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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Faculdade de Educação EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal Maria Antônia Honório Tolentino Brasília/DF Dezembro – 2007

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Faculdade de Educação

EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE

ALFABETIZAÇÃO: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal

Maria Antônia Honório Tolentino

Brasília/DF Dezembro – 2007

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MARIA ANTÔNIA HONÓRIO TOLENTINO

EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE

ALFABETIZAÇÃO: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, área de confluência – Desenvolvimento Profissional Docente, sob a orientação da Profª Drª Lúcia Maria Gonçalves de Resende.

Brasília/DF

Dezembro – 2007

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T 649 Tolentino, Maria Antônia Honório.

Educação Continuada e Trabalho Docente no Bloco Inicial de Alfabetização: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal/ Maria Antônia Honório Tolentino – Brasília, DF: [p.195], 2007.

Orientadora: Profª Drª Lúcia Maria Gonçalves de Resende Dissertação (Mestrado) – Universidade de Brasília. 1. Educação Continuada. 2. Trabalho Docente. 3. Coordenação Pedagógica. 4. Bloco Inicial de Alfabetização. CDU 371.13

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MARIA ANTÔNIA HONÓRIO TOLENTINO

EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE

ALFABETIZAÇÃO: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal

Banca Examinadora: ______________________________________________________________________

Profª Drª Lúcia Maria Gonçalves Resende (Orientadora – UnB)

______________________________________________________________________

Profª. Drª Eva Waisros Pereira (Examinadora – UnB)

______________________________________________________________________

Profª. Drª Alda Junqueira Marin. (Examinadora– PUC/SP)

______________________________________________________________________

Profª Drª Benigna Maria de Freitas Villas Boas (Examinadora - UnB)

Brasília, 7 dezembro de 2007.

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Dedico a conclusão deste trabalho Aos meus filhos, companheiros inseparáveis, pela sabedoria em

compreender a necessidade de tamanha dedicação; A todos os familiares que acompanharam as vicissitudes da realização desse

indelével desejo; Às professoras da rede pública de ensino, parceiras desta produção, e toda a

equipe do CEF 18 de Taguatinga, pela oportunidade ímpar de acompanhar o trabalho que realizaram, trazendo valiosas contribuições para a tecitura dessa trama;

À professora Doutora Lúcia, pela acolhida e o magnífico incentivo no

acompanhamento deste processo, travado entre conquistas e contratempos; Aos colegas e professores do curso de mestrado, pelas riquíssimas

contribuições advindas das discussões nos momentos de estudo e socialização das construções e aprendizagens;

Às crianças da rede pública de ensino, sedentas de aprendizagens e de

professores comprometidos com a boa qualidade de seu trabalho;

Enfim dedico esta construção a todos aqueles que, como eu e Gonzaguinha, gostam de cantar a beleza de ser um eterno aprendiz.

Viver e não a ter a vergonha de ser feliz Cantar (e cantar e cantar) a beleza de ser um eterno aprendiz Ah, meu Deus! Eu sei... (eu sei...) que a vida devia ser bem melhor e será Mas isso não impede que eu repita É bonita, é bonita e é bonita (bis)

(Gonzaguinha)

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Agradeço

A Deus, força sublime que guia minha vida; Aos meus pais (in memoriam), pelo exemplo de garra na luta por conquistas e pelo investimento e esforço imedidos no início da trajetória; A todos que acompanharam o processo desta produção pela

paciência, carinho e ajuda nos momentos de fragilidades; alegria nas comemorações das pequenas conquistas de cada dia; compreensão das ausências, concebidas como na sabedoria de Drummond

Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.

(Carlos Drummond de Andrade)

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Tolentino, Maria Antônia Honório. Educação Continuada e Trabalho Docente no Bloco Inicial de Alfabetização: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Brasília/Faculdade de Educação.

RESUMO

A presente pesquisa, realizada no ano de 2007, se propôs a investigar como professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública do Distrito Federal articulam a educação continuada proposta pelo Bloco Inicial de Alfabetização - BIA ao trabalho docente que desenvolvem. O BIA é a proposta do Governo para a implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos no Distrito Federal. A investigação proposta nessa pesquisa demandou analisar concepções de educação continuada que alicerçavam a proposta pedagógica do BIA; analisar como o espaço da coordenação pedagógica, desenvolvida na escola, articulou-se às propostas de educação continuada; e analisar como as professoras articularam as possíveis contribuições desencadeadas pelo processo de educação continuada ao trabalho docente que desenvolveram. Para trabalhar os objetivos foi necessário o uso da abordagem metodológica de cunho qualitativo, com os seguintes procedimentos: observações, entrevistas semi-estruturadas e análise de documentos. Os eixos orientadores da pesquisa foram: educação continuada, coordenação pedagógica e trabalho docente. Alguns teóricos contribuíram para iluminar as análises, dentre eles, Candau (2003), Zeichner (1993), Freire (1996, 2000), Freitas (1996), Freitas (2002, 2003, 2005), Marin (1995, 1998, 2003, 2005), Vázquez (1977), Pimenta e Anastasiou (2005) e Pimenta e Ghedin (2005). Analisando os dados obtidos na complexidade vivida no campo de pesquisa, foi possível perceber as articulações tecidas. As professoras, por meio da educação continuada, apropriaram-se de referenciais que oportunizaram a organização do trabalho que realizaram em sala de aula e na coordenação pedagógica. A educação continuada proposta pelo BIA instituiu a reflexão coletiva no espaço/tempo da coordenação pedagógica da escola, por meio do grupo de estudo; oportunizando aos professores vivenciarem situações que contribuíram para a organização do trabalho docente. Ao realizar tais atividades, houve a articulação entre trabalho docente, coordenação pedagógica e educação continuada, o que salientou a importância desta como ferramenta para transformar o espaço/tempo da coordenação pedagógica. Palavras-chave: Educação Continuada. Trabalho Docente. Coordenação Pedagógica. Bloco Inicial de Alfabetização.

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Tolentino, Maria Antônia Honório. Continued Education, Teacher Practice and Pedagogic Coordination in Initial Literacy Block: the case of a school of public network of the Distrito Federal. 2007. Dissertation (Master’s Degree in Education) – Universidade de Brasília/Faculdade de Educação.

ABSTRACT

The present research, completed in the year of 2007, aims at investigating how teachers working in the early years of primary education in a state school in Brasilia connect the continued education proposed by BIA (Initial Literacy Block) to their teaching practice. The BIA is the proposal of the government for the implementation of primary education for Nine Years in Distrito Federal. In order to achieve this objective it was necessary to analyze the concepts of continued education adopted by BIA; to examine how the pedagogic coordination developed in the school matched the proposals of continued education; and also how teachers connected the contributions triggered by the process of continued education to their teaching practice. The method chosen was a qualitative analysis through observation, semi-structered interviews and analysis of documents.The main concepts for this study were continued education, pedagogic coordination and teacher practice.Some theorists helped to guide the analysis and among them I would mention Candau (2003), Zeichner (1993), Freire (1996, 2000), Freitas (1996), Freitas (2002, 2003, 2005) Vázquez (1977), Pimenta and Anastasiou (2005) and Pimenta and Ghedin (2005). After analyzing data which had been collected it was possible to see the contributions that teachers’ continued education had made to their teaching practice and also to the pedagogic coordination in the school.The continued education proposed by BIA contributed to the implementation of colective reflective teaching practice of the work done in the classrooms and also in the pedagogic coordination time through a group of study formed by teachers enabling them to experience situations which contributed to the organization of their work and to the integration of teaching practice, pedagogic coordination and teachers’ continued education .Teachers’continued education proved to be an important tool to transform the pedagogic coordination time.

Keywords: Continued Education. Teacher Practice. Pedagogic Coordination. Initial Literacy Block

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LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Figura 1 Mapa da cidade de Taguatinga, área Sul

Figura 2 CEF 18 de Taguatinga

Figura 3 Vista interna do CEF 18

Figura 4 Alunos distribuídos em etapas e séries

Figura 5 Turmas do BIA

Figura 6 Profissionais da Carreira Magistério

Figura 7 Trabalhadores da Carreira Assistência à Educação

Figura 8 Rizoma

Figura 9 Rizoma da produção da pesquisa

Quadro 1 Atendimento aos estudantes no ano de 2007

Quadro 2 Participantes da Pesquisa

Quadro 3 Documentos sobre educação

Quadro 4 Documentos relacionados ao BIA

Quadro 5 Organização do Ensino Fundamental de Nove Anos - BIA

Quadro 6 Formação Profissional: a semântica ideológica

Quadro 7 Organização espacial da sala de aula

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LISTA DE ABREVIATURAS

ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

BIA Bloco Inicial de Alfabetização

CBA Ciclo Básico de Alfabetização

CEF 18 Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga

CEMAB Centro de Ensino Médio Ave Branca

CNE Conselho Nacional de Educação

CP Conselho Pleno

CRA Centros de Referência de Alfabetização

DCN Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia

DEIF/GSI Departamento de Educação Infantil - Gerência das Séries Iniciais

DF Distrito Federal

DRE Diretoria Regional de Ensino

DRET Diretoria Regional de Ensino de Taguatinga

EAPE Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação

EC 41 Escola Classe 41

FEDF Fundação Educacional do Distrito Federal

GDF Governo do Distrito Federal

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira -

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96

MEC Ministério da Educação

NCP Núcleo de Coordenação Pedagógica

NMP Núcleo de Monitoramento de Pedagógico

PIE Curso de Pedagogia para Professores em Exercício no Início de Escolarização

PNE Plano Nacional de Educação

SEEDF Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal

UnB Universidade de Brasília

UniCEUB Centro Universitário de Brasília

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ÍNDICE

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL.............................................................................................12

1. A TESSITURA DOS RUMOS INVESTIGATIVOS .........................................................23 1.1. A escola pesquisada ...................................................................................................24 1.2. As interlocutoras da pesquisa.....................................................................................32 1.3. Procedimentos e instrumentos ...................................................................................36

2. BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO E CENTRO DE REFERÊNCIA EM ALFABETIZAÇÃO: contexto histórico, proposta e realidade ................................................43

2.1. Implantação dos ciclos no Brasil: conquistas e contratempos ...................................44 2.2. Distrito Federal e Ensino Fundamental para Nove Anos: organização e ações.........52 2.3. Bloco Inicial de Alfabetização: proposta para sua instituição ...................................54 2.4. Centro de Referência em Alfabetização e Educação Continuada..............................61 2.5. Bloco Inicial de Alfabetização e a concretude da realidade ......................................75 2.6. A instituição do Bloco Inicial de Alfabetização ........................................................79

3. EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO .................................................................................................................95

3.1. Trabalho docente: progressos e retrocessos ...............................................................97 3.1.1. Trabalho intelectual e Trabalho material: cisão de relações..........................100 3.1.2. Capitalismo: uma outra reconfiguração para o trabalho docente ..................105 3.1.3. Produção de conhecimento: ruptura com a fragmentação.............................110

3.2. Educação Continuada no Centro de Referência de Alfabetização...........................119 3.3. A escola como locus de Educação Continuada........................................................124 3.4. Grupo de Estudo e a ressignificação da coordenação pedagógica...........................129 3.5. A articulação rizomática entre os saberes ................................................................141 3.6. A importância da cultura da sala de aula .................................................................145 3.7. Inquietações despertadas na Educação Continuada .................................................151 3.8. Teoria e Prática: simbiose no trabalho docente .......................................................159

CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE AS TRAMAS TECIDAS..........................................168

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................175

ANEXO A - Ordem de serviço DODF...................................................................................186

APÊNDICE A - Autorização para uso do nome CEF 18 .......................................................187

APÊNDICE B - Roteiro das observações Educação Continuada...........................................188

APÊNDICE C - Roteiro das observações Trabalho Docente................................................190

APÊNDICE D - Roteiro das observações Coordenação Pedagógica.....................................192

APÊNDICE E - Roteiro para a Entrevista com as professoras regentes e coordenadora do BIA no CRA CEF 18.........................................................................................................193

APÊNDICE F - Roteiro para a entrevista com a coordenadora do CRA CEF 18..................195

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TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

[...] não há formação e prática pedagógica definitivas: há um processo de criação constante e infindável, necessariamente refletido e questionado, reconfigurado. (VEIGA, 2002: 85).

Investigar situações que envolvem os profissionais docentes implica desvelar o modo

como os professores agem na escola e suas relações com as marcas do processo de

institucionalização da educação. Essas marcas constituem-se cicatrizes desnudadas a partir do

conhecimento da historicidade da educação, que foi se constituindo mediante a vivência de

diversas lutas, vitórias, derrotas, conquistas, entraves e inquietações.

Uma, dentre as tantas inquietações que vem intrigando o cenário educacional,

provocando discussões, refere-se à constituição do “ser” professor. Diversos autores abordam

o tema e apontam a compreensão das ressignificações que urgem ser instituídas. Freire

(1986), dentre eles, destaca a necessidade da percepção da incompletude e inacabamento e,

portanto, da busca de novos conhecimentos.

Essa busca enseja a compreensão de que não existe prática pedagógica nem formação

definitivas, apontando para um processo contínuo de construções e reconstruções (VEIGA,

2002). Sendo o conhecimento reelaborado, este desencadeia um processo ininterrupto de

expansão e, para apoderar-se dele requer seu acompanhamento. O que pode ser realizado a

partir de estudos, reflexões e discussões, ou seja, pela busca constante de formação.

A ação dos professores, como uma prática social, necessita ser mediada pela reflexão,

por discussões que possam desvelar as nuanças da função social que a sociedade atual delega

à escola e compreender sua verdadeira intenção. Portanto refletir, discutir e buscar engendrar

mudanças torna-se necessário para o reconhecimento do comprometimento com práticas

sociais emancipatórias. Pimenta e Anastasiou (2005) alertam para que essa reflexão seja uma

leitura crítica da realidade em que o trabalho docente se realiza.

Apesar de já conhecer a importância do compromisso com a função da escola ainda

seria necessário aprofundar minhas reflexões, afinal o contexto social e educacional sempre

impôs, como destaca Braverman (1977), a função de pensar e conceber a uns, e agir a outros,

e eu somente agia. Cumpria o que o sistema de ensino enviava como proposta pedagógica. Na

época em que trabalhava com o Pré-Escolar, a Fundação Educacional do Distrito Federal

(FEDF), enviava para as escolas o “Conteúdo Programático” com os objetivos e a sugestão

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das atividades a serem realizadas. Meu planejamento não ia além de escolher as atividades e

organizar o material para desenvolvê-las, registrando tudo conforme o modelo de plano de

aula aprendido nas aulas de Didática. Pouco conhecia sobre a realidade da comunidade com a

qual trabalhava e, menos ainda, sobre os saberes dos sujeitos com os quais me envolveria.

Mesmo freqüentando os chamados cursos de capacitação promovidos pela FEDF,

continuava com a mesma prática, realizando uma reflexão pautada no senso comum. As

inquietações cotidianas da sala de aula transformavam-se em questões justificadas apenas pelo

contexto social daquele momento, agindo da mesma forma que a maioria dos professores com

os quais convivia. Caso os cursos de capacitação que freqüentava buscassem relacionar os

saberes dos professores ao trabalho docente que realizavam, articulando-os a outros saberes

conforme comenta Tardif (2002), poderiam ter contribuído para ressignifcar minha prática.

No entanto, mediante essa capacitação, continuava desenvolvendo um trabalho pautado na

lógica do conteúdo1, pois até então desconhecia a lógica do processo2.

Alguns professores encontram-se “desesperançosos” e cansados para encampar a

busca de sua educação continuada. Imersos em mudanças que lhes têm sido impostas a cada

novo governo, frutos de uma educação bancária que os leva à reprodução, desconfiados de

toda e qualquer proposta, tornam-se alienados. O professor, fruto dessa sociedade, não se dá

conta de que a educação continuada exige pensar sobre suas ações. Numa reflexão que

envolva a compreensão do contexto em que são realizadas, seja na escola ou fora dela, pois

essa se torna condição fundamental para oportunizar uma transformação (PIMENTA, 1997).

O compromisso social, nesse contexto, fica resumido à simples reprodução, bem

desempenhada, tanto que nem sempre é percebida como tal. Como executores, a maioria dos

professores cumpre o papel social que lhes é delegado. A resistência em participar de

discussões sobre as mudanças educacionais, possivelmente seja influenciada pela cultura da

não participação na concepção de propostas pedagógicas. Em decorrência disso, alguns

professores aceitam, quase que passivamente, a implantação de programas educacionais, ou

mesmo sua extinção. Se por um lado, algumas propostas são impostas à classe docente, por

outro, esta mesma classe nem sempre aproveita as oportunidades, que lhes são asseguradas,

preferindo se eximir das discussões. Poucos são os participantes das assembléias promovidas

1 O trabalho pautado na lógica do conteúdo segue rigorosamente uma seqüência, seja do livro do didático ou da idéia de que existem conteúdos mais fáceis e mais difíceis, e, portanto os mais fáceis devem ser trabalhados primeiro e, então, os conteúdos são dados a conta-gotas, fragmentados. Nesse sentido a prioridade é o conteúdo. 2 O trabalho realizado considerando a lógica do processo envolve a compreensão das etapas do processo de aprendizagem de um conhecimento, e partem delas para oportunizar novas aprendizagens. O foco do trabalho deixa de ser o conteúdo e passa a ser a criança, considerando que cada vez mais a criança precisa apossar-se de novas aprendizagens.

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pelo sindicato, dos encontros promovidos na área de educação, sejam palestras, simpósios ou

congressos organizados pela Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF),

antiga FEDF; pelo Ministério da Educação (MEC); pelas Universidades ou outras entidades

como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Uma discussão da qual alguns participam, está prevista no calendário escolar da

SEEDF que, a cada início de ano letivo, propõe a realização da Semana Pedagógica nas

escolas e dentre as atividades previstas para serem realizadas, inclui-se a elaboração do

Projeto Político Pedagógico da instituição. Outros, no entanto, movidos pela cultura da

acomodação, se esquivam dessas discussões por não considerá-las importantes, deixando nas

mãos da equipe gestora. Possivelmente os professores até desconheçam o artigo 14 da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 (LDB), que prevê, em seu inciso I, a

“participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola”.

Essa orientação deixa de ser divulgada tanto pela SEEDF como pelo Sindicato desta

categoria, mantendo o professorado desavisado de uma de suas funções.

No decorrer de minha trajetória profissional, vivenciei a implantação de diversas

propostas pedagógicas e fiquei indignada ao perceber que cumpri, como uma simples

executora, o que havia sido instituído por decisões de outros. Uma delas foi o Projeto

Monitoria, implantado no início dos anos 80, que previa a docência em três turmas de

Educação Infantil - eram noventa crianças de quatro anos para cada professora! Pré-

adolescentes, estudantes que cursavam entre a 5ª e 8a séries, alternavam comigo a regência de

classe. Isto quando não faltavam, pois o único incentivo que recebiam, para participar do

projeto, era o passe escolar.

Não havia preocupação com a formação dessas monitoras, afinal o projeto previa uma

parceria com o curso normal, que não deu conta de atender à demanda das escolas, garantindo

normalistas para todas elas. Também não havia nenhum acompanhamento do trabalho

pedagógico por elas desenvolvido. As monitoras eram simples guardiãs das crianças. Ficavam

“cuidando” das mesmas enquanto eu “dava” alguma atividade numa das três salas, e depois

íamos revezando as turmas. Elas chegavam exatamente no mesmo horário do início da aula,

era apenas o tempo de explicar-lhes superficialmente a atividade que seria proposta naquele

dia. Não passava de um desenho pronto para pintar, conforme “meu receituário” - um álbum

com sugestões de atividades para o período preparatório, fruto da formação que acabara de

concluir na Escola Normal, no ano anterior ao ingressar na Secretaria de Educação e assumir

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esse “desafio”. Como professora “novata”3, chegando à escola só me coube definir a idade

das crianças com as quais trabalharia, com a única experiência do estágio supervisionado, o

qual não incluiu experiências na Educação Pré-Escolar, somente algumas poucas observações

no Jardim de Infância daquela escola. Também provei o gostinho da catastrófica

Dinamização4 e do tedioso turno intermediário, conhecido como “turno da fome”, resultado

de mais uma política enviesada de democratização do acesso à educação. Muitas propostas

que, por trás do compromisso social, “colonizam” cada vez mais professores e sociedade.

Importante foi a participação sindical, que instigou os profissionais a se empenharem

para conquistar relevantes mudanças para a categoria. Conseguiram emplacar a luta e vencer

algumas dessas atrocidades educacionais, acabando com o projeto Monitoria e instituindo

inclusive, um plano de educação continuada no fim desta década, com a criação da Escola de

Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (EAPE)5, em 1986. Esta institucionalização

foi um marco importante e representou a possibilidade de oportunizar a educação continuada

e em serviço aos professores.

Com a institucionalização da EAPE, uma avalanche de cursos foi

disponibilizada aos professores. Mas participar desses cursos não era tão simples assim, afinal

não haveria possibilidade de atender à demanda, então a participação era controlada pelo

estabelecimento de critérios e um deles era o tempo de exercício no magistério. Essa busca

por conhecimentos se transformou em uma preocupação enviesada, pois algumas vezes o que

os professores buscavam, nestes cursos, era apenas acúmulo de pontos, fornecido pela carga

horária de seus certificados. Talvez poucos se interessassem se o curso lhes oportunizaria a

reflexão sobre suas indagações, se os levaria a pensar sobre os questionamentos que lhes

surgiam no dia a dia. Não importava se realmente lhes permitiria a ressignificação da prática

pedagógica, mas os proventos acrescidos no final do mês. Por trás dessa formação, estava um

3 No Distrito Federal, a escolha de turma realiza-se a partir da contagem de pontos entre os professores de uma escola. Um dos itens que contam mais pontos refere-se ao tempo de serviço. Dessa forma, os professores com menos tempo de serviço são sempre os últimos a escolher turmas. Nessa época, não havia gratificação para alfabetização - GAL – portanto as turmas de alfabetização e Educação Infantil ficavam sempre para serem escolhidas pelos últimos da lista. Com a instituição dessa gratificação, houve uma mudança nas intenções de alguns professores, que movidos pela vantagem de inserir a porcentagem dessa gratificação em seu salário, mesmo não tendo desejo de nessas turmas atuar, optam por elas porque têm a oportunidade de escolhê-las. 4 Estratégia utilizada para garantir ao professor a coordenação pedagógica. Um professor cuja denominação atribuída, Dinamizador, trabalharia com as crianças os conteúdos de Artes, Ensino Religioso e Educação Física, uma vez por semana, horário este em que o professor regente utilizava para realizar sua coordenação, planejando e organizando o trabalho que seria proposto durante a semana. 5 A Escola de Aperfeiçoamento de Professores – EAP, foi instituída em 1986, pelo professor Fábio Bruno, logo após foi extinta. Em 1997 foi recriada pela professora Eurides Brito como EAPE, conforme Lei Nº 1619/97, constante em seu histórico. Informações obtidas no dia 06 de novembro de 2007, em uma conversa com a professora Maria das Graças Carvalho, que atuou na EAP, naquela época, e no site www.se.df.gov.br, em 12 de setembro de 2005.

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plano de cargos e salários da categoria que exigia dos professores, a cada seis anos uma

determinada pontuação, de carga horária em cursos para avançar no plano de carreira.

Nesse tempo, o professor da SEEDF, com jornada de quarenta horas semanais tinha

regência de classe em duas turmas, uma a cada vinte horas, e apenas oito horas de

coordenação (quatro a cada vinte horas) para planejar as atividades que seriam desenvolvidas

durante a semana e ainda participar desses cursos de formação. Era o dia da Dinamização.

Enquanto o professor regente coordenava, as crianças ficavam sob a responsabilidade do

professor dinamizador, realizando atividades artísticas e recreativas.

Minha formação, promovida pelo curso Normal e até pelo curso de Pedagogia, parecia

frágil para que eu pudesse organizar meu trabalho docente de forma crítico-reflexiva. Busquei

insaciavelmente estes cursos e entre eles o “Vira Brasília a Educação”, realizado em dois

momentos. No primeiro, considerado curso de “atualização”, depois como especialização.

Foram momentos riquíssimos de descobertas que começaram a provocar mudanças

significativas na minha identidade profissional. Recessos, férias e finais de semana do ano

foram dedicados à presença em encontros promovidos nos mais variados locais: foyer do

Teatro Nacional, salas de aula da Escola Normal de Brasília, salas no Espaço Cultural 508

Sul. Quaisquer espaços que possibilitassem o diálogo entre a teoria e a ansiedade pelo

aprender de professores, da escola pública, irrequietos com as práticas pedagógicas até então

promovidas em sua sala de aula.

O plano de carreira previa que cursos de especialização corresponderiam a uma

gratificação de titulação, mas esse curso não foi validado pelo MEC, não valeu para esta

titulação. Apesar de não cumprir com parte de suas proposições – certificar-me, contribuiu

para minha formação, pois foi ele que oportunizou novas elaborações para que eu pudesse

trilhar de forma diferente o meu caminho de alfabetizadora. Compreendi os processos

percorridos pelos sujeitos ao aprender. Participei de pesquisas, discussões articulando teoria e

prática e percebi as necessidades das crianças para elaborar aprendizagens. Produzi um

ensaio, descrevendo as aprendizagens de uma das crianças da minha turma: “O

enganchamento de Wesley”.

O curso de Pedagogia que realizei pareceu-me, então, menos enriquecedor, mesmo

cursando a habilitação para Séries Iniciais, após a conclusão do Magistério do 2° grau. Havia

a separação entre docência e pesquisa. A monografia produzida apresentava conteúdos

desarticulados com a realidade da minha prática. Abordava a cultura dos índios xavantes – o

ritual do furo da orelha - e eu trabalhava com Educação Pré-Escolar em uma escola pública do

Distrito Federal (DF). A disciplina Didática proporcionava a discussão das técnicas e dos

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métodos, o que para Pimenta e Anastasiou (2002) e Chauí (1999) representa uma idéia

simplista e reducionista dos cursos de Pedagogia.

Se formação é, conforme Chauí, (2003:7), “[...] estimular a passagem do instituído ao

instituínte [...]” é apreender o presente interrogando-o, refletindo criticamente sobre ele,

elevando “ao plano do conceito o que foi experimentado como questão, pergunta, problema,

dificuldade”, acredito que este curso poderia ter enriquecido mais minha formação. Inclusive

foi validado pelo MEC e garantiu minha reclassificação de nível Médio para graduação.

A preocupação com a qualidade da formação, nos cursos de Pedagogia e Normal

Superior6 promoveu muitas discussões, envolvendo diversos órgãos e resultou na aprovação

das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), por meio da Resolução n° 1 do Conselho

Nacional de Educação/Conselho Pleno de 2006 - Resolução n° 1 (CNE/CP).

Essas diretrizes representam um grande avanço para a educação dos profissionais

docentes, uma vez que definem os princípios e as condições de ensino da educação superior

do País. Importante conquista no momento em que o oportunismo capitalista invadiu o campo

da educação inicial para os profissionais docentes mediante a extinção do curso de

Magistério, na rede pública de ensino do DF, a partir de 2003. A reformulação do artigo 62 da

LDB, Lei 9.394/96, determinou que a “formação de professores para atuar na educação

básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em

universidades e institutos superiores de educação” (grifo meu). E ainda, exigiu a educação

superior “como formação mínima para o exercício do magistério na Educação Infantil e nas

quatro primeiras séries do Ensino Fundamental” (grifo meu). Algo desejado por Anísio

Teixeira desde a década de 30, quando tentou criar o Instituto de Educação, por meio da

Escola de Professores - que seria articulada à Universidade do Distrito Federal (naquela

época, o Rio de Janeiro), sob o nome de Escola de Educação. Até os dias atuais esse Instituto7

não foi criado na rede pública do Distrito Federal, o que conseqüentemente, abriu espaço para

o afoitamento imedido das escolas particulares no oferecimento do curso Normal Superior

como porta de acesso à educação inicial docente.

6 Curso superior, criado a partir de 2003, em substituição ao curso Normal – nível Médio, em cumprimento à Lei 9394/96, que foi reformulada em seus artigos 62 e 63, determinando como formação docente para o exercício do magistério das séries iniciais e da educação infantil, o nível superior. Essa formação aconteceria no Instituto Superior de Educação. Não havendo, até o momento, instituições públicas atendendo à demanda, este espaço foi intensamente tomado pelas instituições privadas. 7 Conforme Evangelista (2001) foi criado em São Paulo, na década de 30, o Instituto de Educação da USP - IEUSP, uma experiência muito importante para a educação docente superior, no entanto em pouco tempo foi extinto. Informações obtidas no artigo: EVANGELISTA, Olinda. Formar o mestre na universidade: a experiência paulista nos anos de 1930. 2001. Disponível em: www.fundaj.gov.br/geral/educacao_foco/formar%20o%20mestre.pdf . Acesso em 20 de dezembro de 2007.

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18

Cabe também destacar que o conteúdo das DCN não representou consenso no grupo

de professores. Para alguns representou uma conquista, mas para outros expressou, ainda,

poucos avanços para a melhoria da qualidade do ensino, apontando a grande diversidade de

entendimentos que envolveram as mudanças propostas para o curso de Pedagogia.

A sociedade brasileira, principalmente a parcela formada pelos membros das camadas

populares, viu-se numa encruzilhada, antes o curso de Magistério já garantia a possibilidade

de emprego para seus filhos, e agora há possibilidade de melhoria na qualidade da educação

promovida, nas escolas públicas, uma vez que será realizada por profissionais com educação

superior. Uma perda que revelaria outros ganhos, porém a exigência da educação superior

para o exercício do magistério pode não garantir a boa qualidade na educação promovida nas

instituições públicas. A garantia da educação superior como educação inicial para o

magistério é realmente fato positivo, já que profissionaliza a docência, mas o campo

educacional para essa educação encontra-se em funcionamento precário, o que interfere na

qualidade da educação promovida. Situação embaraçosa que predomina neste momento, pois

a inexistência de um Instituto Superior de Educação no Distrito Federal possibilitou um

escasso espaço público8 destinado à educação inicial para o profissional docente.

Por meio do § 2o do art. 3o do Decreto nº 3.554 (2000), houve uma mudança na

exigência da formação mínima para o exercício do Magistério. Antes a lei havia garantido a

educação superior em como educação inicial docente, mas a adição da palavra

preferencialmente abriu uma brecha para que se possa ser professor sem ter a educação

superior, o que pode representar um retrocesso, uma vez que desobriga os governos, tanto

municipais como estaduais, a lutarem por sua consolidação.

Diante das necessidades historicamente comprovadas dessa educação, o Ministério da

Educação tem desenvolvido várias políticas na intenção de promover a educação continuada,

tanto média como superior. Os programas são desenvolvidos em parceria com os Sistemas

Municipais e Estaduais de Educação. Atualmente seis programas9 encontram-se em execução,

são eles: Rede Nacional de Formação Continuada de Professores, Pró-Letramento, Pró-

Licenciatura, Pro-Infantil, Programa Ética e Cidadania e Programa de Incentivo à Formação

Continuada de Professores do Ensino Médio.

A formação inicial superior deve ser primazia para o Magistério, pois essa era a única

profissão que não havia alcançado este patamar. A educação média é a instância da formação

8 No período entre 2003 a 2005, o espaço público de educação inicial superior para os profissionais docentes, no Distrito Federal, foi reduzido ao curso de Pedagogia oferecido pela Universidade de Brasília (UnB). 9 Informações sobre esses cursos estão disponíveis no site MEC: http://portal.mec.gov.br/seb/, no ícone Valorização dos Profissionais da Educação.

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19

do técnico. O médico, o advogado, dentre outros, têm garantido sua educação inicial superior.

Algo conquistado há tempos, mas para os docentes ainda se desenha um processo de luta,

incluindo a ampliação de políticas públicas para promoção da educação superior, o que vem

ganhando espaço, após as discussões sobre a reformulação dos artigos 61 a 63 da Lei 9394/96.

No Distrito Federal, a SEEDF oportunizou à maioria dos seus professores a educação

superior, para tanto estabeleceu um convênio com a UnB e promoveu o Curso de Pedagogia

para Professores em Exercício no Início de Escolarização – (PIE/SEEDF/UnB), mas mediante

alguns impasses, essa parceria foi repassada ao Centro Universitário de Brasília (UniCEUB),

que promoveu o Projeto Professor Nota 10.

Como professora mediadora10, participei do Curso PIE. Ao longo dessa vivência foi

escrita e inscrita muita história. Vitórias, derrotas, tristezas, alegrias, lutas constantes para

concretizar a instituição de alguns desejos, embate entre ideologias, perdas, celebrações, um

belo movimento do viver. Após a formatura dos professores-cursistas, retornei à escola em

que trabalhava antes, a escola das mudanças, que não era mais Escola Normal, mas Centro de

Ensino Fundamental 18 de Taguatinga (CEF 18). Digo escola das mudanças em todos os

sentidos, inclusive na própria nomenclatura e finalidade, pois com a extinção do curso

Normal, a escola passou a atender, exclusivamente, os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Com a implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos na cidade de Taguatinga - DF, por

meio do Bloco Inicial de Alfabetização (BIA), essa escola foi indicada para sediar um dos

Centros de Referência de Alfabetização (CRA).

Enquanto estive no curso PIE, acompanhei os embates da implantação deste programa

de governo, por meio das professoras-cursistas, em 2005, o que será relatado no capítulo I.

Nos últimos tempos, atuando como coordenadora pedagógica nos anos iniciais do Ensino

Fundamental, vivenciei mais uma contradição: alguns professores aceitavam as mudanças

conforme estavam sendo propostas, enquanto outros desejavam delas participar, comentando,

contribuindo com sua experiência e, até mesmo, rejeitando-as em alguns aspectos.

O grupo de professores que buscavam mudanças aproveitava o momento de

coordenação pedagógica para lutar, discutir, buscando romper com aquilo que estava sendo

instituído, alterando propostas, engendrando um novo modo de agir, enquanto outros,

apegados ao arraigado no processo educacional, cumpriam o que lhes estava sendo prescrito.

Essa situação demonstra a grande necessidade de se repensar a essência da coordenação

10 Nomenclatura utilizada para designar Professora colaboradora PIE, conforme carteirinha da UnB, expedida pelo Departamento de Recursos Humanos, em 18 de agosto de 2003 e ficha funcional expedida pela Secretaria de Recursos Humanos- UnB, em 02/12/2003.

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20

pedagógica e dos cursos de educação continuada que são propostos aos professores, para que

possam reelaborar e ressignificar o trabalho docente que realizam no cumprimento de sua

função social.

A educação continuada torna-se necessária para construir um novo olhar e desvelar as

intenções de certas ações, mas muitos profissionais ainda a vêem “como uma perda de

tempo”. Torna-se imprescindível construir uma outra cultura de educação continuada nas

escolas, como lócus privilegiado para que ocorra essa educação. Dessa forma, além de

envolver os profissionais docentes nas discussões sobre as propostas pedagógicas das quais se

vêem alijados de sua concepção, despertando nos professores executores o desejo de ser

construtores, poderia instituir um trabalho docente desvinculado do senso comum. Poderia

instigar os professores a pensarem sobre a complexidade que os envolve, a olhar para si e

refletir criticamente sobre sua ação.

Diante disso, emergiram muitas angústias, incentivando-me a buscar sua compreensão.

No espaço dessa instituição escolar, eram poucos os elementos que as acalentavam, o que

sugeriu uma busca para além de seus muros. Ao irromper esse espaço, houve uma sintonia

entre o que vivi durante o tempo em que estive na universidade, como professora

colaboradora em um curso de educação continuada, e aquilo que ali faltava. Essa vivência me

permitiu olhar para a realidade com a qual me defrontara nesse momento, percebendo lacunas.

Havia a necessidade de ressignificar o espaço/tempo destinado à reflexão e à própria reflexão

em si, conforme apontam diversos autores, dentre eles Pimenta e Gedin (2005), Pimenta e

Anastasiou (2005), permitindo ao professor rever o que faz, repensar suas práticas

pedagógicas cotidianas. Provocar-lhes um olhar introspectivo – para reolhar para si e, ao

mesmo tempo, olhar para fora de si, reolhar as crianças, os outros que os circundam, a

complexidade que envolve sua profissão, a educação como uma prática social capaz de

emancipar, enfim, desnudar um novo olhar.

Toda essa situação incentivou-me a pensar na possibilidade de ingressar no curso de

Mestrado para ajudar na compreensão de tantas angústias e desafios. Imersa nesse novo

contexto, pude ampliar e ressignificar minhas concepções sobre trabalho docente, educação

continuada e teoria e prática pedagógicas à luz de estudos como os de Tardif (2002), Pimenta

Ghedin (2005), Freitas (2002, 2003, 2005), Candau (2003) Marin (1995, 1998, 2003),

Vázquez (1977), dentre outros autores.

O problema a ser investigado pela presente pesquisa voltou-se para esse tema. Para

defini-lo foram necessárias muitas outras formulações, finalizando na busca pela compreensão

de como professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública

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21

do Distrito Federal articulam educação continuada proposta pelo BIA, coordenação

pedagógica e trabalho docente?

A busca pela compreensão desta indagação apontou a necessidade de incluir algumas

questões de apoio:

� Que concepções de educação continuada alicerçam a proposta pedagógica do

BIA?

� Como o tempo e o espaço da coordenação pedagógica desenvolvida na escola

articulam-se à educação continuada proposta pelo BIA?

� Como as professoras articulam as possíveis contribuições desencadeadas pelo

processo de educação continuada proposta pelo BIA ao trabalho docente que

desenvolvem?

Diante dessa complexidade, busquei envolver-me em um contexto sócio-histórico

cultural, enveredando pelos caminhos percorridos pelo BIA, para compreender a questão

central desta pesquisa, que tem como objetivo geral:

� Investigar como professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma

escola da rede pública do Distrito Federal articulam a educação continuada

proposta pelo BIA ao trabalho docente que desenvolvem.

Para compreender como são tecidas essas articulações, observei o contexto em que

ocorreram e a partir das informações obtidas busquei traçar um diálogo rizomático entre elas e

as teorias nas quais me apóio, num processo reflexivo, buscando responder às inquietações

dessa investigação. Para tanto se tornou necessário definir alguns propósitos específicos:

� Analisar as concepções de educação continuada que alicerçam a proposta

pedagógica do BIA;

� Analisar como o espaço da coordenação pedagógica desenvolvida na escola

articula-se às propostas de educação continuada oportunizadas pelo BIA;

� Analisar como as professoras articulam as possíveis contribuições

desencadeadas pelo processo de educação continuada proposta pelo BIA ao

trabalho docente que desenvolvem.

Para investigar esses objetivos foi necessário conhecer os contextos históricos, sociais,

culturais e organizacionais que envolviam o espaço investigado. Alves-Mazzotti (2002)

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22

enfatiza a importância do referencial teórico para iluminar o caminho a ser percorrido pelo

pesquisador durante toda a pesquisa, delineando os fios que a conduzem. Neste caso, o

arcabouço teórico foi fundamental para a definição do problema, para a escolha dos

procedimentos e instrumentos metodológicos e, principalmente apoiar as análises

desenvolvidas.

O contato com uma parte do conhecimento produzido sobre os temas que envolvem

meu questionamento oportunizou-me elaborar a tessitura aqui apresentada. Assim, começo

descrevendo, no primeiro capítulo, os rumos investigativos percorridos, apresentando o

contexto em que transcorreram, e as ações realizadas durante o tempo despendido na obtenção

de informações sobre o problema investigado.

No segundo capítulo, apresento a proposta do Distrito Federal para a ampliação do

Ensino Fundamental de Nove Anos, o Bloco Inicial de Alfabetização. No qual busco

recuperar a historicidade do contexto em que ocorreu sua implantação, priorizando o

espaço/tempo da educação continuada oportunizada aos docentes atuantes no BIA, por meio

do Centro de Referência em Alfabetização/Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga –

CRA/CEF 18.

Essas situações de educação continuada possibilitaram aos professores atuantes no

BIA tecer algumas articulações entre elas e o trabalho docente que realizaram, o que procuro

abordar no terceiro capítulo. Essas articulações ocorreram entre as diferentes atividades

realizadas pelos professores, ao desenvolverem o trabalho docente. Trabalho esse que envolve

uma totalidade de situações, portanto tornou-se relevante destacar o cenário em que ocorreu,

incluindo o espaço/tempo destinado à coordenação pedagógica. Esse momento resultou da

luta dos docentes na conquista de um espaço/tempo para discutir o trabalho docente que

desenvolvem no cotidiano escolar, compreendendo-o como uma prática social que demanda

estudos, reflexões e análises críticas à luz de diferentes teorias. Outro aspecto importante

refere-se às diversas situações que influenciaram e influenciam a constituição da identidade

do profissional docente, bem como a compreensão da realidade em que desenvolve seu

trabalho.

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1. A TESSITURA DOS RUMOS INVESTIGATIVOS

Se a aparência e a essência dos fenômenos fossem a mesma coisa, a ciência seria desnecessária. (KARL MARX, 1971)

A compreensão de uma determinada situação demanda a investigação do contexto em

que ocorre de forma que sua aparência seja desvelada, permitindo conhecer sua essência.

Desvelar a aparência suscita pesquisar, investigar, questionar, espiar, considerando

complexidades, especulando a conjuntura rizomática envolvida. Rizomática no sentido

utilizado por Deleuze e Guattari (1995) apresentado por Dandolini e Brito (2005). Os autores

dizem que para Deleuze e Guattari (op. cit.) os rizomas ramificam e se articulam entre si de

forma que um ponto qualquer se liga a outro ponto qualquer, em um sistema acêntrico, não

hierárquico e não significante. Nesse sentido, a complexidade que envolve um certo contexto

apresenta-se como a tessitura de uma rede. Os entrelaçamentos ocorrem indo e vindo entre os

fios, não necessariamente organizados, mas amalgamados, numa mistura, em que a seqüência

não produz um desenho perfeito da teia, mas um emaranhado que permite um encontro dos

diferentes fios, conforme expressa a figura apresentada ao final deste capítulo.

A pesquisa, nas ciências sociais, promoveu inúmeras discussões sobre os paradigmas

adotados, uma vez que se apresenta como processo de interpretação de uma realidade,

envolvendo um processo de construção do conhecimento de um objeto e apresentando um

ponto de vista epistemológico (SEVERINO, 2006). Dessa forma, a objetividade e a

radicalidade das ciências naturais começaram a ser questionadas. Quando um conhecimento é

veiculado e debatido pela sociedade pode interferir nas produções e definir possíveis

aplicações. Alguns conhecimentos são refutados enquanto outros são ampliados. Prova disso é

que, por muitos anos, Plutão foi considerado um planeta, hoje não o é mais, de acordo com as

explicações de Oliveira e Cavalcante (2006). Outro ponto apresentado por diversos autores e

que oportunizou a reflexão crítica sobre o processo de pesquisa, refere-se à questão da

subjetividade em que a interpretação passa pelo modo de ver, pelas concepções do

pesquisador. Gonzáles Rey (2005) apresenta-a como uma singularidade, que expressa uma

situação à maneira de cada um. Sendo assim, uma pesquisa perde sua objetividade, uma vez

que a subjetividade estará nela implícita, por mais que o pesquisador queira dela se esquivar.

O que explica Alves-Mazzotti e Gewandsznajer (2002) ao comentarem que, o pesquisador

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24

como principal instrumento de investigação, ao fornecer informações sobre suas experiências

pessoais e profissionais revela o ponto de vista dado às interpretações dos fenômenos por ele

observados.

Com este olhar, analisei uma realidade, que se passou num determinado momento

sócio-histórico-cultural, tendo como foco de investigação o contexto educacional, buscando

compreendê-lo em suas inter-relações. A complexidade em que se apresenta este contexto

incitou um recorte para delimitar os aspectos que foram considerados nesta investigação, sem

a intenção de desprezar a totalidade em que ocorreu o fenômeno.

Nesse sentido, a proposta metodológica da presente pesquisa pauta-se na abordagem

qualitativa. Nela o pesquisador participa do cenário em que são construídas as relações que

pretende investigar, a fim de interpretar os elementos que dão a ela significação. Gonzáles

Rey (2005) diz que essa participação possibilita o diálogo e a reflexão entre os sujeitos da

pesquisa na medida em que será articulada e conduzida por um pesquisador ativo. O que

transcorre numa atmosfera natural, humanizada, estimulando a participação e o desvelamento

dos sujeitos subjetivos envolvidos.

1.1. A escola pesquisada

A compreensão da complexidade que envolve as ações dos sujeitos em seu espaço

social demanda a inserção do pesquisador no campo onde a pesquisa transcorre, portanto a

compreensão do problema desta pesquisa determinou minha imersão no locus em que se

manifestou o fenômeno que investiguei, uma escola pública do DF, o Centro Ensino

Fundamental 18 de Taguatinga – CEF 18. Optei pela identificação da instituição, pois a

garantia de seu anonimato tornou-se difícil, uma vez que as características a ela peculiares,

apresentadas no decorrer desta pesquisa, revelariam sua identificação. Assim, a opção foi

revelar sua identidade, o que foi feito após obter a autorização (Apêndice A) dos membros

que ocupavam o cargo de sua direção.

A opção por desenvolver a investigação que ocorreu no CEF 18, deveu-se aos

seguintes critérios:

� pela função que desempenhou na implantação do programa BIA como Centro

de Referência em Alfabetização – CRA, investindo na formação docente,

dinamizando o espaço/tempo da coordenação pedagógica e resgatando o papel

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25

do coordenador pedagógico para a construção de um trabalho pedagógico

diferenciado, na intenção de promover a alfabetização e o letramento de todas

as crianças matriculadas no BIA;

� pelo reconhecimento tanto da comunidade como da Diretoria Regional de

Ensino de Taguatinga (DRET), pela realização de um bom trabalho pedagógico

por esta escola, constituindo-se como Centro de Referência em Alfabetização;

� por contar com o atendimento às três etapas do BIA; o que oportunizou o

desenvolvimento desta pesquisa com professoras que atuam em diferentes

etapas do Ensino Fundamental de Nove Anos – BIA;

� pela acolhida das professoras para participarem da pesquisa;

� por ter em sua historicidade a marca de uma escola de formação, o que poderia

enriquecer a pesquisa.

O CEF 18 localiza-se no Setor “D” Sul, de Taguatinga11-DF. Uma cidade que fica a

20,9 Km de Brasília e abriga uma população de 259.123 mil habitantes. A área ocupada pelo

CEF 18 fica em um espaço privilegiado: às margens do córrego Taguatinga e ao lado de uma

reserva ambiental, o Parque Saburo Onoyama, conforme mostra a figura 1.

Figura 1 – Mapa da cidade de Taguatinga, área Sul

Fonte: <http://fa23.sites.uol.com.br/mapadodf.htm.> Acesso em 21 de junho de 2007

11 Informações obtidas no site do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (população) e da Secretaria de Turismo (distância).

CEF 18

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Figura 2 - CEF 18 de Taguatinga

Fonte: www.se.df.gov.br. Acesso em fevereiro de 2007.

O CEF 18 possui uma extensa área verde, uma bela paisagem proporcionada pela sua

localização comprovada pelas figuras 2 e 3:

Conforme informações extraídas do Projeto Político Pedagógico (2006: 6) esta

instituição de ensino “foi fundada em 05 de março de 1970, e solenemente inaugurada no dia

30 de março desse mesmo ano”. Recebeu, inicialmente, o nome de Centro Educacional de

Taguatinga Sul e atendia ao Ensino Fundamental - 1a a 6a séries e Ensino Médio, cursos

profissionalizantes de Auxiliar de Contabilidade, Auxiliar de Administração, Auxiliar de

Figura 3 - vista interna do CEF 18

Fonte: www.se.df.gov.br. Acesso em fevereiro de 2007.

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Escritório e Auxiliar de Biblioteca. Ainda na década de 70, houve a transferência do Curso

Normal, ofertado pelo Centro Educacional Ave Branca para esta escola, por esse motivo, na

década posterior, passou a chamar-se Escola Normal de Taguatinga. Com o término do curso

normal em 2003, foi novamente renomeada para Centro de Ensino Fundamental 18 de

Taguatinga, em 2005, atendendo aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Além disso,

possui o atendimento às crianças com Altas Habilidades educativas em diferentes habilidades;

crianças com déficit intelectual, na Sala de Recursos, na Equipe de Apoio à Aprendizagem e,

ainda, no Atendimento Psicopedagógico. Em 2006, com a implantação do Bloco Inicial de

Alfabetização, em Taguatinga, foi uma das escolas caracterizadas como Centro de Referência

em Alfabetização.

O Quadro 1 apresenta informações referentes ao ano de 2007, incluindo o atendimento

realizado pelas Equipes Altas Habilidades e Apoio à Aprendizagem, e pelos Professores que

atuam na Sala de Recursos.

Quadro 1– Atendimento aos estudantes no ano de 2007

Fonte: Carreira Magistério Público do Distrito Federal - Modulação 2007 - CEF 18 de Taguatinga, e informações coletadas pela pesquisadora em contato com os responsáveis por cada uma das especialidades.

A partir dos dados fornecidos pela Modulação (2007), percebi que dentre as crianças

matriculadas no CEF 18 a maioria das cursava o BIA, conforme mostra a figura 4.

Etapa I - BIA Etapa II - BIA Etapa III - BIA 3ª Série 4ª Série

04 turmas 05 turmas 06 turmas 04 turmas 04 turmas

Alunos = 112 Alunos = 138 Alunos = 176 Alunos = 111 Alunos = 104

Altas Habilidades Educativas Equipe de Apoio à Aprendizagem Sala de Recursos

Atende a todas as crianças das Regionais de Ensino de Taguatinga e Samambaia, num total de aproximadamente 250 alunos, incluindo 23 do CEF 18.

Atende, preventiva e esporadicamente, às 641 crianças matriculadas no CEF 18 e, sistematicamente, a 40 crianças, por mês. Também atende aos pais e à classe de professores, quando solicitadas. Realiza oficinas discutindo as questões inquietantes no ambiente escolar.

Atende às crianças encaminhadas pelas 14 escolas situadas em Taguatinga Sul, incluindo 17 crianças do CEF 18.

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Figura 4 - Alunos distribuídos em etapas e séries

BIA65%

3ª e 4ª séries35%

Fonte: Modulação 2007 - CEF 18

As professoras regentes, interlocutoras desta pesquisa, atuam no turno matutino. Nesse

turno, ficou concentrada a maioria dos alunos matriculados nesta escola, conforme apresenta a

figura 5.

Figura 5 - Turmas do BIA

Vespertino47% Matutino

53%

Fonte: Modulação 2007 – CEF 18

Esta escola conta com a participação de cinqüenta e cinco profissionais da carreira do

Magistério, distribuídos em diferentes funções, conforme demonstra a figura 6.

Page 29: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

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Fonte: Carreira Magistério Público do Distrito Federal - Modulação 2007 - CEF 18 de Taguatinga.

O CEF 18 conta com a participação de quarenta trabalhadores da Carreira Assistência

à Educação, distribuídos em diversas funções conforme ilustra a figura 7.

Figura 7 - Trabalhadores da Carreira Assistência à Educação

Vigia 4

Portaria 3

Serviços Gerais – readaptados

5

Merendeira 2 Apoio

Administrativo 7

Auxiliar em Educação -

conservação e limpeza

19

Fonte: Carreira Magistério Público do Distrito Federal - Modulação 2007

Figura 6 - Profissionais da Carreira Magistério

Professores readaptados; com

Limitação de Atividades e em

processo de Readaptação Funcional

4

Professores fora de regência – apoio à

direção1

Professores excedentes: Licença médica até

aposentadoria1 Equipe

Psicopedagógica2

Professoras 3ª E 4ª Séries

8

Servidores em cargo comissionado

3

Orientador Educacional1

Coordenadoras3

Altas Habilidades9

Laboratório de Informática

0Sala de Apoio / Sala de

Recursos 3

Sala de Leitura0

Professores BIA 15

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30

Entendendo cultura como uma categoria associada a tradições e costumes, a escola

torna-se, então, um espaço multicultural que propicia o entrelaçamento entre elas e que,

portanto institui um modo de aprender característico a cada instituição. A esse respeito Pérez

Gomes comenta

o responsável definitivo da natureza, sentido e consistência do que os alunos aprendem na sua vida escolar é este vivo, fluido e complexo cruzamento de culturas que se produz na escola entre as propostas da cultura crítica, que se situa nas disciplinas científicas, artística e filosóficas; as determinações da cultura acadêmica, que se refletem no currículo; as influências da cultura social, constituídas pelos valores hegemônicos do cenário social; as pressões cotidianas, da cultura institucional, presente nos papéis, normas, rotinas e ritos próprios da escola como instituição social escolar específica, e as características da cultura experencial, adquirida por cada aluno através da experiência dos intercâmbios espontâneos com seu entorno (1998: 17 apud MOREIRA e CANDAU, 2003, grifo meu)

Pérez Gomes (1998) aborda, dentre outras, a cultura institucional, o que me pareceu

coadunar com o proposto por Candau (2003) como cultura escolar. Partindo desse

pressuposto, há um imaginário social para o conceito de escola e algo que especifica cada

uma delas. Nos dizeres de Candau (2003) cultura escolar envolve as representações sociais

atribuídas ao que se constitui como conceito de escola em uma sociedade. A autora considera

cultura escolar como a estrutura e o processo organizacional padronizado pela instituição,

incluindo a distribuição dos tempos e espaços, seus rituais, valores, crenças e pressupostos de

ação. Candau (2003) acrescenta que no cotidiano de uma escola, além da cultura escolar,

também se fazem presentes a cultura da escola e o universo cultural de cada um dos sujeitos

que dele participam.

A autora atribui à cultura da escola àquilo que se torna peculiar a cada escola, o que a

distingue, a singulariza, constituindo-se como sua identidade, uma totalidade de ações

cotidianas que inculca, nos sujeitos, um modo de conviver coletiva e socialmente. A escola

torna-se, também, um fecundo espaço de manifestações culturais, oportunizando a

convivência com diferentes modos de ver e viver no mundo.

Dessa forma, a vivência no contexto do campo de pesquisa oportunizou-me

compreender a cultura da escola que caracteriza seu cotidiano, pois tanto o CEF 18 como toda

instituição de ensino se encontra imerso em uma cultura escolar que lhe é peculiar. O tempo

escolar foi distribuído em um dos dois turnos, em um período de cinco horas, atendendo no

matutino - das 7 horas e 30 minutos às 12 horas e 30 minutos, e no vespertino - das 13 horas

às 18 horas. Ao chegar a esta escola, as crianças se adaptam aos rituais que ali ocorrem.

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31

Todos os dias elas entravam na escola, dirigiam-se até sua sala de aula e deixavam seus

materiais escolares, depois conduziam-se ao pátio da entrada, acomodavam-se, sentadas no

chão e em fila, organizadas conforme a disposição das salas de aula. A ordem das turmas

seguia a lógica de que os primeiros a se conduzirem para a sala eram aqueles que ocupam as

últimas salas de cada um dos dois blocos, e os últimos, os que ocupam as primeiras salas.

Nesse local, permaneciam por um período de quinze a vinte minutos, enquanto um dos

membros da equipe da direção coordenava as atividades ali realizadas.

Geralmente esse momento de entrada das crianças na escola era aproveitado para o

repasse de avisos que envolviam o coletivo, como por exemplo, informações sobre a

Associação de Pais e Mestres, sobre os cuidados com um material adquirido pela escola e que

estaria disponível para o uso de todos durante o horário do recreio12. Logo em seguida, as

crianças eram incentivadas a cantar algumas músicas infantis, aproximadamente duas ou três

canções. Encerravam o momento com a realização de uma oração. A cada dia eram

convidadas duas crianças de uma determinada turma para fazer uma oração espontânea,

concluindo com o coletivo orando o Pai Nosso, considerado oração universal. Depois desse

momento, as crianças se dirigem para sua sala de aula – entrada na sala de aula.

Toda sexta-feira, a entrada na escola ocorria no pátio interno da escola para a

realização do Momento Cultural. As crianças, durante a semana, se organizavam para uma

apresentação; sozinhas ou com a ajuda da professora. No início do semestre, a maioria das

apresentações envolvia danças com coreografia de alguma música de sucesso daquele

momento. Após algum tempo, os assuntos trabalhados em sala de aula começaram a dominar

tais apresentações. Havia declamação de poesias, leituras de textos produzidos pelas crianças

e de pequenas histórias. Essas apresentações dependiam do contexto vivido tanto na escola,

em casa, como na sociedade.

A partir do número de turmas de cada turno, foi organizado o horário do lanche13, as

crianças menores eram as primeiras a lanchar. O tempo reservado para o lanche era,

relativamente de quinze minutos. Cada turma, de acordo com o cronograma organizado, se

dirigia ao refeitório, onde eram servidos pela merendeira e sentavam em grandes mesas para

degustar a merenda escolar. Havia também uma lanchonete particular, resquício da época em

que a escola atendia ao Ensino Médio. No segundo semestre, finalmente a lanchonete foi

12 Nesse caso uma mesa de ping-pong, situação ocorrida na entrada das crianças na escola no dia 19 de março de 2007, conforme anotações do Protocolo de observações constante no Porta-fólio por mim organizado durante o processo de elaboração desta pesquisa. 13 Nesta escola o lanche é servido às crianças no refeitório - um espaço amplo, com mesas grandes, localizado no pátio coberto, perto da cantina. Todos os dias as professores conduzem as crianças até esse espaço para lancharem. O momento do recreio, ocorre logo após o lanche, em um espaço aberto.

Page 32: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

32

fechada. Meados de cada turno ocorria o Recreio, com a duração de vinte minutos. Nesse

tempo, todas as crianças ficavam em um espaço da escola que tem um parquinho, uma quadra

e um espaço livre arborizado.

Para o enriquecimento das atividades pedagógicas, a escola organizou, conforme suas

possibilidades, um Cronograma de Atividades, incluindo o atendimento na Biblioteca, Sala

de Vídeo e Recreação. O horário em que as turmas estavam na recreação era utilizado pelas

auxiliares à educação para realização da faxina da sala de aula, uma vez que a limpeza diária

ocorria em menos de quinze minutos. O curto intervalo de meia hora entre um turno e outro, e

o número reduzido de auxiliares não permitia que a faxina completa fosse realizada

diariamente.

Havia também um Laboratório de Informática, que não estava atendendo às crianças,

porque a professora que desenvolvia os projetos nesse espaço encontrava-se em regência de

classe desde o início do ano letivo. Até o momento não assumira suas atividades, pois ainda

não havia chegado substituta para a regência na turma na qual se encontrava, mesmo diante

dos constantes pedidos realizados pela direção escola.

O tempo escolar ficava distribuído entre Entrada na escola, Recreio e Saída, o que

era informado a todos, por meio de um sinal eletrônico que tocava uma música. Cada sala de

aula, conforme o modo de ser de sua professora, apresentava também uma rotina escolar,

conforme descrito na apresentação dos achados desta pesquisa. A complexidade escolar se

completa, considerando as singularidades culturais de cada um dos personagens que dela

participam, bem como da comunidade e sociedade da qual fazem parte.

1.2. As interlocutoras da pesquisa

Alves-Mazzoti e Gewandsznajer (2002: 174) propõem que “os sujeitos [participantes

sejam] escolhidos de forma proposital, em função de suas características, ou dos

conhecimentos que detêm sobre os interesses da pesquisa”. Dessa forma participaram desta

investigação três professoras atuantes nas diferentes etapas do BIA, duas professoras

coordenadoras pedagógicas, uma do CRA/CEF 18 em 2006, e outra do BIA no CEF 18, no

ano de 2007, e três professoras participantes da equipe do BIA no ano de 2007, caracterizadas

conforme informações contidas no quadro 2:

Page 33: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

33

Quadro 2: Participantes da Pesquisa14

Dados coletados pela pesquisadora a partir das entrevistas realizadas com as interlocutoras.

- As três professoras atuantes nas diferentes etapas do BIA foram escolhidas mediante os

critérios a seguir:

� docentes que atuam há mais de 8 anos nesta escola e, assim sendo conhecem a

cultura institucional e gozam de experiência docente nas séries iniciais;

� participantes das atividades de educação continuada, o que permitiu analisar

como são interpretadas as contribuições oportunizadas pelo BIA no trabalho

docente que desenvolvem;

14 Na tentativa de preservar a identidade das professoras participantes, serão utilizados, no decorrer da pesquisa, os pseudônimos correspondentes a cada uma delas. Assim como todos os nomes citados na pesquisa são fictícios. 15 Núcleo de Monitoramento Pedagógico (NMP) pertencente à Diretoria Regional de Ensino (DRE), antigo Núcleo de Coordenação Pedagógica (NCP)

Professora

Função Tempo de

docência

Tempo de

escola

Tempo com alfabetização

Formação acadêmica

Maria Professora da Etapa I 26 8 25 � Magistério; � Pedagogia: Magistério do 2º grau, Séries Iniciais; Alfabetização.

Suzi Professora da Etapa II

23 14 20 � Magistério; � Pedagogia: Magistério do 2º grau, Séries Iniciais; Alfabetização.

Lara Professora da Etapa III

28 12 5 � Magistério; � Pedagogia Magistério do 2º grau e Administração

Ana Coordenadora Pedagógica do BIA

21

4

2

� Magistério; � Pedagogia: Magistério do 2º grau e Séries Iniciais

Lúcia Coordenadora do CRA/CEF 18

17 2 5 � Magistério � Educação Física

Jane Coordenadora do CRA Norte

16 3 6 � Magistério � História

Meg Membro do NMP15 17 1 10 � Magistério � Pedagogia: Séries Iniciais

Page 34: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

34

� atuantes em diferentes etapas do BIA: uma professora regente na etapa I, uma

na etapa II e outra na etapa III, o que possibilitou a análise das interpretações

no contexto geral do Bloco.

A compreensão do contexto em que ocorreu o processo de educação continuada

proposta a essas professoras sugeriu a inclusão de outras duas interlocutoras:

- A coordenadora do BIA no CEF 18, justificou-se pelas funções que desempenhou como:

� coordenadora das atividades propostas durante as coordenações pedagógicas

das quais participaram as professoras interlocutoras desta pesquisa;

� participante das coordenações pedagógicas ocorridas na escola e fora dela;

� participante do Fórum de Coordenadores;

� participante dos momentos de educação continuada propostos pelo BIA.

- A coordenadora do CRA/CEF 18, justificou-se pelo fato de que foi:

� coordenadora do espaço em que o curso “Alfabetizando no BIA” foi

promovido;

� coordenadora da equipe de revisão da proposta pedagógica para o BIA;

� coordenadora das reuniões para o acompanhamento do trabalho docente

desenvolvido pelas escolas pertencentes a este CRA, incluindo o CEF 18;

� coordenadora das oficinas e do Fórum de Coordenadores;

� organizadora do registro sistematizado dos planejamentos e avaliações das

situações de educação continuada promovidas por este CRA;

� coordenadora das situações de educação continuada propostas pelo CRA/CEF

18, o que possibilitou o contato com todos os professores participantes desses

eventos.

Inicialmente foi incluída como interlocutora apenas a coordenadora do CRA/CEF 18

(2006), conforme critérios descritos anteriormente, mas as mudanças realizadas em 2007,

demandaram a inclusão de toda a equipe do CRA/CEF 18. Essa decisão justificou-se pelas

funções por ela desempenhada como:

� coordenadora das atividades realizadas conforme a proposta do ano de 2006,

descritas nos quatro últimos critérios de escolha da coordenadora do CRA/CEF

18,

Page 35: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

35

� coordenadora do curso “Alfabetização no Ensino Fundamental de Nove Anos:

Ressignificando a prática pedagógica à luz do pós-construtivismo”.

Durante a realização da investigação, ocorreram diversas mudanças no contexto

investigado, o que indicou a necessidade de se redefinir alguns de seus personagens, pois a

realidade de uma escola se reconfigura a cada início de ano. As pessoas transitam entre as

diferentes possibilidades que envolvem o trabalho docente, seja na regência de classe em

outra etapa/série; seja na coordenação pedagógica da escola ou do CRA; seja na função de

apoio à direção, ou em quaisquer outras funções.

Essa reconfiguração depende da realidade da escola e dos personagens que dela

participam. Desse modo as informações constantes nesta pesquisa foram obtidas num período

em que diferentes personagens ocupavam determinada função, o que ocorreu com a

coordenação pedagógica do CRA/CEF 18 que no ano de 2006 foi coordenado por uma

professora, sendo redefinida em 2007. Sendo assim, nos momentos referentes à coordenação

pedagógica realizada pelo CRA/CEF 18 em 2006, optei por utilizar o termo designado à

função - coordenadora pedagógica - e, ao apresentar informações sobre o trabalho realizado

em 2007, utilizo os pseudônimos adotados para cada uma delas, conforme informado no

quadro 2.

As professoras regentes - das três etapas do BIA - permaneceram em sua função no

decorrer desta pesquisa, o que me possibilitou vivenciar o cotidiano da sala de aula,

percebendo a singularidade do trabalho realizado por elas, ou seja, oportunizou-me conhecer a

cultura do trabalho que realizaram e realizam. Para Tardif essa cultura representa “uma certa

superposição entre os conhecimentos do professor e a cultura profissional da equipe de

trabalho e do estabelecimento” (2002: 101). Nesse caso, o professor costuma aderir aos

valores do grupo, partilhando com outros sua vivência profissional e trocando conhecimentos,

o que permite uma associação entre os seus saberes, o tempo e o trabalho. São associações

que permitem rotinas, constituindo-se “modelos simplificados de ação, elas envolvem os atos

numa estrutura estável, uniforme e repetitiva” (ibid.). Tardif comenta que o conhecimento

dessa rotina torna-se importante “para entender a vida na sala de aula e o trabalho do

professor” (ibid.). Assim, cada uma das professoras pesquisadas apresenta um estilo de

trabalho personalizado que as singulariza e diferencia.

Page 36: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

36

1.3. Procedimentos e instrumentos

A busca de informações sobre as questões investigadas suscitou o uso de instrumentos

que possibilitaram a coexistência de diálogos, expressando a trama social constituída de forma

espontânea, oferecendo subsídios relevantes e instigantes para a definição dos rumos da

pesquisa.

Os instrumentos, definidos conforme o foco desta investigação, possibilitaram a

obtenção de relevantes informações. Para produzi-los tornou-se imprescindível rever o que foi

proposto no projeto de pesquisa: quais procedimentos haviam sido anunciados, quais as

situações e interlocutoras se articulavam com cada um deles. Iniciei a elaboração dos roteiros

quando estava finalizando o projeto de pesquisa, organizando os aspectos abordados em cada

um de seus eixos. Quando comecei a realizar as observações, foi necessário finalizar a

organização do roteiro, retomando a leitura do arcabouço teórico produzido, e considerando o

que havia sido priorizado nos objetivos da pesquisa. Pude perceber a importante

interdependência teórico-metodológica que orientou a investigação. Elaborei três roteiros, um

para nortear a observação das situações de educação continuada (Apêndice B), outro se

referindo ao trabalho docente (Apêndice C), e o terceiro sobre a coordenação pedagógica

(Apêndice D). Os itens pontuados permitiram organizar os achados, observando as questões

que ainda precisavam ser investigadas.

Por meio das observações, acompanhei, sistematicamente, as atividades realizadas no

CEF 18 durante o primeiro semestre de 2007, gravando-as. Estive no campo de pesquisa por

342 horas - desde o primeiro dia de retorno dos professores, em 2007, momento em que se

iniciou a Semana Pedagógica e lá permaneci até o recesso de julho. Durante o segundo

semestre, continuei observando o curso proposto pelo CRA aos professores atuantes no BIA,

e observei alguns momentos de coordenação pedagógica, o fórum de coordenadores e o

trabalho realizado em sala de aula, entre agosto e setembro, totalizando 26 horas. Ao todo a

pesquisa foi desenvolvida em, aproximadamente, 368 horas. Conforme os fatos aconteciam,

fui organizando os achados, considerando os objetivos previstos. As observações foram

realizadas de acordo com o rumo apontado pelas necessidades que envolvem o trabalho

docente. Observei as atividades desenvolvidas no espaço/tempo da coordenação pedagógica,

o trabalho realizado, em sala de aula e as situações de educação continuada - curso, oficinas,

palestras e fórum. A situação vivenciada impeliu-me a participar do curso promovido no CRA

Page 37: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

37

(2007) e de algumas atividades ocorridas na escola, como o Reagrupamento Interclasse e o

Projeto Interventivo, o que será apresentado posteriormente.

O Calendário Escolar do ano de 2007 propôs a realização do Encontro Pedagógico16

na primeira semana, incluindo dentre as atividades previstas, a escolha de turma.

Oportunidade que permitiu a definição das três professoras atuantes nas diferentes etapas do

BIA e da coordenadora pedagógica da escola, deixando indefinido o cargo para coordenação

deste CRA.

A escolha das professoras docentes ocorreu num convite à equipe do BIA, após a

apresentação das intenções da pesquisa, realizada no momento da coordenação pedagógica,

em fevereiro de 2007. Nesse momento, argumentei que necessitaria de cinco interlocutoras,

sendo uma professora de cada uma das etapas e as coordenadoras pedagógicas do BIA e do

CRA. Logo duas professoras, uma da etapa I e outra da etapa II apresentaram interesse em

desenvolver o trabalho comigo. Na etapa III, todas as professoras se disponibilizaram a

participar. Na intenção de manter o equilíbrio entre o número de interlocutoras, realizei um

sorteio entre elas, definindo a terceira interlocutora. A coordenadora do BIA havia sido

escolhida pelo grupo, mas diante da situação político-educacional, ficaria em sala de aula até

que chegasse uma professora para substituí-la, e até aquele momento, ainda não havia

coordenadora para o CRA/CEF 18.

Além das observações, realizei entrevistas semi-estruturadas com todas as

participantes da pesquisa, totalizando, aproximadamente 4 horas. Momentos anteriores às

entrevistas foram dedicados ao seu planejamento. Para realizar esse procedimento foi

necessário organizar um outro instrumento, o roteiro para cada uma das entrevistas. Para

elaborá-los foi necessário rever os três roteiros produzidos anteriormente, considerando os

pontos neles destacados, ou seja, as idéias abordadas em cada eixo do projeto de pesquisa; os

objetivos propostos e quais situações relacionavam com quais interlocutoras. Organizei um

quadro entrelaçando-os. A partir desse quadro, elaborei o roteiro para a entrevista com cada

uma das interlocutoras: roteiro para a entrevista com as professoras regentes e coordenadora

do BIA no CRA/CEF 18 (Apêndice E); roteiro para a entrevista com a coordenadora do

CRA/CEF 18 (Apêndice F). No momento de discussão com a orientadora desta pesquisa,

fomos revendo e redefinindo algumas questões para que o objetivo previsto fosse atingido.

Logo em seguida, realizei a testagem da entrevista com uma professora não participante da

pesquisa, mas com características semelhantes, observando a clareza e objetividade dos

16 Nomenclatura que substitui o termo Semana Pedagógica, conforme o Calendário para o ano letivo de 2007.

Page 38: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

38

questionamentos, bem como o tempo utilizado para realizá-la. Foram, aproximadamente, 30

minutos.

As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas em momentos diferenciados, pois

imprevistos aconteceram, impedindo a execução do planejamento organizado. Num primeiro

momento, a conversa envolveu duas professoras regentes, porque, quando fui entregar o

convite17, uma delas informou-me que, naquela semana, iria usufruir o direito do abono e do

Tribunal Regional Eleitoral. Dessa forma foram entrevistadas inicialmente as professoras das

etapas II e III, e em outro momento a professora da etapa I. Assim que foram definidas as

coordenadoras pedagógicas do CRA/CEF 18 e do BIA no CEF 18, realizei a entrevista, com

cada uma delas, em separado. O tempo médio utilizado em cada uma das quatro entrevistas

correspondeu a, aproximadamente, 1hora. Todas as entrevistas transcorreram como uma

conversa descontraída em que o assunto fluiu naturalmente, permitindo que relevantes

informações fossem contempladas durante o diálogo.

A análise documental tornou-se fundamental para esta pesquisa, possibilitando o

resgate do contexto sócio-histórico, permitindo o desvelar de informações importantes sobre o

processo de construção da proposta educacional do Governo do Distrito Federal (GDF), para

a implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos. Permitiu o conhecimento de sua

implantação, em especial, na cidade de Taguatinga, no Centro de Ensino Fundamental 18 –

Centro de Referência em Alfabetização.

Buscando conhecer o processo de elaboração da proposta para o Ensino Fundamental

de nove anos no Distrito Federal, foi necessário pesquisar alguns documentos que abordavam

a legislação e outros organizados nessa intenção, conforme expressa o quadro 3:

Quadro 3 – Documentos sobre educação

Assunto Documentos Declaração Mundial sobre Educação para Todos Declaração de Dakar

Educação: declarações internacionais

Acordo Punta del Leste e Santiago Lei 9394/96 Parecer 18/2005

Educação no Brasil

Projeto de Lei 144/2005 Lei n. 10.172/2001 - Plano Nacional de Educação Ensino Fundamental de Nove Anos - Orientações Gerais (2004) Lei 11.114/2005

Ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos

Lei 11.274/2006

17 Conforme Porta-fólio do processo de Pesquisa, p. 5

Page 39: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

39

Assunto Documentos Educação Superior Resolução n° 1 do Conselho Nacional de

Educação/Conselho Pleno - CNE/CP - de 2006

Para conhecer a proposta do Ensino Fundamental de Nove Anos, elaborada pelo

governo do Distrito Federal, foi necessário analisar os documentos relacionados no Quadro 4:

Quadro 4 – Documentos relacionados ao BIA

Assunto Documentos Indicação n°5 (1966) Documento Ensino Primário no Distrito Federal (1969) Cadernos da Escola Candanga

Projeto ABC: Estudos Experimentais em Alfabetização. Relatório – Separata Documento-Síntese norteador para implementação do Ciclo Básico de Alfabetização – CBA: Orientação Pedagógica n° 4 (1989)

Educação no DF

Parecer n° 53/89 – CEDF (1989)

Lei 3.483/2004 Decreto nº 25.617/2005

Ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos no DF

Portaria nº 283/2005

Orientações gerais para o ensino fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização (versão preliminar, 2005) Orientações gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização (versão revista, 2006)

BIA

Orientações gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização – Proposta Pedagógica (versão revista, 2006) Plano de Ação (2006) Cronograma de Trabalho dos CRA e NCP 2º Semestre (2006) Planejamentos das oficinas, palestras e fórum de coordenadores (2006) Cronograma de Trabalho dos CRA e NCP - 2º Semestre Planejamento para o semestre DEIF

CRA/CEF 18 2006

Portaria 30/2006/SEEDF Plano de Ação (2007) Programação do curso 2007

CRA/CEF 18 2007

Planejamentos das oficinas, palestras e fórum de coordenadores (2007) Projeto Político Pedagógico 2006 e 2007 CEF 18 Modulação 2007 Planejamentos das Coordenações Coletivas

Trabalho Docente Planejamentos de aula

O acesso à documentação referente ao CEF 18 foi facilitado pela equipe de sua

direção, que a disponibilizou prontamente à medida que foram sendo necessários à pesquisa.

A prática da gestão democrática que impulsiona as atividades escolares norteia as ações

Page 40: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

40

conduzidas por este grupo, de forma que pude manusear e adquirir cópia de todos os

documentos que forneceram importantes informações sobre esta realidade escolar. Tive livre

acesso ao Projeto Político Pedagógico, à modulação com os dados sobre a instituição, bem

como a toda documentação recebida e expedida em nome dessa instituição. Também pude

presenciar, livremente, todos os acontecimentos ocorridos no âmbito escolar, tais como

reuniões administrativas e pedagógicas, salas de aula, festas, estudos, oficinas, coordenações

coletivas, planejamentos, dentre outros.

A trama tecida na pesquisa foi apresentada ao grupo de professores da escola

desencadeando uma discussão sobre as análises realizadas pela pesquisadora.

Por meio da análise dos documentos e da ampla participação nesse cenário

educacional, foi possível conhecer as nuanças que envolveram o trabalho docente proposto

pelo BIA e desenvolvido pelas professoras desta escola, entrelaçando-os à complexidade

educacional cotidiana em que ocorreram.

A análise dessas informações ocorreu desde o início da pesquisa e acompanhou todo o

seu processo. Muitas delas foram obtidas mediante a análise das anotações e registros, por

mim realizados, enquanto vivi o processo de implantação do BIA nesta escola, no ano de

2005 e 2006, como professora regente e coordenadora do BIA.

Busquei tecer relações rizomáticas entre o lido e o vivido, confrontando minhas

interpretações com a realidade investigada nos diversos contatos com as interlocutoras. Essas

construções foram articulando-se com os subsídios oferecidos pelo arcabouço teórico

elaborado durante a participação em simpósios, seminários, congressos e encontros com os

professores das disciplinas cursadas no Mestrado.

A pesquisa em si foi elaborada e reelaborada diversas vezes, o que demandou um

processo de reelaboração contínuo, em que o respeito, o companheirismo, a sabedoria e o

incentivo foram marcantes nos momentos de discussões ocorridos entre orientadora e

pesquisadora.

A trama apresentada nesta pesquisa constituiu-se nas inter-relações rizomáticas tecidas

durante todo o processo de pesquisa com acontecimentos que a antecederam e com aqueles

produzidos em seu percurso. O que pode ser representado pelo rizoma, apresentado por

Dandolini e Brito (2005) como a figura de uma raiz, conforme expresso na figura 8. Neto e

Costa (2000: 14), na tradução da idéia de Deleuze e Guattari (1995), dizem que “os bulbos, os

tubérculos, são rizomas” se ramificam em diferentes sentidos. O “rizoma nele mesmo tem

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41

formas muito diversas, desde sua extensão

superficial ramificada até suas concreções em

bulbos e tubérculos” (1995: 15).

O desenho do rizoma simboliza o

emaranhado de situações que se articularam para

compor esta pesquisa, como algo que “tem como

tecido a conjunção ‘e... e... e. ’” como explicam

Neto e Costa (2000: 4), tendo como pano de fundo

as orientações realizadas pela professora

orientadora da pesquisa. As situações apresentadas no decorrer da análise resultaram de

diversos e de diferentes acontecimentos que se juntaram para significá-lo. Sendo assim o

processo rizomático de elaborar/reelaborar a investigação pode ser graficamente representado

conforme a figura 9:

Figura 9 – Rizoma da produção da pesquisa

Elaborado pela pesquisadora a partir das idéias de Deleuze e Guattari (1995) apresentadas por Neto e Costa (2000) e Dandolini e Brito (2005).

Figura 8 – Rizoma

Fonte: Dandolini e Brito (2005)

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42

A complexidade rizomática, que envolve o contexto educacional, apresentada dessa

forma possibilita compreender que tudo o que se passa dentro e fora dele, nele incide, sendo

“um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível,

modificável, com múltiplas entradas e saídas”, como definem Neto e Costa (2000: 32).

Assemelha-se à realidade educacional que vive um intenso e pulsante movimento; um ir e vir,

prosseguir, voltar, inovar, renovar; ou seja, um ressignificar constante, como será apresentado

nos achados desta pesquisa, que se inicia com a apresentação do processo de

institucionalização do Ensino Fundamental de Nove Anos em uma escola da rede pública do

Distrito Federal.

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43

2. BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO E CENTRO DE REFERÊNCIA EM ALFABETIZAÇÃO: contexto histórico, proposta e realidade

Uma outra escola há que surgir para dar vida a um outro homem, que construirá uma outra sociedade. (TOLENTINO, 2004).

Há muito se anuncia uma escola que promova a emancipação dos sujeitos. A cada

nova conquista a esperança se renova, no entanto, muitos são os entraves que impedem sua

consolidação. Essa esperança mais uma vez se revigora com a instituição do Ensino

Fundamental de Nove Anos nas escolas brasileiras, uma nova tentativa para democratizar o

acesso à educação. Cada Estado busca, a seu modo, instituí-lo.

O Governo do Distrito Federal, em 2004, buscando cumprir essa intenção, organizou

sua proposta denominada BBB loco IIInicial de AAAlfabetização – BIA, ampliando a duração do

ensino fundamental para nove anos e matriculando, obrigatoriamente, as crianças, a partir dos

seis anos de idade, nas escolas da rede pública de ensino.

Possibilitar o acesso à educação representou e representa um enorme desafio para os

governantes, permitindo que, durante muitas gerações, uma multidão ficasse dela excluída,

seja porque diversas situações lhe impedem o acesso, ou porque nela não têm condições de

permanecer. Essa última situação tem provocado enormes discussões, no atual cenário

educacional, pois está sendo percebida a desarticulação entre a garantia de entrada na escola e

conseqüente inserção social, ou seja, a possibilidade de estar na escola nem sempre tem

permitido a emancipação dos sujeitos que dela participam, pois muitas vezes são dela

excluídos.

Essa exclusão apresenta diferentes nuanças. Matizes presentes numa outra tentativa de

democratizar o acesso ao ensino pela mudança na organização da escolaridade. A organização

da educação, até então configurada em séries, foi sendo, aos poucos, substituída pelo ciclo, na

intenção de adequar a escola às necessidades da sociedade brasileira.

A educação nos anos iniciais do Ensino Fundamental apresentava um alto índice de

reprovação e evasão que incomodava, e ainda, incomoda os sistemas de educação brasileiros,

o que incentivou a adoção da proposta da organização da escolaridade em ciclo. Este tem

como objetivo reconfigurar o cenário apresentado pela educação primária, rompendo com a

idéia da fragamentação em série, que determina o tempo em que a aprendizagem deve ocorrer

e garantir à criança sua progressão na escolaridade, atendendo aos princípios fundantes do

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44

processo de alfabetização. No entanto, em diversas situações, a concepção de ciclo foi

utilizada para “maquiar” os dados da reprovação, atendendo aos interesses do sistema,

camuflando os resultados.

A proposta elaborada pelo GDF para ampliar o Ensino Fundamental para Nove Anos

apresenta essa modalidade de organização da escolaridade. O BIA, assim como as demais

propostas pautadas na mudança significativa do cenário apresentado, pretendeu reconfigurar a

educação brasiliense, incluindo as crianças no processo de escolarização.

2.1. Implantação dos ciclos no Brasil: conquistas e contratempos

Mainardes (2001), Barreto e Mitrulis (2001) relatam que, há algumas décadas, essa

discussão desperta o interesse daqueles que buscam aprimorar a educação brasileira, inovando

o modo de organizar a escolaridade. Mainardes descreve que, “desde o início do século” esse

assunto permeia o campo educacional, “mas as primeiras experiências concretas iniciaram-se

a partir do final dos anos 60” (op. cit.: 35). Barreto e Mitrulis relatam que os ciclos escolares

estavam “presentes em alguns ensaios de inovação propostos pelos estados sobretudo a partir

da década de 60, e alguns de seus pressupostos, defendidos desde os anos 20” (op. cit.: 1).

Nascimento18, durante entrevista, comentou que na década de 60, os ideais liberalistas,

disseminados mundo afora, acirraram a luta dos movimentos sociais brasileiros pela

democratização do acesso ao ensino, incentivando a promulgação da Lei Federal 4024/61, que

ampliou a “Educação de Grau Primário” para 4 anos.

O contexto social impulsionou a adoção de medidas para aprimorar a educação e,

alguns sistemas de ensino alteraram o modo de distribuir a promoção nos anos de

escolaridade. Pesquisadores como Mainardes (2001), e Barreto e Mitrulis (2001) apresentam

algumas das experiências implantadas com este intuito, em diferentes estados brasileiros,

porém deixaram de incluir o Distrito Federal – DF, que segundo Villas Boas (2006) foi o

pioneiro na implantação de ciclos no Brasil. Diz a autora que “algumas das experiências

pioneiras de adoção de ciclos foram a do Distrito Federal (Fases e Etapas, de 1963 até o final

da década de 60) (op.cit.: 1)”, de acordo com as informações contidas na Indicação n°5 (1966)

do Conselho de Educação do Distrito Federal e no documento Ensino Primário no Distrito

18 Professora Aricélia Ribeiro do Nascimento, membro da Coordenação Geral do Ensino Fundamental do MEC (2006), entrevistada em outubro de 2006, pela pesquisadora.

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45

Federal (1969), publicado pela Coordenação de Educação Primária. Dourado (2005) comenta

que desde 195719 o DF já abrigava as primeiras escolas brasilienses.

Segundo a Indicação n°5 (1966), que trata da organização do sistema de ensino do

Distrito Federal, naquela época, o curso primário foi

[...] dividido em três fases. A primeira fase abrange a primeira e a segunda séries; a segunda fase abrange a terceira, a quarta e quinta séries; a terceira fase abrange a classe complementar da sexta série que pode funcionar nas escolas do Plano Pilôto (sic) e das cidades satélites (Cap. I, art. I, grifo meu).

O documento Ensino Primário no Distrito Federal (1969) que também trata da

organização do ensino no DF, apresentando o Plano Geral do Sistema, retoma e confirma o

descrito na Indicação n° 5 com uma diferença, divide o curso primário em apenas duas fases:

A Indicação n° 5 do Conselho de Educação do DF estabeleceu as normas para a organização e funcionamento do sistema de ensino primário e considera que este ensino deverá compreender duas fases: a primeira correspondendo à 1ª e 2ª séries primárias e a segunda correspondendo à 3ª, 4ª e 5ª séries. A sexta série é considerada parte do plano experimental de extensão da escolaridade primária (grifo meu).

A luta na busca dessas mudanças provocou diversas discussões. Novamente a

ampliação do Ensino Fundamental ganhou reforços. Nascimento informou que participaram

de um encontro de países caribenhos e latinos, inclusive o Brasil, e que as discussões

resultaram no Acordo Punta del Leste e Santiago (1970)20 no qual os participantes se

comprometeram a ampliar o Ensino Fundamental para 6 anos.

Motivados por essas discussões, além do Distrito Federal, outros sistemas de ensino

estaduais e municipais foram mudando a organização da escolaridade em séries para ciclos.

Mainardes (2001) apresenta os estados que implantaram a organização do ensino pautada

nesse novo ideário, em seus sistemas, no período entre 1968 e 1984. O Estado de São Paulo

implantou os ciclos, designando-os de Organização em Níveis. Santa Catarina o fez,

implantando o Sistema de Avanços Progressivos, e o Rio de Janeiro implantou o Bloco

Único. Barreto e Mitrulis (2001) acrescentam mais dois estados que adotaram essa

perspectiva educacional, nessa mesma época: Pernambuco e Minas Gerais.

19 Antes mesmo da inauguração de Brasília, algumas escolas foram inauguradas. O GE – 1, Escola Classe Júlia Kubitschek, localizada no Núcleo Novacap/Candangolândia foi inaugurada, em 10 de setembro de 1957; no ano seguinte, foi a Escola Dr. Ernesto Silva, na Companhia Construtora Nacional, e em 1959, foram inauguradas, em Taguatinga, a Escola Profissional e a Escola Classe 01 (DOURADO, 2005). 20 Conforme descrito na apresentação do Documento Ensino Fundamental de Nove Anos (2006)

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Nascimento relatou que as discussões continuaram, resultando em mais uma

conquista, a promulgação da Lei Federal 5692/71 que ampliou o “Ensino de 1° Grau” para 8

anos e acrescentou que a década de 80 foi marcada por intensos movimentos sociais, sendo

considerada a década da crítica, da renovação pedagógica, influenciando, cada vez mais, a

adoção de mudanças nos sistemas educacionais brasileiros.

Mainardes comenta que nessa década “diversos estados brasileiros implantaram o

Ciclo Básico de Alfabetização (CBA)”, dentre eles os Estados de São Paulo, Minas Gerais,

Paraná e Goiás “acrescentando a essa proposta, outras medidas administrativas e

pedagógicas” (op.cit: 35). O autor novamente deixa de incluir o Distrito Federal que, no início

da década de 80, vivenciou o Projeto ABC (1984) e, no final dessa década e início dos anos

90, o CBA (1989).

A mudança na organização da escolaridade representou um espaço de luta para

modernizar a educação e foi sendo agregada a algumas propostas de governo, conforme

descreve Mainardes (2006). O autor relata que “esta política foi incorporada por algumas

administrações e partidos políticos (principalmente pelo Partido dos Trabalhadores – PT),

constituindo a versão progressista da política” (ibid.: 13) e apresenta algumas dessas

propostas governamentais: O CBA implantado em São Paulo, a Escola Cidadã21 implantada

em Porto Alegre – RS e a Escola Plural22 criada em Belo Horizonte - MG. Nessa mesma

perspectiva, também houve no Distrito Federal, em 1995, a Escola Candanga – proposta pelo

Governo Democrático e Popular e a Escola Cabana23, em Belém – Pa.

Freitas (2002, 2003) comenta que a concepção de ciclo tornou-se uma alternativa para

o enfrentamento da grave situação de reprovação e evasão que incomodava a educação

brasileira, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental, vislumbrando a

reconfiguração deste cenário. No entanto o autor adverte que a diversidade de interpretações

que envolveram a lógica de ciclo impediram a consolidação desse ideário.

21 Informações obtidas no site www.portoalegre.rs.gov.br/fme/. Acesso em 6 de novembro de 2006. 22 Informações obtidas no site www.anped.org.br/reunioes/23/textos/te13.PDF. Acesso em janeiro de 2007. 23 Informações obtidas no site www.anped.org.br/28/textos/gt07/gt071472int.rtf. Acesso em 6 de novembro de 2006.

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A Lógica de Ciclos: o enfrentamento a ranço e equívocos

Freitas (2002, 2003) descreve as diferentes estratégias utilizadas pelos projetos que

apresentaram essa concepção de organização da escolaridade: a progressão continuada, a

promoção automática e os ciclos de formação. Diz o autor que essas estratégias diferem

tanto no conceito como na forma de aplicação e implantação, mas alerta que, apesar dessas

diferenças, esses projetos vêm apresentando uma grave consonância, a desresponsabilização

da escola pelo ensino para todos, ou seja, a escola desresponsabilizou-se pela aprendizagem

de seus alunos.

Freitas comenta que na progressão continuada há o agrupamento das “séries como

propósito de garantir a progressão continuada do aluno” (2003: 9), na tentativa “de retirar os

efeitos da avaliação formal durante um determinado conjunto de anos” (2002: 318).

Mainardes (2001) exemplifica esse modo de organização da escolaridade com a situação

vivenciada por São Paulo, no ano de 1985, quando implantou o CBA, juntando os quatro

primeiros anos do Ensino Fundamental em um ciclo e os quatro últimos em outro, de modo

que o aluno somente poderia ficar retido ao final de cada ciclo. No percurso do ciclo os alunos

que necessitavam eram atendidos com atividades de reforço e recuperação.

Freitas explica que na progressão continuada retira-se da avaliação o poder de reter o

aluno ao final de cada série, adiando sua retenção para o final do ciclo, mas “se espera que a

escola encontre diferentes formas de ensinar que assegurem a aprendizagem dos alunos e o

seu progresso intra e interciclos” (2003: 24). O autor acrescenta que dessa forma a criança

sempre progredirá no seu processo de aprendizagem, o qual ocorre conforme o ritmo natural

de cada uma. O autor baseia-se em Bertagna (2003) para diferenciar progressão continuada

de promoção automática.

Diz ele que, na primeira, a criança avança em seu percurso porque se apropria “de

novas formas de pensar, sentir e agir” (op. cit.: 25), enquanto, na segunda, a criança

permanece na escola, independentemente, de progredir nessas apropriações. Freitas aponta

ainda que a progressão automática “foi adotada, como enfatizam diversos textos oficiais,

porque extrapola a compreensão da aprovação automática” uma vez que incorpora aspectos

pedagógicos, ao contrário da promoção automática que se pautou meramente em aspectos

administrativos (2003: 24). Também Mainardes apresenta essa diferenciação, apoiando-se em

Poli (1998), a progressão continuada “prevê três quesitos: ‘não-prejuízo da avaliação do

processo de ensino-aprendizagem; obrigatoriedade dos estudos de recuperação para alunos de

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baixo rendimento e possibilidade de retenção, por um ano, no final do ciclo”. Retirando “esses

três itens da progressão continuada, teremos a promoção automática” (2001: 36, grifo meu).

Para compreender a necessidade de ressignificação da palavra promoção automática

para progressão continuada basta conhecer os ideais que inspiraram sua concepção.

Mainardes (2001) apresenta alguns deles por meio do legado de Almeida Júnior (1957).

Mainardes comenta que Almeida Júnior após participar da Conferência Estadual de Educação

realizada em Ribeirão Preto – SP, em 1956, publicou um artigo, comentando sua participação

na Conferência Regional sobre Educação Gratuita e Obrigatória, em 1956, em Lima – Peru.

Almeida Júnior relatou as idéias de Thompson (1921) que sugeriu a adoção da

‘promoção em massa’ e ainda, as idéias de Dória (1918), aconselhando que a repetição de

ano deveria ocorrer quando não houvesse candidatos para os lugares que seriam ocupados

pelos reprovados, pois não deveria ser permitido que se negasse a matrícula aos novos

candidatos, somente porque vadios ou anormais iriam repetir o ano (op. cit: 39).

A intenção da promoção automática nada mais era do que manter o aluno na escola,

independentemente, de estar ou não progredindo no processo de aprendizagem, dispensando,

além de outras condições, os aspectos pedagógicos que podem garantir a progressão. Situação

polêmica apresentada por Freitas ao comentar que “não basta dar ao aluno todo o tempo

necessário: é preciso que ele tenha ajuda igualmente diferenciada para aprender (materiais

diversificados, ajuda pontual durante o processo de aprendizagem), [...]” (2003: 20). O autor

diz, ainda, que esses aspectos deveriam ter sido introduzidos na prática da progressão

continuada, que não conseguiu incorporá-los, ficando dissociada na teoria. Infelizmente

também os ciclos não incorporaram esses ideais.

Nos ciclos de formação, geralmente o agrupamento acontece a cada três anos,

conforme as fases do desenvolvimento da criança. Para Freitas, os ciclos de formação

baseiam-se “em experiências socialmente significativas para a idade do aluno” (2003: 9). O

sistema de ensino no DF, por cinco vezes foi organizado dessa forma, em 1963 conforme

estabelecido na Indicação nº 5 (1966) e no documento Ensino Primário no Distrito Federal

(1969), nos tempos do Projeto ABC (1984), do CBA (1989), da Escola Candanga (1995) e

atualmente com o projeto BIA, conforme descreve a Proposta Pedagógica (2006), lembrando

que cada um desses projetos pautou-se em uma determinada lógica.

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Ciclos no Distrito Federal: a cada proposta uma lógica

A lógica da organização da escolaridade em ciclos vivenciada pelo sistema de ensino

do Distrito Federal pode ser analisada, considerando-se o que ficou registrado sobre cada uma

delas, no entanto pouco se tem registrado sobre a educação brasiliense nas décadas de 60, 80 e

90. Relacionado à implantação das fases na época de 1963, há dois documentos referindo-se à

proposta, apresentados anteriormente. Sobre o Projeto ABC, iniciado em 1984, há um

relatório, descrevendo como ocorreu a implantação desse projeto - Projeto ABC: Estudos

Experimentais em Alfabetização. Relatório – Separata (1984). Quanto ao CBA foram

encontrados três documentos, dois contendo as orientações pedagógicas para a efetivação da

proposta: o Documento-Síntese norteador para implementação do Ciclo Básico de

Alfabetização – CBA: Orientação Pedagógica n° 4 (1989), um resumo desse documento

elaborado pela DRE de Sobradinho e, o Parecer n° 53/89 – CEDF (1989), que aprovou a

adoção da sistemática de registros pedagógicos e administrativos dos alunos provenientes do

CBA. Referindo-se à Escola Candanga existem vários registros, incluindo documentos,

reportagens e monografias. Quanto ao BIA há os documentos citados mais à frente, algumas

reportagens e uma pesquisa, analisando o processo de avaliação utilizado.

Mesmo sendo considerados projetos inovadores, cada um deles foi implantado,

apoiando-se em uma determinada lógica, como apontou Freitas (2001). Na década de 60, o

ciclo foi organizado em três fases e depois em duas, da forma como descrito, anteriormente,

na Indicação nº 5 (1966) e no documento Ensino Primário no Distrito Federal (1969). O

Projeto ABC deixa transparecer que organizou a escolaridade em um ciclo, envolvendo a 1ª e

2ª séries, conforme informado no relatório: “a alfabetização não ocorre, comumente, ao final

da 1ª série, mas da 2ª série” (1984: 26-27). O CBA (1988) classificou as crianças

matriculadas na 1ª e 2ª séries, por meio de uma avaliação, em turmas de Iniciando: Grupo I24

– crianças que estavam iniciando o processo de alfabetização, Concluindo: Grupo II –

crianças que estavam concluindo esse processo e Continuando: Grupo III – crianças que não

haviam sido alfabetizadas nesses dois anos, conforme informações contidas no Documento-

Síntese norteador para implementação do Ciclo Básico de Alfabetização – CBA: Orientação

Pedagógica n° 4 (1989).

24 Neste documento, não foram encontradas referências à classificação em grupos, mas como professora da rede pública do Distrito Federal desde março de 1984, vivenciei o uso dessa nomenclatura. Fui professora de turmas do Grupo III, Continuando, em 1988 e Grupo II – Concluindo, em 1989.

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A Escola Candanga, de acordo com os Cadernos (1995, 1997) que tratam da sua

organização instituiu as fases de formação, enturmando as crianças de acordo com “dois

critérios conjugados: idade – desenvolvimento global” (CADERNO 3, 1995: 37) e, ainda,

propondo a jornada ampliada, em que o tempo de estudo diário passou para cinco horas.

Começou atendendo, na 1ª fase, as crianças do antigo 3º Período da Educação Infantil e 1ª e 2ª

séries, o que corresponde, atualmente ao BIA. Atendeu também na 2ª fase, no primeiro ano

de sua implantação, as crianças matriculadas nas antigas 3ª e 4ª séries e, no ano seguinte,

atendeu nessa fase, as crianças da 5ª série. A implantação da 3ª fase ocorreria no ano de 1999,

no entanto a mudança na gestão do governo do DF não só impossibilitou a ampliação do

projeto Escola Candanga como também casou sua extinção; e assim como se dá a

implementação do BIA a Escola Candanga também estava sendo instituída gradativamente e

com o término do governo voltou-se à proposta de seriação.

Após seis anos vivendo a seriação, houve o retorno aos ciclos, por meio do BIA em

2005. O Bloco atende, atualmente, somente as crianças de seis a oito anos, nas etapas I, II e

III, conforme previsto no documento que fundamenta e organiza sua implantação. Esse

documento não aborda a possibilidade de ampliação do ciclo.

O BIA, por meio da Proposta Pedagógica (2006), “propõe que a organização da escola

nos anos iniciais do Ensino Fundamental ocorra por Etapas de Formação” (2006: 13).

Apresenta a seguinte estrutura: cinco anos iniciais e quatro anos finais. O ciclo inclui apenas

os três anos iniciais do Ensino Fundamental, organizado em três etapas:

Quadro 5: Organização do Ensino Fundamental de Nove Anos - BIA

Ensino Fundamental de 9 anos ANOS INICIAIS

Ensino Fundamental de 9 anos ANOS FINAIS

ETAPA I - 6 anos 1º ANO 5ª SÉRIE 6º ANO ETAPA II - 7 anos 2º ANO 6ª SÉRIE 7º ANO

B I A ETAPA III - 8 anos 3º ANO 7ª SÉRIE 8º ANO 3ª SÉRIE 4º ANO 8ª SÉRIE 9º ANO 4ª SÉRIE 5º ANO

Fonte: Proposta Pedagógica (2006: 14)

Freitas (2002) aponta a concepção de ciclo como um mecanismo de resistência à

lógica seriada, oportunizando o desvelar do senso comum que impede o desenvolvimento da

escola e da sociedade. Infelizmente a concepção de ciclos adotada nos projetos de educação

implantados nas escolas brasileiras, não tem oportunizado, ainda, a elaboração de

conhecimentos, opondo-se à lógica seriada, apenas tem conservado o aluno dentro da escola,

não lhe garantido inserção social. Mainardes (2001) comprova esses dizeres ao comentar que

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essa prática tem levado à implantação paralela de tentativas de correção de fluxo. Muitas são

as ações criadas com o objetivo de corrigir a defasagem idade/série provocada pelo acúmulo

de retenção das crianças entre um ciclo e outro. Inclusive essas medidas foram adotadas no

DF que, por diversas vezes, vivenciou a sistema de ciclos interrompido pela volta da seriação

e inseriu, em seus projetos, alternativas para enfrentar a defasagem idade/série.

Na busca de garantir uma nova perspectiva para a educação brasileira, as discussões

envolvendo a organização da escolaridade, foram entremeadas pelas discussões para a

inclusão da criança na escola a partir dos seis anos de idade.

O segundo parágrafo, o artigo 10 do capítulo V da Indicação n° 5 refere-se à

matrícula, definindo que, para ingressar na primeira série do curso primário, a criança deve ter

a idade de sete anos, da mesma forma também abordam essa questão, o documento Ensino

Primário no Distrito Federal; as Leis 4024/61, 5692/71 e o Acordo Punta del Leste e Santiago

(1970); diferentemente do que propôs, dentre outros, a Escola Plural (1994); a Escola

Candanga (1995); a Lei 10.172/2001 - Plano Nacional de Educação; a Lei 9394/96 após sua

reformulação e, atualmente, o BIA.

As medidas educacionais revelam a influência do contexto sócio-histórico e político

da época em que acontecem, o que motivou a adoção da organização da escolaridade em

ciclos, em diferentes épocas aqui no DF. Na década de 60, as discussões desencadeadas pelos

progressistas, culminando com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

(1932), fomentavam mudanças e resultou na ampliação da “Educação de Grau Primário” para

4 anos, por meio da Lei 4024/61, incentivando a adoção das fases no sistema de ensino do

DF. Os movimentos sociais, educacionais, políticos, nacionais e internacionais continuaram

discutindo a inclusão de todos na educação, tornando os anos 80 conhecidos como a década

da crítica, o que incentivou a implantação do Projeto ABC e do CBA. Posteriormente, na

época da Escola Candanga, esses movimentos, com o objetivo de “universalizar o acesso à

educação e promover a eqüidade”, proclamaram a Declaração Mundial sobre Educação para

Todos (1990). As discussões avançaram e na intenção de universalizar o acesso à educação

básica incentivaram a inclusão das crianças de seis anos no Ensino Fundamental, levando à

reformulação da Lei 9394/96, que impulsionou a instituição do BIA.

Durante a entrevista realizada com Nascimento, esta esclareceu que a conquista da

inclusão da criança no Ensino Fundamental a partir de seis anos, passou por diversos entraves.

Um deles ocorreu durante a empreitada para reformulação da Lei 9394/96. A primeira

tentativa de reformular essa lei iniciou-se pela proposição de alteração nos seus artigos 6o, 30,

32 e 87 pela Lei 11.114/2005, com o objetivo de tornar obrigatório o início do ensino

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fundamental aos seis anos de idade. Mas incluiu, também, algumas limitações, tornando-a

apenas uma antecipação, pois atrelou à obrigatoriedade do ensino três exigências, que

impediram sua efetivação em muitos estados e municípios brasileiros, conforme expressa o

artigo 87:

§ 3o, [...] a) plena observância das condições de oferta fixadas por esta Lei, [...] b) atingimento de taxa líquida de escolarização de pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) da faixa etária de sete a catorze anos, [...] c) não redução média de recursos por aluno [...] (grifo meu).

Nascimento ressaltou, ainda, a importância da luta de diversos movimentos,

associações, sindicatos e governos, dentre outros, interessados em viabilizar a democratização

da educação, o que foi aos poucos, tornando-se uma conquista. Destacou que, a ampliação do

Ensino Fundamental tornou-se formalmente instituída em 2001, por meio do Plano

Nacional de Educação (PNE) - Lei 10.172/01, que instituiu a Década da Educação, definindo

como 2ª meta para o Ensino Fundamental: “ampliar para nove anos a duração do ensino

fundamental obrigatório com início aos seis anos de idade, [...]” (Itens 2.3 – Objetivos e

Metas, grifo meu).

2.2. Distrito Federal e Ensino Fundamental para Nove Anos: organização e ações

O GDF começou a elaborar sua proposta para cumprir com o disposto na Lei

10.172/01 após participar das discussões promovidas pelo MEC. De acordo com o Relatório

do Programa do Ensino Fundamental de Nove Anos (2004), o MEC coordenou as discussões

para a implementar/implantar este programa, em 2003, por meio de uma consulta para

identificar o interesse das secretarias de educação em ampliar o Ensino Fundamental. Recebeu

a resposta de cinco estados e duzentos e oitenta e quatro municípios. O MEC iniciou as ações

para ampliação do Ensino Fundamental, promovendo encontros regionais com os sistemas

interessados. Segundo o Relatório do Programa de Ampliação do Ensino Fundamental para

Nove Anos (2004), participaram dessas discussões secretários de educação municipais e

estaduais, incluindo-se a SEEDF. Participaram, também, equipes técnicas pertencentes a essas

secretarias, diretores de escola, professores, supervisores e inspetores educacionais,

orientadores pedagógicos e outros profissionais da educação, além de representantes da União

dos Dirigentes Municipais de Educação e do CNE. Estes encontros oportunizaram a

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elaboração coletiva da versão preliminar do documento Ensino Fundamental de Nove

Anos - Orientações Gerais (2004). No ano seguinte, munidos desse documento, Estados,

Municípios e Distrito Federal realizaram suas discussões.

A SEEDF se organizou para implantar o Ensino Fundamental de Nove Anos, por meio

da Lei 3.483 sancionada pelo governo, em novembro de 2004, determinando em seu artigo 1º:

Fica ampliada, de oito para nove anos, a duração mínima do Ensino Fundamental da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal.

§ 1º A ampliação do Ensino Fundamental para nove anos será feita de forma gradativa, no prazo máximo de quatro anos, a contar de janeiro de 2005;

§ 2° Será extinto, gradativamente o Projeto “Quanto mais cedo melhor”, à medida que for implantada a ampliação do Ensino Fundamental (grifo meu).

Vale lembrar que no DF as crianças com seis anos de idade estavam sendo atendidas

pelo Programa “Quanto mais cedo melhor”, criado para atender às crianças a partir de cinco

anos e meio, assegurando-lhes escolaridade obrigatória.

Em março de 2005, o GDF, por meio do Decreto nº 25.617/2005, regulamentou o

disposto na Lei nº 3.483, orientando a forma, o local e a responsabilidade da implantação do

Ensino Fundamental de Nove Anos:

Art. 1º - A partir de 2005 dar-se-á a implantação progressiva do Ensino Fundamental de nove anos nas instituições da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal com a inclusão de crianças de seis anos de idade.

Parágrafo único – O estabelecimento do programa de ampliação do Ensino Fundamental ocorrerá de forma gradativa, no prazo máximo de quatro anos, tendo início nas instituições de ensino da Diretoria Regional de Ensino de Ceilândia.

Art. 2º - À Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal caberá construir, organizar, divulgar e acompanhar a implantação e implementação do Ensino Fundamental de nove anos no Sistema Público de Ensino do Distrito Federal, por meio de ações técnico-pedagógicas, bem como a ampliação e adequação da rede física. (grifo meu).

Enquanto isso, o MEC e o CNE continuaram promovendo discussões para elucidar a

inadequação da Lei 11.114/2005, o que foi proposto pela Resolução n° 3/2005 e pelo Parecer

18/2005, culminando no Projeto de Lei 144/2005 que originou a Lei 11.274/2006, alterando o

artigo 32 e revogando as exigências do artigo 87:

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Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão [...] Art. 87. § 3o [...] Matricular todos os educandos a partir dos 6 (seis) anos de idade no ensino fundamental (grifo meu).

As discussões realizadas no Distrito Federal resultaram na publicação da Portaria nº

283/2005, que trouxe as diretrizes preliminares para a implantação do Ensino Fundamental de

Nove Anos nas escolas públicas do DF. Essa Portaria continha as disposições sobre a

organização, o funcionamento da proposta governamental e os preceitos que fundamentaram a

elaboração do documento “Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de Nove Anos -

Bloco Inicial de Alfabetização – BIA (versão preliminar, 2005)”.

Esse documento foi revisado em 2005 e depois em 2006, originando três versões: a

primeira foi impressa sob o título acima, a segunda foi intitulada “Orientações gerais para o

ensino fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização (versão revista, 2005)” e a

última “Orientações gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de

Alfabetização – Proposta Pedagógica (versão revista, 2006)”.

Para embasar minhas discussões, apoiei-me inicialmente no segundo documento,

editado em 2005, pois foi baseado nele que se implantou o BIA na cidade de Taguatinga. Nas

discussões ocorridas posteriormente à segunda revisão, apóio-me no último documento,

editado em 2006.

2.3. Bloco Inicial de Alfabetização: proposta para sua instituição

O documento com as Orientações gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco

Inicial de Alfabetização – Proposta Pedagógica (versão revista, 2006)25 incluiu a Proposta

Pedagógica do BIA. Essa proposta contém cinco itens, inicia situando os diferentes contextos

em que se deu a institucionalização dessa proposta com o item: Situando o Bloco Inicial de

Alfabetização no Contexto Educacional e Legal. Aborda os Princípios Metodológicos,

reforçando, entre os professores, as mudanças fundamentais na configuração do BIA,

tornando esses princípios norteadores fundamentais e indispensáveis à sua consolidação.

São eles: “Enturmação por idade; Formação continuada dos professores; Trabalho

25 Ao referir-me a esse documento usarei apenas o nome Proposta Pedagógica (2006).

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coletivo com reagrupamentos; Trabalho com Projeto Interventivo26; As Quatro Práticas

de Alfabetização; A avaliação formativa no processo de ensino e aprendizagem” (2006:

13). Apresenta o Eixo Integrador: Alfabetização, Letramento, Ludicidade, buscando o

estabelecimento de uma coerência entre os princípios apresentados. Aborda a Alfabetização

Matemática, na intenção de promover o repensar sobre essas práticas de ensino conforme o

expressa no quarto item: Alfabetização Matemática: repensando as práticas de ensino e

conclui, apresentando no quinto item: Epistemologia e Metodologia do BIA, a concepção

epistemológica e metodológica baseada numa perspectiva sócio-histórico-interacionista.

Coube à Subsecretaria de Educação a responsabilidade de implantar e gerenciar as

discussões sobre o BIA, inclusive elaborando todos estes documentos, num processo de

reestruturação, visando dar melhor esclarecimento a cada ponto da proposta. A educação

brasiliense em diferentes épocas adotou a proposta de ciclos e poucos foram os referenciais e

registros elaborados em relação a essa vivência. O que poderia, a partir da análise da situação

vivida, ter oportunizado diversos avanços, considerando o que foi socialmente elaborado.

BIA: expectativas e possibilidades

A educação no Distrito Federal, por muitas vezes acompanha as intempéries ocorridas

no meio político, trazendo constantes mudanças em seu cenário a cada quatro anos.

Geralmente o novo governo, ao assumir seu mandato, busca instituir uma nova proposta

educacional. Na entrevista27 realizada com as interlocutoras dessa pesquisa, a professora Lara

descreveu sua opinião sobre o contexto em que ocorreu a implantação da proposta do BIA:

você sabe que o BIA veio goela abaixo, igual ao CBA, igual a outros momentos que nós vivemos, como alternativa “A”, abordagem vivencial e agora vem o BIA. Cada vez que entra um governo quer empurrar uma coisa na gente, e às vezes quer jogar na lata do lixo tudo que você aprendeu até aquele momento. Isso dá raiva, pois cada um quer implantar sua idéia. Eu acho que o governo quando muda não tem que jogar tudo que o outro fez, na lata de lixo e querer implantar tudo de novo.

26 O Projeto interventivo tem como objetivo principal atender as crianças da Etapa III com defasagem idade/série, proporcionando-lhes uma efetiva alfabetização, para que possam ser incluídos no processo de escolaridade, freqüentando a 3ª série, no ano seguinte. 27 Entrevista realizada pela pesquisadora, no dia 2 de abril de 2007, com a participação das professoras Suzi e Lara.

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Muitas vezes novas propostas desconstroem importantes conquistas sociais. No

Projeto da Escola Candanga, houve a inclusão das crianças de seis anos no Ensino

Fundamental, por meio da chamada 1ª fase, no entanto, a proposta do governo seguinte,

retornou essas crianças para a Educação Infantil. Essa atitude foi um retrocesso, uma vez que

se perdeu a chance de compreender melhor como promover a progressão continuada,

oportunizando a não retenção das crianças na etapa III, situação que representa hoje, um dos

grandes desafios do BIA. Poderiam ter sido elaborados referenciais para subsidiar as

discussões sobre esse assunto, o que foi postergado, por diversas vezes.

Agora as escolas da rede pública terão essa oportunidade, mesmo diante da mudança

de governo, pois o BIA que se iniciou no ano de 2005 continua, em 2007, sendo implantado

nas cidades de Samambaia, Guará e Brazlândia, conforme reportagem disponível no site da

SEEDF: “Ensino fundamental de nove anos chega à Samambaia”. A implantação do Ensino

Fundamental para Nove Anos está definida por uma lei federal, não somente por uma

proposta de governo local. Dessa forma, torna-se uma conquista social, por meio da Lei

11.274/2006 que prevê em seu artigo 5º que “os Municípios, os Estados e o Distrito Federal

terão prazo até 2010 para implementar a obrigatoriedade para o ensino fundamental”. No

Distrito Federal:

A SEEDF prevê que o processo de implantação do Ensino Fundamental de 9 anos esteja totalmente consolidado em toda a Rede Pública de Ensino até 2008, conforme a Lei nº 3.483, de 25 de novembro de 2004, DODF nº 225, Decreto 25.619 de 01 de março de 2005 e Portaria 283/2005 (Proposta Pedagógica, 2006: 8-9, grifo meu)

Nesse cenário, poderá ocorrer apenas a mudança na nomenclatura, uma proposta

diferente de “BIA”, mas não poderá retroceder e excluir do Ensino Fundamental as crianças

de seis anos, como ocorreu na mudança dos gestores políticos que sucederam à implantação

da Escola Candanga, em 1999. Elas permanecerão no Ensino Fundamental, pois essa

conquista está expressa nos artigos 32 e 87 da Lei 9394/96 reformulada pela Lei 11.274/2006.

A professora Ana comentou em entrevista28, que essa mudança representa uma grande

conquista social uma vez que, “obrigatoriamente inclui os seis anos” e complementa “este é o

melhor ganho para mim”. A conquista da inclusão das crianças de 6 anos no Ensino

Fundamental representa um desafio. Se por um lado constitue uma conquista social,

promovendo o acesso de mais crianças à educação, por outro precisa cautela para não

28 Entrevista realizada pela pesquisadora no dia de 7 de maio de 2007, no CEF 18 de Taguatinga.

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antecipar o fracasso escolar. Um tema que envolve muito estudo, muita reflexão, cuidando

para realmente incluí-las no processo de escolarização.

Poderá haver mudança também na concepção de organização da escolaridade,

retornando para séries, mas há uma intenção expressa no primeiro parágrafo do artigo 32 da

Lei nº 9394/96 de que o ensino seja realizado na perspectiva de ciclos, dizendo que “é

facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos”. Diante dessa

realidade, são grandes as expectativas para a continuidade na elaboração de referenciais tanto

em relação à inclusão das crianças de seis anos na escola como na concepção de organização

da escolaridade que promova a progressão continuada.

Ciclos: propostas implantadas no DF e a lógica da continuidade das aprendizagens

A Proposta Pedagógica do BIA apresenta a lógica da progressão continuada como

oportunidade para a criança prosseguir no processo de ampliação do conhecimento,

descrevendo que:

O BIA objetiva oportunizar às crianças no período de alfabetização o acesso ao conhecimento, promovendo a progressão continuada e assegurando o sucesso escolar. O tempo único de 03 anos para que o conjunto de habilidades definidas para cada uma das Etapas do Bloco seja trabalhado, assegura o desenvolvimento da criança, bem como sua alfabetização e letramento [...] (2006: 28, grifo meu).

A proposta defende, ainda, que a criança tem o tempo de três anos para vencer as

habilidades definidas em cada uma de suas etapas, assegurando-lhe seu desenvolvimento.

O documento Ensino Primário no Distrito Federal (1969) assim descreveu esse

entendimento:

Mas é evidente que um ano de escolaridade deveria haver desenvolvido, nesse aluno, algumas experiências e habilidades de leitura e escrita e, se fôsse (sic) dada a continuidade ao processo, em lugar de voltar-se à estaca zero, os resultados do segundo ano de escolaridade deveriam ser melhores, por razões óbvias (grifo meu).

Villas Boas (2006) relata que o Projeto ABC teve como objetivo o desenvolvimento

contínuo das aprendizagens da criança, durante todo o processo de alfabetização,

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58

desvinculando-o do fracasso escolar. No relatório desse projeto, está expressa a necessidade

de se considerar o processo de alfabetização abrangendo as duas primeiras séries do ensino de

1º grau, pois “à 2ª série é destinada uma boa parte de atividades voltadas para a

complementação da alfabetização”, indicando a necessidade de continuidade desse processo

(1984: 26).

As orientações pedagógicas contidas no Documento-Síntese do CBA orientavam que

“como bloco único de conhecimentos, o CBA assegura a seqüência e a continuidade do

processo de alfabetização a partir do estágio onde o aluno se encontra (1989: 05)”. Esta

orientação indicou a intenção da continuidade e ainda acrescentou que, para isso deveriam ser

considerado os conhecimentos elaborados pela criança.

A proposta da Escola Candanga apresentou a idéia de:

pensar os processos pedagógicos na perspectiva de possibilitar aos educandos avançar em sua escolaridade, buscando soluções adequadas diante de suas dificuldades. [...] garantindo o direito de permanência dos educandos na escola. O aluno pode avançar sempre, valorizando seu desenvolvimento e aprendizagem, vendo e revendo diferenças [...] (CADERNO 3, 1995: 22, grifo meu).

Mediante a análise das informações contidas nesses documentos torna-se evidente que

a lógica adotada por esses projetos implantados no Distrito Federal, em relação à adoção da

organização da escolaridade, expressaram a possibilidade de continuidade do processo de

alfabetização, privilegiando o progresso da criança na elaboração de aprendizagens. Os

projetos são apresentados como uma inovação que buscam instituir uma outra lógica para esse

tipo de organização, mas incidiram em poucos avanços.

Muitos foram os argumentos encontrados para justificar o porquê dos resultados

apresentados pelos projetos, que trazem a concepção de ciclos, implantados na educação

brasileira. A maioria deles baseia-se nos obstáculos para sua concretização. O documento

Ensino Primário no Distrito Federal (1969) elenca alguns deles: método utilizado, preparo do

professor e o tempo de permanência do aluno na escola. Chiarello (2001) aponta como

impedimentos a formação ineficiente dos professores e o pouco tempo para consolidação da

proposta. Freitas (2002) enriquece a discussão apresentando a necessidade de superar a lógica

da exclusão e da submissão, considerando a aprendizagem como um direito da cidadania.

Villas Boas (2006) acrescenta a necessidade de redimensionamento do trabalho docente e da

reelaboração de práticas avaliativas, pautadas na análise diária do processo percorrido pelas

crianças ao aprender.

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59

Essas análises apresentam consenso com os dizeres das interlocutoras da pesquisa,

conforme revelaram, ao expor suas opiniões, durante a realização de uma das entrevistas. A

professora Ana comentou a distorção provocada pelo entendimento da progressão continuada

para garantir a permanência da criança na escola, evitando a reprovação e a evasão. Ela

acredita que “no ciclo, a criança na etapa que está, deve ter seus direitos preservados,

conforme o processo de aprendizagem da leitura e da escrita, incluindo-a no processo de

escolarização”.

A professora Ana aspira a que a promoção aconteça porque a criança esteja sendo

incluída no processo de escolarização e esteja aprendendo os conteúdos referentes à etapa na

qual está matriculada. O que começou a ser instituído por meio da Escola Candanga, após a

compreensão por parte de alguns de equívocos da concepção dos ciclos de formação. Mas

infelizmente essa compreensão ocorreu entre poucos grupos de professores que, em sua

maioria, os interpretou como promoção automática.

Caso a criança pudesse ser promovida conforme seu processo de aprendizagem e de

acordo com ele ser enturmada em cada uma das etapas, certamente uma outra lógica

permearia o trabalho realizado em sala de aula. Mas quando a Proposta Pedagógica (2006: 28)

considera “o tempo único de 03 anos, para que o conjunto de habilidades definidas para cada

uma das Etapas do Bloco seja trabalhado”, pode gerar uma interpretação incorreta do que

propõe o ciclo. Este deve garantir a progressão da criança na escolaridade mediante sua

progressão no processo de aprendizagem, assegurado pelo acompanhamento sistemático desse

processo, por meio do trabalho realizado, cotidianamente, em sala de aula. Uma situação “que

faz a diferença”, conforme alerta a professora Maria29, caso não haja um “critério mínimo

para acompanhar a aprendizagem das crianças, os professores podem acomodar-se e achar

que as crianças terão um longo tempo para aprender. Isso pode acontecer no BIA”, e

acrescenta:

Acho que a seriação deveria ter acabado. O BIA avançou, mas a questão da avaliação das crianças não. Acredito que a criança só deveria avançar se tivesse condições. Senão vai para outra etapa sem condições para estar nela. Infelizmente quando se monta um programa não se pensa na avaliação, mas uma avaliação processual, não aquela deixada para o fim. Essa idéia de três anos para aprender, faz com que o trabalho se perca. Tem que haver avaliação processual, acompanhamento do trabalho que está sendo realizado, como a coordenadora do CRA [2006] começou a fazer.

29 Entrevista realizada no dia 7 de maio de 2007, no horário da coordenação pedagógica.

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As interlocutoras da pesquisa realizaram um acompanhamento sistematizado do

processo de aprendizagem das crianças. Além das anotações individuais no caderno de

registros, organizaram uma coletânea com as atividades propostas como avaliações

diagnósticas bimestrais.

Essas professoras acreditam que a concepção de ciclos urge ser ressignificada,

tornando imprescindível compreender o modo como oportunizar o avanço intra ciclo,

repensando a avaliação como acompanhamento sistemático do processo de aprendizagem de

cada uma das crianças, o que pode ser realizado por meio da educação continuada. Acreditam

também que se deva instituir uma educação continuada centrada nessa prioridade, ou seja,

uma educação continuada que priorize o proposto, dentre outros, por Villas Boas (2006): o

acompanhamento diário do processo de aquisição das aprendizagens. Uma mudança que

poderá contribuir para alterar os resultados apresentados por essas tentativas de eliminar a

reprovação e a evasão escolar, conforme explica a professora Maria:

Achei muito interessante, no início do ano, a coordenadora do CRA tinha colhido e estava colhendo dados, e a coordenadora da escola acompanhando a escola, para fazer reflexão sobre os dados e o que fazer para que as crianças avançassem no processo de alfabetização. Eu pensei: felizmente a SEEDF está no caminho certo, na minha visão.

A professora Maria acredita que o acompanhamento sistematizado do trabalho

realizado pelos professores deve estar inserido nas propostas de educação continuada, diz ela

que “a SEEDF precisa fazer uma avaliação processual e para isso ela precisa de pessoas que

entendam, que saibam, que realmente atinja o ponto. A formação continuada precisa ter em

mente isso, o que está acontecendo e o que o professor pode fazer a partir disso”.

A intenção de oportunizar a continuidade do processo de escolarização, garantindo a

aprendizagem das crianças esteve e está explicitada nos documentos dessas propostas, mas,

como advertem as interlocutoras, carece ser instituída pelos professores que realizam o

trabalho, cotidianamente, em sala de aula. O que pode ser assegurado por meio da educação

continuada, conforme expressa a Proposta Pedagógica ao descrever que o trabalho a ser

realizado nas três etapas deve ser “renovado pelas práticas docentes coerentes com esta

ideologia, através da formação continuada” (2006: 29).

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2.4. Centro de Referência em Alfabetização e Educação Continuada

A educação continuada proposta pelo BIA ficou definida para ocorrer no Centro de

Referência em Alfabetização apresentado na Proposta Pedagógica (2006). O CRA representa

uma instituição educacional com espaço físico disponível para receber os professores atuantes

no BIA, oportunizando a eles situações de educação continuada. “Tem como principal função

atender às demandas dos coordenadores pedagógicos e dos professores atuantes no Bloco”

(ibid.: 17). Para tanto, dentre outras situações, deve promover “oficinas, palestras e encontros

entre os professores para compartilhar experiências, manter grupos de discussão e estudo

permanente sobre alfabetização e letramento” (ibid.: 17-18).

A Proposta Pedagógica (2006) define para o CRA, a seguinte orientação, além das

funções transcritas anteriormente:

Disponibilizar um professor com perfil de articulador e com experiência docente para atuar como elo do CRA junto às Instituições Educacionais que atendem ao BIA, bem como de uma equipe de Apoio à Aprendizagem para subsidiar o desenvolvimento das ações concernentes ao CRA. Priorizar ações pedagógicas inerentes à implantação e implementação do BIA, atuando como referência na consolidação dos princípios que sustentam a proposta, e na disseminação de novas alternativas pedagógicas essenciais ao fortalecimento do trabalho individual e coletivo dos professores. Atender às demandas dos coordenadores e professores que atuam no BIA com ações planejadas coletivamente (ibid.: 17, grifo meu).

A criação do CRA pode fomentar a consolidação do pensamento de Candau, porque

busca tornar-se uma “das linhas ou dos caminhos que, partindo da informação da escola como

locus de formação” tem o intuito de

[...] trabalhar com o corpo docente de uma determinada instituição favorecendo processos coletivos de reflexão e intervenção na prática pedagógica concreta, de oferecer espaços e tempos institucionalizados nesta perspectiva, de criar sistemas de incentivo à sistematização das práticas pedagógicas dos professores e a sua socialização, de ressituar o trabalho de supervisão e orientação pedagógica nessa perspectiva. Parte-se das necessidades reais dos professores, dos problemas do seu dia-a-dia, e favorecem-se processos de pesquisa-ação (2003: 145).

A autora comenta que a necessidade de se reconhecer a escola como locus privilegiado

da educação continuada, torna-se primordial para essa construção. Nesse sentido cabe ao

CRA promover experiências em que os professores sejam estimulados a pensar; discutir;

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habituar-se a refletir sobre o que fazem, buscando elementos para compreender a

complexidade que envolve o cotidiano de sua sala de aula e, agindo assim, os professores

poderão descobrir que podem realizar essa construção dentro de sua própria escola. Poderão,

também, criar situações para compartilhar essas experiências com outras instituições

escolares, sem que para isso seja necessário se conduzirem a um outro lugar. Quando o CRA

cumprir sua função, conseqüentemente ele será extinto, tornará desnecessário, pois será

apenas o fomentador dessa prática, aquele que anuncia os caminhos, que oportuniza aprender

a fazer, fazendo.

A concepção de educação continuada organizada pela equipe que coordenou esse

CRA, tanto em 2006, como em 2007, primou pela organização de situações que envolveram a

reflexão sobre os pressupostos da prática pedagógica dos alfabetizadores. Uma concepção

diferenciada daquela dos tempos da escola de demonstração, quando se propunha o

aperfeiçoamento dos professores, por meio da observação de aulas de outros professores.

BIA e Educação Continuada: ressignificando conceitos

A educação continuada descrita na Proposta Pedagógica do BIA (2006) está

apresentada como um de seus princípios teórico-metodológicos norteadores e prevê que sejam

privilegiados “os espaços e tempos destinados à coordenação pedagógica como possibilidade

de construção coletiva, de trocas de experiências e de vivências significativas para o

aprimoramento do fazer pedagógico” (2006: 19). No decorrer do texto referente à educação

continuada, contida nessa proposta, encontra-se a idéia de “instrumentalizar o professor para

atender às diversidades e perspectivas”, oportunizando a esses profissionais “uma estrutura de

apoio pedagógico que subsidiará sua formação continuada, por meio da” EAPE e dos CRA

(ibid.: 17-18, grifo meu).

Essa concepção de educação continuada carrega em si um significado elaborado ao

longo dos anos. Para Fusari (1998), o termo instrumentalizar tem a intenção de oferecer ao

professor o acesso a métodos e técnicas de ensino a fim de modernizar sua prática docente. Os

instrumentos oferecidos o ajudariam a guiar suas ações pedagógicas. Tanto Fusari (ibid.)

como Marin (1998) dizem que, na maioria das vezes, esses instrumentos apresentam-se

desvinculados da realidade da escola e de seu contexto social.

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63

Marin (ibid.) apresenta características semelhantes a instrumentalizar para o ato de

capacitar e aperfeiçoar, uma vez que por meio deles se buscava promover condições para que

o professor desempenhasse sua função, ou melhorasse suas ações, buscando a melhoria das

práticas. Essa concepção foi, largamente, disseminada no campo educacional e impulsionou e

ainda impulsiona, em alguns casos, a essência da educação de professores.

O processo de elaboração semântico de uma palavra carrega as significações e

ressignificações das mudanças sociais instituídas no caminho percorrido e, por carregarem em

si os pressupostos que a definiam no momento histórico em que são usadas, necessitam de

uma transposição semântica. Sendo assim, a ressignificação da palavra educação continuada

foi reelaborada imersa no contexto em que ocorreu a institucionalização da educação.

Realidade que certamente foi influenciada por todo o conjunto de situações instituídas no

contexto no qual econtrava-se imerso.

Segundo a Indicação n° 5, na década de 60 era proposto, para a educação continuada,

o “contínuo aperfeiçoamento”, portanto “as instituições mantenedoras da escola primária”

deveriam “incentivar e possuir serviços assistenciais ao professor para o seu contínuo

aperfeiçoamento”. Apontava que haveria “orientação permanente, seminários e mesas

redondas sobre educação, bolsas de estudos, observação de experiências de educação

consideradas valiosas, biblioteca especializada, de fácil acesso, com acervo atualizado e

acessível”, conforme descrito nesse documento (1966: 20). Ao expressar “contínuo

aperfeiçoamento” ficou sugerido que a educação continuada, naquele tempo, apresentava as

características associadas por Marin (1998) à idéia de completude, de algo acabado, gerando

um distanciamento entre professor e crianças. O professor tornava-se o dono dos

conhecimentos e, portanto, necessitava apenas se aperfeiçoar, melhorar sua prática de como

transmitir esse saber. A Indicação n° 5, ao definir a educação continuada por meio da

“orientação permanente” (1966: 20), denota a intenção de manter o professor atualizado com

as questões que representavam os interesses pedagógicos daquele momento histórico.

O documento do Ensino Primário no Distrito Federal (1969) refere-se à orientação,

propondo que esta aconteceria mediante a “organização de uma equipe central para a

supervisão dos trabalhos da 1ª fase, com professores de reconhecida experiência no trabalho

de alfabetização”. A equipe especializada orientaria e supervisionaria o trabalho dos

professores e ocorreria por meio do “estabelecimento experimental de equipes de professores

especializados em alfabetização em duas escolas de Taguatinga, para aulas de demonstração e

descentralização do trabalho de supervisão da 1ª fase” (ibid.: 5). Esse mesmo documento

acrescenta ainda que, considera indispensável que o Diretor esteja engajado “no trabalho de

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orientação pedagógica”. Aponta “três razões principais” para justificar esse engajamento:

“[...] é formado em curso que o possibilita a tarefa; [...] deve ser a pessoa imediatamente

responsável pelo rendimento escolar” de cada escola; é a “pessoa que mais de perto e mais

sistematicamente convive com professores e com os problemas da escola”, além de que

também responde “pela orientação pedagógica, como chefe que é do orientador” (idem: 7-8).

Dessa forma, responsabiliza o Diretor pelo trabalho docente que seria realizado na escola, o

que é fundamental, para o desenvolvimento de um trabalho docente com boa qualidade.

Essa orientação foi proposta para ser realizada “semanalmente em 4 (quatro) horas do

chamado horário complementar”, sendo que “o corpo docente primário” estaria “obrigado à

prestação de 20 horas-aula e quatro de planejamento e avaliação no estabelecimento de

ensino”. Nesse sentido, a orientação ocorreria no espaço/tempo da coordenação pedagógica

que, naquele tempo, era chamado de horário complementar.

No item referente à organização pedagógica – Pessoal – o documento do Ensino

Primário no Distrito Federal (1969) complementava sua concepção de educação continuada,

definindo que haveria o “treinamento de professores para a 1ª fase, em cursos especiais e em

serviço” e “treinamento de orientadores e diretores para acompanhamento do trabalho e

orientação a professores”. Esse documento apresentou uma concepção de educação

continuada no sentido similar ao treinamento proposto pelo Método Lancaster, descrito por

Lima (1974), como ensino mútuo em que o decurião era treinado para ensinar os alunos.

Nas décadas de 60 e 70, a sociedade brasileira vivia sob o regime militar, mas com um

movimento de mudança sendo engendrado por ideais progressistas. Nesse contexto a

educação, influenciada por uma nova perspectiva social, agregou ao seu discurso uma nova

concepção, a escolanovista, no entanto a prática permaneceu distanciada dela (FUSARI,

1998). Assim, o treinamento era considerado como possibilidade de contribuir para a

educação continuada e, conforme Fusari (1998), oportunizaria ao professor conhecer métodos

e técnicas para auxiliar no trabalho realizado em sala de aula. Para Marin (1998) a idéia de

treinar implica em exercício repetitivo, algo que condiciona, remetendo à idéia fabril, de

trabalhador de fábrica. Esse era o imaginário social que vigorava naquele momento dos quais

os ideais progressistas buscavam se desvencilhar.

No inicio da década de 90, uma conquista foi instituída nas escolas da rede pública de

ensino do DF. Houve a possibilidade de contar com a colaboração do Coordenador

Pedagógico - um professor, que era escolhido pelo grupo para coordenar e acompanhar o

trabalho docente desenvolvido durante a coordenação pedagógica. Nesse tempo, a

coordenadora pedagógica tinha regência em uma turma e, no outro turno se dedicava à

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coordenação pedagógica da escola. Havia também, as Escolas de Aplicação nas Escolas

Normais e algumas Escolas de Demonstração em cada Complexo Escolar, hoje chamado de

Diretoria Regional de Ensino. Houve, anteriormente, no sistema de ensino do DF, o

supervisor de ensino, no entanto o coordendor pedagógico tem maior contato com o grupo de

professores da escola, uma vez que pertence e conhece as necessidades daquela equipe.

As escolas de Aplicação pertenciam às Escolas Normais, e as escolas de

Demonstração eram escolhidas e consideradas Escolas Modelo. Ambas conservavam a

intenção declarada no documento do Ensino Primário no Distrito Federal (1969), de

oportunizar ao professorado a observação de práticas de ensino diferenciadas. As Escolas de

Aplicação recebiam os estudantes do curso de Magistério, e as Escolas de Demonstração

recebiam os professores da rede pública de ensino. Para trabalhar nessas escolas, o professor

tinha que ser entrevistado. Essas escolas contavam com uma realidade bem diferente daquela

vivenciada pelos professores das demais escolas, devido às condições das quais dispunham

para desenvolver o trabalho docente.

Nessas escolas, os professores tinham vinte, das quarenta horas de sua carga horária

semanal, para dedicarem à coordenação pedagógica e por esse motivo exerciam a regência em

apenas uma turma. No entanto a autonomia para o planejamento, algumas vezes, ficava

restrita ao preparo da aula para atender ao conteúdo definido pelas professoras do Estágio

Supervisionado, para que as normalistas observassem como trabalhá-lo.

A realidade das outras escolas públicas era bem diferente. Na maioria das vezes, o

professor era responsável por duas turmas, e contava com apenas oito horas de coordenação.

Às vezes, esse professor exercia a regência em duas diferentes séries, ficando com apenas

quatro horas para o planejamento e acompanhamento de cada turma, como nos tempos do

horário complementar. Além de que não havia o tratamento igualitário para todas as escolas,

quanto à distribuição de materiais pedagógicos, profissionais docentes, manutenção da rede

física, dentre outros.

No ano de 1995, a Escola Candanga trouxe um ganho indelével para as escolas da rede

pública de ensino do Distrito Federal. Propôs uma educação diferenciada, com uma lógica de

organização do tempo escolar em ciclos distinta daquela vivenciada noutros tempos. Mediante

essa mudança, todos os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental das escolas

públicas do Distrito Federal passaram a ter regência em uma única classe, ou seja, o que era

considerado privilégio dos professores das Escolas de Aplicação e de Demonstração atingiu

toda a categoria. A jornada ampliada oportunizou que a carga horária semanal desses

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profissionais ficasse distribuída de forma que, das quarenta horas semanais, vinte e cinco

fossem reservadas para regência em classe e quinze para a coordenação pedagógica.

Essa reconfiguração da educação tinha a intenção de ressignificar a organização do

trabalho docente, buscando instituir a realização de uma educação como prática

transformadora, centrada nas questões sociais e coletivas (CADERNO 1, 1995). Para que essa

educação fosse instituída seria fundamental promover, na coordenação pedagógica, discussões

e planejamentos de ações conjuntas. Isto se tornou possível, uma vez que os profissionais

docentes, que atuavam em uma mesma fase, encontravam-se nesses momentos. Situação

descrita no caderno 3 (1995: 35), dizendo que “esse momento busca privilegiar o trabalho

coletivo dos profissionais que atuam com as turmas de seis, sete e oito anos [...]”.

Para organizar as atividades a serem desenvolvidas na coordenação pedagógica, houve

um direcionamento. Para cada dia da semana, foi orientada a realização de uma atividade,

teria que abarcar o planejamento coletivo, o planejamento individual e a confecção de

materiais e reservar um dia para o estudo, para conhecer, dentre outros temas, a filosofia da

Escola Candanga.

Dessa forma, a educação continuada começou a ser articulada à coordenação

pedagógica. Houve a intenção de incluir o estudo e a pesquisa, oportunizando ao docente

espaço para o debate e para a reflexão coletiva, conforme expressa o 3° e 5° momentos do

item que trata dos “Momentos facilitadores da coordenação pedagógica”, descrito no Caderno

3 (1995: 34-35). Mediante as condições oportunizadas, os professores tiveram maiores

possibilidades para tornarem-se sujeitos pesquisadores, investigadores e problematizadores de

sua prática, conforme destaca Zeichner (1993). Tiveram a oportunidade de refletir sobre as

necessidades de sua turma, reelaborando e ressignificando práticas pedagógicas. Consta ainda,

no Caderno 3 (1995), que o centro dessas preocupações seria a criança, considerando seu

perfil, suas necessidades, seus interesses, e a partir dessa realidade os professores

organizariam seu trabalho docente. A reconfiguração da educação brasiliense nos tempos da

Escola Candanga, instituindo a jornada ampliada, cumpriu diversos objetivos. Ampliou o

tempo de permanência da criança na escola, ampliou o período para a progressão na

escolaridade, eliminando a reprovação para o final do ciclo, e ainda, oportunizou

espaço/tempo para a discussão coletiva entre os professores. Essas ações foram implantadas

objetivando melhorar a qualidade da educação brasiliense. Discussões que ocorrem em

diversos espaços e instituições na intenção de promover a boa qualidade para a educação.

Com o término do Governo Democrático e Popular, no ano de 1999, houve um novo

projeto educacional. A proposta para a coordenação pedagógica foi reconfigurada,

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conduzindo a alguns retrocessos. O espaço/tempo das quinze horas que eram dedicadas a essa

atividade foram distribuídos em oito horas para coordenação e sete para atividades

desenvolvidas na sala de leitura, reforço e projetos específicos, conforme expressa o item 20,

da Seção II, contida no Capítulo III da Portaria n° 511, de 24 de dezembro de 2002. Situação

que deixou de privilegiar a unicidade, o espírito de coletividade e discussão/reflexão sobre a

prática docente, diminuindo as condições de trabalho conquistadas.

Diante do contexto delineado, foi possível repensar o significado do termo apresentado

para qualificar a educação continuada expresso na proposta pelo BIA (2006):

instrumentalizar, que se apresenta numa concepção diferenciada daquela que vem sendo

analisada, conforme confirmam as ressignificações propostas para esse termo.

Marin (1998) arrola as características de diversas palavras, utilizadas no intuito de

promover a educação continuada dos professores e que foram sendo ressignificadas, com o

passar do tempo. A autora mostra a trajetória das ressignificações até chegar à educação

continuada. Além do termo instrumentalizar, outros vocábulos também foram utilizados para

definir educação continuada: reciclagem, aperfeiçoamento e capacitação, no entanto, ainda

hoje, muitos deles continuam sendo utilizados, em diferentes instituições, nessa mesma

perspectiva. Para melhor compreender as nuanças da utilização desses termos torna-se

imprescindível conhecer o postulado de Marin (1998) a esse respeito.

Educação Continuada: necessidade de ressignificação

Araújo (2000) contribuiu para essa compreensão, sintetizando as idéias de Marin

(1998) e organizando-as conforme o quadro 6:

Quadro 6 – Formação Profissional: a semântica ideológica

Denominação Característica Implicações ideológicas Reciclagem � Mudanças profundas, transfor-

mações radicais de objetos, coisas, materiais em outros objetos, em outras coisas, em outras matérias; � Desconsidera os saberes dos professores; � Considera os professores como ‘recurso humano’ que pode ser modificado à mercê das políticas públicas de educação.

� O professor é um objeto, manipulável, obediente, servil às idéias que outros concebem, a ele cabe a execução, o professor não é visto como sujeito da própria formação; � Trata a educação como tema extremamente simplista, descaracterizando a complexidade que a envolve e as rela-ções com a realidade social; � Torna o professor um receptor de ‘receitas’ prontas; � Forma para a adaptação, não ambiciona a transformação; � As ações são rápidas, imediatas, descontextualizadas, distantes da realidade da escola.

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Denominação Característica Implicações ideológicas Treinamento � Buscam a destreza, o desenvol-

vimento de aptidões, habilidades; � Implica exercício repetitivo, condicionante; � Remete à idéia fabril, trabalha-dor da fábrica, ‘trabalho braçal’.

� As ações de treinamento devem ser usadas com consciência do que se quer atingir em nível de educação; � Pode gerar a alienação, passividade, individualismo, competitividade, mecanização do trabalho docente, etc; � Algumas atividades necessitam de um caráter de treina-mento, mas não podemos alargar essa terminologia a todo trabalho de formação do professor.

Capacitação � Possibilidade de desenvolver habilidades e competências; � Promoção de condições para o desempenho de funções.

� Se compreendido como forma de convencer ou persua-dir, corre-se o risco de promover atitudes acríticas de pro-fessores; � Ao significar possibilidade de desenvolver-se, pode-se romper com a idéia de que as pessoas são incapazes, são limitadas.

Aperfeiçoa-mento

� Dá a idéia de completude, aspectos completos, findos, fecha-dos, acabados; � Deificação de ações humanas e do próprio homem; � Melhoramento de ações, busca de melhoria nas práticas.

� Pode gerar um distanciamento entre professor e os ‘ho-mens comuns’, pois ele pode assumir sua postura de ‘dono do saber’, ‘Deus do conhecimento’; � Pode contribuir para a aquisição de um maior grau de esmero do trabalho docente; � Tendo em vista a construção de um mundo melhor, mais justo, mais ético, a denominação poderia contribuir para a melhoria da qualidade de vida de todos, mas tendo claro que a perfeição seria muito pretensiosa.

Formação � Constitui-se como ações em processo, inacabadas; � Mostra a idéia de constituição, disposição, organização, funda-mentação.

� Pode contribuir na compreensão de que o ser humano é inconcluso, pois há um processo de constituição humana que não se esgota com o nascimento; � Promove a consciência deliberada de mudança em pro-cesso.

Fonte: Araújo (2000), pp. 33-34.

De acordo com a ressignificação proposta por Marin (1995, 1998) para a concepção de

formação docente, Araújo (2000) apresentou o quadro 6 em sua pesquisa: “Educação

Continuada na Escola: Traços, Trilhas e rumos da Coordenação Pedagógica”. A partir do

postulado de Marin (1995, 1998) e das idéias apresentadas na pesquisa de Araújo (200) sugiro

o acréscimo de mais um item no quadro 6, elaborado por Araújo (2000) - “Educação

Continuada”

Importante se faz resgatar o significado desses termos para compreender o porquê de

suas ressignificações, que se torna um meio de buscar palavras capazes de representar a

intenção de mudar, de construir um outro modo de ver a educação continuada de professores.

Marin justifica essa necessidade de ressignifcação, dizendo:

Educação Continuada

- Constitui-se processo de idas e vindas; - Reforça a idéia de cria-ção, recriação e transfor-mação;

- Envolve o complexo processo de ensinar a aprender, aprender a ensinar, ensinar a ensinar, aprender a aprender, aprender a pensar, ensinar a aprender a pensar; - O processo de criação e recriação pode contri-buir para a transformação da realidade social.

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[...] que a terminologia educação continuada pode ser utilizada para uma abordagem mais ampla, rica e potencial, na medida em que pode incorporar as noções anteriores – treinamento, capacitação, aperfeiçoamento – dependendo da perspectiva, do objetivo ou dos aspectos a serem focalizados no processo educativo, permitindo que tenhamos visão menos fragmentária, mais inclusiva, menos maniqueísta ou polarizadora. (1995: 19, grifo da autora)

Essa perspectiva de ressignificação necessita ser incorporada às escritas e ações, uma

vez que, por meio dela, fica expressa a intenção daquilo que se pretende realizar. Em

consonância com a ressignificação proposta por Marin (1995, 1998) para a expressão

formação docente, foi utilizado na pesquisa o termo educação continuada.

Instituir processos de educação aos profissionais docentes induz desvelar o que

representa essa educação, seja ela inicial ou continuada. A proposta de Marin (1995, 1998)

encontra consonância com a discussão apresentada por Chauí (2003), Pimenta e Anastasiou

(2005), dentre outros autores, quando apontam elementos que lhe são essenciais. Chauí (op.

cit.) descreve o conceito de educação como um advento em intrínseca relação com o tempo,

uma imersão na cultura, um estímulo à mudança do instituído ao instituinte, afirmando que

para haver educação deverá, também, haver obra de pensamento, interrogação, reflexão e

pensamento crítico sobre um fragmento social imerso numa totalidade. A autora enfatiza a

importância do conhecimento da realidade, para perceber os problemas que dela emergem e

buscar meios para os resolver. O que, segundo a autora, tem sido discutido nos cursos de

educação continuada visto que a educação inicial não tem privilegiado essa discussão.

A educação continuada realizada na escola, nos momentos de coordenação

pedagógica, poderia cumprir tais intenções, na medida em que oportunizasse aos professores a

discussão sobre o instituído, possibilitando-lhes refletir criticamente, buscando engendrar

mudanças. Uma das oportunidades para discutir o instituído, buscando romper com as ações

cristalizadas nas atitudes de alguns professores, surgiu durante o estudo realizado pela

professora Ana, coordenadora pedagógica do BIA no CEF 18. Ela debateu com os professores

a necessidade de realizar registros sobre cada uma das crianças para o acompanhamento

sistematizado do processo de aprendizagem. Ana comentou que ao participar “de uma

reunião30, a palestrante falou exatamente do registro. Ela falou que os professores sentem

dificuldade de registrar aquilo que vai acontecendo com as crianças, o que está se passando

na sala de aula”, pois na maioria das vezes “acham que podem se valer dos guardados da

memória, mas na verdade isso não é possível”. Ana destacou que o trabalho com registros

30 Palestra sobre Avaliação, realizada pela EAPE, no primeiro semestre de 2007.

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acontece na escola, relatando que “esse trabalho que vou propor aqui, que nós vamos

começar, começar não, porque eu já vi algumas professoras fazendo. Eu vi a Suzi e a colega

fazendo. Elas têm um caderno com todos os nomes dos alunos para anotar”. Nesse momento

as professoras, interlocutoras da pesquisa se pronunciaram. Maria comentou “eu também

tenho!”, e a professora Lara, apontando para seus materiais, disse “o meu está ali dentro”.

Ana continuou, dizendo:

Eu sei que vocês já têm um trabalho nesse sentido, mas achei a discussão muito interessante. Ela falou que existe a avaliação formal e informal. Os relatórios, diários, bilhetes, advertência e, até aqueles carimbos que a gente coloca “não fez a tarefa”, são registros formais. Existem os registros pessoais, que são do professor e, o amparam quando vai fazer o relatório, como o diário de bordo, as anotações no caderno. Por exemplo, quando um aluno escrevia silabicamente, você percebeu que ele avançou, então você anota nesse caderno, que deve sempre estar a mão para você anotar, que é cheio de rabisco, não é um caderno bonitinho.

A coordenadora destacou que “eles fizeram uma pesquisa e constataram que a

maioria dos professores não dá credibilidade àquele relatório que a gente faz”. Comentou

que “registrar é deixar marcas”, daí a necessidade de superar o hábito das anotações

superficiais, focadas na descrição dos aspectos atitudinais e priorizar as “informações

relevantes”. Essas anotações são subsídios para a avaliação, portanto “têm como foco a

aprendizagem”, o que permite o acompanhamento do processo de aprendizagem de cada

criança. Ana concluiu, dizendo que “é preciso anotar para recuperar o vivido”.

Ao final todos confeccionaram um caderno para realizar os registros de sua turma,

sabendo que as informações registradas seriam utilizadas durante as próximas coordenações

pedagógicas como subsídio para organizar e planejar as situações didáticas, fomentando a

pesquisa do cotidiano escolar.

A professora Suzi, interlocutora da pesquisa, decidiu usar esse caderno com as

crianças, transformando-o num caderno de registros da turma. Suzi o apresentou às crianças,

dizendo que a cada dia da semana uma das crianças o levaria para casa e poderiam registrar

nele algo significativo para elas. Poderia ser um passeio, uma festa, sobre o que gostam de

fazer, um filme a que assistiram, qualquer coisa que quisessem compartilhar com os colegas.

Marcos levou o caderno para casa e chegou ansioso à sala de aula, queria ler sua história para

a turma. A turma silenciou, mas Marcos leu muito baixinho e os colegas disseram que não

estavam ouvindo nada. A professora pediu-lhe “eu posso ler seu texto?”. Marcos concordou,

a professora releu o texto, ao final as crianças perguntavam: “quem vai levar o caderno

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amanhã?”. Em meio à gritaria, a professora relembrou “todos vão levar o caderno. Nós

combinamos que um dia um menino levava, no outro, uma menina”. Em setembro, a

professora Suzi, orgulhosa, abriu o caderno e comentou “já está todo amassado, mas

continua fazendo sucesso, todo dia é uma briga, porque cada um quer levar o caderno”. Um

grupo de meninas, muito empolgado, só descansou depois que ouvi a leitura do texto de cada

uma delas. As informações anotadas por Suzi e a observação das idéias subjacentes, presentes

no relato de cada criança, certamente contribuíram para organização dos relatórios que estava

redigindo. Suzi comentou o avanço de algumas crianças no processo de escrita, mostrando o

texto produzido nesse caderno: “veja como a Karen está escrevendo, ainda tem algumas

dificuldades, mas melhorou muito.” A tessitura entre as diferentes informações oportunizou a

percepção dos avanços e necessidades das crianças, contribuindo para uma leitura crítica da

realidade da sala de aula, fomentando uma reflexão para além do senso comum.

O fomento à pesquisa tem sido uma das questões que impulsionou as discussões de

diversos pensadores do campo educacional, dentre eles Freire (1996), Veiga (1998) e Pimenta

e Anastasiou (2005), pois oportuniza a leitura crítica da realidade escolar. No entanto a luta

pela tentativa de inserir nos cursos de Pedagogia a possibilidade de realizar ações críticas

transcorreu entre avanços e equívocos da proposta de educação expressa na LDB 9394/96,

apontados por Veiga (1998). Segundo a autora, alguns preceitos legais de forma direta ou

indireta apontaram uma educação que transitou entre a lógica da racionalidade técnica e a

lógica do praticismo inoperante, centrando a discussão instrumental sobre o trabalho docente.

A autora comenta que houve, no entanto, uma distorção do sentido da educação, que poderia

ter incluído a investigação da prática, mas demorou a inseri-la em sua proposta. Segundo

Veiga (ibid.), a nova LDB previu apenas a “associação entre teorias e práticas, mediante a

capacitação em serviço” (inciso I do Art. 61), estabelecendo entre elas uma visão relacional, o

que não garantiu a inclusão da pesquisa para articulá-las. Após inúmeras discussões, acordos e

desacordos, a pesquisa foi inserida na proposta de educação, conforme expressa a redação do

Art. 3º das DCN (2006), no parágrafo único do item II: “para a educação do licenciado em

Pedagogia é central: a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de

interesse da área educacional”.

As mudanças resultantes das discussões realizadas pelos profissionais docentes, em

diferentes instâncias: sindicatos, associações congressos, conselhos, dentre outros,

promoveram alterações significativas para a concepção dos cursos de educação de

professores. Pimenta e Anastasiou (2005) destacam que as mudanças sociais contemporâneas

ensejam uma educação que compreenda o ensino como um fenômeno, uma situação em

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movimento e diferente para cada um dos sujeitos, lugares e contextos onde ocorre. Essa

educação considera a pesquisa como o meio em que os profissionais, atentos às suas

especificidades, sejam capazes de criar, inventar, buscar meios para mudar os rumos da

educação.

O atual contexto social requer profissionais que compreendam o cotidiano da sala de

aula, da instituição escolar e da sociedade, que ultrapasse os muros da escola em busca de

informações para dar conta da problemática que o envolve. O curso promovido pelo

CRA/CEF 18, no ano de 2007, tem buscado promover a reflexão crítica dos professores. Na

palestra31 realizada por, Lima (2007), ela comentou que “a questão essencial, fundante da

escola é transmissão dos conhecimentos complexos construídos ao longo da história da

humanidade”. Acrescentou que a escola não tem conseguido cumprir essa função, conforme

os dados apresentados pelos sistemas que avaliam a educação brasileira, pois “ensinar é algo

complexo, que deve ser realizado por profissional, professor pesquisador, investigador, que

acredita que todos podem aprender e busca meios para vencer os desafios que surgem no

dia-a-dia”. Situação que suscita a necessidade de uma reflexão crítica: “professor precisa ser

profissional, desvincular suas ações do senso comum e buscar investigar as questões que

surgem no dia-a-dia, apoiando-se em teorias que possam ajudá-lo a compreender tais

questões”. Situação que indica a necessidade de ressignificar ações, de lutar para conquistar

condições para cumprir a função social da escola.

31 Palestra realizada, no dia 03 de maio de 2007, pela professora Maria José Rocha Lima, Mestre em Educação - Inep/MEC, no auditório do CEMAB. .

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Ressignificação: necessidade dos termos e das ações

Um outro termo que vem carecendo de uma transposição semântica, assim como foi

proposto para educação continuada, para romper com as ações cristalizadas em sala de aula,

refere-se a ciclos. Esse tipo de organização da escolaridade impregnou-se de uma concepção

que não dá conta de atingir seus objetivos. Situação comprovada por diversos autores,

apresentada anteriormente, ao explorar os obstáculos da busca pela instituição das propostas

pautadas nessa concepção. A palavra ciclos impregnou-se da obrigatoriedade da criança

avançar intra ciclo, desobrigando de atrelar a esse fato o avanço nas aprendizagens, ranço da

promoção automática. Mais ainda que ressignificar palavras, urge ressignificar ações. Freitas

(2002) alerta que, tanto a desresponsabilização da escola como a do professor pelas

aprendizagens que devam garantir, inviabiliza a consolidação dos ciclos. Portanto, para a

garantia da progressão da criança no seu processo de escolarização, deve-se priorizar o modo

como lhe é oportunizado elaborar conhecimentos. Tais situações são promovidas para lhe

permitir a elaboração de novas aprendizagens, o que torna imprescindível o conhecimento do

postulado de Ferrero e Teberoski (1995) sobre os esquemas de pensamento em cada nível da

psicogênese para planejar as intervenções necessárias que promovem novas aprendizagens. A

progressão na aprendizagem pode garantir à criança a progressão na escolaridade, ao mesmo

tempo em que permitirá sua inserção social. A eliminação da retenção não prioriza a

progressão na escolaridade; não avaliar para não reter, também não. Respeitar o ritmo natural

da aprendizagem torna-se questionável diante dos entraves psicológicos, biológicos,

antropológicos e sociológicos apontados pelos estudos atuais nesse campo, dentre outros por

Lima (2007). Torna-se imprescindível que se considerem, como parâmetro da progressão na

escolaridade, as aprendizagens elaboradas pelas crianças, garantindo-lhes a elaboração de

novos conhecimentos, por meio de provocações didáticas adequadas aos esquemas de

pensamento32 em relação ao seu processo de construção do conhecimento, o que deve ser

priorizado pelas situações de educação continuada promovida aos professores alfabetizadores.

Essa discussão deve ser entrelaçada à questão do ciclo que alarga o tempo para que a criança

aprenda, pois existem dados comprovados33 que, quando as intervenções didáticas são

32 Refere-se à organização do pensamento mediante uma determinada situação. Segundo Verganud “podemos dizer que esquema de pensamento é um plano de ação, uma estratégia que abrange uma classe de ações, numa certa seqüência para dar conta de uma tarefa de certa complexidade” (2001: 16, grifo do autor). 33 Divulgação, dentre outras, da reportagem redigida por Gurgel, Thaís. “Vou alfabetizar todos até o fim do ano”. Revista Veja, edição 204 - ago./2007.

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realizadas em consonância com o esquema de pensamento da criança, ela avança no processo

de ampliação do conhecimento. Inclusive esse fato foi destacado pela professoras

pesquisadas. A professora Maria disse que “se você sabe trabalhar, a criança avança” e

todos os alunos dela estão alfabetizados. A progressão porque está aprendendo serve de

ferramenta para que a criança possa inserir-se na sociedade da qual participa, no entanto,

algumas vezes, encontra-se marginalizada, excluída.

A necessidade de incluir as crianças no processo de escolarização vem sendo discutida

por diversos autores, dentre eles, Freitas ao apresentar as formas de exclusão que ocorrem

“dentro e fora da escola, cuja determinação fundamental não foi alterada nos últimos 400

anos” (2002: 302). Uma situação que necessita ser repensada pelos professores que convivem

dia-a-dia com as crianças e podem subverter esta cruel realidade, sabendo que a “batalha pela

educação e pela eqüidade não é uma tarefa do tipo ‘one man, one show’” (ibid.: 303), mas

que prescinde de sabermos “ler as medidas que estão sendo propostas usando um instrumental

teórico que nos permita desvelar as reais intenções e as práticas atuais [...] e armar

resistência” (ibid.: 322).

Para desvelar este emaranhado de situações que ronda o espaço escolar e impede que a

educação cumpra seus objetivos, muito há que se fazer. Dentre as condições sugeridas para

consolidar esse propósito, em Freitas (2003), está incluída a promoção de situações de

educação continuada, priorizando o compromisso social, a responsabilização pela

aprendizagem da criança, tanto pela escola, como pelo professor, tornando a escola o palco

principal dessa discussão.

Para ressignificar a concepção de ciclos e inaugurar um novo patamar para a educação

brasileira, há que se acreditar que todos podem aprender e investir em ações que priorizem o

trabalho para consolidar esse pensamento, rompendo com todas as ações contrárias a ele.

Freire (1996) disse que “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de

intervenção no mundo” (1996: 98). Isso significa que o professor deve compreender que de

posse do conhecimento da leitura e da escrita o sujeito inaugura um novo olhar e um novo

lugar para sua vida na sociedade. Esse certamente é o oficio fundante dos profissionais

docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental: alfabetizar. Uma proposta almejada,

dentre outras tantas, pelo BIA.

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2.5. Bloco Inicial de Alfabetização e a concretude da realidade

Para compreender o processo de implantação do BIA no Distrito Federal, foi

necessário desvelar os fatos que foram escritos e inscritos durante essa instituição. Algumas

situações foram vivenciadas enquanto atuei como professora do curso PIE/SEEDF/UnB e

como professora e coordenadora pedagógica do CEF 18 de Taguatinga. Portanto alguns dos

relatos apresentados foram baseados nessa vivência, recuperados por meio dos registros de

atividades coletivas e individuais, realizados na época.

BIA: implicações de sua implantação

A implantação do BIA iniciou-se em 2005, na cidade de Ceilândia, de acordo com

explicações da Subsecretária de Educação Pública, na reportagem “No DF o ensino

fundamental vai durar 9 anos” (2004), divulgada no site34 da SEEDF. O motivo para a

implantação do BIA ser iniciado nesta cidade, justificado nessa reportagem, referiu-se ao fato

de que esse local apresentava o maior índice de atendimento às crianças pelo programa

“Quanto mais cedo melhor” e por ter uma estrutura física adequada ao funcionamento dos

trabalhos. Essa informação, mesmo sendo divulgada pela reportagem, no site da SEEDF,

parece não ter atingido o público do professorado, pois a maioria dos professores desconhecia

o motivo da escolha dessa cidade. Inclusive as professoras que exerciam regência nessa

cidade e cursavam o PIE, na turma em que fui professora mediadora. Por essa razão foram

vários os relatos que apontavam resistências dos professores à implantação do BIA. Uma das

cursistas comentou, na época, que “a minha escola está uma confusão, as turmas de 3ª e 4ª

séries foram transferidas para outra escola, pois lá só vai ter BIA”. E concluiu dizendo

“ninguém sabe nada, as coisas acontecem” e isso, cada vez mais, provocava a resistência dos

professores.

Talvez o conhecimento do motivo que levou a SEEDF a começar a implantação do

BIA naquela cidade pudesse diminuir a resistência à proposta, afinal representava uma

justificativa compreensível, uma vez que oportunizaria a democratização legal do acesso à

escola para todas as crianças. Outro fato que acirrava a resistência dos professores, relatado

34 <http://www.se.df.gov.br/imprensa/indexnew.asp> - Sala de Imprensa

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pelas cursistas, adveio, também, da decisão da Secretaria de Educação em não realizar os

concursos de remoção externa e interna, no final ao ano de 2004. Esse é um meio pelo qual os

professores podem mudar o seu local de trabalho, seja de uma escola para outra, ou de uma

cidade para outra, o que geralmente vinha ocorrendo a cada final de ano. Mas nesse ano, os

professores mesmo desejando sair da escola, porque não gostariam de trabalhar com turmas

de BIA, tiveram que permanecer naquela instituição ou encontrar uma permuta. Uma das

cursistas comentou “não vai haver concurso de remoção, os professores estão negociando a

permuta, quem quer trabalhar com o BIA acaba trocando de escola com quem quer trabalhar

com 3ª ou 4ª séries”.

No final de 2005, iniciaram-se as discussões sobre a implantação da proposta, em

Taguatinga, das quais participei como professora e coordenadora pedagógica do CEF 18. Em

novembro desse mesmo ano, houve a indicação de duas escolas dessa cidade para sediarem o

Centro de Referência em Alfabetização. Foram indicados o CEF 18 e a Escola Classe 41 (EC

41), um para atender a demanda da região Norte da cidade e outro para atender a região Sul.

Ao CRA/CEF 18 coube o atendimento aos professores atuantes no BIA nas quatorze escolas35

da região Sul de Taguatinga.

Diante do emaranhado contexto em que ocorreu a implantação do BIA no Distrito

Federal, busco delimitar minha compreensão acompanhando o processo vivido no CRA/CEF

18, local escolhido como campo de pesquisa.

BIA e CEF 18: conhecendo a proposta

Somente os professores das duas escolas indicadas para sediarem o CRA receberam as

orientações do Departamento de Educação Infantil - Gerência das Séries Iniciais (DEIF/GSI),

e o documento com as Orientações Gerais (versão preliminar, 2005); por ocasião da reunião36

com os professores das escolas indicadas para sediarem o CRA, em dezembro de 2005. Um

dos pontos destacados referiu-se à polêmica sobre a avaliação diagnóstica. Uma professora do

35 O CRA CEF 18 atende a 14 Escolas Classes, a 2 Centros de Ensino Fundamental e ao CAIC Walter José Moura, perfazendo um total de 28.392 crianças e 333 professores alfabetizadores. Lembrando que o CRA CEF 18 atendeu, inicialmente somente às escolas situadas na região Sul de Taguatinga. O termo Escola Classe, utilizado no Distrito Federal, refere-se à escola que atende os anos iniciais do Ensino Fundamental. 36 Reunião realizada no Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga, no dia seis de dezembro de 2005, com a presença das duas escolas indicadas para serem, em 2006, os Centros de Referência em Alfabetização: CEF 18 e EC 41. Gravada e editada pelo professor do CEF 18, Elso Hitashi, disponível em DVD.

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CEF 18 comentou que, ao buscar informações no CRA de Ceilândia, tomou conhecimento de

uma “avaliação diagnóstica com 29 páginas para ser preenchida por criança”, no entanto,

naquele momento lhe foi informado que haveria mudança, mas ainda estava sendo definida. A

ausência, na proposta, da Alfabetização Matemática também foi percebida e questionada por

uma professora dessa mesma escola. Ela argumentou que na leitura do documento observou a

citação de habilidades e competências referentes à língua portuguesa, mas a proposta “não faz

nenhuma alusão ao raciocínio lógico matemático e eu tenho uma preocupação a esse

respeito, porque a alfabetização matemática também é muito importante”. Houve a resposta

de que a equipe do DEIF/GSI também havia percebido essa falta.

Além da avaliação diagnóstica e da ausência da matemática no documento, outra

questão que provocou grande desassossego referiu-se à enturmação. Conforme o documento

com as Orientações Gerais para o BIA (versão preliminar, 2005), as crianças deveriam ser

enturmadas em cada uma das etapas de acordo com a idade. Dessa forma, as crianças, mesmo

não estando alfabetizadas, seriam matriculadas em qualquer uma das etapas, pois o parâmetro

para matriculá-las desconsidera seu processo de aprendizagem. Caso fosse possível opinar,

mudar, a escola poderia organizar as turmas de outra forma, enturmando as crianças,

utilizando outros critérios. Uma professora questionou às representantes do DEIF/GSI se seria

possível haver mudança, dizendo: “ao iniciar o ano que vem, os alunos que nós temos hoje

serão reagrupados nestas etapas, conforme a idade? Eu tenho uma primeira série, alguns

alunos vão ficar retidos, como iremos proceder? Eles vão para que etapa?”. As responsáveis

pela apresentação da proposta foram categóricas: a enturmação deveria ser realizada

considerando apenas a idade, este seria um dos itens das diretrizes para a Estratégia de

Matrícula no ano seguinte. Não haveria possibilidade de realizá-la de outra forma, a escola

teria que organizar as turmas considerando apenas esse critério.

Isso representava um enorme desafio, pois era o final de um ano letivo e o processo de

avanço das crianças para a etapa seguinte estava sendo mudado. Algumas discussões foram

realizadas pelo grupo de professores, após a reunião e agarrando-se ao regimento escolar, foi

possível repensar e promover alguns ajustes, não permitindo que algumas crianças tivessem

que refazer a etapa cursada naquele ano. Infelizmente não foi possível reorganizar a questão

das crianças promovidas para uma etapa, na qual não tinha condições de acompanhar as

atividades nela propostas, o que segundo esse documento, em alguns casos, seria atingido

pelo Projeto Interventivo que atenderia às crianças da etapa III.

Os professores comentavam que essas discussões poderiam anteceder sua

concretização, antes que a proposta fosse instituída, os professores deveriam conhecê-la,

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participando de sua elaboração e não da forma como estava ocorrendo. Afinal, quando

começaram a conhecê-la, faltavam apenas dez dias para o encerramento do ano de 2005,

seguido das férias coletivas e do início do novo ano escolar no qual a proposta estaria sendo

instituída.

Nessa circunstância, os professores puderam simplesmente tomar conhecimento da

proposta. A intenção de discuti-la, opinando e participando de novas elaborações, poderia ter

sido talvez, um aperfeiçoamento do vivido, dentre outros37, pela educação mineira, quando o

governo promoveu a participação dos profissionais da educação na escolha da forma em que

organizaria a escolaridade, se em séries ou ciclos, conforme relato apresentado por Franco e

Fernandes (2001). No caso do Distrito Federal, a participação dos professores não seria por

meio de um plebiscito para definir o modo de organizar a escolaridade. Seria a participação,

contribuindo com suas experiências para adequar a proposta à realidade vivenciada. Seria a

oportunidade de trabalhar a proposta possibilitando aos professores condições de aproximá-la

de suas dúvidas, dos seus saberes, buscando resolver os problemas do dia-a-dia da sala de

aula. Se, na apresentação da proposta do BIA, os professores tivessem participado,

reelaborando-a, essa teria sido a oportunidade para inovar o modo de instituir políticas

públicas. Teria sido uma experiência singular que poderia contribuir com novas perspectivas

para a concepção de outras propostas educacionais. Poderia ter sido dada a oportunidade para

que os professores alterassem a proposta, que pudessem reelaborá-la conforme os

questionamentos apresentados pelo grupo. Uma professora indagou à equipe do DEIF/GSI:

“tem como a gente discordar ainda, nessa altura do campeonato?”. Os professores queriam

saber se poderiam repensar, discutir, buscar a melhor forma para a escola se adequar às

mudanças. Caso fosse possível, este poderia ser um momento que deslancharia tal discussão,

no entanto foram informados de que a proposta estava sendo apenas “repassada”, seria

impossível tecer considerações para reelaborá-la. Infelizmente os professores ainda são

considerados meros executores. Os saberes elaborados nos anos de experiência são

desconsiderados e a proposta deveria ser aplicada ipis litere, tal qual, definida pelos

especialistas.

37 A respeito dessa questão há trabalhos realizados por pesquisadores que podem contribuir com outras informações, dentre eles cito: ANDRADE, Irene Rodrigues, (1992). Ciclo básico: da proposta transformadora de alfabetização à realidade de sua prática. Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. CANGUSSU, Maria Aparecida Rodrigues, (2001). Progressão continuada na escola pública mineira: limites e avanços. Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. VASCONCELLOS, Celso dos S., (1999). Ciclos de formação: um horizonte libertador para a escola no 3º milênio. Revista de Educação AEC, no 111, p. 83-95.

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Logo após, o grupo de professores das duas escolas indicadas para sediarem o CRA, se

organizou e, cada um, à sua forma, tomou conhecimento de tal documento. O CRA/CEF 18

recebeu uma cópia desse documento e, por meio de xérox, o disponibilizou aos professores

para seu conhecimento mais detalhado, o que foi realizado, no pouco tempo que lhes restava e

em meio à agitação das atividades do final de ano.

2.6. A instituição do Bloco Inicial de Alfabetização

No início de 2006, foi realizada uma reunião, em Taguatinga – no Teatro da Praça,

com a presença de todos os diretores e vice-diretores, coordenadores pedagógicos e

secretários das escolas da cidade, para tomarem conhecimento da proposta. Participei desse

encontro juntamente com a vice-diretora da escola. Ocasião em que uma representante do

MEC expôs a historicidade da luta pela democratização da educação, incluindo as crianças de

seis anos na escola, conforme exposição “Ensino Fundamental de Nove Anos” (PAGEL,

2005). Logo após as professoras do DEIF/GSI, responsáveis pela divulgação do BIA,

apresentaram os pontos principais da proposta, explicando, dentre outros aspectos, a

enturmação em cada uma das etapas. Essas explicações foram acompanhadas pela exposição:

“Por dentro do BIA” (SEEDF, 2005).

No início de 2006, conforme a programação da Semana Pedagógica, realizada entre 13

e 17 de fevereiro de 200638, o grupo de professores do CEF 18, numa nova discussão coletiva,

analisou as informações contidas no documento das Orientações Gerais (versão preliminar,

2005). O documento foi divido em partes, pois o grupo já havia tomado conhecimento do

todo, durante a reunião com o DEIF/GSI, realizada em novembro de 2005 e nas discussões

realizadas posteriormente. Cada grupo destacou os pontos que poderiam ser articulados com o

Projeto Político Pedagógico da escola, buscando contemplar as orientações nele contidas. Mas

nem tudo transcorreu normalmente, pois essa escola ainda não tinha a indicação39 de quem

assumiria o cargo de sua direção. O grupo demonstrava insatisfação com a direção anterior e

buscava meios para resolver a situação. Não havia também a definição de quem exerceria a

38 Conforme previsto no Calendário Escolar da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal para o ano letivo de 2006, elaborado pela Secretaria de Educação de Estado do Distrito Federal. 39 No Distrito Federal, já foram utilizadas diferentes propostas para a escolha de diretores. Houve eleição direta, escolha por meio de uma lista tríplice. Nesse ano a escolha foi realizada por indicação.

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coordenação do CRA, situações que levaram o grupo a organizar uma luta coletiva travada,

implacavelmente, a cada dia desta semana.

CEF 18: luta gerada pelas inquietações

A equipe de professores do CEF 18 buscou meios para resolver a situação que

inquietava o ambiente escolar. Foram muitas reuniões40 para o grupo se organizar: entre os

professores, entre eles e o Diretor da DRET, entre ambos e a Subsecretária de Educação que,

em um encontro, comunicou já ter escolhido a diretora para o cargo, mas poderia repensar.

A Subsecretária de Educação (2005), responsável pela implantação dessa proposta de

educação, compareceu à escola após o pedido do grupo de professores que não conseguia

resolver a situação por intermédio do diretor dessa Regional de Ensino. Nesse dia estavam

presentes todos os professores da escola, os representantes e o presidente do Conselho

Escolar, que reuniram esforços para justificar o motivo que incendiava a luta pela definição da

direção da escola. Foram abordadas diversas situações. Destacaram a necessidade de se

resolver a questão de forma transparente, respeitando o desejo que o grupo tinha de que a

direção fosse ocupada por alguém que pertencia à equipe e, inclusive, valorizasse as

construções realizadas durante a Semana Pedagógica, como o Projeto Político Pedagógico. As

argumentações envolveram também a importância de essa pessoa ser conhecedora da

comunidade escolar, da sua cultura, afinal houve coragem e ousadia desse grupo em abraçar a

proposta do BIA, sediando o CRA. Acrescentaram ainda a justificativa de que uma pessoa

conhecedora do grupo poderia levar adiante o trabalho planejado por eles, enquanto outra

pessoa, por mais boa vontade que tivesse, perderia tempo “tateando” o ambiente, o que

poderia protelar o trabalho que já havia sido organizado pelo grupo até aquele momento.

O grupo de professores dessa escola traz em sua história uma trajetória de lutas

político-pedagógicas anteriores conquistadas pelas discussões como uma escola de formação.

Sendo uma equipe que se destaca pelas posições de liderança, consegue respeito em suas

reivindicações. Os profissionais dessa escola haviam indicado para a função uma professora

pertencente àquela instituição e após momentos de angústias, negociações, discussões,

reuniões intermináveis, quase no fim da semana (que seria a semana dedicada à organização

40 Reuniões registradas por mim em forma de Porta-fólio do CEF 18, em 25 de março de 2006. Nesse tempo era professora que exercia regência de classe nesta escola e logo em seguida, fui coordenadora pedagógica.

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das atividades para o ano letivo) foi recebido um telefonema vitorioso, garantindo a indicação

desejada para a direção da escola. Para a coordenação do CRA/CEF 18 foi indicada uma

professora que havia pertencido ao grupo dessa instituição na época em que era Escola

Normal.

Definidos os personagens seria necessário definir, também, os caminhos e com a

chegada das crianças, foram sendo elaborados os projetos que dariam os encaminhamentos

para o trabalho da escola como CRA, e atendendo às especificidades do BIA, o que demandou

rever e reler documentos para juntos organizarem o jeito de caminhar.

O ano letivo de 2006, já havia começado, e o contato dos professores da cidade de

Taguatinga com informações sobre o BIA estava sendo planejado e, nesse sentido, ocorreram

muitas reuniões no CRA/CEF 18. Um dos itens que demandou muitos encontros foi a

avaliação diagnóstica. Os encontros envolvendo esse tema ocorreram concomitantemente à

reorganização da divulgação da proposta aos professores, pois como previsto nas Orientações

Gerais (versão revista, 2005) a avaliação diagnóstica ofereceria informações à Secretaria de

Educação para “validar os resultados”. Essa situação ocorreu na cidade de Ceilândia, no ano

anterior, e dessa forma também seria divulgada pela equipe do DEIF/GSI, conforme

exposição “Por dentro do BIA” (2005), apresentada durante a divulgação para os diretores,

realizada no Teatro da Praça.

Era necessário ressignificar essa divulgação e dar-lhe sentido pedagógico, o que

ocorreu numa reunião, incluindo a participação de representantes do DEIF/GSI, NCP/DRET,

EAPE, Oficina Pedagógica, CRA’s e CEF 18. Houve a sugestão para que a avaliação

diagnóstica, ao ser divulgada entre os professores, não fosse considerada como um simples

“levantamento de dados” como estava sendo proposto. A intenção era que os professores

percebessem que, por meio dela, também poderiam organizar o trabalho a ser realizado em

sua sala de aula. Diversos encontros foram realizados até se chegar a esse entendimento.

Foi uma tentativa para mudar o foco da avaliação quantitativa para qualitativa, já que,

além dos dados serem enviados para a SEEDF, permitindo obtenção de elementos para a

avaliação dessa proposta de educação, poderia subsidiar o professor no conhecimento daquilo

que as crianças já sabiam e o que ainda não sabiam. Outro ponto discutido foi relacionado ao

teste único, pois dessa forma não atenderia o objetivo de subsidiar o trabalho docente, uma

vez que havia alunos não alfabetizados e alfabetizados, matriculados nas três diferentes etapas

do BIA, pois o processo de enturmação das crianças havia sido realizado, considerando

somente a idade cronológica.

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Além dessa, outras questões provocavam o desassossego dos professores nesse início

de ano letivo, que foi marcado por diversos movimentos inquietantes mediante a implantação

do BIA em Taguatinga. Afinal essa implantação foi realizada sem uma prévia discussão com

todos os professores, insinuando um reformismo autoritário, que, para Mainardes (2001)

significa a implantação de um projeto sem negociação e discussão com professores e demais

profissionais da educação.

A divulgação da proposta do BIA foi reelaborada e realizou-se em dois momentos, no

turno matutino e no vespertino, durante um encontro realizado no auditório do Centro de

Ensino Médio Ave Branca (CEMAB), em Taguatinga, com a participação de todos os

professores atuantes no BIA. Momento em que a equipe do DEIF/GSI apresentou aos

professores a proposta, por meio da exposição: “Por dentro do BIA” (2006). Nessa exposição,

destacaram o contexto histórico para a inclusão da criança de seis anos no Ensino

Fundamental; as mudanças na organização da escolaridade, apresentando os critérios para

enturmação; a proposta pedagógica, apontando a codificação e decodificação do código para

sua sistematização e a operacionalização da avaliação. Incluiu também a avaliação

diagnóstica, num outro entendimento, resultante das muitas argumentações ocorridas entre as

equipes de divulgação do BIA e do CRA.

Importante se faz lembrar que nesse momento os professores já haviam recebido sua

turma de BIA, pois o calendário escolar do ano letivo previu o início das aulas para o dia 20

de fevereiro. No entanto esse foi o primeiro contatado deles com informações oficiais sobre

essa proposta. O que poderia ter ocorrido no ano anterior, enquanto a proposta estava sendo

implantada em Ceilândia, assim como os professores daquela cidade, também poderiam tê-la

conhecido anteriormente, quando discutiam o documento elaborado pelo MEC. Os

professores, indignados, fizeram diversos comentários. Uns diziam que parecia “reprise da

Escola Candanga. O reagrupamento é a mesma coisa do rodízio. Porque não falaram isso

antes?” Essa fala demonstrou a ansiedade da professora em compreender a proposta que para

ela, no entanto, não havia tanta novidade. Outro comentário representava a angústia de saber

que iria lidar com uma situação complicada, e praticamente sozinha: “Esse negócio de

enturmar por idade, não vai dar certo. A minha turma está uma confusão e só falaram que

vai ter um tal de projeto interventivo.” Outra situação demonstrou a decepção de saber que

tudo continuaria como estava, a organização das turmas por idade iria permanecer. Conhecer

a proposta não ajudou a resolver o problema que iria enfrentar no dia- a-dia de sua sala de

aula: “Essa história de projeto interventivo é só para enganar! Só vai atender a etapa III. Eu

não sei o que vou fazer! A minha turma é etapa II e tem criança que não sabe ler”. Houve

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também muita indignação ao saber que teriam que freqüentar um curso: “Além dessa

confusão ainda vou ter que fazer esse curso?” A ansiedade e a indignação tomaram conta do

ambiente, mas a proposta havia de ser instituída, e aos professores cabia executá-la.

O curso apresentado aos professores, durante o encontro para divulgação do BIA,

estava previsto para ser realizado no CRA. O curso “Alfabetizando no BIA” foi especialmente

planejado para acompanhar a implantação desse programa. No ano de 2005, foi promovido

em Ceilândia, em 2007, foi promovido para os professores de Taguatinga, sob a

responsabilidade da EAPE.

A coordenadora41 do CRA/CEF 18 (2006) logo que tomou conhecimento do

Documento com as Orientações Gerais para o BIA (versão revista, 2005) percebeu nele

muitas lacunas e sugeriu que fosse realizada uma revisão. A Subsecretaria de Educação

nomeou uma comissão e as discussões transcorreram nesse espaço, durante o primeiro

semestre de 2006, resultando numa terceira versão do documento. Para essa comissão foram

nomeadas 13 professoras: sete pertencentes à EAPE, das quais uma participou da primeira

elaboração; uma pertencente ao DEIF/GSI que participou da segunda elaboração; as

coordenadoras dos dois CRA; duas professoras da equipe de apoio do NCP/DRET e uma

professora coordenadora pedagógica. Participei dessa comissão, conforme nomeação do

Diário Oficial do DF (2006) – (Anexo A), no entanto devido ao acúmulo das atividades da

coordenação pedagógica, poucas vezes pude comparecer às reuniões da comissão de revisão.

A participação dos professores nessa comissão restringiu-se a essa equipe, os professores

regentes do CEF 18, ansiosos por colaborar com suas experiências, ficaram apenas sabendo

que a discussão transcorria naquele espaço. Ficaram, praticamente, impossibilitados de

acompanhá-la, sequer como ouvintes, mediante a necessidade de participar das intensas

atividades de instituição do BIA na escola. Caso a proposta pudesse ser reelaborada com a

participação dos professores que atuavam no BIA - nessa e em outras escolas - as reuniões da

comissão poderiam ter sido articuladas aos acontecimentos de cada instituição, considerando

as sugestões, desses profissionais, mediante as possibilidades e dificuldades encontradas ao

instituí-la. Dessa forma, até o tempo para reelaborá-la, certamente, teria que ser ampliado,

uma vez que, partindo do que se tinha como proposta e das questões apresentadas em sua

concretização é que seria possível propor reelaboraçãoes.

A comissão de revisão teve a intenção de transformar o Documento com as

Orientações Gerais para o BIA numa Proposta Pedagógica, resgatando o processo histórico da

41 A coordenadora do CRA/CEF 18, em 2006, iniciou o trabalho em parceria com a coordenadora do CRA/EC 40, mas divergências quanto à concepção das atividades propostas influenciaram a dissolução da parceria.

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instituição da ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos; definindo sistemática e

claramente os Princípios Metodológicos e, ainda, incluindo a Alfabetização Matemática, um

dos pontos frágeis do processo de alfabetização. Outra situação que provocou longas

discussões e argumentações durante as reuniões, tanto da comissão de revisão como para

reorganização da exposição utilizada para divulgação do BIA, foi a avaliação diagnóstica. Os

índices apresentados pelas propostas de ciclos implantadas indicam que o objetivo de

alfabetizar a todos, evitar a evasão e a exclusão não estava sendo atingido e apontam novas

perspectivas para vencer esse quadro por meio da mudança na avaliação. Assim tornou-se

fundamentalmente, necessário encontrar um modo em que as palavras pudessem desfazer o

equívoco expresso no primeiro documento de que “a avaliação diagnóstica apresentada pela

Secretaria de Educação, teste único para todos os alunos do BIA” fosse apenas o modo de

“conhecer o perfil de entrada do aluno no Bloco e validar os resultados” (Orientações,

versão revista, 2005: 35, grifo meu). A consolidação dessa ressignificação, ganhou outro

corpo, ao menos, buscou deixar essa intenção um pouco mais clara, ficando dessa forma

expresso:

Ao iniciar o ano letivo, os professores atuantes no Ensino Fundamental de 9 anos, especialmente no Bloco Inicial de Alfabetização – BIA – realizarão uma avaliação diagnóstica a fim de conhecerem as habilidades e competências já adquiridas por seus alunos, bem como identificarem em que nível da aprendizagem da leitura e da escrita as crianças se encontram. Esta avaliação deve ser a base do planejamento do professor, pois subsidiará sua prática pedagógica, estabelecendo objetivos a serem alcançados ao final de cada Etapa, além de colaborar com a SEDF no sentido de conhecimento do perfil de entrada dos alunos no Bloco (Proposta Pedagógica, 2006: 20, grifo meu).

A proposta final permaneceu com a terminologia Bloco que parece não coadunar com

a filosofia proposta para a educação em ciclos, pois apresenta a idéia de algo que representa

uma parte separada do todo, enquanto deveria apresentar a idéia de encadeamento, de um

processo em constante reelaboração. O termo Bloco sugere parte fechada, sem diálogo com as

outras partes, mas essa terminologia fazia parte da proposta do governo e não incomodou a

toda a equipe de revisão, portanto nela permaneceu, ficando assim definida: Orientações para

o Ensino Fundamental de Nove Anos - Bloco Inicial de Alfabetização - Proposta Pedagógica

- (versão revista, 2006).

Várias foram as discussões que em alguns momentos apresentaram consensos, em

outros, divergências e tiveram que ser encaminhadas, possibilitando ao grupo repensar e abrir

ou não mão de concepções, algumas já arraigadas, mas garantindo que algo ficasse para ser

refletido. Essas situações foram vividas intensamente pela comissão durante o processo de

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revisão, que foi parcialmente concluído, mas mediante o prazo estabelecido havia de ser

entregue à Subsecretaria de Educação.

Em meio às reuniões de revisão do documento, a coordenadora do CRA/CEF 18

(2006) elaborou o planejamento das atividades que seriam realizadas, atendendo às demandas

advindas dos profissionais que atuavam no BIA naquele ano. Afinal a operacionalização da

educação continuada proposta aos professores atuantes no BIA estava prevista para ser

realizada, principalmente, no e pelo CRA, com a participação do NCP/DRET e da EAPE,

conforme prevê a Proposta Pedagógica (ibid.). A EAPE organiza outros cursos na intenção de

oportunizar a educação continuada aos docentes da rede pública de ensino, tanto da Educação

Infantil como do Ensino Fundamental anos iniciais e finais e do Ensino Médio, conforme sua

programação para o ano de 2007.

Como era o ano de implantação do BIA em Taguatinga, cada uma das coordenadoras

do CRA recebeu o apoio de três professoras do NCP/DRET, o que totalizava uma equipe com

oito pessoas – quatro para cada CRA. Em 2007 esse contigente foi reduzido a apenas três

pessoas. Vale ressaltar que o curso em 2006, foi promovido pela EAPE e em 2007, pelo CRA.

A SEEDF também ofereceu instrumentos para a confecção de materiais pedagógicos na

Oficina Pedagógica, durante o curso. No ano de 2007, os participantes do curso tiveram que

colaborar com uma taxa de dez reais por semestre para a compra do material necessário para a

confecção de recursos pedagógicos. Sendo assim, no ano de implantação foram oferecidas

melhores condições para que o CRA organizasse as situações de educação continuada

propostas aos professores.

O trabalho realizado pelo CRA/CEF 18 no ano de 2006 e 2007 será apresentado no

capítulo 3. A apresentação será realizada, concomitantemente, relatando situações ocorridas

entre um ano e outro, portanto para melhor compreensão da conjuntura em que ocorreu o

trabalho realizado em 2007, será delineado o contexto que o antecedeu, assim como

rememorado o contexto que envolveu o trabalho realizado em 2006.

2007: novo ano com velhos enganos

O ano de 2007 inicia-se, trazendo novidades para a educação brasiliense, tanto nas

mudanças de governo e direções do setor educacional, quanto no entendimento sobre a

educação em si. Alguns entraves começaram a surgir, trazendo instabilidade para o cenário

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educacional desenhado até esse momento, demonstrando que a luta por conquistas jamais

cessa. No fim de 2006 e início de 2007, com o processo de mudança dos gestores do governo

e do setor educacional, a jornada ampliada tornou-se o escopo da discussão sobre a educação

brasiliense. Índices de qualidade, saúde do professor, licenças, substituição, dentre outros

assuntos, provocaram discussões envolvendo a conquista do espaço/tempo da coordenação

pedagógica, arduamente obtida por essa categoria, provocando angústia, desconforto e

indignação no meio educacional.

Transtornos foram vividos desde o período de férias do professorado, em que a

categoria acompanhou, pela mídia, as referências divulgadas pela nova secretária indicada

para coordenar a educação no Distrito Federal. Diversas reportagens anunciadas tanto pela

mídia escrita como falada, traziam generalizações42 negativas quanto à qualidade da educação

praticada nas escolas públicas. Numa delas, exibida no site da Secretaria de Educação:

“Seminário discute propostas para melhorar a Educação no DF” a atual secretária declarou

sua “preocupação com o grande número de professores que estão de licença médica (30%)”,

questionando a quantidade de licenças usufruídas pelos professores. No jornal Aqui43 a

secretária de educação divulgou algumas de suas ações para este ano letivo, informando a

maneira como pretendia conduzir a política educacional:

Os quadros colocados na porta da escola terão informações com a nota que a unidade teve na Prova Brasil, os índices de distorção série/idade, o total de professores e o número de licenças. Assim os pais e alunos terão motivos para cobrar e obrigar os professores a prestarem contas do trabalho desenvolvido ao longo do ano. Daremos mais autonomia às escolas, mas vamos aumentar o controle e a cobrança. Faremos monitoramento contínuo das metas que os diretores vão assumir (2007, Cidades, grifo meu).

Esse comentário revelou que o diálogo entre a Secretaria de Educação e pais

desconsidera a existência do professorado. A secretaria, disponibilizando os dados sobre os

professores, permitiria que os pais controlassem e cobrassem que o quadro apresentado fosse

mudado, mas controlar e cobrar não muda dados. Uma política educacional realizada com

controle e cobrança, dispensando o diálogo, pouco ou quase nada conseguirá compreender

dos resultados apresentados, das lacunas, das necessidades que emergem em cada escola.

Cada escola apresenta uma singularidade e a partir de sua análise pode se pensar em

estratégias para modificá-la. Mas pareceu que a intenção da nova secretária pautou-se em 42 Situações que apresentam tais generalizações fazem parte de uma reportagem do jornal Correio Braziliense, publicada em janeiro de 2007 e incentivaram a publicação do Boletim Informativo do Sindicato dos Professores no DF - “Edição Extra” – Ano XVII – n° 260 – de 05 de fevereiro de 2007. 43 Jornal Aqui, edição de 13 de fevereiro de 2007.

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ações de controle e cobrança, pois costumou apresentar comentários relativos à educação

explorando dados numéricos, quantitativos, desprezando a análise singular de cada um deles,

das condições que levaram à apresentação de tais índices. O controle e a cobrança

impregnados nas ações educacionais incidiram na mudança da nomenclatura adotada nos

setores das Regionais de Ensino. O Núcleo de Coordenação Pedagógica passou a se chamar

Núcleo de Monitoramento Pedagógico, de NCP a NMP. Monitorar coaduna com controlar,

cobrar. Uma perspectiva um tanto quanto retrógrada para os tempos atuais, que busca inculcar

um novo olhar para a educação. Uma educação participativa, dialógica e criativa não passa

pela ideologia do controle, cobrança e monitoramento. Essas são posturas associadas ao

militarismo e não à democracia que há tanto se busca instituir.

Outra reportagem deplorável foi publicada na revista Veja44 em que o atual

governador comentou que os professores sofriam de “preguicite aguda”, enquanto deveria

investigar o fato, buscando compreender o que leva o professorado a necessitar de tantas

licenças médicas. Poderia, inclusive pensar em instituir uma política de prevenção de doenças,

procurando controlar aquelas advindas do exercício da profissão. Além desses, outros

comentários foram constantemente divulgados, incluindo a suspensão do direito à licença-

prêmio45, gerando um clima de insatisfação, o que levou o Sindicato da categoria a organizar

uma mobilização para o primeiro dia de regresso das férias dos professores.

Conforme previsto no calendário escolar de 2007, o ano letivo iniciou-se com a

realização do Encontro Pedagógico, na primeira semana de fevereiro. Cada escola planejou

suas atividades, observando algumas diretrizes definidas pela SEEDF. Nesse momento iniciei

a pesquisa, por meio da observação, participando das atividades realizadas no CEF 18.

O CEF 18 organizou uma recepção para os professores, preparando-lhes um refinado

café da manhã, regado pela discussão sobre o contexto político-educacional vivido naquele

momento, o que suscitou a reorganização das atividades programadas para o dia e para a

semana, possibilitando a participação desse grupo na assembléia.

O planejamento para o Encontro Pedagógico foi entregue e redefinido. As atividades

nele previstas oportunizaram importantes discussões sobre o trabalho docente realizado, mas a

angústia e a indignação continuavam presentes. Agora trazidas por três novas mudanças na

Portaria 30/2007/SEEDF, uma referente ao parágrafo único do artigo 3º - antes definia que “a

escolha do coordenador pedagógico antecederá a distribuição de carga horária dos

44 Nota publicada na coluna Holofote, assinada pelo editor Felipe Patury, sob o título “Assombração nas escolas”. Revista Veja, 21 de fevereiro de 2007, edição 1996, p.30. 45 Até o momento a licença-prêmio para os professores da SEEDF continua suspensa, somente os profissionais da carreira assistência podem gozá-la.

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professores” e foi revogada, portanto os coordenadores, escolhidos pelos professores,

deveriam escolher turma e assumi-las até que pudesse ser enviado professor para substituí-los.

Essa medida impossibilitou a continuidade da tranqüilidade nos trabalhos iniciados pelo grupo

durante a semana pedagógica.

Outra mudança referindo-se ao inciso IV dos artigos 19 e 20, que trata da substituição

de professores, antes dizia que os professores deveriam destinar três horas das quinze

destinadas à coordenação pedagógica à “substituição, no caso de afastamento de professor

regente, de até 10(dez) dias”. O termo que delimitava o tempo “até 10(dez) dias” foi retirado e

alterado para: “conforme escala definida pela Instituição educacional, no caso de afastamento

de professor regente”. Dessa forma, o trabalho coletivo ficaria inviabilizado, pois a cada dia

um professor não estaria presente na coordenação, visto que naquele momento havia na escola

a carência de cinco professores, no turno vespertino.

A terceira alteração atingiu o artigo 38, trazendo novos critérios para a escolha de

turmas no BIA. Antes esse artigo apresentava um quadro com critérios para escolha de turma

de Educação Especial e nele foi acrescentado outro quadro, trazendo critérios para escolha

“de turma de 3° período ‘Quanto mais cedo melhor’ da Educação Infantil, de Bloco Inicial de

Alfabetização, de 1ª e 2ª séries do Ensino Fundamental”. Dizia que seriam considerados “[...]

a experiência, a habilitação e a qualificação do professor na área pleiteada”.

A ansiedade gerada pela espera do entendimento dessas mudanças pelo pessoal da

direção da escola para a organização de uma nova escala de pontuação - para que pudesse

ocorrer nova distribuição da carga horária - estava explícita em todos os olhares e falas. A

incerteza pela turma que exerceria regência torna o momento de planejamento coletivo um

marasmo. Os professores pouco conseguiam se concentrar para se dedicar às atividades que

são comuns a todas as turmas. O ambiente escolar foi inundado de angústia diante da

indefinição do que programar para o trabalho docente. Uma professora, expressando sua

ansiedade buscou forças para resistir, dizendo a “capacidade de indignação se faz necessária

para continuarmos sonhando”.

Logo que a listagem de pontos foi redefinida, considerando que a coordenadora

escolhida pelo grupo assumiria uma turma e, que a pontuação anterior foi alterada para os

professores interessados em atuar no BIA, visto que foram incluídos os pontos referentes aos

cursos na área de alfabetização, houve, então, nova distribuição de turmas. Na semana

seguinte, essa realidade novamente sente-se ameaçada diante da decisão de que diretor e vice

teriam que escolher turma. Pela terceira vez realiza-se a distribuição de turmas. Cabe ressaltar

que as aulas haviam começado, os professores tinham organizado seu planejamento e

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inclusive já haviam recebido as crianças, mas tudo não passou de um desgastante processo e

poucas foram as mudanças. Os comentários dos professores expressavam a indignação pelo

embaraço provocado por essa situação “gente, só mudaram duas professoras, não mudou

mais nada, só o stress que aumentou e muito”. Outra professora comenta “deveríamos

convidar a secretária de educação para passar um dia nessa escola, para ela ver a tensão

que sofremos com essas medidas”.

Muitas vezes, o que desgasta e provoca o desassossego dos professores não são

somente os problemas do cotidiano da sala de aula, mas o estresse dessas atitudes político-

educacionais que interferem diretamente em suas vidas, desestabilizando-os, interferindo

tanto na sua vida docente como nas atividades realizadas para além da profissão. Com toda

essa mudança de turma, algumas professoras tiveram que redefinir suas vidas pessoais,

provocando modificações na rotina organizada a partir da definição de sua jornada de

trabalho. Uma professora, inconformada com a nova definição, questiona: “como vou fazer,

agora estou no turno vespertino e matriculei meu filho no turno matutino, porque esse era o

meu horário. E agora? As aulas já começaram!”.

Mas os aborrecimentos insistiram em rondar o espaço escolar, dessa vez a questão da

substituição tirou o sossego daquele grupo de professores acostumados a travar constantes

lutas e ameaça à gestão da escola, conseguida de forma tão sofrida, no ano anterior. A direção

informa que a Regional de Ensino enviou novo pedido para o cumprimento no disposto no

inciso IV do artigo 19, exigindo, impreterivelmente, o mais rápido possível, a escala de

substituição e, o memorando com o nome daquele professor que se negasse substituir. E

acrescenta que foi sugerido o envio do memorando com o nome dos professores “em grupos

de três”, para que a listagem fosse encaminhada ao setor jurídico para as medidas cabíveis.

Nesse momento, algumas ponderações foram apresentadas, lembrando que “se for para

penalizar um a um, como é esta proposta do envio em grupos de três, não dá, nós todos

juntos somos força, sozinhos ficamos frágeis às punições”. Uma euforia toma conta das falas,

e chegam à conclusão de que “enquanto estivermos como grupo será possível lutar, mas

partir para individualizar não dá para enfrentar. Vamos permanecer unidos”. Dessa forma, o

grupo decidiu não realizar substituições, e afirmou, caso fosse necessário seria enviado um

memorando com o nome de todos os professores da escola. Nesse momento, a equipe

começou a organizar outras ações, buscando o apoio do Sindicato e do Conselho Escolar.

Caso fosse necessário, seria elaborado um documento, juntamente com o Conselho Escolar,

comunicando o motivo dessa decisão. Com a chegada constante de muitos documentos sobre

o assunto, informando, dentre outros, a forma do regime disciplinar, o grupo retoma a decisão

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e começa a realizar as substituições, o que ocorreu por pouco tempo. A categoria reunida,

numa outra assembléia, decidiu novamente pela não substituição. O grupo de professores

dessa escola acatou a deliberação. Logo em seguida, solicitou à diretora da DRET, uma

reunião, para justificar o motivo da decisão, buscando garantir a continuidade da direção, uma

vez que a listagem continuaria sendo enviada no coletivo. Muito embora tenha continuado, a

cada semana, a chegada de mais e mais documentos tratando das punições para o

descumprimento da substituição.

Desencanto: enganos despertam sentimentos

Toda essa situação leva os profissionais docentes a se sentirem desencantados,

desesperançosos, desmotivados, quase que aniquilados. Esse foi um ponto convergente no

relato das participantes da pesquisa, durante uma de nossas conversas. Suzi comentou que

“esse ano eu estou sentindo uma tristeza por causa das colocações do governo, do que está

sendo falado dos professores do DF. Eu estou decepcionada, me sentindo desvalorizada.”

Lara descreveu o mesmo sentimento:

Eu já venho me sentindo desanimada, desestimulada já há algum tempo, e eu acho que uma das causas foi isso, muito stress [...] Eu estou desanimada [...] A nossa secretária de educação, vai para a televisão falar que quando ela era diretora, quando ela era professora, ela fazia e acontecia. Ela não tem tanto tempo a mais do que eu, do que muitos de nós aqui não, todas já vivenciamos essa realidade e sabemos do que ela está falando.

Maria também deixou transparecer essa mesma sensação:

Eu me desiludi muito, não só em relação ao salário, mas à dignidade da profissão. As pessoas que representam a situação política deveriam se preocupar e ao invés de ameaçar, de dizer coisas sobre a gente, provocando desgosto, deveriam nos fazer sentir felizes, ficar animados, no entanto eles destroem nossa auto-estima. Principalmente esse ano, nós professores estamos com uma estima muito baixa,, muito baixa.

A despeito das razões do desgaste cabe considerar o momento profissional das

interlocutoras da pesquisa. O sentimento de desilusão apresentado por elas foi semelhante ao

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postulado por Huberman46 (1989). O autor, ao descrever os ciclos de vida dos professores,

apresenta as diferentes fases que atravessam ao longo de sua carreira. Comenta que os estudos

sobre essas fases iniciaram com a investigação do ciclo da vida humana realizado por diversos

autores e direcionam à docência na intenção de compreender melhor a complexidade que

envolve a carreira desses profissionais. Os estudos indicam que, geralmente ao final da

carreira, os professores, assim como os demais profissionais, encontram-se em processo de

desenvestimento. As interlocutoras que fizeram os comentários descritos anteriormente,

encontram-se nesse momento profissional.

Huberman afirma que as investigações ressaltam que esse processo ocorre por diversas

razões, inclusive porque os professores se encontram “desiludidos com os resultados [...] das

reformas empreendidas” (ibid.: 46). Ele acredita que esse desenvestimento ocorre entre os

professores, pois tanto eles como os outros profissionais “estão sujeitos, mais ou menos, à

mesma evolução fisiológica e às mesmas pressões sociais” (ibid.: 46). A vivência de

constantes mudanças nos programas educacionais no sistema de educação do Distrito Federal,

expôs as professoras a situações de pressão social, que lhes despertaram tal sentimento.

O autor acrescenta, ainda, que esse desenvestimento “evoca um fenômeno de recuo e

interiorização”, de modo que as pessoas vão, progressivamente, libertando-se do investimento

no trabalho, para consagrarem mais tempo para si, para interesses diferenciados daqueles de

sua profissão e à vida social com maior reflexão (ibid.). Esses dizeres encontram consonância

no pensamento da professora Maria, ao comentar, que se encontra desiludida, inclusive com a

dignidade da profissão, percebendo o descaso social, de modo que “ninguém quer ser

professor. Essas pessoas novas estão achando que é bico!” Atualmente a professora Maria

está cursando Direito e se justificou, comentando a realidade que vive. Ela se comparou com

as pessoas de sua família que trabalham no judiciário e concluiu que elas “ganham o dobro do

que eu ganho. Isso na parte salarial! Eu me comparei a uma pessoa da minha família, que

tem nível superior [como eu] e ganha bem mais que eu ganho e eles não ouvem o que a gente

ouve”.

No entanto, mesmo decepcionadas com a situação social, as professoras

permaneceram comprometidas com o trabalho docente que realizam. Lara comentou “estou

desanimada não é com o meu aluno, meu aluno não tem culpa de nada. É ótimo trabalhar

com as crianças. Eu estou decepcionada com este projeto de governo!”

46 Os tempos apresentados no ciclo de vida dos docentes, por Huberman (1989), não representam os tempos brasileiros, mas podem ser adaptados, servindo de referência para análises.

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Suzi acrescentou “não que eu não queira trabalhar com minha turma, eu amo

trabalhar com minha turma, mas realmente, estou me sentindo ‘pra baixo’ esse ano. O

governo vem desfazendo do professor”.

Maria também relatou que “tenho o maior prazer em trabalhar com o aluno, chego na

sala de aula nem lembro dessas coisas, mas de maneira geral fica um sentimento negativo.

Isso não é bom!”.

Huberman aponta outras características para os sujeitos que se encontram na fase entre

sete e vinte e cinco anos de profissão – fase da diversificação, do “activismo”. Segundo o

autor, nessa etapa, esses docentes são “os mais motivados, os mais dinâmicos, os mais

empenhados nas equipes pedagógicas” (1989: 42). As palavras da professora Ana

expressaram esses sentimentos. Entusiasmada, descreveu o projeto que pretendia desenvolver

como coordenadora pedagógica, apresentando uma diversidade de ações:

Na próxima coletiva, pretendo perguntar o que elas [as professoras] querem. Vou direcionar, perguntar o que fazer diante dessa situação [um terço dos alunos da etapa III não estão alfabetizados] e dizer como pensei em organizar. Vou passar o cronograma de atendimento para essas crianças. Vou passar os gráficos com o resultado da primeira avaliação diagnóstica para que elas percebam como será o acompanhamento, [...] afinal estou com os dados e pretendo ajudá-las, para que tudo caminhe. Vou estabelecer metas, fazer os combinados. Vou distribuir o material que tenho sobre combinados, como construí-los com as crianças. O direcionamento que eu quero dar é este: todos os alunos alfabetizados e ter um projeto.

A professora Lúcia47, coordenadora do CRA/CEF 18 também apresentou essa

animação ao comentar a intenção do trabalho que seria desenvolvido por este CRA. Exultante

ela disse que teve o objetivo “de provocar [nos docentes] um novo olhar, um caminho, uma

forma diferente de trabalhar”. A finalidade maior da educação continuada que pretendia

oportunizar nesse espaço era motivar o “professor a procurar modificar a sua prática, sua

forma de atuar. Participar de momentos de estudo para compreender o seu valor para o

trabalho que desenvolve. Descobrir o quão importante é se envolver na pesquisa, na

investigação”. Um entusiasmo que permaneceu durante a realização das situações de

educação continuada promovidas pelo CRA/CEF 18. Um exemplo disso aconteceu no estudo

realizado no Fórum de Coordenadores. Nesse dia o tema estudado abordou “A coordenação

pedagógica e a constituição do grupo de professores”, (SOUZA apud ALMEIDA e PLACCO,

2005). Ao final do encontro, Ana muito entusiasmada, destacou o desejo de que os

47 Entrevista realizada pela pesquisadora, no dia 03 de abril de 2007, no CRA/CEF 18.

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coordenadores conseguissem realizar um bom trabalho, mesmo em meio a todos os

contratempos surgidos. Encorajou os coordenadores, lembrando-lhes que seria necessário

lidar com os inconvenientes causados pelas substituições, além de outros que, certamente,

apareceriam no cotidiano escolar, “mas o coordenador é o articulador do grupo de

professores. É o coordenador que vai oportunizar a educação continuada dos professores

dentro do espaço da escola”. Enfaticamente destacou o “CRA vai subsidiar esse trabalho e

possibilitar a parceria entre as escolas”.

A professora Lúcia foi indicada para articular o trabalho do CRA/CEF 18 depois que

algumas das situações complexas vivenciadas no início do ano de 2007 foram se ajustando.

No ano passado, essa professora trabalhou no NCP/DRET, colaborando com a realização das

atividades propostas por esse CRA.

Durante uma conversa, a professora Lúcia comentou que o trabalho desenvolvido pelo

CRA em 2007, teria a parceria do CRA Norte. Cabe destacar que as escolas atendidas pelo

CRA Norte passaram por algumas mudanças em relação ao espaço utilizado para a promoção

das atividades. No início do ano letivo de 2007, houve a transferência da sede desse CRA da

EC 41 para a Escola Classe 40 de Taguatinga – EC 40. Também mudou a pessoa responsável

por sua coordenação pedagógica. No final do primeiro semestre desse ano, houve nova

mudança na sede desse CRA, que mediante a necessidade de reforma no prédio da EC 40 foi

agregado ao CRA/CEF 18, conforme informações das coordenadoras, numa conversa

realizada no último dia de aula do curso, no primeiro semestre.

CRA: organização do trabalho considerando a realidade do DF

O trabalho realizado pela equipe do CRA/CEF 18, nos anos de 2006 e 2007, buscou

priorizar o comprometimento com o trabalho docente realizado. As atividades propostas nesse

espaço foram organizadas conforme explicou a professora Lúcia. Ela comentou durante nosso

diálogo que, no ano de 2007 “pretende, juntamente com o NCP/DRET, organizar a

programação do CRA”, aliás, dos dois CRA. As articuladoras desses CRA tiveram a

pretensão de desenvolver um trabalho em equipe. Segundo Lúcia, elas elaboraram o projeto

conjuntamente: “fizemos o projeto, enviamos para a EAPE para aprovação”. O trabalho

também continuou com o apoio do NCP/DRET, de modo que “o NCP entra com a parte de

promover o acesso entre o CRA e as escolas”.

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94

As coordenadoras pedagógicas do CRA/CEF 18 organizaram o Plano de Ação (2006,

2007) de acordo com os objetivos previstos para o CRA, considerando também, o contexto

vivido na educação brasiliense, de modo que todas as atividades puderam ser realizadas no

espaço/tempo destinado à coordenação pedagógica. Muito embora o ganho com a jornada

ampliada tenha sido desvirtuado mediante as mudanças que vem sendo realizadas, conforme

exposto anteriormente quando foram apresentadas as alterações da Portaria 30/2007/SEEDF.

Essa Portaria redefiniu a forma de utilização das quinze horas destinadas à coordenação

pedagógica, reservando-lhe apenas dez horas, enquanto as outras cinco foram divididas, de

forma que duas horas foram destinadas para atividades em sala de leitura/reforço e as três

restantes, para substituição.

Essas mudanças estão atreladas à lógica de ciclos descrita por Freitas (2003). O autor

explica que na progressão continuada além da reprovação ser adiada para o final do ciclo, há a

necessidade de envolver outras atividades, inclusive o tempo para reforço. Para tanto o

espaço/tempo da coordenação pedagógica foi reorganizado considerando este aspecto, muito

embora a atividade do reforço pouco contribua para a elaboração de aprendizagens, uma vez

que as aprendizagens ocorrem, principalmente, na e pela interação social. Para que a criança

receba o atendimento de suas necessidades para aprendizagem da leitura e da escrita torna-se

indispensável que ela esteja no grupo. A criança sozinha encontra-se sem seus parceiros para

aprender, sem referenciais para tecer a rede que a possibilita elaborar conceitos. “As

diversidades e diferenças das experiências sociais de cada um dos alunos” são fundamentais

para a elaboração de novas aprendizagens, conforme afirmam Rocha e Vendana (2005),

portanto a coordenação pedagógica deve privilegiar a organização de tais atividades.

O CRA/CEF 18 teve a intenção de promover uma educação continuada criadora que

oportunizasse aos professores a compreensão de que o fundamental é refletir sobre o que se

faz, conforme postula Houssaye, promovendo rupturas com o instituído, e imbuindo-se de

elementos para compreender a simbiose teoria e prática diante dos questionamentos do dia-a-

dia (1995 apud Pimenta e Ghedin, 2005). Muitas reflexões aconteceram no CRA/CEF 18,

com o intuito de reforçar a importância do trabalho docente individual e coletivo, bem como

da parceria entre as escolas na busca da instituição de uma outra concepção de educação.

Como espaço destinado à educação continuada, este CRA oportunizou a vivência de

diversas situações, possibilitando às professoras atuantes no BIA, interlocutoras da pesquisa,

tecerem articulações entre o trabalho docente que realizaram e a educação continuada

vivenciada, o que será apresentado no capítulo seguinte.

Page 95: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

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3. EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO

Ser professor é ser profissional, é saber que precisa estudar, investigar, saber por que e o quê está acontecendo, por que não deu certo. É o tempo da pesquisa, na sala de aula. (Professora Lúcia)

O BIA anunciou em sua Proposta Pedagógica (2006) a intenção de possibilitou uma

educação continuada que oportunizasse aos docentes situações de apoio ao trabalho realizado.

Para tanto, sugeriu que se investisse “na formação docente, dinamizando a coordenação

pedagógica [...], visando à construção de um trabalho” que pudesse vencer o desafio de

reconfigurar o cenário apresentado pela educação brasiliense, em relação aos anos iniciais do

ensino fundamental. Dessa forma, pretendeu que fossem criadas “estratégias, junto aos

coordenadores pedagógicos, para ressignificar” esse espaço/tempo (ibid.: 19 e 21).

A proposta pedagógica do BIA aborda a coordenação pedagógica como momento

destinado “à formação continuada, ao planejamento e avaliação, tendo ainda a possibilidade

de atender individualmente aos alunos”, dinamizando-a “a partir de um trabalho coletivo,

objetivando a construção de uma escola de qualidade para todos” (2006: 20). Resgata o

princípio da pesquisa, iniciado com a instituição da Escola Candanga, na medida em que

propõe a “prática investigativa com o intuito de compreender o movimento das aprendizagens

em sua complexidade” (ibid.: 28). Insere em sua proposta o estudo, ao propor a manutenção

“de grupos de discussão e estudos permanentes sobre alfabetização e letramento” (ibid.: 20), e

o planejamento “de momentos de estudos relacionados ao aprimoramento das didáticas

utilizadas pelos alfabetizadores” (ibid.: 21).

Essa proposta, ao sugerir a investigação do cotidiano escolar, envolvendo a busca por

respostas aos questionamentos, transforma a coordenação pedagógica no locus apropriado

para a educação continuada, coincidindo com o pensamento de Candau (2003) e Fusari

(2003). Os autores apontam a escola como o lugar privilegiado para que a educação

continuada aconteça. Fusari comenta, inclusive, que essa formação deve ser organizada pelo

coletivo da escola, determinando, no calendário escolar, a data de sua realização, justificando

que esta é uma oportunidade ímpar de discussão da prática.

O CEF 18 de Taguatinga, durante o Encontro Pedagógico realizado no início do ano

letivo de 2007, elegeu, coletivamente, o dia de quarta-feira para a realização da coordenação

Page 96: EDUCA O CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO …

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coletiva, conforme determinado pela SEEDF, por meio do documento Subep em ação (2006).

Sendo assim, os professores do CEF 18 definiram esse dia como um dos momentos em que

ocorreria a educação continuada organizada pela própria escola, sugerindo a continuidade dos

estudos e a troca de experiências entre as diferentes etapas e séries. Uma professora reforçou a

idéia dizendo que o “estudo continua coletivo”. Dessa forma, os profissionais docentes do

CEF 18 pretenderam instituir uma prática refletida, definida por Zeichner (1993) como prática

social, realizada no coletivo, transformando a escola em comunidade de aprendizagem, em

que os professores se apóiam e se estimulam mutuamente. Segundo o autor, "existe a tentativa

de construir comunidades de aprendizagem, nas quais os professores apóiam e sustentam o

crescimento uns dos outros. [...] Esse compromisso tem um valor estratégico importante para

a criação de condições, visando à mudança institucional e social" (ibid.: 26).

Para concretizar a proposta de educação continuada delineada para o CRA, a EAPE,

dentre outras ações, organizou o curso “Alfabetizando no BIA”, destinado aos professores que

atuariam nas três etapas do Bloco. O CRA/CEF 18, além de abrigar o curso, organizou outras

situações de educação continuada mediante a demanda advinda dos professores, de acordo

com o descrito nos Planos de Ação (2006, 2007).

Nas entrevistas realizadas com as professoras – interlocutoras da investigação – foi

possível compreender algumas das articulações tecidas entre as atividades de educação

continuada que lhes foi oportunizada pelo BIA e o trabalho docente que realizavam.

Inicialmente as professoras pesquisadas comentaram o contexto em que transcorreu uma das

situações, demonstrando a forma como iniciou a institucionalização da proposta de educação

continuada prevista para o BIA. Durante a entrevista Suzi comentou sobre a participação no

curso “Alfabetizando no BIA”, dizendo que “todos que pegaram turmas do BIA tiveram que

se matricular no curso”. Lara enfatizou: “fomos obrigadas a fazer o curso”.

A professora Ana também comentou sobre este contexto, dizendo que:

O curso foi colocado como obrigatório, inclusive uma professora assistiu às primeiras aulas de costas, com a cadeira virada para trás. Esta professora disse que se tivesse que freqüentar o curso, obrigada, seria dessa forma que assistiria às aulas.

A forma como o governo instituiu o BIA parece ter inspirado ações da mesma

natureza. A professora Lara comentou que o curso “veio goela abaixo”, assim como o BIA e

as outras propostas de educação instituídas, anteriormente, por essa Secretaria.

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As professoras expressavam o sentimento da não participação na implantação e

elaboração de propostas, algo comum no meio educacional, de acordo com o cenário descrito

no capítulo anterior, quando a professora Lara fez o comentário dizendo que, quando um novo

governo assume, desconsidera aquilo que foi construído anteriormente. Geralmente as

propostas são instituídas sem a participação daqueles que irão executá-las, conforme explica

Braverman, ao comentar que a fragmentação no trabalho levou à separação entre os que

concebem e os que executam, mediante a introdução da gerência científica no processo de

trabalho. Momento este que propiciou “a cisão entre os que pensam, planejam e organizam

determinadas ações e tarefas, e aqueles que realizam, no trabalho, as tarefas planejadas por

outros que detêm o monopólio do conhecimento sobre todo o processo de trabalho” (1977:

108 apud FREITAS, 2005).

Aos professores, que atuariam nas turmas das etapas I, II e III, foi determinado que

deveriam ser matriculados no curso Alfabetizando no BIA, conforme relataram as

professoras. Se por um lado, algumas mudanças necessitam ser assim instituídas, pois, caso

contrário, conforme comentou Lara, “se deixar a gente não faz é curso nenhum”, por outro,

poderiam incentivar a participação do professorado, possibilitar uma discussão sobre suas

necessidades para promover a aprendizagem de todas as crianças e ousar incentivar a

rompimento com a realidade apresentada, por meio do trabalho realizado em cada sala de

aula. Talvez a resistência seja provocada por uma questão de encaminhamento e aproximação

às necessidades docentes.

3.1. Trabalho docente: progressos e retrocessos

As situações cotidianas de uma sala de aula envolvem uma totalidade de ações para

além do contexto escolar. Essas ações são instituídas pelos personagens que participam desse

contexto, conforme suas inter-relações com a sociedade que os abriga.

Freitas (1996) diz que para entender como essas relações ocorrem, torna-se

fundamental compreender o contexto em que ocorreu a organização do processo de trabalho

na escola e suas relações com o contexto social no qual foram constituídas. Comenta, ainda,

que vários autores já abordaram essa temática, dentre eles cita: Enguita (1985 e 1989); Arroyo

(1991); Silva (1992c) e Saviani (1980, 1984 e 1991a).

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98

Para compreender como ocorreu a organização do trabalho docente, Freitas (op. cit.)

faz uma reflexão sobre o trabalho e suas relações com a educação numa concepção marxista.

Pauta-se em Marx e Engels (2000) que consideraram o trabalho como uma atividade humana

que, articulado a sua natureza, transforma-a, apreendendo, compreendendo e transformando a

realidade, assim como por ela é transformado.

Marx (1974) explica que a atividade humana envolve o trabalho intelectual e material.

Para Marx (ibid.) o trabalho intelectual inicia-se com a idealização de um produto e culmina

na sua efetivação como produto real. É a intervenção da consciência que possibilita ao

resultado existir duas vezes, uma no ideal e outra no real. A antecipação do resultado dá à

atividade humana o aspecto consciente. A atividade humana desenvolve-se em virtude de

finalidades. Para atingir um objetivo, certas atitudes precisam ser tomadas. Essa capacidade

de antecipar resultados idealmente diferencia a atividade humana de qualquer atividade

animal. Marx (ibid.) exemplifica, dizendo que a aranha executa operações semelhantes à do

tecelão, e as abelhas, ao construírem sua colméia poderiam envergonhar qualquer mestre de

obras, no entanto nem a aranha, nem a abelha poderiam antecipar, idealizar o projeto que

desejam realizar. O homem, no entanto, pode planejar uma situação, imaginando o que

realizar para produzir algo. Um professor, por exemplo, planeja uma aula e organiza situações

didáticas na intenção de promover aprendizagens. Ao planejar, o professor idealiza as

atividades que melhor podem contribuir para a aquisição dos conhecimentos.

A professora Maria realizou uma atividade, planejada anteriormente, com o intuito de

promover o conhecimento das letras do alfabeto. Ao planejar considerou o campo conceitual48

da leitura e da escrita - letras, palavras, frases e texto, e partindo dos esquemas de pensamento

das crianças, criou provocações didáticas na intenção de oportunizar novas aprendizagens.

Iniciou a aula com provocações didáticas, envolvendo o campo conceitual desse

conhecimento, para isso contou a história “de Avestruz a Zebra” e explorou cada uma das

letras, algumas palavras e frases. Maria questionou: “com que letra começa hipopótamo?” As

crianças responderam em coro: “Com H”. Ela perguntou: “que letra a gente fala?” e teve

como resposta: “I”. Questionou outra vez: “por quê?” Uma criança respondeu: “nessa

palavra o H não tem som”. A professora continuou explorando as letras e sugeriu: “uma vez

as meninas falam o nome do animal e a letra inicial, outra vez os meninos”. A cada uma das

letras fazia questionamentos. Ao chegar na letra R, indagou: “que letra começa a palavra

48 Para Gerard Vergnaud (2001: 16) “um campo conceitual é um conjunto de situações, cujo domínio progressivo exige uma variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas, em estreita conexão”.

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rato? Nós já sabemos que a letra r tem dois sons”. Uma criança respondeu: “na língua e na

garganta”, e fez cada um dos sons. Ao final, Maria desafiou as crianças a desenharem alguns

animais e escreverem a letra inicial de seus nomes e, complementou “se esquecer o nome de

algum animal, pode perguntar ao coleguinha”. Enquanto as crianças realizavam a atividade,

a professora foi fazendo intervenções diversificadas, atendendo às necessidades de cada

criança.

As interlocutoras de maneira geral, assim como a Professora Maria, organizam,

anteriormente, o planejamento das atividades a serem realizadas. A professora Ana aproveita

os momentos intercalados entre as diversas atividades que realiza para organizar o

planejamento do estudo e às vezes utiliza os finais de semana para terminá-los. Mantêm,

rotineiramente, anotado em uma agenda, as ações que precisam ser tomadas para encaminhar

o seu trabalho. A professora Lúcia e as duas parceiras de trabalho, organizam com

antecedência, o planejamento dos encontros do curso. Também mantém em sua agenda as

anotações das ações referentes às atividades que deseja desenvolver. As professoras Suzi e

Lara também organizam, antecipadamente, o planejamento das atividades que propõem às

crianças. Todas as professoras registram, em um caderno, o planejamento das atividades que

pretendem realizar.

Para Maria, Lara e Suzi, a preparação do planejamento envolve o trabalho coletivo

entre colegas de todas as etapas independentemente da turma em que atuam, o que Contreras

(2002) considera essencial, pois a reflexão realizada no coletivo, oportunizada nesse

espaço/tempo, permite ao conjunto de professores elaborarem estratégias para realizar

investigações sobre as necessidades surgidas, discutir e pensar soluções para os problemas e

buscar meios para responder questionamentos, teoria-praticando o cotidiano da sala de aula.

As professoras pesquisadas revelaram a importância dada ao planejamento das

atividades que pretendem realizar em diversos momentos, inclusive durante a entrevista. A

esse respeito, a professora Lara comentou:

O planejamento, a preparação do material, deve acontecer, não tem como deixar de planejar. Durante o planejamento acontece a discussão com as colegas da etapa. A troca de idéias entre as colegas de uma mesma etapa e, também com as colegas das outras etapas. Então dentro do planejamento tem isso tudo, pesquisa, discussão. É o momento realmente do planejamento. Tem que ter estudo, às vezes é preciso buscar alguma informação, alguma coisa.

Suzi acrescentou:

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O planejamento, a discussão com os colegas da etapa, e das outras etapas é um momento muito importante, porque oportuniza a troca de idéias entre as colegas, e a avaliação das atividades que realizamos.

As professoras pesquisadas realizam o trabalho intelectual iniciando com a idealização

de uma ação – o planejamento, e culminam, efetivando com a ação real – a realização da

atividade planejada. No caso descrito acima, a professora Maria realizou o trabalho

intelectual, iniciando com a idealização da ação (planejamento para promover aprendizagem

das letras) e culminou com sua efetivação como ação real (realização da situação planejada

para promover essa aprendizagem). Nesse caso a intervenção da consciência possibilitou ao

resultado existir duas vezes, uma no ideal e outra no real, no entanto a abelha e a aranha

jamais poderiam planejar sua obra para depois executá-la, assim como fazem a professora

Maria e as demais interlocutoras.

3.1.1. Trabalho intelectual e Trabalho material: cisão de relações

Vázquez (1977) descreve que na ação humana a atividade intelectual tem estreita

relação com a atividade material. O homem, antes de realizar uma determinada ação pode

pensá-la, antecipá-la, construí-la idealmente. Vázquez esclarece que a atividade material –

prática - tem como características o “real, objetivo, da matéria prima na qual se atua, dos

meios ou instrumentos com que se exerce a ação, e do seu resultado e produto”, seu objeto é a

natureza, a sociedade, e seu resultado é uma nova realidade (ibid.: 193). Caso a atividade

intelectual esteja dissociada da atividade material, surge a alienação, o que Freitas (2005)

chama de expropriação do trabalho e explica que em nossa sociedade o trabalho encontra-se

dividido em trabalho material e intelectual e que a simbiose entre eles foi extraída das

profissões.

Essa dissociação, historicamente elaborada, foi agregada ao campo trabalhista. Gentili

e Silva (1995) relatam que no auge da industrialização mundial houve uma grande demanda

trabalhista, no entanto, exploradora. As indústrias seguiam o ritmo taylorista, um trabalho

fragmentado, em que cada trabalhador era responsável por uma parte do trabalho, e o fazia

bem feito, mas não tinha a visão do todo. A produtividade garantia uma excelente qualidade,

além de assegurar, também, o atendimento da grande procura por produtos. Dessa forma, a

expropriação do trabalho intelectual e material penetrou no mundo trabalhista e também,

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101

adentrou às salas de aula. A valorização do produto final levou a escola a enfatizar mais a

reprodução dos conteúdos, e menos o processo de aprendizagem. Os estudantes decoram

conceitos, fórmulas, automatizam respostas e os “devolvem” ao professor, por meio da

escrita, e logo após os esquecem.

Huberman (1975) exemplifica o início dessa expropriação do trabalho material, com a

situação vivida pelos artesãos. Antigamente o ofício de artesão era ensinado aos aprendizes

pelos próprios artesãos, tornando possível perceber a articulação entre o trabalho intelectual e

material. O autor comenta que, naquele tempo, o artesão e o aprendiz conviviam por um bom

tempo, permitindo ao aprendiz apropriar-se dos conhecimentos e tornar-se um mestre. Na

nova configuração taylorista, já não havia mais essa possibilidade. Huberman (ibid) diz que

passou a existir uma grande distância entre trabalhador e patrão e que, seus interesses não

eram mais os mesmos. Um era o dono da matéria prima e o outro vendia sua força de

trabalho, provocando a reconfiguração das relações entre eles próprios, e entre eles e a

sociedade. Nessa reorganização social, surgiu a fragmentação no trabalho, levando à

separação entre os que concebem e os que executam, conforme explicou Braverman ao

comentar a repercussão da introdução da gerência científica no processo de trabalho (1977

apud FREITAS, 2005). O que tem levado à elaboração de propostas educacionais,

considerando apenas o legado dos especialistas, desprezando as elaborações dos professores

que, no dia-a-dia, a vivenciam. Assim como foi elaborada e reelaborada a Proposta

Pedagógica do BIA (2006), conforme relato no capítulo anterior; não houve a oportunidade de

participação dos professores do BIA que lidavam com o cotidiano escolar.

O trabalho docente, como todo trabalho humano, se constituiu imerso numa sociedade

que o instituiu como tal, portanto essa concepção de trabalho influenciou o trabalho docente.

Hypólito (1997) enriquece a abordagem dessa instituição, comentando que, além da educação

ter sido trazida para o Brasil pela igreja, para atender à elite brasileira, logo após, tornou-se

uma profissão feminina que passou a atender ao grupo dos economicamente desprivilegiados.

Recebia, para isso, uma remuneração indigna, o que conseqüentemente, acarretou a dizimação

e a desqualificação docente, tornando os professores proletarizados, alienados, envolvidos

com tarefas administrativas. Propícios a dessensiblização ideológica, em conseqüência da

falta de tempo para refletir sobre o trabalho que desenvolvem cotidianamente. Para Derber a

dessensibilização ideológica é uma das formas como reagem os professores mediante a

proletarização a que são submetidos pelo sistema, ao exercerem funções assistencialistas

desarticuladas do trabalho docente, abandonando o compromisso com os usos e fins sociais de

seu trabalho, conforme descreve Villas Boas (2002).

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102

A fragmentação do trabalho, dissociando a atividade intelectual da material tem

provocado conseqüências marcantes no processo do trabalho docente. A alguns professores

cabe realizar o trabalho intelectual a outros o material. Diante dessa complexidade, os

momentos de coordenação pedagógica têm sido invadidos pela proletarização e alienação,

chegando, algumas vezes, à dessensibilização ideológica. Tem sido criada a cultura de que o

espaço/tempo da coordenação pedagógica seja utilizado somente para correção de cadernos e

planejamento das tarefas a serem propostas durante a semana, partindo apenas da análise das

atividades curriculares a serem trabalhadas em determinada etapa/série, conforme prescrito no

Currículo de Educação Básica das Escolas Públicas do Distrito Federal -1ª a 4ª série (2002). A

professora Lara justificou o motivo pelo qual o planejamento se pauta no currículo prescrito,

durante a realização do estudo para o planejamento do Reagrupamento Interclasse49. Ela disse

que “nós estamos ainda naquela fase de 1ª série só isso, 2ª série só isso. Foram muitos anos

pensando dessa forma, nós fomos educadas assim, entramos no mercado de trabalho e era

assim que se trabalhava, então para repensar isso, é um desafio”. Além dessas questões,

outras também estão arraigadas no processo de organização das aulas, pois alguns professores

se guiam pelo caderno de planejamento de atividades propostas à turma do ano anterior;

outros lançam mão das coleções didáticas com sugestões de atividades e há, ainda, aqueles

que seguem apenas o proposto pelos livros didáticos.

Nesse sentido, o trabalho intelectual tem sido reduzido à reprodução, e o trabalho

material decorrente dele tem tomado conta das coordenações pedagógicas, tornando os

professores, simplesmente, tarefeiros. São filas enormes de cadernos a corrigir, pilhas de

atividades mimeografadas para encaixar no planejamento diário, além daquelas que são

recortadas, dobradas e entregues às crianças para, simplesmente, serem montadas e coladas no

caderno. Naufragados nessas atividades, os professores se fazem presentes às reuniões

pedagógicas - mãos em movimento incessante e pensamento meio lá, meio cá. Essas são

cenas comuns nos momentos de coordenação pedagógica, inclusive nos dias de estudo.

As considerações sobre o processo de aprendizagem de cada criança, o andamento

geral da turma, a troca de experiências, as discussões sobre as vicissitudes do trabalho

cotidiano ficam para outro momento. Às vezes, são temas durante o recreio, em momentos em

que o colega com o qual se tem mais intimidade esteja presente, não no coletivo da escola.

49 De acordo com a Proposta Pedagógica do BIA (2006), Reagrupamento Interclasse é uma estratégia pedagógica realizada, agrupando as crianças de uma mesma Etapa ou de Etapas diferentes, permitindo o intercâmbio entre os professores para o atendimento das necessidades de aprendizagem das crianças, com o intuito de enriquecer e aprofundar os conhecimentos elaborados.

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103

Mas também há aqueles que se debruçam sobre as atividades dos estudantes, compreendem

suas necessidades e questionam o planejamento realizado naquele dia. Identificam lacunas e

conquistas, refletem sobre a reflexão de sua ação, sobre o que fazem no cotidiano,

investigando o processo de reelaboração do conhecimento, criando situações para promover o

avanço das crianças nas aprendizagens. Utilizam este espaço/tempo para o estudo e discussão

da realidade da escola e da sala de aula.

A coordenação pedagógica, realizada no CEF 18, foi planejada no início do ano, pelos

professores, ao elaborarem, coletivamente, o Projeto Político Pedagógico. Os professores

definiram algumas ações para o coordenador pedagógico com o intuito de organizar esse

momento. A professora Ana relembrou o acompanhamento iniciado no ano anterior quando

participou, inclusive do processo da diagnose. Ela destacou que “no ano passado, aquele

trabalho iniciado e que, não conseguimos levar até o fim” oportunizou-lhe o

acompanhamento das atividades desencadeadas durante o ano. Relatou que “ter ajudado na

testagem me permitiu conhecer os alunos. Quando uma professora vinha comentar algo

sobre eles, eu sabia de quem ela estava falando”. Ana disse que “essa coordenação, em que

se fala do ‘fulaninho’, daquilo que está acontecendo na sala, do dia-a-dia, das coisas

pequeninas” permite acompanhar melhor o trabalho. Quando Ana fala em conhecer a

realidade da sala de aula, ela quer dizer que dessa forma poderia contribuir, oportunizando o

contato com referenciais que auxiliariam os professores a resolver os problemas que surgem

no cotidiano. Uma percepção de que esse conhecimento amplia as possibilidades desse

professor estabelecer articulações mais efetivas com suas inquietações.

A professora Maria suscitou a elaboração de “um projeto amplo, que aprofundasse no

atendimento das questões que envolvem as etapas I, II e III do BIA e pudesse guiar o trabalho

coletivo da escola”. Idéia complementada por Ana ao dizer que deveria ser “um projeto com

coisas práticas para trabalhar com os alunos em sala”.

Os professores discutiram também a necessidade de demarcar o espaço/tempo, onde

aconteceriam os encontros coletivos, para que todos pudessem “estar realmente presentes”.

Logo em seguida, a professora Suzi sugeriu um tema para o projeto: “inclusão, estão falando

tanto sobre inclusão e a nossa escola passou a ser uma escola inclusiva”. A professora Maria

ponderou “são idéias. Na segunda-feira, a gente podia trazer as idéias e sentar para definir

uma”. A professora Suzi lembrou que “os projetos podem ser diferentes, o turno da tarde

trabalha com um e o da manhã com outro, tendo alguns pontos em comum, para manter mais

ou menos a mesma linha de trabalho”.

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104

Ao definirem o tema do projeto, algumas idéias expressaram os modismos, os assuntos

que estão recorrentes na sociedade. No entanto, outras enfatizaram a importância de se pensar

em algo que pudesse coadunar com as expectativas do grupo para articular o trabalho da

escola. Haveria de ser um projeto amplo, que pudesse apresentar a linha de trabalho da escola,

que representasse a concepção das ações dessa escola como um todo. As conversas

enfatizavam que não havia necessidade que o tema fosse trabalhado pelo coletivo, mas que

pudesse servir de orientação para esse trabalho.

Na segunda-feira seguinte, a coordenação pedagógica iniciou como previsto no

Encontro Pedagógico, com a professora Ana conduzindo a discussão. No entanto, naquele

momento, apesar de Ana ter sido escolhida pelo grupo para ocupar o cargo de coordenadora,

diante das necessidades do sistema, tinha assumido uma turma. A conversa sobre a definição

de um tema para subsidiar o trabalho coletivo recebeu sua sugestão: “saber cuidar”, baseado

no título de um livro de Leonardo Boff, justificado pelas questões sociais que inquietam a

todas as sociedades neste momento. A professora Maria sugeriu que esse tema fosse “o carro

chefe para dar unidade ao trabalho dos professores do BIA” e, ponderou que poderiam, a

partir dele, definir alguns subtemas para direcionar o trabalho coletivo, o que em seguida

começou a ser realizado. Com o passar do tempo e o envolvimento da professora Ana com a

turma na qual exercia regência, o trabalho coletivo nas coordenações pedagógicas foi

realizado em parceria entre as professoras de uma mesma etapa.

Quando a coordenação pedagógica está pautada na perspectiva da discussão coletiva,

pode tornar-se o espaço/tempo destinado à investigação do cotidiano da sala de aula. Situação

que começou a ser realizada quando a Escola Candanga foi instituída. Naquela época havia o

dia para estudos, discussões e para os planejamentos coletivos, porém essa realidade

infelizmente deixou de existir após o término dessa proposta de educação. Sem interrupções

essas ações poderiam ter se instituído no cotidiano e na cultura escolar, conforme a

abordagem de Candau (2003), quando defende que as ações realizadas no cotidiano escolar

inculcam um modo singular de ser, agir, pensar e fazer nos sujeitos que dela participam. No

entanto, poucos foram as instituições consolidadas.

A cultura escolar vai se instituindo contextualizada à totalidade de situações que a

envolvem. Da mesma forma, a instituição de ações no meio educacional ocorre influenciada

pelo contexto social. Abordando esse tema, Hypólito (1997) comenta que a instituição da

educação brasileira desvela a constituição do trabalho docente como trabalho proletariado e

profissional, fruto das diferentes conjunturas sociais vividas pelos professores brasileiros.

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105

Freitas (1996) acrescenta que, a cada momento histórico, essas nuanças foram e vão sendo

reconfiguradas.

3.1.2. Capitalismo: uma outra reconfiguração para o trabalho docente

A sociedade reconfigura-se ao longo do tempo, o que promove novas formas para

estabelecer relações entre trabalho e trabalhador. Gentili e Silva (1995) abordam o surgimento

da concepção trabalhista enominada de fordismo (nome inspirado em Henry Ford). Uma

implacável precisão sustentada por uma cadeia de montagem com trabalhadores polivalentes,

que garantem maior produtividade (maior quantidade) com excelente qualidade. Atualmente

surge o neofordismo, que para Gamble objetiva “maximizar o lucro - aumentando o processo

de exploração da força de trabalho, gerando mais-valia [para enfrentar] as crises de

acumulação do capitalismo” (1988 apud FREITAS, 1996: 40).

Nesse contexto, as relações entre trabalho e trabalhador foram redefinidas. Ao

trabalhador coube cumprir o que lhe é proposto, comprovado pelas estatísticas ou pelos

medidores de qualidade nacional e internacional. A gestão que teve início no ano de 2007

parece ter reconfigurado a educação brasiliense nessa concepção. No início do ano letivo

desse mesmo ano, começou a “medir” a qualidade da educação, comparando os dados

apresentados pelos sistemas de avaliação.

Nessa gestão, as ações da secretária de educação (2007) foram influenciadas pelo

neofordismo que bombardeia, incessantemente, as ações da sociedade e tem seus princípios

norteadores estampados nos diversos espaços sociais, desde cenas de televisão a outdoors:

competência, habilidade, eficiência, eficácia, qualidade, excelência, sucesso. Uma famigerada

obsessão pela maior produtividade obtida a menor custo. A produtividade ocorre em

detrimento da qualidade. O capitalismo invadiu o cenário trabalhista e incentivou a

excelência, pretendendo alcançar maior produtividade para obter sucesso com eficiência e

eficácia. Situação que incentiva o consumismo exagerado, ao mesmo tempo em que os

trabalhadores se vêem sem alternativas empregatícias e se rendem aos baixos salários, o que

segundo Gentili e Alencar (2001), vem fabricando os inimpregáveis. O trabalho intelectual se

distancia, cada vez mais, do material, assim como o trabalho manual torna-se independente do

intelectual. A fragmentação avassaladora domina o campo do trabalho e, conseqüentemente, a

educação, como prática social, repercute esse contexto.

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Diante dessa complexidade, o trabalho docente foi se reconfigurando, e os princípios

da sociedade capitalista forma sendo aplicados ao campo educacional. O número de alunos

explode nas salas de aula para concretizar a democratização do acesso maciço da população à

educação, pois o objetivo que direciona as ações escolares prima pela maior produtividade

com menor custo. O que influencia que a progressão na escolaridade dispense o

acompanhamento do processo de aprendizagem e se renda às políticas orçamentárias,

camuflando a reprovação.

Outra situação em que o capitalismo logra os resultados obtidos pela educação refere-

se à divulgação das avaliações institucionais. O percentual obtido na avaliação padronizada

garante uma melhor posição da escola, no ranking geral e, cada vez mais, exclui os estudantes

que não conseguem se adequar aos moldes estipulados por essa instituição.

O trabalhador docente se vê cercado por um emaranhado de propostas pedagógicas

consideradas “excelentes”, comprovadas pelas estatísticas, pelos medidores de qualidade.

Inclusive algumas dessas propostas foram adotadas, no Distrito Federal. Uma delas teve a

intenção de reverter os dados apresentados pela defasagem idade/série por meio da parceria

entre o GDF (2007) e o Instituto Ayrton Senna. Houve a previsão de “que 15 mil alunos, por

ano, [seriam] beneficiados pelo projeto”, conforme relatado na reportagem “EDUCAÇÃO -

Parceria com Instituto Ayrton Senna para elevar a qualidade do ensino”, exibida no site50 do

GDF. Esse projeto tem reconhecimento social pelos resultados apresentados, conforme

declarado nessa mesma reportagem: “o Instituto Ayrton Senna tem 12 anos de atividades

dedicadas à qualidade da educação pública no Brasil. A organização está presente em 1.300

municípios e em 24 estados brasileiros. Um exemplo vitorioso é o estado de Goiás, onde (sic)

os resultados positivos chegaram ao índice de 99,08%”. Essa porcentagem obtida pela

aprovação dos estudantes pode comprovar a excelência do projeto.

A adoção de medidas nessa perspectiva tem sido, cada vez mais, exigida pelo mercado

capitalista, pois a escola não tem conseguido formar profissionais para atender à sua demanda.

Muito embora, o imaginário social permaneça pregando que quanto mais competências o

aluno adquire maior será seu sucesso, importando apenas os resultados, o produto dessa

apropriação. No Distrito Federal, a avaliação nos anos iniciais do Ensino Fundamental foi

transformada em relatório, o que por algumas vezes omite as elaborações necessárias para o

avanço intra e inter ciclo. Nos anos finais e no Ensino Médio, o acúmulo de pontos permite a

progressão na escolaridade. A escola transformou esse acúmulo em comércio. As notas

50 Disponível em: <www.distritofederal.df.gov.br/003/00301009.asp?ttCD_CHAVE=47465>. Acesso em 28 de agosto de 2007.

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tornaram-se objeto de valor - a moeda escolar, quanto mais o aluno as tem, quanto mais as

acumula, maior a chance de progredir na escolaridade, tornando a progressão na escolaridade

uma nefasta barganha por notas. Ações que permanecem sendo reforçadas mas que já deviam

ter sido superadas, no entanto o sucesso escolar continua atrelado à tabela de medição,

considerando o melhor estudante aquele que melhor reproduz o conhecimento, não

importando se ele está se apropriando desse conhecimento para elaborar outras aprendizagens.

O conhecimento tornou-se apenas um degrau que ficou para trás, não sendo mais útil na

caminhada.

A sociedade determina o tipo de relação entre trabalho e trabalhador, sendo assim a

sociedade capitalista espera de seus trabalhadores docentes uma ação inerente aos seus

princípios. Vázquez (1977) afirma que não há teoria sem prática, portanto, não há ação sem

uma razão, mediante essa conclusão, o contexto capitalista traz uma teoria determinada pelo

próprio capitalismo. A proposta educacional tem, em sua essência, traços capitalistas. Alguns

dos rastros da teoria capitalista foram apresentados por meio de seus princípios, porém Freitas

(2005) alerta que, além desses, outros também estão invadindo o espaço escolar, por meio das

relações estabelecidas ao cumprir sua função social.

A tão discutida função social da escola escamoteia nuanças de continuidade da escola

capitalista. Bourdieu e Champgne (1998) abordam a função reprodutiva da educação, pois,

muitas vezes a escola funciona como um aparelho ideológico reprodutivo da sociedade

capitalista, promovendo diferentes tipos de escola para diferentes tipos de alunos. Uma escola

propedêutica, e outra que não oferece essa possibilidade. Uma escola para cada classe social.

Os resultados apresentados na Prova Brasil são um exemplo fidedigno dessa realidade.

Nenhuma escola pública do DF conseguiu classificação entre as dez melhores do país. A

única escola que conseguiu tal proeza não é totalmente pública, conforme declara a

reportagem51 publicada pelo Fórum de Entidades de Direitos Humanos do Distrito Federal e

Região, dizendo que:

O Prova Brasil, realizado pelo MEC [...] avaliou 3.306.378 alunos de 4ª e 8ª séries de 40.920 colégios públicos do país. No DF, 316 instituições de ensino fundamental participaram da pesquisa. Nenhuma ficou entre as 10 primeiras do país nos testes da 4ª série [...]. No exame da 8ª série, só uma do DF entrou na lista dos campeões nacionais, o Colégio Militar. Ficou em 10º lugar, mas não é uma escola estritamente pública. Os pais pagam uma mensalidade de R$ 120 [...].

51 Disponível em/: <http://df.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=36&Itemid=2>. Acesso em 28 de agosto de 2007.

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A escola legitima a hierarquização social pelas hierarquias escolares e, segundo Freitas

(2005), esta realidade que está posta nas sociedades estratificadas em classes necessita ser

desvendada a fim de encontrar meios para superá-la na prática. A escola pública atende a

camadas populares, garantindo a manutenção dos sujeitos que a freqüentam nessa mesma

camada. Subverter essa realidade requer que se lance um olhar crítico para a sociedade, o

professor, os estudantes, a educação e sua função social, enfim para uma totalidade histórico-

social e política na qual se encontram a escola e seus sujeitos. Para guiar este olhar Freitas

apresenta a crítica de um ponto de vista marxista. Nesse sentido, a crítica “tem que ser

construída por oposição a uma realidade e não a partir de um plano teórico” (2005: 65,

grifo do autor). Diz, também, que a sala de aula por si só não consegue abarcar a totalidade

dos fatos, mas ações nela ocorridas representam muitas de suas concepções. Esse é o grande

desafio para o BIA ao pretender alfabetizar todas as crianças das etapas I, II e III. Talvez essa

possa vir a ser a forma da resistência, para superação do cenário atual, que há tanto tempo se

busca concretizar. Inclusive na turma da professora Maria esse intuito tem se transformado

em realidade. No mês de junho, essa professora comemorava os resultados alcançados.

Comentando sobre as lacunas do processo de inclusão, relatou que somente naquele momento

– no meio do ano letivo – foi procurada pela professora itinerante52, responsável pela criança

que apresenta um alto grau de comprometimento visual – lê com os olhos praticamente

“cravados” no papel. Após o relato de tal indignação, a professora, exultante de animação,

disse: “você viu, ele também já está lendo!!! Todos estão lendo! Aliás, só o João, que chegou

no mês passado ainda não”, mas convictamente, declarou “até o final do ano ele também vai

ler”.

Caso todas as turmas de etapa I do BIA estivessem como a turma da professora Maria

- que, praticamente, no meio do ano estava com todas as crianças alfabetizadas - certamente a

educação brasiliense estaria começando a romper com a realidade apresentada até o momento

e inaugurando um novo cenário. Mas essa realidade não se repete nas turmas das etapas II e

III pesquisadas. As professoras Suzi e Lara tinham, ainda, nesse mesmo período, crianças em

processo de alfabetização que não conseguiam acompanhar as atividades propostas

diariamente, demandando que ações fossem definidas nessa intenção. Situação que 52 O professor itinerante refere-se a um professor especializado que atende os alunos do Ensino Especial, deslocando-se até a escola uma ou mais vezes por semana, com o objetivo de dar apoio especializado ao educando. Realiza o atendimento individual ou em grupos de dois a quatro alunos, de acordo com as necessidades específicas de cada caso. O professor itinerante atua na escola regular, servindo de apoio ao educando que estiver em processo de integração na classe comum ou na classe especial dessa escola, sendo também o elo de ligação entre aluno e professor do ensino regular. Informações obtidas no site: <http://www.se.df.gov.br/programasprojetos/Atendimento%20ItineranteProjeto.pdf>. Acesso em 07 de setembro de 2007.

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demonstrou que, caso não fossem tomadas medidas eficazes, essas crianças permaneceriam na

escola sem progredir na aprendizagem, no entanto elas precisam ser incluídas no processo de

escolarização. Na busca de alternativas para reverter esta situação a escola, por meio do

trabalho coletivo, organizou o Projeto Interventivo e o Reagrupamento Interclasse, e as

professoras, além de realizar, em sala de aula, o atendimento cotidiano das necessidades

apresentadas por essas crianças, também as atendiam no horário de reforço.

O entrelaçamento entre as medidas tomadas pretendeu oportunizar a essas crianças a

sua inclusão na escolaridade. No mês de agosto, a professora Suzi, alegremente, comentou os

progressos realizados pelas crianças de sua turma, dizendo “todos estão lendo, estão

conseguindo realizar as atividades” e acrescentou, apenas um deles continua “com

dificuldade para realizar as atividades, ainda está muito lento, mas faz”. A professora Lara,

no mês de setembro, comentando os resultados da avaliação diagnóstica aplicada em sua

turma, ficou deslumbrada com os avanços do aluno Marcelo. Com os olhos radiantes de

alegria a professora Ana complementou: “observe o primeiro texto dele. As palavras estão

todas segmentadas e aglutinadas indiscriminadamente, quase não dá para ler. Veja agora

esta última. O texto tem até parágrafo e pontuação”.

Ambos os casos resultaram de um trabalho comprometido com a elaboração de novas

aprendizagens, com a responsabilidade de oportunizar o avanço dessas crianças na

escolaridade. Duas situações que subverteram as estatísticas da exclusão e evasão,

apresentadas nos dados de crianças com defasagem idade/série, apontando novos caminhos.

Para Freitas (2005), a transformação das bases de organização da escola e da

sociedade pode ser uma das formas de resistência, uma projeção de futuro, de médio e longo

prazo. Uma realidade que pode ser vislumbrada, conforme mostraram os resultados

conseguidos pela professora Maria que, mesmo trabalhando com crianças da camada popular,

as alfabetizou. Mas Freitas (ibid) alerta para que o desânimo e o derrotismo não avassalem

tais idéias, há a necessidade de se compreender o processo histórico em que se dão essas

mudanças. Compreender a contradição apresentada nessa mesma escola, nas turmas

pesquisadas, em que as crianças da etapa I estavam todas alfabetizadas, enquanto algumas das

etapas II e III ainda não, mas que mediante tal realidade, ações foram tomadas, revertendo a

situação.

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3.1.3. Produção de conhecimento: ruptura com a fragmentação

A inclusão das crianças na escolaridade requer que elas estejam na escola e

aprendendo cada vez mais. Freitas (2005) adverte que a não aprendizagem tem sido

provocada pela ausência do trabalho material na escola, o que torna o conhecimento sem

significado para o aluno. O autor acrescenta que a ausência desse trabalho produtivo

artificializa o processo de ensino, tornando-o exclusivamente cognitivo, o que exige

memorização e exclui o raciocínio, portanto torna-se fundamental superar a fragmentação

entre o trabalho intelectual e material, introduzindo na escola o trabalho material. Freitas

declara “é preciso incorporar o aluno a um novo processo de produção de conhecimento,

onde ele se sinta incluído” (ibid.: 265, grifos do autor). O que exige um trabalho pautado na

antecipação da ação, conforme explica Vázquez (1977).

De acordo com os relatos das atividades propostas pelas interlocutoras, apresentados

no decorrer da pesquisa, elas tiveram a intenção de superar essa fragamentação. Inclusive

quando a professora Suzi trabalhou com Ciências, o que na maioria das vezes ocorre pela

simples reprodução do livro didático. Suzi participou do encontro no curso - relatado mais à

frente e inseriu um rico processo de construções nas atividades propostas às crianças. Ela

inciou sugerindo que cada uma delas construísse um terrário. Ela e as crianças admiravam os

resultados das construções. Suzi relatou que para confeccionar o terrário as crianças levaram

os materiais necessários e as plantinhas e os animais foram recolhidos na escola. As crianças

extasiantes de alegria comentavam: “eu tenho dois grilos e eles estão vivos”, “minha

plantinha está nascendo”, “esse terrário é da Paula, ela não veio hoje e eu estou cuidando

dele para ela”. José relatou “o meu tinha uma mariposa e ela morreu”. A coleguinha do lado

interpelou “o meu grilo morreu e aí eu capturei um tatu bola e coloquei”.

Enquanto a euforia tomava conta das observações das crianças, a professora entregava

o relatório para que elas continuassem registrando suas elaborações. Suzi comentou:

Eles colocam a data e registram as observações. Cada um escreve do seu jeito - teve criança que escreveu girassol assim: gira hífen e sol (gira-sol). Mas está rico esse trabalho. Trabalhamos histórias: do tatu bola, da borboleta. [...] Teve uma criança que colocou um grilo e ele foi comendo a folha, foi roendo, cada dia ela via um pedacinho a menos. [...] Eles concluíram que o terrário é como se fosse a Terra, tem água, terra, ar, tem tudo que a plantinha precisa.

As atividades oportunizadas às crianças pela professora Suzi associaram o trabalho

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material ao intelectual na construção das aprendizagens. No registro das observações, as

crianças antes de escrevê-las no papel tinham que antecipá-las idealmente, o que exige

raciocínio. Elas observavam, idealizavam e, em seguida, registravam. O trabalho material

também é importante para as crianças, uma vez que as permite antecipar situações para além

desse material.

Professora e criança, no processo do ensinar e aprender lançam mão tanto da atividade

intelectual como da atividade material, o que pôde ser percebido, também, nesse relato da

atividade realizada pela professora Suzi. No entanto, Freitas (2005) comenta que quando o

trabalho desenvolvido está apoiado nos princípios capitalistas, os professores e alunos são

expropriados do trabalho material, restando apenas o intelectual desvinculado de seu produto

– o que gera a reprodução. O professor ensina, e a criança apenas repete aquilo que o

professor lhe ensinou. As etapas do processo de elaboração do conhecimento são totalmente

desprezadas, o que possibilitaria ao estudante valer-se de seu trabalho intelectual para

produzir elaborações. Quando o trabalho intelectual restringe-se à reprodução, importando-se

apenas com o produto, basta apenas apreender, repetir o conteúdo. Essa situação indica a

necessidade de subverter tal realidade, de ousar instituir uma outra lógica, pois aquele

estudante que não consegue reproduzir os conteúdos ensinados pelo professor, finda por ser

excluído da escola, estando ou não dentro dela.

Para reorganizar o trabalho docente, desvinculando-o dos ideais capitalistas, Freitas

(2005) elenca algumas ações: a redefinição da função social da escola, desvelando suas reais

intenções e apropriando-se de subsídios para armar resistência. A identificação da

fragmentação dos conhecimentos, buscando vencê-la, propondo a produção de conhecimentos

significativos, optando pelo clássico, o que para Saviani (1991: 21) é tido como “aquilo que se

firmou como fundamental, como essencial”, conhecimentos contextualizados com o momento

sócio-histórico-cultural dos estudantes.

As atividades desenvolvidas pelas professoras participantes da pesquisa pretenderam

inserir o trabalho material produtivo além do intelectual, tornando as crianças sujeitos ativos

da produção desse conhecimento. Ao organizarem o trabalho docente dessa forma, definiram

sua concepção de sociedade, educação e homem, promovendo interações democráticas,

coletivas e participativas. Um conjunto de situações deveras importantes para serem

consolidadas no cotidiano escolar.

Para reorganizar o trabalho docente, desvinculando-o dos ideais de conservação da

educação que exclui e mantém na escola sujeitos reprodutores de conhecimento, torna-se

necessário engendrar tais mudanças, pela educação continuada.

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Educação continuada: comprometimento social para superação da fragmentação

A educação continuada, oportunizada pelo CRA/CEF 18 nos anos de 2006 e 2007,

buscou promover ações, incentivando que fosse evitada a exclusão, por meio de uma

educação continuada pautada no compromisso social. O comprometimento com o trabalho

docente realizado foi confirmado pelo acompanhamento das atividades realizadas nesse

espaço e na escola em que transcorreu a pesquisa.

As professoras pesquisadas também consideraram relevante o compromisso e a

responsabilidade social com a educação que praticam. Lara, priorizando estas questões

comentou “o que era mais importante? Ficar na escola preparando as atividades para meus

alunos ou ficar no curso que muito pouco estava contribuindo com o meu trabalho”. A

professora Suzi destacou “pelo que eu entendi da proposta do BIA, seria para alfabetizar

qualquer criança” e a professora Maria deixou claro “se você trabalha, você vai avançar

essa criança. As crianças aprendem, por que esperar?”. Pensando a função social da escola

como um compromisso e uma responsabilidade social torna-se fundamental que obstáculos

sejam descartados e que seja considerado, na realidade de cada escola, o esforço pedagógico

para vencer o estrangulamento social da não-alfabetização, desenvolvendo ações coletivas

direcionadas a esse objetivo maior.

O trabalho docente realizado pelas professoras pesquisadas encontrou consonância

com o compromisso e a responsabilidade social com a educação, na medida em que o tornou

uma prática social e instituiu meios para que as crianças aprendessem cada vez mais,

avançando no processo de elaboração de aprendizagens. Quando retornei à escola, em

setembro, a professora Lara comentou que das 35 crianças de sua turma da etapa III, todas

serão avançadas para a 3ª série, dizendo “tinha uma criança que eu estava em dúvida, mas

conversando com a coordenadora, esta me disse que ela tem todas as possibilidades para

avançar sim. Analisamos a última avaliação e percebemos o avanço dela no processo de

aprendizagens.”

Nesse mesmo dia, ao revisitar a turma da professora Maria, ela fez questão de chamar

a criança que havia chegado a sua turma no mês de julho e que ainda não estava alfabetizada,

dizendo “ele não conhecia todas as letras do alfabeto, e agora está escrevendo palavras” e

pediu para que ele escrevesse algumas. Pedido que foi prontamente atendido. A professora

Suzi também comentou os avanços de sua turma dizendo “todos estão lendo e escrevendo.

Alguns ainda têm dificuldade, mas demonstram um bom avanço”

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Nesses momentos, as professoras evidenciam com clareza a intenção de cumprirem

sua função social, desmistificando a idéia de que as crianças da escola pública não aprendem.

Ao promover o avanço no processo da aprendizagem dos conteúdos trabalhados em sala de

aula, as professoras consideraram indispensável o estabelecimento de um diálogo entre a

professora e as crianças e das crianças entre si. Dessa forma, oportunizaram que cada passo

dado no caminho de novas elaborações do conhecimento fosse esmiuçado, investigado,

questionado com perguntas simples, que lhes permitiram compreender essa trajetória e serem,

também, compreendidas. Diálogo incentivado por perguntas simples que pipocam na sala de

aula: “o que você vai escrever”, “como você pensou”, “professora, trânsito é com s com z?”,

“João, campo termina com “u”, me empresta a borracha, errei”. Questões que possibilitam

que a criança se sinta percebida em sala de aula, descubra que sabe muitas coisas e necessita

aprender outras tantas.

Para consolidar o objetivo do compromisso social, dentre outras atividades, a equipe

do CRA/CEF 18 organizou uma discussão, no Fórum de Coordenadores, voltada para a

questão da elaboração do Projeto Interventivo. Essa discussão também ocorreu no ano

anterior, de acordo com o planejamento elaborado pela coordenadora desse espaço (2006).

O Projeto Interventivo objetiva alfabetizar as crianças que correm o risco de ficar

retidas, ou mesmo que já estejam retidas na etapa III. Resultado da estratégia de enturmação

prevista para o BIA em que as crianças foram enturmadas por idade, conforme orientação da

Proposta Pedagógica (2006). As crianças não-alfabetizadas, ou seja, que não apresentavam

condições de serem matriculadas na 3ª série também foram enturmadas nessa etapa. Portanto

esse projeto propõe-se a subverter essa estratégia que mantém a criança na escola sem que ela

seja inserida na escolaridade, oportunizando sua inclusão e conseqüente progressão escolar.

Esse projeto pode parecer a recuperação do ciclo, no entanto ele difere da antiga recuperação

paralela, que tinha um tempo determinado para ocorrer, geralmente ao final de cada bimestre,

ao perceber que algumas crianças não tinham atingido a média. O Projeto Interventivo, no

entanto deve ser realizado no processo, quando a professora recebe a turma e detecta que há

alunos não-alfabetizados. Eles devem ser atendidos nesse projeto com a intenção de

alfabetizá-los, inserindo-os no processo de progressão da escolaridade. Infelizmente nem

todas as escolas contam com recursos humanos para realizá-lo. A coordenadora do CRA/CEF

18 buscou parcerias para realizá-lo, porque na escola havia profissionais que poderiam

colaborar com ela. Caso tivesse uma professora para se responsabilizar por ele, certamente

seria bem mais eficiente. Esse projeto representa um ganho para as crianças que estavam

sendo excluídos do processo de alfabetização, no entanto, não foram oferecidas as condições

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necessárias para que ele fosse efetivado. A luta dos professores de cada escola para organizar

esses projetos torna-se árdua mediante essa falta de condições, mas todos compreendem sua

importância e unem esforços para promovê-lo.

Consciente dessas dificuldades, Meg, ao coordenar um dos encontros do fórum,

propôs a socialização das atividades realizadas em cada grupo, após a discussão sobre o que

deveria conter ou não no Projeto Interventivo. Uma professora, ao apresentar os pontos

discutidos em seu grupo, enfatizou que o “objetivo do projeto deve primar pela alfabetização

de todos”. Ela comentou que este foi um ponto relevante na leitura do texto de Villas Boas

(2006). A professora destacou que “um projeto foi desenvolvido para que 80% das crianças

aprendessem” e questionou “e as outras como ficariam?”. Meg enfatizou “exatamente, não

se pode admitir que seja abaixo de 100%, essa ponderação é forte”.

No entanto, a maioria das escolas de nossa sociedade ainda investe na aprovação de

apenas 80% de seus estudantes, e contentam-se com esses resultados, justificando-os pela

falta de condições materiais e pedagógicas. As situações propostas findam por expropriar o

trabalho material de suas atividades, e para inseri-lo torna-se necessário repensar o trabalho

docente desenvolvido cotidianamente na sala de aula, reorganizando-o e instituindo uma outra

lógica para as ações nele praticadas. Para tanto, torna-se fundamental uma reflexão crítica da

realidade escolar, dirigindo um olhar investigativo para cada uma das ações, procurando

conhecer a lógica do outro (seja ele estudante ou outro professor), conforme propõe Charlot

(2001). O autor considera importante a compreensão da lógica do outro, dizendo que ela

somente ocorre quando um e outro dialogam, esclarecendo o ponto de vista de cada um “para

ver o mundo com o olhar do outro” (ibid.: 99).

Às vezes acontecem situações, em sala de aula, em que o professor não compreende

aquilo que a criança diz, pensa e faz, por isso Charlot alerta sobre a importância da descoberta

da lógica daquilo que foi dito, pensado e feito. Para ele essas ações têm “uma lógica, uma

lógica completamente diferente da lógica do professor, e que a coexistência de duas lógicas,

cada uma se pensando a própria legitimidade, sem conhecer a lógica do outro, é uma das

principais fontes da violência escolar” (ibid: 99.). Quando o professor não compreende a

lógica da criança e vice-versa, geralmente as crianças acabam vítimas da violência da não

aprendizagem. No entanto, quando há simbiose nessa compreensão, há também a elaboração

de aprendizagens.

As professoras pesquisadas, por meio do diálogo, conheciam a lógica do pensamento

das crianças. Um exemplo dessa situação ocorreu com a professora Suzi, após a leitura do

texto “A Galinha Ruiva” em que destacou o uso da letra G. As crianças falaram palavras que

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continham a letra em diversas situações e a professora ia anotando-as no quadro. Uma das

crianças disse: “Jabuticaba” e outra, “Jipe”. A professora explorou as palavras e logo ouviu

a justificativa “é que a letra G também tem o som de J. Dá para enganar. Geladeira começa

com G” [e parece J]. A professora possibilitou às crianças reelaborarem o pensamento,

destacando que, algumas vezes, a lógica da escrita convencional não obedece à lógica da fala.

Caso a professora deixasse de oportunizar esse diálogo, para compreender a lógica do

pensamento dessas crianças, poderia ter-lhes negado a chance de reelaborar esse

conhecimento, expropriando-as do trabalho intelectual. Charlot, comentando sobre a

necessidade do aluno realizar o trabalho intelectual, diz que:

Assim, se quem deve aprender é o aluno, não é o professor quem pode fazer o trabalho intelectual por ele. Isto significa que, no centro, fica a prática do aluno, não a prática docente. Portanto, o trabalho do professor não é ensinar, é fazer o aluno aprender. [...] Para aprender é preciso entrar numa atividade intelectual [...] (2005: 96).

A professora Suzi, agindo dessa forma, possibilitou àquelas crianças realizarem o

trabalho intelectual.

Freitas (2005) comenta que, em algumas escolas, acontece a expropriação do trabalho,

desvinculando-o da prática social, separando-o de seu produto. Diz ainda, que o trabalho

intelectual restringe-se à reprodução do trabalho intelectual do professor ou do livro didático,

demonstrando a necessidade da introdução do trabalho intelectual do estudante, que poderá

incorporar suas descobertas ao processo de construção do conhecimento. Freitas

complementa, dizendo que “os alunos que conseguem aprender não são expropriados do

produto de seu trabalho” (ibid.: 230). Um acontecimento demonstrou como as crianças

incorporam suas descobertas à elaboração de novas aprendizagens, utilizando o trabalho

intelectual. As crianças realizaram um passeio à Transitolândia, onde puderam ouvir e

vivenciar situações envolvendo o trânsito e depois, em sala de aula, dialogaram entre colegas

e professora comentado as experiências, entrelaçando-as às situações de vida. Logo em

seguida, a professora Lara contou a história “As aventuras do bonequinho do banheiro” e

estimulou as crianças a produzirem um texto sobre o tema. Durante a conversa, a professora

questionou: “o que aprendemos?” Uma criança respondeu, apresentando sua descoberta:

“agora eu sei por que não pode conversar com o motorista! Senão ele não presta atenção no

trânsito”. Outra criança disse “tem que atravessar sempre na faixa de pedestre, fazer

primeiro o sinal de vida”. A professora complementou: “antes de atravessar é preciso fazer o

sinal de vida, esperar os carros pararem e depois atravessar”, a criança concluiu: “porque às

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116

vezes tem motorista distraído e provoca acidente”, demonstrando, dessa forma, ter

compreendido a necessidade do uso do sinal de vida.

Essa situação se contrapõe àquela em que o professor utiliza, unicamente, o livro

didático para que as crianças reproduzam o conhecimento nele contido, realizando a leitura

das informações e os exercícios nele propostos, muitas vezes, desarticulado da realidade da

criança. A professora propôs diversas situações para provocar aprendizagens, o que exigiu o

trabalho intelectual das crianças para elaborá-las. As crianças puderam tecer uma rede entre as

informações com as quais tiveram contato, sistematizando-as durante a conversa com os

colegas e a professora e também ao registrá-las.

O processo de elaboração de um conhecimento ocorre por meio do entrelaçamento

entre eles, conforme postula Vergnaud (2001). O autor comenta que “os conceitos só

adquirem sentido em situações ou conjunto de situações. São elas que vão construindo a

referência do conceito” (2001: 16), ou seja, para que a criança elabore um conceito, necessita

de outros para articulá-los, necessita estar imersa no campo conceitual desse conhecimento.

Esse tema foi discutido, no curso por diversas vezes, inclusive nos encontros em que abordou

os níveis da psicogênese e no trabalho com Ciências.

A proposta de educação continuada promovida pelo CRA/CEF 18 (2007), por meio do

curso promovido em 2007, buscou oportunizar aos professores a necessidade de se trabalhar

com o campo conceitual do conhecimento, permitindo que houvesse um encadeamento entre

as atividades realizadas entre uma aula e outra. Fato destacado por Meg - uma das

ministrantes do curso BIA (2007), ao comentar que as atividades propostas no curso teriam

uma lógica, tanto aquelas realizadas na Oficina Pedagógica como as realizadas no CRA/CEF

18. Ela destacou:

As aulas serão como uma rede, interligadas uma à outra. Uma aula é gancho para a outra. Para isso nós estamos nos reunindo. Estamos planejando para que os nossos encontros aconteçam numa seqüência, numa seqüência lógica, que dê idéias para que vocês trabalhem com sua turma.

Situação observada ao relembrar as atividades realizadas em cada encontro do curso.

Na aula inaugural, foi passado um vídeo, enfatizando que todos podem aprender. Na aula

seguinte, foram elaboradas atividades didáticas, considerando este contexto. O terceiro

encontro incluiu uma palestra, abordando o tema “Democracia e aprendizagem” em que a

palestrante destacou a necessidade de desnaturalizar muitos preconceitos construídos em

relação à aprendizagem para que ela se torne, verdadeiramente, um fenômeno social, que

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117

realmente promova a inclusão social das crianças que estudam nas escolas públicas,

pertencentes à classe popular. Destacou que ensinar é algo complexo, que deve ser realizado

por profissionais que ousam vencer os “desafios conquistados a cada dia” auxiliados por um

grupo de estudo. Ao final da palestra, foi realizada uma avaliação diagnóstica, abordando

conhecimentos sobre níveis psicogenéticos da aprendizagem da leitura e da escrita. No

encontro seguinte foi contada uma história sobre “ser mãe” e a questão de que podemos

conviver bem com as diferenças e a partir desse contexto semântico, foi confeccionado um

jogo didático. Para reinaugurar o olhar e oportunizar atividades para além dos muros da escola

e com sentido para as crianças, houve a visita à exposição das obras do “Aleijadinho” e

“Jardim do Poder” - exposição de arte contemporânea, uma crítica ao poder. Houve uma

analogia entre a sala de aula, o uso das avaliações informais que muitas vezes rotulam e

excluem as crianças do processo de escolarização. Uma dialética entre o belo, o “dito

normal”, e o feio, considerado com “necessidades especiais”, o belo – arte barroca, e o feio –

arte contemporânea (para alguns “parecia um amontoado de lixo”). A aula seguinte envolveu

a discussão sobre a exposição dos resultados das duas avaliações diagnósticas realizadas com

os professores, colocadas na parede, por meio do gráfico de escada: os princípios do pós-

constutivismo e a psicogênese da língua escrita. Logo após foi realizada a eleição de grupos,

considerando a construção de aprendizagens. A discussão foi encerrada com a leitura do texto

“Caminhos e fundamentos para encaminhar os estudos na escola”, e dessa forma uma aula foi

se articulando à outra.

Ao propor essa forma de trabalho, o curso buscou superar a fragmentação do trabalho

realizado em sala, oportunizando aos professores vivenciarem a continuidade na aquisição de

referenciais para elaboração de um conhecimento, pois a fragmentação do conhecimento

provoca a perda de sua essência, apegando-se a superficialidades.

A esse respeito, Saviani (1991) destaca que na escola encontra-se tempo para se

dedicar às comemorações, mas não há tempo para as atividades nucleares. Essa questão vem

se apresentando como realidade dentro das escolas, muitas vezes apontada como necessidade,

pois essas instituições vêem na possibilidade de realizar festas uma forma de arrecadar fundos

e suprir suas carências materiais e pedagógicas. No CEF 18, houve a preocupação com a

redução do número de festas realizadas na escola. Ponto destacado durante a elaboração do

Projeto Político Pedagógico. Uma das professoras advertiu que seria melhor diminuir a

quantidade de festas, sugerindo como opção juntar algumas delas, dizendo que “a

culminância da semana cultural seria a festa da família”, o que ocorreu em outubro de 2007.

No entanto, mesmo diminuindo o número de festas, essa prioridade não foi concretizada,

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118

tornando-se superficial. Inclusive a organização da festa junina se sobrepôs às atividades

pedagógicas, o que até para os alunos causa estranheza.

Para as crianças, sobrepor comemorações às atividades nucleares não faz sentido. Foi

esse o entendimento de Jorge, aluno da etapa III, participante do Projeto Interventivo, na

semana em que ocorreria a festa junina, na qual não haveria atividades do projeto.

Acostumado com as aulas do projeto, ficou indignado ao ser informado de que não haveria

encontro naquela semana. Ele se dirigiu à sala dos professores e perguntou à coordenadora

pedagógica da escola, qual era o motivo de não haver tal aula. Após ouvir a justificativa de

que seria porque estavam todos envolvidos com a festa, ele retrucou “e o que isso tem a ver?”

A professora Ana franziu a testa, olhou para as pessoas que estavam ao lado e concordou “é

mesmo! O que isso tem a ver?”

Às vezes a superficialidade impede o andamento normal das situações que são

significativas para os estudantes, como ocorreu no CEF 18, quando as atividades de

organização da festa junina se sobrepuseram ao planejamento do Projeto Interventivo.

Provavelmente, outras atividades nucleares deixaram de ser realizadas, tanto na escola como

em sala de aula, em detrimento à realização dessa festa. A professora Maria comentou que

não havia necessidade de deixar que as atividades da festa atrapalhassem o desenvolvimento

de sua aula. Ela relatou “as crianças já fizeram a atividade, produziram um texto e agora vão

ao parque, não é preciso parar a atividade, basta você se organizar”. Se todos os professores

priorizassem os conteúdos significativos, poderiam alfabetizar todas as crianças, assim como

Maria, Lara e Suzi fizeram.

O conhecimento fragmentado não tem sentido para o estudante, no entanto, o

conhecimento da realidade social, da cultura, das vicissitudes de uma determinada

comunidade torna-se essencial para a organização do trabalho docente. Desvincular a

superficialidade do essencial torna-se fundamental para desmantelar projetos e romper com a

perversa realidade da evasão e da exclusão escolar.

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119

3.2. Educação Continuada no Centro de Referência de Alfabetização

Ressignificar o espaço da sala de aula requer uma ruptura com o paradigma que

sustenta o trabalho docente desenvolvido em algumas salas de aula, conforme nos aponta

Freitas (2005), dentre outros. Mudar princípios exige romper com referenciais historicamente

incorporados e arraigados em muitas ações, pois o novo requer desnudar percepções. A

necessidade dessa mudança vem se confirmando nas pesquisas realizadas por diferentes

instituições53, comprovando o proposto por Morin (2003) que a discussão sobre a educação do

futuro precisa, urgentemente, transformar-se em ações e adentrar a sala de aula, tornando-se

conteúdo das reflexões realizadas na escola.

Zeichner (1993), ao analisar as necessidades apresentadas pelos projetos de educação

continuada, observou que se torna indispensável incluir a perspectiva de promover situações

para uma prática reflexiva centrada no exercício profissional dos professores, reconhecendo

que seus atos são fundamentalmente políticos podendo direcionar objetivos democráticos

emancipatórios. Dessa forma o CRA/CEF 18, como espaço de reflexão, reforçou as idéias de

Zeichner (1993), centrando suas ações na prática dos professores, possibilitando-lhes

compreender e acompanhar o processo de aprendizagem dos estudantes e, promover a

alfabetização de todos, na tentativa de evitar a evasão, a exclusão e a internalização da

exclusão discutida por Freitas (2002).

Para Freitas “a exclusão é internalizada (no sentido de que o aluno permanece na

instituição escolar mesmo sem aprendizagem, ao contrário de quando era puramente

eliminado da escola)” (2002: 308, grifo do autor), o que vem ocorrendo no Distrito Federal,

ao inserir, em seus programas de governo, as Classes de Aceleração, Classes de Reintegração,

Acelera Brasil e Se liga54, dentre outras.

Discutir o modo de instituir estas mudanças no cotidiano escolar pode imbuir o

professorado de elementos para ousar modificar seu olhar para a educação, pois, conforme

aponta Freitas (2003) a progressão continuada tem como foco a aprendizagem de todos, de

modo que nenhuma criança tenha prejuízo em seu processo de aprendizagem. O autor

53 Para mais informações ver (google): Inep, Mec, Anresc, Pisa, Declaração de Dackar, Declaração Mundial sobre Educação para todos. 54 Reportagem sobre a adoção desses dois programas pelo governo do GDF (2007). Disponível no site da Secretaria de Segurança Pública: <http://www.ssp.df.gov.br/003/00301009.asp?ttCD_CHAVE=47465>. Acesso em 03 de junho de 2007.

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120

acrescenta ainda que essa organização escolar tem por objetivo a garantia do “sucesso do

regime que visa ‘fazer com que os alunos aprendam cada vez mais’” (2006: 37), cuidando

para que seja evitada a internalização da exclusão. Para Freitas (2002) isso impede aos

sujeitos o acesso à escolarização, uma vez que não há repetência, reprovação, nem evasão,

mas “em que o tempo passado na instituição escolar será considerado como um tempo

morto, um tempo perdido”, tornando-se apenas em uma “eliminação adiada” (ibid.: 310,

grifo meu). O sujeito se mantém na escola, entretanto não consegue inserir-se socialmente,

garantindo a ampliação “do próprio conhecimento como construção pessoal e poder de

interferência no mundo” (ibid.: 315).

Em uma conversa com a coordenadora do CRA/CEF 18 e representantes do

NCP/DRET (2006), foi possível perceber a intenção de que, a educação continuada, proposta

por esse espaço, priorizasse o entendimento de que a reorganização da escolaridade no BIA

fosse pautada em uma prática diferente na qual as crianças avançassem pela aprendizagem,

não somente porque o tempo passou. O compromisso com o trabalho docente oportunizaria o

rompimento com as práticas avaliativas que valorizam a reprovação e o descomprometimento

com o trabalho realizado, uma vez que a criança avançaria ao final de cada etapa porque

elaborou novas aprendizagens. O CRA/CEF 18, pretendendo suscitar essa discussão,

aproveitou a situação vivenciada naquele momento. Os professores haviam recebido da

SEEDF um modelo da avaliação diagnóstica, durante a Semana Pedagógica (2006). Estavam

curiosos para compreender sua aplicação e sabendo que aquele era um espaço para subsidiar o

trabalho docente, foram, então, atrás de auxílio.

O CRA/CEF 18 tinha a intenção de oportunizar aos professores que ali buscavam

subsídios: uma educação continuada que lhes possibilitasse repensarem os pressupostos da

educação que praticavam. Refletir sobre o quê, quem e para quê avaliar era um bom começo

e, a partir dessa demanda que emergiu dos profissionais diante da proposição da avaliação

diagnóstica pelo BIA, este CRA, juntamente com o NCP/DRET, organizou a 1ª oficina com

este intuito: “Construindo uma avaliação diagnóstica no BIA”, conforme descrito no

planejamento da 1ª Oficina (2006). Esta oficina também foi realizada em 2007.

A finalidade dessas discussões foi refletir sobre a sugestão da SEEDF para essa

diagnose, de forma que a avaliação fosse vinculada ao processo de alfabetização,

oportunizando estudos e permitindo que os professores deixassem de se sentir simples

executores e pudessem participar da reflexão sobre os pressupostos da proposta pedagógica

que praticam, prática reflexiva centrada no exercício profissional dos professores. Zeichner

(1993) alerta que o ato de refletir envolve intuição, emoção e paixão, não podendo ser

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empacotado, transformado em um programa de técnicas para os professores usarem. Também

Pimenta e Anastasiou (2005) apontam a necessidade indispensável de se inserir nos cursos de

educação continuada este questionamento, superando a visão do oferecimento de caminhos

metodológicos, reconfigurando-o como meio de análise crítica, alargando a compreensão de

trabalho docente como prática social, que se realiza em diferentes contextos. Marin

complementa esses pensamentos, dizendo que “os profissionais da educação não podem, e

não devem ser persuadidos ou convencidos de idéias, eles devem conhecê-las, analisá-las,

criticá-las, até mesmo aceitá-las, mas mediante o uso da razão” (1995: 17). O que Meg, Lúcia

e Jane buscaram esclarecer aos professores durante as situações de educação continuada

propostas pelo CRA/CEF 18.

Meg comentou que “a partir dos elementos percebidos durante a aula - história,

campo semântico, jogos – vocês podem, usando sua criatividade e, considerando as questões

dramáticas que envolvem sua turma, analisar as situações e até produzir atividades para

organizar seu trabalho”. Dessa forma, procurou despertar nos professores o senso crítico da

observação, para captar além daquilo que estavam realizando na aula. O curso não estava

sugerindo histórias e jogos, mas oportunizando a vivência do trabalho com o campo

conceitual entrelaçado a um campo semântico e a realização de atividades desafiadoras que

provocam aprendizagens. A partir dessa percepção os professores puderam analisar o trabalho

realizado, apontando sua adequação ou não à realidade da sala de aula, sugerindo mudanças,

refletindo criticamente sobre aquilo que estavam vivenciando no curso.

Os Planos de Ação55 (2006, 2007) demonstraram sua intenção em tornar o CRA, o

locus da discussão coletiva, promovendo encontros sistematizados, entre os professores que

atuam no BIA, por meio das oficinas, palestras e do fórum de coordenadores. Essa intenção

ficou clara durante a realização da 1ª Oficina, conforme comentou a coordenadora (2006)

deste espaço: “esta oficina foi organizada a partir do pedido de diversos professores que

procuraram o CRA na busca de compreender a aplicação da avaliação diagnóstica proposta

pelo BIA” e acrescentou, este local tornou-se “o espaço para abrigar as inquietações dos

professores”, oportunizando e fomentando discussões do interesse de todos.

A coordenadora do CRA/CEF 18 (2006), durante a realização da Oficina “S.O.S. Pré-

silábico/Silábico”, comentou que as oficinas foram programadas conforme as necessidades

que iam surgindo advindas do grupo de professores, na tentativa de tornar as questões de cada

escola o cerne da discussão. Relatou que as necessidades apontadas durante as visitas

55 O planejamento das atividades que serão realizadas pelo CRA está definido no Plano de Ação, 2006.

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agendadas para análise das avaliações diagnósticas, suscitaram a organização dessa oficina. A

coordenadora disse que “ao visitar as escolas, e discutir os dados apresentados, os

professores pediram auxílio para o trabalho com as crianças não-alfabetizadas, então

organizamos essa oficina”. O levantamento dessas necessidades também foi realizado nas

conversas do Fórum, momento em que os coordenadores traziam as inquietações dos

professores quanto ao trabalho docente desenvolvido diariamente, incluindo as atividades

realizadas em sala de aula. As avaliações realizadas, ao final das próprias oficinas e das

palestras também contribuíram para a escolha dos temas das discussões organizadas pela

equipe do CRA/CEF 18.

O trabalho desenvolvido pela equipe do CRA/CEF 18, em 2006 e 2007, priorizou

organização do trabalho docente, por meio das situações de educação continuada proposta aos

professores. Teve a intenção de incluir as crianças no processo de escolarização, deixando

claro que os ciclos de formação não deveriam incorporar os aspectos da progressão

continuada ou da progressão automática já adotada em outras propostas, conforme abordou

Mainardes (2001). Inquietas com a possibilidade dessa incorporação instituíram um

acompanhamento do trabalho docente e uma avaliação processual, por meio do “Atendimento

direto às escolas”. Dessa forma, acompanhou o andamento das atividades realizadas em cada

escola, o que sugeriu o estímulo do acompanhamento do trabalho realizado pelos professores

em sua sala de aula. Esse acompanhamento foi realizado por meio de visitas agendadas.

Momento em que, junto com professores e coordenadores da própria escola, analisavam os

resultados da avaliação diagnóstica, definindo encaminhamentos, estudando “a situação dos

alunos defasados, [refletindo] sobre os avanços e [buscando] estratégias para o trabalho” com

as crianças que necessitavam de ajuda para avançar, principalmente na etapa III, conforme

descrito no Cronograma de Trabalho dos CRA e NCP - 2º semestre (2006). Esse

acompanhamento teve o propósito de promover a simbiose entre a progressão da criança na

escolaridade e na elaboração de conhecimentos e, conseqüentemente, evitar a sua

permanência na etapa III. Para participar dessa reunião, tornou-se imprescindível, a cada

professor atuante no BIA ter em mãos os dados de sua turma. A sugestão para organização

dos dados de cada turma foi realizada por meio de fichas com o gráfico de escadas dos níveis

da psicogênese da aprendizagem da leitura e da escrita, discutidos com os professores durante

a oficina sobre Avaliação Diagnóstica, realizada no início do ano letivo.

A coordenadora do CRA/CEF 18 (2006) comentou, durante o estudo sobre avaliação,

realizado no Encontro Pedagógico (2007) no CEF 18 que “os dados apresentados no final do

ano demonstraram o esforço realizado, no entanto, não conseguimos zerá-los, mas foram

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diminuídos consideravelmente”, conforme foi informado no relatório enviado ao DEIF/GSI

(2006).

Dessa forma, as atividades de educação continuada organizadas pelo CRA/CEF 18

buscaram discutir a necessidade de se contrariar a lógica avaliativa de exclusão que

atualmente predomina na sociedade, ousando instituir uma outra, como possibilidade de

resistência, para além de ensinar os conteúdos, de acordo com as reflexões de Freitas (2003).

Isso oportuniza às crianças viverem a escola e sua própria vida; não se afastando dela. A

permanência na escola ficou associada ao tratamento pedagógico adequado, que pretendeu

atender às necessidades de cada criança, sugerindo-lhes uma avaliação formal sem

interferência da negatividade da avaliação informal.

O CRA/CEF 18 oportunizou diversos momentos para discussão do tema avaliação.

Em um deles, Batista56 (2006) abordou as reflexões de Freitas (ibid.) sobre as nuanças da

avaliação. Ela chamou a atenção dos professores para os efeitos da avaliação na vida das

crianças. Comentou que, para Freitas (2003), a avaliação informal envolve os juízos de valor

que se faz do estudante. Um jogo de representações construído em “imagens e auto-imagens

que terminam interagindo com as decisões metodológicas do professor”, afetando as “relações

entre professor e aluno” na medida em que “vão sendo marcadas por juízos construídos

informalmente no dia-a-dia da sala de aula” (ibid.: 45). Ocorrendo dessa forma a avaliação

poderia influenciar na organização do trabalho docente desvirtuada de sua função pedagógica.

O professor ao invés de conhecer os esquemas de pensamento das crianças em relação a

determinado conhecimento, para a partir daí elaborar situações didáticas que os permitiriam

aprender, agarraria às essas representações e as “deixaria de lado”. Situação que, infelizmente,

ocorre em algumas salas de aula, em que o professor, conhecendo a complicada vida social de

uma criança, usa a informação como esteio para sua não-aprendizagem e, realmente, queixa-

se por aquilo que essa criança não sabe, ao invés de buscar meios, condições para que ela

possa vir a saber.

O acompanhamento do trabalho docente realizado nas turmas do BIA, permaneceu,

nessa mesma sistemática, conforme descrito no Plano de Ação (2007), no entanto a equipe do

CRA/CEF 18 resolveu ampliar esse acompanhamento, por meio do representante pedagógico

de cada escola. A coordenadora do CRA/CEF 18 (2007), professora Lúcia57, explicou o modo

como planejou a ampliação desse acompanhamento. Segundo Lúcia, a equipe do CRA/CEF

56 Oficina sobre Avaliação realizada no Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga, no dia 04 de agosto de 2006, por Carmyra Oliveira Batista, professora da Rede Pública do Distrito Federal, Mestre em Educação, e doutoranda da Faculdade de Educação da UnB. 57 Informações obtidas na entrevista realizada pela pesquisadora, no dia 3 de abril de 2007.

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18 (2007) teve a intenção de entrelaçar o acompanhamento do trabalho de cada escola com as

atividades realizadas no curso proposto, com a ajuda do representante pedagógico e/ou do

coordenador dos grupos de estudo.

3.3. A escola como locus de Educação Continuada

Para a coordenadora Lúcia, a situação que ocorre nas escolas, e fora delas influencia

diretamente no planejamento das atividades do CRA. O ano de 2007 iniciou-se repleto de

mudanças, tanto no espaço educacional como político. A coordenadora do CRA/CEF 18

(2006) resolveu acompanhar a instituição do BIA na cidade de Samambaia, a coordenadora

do BIA no CEF 18 foi para o NCP/DRET, e duas professoras desse núcleo, que

acompanharam o trabalho realizado pelo CRA/CEF 18 em 2006, ocuparam a coordenação dos

dois CRA, em Taguatinga. Portanto o planejamento do CRA/CEF 18 (2007) teve de ser

adaptado a todas essas mudanças. Ao elaborá-lo, a equipe pensou em dar continuidade ao que

havia sido considerado proveitoso nas avaliações dos professores que freqüentaram as

atividades propostas no ano anterior. Ao abordar esse tema durante a entrevista, Lúcia relatou

que:

As avaliações nos fizeram pensar na proposta a ser implantada nesse ano. Para o Projeto aproveitamos o que havíamos realizado com os coordenadores, no ano passado, e reformulamos. Ele era todo voltado para a ação dos coordenadores locais. Com toda essa problemática dos coordenadores na escola, tivemos que redimensionar para o professor. Nosso projeto está praticamente aprovado, já foi analisado, já foram feitas as observações, tivemos que mudar, acrescentar e, estamos aguardando. Também, partindo dessas avaliações, planejamos o curso: “Ressignificando a prática pedagógica à luz do pós-contrutivismo”.

O contexto social interferiu nas ações planejadas pelo CRA/CEF 18, inclusive no

planejamento do curso, antes promovido pela EAPE, ficou sob a responsabilidade do CRA.

Considerando a complexidade na qual estavam imersas, as coordenadoras dos dois CRA

estabeleceram parceria com uma professora membro do NMP/DRET. Essa equipe pretendeu

organizar uma educação continuada pautada na concepção que vem sendo defendida por

atores do campo educacional, concebendo como foco de suas atividades a própria escola.

Também propuseram que essa educação continuada deveria ter um olhar perspicaz e

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125

engenhoso para os docentes assim como deveria ser o olhar deles para com os estudantes,

firmando-se na intenção de que profissional almejavam formar, para que sociedade, assim

como esses profissionais deveriam lançar seu olhar para o cidadão que estão formando,

considerando a sociedade em que vivem. Dessa forma, arriscaram superar a lógica social,

rompendo com as concepções cristalizadas, com os princípios do trabalho docente

desenvolvido, conforme vislumbra Freitas (2005).

O curso planejado pelo CRA/CEF 18 considerou como um de seus princípios que o

professor vivenciasse em cada um dos encontros, situações que poderiam realizar em sua sala

de aula. Libâneo descreve em sua análise sobre a formação de professores, que:

Se quisermos que o professor trabalhe numa abordagem socioconstrutivista, e que planeje e promova na sala de aula situações em que o aluno estruture suas idéias, analise seus próprios processos de pensamento (acertos e erros), expresse seus pensamentos, resolva problemas, numa palavra, faça pensar, é necessário que seu processo de formação tenha essas características (2005: 71).

Nessa perspectiva, este curso considerou que fosse vivenciado em seus encontros o

processo reflexivo-crítico-criador, que para Ghedin resulta “de uma série de conflitos e

transgressões possibilitando a autonomia do humano que se desacomoda para romper e,

rompendo, percebe-se automaticamente ele próprio sujeito de sua história” (2003:148).

Para ser sujeito de sua história, professor e estudantes necessitam se emancipar. O que

para Ranciére (2002) depende dos princípios daquilo que vive. Para o autor que o que

embrutece ou emancipa não é o procedimento, a marcha, mas o princípio. Para ele esses

princípios podem emancipar ou embrutecer. Segundo o autor, para emancipar torna-se

fundamental que os caminhos sejam abertos aos sujeitos, “para toda aventura no país do

saber” (2002: 51), dessa forma, esses sujeitos tratam de ousar, aventurar, emancipar, mas caso

contrário os embrutecerá, pois o que os embrutece não é a falta de instrução, mas a crença na

inferioridade de sua inteligência, na desigualdade. O que, muitas vezes, a escola apregoa. A

escola passa a maioria do tempo a lhes mostrar o que não sabem, a classificar e medir o que

sabem. A promover competições ranckiando-os do mais ao menos inteligente. Provando-lhes

cada vez mais sua incapacidade, apontando suas diferenças como meras desigualdades,

enquanto deveria enfatizar o que já sabem e incitá-los a descobrir aquilo que ainda não sabem.

Poderia mostrar-lhes quanta capacidade têm de elaborar e reelaborar conhecimentos, de

aprender. Provar-lhes que as diferenças existem e podem conviver, complementando-se, pois

são essenciais para a sobrevivência de todos, apresentando-lhes uma reflexão crítica,

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reolhando os fatos evidenciados na história. Nesse aspecto, Resende comenta que “as

diferenças devem ser analisadas como produto da história, da ideologia e das relações de

poder e constituírem-se fato incontestável” (2006: 37). A autora enfatiza a necessidade da

escola “reestruturar-se e ressignificar os princípios do que sejam os processos do ensinar e do

aprender [...] a figura do professor, [...] seu papel”, para compreender a complexidade em que

foram se constituindo socialmente (ibid.: 38).

O CRA/CEF 18, no ano de 2007, ao organizar o curso, parece ter considerado esse

ponto de vista, pois oportunizou ao professor vivenciar no curso situações que poderiam

proporcionar às crianças, reconfigurando os princípios dos processos de ensinar e aprender. O

curso pretendeu entrecruzar a situação de ensinantes e aprendentes. Nessa condição,

necessitam de parceria para aprender, necessitam criar para resolver os problemas que

surgem, necessitam compreender as diversidades e as adversidades sociais nas quais estão

imersos.

A professora Lúcia, comentando sobre essa complexidade, apontou um dos princípios

que inspiraram o planejamento do curso:

Primeiro é a questão de colocar o professor no lugar do aluno, ter que escolher um colega para trabalhar que não seja o seu amigo, ter que ensinar uma coisa que sabe a um colega que não sabe. Levá-lo a estar na condição do seu aluno, para rever a postura que está tendo em sala e que às vezes não está favorecendo ao aluno aprender. [...] O trabalho será voltado para formação de grupos. Nós pensamos em colocar um número que dê para formar grupos, da mesma forma que o professor poderá agir na sua sala de aula.

Ela explicou que o curso foi organizado “pensando em atender o professor”, e, diante

do ocorrido no ano anterior em que foi determinado que todos os professores participassem do

curso, causando situações de resistência, a equipe do CRA/CEF 18 (2007) atentou para um

detalhe que considerou importante, transformando-o em um dos critérios para a participação

no curso. Lúcia comentou que o professor deveria “fazer o curso por desejo”. O outro

critério abarcou a necessidade de atender à maioria das escolas que ainda não tinha

coordenador, por isso “seria importante a escola ter um representante pedagógico”. Nesse

sentido, as vagas foram distribuídas, oportunizando a cada escola garantir a presença de um

deles, pois seria ele quem iria “viabilizar a formação do grupo de estudos nas escolas”, o que

foi considerado “fundamental para que o trabalho realmente fluísse”.

Lúcia acrescentou que “a questão do desejo tem a intenção de que o professor se

inscreva independentemente do tempo de serviço: seja ele mais antigo, mais velho, novato ou

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127

mesmo que tenha atuado, no ano passado, em turmas de 3ª ou 4ª série”.

Para consolidar as ações propostas em seu planejamento o CRA/CEF 18 começou a

concretizá-lo, iniciando o processo de inscrição para o curso. No entanto havia um número

limitado de vagas, uma vez que poderia atender a um certo número de cursistas, pois esse

curso seria de responsabilidade da equipe do CRA, conforme explicou Lúcia:

A parte de formação seria realizada pela EAPE e pelo CRA, no ano passado, isso aconteceu, era o ano de implantação. A EAPE ofereceu o curso “Alfabetizando no BIA” e o CRA entrou com a parte de oficinas, os atendimentos a todas as escolas a ele vinculadas, as visitas. Agora mudou a EAPE, em função das demandas das outras três Regionais que estão implantando o BIA, deixou os CRA de Ceilândia e Taguatinga com autonomia para planejar suas ações em relação à formação que promoverá aos professores.

Diante dessa realidade, Lúcia comentou que a equipe do CRA elaborou uma estratégia

para ministrar esse curso, pois contaria apenas com três professoras e teriam que atender aos

professores atuantes no BIA das 31 escolas de Taguatinga. Pensou então na possibilidade de

montar seis turmas, cada turma com trinta participantes, de forma que cada uma das

ministrantes atendesse a duas turmas. Realizadas as inscrições, foram montadas quatro turmas

com, aproximadamente, quarenta cursistas cada uma. Inicialmente o CRA Norte receberia

duas turmas de professores na terça feira, cada uma em um dos turnos, sob a responsabilidade

da professora Jane e ao CRA/CEF 18 coube as outras duas, na quinta feira, aos cuidados da

professora Meg. Após a junção dos CRA, mudou apenas o local do curso. Lúcia, Meg e Jane

se organizaram de forma que as três estariam sempre presentes nos encontros, uma auxiliando

o trabalho da outra.

Dentre as interlocutoras da pesquisa, somente a coordenadora pedagógica do BIA se

inscreveu para o curso, as outras priorizaram outras questões. Diante desse fato, fui impelida a

conversar com uma delas, explicando a necessidade de sua participação, uma vez que

contribuiria para o enriquecimento da pesquisa. Nesse momento, procurei analisar o contexto

por elas vivido. A professora Maria estava dedicando-se ao curso de Direito. A professora

Lara comentou durante a entrevista que, dentre os motivos pelos quais deixou de participar do

curso realizado no ano de 2006, destaca-se sua enfermidade; ela disse: “já estava adoecendo

no final do semestre. Muita coisa que aconteceu no ano passado foi apagada da minha

memória, parece que passou alguma coisa na minha cabeça e desmanchou, deletou”. Essa

situação a levou entrar de licença médica por um bom período. Então decidi pedir à

professora Suzi para participar do curso, junto comigo. Fui surpreendida pelo fato de que,

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128

assim como as outras duas interlocutoras, ela também tinha pouco tempo a cumprir para se

aposentar, mas poderia contribuir com a pesquisa.

Em meados do terceiro mês de aula, chegou a professora substituta para a turma

assumida pela provável coordenadora, indicada no início do ano para ocupar a função da

coordenação pedagógica do BIA no CEF 18. Ana assumiu o cargo abarrotada de atividades.

Havia atraso nos documentos com os avanços das crianças de uma etapa para outra; o Projeto

Interventivo precisava ser planejado; o Reagrupamento Interclasse ainda não havia sido

realizado nas etapas I e II; o curso do BIA tinha começado e ela continuaria dele participando;

o relatório do acompanhamento das avaliações diagnósticas precisava ser enviado para o

NMP/DRET. Com todas essas atribuições teria, ainda, que organizar os estudos para a

coordenação coletiva e o acompanhamento do trabalho de cada professor. Muitas outras

decisões precisavam ser tomadas e efetivadas.

Nesse emaranhado de situações havia que ser privilegiado aquilo que daria sustentação

ao trabalho docente que ela se propôs a realizar. Diante disso, Ana esclareceu:

Ainda não organizei o trabalho para a coordenação. No início do ano, tinha uma proposta que era trabalhar com o projeto “Saber cuidar”, lembra? Como eu fiquei muito tempo em sala de aula, têm outras coisas que são urgentes, a primeira é sobre os registros. Tem professor que chegou e não sabe, precisa ser orientado. Agora vem a questão do projeto interventivo. Meu direcionamento começará pela organização dos registros para acompanhamento das aprendizagens dos alunos, priorizando a alfabetização de todas as crianças.

Nesse ponto, houve consenso entre a proposta de trabalho que Ana pretendeu

desenvolver como coordenadora pedagógica e o proposto pelo curso. Lúcia comentou que o

acompanhamento das atividades seria processual, o que vinha ocorrendo desde o ano passado,

pois “tudo era repassado pelos coordenadores nas reuniões do fórum” e agora deveria ser

complementado com o trabalho desenvolvido no grupo de estudos, por meio do

“representante de cada escola, no curso”. Ele “poderá nos ajudar”, uma vez que não se

tinha coordenador em todas as escolas.

No quinto encontro do curso, foi proposto aos cursistas a organização do grupo de

estudo na escola, e para tanto cada representante de escola deveria trazer, no próximo

encontro, o relato de como ocorreu essa organização. O encaminhamento transcrito do quadro

orientava para “estruturar grupos de estudos na escola e trazer relatório; como viabilizá-los

– determinar um dia para o estudo e planejamento, pensando sobre sua turma. Pequenos

grupos, com no máximo seis professores” e propunha que se deveria “traçar metas: seis anos

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129

devem estar alfabetizados ao final do ano letivo”.

A intenção desse curso coaduna com o pensamento de Candau (2003) em considerar a

escola, como locus privilegiado de educação continuada, uma vez que procura assegurar a

organização de grupos de estudos em cada uma delas, com “a função de ajudar a organizar o

trabalho na escola, fazendo acompanhamento das turmas”, conforme explicou Lúcia.

3.4. Grupo de Estudo e a ressignificação da coordenação pedagógica

Houve um burburinho no grupo, cada um expressando a ansiedade para organizar o

tempo/espaço da coordenação pedagógica, que vem sendo desarticulado de suas funções,

conforme o cenário descrito anteriormente. As mudanças realizadas pela secretária de

educação, referindo-se aos artigos 19 e 20 da Portaria 30/2007/SEEDF que definiam a forma

de utilização das quinze horas destinadas à coordenação, exigindo a substituição, afetavam a

organização desses grupos de estudo. Os professores comentaram que a substituição

provocava situações complicadas. O comentário de uma professora esclareceu essa

complicação: “a diretora deixou claro, se a professora tiver que substituir no dia do curso do

BIA, ela manda uma declaração, mas a substituição não pode deixar de ocorrer”.

Certamente a participação em cursos de educação continuada, deveria ser priorizada pela

escola, já que pode possibilitar a apropriação de referenciais e contribuir para a melhoria da

qualidade do trabalho docente, além de que está prevista na Proposta Pedagógica (2006) como

um dos princípios do BIA. Se até a presença no curso podia ser justificada, certamente havia

pouco interesse na participação desse professor no grupo de estudo.

A imposição da substituição provocou desassossego. Mediante os imprevistos

provocados pelas eventuais substituições, a rotina da coordenação pedagógica ficaria

desestruturada, pois nesse tempo teria o professor que substituir, planejar, preparar materiais,

participar do curso e ministrar a aula do reforço. Como a substituição ocorre de forma

imprevisível, não há como se organizar entre essas atividades, que podem ser alteradas e até

mesmo excluídas do momento da coordenação, dependendo da eventualidade da necessidade

de substituir.

Outras situações impedem que a conquista do espaço/tempo da coordenação

pedagógica seja utilizada, priorizando o foco das atividades que envolvem o trabalho docente.

A questão da substituição tem provocado ações incoerentes com o desenvolvimento de tais

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130

atividades. Diante da resistência dos professores em substituir, em algumas escolas, são

realizadas “negociações” para compensar esse ato – o professor substitui uma turma e em

compensação “ganha” uma folga, conforme relatou uma professora, durante o encontro do

curso. Ela disse que não teria como pegar um material para a colega porque “hoje à tarde não

vou à escola, estou de folga, ontem substituí a professora da etapa I”. Quando isso acontece o

professor, conseqüentemente, fica impossibilitado de participar das atividades realizadas em

dois dias da coordenação pedagógica – no dia que substituiu e no dia que ficou de folga.

Além disso, são várias as situações em que alguma atividade importante para o

trabalho docente deixa de ser realizada em detrimento de outras. Quando a escola se envolve

com a realização de uma festa, todas as atividades se voltam para esse tema. Os professores

precisam se dedicar à organização da festa, ensaiar apresentações artísticas com as crianças

para motivar os pais a comparecerem à escola. A participação dos pais na festa promovida

pela instituição possibilita a arrecadação de fundos, que contribui para atender às necessidades

da escola. A verba arrecadada é utilizada para comprar material didático, para realizar reparos

na construção e até mesmo, para oportunizar às crianças atividades diferentes em

comemoração ao seu dia. Na semana em que ocorrere a festa, as atividades docentes ganham

outro tom. O estudo poderia enfocar o significado da realização dessa atividade para as

crianças, o que elas podem aprender com esse evento, mas mediante o acúmulo de atividades

não dá tempo para parar e refletir.

As demandas administrativas, por vezes, sobrepõem às pedagógicas, mas são sempre

questões urgentes e requerem a participação dos professores da escola. Fato que ocorreu na

coordenação coletiva que foi dedicada à elaboração do Caderno de Propostas para 2008. Para

que houvesse a participação de todos os professores, esta atividade foi realizada neste

espaço/tempo, juntos foram discutindo e sugerindo propostas para cada um dos itens do

caderno, o que tomou todo o tempo, impossibilitando a realização do estudo programado.

Assim como esta situação, outras que necessitam da participação de toda a equipe da escola

acabam por sobrepor ao estudo que deveria ser realizado nesse dia.

Dessa forma, várias situações prejudicaram a organização dos grupos de estudos nas

escolas, pois a freqüência nele não podia ser garantida, diante da possibilidade do professor

substituir a um colega, ou mesmo estar ausente da escola - de folga, naquele dia. Agravou-se

mais a situação, pois algumas escolas permaneceriam, ainda, sem o coordenador pedagógico.

A incerteza e inconstância na participação dos professores nas atividades propostas para os

momentos de coordenação aumentaram a angústia e indignação de, dessa forma, vivenciarem

a perda das boas condições da conquista do tempo/espaço da coordenação. A substituição,

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131

dentre outros inconvenientes, certamente dificultou e impossibilitou a participação nas

atividades realizadas nesse espaço/tempo.

O grupo de professores do CEF 18, ao apresentar sugestões para o item Força de

Trabalho (recursos pessoais) do Caderno de Propostas para 2008/SEEDF, sugeriu uma

solução para o problema, evitando as substituições: “contratação de profissionais para

substituir licenças médicas de curto período”. Esse assunto há algum tempo incomoda a

categoria docente, uma vez que dessa forma, a substituição fica sob a responsabilidade de

cada escola. Antes a SEEDF providenciava professor substituto quando o atestado médico

ultrapassava a 10 dias, e a realidade da substituição aconteceu, apenas, nas Escolas de

Aplicação e Demonstração.

Naquele tempo, essas escolas adotaram uma escala de substituição, de modo que os

atestados com tempo inferior a 10 dias eram cobertos pelos professores que se encontravam

no horário de coordenação. A categoria tinha uma folga no mês, chamada de “folga de

banco”, ou seja, na semana do pagamento o professor tinha direito a uma folga. Como nas

Escolas de Aplicação e Demonstração os professores substituíam colegas que se encontravam

ausentes, essa folga, nessas escolas, passou a ser semanal, como compensação pela

substituição. Nas outras escolas as crianças eram dispensadas. Quando o CEF 18 deixou de

ser Escola de Aplicação, a medida adotada para resolver a situação foi assim encaminhada,

quando a direção era comunicada que um professor estava de licença, telefonava para a casa

dos alunos avisando que não haveria aula naquele período. Essa medida ainda vem sendo

adotada nessa e em outras escolas da rede pública.

Todavia a substituição vem acontecendo nas escolas de maneira diferenciada. Em

umas foram “negociadas” as folgas, em outras, cuja direção cumpriu fielmente as orientações

da SEEDF, estavam “virando uma panela de pressão que a qualquer hora vai explodir”.

Esses foram os comentários da coordenadora de uma escola. Essa professora comentou que,

em sua escola, a situação estava ficando incontrolável, dizendo que “está ficando difícil

reunir todo o grupo” e acrescentou “o clima entre as professoras está ficando complicado.

Basta uma professora pegar atestado e já ficam olhando de cara feia para ela, pois algumas

professoras trabalham doentes para não ‘sacrificar’ as colegas”. E concluiu: “Vai chegar

uma hora em que não vai dar para suportar a situação e...”. Essa situação tem provocado

uma “guerra” entre os professores de uma mesma escola.

O direito de apresentar atestado médico é lícito. Às vezes fica difícil coadunar os

horários entre as atividades docentes e o tratamento médico – que, em alguns casos poderiam

ser realizado no período das férias, dos recessos e esporadicamente da coordenação

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pedagógica, entretanto torna-se imprescindível privilegiar o trabalho com as crianças. Uma

eventualidade, certamente ocorrerá, mas há que se firmar no compromisso social com a

educação, no respeito ao direito das crianças de estar na escola e, aprendendo.

Outra situação que demonstrou os inconvenientes da substituição foi apresentada por

uma cursista. Ela comentou que tinha um problema familiar, necessitando de um atestado

médico, no entanto, diante da situação vivenciada naquele dia pela escola, não o fez, mas

necessitaria que alguém a substituísse por alguns instantes. Como não havia ninguém para

ficar em sua turma, ela pediu à sua filha para ficar na sua turma. A cursista concluiu “mas ela

não tem formação nenhuma, apenas sempre me vê preparando as atividades”.

Se por um lado há inconvenientes provocados pela substituição, por outro, há um

impasse em relação ao atendimento as crianças quando não têm aula. Fundamental é respeitar

os direitos dos professores, mas também resguardar os das crianças. Não é adequado que as

crianças fiquem na escola sob os “cuidados” de pessoas que não sejam profissionais docentes,

quer seja com porteiras, merendeiras ou filhos de professores. Uma solução foi apontada pela

equipe de professores do CEF 18. A SEEDF poderia manter um banco de professores, talvez

em cada Regional de Ensino, talvez na própria Secretaria com o objetivo de suprir essas

pequenas carências, mas para isso necessita de boa vontade política, de investimentos

priorizando a educação. Também poderia, quem sabe, firmar convênio com as instituições que

têm cursos de Pedagogia, de forma que elas organizariam um banco de reserva com

estagiários, para que pudessem suprir as carências das escolas em seus arredores. Outras

sugestões poderiam vir à tona caso fosse dedicado maior espaço para a discussão profissional

sobre esse assunto.

Cada escola, vencendo as dificuldades impostas pelo sistema e mediante os

imprevistos cotidianos, buscou meios para organizar os grupos de estudo, garantindo o

acompanhamento do trabalho realizado, concretizando um dos objetivos propostos pela

educação continuada promovida pelo CRA/CEF 18 (2007).

No CEF 18, as reuniões do grupo de estudo aconteceram às quartas-feiras, no dia

reservado para a coordenação coletiva. No momento a professora Ana aproveitava para

discutir assuntos que poderiam oportunizar o contato dos professores com referenciais para

organizar o trabalho docente que desenvolvem. Apresentava também, os gráficos com os

resultados das avaliações realizadas, em cada turma e do coletivo da escola, envolvendo todas

as turmas do BIA, analisando os resultados do trabalho desenvolvido no cotidiano da sala de

aula e nas ações dos projetos desenvolvidos. A partir dessa análise eram organizados os

planejamentos para o Reagrupamento Interclasse, para o Projeto Interventivo e sugestões para

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133

atividades para sala de aula. Quanto a esse assunto, Ana comentou que as “atividades devem

ser bem direcionadas”, fomentando a reflexão coletiva sobre as questões apresentadas.

O CRA/CEF 18, como espaço de fomento da prática reflexiva, pretendeu levá-la para

a escola, ressignificando o espaço da coordenação pedagógica, em consonância com as

proposições concebidas para os cursos de educação continuada, por diversos autores e

conforme previsto na Proposta Pedagógica (2006). Esta proposta indica que a “concepção de

formação defendida no BIA implica, dentre outros fatores, na otimização dos espaços e

tempos destinados à coordenação pedagógica”, possibilitando a “construção coletiva de trocas

de experiências e de vivências significativas para o aprimoramento do fazer pedagógico”

(ibid.: 17).

A coordenadora pedagógica do BIA, no CEF 18, buscou tornar o espaço/tempo da

coordenação pedagógica realizada na própria escola um momento de construção coletiva.

Para organizar o trabalho diário, seria necessária a compreensão dos níveis psicogenéticos.

Pensando em viabilizar o entendimento sobre as características de cada nível, a coordenação

oportunizou a discussão sobre elas, entre os professores, conforme o planejamento da

coordenação coletiva (2007). Ana comentou a complexidade que envolve o trabalho coletivo,

dizendo “no trabalho coletivo você precisa aceitar o outro, as idéias dele, porque a

prioridade é o aluno. Todos vão acompanhar o trabalho com as crianças, vão dar opinião,

por isso é preciso entender o que cada um está falando”. Logo após discutiram as

características de cada nível, expostas em um cartaz. Ana destacou a importância de se

reconhecer essas peculiaridades, comentando: “identificar o nível do aluno é importante para

saber que atividade propor a ele. É uma coisa difícil, mas necessária. A gente precisa ter

muito cuidado para avaliar um aluno, para depois não dizer que ele retrocedeu”. Aproveitou

esse momento para distribuir a ficha de acompanhamento, uma para cada professora. Disse

que ela também as teria, para o acompanhamento do trabalho de todas as turmas. Ana

comentou “essa ficha vai nos auxiliar a organizar os planejamentos”. Após realizarem as

avaliações diagnósticas, os professores repassavam os dados para que Ana pudesse organizar

as coletivas de posse dessas informações e, também, as repassasse no curso e para o

NMP/DRET.

Algumas professoras solicitaram a ajuda da coordenadora para preencherem a ficha.

Justificaram que a análise das avaliações demanda a compreensão das características de cada

um dos níveis, algo que estava sendo elaborado por elas. Uma das professoras que solicitou

essa ajuda foi a professora Suzi. Ana organizou um esquema para realizar essa ajuda, pois

sentia necessidade de estar de posse dos resultados o mais rápido possível. Junto com a

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diretora da escola, viabilizou professores para acompanhar as crianças na realização de

atividades enquanto analisavam as avaliações. Caso essas análises fossem realizadas somente

no horário de coordenação, demandaria muito tempo, pois cada turma necessita, praticamente,

das três horas para concluí-la.

Uma outra situação organizada pela professora Ana que oportunizou a reflexão

coletiva dos professores foi a discussão sobre o Projeto Interventivo e o Reagrupamento

Interclasse. Após a discussão desses assuntos, realizada no Fórum de Coordenadores e no

curso, a professora Ana programou um estudo58, abordando a cada dia um tema, de modo que

os professores construíram, conjuntamente, o planejamento dessas atividades.

Para organizar o Reagrupamento Interclasse, a professora Ana pediu antecipadamente

para agilizarem o resultado da avaliação diagnóstica. De posse dos dados, Ana os classificou

de acordo com os níveis psicogenéticos. Ana iniciou abordando a reflexão sobre a

necessidade de um tempo para aprender, destacando que há “tempos importantes na

aprendizagem, por isso a necessidade do acolhimento e da ruptura”. Associou o acolhimento

à função materna e a ruptura à função paterna, justificando o conceito de cada termo a partir

de uma reunião sobre educação de filhos da qual participou, em que o palestrante

metaforicamente, comentou:

se a criança tivesse só pai, ela morreria antes dos quatorze anos e se tivesse mãe não faria nada na vida. O pai empurra o filho, deixa-o ir para ver como são as coisas. A mãe não, ela diz que ele vai se machucar, ele não dá conta, cuidado. A mãe dá segurança, acolhe, enquanto o pai empurra-o, rompe. A mãe ao segurar o filho, vira o para si, protegendo-o, o pai vira-o para o mundo, apresentando o mundo para a criança e a criança para o mundo.

Nesse sentido, o acolhimento refere-se às atividades que a criança consegue realizar

sozinha, que ela sabe fazer, que vai ao encontro das hipóteses que tem a respeito da leitura e

da escrita, e a ruptura são atividades que a desafiam, que colocam em cheque suas hipóteses.

Ana complementou, destacando a importância das atividades planejadas para esse

reagrupamento serem sempre de ruptura, pois são elas que oportunizam o avanço das crianças

nas aprendizagens. Comentou situações ocorridas com algumas crianças na escola e a

importância do acompanhamento e da compreensão de como a criança aprende.

O conhecimento das especificidades de cada uma das etapas do processo de aquisição

da leitura e da escrita tornou-se fundamental para organização das atividades a serem

realizadas para alfabetizar. Inconcebível alfabetizar desconhecendo esse processo. A

58 Estudo organizado pela coordenadora no BIA no CE 18, realizado no dia 23 de maio de 2007.

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professora Maria complementou esse pensamento dizendo “depois que compreendi como as

crianças aprendem, depois que comecei a perceber isso na escrita das crianças, foi muito

mais tranqüilo alfabetizar”.

A professora Ana apresentou os dados da avaliação diagnóstica, e partindo deles foi

possível determinar a quantidade de turmas e de docentes. As crianças foram agrupadas,

inicialmente, de acordo com o número de professoras, mas a professora Maria interpelou e

disse que “dessa forma o objetivo não será atingido, tem turma grande demais”. As

professoras tiveram que repensar a avaliação de algumas crianças e remanejá-las, Mas surgiu

outro problema, o número de turmas superou a quantidade de professoras. A coordenadora

assumiu uma das turmas e diante do impasse de não encontrarem uma professora para ajudá-

las, resolvi me oferecer para ficar com a outra turma, enquanto estaria pesquisando na escola.

Logo em seguida, o planejamento foi elaborado a partir da experiência construída pelo grupo,

por ocasião do Projeto da Escola Candanga e no ano passado. Inclusive as professoras da

etapa III já estavam realizando o reagrupamento. Foi a solução encontrada mediante a

realidade de que dentre as cento e cinco crianças matriculadas na etapa III, um total de 19

necessitavam ser alfabetizadas e sugeriram a possibilidade de juntá-las, para que uma das

professoras pudesse desenvolver um trabalho mais direcionado, priorizando situações

didáticas para alfabetização. A professora Lara comentou que para vencer esta defasagem

reagrupar “uma vez por semana, uma vez só não dá não!”. No início do reagrupamento entre

essas turmas a professora alertou “nós da terceira etapa estamos fazendo reagrupamento sim

[...]. Nós vamos fazer uma observação, nós vamos dar mais um tempo e ver se está surtindo

efeito. Caso contrário, nós vamos voltar cada uma para a sua turma e pronto”.

Ao final do estudo a coordenadora relatou como ficou o cenário para a realização do

reagrupamento, iniciando com uma atividade coletiva e o modo como organizariam as turmas.

Partindo dos esquemas de pensamento de cada um dos níveis psicogenéticos descritos em um

cartaz, resultado dos estudos anteriores, o grupo planejou as atividades para cada turma,

considerando as características peculiares a cada uma. Definiram que seria realizado,

envolvendo as três etapas. Como de costume, ao final do estudo, recolheu a assinatura dos

professores, juntamente com uma avaliação escrita. Tudo registrado na própria pauta,

colecionada por ela, naquele caderno confeccionado durante o estudo sobre Registros. Ana

transformou esse caderno no meio de acompanhar o trabalho realizado nas turmas do BIA no

CEF 18.

As avaliações das atividades planejadas para o Reagrupamento Interclasse ocorreram

logo após a realização de cada uma delas. As professoras avaliaram o tempo e a eficiência das

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atividades. A professora Lara disse que “com relação ao tempo, depende da atividade, essa

semana o tempo foi bom”. A professora Suzi complementou, dizendo que “a atividade foi

ótima”. A professora Maria lembrou que teve uma atividade que “não ia alcançar o objetivo

proposto que era fazer o aluno pensar”, mas de modo geral as atividades propostas no

reagrupamento interclasse estavam tendo um “retorno muito bom para o meu trabalho”. Suzi

alertou que algumas crianças que estavam na sua turma “não pertenciam àquele grupo mais”,

no entanto o grupo decidiu que as crianças seriam reagrupadas após a realização da avaliação

diagnóstica, programada para o início de agosto. Lara informou que “com os nossos alunos

da etapa III, nós vamos fazer a avaliação diagnóstica já na semana que vem”.

A organização do Projeto Interventivo também envolveu a construção coletiva. Houve

uma primeira discussão, durante a reunião do grupo de estudos, em que o Projeto Interventivo

foi esquematizado. A execução desse projeto envolveu duas professoras da Sala de Recursos,

duas professoras da Equipe de Apoio, a coordenadora pedagógica e eu, como colaboradora. A

professora Ana organizou uma escala para o atendimento às crianças. Os planejamentos foram

realizados com a colaboração de toda a equipe que, em duplas, os realizava com as crianças

da etapa III. Em meados de julho algumas crianças apresentavam visíveis avanços e os

comemoravam. Uma delas, exultante de alegria, comentou “agora eu já sei ler, não preciso

mais vir pra cá”, dizendo que sua professora havia lhe dito que aquela seria sua última aula

no projeto. A coordenadora acompanhava o progresso de todas as crianças e os analisava

acompanhadas pelas outras professoras. Ao analisar uma das atividades realizadas, ela

comentou: “ele conseguiu, realmente conseguiu” e complementou “olha a capacidade de

síntese dele. Quando eles conseguem vão embora, mas ele vai continuar mais um pouco”. As

professoras, analisando as atividades, avaliaram as crianças, percebendo os avanços de cada

uma, tornando o momento da coordenação pedagógica, um espaço para reflexão coletiva

sobre o que se faz.

O acompanhamento do trabalho docente dos professores, desenvolvido no CEF 18,

assim como o do CRA/CEF 18 (2006, 2007), trouxe uma nova visão do apoio dado ao

docente que, em outros tempos, foi considerado um espaço para demonstração de aula ou

possibilitou-lhes liberdade de ação e não lhes ofereceu subsídios para reflexão, e assim o

docente perdeu o rumo, apesar de se esforçar para acompanhar essas mudanças. Além de se

perder em meio a mudanças propostas, outro entrave que impediu e continua impedindo

avanços na área da educação são as interrupções das propostas, os modismos, as discussões

superficiais sobre teorias, com a supervalorização de uma delas, desprezando as demais.

A intenção do CRA/CEF 18, conforme explícito nos planejamentos de suas atividades

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(2006, 2007), envolveu a participação dos professores em discussões sobre o trabalho que

desenvolvem cotidianamente. Pretendendo permitir-lhes conhecer diferentes referenciais que

lhes possibilitassem compreender onde e em que esta ou aquela teoria poderia colaborar com

os princípios do trabalho que desejavam desenvolver.

Para realizar o entrelaçamento entre o trabalho realizado pelos professores e as

atividades propostas no curso foi pedido aos representantes pedagógicos e/ou coordenadores

dos grupos de estudo de cada escola, ao final do semestre, um relatório sobre a constituição

desse grupo. Meg comentou sobre os pontos que deveriam conter:

Vocês estão caminhando para a constituição dos grupos de estudos na escola. Tem escola que conseguiu se organizar, outras estão com sérias dificuldades. Os coordenadores que conseguiram organizar os grupos vão relatar como ocorreu essa organização, o que tem acontecido, quantas reuniões foram realizadas, qual o dia da semana e qual o tempo em que se reúnem, quantos professores participam, e uma análise disso. Quem não está conseguindo vai relatar o que tem impedido essa organização, o que tem feito para conseguir, em que está precisando de apoio. Será um relatório para cada grupo, conforme a ficha de funcionamento do grupo de estudos entregue no início.

Ela aproveitou o momento para relembrar que os dados sobre a aula-entrevista

também deveriam ser entregues pelos coordenadores dos grupos de estudo, pois auxiliam na

organização do planejamento das atividades a serem propostas no curso. Comentou que “a

aula entrevista deve ser realizada por bimestre. Nós organizamos os gráficos de cada escola,

a partir deles será possível analisar como estão as turmas do BIA. Nós vamos fazer o

mapeamento de cada escola, da primeira até a última avaliação, para dar um panorama

geral do trabalho realizado”.

Meg acrescentou:

Cada professor vai acompanhar o andamento de sua turma, considerando os gráficos da avaliação diagnóstica e da freqüência. Vão observar como está o andamento da turma em relação à realização da “Merenda Pedagógica”, das atividades individuais, em pequenos grupos e no grande grupo. Vão enviar o primeiro e o segundo gráficos, com uma análise deles. Quando forem registrar o nome das crianças no segundo gráfico, seria bom fazer uma legenda, colocando o nome das crianças que avançaram de uma cor, e as que permanecem no mesmo nível, de outra para facilitar a análise. Seria bom confrontar o gráfico de freqüência com o dos níveis.

A professora Ana, analisando os dados descritos no relatório do grupo de estudos do

CEF 18, comemorava entusiasmada:

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Olha só, como está o gráfico da nossa escola! Ainda tem um pouco de alunos não-alfabetizados [dez alunos da etapa I], uma turma que a professora entrou de licença maternidade, ficou sem professora e agora chegou a substituta. Mas veja como aumentou essa parte [mostrando os alunos alfabetizados, que praticamente triplicou].

O acompanhamento do trabalho docente realizado pela professora Ana forneceu

elementos para a elaboração do relatório individual de cada criança, e o mais importante, tem

servido de instrumento para organizar o trabalho docente realizado nas três etapas do BIA.

A equipe do CRA/CEF 18 buscou suscitar o acompanhamento do trabalho realizado,

entrelaçando as atividades propostas, e superando o não-desejo dos professores de participar

das situações de educação continuada, pois um dos critérios para participar do curso era o

desejo.

As diferentes estratégias, organizadas pela equipe do CRA/CEF 18 para o

acompanhamento do trabalho realizado em cada escola, permitiram que todas as escolas

pudessem ter contato com a educação continuada proposta por ele. Caso a escola não tivesse

um representante pedagógico participando do curso, haveria a possibilidade da participação

no fórum e, ainda, poderia ser contemplada pelas “visitas periódicas e atendimento no

NCP/escolas, quando solicitado”, de acordo com o descrito no Plano de Ação (2007). Numa

conversa, Lúcia comentou que “a participação do coordenador pedagógico no fórum tem

vínculo com a DRET, que observa a presença das escolas em cada encontro e, caso seja

necessário, as coordenadoras do NMP podem intervir, questionando à escola o motivo de sua

não participação”, o que, de certa forma, possibilita que todas as escolas participem das

situação de educação continuada propostas por esse CRA.

A questão do não-desejo de participar de situações de educação continuada, ronda os

espaços escolares. Muitas vezes os professores associam o que lhes está sendo proposto a

outras experiências e se esquivam de participar. A fala de alguns cursistas transparece essa

idéia, quando comentaram “a Mariana desistiu do curso. Ela disse que tudo era igual ao ano

passado, então não quis mais continuar”. Nesse momento, questionei o que tinha de igual, e

ela respondeu “as idéias, a gente viu tudo isso nas oficinas realizadas no ano passado”. Isso

demonstra que as discussões sobre o trabalho que realiza deixam de ser prioridade, pois na

maioria das vezes, o que os professores buscam nos cursos de educação continuada são

receitas diferentes para aplicar. No entanto, esse curso priorizou discussões coletivas sobre o

que se faz, pautando numa determinada perspectiva, que de uma forma ou de outra

possibilitou ao professor analisar suas ações.

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Para o CRA/CEF 18 tornou-se imprescindível promover momentos de reelaboração e

reflexão coletiva, referendando os dizeres de Zeichner de que “o importante é o tipo de

reflexão que queremos incentivar nos nossos programas de formação de professores [...]”

(1993: 50), ou seja, uma reflexão crítica e participativa. Nesse sentido, por meio das ações

criadas pelo CRA/CEF 18 para acompanhar o trabalho realizado, os professores puderam

apoiar-se na prática reflexiva, destacada por Zeichner (ibid.). Para este autor, a reflexão, como

prática social, só pode se realizar no coletivo, mediante a transformação das escolas em

comunidades de aprendizagens, num mútuo apoio.

As atividades organizadas pela equipe do CRA/CEF 18 (2006, 2007) buscaram apoiar

o trabalho docente realizado pelos professores e subsidiar a reflexão coletiva, instigando-os a

refletir sobre o que fazem, investigando e problematizando os resultados obtidos, também lhes

ofereceu suporte teórico, incentivando-os a pesquisar sua própria prática. Mediante essas

ações, pretendeu desenvolver esta cultura no cotidiano das coordenações pedagógicas,

despertando nos professores o interesse em investigar as questões que ocorrem no cotidiano

de sua sala de aula, bem como de sua escola. Freire diz que “não há ensino sem pesquisa e

pesquisa sem ensino”, porque “faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca,

a pesquisa” (1996: 29). Portanto é importante que “em sua formação permanente, o professor

se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador”. Essa pesquisa exige uma

reflexão crítica, o que Freire chama de “curiosidade epistemológica”.

A curiosidade ingênua, de que resulta indiscutivelmente um certo saber, não importa que metodicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso comum. O saber de pura experiência feito. Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a consciência crítica do educando cuja "promoção" da ingenuidade não se faz automaticamente (ibid.).

Para pautar-se nessa reflexão crítica, o professor precisa imbuir-se de referenciais

relacionados à essência daquilo que o inquieta e assim olhar para a situação e analisá-la, no

ponto de vista de Freire (ibid.), constatando, intervindo, reprocurando, conhecendo e

comunicando o que descobriu ou redescobriu.

O acompanhamento do trabalho docente realizado pelo CRA/CEF 18 desencadeou um

acompanhamento sistematizado do trabalho desenvolvido pelos professores em sua sala de

aula. Ao propor a organização dos grupos de estudo no espaço/tempo da coordenação

pedagógica, em cada escola, mantendo o contato com um coordenador ou representante

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140

pedagógico para acompanhar o trabalho realizado, o CRA/CEF 18 suscitou a sistematização

do acompanhamento do trabalho de cada um dos professores participantes ou não do curso.

A professora Maria declarou que esse é o tipo de acompanhamento, que na visão dela,

conduz ao “caminho certo”, porque oportuniza a “reflexão crítica sobre o processo de

alfabetização”. Uma reflexão que possibilita ao professor se auto-avaliar como profissional,

conforme deseja a professora Ana. Ela almeja que, nos cursos de educação continuada, os

professores vivenciem situações que lhes permitam se auto-avaliarem como profissionais.

As discussões no grupo de estudo, com análise de dados de cada turma, bem como do

todo da escola, permitiram a cada professor avaliar o trabalho que realizou. Referindo-se à

avaliação, a professora Suzi comentou que, além dessa análise, ela e a parceira de trabalho

procuram conversar e repensar as ações. Ela disse: “eu e a Paula estamos sempre procurando

avaliar nosso trabalho, para ver o que estamos fazendo, às vezes até descobrimos um outro

caminho melhor para trabalhar. Essa avaliação tem que ser contínua”, dizendo que

procuram se avaliar durante a organização dos planejamentos diários. A professora Lara

complementou “a gente avalia os resultados o tempo todo”. O olhar crítico-reflexivo para as

ações que realizam possibilitou a auto-avaliação, bem como a avaliação do trabalho coletivo

que a escola desenvolveu.

Infelizmente, nem todas as discussões, desencadeadas nos grupos de estudo,

oportunizam o repensar das práticas do professor. Uma situação relatada, no curso por uma

representante pedagógica de uma escola, evidenciou essa lacuna nos grupos de estudo, no

sistema de educação. Na escola em que trabalhava, havia uma professora de uma turma de

etapa III, que em meados de agosto tinha, ainda, crianças não-alfabetizadas e ela se negava a

realizar o trabalho proposto coletivamente. Vendo o resultado de seu trabalho espelhado nos

gráficos expostos na discussão do grupo de estudo, sentiu-se tão incomodada que permutou de

escola outra professora. No entanto nessa escola, continua havendo problemas com os pais

das crianças que cobram um trabalho efetivo que oportunize o avanço nas aprendizagens,

como vinha ocorrendo com a professora anterior. Também o grupo de estudo tem propiciado

uma discussão crítico-reflexiva que tem despertado nela a vontade de sair daquela escola.

Caso todas as escolas contassem com essa sistemática de acompanhamento do trabalho de

cada professor, certamente algo teria que ser mudado, ou o trabalho que realiza na

alfabetização ou, quem sabe, optar por outra série. Caso não haja essa reflexão, outras

crianças estarão condenadas à internalização da exclusão, a continuarem marginalizadas,

vítimas da violência da não-aprendizagem.

A professora Lúcia comentou como se sente amarrada pelo sistema mediante essa

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141

situação. Ela disse “a gestão da escola, desde o início do ano, pode apresentar aos auxiliares

da educação suas funções, pode também discutir com os professores as funções do

coordenador pedagógico, descritas na portaria, mas quanto ao professor, em lugar algum

está definida sua função”.

A lei diz que a educação é um dever do estado e um direito do cidadão, mas não diz

que é dever do professor consolidar essa educação. O sindicato da categoria defende os

professores, e os direitos dos estudantes quem os defende, senão o professor? Lúcia concluiu

dizendo “o grupo de estudos, com este acompanhamento pode mudar essa realidade”.

Somente o comprometimento profissional de cada professor com sua função social

pode assegurar o direito do aluno, e o coletivo da escola, incluindo a gestão, deve por ele se

responsabilizar. Sabendo que, independentemente da situação, é preciso “demonstrar que é

possível mudar”, transgredir, intervir, romper, transformando uma realidade, nos termos de

Freire (1996: 112). Mas para o professor provocar tais mudanças, torna-se fundante

compreender-se como ser inacabado, que vive num “espaço pedagógico [que] é um texto para

ser ‘lido’, interpretado, ‘escrito’ e ‘reescrito’” (ibid.: 97). Uma elaboração que exige uma

articulação rizomática entre os diversos saberes do professor, num processo crítico-reflexivo

que deve ser disseminado pela educação continuada.

3.5. A articulação rizomática entre os saberes

A educação continuada proposta aos professores pelo CRA/CEF 18 (2006, 2007)

buscou compreender que a realização do trabalho docente envolve uma articulação rizomática

entre os saberes elaborados pelos professores. Tardif (2002) aponta que a educação

continuada de professores deve oportunizar uma nova visão desses saberes, relacionando-os

ao trabalho docente. Para ele o saber docente envolve a articulação de outros saberes: os

saberes disciplinares, curriculares e experenciais que por sua vez estabelecem relações com a

totalidade de situações nas quais encontram-se inseridos. Por algum tempo, o paradigma que

predominou na educação era o de que o professor era o detentor do saber e os estudantes

“tábulas rasas”, e a educação continuada privilegiava o treinamento, conforme aborda Marin

(1995). Para a autora, o treinamento representa um conceito mecânico, com a intenção de

modelar, padronizar, o que se torna restrito para designar as ações desencadeadas pela

educação continuada, uma vez que esse processo transcende tais ações.

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A esse respeito Marin comenta:

Penso que, em se tratando dos profissionais da educação, há inadequação em pensarmos o processo de educação continuada como treinamento quando desencadearam apenas ações com finalidades meramente mecânicas. Tais inadequações são tanto maiores quanto mais as ações forem distantes das manifestações inteligentes, pois não estamos de modo geral, meramente modelando comportamentos ou esperando reações padronizadas, estamos educando pessoas, que exercem funções pautadas no uso da inteligência e nunca apenas pelo uso de seus olhos, seus passos e seus gestos (1995: 15).

Entendido de tal forma, caberia ao docente receber treinamento, sendo condicionado a

realizar algumas práticas para transmitir seus conhecimentos, o que lhe era pré-determinado.

Importava-lhe o domínio dos conteúdos de sua disciplina. A fragmentação dos conteúdos era

visivelmente identificada.

Tardif (op. cit) alerta que, mediante as mudanças sociais, a escola também muda,

exigindo dos professores mais do que conhecimentos disciplinares. Não basta dominar os

conteúdos de sua disciplina, pois outros saberes lhe serão exigidos. Postura adotada durante o

curso (2007), as oficinas e palestras organizadas pelo CRA/CEF 18 ao questionar, dentre

outros temas, o uso da avaliação diagnóstica para alfabetizadores, o trabalho com a educação

matemática e ciências, a necessidade de desnaturalizar o olhar mediante as questões que lhes

são apresentadas. Houve confronto de idéias, pois a teoria da qual essas professoras

dispunham estava sendo articuladas a outras idéias, advindas da continuidade nas pesquisas e

com outros olhares. Situação revelada pelos comentários feitos pela professora Suzi, ao

adentrar sua sala de aula. Suzi comentou que o texto de Madalena Freire, “A avaliação é um

ato de refletir sobre a sua própria aprendizagem”, distribuído no curso, no dia anterior, para

suscitar a discussão sobre a avaliação do primeiro semestre, apresentou o modo como ela

estava se sentindo ao deparar-se com as novas teorias sobre aprendizagem. O texto fala sobre

o processo de reflexão:

[...] ou o professor assume sua condição reflexão de seu processo de formação como algo que está sendo parido por ele mesmo e que, por isso trará dores de parto também, sem os fantasmas teóricos lhe paralisando a ação ou então ele pode se considerar ‘formado’, morto na sua criação, morto na sua curiosidade, morto na sua reflexão, morto na sua paixão, morto na sua capacidade de seduzir o outro para a opção do prazer em assumir sua formação (grifo meu).

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Suzi comentou: “o texto disse direitinho o que tenho sentido”, realmente são “as

dores do parto”. E acrescentou “foi assim que me senti quando comecei a compreender as

características dos níveis da psicogênese para os alunos alfabetizados”.

A longa experiência da professora Suzi com a alfabetização demonstra a elaboração de

muitos referenciais constituídos na articulação entre os diferentes saberes e confirma a

importância da educação continuada. Segundo Tardif (2002), os saberes do professor

resultam de uma heterogeneidade. Para ele a tríade de saberes se complementa - os saberes

disciplinares - advindos da educação continuada e inicial, por meio das diferentes disciplinas

curriculares, emergem das tradições culturais (matemática, literatura...), - os saberes

curriculares correspondem ao programa escolar, à categorização dos objetivos, conteúdos,

discursos e métodos definidos pelas instituições como padrão de cultura e formação eruditas,

os saberes experenciais - adquiridos na experiência individual e coletiva.

Nesse ponto, as situações de educação continuada organizadas pelo CRA/CEF 18

teceram essa trama entre eles. Na discussão realizada durante a oficina SOS pré-silábicos, foi

proposto que os professores refletissem “o modo como aprenderam” a alfabetizar nos cursos

dos quais participaram, o que era necessário “saber para alfabetizar” e a influência das

aprendizagens advindas do “trabalho dos colegas e dos anos de trabalho” nessa área. Todas

essas questões foram apontadas nas discussões, incitando a compreensão das atuais

necessidades para alfabetizar as crianças.

Pimenta e Anastasiou (2005) abordam a necessidade de se reinventarem esses saberes

tomando a educação como prática social, numa leitura crítica da realidade para o

enfrentamento dos questionamentos com os quais os docentes se deparam. Dizem as autoras

“é na leitura crítica da profissão diante das realidades sociais que se buscam os referenciais

para modificá-la” (ibid.: 77). O CRA/CEF 18, por meio do acompanhamento do trabalho

docente realizado, objetivou oportunizar aos professores situações que lhes permitissem

refletir sobre a importância de reorganizar o trabalho docente, pautando-se em princípios

emancipatórios e desvelando a teoria em que se apóiam para orientar suas ações cotidianas.

Ao mesmo tempo buscou propiciar, na realização das atividades propostas (2006, 2007), o

conhecimento de outras teorias para com elas dialogar, contrapor, resistir, elaborar, reelaborar

e ressignificar pensamentos e ações, enfim refletir numa “compreensão crítica do contexto

social no qual desenvolve a ação educativa”, concretizando o proposto por Pimenta e Ghedin

(2005: 207).

As condições oportunizadas pela educação brasiliense para a realização da

coordenação pedagógica, apesar das perdas descritas anteriormente, tornaram possível a

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participação dos professores nas situações de educação continuada propostas pelo CRA. A

intenção das coordenadoras do CRA/CEF 18 (2006, 2007) era que, nesse momento, os

professores pudessem refletir sobre sua ação, ou melhor, pudessem exercer uma reflexividade

emancipadora, conforme postula Contreras (2002). Ao associar as atividades propostas por

este CRA ao trabalho docente realizado, os professores puderam refletir sobre as dificuldades

encontradas, extrapolando a análise das suas experiências imediatas e da rotina cotidiana da

sala de aula e associando-as ao contexto sócio-histórico cultural em que ocorreram, por meio

do contato com teorias críticas que lhes permitiram compreender e reelaborar ações. Situação

oportunizada pela palestra realizada, no auditório do CEMAB, discutindo o tema

“Democracia e aprendizagem”. Lima (2007) abordou temas voltados para a necessidade de

desnaturalizar conceitos e preconceitos elaborados socialmente, pois quando esses conceitos

são naturalizados, não possibilitam aprendizagem, porque as inquietações ficam acomodadas.

Lima (ibid.) incendiou a discussão quando apresentou os conceitos e preconceitos importados

das outras ciências, aspectos psicologizantes, que fomentam a profecia auto-realizadora. Citou

os advindos da Biologia: “uns são mais inteligentes que outros”; da Sociologia: a política da

conservação do status quo: “os alunos da escola pública não aprendem porque são privados

culturalmente”; da Antropologia: a hereditariedade, “não aprende, é de sangue, o irmão

também não aprendia”. A professora Ana comentou “quantas vezes a gente se flagra falando

essas coisas”. A professora Suzi confirmou “às vezes a gente fala essas coisas mesmo”. O

tema provocou a participação dos professores para compreenderem as incompreensões,

conforme expõe Morin (2003). A necessidade de desconstruir tais conceitos foi explicitada,

mas “a incompreensão dos Valores imperativos propagados no seio de outra cultura” a

impedem (ibid.: 96). Lima (op. cit.) comentou que perceber a diferença entre culturas torna-se

fundamental, pois o professor precisa se distanciar da sua cultura e compreender a cultura da

criança, para estreitar as relações e criar um espaço de problemas que o permita elaborar

conceitos.

Essa reflexão/discussão foi realizada no coletivo, uma vez que aconteceu no

espaço/tempo da coordenação pedagógica, oportunizando o encontro entre diversos

professores para pensarem sobre o trabalho docente que desenvolvem. Nesse espaço/tempo os

professores puderam rever suas ações cotidianas, analisando-as individual e coletivamente,

pois além de se encontrarem com professores de sua escola, também encontraram com os

professores de outras escolas. Oportunidade ímpar para conhecer outras realidades, investigar,

problematizar e questionar, teoria-praticando o cotidiano da sala de aula, criando condições

para compreendê-lo.

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3.6. A importância da cultura da sala de aula

Criar condições, incita, buscar responder às questões apresentadas pelo cotidiano, para

tanto se torna imprescindível, considerar todo o contexto no qual essas situações são

produzidas. André (2005) destaca a importância de se conhecer o que constitui a vida escolar

cotidiana para que se possa entender o processo de construção da cultura de cada escola, o que

considera fundamental para questionar a origem de seus problemas, o contexto específico em

que são produzidos; o seu significado para o momento histórico e seus condicionantes e

implicações.

A autora enfatiza a importância de investigar as especificidades do cotidiano escolar:

[...] para tentarmos compreender, por exemplo, como os atores escolares se apropriam das normas oficiais, dos regulamentos, das inovações; que peso têm as relações sociais na aceitação ou na resistência a essas normas; que processos são gerados no dia-a-dia escolar para responder às demanda das políticas educacionais, aos anseios das famílias e aos desafios do ensino em sala de aula (ibid. 13).

A investigação da realidade escolar oportuniza a compreensão das situações que dela

emergem. A especificidade da cultura escolar é singular a uma instituição, na medida em que

resulta das relações estabelecidas entre os atores educacionais que dela participam. Para

analisar as questões inquietantes, torna-se necessário que elas sejam discutidas pelo grupo

envolvido, que sejam entrelaçadas aos elementos que fluem do cotidiano à luz de um

referencial teórico, compreendendo e interpretando os sujeitos e suas ações. Dessa forma, o

professor pesquisador cumpre sua função social, ao tomar como responsabilidade a busca de

respostas dos questionamentos de sua comunidade, compreendendo sua cultura.

Assim como a cultura escolar singulariza uma instituição, cada sala de aula também se

torna singularizada pelo modo como nela são instituídas as interações sociais. Ao realizar a

pesquisa, e vivenciar o cotidiano escolar de cada uma das três etapas do BIA, essa

singularidade ficou nitidamente clara. Cada uma das professoras demarcou seu estilo de ser

em sala de aula, o que conseqüentemente tornou ímpar as situações vivenciadas pelas crianças

que a freqüentam.

A professora da Etapa I manteve uma rotina escolar, em que ao adentrar a sala de aula,

as crianças organizavam-se numa roda para conversar – a Hora das Novidades, logo em

seguida, explorava o calendário do mês e faziam a contagem das crianças presentes. A

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professora aproveitava esse momento para dar os encaminhamentos da atividade seguinte. Ao

término das atividades, as crianças podiam manusear livros com histórias infantis. Incluíam-

se, nas atividades dessa rotina escolar, o lanche e o recreio.

Após o recreio as crianças dessa etapa permaneciam no parquinho por mais quinze

minutos, pois as professoras consideram importante a vivência desse momento, pela idade das

crianças e sua disposição para produção durante o período escolar. Na maioria das vezes, ao

retornar à sala a professora contava-lhes uma história e propunha-lhes alguma atividade. As

crianças sentavam-se em grupos de quatro crianças, podendo mudar de grupo, por interesse

próprio ou da professora.

As crianças da Etapa II vivenciaram uma rotina diferenciada. Ao entrar em sala iam

logo organizando o calendário e em seguida eram motivadas a realizar uma atividade proposta

pela professora, envolvendo uma área do conhecimento. Terminavam geralmente no horário

do lanche, que era seguido pelo recreio. Após o recreio, realizavam uma outra atividade

pedagógica, o que findava com o término da aula. As crianças sentavam-se em grupos de seis,

organizados nas áreas laterais da sala e no centro havia quatro filas, cada uma com três

carteiras. As crianças dos grupos mudavam de lugar entre os grupos, enquanto as crianças do

centro trocavam de lugar com as outras que sentavam nesse espaço.

Na maioria das vezes, as crianças da etapa III começavam suas atividades com a

correção coletiva da tarefa de casa, momento em que a professora explorava as representações

apresentadas pelas crianças em relação aos conceitos trabalhados. Logo em seguida,

realizavam uma atividade pedagógica proposta pela professora. Paravam para o lanche e o

recreio e retornavam às atividades.

Outras tarefas lhes eram propostas, à medida que iam terminando. Para isso a

professora chamava as crianças em pequenos grupos e lhes explicava a atividade. Nessa

turma, as crianças sentavam-se em fileiras, havia três fileiras, cada uma com três carteiras, e

geralmente, as crianças mantinham-se nos mesmos trios.

A configuração espacial das três turmas, onde transcorreu a pesquisa ficou

representada conforme mostra o Quadro 7:

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Quadro 7 – Organização espacial da sala de aula

Etapa I Etapa II Etapa III

Elaborado pela pesquisadora, a partir das observações em cada uma das salas de aula.

A turma da Etapa I é uma turma de inclusão, isto é, possui uma criança ANEE - com

deficiência visual – baixa visão, portanto tem garantido uma redução prevista no item 4.7.4 –

Constituição de turmas - Estratégia de Matrícula 2007, por isso possui 22 alunos. Caso fosse

uma turma regular, poderia ter no mínimo 24 alunos e no máximo 30. As turmas de Etapa II e

III são regulares, possuem cada uma delas 35 alunos. De acordo com o item 4.2 –

Constituição de turma da Estratégia de Matrícula 2007, essas turmas poderiam ter no mínimo

30 alunos e no máximo 45. A quantidade de alunos atendidos nas turmas de Etapas II e III

(35) representa um número relativamente excessivo para uma turma de alfabetização, uma vez

que a professora necessita acompanhar as elaborações das aprendizagens de cada um deles.

A observação da organização espacial dessas salas de aula possibilita diversas

análises. A sala da Etapa I apresenta um espaço com maiores possibilidades de locomoção,

enquanto as turmas de Etapa II e III a dificultam. A quantidade de crianças em sala contribuiu

para o adensamento do espaço, de forma que, por mais que a professora o reorganize, ficará

com o aspecto de “apertado”. As mesas dessas salas ficam bem próximas umas das outras,

prejudicando a passagem entre elas, inclusive da professora. As aulas das professoras foram

gravadas, durante sua reprodução, a fala da professora da Etapa I é claramente ouvida, no

entanto a fala das professoras das outras etapas ficou prejudicada, pelos constantes ruídos

sonoros, provocados no ambiente da sala de aula. São cadeiras arrastadas para permitir a

locomoção de algumas crianças até a lixeira, ou mesmo para possibilitar à professora

acompanhar a atividade das crianças que ficam no meio dos grupos. Parece que a diferença

de dez crianças entre o número de crianças atendidas na etapa I e nas etapas II e II não

interfere na qualidade das condições de trabalho, no entanto certamente o ambiente sonoro a

que ficam expostas crianças e professoras é bastante diferente. Inclusive as falas das crianças

da Etapa I são nitidamente ouvidas, enquanto nas outras Etapas, há sempre falas simultâneas,

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por mais que as professoras se esforcem para garantir a fala de uma criança, há sempre outras

usufruindo desse direito. Essa situação se agrava quando a professora deseja conhecer as

representações de cada criança para depois trabalhar o conteúdo.

Fato que ocorreu quando a professora Lara estava contando uma história. A professora

procurou ouvir o pensamento de algumas crianças, porque não era possível ouvir todas, caso

fizesse isso “demoraria mais que as duas horas que gastei para contar a história que poderia

ter sido contada, em trinta minutos”. Algumas crianças ficavam indignadas porque não dava

tempo para que elas pudessem se expressar. Quando a professora contava a história, o silêncio

imperava, no entanto quando fazia um questionamento havia muitos burburinhos e ficava

difícil permitir a fala de todas. Essa situação também ocorria na turma de etapa II, no entanto

não acontecia na etapa I.

O desejo de ouvir as crianças permeou a realização das atividades nas três etapas. As

professoras procuravam manter um diálogo com as crianças, para compreender o pensamento

delas em relação ao assunto que estava sendo trabalhado em sala de aula, a partir dessas

representações, promoviam situações para oportunizar aprendizagens.

Outro ponto comum apresentado entre as professoras regentes refere-se ao momento

em que se encontram no ciclo de vida profissional. Todas se encontram na fase final de

carreira, demonstrando uma certa desilusão provocada pelas constantes mudanças

educacionais que desconsideram os saberes docentes por elas elaborados durante sua trajetória

profissional, conforme os depoimentos descritos no capítulo II.

Da mesma forma, também o curso “Ressignificando a Prática Pedagógica à luz do

Pós-Construtivismo”, promovido pela equipe do CRA/CEF 18 em 2007, buscou demarcar sua

cultura. Esclarecendo essa questão durante um dos encontros, Meg enfatizou que as atividades

planejadas:

trazem a possibilidade de vocês se interarem das questões, para que no grupo de estudos, nas coordenações, vocês possam se reunir, discutir as questões pertinentes a cada turma e planejar, pensando na turma de cada um de vocês. Para isso vocês precisam observar os resultados da aula entrevista, o mapeamento da turma. Conversar sobre as angústias, fazer leituras teóricas para dar subsídios a essas angústias. Fazer a discussão, pensando em alternativas para superá-las. Pensar em realizar o interclasse semanalmente, planejar SOS, se for necessário, mas com um objetivo definido. Em uma escola, a partir do grupo de estudo, e percebendo a grande quantidade de alunos não-alfabetizados, o grupo planejou o interclasse e a partir dele um SOS para zerar com os Pré-Silábicos, não zerou, mas reduziu drasticamente (Encontro realizado em 17 de maio de 2007).

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O CRA/CEF 18 teve a intenção de vencer as dificuldades surgidas no cotidiano

escolar, conquistando o espaço/tempo da coordenação pedagógica, dedicado ao curso, para

vencer a dessensibilização ideológica e oportunizar aos professores, a vivência de um

processo intelectual crítico-reflexivo. Buscou despertar a atenção dos professores para a

pesquisa das questões que afloram do cotidiano escolar, podendo repensar o ofício de ser

professor. Com a constituição dos grupos de estudo na escola, os professores, mesmo não

participando do curso, tinham contato com as discussões desencadeadas naquele espaço,

repassadas pelo coordenador e/ou representante pedagógico da escola. Dentre as discussões

que buscou aguçar incluiu o tema das interações sociais, abordadas por Freitas (2005) ao

verificar o clima de dominação que imperava nas interações estabelecidas em sala de aula,

durante todo o ano letivo.

O autor comenta que o estudante caminha sozinho no seu processo de elaboração do

conhecimento, não lhe sendo permitido vivenciar situações de companheirismo e

solidariedade. Dessa forma, o trabalho escolar baseia-se em ações individuais, desarticuladas

da realidade, dirigido por regras impostas. No entanto, o cotidiano escolar deveria ser repleto

de práticas sociais, oportunizando a vivência de atividades de interação, de parceira. Dessa

forma, a função social da escola está, então, pautada numa concepção de escola capitalista,

garantindo a manutenção da organização social em seu mesmo estilo (capitalista). Freitas

(2005: 263) aborda que “com base nessa compreensão é fundamental reinventar as práticas

[...] no interior da sala de aula”, considerando, permanentemente, a necessidade de se repensar

o trabalho docente desenvolvido no cotidiano escolar, reorganizando seus princípios numa

outra lógica.

O CRA/CEF 18, vislumbrando a reivenção dessas práticas no interior da sala de aula,

propôs como tema de uma oficina, a discussão sobre a “Interação social na sala de aula”. Essa

discussão foi novamente realizada, durante o curso promovido em 2007. A professora Lúcia

esclareceu que a prioridade do curso seria “oportunizar ao professor situações para que ele

perceba que pode levá-las para a sala de aula”. Para tanto propuseram o trabalho em

pequenos grupos. Durante um dos encontros houve a eleição dos grupos áulicos. Meg

esclareceu que o “princípio para a formação dos grupos é a aprendizagem”, por isso, para

que houvesse eleição seria necessário que as professoras-cursistas pensassem sobre essa

questão, definindo três colegas, uma com a qual gostaria de aprender, outra com a qual

gostaria de trocar e uma à qual gostaria de ensinar. A partir desses três elementos, e

considerando outros, foi realizada a eleição entre as cursistas, destacando a importância da

possibilidade de instituir essa dinâmica em sua sala de aula. Meg também destacou a

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importância da “formação dos grupos de estudos na escola, para que os professores

pudessem, juntamente com os outros colegas, dinamizar o trabalho pedagógico da escola, na

fase da alfabetização” e relembrou que esse tema também deveria ser discutido no grupo de

estudos, explorando as nuanças desse trabalho na sala de aula. Ela enfatizou as situações de

interação social oportunizadas pelo trabalho em grupo, pois a criança aprende a viver

coletivamente na escola. A professora Ana reforçou a necessidade de se instituir esse trabalho

no cotidiano escolar, durante uma discussão realizada no Fórum. Ela comentou:

As crianças de hoje mesmo de tendo acesso fácil às informações, pois elas estão em todos os lugares, tem um espaço de convivência muito difícil. Cada família tem poucos filhos, geralmente um. Cada filho tem uma televisão no seu quarto. As crianças quase não têm que resolver conflitos em casa, geralmente os pais fazem todos os gostos. Quando acontece alguma coisa na escola os pais dizem que na casa deles não acontece nada disso. Alguns pais querem garantir o privilégio dos filhos na escola, só que essa é uma das oportunidades dele ser igual. São trinta, e ele é “um”, não “o”. São trinta, e ele é um deles, assim ele vai aprender a conviver, aprender a ouvir, a esperar a vez de falar, aprender a resolver um conflito, a se frustrar. É na escola que as crianças vão aprender a viver socialmente, aprender a construir relações, aprender a dar e receber, aprender o jogo social. Na escola a criança descobre que ele é um entre tantos, que ele tem direitos iguais, que deve respeitar o espaço do outro. Aprende a abrir mão, a ceder.

A professora Ana, comentando o relato da professora Suzi, ao organizar o trabalho em

sala em grupos áulicos, disse: “no segundo e terceiro dia, os meninos já queriam mudar, eles

não queriam mais o líder, o líder queria abdicar. Eles têm dificuldade de assumir

compromisso, eles são imediatistas. Eles acham que tudo que sentem dificuldade em resolver

tem que largar, tem que mudar de sala, de professor, de escola para resolver o problema”.

A professora Lúcia completou “é a hora que a família dá emprego ao psicólogo,

tentando descobrir o problema do filho e, às vezes para a gente isso fica muito claro”.

Todas essas questões enfatizam a importância do trabalho em sala de aula, priorizando

situações de interação social, o que demanda a reconfiguração do trabalho docente, conforme

a professora Jane enfatizou ao final dessas falas: “o trabalho docente precisa ser profissional,

realizado por professores que estudam, aprendem e que sabem que as crianças estão

aprendendo”. Concepção essa fundamental para que seja instituída uma outra lógica para a o

trabalho docente, inclusive para o BIA, que tem como prioridade desnudar a progressão

escolar instituída outrora nas escolas brasilienses. Imprescindível para ressignificar esta

organização escolar em ciclos, reconfigurando a idéia da progressão continuada, conforme

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adverte Freitas (2002, 2003). Necessidade inexorável dessa organização da escolaridade,

várias vezes adotada pelo sistema de ensino brasiliense e que, infelizmente, não conseguiu

solucionar o grave problema da reprovação, evasão e internalização da exclusão, que

impossibilita a inclusão escolar de grande parcela dos estudantes.

3.7. Inquietações despertadas na Educação Continuada

Para provocar mudanças, torna-se necessário discutir os contratempos encontrados

para ousar buscar condições para engendrá-la. Portanto a discussão sobre os obstáculos que

provocam o enganchamento da educação no cumprimento de sua função torna-se fundante

para que ocorra alguma alteração. Situação que demanda a necessidade de enfrentar as

inquietações surgidas no dia-a-dia da escola. A professora Ana comentou que durante o curso,

promovido em 2006, essas questões vieram à tona, inclusive ela apresentou para a professora

responsável por sua turma a situação que enfrentava na escola. “Eu tinha uma turma de etapa

III, com alunos de diferentes faixas etárias, de até dezoito anos. Tinha alunos especiais.

Alfabetizados e não-alfabetizados”, no entanto, quanto abordei o assunto a professora disse

“que ia ser tratado assim mesmo, por idade. Eles aprenderiam todos juntos”, mas Ana

retrucou: “Não é assim!” Na realidade, na sua sala de aula, teria que se desenvolver um

trabalho bem refletido, diversificado, atendendo às necessidades de aprendizagem de cada um

dos estudantes, mas, segundo a professora Ana, a discussão:

não promovia a reflexão sobre esses assuntos. Não aprofundava a reflexão sobre essas necessidades, passava por cima. Não era uma coisa que fazia você pensar a respeito. Parecia que era um curso que tinha que ser repassado, a professora vinha e reproduzia o que tinha para repassar. Não lidava com o real, parecia que estávamos falando de outra realidade. Parecia que a gente estava falando de uma coisa que não era o dia-a-dia da sala de aula. A gente estudava, participava, mas aquilo não tinha muito a ver com a nossa realidade não.

Tratando, dessa forma, as situações advindas do cotidiano, o processo de

internalização da exclusão continuaria, as crianças permaneceriam na escola, mas sem que se

garantisse sua aprendizagem, seu avanço nos estudos, sua inserção social. A instituição da

situação de educação continuada promovida pelo curso “Alfabetizando no BIA”, realizado em

2006, pareceu não coadunar com a perspectiva descrita na Proposta Pedagógica ao suscitar

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152

que “a formação defendida pelo BIA é a de que se torna impossível transformar as práticas do

professor, sem conhecer o que este sujeito fundamental da ação pedagógica pensa” (2006:

18), idéia complementada pelo pensamento de Tardif sobre a impossibilidade de se

"compreender a natureza do saber dos professores sem se colocar em íntima relação com o

que os professores, nos espaços de trabalho cotidiano, são, fazem, pensam e dizem” (2002, p.

15). Ao desconsiderar a situação vivenciada em sala de aula pelos professores, esse curso

criou uma lacuna entre o que os professores são, fazem, pensam e dizem sobre o trabalho que

desenvolvem e a educação continuada que estava sendo a eles oportunizada.

A professora Lara, percebendo que as discussões não adentravam sua sala de aula,

questionou:

O que é mais importante; é o meu aluno ou é ficar lá sentada? Das três horas que nós ficávamos lá, tirávamos uma hora de coisas interessantes, o resto não dava para aproveitar. Então, nós realmente achamos que era mais importante ficar aqui na escola preparando a aula para o aluno do que ficarmos no curso, e desistimos de freqüentá-lo.

A professora Maria também lamentou o rumo tomado pelo curso, dizendo: “quanto ao

curso, ele iniciou de uma maneira, com boas perspectivas, mas depois começou a se perder”.

Ela acrescentou sua opinião quanto a esse fato: “acho que foi pela falta de conhecimento do

pessoal que estava ministrando o curso. Acho que foi um caso pontual, isso geralmente não

ocorre”. Ela disse que não chegou “a ficar até o final” porque ficou “desestimulada; as

atividades e o que estava sendo proposto não estavam me chamando a atenção [...] eu não

me interessei”.

As atividades desenvolvidas no curso “Alfabetizando no BIA” parecem não ter

atendido às expectativas das professoras, interlocutoras da pesquisa. Elas afirmaram que o

curso não lhes despertou interesse. A professora Suzi comentou que o curso “não propiciava

ao professor aquilo que almejava”, não lhe despertando o interesse em permanecer,

participando dos encontros.

Lara advertiu: é “claro que teve alguma coisa que era novidade, coisas interessantes,

mas era muito pouco para tanto tempo que a gente perdia”. Ela continuou, dizendo que

“depois do recesso de julho, nós não voltamos mais” e Suzi complementou “eu acho, na

minha concepção, que na minha turma apenas um terço que iniciou, terminou”.

A professora Lara compreendeu a importância de algumas das discussões realizadas

no curso tanto que afirmou que houve discussões interessantes, mas que se deviam ter

privilegiado as necessidades das crianças. Questionou o teor da maioria das discussões que

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153

deixaram de privilegiar o trabalho que necessita ser concretizado em sala de aula para dar

conta da complexidade por elas vivida, pelo modo em que se deu a enturmação das crianças,

considerando apenas a idade.

As professoras tinham uma grande expectativa em relação a esse curso, inclusive o

próprio nome era bem convidativo “Alfabetizando no BIA”. Parecia que realmente seria

desenvolvido um trabalho voltado para a alfabetização das crianças, uma vez que o processo

de enturmação adotado incluiu, na etapa III, crianças não-alfabetizadas, o que demandou o

grande desafio de enturmá-las. Além disso, teria que se evitar a internalização da exclusão

para não provocar a retenção de mais crianças nesta etapa.

As professoras gostariam que a realidade da sala de aula fosse discutida, assim como

as questões que encontram no cotidiano e que necessita serem investigadas. A professora Suzi

comentou que o que buscavam era “na verdade a prática mesmo em si, coisas práticas, do

dia-a-dia e não a teoria que estava sendo passada, mas muita teoria”. Expressões como estas

talvez possam sugerir a necessidade de compreender que a revisão de teorias, a releitura, o

aprofundamento, pudessem contribuir para a compreensão do que, realmente, acontece em

sala de aula. Essa fragilidade teórico-prático, algumas vezes, impede o reolhar para ações

cotidianas que necessitam ser revistas, repensadas, entrelaçadas ao cotidiano escolar,

permitindo ressignificar conceitos, por vezes, arraigados no contexto vivido. O que pode ser

realizado, conforme relata Feldman (2001), apresentando aos professores propostas possíveis

de serem realizadas por eles. A discussão teórica, realizada no curso, estava articulada ao

trabalho docente que realizavam, porém não se alargava a ponto de aproximar-se da realidade

vivida por elas. A esse respeito Feldman defende que:

[...] qualquer posição teórica é difícil de ser assimilada por professores e educadores se não resolve o problema prático de aprender e ensinar. [...] Nesse sentido, a interação e a negociação significativa sobre os conteúdos instrumentais pode ser um passo necessário para a reformulação das teorias. Além disso, trabalhar sobre propostas que resultem em práticas exitosas e possíveis de realizar pelos professores pode abrir maiores possibilidades para a reconstrução dos fundamentos teóricos, desenvolver princípios e ampliar a base aplicável dos conhecimentos (2001: 107).

As professoras almejavam que o curso as ajudasse a resolver os problemas práticos do

cotidiano, discutindo a realidade encontrada na sala de aula, uma teoria e prática que tratasse,

por exemplo, a grande angústia delas, o processo de enturmação e o trabalho a ser realizado

com estas crianças, afinal elas necessitam ser incluídas no processo de escolaridade, e,

portanto cursariam, em um ano, o que era proposto para os três anos.

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As professoras explicitam que as escolas estavam criando alternativas para resolver

essa situação e, naquele espaço, poderiam discutir e buscar elementos para promover a

aprendizagem das crianças. Muitas delas não estavam alfabetizadas, e precisavam ser

alfabetizadas e não, simplesmente, serem promovidas para enganchar59 na etapa III. Isso já

foi realidade quando o CBA e a Escola Candanga foram vivenciados. A professora Lara se

preocupa com os resultados, dizendo que “pra mim está caindo naquela situação do

iniciando, continuando e concluindo”, como ocorreu no CBA.

Para as professoras participantes desta pesquisa, o curso, cujo nome era Alfabetizando

no BIA, poderia incluir a reflexão sobre a não aprendizagem das crianças, sobre o trabalho em

sala de aula para provocar o avanço nas etapas do processo de alfabetização e,

conseqüentemente, oportunizar a inclusão das crianças retidas na etapa III, além de evitar que

tantas outras ficassem nela retidas.

A professora Lara questiona: “a filosofia do BIA é muito linda quando se fala que o

aluno pode avançar. Mas será que é por aí, será que não teria que ser criada uma turma, ou

outro nome como turma de aceleração, uma turma especial” e conclui “eu não sei, eu não

tenho a resposta, eu só acho que essa forma que eles acharam, que encontraram no início” de

enturmar por idade sem considerar o processo de aprendizagem torna-se um “um ponto de

estrangulamento”, enquanto deveria ser a solução para o enfrentamento desta situação secular

vivida pela educação: a defasagem idade/série.

De acordo com as instruções dessa Proposta (2006), as escolas receberiam as crianças

não-alfabetizadas e, por meio do Projeto Interventivo, resolveriam a questão da alfabetização,

desenvolvendo um trabalho coletivo de agrupamento dessas crianças, mas como disse a

professora Lara, isso é “muito lindo no papel”, na realidade as situações apresentadas

necessitam de apoio, de referenciais, de subsídios para que o professor reorganize o trabalho

que desenvolve, pois a professora percebe sua impotência diante dessa situação e comenta:

Eu não dou conta, eu sinto muito. Eu sei que educação não tem receita, mas se alguém quiser me ensinar... Eu não dou conta de alfabetizar um aluno numa turma de 35[que já estão alfabetizados e demandam outras necessidades].

As professoras compreendiam que as etapas do processo de alfabetização requeriam

um trabalho docente com questões específicas. As crianças que estão no início do processo de

alfabetização demandam um trabalho diferenciado daquelas que avançaram nas etapas desse

59 No sentido de ficarem paradas, estacionadas nessa etapa e não progredirem na escolaridade.

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processo, implicando um outro tipo de acompanhamento, com outras atividades didáticas, o

que sugere um complexo trabalho diversificado. Quando há na etapa III crianças em

diferentes estágios do processo de alfabetização, por mais criativa e conhecedora dos

diferentes esquemas de pensamento de cada uma das etapas do processo de alfabetização, que

seja a professora, certamente ela terá que trabalhar com núcleos diferentes, será mais que um

trabalho diversificado, algo parecido com turmas multisseriadas. Haverá na turma crianças

alfabetizadas – que lêem e produzem pequenos textos, e não-alfabetizadas – que não

conhecem sequer as letras do alfabeto, essa realidade tem sido constante nas turmas da etapa

III do BIA e tem despertado angústia nas professoras que se vêem sem alternativas para

resolver a situação, conforme declarou anteriormente a professora Lara, angustiada com a

realidade de sua sala de aula.

A professora Lara reconheceu que “receitas” não são a resposta, mas o professor

precisa de subsídios para compreender e saber lidar com essas situações que envolvem o seu

cotidiano escolar. As professoras falaram da experiência que tiveram com o trabalho

diversificado durante o exercício da profissão, mas que, nesse momento, a experiência que

têm ofereceu poucos elementos para lidar com o vivido. Lara descreveu, dentre outras

experiências, a que realizou na perspectiva da Alternativa A, dizendo que era uma rotina

repetitiva, e acrescentou “eu pensei até em fazer isso”, mas percebeu que a realidade não era

mais a mesma e precisava ser ressignificada.

A complexidade que envolve o planejamento do trabalho diversificado foi abordada

em algumas das situações de educação continuada promovida pelo CRA/CEF 18 em 2007,

tanto no curso como no Fórum de Coordenadores. Num dos encontros, foi proposta uma

atividade para se pensar no planejamento do trabalho diversificado a ser realizado em sala de

aula.

Como de costume, foi proposto o trabalho em pequenos grupos: elaborar atividades

para os diferentes níveis da psicogênese tendo como suporte um caderno de atividades. À

medida que cada grupo foi apresentando as atividades houve uma discussão, enfatizando o

nível da psicogênese ao qual contemplaria, justificado pelo esquema de pensamento da

criança, apontando, também, se era atividade de ruptura ou acolhimento. Ao ser apresentado o

bingo, Meg aproveitou para destacar que “algumas atividades podem ser elaboradas,

contemplando um espaço de problemas, ou seja, uma atividade que pode ser realizada por

todas as crianças, independentemente do nível em que se encontram, assim como o bingo”.

Reforçou a necessidade de que a professora conheça bem os esquemas de pensamento de cada

uma das crianças para que o planejamento seja organizado mediante a análise dessas

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informações. Relembrou que as atividades planejadas para a semana devem sempre

oportunizar o trabalho individual, em pequenos grupos e em grande grupo.

As professoras pesquisadas, em diferentes momentos, expressaram o pensamento de

considerarem indispensável para o trabalho que realizam o conhecimento dessas

características, pois dessa forma tanto a criança como o professor vivenciam um processo de

alfabetização mais tranqüilo. Esse conhecimento permite que o professor acompanhe as

aprendizagens elaboradas pelas crianças, individualmente, e promova seu constante progresso

na elaboração desse conhecimento.

A professora Maria declarou:

depois que eu compreendi a psicogênese, olho para aquilo que a criança fez na atividade e sei como intervir; sei porque ela fez daquela forma, eu sei o que fazer para ela aprender. Eu sofro menos e a criança também, o ambiente fica mais agradável.

A professora Maria, comentando sobre a necessidade de ressignificar conceitos para

acompanhar a realidade que se apresenta para o trabalho docente, relatou sua opinião em

relação à sua participação em uma oficina, promovida pela equipe do CRA/CEF 18, em 2006.

Ela disse:

Eu pude desmistificar algumas coisas, que eu entendia de um jeito e eu acho que desmistifiquei. Contribuiu na prática, porque eu consegui associar o que eu já sabia, com o que eu desconstruí e reconstruí para entender melhor como a criança aprende, como se alfabetiza de uma maneira mais tranqüila.

A professora relatou que as questões que enfrentava no dia-a-dia de sua sala de aula,

requeriam intervenções para as quais buscou, nos cursos de educação continuada,

contribuições que lhe possibilitassem resolvê-las. Comentou que as situações de educação

continuada, promovidas pelo CRA/CEF 18, no ano de 2006, oportunizaram o contato com

alguns referenciais, no entanto, foram poucas as reflexões e discussões, que lhes permitiram

dialogar com aquilo que faz, cotidianamente. E acrescentou:

Fala-se muito no significativo para o aluno e o significativo para o

professor? E o professor? Acho que o ponto chave para a formação é ter essa visão de que se está formando não é o aluno. Pegam o professor como um viés, mas é o professor que tem que se formar, que tem que entender para buscar.

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Para a professora Maria, quando a educação continuada abrange o que é significativo

para o professor, permite ao docente a compreensão do que faz e incita-o a procurar o

entendimento das questões que o desafiam. Essa compreensão do que faz exige que o

professor lance o olhar para si, para suas ações. O curso “Ressignificando a Prática

Pedagógica à luz do Pós-Construtivismo” buscou compreender o que era significativo para o

professor, ao organizar a proposta desse curso, a partir do conhecimento dos saberes dos

professores participantes.

No 3º encontro, foi proposto aos professores uma avaliação diagnóstica – primeiro

contato com alguns princípios do pós-construtivismo, demonstrando seus conhecimentos

sobre a prática pedagógica pautada nesses princípios, o que sugeriu um confronto entre os

saberes dos professores quanto à alfabetização e a teoria em que se apóia o trabalho realizado

nesse curso. As questões apresentadas traziam situações que envolvem o trabalho docente

realizado, desde os momentos de coordenação pedagógica até as atividades realizadas em sala

de aula. Incluiu discussões referentes às especificidades das etapas do processo de elaboração

do conhecimento e também sobre configuração espacial da sala de aula, que interfere

profundamente nas possibilidades de elaboração de aprendizagens por meio das interações

sociais.

Ao responder os questionamentos, os professores expressaram sua opinião em relação

a cada um dos princípios apontados, justificando seu ponto de vista, o que revelou o que cada

um considera relevante para a realização do trabalho docente. Partindo da análise das

respostas dadas pelos professores, foi possível tecer uma rede entre os princípios da teoria

pós-construtivista e os conhecimentos trazidos pelos professores, organizando as discussões

de cada encontro. Candau comenta que nos cursos de educação continuada promovidos:

os professores muitas vezes são tratados como se não tivessem um saber, têm que partir do zero, como se não tivessem ao longo de sua profissão construído um saber, principalmente um saber da experiência, que tem de entrar em confronto e interlocução com os saberes acadêmicos produzidos (2003:147).

Dessa forma, esse curso consolidou uma concepção para a educação continuada

promovida aos professores, valorizando os conhecimentos adquiridos nos anos de exercício

de sua profissão, ao mesmo tempo em que os confrontou com um dos novos paradigmas

educacionais. Jane comentou que “esse questionário que vocês responderam hoje será nosso

ponto de partida. Nós não queremos trabalhar com temas aleatoriamente. Nós queremos

trabalhar na perspectiva do processo de vocês”.

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A avaliação diagnóstica também possibilitou o conhecimento das representações, dos

preconceitos dos professores sobre os conhecimentos considerados indispensáveis ao

alfabetizador, na perspectiva pós-construtivista. Sendo assim mais uma vez este curso primou

por uma outra lógica para embasar suas ações, considerando as representações dos

professores, tomando-as como subsídios para a organização do curso, reiterando os dizeres de

Marin ao apontar as necessidades atuais dos cursos de educação continuada, dizendo que:

precisamos adotar um paradigma com fundamento histórico e social para embasar nossos cursos, buscando levantar a história de vida, o processo de socialização, as expectativas, as crenças, os valores, as representações que os alunos tem no início do curso como subsídio para o nosso trabalho (2003:163, grifo meu).

Essa situação permitiu que as organizadoras desse curso valorizassem os

conhecimentos trazidos pelos professores e os tomassem como subsídios para o planejamento

dos encontros, cumprindo o proposto por Marin (2003).

No entanto a professora Ana, comentando a necessidade dos professores de discutirem

e socializarem as atividades realizadas nas escolas, disse que havia algo desejado pelos

professores, ainda não explicitado. “No meu grupo as professoras queriam saber como fazer

o reagrupamento interclasse, porque ainda não conseguiram planejar na escola delas. Nesse

curso a gente podia um dia, compartilhar nossas experiências. Isso ajudaria muito aos

professores”. Essa situação demonstra que, mesmo o curso, realizado em 2007, partindo das

necessidades apontadas pelos professores, ainda não conseguiu abarcar a todas. Essa situação

ainda não foi apontada nas avaliações dos encontros do curso, talvez caso tivesse sido

denunciada, teria sido contemplada.

Uma das situações organizadas envolveu a compreensão dos esquemas de pensamento

das crianças nas diferentes etapas do processo de alfabetização. Para tanto foi planejada a

análise de diferentes escritas das crianças. Cada grupo analisou e apresentou suas

considerações para o coletivo, provocando a discussão das inquietações. Jane interpelou:

“Faça de conta que essa é uma avaliação de alguma criança da sua escola, vocês estão no

grupo de estudos, na hora da coordenação e chegou, na mão de vocês, essa escrita para

vocês analisarem. Como vocês caracterizam essa criança: alfabética ou alfabetizada?” Uma

professora respondeu “essa criança escreve palavras, mas não escreve texto, para estar

alfabetizada, ela teria que escrever um texto simples, que desse para ler e compreender o que

ela estava dizendo”. Essa é uma situação que ocorre diariamente em sala de aula: a análise

daquilo que a criança revela ao professor e, para apropriar do que está sendo dito se faz

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necessário analisar as nuanças de cada uma das etapas desse processo de aprendizagem. Essa

foi uma tentativa de demonstrar às professoras a necessidade de compreender sua prática

cotidiana em sua sala de aula, no entanto, para que seja compreendida há que ser percebida,

conforme nos mostra Vasquez (1977).

Para o autor, a compreensão da prática pode elevá-la a práxis. Diz ele que

compreender a práxis não é algo simples, pois é necessário percebê-la como “atividade

objetiva e transformadora da realidade natural e social” e como atividade correspondente à

realidade, às necessidades que satisfará. “Sem a sua compreensão a prática tem sua

racionalidade, mas esta permanece oculta”, só transparece para “quem tem olhos para ela”

(ibid.: 235). Prática e teoria estão vinculadas uma a outra. A prática como fundamento,

finalidade da teoria, e a teoria como similar da prática, transformada por ela, no entanto

alerta-nos “a prática não fala por si mesma e exige uma relação teórica com ela: a

compreensão da práxis”. A atenção se redobra para não se pautar numa prática esvaziada de

teoria, elas existem numa simbiose, a validade da prática é definida pela sua unicidade com a

teoria.

3.8. Teoria e Prática: simbiose no trabalho docente

Para compreender a prática elevando-a a práxis será necessário desvelar a teoria na

qual se embasa, por meio da reflexão. Vázquez (1977) comenta que essa reflexão para

compreensão da prática pedagógica, percebendo a possibilidade de elevá-la à práxis, permite

a distinção entre práxis criadora ou reiterativa (imitativa) e práxis reflexiva ou espontânea.

Possibilita, também, a distinção entre o conceito de invenção e criação do conceito de

reprodução, no sentido proposto por Bourdieu e Champagne (1998).

Para Vázquez (1977) a unicidade entre teoria e prática permite ao professor identificar

o grau de sua reflexão. O autor diz que, dependendo do grau de manifestação da consciência

na atividade prática, há a possibilidade de ela ser reiterativa ou imitativa, espontânea ou

reflexiva.

A fala da professora Maria exemplifica o seu grau de compreensão da sua prática,

elevando-a a práxis quando declara que:

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[...] a formação deve gerar uma discussão, uma reflexão em cima da teoria e prática possibilitando entender melhor como é que isso funciona. Refletir sobre a prática significa entendê-la, passar a compreendê-la, por isso eu acho que a reflexão é fundamental, porque você busca, e quando você busca, você não traz coisas aleatórias, você traz para funcionar, exatamente naquilo que você necessita, e você fica bem fundamentado.

Vázquez (1977) apresenta os graus da reflexão como resultantes da dialética existente

entre práxis criadora e reiterativa ou imitativa, e práxis reflexiva e espontânea e afirma

que há um vínculo entre os termos de cada par. Estabelece critérios niveladores, dizendo que

o que situa determinada prática num ou noutro nível é o grau de penetração da consciência do

sujeito e o grau de criação/humanização da matéria (produto). Apresenta três traços distintivos

na qualificação da práxis: a unidade indissolúvel, o processo prático, de interior e exterior, de

subjetivo e objetivo; a indeterminação e imprevisibilidade do processo e do produto e a

unicidade e irrepetibilidade do produto.

O autor caracteriza cada uma das práticas. Prática Reiterativa: refere-se àquela em

que há reprodução de algo previamente delineado, rompendo a unicidade do processo prático

(unidades entre teoria e prática), seu produto apresenta características análogas a outros já

existentes, portanto o ideal e o real são imutáveis. Vàzquez (1977: 257) enfatiza que neste tipo

de práxis o “projeto, a finalidade ou plano pré-existem de modo acabado à sua realização”. O

subjetivo se dá como uma espécie de modelo ideal platônico que se plasma ou realiza dando

lugar a uma cópia ou duplicação. Nada afeta as vicissitudes do processo, está pré-

determinado, já se sabe o quê e como fazer. O processo prático torna-se uma repetição, ou

uma ampliação da imitação de algo já existente. Quando há a repetição de uma prática para

satisfazer algo pré-existente, em que um processo anterior é aplicado mecanicamente a um

novo processo, Vázquez diz tratar-se de uma prática burocratizada, e que essa é favorecida

quando necessita de um corpo especial de pessoas para sua realização. Isto acontece com a

educação.

Essa é a prática milenarmente difundida na educação. O que leva a maioria dos

professores a buscar nos cursos de educação continuada, receitas, modelos prontos com idéias

para aplicar em sala de aula. A professora Lúcia comenta que é preciso romper com este

olhar:

O professor é muito experimentador, experimenta aqui, experimenta ali, na verdade nós somos profissionais, mas não nos vemos como profissionais. Para ser profissional é preciso se especializar, investigar, saber porque não é assim... O quê está acontecendo, porque não deu certo. É o tempo da pesquisa, na sala de aula. Começar pelo olhar da profissionalização.

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Essa seria uma práxis diferente, que não está pronta, mas será construída, uma práxis

criadora. Vázquez (1977) define Práxis Criadora como aquela em que há unicidade do

processo prático (há unidade entre teoria e prática), pois o ideal e o real são mutáveis, cria-se

o modo de criar, de fazer algo que não estava delineado anteriormente, tornando seu produto

singular e novo. A práxis humana, atividade criadora, é determinante na medida em que

permite invenções para enfrentar novas necessidades. A solução encontrada para atender a

qualquer uma dessas necessidades pode ser generalizada por um determinado tempo, mas

novas situações exigirão novas criações. Criar, enseja revolucionar, sendo assim não há como

imitar, mas inovar, assimilar uma criação.

As professoras pesquisadas pautam-se na prática criadora, conforme os relatos das

atividades que oportunizavam às crianças. Inclusive a professora Maria o fez, durante aquela

aula na qual promoveu situações de alfabetização às suas crianças, oportunizando-lhes

aprendizado das letras. Ao contar a história, ela foi tecendo articulações entre o lido e vivido

pelas crianças. Maria descreveu os animais e incentivou as crianças a descobrirem qual estava

relacionado a cada letra. Ela não seguiu os passos engessados para uma aula de história, mas

criou um ambiente agradável de aprendizagens. Aproveitou o momento para fazer

intervenções que promovessem a aprendizagem, como na exploração de cada umas das letras

do alfabeto, trabalhando com todas elas ao mesmo tempo, e não como a receita da cartilha que

oferece a cada lição uma letra e uma porção de exercícios repetitivos para a criança realizar. A

professora compreendeu que a aprendizagem se dá num mergulho no caos de um campo

conceitual, articulando teoria e prática, conforme afirma Vázquez (1977) ao dizer que não há

teoria sem prática, portanto, não há ação sem uma razão.

A cada dia as professoras pesquisadas promoviam uma forma diferente para

oportunizar aprendizagens. A professora Maria, que precisava alfabetizar as crianças,

procurava diversificar a forma de explorar todas as letras, contando outra história, com outro

modo de intervir, mas sistematizando as aprendizagens das crianças. Quando conversava com

as crianças ou lhes contava uma história, falava as palavras normalmente: “sonu; sorveti,

istrela” e, na hora da sistematização alertava, questionando “nós falamos assim e escrevemos

com que letra?”. A professora Lara também explorava essas questões a todo momento. Cada

criança tinha a liberdade de sistematizar a seu modo, e a professora acompanhava as

sistematizações, intervindo quando necessário – uma práxis criadora, revolucionária.

Vázquez (1977) mostra que para existir uma práxis revolucionária é necessário

àqueles que a desejam imbuír-se de seus objetivos e de uma teoria que os impulsione. O autor

diz que a práxis revolucionária somente se plasmará pela ação humana, no processo prático,

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singular, imprevisível, irrepetível, mas esta imprevisibilidade não exclui a antecipação ideal

do desenvolvimento de uma práxis revolucionária. Para ele um movimento histórico

desenvolve-se na singularidade do contexto que o determina, mediante as situações que vão se

apresentando no processo da prática. Muitas vezes, nessa realização uma nova descoberta vai

sendo tecida.

Nas situações descritas no trabalho desenvolvido pelas professoras pesquisadas, ficou

claro que os momentos de aprendizagem que proporcionaram às crianças são singulares,

imprevisíveis e estão pautados numa teoria que, como Maria descreveu anteriormente, se

desconstrói e reconstrói para que possam melhor compreender e refletir sobre o trabalho que

desenvolvem. Não é algo estático, acabado, que pode ser constantemente aplicado, mas que se

plasma em sua ação.

A professora Maria comentando que essa prática foi construída no decorrer de sua

vida profissional, disse:

como eu aprendi isso?Aprendi buscando, lendo, li realmente [referindo-se a um arsenal de livros sobre alfabetização, que doou para a escola] e os cursos me deram complementos. Os cursos sozinhos não vão chegar lá. É preciso a parte teórica e prática e uma reflexão sobre ela.

Todas essas situações contribuíram para as elaborações e reelaborações vividas por

Maria nesse processo de educação continuada constante, compreendida como algo inacabado,

incessante. Algo que depois de descoberto necessita ser redescoberto.

Vázquez (1977) alerta para o cuidado com as descobertas, afinal as leis para serem

generalizadas ensejam muita cautela na sua interpretação. Envolve perceber suas

particularidades, compreender suas nuanças. Outras situações similares acontecem, mas não

seguem rigorosamente o mesmo processo vivido, cada uma segue a seu modo, conforme suas

necessidades. O autor apresenta a práxis criadora como aquela em que, somente

abstratamente, pode haver indissolubilidade entre prática e teoria, tal como apresenta sua

unicidade. O processo prático é incerto, mas ao seu final essa incerteza dá lugar à realização;

o que se inventa é o modo de fazer.

A professora Lara, durante a decomposição de numerais com as crianças, demonstrou

que a criação tem situações similares, mas que não seguem rigorosamente o mesmo processo

vivido. As crianças aprenderam a decompor os numerais, compreendendo o processo.

Diferentes algoritmos foram apresentados, contrapondo-se ao simples ato de definir a

quantidade de centenas, dezenas e unidades comumente usadas na escola. Dentre eles, foi

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apresentado, para a decomposição do número 136: “9 dezenas e 46 unidades”; “11 dezenas e

26 unidades”; “100 unidades, 3 dezenas e 6 unidades”. Para o número 243, apresentaram,

dentre outras, a resposta “23 dezenas e 13 unidades”. Esse processo de criação pautado na

práxis da professora, embasou suas atitudes ao oportunizar às crianças a elaboração de

conhecimentos.

Para resolver essa questão, as crianças precisaram de subsídios que lhes possibilitaram

a compreensão do conceito de decomposição, não foi um puro ato de reprodução. Precisaram

lançar mão do ato reflexivo, assim como a professora os disponibilizou ao lhes oportunizar tal

situação. Cada algoritmo foi criado, inventado, não foi reproduzido do modelo apresentado

pela professora, evolveu um processo de reinvenção, de reflexão.

A ação reflexiva caracteriza um dos tipos de práxis apontados por Vázquez (1977). O

autor esclarece que uma prática por ser Reflexiva ou Espontânea, dependendo do grau de

manifestação da autoconsciência, se elevado; baixo ou quase nulo.

Na Práxis Reflexiva, apresenta-se um alto grau de consciência da atividade prática -

da consciência da práxis (autoconsciência), em que o sujeito volta-se sobre si mesmo e sobre

a atividade material que se realiza. Na Práxis Espontânea não há falta de consciência prática,

há um baixo grau de consciência ou este é quase nulo. Uma práxis pode ser criadora e

espontânea, uma não exclui a outra, depende do grau de manifestação da consciência na

atividade prática.

A consciência prática é aquela que permite a realização de um ideal e está sendo

delineada durante todo o processo, adequando-se às situações eleva-se à práxis criadora; e

aquela que se processa mecanizada, debilitada torna-se puramente uma práxis imitativa. À

consciência que se volta sobre si mesma e sobre sua ação plasmada é denominada de

consciência da práxis enquanto que consciência da prática é aquela em que a consciência se

apresenta quase nula, porém, “toda consciência prática implica sempre em certa consciência

da práxis”, embora ambas estejam em planos e níveis diferenciados.

A ansiedade das professoras pesquisadas revela que a teoria e a prática que desejavam

encontrar, nos cursos de educação continuada, seria uma teoria e prática que contribuísse para

ressignificar o trabalho docente que realizavam, que pudesse ser elevada à práxis, que fosse

reflexiva em que a consciência da práxis permitisse torná-la criadora. Algo que pudesse lhes

ajudar a compreender o cotidiano da sala de aula, dispondo de referenciais que as possibilitem

resolver as questões que lhe são apresentadas, como ocorreu em algumas das situações de

educação continuada propostas em 2007.

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164

A professora Ana, referindo-se ao curso promovido, em 2006, pelo CRA comentou

que:

No curso foi feita muito proposta prática, tanto que muitas atividades estamos usando agora, mas não teve uma proposta para elevar o conhecimento teórico e prático, tinha, mas um pouco fraco, não deu para saber como levar uma turma do começo ao fim. Nem se avaliar como professora.

Para avaliar-se como professora, há que se refletir sobre o que se faz, articulando essa

reflexão a uma teoria e analisando os resultados do trabalho desenvolvido. No entanto

algumas vezes, o conhecimento teórico-prático, disseminado nos cursos de educação

continuada, incomoda o professorado. A autonomia a eles delegada, os leva a decidir o que

devem ou não fazer em sua sala de aula. Resta aos cursos provocar-lhes desejo de ousar alçar

outros vôos. Essa autonomia por um lado representa uma grande conquista para o trabalho

docente, por outro, impede a reflexão crítica de algumas questões. Durante alguns encontros

foi pedido aos professores que apresentassem um relatório sobre a realização de algumas

atividades.

Um deles foi pedido ao final da discussão sobre o trabalho com Ciências. Houve um

murmurinho, questionando a necessidade da entrega. Jane esclareceu que poderiam relatar a

realização ou não dessa atividade em sua sala de aula. No entanto as atividades de Ciências

realizadas nesse encontro foram articuladas à alfabetização, justamente para oportunizar às

cursistas essa vivência. Jane tentou provocar uma discussão para compartilhar idéias sobre os

assuntos abordados, mas poucas foram as participações, o que despertou a desconfiança de

que não se tem trabalhado com Ciências na fase de alfabetização. Ao final Jane suscitou a

percepção das professoras, comentando que “aquilo que cada uma fez, quando vocês estavam

interagindo, participando, construindo o terrário, conversando, tirando dúvidas, fazendo

perguntas, ali, naquele momento vocês também estavam construindo conceitos, assim como

as crianças”. Jane pretendia que as professoras compreendessem a relação entre o que

realizaram e aquilo que poderiam provocar nas crianças Uma tentativa de provocar nas

professoras o pensar sobre o que fazem em sala de aula, procurando compreender a prática

pedagógica do seu cotidiano, algo que para ser realizado necessita ser percebido, conforme

aborda Vázquez (1977).

Os conflitos gerados pela resistência à aceitação dos pressupostos disseminados por

novas teorias – que não são tão novas assim, como a construção do terrário para explorar os

conteúdos da área de Ciências, algumas vezes postergam relevantes discussões, atendo-se a

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detalhes pouco significantes. Ao invés de discutir as questões pertinentes ao trabalho com

Ciências, às indagações das crianças a respeito do assunto estudado, ao rumo que poderia

tomar a pesquisa em sua sala de aula, reclamavam por ter que redigir um relatório sobre a

realização ou não da atividade.

Alguns, indignados questionaram: “mas é preciso mesmo trazer o relatório?” Essa

discussão poderia representar um momento riquíssimo de elaborações interessantes sobre a

realização da atividade, apontando suas adequações, inadequações e sugestões para adaptar às

diferentes realidades.

Tanto as atividades propostas no curso realizado pelo CRA/CEF 18 (2007), como as

propostas por Ana no espaço/tempo da coordenação pedagogia priorizam as idéias de

Contreras (2002), apontando a necessidade de que seja oportunizado ao professor conhecer

teoria e práticas críticas que lhes permitam compreender e reelaborar ações praticadas ao

desenvolverem o trabalho docente. Para Contreras (ibid.), esse conhecimento permite ao

professor adentrar a sala de aula com um olhar investigativo, podendo lançar mão deles para

compreender as diferentes nuanças que envolvem seu trabalho. Contreras (ibid,) ressalta a

importância desse conhecimento para que, à luz dele, o professor possa refletir sobre as

dificuldades encontradas no dia-a-dia, extrapolando a análise das experiências imediatas e da

rotina cotidiana da sala de aula, associando-as ao contexto sócio-histórico cultural em que

ocorrem. O autor alerta o professor de que:

Conforme sua prática fica estável ou restritiva, seu conhecimento na prática se torna mais tácito e espontâneo. É esse conhecimento profissional que lhe permite confiar em sua especialização. Porém, à medida que os casos reflitam diferenças, ou lhe criem dúvidas [...]. Seu conhecimento profissional acumulado e tácito se mostra insuficiente para dar conta deste caso e são outros os recursos que irá utilizar. Necessita refletir, confrontar seu conhecimento prático com a situação para a qual o repertório disponível de casos não lhe proporciona uma resposta satisfatória (2002: 107-108).

A reflexão imediata sobre os acontecimentos cotidianos pode, algumas vezes, ficar

atrelada ao senso comum, caso não ultrapasse o contexto da sala de aula. Contreras (2002)

adverte que dessa forma a reflexão fica submetida somente à experiência do professor. Para

confrontar o seu conhecimento prático torna-se necessário que o professor disponha de algo

mais que esse conhecimento, razão pela qual, precisa inserir, nessa reflexão, teorias que

permitam a ele ir além da situação.

As professoras pesquisadas desejavam, assim como reforça Houssaye (1995), que a

especificidade da formação pedagógica seja não a de “refletir sobre o que se vai fazer, nem

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sobre o que se deve fazer”, mas refletir sobre o que elas fazem (1995: 28 apud PIMENTA e

GHEDIN, 2005: 173, grifo meu). Explicitam essa busca ao comentarem que “a gente queria,

que quando a gente chegasse ao curso Alfabetizando no BIA, encontrasse” referenciais que

ajudassem a resolver “esse problema de receber os alunos dentro da faixa etária sem a

mínima condição de estar naquela etapa”. Apontam a decepção que tiveram “porque nós

não encontramos” subsídios, “parece que ninguém tinha resposta para isso”, e concluiu que

“não encontrei ainda” tais referencias, “porque eu acho que todo mundo coloca muito lindo

no papel, ‘faz trabalho diversificado, faz isso, dá atendimento’”, esquecendo-se de

oportunizar o contato com elementos que possam contribuir para que o trabalho diversificado

aconteça, atendendo a esses objetivos, permitindo ao professor construir um novo olhar para a

sala de aula, diferente do que ocorreu e ainda ocorre em algumas poucas escolas que possuem

turmas multisseriadas.

A educação continuada quando adentra à sala de aula, permite ao professor analisar as

situações que ocorrem no cotidiano, possibilitando a reflexão daquilo que se faz. Fato que

aconteceu quando a professora Suzi analisou os dados da terceira avaliação de sua turma, em

agosto de 2007. Ao analisar as avaliações, a professora Suzi ficou encantada com os

resultados do trabalho realizado. Ela comentou “veja como está agora o Francisco. Essa é a

primeira avaliação, só escrevia palavras, fez apenas uma frase para o texto. Agora está

demais, escreveu um texto, e conseguiu expressar a idéia. Ainda tem muita palavra escrita do

jeito que ele fala, mas o pensamento dele foi compreendido”.

As professoras Jane e Lúcia precisaram de algumas avaliações de crianças

alfabetizadas para serem analisadas no Fórum com os coordenadores. Para isso pediu algumas

das avaliações realizadas nas turmas das professoras Suzi e Lara. A professora Lara, assim

como professora Suzi, também, estava deslumbrada com os resultados da terceira avaliação.

Estava difícil escolher uma dentre as demais avaliações para realizar o empréstimo.

Lara mostrava a coletânea que havia organizado, com as três avaliações de cada criança e

apontava o crescimento de cada uma delas. Havia crianças que estavam utilizando

corretamente a pontuação, o parágrafo, a letra maiúscula no início da frase, todas aquelas

questões que explorava incessantemente durante a aula. Lara comentou “esta aqui é a

primeira avaliação. Esta é a terceira. Veja como está organizado e que riqueza de detalhes

na produção do texto”.

O trabalho docente realizado pelas professoras estava estreitamente organizado em

consonância com a educação continuada oportunizada pelo CRA/CEF 18, durante a

coordenação pedagógica. Antes as professoras realizavam, por diversas vezes, a mesma

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avaliação diagnóstica, utilizando as mesmas palavras e o reconto da mesma história, agora

estavam mudando. A cada avaliação o grupo de professores planejava uma nova história para

ser recontada, com palavras diferentes, mas contemplando as questões ortográficas que

necessitava serem trabalhadas em cada uma das etapas. O planejamento da terceira avaliação

foi proposta como uma atividade para o Reagrupamento Interclasse. A história escolhida foi

“A casa sonolenta” que foi adaptada às necessidades, conforme as orientações para

organização das avaliações, recebidas durante a realização da 1ª oficina (2007).

As situações elaboradas, discutidas, planejadas e realizadas pelo grupo de professores

do BIA, no CEF 18, e pela equipe do CRA, sediado nessa mesma escola, foram relatadas com

a intenção de evidenciar as articulações tecidas entre a educação continuada vivenciada e o

trabalho docente por elas desenvolvido. A educação continuada compreendida como um

processo que acontece influenciado pela complexidade em que se encontram envolvidos os

professores, a escola, a comunidade, a educação, a sociedade como um todo. Um rizoma

produzido na amplitude entre todas essas articulações.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE AS TRAMAS TECIDAS

A Educação Continuada precisa promover a reflexão sobre sua prática e incentivar a parceria, para que realmente consiga mostrar o que você fez, porque deu ou não certo e o que pode fazer para resolver os problemas que surgem. (Professora Maria).

Para tecer a trama desta pesquisa imbriquei-me na complexidade vivida pelo CEF 18

de Taguatinga na intenção de investigar como professoras atuantes nos anos iniciais do

Ensino Fundamental articularam educação continuada, coordenação pedagógica e trabalho

docente. Essa compreensão implicou o efetivo acompanhamento tanto do trabalho docente

realizado pelas interlocutoras da pesquisa como pelo contorno vivido, pensado e sentido por

elas.

O trabalho empírico possibilitou-me perceber diversas questões do cotidiano escolar,

dentre as quais pretendo destacar algumas, como a importância de apresentar a experiência da

educação continuada promovida pela equipe do CRA/CEF 18 e o trabalho docente realizado

pelas professoras e pela coordenadora do BIA nesta escola. Considero essas práticas

pedagógicas relevantes, principalmente pelo fato de que ocorreram no espaço de uma escola

pública, vencendo adversidades que, por vezes, podem interferir na boa qualidade do processo

educativo.

A educação no Distrito Federal, em especial no que se refere aos anos iniciais do

Ensino Fundamental, venceu algumas adversidades, principalmente por meio da incessante

luta da categoria e de movimentos sociais e políticos. Conquistas que oportunizaram a

melhoria de condições de trabalho para que os professores pudessem ressignificar o trabalho

docente desenvolvido. Houve a implantação da Escola Candanga, uma política educacional

que instituiu a jornada ampliada - os professores passaram a exercer regência de classe em

uma única turma, sendo que quinze, das quarenta horas da carga de trabalho, foram destinadas

à coordenação pedagógica; momento que representou o espaço/tempo para discutir, refletir, e

construir coletivamente o trabalho docente. Infelizmente, nos últimos tempos, essa conquista

tem provocado polêmica com a determinação de se realizarem, nesse momento, outras

atividades, inclusive a substituição de professores impossibilitados de estar presentes em suas

salas de aula, por diferentes motivos. Em seguida, foi oportunizada a educação superior à

quase totalidade de seus professores, por meio da educação continuada e em serviço. Com a

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implantação do BIA foi criado o CRA, um espaço para desencadear e subsidiar reflexões

coletivas entre os docentes que atuam nos anos iniciais de alfabetização, no momento da

coordenação pedagógica.

Mediante tais condições, o CRA/CEF 18 desenvolveu um trabalho com a intenção de

articular as situações de educação continuada à coordenação pedagógica e ao trabalho docente

desenvolvido, tanto pelas professoras atuantes nas três etapas do BIA, como pela coordenação

pedagógica de cada escola.

A concepção de educação continuada apresentada pelas situações promovidas pela

equipe desse CRA, nos anos de 2006 e 2007, período em que se realizou esta pesquisa, foi

pautada na intenção de ressignificar o espaço/tempo da coordenação pedagógica por meio

da educação continuada. Para tanto incentivaram a instituição da reflexão coletiva nesse

espaço/tempo, transformando a escola no lócus privilegiado da educação continuada,

conforme propõe, dentre outros Candau (2003).

As situações de educação continuada planejadas pelo CRA/CEF 18 foram entrelaçadas

de forma que possibilitaram o acompanhamento do trabalho realizado pelos professores

atuantes nas três etapas do BIA. Os professores tiveram a oportunidade de participar de

cursos, oficinas e palestras, com a finalidade de efetivar a educação continuada promovida

pela equipe desse CRA que realizou, ainda, o fórum de coordenadores e visitas às escolas. Em

2007, assegurou uma vaga no curso para o representante e/ou coordenador pedagógico de

cada escola.

Para instituir a cultura coletiva da pesquisa, do estudo e da reflexão, foi proposto

pelo curso “Ressignificando a Prática Pedagógica à luz do Pós-construtivismo” a organização

de grupos de estudo em cada uma das 31 escolas atendidas por esse CRA. O coordenador

e/ou representante pedagógico foi o responsável por essa organização, bem como pelo

acompanhamento e realização das atividades. Assim, fica claro que os espaços e tempos são

necessários, mas dependem de ações bem orientadas, organizadas e partilhadas para que

ganhem vida coletiva e pedagogicamente estruturada.

As atividades propostas aos docentes foram planejadas de forma que os professores

vivenciaram situações que puderam realizar em sua sala de aula, conforme propõe

Libâneo (2005). Segundo o autor, para que o professor trabalhe numa determinada

abordagem, torna-se necessário que seu processo de formação seja pautado nas características

desse paradigma.

As avaliações diagnósticas, realizadas nos primeiros encontros, oportunizaram o

confronto entre os saberes dos professores e propostas para o processo de alfabetização. Ao

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concordar ou discordar das questões apresentadas, os professores revelaram elementos que

subsidiaram o planejamento das situações de educação continuada a eles propostas pelo

CRA/CEF 18. Considerar as representações dos professores para organizar o planejamento

também oportunizou que fosse priorizado aquilo que era significativo para eles. Essa

situação permitiu consolidar o proposto por Marin (2003) ao recomendar que os cursos de

educação continuada considerem as representações trazidas pelos professores, como subsídio

para a sua organização.

As situações propostas oportunizaram aos professores a apropriação de referenciais

para os auxiliar no planejamento do trabalho que realizavam. Ao promover esse tipo de

reflexão tiveram a intenção de articular o trabalho docente, que é prática social, à realidade

vivenciada em sala de aula, por meio do acompanhamento do trabalho desenvolvido na

coordenação pedagógica e em sala de aula.

O acompanhamento realizado pelo CRA ocorreu por meio das atividades realizadas

nos grupos de estudo, durante as coordenações pedagógicas. Nesse momento, cada professor,

de posse do acompanhamento dado aos resultados das avaliações diagnósticas e análises das

aprendizagens elaboradas pelas crianças no processo de aquisição do conhecimento, pôde

analisar os resultados, observar as diferentes nuanças apresentadas, interrogar-se e organizar o

trabalho a ser desenvolvido. O que possibilitou ao professor se auto-avaliar como

profissional, uma vez que a análise dos dados refletia tanto o trabalho realizado pelo

professor, como pelo coletivo da escola.

A compreensão da necessidade do atendimento às expectativas das crianças em

consonância com as etapas do processo de alfabetização permitiu a realização de um trabalho

reflexivo, em que as decisões foram tomadas a partir de um referencial, e não apenas, partindo

do currículo prescrito pelo senso comum. As professoras pesquisadas consideraram

indispensável o conhecimento dessas características, justificando que, dessa forma, alunos e

professora podem vivenciar, com mais efetividade o processo educativo. O trabalho docente

pautado nessa concepção corrobora com o proposto por Freitas (2002, 2003, 2005), na medida

em que promove a progressão da criança no processo de alfabetização, subvertendo a

internalização da exclusão.

A cultura da discussão das inquietações cotidianas à luz de um referencial teórico,

realizada pelo coletivo da escola, substituiu a reflexão do senso comum por análises crítico-

reflexivas. Ao oportunizar a vivência de situações para a organização do trabalho docente, as

situações de educação continuada também superaram a fragmentação dos conteúdos.

Possibilitaram o encadeamento das ações, de forma que os professores puderam perceber a

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relação entre uma atividade e outra, observando que há sempre uma teoria sustentando a

prática, superando a visão do oferecimento de caminhos, reconfigurando-os como meio de

análise crítica, alargando a compreensão de trabalho docente como prática social, que se

realiza em diferentes contextos. Sendo assim, essas atividades possibilitaram a apropriação da

proposta pedagógica que praticavam, diferentemente das situações pautadas na prescrição de

idéias a serem aplicadas. A proposta pedagógica foi vivenciada e analisada, conforme

advertem, dentre outros, Zeichner (1993), Marin (1995) e Pimenta e Anastasiou (2005).

A articulação entre a educação continuada e o trabalho docente, desenvolvido na

coordenação pedagógica, ocorreu na medida em que houve a discussão de questões

relevantes para a organização do trabalho docente de cada professor e do coletivo da escola.

Uma reflexão que inclui compromisso e responsabilidade com a educação pública,

conforme exposto por Freitas (2002).

As discussões sobre “Registros Avaliativos”, “Características dos Níveis da

Psicogênese”, “Reagrupamento Interclasse”, “Projeto Interventivo” e “Atividades Didáticas”

oportunizaram o contato com referenciais orientadores que auxiliaram os professores a

organizar o trabalho realizado em sala de aula. O “Acompanhamento” do trabalho

desenvolvido em cada uma das quinze turmas distribuídas entre as três etapas do BIA no CEF

18 apresentou questões relevantes para o caminhar, tanto de cada turma como da escola

como um todo.

O relevante trabalho, realizado no BIA pelas professoras pesquisadas, provém do

permanente processo de educação continuada, das discussões coletivas oportunizadas pela

própria escola, pelo CRA/CEF 18 e pelas articulações tecidas entre as situações vivenciadas

no desenvolvimento da profissão, mediante conflitos, rupturas com algumas práticas e

constantes elaborações e reelaborações do trabalho pedagógico.

Dentre as articulações que puderam tecer entre a educação continuada e o trabalho

que desenvolveram em sala de aula, as três professoras organizaram o acompanhamento

de suas turmas, realizando as avaliações diagnósticas e registrando os resultados no gráfico

elaborado pela coordenadora pedagógica. Partindo desses resultados, planejaram e

executaram o Reagrupamento Interclasse, o Projeto Interventivo e algumas situações

didáticas. Consideraram as características de cada etapa do processo de alfabetização

para organizar tais atividades. Estabeleceram um constante diálogo com as crianças, o que

lhes permitiu conhecer o “pensamento inteligente” que elas expressavam, e partindo dessas

representações, oportunizaram aprendizagens. Respeitaram as hipóteses das crianças porque

conheciam as especificidades das características de cada etapa do processo de alfabetização.

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As situações de educação continuada instituídas pelo CRA/CEF 18 tiveram o intuito

de romper com a concepção instrumentalizadora, apresentada numa das partes da Proposta

Pedagógica (2006). Isso foi possível porque contou com pessoas que compreenderam as

ressignificações destacadas por Marin (1995, 1998) e buscaram instituí-las, considerando a

escola como lócus privilegiado para essa educação. Incentivaram também os professores “a

serem mais questionadores, reflexivos, ao focalizar as realidades vivenciadas ou observadas

na realidade escolar e serem criativos, pensando e propondo alternativas com perspectiva de

atuação para uma educação qualitativamente superior” (Marin, 2005: 90).

A efetividade e a contribuição do trabalho realizado pelo CRA/CEF 18 (2006, 2007)

representou uma outra concepção de educação continuada, muito embora essa realidade não

aconteça em todas as situações propostas aos professores. Para que isso venha a ocorrer

diferentes variáveis precisam ser revistas e o processo sempre avaliado, além da sempre

vigilante revisão de concepções dos profissionais envolvidos.

O interessante e o significativo do trabalho docente realizado no e pelo CRA/CEF 18

foi por vezes ofuscada por algumas questões institucionais. As inquietações geradas pela

substituição embaraçaram o andamento das atividades, pois algumas vezes impediu a

participação dos professores nos momentos dedicados ao processo de educação continuada.

Os conflitos gerados pela resistência à aceitação dos pressupostos disseminados por novas

teorias, algumas vezes postergaram relevantes discussões, atendo-se a detalhes pouco

significantes. Mas estes são também elementos que compõem os cenários de reconstruções.

Outra questão deveras importante atrelada a essa resistência refere-se à autonomia do

professorado para realizar o trabalho docente. Trata-se de um aspecto de mérito indiscutível,

uma vez que já é consenso a necessidade de autonomia do profissional docente. Mas também

é consenso que essa autonomia precisa estar atrelada ao compromisso de fazer bem o que se

faz. E como nem sempre isto ocorre, o trabalho autônomo, algumas vezes, pode ter impedido

a realização de reflexões críticas no trabalho desenvolvido em sala de aula.

Outro inconveniente guarda estrita relação com a avaliação e representa um imenso

desafio para os cursos de formação: o acompanhamento do processo de aprendizagem dos

professores nas situações de educação continuada. Caso a equipe contasse com mais

profissionais para desenvolver o trabalho, poderia, dentre outras situações, ter elaborado um

porta-fólio do curso em que o próprio professor iria registrando e analisando sua caminhada

durante o processo de formação. Mas isso requer um acompanhamento processual, individual

e sistematizado, complicado para ser realizado por apenas três profissionais, tendo 133

cursistas e, ainda, a responsabilidade pela organização das outras situações de educação

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continuada promovidas no e pelo CRA.

Outro ponto, que agrava ainda mais essa situação, diz respeito à falta de hábito do

professor em registrar seu trabalho. Na maioria das vezes, o registro resume-se ao caderno de

planejamento, enquanto poderia ser realizado, ao longo do processo, com a participação das

crianças, por meio da avaliação de aprendizagens, usando um porta-fólio individual ou

coletivo. Ou mesmo pela simples instituição de um caderno de registros, com a organização

de uma coletânea de avaliações diagnósticas, com gráficos de acompanhamento dos níveis da

psicogênese, demonstrados pelo andamento de cada criança e da turma. O que certamente

torna-se um quesito indelével para fundamentar a reflexão crítica dos resultados apresentados

pelo trabalho realizado.

Todavia, vale ressaltar que o processo de educação continuada deve ser constante,

renovado, reolhado, revisitado para ser reelaborado e constituir-se referência na educação do

professor intelectual crítico-reflexivo e pesquisador de sua prática (ZEICHNER, 1993),

instigado pela curiosidade epistemológica, conforme propõem, dentre outros, Freire (1996,

2000) e Pimenta e Ghedin (2005).

As situações propostas pelo CRA/CEF 18 (2006, 2007) procuraram incentivar os

professores a tornarem-se autônomos na busca da compreensão das questões do dia-a-dia da

sala de aula e da escola, aliada a coordenação pedagógica local e direção. Essa vivência teve a

intenção de ressignifcar a cultura da coordenação pedagógica, instituindo uma outra educação

no espaço/tempo da coordenação pedagógica. Uma reflexão pautada no princípio de

Houssaye quando diz que não se deve “refletir sobre o que vai fazer, nem sobre o que se deve

fazer, mas sobre o que se faz” (1995: 28 apud PIMENTA e GHEDIN, 2005: 173, grifo meu).

A educação continuada vivida em sua plenitude pode tornar-se um importante

processo de construção de boas condições para a realização do trabalho docente. As

experiências, aqui relatadas, representam um processo marcado por expectativas, desejos,

lutas, disputas e muitos planejamentos, na instituição do BIA, na cidade de Taguatinga – DF.

Uma história que passou por diferentes trajetos, com caminhos sinuosos, inesperados,

imprevisíveis, na companhia de profissionais guerreiras e essencialmente dispostas a encarar a

luta por uma educação de boa qualidade. Profissionais capazes de assumir novos desafios,

vislumbrando reinaugurar uma nova realidade para o cenário da escola pública do DF.

Isso nada mais é que buscar instituir uma educação emancipadora, numa escola dos

sonhos que há tanto se tenta construir: com professores e crianças emancipadas, como Freire

(2000) sonhava e, ao mesmo tempo alertava, dizendo que essa mudança é difícil mas possível.

Para consolidá-la torna-se fundante lançar-se nessa caminhada, por meio de ações que se

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conquistam e constroem passo a passo.

Ao encerrar a presente pesquisa destaco o quão gratificante foi investigar o espaço da

escola pública, que suscita ainda muita investigação. Entendo que a articulação entre trabalho

docente, educação continuada e coordenação pedagógica representa um grande desafio, que

pode ser superado com o trabalho de profissionais capazes e comprometidos. Assim, não

basta que professores tenham a concessão do espaço e o do tempo para pressupor a superação

do desafio, mas que construam, dia após dia, a conquista de preservá-los, por meio do

desafiante processo de revisão de concepções, organizações e avaliações. Para tanto, além das

ponderações já expressas, é importante compreender que a educação não pode prescindir de

profissionais comprometidos, e aqui nos referimos a todos aqueles que vivenciam a cada dia o

trabalho pedagógico com a convicção de que é possível fazer uma escola pública de boa

qualidade.

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________. Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização – versão revista. Brasília, 2005. ______. Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização – Proposta Pedagógica - versão revista. Brasília, 2006. ________.Por dentro do BIA: Marcos Regulatórios. PNE. Slides EF 9 A – 18 de março de 2006. _______. Portaria Nº 30. Brasília, 2006. mimeo. _______. Proposta Pedagógica do Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga – Projeto Político Pedagógico. Brasília, 2006. ________. Regimento Escolar das Instituições de Ensino da Rede Pública do Distrito Federal. 2ª ed. Brasília, 2001. ________. Diretoria de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Programa Quanto mais cedo Melhor. Brasília, 2004. SEVERINO, Joaquim Antônio. Pós-Graduação e pesquisa: o processo de produção e de sistematização do conhecimento no campo educacional. In: BIANCHETTI, Lucídio; NETO, Ana Maria. (Orgs.). A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação de teses e dissertações. Florianópolis: Ed. Cortez, 2006, p. 66- 87. SOUZA, Vera Lúcia Trevisan de. A coordenação pedagógica e a constituição do grupo de professores. In: PLACCO, Vera M. N. de Souza; ALMEIDA, Laurinda R. de. (Orgs.). O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. 3ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005, p.93- 112. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. TOLENTINO, Maria Antônia Honório. Porta-Foliando: ...a Construção de uma Práxis na Educação Infantil. Trabalho de Conclusão do Curso. Universidade de Brasília. Brasília, 2004. mimeo. ______. Porta-fólio do Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga. Brasília, 2006, mimeo.

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VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia da Práxis. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. VEIGA, Ilma P. A.. Avanços e equívocos na profissionalização do Magistério e a nova LDB. Capítulo 4 In: VEIGA, Ilma P. A. (Org.).Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas/São Paulo: Papirus, 1998, p. 75- 98. ______. Professor: tecnólogo do ensino ou agente social? In: VEIGA, Ilma P. A.; AMARAL, Ana Lúcia. (Orgs.). Formação de Professores – políticas e debates. Campinas/SP: Papirus, 2002. p. 85-86. VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. A Avaliação no Bloco Inicial de Alfabetização no DF. Disponível em: <http//www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT13-1708--Int.pdf>. Acesso em novembro de 2006. ______. Significado do Trabalho e do trabalho escolar. In: Bases Pedagógicas do Trabalho Escolar II e III. Módulo I, volume I, Curso de Pedagogia para Professores no Início de Escolarização – PIE, FE/UnB, 2002, p. 194- 207. ______. Trabalho docente: proletarização ou profissionalização? In: Bases Pedagógicas do Trabalho Escolar II e III. Módulo I, volume I, Curso de Pedagogia para Professores no Início de Escolarização – PIE, FE/UnB, 2002, p. 174- 190. ZEICHNER, Kenneth.M. A formação reflexiva do professor: Idéias e Práticas. Tradução de Maria Nóvoa. Lisboa: Educa, 1993. _______. A pesquisa-ação e a formação docente voltada para a justiça social: um estudo de caso dos Estados Unidos. In: DINIZ PEREIRA, Júlio Emílio; ZEICHNER, Kenneth. M. (Orgs.). A Pesquisa na formação e no trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p. 67- 93.

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ANEXO A - Ordem de serviço DODF

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APÊNDICE A - Autorização para uso do nome CEF 18

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Faculdade de Educação Mestrado em Educação Orientadora: Drª Lúcia Maria Gonçalves de Resende Mestranda: Maria Antônia Honório Tolentino

Pedido de AUTORIZAÇÃO

Eu, Maria Antônia Honório Tolentino, mestranda do Programa de Pós-

Graduação em Educação - Mestrado em Educação - da Faculdade de Educação da

Universidade de Brasília venho por meio desta pedir à Diretora do Centro de Ensino

Fundamental 18 de Taguatinga, em 2006, Professora Maria de Fátima Silva Godoy e sua

equipe de trabalho a autorização para identificação desta escola, em minha pesquisa. Não

poderei garantir seu anonimato, uma vez que, no decorrer da pesquisa, descreverei

características que lhe são peculiares e que por meio delas seria revelado sua identificação.

Desde já agradeço a compreensão e colaboração da equipe de trabalho desta

escola.

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APÊNDICE B - Roteiro das observações Educação Continuada

Roteiro para Observações das situações de EDUCAÇÃO CONTINUADA

Interlocutora: Professoras das Etapas I, II e III, coordenadora pedagógica do BIA no CEF 18 e equipe do CRA/CEF 18

Período de observação: durante as Oficinas, Palestras, Curso e Fórum Permanente de Discussão.

Duração: 3 h diárias

OBJETIVO:

1. Analisar as concepções de educação continuada que alicerçam a proposta pedagógica do BIA; 1.1. Propõe a análise reflexiva do cotidiano, partindo da prática concreta: compreendendo o cotidiano da sala de aula, da instituição escolar e da sociedade, ultrapassando os muros da escola em busca de informações para dar conta da problemática que o envolve (30); 1.2. Supera a visão do oferecimento de caminhos metodológicos, reconfigurando-os como meio de análise crítica, alargando a compreensão de trabalho docente como prática social, que se realiza em diferentes contextos; 1.3. A reflexão inclui o compromisso e a responsabilidade com a educação pública (31);

1.4. Incita o professor a promover um ensino que assegure a entrada e a permanência dos estudantes procedentes (33); 1.5. Considerar a educação como prática social;

1.6. Lê criticamente a profissão (Pimenta e Anastasiou, 2002 - 33); 1.7. Tem como referência fundamental o saber docente (idem) 1.8. Oportuniza a visão dos saberes do professor em relação a seu trabalho (31); 1.9. Confronta os saberes do professor (idem) 1.10. Prioriza a pesquisa (ANDRÉ e OLIVEIRA, 1997 – Pesquisa/33); 1.11. Promove a articulação entre seus saberes do professor e a realidade vivida; incitando a busca por informações para compreender os questionamentos do dia a dia, construindo um repertório de conhecimentos práticos sendo que, ao perceber que os novos problemas superam este repertório, se lança na busca por teorias para iluminar sua inquietação, imbricando numa investigação que denomina reflexão sobre a reflexão na ação; 1.12. Promove a reflexão crítica sobre a educação que praticam, buscando questioná-la; 1.13. Incita a articulação entre os saberes da prática aos saberes teóricos, buscando ressignificá-los; 1.14. Promove a reflexão sobre o que se faz, cultivando habilidades de investigação sobre o ensinar, encorajando a problematização do que se faz para refletir o que se deve fazer; 1.15. Busca mudar o paradigma epistemológico imbuindo o docente de elementos para compreender a simbiose teoria e prática; 1.16. Compreende a simbiose teoriaprática (eu: 34); 1.17. Oportuniza situações para romper com as concepções cristalizadas, com os princípios do trabalho pedagógico que desenvolvem; 1.18. Promove a reflexão sobre as dificuldades e os problemas detectados na própria escola; 1.19. A formação pauta-se na prática orientada para a pesquisa; 1.20. Promove a autonomia, oportunizando ao professor o poder para definir as normas sobre a docência;

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1.21. Organiza situações para que o professor organize seu trabalho continuadamente evitando a fragmentação dos conteúdos (31); 1.22. Percebe o docente como sujeito único, singular (idem); 1.23. Considera a história de vida (Marin, 2003 - 16); 1.24. Considera o processo de constituição da identidade do ser professor de cada um (Marin, 2003 - 34); 1.25. Considera as fases em que se encontram os sujeitos envolvidos na formação (idem). 1.26. Considera as representações dos professores, tomando-as como subsídios para a organização dos cursos de formação (Marin, 2003 - 163); 1.27. Considera como lócus privilegiado de formação a própria escola; (Candau,2003 - 33); 1.28. Tem um olhar perspicaz e engenhoso para os docentes assim como deve ser o olhar deles para com os estudantes; 1.29. Firma-se na intenção de que profissional se quer formar; 1.30. Subverte princípios capitalistas; 1.31. Há busca por respostas aos questionamentos; 1.32. Oportuniza situações que proporcionem uma formação docente criadora; 1.33. Há a determinação, no calendário escolar, da data da realização da conversa entre professores; 1.34. O processo de formação é organizado pelo coletivo da escola (Fusari, 2003 - 43); 1.35. Os professores se apóiam e se estimulam mutuamente, criando condições para que ocorram mudanças institucionais e sociais (1992, apud Pimenta e Gedhin, 2005 - 43); 1.36. Observa e formula questionamentos e hipóteses, seleciona informações que podem contribuir para responder às questões e oportuniza momentos de expressão de suas descobertas (idem); 1.37. Considera em sua proposta que o professor tem carência de conhecimento do conteúdo das diversas áreas;

1.38. Dificuldades em identificar as concepções em que pautam seus saberes se são mecanicistas, míticas, utilitaristas; 1.39. Dificuldades em priorizar conteúdos;

1.40. Dificuldades no enfoque dado à avaliação;

1.41. Dificuldades no enfoque dado à disciplina;

1.42. Dificuldades em identificar os pressupostos do trabalho que desenvolvem;

1.43. Dificuldades de perceber os estudantes como parceiros de seu trabalho;

1.44. Dificuldade de perceber o percurso do estudante na progressão escolar;

1.45. Dificuldades de perceber a presença, em suas ações, da profecia auto-realizadora.

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APÊNDICE C - Roteiro das observações Trabalho Docente

Roteiro para Observações do TRABALHO DOCENTE

Interlocutora: Professora da Etapa I, II e III

Período de observação: 15 dias

Duração: 4 h 30 min

OBJETIVO:

2. Analisar como as professoras articulam as possíveis contribuições desencadeadas pelo processo de formação continuada proposta pelo BIA ao trabalho docente que desenvolvem em sala de aula.

Questões a serem observadas 2.1. Pratica uma educação com princípios para ascender/emancipar (240); 2.2. Tem compromisso e responsabilidade com a educação pública (Freitas, 2005); 2.3. Apego ao arraigado no processo educacional; 2.4. Pratica ações apolíticas; 2.5. Pratica ações com princípio político; 2.6. Burla propostas; 2.7. Engendra um novo modo de agir; 2.8. Considera-se um professor pesquisador, praticando a reflexão sobre a ação; 2.9. Questiona sua prática; 2.10. Reconhece seu comprometimento social com a sociedade; 2.11. Sua prática encontra-se esvaziada de teoria; 2.12. Percebe a teoria articulada à prática (Práxis/ Vazques; 237); 2.13. Práxis Reflexiva: tem consciência da atividade prática, volta-se sobre si mesmo e sobre a atividade material que se realiza (idem: 45); 2.14. Prática Espontânea: há um baixo grau de consciência ou quase nulo (idem 45); 2.15. Práxis Criadora: cria-se o modo de criar (idem - 44); 2.16. Inventa para enfrentar novas necessidades (idem - 44); 2.17. Prática Reiterativa: Prática esvaziada de teoria (idem), reproduz de algo previamente delineado, já se sabe o que e como fazer. (idem - 44); 2.18. Reflete sobre a reflexão na ação (Schön apud Pimenta, 2005: 20); 2.19. Desenvolve um trabalho docente fragmentado; 2.20. Identifica os pressupostos do trabalho que desenvolve (Marin); 2.21. Introduz o trabalho material; 2.22. Utiliza, na maioria das atividades, o trabalho intelectual; 2.23. Tem autonomia, poder de definição das normas sobre a docência. (Dissertação/32); 2.24. Pratica um ensino que assegure a entrada e a permanência dos estudantes procedentes das classes populares. (idem); 2.25. Seus saberes se pautam em concepções mecanicistas: ensino livresco míticas, utilitaristas (idem); 2.26. Prioriza os conteúdos críticos; 2.27. Prioriza os conteúdos nucleares/clássicos (Saviani: 23); 2.28. Há superficialidade pedagógica no trabalho docente realizado (24); 2.29. Há lógica do praticismo inoperante; 2.30. Há lógica da racionalidade técnica (Veiga, 1998: 95);

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2.31. Observa a presença da profecia auto-realizadora (Marin, 2003: 34); 2.32. Conhece o conteúdo das diversas áreas (idem); 2.33. Questiona sua prática; 2.34. Qual o ofício de aluno pratica (Perrenoud, 1995: 209); 2.35. Utiliza atividades abertas; 2.36. Utiliza atividades fechadas; 2.37. Oportuniza momentos de expressão das descobertas das crianças (Pesquisa/33); 2.38. Identifica o enfoque dado à prioridade de conteúdos (idem); 2.39. Conhece o conteúdo das diversas áreas (idem); 2.40. Reconhece a realidade em que vivem (Marin); 2.41. Oportuniza momentos de expressão das descobertas das crianças (Pesquisa/33); 2.42. Identifica o enfoque dado à prioridade de conteúdos (idem); 2.43. Conhece o conteúdo das diversas áreas (idem); 2.44. Reconhece a realidade em que vivem (Marin); 2.45. Discute a realidade da escola e da sala de aula; 2.46. Considera a realidade como ponto de partida para promover aprendizagens; 2.47. Percebe os questionamentos do dia a dia; 2.48. Realiza atividades emergem das necessidades das crianças; 2.49. Seleciona informações que contribuem para responder as questões (Pesquisa/33); 2.50. Observa, formula questionamentos e hipóteses (Pesquisa/33); 2.51. O contexto cultural dos estudantes dialoga com a cultura da escola (Candau: 42); 2.52. Investiga o processo de reelaboração do conhecimento; 2.53. Identifica o enfoque dado à avaliação (Marin, 2003 - 34); 2.54. Percebe o percurso do estudante na progressão escolar (idem); 2.55. Pratica Avaliação classificatória; 2.56. Pratica Avaliação excludente; 2.57. Pratica Avaliação punitiva; 2.58. Identifica o enfoque dado à disciplina (Marin, 2003 - 34); 2.59. Percebe os estudantes como parceiros de seu trabalho (idem); 2.60. Considera a disciplina como autoridade (Paulo Freire); 2.61. Considera a disciplina como autoritarismo.

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APÊNDICE D - Roteiro das observações Coordenação Pedagógica

Roteiro para Observações da COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA Interlocutora: Professoras das Etapas I, II e III, coordenadora pedagógica do BIA

Período de observação: 45 dias

Duração: 3 h OBJETIVO:

3. Analisar como a coordenação pedagógica desenvolvida na escola articula-se às propostas de formação continuada oportunizadas pelo BIA.

3.1. Há reflexão sobre as dificuldades extrapolando a análise das suas experiências imediatas e da rotina cotidiana da sala de aula, associando-as ao contexto sócio-histórico cultural em que ocorrem, buscando teorias críticas que lhes permitam compreender e reelaborar ações; 3.2. Há a investigação do cotidiano da sala de aula (42); 3.3. Percebe-se a reflexão/discussão realizada no coletivo (35); 3.4. Observa-se a consideração do processo de aprendizagem da criança para planejar as atividades (42); 3.5. Busca-se compreender as necessidades dos estudantes, debruçando sobre as atividades, questionando o planejamento realizado naquele dia, identificando lacunas e conquistas, refletindo sobre a reflexão de sua ação, sobre o que se faz no cotidiano, investigando o processo de reelaboração do conhecimento, criando situações para promover o avanço das crianças nas aprendizagens (42). 3.6. Este espaço/tempo é utilizado para o estudo e discussão da realidade da escola e da sala de aula (42); 3.7. O espaço/tempo da coordenação é utilizado para o estudo (14); 3.8. Toma como responsabilidade a busca de respostas dos questionamentos de sua comunidade (43); 3.9. Vê coordenação pedagógica como locus de formação (43); 3.10. A coordenação é organizada pelo coletivo da escola (determinam no calendário escolar, a data de sua realização) (43); 3.11. Sente a necessidade de um vasto arcabouço teórico (43); 3.12. As situações cotidianas são discutidas pelo grupo de educadores à luz de um referencial teórico, (André, 2005- 43); 3.13. Entrelaça os elementos que fluem do cotidiano à luz de um referencial teórico 3.14. Pauta-se numa prática esvaziada de teoria (43) 3.15. Reflete sobre a prática pedagógica elevando-a a práxis; 3.16. Compreende a práxis percebendo-a como “atividade objetiva e transformadora da realidade natural e social” Vázquez (1977: 235 - 43); 3.17. Pauta-se numa Práxis criadora (cria-se o modo de criar, 44;) 3.18. Pauta-se numa Práxis reiterativa ou imitativa (já se sabe o que e como fazer); 3.19. Pauta-se numa Práxis reflexiva (volta-se sobre si mesmo e sobre a atividade material que se realiza: 45); 3.20. Pauta-se numa Práxis espontânea (há um baixo grau de consciência ou este é quase nulo: 45); 3.21. Participa da concepção de propostas pedagógicas; 3.22. Cumpre o que está prescrito; aceita o instituído; 3.23. Busca romper com o instituído/instituinte; 3.24. Participa da construção do P.P.P. (docentes e comunidade escolar).

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APÊNDICE E - Roteiro para a Entrevista com as professoras regentes e coordenadora do BIA no CRA CEF 18

Roteiro para Entrevista

Interlocutoras: Professoras Regente na Etapa I, II e III e coordenadora do BIA.

Duração: 1h

Local: conversa (agendada) com as interlocutoras no momento da coordenação pedagógica

Previsão da realização de três entrevistas com a presença de todas as interlocutoras

OBJETIVOS QUESTÕES

1. Analisar as concep-ções de educação conti-nuada que alicerçam a proposta pedagógica do BIA;

1. Vocês conhecem o conteúdo da Proposta Pedagógica do BIA como educação continuada?

2. O que a Proposta Pedagógica do BIA contempla como educação aos professores que irão atuar em cada um de suas etapas, pode se referir ao ano passado?

3. Como são realizadas essas situações de educação? 4. O que a EAPE tem oferecido como educação continuada aos

professores que atuam no BIA? Cite-a. 5. E o CRA? 6. O que acontece nesse espaço que tem contribuído para o

trabalho que você realiza? Envolve o trabalho em sala de aula e outras questões?

7. Você considera importante a existência do CRA? Por quê? 8. Qual sua opinião sobre a educação oferecida aos professores

que atuam no BIA? 9. Há discussões teórico- práticas interessantes nesses

momentos de educação? 10. Você acha válida essa discussão teórico- prática oportunizada

pelas situações de educação? Por quê? 11. Você sente necessidade de ter contato com materiais

produzidos que envolvem sua prática? 12. Há nas situações de educação continuada a preocupação em

levar o professor a pesquisar, investigar o dia-a-dia da sala de aula? Quando você percebe que isso acontece?

13. Nas situações de educação continuada você percebe se há preocupação com o compromisso e a responsabilidade social da educação? Como isso fica evidenciado?

14. Como e por quem é feito o acompanhamento do trabalho que vocês realizam em sala de aula?

15. Comente sobre o seu atual momento pessoal e profissional. Você está entusiasmada, encantada, desestimulada por falta de condições de trabalho?

2. Analisar como a coor-denação pedagógica de-senvolvida na escola arti-cula-se às propostas de educação continuada, oportunizadas pelo BIA;

1. Para você o que é esse momento de coordenação pedagógica? 2. Que atividades você realiza nesse momento? Quais você

considera importante para seu trabalho? Por quê? 3. Como está organizado o trabalho docente, (além da sala de

aula), realizado nessa escola, pelas professoras que atuam no BIA?

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4. Nesta escola você encontra espaço e tempo para o trabalho coletivo?

5. A direção participa desse trabalho coletivo? Como? Pra quê? 6. O que você acha que deveria ser priorizado nessas discussões

coletivas? Quem estabelece o que discutir? Os professores devem participar da definição desta proposta?

7. Você o considera importante para o trabalho que desenvolve? Por quê?

8. Você acha importante a presença do coordenador pedagógico? Por quê?

3. Analisar como as pro-fessoras articulam as pos-síveis contribuições de-sencadeadas pelo pro-cesso de educação conti-nuada proposta pelo BIA ao trabalho docente que desenvolvem em sala de aula.

1. O que o CRA tem contribuído com o trabalho que você realiza em sala?

2. Em que as oficinas, palestras e fórum permanente de discussão, proporcionados pelo CRA, contribuem para o trabalho docente que realizam?

3. A forma como são conduzidas as situações de educação continuada para rever e pensar trabalho que você realiza?

4. As situações de educação continuada têm conseguido aproximar-se, das circunstâncias concretas do seu trabalho?

5. Você acha importante conhecer a história de vida de seus alunos? Como faz para conhecê-la?

6. O trabalho docente envolve muitos aspectos, além do trabalho em sala de aula. Aponte as dificuldades e ganhos que vocês encontram para desenvolver que realizam?

7. A gente houve sempre falar em aprender sempre. Como vocês fazem para identificar as necessidades do que querem aprender?

8. O que você considera importante ao organizar seu planejamento semanal? Por quê?

9. Como você realiza o acompanhamento das aprendizagens das crianças? Como vocês chegaram a isso?

10. O que você que faz, considerando o espaço da sala de aula, que promove a aprendizagem de seus alunos.

11. Acredito ser interessante para minha pesquisa, conhecer um pouco mais sobre a trajetória pessoal e profissional de cada uma de vocês. Seria possível? No curso do BIA, no ano passado foi pedido, quem tiver feito pode ser esta mesma, ou então, pode fazer um breve relato. Seria bom fazer um destaque do porquê pela opção pelo BIA (ou então conversar comigo, gravo e degravo).

12. Vocês têm algo mais a acrescentar ou sugerir nessa nossa conversa, para enriquecer minha pesquisa?

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APÊNDICE F - Roteiro para a entrevista com a coordenadora do CRA CEF 18

Roteiro para Entrevista

Interlocutoras: Coordenadora do CRA CEF 18 de Taguatinga

Local: CRA CEF 18

Duração: 2h

OBJETIVOS

1. Analisar as concepções de educação continuada que alicerçam a proposta pedagógica do BIA;

1. Você conhece a proposta para a educação continuada do BIA? Quais pontos você ressaltaria dessa proposta? 2. Como e quem organizou a proposta de educação continuada para o CRA? 3. Você poderia descrever o caminho percorrido para que essa proposta fosse viabilizada? 4. Ao construir esse planejamento, o que foi considerado como objetivo principal a ser atingido pelo CRA? 5. O que você, enquanto coordenadora pedagógica do CRA, buscou priorizar ao organizar o planejamento deste espaço de educação continuada? 6. Os professores percebem a relação teoria e prática? Como isso é revelado?

2. Analisar como a coordenação pedagógica desenvolvida na escola poderá se articular às propostas de educação continuada oportunizadas pelo BIA

1. Como você vê a participação dos professores nessas situações de educação? (oficinas, palestras, fórum permanente de discussão); 2. Que estratégias são utilizadas para que os professores percebam a importância da teoriaprática articulada ao trabalho que desenvolvem? 3. Que dificuldades e facilidades o CRA tem percebido na realização dessas situações de educação?

3. Analisar como as professoras articulam as possíveis contribuições desencadeadas pelo processo de educação continuada proposta pelo BIA ao trabalho docente que desenvolvem em sala de aula.

1. Como definiram o processo de acompanhamento do trabalho docente realizado pelas professoras que atuam nas diferentes etapas do BIA? Em que se basearam? 2. Vocês já possuem pistas sobre a educação continuada oportunizadas pelo CRA? Como trabalham com elas? Que providências têm conseguido tomar? Onde encontram respaldo para as questões que se apresentam no processo de educação continuada? Quem tem ajudado? 3. Que sugestões poderiam acrescentar para enriquecer essa nossa conversa?