populacao em situacao de rua

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POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: segurança pública, fraternidade ou justiça social? People who stay on the street: public safety, fraternity or social justice Maurício de Campos Queiroz Resumo Trazendo a tona a análise dos fatores determinantes da estrutura social geradora de pauperismo, este artigo analisa a dinâmica de uma população que é historicamente injustiçada, rotulada e perseguida. Para a população em situação de rua são demandadas as incipientes formas de enfrentamento desta exclusão, no limite do interesse do Estado mínimo, o que impulsiona desta a possibilidade de conquista de alargamento de sua restrita cidadania, através do protagonismo político popular. Palavras-chave: População em situação de rua. Política Social. Campanha da Fraternidade 2009. Abstract Bringing out the analysis of the determinants of social structure generating pauperism, this article analyzes the dynamics of a population that is historically wronged, labeled and persecuted. For the people who stay on the street defendants are the incipient forms of coping with this exclusion, within the State's interest minimum, the driver of the possibility of winning the enlargement of its restricted citizenship through the political spotlight popular. Keywords: People who stay on the street. Social Politic. Fraternity Campaign 2009. Graduando do 7° período do curso de Serviço Social da PUCPR. E-mail: [email protected].

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POPULAO EM SITUAO DE RUA: segurana pblica, fraternidade ou justia social? People who stay on the street: public safety, fraternity or social justice Maurcio de Campos Queiroz Resumo Trazendoatonaaanlisedosfatoresdeterminantesdaestruturasocialgeradorade pauperismo,esteartigoanalisaadinmicadeumapopulaoquehistoricamente injustiada, rotulada e perseguida. Para a populao em situao de rua so demandadas as incipientesformasdeenfrentamentodestaexcluso,nolimitedointeressedoEstado mnimo, o que impulsiona desta a possibilidade de conquista de alargamento de sua restrita cidadania, atravs do protagonismo poltico popular. Palavras-chave: Populao em situao de rua. Poltica Social. Campanha da Fraternidade 2009. Abstract Bringingouttheanalysisofthedeterminantsof socialstructuregeneratingpauperism,this articleanalyzesthedynamicsofapopulationthatishistoricallywronged,labeledand persecuted.Forthepeoplewhostayonthestreetdefendantsaretheincipientformsof coping with this exclusion, within the State's interest minimum, the driver of the possibility of winning the enlargement of its restricted citizenship through the political spotlight popular. Keywords: People who stay on the street. Social Politic. Fraternity Campaign 2009. Graduandodo7perododocursodeServioSocialdaPUCPR.E-mail: [email protected]. POPULAO EM SITUAO DE RUAQUEIROZ, Maurcio de Campos Faternidade e Cincia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 78-89, nov. 200979 Naperspectivadefavoreceraconstruodeumaculturadedefesadosdireitos humanos, trazendo tona uma reflexo tica sobre denncias de violaes que agridem o cotidiano de sujeitos com o reforo negao da cidadania, e com o propsito de construo de alianas e articulaes com a participao popular que projete um novo rumo e patamar de sociabilidade, trazem ao debate alguns pontos que fazem parte da pauta dos eventos e discussesdaCampanhadaFraternidade2009,quetemcomolema:apazfrutoda justia.Arelevnciadatemticapropostanesteartigoimpulsionaabordarsobreuma questomarcadapelaperversidadedasdesigualdadesscio-econmicaseda invisibilidade marcada por discriminaes ou estigmas. Populao em situao de rua um tema complexo, cercado de contradies e mitos, oqualrecentementevemadquirindovisibilidadeporpartedasociedadeegestopblica. Umdoselementosquecontribuiuparadesnudamentodaquestoaexpansodacrise estruturaldocapitalfinanceiro,oqualimpeformasderessarcimentodocicloprodutivo pautado na intensificao do trabalho somado ao aumento no desemprego e na instabilidade ou informalidade do trabalho, o que supem a emergncia de sujeitos espoliados, isto , margem do mundo do trabalho (ANTUNES, 2000). Outro pressuposto que coloca em pauta a questoaPesquisaNacionalSobrePessoasemSituaodeRua1encomendadapelo Ministrio de Desenvolvimento Social, na qual se identificou a existncia de 31922 pessoas em situao de rua no Brasil, sendo que 2776 destas moram em Curitiba. Essaprimeiraquantificaodosdadosanvelnacionaltrouxeindicativosque redefinem a viso tradicional deste segmento: 59% da populao em situao de rua exerce algumtrabalho(principalmenteinformal),sendoqueapenas16%afirmaramquepediam dinheiroparasobreviver.Estesdadoscontribuemparaexplicaroutracaracterstica pertencente a este segmento social, que a sua heterogenicidade, uma vez que ao falar de populao em situao de rua2 estamos nos referindo a uma grupo diversificado de sujeitos 1 Pesquisa solicitada pelo Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome instituda pela Meta Instituto de Pesquisa de Opinio em 71 cidades do Brasil, sendo auferida em abril do ano de 2008. A pesquisa revelou ascaractersticasscio-econmicas,educacionais,condiesdesade,trabalhoeacessoaserviosda pessoa em situao de rua. 2 A populao em situao de rua caracterizada por sua condio de pobreza extrema, pela interrupo ou fragilidadedosvnculosfamiliaresepelafaltademoradiaconvencionalregular.Sopessoascompelidasa habitar logradouros pblicos (ruas, praas, cemitrios etc.), reas degradadas (galpes e prdios abandonados, POPULAO EM SITUAO DE RUAQUEIROZ, Maurcio de Campos Faternidade e Cincia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 78-89, nov. 200980 quetemaruacomoespaodemoradia,abrangendo:trecheiros,andarilhos,mendigos, migrantesquenoencontramespaoreservadoparapernoitar,sem-tetos,pessoassob efeitosdesubstnciaspsicoativas,itinerantes,idososquesobanidosdeseuslarespela famlia, sujeitoem processo de comprometimento de sade mental, e outros. Medidasestabelecidaspelopoderpblicoepelasociedadeparareverteressa preocupantesituaosoresumidasemaeshigienicistasedecarteremergencial.A populao em situao de rua se constitui com um problema em si, e por isso, o remdio usadoparacuraroproblemanoultrapassaoassistencialismo,amoralizaooua coero.AprecariedadedosserviosdisponibilizadospeloEstadonosespaospblicos como:abrigos,centrosespecializados,banheirospblicos,alberguesreafirmaatesede Teixeira (1989) da cidadania invertida, em que o indivduo somente entra em contato com os aparelhos pblicos quando se percebe como um no-cidado. O multifacetado repertrio de necessidades demandadas pela pessoa em situao de rua delegado prioritariamente a instituies que assistem o sujeito aps rigorosa seleo efetuadapormeiodetriagensquereproduzemasrelaespersonalizadas,clientelistas, focalizadas que se distanciam do ideal de universalidade inscrita na Constituio de 1988. A culpabilizao da pobreza e ampliao da excluso manifestada tambm por quem deveria ser o elo para a autonomia do segmento revela a fragilidade da proteo social do Estado brasileiro, gerando assim condies concretas para a criminalizao, uso de violncia para o suprimento de suas necessidades. Barbriequeseapresenta,basicamente,emtrsdimenses.Aprimeiraa naturalizaodapobreza:enquantosemultiplicam,aosmilhares,planos,projetose programas de reduo da pobreza absoluta(de fato, daindigncia), no h uma s voz a indicar as suas causalidades sociaisprofundas nem, muito menos, que afirme serpossvel,vivele necessriolutar emprol dasupressoda pobreza.suprfluo acrescentar que, naturalizao da pobreza, segue-se a criminalizao do pobre... ao Estado de Bem-Estar Social, est sucedendo o Estado Penal. (NETTO, 2008). runas etc.) e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar. (Nota Tcnica SAGI/MDS, 2008). A opodenominarosegmentodepopulaoemsituaoderuasefazpresenteporqueofatoqueum indivduo esteja vivendo nas ruas no quer dizer, necessariamente, que ser permanente: indica uma situao transitria e de rua (SARTORI, 2008, 123). Isso diferencia da usual nomeao como morador de rua, pois esta naturaliza a condio do sujeito, escondendo o processo histrico o qual motivou a pessoa a utilizar a rua como residncia, contribuindo, assim, para culpabilizar e estigmatizar ainda mais estesujeito. POPULAO EM SITUAO DE RUAQUEIROZ, Maurcio de Campos Faternidade e Cincia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 78-89, nov. 200981 SEGURANA PBLICA VdeoflagramoradorderuasendoagredidoporguardasnaGrandeSoPaulo3. Delegado de Paranagu fala sobre caso de tortura sofrida por moradores de rua e realizada por guardas municipais4. Em Curitiba guarda municipal persegue moradores de rua5. Estes soosenunciadosdematriasjornalsticasquecotidianamentesoapresentadosparaa sociedade,reafirmandoqueaoinvsdapopulaodaspessoasemsituaoderuaser consideradacomogrupoqueestemrisco,representadacomoqueoferecendorisco segurana da populao (ALENCIO, 2008, p.45). Pensar que erro de abuso de poder de autoridades policiais deva ser corrigida com puniodoautordodelitonoobastante.precisoqueosprofissionaisde segurana tenhamumaformaopermanentecalcadanosprincpiosdosdireitoshumanos,emque consigam exercer a profisso pautados em valores ticos e de cidadania.OProgramaNacionaldeSeguranaPblicacomCidadania(PRONASCI), implementado pelo Governo federal pode ser um poderoso instrumento para o enfrentamento desituaesdeviolncia,poisalmdepromoveracapacitaodeprofissionaisda segurana,articulaprogramassociaiscomosdeseguranaatuandoassimnapreveno contra o crime. Com relao populao em situao de rua importante esclarecer que se constitui emumdireitoconstitucionalodequalquerpessoatransitarnasviaspblicasenela permanecer. Entretanto, a sobrevivncia na rua exige que se criem estratgias. Busca pelo alimentodirioaliadoaoprocessorompimentosdetodososvnculos,corporificaoda degradao da rua no sujeito, lcool e drogas so possveis ingredientes que culminam em 3Publicadodia31/03/2009peloPortaldeNotciasG1.MATTA.G.U.Vdeoflagramoradorderuasendo agredidoporguardasnaGrandeSP.Disponvelem:http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL1066850-5605,00 VIDEO+FLAGRA+MORADOR+DE+RUA+SENDO+AGREDIDO+POR+GUARDAS+NA+GRANDE+SP.html . Acesso em 2/05/2009 4EditadopelaRedeCentralBrasileiradeNotcias(CBN)nodia12/01/2007.TOSI, Marcos.Delegadode Paranagufalasobrecasodetorturasofridapormoradoresderuaerealizadaporguardasmunicipais. Disponvelem:http://www.cbncuritiba.com.br/index.php?pag=noticia&id_noticia=7810&id_menu=105& conjunto=&id_usuario=&noticias=&id_loja=&PHPSESSID=87e34ea92be52f852eee3c5259db436f.Acessoem 2/05/2009 5Notcia veiculada pelaCentro de Mdia Independente (CPI) Brasil no dia 20/09/2006. Igor. J . F. Em Curitiba GuardaMunicipalperseguemoradoresderua.Disponvelem:http://www.midiaindependente.org/pt/ blue/2006/09/361234.shtml. Acesso em 2/05/2009 POPULAO EM SITUAO DE RUAQUEIROZ, Maurcio de Campos Faternidade e Cincia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 78-89, nov. 200982 incidentes6 como furtos,brigas...resultandoemeintervenespoliciais.No convm aqui questionar a atuao policial, esta precisa serrealizada uma vez que direitos esto sendo violados. Porm, a coero e disciplinamento que realizado com o sujeito contribuem para individualizartodoumprocessodedegradaohumanaquefrutodedeterminantes estruturais. A moralizao do subjetivo acaba sendo fator que reproduz a realidade objetiva de empobrecimento e degradao de um nmero significativo de pessoas.A criminalizao da pobreza analisada por BUHL e KOROL (2008) in Rodrigues, por meio da explicao do papel do Estado em ofuscar as contradies resultantes de um modo de produo de desigualdades, injustias e explorao: Nestecontexto,caracterizadopelairrupodaexcluso,oEstadoredefiniusua interveno. Porque o Estado continuar intervindo, embora desta vez j no tenda integraosocial.Suaintervenoserexclusiva.Intervmparareasseguraressa exclusividade,paramanteraexcluso,ouatmesmoparaevitarairrupo.A intervenoestatalsetornadiruptiva,isto,fragmentadora.Adirupoaforma assumida pelo controle social quando se trata de manter a excluso, quando o invivel se torna insustentvel e, portanto, j no cabe incluso alguma. Essas tecnologias de controleestorelacionadascom:a)asagnciaspolticasque,baseando-seno clientelismo,organizamacooptao;b)asagnciassociaisque,baseando-sena cooptao,organizamosubstencialismo;c)asagnciasrepressivasquearticulam diferentes prticas (gatilho fcil, antitumulto, esquadres da morte), que so formas de gerirocrimeeocrescimentodoprotestosocial;ed)asagnciasjurdicasque organizam a criminalizao da pobreza e depois a criminalizao do protesto. [...] Da doutrina de segurana nacional passamos tolerncia zero, da mesma forma que a mo invisvel se torna mo dura. FRATERNIDADE AIgrejafoihistoricamenteoprincipalatornatentativadeinclusoeconstruode protagonismodapopulaoemsituaoderua.Osprimeirosindciosdeintervenoda Igreja so registrados na dcada de 50, atravs de prticas caritativas em que as instituies assistencialistasdaIgrejatinhamcomomissoaevangelizaoeconstruodeuma 6 Para Marx (1974, p. 136) No a conscincia dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrrio, o ser social que determina sua conscincia. POPULAO EM SITUAO DE RUAQUEIROZ, Maurcio de Campos Faternidade e Cincia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 78-89, nov. 200983 conformaodeumaidentidadeapolticavinculadaaotrabalhodevidoaoprocessode recente de industrializao urbana no Brasil.Foiapartirdadcadade70,naconstruodeumcontatopermanentecomas classes menos bastadas, em um trabalho de base que parte da Igreja percebe que apenas comfilantropianoiriaconseguirsuperaroprocessodeempobrecimentoedegradao humana o qual torna-se global e insustentvel. Foi a partir destes novos ideais que a Igreja questionouassuasprticasmeramenteassistencialistaseorganizou,atravsda participao poltica da reivindicao, possibilidades de transformar os problemas individuais em questes coletivas, passveis de conquista a partir do protagonismo popular.Todaessaconstruohistrica,partindodainiciativadaIgrejaemsuperaro assistencialismoepromoveroengajamentopolticodapopulaoemsituaoderua relatadonolivroAIgrejadosexcludos:vidaemortedopovoquemoranarua,deJ os Roberval Freira Silva. A partir desta leitura pode-se compreender o modo como se inscreveu a construo de espaos organizativos de articulao e defesa da populao em situao de ruacomoumdireitoeinteressepblico,sendoelas:PastoraldoPovodeRuaeo Movimento Nacional da Populao de Rua. Apesardeexistireminiciativasparasuperaroassistencialismo,estaprticatem aumentadocondicionadapelaideologiadasolidariedade,oudeumavisoromnticade fraternidade.AfraternidadequefoilemadaRevoluoFrancesa,paraconquistade cidadaniaedoEstadodeDireito,tambmproduzreafirmaodadependnciadosujeito, sendo fonte de clientelismo e motivador da desrresponsabilizao do Estado na formulao de polticas, programas e projetos. O Estado Brasileiro, a partir da dcada de 1970 viveu uma crise na qual existiram respostasdosmaisdiversossetores,iniciandonaindstriacomaimplementaodo reestruturaoprodutivaeenxugamentodegastos.Nodecorrerdosanos90,essalgica perpassou por todas as instncias do corpo social, incluindo o Estado onde iro se erguer as bandeirasdaquebradosdireitosdosservidorespblicos,daprivatizaoedo estabelecimentodeparceriascomasociedadecivil(baseadasnasolidariedadeentreo Estado, as ONGs, entidades populares, igrejas, empresas) como forma de resolver a crise do Estado. Estas tesesconformaro a proposta de Reforma do Estado levada a efeito pelo POPULAO EM SITUAO DE RUAQUEIROZ, Maurcio de Campos Faternidade e Cincia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 78-89, nov. 200984 governo brasileiro: o enfrentamento da desigualdade social ser deixado caridade pblica ou a uma ao estatal evasiva e eventual. (OLIVEIRA in YAZBEK, 1995, p. 11). A transferncia da responsabilidade estatal s iniciativas de solidariedade individual, empresarialoudochamadoterceirosetorfazrecorreracitaodeYazbek(1995),que questiona o deslocamento das polticas sociais do campo das polticas pblicas portanto dosdireitosdoserhumanoparaocampodamoral(dodeverdeprestarsocorroaos pobres e inadaptados que no reuniram condies de vender-se no mercado), que acontece no por acaso na atual conjuntura de reestruturao produtiva e de alteraes nos padres de regulao das relaes sociais pelo Estado. Aaparnciadeefetuarumaconcessodebenefcios_enodeviabilizaode direitos_aliadasestratgiasdiscriminatrias,seletivasemeritocrticasno atendimentosnecessidadesdossubalternostemresultadopredominantementeem reiterao da subalternidade. A relao entre instituies que implementam as polticas deassistnciaeopblico-alvotemconduzidopulverizaodasdemandas, obscurecendosuaforaesuadimensocoletivas.Essasdemandasdespolitizadas abrem caminho ao clientelismo no trato da questo social (Iamamoto, 2007:309) Alm disso, a implementao e gesto de polticas sociais pelo chamado terceiro setor implica,tambm,emproblemasquevodesdeoscritrios(nemsempreclaros)paraa seleo das organizaes que recebero recursos pblicos at a ausncia de transparncia naprestaodecontassociedade,doempregodetaisrecursosoriundosdofundo pblico. JUSTIA SOCIAL ACartaConstitucionalde1988,conquistadapelosbrasileirosapartirdeintenso processo de participao popular, tem a dignidade humana e a como valor fundamental, a partir do reconhecimento da igualdade como valor reativo. Esta igualdade relativa se expressa quando a lei permite diferenciar os cidados como basenasdesigualdadessociais,propondocompensaressadesigualdadeerepor,assim, umaigualdadereal.Otratamentodesigual,noqualoEstadopromoveumadiscriminao POPULAO EM SITUAO DE RUAQUEIROZ, Maurcio de Campos Faternidade e Cincia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 78-89, nov. 200985 legal para uma real igualdade o plano de onde emergem os direitos sociais, os quais so pautados pelo princpio da equidade (SIMES, 2009). por meio disso que legitimado o tratamento privilegiado de segmentos sociais historicamente vulnerabilizados, como: idosos, pessoas com deficincia, mulheres, negros, criana e adolescestes e outros.UmagrandeconquistaparaestesegmentosocialfoiaPolticaparaInclusoda Populao em Situao de Rua, implementada em maio de 2008; Lei n 11.258/05, de 30 de dezembro de 2005 que altera a LeiOrgnica da Assistncia Socialobrigando os municpios a promoverem programas, aes e projetos para a incluso da populao de ruaSomarcosnormatizadorespautadospeloprincpiodejustiasocialquesuperam definitivamenteaperspectivadacaridadeepropemumanovaperspectivapautadana afirmao do direito. Aprevenoparafortalecerosvnculosfamiliaresevitandosituaesderiscoso disponibilizados pela rede de servios scio-educativos, dentre eles o Centro de Referncia de Assistncia Social. Os programas, a nvel nacional, de combate pobreza e transferncia derendacomooBenefciodePrestaoContinuadaeoBolsaFamlia,soformasde reproduzir os mnimos sociais. As polticas sociais que expressam pelos direitos sociais podem ser entendidas como ... um fenmeno contraditrio porque ao mesmo tempo em que responde positivamente aosinteressesdosrepresentantesdotrabalho,proporcionando-lhesganhos evindicadosnalutacontraocapital,tambmatendepositivamenteinteressesdos representantesdocapita,preservandoopotencialprodutivodemo-de-obraeem alguns casos (...) desmobilizando a classe trabalhadora. Sendo assim, a poltica social no pode ser analisada de forma linear, como uma funo apenas das necessidades do desenvolvimento capitalistas ou como o resultado apenas das lutas polticas da classe trabalhadoraorganizada,poisissosignificarnegligenciaraunidadecontraditria dentro do qual ela se processa. Convm, portanto, encarar a poltica social como uma unidadecontraditriaqueexpressaumacoalizoinstvelentrepositivoenegativo. (PEREIRA, 1999, p. 48). Ograndedesafioparaagestopblica,oqualestsentomotivodepressodos movimentosquelutampelaquestodapessoaemsituaoderuaano operacionalizao da perspectiva de incluso para alm da assistncia social. O abrigo e os eventuaisbenefciosacabamporconformarumadesmobilizaonosujeitoquereproduz aindamaisasuadependncia.Asinstituiesscio-assistenciaisacabammuitasvezes cristalizandoapermannciadosujeitonarua.Muitassosvezesemqueodireito POPULAO EM SITUAO DE RUAQUEIROZ, Maurcio de Campos Faternidade e Cincia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 78-89, nov. 200986 moradia,aotrabalho,autonomiaedignidadesosubstitudos,apenas,pelodireito assistnciasocial.Oassistencialafacecamufladadaextensodedireitossociais,e portanto, da universalizao das atenes nas polticas sociais brasileiras. (SPOSATI, 2008, p. 3). Reconhecida por alguns gestores como a via mais barata para curar as situaes de vulnerabilidadeeexcluso,aoperacionalizaodapolticadaassistnciasocialfica deslocadadeumainterfacecomasdemaispolticassociais,sendotambmrarosos equipamentos scio-assistenciais que realizam permanentemente uma ao scio-ecucativa de plublicizao dos direitos e motivao para a participao e protagonismo poltico.Faz-se necessrio compreender a poltica da assistncia social no como a alternativa nica de incluso para o segmento social. Entretanto, esta poltica pode servir como ponte para outras polticas de carter permanente, como a poltica de moradia, trabalho e renda. A cidadedeSoPaulo7sedestacaaooperacionalizarserviosqueenalteamaautonomia para pessoas em situao de rua como moradias provisrias e definitivas e oportunidade de trabalho dentro da perspectiva da economia solidria. Um dos pressupostos para a conjugao de esforos a interlocuo institucional com asorganizaesorganizativasemovimentossociaisparaaarticulaodeatoressocias visandoasuperaoafragmentaodasaeseaconstruodelutascoletivas.A formaodeumtrabalhoqueintervenhaemredecomoobjetivodedebatereformular resposta para proteo do segmento um caminho para uma ao intersetorial. Aredeumaarticulaodeatoresemtorno(...)deumaquestoaomesmotempo poltica,social,profundamentecomplexaeprocessualmentedialtica.(...)Na intervenoemredes,oprofissionalnosevnemimpotentenemonipotente,mas comoumsujeitoinseridonasrelaessociaisparafortalecer,apartirdasquestes histricasdosujeitoedassuasrelaesparticulares,asrelaesdestesmesmos 7 Em conseqncia de uma histrica articulao em espaos de organizao e de movimentos representativos da populao emsituaoderuadeSoPauloqueefetivou-seaconquistadasleis12.316/97 queestabelececomogarantiado municpio alm dos albergues e casa de passagens a possibilidade de existir a garantida de incluso ao trabalho, a partir de padarias comunitrias partindo da perspectiva da economia solidria. Alm disso, esta lei garante que a moradia seja de fato um direito, uma vez que a pessoa que tem como casa a rua escolhe se deseja morar em uma casa, garantida pela prefeitura de So Paulo a qual visa o processo dereinsero social. As moradias provisrias e definitivas possibilitam a possibilidade de conquista de uma maior liberdade, uma vez que oportuniza maiores chances na contratao de empregos e garante maior liberdadequenosabrigos,umavezquenoexistemasregrasdehorriosdepermanncia,visitaserotinaspr estabelecidas. POPULAO EM SITUAO DE RUAQUEIROZ, Maurcio de Campos Faternidade e Cincia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 78-89, nov. 200987 sujeitos para ampliao de seu poder, saber, e de seus capitais (FALEIROS, 1997, p. 25). Protagonismo, participao, mobilizao e engajamento poltico parece algo impossvel para as pessoas em situao de rua. Aos olhos de quem est acostumado a culpabilizar o sujeito pela sua condio, a pessoa que mora na rua sempre ser o bbado, mendigo e drogadoquedependersempredeumoutro,oqualreiteradia-a-diaasubmisso,dependncia e o estigma.Apesar destas representaes ainda serem predominantes, no Brasil existem espaos deorganizaoeconstruodeprotagonismodapopulaoemsituaoderua.Nestes espaososegmentosocialconstrioentendimentodesicomosujeitodedireitos,oqual possui voz para discutir, modificar e at ampliar a polticas pblicas dos quais usufruem.apartirdestesmecanismosdeparticipaoqueconfirmemoprotagonismodesta populaoemespaoscoletivosdedisputadeprojetosdesociedade,quesepode construirumarupturacomomodelodesumanizador,individualizanteefalidovigentee construir um novo projeto pautado na tica, emancipao dos sujeitos coletivos e autonomia. Paraisso,necessrioumdialogofrancoefraternoemqueotaxadodiferente tambmtenhavozerepresentao.Uminstrumentoparaissoaessnciadoque representaoecumnico,isto,pensaremummundoonderealmentecomporteatodos, sem diferenas e indiferena. No haver completa justia enquanto no se puder viver a liberdade como mstica, ou seja, na dimenso de que a pessoa tanto mais livre quanto mais descentrada de si mesmanoOutroenosoutros.Domesmomodo,nessemundoenessaculturade propores globais, em que o pobre uma inumervel coletividade, o amor no pode sermaispensadoevividosomenteemtermosderelaointerpessoal.Torna-se tambmexignciapolticadeentregadavidaaoresgatedafraternidadeeda solidariedade entre homens e mulheres, de compromisso libertador. (BETTO, 2006, p. 301-302). POPULAO EM SITUAO DE RUAQUEIROZ, Maurcio de Campos Faternidade e Cincia, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 78-89, nov. 200988 REFERNCIAS ALENCIO,N.F.L.daS.etal.PessoasemsituaoderuanoBrasil:estigmatizao, desfiliao e desterritorializao. In: RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoo, v. 7; n. 21; pp 556-605, Dezembro de 2008. ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. 3. ed. So Paulo: Boitempo, 2000. BETTO, F. A mosca azul: reflexes sobre o poder. Rio de J aneiro: Rocco, 2006. BUHL,K.;KOROL,C.(Org.)CriminalizaodeProtestoseMovimentossociais.So Paulo: Editora IRLS, 2008. IAMAMOTO, M. V. Servio social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questo social. So Paulo: Cortez, 2007. IGOR, J . F. EmCuritibaGuardaMunicipalperseguemoradoresderua. Disponvel em: .Acessoem:02maio 2009. MARX, K. Para a crtica da economia poltica. So Paulo: Abril Cultural, 1974. MATTA, G. U. Vdeo flagra morador de rua sendo agredido por guardas na Grande SP. Disponvel em: . Acesso em: 02 maio 2009. NETTO,J .P.AberturadaXIXConfernciaMundialdaFederaroInternacionaldos Trabalhadores Sociais, 2008. PEREIRA, P. A. P. A metamorfose da questo social e a reestruturao das polticas sociais. 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