parte teórica jean piaget

16
Parte Teórica Jean Piaget Curso: Construção da Linguagem e Arteterapia Módulo 1 Texto Base GPEC Educação a Distância Autora e Professora: Sonia Branco

Upload: gpec-educacao-a-distancia

Post on 29-Mar-2016

225 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

Texto Base - Curso: Construção da Linguagem e Arteterapia - Módulo 1 - GPEC Educação a Disância - Autora e Professora Sonia Branco - Revisão e Edição do Texto: Janaína Corrêa Martino Bernaola

TRANSCRIPT

Page 1: Parte Teórica Jean Piaget

Parte Teórica – Jean Piaget Curso: Construção da Linguagem e Arteterapia Módulo 1 – Texto Base GPEC – Educação a Distância Autora e Professora: Sonia Branco

Page 2: Parte Teórica Jean Piaget

Epistemologia de Piaget

Porque rever os conteúdos da teoria de Piaget?

Precisamos levar em conta que este curso se destina a todos os profissionais de

diversos lugares e com acesso a conteúdos curriculares, nem sempre, ricos em

informação. Por isso, acredito que devemos relembrar o que aprendemos para

poder seguir adiante nas novas aquisições, até para que possamos discutir sua

validade no momento em que vivemos profissionalmente, e tecer uma relação

crítica com os novos conteúdos.

Desta forma, rever um pouco da teoria Piagetiana, nunca é demais,

principalmente se levarmos em conta que, nossos alunos, nem sempre estarão

no eixo RioxSão Paulo, tão rico em ofertas de cursos e grupos de discussão.

Alguns estarão em lugares ditos inóspitos, distantes e sem acesso àquilo que

temos com tanta normalidade.

Bom estudo.

Período Pré-Operatório

Todo educador que se proponha a utilizar como base educacional as teoria

piagetiana deve dar liberdade às crianças para que elas organizem suas

atividades, suas investigações e pesquisas sociais partindo do objetivo

proposto.

Contudo, no ensino tradicional, no qual o professor explica, repete, questiona e

responde às perguntas das crianças, o melhor caminho é procurar adaptar o

material didático de acordo com o perfil do aluno. Por isso a importância de

conhecer e compreender a criança, sua atividade, seu desenvolvimento.

Para Piaget, a cognição é um processo sequencial que respeita etapas que são

caracterizadas por diferentes estruturas mentais. Em cada etapa a criança

Page 3: Parte Teórica Jean Piaget

possui uma estrutura mental que a leva a compreender e resolver os

problemas.

Cada estrutura cognitiva tem o seu certo para se desenvolver. A interação

adequada com o ambiente fará com que esta estrutura surja amadurecida, de

maneira a poder ser utilizada em toda a sua plenitude.

Este desenvolvimento sequencial obedece uma ordem determinada, mas sem

deixar de considerar a idade cronológica pessoal. Assim, duas crianças de 6

anos podem encontrar-se em níveis diferentes de desenvolvimento: pré-

conceitual ou operacional concreto.

A criança na fase pré-conceitual necessita de estímulos através de jogos e

atividades que a levem à próxima fase - o desenvolvimento conceitual – (pode-

se utilizar areia, água em recipientes diferentes, por exemplo) – e necessitará

de maior atenção desenvolver as funções da fala. A criança operacional

concreta já será capaz de internalizar ações e necessitará desenvolver a prática

no uso dos conceitos que já domina.

A falta de compreensão do desenvolvimento da criança pode levar a falhas,

com propostas de resoluções de conflitos inadequados para a capacidade

cognitiva daquela fase na qual a criança esteja (não de sua idade).

Entre 2 e 7 anos, acontece e a preparação e organização das

operações concretas.

Entre 2 e 4 anos aparece a função simbólica e se inicia a

interiorização dos esquemas de ação e representação. O raciocínio é

feito do particular para o particular, como por exemplo, (por exemplo,

tudo recebe o mesmo nome, ou seja, tudo que serve para beber é

copo/caneca, etc, pois ainda não há uma diferenciação dos conceitos e

das propriedades).

Entre 4 e 5 anos e meio, aparecem as organizações representativas,

a partir das configurações estáticas (coleções figurais), seja sobre

assimilação à própria ação. Aqui aparecem os „porquês‟. É um período

intuitivo e o raciocínio é dominado pela intuição. É um raciocínio ainda

Page 4: Parte Teórica Jean Piaget

pré-lógico e fundamenta-se na percepção. O pensamento intuitivo não

compreende a reversibilidade e a conservação.

Entre 5 anos e 6 meses e 7 anos é a fase intermediária entre a não-

conservação e a conservação. É o início das ligações entre estados e

transformações, (podemos chama-la de forma semi-reversível). A criança

já consegue acompanhar o movimento de se transformar uma bola de

massa em uma salsicha e admitir que é possível voltá-la a forma

anterior.

Características do Pensamento Pré-Operacional

Egocentrismo: o pensamento da criança neste período é

caracterizado como egocêntrico, ou seja, a criança não consegue assumir

o papel ou o ponto de vista do outro. Neste período o egocentrismo

apresenta algumas características: o animismo, o artificialismo e o

finalismo. O animismo é a tendência de atribuir vida a todos os seres. O

artificialismo é atribuir ao homem a criação de todas as coisas. No

finalismo a criança considera que tudo tem uma finalidade, que é servi-

la; o acaso não é considerado. Como no egocentrismo a criança não se

coloca no ponto de vista do outro não sente a necessidade de justificar

seu raciocínio. Também é incapaz de reconstruir uma cadeia de

raciocínios que acaba de seguir para resolver um problema.

Incapacidade de Descentração: Tende a centrar a atenção em um

aspecto mais saliente do objeto de seu raciocínio, em detrimento dos

demais aspectos.

Estados X Transformações: A criança concentra sua atenção nos

aspectos ou configurações de um objeto, mais do que nas

transformações através dos quais um estado se transforma em outro

(transformação da bola em salsicha). A representação é estática, incapaz

de representações mentais com rapidez e flexibilidade, não pode

entender as transformações.

Page 5: Parte Teórica Jean Piaget

Ação: O pensamento neste período desenvolve-se a partir de

imagens concretas e estáticas da realidade e não com sinais abstratos.

Irreversibilidade: O pensamento pré-operacional é lento e concreto.

Não consegue percorrer uma trajetória de raciocínios, de transformações

e logo fazer o caminho inverso, retornando ao ponto de partida, não é,

portanto, reversível.

Page 6: Parte Teórica Jean Piaget

O Desenvolvimento na Teoria Piagetiana

A preocupação central de Jean Piaget foi responder à questão de como se

constrói o conhecimento. Voltou-se ao estudo da gênese do conhecimento, com

o intuito de compreender como um conhecimento mais elementar progride até

o pensamento mais abstrato e elaborado. A epistemologia genética procura

mostrar, com o apoio da experimentação, os processos fundamentais da

formação do conhecimento na criança. Piaget considera que não é possível

compreender a conduta do adulto sem a perspectiva evolutiva. Sob essa

perspectiva, apresenta comparações detalhadas entre os estados de

desenvolvimento sucessivos.

Foi a partir dos estudos em biologia que despertou seu interesse pelo

desenvolvimento do pensamento, levando a analogias entre a biologia e a

inteligência. Para Piaget (1987), a inteligência é uma forma de adaptação. É

uma contínua construção, criando formas cada vez mais complexas e buscando

uma equilibração progressiva entre o organismo e o meio. A inteligência possui

estruturas variáveis e funções invariáveis, estas últimas possibilitando descrever

o mecanismo de funcionamento do pensamento em termos biológicos. As

funções invariáveis são chamadas por ele de invariantes funcionais da

inteligência: funcionais, porque estão envolvidas no funcionamento da

inteligência e invariantes, porque qualquer que seja o momento evolutivo,

sempre haverá assimilação do meio às atividades do sujeito e acomodação

destas atividades às características impostas pelo objeto. As funções invariantes

básicas são a organização e a adaptação, esta última, com seus dois

componentes inter-relacionados – assimilação e acomodação. “O organismo

adapta-se construindo materialmente novas formas para inseri-las nas do

universo, ao passo que a inteligência prolonga tal criação construindo,

mentalmente, as estruturas suscetíveis de aplicarem-se ao meio” (Piaget, 1987,

p.15-16).

Piaget deixa claro que se refere à adaptação no sentido de processo, distinta da

adaptação-estado. Acompanhando o processo, percebe-se que é o “organismo

que se transforma em função do meio, e essa variação tem por efeito um

Page 7: Parte Teórica Jean Piaget

7

incremento do intercâmbio entre o meio e aquele, favorável à sua conservação,

isto é, à conservação do organismo” (op.cit., p.16).

Toda vez que há uma incorporação de dados a esquemas já construídos ocorre

a assimilação. Para assimilar um novo significado aos esquemas anteriores é

necessário acomodar o próprio esquema para permitir a incorporação deste

novo significado. Nisto constitui-se a acomodação, na modificação dos

esquemas para poder assimilar as várias situações que se apresentam. Para a

adaptação ser considerada realizada, é necessário que atinja um equilíbrio

entre a acomodação e a assimilação. Não existe assimilação sem acomodação e

vice-versa, e, já que o meio desencadeia ajustamentos ativos, também não

existe adaptação sem organização complementar dos dados incorporados pelo

sujeito.

A concepção de Piaget sobre inteligência remete a uma abordagem onde o

desenvolvimento do pensamento é um processo de autêntica construção. No

desenvolvimento das estruturas da inteligência, Piaget identificou quatro

estágios que marcam essa evolução (sensório-motor, pré-operatório, operatório

concreto, e operatório formal).

Em todos os estágios, a construção da inteligência se dá pela atividade e essa

construção é entendida em termos de significação. A inteligência constrói

significações, dá significado ao mundo. A significação é dada na interação do

sujeito com o meio (físico, social e simbólico) quando coloca em ação seu

sistema de significações. Por essa ação, o sujeito transforma o meio e através

das transformações que efetua, transforma-se a si mesmo, ou seja, há um

contínuo processo de construção, auto-regulação e auto-equilibração. No

desenvolvimento das estruturas de conhecimento, a criança passa de um nível

de interação sensório-motora para um nível de representações operatórias. O

nível de interação sensório-motora é marcado pelos limites da percepção e pela

ação imediata, ou seja, a ação ocorre na presença do objeto. “Para Piaget,

conhecer não é simplesmente contemplar, imaginar ou representar o objeto;

conhecer exige uma ação sobre o objeto para transformá-lo e para descobrir as

leis que regem suas transformações” (Ramozzi-Chiarottino, 1984,p.47).

Page 8: Parte Teórica Jean Piaget

8

Essa ação, Piaget (1987) define por um construtor que chama de esquema, o

que é generalizável em uma dada ação, ou seja, o significado colocado pelo

sujeito no objeto através da ação, sendo que todo esquema tende a assimilar o

objeto. Um esquema se caracteriza por coordenar as relações entre ações que

comportam propriedades comuns. Flavell (1988) considera que a noção de

esquema apresenta muitos matizes e está fortemente ligada à concepção total

de desenvolvimento cognitivo de Piaget. “Chamamos „esquemas‟ de uma ação a

estrutura geral dessa ação, se conservando durante suas repetições, se

consolidando pelo exercício e se aplicando a situações que variam em função

das modificações do meio” (Piaget, 1983b, p.243).

Com o desenvolvimento, as ações tornam-se cada vez mais interiorizadas. A

interiorização, que começa a aparecer no sexto estágio do sensório-motor, vai

progredindo tornando as ações cognitivas cada vez mais reversíveis,

esquemáticas e abstratas, transformando-se assim em operações internas.

Piaget (1983b p. 247) considera a reversibilidade no sentido matemático, isto é,

“um grupo comporta, com efeito, composições diretas, inversas (retornos),

idênticas e associativas (desvios)”. “Com efeito, de um ponto de vista

psicológico, uma operação é uma ação que foi interiorizada e que se tornou

reversível através de sua coordenação com outras ações interiorizadas dentro

de um todo estruturado que obedece a certas leis de totalidade” (Piaget em

Flavell,1988 p.82).

A constituição da função simbólica, que possibilita diferenciar o significante do

significado, permite o reforçamento da interiorização das ações. A partir dessa

diferenciação, o sujeito pode trazer à lembrança, através dos significantes, os

significados afastados no tempo e/ou espaço. É essa característica que

diferencia os índices ou sinais sensório-motores dos signos verbais, símbolos

lúdicos, mímicos ou imaginados. Piaget (1973a) considera que a transição entre

o sensório-motor e as condutas simbólicas ou representativas é assegurada

pela imitação “cujos prolongamentos diferidos e cuja interiorização garantem a

sua diferenciação dos significantes e significados” (p.69). Essa interiorização

supõe uma reconstrução no plano do pensamento, a representação (lato

sensu). Com o avanço provocado pela representação, surge a capacidade do

Page 9: Parte Teórica Jean Piaget

9

sujeito de evocar o ausente e realizar operações a nível mental, isto é,

reversíveis. Sendo o pensamento reversível, possui a possibilidade de ser

antecipador e retroativo. A reversibilidade e a interiorização são características

da operação. A reversibilidade pode distinguir-se de duas formas: inversão

(negação) e reciprocidade. No nível do pensamento concreto a reciprocidade

envolve as relações, enquanto a negação é executada nas operações

classificatórias.

A representação (stricto sensu) possui dois aspectos distintos, o figurativo e o

operativo, que são definidos por Piaget (1983b). O aspecto figurativo “é tudo o

que se dirige às configurações como tais, em oposição às transformações.

Guiado pela percepção e sustentado pela imagem mental, o aspecto figurativo

da representação desempenha um papel preponderante (...) no pensamento

“pré-operatório” da criança de 2 a 7 anos”. Enquanto a compreensão do mundo

baseia-se principalmente na percepção, revela-se o pensamento figurativo. Este

apóia-se sobre o pensamento estático e o configura do real. O aspecto

operativo “é relativo às transformações e se dirige assim a tudo o que modifica

o objeto, a partir da ação até as operações. Dolle (1994) diz que a abstração

empírica (e pseudo-empírica) revela os processos figurativos do conhecimento,

enquanto a reflexiva ou reflexionante, revela os aspectos operativos.

Na obra “A Formação do Símbolo na Criança”, Piaget (1987a) desenvolve seu

pensamento, considerando que as formas de pensamento representativo

(imitação, jogo, representação cognitiva) são solidárias e que a representação

evolui em função do equilíbrio crescente entre a assimilação e a acomodação. É

devido à reversibilidade do equilíbrio dinâmico da assimilação e acomodação

generalizadas que é possível chegar-se ao pensamento operatório.

Segundo Dolle (1994), podemos considerar a ação e a percepção como um

primeiro nível no desenvolvimento das estruturas, onde há uma simples

memória de reconhecimento e as ações exercidas sobre o real são irreversíveis.

O segundo nível consiste nas imagens das operações, dando origem a uma

memória de evocação, enquanto a operação mental supera as ações físicas,

sendo reversível. Chamamos operações às ações interiorizadas (ou

interiorizáveis), reversíveis (no sentido de poderem se desenrolar nos dois

Page 10: Parte Teórica Jean Piaget

10

sentidos e consequentemente de comportarem a possibilidade de uma ação

inversa que anula o resultado da primeira), e se coordenando em estruturas,

ditas operatórias, que apresentam leis de composição caracterizando a

estrutura e, sua totalidade, como sistema. Esses dois aspectos se referem à

maneira do sujeito de apreender o real.

Para Piaget, o indivíduo e o meio não são considerados separadamente, mas

como um conjunto numa relação dialética. O desenvolvimento do pensamento

supõe trocas interindividuais a respeito dos objetos representados. A relação

sujeito e sociedade, para Piaget, é uma relação dialética, onde não existem

fronteiras que demarcam o social e o individual. O processo de diferenciação do

ponto de vista do sujeito resulta das trocas estabelecidas com o meio físico e

social.

A partir da teoria piagetiana, entendemos o processo de desenvolvimento

cognitivo como uma evolução individual e social, esta se realizando

conjuntamente por coordenações intraindividuais e interindividuais. Nas

coordenações intraindividuais as coordenações inferenciais são realizadas entre

os sistemas do sujeito ou entre um dos subsistemas e o seu sistema total de

significação. Nas coordenações interindividuais, as coordenações inferenciais

dependem das trocas e regulações recíprocas entre sistemas de significações

de sujeitos diferentes (Fagundes, 1994).

Por que o sujeito procura, num dado momento da sua evolução mental,

representar-se as (sic) relações espaciais, em vez de agir simplesmente sobre

elas? Evidentemente, é para comunicar a outrem ou para obter de outrem

alguma informação sobre a realidade que se relaciona com o espaço. Fora

dessa relação social não descortinamos razão alguma para que a representação

pura suceda à ação (Piaget, 1970, p.342).

Para Piaget, os progressos da inteligência representativa não se devem apenas

à linguagem, mas, acima de tudo, à função semiótica como um todo, pois é ela

que diferencia o pensamento da ação e conduz à representação.

Mas sendo o desenvolvimento da imitação solidário do progresso das condutas

inteligentes, em seu todo, vê-se, pois, que é legítimo considerar a linguagem

como desempenhando um papel central na formação do pensamento mas tão-

Page 11: Parte Teórica Jean Piaget

11

só na medida em que ela constitui uma das manifestações da função simbólica,

sendo o desenvolvimento desta, por seu turno, dominado pela inteligência em

seu funcionamento total ( Piaget, op.cit., p. 70).

A linguagem é considerada por Piaget (1973a, p.66) como “condição necessária

à realização de operações lógico-matemáticas sem que isso seja uma condição

suficiente para a formação das mesmas”. Para Piaget, anteriormente às

operações formuladas pela linguagem, existe uma espécie de lógica das

coordenações de ações que comporta as relações de ordem e as ligações de

concatenação (relações parte com o todo). Considera que o pensamento não

seja resultado de uma simples relação causal da linguagem. Porém, reconhece

que a formação do pensamento, como “representação” conceptual, na criança,

é correlativa à aquisição da linguagem. Tanto o pensamento como a linguagem

participam de um processo mais geral que consiste na composição da função

simbólica.

Piaget (1989), analisando frases de crianças, faz uma classificação das funções

da linguagem infantil, dividindo-a em egocêntrica e socializada. Na linguagem

egocêntrica, a criança não procura colocar-se sob o ponto de vista do

interlocutor, falando somente sobre si mesma. Já na linguagem socializada, a

criança troca realmente pensamentos com o outro, há troca e discussão.

Se a criança se coloca no ponto de vista do interlocutor, se esse interlocutor

não pode ser indiferentemente substituído pelo primeiro que aparecer, há

informação adaptada; se, pelo contrário, a criança somente fala de si, sem se

preocupar com o ponto de vista do interlocutor, sem nem mesmo se certificar

de que este último a escuta e compreende, há monólogo coletivo (Piaget,1989,

p.7).

A partir do que ocorre com a linguagem – esta podendo ser egocêntrica ou

socializada – Piaget propõe que existem, também, um pensamento egocêntrico

e uma inteligência comunicativa, possuindo duas maneiras distintas de

raciocinar, ou seja, duas lógicas diferentes. A lógica egocêntrica e a

comunicável têm modos completamente distintos de funcionamento, e a partir

disto é que Piaget (op.cit., p.34) explicita as divergências dessas duas lógicas.

Page 12: Parte Teórica Jean Piaget

12

A lógica egocêntrica e a comunicável, segundo o autor, diferem mais no seu

funcionamento do que em seu resultado final. A lógica egocêntrica é mais

intuitiva, sincrética, seus raciocínios não são explícitos. Já a lógica comunicativa

é muito mais dedutiva e procura tornar explícitas as ligações entre as

proposições, os pois, os se então, etc.. Por ser intuitiva, a lógica egocêntrica

insiste pouco na demonstração, ao passo que a comunicativa insiste na prova e

organiza toda a exposição tendo em vista a prova, o ato de convencer o outro.

Os julgamentos de valor pessoal, enfim, influem muito mais no pensamento

egocêntrico do que no pensamento comunicável.

Piaget deixa claro que o egocentrismo verbal – ou linguagem egocêntrica – não

pode ser considerado como medida precisa do egocentrismo intelectual, sendo

apenas uma indicação das atitudes sociais e epistêmicas em nível mais

profundo.

Equilibração das Estruturas Cognitivas

Piaget explica o desenvolvimento e a formação do conhecimento a partir de um

processo central de equilibração, que considera como sendo o problema central

do desenvolvimento. O equilíbrio cognitivo é entendido por Piaget como distinto

de um equilíbrio mecânico (que se conserva sem modificação) ou de um

equilíbrio termodinâmico (estado de repouso após a destruição das estruturas).

O equilíbrio cognitivo é dinâmico, as trocas são capazes de “construir e manter

uma ordem funcional e estrutural num sistema aberto” (Prigogine em Piaget,

1976, p.12). O equilíbrio cognitivo supõe constantes trocas com o meio, porém

preservando o sistema.

Os componentes de todo equilíbrio cognitivo são os processos fundamentais da

assimilação e da acomodação. A teoria da equilibração possui dois postulados

considerados básicos para sua elaboração: o primeiro consiste em afirmar que a

atividade do sujeito é motor da pesquisa, o qual, pelo seu esquema de

assimilação, busca incorporar elementos exteriores e compatíveis; o segundo é

que o esquema de assimilação precisa se acomodar aos elementos que

assimila, ou seja, modificar-se em função de suas particularidades, porém sem

Page 13: Parte Teórica Jean Piaget

13

perder sua continuidade. A partir desse segundo postulado, fica clara a

necessidade de um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação.

Na teoria da equilibração, a fonte de progresso no desenvolvimento está nos

desequilíbrios, já que estes impelem o sujeito a ultrapassar seu estado atual e

procurar avanços e novas direções. Quando esses elementos novos fazem com

que as próximas assimilações sejam diferentes das anteriores, levam a

equilibrações majorantes, onde o novo equilíbrio é superior ao anterior.

Considerado do ponto de vista da equilibração, os desequilíbrios constituem-se

fonte de desenvolvimento, pois são impulsionadores de novas equilibrações

majorantes. Sob essa perspectiva, é indispensável, para o desenvolvimento,

este ciclo dialético de desequilíbrios e equilibrações progressivas. O movimento

progressivo das equilibrações é explicado, por Piaget, pelos conceitos de

perturbação, regulação e compensação.

São estes desequilíbrios que constituem o móvel da pesquisa, pois sem eles o

conhecimento permaneceria estático (...) os desequilíbrios não representam

senão um papel de desencadeamento, pois que sua fecundidade se mede pela

possibilidade de superá-los (...). É evidente que a fonte real do progresso deve

ser procurada na reequilibração, (...) no sentido não de um retorno à forma

anterior de equilíbrio, cuja insuficiência é responsável pelo conflito ao qual esta

equilibração provisória chegou, mas de um melhoramento desta forma

precedente (Piaget, 1976, p. 19).

Quando o meio resiste à atividade do sujeito, sendo um obstáculo à

assimilação, ocorre a perturbação. As perturbações podem, ou não, levar a

regulações e estas, por sua vez, podem, ou não, ser compensatórias. As

perturbações são apresentadas por Piaget (op.cit. p. 25), como distintas em

duas classes. A primeira refere-se às que se opõem às acomodações, sendo “a

causa de fracassos e erros, na medida em que o sujeito se torna consciente

disso. As regulações que lhe são correspondentes comportam feedbacks

negativos. Os feedbacks negativos consistem em correções supressivas,

afastando o obstáculo ou modificando seus esquemas”. A Segunda consiste em

lacunas, “que deixam as necessidades insatisfeitas e se traduzem pela

insuficiente alimentação de um esquema”. Nem sempre a lacuna se constitui

Page 14: Parte Teórica Jean Piaget

14

numa perturbação, só o é enquanto a perturbação é relativa a um esquema de

assimilação já ativado. A lacuna é considerada perturbação, quando se “trata da

ausência do objeto ou das condições de uma situação que seriam necessárias

para concluir uma ação, ou uma carência de um conhecimento que seria

indispensável para resolver um problema”. O feedback positivo é o que

corresponde às lacunas, consistindo em reforços e sendo estranho a qualquer

negação.

A reação do sujeito às perturbações dá-se mediante regulações. A regulação

não ocorre quando a perturbação leva à repetição da ação, sem nenhuma

mudança, e o sujeito, mesmo assim, espera ser bem sucedido na sua ação. Se

não há regulações, tampouco há reequilibração. Para se produzir uma

compensação é necessário que a perturbação (obstáculo ou lacuna) leve a

regulações. Da mesma forma que nem toda perturbação conduz à regulação,

assim também, nem toda regulação conduz à compensação. O processo interno

de regulações e compensações se dá através dos mecanismos internos de

assimilação e acomodação. “A intervenção de elementos perturbadores e as

acomodações resultantes das compensações engendram conhecimentos novos,

de tal sorte que a reequilibração se torna indissociável de construções, estando

estas, além disso, configuradas pelo poder antecipador que resulta, cedo ou

tarde, das retroações” (Piaget 1976 p.34).

No momento em que surge um fato novo que provoca a perturbação, três tipos

de condutas são observadas, estas se manifestando constantemente desde o

sensório-motor até o pensamento operatório-formal. A reequilibração, e grau

de equilíbrio que se produz, depende da conduta que é adotada na busca de

compensação.

A conduta inicial é chamada de Alfa (a) e a reação frente a uma perturbação

consiste na neutralização da perturbação, negligenciando-a ou afastando-a As

reações de tipo a são parcialmente compensadoras, sendo que o equilíbrio

resultante é instável. Caracteriza-se pela ausência das retroações e

antecipações que seriam necessárias para integrar as perturbações exteriores.

Esta reação parte de estruturas restritas e fracas, não chegando assim a

integrações novas ou compensações.

Page 15: Parte Teórica Jean Piaget

15

A conduta Beta (b) é a reação seguinte e leva em conta a perturbação,

procurando um „deslocamento de equilíbrio‟ do sistema inicial. Consiste em

integrar no sistema o elemento perturbador surgido do exterior. A

compensação não mais procura anular a perturbação, ou rejeitar o elemento

novo, para que ele não intervenha no interior do conjunto já estruturado, mas

em modificar o sistema por “deslocamento de equilíbrio” até tornar assimilável

o fato inesperado. O elemento perturbador incorpora-se à estrutura organizada,

as novidades que ele provoca na estrutura asseguram a compensação, embora

esta ainda seja parcial. A incorporação desse novo elemento modifica o próprio

esquema de assimilação para acomodá-lo ao objeto e seguir sua orientação. A

conduta b faz com que ocorra um deslocamento de equilíbrio, mas com

minimização das perdas (conservar o que é possível do esquema de

assimilação) e máximo de ganhos (integrar a perturbação a título de variação

nova, interiorizada no esquema). As estratégias dessa conduta consistem em

incorporar as perturbações por um processo retroativo e antecipador,

produzindo variações internas no sistema.

Por fim, a conduta Gama (g) “onde não há fatores perturbadores, pois o

sistema é ao mesmo tempo móvel e fechado e os dados exteriores não mais

constituem fontes de contradições” ( Piaget, 1976, p. 71.). Essa conduta

consiste em antecipar as variações possíveis, as quais sendo previsíveis e

dedutíveis, perdem a característica de perturbação e vêm integrar-se às

transformações virtuais do sistema. Essas condutas generalizam as

antecipações e retroações sob a forma de composições operatórias diretas e

inversas, e o que, nos outros níveis, era perturbação é inteiramente assimilado

como transformações internas do sistema.

Essas condutas manifestam um progresso sistemático que, de forma geral,

esclarece o progresso da equilibração dos sistemas cognitivos. A cada nível, a

equilibração assenta-se sobre a compensação, que se caracteriza por graus

distintos de equilíbrio, sendo, na primeira reação, o equilíbrio muito instável e

de campo restrito, na Segunda, os deslocamentos de equilíbrio apresentando-se

de múltiplas formas, e na terceira reação, o equilíbrio sendo móvel, porém

estável.

Page 16: Parte Teórica Jean Piaget

16

No momento em que esse processo dialético de reconstruções (por

equilibração) não mais envolve somente os objetos como tais, ou seja, as

trocas do organismo com o meio, mas envolve conceitos, representações

imaginéticas, ocorre a abstração reflexiva (Ramozzi-Chiarotino, 1988), ou

reflexionante (cf. Becker 1993).

Seja no processo de equilibração, ou de abstração reflexiva são os

desequilíbrios que desencadeiam o processo, e a possibilidade de superá-los é

que determina a fecundidade destes.

A conversão das negações práticas em negações conceituais é a expressão de

um processo de construção ligado de perto ao jogo das regulações e do qual

ele se constitui um assunto inseparável: é a abstração reflexiva (Piaget, 1976,

p. 38).

Piaget afirma que a abstração reflexiva interfere continuamente na formação

das regulações de regulações. O processo de abstração reflexiva sustenta-se

por dois momentos, inseparáveis: o reflexionamento, que Piaget denomina

réfléchissement, ou seja, a projeção num nível superior do que é retirado do

plano inferior; e a reflexão (réflexion) “como ato mental de reconstrução e

reorganização no patamar superior do que foi transferido do inferior” (Piaget,

1977, p.303). A reconstrução no patamar superior é um estabelecimento de

relações entre as representações, ou novas formas, e aquelas que já existiam

com certa organização, ou seja, é um ato mental de reconstrução.

Podemos compreender que a evolução, em termos de reconstrução, é um

ininterrupto processo em espiral, onde o reflexionamento dos conteúdos supõe

a intervenção da forma, de uma estrutura (reflexão), e esses conteúdos,

quando transferidos a outro plano, exigem a construção de novas formas.