

dinâmicas relacionais, em que a escola buscaapontar modos de ser professor , atribuir aos pro-fessores determinadas características e anunciar determinados valores, oferecendo aos mesmosesse espaço chamado por Berger e Luckmann decomunidade de ideias. A escola passa a ser umoásis de valores em uma sociedade árida deles.

5. Considerações finais

 Na instituição escolar, as identidades da escolae do professor são obrigadas a coexistir, denindo-se mutuamente: o professor participa do processode constituição da identidade da escola, pondoem prática a losoa da instituição, ao mesmotempo em que a escola participa do processo deconstituição identitária pessoal desse prossional,transformando-o na realização do seu discursolosóco.

A escola que tem uma losoa explícita, sejaevangélica, franciscana, inaciana, ou outra, neces-sita de professores que trabalhem, coerentemente,com ela, pois o professor é quem interpreta a culturada escola para o aluno.

O que se considera essencial nesse processo deformação é que a escola leve os seus professoresa uma dinâmica de reexão sobre seus própriosvalores e sobre os valores da escola, de forma queeles possam pensar sobre os princípios que susten-

tam a eles mesmos como pessoas e à escola comoinstituição. O que se propõe é que a escola dê vida aseu projeto pedagógico por meio da reexão sobreo que é armado nele.

Com base em um trabalho com a losoa daescola de modo a levar o professor a reetir sobreo signicado desta losoa para sua atuação pros-sional, para sua vida e para a de seu aluno, esse pro-fessor poderá examinar e alterar várias dimensõesque embasam sua ação prossional. Assim, como já apontado especicamente com os professoresdesta instituição, professores estarão exercendoum autoexame e desenvolvendo seu autoconheci-mento, fortalecendo seu processo de constituiçãoidentitária, o qual se dá sobre valores de vida, quese mantêm independentemente das crises.

Enm, em uma sociedade plural e líquida, ainstituição pode favorecer o alicerce do indivíduo no processo de constituição da identidade prossional.Ao entrar em contato com a razão de ser de sua exis-tência (esta é a essência da dimensão da espirituali-dade), na medida em que vier a avaliar suas relaçõescom os outros, sua responsabilidade com a vida dooutro, em especial a do seu aluno, o professor estaráatuando na maneira como desempenha suas funções prossionais, no próprio crescimento pessoal e nasdemais dimensões de seu ser, humano-interacional,afetiva, ética, técnica e estética.

Coloca-se como um desao para as escolasexaminar e direcionar momentos de reexão do professor sobre sua espiritualidade, sobre os nsde sua existência e sobre sua responsabilidade nomundo.

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WEBSTER, R. S . An existential famework of spiritualit for education , 2003. 367p. Thesis (Doctor’s degree in Philosophy) - Grifth University of Australia, Australia, 2003

 Recebido em 15.08.10

 Aprovado em 26.01.11

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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 31-40, jan./jun. 2011

CICLOS FESTIVOS NA ESCOLA PúBLICA

E PLURALISMO RELIGIOSO: CONFLITOS E INTERAÇÕES –

UM ENSAIO POR UMA ABORDAGEM TEóRICO-METODOLóGICA

DO ESTUDO DA FESTA NO ESPAÇO ESCOLAR

Maria Edi da Silva - UFPE* 

Roberta Bivar Carneiro Campos - UFPE**

RESUMO

Partindo da escola pública como campo empírico, o objetivo do trabalho é intensicar 

o debate sobre a pluralidade religiosa existente nesse espaço e, por meio dos CiclosFestivos, analisar e compreender a interação/sociabilidade dos agentes envolvidos nocontexto. As festas escolares, historicamente construídas sobre elementos religiosos,são momentos privilegiados de vivência coletiva, atitudes reivindicatrias e busca por reconhecimento. A reconguração das festas nos faz pensar nos objetivos dessesmomentos, na interação dos agentes, como são representados e respeitados na suaidentidade religiosa.

Palavras-chave: Escola – Religião – Reconhecimento

ABSTRACT

Religious Diversity: traditional feasts cycles in public schools – conict and

interaction. A proposal of a theoretical and methodological approach for thestud of feast at school. 

Taking public schools as an empirical eld, the objective of this paper is to contributeto the debate about religious diversity in such space and comprehend, by the analysisof the traditional feasts cycles, the interaction/sociability of agents involved inthis context. School feasts, historically based upon religious elements, are periodsof signicant collective experience, reclamations, and recognition search. Thereconguration of these feasts help us to think about the objectives of these moments,the agents’ interaction and about the ways they are represented and respected in their 

religious identity.Kewords: School – Religion – Recognition

* Mestranda em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do Ensino Fundamental da Rede Públicado Recife. Endereço para correspondência: Rua Amaro Soares de Andrade, 372/103, Piedade, Jaboatão dos Guararapes, Per-nambuco, CEP 54420-30, E-mail [email protected].** Doutora em Antropologia Social pela University of St Andrews. Professora Adjunta III da Universidade Federal de Pernam- buco/ Programa de Ps Graduação em Antropologia. Endereço para correspondência: Rua Samuel Farias, 260/502, Santana,Recife, Pernambuco, CEP 52060-430, E-mail [email protected].

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Introdução

Este artigo parte de duas experiências de pesquisa. Uma delas já concluída, intitulada Pes-

quisando o invisível: percursos metodológicosde uma pesquisa sobre sociabilidade infantil ediversidade religiosa, e a outra uma pesquisa aindaem desenvolvimento, que tem por principal focoa festa e o pluralismo religioso no âmbito escolar 

 Diversidade religiosa na escola pública: um olhar a partir das manifestações populares dos Ciclos

 Festivos. Apoiadas em tais experiências, as pes-quisadoras compreendem a necessidade de destacar a festa como categoria relevante para a análisedas questões em torno do pluralismo religioso naescola pública. Este artigo tem por referência em- pírica o Ciclo Junino na escola pública e as suas peculiaridades. Os Ciclos Festivos observados sãomomentos privilegiados de convivência e sociabili-dade, bem como de elementos culturais e religiososdiversos. Esses momentos, vistos pela tica daexperiência educativa, são de grande relevância, pois as pessoas festejam e estão juntas umas com asoutras. Como diz o antroplogo Carlos RodriguesBrandão (1986), a festa é um tipo de ritual, e paraTurner (1974), os rituais revelam os valores no seunível mais profundo, sendo neles revelado o quetoca os homens mais intensamente. Quer-se aquidesenvolver argumento em defesa da relevância te-rica e metodolgica da categoria festa para análisedos conitos e interações que têm por fundamentoa pluralidade religiosa do contexto escolar. Nota-seaqui que a reconguração do sentido festivo temsido recorrente em alguns trabalhos, a exemplo deFerretti (2007) e Chianca (2007), sendo a categoriaantropolgica festa reveladora de tensões e dispu-tas. Socilogos, já na década de 1960, percebiam atensão entre cultura popular e a nova religiosidadeque surgia entre a classe trabalhadora. Ilustra bemessa questão um trecho do cronista pernambucanoe também socilogo Renato Carneiro Campos(1967, p. 51-2)1.

Pouco a pouco os trabalhadores vão abando-nando a sua antiga “lei”. “Lei” que foi de seus pais e de seus avs. Aumenta, dia a dia, o númerode espíritas e protestantes, estes muitos mais queaqueles. Desaparecem procissões com trabalhado-res conduzindo o padroeiro pelas esplanadas dos

1

É de se destacar que ao mesmo tempo em que o Protestantismoapresenta-se como algo mais sbrio, em contraste com a culturacatlica ligada às festas (carnavalização), no texto de Renato Car-neiro Campos esta religião também se apresenta como uma revoltade caráter político-social e resposta à anomia. “O desenvolvimentodo Protestantismo, entre trabalhadores, expressa, sociologicamente

 falando, a resposta a uma perda de valores culturais sofrida por uma grande parte da população rural da zona da mata. Queremos dizer:valores culturais perdidos pelo nomadismo do trabalhador, pela men-talidade do desenvolvimento industrial, pós-patriarcal, pelo declíniodas estruturas e organizações tradicionais (....) O protestantismo, na

 zona canavieira, em grandes proporções, veio substituir um credoligado ao patriarcalismo, introduzindo uma possibilidade de opçãoao mesmo tempo que se desmoronava, por causas diversas, as velhasestruturas conservadoras. (1967, p. 50)

engenhos. Procissões de pessoas das casas-grandesconfundidas com os trabalhadores. Tornam-se ra-ros os meses de maio, aproximando empregadose empregadores, passando um mês orando juntos.

Diz Alfred Weber que a Reforma avexar de ter colocado o homem em contacto direto com Deus,sem intermediários, ligou-o, porém, com férreacadeia à Escritura, à tradição e à doutrina contidanesta. É o que observamos entre trabalhadoresrurais em Pernambuco, entre os convertidos aoProtestantismo, homens via de regra trabalhadores,mas correndo o risco – possuidores que são decondições econômicas tão desfavoráveis – de seremcolocados, como já foi dito, pela nova religião queadotaram, num mundo ainda mais sbrio, cheio derestrições. Risco de se perderem expressões tãovivas de nossa cultura: festas de padroeiro, com- padrio, ex-votos, bumbas-meu-boi, pastoris. Sãoexpressivos os versos do poeta popular LeandroGomes de Barros, no folheto Debate do Ministro

 Nova-seita com o Urubu:

“Não achas mais poesia Na velha religião?Jejuar pela quaresmaSoltar fogos em São João?Ir à missa do natalOuvir a Santa Missão?”

Atualmente o campo empírico dos estudoscom interface educação e religião tem suscitadoquestões importantes, para além do ensino reli-gioso nas escolas, entre as quais a devoção aossantos catlicos (Santo Antonio, São João e SãoPedro) no espaço público e a reação contrária dosevangélicos, chegando alguns a repudiar que taisatividades envolvam seus lhos. Vagner Gonçal-ves da Silva (2007) comenta sobre reações e ata-ques neopentecostais às religiões afro-brasileiras

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2 As atividades dos Ciclos Festivos são vivenciadas em um processoonde os ensaios das danças são momentos em que as crianças par-ticipam livremente, independentemente da religião que professem.Durante os ensaios/treinos, que ocorrem nos dias de aula, as criançasaproveitam para participar dessa etapa do processo festivo, algumasdelas cientes de que nos dias de apresentação não participarão. Aodescobrir que seus lhos estão ‘ensaiando’, por exemplo, o cortejodo maracatu para apresentar na festa de carnaval, os pais evangélicoscomparecem à escola e proíbem.3 Os exemplos citados contemplam as festividades do Ciclo Junino esão exemplos do campo da pesquisa de mestrado

e aos símbolos da herança africana no Brasil emcontexto escolar:

Com a recente decisão do Ministério da Educação pela inclusão da temática História e Cultura Afro-

brasileira no currículo ocial da rede de ensino,livros didáticos abordando o assunto começam aser produzidos. Sendo as religiões afro-brasileiras parte dessa histria e cultura, suas características têmsido abordadas de forma não sectária ou proselitista,como convém a um material didático destinado aoensino laico, humanista e de difusão da tolerância àdiversidade cultural. Entretanto, colocar nos livrosescolares as religiões de origem africana ao lado dasreligiões hegemônicas, como o cristianismo, dando-lhes o mesmo espaço e legitimidade destas últimas,tem gerado, por si s, protestos. Foi o que ocorreu

com uma coleção de livros didáticos destinada aoensino fundamental, lançada por uma editora deSão Paulo. No volume indicado para segunda série,no capítulo Nossas Raízes Africanas, a autora tratada formação das religiões afro-brasileiras, inclusivecom exercícios pedindo para as crianças pesquisaremsobre a histria dos orixás. Uma coordenadora peda-ggica evangélica de Belford Roxo, Rio de Janeiro, protestou junto à editora alegando que o livro faziaapologia das religiões afro-brasileiras e que não seriaadotado em sua escola, onde a maioria dos alunos e professores, segundo ela, era evangélica. A mesma

coleção também gerou protesto na Câmara da cidadede Pato Branco, Paraná, onde um vereador e pastor evangélico denominou o livro do demônio e pediua cassação da coleção (2007, p. 18-19).

Atividade lúdico/cultural ou devoção aos san-tos católicos? Expressão cultural ou homenagema São João? Os professores se defrontam com odilema: de que forma vivenciar os Ciclos Festivoscontemplando a diversidade religiosa presente noespaço escolar? Essas questões têm se mostradocomo um desao, pois tanto a categoria devoção

quanto ludicidade aparecem em ambas as pesquisascitadas na introdução deste artigo, mostrando-secomo chave de compreensão, posto que o lúdiconão é aleatrio, sendo um facilitador dos processosde socialização e, nesse contexto, carregado de ele-mentos religiosos. A reconguração das festas nosfaz pensar nos objetivos desses momentos na escola(devoção/ludicidade), na interação dos agentes ecomo (e se) são representados e respeitados na suaidentidade/diversidade religiosa.

A festa: momento ldico

Baseado na observação dos eventos festivos nasescolas percebe-se que as crianças que possuíam

orientação religiosa, especialmente as criançasevangélicas, são, muitas vezes, proibidas pela fa-mília de participar de festividades dos Ciclos carna-valesco, junino e natalino. Essas atividades sempreforam e têm sido motivo de muita movimentaçãonas escolas, fazendo parte desse processo os en-saios, canções, concursos, danças e a culminância propriamente dita, quando toda a escola reúne-se para “festejar”. Durante todo o processo de vivênciados Ciclos Festivos os estudantes participam, e nodia marcado para a culminância do evento há umaevasão desses estudantes que não passa desper-cebida nem mesmo aos olhos menos atentos. Osensaios2 têm uma importância singular para nossaanálise, pois são momentos que acontecem no percurso de todo processo festivo. Esses momentosque ocorrem durante o horário das atividades ditascotidianas, muitas vezes são despercebidos pelosresponsáveis, que, ao tornarem-se cientes, seus -lhos já estão ensaiando há vários dias. Há casos emque as crianças omitem os ensaios dos responsáveis para não correrem o risco da proibição.

Alguns exemplos3 de acontecimentos relativosàs festas na escola poderão melhor ilustrar a pre-sença do que se tem vericado no campo:

Aps participar dos ensaios para a quadrilha• junina sem autorização dos responsáveis, umaestudante de seis anos foi impedida, depois quesua mãe descobriu, de participar da atividade pelo fato de ser evangélica. A menina saiu daatividade aos prantos;

Os irmãos maiores controlam os menores para•que não participem das atividades que envolvamdança. Nos Ciclos há atividades envolvendo

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4 Referindo-se à sua condição evangélica.5 Chianca (2007) fala que “os balaios são cestos que evocam o ima-ginário de abundância alimentar presente na festa, presenteados comfarta escolha de gêneros alimentícios festivos”.6 A mãe se refere ao caráter devocional da festa que faz alusão aoSão João.7 De acordo com as tradições populares, o “acorda povo” é uma pro-cissão com estandartes carregando a imagem de São João que, juntocom zabumbas, batuques, convoca as pessoas para as festividades

 juninas. Essas procissões duram a noite toda, na data anterior ao diadestinado ao santo homenageado.8 Ver o interessante trabalho de Judas Tadeu de Campos Festas Juninasnas Escolas: lições de preconceitos.

frevo, maracatu, quadrilha, pastoril. Nessesmomentos o corpo está sempre em evidência.Os irmãos mais velhos, sentindo-se no papel desupervisores dos menores chegam a ir até a salade aula dos pequenos para dizer às professoras

que são crentes4.

A escola pediu que os estudantes vendessem a•rifa de um balaio5 junino para arrecadar dinheiro para a festa do dia das crianças. Uma mãe quefaz parte da Assembleia de Deus perguntou à professora se seria obrigada a vender, dizendoque aquela atividade era “coisa do cão” – acre-dito que se referindo ao caráter profano davenda –, e segundo ela não faziam “coisa com

 santo6 ”.

A frequência dos estudantes caiu cerca de 40%•

nos dias de culminância, em grande parte es-tudantes evangélicos, e os que compareceramapenas observavam os colegas brincarem.

Uma professora catlica promoveu o• acorda povo7, com desle da bandeira de São João pela escola, exibindo um mastro com a gurado santo.

A professora pintou sardas no rosto das meninas,• para caracterização de matutas8. No dia seguinte,a mãe compareceu à escola para dizer que asua lha teve alergia. Elas são evangélicas. E a

menina não era alérgica.As festas são práticas coletivas de resistência e

também estão associadas com o momento de brin-car. Segundo Itani (2003), a brincadeira realiza-se juntamente com a experiência ritual da memriacoletiva, vivência do passado com o presente.

Esse momento lúdico, expresso na brincadeira festiva, encontra campo fértil no solo escolar. Avivência desse momento (podemos considerar nessa experiência os ensaios) é mais importanteque o produto da atividade (a dança da quadrilha junina, por exemplo). Em outras palavras, é du-rante os ensaios que os estudantes relacionam-se.A vivência desse encontro com o outro e consigomesmo possibilita momentos de fantasia e de rea-lidade, de ressignicação e percepção, momentosde autoconhecimento e conhecimento do outro,de cuidar de si e olhar para o outro, momentos devida, de interação.

Entendendo a ludicidade como uma necessidadehumana, vemos nos exemplos citados que por meio

do brincar/festejar o impedimento dado pela orien-tação religiosa dos estudantes tem sido elementodesagregador, revelando, no campo empírico, oconito. As atividades lúdicas vão além do jogo

e da brincadeira. Elas propiciam experiência de plenitude, entrelaçam os sonhos, a fantasia com osimblico. Qual a criança saudável que não gostade brincar?

Por meio desses momentos lúdicos, carregadosde elementos religiosos, podemos utilizar a catego-ria festa como um fato que deixa à mostra as coisassociais como elas são (MAUSS, 2003). Deixamà mostra os conitos existentes, revelando que asociedade/escola tem encontrado diculdades emconstruir relações igualitárias, respeitando a diver-sidade do outro. Deixam vir à tona os conitos exis-tentes na escola, pois ela não tem sido tão igualitáriacomo muitas vezes se pretende. E os direitos têmsido desrespeitados, pois observando os exemploscitados, podemos perceber a presença de elementosreligiosos distintos em meio aos conitos. Contudoo que ca mais presente é o conito que existe naelaboração/execução desses eventos.

Adentrar no espaço escolar, sob a tica an-tropológica, tem se mostrado um desao para asduas pesquisas, dessa forma compreendemos quea categoria festa tem favorecido a reexão acercada pluralidade religiosa e de como as pessoas en-volvidas nesses eventos têm reagido. No momentofestivo os agentes aparecem nas suas diferenças,não apenas fazendo parte de uma massa homo-gênea, mas deixando transparecer os elementosque constituem sua diferença, fazendo questão demostrar que esta existe e que precisa ser reconhe-cida e respeitada.

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Referindo-se aos fatos sociais totais, MarcelMauss (2003, p.309) fala de determinados tipos detrocas cerimoniais – materiais e simblicas – queacionam, de maneira simultânea, planos diversos

(religioso, econômico, jurídico, moral, estético,morfológico) de uma sociedade. É nesse sentido te-rico e metodolgico que destacamos a festa comoum momento que expressa processos sociais maisamplos, em suas múltiplas faces. Nelas, nas festas, podemos observar a sociedade em seus aspectos políticos, econômicos, sociais, morais e, dentro doobjetivo dessa pesquisa, têm sido como uma janela para investigar conitos e interações.

Assim, nos dirá Durkheim que as festas naescola são produtos da realidade coletiva, das re- presentações coletivas, que, como denidas peloautor, “são produtos de uma mesma cooperaçãoque se estende não apenas no espaço, mas notempo” (1996, p. 216). Ele ainda ressalta que naconstrução coletiva das festas, uma multidão deespíritos diversos associou, combinou suas ideiase seus sentimentos em torno do mesmo objetivo:o fazer festivo.

A escola ao sentir-se pressionada, enquantoinstituição, para que elabore uma forma de con-templar a pluralidade religiosa ali existente e nãoa invisibilize, faz isso com base na necessidadede reconhecimento positivo dos agentes que delafazem parte. O sentimento de desrespeito é fator motivacional por reconhecimento, e como nos propõe Honneth.

  Nessas reações emocionais de vergonha, a expe-riência de desrespeito pode tornar-se o impulsomotivacional de uma luta por reconhecimento. Poisa tensão afetiva em que o sofrimento de humilhaçãoforça o indivíduo a entrar s pode ser dissolvida por ele na medida em que encontra a possibilidadeda ação efetiva; mais que essa práxis reaberta seja

capaz de assumir a forma de uma resistência políticaresulta das possibilidades de discernimento moralque de maneira inquebrantável estão embutidasnaqueles sentimentos negativos, na qualidade deconteúdos cognitivos. Simplesmente porque ossujeitos humanos não podem reagir de modo neutroàs ofensas sociais, representadas pelos maus-tratosfísicos, pela privação de direitos e pela degradação,os padrões normativos do reconhecimento recíprocotêm uma certa possibilidade de realização no interior do mundo da vida social em geral; pois toda reação

emocional negativa que vai de par com a experiênciade um desrespeito de pretensões de reconhecimentocontém novamente em si a possibilidade de que ainjustiça inigida ao sujeito se lhe revele em termoscognitivos e se torne o motivo da resistência política

(2003, p. 224).

O entrecruzamento de culturas, raças e cos-tumes marca as festividades em nosso país, e naescola elas também têm a intenção lúdica. Contudo,a relação existente entre a participação/não parti-cipação, atitudes, olhares, sentimentos traduzidosnesses momentos pelo viés religioso é o diferencialdesaador deste artigo. A escola foi durante muitotempo um territrio historicamente marcado pelocatolicismo, entretanto são os elementos evan-gélicos que têm aparecido e se feito presentes deforma mais marcante e contundente no contextoda escola pública em ambas as pesquisas aqui jámencionadas. De fato pesquisadores já indicam quea presença religiosa em um espaço público (sabida-mente laico) tem demonstrado a disputa por espaçoe poder, bem como necessidade de reconhecimento positivo. Em pesquisa mencionada anteriormente,Campos (2009) elege o campo empírico/escolaem razão da sociabilidade que é construída nesseespaço como denidor da organização do conito eda sua negociação, bem como de sua signicação.Giumbelli (2008) destaca a relevância do perlreligioso do gestor, coordenador da escola pública, para a implementação das práticas que apresentamelementos religiosos.

Discutindo sobre a laicidade dos espaços pú- blicos brasileiros, dentro da perspectiva histricado Brasil, com o Estado e a Igreja atuando juntos,Montero (2009) ressalta que a laicidade brasileira écatlica. Argumento aceito diante das observaçõesrealizadas na escola pública, mais evidenciadas nasatividades dos Ciclos Festivos, posto que tanto as

reivindicações quanto os conitos ocorrem por  parte dos evangélicos e espíritas. A relação entrereconhecimento e construção da identidade dá-sena interação com o outro, e quando esse reconhe-cimento não ocorre, ou ocorre de forma incorreta,congura-se uma agressão.

Para se compreender a estreita relação entre identi-dade e reconhecimento, temos de tomar em consi-deração um aspecto denitivo da condição humana, praticamente invisível por culpa da tendência esma-

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gadora monológica que tem caracterizado a losoamoderna dominante. Rero-me ao seu caráter fun-damentalmente dialgico. Tornamo-nos verdadeirosagentes humanos, capazes de nos entendermos e,assim, de denirmos as nossas identidades, quando

adquirimos linguagens humanas de expressão, ricasde signicados (TAYLOR, 1994, p.52).

Compreendendo o caráter dialgico existenteentre identidade e reconhecimento, Charles Taylor nos dá uma pista para avançarmos na discussão so- bre a importância social do reconhecimento. Hegel(1970) e Mead (1972, Apud HONNETH, 2003)elaboram modelos conceituais sobre as relaçõessociais de reconhecimento, ambos compartilhandodo mesmo pensamento, ou seja, de uma “luta por 

reconhecimento”. Esses tericos defendem queexistem três formas padrão de relação, denominan-do como forma de reconhecimento: o amor/amiza-de (relações emotivas), o reconhecimento jurídico(direitos), estima social (solidariedade). Com basenesse enfoque terico, Axel Honneth (2003) nos propõe analisar os conitos sociais como base dainteração entre as pessoas e com base em situaçõesconituosas, que segundo o autor dão origem àslutas por reconhecimento. Hegel considera o amor como a primeira etapa do reconhecimento, como

cita Honneth:Para Hegel, o amor representa a primeira etapa dereconhecimento recíproco, porque em sua efetivaçãoos sujeitos se conrmam mutuamente na naturezaconcreta de suas carências, reconhecendo-se assimcomo seres carentes: na experiência recíproca dadedicação amorosa, dois sujeitos se sabem unidos nofato de serem dependentes, em seu estado carencial,do respectivo outro (2003, p 160).

Tomando-se por base a relação amorosa (mãe,lho, amigos), no dizer desses autores, passa-se a

reconhecer o outro enquanto parte de uma coleti-vidade e como um sujeito de direito. Do reconhe-cimento do direito para a estima social, produz-seoutro tipo de mecanismo de respeito: o respeito àsdiferenças. Comparando o reconhecimento jurídicoe a estima social, continua Axel Honneth,

(...) da comparação entre o reconhecimento jurídico ea estima social: em ambos os casos, (...) um homem érespeitado em virtude de determinadas propriedades,mas no primeiro caso se trata daquela propriedade

universal que faz dele uma pessoa; no segundo caso, pelo contrário, trata-se das propriedades particularesque o caracterizam, diferentemente de outras pesso-as. Daí ser central para o reconhecimento jurídico aquestão de como de determina aquela propriedade

constitutivas das pessoas como tais, enquanto para aestima social se coloca a questão de com se constituio sistema referencial valorativo no interior do qual se pode medir o “valor” das propriedades características(HONNETH, 2003, p. 187).

O reconhecimento e o respeito às diferençasde caráter religioso têm sido, no âmbito das duas pesquisas, o o condutor para demais discussõescomo a sociabilidade, os conitos e as mediações.  Na vivência das festas que compõem os CiclosFestivos, as três formas de respeito descritas são

acionadas nas relações dos agentes e, no instanteem que algum desses agentes se sente desrespeitado por sua condição religiosa, ou com base nela, elesreivindicam seus direitos ou retiram/retiram-se dasatividades propostas.

A experiência dos Ciclos Festivos, com seucaráter agregador e desagregador, é de muita im- portância na vida escolar, pois como um rito elesreúnem religião e arte, sagrado e profano, o teatroe a vida literária (ITANI, 2003).

 Na perspectiva durkheiniana, encontra-se as

categorias do sagrado e do profano em qualquer sociedade, sendo a religião a primeira expressãoda sociedade, e por meio dessas categorias a co-letividade se representa. Contudo o entendimentoacerca do que vem a ser sagrado e profano não éinvariável e, assim, muda a forma de interpretaçãodas pessoas, fato esse que se torna mais visível seanalisado com base em preceitos e orientaçõesreligiosas diferentes. Em outras palavras, o queé considerado sagrado/profano para alguém podenão ser para outro. Uma possível hiptese é que

onde a escola propõe uma atividade com caráter lúdico, ela passa a ter caráter devocional baseadanas leituras do que é sagrado e do que é profano para cada religião. Podemos ainda pensar que, nãosendo o lúdico/momento festivo aleatrio, este nãotem contemplado a diversidade religiosa existenteno espaço escolar, sendo proposto com intençãode rearmar a hegemonia de elementos católicos, presentes nos festejos juninos, e assim entrando emconito com as demais representações religiosas.

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A Festa: momento de devoção

A vivência dos Ciclos Festivos nos espaços es-colares por ns observados, além de se mostrarem

como momentos privilegiados de convivência,tensões e socializações, têm sido momentos emque diferentes elementos religiosos dos agentesse mostram e se impõe. O que em momentos docotidiano escolar não tem sido observado, ou nãotem sido fator de tensão, ganha força nos momentosfestivos. Com o objetivo de propor uma atividadecom caráter lúdico, essa passa a ser vista comoatividade religiosa a partir do momento em quenão consegue representar todos os participantes.  Nas festas juninas a rearmação da hegemoniacatlica faz-se presente com os santos catlicosque são exaltados; a quadrilha junina traz a gurado padre, São João é saudado.

Todavia, são criadas estratégias para que asdemais religiões sejam representadas, posto queobservamos em uma das escolas que uma profes-sora evangélica adaptava os hinos de louvor paraas festas. Em todos os momentos em que seusalunos fossem participar, a música era evangélica,mudando apenas o ritmo, dependendo do ciclo(carnavalesco, junino ou natalino).

Em outra escola utilizada como campo de  pesquisa, a tentativa de tornar essas atividades,sobretudo a convivência diária, menos conituosasfez com que a direção da instituição propusesse quecada festividade contemplasse uma religião: páscoados evangélicos, dia das mães dos catlicos... Foi proposta também uma oração na entrada dos turnosque é um misto de Pai Nosso, Santo Anjo e sauda-ção aos espíritos. Contudo elementos de religiõesde matrizes africanas não têm sido contemplados.

Observando o espaço escolar como palco para diversas expressões sociais, os conitos e asmediações acerca das festividades têm sido umafonte de dados que simboliza a construção dasestratégias que tornam a convivência possível. As pessoas sentem-se de certa forma excluídas dasatividades, algumas recuam, retiram seus lhos;outras refazem, recriam oportunidades de se fa-zerem presentes e de se sentirem representadas deforma positiva.

Para Durkheim (1996), a religião é o funda-mento da sociedade. Ela está presente na ação

humana. Um sistema de representação que reúneas pessoas que aderem às mesmas práticas derituais e crenças em torno do que é sagrado; masessa denição teórica deixa explícito que se refere

às práticas e crenças comuns aos grupos, não serefere a uma pluralidade religiosa dentro do mes-mo contexto. Nas palavras do autor, “a festa, osritos festivos não constituem toda religião. Estanão é apenas um sistema de práticas, é tambémum sistema de ideias, cujo objetivo é exprimir omundo” (p. 231).

Encontrada em todas as sociedades, a divisãoentre o que é sagrado e o que é profano levouDurkheim a concluir que a religião estrutura o pensamento do homem, antes mesmo que qualquer outra categoria de entendimento desse pensamento.Mesmo não constituindo categorias universais,o sagrado e o profano cabem na nossa realidadecultural. Para o autor, as festas compreendem ummomento de passagem entre o sagrado e o profano, por inferência, um momento em que a rotina escolar é posta de lado para realização dos festejos em de-trimento das atividades cotidianas. O cotidiano e oextracotidiano. Na escola, as festas comemorativasora mantêm, ora refazem a mentalidade do grupo(BERGAMASCO, 2009).

A festa, com seu caráter repetitivo, pela sua  potencialidade em reunir a coletividade, pelareencenação de ritos, tem ainda a dimensão repre-sentativa da mudança de um tempo cíclico. Tempode brincar, tempo de estudar, tempo de trabalhar,tempo de festejar. Essas atividades diferenciadasnão signicam necessariamente o oposto umasdas outras, são estados distintos de uma mesmarealidade: a atividade humana.

O estudo dos rituais ocupa grande parte das“preocupações” antropolgicas, tendo no trabalhode Victor Turner seu grande expoente. Contudo,tanto Durkheim quanto Mauss, Glukman e VanGennep desenvolveram importantes trabalhos, con-tribuindo nesse sentido. Analisar o simblico e omaterial tem sido um grande desao para etnólogos, buscando novas mensagens que ainda não foram percebidas, por meio dos rituais. Não temos obser-vado grandes diferenciações entre ritual e cerimo-nial, sendo o rito estreitamente ligado a atividadesreligiosas; quando a escola propõe atividade lúdico/cultural (ritualística), esta tem sido compreendida

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9 Baseado em Van Gennep, Victor Turner vai usar o conceito deliminaridade.10 No Quadro do Sincretismo Afro-Católico no Brasil , Arthur Ramos(2001) nomeia Xangô como São João em alguns lugares do Brasil.

 por alguns agentes da comunidade escolar comoatividade puramente religiosa/transcendental.

Em sua contribuição terica, esse autor elaboraque os ritos de passagem são representações com-

 preendidas como passagens materiais. Em linhasgerais, as etapas desse rito seriam a desintegração – margem ou liminar – e a reintegração9.

As atividades dos Ciclos Festivos que aconte-cem no espaço escolar, com seu caráter coletivo,também são denominadas de acontecimentosrituais, portanto, de acordo com os trabalhos deChristina Toren (2006), existe presente na/e paraalém da atividade ritual, o comportamento ritual,que se expressa no poder da comunicação. Elareforça que

 (...) a experiência infantil de incorporar um compor-tamento ou uma série de comportamentos rituais écrucial para o processo de desenvolvimento graçasao qual, ao m de algum tempo, as crianças vêm aatribuir signicado àquele comportamento, de talmodo que a  performance deste torna-se simblicado referido signicado e, enquanto tal, obrigatória(TOREN, 2006, p.466).

A autora declara que o poder comunicativo doritual é expresso, com o tempo, como resultado deum processo de aprendizagem, no qual tornamos

signicativos certos comportamentos ritualizados.As atividades/momentos rituais dos Ciclos Festi-vos, que envolvem elementos religiosos no espaço público escolar, permitem que as pessoas envol-vidas passem por essa vivência, contribuindo noaprendizado e na apreensão cognitiva de elementosque, em razão da pluralidade das orientações reli-giosas, não são permitidos em suas formações. Na pesquisa Diversidade religiosa na escola pública:um olhar a partir das manifestações popularesdos Ciclos Festivos,  uma possível hiptese é ade que os responsáveis (pais, tios, avs etc.) não permitem que suas crianças participem de deter-minadas atividades escolares, os Ciclos Festivos, para não incorrerem em desobediência aos seus preceitos religiosos, bem como não “correrem orisco” de que essa inuência modique algo nassuas concepções religiosas. No contexto escolar,  participando das atividades festivas, as criançassão “expostas” a vivências cujas suas orientaçõesreligiosas não permitem. Ao mesmo tempo emque precisam experienciar esses momentos para

sua formação, a orientação religiosa não permite.Então nos questionamos onde atua o Estado nessemomento, como instituição garantidora dos direitosdessas crianças?

Esses momentos ritualizados têm sido vividos  pelas crianças, muitas vezes, até enquanto suasfamílias não estão cientes, pois a partir do mo-mento em que isso ocorre, surge a proibição. Nãotem sido levado em conta, de acordo com o quetemos observado, o desejo, e nesse caso o direitode participação das crianças.

Desejo ou direito, ambos são postos de lado emnome da obediência ao preceito religioso dessesagentes e, assim sendo, fogem ao poder de comu-nicação dado pelo ritual/ciclo festivo.

E continua a autora Christina Toren:

o poder de comunicação do ritual não está dado noritual mesmo, precisamente porque ele, em contrastecom a fala, não pode declarar o próprio signicado(TOREN, 2006, p. 466).

A mudança no comportamento das crianças poderia acontecer tanto por meio dos ritos de pas-sagem que nos falou o autor Van Gennep (1978),quanto pela aquisição dos chamados comporta-mentos rituais a que nos remete Christina Toren(2006). A festa é essencialmente rito  (ITANI,

2003, p.13).O Ciclo Junino vivido no espaço escolar tem

seu caráter devocional, sendo explícita a consagra-ção à divindade (São João), tratado com intimidadee claramente expressando um sentimento religioso.Quando se pede no meio da festa “Viva São João”,é ao santo catlico que se faz referência, não aXangô10 ou algum elemento espírita ou evangé-lico, ou ainda de outra religião. De acordo comPierre Bourdieu (1996), a linguagem que o corpoexpressa na relação com a devoção congura-se

como relações de comunicação que implicam nãosomente relações linguísticas, mas também de poder simblico. Ao mesmo tempo também é pos-sível pensar que as ações rituais implicam semprena possibilidade de conservação ou reestruturação

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Maria Edi da Silva; Roberta Bivar Carneiro Campos

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11A instituição escolar fornece shortscomo farda e as crianças evangé-licas usam saia. Esse exemplo foi motivo de reivindicação por parte deuma mãe evangélica, que reformou a farda para que sua lha pudesseusar. Esse fato expôs a criança na sua diferença, perante os demais.12 Em sua pesquisa Pesquisando o invisível: percursos metodológicosde uma pesquisa sobre sociabilidade infantil e diversidade religiosa (2009), os interlocutores de Roberta Campos são crianças.

da ordem social, e, de acordo com o pensamento deDurkhein, o rito renova o vínculo social, criandouma “comunhão”, cujos efeitos repercutem nomundo profano.

De acordo com Chianca (2007), as festas têmsido, com o passar dos tempos, modicadas tantonas suas congurações simbólicas quanto religio-sas e socioculturais. Contudo permanece presentecomo exercício da atividade humana. Ferretti(2007) reforça que vários estudos sobre festas têmsido realizados, tanto na perspectiva folclricaquanto antropolgica. Todavia fala da importânciade analisar as festas dentro da tica maussiana,como fatos sociais totais. Assim sendo, as ativida-des dos Ciclos Festivos têm revelado uma dinâmicarica em elementos simblicos de permanências erenovações, em que as contradições e diculdadesdos grupos se sobressaem, distanciando-se dosmomentos socializadores e de coesão social aosquais nos remetem tanto Durkheim quanto o pr- prio Marcel Mauss. Os Ciclos Festivos têm sidomomentos reivindicatrios e de presença cada vezmais constante das diferenças.

Considerações finais

O campo tem mostrado que o desao não é pe-queno, ressaltando que uma atenção maior precisaser dada na disputa de poder existente no espaçoescolar em relação às ações dos evangélicos, quedizem a todo o tempo para não serem ignoradosnas suas necessidades de reconhecimento; dizemo tempo todo que os elementos religiosos presen-tes nos Ciclos Festivos não vêm contemplandosuas orientações religiosas e que seus lhos estão,sim, proibidos de participar. (Ainda não pudemosconstatar manifestações/reações que nos remetam

a outros elementos religiosos que não os catli-cos, evangélicos,espíritas). O que observamos nocampo é que, enquanto os elementos catlicos sãonaturalizados dentro do espaço público, os agentesevangélicos se fazem presentes, quer no uso de umfardamento11 condizente com sua orientação, quer   proibindo e retirando seus lhos das atividadesfestivas; os agentes espíritas revelam uma ação participativa; e os que possuem orientação religiosaque remeta à matriz afro-brasileira não se sentem à

vontade em reivindicar o reconhecimento.A escola não tem explicitado seus objetivos com

as atividades de caráter devocional, além da repe-tição e do reforço da hegemonia catlica, arcando

com a continuidade da ação desagregadora queaté o momento temos constatado. Deixa explícitotambém a multiplicidade de sentidos presentes nasatividades dos Ciclos Festivos, que, no exercíciode vivenciar as tradições, arrasta em seu corpo a pluralidade religiosa dos seus agentes.

As conclusões são provisrias, fazem parte das primeiras produções baseadas no campo. Contudoacreditamos que com base em investigações maisdensicadas no espaço escolar, que tomem a festacomo categoria terico/metodolgica, dois gran-des desaos podem ser enfrentados: trazer comocontribuição antropolgica um estudo que envolvacrianças12 e suas compreensões de mundo ao mes-mo tempo em que, utilizando a categoria festa, possa analisar as interações desses agentes em umcampo repleto de conito religioso, e repleto deatitudes mediadoras.

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 Recebido em 19.09.10

 Aprovado em 20.10.10

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Giovana Scareli

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CINEMA E RELIGIÃO EM

SANTO FORTE, DE EDUARDO COUTINHO

Giovana Scareli *

RESUMO

O objetivo principal do artigo é mostrar como o lme Santo Forte aborda a questãoda religião frequentada por seus personagens, como o diretor construiu este lme esuas possibilidades interpretativas. Para a realização deste artigo foi executada umadecupagem total do lme, que compreende a descrição das imagens e a transcriçãodas falas. De posse deste material, foi possível criar uma interlocução entre assequências do lme e teóricos de várias áreas, como os do cinema, da religião e daeducação. Primeiramente, o artigo mostra o surgimento da ideia para a realizaçãodo lme e traça um panorama de como cada personagem, por ordem de entrada nolme, fala sobre sua religiosidade. Posteriormente, uma das personagens é escolhidacom o objetivo de analisar como o “sagrado e o profano” podem estar interligadosem algumas expressões religiosas. Consideramos também que a postura do diretor ea própria edição do lme nos ensinam a ouvir o outro e a entender como a religião participa da vida das pessoas, e o quanto cada um de ns é constituído pelas religiõescom as quais comungamos.

Palavras-chave: Cinema – Religião – Educação

ABSTRACT

CINEMA AND RELIGION IN Santo Forte By EDUARDO COUTINHO

The principal objective of this paper is to describe how the lm Santo Forte discussesthe Religion issue frequented by his characters, and also how the director has built thismovie and its interpretive possibilities. This article was realized by a whole movie’sdecoupage, which has included the description of images and a transcription of thespeeches. Working on this material, it was possible to create a dialogue between thesequences of the movie and several theoretical areas such as Cinema, Religion andEducation. First, the article shows the emergence of the idea in making the movie and provides an overview of as each character, in order of appearance in the lm, talkingabout his religiosity. Later, one of the characters is chosen to analyze the way that the“sacred and profane” might be linked in some religious expressions. We also believe itwas the director’s attitude and even how the movie was edited by him that have leadedus to a good understanding about listening each other and how the religion makes part of people’s lives. Finally, the article discusses about how the religion composeseach one of us according to the way we was chosen for sharing it.

Kewords: Cinema – Religion – Education

* Doutora em Educação – UNICAMP. Professora Titular do Programa de Ps-Graduação – Mestrado em Educação – UNIT.Endereço para correspondência: UNIT- Programa de Ps-Graduação em Educação, Av. Murilo Mendes, 300 - Bairro Farolândia – Aracaju/SE, CEP 49032-490, Email: [email protected] 

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Cinema e religião em Santo Forte, de Eduardo Coutinho

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Introdução

O cinema, assim como várias áreas do conhe-cimento, interessou-se e dedicou-se em vários

momentos de sua história a produzir lmes temá-ticos, principalmente documentários que busca-vam desvendar ou apresentar um panorama comdiferentes expressões religiosas. Pode-se dizer que o diretor Eduardo Coutinho, antes de iniciar as lmagens de Santo Forte (1999), também pre-tendia fazer um lme sobre trajetórias religiosas populares, ideia que surgiu depois que coordenouuma pesquisa sobre identidade brasileira para umasérie na TV Educativa do Rio de Janeiro, que nãoteve continuidade.

 No início de 1997, Coutinho teve acesso aostrabalhos das antroplogas Patrícia Birman e Pa-trícia Guimarães, aluna de doutorado e assistentede Birman na época, sobre trajetrias religiosas, oque foi denitivo para a concepção de Santo Forte.O trabalho foi realizado com base em uma pesqui-sa de campo realizada na Vila Parque da Cidade,localizada na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro,e das “entrevistas que a assistente de Patrícia naépoca, a antroploga Patrícia Guimarães, fazia para a sua tese de doutorado. A riqueza do materialconvenceu-o de que havia ali um lme a ser feito”(LINS, 2004, p. 100).

O contato com os resultados da pesquisa ajuda-ram Coutinho a denir a escolha de uma única fa-vela como “locação” para o lme, porque, segundoo diretor, ter um tema, uma única localidade e umahiptese de trabalho o ajudaria, pois a “concentra-ção espacial” o livraria “do perigo que a série deTV imporia, a saber, lmar em vários lugares doBrasil para ter um efeito de mosaico, de coberturanacional com pretensões a totalidade” (LINS, 2004, p.100). Em suma, uma ousadia da parte do diretor na produção do lme.

As pesquisas que Coutinho teve acesso foramimportantes para que ele pudesse criar o dispositivode lmagem e selecionar algumas pessoas, a mde fazer uma pesquisa prévia de personagens parao lme. Isto porque a entrevista com o diretor sóacontece no momento da lmagem, nunca antes, pois segundo Coutinho, este frescor da primeiravez, do primeiro encontro, é que é importante paraa entrevista.

Iniciado dessa maneira, o lme Santo Forte apresenta um conjunto de moradores da Vila Parqueda Cidade, mediante o qual são trazidos até nsvários sujeitos participantes de diferentes religiões,

tais como, catlicos, evangélicos e umbandistas.Este artigo é parte dos estudos de doutoramentoda autora e seguiram uma metodologia com basenas pesquisas qualitativas, mas que necessitou deadaptações, visto que ainda estamos ensaiando mé-todos mais apropriados para investigar objetos de pesquisa que sejam imagens em movimento dentrodas ciências humanas. Segundo Baltruschat (2010),os lmes, na maioria das vezes, servem apenascomo instrumentos para obtenção de dados e, nestecaso, o lme é o próprio objeto a ser investigado.

A interpretação de lmes, assim como a in-terpretação de imagens, obteve até o momentouma importância meramente marginal no âmbitodos métodos qualitativos nas Ciências Sociais(MAROTZKI & SCHÄFER, 2006, p.66 APUDBALTRUSCHAT, 2010). A maioria destas obrasou tem como objetivo uma análise da recepçãodos espectadores do lme e não focalizam o lmecomo um produto autossuciente, ocupando-se principalmente da apropriação e da utilização doslmes pelos usuários (MIKOS & WEGENER,2005, p.14 APUD BALTRUSCHAT 2010), ouseguem o paradigma interpretativo (BOHNSACK,2006, p. 9). Neste caso, as intenções supostas ouas construções de sentido que são atribuídas aos produtores do lme constituem o interesse central.Uma análise dos lmes nestes moldes mira as teo-rias subjetivas cotidianas dos pesquisados e, comisso, o conhecimento explícito que é expresso por eles (BALTRUSCHAT, 2010, p.152).

De acordo com esses autores, temos a dimensãodas diculdades encontradas em relação a umametodologia para um trabalho investigativo comimagens. Não se trata de um trabalho de recepção,tampouco do uso do cinema ou de lmes com nsdidáticos. Também não é um trabalho feito dentroda área de cinema, mas uma intersecção entreeducação e comunicação. Ou ainda, para melhor explicitar este caso, o lme é tomado como obje-to para pensar algumas questões: como o diretor constrói o lme? O que escolhe para encadear asimagens e as entrevistas? O que podemos aprender com o cinema? Assim, o paradigma que mais se

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Giovana Scareli

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aproxima da metodologia utilizada para a escritadeste artigo é o paradigma interpretativo, no qual“diferente da pesquisa que visa a recepção, a in-terpretação documentária de lmes aponta para o

 próprio lme como um produto autossuciente,que é concluído em si mesmo” (BALTRUSCHAT,2010, p.152).

Com base nesta concepção de metodologia,o trabalho realizado foi decupar o lme, descre-vendo cena por cena a m de observar com maior  profundidade todos os aspectos envolvidos em umfotograma e sua sequência. Este método propiciaao pesquisador vericar os detalhes da composi-ção da cena, do comportamento dos participantes,da aproximação entre diretor e entrevistado, alémde vazios, silêncios e olhares que compõem olme.

Assim, este artigo faz uma leitura do lmeSanto Forte com a pretensão de examinar comoos personagens estão distribuídos no lme, se háalguma posição assumida pelo diretor em relaçãoà valorização de uma religião ou de outra e, por m, como o sagrado e o profano estão próximos,tomando, para tal, a entrevista com a personagemCarla.

Este artigo está organizado em duas partes,ademais da introdução e das considerações nais.Primeiramente há uma apresentação dos persona-gens organizados segundo a ordem de entrada decada um deles no lme. Esta primeira parte é maisdescritiva, com o intuito de oferecer ao leitor um panorama sobre o lme e de forma bastante resu-mida o teor das entrevistas realizadas pelo diretor,as quais serviram de base para o encadeamentodas sequências do lme. No entanto, possui inter- pretações e análises sobre a religiosidade expressa pelos personagens com base, principalmente, notrabalho de Birmam (1996) e Guimarães (1997).Aps esta etapa, segue uma análise da sequênciacom a personagem Carla, buscando compreender os conceitos de sagrado e de profano manifestosem sua religiosidade, utilizando-se como base osestudos de Clément e Kristeva (2001).

Antes de iniciar a apresentação dos persona-gens, destacamos que este estudo implica em for-mas de educação que partem dos muros escolares para pensar em como nos ensinam e nos educam os produtos culturais com os quais convivemos.

“Qual a sua religião?” – breve apresen-tação dos personagens do filme

O primeiro personagem a se apresentar é André,

que nos conta, logo na primeira cena do lme, so- bre duas incorporações em sua esposa: a de uma pomba-gira, chamada Maria Navalha; e a do espí-rito da av de sua mulher. Também nos narra sobrea sua ida ao centro espírita junto com a esposa parafazer a “limpeza” necessária em ambos.

Esta primeira sequência indica como será odesenrolar do lme e convida o espectador a olhar  para o universo recortado pelo diretor. Coutinhonos coloca diante de uma histria de possessãode duas entidades: uma da umbanda, a pomba-gira que tem um nome, ou seja, não é qualquer   pomba-gira, é a Maria Navalha, sinal de que éimportante na sua hierarquia, e uma av, espíritoque pode estar ligado à umbanda, mas também aoutros seguimentos espíritas. Parece não haver   julgamentos por parte do diretor em relação aorelato da personagem. Coutinho ouve com atençãoe interesse, fazendo perguntas, questionando e“auxiliando” a personagem a encontrar palavrasmais prximas do seu entendimento para aquiloque está contando.

A prxima sequência é composta de imagenstelevisivas da missa do Papa João Paulo II, no 2ºEncontro Mundial com as Famílias, no Aterro doFlamengo (Rio de Janeiro), dia em que foram ini-ciadas as lmagens do lme. A ideia era vericar a repercussão da cerimônia junto a moradores dafavela e lmar quem estivesse assistindo à missa pela televisão, fosse ou não indicado pela pesquisacomeçada há poucos dias. Em seguida a equipe dequatro pesquisadores – Patrícia Guimarães, Cris-tiana Grunbach, Daniel Coutinho e Vera Dutra dosSantos, uma moradora da comunidade – retomou otrabalho por mais três semanas, entrevistando pou-co mais de 40 moradores (LINS, 2004, p.102).

A ideia de vericar a repercussão da missa juntoàqueles que a estavam assistindo parece interes-sante, anal quem são essas pessoas que assistemà Missa e qual religião praticam? Talvez Coutinhotivesse a informação de que a maioria das pessoasque já tinham sido entrevistadas estivessem ligadasà umbanda e outras à Igreja Universal do Reino deDeus (IURD).

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Cinema e religião em Santo Forte, de Eduardo Coutinho

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O lme recorta o pedaço da missa em que pe-dimos perdão pelos nossos pecados (expulsandonossos “demônios” da consciência?), pedindo aDeus que rogue por ns e confessando a mea culpa.

É com esse coro de pecadores em oração que aden-tramos com a equipe pelas vielas do morro. Che-gamos num lugar alto e somos agraciados por umavista panorâmica da praia, através de vegetações e prédios ao longe. Vera explica em que local estamose dá algumas características daquela favela.

Vamos à casa de Braulino, que não havia par-ticipado da pesquisa prévia. Ele está assistindo egravando a missa. Coutinho pergunta: “qual é a suareligião?”. Braulino responde que é católico, masque tem um pouco de espiritismo e o que segue éa umbanda. Um umbandista assistindo e gravandoa Missa do Papa!

Os prximos visitados são Heloísa e Adilsom,que assistem à missa pela TV. Ela diz que é espírita,mas que na abertura do seu terreiro sempre reza aoração catlica “Pai-Nosso”. Adilson diz que é um- bandista, mas catlico também. Heloísa comentaque o papa está abençoando as pessoas, mas que“tem gente da Universal que criticou ele.”

 Na prxima sequência, a câmera passeia por uma casa, na qual a família assiste à missa, masnão há conversa. Em seguida, entramos no quartode Vanilda, que canta uma música de RobertoCarlos, acompanhando a missa. Diz que é catlicaapostlica romana e que fez um pedido muito im- portante durante a missa, pede para ter um lho eca emocionada.

Essas primeiras sequências terminam com um“cartão postal”. Uma imagem da cidade vista domorro durante o entardecer. Final do dia e do quedenominamos primeira parte do lme.

O que vemos nesta primeira apresentação é umadiversidade de personagens e crenças, uma misturade religiões que se professam de diferentes manei-ras conforme a ocasião – frequento o terreiro, masassisto à missa de uma autoridade religiosa parareceber a benção; assisto à missa para fazer um pedido especial; assisto e gravo a missa porque éum evento importante.

Logo após esta “primeira parte”, o lme tomaum caminho um pouco diferente, com entrevistasmais longas, que podemos denominar de segunda parte ou o bloco das entrevistas.

A primeira personagem a apresentar-se é Vera,a qual nos conta sobre sua primeira religião, que para ela não foi por opção, pois nasceu dentro doespiritismo. Sua família frequentava os terreiros,

mas ela não gostava de participar. Depois de muitotempo, chegou à Universal e lá viu as entidadesda umbanda manifestando-se. Hoje, não é mais“el” da Universal, frequenta várias igrejas paracongregar.

Vera rompe com sua “primeira” religião e pre-cisa negá-la para ser iniciada na outra. Assim,

[...] acusando o candomblé e a umbanda, entre ou-tros, de serem espaços da consagração do mal e da produção de malefícios que a Universal estruturaesta outra lgica – que se articula com a acusação – 

a qual enfatiza a circulação. Os exus e pombas-giravêm de lá para cá, trazendo sua natureza ambíguaque é retrabalhada simbolicamente no espaço daUniversal [...] O senso comum de que as práticasmágicas produtoras de malefícios (feitiçaria) têmuma capacidade classicatória de pôr as coisas emrelação (MAGGIE, 1992 APUD GUIMARAES,1997) é instaurador da relação dialgica que aIURD estabelece com estes outros seres, vistos por ela como malignos, como agentes do Diabo. Se os pastores concebem a relação com estes outros seres a partir da Bíblia, os éis concebem-na a partir de suas

vivências num universo abrangente (GUIMARÃES,1997, p.46-47).

Vera, mesmo depois de haver rompido com aumbanda e “entrado” para a Universal, continuaa partilhar com a sua família a ideia de que exuse pombas-gira intervêm no mundo e no cotidianode pessoas que zeram ou não pactos com estasentidades. É assim que estas entidades entramem circulação, pois tanto nos terreiros quanto nasigrejas são elas as principais personagens. Contudo,também é desta forma que a acusação faz-se impor-tante enquanto estrutura, nos terreiros tais entidades podem fazer tanto o bem quanto o mal; já para aIgreja, elas são sempre malignas. Assim, o Bem eo Mal são dicotomizados de maneira bem clara.

Vera também relata uma “ação ritual” que fezem sua casa, a m de “limpar” o ambiente de forçasmalignas. Vera conta que um dia “ungiu” um qua-dro com a gura de Iemanjá, que era de sua avó, am de expulsar dali algum “demônio” que pudesseestar agindo na sua casa. Diz ela que ao retornar 

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 para a casa no nal do dia, sua avó lhe contou quede repente o quadro que estava pendurado na pa-rede caiu e se quebrou no chão. Vera diz: “Glria aDeus!” Sente-se vitoriosa por sua ação, acredita que

este pequeno rito tenha tido o efeito que esperava:expulsar algum demônio escondido ali, e a prova para a ecácia da sua ação foi a quebra do quadro.Podemos inferir com esta sequência que Vera tem aconrmação de duas coisas: os demônios estão ematuação no mundo e as ações rituais são ecientes para “quebrar” as forças do mal.

A segunda entrevistada é D. Teresa. Coutinho pergunta sobre as pulseiras que estão no seu braço.Ela responde que as pulseiras representam seusguias, cada um pertencendo a um orixá. Ele lhe pergunta se pode dizer quem são eles e ela res- ponde que sim, mencionado o nome de cada um.Ele pergunta se ela ainda frequenta e ela respondeque parou de frequentar, mas que os espíritos não aabandonaram. E mostra, pouco a pouco, por meioda sua fala, o quanto as entidades participam da suavida. Conta-nos uma de suas “ações-rituais”, queé colocar café “margoso” para a Vov Cambina desete em sete dias e de oferecer, de vez em quando,vinho Moscatel, o preferido dessa entidade.

Embora não frequente mais os terreiros, D.Teresa não “passou” de uma religião para outra eo assunto não ca nesse aspecto. Nesse sentido, vaicontando uma série de histrias que aconteceramcom ela e com os espíritos e entidades que tevecontato. Sua postura não é de colocar as entidadesem papéis dicotômicos ou julgá-las. Apenas conta-nos uma série de acontecimentos nos quais estasentidades estavam presentes.

 Na sequência da entrevista de D. Teresa conhe-ceremos a histria de Carla, outra personagem quetraz uma força em suas palavras, proveniente, pro-vavelmente, da intensidade de suas experiências.Carla conta que passou por um momento muitodifícil na sua infância. Diz ela:

 Eu tinha visões e eu comecei a car muito perturba-da e a minha mente cou muito perturbada dentroda Universal, porque eu quei fanática. Eu, com10 anos, era fanática na Igreja. Eu frequentava a

 Igreja todos os dias, eu fazia todas as correntes. Euia dormir de noite, eu via caveiras, eu via a imagemdo diabo mesmo. Então eu comecei a car neuróticae meio maluca. Então a minha mãe mesmo resolveu

me tirar e disse: ‘Você não vai mais frequentar a Igreja Universal.’ Aí, depois de um tempo, eu volteia frequentar terreiro de umbanda. (Transcrição dafala de Carla)

Este quase depoimento de Carla é interessante,  pois esta personagem faz o percurso contrárioao das pessoas que foram entrevistadas para as pesquisas com as antroplogas. Ela é uma pessoaque saiu da IURD para a umbanda, isto porque ofanatismo tomou conta dela e porque sentia medoe perturbação com as imagens que “via”. O malque a IURD tanto deseja expulsar deixou Carlaneurtica. No entanto, a passagem para o terreirode umbanda, segundo Carla, também não foi boa, pois o pai de santo era um charlatão e queria ter 

relações sexuais com as suas lhas de santo. Alémdisso, não colocou uma doutrina para que as lhasde santo seguissem, e com o passar do tempo asvidas dele e de suas respectivas lhas foram “de-gringolando”.

Coutinho parece bastante interessado na hist-ria de Carla, faz muitas intervenções, pede muitasexplicações e vai até a casa de show na qual elaé dançarina. Há um investimento da câmera nela,mostrando seu corpo, mostrando o cigarro quefuma, mostrando-a seminua na boate em que tra-

 balha. A iluminação também contribuiu para queo ambiente tivesse mais “claro e escuro”; ela émorena e veste blusa vermelha, a boate é um am- biente escuro, a maquiagem que ela faz para entrar no palco é forte. Há um investimento, um desejo deconstrução desta personagem. Ela se assemelha aoesteretipo da pomba-gira. Sobre esta personagem,especicamente, iremos tratar mais à frente.

O lme traz novamente o personagem André.Ele se dene para Coutinho como católico apos-tlico romano e Coutinho pede para que ele conte

sobre o espírito de sua mãe que sua esposa incorpo-rou. Ele conta sobre este episdio e diz que depoisda vinda de sua mãe, num momento de sua vidaem que estava muito perturbado a ponto de beber muito e tentar suicidar-se, porém nunca mais fezisso: “melhorou”. Nesta histria, André nos contada interferência de um espírito, no caso sua mãe,diretamente em sua vida. Neste evento, não é umaentidade, um orixá, foi o espírito da sua mãe quemlhe aconselhou.

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Logo aps a entrevista com André, Coutinhonos apresenta a personagem Lídia. Ela nos contaque quando tinha 17 para 18 anos um “rezador”disse que ela era médium. Lídia cou apavorada

e pediu para que ele “amarrasse” os espíritos, por-que ela não queria “manifestar”. Segundo Lídia,ele “amarrou” os espíritos e ela cou boa, casou-see foi para o Rio de Janeiro com o marido. Entre-tanto, “os espíritos se soltaram” e aproximaram-sedo seu marido, inuenciando-o a “pegar mulher”.Ela tinha seis lhos e cou casada com este maridodurante nove anos. Contudo, sentia tanto dio deleque s pensava em matá-lo. Nesta época, pertenciaà umbanda, depois saiu e conheceu a IURD. Hoje,apresenta-se como cristã, dizendo:

 Estou livre em nome de Jesus. Eu tenho tanta fé em  Deus, que o Diabo hoje não me assombra mais.(Transcrição de trecho da entrevista com Lídia)

Lídia também narra um assalto ao ônibus queutilizava no dia em que tinha ido receber a apo-sentadoria. Segundo a personagem, assim que os bandidos se revelaram, ela começou a orar e chamar o nome de Jesus e reagiu ao assalto dizendo bemforte: “Eu não tenho dinheiro para te dar!” Segundoa personagem, ao falar com autoridade, ela quebrouas forças malignas e os assaltantes foram embora

sem machucar ninguém.Ela é a personagem mais empolgada com o dis-

curso da Igreja, mas também é uma das poucas quequestiona determinadas doutrinas. Ela arma que

a Bíblia diz que as pessoas se não caminham noscaminhos de Jesus e não são batizados, não podem

 ser salvas. 

E pergunta:

 E os católicos que não são batizados, como é que faz? (Transcrição de trechos da entrevista com

Lídia)Embora a personagem tenha um discurso com

muitos chavões da Igreja, é interessante o seu“testemunho” (é assim que ela se refere à sua par-ticipação no lme). Lídia conhecia as entidades,tinha medo delas e pede ao rezador que “amarre”os espíritos. Reconhece que melhorou depois destaação do “rezador” e consegue perceber quando oefeito da “amarração” acabou, “pegando” no seumarido. Dentro da Igreja, ela também irá ter contato

com as mesmas forças e irá aprender a “amarrar”e a “quebrar” as forças do mal. Está dentro domesmo círculo.

O discurso de Lídia nos faz pensar nesta opo-

sição entre uma igreja e a outra, e com o termo“passagem” de Birman, e os termos “circulação”e “construção de identidade” de Guimarães. Per-cebemos nesta sequência a passagem de Lídia deuma religião para outra e a circulação de símbolose crenças muito parecidos nas duas religiões. Aidentidade de Lídia também é reconstruída, masnão apaga aquilo que já viu, e sim transforma amaneira de ver.

Saímos da casa de Lídia e vamos, novamente,à casa de Braulino e Marlene. Coutinho pede paraque ele fale dos seus guias. Marlene diz que os guias“manifestam” dentro de casa também “quando énecessário”. Braulino, que havia falado enfatica-mente que era catlico apostlico romano, depoisconfessado que tinha um pouco do espiritismoe que, na verdade, o que seguia era a umbanda,agora conta sobre seus guias e a estreita relaçãoque tem com eles.

Em seguida, somos apresentados à Quinha.Coutinho pergunta se ela tem algum santo de de-voção e a resposta é positiva: tem Nossa SenhoraAparecida e as Almas. Em um momento, ela ridizendo:

 Engraçado, eu sou católica, mas acredito nas almas,inclusive já pedi coisas pra elas, consegui. As almas

  são espíritos evoluídos que encontraram a Luz.(depoimento de Quinha)

Coutinho pergunta: – E você comunga?Ela responde: – Nunca comunguei, porque não pude fazer a

 primeira comunhão.

Coutinho pergunta: – E seus lhos?Ela diz: – Eles fazem, porque tudo que eu não tive eu

tento dar para os meus lhos.Depois volta a falar da vida, da casa e não toca

mais no assunto religioso.Esta parte é muito interessante, porque sua en-

trevista é relativamente longa, mas s há este trechono qual se fala de religião. É a única pessoa que

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não é nem evangélica nem umbandista no lme.Embora seja a mais catlica, não fez a primeiracomunhão e isto a limita na hora de comungar ahóstia consagrada. No entanto, colocou seus lhos

no catecismo para que possam participar do ritualda missa.O lme traz, novamente, a casa de D. Teresa,

e Coutinho conversa com Elizabethe, lha de D.Teresa. Ela se dene como ateia e Coutinho co-menta que é a única, até agora, a se denir de talforma. Com algum tempo de conversa, revela que já viu a mãe incorporar um caboclo, depois umavelhinha e que já pediu coisas para esses espíritos.Diz que a velhinha é maravilhosa, calma, “mesmonão acreditando nisso!”.

Este trecho mostra algo contraditrio: uma ateiaque conversa e faz pedidos para espíritos. Ela até pode não acreditar em uma série de coisas no seudia a dia, mas quando presenciou a manifestaçãoestava num momento no qual precisava de algumascoisas, tais como “passar de ano”, “emprego” e,sendo assim, fez os pedidos. Este trecho nos mostraque, diante das necessidades, os homens (até osmenos crentes) utilizam-se do que está disponívelnaquele momento, inclusive fazer pedidos paraentidades espirituais.

D. Teresa reaparece no lme e faz uma das suasmelhores performances ao contar sobre a morte desua irmã pela pomba-gira. Todavia, antes de come-çar, vira-se para o lado e fala (com algum espírito,talvez?): “Se tiver ouvindo sabe que estou falando averdade”. Esta cena pode ser tanto uma ação de quem pede licença para contar alguma coisa feita por umaentidade, como pode fazer parte da sua performance,uma atriz experimentando a melhor forma de contar uma histria e de envolver o seu público.

Depois da histria de D. Teresa, há um corte.Vemos um centro de umbanda e logo camos sa- bendo que se trata de uma lmagem do batizadoda lha de Alex. Coutinho questiona o fato de Alexter batizado a lha na Igreja Católica de manhãe ter pego água benta com o padre para levar aosegundo batizado de sua lha, à noite, no terreiro.Alex diz:

 Eu sempre coloquei na minha cabeça que o maisimportante é a Igreja Católica. não existe a religião

 para mim e sim a Igreja Católica em primeiro lugar.

 Eu não sigo a ela, não vou à missa aos domingos,mas eu acredito. (Transcrição de trecho da entrevistacom Alex)

Esta sequência é toda recortada com imagens

da lmagem do batizado e com a entrevista com Nira, mãe do Alex, que é frequentadora da IURD. Nira diz:

 Eu gosto do trabalho da Universal. Como da Mara-nata, eu gosto também. Cada igreja tem um trabalho,né? Mas nós estamos buscando Jesus, a comunhãocom Deus. 

Coutinho pergunta sobre um problema de saúdeque Alex teve e Nira conta que seu lho pediu paraque ela orasse por ele na Universal. Ela orou e elemelhorou. Na terceira vez que ele pediu, ela negoue disse que era para ele ir até lá, ouvir a palavra e pedir para um obreiro orar para ele.

Alex continua contando:

 Aí ela (a mãe) chegou lá comigo e pediu para umobreiro pra me orar. Nisso, ele fez tipo um gesto(com a mão na cabeça) como se fosse uma vibraçãoque tivesse em mim. Eu sentia aquela vibração. Pô,comecei a me arrepiar e comecei a suar, suar, suar e depois que ele acabou essa oração, minha mãe

 pegou minha camisa, torceu e saiu foi muito suor.

Coutinho pergunta: – E você cou bom?Alex responde:

 – Eu quei muito bom quando saí de lá.E Coutinho pergunta novamente: – Como você explica isso?E Alex diz: – Eu acho que o que aconteceu ali foi uma fé

muito grande. (Transcrição de trecho da entrevistacom Alex).

Essa entrevista nos provoca a pensar sobre osincretismo religioso. Anal, Alex circula comcerta desenvoltura na Igreja Catlica, no terreirode umbanda e na Universal. Será que podemoschamar isso de sincretismo? Birman (1996), emseu artigo, diz que “na perspectiva defendida por Sahlins, a ideia de que os atores sociais elaboramuma apropriação seletiva da cultura do Outro que,no entanto, não se faz às expensas de um processode mudança social, bem ao contrário disso, é aexpressão maior desse último”. Ajuda-nos a pensar 

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sobre o movimento designado “sincrético”. Segun-do Birman (1996),

trata-se, em suma, de valorizar o trabalho de elabo-ração simblica da cultura do Outro nos movimentos

que gera e nas modicações que cria na própriacultura pelos traços que deixa e pelo impacto que produz (BIRMAN, 1996, p.92-93).

É pensando nesse aspecto que irá analisar as passagens que são construídas entre o pentecosta-lismo nascido no Brasil e os cultos de possessão,armando que

o sincretismo reduzido a sua expressão mais sim- ples, segundo Sanchis (1995), pode ser consideradocomo esta presença do Outro na prpria cultura(SANCHIS,1995 APUD BIRMAN, 1996, p.108).

Alex se apropria seletivamente da cultura doOutro e isto modica sua atuação no cotidiano,modicando a si e a sua cultura pelos impactossofridos. Assim, atravessado por diferentes cren-ças, utiliza-as da forma como deseja em momentosdistintos da vida.

Aps a passagem de Alex e Nira, vamos à casade Dejair, irmão de Nira e padrinho de Alex. Ele fazo papel de um “especialista”, explicando algumasreligiões e comparando-as aos níveis escolares.E diz:

Se chamar eles aparecem mesmo, é aquele negócio, a gente tenta não falar no nome do dito-cujo, do diabo,quer dizer, o pessoal que critica a umbanda. Dentroda umbanda fala do diabo, canta pra ele, mas tem ahora dele. A Universal, o senhor vai lá dentro, eles

 só falam do diabo, direto. Chamam ele direto. Não sei, eu acredito que, se é uma coisa do mal, não podeestar a toda hora falando o nome dele. (Transcriçãode trecho da entrevista com Dejair)

  Nesta entrevista aparecem duas coisas: De-

 jair reconhece que a Universal utiliza-se de umamesma entidade que a umbanda e faz crítica aofato de chamar tais entidades a todo momento.Anal, Dejair sabe que são entidades “perigo-sas”, que podem fazer o mal e a umbanda tomacertos cuidados em relação a isso. Já a Universalchama estas entidades a se manifestarem paraexpulsá-las e queimá-las. Será que é possívelexterminá-las? O que interessa é que tanto noterreiro quanto na Igreja, ambos trabalham com

as mesmas entidades e acreditam na presença ena atuação delas.

O último entrevistado no lme é Taninha, queaparece em um cenário um pouco distinto dos de-

mais: é um dos poucos personagens que fala numambiente aberto, ao ar livre. Ele se dene como“catlico apostlico romano (pausa) e a umbandatambém”. Ele acredita que todo mundo precisa de proteção e diz:

 – Eu tenho uma coisa, os espíritos me defen-dem!”

Coutinho pergunta: – Quais são?Ele responde: – Tranca Gira, Tranca Rua e S. Marabô.Ao longo da entrevista, Coutinho pergunta: – Como é que eles baixam na Universal também,

além da umbanda? Taninha responde:

  Eu também não entendo, eu sei que as pessoascomeçam a se bater, a cair no chão, o pastor vem e

 faz aquele escândalo, porque ele faz um escândalo,dá cada ‘gritarada’  – ‘Sai demônio, sai demônio’,aquilo é uma palhaçada! ‘  – Sai demônio’, gritando.

 Aí ele coloca a mão na cabeça da pessoa, aperta quea pessoa deve sentir alguma dor e levanta, porqueisso não existe, não. (Transcrição do trecho da en-trevista com Taninha)

O personagem chama a atenção para a espeta-cularização em torno do “exorcismo” praticado naIURD. A descrição de Taninha é bem parecida coma descrição feita por Guimarães (1997):

Assisti durante a minha pesquisa de campo, a váriosdiálogos entre pastores e demônios. Diálogos que emsua maioria experimentaram o mesmo tom. O pastor aparece como O Inquisidor e os demônios como OCulpado; estes não se intimidam ao assumirem suasações, em desaar os pastores garantindo que con-tinuarão naquele corpo, ou seja, que as ações rituaisdos pastores seriam ecazes. O desenlace desta cenaque se repete, sempre, com alteração de apenas umdos personagens, os demônios, é pré-conhecido, mas precisa ser a cada vez revivido.

É a vitória do Bem contra o Mal, quando o pastor naliza este diálogo determinando, do alto de suaautoridade mágica (seus poderes divinos conhecidos por Deus), a palavra ritual de que aquele espírito estásendo ‘queimado em nome do Senhor Jesus’. Como braço estendido e a mão sobre a cabeça do demô-

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1 Cf. a descrição na página 7 deste artigo.

nio que se manifesta na pessoa, o pastor fala com osenhor pedindo que ele queime este espírito atravésde sua força, da força mágica emitida por sua mão,e depois dá seu ‘grito de guerra’. Quando o demôniorecebe esta imposição de mãos acompanhada do

dizer ‘Você espírito maligno está sendo queimadoem nome do Senhor Jesus’, ele joga a pessoa nochão, saindo do corpo dela. Neste momento umoutro diálogo se inicia, o do pastor com o demônioque manifestou; agora sem a presença do espíritomaligno. Um diálogo breve e intimista onde o pastor reconforta a pessoa que invariavelmente vive esta possessão de maneira pesada, já que seu corpo foitomado pelo Mal cujas forças são destrutivas. Avolta desta possessão é marcada por lágrimas, masmesmo que apresente algum mal-estar a pessoacontinua no altar, porque é necessário que, também,

a ausência do Mal seja visualizada e reconrmada por todos ali presentes. É para isso que se estabe-lece este outro diálogo, onde o pastor conta para a pessoa o que aconteceu: que o demônio assumiu aresponsabilidade sobre seus infortúnios, ou seja, quedisse ser ele que atuava em sua vida provocando osmais diversos males. O pastor também arma que odemônio foi queimado, expulso, declarando publi-camente o sucesso, a ecácia de suas ações rituais”(GUIMARÃES, 1997, p.64-65).

Esta extensa citação nos ajuda a pensar sobre

alguns pontos. Primeiro, conrma a descrição feita por Taninha sobre a imposição das mãos sobre acabeça da pessoa no momento da “retirada” doespírito malfeitor. Segundo, que ao referir-se a esteritual como “palhaçada”, Taninha chama a atenção para o efeito espetacular desta ação, pois submete a pessoa a uma situação que pode ser muito constran-gedora, anal aquela pessoa que vai “manifestar” élevada do lugar em que está para o “palco”, servede exemplo para todos que estão assistindo, poistodas as ações serão feitas sobre ela para que todos

 possam ver e conrmar a ecácia da expulsão dosdemônios por aquele que tem autoridade para isso:o pastor. Os obreiros também podem expulsar de-mônios, mas não podem conversar com eles, estediálogo s ocorre com quem tem poderes para isso,ou seja, o pastor. Depois de retirado o demônio docorpo daquela pessoa, ela se mantém, mesmo àslágrimas, no palco, para que seja vista por todos,como uma pessoa que passou por um momentomuito importante de libertação e que agora deverá

trilhar os caminhos de Deus, fortalecendo sua fé.Além desse ritual de exorcismo, outras ações sãorecomendadas:

A oração é acompanhada de algumas outras ações

rituais, de constantes unções com leo consagrado,além de alguns elementos rituais como rosas, sucode uva (simbolizando o sangue do cordeiro), enxofreetc. (GUIMARÃES, 1997, p.87).

Imagens de pisca-pisca, luzes nas casas e mú-sica de fundo natalina inauguram o que podemosdenominar de último bloco, no qual aparecerão três personagens: Carla, André e D. Teresa. São con-versas rápidas, que versam sobre como passaramo dia da véspera do Natal e sobre os presentes queganharam. O lme termina com um plano sequên-

cia, único do lme, que culmina em um pequenoaltar na casa de D. Teresa.

Um aspecto interessante do lme é a relação queas pessoas têm com religiões aparentemente muitodistintas, é o caso do catolicismo, da umbanda,do espiritismo e das igrejas evangélicas. Emboravários personagens se autodenominem “catlicosapostlicos romanos”, a grande maioria tem umarelação bem prxima com a umbanda, narrando in-corporações, conversas com entidades e espíritos.

Uma das observações a serem feitas é em rela-

ção à disposição dos personagens no lme. O inves-timento do diretor durante as entrevistas, o tempodado aos personagens e o encadeamento das entre-vistas na montagem nos mostram o posicionamentodo diretor frente a essas diferentes manifestaçõesreligiosas expressas pelos moradores. Coutinhonão parece querer assumir uma posição “neutra”,ao contrário, dá destaque aos personagens quenarram histrias ligadas ao universo da umbanda.Posição que pode ser política e ética, de um diretor envolvido com os temas que desenvolve em seus

lmes e com as personagens que irá expor publi-camente, personagens estas que podem ser vistascomo duplamente marginalizadas pela favela emque habitam e pela religião que frequentam.

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Cinema e religião em Santo Forte, de Eduardo Coutinho

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2 Entrevista à Inácio Araújo e José Geraldo Couto para a Folha de S.Paulo, em 28 de novembro de 1999.3 Winston, em Renov, IN Da-Rin, 2005, p. 166.

Carla – entre o sagrado e o profano

Apresentamos um panorama sobre o lme, des-de seus antecedentes até sua forma de apresentação

no que diz respeito ao encadeamento de persona-gens e suas falas sobre as expressões religiosas. Neste momento, gostaríamos de focar as atençõesem uma das personagens, Carla, que conta sobrevários episdios ligados à sua participação tantona Igreja Universal quanto na umbanda. Tomamosesta personagem, em especial, para observar comoo sagrado e o profano podem estar prximos navida ordinária.

Carla inicia seu bloco contando sobre sua expe-riência na Igreja Universal do Reino de Deus, sobresuas perturbações e sonhos, ainda quando tinha 10anos de idade1. Depois, conta que quando entrou para a umbanda, “entrou muito mal”, porque o paide santo era um charlatão. Coutinho também per-gunta como é uma surra de santo, porque ela haviacitado isso durante a pesquisa prévia, e Carla falasobre as surras, sobre as dores depois de apanhar do“santo” e revela ter medo de que a pomba-gira ve-nha atrás dela, porque o ambiente em que trabalhaé favorável às atuações da pomba-gira. A pomba-gira citada é Maria Padilha, que na hierarquia das pombas-gira é uma das mais poderosas.

A imagem da personagem Carla ilustrou sites da Internet sobre cinema e o artigo de Araujo eCouto sobre o lme Santo Forte, na Folha de S.Paulo de 28 de Novembro de 1999. Ao longo da primeira sequência em que aparece no lme, váriasimagens serão inseridas (sala da casa vazia, imagemda pomba-gira, imagens da rua, de Carla se arru-mando no trabalho e ela atuando na boate na qualé dançarina/ stripper ), mas Coutinho arma que

a única imagem ilustrativa tradicional que tem no

 lme é a cena da dança de cabaré, da personagemCarla, que dura uns 30 segundos. “Deixei, porqueera o único caso em que o trabalho da personagemestava ligado àquela coisa da Pomba-Gira, dameia-noite etc.”2 

Entretanto arma também que, se fosse maisrigoroso, essa cena não entraria. Isto porque Cou-tinho privilegiou neste lme as falas das persona-gens. São as falas que têm importância no lme eestas imagens “extras” são mais ilustrativas. Há

várias imagens que podemos considerar ilustrativasno lme, como, por exemplo, as estatuetas que apa-recem em determinados momentos da entrevista,no momento em que o personagem está falando

daquela entidade.Podemos armar que é uma imagem ilustrativa porque tem a função no lme de mostrar a relaçãode Carla com aquilo que havia contado. Carla haviamencionado ter feito pedidos aos exus e às pombas-gira, que eles haviam atendido e que tinha medoda pomba-gira Maria Padilha porque, ao deixar defrequentar o terreiro, essas entidades poderiam vir atrás dela. Coutinho pergunta a Carla se ela nãotem medo que a Maria Padilha venha atrás dela eCarla responde que sim: “Ainda mais no clima emque trabalho.”

 Neste momento, há um corte e entram no lmeas imagens da rua, da boate e de Carla se ma-quiando. Em seguida, há outro corte e volta para o“depoimento” de Carla, que diz:

Mal ou bem, a noite é das pombas-gira; passou demeia-noite a maioria das pessoas diz que passou dameia-noite o diabo está solto.

Outro corte e o lme volta para as imagens deCarla dançando na boate. Coutinho vai trabalhar com estas contraposições: entre o espaço sagrado

da casa de Carla e o espaço profano das ruas e da boate.

Imagens da rua e da boate são inseridas enquan-to a personagem e o diretor estão conversando,não interrompendo o áudio. Estas imagens podemdar força às histrias que estão sendo contadas namedida em que cam gravadas no nosso imaginá-rio, de tal forma que, a partir do momento em queaparece uma imagem, como a da pomba-gira, nãoconseguimos mais imaginar outra forma para esta pomba-gira, ou seja, imaginamos aquela imagem

que o diretor nos deu. Além da força, a imagem“extra” pode dar um caráter de verdade àquilo quea personagem está dizendo. Outro exemplo são asimagens da rua e da boate. Elas parecem conrmar o que a personagem nos conta sobre seu trabalho.Portanto, força e verdade podem ser agregadas ao

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Giovana Scareli

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depoimento por meio das “ilustrações”. Assim,estas inserções deixam de ser ingênuas e passama ser mais didáticas e dirigidas, tal qual um livrodidático.

As “condições da experiência” podem estar sen-do exibidas como suposta garantia de verdade dareportagem, ”querendo nos fazer crer que o que nsvemos é evidência – evidência de um documenta-rista fazendo um documentário”3. A palavra faladados atores sociais se transforma em uma chancelade autenticidade (DA-RIN, 2004, p. 166).

As imagens inseridas no “depoimento” de Carla podem ser interpretadas como uma chancela deautenticidade atribuída ao seu discurso. Por meioda “evidência”, seu discurso torna-se “mais real”.A evidência que temos é a de um documentaristafazendo um documentário. Portanto, as imagens in-seridas não provam nada. Contudo, como Coutinhoarma não estar preocupado em procurar verdades,estas inserções parecem conitar com aquilo quediz, pois para o espectador pode car a impressãode que as imagens querem provar o discurso da personagem, e como Coutinho optou por deixar istoregistrado no lme, também parece querer mostrar ou dar provas daquilo que a personagem fala.

Outra questão que pode ser abordada na en-trevista com Carla é sobre o sagrado e o profano presentes na religiosidade. Esta não é uma questãocolocada por Coutinho no lme, porque o interes-se dele é pelas pessoas, pelo seu cotidiano, não pela religião que praticam. Contudo é algo que podemos observar, pois ca latente, já que o eixotemático é a religião. Não há interesse aqui emdicotomizar o sagrado e o profano presentes nolme, mas observar como estas questões aparecemno “depoimento” de Carla e como Coutinho captaestas sutilezas.

Há uma passagem do livro O Feminino e o Sa- grado, de Clément e Kristeva (2001), que procuradistinguir o sagrado do religioso. Apresentamosuma citação um tanto longa, mas que é de sumaimportância para reetirmos sobre estes aspectosneste trecho do lme.

Se não quisermos cair em impossíveis quiproqus,distingamos, caso você concorde, o religioso e osagrado. Já nos embrulhamos, misturamos cerimôniae vida quotidiana, excepcional e comum. Portanto,

sejamos precisas. Parece-me que o sagrado precedeo religioso. Vou explicar.

Para além das clivagens entre Bem e Mal, puro eimpuro, permitido e interdito, intelectual e sensível, o

sagrado é ‘sublime’ no sentido em que entende Kantna Crítica do juízo: um curto circuito entre a sensi- bilidade e a razão, em detrimento do entendimentoe do conhecimento. Um golpe desferido pela sen-sibilidade na inteligência. É a envolvente sensaçãode absoluto diante de uma paisagem de montanha,mar, pôr-de-sol, uma tempestade noturna na África.Então, sim, o sagrado autoriza o desfalecimento, odesmaio do Sujeito, a síncope, a vertigem, o transe,o êxtase, o ‘acima do teto’, o muito azul.

Quanto ao religioso, não posso imaginá-lo semorganização. Com um clero sob a autoridade papal,

como no catolicismo, ou com uma questão comu-nitária, como no islã, a função do religioso retornasempre à organização do culto: entra-se por aqui, passa-se por ali, aqui reza, lá a gente se prosterna, secomeça e se termina, em suma, o tempo e o espaçoestão bem administrados. O sagrado faz exatamenteo contrário: eclipsa o tempo e o espaço. Passa paraum ilimitado sem regras nem reservas que é prprioenquanto o religioso acomoda um acesso balizado,com mediações previstas para os casos difíceis. Nãoé preciso dizer que não se apaga com a aparição doscdigos religiosos: surge na sua hora, ou melhor,

no seu instante, pois faz da sua natureza perturbar aordem. Mas o religioso pode existir sem o sagrado;quando é praticado sem o estado de alma adequado,aliás, esse é o seu estatuto mais comum (CLÉMENTE KRISTEVA, 2001, p. 42-43).

Carla parece ter uma relação tumultuada com osagrado. O sagrado para ela está na doutrina, nosrituais, embora sinta diculdades de aproximar-sedeste sagrado, que tanto pode fazer o bem quantoo mal.

A personagem parece gostar da religião, pois

diz que gostaria de chegar no “terreiro” e “girar certinho”, como todas as pessoas fazem, ou seja,dentro da ordem e do controle. No entanto, ela não possui este controle sobre si mesma. Carla vive nes-tes momentos uma intensa relação com o sagrado,que necessariamente não precisa ser bom, anal étomada por “forças” que não consegue controlar,que a fazem se bater, se jogar, se machucar, alterar seu humor. Enfatizando Clmente e Kristeva (2001, p. 42-43), é o “curto circuito entre a sensibilidade

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Cinema e religião em Santo Forte, de Eduardo Coutinho

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 41-53, jan./jun. 2011

e a razão, em detrimento do entendimento e doconhecimento”. É desta forma que Carla se rela-ciona com as religiões. Por meio do “sagrado [que]autoriza o desfalecimento, o desmaio do Sujeito,

a síncope, a vertigem, o transe, o êxtase, o ‘acimado teto’, o muito azul”.Carla conta sobre suas experiências passadas,

lembra de coisas que viveu enquanto participavadestas religiões, e Clmente e Kristeva (2001, p.191) recorrem a Freud explicando que “as ‘ori-gens’ traumatizantes não passam de reconstruções,fantasias com pedaços e peças ‘arranjadas’ peloinconsciente como um saxofonista faz um ‘arran- jo’ para um tema musical”. Isto nos mostra queestas lembranças estão carregadas de fantasias,arranjadas conforme é possível neste momento dafala, o que oferece a este depoimento um caráter ccional, fantasioso, fabuloso. Além das históriasque são contadas, a própria construção do lme quecria uma arquitetura do acontecimento por meiode palavras e imagens “extras”, “ilustrativas”, quedão movimento e vida ao lme. Os arranjos damemria, expressos nas histrias de Carla, tornam-se vivos na montagem feita por Coutinho. Destamaneira, não nos interessa a verdade, saber se oque se conta é verdade ou não. Apenas não que-remos ser ingênuos de pensar que tudo é verdade,da forma como nos é contado. O que nos interessaé reetir sobre uma coagulação de “realidades eimaginários” presentes neste depoimento.

[...] o sagrado origina-se na esfera do privado, deonde vem o rito, mesmo que seja coletivo. (.) O sa-grado é, com certeza, experimentado na privacidade;chegou a nos aparecer como aquilo que dá sentidoà mais íntima das singularidades, à encruzilhada docorpo e do pensamento, da biologia e da memria,da vida e do sentido – tanto entre homens quantoentre as mulheres (CLèMENT E KRISTEVA, 2001,

 p.217-219).

Carla experimentou deste sagrado: mesmo que oritual seja coletivo, os transes e a experiência corpo-ral das surras são individuais. Essa experiência queCarla relata convida-nos a pensar que na umbandao sagrado não é angelical, puro, mas é de um uxointenso. No ritual há música, gritos, cachaça, muitodiferente das religiões cristãs.

 Nas lembranças da personagem, aparece seu

relacionamento com o pai de santo, o que paraela é errado, já que o pai de santo deve tratar umalha de santo como lha de carne, ou seja, o re-lacionamento com estas lhas de santo representa

um incesto. Isto é bastante marcado no início daconversa. Carla gosta de participar, mas como seenvolveu “muito mal”, como ela mesma diz, a vidadaqueles que participavam deste lugar “degringo-lou”. A personagem apresenta um conito, poisgosta e já seguiu a umbanda e seus rituais, masestá marcada pela cultura católica/cristã, anal os padres é que fazem votos de castidade e, portanto,não devem tocar nos seus éis. Poderíamos pensar que a experiência que Carla teve com o pai de santoé um exemplo de profanação do sagrado para Carla, pois não deveria haver relacionamento carnal nesterelacionamento sagrado. No entanto, o desejo do pai de santo pelas lhas de santo mostra a misturado sagrado e do profano.

O sagrado a encanta por este outro lugar, estenão lugar, ou como Eliade (1992, p. 31) ensina:

visto que o homem religioso s consegue viver numa atmosfera impregnada do sagrado, é precisoque tenhamos em conta uma quantidade de técnicasdestinadas a consagrarem-lhe o espaço.

Carla vive ou viveu experiências de uma reali-

dade outra, diferente da “natural”, porque os espa-ços que frequentava eram espaços consagrados.

Carla dá seu depoimento, como quase todosos outros personagens, dentro da sua casa. Isto já tem ligação com o sagrado, porque a casa temesta representação, a de que seu interior é sagrado.Eliade (1992) arma que

[...] seja qual for a estrutura de uma sociedade tradi-cional – seja uma sociedade de caçadores, pastores,agricultores, ou uma sociedade que já se encontreno estágio da civilização urbana – , a habitação é

sempre santicada, pois constitui um imago mundi,e o mundo é uma criação divina. [...] em todas asculturas tradicionais, a habitação comporta um as- pecto sagrado pelo próprio fato de reetir o Mundo(ELIADE, 1992, p. 50-51).

Durante todo seu depoimento, Carla ficoudentro de casa. Apenas no Natal, quando a equiperetornou à sua casa, é que os recebeu sentada nasoleira da porta, do lado de fora.

Parece haver sempre as polaridades dentro e

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Giovana Scareli

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fora de casa; um dia comum, a noite de Natal;sagrado e profano. Carla é uma destas persona-gens que lida a todo momento com estas tensões.Dentro de sua casa, quando recebe a equipe, está

no ambiente sagrado; quando a equipe vai captar imagens da rua e do seu trabalho, entra no ambiente profano das ruas e da casa de shows de strip-tease.O trabalho é sagrado, mesmo que esteja ligado aum ambiente profano.

Considerações: a religião, o cinema e aeducação

O que vemos em Santo Forte é sempre umamistura – mistura de religiões, mistura do sagrado

e do profano. Vemos também uma diversidade de pessoas e expressões de religiosidade. Crenças queos ajudam a sobreviver, que tornam o dia a dia commais sentido ou quiçá mais fácil diante de tantasmazelas que sofrem ou sofreram. Coutinho nosapresenta, com muita delicadeza, um lme com pessoas simples falando de religião, religiosida-de, saberes construídos pela experiência, não nos bancos escolares. Poderia ser um lme difícil paramuitas pessoas e talvez o seja para aqueles que nãoconseguem apreciar ou entender a diversidade e

complexidade das manifestações religiosas e dasdiferentes formas de viver esta religiosidade.

O lme, portanto, é uma das maneiras de pensar sobre estas questões e (re)aprender a ouvir o outro,a compreender seus pontos de vista, a entender como a religião participa da vida das pessoas e o

quanto cada um de ns é constituído pelas religiõescom as quais comungamos. Uma maneira de enten-der seu modo de pensar e viver no mundo.

Segundo Rosália Duarte (2002, p. 17),

ver lmes, é uma prática social tão importante, do ponto de vista da formação cultural e educacionaldas pessoas, quanto a leitura de obras literárias,losócas, sociológicas e tantas mais.

 Não estamos defendendo a substituição de livros pelos lmes, mas considerando a prática de ver lmes tão importante e enriquecedora – como maisuma forma de construção de conhecimento – quantoo estudo de obras impressas.

Parece ser desse modo que determinadas experi-ências culturais, associadas a certa maneira de ver lmes, acabam interagindo na produção de saberes,identidades, crenças e visões de mundo de um grandecontingente de atores sociais. Esse é o maior interes-se que o cinema tem para o campo educacional – suanatureza eminentemente pedaggica (DUARTE,2002, p. 19).

Dessa forma, queremos nalizar argumentandoque o estudo de aspectos religiosos presentes nolme Santo Forte, bem como o estudo do prpriolme, colabora para uma produção de saberesdiferenciada, que busca entender a experiência

apresentada pelos personagens do lme e a própriaconstrução do lme. Por m, armar que estes doisaspectos nos fazem aprender e provocam os espec-tadores para um novo conhecimento que interligaconteúdo e forma: o conteúdo proposto pelo diretor e sua maneira de construí-lo.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Inácio; COUTO, José Geraldo. A cultura do transe. Folha de S. Paulo, São Paulo: 28 nov. 1999. Mais!

 p. 9.BALTRUSCHAT, Astrid. A interpretação de lmes segundo o método documentário. In: WELLER, Wivian; PFAFF, Nicolle (Orgs.). Metodologias da pesquisa qualitativa em educação. Petrpolis, Vozes, 2010.

BIRMAN, Patrícia. Mediação feminina e identidades pentecostais. Cadernos Pagu, Campinas:UNICAMP, n. 6-7, p.201-226,1996. Núcleo de Estudos do Gênero.

CLÉMENT, Catherine; KRISTEVA, Julia. O feminino e o sagrado. Tradução de Rachel Gutiérrez. Rio de Janeiro:Rocco, 2001.

DA-RIN, Silvio. Espelho partido. Rio de Janeiro: Azougue, 2004.

DUARTE, Rosália. Cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

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Reeducando la mirada. Reexiones sobre la reguración de nociones católicas entre practicantes de terapias alternativas en Buenos Aires (Argentina)

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 151-161, jan./jun. 2011

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Tradução Rogério Fernandez. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

GUIMARÃES, Patrícia. Ritos do reino de Deus: pentecostalismo e invenção ritual. 1997. Dissertação (Mestrado)- Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997.

LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

2004.

 Recebido em 30.08.10

 Aprovado em 28.01.11

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Luis A. Várguez Pasos

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SECULARIzACIóN y cultura (s)  católica (s) ENTRE

 jóVENES UNIVERSITARIOS DE MéRIDA1

Luis A. Várgue Pasos*

RESUMEN

El objetivo de este artículo es comprender cmo tres grupos de jvenes pertenecientesa tres distintos tipos de universidades construyen sus respectivas culturas catlicas ycuál es el signicado que le asignan a su religión y a determinadas creencias y prácticasreligiosas que aprendieron en su infancia y adolescencia. Para ello entrevisté a 75estudiantes de una universidad pública, una laica y una religiosa.

Palabras clave: Jvenes – Religin – Educacin – Universidad

ABSTRACT

SECULARIZATION AND CATHOLIC CULTURE BETWEEN yOUNGUNIVERSITy STUDENTS IN MERIDA (ARGENTINA).

This paper aims at understanding how tree groups of youths, pertaining to threedistinct universities, are constructing their respecting catholic cultures and whatmeaning do they assign to their religion and to the practices and beliefs they havelearned during childhood and adolescence. Seventy-ve students were interviewedfrom three universities: a public, a secular and a religious one.

Kewords: Youths – Religion – Education – Uuniversity.

* Profesor investigador y Coordinador de la Unidad de Posgrado e Investigacin de la Facultad de Ciencias Antropolgicas de laUniversidad Autnoma de Yucatán. Miembro del Sistema Nacional de Investigadores desde 1995, E-mail: [email protected] Una versin preliminar de este artículo fue presentado por su autor como ponencia en el XIII Congreso Latinoamericano de Religin y Etnicidad,de la Asociacin Latinoamericana para el Estudio de las Religiones, celebrado en Granada, España del 13 al 16 de julio de 2010.

Introduccin

Varios estudiosos del fenmeno religioso sos-tienen que ante las transformaciones a las que ladoctrina que predica la Iglesia catlica está siendosometida a nivel global, la aparicin de diversasculturas católicas, que corresponden a los dife-rentes sectores sociales de sus eles, ha venido asustituir los fundamentos de esa doctrina que enotras épocas servía de eje en torno al cual estosfeligreses orientaban su conducta y conformaban

el marco de certezas que requerían para darlesentido tanto a su vida como a su muerte. Así, hoydía las creencias, prácticas, dogmas y rituales quecomponían esa doctrina, son desprovistas de susentido sagrado y remplazadas por esas culturascompuestas por un sistema de ideas, prácticas yrelaciones cuyo sustento son los componentes deaquella doctrina. Dicho de otra manera, lo sagradoque en otras épocas envolvía lo profano, pasa a ser envuelto por lo profano. De todas maneras, uno yotro siguen conformando un todo articulado.

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Secularización y cultura (s) católica (s) entre jóvenes universitarios de Mérida

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2 Esta ciudad es la capital del estado de Yucatán en México.

3 Karel Dobbelaere (2008) propone los siguientes niveles para ana-lizar la secularizacin. El primero es el nivel macro o nivel societal,el segundo es el nivel meso o nivel organizacional y el tercero es elnivel micro o nivel individual.4 Estoy consciente de que esta discusin sobre la secularizacin mereceser tratada con mayor profundidad, infelizmente el espacio destinado

 para este escrito me lo impide.5 Berger se reere a la Guerras de Religión de Francia que se desarrolla-ron entre 1562 y 1598. Su origen se debió a los conictos religiososentre catlicos y protestantes calvinistas conocidos como hugonotes.Estas guerras concluyen con la promulgacin del Edicto de Nantes

 por Enrique IV y en el que, aunque se declaraba religin nacionalen Francia al catolicismo, se garantizaba a los hugonotes libertad deconciencia y de culto e igualdad política.

En este artículo pretendo comprender cmociertos grupos de jvenes pertenecientes a tresuniversidades de Mérida2, una pública, otra laica yotra más religiosa, construyen su cultura catlica y

cuál es el signicado que le asignan a las creencias, prácticas, dogmas y rituales que componen la doc-trina que aprendieron en su infancia y adolescenciaa través de sus padres, catequistas y sacerdotes dela Iglesia catlica. Debo advertir que aunque entrelos sujetos estudiados se encuentran miembros deotras denominaciones religiosas, slo me referiréa los de la Iglesia catlica. Visto así, los resultadosque nos arrojan las opiniones de los encuestados yentrevistados es la existencia de culturas catlicasque varían de acuerdo con la educacin religiosa

de los individuos, escolaridad, grupo social y percepcin de la divinidad, dogmas, creencias ytradiciones que componen su religin. En este caso,del catolicismo.

El contexto: la seculariacin

El contexto social, pero también intelectual,más amplio en el que se incuba el surgimiento delas culturas catlicas de los jvenes universitariosde Mérida es la secularizacin. A diferencia de

otras épocas, hoy día la secularizacin no separa elmundo de la Iglesia ni de la religin, o lo profanode lo sagrado, sino que en muchas circunstanciaslos une y da lugar a nuevas manifestaciones de lareligin por demás complejas y no pocas vecescontradictorias. Dadas estas características queadquiere la secularizacin, su comprensin requiereque la analicemos desde distintas dimensiones yno como si se tratara de una esfera monolítica3.Desde mi perspectiva, una de estas dimensioneses la historia y la otra es la que corresponde a la

secularizacin de la conciencia4. En ambas, el in-dividuo es el actor central, pues es quien conereel signicado que dene a cada una de ellas. Sobradecir que estas dimensiones no se presentan en larealidad en forma pura, usualmente lo hacen demanera irregular por lo que muchas veces sus fron-teras no están claramente denidas. De tal modo, puede concebírseles desde otro ángulo y clasi-cárseles bajo otra tipología. Dicho en términos deMax Weber (1964), se trata de tipos ideales, cuya

mayor utilidad es contribuir a la comprensin delfenmeno bajo análisis.

La historia, repito, es una de esas dimensionesde la secularizacin. A través de ella podemos

comprender cómo ha cambiado su signicado a lolargo del tiempo en los distintos espacios en los quese ha presentado. Luis González-Carvajal (1991)señala que la palabra secularizacin proviene dellatín saeculum, por lo que originalmente signicabasiglo. Posteriormente, el latín eclesiástico le dio elsignicado de mundo en oposicin al de Iglesia.Así, lo secular era lo que pertenecía al mundo y noa la Iglesia. Bajo esos términos, este mismo autor agrega que por secularizacin se entendía el pasode la Iglesia al mundo. Por ejemplo, el abandonoque los clérigos hacían de su vida consagrada pararetornar a su condicin de laicos. De acuerdo coneste mismo autor, en el siglo XIX muchas de lastareas de la Iglesia fueron asumidas por la socie-dad, con ello la palabra secularizacin adquiriuna connotacin cultural. En México, éste sería elcaso, entre otros, de la educacin.

De acuerdo con esa misma dimensin, Peter L.Berger (1971) nos recuerda que el término secula-rizacin ha sido utilizado de diferentes maneras endistintos tiempos. Desde el uso que se le dio tras lasGuerras de Religin5 hasta el que se le da en círculos progresistas y en ámbitos religiosos. En el primer caso sirvi para liberar el control que las autoridadeseclesiásticas ejercían sobre tierras y propiedades,en el segundo para referirse al desprendimiento delhombre moderno de la tutela de la religin y en eltercero a manera de sinnimo de paganizacin o dedescristianizacin. A juicio de Berger, esa multipli-cidad de usos ha dado lugar a que se le considere un

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Luis A. Várguez Pasos

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término confuso o sin sentido, por lo que se le ha pretendido hacer a un lado. Tras señalar su desacuer-do con esta intencin, nos dice que entiende “por secularizacin el proceso por el cual se suprime el

dominio de las instituciones y los símbolos religiososde algunos sectores de la sociedad y de la cultura”(1971, p. 134). De ahí que sea más que un procesosocioestructural y tenga un carácter subjetivo. Estasubjetividad le permite a Berger prever el surgimientode una secularizacin de la conciencia que va másallá de las instituciones que rigen la vida social y lacultura. Berger volverá a referirse a esta categoríaen una obra posterior al establecer que entiende lasecularizacin no como la simple separacin del Es-tado de la Iglesia, sino en cuanto “al proceso interior del pensamiento, esto es, como secularizacin de laconciencia” (1975, p. 17-18).

Como resultado de esta dimensin histrica, lasociedad se organiz al margen de los ordenamien-tos de la Iglesia catlica. O mejor dicho, fuera dela inuencia directa de su jerarquía. El derrumbede las monarquías europeas en el siglo XVIII y susustitucin por el Estado nacional y el sistema par-lamentario fueron la culminacin de esta dimensinde la secularizacin.

La secularizacin de la conciencia, como Ber-ger (1971) la concibe, pensar dejando de lado lasnormas e ideas que establece la Iglesia catlica, esotra de las dimensiones que le asigno a la secula-rizacin. A su vez, esta dimensin encierra variosniveles. En mi opinin, aunque siguiendo a losautores ya citados, la secularizacin de la concien-cia tiene tres niveles de signicado mutuamentecomplementarios. El primero, desde luego no enorden de importancia, es el que se reere a la capa-cidad del individuo de pensar la realidad al margende los fundamentos de la religin. Mediante esteejercicio del intelecto, cuestiona tanto la realidadconcebida desde la racionalidad de la religin comotambién la forma y los tiempos en que fue creada.En respuesta a ese cuestionamiento, y siempre enuso de esa capacidad, el individuo imagina otrasrealidades posibles en las que la religin no tiene un principio genético o fundacional. En este sentido, larealidad no está determinada por agentes externosal individuo, sino que éste es quien la determinay congura. O sea, la crea. Después de todo, ima-ginar es un proceso creativo que slo le compete

al hombre. De todas las realidades posibles, lasque le despiertan una especial atencin son lasque tienen que ver con los orígenes del mundo, lavida, la muerte y la actitud que asume frente a esta

tríada. En ausencia de la religin, las alternativasmás usuales a las que el individuo recurre paraexplicarse la realidad que encierra la problemáticaanterior son la ciencia y la ética respectivamente.En ambas el uso de la razn le impulsa para encon-trar los elementos valorativos mediante los cualesdotará de sentido y signicado al mundo, la viday la muerte, pero también a su entorno y quehacer cotidianos y elaborará las normas que regirán suconducta hacia los demás.

El segundo nivel de la secularizacin de la con-ciencia, estrechamente relacionado con el anterior,es el que alude a la apropiacin que el individuohace de las ideas y prácticas en torno a lo sagrado.Quienes se incluyen en este nivel, tienen la opcinde pensar lo sagrado dejando de lado las enseñanzasdoctrinales de la jerarquía de su Iglesia o bien dereestructurarlas y elaborar una versin de acuerdocon su propia percepcin de lo sagrado y de lareligin en general. Esta última opcin fue la quelos sujetos de este estudio adoptaron.

En su sentido más extremo, en este nivel dela secularizacin de la conciencia el individuo serelaciona directamente con la divinidad sin inter-vencin de mediadores como sacerdotes y ministrosreligiosos en general. Sin embargo, no siempre esasí. Algunos predicadores, servidores del Movi-miento de la renovacin carismática en el EspírituSanto y laicos de la Iglesia catlica que cumplendeterminadas funciones propias de los sacerdotesrecurren a los santos, las vírgenes y los ángelescomo mediadores de la divinidad. Dicho sea de paso, en ocasiones estos casos, ya sea de protestan-tes o católicos, han dado lugar a conictos entre el poseedor de este carisma y el ministro o párroco dela Iglesia al que ésos pertenecen. Como resultado,el ministro o párroco pierde autoridad, pero sobretodo pierde el monopolio de lo sagrado.

Este segundo nivel de la secularizacin dela conciencia también incluye la forma como elindividuo recibe lo sagrado. Como señalé arriba,en su caso más extremo, el individuo lo recibedirectamente de la divinidad a través de un actoextraordinario y sin mediacin alguna. Por ejem-

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6 Sobre este concepto y algunos de los estudiosos que lo utilizan véaseMATTHES, Joachim. Introducción a la sociología de la religión II.Iglesia sociedad, Madrid, Alianza Universidad, 1971

 plo, shamanes y predicadores que deciden formar su propia congregacin religiosa. Pero también puede suceder que algún sacerdote o ministro selo otorgue o que otros como él se lo coneran. En

el primero de estos últimos casos se incluyen loslaicos en la Iglesia catlica que cumplen algunasfunciones propias de los sacerdotes, como dar lacomunin en las misas, y en el segundo estaríanalgunos servidores del Movimiento de la reno-vacin carismática en el Espíritu Santo. En estosúltimos casos, a diferencia de quienes abandonansu congregacin, se mantienen en ella. Como severá, los estudiantes investigados, no obstante lareestructuracin de las creencias, ideas y prácticasreligiosas que aprendieron en su niñez y adolescen-cia, continuaron reconociéndose como catlicos.

El tercer nivel de la secularizacin de la con-ciencia es el que sostiene la libertad del individuo para elegir una determinada religin o renunciar a ella. Los casos de conversin de una a otra de-nominacin religiosa se incluyen en él. El cambiode adscripcin o la renuncia a la religin puede producirse por diversos motivos. Por ejemplo, laintervencin de agentes externos como los misio-neros de alguna denominacin que convencen alindividuo para convertirse a ella, por algún tipode conicto con otros miembros o dirigentes desu Iglesia, por insatisfaccin con los principios desu religin, o porque la doctrina de su Iglesia hadejado de tener signicado para él. La renuncia a lareligin no debe interpretarse necesariamente comoun caso de ateísmo, puede verse así, pero también puede interpretarse como un caso de indiferencia ala religin y a la divinidad. Actualmente, la Iglesiacatlica está más preocupada por este último pro- blema que por el ateísmo.

En medio de ese proceso de secularizacin, lareligin ha perdido la funcin integradora del “or-den social y la legitimacin del status quo” (LUC-KMANN 1973, p. 78) que originalmente tenía. ElEstado la ha sustituido al abrogarse la emisin yla sancin de las leyes que procuraban ese ordeny el ejercicio de la violencia para salvaguardarlasy legitimarse a sí mismo. Al momento presente, lareligión cumple la función de conrmar al creyenteen un sistema de relaciones y una concepcin dela divinidad derivada de su particular concepcinde sí, del mundo y de la vida.

Vista en los términos anteriores, la religinen la sociedad secular deja de ser la reguladora yconformadora de las ideas y conductas de la feli-gresía para ser, como dice Agnes Heller (1997), una

simple formalidad. O bien, para transgurarse enlo que algunos autores llaman religión cultural 6.Es decir, la religin concebida, y practicada, como parte de un sistema cultural y no como una formade religarse al mysterium tremendum que reereRudolf Otto (1980).

 juventud cultura catlica en Mrida

Denir el período de la vida de los individuosque va de la adolescencia a la madurez encierra un

sinfín de dicultades. O sea, la juventud. Más toda-vía que en la actualidad los términos joven, jvenesy juventud se usan de manera metafrica. Por ejem- plo, joven de corazn, jvenes de la tercera edad y juventud en plenitud. En las últimas décadas, diver-sos estudiosos (MARGULIS 2001; MARGULIS;URRESTI 2000) han evidenciado los problemasque conlleva la relatividad de su signicado. Algosemejante sucede en las sociedades no occidentales,Van Gennep (2008) demostró, desde nes de losaños sesenta, que en ellas las etapas biolgicas y

sociales de la vida del individuo están claramentediferenciadas. Por ejemplo, la pubertad siológicay la pubertad social son dos cosas diferentes que nosiempre coinciden. En contra de quienes piensanque juventud es una categoría estadística, dichosautores coinciden en la imposibilidad de usar demanera indiferenciada este concepto y del trasfondosocial de su signicado. Excluyéndome de estadiscusin, pues no es mi propsito participar enella, pero sí poniéndome del lado de estos últimos,en este documento tomo como sujetos de estudio

a los individuos que cursan estudios universitariosy que sus edades uctúan, en promedio, entre 19 y24 años. Por tanto caen en esa categoría difícil dedenir llamada juventud .

De manera semejante, la categoría cultura igual-mente resulta difícil de denir. Aun cuando se leadhiera un adjetivo y se le acote, el problema per-

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siste. Dejando también de lado esta discusin, paralos nes de este artículo concibo la cultura católicade los jvenes universitarios de Mérida como esaamalgama de ideas, prácticas, actitudes y formas

de relacionarse con los demás y la divinidad queconstruyen a partir de la resignicación que hacende la doctrina que predica la jerarquía de la Iglesiacatlica y de la asimilacin de ciertas prácticas quesi bien no son parte de esa doctrina, sí lo son de lasactividades que impulsa esa jerarquía. Vista así, lacultura catlica de esos jvenes se opone a la cultu-ra, también catlica, que promueve la jerarquía deesa Iglesia. A diferencia de esa cultura, esta últimaes construida, tomando como base la doctrina dela Iglesia catlica, para el consumo de aquéllos yde todos sus eles.

Igual como sucede con otras culturas que portael individuo, por ejemplo su cultura de origen osu cultura política, la cultura catlica de dichos jvenes es un segmento de un todo mayor que es lacultura del grupo social al que esos jvenes pertene-cen. En este sentido, en su construccin se incluyenlas ideas, hábitos, tradiciones, estilos de vida yformas de conducta establecidas y compartidas por los integrantes de ese grupo, independientementede que puedan guardar, o no, parentesco entre sí.

Bajo esta concepcin, este tipo de cultura igual-mente se contrapone a lo que se podría denominar cultura nacional e inclusive cultura regional. Entodo caso, estaría más cerca de lo que se ha lla-mado cultura local. Para decirlo de otro modo, lacultura catlica de los jvenes que constituyen lossujetos de este texto, se nutre de los elementos queconforman la cultura local.

Sin entrar en mayores detalles, la cultura localen Yucatán, eso que en el imaginario de muchagente se llama cultura yucateca, está caracte-rizada por un fuerte localismo heredado de un pasado histrico en el que se conjugan las raíces  prehispánicas -particularmente la arquitectura yla lengua maya-, la inuencia de la religión ca-tlica, la gastronomía, la música de guitarras, elcarnaval, el uso de la indumentaria tradicional y elaislamiento geográco que vivió la Península deYucatán hasta mediados del siglo XX. Como todacultura, la de Yucatán está sometida a fuertes cam- bios resultantes de la apertura de México al restodel mundo a través del intercambio comercial, del

auge de la comunicacin satelital y del consumode bienes simblicos procedentes de otros paísesde América del norte, América, del Sur, el Caribey Europa. Naturalmente, estos cambios tienen un

impacto diferenciado entre los distintos sectoresde su poblacin. El de los jvenes es de los mássensibles a este impacto.

De todos los componentes anteriores de la cul-tura local de Yucatán, para los nes ya expuestosquiero tomar la inuencia de la religión católica.Como ya sabemos, la religin que predica la Iglesiasigue teniendo un peso especíco en la vida socialde esa entidad y de todo México. Su inuencia nose limita a su historia y a la inclusin de sus templose iconografía en el patrimonio artístico del país. Laintervencin de la jerarquía catlica en asuntos noestrictamente religiosos y el incremento de sus ins-tituciones educativas por todo el país son muestrasevidentes de esa inuencia que aún persiste. En elcaso de Mérida, podría agregar la cobertura quela prensa y un canal de televisin locales le dantanto a las actividades y eventos que organiza estaIglesia como a las homilías, declaraciones y artí-culos periodísticos de su jerarquía. Para no pocosde sus eles, estos hechos son algo natural, forman parte de una especie de conciencia colectiva, cuyos portadores encuentran en la cotidianidad la fuentede su sustentacin.

Ahora bien, llama la atencin que, no obstanteeste peso de la religin, en una encuesta sobrela felicidad que la empresa “Numeralia” lleva cabo recientemente en todo México, los datossobre Yucatán señalan que slo una tercera partede los entrevistados valor la religin como muyimportante. En contraste, otra porcin igual lacalicó de importante, una cantidad menor señalóque era medianamente importante, una parte mi-noritaria dijo que era poco importante y menos aúnrespondi que carecía de valor. Desglosando estainformacin, 32.3% de las mujeres y 32.8% de loshombres dieron la primera respuesta; 35.9% delas mujeres y 34.6% de los hombres señalaron lasegunda respuesta, 16.8% de las mujeres y 17.2%de los hombres proporcionaron la tercera respuesta,7.2% de las mujeres y 9.1% de los hombres dieronla cuarta respuesta y 7% de las mujeres y 6.4% delos hombres aportaron la última respuesta (Diariode yucatán, 11 de febrero de 2010). Infelizmente,

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la fuente de esta encuesta no señala las edades delos entrevistados.

Otros datos interesantes sobre la religiosidad delos yucatecos, que contrasta con lo que la jerarquía

catlica establece, son los que esa misma empresaobtuvo en una encuesta aplicada recientementeen Yucatán sobre la cuaresma y la Semana Santa.Solamente el 25.2% de los hombres y el 40.6% delas mujeres asistieron a los ocios del Miércoles deCeniza; el 54% de los hombres y el 68.6% de lasmujeres no come carne los viernes de cuaresma;el 43% de los hombres y el 47.9% de las mujeresayunaron el Miércoles de Ceniza y el Viernes deDolores; para el 40.7% de los hombres y el 46.5%de las mujeres la cuaresma es tiempo de reexión,

 para el 19.3% de los hombres y el 11.3% de lasmujeres es de diversin y para el 40% de los hom- bres y el 42.3% de las mujeres es tiempo de amboscosas. A la pregunta sobre la compatibilidad de ladiversión y la reexión durante la Semana Santa,el 74% de los hombres y el 70% de las mujeresrespondi que sí lo es (Diario de yucatán, 28 demarzo de 2010). Entre éstos seguramente se en-cuentran quienes asistieron al concierto de EltonJohn en la zona arqueolgica de Chichén Itzá elSábado de Gloria de 2010. Ignoro cuántos de ellos

sabían que este artista declar que Cristo era ho-mosexual7. En todo caso, estas respuestas sobre elvalor de la religin y la cuaresma son expresionesde esa cultura catlica.

Los universitarios de Mrida la secu-lariacin

Los resultados de la informacin recopiladaentre los jvenes universitarios de Mérida dan pie para repensar lo que Peter L. Berger sostiene en El

dosel sagrado. Ahí escribe quela inuencia de la secularización ha sido mayor enlos hombres que en las mujeres, en las personas deedad media que en los muy jvenes y los viejos”(1971, p. 135).

Aunque Berger no explica qué entiende por “muy jvenes” podría suponer que se trata de per-sonas cuyo rango de edad coincide con el de missujetos de estudio y a pesar de que slo entrevisté

a hombres y mujeres jvenes, es evidente que lasconcepciones de un amplio sector de éstos sobrelas enseñanzas de la Iglesia católica dieren de las personas que les supera en edad. En este sentido,

comparando lo que Berger observaba hace cuarentaaños con lo que hoy día acontece en nuestra socie-dad, la secularizacin, particularmente la secula-rizacin de la conciencia, incluye a grupos etariosque antes no incluía, independientemente de quesus integrantes fueran hombres o mujeres.

En lo que Berger sigue teniendo razn es en ladiferenciacin de la secularizacin. Si bien es unfenmeno global, sus manifestaciones al interior delas sociedades, e inclusive de una misma sociedad,son heterogéneas. En el caso de la sociedad deMérida, los efectos de la secularizacin entre los jvenes entrevistados se expresan mediante 1) lamagnitud del distanciamiento de sus concepcionesy prácticas en torno a lo sagrado de lo que ordenala jerarquía de la Iglesia catlica; 2) la construc-ción de un marco de signicados propio sobre lareligin, la divinidad, la Iglesia y su relacin con ladivinidad y la Iglesia y 3) su interés, o desinterés, por el sacerdocio y la vida consagrada. Es decir,el distanciamiento de lo que algunos estudiososhan denominado religión de Iglesia (OVIEDOTORRó, 2002). De estos tres tipos de expresiones,el primero es el más general, pues incluye a losotros dos. Como si fuera un eje, en el extremo quemarca el mayor distanciamiento, y por tanto esaconstrucción de signicados e interés, estarían losestudiantes que se declararon ateos junto con losque armaron no tener interés por la religión. Por su parte, los que manifestaron que sus creencias y prácticas coinciden con esos ordenamientos marcanel menor distanciamiento, o si se preere el mayor acercamiento, y ocupan el extremo opuesto. Unos yotros constituyen una minoría en la que los prime-ros son los menos, slo unos cuantos. Como era deesperarse, la mayoría de los segundos pertenecen ala universidad religiosa y los menos son los inscri-tos en las universidades pública y laica.

La gran mayoría de todos los estudiantes entre-

7 El peridico El Universal, de la ciudad de México, public en suedicin del 20 de febrero de 2010 una entrevista a Elton John en la queéste armaba que Cristo era “un homosexual compasivo que inclusollegó a perdonar a quienes lo crucicaron” (www.eluniversal.com.mx/notas/660293.html)

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vistados, independientemente del tipo de univer-sidad en la que están matriculados, declar poseer una religin, sobre todo la catlica. Sin embargo,su distanciamiento o acercamiento de la religin de

Iglesia, se distribuye de manera muy heterogénea alo largo del eje arriba mencionado. O sea; en unos,algunas de sus creencias y prácticas religiosascoinciden con lo que manda la jerarquía catlica, pero otras no; en otros estudiantes, esas creenciasy prácticas son otras y de la misma manera algunascoinciden con ese ordenamiento y otras no.

El comportamiento de los estudiantes ante-riores no es exclusivo de ellos. Lo mismo ocurrecon quienes cuyas creencias y prácticas religiosascoinciden con la religin que manda la jerarquíacatlica. No todos cumplen de manera homogéneacon los preceptos de este tipo de religin. Entreellos igualmente hay diferencias. Por ejemplo, unoscreen en la existencia del cielo, pero lo concibencomo un espacio físico y otros, aunque asisten amisa y comulgan cada semana, no creen que Cristoesté presente en la hostia y el vino consagrados.Otros más sí creen esto último, pero no asistencotidianamente a misa y menos se conesan ycomulgan8.

La distancia, sea mucha o poca, entre las con-cepciones, creencias y prácticas religiosas de losestudiantes entrevistados con la religin de Iglesiano siempre está relacionada con su interés por as- pectos vinculados con esa religin. El sacerdocio  para los hombres y la vida consagrada para lasmujeres constituyen uno de estos aspectos. La je-rarquía catlica constantemente se queja de la faltade interés de los jvenes, hombres y mujeres, paraingresar a los seminarios y conventos y dedicarsea servir a la Iglesia y a los demás. A su pesar re-conocen que este desinterés desvela el incrementode la secularizacin y el consecuente decrementode la cultura catlica que prevalecía en otras épo-cas en los distintos sectores de la sociedad. Hasta principios de la segunda mitad del siglo pasado, ser sacerdote, religioso o monja era una alternativa devida altamente valorada por no pocos jvenes. So- bre todo los estudiantes de escuelas catlicas. Antela situacin actual, los integrantes de esa jerarquíadesarrollan diversas actividades en sus parroquias para estimular las vocaciones religiosas entre losadolescentes y jvenes. Por ejemplo, kermeses, ex-

 pos, convivencias, retiros de n de semana, visitasal seminario y conventos y pláticas informativas enlos colegios religiosos.

La respuesta que los universitarios de este es-

tudio dieron a ese llamado de su Iglesia muestrael impacto de la secularizacin entre este sector dela poblacin de Mérida. Todos los entrevistadoscoincidieron en no tener ese tipo de vocacin, por ello no ingresaron al seminario o a algún conventoy en su lugar optaron por seguir una carrera uni-versitaria. Preeren tener una carrera profesional,tener familia y “llevar una vida normal”. Unosconsideran que ser sacerdote o religiosa es bonito, pero no lo desean para ellos. Un estudiante de launiversidad pública dijo sentir admiracin por quien elige el sacerdocio, de la misma manera queadmira a quienes se desempeñan en profesionesque requieren mucho esfuerzo o en trabajos de altoriesgo. Una estudiante de la universidad religiosamencion que al concluir la secundaria expresen su casa sus deseos de ser monja, pero nadie le  prest atencin. Según ella, su vocacin no eramuy fuerte porque no insisti y empez a estudiar la preparatoria. Algunos más respondieron que paraservir a Dios no es necesario ser monja o cura.

La mayoría de los estudiantes de la universidadreligiosa declararon haber asistido en las escuelasdonde estudiaron la secundaria y preparatoria aconferencias y retiros dirigidos a promover las vo-caciones religiosas. Usualmente estas actividadesestaban a cargo de sacerdotes, monjas, profesoreso jvenes laicos de alguna parroquia entrenados para ello. Ya como estudiantes de la universidad,igualmente asistían a este tipo de actividad que la propia institucin organizaba. En ocasiones, el temade la vocacin religiosa igualmente se abordabacuando alguno de los sacerdotes, de la orden a laque pertenece la universidad, les daba clases. Unosestudiantes señalaron que la invitacin que sus pro-fesores les hacen para participar en las actividadesde sus grupos apostlicos o en la colecta de dinero para el seminario, están dirigidos a la búsqueda de

8 Estas creencias que aquí me sirven de ejemplos las trato con mayor amplitud en otro trabajo resultante de esta misma investigacin. VéaseVÁRGUEZ PASOS, Luis A., Creencias, representaciones y prácticasreligiosas entre jvenes universitarios de Mérida. En: VÁRGUEZPASOS, Luis A. (Editor), Niños jóvenes en yucatán. Miradasantropológicas a problemas múltiples, en prensa.

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 jvenes que deseen ser sacerdotes. Por otra parte,ampliando la informacin de los estudiantes, en lascarteleras ubicadas en los pasillos de la universidad,es común ver  posters9 alusivos a las vocaciones

religiosas e informacin impresa sobre el trabajoque sacerdotes y religiosas desempeñan en diversos países del tercer mundo.

Los estudiantes de las universidades pública ylaica que asistieron a actividades en pro de las vo-caciones religiosas son menos. Los que lo hicieronfueron quienes continuaron su educacin religiosaluego de hacer la primera comunin, estudiaronen colegios religiosos y quienes se inscribieron enalguno de los grupos apostlicos de sus parroquias.Aquellos estudiantes que aún participan en estosgrupos, tampoco tienen la intencin de seguir ese tipo de carrera. Preeren concluir la que yainiciaron.

Otra forma como los estudiantes entrevistadosmaniestan su interés, o desinterés, por la religiónes mediante sus lecturas y conversacin sobreeste tema. Dos tercios de los estudiantes consul-tados respondieron negativamente a la preguntasobre si leían libros de temas religiosos. Los dela universidad religiosa sobresalieron por encimade los estudiantes de las universidades pública y privada. En todos los casos, los hombres fueronlos que más leen sobre religin y las mujeres lasque menos leen. No obstante, la mayoría solamentelee al respecto de vez en cuando, pocos lo hacensemanalmente y slo unos cuantos leen a diario.

Las lecturas de los estudiantes de la universidadreligiosa están asociadas a sus clases con conte-nido religioso. Por ejemplo, las relacionadas conla Doctrina Social de la Iglesia y el Humanismocristiano. No así las lecturas de los estudiantes delas otras universidades, entre sus lecturas estánlibros sobre los ángeles, la historia de la Iglesia, lavida de algunos santos, teología y las obras de SanAgustín. De éstos, una ínma minoría manifestó suinterés por los libros de teología y las obras de SanAgustín. En cambio, varios estudiantes de dichasuniversidades respondieron haber leído o estar le-yendo los best sellers de Dan Brown y Muerte enel Vaticano. Los autores de este libro son MauriceSerral y Max Sevigny, pero los entrevistados noles identicaron.

De acuerdo con las respuestas de la mayoría

de los estudiantes consultados, la Biblia no estáentre los libros de su interés. Slo poco menos dela tercera parte de ellos respondi que sí la lee. Encontraste, más de dos terceras partes respondieron

negativamente a esta misma pregunta. Según elgénero de unos y otros, las mujeres leen la Biblia más que los hombres. La frecuencia de su lecturaes muy diversa, la mayoría la lee de vez en cuandoy la minoría cada segundo o tercer día, fueron muy pocos los que dijeron leerla a diario. Las respuestassobre la lectura de la Biblia están estrechamenterelacionadas con la educacin religiosa que losestudiantes recibieron antes de entrar a la univer-sidad y la que reciben en ella. Así, los que más laleen fueron los de la universidad religiosa, hay quetener en cuenta que la mayoría de ellos provienede escuelas catlicas y que en la universidad re-ciben instruccin religiosa; los de la universidadlaica les siguen y por último, aunque por escasomargen, los de la universidad pública. De estos dosúltimos tipos de estudiantes, la mayoría de los queestudiaron en escuelas religiosas están inscritos enla segunda universidad, en tanto que la minoría loestá en la última.

Sin embargo, a pesar de que los estudiantes en-trevistados no muestran mucho interés por lecturasreligiosas, ni por la Biblia, sí incluyen temas dereligin en sus conversaciones. Poco más de dostercios platican de religin. Preferentemente lohacen con hermanos, amigos, novios y compañerosde su universidad y menos con sus padres y algúnsacerdote. Está de más decir que los pertenecientesa la universidad religiosa son quienes incurren enesta práctica. Sobre todo que para ellos algunasclases les sirven para exponer sus dudas y puntosde vista sobre su fe, la vida después de la muerte,la resurreccin, la existencia del demonio y de losángeles, los dogmas de la Iglesia catlica y aun laexistencia de Dios. De tal modo, conciben la clasemás como una especie de foro o conversacincolectiva que una clase formal como las demásque tienen en el día. En opinin de una estudiante,esas clases “se ponen buenísimas”. Por otra parte,muchas veces no concluyen el tema que tratan en lasesin -como dijo uno de ellos, quedan “picados”- por lo que lo siguen discutiendo en los pasillos o

9 Carteles, aches.

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en la cafetería. De esta manera la conversacin se prolonga.

Los estudiantes de las universidades públicay laica no disponen de ese tipo de espacio para

exponer sus ideas religiosas. En este sentido, pla-tican menos de religin. Cuando lo hacen, abordantemas semejantes a los estudiantes de la universidadreligiosa. Quienes son miembros de algún grupoapostlico, independientemente del tipo de uni-versidad a la que pertenezcan, platican de religincuando en sus reuniones alguien expone un tema ylos demás dan sus opiniones al respecto a manerade reexión. Muchas veces estos temas están rela-cionados con el aborto, la eutanasia, la virginidad,el amor, la familia y los derechos humanos. Otrostemas que discuten en su grupo apostlico y que ca-licaron como más teológicos son la misericordia,la caridad, la espiritualidad y la fe. Sin embargo,la mayoría reconoce que fuera de este espacio,conversan muy poco sobre estos temas. Cuandotratan alguno de ellos con sus padres es porque les preguntan qué “vieron” en su reunin.

Para los estudiantes de las tres universidadesque pertenecen a algún grupo apostlico, las misio-nes de Semana Santa también es un tema que suelenconversar con sus amigos, novios, compañeros deuniversidad, padres y hermanos. Más aún si algunode ellos es responsable de algún grupo o de algunaactividad. Generalmente este tema sale a relucir cuando se aproxima la Semana Santa y luego deque ésta concluye. Primero la plática es sobre los preparativos de su “misin” y después sobre las ac-tividades realizadas, las penurias que pasaron y lasanécdotas que vivieron. Estos estudiantes no tienenun sitio especial para platicar de sus experienciasen las misiones. Lo mismo pueden hacerlo en susreuniones parroquiales que en su universidad, enuna esta o en la playa en los días posteriores a laSemana Santa.

Las misiones se han vuelto una de las activi-dades favoritas de los estudiantes que pertenecena algún grupo apostlico10, o de quienes sin serloacompañan a quienes les hayan invitado11. Sobretodo entre los estudiantes de la universidad reli-giosa, pues sus directivos y profesores se encargande promoverlas y de recompensarlas en las cali-caciones de los alumnos que participan en ellas.Esto se debe a que, de acuerdo con la ideología de

esta universidad, este tipo de actividades forman parte de la educacin integral que imparte a susestudiantes. Lo cierto es que en no pocas ocasio-nes, los estudiantes toman las misiones como si se

tratara de una aventura o de una excursin en laque el atractivo, lo emocionante, es pasar incomo-didades y tener contacto por unas horas con gentediferente a ellos; es decir, los otros. A mi juicio, estaconcepcin se refuerza por la difusin que uno delos peridicos locales hace de la participacin deestos estudiantes en dichas misiones.

La popularidad de las misiones entre los estu-diantes de este artículo, alentaría la idea de su acer-camiento hacia las actividades de sus parroquias.Sin embargo, su recepcin de los sacramentos12 yconocimiento de sus párrocos, borran esta idea; o por lo menos, la relativizan. Así, los estudiantesde la universidad pública que sí practican la con-fesin son el 36% y los que no el 64%. De los quese conesan, el 16% lo hace una vez a la semana,el 26% una vez al mes, el 38% de vez en cuando,el 12% en Navidad y el 8% en Semana Santa. El porcentaje de los estudiantes de la universidad laicaque practican la confesin es mayor que el de losde la universidad pública, 52%. Pero slo el 13%se conesa una vez a la semana, menos del 10% lohace una vez al mes, el 47% de vez en cuando, el16% durante Semana Santa y el 14% en Navidad.

Como era de esperarse, los estudiantes de launiversidad religiosa son quienes más practicanla confesión. Éstos fueron el 72% y el porcentajerestante lo integran los que no la practican. Sinembargo, de todos quienes acuden al confesionario,el 46% lo hace de vez en cuando, el 20% una vez almes, el 18% una vez a la semana, el 10% en SemanaSanta, el 3% diario y otro 3% en Navidad.

De acuerdo con la Iglesia catlica a través de

10 En la Semana Santa de 2010, 850 jvenes de ambos sexos, perte-necientes a 12 grupos apostlicos de la parroquia María Inmaculadade Mérida, salieron de misiones a diversos pueblos del interior deYucatán (Diario de yucatán, 29 de marzo de 2010).11 El auge de estas actividades y estos grupos apostlicos entre los

 jvenes ha variado en el tiempo. En una nota periodística el presi-dente del Cabildo catedralicio, Monseñor Carlos Heredia Cervera, selamentaba de que los adolescentes y niños hayan perdido el interés

  por participar en la Accin Catlica (Diario de yucatán, 23 defebrero de 2010).12 En un trabajo actualmente en prensa, narro las razones que esosestudiantes dieron acerca de la recepcin de los sacramentos.

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la comunin “nos unimos a Cristo que nos hace partícipes de su Cuerpo y de su Sangre para formar un solo cuerpo” (Catecismo de la Iglesia Católica, Núm. 1331). Sin embargo, no todos los estudiantes

entrevistados reciben el sacramento de la comuniny por tanto participan del cuerpo de Cristo y se unena él. Solamente la reciben el 40% de los estudiantesde la universidad pública, el 50% de los de la laicay el 67% de los de la religiosa. En sentido inverso,el 60%, el 50% y el 33%, respectivamente, no lareciben. Como ocurre con la confesin, no todos co-mulgan con asiduidad. El 10% de los entrevistadosde la universidad pública, el 13% de los de la laica yel 9% de los de la religiosa comulgan dos veces por semana; el 16% de los de la pública, el 23% de losde la laica y el 31% de los de la religiosa lo hacenuna vez por semana; el 11% de los de la pública, el8% de los de la laica y el 9% de los de la religiosacomulgan una vez al mes; el 14% de los de la pú- blica, el 10% de los de la laica y el 18% de los de lareligiosa comulgan en Semana Santa; el 12% de losde la pública, el 14% de los de la laica y el 9% delos de la religiosa comulgan en Navidad y el 36% delos de la pública, el 32% de los de la laica y el 26%de los de la religiosa comulgan de vez en cuando.Aunque en ínma minoría, hubo entrevistados dedichas universidades que comulgan por respeto alas creencias familiares o a las de sus novias.

En cuanto al conocimiento que dichos estudian-tes tienen de sus párrocos, el 52% de los inscritos enla universidad pública, el 40% de los alumnos de launiversidad religiosa y el 62% de los estudiantes dela universidad laica no los conocen personalmente.De manera semejante, el 40% de los alumnos de la primera universidad, el 43% de los de la segunda yel 54% de los de la tercera ignoran sus nombres. Entodos los casos, no más del 15% tiene una relacindirecta con su párroco. Los que la tienen es porque pertenecen a algún grupo apostlico.

La complejidad que encierra la secularizacinde la conciencia entre los estudiantes entrevistadosde las tres universidades se reeja en sus respuestassobre la centralidad de la religin en la sociedad,en su conducta y en sus actividades laborales. Dostercios de los de la universidad pública niega quela sociedad se rija por principios religiosos, menosde la mitad respondi que las acciones de los indi-viduos se guían por esos principios y poco más de

la mitad sostiene que sus acciones se rigen por lareligin. Al preguntarles en cuánto estimaban quesus acciones se regían por la religin cerca de lamitad respondi “mucho”, la respuesta de los de-

más fue “poco”. Entre los que dieron esta respuestahubo quienes comentaron “a veces”, “trato” y “nosiempre”. La visin que estos estudiantes tienende la centralidad de la religin en su vida cotidia-na se complementa con sus respuestas sobre lacorrespondencia entre su ejercicio profesional y lareligin. Para poco más de dos tercios, 70%, no haytal correspondencia. Algunos de ellos comentaronque su ejercicio profesional se rige por la ética yotros por la educacin que han recibido.

En el caso de los estudiantes de la universidadlaica, la variacin de esos porcentajes fue escasa.Menos de la mitad, 40%, arma que la sociedad serige por principios religiosos, poco más de la mitadseñal que las acciones de los individuos se guían por esos principios y más del 60% arma que susacciones se orienten por la religin. A la pregunta encuánto consideraban que sus acciones se regían por la religin, algo más de la mitad respondi “mucho”.Los demás respondieron “poco”. La mayor diferen-cia entre éstos y los estudiantes de la universidad pública estuvo en la correspondencia entre ejercicio profesional y religin. Para más del 60% no la hay.Cerca de la mitad de éstos señal que esta corres- pondencia depende de la formacin que la personahaya tenido. De cualquier modo, la impresin quedan las respuestas a la segunda y tercera preguntasde que la religin es relevante en la vida de estosestudiantes se viene hacia abajo, pues la mayoríade ellos señal que no hay alguna correspondenciaentre su ejercicio profesional y su religin.

Los estudiantes de la universidad religiosadieron respuestas interesantes. Poco más del 50%no cree que la sociedad esté regida por principiosreligiosos, solamente menos del 20% cree que sílo está. Para el 30%, slo algunos aspectos de lasociedad están regidos por la religin. En cambio,el 60% respondi que las acciones de los indivi-duos sí están orientadas por principios religiosos,no así el 30%. Para menos del 10%, es relativo; enopinin de quienes se incluyen en este porcentaje,aun tratándose de un mismo individuo, algunasde sus acciones sí lo están, pero otras no. Estos porcentajes aumentan con sus respuestas sobre sus

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  propias acciones. Un alto porcentaje, 75%, dijoque sí; menos del 20% señal que no y el 5% hizoalusin a la relatividad. Un estudiante añadi “aveces sí y a veces no”, “depende”. Poco más del

60%, estima que sus acciones se rigen “mucho” por la religin y el 30% lo considera “poco”. Me-nos del 10% respondi “regularmente”. Con estasrespuestas se esperaría que una amplia mayoría deestos estudiantes armara que sí hay correspon-dencia entre su ejercicio profesional y la religin.Sin embargo, slo lo hizo la mitad, menos del 40%contest negativamente y el 10% señal que sí lahay en “algunos aspectos”.

 No obstante las respuestas anteriores de los es-tudiantes entrevistados sobre sus creencias, ideas,

 prácticas religiosas y su percepcin de la religinen general, la mayoría manifest reconocersecomo catlicos13 y la minoría como miembros dela Iglesia catlica. Lo que resulta interesante es laconcepcin que unos y otros tienen de ser catli-cos y qué es la Iglesia para ellos. Para entender ambas concepciones empecemos por esta última.La jerarquía de la Iglesia catlica establece en suCatecismo dos signicados de Iglesia. Uno es comocomunidad de creyentes cuya realizacin se daen términos de asamblea litúrgica, especialmente

eucarística. El segundo, estrechamente relacionadocon este signicado, es el de la Iglesia como Cuerpode Cristo. No obstante, la concepcin de Iglesiaque prevalece entre los estudiantes entrevistadoses la de comunidad de creyentes. Así, el 68% delos estudiantes de la universidad pública, el 65%de los encuestados de la universidad laica y el 50%de los de la universidad religiosa, dieron ese tipode respuesta. En tanto que el 18% de los entrevis-tados de la universidad pública, el 13% de los de launiversidad laica y el 41% de los de la universidad

religiosa respondieron que la Iglesia es el cuerpomístico de Cristo. Entre dichos estudiantes no fal-taron quienes respondieron que la Iglesia es el sitioal que los eles asisten para celebrar sus serviciosreligiosos. Por ejemplo, el 13%, el 12% y el 10%de los alumnos de las universidades pública, laicay religiosa, respectivamente.

Invitacin a la reflexin

Las respuestas de los estudiantes encuestadosconstituyen una invitación para reexionar sobre

varias temáticas. Por ejemplo, las formas particula-res que la secularizacin adopta en tiempos, socie-dades e individuos concretos. Lo dicho en páginasarriba evidencia que la secularizacin, sobre todola secularizacin de la conciencia, no obstante el peso histrico de la Iglesia catlica en la sociedadde Mérida, continúa su avance en ella y penetra enun sector de su poblacin cada vez más numerosoe inuyente. Es decir, el de los estudiantes univer -sitarios. Sin embargo, esto no signica que, comose ha visto, hayan eliminado la religin de su vidasocial y pensamiento, o de que la religin se pierdaentre ellos14. Al contrario, sigue ocupando un lugar importante en sus vidas. Solamente que no es laque establece la jerarquía catlica, sino la que ellosmismos construyen.

En ese mismo horizonte de reflexin, otratemática sería la concepcin que los estudiantesreferidos tienen de sí como miembros de la Iglesiacatlica. Como se vio, en sus respuestas dijeron profesar el catolicismo. Lo interesante es que, a  pesar de sus respuestas, no todos se reconocenmiembros de esa comunidad de creyentes que laIglesia catlica constituye. Algunos se consideran parte de ella solamente cuando asisten a misa.Otros simplemente se reconocen pertenecientes aesa Iglesia porque nacieron en una familia catlicay así les educaron. Digamos, parafraseando unareferencia bíblica sobre el mundo, que están en laIglesia, pero no son de la Iglesia. Es más, uno dijocreer en Dios, pero no en la Iglesia. Algo seme- jante sucede con los estudiantes de la universidadreligiosa, para la mayoría la Iglesia “cobra vida”durante las ceremonias eucarísticas y para una mi-noría esto acontece en los retiros y las misiones deSemana Santa. Como se puede ver, las respuestasde los entrevistados expresan una concepcin de

13 Algo semejante ocurre en Francia, Daniéle Hervieu-Láger (1991)menciona que los jvenes, cuyas edades están comprendidas entrelos 18 y 25 años, a pesar de que su práctica regular de la religin norebasa el 4%, se declaran como catlicos.14 Hervieu-Láger (1991) nos recuerda que la idea de la pérdida dela religin tiene su punto de partida en los enfoques clásicos de lasecularizacin.

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ser catlico y de Iglesia, de pensarse y de pensar la Iglesia, muy diferente a los ordenamientos de la jerarquía catlica.

Ahora, si bien dichos estudiantes se reconocen

como miembros de la Iglesia catlica, esta autoads-cripción está denida por condiciones y caracterís-ticas muy distintas a la que los catlicos de otrostiempos se dieron; por ejemplo, sus padres. Así, para los sujetos analizados los sistemas de creen-cias, ideas y prácticas religiosas que aprendieron ensu niñez han dejado de ser referentes de su identidadcomo catlicos. En la mayoría, como se ha visto,esos sistemas no siempre concuerdan con los queestablece la jerarquía eclesiástica. Aun en los casosde los estudiantes de la universidad religiosa, notodas sus creencias y prácticas concuerdan conlo que esa jerarquía ordena. Es más, en no pocoscasos existe desinterés por algunos aspectos queen otras épocas fueron relevantes para los jvenesde entonces.

La pregunta por qué los estudiantes referidos sesiguen reconociendo como catlicos, a pesar de sudistanciamiento de los ordenamientos de su Iglesia,es parte de este ejercicio de reexión. A reservade pensar una mejor interpretacin, yo más biendiría que lo hacen porque han construido su propiomarco de signicados sobre la religión, la divinidady la Iglesia que orienta tanto su percepcin sobresí y esta tríada como su relacin con la divinidad,la Iglesia y los demás. Visto así, para estos estu-diantes la religin se ha convertido en un estilo devida, un modo de ser, que forma parte de la culturadel grupo social al que pertenecen. En oposicina la inculturacin del evangelio que propone la jerarquía de la Iglesia catlica, llevar el evangelioa la cultura, los estudiantes analizados han optado por el camino inverso. Es decir, llevar su cultura alevangelio. De esta manera, sus creencias y prácticasreligiosas están moldeadas por su cultura, ésta esla que da signicado a esas creencias y prácticasy no al revés. Como parte de esta transguración,la religin es, para esos estudiantes, una vía paraser aceptados en las demás esferas de la sociedadde Mérida. Sobre todo si se tiene en cuenta que,en determinados grupos sociales, la práctica de lareligin suele ser un indicador del tipo de personaque un individuo es. Lo cual es importante pararelacionarse con los demás e incluso para casarse

y obtener un empleo. En este horizonte de inter-  pretacin, me pregunto si no estamos ante esareligión de la humanidad que propone John StuartMill (1986); o sea, una religin, a manera de ins-

trumento, a través de la cual el individuo alcanza susatisfaccin personal y felicidad inmediata sin tener que atenerse a la que recibirá como recompensadespués de su muerte15.

A diferencia de otros grupos, el que estos es-tudiantes integran es heterogéneo. A su vez estáformado por subgrupos que se denen más por el signicado que sus integrantes le asignan a suscreencias y prácticas religiosas que por el estratosocioeconmico al que pertenecen. Esto se debe aque este signicado no siempre es el mismo entretodos los estudiantes, varía de unos a otros, por loque, de acuerdo con esta variacin, constituyenesos subgrupos. Así, unos se identican con quie-nes comparten determinadas creencias y prácticasy forman un subgrupo, mientras que otros hacenlo mismo con los que comparten otras creenciasy prácticas. Pero también puede suceder que al-guno de estos estudiantes se identique con otrosmás por el mismo motivo y a su vez formen otrosubgrupo. De esta manera, un subgrupo puede estar integrado por individuos que pertenecen a más deun subgrupo. Para decirlo de otra manera, un mismoindividuo puede pertenecer a más de un subgrupoindependientemente de su estrato socioeconmico.Como se deja entrever, estos subgrupos no son jos,se recomponen permanentemente.

Dicho sea de paso, este ejercicio nos permitecomprender cmo se estructura nuestra sociedad.Cuál es la dinámica que da lugar a su conguración.A mi juicio, la vieja clasicación de la sociedaden clases denidas por la posición que ocupa elindividuo en la produccin, es una limitante parala comprensin de ese proceso. O sea, la estructu-racin de la sociedad. Desde mi perspectiva, losgrupos sociales que constituyen los sujetos en suinteraccin cotidiana con los demás, nos ofrecenuna herramienta más versátil. En todo caso, lavariable económica que dene la clase social a la

15 Leonardo Islas (2010) es un estudioso contemporáneo quien sos-tiene que la religin es un sector de la cultura y que como todo sector cultural persigue el deseo de felicidad ; es decir, buscar, entre otrosaspectos de la vida humana, el bienestar, la satisfaccin y el goce yevitar tanto de dolor como el sufrimiento. Solamente que su referenteterico está en Paul Schrecker (1985) y no en Mill.

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que pertenecen los individuos, es un elemento másque incide en la estructuracin de la sociedad. Sinembargo, ésta es otra discusin.

De vuelta a lo anterior, otra temática a reexio-

nar sería la conformacin de la cultura catlica deesos estudiantes. Como se ha visto, en cada caso,dichos estudiantes elaboran su cultura catlica deacuerdo con, básicamente, el signicado que cadauno le asigna a sus creencias y prácticas religiosas.Pero también, con las ideas y prácticas sobre lareligin de sus respectivos grupos sociales de ori-gen y la educacin que reciben en sus respectivasuniversidades y las que recibieron en sus escuelasanteriores. En unos casos, ese signicado coinci-de con el que la jerarquía catlica establece, peroen otros no. En ambos casos, las coincidencias ydiferencias no son absolutas. Inclusive en el casode los estudiantes pertenecientes a la universidadreligiosa, sus respuestas no son totalmente coinci-dentes con los ordenamientos de la Iglesia catlica.En sentido opuesto, tampoco, en todos los casos,dieren radicalmente a las de los estudiantes de lasotras dos universidades. Varias de sus respuestasson compatibles con las que dieron los inscritosen las universidades pública y laica De cualquier manera, esa cultura catlica que dichos estudiantesuniversitarios elaboran, es resultado de la formacomo cada quien concibe su relacin con la divi-nidad y la Iglesia y la lleva a la práctica en su vidacotidiana; o sea, en su relacin con los demás.Dada la heterogeneidad de esos estudiantes y de la

diversidad de sus creencias y prácticas religiosas,es más adecuado hablar de culturas catlicas y node una sola cultura catlica.

Finalmente quisiera señalar que los estudiantes

entrevistados, a través de sus respuestas, planteanalgunos problemas tanto para los analistas de la re-ligin como para la jerarquía de la Iglesia catlica.Por ejemplo, el de la reproduccin de esta Iglesiaentre el sector poblacional al que pertenecen esosestudiantes. Dicho de otra manera, este problemaequivale a preguntar si una institucin se puedereproducir sin el sentido de pertenencia de quienessupuestamente la integran o de una parte de ellos.Un segundo problema estrechamente relacionadocon el anterior sería la construccin de la identidadreligiosa de estos jvenes sin tener como referentela comunidad de creyentes que dene el nosotros ymarca la diferencia con el vosotros. En este caso,el tercer problema sería el del papel del dogma enla sustentacin de esta concepcin de Iglesia entredichos estudiantes. Respecto a estos dos últimos problemas, las preguntas obligadas serían cuálesson sus referentes identitarios y los sustitutos deesos dogmas. ¿Esos referentes y sustitutos seríanlos mismos individuos y los grupos que estable-cen en sus prácticas religiosas? ¿Estaríamos anteel advenimiento de una Iglesia virtual igual a lasrealidades que éstos construyen a través de suscomputadoras? Dejo abiertas las preguntas paraseguir alentando la reexión.

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Diario de yucatán, 28 de marzo de 2010.

Diario de yucatán, 29 de marzo de 2010.

 Recebido em 27.09.10

 Aprovado em 11.01.11

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PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E LEITURA DE TEXTOS RELIGIOSOS

EM PROSA E VERSO: EDUCAÇÃO CATóLICA NA LITERATURA DE

FOLHETOS DO NORDESTE1

Gilmário Moreira Brito*

RESUMO

Este texto trata sobre educação religiosa realizada à distância por meio de folhetosorganizados no formato da literatura de cordel pela Igreja Catlica para divulgar  princípios religiosos com os quais pretendeu doutrinar grupos sociais do interior do Nordeste, entre as duas primeiras décadas do século XX. Os folhetos com trezenas,

novenas, benditos, ofícios, ladainhas e orações destinadas a vários santos foramlevantados na Coleção José Aderaldo Castelo do Instituto de Estudos Brasileiro da USP.Observando a linguagem imperativa e a vida dos santos narrada na segunda pessoado plural, percebemos que os folhetos foram elaborados por padres, monsenhores, bispos, que versavam e prosavam da Igreja Catlica para a leitura/audição de outrossujeitos. Por que a Igreja Católica utilizou o folheto para difundir sua doutrina? Paraquem se destinavam as produções desses folhetos? Como aspectos e fragmentosdessa educação religiosa foram incorporados como práticas religiosas? Como poetase impressores produziram folhetos elaborando histrias, orações e práticas religiosasque permaneceram na memria e no imaginário de grupos pautados em tradições deoralidade e escritura? São questões desaadoras e complexas que possibilitaram reetir 

e analisar como grupos incorporaram seletivamente escritura e oralidade aferindo permanentes signicados na constituição/reconstituição de culturas religiosas.

Palavras-chave: Educação catlica – Literatura de folhetos – Produção e leitura detextos – Cultura religiosa

ABSTRACT

PRODUCTION, CIRCULATION AND READING OF RELIGIOUS TEXTSIN PROSE AND VERSE: catholic education in leaet literature of the

northeast of brazil

This text is about religious distance education via booklets known as cordel (string)literature realized by the Catholic Church to promote its religious principles. Theywere used to indoctrinate social groups in the Northeast, during the rst two decadesof the twentieth century. The leaets with “trezenas”(three days prayer), novenas, blessed, crafts, litanies and prayers to various saints were encountered in the Collectionof Aderaldo Jose Castelo, from the Institute of Brazilian Studies at the Universityof Sao Paolo (USP). Having note the imperative language and the life of the saints

* Professor Adjunto do DEDC - Campus I – e PPGHRL – Campus V UNEB. Endereço para correspondência: Av. Dom João VI,nº02, Ap. 105, ED. M (Mirante de Brotas) - Brotas, Salvador Ba, CEP 40285 001, E-mail: [email protected] 1 Trata-se de nova reexão da pesquisa A religiosidade nos folhetos da literatura popular , que desenvolvi no Doutorado Programa de PsGraduação de Histria Social da PUC – São Paulo de 1997 a 2001.

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Produção, circulação e leitura de textos religiosos em prosa e verso: educação católica na literatura de folhetos do nordeste

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narrated in the second person of plural, we realized that these texts were written by priests and monsignors bishops, who wrote in verse and prose about the CatholicChurch for the reading and listening of others. Why did the Catholic Church usethese booklets to disseminate its doctrine? To whom was intended the productions

of the leaets? How do these aspects and fragments of this cultural and religioustradition were incorporated as religious practices? How did the poets and printers produce leaets developing stories, prayers and religious practices that remained inthe memory and imagination of groups guided by traditions of orality and writing?Those are challenging and complex issues that allow reection and analysis about howgroups selectively incorporated writing and speaking in the permanent constitution/ reconstitution of religious culturesKeywords: Catholic education – Literature of brochures – Production and reading of texts – Religious culture

Introdução

Este texto apresenta estudo sobre educaçãoreligiosa divulgada à distância por meio de folhe-tos de grande relevância apresentados em prosae versos, organizados no formato da literaturade cordel e produzidos pela Igreja Catlica paradivulgar princípios de uma concepção moral ereligiosa com a qual pretendeu doutrinar grupossociais do interior do Nordeste, entre os primeirosanos do século XX até nal da década de 1920.Além desse tipo de folhetos, a pesquisa também

reuniu registros de histrias de santos, contos,rezas, novenas e orações que, a despeito de seremoriginários da tradição catlica, foram trabalhados e permanentemente recriados por poetas, gravadores,folheteiros e vendedores que, alterando a estruturanarrativa, aportaram sentidos e signicados em um processo que foi congurando-se historicamentecomo cultura religiosa.

Os folhetos classicados por ciclos temáticosque interessaram a pesquisa foram levantados naColeção José Aderaldo Castelo do Instituto de

Estudos Brasileiro da USP. Dentre os organizadoscomo ciclo religioso destacamos trezenas, novenas, benditos, ofícios, ladainhas e orações destinadas avários santos. Escritos na forma de prosa, poesiaem versos ou mistos, recorrendo a uma linguagemimperativa, com tratamento pessoal estruturado nasegunda pessoa do plural, denotando um grande co-nhecimento biográco da vida dos santos, percebe-mos que esses textos foram elaborados por padres,vigários, monsenhores, bispos, que falavam com

 base na Igreja Catlica – principalmente do Ceará

 –, para a leitura/audição de outros sujeitos.Por que a Igreja Catlica utilizou o folheto para

difundir sua doutrina? Quais os interesses de cléri-gos em ampliar mensagens religiosas por meio defolhetos? Para quem se destinavam as produçõesdesses folhetos? Como poetas, impressores e es-tampadores, ao produzirem folhetos, elaborarame, incorporando seletivamente Williams (1979, p.118), reelaboraram histrias, orações e práticasreligiosas que permaneceram na memria e noimaginário de grupos pautados em tradições de

oralidade e escritura? Como aspectos e fragmentosdessa tradição cultural religiosa foram encontradoscomo práticas religiosas2 do Nordeste do Brasil?Que signicados foram atribuídos, por clérigose leigos produtores de folhetos para disciplinar alíngua, o corpo e o espírito dos éis? São questõesdesaadoras e complexas que norteiam nosso exer -cício de descrição, reexão e análise neste texto.

Produção e leitura de textos recomen-dados pela Igrea Catlica: educação

2 É importante assinalar, dentre práticas de instituições religiosas, a presença marcante da Ordem dos Capuchinhos Italianos no processode evangelização de Nordeste. Esses missionários - na sua maioriade origem estrangeira -, falando um português precário, decorandotextos desta língua e preparando atividades religiosas, deslocando-selentamente, montados em burros, percorreram sertões nordestinos

 pregando mensagens religiosas aos cristãos que viviam fora das áreasde formação eclesiástica tradicional, das parquias. Cf. Regni, PietroV. Os Capuchinhos na Bahia. V. 03 p. 253.

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e valores de uma cultura religiosa emfolhetos de cordel do Nordeste

Os folhetos religiosos destacam-se pela quanti-

dade de informações; quase todos apresentam, pelomenos, mais de uma mensagem religiosa: uma no-vena e uma ladainha, uma trezena e orações e assim por diante. Além disso, foram escritos com caráter didático e pedaggico marcantes, explicitando pormenorizadamente todos os passos necessários para que devotos habitantes do interior nordestino,em localidades mais ou menos distantes de sedesdiocesanas e parquias, onde não existiam igrejase padres, pudessem seguir, exemplarmente, orien-tações e práticas religiosas preconizadas pela IgrejaCatlica. Além das orientações os folhetos permitemvisualizar como foram sendo produzidos, por meiode suas linguagens, recitações, declamações, gestose performances, que apresentavam formas, valores,normas, moral, concepções de vida e modos de viver de uma cultura religiosa eclesiástica catlica.

Observando a estrutura poética, narrativa emeldica da denominada “literatura de cordel”  percebemos que os folhetos religiosos guardamuma linguagem erudita e rebuscada, prpria dequem se expressa baseado em uma cultura letrada.Porém, a estrutura do folheto, seja em prosa ou em

versos, seu formato de oito, dezesseis páginas (oumúltiplos de oito), os procedimentos empregadosno processo de classicação por estudiosos dessaliteratura, o caráter pedaggico e, principalmente,os esforços na produção de linguagens prximas ade grupos sociais que viviam em localidades maisou menos distantes da presença de igrejas e padres,indicam que podem ser tomados como fontes, pois permitem estudar formas de veiculação detradições catlicas e processos de construção deculturas religiosas de grupos sociais do interior 

do Nordeste. No exercício de interpretação e análise de al-

guns folhetos religiosos procuramos contextualizar  perspectivas de experiências religiosas dissemina-das no Nordeste por tradições eclesiásticas cat-licas, prestando atenção em estruturas das frases,conteúdos de mensagens referenciadas em orações,rezas, cantos e, de forma especial, interconexõesde linguagens que se cruzam na produção dessesfolhetos.

As recomendações produzidas nos folhetosreligiosos pela Igreja apontam para exercíciosde uma pedagogia moralista, prescrevem normasde comportamentos familiares que devem ser 

assumidas pela mulher, recomendam que sejainspirada por exemplos de fé, humildade e expe-riência de vida dos santos (as), advertindo que,acometida de diculdades insolúveis no planomaterial, evoque esses poderes divinos. Pode-res disponíveis para a compreensão e ajuda naresolução de problemas, normalmente por meioda intercessão junto ao Deus trino (Pai, Filho eEspírito Santo), na expectativa de alcançar umagraça fazendo uma promessa. Para tanto, a devota precisa comprometer-se a seguir todas as normas,

valores prescritos em sinal de respeito, obediênciae, principalmente, delidade, além do pagamentoda promessa que pode ser tanto material – doa-ções, presentes, abstinências – quanto espiritual – orações, festas, novenas, ofícios.

Esses folhetos, passando de mão em mão, por amplos espaços do Nordeste, alimentaram práti-cas religiosas nutridas por uma pedagogia severa,oriunda de tradições catlicas. Contudo é importan-te registrar que, ao serem incorporadas por meio deexperiências vivenciadas, inspirações, evocações e

 prescrições, alcançaram rezas, trezenas, festas, pe-nitências, de maneiras diferenciadas. Para citarmosalguns exemplos de práticas religiosas devocionaisno Nordeste, a romaria ao Padre Cícero RomãoBatista em Juazeiro do Norte apresenta singulari-dades que a difere da Romaria ao São Francisco doCanindé, da cidade de Canindé, ainda que ambasestejam localizadas no Ceará.

Chama atenção que muitos dos folhetos foram produzidos em grácas de instituições católicas,identicáveis pela autorização eclesiástica sob a

denominação latina de Imprimatur . O objetivo eratransmitir mensagens impressas em folhetos desti-nados ao interior do Nordeste e, de modo especial,do estado do Ceará, em um contexto no qual aIgreja Catlica, as autoridades civis e eclesiásticas procuravam restabelecer-se do conito aberto como Padre Cícero Romão Batista, que se constituía nagrande referência religiosa de Juazeiro do Norte,situado no Vale do Cariri, no sul do Ceará. Con-forme Ralph Della Cava,

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Ao terminar o século XIX, era bem nítida a visãoque se tinha de Juazeiro como centro de “fanatis-mo”. Vários fatores favoreciam essa impressão.Um deles, era a política da hierarquia eclesiásticado Ceará, que continuava a rotular Juazeiro de seita

cancerosa dentro da Igreja (e dentro, também, docorpo político). Esses ”fanáticos” tinham, também,desaado os fazendeiros da região, que não titube-aram em pedir intervenção policial (sic) (DELLACAVA, 1985,  p. 135).

Esse contexto torna-se ainda mais esclare-cedor se lançarmos mão de um relatório con-dencial, escrito em 1903, por membros da IgrejaCatlica do Ceará, no qual encontramos: “noJuazeiro de hoje, raro é o indivíduo, homem oumulher, que segue o catolicismo; cada pessoa

tem a religião como pensa, sendo Cícero o seuministro, seu centro, um Deus” (DELLA CAVA,1985, p.136). Para a Igreja Catlica do Ceará asituação ainda se tornava mais conituosa coma expansão de beatos e rezadeiras que, durante osilêncio determinado pelo Vaticano para o PadreCícero, faziam pregações, davam instruções de práticas religiosas, distribuíam orações fortes erezas, as quais tanto romeiros como catlicosortodoxos sentiam-se atraídos. Nesse sentido,“não admira que, em consequência, no decorrer 

de duas décadas, tenha havido contra a ‘Igre-  ja ocial’ uma animosidade muito arraigada”(DELLA CAVA, 1985, p.136).

Para avaliarmos melhor a extensão desses con-frontos e a reação da Igreja do Ceará é importanteesclarecer que Juazeiro era a localidade para ondeauíam romeiros de várias paragens; o surgimentode elementos novos de uma prática que se cons-tituía como cultura religiosa partia desse centro edisseminava por todo o Nordeste. Nesse processo,segundo Della Cava, tiveram papel destacado as

novas beatas, que tornaram-se os oráculos popu-lares de Joazeiro. Saídas da mesma classe social aque pertencia a maioria dos, aproximadamente 400romeiros que chegavam, dia-a-dia, durante 1891 e1892, as novas ‘santas’ do povo manipularam o cre-do religioso de Joazeiro com retumbante sucesso.À margem da discussão teológica sosticada quese passava entre o clero, as beatas deram asas àreligião popular que nascia. (Sic.) (DELLA CAVA,1985, p. 137).

Religiosidade que constituía seus adeptosentre agricultores, meeiros e trabalhadores daenxada vinculados às propriedades da redondeza;seguidos de pobres do interior do Maranhão e da

Bahia, como também dos sertões de Pernambuco,Paraíba e Rio grande do Norte, sem esquecer osque vieram do estado de Alagoas e de regiões doRio São Francisco, em peregrinações nas quaisse confundiam trabalhadores rurais, vaqueiros erendeiros desprovidos de terra, além de artícesdiversos, com fazendeiros ricos, chefes políticos efuncionários públicos, assim como comerciantes,médicos, advogados e educadores. Todavia, comoressaltou Della Cava (1985, p. 139),  muitos ro-meiros, chamados pelas elites de “fanáticos”, eram“analfabetos”, “pobres” e “politicamente inertes”.Sob a capa de impulso religioso, não ortodoxo ouheterodoxo, escondia-se, muitas vezes, o desejoinfrutífero de controlar o meio adverso e debelar as injustiças sociais que faziam de suas vidas umadesgraça.

Dentre os textos produzidos por instituiçõesreligiosas e publicados sob a licença Imprimatur,surpreendemos tensões e confrontos no importantefolheto religioso Novena em Honra a Nossa Senho-ra das Dores (Anônimo, s/d), sintomaticamentea padroeira de Juazeiro do Norte. Iniciando comuma oração que se aproxima mais do formato dosfolhetos populares, contêm oito páginas, três delascom textos em prosa e outras cinco em versos, cujasrimas variam em três, quatro e seis pés ou estro-fes. Na capa um clichê de uma estátua de NossaSenhora das Dores. Em primeiro plano, a imagemda santa, vestindo túnica branca, da cabeça aos pés, com as mãos postas, contendo um rosário eolhar tristonho, olhando para o alto e em direção aoinnito, denotando tristeza, comoção e resignação.Atrás da imagem, uma gruta de pedras revela uma

entrada, sugerindo local de morada ou de pregação.Ao fundo, é possível visualizar, em terceiro plano,um fragmento com maior claridade que insinua umcéu com poucas nuvens.

Atentando à escrita, observamos que, apesar de otratamento dispensado a Jesus Cristo e à Santa man-tivesse na segunda pessoa do plural, a mensagem dotexto é direta e povoada de imagens que insistem em realçar aspectos trágicos e dramáticos das relaçõesentre Jesus Cristo, a Santa e os cristãos:

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Meu Senhor Jesus Cristo, que estando encravadona cruz, e tendo vossa alma submergida num pro-fundíssimo mar de amargura (...) compadecestes devossa aita mãe (...) tocai (...) minha alma [para] quetenha (...) compaixão de suas lágrimas e chore muito

dignamente o que por mim padeceu..... (ANÔNIMO,s/d) (Sic.)

Para além de construir imagens que ressaltam,na narrativa, exposição de guras tensas e mórbidascomo “encravado na cruz”, “submergida num...mar de amargura”, “compadecestes vossa aitamãe”, “compaixão de lágrimas” e “padeceu” , oautor anônimo lança um apelo aos sofrimentosmoral e físico da mãe das Dores, que se compadece,chorando por causa do martírio do seu lho JesusCristo. Essas são imagens literais que identicam eexpõem a gura de Jesus Cristo como um ícone xoe entranhado na prpria cruz, acabam por conferir uma relação de mimetismo, que o confunde com a prpria cruz e torna-se um símbolo de referênciaaos cristãos catlicos que, tendo na “alma... um mar de amargura”  proporciona sentimentos de tristezae mágoa por ter morrido na cruz para salvar a hu-manidade. Nesse sentido, buscando solidarizar-secom as lágrimas derramadas por “vossa aita mãe”,a oração sugere que os devotos assumam a culpade sua morte e também “chore... dignamente”  pelo padecimento do Senhor.

 Nomeando Nossa Senhora como “Imperatrizdo céu e do mundo”,  o autor do folheto clama para que a santa aceite sua participação no chorocomo um pequeno tributo de um devoto que de-seja anunciar ao mundo que o seu “coração (...)é o mais terno e compassivo que Deus enviou”. Essas atitudes sinalizam para uma prática religiosaindicada  pela Igreja Catlica – por meio de oraçõesno formato de folhetos –, na qual recomenda aosdevotos abstrair da experiência e da vivência de

seu mundo, que é sempre imperfeito e cheio de“enganos”, para empreender uma ação que buscaser reconhecida por sua Santa protetora, que lheconcederá o favor da salvação eterna. Ao sugerir que para continuar “triunfando sobre os enganos domundo” material, no qual convive, o bom cristãodeve habilitar-se permanentemente para alcançar no “... Império do Céu e do mundo” a perfeição ea glria, que estão situadas em outras dimensões:temporal e espacial.

A despeito de o folheto insistir em apontar uma dimensão temporal exterior às experiências,observamos que atitudes religiosas, vivenciadasno presente e espalhadas pelo interior nordestino

 pelas procissões, pagamento de promessas, jejuns,açoitamentos com cilícios durante a semana santa,abstinências, nos permitem perceber que grupos so-ciais tomam para si os martírios de Jesus, externama emoção por meio do choro e utilizam seus corposnas penitências (CARIRY, 1987, p. 184)3 parainscrevê-los contra as injustiças, a seca, a fome.

Se devotos utilizaram o corpo para inscrever dores e injustiças experimentadas para compará-lasaos sofrimentos de Jesus, o autor do folheto reco-menda que o corpo do el deve ser utilizado pararegistrar e escrever as “feridas” da Santa “no meucoração” – do penitente – como símbolo capaz deevocar a memria para recordar de “amarguras”,“dores”, “sofrimentos”, “desprezo” assinalandoqual o tipo de ensinamento que deseja estabelecer com a Santa. Assim, o autor indica na jaculatria:

Escrevei Senhora, vossas feridas no meu coração para que nele leia e conserve a vossa amarga dor e vosso no amor; dor para sofrer por vossa inter -cessão todas as dores; amor, para desprezar por vsoutro qualquer amor. (ANÔNIMO, s/d).

 Nessa parte declamada e introdutria das jacu-latrias declamadas, percebemos que o autor pre-tende registrar os sentimentos de amargura, amor e desprezo dos éis, tomando as dores da Santa para escrevê-las em seu coração. Assim, utiliza umórgão de seu corpo que é denido como ícone doamor ocidental para historiar aquela vida sagradae reter suas emoções. Contrapondo-se à escrita/leitura, o exercício das jaculatrias é manifesto por um “coro”,  por meio da recitação de quadras,versos de quatro pés, que são acompanhados de um

refrão, repetido sempre ao “...m de cada uma edas seguintes, ditas pelo cantor” (ANTONACCI,

3 “As práticas e os rituais de penitências chegaram ao Brasil, aquisofrendo modicações pela contribuição do negro e do índio. Em nsdo século passado, os negros da Bahia, nos seus rituais religiosos, ado-taram a agelação, a que denominavam ‘inhame novo’ e era executadanas sextas-feiras, como tributo a Oxalá. No Nordeste, a penitência

 popularizou-se com as Missões, os padres falavam às massas campo-nesas pobres e abandonadas, das provações do mundo e dos horroresdo inferno, incutindo nas almas incultas e crentes a necessidade dosacrifício e da penitência para conquistar o reino dos céus.”

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2001, p. 48) e intercalados pela reza coletiva deave-marias, lançando um apelo à memria.

Desta forma, observamos que a oração da No-vena desse folheto religioso recorreu a várias lin-

guagens para transmitir recomendações religiosas para públicos diferenciados que, portadores dediferentes tradições receptivas, puderam realizar amplas e distintas leituras, interpretações e res-signicações. O texto em prosa conclama os quesabem decodicar os códigos escritos por meio daleitura do texto impresso para conservar os senti-mentos que estão resguardados por meio da escrita,o esforço da poética em versos e buscar aproxima-ções, ainda que pobres, com o ritmo e a rima, quearticulam cadências para recitação. Essa operação

 busca ampliar a participação de um coletivo que,ouvindo, falando e repetindo, construiu sentidoscom base em percepções da audição, da fala e damemria que se manifestam tomando-se por base astradições de oralidade. Ainda que o cantor do refrãohaja como um solo – cantando sozinho –, conclama,quase sempre, a participação de um conjunto de pessoas que, além do ritmo, produzem um sentidoritualizado na cantoria das jaculatrias.

Os folhetos religiosos da Coleção José AderaldoCastelo apresentam várias nuanças e diferenças.Observamos no folheto  Novena do glorioso pa-triarca S. Francisco das Chagas, (TABOSA, 1928, p.5), considerado como “tributo de homenagem”a São Francisco das Chagas, que aparece identi-cado com a cidade cearense do Canindé, sendoassimilado e homenageado como “São Franciscodas Chagas do Canindé”. A despeito de a autoriadesse folheto ser identicada apenas pelas iniciais“O. D.”, característica muito incomum daquelasapresentadas nesse tipo de literatura, percebe-mos um certo amparo do Monsenhor Tabosa aoencaminhá-lo à impressão em tipograas de ordensreligiosas. Esse monsenhor é o possível responsávelem solicitar a aprovação eclesiástica para conse-guir estampar  Imprimatur no folheto contendoexercícios, recomendações e orações religiosascuja data e local – outra característica incomum – foram destacadamente registradas:  “Fortaleza, 6de julho de 1928”.

Contudo, já no início do texto escrito em prosae verso, pode-se ler Novena de São Francisco emhomenagem ao culto tributado a São Francisco das

Chagas m Canind é, o que indica apenas uma ho-menagem ao santo pelos moradores de Canindé.

É signicativo aparecer logo na primeira linhado texto o anúncio do vigário: “Deus, vinde em

meu auxilio”, aconselhando que os presentesrespondam: “Senhor! Apressai em me socorrer”, para em seguida anunciar o pertencimento cristão por meio das três pessoas da santíssima trindade;o vigário prega “Gloria ao Padre, ao Filho e aoEspírito-Santo” , ao que é respondido: “Agoracomo era no princípio, agora e sempre, por todosos séculos”.  A denominação de padre também pode ser identicada como sinônimo de pai; po-rém, no contexto em que foi veiculado, em meioa uma reza, numa novena que comporta todo umritual considerado pelos catlicos como sagrado, avinculação da ideia de “Padre” ao de “Pai Nosso”assume referência direta à construção de imagensque articulam noções do sagrado identicadas àmaterialização de guras terrenas, construindouma hierarquia que articula a família e a institui-ção da Igreja. Mais do que isso, essas conuências“padre, pai e Pai Nosso”, que articulam dimensõessagradas vinculando noções de poder de um Deus possessivo, também são estabelecidas em relaçõesnas quais senhores e políticos, buscando estender à sociedade ações paternalistas, recorrem à esferadivina para sacralizar e cristalizar suas posições demando no/do poder político no interior do Nordeste brasileiro (CHAUÍ, 2000, p 19).4

A novena de São Francisco, elaborada por repre-sentante católico e impressa em tipograas de igre- jas agrupadas pelo Monsenhor Tabosa, embora nãogure como autor de folhetos, sugere um ritual quecomeça com a “Oração Preparatria” ressaltando o prodígio e a santidade de “Francisco de Chagas”, para, fundamentalmente, suplicar a este

...pelos merecimentos de Nosso S. J. Cristo e pelavossa intercessão, me alcanceis os favores que vos peço na novena se foram para a maior honra e glriade Deus, pois em tudo conforme a sua santíssimavontade (TABOSA, 1928, p.5).

Esse recorte possibilita visualizar que a novenafunciona como um momento de reza e contrição, no

4 A respeito da formação de uma “sociedade patriarcal” e o poder divino são instigantes as reexões de Chauí, Marilena. “O que come-morar?”. Projeto História, São Paulo: EDUC, 2000.

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qual o devoto suplica a “intercessão” do Santo, nes-se caso de São Francisco das Chagas, que desfrutade grande prestígio junto a Deus, pelo seu exemplode humildade, para mediar os favores do devoto

 para a “maior honra e glória de Deus”. É precisoter claro que esta prece signica a concepção queo vigário geral tem do modo com o qual os éisdevem proceder com os pedidos e comportamentos para alcançarem as pretendidas e devidas graças.

Logo aps, tem início uma reza em coro, cujosentido fundamental é suplicar a São Francisco, queteve uma vida de dores e martírios semelhantes à deCristo, interceda junto a este pelos pecadores. Emseguida, na “Oração de súplica”, é mantido o mes-mo clima de exaltação “...pelo fervor e conança que o povo vos dedica em romarias ao Santuário doCanindé intercedei ... para com Deus Nosso Senhor Supremo. Amém.” (TABOSA, 1928, p.8).

A oração seguinte da novena, dirigida a JesusCristo, signicativamente destaca a renovação desua paixão nas chagas de São Francisco – padroeiroda região –, pedindo que, por meio do merecimentodesse Santo, seja concedido “que possamos levar acruz e fazer frutos da penitencia” (TABOSA, 1928, p.8). Percebendo os sinais, registros de fé e conan-ça dos hábitos populares nas romarias em Canindé,Monsenhor Tabosa manda imprimir e divulgar 

 princípios de uma educação religiosa por meio deum folheto a São Francisco de Canindé, buscandoconstruir regras, valores e normas para viabilizar,mediante esse instrumental, a rearmação da fé emnome de Jesus Cristo e orientar as práticas popula-res por intermédio da Igreja Catlica.

Poderíamos continuar descrevendo essa novenae assinalando súplicas, intercessões e favores dodevoto para com seu Santo; porém, na parte dessanovena denominada de “Oferecimento”, chamounossa atenção a linguagem rebuscada e o tempo

dos verbos utilizados. Palavras como “prostrado”,“obséquio”, “agradastes”, “virtudes”, “voss’alma”e “adornastes” possivelmente não faziam parte douniverso vocabular corrente nos municípios do inte-rior, bem como da capital do estado do Ceará. Nesseoferecimento, a súplica direciona-se aos valoresconsiderados religiosa e moralmente importantes,

“...Imploro ... o obséquio ... dai-me ... pureza comque a Deus agradastes ... virtudes que voss’almaadornastes ... para que ... chegue minh’alma a gozar 

a gloria apetecida que jamais há de acabar” (TABO-SA, 1928, p.9).

Um ponto interessante, nesta concepção, é queo devoto deve orientar sua prática religiosa pela

experiência com a qual o santo “agradou a Deus” , para que sua alma possa alcançar a glria.Procurando registrar alguns aspectos de hist-

rias dos folhetos, vai ganhando sentido o modo como qual a Igreja Catlica utilizou o folheto religiosono formato da literatura de cordel, em prosa, versose em prosa e versos. Ao produzir várias linguagens para se aproximar de devoções a santos, pretendeualcançar amplos grupos sociais nordestinos vincu-lados por tradições orais, repassando conteúdos, princípios, dogmas e práticas com os quais éis e

devotos daqueles santos pudessem, mediante reco-mendações de uma pedagogia autoritária, habilitar os sentidos e a postura para apreender e exercitar  práticas religiosas do catolicismo como orientaçãoa seus modos de vida, comportamentos, relaçõesfamiliares e de vizinhança.

 Neste sentido, os folhetos, enquanto produtoresde linguagens e suportes de relações sociais, ser-viram tanto para transmitir mensagens religiosas,como possibilitaram que leigos, letrados, beatos,rezadeiras cumprissem, junto às famílias do interior 

nordestino, desde o nal do século XIX, circulaçãode mensagens religiosas semelhantes às desempe-nhadas pelas Santas Missões (REGNI, 1991, p.253)5 em períodos mais recuados no tempo. Aindaque  procurassem manter segredos e mistérios atrásde uma escrita rebuscada, outras linguagens, arti-culadas nas produções de folhetos, possibilitaramque grupos vinculados a tradições de oralidade pudessem incorporar seletivamente mensagens eexercícios religiosos (WILLIAMS, 1979, p 118)6,

5 São importantes as considerações feitas por Regni para compreen-dermos como aspectos da tradição religiosa foram apreendidos dasSantas Missões dos capuchinhos. Apontando que um dos propsitos dossermões era “...destinado a transmitir à posteridade a fé dos antepassa-dos e as palavras dos missionários que haviam ensinado o caminho deDeus”. Nesse sentido, interessa retomar o que foi descrito em relaçãoàs “Santas Missões”, quando se referem a que em “lugares pobres eespiritualmente meio abandonados, a santa missão representava umacontecimento tão importante que servia ao povo como ponto de refe-rência para relembrar fatos e calcular a sucessão dos anos”6 Segundo Williams “o que temos de ver não é apenas ‘uma tradição’,mas uma tradição seletiva: uma versão intencionalmente seletiva deum passado modelar e de um presente pré-moldado, que se torna

  poderosamente operativo no processo de denição e identicaçãosocial e cultural”.

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e com base em suas experiências construíram cul-turas religiosas no interior do Nordeste.

Observando mais de perto a importância da produção, as formas de veiculação e uso de folhe-

tos, indo um pouco mais adiante das relações decompra e venda, percebemos trajetrias percorridas por essas publicações que, muitas vezes, sendo re-ferências únicas de impressos na maioria das casasdo interior do Nordeste, entre o nal do séculoXIX e anos 1940, serviram a múltiplas nalidadesno espaço doméstico (BRITO, 1999, p. 155). Por exemplo, registrar datas importantes do convíviofamiliar, de nascimento, morte, doenças; os círculosde festas, marcar compromissos e, principalmente, por meio de leituras coletivas buscar orientaçõesem exercícios religiosos, integrando verdadeirasredes. Passando de mãos em mãos, emprestados avizinhos, parentes e amigos, contribuíram para aconstrução de práticas e experiências do fazer decultura religiosa.

Entretanto, voltando ao “Oferecimento” danovena, observamos a perspectiva de exortaçãoà conversão de pecadores, permeada por apelosmoralistas para que homens e mulheres não seafastassem de regulamentações sagradas, guar-dando semelhanças com as mensagens da MissãoAbreviada, que exerceram grande inuência sobrea pregação popular e a vida religiosa, tanto emPortugal como no Brasil. (REGNI, 1991, 246).7

Além do ritual da missa e de cerimônias religio-sas ministradas na Igreja pelo padre, no espaço de(re) união e aglutinamento de pessoas, que se des-locavam de muitos lugares para ouvir e acompanhar uma consagração, os éis ganhavam visualidade ereconhecimento da Igreja ao desempenharem açõesreligiosas, no caso, a peregrinação ao santuáriode São Francisco. Partindo de diferentes lugarese estados, organizados em grupos, rezavam em procissões praticando ações religiosas em tempos eespaços diferenciados, cujas atuações tanto de açõesde catequização de missionários, como de exercíciosindividuais e coletivos de leituras/audições de fo-lhetos e novenários recomendados e veiculados pelaIgreja Catlica, em muito devem ter contribuído naconstrução destas práticas religiosas.

Contudo o “vocabulário” e as expressões da lin-guagem erudita impressa, presentes nas novenas erezas divulgadas pelo vigário geral, não são apenas

 palavras rebuscadas ou expressões da comunicaçãoeclesiástica. Elas constituem a produção de uma lin-guagem praticada por grupos religiosos, por meio daqual dão a ver seus modos de ser, de pensar e de agir.

Apegados a uma tradição religiosa, em que a evan-gelização estava vinculada a um processo conduzidoe organizado por uma cultura religiosa eclesiásticaque aparece na Ladainha do Glorioso São Franciscode Assis, demarca, claramente, quem fala, como falae para quem, além de sinalizar os que devem ler/escutar, praticar sem por em dúvida signicados e/ou entendimentos. Assim, observamos na referidaladainha trechos em latim que revelam um cerimo-nial litúrgico demarcando a hierarquia institucionalda Igreja, explicitando o lugar do Pai, do Filho e doEspírito Santo (Santa trinita), do santo da devoção(São Francisco de Assis) e dos devotos:

“Kyrie eleison,Christe eleison,

 Kyrie eleison,Christe exaudi nós

 Pater de Goelis Dei, miserere nobis, Filii Redentor mundi Dei, meserere nobis,Santa trinita onus Dei, miserere nobis,S. Francisco de Assis, orá pro nobis”. (Sic.)(TABOSA, 1928, p.7) 

Tão importante quanto traduzir esse trecho daLadainha, do latim para o português, é a quantidadee a diversidade de comentários e juízos com quediversos grupos sociais de catlicos praticantes, dointerior nordestino, interpretavam a missa, ou mais precisamente, trechos da ladainha em latim: desdeas versões mais sérias e compenetradas até as maislúdicas e jocosas. Era comum que grupos de crian-ças de minha geração, ao saírem das missas domi-nicais, recitassem em grupo, como um verdadeiro jogral: “Regina fritou o lombo”, “roubai pra ns”

era a resposta que se seguia, culminando com risos,algazarras e muitos comentários sobre a missa e o padre. Como além das cerimônias tivemos acessoa ensinamentos religiosos, por meio de uma peda-

7 Segundo Regni, o que “predomina nesta obra não é a doutrina teo-lgica, não são os princípios positivos da vida interior constituídos dagraça e da participação à vida divina. Tudo isto é, sem dúvida, o múltimo da obra, mas é um m quase subentendido, resultado implícitoda exposição dos elementos negativos, dos quais a alma deve fugir levada pelo terror. Nesse quadro, em que prevalecem as tintas escuras,desenvolve-se o princípio moral ‘afasta-te do mal e pratica o bem’.”

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gogia severa presente nos catecismos impressosque veiculavam mensagens e princípios cris-tãos – muitos tomados como brincadeira, nãoobstante os ralhos e puxões de orelha das mães

 –, pensamos que é possível acompanhar muitashistórias, interpretações e signicados em várioslugares do Nordeste.

 Na penúltima parte da ladainha, na décima doofício, percebemos que a cantoria do hino ao Santoestabelece uma comparação de São Francisco deAssis com povos e líderes que guram no “AntigoTestamento”. Entretanto o aspecto mais interessan-te é visualizar, nos versos do hino, adjetivos queatribuem poderes a São Francisco. Eles permeiamtodo o texto do ofício, contando, possivelmente,com a colaboração do Monsenhor Tabosa paraimpressão da Novena a São Francisco de Chagasem 1928,

“Fôste um escribacheio de troféutodo instruídono reino do céu”. (TABOSA, 1928, p.7) 

Além das qualidades éticas, morais e religiosas,outras duas aparecem de forma destacada: a de ser um “escriba” e de ser “instruído”. Nesse sentido, oSanto vai colecionar, com esses atributos, em umagaleria “cheia de troféus” e galgar possibilidadesde estar no “reino do céu”. Não sabemos, ao certo,se essa ladainha é de autoria do vigário geral ou sevem de uma tradição religiosa muito anterior. Con-tudo, tão importante quanto acompanhar histriasde folhetos é buscar perceber os signicados quelhes foram sendo incorporados por diferentes sujei-tos, em diferentes construções histricas e tradiçõesculturais. Assim, percebemos que o Monsenhor era um religioso enfronhado no conhecimento dahistria do Antigo Testamento, já que seu texto é povoado de referências às atitudes e experiênciasdos líderes religiosos de povos da antiguidade.

É importante perceber que, para o vigário geral,a experiência religiosa está intimamente vinculadaao exercício de compreender a religião por meiodo conhecimento das letras. Foi dessa forma queaprendeu, detalhadamente, dimensões da vidado Santo. Este era também um parâmetro impor-tante sugerido pelo padre, que os devotos de São

Francisco trilhassem, para alcançarem a salvação,enquanto troféus para chegarem ao céu.

Para essa concepção religiosa, a vida e as experi-ências dos santos são exemplos a serem “imitados”

e seguidos pelos éis como sinal de respeito e obe-diência ao santo. Nesse sentido, há uma sugestãoimplícita à necessidade do conhecer a escrita e ler a letra como uma possibilidade de aproximar-se doSanto e, por seu intermédio, chegar a Deus.

Podemos vislumbrar que ao Santo foi atribuídaa habilidade de lidar com a escrita – “foste umescriba”  –  , uma pessoa com capacidade de repre-sentar ideias ou palavras por meio de uma graa. Entretanto, além disso, escriba signica aquele queacompanha, por meio da leitura e da interpretaçãodo que leu as referências do texto escrito do “antigotestamento”. Ser Douto em leis eclesiásticas eraa condição necessária para ser “todo instruído” ealcançar respeito e reconhecimento no “reino docéu”. Compreendida desta maneira, a escrita nãoé apenas a forma pela qual a Igreja transmite seusmodos de pensar e ensinar o evangelho, mas, alémdisso, demarca sua hierarquia por meio do domí-nio eclesiástico que se realiza por intermédio doconhecimento da escrita. Não por acaso o conjuntode princípios, leis, normas e condutas religiosasforam registradas em “livros” evangélicos, paraalcançarem a posteridade, já que grafadas serviramde prova testemunhal e foram denominados de“escrituras sagradas”.

As promessas e pedidos dos éis dessa novenaestão pautados na experiência de vida do Santo,que é um exemplo a ser “imitado”. Era por meio doexercício da escrita – conforme pudemos observar nas indicações do padre – que o devoto poderiaaproximar-se do ato de contrição8. Contudo, aindaé preciso ter presente que,

8 O Ato de Contrição é uma oração na qual o el, dispensando amediação do santo de sua devoção, dirige-se ao Senhor Jesus Cristo,“Deus e homem verdadeiro, Criador, Redentor e Salvador” reco-nhecendo os méritos e as virtudes as quais devem ser “...amado,reverenciado e obedecido sobre todas as coisas...”; assinalando seureconhecimento ao primeiro e mais importante dos mandamentosda Lei de Deus, rearmando o princípio cristão de humildade ante aimensa grandiosidade do senhor Deus, confessa-se pecador, ingratoe traidor da innita bondade e majestade de Cristo. Mas, sob essereconhecimento, reivindica auxílio e graças ao senhor para nuncamais pecar, ofender e agravar e, nalmente, pede com simplicidade o

 perdão que espera alcançar pelos merecimentos de Jesus Cristo, por sua vida santa, pelas santas e sagradas paixão e morte, e pela “Vossainnita misericórdia”.

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“Como novo Esdrasensinastes a leiaos povos que eramdo Supremo Rei”. (TABOSA, 1928, p.7)

A lei, nos termos indicados, congura-se comoum conjunto de normas e determinações pautadasem valores que, por serem, quase sempre, de tradi-ções de escritura e oralidade, tornam-se referência  para grupos que detêm essas linguagens, paraservir de orientação e princípios a serem seguidos por todos os grupos de uma sociedade, no caso,“aos povos que eram do Supremo Rei”. Esse casoindica que leis elaboradas com base nos costumese nas tradições eram interpretadas e aplicadas por “escribas instruídos” letrados para o cumprimentode todos. Mencionado de outra forma, se as leisforam construídas nas relações estabelecidas entrehomens pela produção social de diferentes lin-guagens constitutivas de modos de ser e professar sentimentos religiosos no contexto de diferentesculturas, seu emprego era requerido como exclu-sividade dos detentores dos cdigos legais dasnormas sagradas. Observamos, nesses versos, quea elaboração de instruções legais sagradas mediantelinguagem escrita como modo de ver e experimen-tar o mundo, ainda recorria aos de ensinamentosde São Francisco, que sendo,

“... pio e verdadeiro,reparando os malesdo vil cativeiro.......................

Sois um bom pastor sagrado Franciscotão santas ovelhastêm novo aprisco”. (TABOSA, 1928, p.8 ).

Por ser piedoso e devotado ao ensinamentodas sagradas escrituras o santo podia “reparar osmales” daqueles que vivem afastados das “leis” daescrita “do Supremo Rei” e, por isso, à margem, no“vil cativeiro”. Contudo, sendo o santo um “bom pastor”, que se empenhou em pregar e ensinar aoseu rebanho as escrituras sagradas, o ofício sugereque aqueles que se empenhassem neste aprendizadolevariam as “tão santas ovelhas” sob proteção ao“aprisco” de São Francisco.

Importa destacar que o aspecto que conjuga earticula os sentidos da escritura e da lei, presentenesse hino, ainda estabelece comparação íntimaentre São Francisco e Moisés,

 bem como Moiséstão esclarecidosois legisladorde um povo escolhido”. (TABOSA, 1928, p.8).  Nesse verso, tanto rearma “esclarecimento”

do santo em relação às leis divinas, do “EstadoTeocrático judaico”, reunidas por Moisés na ins-crição dos Dez Mandamentos, como lhe atribui poderes de quem tem competência para elaborar leis, um legislador de um povo escolhido por suacapacidade de orientação religiosa, seguindo asescrituras sagradas.

Assim, acompanhamos aspectos e pretensõesdo vigário geral, que pautado em linguagem ecle-siástica, no conhecimento das leis, ou mais preci-samente das escrituras, versava mediante palavrase expressões oriundas de tradições orais e letradas,sobre uma concepção religiosa regulamentada pelasescrituras, expressando sua linguagem religiosa para outros modos de ser.

Contudo, na parte do encerramento desse ofício,no “oferecimento”, observamos uma mediação daênfase frente aos aspectos da lei/escritura,

“ns vos oferecemosFrancisco sagradoêste vosso ofício por ns recitado”. (TABOSA, 1928, p. 9)

Este verso aponta para outras dimensões doexercício religioso, neste caso especíco: a re-citação. Esse indicativo sugere que a elaboraçãode folhetos religiosos, com linguagens em prosae versos, suscita, na recitação, apelos para ser declamado por meio de performances, dando aver que esses textos escritos foram assimilados,memorizados, enunciados por sujeitos oriundosde tradições de oralidade, sugerindo formas comas quais esses grupos participavam das práticasde devoção ao Santo, junto de outros que detêmo conhecimento das leis, numa recitação que seagura como grupal.

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Se a recitação na forma de poesia e de versoscurtos foi uma estratégia, dentre outras, utilizada pela Igreja para assegurar a compreensão e divulga-ção de seus ensinamentos para grupos portadores de

tradições de oralidade, percebemos que a recitaçãohavia-se tornado um gênero bastante utilizado por  poetas populares de estados nordestinos em perí-odo anterior à produção dos folhetos impressos eveiculados pela Igreja Catlica do Ceará, entre asdécadas de 1910 e 1920.

É importante observar que a experiência daIgreja em utilizar livretos, catecismos, breviários,traduções populares da Bíblia, remontava a uma  prática desencadeada na Europa desde o séculoXIV, quando versões da “Devotio Moderna” 

(HOORNAERT, 1991, p. 63-66)9

foram largamenteutilizadas, especialmente na Espanha e Portugal.  Nesse sentido, a Igreja atua na perspectiva derecuperar terrenos ameaçados no Nordeste peladivulgação de romances, novelas e vidas de santos,em folhetos produzidos por leigos, utilizando-se de práticas de expansão dos preceitos religiosos que jáhavia experimentado na Península Ibérica.

Poetas, editores e leitores: a construçãode linguagens e significados religiosos

em folhetos de cordel

É importante registrar que muitos folhetoscontendo mensagens foram elaborados por leigosdedicados à “poesia popular em versos”10. Este é ocaso do poeta que se denominou João do Cristo Reie dedicou quase toda sua obra a versar sobre PadreCícero Romão Batista, de quem se consideravaalhado. Alem dele, Antônio Caetano, FranciscoJosino, entre muitos outros, foram poetas que,além de versarem sobre outras temáticas, também

escreveram histrias e mensagens de santos, ben-ditos, orações em formato de sextilhas, décimas,galope, galope a beira mar etc. Editores como JoséJoão da Silva e José Bernardo da Silva, proprie-tário da tipograa São Francisco, uma das maisimportantes, também publicou folhetos, de váriasautorias, sobre essa mesma temática. Nos folhetosque trabalhamos, grosso modo, linguagens, con-cordâncias, graas, concepções de moral e modosde apresentar valores religiosos que se expressam

 pelas incorporações de signicados articulados auma tradição religiosa que vem do catolicismo ede outras signicações congregadas com base naexperimentação de uma prática religiosa conduzida

 por leigos.Provenientes ou residentes, em sua maioria,no interior do Nordeste 11, é possível identicar nas obras, autores, impressores e folheteiros, no-tadamente nas mais antigas, estreita preocupaçãocom a realidade do homem que vive na zona rural.Geralmente pessoas de baixa renda, que utilizam pequenas tipograas manuais ou de pedal, interca -ladas de madeira e ferro, nas quais textos poéticossão compostos gracamente para serem impressosem uma folha inteira por meio da montagem detipos, “antigo sistema do ‘cata cata’”. OlegárioFernandes, poeta e impressor, revela que aprendeu afazer composição gráca sem ninguém lhe ensinar,vendo na tipograa o camarada virando tipo (...)mas que teve muitas diculdades para colocar naordem certa de impressão os tipos das letras “o a,o b, o q e o p” , “porque tudo parece uma com aoutra” (BENJAMIM, 1970, p. 14-15).

O mesmo Olegário Fernandes aponta as dicul-dades para a composição da primeira chapa: “euqueria fazer desigual mais não dava... camarada medisse... você bota 3 e ¾ somente à direita, quandofor 2 você conserva 2 para não sair um milímetro

9 Esse autor identica a existência da “Devotio Moderna” na Europado século XIV, especialmente na Espanha e Portugal. Sugere que adevoção praticada no Brasil do período colonial é lha desse famosolivrinho, introduzido pelo devoto Gerd Groote, que havia abandonadoos livros eruditos para assumir uma prática pastoral itinerante, “umaespécie de ermitão pastoral” que articulou de forma contagiante a“união entre as dinâmicas propriamente monásticas da vida devota esuas dinâmicas pastorais” contra o “elitismo monástico e celibatário”.A ampla repercussão da Devoção Moderna acabou por produzir um

 pequeno livro (opúsculo) denominado Imitatio Christi, que sugerea “equiparação de clérigos e leigos em relação à vida devota: todossão chamados à santidade, celibatários e casados, leigos e sacerdotes,

hierarquia e ‘povo cristão”. Sendo esse livrinho de fácil compreensão,manuseio e aquisição, a possibilidade da santicação estava colocadano cotidiano dos cristãos, possibilitando uma prática religiosa, ondetodos, na “devoção”, eram igualados diante dos santos e da tarefade “santicar”.10 Denominação dada aos folhetos de cordel por estudiosos da Fun-dação Casa de Rui Barbosa.11 Câmara Cascudo registra que, a cada ano, mais de mil folhetos nadécada de 1950 eram impressos no interior do Brasil, por uma dezenade editoras exclusivas que imprimiam esses folhetos para um públicoel e complexo, citando os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia,Sergipe, Pernambuco, Paraíba como os maiores centros irradiadoresdessa literatura. Ao lado desses estados, o Pará tem a editora Guajarina,que imprime para a Região Amazônica.

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e não faltar um milímetro... sai certinho” (LOPES,1986, p. 115). Nesse sistema, aps a impressão dafolha de papel, Beck (1985, p. 7-10) em “jornal” pardo, grosseiro e de má qualidade, ao serem do-

 bradas em quatro partes formam os folhetos quemedem, geralmente, de 17 a 15 X 11 centímetros,capas estampadas com vinhetas simples e rebusca-das, sendo que depois de 1914 apareceram capascom clichês de cartão postal, mas as vinhetas pre-dominaram até 1930 (TERRA, 1979, p. 25).

É signicativo que encontremos folheto religiosoem verso, classicado sob nº 21, na mesma Coleçãode JAC (IEB/USP), produzido por um leigo sob adenominação Só Meu Deus e Mais Ninguém, semdata e autor registrados no texto, o que é comum aesse tipo de publicação, excetuando-se os folhetos produzidos e impressos em tipograas de ordensreligiosas que recebiam autorização eclesiásticade imprima-se (imprimatur ) para serem editados.Consultando o dicionário Bio-Bibliográco (AL-MEIDA E SOBRINHO, 1978), percebemos que aautoria desse folheto é atribuída a Antônio Caetanode Souza, tratando-se de um texto caracterizado, pelos estudiosos, como décima, tipo de poesia queapresenta, no seu texto, 10 versos ou pés, cada umcontendo sete sílabas. É interessante notar que essetipo de poesia, que também aparece impressa noformato de folhetos, aparece mais frequentemente,cantado na forma de trova por repentistas, o que nos permite dimensionar sua recitação nas ruas, praças,em espaços mundanos, não necessariamente em re-cintos ou cerimônias religiosas da Igreja Catlica.

Esse folheto apresenta na capa uma xilogravuracom a imagem de Jesus Cristo, com uma auréolasobre a cabeça, denotando sua santidade. Vestin-do túnica, possibilita visualizar, sobre o manto, aimagem de um coração como emblema, no qualaparece uma cruz, símbolo do amor que o “sagradocoração” dispensa a seus irmãos. Ocupando o ladoesquerdo para o centro da capa do folheto, essaimagem xilográca destaca, em primeiro plano,o olhar rme, direto, penetrante, mas que insinuaternura, tranquilidade e humildade acompanhadasde um gesto corporal de consagração e bênção, possibilitando uma leitura visual do conteúdo dotexto escrito.

Versando sobre a criação divina da natureza, docéu, dos astros celestes, do mar, dos vegetais, dos

minerais, articula esses conteúdos com a culturamaterial da plantação, da fartura, das variaçõesclimáticas, dos períodos propícios aos tratos comos vegetais e animais. Nessa perspectiva, o texto

vincula-se a um universo que conjuga ideias etrajetrias da vida de Jesus, do reino celestial, dasantíssima trindade, do paraíso, do juízo nal a umcotidiano terreno que termina sempre no “mote” 

“sò meu Deus e mais ninguém”, em linguagemrimada preocupada com ritmo, na qual a graaacompanha mais a sonoridade das palavras do quenormas de uma linguagem escrita. Dando a ver olugar de onde fala e para quem fala, acompanhamosem alguns versos de Antônio Caetano essa conu-ência da vida celestial com a vida material,

“Acordei-me de manhãvendo a clara luz do diatingindo uma maraviaalegre como um losanas nuvis cor de roman bordando os montes tambémnisto o vento, ai vemsoprando a briza fagueiraeu disse desta maneiras meu Deus e mais ninguém..................................os passarinho tembemalegre cantam com tritooh! Que poder innitos meu Deus e mais ninguém...............................Falamos nos vegetaisnos dando alimentaçãode milho arroz e feijãoe criando os animaisdeste reino mineraismuita fortuna nos vemagora pergunte queminventou tanta grandesaautor da naturezas meu Deus e mais ninguém”. (SOUZA, s/d,

 pp.1 e 2).

 Nesses fragmentos de um poeta quase anôni-mo, percebemos que a compreensão de Deus estaintimamente relacionada à da criação do mundo ede todas as coisas. Coisas que aparecem no texto

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 poético com expressões de experiências vividas,materializadas em universo que brilha a cadamanhã puxando o tom do dia, colorindo nuvens,desenhando espaços que se movem como o ven-

to, como aves que voam percorrendo o innito.Imagens quase buclicas de um cotidiano que trazconsigo formas de sobrevivência construídas noreino animal e vegetal, sendo o “autor da natureza”“s meu Deus e mais ninguém”, em perspectiva quearticula criação divina, da natureza e do homem,e aponta, nessa expectativa, uma visão quase ani-mista da gênese do mundo.

Meu Deus, essa é a relação social da posse,congurada enquanto o eu do poeta, do cristão,do devoto, do crente que estabelece uma relação pessoal com seu Deus. Nesse sentido, ela é direta eintransferível, não aceita mediações nem da Igreja,nem do padre, nem do Vaticano ou mesmo do Papa,“s ... Deus e mais ninguém”.  Nessa prática religio-sa não existe, de forma pretérita, espaço do pecadoe da culpa como uma dimensão genésica, original,que todos os cristãos já adquiram ao nascer.

 Na estrutura poética da décima, “s meu Deus emais ninguém” é um mote que na linguagem oral,da cantoria, da trova, que por estar sempre em aber-to, chama o outro para um diálogo, para participar compondo um verso com sua experiência, com seusentimento de Deus, construindo uma religiosidadeque admite leitura, compreensão e interpretação dequem participa. Esta perspectiva dessa cultura queorganiza seus modos de ser e professar sentimentosreligiosos com base em tradições oralmente trans-mitidas preocupa-se mais com o falar e escutar doque com a graa das palavras.

Assim, percebemos um esforço para rimar “dia”com “maravia”, “losan” com “roman”, “faguei-ra” com “maneira”, “alimentação” com “feijão”,“animais” com “minerais”, conferindo ritmo efacilitando a memorização indispensável em ma-trizes poéticas orais. Além disso, palavras grafadasnos versos como “nuvis, ...roman, ...maravia, ...os passarinho, ...com trito, ...briza” ganham sentidosde modos de falar de muitos grupos sociais do Nordeste.

“Saiu Deus da Galiléa percorrendo o Orientecurando o povo doente

e foi para judéafazendo sua idéatendo nascido em Belémnão tem porque nem porém

nem anjos de bom diplomanem Santo Papa de Romas meu Deus e mais ninguém.........................Tudo Deus creou e fezcom sua sabedoriafez a noite e fez o diatudo de uma s vezdeixou sua santa leis pra quem estava aléme fez tudo que lhe convêm que autor da naturezasenhor de tanta grandezas meu Deus e mais ninguém. (Sic.) (SOUZA,

s/d, pp.2 e 3).

 Nos caminhos e paragens percorridos por Deuslho, criador da noite e do dia, “meu Deus” espalhaensinamentos de sua santa lei, construindo uma prática religiosa tecida na relação com o outro. Por sua vez, esse outro subjacente, aqui representado pelos cristãos, devotos, crentes e éis, estabelecerelações com Deus sem mediações de terceiros,nem “anjos de bom diploma”, nem “Santo Papade Roma”, s meu Deus e mais ninguém.

Como é possível notar, mesmo em uma lingua-gem que busca aproximar-se mais da oralidade, aescritura de palavras não é relegada a um planoinsignicante. Além disso, há uma clara referênciaa elementos da tradição escrita, “bom diploma esanta leis”, denotando também hierarquia de quema possui. Todavia, aqui essas referências estãointimamente relacionadas a uma ordem celestial,que indica uma referência fundamental a modos derelacionar-se com dimensões religiosas de grupossociais do Nordeste brasileiro.

Até aqui tratamos das novenas, trezenas eorações nas quais buscamos visualizar os locais,datas, formatos, quem, para quem e como foram produzidos, quais os tipos de veiculação moral,ética e religiosa, por que a Igreja Catlica elaboroufolhetos para transmitir mensagens religiosas eque possibilidades apresentavam de serem ressig-nicadas.

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Produção, circulação e leitura de textos religiosos em prosa e verso: educação católica na literatura de folhetos do nordeste

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Para surpreender outras articulações na produ-ção de linguagens presentes nos folhetos religio-sos que conseguimos levantar no IEB, voltamosatenções para a linguagem imagética das capas. O

folheto Ofício da Imaculada Conceição é caracteri-zado por um conjunto de orações destinadas a essasanta, apresentando versos e três pequenas oraçõesem prosa; seu formato assemelha-se ao do folheto popular em verso, contendo dezesseis páginas.

Apresentando uma capa que ocupa apenas doisterços, visualizamos na parte superior a inscriçãodestacada em negrito “Ofício a Imaculada Con-ceição”, que é acompanhada da imagem da santa,em detalhado clichê de cartão postal. A molduraimediata que circunscreve a imagem apresentaornamentos que, na parte superior de um retângulo,mostra pequenas arcadas ornadas por “querubins”.A gura da imaculada possui uma auréola sobrea cabeça que sugere que lhe conra santidade.Dirigindo seu olhar ao innito, de cima para bai-xo, sugere alcançar um amplo espectro, que podechegar a muitos, sem perder o ar de autoridade.Suas vestes claras e luminosas são acompanhadas por uma túnica mais escura, que lhe cobre do pes-coço aos braços, deixando expostas as mãos, dasquais emanam uxos claros que sugerem transmitir energia para viçar a fauna e a ora, representadas por ores e pequenos animais que contornam amoldura, indicando um paraíso.

Como vimos anteriormente, o folheto deno-minado Novena em Honra a Nossa Senhora das

 Dores (ANÔNIMO, s/d, p.1), apresenta marcastipográcas peculiares. Em sua capa a imagem dasanta é representada por um clichê de cartão pos-tal de uma estátua. Em primeiro plano, a imagemda Santa, vestindo túnica branca, da cabeça aos pés, com as mãos postas, contendo um rosário eolhar direcionado para o alto que denota tristeza,comoção e resignação. Em segundo plano, umagruta de pedras sugere um local de morada ou de pregação. E possível visualizar, em terceiro plano,um fragmento com maior claridade que insinua umcéu com poucas nuvens.

Além desses, o folheto Só meu Deus e Mais Ninguém também apresenta uma xilogravura nacapa com a imagem de Jesus Cristo, com umaauréola sobre a cabeça, denotando sua santidadeconforme analisamos anteriormente.

O conjunto desses folhetos permite percebermosque as   produções de imagens, de letras, de gestossão linguagens que, presentes nas capas de folhetos,sintetizam o texto, apelando para sentidos e perspec-

tivas de envolvimento dos devotos em dimensões do pensamento cercados de sensações emotivas.Assim, as iconograas das capas que apre-

sentam imagens de santos iluminados com umaauréola, vestes compridas para disfarçar as formasdo corpo, ressaltando o poder das mãos que atuamcom vigor sobre as coisas do mundo, como resumodo texto escrito, ou seja, são imagens que se diri-gem aos céus buscando interceder pelos devotos,distribuir bênçãos e graças, oferecendo o paraíso,determinado por exercícios, orações e práticasreligiosas permanentes que exigem delidade aos princípios cristãos.

Materializadas em corpos, masculino e femi-nino, tais imagens buscam disciplinar com gestosmodestos e comedidos, recomendar atitudes ecomportamentos performáticos, aproximandosagrado/profano de congurações cotidianas dasformas de vida de grupos sociais do Nordeste. Maisdo que isso, ao enfatizarem esses aconselhamen-tos expondo o coração de Jesus Cristo e de Mariacomo emblemas de fé, de amor, de sentimentosreligiosos, apelam para sentidos e emoções comos quais pretendem sacralizar dimensões materiaisde culturas catlicas construídas historicamente emvárias temporalidades.

Assim, ao reetir sobre os signicados atribu-ídos aos corpos, atitudes performáticas, imagense as linguagens conferidas por diferentes gruposletrados e não letrados das narrativas em prosa everso nos folhetos, observamos alguns indícios deexibilizações na linguagem escrita dos folhetos; ao utilizar-se da poesia em versos nas orações, semasseverar o ritmo, pontuação e o rigor gramatical,conservando certa melodia da fala, as mensagens aspiravam ser compreendidas e memorizadas por grupos de tradições de escrita com base no cantocoletivo, no tom emocional das cerimônias religio-sas vivenciadas por outras tradições orais.

Para concluir

O texto Produção, circulação e leitura de textosreligiosos em prosa e verso: educação católica

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na literatura de folhetos do Nordeste apresentoucampos de tensão, nas produções de linguagensem folhetos religiosos em prosa e versos, revelandocomo a Igreja Catlica utilizou em vários estados

do Nordeste, a literatura de folhetos – um suportede linguagens usado por grupos do interior –,como um meio para orientar, transmitir e discipli-

nar grupos oriundos de tradições escritas e orais, buscando conferir sentidos a suas práticas religio-sas. Todavia, observamos que os referidos gruposincorporaram seletivamente essas tradições de

escrita e oralidade, procurando aferir permanentessignicados na constituição/reconstituição de suasculturas religiosas.

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 Recebido em 25.10.10

 Aprovado em 20.12.10

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“Deus é quem sabe”: transcendência da verdade e educação

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 163-175, jan./jun. 2011

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FAMÍLIA, ESCOLA E RELIGIÃO.

QUE CONFLITOS E NEGOCIAÇÕES?

Lívia A. Fialho Costa *

RESUMO

Este artigo apresenta resultados parciais do projeto “Conflitos, negociações eregulação: conversão religiosa na esfera conjugal”, em fase de análise de dados. O projeto, que conta com o apoio nanceiro do CNPq, trata da questão da diversidadereligiosa na família e na escola e privilegia uma bibliograa multidisciplinar, comforte abordagem socioantropolgica. Por meio de entrevistas, de grupos focais e dehistórias de família, realizadas em Salvador, com famílias de camadas populares e

médias, caracterizadas pela presença de vários credos, buscamos uma compreensãodos conitos e suas formas de regulação com base na análise de uma cadeia designicados que não pode ser interpretada senão pelo mapeamento do lugar que cadaum ocupa dentro da rede familiar. A escola aparece como um dos espaços de tensão eas expectativas que a família nutre sobre o seu papel nos ajudam a entender a origemdos conitos entre família e escola quando o tema é religião.

Palavras-chave: Religião - Escola - Família

ABSTRACT

FAMILy, SCHOOL AND RELIGION. WHICH CONFLICTS ANDNEGOTIATIONS?

This paper present the rst results of the research project “Conicts, negotiations andregulation: religious conversion in the conjugal sphere”. The project, nanced by theCNPq, deals with the question of the religious diversity among families and schools,and it privileges a multidisciplinary bibliography, with a strong socio-anthropologicalapproach. The research is based on interviews, focal groups and  family accounts,collected in Salvador among families of popular and intermediate levels and of different creeds. What is being searched is the comprehension of the conicts andtheir forms of regulation through the analysis of a chain of meanings that can only beinterpreted by the denition of the mapping of the place of each member inside the

families’ web. School pops up as one of the spaces of tension, and the expectations bred by the family around it’s role, help us to understand the origins of the conictsexisting between the family and the school when religion is on stake.

Kewords: Religion - School - Family

*Antroploga. Mestre em Sociologia (UFBA). Doutora em Antropologia Social e Etnologia (EHESS – Paris). Docente doDepartamento de Educação/Programa de Ps-graduação em Educação e Contemporaneidade (Campus I-UNEB). Docente doPrograma de Ps-graduação em Família na Sociedade Contemporânea – UCSAL. Endereço para correspondência: PPGEduc(Universidade do Estado da Bahia – UNEB) Rua Silveira Martins, 2555, Cabula. Salvador-Bahia-Brasil. CEP: 41.195-001E-mail:[email protected] 

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Família, escola e religião. Que conitos e negociações?

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 85-94, jan./jun. 2011

1 Projeto “Conitos, negociações e regulação: conversão religiosa naesfera conjugal”, CNPq, processo nº 401068/2009-9.2 Estão associadas a este projeto a mestranda Deyse Luciano dos San-tos (mestranda PPGEduc-Uneb) e as bolsistas de Iniciação Cientíca(bolsas IC FAPESB concluídas em 2010) Priscila Hortélio Sturaro eJamille Luz, ambas recém-graduadas em Pedagogia (Departamentode Educação-Uneb, Campus I). Agradeço a Deyse Luciano Santos

 pela leitura e sugestões dadas.3 Uma outra etapa da pesquisa é uma etnograa das relações familiares,que vem sendo realizada numa cidade do interior da Bahia. Comotoda pesquisa etnográca, está aliada a diversas técnicas de coleta ea diferentes níveis de observação dos dados e da realidade.

Introdução

A sociedade brasileira, segundo o último censodemográco, continua sendo majoritariamente ca-

tólica. Este perl religioso vem, porém, se modi-cando, desde ns dos anos 1970, com a emergênciade igrejas evangélicas nos grandes centros urbanosdo Brasil. Tal orescimento é acompanhado pelaadesão de indivíduos, que se convertem às ditas“novas igrejas evangélicas”. O Censo de 2000mostra o aumento do número de indivíduos de-clarados evangélicos ou pertencentes a uma dasdiversas denominações protestantes (histricas, tra-dicionais ou pentecostais) existentes no país. Estenúmero diz respeito, sobretudo, a uma populaçãofeminina que tem se convertido e reconvertido adiferentes denominações evangélicas. A mudançade perl religioso marca, então, a família, que jánão é hegemonicamente catlica, mas caracterizada pela coabitação de diferentes credos. A pluralida-de religiosa tem se tornado um fato comum e asconversões e reconversões dão a tônica de váriasdesavenças no seio familiar.

 Neste artigo, apresentamos resultados parciaisde dados coletados com base no projeto “Conitos,negociações e regulação: conversão religiosa naesfera conjugal”.1 O projeto, que conta com o apoionanceiro do CNPq2 , trata da questão da diversida-de religiosa na família e na escola e privilegia uma bibliograa multidisciplinar, com forte abordagemsocioantropolgica, cruzando três temas que vêmmerecendo atenção dos cientistas sociais e doseducadores nas últimas décadas: religiosidade,família e escola. Embora a enquete seja realizadacom famílias de camadas populares e média, nesteartigo apresentaremos apenas dados relativos às fa-mílias populares, moradoras de bairros periféricosde Salvador e com escolaridade atingindo o ensinofundamental ou o médio incompleto. Da mesmaforma, zemos a opção de apresentar apenas asanálises das entrevistas realizadas com as mulheresde uma mesma família. Em todas as famílias estu-dadas há, pelo menos, um membro que frequentaou já frequentou uma religião diferente daquelaseguida pela maioria. Levamos em consideração adenição “nativa” de “família”, ou seja, incluindoaí todos os membros referidos pelas entrevistadascomo fazendo parte da sua rede familiar. Neste

caso, entre as entrevistadas fazem parte da família não apenas os parentes consanguíneos, como bem já revelaram outros estudos sobre família de classetrabalhadora (DUARTE, 1994; FONSECA, 2005,

1987, SARTI, 2004), mas um conjunto de pessoasque se ordenam simbolicamente estabelecendolaços e construindo um sentido dentro do grupo. Aanálise da conguração das tensões nesta rede noscoloca frente ao desao de tratar empiricamenteeste fenômeno social, que nos remete ao campodos sentimentos, dos valores e das crenças.

Por meio de entrevistas, de grupos focais e dehistórias de família buscamos uma compreensãodos conitos e suas formas de regulação baseadosna análise de uma cadeia de signicados que não podem ser interpretados senão pelo mapeamento dolugar que cada sujeito ocupa na rede familiar.

A escola compreendida como uma instituiçãoque lança parte dos os com os quais a rede fa-miliar é tecida, por vezes fornece os que vão deencontro às expectativas familiares. Como entender a conguração desses conitos quando um dos osé a religião?

O trabalho de campo. Questões de m-todo

O trabalho de campo foi dividido em duas etapas principais3 :

a) Entrevistas, realizadas separadamente comos dois membros do casal;

 b) histórias de família, realizadas com, pelomenos, três membros de uma mesma família.

Outro conjunto de dados tem sido incorporadoàs análises. Trata-se dos discursos dos pais sobrereligiosidade numa escola da periferia de Salvador.Foram realizadas duas sessões de grupo focal com

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 pais de estudantes de nível médio e fundamental IIcujo objetivo era promover uma discussão sobre aLei nº 10.639, promulgada no ano de 2003, e quetorna obrigatrio às escolas públicas e privadas o

ensinamento de conteúdos relacionados à Histriae Cultura Africana. Sendo a Lei nº 10.639 alvode muitas discussões e, sobretudo, resistências – notadamente da parte de estudantes de origemevangélica –, considerou-se que este seria um bommote para perceber que conitos ou discordânciasmovimentam estudantes e suas famílias e que, emalguns casos, acabam por gerar situações de into-lerância e conito religioso – tema que vem, nosúltimos anos, tornando-se fenômeno de atenção de professores que lidam na prática com as interaçõesem sala de aula.

A investigação etnográca em contextos metro- politanos tem exigido da Antropologia, desde hámuito, uma adequação do método de observação participante, que se vê, então, aproximado a outrastécnicas de coleta de dados. Em contextos urbanos – e a depender do fenômeno de estudo, do tempodisponível e dos recursos destinados à pesquisa – raramente é possível ao pesquisador desenvolver etnograas extensivas, observações participantes,como classicamente são realizadas, ou seja, coma exigência da permanência do pesquisador juntoà comunidade pesquisada, dividindo o cotidianocom a população e, portanto, habitando o mesmocontexto dos seus interlocutores. A repetição e acontinuidade do contato cotidiano deixam de ser,nesse caso, a essência da natureza do método.Como resposta às recentes necessidades metodo-lgicas colocadas pelos novos contextos metropo-litanos, surgem outros métodos de abordagem darealidade empírica. É preciso salientar, no entanto,que a ideia não é superar a observação participan-te, mas enfrentar a complexidade da pesquisa emmetrópoles, desaando a Antropologia no avançode outros métodos (PINA-CABRAL; PEDROSO;2005).

Em estudos de famílias em contextos urbanos,na impossibilidade da realização da observação  participante, Pina-Cabral e Pedroso (2005) pro- põem o método das Histórias de Família, capazde promover a contextualização sociocultural dosindivíduos e das informações por eles veiculadas“a partir do enquadramento dos discursos nas prá-

ticas internas a um campo complexo de relações”(PINA-CABRAL; PEDROSO, 2005, p. 358). Do ponto de vista prático, para cada histria de famí-lia estão previstas várias entrevistas. Esse método

integra uma percepção dos interlocutores da pes-quisa não como seres isoláveis, mas participantesde percursos sociais em universos familiares.Assim, faz-se necessário investigar, em diferentesmomentos, os itinerários individuais e familiaresdos sujeitos investigados. Seguindo este método,a enquete realizada com seis famílias de camada  popular, moradoras de um bairro localizado nosubúrbio de Salvador, obteve informações apro-fundadas acerca:

a) do percurso escolar e prossional do entre-vistado;

 b) do percurso escolar e prossional dos côn- juges;

c) do percurso religioso dos entrevistados;d) do percurso religioso da família de origem;e) da prática religiosa;f) da educação religiosa dos lhos;g) da convivência religiosa na família;h) dos dados sobre a família de origem dos

entrevistados;i) das uniões anteriores, do casamento atual e

da chegada dos lhos;  j) das modalidades de organização conjugal,

sociabilidade do casal;k) da criação dos lhos, aspirações, modelos e

métodos educativos;l) da autonomia dos lhos, escolaridade e rela-

ção com os pais;m) da relação da entrevistada com os parentes

de ambas as partes;n) das expectativas acerca da escola; e outros

temas que emergiram ao longo de cada história.Este mesmo roteiro foi aplicado a três membros

de uma mesma família, permitindo ao pesquisador comparar informações, contrapor percursos e ma- pear os pontos conitivos das relações. Neste arti-go, discutimos as histórias de família de Carmen,Clara e Cleonice, três mulheres de uma mesmafamília, com respectivamente 60, 50 e 35 anos.As duas primeiras são irmãs consanguíneas e pela  proximidade etária são consideradas aqui como  pertencentes a uma mesma geração - embora a primeira, como veremos, tenha assumido papéis

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de responsabilidade e condução dos irmãos maisnovos, o que a coloca num estatuto diferenciadodos demais irmãos. Cleonice é casada com o lhomais velho de Carmen, e habita a laje da sogra

desde o seu casamento.

Carmen (sogra), Clara (tia), Cleonice(mãe). Encadeando histrias, compre-endendo os conflitos

Denir Carmen nesta subparte como sogra,Clara como tia e Cleonice como mãe, abre para oleitor a perspectiva de que a histria aqui analisadaserá feita com base no relato de Cleonice, a mãe.Compreende-se ainda que as narrativas envolvem

não apenas o relacionamento entre elas três, mastambém a socialização de uma quarta pessoa:Patrícia, neta de Carmen, sobrinha de Clara e, ob-viamente, lha de Cleonice. Patrícia tem 10 anos,estudante do ensino fundamental, lha única deCleonice, primeira neta de Carmen. Registramos deantemão que, por questões de limite de espaço, nãoserá possível apresentar sistematicamente as trêsversões, mas, na medida do possível, as histórias de

 família aqui recontadas contemplaram as histórias contadas pelas três mulheres, observando, portanto,

o método das histrias de família ( PINA-CABRALe PEDROSO, 2005 ).

A histria da família de Carmen e Clara é se-melhante à de muitas famílias pobres e negras do bairro, que se deslocaram pouco a pouco da zonarural para a cidade grande nos anos 1960. Carmen,irmã mais velha de uma família com 11 irmãos,vai para Salvador, pela primeira vez, aos 12 anos,acompanhando uma família mais abastada que semudara para capital a m de dar prosseguimentoaos estudos dos lhos, todos em idades inferio-

res à de Carmen. Com o  savoir-faire adquiridona sua participação na criação dos irmãos maisnovos, Carmen logo é absorvida como elementoessencial nesta família, não apenas nos cuidadoscom as crianças, mas como ajudante de cozinha.Emancipada da casa - considerada por ela como sua

 segunda família - apenas quando contrai matrimô-nio, aos 26 anos, torna-se cozinheira prossionalnuma pequena empresa de Salvador, ocasião emque tem pela primeira vez sua carteira assinada e

uma prossão reconhecida. Clara é das irmãs maisnovas de Carmen e uma das últimas a deixar a casados pais no interior para cuidar dos lhos pequenosde Carmen, nascidos em Salvador, da união com

seu primeiro e único marido. Cleonice, a nora deCarmen, é, igualmente, interiorana. Filha de umafamília católica com forte identicação e prática nocandomblé. Aos 20 anos ca grávida do lho maisvelho de Carmen e, por conta disso, deixa a casa dos pais e vai morar, inicialmente, aps o casamento,na casa de Carmen, que ajuda o casal a construir uma casa na laje, ampliando o número de casas efamiliares que habitam o mesmo beco do bairro.Diga-se de passagem, por intermédio de Carmentodos os irmãos vieram habitar o bairro, alguns

tendo mais tarde se mudado para outras cidadesdo sul do país, mas retornando com frequência aomesmo lugar que os acolheu nas suas primeirasexperiências de trabalho, amores e desafetos.

Patrícia na histria da família

A tia de Patrícia, Clara, separada, é catlica praticante, responsável por atividades importantesda Igreja Catlica do bairro. Organiza novenas eorações em sua casa, evento que reúne vizinhos e

 parentes do beco. Perguntada sobre a sua devoção,ela não hesita em dizer que é el aos ensinamentosque teve na infância, em casa, por meio de seus pais, catlicos até a alma. Carmen, a av, é casadae é evangélica, da Assembleia de Deus, há mais de30 anos e “criou” os três lhos na Lei de crente, àqual se converte aps o casamento e que reconheceter sido o exemplo para a criação dos seus lhos,nenhum deles, hoje, praticante. Conheceu a religiãoem Salvador, quando trabalhava na casa da sua se-

 gunda família e reconhece que olhando o “retrato

da sua infância” não se recorda – diferentementeda narrativa de sua irmã – da religião catlica ter uma forte presença na sua casa e que as idas aotemplo catlico com sua mãe, além de raras, nãolhe diziam muita coisa em termos de fé. Cleonice,mãe de Patrícia, casada, acompanhava a família deorigem à Igreja Catlica, mas não perdia festas desanto e carurus de São Cosme, frequência que eravista sem restrições uma vez que a família circulavaentre diferentes tradições religiosas. Perguntada

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sobre sua religião, não hesita em identicar-se como mundo catlico, mas revela frequentar o Salãodas Testemunhas de Jeová, a Assembleia de Deuse o candomblé quando precisa de um serviço4.

Patrícia lê a bíblia com a av todos os dias, alémde acompanhá-la aos eventos da igreja, congressose reuniões. Ao mesmo tempo, Patrícia frequentacom entusiasmo os projetos culturais elaborados pela escola e, nesses momentos, transveste-se de baiana de acarajé, rainha do milho, anjinho ou comroupas afro nas apresentações de dança promovidas pela escola. A mãe, que se ocupa menos do quea av do dia a dia escolar de Patrícia, admira adesenvoltura e incentiva a lha nas participaçõesteatrais. A av olha com cautela para os projetos,mas não restringe a participação da neta, uma vezque reconhece o caráter instrutivo das atividades.Mais do que isso, valoriza a escola como espaço deconstrução, aprendizagem – mas não de fabricaçãode sujeitos reexivos.5 A escola é para Carmen umainstituição à qual se deve obediência, espaço noqual são veiculados ensinamentos essenciais parainserção dos sujeitos no mercado de trabalho. Entre-tanto, se por um lado a escola forma para o mundodo trabalho, por outro, nem tudo que se ensina deveser interiorizado ou aprendido, pois determinadosconteúdos e atividades escolares/projetos podemrepresentar uma ameaça à formação da criançaevangélica, que deve ser orientada pelos pais e  preparada nos cultos dominicais para lidar comcertos temas abordados pela escola e que fazem parte do conteúdo curricular. A escola se contrapõeà rua, lugar das interações sem regra denidas, emque as crianças estão sujeitas à aprendizagem deconteúdos duvidosos no que diz respeito à ética e àmoral. É sobre as amizades e as frequentações (rua,casa de amigos, festas públicas e outros templosreligiosos) que recai o desassossego de Carmen. Atia, que também se ocupa de Patrícia na ausênciada mãe e da av, frequentemente a leva consigoaos encontros de crianças na Igreja Catlica. AliPatrícia participa de corais, teatrinhos e encenações bíblicas. A av é a única a controlar as perambu-lações de Patrícia pela Igreja Catlica. Segundoela, menos porque se trata de outra religião do que pelo fato de nessas ocasiões o corpo ser alvo derepresentações e performances públicas; a mesmaadvertência a av faz com relação à participação de

Patrícia em festas do bairro, ocasião em que, juntocom garotas da mesma idade, ensaia requebros aosom de músicas de carnaval e pagodes. A av com- preende, assim, que estas participações quebram o

compromisso ético que vem sendo construído, pou-co a pouco, entre Patrícia e a Assembleia de Deus.É preciso lembrar que para as igrejas evangélicasditas “tradicionais” a restauração física e moral doindivíduo não se pode realizar senão com base emum engajamento efetivo, racional, que compreendeum estilo de vida “crente”: administrar o mal con-siste em extirpar todos os traços contrários a umideal de vida digno de redenção, cujos atributossão desenhados e elaborados no seio da Igreja e partilhados pelos membros.

A mãe, Cleonice, não restringe a participaçãoda lha nesses eventos e, por ter tido uma infânciasem referências ou tabus religiosos semelhantes aoda sogra no que diz respeito aos usos e costumes,admite que a lha estilize os cabelos, use roupasdecotadas e curtas, alegando fazer parte da menini-ce. Não discorda da sogra quando o tema é manter o ensino e leitura da bíblia e considera aquelaatividade uma prática educativa importante para aformação de valores. No entanto, discussões maisfervorosas dividem as duas e causam, em algunsmomentos, rompimentos que geram o afastamento provisrio de Patrícia da casa da av. O argumentoda mãe segue a lógica de que a avó não pode denir todos os aspectos da vida da neta, mas reconheceser ela um bom exemplo de ética a ser seguido. Nanarrativa de Cleonice sobre sua vida familiar, elaidealiza a opção de proporcionar a Patrícia umatrajetria educativa com a participação exclusivados pais; depois oscila, ao revisitar sua infância,relembra o papel importante desempenhado por outros membros da família – a madrinha e as irmãsmais velhas – e entende que este tipo de socializa-

4 Apenas a título de informação, os maridos de Carmen e Cleonice(Clara é separada) não são praticantes de nenhuma religião. Passeiamentre a Igreja Catlica e as evangélicas como acompanhantes ocasio-nais de suas esposas.5 Para os pais evangélicos, a escola constitui-se num ambiente deinterações e atividades preocupantes à educação dos seus lhos, umavez que promove o contato deles com outras crianças e jovens de‘comportamento mundano’. No grupo focal, os pais revelaram umacerta preferência por escolas com estrutura física mais simples quenão contemple, portanto, quadras e/ou jardins – ambientes que normal-mente promovem mais interações. A escola é única e exclusivamentevista como instituição de ensino-aprendizagem.

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ção não s ajuda os pais na tarefa educativa, comotambém se reverte em vantagens e mimos para asmeninas. O tema da educação de Patrícia faz Cle-onice olhar criticamente para sua relação conjugal,

uma vez que os desentendimentos constantes entreos cônjuges repercutem na relação parental. Na opi-nião de Cleonice, o esposo s sabe cobrar, mas nãosabe construir a educação da lha. É no conjuntodestas ponderações que Cleonice recoloca a ave a tia como sujeitos centrais no cumprimento daárdua tarefa de educar uma menina num bairro com poucas opções de sociabilidade - ou cujo tipo desociabilidade, da rua/vizinhança, exige a presençae a vigilância constante dos parentes.

Ouvindo as três histrias, nos itens que tocam

as desavenças por motivos religiosos e educativos, pode-se notar que embora a religião da av nãoseja a opção religiosa principal da família, poucose questiona sobre seu papel educativo, uma vezque ela é considerada a chefe da família, o exemploa ser seguido6.

Definindo os termos dos conflitos eobservando as formas de regulação

Das histrias de Carmen, Clara e Cleonice

recortamos aqui parte do tema que nos interessa:a educação e socialização de crianças em famíliasreligiosamente plurais. Por isso, tomamos o exem- plo de Patrícia. Da análise dos dados, emerge aimportância de considerarmos não apenas a classesocial como discriminante de práticas educativas,mas também as opções ideolgicas e religiosas.Mergulhar no interior das famílias nos ajudoua compreender que esses conitos, que geramdiscordâncias, desavenças e rompimentos, estãoancorados em concepções de corpo, ética, verdades

e valores. No campo das ciências sociais, a classe social é

frequentemente apresentada como fator explicativodas práticas educativas familiares ( BOURDIEU,1966, 1980; BOURDIEU e PASSERON, 1974;BERNSTEIN, 1975). Entretanto, esse esquematerico, durante muito tempo hegemônico, foiquestionado por estudiosos que consideram quea educação familiar não é apenas o resultado dainteriorização pelas famílias de suas condições

objetivas de existência, mas sim, também, do tipode apropriação que estas famílias fazem das suascondições de existência; ora, essa apropriação, por sua vez, depende do sistema cultural dos pais, que

não é diretamente dedutível de seu pertencimentosocial. Tal perspectiva foi principalmente defendidae explorada por Percheron (1985) baseado em da-dos oriundos de uma pesquisa quantitativa realizadacom 916 pais, que tinha por objetivo identicar os princípios de estruturação das normas e práticasdomésticas e educativas das famílias. Na base dasrespostas a um questionário sobre as atitudes e oscomportamentos dos pais em relação à educação eorganização familiar, a autora construiu três tiposde famílias: os liberais, os tradicionalistas e osrigoristas. Cada um desses tipos foi caracterizadocom base em variáveis de natureza sociolgica(idade dos pais, número de lhos, grupo sociopro-ssional do chefe da família, local de residência) ede variáveis de natureza ideolgica (grau de inte-gração religiosa e preferências políticas). A análisemostra que os fatores discriminantes dos modelose práticas educativos são os indicadores relaciona-dos com as opções ideolgicas, isto é, as opções políticas e, sobretudo, a integração religiosa.Quanto às características sociolgicas, isolada-mente elas não apresentam nenhuma correlaçãocom os modelos e comportamentos educativos.Tais resultados, que enfatizam a relevância dosistema de valores na determinação da educaçãofamiliar, foram conrmados por outros autores (ver TERRAIL, 1990; MUXEL, 1986). Todavia, essaorientação de pesquisa, não obstante seus avançosvaliosos, é restritiva: ela parte do pressuposto dahomogeneidade de valores e práticas educativasno seio do casal, ou seja, tanto o pai quanto a mãecomungam de um mesmo sistema cultural. Assim,interrogando apenas um membro do casal sobre aeducação familiar, ela impede que se observe umfato importante: a educação dada às crianças nemsempre é objeto de consenso do casal, podendosurgir divergências entre pais e mães, quando estes

6 Nas três histrias contadas, Carmen aparece como a mulher batalha-dora, que criou os lhos com recursos nanceiros próprios e por meiode muito trabalho e horas-extras pagas em serviços que ela assumiaapós o expediente normal a m de complementar a renda da casa.São narrativas de dias sem dormir, trabalhando como cozinheira ou

 passadeira nas madrugadas. O marido, embora assalariado, entregava parte do seu salário aos dois lhos nascidos de uma união anterior.

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seguem conssões religiosas ou opções políticasdiferentes. Mais do que isto, a educação e socia-lização das crianças não se restringe tão somenteaos pais, ou à dita família nuclear. Avs, tias e

tios assumem, muitas vezes, a maior parcela doempreendimento. A contemporaneidade é tambémmarcada por uma pluralidade religiosa, resultantede uma signicativa diversicação de alternativasreligiosas. Não é raro, nessas condições, que no seiode uma família muitos dos membros tenham opçõesreligiosas diferentes, o que pode implicar modelose práticas educativas diferenciadas. A literaturasobre o tema já apontou para as diculdades e osefeitos que emergem em famílias religiosamente plurais, mostrando que muitos são os conitos que podem surgir das diferentes formas de lidar com ocotidiano, orientadas pela religião. A compreensãodestes conitos passa pela análise da conguraçãoconjugal e do exercício da parentalidade.

Trabalhos sociolgicos têm evidenciado que osconitos são atenuados quando se trata de casaisque se convertem a uma mesma denominaçãoreligiosa, permitindo uma redenição de valorese papéis que pode ter um impacto positivo nasrelações de gênero. Nesse sentido, analisando o im- pacto do engajamento religioso no relacionamentofamiliar de casais carismáticos e pentecostais,Machado (1996) mostra como a adesão religiosa pode provocar mudanças importantes nas relaçõesfamiliares, possibilitando até uma redenição dos papéis masculinos e femininos, na medida em quea conversão provoca um reforço moral da mulher, propondo também um novo modelo de comporta-mento para os homens. A conversão ou adesão deum dos membros do casal a um sistema religiosodado pode ser responsável pela introjeção de novosvalores morais que resultam em reorientações dascondutas familiares. Bem entendido, trata-se de um processo de substituição que nem sempre se dá deforma pacíca. Em trabalho realizado em camada popular, Costa (2002) percebe que os conitos emfamílias religiosamente plurais surgem no momentoem que as práticas do templo começam a interferir nas práticas familiares originalmente compartilha-das por todos os seus membros. Podemos, portanto,nos interrogar sobre os modos de regulação que sedesenrolam nas famílias caracterizadas por uma pluralidade religiosa. Negociações e acordos en-

gendrados no espaço familiar estão intimamenterelacionados à composição do casal e ao modo defuncionamento da família.

 Na escola, espaço também de socialização, os

 projetos e conteúdos são alvo de críticas e restri-ções, sobretudo por parte de crianças de origemevangélica. Tais críticas são reveladas ou ofuscadasa depender do grau de relacionamento da criançacom a religião7. Entre os pais assembleanos (éisda Assembleia de Deus), por exemplo, impera umarestrição em relação a todas as atividades que en-volvam a exposição ou decoração do corpo. Sobreos conteúdos ensinados, eles consideram importan-tes para o conhecimento prático, exigido na vidacotidiana, capaz de promover certas competênciasque serão reinvestidas na esfera prossional.

Vejamos o que dizem alguns dos nossos interlo-cutores num grupo focal8 realizado na escola:

“(...)nem tudo podemos levar para dentro de casa enem também devemos participar, e também concursoshoje em dia, tudo envolve isso aí, né? Tem livros, umlivro fala uma coisa, outro livro fala outra, s que tudotá ligado aquilo mesmo, a cultura... tem coisa que agente não sabe da gente, a gente não se conhece e noslivros muitas vezes a gente pega para ler, é um trabalhoque tem que fazer... a gente não vai fazer aquelas coi-sas que eles fazem, mas o que a gente puder aprender 

e que for bom pra gente, Amém!”“Então a gente educa nossos lhos a amar o profes-sor e a importância de amar... porque eu digo que oevangelho, a importância do evangelho, e se tem umacoisa que eu aprendi no evangelho foi a me amar, eume amo! Eu sou apaixonada por mim, eu me amo!Então, pregar o amor pra ela, pelo professor, a res- peitar, a importância de se amar. Se não tiver isso nomeu lar, na minha casa, na minha vida ...”

“Mas é aquela coisa, tem coisas que ns como evan-gélicos a gente não aceita. Mas tem coisas que é s

mais para o mundo ver, o que tá lá fora, para ver e para aprender e ns que somos evangélicos queremosque nossos lhos aprenda, para dali saber o que é ocerto e o que é o errado”.

7 É necessário fazer uma na incursão nas denominações religiosas para melhor se compreender o grau e o rigor dos tabus e ascetismoreligiosos. Ver, a este respeito, Antoniazzi et al . (eds), (1994).8 O grupo focal foi realizado por Deyse Luciano Santos no âmbito do

 projeto de mestrado que ela vem desenvolvendo sobre intolerânciareligiosa em escola do subúrbio de Salvador.

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Família, escola e religião. Que conitos e negociações?

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 85-94, jan./jun. 2011

Comparando essas narrativas com a de Carmenacerca da escola, rearma-se o valor da escola comoespaço de aprendizagem, apenas. Entretanto, é nointerior do templo, nas interações, discussões e

interpretações da bíblia que se realiza a reexão,que se constroem conhecimentos e verdades. Os projetos escolares não são assim interiorizados noque diz respeito ao conteúdo, porque são negadoscomo verdades. A verdade da escola distancia-seassim da “verdade” do templo.

Conclusão

O perl da família de Carmen é marcado pela pluralidade religiosa, com verdades com contornos

cambiantes. A força de cada “verdade” varia nãosegundo o “papel” de cada um na relação de paren-tesco, mas, antes, pelo exercício do poder de cadaum, ou seja o grau de participação e importânciadeste para a esfera doméstica-familiar. O fato dediferentes orientações religiosas estarem presentesna rede familiar faz com que a educação das crian-ças não seja objeto de consenso. Tais verdades sãoresultado de um esforço de classicação, organi-zação e interpretação da vida cotidiana. Promover a socialização de uma criança em famílias cujos

membros não comungam da mesma fé é, aparen-temente, uma tarefa com conteúdos aparentementecontraditrios. Trata-se de uma espécie de digestãode muitas formas simblicas, num movimento debricolagem permitida9 .

O tema da “pluralidade religiosa”, pela comple-xidade dos elementos aí emergentes, tem exigidodos pesquisadores um olhar multidisciplinar, queimplica, antes de mais nada, uma problematizaçãoconceitual e um esforço epistemolgico e meto-dolgico de partilhamento de conceitos. Diversos

autores mostraram que as opções políticas e,sobretudo, religiosas são fatores discriminantesessenciais dos modelos e práticas educativasfamiliares (BOURDIEU, 1980). A pluralidadereligiosa observada na família contemporâneaconstitui fator que pode ser signicativo para aemergência de tensões, notadamente no que dizrespeito à educação dos lhos. Não se trata aqui, porém, de atribuir à conversão e liação religiosa,tão somente, o orescimento de conitos conjugais

desencadeados pelas divergências no que diz res- peito à educação dos lhos. No lugar disso, pen-samos que a liação a uma denominação qualquer está sempre sujeita a diferenciações nas atribuições

de sentido ao pertencimento religioso elaboradas pelos atores sociais em jogo. Armamos assim ocaráter dinâmico das escolhas – no caso, a religiosa –, que pode ora valorizar determinados aspectos,ora negar os seus conteúdos, num movimento quemescla informações oriundas de um ethos privadonão confessional e a incorporação de doutrinascristãs contemporâneas (DUARTE, 2005).

A literatura socioantropolgica, no Brasil,acerca da relação estabelecida entre família ereligião, é vasta. Tais estudos têm, notadamente, privilegiado as categorias de gênero, sexualidadee comportamento reprodutivo como condensadorasda problemática família/religião, não apenas pelofato de ser o campo da sexualidade o mais retoma-do pelas diferentes formas de religiosidade comocontrole da vida privada dos éis, como tambémse faz emergir o problema das estratégias de re- produção do grupo mediante constrangimentos denatureza religiosa (MACHADO, 1996; DUARTE,2004; COUTO, 2005). A questão principal quenorteia este trabalho, iniciado em 2004, não serefere ao debate acerca do comportamento sexualou à multiplicidade de expressões do religioso noâmbito familiar - muito embora estes temas sejamincontornáveis para o antroplogo interessado nosresultados da conversão na esfera familiar. Aqui,interessa-nos compreender, em linhas gerais, comoo pertencimento ou adesão tem efeito sobre a (re)construção dos projetos, ideais e normas ligados àvida familiar.10 

9 A expressão “bricolagem permitida” refere-se aqui à maneira me-diante a qual o indivíduo organiza, para ele prprio, a experiência de

uma realidade criada com base em empréstimos de diferentes materiais(às vezes, opostos), transformando-a em “realidade aceitável”, na qualestes elementos, aparentemente disparatados, são unidos num espectroharmonioso. Vale lembrar que esta ideia faz alusão ao conceito debricolage elaborado por Claude LÉVI-STRAUSS ( La pensée sau-vage, Paris: Plon, 1962) e utilizado na literatura antropolgica comosinônimo de composição de uma realidade baseada em um processocaracterizado por vários empréstimos feitos a uma criação originalqualquer. Sobre o paradigma do bricolage, ver  Bastidiana, dossier  “Claude Lévi-Strauss. Du principe de coupure aux courts-circuits dela pensée”, nos 7-8 (julho-dezembro 1994).10 Com base em um estudo exploratrio, analisamos como se es-

truturam as práticas educativas em famílias em que pai e mãe não partilham dos mesmos valores religiosos e, consequentemente, os

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Lívia A. Fialho Costa

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 85-94, jan./jun. 2011

Desde os anos 1960, abordagens microssociol-gicas trouxeram à tona questionamentos acerca dadinâmica interna da família. Assim, as discussõessobre a relação família/processo de industrializa-

ção, deram, pouco a pouco, lugar à problemática dofuncionamento do “lado de dentro” da vida familiar (ABOIM, 2006). Escolas, como a InteracionistaSimblica, nos EUA, revelaram, nos anos 1970, aimportância de se investigar sobre a produção desentido no casamento e na família. A compreensãoda dinâmica interna familiar sem a articulação comos contextos sociais rendeu críticas a esta aborda-gem. No entanto, as reatualizações desta correnteindicam a importância de se olhar para o casal e

mesmos modelos educativos. Assim, interessava-nos compreender em que medida a divergência de modelos se traduz concretamente nas

 práticas educativas e como a educação das crianças se faz objeto denegociações e acordos entre os pais de conssões diferentes. A m deresponder a tais questionamentos, realizamos uma pesquisa de campo

 junto a casais com lhos cuja mãe era convertida a uma igreja pro-testante (Batista, Presbiteriana, Adventista, Comunidade Nova Vida,Deus é Amor, Assembleia de Deus) e o pai, praticante de uma outrareligião (ou nenhuma). A hiptese que orientava a pesquisa era a deque divergências e conitos oriundos de opções religiosas diferentestêm um impacto nas opções de socialização/educação dos lhos. Esteestudo exploratrio apontou para uma série de aspectos que ampliamo escopo da referida pesquisa (JACQUET e COSTA, 2009).

a família apoiado em uma análise que privilegiea articulação destes com os contextos sociais deexistência (SINGLY, 1993). Ao elegermos comoobjeto famílias marcadas por “valores religiosos”

 – ou construções religiosas – queremos investigar o“lado de dentro” da família, partindo de um estudoque atenta para os projetos, os ideais, as normas defuncionamento, a intimidade, os afetos, como ele-mentos capazes de fornecer informações acerca dadinâmica familiar contemporânea. Comportamen-tos, atitudes, sentimentos, inclinações alimentamconitos e negociações entre cônjuges e parentes, oque revela, no nal das contas, o caráter dinâmicoe processual das relações familiares.

REFERÊNCIAS

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Família, escola e religião. Que conitos e negociações?

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 85-94, jan./jun. 2011

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SINGLY, François. Sociologie de la famille contemporaine. Paris: Nathan, 1993.

 Recebido em 25.10.10

 Aprovado em 20.12.10

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Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento; Nicole Bertinatti  

A ESCOLA DOMINICAL PRESBITERIANA: DISSEMINAÇÃO

DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS

Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento *

Nicole Bertinatti **

RESUMO

Este texto propõe apresentar o modelo pedaggico das Escolas Dominicais Presbiterianasno Brasil, caracterizando-as como um espaço de educação extraescolar presente nasigrejas protestantes. Tem o objetivo de analisar de que maneira as Escolas DominicaisPresbiterianas eram organizadas, vericando a metodologia utilizada. O recorte teórico-metodolgico está pautado em Roger Chartier (1999), Dominique Julia (2001), Jorge Nascimento (2008) e Carlo Ginzburg (2007), os quais oferecem categorias de análise comorepresentações, cultura escolar, educação extraescolar e método indiciário. Esse trabalhoinsere-se na perspectiva da Nova Histria Cultural, a qual permite aos pesquisadores deHistria da Educação ultrapassar barreiras do seu objeto de estudo, explorando outras áreasdo conhecimento. As fontes utilizadas para o embasamento deste texto foram Importânciada Pedagogia Religiosa na Consolidação da Igreja Presbiteriana do Brasil (KERR, 1925)e a  Primeira Convenção Regional das Escolas Dominicais no Rio de Janeiro (REIS,1909). Os resultados apresentam a Escola Dominical como um espaço de realização de práticas pedaggicas no qual o principal objetivo era ensinar a doutrina protestante por meio da Bíblia. As Escolas Dominicais tornaram-se um ambiente relevante de contatodos novos convertidos com a nova cultura religiosa, aprendendo a interpretar a Bíblia.

Palavras-chave: Escola Dominical Presbiteriana – Brasil – Práticas pedaggicas

ABSTRACT

PRESByTERIAN SUNDAy SCHOOL: dissemination of knowledge andeducational practices

This paper proposes to study the pedagogical model of the Presbyterian SundaySchool in Brazil, characterizing it as a space for non-scholar education common inProtestant churches. We aim to analyze how the Presbyterian Sunday Schools wereorganized evaluating the methodology of teaching that was used. Our theoretical andmethodological approach is based upon Roger Chartier (1999), Dominique Julia(2001), Jorge Nascimento (2008) and Carlo Ginzburg (2007), which offer categoriesof analysis such as: representations, school culture, extra-curricular education, and

* Doutora em Educação (PUC-SP). Coordenadora do Programa de Ps-Graduação em Educação/UNIT- Universidade Tiraden-tes. Endereço para correspondência: Universidade Tiradentes (UNIT). Av. Murilo Dantas, 300, Bl. F, Bairro: Farolândia, CEP:49.032-490, Aracaju (SE). E-mail: [email protected].

**Graduada em Pedagogia/UNIT - Universidade Tiradentes. Mestranda do Curso de Ps-Graduação em Educação/PPED/PROCAPS/GPHPE/UNIT. Bolsista da CAPES/PROSUP. Endereço para correspondência: Universidade Tiradentes (UNIT). Av.Murilo Dantas, 300, Bl. F, Bairro: Farolândia, CEP: 49.032-490, Aracaju (SE). E-mail: [email protected] 

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A Escola Dominical Presbiteriana: disseminação de saberes e práticas educativas

the indexical method . This work ts into the perspective of the New Cultural History,which enables researchers in History of Education to transcend the frontiers of their object of study, exploring other areas of knowledge. Our main documentary sourceswere  Importance of Religious Education in the Consolidation of the Presbyterian

Church of Brazil (KERR, 1925) and the First Regional Convention of the SundaySchools in Rio de Janeiro (REIS, 1909). The results show Sunday School as a settingfor the implementation of educational practices, where the main goal was to teachthe Protestant doctrine through the Bible. The Sunday School became a relevantenvironment where new converts could met with a new religious culture and learnedto interpret the Bible.

Kewords: Presbyterian Sunday School – Brazil – Teaching practices

Introdução

  Na perspectiva da Nova Histria Cultural,este trabalho insere-se na Histria da Educação, aqual tem possibilitado aos pesquisadores exceder  barreiras, permitindo aos mesmos fundamentar teoricamente seus objetos de estudos, trocandoinformações e explorando outras áreas do conheci-mento que vêm a enriquecer suas pesquisas. Diantedisto, alguns conceitos e procedimentos metodol-gicos tornam-se importantes para a compreensãodeste texto.

Compreendemos o método como uma maneirade proceder adequadamente diante de um determi-nado conteúdo. “O prprio método, portanto, passaa ser concebido como instrumento de trabalho,como ferramenta que pode ser bem ou mal utiliza-da” (GRESPAN, 2005, p. 293), o qual exigirá do pesquisador uma execução aguda na elaboração deseu procedimento; é o que norteia uma pesquisa.Um dos procedimentos utilizados nessa pesquisaé o método indiciário, elaborado por alguns histo-riadores, como é o caso do italiano Carlo Ginzburg(2007), para auxiliar no desvelamento de práticaseducacionais e culturais. Este método explicita acondição de que o pesquisador deve estar semprese atendo às minúcias dos textos, não se baseandonas características mais visíveis e sim nas particu-laridades que formam o todo.

Este trabalho compreende que as EscolasDominicais inserem-se nas práticas de educaçãoextraescolar, levando-se em consideração que as práticas de ensino podem ser realizadas também

fora dos muros das escolas, embasando-se no con-

ceito de cultura escolar elaborado por DominiqueJulia (2001) quando arma que

 para além dos limites da escola, pode-se buscar identicar em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não concebem aaquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de processos formais de escolarização(JULIA, 2001, p.11).

As Escolas Dominicais foram um dos maisecazes meios de disseminação do Protestantismono Brasil, pois serviram como a fonte mais segurade conversão dos catlicos pela leitura e pregaçãoda Bíblia. Cabe aqui ressaltar o conceito de repre-sentação denido por Roger Chartier (1999), quediz que ao criarem representações, os indivíduosdescrevem a realidade tal como pensam que elaé ou como gostariam que fosse. Dessa forma, osmissionários viam nas Escolas Dominicais umadas maneiras de modicar a sociedade brasileiraque, “no entendimento dos norte-americanos, [os brasileiros eram] ignorantes e supersticiosos sobreos preceitos bíblicos” (NASCIMENTO, 2007a, p.19).

Outro conceito útil para analisar as EscolasDominicais como espaços educacionais é o de edu-cação extraescolar que, segundo Jorge Nascimento(2008, p. 8), deve-se compreender 

as prerrogativas que são prprias à escola comoagência educativa e aquelas que estão em outrosespaços, outras agências de Educação organizadas pelas práticas da vida social.

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Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento; Nicole Bertinatti  

1 As associações voluntárias, também chamadas de sociedadesvoluntárias, ou sociedades de ideias, foram formas modernas desociabilidade que ofereceram novos modelos associativos em meioa uma sociedade globalmente organizada em torno de uma estruturacorporativa hierárquica (ordens) e composta na essência por atoressociais coletivos. Teve início no século XVII na Inglaterra, masdesenvolveu-se principalmente na América do Norte durante o séculoXIX (NASCIMENTO, 2007b, p. 55).

A agência educativa refere-se à educação formalde uma escola, enquanto a agência de educaçãoorganizada caracteriza-se por uma educação comobjetivos traçados e uma organização conscien-

te, porém fora dos muros da escola, com umaatividade que visa um aprendizado. Esse tipo deorganização e relação dependerá do meio socialem que o indivíduo estiver inserido, pois, além defrequentar a escola, eles praticam e inserem-se emoutras atividades, as quais podem ser organizadasou não. No caso das Escolas Dominicais, elas foramorganizadas para atingir alguns objetivos, entre osquais, primordialmente, o de conversão por meiode estudos da Bíblia.

Este texto propõe-se a reetir sobre o modelo de

educação oferecida nas Escolas Dominicais Presbi-terianas no Brasil. A pertinência deste tema para aHistria da Educação encontra-se na compreensãodo crescimento das Escolas Dominicais desde mea-dos do século XIX e a propagação dos seus métodos pedaggicos, que possivelmente contribuíram paraa disseminação da Pedagogia Moderna no Brasil,além de justicar-se pela insuciência de estudossobre esses métodos pedaggicos. As fontes em- pregadas para a fundamentação deste texto foramos livretos intitulados Importância da Pedagogia

 Religiosa na Consolidação da Igreja Presbiterianado Brasil (KERR, 1925) e a Primeira Convenção Regional das Escolas Dominicais no Rio de Janeiro  (REIS, 1909).

O protestantismo e a Escola Dominical

Os estudos realizados na Histria da Educação brasileira têm demonstrado que a religião e a educa-ção sempre estiveram interligadas. Com a ReformaProtestante ocorrida no século XVI, uma nova

identidade religiosa desenvolveu-se e, consequen-temente, alguns conceitos e valores também forammodicando-se, uma vez que as pessoas passarama ter acesso à leitura da Bíblia em sua língua ver-nácula, ao canto comum de hinos e às orações. Osreformadores publicavam impressos de linguagem popular, os quais favoreciam fácil acesso, possibi-litando a leitura para os mais novos éis.

  No Brasil, o Protestantismo começou a ser implantado no século XIX, com a circulação de

impressos por meio do trabalho desencadeado pelas Sociedades Bíblicas. As Sociedades Bíbli-cas eram associações voluntárias1 que utilizavamcomo estratégia a oração e o discurso para instalar 

igrejas e escolas. Além disso, publicavam livrosna imprensa e, antes mesmo de atuarem no Brasil,realizaram um programa em diversos países quetinha como intenção a divulgação da Bíblia na lín-gua vernácula de cada povo. No Brasil venderame distribuíram milhares de exemplares da Bíblia,além de livros, livretos, opúsculos, folhetos e panetos.

Até a década de 50 do século XIX, foramintroduzidos no Brasil aproximadamente 4.000impressos protestantes pelas Sociedades Bíblicas, por meio de seus agentes e “colportores”. O agentegeralmente era um missionário, com nível superior,e representante da instituição no país. O colporteur  – palavra originária do francês – era o mascate,vendedor ambulante que levava sua mercadorianuma caixa de pinho quadrada. No Brasil, a pala-vra colporteur adquiriu outro sentido, passando asignicar o vendedor de Bíblia (NASCIMENTO,2007b, p. 93).

O plano de inserção do Protestantismo contavatambém com a implantação de escolas no Brasil,no caso a Escola Dominical que, “ao lado do cultodoméstico dos ‘crentes’, tornou-se o núcleo deuma nova igreja e, em muitas localidades, a únicaigreja que o povo daquela área conhecia” (HAHN,1989, p. 274). A Escola Dominical constitui-seem importante preparação para o culto protestan-te, tornando-se uma prática formativa central detodas as suas igrejas. Ela congura-se como umaorganização educacional caracterizada pelos en-sinamentos bíblicos e pela doutrina de cada igreja protestante. A expressão dominical deve-se ao fatode acontecer aos domingos. Criada em 1781, por Robert Raikes, na Inglaterra, a escola dominicalsurgiu com o propsito de evangelizar crianças

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A Escola Dominical Presbiteriana: disseminação de saberes e práticas educativas

que cavam sem atividade durante os serviços dedomingo. A escola de Raikes tinha como objetivo principal alfabetizar por meio da Bíblia e do cate-cismo, além de ministrar aulas de religião, com a

intenção de reformar a sociedade, modicando-lheso caráter por meio dos ensinamentos bíblicos.A ideia de instalar Escolas Dominicais logo se

espalhou por diversos países e, no Brasil, o exem- plo de Robert Raikes foi seguido inicialmente pelomissionário metodista Justin Spaulding em 1836,ao implantar no Rio de Janeiro a Escola DominicalSul-Americana, com mais de 40 crianças e jovensdistribuídos em um total de oito classes. Contudo,a missão metodista encerrou-se no ano de 1841 e,consequentemente, a Escola Dominical2.

 No dia 19 de agosto de 1855, o casal SarahPoulton Kalley e Robert Reid Kalley implantamem territrio brasileiro, na cidade de Petrpolis,no Rio de Janeiro, a Escola Dominical de mododenitivo. Em sua própria casa Sarah Kalleyrecebeu poucas crianças, ensinando-as cantos eorações, mas foi o suciente para que o seu traba-lho rendesse bons frutos e atingisse vários locaisdo Brasil. Em 1858, aquela Escola Dominical deuorigem à primeira igreja protestante brasileira, aIgreja Evangélica Fluminense, local onde atual-mente se encontra instalado o Colégio Opção.Como consequência dessa ação inicial, “até 1934,existiam 3.912 Escolas Dominicais com 14.832 professores e 166.164 alunos” (NASCIMENTO,2007a, p. 19).

Por meio da ação missionária, o número deadeptos ao Protestantismo cresceu rapidamente eas casas evangélicas passaram a ser muitas, nãoobstante serem razoavelmente distantes. Sendoassim, o missionário Kalley orientou que todosque desejassem deveriam realizar em suas prpriascasas o culto doméstico, assumindo a categoria deEscola Dominical, conduzida por leigos, faltandoapenas os sacramentos, que deveriam ser feitos por um pastor. Com essa prática, as Escolas Dominicaisforam crescendo e organizando-se cada vez mais, passando então a serem organizadas em congre-gações, pequenas células da igreja e, por último,tornavam-se uma nova igreja dirigida por pastores.Essas novas igrejas passavam então a ser o centrode outras novas Escolas Dominicais, conduzidasnovamente por leigos, até concretizarem-se em

2 Segundo Costa (2010, p. 4), em 1841 ou em 1842, Spaulding retor-nou aos Estados Unidos e “a missão Metodista s teria o seu reiníciodenitivo no Brasil em 05/08/1867, com a chegada do Rev. JuniusEastham Newman (1819-1895)”.

novas igrejas.

A Escola Dominical Presbiteriana

 No Protestantismo, a educação cristã voltada para a formação espiritual, doutrinária e evangélicasempre esteve em primazia, sendo altamente valo-rizada, em especial pelos “reformados ou presbite-rianos” (NASCIMENTO, 2004, p. 14). Os mesmosacreditavam que todas as suas conquistas se dariam por meio da educação. Sendo assim, a Igreja Pres- biteriana dos Estados Unidos da América criou, em1837, a Junta das Missões Estrangeiras, que tinha por objetivo a difusão da fé evangélica (e da culturanorte-americana) entre outros povos do mundo,

 por meio das missões internacionais. Inicialmenteenviou missionários para a Índia, Tailândia, China,Colômbia e Japão. O sexto país a ser contempladofoi o Brasil, para onde o primeiro missionário, oreverendo Ashbel Green Simonton, foi enviado em1859 (NASCIMENTO, 2004, p. 20).

Logo que Simonton chegou ao Brasil percebeua importância de uma estratégica educacional e, umano aps sua chegada, em abril de 1860, criou, noRio de Janeiro, a primeira Escola Dominical Pres- biteriana do Brasil. Em sua prpria casa, Simonton

contou com a presença de cinco crianças e utilizoua Bíblia, o Catecismo e o livro O Peregrino comoinstrumentos pedaggicos. Fundou a primeiraIgreja Presbiteriana, também no Rio de Janeiro, em1862, assim como o primeiro jornal evangélico do país, a Imprensa Evangélica, em 1864.

Os presbiterianos norte-americanos começarama organizar escolas protestantes no Brasil a partir de 1870, fundando em São Paulo a Escola Ameri-cana, futuro Mackenzie College. Eles substituíramo método decoreba, aprender sem assimilar, pelo

indutivo, método que tem como princípio partir de questões particulares para as conclusões gene-ralizadas, e instituíram a coeducação dos sexos,enfatizando a experimentação e a vericabilidade,valorizando atividades como os trabalhos manuaise a Educação. A Escola Americana oferecia os

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Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento; Nicole Bertinatti  

cursos primário, secundário e superior cientíco.Posteriormente, o Mackenzie College seria a escolamodelo da missão presbiteriana, utilizando os mé-todos, os livros didáticos traduzidos e a organização

similares aos das escolas públicas de Nova Iorque. Na escola primária anexa ao Mackenzie College,conhecida como  Escola Americana, os futuros professores praticavam o novo método de ensino,que se propunha a ser “concreto, racional e ativo,denominado ensino pelo aspecto, lições de coisasou ensino intuitivo”, ou seja, aliar a observação e otrabalho numa mesma atividade (NASCIMENTO,2008, p. 6, 12, 13).

O método intuitivo substituiria a memorização,consistindo

na valorização da intuição como fundamento detodo o conhecimento, isto é, a compreensão de quea aquisição dos conhecimentos decorria dos sentidose da observação” (SOUZA, 1998, p. 159).

Assim, o aluno passava a ser o sujeito da apren-dizagem e o professor, o mediador, como mostraCarvalho (1998, p. 227) ao caracterizar o

método tradicional, [como] método em que os alunosse dobravam a rígidas prescrições gerais e o métodomoderno, o ensinamento é que se adaptava ao discí- pulo como centro do mundo escolar.

Para consolidar os novos princípios religiosos esociais por meio das Escolas Dominicais, missio-nários presbiterianos norte-americanos iniciarama produção de revistas pedaggicas religiosas,apresentando estratégias pedaggicas de remo-delação das práticas religiosas e sociais por meioda apresentação de estudos bíblicos sistemáticosaplicados ao cotidiano. A instrução religiosa eradada aos alunos no prprio salão de culto ou numasala anexa. Os alunos matriculados, que podiam

ou não ser membros das Igrejas, eram classica-dos pela idade e, sob a direção de um professor,ou professora, estudavam a Bíblia e as doutrinas protestantes. Muitas vezes, os professores eram os prprios missionários e suas esposas, auxiliados pelos membros mais experientes da Igreja. As es-colas dominicais presbiterianas eram abastecidascom as Revistas de Estudos Bíblicos publicadas pelo Conselho de Educação Religiosa do Brasil(NASCIMENTO, 2004). 

De acordo com KERR (1925), a reconstruçãoespiritual vinha da força divina, sendo realizada pelo espírito de Deus e mediada por meio de açõeshumanas, no caso o professor, caracterizado como o

 principal mediador deste processo de reconstruçãoespiritual. Assim sendo, as Escolas Dominicaisdeveriam adotar métodos que realmente viessem amodicar a vida dos alunos, o que só seria possívelse os professores fossem bem preparados.

Distanciando-se da educação tradicional, a qualse caracterizava como uma educação bancária,em que o aluno era visto de maneira fragmentadae não como um indivíduo completo, a Pedagogiamoderna baseava-se também na visão de Pesta-lozzi, que defendeu que o professor não deveriasimplesmente depositar conteúdos em seus alunos,como se a educação ocorresse de fora para dentro.Era preciso que o professor conhecesse o desen-volvimento físico, intelectual e moral do seu aluno, para que compreendesse como ele aprende, e entãoaplicaria métodos ecazes, a educação ocorrendode dentro para fora. O professor estimularia acriatividade, desaando seus alunos e auxiliandonas suas necessidades, e não os sobrecarregandocom conteúdos sem que houvesse interpretação eentendimento.

A Figura 1, apresentada em uma das fontes, trazuma caricatura da concepção antiga do ensino emque o “P, no plano superior [da Figura 1] repre-senta o professor. O D, no plano muito inferior, odiscípulo. Assim, com duas linhas acrescentadas àletra P e uma à letra D, se transforma o professor numa grande caneca a derramar sua sapiência numa pequena caneca que transborda sem proveito – oaluno” (KERR, 1925, p. 10).

Figura 1: Concepção antiga do ensino (Caricatura).Fonte: KERR, W. C. Importância da pedagogia naconsolidação da Igreja Presbiteriana do Brasil. SãoPaulo: Irmão Ferraz, 1925.

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A Escola Dominical Presbiteriana: disseminação de saberes e práticas educativas

Utilizando-se dessa concepção, a Escola Domi-

nical buscou adaptar o espaço físico de suas salasde aula para que realmente ocorressem os princí- pios da Pedagogia moderna, com uma organizaçãoatraente e destinada conforme a idade. A EscolaDominical moderna conheceria e respeitaria a per-sonalidade de seus alunos; sabendo da importânciada imaginação e das gravuras, utilizar-se-ia disso

 para tornar o espaço agradável e atrair seus alunos  para Cristo. Diante disso, é possível perceber a preocupação das Escolas Dominicais em atender,de maneira coerente, a todas as faixas etárias,

  principalmente as crianças, que, de acordo comComenius (2006, p. 100), os

(...) anos da infância e da primeira educação depen-de todo o resto da vida, se os espíritos não forem,desde o princípio, sucientemente preparados paraas circunstâncias de toda a vida, não haverá maisnada a fazer.

Figura 2: Departamento de Principiantes ou Jardim de Infância.

Fonte: KERR, W. C. Importância da Pedagogia na Consolidação da Igreja Presbiteriana do Brasil.São Paulo: Irmão Ferraz, 1925.

Para isso atraiam-nas com muitas gravuras eimagens, além das salas devidamente ornamen-tadas. Uma das fontes aqui analisadas apresentao modelo de organização das salas de aulas dasEscolas Dominicais.

A Figura 2 demonstra a preocupação na organi-zação das salas de aula para o jardim de infância, ascadeiras eram colocadas de maneira estratégica paraque as crianças cassem próximas e visualizassema todos, sem mesas, facilitando as atividades desti-

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Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento; Nicole Bertinatti  

Figura 3: Departamento Primário.Fonte: KERR, W. C. Importância da pedagogia na consolidação da Igreja Presbiteriana do Brasil .São Paulo: Irmão Ferraz, 1925.

nadas a essa faixa etária, enquanto as cadeiras para

os professores eram posicionadas atrás. A ornamen-tação da sala também ca evidenciada na gura. Asala de aula para o Departamento Primário apresentaalgumas características distintas (Figura 3).

Como as crianças, ricas em imaginação, tam- bém gostavam de ilustrações práticas e precisavamser estimuladas, foi sugerido aos professores,segundo Glenn, que zessem analogias com ascoisas materiais e as espirituais. Glenn cita algunsexemplos:

Aqui temos uma boa ilustração de pecado; esta linha

é muito fraca e facilmente se quebra. Ajuntemosmais alguns os e torna-se mais difícil a partir-se,se ajuntarmos mais alguns os ainda, não se que- brará: Assim é a força do pecado, cada vez que serepete torna-se mais forte até que enm é impossívelescapar de seus laços (GLENN Apud REIS, 1909, p. 18).

Esse exemplo foi um modelo de como o profes-sor poderia encontrar ilustrações para quase todasas lições subjetivas, de maneira que a criança cas-

se interessada e fosse algo prazeroso para ela.

Quanto ao método para ensinar os alunos, osque compreendiam a idade superior a 15 anos,Reis (1909, p. 15)  sugeriu que o professor e osuperintendente3 procurassem “levá-los a Jesus”,fazendo-os se interessar pelo desenvolvimento daescola, pois quanto mais interesse pela escola eengajados em atividades atrativas e prazerosas,menor seria o risco de perder esses membros eafastá-los da escola e, consequentemente, da Igreja.Caso contrário, isso poderia ser considerado “umerro estratégico”.

Para Braga (1909, p. 14), o que mais prejudicavaa Escola Dominical era “a falta de bom senso”,compreendido por ele como a ciência de fazer tudo direito. Sendo assim, a Escola Dominical nãonecessitava de pessoas excepcionais ou condiçõesextraordinárias, pelo contrário, bastaria ter bomsenso, fazer tudo certo, começando pela escolhado professor. Os missionários estavam cientes de

3 O Superintendente é o responsável pela direção geral da Escola Do-minical, ou seja, pelos seus membros – os alunos e os professores.

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que cada cidade e povo possuem seus costumesdistintos, variando até de bairro para bairro, o queocasionava a variação dos métodos de ensinar aosmaiores, cada qual atendendo a sua realidade. Con-

tudo tinham escolhas que deveriam ser feitas como mesmo cuidado em todas as Escolas Dominicais, pois uma das situações que mais a prejudicava eraa má escolha dos professores, que muitas vezes erafeita “devido antes ao parentesco com membros eociais da igreja do que às suas aptidões”.

O professor destinado ao ensino dos maiores,antes de tudo, deveria ser conhecedor profundoda Palavra de Deus, além de ter paciência, tato ermeza. Jamais poderia tratá-los como crianças,a m de fazer com que passassem vergonha, elembrar sempre de que estes alunos já possuíamsuas prprias ideias e pensavam por si mesmos.O professor também ganharia a conança de seusalunos sendo sincero com eles. Por exemplo, emuma situação em que um aluno zesse um ques-tionamento para o professor e este não soubesseresponder, não deveria enganá-lo ou ignorar suafala, pelo contrário, deveria admitir que não tinhaconhecimento da resposta, pedindo-lhe um prazo para que pudesse pesquisar e então responder. Oaluno assim sentiria conança pelo professor, poiseste teria sido honesto em assumir que não sabia.

O bom professor, além das qualidades e compe-tências já descritas, deveria também ser pontual emsuas aulas, pois uma das causas da falta de êxito emmuitas classes era justamente a impontualidade do professor. Este que “chega depois da hora, não tema força moral precisa para incitar os alunos a serem pontuais e, o que é mais grave, pela sua condutacomo instrutor eleva a impontualidade à altura deum princípio perante seus alunos”  (REIS, 1909, p. 14), ou seja, o professor deveria ser o exemplo.Braga (1909, p. 14) cita ainda que não se espantariase os alunos que frequentavam uma Escola Domi-nical, cujos professores se atrasassem para as aulas, passassem a se atrasar diante de suas obrigaçõesquando adultos, anal tomaram como princípio oatraso do professor, o qual serviu de exemplo.

Ter bom senso e saber selecionar bem os pro-fessores para que estes conquistassem a conançados alunos contemplaria uma Escola Dominicalde sucesso e interesse para os alunos maiores, semque estes se afastassem da Palavra de Deus e da

Escola Dominical.Glenn mencionava que o professor deveria ter 

um planejamento do seu trabalho. Precisaria cal-cular o tempo da lição e procurar atividades para

 preencher a hora, sem exageros, para não sobrecar-regar as crianças, porém sem muito tempo de cio, pois se as atividades acabassem antes do horárioa turma caria dispersa, e uma turma de criançasnão poderia car parada. Se elas não tivessem como que se distrair o professor acabaria perdendo odomínio da classe, anal “se ele mesmo não guiaa classe, esta há de guiá-lo” (GLENN apud REIS,1909, p. 17). Por isso, para não perder a ordem eo domínio, o professor deveria planejar suas aulascom atividades interessantes e ocupando todo o

horário previsto. Reforçava ainda que o professor deveria falar breve e concisamente. Seus questio-namentos para a turma sobre as lições deveriamser bem diretos e claros, de maneira que a criançalogo compreendesse a pergunta e fosse capaz deresponder sem fazer confusão em seu pensamen-to; uma boa pergunta consistia em ter clareza. Na classe que já estivesse mais adiantada e seusalunos fossem alfabetizados, o professor deveriaacompanhar a leitura explicando cada passagemda histria. Já naquelas turmas em que as crianças

ainda não soubessem ler, o professor contaria ahistria de maneira que elas pudessem imaginar cada cena em “tempo real”.

 No entanto, a Escola Dominical e a educaçãoreligiosa também encontraram vários obstáculosnas igrejas do Brasil, como a constatação do altonível de analfabetos, principalmente nas zonasrurais. Isto se apresentou como um problema paraa Escola Dominical, em que a única medida nessasituação era colocar em prática o programa deRaikes, criando classes de alfabetização. Outro

obstáculo foi a utilização dos métodos baseados naPedagogia moderna, pois muitas pessoas apresenta-ram objeções quanto à organização ou à utilizaçãodesses métodos, o que para Kerr era normal, pois“todas as ideias novas são combatidas”, no sentindode condenadas (KERR, 1925, p.22).

A falta de literatura para auxiliar os professoresde crianças com idade entre três e sete anos, assimcomo a incompatibilidade da literatura para alunosde nível intermediários e para as igrejas rurais, pois

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nenhuma se adaptava à realidade, foram problemasenfrentados pelos líderes protestantes. EntretantoKerr destacava que o maior dos obstáculos era “afalta de professor habilitado”, o qual supria “todas

as lacunas” (KERR, 1925, p.26).A importância das Escolas Dominicais foi por diversas vezes rearmada por Tucker  (1909, p. 13) ao mencionar a primeira Escola Dominical, criada por Robert Raikes na Inglaterra, e sua propagaçãona Europa, nos Estados Unidos e em outros países por meio do movimento missionário. Em 1909,foram apresentados dados informando a existênciade aproximadamente 250.000 Escolas Dominicaisno mundo e com mais de 25.000.000 de membros,tornando-se um argumento forte para demonstrar 

o valor das Escolas Dominicais. Tucker arma-va ainda que se não tivesse grande relevância econtribuição para a igreja evangélica, as EscolasDominicais não apresentariam esse crescimento einvestimentos empregados para a sua propagaçãoe bom funcionamento, anal existia também umaverba destinada para sua difusão.

O resultado e a importância das Escolas Domi-nicais foram novamente reforçados por estatísticasque diziam que mais de “cinco sextos dos membrosrecebidos nas igrejas evangélicas vinham diretamen-te das Escolas Dominicais” (REIS, 1909, p. 12). 

Considerações Finais

Os resultados aqui reunidos apresentam aEscola Dominical como uma prática pedaggi-ca, cujo principal objetivo era ensinar a doutri-na protestante por meio da Bíblia. As Escolas

Dominicais foram um dos mais ecazes meiosde disseminação do Protestantismo no Brasil.Serviram como a fonte mais segura de conversãodos catlicos por meio da leitura e pregação da

Bíblia, sendo uma estratégia para atrair novosadeptos ao Protestantismo.A Escola Dominical era idealizada como uma

instituição imprescindível à igreja, existindo para levar melhor instrução ao povo sobre o co-nhecimento da Bíblia, sendo este o seu desígnio principal. A sua nalidade era ensinar a Palavrade Deus por meio de professores bem preparados para conduzir os cristãos ao “serviço de Deus e dahumanidade” (REIS, 1909, p. 13), com o poder deinstruir para a salvação por meio da fé em Cristo

Jesus.As Escolas Dominicais foram crescendo eorganizando-se cada vez mais, passando então a ser organizadas em congregações, pequenas células daigreja e, por último, tornavam-se uma nova igrejadirigida por pastores. Essas novas igrejas passa-vam então a ser o centro de outras novas EscolasDominicais, conduzidas novamente por leigos, atéconcretizar-se uma nova igreja.

Foi possível perceber as características que o professor da Escola Dominical deveria possuir. Ter 

 paciência, tato, rmeza e ser conhecedor profundoda Palavra de Deus, além de conquistar a conançados seus alunos. Em suma, o professor necessitavater conhecimento da pedagogia, seus princípios emetodologias adequadas a cada sala de aula; eleera o ponto fundamental para o sucesso de umaEscola Dominical.

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 Recebido em 31.08.10

 Aprovado em 05.12.10

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Paula Corrêa Henning

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 105-113, jan./jun. 2011

DE BENEVOLÊNCIAS, VOCAÇÕES E FRATERNIDADES:

DISCURSOS DA SEARA DA EDUCAÇÃO1

Paula Corrêa Henning*

RESUMO

Este artigo busca analisar algumas teses defendidas pelo Programa de Ps-graduaçãoem Educação da Unisinos. Trata de problematizar as relações com os modos de pensar a Educação tão marcada por uma das bandeiras da Revolução Francesa: a fraternidade.Selecionou-se essa gura da modernidade com base na crítica nietzscheana aos ideaisda Revolução Francesa como emblemas dessa episteme. Assim, um dos achadosda pesquisa refere-se ao traço marcado e delimitado da episteme moderna. Mesmo

quando tais discursos pretendem a crítica dos fundamentos educacionais modernos,reencontram-se inscritos no solo positivo da episteme moderna, que longe derepresentar apenas um período histrico das Ciências, é um modo hegemônico deestabelecer relações com a Verdade e com a Moral.

Palavras-chave: Ciências Humanas – Educação – Episteme Moderna – Saber eMoral

ABSTRACT

ABOUT BENEVOLENCES, VOCATIONS AND FRATERNITIES:DISCOURSES FROM THE EDUCATION HARVEST

This paper aims to analyze thesis of the graduated program in Education at theUniversity Unisinos . We analyze the relations with the ways of thinking Educationthat are marked by one element of the French Revolution motto: Fraternity. Weselected this gure of modernity on the base of Nietzsche’s critique of the FrenchRevolution’s ideals as symbols of this episteme. Therefore, one of the discoveries of the research is the marked and delimited trait of the modern episteme. Even whensuch discourses intend the critique of the modern educational foundations, they arenevertheless rooted in the positive ground of the modern episteme, which, far fromrepresenting only a historical period of Sciences, is a hegemonic way of establishingrelations with Truth and Morality.

Kewords: Human sciences – Education – Modern episteme – Knowledge andmoral

* Pedagoga. Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas e Universidade do Vale do Rio dos Sinos.Professora Adjunta do Instituto de Educação, do Programa de Ps-Graduação em Educação Ambiental e do Programa de Ps-Graduação Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande. Endereço para correspondência: UniversidadeFederal do Rio Grande. Instituto de Educação. Av. Itália, km 8, s/n. Campus Carreiros. Cep: 96201-900. Rio Grande (RS).E-mail: [email protected] 1 Pesquisa nanciada pela CAPES e pelo CNPq.

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De benevolências, vocações e fraternidades: discursos da seara da educação

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 105-113, jan./jun. 2011

Introdução

Pensando acerca dos efeitos que alguns dis-cursos das Ciências Humanas vêm constituindo

no campo da Educação, tracei este artigo. Aquitrago um recorte de minha pesquisa de Douto-rado, buscando analisar um dos recorrentes dis-cursos apresentado por Teses de Doutorado emEducação2. Para dar conta deste texto, selecioneialguns dos ditos que nos capturam na defesa daFraternidade3 na sociedade contemporânea. Essesdiscursos marcam um tempo que denominamosde Modernidade, um tempo que, muito mais doque um período histrico, determina formas deser e viver, tornado-se um solo positivo para guiar nossas vidas, tornado-se uma Episteme (FOU-CAULT, 2002 e 2002a). Com base no conceitofoucaultiano, episteme refere-se ao solo do qualemergem saberes que constituem a ordem intrín-seca para as condições de possibilidade, para aemergência dos saberes em determinada épocahistrica. Assim, os saberes que ali se produzemnão são a-histricos e universais, mas, antes demais nada, uma ordenação histrica que cria ascondições para os discursos que nesse momentosão constituídos.

 Nesse sentido, os ideais modernos da igualda-de, da liberdade e da fraternidade, tripé dos ideaisrevolucionários franceses, são os princípios daÉtica Moderna, em relação direta com sua própriaepisteme. Vale armar que os efeitos de sentido produzidos por esses discursos não repercutemapenas no plano discursivo, mas geram efeitosextradiscursivos no plano da ética e da política, já que são eles os discursos autorizados a intervir sobre a realidade com a legitimidade de um certomodo adequado de saber, de conhecer, enm, de

 fazer ciência.Com isso, organizei este texto na tentativa de

evidenciar efeitos de sentido provocados por algunsdiscursos das Teses tomadas aqui como corpus dis-cursivo. Assim, elenquei a gura de modernidadeda Fraternidade a partir da crítica nietzscheana aosideais da Revolução Francesa como emblemas des-sa episteme, já que essa se consolida em discursosde algumas das teses analisadas.

A Revolução Francesa, como um aconteci-mento produto dos ideais iluministas, marca a

histria do ocidente, traçando princípios uni-versais na busca do bem para a coletividade.Liberdade, Igualdade e Fraternidade são lemasque caracterizam a Revolução de 1789 e trazem

lutas que intentam a garantia por direitos iguais, paz entre os homens e liberdade de expressão. Talrevolução pretendia o m da guerra, “a frater -nidade dos povos e oridas efusões universais”(NIETZSCHE, 2001, p.264). Neste texto, esti-mulada por Nietzsche, pretendo evidenciar quea luta revolucionária do século XVIII anulou ocombate, as relações de força, silenciando algunsa favor do bem universal .

Entendendo que o propsito de trazer ideaismodernos em nome do povo foi um dos grandesobjetivos da Revolução Francesa, Nietzsche vaimostrando em seus escritos o quanto posicionamoso homem num lugar de destaque, como aquele que busca o bem para a coletividade. “Foi apenas a Re-volução Francesa que pôs o cetro, de maneira total esolene, nas mãos do ‘homem bom’” (NIETZSCHE,2001, p.244) [grifo do autor].

Como o próprio lósofo nos mostra em seusensinamentos sobre a prática de guerra, somente podemos guerrear com causas vencedoras. E não hádúvida de que a Revolução Francesa foi uma causavencedora. Por isso, instigada com o pensamentodo lósofo, travo um duelo de combate com a guraemblemática de Modernidade do século XVIII:a fraternidade. Neste texto, tomo a Fraternidadecomo um dos emblemas do mundo contemporâneo,evidenciando os discursos e seus efeitos no campoda Educação.

Partindo de uma matriz de pensamento que ele-ge a guerra como emblema do mundo, rompo comos contratualistasque primam pela paz contratual.Aqui, estou entendendo, na esteira de Foucault,

2 O estudo mais amplo versa sobre uma pesquisa que buscou analisar os discursos de quatro Teses de Doutoramento no campo da Educaçãocom a pretensão de responder quais os efeitos de sentido provocados

 por alguns discursos da Educação na atualidade.3A Figura de Modernidade tomada como emblema nesse texto é a Fra-ternidade. Estão associadas a ela todas as outras formas de nomeaçãoque remetem ao mesmo sentido, ou seja, a abertura ao outro e umaatitude de intervenção que promova mudanças na qualidade daquelemodo de existir. Não desconheço a polissemia implicada nessas ex-

 pressões, mas no contexto desse estudo tomo-as como expressões dessamesma gura moderna de fraternidade, com diferentes roupagens.

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que a política é bem mais a frmula de Clausewitz4 invertida, aqui a política é “a guerra continuada por outros meios” (FOUCAULT, 2005, p.22). Por isso, “o enfrentamento belicoso das forças” (FOU-

CAULT, 2005, p.24), chamado por Foucault comoa hiptese nietzscheana da guerra como modelo da política, produz-se pelo esquema guerra-repressão.Longe de efetivar-se pelo abuso, pela dominaçãoou pela anulação do outro, a guerra efetiva-se peloenfrentamento das relações de força, um jogo deluta e submissão.

 No pensamento de Nietzsche, de modo exem- plar, encontro elementos que me ajudam a justicar esse modo de tratar as condições justas de enfrenta-mento. A guerra para ele é uma condição da prpriavida, cabe-nos, no entanto, regular as condiçõesque tornem justo esse permanente embate. No

 Ecce Homo, por exemplo, o lósofo explora demaneira pontual aqueles que seriam os princípiosde sua particular  prática de guerra (NIETZSCHE,2003). E para concretude de sua prática de guerra, Nietzsche pontua quatro princípios para um duelo justo. São eles:

eu apenas ataco coisas vitoriosas [...]; eu apenas ata-co coisas contra as quais jamais encontraria aliados,contra as quais tenho que me virar sozinho [...]; eu

 jamais ataco pessoas [e] eu apenas ataco coisas con-tra as quais todo tipo de diferença pessoal é excluído (NIETZSCHE, 2003, p.38).

Com esses princípios Nietzsche põe em funcio-namento a guerra como uma estratégia de combate justo, de enfrentamento de forças. Um duelo ho-nesto em que há a suspeita por causas tidas como primas, causas tidas como vitoriosas. Um duelocontra causas em que o encontro de aliados é quaseimpossível, pois vai contra a ordem instaurada. Umduelo que não se preocupa em atacar pessoas, mas

 projetos, ideais de vida e formas de viver nessemundo. Um duelo que não busca ferir o outro, mastravar um embate, de compor lutas que possibilitem  pensar de outra forma o instaurado pela ordemdiscursiva vigente.

Para iniciar esta guerra, parto do princípio que Nietzsche me ensinou: a fraternidade é enganosa(NIETZSCHE, 2005). Enganosa porque ao buscar ajudar o irmão, quer mesmo é possuí-lo. O altruís-mo torna-se, segundo o lósofo, o sentimento de

contínua busca por possuir o outro.Pensando nisso, venho compor a análise acerca

dessa gura de modernidade, tantas vezes expressaem duas Teses colocadas sob análise5, ora como

um ato indispensável para nos tornarmos mais hu-manos, ora como um ato glorioso de acolhimentoao outro nos nossos supostos melhores lugares deexistência e convívio.

Por ter certa reserva com esse ideário moderno, penso que ele se torna uma ferramenta produtiva para pensarmos os discursos de amor, doação,carinho que a mim não soam como a construçãode um ser melhor e mais digno, mas soam comouma exigência de viver num mundo como este ou,nas palavras de Marton, soam como “um dogmareligioso, um ideal político ou [e] uma exigênciamoral” (MARTON, 2001, p.186).

A Fraternidade como verdade do MundoModerno

Para iniciar as discussões problematizo a fra-ternidade como um valor produzido pela moderni-dade, colocando em funcionamento o seu projeto,criando ideais a ser seguidos pela coletividade.Aqueles que não se adaptam a esse ideário acabam

  por ser designados como perversos, maldosos,doentes e todas as outras formas de nomeação quesirvam à produção de esteretipos numa zona de

 sombra social . São aqueles que de tão terríveis,não se abrem às necessidades alheias por falta desensibilidade ou por sucumbirem a uma suposta

4 Carl von Clausewitz ou Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz (1780-1831) foi um general e estrategista militar prussiano; escreveu a obraVon Kriege (Da Guerra), publicada postumamente. Ficou conhecida afrase em que ele dene a associação entre guerra e política: “a guerraé a continuação da política por outros meios”. Von Clausewitz é con-siderado um grande mestre da arte da guerra. Para ele, a destruição

física do inimigo deixa de ser ética, quando ele pode ser desarmado emvez de morto. No livro Em Defesa da Sociedade (2005), Foucault aotratar sobre Guerra inverte a proposição de Carl von Clausewitz, quese referia à guerra como a política continuada por outros meios.5 Para ns metodológicos, registro aqui as referências das duas tesescolocadas sob análise neste artigo: Tese 2 – LUZ, Arisa Araújo da.Uma educação que é legal!: é possível a inclusão de todos na escola?Tese (Doutorado em Educação) - Universidade do Vale do Rio dosSinos, 2006. 166p.

Tese 4 – FRITSCH, Rosângela. Travessias na luz e na sombra: astrajetórias prossionais de administradores de recursos humanos:os seus percursos de formação, de trabalho, de prossionalização noâmbito da gestão de pessoas. Tese (Doutorado em Educação) - Uni-versidade do Vale do Rio dos Sinos, 2006. 450p.

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condição privilegiada que os alienaria. “Para não ir de encontro a sua prpria moral ‘você deve abdicar de si mesmo e sacricar-se’. Deveria ser decretadaapenas por quem dessa maneira abdicasse de sua-

 prpria vantagem, e que talvez acarretasse a prpriaruína, no sacrifício imposto aos indivíduos” (NIET-ZSCHE, 2001, p. 72) [grifo do autor]. Assim, essa proposta de nos tornamos disponíveis ao outro nãoé uma proposta de todos ou uma proposta origináriade alguém que pensa no bem social, mas uma açãomoral gerada pela prpria modernidade.

Importa destacar que uma moral não é, na con-cepção que estou assumindo, um dado natural ousomente uma resposta contratual a uma necessidadesocial, mas é também o produto de um complexo  jogo de forças que fabrica valores, juízos, inte-resses e condutas. A moral funda-se para além darazão, por um jogo de  sedução que nos interpela por muitas vias.

 Não adianta: é preciso questionar impiedosamente econduzir ao tribunal os sentimentos de abnegação,de sacrifício em favor do prximo, toda moral da re-núncia de si [...]. Há encanto e açúcar demais nessessentimentos de “para os outros”, de “não para mim”, para que não se tenha a necessidade de desconar duplamente e perguntar: “não seria talvez seduções?”(NIETZSCHE, 2005, p.37) [grifos do autor].

É bastante evidente nas Teses o modo como asautoras aderem a esse jogo de sedução que vai fabri-cando a moral de formação. Aqui, especialmente,uma moral de formação que apela para a aberturafraternal ao outro que seria a condição de, por umlado humanizar o formador e, por outro, prestar oatendimento ao necessitado de formação.

[...] O tornar-se pessoa é um processo de desprendi-mento do indivíduo que tem em si, tornando-se dis-

 ponível ao outro, por isso mesmo mais transparente

a si próprio e aos outros (Tese 4, p. 211).É a escola a grande responsável por implemen-

tar essa política de formação que, antes de tudo étambém uma moral. Isso faz dessa instituição “a principal encarregada de construir um tipo de mun-do que chamamos de mundo moderno” (VEIGA- NETO, 2003, p. 104). Aquele mundo que, por meioda educação, seja escolarizada ou não, nos lança emuma vida mais evoluída, mais civilizada.

O contínuo discurso de ser uma pessoa melhor 

 passa, impreterivelmente, pela via da doação aooutro. A humanização somente será possível nomomento em que, desprendendo-nos de ns mes-mos, conseguiremos chegar nesse estágio de vida

mais evoluída. O fragmento da Tese 4, transcritoa seguir, lembra-me o segundo mandamento daIgreja Catlica: Amar ao próximo como a si mesmo.Para sermos sujeitos livres devemos não apenasser protagonistas de nossa vida, mas também dahumanidade. E a educação, para isso, tem muitoa contribuir!

[...] é importante retomar a educação, onde o educar como formação humana é acreditar nas potenciali-dades e capacidades dos seres humanos na relaçãocom o outro humanizarem-se e nesse processo, como

sujeitos, constituírem-se pessoas. Não é sucientenascermos biologicamente humanos e nos consti-tuirmos indivíduos. Na mediação com o trabalho ecom a cultura, podemos nos humanizar na relaçãocom o outro, através de processos de objetivaçãoe subjetivação, de interiorização e exteriorização,de personalização e despersonalização num tomar cada vez mais consciente os sentidos e signicadosde nossa condição de sujeitos livres, ou seja, prota-gonistas de nossas vidas e da humanidade (Tese 4, p.406) [grifos meus].

A educação, e aqui me rero não apenas à

escola, vem, então, para nos tornar humanos,conscientes e livres. Enm, ela molda o sujeitomoderno, capaz de viver civilizadamente na socie-dade. Por isso, a prpria organização social precisacolocar em funcionamento as estratégias escolaresque tornam possível a estruturação da vida emcomunidade. Percebo o quanto a proposta educa-cional caminha na correnteza de formar cidadãosque exerçam os valores diletos da modernidade,tornando-os sujeitos morais, conscientes e livres.Os discursos presentes em algumas das teses

analisadas retratam a educação como formadorade aprendentes mais humanos e justos. Assim,entendo o quanto a educação contribui determi-nantemente para criar novas formas de vida, novasformas de ser e estar no mundo. Antes de estar aí para ensinar conteúdos, a educação vem para nosfabricar como sujeitos participantes e encaixadosnas malhas da episteme moderna.

Isso tudo nos ajuda a compreender que boa partedas práticas que se dão nas escolas não foram sim-

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 plesmente criadas com o objetivo de que as criançasaprendessem melhor. Nem foram tampouco, o re-sultado de uma inteligência melhor dos professores,dos pedagogos e daqueles que pensaram a escolamoderna. Claro que isso não signica que muitas

dessas práticas não funcionem positivamente paraaprendizagem [...]. Uma das lições tiradas de tudoisso é o fato de que, bem antes de funcionar comoum aparelho de ensinar conteúdos e de promover a reprodução social, a escola moderna funcionou,e continua funcionando, como uma grande fábricaque fabricou, e continua fabricando, novas formasde vida (VEIGA-NETO, 2003, p. 107 e 108).

Com isso, o discurso que anuncia a Tese 4, arespeito da formação da pessoa humana por meioda educação, revela as marcas desse mesmo ideário

que venho aqui estudando. A formação educativatorna-se imprescindível para ser um excelente prossional, mas também para ser uma excelente pessoa.

[...] é através do trabalho que o homem asseguraa sua existência e vés d ducçã sf-

mçã d pópi hmm (scidd) m s mis

hum-scil um vz qu gd objetivoda mesma, num sentido amplo, é o de formaçãohumana (Tese 4, p.303) [grifos meus].

Formar o homem, humanizar o mundo. A pro-

 posta da Tese 4 é clara: a educação é responsável por tornar o sujeito mais humano. E se olharmos para o projeto moderno de educação, é exatamenteisso que se espera dela: auxiliar, decisivamente, aconstrução de uma sociedade em que os sujeitossejam capazes de pensar previamente sobre suasações, disciplinando-se no controle das suas pr- prias condutas. Aqui vale lembrar que essa moral aplicada é o resultado de uma inscrição do pensa-mento moderno das Ciências Humanas no grande pano de fundo da losoa transcendental de Kant,

 para quem o agir moral deveria ser determinado pela aplicação do imperativo categrico. Esse seriao modo, segundo ele, de aplicar de modo prático arazão humana e vincular as ações individuais aosinteresses da coletividade. Mais uma vez percebe-mos a forte articulação entre o a priori histricodas Ciências Humanas e a formação de um modoespecíco de existência atrelado a certo modo deregular e justicar o agir moral.

Com isso, “o desao de integrar e incluir todos

nos espaços da escola” (Tese 2, p. 56) sustenta oentendimento de que somente com base na educa-ção o homem se tornará verdadeiramente humano.O pensamento aqui se refere ao valor moderno da

humanização. Humanizar o homem, tornando-oeducado, respeitoso, solidário, enm, todo um con- junto de virtudes que fariam o indivíduo tornar-sehumano. Curiosos e talvez paradoxais, os discursosque sustentam a humanização do homem estãocalcados no pressuposto da universalidade e natu-ralidade do humano e de seus direitos.

Por que tornar humano o que é humano a priori?! Parece que estamos tratando, isso sim,de uma forma especíca de humanização, aquelaque é convencionalmente descrita e desejada pelaModernidade. Assim, a escola, equipamento mo-derno por excelência, compõe-se como uma grandemaquinaria capaz de tornar o homem primitivo ou bárbaro em um homem civilizado. O conceito decivilização perpassa os ideários modernos atraves-sando diferentes campos e assumindo expressõestambém variadas6.

A escola, colocada em funcionamento para aten-der a necessidade de um tipo de sujeito, vem com- pondo seus currículos e suas práticas na fabricaçãodo homem moderno. Em operação, a instituiçãodos escolares busca a ordem e a vida civilizada e, para isso, é necessária a transformação dos homensque entram nessa maquinaria: arrancando de cadaum sua selvageria e transformando-os em sujeitoshumanos, em sujeitos civilizados. Quem não temcultura de nenhuma espécie é bruto; quem não temdisciplina ou educação é um selvagem. A falta dedisciplina é um mal pior que a falta de cultura, poisesta pode ser remediada mais tarde, ao passo quenão se pode abolir o estado selvagem e corrigir umefeito de disciplina. [...] É entusiasmante pensar quea natureza humana será sempre melhor desenvol-vida e aprimorada pela educação, e que é possívelchegar a dar àquela forma, a qual em verdade,

6 A ciência da modernidade justica a colonização e a exclusão doOutro pelo discurso da civilização, da humanização e da salvação. Natentativa de arrancar os instintos mais selvagens dos indivíduos, a so-ciedade, por meio de diferentes instituições e de diferentes estratégias,acaba por compor propostas que buscam tornar o sujeito humanizado,governado e civilizado. Trata-se de um “processo de racionalização

 prprio da Modernidade: elabora um mito de sua bondade (mito ci-vilizador) com o qual justica a violência e se declara inocente peloassassinato do Outro” (DUSSEL, 1993, p.58).

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convém à humanidade. Isso abre a perspectiva paraum a futura felicidade da espécie humana (KANT,2002, p.16).

A escola, como uma das instituições que ga-

rantem formalmente o acesso à educação, torna-se indispensável para a produção desse mundomoderno, promovendo aos alunos uma evoluçãoem seus estados primitivos e bárbaros. A formaçãodo cidadão depende da escola. E para uma felici-dade da espécie humana, a escola ensina regrasde comportamento e condutas para viverem emcoletividade, sem suas selvagerias e, vale dizer,tornando-se fraternos.

Para que o Projeto Moderno se efetive, ele utili-za diferentes instituições, devendo estas transmitir os valores necessários e vigentes que compõem aepisteme da qual fazemos parte. A escola, comouma dessas instituições, construindo, forticandoe raticando tal projeto, organiza a atividade edu-cativa dirigindo-a para alcançar seus objetivos. Ocumprimento da ordem torna-se peça central para odesenvolvimento da civilização moderna. A escolha por currículos, estratégias de ensino, metodologias,todas são racionalmente pensadas, visando o orde-namento necessário para, como queria Comenius – e as Políticas Públicas mostram ainda hoje essa pretensão –, ensinar tudo a todos.

Como um discurso que apresenta a gura dafraternidade, incluo a preocupação da Tese 2 assu-mindo a inclusão como um ideal de vida pessoal.Assumiremos a inclusão por uma questão de amor ao aluno incluído, por ser gente, por ser humano.Anal, a inclusão atravessa os muros da vida pú- blica, torna-se também parte da vida privada: “Nãoaceitava outra ideia: como gente, como mãe, mas, principalmente, como professora” (Tese 2, 2006, p. 24) [grifo meu].

Percebo fortemente o discurso da docênciaa favor de uma opção amorosa e humanitária,invisibilizando o caráter prossional do trabalhodo professorado. Esse discurso não é novo, ele persegue nossa prossão há muito tempo. Nãoquero dizer com isso que é necessário manter umarelação distanciada ou fria com os sujeitos com osquais convivemos. Quero, isso sim, problematizar o quanto em nome da opção amorosa, da doaçãoao outro, nossa prossão acaba por desgurar-secomo uma atividade prossional especíca. Além

disso, vejo que atrelar o campo docente a umaação amorosa acaba por incitar na direção de um

 sofrimento heróico, como sugere Moura (2003).Enquanto somos nomeados como prossionais

que se doam ao trabalho por amor, as ações querealizamos nesse campo quando nos implicamsofrimentos por precariedade nas condições detrabalho, diculdades na elaboração de propostas pedaggicas, tornam-se hericas, já que, mesmocom todas essas diculdades, a professora enfrentaos problemas apresentados pela prática docente. A justicação do trabalho docente é feita pela opçãoamorosa, numa apologia do altruísmo. Assim,atualiza “as formas hegemônicas de ser professor,expressa pelo sofrer, estressar (se), adoecer, estar 

mal, estar aito e, ao mesmo tempo, pelo adaptar (se), não sucumbir; resistir, sobreviver subsistir no ‘sofrimento herico’”. (MOURA, 2003, p.89)[grifo da autora].

Ainda quando se trata dos Administradores deRecursos Humanos, a Tese 4 relaciona a escolhada prossão com um exercício de vocação. Umdesejo associado

ao vínculo com pessoas e que tenham interesse pelas pessoas, pelos contatos e relacionamentosassociados e uma motivação altruísta de medir con-

 itos, cuidar, ajudar, servir, desenvolver, gerenciar relacionamentos (Tese 4, 2006, p.405).

Mais uma vez a reiteração do discurso de fazer ciência humana por doação, por servir ao outro eaqui um elemento novo: um sujeito vocacionado. Na postura terica que assumo nesse trabalho, nãoacredito que nascemos para ser professor . Valequestionar: temos uma vocação para ensinar, paraajudar outro, para cuidar, enm, existe um dominterior que nos direciona ao trabalho das CiênciasHumanas? Entendo que o sujeito das CiênciasHumanas, e de qualquer campo de saber, foi produ-zido, fabricado no interior de uma trama discursivaque nos compõe e nos constitui enquanto sujeitosdessa área de saber especíca. Aproximando-mede Pereira, assumo a posição de que o sujeito pro-fessor produz sua  professoralidade  baseada emacontecimentos que lhe atravessam, constituindo-secom base em suas práticas e escolhas prossionais.Experiências que possibilitam a visibilidade de sino fazer-se professor. “Vir a ser professor não é

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vocação, não é identidade, não é destino: é produtode si. E produto é trabalho, é construção” (PEREI-RA, 1997, p.7). 

Assim, o sujeito professor vai sendo constituído

e digo que a gura da fraternidade está fortementeimplicada na produção da professoralidade moder-na. Com isso, as características de amor, doação eservidão vêm compondo e atravessando um modode ser, prprio das Ciências Humanas na atualida-de, como bem retratam as Teses 2 e 4. Essa guraemblemática produz efeitos contundentes no agir  prossional, tornando-se um código de verdade nofazer-se cientista humano.

Acredito que um dos efeitos desse quase irre-sistível apelo à doação amorosa e à vocação acabaresultando no enfraquecimento das questões públi-cas e políticas frente a um privilégio das questões psicolgicas e intimistas que passam a povoar for-temente o campo das preocupações educacionais.Tendo a vida humana como objeto de trabalho dadocência a conssão, a escuta, a narração do coti-diano tornam-se fortes traços dessa prossão. Maisdo que isso: circulando por espaços de escola, por exemplo, encontramos frequentemente uma falaintimista do professorado, confessando-se acercade seus problemas com a docência, com os alunos,com a educação de um modo geral, aquilo que Ratto(2006) tratou como uma compulsão a comunicar a respeito de si ou, ainda, como uma intimizaçãoassistida.

Essa estratégia que leva na direção de confes- sar  publicamente os dramas íntimos acaba por funcionar como uma ecaz medida de controlesocial, uma vez que os conteúdos da conssão ín-tima, além de enfraquecerem a discussão políticano espaço público, servem de material  prprio aocontrole minucioso das rotinas e práticas cotidianasdo professorado. Evidente que esses mecanismosque levam a uma exaltação do valor das práticas e,mais que isso, da conssão das práticas e de suasvicissitudes, também produzem outros efeitos,muitas vezes potencializando o trabalho docente.O que me importa mostrar é a tensão sempre pre-sente em qualquer prática, com efeitos diversos. Não se trata de denir as práticas como boas oumás, verdadeiras ou falsas, certas ou erradas, masapontar a variedade de efeitos que elas podem produzir, para além de seus bem-intencionados

objetivos explícitos.Paralelamente a essa valorização dos saberes da

 prática e sua necessária conssão, as Ciências Hu-manas tratam de produzir conhecimentos especiali-

zados que se prestam à regulação desses discursose os fazem funcionar numa certa ordem discursivaque se pretende formadora. Não é sem razão que aescola constitui-se como um espaço em que operamdiferentes especialistas encarregados do gerencia-mento desses discursos e de sua capitalização parauma ação formadora ou terapêutica.

Assim, os apelos pela doação amorosa e pelavocação levam a um discurso que faz da vida(seja a do professor ou dos prprios alunos) o bemmaior que serve de capital nessa grande economia

dos discursos educacionais. Fazer falar  parece ser uma marca bastante forte das novas modalidadesde controle social na atualidade. Uma abertura aooutro e uma vontade de intervenção que, calcadasno discurso da fraternidade humana, acabam tam- bém por produzir efeitos de controle pela indivi-dualização.

Com essas análises foi possível perceber duasestratégias colocadas em funcionamento pelo prin-cípio da fraternidade: de um lado, a incorporaçãoda aceitação do outro como princípio de vida e de

outro, a naturalização de certo altruísmo vocacio-nado para o convívio fraternal. Se, por um lado, naTese 2, a autora confessa-se dizendo que a aceitaçãoda inclusão era por sua posição de mãe, professoraetc., por outro, a Tese 4 evidencia a prossão deadministrador de Recursos Humanos como umavocação inerente ao ser humano. Percebo tanto deum quanto de outro discurso a ativação do amor,da doação, do cuidado com o outro. Que prossõessão essas demarcadas por uma compaixão e acolhi-mento naturais do outro em detrimento da crítica

dos modos de produção da professoralidade? Esseme parece ser o maior efeito de um discurso que as-sume e acolhe a fraternidade como uma das marcasnaturais das prossões das Ciências Humanas.

Provocando o Pensamento: alguns ques-tionamentos a modo de finaliação

Finalizando essas análises digo que a gurada fraternidade orienta a produção de uma moral

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enganosa que regula a convivência  pacíca e ci-vilizada de todos. Junto com outras tantas gurasmodernas, a fraternidade cria um solo positivo noqual se desenvolve a episteme moderna em seu

desdobramento ético e político. Contudo, tais evi-dências não levam na direção de suprimir todo equalquer parâmetro que oriente o convívio coletivono mundo contemporâneo. Não podemos negar aevidência de que o mundo, especialmente no últimoséculo, experimentou mudanças irreversíveis quefazem o convívio multicultural inevitável. Entre-tanto, não é apenas uma justicação e uma moralnaturalizadas que poderão servir de referência àconstituição da experiência ética.

Penso necessário questionar, indagar e descrer de uma moral que nos assola, nos acomete, noscaptura para suas malhas de evidências naturais,lgicas e inquestionáveis. A esse entendimentocoloco muitas interrogações. Ao mesmo tempo emque problematizo a moral como estado permanentede aceitar o Outro por meio, por exemplo, da com- paixão, do amor, do acolhimento, da fraternidadecom o irmão, penso que no mundo de hoje, dadasas diferenças culturais, sociais, econômicas e polí-ticas, há necessidade de pensarmos em estratégiasque tornem possível a convivência entre as dife-rentes comunidades, colocando constantemente emquestão os processos de diferenciação produzidos por relações de desigualdade e tentativa constantede captura do Outro.

Assim, quis trazer aqui apenas algumas pro-vocações acerca da fraternidade como gura demodernidade que orienta nossos modos de viver o contemporâneo. Provocações que afetaram amim também, pois me coloco a pensar acercado mundo atual: se rejeito a moral natural, quais  possibilidades de ruptura e outras ações nessemundo? Com isso, forcei-me a pensar comoviver numa sociedade que, ainda hoje, levantaas bandeiras emblemáticas da Revolução Fran-cesa? Penso ser importante criar brechas para

viver num mundo para além da moral universa-lizante, mas nem por isso num mundo em quevale tudo. É por tudo ser relativo que estamosobrigados a tomar posição e tornar claro em re-

lação a que armamos nossas próprias verdadesinventadas.Com as análises acerca dos discursos sobre fra-

ternidade quis evidenciar seus efeitos nas CiênciasHumanas na atualidade e, com isso, quis tambémduvidar das “duas doutrinas e cantigas mais lem- bradas [na modernidade]: ‘igualdade de direitos’e ‘compaixão pelos que sofrem’” (NIETZSCHE,2005, p.88) [grifos do autor].

Identicando esses discursos em algumas teses,z deles ferramentas produtivas para problematizar alguns dos efeitos de sentido provocados por algunsdiscursos da Educação na atualidade.

Entendendo a fraternidade como uma estratégiaque coloca em operação a tentativa de capturar ooutro pela moralidade universal, entendo-a comoum discurso enganoso, como me ensinou Nietzsche(2005). Não se ajuda o outro por amor ou doação,mas pelo “anseio a propriedade”.

Entre os solícitos e benévolos encontramos regular-mente aquela astúcia singela, que primeiro ajusta eadapta a pessoa que deve ser ajudada: imaginando,

 por exemplo, que ela “merece” ajuda, requer preci-samente a sua ajuda e se mostrará grata, dedicadae submissa por toda ajuda – com essas fantasiasdispõem dos necessitados como de uma proprieda-de, pois que são solícitos e benévolos por anseio de propriedade (NIEZSCHE, 2005, p.82).

Assim, concluo essa gura de modernidadetraçando alguns de seus efeitos nos discursos dasCiências Humanas. E exatamente por considerar a produtividade dos discursos da fraternidade natrama das relações sociais e especialmente das

relações dadas no campo educacional, senti-meimpelida a pensar outras possibilidades para alémda fraternidade, compondo um lugar para ação  política como condição de vida no tempo dasmulticulturas.

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 Recebido em 13.10.10

 Aprovado em 08.12.10

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EDUCAÇÃO E RELIGIÃO: NOTAS SOBRE ENSINO E

APRENDIzAGENS TERAPÊUTICAS NO SCS1 DA IPDA

Sueli Ribeiro Mota Soua *

RESUMO

Este texto tem como objetivo principal reetir sobre o aprendizado do sistema decuidado com a saúde no pentecostalismo; especicamente, procura compreender experiências de formação de ensino e aprendizado dos terapeutas e observar formasde educar os modos de atenção corporal de curadores e pacientes no âmbito do“ritual de cura”. O presente trabalho concentra-se em igrejas pentecostais, buscando pontuar algumas especicidades de sua cosmovisão de modo a entender como se dá a

inserção de pessoas com problemas de saúde em tais espaços. Considera-se aqui queos relatos de experiências de recebimento de Espírito Santo e da carreira do terapeutasão como estratégias didáticas para difusão e ensinamento do SCS da IPDA (IgrejaPentecostal Deus é Amor). Especicamente, a experiência terapêutica é antes de tudoum aprendizado corporal em que traços do universo simblico do pentecostalismo sãocompreendidos com base em representações e práticas pentecostais que atualizam eredirecionam a carreira do doente.

Palavras-chave: Religião – Educação – Sistema de cuidado com a saúde – Pentecostalismo

* Cientista Social. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (2007), Bahia - Brasil. Professora do De- partamento de Educação e do Programa de Ps-Graduação em Educação e Contemporaneidade (Campus I) da Universidade doEstado da Bahia. Tem desenvolvido pesquisas no campo das Ciências Sociais e Educação, com ênfase nos temas Educação eReligião. Atualmente coordena a Licenciatura em Ciências Sociais no Programa Plataforma Freire no âmbito da Universidadedo Estado da Bahia. PPGEduc (Universidade do Estado da Bahia – UNEB) Rua Silveira Martins, 2555, Cabula. Salvador-Bahia-Brasil, CEP 41.195-001, E-mail: [email protected] 1 SCS – Sistema de Cuidado com a Saúde.

Introdução

De um modo geral as pesquisas desenvolvidasnos campos da educação e da religião têm apontadoque após a identicação do problema de saúde,o indivíduo acometido de uma enfermidade éacompanhado por uma rede de relações sociais emque família e vizinhos tentam ajudar a resolver o problema ensinando e aprendendo estratégias quevisam a aliviar as aições que envolvem os cui-dados com a saúde. Normalmente, quando existegravidade, agravamento da doença ou pelo caráter 

crônico, a grande maioria dos familiares, bem comoos prprios enfermos, diante da incapacidade desolucionar o problema, procuram agências reli-

giosas que possam dar explicações e ensinar e/ou

indicar possíveis tratamentos para o doente. Nestesentido, busca-se aqui entender como os processosde doenças, no que diz respeito à saúde em geral,são ensinados, identicados e tratados nas igrejas pentecostais que realizam curas dentro de suascomunidades.

Este trabalho tem como objetivo principal re-etir sobre o aprendizado do sistema de cuidadocom a saúde no pentecostalismo; especicamente,  procura compreender experiências de formaçãode ensino e aprendizado dos terapeutas e observar 

formas de educar os modos de atenção corporal decuradores e pacientes no âmbito do “ritual de cura”.Trata-se de uma pesquisa desenvolvida com base

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em questões anteriormente levantadas no interior do Núcleo de Estudos em Ciências Sociais e Saúde(ECSAS). As questões que estimularam o presentetrabalho surgiram de duas pesquisas (aparentadas)

das quais participei, enquanto bolsista do CNPq/Pibic, intituladas: Saúde Mental: Redes Sociais e  Agências Terapêuticas e Saúde Mental, Religiãoe Sociabilidade, e da minha prpria pesquisa,desenvolvida entre pentecostais, que se intitulava

 Pentecostalismo, Saúde Mental e Cura . A primeira pesquisa teve por objetivo coletar dados sobre asredes sociais e agências terapêuticas que estavamresponsabilizadas pela administração de cuidadosa doentes mentais, em um contexto de classe tra- balhadora. Os resultados parciais dessa pesquisarevelaram que uma grande parte dos doentes tem passagem por agências religiosas na qualidadede membros, líderes, frequentadores ocasionaisou pacientes em busca de tratamento. A segundainvestigação, em suas conclusões preliminares,indicava que a religião e os processos educativosatuam sobre o corpo não apenas porque se propõema “curar” aições e problemas especícos, mas principalmente porque constituem um espaço paraa exploração de novas ou distintas possibilidadesexistenciais que exigem novas modelagens do pro-cesso de sociabilidade, e neste sentido uma atenção para os esquemas de ensino/aprendizagem oferecidos pelo pentecostalismo. Os espaços e formas de so-ciabilidades cultivadas nos grupos religiosos abrem possibilidades em que o doente pode se reorientar e, na maioria das vezes, serve como base para aexperiência de um novo modo de “ser-no-mundo”,signicação de uma nova educação.

Ao reconhecer à importância dos cultos reli-giosos no ensino/aprendizagem de tratamento dadoença, a literatura antropolgica tem apresenta-do conclusões interessantes que destacam comoos sistemas religiosos oferecem ensinamentos eexplicações coerentes para a aição, inserindo-aem um contexto sociocultural mais amplo e de-senvolvendo uma prática terapêutica de diferentesformas, que visa reintegrar o doente integralmenteem uma nova ordem csmica (LÉVI-STRAUSS,1967; TAUSSIG, 1993).

Considerando que a procura de agências pen-tecostais é grande entre as classes trabalhadoras  brasileiras e que os ensinamentos terapêuticos

nessas agências ocupam um lugar de destaque entresuas práticas, pareceu-nos importante dar atençãoespecial aos processos de ensino/aprendizagem detratamento que são desenrolados nessas agências.

Este trabalho concentra-se em igrejas pentecos-tais, buscando compreender melhor as especicida-des de sua cosmovisão de modo a entender como sedá a inserção de pessoas com problemas de saúdeem tais espaços. Para melhor situar essa proposta,  passo a seguir a exposição de alguns conceitosrelacionados a essa problemática.

Em primeiro lugar convém delimitar o sentidode pentecostal no contexto desta pesquisa: refere-sea grupos dissidentes do protestantismo de missãoradicado no Brasil, principalmente vindos dosEstados Unidos e que aqui são reconhecidos pelaliteratura especializada como “Movimento deSegunda Geração” ou ainda de “Segunda Onda”(FRESTON, 1994). Especicamente, tratarei nes-se estudo do pentecostalismo praticado na IgrejaPentecostal Deus é Amor.

Dentro do heterogêneo campo religioso brasi-leiro, a IPDA2 é parte de uma vertente importantedo movimento pentecostal (FRESTON, 1994).Como todas as igrejas ligadas a esse tipo de movi-mento, ela também foi marcada pelo avivalismo.

O avivalismo é o resultado de dois séculosde busca de renovação espiritual e santidade emigrejas americanas. As manifestações ocialmenteconsideradas pentecostais (avivadas) aconteceramna Escola Bíblica de Betel, na cidade de Topeka,Kansas, em 1901.

  No Brasil esse movimento ganhou novoscontornos a partir das suas sucessivas “ondas”(FRESTON, 1994) e do encontro com elementosdiversos da cultura nacional. As igrejas que aqui seestabeleceram tornaram-se importantes agências decura para uma parcela signicativa da populaçãode baixa renda.

  No pentecostalismo a “doença” tende a ser encarada como um mal. Para que haja “cura” é  preciso que se derrote o mal, possibilitando aodoente a percepção de que existe ordem onde antesera caos; assim, num mundo ordenado, o sujeitotem garantia contra as enfermidades. “Para tanto,

2 Doravante poderemos usar esta sigla para designar a Igreja Pente-costal Deus é Amor.

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o pentecostalismo ensina ao doente a necessida-de de reorientar seu comportamento segundo asexigências morais deste novo mundo, rmandocom ele um compromisso militante” (RABELO,

1994: 53). Para compreendermos melhor a forma pela qual a religião pode “intervir” sobre a doençafaz-se necessário rediscutir os conceitos de doençae saúde.

De uma maneira bem geral, podemos dizer que parte da literatura médica, e mesmo da litera-tura sociolgica especializada, tem formulado osconceitos de doença e saúde enquanto realidadessubstantivas, passíveis de serem localizadas noscorpos e alteradas mediante intervenção prpriasdo que chamamos educação informal.

Já a especialização da prossão médica vemacompanhada não apenas de um renovado impulsode pesquisa e intervenção no campo que com ela sedene, mas também de um processo de exclusãoou perda de legitimidade das práticas não pros-sionais (KLEINMAN, 1987). A prossão médicaespecializa-se nas técnicas de detecção (visuali-zação) e combate à doença, enquanto processo patolgico que se desenrola ao interior do corpo,ou seja, um educação formal e acadêmica. Uma dasconsequências desse tipo de abordagem é a poucaimportância atribuída aos fatores socioculturais,que também estão focados na causa, tratamentoe prevenção das enfermidades, tratando a doençacom base em abordagens substancialistas.

Esse tipo de prática, via de regra, não leva emconsideração que o doente está inserido em umvasto contexto cujas especicidades devem ser levadas em conta. Estudos no campo da sociologiada saúde têm demonstrado que o comportamentodas pessoas diante da doença, mesmo quando se busca o serviço médico, é formado com base emespecicidades socioculturais (UCHOA& VIDAL,1994).

A antropologia médica tem contribuído mui-to para dirimir as lacunas deixadas pelas visõessubstancialistas propondo um novo enfoque paraa compreensão da saúde e da doença. Baseadano desenvolvimento da linha interpretativa, aantropologia forneceu maior subsídio aos estudosno campo da saúde. Geertz (1978), como um dosfundadores dessa linha, deniu a cultura como umuniverso de símbolos e de signicados, entendendo

que as realidades sociais e psicolgicas s se tor-nam inteligíveis na cultura (GEERTZ, 1978).

1. Uma visão sociocultural da experiên-

cia com a doença

Tradicionalmente, a antropologia médica temdemonstrado que uma multiplicidade de agênciasde cura coexiste paralelamente à biomedicina, e queessas agências possuem uma compreensão distintade doença e tratamento. O desao da antropologiamédica tem sido entender como diferentes grupossociais dão sentido, representam e vivenciam ex- periências de doença.

Uma das grandes contribuições para a compre-

ensão dos processos sociais de saúde tem sido adistinção feita entre disease e illness.3 Trata-se dedois conceitos imbricados que não se reduzem umao outro nem existem de forma separada.

Para Eisenberg (1977), disease é o processo dedoença, enquanto disfunção corporal de forma ob- jetiva, e illness é a experiência subjetiva. O primeiroconceito refere-se às modalidades funcionais dosrgãos, e o segundo a valores, expectativas, crençasconstruídas subjetivamente com base no que é ex- perienciado quando se está doente (EISENBERG,

1977). Assim, por um lado temos a disease como ocorpo objetivo, e por outro a illness enquanto consci-ência e representação. Kleinman (1978) retoma essadistinção mostrando que são dois modelos distintosna construção da doença: o modelo biomédico, fun-dado na concepção de disease, e o modelo leigo, que privilegia a experiência da aição.

Procurando compreender as práticas médicase concepção de cura, Kleinman (1978) tambémelaborou o conceito de sistema de cuidado coma saúde. A partir daí explorou temáticas como

experiência dos sintomas, modelos de condutasdos doentes, escolhas de tratamentos alternativos, práticas e avaliações dos resultados terapêuticos. Omodelo terico-metodolgico de Kleinman para aanálise das representações e práticas relacionadas àsaúde/doença (SCS4) tem como tarefa básica a ava-

3 A literatura especializada vem aceitando consensualmente essestermos sem tradução.4 Usaremos essa sigla como designativo do Sistema de Cuidadoscom a Saúde.

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liação da construção cultural da doença enquantouma experiência que envolve todo um arcabouçode estratégias e critérios educativos que irão guiar aescolha terapêutica, processos cognitivos de apren-

dizagens e de comunicação por meio dos quais adoença é explicada, rotulada e ensinada, bem comoum conjunto de ações que visa à administração ecura do problema. Segundo Kleinman, o sistemade cuidados com a saúde (SCS):

Está ligado a outros sistemas culturais (paren-tesco e sistemas religiosos), estrutura de sistemassimbólicos de signicados, valores, normas decomportamento e da vida. O sistema de cuidadocom a saúde entende a doença com um idiomacultural ligado a crenças sobre a causa da doença eda experiência de sintomas. Parte especicamentedo comportamento do doente, decisões concer-nentes às alternativas de tratamento, atual práticaterapêutica e evolução dos resultados terapêuticos.Estabelecendo um sistemático relacionamentoentre esses elementos (KLEINMAN, 1978, p.31).

O SCS possui três arenas: popular, prossionale o folk . A arena popular é o setor leigo. É aí quesão tomadas a maioria das decisões com relaçãoaos cuidados com a saúde. Tanto nas sociedadesocidentais quanto nas não ocidentais, cerca de 70%a 90% das doenças são tratadas dentro dessa arena(KLEINMAN, 1978).

O setor prossional envolve a biomedicinae também a medicina chinesa e a Ayurvédica. Éo setor que detém o controle ocial das práticascom relação à saúde e doença; seu poder tende adesqualicar outros saberes e controlar o acesso àsinformações cada vez mais especializadas.

O setor  folk é composto por especialistas não prossionalizados, muitos dos quais pertencem àsinstituições/grupos religiosos que exercem funçõesterapêuticas.5 Vale dizer que uma das grandescontribuições do setor  folk é a análise integradados vários conhecimentos sobre os cuidados coma saúde.

As três arenas citadas são modelos explana-trios para compreender melhor as práticas nointerior do SCS. Os modelos explanatrios nãosão homogêneos dentro de uma mesma sociedadee correspondem a um conjunto de explicações sobredoença e tratamento. Esses modelos surgem comouma série de proposições ou generalizações, prin-

cipalmente sobre causa e efeito. Cabe-nos buscar a lgica interna desses discursos, analisando osraciocínios que fazem a ligação entre percepções,crenças, conhecimento e ação.

O conceito de modelo explanatrio tem o méritode iluminar o papel da cultura na conguração dedistintas abordagens à saúde e à doença dentro dosesquemas de ensino/aprendizagem da IPDA. En-tretanto sua utilização na análise das formas pelasquais o grupo lida com a doença conduz à buscade modelos cognitivos fechados subjacentes àsfalas dos informantes. Compreensão leiga sobre adoença não pode ser reduzida a um tipo de estruturacognitiva; é antes um conhecimento aberto, quecomporta elementos contraditrios e está em contí-nua modicação, pois muito do saber popular sobrea doença está preso a eventos, situações e relaçõessociais em que foi adquirido e utilizado, ou seja,são também ensinos/aprendizagens encarnados emcertas práticas habituais (BOURDIEU, 1987). Oconceito de habitus surgiu com base em uma velhaideia da escolástica, que concebia hábito como ummodus operandi que reinterpreta o conceito de há- bitos, modicando inclusive sua graa, denindoa noção de habitus como um:

Sistema de disposições duráveis, estruturas estrutu-

radas predispostas a funcionarem como estruturasestruturantes, isto é, como princípio que gera eestrutura as práticas e as representações que podemser objetivamente “regulamentadas e reguladas”sem que por isso sejam o produto de obediência deregras, objetivamente adaptadas a um m; sem quese tenha necessidade da projeção consciente destem ou do domínio das operações para atingi-lo, massendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradassem serem o produto da ação organizadora de ummaestro (BOURDIEU, 1987, p. 15).

Assim o habitus conforma e orienta a ação na

medida em que é produto das relações sociais;ao mesmo tempo assegura a reprodução dessasmesmas relações objetivas. Os agentes sociais são,assim, produtores e reprodutores do seu mundo.

 Nos termos acima, tomar a doença como reali-dade sociocultural inserida no SCS e de habitus emque se aprende/ensina, signica também repensar 

5 É por isso que nos interessa aqui o estudo desta arena, para melhor compreensão da doença e da cura dentro do pentecostalismo.

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o prprio conceito de “cura”. Um primeiro passonessa direção tem levado os estudiosos a atentarem para os espaços em grupos sociais que oferecem possibilidade de reconstrução da experiência da do-

ença com base no sentido de aição e de conito.A noção de ressocialização mostra-se impor-tante nessa reexão. Segundo Berger (1985), os processos fundamentais da socialização e controlesocial, na medida em que têm êxito, servem paraatenuar conitos. A socialização procura garantir um consenso perdurável no tocante aos traços maisimportantes do mundo social. O controle social pro-cura conter as resistências individuais ou do grupodentro de limites toleráveis (BERGER, 1985, p.42).Baseados nessas ideias podemos supor que na me-

dida em que conduzem a uma ressocialização deindivíduos rotulados como doentes, certos gruposdesempenham uma função terapêutica importante.Entre estes se encontram, sem dúvida, os grupos pentecostais.

  Neste aspecto podemos entender melhor oencontro das preocupações que caracterizam res- pectivamente a sociologia da religião, da saúde eda educação. A religião é apontada pelos estudosantropolgicos e sociolgicos como fundamental-mente produtora de sentido, ordenando o mundo e

a existência como totalidade coerente e unitária davida (WEBER 1981, 1991; DURHKEIM, 1989).Geertz (1973) sintetizou as ideias de Durhkeim eWeber denindo a religião como:

Um sistema de símbolos que atua para estabelecer  poderosas, penetrantes e duradouras disposições emotivações [...] através da formulação de conceitosde uma ordem de existência geral e vestindo essasconcepções com tal aura de fatualidade que as dispo-sições e motivações parecem singularmente realistas(GEERTZ, 1973, p.104).

Assim, a religião ajusta a ação à ordem csmicaimaginária via sistema de símbolos. Os padrões cul-turais expressos nos símbolos fornecem programas para a instituição dos processos sociais e psicolgi-cos que modelam o comportamento público.

O termo “modelo” tem dois sentidos. A religiãoé modelo de na medida em que nela estão reetidasou expressas outras dimensões da vida social: aeconomia, política, as relações de gênero e outrosaspectos; mas é também modelo para na medida

em que constitui disposições e motivações que irãoorientar o el em várias dimensões da vida. Assim,o estudo da religião é uma análise do sistema de sig-nicados incorporados nos símbolos que formam a

religião e também uma análise do relacionamentodesses sistemas com processos socioculturais e psicolgicos. Geertz indica ainda que:

A religião nunca é apenas metafísica. Em todos os povos as formas, os veículos e os objetos de culto sãorodeados por uma aura de profunda seriedade mo-ral. Em todo lugar, o sagrado contém em si mesmoum sentido de obrigação intrínseca: ele não apenasencoraja a devoção como exige; não apenas induz aaceitação intelectual como reforça o compromissoemocional (GEERTZ, 1973, p. 143).

A religião deve então ser compreendida peloéthos, que aponta justamente para seu aspectomoral e valorativo. O éthos torna-se compre-ensível porque representa um “tipo de vida im- plícito no estado de coisas real que é a visão demundo”(GEERTZ, 1973, p. 144). Para Geertz, oéthos é “ [...] o tom, o caráter e a qualidade de suavida, seu estilo moral e estético e sua disposição,é a atitude subjacente em relação a ele mesmo eao seu mundo que a vida reete” (GEERTZ, 1973, p. 141).

Se a religião é veículo socializador ou resso-cializador, isso se dá fundamentalmente porqueconduz a formação de motivos e disposições paravida, relativo ao éthos que lhe é prprio. Compre-ender essa capacidade da religião enquanto modelopara exige que atentemos para seus efeitos comoideias ou representações, como também sua açãosobre as experiências que as pessoas vivenciamcotidianamente.

O Campo: estratgias e vivencias

O trabalho de campo foi realizado em duas igre- jas, sendo uma igreja sede e a outra congregação.Entrevistamos 12 membros na igreja sede e 7 nacongregação. Desses números, apenas 9 pessoasaceitaram gravar entrevista, das quais selecionamos8 casos, um dos casos o terapeuta.

A investigação buscou mapear de uma formamais geral a vida das pessoas na comunidade pentecostal. Isto foi importante como base para

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compreender as experiências dos problemas desaúde e a sua trajetria dentro da comunidade, bem como nos forneceu elementos para analisar as representações e práticas de acordo com as

experiências vividas pelas pessoas que direta ouindiretamente estavam ligadas a casos de doençano âmbito da igreja. Durante o período da pesquisa,conversamos e entrevistamos terapeutas e pacientessobre eventos signicantes relativos às suas traje-trias religiosas.

  Na primeira etapa da pesquisa introduzimosum bloco de questões que foram aplicadas juntoàs lideranças religiosas, e que teve como principalobjetivo fazer uma primeira sondagem para veri-cação da possibilidade de implantação da pesquisana igreja e ao mesmo tempo buscar informaçõessobre a histria, o contexto e localização dos pos-síveis casos que serviriam como estudo.

O objetivo principal deste primeiro roteiro dequestões foi fazer um levantamento preliminar das igrejas pentecostais de 2ª geração, nas quaisexistiam casos de pessoas que tinham problemasde saúde ou que já tinham sido curadas. O ques-tionário estava dividido em três partes: a primeira procurava situar o contexto dessas comunidades pentecostais, buscando reconstruir de forma sumá-ria a histria e organização do grupo. A segundavisava a coletar informações sobre os agentes(lideranças das igrejas) para obter uma ideia donível de inserção desses sujeitos na comunidade.E a última estava voltada para a identicação decasos de pessoas com problemas de saúde ou quetinham sido curadas e que participavam do rol demembros ou congregados da igreja.

Foram feitas também visitas a campo, esta-  belecendo um contato com informantes com osquais foi feita uma avaliação prévia para a escolhados indivíduos portadores de problema de saúde.Acompanhamos esses casos, na igreja selecionada,de acordo com os resultados da primeira enquete, equando foi possível, na prpria família do doente, para estabelecer até que ponto as visões dos familia-res coincidem ou não com as da igreja. Deste modoacompanhamos sete famílias. O acompanhamentode casos foi feito por meio de visitas semanais.

Os casos acompanhados possuíam o seguinte perl: 1) eram apontados pelas outras pessoas ouautorreferidos como portadores de problema de

saúde; 2) tinham passado por uma unidade hos- pitalar para tratamento da doença e/ou faziam (outinham feito) uso de medicamentos para controledo problema. Isso porque o fato de terem passado

 por uma unidade hospitalar ou terem feito uso demedicamentos confere traços de doente segundoconceito geral.

 Na segunda fase do trabalho de campo elabora-mos mais um questionário baseado nas categoriasêmicas coletadas via entrevistas gravadas, queteve como objetivo aprofundar melhor aspectoslevantados durante as visitas a campo. Mais especi-camente o questionário procurou mapear as áreasde atenção corporal dando atenção às descrições deexperiências de recebimento do Espírito Santo.

Esse questionário nos ajudou a entender melhor como as imagens e signos estão resignicados no pentecostalismo praticado na IPDA, analisar comose ensina/aprende a lidar com conitos e dilemasnos SCS, e perceber, em certa medida, o que mudano aprendizado da pessoa com problemas de saúdeno âmbito da IPDA.

Esse instrumento de coleta de dados foi impor-tante também porque nos ajudou a fazer um ma- peamento das redes sociais e dos projetos de vida,destacando as implicações da participação nessecontexto religioso. Finalmente, forneceu dadosque possibilitaram uma melhor compreensão doitinerário terapêutico e da formação do terapeuta.

As duas igrejas pesquisadas localizam-se em um bairro de classe trabalhadora composto de avenidase ruas bem irregulares, característico da falta de planejamento urbano. O sistema de saúde é visi-velmente insuciente para atender as necessidadesda população, que é obrigada a recorrer aos bairrosmais ricos. O bairro está basicamente dividido emáreas: uma avenida muito grande chamada Rua do Norte, o Alto da Alegria, próximo ao m de linha6,e a Baixa da Alegria.

A Rua do Norte é margeada por muitas ruelascujas extremidades dão quase sempre para ladei-ras íngremes, que no sentido norte dão acesso às baixadas do bairro e no sentido sul ligam-se comdois outros bairros, chegando até a praia.

6 Fim de linha é uma expressão que serve para anunciar a última parada dos ônibus coletivos

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Em alguns pontos dessas ruelas pode-se ter uma bela visão do mar. Lá existe um vasto comércio comlojas, farmácias, padarias e feira livre, em que sãocomercializadas muitas frutas, verduras, folhas,

roupas, entre outras coisas. É nessa área, parte maisnobre do bairro, que transitam os ônibus.A região chamada Alto da Alegria é na verdade

uma continuação da Rua do Norte, cujas caracte-rísticas começam a ser modicadas. As casas sãomais pobres, as ruas cada vez mais apertadas, ocomércio é também mais informal. Em muitas ca-sas é possível observar improvisações de pequenasvendas na frente das portas.

A Baixa da Alegria é a parte do bairro quecompõe boa extensão das baixadas. Nas baixadas praticamente não existe infraestrutura (rede elétricae hidráulica, telefone, esgoto e pavimentação). Ascasas são construídas e habitadas antes que estejamcompletamente prontas, ou melhor, os trabalhos deconstrução, melhoria e ampliação parecem não ter m. Muitas improvisações são feitas de restos demadeira, papelão, zinco, barro etc. As casas que já puderam ser construídas com bloco e cimento,ainda que não acabadas, são arranjadas de tal formaque é possível a construção de um ou dois andares.Geralmente essas extensões são destinadas aoslhos já casados.

Uma das famílias que acompanhei possuía umaconstrução desse tipo. Inicialmente era apenas um barraco em que D. Rita se abrigava com seus lhos,depois ela construiu uma casa de tijolos e à medidaque os lhos foram casando D. Rita “bateu a laje” para um dos lhos, deu o terreno da parte lateral dacasa para outro e até no pequeno quintal construiumais uma casa para abrigar a família da lha.

As ruas às vezes são verdadeiros becos; as dis-tâncias entre as laterais são muitas vezes de apenasum metro, o calçamento da rua é feito por blocosde cimento cujas frestas deixam visível o esgotoque passa por baixo dos blocos. Em muitos trechoso esgoto corre a céu aberto. O mau cheiro, paraquem não está acostumado, às vezes chega a causar ânsia de vômito e dor de cabeça. A Baixa da Alegria possui um campo de futebol de onde se pode ver vários locais em que é jogado o lixo. Nessa região podem ser encontradas muitas igrejas pentecostais,inclusive igrejas que nasceram no bairro e que, portanto, possuem sua prpria histria, não estando

ligadas a nenhum tipo de convenção ou igreja-mãe. No intuído de apresentar o campo, descrevo, com brevidade, como conheci uma das igrejas:

[...] Àquela altura eu tinha certeza que não poderia

sair facilmente daquele labirinto de trilhas; para au-mentar minhas preocupações, ainda andamos um bomtrecho até darmos de cara com uma escadaria imensaque permitia o acesso às residências do morro. Essaera a quarta etapa do nosso caminho, tudo agora eramais silencioso, s ouvíamos latidos de cachorro, ascasas eram mais separadas uma das outras à medidaque se subia o morro. Finalmente minha guia disse:“É aqui”. Mostrou-me uma pequena construção pin-tada de branco, com um letreiro na frente indicandose tratar de uma congregação da IPDA cujas portas e janelas estavam fechadas. Estranhei, porque normal-

mente essas igrejas sempre realizam suas atividadesde portas abertas ao público. Mas aproveitei enquantominha guia batia à porta para examinar melhor a es-trutura da congregação e percebi então que se tratavade um quadrado com laje batida, com mais ou menos6m de frente por 6m de comprimento assentado aolongo da subida do morro, misturado com as casaslocais, quase sem se diferenciar da arquitetura quecaracteriza as habitações daquela área. Na pequenacongregação pude observar que uma de suas paredeslaterais estava quase encoberta pela terra que desciado morro no período de chuvas, facilitando a inl-

tração dentro da igreja. Demoraram a abrir a porta;enm uma senhora negra nos recebeu, estranhouminha presença, mas felizmente minha guia logose adiantou dizendo: “É amiga de mainha.” Entrei,nalmente, e passei a observar o ambiente enquantoo culto seguia (Notas de Campo).

3. Compreendendo o ensino/aprendia-gem na IPDA

Com base na pesquisa desenvolvida nas duas

igrejas, pode-se dizer que a carreira do doente évista como experiência de aição. Por esse moti-vo, durante os cultos são feitas várias descriçõesdos casos de experiência de aição que buscamou buscaram cura nessa igreja. O “recebimentodo Espírito Santo” é aprendido e ensinado comofonte de puricação e renovação, como observouum membro da IPDA:

O Espírito Santo é garantia e proteção para o corpo eo selo da salvação para a alma (espírito). (Flávia)

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Pode ser bem compreendido por meio demetáforas construídas com base na ideia de queo pentecostal possui um “corpo habitado peloEspírito Santo”.

Analisando o primeiro aspecto dessa experi-ência de puricação e renovação, o “recebimentodo Espírito Santo” acontece  especialmente emcontextos rituais de grande efervescência emocio-nal, dando ao crente acesso a uma nova ordem derealidade.

A ideia subjacente ao recebimento do EspíritoSanto é de que ocorre uma transformação milagrosana pessoa que se faz merecedora do sagrado, curan-do o corpo e alma. Trata-se de uma experiência que,de certa forma, parece ajudar os indivíduos a lidar 

com situações conituosas e aitivas, dando-lhesum novo sentido apoiado no cultivo de um con- junto importante de emoções e no direcionamentoda atenção para novos contextos de signicados.O “recebimento do Espírito Santo” pode assimresponder signicativamente a certos problemasvividos, como o medo, a angústia, o sofrimento emgeral, na medida em que ele é vivido pelo “crente”como “selo da promessa de salvação”, uma espéciede garantia de “vida eterna”.

Outro ensinamento/aprendizado é o processo

de “santificação” e seu efeito terapêutico. Por meio da “ideia da santicação para o recebimentodo Espírito Santo” o “crente” consegue ter maior controle sobre as angústias produzidas pelas con-tingências da vida. Assim, aprender a doutrina dasanticação é também importante na formação do projeto de vida do “pentecostal” e em especial dosque buscam a cura. No pentecostalismo da IPDA, ocorpo deve estar preparado (doutrinado/ensinado) para ser preenchido pelo Espírito Santo. Por issoo éthos vestir, o gestual e a postura devem ser bem

observados entre os éis. O corpo é o espaço deensino/aprendizagem por excelência em que o Es- pírito Santo se manifesta. O corpo torna a presençasagrada visível, passível de ser compartilhada,admirada, e serve como fonte de inspiração.

O modo de vida pentecostal está inscrito nocorpo dos éis como um conjunto de disposiçõesencarnadas (BOURDIEU, 1987). Na pesquisa decampo pude registrar falas que ilustram bem essacentralidade do corpo na experiência pentecostal:

Um pentecostal el a gente conhece pelos calos dos joelhos e dos cotovelos. (Ana)

Os calos têm um signicado importante namedida em que expressam o fervor e autenticidade

do pentecostal. Esses sinais físicos são tambémsinais de um aprendizado. O discurso pentecostalenfatiza a transformação operada na vida da pessoa, produzida pelo “recebimento do Espírito Santo”.Isso implica aprender a estar “sempre” à disposiçãoda vontade de Deus, o que se pode constatar, por exemplo, na fala de um jovem pentecostal:

[...] E graças Deus, agora Deus tem me usado emsua obra e muitas vezes antes de eu chegar à igrejaou a onde me convidam, Deus me usa e o EspíritoSanto de Deus enche meu ser e eu vejo. [...] Quero

dizer, Deus me revela o que as pessoas estão preci-sando. Muitas vezes eu estou cansado, mas aquiloca martelando em minha cabeça e eu tenho que ir.E vou. Esse poder não é meu, entende? É de Deus eeu tenho que obedecer. (Maurício)

Outro aspecto importante é o ensino/aprendiza-gem da “proteção” que o “recebimento do EspíritoSanto” confere ao “crente”, ligando-o a concepçõesde bem-estar e, consequentemente, de “saúde”.

 Na IPDA se ensina/aprende que não causaestranheza que o fenômeno do recebimento de

espírito santo e da cura terapêutica aconteçam emoutras situações fora do culto, mas é signicativoque a maioria ocorra mesmo no contexto ritual; por esse motivo achamos importante destacar algunsaspectos do culto.

Ao que tudo indica, o culto é muito mais do queuma experiência intelectual. É antes de tudo umaconuência de sentimentos e ações de especialis-tas, membros e/ou observadores que se unem por meio de gestos, cantos, orações, pregações e atérefeições sacramentais (Santa Ceia). Essas ações,

além de transcenderem objetivos práticos, sãotambém uma armação de fé. É na participação ena armação de fé que ocorrem nos cultos que o“crente” incorpora e encarna os modelos do pen-tecostalismo, aprendendo a forma de expressar,controlar as emoções e, sobretudo, agir diante dorito que se desenrola. A emoção pode ser vista emquase todos os rostos a certa altura do culto pen-tecostal. Muita gente, quando está orando, chora eri ao mesmo tempo. Algumas pessoas entram em

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êxtase e falam em “novas línguas” (glossolalia). Nesses momentos, alguém pode ser tomado pelo“poder do Espírito Santo” e falar em uma “línguaestranha” e/ou “entregar” uma mensagem para uma

 pessoa em particular ou para toda a igreja, cujoconteúdo pode está ligado ao SCS.Em geral tais experiências se dão quando toda

a igreja está orando em voz alta. No decorrer dasorações muitas pessoas passam a “manifestar oEspírito Santo” falando em “novas línguas”. Fre-quentemente acontece de alguém do grupo começar a falar em “língua” de uma maneira mais vibrante emenos repetitiva que as demais, às vezes usando al-gumas palavras em português, como, por exemplo:“Reichundaleia escute meu povo alabababa”.

Pelo que foi exposto acima, podemos dizer que para o pentecostal parece haver certa distinção en-tre falar em “novas línguas” e “falar em línguas”.O primeiro pode signicar, por exemplo, falar emfrancês, inglês etc. e o segundo falar a “línguados anjos”. Contudo nada impede que um crenteda IPDA inverta esta ordem. Assim como podeocorrer também que alguém considere os doistermos apenas como sinônimo de falar a “línguados anjos”.

De alguma forma os membros da igreja sa- bem que a pessoa está falando alguma coisa paraa igreja. Nem sempre quem fala em línguas usa alíngua portuguesa para marcar o início da profecia(revelação). Mesmo assim, toda a igreja parecesaber o momento certo de fazer silêncio total paraescutar a mensagem da pessoa que possui o domde línguas.

Quando a pessoa que estava falando em “lín-guas” acaba sua fala, pode acontecer que outra pessoa seja tomada pelo “Espírito Santo” para dar a interpretação em português. O conteúdo das men-

sagens proferidas varia. Algumas são ensinamentos para a igreja, mas a maioria é “revelação” para uma pessoa em particular.

Considerações finais

Visando a compreender a dimensão da experiên-cia de ensino/aprendizagem do sistema de cuidadocom a saúde no pentecostalismo, dos modos deatenção corporal de curadores e pacientes no âmbitodo “ritual de cura” vivido por pessoas com proble-

mas de saúde na IPDA, pontuamos neste trabalhoalguns aspectos que nos parecem importantes parao desenvolvimento da reexão que aqui interessa,ou seja, a experiência do recebimento do EspíritoSanto é ensinada/aprendida de forma mais intensae valorizada nas igrejas estudadas. Também é chaveimportante para se entender as mudanças operadasnos sistemas de ensino/aprendizagem dos doentesque passam a frequentar, como membros, a IPDA.

Os relatos de experiências de recebimento deEspírito Santo e da carreira do terapeuta são comoestratégias didáticas para difusão e ensinamentodo SCS da IPDA. Especicamente, a experiên-cia terapêutica é antes de tudo um aprendizadocorporal em que traços do universo simblico do pentecostalismo são compreendidos com base emrepresentações e práticas pentecostais que atuali-zam e redirecionam a carreira do doente.

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 Recebido em 27.09.10

 Aprovado em 15.01.11

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LA RELIGIóN COMO PRODUCTO TURÍSTICO:

EL CASO DE LOS ALTOS DE jALISCO, MéXICO

Rogelio Martíne Cárdenas*

RESUMEN

El objetivo del presente trabajo es mostrar la experiencia de la regin de los Altos deJalisco, con respecto al imaginario difundido para su promocin turística y el impactoque ha tenido en sus visitantes. Para ello, se hizo una revisión bibliográca de diversosartículos acerca de turismo religioso tanto de sitios nacionales como internacionales, asícomo de artículos que tienen que ver con turismo y crecimiento econmico o turismoy planeacin econmica. De igual forma se realiz la revisin y análisis del material promocional turístico de la regin alteña, y se levantaron 1,500 encuestas a turistas

 para identicar el motivo de visita y el conocimiento que se tienes sobre la región.Como resultado se han podido encontrar datos que muestran que la difusin de estaregin realizada por la dependencia gubernamental responsable de ello, y su estrategia para desarrollar una ruta turística ha tenido un impacto mínimo en los turistas. Enconclusin, a diferencia del turismo religioso europeo, el de los Altos sigue teniendomás carácter devocional a pesar de los esfuerzos para su promocin turística.

Palabras clave: Turismo Religioso – San Juan de los Lagos – Santo Toribio – Altosde Jalisco – Guerra Cristera

ABSTRACT

RELIGION AS A TOURISTIC PRODUCT: THE ALTOS DE JALISCO(MEXICO) CASE.

This paper aims at showing the experience of the region of the Altos de Jalisco(Mexico), regarding the imaginary world diffused for its touristic promotion and how ithad impacted visitors. We initiate by a review of the literature about religious tourismin Mexico and other countries, as well as about tourism and economic growth, andtourism and economic planning. We also analyzed the touristic promotional materialof the region. A thousand and ve hundreds tourists were inquired about their motivesand their knowledge of the region. Our results show data which indicates that thegovernment diffusion of this region, as well at the strategy to create a touristic itinerary,

have had a very small inuences over tourists. We conclude that, differently fromthe European religious tourism, the Altos de Jalisco tourism presents a more devotedharacter in spite of the efforts made for its touristic promotion.

Kewords: Religious tourism – San Juan de los Lagos – Santo Toribio – Altos deJalisco – Cristera war 

* Doctor en Ciencias por la Universidad de Guadalajara, residencia, Av. de las Rosas 2922, Col Chapalita, Guadalajara, Jalisco,México, C.P. 44500, Profesor Investigador del Departamento de Estudios Organizacionales del Centro Universitario de los Altos dela Universidad de Guadalajara, México, Carretera a Yahualica Km. 7.5 Tepatitlán de Morelos, E-mail: [email protected].

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La religión como producto turístico: el caso de los altos de jalisco, méxico

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1 Durante la segunda década del siglo XX una vez concluida la revolu-cin mexicana, hubo una diferencia entre la iglesia catlica y el Estado,que lleg a un confrontamiento militar entre catlicos y el ejército. Aaquellos que lucharon en apoyo a la iglesia catlica se les denominacristero debido a que muchos de ellos llevaban colgado al pecho uncrucico con un Cristo y al momento de morir gritaban “viva CristoRey”.A partir del año 2000 el Vaticano ha dado un reconocimientocomo defensa de la fe a la accin de varios sacerdotes y civiles que

 participaron en dicho conicto al llevarlos a los altares a través de lasanticación o beaticación de los mismos.

Introduccin

Los Altos de Jalisco desde el siglo XVII se hancaracterizado por ser una zona de alta auencia

turística producto de un aspecto cuyo origen pura-mente religiosa, la devocin hacia la Virgen de laInmaculada Concepcin más conocida como “Vir-gen de San Juan de los Lagos” que ha convertido ala poblacin San Juan de los Lagos, en el segundocentro de devocin catlica más importante deMéxico, ya que llega a recibir aproximadamente 6millones de visitantes al año. Este fenmeno queestaba muy concentrado en tan slo una localidad,se ha visto modicado desde el año 2000, año enel que se dio la canonizacin que hizo el PapaJuan Pablo II de 25 mártires cristeros1, este hechoha propiciado el surgimiento de nuevos centrosde devocin catlica. Se han erigido santuarios endiferentes poblaciones alteñas como Tepatitlán deMorelos, Cuquío, Zapotlanejo, San Julián, Tototlán,Yahualica de González Gallo, Tecaltiche, San Juande los Lagos y Santa Ana de Guadalupe, Jalostotit-lán. Este hecho ha dado como resultado que la re-gión vea incrementada la auencia de visitantes, tanslo “durante el año de 2000 se estima que visitaronesta poblacin [Santa Ana de Guadalupe] 600,000 personas y cada n de semana asisten desde esafecha unas 3,000 personas y entre semana unas1,000” (MARTÍNEZ CÁRDENAS, 2007).

Es digno de atencin el rápido crecimiento queha logrado la devocin a Santo Toribio Romo, santoque se venera en el santuario ubicado en Santa Anade Guadalupe, Jalostotitlán, que ha llegado a conver-tirlo en un plazo de tan slo a 10 años a partir de lacanonizacin de Santo Toribio, en uno de los centrosde turismo religioso más importantes en México y principalmente en el occidente del país.

Hay que remarcar el hecho de que Santa Ana deGuadalupe es una poblacin que cuenta todavía aldía de hoy con aproximadamente 400 habitantes yhasta hace pocos años, no contaba con un párrocode planta, los ocios religiosos semanales eranllevados a cabo por un sacerdote enviado para ellodesde la Parroquia de la Asuncin ubicada en lacabecera municipal y de la cual dependía eclesiás-ticamente hasta haces poco tiempo. Además, hayque considerar que está ubicada a 20 kilmetrosde la poblacin de San Juan de los Lagos, donde

se localiza el segundo centro religioso del país, loque hace aún más interesante la manera en que sehan podido integrar estos dos sitios como centrosde fe complementarios. El primero se trata de un

santuario no mariano, mientras que el segundo siestá dedicado a una advocacin de la Virgen María,lo que evita en alguna medida que el devoto tengaque elegir entre una u otra imagen.

En gran medida la popularidad alcanzada por Santo Toribio Romo es que se ha identicadoentre los eles como patrono de los migrantes(Reynoso Rábago, 2010). El hecho que el santuarioesté ubicado en el centro del espacio geográcoque ocupan los estados de Jalisco, Michoacán,Guanajuato y Zacatecas, estados de la repúblicamexicana caracterizados por su alta migracinhacia los Estados Unidos, ha encontrado un campofértil para su devocin. Este patrocinio a favor delos migrantes dado por los eles a este santo, ha permitido de una manera natural la creacin de unvínculo en la idiosincrasia del visitante y princi- palmente del indocumentado entre ambos centrosreligiosos, por un lado va a pedir la ayuda a SantoToribio para cruzar la frontera, y en el caso delindocumentado, además sin que sea detenido por la patrulla fronteriza, y al llegar a su destino poder obtener un empleo, ya que ese es el objetivo de suviaje; y por otra parte, se encomienda a la Virgencomo la madre protectora que lo cuidará durantesu estancia en aquel lugar.

La mezcla que se da entre una profesin de fecatlica altamente arraigada a la mayor parte dela poblacin mexicana, y que se ve manifestada através de un peregrinaje de más de 300 años paravisitar a la Virgen de San Juan de los Lagos y unarealidad socioeconmica que obliga a muchas personas a emigrar a los Estados Unidos en buscade un empleo que les permita obtener un ingresosuciente para alcanzar una vida más digna, hahecho de los Altos de Jalisco el espacio geográco

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Rogelio Martínez Cárdenas

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de turismo religioso más importante del país. Esimportante aclarar que el centro devocional másvisitado es el Santuario dedicado a la Virgen deGuadalupe ubicado en la Ciudad de México.

Metodología

Para la elaboracin de la presente investigacin,se hizo una revisión bibliográca de diversos ar -tículos acerca de turismo religioso tanto de sitiosnacionales como internacionales, así como de artí-culos que tienen que ver con turismo y crecimientoeconmico o turismo y planeacin econmica. Deigual forma se realiz la revisin y análisis del ma-terial promocional turístico de la regin alteña, y se

hicieron visitas físicas a diferentes centros o sitiosde fe donde se pudo llevar a cabo observacin no participante acerca de la dinámica que siguen los peregrinos durante su estancia en ese lugar. Ade-más se levantaron 1,500 encuestas a turistas paraidenticar el motivo de visita y el conocimientoque se tienes sobre la regin. Adicionalmente serealizaron diversas entrevistas a profundidad a personas claves del sector turístico , para de estamanera tener una visin global de la situacin queguarda el turismo actualmente.

Revisin literaria

En un mundo donde la libertad econmica pre-domina como pensamiento rector (MARTÍNEZCÁRDENAS, 2008), no es de extrañar que lareligin haya entrado también es esta dinámica decompetitividad del mercado,

Uno de los rasgos que mejor caracteriza al mundocontemporáneo es la relevancia que ha cobrado elmercado — global, neoliberal y de consumo masivo

 — como un sistema social autnomo, que impregnade su lgica a otros campos o sistemas sociales.Existen diversas evidencias de que una mediacinque está transformando la especicidad de la religiónes la del mercado. Esto se debe a que, por un lado,“se atribuye al mercado un estatus condicionador delsentido de la vida, atribuido tradicionalmente a lareligión (NOGUEIRA NEGRÄO, 2000: 55-68).

Pero por otro lado, las prácticas seculares, propiasde la modernidad tardía, cada vez van adquiriendomás rasgos de las religiones, o incluso, como lo

 plantea (HERVIEU-LÉGER, 1993), la modernidadva produciendo su propio sistema religioso.

Lo religioso no se dene únicamente por medio de losobjetos sociales (las religiones) dentro de las cuales

se maniesta de forma compacta y concentrada. Loreligioso es una dimensin transversal del fenmenohumano, que atraviesa, de manera activa o latente,explícita o implícita, todo el espesor de la realidadsocial, cultural y psicolgica según las modalidades propias de cada una de las civilizaciones, en el senode las cuales se esfuerza por identicar su presencia”(DE LA TORRE; ZÚÑIGA, 2005, p. 54)

Debido al hecho que el fenmeno religioso hatomado en los últimos años una dimensin cada vezmás importante por su impacto a nivel econmico

tanto a nivel nacional como local, se ha visualizadocomo un modelo de crecimiento econmico por al-gunas regiones y como una estrategia de promocinturística por parte del sector gobierno.

A fines de la década de los años 50 el modelode crecimiento dominante de Harrod-Domar escuestionado por el modelo de Hirschman A.O.El primero sostenía que el crecimiento dependíaexclusivamente del cociente capital-producto y dela disponibilidad del capital. En contraposicin,Hirschman sostenía que el ‘desarrollo depende notanto de encontrar las combinaciones ptimas paralos recursos y factores de produccin, como de provocar e incorporar para el desarrollo, recursosy capacidades que están ocultos, diseminados y omal utilizados (HIRSCHMAN,1958). En el marcode esta estrategia, Hirschman postula el concepto‘eslabonamiento’ que exige valorar las decisionesde invertir, en primer lugar en consideracin de suefecto o contribucin inmediata al producto y, ensegundo lugar, por los eslabones, es decir, los pro- bables estímulos adicionales que dichas decisionesejercen sobre las inversiones primarias.

En este contexto se distingue dos tipos de eslabona-miento: ‘hacia atrás’ y ‘hacia delante’. Una políticade sustitucin de importaciones se vincula con losesfuerzos tendientes a reforzar los estímulos haciaatrás. Por el contrario, las presiones en los enlaceshacia delante se vinculan fundamentalmente conlas estrategias de ampliacin y diversificacinde mercados actuales para sus productos (PINOARRIAGADA, 2004, p. 71-72).

Por ello, para poder desarrollar una correcta po-lítica econmica basada en el turismo es necesario

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determinar de manera correcta la relacin entrecrecimiento econmico y turismo, es decir cuál deellos es la variable independiente y cuál, la depen-diente (BRIDA; RISSO, 2008). Este aspecto, que

 parece fútil, tiene implicaciones muy importantes,ya que los resultados alcanzados por la políticaestarán en funcin de cuál sea la verdadera variableindependiente.

Más allá de si el turismo es o no una variableindependiente, es innegable el hecho de que laderrama econmica generada por el turismo tieneefectos sobre las poblaciones donde se venera algúnsanto o beato -hay que aclarar que el fenmenono se reere únicamente a los eles que profesanla religin catlica, sino a cualquier tipo de culto,aun cuando en el caso mexicano se ha dado unrespaldo gubernamental a aquellas manifestacionesasociadas con devoción católica- se maniesta dediferentes manera como son:

■ Impactos directos. Se reere al aumento de losingresos por ventas de las empresas de serviciosturísticos.

■ Efectos indirectos. Resultan de los ow-ons cuandolos proveedores directos compran sus insumos aotras empresas de la regin que, a su vez, le compraninsumos a otras empresas y así sucesivamente.

■ Efectos inducidos. Surgen cuando los destinatariosdel gasto directo e indirecto – propietarios de lasempresas y empleados – gastan sus ingresos.

La principal dicultad al medir el impacto económicodel turismo es que el impacto total es la suma de losefectos directos, indirectos e inducidos dentro de unaregión y no hay datos que puedan reejar estos aspec-tos. (BRIDA; DEVESA; ZAPATA , 2008, p. 36)

De ahí la importancia que representa el hechode estudiar el turismo como fenmeno econmi-co, sin que ello signique separarlo de su entornosociolgico y antropolgico.

En la sociología religiosa se utiliza continua-mente un discurso con conceptos que pretendenarticular el sentido econmico y las prácticas reli-giosas, entre éstos está el de “mercado religioso”,introducido por Peter Berger al referirse al hechode que cada vez es más común el que una personacambie de religin en base a lo que cada una deella necesita, en otras palabras, la persona deman-dará aquella oferta religiosa que más se adecue a

sus necesidades. La modernidad ha modicado laconcepcin de religiosidad

En la que consumos selectivos van conformando unmenú individualizado de formas de creer, pensar y

experimentar lo trascendente […]. En este mercadocompiten tanto empresas comerciales, industriasculturales, como las mismas iglesias, religionestradicionales o nuevos movimientos religiosos, que buscan establecerse de acuerdo con la lgica de laoferta y la demanda. La mediacin mercantil operaen relacin con la religiosidad en dos direcciones:a) la mercantilizacin de lo sagrado, que atraviesay recongura a las religiones establecidas, y b) lasacralizacin de las mercancías y del mercado, quecongura formas alternativas de experimentar loreligioso al margen de las iglesias.

Esta nueva situacin nos lleva a indagar sobre lasintermediaciones entre la lgica de mercado y laslgicas de las creencias y experiencias religiosas,a n de explorar las nuevas situaciones, lugares,agentes y rituales que delinean la produccin, cir-culacin y consumo de lo sagrado en nuestros días.Esto nos plantea nuevas preguntas: ¿hasta qué puntola religiosidad contemporánea se vive y experimentamediante el consumo de mercancías culturales?,¿de qué maneras se reorganiza la religiosidad po- pular en torno a los itinerarios de consumo?, ¿cómocirculan los símbolos religiosos en los mercados y

supermercados? En n, ¿qué tipos de religiosidadesva conformando esta nueva mediacin de mercanti-lización de la religiosidad contemporánea? (DE LATORRE; ZÚÑIGA, 2005, p. 10).

Cada vez es más reconocida la importancia quetiene el turismo, de ahí la necesidad de realizar estu-dios con rigurosidad cientíca que permitan plantear modelos correctos para determinar exactamente quéy cmo se consumen los productos turísticos. Unatécnica muy común para cuanticar los impactosdel turismo es el análisis input-output, sin embargo,los resultados obtenidos de este tipo de estudios noreejan de manera realista los efectos sobre la pro-duccin, los ingresos y el empleo, puesto que existeuna sobreestimacin del crecimiento.

En la mayoría de los trabajos donde se realizaun análisis de la demanda turística, el método másutilizado ha sido el análisis de regresin múltiple.Sin embargo, estos modelos no reconocen la noestacionalidad de las series turísticas, “el análisisde cointegracin y los modelos de correccin del

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error han sido recientemente utilizados en reco-nocimiento del problema, pero dichas técnicassubyacen en el supuesto implícito de relaciones alargo plazo entre la demanda turística y variables

 precio y renta.” (AGUILÓ PÉREZ; RIERA FONT;ROSELLó NADAL, 2001, p. 3).Sin embargo, a pesar de los problemas que pre-

senta el uso de modelos matemáticos y en especiallos modelos de regresin, son una herramienta degran ayuda para el análisis de datos.

Al analizar la demanda turística no se puede evitar hacer referencia a un trabajo precursor en la materiacomo el de Alcaide (1964), que presenta un modelosobre el turismo español en donde la variable expli-cada es el número de turistas extranjeros y utilizacomo explicativas el índice ponderado de la renta per cápita, el IPC del país de acogida y la endgenaretardada (GARDELLA; AGUAYO, 2002, p. 10).

Cuando hablamos de demanda turística la rentaes una variable imprescindible, puesto que la pérdi-da de valor de ésta por factores como la inación,  provoca que se vaya disminuyendo progresiva-mente la demanda turística, además de condicionar sus características (destino, duracin, categoríadel alojamiento). Utilizando la elasticidad comoinstrumento de medida y análisis de la sensibilidad

de la demanda turística ante las variaciones de susfactores determinantes, la mayoría de los modelosestiman una elasticidad demanda-renta con valoressuperiores a la unidad y con signo positivo, mos-trando la relacin directa y más que proporcionalentre ambos elementos (ESTEBAN, 1987; WITTY WITT, 1992).

Los valores de esta elasticidad pueden variar enfuncin de la variable empleada para medir el efec-to de la renta. Si se emplea las variaciones totales deindicadores como el Producto Interior Bruto (PIB)

los valores suelen ser más bajos (aunque siempre por encima de la unidad) que si se utilizan indica-dores de la renta personal disponible (CROUCH,1994; SHELDON Y VAR, 1985 apud ESTABANTALAYA, 2004, p. 85).

Otro método de estudio que se ha incorpora-do en fechas recientes al estudio del turismo esde  redes, “la perspectiva de redes, que surgi enel ámbito de la antropología y de la psicologíasocial (MORENO, 1934; BARNES, 1954), ha

encontrado aplicaciones en campos muy diversoscomo la sociología, la política, la medicina y, másrecientemente y en menor medida, en la economía.Desde nuestro punto de vista, el análisis de redes

 proporciona una plataforma muy adecuada parael análisis econmico, puesto que permite rein-troducir ‘lo social’, es decir, el contexto social enel que los agentes se desenvuelven, obligando alinvestigador a mantener una perspectiva amplia einterdisciplinar (SEMITIEL GARCÍA ; NOGUE-RA MÉNDEZ,2004).

El turismo se ha vuelto cada vez de mayor interésno slo para los estudiosos de la economía, sino, para los planicadores gubernamentales debido asu alto impacto en la generacin de ingresos paralas poblaciones, y en el caso especíco de los lu-gares de interés religioso, la promocin turísticava asociada a un cambio en el tipo de visitante “elritmo demográco está originando cada vez mayor número de personas jubiladas deseosas de conocer manifestaciones religiosas a la vez de disfrutar delocio(ANDRÉS SARASA; ESPEJO MARÍN, 2006, p. 9).

Sin embargo, debido a que muchos santuariosreligiosos se encuentran ubicados en sitios apar-tados de los grandes centros urbanos, permiten se puedan ofrecer una serie de actividades de ociocomplementarias para el peregrino, que le motivana permanecer durante más tiempo en dicho lugar,

la ciudad vende una doble imagen, la sostenida por los detonadores del mito religioso…y las surgidasde las estrategias de política turística. Es precisodistinguir entre el mito, la oferta inmaterial, el con- junto de representaciones mentales dirigidas a unaclientela potencial –que en un principio denomina-mos peregrinos- y la oferta material –alojamientos,equipamientos de toda índole, con lo que convertir al peregrino en turista o simple excursionista

(ANDRÉS SARASA; ESPEJO MARÍN, 2006, p.10-11).

Discusin de los resultados

Los Altos de Jalisco han creado un imaginariosocial por un lado, basado en el profundo arraigoreligioso catlico de su gente y por otro, en la famaque ha adquirido la belleza física de las mujeresoriundas de esas tierras. Es tal el orgullo que tienen

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Gráco 1Conocimiento de la ruta cristera por los turistas (Porcentaje)

Fuente: Elaboracin propia en base a encuesta realizada a peregrinos

de la belleza de las mujeres de la regin, que hancreado su propio certamen de belleza. El concursoes una versin regional de los certámenes que de belleza que se realizan a nivel nacional, contiene

las mismas etapas y la nal es un evento donde seincluye la presentacin de artistas de reconocido prestigio y popularidad. Esto ha dado como resul-tado dos esquemas de turismo muy diferenciadoentre sí, el turismo religioso, representado por los peregrinos, atraídos por la fe hacia una de las imá-genes veneradas en alguno de los santuarios de laregin, y por otro lado, un turismo afectivo, forma-do principalmente hombres en su mayoría solteros,que llegan buscado conrmar la fama de mujeres bellas que tiene la regin. También existe además unujo de turistas de negocios y familiar, estos últimossobre todo en época de las estas tradicionales decada poblacin, sin embargo, estos dos grupos devisitantes, no son producto de la promocin turísticaque se realiza acerca de la regin.

Ruta Cristera

La Secretaría de Turismo del estado de Jaliscoestá utilizando para la difusin y promocin de laregin alteña, un proyecto denominado “ruta cris-tera”. La intensin es que los turistas visiten lossantuarios ubicados en los sitios donde nacieron ofueron sacricados los mártires cristeros canoniza-dos en el año 2000 por Juan Pablo II. Se pretende

que las personas peregrinen por los diferentessantuarios al estilo del Camino de Santiago.

 Aprovechando las anclas religiosas hay regionesque venimos impulsando integrando con esta

ancla religiosa, como repito, a diferentes puntosalrededor y en el entorno geográco y de comuni-cación accesible, con este punto ancla, que en el caso más importante de Jalisco que es el área delos Altos de Jalisco, San Juan de los Lagos es el ancla y la ruta cristera que hemos formulado que

 se ha ido integrando a este producto turístico queestamos difundiendo(SALAS MONTIEL, entrevista12 enero 2009).

A diferencia del Camino de Santiago, en la  promocin de la ruta cristera la mencin a losatractivos turísticos, comerciales y naturales conque cuenta cada una de las poblaciones es práctica-mente nula, solamente se exalta el pasado cristerode la zona, lo que limita el perl del turista a aquelque tiene un interés puramente religioso. Como parte del atractivo para incentivar a recorrer la rutacristera se ha elaborado un pasaporte cristero. Laidea es que sea sellado en cada uno de los santuariosque se visita, tal como sucede en las aduanas conun pasaporte o visa de migracin.

Sin embargo, a pesar de la promocin que seha hecho de dicha ruta en diferentes eventos conoperadores turísticos, los resultados de la encuestamuestra el poco impacto que ha tenido sobre la poblacin, ya que cuando se hizo la pregunta ¿ha

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131Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 125-135, jan./jun. 2011

Fuente: Elaboracin propia en base a encuesta realizada a peregrinos

Gráco 2Método de organizacin del viaje (Número de personas)

Fuente: Elaboracin propia en base a encuesta realizada a peregrinos

Gráco 3Motivo por el cual regresaría de visita (Porcentaje)

escuchado hablar de la ruta cristera? el resultadofue el siguiente:

En gran medida, el que la ruta cristera no hayatenido el recibimiento esperado en los visitantes

tiene que ver en el hecho de que la mayoría de losturistas no acuden a profesionales del turismo parala organizacin de su viaje como se puede observar en la siguiente gráca

Aun cuando la gran mayoría de visitantesarriba por motivo religioso, existe un porcentaje

de aproximadamente el 20% de la muestra queexpres que si regresaría por motivos de turismo, por lo que si se realiza una campaña adecuada deinformación que si llegue al usuario nal el númerode visitantes por motivos no slo religiosos pudieraverse incrementado considerablemente.

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132 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 125-135, jan./jun. 2011

Fuente: Elaboracin propia en base a encuesta realizada a peregrinos

Gráco 4Estancia promedio de los visitantes (Porcentaje)

Basado en que el factor religioso es muy im- portante en la atraccin de visitantes, el enfoque promocional que se ha dado a la ruta cristera, tieneun fuerte enfoque en el aspecto devocional, ya que

se orienta en el deseo de conocer los lugares defervor a los santos mártires cristeros, este hecho hadado como resultado el poco interés de los pere-grinos en permanecer en las poblaciones visitadas,

debido al desconocimiento de los sitios de interésturístico que tienen.

En el cuadro 1 se hace un concentrado de la promocin turística acerca de la regin alteña quese hace en las revistas Jalisco Guía Ocial 2007-2008 de la Secretaría de Turismo, Turisteando yTour México, aun cuando se hace referencia a unadiversidad de atractivos, se ha vuelto un clichéreferirse a los Altos de Jalisco como Tierra de fe,tradición y belleza de su gente.

Se han enlistado en un principio los nueve muni-cipios que son sede de alguno de los santuarios que

conforman la ruta cristera, y donde puede verse que eleslogan publicitario, tiene gran representatividad.

Al confrontar la promocin turística que rea-lizan las autoridades con la asociacin de ideasacerca de la regin al preguntarles a los turistasqueda evidenciado que el eslogan de Tierra de fe,tradición y belleza de su gente es muy representa-tivo de la asociacin de la asociacin de ideas dela regin en la mente de los turistas, sin embargo,también es cierto que los Altos de Jalisco tienen un

 potencial turístico mucho más amplio y el cual esdesconocido por la mayoría de los visitantes.

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Fuente: Elaboracin propia

Cuadro 1PRINCIPALES ATRACTIVOS TURÍSTICOS DE LOS ALTOS DE JALISCO

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134 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 125-135, jan./jun. 2011

Fuente: Elaboracin propia en base a encuesta realizada a peregrinos

Gráco 5Imaginario de los turistas acerca de la Regin de los Altos de Jalisco (Porcentaje)

Conclusiones

Hablar de la regin de los Altos de Jalisco, esreferirnos a una zona geográca polifacética. Por una parte, es la cuna de la imagen mediática que se hahecho de México en el extranjero, a través del charro o hacendado, por otro lado, es uno de los centros de produccin avícola más importantes del país.

Pero para el imaginario social mexicano, laregin de los Altos de Jalisco es la zona dondese llev a cabo gran parte de la guerra cristera.Sus habitantes han sabido mantener esa imagen yaprovecharla para generar una auencia turística

a la zona.El turismo religioso en los Altos de Jalisco se

inicia en el siglo XVII asociado a la Virgen de SanJuan de los Lagos, pero a partir del año 2000 se hanincrementado los santuarios religiosos de la regin.De estos santuarios, el que mayor popularidad ha al-canzado después del consagrado a la Virgen de SanJuan de los Lagos, es el dedicado a Santo ToribioRomo, al grado que ya se ubica entre los 10 centrosreligiosos catlicos más visitados en México.

El turismo religioso ha sido una fuente continuade visitantes a la regin alteña. En fechas recientes,se ha pretendido por parte de la Secretaría de Turis-mo del Estado de Jalisco aprovechar ese potencialturístico con que cuenta la regin para generar un benecio económico en la misma. Para ello se hadesarrollado el concepto de la “ruta cristera” conla idea de generar una ruta turística que invite alvisitante a recorrer varios puntos de los Altos deJalisco, logrando con ello incrementar el periodode estancia del turista, con el consiguiente aumentoen el consumo de productos y servicios ofrecidos por la regin.

A pesar del poco éxito que ha atenido la rutacristera, la regin de los Altos de Jalisco, ha po-dido encontrar en su patrimonio religioso el ele-mento fundamental para su promocin turística,convirtiéndose en el espacio más importante deturismo religioso a nivel nacional, al contar condos de los diez centros catlicos más visitados,además de poseer otros sitios que empiezan sudesarrollo apoyados de los centros ya maduroscon que cuenta.

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Rogelio Martínez Cárdenas

135Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 125-135, jan./jun. 2011

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 Recebido em 19.08.10

 Aprovado em 15.01.11

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Névio de Campos

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 137-150, jan./jun. 2011

INTELECTUAIS, EDUCAÇÃO E CATOLICISMO

NA CAPITAL DO PARANÁ (1929-1954)

Nvio de Campos * 

RESUMO

Este artigo visa analisar o processo de organização do laicato catlico na cidade deCuritiba no período de 1929 a 1954, enfatizando sua ação no Círculo de EstudosBandeirantes (CEB). Esta narrativa desloca-se entre a ação dos intelectuais catlicosque visava estabelecer o CEB e suas práticas discursivas que objetivavam promover a cosmovisão religiosa entre a juventude curitibana. Em sentido mais preciso, analisaos sentidos dos enunciados promovidos pelo laicato catlico, privilegiando suas

redes de liação e de socialização (campo), suas visões de mundo (representações/conhecimento) e seus modos de dizer (discursos). Apoia-se nos documentos doarquivo do CEB, particularmente nos artigos publicados em sua revista, os quaissão analisados sob a perspectiva da histria da educação e da histria intelectual daeducação, visando restituir o projeto do laicato catlico no Paraná, sem esquecer ocontexto nacional e internacional como pano de fundo do movimento romanizador da Igreja Catlica.

Palavras-chave: Intelectuais – Educação – Catolicismo

ABSTRACT

INTELLECTUALS, EDUCATION AND CATHOLICISM IN THE CAPITALCITy OF PARANÁ (1929-1954)

The present article proposes an analysis of the organizational process of the Catholiclaity in the city of Curitiba from 1929 to 1954, highlighting its activity in theBandeirantes Study Circle (BSC). The narrative shifts between the acts of the Catholicintellectuals aiming to establish the BSC and their discourse intended to promote areligious cosmic view among the young generation of Curitiba. In a stricter sense,it analyses the meaning underlying the pronouncements of the Catholic laity, whichfavour its afliation networks and socialization (eld), its worldviews (representations/knowledge) and manners of expressing (speeches). It bases itself on documents

from the BSC archives, particularly the ones published in their magazine and whichare analysed from the perspective of history of education and intellectual historyof education, aiming at restoring the project of the Catholic laity in Paraná withoutneglecting the national and international contexts as the backdrop of the romanizingmovement of the Catholic Church.

Kewords: Intellectuals – Education – Catholicism

* Doutor em Educação (Linha história e historiograa da educação) pela UFPR. Professor do Programa de Pós-Graduação emEducação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Paraná. Endereço para correspondência: Universidade Estadualde Ponta Grossa (UEPG), Rua Lopes Trovão, 262, Vila Estrela, Ponta Grossa – Paraná, CEP 84040080E-mail: [email protected]/[email protected].

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Introdução

Este artigo visa estabelecer uma síntese da or-ganização do laicato catlico na cidade de Curitiba

no período de 1929 a 1954, enfatizando sua açãono Círculo de Estudos Bandeirantes (CEB). Tal re-corte apoia-se no período de fundação deste espaçocultural (1929) e no aniversário de 25 anos de suacriação (1954). Entre 1929 e 1938, o grupo catlicoassumiu sua organização intelectual e política nointerior do CEB. Desde então tal centro culturaldividiu com a Faculdade de Filosoa, Ciências eLetras do Paraná (FFCL) e a Faculdade Catlica deFilosoa de Curitiba (FCFC) a tarefa de formaçãoe divulgação da cultura paranaense e da doutrinacatlica entre a elite cultural curitibana. A criaçãoda FFCL (1938) e da FCFC (1950) não implicousupressão do CEB, entretanto representou sua re-lativização como lcus de formação intelectual e política do laicato catlico. A despeito disso, esteartigo busca compreender os sentidos atribuídos aoCEB no ato de sua criação e no momento come-morativo de seus 25 anos de histria.

Este texto transita entre a ação dos intelec-tuais catlicos que visava estabelecer o CEB esuas práticas discursivas que objetivavam pro-mover a cosmovisão religiosa entre a juventudecuritibana. Em termos especícos, analisa ossentidos dos enunciados promovidos pelo laicatocatólico, enfatizando suas redes de liação e desocialização (campos), suas visões de mundo(representações/conhecimentos) e seus modosde dizer (discursos). Nesses termos, apoia-se nasreexões de Pierre Bourdieu, particularmente noconceito de campo e de intelectual. A interlo-cução com o conceito de campo contribui paraanalisar a conformação da visão de mundo do  pensamento catlico. A acepção de intelectual possibilita compreender os integrantes do CEBcomo mediadores culturais (produtores cultu-rais), aqueles que “detêm um poder especíco, o poder propriamente simblico de fazer com quese veja e se acredite, de trazer à luz, ao estadoexplícito, objetivado, experiências mais ou me-nos confusas, uídas, não formuladas, e, até essavia, de fazê-las existir” (BOURDIEU, 2004, p.176). A narrativa deste artigo põe em circulaçãotais conceitos de Bourdieu para interpretar os

enunciados do grupo catlico proferidos no CEBentre as décadas de 1930 e 1950.

Círculo de Estudos Bandeirantes: lcus

de sociabilidade dos intelectuais cat-licos paranaenses

Em março de 1929, sob os auspícios de Pe. LuisGonzaga Miele, José Loureiro Fernandes e José F.Mansur Guérios, ocorreu a primeira movimentação pela criação do CEB. Entretanto, foi em 12 de se-tembro do mesmo ano que aconteceu a ocializaçãoda sua constituição. Assim foi narrada a criaçãodeste centro cultural:

[...] aos onze dias do mês de setembro de mil nove-

centos e vinte e nove, nesta Cidade de Curitiba, nasede do Círculo de Estudos Bandeirantes [...], às 7 ½hora da noite [...] declarou o Conselheiro Revmo. Sr.P. Luis Gonzaga Miele aberta a sessão de instalaçãodo Círculo de Estudos Bandeirantes (Ata de fundaçãodo Círculo..., p. 59)1.

Tal instituição foi organizada por um grupo deonze pessoas que se denominaram representantesdo laicato catlico paranaense. O padre Luis Gon-zaga Miele é retratado pela documentação consul-tada como o principal idealizador deste projeto na

capital do Paraná. O grupo reconhecia o papel decoordenador exercido por Miele:

Ao principal fundador e organizador, Revmo. Pe.Luis Gonzaga Miele, enquanto entre nós, conousempre o Conselho a suprema direção do Círculo deEstudos, na qual permaneceu até Dezembro de 1932,época em que transferiu sua residência deste estado(REVISTA DO CÍRCULO..., 1934, n. 1, p. 2).

Esta memria monumentaliza o controle que oclero assumia sobre a organização dos intelectuaisleigos. Ou seja, reproduz a tese do movimento deromanização (emanado de Roma/Vaticano) queapregoava a centralização do projeto político-teolgico no clero. Nesse sentido, o Pe. Mielerepresentava a hierarquia catlica nos espaçosculturais e políticos estabelecidos pelo laicato. Soba coordenação deste padre, compuseram o grupo

1 A ata de fundação do CEB está publicada na Revista do CEB, nº. 3,1989. A indicação da página segue a publicação do referido númeroda revista.

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mais dez personalidades que expressavam o ide-ário de famílias detentoras de signicativo poder simblico (capital cultural, religioso e político),entre os quais destacamos as famílias Fernandes

(campo acadêmico) e Munhoz da Rocha (camposacadêmico e político).O grupo fundador foi formado por  Antônio

Rodrigues de Paula, nascido na cidade da Lapa,Paraná, no dia 25 de novembro de 1881. Em 1913,formou-se em Direito pela Faculdade de CiênciasJurídicas e Sociais do Rio de Janeiro; BenedictoNicolau dos Santos, também da cidade da Lapa,nascido no dia 10 de setembro de 1878. De todosera o único que não detinha capital institucio-nalizado (diploma de ensino superior). Ele eraautodidata em artes, particularmente em música;Bento Munhoz da Rocha Neto nasceu em 17de dezembro de 1905 na cidade de Paranaguá,Paraná. Em 1927, concluiu o curso de Engenha-ria Civil na Faculdade de Engenharia do Paraná;Carlos Araújo de Brito Pereira nasceu em 14 demarço de 1901 na cidade de Manaus. Em 1922,formou-se em Direito pela Faculdade de Direitodo Pará; José de Sá Nunes é natural da cidade deVitria da Conquista, Bahia, nascido no dia 7 de junho de 1889. Em 1916, obteve o título de bacharelem Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade deDireito da Bahia; José Farani Mansur Guérios,natural da cidade de Curitiba, nascido em 7 denovembro de 1905. Em 1930, concluiu o curso deDireito na Faculdade de Direito do Paraná; JoséLoureiro Ascenção Fernandes nasceu em Lisboano dia 12 de maio de 1903. Em 1927, formou-seem Medicina pela Faculdade de Medicina do Riode Janeiro; Liguaru Espírito Santo nasceu em 13de agosto de 1900 na cidade de Tibagi, Paraná.Tinha formação de professor normalista pela Escola Normal do Paraná. Em 1921, formou-se também nocurso de Engenharia Agronômica pela Faculdadede Engenharia do Paraná; Pe. Luis Gonzaga Mielenasceu em São Bernardo do Campo no dia 31 demaio de 1893. Concluiu sua formação losóca eteolgica em Dax e Paris. Em 1920, foi ordenado padre; Pedro Ribeiro Macedo da Costa, naturalda cidade do Porto, nasceu em 25 de julho de 1880.Em 1922, formou-se em Direito pela Faculdade deDireito do Paraná; Waldemiro Augusto Teixeirade Freitas nasceu na cidade de Alagoinhas, Bahia,

no dia 13 de maio de 1894. Em 1919, concluiu ocurso de Engenharia Civil na Faculdade de Enge-nharia do Paraná.

O grupo fundador era detentor de um capital co-

mum: membros de uma camada social privilegiada,isto é, detinham o capital cultural nos três estadosdescritos por Bourdieu: incorporado, objetivadoe institucionalizado. O incorporado consiste em“um ter que se tornou ser, uma propriedade que sefez corpo e tornou-se parte integrante da ‘pessoa’,um habitus” (BOURDIEU, 1998, p. 74-75). Oobjetivado é a materialização do capital cultural,tais como o acesso a livros, bibliotecas, obras deartes. É o conjunto de condições materiais que osdetentores de capital social e de capital econô-mico têm a sua disposição. O institucionalizadoconstitui a premiação por meio de títulos e diplo-mas acadêmicos. A origem familiar e social destegrupo facilitava o acúmulo do capital cultural nosseus três estados, o que legitimava suas ações esuas práticas discursivas no cenário curitibano. OCEB foi constituído pela elite intelectual catlicade Curitiba. No decorrer da década de 1930 esteespaço cultural reuniu em seu interior indivíduoscom potencialidade para debater sobre os princi- pais problemas da cidade e para dirigir as esferasestatais, visando aproximar os interesses do poder eclesiástico e do poder civil.

O grupo fundador identicava-se por portar ele-mentos comuns: 1) vinculação à verdade religiosacatlica; 2) formação acadêmica similar; 3) ocu- pação prossional de letrados. Todos professavamdelidade ao pensamento ou à doutrina católica. Énesse sentido que o CEB foi postulado como “umasociedade cultural, não aberta e declaradamentereligiosa, confessional” (Correspondência do Pe.Miele a Loureiro Fernandes, 6 de julho de 1956).Com exceção de Benedicto Nicolau dos Santos Neto, todos eram portadores de títulos acadêmicos(estado cultural institucionalizado). As atividades prossionais exercidas pelo grupo estavam inti-mamente vinculadas aos três estados de capitalcultural, particularmente ao institucionalizado.Pe. Miele (professor de losoa do Ginásio Pa-ranaense); Antonio de Paula (juiz em Curitiba);Bento Munhoz Neto (engenheiro civil); CarlosAraújo (professor de língua portuguesa da Escola Normal do Paraná); José Loureiro (médico); José

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de Sá Nunes (professor de português do GinásioParanaense); José M. Guérios (advogado); LiguaruEspírito Santo (professor normalista/agrônomo);Pedro Ribeiro (professor do Ginásio Paranaense e

da Faculdade de Engenharia do Paraná); Waldemirode Freitas (professor do Ginásio Paranaense e daFaculdade de Engenharia do Paraná). Este grupoocupava as atividades que estavam em consonânciacom o processo de regulamentação prossionaldas instituições modernas. Benedicto dos Santos  Neto não exercia atividade que se vinculava aregulamentação rígida, pois não detinha o capitalinstitucionalizado, não obstante era professor demúsica, cuja função não sofria a conformação e ocontrole formal semelhante às demais ocupações.Embora este último não possuísse capital institu-cionalizado, detinha capital cultural incorporado ecapital objetivado. Tais observações evidenciam aarmação de Bourdieu: “os detentores do mesmotítulo tendem a constituir-se em grupo e a dotar deorganizações permanentes [...] destinados a asse-gurar a coesão do grupo [...] e promover os seusinteresses materiais e simblicos” (BOURDIEU,2002, p. 149).

Os encontros ordinários eram organizadoscom exposições temáticas por parte dos scios,contemplando aspectos desde a histria regional,nacional e internacional até problemas da losoae da teologia. A rigor, nas reuniões poderia ser ventilado “qualquer assunto, mesmo religioso,mas dentro dos princípios da ortodoxia religiosa,losóca, cientíca etc.” (Correspondência do Pe.Miele a Loureiro Fernandes, 6 de julho de 1956).Além disso, emendava Pe. Miele, “o candidatoviria ao Círculo com suas dúvidas, incertezas,talvez preconceitos, mas precisamente para, a seutempo, desfazer-se dessa carga inútil e prejudicialà verdadeira cultura”. No primeiro biênio vinte eum associados promoveram palestras/conferên-cias nas reuniões, entre os quais estavam os onzefundadores. Entre os associados não fundadoresdestacamos Algacir Munhoz Maeder 2, IldefonsoPuppi3, Manoel Lacerda Pinto4, Mario Braga deAbreu5, Artur Martins Franco6, Joaquim de MatosBarreto7. Entre 1930 e 1931 foram promovidasdezoito conferências, das quais apenas oito foram proferidas pelos scios fundadores. Entre 1932 e1933 dezesseis palestras, sendo apenas cinco coor-

denadas pelos scios fundadores. No ano seguinteocorreram dezoito exposições, das quais cincoforam organizadas pelos fundadores. De 1934 a1935, vinte e duas conferências foram organizadas

no CEB, com destaque para “lições de losoa”ministrada aos bandeirantes por Jesus BallarinCarrera. Deste total apenas seis estavam sob aresponsabilidade dos fundadores. Na sequênciaaconteceram dezoito exposições, sendo sete pro-feridas pelos scios fundadores. Entre 1936 e 1937foram promovidas dezenove palestras, entre asquais destacamos “lições de losoa”, ministrada por Ballarin Carrera, das quais oito caram sob adireção dos fundadores. No ano seguinte houvequatorze apresentações, sendo quatro organizadas pelos scios fundadores. No último ano do primeirodecênio foram promovidas vinte e uma palestras,tendo seis scios fundadores entre eles.

Essa resenha dos trabalhos apresentados pelosscios nas reuniões foi publicada na Revista doCEB em 1939. Tal síntese indica que: 1) o númerode associados do CEB cresceu signicativamentena década de 1930; 2) alguns dos novos associadosassumiram posição de destaque no interior do CEB,entre eles Manoel de Lacerda Pinto, Artur MartinsFranco e Mário Braga de Abreu; 3) entre os sciosfundadores, os que mais proferiram conferênciasforam José Loureiro Fernandes (todos os anos) eLiguaru Espírito Santo (exceto em 1937-1938); 4)nem todos os scios coordenaram palestras, como por exemplo, Antônio Rodrigues Paim e AthanásioSant´Anna; 5) os representantes do clero assumi-ram posição intelectual de destaque no CEB (Pe.

2 Natural de Curitiba. Nasceu em 22 de abril de 1903. Formado emEngenharia Civil pela Faculdade de Engenharia do Paraná. Professor nesta faculdade e no Colégio Estadual do Paraná (Ginásio Parana-ense).3

Nasceu em Campo Largo, Paraná, em 28 de novembro de 1907.Formado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia doParaná.4 Natural da cidade da Lapa, Paraná. Nasceu em 4 de dezembro de1893. Formado em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo.Professor na Faculdade de Direito do Paraná.5 Nasceu em 25 de abril de 1906 na capital do Paraná. Em 1930,formou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina do Rio deJaneiro.6 Natural de Campo Largo. Nasceu em 17 de abril de 1876. Formadoem Engenharia Civil pela Escola Politécnica de São Paulo.7 Nasceu em Curitiba no dia 24 de janeiro de 1901. Professor norma-lista. Diplomado em Agronomia e Engenharia Civil pela Faculdadede Engenharia do Paraná.

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Gonzaga Miele e Pe. Ballarin Carrera).As temáticas abordadas nas referidas confe-

rências tinham caráter pluridisciplinar – física,química, biologia, medicina, geograa, história,

lologia, literatura, música, estética, religião, teo-logia, losoa, educação, antropologia, sociologia, política, cinema, direito, psicologia, linguística etc.Era recorrente a organização de comentários deobras e de autores considerados relevantes nas maisvariadas áreas, como por exemplo, a apreciaçãoda obra “Política” de Alceu Amoroso Lima, feita por Mario Braga de Abreu, e os comentários sobre“os conceitos de Renan”, promovidos por BentoMunhoz da Rocha Neto.

Do conjunto das temáticas, as que tratam da edu-cação, da religião e da losoa são fundamentais ànarrativa deste artigo. Os títulos das conferências proferidas pelos associados que se aproximam dastemáticas acima são: 1) necessidade de conglobar esforços e energias esparsas; nos domínios daincoerência; sistema pedaggico das escolas Ave-Maria; monismo materialista e ciência moderna; problema do mal; o ensino religioso nas escolas;a missão da imprensa; vicissitudes de um peri-dico; denições necessárias (Pe. Miele); 2) a máimprensa e a modernidade; a questão social à luzda Rerum Novarum ; o bom e o mau mestre; estudosobre S. Emcia. o Cardeal Mercier; comentários auma entrevista do Dr. Alceu Amoroso Lima sobreo Plano Nacional de Educação (Liguaru EspíritoSanto); 3) cristianismo diante da encruzilhada;sobre o tomismo; classicação tomista das ciências(Bento M. da Rocha Neto); 4) a boa e a má impren-sa (José de Sá Nunes); 5) a personalidade e a obrade Jacques Maritain (Manoel L. Pinto); 6) palestra bibliográca sobre “no limiar da idade nova”, deTristão de Athayde; apreciações a “indicações po-líticas” e “na tribuna e na imprensa”, de Tristão deAthayde (José F. M. Guérios; 7) apreciação da obra“Política”, de Tristão de Athayde; a personalidadede Tristão de Athayde; comentários ao artigo daRevista A Ordem – o clero e o laicato de Tristão deAthayde (Mário B. de Abreu); 8) lições de losoaministradas aos bandeirantes (Pe. Jesus BallarinCarrera); 9) a personalidade e a obra de JacquesMaritain (Manoel de Oliveira Franco Sobrinho)8.

Em 1934, o grupo do CEB estabeleceu a re-vista institucional (Revista do CEB). No primeiro

número os editores (Loureiro Fernandes e José F.M. Guérios) assinalaram “de que há muito tempovinham, aqueles que labutam no Círculo de EstudosBandeirantes, sentindo a carência duma publicação

 peridica que recolhesse os trabalhos originaisrealizados num quinquênio de profundo e intensolabor” (REVISTA DO CÍRCULO..., 1934, p. 1).Além disso, explicitaram a natureza da publica-ção deste peridico: “são suas páginas destinadasnão só a estudos cientícos, históricos e literárioscontemporâneos, como também à reprodução devaliosos trabalhos antigos e documentos referentesao Paraná” (p. 1). Na avaliação dos editores, as páginas da referida revista “tornar-se-ão, assim, ummeio eciente ao intercâmbio cultural do Círculode Estudos com os diversos núcleos intelectuais einstitucionais ociais do país” (p. 1).

 No período de 1934 a 1939, a publicação darevista foi ininterrupta, ou seja, ocorreu o lança-mento de um número a cada ano. Desde então a periodicidade foi descontínua. Em 1939, foi pu- blicado o primeiro número do tomo segundo. Osdemais números foram lançados nos anos de 1941(n. 2), 1944 (n. 3), 1949 (n. 4), 1954 (n.5). Na nossaavaliação tal alteração deve-se em grande medida à pulverização da ação do laicato catlico paranaenseque, a partir da década de 1940, passou a atuar demaneira direta na Faculdade de Filosoa, Ciênciase Letras do Paraná. Tal hiptese é evidenciada por Loureiro Fernandes em seu pronunciamento de1945 por ocasião da “festa da cumieira” da sede prpria do CEB9, no qual rememorou a armaçãode Lacerda Pinto:

O ciclo inicial de sua vida [CEB], como o de maior alvoroço na produção de trabalhos a serem lidosnas sessões realizadas sem desfalecimentos, todosqueriam numa justa emulação dar provas do seuardor. Nem faltou a justicar essa denominação decristãos novos o cenário apropriado das catacumbas que assim chamava o nosso Revmo. Conselheiro[Pe. Miele] aquelas salas da Rua José Loureiro, ondeestivemos alojados por largos nove anos (REVISTADO CÍRCULO..., 1949, p. 544, grifo no original).

A este período o locutor demonstrava nostalgia

8 Nasceu em Curitiba no dia 10 de janeiro de 1916. Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Paraná.9 Este pronunciamento foi publicado no número quatro, tomo 2, daRevista do CEB.

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ao expressar “quão distantes sentimos aquelas hu-mildes e serenas catacumbas da nossa alvorada”(p. 544). Além disso, indica a existência de outromomento da histria deste centro cultural: “o seu

segundo período de vida, nesse balanço quinquenal,é período de transição, o Círculo, ao consolidar o seu ideal de formar homens de convicções, vêseus componentes, por delidade a nobres ideais,derivarem grande parte da sua atividade paraoutros setores culturais” (p. 544). Tais atividadesconsubstanciam a prpria pulverização das açõesdos catlicos. “Nas atividades culturais do MuseuParanaense e da Faculdade de Filosoa, Ciênciase Letras podemos bem caracterizar esse benefício,reexo de uma ação sempre circunscrita a roteirode cultura sistematizada” (p. 545).

 Nas páginas da Revista muitas temáticas foram publicadas. Ao objetivo deste artigo destacamosas reexões promovidas sobre os aniversários dedez, de vinte e de vinte e cinco anos do CEB. Em1939, no editorial, Bento Munhoz da Rocha Netofez exposição comemorativa do primeiro decêniode fundação deste centro cultural10. Ele rearmouo ideal cultural que norteou a fundação do CEB, bem como as atividades que foram desenvolvidasao longo da década de 1930. Reiterou que o CEB“instituiu acima da vacuidade das frmulas acei-tas e dos conceitos sovados, um roteiro de culturasistematizada, que alguma coisa de nova vinhainstaurar no marasmo ambiente” (REVISTA DOCÍRCULO..., 1939, p. 3). Movido pelo sentimento bandeirante, o CEB foi um “desbravador ao abrir clareiras na massa de preconceitos medularmente burgueses, retalhos de ideologias liberais e agns-ticas” (p. 3). Ao ser “enamorado da unidade e daordem, disseminou, em curso regular, preceitosdenitivos do tomismo. Pregou na hora delirantedos imediatismos e dos êxitos, o primado eterno doespírito” (p. 3). Na visão do editor o CEB:

Deu acolhida a todos os homens de boa vontade:aos que já possuíam a formação essencial dos seus  princípios; aos que vinham cansados do exclusi-vismo das culturas especializadas, exigidas pelosmisteres prossionais; aos que não criam nos mitosagonizantes; aos que aspiravam por uma referênciadoutrinária, para localizar e denir a atitude mentaldo autor do último livro; aos hesitantes; aos dispo-níveis (p. 3-4).

Além disso, destacou que “certo de que as ver-dades imutáveis são verdades sob todos os prismas,dentro de sua hierarquia, não traçou fronteiras ao  pensamento, nem erigiu setores impenetráveis

à curiosidade” (p. 4). Em termos mais precisos,indicou que o CEB “ensinou o que é renovável e oque ca. O que envelhece e o que é sempre atual.O que pode ser preferido numa época ou numaregião, e o que é idêntico em todas as épocas e emtodas as regiões” (p. 4). Finaliza sua intervenção aoasseverar que “em dez anos, o Círculo fez muito.Mas, no limiar deste segundo decênio de vida, no-vas exigências se apresentam e novas perspectivasse ampliaram. O entusiasmo é o mesmo de há dezanos. Os ‘bandeirantes’11 continuarão” (p. 7). Asobservações de Munhoz da Rocha Neto visavammonumentalizar uma representação positiva doCEB, portanto enfatizavam as suas contribuiçõesintelectuais, os desaos e o entusiasmo de seusmembros.

Em 1949, o editorial escrito por José Loureiro eHomero Batista de Barros fez referência aos vinteanos do CEB. O tom comemorativo do vigésimoaniversário enfatizou a inauguração da sede prpriadeste centro cultural. “No segundo decênio, os‘bandeirantes’, procurando não desmerecer nobres propsitos, nortearam as atividades no sentido deconsolidar a sua casa para a nobre e vital funçãode verdadeiro ‘círculo de estudos’” (REVISTA DOCÍRCULO..., 1949, p. 361). Os editores ponderamque “longos intervalos ocorreram entre as datasdo aparecimento dos quatro números do tomo se-gundo, mas nesses períodos, éis ao seu ideal decultura, prosseguiram os ‘bandeirantes’ sem esmo-recimentos sua obra radicada fundamentalmente naverdade cristã” (p. 361). Em comparação, “nos dez primeiros anos caracterizou sua atuação em nossomeio pela continuidade dos estudos e conferências

10 Manoel Lacerda Pinto fez pronunciamento do “discurso na sessão co-memorativa do transcurso do primeiro decênio do Círculo de EstudosBandeirantes”. Para ns deste artigo, dialogaremos com o editorial11 O grupo catlico do CEB denominava-se, em muitas situações, de

 bandeirante. Pe. Miele assim se expressava sobre o nome do CEB:“Bandeirantes! Pois não era, acaso, o projetado Círculo uma nova‘bandeira’ sui generis, que se arrojava para os sertões do saber, a catadas verdes esmeraldas e das áureas pepitas da verdade [...]” (REVISTADO CÍRCULO..., 1949, p. 553). Este termo traduzia metaforicamente osentido desbravador dos catlicos em alusão aos bandeirantes paulistasque desbravaram as terras brasileiras.

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e pela divulgação de publicações peridicas, comas quais consolidou o intercâmbio cultural cominstituições nacionais e estrangeiras” (p. 361). Di-ferentemente do discurso da “festa da cumieira” da

sede do CEB proferido em 1945, no qual reclamavada ausência dos associados nas atividades destecírculo cultural, na redação do editorial, LoureiroFernandes e Homero de Barros justicaram que adiminuição das palestras e a descontinuidade da publicação da revista deviam-se ao processo decriação da sede prpria. Tal contradição expressao lugar de onde os locutores se pronunciavam. Noeditorial, a característica da intervenção é comemo-rativa. No pronunciamento da “festa da cumieira”,Loureiro Fernandes sofreu um menor grau decensura, uma menor interdição discursiva. Dessemodo, tais pronunciamentos não são contraditrios, pois expressam os múltiplos posicionamentos dosintelectuais. Encerram o editorial referindo-se aoscontínuos combates já empreendidos pelos mem- bros do CEB e conclamando para os “caminhos aserem palmilhados [...] para [o] mais apreciávelserviço ao bem comum através de todos os esforçosem prol da recristianização da intelectualidade dostempos presentes” (p. 361-362).

Em 1954, ano de comemoração do jubileude prata do CEB, foi lançado o número cinco da

revista. Este número foi uma edição especial come-morativa do 25º aniversário de fundação daquelecentro cultural. As atividades comemorativas foramrealizadas no dia 11 de setembro de 1954, as quaisconsistiram em: 1) saudação do Conselheiro Emé-rito Pe. Luis Gonzaga Miele; 2) pronunciamento deLiguaru Espírito Santo (Vice-presidente do CEB);3) pronunciamento de Bento Munhoz da Rocha Neto (governador do estado do Paraná). O editorialdeste número foi escrito por José Loureiro (redator da revista). Na avaliação do editor,

marcou-lhe assim uma época, pois, não há negar, aobra de equilíbrio, realizada, neste segundo quarteldo século XX, pelo ‘Círculo de Estudos Bandei-rantes”, criando em nosso meio, em alto padrãointelectual, um núcleo de estudos, no qual a obracivilizadora do cristianismo tem podido ser estudadaà luz serena da verdade histrica (REVISTA DOCÍRCULO..., 1954, p. 561).

Assevera também que “é o Círculo de Estudoshoje, um instituto de alta cultura, cooperando com

núcleos congêneres, na defesa do patrimônio in-telectual do Paraná” (p. 562). O pronunciamentoocial do CEB em decorrência dos seus 25 anosfoi promovido por Liguaru Espírito Santo, no qual

apresentou uma resenha das atividades desenvol-vidas durante este tempo. Na parte conclusiva sus-tentou que o “Círculo de Estudos é, na sua feiçãocultural, um verdadeiro Instituto Universitário, ou, pelo menos, um Instituto de Extensão Universitária,e é neste sentido que deve continuar o seu labor,concorrendo para a formação do Homem paranaen-se” (REVISTA DO CÍRCULO..., 1954, p. 769).

 Na festividade dessa data, Bento Munhoz da Ro-cha Neto fez seu pronunciamento enfatizando que“o Círculo foi o caminho da verdade e a disciplinaintelectual de uma geração. Nasceu humilde na casade Ascenção Fernandes e a humildade do seu nasci-mento garantiu o êxito do seu destino” (REVISTADO CÍRCULO..., 1954, p. 772)12. Na avaliação do bandeirante e governador do Paraná, o CEB “foium destino sério, longe do academicismo, longedo formalismo, longe do pensamento divulgadoda intelectualidade convencional e grã-na, longeda encenação aplaudida, das igrejinhas literárias[...]” (p. 772). Ele recuperou o sentido da fundaçãodo CEB: combate aos acatlicos. “Gonzaga Mielecastigou há vinte anos essa mediocridade, e durantevinte e cinco anos o Círculo de Estudos Bandei-rantes foi um inconformado com a mediocridadeangustiante” (p. 772). Rocha Neto conclamou:“temos de apontar à nova geração intelectual,o seu dever, o dever dos moços, o eterno dever dos moços que é o inconformismo. E quando merero aos moços, aludo à idade sociológica e nãoà idade cronolgica. Há moços de todas as idadese velhos de todas as idades” (p. 773). Por m, emtom performativo declarou que moços “são aquelesque amam sua terra, trabalham e concorrem parao seu progresso. Mas o progresso verdadeiro, noseu sentido essencial, na sua dimensão justa queé a espiritual, e não apenas a técnica. O progressotécnico pode ser destruído, mas o progresso espi-ritual é eterno” (p. 773).

O CEB constituiu-se no principal espaço dediscussão e de formação intelectual do grupo

12 O CEB organizou suas atividades de 1929 a 1938 na casa do pai deJosé Loureiro Fernandes.

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catlico paranaense. No início da década de 1930o número de sócios do CEB cresceu signicativa-mente. Já no primeiro ano (até 26/06/1930), trintae sete personalidades associaram-se a este centro

cultural. Tal fato indica que o grupo diretor destainstituição incorporou muitas personalidades dacapital do Paraná. Em carta, Pe. Miele expressavaque “a admissão dos scios efetivos estaria semprena dependência da aprovação do Conselho, ao qualcaberia velar pela ortodoxia dos candidatos” (Cor-respondência do Pe. Miele a Loureiro Fernandes,6 de julho de 1956).

Manoel de Lacerda Pinto passou a ser membroaps a criação do CEB, tornando-se um dos prin-cipais representantes do laicato paranaense. Na sua juventude fora seguidor do grupo neopitagrico deCuritiba, coordenado por Dario Vellozo. Conver-tido ao catolicismo, compôs o grupo do CEB. Eraformado em Direito pela Faculdade de Direito deSão Paulo e professor na Faculdade de Direito doParaná. No dia 3 de janeiro de 1933, Lacerda Pintofoi eleito presidente do CEB, por meio de sessão doConselho. Tal eleição foi promovida para substituir a vacância do cargo em virtude da transferência doPe. Miele para São Paulo, motivada por problemasde saúde13. A direção de Lacerda Pinto durou aténovembro de 1933, quando renunciou para assumir o cargo de deputado estadual. Em seu lugar assumiuAntonio de Paula. Em junho de 1934, foi eleitoArtur Martins Franco – membro associado aps acriação do CEB –, detentor de titulação acadêmica(Engenharia) e de título de professor da Faculdadede Engenharia do Paraná.

O CEB nem sempre expressou um ambiente decordialidade entre os membros e entre o laicato e oclero. A partir de 1933, a direção do CEB passouintegralmente às mãos do laicato catlico. As cor-respondências entre Loureiro Fernandes e Pe. Mieleindicam que houve conitos entre as pretensões dolaicato e os objetivos do clero catlico paranaense.Tal celeuma explicita-se em carta datada de 12 de junho de 1956, na qual Loureiro Fernandes relataque “vem o Pe. Alberton, jesuíta que comanda asFederações [marianas] com singular proposta deconstruir em terreno do círculo salões para cursose funcionamento da Federação”. Na referida carta,Loureiro Fernandes assevera que [...] “não estou noânimo de entregar o Círculo aos marianos, coman-

dados pelos jesuítas, recém arribados a esta terra”.A indisposição de Fernandes em relação ao poder dos jesuítas é muito grande: “revolta-me tudo isto,são poderosos hoje, com a Faculdade de Filosoa

e com as múltiplas congregações religiosas de quedispõem e pretendem ainda absorver o Círculo, para cuja obra não contribuíram com uma s par-cela neste difícil primeiro quarto de século de suaexistência”. Esta passagem é muito obscura, poisem princípio o autor refere-se ao poder dos jesuítas,entretanto faz observações sobre o movimento cat-lico do clero em geral. A contraposição de LoureiroFernandes é ao movimento de controle clerical so- bre o CEB, pois sua trajetria estava profundamentemarcada pela defesa do catolicismo. Na décadade 1950, foi um dos principais protagonistas dacriação da Faculdade Catlica de Medicina do Pa-raná. Contudo tinha clareza da natureza especícado CEB e das instituições de ensino superior. Nasua avaliação o sentido da obra da CongregaçãoMariana era muito diferente da vocação do CEB.Aquela tinha um caráter religioso. O último tinhavocação cultural, embora confessional. Na referidacorrespondência Loureiro Fernandes sustenta que procedeu sempre “para dar ao Círculo a sua genuínafeição de centro cultural, sem exclusão, é claro, denenhum assunto religioso, mas também sobremodointeressado em mantê-lo dentro da sua precípuanalidade”. Em outra passagem ele julgava: “dianteda leviandade do padre Alberton em armar que oCírculo é uma entidade ‘confessional’, temo pelodesvirtuamento de sua nalidade. Tenho que levar o caso ao Conselho, não levarei enquanto não tiver sua opinião [de Miele]”.

Em 6 de julho de 1956, Pe. Miele envia sua res- posta a Loureiro Fernandes, na qual faz a seguinteobservação sobre a presença dos jesuítas no cenáriocultural paranaense: “quanto à proposta do PadreAlberton, parece-me estar vendo o meu caríssi-mo (sincera, profunda e cordialmente caríssimo)

13 Miele ingressou no Seminário Menor de Pirapora, no qual estudouhumanidades. Posteriormente fez noviciado em Petrpolis, na Con-gregação da Missão de São Vicente de Paulo (Padres Lazaristas). Maistarde foi para a França, onde estudou Filosoa em Dax e Teologiaem Paris. Foi enviado à Curitiba, destinando-se para a comunidadelazarista do Ginásio Paranaense, no qual foi professor, secretário evice-reitor. Por causa da perda de audição foi para São Paulo trabalhar na Cúria Metropolitana (1934-1973). Em 1973, passou a conviver com seus familiares em São Bernardo do Campo. Em 10 de julho de1973, Miele faleceu.

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Loureiro algo atarantado com ela, já por vir de um  jesuíta (horresco referens!)14, já a favorecer aosmarianos”. Pe. Miele e Loureiro Fernandes man-tinham profunda relação de amizade. Mesmo aps

a ida de Miele para São Paulo, o grupo do CEB,  particularmente Loureiro Fernandes, encontravaneste missionário vicentino (Congregação de SãoVicente de Paulo) o baluarte intelectual e moraldos bandeirantes15. Na correspondência a Miele(12 de junho de 1956), Loureiro rememorava asobservações deste padre gravadas em carta escritaem novembro de 1949. Nesta, de acordo comLoureiro Fernandes, o Pe. Miele teria orientado osdiretores do CEB a não estabelecerem a função deum assistente eclesiástico. É interessante observar que a ideia de incorporar ao CEB um represen-tante do clero como assistente eclesiástico partiude Pedro Ribeiro de Macedo Costa (fundador), oque indica que entre o laicato havia divergência deentendimento sobre a prpria natureza deste centrocultural. Em 1949, segundo Loureiro Fernandes,Miele teria escrito: “não é o Círculo nenhum soda-lício religioso”. No entanto, na carta datada em 6 de julho de 1956 Miele asseverava: “eu modicaria,hoje, aquela minha opinião (expressa na carta arespeito do assistente eclesiástico), pois tenho no-tado que outras instituições similares (por exemplo:o Centro Dom Vital, aqui em São Paulo bastanteconceituado e muito ativo) têm o seu assistenteeclesiástico”. Emendava o lho de São Vicente:“não interfere este [assistente] no movimentoespecíco da instituição: aconselha, sugere e, sefor o caso, adverte. É uma segurança da ortodoxiacatlica da instituição, pois é grande mal, mesmono campo da cultura, o despropsito, a heresia e afalsidade”. A posição de Miele explicita o lugar deonde produz a enunciação performativa. Na cartade 1949, seu posicionamento não se confrontavadiretamente com o interesse da hierarquia catlica, pois a solicitação de um assistente eclesiástico foioriunda do laicato. Já em 1956, a pretensão de assu-mir o controle do CEB partiu do prprio clero. Estascircunstâncias são determinantes para compreender a mudança no enunciado de Miele. Os enunciadosdo clero expressam a posição institucional da IgrejaCatlica. Dessa forma, a revogação do parecer emi-tido em 1949 evidencia a assertiva de Bourdieu: “o poder das palavras é apenas o poder delegado do

 porta-voz cujas palavras [...] constituem no máximoum testemunho, um testemunho entre outros dagarantia de delegação de que ele está investido”(BOURDIEU, 2008, p. 87). O porta-voz do enun-

ciado é a Igreja Católica. É possível identicar acensura na forma e no conteúdo do enunciado deMiele. De acordo com Bourdieu (2008, p. 132),“a censura alcança seu mais alto grau de perfeiçãoe invisibilidade quando cada agente não tem maisnada a dizer além daquilo que está objetivamenteautorizado a dizer [...]”.

Outras passagens da carta de Miele rearmamcom agudeza o grau de censura presente no seuenunciado. “Calma! Não conheço pessoalmenteo Padre Alberton, mas presumo seja como outrosmuitos jesuítas que conheço. Não são homens tãoruins como certa gente imagina. Pelo contrário! Háentre os jesuítas homens de valor intelectual, cultu-ral, social, ou mesmo simplesmente humano”. Emconsonância com as interdições discursivas, Miele postula que os jesuítas são homens de vanguardaintelectual e moral nos grandes países da Europa.Ele ordena: “não tenha receio o meu caríssimoLoureiro”. Miele julga: “talvez haja ouvido ‘lendas’ou lido ‘histrias’ que os [jesuítas] pintem mal e oscaricaturam...”. Ele indaga: “será?”. Fica assom- brado: “num intelectual do seu porte, isto me cau-saria espanto”. Em tom declarativo e de indagaçãoassevera: “se não é o Padre Alberton que lhe causatemores, talvez seja a Federação das CongregaçõesMarianas”. Em enunciado performativo expositivodeclara que os marianos, “descontados os descon-tandos, são gente boa que mira a um alto ideal etrava o bom combate da Fé e pora por melhorar o mundo. Merecem o respeito de todos. E algunsaté a nossa admiração. Não desdenhamos, pois, os‘marianos’”.

A centralidade de Pe. Miele entre os fundadoresdo CEB deve-se a sua condição de representantedo clero. A coordenação deveria estar no prprioclero. A rigor, a prevalência do clero sobre os leigosé constituída pela prpria lgica do funcionamento

14 A expressão latina horresco referens signica literalmente “tremoao contá-lo”. Em termos aproximados: “tenho pavor em ter quedizê-lo”.15 Miele exercia uma espécie de orientação eclesiástica e losócaaos membros diretores, pois continuou na condição de associadoemérito do CEB.

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da Igreja, pois “a prática sacerdotal e, ao mesmotempo, a forma e o conteúdo da mensagem que elaimpõe e inculca são [...] inerentes ao funcionamentode uma burocracia que reivindica com êxito mais

ou menos total o monoplio do exercício legítimodo poder religioso sobre os leigos [...]” (BOUR-DIEU, 1998, p. 66). A esta estratégia Bourdieudenomina de coerção interna, por meio da qualse deseja “conar o exercício do sacerdócio [...] afuncionários intercambiáveis do culto e dotados deuma qualicação prossional homogênea adquirida por um processo de aprendizagem especíca [...]”(p. 65-66). A atividade do laicato era denida pelaIgreja Catlica como auxiliar ao projeto de roma-nização. A aproximação do clero aos leigos ocorriaem razão das forças externas ao campo religioso,as quais se referem:

Aos interesses religiosos dos diferentes grupos ouclasses de leigos capazes de impor à Igreja conces-sões e compromissos mais ou menos importantessegundo o peso relativo a) da força que podem colo-car a serviço das virtualidades heréticas contidas emseus desvios com relação às normas tradicionais [...]e b) do poder de coerção envolvido no monoplio dos bens de salvação [...] (BOURDIEU, 1998, p. 66).

O segundo fator é decorrente do primeiro, pois

diz respeito à formação acadêmica dos representan-tes do clero. Os integrantes do CEB não detinhamformação formal em letras e/ou losoa. Nessesentido, a presença de Miele era a principal referên-cia para discutir as temáticas da losoa católica.A saída do Pe. Miele representou uma lacuna. Tal problema foi minimizado com a presença do Pe.Jesus Ballarin Carrera, principal representante dalosoa católica no interior do CEB na década de1930 e no início da década de 1940.

Filosofia catlica: alicerce do pensamen-to dos bandeirantes paranaenses

A losoa católica teve nas mãos do Pe. JesusBallarin Carrera sua referência principal no decor-rer da década de 1930 e início da década de 1940.Os membros deste círculo cultural manifestavamde modo recorrente a necessidade de estabelecer um curso de losoa para eles próprios, bem como promoviam a defesa da losoa como área básica

e fundamental no processo de formação da juven-tude. Entre 1934 e 1936, sob a regência de BallarinCarrera, o CEB organizou um curso de losoatomista destinado aos bandeirantes.

Entre os enunciados que declaravam a neces-sidade da losoa no processo de formação da juventude destacamos a oração de paraninfo pro-nunciada por Manoel de Lacerda Pinto no InstitutoSanta Maria, em 193216. Na posição de paraninfo,Lacerda Pinto sustentou que “nunca há de adquirir uma verdadeira cultura quem não possuir o espíritolosóco, a que se referem as palavras citadas peloPe. Lahr no seu curso: ‘o melhor sinal do espíritolosóco é amar todas as ciências’” (PINTO, 1944, p. 25). Para este bandeirante, as ciências têm ne-cessidade da losoa, principalmente

Hoje, em consequência do desenvolvimento dasciências, o sábio é obrigado, sob pena de permanecer supercial, a se meter numa especialidade cada vezmais restrita, pelo que deve, se não quiser falsear o seu espírito, tornando-se exclusivo, elevar-se dequando em quando acima do seu objeto prprio, para ter uma vista de conjunto e respirar o ar purodos princípios (PINTO, 1944, p. 25).

 No dizer deste catlico, a época moderna exi-gia que os intelectuais se ocupassem de objetos

específicos para que a pesquisa tivesse maior  profundidade. Entretanto, a formação cientícanão poderia prescindir da formação filosfica.Esse posicionamento apregoava a necessidade dalosoa tomista para melhor compreender o papeldas ciências modernas.

O fragmento que melhor explicita a natureza do projeto intelectual do laicato catlico paranaense éaquele que conclama os estudantes a buscarem nolósofo Sertillanges o espírito de um intelectual, ascondições e os métodos para se tornar um pensador.

 Na avaliação de Lacerda Pinto, “ele [Sertillanges]dirá da necessidade imperiosa de uma cultura geral,explicando-vos que ‘toda ciência, cultivada à partenão s não se basta, senão que oferece perigosque todos os homens de senso têm reconhecido’”(PINTO, 1944, p. 26).

16 A referência a esse discurso aparecerá como Diretrizes à juventude(orações de paraninfos), uma coletânea comemorativa organizada em1944, com diversos discursos pronunciados aos formandos do InstitutoSanta Maria de Curitiba.

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Para o grupo catlico trilhar o percurso de umacultura geral, lastreada na losoa, seria a con-dição necessária a uma compreensão unitária doconhecimento. Era preciso um conhecimento que

 possibilitasse aos jovens percorrer o caminho dossaberes, e no olhar do bandeirante que parafraseouMaritain “é a Filosoa de Santo Tomás de Aquino,essa grandiosa arquitetura do pensamento humano,consagrada pela Igreja, em recomendações reitera-das de todos os Sumos Pontíces, principalmentede Leão XIII até S. Santidade Pio XI” (PINTO,1944, p. 26). O grupo catlico propôs um projetointelectual que primava em primeiro lugar por umarígida formação losóca tomista, o que segundo atradição catlica consistia num conjunto de ideiasessenciais/universais que preparariam o espíritohumano para compreender melhor os diversoscampos da ciência. O dominicano Sertillangesarmava, segundo Lacerda Pinto que:

 Ninguém poderia contestar a utilidade de possuir-mos, tão cedo quanto possível, até mesmo desde a partida, um conjunto de ideias diretrizes que formemcorpo, conjunto esse que seja capaz de, como o ímã,atrair e subordinar a si todos os nossos conhecimen-tos. Quem isso não tenha, no mundo intelectual,cairá facilmente no ceticismo, por frequentar tantascivilizações disparatadas e tantas doutrinas adversas

(PINTO, 1944, p. 27).

Para o grupo catlico, a desordem intelectualem que se encontravam os meios acadêmicos mo-dernos persistia em razão da prpria organizaçãodas instituições, que privilegiavam uma formaçãofragmentada, ignorando o conhecimento no seuconjunto. Esta ideia foi sustentada à luz de Ser-tillanges:

Essa desordem é uma das grandes desgraças dotempo presente. Afastarmo-nos dela, por força

do equilíbrio intelectual que uma segura doutrina proporciona, é incomparável benecio. Ora, a talrespeito é o tomismo soberano. Dir-se-ia que ele foicriado, com sete séculos de antecedência, para saciar a nossa sede (PINTO, 1944, p. 27).

Em meados da década de 1930, o grupo catlicoorganizou o primeiro curso tomista. À medida queo grupo paranaense constituía-se e se fortalecia,a Diretoria do Círculo de Estudos sentia a neces-sidade de dispor de um curso de losoa tomista

 para os integrantes desta sociedade cultural. Estecurso foi ministrado entre os anos de 1934 e 1936 pelo Pe. Jesus Ballarin17, cuja formação receberana Universidade de Cervera,

Onde, durante os anos de 1919-1921, forma-se emFilosoa e Ciências, defendendo a tese de Filosoano m do terceiro ano. Na Faculdade de Teologiae Direito da mesma Universidade, cursou os cincoanos de Teologia Dogmática, Moral e Direito Ca-nônico, nos anos de 1922-26, defendendo no mdo quinto ano a tese de Teologia (REVISTA DOCÍRCULO..., set. 1949, p. 368)

 Na mesma época “frequentou os cursos livresde Direito Civil e Direito Comparado; Cursoslivres de Sociologia e Economia Política, Histria

das Religiões, Arqueologia, Pedagogia” (p. 368).Quando chegou ao Brasil foi nomeado professor deFilosoa no Seminário Cordimariano, primeiro emRio Claro, no estado de São Paulo, e posteriormenteem Curitiba, entre 1929 e 1936, tendo sido lentede várias disciplinas, dentre as quais ressaltamosMetafísica, Teodiceia, Filosoa Moral e Social,Sociologia, Filosoa Natural, Psicologia e Históriada Filosoa. No mesmo artigo saudou-se BallarinCarrera  por aceitar o convite da Diretoria do CEB para coordenar o curso de Filosoa Tomista para

os bandeirantes, no período de 1935-1936, comuma ou duas conferências semanais, com ênfaseem Lógica e na Filosoa Natural.

Para a sua lição de losoa proferida por oca-sião do encerramento das aulas do curso ministrado,houve sessão extraordinária, com a presença de D.Ático Eusébio da Rocha, arcebispo de Curitiba, edo Sr. Marcel Godefroid, Cônsul da Bélgica. Nessasessão, Pe. Ballarin Carrera proferiu a conferênciaque se intitulava O tomismo e o neotomismo e oCardeal Mercier . A sua intervenção iniciou com

comentários gerais a respeito do CEB e do CardealMercier, ao armar que:

Este recinto é o templo da cultura – regido por sá- bios Estatutos em cujo frontispício se vê a legenda:‘Círculo de Estudos Bandeirantes – Sociedade de

17 Padre Jesus Ballarin Carrera (Claretiano) nasceu em Chia (Huesca-Espanha) em 21 de janeiro de 1902. Diplomado pela Faculdade deFilosoa e Teologia da Universidade de Cervera (Lérida/Espanha).Ele foi um dos principais responsáveis pela criação da Faculdade deFilosoa, Ciências e Letras do Paraná (1938), juntamente com LoureiroFernandes. Em 6 de julho de 1942 ele faleceu.

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Cultura’. E, como sociedade de cultura abre hoje as portas do seu templo para cultuar dentro dos seusmuros um dos maiores espíritos de cultura da nossaépoca, a gura excelsa do grande cardeal DESIDE-RIO MERCIER (REVISTA DO CÍRCULO..., set.

1939, p. 21).

Ballarin Carrera destacou uma passagem deMercier que demonstrava a importância da losoatomista:

Sabeis que a doutrina de Santo Tomás de Aquino produzirá sempre frutos opímos 18 e sazonados, umavez que seja tratada com a difusão e a clareza devi-das, investigando e analisando todas e cada uma dassuas partes. Todas elas, numa harmonia admirável,constituem um corpo único de doutrina, mas não é possível que um s professor as possa penetrar eabranger todas (CARRERA, 1939, p. 27).

Esta passagem de Mercier deve ser compreen-dida no contexto geral da época, qual seja: LeãoXIII havia ordenado que as instituições catlicasde ensino voltassem a adotar a losoa tomistacomo doutrina orientadora de seus ensinamentos.Em 1880, o pontíce solicitou ao Cardeal Goo-sens, Arcebispo de Malines, que fosse criado naUniversidade Louvaniense um curso especial defilosofia tomista. O responsável pelo primeiro

curso de losoa tomista foi o Cardeal Mercier.Daí o sentido de seu pedido para que a hierarquiada Igreja constituísse um grupo de pesquisadorese professores da losoa tomista. Ballarin Carre-ra, usando as palavras de Wulf, um dos principaisdiscípulos do Cardeal, armou que “Mercier foio iniciador principal da renascença do Tomismo;chamou a atenção de todos sobre o neotomismoelevando-o até ocupar um lugar entre os sistemasa serem escolhidos por qualquer espírito avisadodo século XX” (CARRERA, 1939, p. 38).

Mercier era uma das referências neotomistas para o laicato catlico no Paraná, além de JacquesMaritain. Lacerda Pinto sintetizava que Maritainera considerado pelo grupo catlico “o maior ne-otomista da França atual” (PINTO, 1944, p. 28).O curso ministrado por Ballarin Carrera procurouestabelecer entre os intelectuais catlicos parana-enses uma compreensão ampla da losoa tomista,a m de que se compreendesse a relação entre alosoa/metafísica de São Tomás de Aquino e oconhecimento cientíco.

De acordo com Ballarin Carrera, a primeira pre-ocupação do lósofo Mercier era sistematizar umacrítica à losoa moderna, pois ela caracterizava-se pela “independência excessiva de qualquer autori-

dade doutrinária, e pelo menosprezo completo datradição cientíca” (CARRERA, 1939, p. 32).Para Carrera a losoa moderna:

Separa a Filosoa da Teologia que embora distintasdevem todavia estar associadas no homem concreto,na vida intelectual total, e na evolução histrica;separa a Filosoa da tradição e da ciência; a verda-de da realidade, a pratica da teoria, estabelecendoinsolúvel antinomia entre a concepção do mundoe a lei da vida, entre o pensamento e a ação, entrea ciência e a sabedoria, entre ser e querer, entre aordem material e a ordem moral, entre a ontologia

e a deontologia, entre a metafísica e a moral (CAR-RERA, 1939, p. 32).

Esta ação da losoa moderna expressava-senas diversas correntes, entre as quais destacamos o positivismo, o empirismo, o racionalismo, o agnos-ticismo, o relativismo, o historicismo, o marxismo.Segundo Ballarin Carrera (1939, p. 33), Mercier denunciou os limites dessa losoa quando armouque “o fenômeno sensível não é, nem pode ser todae a única realidade; e que, sem princípios universaise necessários torna-se impossível a prpria inter- pretação dos fatos”. Para o lósofo neotomista nãoera possível “seguir esses sistemas incompletos; por isso descobria-lhes a insuciência e punhade manifesto o perigo a que cavam expostas asverdades fundamentais sobre que se esteia a vidaintelectual e social, moral e religiosa da humani-dade” (CARRERA, 1939, p. 33-34).

Ballarin Carrera armava que a restauração dotomismo era o grande ideal de Mercier. De acordocom Carrera, o tomismo de Mercier postulava:

a) a utilização dos sentidos e da razão com a subor-dinação dos primeiros à segunda; b) a submissão aum ideal único, constante de verdade, de bondade,luz e força; e) União sem absorção nem exclusãoda natureza e do sobrenatural, da razão e da fé, daliberdade e da graça, da família, do estado e da Igreja.Ou ainda mais claramente: o respeito el e a sujeiçãodo entendimento aos ensinamentos da Revelação;

18 A expressão “frutos opimos” é latina. Em sentido gurado, na língua portuguesa é adjetivada por frutos em abundância.

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Névio de Campos

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 perfeita e prudente harmonia entre a investigação pessoal e o respeito à Tradição; harmônica unidadeentre a observação e a especulação racional, entre aanálise e a síntese. (CARRERA, 1939, p. 34-35)

De acordo com Ballarin Carrera, Mercier pro-curou privilegiar duas questões no seu percursode restauração do tomismo: o confronto com aslosoas modernas e a harmonização do tomismocom o progresso cientíco. No que diz respeito aosegundo aspecto, pronunciava-se o lósofo:

A losoa faz coro com a ciência sendo apenasdesenvolvimento natural da mesma. A Cosmologiadeve-se apoiar nas ciências físicas e matemáticas, aPsicologia nas naturais ou biolgicas, a Criteriologianas históricas, a Filosoa moral e social nas ciências

morais, econômicas e políticas (CARRERA, 1939, p. 36-37).

Esta preocupação que estava presente no pensa-mento do Cardeal Mercier teve impacto marcanteentre a elite intelectual catlica paranaense. Emtermos mais precisos ainda, é possível armar queo laicato católico estabelecia os limites da losoamoderna e postulava a necessidade de se conciliar a ciência com a losoa tomista. Ele acreditavana ideia de que:

Unicamente a Filosoa de Santo Tomás soube con-

servar – através das constantes ruínas dos sistemasque temos constatado nos três últimos séculos – aestabilidade de suas primeiras teorias e armações,encontrando-se por isso, de presente, sucientementeslida para servir de base e princípio de unidade aosresultados obtidos pelas ciências modernas (CAR-RERA, 1939, p. 37).

O grupo catlico compreendia que a tradiçãointelectual moderna privilegiou a especializaçãoem uma determinada área do conhecimento. Nes-ta situação são vistos pontos negativos e pontos

 positivos: a formação intelectual poderia preparar   profundos conhecedores de determinadas áreas, porém não ensina o sentido daquele conhecimento para a humanidade, ou ainda, a relação daquelesaber com a condição humana. O laicato catlicocompreendia que a ciência estava a serviço do ser humano, isto é, o conhecimento cientíco deveriaajudar o homem a viver melhor. Portanto, a ciêncianão deveria ser tomada como um m em si mesma,mas como meio para contribuir à vida humana.

Para Lacerda Pinto somente com uma slidaformação losóca tomista se chegaria “um diaa assistir, neste Paraná de tão promissor futuro, àinorescência magníca da formação intelectual

dos catlicos, preconizada pelo Cardial Mercier e,ainda agora, em nosso meio, por Tristão de Ataíde,na sua Política, livro que merece ser lido e me-ditado” (PINTO, 1944, p. 27-28, grifo do autor).Em 1954, por ocasião do 25º aniversário do CEB,Bento Munhoz da Rocha Neto arrematou que “nocurso de Filosoa do Pe. Jesus Ballarin Carrera, elenos obrigava a estudar, sistematizando nossas ati-vidades intelectuais” (REVISTA DO CÍRCULO...,1954, p. 771). Além disso, continuava Rocha Neto,“foi de fato, extraordinário, que na dispersão e naanarquia do pensamento moderno, pudéssemos ter a felicidade da disciplina losóca” (p. 771). Aoração de paraninfo de Lacerda Pinto e o curso delosoa organizado para os sócios do CEB consti-tuíram dois momentos típicos de defesa da losoatomista na capital do Paraná na década de 1930.

À guisa de conclusão

Este artigo objetivou discutir a ação do laicatocatlico paranaense entre as décadas de 1930 e1950, particularmente suas intervenções no Cír-culo de Estudos Bandeirantes. Este centro culturalfoi constituído pela ação conjunta do clero e dolaicato catlico, visando combater o movimentoanticlerical curitibano, bem como estudar e di-vulgar o pensamento catlico entre a elite parana-ense. Ao longo da década de 1930, tal instituiçãoconsolidou-se como principal lcus de formaçãocultural e política da juventude, assim como omais importante espaço de sociabilidade da elitecatlica, constituída por um conjunto de persona-lidades com formação universitária – notadamente

em Engenharia, Direito e Medicina. A partir dadécada de 1940, o CEB dividiu com a Faculdadede Filosoa, Ciências e Letras a responsabilidade pela discussão e formação cultural dos curitibanos. Na década de 1950, com a criação da FaculdadeCatólica de Filosoa de Curitiba, os diretores doCEB veem seus membros assumirem outras ativi-dades acadêmicas, o que determinou um processode minimização de sua função originária. A rigor, asações dos intelectuais pulverizaram-se, no entanto

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Intelectuais, educação e catolicismo na capital do Paraná (1929-1954)

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o CEB continuou presente no cenário cultural dacapital do Paraná.

 Nesta narrativa a ênfase foi discutir o papel doCEB no processo de constituição do projeto de

romanização da Igreja Catlica no Paraná. Nessestermos, o lugar do ensino superior não foi abordado.Foi no CEB que os catlicos constituíram-se comogrupo intelectual comprometido com a losoatomista e estabeleceram um espírito de fraternidadereligiosa, acadêmica e política. Foi também nesteespaço que se formou uma geração de intelectuaisque passou a ocupar as principais funções pros-sionais, acadêmicas e políticas do estado do Paraná.Deste ambiente, o movimento catlico eclipsou a

ação anticlerical que tinha relativa força no iníciodo século XX. Tal assertiva evidencia-se na medi-da em que ao longo das décadas de 1920 a 1950 aclasse política tinha forte vinculação com a Igreja

Catlica, com destaque aos governos de CaetanoMunhoz da Rocha (1920-1928) e Bento Munhozda Rocha Neto (1951-1955). Evidencia-se também pelas leiras de professores (membros do CEB)que ingressaram na FFCL e na FCFC (docência/direção), bem como na Universidade do Paraná(reitoria). Portanto, a signicativa presença dolaicato catlico nas atividades acadêmicas e nasfunções políticas indica que o projeto romanizador da Igreja teve grande êxito no Paraná.

REFERÊNCIAS

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 _____. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

 _____. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.

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CÍRCULO DE ESTUDOS BANDEIRANTES. Conselho Diretor . Ata de fundação do Círculo de Estudos Bandeiran-tes realizada em 12 set. 1929. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes. Curitiba, n. 3, p. 59-60, dez.1989.

FERNANDES J. L. Correspondências de José L. Fernandes: arquivo do Círculo de Estudos Bandeirantes.1929-1973.

MIELE,. L. G., Pe. Correspondências do Pe. Luis G. Miele: arquivo do Círculo de Estudos Bandeirantes. 1929-1973.

PINTO, M. de L. Oração de paraninfo. In: Diretrizes à juventude. Curitiba: [S.:n.], 1944, p. 15-30.

REVISTA DO CÍRCULO DE ESTUDOS BANDEIRANTES. Curitiba, 1934-1954.

 Enviado em 30.08.10

 Recebido em 23.01.11

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REEDUCANDO LA MIRADA. REFLEXIONES SOBRE LA REFIGURACIóN

DE NOCIONES CATóLICAS ENTRE PRACTICANTES DE TERAPIAS

ALTERNATIVAS EN BUENOS AIRES (ARGENTINA)

Aleandra Gimne*

María Mercedes Saiar**

RESUMEN

En el presente artículo, las autoras analizan las transformaciones y reguraciones dealgunas nociones propias de la cosmovisin catlica desde la perspectiva de usuariosde disciplinas de la Nueva Era en la ciudad de Buenos Aires. Para ello, indagan en

el relato de hombres y mujeres que, habiendo sido socializados en los valores y lacultura de la Iglesia Catlica, han iniciado un camino de búsqueda en diversas prácticasalternativas. Dicho proceso de aprendizaje y aprehensin ha implicado la sumatoriade nuevas perspectivas cosmovisionales, y por ende, la resemantizacin de parte delas tramas de sentido que explican y fundan la ecacia de los medios de redención ylas reglas del acercamiento a Dios.

Palabras clave: Catolicismo – Terapias alternativas – Buenos Aires– Argentina

ABSTRACT

RE-EDUCATING WORLDVIEWS. REFLECTIONS ON THE RE-ASSIGNMENT OF CATHOLIC’S KNOWLEDGE BETWEEN ALTERNATIVETHERAPIES PRACTITIONERS IN BUENOS AIRES (ARGENTINA)

In this article, the authors analyze the meaning of the re-assignment of knowledgeof the catholic worldview from the users of disciplines new age’s point of view inBuenos Aires (Argentina). In order to this, they analyze the narratives of men andwomen who, having socialized in the values and the culture of the Catholic Church,have initiated a way search in New Age’s practices. Throughout them work, theauthors empathized that the process of learning and apprehension has implied a mixof different perspectives, and therefore, the re assignment from the sense that explainand found the effectiveness of redemption and the rules of the God approach.

Kewords: Catholicism – Alternative Therapies – Buenos Aires – Argentina

* Doctoranda en Cultura y Sociedad, Instituto Universitario Nacional del Arte/Centro Argentino de Etnología Americana.Direccin postal: Avenida de Mayo 1437 1º “A” (CP 1085) Ciudad Autnoma de Buenos Aires. Argentina. E-mail: [email protected].** Doctora en Cultura y Sociedad, Instituto Universitario Nacional del Arte/Centro Argentino de Etnología Americana. Direccin postal :Avenida de Mayo 1437 1º “A” (CP 1085) Ciudad Autnoma de Buenos Aires. Argentina. E-mail: [email protected].

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Reeducando la mirada. Reexiones sobre la reguración de nociones católicas entre practicantes de terapias alternativas en Buenos Aires (Argentina)

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Introduccin

Las relaciones entre el ámbito de lo sagrado y loterapéutico ha sido un tema de relevancia tanto para

la antropología como para la sociología, sobre todoen las últimas décadas. Hoy en día, pensar el camporeligioso implica dejar de lado las divisiones rígidasque delimitaban las aliaciones individuales, para pensar en contextos en los que se maniestan nue-vas fronteras, donde lo popular, lo masivo y lo cultose diluyen, desarmando los límites estrechos queantes separaban a distintos grupos (MALLIMACI,1999, p. 84); manifestándose la existencia de nue-vas formas de relacionarse con lo sagrado, que secaracterizan por postular relaciones estrictamente personales con lo sagrado y no mediadas por lasinstituciones (DE LA TORRE, 2006) y en las cualeslas búsquedas de salud y de sentido frente al dolor son parte central del fenmeno de imbricacin deambos campos. En este contexto, donde nuevas propuestas y prácticas religiosas son renovadas,transformadas, importadas y resemantizadas, las  bases socioculturales del cristianismo sirven de plataforma de creación de nuevas conguracionesdinámicas, en las que puede tomarse un poco decada losofía y crear marcos de comprensión delmundo totalmente nuevos y/o resignicados.

Las elecciones destinadas a optar por un tipode losofía o práctica religiosa, así como las es-trategias de combinacin que pueden realizarseen el contexto de una amplia y diversa oferta,no surgen al azar sino que son resultado de unaserie de factores, entre ellos los coyunturales yestructurales (FASSIN, 1992), los culturales, re-ligiosos, sociales, econmicos, políticos y étnicos(IDOYAGA MOLINA, 2002), el surgimiento denuevos estilos de pensar que privilegian lo holísticoy armonioso(DOUGLAS, 1998), los alcances ylímites de la biomedicina en el tratamiento de lasnuevas enfermedades (LAPLANTINE, 1999) y enlas consiguientes búsquedas de sanacin y sentidode la enfermedad.

Dichas instancias implican procesos de acepta-cin y/o rechazo de las posibles ofertas religioso-te-rapéuticas, produciendo diversidad de trayectorias personales que responden a ciertos estilos de pensar (DOUGLAS, 1998), y que pueden ser consideradascomo itinerarios de consumo (DE LA TORRE,

2006); procesos de búsquedas espirituales quemaniestan la existencia de nebulosas esotéricas(CHAMPION, 1990) o como parte de diversas búsquedas de sanacin frente al tratamiento de la

enfermedad y la dolencia, entendida ésta en un sen-tido amplio. Parte de estas trayectorias involucranla preferencia por alguna o varias de las llamadasterapias alternativas (IDOYAGA MOLINA, 2002),recientemente incorporadas en las sociedades occi-dentales y provenientes, en su mayoría, de Orien-te. El fenmeno del impacto y difusin de estasterapias ha sido analizado considerándoselo partede los movimientos sociales asociados a la NuevaEra (ALBANESE, 1990 y 92; BARROSO, 1999;CAROZZI, 1999; SHIMAZONO, 1999); como elnacimiento de nuevas industrias culturales (DE LATORRE, 2006); parte del surgimiento de religionesalternativas provenientes de distintas corrientes es- pirituales, técnicas holísticas y terapias heterodoxas provenientes de orígenes socioculturales diversos(CARINI, 2004); respuestas a búsquedas de tera- pias delicadas, de carácter holístico y no invasivo(DOUGLAS, 1998); selecciones terapéuticas co-herentes con deniciones totalmente diferentes alas propuestas por el modelo biomédico en lo querespecta a la etiología de la enfermedad, la salud,las desviaciones y el poder terapéutico (MC GUI-RE Y KANTOR, 1988), como manifestacin de procesos de construccin de nuevas identidades,en términos distintivos a partir de otros enfoquesmédicos (BORDES, 2009) y como parte de lasofertas terapéuticas de un sistema etnomédico(IDOYAGA MOLINA, 2002) .

Si bien las mencionadas perspectivas presentandiferencias en su tratamiento del tema, los autorescoinciden en que la presencia de las terapias de rai-gambre oriental o Nueva Era es cada vez mayor enOccidente, que su oferta se multiplica y diversicaconstantemente y que su uso es cada vez más fre-cuente no slo entre individuos de sectores mediosy altos instruidos sino también entre individuos pertenecientes a los denominados sectores mediosy bajos, manifestando la construccin de nuevosestilos de pensar la salud y la aicción que adhierena una preferencia por lo delicado, lo holístico, loarmonioso y a una búsqueda personal de experien-cias con lo sagrado, es decir, sin la intermediacinde los especialistas religiosos.

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En el caso de la Argentina, las terapias alter-nativas han sido apropiadas en un contexto socialy cultural tradicionalmente ligado a los valores ycreencias del catolicismo, cuyas categorías – tal

como la de las corrientes losócas occidentales –, implican dicotomías esenciales tales como bien y mal ,  pecado y castigo, material y espiritual  ymuerte y resurrección , categorías inexistentesen las losofías orientales que han dado origen ala mayoría de las prácticas nueva era que en estaoportunidad nos ocupan.

En esta oportunidad nos parece interesanteindagar en las reguraciones que las nociones dela cosmovisin catlica han sufrido como parte delos procesos de apropiacin de las cosmovisionesorientales, enmarcadas en el contexto de la NuevaEra, prestando especial atencin al relato de losactores sociales. Como veremos en el desarrollo deltrabajo, estos procesos no implican vías paralelaso caminos únicos de transformacin, sino que por el contrario, maniestan una importante diversidaden los modos posibles de resemantizacin y unavía doble de transformaciones, en las que tanto elcatolicismo se ve impactado por las terapias alter-nativas como éstas por él.

Para llevar a cabo el presente trabajo, nos basamos en el material original proveniente de

diversas entrevistas abiertas, extensas y recurrentesa individuos que, habiendo sido socializados en elcontexto del catolicismo y reconociéndose comocatólicos, maniestan una nueva perspectiva a partir de su incursin en el campo de las terapiasalternativas. El trabajo de campo fue realizado enBuenos Aires durante el período 2008-2010, ha- biéndose entrevistado a individuos con diversidadde nivel de instruccin y de ingresos econmicos,siendo el factor común que nos permite hablar deun grupo homogéneo el hecho de que todos son

 practicantes de terapias alternativas y que han sidosocializados en contextos catlicos.

Las terapias alternativas en contextoscatlicos

Los corpus cosmovisionales tradicionales deOriente han sido regurados a partir del contactocon Occidente, sumando una lgica moral de  bien y mal y una nocin de persona centrada

fuertemente en la de idea de individualidad(AMARAL 1999; BARROSO, 1999). Estasapropiaciones han implicado la elaboracin yreelaboracin de categorías que, pensadas desde

sus marcos losócos generales, son imposiblesde comparar, no slo por las contradiccionesque presentan sino fundamentalmente porqueimplicaría comparar categorías que incluso noexisten en una de ellas. Dada la complejidaddel tema mencionado, y en virtud de que en estaoportunidad nos hemos propuesto analizar lasreguraciones y no las nociones originales decada marco, mencionaremos slo aquellas quehan merecido un lugar destacado en las reexio-nes de los entrevistados1.

Más allá de las diferencias notables entre una yotra cosmovisin, es un hecho que las disciplinasde raigambre oriental han impactado en nues-tras sociedades, siendo partícipes de un procesode numerosos cambios en lo que respecta a susnociones, en las que ciertos contenidos son rese-mantizados en la asimilacin, otros desconocidosy otros rechazados. A continuacin, presentaremoslos relatos de los practicantes de diversas terapiasalternativas. Con un n organizativo, para dar mayor claridad al texto, distinguiremos 3 líneasde análisis: 1) los cambios en la nocin de Dios yen la relacin del sujeto con la/s deidad/es; 2) lasnociones de enfermedad y las experiencias asocia-das a la búsqueda de sentido y, 3) los símbolos delcatolicismo como elementos terapéuticos de lasterapias alternativas.

1- La idea de Dios

Los nuevos contextos de religiosidad se ca-racterizan por la pluralidad de ofertas existentes,

que incluyen desde las diversas prácticas que sedan al interior del catolicismo, los tradicionalesy nuevas manifestaciones del protestantismo, pasando por las religiosidades afro-americanasy las enmarcadas en el movimiento de la NuevaEra. En tal sentido, como ha notado Frigerio(1998), se maniestan numerosos cambios en la

1 Sobre losofías orientales y las categorías que atraviesan dichascosmovisiones recomendamos leer Eliade (1999), Masson Oursel(1962) y Zimmer (1973)

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 perspectiva y experiencia de los sujetos en lo quehace a la intervencin de lo sobrenatural en lavida cotidiana, transformando la vivencia de losacontecimientos extraordinarios en fenmenos

  posibles que se presentan de manera continuay no excepcional; facilitando la comunicacincon la Divinidad, al hacer innecesaria la partici- pacin de los intermediarios, tanto en contextosrituales como fuera de ellos. La cercanía de larelacin con Dios es – junto con la proteccindivina y el amor lial – una de las característicasmás relevantes y valoradas por los practicantesque adhieren a estas nuevas perspectivas. Si-guiendo al autor, los aspectos relacionados a laexpresin de las emociones y de los afectos esuna variable de suma importancia, que como seobservará en los relatos que presentaremos, les permite a los practicantes viabilizar contenidosque antes aparecían censurados o subsumidos enlo institucional.

Un elemento importante de este tipo de síntesises la acepcin de que lo sagrado y sus manifesta-ciones no pueden ser clasicados y diferenciadosentre sí de acuerdo a los compartimentos estancosque implicarían los sistemas de creencias de diver-sos credos. La idea de que existe una presencia delo divino como unidad es un rasgo característicode la asimilacin de elementos de estas diferentesraigambres, tal como reeren los entrevistados:

Es tan importante agradecer, porque es de algunamanera reconocer tu lugar en el universo, agradecerlea esa Fuerza Universal, yo le digo fuerza universal, pero puede ser Dios, Cristo o Mahoma, no importa,es una fuerza que le da vida al universo. Si vos sosagradecido, siempre es mejor, ejercitás así tu humil-dad y eso te hace más digno y más feliz. (Susana)

Por ejemplo, una de las primeras cosas que aprendicuando empecé con esto (terapias alternativas) esque Dios no está afuera que esta dentro de cada unode nosotros que no hay un destino marcado, y quenosotros podemos elegir la realidad que queremosvivir. (Martha)

Por eso creo que las personas buscan caminosdiferentes, y se alejan de la iglesia, porque se dancuenta que el secreto lo tiene uno mismo y el poder también. Dios nos hizo a su imagen y semejanza. Y buscándolo a él sin intermediarios consigue lo quequiere […] (Julia).

Respecto a la relacin del hombre con lo sa-grado, es frecuente la distincin que, al interior deestos grupos, se realiza en el modo de denominar a la teofanía: cuando se lo hace de manera general,

se denomina Dios, mientras que cuando se alude auna experiencia particular de encuentro medianteel rezo, la meditacin o una manifestacin, es de-nominado como Jesús. También el carácter que seles atribuye es diferente: mientras que a Dios se loasocia con la gura mítica del antiguo Testamento-poderoso, distante e implacable en su relacin conlos hombres, capaz de vengarse si sus deseos no soncumplidos-, a Jesús se lo asocia con la compasiny al amor y se le atribuye una conducta pacientey atenta frente a los pedidos y requerimientos desus eles, sean éstos asociados a la salud, el amor,el trabajo, la economía familiar o los estudios. Lomismo puede decirse de los episodios míticos quese reeren para dar cuenta de la ecacia terapéuticade ciertas prácticas rituales, ocasiones en que losinformantes seleccionan aquellos episodios de lahistoria bíblica que contienen relatos de la vida deJesús, es decir, del Nuevo Testamento. Asimismo,de entre todos los episodios que constituyen el ciclomítico de la vida de Jesucristo (IDOYAGA MO-LINA, 2001), se priorizan aquellos que se asociana la manifestacin de alegría, amor y compasinhacia los semejantes, mientras que se dejan delado aquellos que mencionan episodios de dolor y muerte, tales como el vía crucis y la crucixiónde Cristo.

Especícamente, en lo que hace a los contextosrituales presentes en estas conguraciones religio-sas, es interesante señalar que los espacios consa-grados del catolicismo son valorados positivamente por los practicantes de terapias alternativas, quienesles atribuyen una energía especial resultante dela presencia de un ser superior, que puede ser elDios católico, los santos, la virgen o inclusive -guras del catolicismo que parecen recuperar cierto protagonismo entre estas sensibilidades, como esel caso de ángeles y arcángeles. En referencia alos espacios utilizados para llevar adelante losrituales terapéuticos, es la cualidad potente de lasdeidades del catolicismo la que posee la capacidadde transformar cualquier ambiente profano en unámbito propicio para la terapia, siendo frecuentela utilización conjunta de guras de deidades de

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diversas raigambres en un mismo altar, situacinque no genera contradicciones desde la perspectivade los actores sociales.

Las nociones en torno a la enfermedad

Desde la perspectiva de los practicantes de lasterapias alternativas, la enfermedad es siempreun fenmeno amplio que involucra una serie defactores que superan lo meramente biolgico. Eneste sentido, lo orgánico es slo una de las posiblesmanifestaciones de la dolencia, en tanto tambiénésta puede revestir aspectos de lo espiritual, loemocional, lo laboral y hasta lo econmico. En talsentido, diversos autores han notado que la etio-

logía de la enfermedad es una nocin atravesada por factores culturales, econmicos, religiosos, políticos, identidades étnicas (IDOYAGA MOLI- NA, 2002), en cuya percepcin intervienen tantofactores macro como micro sociales.

La atribucin de la causa real de la dolencia alfuncionamiento meramente biolgico del cuerpo esdejada de lado por considerarse que, no slo impli-ca la ausencia de otros aspectos de relevancia en lavida del individuo, sino que atribuye al doliente laresponsabilidad última de lo que le sucede. En lo

que hace a la etiología de la enfermedad, es muchomás importante el papel que cumplen las emocionesindividuales y los vínculos con los otros, en tanto seconsideran factores disparadores de la mayoría delos bloqueos energéticos que, una vez consolidadosen el tiempo, se maniestan en el nivel de lo corpo-ral. Estos cúmulos de energía resultan de diversosconictos que se suceden al interior del individuo-como resultado de la interaccin con la familia yla comunidad- y que no han podido ser resueltos,transformándose en áreas de estancamiento del

monto energético, denominado en estos ámbitoscomo aura o campo magnético2.

Desde esta perspectiva, la enfermedad apareceexpresada en un doble sentido, es decir, como ma-nifestacin corporal de un bloqueo emocional y, ala vez, como posibilidad de deshacerlo medianteel aprendizaje de nuevas conductas y formas deresolucin. Esta nocin de enfermedad implica, asu vez, un doble proceso que integra la instancia dediagnstico con la de sanacin, en tanto se designa

el conocimiento de la “causa” como el primer paso para deshacer la enfermedad. En otras palabras, sinconocimiento no hay sanacin. En este sentido,las técnicas de la biomedicina son consideradas

inecaces, puesto que sólo se ocupan de las mani-festaciones biolgicas del mal y no de las causasreales, de orden espiritual, emocional o vincular,tal como se reere en los siguientes relatos:

¿Crees que una persona se puede curar o cambiar algo de su vida solo con la medicina tradicional (biomedicina)? Creo que no porque sino se cura loque causo la enfermedad, ésta vuelve a presentarsehasta que se cure la causa .( Martha)

Sabia que me iba a curar igual, porque yo comprendí porque vino esa enfermedad y di un vuelco de cien-

to ochenta grados, un vuelco total, en carácter, enactitud, en creencias. Porque yo iba comprendiendotodo, como venia desarrollándose todo. ( Julia)

Yo trato de ayudar a la gente, de los que buscan  solucionar problemas personales dependiendo la  solución de sus problemas, de las creencias quetengan cada persona. Si hay una apertura y una com-

 prensión de lo que está pasando, solucionan, sino lomismo pasará tantas veces hasta que comprendan

 por que sucede lo que sucede. (Susana)

2 Los practicantes de disiciplinas que se asocian a corrientes losócastradicionales en Oriente, comoe s el caso del yoga, el reiki, la acupun-tura, el feng sui, entre otras, aluden al aura para explicar la existenciade una extensin de la persona que contiene su energía vital; mientrasque los adherentes a terapias originadas en Occidente y que, retoman-do concepciones orientales, realizan una sumatoria entre nociones

 biomédicas, del campo psicológico y de las tradiciones losócas deoccidente, tales como la metafísica, la meditacin trascendental o eltoque terapéutico, aluden a este mismo contenido bajo el nombre decampo magnético. Amaral (2000:64) reere que, para el caso de Brasil,las principales nociones sobre la persona y el universo pertenecientesal movimiento de la Nueva Era fueron fuertemente inuidas por las

teorías de Antn Mesmer (1734-1815) y Swedenborg (1688-1772). Deacuerdo a la autora, el primero postulaba una teoría sobre la existenciadel uído invisible, ubicado entre el éter y la materia elemental, que

 permearía y ligaría todas las cosas y los seres, incluyendo a los sereshumanos, posibilitando la manipulacin intencionada y por ende, lainuencia -tanto positiva como negativa- de ese magnetismo sobre losobjetos y los seres vivos. El segundo, reere Amaral, se declaraba unemisario espiritual de los ángeles –las almas de los muertos- quienesle habrían revelado la estructura de la vida después de la muerte ylas leyes universales que dirigían el orden del cosmos, con el nde que instruyera a los hombres ignorantes de tales verdades. Talesrevelaciones las obtuvo a través de sus viajes místicos, donde podíaexplorar tanto el cielo como el inerno, planos cósmicos inaccesiblesal hombre común, ignorante de la mutua correspondencia entre los

 planos celestes y terrestres.

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Reeducando la mirada. Reexiones sobre la reguración de nociones católicas entre practicantes de terapias alternativas en Buenos Aires (Argentina)

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 151-161, jan./jun. 2011

De acuerdo a los relatos recogidos entre nues-tros informantes, en el caso de que el enfermo sloutilice la biomedicina para el tratamiento de ladolencia, logrará eliminar las consecuencias pero

no la causa de la enfermedad. Por el contrario, silo que quiere lograr es la recuperacin total de eseepisodio y evitar el desarrollo de otros prximos,deberá acceder a los motivos reales de su dolencia.El conocimiento no implicará necesariamente lasolucin social de esos problemas, es decir, la des-aparición de los conictos sociales o laborales, perosí su resolucin al interior del individuo, el que, alconocer las causas puede deshacer los bloqueosenergéticos que provocaron su mal.

En lo que hace a la responsabilidad del hombrey al sentimiento de la atribucin personal que segenera frente a la enfermedad y el dolor, es intere-sante destacar la diferencia que, desde el relato delos actores sociales, se realiza en lo que se reerea las distinciones entre la perspectiva de la religincatlica y la de las disciplinas propias de la NuevaEra, puesto que si bien muchas de las nociones permanecen a pesar de los procesos de reguración,en este caso en particular se connotan distincionesconsiderables:

Volviendo al tema de las religiones, te hacen trabajar 

con la culpa, psicológicamente te hacen mal. Desdelos 15 hasta los 18 años, trabaja en una iglesia cató-lica de Castelar, en Cáritas todos los nes de semana,ahí me di cuenta que quería ser trabajadora social,

 pero al mismo tiempo hacia retiros espirituales, hoylo miro con una cierta distancia y me doy cuenta lomal que hacen, te encerrás un n de semana alejadode todos tus seres queridos, y reexionas sobre tuvida, y te trabajan a nivel psciologico mostrándoteque cosas haces mal, claro al estar lejos de tu fa-milia y aislado te hacen sentir como una basura ydespués salis y queres pedirle perdón a todos por 

lo que hiciste. En un par de días se va esa emoción y seguís haciendo tu vida normal. (Julia)

La culpa, el rencor no nos sirven, cuando nos hacenalgo malo, la religin te va imponer hay que amar a tu prjimo como a ti mismo, o poner la otra mejilla, yo pienso diferente, creo que no es poner la otra mejilla,sino que perdono porque mi cuerpo se contamina detoxinas, si pienso de lo malo que me hicieron solo ledoy más energía al problema, contamino mi cuerpoy me enfermo. De esa forma dejo que el universo oDios solucionen el problema, y yo entro mi energía a

la solucin. Y te aseguro que las cosas se solucionan.Pero no del buen samaritano, sino porque busco mi bien estar. Estando bien yo puedo estar bien con losdemás. (Roberto)

De acuerdo al interés de este trabajo, podemosdistinguir dos ejes de análisis que se reejan enlos mencionados relatos. Por un lado, la contra- posicin de la idea de libre albedrío – propia delcatolicismo–, con la de ignorancia – propia de laslosofías orientales.

La iglesia catlica considera que el hombre esresponsable de sus acciones y de los resultados deéstas frente a la deidad, quien juzgará en últimainstancia la conducta del hombre, de acuerdo a laadecuacin de ésta al cumplimiento de las pautas

morales reflejadas en los diez mandamientos.Diferente es la perspectiva de las disciplinas de la Nueva Era, desde las cuales – más allá de ciertasdivergencias– se distinguen las acciones realiza-das por el hombre de los resultados que de ellasse obtienen, en tanto las consecuencias negativasque puedan serles atribuidas no son pensadas comointencionadas – en un sentido tanto positivo comonegativo–, sino como el resultado de la ignoranciay de la falta de evolucin espiritual.

Por otra parte, un segundo eje de análisis nosdevela las diferencias en las posibilidades de atri- bución de sentido en lo que reere al sentimiento deculpa. Mientras que para las terapias enmarcadas enla Nueva Era la culpa es una emocin que enfermay que no produce resultado positivo alguno, para laiglesia catlica es signo de contricin y sincero arre- pentimiento por los pecados cometidos, manifesta-cin de la conciencia del hombre respecto del lugar que ocupa frente a la deidad. Al respecto, nos pareceinteresante retomar las consideraciones de Illouz(2010) quien reere que las emociones son aspectos profundamente internalizados e irreexivos de lasacciones, no porque no contengan suciente culturay sociedad, sino porque contienen demasiado deambas. En tal sentido, al interior de las nocionesde la cosmovisin catlica, se suele atribuir a lasexperiencias de dolor y enfermedad un signicadoasociado a las pruebas que el hombre debe sortear como parte de su camino de salvacin, la vía de paso para merecer la vida eterna en compañía de ladeidad y de los santos. La ecacia de estas pruebasse maniesta no en el hecho de sortearlas sino en

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la aceptacin de su devenir, en la creencia de queexiste un signicado trascendente al dolor:

Por eso creo que la metafísica es una buena combina-cin, no dejas de pedirle a Dios ni creer en el poder 

superior, pero te das cuenta que lo malo que pasano es una prueba de el. Porque con el tiempo me dicuenta de esto, Dios es el padre de todos, hacemos ala inversa yo soy padre, le haría algo a mi hijo paraque pase una prueba y se fortalezca, no. Porque como  padre trataría de ayudarlo, aun en los momentosque se equivoca. Esa gura de que son pruebas sedisuelve, de igual forma las promesas que uno hace,ningún padre te pide algo a cambio para darte algo bueno. Es un amor incondicional. (Vernica)

Otro punto a diferencia de las creencias religiosas ylas nuevas medicinas o de la Era New Age, es que

la creencia religiosa te hace ver y sentir que todo lomalo que pasamos en una cruz que hay que llevar o una prueba que dios nos pone para saltar, queuna vez pasado eso seremos mas fuertes. Desde la programacin neurolingüística, control mental ometafísica o la física cuántica que es todo relacio-nado a la Ley de Atraccin, nos muestra que lascosas malas que pasamos es porque nosotros las buscamos nos tenemos que preguntar ¿Qué estamos pensando que nos sucede eso? Al pensar siempre enel problema la energía alimenta al problema y esese hace más grande, entonces tenemos que cambiar 

el pensamiento, lo negativo pasarlo en positivo,desde las enfermedades, asuntos profesionales,amor de parejas o desde lo econmico, si yo piensoque no tengo una buena pareja y que la relacin esconictiva seguramente va hacer así y peor, pero sicambio mi pensamiento y visualizo que tengo unarelacin armoniosa lograre eso. Lo bueno de esto esque uno se tiene que hacer cargo de lo que te pasaen tu vida y no darle la culpa a otra persona. Si teenfermas vos ocasionas esa enfermedad, algo esta pasando que tu cuerpo maniesta la enfermedad deesa forma. (Vernica)

Como puede observarse, la idea de bienestar ysalud se asocia a numerosos estratos de la experien-cia, en la que los aspectos corporales son slo unamanifestacin y seguramente, la menos importante,en tanto que los aspectos de la vida afectiva – tantofamiliar como de pareja –, las relaciones y logrosen el ámbito laboral, los éxitos o fracasos econmi-cos son factores de importante consideracin en la percepcin de los estados saludables y en los quedenotan su ausencia.

Finalmente, la cosmovisin asociada a las tera- pias alternativas propone una idea de persona en laque el resultado de sus actos se valora y cualicaen las manifestaciones de la vida cotidiana, en la

capacidad para sobreponerse a los problemas quesurgen y en la habilidad para encontrarles solucin.Si esto no ocurriera, la imposibilidad del cambio esatribuida a distintas razones, entre ellas la dicultad para responsabilizarse de las acciones y ejercer un proceso de transformacin de perspectiva, asignadoa un reciente estado de evolucin en el crecimientoespiritual. Con ello queremos connotar que no hayidea de lo irremediable, todo puede solucionarseen mayor o menor medida en la vida presente. Enaquellas oportunidades en que la dolencia no puede

ser sanada, se brindan una explicacin que atribuyea la excesiva antigüedad de la causa, la aparenteinecacia terapéutica del autoconocimiento. Sinembargo, aún posponiendo la resolucin de losconictos y la subsiguiente sanidad a existenciasfuturas – en el contexto de la creencia en las reen-carnaciones –, bajo ningún aspecto se atribuye ala deidad la responsabilidad de lo que al hombrele sucede.

La apropiacin de los símbolos del ca-

tolicismo

La importancia de las imágenes aprendidasy experimentadas en el contexto del catolicismo parecerían recobrar intensidad en la relacin con losagrado a partir del aprendizaje de técnicas de me-ditacin, visualizacin o inclusive en los rezos quese llevan delante en distintos espacios terapéutico-rituales de las terapias alternativas. Imágenes devírgenes o santos cumplen un rol importante, noslo en los rezos propios de la tradicin catlica,

sino en las prácticas de meditacin y técnicas querequieren de un proceso de aprendizaje tanto encontextos propios del catolicismo más recientes – como seminarios o talleres de sanacin y en-cuentros carismáticos – o en ámbitos propios delas prácticas orientales – como el yoga, el reiki –,o algunas disciplinas creadas en Occidente sobre la base de la combinación de losofías occidentalesy orientales, – como la meditacin trascendental,la metafísica, angeología, etc.

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Las imágenes pueden tener un rol terapéutico porque se logra un estado de conciencia que per-mite acceder a la interioridad. Por otro lado, estosestados, que son a su vez canales de expresin de lo

numinoso (OTTO, 2001), pueden implicar viven-cias premonitorias, rasgo típico de la sensibilidad promovida en contextos de tipo carismático y com- partido por muchas de las terapias alternativas.

Chicas, a partir de ahora vamos a empezar a hacer meditaciones en casa, si es posible todos los días,mucho mejor, si no, al menos tres veces en la semana.Cuando hacen las meditaciones, apoyen un rosario,una estampita, sobre el chakra que sientan bloquea-do, eso les va a dar alivio, va a permitir liberar esoque está bloqueando (Ines)

Cuando medito, muchas veces me ha pasado de ver cosas que no entiendo y que después, conversandocon mis compañeros de meditación, comprendo que

 son imágenes de lo que vendrá…premoniciones queaparecen como pantallazos de películas (María)

  Cuando me inicié en Reiki, como terapeuta, el arcángel san Rafael fue el ser de luz que se me apa-reció para ayudarme, guiándome en el camino de laenergía universal. Siempre tuve predilección por él,

 y él por mí, en distintas oportunidades críticas de mivida sentí su presencia a través del olor a jazmín, quees su manera de hacernos notar que esta presente,cerca nuestro, ayudándonos (Adriana)

En este último relato se observa la importanciadada a las imágenes familiares que fueron parte dela socializacin en el catolicismo como elementosde primer orden a la hora de realizar ejercicioscomo la meditacin propia de las técnicas orien-tales. La utilizacin de santos o deidades del cato-licismo como auxiliares terapéuticos de distintosespecialistas alternativos es un hecho frecuente.Así, por ejemplo, entre muchos terapeutas de reiki,

Jesús, los arcángeles y otras deidades del catoli-cismo son vividos como la fuente de poder – ensentido de sagrado – que se asocia a la nocin deenergía que está en juego en tales prácticas y quefundamenta la ecacia terapéutica. Los auxiliaresdel terapeuta reikiano, – en oriente deidades –,son aquí asimilados a la gura de los arcángeleso santos del catolicismo, a los que se les agrega lacapacidad de manipular energías. En los relatos delos actores sociales, la deidad aparece representada

en términos de potencia generalizada, es decir,como un poder que no es propio de las personas uobjetos pero que se maniesta en ellos.

En este sentido, parecería ser que las terapias

alternativas tienen un nivel alto de exibilidad paraasimilar cosmovisiones religiosas, ello le permiteresignicar, para el caso, las nociones y expe-riencias arraigadas en los diversos catolicismos presentes en el área. Al mismo tiempo, pareceríadesmarcar elementos que tienen que ver con lo nu-minoso; formas de relacionarse con lo sagrado quedebido a la invisibilidad de tales manifestacionesno tenía canales explícitos de expresin, brindandosoportes culturales para tales experiencias. Ello noimplica siempre una transformacin radical de losestilos de vida ni procesos de conversin profundos, por el contrario, como menciona Barroso (1999),la idea de aprender a vivir en el mundo tal comoes se vuelve un punto a favor de la adhesin delos practicantes a estos grupos, que sin alterar sushábitos y sus estilos de vida, tiene a su alcance unallave para la entrada al mundo espiritual.

Meditar significa concentrar tu pensamiento enun punto, focalizar tu atencin. Para eso, existentécnicas propias del yoga que te permiten lograrlo.La idea es buscar una imagen, cualquiera, y pensar en ella, dejar que los pensamientos uyan a su alre-dedor, lo que quiere decir que logras un estado enque no te estancas ni enganchas en ninguno de los pensamientos que te cruzan por la mente, sino que laidea es dejarlos uir. Para focalizar tu mirada y por ende tu pensamiento, podes focalizar en una baldosa,en un picaporte de una puerta, lo que fuera. Pero seusan sobre todo imágenes poderosas, porque recibíssu energía y su bondad al concentrarte en ellas. Youso la imagen de Jesús Niño, me permite relajarmey sentirme acompañada en ese proceso de ir haciadentro de mí (Elena)

Rezar puede ser una forma de meditacin que seutilice tanto en el contexto de la práctica del yogacomo de otras terapias alternativas que hacen usode esta técnica para lograr estados de concienciadiferentes, tales como el reiki, la eutonía, el hea-ling touch o la reexología, entre otras. A modode ejemplo, en el contexto de prácticas del yoga escomún que se utilicen imágenes de deidades catli-cas – la Virgen María, Jesús, Santa Teresita del NiñoJesús- para la visualizacin, que se enuncien como

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mantras3 vocablos asociados desde la perspectivade los usuarios a la religin catlica, como fe, es- peranza y caridad – las virtudes cardinales –, y quese utilicen rosarios y estampas de santos catlicos

como un poderoso medio equilibrante de la energíade los chakras o centros energéticos.Al mismo tiempo, algunos relatos hacen re-

ferencia al poder de las guras del catolicismocomo el Jesús o la Virgen, que en el sistema decreencias catlico es vivida como una deidad con particulares atributos de poder. En estos relatos, sevuelve a poner de maniesto la articulación de latradición católica con contextos especícos perte-necientes a las prácticas alternativas en relacin conuna estrategia terapéutica. Este hecho implica la

combinación de técnicas corporales especícas, laseleccin de imágenes catlicas como facilitadoresy potenciadores de la meditacin y la concentra-cin, la asimilacin de concepciones alternativastales como la energía con nociones catlicas comola de bondad, la utilización de objetos calicadosen el catolicismo – como imágenes impresas desantos o rosarios – como elementos con poder encontextos alternativos.

En cuanto a los símbolos, es interesante des-tacar que se observa una seleccin que privilegia

ciertas imágenes y deshecha otras. En tal sentido,las imágenes de la Virgen María – en sus distin-tas manifestaciones –, las del Niño Jesús, las dediversos ángeles y arcángeles y la de los santosque no atravesaron muertes trágicas, son elegidas para actuar como mediadores entre el hombre y losagrado, mientras que todas las imágenes de Cristocrucicado y de santos mártires son claramenterechazadas, por atribuírseles relacin directa conel dolor y la muerte.

Conclusiones

En el contexto de una oferta religiosa terapéuti-ca cada vez más amplia y diversa, hemos intentadodar cuenta de un particular campo de traslapo,como es el que se congura en torno a la relacióndel hombre con lo sagrado, la perspectiva de saludy enfermedad y la utilizacin de símbolos religio-sos de diversas raigambres, en contextos socialestradicionalmente catlicos y hoy en día, adherentes

a prácticas alternativas en el marco de la NuevaEra. En tal sentido, el análisis propuesto permitidistinguir aquellas ideas que, siendo parte de laformacin en el catolicismo, son ahora aceptadas,

rechazadas o reguradas en el proceso de construc-cin de nuevas identidades, como resultado de laadscripcin a nuevos sistemas de creencias.

En primer término, observamos que las terapiasalternativas tienen un nivel alto de exibilidad paraasimilar cosmovisiones religiosas, permitiéndolesresignicar las nociones y experiencias arraigadasen los diversos catolicismos presentes en el área. Almismo tiempo, este hecho desmarca elementos quetienen que ver con lo numinoso que, en el marcodel catolicismo entre los sectores medios no teniasucientes canales maniestos de expresión. En talsentido, el marco de creencias en que se insertan lasdisciplinas alternativas provee a los sujetos de la posibilidad de adherir a nuevas prácticas y asumir nuevas perspectivas sin implicar necesariamenteel abandono o rechazo de las pautas anteriores devida y relacin con lo sagrado. Asimismo, tam- bién observamos que la adherencia a estas nuevas prácticas no slo no contradice las anteriores enque lo sujetos fueron sociabilizados, sino que proel contrario, muchas veces les permite rescatar antiguas experiencias de su tránsito por la religincatlica que habían sido vivenciadas de maneranegativa y resignicarlas positivamente bajo unanueva mirada.

En segundo término, y en lo que hace las dis-tinciones que se realizan entre ambos campos,diremos que las terapias alternativas postulan unarelacin directa del hombre con las deidades, queéstas pueden pertenecer a distintos panteones ysistemas religiosos y sin embargo, convivir sincontradicciones en la vivencia de lo numinoso, quetanto la salud como la enfermedad son nociones

3 El mantra es una palabra que se utiliza como medio de jación men-tal, al repetirla verbal o mentalmente en lapsos similares. El mantra más conocido es aum, que se pronuncia om estirando el sonido de laconsonante como si se quisiera hacer resonar. Cada individuo poseesu propio mantra, el que le es dado por un especialista en un ritualespecial, o bien le es revelado durante una instancia de meditacin ensoledad. De acuerdo a Eliade (1999) el mantra es la modalidad sonoradel universo, mientras que para Zimmer (1979) es el sonido-palabraque contiene la esencia divina. Van der Lew (1964) reere que lasílaba hindú om es originalmente un sonido numinoso primitivo, laampliacin nasal de la o.

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fuertemente atravesadas por contenidos emocio-nales que poco tienen de realidades biolgicas.Respecto a las formas terapéuticas, se consideranecaces aquellas que implican el compromiso del

doliente en su recuperacin, entendida ésta como la posibilidad de conocer las causas reales de la enfer-medad y la asuncin de nuevas conductas. Asimis-mo, todas las acciones terapéuticas se relacionancon el campo de lo sagrado, tanto si se realizan encontextos rituales como por fuera de ellos. Estaesencia de lo sagrado encuentra su fundamento enla manipulacin de la energía individual y univer-sal, maniesta como potencia generalizada. En unsentido contrario, la religin catlica propone desdelo formal una relacin hombre/Dios mediada por lainstitucin Iglesia, postula criterios de moralidadque distinguen claramente la calidad de las accionesde acuerdo a su intencionalidad y adecuacin a las pautas jadas por la deidad y predica la adoraciónde un solo dios verdadero.

Finalmente, mientras que en el contexto delcatolicismo el sacricio personal, la pobreza, laculpa por el pecado, el castigo como redencin yla aceptacin del dolor y de la enfermedad se pre-

sentan como medios de redencin y exculpacinde pecados, vías de salvacin y acercamientoa Dios y al logro de la vida eterna, los marcoslosócos de las terapias alternativas proponenun rol mucho más activo del individuo, en el quela enfermedad aparece como una manifestacinde los errores cometidos por ignorancia –volun-taria o involuntariamente-, en el que el dolor no es algo deseable ni aceptable, y en el que elindividuo es responsable de la superacin de lascondiciones de pobreza, hecho que se logra por medio del desarrollo y crecimiento personal. Ental sentido, la importancia del “aquí y ahora” estípico de las prácticas alternativas, mientras que para el catolicismo la vida en la tierra es slo una“espera” de lo que vendrá.

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 Recebido em 02.10.10

 Aprovado em 07.12.10

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Giorgio Borghi

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 163-175, jan./jun. 2011

“DEUS é QUEM SABE”:

TRANSCENDÊNCIA DA VERDADE E EDUCAÇÃO

Giorgio Borghi *

RESUMO

Baseado numa reexão sobre a dimensão hermenêutica da racionalidade humana,este artigo analisa como, na losoa antiga, destaca-se a transcendência da verdade,e mostra que a visão da educação muda profundamente quando não se admite taltranscendência, como no caso dos sostas. Essas considerações fundamentam o esboçode uma ”espiritualidade do conhecimento”, para um saber que não elimine o Mistério, porque morar num mundo humano signica morar no Mistério da alteridade: alteridade

da natureza, dos outros, do Outro. Para este m, recorre-se à história e gura bíblica deMoisés, como paradigma de uma nova atitude de relação com a verdade, alternativa à busca das certezas que caracteriza a modernidade. Na procura dessas certezas, queremosdenir, conferir, possuir; mas isso prejudica a possibilidade do encontro com uma verdadeque não se deixa encerrar nas nossas certezas e que permanece sempre inesgotável. Por isso, uma educação que admite a transcendência da verdade será uma educação queajuda as pessoas a aprender a pensar. E hoje sabemos que o pensar humano não leva àcerteza, como queria Descartes, mas à capacidade de lidar com as incertezas.

Palavras-chave: Racionalidade – Transcendência – Verdade – Certeza – Educação

ABSTRACT“GOD KNOWS”: TRANSCENDENCE OF TRUTH AND EDUCATION

Based on a reection on the hermeneutic dimension of human rationality, this articleexamines how, in ancient philosophy, it highlights the transcendence of truth, andshows that the vision of education is profoundly changed when one does not admit suchtranscendence, like on the philosophy of the sophists. These considerations underliethe outline of a “spirituality of knowledge” to know that one does not eliminate themystery, because to live in a human world means living in the mystery of otherness:otherness of nature, others, the Other. To this end, we resort to history and the biblicalgure of Moses as a paradigm of a new attitude of seeking truth, seeking an alternativeto the certainty that characterizes Modernity. In pursuit of these certainties, we wantto dene, give, possess, but it undermines the possibility of nding a truth that isnot conned in our certitudes and that always remains inexhaustible. Therefore, aneducation that acknowledges the transcendence of truth will be an education thathelps people learn to think. And today we know that human thinking does not lead tocertainty, as wanted Descartes, but the ability to cope with uncertainty.

Kewords: Rationality – Transcendence – Truth – Certainty – Education

* Doutor em Filosoa pela Universidade de Bolonha. Professor adjunto da Universidade Católica do Salvador.Coordenador dos cursos de Filosoa e Teologia da Faculdade São Bento da Bahia. Endereço para correspondência: AvenidaOceânica 2353, Apt. 804, Ondina - 40140-131 Salvador-BA. E-mail: [email protected] .

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“Deus é quem sabe”: transcendência da verdade e educação

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 163-175, jan./jun. 2011

“Deus é quem sabe”. Esta frase, que na lingua-gem popular declara um não saber, uma incerteza,encontra-se nada menos que no diálogo platônico

 Apologia de Sócrates, e traduz toda uma visão

filosfica da verdade e, consequentemente, daeducação, sobre a qual este artigo entende tecer al-gumas considerações, situando o tema da educaçãono contexto humano em que ela se desenvolve eque abrange inevitavelmente a temática da racio-nalidade humana e do conhecimento.

Desde o seu aparecimento na face da terra, oser humano, enquanto ser racional, caracteriza-se justamente pela sua constante tentativa de “signi-car” o universo, por meio de um processo inter - pretativo de tudo o que observa e vive. As maisantigas narrativas míticas, como tudo o que revelao aparecimento do homo sapiens, testemunhameste traço característico daquilo que chamamosracionalidade humana. Uma racionalidade que semanifesta não s no processo de adaptação criativaao meio ambiente, mas também, e sobretudo, na busca incessante de uma “signicação” da própriavida e do prprio mundo, que inevitavelmentedesemboca numa dimensão ultrassensível e trans-cendente.

Quero aqui analisar alguns momentos dareflexão filosfica da Grécia Antiga, que maisdestacaram esta dimensão transcendente do co-nhecimento e que têm direta repercussão sobre avisão e a prática da educação. Neste percurso, nosdeparamos continuamente com visões e atitudesque, anal, reportam-se a duas lógicas sempre emconstante confronto e tensão dialética, e que po-deríamos sintetizar na alternativa entre “possuir”e “respeitar”, no seu signicado etimológico decontemplar sem querer tomar conta, originado dolatim respicere.

As origens da losoa apresentam-se como

uma tentativa humana de tomar nalmente contada realidade por meio de um conhecimento queelimine o inexplicável, de tipo mítico, recorrendoa um princípio explicativo que, com método cien-tíco, possa ser encontrado na própria naturezafísica.

Tales, o fundador de tal losoa, diz ser a água (é por isto que ele declarou também que a terra assentasobre a água), levado sem dúvida a esta concepção por observar que o alimento de todas as coisas é

úmido e que o prprio quente dele procede e delevive (ARISTóTELES, 1979, p.16-17).

 Nesta passagem da metafísica de Aristteles,encontramos a descrição do novo método cientí-

co inaugurado por este novo tipo de racionali-dade. Até aqui, o ser humano, que não conseguesatisfazer-se com a simples constatação do ‘quê’,  procurava o ‘porquê’ das coisas da natureza(physis) e da vida  numa dimensão mítica, má-gica, religiosa, mas, de qualquer forma, sempretranscendente, externa à prpria realidade física.Agora começa a pensar que este ‘porquê’ possaencontrar-se dentro da prpria realidade do mundofísico e por meio de um caminho (em grego: metáódos = método) que se caracteriza justamente

como caminho (método) científico, segundoaquela primeira descrição dele que acabamos deler no texto aristotélico: “levado sem dúvida a estaconcepção por observar que...”.

Essa é a base do método de todas as ciências,quando visam a estabelecer princípios explicativosde valor universal (concepções partilhadas), base-adas na observação empírica e na experimentação.Este novo tipo de racionalidade losóco/cientí-ca apresenta-se como alternativa às formas deracionalidade anteriores, que podemos considerar 

mais “teolgicas”, enquanto recorrem a elementosexplicativos transcendentes.Com certeza, esse novo método deve ter empol-

gado bastante os pensadores originários da Jônia,mas, já no nal do mesmo século que viu aparecer os primeiros lósofos, encontramos Xenófanesde Colofão, que parece querer redimensionar aempolgação desta nova forma de racionalidade,lembrando que “não há nem haverá jamais homemalgum capaz de alcançar a verdade sobre os deusese sobre todas as coisas de que falo” (Fragmento 34,

OLIVA; GUERREIRO, 2000.).1

 Questionando o antropomorsmo da mitologiagrega, Xenfanes escreve: 

Tivessem os bois, os cavalos e os leões mãos e pudessem com elas pintar e produzir obras como oshomens, os cavalos pintariam as formas dos deusessemelhantes à dos cavalos, e os bois à dos bois,

1 Os fragmentos dos Pré-socráticos são citados com a tradução adotada  por OLIVA, A. / GUERREIRO M. Pré-socráticos. A invenção daFilosoa, Campinas, SP: Papirus, 2000.

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e fariam seus corpos como cada um deles o tem  (Fragmento 15, idem).

Esta contundente crítica à mitologia torna-seindiretamente um aviso aos navegantes da nova

racionalidade losóco-cientíca, que podem cor -rer o risco de construir também a prpria verdadeà imagem e semelhança deles. Qual é, então, aalternativa proposta por Xenófanes? É um monote-ísmo que se opõe decididamente a qualquer formade idolatria e de politeísmo antropomórco, naelaboração interpretativa do mistério: “Existe ums deus, o maior dentre os deuses e os homens, emnada semelhante aos mortais, nem no corpo, nemno pensamento.” (Fragmento 23,  idem). Esta co-locação de Xenfanes, aparentemente relacionada

apenas ao âmbito religioso, na realidade assume umsignicado gnosiológico mais amplo e, provavel-mente, inuencia o pensamento de Parmênides, quenão só elabora a primeira reexão losóca sobreo Ser, mas também desenvolve expressamente umdiscurso sobre o conhecimento humano, em quecontrapõe a via da verdade à via da opinião. AVerdade, diz Parmênides, encontra-se no caminhodo Ser, cujas características lembram os atributosdo deus de Xenfanes: é “um s” (Fragmento 23,idem); “Todo ele vê, todo ele pensa, todo ele ouve”

(Fragmento 24, idem); “Permanece sempre no mes-mo lugar, imvel” (Fragmento 25, idem).

Assim, a verdade escapa à busca imediata eempírica do conhecimento sensível e requer umesforço interpretativo que se abre ao mistério doSer; e isso tanto em Parmênides como no con-temporâneo dele, Heráclito. Não obstante a ela- boração losóca aparentemente contrária, estesdois grandes pré-socráticos movem-se na mesma perspectiva gnosiolgica: a busca da verdade doSer, escondida atrás das aparências da unidade

ou da multiplicidade, da imobilidade ou do devir absoluto. Também o deus de Heráclito, como o deXenfanes, é “em nada semelhante aos mortais”, porque “é dia e noite, inverno e verão, guerra e  paz, saciedade e fome” (Fragmento 67,  idem).Trata-se da tensão e da união dos opostos que, denovo, abre a uma visão misteriosa da verdade dologos. “Quanto a esse logos que é eternamente,os homens são eternamente incapazes de o com- preender, tanto antes de terem ouvido falar dele,

como aps terem-no ouvido pela primeira vez”(Fragmento1, idem). Não podemos aqui analisar afundo os vários sentidos que pode assumir a pala-vra logos nos fragmentos de Heráclito, mas, pelo

conjunto do pensamento dele, podemos entender esta passagem do Fragmento 1 como testemunhada convicção do nosso lósofo de que a totalidadeda verdade (o logos que é eternamente) está inter-ditada a uma compreensão humana que, como “omestre cujo oráculo está em Delfos, não declara,não oculta, mas dá sinais” (Fragmento 93, idem);e os sinais são, por natureza, ambíguos. Palavras ecoisas são como enigmas e o conhecimento é um  processo de decodicação de enigmas que, po-rém, nunca poderão ser decodicados totalmente.Essa dimensão hermenêutica da racionalidade, econsequentemente da verdade, recupera algo quese encontrava já presente no sentido originário daalétheia (verdade) grega.

A marca fundamental da a-létheia é que ela apontanecessariamente para um além, para algo que aultrapassa e que ao mesmo tempo a funda. Mas estefundamento, que é ele prprio oculto, não nos es-clarece, por oposição, a natureza da alétheia. Lethe, positivo contrário de alétheia, designa o silêncio, oesquecimento, a noite ou a prpria morte. Ao contrá-rio da nossa verdade, que pretende ser transparente,

a alétheia dos gregos era portadora de uma sombraessencial, e isto não por defeito ou imperfeição, mas por uma exigência de completude (GARCIA-ROZA,1998, p.36).

A realidade permanece sempre ambígua e enig-mática, precisando ser constantemente decifrada,e este é também o sentido de “Mistério”, algo quenunca pode ser “possuído”, mas somente ”interpre-tado”. A realidade é Mistério. “O amor pela verdadeé, pois, desconado e inquiridor, sempre pronto aidenticar os signos que denunciam a traição do

dado” (GARCIA-ROZA, 1998, p.9). No mundo grego do V século a.C., nos encon-

tramos depois com aquele que podemos considerar o símbolo de uma nova atitude do conhecimentolosóco, que envolve imediatamente uma novaatitude de prática educacional: Scrates. Em po-lêmica com a visão sosta de verdade como doxa (opinião), Scrates resgata a antiga ideia de verdadecomo alétheia. Sim, a verdade é transcendente,“divina”; nos precede, independe de ns e ns todos

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 podemos encontrá-la por meio do diálogo irônicoe maiêutico. Diferentemente da alétheia da Gréciaarcaica, à qual tinham acesso apenas os Mestresda Verdade, a alétheia socrática está ao alcance

de todos os que sabem se “esvaziar“ das opiniões, para engravidar de uma verdade que nos precedee nos envolve. O lósofo/educador é aquele quese considera depositário de uma missão recebidado prprio mistério; que a essa missão permaneceel até o m e, até na hora da última viagem, deixaao mistério a última palavra sobre a vida e sobre amorte. “Mas eis, é chegada a hora de ir, eu a morrer e vs a viver. Quem de ns caminha para o melhor é fato desconhecido por todos, menos pelo deus”(PLATÃO, 1996, p.97). A superior sabedoria do

lósofo Sócrates consiste em reconhecer que nãosabe e que “deus é quem sabe”.

Quem sabe é apenas o deus, e quer dizer, com seuoráculo, que pouco ou nada vale a sabedoria dohomem, e, dizendo que Scrates é sábio, não quer referir-se propriamente a mim, Scrates, mas apenasusar meu nome como exemplo, como se tivesse dito:“ó homens, é sapientíssimo entre vs aquele que,como Scrates, tenha reconhecido que sua sabedorianão possui nenhum valor” (PLATÃO, 1996, p.71).

Pelo que podemos perceber nos escritos platô-

nicos, a partir de Scrates não existe mais nenhumreceio de falar em “deus” para indicar este funda-mento do conhecimento humano que nem por issodeixa de ser um conhecimento losóco/cientíco; pelo contrário, o conhecimento precisa justamentedisso para ser um conhecimento não sofístico, nosentido atual da palavra. A prpria teologia apare-ce inicialmente não como discurso sobre deus emsentido religioso, e sim como dimensão constitutivadesta nova forma de conhecimento que é o losó-co/cientíco.

O verdadeiro conhecimento (a sabedoria)  pertence ao deus: a verdade, como construçãosofística puramente humana, não tem valor. Pla-tão, desenvolvendo ulteriormente as convicções eintuições socráticas, elabora a hiptese das ideiascomo princípios formais prototípicos de qualquer conhecimento verdadeiro e imagina a ideia do Bemcomo síntese e referencial supremo da Verdade e daJustiça. Ele compara esta ideia ao sol que iluminae é fonte de vida de todas as coisas. Sem a luz, não

adianta ter bons olhos: não conseguiremos enxergar nada. Assim, se a nossa racionalidade não for ilu-minada pela luz do Bem, não é possível nenhumahumana sabedoria.

 No mundo das Ideias, a ideia do Bem é aquela quese vê por último e a muito custo. Mas, uma vezcontemplada, esta ideia se apresenta ao raciocíniocomo sendo, em denitivo, a causa de toda a reti-dão e de toda a beleza. No mundo visível, ela é ageradora da luz e do soberano da luz. No mundodas ideias, a prpria ideia do Bem é que dá origem àverdade e à inteligência. Considero que é necessáriocontemplá-la, caso se queira agir com sabedoria,tanto na vida particular como na política (PLATÃO,1973, p.110).

  Nesta grande corrente da filosofia grega, o percurso conduz à teoria do Motor Imvel de Aris-tteles, que, embora rejeitando o dualismo platôni-co, não pode dispensar o recurso à ideia, para elecienticamente necessária, de um Ser perfeito quenão pode possuir as características do mundo físico.O lósofo e cientista Aristóteles não desconheceminimamente a importância de um conhecimentocientíco; pelo contrário, poderíamos dizer que éo pensador que sistematiza a fundamentação daracionalidade cientíca, pela elaboração da lógica

formal, que é a primeira grande elaboração de “me-todologia cientíca”. Mas a cienticidade, para evi-tar as ”argumentações sofísticas”, tem que chegar logicamente até a fundamentação transcendente doMotor Imóvel, que ele considera, losocamente,como deus.

Monoteísmo filosfico e educação

Depois dessas breves reexões sobre a losoaantiga, podemos elaborar algumas considerações

sobre o que tudo isso signica em relação à educa-ção. Os sostas, contemporâneos de Sócrates, sãoos primeiros a perceber e a tematizar a importânciae a centralidade da educação na constituição da

 polis. É muito conhecida a frase de Protágoras queresume, em modo lapidário, o pensamento sosta:“O homem é a medida de todas as coisas.” Obser-vando como vinha estruturando-se a convivênciana cidade que inventou a democracia, os sostasevidenciam um elemento de importância funda-

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mental: quem determina os rumos dos públicosdebates e das assembleias, onde se decide comodevem ser as coisas, não é mais um sacerdote, umadivinho ou um soberano inquestionáveis, e sim o

homem que sabe falar e argumentar da forma maisconvincente. Nada é predeterminado, é o homemque se torna medida do que é verdadeiro ou falso,do que é justo ou injusto, por meio do logos.

Os sofistas descobrem algo que até hojeconstatamos a cada instante: saber e saber falar é poder. Hoje podemos vericar a verdade dissoconsiderando o poder que tem a comunicação,mediante os meios, cada vez mais sosticados,que permitem a exploração do poder criativo da palavra, da imagem, do som. Isso é um fato: o ser humano tem a possibilidade de tornar-se medidado prprio mundo por meio do conhecimento e damanipulação e comunicação desse conhecimen-to. A consequência que os sostas tiraram destaconstatação foi bvia: para exercer cidadania nacidade democrática, é preciso ter conhecimentoe aprender a falar de forma a poder convencer osoutros; portanto é necessário investir na educação.Que tipo de educação? Para eles, a educação queinteressa é aquela que habilita a argumentar deforma ecaz sobre qualquer assunto, para poder apresentar como verdadeira qualquer opinião que seconsidere como mais conveniente para a convivên-cia humana na polis. Sim, porque para os sostasa verdade é criada pelo logos, como resultado deuma convenção, de um acordo. Se o homem é amedida de todas as coisas, será verdadeiro e justoo que a maioria considerar como tal, e pronto. Sealguém tiver conhecimento e habilidade retricasuciente para ganhar o apoio da maioria, a verdadee a justiça poderão também ser outras, porque de- pendem única e totalmente de convenções políticasestabelecidas entre cidadãos que exercem a prpriasoberania por meio do logos.

Se os sostas destacam a importância decisivada educação para o exercício da cidadania, não sedão conta, porém, que o relativismo gnosiolgico eético que marca o pensamento deles pode ameaçar oefetivo exercício da cidadania e tornar-se muito pe-rigoso para a prpria sobrevivência da democracia.É o que percebe muito claramente Platão. Quandoa democracia ateniense decidiu, por maioria, queo seu amado mestre Scrates devia ser condenado

à morte, ele entendeu, de forma traumática, que asimples maioria não pode ser a medida da verdade eda justiça. Lembrou dos ensinamentos de Scrates,que nisso sempre tinha discordado dos sostas,

sustentando a tese de que a verdade não se inventa,mas encontra-se, porque já existe antes de ns.Sócrates concordava com os sostas sobre a

importância decisiva do uso inteligente do logos  para o exercício da cidadania, mas não concordavaquanto à nalidade desse uso que se expressavano diálogo (diá-logos). Enquanto para os sostaso diálogo era um artifício de criação da verda-de, que acabava favorecendo os mais espertos eeventualmente os mais desonestos e charlatões, odiálogo socrático era um diálogo maiêutico, istoé, o exercício de uma arte parecida à da parteira eque visava ajudar as pessoas a descobrir e trazer à luz a verdade escondida nas entranhas da vida. Nesse sentido, o diálogo socrático era bem maisdemocrático do que o diálogo sosta: no diálogosocrático o saber e o saber falar não se colocam aserviço do que é mais conveniente para os maissabidos, mas colocam-se a serviço de uma Verdadeque transcende os limites do nosso conhecimentoe que é igual para todos. Por isso, o diálogo so-crático comporta uma atitude de consciência dos prprios limites (sei que nada sei) e de aberturaao Mistério inesgotável de uma Verdade que nãoé posse exclusiva de nenhum sabido, mas que sedeixa vislumbrar por todos aqueles que a procuramdia-logando democraticamente.

Para Platão, de forma coerente com a visãosocrática do conhecimento, a educação torna-seo esforço empregado para tirar o ser humano dascertezas ilusrias do prprio mundinho, no fundoda caverna, ajudá-lo a encarar a íngreme subida queleva para a luz e, ali, aceitar o desao de, inicialmen-te, não enxergar nada e de acostumar-se gradativae pacientemente a contemplar, sem querer esgotar,a luz da verdade e do bem, e orientar para esta luztodo o seu ser. Nesta perspectiva, a educação não éa pretensão de dar a visão a olhos cegos, nem tam- pouco uma simples transmissão de conhecimentos,e sim um verdadeiro processo de “conversão daalma” para poder contemplar o Bem.

A educação é, portanto, a arte que se propõe este m,a conversão da alma, e que procura os meios mais

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fáceis e mais ecazes de operá-la; ela não consisteem dar a vista ao rgão da alma, pois que este já o possui; mas como ele está mal disposto e não olha para onde deveria, a educação se esforça por levá-loà boa direção (PLATÃO, 1973, p.111).

Aristteles (1996, p.308), por sua vez, retomaa famosa frase do sosta Protágoras (“o homem éa medida de todas as coisas”), corrigindo-a como simples acréscimo de um adjetivo: “As pessoas boas, enquanto boas, são a medida de todas ascoisas”.  E  quando Aristteles fala em pessoas boas, enquanto discípulo de Scrates e de Platão,está referindo-se a pessoas que têm ”sanidade”mental. Ser bom identica-se com ser inteligente,e ser inteligente signica ser capaz de contemplar 

a verdade para poder viver conforme o intelecto,que é “algo divino” em ns.

Então, se o intelecto é divino em comparação comas outras partes do homem, a vida conforme ao inte-lecto é divina em comparação com a vida puramentehumana. Mas não devemos seguir aquelas pessoasque nos instam a, sendo humanos, pensar em coisashumanas, e sendo mortais, a pensar no que é mortal;ao contrário, devemos tanto quanto possível agir como se fossemos imortais, e esforçar-nos ao má-ximo para viver de acordo com o que há de melhor em ns (ARISTóTELES, 1996, p.312).

Dizer que o intelecto é algo divino em ns sig-nica colocar o selo da dimensão transcendente nocdigo genético da racionalidade humana, tantona sua manifestação gnosiolgica como na suamanifestação ética, e conrmar a educação comoum esforço “para viver de acordo com o que há demelhor em ns”, baseando-se numa atitude con-templativa que pressupõe e reconhece a dimensãotranscendente da verdade, que, de Scrates emdiante, os grandes lósofos gregos identicamcomo “deus”.

Resulta extremamente interessante este mono-teísmo losóco num contexto religioso politeístacomo era o mundo grego. O deus (singular), doqual várias vezes Scrates/Platão e Aristtelesfalam, não se identica com nenhum dos deusesda religião grega, mas faz referência àquela trans-cendência da verdade e do bem, que comporta, no processo do conhecimento, uma espécie de espiri-tualidade, constitutiva da racionalidade losóca.

Uma racionalidade que, na busca do conhecimento,não exclui o mistério, mas articula-se como pro-cesso hermenêutico e maiêutico dele, nas entranhasda histria humana.

Para uma espiritualidade do conheci-mento

  No contexto da Modernidade avançada ouPs-modernidade no qual nos encontramos, otema em questão assume as características de umdesao: o desao de trazer de volta o humanismo para as instituições e os processos educacionais. Não se trata tanto de trabalhar novos conteúdosou novas sistematizações, mas de buscar um novo

tipo de saber que perpasse todos os conteúdos eas sistematizações, para superar aquela dicotomiaentre cultura humanista e cultura cientíca que,de um lado, leva a um humanismo irrelevante para a realidade humana e social e, de outro lado,a um cienticismo sem sabedoria humana, com oresultado que as possibilidades de compreensão ereexão atroam-se e a inteligência humana torna-se inconsciente e irresponsável. Tentarei agorarepensar o tema da transcendência da verdade como busca de uma nova atitude gnosiolgica e ética nos

 processos educacionais.A racionalidade cientíca moderna funda suas

raízes na vontade de poder da racionalidade lgico-matemática, esquece a dimensão transcendente doconhecimento e experimenta a emoção de tornar-semedida do mundo não s por meio do discurso,como também pela técnica. Mas, no momento emque o homem moderno sente-se poderosamentesujeito do prprio mundo, descobre que a palavra“sujeito” tem também o sentido de “submisso”, prisioneiro dos paradigmas lgicos que ele prprio

criou e da angústia da sua liberdade criadora. Naexperiência inebriante da subjetividade moderna, ohomem contemporâneo depara-se com a vertigemdo nada e com a descoberta de uma complexidadeque a razão lgica (e técnica) não sabe mais ad-ministrar.

Descobrimos que existe uma diferença entreracionalidade e racionalização. A racionalização pretende formatar o universo todo dentro de para-digmas lgicos e ontolgicos coerentes e onicom-

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 preensivos2.

Acontece que a realidade transborda de todos oslados das nossas estruturas mentais: “Há maiscoisas sobre a terra e no céu do que em toda nossa

losoa”, Shakespeare observou, há muito tempo.O objetivo do conhecimento é abrir, e não fechar o diálogo com esse universo. O que quer dizer:não s arrancar dele o que pode ser determinadoclaramente, com precisão e exatidão, como asleis da natureza, mas, também, entrar no jogo doclaro-escuro que é o da complexidade (MORIN,2001a, p.191).

Esse desao da complexidade, amplamenteestudado, entre outros, por Edgar Morin, pres-supõe um novo pensar que integra a lgica coma dialgica. A racionalidade é uma estratégia deconhecimento e de ação que se fundamenta nodiálogo. Não s no diálogo entre pessoas, mastambém no diálogo com o universo. Um diálogoem que a razão renuncia para sempre a querer racionalizar tudo, a querer encerrar tudo dentro deuma estrutura de ideias logicamente coerentes, eaprende a localizar-se no deserto das incertezas, doirracionalizável, do supra e do infrarracional quesempre nos acompanha.

“Ser racional não seria compreender os limitesda racionalidade e da parte de mistério do mundo?” – pergunta-se hoje Edgar Morin (2001b, p.57). Eele mesmo responde nestes termos: “A verdadeiraracionalidade conhece os limites da lgica, do de-terminismo e do mecanicismo; sabe que a mentehumana não poderia ser onisciente, que a reali-dade comporta mistério” (MORIN, 2002, p.23).Morin fala insistentemente da necessidade de uma“reforma do pensamento”; uma reforma que nãose limite simplesmente a ajustes estratégicos que possam nos permitir dar conta da complexidadedo conhecimento no contexto atual, mas sim deuma reforma de pensamento que leve a um novotipo de saber.

Um saber que não seja nalizado a promover um relacionamento respeitoso com os nossossemelhantes e uma convivência harmoniosa coma natureza é um saber mortífero. Quanto maior é hoje o nosso know-how, tanto maior deve ser o nosso cuidado para orientar humanamente talconhecimento. Para isso, é indispensável um saber que não elimine o Mistério, porque morar num

mundo humano signica morar no Mistério daalteridade: alteridade da natureza, dos outros, doOutro. Sem esta disponibilidade a conviver com oMistério, o nosso compromisso para a construção

de um mundo mais justo e mais pacíco continuaráa fracassar. Esta disponibilidade é uma dimensãode espírito que podemos chamar de espiritualida-de e que podemos encontrar no âmago da visãohumanista de educação. O nosso mundo precisade espiritualidade e a educação deveria contribuir na criação e na difusão de uma espiritualidade doconhecimento, que não pressupõe necessariamenteuma espiritualidade “religiosa“, mas que com eladialoga e articula-se.

Descartes ve Moiss

Somos lhos da modernidade, que se estruturacom a busca quase que obsessiva da certeza, doindubitável. Para constatar isso, basta recuperar as primeiras três “regras para a direção do espírito”da obra de Descartes que leva este título, na qualretornam com insistência expressões como “juí-zos rmes e verdadeiros”, “conhecimento certo eindubitável”, “intuição clara e evidente”, “deduzir com certeza”.

Regra I

Os estudos devem ter por nalidade a orientação doespírito, para que possamos formular juízos rmese verdadeiros sobre todas as coisas que se lhe apre-sentam (DESCARTES, 2003, p.73).

Regra II

Convém lidar exclusivamente com aqueles objetosde cujo conhecimento certo e indubitável o nossoespírito é capaz de alcançar (DESCARTES, 2003, p.75).

Regra IIIAcerca dos objetos considerados, deve-se investigar não o que os outros pensaram ou o que ns prpriossuspeitamos, mas aquilo do que podemos ter umaintuição clara e evidente, ou que podemos deduzir com certeza, pois de outro modo não se adquire aciência (DESCARTES, 2003, p.77).

2 Que compreendem tudo, tanto no sentido de incluir tudo, como nosentido de explicar tudo.

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“Deus é quem sabe”: transcendência da verdade e educação

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 163-175, jan./jun. 2011

Para tornar certo e objetivo o conhecimento é preciso potencializar o sujeito, de modo que ele possa se tornar “senhor e possuidor da natureza”,controlando tudo por meio da sua racionalidade.

“Mas esta é uma antiga, eterna histria”, escreve Nietzsche (2000, p.15) a propósito de outros ló-sofos. Quando uma losoa começa a acreditar em si mesma, “ela sempre cria o mundo à suaimagem, não consegue evitá-lo; losoa é esseimpulso tirânico mesmo, a mais espiritual vonta-de de poder, de ‘criação do mundo’”. Elaborandoalgumas reexões sobre uma espiritualidade doconhecimento que possa orientar as nossas práticaseducativas, quero reler isso à luz da histria e dagura bíblica de Moisés.

A Bíblia nos apresenta a vida de Moisés divididaem três períodos de quarenta anos cada. O primeiro período corresponde à infância e juventude, e apre-senta Moisés como um ser humano privilegiado  por ser criado pela lha do Faraó, tendo assimuma formação humana e intelectual de alto nível.Este primeiro período culmina com a tentativa deMoisés de tornar-se libertador do seu povo, mal-tratado na escravidão do Egito. Ele imagina poder tudo, contando com a sua inteligência e a sua força;mas não deu certo e teve que fugir amedrontado edecepcionado (Cfr. Êxodo 2:11-15). Este primeiro período pode ser considerado como correspondenteà empolgação da modernidade, com a sua convic-ção de poder tomar conta, de forma denitiva, deum conhecimento que se coloque acima de qual-quer dúvida e que liberte nalmente a humanidadedas trevas da ignorância.

O segundo período da vida de Moisés desenrola-se no deserto de Madiã, para onde ele fugira, e podemos compará-lo à crise da modernidade, com a percepção dos limites da razão e das consequênciasdesastrosas a que levou certa racionalidade lgico-matemática das certezas. No caso de Moisés, o jovem forte e inteligente torna-se “imigrante emterra estrangeira” (Êxodo 2:22). Meio perdidonum mundo totalmente diferente da corte de Fara,conduz os rebanhos do sogro, e a vida de pastor  proporciona-lhe oportunidades desconhecidas derepensar o já conhecido e de descobrir novos emais amplos horizontes.

 Nos últimos quarenta anos da vida de Moisés agente encontra representada a realidade das pessoas

de hoje de um lado, fortalecidas com o sofrimen-to do deserto, mas, do outro lado, inseguras emrelação ao novo caminho (método) a ser trilhado.É neste contexto de deserto que Moisés depara-se

com a sarça que arde no fogo sem consumir-se, ecom a qual se abre a terceira e mais importante faseda vida de Moisés.

Apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro,sacerdote de Madiã. Conduziu as ovelhas paraalém do deserto e chegou ao Horeb, a montanha deDeus. O Anjo de Iahweh lhe apareceu numa chamade fogo, do meio de uma sarça. Moisés olhou, e eisque a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia.Então disse Moisés: “Darei uma volta e verei estefenômeno estranho; verei por que a sarça não seconsome” (Êxodo 3:1-3).3 

Moisés, depois de quarenta anos no deserto,aventura-se “para além do deserto” , em busca dealgo mais, e lá, na montanha do Mistério, encontraum fogo que arde e não consome, justamente comoo desejo de verdade que descobrimos em ns. Oque acontece na vida e no mundo vem ao nosso en-contro como algo que nos questiona, nos interpela,nos incomoda como um fogo interior que nunca seapaga. Fazer o que? O jeito é chegar mais perto etentar entender. A busca pela verdade, como todo

losofar, começa e continua com a capacidade dedeixar-se mover pelo “espanto” deste fogo interior que arde sem parar.

O espanto é páthos. Traduzimos habitualmente páthos por paixão, turbilhão afetivo. Mas páthos re-monta a páskhein, sofrer, aguentar, suportar, tolerar,deixar-se levar por, deixar-se con-vocar por. É ousa-do, como sempre em tais casos, traduzir páthos por dis-posição, palavra com que procuramos expressar uma tonalidade de humor que nos harmoniza e noscon-voca por um apelo. (...) Somente se compre-endermos páthos como dis-posição (dis-position)

 podemos também caracterizar melhor o thaumázein,o espanto. No espanto detemo-nos (être en arrêt). Écomo se retrocedêssemos diante do ente pelo fato deser e de ser assim e não de outra maneira. O espantotambém não se esgota neste retroceder diante do ser do ente, mas no prprio ato de retroceder e manter-seem suspenso é ao mesmo tempo atraído e como quefascinado por aquilo diante do que recua. Assim o

3 Os textos bíblicos são citados segundo a tradução portuguesa da Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Paulus, 2002.

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Giorgio Borghi

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espanto é a dis-posição na qual e para a qual o ser doente se abre (HEIDEGGER, 1996, p.38).

O espanto, do qual se origina e no qual consisteo losofar, é a mesma atitude da qual se origina

todo o diálogo de fé de Moisés com o Mistério:aproximar-se para entender o “porquê” manifesta-se de novo como aquela busca inevitável de signi-car tudo aquilo que, de alguma forma, relaciona-secom a nossa vida; busca que nos abre a horizontessempre mais amplos, que, ao mesmo tempo, nosfascinam e nos assustam. É por causa desta sarça,que arde dentro de ns e não se consome, que searticula a aventura do conhecimento humano. Umconhecimento que, em sentido bíblico, move-se nadireção de um encontro para uma comunicação/

comunhão total da qual nasce nova vida.A sarça que arde e não se consome simboliza

uma busca humana que não se satisfaz e não seesgota com nenhuma resposta já alcançada, masa tentação da busca de certezas continua, comose a gente quisesse acabar com esta “queimação”que nos acossa. Na busca de “certezas”, queremosdenir (queremos saber o nome), queremos confe-rir (queremos ver o rosto), queremos tomar conta(queremos possuir a terra). Com isso, porém, anossa inteligência atroa-se e ca comprometida

a possibilidade de ter acesso à verdade.Supondo que a verdade seja mulher – não seria bemfundada a suspeita de que todos os lósofos, na me-dida em que foram dogmáticos, entenderam poucode mulheres? De que a terrível seriedade, a desajei-tada insistência com que até agora se aproximaramda verdade, foram meios inábeis e imprprios paraconquistar uma dama? (NIETZSCHE, 2000, p.7).

Queremos saber o nome

O direito dos senhores de dar nomes vai tão longeque se poderia permitir-se captar a origem da lin-guagem mesma como exteriorização de potência dosdominantes: eles dizem “isto é isto e isto, eles selamcada coisa e acontecimento com um som, e, comisso, como que tomam posse dele” (NIETZSCHE,1996, p.342).

Quando o ser humano deixa-se incomodar e convocar pelo fogo do Mistério, entra numaaventura innita. Como Abraão, parte “sem saber 

 para onde” (Hb 11:8). Mas não pode renunciar àtentativa de “nomear” o que encontra pelo caminho,embora isso não seja sempre tão simples, sobre-tudo quando se buscam signicações vitalmente

decisivas. Esta diculdade corresponde a umaluta noturna que todo grande espírito conhece por experiência e que é bem retratada na luta de Jac,narrada em Gênesis 32:23-30. Depois de uma noitede luta, sem falar, entre Jac e o Desconhecido, oconfronto físico termina com um golpe baixo ecomeça o confronto verbal, que se trava justamentesobre a questão do nome.

Ele (o Desconhecido) lhe perguntou: “Qual é o teunome?” – “Jacó”, respondeu ele. Ele retomou: “Nãote chamarás mais Jac, mas Israel, porque foste forte

contra Deus e contra os homens, e tu prevaleceste”.Jac fez esta pergunta: “Revela-me teu nome, por favor.” Mas ele respondeu: “Por que perguntas pelomeu nome?” E ali mesmo o abençoou (Gênesis32:28-30).

Depois de uma noite de luta, Jac tenta arran-car o nome do Mistério, mas tudo o que consegueé uma coxa deslocada, uma nova compreensãodo prprio nome e uma bênção. Jac não podiaquerer mais e continua seu caminho mancando, por causa da coxa deslocada, mas carregando o

nome glorioso de quem não se subtraiu à luta como Mistério.

 Na busca da signicação suprema, Moisés pa-rece obter algo a mais do que Jac; talvez porque procura descobrir o nome do Mistério não tanto por curiosidade intelectual, mas para podê-lo transmi-tir aos outros na missão libertadora que acabarade receber. Se isso pode motivar a aceitação deuma missão libertadora, então “assim dirás aosisraelitas: ´EU SOU me enviou até vs`” (Ex3:14). São diversas as interpretações que exegetas

e telogos deram desta revelação do nome divino,mas, na nossa leitura losóca, o que é relevante édestacar o uso, no texto original, de um verbo quecorresponde, na nossa língua, à primeira pessoa doindicativo e não à terceira pessoa nem ao innito.O nome do Mistério é “Eu sou”, não “Aquele queé”, nem “o Ser”.

O Mistério, cuja signicação desaa a nossaracionalidade, não é simplesmente uma realidadeontolgica de tipo parmenideano, mas relaciona-

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se com o ser humano de forma pessoal. Nisso seesconde o fascínio do conhecimento, que não sesatisfaz com jogos de palavras ou de conceitosimpessoais, mas considera-se a serviço da prpria

Verdade, encarada como instância transcendente pessoal. O meu losofar, diz Sócrates, “é ordem dodeus e estou persuadido de que não exista para vsmaior bem, na cidade, que esta minha obediênciaao deus” (PLATÃO, 1996, p.81).

Queremos ver o rosto

Moisés respondeu a Iahweh: “Rogo-te que me mos-tres a tua glria”. Ele replicou: (...) “Não poderás ver a minha face, porque o homem não pode ver-me econtinuar vivendo”. E Iahweh disse ainda: “Eis aquium lugar junto a mim; põe-te sobre a rocha. Quando passar a minha glria, colocar-te-ei na fenda da rochae cobrir-te-ei com a palma da mão até que eu tenha passado. Depois tirarei a palma da mão e me verás pelas costas. Minha face, porém, não se pode ver”(Êxodo 33:18-23).

 Na busca humana do conhecimento, é inevitá-vel e compreensível o desejo de poder realizar umencontro revelador face a face com a totalidade daVerdade. Mas não tem jeito: podemos experimentar 

o Mistério como uma mão que nos segura e nosenvolve por todos os lados, mas não podemos des-vendá-lo totalmente. Nunca poderemos alcançá-lono nosso caminhar histrico. Ele estará sempre um pouco mais à frente e, assim, poderemos vê-lo s pelas costas. Não é pouca coisa, pois o seu caminhar à nossa frente nos indica a direção, e o desejo dealcançá-lo motiva e estimula a nossa busca. Mas ostraços denidos do rosto do Mistério permanecem, por enquanto, desconhecidos.

Edgar Morin indica como um dos sete saberes

necessários para a educação do futuro, um saber que saiba conviver com as incertezas. A verdadeiraracionalidade dialoga sempre com um real quelhe resiste, uma realidade complexa que comportasempre o obscuro de uma mão que, enquanto nossegura, nos impede porém de ver todo o esplendor da verdade. A verdadeira racionalidade dialogacom o mistério e o irracionalizável e predispõe-sea um tipo de conhecimento complexo, que aceitaa incerteza como “desintoxicante”.

Assim como o oxigênio matava os seres vivos primitivos até que a vida utilizasse esse corruptor como desintoxicante, da mesma forma a incerteza,que mata o conhecimento simplista, é o desin-toxicante do conhecimento complexo (MORIN,

2002, p.31).

Isso fundamenta uma atitude gnosiolgica im- prescindível de todo educador, que hoje, na assimchamada ps-modernidade, estamos felizmenteredescobrindo: a atitude dialógica. A grande lo-soa ocidental começa com os diálogos socrático- platônicos. E o método dialgico fundamenta-se naconvicção de que poderemos nos aproximar da Ver-dade s “dia-logando”, isto é, partilhando entre nso logos. É interessante observar que nos diálogos

de Platão nunca o grande lósofo coloca-se como protagonista. Quase a dizer que a verdade que ele procura pode ser encontrada s com a contribuiçãode muitos dialogantes, do passado e do presente,inclusive de “estrangeiros”, isto é, de quem trazum logos que fala outra linguagem, expressiva deoutro contexto cultural.

A rejeição de qualquer monlogo exclusivistana busca da Verdade é bem expressa num texto bíblico do livro dos Números.

Dois homens haviam permanecido no acampamen-

to: um deles se chamava Eldad e o outro Medad. OEspírito reposou sobre eles; ainda que não tivessemvindo à Tenda, estavam entre os inscritos. Puseram-se a profetizar no acampamento. Um jovem correue foi anunciar a Moisés: “Eis que Eldad e Medad”,disse ele, “estão profetizando no acampamento”.Josué, lho de Nun, que desde a sua juventude serviaa Moisés, tomou a palavra e disse: “Moisés, meusenhor, proíbe-os!” Respondeu-lhe Moisés: “Estásciumento por minha causa? Oxalá todo o povo deIahweh fosse profeta, dando-lhe Iahweh o seu Es- pírito!” (Números 11:26-29).

O educador sabe que falar em nome da Verdade(profetizar) não é privilegio exclusivo de quem seencontra nos sagrados recintos do saber consagra-do, na tenda da cultura ocial. Ele alegra-se paratodas as sementes da Verdade que podem germinar e produzir frutos em todos os acampamentos da hu-manidade. A prpria inesgotabilidade do Mistériocomporta esta atitude dialgica macroecumênica,na busca da signicação do mundo e da vida.

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Queremos possuir a terra

Moisés subiu, então, das estepes de Moab para omonte Nebo, ao cume do Fasga, que está diante deJeric. E Iahweh mostrou-lhe toda a terra (...). E

Iahweh lhe disse: “Esta é a terra que, sob juramento, prometi a Abraão, Isaac e Jac, dizendo: Eu a dareià tua descendência. Eu a mostrei aos teus olhos;tu, porém, não atravessarás para lá.” E Moisés,servo de Iahweh, morreu ali, na terra de Moab,conforme a palavra de Iahweh. E ele o sepultou novale, na terra de Moab, defronte a Bet-Fegor; e atéhoje ninguém sabe onde é a sua sepultura. Moiséstinha cento e vinte anos quando morreu; sua vistanão havia enfraquecido e seu vigor não se esgotara(Deuteronômio 34:1-7).

A narração da morte de Moisés, no últimocapítulo do Deuteronômio, constitui uma maravi-lhosa alegoria dos limites inerentes à nossa buscado conhecimento e da “conquista” da verdade.Moisés labutou quarenta anos, desde a saída doEgito, e agora nalmente pode admirar, da alturado monte Nebo, a terra prometida que motivoutodo o caminho anterior. S o pequeno Rio Jordãointerpõe-se entre ele e a conquista denitiva detoda a sua labuta. Mas justamente ali, a um passode chegar à terra prometida, ainda no vigor de sua

inteligência e de suas forças físicas, Moisés morre,“conforme a palavra de Iahweh”.O encontro denitivo com a Verdade não pode

acontecer em nenhuma terra prometida, histricaou geogracamente determinada, mas consome-se na obediência à palavra do Mistério, quandonos presenteará com um ingresso gratuito paraa verdadeira terra prometida em que poderemosdialogar face a face com a Verdade. Anal, a mortede Moisés a um passo de entrar na terra prometidaconstitui um especial reconhecimento de sua gran-

deza, que é destacada também da descrição do seusepultamento: é o prprio Mistério que “o sepultouno vale”, mas “até hoje ninguém sabe onde é a suasepultura”. Não existem túmulo nem monumentona terra de Moab para quem não podia satisfazer-sesomente com a conquista dela.

Assim o educador nunca se considerará satis-feito com nenhuma meta, nenhuma “terra” histo-ricamente alcançada. Entrar e tomar posse dela seconstituiria como uma banalização de toda a sua

 busca, um interromper o caminho rumo à totalida-de da verdade, perdendo assim a oportunidade deencontrar-se no cume da montanha na hora em quechegar o convite para entrar numa outra terra pro-

metida: aquela em que nalmente conheceremoso Mistério assim como o Mistério desde semprenos conhece.

Peregrinos do deserto

Para nalizar estas reexões, retomo um tex-to de Emanuel Carneiro Leão, que elabora umadistinção interessante entre atitude de aprender eatitude de estudar.

Muitas são as diferenças entre a atitude de aprender 

e a atitude de estudar. Quem vai estudar quer maisconhecimentos e informações para saber mais, para poder mais, para assegurar-se mais. Quem vai apren-der quer esvaziar-se mais (...) para arriscar-se maisa ser mais. (...) Quando se estuda, cresce o receitu-ário, isto é, o repertrio das receitas; aumentam, emconsequência, as possibilidades de fazer. Quando seaprende, crescem as possibilidades de ser e realizar-se (LEÃO, In: FERREIRA, 2003, p.32-33).

Aprender não é acumular conhecimentos. Muitose fala hoje em sociedade do conhecimento, mas

isso evidencia a realidade de uma sociedade mais preocupada com o poder e o fazer do que com o ser.Mais que simplesmente acumular conhecimentos,o importante é aprender a pensar. A sociedade doconhecimento vive muitas vezes numa assustadoraindigência de pensamento. Na sociedade do conhe-cimento, as pessoas têm acesso a uma innidadede informações, mas não sabem pensar. Conhecemquase tudo sobre “como” fazer quase tudo, mascontinuam analfabetas em relação ao “por que”,“para que”, “para quem” fazer ou não fazer. Sobra

conhecimento, falta pensamento.O conhecimento é a matéria-prima do pensa-mento: mas o conhecimento adquire todo o seuvalor quando administrado pela capacidade de pensar. Por isso, é fundamental que a educaçãoajude as pessoas a aprender a pensar, para poder valorizar o conhecimento. Neste sentido, diz-seque aprendemos a vida toda, porque durante a vidatoda somos desaados a pensar e a repensar o já pensado, na busca incansável de algo melhor para

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ns e para o nosso mundo. E hoje ns sabemosque o pensar humano não leva à certeza, comoqueria Descartes, mas à capacidade de lidar comas incertezas.

O pensador não é aquele que colhe a verdade, já pronta, no mundo. A própria imagem do lósofocomo amante da sabedoria nada tem a ver com ade um ser de boa vontade que, tranquilo, goza da bem-aventurança da verdade. Como todo amante,ele é um inquieto, um ciumento pronto a decifrar as palavras da amada, a hesitação da sua voz ou a“insignicante” troca de palavras que denuncia ooculto. O amor não nos retira da roda do tempo paranos remeter a um lugar nirvânico de plenitude e gozo,ele nos mantém no interminável das repetições. Oamor pela verdade é, pois, desconado e inquiridor,

sempre pronto a identicar os signos que denunciama traição do dado. A condição fundamental para oamante e para o pensador (o que vem a dar no mes-mo) é afastar-se da pasmaceira da boa vontade do dar e do receber (GARCIA-ROZA, 1998, p.9).

Recuperando a gura de Moisés, podemos dizer que hoje estamos caminhando no deserto: como oIsrael do Êxodo, saímos ou estamos saindo de umaterra de cebolas e melancias, com a esperança deencontrar uma terra “onde corre leite e mel”. S queagora não podemos usufruir nem de uma nem deoutra. A experiência do deserto, também em relaçãoà educação, é justamente a experiência de não ter mais aquele “punhado de certeza” que instintiva-mente a nossa vontade de saber nos leva a preferir “a toda uma carroça de belas possibilidades”(NIETZSCHE, 2000, p.16) e, ao mesmo tempo,não poder ainda experimentar o gozo de uma terra prometida cujo sonho não nos abandona.

 Nessa condição de peregrinos do deserto, nãoraramente nos sentimos perdidos, fragilizados, ate-morizados. Mas quem disse que o destino humanoseja pertencer a alguma terra denida ou alcançar alguma posse denitiva? E se a nossa condição

humana fosse, pelo contrário, aquela mesma de peregrinos no deserto, numa “terra de ninguém”(no men’s land ) na qual seja necessário repensar  profundamente a nossa educação, para reformular 

os paradigmas interpretativos da existência humanano mundo?Quero recuperar aqui dois pensamentos, sur-

 preendentemente convergentes, que consideromuito sugestivos a este respeito. O primeiro é deum monge trapista, que escreve: “Se alguma coisase faz necessária hoje, é de homens que sabem selocalizar no deserto, homens que podem compreen-der o que se passa lá dentro, que podem interpretar e lidar com o deserto” (ROSZAK, In: UNGER,2001, p.152). O segundo pensamento é de Edgar Morin (2001a, p.232): “Não podemos mergulhar na escuridão total do inconcebível, reservada às pessoas em êxtase. Mas podemos entrar numa noman`s land , bem mais extensa do que pensamos,entre a ideia clara, a lgica evidente, a ordem ma-temática e a escuridão absoluta”.

Educar provém do latim e-ducere: conduzir fora. Quero entender este conduzir fora em doissentidos: no sentido socrático de ajudar a dar àluz a verdade que cada um carrega dentro de si; eno sentido de conduzir fora dos porões cheiran-do a mofo de preconceitos, ideologias, certezas,hábitos e sistemas hegemonicamente estabeleci-dos e considerados intocáveis. Conduzir fora detudo isso, para caminhar no deserto, lugar que seencontra entre o “não mais” das várias formasde escravidão e o “ainda não” da terra prometi-da. Para quem leva a sério a transcendência daverdade, educar é conduzir fora e permanecer fora, no deserto que representa a nossa condiçãode peregrinos da vida, no deserto em que não hácaminho já traçado e no qual é preciso aprender aorientar-se unicamente com a referência do sol edas estrelas, escutando a voz do vento que sopraonde e quando quer.

REFERÊNCIAS

ARISTóTELES. Metafísica. São Paulo: Abril Cultural, 1979. ( Os Pensadores).

 ______. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1996. ( Os Pensadores).

DESCARTES, René. Regras para a direção do espírito. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret,2003.

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Giorgio Borghi

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GARCIA-ROZA, L.Alfredo. Palavra e verdade na losoa antiga e na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1998.

HEIDEGGER, Martin. Qu´est-ce que la philosophie? São Paulo: Nova Cultural, 1996. ( Os Pensadores).

LEÃO, Emanuel Carneiro. A História na losoa grega. In: FERREIRA, Acylene Maria Cabral (Org.). Fenômeno

& sentido. Salvador: Quarteto, 2003.MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dria. 5.ed.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

 ______. Amor, poesia, sabedoria. Tradução de Edgar de Assis Carvalho. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

 ______. Os sete saberes necessários para a educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva eJeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2002.

 NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal: prelúdio a uma losoa do futuro.  Tradução de Paulo César deSouza. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

 ______. Para a genealogia da moral. São Paulo: Nova Cultural, 1996. ( Os Pensadores).

OLIVA, Alberto; GUERREIRO Mario. Pré-socráticos: a invenção da losoa. Campinas: Papirus, 2000.

PLATÃO. A República. 2.ed. São Paulo: Difel, 1973. ______. Apologia de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1996. ( Os Pensadores).

UNGER, Nancy Mangabeira. Da foz à nascente: o recado do rio. São Paulo: Cortez ; Campinas: Unicamp, 2001

 Recebido em 30.09.10

 Aprovado em 22.12.10

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Roberto Conduru

EDUCANDO (COM) OS SENTIDOS:

ESCRITA, ORALIDADE E ESTESIA NO PROCESSO DE EDUCAÇÃO

CONTINUADA DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Roberto Conduru *

RESUMO

Com o objetivo de estudar os processos educativos nas religiões afro-brasileiras em paralelo à educação escolar, são analisadas cantigas e outros objetos, práticas e seresque participam da iniciação religiosa em terreiros de umbanda e de candomblé noRio de Janeiro, associados a reexões sobre as religiões afro-brasileiras publicadas

em livros e revistas. Observa-se a crescente presença da escrita nesse contextoformativo, embora com a dominância da oralidade e de outros meios de comunicação,os quais demandam a constante educação dos sentidos. Estas práticas de educaçãocontinuada baseadas na estesia sugerem a articulação das mesmas às práticas deeducação formal nas escolas.

Palavras-chave: Escrita – Oralidade – Estesia – Educação continuada – Religiõesafro-brasileiras

ABSTRACT

EDUCATING (WITH) THE SENSES: Writing, oralit and aesthesia in Afro-Brazilian religions’ process of permanent education.

Aiming to study, in parallel, educational processes in African-Brazilian religions andschool education, this paper analyzes songs as well as objects, practices and beings participating in religious initiation of the umbanda’s and candomblé’s terreiros in Riode Janeiro, in the light of reections upon African-Brazilian religions published in books and periodicals. One can note the growing presence of the writing form in thiseducational context, but still with the dominance of orality and other media, whichrequire constant education of the senses. These practices of permanent education based on aesthesia suggest the articulation of these practices with formal educationin schools.

Kewords: Extended education – Writing– Orality – Aesthesia – Afro-Brazilianreligions

* Doutor em Histria pela UFF. Professor nos Programas de Ps-graduação em Educação (ProPEd) e em Artes (PPGArtes).Diretor do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Endereço para correspondência: Universidadedo Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Rua São Francisco Xavier, nº 524, 11º andar, bloco E, Maracanã, Rio de Janeiro-RJ, CEP20.550.013, E-mail: [email protected] 

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178 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 177-185, jan./jun. 2011

Educando (com) os sentidos: escrita, oralidade e estesia no processo de educação continuada das religiões afro-brasileiras

Canto, crítica e educação em terreiros

“Com tanta escola nesse mundo, / Porqueeu ainda não aprendi a ler? / Maria Conga já

aprendeu feitiçaria – minhas almas! – / Na mesado canjerê.”Repetida enfaticamente, essa é uma das can-

tigas ouvidas na Tenda Espírita Ajuda Quem Tem Fé, localizada no bairro de Quintino Bocaiúva,no Rio de Janeiro, em 22 de maio de 2010. Umaaudição mais atenta, assim como de outros cânticossemelhantes, logo permite concluir que as cantigasda umbanda não estão soltas, perdidas no tempoe no espaço, nem vinculadas somente ao contextoda religião. Elas não se referem apenas a mitosreligiosos africanos e afro-brasileiros. Ao contrário,esses cânticos estão vinculados ao processo hist-rico no qual seus autores (anônimos, em grande parte), cantores e ouvintes estão inseridos. E mais:muitas vezes chegam a comentá-lo de modo críticoe irônico. Assim, reetindo sobre o contexto social,são intervenções nele.

Esse é o caso da cantiga que abre esse tex-to, a qual remete às relações entre as religiõesafro-brasileiras e o campo da Educação. A esserespeito, seus versos são bastante claros. Aocontrapor a quantidade de escolas existentes à  persistência do analfabetismo entre as pessoasque cantam, ela é uma crítica direta à exclusãoescolar sofrida pelos umbandistas, em geral, e pelos afrodescendentes, em particular. Como nãohá especicação de quando foi feita e passou aser cantada, essa crítica refere-se a um tempoamplo que abarca desde um passado indenido,que se estende para além de quando a umbandafoi anunciada publicamente, no início do séculoXX, e alcança o período da escravidão no Bra-sil, do tráco negreiro e da diáspora africana,até o presente, quando continua a ser cantada a plenos pulmões em muitos terreiros das cidades brasileiras. Nessa abrangência temporal e ao fa-lar nas escolas “pelo mundo”, a cantiga delineiauma espacialidade também vasta, que, abarcandoregiões longe do Rio de Janeiro, a partir de ondea umbanda foi divulgada, conecta Brasil, Áfricae além. Em uma leitura livre, é possível entrever nesse cântico um protesto contra todo e qualquer  processo de exclusão.

A primeira parte da cantiga, com dois versos, éexplicitamente um questionamento do status quo,com sua pergunta rme sobre a manutenção dacarência para uns em meio à fartura para outros.

O trecho seguinte, também com dois versos, deixaigualmente evidente o seu sentido, de valorizaçãoda cultura do terreiro. Entretanto, com relação àmúsica, essas partes são um tanto contrastantes. O primeiro segmento é homogêneo e linear, prepa-ratrio do seguinte, que é mais diferenciado, poiso ritmo acelera enquanto os tons variam, sobem edescem, sobretudo na expressão “minhas almas”,que na transcrição foi posta entre travessões ecom um ponto de exclamação ao nal, de modo atraduzir gracamente a interjeição que nomeia osespíritos cuja proteção é invocada. Essa variaçãorítmica e tonal caracteriza a segunda parte comoclímax da cantiga, segmento no qual se defendeo terreiro como lugar de ensino e aprendizagem, bem como os seus integrantes como sujeitos ativosnesses processos sociais. Em síntese, a cantiga dizque, embora não aprendam a ler (e a escrever),os membros do terreiro não deixam de produzir,transmitir e preservar conhecimento.

A citada Maria Conga é uma das entidades queincorporam em alguns membros do culto em girasde preto velho. Homem ou mulher, esse tipo socio-cultural é muito caro às culturas afro-descendentesno Brasil que se constituem valorizando os vínculoscom a ancestralidade, apoiando-se em suas matrizesafricanas. Nesse contexto, pretos velhos e pretasvelhas representam resistência, sabedoria, resig-nação e humildade. São guras fundamentais nos processo de geração, salvaguarda e transmissão deideais, valores, saberes e fazeres nas comunidadesque ajudam a constituir, os terreiros, e naquelas àsquais estes se vinculam, seja a vizinhança prximaou distante. Na cantiga, Maria Conga é apresentadacomo detentora de conhecimentos que foram ad-quiridos por meio de uma aprendizagem especíca,em comparação a quem não tem oportunidade deaprender a ler, a despeito das muitas escolas exis-tentes. Portanto, Maria Conga é uma sábia nessecontexto. É também uma mestra, pois tem muito aensinar “na mesa do canjerê”.

O Dicionário Houaiss apresenta “canjerê” como“agrupamento de pessoas para prática de feitiça-rias” e como “ato de feitiçaria; bruxaria, feitiço,

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mandinga” (HOUAISS). Nei Lopes diz ser a “anti-ga denominação das reuniões religiosas dos negrosno Brasil; feitiço, mandinga” (2004, p.163). Nacantiga, a “mesa do canjerê” caracteriza, portanto,

as instalações do prprio terreiro, permitindo ver como a escola e o terreiro estão conectados também por meio do mobiliário, da cultura material. Como quê é possível concluir que, na mesa do terreiro,assim como nas carteiras escolares, é possívelaprender e ensinar.

Desse modo, a segunda parte da cantiga defendeo terreiro como lugar e seus membros como sujeitosnos processos de ensino e aprendizagem. O quearma a feitiçaria como um saber. Um saber queé praticado pelos adeptos da religião no contextosocial, em paralelo aos ensinamentos adquiridos por outrem na escola. Nessa comparação, o feitiçonão é apenas uma via de acesso aos espíritos de progenitores míticos e de ancestrais cultuados, poistambém auxilia os membros do terreiro em suasinserções no contexto social que os exclui. Assim,a cantiga apresenta o terreiro como uma escola defeitiçaria que é tanto uma escola religiosa quantouma escola para a vida.

Articulando a escola e o terreiro como lugaresde ensino e aprendizagem, a cantiga abre caminho para comparar os efetivos papéis dessas institui-

ções na capacitação das pessoas, em geral, e dosafro-descendentes, em particular, como sujeitossociais. E abre a reexão sobre serem antagônicasou complementares essas instituições, bem comosobre distâncias e proximidades em seus modosde ensinar.

Oralidade e escritura nos terreiros

Com base em um exemplo como o dessa can-tiga, na qual críticas e princípios são expressos einculcados por meio do canto e da audição, seriafácil dizer que os processos de ensino e aprendiza-gem que permeiam a vida religiosa nos terreiros são baseados na oralidade, diferenciando-se da escolatambém em seus meios educativos. O que seria,também, um tanto incorreto. Com certeza, na diás- pora africana, a transmissão oral de conhecimentosfoi e tem sido um modo fundamental de preservar conhecimentos de uma geração a outra, da Áfricaao Brasil, do século XV aos dias atuais. Nos terrei-

ros brasileiros não tem sido diferente. Entretanto,não se pode dizer que a escrita esteja ausente das  práticas religiosas afro-brasileiras. Talvez tenhaestado, em um tempo distante e difícil de precisar.

Contudo, a escrita não está mais ausente. No Ilê Axé Onan Ayê Omi, uma comunidade decandomblé que também realiza rituais de umbanda,localizada no bairro de Quintino Bocaiúva, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, a escrita aparecedesde o muro exterior, sua face pública urbana, noqual está incrustada uma placa em formato de lá- pide em que se pode ler o nome do terreiro sulcadono mármore e pintado de azul claro. No interior, nocaminho que conduz do portão de entrada ao salãode rituais religiosos e outras atividades, públicas

e privadas, há impressos indicando os banheirosfeminino e masculino. No salão, em meio a diversosobjetos, pode-se detectar um quadro negro, similar aos usados nas escolas, com informações sobreas prximas festas da casa, bem como impressoscom indicações sobre a utilização preferencial dealguns setores do recinto por visitantes, babalorixás(pais e mães-de-santo) e ogãs (auxiliares masculi-nos do culto), bem como placas com palavras de boas vindas aos visitantes. Em uma sala interna,usada para ns diversos, sobretudo para reuniõese refeições, há um quadro de avisos que ostentadiferentes papéis afixados, sejam manuscritos produzidos no terreiro, sejam impressos diversos,com calendários, mensagens e ensinamentos do babalorixá, comunicados sobre o funcionamentodo terreiro, listagens de itens à espera de contribui-ção, convites para festas, cartões de visita, recortesde jornais com notícias relacionadas às religiõesafro-brasileiras, folhetos de campanhas sociais ede propaganda comercial. Em outros cômodos, háimpressos com indicações escritas sobre as práticasali permitidas, toleradas e proibidas .

Além dos vários textos axados à arquitetura, naobservação do cotidiano nesse terreiro não é difícilouvir referências a vários elementos nos quais a es-crita faz-se presente: listas de compras e outros itens,cadernos com anotações manuscritas, apostilas foto-copiadas, livros, revistas, jornais, sítios eletrônicos.Meios diversos para registro, ensino e aprendizagemde ideais, valores, mitos, práticas, costumes e histriadas religiões afro-brasileiras, que participam do diaa dia da comunidade religiosa.

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Educando (com) os sentidos: escrita, oralidade e estesia no processo de educação continuada das religiões afro-brasileiras

Uma das mulheres iniciadas nesse terreiro, M.,tem um caderno escolar no qual anota tudo quetem aprendido sobre a religião. Em entrevista, elacontou que o caderno vem sendo composto desde

quando foi iniciada e se adensou em uma série de“aulas” que o babalorixá, a pessoa que a inicioue cuida de sua formação religiosa, deu para osmembros do terreiro durante certa época, há algunsanos. “Aulas” que, segundo ela, reestruturaram osalão de cerimônias como uma sala de aula escolar,com o já mencionado quadro negro, algumas mesase bancos funcionando como carteiras escolares, ecada iniciado com seu caderno.

Observando o seu agir, pude perceber que elanão utiliza seu caderno ostensivamente, não se valedele em suas ações cotidianas. Entre as pessoas doterreiro, ao perguntar sobre os usos dos cadernosno dia a dia, ouvi relatos sobre outra mulher ali ini-ciada, não nomeada, cuja prática de trazer sempreo caderno junto ao corpo, sob as vestes, para que pudesse anotar cada novidade que visse, da qual participasse ou lhe contassem, foi bastante criticadae cerceada. Ao contrário, M. disse que guarda seucaderno em seu armário e a eles se dirige quando  julga ser pertinente e necessário salvaguardar algo que aprendeu por meio da anotação escrita,do registro grafado. E que também o leva paracasa e a ele recorre caso precise lembrar-se dealgo aprendido e ainda não de todo memorizado.Quando perguntei a M. sobre a possibilidade deacesso a seu caderno, ela respondeu que se dispõea exibi-lo para consulta, mas não para empréstimo,a alguns de seus irmãos e irmãs no terreiro, mas não para toda e qualquer pessoa. Em suma, o cadernode anotações escritas é um elemento pessoal, algo privado, diferenciado dos demais cadernos exis-tentes no terreiro, compostos por outras pessoas, etem caráter auxiliar em sua vida religiosa.

Entretanto, a presença da escrita e do cader-no no terreiro não é um fenômeno recente, nemestá circunscrito ao Rio de Janeiro. Um exemplodisto é o livro Cadernos de odu, no qual Agenor Miranda Rocha apresenta os caminhos do destinoanunciados pelo jogo de búzios. Na introduçãoda obra, Reginaldo Prandi informa que, em 1928,Rocha “escreveu tais ensinamentos para que elesnão fossem esquecidos, para preservar um tesouroque recebera de sua mãe-de-santo, Ana Eugênia dos

Santos, também conhecida como mãe Aninha, quefoi a fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador e no Rio de Janeiro. E informa:

Como eram muitos os irmãos e irmãs de santo

e outras pessoas queridas que precisavam dessesaber difícil de memorizar, Agenor, durante váriasgerações, copiou e deixou copiar seu caderno do jogo de búzios.

E acrescenta:

Muitas cpias desse caderno foram feitas e presen-teadas a sacerdotes e sacerdotisas que recorrem ao professor Agenor para o jogo de búzios, tanto para jogar com ele, quanto para aprender com ele (RO-CHA, 1999, p.7, 9-10).

Prandi ainda destaca a importância do cadernode Rocha e seu papel central nos processos de se-dimentação escrita e difusão de conhecimentos docandomblé no Brasil:

O texto de Agenor, com o nome de Caminhos deOdu, contendo local e data da redação, mas sem onome do autor, manuscrito, datilografado, xeroco- piado etc., circulou apcrifo por muito tempo entresacerdotes e estudiosos do candomblé, tendo sido a principal fonte escrita (...) ao longo de muitos anose muitas obras (ROCHA, 1999, p.12).

Outro exemplo de transmissão de saberes re-ligiosos por meio da escrita é a correspondênciaenviada, entre julho de 1935 e outubro de 1937, pela já referida mãe Aninha, de Salvador, parasuas lhas de santo Agripina e Filhinha, no Rio deJaneiro, onde ela as deixara cuidando do terreiroque antes fundara na cidade (TOBIOBÁ, 2007).A leitura das 21 cartas e do telegrama a elas en-viados por mãe Aninha leva a concluir que cartastambém foram enviadas a ela por essas suas lhasresidentes na então Capital Federal, pressupondo

formação religiosa à distância, intermediada por correspondência. Tanto João Batista dos Santos,Tobiobá, que guardou as cartas a pedido de mãeAgripina e apresenta a edição da correspondênciade mãe Aninha, quanto Reginaldo Prandi, quecuidou da edição para publicação do caderno deAgenor Miranda Rocha, informam que Aninha eAgenor eram chamados de professora e professor,respectivamente. O que novamente nos permite ver conexões entre os mundos do terreiro e da escola. Na “Nota do editor” da revista na qual a corres-

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 pondência da referida ialorixá foi publicada, Luis Nicolau Parés defende que não há certeza sobre “ograu de domínio da escrita de mãe Aninha” e que“as diferentes caligraas dos originais sugerem

que não era ela quem escrevia e que delegava essafunção a pessoas de seu entorno mais prximo”(PARÉS, 2007, p.272). Entretanto, pode-se dizer que, mesmo que não houvesse o pleno domínio daescrita no caso de mãe Aninha, o seu uso contribuiuno processo de distinção e armação de Aninha eAgenor no contexto das religiões afro-brasileiras.

A preservação e a divulgação desses documen-tos permitem perceber como a escrita participavadas práticas religiosas afro-brasileiras já nas pri-meiras décadas do século XX. Entretanto, é pos-sível armar que a escrita ocupava e ainda ocupauma função complementar, embora com presençacrescente, nessas religiões. Salvo poucas exceções,nem tudo era mencionado em suas cartas por mãeAninha. Segundo Parés, o alcance calculadamente parcial da escrita nessa correspondência deve-setanto ao “clima de repressão ao candomblé existen-te nos anos 1930”, quanto à “necessidade de man-ter o segredo ritual” (PARÉS, 2007, p.273-274).Também Agenor, ao sistematizar gracamente oscaminhos indicados pelos búzios, deixa espaço para que a escrita seja complementada pelo saber de quem os joga. Dessa forma,

Cada caminho divide-se em três partes: 1) eb, 2)mito; e 3) interpretação do oráculo. É interessanteque a lista dos ingredientes para a oferenda é sempreconcluída com um “etc.”. Disse o Professor que cabeao olhador complementar a receita, juntando alguma pequena coisa adicional que possa ser necessária emfunção da ocasião, da gravidade do problema, dascondições da pessoa para quem se joga e assim por diante. Disse ele: “A mãe ou pai-de-santo está comos búzios na mão, então joga e pergunta se é o caso

de por mais alguma coisa. O olhador tem de ter sabe-doria para desvendar o Odu completamente, porquenenhuma receita geral é assim completa. Cada casoé um caso” (PRANDI, 1999, p.14-15). 

Ou seja, tanto para mãe Aninha quanto paraAgenor Miranda Rocha, a escrita nunca abarca otodo. E muito menos pode tudo revelar.

Um ponto extremo nesse processo de registrar e publicar as práticas do candomblé é o livro Awó:o mistério dos orixás, escrito por Gisle Ominda-

rewá Cossard. A dimensão polêmica dessa obra,que “pretende dar uma visão dessas três pontas docandomblé (as tradições Ketu, Jeje e Congo/Ango-la), mostrando tanto as suas identidades quanto as

suas diferenças, especialmente aquelas que regemos rituais” (COSSARD, 2006, p.13), começa já notítulo, ao associar as palavras “awó”, que signicasegredo, e “mistério”, que deixariam de sê-lo comas revelações feitas na obra. Na visão da autora,as práticas religiosas afro-brasileiras deixaram deser segredo, mistério, há algum tempo. Como eladiz:

Anteriormente, o candomblé era visto como ummundo oculto, para iniciados. Aos poucos, pesqui-sadores, especialistas e até sacerdotes começaram a

divulgar este conhecimento de forma fragmentada.Acredito que, na verdade, tudo já tenha sido dito,mas de forma dispersa e muitas vezes com interpre-tações intelectuais, que reconstroem uma visão forada realidade do candomblé. O candomblé deve ser abordado com humildade e é preciso deixar que seusvalores falem por si. Por isso procurei não interpre-tar, não criar fantasias, nem tão pouco reconstruir imagens distorcidas ou surrealistas (COSSARD,2006, p.13).

Em verdade, ela reconhece a impossibilidadede tudo contar e registrar, ao dizer que não pre-

tende “mostrar uma verdade única e absoluta”, pois sabe ser impossível, seja porque “o mundodo candomblé é multifacetado”, seja porque sabeque apresenta uma versão parcial dele, apoiada emseu ponto de vista (COSSARD, 2006, p.13). Alémdisso, vale lembrar as palavras de Rocha: “cadacaso é um caso” (ROCHA, 1999, p.15).

Reconhecendo a impossibilidade de a escritaregistrar e reger a dinâmica religiosa, bem como asua subordinação à iniciação e à vivência religiosas,Cossard arma:

Os que lerem esse livro poderão pensar que as re-ceitas dadas aqui farão qualquer um improvisar o papel de babalaô, babalorixá e ialorixá. No entanto,tenho certeza de que somente quem passou pelosrituais, pelo sacrifício, pela iniciação, terá força eeciência para se tornar um verdadeiro sacerdote.Sem isto, estará apenas representando (COSSARD,2006, p.13).

Em síntese, não se pode dizer que a escrita es-tivesse e esteja ausente nos processos de produção

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Educando (com) os sentidos: escrita, oralidade e estesia no processo de educação continuada das religiões afro-brasileiras

e difusão de conhecimento no terreiro, mesmo quenão fosse e não seja o meio dominante de transmis-são de conhecimento, ainda que não consiga tudoabarcar, não obstante depender de outros meios, aos

quais se articula na transmissão dos saberes.

Educando com os sentidos

As práticas do terreiro envolvem outros sis-temas de comunicação que não apenas os orais eos escritos. Além de cânticos, preces e falas, que podem ser registrados em suportes variados (cader-nos, apostilas, livros, pautas musicais, discos, tascassetes, CDs, arquivos eletrônicos), o cotidianodo terreiro é permeado por coisas, muitas coisas.

Múltiplos, díspares e, não raro, estranhos objetosque são constituídos em rituais e são imprescindí-veis nos mesmos.

Os terreiros são constituídos por uma plastici-dade extensiva, pois, além dos objetos facilmenteconectáveis às tradições escultural e arquitetônica,deve ser destacada a especial indumentária neles preservada e aprimorada: vestes, adereços, os decontas. Extensão que totaliza ao relativizar. Cadaum dos elementos usados nessas religiões é, aomesmo tempo, um todo e uma parte, constituindo

o paradoxo instigante da coisa íntegra que participada caracterização dos artefatos e acontecimentosaos quais se conecta e integra, tornando-se uma parcela, sem perder sua inteireza. A um olhar maisatento e aberto aos outros sentidos, nas práticasdas religiões afro-brasileiras emerge uma plas-ticidade que nunca está dissociada do acontecer e da vivência. A amplitude dessas práticas pode, portanto, conectar os objetos utilizados nos ritosàs artes visuais, mas também, obrigatoriamente,às artes cênicas, à indumentária, à música, às artes

da narrativa, à culinária.Em verdade, boa parte dessa cultura material

e imaterial permanece inacessível; muitas peças eacontecimentos são mantidos longe do contato de boa parte dos membros das comunidades de terrei-ro e, especialmente, do público leigo. Entretanto,deve-se ressaltar o modo especial como as práticasauditivas, expositivas e performáticas participamdos rituais dessas comunidades: quando são dadas a perceber, é em meio a ritos e, geralmente, de modo

nada ostensivo.Com efeito, a dicotomia existente na cultura

moderna ocidental entre exibição e performance,que pode ser polarizada nas diferenças entre as

 práticas no museu e no teatro, não é observada nascomunidades de terreiro, cujos ritos não se desen-volvem sem o uso e a apresentação de determinadosobjetos, a audição de certos cânticos, a participaçãode corpos em ação, os quais são elaborados e dadosa perceber em rituais especícos. O que faz sobres-sair conjuntos de estruturas simblicas (plástico-visuais, musicais, performáticas) não restritas aseus suportes materiais e imateriais, por estaremconectadas entre si e, sobretudo, ao acontecer, à  permanente incorporação de divindades, que sãorepresentadas em pessoas e fora delas. Além deserem cristalizadas em instigantes assentamentos,as divindades personicam-se, excepcionalmente,nos iniciados durante os rituais de atualização dosmitos, além de se fazerem representar cotidiana-mente em seus corpos, por meio de escaricações eoutras lembranças corpreas da iniciação religiosa,assim como do coexistir com o ancestral mítico.Pois objetos e acontecimentos são dependentes deseres – humanos, animais e vegetais –, com seuscorpos, em processos interativos que pressupõemsons, imagens, cheiros, gostos, texturas. Dessemodo, coisas, fazeres e agires, indissociáveis nosrituais, demandam os sentidos humanos – visão,audição, tato, paladar, olfato – associados a fa-culdades como percepção, raciocínio, memria,intuição, imaginação.

Essa cultura material e essas práticas falam paraquem sabe ler e para quem quer aprender a ler, deacordo com o que cada um sabe e com o que é possível a cada um saber. Como entender o quedizem essas peças sem dominar suas linguagens ecódigos? Não só o leigo torna-se parcialmente cego,surdo e mudo diante delas. Mesmo um iniciado noculto pode não captar todos os sentidos implicados pelas diferenças de forma, cor, posição, quantidadee articulação dos seus elementos. Esse sistema derepresentação não é cifrado à toa. Em verdade,muito, praticamente tudo está evidente, mas nadaé explícito. Além dos olhos e ouvidos abertos, é preciso ter os demais sentidos despertos e disposi-ção para, humildemente, aprender a ler, aprender adominar diferentes sistemas de escrita e leitura. É

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 preciso ter paciência, além de intuição e esperteza,na procura do entendimento das múltiplas formassignicantes, no domínio de tempo e espaço que pode levar à plena comunhão com os encantos e

forças da natureza.Como disse Cossard (2006, p.10), “por suatradição, o candomblé não dispensa um aprendi-zado sistemático e organizado para seus lhos”. Oque congura a iniciação e o viver nas religiõesafro-brasileiras como um exemplo de educaçãocontinuada, por toda a vida. O respeito aos ditamesreligiosos é fundamental para conquistar, preservar e bem conduzir o encanto poderoso da natureza.O que exige vivência profunda, cultivo de saberesque, como tudo na religião dos orixás, inquices,voduns e encantados, não são recebidos prontos,mas, ao contrário, devem ser conquistados ao longodo tempo e no espaço. Aconteceres cotidianos eexcepcionais que obrigam a pessoa que se inseree é iniciada nessas religiões a estar predisposta àcontínua aprendizagem, mantendo os sentidos con-tinuamente despertos. Essa vivência religiosa tam- bém é um exemplo de educação processada comos sentidos e não apenas com a razão. Pois não setrata apenas de dominar a semântica de elementosestranhos e a sintaxe de processos de signicaçãoalgo exóticos. É preciso mobilizar os sentidos aoreetir, com eles pensar. O que faz a dimensão es-tética ser constitutiva dessas práticas religiosas. Sea questão estética é fundamental nos processos deensino e aprendizagem que constituem a vivênciareligiosa nos terreiros religiosos afro-brasileiros, é preciso observar a circunscrição a limites éticos queevitem a estetização dos objetos, a transformaçãoda liturgia em espetáculo. Nesse sentido, é preciso pensar no processo em curso de “hipertroa ritualdas religiões afro-brasileiras”, conforme qualicaReginaldo Prandi a ostentação dos aparatos físico,musical e performático em razão da ênfase ritualexcessiva (2000).

 No entanto, é preciso distinguir entre a este-tização dos cultos, que decorre do abandono dosvalores éticos e da consequente redução dos signi-cados a meras aparências e efeitos momentâneos,e a dimensão estética intrínseca a essas religiões,o valor fundamental dos sentidos na vida religiosacotidiana dos terreiros.

Estranheza e plenitude que, somadas, produzem

encantamento, surpreendendo e instigando os sen-tidos, ativando o corpo com formas, movimentos eritmos inesperados. É cegueira, contudo, prender-se apenas à bela e pujante multiplicidade sensria

dos rituais. Para entender o encanto e a potênciaque esses objetos e práticas almejam, instituem,é preciso, ao mesmo tempo, ativar e ir além dossentidos corpreos. Potencializando os sentidoshumanos, mas recusando a sua autocelebração,esses objetos e práticas visam a ns mais amplose profundos.

Educando os sentidos

A vivência nas religiões afro-brasileiras cons-

titui um processo continuado de educação com ossentidos. Processo que não visa apenas ao domíniode outros modos de fazer, compreender e fruir cânticos, falas, objetos, alimentos, gestos, sons,silêncios. Mais do que aprender outros meios decomunicação, múltiplas linguagens, trata-se da  permanente educação dos modos de sentir e desua inserção no viver. Em suma, um processo deeducação dos sentidos. Educação que começa pelocorpo. Mas o que é o corpo humano? É algo com- preendido universalmente de modo unívoco? Não,

como pode ser visto na exposição Qu’est-ce qu’umcorps? (O que é um corpo?). Apresentada no Muséedu Quai Branly, em Paris, em 2006, essa mostraestruturava-se com reexões de antropólogos so- bre diferentes concepções do corpo em contextossociais da África ocidental, Europa ocidental, naAmazônia e Nova Guiné (BRETON, 2006).

 Nas religiões de matrizes africanas no Brasil,o corpo também é entendido de modo especíco, particular. Segundo Cossard, no processo de inicia-ção religiosa no Candomblé, para que se estabeleça

uma ligação estreita entre a pessoa e a divindade,é preciso “fazer o assentamento do Orixá, para dar uma base tangível que, depois de sacralizada, vaicriar um vínculo espiritual entre os dois” (COS-SARD, 2006, p.173).

Ao renascer no culto, a pessoa desdobra-se, portanto, em outros corpos, em assentamentos deseus ancestrais míticos: pai e mãe, mais outrosmembros de sua família espiritual, conforme cadacaso. Esses assentamentos não devem, contudo, ser 

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184 Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 177-185, jan./jun. 2011

Educando (com) os sentidos: escrita, oralidade e estesia no processo de educação continuada das religiões afro-brasileiras

considerados como meros modos de representaçãodos iniciados, pois são verdadeiras extensões deseus corpos. Algo que tem precedentes míticos, pois, segundo Rocha, as pedras que Xangô guarda

no seu labá, um saco de couro, “são pedaços doseu prprio corpo” (ROCHA, 2000 [1994], p.64).Ou seja, nessa religião, aps a iniciação, a pessoaexperimenta o transbordamento do corpo que aconstitui desde quando foi concebida e nasceu.

E são instigantes esses assentamentos queconsubstanciam as divindades e as conectam aosiniciados: desde imagens menos ou mais natura-listas, inuenciadas pela imagética ocidental, atéconjuntos inslitos de coisas e elementos dísparesque, a princípio, nada parecem signicar, híbridosa reunir ícones, formas abstratas e elementos innatura. Ao olhar leigo, sobressaem as misturasinsuspeitas que conciliam composições calculadase associações ao acaso, feitas em ritos com desloca-mentos e conjunções de coisas díspares, materiaisinusitados, de diferentes tipos e origens, da natureza(provenientes dos reinos mineral, vegetal e animal)e fabricadas, algumas banais, outras raras. Assim,embora sejam tridimensionais, os assentamentosnão podem ser considerados imediatamente comoesculturas artísticas.

 Nessa dinâmica, o corpo da pessoa iniciada passa a estar ligado a outros corpos, a indivíduoscompostos de outra carne. Corpos que devem ser tratados como ela cuida do seu, já que os assen-tamentos demandam abrigo, asseio, alimentação,convívio. Em sua maioria, esses corpos permane-cem inacessíveis, mantidos longe da visão e docontato do público externo, e até de certa parte dosmembros das comunidades de terreiro. Para eles sãoconstruídas casas e outros dispositivos arquitetô-nicos e espaciais, bem como peças de mobiliário evestimentas. Eles são limpos e alimentados periodi-camente, cada qual com sua dieta. Com eles se ora econversa, pedindo e agradecendo, ou reclamando...Com eles se festeja. Processo que pode levar-nosa pensar em um sistema fragmentador e fetichista,no qual o indivíduo subdivide-se e concentra emobjetos. Ao contrário, em vez de dividir-se, a pessoainiciada multiplica-se; em vez de diluir-se, reforçaos traços de sua personalidade por meio da conexãoaos seus ancestrais. Em vez de focar em coisas, oindivíduo rearma suas relações pessoais. Pois

essas práticas são centrífugas e integradoras: emvez de focar em objetos, a pessoa iniciada deve, por meio deles, conectar seus corpos aos de outrosindivíduos, antepassados e contemporâneos. Pro-

cesso que conduz a outra consciência de si. Nessas religiões, além de sua família natural,o indivíduo recupera sua família mítica e ganhauma família religiosa. Ao tornar-se múltipla, por intermédio dessas representações, a pessoa armasua personalidade e a da comunidade à qual seintegra. Conexão estabelecida durante e aps avida, pois alguns assentamentos são preservados,mantidos pelos descendentes como ancestraiscultuados, divinizados, em um processo contínuode atualização da memria coletiva. Encarnados

e encantados, esses assentamentos são potênciase demandam práticas que implicam constanteeducação e integração social. Processo contínuode educação dos sentidos que implica a revisãotanto do entendimento do que é o corpo quanto daconsciência e do sentimento do prprio corpo.

Fraturas, conexões

  Não se pode dizer que o mundo exterior, aescola nele incluída, não solicite e mobilize os sen-

tidos humanos, especialmente com a onipresençadas imagens na cultura contemporânea. Nem se pode reduzir a especicidade da experiência dasreligiões afro-brasileiras ao exotismo constituídohistoricamente para tradições africanas e brasileirasque foram postas à margem do ambiente escolar,assim como de outras instituições no país. Resideno prprio animismo, que fundamenta essas reli-giões, uma vinculação indissociável entre seres,matérias, ações e coisas que difere e contrastaradicalmente com outros modos de ativação dos

sentidos, bem como distingue os processos edu-cativos correlatos.

Fratura que é sentida por pessoas formadas si-multaneamente nos mundos do terreiro e da escola,especialmente por quem nasce e se forma no con-texto do terreiro, quando, a partir de determinadomomento, ingressa na vida escolar. Discrepânciatambém sentida por pessoas formadas na escolae que, a certa altura da vida, com mais ou menosidade, iniciam-se nas religiões afro-brasileiras.

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Roberto Conduru

Entretanto, em todos esses casos é evidente a do-minância do mundo exterior ao terreiro, este é tidocomo uma exceção.

Exceção especialmente para quem nasce no

terreiro e lá se inicia quando se depara com a mar-ginalização e a invisibilidade a que são submetidasas práticas religiosas afrodescendentes no Brasil.O que pode ser exemplicado com um aconteci-mento na vida do menino N., que foi iniciado etem o cargo de ogã no Ile Axé Onan Ayê Omi. Naescola pública situada no mesmo bairro do terreiro,em uma aula de ensino religioso, quando ouviu a professora perguntar à turma qual santo usa coroa,

ele logo se apressou em responder, em alto e bomsom: “Xangô!” À felicidade de quem acreditavaacertar uma resposta sucedeu o espanto com o risodos colegas e a desconsideração da professora, que

tratou de remeter a pergunta especicamente aocampo do catolicismo, silenciando sobre as demaisreligiões praticadas naquele contexto.

Exemplo a indicar que permanece como desao para a sociedade brasileira a inclusão, na escola enas demais instituições ociais públicas, de outrosimaginários. A conexão, o diálogo e as trocas comoutras instituições e seus modos de ensino e apren-dizagem, além de tornar a escola mais coerente como campo social em que se situa, s enriquecerá suas práticas com outras maneiras de criticar e cantar,com outros modos de agir, pensar e sentir.

REFERÊNCIAS

BRETON, Stéphane (Editeur). Qu’est-ce qu’um corps? Paris: Musée du quais Branly, 2006.

COSSARD, Gisle Omindarewá. Awó: o mistério dos orixás. Rio de Janeiro: Pallas, 2006.

DICIONÁRIO Houaiss da língua portuguesa. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br>. Acesso em: 17 ago. 2010.

LOPES, Nei. Enciclopédia brasileira da diáspora negra. São Paulo: Selo Negro, 2004.

PARÉS, Luis Nicolau. Afro-Ásia, Salvador, UFBA, v. 36, p. 271-274, 2007.

PRANDI, Reginaldo. Hipertroa ritual das religiões afro-brasileiras. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 56, p. 77-88, mar. 2000.

ROCHA, Agenor Miranda. Caminhos de Odu. Rio de Janeiro: Pallas, 1999.

 _______. As nações Kêtu: origens, ritos e crenças: os candomblés antigos do Rio de Janeiro. 1994. Rio de Janeiro:

Mauad, 2000.TOBIOBÁ, João Batista dos Santos. 21 cartas e um telegrama de Mãe Aninha a suas lhas Agripina e Filhinha,1935-1937. Afro-Ásia, Salvador, UFBA, v. 36, p. 265-310, 2007.

 Recebido em 30.08.10

 Aprovado em 28.11.10

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Miriam C. M. Rabelo; Rita Maria Brito Santos

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NOTAS SOBRE O APRENDIzADO NO CANDOMBLé

Miriam C. M. Rabelo *

Rita Maria Brito Santos **

RESUMO

Este artigo tem por objetivo examinar o processo de aprendizado no candomblé.Partindo da noção de aprendizado como treino da atenção, proposta pelo antroplogoTim Ingold, procura mostrar os meios, técnicas e relações por meio dos quais osnovos ingressos em um terreiro vêm a se tornar membros experientes. O artigo estáfundamentado em pesquisa de campo realizada em terreiros de Salvador, incluindoobservação de atividades e realização de entrevistas. Aprender no candombléenvolve o desenvolvimento de habilidades diversas por meio de um engajamentoativo do corpo em contextos multissensoriais carregados de signicado. Embora asujeição aos mais velhos dena o contexto relacional em que os novatos aprendem,a dinâmica de aprendizado no candomblé abarca relações variadas (que incluem as prprias entidades), nas quais os papéis de aprendiz e instrutor mostram-se mveis esão frequentemente invertidos.

Palavras-Chave: Aprendizado – Candomblé – Educação da atenção, corpo esensibilidade

ABSTRACT

NOTES ON LEARNING IN THE CANDOMBLÉ

This paper examines the process of learning in Candomblé. Following Ingold’s analysisof learning as “training of attention”, it aims to shed light on the modes, techniques andrelations through which new members of Candomblé become experienced participants.The paper is based on eldwork among terreiros (Afro-Brazilian cult centers) of the cityof Salvador, Bahia. It shows that learning in Candomblé involves the development of skills through an active engagement of the body in contexts which are both sensuousand meaningful. Although submission to elders denes the relational context throughwhich new members learn, the dynamics of learning involves a complex web of relations (including those with the gods themselves) in which the roles of novice andmaster are often inverted.

Kewords: Learning – Candomblé – Education of attention, body and sensibility

* Professora Doutora (PhD) do Departamento de Sociologia e Programa de Ps-Graduação em Ciências Sociais, FFCH/UFBA.Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Ciências Sociais e Saúde (ECSAS/UFBA). Endereço para correspondência: Faculdadede Filosoa e Ciências Humanas - Estrada de São Lázaro, 197, Federação, Salvador-BA, CEP 40.210-730 – Salvador (BA).E-mail: [email protected] ** Doutoranda do Programa de Ps-Graduação em Ciências Sociais, FFCH/UFBA. Cientista Social. Pesquisadora do Núcleo deEstudos em Ciências Sociais e Saúde (ECSAS/UFBA). Endereço para correspondência: Estrada de São Lázaro, 197, Federação,Salvador-BA, CEP 40.210-730 – E-mail: [email protected] 

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Notas sobre o aprendizado no candomblé

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Introdução

A questão do aprendizado religioso certamentenão é nova na antropologia e está articulada a um

conjunto de temas clássicos das ciências sociaiscomo socialização e interiorização de padrões cul-turais, formação de saberes especializados, modosde transmissão e preservação da tradição. Emboracada um destes temas esteja associado a um quadro prprio de conceitos e generalizações e embora a prpria noção de aprendizado seja alvo de formula-ções bastante distintas (às quais nos voltaremos em breve), é possível dizer que todas estas abordagensreconhecem duas dimensões básicas do fenômenoque visam explicar: seu caráter processual, ou maisespecicamente o transcurso temporal pelo qual umcerto saber ou prática é apropriado, memorizadoou dominado de forma competente; e as relaçõesque são desenvolvidas neste transcurso e que pos-sibilitam o aprendizado.

 Neste artigo pretendemos abordar estas questõescom base em uma discussão do aprendizado no can-domblé. Iniciaremos nossa exposição examinandoo processo geral pelo qual os adeptos aprendem aconviver com as pessoas e entidades que fazem parte de um terreiro, bem como a desempenhar asatividades práticas que lhes são exigidas enquanto

membros do grupo. Em seguida, voltaremos nossaatenção para as relações que garantem ou susten-tam o percurso do aprendizado no candomblé.Estes dois aspectos do aprendizado, é claro, estãointimamente associados. Sua separação por tpicosserve apenas para facilitar a exposição.

O processo de aprendiado no can-dombl

A preocupação com a dimensão processualda experiência religiosa constitui, assim, um solocomum aos estudos sobre aprendizado religioso.Para a maioria dos autores que se dedicam ao temaé preciso ir além de uma noção de que as pessoasreligiosas “têm” crenças ou certas habilidades,disposições e motivações para agir, rumo a umentendimento dos modos, procedimentos, rela-ções e contextos pelos quais as pessoas “tornam-se” religiosas (crentes, habilidosas, dispostas oumotivadas religiosamente). Conforme observam

Berliner e Sarr (2007, p.7) em coletânea recentesobre o tema, a ênfase desloca-se dos conteúdosque constituem um determinado corpus religioso(e que são transmitidos aos novos e jovens adep-

tos) para os processos mesmos de transmissãoe aquisição destes conteúdos. No âmbito da an-tropologia da religião, estudiosos têm chamadoatenção para a diversidade de contextos, formase técnicas de aprendizado. A maioria dos autoresreconhece o papel importante dos rituais, ocasiõesextracotidianas e emocionalmente carregadas, nadinâmica de formação e renovação de atitudes eideias religiosas.

Embora o tema do aprendizado reúna cientistassociais preocupados em teorizar sobre os processos,

 procedimentos e contextos pelos quais a religiãoé apropriada e efetivamente incorporada à experi-ência vivida, há vastas discordâncias no que tocaa natureza destes processos. Para Ingold (2000) é possível discernir duas perspectivas divergentesno estudo do aprendizado. A primeira abrangedesde as abordagens mais clássicas ao tema aténovas vertentes de orientação cognitivista e estáorientada por uma visão do aprendizado enquantoaquisição de regras ou esquemas de percepção eentendimento. Nesta concepção, aprendizado éenculturação ou internalização de padrões cultu-rais. Enquanto uma primeira leva de estudiosostendia a tratar estes processos como recepção deconteúdos inculcados nos sujeitos mediante formasdiversas de educação, psiclogos e antroplogoscognitivistas empenharam-se em superar a ideia deaprendizado como recepção passiva, ressaltando aatividade dos sujeitos (ou os processos mentais) naaquisição de conteúdos. Para estes últimos, estudar o aprendizado equivale a estudar os mecanismosde processamento de informação, a identicar os  procedimentos pelos quais ideias religiosas sãoadquiridas e retidas na mente (cf. Boyer, Whi-tehouse etc.) de modo a orientar o comportamento.A despeito das diferenças que os separam (e dasosticação dos modelos propostos no âmbito daantropologia cognitiva), todos esses autores co-mungam de uma visão de cultura como conjunto derepresentações e/ou esquemas de entendimento domundo (e da religião como conjunto de crenças econceitos como divindade, bruxaria, renascimento, pecado etc.). Esta visão, argumenta ainda Ingold

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(2000, p.416), está assentada sobre uma separaçãoarticial entre aprendizado – o processo de aquisi-ção – e ação – a aplicação do saber adquirido, detal modo que a ação supõe a aquisição prévia de

conteúdos (regras, planos ou guias).Contrapondo-se às premissas de tal abordagem,Ingold (2000) propõe que a denição de apren-dizado como enculturação – aquisição de ideias,regras ou esquemas cognitivos – seja substituída pela de aprendizado como enskilment – desenvol-vimento de habilidades, ou, nas palavras do autor,de “capacidades para ação e percepção do ser orgânico como um todo, situado em um ambientericamente estruturado” (2000, p. 5). Nesta acep-ção, transmissão não é o termo adequado para seentender o processo de aprendizado. Um praticanteexperiente não transmite ao noviço ou principianteum corpo de conhecimentos; seu papel é, antes, ode prover os contextos em que aquele possa de-senvolver a prociência. Habilidades ( skills) nãosão transmitidas, mas refeitas (ou cultivadas denovo) nas várias situações em que principiantessão levados (ou guiados) a engajarem-se com oslugares, seres e coisas que compõem um mundocomum – são sempre desenvolvidas em contextosde engajamento ativo.

Ingold encontra inspiração importante na fe-nomenologia de Merleau-Ponty e na psicologiade J.J. Gibson. Ambos enfatizam a imbricaçãofundamental entre percepção e ação e, assim fa-zendo, oferecem um caminho interessante paratratar o aprendizado como educação da atençãovia engajamento ativo no ambiente (que geral-mente inclui a presença de entidades ou seresdiversos: outras pessoas, objetos, animais etc.). Demodo muito semelhante a Ingold, H. Dreyfus e S.Dreyfus (1999) recuperam a contribuição destesautores para discutir o aprendizado, construindoum esquema interessante dos estágios pelos quaisa prociência em certa prática é gradualmente ad-quirida. Central no seu argumento é a ideia de quea percepção da situação e os modos de intervençãosobre ela constituem-se mutuamente no processodo aprendizado: “na medida em que renamosnossas habilidades para lidar com as coisas, estasse nos aparecem como solicitando nossas respostashabilidosas, de modo que na medida em que rena-mos nossas habilidades, encontramos mais e mais

solicitações diferenciadas para agir” (DREYFUS& DREYFUS, 1999, p.104). Prociência implicauma sintonia na entre o ator e a situação – sintoniaque se adquire, argumenta Ingold (2000; 2010), via

educação da atenção.A ideia de aprendizado enquanto treino daatenção parece descrever com acuidade o modo  pelo qual se aprende em uma religião como ocandomblé1. Conforme os estudiosos das religiõesafro-brasileiras têm observado, o aprendizado pro-cede pela participação e envolvimento gradativoem contextos de prática (especialmente ritual)e raramente envolve transmissão sistemática deconteúdos (COSSARD, 1981; GOLDMAN, 1987;2007). Nos terreiros a “educação da atenção”, quegradativamente transforma os participantes emmembros experientes, dá-se de muitas formas eem situações diversas: festas, consultas, conversas,atividades práticas como cozinhar, tratar bichos,arrumar o barracão, preparar oferendas. Destaca-remos brevemente apenas dois destes contextos: ostrabalhos de limpeza a que se submetem clientese adeptos para solucionar aições diversas e a ini-ciação ou feitura. Os ebs2 de limpeza envolvemuma série de operações. Pratinhos com grãos va-riados são passados ao redor do corpo do cliente,o conteúdo despejado sobre sua cabeça, enquanto

ele pisa descalço no chão (às vezes sobre folhasou sobre fatias de berinjela). Seus braços e dedosdas mãos são esticados e sacudidos. Seu tronco,costas e ombros recebem o impacto de galhos defolhas, que mãe ou pai de santo segura e movimentavigorosamente ao seu redor. Findo este processo,toma banho e em seguida é banhado com infusãode folhas. Deixa a água secar sobre o corpo semauxílio de toalha e, vestido de branco, é envolvido pela fumaça do incenso que queima numa latinha balançada à sua volta. Sua testa, punhos, tronco,

costas e pés são marcados com pemba3. Podevoltar para casa, mas deve seguir por alguns dias

1 Vale notar que a proposta de tomar o aprendizado como desenvol-vimento de habilidades via engajamento ativo em um dado ambientenão é “aplicável” apenas a contextos em que se aprende “fazendo”,ou em que não há transmissão de um corpo letrado de conhecimento.Qualquer tipo de aprendizado – seja da religião, da arte, da medicinaou da ciência – envolve treino da atenção, via cultivo dos sentidos.2 Ebs são oferendas para os orixás, destinadas a atender a algum

 pedido (de saúde, dinheiro, amor, etc.)3 Tipo de giz natural ralado, que é soprado e/ou passado no corpo das

 pessoas para defesa ou proteção.

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um resguardo prescrito pela ialorixá4. Seu corponão poderá ser submetido a locais ou atitudes queimpliquem contato com energias desordenadas, oumuito fortes, como ocorre no contato físico íntimo

com outras pessoas. Assim, podemos dizer que, seo ritual acabou, continuará solicitando a atenção da pessoa por uma semana, ao menos. O efeito do ebentão interpenetra o cotidiano, não cando restritoao ambiente do terreiro ou ao tempo de ritual.

Outros ritos mais elaborados retomam estes procedimentos de repouso e limpeza do corpo,desenvolvendo-os em direção a uma maior inserçãodo participante no terreiro. Em grande medida osrituais são espaços privilegiados de aprendizadono candomblé. Entretanto, para entender como oaprendizado se processa nos ritos é preciso atentar  para os modos pelos quais as performances solici-tam e engajam o corpo dos presentes. As festas docandomblé envolvem espectadores e participantesem contextos carregados de sons, cores, cheirose movimentos; alguns ritos transformam-nos emalvos diretos de medidas sobre o corpo: a repe-tição e, em muitos casos, o detalhamento dessasoperações dicilmente passa despercebido por seusobservadores. Da fumaça e perfume do incenso, do banho de folhas que seca no corpo e do descanso naesteira à reclusão na camarinha e submissão radicaldo corpo a novas rotinas – parte da iniciação – osrituais mobilizam o corpo enquanto campo uni-cado dos sentidos. Aprender nestes contextos nãoé primeiramente adquirir um domínio intelectualdo que se passa, é ajustar-se à cena, ser capaz deresponder corporalmente a seu apelo e, desta for-ma, tornar-se parte dela. É um processo em quesensibilidades são despertadas, desenvolvidas ecanalizadas rumo à formação de hábitos e dispo-sições mais duradouras para agir.

A iniciação ou feitura5 ajuda-nos a compreender este ponto. Durante o período da iniciação o apren-dizado corporal que já se iniciou com a participaçãona vida do terreiro – e em outros ritos que marcametapas de inserção – ganha nova dimensão. Aí érefeita, passo a passo, a histria da pessoa que está para nascer. Na iniciação o noviço é retirado domundo das ações e certezas do cotidiano, recolhidona camarinha para aprender os modos de ser da reli-gião. A camarinha (ou ronc) é local de sofrimentoe provação, fundamentais para que o noviço possa

renascer enquanto lho de um determinado orixá.Durante o período de reclusão, a iaô6 tem seusmovimentos restritos, passa a maior parte do tempodeitada ou sentada na esteira, junto ao chão. Deve

dormir e sonhar. Como criança, não tem poder dedecisão e está sob o domínio dos mais velhos quese movimentam livremente e a quem ela vê sem- pre de baixo. Seu corpo é assim disciplinado, mastambém objeto de muitos cuidados, “amolecido”com banhos, alimentado e vestido.

Boa parte do tempo em que permanece recolhidaa iaô é mantida virada no erê. Os erês são entidadesinfantis, bastante apreciadas no terreiro, brinca-lhonas e comilonas. O aprendizado dá-se, assim,em uma atmosfera emotiva muito peculiar. A iaônova, quando sai da camarinha, também ela é comocriança, devendo obediência e respeito aos maisvelhos da casa, seus superiores na hierarquia doterreiro, principalmente a sua mãe de santo. Comocriança, tem pouco ou nenhum poder de decisão, emuita gente pode mandar nela. Senta-se sempre emum tamborete baixo ou no chão, dorme ainda naesteira, durante algum tempo não pode manter re-lações sexuais, beber ou ir à praia. Renascida comolha de um orixá, sua relação com a divindade écultivada no corpo também pela obediência a certas proibições alimentares e comportamentais, que sãoquizila do seu orixá (alimentos, bebidas ou atos quelhe causam repugnância)7. A memria que assim seconsolida pode ser um conhecimento “falho” deconteúdos intelectuais – traz, por exemplo, lacunasno que toca aos eventos ocorridos durante a inicia-ção (já que a pessoa passa boa parte do tempo emestado de possessão), mas é extremamente rica emconteúdos corporais e afetivos que serão reiteradosdurante todo o resguardo.

4

Ialorixá é a palavra yorubá para mãe de santo; babalorixá, para paide santo.5 Também referida como processo de “fazer o santo”.6 Da iniciação até a realização dos ritos que marcam a “obrigação” desete anos, o adepto é iaô – termo yorubá que signica jovem esposa eque aponta para um período marcado por forte sujeição à autoridadedos mais velhos e às regras do terreiro. Depois que realiza a obrigaçãode sete anos, torna-se ebômim (irmã mais velha), e passa a ter umstatus de membro sênior no terreiro. Considerando a presença mar-cante de mulheres no candomblé, neste artigo usaremos no femininoos termos que designam as várias modalidades de adeptos, quandoempregados no singular.7 Em alguns casos há quizilas especiais relativas ao orixá particular da pessoa, mais uma marca de individuação.

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O aprendizado abarca, assim, medidas sobre ocorpo que visam a prepará-lo para um novo estilode prática e convivência. Estas medidas envolvemtanto a sujeição e “amolecimento” do corpo (posto

em estado de passividade, cercado de cuidados etotalmente concentrado em atividades básicas comodormir, comer e banhar-se) quanto seu gradualdespertar (sensível e motor) para o convívio comos espaços diferenciados e os seres diversos quecompõem a vida no terreiro: pessoas humanas, ori-xás, caboclos. Exige também um esforço por partedos novos adeptos para se ajustarem às demandasdos lugares abertos pela inserção religiosa, paraaprender um conjunto de posturas, gestos e rotinasdestinadas a atender a essas demandas. Quanto mais podem contar com um acervo prévio de experiên-cias para desenvolver suas competências religiosas,mais facilmente aprendem.

Em seu estudo sobre a inserção de indivíduosde camadas médias escolarizadas no candomblé deSalvador, Duccini (2005) abordou as diculdadesenvolvidas no aprendizado da religião, quando setrata do desenvolvimento de habilidades e sensi- bilidades alheias ao habitus de classe dos adeptos.Se os lhos de santo de classe média mostravamforte identicação com o corpus mítico da religiãoe, em especial, com os seus orixás, vivenciavamdiculdade na incorporação de gestos, posturas emovimentos alheios a seu habitus de classe, masdenidores das competências práticas exigidas dosque vinham a participar dos rituais e a inserir-se nocotidiano do terreiro – habilidades tanto relacionaise interativas quanto técnicas (mover-se com grandequantidade de roupa, dormir em esteira, permanecer acocorada, depenar galinhas, tratar bichos). Con-forme Duccini (2005, p.175), tratava-se para essessujeitos “de muito mais do que uma mudança derepresentações. Era preciso aprender a interagir,

a se situar bem diante do outro dentro das regrasdo grupo”.

O aprendiado da possessão

Parte importante do aprendizado no candomblédiz respeito à convivência com os orixás. Emboranão seja acessível a todos os adeptos a possessãoé o modo por excelência pelo qual os orixás sefazem presentes entre as pessoas e interagem com

elas (BASTIDE, 1973; AUGRAS, 1983; PRANDI,1991). Aqueles cujos corpos servem de veículo paraos orixás são chamados rodantes – rodam com osanto –, termo que aponta para a centralidade do

movimento na possessão. Diz-se de alguém pos-suído que virou no santo, está virado, que o santo“pegou” ou baixou. A possessão envolve apren-dizado. Tanto o adepto quanto o orixá precisamser instruídos nos modos corretos de proceder. Asmúsicas, passos de dança, posturas de repouso eespera, devem ser aprendidos, memorizados. Háum conjunto elaborado de expectativas estabele-cendo as situações em que a possessão é não sdesejável, mas obrigatria. Estas variam de acordocom a posição do el na hierarquia do terreiro,

o tempo medido pelas obrigações já realizadas.Em linhas gerais pode-se dizer que à medida queo el avança na escala hierárquica (determinada  pelo tempo de iniciação que é conrmado por obrigações especícas), a expectativa com relaçãoà possessão também varia.

 Não há uma regra clara regulando a possessãoentre as abiãs (frequentadores que ainda não ze-ram a iniciação). Qualquer entidade pode apossar-se de uma abiã, em momentos também bastantevariáveis. Aps o ritual de iniciação, entretanto,a situação muda drasticamente. Há expectativas bastante denidas no que diz respeito à possessãoentre as iaôs de uma casa. Quanto menor o tempode iniciação de uma iaô, mais numerosas são asocasiões em que o orixá irá se apossar de seu corpo,dentro e fora do terreiro, durante as festas ou noexercício de atividades mundanas. Várias dessasocasiões expressam diretamente seu status subordi-nado. Diferentemente das iaôs novas, as ebômins – “irmãs mais velhas” ou adeptos que já realizaram aobrigação de sete anos – viram no santo com poucafrequência, em geral em festas relacionadas ao seu prprio orixá ou ao da mãe de santo.

As primeiras experiências de possessão deuma pessoa são em geral acompanhadas de muitosofrimento. As aições vividas por uma abiã são,em parte, consideradas um chamado do seu orixá,  pedindo a feitura (iniciação). Entretanto podemtambém sinalizar a interferência de distintasentidades ao mesmo tempo. Em alguns terreirosdiz-se que, no começo, o orixá não vem sozinho;sua energia aparece misturada com a de eguns

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(espíritos de mortos) e exus. Quando têm que lidar com abiãs em semelhante condição, mães e paisde santo buscam tanto individuar as entidades queestão manifestando-se – fazendo-lhes oferendas e

sacrifícios –, quanto abrir o corpo para o chamadodo orixá – limpando, banhando, colocando emrepouso, apresentando os contextos sensíveis re-lacionados ao orixá e sensibilizando o corpo pararesponder a tais contextos. À medida que essescuidados e procedimentos avançam em direção àfeitura, multiplicam-se as situações em que o orixáse apossa do corpo de sua lha ou lho. O mundoda vida cotidiana transforma-se em um imensoreservatrio de apelos ou chamados do santo. Asabiãs temem ser tomadas pelo orixá e evitam deixar o terreiro. É como se qualquer elemento – sons,movimentos, cores, objetos, relações – que parti-cipe ou evoque os contextos para os quais foramsensibilizadas fosse capaz de trazer para o presenteesses contextos e, portanto, as respostas corporaisa eles sintonizadas; a relação com qualquer desseselementos por si só instala lugares, denidos pela presença do orixá ou caboclo.

A iniciação, ao mesmo tempo em que permitesuperar essas experiências mais dolorosas, dá con-tinuidade ao processo de abertura e sensibilizaçãodo corpo ao orixá, dono da cabeça. As experiênciasde ritmo indistinto, características dos primeiroseventos de possessão, transformam-se cada vez maisem movimentos ritmados especícos que, em sinto-nia com a música, desenham (e marcam no chão) olugar do orixá. Conforme já observamos, esse é um processo delicado que exige boa dose de submissãodo noviço. A passagem da posição de abiã para a deiaô, dramaticamente vivida na iniciação, traz consi-go mudanças importantes no que toca a possessão. No caso da iaô, esta é regulada por um conjunto deexpectativas relativamente rígidas; espera-se que aiaô “vire” quando em contato com elementos especi-camente associados não só ao seu orixá de cabeça,mas àquele da mãe de santo e mesmo de sua mãeou pai pequeno8 (toques e cantigas, oferendas, certassaudações e gestos). A possessão da iaô é bastantefrequente se comparada tanto à experiência das abiãsquanto a dos ebômins, mas está longe de ocorrer demodo caótico ou em contextos inesperados. É sinalde sua subordinação aos orixás e ao terreiro: a iaôtem pouco controle sobre seu corpo.

À medida que tanto a lha de santo quanto seuorixá amadurecem, suas relações tornam-se mais pessoais e rotinizadas. Ebômins viram no santo com bem menos frequência que iaôs, em geral apenas

durante as festas para seu(s) orixá(s) ou para o(s)orixá(s) da mãe/pai de santo, o que certamente éindicativo de sua posição elevada na hierarquia doterreiro (GOLDMAN, 1987). A experiência de virar no santo é também distinta. Os orixás aproximam-se gradualmente e as ebômins reconhecem os sinaisdesta aproximação. Tornar-se íntimo com o orixá éaqui não o apagar total da distância, mas justamenteo resultado de um processo em que se aprende a cul-tivar certa distância, em que se aprende a conhecer o outro (orixá) enquanto outro e orientar-se frentea ele de forma habitual. Vale notar que emborauma série de expectativas institucionalizadas sirva para marcar as diferenças entre iaôs e ebômins, oconhecimento a que estamos nos referindo é muitomais produto de uma experiência acumulada quede um corte radical entre posições hierárquicas.Assim, diferente da abiã – que se assusta e sofreao ver-se tomada pelo santo – e da iaô nova – queé totalmente engolfada pela presença do orixá –, alha de santo com mais tempo de feitura reconheceo seu orixá enquanto outro que é diferente, masintimamente conectado a ela. Este reconhecimentodá-se antes de tudo como uma experiência sensível  particular que lhe permite antecipar e até certo ponto também controlar a possessão.

O aprendizado corporal da iaô pode ser descritocomo um renamento crescente da sua sensibilida-de para identicar e discernir nas várias situaçõesvividas dentro e fora do terreiro os sinais do seuorixá (expressos em congurações de sons, cores,odores e mesmo nos movimentos e gestos de outras pessoas). Este renamento é acompanhado pelodesenvolvimento de sua habilidade para respon-der a essas situações diferenciadas. Quanto maissensível e habilidosa ela se torna, mais as situaçõesdescortinam-se como exigindo dela suas respostascompetentes. A ebômim é uma praticante experien-te, capaz não apenas de discernir diferenças sutisnas situações (e em seu prprio corpo, sintonizado

8 A mãe e pai pequeno de uma iaô são geralmente membros mais velhosdo terreiro, que são diretamente responsáveis por cuidar e instruir aiaô durante a feitura, auxiliando a mãe ou pai de santo.

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a estas situações), como também de exercer maior grau de controle na sua relação com a situação (eseus variados componentes).

As relações sociais do aprendiado

Quando tratamos de uma dinâmica de aprendi-zado, identicamos logo as duas posições chavesde aprendiz ou novato inexperiente e mestre ou praticante competente, e supomos que o processoem questão resume-se à troca operada entre eles.Entre os ocupantes destas posições circula o co-nhecimento – do segundo em direção ao primeiro,é claro. As considerações feitas na seção anterior  permitem já concluir que o aprendizado no can-

domblé desenrola-se por caminhos e relações bemmais complexas do que o percurso previsto nestequadro geral. A seguir iremos elaborar melhor este ponto.

Há muito que se aprender no candomblé, alémdas músicas e danças exibidas nas festas públicase mesmo além da possessão, que descrevemos. Háuma etiqueta regulando as relações com os orixás euma etiqueta das relações entre os adeptos situadosem pontos diferentes da estrutura hierárquica doterreiro. Há um conhecimento particularizado de

cada orixá, que inclui suas predileções e quizilas,e que regula o preparo de qualquer oferenda. Háum vasto corpo de cantos e rezas. Há responsabi-lidades diferenciadas de acordo com a posição decada um. Os dois depoimentos abaixo, feitos por ebômins com mais de quarenta anos de iniciadas,ilustram bem esse ponto:

Tem o ogã9 de sala, tem o ogã de faca , que fazas matanças. E aí é coisa de muito respeito e demuita responsabilidade pra os ogãs que entram  pra seita. Ele se adapta naquele regime, ele tem

que responder respeitosamente todo o cargo dele.Tem axogun, tem tudo. As equedes, elas tomamconta dos santos na sala com as toalhas. Tem as dacozinha que vão responder pelas comidas das enti-dades. Candomblé não é graça, não. Candomblé éfundamento! Fundamento mesmo sério! (...) Gentechega, porque o ogã ele tem que saber responder as cantigas, ele tem que saber cantar. Uns é prasaber tocar, que vai pro couro, né. Vai pa, pa, pa,os atabaques. Eles cantam, eles sabem responder ascantigas. Tem muitos que não sabem. Quer dizer,

não se delibera. Porque tem que aprender. Tem osensaios, tem tudo. (Dona Jandira)

Minha mãe Noélia ensinava as coisas à gente... Noélia ensinava como a gente ia fazer comida de

Oxalá, comida de Ogun, tudo isso a gente aprendiacom ela. Ela sentava para ensinar a gente a rezar,sentava pra ensinar as músicas do candomblé, elatinha aquela dedicação de sentar pra ensinar. Seeu não me sento pra te ensinar uma reza, você nãovai aprender, se eu não ensino a você cantar umacantiga do candomblé, você não pode saber, entãoa única coisa que ela ensinava que eu nunca aprendifoi tocar atabaque. Mas ela ensinava a gente o queOxalá comia, o que Oxalá pega. (...) Em si a genteacha que não, mas no candomblé você tem que ter leitura pra saber fazer as coisas, não é s você fazer 

o santo e acabou, dançou ali na roda e acabou, nãoa gente tem saber fazer as coisas, saber a reza. Por exemplo, eu no keto, minha mãe me deu a reza praaprender, as cantigas de Exu, eu tenho ai vinte e umacantigas de Exu. Tenho como é que se faz um bori,tenho por escrito tudo que ela me deu, como é que setoma o nome do santo... Você tem que saber como éque toma a benção a um zelador, ou uma zeladora, agente sabe como é que faz. Tem a cartilha na angola,a gente tem que rezar aquela cartilha. (Dona Aidete,“Ominidê”10)

Ambas as ebômins chamam atenção para o

complexo estoque de conhecimento a ser aprendidoe dominado com responsabilidade pelos adeptosdo candomblé. Diferente de Jandira, entretanto, aoenfatizar o trabalho dedicado da sua mãe de santo,Aidete ilumina as relações que tornam possível esteaprendizado. Cabe, em primeiro lugar, à ialorixá ou babalorixá instruir seus lhos novos, proporcionar-lhes os contextos para que possam desenvolver ashabilidades que são requeridas deles no dia a diado terreiro.

9 Em um terreiro de candomblé, os adeptos que não vivenciam a  possessão (que não são rodantes), dividem-se em ogãs (se foremhomens) e equedes (mulheres). Os primeiros desempenham váriasfunções e diferenciam-se de acordo com elas: tem os alabês, quetocam os atabaques; o axogun ou ogã de faca, que faz os sacrifíciosanimais; os ogãs de sala, que recebem os visitantes etc. As equedestêm como responsabilidade cuidar dos orixás que baixam nos corposdos rodantes, ajudar a vesti-los, limpar o suor de sua face, ajeitar suasvestimentas quando dançam e despachá-los quando necessário.10 Ominidê é a dijina de Dona Aidete. Após a iniciação, todo lho desanto recebe uma dijina, nome ligado ao seu orixá de frente, pelo qual

 passa a ser tratado no terreiro. Neste trabalho, conforme solicitaçãode alguns de nossos informantes, aps os seus nomes acrescentamos,entre aspas, suas dijinas.

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O aprendizado no candomblé procede segundoas linhas que estruturam a vida social do terreiro.Aí domina uma hierarquia, marcada pelo princípiode senioridade: a autoridade e o conhecimento es-

tão, ao menos idealmente, concentrados nas mãosdos mais velhos no santo (aqueles que já têm maistempo de iniciação e de obrigações feitas, e que por sua prpria trajetria são reconhecidos comoos membros mais experientes). Não há aprendi-zado sem sujeição e respeito aos mais velhos – eem primeiro lugar, é claro, a mãe ou pai de santo.É obedecendo que a iaô aprende. Conforme se dizentre o povo de santo, a iaô escuta, não pergunta;não se aventura aonde não foi chamada; observaatenta para, quando for solicitada, saber fazer.

A submissão precisa ser aprendida. É possíveldizer que aprender a respeitar e obedecer aos maisvelhos é condição para que se aprenda no candom- blé. Quando falam do seu período de iaô, muitosadeptos chamam a atenção para a diculdade vividade ajustar-se a esta exigência. Alguns aprendemcom mais facilidade. Já outros contam como lhesera penoso ter que se deitar aos pés das ebômins para tomar a bênção, assumir as tarefas mais pe-sadas e cansativas do terreiro, manter-se humildese aceitar calados as repreensões de seus pais oumães de santo. Muitas das histrias contadas nocandomblé sobre o processo de circulação e aqui-sição de conhecimento contrastam os terreiros deantigamente aos de hoje. Naqueles o conhecimentoera mantido rmemente nas mãos dos mais velhose a iaô sabia bem seu lugar. Nos relatos abaixo duasmães de santo iniciadas há muitos anos apontam para estas diferenças:

 Iaô não tinha direito a conversar muito nem per- guntar nada naquele tempo. (...) no meu tempo: iaônão sabia o dia que entrava [na camarinha, para

 ser recolhida], iaô não sabia o dia que saía, iaô não sabia de nada, iaô aceitava. Ela entrava e o pai de santo era responsável por tudo. Hoje não, a gente  já vem vestido de santo, você é de tal santo, seu juntó é santo tal, essas coisa ta mais esclarecida,né11? Mas naquele tempo não, eu vim saber [o meuorixá] depois do nome que eu era de Logun Edé,depois do nome do santo. (Mãe Beata, “Xaluga”,39 anos de feita)

 Beata: – Que eu [z o santo] sem saber de nada,mas graças a Deus, eu quei bem, porque eu [sô

muito controlada]... não era fácil... naquele tempo,qualquer coisa virava no santo, qualquer coisa...tinha ximba, né, essas coisas todas. Agora não temmais isso.

Miriam: – Não tem mais não? Beata: – Não. Ninguém bate mais em iaô. (...) E sea gente errasse, mandava fazer o santo dá ximbana gente.

Miriam: – Ela mandava?

 Beata: – Mandava.

Miriam: – E o santo dava?

 Beata: – Dava, é claro! No meu tempo existia a dis-ciplina, realmente a nossa religião é um mundo civil,a pessoa tem que abraçar a posição que lhe foi dada

no axé cuidando e respeitando. Sendo que iaô queerrasse era punido... era como escolinha, né? E hojenão tem mais isso. (...) E iaô respeitava. O povo dahierarquia transmitia a autoridade pelo olhar e se a

 gente errava era punido. (...) O tempo do meu apren-dizado passou muito rápido, mas como sou lha deTempo, que era orixá do meu pai de santo Miguel 

 Arcanjo Paiva, “Deuandá”, colhi bons resultados:retorno de saúde, tranquilidade e consciência queestava exercendo uma grande missão para cumprir com pulso forte e com a autoridade de uma sacerdo-tisa. A minha aprendizagem com a minha mãe Alaíde

  Pereira dos Santos, “Lukeran”, foi de dominar com habilidade e ter capacidade de dar garantiasno mundo civil. Minha meta é continuar servindoaos orixás com amor e respeito, peço a Olodumaré

 para direcionar meus lhos biológicos, meus lhosde santo, irmãos e amigos do axé, pois Olodumaréé o dono do destino, tem o saber do passado e do

 presente, e o futuro aos orixás pertence. Sigo rmea minha missão com a ajuda dos ministros do axéda minha comunidade: ogãs, equedes, babakekerê,

  yaotum, yagebé, yamorô, yacidagan, babaefum,enm, todos os lhos. (Mãe Beata, “Xaluga”)

 Naquele tempo o candomblé era muito diferente dode hoje. A própria Federação de Candomblé conde-na a gente se zermos alguma coisa... Antigamente

 lho de santo apanhava e apanhava muito, e quandonão apanhava deixava de erê ou de santo o dia todo,e hoje que tá mudado, somos nós que apanhamos

11 Mãe Beata refere-se aqui ao fato de que as iaôs de hoje detêm umconhecimento que não era acessível às noviças dos terreiros antigos.Sabem, por exemplo, antes de entrar no ronc, a identidade de seuorixá de frente e mesmo do seu segundo orixá, ou junt.

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dos lhos de santo. Se a gente for agir de qualquer   jeito, correm logo pra Federação. Ai hoje temosque deixar eles fazerem o que querem, eu mesmodeixo eles fazerem o que querem. (Mãe Raimundade Oxossi, 50 anos de feita).

Mãe Beata dene bem a condição de submissãoda iaô, particularmente notável nos candomblésantigos. Privadas de acesso ao conhecimento, es-tavam nas mãos de seus pais ou mães de santo, edeviam conar inteiramente neles. Como criançaseram sujeitas à punição caso não se comportassemconforme as expectativas e, algumas vezes, eramcastigadas pelos seus prprios orixás12. Nestescasos os orixás eram chamados para punirem,  por meio de possessões violentas, as chamadas

ximbas, os lhos faltosos. Ao contar casos doseu passado, a mãe de santo tece uma avaliaçãointeressante da situação atual. Vê positivamenteo fato de que, atualmente, não há mais lugar paraalguns dos excessos que marcavam a relação dos pais e mães de santo com seus lhos. Entretanto,também percebe que a maior tolerância dos pri-meiros pode ter repercussões negativas sobre oaprendizado dos mais novos. Livres de controlesmais rígidos, as iaôs acabam por não aprender adesempenhar corretamente e com responsabilidade

suas obrigações. Ao descrever o estilo de mandode seu pai de santo, ressalta como seu aprendizadono candomblé dependeu da postura rígida do pai.Miguel Deundá delegava-lhe responsabilidades,mas, sempre atento, cobrava o cumprimento exatodaquilo que lhe havia incumbido de fazer:

Chamava atenção, reclamava, era muito rígido, né?Mas como pai de santo maravilhoso, eu agradeçoa ele, senão como é que eu estava hoje? Não sabianada... Porque o pai de santo que não se liga muito,tá por fora. Mas ele era rígido, nas obrigações dele,

 se ele conasse cinco galinhas e [quando você trou - xesse os axés 13 preparados] tivesse quatro corações,você era responsável pelo coração que sumiu, vocêtinha que dar providência, nem que fosse em uma

 galinha, pra tirar aquela coração. O axé só ia pramão dele pronto... eu tinha que ser responsável. Quehoje em dia, tem gente (pai ou mãe de santo) quenão liga muito, lhe dá aquilo pra fazer, você largoue jogou pra lá... [Ele] não, [delegava] mas depoisele contava tudo, coração, fígado, a moela. Se o

 santo é Iemanjá, eu vou ter nove galinhas, porque

tem oito corações? Você vai dar providência, e sóarria o axé depois que tiver com os nove corações,então agente se sentia responsável. E a minha mãe

 Alaide com muito amor e carinho, criando a genteno santo e ensinando a ter responsabilidade com

o cargo que eu exercia no terreiro, de agibonam(auxiliar da mãe de santo), era a rombona da casa,a primeira dofona14.

Xaluga teme também que o acesso descon-trolado ao conhecimento sagrado e, portanto, suaconsequente democratização (hoje muita genteaprende os procedimentos do candomblé via sitesna internet e leitura de livros e revistas especiali-zadas) venha a minar a estrutura de autoridade tãofundamental à vida no candomblé. De posse de “in-formação” que outrora não era facilmente acessívela adeptos na sua condição, os lhos de santo novossentem-se cada vez mais em situação de avaliar equestionar a conduta dos mais velhos.

Embora, conforme observam muitos dos adep-tos mais antigos, tenha havido mudanças nos modosde controle e circulação do conhecimento no can-domblé, a obediência aos mais velhos (e, acima detudo, à mãe ou pai de santo) permanece uma orien-tação dominante em todo processo de aprendizadoreligioso. Esse entendimento parece constitutivo dacompreensão que os membros de um terreiro têm

sobre o aprendizado, como enfatizado nas falas dedois ogãs, Jorge Anderson – “Kissenbu” e CarlosMoreira – “Lufandê”. Ambos armam que paraaprender é preciso estar atento ao modo de fazer  praticado pelos mais velhos. Jorge Anderson é lhoda ialorixá Xaluga, tem 22 anos de conrmado e fezsanto aos 8 anos. Nas suas prprias palavras:

 Eu já nasci dentro do candomblé, mas não entreinecessariamente porque minha mãe era ialorixá,

12

Não estamos aqui armando que todos terreiros adotam rigorosa-mente os mesmos procedimentos para instruir os novatos, ou que oscastigos antigamente eram regra no candomblé.13 Os axés são preparados com partes internas dos bichos sacrica-das para os orixás. Nestas partes está concentrado o axé, força ou

 princípio vital.14 Dofona é a primeira iaô de um grupo de iniciandas (ou de um“barco”) a ter a cabeça raspada. Os demais membros do barco devem-lhe respeito, como mais velha. Rombona é a primeira dofona de umterreiro, i.e. a dofona do primeiro barco de iaôs.15 Bori é o rito de dar de comer à cabeça, ori, que é sagrada no candom-

 blé. Pode ser indicado como medida para trazer equilíbrio à pessoa eresolver problemas de saúde, mas é também um rito obrigatrio emtodo processo de iniciação.

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entrei porque eu precisei entrar, porque aos 5 anosde idade eu tive um grande problema... Dei umbori15 e nunca mais tive nada. [Então] passei a meinteressar e com oito anos pedi a minha mãe prame levar numa roça (terreiro)... e lá aconteceu que

o orixá me suspendeu (escolheu para ogã) na pri-meira vez que fui na roça. (...) No ano seguinte eume conrmei16  graças a Deus... Eu gosto muito dareligião, da cumplicidade... é uma energia muito boaque a gente recebe dos orixás... Tive meu padrinho

 Lenivaldo, “Tatamubenki” que foi muito importantena minha vida. Me ensinou tudo!!! 

Moreira tem 5 anos de conrmado, fez santocom 57. É espanhol, veio para o Brasil com 11 anosde idade e diz que sempre teve uma “atração pelocandomblé”. E assim dene esta atração:

 Inicialmente [fui] muito assim pela questão plásticae pela energia... fui muitas vezes a diversos terreirosde candomblé, assistir, participar, mas nunca meliguei, ainda que, estranhamente, desde muito jovemeu aprendi a usar branco nas sextas feiras. Eu nemimaginava que eu era de Oxalá... até que há uns anosatrás, numa festa de caboclo eu fui suspenso comoogã de Logunedé. A partir daí eu passei a prestar mais atenção, a partir daí eu percebi que eu tinhaque aprender. E de lá prá cá tem sido um aprendizadoconstante, cotidiano, sou um pouco desligado (sorri),mas tenho aprendido bastante.

Kissenbu e Lufandê  têm uma histria bemdiferente. O primeiro foi criado no candomblé,enquanto o segundo aproximou-se como alguémde fora, um estrangeiro atraído pelo mundo dosterreiros. Apesar disso, duas noções comuns dãoo tom do seu relato. A primeira é de necessidade.Kissenbu ingressou como membro porque preci-sava solucionar um problema de saúde. Moreiraaproximou-se por uma anidade percebida com ocandomblé, logo sentida como uma necessidade

de estar no ambiente do terreiro. A segunda é a desensação. Ambos ressaltam a sensação da energiados orixás como marcando (ou motivando) o iní-cio do aprendizado, algo percebido na música, na plasticidade dos corpos, nas atividades rituais. Essa“sensação” é inicialmente uma percepção difusado ambiente que, com o tempo e ajuda dos demaisadeptos da casa (incluindo os prprios orixás), abrecaminho para a percepção de diferenças mais sutisno mundo sagrado.

E o processo social do aprendizado? Kissenburessalta o papel desempenhado por seu padrinho,ogã e lho biológico de sua mãe de santo, na suaformação religiosa. Chama atenção para outra face-

ta do aprendizado no candomblé: aprender envolvetambém o cultivo da discrição, como atitude geral  para evitar desentendimento e mal-estar em umambiente sempre marcado pela presença prxima,íntima, de muitos outros:

Você tem alguns irmãos que quando você tá preci- sando dividem a experiência. Isso é muito importan-te, porque a gente não entra no candomblé sabendoo que a gente tem que fazer ou como deve ser feito, a

 gente só vai aprender com a prática, coma ajuda das pessoas que ali estão já tem um tempo. (...) [No can-domblé os mais velhos estão] sempre frisando paramais novos: “aprende que um dia eu vou morrer evocê vai ter que fazer”. Então esse negócio é muito

 forte. (...) Meu padrinho me ensinou tudo... Vadinho. Ele me ensinou a tocar atabaque. Era um poucorígido, mas eu entendo que era correto, porque temque ter disciplina senão a pessoa acaba perdendoo foco. E eu tocava, e como eu era muito pequeno,eu às vezes pegava no sono. Ele me acordava, mechamava atenção, e isso foi muito importante paramim. Eu percebi que apesar da minha pouca idadeeu tinha responsabilidade. E uma outra coisa queeu aprendi com meus irmãos e, principalmente, com

minha mãe: a gente não sabe nada. Então ela meensinou e ele [o padrinho] também que, mesmo você

 sabendo o que fazer, é interessante perguntar sempreaos mais velhos. Então, isso valeu para a minha vidatambém. Uma coisa interessante que ele [Vadinho]me ensinou: a gente não enxerga, não fala e nemescuta. Na verdade a gente escuta, fala e enxerga,mas não é necessário você expor os problemas quevocê vê ou que você escuta ou então que você fala.

 Então isso é muito interessante, porque você acabaevitando qualquer tipo de problema, porque ondetem muita gente, você é capaz de falar algo... é

melhor você estar se policiando.

Lufandê fala da atenção e dedicação necessáriasnão s para o desenvolvimento gradativo das habi-lidades de ogã, como também para a conquista daconança dos mais velhos, a quem cabe a decisãode dar acesso (ou não) ao conhecimento:

O candomblé utiliza da cultura oral, a transmissão

16 A iniciação de um ogã ou equede é chamada de conrmação.

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oral é um aprendizado lento. Se diz no candombléque as pessoas aprendem de acordo com os seusmerecimentos, evidentemente quem mais se dedica,quem mais se interessa, quem mais participa dasatividades, tende a aprender mais rapidamente.

Mas, numa língua yorubá é mais complicado prá gente, né? Aprender por exemplo, rezas, cânticosé mais complicado. E também, como eu diria, os

 segredos do candomblé, os segredos vão sendo aber-tos paulatinamente à medida que a mãe-de-santoou pai- de- santo considere que é a hora, chegou ahora de passar. É muito comum, às vezes você neótonum terreiro perguntar a uma pessoa que tem maistempo no candomblé alguma coisa e a pessoa nãolhe responde, e lhe remete para a ialorixá ou baba-lorixá: “você fala com minha mãe, você falam commeu pai” (risos). Ninguém quer se comprometer em

 passar qualquer informação, porque isso não é umatarefa dessas pessoas, é uma tarefa de quem dirigeo terreiro. E nem todas as perguntas que a gente

 faz são respondidas, às vezes são respondidas comevasivas. Num belo dia você descobre em conversasdentro do terreiro, ou porque um irmão, um ogã, por exemplo, chega e fala, explica, diz. Alguns falam,outros não falam, e a gente que tem uma culturameio livresca, a gente também procura vasculhar nos livros, nas publicações o que existe, pra poder aprender alguma coisa mais. Mas aos poucos agentevai aprendendo. (...) Quando você está participando

mais ativamente aprende mais, porque pela repetiçãovocê vai aprendendo as regras (...) vai acumulando,cumulativamente você vai aprender. Você participoude cem atividades, é diferente de quem participoude vinte atividades. É a mesma coisa em relaçãoa matança, por exemplo, você ca sabendo pela

 participação que na hora que você vai destrinchar um bicho você dá cortes diferentes, a depender doorixá. Aprende ali na prática como melhor tirar ocouro, já que esse couro vai ser utilizado, não pode

 ser furado, tem que ter o máximo de cuidado, vocêvai aprendendo aos poucos, né? Então é por isso

que eu digo: quanto mais participação, quanto maisatenção, mais concentração maior o aprendizado.(...) A mesma coisa é nos toques, pra quem é alabê,à medida que ele se aventura em pegar os atabaques

 pra tocar, com o tempo ele vai aprendendo, e elevai aperfeiçoando seus toques. Vai aperfeiçoando a

 sonoridade do toque é por ai, é a prática mesmo, édia a dia, é a participação. A pessoa que se afasta,que ca participando en passant, que falha muito,

 principalmente no começo, vai demorar muito paraaprender. E, evidentemente, a participação mais

constante infunde maior confiança nas pessoashierarquicamente superiores... Isso também facilitao aprendizado porque as pessoas vão passando asinformações: “Ó, isso não é aqui, isso é de outra

 forma, não é assim que faz, faça de outro jeito”. E 

 se a pessoa é meio inconstante, não se entrega, nãoentrega sua energia neste processo, então as pesso-as cam meio que de pé atrás também, as pessoastambém naaão, não passam a informação, segurama informação, ééé é importante.

Se os lhos de santo novos aprendem sob ocomando mais ou menos rígido dos mais velhos,também são instruídos e disciplinados pelas pr- prias entidades. Já vimos, nas falas das ialorixásBeata e Raimunda, como os pais e mães de santocostumavam chamar os orixás das iaôs faltosas

  para castigarem-nas com ximba. Todavia, nãoraro o castigo é promovido pela prpria entidadesem a intermediação de outro humano. O relato deRaimunda é bem ilustrativo:

Mas quem me pega mais é Boiadeiro e Sultão (ca-boclos). Quem me castiga mais é Sultão. (...) Masapanhar também só foi mesmo uma vez, mas tinharazão de apanhar, pois nas festas eu era sempre a

 primeira a virar no terreiro e nunca via nada, aí que eu z, tomei dois dedos de cachaça com vinho

 pra não receber o santo, isso eu já arrumada, e fui

dançar o candomblé. E todo mundo chamando enada de meu santo vir e nada de ele aparecer, quando

 foi de madrugada, quando já tinha passado o efeitoda cachaça, o caboclo me pegou e me quebroutoda a cara ate me acabar, nesse dia eu apanhei.Mas já passei por muitas além dessa, você nemimagina, teve uma certa vez mesmo que eu fui dizer que caboclo só comia coisa ruim, foi justamente nodia que eu tava dando comida pros meus caboclos.

 Nesse dia mesmo eu tava organizando a aldeia doscaboclos, aí de repente me deu aquela fome de uma

 pessoa que não come dois dias, e eu não via mais

nada além do cansanção com fumo que o caboclo me fez comer pra eu aprender a nunca mais dizer queeles só comiam coisa ruim. Mas eu devo agradecer muito a esses caboclos, porque foram eles que medoutrinaram e que me ajudaram na minha natureza,

 porque eu lhe confesso, quando eu era mais novadava trabalho. Só tenho a agradecer a esses cabo-clos... (Mãe Raimunda)

Raimunda sugere que as entidades não apenascastigam, mas disciplinam, dobram a natureza de

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Notas sobre o aprendizado no candomblé

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 187-200, jan./jun. 2011

seus lhos. Conforme se ouve dizer entre o povode santo, na medida em que a pessoa adentra omundo do candomblé, e principalmente depois dafeitura, ela torna-se cada vez mais parecida com seu

orixá. É como se este modelasse em seu corpo suas  prprias características e inclinações. A relaçãosensível que descrevemos na seção anterior entreo indivíduo e seu santo não se resume ao eventoda possessão – se faz gradativamente como incor- poração de um estilo.

Até agora exploramos o aprendizado enquanto percurso que envolve a lha de santo, de um lado,e seus mais velhos ou entidades, de outro – elaaprendendo, eles ensinando. Vimos que este é um processo complexo, em que está em jogo muitomais que a transmissão de conteúdos, a prpriaconstrução da pessoa. Sumarizando a questão doaprendizado no candomblé, Goldman escreve:

[...] nesta religião... quem “ensina” é em primeirolugar uma pessoa que foi assim constituída ao longode muitos anos, através de um processo complexo deiniciação... Por outro lado, quem “aprende” é uma pessoa em processo de ser construída e seu sucessodepende de sua capacidade de suportar e desenvolver este processo, que envolve muito mais que simples“aprendizado”. Finalmente, o conteúdo a ser en-sinado e aprendido está longe de ser um conjunto

sistemático de princípios básicos, uma “doutrina” (2007:109).

Contudo, no candomblé as entidades tambémocupam a posição de aprendizes. Fazem-se juntoa seus lhos humanos e, como eles, precisam ser disciplinados, precisam ser introduzidas à dinâmicarelacional do terreiro e aprender seu lugar nestadinâmica. A maneira como são instruídas depende,é claro, de sua prpria natureza e características. Ninguém aborda um erê ou um exu da mesmaforma que um orixá – embora todos precisem emalgum momento ser educados. O orixá trata-se comrespeito. É com a voz pausada e muita calma – massempre na postura de autoridade – que a mãe desanto ensina o orixá da sua iaô recolhida comodeve portar-se, que o pai ou mãe pequena guiaseus primeiros passos de dança, que nas cerimô-nias mais fechadas mostram-lhe como responder a solicitações típicas.

O erê é criança e recebe o tratamento condizentecom sua posição. Como já observamos, as iaôs re-

colhidas são mantidas durante boa parte do tempono estado de erê. O vínculo que a iaô estabelececom o terreiro é o vínculo fortemente emotivo dacriança com a casa e com seus adultos; é este vín-

culo que circunscreve todo aprendizado. Os erêsrecebem muita atenção dos membros do terreiro.Muita gente gosta de conversar e brincar com eles,de mimá-los com presentes (doces e brinquedos).Essas entidades infantis são brincalhonas e arteiras,estão sempre aprontando. Quando têm oportunida-de roubam comida ou outros objetos do barracão, brigam entre si, falam demais. São admiradas por sua esperteza e criatividade, mas frequentementetambém duramente repreendidas, colocadas emseu devido lugar. A relação que se estabelece comos erês revela outra faceta do aprendizado no can-domblé: o objetivo é sem dúvida mostrar limites,mas fazê-lo de tal forma que não se sacrique a arteou criatividade de encontrar soluções inusitadas eexplorar novas possibilidades. A iaô deve sujeitar-se – já vimos –, mas o erê nunca pode fazê-lointeiramente (de fato, não deve).

Como os erês, exus e padilhas também frequen-temente saem da linha e precisam ser educados.Estas entidades são conhecidas e apreciadas por suas qualidades transgressoras, notrias por habi-lidades de mediação que tanto podem prejudicar quanto trazer grandes benefícios aos seus lhos eclientes, os quais costumam contar com eles paraassuntos usualmente não tratados com os orixás(como questões amorosas e sexuais, por exemplo).Contudo há sempre exus “descompreendidos” queameaçam a paz do terreiro, se metem em assuntosfora de sua alçada ou “baixam” em contextosinapropriados. Mãe de santo de um pequeno, masmovimentado terreiro de Salvador, Roquinha contaque seu exu Sete Esquinas primeiro baixou numafesta de caboclo, quando ela ainda era iaô. Suamãe de santo logo percebeu que a entidade que seapossara dela não tinha jeito de caboclo. Chamou-a para o canto e conrmou sua suspeita: tratava-sede um exu. Repreendeu a entidade e mandou-aembora, garantindo que seria muito apreciadase voltasse no dia da festa de exu. Sete Esquinasretornou na ocasião apropriada e foi recebido commuita animação. Hoje joga um papel importanteno terreiro de Roquinha.

Ialorixás e babalorixás têm, assim, a difícil

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Miriam C. M. Rabelo; Rita Maria Brito Santos

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 187-200, jan./jun. 2011

tarefa de educar não só seus lhos de santo comotambém as várias entidades que fazem parte davida do terreiro. Entretanto o papel de “zelador de orixá” (termo antigo, pelo qual muitos ainda

se denem) exige deles também a habilidade deouvir e aprender com as divindades. Seus orixásdeixam-lhes recados ouvidos e posteriormentetransmitidos pelas equedes, instruções sobre festase procedimentos. Os orixás de seus lhos indicam-lhes suas preferências, ensinam como desejam ser cuidados. Na dinâmica do aprendizado as posiçõessão móveis, o conhecimento ui em várias direções,frequentemente invertendo as posições de aprendize instrutor. Estrito senso não é nem mesmo corretodizermos que o conhecimento transita, como seequivalesse a uma matéria acabada, já constituída,que passa de mão em mão (ou de cabeça em cabeça,conforme alguns, de orientação mais cognitivista).Conforme vimos, o conhecimento no candomblé preserva-se e refaz-se a cada retomada – não podeser desvinculado do seu aprendizado (ou da suacontínua apropriação).

Conclusão

  Neste artigo examinamos algumas facetas re-

lativas ao processo de aprendizado no candomblé.Partindo da noção de aprendizado como treino daatenção, proposta por Ingold, procuramos mostrar como – por meio de que processos, técnicas e re-

lações – os novos ingressos em um terreiro vêm atornarem-se membros experientes. Em um primeironível podemos dizer que aprender no candombléenvolve memorizar rezas e cantos, incorporar pos-turas e gestos, desenvolver destreza no desempenhode várias tarefas práticas. Contudo, para aprender a desempenhar com competência estas atividadesé preciso também aprender a ocupar a posição deaprendiz, ou aprender a aprender (sujeitando-se, por exemplo, tanto aos mais velhos quanto às divinda-des). É preciso cultivar uma atitude ou disposição à

discrição, à obediência e à dedicação. As habilidadese disposições assim desenvolvidas vão soldando-seem um estilo mais geral de convivência e engaja-mento num ambiente que inclui, além de outroshumanos, a presença de entidades como orixás,erês, caboclos e exus. Contudo, ao mesmo tempoem que este estilo forma-se na complexa dinâmicarelacional do aprendizado, também constitui o panode fundo que sustenta e garante o desenvolvimentode qualquer habilidade particular.

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 Recebido em 27.09.10

 Aprovado em 07.12.10

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Valdélio Santos Silva

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 201-215, jan./jun. 2011

RELIGIOSIDADE, FEITIÇARIA E PODER

NA ÁFRICA E NO BRASIL 

Valdlio Santos Silva *

RESUMO

O texto fundamenta-se na premissa de que os referentes culturais inuenciam naconformação das variadas modalidades de práticas religiosas. Diferente das concepçõesindividualizantes de religião no Ocidente, as religiosidades de origem africana baseiam-se na experiência coletiva de cultuar os deuses. Dança, música, transe eas realizações positivas aqui na terra são fundamentais nessas religiosidades. Naatualidade, ainda que os discursos da modernidade estruturem e orientem parte dasações dos indivíduos, é signicativa a inuência das crenças e representações religiosasafro-brasileiras, inclusive a ideologia da feitiçaria, em nossa sociedade.

Palavras-chave: Religiões africanas e afro-brasileiras – Feitiçaria – Poder emodernidade

ABSTRACT

Religiosit, Witchcraft and Power in Africa and Brazil 

The text is based on the premise that cultural referents shape the modalities of religious

 practices. Unlike western individualistic conceptions of religion, the religiosity of African origin is based on the collective experience of worshiping the gods. Dance,music, trance and the positive achievements on earth constitute the basic elements inthis religious perspective. Nowadays, even if discourses about modernity structure andorientate part of the actions of individuals in Brazil, there still remains a signicantinuence of Afro-Brazilian religious beliefs and representations, including the ideologyof witchcraft.

Kewords: Afro-Brazilian and African religions – Witchcraft – Power andmodernity

* Doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia. Professor de Sociologia do Departamento deEducação Campus I da UNEB. Endereço: Travessa do Paiva, 67 Ed. Rio Danúbio Ap. 204, Caixa D´Água, Salvador – Bahia,CEP 40.323-050. Email: [email protected], [email protected]

 

Introdução

Possivelmente pela enorme inuência da colo-nização catlica portuguesa, a concepção religiosahegemônica que parece prevalecer no Brasil é amais ocidental e individualista, que pressupõeser a religião um domínio que compete exclusi-

vamente às escolhas individuais. As concepções

de religiosidade africana e afro-brasileira, aquiincluída a ideologia da feitiçaria, assuntos que serãodiscutidos neste texto, operam com o fenômeno dareligiosidade com um sentido sociolgico distinto,isto porque a religião para os adeptos dessas con-cepções é parte de sua experiência histrica, e as

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Religiosidade, feitiçaria e poder na África e no Brasil

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 práticas religiosas obedecem a variantes culturaise étnicas ancestrais, por conseguinte, as escolhasreligiosas não estão restritas à vontade ou desejodos indivíduos. Talvez esse seja o motivo para

ouvirmos com frequência dos cristãos discursos deque preferência religiosa não se discute, querendoisto dizer ser a religião algo privado, como são as presumíveis escolhas autônomas que se faz parauma relação afetiva ou para se torcer por um timede futebol. Entretanto, a percepção dos indivíduosfamiliarizados com as religiões e religiosidadesafricanas e afro-brasileiras diferem dessa pre-sumida individuação das concepções religiosashegemônicas no Brasil, notadamente as originadasdo cristianismo.

  Nos terreiros de candomblé, por exemplo, éhabitual se ouvir que os indivíduos não procuraramos terreiros do qual fazem parte, pois foram osOrixás que os escolheram e os trouxeram. Nessaideia está subtendida, por um lado, que a escolhareligiosa não é privativa do indivíduo, pois elefaz parte de uma cultura que o obriga a aceitar asinjunções estabelecidas ancestralmente; por outrolado, sugere também que cada indivíduo já nascecom certas predisposições (Ori) denidas por forçasespirituais que comandam a sua ação.

A feitiçaria, uma das variantes mais complexasda religiosidade africana e afro-brasileira, é umfenômeno cultural universal e a sua incidência emdiferentes partes do mundo tem sido largamenteatestada pelos mais diferentes estudiosos. Emborano continente europeu a feitiçaria ou a bruxaria – termo mais usual na Europa – tenha sido formal-mente extinta, há autores que consideram que o pensamento mágico ainda exerce grande inuênciana Europa, EUA e na Ásia industrializada, regiõesnas quais se presumiria estar tal fenômeno proscrito(LABURTHE-TOLRA, 1999). O fato incontestávelé que tanto na África quanto no Brasil a represen-tação da feitiçaria continua tendo uma importanteinuência na sociedade.

 Não há um consenso na antropologia e nas ci-ências sociais em geral sobre o que é a feitiçaria.Invariavelmente os autores utilizam-se, na ausên-cia de uma denição mais categórica, de termosnativos empregados para descrever experiências particulares em lidar com o fenômeno. A falta deunanimidade parece reetir também certa tendência

desse fenômeno em assumir uma multiplicidadede formas e disfarces para se adaptar a cada reali-dade em que se faz presente. Como a feitiçaria é,de modo geral, uma ação contrária aos princípios

morais das sociedades, e os feiticeiros indivíduostemidos, a dissimulação termina sendo um dosmecanismos para esconder a natureza das suasações e a extensão e amplitude de suas nalidades.Conceber a feitiçaria, como o faz a maior parteda antropologia, como um atentado praticado por indivíduos maldosos e manipuladores de “forçasocultas” contra indivíduos indefesos, portanto,resume apenas uma das suas muitas facetas.

Segundo Evans-Pritchard, no seu livro clássico Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande, um“bruxo não pratica ritos, não profere encantaçõese não possui drogas mágicas. Um ato de bruxaria éum ato psíquico” (EVANS-PRITCHARD, 1978, p.37). Nesta denição, está mais do que evidente quea feitiçaria ou bruxaria, como ele prefere designar em sua experiência entre os Azande, decorre daexistência de uma força mágica que sugestionaos indivíduos a acreditarem nela como uma ação  perigosa. Embora não haja dúvida de que a in-dução psicolgica da crença seja de fundamentalimportância para a disseminação da feitiçaria,esse talvez não seja o seu principal nem o maisimportante traço.

A feitiçaria, antes de qualquer coisa, é um fe-nômeno cultural e social. Dessa forma, é enganosaa conclusão peremptria de Pritchard de que não possa haver na feitiçaria ritos, encantações e o usode substâncias mágicas. Em muitas culturas, inclu-sive na África Oriental e Central, como salientaLucy Mair (1969), bruxaria e feitiçaria não têmessa distinção sugerida por Evans-Pritchard e, emoutras culturas, como aqui no Brasil, a feitiçariaé praticada com o uso de todas as técnicas que oautor supõe fazer parte exclusivamente do arsenalda bruxaria. Ao invés de distinguir bruxaria de

 feitiçaria, talvez seja mais produtivo considerar que as duas modalidades de religiosidade são domesmo gênero, sendo as suas distinções conside-radas tipologias de como o fenômeno congura-seem cada situação concreta. Turner argumenta nestesentido, ao asseverar que as

crenças em bruxaria não podem mais – se é que

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Valdélio Santos Silva

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alguma vez puderam – ser agrupadas de forma útilem duas categorias contrastantes, bruxaria (no seusentido estrito) e feitiçaria” (TURNER, 2005, p.166).

Laburthe-Tolra e Warnier concordam com aideia de Evans-Pritchard sobre o componente psi-colgico do enfeitiçamento. Eles argumentam que aecácia do enfeitiçamento depende de o indivíduoestar “consciente de ser objeto de um malefício, elese convence de sua desgraça, assim como todosque o rodeiam” (LABURTHE-TOLRA, 1999, p.325). Ainda que a psicologia do enfeitiçamentodeva ser considerada como um fator para a suaocorrência e proliferação na sociedade, permanecea desconança que tal inexão não passe de uma

tentativa de explicar a feitiçaria pela interiorizaçãoindividual desse fenômeno. Ao se superestimar esseviés, não se observaria a feitiçaria com base emseu caráter predominantemente cultural, ou seja,como um fenômeno que se incorpora à sociedademediante uma crença poderosa e um discurso capazde explicar eventos – como a doença, os resultadosadversos na agricultura, na pesca, na caça e outrosinfortúnios – carentes de uma interpretação baseadaem outra lgica de conhecimento.

A instituição, para a sociologia, é a permanência

e a regularidade de certos costumes, etiquetas e práticas numa sociedade. Para Marcel Mauss, as“instituições s existem nas representações que asociedade faz delas. [...] Tudo se passa na esferada opinião pública; mas esta é propriamente aquiloque chamamos o sistema das representações coleti-vas” (MAUSS, 1981, p. 19-20). Uma prática socialtorna-se uma instituição social duradoura se ela semantém inabalável, independentemente do juízomoral que os indivíduos façam dela. A feitiçaria,de acordo com esta concepção, é uma instituição

social, inclusive no contexto da modernidade, pois, a despeito de todo o fascínio exercido pelaracionalização da vida moderna, não conseguimosabandonar, mesmo que irreetidamente, certosreceios e temores tipicamente relacionados aosdiscursos da feitiçaria.

É comum em nossa sociedade, por exemplo, omedo do escuro, de ruídos estranhos na madruga-da e de pessoas com aspecto lúgubre que xem oolhar em recém-nascidos. Possivelmente, os nossos

temores podem estar relacionados à ideia que cons-truímos socialmente de que existem indivíduos com

 poderes e energias capazes de provocar o mal. É por esse e outros motivos que a feitiçaria atravessou

gerações e períodos histricos, e permanece comforça no mundo contemporâneo, no qual se tornouuma instituição social. Portanto, é inadequado odiagnstico de Mair de que as “crenças na bruxariaorescem naquelas sociedades que têm um conhe-cimento médico insuciente [...]” (MAIR, 1969, p.9). Neste juízo, está subtendido que a feitiçaria seriauma instituição incapaz de renovar-se e, portanto,sem condições de rivalizar com outras maneiras deexplicar ocorrências naturais e sociais. Em outra parte deste texto, vou procurar demonstrar que o dis-curso da feitiçaria convive com a modernidade e quenão há um antagonismo entre os dois discursos.

Por considerar a feitiçaria do ponto de vista dasua representação simbólica e da ecácia exercida por seu discurso nas relações sociais, somos incli-nados a corroborar com a mesma proposição deMary Douglas: ou “o poder da magia é pura ilusão[como queria Freud], ou não é. Se não é ilusão,então os símbolos têm o poder de operar mudanças.Deixando os milagres de lado, este poder pode atuar somente em dois níveis, o da psicologia individuale da vida social” (DOUGLAS, 1976, p. 89).

Roberto Da Matta, comentando o livro Florestade Símbolos, de Victor Turner, corrobora com estaideia de “que os símbolos fazem coisas e, com isso,transformam situações, estados e pessoas” (DaMATTA, 2005, p. 26). Nas duas assertivas referi-das, tanto a de Douglas como a de Da Matta, rea-rma-se a concepção de que os símbolos em geral,inclusive os mágicos, devem ser considerados nasduas dimensões em que eles inuenciam: a da açãoindividual do sujeito (a dimensão psicolgica) e ada determinação social de seu comportamento.

Ao descrever a tipologia dos símbolos, Victor Turner identica “ainda que cada símbolo sejamais multirreferencial do que unirreferencial”(TURNER, 2005, p. 60-61). Isso quer dizer que,nos processos rituais, os símbolos podem ter dife-rentes impactos e signicados na estrutura social.Assim, Da Matta e Douglas parecem concordar com as interpretações sociolgicas de Turner,quanto à repercussão dos símbolos na vida social:os símbolos podem ser descritos “como ‘forças’,

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Religiosidade, feitiçaria e poder na África e no Brasil

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na medida em que constituem inuências deter -mináveis que inclinam pessoas ou grupos para aação.” (Idem, p. 68)

É a aceitação da feitiçaria como realidade bali-

zadora da conduta dos indivíduos, isto é, pela forçade sua ação simbólica, que a torna uma inuenteinstituição nas relações sociais. Inuência que en-quadra e dene a ação dos indivíduos. Reside aí asua frequente associação com o poder , no mesmosentido proposto por Giddens, como a “capacidadedos seres humanos de intervir em uma série deacontecimentos de modo a alterar o seu curso” (GI-DDENS, 1998, p. 257). Por ser a prática usual dafeitiçaria mais prxima da penumbra, espaço típicoda liminaridade, locus da ambiguidade, no sentidode Turner, isto não signica que o feiticeiro não postule a condição de protagonista, sobretudo deser visto e temido. E, talvez, seja essa a explicação por que as denúncias de feitiçaria são íntimas doscontextos em que ocorrem disputas políticas, tanto para alterar como para manter o poder.

A recusa em certos espaços da modernidadede se aceitar a realidade de instituições como afeitiçaria, inclusive no âmbito das relações com o poder, visto como espaço por excelência da racio-nalidade, tem uma boa explicação em Foucault: é“característico de nossas sociedades ocidentais que

a linguagem do poder seja [a do] direito e não a[da] magia ou [da] religião” (FOUCAULT, 2005, p. 250).

Outro aspecto importante a ser considerado éque o conhecimento é um instrumento fundamen-tal no universo da feitiçaria e do poder. E, nestesentido, Turner observou que entre “os Ndembu,conhecimento é ‘poder’ de forma muito mais literalque entre ns” (TURNER, 2005, p. 436). Entreos referidos povos africanos, segundo o autor, osfeiticeiros reuniriam conhecimentos iniciáticos ou

transmitidos pela via do parentesco para manipular  forças capazes de afetar negativamente pessoas oualterar cenários.

 No Brasil do século XIX, Nina Rodrigues nosconta uma histria ilustrativa da relação da feitiça-ria com o poder. Uma mulher negra fora se queixar a um senhor de engenho de que sua lha fora en-feitiçada por obra de um africano escravizado namesma fazenda. E vejamos qual foi o desfecho:

O proprietário mandou chamar o feiticeiro e

ameaçou-o de severo castigo; negou ele, porém, aautoria do fato, comprometendo-se, todavia, a pôr a mulher boa. E pouco tempo depois, estava elacompletamente restabelecida. Este sucesso deviacrescer ainda mais o prestígio do feiticeiro de que

ainda hoje, morto como ele já é, falam todos comrespeito (RODRIGUES, 2005, p. 64).

 Não é apenas o temor vago que faz dos feiticei-ros indivíduos poderosos em todas as sociedadesem que predominam as crenças na feitiçaria. Elessão respeitados porque se acredita que são capazesde manipular  forças que agem efetivamente para o bem e para o mal. Por serem as crenças na feitiçarialargamente compartilhadas nas sociedades em queestão presentes, os feiticeiros tornam-se indivídu-os muito inuentes. Por essa razão, a feitiçaria éconsiderada também por alguns tericos como uminstrumento de controle social.

O fato de a ideologia da feitiçaria ser capazde inuenciar os processos sociais provocandomudanças, não signica ser pacíca a sua relaçãocom o poder. Na maior parte das sociedades, afeitiçaria é vista como uma ação temida por ser negativa e destrutiva. “Para os antigos beti, a suafonte secreta [de poder] reside no prprio poder de agir mal, pelo uso antissocial da feitiçaria [...]”(LABURTHE-TOLRA, 1999, p. 133).

 Na histria da África Central, segundo Thorn-thon, havia forte imaginário que associava afeitiçaria ao poder, e os congoleses tinham uma  justicada desconança de ambos. A utilizaçãodo poder, de acordo com esse imaginário, poderiaser feita “abusivamente com propsitos egoístas emal-intencionados, e como tal seria uma forma defeitiçaria política ou para o uso de interesse públi-co[...]” (THORNTON, 2008, p. 93).

Em outras situações, os feiticeiros com as suastécnicas mortais ou usando a força de mobilizar 

certas divindades, voltam-se justamente para osque detêm o poder, não necessariamente paracompetir, mas com a nalidade de desaar. É dessemodo que Balandier assinala que entre os feitosde Legba incluem-se “a ironia, que desmoraliza o poder e as hierarquias, a rebelião, que mostra que o poder não é intangível, o movimento, que introduza perturbação da mudança no âmago da ordem”(BALANDIER, 1997, p. 99).

A estreita relação entre feitiçaria e poder tem

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como ponto de interseção a ambivalência, na qualambos circulam com desenvoltura. Ao mesmotempo em que poder e feitiçaria circulem preferen-cialmente na penumbra, paradoxalmente, os dois

discursos aspiram à visibilidade, sobretudo aps osresultados de suas maquinações. Desse modo, tantoa feitiçaria como o poder são, ao mesmo tempo,célebres cultuadores do silêncio, do segredo e dasombra, mas querem visibilidade para os efeitos,muitas vezes, devastadores de suas ações. Aindasobre esse caráter ambivalente do poder da feiti-çaria, Pierre Clastres nos diz que para a maioriadas tribos indígenas sul-americanas, “os mesmos poderes que fazem dele [o xamã] um médico, isto é,um homem capaz de provocar a vida, permitem-lhetambém dominar a morte: é um homem que podematar” (CLASTRES, 1998, p. 100).

Evans-Pritchard observou em sua pesquisa entreos Azande que a magia era um poder concentrado,sobretudo, nas mãos dos homens e, justamente por esse motivo, quando as mulheres desconavamde estarem sendo enfeitiçadas, recorriam aos seusmaridos (EVANS-PRITCHARD, 1978). Assim, odiscurso da feitiçaria cria também desequilíbrioentre os indivíduos de sexos diferentes, introdu-zindo, desse modo, outra problemática no universodas relações sociais, que é o da desigualdade degênero. Considerando ter a maior parte das so-ciedades africanas uma predominância masculinaentre os feiticeiros, pode-se inferir ser a questãode gênero mais um elemento ensejador de relaçõesconitantes nas sociedades em que a feitiçaria sefaz presente.

Acusações de feitiçaria na histria doBrasil

O binômio feitiçaria e modernidade continua naordem do dia da antropologia, ainda que essa rela-ção possa parecer despropositada e extravagante.Por isso mesmo, é importante indagar: como expli-car a permanência do discurso da feitiçaria por tantotempo no mundo e o seu aparente rejuvenescimentoe ampliação tanto na África como no Brasil?

É importante assinalar que as acusações envol-vendo os malefícios provocados pela feitiçaria nasociedade brasileira não são recentes. Segundo al-guns autores, isso ocorre desde a chegada ao Brasil

dos primeiros centro-africanos. Tanto as práticasmágicas relacionadas à feitiçaria como outras for-mas de religiosidades africanas teriam chegado aténs, de acordo com Kiddy, por meio dos “centros-

africanos”, a exemplo das “irmandades religiosasleigas, um lugar ideal para reunir uma comunidadeafricana no Brasil” (KIDDY, 2008, p. 170).

Thornthon lembra que os africanos da regiãocentral da África, entretanto, tinham uma ideiadiferente da europeia acerca da polaridade bem emal , como também era diferente a categorizaçãoque eles faziam da feitiçaria. Para os europeus, afeitiçaria era uma expressão da ação do diabo, aocontrário da ideologia africana, que creditava a suaforça “nas intenções dos vivos, e não no status dosobrenatural” (THORNTON, 2008, p. 92).

As primeiras levas de africanos que chegaram aoBrasil, para Slenes, conseguiram superar hostilida-des decorrentes das suas origens, nações e línguas e, pelo menos em Minas, Rio de Janeiro e São Paulo,“os escravizados africanos usaram seu passado para dar sentido ao presente e sua cosmologia lhedeu recursos para agir conjunta e decisivamente”(SLENES, 2008, p. 217). Isso explicaria o uso deconhecimentos ancestrais como o da feitiçaria, que poderia ser uma importante arma política em defesados interesses dos escravizados.

Laura de Mello Souza, em seu clássico O diaboe a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade

 popular no Brasil Colonial, argumenta que as cren-ças na feitiçaria trazidas pelos africanos durante acolonização foram indiretamente reforçadas pelalosoa religiosa portuguesa, que enxergava omundo pela ação de “forças sobrenaturais” (SOU-ZA, 1986, p. 137). Ideia que teria inuenciadoa percepção de que o cotidiano da vida colonialfosse “impregnado de demônios” (Idem, 145).De acordo com esse olhar dos colonizadores, osíndios e negros não poderiam ser portadores deuma humanidade semelhante à do europeu, vistoserem os tais povos não apenas diferentes, e sim,ontologicamente inferiores.

Embora os portugueses e africanos se coni-tassem losocamente sobre a origem do mal ,alguns estudiosos consideram que as cosmologiasreligiosas de ambos, ainda que marcadas por essasdiferenças antagônicas, se comunicaram e, muitasvezes, se mesclaram. Questão que remete para a

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discussão sobre o sincretismo religioso no Brasilque, no entender de Ferreti e inspirado nas opiniõesde Roberto da Matta, reetiria a “capacidade bra-sileira de relacionar coisas que pareciam opostas”

(FERRETI, 1995, p. 17).Miller argumenta que os povos centro-africanosescravizados que aportaram no Brasil já teriamsido fortemente inuenciados pelo cristianismo(MILLER, 2008). Opinião compartilhada por Linda Heywood, embora esta autora defenda queas crenças cristãs tenham sofrido profundas trans-formações nas Américas, ao que ela chamou decrioulização (HEYWOOD, 2008).

Em vez de a fusão de crenças, subentendida naideia de crioulização de Heywood, Kiddy consideramais apropriado o conceito de adaptação. Para aautora, o contato entre as duas culturas teria obriga-do os africanos a operar uma espécie de tradução,na diáspora, dos seus conhecimentos tradicionaisoriginados na África. Assim, ela retoma sutilmen-te uma conhecida concepção de que os africanos pretenderam de fato, por meio da criação aqui noBrasil de modelos organizacionais como os dasirmandades religiosas, “recriar uma comunidadeafricana no Brasil” (KIDDY, 2008, p. 170).

Esta visão sugere também que o envolvimentodos africanos com o catolicismo pretendeu, defato, dissimular as suas verdadeiras intenções de praticar a religiosidade ancestral que lhe era nega-da pelos colonizadores, ideia até hoje questionada por inúmeros estudiosos, inclusive Nicolau Parés,que arma: “a participação [dos africanos e seusdescendentes] nas irmandades não era apenas umafachada ou uma estratégia de ocultação de suas‘verdadeiras’ crenças, pois a devoção dos santosconstituía também parte integral da sua religio-sidade” (PARÉS, 2006, p. 111). A religiosidadede origem africana no Brasil, entretanto, segundoo autor, teria se recongurado com base em umamultiplicidade de elementos africanos e não afri-canos. Ele parece concordar, dessa forma, com aideia de Mello e Souza, de ter sido “no cruzamentode concepções e discursos vários, que se elaborouuma feitiçaria colonial” (SOUZA, 1986, p. 378).

A demonização das diferentes formas de reli-giosidades negras e indígenas no período colonialfoi uma estratégia corrente adotada pelos europeusem relação às práticas religiosas não europeias.

Tal estratégia, paradoxalmente, fortaleceu o uso político dessas religiosidades como armas da re-sistência escrava, conforme argumenta João JoséReis (REIS, 2008). Os conhecimentos de feitiçaria,

de acordo com o autor, “não apenas dava(m) armasaos escravos para moverem uma luta surda – muitasvezes, a única possível – contra os senhores comotambém legitimava(m) a repressão e a violênciaexercidas sobre a pessoa do cativo” (REIS, 2008, p.204). Basta lembrar que a denúncia da existência deuma suposta escola de feitiçaria no período imperialdo Brasil, por volta de 1871, levaria os acusados aserem condenados à prisão perpétua (COUCEIRO,s/d). A repressão, todavia, não diminuía a paranoiados senhores de escravos diante das ações e amea-ças dos feiticeiros.

Durante a escravidão, a feitiçaria, na opinião deLuis Parés, teria jogado “um papel importante nasrelações entre senhores e escravos, mas tambémintervinha amiúde nas esferas micropolíticas dosafricanos, por exemplo, nas rivalidades pelo poder nas irmandades” (PARÉS, 2006, p. 112). Conr -mando, assim, o caráter ambivalente da feitiçaria,que é uma das suas características marcantes. Afeitiçaria tanto poderia ser uma ação socialmente  positiva – ao ser utilizada com a nalidade de“amansar” o senhor –, como poderia servir aosinteresses mesquinhos e egoístas para atingir indi-víduos com status sociais similares, escravizadosou livres, nas disputas pelo poder ou por motivosfúteis.

 Nos séculos XIX e XX, as acusações de feitiça-ria são recorrentes. Coceiro refere-se a Juca Rosaque, na segunda metade do século XIX, tinha comoespecialidade “exercer um poder sobre as pessoas,que vinham lhe consultar e acabavam participandode sua rede de relações” (COUCEIRO, p. 7). Ahistoriadora Gabriela Sampaio, que é uma estudio-sa atenta desse personagem, destacou um aspectoimportante a respeito da sua notoriedade: JucaRosa era visto pela imprensa da segunda metade doséculo XIX como “um dos mais célebres feiticeirosnegros que o Rio de Janeiro já conheceu” (SAM-PAIO, 2003, p. 387).1 Ainda segundo a imprensa

1 Cf. também SAMPAIO, Gabriela dos Reis. A histria do feiticeiroJuca Rosa – cultura e relações sociais no Rio de Janeiro Imperial.Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/UNICAMP, 2000.

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da época, “Juca Rosa era a ‘questão mais na baila’,o ‘grande assunto nacional’ de então” (SAMPAIO,2003, p. 388).

 Note-se que esse ardoroso destaque com que

Juca Rosa fora retratado pela imprensa ocorre nomomento em que ele é preso, e sendo acusado defeitiçaria. Desse modo, ca evidente que o feiticeirotinha inuência política na sociedade de então, oque, para Gabriela Sampaio, não chega a ser a umanovidade, já que entre os clientes de Juca Rosa,além dos negros e pobres do Rio de Janeiro, havia“também políticos, ricos comerciantes, membrosdas classes dominantes brancas e letradas, que sedeslocavam até sua casa em busca dos seus con-selhos e prodigiosas curas...” (SAMPAIO, 2003, p. 388).

Ivonne Maggie, que considera a crença nafeitiçaria um elemento “central” no imaginário dasociedade brasileira, relata a histria de um curador no interior da Bahia, Manuel Paulo dos Santos,que ameaçara com feitiçaria um cliente que nãocumprira um trato com ele. O cliente ameaçado,Generino Bispo dos Santos, tomado de medo deser enfeitiçado, segundo a sua alegação em juízo,resolveu matar o curador. No julgamento do réu, oantroplogo Vivaldo da Costa Lima, na condiçãode perito, defendeu em juízo “separar a persona-lidade do réu de sua circunstância scio-cultural”(MAGGIE, 2007, p. 78), subtendendo em seu parecer que a crença na feitiçaria é algo que, defato, determina uma maneira de agir. O juiz acatoua alegação do advogado, naturalmente respaldado pela opinião do perito, de que seu cliente agira em“legítima defesa.”

Duas questões importantes devem ser realça-das neste relato de Maggie. A primeira é que adenúncia de feitiçaria envolve um “curador”, fatocorriqueiro no Brasil e na África. A outra questãointeressante, por sobressair a extraordinária forçaideolgica da feitiçaria, é que o réu, depois quefora solto, se dirigira ao advogado com a seguinteindagação: “Doutor, e se a alma dele voltar?” (MA-GGIE, 2007, p. 82). Moral da histria: Generinodos Santos livrou-se da prisão, mas não do medoda feitiçaria.

Jocélio Teles dos Santos discute denúncias defeitiçaria difundidas na Bahia no século XIX, pelo jornal O Alabama, envolvendo líderes de terreiros

de candomblés. O autor questiona se tais denúncias procediam e, sobretudo, se tais feitiços “precisa-riam ser feitos numa roça de candomblé” (SAN-TOS, 2005, p. 218). Entretanto é fato que, tanto no

 passado como no presente, denúncias de feitiçariaenvolvendo curadores ou pais de santo foram esão comuns, embora eles sejam, teoricamente, os principais responsáveis por consultar os oráculos eidenticar a ocorrência de enfeitiçamento e, dessemodo, prescrever frmulas para anular os malefí-cios remetidos a um cliente. Todavia, há justicadasrazões para que o autor suspeite de serem algumasdessas denúncias forjadas para incriminar o can-domblé, que durante muito tempo foi associado,de forma preconceituosa, à feitiçaria. Conformedemonstrou exaustivamente Braga (1999)2, na primeira metade do século XX, a associação docandomblé à feitiçaria tinha a deliberada intençãode estigmatizar e negar a sua condição legítima dereligião. Esse fenômeno repete-se ainda na atu-alidade, por meio das conhecidas pregações dasigrejas neopentecostais que associam o candombléà “bruxaria e ao diabo” (SILVA, 2007).

É importante lembrar também que, ao longodo século vinte, as denúncias de feitiçaria relacio-nadas ao candomblé baseavam-se na imputaçãode a mesma ser uma contravenção penal. A este propsito, o livro de Ivonne Maggie, Medo do fei-tiço, demonstra cabalmente que a ação do Estado brasileiro, desde 1890, ao enquadrar legalmente as práticas de magia, o espiritismo e o curandeirismo, pretendeu de fato criar “mecanismos reguladores” para normatizar as acusações de feitiçaria (MAG-GIE, 1992).

Para a citada autora, os mecanismos reguladoresda feitiçaria no Brasil foram implantados aindadurante a Colônia, e os antecedentes de perseguiçãocontra as religiões originadas na África ocorreramdesde a escravidão. A Igreja Catlica procurouimpedir que os africanos praticassem as suas re-ligiões nativas por meio da catequização forçada,mas também associando as práticas religiosas dosnegros ao paganismo. Paula Montero defende que

2 Cf. também BRAGA, Julio. Na Gamela do Feitiço –  repressão eresistência nos Candomblés da Bahia. Salvador: EDUFBA/CEAO,1995.

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a feitiçaria, durante a colonização portuguesa, teriasido demonizada pela Igreja Catlica (MONTERO,2006).

É importante assinalar também que as acusa-

ções de feitiçaria durante a escravidão poderiamser originadas das classes sociais mais baixas etambém entre os prprios escravos. Nicolau Parésidenticou acusações de feitiçaria contra africanose seus descendentes na documentação histrica por ele utilizada. Segundo o autor, a “ameaça da feiti-çaria persistiu ao longo dos séculos no âmbito dascongregações religiosas jejes, aparecendo especial-mente nos momentos das disputas sucessrias pelaliderança dessas comunidades” (PARÉS, p. 112). Neste caso especíco, observe-se que as acusaçõesestavam relacionadas às disputas políticas entre osreligiosos negros, conrmando, assim, o caráter multifatorial das acusações de feitiçaria.

  No livro Guerra de Orixá, Yvonne Maggierelata que Pedro, um dos personagens envolvidosnos conitos no terreiro de umbanda estudado pelaantroploga, reconhece que o uso da feitiçaria eraum dos expedientes utilizados nas disputas pelo po-der do terreiro, embora o líder religioso envolvidonas denúncias ressalve que “ns trabalhamos com amagia negra para defesa” (MAGGIE, 2001, p. 99).Pode-se inferir, deste depoimento, que aquele quesabe manipular um feitiço para defesa, pode fazê-loigualmente com uma nalidade menos nobre.

 Na sucessão do Terreiro Santa Bárbara Virgemde Laranjeiras, em Sergipe, minuciosamente estu-dado por Dantas, dona “Bilina era acusada de ter trazido um ‘cesto de feitiçaria da Bahia’ e acusava,também, a sua rival de tentar matá-la com feitiço”(DANTAS, 1988, p. 86).

  Não é coincidência, portanto, que nos doisexemplos citados por Maggie e Dantas, a disputa pelo poder estivesse no centro das acusações defeitiçaria, reforçando a argumentação de que feiti-çaria e poder são categorias indissociáveis.

Beatriz Dantas, citando o livro Cidade dasMulheres, de Ruth Landes, faz referências tambémàs acusações da polícia contra o conhecido Mar-tiniano Bonm, que o “considerava feiticeiro de prossão e o vigiava” (DANTAS, 1988, p. 185). Neste caso de Martiniano, o importante a assinalar não é a acusação de feitiçaria feita pela polícia,muito comum à época contra os praticantes de

candomblés, mas o fato de a acusação recair sobreum dos mais importantes ogã e babalaô da histriado Candomblé da Bahia.

 Na cidade de Salvador de hoje, é corriqueiro

circular no universo do candomblé o “fuxico” deque certas autoridades religiosas ganham dinheiro“fazendo o mal”, o que evidencia, portanto, queas acusações de feitiçaria, inclusive no âmbito docandomblé, atravessaram os séculos e permanecematé os dias atuais.

Modernidade e feitiçaria

Alguns estudiosos de religião africana têm-se perguntado por que a realidade da feitiçaria conse-

guiu sobreviver na África em meio aos discursos e práticas sobre o que se concebe como modernidade.Por essa razão, é importante fazer uma breve re-ferência a algumas abordagens em que a literatura pertinente sinaliza que o discurso da feitiçaria, paraalém do plano estritamente religioso, ramica-seem outras dimensões da cosmologia africana eafro-brasileira. É neste plano geral que se pode perceber a existência de um contraste mais nítidoentre o pensamento africano e ocidental. É impor -tante salientar ainda que, em algumas situações

sociais concretas, sobretudo na África, a relaçãoentre modernidade e feitiçaria tem resultado emtensões, conitos e até mesmo tragédias.

 No pequeno distrito de Homoíne, Província deInhambane, no Sul de Moçambique, por exemplo,a sua pequena população enfrenta uma curiosasituação de conviver entre a modernidade de umasociedade movida pelo dinheiro e a permanência decrenças tradicionais. O que Luiz Passador conceituade moderno em sua análise sobre as relações sociaisem Homoíne remete, especicamente, ao modo de

vida dos africanos que vivem nos perímetros urbanosdesse povoado e mantêm uma relação estreita com astransações de mercado; já o conceito de tradicional  está associado aos indivíduos que habitam o meiorural e pensam distintamente daqueles que vivem nomeio urbano (PASSADOR, 2008). Tal taxonomia oautor atribui ao “legado de um colonialismo que ge-rou um ‘Estado bifurcado’ e uma sociedade divididaentre o urbano e o rural” (Idem, p. 7).

A modernidade está baseada particularmente

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na lgica do mercado e na monetarização da socie-dade, fato aparentemente incontrastável. A lgicamoderna na sociedade de Hemoíne, entretanto,não se aplica quando se é compelido a explicar 

eventos como o surgimento de doenças, a mortee a escassez de recursos. Embora no cotidiano ossujeitos sociais não façam uma divisão categorialrígida entre o que é moderno e o que é tradicional .Assim, a despeito da modernidade que impregnaas relações cotidianas inuenciadas pela monetari-zação da sociedade, a feitiçaria e o curandeirismocontinuam sendo “saberes especializados que tantoatuam sobre os espíritos, quanto os que utilizam para desencadear processos sociais e interpessoais”(Idem, p. 11).

O autor demonstra que os sujeitos que vivemno meio urbano continuam usando os conheci-mentos tradicionais, inclusive para agir e explicar fenômenos sociais com referentes na modernidade.Ele percebeu também que os costumes e crençastradicionais estão sendo reatualizados. A ação doscurandeiros tem-se deslocado do ato de cura, por exemplo, para “a obtenção de benefícios pessoaisligados às exigências de uma vida ‘moderna’ mar-cada pelo dinheiro, pelo mercado e pelos bens deconsumo, vinculando-os ao universo dos feitiçoscontemporâneos” (Idem, 14).

Para Renato Ortiz, a ideia que se construiu domercado na atual modernidade, como uma coisaou “uma entidade com vida prpria” (ORTIZ,2006, p. 163), possui a mesma lgica semânticada magia, ou seja, a representação do mercadotem-se investido de “características divinas” (Idem, p. 164). E o discurso que preside as relações nointerior do mercado, da mesma forma que a feiti-çaria, acrescento eu, “subsume impiedosamente osindivíduos” (Idem, p. 164), o que mostra que nãohá uma incompatibilidade absoluta entre as lgicasda modernidade e da feitiçaria, na medida em queambas são construções sociais com pretensõesaparentemente idênticas, ou seja, a de responder aaições e desejos socialmente construídos.

A experiência de Hemoíne revela que o pensa-mento mágico é capaz de adaptar-se rapidamenteàs circunstâncias e, com isso, acompanhar a velo-cidade de como os indivíduos em sociedade produ-zem novas necessidades. A esse propsito, Eliadelembra que o homem moderno, embora procure

comportar-se com a intenção de viver no presente, pensar no presente e armar-se como “a-religioso,carrega ainda toda uma mitologia camuada enumerosos ritualismos degradados” (ELIADE, p.

166). O que importa assinalar nesta observação doautor é que fracassaram as conjecturas losócassobre a morte da religião na modernidade.

  Na relação entre a doença e o sagrado, di-mensões destacadas do discurso da feitiçaria,Laplantine percebeu que é falso o antagonismoque separa modernidade (ou o pensamento médicocientíco) da religião (ou o pensamento mágico).Essa relação passa a fazer sentido, argumenta oautor, quando se conecta à noção de “doença como social” (LAPLANTINE, 2004, p. 217). Dessaforma, a inuência da religiosidade contida na açãoe no imaginário da medicina ocidental não deve ser desprezada. O autor lembra que a promessa de vidaabundante aps a morte, que é parte do repertrio edos discursos da maior parte das religiões, deveriaser contrastada com as análogas promessas da me-dicina moderna que, de maneira mais radical, “nãomais se contenta com anunciar a salvação aps amorte, mas arma que esta pode ser realizada emvida” (Idem, p. 241).

O pensamento mágico-religioso no processode cura, prossegue o autor, não deve, portanto, ser negligenciado, na medida em que ele é “a únicainterpretação totalizante do social, do individuale do universo...” (Idem, p. 225). Barros, que dia-loga com as ideias de Laplantine, lembra que, namedicina tradicional africana, em grande parteinuenciada pela religiosidade local, a relação entresaúde e doença está associada “à ideia de equilíbrioe interdependência dos elementos constitutivos(visíveis ou não) que se inuenciam entre si...”(BARROS, 2004/5, p. 105-6). Consequentemente,no processo de cura não conta apenas os sintomasaparentes que se conguram no diagnóstico médi-co, pois elementos simbólicos devem inuenciar na conformação do quadro diagnstico geral doindivíduo doente. Barros assinala também que“os esquemas simblicos de que dispomos parainterpretar a dor e o adoecer tendem a transformar em caricaturas as interpretações que escapam àexplicação cientíca...” (Idem, p. 109).

A distinção formal entre conceitos como mo-derno e tradicional depende, em grande medida,

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 portanto, do signicado que os indivíduos atribuemao interpretar fenômenos como a saúde e a doença.  No Ocidente, as pessoas, quando adoecem, sãoorientadas pela experiência cultural a conar de

forma imperativa no diagnstico prescrito pelosmédicos, ainda que estes nem sempre tenham umaresposta satisfatria para aliviar as suas dores. Emoutras fronteiras culturais, como entre os povos Ndembu, diante de algum infortúnio, eles con-sultam um sábio em identicar a origem do mal,mas, de antemão, a sua experiência cultural ante-cipadamente indicará que “toda doença persistenteou grave [deve ser] vista como sendo causada pelaação punitiva das sombras ou pela malevolênciasecreta dos feiticeiros ou das bruxas” (TURNER,2005, p. 449).

É possível aproximar o pensamento cientícodas crenças mágico-religiosas? Aparentemente,sim. Tanto o pensamento cientíco moderno oci-dental como os saberes tradicionais africanos eafro-brasileiros propõem-se a enfrentar um mesmofenômeno – o diagnstico e a cura das doenças – com base nas concepções e estratégias opostas. Nem por isso, contudo, deixam de ter muitos pontosde contatos e convergências. Cada um ao seu modo,e com a sua própria gramática, fala da inuênciaque a cultura e a sociedade exercem sobre o físicoe a mente dos indivíduos.

 No conhecido estudo de Mary Douglas sobreas acusações de feitiçaria movidas pelos lele cris-tianizados – com o apoio ou a omissão da cúpulada Igreja Catlica –, que resultaram em torturas eassassinatos de supostos feiticeiros, a autora fazuma observação pertinente a esta discussão: a“compreensão lele das tensões mentais e da cura psicolgica merece um estudo sério tanto quanto ode outros povos congoleses” (DOUGLAS, 1999, p.27). Neste mesmo sentido, Laplantine observa queo “recurso às plantas [muito comuns nas culturasde origem africanas] cujas diferentes utilizaçõesestão longe de poder ser explicadas pelas proprie-dades estritamente médicas que lhes são atribuídas”(LAPLANTINE, 2004, p. 214).

Peter Fry faz uma interessante reexão acercadas distinções entre as contribuições do pensa-mento religioso moderno e tradicional, ao estudar os discursos de certas igrejas evangélicas em Mo-çambique: “a ciência ocidental acrescentou muito

às respostas de como ocorre um infortúnio, mas éa cosmologia local que, ao mesmo tempo, exige e providencia uma resposta ao porque de cada evento particular” (FRY, 2000, p. 79). O recurso discursivo

adotado pelos evangélicos em Moçambique, queidentica a “tradição africana”, aqui incluída a prá-tica da feitiçaria e outras formas de religiosidades,como responsável pela pobreza e a presumíveldesorganização social da África, pretende, de fato,erigir a modernidade ocidental como referênciaúnica para a explicação dos fenômenos naturais esociais nesta parte do continente.

A permanência da feitiçaria na modernidadeafricana, de acordo com o argumento de Peter Geschiere, pode ser muito bem explicada “porqueo discurso da feitiçaria impregna e condiciona asformas pelas quais as pessoas tentam lidar com asdesconcertantes mudanças modernas” (GESCHIE-RE, 2006, p. 30). Para os ocidentais, a chegadada luz elétrica na África, como um emblema demodernidade, talvez fosse capaz de suprimir oque se considera “tradicional”. Todavia, a tensãoentre a modernidade e a tradição, leia-se feitiçaria,ainda está no centro das preocupações e dilemasde muitas sociedades africanas, a exemplo de umaregião dos Camarões na qual indivíduos utilizam-seda feitiçaria contra o “desenvolvimento” (GES-

CHIERE, 1995).A permanência da feitiçaria na África moderna,

de acordo com o citado autor, deve-se também àdinâmica, exibilidade e capacidade desse fenôme-no de adaptar-se às mudanças: é isso que explica porque a feitiçaria relaciona-se à política atual, massem perder os laços com as tradições das relaçõesde parentesco. Ele credita à antropologia inglesaa responsabilidade de ter descoberto essa ambiva-lência do discurso da feitiçaria, ao estudar tantocomo uma tendência de pensamento conservador 

ou como uma ação inclinada à subversão, ainda queambas contenham um forte viés moral.

A incidência do discurso da feitiçariano Vale do São Francisco e os sentidosde religiosidades africanas e afro-brasileiras

Os discursos e as crenças sobre a feitiçaria estãoigualmente presentes nas referências sobre a pre-

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sença negra no Vale do São Francisco, Região Oesteda Bahia, onde há uma concentração importante decomunidades negras quilombolas.

As crenças na feitiçaria, identicadas por Donald

Pierson e seus pesquisadores na primeira metade doséculo XX, são muito semelhantes às concepçõesafricanas anteriormente mencionadas: “Acredita-sesempre que o ‘quebranto’ é lançado sobre a vítima por intermédio de um agente humano que possuicomo parte de sua natureza, esse ‘poder’ maléco”(PIERSON, 1972, p. 174). O quebranto, uma dasmuitas modalidades de feitiçaria, era visto na regiãocomo uma energia negativa transmitida voluntáriaou involuntariamente por uma pessoa, e era capaz deafetar “crianças, animais e plantas” (Idem, p. 174).O envio dessa energia tanto poderia estar, segundoo autor, relacionado à inveja, ao desejo de destruir alguém ou atingir um bem pertencente a outra pes-soa. Neste sentido, a feitiçaria é uma ação humanaessencialmente mesquinha e perversa.

Donald Pierson identicou também, no Valedo São Francisco, algumas outras modalidades decrenças mágicas muito prximas dos discursos ecrenças relacionadas à feitiçaria.

O mais frequente, contudo, diz o autor, era atri- buir o aparecimento de doenças ao feitiço, “palavraque parece permutável com ‘coisa feita’, ‘porcaria’(em um dos sentidos da palavra), ‘malefício’, e‘mão pregada’” (PIERSON, 1972, p. 183).

 Note-se que nas ações atribuídas à feitiçaria háuma nítida referência à agência humana para ser ecaz à causação do infortúnio. Isso ocorre, segun-do Pierson, porque se acredita “que certas pessoastêm o ‘poder’ de causar o mal usando magia negra,quer o desejem, quer não. E este ‘poder’ pode ser exercido mesmo contra a vontade da pessoa” (Idem, p. 184). Em contrapartida, para se evitar doenças eoutros padecimentos físicos ou mentais provocados pela feitiçaria, é fundamental que se “feche” o cor- po, o que requer o emprego de uma variedade de procedimentos prescritos por um especialista, queincluem banhos, chás, garrafadas e infusões ,e ouso de plantas protetoras nos quintais e interior dascasas. A “concepção popular é que o corpo humano,embora sempre ‘aberto’ ao mal, especialmente emcertas condições, pode ser ‘fechado’ por meiosmágicos a m de protegê-lo em especial de certosefeitos” (Idem, p. 185).

Acredita-se que o feiticeiro, de acordo comPierson, tenha “poder” de fazer o mal, do mesmomodo que o curandeiro será capaz de fechar o corpodo seu paciente; portanto, ambos são possuidores

de um tipo especial de “poder”. Em conformidadecom esse raciocínio, o processo de cura de um paciente tratado por um curador não deve ser atri- buído tão somente “aos remédios que ele receita”(Idem, p. 252).

 Na década de cinquenta do século XX, quan-do foi feita a pesquisa no Vale do São Francisco,Pierson acreditava que as práticas curativas base-adas nas crenças da feitiçaria fossem dissipadascom a urbanização das cidades e a consequentemodernização da sociedade regional. As minhas pesquisas indicam, entretanto, que as crenças nafeitiçaria permanecem e, de certa forma, ampliaramsua inuência, tanto nas zonas rurais, onde estãosituados os quilombos, como também nos centrosurbanos modernos. Um exemplo empírico da am- pliação dessa inuência no meio urbano é o uso de plantas protetoras contra a feitiçaria, a exemplo deComigo-ninguém-pode ( Dieffenbachia maculata),nativa da Amazônia, e a Espada de Ogum (Sanse-viera cylindrica), procedente das regiões tropicaisda África, na fachada de empresas capitalistase, até mesmo, na sede de Bom Jesus da Lapa daCompanhia de Desenvolvimento dos Vales do SãoFrancisco e Parnaíba (CODEVASF).

Como entender essa conciliação, de usar plantas  protetoras de tradições religiosas africanas pararesguardar instituições inegavelmente seculares emodernas? Seria uma explicação razoável o fato deas referidas simbologias africanas serem capazesde se atualizar e, dessa forma, conviverem semantagonismo com as representações simblicas damodernidade? Ou essas representações religiosasde origem africana foram inltradas na modernidademais como resíduo cultural, e sem qualquer referente, por conseguinte, com as crenças que as conceberam?Ou as duas explicações podem ter sido combinadas,intencionalmente ou não, pelos seus autores?

Qualquer que tenha sido a motivação dos queacolheram as plantas protetoras em seus estabele-cimentos, não há dúvida de que as representaçõessociais contidas no emprego delas continuarãosendo as de uma religiosidade que acredita nafeitiçaria.

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Portanto, essa relação entre as duas expressõessimblicas – a religiosa e a secular – não neces-sariamente anula ou subsume as particularidadesque conformam cada uma. Nem por isso também

elas deixam de se comunicar de variadas formas,sempre mediadas pelo contexto cultural na qualestão inscritas.

As religiosidades africanas e afro-brasilei-ras3 têm um papel fundamental tanto na leitura darealidade social como também na interpretação dasrazões e causas dos infortúnios a que os indivíduosestão expostos.

Mais do que buscar um refúgio confortável apsa morte, as diferentes formas de religiosidadesafricanas e afro-brasileiras estão mais preocupadasem dar respostas para os diferentes e complexosdramas humanos enfrentados pelos indivíduosaqui na terra.

 No culto aos Orixás, um dos seus mais impor-tantes referentes é a relação estreita e dialgicade troca e compartilhamento entre o el e suadivindade. Entre os yorubá, essa relação divindade/ praticante é tão estreita que, de acordo com KarinBarber, acredita-se que os “homens criam os deu-ses”, isto é, o poder e a existência esplendorosados orixás são potencializados pelos cuidados(louvações, festas, oferendas) a eles dedicados por seus seguidores. A reciprocidade entre indivíduo edivindade assim se dene: a cada benefício recebi-do pelo cultuador de orixá há uma retribuição, sob aforma de oferendas que, por sua vez, resultará tantono fortalecimento da crença do el como tambémna notabilidade social do orixá: “O envolvimento pessoal e íntimo do devoto com o òrisà é mútuo.O òrisà possui o devoto, mas também o devoto,num sentido diferente, ‘possui’ o òrisà” (BARBER,1989, p. 160).

 Nas religiosidades judaico-cristãs, as crençasnos seres supremos são mediadas por autoridadesreligiosas que estabelecem regras (teologia) parase alcançar a felicidade eterna, portanto, antecedema relação com o deus o respeito a uma hierarquiareverencial. Nas religiosidades de origem africa-na, incluindo o culto aos orixás, na comunicaçãoentre deuses e homens – ainda que seja igualmenteestruturada, mediante a iniciação, por autoridadesreligiosas – o sujeito praticante assume um papelativo, do modo como foi descrito pela autora, e in-

divíduos e divindades se fortalecem mutuamente. Nos candomblés da Bahia, em que o processo de

iniciação fundamenta-se no complexo de oferendae de reatualização dos mitos de cada divindade, a

reciprocidade indivíduo/divindade é evidente. Oculto de Exu nos terreiros de candomblés da Bahia,  possivelmente, é a experiência de religiosidadeque melhor ilustra a estreita relação entre éis edivindade.

 Noutras variantes de religiosidades de possessãoaqui no Brasil, como a Mesa Branca de inspiraçãoumbandista presente no quilombo de Rio das Rãs,ainda que não haja a prática de sacrifícios rituais para as divindades cultuadas, como ocorre noscandomblés de Salvador e do Recôncavo da Bahia,a comunicação entre os éis e os seus deuses, quedescem à terra por meio dos médiuns, a relaçãose dá sem maiores formalidades, mediante umdiálogo verbal franco e direto. Os indivíduos bus-cam as divindades para se aconselharem quantoao melhor caminho a seguir em decisões cruciaisrelacionadas à sua vida pessoal ou familiar, como pode solicitar ajuda para superar algum infortúnioque os atormenta, a exemplo de uma doença graveou uma querela qualquer com um vizinho.

A crença do el na força e poder da divindade(Caboclo, Preto Velho, Nagô) constri um vínculode respeito que condiciona o crente a transformá-lonuma espécie de conselheiro. Contudo o el pode buscar ocasionalmente ajuda de outra divindade, nahiptese dos aconselhamentos não obterem o êxitodesejado. E, neste exemplo, é notável a similitudeentre a experiência religiosa dos yorubá com a dosquilombolas de Rio das Rãs e Mangal.

  Não é incomum, em Rio das Rãs, que uma pessoa frequente mais de um Centro de Jurema.Essa procura pode estar relacionada às seguintes probabilidades: cotejar um diagnstico já realiza-do com a de outro curador; desconança de quedeterminado curador possa estar por trás de um

3 Rero-me especicamente aos cultos dos orixás das conhecidas e populares nações keto, jeje, angola e caboclo do Candomblé da Bahia;ao Xangô, de Pernambuco, Paraíba e Alagoas; ao Tambor de Minado Maranhão; Batuque, do Rio Grande do Sul; Macumba, do Riode Janeiro, ao Catimb da região amazônica; Umbanda, do Rio deJaneiro e de São Paulo; e a variantes presentes no interior da Bahia eem outras regiões do Brasil conhecidas como Mesa Branca e “CentrosEspíritas”, como também às crenças na feitiçaria e suas diferentesdenominações êmicas, classicadas como bruxaria, trabalho feito,macumba, coisa ruim, demandas.

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feitiço identicado ou a crença de ser a divindadede outro Centro mais capaz de dar uma respostasatisfatória à sua aição.

  Neste caso, tanto na África como em Rio

das Rãs, o fortalecimento e a proeminência dadivindade estão, presumivelmente, associadosaos benefícios auferidos pelos seus devotos.Essa losoa pragmática já havia sido notada  por Evans-Pritchard entre os Azande, quandoeles procuravam outro oráculo para aferir umdiagnóstico ou curar de um mal que os aigia,“exatamente como fazemos quando não estamossatisfeitos com o tratamento do primeiro médico  procurado.” (EVANS-PRITCHARD, 1978, p.153). Esse mesmo sentido de religiosidade entreos africanos foi observado por Blakely, Van Beek 

e Thomson, quando conceberam que a “religião é parte de uma estratégia de sobrevivência e servea ns práticos, sejam imediatos ou remotos, so-ciais ou individuais” (THONSON, VAN BEEK,

BLAKELY, 1994, p. 23).Essas diferentes e intrigantes modalidades dereligiosidades africanas e afro-brasileiras estãorelacionadas ao pensamento tradicional africanoem geral, como foi assinalado anteriormente, queconstri a prática religiosa com base na experi-ência e nos referentes étnicos e culturais dos seus praticantes, diferente do pensar ocidental, no quala teorização da religiosidade, a teologia, inuen-cia e determina a experiência religiosa dos seusaliados.

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 Recebido em 27.09.10

 Aprovado em 20.12.10

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Família, escola e religião. Que conitos e negociações?

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 85-94, jan./jun. 2011

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Cándido González Pérez; Alfonso Reynoso Rábago

Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, p. 217-228, jan./jun. 2011

 jUAN SOLDADO, PROTECTOR SOBRENATURAL

DE LOS MIGRANTES

Cándido Gonále Pre*

Alfonso Renoso Rábago **

RESUMEN

Los trabajadores mexicanos han emigrado a Estados Unidos de América desdemediados del siglo XIX y como producto de la profunda tradicin religiosa heredadade España, han buscado apoyo sobrenatural para lograr sus objetivos: cruzar la fronterade manera ilegal y obtener un puesto de trabajo que haga posible enviar recursos

econmicos a sus familiares. En este tenor se cre un “protector sobrenatural inédito”:Juan Soldado quien en vida había sido un asesino y violador confeso.

Palabras clave: migracin, religin, ilegal.

ABSTRACT

JUAN SOLDADO: SUPERNATURAL PROTECTOR OF THE MIGRANTS

Mexican workers have migrated to the United States from the middle of the ninetiethcentury. As a consequence of the deep religious tradition herded from Spain, they have been looking for supernatural support in order to attain their objectives: to cross the

frontier in an illegal way so to get a job which would make possible to send moneyto their family. In this context was created an “unedited supernatural protector”, JuanSoldado, who during his lifetime had been a confessed rapist and murderer.

Kewords : migration, religion, illegality

* Maestro en Sociología y Doctor en Ciencias de la Educacin, Profesor Investigador del Departamento de EstudiosOrganizacionales del Centro Universitario de Los Altos de la Universidad de Guadalajara. Direccin para corres- pondencia: kilmetro 7.5 carretera Tepatitlán-Yahualica, Tepatitlán de Morelos, Jalisco, México, C.P. 47600. E-mail:[email protected]

** Maestro y Doctor en Antropología, Profesor Investigador del Departamento de Estudios Organizacionales del CentroUniversitario de Los Altos de la Universidad de Guadalajara. Direccin para correspondencia: kilmetro 7.5 carreteraTepatitlán-Yahualica, Tepatitlán de Morelos, Jalisco, México, C.P. 47600. E-mail: [email protected]

Introduccin

En este trabajo se buscan cubrir dos objetivos principalmente: describir los procesos migratoriosque viven nuestro país y los Estados Unidos comouna forma de construir la globalizacin en estas

latitudes, y resaltar el hecho de la creacin popular de un protector sobrenatural de los trabajadores

migrantes llamados ilegales porque se introducenal vecino país eludiendo las leyes. Para su exposi-cin, se ha separado la explicacin de uno y otroobjetivos; en esta primera parte se exponen lascaracterísticas especícas e históricas que le handado forma a la migración de trabajadores, al nal

se presenta lo referente a Juan Castillo Morales( Juan Soldado), protector de los migrantes.

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Juan soldado, protector sobrenatural de los migrantes

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La migracin de trabaadores mexica-nos hacia los Estados Unidos.

Cuando el estado de Texas se separ de nues-

tro país e hizo su nacin aparte en 1836, habían pasado solamente 15 años de que nos habíamosindependizado de España; le siguieron luego losestados de California, Nuevo México y Arizona.La característica que le distinguía a toda esa reginera la existencia de escasa poblacin: en aquellasépocas, lo que ahora es el estado más grande delos Estados Unidos, Texas, contaba con 24,700habitantes en total y de los cuales solamente 3,400eran de origen mexicano1. Es decir, perdimos laguerra con Estados Unidos y también un territoriodeshabitado; al principio Texas form un nuevo país pero al poco tiempo se anex al naciente yoreciente país de los Estados Unidos. Desde1848, año en que tuvo lugar el tratado Guadalupe-Hidalgo que constituy el documento mediante el

cual los gobiernos de la época rmaron la entregade lo que constituy la mitad de nuestra nacienterepública y hasta 1882 que se inaugur la instala-ción de las vías ferroviarias porristas, la migra-

ción de mexicanos fue virtualmente insignicante;como puede observarse en la tabla número uno, de1850 hasta 1880 se pudieron contar únicamentea 58,000 migrante de origen latinoamericano yde ellos, se considera que aproximadamente lamitad eran mexicanos: menos de 30 mil personasen treinta años (ver tabla). Es lgico que al pensar cuál era el avance de las comunicaciones a na-les del siglo XIX, la movilidad de poblacin seconcentraba principalmente de las áreas ruraleshacia las pequeñas ciudades, más no de país a país. En 1884 lleg el primer tren a Ciudad Juárez 2  proveniente del centro de México y con ello seinaugur también la migracin de trabajadores enforma, claro, con cantidades correspondientes aldesarrollo econmico de la época.

Población en Estados Unidos por lugar de nacimiento (Inmigrantes)

Fuente: US. Bureau of the Census.

1 Durand, Jorge y Arias, Patricia.  La experiencia migrante. Icono- grafía de la migración México-Estados Unidos. México, EditorialAltexto, 2000.2 Taylor, Paul. Arandas,   Jalisco: una comunidad campesina. En:Migración México-Estados Unidos. Años veinte. México, Consejo

 Nacional para la Cultura y las Artes, 1991.

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3 Durand, Jorge y Arias, Patricia.  La experiencia migrante. Icono- grafía de la migración México-Estados Unidos. México, EditorialAltexto, 2000. González Pérez, Cándido; Reynoso Rábago, Alfonso.

 La ambivalencia como característica en los procesos migratorios . En:Quinto Simposium Interdisciplinario de Los Altos de Jalisco. México,Universidad de Guadalajara, 2007.4 Ciento veinte años después, se tiene informacin de que por la fronteracruzan cada año 281 millones de pasajeros, 89 millones de autos y 4.3

millones de camiones de transporte; la inmensa mayoría de los movi-mientos se observan en las ciudades gemelas: Tijuana-San Diego, No-gales Sonora-Nogales Arizona, El Paso-Ciudad Juárez, Laredo-NuevoLaredo, Reynosa-McAllen y Brownsville-Matamoros. Verduzco Igartúa,Gustavo. La continuidad y el cambio de las migraciones entre México

 y Estados Unidos: una interpretación desde México. En: The Center  for Migration and Development. Working Paper Series. PrincetonUniversity. México, El Colegio de México, enero de 2005.5 Durand, Jorge y Arias, Patricia.  La experiencia migrante. Icono-

 grafía de la migración México-Estados Unidos. México, EditorialAltexto, 2000.6  Taylor, Paul. Arandas,   Jalisco: una comunidad campesina. En:Migración México-Estados Unidos. Años veinte. México, Consejo

 Nacional para la Cultura y las Artes, 1991.

Otro evento que es fundamental para entender cuáles han sido los procesos migratorios entrenuestros países, fue la aplicacin de la Ley de Ex-clusión China que tuvo lugar coincidentemente en

el año de 1882: se había contratado a gran cantidadde orientales para la construccin de vías férreas,la produccin de minas y la agricultura en EstadosUnidos pero originado por algunos conictos en elárea de San Francisco, donde se les señalaba por generar altos índices de prostitucin e inclusive de prácticas de brujería, se les expuls y se les susti-tuy por mexicanos3, con eso se promovi aunquede manera involuntaria, la atraccin de mano deobra internacional; se pagaba una proporcin muyalta de salarios en comparacin con los que seofrecían en México.

El incremento de la poblacin migrante

En esas circunstancias, la migracin de mexi-canos comenz a crecer vertiginosamente4 y se lesubic principalmente en cuatro estados de la UninAmericana: Texas, California, Arizona y NuevoMéxico, es decir, los perdidos entre 1836 y 1848.Durante la década de la Revolucin Mexicana:1910-1920 la poblacin en nuestro país disminu-

y no solamente por los muertos en batalla, sinotambién por el aumento al doble de la poblacinmigrante: de 221,915 pas a 486,418. Aun con elaumento impresionante de la emigracin, resaltael hecho de lo endeble que era la vigilancia ycontrol de trabajadores por las fronteras: la ciudadde Tijuana, lugar donde se creó la gura del santo protector de los migrantes, contaba con un total de733 habitantes en 19105.

Con la cada vez creciente tendencia al aumen-to del ujo migratorio de México hacia Estados

Unidos, en 1917 y coincidiendo con la fecha de la promulgacin de la Reforma a nuestra Constitu-cin, se hizo un intento, el primero en su géneroen la historia de nuestras relaciones diplomáticas, por regular la migracin; con la promulgacin dela Ley Brunett se pretendía condicionar la entradade mexicanos que no supieran leer, quienes nohayan cumplido esa edad y estuvieran bajo esacircunstancia se les prohibía el ingreso, ademásse cobraban 8 dlares por persona por el simple

hecho de cruzar la frontera hacia el norte; lasuma era considerable por tratarse de aquellafecha. Se hablaba de que era necesario llevar elregistro de los movimientos de las personas ytambién para regular el ujo, aunque en el fondode la situacin puede interpretarse de que esta-

 ban siendo invadidos por grandes multitudes deeuropeos que provenían de las clases bajas y sunivel cultural era insuciente al considerar sus posibilidades de desarrollo; resultaba más fácilreglamentar por sobre los grupos que estaban máscercanos y se les podía restringir el ingreso. Lainmensa mayoría de los mexicanos era pobre yanalfabeta, entonces, el cruce ilegal se fue con-virtiendo desde entonces en una opcin viable.A los 90 días de promulgada la ley se le agreguna modicación mediante la cual se exceptuaba

a los trabajadores temporales tanto del cobrocomo de la demostracin de que se sabía leer yescribir; se inici exceptuando a los trabajadoresagrícolas que tanta falta les hacían y reconocíansu trabajo los empleadores del ramo como sucedehasta la fecha, luego se extendi a la minería, losferrocarriles y la industria cubriendo virtualmen-te la totalidad de las posibilidades. La fecha denuestra Revolucin coincide con la participacinde Estados Unidos en la Primera Guerra Mundial,hecho que oblig a nuestros vecinos a contratar 

contingentes suficientes para trabajar en lasáreas de produccin de alimentos y armas6; losmexicanos proveían una parte, y otra, sustituíana futuros soldados, inclusive, se cuenta con la

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informacin de que 60,000 mexicanos participa-ron con las armas bajo la bandera americana. Lahistoria de recibir y expulsar mexicanos ha sidoconstante desde esa época y para los expertos

en el análisis de proceso migratorios, es lugar común el armar que las presiones por salir deun país se incrementan cuando existen épocas de“desgobierno” y de desconanza colectiva7.

Poco tiempo después de iniciada la migracin por la necesidad de mano de obra que tenía elvecino país, inmediatamente surgieron tambiénlas deportaciones en las épocas en que disminuíansus requerimientos productivos o cuando sufríanalguna crisis econmica como la más conocida detodas y que se le denomin “La Gran Depresin”en 1929-1933, en esa ocasin los Estados Unidostuvieron la tasa más alta de desempleo y deportaronmensualmente a 5 mil mexicanos durante los tresaños. Para desgracia nuestra, en esas fechas reciénhabía terminado la  Revolución Cristera (1926-1929) y generado por ella, habían abandonado el país gran cantidad de trabajadores huyendo de laguerra: salieron de un conicto, salieron, entraron aotro, regresaron. Las crisis, los conictos religiososy los políticos, han sido los mayores generadores demovimientos de poblacin8 y no fueron la excep-cin las creadas en los años veintes y treintas. Estedecenio fue especialmente difícil para nuestro país porque coincidi con la aparicin de la conocida Revolución Cristera con una duracin de 3 años(1926-1929) y con presencia en la mayor partedel territorio nacional; los conictos políticos ytambién los religiosos han tenido inuencia muyimportante para que las personas abandonen loshogares y separen a las familias.

El Programa Bracero

El decenio de los años cuarentas fue favorable para nuestro país y el más difícil de los que habíanvivido los Estados Unidos ya que signicó su ingre-so a la Segunda Guerra Mundial. Se cre el famosoPrograma Bracero que consistió en la rma de unconvenio entre los dos gobiernos para contratar en México a los trabajadores que requirieran; sele denominó “bracero” porque signicaba pagar el servicio de “brazos” para producir en el campoy sustituir la mano de obra de los jvenes que se

enlistaron a la guerra. El primer documento se rmóen 1942 y el último en 1964, veintids años conse-cutivos constituyeron el total del acuerdo; en total secontrataron alrededor de 5 millones de trabajadores

y paradjicamente, se expuls a una cantidad similar en los años que se mantuvo el convenio9.Terminado el Programa Bracero, se reactiv el

oleaje de ida y vuelta que en épocas favorecía la búsqueda de trabajo y en otras la dicultaba; entre1965 y 1985 se redujo el ujo ocialmente, es de-cir, estaba prohibido el ingreso para trabajadoresilegales, aunque la realidad se imponía como muydiferente ya que no se sancionaba a los empleadores  por las contrataciones, entonces, la negociacintemporal ocial se transformó en compromisodenitivo e informal; en 1986 se aplicó la Ley deControl y Reforma de Inmigración que tenía entresus principales características, tres preceptos queresultaron de gran relevancia para los mexicanos: primero, se dej constancia que se iba a multar alas empresas que contrataran inmigrantes ilegales;segundo, se aument considerablemente el pre-supuesto destinado a la vigilancia de la fronteracon México; y la más importante: la tercera, hizo  posible que 2´800,000 mexicanos obtuvieran laformalizacin de su residencia permanente10 en

7 Alonso, José Antonio.   Emigración y Desarrollo, Implicacioneseconómicas. España, Documento de trabajo de la Serie Desarrollo yCooperacin. Departamento de Desarrollo y Cooperacin del InstitutoComplutense de Estudios Internacionales, marzo de 2004.8  Taylor, Paul. Arandas,   Jalisco: una comunidad campesina. En:Migración México-Estados Unidos. Años veinte. México, Consejo

 Nacional para la Cultura y las Artes, 1991. Hirai, Shinji. Nostalgiasen un mundo transnacional. Hacia la reconstrucción del terruño, cul-turas e identidades entre California y Jalostotitlán, Jalisco. México,Tesis de doctorado en ciencias antropolgicas, Universidad AutnomaMetropolitana, Unidad Iztapalapa, Divisin de Ciencias Sociales yHumanidades. Departamento de Antropología, 2007.9 Durand, Jorge y Arias, Patricia.  La experiencia migrante. Icono-

 grafía de la migración México-Estados Unidos. México, EditorialAltexto, 2000. Durand, Jorge. Programa de trabajadores temporales.

 Evaluación y análisis del caso mexicano. México, Consejo Nacionalde Poblacin, 2007.10  Es muy conocido el hecho de que gran cantidad de mexicanosaprovecharon un resquicio de la legislacin de este tiempo porqueestablecía en una parte que se le deberían entregar visas a todas las per-sonas que demostraran haber laborado en la agricultura por al menos90 días durante el año anterior a la aplicacin de la norma, el caso esque se “compraban” cartas a empleadores que “hacían constar” haber contratado por un período como el establecido a muchas personasque no conocían siquiera Estados Unidos, una cantidad imposible decuanticar de mexicanos obtuvieron su residencia ocial bajo estascircunstancias. Véase: Durand, Jorge. Programa de trabajadores tem-

 porales. Evaluación y análisis del caso mexicano. México, Consejo Nacional de Poblacin, 2007.

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Estados Unidos al comprobar que habían vividoen el país desde el año de 198211. Posterior a esaque fue la principal reforma en lo que se reere atrabajadores ilegales que normalizaron su situacin

laboral, se complementaron con otros tres cambios:la Ley de Immigration Act de 1990, la Illegal Im-migration Reform and Immigrant Responsibility

 Act , de 1996, y la Legal Immigration Family Equity Act del 2000.12 

La Etapa Ilegal

Durante este decenio, el de 1980-1990, secambi el mayor flujo migratorio hacia losEstados Unidos: recibían poco más de cinco mi-

llones provenientes de Europa y cuatro millonestrescientos mil latinoamericanos, para cambiar al nal, en 1990, por 4 millones trescientos mileuropeos y 8 millones cuatrocientos mil lati-

noamericanos, de entre los cuales la mitad eranmexicanos13. El proceso migratorio entre nuestros países es uno de los de mayor tradicin mundialtanto por la cantidad como por el tiempo en que se

ha realizado, con las importantes característicasademás, de contar con poco más de 3 mil kilme-tros de frontera14; que el ujo es unidireccional,ya que el 98 % es de ida y excepcionalmente un 2% de americanos vienen a vivir a un pueblo dondereine la tranquilidad y lo econmico de los ser-vicios les haga posible vivir con holgura con susfondos provenientes de su pensin econmica. Latendencia global es que la poblacin de origennacional ha incrementado signicativamente la  proporcin con respecto a otros países ya queen 1970 representábamos el 8.40 % del total deinmigrantes y para el 2005 somos ya el 29.5015;en 35 años hemos triplicado nuestra presencia enel país vecino (véase tabla).

11 Parra Ruíz José María y Gámez Frías Emilia. La oferta de fuerza de trabajo mexicana en Estados Unidos: perl socio-demográco y movilidad espacial . En: Carta Económica Regional número 98, Revista del Departamento de Estudios Reginales-Ineser. México, editorial Universidad deGuadalajara, México. Octubre-diciembre de 2006.12 Verduzco Igartúa, Gustavo. La continuidad y el cambio de las migraciones entre México y Estados Unidos: una interpretación desde México.En: The Center for Migration and Development. Working Paper Series. Princeton University. México, editorial El Colegio de México, enerode 2005. González Pérez, Cándido. Cuéntame una de braceros. México, Editorial Seminario Permanente de Estudios de la Gran Chichimeca,2009.13 La cifra es de 4´409,033 de acuerdo a estimaciones del Consejo Nacional de Poblacin en base a informacin recabada del U.S. Census Bureau.14 Salgado, Nelly. Motivaciones de la migración de mexicanos hacia Estados Unidos. En: Temas selectos de salud y derecho, M.M. de AlbaMedrano, Compilador. México, Instituto de Investigaciones Jurídicas, Universidad Nacional Autnoma de México. 2002.15 González Pérez, Cándido. Cuéntame una de braceros. México, Editorial Seminario Permanente de Estudios de la Gran Chichimeca, 2009.

Población residente en Estados Unidos por año de captación, 1970-2005

Fuente: Estimaciones del Consejo Nacional de Poblacin con base en el U.S. Census Bureau, 15- percent sample 1970, 5- percent simple 1980, 5- percent simple 1990, 5- percent sample 2000 y Ame-rican Community Survey, 2005.

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Estados Unidos es un país construido por inmi-grantes, en el año 2002 había 34 millones y mediode personas que nacieron en el extranjero, mismosque representaban el 11.5 % del total16 y para el año

2006 se contabilizaron cerca de doce millones so-lamente de trabajadores ilegales17, esto nos da unaclara idea de las intenciones gubernamentales delotro lado de la frontera ¿si no requirieran esa manode obra, permitirían que vivieran, trabajaran y sedesenvolvieran dentro de su territorio libremente?El pragmatismo de los americanos es muy conocido¿podríamos pensar que no cuentan con los recursoseconmicos o los servicios de inteligencia paraubicar esa cantidad exorbitante y sustituirlos por trabajadores legales para equilibrar el mercadolaboral? De acuerdo a estimaciones actuales, cadaaño cruzan para residir en Estados Unidos más de450 mil mexicanos18 y representamos la primeraminoría inmigrante en 31 estados.19

El origen de la creacin de un santopopular: juan Soldado.

Los migrantes que pasan por Tijuana han es-cuchado de Juan Soldado, un santo que les ayuda para cruzar la frontera, para obtener trabajo aun

en su situacin de ilegales o por lo menos paraobtener la visa y poder entrar a Estados Unidos20 como turista para luego quedarse a residir; algu-nos padres de familia le rezan en su capilla delcementerio número uno donde fue sepultado en1938 para que sus hijos regresen con bien del paísde las oportunidades y no caigan en los vicios nise conviertan en pandilleros. Juan Castillo Mo-rales, el nombre original de Juan Soldado, nacien un pequeño pueblo de Oaxaca: Ixtaltepec, ahíno saben nada de él, desconocen que en ese lugar 

naci un santo que protege a los desvalidos, quefue muerto por sus compañeros con motivo deuna historia triste y horrible para ser contada:21 asesin y viol a una niña de ocho años de edad enla ciudad de Tijuana en el año de 1938; él acepten los interrogatorios haberlo hecho, lo único enque sus dichos no coincidían con la necropsia  practicada por el doctor a cargo, fue sobre si primero la asesin y luego la viol o a la inversa;Castillo siempre armó haberla violado y después

asesinado de un golpe con un ladrillo en la cabezay posteriormente haberla degollado con un vidrioque encontr en el lugar del asesinato.

Cuando se le juzg, pudo conocerse por medio

de testigos, que hacía proposiciones a chicas muy jvenes. Había antecedentes. Se presentaron dosintentos de motines con más de mil personas en una poblacin que en ese año contaba con 19 mil ha- bitantes; las autoridades militares tenían planeadosacarlo de la ciudad y ubicarlo en una cárcel dondetuvieran mayor seguridad, no les fue posible y elfuturo del joven soldado de 24 años de edad estabamuy cercano a su n. La amasia fue presentadacomo testigo y se esperaría por sentido común queapoyara a su pareja, sin embargo se convirti en el peor testigo de cargo al ofrecer testimonio de que yacon anterioridad había intentado hacer algo similar con una sobrina de ella; en los documentos quehan podido revisarse no aparece el nombre, nuncase pudo conocer; denunci al enjuiciado, dijo queconsumía mariguana, que constantemente estabaalcoholizado y que el día del crimen tenía sangreen sus manos y en sus ropas, inform que cuandole pregunt sobre lo sucedido, él contest que había peleado con otra persona.

16 Verduzco Igartúa, Gustavo. La continuidad y el cambio de las mi- graciones entre México y Estados Unidos: una interpretación desdeMéxico. En: The Center for Migration and Development. Working 

 Paper Series, México, El Colegio de México, enero de 2005.17 Durand, Jorge.  Programa de trabajadores temporales. Evalua-ción y análisis del caso mexicano. México, Consejo Nacional dePoblacin, 200718 Verduzco Igartúa, Gustavo. La continuidad y el cambio de las mi-

 graciones entre México y Estados Unidos: una interpretación desdeMéxico. En: The Center for Migration and Development. Working 

 Paper Series, México, El Colegio de México, enero de 2005.19

Esta informacin corresponde al año 2005 de acuerdo a estima-ciones del Consejo Nacional de Poblacin basadas en el U.S. Census Bureau. González Pérez, Cándido.  Cuéntame una de braceros. México, Editorial Seminario Permanente de Estudios de la GranChichimeca, 2009.20 Rivera Delgado, José Gabriel y Saldaña Rico, José.  Religiosidad 

 popular en Tijuana. El culto a Juan Soldado . México, Documento dedivulgacin del Archivo Histrico de Tijuana, s/f.21 Sobre la vida y desenlace de Juan Castillo Morales: Juan Soldado,existe un libro muy bien documentado y mejor escrito de Paul Van-derwood: Juan Soldado: violador, asesino, mártir y santo, editadoen el año 2008, véase bibliografía. En lo relativo a este apartado, me

 baso en los relatos de Vanderwood, cuando hago referencia a algunaotra obra, aparece con citas a pié de página.

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El proceso

Castillo había negado ser culpable la primeraocasin en que se le señal, luego después, cubri

su cabeza con las manos, se agach, solloz y aceptsu culpa, dijo que cuando la niña había salido dela tienda, le peg en la cabeza con una piedra, laabraz y la llev a un establo que estaba ahí cerca, laviol y luego la mat. Asustado, la llev a esconder a un garaje y ya estando en ese último lugar, tomun vidrio cortado y se lo pas por el cuello. Pedíaasustado que lo protegieran de la multitud porquela noticia ya la conocía toda la poblacin y fuerona buscarlo a la cárcel municipal para intentar hacer   justicia por sus propias manos. Por lo inusitadodel hecho y por la gravedad que acarreaba, lasautoridades militares no quisieron que se pensaraen lo más mínimo que ellos intentarían protegerloy mucho menos evadirlo, por lo que hicieron algoinusual para la época y también inusual por tratarsede autoridades castrenses: invitaron a la prensa a quelo interrogaran directamente en su celda. Con losreporteros, Juan Castillo admiti su crimen, aceptser violador y asesino; en las crnicas se decía que el preso no mostraba señales de sentir dolor y tampocoarrepentimiento, no se le veía tampoco abrumado yun reportero extranjero de “Los Ángeles Examiner”hizo mencin de que lo encontr con una expresininusitada: estaba sonriente y decía “Ah, sí, lo hice… pero no le hice nada a la niña cuando estaba muerta”siempre neg los resultados aportados por el médi-co forense en el sentido de que había sido violadadespués de muerta “todo lo que hice fue mientrasestaba viva. Pero sí lo hice. Ya antes hice algo por el estilo” reere el reportero que le dijo y así lo public. En Estados Unidos la noticia había tenidogran inuencia porque se había presentado un hechomuy similar en la ciudad vecina de San Diego.

En México, en 1929 ya se había abolido la pena de muerte, en ese año se dio por concluidala Revolución Cristera que fue la última lucha ar-mada de importancia en nuestro país posterior a la

 Revolución Mexicana. Tijuana se ubicaba en lo que políticamente se denominaba “Territorio”22 debido aque la cantidad de poblacin era muy pequeña paraconsiderar esa regin como estado de la república,sin embargo, la abolicin era, desde luego, extensivaa los territorios (Quintana Roo era otro territorio y

está ubicado precisamente al otro extremo de Méxi-co). El militar a cargo de la proteccin de la ciudadera el general Contreras quien contaba con 600soldados a su mando, una cantidad no determinada

de policías, agentes aduanales y también un númeroimportante de civiles que podían ser reclutados se pusieron a las rdenes del castrense. Era común ennuestro país y recién terminada la “Cristiada” quelos llamados agraristas que eran campesinos po- bres a quienes el gobierno les había proporcionado pequeñas parcelas de tierra, estuvieran armados y pagaran el favor al gobierno en el sentido de poner-se a las rdenes de las autoridades para ayudar en problemas como el que se suscit con el actuar deJuan Castillo Morales. El general Contreras envia cincuenta soldados y a los policías disponibles aque tomaran la posesin del palacio municipal queestaba siendo blanco de ataques de los manifestan-tes, ya que entre las acciones que tomaron, una fueel tratar de incendiarlo. Al parecer, más que tener esa verdadera intención, buscaban inuir temor enlas autoridades; había explosivos en el lugar y noestaba entre sus planes el generar una verdaderacarnicería, sin embargo, el hecho sí lleg a mayores porque arrojaron bombas molotov que aun cuandoestaban lejos de causar un gran daño, si provocaronuna respuesta mayor.

Durante el segundo motín, los atacantes fueronrepelidos y una instalacin llamada “el fuerte” quefungía como comandancia de policía sí fue incen-diada, lo que provoc la respuesta; los militaresrepelieron a la multitud y la trifulca fue grande. Alotro día los peridicos más radicales daban cuentade la existencia de doce muertos y centenares deheridos, otros de solamente dos muertos y unos pocos lesionados y el gobernador del territorio, elcoronel Sánchez Taboada, inform a la Secretaríade Gobernacin que no hubo ningún muerto y sí laatencin a seis heridos que provoc el tumulto quetuvo duracin de toda la noche del 14 de febrerode 193823. Consultado el propio gobernador del

22 El nombre ocial era Territorio Norte de Baja California, se convirtióen Estado hasta el año de 1952.23 De acuerdo a otras fuentes y con informacin documentada, sedetuvieron a 40 personas y se les dej pronto en libertad, hubo 6heridos y uno de ellos muri después. Rivera Delgado, José Gabriel ySaldaña Rico, José. Religiosidad popular en Tijuana. El culto a JuanSoldado. México, Documento de divulgacin del Archivo Histricode Tijuana, s/f.

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Territorio sobre el origen de la reyerta, inform ala Secretaría de Gobernacin que uno de los solda-dos del 14º batalln había asesinado una niña de 8años de edad y que ya se le había encarcelado. La

tropa había sido enviada para mantener el ordenen la ciudad ya que se había visto en peligro por la insistencia de los trabajadores organizados enla Confederacin Revolucionaria de Obreros deMéxico (CROM) que reclamaban al gobiernofederal el cierre de las cantinas y los casinos; esuna historia larga y no fácilmente constatable yaque según los conocedores del asunto, el mismogobernador Sánchez Taboada era uno de los pro- pietarios y utilizaba prestanombres para mantener en funcionamiento las casas de juego y los centros

de prostitucin, por su parte, el presidente Cárdenashabía aplicado una política exitosa del cierre deeste tipo de negocios24, sin embargo se cont conla resistencia en el Territorio Norte de Baja Cali-fornia porque en forma clandestina y para poner  presin, el gobernador apoyaba a los empleados delos casinos quienes se manifestaban públicamentea favor de conservar sus puestos de trabajo. Eradel dominio público en esas fechas las confron-taciones y posterior rompimiento denitivo quetuvo Lázaro Cárdenas con el “Jefe Máximo” de la

revolucin Plutarco Elías Calles y que este últimocontaba con uno de sus más asiduos seguidoresel más conocido de los líderes de la CROM: Luis Napolen Morones.

El resultado del proceso

Para darle nalización al caso Juan CastilloMorales, se llev a cabo la corte marcial inician-do el día 16 de febrero a las cinco de la tarde enun edicio cercano al recientemente incendiado

“El Fuerte” y donde habitaba también el generalContreras quien era el responsable de las fuerzasmilitares. Es imposible conocer en detalle sobre el procedimiento que tuvo lugar porque los expedien-tes desaparecieron, sin embargo, lo que sí se hizo pública fue la resolucin. La inexistencia escritadel procedimiento, hace pensar en la posibilidadreal del rumor que se esparci en la ciudad: que elgobierno de la república orden la máxima penay su rápida aplicacin para evitar levantamientos;

el juicio tuvo duracin de 12 horas y se prolonghasta la madrugada del día 17. La sentencia fuemuerte por ejecucin, la orden, supuestamente esodecía porque aun cuando no se lleg a conocer,

ese fue el desenlace de los acontecimientos, ade-más, debería de ser pública y para taeles efectosse acondicion el panten municipal. El abogadodefensor de apellido Martínez, pudo haber so-licitado el perdn presidencial, que si bien, eralgico que no se lograría obtener, sí era un recursoocial al que pudo haber aspirado con el únicoobjetivo de ganar tiempo; era uno de los llamados“recurso legal”, que una vez solicitado, las normas procedentes obligaban a su revisin que durabaalrededor de un año; visto con ojos de abogados y propio de esos procesos, debería haberse solicitadoel recurso, luego pedir el traslado del preso a “unlugar más seguro” y después de un año del suce-so, podría pedirse que la pena se conmutara por cárcel vitalicia. No se solicit el recurso, se invita la prensa y se inform del resultado de la cortemarcial, se dijo que se iba a aplicar la “Ley Fuga”en un horario en que hubiera bastante claridad paraque pudieran tomar fotografías con buena calidad.Se cree que en las escasas ocasiones en que seaplic la Ley Fuga en México, debieron ser actos privados y en claustros militares; el caso de JuanCastillo Morales tenía el tinte de que se buscaba lasatisfaccin de la sociedad tijuanense agraviada y por eso la aplicacin de la pena de muerte deberíaser un acto público.

El diario norteamericano Los Angeles Examiner  dej ver en sus páginas del día 18 de febrero la cr-nica del acto en que se dio muerte al sentenciado,la descripcin da cuenta de que Juan Castillo ya nodejaba escapar los atisbos de sonrisa como cuandose le cuestionaba si era culpable, estaba asustado,decía que no quería escaparse seguramente pensan-do que algo a su favor podría obtener; al no lograr que se bajara del camin en que fue transportado alcementerio, sus compañeros le dieron piquetes de bayoneta y lo obligaron, pidi un cigarro, le fumuna vez, se volte y corri, brinc un pequeño cercode alambre de púas al momento que se daba la or-

24 Rivera Delgado, José Gabriel y Saldaña Rico, José.  Religiosidad  popular en Tijuana. El culto a Juan Soldado . México, Documento dedivulgacin del Archivo Histrico de Tijuana, s/f.

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den de fuego, cay, se levant trastabillando cuan-do lo alcanz la segunda descarga y lo oblig a caer denitivamente bocabajo, aunque se podía observar que infructuosamente trataba de levantarse, se dio

otra orden de disparar y fue entonces que ya quedinmóvil. El ocial a cargo se acercó, se inclinó y ledispar el tiro de gracia en la frente. Hubo alguna persona que hizo una exclamacin de alegría, perono la multitud que presenci el evento; se acerc unmédico y declar formalmente la muerte de CastilloMorales. Los soldados lo enterraron en ese mismolugar, sin ceremonia alguna ya que inexplicable-mente no fue invitado ningún sacerdote, que paraestos casos fue una excepcin más. En la crnicade Los Angeles Examiner tampoco se habla de quese haya dado lectura formal a la sentencia como loameritaba el caso. La multitud contaba con varioscentenares pero no era ya incontrolable comocuando incendiaron “El Fuerte”, había más bien ungran suspenso, las personas no se movían de suslugares, salvo muy pocas excepciones, nadie hizoexclamaciones ni pronunciamientos; se propaluna versión nunca conrmada de que al momentoen que iba a correr cuando dej caer el cigarro,que le hizo la señal a un niño que se hiciera a unlado porque venía de frente ignorando lo que iba asuceder. El sepulcro tuvo lugar a una veintena demetros de donde descansaban los restos de OlgaCamacho, quien fuera su víctima unos pocos díasantes. Se lleg a escuchar el rumor de que variossoldados habían disparado a propsito para nodar en el blanco aunque nunca se logr conocer larealidad ya que no hubo autopsia25 donde podríahaberse leído cuántos disparos recibi su cuerpo.De acuerdo a Vanderwood26, en los ámbitos ocia-les se niega en la actualidad que haya existido laaplicacin de la Ley Fuga en Tijuana, inclusive elacta de defuncin dice que la ocupacin del ahoraocciso era “labrador”.27

Igual que como sucedi en la RevolucinMexicana, los ociales americanos o inuyen enla trayectoria de los hechos, o por lo menos estánmejor informados que nuestros gobernantes; elcnsul Sonale que tenía su sede en Ensenada, setraslad a Tijuana para conocer el estado de tres prisioneros americanos, el general Contreras leinform que no corrían peligro alguno y entonces prepar un informe para su embajada en la ciudad

de México el día 15 de febrero y un día después ala Secretaría de Estado en Washington en el cual,en forma resumida emite su opinin: dice que losconictos tuvieron origen tanto por el conicto

entre la CROM y las autoridades federales por laexpropiacin del casino “Agua Caliente”, como por la violacin y asesinato de una niña y se inclina a pensar que el primero de los hechos fue el funda-mental ya que consider al segundo más bien comola gota que derram el vaso.

Nace un nuevo protector sobrenaturalde los migrantes

El mismo día de la muerte del preso, aparecie-ron ores, veladoras y piedras en el lugar dondecay abatido y desde esa fecha se le reza, se le piden favores y se le atribuyen milagros de la másdiversa índole aunque uno de los más recurrenteses su apoyo a los migrantes; la tradicin religiosaen México de colocar piedras en el lugar dondealguien muri es para indicar la cantidad de ora-ciones que se le han dedicado, cuando el cúmulose hace mayor, se permite diseminarlas para iniciar un nuevo conteo. Se considera que a la fecha, lamitad de quienes acuden al panten municipalnúmero uno28 en Tijuana, van para visitar la tumbade Juan Soldado. El editor de un peridico local,Antonio Morales Tamborrel, present un artículounos días después de la ejecucin “Había muertoun inocente clamando justicia” donde armabaque la muerte de Castillo Morales se debi a queera fuerte crítico del gobierno y esa había sido lacausa de su deceso. Armaciones como esta que

25 De acuerdo a otras fuentes, los médicos legistas Gilberto Sabina yAgustín Medina sí levantaron una autopsia en la que se puede leer quemuri por lesiones provocadas por arma de fuego y lesionar rganos

vitales. Rivera Delgado, José Gabriel y Saldaña Rico, José. Religiosi-dad popular en Tijuana. El culto a Juan Soldado. México, Documentode divulgacin del Archivo Histrico de Tijuana, s/f.26 Vanderwood, Paul. Juan Soldado: violador, asesino, mártir y santo.México, El Colegio de San Luis, El Colegio de la Frontera Norte y ElColegio de Michoacán, 2008.27 Tijuana, Gobierno Municipal, Registro Civil, año 1938, número 40,18 de febrero de 1938, en: Vanderwood, Paul. Juan Soldado: violador,asesino, mártir y santo. México, El Colegio de San Luis, El Colegiode la Frontera Norte y El Colegio de Michoacán, 2008.28 Ya existen más cementerios, en 1938 era el único por la cantidadde habitantes. Los padres de la niña Olga Camacho exhumaron losrestos de la niña y los cambiaron para que no estuvieran físicamentecerca de su asesino.

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qued escrita y rumores que se esparcían en la poblacin, dieron forma a la creacin de un nuevosanto ignorando los antecedentes; Juan CastilloMorales contaba con 24 años cuando muri y en los

anales de los hechos histricos relacionados con lacreacin de mitos, existe un paralelismo, guardandolas proporciones: “el tiradito de Tucson” de quienno se cuenta con información dedigna sobre sureal existencia pero se halla una capilla en una calledel centro histrico de esa ciudad en Arizona dondese llevan veladoras, ores y también se le reza;se supone que fue hijo de un hombre de grandesrecursos económicos de nales del siglo XIX yque habiéndose enamorado de su madrastra, fuedescubierto por su padre y muerto a machetazos,luego, bajo sus rdenes, fue “tirado” en un canalde agua donde se localiza actualmente su tumba yahí se le rinden tributos; llevaba por nombre JuanOliveras aunque la Cámara de Comercio de Tucsonlo promueve como “el tiradito”.

El caso de Juan Soldado en su conversin ino- pinada a protector sobrenatural es el caso típico delfenmeno conocido como religiosidad popular, queno sigue los cánones vigentes en las institucionesde la religin catlica y que lleva por sus propiosrumbos las tradiciones. La devocin hacia el vio-lador y asesino fue paulatina y se inici desde elmismo día de su muerte; quienes dieron cuentacon sus testimonios en los diarios locales armanque no hubo muestras de alegría entre la multitudque presenci los hechos como era de esperarse yaque días antes habían estado a punto de lincharlocuando estuvo preso y en custodia de las fuerzasfederales, lo que sí observaron fueron muestrasde tristeza e inclusive de misericordia. Un hechoque debe considerarse de la mayor relevancia para el inicio de la inusitada devocin es cuandollevaron ores a la tumba, se sabe que fueronmuchas personas quienes de manera disimuladafueron manifestando con esa actitud su constanciade “apoyo” a una persona desamparada; llama enextremo la atencin cmo se transform totalmentela furia social el mismo día de su muerte por unsentimiento de compasin. En gran parte abon aesta situacin el hecho de que en la prensa escritaen días posteriores a la aplicacin de la Ley Fuga,se hayan manifestado de manera inédita y en abiertoapoyo al “inocente” que había muerto “clamando

 justicia”, no era posible considerar inocente a unasesino confeso con todas las ventajas que tiene unadulto al agraviar una niña de 8 años de edad y noexisti ninguna versin a la cual se pueda llegar a

armar que “clamó justicia”.En México así se construye a los héroes socia-les, por ejemplo, no lejos de Tijuana, en el estadovecino de Sinaloa se creó la gura de otro protector sobrenatural: Jesús Malverde de quien no se ha podido dar constancia de su verdadera existencia,sin embargo se ha creado la leyenda de la existenciade un mártir que robaba el dinero a los ricos y selos regalaba a los pobres y a quien se le atribuyedesde 1909 (fecha de su supuesta muerte) la ayudasobrenatural a sus seguidores. El día 3 de mayo quese ha jado como la fecha de su supuesto asesinato por ahorcamiento público, se celebra en México eldía de la Santa Cruz y por tradicin es objeto deveneracin de los trabajadores de la construccin(albañiles), entonces en un principio la devocinespecial provenía de los integrantes de este gremioy como la nueva actividad delictiva del comercioa gran escala de la marihuana inició a nales delsiglo pasado, no fue sino hasta entonces que se leencontraron nuevos devotos al santo, así actúa lareligiosidad popular que contraviene las normaseclesiásticas. El caso de Juan Soldado se transfor-m de manera similar al de Jesús Malverde, a un principio quienes pedían su mediacin sobrenaturaleran los presos porque existía el hilo directo: élfue preso aun cuando haya sido por unos cuantosdías y debido a la condicin fronteriza de la ciudadde Tijuana, cuando en 1964 termin el ProgramaBracero por medio del cual los migrantes cruzabanla frontera con un contrato en la mano y dio inicioel periodo conocido como la “etapa ilegal” y desdeesa fecha los trabajadores pasan ocultos la frontera,fue como se dio el cambio de veneracin. Tijuanaes actualmente una de las ciudades más importantesde México en cuanto al número de habitantes perosobre todo por ser uno de los cruces fronterizosmás grandes del mundo. Un aspecto que no puede pasarse por alto en los análisis de corte social yen particular sobre la religiosidad popular, es quea la inmensa mayoría de los devotos, en este casolos migrantes, personas indefensas en un mediodesconocido y que se ven obligada a actuar en lailegalidad, no les interesa en absoluto indagar sobre

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los antecedentes de quienes les van a apoyar enforma sobrenatural, la inmensa mayoría de ellosdesconoce los orígenes de Juan Castillo, su creacincomo defensor extra-natural ha sido paulatina pero

contundente, prueba muy palpable de ello es cuan-do puede observarse las fotografías de las ofrendasorales que se depositan en su tumba desde hacemás de sesenta años y de los exvotos solicitando suintervención para obtener un benecio. Otro casoespecial que guarda paralelismo con la delidadhacia Juan Soldado, es la gura del mártir de laRevolucin Cristera Toribio Romo, él fue fusilado por las fuerzas federales diez años antes que JuanCastillo y durante siete décadas pas virtualmenteinadvertido en el ámbito religioso ocial cuando

en el año de 1992 fue beaticado junto con otro 25mártires de esa conagración religiosa y a partir deesa fecha, también por la inuencia de la religiosi-dad popular se le ha venerado como otro protector sobrenatural de los migrantes (Reynoso, Et. Al.2010: 2-4). La devocin es mayor en la actualidada Santo Toribio Romo por parte de los migrantesque Juan Soldado, no obstante, fue a este últimoa quien se le encontraron esas virtudes un cuartode siglo antes.

La religiosidad popular

Una de las versiones más conocidas sobre elanálisis de la religiosidad popular, indica que quie-nes profesan la religin cristiana y en particular loscatlicos romanos, con frecuencia rebasan con sucreatividad los límites de la pureza dictada por losestándares eclesiásticos y generan acciones fuerade lo común teniendo como característica que sonun movimiento que marca distancia con respecto al poder eclesial, que forman parte de la modernidad,

y que sus manifestaciones religiosas persiguen nes palpables y terrenales por sobre los espirituales; aunsin proponérselo, la religiosidad popular sustraelas responsabilidades a la élite y las convierte enlaicas, y deja al descubierto las relaciones de poder,de negociaciones y consensos que existen dentro delos grupos que perviven al seno de la iglesia. “Perono por este hecho las expresiones de religiosidad  popular han de valorarse como manifestacionesde un catolicismo de segunda, practicado por el

 pueblo, frente al catolicismo original o verdaderoque proponen las élites. Ni se trata tampoco demanifestaciones religiosas del pasado que estána punto de extinguirse a medida que avanza la

racionalidad hasta llegar al ́ desencantamiento delmundo´, entendido como el proceso de racionali-zacin gradual para eliminar la magia como mediode salvacin, vaticinado por Max Weber. Es decir que la religiosidad popular constituye una formade expresin religiosa vigorosa en el presente y estan válida como cualquier otra.” (Reynoso, Et. Al.2010: 2-3). La religiosidad popular es muy cam- biante y depende en forma directa de las relacionesde clases sociales, de las cuales, son más proclivesa echar mano de ella entre quienes tienen más incer-

tidumbres, menor seguridad de libre sobrevivenciaen este mundo modernizado donde la tecnología hademostrado grandes avances.

Conclusiones

Es una tradicin que en la cultura religiosa delmexicano se rebase en ocasiones al proceder delas autoridades del culto y se generen historias basadas en algunos aspectos reales o inclusivetotalmente inventadas (piénsese en el caso de Jesús

Malverde el protector de los narcotracantes) paracrear defensores sobrenaturales. El caso de los mi-grantes hacia los Estados Unidos, que son personasdesvalidas, creyentes desde sus orígenes y queal encontrarse desorientados en una frontera queademás de inhspita se convierte en lugar propicio para que se les persiga, robe, extorsione, que a las jvenes se les viole o que inclusive algunos de ellosmueran perdido o ahogados, busquen el apoyo queno tienen físicamente, entonces, se acogen bajola sombra protectora de los seres sobrenaturales

en los cuales ellos confían porque así fueron for-mados desde su infancia en sus lugares de origen(generalmente en el campo mexicano). La creacinde Juan Soldado como protector de los migrantesentre otras especialidades con que cuenta, ha sidoen México una de las más grandes paradojas dela historia: aun cuando está documentado que envida fue un violador y asesino confeso, caracte-rísticas de las cuales su propia pareja fue testigode tentativas previas, se le haya convertido en un

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 protector sobrenatural. Todo ello es atribuible ala tradicin conocida como religiosidad popular que consiste en que la sociedad rebasa los límitesociales que las representaciones eclesiásticas

observan en sus áreas de inuencia. La produc-cin de una nueva devocin puede depender derumores que al desarrollarse, generan leyendas;la reproduccin es más sencilla, la sociedad sedeja llevar muy fácilmente, cuando ya se conocen“los milagros” la poblacin necesitada acude en procesiones, por tratarse de personas desvalidasque generalmente provienen de los niveles bajosde la divisin econmica de la sociedad, son más

 proclives a conar en recibir ayudas sobrenaturalesque busquen compensar sus atrasos y sus grandesnecesidades; en este ámbito, los migrantes son unexcelente caldo de cultivo para la diseminacin

de las ideas generadas en la religiosidad popular y que están hechas a su medida. La promocinde los milagros se expande de boca en boca, norequiere en absoluto la exposicin de la historiade vida del nuevo santo, a más de setenta años dedistancia del “nacimiento de un nuevo protector sobrenatural” lo que menos se conoce es su viday obras, lo que importa son los resultados, lo másdirecto y supuestamente accesible.

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 Recebido em: Aprovado em:

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RESUMOSDE TESES E

DISSERTAÇÕES

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MACÊDO, Maria Dalva de Lima (Professora da Universidade do Estado da Bahia – CampusIV). Título: Resistência Cultural de Estudantes Negros (as) da roça nas escolas públicas de Santa Bárbara –Ba. Salvador, 2011. 129 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade. Universidade do Estado da Bahia – UNEB.Data de defesa: 18 de março de 2011. Banca composta pelas professoras doutoras LíviaA. Fialho Costa (orientadora - UNEB), Delcele Mascarenhas Queiroz (UNEB), LucileneReginaldo (UEFS).

A pesquisa é uma reexão sobre a trajetória deestudantes negros/negras da roça e suas interaçõescom a escola. Foi desenvolvida em Santa Bárbara,Bahia. O aporte terico-conceitual utilizado é dosestudos culturais. Fomentou-se a reexão sobreinter-relações entre roça, cultura, identidade, es-cola e resistência. Através do método da Histria

Oral e de entrevistas individuais com estudantes/ex-estudantes da roça deste município, buscou-seresponder à questão: quais estratégias os(as) estu-dantes negros(as) utilizam na escola como formade preservação de costumes e tradições negras erurais, como forma de resistência cultural? Umadas discussões de fundo ancora-se no signicadoda roça, espaço que experimentou um processo dereterritorialização. Alguns resultados conrmamachados de outros pesquisadores. A relação entreesses estudantes e a escola é marcada, de um lado,

 por preconceitos, esteretipos e discriminação e, dooutro, por variadas formas de resistência cultural.Embora nem todos entrevistados se identiquemcomo negros(as), há nos seus relatos trechos quecontam experiências marcadas pela discriminação, pelo racismo, fenômenos camuados em “brinca-deiras” difundidas no espaço escolar. A resistênciacultural se efetiva na escola através de estratégiasque vão desde a aprovação à indisciplina, repetên-cia e evasão. A escola se constitui num espaço con-testado por meio de jogos cotidianos que deslocam

e/ou seduzem a “Verdade”. A escola contemporâneavem experimentando efeitos de políticas públicasvoltadas para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Entretanto, em Santa Bárbara,as políticas de ações armativas, voltadas para areparação de desigualdades sociais, ainda não setornaram efetivamente uma realidade.

Palavras-chave: negro(a) da roça – escola – re-sistência cultural

c rene of Bk r sden n Pb shoo of sn Bb –Bh (Bz) 

This research is a reection about black rural stu-dents and their interactions with school. It was realizedin Santa Barbara, Bahia. It is rooted on cultural studiesand promotes reection about interrelations betweenrural world , culture, identity, school and resistance. Weuse oral history and private interview so that we couldanswer the following question: which strategies do the black students use to preserve their afro-brazilian andrural traditions in school, as ways of cultural resistance?One of the background discussions is based on the mean-ing of roça, a rural space of small agricultural productionwhich is passing through a repossession process. Our results corroborate others found by other researchers.The relationship between these students and school ismarked, on one hand, by prejudices, stereotypes and

discrimination, and on the other hand, by many waysof cultural resistance,. However not all the intervieweesidentify themselves as blacks, we identied in their speeches parts that talked about their experiences of  being racially discriminated through “jokes” that took  place in the school. The cultural resistance manifestsitself in school by strategies ranging from the indis-cipline, repetition and dropout. The school constitutesitself in a contested space through daily games whichcamouage the “Truth”. The present Brazilian schoolis experimenting public politics which aim a more fair 

and democratic society society. At this time in SantaBarbara, however, afrmative action policies, towardsocial equality, have not yet effectively been enforced.

Kewords: rural afro-brazilian – school – culturalresistance

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SOARES JÚNIOR, Néri Emílio1 . O lugar da pesquisa no currículo da formação inicialdos professores de Educação Física, 2010. f. 132. Dissertação (Mestrado) - Programade Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília - UnB, Brasília.2 

Este estudo teve como objetivo analisar o lugar da pesquisa no currículo de um curso de formaçãoinicial de professores de Educação Física para aEducação Básica. Buscou-se compreender se a pesquisa é componente integrante nas DiretrizesCurriculares Nacionais para a Formação de Pro-fessores para a Educação Básica, além de analisar a concepção de pesquisa estabelecida no ProjetoPolítico Pedaggico do curso de formação, e a percepção dos interlocutores sobre a inclusão da pesquisa no currículo do curso. Foram utilizadoscomo procedimentos de pesquisa a análise docu-mental, o questionário e o grupo focal. A pesquisafoi realizada em uma instituição localizada na ci-dade de Goiânia e os interlocutores foram docentese discentes do curso. Foi compreendido que a pes-quisa está incluída nas Diretrizes Curriculares Na-cionais para formação do professor para EducaçãoBásica como um dos seus princípios norteadores para o preparo e o exercício prossional, mas emuma perspectiva pragmática, aprisionada exclu-sivamente ao processo de ensino/aprendizageme diferenciada da pesquisa cientíca. No ProjetoPolítico-Pedaggico do curso de Licenciatura emEducação Física a pesquisa está incluída como ummeio de produção de conhecimento e posta como princípio nuclear em uma relação indissociável como ensino e a extensão em todas as disciplinas. Osinterlocutores reconheceram a pesquisa como umimportante elemento do currículo. Ficou evidenteque a inclusão da pesquisa no currículo do cursode formação de professores de Educação Físicasuperou a perspectiva pragmática estabelecida nas

Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores para a Educação Básica.

Palavras-chave: Pesquisa, Educação Física, Cur-rículo, Formação Inicial de Professores.

ABSTRACT: The Role of Research in theProgram of Initial Formation for Teachers of Physical Education.

This study aimed to analyze the role of research in a program of initial formation for teacher of Physical Ed-ucation for Basic Education. We tried to understand if research is an integral component of the National Cur-riculum for Teacher Training for Basic Education, andanalyzing the research design established in the Politi-cal Pedagogical Project of the training course, and the perception of participants upon inclusion of researchin the course program. We have used the following asresearch tools: document analysis, questionnaire, andfocus group. The research was conducted in an institu-tion located in the city of Goiânia (Goais, Brazil) withteachers and students of the course. It was understoodthat research is included in the National CurriculumGuidelines for training of teachers for basic educationas one of its guiding principles for preparation and professional practice, but in a pragmatic perspective,restricted solely to the process of teaching and learn-ing and differentiated from scientic research. In thePolitical-Pedagogical Degree in Physical Education,research is included as a means of knowledge’s pro-duction and its indissoluble relation with education inall disciplines is set as a core principle. The speakersacknowledged the survey as an important element of the program. It was evident that the inclusion of re-search in the curriculum of teacher training in PhysicalEducation overcame the pragmatic vision establishedin the National Curriculum Guidelines for the trainingof teachers in Basic Education.

Kewords: Research, Physical Education, Curriculum,Initial Teacher Training

1 Mestre em Educação pelo Programa de Ps-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Endereço paracorrespondência: Rua R: 29 Qd. 29 Lt. 08 Conjunto Itatiaia II Cep: 74 690 540. Goiânia - GO. E-mail: [email protected] Orientadora Profa. Drª. Lívia Freitas Fonseca Borges (UnB). Data da defesa: 22 de Março de 2010. Banca examinadora: Profa.Drª. Ilma Passos de Alencastro Veiga (UnB) e Prof. Dr. Waldeck Carneiro da Silva (UFF).

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233Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 35, jan./jun. 2011

Revista da FAEEBA: Educação e ContemporaneidadeISSN 0104-7043

Revista temática semestral do Departamento de Educação I – UNEB

Normas para publicação

I – PROPOSTA EDITORIAL

A Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade é um peridico temático e semestral,que tem como objetivo incentivar e promover o intercâmbio de informações e resultados de estudos e pesquisas de natureza cientíca, no campo da educação, em interação com as demais ciências sociais,relacionando-se com a comunidade regional, nacional e internacional. Aceita trabalhos originais, queanalisam e discutem assuntos de interesse cientíco-cultural, e que sejam classicados em uma dasseguintes modalidades:

- ensaios: estudos tericos, com análise de conceitos;- resultados de pesquisa: texto baseado em dados de pesquisa;- estudos bibliográcos: análise crítica e abrangente da literatura sobre tema denido;- resenhas: revisão crítica de uma publicação recente;- entrevistas com cientistas e pesquisadores renomados;- resumos de teses ou dissertações.

Os trabalhos devem ser inéditos, não sendo permitido o encaminhamento simultâneo para outro peridico. A revista recebe artigos redigidos em português, espanhol, francês e inglês, sendo que os pontos de vista apresentados são da exclusiva responsabilidade de seus autores. Os originais em francêse inglês poderão ser traduzidos para o português, com a revisão realizada sob a coordenação do autor oude alguém indicado por ele.

Os temas dos futuros números e os prazos para a entrega dos textos são publicados nos últimosnúmeros da revista, assim como no site www.revistadafaeeba.uneb.br, ou podem ser informados peloeditor executivo a pedido. Também será publicada, em cada número, a lista dos peridicos com os quaisa Revista da FAEEBA mantém intercâmbio.

II – RECEBIMENTO E AVALIAÇÃO DOS TEXTOS RECEBIDOS

Os textos recebidos são apreciados inicialmente pelo editor executivo, que enviará aos autores aconrmação do recebimento. Se forem apresentados de acordo com as normas da Revista da FAEEBA:Educação e Contemporaneidade, serão encaminhados para os membros do Conselho Editorial ou para

 pareceristas ad hoc de reconhecida competência na temática do número, sem identicação da autoria para preservar isenção e neutralidade de avaliação.

Os pareceres têm como nalidade atestar a qualidade cientíca dos textos para ns de publicação esão apresentados de acordo com as quatro categorias a seguir: a) publicável sem restrições; b) publicávelcom restrições; c) publicável com restrições e sugestões de modicações, sujeitas a novo parecer; d) não publicável. Os pareceres são encaminhados para os autores, igualmente sem identicação da sua autoria.

Os textos com o parecer b) ou c) deverão ser modicados de acordo com as sugestões do conselheiroou parecerista ad hoc, no prazo a ser denido pelo editor executivo, em comum acordo com o(s) autor(es).As modicações introduzidas no texto, com o parecer b), deverão ser colocadas em vermelho, paraefeito de vericação pelo editor executivo.

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Aps a revisão gramatical do texto, a correção das referências e a revisão das partes em inglês,o(s) autor(es) receberão o texto para uma revisão nal no prazo de sete dias, tendo a oportunidade deintroduzir eventuais correções de pequenos detalhes.

III – DIREITOS AUTORAIS

O encaminhamento dos textos para a revista implica a autorização para publicação. A aceitação damatéria para publicação implica na transferência de direitos autorais para a revista. A reprodução totalou parcial (mais de 500 palavras do texto) requer autorização por escrito da comissão editorial.

Sendo a Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade um peridico temático, será dada preferência à publicação de textos que têm relação com o tema de cada número. Os outros textos aprovadossomente serão publicados numa seção especial, denominada Estudos, na medida da disponibilidadede espaço em cada número, ou em um futuro número, quando sua temática estiver de acordo com oconteúdo do trabalho. Se, depois de um ano, não surgir uma perspectiva concreta de publicação do texto,

este pode ser liberado para ser publicado em outro peridico, a pedido do(s) autor(es).O autor principal de um artigo receberá três exemplares da edição em que este foi publicado. Para oautor de resenha ou resumo de tese ou dissertação será destinado um exemplar.

IV – ENCAMINHAMENTO E APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS

Os textos devem ser encaminhados exclusivamente para o endereço eletrônico da revista: [email protected]. O mesmo procedimento deve ser adotado para os contatos posteriores. Aoencaminhar o texto, neste devem constar: a) a indicação de uma das modalidades citadas no item I; b) a garantia de observação de procedimentos éticos; c) a concessão de direitos autorais à Revista da

FAEEBA: Educação e Contemporaneidade.Os trabalhos devem ser apresentados segundo as normas denidas a seguir:

1.  Na primeira página devem constar: a) título do artigo; b) nome(s) do(s) autor(es), endereçosresidencial (somente para envio dos exemplares dos autores) e institucional (publicado junto com osdados em relação a cada autor), telefones (para contato emergencial), e-mail; c) titulação principal; d)instituição a que pertence(m) e cargo que ocupa(m).

2. Resumo e Abstract: cada um com no máximo 200 palavras, incluindo objetivo, método, resultado econclusão. Logo em seguida, as Palavras-chave e Kewords, cujo número desejado é de, no mínimo,três e, no máximo, cinco. Traduzir, também, o título do artigo e do resumo, assim como do trabalhoresenhado. Atenção: cabe aos autores entregar traduções de boa qualidade.

3.As guras, grácos, tabelas ou fotograas (em formato TIF, cor cinza, dpi 300), quando apresentados emseparado, devem ter indicação dos locais onde devem ser incluídos, ser titulados e apresentar referênciasde sua autoria/fonte. Para tanto, devem seguir a Norma de apresentação tabular, estabelecida peloConselho Nacional de Estatística e publicada pelo IBGE em 1979.

4. Sob o título Referências deve vir, após a parte nal do artigo, em ordem alfabética, a lista dos autorese das publicações conforme as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Vide osseguintes exemplos:

a) Livro de um só autor:BENJAMIM, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1986.

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b) Livro até três autores: NORTON, Peter; AITKEN, Peter; WILTON, Richard. Peter Norton: a bíblia do programador. Tradução deGeraldo Costa Filho. Rio de Janeiro: Campos, 1994.

c) Livro de mais de três autores:

CASTELS, Manuel et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.d) Capítulo de livro:BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA Joaquim (Org.).Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 168-198.

e) Artigo de periódico:MOTA, Kátia Maria Santos. A linguagem da vida, a linguagem da escola: inclusão ou exclusão? uma brevereexão lingüística para não lingüistas. Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade, Salvador, v. 11,n. 17, p. 13-26, jan./jun. 2002.

f) Artigo de jornais:SOUZA, Marcus. Falta de qualidade no magistério é a falha mais séria no ensino privado e público. O Globo,Rio de Janeiro, 06 dez. 2001. Caderno 2, p. 4.

g) Artigo de periódico (formato eletrônico):TRINDADE, Judite Maria Barbosa. O abandono de crianças ou a negação do óbvio. Revista Brasileira deHistria, São Paulo, v. 19, n. 37, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 14 ago. 2000.

h) Livro em formato eletrônico:SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, 1999. v. 3. Disponível em: <http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm>. Acesso em: 19 out. 2003.

i) Decreto, Leis:BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos para despachode aeronave em serviço internacional. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo, v. 48, p. 3-4, jan./mar, 1984. Legislação Federal e marginalia.

 j) Dissertações e teses:

SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.

k) Trabalho publicado em Congresso:LIMA, Maria José Rocha. Professor, objeto da trama da ignorância: análise de discursos de autoridades brasileiras, no império e na república. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORDESTE:histria da educação, 13, 1997. Natal. Anais. .. Natal: EDURFRN, 1997. p. 95-107.

IMPORTANTE: Ao organizar a lista de referências, o autor deve observar o correto emprego da pontuação, de maneira que esta gure de forma uniforme.

5. O sistema de citação adotado por este peridico é o de autor-data, de acordo com a NBR 10520de 2003. As citações bibliográcas ou de site, inseridas no prprio texto, devem vir entre aspas ou,

quando ultrapassa três linhas, em parágrafo com recuo e sem aspas, remetendo ao autor. Quando o autor faz parte do texto, este deve aparecer em letra cursiva e submeter-se aos procedimentos gramaticais dalíngua. Exemplo: De acordo com Freire (1982, p.35), etc. Já quando o autor não faz parte do texto, estedeve aparecer no nal do parágrafo, entre parênteses e em letra maiúscula, como no exemplo a seguir:A pedagogia das minorias está à disposição de todos (FREIRE, 1982, p.35). As citações extraídas desites devem, além disso, conter o endereço (URL) entre parênteses angulares e a data de acesso. Paraqualquer referência a um autor deve ser adotado igual procedimento. Deste modo, no rodapé das páginasdo texto devem constar apenas as notas explicativas estritamente necessárias, que devem obedecer à NBR 10520, de 2003.

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6. As notas numeradas devem vir no rodapé da mesma página em que aparecem, assim como osagradecimentos, apêndices e informes complementares.

7. Os artigos devem ter, no máximo, 60 mil caracteres com espaços e, no mínimo, 30 mil caracteres comespaços. Os resumos de teses/dissertações devem ter, no máximo, 250 palavras, e conter título, número

de folhas, autor (e seus dados), palavras-chave, orientador, banca, instituição, e data da defesa pública,assim como a tradução em inglês do título, resumo e das palavras-chave.

Atenção: os textos s serão aceitos nas seguintes dimensões no processador Word for Windows ouequivalente:

· letra: Times New Roman 12· tamanho da folha: A4· margens: 2,5 cm· espaçamento entre as linhas: 1,5;·  parágrafo justicado.

Os autores são convidados a conferir todos os itens das Normas para Publicação antes de encaminhar 

os textos. Deste modo, será mais rápido o processo de avaliação e possível publicação.

Para contatos e informações:

AdministraçãoE-mail: [email protected] Tel. 71.3117.2316

Grupo Editor 

E-mails: [email protected] / [email protected] 

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Revista da FAEEBA: Educação e ContemporaneidadeISSN 0104-7043

Semestral thematic journal of the of Education Faculty I – UNEB

Norms for publication

I – EDITORIAL POLICIES

The Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade is a thematic and semestral periodicwhich have for objective to stimulate and promote the exchange of informations and of results of scientic research, in the eld of education, interacting with the other social sciences, interconnected tothe regional, national and international community.

The Revista da FAEEBA receive only original works which analyze and discuss matters of scienticand cultural interest and that can be classied according to one of the following modalities:

- essas: theoretical studies with analysis of concepts;- research results: text based on research data- reviews of literatures: ample critical analysis of the literature upon some specic theme;- critical review of a recent publication;- interviews with recognized researchers;- abstract of PhD and master thesis.

Submitted works should be unpublished and should not be submitted simultaneously to other journal.Papers written in Portuguese, Spanish, French and English are received. Views published remain their authors’ responsibility. Texts originally in French and English may be translated into Portuguese and published after a revision made by the author or by someone he has suggested.

Themes and terms of the futures volumes are published in the last volumes are also available on-line

at www.revistadafaeeba.uneb.br. In each volume, appears also the list of academic journals with whichthe Revista da FAEEBA have established cooperation.

II – RECEIVING AND EVALUATING SUBMITTED WORKS

Texts submitted are initially appreciated by the Editor which will conrm reception. If they areedited in accordance with the norms, they will be sent, anonymously so to assure neutrality, to other member of the editorial committee or to ad hoc evaluators of known competence .

Evaluators’ reports will confer the submitted work scientic quality and class them in four categories: a) publishable without restrictions b) publishable with restrictions; c) publishable with restrictions and modicationsafter new evaluation; d) unpublishable. Evaluators’ reports are sent anonymously to the authors.

In the b) or c) case, the works should be modied according to the report’ suggestion in the termsdetermined by the editor in agreement with the authors. Modications made should appear in red so asto permit verication.

After the grammatical revision of the text, the correction of the bibliography, and the revision of the part inEnglish, the authors(s) will receive the text for an ultimate opportunity to make small corrections in a week.

III – COPyRIGHTS

Submitting text to the journal means authorizing for publication. Accepting a text for publicationimply the transfer of copyrights to the journal. Whatever complete or partial reproduction (more than

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500 hundreds words) requires the written authorization of the editorial committee. As the Revistada FAEEBA: Educação e Contemporaneidade is a periodic journal, preference will be given to the publication of texts related to the theme of each volume. Other selected approved text may only be published in a special section called Studies depending of available space in each volume or in a future

volume more in touch with the text content. If, after a year, no possibility of a publication emerges, thetext can be liberated for publication in another journal if this is the will of the author.The main author of a paper will receive three copies of the volume in which his paper was published.

The author of an abstract or a review will receive one.

IV – Sending and presenting works

Texts as well as ulterior communication should be sent exclusively to the e-mail [email protected]. In should be explicited initially a) at which modality the text pertains; b) ethical procedures; c) copyrights concession to the Revista da FAEEBA: Educaçãoe Contemporaneidade.

Works should respect the following norms:1. In the rst page, should appear: a) the paper’s title; b) authors’ name, address, telephones, e-mail; c)main title; d) institutional afliation and post.

2. Resumo and Abstract: each with no more than 200 words including objective, method, results andconclusion. Immediately after, the Palavras-chave and Kewords, which desired number is between 3and 5. Authors should submit high quality translation.

3. Figures, graphics, tables and photographies (TIF, grey, dpi 300), if presented separately should comewith indication of their localization in the text, have a title and indicates author and reference. In thissense, the tabular norms of tabular presentation, established by the Brazilian Conselho Nacional deEstatística and published by the IBGE in 1979.

4. Under the title Referências should appear, at the end of the paper, in alphabetic order, the list of authorsand publication according to the norms of the ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Seethe following examples:

a) Book of one author onl:BENJAMIM, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1986.

b) Book of two or three authors: NORTON, Peter; AITKEN, Peter; WILTON, Richard. Peter Norton: a bíblia do programador. Tradução deGeraldo Costa Filho. Rio de Janeiro: Campos, 1994.

c) Book of more than three authors:CASTELS, Manuel et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

d) Book chapter:BARBIER, René. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA Joaquim (Org.).Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. p. 168-198.

e) Journal’s paper:MOTA, Kátia Maria Santos. A linguagem da vida, a linguagem da escola: inclusão ou exclusão? uma brevereexão lingüística para não lingüistas. Revista da FAEEBA: educação e contemporaneidade, Salvador, v. 11,n. 17, p. 13-26, jan./jun. 2002.

f) Newspaper:SOUZA, Marcus. Falta de qualidade no magistério é a falha mais séria no ensino privado e público. O Globo,Rio de Janeiro, 06 dez. 2001. Caderno 2, p. 4.

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g) On-line paper :TRINDADE, Judite Maria Barbosa. O abandono de crianças ou a negação do bvio. Revista Brasileira deHistória, São Paulo, v. 19, n. 37, 1999. Available at: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 14 ago. 2000.

h) E-book :SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, 1999. v. 3. Disponível em: <http://www. bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm>. Acesso em: 19 out. 2003.

i) Laws:BRASIL. Decreto n. 89.271, de 4 de janeiro de 1984. Dispõe sobre documentos e procedimentos para despachode aeronave em serviço internacional. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo, v. 48, p. 3-4, jan./mar, 1984. Legislação Federal e marginalia.

 j) Thesis:SILVIA, M. C. da. Fracasso escolar: uma perspectiva em questão. 1996. 160 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.

k) Congress annals:LIMA, Maria José Rocha. Professor, objeto da trama da ignorância: análise de discursos de autoridades brasileiras, no império e na república. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORDESTE:

histria da educação, 13, 1997. Natal. Anais. .. Natal: EDURFRN, 1997. p. 95-107.

IMPORTANT: Organizing references, the author should take care of punctuation correct use, so asto preserve uniformity.

5. This journal use the author-date quote system, according to the NBR 10520 de 2003. Bibliographicalquotes or quotes from on-line publications, if inserted into the text, should appear between quotationmarks or if the quotation is more than three lines long, distanced and without quotation marks withauthor reference. Examples: 1- According to Freire (1982: p.35), etc. 2-Minority pedagogy is for all(Freire, 1982, p.35). On-line quotes should indicate the URL and access date. Footnotes should onlycontain explanatory notes strictly necessary respecting the NBR 10520, of 2003.

6. Texts can contain footnotes, thanks, annexes and complementary informations.

7. Papers should have no more than 60 000 characters and not less than 30 000 characters (including spaces). Reviews are limited to 5 pages. Thesis abstracts should contain no more than 250 words andshould include title, number of page, author data, key-words, name of the director and university afliation,as well as the date of the defense and the English translation of text, abstract and key-words.

Look out: texts will only be accepted formated in Word for Windows or equivalent:· font: Times New Roman 12·  paper dimension: A4· margins: 2,5 cm· line spacing: 1,5;·  paragraph justied.

Authors are invited to check the norms for publication before sending their work. It will ease the

 process of evaluation and facilitate an eventual publication.

Contact and informations:

AdministrationE-mail: [email protected]  phone : 71.3117.2316

Editors

E-mails: [email protected] / [email protected] 

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Educando (com) os sentidos: escrita, oralidade e estesia no processo de educação continuada das religiões afro-brasileiras