envelhecimento populacional , perda de capacidade laborativa e politicas publicas

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* Técnica de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea. ** Bolsista do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) do Ipea. ENVELHECIMENTO POPULACIONAL, PERDA DE CAPACIDADE LABORATIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS Ana Amélia Camarano * Solange Kanso ** Daniele Fernandes ** 1 INTRODUÇÃO Uma característica comum na dinâmica demográfica da grande maioria dos países do mundo é o envelhecimento de suas populações. O envelhecimento da população brasileira pode ser medido pela proporção de pessoas de 60 anos ou mais no total da população. Esta aumentou de 4% em 1940 para 11% em 2010. Espera-se que este grupo etário, que era formado por 20,6 milhões de pessoas em 2010, venha a ser constituído por 57 milhões em 2040 (Camarano e Kanso, 2009). É reconhecido que os dois fatores responsáveis pela longevidade populacional foram desejados pela sociedade, pois foram o resultado de políticas e incentivos promovidos por ela e o Estado, ajudados pelo progresso tecnológico. Entretanto, as suas consequências têm sido vistas com preocupação, pois implicam mudanças no padrão de transferência de recursos públicos e privados. A preocupação deve-se à associação feita entre envelhecimento e dependência. O de- clínio da fecundidade acarreta, no médio e no longo prazo, uma redução da população nas idades produtivas (potenciais contribuintes e cuidadores). Já a diminuição da mortalidade nas idades avançadas resulta em um aumento no número de anos vividos pelos idosos. Assume-se que a “dependência” de qualquer grupo populacional é resultado da sua falta de capacidade de gerar renda (trabalhar) e realizar as atividades da vida diária. Esta dependência pode ser reduzida por políticas sociais, especialmente no que diz respeito à geração de renda. Assume-se que o momento (idade) em que essa “dependência” se inicia é diferenciado por grupos sociais, raciais e regiões. Entretanto, para a formulação de políticas públicas, a demarcação de grupos populacionais é muito importante. Através dela, é possível focalizar recursos e garantir direitos. Isto requer algum grau de pragmatismo nos conceitos utilizados (Camarano e Medeiros, 1999). No Brasil, como na maioria dos países do mundo, políticas de reposição de renda pela perda da capacidade laborativa são baseadas na invalidez constatada e na invalidez presumida NT_AnaAmelia_Solange_Daniele.indd 37 05/02/2013 15:55:02

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gerontologia, idoso

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  • * Tcnica de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Polticas Sociais (Disoc) do Ipea.

    ** Bolsista do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) do Ipea.

    ENVELHECIMENTO POPULACIONAL, PERDA DE CAPACIDADE LABORATIVA E POLTICAS PBLICAS

    Ana Amlia Camarano* Solange Kanso**

    Daniele Fernandes**

    1 INTRODUO

    Uma caracterstica comum na dinmica demogrfica da grande maioria dos pases do mundo o envelhecimento de suas populaes. O envelhecimento da populao brasileira pode ser medido pela proporo de pessoas de 60 anos ou mais no total da populao. Esta aumentou de 4% em 1940 para 11% em 2010. Espera-se que este grupo etrio, que era formado por 20,6 milhes de pessoas em 2010, venha a ser constitudo por 57 milhes em 2040 (Camarano e Kanso, 2009).

    reconhecido que os dois fatores responsveis pela longevidade populacional foram desejados pela sociedade, pois foram o resultado de polticas e incentivos promovidos por ela e o Estado, ajudados pelo progresso tecnolgico. Entretanto, as suas consequncias tm sido vistas com preocupao, pois implicam mudanas no padro de transferncia de recursos pblicos e privados.

    A preocupao deve-se associao feita entre envelhecimento e dependncia. O de-clnio da fecundidade acarreta, no mdio e no longo prazo, uma reduo da populao nas idades produtivas (potenciais contribuintes e cuidadores). J a diminuio da mortalidade nas idades avanadas resulta em um aumento no nmero de anos vividos pelos idosos.

    Assume-se que a dependncia de qualquer grupo populacional resultado da sua falta de capacidade de gerar renda (trabalhar) e realizar as atividades da vida diria. Esta dependncia pode ser reduzida por polticas sociais, especialmente no que diz respeito gerao de renda. Assume-se que o momento (idade) em que essa dependncia se inicia diferenciado por grupos sociais, raciais e regies. Entretanto, para a formulao de polticas pblicas, a demarcao de grupos populacionais muito importante. Atravs dela, possvel focalizar recursos e garantir direitos. Isto requer algum grau de pragmatismo nos conceitos utilizados (Camarano e Medeiros, 1999).

    No Brasil, como na maioria dos pases do mundo, polticas de reposio de renda pela perda da capacidade laborativa so baseadas na invalidez constatada e na invalidez presumida

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    pela idade avanada. O objetivo deste trabalho discutir as contradies e o impacto na reduo da pobreza das polticas voltadas para repor a renda da populao idosa.

    2 POLTICAS DE REPOSIO DE RENDA: A LEGISLAOAt finais do sculo XIX, medidas para a proteo dos idosos no diferiam muito das voltadas para as pessoas doentes; todas eram vistas como incapacitadas para o trabalho (Slater, 1930, apud Walker, 1991). Por esta razo, as polticas de seguridade social desempenharam um papel impor-tante na determinao do incio da velhice at 1970. A idade para aposentadoria se tornou um importante divisor de guas entre populao idosa e no idosa (Walker, 1991). Isto levou a que a ltima fase da vida fosse construda em torno da aposentadoria, especialmente para homens.

    Na maioria dos pases, os critrios de elegibilidade para a aposentadoria so a idade avanada e a invalidez. No Brasil, polticas de reposio de renda pela perda da capacida-de laborativa so baseadas na invalidez constatada e na presumida, para o que se define uma idade. Neste ltimo caso, a idade avanada combinada com um tempo mnimo de contribuio exigido. No obstante as grandes diferenas sociais e regionais, que marcam a sociedade brasileira, define-se apenas uma idade para todo o territrio nacional. A nica diferenciao proposta a por sexo. Alm desses dois sistemas, h outro, que funciona como um seguro; baseado apenas no tempo de contribuio.1

    O Estado brasileiro avanou muito na estratgia de assegurar uma renda mnima para a populao idosa. Os principais benefcios a que esta tem direito so parte da poltica de seguridade social, estabelecida pela Constituio Federal (CF) de 1988. Ela introduziu um conceito mais inclusivo de seguridade social e aumentou a cobertura dos benefcios sociais na rea rural atravs de mudanas no critrio de elegibilidade. A unidade beneficiria mu-dou do domiclio para o indivduo. Foi estabelecido um salrio mnimo como piso para os benefcios sociais tanto na rea urbana quanto na rural.

    Os benefcios sociais a que os idosos fazem jus esto inseridos em trs regimes contribu-tivos e em outro no contributivo (assistncia social). O primeiro dirigido a trabalhadores do setor privado urbano Regime Geral da Previdncia Social (RGPS) e o segundo voltado para servidores pblicos Regime Prprio de Previdncia Social (RPPS).2 Estes ltimos, quando foram estabelecidos, eram parte de uma poltica voltada para a criao de uma carreira de Estado. Os benefcios de aposentadoria eram no contributivos at 1993.

    O acesso aos benefcios contributivos do RGPS pode se dar por tempo de contribuio ou por idade de avanada. O primeiro requer 35 anos de contribuio para homens e 30 para mulheres e o ltimo uma idade mnima de 65 anos para homens e 60 para mulheres. Este requer, tambm, 15 anos de contribuio para homens e mulheres. Para os servidores pblicos, foi estabelecida uma idade mnima de 55 anos para mulheres e 60 para homens e 30 e 35 anos de contribuio, para mulheres e homens, respectivamente.

    O terceiro regime previdencirio estabelece os requisitos para os trabalhadores rurais. Este regime teoricamente contributivo, mas, na prtica, seu financiamento baseado nas contribui-es urbanas.3 As condies de elegibilidade so: ter trabalhado na agricultura e ter 60 anos, no

    1. Salienta-se aqui que o Brasil um dos poucos pases do mundo que adotam tempo de contribuio sem o estabelecimento de uma idade mnima como critrio de elegibilidade para o benefcio previdencirio.

    2. CF de 1988, Artigo 201.

    3. De fato, uma pequena proporo de trabalhadores rurais contribui para a seguridade social, 17,0% em 2011. Alm disto, uma contribuio foi criada, que incide sobre o valor da primeira venda da produo agrcola, 2,5%. O comprador responsvel por pag-la. Para maiores detalhes, veja: Beltro, Camarano e Mello (2004).

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    caso de homens, e 55, no de mulheres. Para aqueles maiores de 65 anos, homens e mulheres, que no cumpriram um histrico de contribuio e moram em domiclios cuja renda mensal per capita inferior a 1/4 do salrio mnimo, foi estabelecido um regime assistencial no contributivo. o Benefcio de Prestao Continuada (BPC). O seu valor de um salrio mnimo. Curiosamente, este o nico benefcio que no vitalcio, pois se considera que a condio de pobreza con-juntural. A legislao requer uma avaliao das condies de elegibilidade a cada dois anos. Isto parece uma contradio, dada a idade mnima requerida, e ser discutido posteriormente. Outro esquema de proteo contra a perda da capacidade laborativa a aposentadoria por invalidez. Trabalhadores que contribuem para a Seguridade Social, pblica ou privada, e suas famlias so elegveis, tambm, para as aposentadorias por invalidez.

    Essa legislao permitiu o alcance da universalizao da seguridade social brasileira. Em 2011, 84,7% da populao de 65 anos ou mais recebia algum benefcio da seguridade social, a includas as penses por morte. Entretanto, as polticas de reposio de renda apresentam algumas contradies, que sero discutidas a seguir.

    3 POLTICAS DE REPOSIO DE RENDA: ALGUMAS CONTRADIES4

    A hiptese bsica das polticas de reposio de renda o reconhecimento de que a idade avanada acarreta fragilidades fsicas, mentais e cognitivas, que afetam a capacidade de trabalhar. Acredita-se que essas perdas acontecem diferentemente entre os indivduos sen-do afetadas pelas condies genticas e trajetrias de vida. Como a maioria das legislaes internacionais, a brasileira se baseia em condies gerais para assegurar o benefcio, seja por idade ou por tempo de contribuio. Isto se faz necessrio por razes operacionais, mas resulta em contradies. Como ser visto a seguir, os indivduos esto preenchendo os requisitos para a aposentadoria ainda muito jovens. Consequentemente, aposentam-se cedo e retornam ao mercado de trabalho, dado que a legislao assim o permite. Por outro lado, a legislao exerce, tambm, o papel de expulso do mercado de trabalho, que o caso da aposentadoria compulsria para os servidores pblicos. Isto ocorre aos 70 anos.

    A primeira contradio mencionada diz respeito ao aumento da esperana de vida ao nascer e seu reduzido efeito na idade apara a aposentadoria. O grfico 1 mostra que enquanto a esperana de vida ao nascer da populao masculina aumentou em 6,4 anos entre 1992 e 2011, os servidores pblicos aumentaram a sua idade mdia para aposentadoria em quatro anos e os trabalhadores do setor privado urbano que se aposentaram por tempo de contri-buio em um ano. Por outro lado, o benefcio de assistncia social comeou a ser pago seis anos mais cedo, por mudanas na legislao. A despeito disso, os homens se retiram, em mdia, trs anos mais tarde do requerido para a legislao, o que verdade, tambm, para quem recebe o benefcio assistencial. Isto sugere que existem outros fatores alm do tempo de contribuio que explicam essa diferena (Camarano, Kanso e Fernandes, 2012).

    Essa mesma situao se aplica s mulheres, como mostrado no grfico 2. Sua expectativa de vida ao nascer aumentou em 6,3 anos, a idade para recebimento do benefcio assistencial e da aposentadoria rural diminuiu em 6,0 e 3,2 anos, respectivamente. J a idade em que as mulheres do setor pblico se aposentam aumentou em quatro anos. Tambm aumentou, em 0,8 ano, a idade em que as mulheres do setor privado urbano se aposentam, tanto por tempo de contribuio quanto por idade avanada. Como os homens, as mulheres tambm se aposentavam mais tarde que a idade requerida. Neste caso, quatro anos mais tarde.

    4. Neste artigo, no esto sendo consideradas as aposentadorias por invalidez.

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    As mulheres se aposentam mais cedo que os homens, a despeito de terem uma esperana de vida mais elevada, o que se considera como a segunda contradio. A maior diferena foi observada na aposentadoria urbana por idade avanada, 4,2 anos, seguida, da por idade

    GRFICO 1

    Brasil: expectativa de vida ao nascer e idade mdia para recebimento do benefcio da aposentadoria homens

    Fonte: Ministrio da Previdncia Social (MPS)/Anurio Estatstico da Previdncia Social (AEPS-Infologo).

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    Idade urbana Idade rural Benefcio assistencial

    Tempo de contribuio Servidores pblicos Expectativa de vida ao nascer

    GRFICO 2

    Brasil: expectativa de vida ao nascer e idade mdia para recebimento do benefcio da aposentadoria mulheres

    Fonte: MPS/AEPS-Infologo.

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    Idade urbana Idade rural Benefcio assistencialTempo de contribuio Servidores pblicos Expectativa de vida ao nascer

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    NOTA TCNICA

    rural.5 Isto s no se verifica para o benefcio assistencial, que ocorre 0,3 ano mais tarde para elas. O resultado que as mulheres passam mais tempo recebendo benefcios previdenci-rios que os homens, embora contribuam menos. O sistema vigente que estabelece prazos diferenciados de trabalho/aposentadoria para o recebimento do benefcio entre homens e mulheres tem como um dos objetivos compensar as mulheres pelo custo de oportunidade gerado pela maternidade.

    A maior esperana de vida feminina aliada crescente participao da mulher no mercado de trabalho e as mudanas na famlia esto requerendo uma reavaliao das formas (tempo, alquota) de contribuio por parte das mulheres, dos tradicionais benefcios (duplo ou no), do valor das penses por morte (igual ao benefcio do cnjuge ou frao deste) e adaptaes frente nova realidade das famlias com mais de um provedor e das mulheres que, mesmo casadas, no tm filhos etc. (Camarano e Pasinato, 2007).

    A terceira contradio relacionada volta do aposentado ao mercado de trabalho sem nenhuma restrio, o que permitido pela legislao.6 A tabela 1 mostra o nmero lquido de anos que um aposentado passa nas atividades econmicas aps o incio do recebimento do benefcio. Esta medida incorpora o efeito da mortalidade, mas considera as taxas de mor-talidade da populao como um todo e no de cada subgrupo de beneficirios. Considera-se, portanto, que esta uma medida grosseira. No entanto, acredita-se que os erros cometidos levam a uma subestimao do nmero de anos trabalhados por aqueles que se aposentam por tempo de contribuio e uma superestimao do comparvel para aqueles que recebem o benefcio assistencial ou por idade avanada. Acredita-se que os aposentados por tempo de contribuio vivam mais que os demais devido s suas melhores condies socioeconmicas. Aqueles que no conseguiram preencher as condies requeridas para a aposentadoria podem ter a sua sade mais afetada. Isto significa que as diferenas esto subestimadas.

    TABELA 1Brasil: idade mdia para aposentadoria, nmero lquido de anos que um aposentado pode esperar passar na atividade econmica depois de aposentado e esperana de vida para idade para aposen-tadoria por regime previdencirio e sexo (2000)

    Idade mdia Nmero lquido de anos Esperana de vida

    Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres

    Idade urbana 67,94 63,61 3,20 2,14 16,41 21,80

    Idade rural 62,92 59,33 4,70 3,08 19,26 24,79

    Benefcio assistencial 68,17 68,49 3,20 1,46 16,41 19,04

    Tempo de contribuio 55,09 52,17 7,31 5,44 24,59 31,27

    Servidores pblicos 61,00 58,00 5,41 3,59 20,50 26,35

    Fonte: MPS/AEPS-Infologo.

    Pode ser visto na tabela mencionada que os homens que recebem o benefcio por tempo de contribuio podem esperar passar, em mdia, mais 7,3 anos trabalhando e as mulheres 5,4 anos. Por outro lado, aqueles homens que recebem o BPC continuam no mercado de trabalho por mais 3,2 anos e as mulheres 1,5 ano. Presume-se que estes litmos, por terem experimentado uma situao de pobreza na sua trajetria de vida, podem ter suas condies de sade afetadas e isso ter resultado na perda ou diminuio de sua capacidade de trabalho

    5. A legislao estipula uma diferena de cinco anos na idade para se aposentar entre homens e mulheres nesses dois casos.

    6. Uma anlise um pouco mais detalhada da volta do aposentado ao mercado de trabalho pode ser encontrada em Camarano, Kanso e Fernandes (2012).

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    NOTA TCNICA

    mais cedo. De qualquer forma, pode-se dizer que os trabalhadores brasileiros comeam a receber o benefcio da Seguridade Social antes de perder a capacidade de trabalhar.

    Considerando que o aumento da esperana de vida tem sido acompanhado por melhoras nas condies de sade, e diante da preocupao com o envelhecimento ativo e a reduo no futuro prximo da oferta de fora de trabalho, seria importante criar-se polticas para manter o trabalhador na ativa o maior nmero de anos possvel. Isto no significa apenas adiar a idade mnima aposentadoria, j considerado de alguma forma, nas ltimas reformas. So necessrias medidas de sade ocupacional que possam reduzir o fluxo de aposentadorias por invalidez e reduzir o absentesmo no trabalho. Tambm so importantes polticas para reduzir o preconceito contra o trabalho do idoso e de prover capacitao para que estes indivduos possam acompanhar as mudanas tecnolgicas.

    Outra contradio mostrada nos grficos 3 e 4. Pode-se observar que, excluindo os servidores pblicos, aqueles que recebem o benefcio de mais alto valor so aqueles que se aposentam mais cedo, por tempo de contribuio. Como visto anteriormente, este regime previdencirio no estabelece uma idade mnima para o recebimento do benefcio. Em 2010, nesse regime, os homens se aposentavam aos 55,1 anos e as mulheres aos 52,77 anos e recebiam o benefcio por 24,6 e 31,3 anos, homens e mulheres, respectivamente (tabela 1).8 Alm disto, a maior parte dos homens recebia a aposentadoria por tempo de contribuio, 41,6%. O benefcio de assistncia social e o rural so os de valor mais baixo, e o primeiro pago por um tempo menor que os demais, 16,4 anos. Aproximadamente 10% dos homens recebiam o BPC. O grfico 3 mostra, tambm, que o valor pago aos homens aposentados pelo setor pblico, em 2011, era 10,9 vezes mais alto que o BPC e o benefcio da previdn-cia rural. Apenas 2,6% dos homens recebiam tal benefcio. J o valor da aposentadoria por tempo de contribuio 2,7 vezes mais elevado que o valor desses benefcios.

    7. Neste caso foi considerado o ano de 2010, pois este o ltimo ano para o que se tem estimativas para a esperana de vida.

    8. A esperana de vida idade para a aposentadoria , tambm, uma medida grosseira, pois est baseada na experincia de mortalidade de toda a populao e no est desagregada por tipo de beneficirio.

    GRFICO 3

    Brasil: valor mdio do benefcio da seguridade social pago e proporo de beneficirios por regime homens (2011)(Valor do benefcio em R$) (% de benefcirios)

    Fontes: MPS/AEPS-Infologo e Secretaria de Recursos Humanos do Ministrio do Planejamento,Oramento e Gesto (SRH/MPOG).

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    Beneficio Assistencial Idade Rural Idade Urbana Tempo deContribuio

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    Benefcio assistencial Idade rural Idade urbana Tempo de contribuio

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    NOTA TCNICA

    Entre as mulheres, as aposentadorias rurais so as mais importantes (grfico 4), e so responsveis por 45,2% do total de benefcios pagos que, como o assistencial, so os de valor mais baixo. No primeiro caso, elas passam aproximadamente 25 anos recebendo. Em segun-do lugar em importncia colocam-se os benefcios por idade urbanos, que totalizam 24,3%. Elas o recebem por 21,8 anos. A grande diferena entre homens e mulheres aposentados que os benefcios destas so sistematicamente de valor mais baixo, com exceo do BPC e da aposentadoria rural, e que a maioria das mulheres recebia os benefcios de valor mais baixo. Elas tambm passam um tempo maior que eles recebendo os benefcios.

    GRFICO 4

    Brasil: valor mdio do benefcio da seguridade social pago e proporo de beneficirios por regime mulheres (2011)(Valor do benefcio em R$) (% de benefcirios)

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    Beneficio Assistencial Idade Rural Idade Urbana Tempo deContribuio

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    Valor do benefcio em R$ % de beneficirios

    Benefcio assistencial Idade rural Idade urbana Tempo de contribuio

    Servidores pblicos

    Sumarizando, parece que o sistema de seguridade social brasileiro tende a reforar as desigualdades sociais que os indivduos experimentaram ao longo de suas vidas, contribui para a criao de uma dependncia social pela sada precoce do mercado de trabalho e pressiona as finanas pblicas. Alm disso, tem extrapolado o seu papel de repor a renda de quem perde a capacidade laborativa. Ao mesmo tempo que incentiva a sada precoce do mercado de trabalho, exerce o papel de expulso deste, no caso da aposentadoria com-pulsria. Por outro lado, h que se considerar que o sistema de seguridade social brasileiro tem exercido um papel importante na reduo da pobreza entre os idosos e suas famlias.9

    4 IMPACTOS NA REDUO DA POBREZAUm dos efeitos no esperados da poltica de seguridade social brasileira a reduo da pobreza entre idosos e suas famlias. De uma maneira geral, pode-se dizer que os idosos brasileiros esto em melhor situao financeira que os no idosos. Em 2011, a proporo de idosos pobres foi de 4,8% e a de no idosos, de 16,7%. Como resultado, a tradicional relao entre envelhecimento e pobreza deixa de existir. Neste caso, o BPC e a aposentadoria rural tm exercido um impacto muito importante.

    9. Para isto, veja Barros, Mendona e Santos (1999), Beltro, Camarano e Mello (2004), Delgado e Cardoso Jnior (2004) e Sabia (2004).

    Fontes: MPS/AEPS-Infologo e SRH/MPOG.

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    NOTA TCNICA

    Soares et al. (2006) trabalharam com uma metodologia destinada a identificar indireta-mente a distribuio do BPC ao longo de estratos de renda em 2004. Concluram que o valor do benefcio suficiente para erradicar a pobreza entre a grande maioria dos beneficirios. Alm disto, observaram que o BPC bem focalizado. concedido predominantemente populao mais pobre (74% dos beneficirios abaixo da linha de pobreza), e 20% do valor esto distribudos para as pessoas que se encontram no centsimo mais pobre da distribuio do rendimento familiar per capita.

    Apesar do reconhecimento da boa focalizao do BPC e da sua importncia na reduo da pobreza entre idosos, frequentemente discutido na literatura que as melhores condies de vida da populao idosa tm gerado desigualdades entre os grupos sociais, o que pode resultar em conflitos intergeracionais.10 Isto explicado, em parte, pelo fato de que o valor do maior benefcio monetrio de assistncia social para no idosos (bolsa famlia) mais baixo que o BPC.

    Ressalta-se aqui que a natureza dos dois benefcios bastante diferente. A transferncia de renda para no idosos tem por objetivo tirar os indivduos de uma situao de pobreza extrema e lhes dar condio para a sua entrada/volta ao mercado de trabalho. O seu valor no pode, portanto, ser muito alto para no desestimular a busca por trabalho, criando, assim, uma armadilha da pobreza. J o benefcio assistencial para idosos dirigido s pes-soas muito pobres com 65 anos ou mais, cuja maioria j deve ter perdido a sua capacidade de trabalhar e de gerar a sua prpria renda. Portanto, o valor do benefcio deve garantir a subsistncia bsica dos indivduos e, por isto, foi estipulado um salrio mnimo. Mas a legislao que rege esse benefcio apresenta, tambm, uma contradio. Dentre todos os benefcios da seguridade social, o nico no vitalcio, pois a condio de pobreza consi-derada conjuntural. Mas a perda de capacidade de trabalhar nessa idade irreversvel, por isto foi includo no pacote de benefcios da seguridade social, como era o seu antecessor, a Renda Mensal Vitalcia (RMV).11

    REFERNCIAS

    BARROS, R. P.; MENDONA, R. S.; SANTOS, D. Incidncia e natureza da pobreza entre idosos no Brasil. In: CAMARANO, A. A. (Org.). Muito alm dos 60: os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro: Ipea, dezembro, 1999.

    BELTRO, K. I.; CAMARANO, A. A.; MELLO, J. L. Mudanas nas condies de vida dos idosos rurais brasileiros: resultados no-esperados dos avanos da seguridade social rural. Rio de Janeiro: Ipea, 2004 (Texto para Discusso, n. 1.066).

    CAMARANO, A. A.; KANSO, S. Perspectivas de crescimento para a populao brasileira: velhos e novos resultados. Rio de Janeiro: Ipea, 2009 (Texto para Discusso, n. 1.426).

    CAMARANO, A. A.; FERNANDES, D. Sada do mercado de trabalho: qual a idade? Mercado de Trabalho: conjuntura e anlise, Rio de Janeiro, v. 1, p. 19-28, 2012.

    CAMARANO, A. A.; MEDEIROS, M. Introduo. In: CAMARANO, A. A. (Org.). Muito alm dos 60: os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro: Ipea, dez. 1999.

    CAMARANO, A. A.; PASINATO, M. T. Envelhecimento, pobreza e proteo social na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Ipea, 2007 (Texto para Discusso, n. 1.292).

    10. Ver, por exemplo, Turra e Queirz (2009), Turra, Holz e Cotlear (2011) e Rocha (2008).

    11. O BPC substituiu outro beneficio assistencial tambm dirigido s pessoas que perderam a capacidade laborativa pela idade avanada que era vitalcio.

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    NOTA TCNICA

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    SABIA, J. Benefcios no-contributivos e combate pobreza de idosos no Brasil. In: CAMARANO, A. A. (Org.). Os novos idosos brasileiros: muito alm dos 60? Rio de Janeiro: Ipea, 2004.

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