psicologia e educaÇÃo: pensando o desenvolvimento...

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2 Ao final da unidade o(a) aluno(a) deverá: compreender infância, adolescência, idade adulta e velhice como categorias histórico-culturais; desenvolver uma compreensão sobre as implicações pedagógicas da infância, adolescência, idade adulta e velhice. Objetivos PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: PENSANDO O DESENVOLVIMENTO HUMANO unidade 61 Pedagogia UESC 2 Unidade

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Ao final da unidade o(a) aluno(a) deverá:

• compreender infância, adolescência, idade adulta

e velhice como categorias histórico-culturais;

• desenvolver uma compreensão sobre as

implicações pedagógicas da infância, adolescência,

idade adulta e velhice.Obje

tivos

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: PENSANDO O DESENVOLVIMENTO HUMANO

unidade

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UNIDADE 2PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO:

PENSANDO O DESENVOLVIMENTO HUMANO

1 PRIMEIRAS PALAVRAS

Na primeira unidade fizemos uma reflexão sobre o que

é Psicologia e sobre suas implicações na sociedade. Vimos que

podemos compreender o fenômeno psicológico de duas formas: como

se fosse algo natural ao ser humano; ou como algo que é construído

histórico, social e culturalmente. Analisamos também como estas

diferentes concepções afetam a Psicologia do desenvolvimento e da

aprendizagem. Estas questões são fundamentais para os estudos que

serão realizados nesta unidade.

Iniciaremos esta unidade refletindo sobre as categorias

“criança”, “infância” e “adolescência”, a partir da seguinte questão:

as crianças que nós vemos hoje em nossas salas de aula, em nossas

casas, na rua, possuem as mesmas características das crianças de 50

anos atrás? E se formos bem mais longe, e pensarmos nas crianças

de 500 anos atrás? Estas perguntas são necessárias, pois o objetivo

desta unidade é desenvolver uma compreensão sobre o processo

sócio-histórico de constituição do ciclo vital e adquirir conhecimentos

sobre perspectivas de estudo acerca do desenvolvimento humano.

Para tal, faremos uma breve incursão sobre a história da

infância, refletindo sobre a construção sócio-histórica das categorias

“infância” e “adolescência”. Em um segundo momento, faremos uma

reflexão sobre idade adulta e velhice e veremos as contribuições da

Psicologia para o estudo dos ciclos vitais.

Esta unidade terá como tema transversal a reflexão sobre uma

outra temporalidade para a compreensão da vida humana, isto é,

ao invés de utilizarmos a tradicional concepção de desenvolvimento

humano organizado por etapas bem demarcadas por períodos de

modo linear, vamos trabalhar com uma abordagem que reconhece

o desenvolvimento de modo multidimensional e multidirecional, no

qual as subjetividades se produzem sempre na relação com o outro,

em tempos e espaços específicos.

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2 PROBLEMATIZANDO O TEMA

Por que, quando pensamos em desenvolvimento humano,

nos referimos quase que imediatamente à criança e ao adolescente?

Quando imaginamos uma cena escolar, nos vem logo à mente crianças

correndo em um pátio amplo ou estas mesmas crianças dentro de

uma sala de aula com uma professora ensinando a lição. Por que não

pensamos no adulto ou no idoso dentro desta mesma sala de aula?

Será que o desenvolvimento humano acaba depois da

adolescência? E o que acontece com as pessoas durante a idade adulta

e a velhice? Será que continuam se desenvolvendo? E os processos de

aprendizagem dessas pessoas no dia a dia, nas turmas de Educação

de Jovens e Adultos ou nos cursos de alfabetização de Idosos? Será

que são processos diferenciados das crianças ou podemos utilizar as

mesmas estratégias com pessoas de idades tão distintas?

Como concebemos a criança, o adolescente, o adulto e o idoso

em nossa sociedade, e quais as contribuições que a Psicologia vem

dando para refletirmos sobre estas categorias é o que veremos nesta

unidade.

3 ESTUDOS SOBRE DESENVOLVIMENTO HUMANO E

IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

Sabemos que todo processo educativo traz uma concepção

de mundo e de ser humano. Dependendo do modo como a vida é

entendida, entende-se também o lugar dos seres humanos nela e a

educação que será oferecida. Desta forma, ao considerarmos o sujeito

da educação como um ser ativo no processo de desenvolvimento e

aprendizagem, é necessário termos coerência sobre o modo como

concebemos este sujeito.

Para dar um exemplo sobre como, muitas vezes, somos

contraditórios com esta questão, ouvimos e vemos muitos

educadores pregarem uma educação democrática, com uma relação

horizontalizada entre educadores e educandos, e um lindo discurso

sobre como os sujeitos são ativos na construção do conhecimento;

mas, em sala de aula, estes mesmos educadores, por não refletirem

sobre suas próprias práticas, agem de modo automático e caem

em contradição: acham que os alunos devem reproduzir tudo que é

ensinado, que devem permanecer calados e obedientes e responder

prontamente a cada conteúdo novo.

É preciso, portanto, ter clareza das concepções de homem

e de mundo que fazem parte das teorias que adotamos em nossas

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PARA REFLETIR

Diante dessa multiplicidade de faces das crianças, muitas pessoas diriam: “as crianças de hoje não são mais as mesmas”. Mas “as mesmas” em relação a quê? Será que ao longo da história, nos diversos espaços e tempos da humanidade, nas diversas culturas que sabemos que existem, incluindo aí toda diversidade cultural que encontramos em nosso país, a criança foi “a mesma” e só agora mudou? Ou será que nós acreditamos, por muito tempo, em uma representação sobre a criança que a colocou como ser único e universal, dotada de características e modos de vida homogêneos?

práticas profissionais. Teorias não são técnicas a serem aplicadas

mecanicamente. Teorias são componentes intelectuais que devem

servir de base para nossas práticas, de modo coerente. A coerência

na articulação teoria e prática, no entanto, quem faz é o profissional,

através de um exercício diário de formação, que não se esgota

no momento em que o diploma é expedido. Refletir sobre o modo

como concebemos o ser humano em suas múltiplas manifestações

é fundamental para uma prática pedagógica que traz em seu bojo a

articulação entre a teoria e a prática.

3.1 Representações sobre ser criança e sua infância

Para iniciar esta unidade, vamos fazer um exercício de pesquisa

de imagens sobre a criança.

EXERCÍCIO

Primeiro, vamos pesquisar as imagens que nós mesmos temos sobre a

criança. Feche os olhos e preste atenção nas imagens de criança que surgem

em sua mente. Pense: o que é ser criança para você?

Agora, leia o texto abaixo:

“Em seus calendários anuais, são belíssimas as fotos que o UNICEF

nos apresenta: fotos de crianças do mundo inteiro. Fotos de crianças com

suas famílias, em seus afazeres, em suas brincadeiras. Fotos que nos

mostram olhares e sorrisos expressivos, geralmente alegres, tranqüilos,

iluminados. Fotos também de desenhos de crianças. Cheios de cores, lindos.

No mundo inteiro, podemos comprar calendários e contribuir para o Fundo

das Nações Unidas para a Infância. Ao comprarmos o calendário, temos

acesso a informações sobre o contexto cultural e o foco das fotografias,

podendo, então, admirar, a cada dia, as mais diversas imagens de criança. E

nos tranqüilizamos. E nos enlevamos com a beleza da vida.

Em suas andanças pelo mundo, Sebastião Salgado também fotografa

crianças. Em preto e branco. É um outro modo de fotografar outros modos

de ser criança. Cabelos desgrenhados, bocas sujas, contornam os sorrisos

e olhares intensos, enigmáticos. O foco das fotografias é outro: são as

crianças e suas famílias marcadas pela dureza da vida. E nos inquietamos e

nos afligimos. E nos revoltamos contra as injustiças e as precárias condições

de existência.

Como produção cultural, um e outro, calendário e livro ou exposição

de fotografias, nos afetam e nos impactam, de diferentes maneiras. Um

e outro, juntamente com os mais variados programas, propagandas e

documentários na televisão, e com as inúmeras reportagens de jornais e

revistas, entretecidos com as nossas experiências de cada dia, vão compondo

nossos saberes e imagens de criança e de vida.

Imagens de crianças que brincam, que trabalham, que estudam, que

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Atualmente, compartilhamos certos modos de olhar e pensar

sobre a criança e o tipo de educação que deve ser oferecido a pessoas

que vivem uma determinada faixa etária que denominamos “ser

criança”. E a esta criança, atribuímos um modo de vida que chamamos

infância. Esta nossa compreensão sobre o que é ser criança e ter

infância, no entanto, são modos de subjetivação constituídos histórica

e culturalmente, ou seja, modos cotidianos de compreender, pensar,

sentir e agir em relação a uma determinada idade do ser humano.

Segundo Jader Lopes e Tânia Vasconcellos (2006), não há

uma única forma de conceber a infância. Para os autores, o tornar-se

criança está intrinsecamente ligado ao grupo social no qual a pessoa

nasce, precedendo, muitas vezes, o próprio nascimento, uma vez que

“a fecundação, a gestação e o parto são recobertos de simbolismo

e variam de grupo para grupo” (p. 111). Desta forma, tão logo o

nascimento ocorre, a criança é inserida no mundo da cultura a partir

do contato com o novo ambiente e dos tratamentos que logo receberá,

de acordo com as variações culturais do meio em que está inserida.

O sentido de infância é atravessado, dessa forma, pelas

dimensões do espaço e do tempo que, ao se agregarem

com o grupo social, produzem diferentes arranjos culturais

e diferentes formas de ser criança, traços simbólicos

EXERCÍCIO

aprendem (ou não). Imagens de crianças amáveis e amadas; crianças bem

comportadas; crianças diferenciadas; crianças confinadas ou abandonadas,

subjugadas, autônomas, liberadas. Imagens de crianças que crescem e que

deixam de ser crianças. Imagens de crianças quase-adultas nos seus modos

de viver. Imagens de como tudo – a criança, a infância, a educação – deve

ser. Imagens que participam do imaginário social de nossa época” (SMOLKA,

2002, p. 99-100).

Após a leitura do texto, faça uma busca pela Internet de imagens de crianças

veiculadas pelo UNICEF e pelo fotógrafo Sebastião Salgado.

O que achou das fotografias? O que você pôde perceber de semelhanças e de

diferenças? E de que modo as fotografias do UNICEF e de Sebastião Salgado

se relacionam com as imagens de criança que vieram à sua mente no início

do exercício?

Com a ajuda do tutor, debata estas questões com seus colegas no Fórum de

Discussão Virtual.

Bom exercício!

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carregados por toda vida. [...] Existe, portanto, uma

estreita ligação entre a vivência da infância e o local onde

ela será vivida, pois cada grupo social não só elabora

dimensões culturais que tornam possível a emergência

de uma subjetividade infantil relativa ao lugar, mas

também designa existência de locais no espaço físico que

materializa essa condição (LOPES; VASCONCELLOS, 2006,

p. 111-112).

Lúcia Rabello de Castro (1998a) relata a existência de uma

pluralidade de faces da infância hoje:

• há a face da criança submissa, a qual deve atender às exigências

escolares, submetida ao jugo do adulto e dos saberes científicos

que falam sobre ela, sendo colocada no lugar do não saber;

• uma outra face é da criança que se embriaga por horas à fio em

frente à televisão, ao vídeo-game, à Internet. Segundo Castro

(1998a), nesta relação outra pedagogia se instala a da televisão,

“que por meio da imagem e do som, da sedução estética, da

provocação e da estimulação sensitiva, bate e rebate em temas de

relevância atual: a violência, o amor, a sexualidade, a amizade, a

traição, o desejo, a ganância, o sucesso” (p. 11);

• há ainda uma outra face: a das crianças que, nascidas no seio

de uma família, sentem-se cada vez mais solitárias, que mantêm

pouco contato com seus pais, pois estes “estão quase sempre

ocupados com suas próprias vidas, em ganhar dinheiro, em

sobreviver, em não perder tempo” (p. 11). Há também aquelas que

são exploradas e judiadas pela própria família, sofrendo abusos de

vários tipos;

• e não podemos deixar de mencionar a face da criança que é, ao

mesmo tempo, consumidora e objeto de consumo (cf. PEREIRA et

al, 2005). “De congêneres supostamente considerados inocentes e

inaptos, as crianças e os adolescentes tornam-se os convivas que

requisitam sua participação na realidade orgiástica do consumo e

dos prazeres” (CASTRO, 1998a, p. 12).

PARA REFLETIR

Diante dessa multiplicidade de faces das crianças, muitas pessoas diriam: “as

crianças de hoje não são mais as mesmas”. Mas “as mesmas” em relação a quê?

Será que ao longo da história, nos diversos espaços e tempos da humanidade, nas

diversas culturas que sabemos que existem, incluindo aí toda diversidade cultural

que encontramos em nosso país, a criança foi “a mesma” e só agora mudou?

Ou será que nós acreditamos, por muito tempo, em uma representação sobre a

criança que a colocou como ser único e universal, dotada de características e modos

de vida homogêneos?

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Jader Lopes e Tânia de Vasconcellos (2006), em estudo sobre

territorialidades infantis, ressaltam que:

[...] as condições materiais e simbólicas de produção de

existência das crianças são bastante diferenciadas. Não

podemos falar da existência de uma única cultura própria

das crianças, mas sim de culturas infantis, caracterizando

desse modo a pluralidade que lhes é inerente. Essa

pluralidade se estabelece no entrelaçamento da produção

da infância e da produção do lugar. Toda criança é criança

de um lugar. Do mesmo modo, toda criança é criança em

algum lugar. Ou seja, existe na produção das culturas

infantis uma ancoragem territorial que não apenas

emoldura o contexto no qual se edifica a infância, mas,

para além disso, oferece o próprio substrato material a

produção da existência. Esse processo faz emergir junto à

idéia de culturas infantis a existência de territorialidades

infantis que são a base da produção dessa cultura.

As crianças, ao compartilharem essa realidade com

as demais, irão estabelecer uma relação horizontal de

identidade entre elas e criar uma relação vertical de

identificação com os adultos, constituindo concepções

reais que possibilitam a vivência da sua infância não como

se quer, mas como se pode dentro da lógica de organização

social do grupo (LOPES; VASCONCELLOS, 2006, p. 110-

112).

Desta forma, é fundamental pensarmos, em nossa prática

profissional, como professores, numa compreensão sobre o ser

criança e sua infância que abarque a diversidade dos modos de ser de

cada um, sem buscarmos uma uniformidade de padrões e normas de

comportamentos que caracterize tudo que está fora destes padrões e

normas como desvio (conforme vimos na primeira unidade).

Como uma maneira de compreendermos melhor a possibilidade

de diversos modos de ser criança e suas diversas infâncias, é

fundamental darmos um passeio pela(s) história(s) da(s) criança(s)

e da(s) infância(s).

3.1.1 Um pouco sobre história da infância

Ao nos debruçarmos sobre o estudo da criança e sua infância,

não podemos perder de vista que se trata de um estudo sempre

realizado sob a perspectiva do adulto. Moysés Kuhlmann Jr. e Rogério

Fernandes (2004) enfatizam esta questão ao propor uma história da

infância, diferenciando-a de uma história da criança:

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Podemos compreender a infância como a concepção

ou a representação que os adultos fazem sobre o

período inicial da vida, ou como o próprio período

vivido pela criança, o sujeito real que vive essa fase

da vida. A história da infância seria então a história da

relação da sociedade, da cultura, dos adultos, com essa

classe de idade, e a história da criança seria a história

da relação das crianças entre si e com os adultos, com a

cultura e a sociedade. Ao se considerar a infância como

condição das crianças, cabe ria perguntar como elas

vivem ou viveram esse período, em diferen tes tempos e

lugares. Mas a opção por uma ou outra perspectiva é algo

circunscrito ao mundo dos adultos, os que escrevem as

histórias, os responsáveis pela formulação dos problemas

e pela definição das fontes a investigar (KUHLMANN JR.;

FERNANDES, 2004, p. 15 – grifos meu).

Segundo Kuhlmann Jr. e Fernandes (2004), há uma diferença

significativa entre história da infância e história da criança. Para os

autores, a palavra infância refere-se a um período da vida no qual

a pessoa se apropria de signos e sinais, constituindo um sistema

de comunicação próprio a partir da cultura em que está inserida.

Já o termo criança estaria indicando “uma realidade psicobioló gica

referenciada ao indivíduo”, a qual pode “ser capturável como sujeito,

no exterior do conjunto de instituições (família, instâncias assis-

tenciais e escolares, condições de existência aferentes à etnia, ao

gêne ro, à classe social, às disponibilidades cognitivas etc.)”. Desta

forma, o modo possível de compreender a criança é a surpreendendo

“à contraluz das representações e práticas que a promovem” (p. 16).

E os autores prosseguem:

Se a história da criança não é passível de ser narrada

na primeira pessoa, se a criança não é nunca biógrafa

de si própria, na medida em que não toma posse da sua

história e não aparece como sujeito dela, sendo o adulto

quem organiza e dimensiona a narrativa, talvez a forma

mais direta de percepcionar a criança, individualmente

ou em grupo, seja precisamente tentar captá-la com

base nas significações atribuídas aos diversos discursos

que tentam definir historicamente o que é ser criança.

Assim, baseando-se na história da infância seria pos sível

estruturar as histórias da criança, ou, mais precisamente,

a história dos discursos ontológicos do que é ser criança?

(KUHLMANN JR.; FERNANDES, 2004, p. 16).

Em 1960, o historiador Philippe Ariès publicou um livro que se

tornaria um clássico para os estudos sobre criança e infância: História

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social da criança e da família. Ariès (1981), a partir de seus estudos,

aponta que, anteriormente aos séculos XIII e XIV, os sentimentos que

atualmente nutrimos pelas crianças não existiam na cultura ocidental.

As crianças não eram nem amadas nem odiadas. Elas simplesmente

existiam como algo inevitável e se confundiam facilmente com o

mundo dos adultos por não terem vestimentas, atividades, modos de

agir diferenciados dos adultos.

Este sentimento sobre a criança, no entanto, foi sofrendo

modificações ao longo da história. Ela, pouco a pouco, foi se tornando

alvo de cuidados especiais. Mudanças políticas, econômicas, sociais,

religiosas, ocorridas no final do século XVII, deram início a um processo

de particularização da infância, juntamente com a reestruturação do

espaço destinado às crianças (ARIÈS, 1981).

Pode-se destacar o surgimento de dois sentimentos sobre a

criança que para nós são muito corriqueiros, mas que, ao longo dos

séculos XVI e XVII, conferiam um novo estatuto às mesmas: o hábito

de tratar as crianças com mimos; e a consideração da criança como

objeto de estudo. À infância moderna não cabe a circulação pelos

espaços públicos, mas pelos espaços reservados à intimidade a partir

da reorganização familiar. Surgia, então, o que chamamos de infância

moderna, isto é, uma noção de infância que surge com a modernidade

e que vai permear o imaginário social nos séculos que se seguem,

imprimindo certo modo de compreender a criança e a infância.

Vejamos como Lúcia Rabello de Castro (1998b) descreve a noção de

modernidade e o surgimento da Psicologia do desenvolvimento:

SAIBA MAIS

Modernidade e Psicologia do Desenvolvimento

Várias acepções são possíveis a respeito do conceito de Modernidade.

Num sentido apenas cronológico, Modernidade refere-se ao período que se inicia

no Renascimento, que trouxe indubitavelmente uma renovação dos paradigmas

ético-estéticos até então vigentes. Foi a época marcada pelas grandes descobertas

marítimas capitaneadas pelos portugueses, espanhóis e italianos, quando o continente

americano surge na Europa não somente como cenário da esperança – no caso, para os

protestantes que imigraram para a América em busca de uma pátria, como tam¬bém,

fonte de novas problematizações, como por exemplo, da vida dita ‘primitiva’ dos

‘selvagens’. O branco europeu, fruto da trajetória histórica da civilização greco-romana

e cristã, se vê confrontado por uma existência totalmente diversa, a do ameríndio,

que encarna o ‘radicalmente diferente’, o ‘outro’, o ‘estranho’ e o ‘exótico’. Desta

forma, a Modernidade inaugura¬-se sob a égide de um confronto, que possivelmente

se estende aos dias de hoje, englobando démarches que delimitam e hierarquizam

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LEITURA RECOMENDADA

Complemente seus estudos:

Saiba mais sobre o paradigma moderno e sua

crise. Leia: SANTOS, Boaventura

de Sousa. Um discurso sobre as ciências. Porto: Edições Afrontamento,

1988.

Texto na íntegra disponível na Internet. Faça a busca em: http://scholar.google.

com.br/

SAIBA MAIS

posições no contexto mundial, como por exemplo, ‘selvagens e civilizados’, centro

e periferia, primeiro e terceiro mundo, desen¬volvidos e sub-desenvolvidos. O

debate contemporâneo assume uma conotação um pouco diversa focalizando a

questão dos nacionalismos, da etnicidade e do multi-culturalismo.

Num sentido mais sociológico, que é o que se atribui comumente ao termo,

Modernidade refere-se ao processo cres¬cente de racionalização das sociedades,

ocorrido nos séculos XVIII e XIX, que acompanhou a expansão capitalista. [...].

Dentro dos diversos sentidos atribuídos ao conceito de Modernidade, a acepção

aqui empregada visa focalizar as transformações sócio¬-culturais, dentro dos

processos mais amplos trazidos pelo industrialismo e capitalismo nas sociedades

ocidentais a partir do século [XIX].

A modernidade, enquanto projeto, tem como marca a crença na razão

como instrumento de controle sobre a natureza. O projeto de modernização

da sociedade exibe, antes de mais nada, a eficácia deste controle através das

tecnologias que o conhecimento científico possibilita de modo crescente. Deste

modo, o homem/mulher modernos deixam-se seduzir pela possibilidade do

domínio da natureza, a qual, de alguma maneira, permanece no imaginário mítico

como origem da imprevisibilidade, e, portanto, do medo e da angústias humanas.

[...]

O projeto da modernidade apoiou-se sobre a visão de progresso, cujo

mote, tanto do ponto de vista da história coletiva, como da história individual,

seria a legitimidade da crença no aperfeiçoamento da espécie e do indivíduo ao

longo do continuo temporal. Os saberes científicos emergentes trataram, assim,

de descrever, explicar e sistematizar os desdobramentos filo- e ontogenéticos

como uma evolução. Neste sentido a ciência psico¬lógica que visou sistematizar

o desenvolvimento humano enquadra-se no projeto moderno, enquanto

comprometida com o paradigma da objetividade, da razão científica, da história

como expressão teleológica do progresso, e da neutralidade. [...] A expressão

axiomática – ‘a ontogenia recapitula a filogenia’ – foi aplicada literalmente pela

Psicologia do Desenvolvimento, de modo que a trajetória evolutiva de cada

criança foi considerada como reproduzindo os padrões evolucionários da espécie

(CASTRO, 1998b, p. 26-27).

A área de estudos da Psicologia do Desenvolvimento tem origem

na Modernidade, sendo marcada, portanto, pelos pressupostos que a

orientam – neutralidade, universalidade, evolução, dentre outros –

que vão caracterizar os estudos sobre a infância. Vimos na Unidade

1, no entanto, que esta área de estudo vem sofrendo transformações

nas últimas décadas. Tais mudanças estão relacionadas com o campo

de conhecimento da Psicologia e, de modo mais amplo, com a crise

do Paradigma Moderno.

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3.1.2 A infância e seu contexto

O livro de Ariès (1981) foi pioneiro no estudo sobre a história

da infância. Mariano Narodowski (2002), Kuhlmann Jr., e Fernandes

(2004) e Lopes; Vasconcellos (2006) ressaltam que, atualmente,

podemos encontrar leituras diversas sobre a história da infância, e,

até mesmo, controversas em relação à história de Ariès. Vejamos um

dos argumentos de Lopes e Vasconcellos (2006):

Uma leitura simplificada da obra de Áries pode nos levar

à conclusão de que foi na Europa que surgiu o primeiro

sentimento de infância, porém as pesquisas etnográficas

demonstram que diversas comunidades, fora desse

continente, já demarcavam um lugar diferenciado dos

adultos para suas crianças. Nunes ao abordar o tal assunto,

declara: ‘Já é possível [...] descortinar um vasto campo de

debate, que carece de mais e mais etnografia produzida

dentro e fora do contexto europeu, urbano e globalizado,

de modo que se favoreceu a análise comparativa. Afinal

não devemos querer que se repita um erro do passado,

[...] que o conhecimento construído sobre a infância seja

apenas o das sociedades dominantes e que o entendimento

de todas as outras parta da aplicação desse modelo, sem

o questionar, perpetuando-se assim a hegemonia de um

padrão de criança ocidental e etnocêntrico’.

Não podemos esquecer que o sentimento de infância

começa a ser construído na Europa, quando esse continente

desvelava, pelas grandes navegações, a complexidade do

mundo e ampliava o contato com outras culturas. Talvez

a própria construção social de infância na Europa tenha

sido fruto de uma relação de alteridade com outros povos.

A pretensa universalidade, pressuposta no pensamento de

Ariés para o ser criança no mundo ocidental, na verdade

esconde uma variedade de dimensões de infância que

variam de localidade para localidade e constituem uma

diversidade de marcas sociais (LOPES; VASCONCELLOS,

2006, p. 117).

Lopes e Vasconcellos (2006) ressaltam também a perspectiva

de Neil Postam sobre o surgimento da infância:

Para Postman o reforço dessa separação [adulto-criança]

ocorre com o surgimento da imprensa com caracteres

móveis, que irá estabelecer uma nova concepção de adulto,

que irá excluir as crianças e, assim, ‘tornou-se necessário

encontrar um outro mundo que elas pudessem habitar.

Esse outro mundo veio a ser conhecido como infância’.

Esse autor reforça que as mudanças tecnológicas na área

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de comunicação sempre apresentam efeitos e destaca três

que ocorrem invariavelmente: ‘alteram as estruturas dos

interesses (as coisas que pensamos), o caráter dos símbolos

(as coisas com que pensamos) e a natureza da comunidade

(a área em que os pensamentos se desenvolvem)’. E é

o que parece ter ocorrido com a imprensa e o aumento

da publicação de livros: a leitura individual, isolada e em

silêncio, substitui o senso de oralidade presente até então,

quando os textos eram narrados em voz alta e ouvidos

coletivamente, contribuindo para o surgimento de um

sentimento de privacidade. O individualismo começa a

se tornar, assim, ‘uma condição normal e aceitável’, e o

mundo adulto se confunde com o mundo da tipografia.

A rápida proliferação dos livros constrói um novo sentido

para o ser adulto; em contrapartida, cria-se a separação

da infância, que estabelecia como limiar a possibilidade de

leitura (LOPES; VASCONCELLOS, 2006, p. 114-115).

Temos, portanto, diferentes possibilidades históricas e

culturais de estabelecer o que é criança. Lopes e Vasconcellos (2006)

ressaltam que, mesmo com diferentes explicações, o espaço é sempre

uma categoria considerada ao se definir o que é criança: “diferentes

grupos elaboram lugares onde as crianças podem viver suas infâncias

e construir suas territorialidades” (p. 117). E complementam:

A apropriação de uma condição de ser criança, a partir de

um horizonte social de uma época e de um grupo social

determinado’, acopla-se à possibilidade de concretização

dessa condição em espaços físicos destinados para tal.

Mesmo nas condições (e contradições) expressas por Áries,

a reorganização social que promoveu o reconhecimento

da infância, promoveu também um reordenar das

espacialidades tradicionais e originou áreas típicas para

a infância nascente (LOPES; VASCONCELLOS, 2006, p.

118).

A infância privatiza-se juntamente com a família, e os espaços

prioritários de circulação das crianças – a casa e a escola – passam a

delimitar o lugar do “mundo” (a rua) e o lugar de “preparar-se para o

mundo” (a casa e a escola).

Dessa forma, as interações que se estabelecem entre

sujeitos e lugares não são uma mera relação física, mas

uma relação carregada de sentido e mediada pelos demais

sujeitos que o ocupam. Nesse sentido, na apropriação

e constituição do território, mescla-se uma dimensão

simbólica, por onde perpassa a tensão entre a singularidade

dos indivíduos que nele habitam e os arranjos sociais da

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coletividade, e não somente uma racionalidade cartesiana

em sua apropriação (LOPES; VASCONCELLOS, 2006, p.

119).

A infância, portanto, é retirada dos espaços públicos de

circulação e é encaminhada aos espaços da família e da escola,

onde construirá sentidos sobre sua existência. Seu desenvolvimento,

portanto, não pode ser compreendido como simples maturação, mas

como um processo socialmente constituído na relação com o outro,

que ajuda na atribuição de sentido aos diferentes espaços pelos quais

a criança circula.

Os diferentes espaços de circulação da criança apresentarão

diferentes configurações ao longo da história, sempre marcados

também por suas diferenças culturais. Segundo Lopes e Vasconcellos

(2006), construímos nossa noção espacial a partir de um contexto

cultural no qual estamos inseridos. Trata-se, antes de mais nada, de

uma noção social que apresenta um caráter ideológico, carregado

de significados, sem o qual nossa noção de espaço não existiria. A

construção da noção de espaço corrobora, fundamentalmente, para a

constituição de nossas subjetividades.

Augustin Escolano, discorrendo sobre currículo escolar, afirma

que os espaços da escola e os espaços do nosso cotidiano também

intervêm nos nossos processos de aprendizagem e desenvolvimento,

uma vez que constituem valores, aprendizagens sensoriais e motoras,

e toda uma produção de sentidos através de símbolos estéticos,

culturais e ideológicos.

A utilização didática do espaço e do seu entorno é uma

característica comum a todas as pedagogias denominadas

ativas. Os estudos de J. Piaget [...] remetem igualmente à

valorização das primeiras experiências espaciais (na casa e

na escola) como fatores determinantes do desenvolvimento

sensorial, motor e cognitivo. A construção de tais

estruturas é explicada pelos mecanismos de equilibração

e auto-regulação, constructos que na teoria piagetiana

são aplicados para explicar todo tipo de desenvolvimento.

Os trabalhos desse autor sobre a concepção do espaço

na criança e sobre a aquisição de diversas noções físicas

e geométricas, que datam já na sua origem da década

de 1920 e têm continuidade até fins dos anos cinqüenta,

demonstram que a representação do espaço na criança

é uma construção internalizada a partir das ações ou

manipulações sobre o ambiente espacial próximo, do qual

obviamente a escola faz parte (ESCOLANO, 2001, p. 48).

Somando-se à questão do espaço, ressaltamos que a noção

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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de tempo também é fundamental para a constituição de nossas

subjetividades. Diferentes momentos históricos e diferentes culturas

supõem diferentes modos de compreender e de lidar com o tempo.

Desta forma, mais do que buscar uma história sobre a infância para

compreender quem é a criança, hoje, temos que compreender que

há várias histórias, várias culturas, vários espaços e vários tempos de

constituição do ser criança e suas infâncias. Mais do que tentar definir

o que é A criança, temos que buscar olhar cada criança como ela é,

inserida em um tempo e um espaço específicos, e buscar compreender

como, naquele tempo e espaço, a noção de infância se constitui.

No mundo contemporâneo a infância figurada está sendo

lentamente retocada e definida a partir de novos traços

que marcam o que é ser criança, convencionados pelo

mercado consumidor. O mesmo capital que construiu o

sentido moderno de infância burguesa está fazendo-a

desaparecer. Diferente, portanto, da afirmação defendida

por alguns sobre o fim da infância, o que poderíamos afirmar

é o fim de uma infância constituída temporalmente e não

o fim de uma posição social do ser criança, o que temos

é o estabelecimento de novos feixes, que consolidam

uma nova infância (LOPES; VASCONCELLOS, 2006, p.

123 – grifos meu).

Certamente, seria mais fácil buscar uma teoria que nos desse,

de antemão, passo por passo como a criança se comporta, como se

dão seus processos cognitivos e o que devemos fazer com ela. Mas

uma questão é fundamental de ser lembrada: a vida é maior que a

teoria, isto é, cada criança é diferente da outra e tem seus próprios

processos com ritmos pessoais. Quando temos uma teoria que já diz

como a vida deve caminhar, ao invés de permitirmos que a criança

se desenvolva por seus próprios caminhos na relação com o contexto

em que vive, impomos a ela um modo específico de pensar, agir e

sentir, ou seja, a massificamos – ideia contrária às atuais propostas

educacionais de respeito à diversidade. E para aquelas que resistem

à massificação, há outras teorias que dizem sobre “as dificuldades”

que elas têm. Mas será que a criança tem realmente dificuldade ou

ela apenas é diferente do que a teoria propõe?

Bem, há casos em que a criança realmente apresenta algum

“problema” – neurológico, motor etc. – e precisa de assistência

especializada. Mas, na maioria dos casos que observamos nas escolas

atuais, as crianças não têm problema algum, são, apenas, diferentes

do padrão cultural que a escola impõe. Faremos uma discussão mais

detalhada sobre esta questão no material de estudo de Psicologia da

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Educação II. Por ora, é importante lembrar que a vida é maior que

a teoria e que cada pessoa deve ser respeitada como é, com seus

diversos modos de ser, pensar, sentir e se expressar.

EXERCÍCIO

Reúna-se presencialmente em grupo com seus colegas e assista ao

curta-metragem “A Invenção da Infância”, de Liliana Sulzbach.

Com a ajuda do tutor, organize um debate a partir da ideia “Ser criança

não significa ter infância”, levantando as seguintes questões:

- Em que espaços as crianças aparecem?

- Em que ano, aproximadamente, as filmagens foram realizadas? Quan-

tos anos as crianças do documentário têm hoje? A idade delas é muito

distante da sua ou de seus filhos, sobrinhos etc.?

- Como as crianças se expressam sobre suas próprias vidas?

Lembre-se: este é um trabalho acadêmico. Não faça julgamentos de

valor sobre as pessoas que aparecem no documentário. A proposta do

exercício é amadurecer a ideia sobre diversidade e sobre a realidade

social, na qual as pessoas estão inseridas, e não dizer o que é “bom ou

ruim”, “certo ou errado”.

Bom exercício!

Título: A invenção da Infância;

Direção: Liliana Sulzbach;

Gênero: Documentário; Ano: 2000;

Duração: 26 minutos

Sinopse: “Ser criança não significa ter infância. Uma reflexão sobre o que é ser criança no mundo contemporâneo”.

Disponível em: http://www.portacurtas.com.br

FICHA TÉCNICA

3.2 A adolescência existe?

A pergunta “a adolescência existe?” é feita pelos autores

Wanda Aguiar, Ana Bock e Sérgio Ozella (2002), como um modo de

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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problematizar o conceito de adolescência, tão naturalizado entre nós.

Segundo estes autores, é possível, sim, dizer que a adolescência

existe, com uma ressalva, no entanto: esta afirmação só pode ser feita

ao levarmos em consideração o momento histórico e cultural em que

estamos situados, pois a adolescência, assim como a infância, “não é

uma fase natural. É criada historicamente pelo homem, nas relações

sociais, enquanto um fato, e passa a fazer parte da cultura enquanto

significado” (p. 168). A adolescência, portanto, não existe enquanto

fase natural do desenvolvimento humano, para a qual são atribuídas

características como irresponsabilidade, rebeldia, indisciplina etc., ou

seja, a famosa fase da “aborrescência”: trata-se de uma categoria

construída sócio-historicamente para designar um período da vida do

ser humano que está relacionado à juventude.

Aguiar, Bock e Ozella (2002) ressaltam que:

A visão preconceituosa da adolescência como uma etapa

de crise e turbulência presente na Psicologia deveria

ser revista, no mínimo, por apresentar, potencialmente,

alguns riscos. Segundo Blasco, o primeiro risco seria

rotular de patológico o adolescente não-rebelde ou que

não aparente as dificuldades contidas na síndrome normal

da adolescência. O segundo risco seria que, ao considerar

‘saudável o ser anormal’, é possível que problemas

sérios que apareçam na adolescência não sejam

reconhecidos como tal’. Desta forma, algumas alterações

de comportamento que surjam nesta fase podem ser

minimizadas e atribuídas a ‘bobagens da idade’.

Foi essa a concepção de adolescente que permeou as teorias

psicológicas durante todo o século XX. É surpreendente que

mesmo com estudos antropológicos que vêm questionando

a universalidade dos conflitos adolescentes, a Psicologia

convencional insista em negligenciar a inserção histórica

dos jovens, suas condições objetivas de vida (p. 165).

Desta forma, a Psicologia atual tem revisitado a concepção de

adolescência, descartando a possibilidade de considerar “adolescência”

como um período natural no desenvolvimento, e sim como uma

categoria histórico-cultural e, portanto, datada e contextualizada. E,

sendo cultural e histórica, é preciso que consideremos as múltiplas

possibilidades de modos de ser adolescente no mundo em que

vivemos, sem criar padrões pré-definidos sobre o “ser adolescente”.

Ana Bock (2004) discorre sobre a origem da noção de

adolescência que se difundiu nas sociedades ocidentais como uma

fase naturalmente “confusa’ da vida humana:

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SAIBA MAIS

A visão naturalizante da adolescência

A adolescência tem sido tomada, em quase toda a produção sobre o assunto, na Psicologia, como uma fase natural do desenvolvimento, isto é, todos os seres humanos, na medida em que superam a infância, passam necessariamente por uma nova fase, intermediária à vida adulta, que é a adolescência. Inúmeros estudos dedicaram-se à caracterização dessa fase e a sociedade apropriou-se desses conhecimentos, tornando a adolescência algo familiar e esperado. Junto com os primeiros pêlos no corpo, com o crescimento repentino e o desenvolvimento das características sexuais, surgem as rebeldias, as insatisfações, a onipotência, as crises geracionais, enfim tudo aquilo que a Psicologia, tão cuidadosamente, registrou e denominou de adolescência. Torna-se necessário revisitar e rever o conceito porque, em suas concepções, a Psicologia naturalizou a adolescência. Considerou-a uma fase natural do desenvolvimento, universalizou-a e ocultou, com esse processo, todo o processo social constitutivo da adolescência. Foi Erickson quem institucionalizou a adolescência. Apresentou-a a partir do conceito de moratória e caracterizou-a como uma fase especial no processo de desenvolvimento, na qual a confusão de papéis, as dificuldades para estabelecer uma identidade própria a marcavam como ‘um modo de vida entre a infância e a vida adulta’. Erickson foi seguido de muitos autores. Na América Latina cabe destacar Aberastury; Knobel (1989), os quais, com sua obra, tornaram-se referência para profissionais de várias áreas. Knobel introduziu a noção de ‘síndrome normal da adolescência’, caracterizada por uma sintomatologia que inclui: ‘1) busca de si mesmo e da identidade; 2) tendência grupal; 3) necessidade de intelectualizar e fantasiar; 4) crises religiosas, que podem ir desde o ateísmo mais intransigente até o misticismo mais fervoroso; 5) deslocalização temporal, onde o pensamento adquire as características de pensamento primário; 6) evolução sexual manifesta, que vai do auto-erotismo até a heterossexualidade genital adulta; 7) atitude social reivindicatória com tendências anti ou associais de diversa intensidade; 8) contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta, dominada pela ação, que constitui a forma de expressão conceitual mais típica deste período da vida; 9) uma separação progressiva dos pais; e 10) constantes flutuações de humor e do estado de ânimo’. Estava naturalizada a adolescência. Bastava a todos aguardarem que a adolescência um dia chegaria. Um caráter universal e abstrato foi dado a ela; inerente ao desenvolvimento humano, a adolescência não só foi naturalizada como foi tomada como uma fase difícil. Uma fase do desenvolvimento, semipatológica, que se apresenta carregada de conflitos ‘naturais’. A cultura aparece apenas como molde da expressão de uma adolescência natural, que em contrapartida sofre com a pressão exercida pela sociedade atual, a qual impõe a moratória ao adolescente pela dificuldade e demora em ingressar no mundo do trabalho. Nessas construções teóricas encontramos a visão de que o homem é dotado de uma natureza, dada a ele pela espécie, e, conforme cresce, desenvolve-se e relaciona-se com o meio, vai atualizando características que já estão lá, pois são de sua natureza. A adolescência pertence a esse conjunto de aspectos. Suas características são decorrentes do ‘amadurecer’; são hormônios jogados na circulação sanguínea e o desabrochar da sexualidade genital os fatores responsáveis pelo aparecimento da sintomatologia da adolescência normal. Inúmeros estudos têm sido feitos sem que se apresente uma nova versão ou conceituação para a adolescência capaz de superar a visão naturalizante (BOCK, 2004, p. 32-34).

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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Ressalto aqui que esta visão de “adolescência problemática”

descrita por Bock (2004) é uma visão bastante preconceituosa

e estereotipada deste momento da vida, como Aguiar, Bock e

Ozella (2002) já afirmaram. E, apesar de não ter surgido nenhuma

conceituação fechada que descreva a adolescência, muitos estudos

têm se desenvolvido sobre o tema no sentido de desconstruir a ideia

da “aborrescência”. A seguir farei uma explanação de alguns desses

estudos e pesquisas.

Segundo estudos de Wanda Aguiar, Ana Bock e Sérgio Ozella

(2002), a ideia de adolescência é uma construção social e, enquanto

tal, produz subjetividades. Não podemos negar que à adolescência

são associadas marcas biológicas no corpo, mas não podemos reduzi-

la às mudanças biológicas. As próprias transformações do corpo vêm

a constituir a adolescência como um fenômeno social, lembrando

que até mesmo as marcas corporais são significadas socialmente.

Vejamos um exemplo:

Os seios na menina e os músculos no menino. Sabemos

que os seios e o desenvolvimento da massa muscular

acontecem na mesma fase da adolescência, mas a menina

que tem seus seios se desenvolvendo não os vê, sente e

significa como possibilidade de amamentar seus filhos no

futuro, o que seria vê-los como naturais. Com certeza,

em algum tempo ou cultura isso já foi assim. Hoje, os

seios tornam as meninas sedutoras e sensuais. Esse é o

significado atribuído em nosso tempo. A força muscular

dos meninos já foi significada como possibilidade de

trabalhar, guerrear e caçar. Hoje é beleza, sensualidade e

masculinidade (AGUIAR; BOCK; OZELLA, 2002, p. 168).

Desta forma, mais do que perguntar o que é adolescência,

devemos nos perguntar: como se constituiu historicamente esta

categoria que atribui características específicas a certo período

de nossas vidas dentro de um contexto também específico? Ficou

complicada esta pergunta? Então vamos desmembrá-la:

• primeiro temos que compreender que não existe “a adolescência”

em si, mas a adolescência como categoria histórico-cultural, isto

é, como uma ideia formulada pelos homens (e não originária da

natureza) sobre um determinado período da vida do ser humano,

numa determinada época da história e num determinado contexto

cultural;

• em segundo lugar, dependendo do momento histórico em que

estamos vivendo, nós formamos nossa subjetividade em estreita

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relação com as questões políticas, econômicas e sociais da época;

• e, em terceiro lugar, dependendo do contexto cultural em

que nós nascemos e somos criados – incluindo aí, claro, as

questões históricas anteriormente mencionadas – vamos formar

determinados sistemas de crenças, hábitos e valores sobre modos

de lidar com outros seres humanos e com a vida.

Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt (1996) ressaltam a

impossibilidade de traçar uma definição exata, com limites rígidos,

sobre o que é a juventude. Trata-se de um período de vida do ser

humano “irredutível a uma definição estável e concreta” (p. 10). Nem

mesmo a idade torna possível tal feito, uma vez que a idade tem um

caráter provisório e transitório e, mais do que outros momentos da

vida do ser humano, a condição de jovem alonga-se ou encurta-se

dependendo do contexto no qual está inserido.

Não é possível falar, portanto, em uma história dos jovens, e

sim em “histórias que concernem a juventudes e, sobretudo, jovens,

reinseridos no emaranhado das relações sociais específicas, ligados a

contextos e a momentos históricos distintos” (LEVI; SCHMITT,1996,

p. 10). Precisamos, portanto, pensar nas condições históricas e sociais

que constroem modos de ser jovem. Aguiar, Bock e Ozella (2002)

destacam alguns aspectos que apontam para uma explicação sobre

o surgimento da categoria “adolescente” na nossa sociedade. Vale

lembrar que, do mesmo modo que há uma diferenciação entre “criança

e infância”, é necessário diferenciar “juventude e adolescência”. Leia

o texto a seguir:

ATENÇÃO

O surgimento sócio-histórico da categoria “adolescente”

Na sociedade moderna, o trabalho, com sua sofisticação tecnológica,

passou a exigir um tempo prolongado de formação, adquirida na escola, reunindo

em um mesmo espaço jovens e afastando-os do trabalho por algum tempo. Além

disso, o desemprego crônico/estrutural da sociedade capitalista trouxe a exigência

de retardar o ingresso dos jovens no mercado e aumentar os requisitos para esse

ingresso, o que era respondido pelo aumento do tempo na escola.

A ciência, por outro lado, resolveu muitos problemas do homem e ele teve

a sua vida prolongada, o que trouxe desafios para a sociedade, em termos de

mercado de trabalho e formas de sobrevivência.

Estavam dadas as condições para que se mantivessem as crianças mais

tempo sob a tutela dos pais, sem ingressar no mercado de trabalho. Mantê-las na

escola foi a solução. A extensão do período escolar e o conseqüente distanciamento

dos pais e da família e a aproximação de um grupo de iguais foram as conseqüências

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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A constituição do grupo social denominado “adolescentes”

instala-se em nossa sociedade sob a égide da contradição: ao mesmo

tempo em que estes jovens apresentam desenvolvimento cognitivo,

afetivo, capacidade de trabalho e de reprodução necessários para o

ingresso no mundo adulto, são impedidos, socialmente, de trilhar tal

caminho pela sociedade adulta que não lhes permite trabalhar, não

possibilitando a construção de condições de sustento e da autonomia.

Com isso, “aumenta o vínculo de dependência do adulto, apesar de já

possuir todas as condições para estar na sociedade de outro modo”

(AGUIAR; BOCK; OZELLA, 2002, p. 170).

Esta contradição caracterizará esta fase da vida humana de

um modo geral, e contribuirá para o aparecimento de características

que os adultos identificam como rebeldia, instabilidade etc. Tais

características, no entanto, não são naturais, e sim históricas e

culturais. É preciso estarmos atentos à contradição que se instala

para que seus efeitos sejam minimizados, pois:

Alguém que está apto a fazer muitas coisas da vida

adulta e que não tem autorização para isso é alguém que

deixa de experimentar suas possibilidades na realidade

social, podendo mesmo se ver como onipotente, pois

também não testa seus limites e impossibilidades. Essas

características, tão bem anotadas pela Psicologia, ao

contrário da naturalização que se faz delas, são históricas,

isto é, foram geradas no processo histórico da sociedade

e vão se transformar ou ser reforçadas, dependendo

das condições materiais da vida de um determinado

grupo social (AGUIAR; BOCK; OZELLA, 2002, p. 170 –

grifos meu).

dessas exigências sociais. A sociedade então assiste à criação de um novo grupo

social com padrão coletivo de comportamento: a juventude/a adolescência.

A adolescência se refere, assim, a esse período de latência social constituída

a partir da sociedade capitalista gerada por questões de ingresso no mercado

de trabalho e extensão do período escolar, da necessidade do preparo técnico

(AGUIAR; BOCK; OZELLA, 2002, p. 170).

ATENÇÃO

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Assim, como vimos anteriormente nos estudos sobre a criança

e a infância, não há um conjunto de características que sintetize o

que é o adolescente. É preciso buscar, em cada tempo e espaço,

uma compreensão do que seja ser jovem/adolescente em um dado

contexto. Características mais gerais que podemos traçar, a partir de

uma compreensão histórica de constituição desta categoria, precisam

também ser observadas com cuidado. Podemos, por exemplo, afirmar,

de um modo geral, que os grupos sociais aos quais os jovens se ligam

afetivamente, fora da sua família, constituem-se como um grupo de

pressão que impõe valores e comportamentos, assim como os meios

de comunicação. No entanto, cada grupo social se organizará de um

modo específico, exercendo mais ou menos pressão sobre o jovem,

e este terá um olhar mais ou menos crítico sobre o contexto em que

está inserido. Desta forma, antes de rotular o adolescente, é preciso

olhá-lo com olhos livres de preconceito e buscar compreendê-lo sem

silenciá-lo.

Lúcia Rabello de Castro e Jane Correa (2005) afirmam que:

Os problemas que os jovens enfrentam, os modos de vida

EXERCÍCIO

Assista ao curta-metragem “Antes que seja tarde”, de André Queiroz, e

responda individualmente, por escrito:

- Que características do personagem principal Digo você diria que são

típicas da adolescência?

- Agora, com base na leitura deste material de estudo, como você

explica as atitudes de Digo a partir do contexto histórico e cultural em

que o personagem vive?

Debata estas questões com seus colegas no Fórum de Discussão Virtual.

Bom exercício!

FICHA TÉCNICA

Título: Antes que Seja Tarde;

Diretor: André Queiróz; Gênero: Ficção; Ano: 2007; Duração: 14 min.

Sinopse: Digo é um adolescente mal-humorado em crise com as mudanças na sua vida desde que terminou o colégio. Ele não quer seguir adiante, mas o resto do mundo não vai parar de andar só porque ele precisa de um tempo.

Disponível em: http://www.portacurtas.com.br

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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que escolhem, as idéias que professam – são complexas e necessitam

de compreensão apurada. Essa compreensão não resulta de tentativas

de colocar as questões de modo binário – por exemplo, os jovens são

assim ou assado, fazem isso ou aquilo –, obtendo-se uma imagem de

fácil absorção, porém imprecisa da juventude. Sobretudo as questões

que atingem a juventude contemporânea, não podendo encapsular-

se numa única chave de respostas, devem ser submetidas a um

escrutínio lento que nem sempre gera saberes acabados e totalizadores

(CASTRO; CORREA, 2005, p. 10).

Castro e Correa (2005) afirmam a necessidade de estabelecer uma

visão aberta sobre a juventude, “que se refaz e se corrige continuamente”

através de muitas situações específicas e particulares que se desestabilizam

permanentemente. Trata-se de um trabalho lento e infindo de construção do

conhecimento, “pois sempre se podem encontrar situações particulares que não

se enquadram no que pensamos ou prevemos inicialmente” (p. 11). Para as

autoras Lúcia Rabello de Castro e Jane Correa (2005), a abertura do pensamento

é essencial para compreendermos os jovens na atualidade.

Castro e Correa (2005) compartilham com Aguiar, Bock e Ozella (2002),

a ideia de que os jovens foram afastados da sociedade com o conseqüente

“confinamento” do mesmo aos espaços da família e da escola, sendo “colocados

distantes da ‘vida real’, do trabalho, das obrigações, excetuando-se os estudos”

(p. 14). Com isso, tornaram-se raros os espaços públicos destinados aos jovens,

tornando-se igualmente escassas as possibilidades de socialização.

No Brasil são poucos os espaços instituídos de sociabilidade destinados

aos jovens, circunscrevendo-se, principalmente, à escola. Crianças

e jovens reiteram que vêem a escola como o espaço de fazer e

encontrar amigos, o que consideram um dos principais aspectos dessa

instituição, mais até do que aprender os conteúdos disciplinares.

A escola, por sua vez, parece resistente a assumir essa função –

promover a sociabilidade – como uma de suas principais vocações

na atualidade. A preocupação com a educação para a cidadania e

participação se inscreve na escola, freqüentemente, em torno da

internalização da regra feita pelos outros (os adultos, os professores),

e não da negociação dos impasses e dos conflitos. [...]. Conflitos e

divergências são, em geral, contidos e abafados tendo em vista que

geram dispersão em relação ao que deve ser alcançado: a reprodução

dos conteúdos escolares do mestre para o aluno e a internalização de

regras de conduta (CASTRO; CORREA, 2005, p. 19-20).

Tornar a escola um espaço de aprendizagem não-normativa é um grande

desafio na atualidade, especialmente no sentido de transformar este espaço em

um espaço real de construção de cidadania, compreendendo, aqui, cidadania

não como normas e regras, mas como um conjunto de direitos civis, sociais

e políticos. Os direitos civis são aqueles referentes às questões fundamentais

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“à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei” e

aos quais as crianças e os jovens não têm pleno acesso por serem

considerados “sujeitos não-completos do ponto de vista cognitivo,

emocional e social”. Os direitos sociais são aqueles que tornam os

sujeitos alvo da lei e, neste caso, crianças e jovens usufruem de leis

que os protegem de abusos e maus-tratos. Os direitos políticos nos

permitem votar e ser votados, nos organizar em partidos políticos

e participar dos destinos da sociedade. Em relação a este direito,

“crianças e jovens se tornam meros espectadores das vontades dos

adultos, que decidem sozinhos os rumos da nação” (CASTRO, 2001a,

p. 116-117). Dado este contexto, Lúcia Rabello de Castro (2001a)

aponta que:

[...] é importante enfatizar que, excluídos da participação

nos rumos da sociedade, restritos em sua liberdade de

expressão, manifestação e mobilidade, e desiguais perante

a lei frente aos adultos, crianças e jovens estão, nesta

sociedade historicamente datada, numa redoma onde

dificilmente têm oportunidades de viver o aprendizado de

direitos e deveres, a não ser em situações de faz-de-conta

que pouco acrescentam para uma experiência verdadeira

de cidadania (p. 117).

Em estudo de Castro e Correa (2005) sobre a participação

de jovens dentro de escolas da cidade do Rio de Janeiro, as autoras

observaram a dificuldade dos jovens para falar e escutar uns aos

outros, assim como a dificuldade de se sentirem aceitos e reconhecidos

pelos colegas a partir de suas falas. Tal dificuldade, expressa através

de hostilidade, desconfiança e ressentimentos, é explicada pela falta

de espaço para trocas de ideias e construção de ações coletivas

entre os jovens, que, desde crianças, são silenciados pela sociedade

adultocêntrica e adultocrática. Desta forma, “ao se propiciar aos

jovens um espaço livre de fala e reflexão, parece ‘vir à tona’ uma

massa virulenta de emoções que entope as vias de comunicação” (p.

20).

A tarefa inicial com estes jovens é construir neles e com

eles uma subjetividade propícia à troca de ideias, para a qual

o adulto pode dar o suporte, desde que não imponha regras ou

normas. As inseguranças e agressões que acabam por inviabilizar

os diálogos devem ser compreendidas como um modo de denunciar

o silenciamento histórico a que vêm sendo submetidas crianças e

jovens. A escola, desta forma, pode se transformar em espaço de

construção de cidadania, iniciando sua ação pela simples atitude de

dar voz a estes sujeitos. Porém, Castro e Correa (2005) destacam

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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uma condição fundamental:

[...] o suporte institucional da escola é fundamental

nesse processo, quando professores e a direção

acreditam na capacidade dos alunos e lhes dão crédito.

Significa um investimento paciente nas tentativas que os

jovens ensaiam, tímida e canhestramente, de assumir

responsabilidades de sentir e dizer (CASTRO; CORREA,

2005, p. 20-21 – grifos no original).

Deste modo, formar o cidadão – discurso tão repetido

atualmente, mas infelizmente pouco compreendido pelos educadores

– é, antes de mais nada, dar voz às crianças e jovens que em nossa

sociedade vivem silenciados sob o jugo do adulto. Vejamos como

Castro (2001) define o “tornar-se cidadão”:

ATENÇÃO

Tornar-se cidadão

[...] As pessoas se tornam cidadãs à medida que passam a sentir-se parte

de uma nação e de um Estado, onde a lealdade ao Estado e a identificação a uma

nação são elementos imprescindíveis. Tanto sentir-se parte como identificar-se

constituem condições subjetivantes da cidadania, isto é, só haverá exercício efetivo

da cidadania quando este sujeito – criança e jovem – encontre condições que

favoreçam seu pertencimento e sua identificação a algo maior que é a sua nação

ou o seu Estado. Neste sentido, crianças e jovens brasileiros, para se tornarem

cidadãos, deveriam sujeitar-se ao processo de se verem, sentirem e pertencerem

a este algo maior que denominamos Brasil. Ora, pertencimento e identificação são

construídos ao longo da vida de uma criança ou de um jovem, quando práticas

e discursos tendem a interpelá-Ios no sentido de responder a questões, tais

como ‘quem somos nós, os brasileiros?’, ‘como somos, os brasileiros?’, ‘para onde

vamos, nós, os brasileiros?’. A resposta que cada jovem ou criança elabora para

tais questões constitui o caminho que os prepara psicologicamente à condição do

exercício da cidadania.

Entretanto, esta não é e não deve ser uma resposta apenas formal e

intelectualizada. Quantos jovens e crianças resistiriam a tomar por brasileiros

como eles mesmos, outros tantos brasileiros, só que mais pobres, mais doentes,

mais rotos, recusando-se, portanto, a identificar-se com eles? Assim, a apreensão

de uma nação e a identificação com ela constrói-se também no registro afetivo,

nas camadas mais profundas, não conscientes, do sujeito a partir de múltiplas

experiências onde crianças e jovens têm de enfrentar os conflitos e as provações

da convivência com pessoas diferentes para então estabelecerem sua apreensão

do que faz e como faz o brasileiro, brasileiro. Nascemos brasileiros apenas

formalmente, mas tornamo-nos, de fato, brasileiros, como identidade coletiva,

quando construirmos paulatinamente através de nossas práticas cotidianas

o sentimento de um povo, ape¬sar das diferenças étnicas, sociais e culturais

existentes.

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Construção da cidadania pela identificação com o outro, a

partir de um sentimento de igualdade, requer quebra de hierarquias

sociais e a compreensão de que somos todos iguais e temos direito

à voz, incluindo aí crianças, jovens, adultos e idosos, sem distinção

de valor, como ressalta o artigo primeiro da Declaração Universal dos

Direitos Humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais

em dignidade e direitos” (ONU, 1948).

4 IDADE ADULTA E VELHICE FAZEM PARTE DO

DESENVOLVIMENTO HUMANO?

4.1 Por uma Psicologia do adulto

Trabalhando com o conceito de “ciclos de vida”, Marta Kohl de

Oliveira (2004) propõe uma Psicologia do adulto a partir da noção de

que os “processos de transformação ocorrem ao longo de toda vida

do sujeito e estão relacionados a um conjunto complexo de fatores”

(p. 213). Diferentemente da Psicologia, que utiliza a noção de etapas

ou estágios de desenvolvimento, os ciclos de vida buscam uma

compreensão minuciosa do fenômeno do desenvolvimento através de

um percurso histórico e cultural da vida humana.

ATENÇÃO

E que diferenças! [...] Uma das nossas heranças mais enraizadas,

antitéticas ao espírito de liberdade e igualdade é a escravidão, que neste país teve

lugar por mais de trezentos anos, e que de tal modo permeou os corações e os

corpos dos brasileiros que fica difícil não atualizar diferenças sociais em termos da

hierarquia senhor/escravo. Desta forma, a subjetividade brasileira teria este algo

a superar que é a interpelação permanente para re-atualizar a qualquer momento

que uns são senhores e outros são subalternos, de que uns são mais ‘iguais’ do

que os outros. [...].

Quais seriam, para este jovem, as oportunidades para identificar-se com

aquele outro jovem, digamos, negro, pobre, sem educação, que é visto ao longe

através do vidro do carro em que anda pela cidade? De que forma este jovem

poderia sentir e construir dentro de si um registro de ‘ser brasileiro’ que abarque

este outro, tão diferente dele mesmo? Até porque, é a partir desta construção,

interna, sentimental e afetiva, que é possível uma identificação com o outro e,

portanto, uma ação. Assim, ampliar e diversificar as possibilidades de convivência

em que o outro diferente se afirme plenamente, desestabilizando a convivência

homogênea dos iguais, parece ser uma das formas pelas quais crianças e jovens

podem criar registros mais amplos e democráticos de cidadania (CASTRO, 2001a,

p. 117-119 – grifos no original).

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

86 Módulo 2 I Volume 4 EAD

Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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É importante destacar que, além da ênfase nos processos

de origem biológica, a busca da universalidade como meta

maior do empreendimento científico tem resultado na

apresentação daquilo que é contextualizado historicamente

como sendo universal. Pensemos, por exemplo, nos

grandes períodos em que normalmente tem sido dividida

a vida humana – a infância, a adolescência, a idade adulta

e a velhice. Essas etapas nos têm sido apresentadas como

universais e associadas a características comuns a todas

as pessoas e a todos os grupos humanos: a infância como

o período em que ocorrem as experiências com efeito

determinante e configurador de todo o desenvolvimento

posterior, a adolescência como a época das mudanças

drásticas e turbulentas, a idade adulta como o momento

de estabilidade e ausência de mudanças importantes e

a velhice como sinônimo de deterioração dos processos

psicológicos. Por não levar em conta aspectos da

história cultural e da história individual dos sujeitos,

essa perspectiva não contempla a multiplicidade de

possibilidades de desenvolvimento humano. Para contestar

essa suposta universalidade, basta imaginar e comparar

pessoas de diferentes grupos culturais nas mesmas etapas

de desenvolvimento: uma criança de classe média alta,

de sete anos, em Nova York, freqüentando a escola, e

uma criança de sete anos na zona rural do Afeganistão,

que trabalha no campo e cuida dos irmãos menores; uma

jovem paulistana que faz curso de inglês com intenção de

inscrever-se num programa de intercâmbio e ir estudar

na Austrália e outra jovem paulistana que mora nas ruas

e está grávida do segundo filho; e uma dona de casa

carioca, um monge do Tibete e um cientista inglês, o que

têm em comum como adultos? (OLIVEIRA, 2004, p. 214-

215).

Oliveira (2004) ressalta que a perspectiva de compreender

o desenvolvimento humano de modo universal não contempla a

proposição básica de que desenvolvimento é transformação. Neste

sentido, ao adotarmos uma perspectiva histórico-cultural, e não-

universalista, temos que considerar que “a cultura tem que ser o

princípio explicativo da mente especificamente humana” (p. 216), ou

seja, ao invés de considerar que a mente humana existe como algo

dado e que sofre transformações através da história e da cultura,

é preciso considerar que a mente humana, seu desenvolvimento e

funcionamento, se constroem histórica e culturalmente.

Os ciclos de vida, portanto, são “ciclos culturalmente

organizados de passagem dos sujeitos pela existência humana”

(OLIVEIRA, 2004, p. 216), e sua compreensão pede muito mais do

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que uma designação genérica de fases do desenvolvimento. Para

entendê-los é necessário analisar diferentes práticas culturais, com

seus modos de produção de sentidos e significados compartilhados

que instituem modos de fazer, de pensar, de agir e de sentir.

Ao propor uma Psicologia do adulto, Oliveira (2004) ressalta

que:A Psicologia não tem sido capaz de formular, de modo

satisfatório, uma Psicologia do adulto. Na verdade, as

teorias psicológicas são menos articuladas e complexas

quanto mais avançamos no processo de desenvolvimento

da pessoa: sabemos muito sobre bebês, bastante sobre

crianças, menos sobre jovens e quase nada sobre adultos.

As questões analisadas anteriormente explicam bem

essa peculiaridade da Psicologia: como esta tem sido

tradicionalmente uma ciência do indivíduo e que pretende

chegar a explicações universais para o desenvolvimento

humano e quanto mais jovens mais similares entre si são

os indivíduos dos vários grupos culturais, de certa forma é

mais fácil construir teoria para as etapas da vida em que

os sujeitos humanos são mais próximos de sua origem

animal, sem tanto peso da cultura em sua constituição.

Bebês de três meses, por exemplo, de qualquer tempo e

lugar, são muito mais parecidos entre si do que crianças

de quatro anos, que já dominam a língua do seu grupo

cultural, do que escolares, que já foram submetidos ao

mundo da escrita e do conhecimento sistematizado, e,

claro, do que adultos, inseridos no mundo do trabalho,

das relações familiares complexas e da própria condução

do ‘projeto cultural’ de constituição dos membros plenos

das diferentes culturas. A questão que se apresenta aqui

é, então, como caracterizar a idade adulta. (OLIVEIRA,

2004, p. 217).

A noção de que, na idade adulta, os sujeitos encontram a estabilidade

psicológica, sendo caracterizada pela ausência de mudanças

significativas é completamente inadequada. Os adultos trabalham,

relacionam-se amorosamente, constituem família, educam crianças,

constroem projetos individuais e coletivos etc. Tais aspectos implicam

em escolhas constantes e trazem em si um potencial de transformação

muito grande. Segundo Marta Kohl de Oliveira (2004):

A compreensão aprofundada de uma Psicologia do adulto

não pode ser feita em termos abstratos. Se, conforme

discutido anteriormente, os ciclos de vida deveriam

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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ser compreendidos a partir dos tipos de atividade em

que os sujeitos estão envolvidos e os correspondentes

instrumentos, signos e modos de pensar, temos que

estabelecer de que adultos estamos falando. A busca de

caminhos para a historicização da Psicologia do adulto nos

conduziu a trabalhar não com a categoria abstrata ‘adulto’,

mas a focalizar um grupo cultural específico (OLIVEIRA,

2004, p. 218).

Desta forma, retomando questões que apontamos na discussão

sobre a caracterização da infância, da adolescência e, agora, da idade

adulta, a partir de uma perspectiva da Psicologia sócio-histórica, é

necessário analisar os sujeitos no contexto em que estão inseridos,

englobando neste contexto não apenas aspectos referentes à

família e ao bairro em que moram, mas aspectos em escala micro –

grupo social do qual faz parte, família, bairro, cidade – e em escala

macrossocial – o país e as questões econômicas, políticas, culturais

da conjuntura mundial. É preciso, portanto, “mapear as condições

específicas de pertinência cultural dos sujeitos adultos focalizados”

(p. 218). Oliveira (2004), em pesquisa com adultos trabalhadores

que frequentam cursos supletivos, lança as seguintes questões para

realizar o mapeamento dos sujeitos em questão:

Quando falamos em trabalhadores, de que tarefas

efetivamente desempenhadas estamos falando? De tarefas

coletivas ou desempenhadas isoladamente? De que grau

de responsabilidade na condução do cotidiano no mundo

do trabalho? De que história ocupacional, experiências

prévias, formação profissional, projetos para o futuro?

De que tipo e grau de envolvimento com sindicatos e

outras associações de classe? E a exclusão da escola, o

que significa exatamente? Qual a história concreta de

passagem pela escola, as representações sobre valor e

interesse da escola, motivações, projetos? A que tipo de

tecnologia e de linguagens o sujeito tem acesso? Para que

finalidade e com que grau de domínio? (OLIVEIRA, 2004,

p. 218).

O mapeamento é um conjunto de questões que elaboramos,

englobando vários aspectos que devem ser considerados para a

compreensão dos sujeitos que estão inseridos numa realidade

específica. Tais perguntas não devem ser respondidas de maneira

genérica, e sim verificadas a partir do contato com os sujeitos em

questão. O mesmo devemos fazer quando nos relacionamos com

nossos alunos, sejam eles crianças, adolescentes, adultos ou idosos.

Antes de “saber algo sobre eles”, a partir da simples observação e

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pré-julgamento, devemos saber que nada sabemos sobre o outro.

Ao invés de rotularmos aquele aluno irrequieto como “aluno

indisciplinado”, temos que nos perguntar muitas coisas sobre ele e

sobre a realidade em que ele está inserido, incluindo aí a própria

organização da escola, de seus conteúdos, seus horários, as relações

entre os alunos, as condições de vida de sua família (veremos esta

questão na próxima unidade). Se for uma criança, devemos nos

perguntar sobre o modo como se concebe a criança e a infância no local

de onde a mesma vem; se for adolescente, adulto ou idoso, devemos

fazer o mesmo, pois, como vimos anteriormente, o espaço é sempre

uma categoria a ser considerada quando buscamos compreender o

ser humano de modo histórico-cultural.

PARA REFLETIR

E que tipo de perguntas você faria se resolvesse estudar um

grupo de adolescentes que faz trabalho voluntário em asilos

para idosos?

A prática de “mapear as condições específicas de pertinência

cultural”, proposta por Oliveira (2004), certamente não nos permite

permanecer na confortável posição de acharmos que temos

conhecimentos prontos sobre a vida e os sujeitos que dela fazem

parte. O mapeamento implica, necessariamente, trabalho. Trabalho

intelectual que se faz a partir da relação teoria-prática, na qual não

há regras prontas, nem receitas a serem seguidas. Trata-se de um

conhecimento teórico acumulado e que deve ser usado como um

instrumental intelectual a partir do qual buscamos compreender o

mundo que nos cerca.

A relação entre teoria e prática não é dada na formação

universitária. Ela deve ser construída como um processo de formação

que não se esgota no dia em que as disciplinas a serem cursadas

terminam, ou no dia em que o graduando recebe seu diploma. A relação

entre teoria e prática se constrói ao longo de toda vida profissional,

através de dúvidas que serão esclarecidas com novos estudos teóricos

que não foram fornecidos durante o curso universitário. Este fornece

uma base de cultura geral acerca da profissão escolhida, e esta base

deve servir de chão sobre o qual o profissional caminhará, cultivando

e plantando, sempre, novas sementes de conhecimento. Desta forma,

ao longo de sua prática profissional, tais conhecimentos poderão ser

utilizados como base de suas reflexões e ações.

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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Retomando Oliveira (2004), apenas a partir da relação teoria-

prática é possível construirmos práticas pedagógicas de compreensão

dos sujeitos com os quais nos relacionamos profissionalmente:

Nesse sentido os jovens e adultos concretos que se

encontram na sala de aula deveriam ser objeto de

conhecimento aprofundado, por meio da investigação

sobre seu modo de inserção na vida social, suas atividades,

seu acesso a diferentes tecnologias e linguagens, a partir

do qual poderia ser estabelecido um diálogo com os

instrumentos, signos e modos de pensar que são próprios

da escola [...]. As práticas escolares assim construídas

tomariam esses alunos como sujeitos humanos plenos, em

constante constituição por meio da imersão em situações

concretas de construção de significações. A superação da

exclusão do mundo letrado e escolarizado passaria, desse

modo, não apenas pela oferta de oportunidade formal de

elevação de escolaridade, mas pela apropriação da escola,

pelos sujeitos adultos, como lugar social que é de todos os

atores que nela interagem (OLIVEIRA, 2004, p. 226-227).

Desta forma, quando, na primeira Unidade, discorremos

sobre uma Psicologia e uma Educação compromissadas com o social,

falamos em uma prática pedagógica que seja de fato inclusiva, não

apenas no aspecto das pessoas terem acesso à escolarização. O

acesso é fundamental, mas não basta. É importante que as práticas

pedagógicas sejam pensadas e construídas para os sujeitos concretos

que compõem a realidade escolar, e não para sujeitos abstratos, pré-

definidos por teorias a partir de “condições normais de temperatura e

pressão”. É com e para os alunos – crianças, adolescentes, adultos e

idosos – que fazem o cotidiano da escola que as práticas pedagógicas

devem existir.

PARA REFLETIR

Idosos são adultos?

Por que separamos os estudos sobre idosos e sobre adultos? Qual é o limite

não-jurídico para dizemos que alguém é ou não idoso?

Uma pessoa de 50 anos é “velha”? Aos olhos de uma criança ou adolescente,

talvez seja... aos olhos de uma pessoa de 40, talvez não, e aos olhos de

uma pessoa de 80, será um jovem.

Então, o que é “velhice”? A partir de que critérios consideramos o outro e

a nós mesmos como idosos?

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4.2 Desenvolvimento e envelhecimento

Em nossa sociedade não é simples circunscrever o que é a

velhice ou o ser idoso. Simone de Beauvoir (1990), em seu livro A

Velhice, aponta que se trata de um fenômeno biológico, psicológico

e existencial – “modifica a relação do indivíduo com o tempo e,

portanto, sua relação com o mundo e com sua própria história” (p.

15). Estes três aspectos estão estreitamente articulados ao fato de

que “o homem não vive em estado natural; na sua velhice, como

em qualquer idade, seu estatuto lhe é imposto pela sociedade à qual

pertence” (p. 15).

Segundo Anita Liberalesso Neri (2001a), a gerontologia e a

geriatria, ao longo do século XX, consideraram o envelhecimento

como “um problema a ser resolvido”, “a antítese do desenvolvimento”

e até mesmo como “sinônimo de doença” (p. 07). No entanto, as

experiências de envelhecimento das populações de várias partes do

mundo trouxeram considerações sobre a possibilidade de uma velhice

saudável, incorrendo no movimento oposto ao modo negativo como

se considerava o envelhecimento: “um novo e talvez exagerado

otimismo” (p. 07).

Passados os períodos extremos de pessimismo e otimismo,

uma grande quantidade de estudos da Medicina, Psicologia, Biologia,

Antropologia e Sociologia traçaram três ideias fundamentais:

“o desenvolvimento é um processo finito”;

“desenvolvimento e envelhecimento são processos concorrentes”;

“ambos os processos são afetados por uma complexa relação de

variáveis operando ao longo de toda a vida” (NERI, 2001a, p. 08).

Das três proposições expostas, talvez a que provoque

maior estranheza seja a segunda afirmação – “desenvolvimento e

envelhecimento são processos concorrentes”. Mas ao olharmos a

vida dos seres vivos de um modo geral, verificamos que os ganhos

e perdas estão presentes em todos os momentos da vida. Nos seres

humanos, da infância à velhice, atravessamos os processos que

chamamos comumente de “crescimento, ganho ou progresso” e

“perdas e degenerações”. Anita Neri (2001b) afirma que:

[...] os estágios de desenvolvimento não são de origem

ontogenética, mas, sim, sociogenética. Isto é, a

sociedade constrói cursos de vida na medida em que

prescreve expectativas e normas de compor tamento

apropriado para as diferentes faixas etárias, diante

de eventos marcadores de natureza biológica e social, e

na medida em que essas normas são internalizadas pelas

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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pessoas e instituições sociais. Alguns ocorrem em épocas

previsíveis, como, por exemplo, a menarca, o clima-

tério, o ingresso na escola primária, o direito de votar, o

serviço militar, a entrada no mercado de trabalho. Outros

comportam variações, mas, ainda assim, são relativamente

previsíveis, como acontece com o casa mento, o nascimento

do primeiro filho e a aposentadoria. Em torno deles,

configuram-se as tarefas evolutivas, que correspondem ao

desempenho de papéis sociais, ao exercício de atividades

e à exibição de competências, crenças e valores que uma

dada sociedade convencionou serem típicos daquela fase

da vida. Eventos que ocorrem de modo imprevisto –

como acidentes, doenças e premiações em jogos de azar,

ou mesmo a experiência de viver atrasado ou adiantado

certos eventos previsíveis do curso de vida – geralmente

são vividos como crises, porque as pessoas não

estão preparadas para enfrentá-Ios (NERI, 2001, p.

19-20 – grifos meus).

A mesma autora ressalta que a estruturação da vida das

pessoas em idades produz um “senso de normalidade” entre os

sujeitos que, de certa forma, buscam “estar em dia” com sua própria

idade. Por isso observamos comportamentos semelhantes entre

pessoas de uma mesma faixa etária de um dado local. Este processo,

no entanto, não tem nada de natural. Trata-se de um processo social.

A metáfora de relógio social serve para descrever os

mecanismos sociais de temporalização do curso de vida

individual, que atuam em interação com marcadores de

natureza biológica, psicológica e social. Os indiví duos e as

coortes internalizam de tal forma esse relógio que passam

a pensar que é natural corresponder à expectativa social

em relação ao comportamento apropriado para cada idade

(NERI, 2001b, p. 20).

Este atendimento às expectativas sociais, no entanto, são

muito confortáveis para aqueles que conseguem uma boa adaptação.

Mas a maior parte das pessoas não a alcança, podendo, com isso,

se situar em duas posições: a primeira, de desconforto por se sentir

pressionada a cumprir uma expectativa que não lhe satisfaz; e a

segunda, de não se adaptar, terminando por ser rotulada por seu

caráter desviante em relação à norma.

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Anita Neri (2001b) apresenta uma perspectiva sobre

desenvolvimento humano, denominada life-span (extensão da

vida), que não parte do pressuposto de adaptação a normas pre-

estabelecidas. Segundo a autora:

Em Psicologia, a expressão life-span tem uma conotação

de ex tensão ou abrangência, quer da vida em toda a

sua duração, quer de algum período particular, mas sem

utilizar nenhum critério de estágio para fins de delimitação

ou periodização. [...].

De acordo com o paradigma life-span em Psicologia, prestar

a atenção à data em que nasceu uma pessoa ou um grupo

de pessoas permite ao pesquisador identificar ocorrências

do contexto político, educacional, social e ecológico que

podem ter afetado seu desenvolvi mento numa direção

diferente da trajetória observada em pessoas e grupos

nascidos e socializados na presença de outras influências.

A idéia de atentar para os eventos do contexto, que

corresponde a controlar o efeito do pertencimento a uma

coorte, talvez seja a contribui ção metodológica mais

importante da perspectiva life-span à pesquisa psicológica

(NERI, 2001b, p. 21-22).

E, reforçando a importância do contexto para a compreensão

do desenvolvimento humano, Neri (2001b) complementa:

Ao contrário do pretendido pelas proposições organi cistas,

o desenvolvimento não percorre um caminho unilinear

FICHA TÉCNICA

Título: Esboço para Fotografia;

Direção: Bruno Carneiro; Gênero: Ficção; Ano: 2008; Duração: 15 min

Sinopse: quando eu tinha seis anos, vi um homem bem velho andando devagar. Nesse dia,

fiquei pensando o que aconteceria se eu ficasse velho muito rápido, quase sem perceber.

Disponível em: http://www.portacurtas.com.br

EXERCÍCIO

Assista ao curta “Esboço para Fotografia”, de Bruno Carneiro, e reflita

sobre “idade cronológica” atribuída pelas determinações sociais e

“idade subjetiva” em que a pessoa se torna velha muito rápido, quase

sem perceber. Debata sobre esta questão com seus colegas no Fórum

de Discussão Virtual.

Bom exercício!

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

94 Módulo 2 I Volume 4 EAD

Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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da menor para a maior equilibração, ele significa uma

tensão constante entre as forças que o determinam.

Essa tensão é adaptativa e essencialmente promotora

do desenvolvimento (NERI, 2001b, p. 26).

Afirmamos, com Neri (2001b), que os ciclos vitais possuem

suas próprias temporalidades e que as idades são determinadas

socialmente. Desta forma, mais do que características gerais

para cada idade cronológica, há uma tentativa não consciente das

pessoas de cumprirem as expectativas que correspondem a tais

idades. Isto, no entanto, não significa que, como profissionais da

educação, vamos abrir mão das teorias e cair no empiricismo puro.

A teoria sócio-histórica do Life Span traz proposições teóricas sobre

o desenvolvimento.

Neri (2001b), baseada em Paul B. Baltes, enumera 15

“proposições teóricas sobre os processos de desenvolvimento e

envelhecimento ao longo do ciclo vital” (p. 27), que resumimos e

apresentamos aqui:

1. O início e os períodos do ciclo vital são estabelecidos a partir de

critérios socialmente estabelecidos.

2. A idade cronológica não causa o desenvolvimento ou o

envelhecimento. Trata-se apenas de um indicador desses

processos, uma vez que vivemos em uma sociedade na qual o

tempo é demarcado por um critério cronológico.

3. Os processos genético-biológicos e socioculturais interagem

dialeticamente ao longo de todo desenvolvimento.

4. “O desenvolvimento e o envelhecimento podem ser analisados

como uma seqüência de mudanças previsíveis, de natureza

gené tico-biológica, que ocorrem ao longo das idades, e por isso

são chamadas de mudanças graduadas por idade; como uma

seqüência previsível de mudanças psicossociais determinadas

pelos proces sos de socialização a que as pessoas de cada coorte

estão sujeitas, e que por isso são chamadas de influências

graduadas por história; e como uma seqüência não previsível

de alterações resultantes da influência de agendas biológicas

e sociais, que por isso são cha madas de influências não-

normativas” (p. 28).

5. O desenvolvimento é um processo limitado e finito.

SAIBA MAIS

Coorte e Geração

Uma coorte consiste num conjunto de pessoas nascidas na mesma época, que entram e saem juntas de seus siste-mas ou instituições – como por exemplo, a escola e o tra-balho –, que tendem a expe-rimentar os mesmos eventos históricos, nas mesmas épo-cas de suas vidas. Assim, os efeitos de tais vivências se fa-zem sentir sobre a trajetória de todo aquele grupo etário. As coortes não são estratos monolíticos, porque dentro delas convivem homens e mulheres de diferentes et-nias, classes sociais e profis-sões; mas constituem unida-des de análise maiores do que o indivíduo e menores do que as gerações. Tanto o conceito de coorte quanto o de gera-ção incluem mecanismos e eventos socioculturais como determinantes do desenvol-vimento. Nos meios científicos, o con-ceito de geração é baseado em relações de parentesco, embora também se conside-re geração como experiên-cias históricas. Para o mo-delo de estratificação etária, a diferença entre gerações é correspondente à que existe entre pais e filhos, ou seja, cerca de 25 anos, o que de-termina que numa geração exista mais de uma coorte. Gerações e coortes sucessi-vas tendem a experienciar diferentes tempos históricos, com repercussões distintas sobre as trajetórias individu-ais e das instituições sociais (NERI, 2001b, p. 18-19).

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6. “Com o envelhecimento, diminui a plasticidade comportamen-

tal, definida como a possibilidade de mudar para adaptar-se

ao meio (por exemplo, por novas aprendizagens) e diminui a

resiliência, definida como a capacidade de reagir e de recupe rar-

se dos efeitos da exposição a eventos estressantes (por exemplo,

doenças e traumas físicos e psicológicos)” (p. 28-29).

7. O potencial de desenvolvimento durante a velhice está relacionado

aos limites da plasticidade individual e das condições histórico-

culturais existentes.

8. Os idosos mantêm sistemas de auto-regulação da subjetividade,

que lhes possibilita a manutenção do bem-estar mesmo em

situações de doença.

9. “O desenvolvimento envolve equilíbrio constante entre ganhos e

perdas” (p. 29), uma vez que a definição do que seja ganho ou

perda é relativa em termos subjetivos e de desejabilidade social.

10. “As limitações decorrentes do envelhecimento podem ser minimi-

zadas pela ativação das capacidades de reserva do organismo,

dependendo do grau de plasticidade individual permitida pela

influência conjunta de variáveis genético-biológicas, psicoló gicas

e socioculturais” (p. 29).

11. O desenvolvimento não se caracteriza como um processo linear

e isolado de crescimento e declínio. Trata-se de um processo

multidirecional, com ritmos diferenciados e sobreposição de

vários domínios e momentos de vida diversos. Por exemplo, “um

idoso pode ter um declínio na memória operacional, mas pode

conservar e melhorar o funciona mento da memória declarativa”

(p. 30).

12. “Cada idade tem sua própria dinâmica de desenvolvimento. Ou

seja, a vida adulta não é a fase da vida humana para a qual

converge o desenvolvimento” (p. 30).

13. Cada indivíduo ou coorte vivencia o envelhecimento de um modo

diferente.

14. “Existem diferentes padrões de envelhecimento, raramente ob-

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serváveis em estado puro. Envelhecimento normal, ótimo e

patológico são, assim, amplas categorias orientadoras para a

pesquisa e a intervenção. Normalidade significa a ocorrência

de alterações típicas e inevitáveis do envelhecimento. Doenças,

disfuncionalidade e descontinuidade do desenvolvimento

são típi cos do envelhecimento patológico. A velhice ótima é

referenciada a um ideal sociocultural de excelente qualidade de

vida e manifesta-se por baixo risco de doenças e incapacidade,

exce lente funcionalidade física e mental e engajamento ativo na

vida” (p. 30-31).

15. O estudo do desenvolvimento não deve se realizar de modo

isolado. É preciso a inter-relação de várias disciplinas, como

a Biologia, a Psicologia e as Ciências Sociais. “Os conceitos

de tempo, idade e estágio, curso, ciclo e extensão da vida, e

desenvolvimento e envelhecimento encon tram expressões

peculiares em disciplinas afins, cujas linguagens não são

uniformes, mas cujo conhecimento por praticantes de diferentes

filiações favorece a comunicação cien tífica e a compreensão dos

fenômenos” (NERI, 2001b, p, 31).

Após o estudo destas 15 proposições teóricas sobre

desenvolvimento e envelhecimento, várias indagações surgem, mas

aqui vale destacar a seguinte: que aspectos do comportamento na

velhice são compartilhados por outras idades da vida humana?

5 RELAÇÕES INTERGERACIONAIS

Ao observarmos o desenvolvimento humano em seus diversos

momentos – infância, adolescência, idade adulta e velhice –, podemos

perceber que seus limites se dão, de forma maleável e provisória,

sempre na relação com o outro. A criança se entende como criança a

partir do momento em que outra pessoa diz ou mostra para ela que

existem pessoas que são diferentes em temos de desenvolvimento. O

mesmo se dá em relação ao adolescente e ao idoso.

Em relação ao adulto, diria que este reconhecimento se dá em

uma vivência mais radical, pois nossa sociedade é adultocêntrica e

adultocrática, ou seja, o adulto é parâmetro de definição para todas

as outras épocas da vida. Nós dizemos, no senso comum, que: “A

criança deve se preparar hoje para quando se tornar adulta...”; para

o adolescente dizemos: “Você ainda não é adulto para fazer isso...”

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ou “Você não é mais criança para se comportar desta forma. É quase

um adulto”; o idoso, em muitos casos, é considerado como se tivesse

deixado de ser adulto, e assim ele passa a ouvir: “Você não tem mais

idade para fazer isso” ou “Você não tem condições de decidir tal coisa.

Eu decido por você”.

Digo que ser adulto é uma vivência radical, pois ele tem de

dar conta de tudo. Em nossa sociedade é atribuído um estatuto de

responsabilidade ao adulto que não permite que ele não o cumpra.

É o adulto que tem que planejar a educação da criança, dar limites

ao adolescente, cuidar do idoso... E ainda viver a própria vida! Mas

este é o modo como nossa sociedade tem se organizado, o que não

significa que tenha de ser assim. Adultos também podem brincar;

crianças também podem ser experientes e ensinar; idosos também

podem dançar e adolescentes também podem organizar e planejar.

Essas vivências se tornam possíveis quando nos abrimos para novas

temporalidades não-normatizadas pela idade cronológica ou por

etapas de desenvolvimento pré-definidas.

A seguir, vamos pensar outras relações entre as diferentes

gerações, que não as tornem estanques. De um modo geral, as

relações intergeracionais são pensadas a partir de estudos sobre

o envelhecimento, foco geral de onde partirão as proposições de

interação.

Vejamos a explicação, a seguir, de Rita Pereira e Solange Jobim

e Souza (2001) sobre uma relação possível entre adultos, crianças e

idosos:

ATENÇÃO

Criança, adulto, idoso e memória

A história não surge de um ponto de partida primordial, ela pode ser

constantemente refeita e recontada.

Com base nesses conceitos, a infância, a idade adulta e a velhice já não se

apresentam como encadeamento causal inerente a uma processualidade linear, mas

como categorias sociais, históricas e culturais, que recompõem permanentemente a

experiência vivida. Ao suposto ‘despre¬paro’ infantil para compreender a realidade,

Walter Benjamin justapõe a tese de que a criança reconstrói o mundo baseada em seu

olhar infantil; em relação ao idoso, afirma ser ele o guardião da tradição e da experiên¬cia.

Assim, a vida humana pode ser pensada à luz dos conceitos benjaminianos de origem

e ruína, em que a criança não é o ponto zero da existência humana nem a velhice seu

ponto final. As construções de um indivíduo ao longo da vida não desaparecem com sua

morte; trans¬cendem-na ao transformar-se em criação coletiva de uma época.

A idéia do entrecruzamento temporal parece ficar ainda mais clara quando

pensamos que a criança e o idoso têm uma expressiva peculiari¬dade: a prática de

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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Ecléa Bosi (1994) reforça a ideia de entrecruzamento temporal,

pensando conjuntamente a criança, o adulto e o idoso. Para Bosi

(1994), grande parte do processo de socialização da criança se dá

através do contato com o passado, mas não por dados de uma história

escrita, e sim por uma história vivida, com seus avós. Trata-se de

uma relação estabelecida pelo convívio através de uma educação não

definida, ao contrário da que o adulto concede à criança. Na relação

com os avós, há brincadeiras, histórias, doces fora de hora, em um

constante exercício de rememorações e reconstruções de histórias.

Segundo Bosi (1994), “o presente já não interessa, pois nem o

netinho, nem os velhos atuam sobre ele, tudo se volta para o passado

ou para um futuro que remonta ao passado” (p. 74), ao contrário da

vida adulta:

A idade adulta é norteada pela ação presente: e quando se

volta para o passado é para buscar nele o que se relaciona

com suas preocu pações atuais. Lembranças da infância

para merecer atenção do adulto são constrangidas a

entrar no quadro atual. Os velhos, postos à mar gem da

ação, rememoram, fatigados da atividade. O que foi sua

vida senão um constante preparo e treino de quem irá

substituí-los? Os jo vens, formados e alimentados pelo

cuidado de seus doadores, logo se fortalecem e se tornam

aptos para desempenhar tarefa igual ou supe rior à de

seus mestres (BOSI, 1994, p. 76).

ATENÇÃO

recontar a história. A criança pede para que se conte novamente a história, criando,

a partir dela, uma rede de analogias e sentidos que lhe permitem compreender o

mundo. O idoso, por sua vez, reconta os fatos que lhe são significativos, e, nesse

trabalho de rememoração, refaz a história. Tanto a criança quanto o idoso sabem

que não se trata de uma repetição, mas de uma reapropriação ou recriação dos

acontecimentos, ou melhor, uma forma de revigorar a tradição.

A infância tomada na perspectiva de outras temporalidades não se esgota na

experiência vivida, mas é ressignificada na vida adulta por meio da rememoração.

Falar da infância é se reportar às lembranças do passado, não como este de fato

ocorreu, mas a um passado que é, então, recontado a partir do crivo do presente e

que se projeta prospectivamente. Nesse recontar, adulto e criança descobrem, juntos,

signos perdidos, caminhos e labirintos que podem ser retomados, continuações

de história em perma¬nente ‘devir’. Recuperar para o futuro os desejos que não

se realizaram, as pistas abandonadas, as trilhas não percorridas é uma forma de

intervenção ativa no mundo. Nesse sentido, a experiência da infância constituída na

narrativa é a memória daquilo que poderia ter sido diferente, isto é, releitura crítica

no presente da vida adulta (PEREIRA; SOUZA, 2001, p. 34-35)

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Simone de Beauvoir (1990) ressalta que, por não constituírem

força econômica, os idosos não são respeitados ou considerados nas

sociedades capitalistas industriais. Segundo a autora, “o adulto se

comporta como se não tivesse que ficar velho nunca”, e complementa

com um fato que os adultos se recusam a lembrar: “é com adolescentes

que duram um número bastante grande de anos que a vida faz velhos”

(BEAUVOIR, 1990, p. 10). No entanto, em nossa sociedade, mesmo

com todo avanço que podemos ver após a implementação do Estatuto

do Idoso, em 2003, este ainda é considerado um peso, motivo de

vergonha, contra quem se estabelece uma verdadeira “conspiração

do silêncio”, como afirma Beauvoir (1990).

De acordo com Bosi (1994), a velhice deve ser entendida a

partir do ser humano em sua totalidade. Não é possível definir a

velhice considerando sua exterioridade, isto é, a partir do que o outro

diz sobre a velhice. Assim como o negro desenvolve a consciência de

sua negritude a partir de si e de sua relação com a cultura, e não do

que falam sobre o ele – especialmente em sociedades extremamente

preconceituosas –, o idoso desenvolve sua consciência de ser velho

em processos próprios de constituição de identidade. Segundo Bosi

(1994):

Há, no transcorrer da vida, momentos de crise de

identificação: na adolescência também nossa imagem se

quebra, mas o adolescente vive um período de transição,

não de declínio. O velho sente-se um indivíduo diminuído,

que luta para continuar sendo um homem. O coeficiente

de adversidade das coisas cresce: as escadas ficam mais

duras de subir, as distâncias mais longas de percorrer,

as ruas mais perigosas de atravessar, os pacotes mais

pesados de carregar. O mundo fica eriçado de ameaças,

de ciladas. Uma falha, uma pequena distração são

severamente castigadas.

Para a comunicação com seus semelhantes precisa de

artefatos: próteses, lentes, aparelhos acústicos, cânulas.

Os que não podem comprar esses aparelhos ficam privados

de comunicação. [...].

É a impotência de transmitir a experiência, quando os

meios de comunicação com o mundo falham. Ele não

pode mais ensinar aquilo que custou toda uma vida para

aprender (BOSI, 1994, p. 79).

É necessário, portanto, lançar espaços de produção de sentido

para que o idoso possa construir e reconstruir sua identidade e

reconhecer-se como sujeito no mundo. Retomando Pereira e Souza

(2001), “a criança pede para que se conte novamente a história,

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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criando, a partir dela, uma rede de analogias e sentidos que lhe

permitem compreender o mundo. O idoso, por sua vez, reconta os

fatos que lhe são significativos, e, nesse trabalho de rememoração,

refaz a história” (p. 34). No entanto, o que vemos, na maior parte das

vezes, é uma impaciência dos mais jovens em relação ao hábito do

idoso recontar sua história vivida.

Bosi (1994) ressalta que, libertos das obrigações profissionais

e familiares, os idosos apoiam-se numa memória que não está voltada

para a ação e manutenção dos hábitos cotidianos, e sim para uma

memória que revive o passado, para a vida contemplativa. Para a

autora, ao rememorar o passado, o idoso está desempenhando uma

“função de unir o começo ao fim, de tranqüilizar as águas revoltas

do presente alargando suas margens” (p. 82). O vínculo que o idoso

mantém com outras épocas torna-se, desta forma, fundamental em

uma sociedade “que esvazia seu tempo de experiências significativas”,

na qual os idosos são empurrados para fora continuamente. Ao

encontrar ouvidos atentos e ressonância de sua voz, a vida do idoso

recupera sua finalidade, possibilitando que suas competências sejam

afirmadas positivamente.

Para Bosi (1994):

A conversa evocativa de um velho é sempre uma

experiência profunda: repassada de nostalgia, revolta,

resignação pelo desfiguramento de paisagens caras, pela

desaparição de entes amados, é semelhante a uma obra

de arte. Para quem sabe ouvi-la, é desalienadora, pois

contrasta a riqueza e a potencialidade do homem criador

de cultura com a mísera figura do consumidor atual (p.

82-83).

No entanto, essa escuta não está presente como um elemento

da cultura capitalista da atualidade, frenética e consumidora, e o

idoso, que não acompanha tal ritmo, é posto à margem:

Ele nos aborrece com o excesso de experiência que quer

aconselhar, providenciar, prever. Se protestamos contra

seus conselhos, pode calar-se e talvez querer acertar o

passo com os mais jovens. Essa adaptação falha com

freqüência, pois o ancião se vê privado de sua função e

deve desempenhar uma nova, ágil demais para o seu passo

lento. A sociedade perde com isso. Se a criança ainda não

ocupou nela seu lugar, é sempre uma força em expansão.

O velho é alguém que se retrai de seu lugar social e este

encolhimento é uma perda e um empobrecimento para

todos. Então, a velhice desgostada, ao retrair suas mãos

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cheias de dons, torna-se uma ferida no grupo (BOSI,

1994, p. 83).

Façamos uma reflexão mais ampla sobre a produção de

sentidos em nossa sociedade:

ATENÇÃO

Produção de sentidos cotidianos

Durante a velhice deveríamos estar ainda engajados em causas que

nos transcendem, que não envelhecem, e que dão significado a nossos gestos

cotidianos. Talvez seja esse um remédio contra os danos do tem¬po. Mas, pondera

Simone de Beauvoir, se o trabalhador aposentado se desespera com a falta de

sentido da vida presente, é porque em todo o tempo o sentido de sua vida lhe foi

roubado. Esgotada sua força de trabalho, sente-se um pária, e é comum que o

escutemos agradecendo sua aposentadoria como um favor ou esmola.

A degradação senil começa prematuramente com a degradação da pessoa

que trabalha. Esta sociedade pragmática não desvaloriza somente o operário,

mas todo trabalhador: o médico, o professor, o esportista, o ator, o jornalista.

Como reparar a destruição sistemática que os homens sofrem des¬de o

nascimento, na sociedade da competição e do lucro? Cuidados Geriátricos não

devolvem a saúde física nem mental. A abolição dos asilos e a construção de

casas decentes para a velhice, não segregadas do mundo ativo, seria um passo à

frente. Mas, haveria que sedimentar uma cultura para os velhos com interesses,

trabalhos, responsabilidades que tornem sua sobrevivência digna. Como deveria

ser uma sociedade para que, na velhice, o homem permaneça um homem? A

resposta é radi¬cal para Simone de Beauvoir: ‘Seria preciso que ele sempre

tivesse si¬do tratado como homem’.

A noção que temos de velhice decorre mais da luta de classes que do conflito

de gerações. É preciso mudar a vida, recriar tudo, refazer as relações humanas

doentes para que os velhos trabalhadores não sejam uma espécie estrangeira.

Para que nenhuma forma de humanidade seja excluída da humanidade é que

as minorias têm lutado, que os grupos dis¬criminados têm reagido. A mulher,

o negro, combatem pelos seus direitos, mas o velho não tem armas. Nós é que

temos de lutar por ele (BOSI, 1994, p. 80-81).

A partir da frase de Beauvoir “Seria preciso que ele sempre

tivesse si do tratado como homem”, retomo uma questão que atravessa

todas as discussões sobre os ciclos vitais: a importância de olhar e

ouvir o outro a partir do modo como o outro se mostra ao mundo, e

não através de noções pré-concebidas e pré-conceituadas.

Adriana Fernandes e Maria Luiza Oswald (2005) ressaltam

a importância do diálogo como uma forma de criar espaços-tempo

de produção de sentidos entre as gerações. Em pesquisa sobre a

recepção dos desenhos animados da TV por crianças, as autoras

analisam os encontros e desencontros entre as gerações, enfatizando

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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a necessidade de quebrar com a hierarquia etária do saber socialmente

estabelecida, na qual a criança nada sabe e o adulto tem de saber

tudo.

Segundo Fernandes e Oswald (2005), a maioria das crianças

pesquisadas prefere assistir TV sozinha, pois diz que os adultos

atrapalham fazendo perguntas sobre o programa na hora errada. E

as crianças concluem; “os adultos não sabem [sobre os desenhos]

porque eles nunca vêem” (p. 32). Mas há casos em que os encontros

são possíveis e, quando acontecem, são sempre marcados pela

quebra com a hierarquia etária do saber, como podemos observar

nas falas de três crianças:

– Eu costumo conversar com o meu avô assim: ‘Vô, você

já viu o desenho tal?’ Aí ele: ‘Não, e diz como é que é.’

Aí eu explico lá para ele, depois ele vê e a gente fica

conversando... (Menino – escola pública)

– Minha mãe não sabe, mas aí ela pergunta, eu conto e a

gente fica conversando. (Menino – escola pública)

[...]

– O meu avô se enche de Coca-Cola e pipoca e vê os

desenhos junto comigo; a minha avó dorme no meio do

desenho... A minha mãe quando vê desenho comigo fala:

‘Ah, eu queria ser ela’ [a personagem]. Minha mãe parece

uma criança! (Menina – escola particular) (FERNANDES;

OSWALD, 2005, p. 34; 36 – grifos no original).

Fernandes e Oswald (2005) apontam a produção de sentidos

como a possibilidade de criar encontros entre as gerações. Para as

autoras, os depoimentos das crianças

[...] apontam para uma outra forma de relação adulto/

criança não mais baseada na supremacia do saber dos

mais velhos sobre o dos mais jovens, o que possibilita [...]

uma democratização do lugar social da criança vis-à-vis

ao do adulto, inexistente nas práticas socializatórias da

sociedade moderna (FERNANDES; OSWALD, 2005, p. 35).

Tratar crianças, adolescentes, adultos e idosos com

humanidade possibilita encontros. Assim, “para que, na velhice, um

homem permaneça um homem” (BOSI, 1994, p. 80), é preciso que

tenha sido respeitado em sua experiência e seu modo de produção de

sentidos desde a mais tenra idade.

Voltando ao quadro “Produção de sentidos cotidianos”, retomo

a ideia de que “durante a velhice deveríamos estar ainda engajados

em causas que nos transcendem, que não envelhecem, e que dão

LEITURA RECOMENDADA

Gostou da pesquisa de Adriana Fernandes e Maria

Luiza Oswald? Procure o texto na Internet e leia-o na íntegra como leitura

complementar.

FERNANDES, Adriana Hoffmann; OLWALD, Maria

Luiza B. M. A recepção dos desenhos animados

da TV e as relações entre a criança e o adulto:

desencontros e encontros. Cadernos Cedes, vol. 25,

n. 65, jan/abr 2005.

Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/

v25n65/a03v2565.pdf

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significado a nossos gestos cotidianos” e na necessidade de sonhar

com outra sociedade, com outros modos de vida e tratamento em

relação ao ser humano, pensar a possibilidade da educação para

idosos abre precedentes para um diferencial realizável.

Maria Stela de Araújo Albuquerque Bergo (2002), em relato

sobre trabalho desenvolvido com idosos na Universidade Federal

de Sergipe, destaca iniciativas recentes de reinserção de idosos

nos meios escolares e acadêmicos, com destaque aos projetos das

Universidades Abertas da Terceira Idade que têm como proposição

principal a ideia de que “a socialização do idoso é prática fundamental

para a preservação de sua saúde física e mental”, colaborando para

preservação de sua auto-estima.

Projetos educativos são incentivados neste sentido, a partir

da afirmação de que “é um equívoco inferir que os idosos não são

criativos”. Segundo Bergo (2002), a idade não determina a criatividade

e a capacidade de aprender de ninguém, mas ressalta que “a idéia de

que os idosos não são produtivos emergiu na sociedade capitalista,

que valoriza o indivíduo sob o critério da produção material”. Em

contraposição à ideia de perda de capacidade cognitiva do idoso,

Bergo (2002) argumenta que:

Muitas pesquisas atuais afirmam que as funções

psicológicas modificam-se de forma diversa no decorrer

da vida e assim questionam e duvidam da voz corrente

que apregoa a diminuição da capacidade intelectual na

velhice. [...]. Desse modo, algumas teorias afirmam que

além de não haver diminuição do rendimento intelectual,

produz-se uma modificação qualitativa, ou seja, surgem

outras modalidades do complexo ato de pensar. Neste

período vital, como em outros, por exemplo, na infância,

um estimulante é fundamental para a manutenção das

faculdades intelectuais (BERGO, 2002, s/p).

Marlene Dias Pinto (2004) aponta para a necessidade de uma

metodologia de ensino de qualidade e adequada às pessoas idosas,

assim como se evidencia tal especificidade em relação às outras idades

do ser humano. Em sua dissertação de mestrado, a autora explana

sobre sua experiência com alfabetização de idosos desenvolvida no

Programa de Alfabetização, Documentação e Informação (ProAlfa),

em parceria com a Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI),

ambos na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Vejamos parte

das conclusões de sua pesquisa:

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ATENÇÃO

A prática pedagógica com idosos

A compreensão da velhice como um fluir de um processo de aquisições,

transformações, consolidações e aprimoramentos que se dão durante a vida

revela que a capacidade de aprender permanece por toda vida, apesar das

mudanças físicas e biológicas ocorridas durante o processo de envelhecimento.

[...]. Esse enfoque nos remete para uma proposta educativa orientada para as

habilidades e atividades próprias da velhice. Aprender, nessa fase do ciclo vital

envolve a utilização das experiências e dos conhecimentos já adquiridos na

atribuição de novos significados, e na transformação da informação que está

sendo recebida, em um novo conhecimento construído pelo idoso. A qualidade

das informações, bem como o ritmo e o tempo de aprendizagem do indivíduo

de idade avançada devem ser considerados.

A prática pedagógica envolve não somente uma postura teórica que

implica numa concepção de educação, mas também num novo paradigma

sobre o envelhecimento. Partindo da concepção de envelhecimento como

um processo e transformação, que envolve a interação entre o componente

genético, o ambiente, a cultura e o estilo de vida, o envelhecer é uma vivência

única e pessoal que ocorre através do tempo. As mudanças se apresentam de

modo diferente para cada idoso, ninguém envelhece da mesma maneira. De

acordo com essa concepção, a capacidade de aprender se prolonga por toda

vida, apesar das transformações cognitivas, desde que o indivíduo idoso goze

de boa saúde física e mental. [...] Uma educação voltada para as pessoas de

idade avançada é um processo com características e finalidades próprias e,

portanto deve ser pensada como um processo social [...].

Diante dessa concepção, a imagem do idoso se modifica. O foco de

atenção muda: do idoso em declínio biológico e mental, muda-se para pensar

no idoso como ser histórico, que vive seu tempo presente, com conhecimento de

si mesmo e do mundo, com independência e autonomia, capaz de transformar,

produzir, criar e recriar-se.

Assim sendo, é indiscutível a questão da relevância de um ensino

voltado para o idoso. Esse apresenta características diferenciadas dos adultos,

assim como o adolescente apresenta características diferentes da criança.

[...].

Em se tratando do educador de pessoas idosas, esse deve, antes de

mais nada, ter conhecimento sobre as transformações cognitivas que ocorrem

com o envelhecimento e suas conseqüências no campo da aprendizagem. Isso

quer dizer que o seu planejamento de curso deve respeitar as necessidades e

especificidades do idoso [...]. As atividades educativas devem ser organizadas

a partir das vivências acumuladas pelos idosos, valorizando a importância

social, cultural e histórica que a pessoa idosa tem e assim, contribuindo para

um processo pedagógico vivo e que busque satisfazer seus objetivos mais

imediatos. [...].

Essas transformações cognitivas não podem ser desprezadas

no processo ensino-aprendizagem. Um planejamento voltado às suas

especificidades deve ser estruturado envolvendo um exercício de memória que

propicie ao aluno idoso um trabalho de relembrar o passado. Pensar sobre o

tempo vivido auxilia o idoso a ressignificá-lo, trazendo novas reflexões sobre

esse passado e atualizando-o no presente (PINTO, 2004, p. 138-141).

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Assim como Bosi (1994) e Bergo (2002), Pinto (2004) ressalta

a necessidade de mudarmos o modo como o envelhecimento é

concebido em nossa sociedade. Em sua dissertação de mestrado,

Marlene Pinto destaca um trecho de uma carta de um leitor do jornal

O Globo, publicada na seção “Cartas dos Leitores”, em setembro de

2003: “Alfabetizar adultos para quê? Por que com este dinheiro não

alfabetizar melhor as crianças? Somos pobres, existem prioridades”.

Este é o modo mais comum que vemos adultos e idosos que precisam

de escolarização serem tratados em nossa sociedade. Trata-se de

uma sociedade que aposta na preparação da criança e do adolescente

para viverem uma vida adulta produtiva dentro dos moldes de uma

sociedade capitalista e produtivista.

No entanto, se acreditamos na necessidade de incluir os idosos

nos processos sociais, precisamos criar estratégias para que tal

transformação se efetive. Os processos de escolarização obrigatória a

que nossas crianças e adolescentes são submetidas podem ser aliados

neste sentido se, nos bancos escolares, as práticas pedagógicas forem

permeadas da valorização das trocas entre as diferentes gerações.

Aproveitando ainda as contribuições de Pinto (2004), vale

ressaltar a importância de se trazer à tona, ainda durante a formação

de professores, a possibilidade de contatos intergeracionais, isto é,

considerando que, em sua maioria, os alunos que estão nos cursos

de licenciatura das universidades são jovens ou jovens adultos, a

aprendizagem da relação com o outro, com base na valorização e

no respeito, pode ter início ainda na formação profissional, para

que, depois, estes professores propaguem tal modo de conceber as

diferenças de geração em suas práticas pedagógicas nas escolas.

Vejamos a experiência de Pinto (2004), no ProAlfa/UnATI da UERJ:

Nesse aspecto, podemos pensar a questão educacional

como um processo que, incluindo relações entre

indivíduos pode modificar a compreensão e aceitação dos

conhecimentos e habilidades que o idoso possui e que

podem contribuir para a mudança de preconceitos entre

as gerações. Pode-se pensar na dinâmica intergeracional

que envolve a relação entre quem ensina e quem aprende

como um processo de educação que contribua para um

novo olhar para a pessoa de idade avançada. [...].

Os professores, bolsistas de extensão, constituem uma

outra geração, pertencem a uma outra categoria etária e,

se inscrevem no Programa para compartilharem do ensino

da leitura e da escrita. [...]. Os alunos idosos e os bolsistas,

numa interação inter e intrageracional, com histórias

diferentes, vividas cada uma num momento particular,

trazem possibilidades de interpretação e de significação

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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diferentes. O compartilhar culturas diversas e, cada um

poder retificar imagens distorcidas e preconceituosas em

relação a si próprio e ao outro, trazem benefícios para

ambos (PINTO, 2004, p. 142-143).

Desta forma, as transformações devem se dar de um modo

amplo, multifacetado e multidirecional, isto é, não devemos focar

nossa atenção apenas em um grupo de pessoas, pois é preciso pensá-

las inseridas numa rede social que é complexa. Como afirma João

Alexandre Barbosa (1994):

Em nossa sociedade de classes, dilacerada até as raízes

pelas mais cruéis contradições, a mulher, a criança e

o velho são, por assim dizer, instâncias privilegiadas

daquelas crueldades – traduções do dilaceramento e da

culpa.

Mas a mulher, a criança e o velho não são classes: são

antes as pectos diversificados e embutidos por entre

as classes sociais. As sim como não se pode falar, com

propriedade, em classes de artis tas ou de cientistas.

Estes, como aqueles, pertencem a uma ou ou tra classe

social que os configura e deles exige definições.

Já se sabe: o que define a classe social é a posição ocupada

pelo sujeito nas relações objetivas de trabalho.

Deste modo, quando se fala de uma ‘pedagogia do

oprimido’ (Paulo Freire) o endereço tem nome certo:

trata-se de uma pedago gia que possa dar conta de uma

situação precisa, no universo das relações sociais, de uma

certa camada da população subjugada pela dependência.

Opressão: dependência.

Neste sentido, ocorre-me falar numa Psicologia do

oprimido [...] (BARBOSA, 1994, p. 11-12).

À citação de Barbosa, acrescento também os jovens, os adultos

analfabetos, os negros, os índios, os ciganos, e toda uma série de

grupos minoritários que, quando vistos em conjunto, são a maioria da

população brasileira. Desta forma, quando lançarmos nossos olhares

para o desenvolvimento humano, devemos encontrar crianças, jovens,

adultos e idosos que não estão enquadrados em uma categorização

estanque a partir de idades ou etapas do desenvolvimento e que

não possuem características pré-definidas. Buscamos, justamente,

afirmar o olhar sobre a diferença, sendo esta considerada algo que

faz parte da vida e que, por isso mesmo, não deve ser rotulada de

desvio a partir de uma norma pré-determinada por uma minoria

privilegiada. Se é possível alguma universalização em relação ao ser

humano, que seja em relação a seus direitos, especialmente o direito

LEITURA RECOMENDADA

Recomendo a leitura da Declaração Universal dos Direitos Humanos para

um maior esclarecimento acerca do direito à vida com dignidade. A Decla-ração encontra-se em

anexo.

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à vida com dignidade.

FILMES RECOMENDADOS

Como uma forma de ilus-trar os estudos aqui rea-lizados, recomendo os fil-mes: O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburger, e O Curioso Caso de Benjamin Button, de David Fincher.

Os filmes indicados ilus-tram bem os conteúdos trabalhados nesta unida-de. Em “O ano em que meus pais saíram de fé-rias”, todos os aconteci-mentos do filme são nar-rados através da ótica de um menino de 12 anos. Com o desenrolar da nar-rativa podemos ver como se constrói a relação entre o menino e um idoso.

Em “O curioso caso de Benjamin Button”, nos de-paramos, curiosamente, com crises de identidade que perpassam um duplo movimento: o envelhe-cimento e o rejuvenesci-mento. Se nossa socieda-de condena o envelheci-mento, rejuvenescer tam-bém não se mostra uma boa saída.

Título: O Ano em que Meus Pais Saíram de FériasDireção: Cao Hamburger;Gênero: Drama; Ano: 2006; Duração: 110 minSinopse: 1970. Mauro (Michel Joelsas) é um garoto mineiro de 12 anos, que adora futebol e jogo de botão. Um dia sua vida muda completamente, já que seus pais saem de férias de forma inesperada e sem motivo aparente para ele. Na verdade, os pais de Mauro foram obrigados a fugir por serem de esquerda e perseguidos pela ditadura, tendo que deixá-lo com o avô paterno (Paulo Autran). Porém o avô enfrenta problemas, o que faz com que Mauro tenha que ficar com Shlomo (Germano Haiut), um velho judeu solitário que é seu vizinho. Enquanto aguarda um telefonema dos pais, Mauro precisa lidar com sua nova realidade, que tem momentos de tristeza pela situação em que vive e também de alegria, ao acompanhar o desempenho da seleção brasileira na Copa do Mundo.

Título: O Curioso Caso de Benjamin ButtonDireção: David Fincher;Gênero: Drama;Ano: 2008; Duração: 166 minSinopse: Benjamin Button tem uma característica incomum: nascido com oitenta e poucos anos, ele rejuvenesce a cada dia que passa. Ainda assim, é um homem como qualquer outro, que não pode parar o tempo e precisa percorrer seu caminho, vivendo a sua história ao lado das pessoas que conhece e os lugares que frequenta durante a sua jornada. Mas sua história é, principalmente, sobre o amor, e a dificuldade de estar ao lado de uma bela mulher, que envelhece enquanto ele fica mais jovem a cada dia.

ATIVIDADE

1. A partir do exercício realizado com o documentário A Invenção da Infância, faça uma

síntese individual, por escrito, sobre suas conclusões, relacionando-a com as discussões

sobre criança e infância desta unidade.

2. A partir das discussões desta unidade, explique, com suas palavras, de que forma o

adolescente/jovem pode tornar-se cidadão.

3. Com base nos conteúdos desta unidade, explique, com suas palavras, de que forma

deve se estabelecer a relação entre teoria e prática na abordagem sócio-histórica.

4. Faça uma síntese das ideias sobre Psicologia do adulto e sobre envelhecimento.

5. Explique, com suas palavras, de que forma podemos criar encontros entre as diferentes

gerações, de modo a construirmos um cotidiano carregado de sentido.

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RESUMINDO

Nesta unidade, apresentamos diversos momentos do ciclo vital do ser

humano, buscando refletir, principalmente, sobre o modo como as categorias

infância, adolescência, idade adulta e velhice são compreendidas na atualidade,

sem traçar de antemão características sobre como elas são ou deveriam ser. A

proposta é compreender essas categorias, a partir de uma perspectiva sócio-

histórica, situando-as, portanto, no tempo e no espaço em que se constituem.

Com a ampliação das temporalidades da vida para além das

demarcações etárias, propõe-se, por fim, a construção de sentidos cotidianos

através das relações intergeracionais.

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AGUIAR, Wanda Maria Junqueira; BOCK, Ana Mercês Bahia; OZELLA, Sérgio. A orientação profissional com adolescentes: um exemplo de prática na abordagem sócio-histórica. BOCK; GONÇALVES; FURTADO. (Orgs.). Psicologia sócio-histórica (uma abordagem crítica em Psicologia). São Paulo: Cortez, 2002.

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Tradução de Dora Flasksman. Rio de Janeiro: LTC, 1981.

BARBOSA, João Alexandre. Uma Psicologia do oprimido. In: BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 11-15.

BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

BERGO, Maria Stela de Araújo Albuquerque. A educação e o idoso: perspectivas para novas aprendizagens. II Encontro de Pesquisa em Educação da UFPI, 2002, Terezina. Disponível em: http://www.ufpi.br/mesteduc/eventos/ iiencontro/GT-16/GT-16-01.htm. Acesso em: out. 2009.

BOCK, Ana Mercês Bahia. A perspectiva sócio-histórica de Leontiev e a crítica à naturalização da formação do ser humano: a adolescência em questão. Caderno Cedes, vol. 24, n. 62. p. 26-43, abr. 2004. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: maio 2006.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

CASTRO, Lúcia Rabello de; CORREA, Jane. Juventudes, transformações do contemporâneo e participação social. In: CASTRO, Lúcia Rabello de; CORREA, Jane (Orgs.). Juventude contemporânea: perspectivas nacionais e internacionais. Rio de Janeiro: Nau/FAPERJ, 2005. p. 09-26.

CASTRO, Lúcia Rabello de. Infância e adolescência hoje. In: CASTRO,

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Lúcia Rabello de (Org). Infância e adolescência na cultura do consumo. Rio de Janeiro: NAU, 1998a. p. 11-22.

CASTRO, Lúcia Rabello de. Uma teoria da infância na contemporaneidade. In: CASTRO, Lúcia Rabello de (Org.). Infância e adolescência na cultura do consumo. Rio de Janeiro: NAU, 1998b. p. 23-54.

CASTRO, Lúcia Rabello de. Crianças, jovens e cidades: vicissitudes da convivência, destinos da cidadania. In: CASTRO, Lúcia Rabello de (Org.). Subjetividade e cidadania: um estudo com crianças e jovens em três cidades brasileiras. Rio de Janeiro: 7Letras, 2001a. p. 113-156.

CASTRO, Lúcia Rabello de. Da invisibilidade à ação: crianças e jovens na construção da cultura. In: CASTRO, Lúcia Rabello de (Org). Crianças e jovens na construção da cultura. Rio de Janeiro: Nau/FAPERJ, 2001b. p. 19-46.

ESCOLANO, Agustín. Arquitetura como programa. Espaço-escola e currículo. VIÑAO FRAGO, Antonio; ESCOLANO, Agustín. Currículo, espaço e subjetividade. A arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 19-57.

FERNANDES, Adriana Hoffmann; OLWALD, Maria Luiza B. M. A recepção dos desenhos animados da TV e as relações entre a criança e o adulto: desencontros e encontros. Cadernos Cedes, vol. 25, n. 65, p. 25-43, jan./abr. 2005.

KUHLMANN Jr, Moysés; FERNANDES, Rogério. Sobre a história da infância. FARIA FILHO, Luciano Mendes (Org). A infância e sua educação - materiais, práticas e representações (Portugal e Brasil). Belo Horizonte: Autentica, 2004. p. 15-34.

LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean-Claude. Introdução. In: LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean-Claude (Orgs). História dos jovens: da antigüidade à era moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 07-18.

LOPES, Jader Janer Moreira; VASCONCELLOS, Tânia de. Geografia da infância: territorialidades infantis. Currículo sem Fronteiras, v. 06, n. 01, p. 103-127, jan./jun. 2006.

NARODOWSKI, Mariano. A infância como construção pedagógica. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org). Escola básica na virada do século. São Paulo: Cortez, 2002. p. 107-118.

NERI, Anita Liberalesso. Apresentação. In: NERI, Anita Liberalesso (Org.). Desenvolvimento e envelhecimento: perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas. Campinas: Papirus, 2001a. p. 07-10.

NERI, Anita Liberalesso. Paradigmas contemporâneos sobre desenvolvimento humano em Psicologia e em sociologia. In: NERI,

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

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Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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sAnita Liberalesso (Org.). Desenvolvimento e envelhecimento: perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas. Campinas: Papirus, 2001b. p. 11-37.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Ciclos de vida: algumas questões sobre a Psicologia do adulto. Educação e Pesquisa, v. 30, n. 02, maio/ago. 2004.

ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. (1948). Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_ direitoshumanos.php>. Acesso em: jan. 2009.

PEREIRA, Rita; SOUZA, Solange Jobim e. Infância, conhecimento e contemporaneidade. In. Krammer, S. LEITE, M. Infância e produção cultural. Campinas: Papirus, 2001. p. 25-42.

PEREIRA, Rita Marisa Ribes; CERDEIRA, Adriana; ANDREIUOLO, Beatriz; SOUZA, Solange Jobim e. Ladrões de sonhos e sabonetes: sobre modos de subjetivação da infância na cultura do consumo. In: SOUZA, Solange Jobim e (Org.). Subjetividade em questão: a infância como crítica da cultura. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005. p. 99-116.

PINTO, Marlene Dias P. O funcionamento cognitivo do idoso e o processo de ensino da alfabetização do PROALFA. Reflexões para um ensino melhor. (Mestrado em Educação). Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Faculdade de Educação, 2004.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. Porto: Edições Afrontamento, 1988.

A INVENÇÃO da Infância. Direção: Liliana Sulzbach. Rio Grande do Sul: 2000. (26 min.), colorido, legendado. Disponível em: http://www.portacurtas.com.br

ESBOÇO para Fotografia. Direção: Bruno Carneiro. São Paulo: 2008. (15 min.), colorido, não legendado. Disponível em: http://www.portacurtas.com.br

O CURIOSO Caso de Benjamin Button. Direção: David Fincher. Produção: Ceán Chaffin, Kathleen Kennedy e Frank Marshall. Fotografia: Claudio Miranda. Roteiro: Eric Roth e Robin Swicord, baseado em estória de F. Scott Fitzgerald. Música: Alexandre Desplat. EUA: Estúdios Warner Bros / Paramount Pictures / The Kennedy/Marshall Company, 2008. (166 min.), colorido, legendado.

ANTES que Seja Tarde. Diretor: André Queiróz. São Paulo: 2007. (14 min.), colorido, não legendado. Disponível em: http://www.portacurtas.com.br

O ANO em que Meus Pais Saíram de Férias. Direção: Cao

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Hamburger. Produção: Caio Gullane, Cao Hamburger e Fabiano Gullane. Fotografia: Adriano Goldman. Roteiro: Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger, baseado em história original de Cláudio Galperin e Cao Hamburger. Música: Beto Villares. Brasil: Estúdios Gullane Filmes / Caos Produções Cinematográficas / Miravista / Globo Filmes, 2006. (110 min.), colorido, legendado.

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ANEXO

Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos básicos das Nações Uni-

das e foi assinada em 1948. Nela, são enumerados os direitos que todos os seres humanos

possuem.

PREÂMBULO

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família

humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da

paz no mundo;

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos

bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que

os todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor

e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum;

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei,

para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e

a opressão;

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos

direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de

direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores

condições de vida em uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com

as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a

observância desses direitos e liberdades;

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta

importância para o pleno cumprimento desse compromisso, agora portanto,

A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos

como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de

que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se

esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades,

e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o

seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios

Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados

de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo II. 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos

nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião,

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opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento,

ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na

condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma

pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio,

quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo III. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV. Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de

escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V. Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel,

desumano ou degradante.

Artigo VI. Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como

pessoa perante a lei.

Artigo VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual

proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que

viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII. Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes

remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam

reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX. Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X. Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública

audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus

direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI. 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser

presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a

lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias

necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão

que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional.

Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática,

era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII. Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família,

em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser

humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII. 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro

das fronteiras de cada Estado. 2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país,

inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo XIV. 1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar

e de gozar asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de

perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários

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aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XV. 1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será

arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo XVI. 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,

nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família.

Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2.

O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da

sociedade e do Estado.

Artigo XVII. 1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com

outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII. Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e

religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de

manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância,

em público ou em particular.

Artigo XIX. Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito

inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir

informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX. 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.

2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI. 1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país

diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo ser

humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do

povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições

periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente

que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII. Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança

social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com

a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais

indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXIII. 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego,

a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo

ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória,

que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade

humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4.

Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de

seus interesses.

Artigo XXIV. Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação

razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

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Artigo XXV. 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-

lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,

cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de

desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de

subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm

direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do

matrimônio gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI. 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo

menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A

instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta

baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento

da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e

pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a

amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades

das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito

na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII. 1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida

cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de

seus benefícios. 2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e

materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja

autor.

Artigo XXVIII. Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que

os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente

realizados.

Artigo XXIX. 1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o

livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus

direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas

pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos

direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem

pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades

não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios

das Nações Unidas.

Artigo XXX. Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como

o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer

atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e

liberdades aqui estabelecidos.

Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

116 Módulo 2 I Volume 4 EAD

Psicologia e Educação: pensando o desenvolvimento humano

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Suas anotações

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