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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Faculdade de Educação
EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE
ALFABETIZAÇÃO: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal
Maria Antônia Honório Tolentino
Brasília/DF Dezembro – 2007
MARIA ANTÔNIA HONÓRIO TOLENTINO
EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE
ALFABETIZAÇÃO: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal
Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, área de confluência – Desenvolvimento Profissional Docente, sob a orientação da Profª Drª Lúcia Maria Gonçalves de Resende.
Brasília/DF
Dezembro – 2007
T 649 Tolentino, Maria Antônia Honório.
Educação Continuada e Trabalho Docente no Bloco Inicial de Alfabetização: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal/ Maria Antônia Honório Tolentino – Brasília, DF: [p.195], 2007.
Orientadora: Profª Drª Lúcia Maria Gonçalves de Resende Dissertação (Mestrado) – Universidade de Brasília. 1. Educação Continuada. 2. Trabalho Docente. 3. Coordenação Pedagógica. 4. Bloco Inicial de Alfabetização. CDU 371.13
MARIA ANTÔNIA HONÓRIO TOLENTINO
EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE
ALFABETIZAÇÃO: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal
Banca Examinadora: ______________________________________________________________________
Profª Drª Lúcia Maria Gonçalves Resende (Orientadora – UnB)
______________________________________________________________________
Profª. Drª Eva Waisros Pereira (Examinadora – UnB)
______________________________________________________________________
Profª. Drª Alda Junqueira Marin. (Examinadora– PUC/SP)
______________________________________________________________________
Profª Drª Benigna Maria de Freitas Villas Boas (Examinadora - UnB)
Brasília, 7 dezembro de 2007.
Dedico a conclusão deste trabalho Aos meus filhos, companheiros inseparáveis, pela sabedoria em
compreender a necessidade de tamanha dedicação; A todos os familiares que acompanharam as vicissitudes da realização desse
indelével desejo; Às professoras da rede pública de ensino, parceiras desta produção, e toda a
equipe do CEF 18 de Taguatinga, pela oportunidade ímpar de acompanhar o trabalho que realizaram, trazendo valiosas contribuições para a tecitura dessa trama;
À professora Doutora Lúcia, pela acolhida e o magnífico incentivo no
acompanhamento deste processo, travado entre conquistas e contratempos; Aos colegas e professores do curso de mestrado, pelas riquíssimas
contribuições advindas das discussões nos momentos de estudo e socialização das construções e aprendizagens;
Às crianças da rede pública de ensino, sedentas de aprendizagens e de
professores comprometidos com a boa qualidade de seu trabalho;
Enfim dedico esta construção a todos aqueles que, como eu e Gonzaguinha, gostam de cantar a beleza de ser um eterno aprendiz.
Viver e não a ter a vergonha de ser feliz Cantar (e cantar e cantar) a beleza de ser um eterno aprendiz Ah, meu Deus! Eu sei... (eu sei...) que a vida devia ser bem melhor e será Mas isso não impede que eu repita É bonita, é bonita e é bonita (bis)
(Gonzaguinha)
Agradeço
A Deus, força sublime que guia minha vida; Aos meus pais (in memoriam), pelo exemplo de garra na luta por conquistas e pelo investimento e esforço imedidos no início da trajetória; A todos que acompanharam o processo desta produção pela
paciência, carinho e ajuda nos momentos de fragilidades; alegria nas comemorações das pequenas conquistas de cada dia; compreensão das ausências, concebidas como na sabedoria de Drummond
Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.
(Carlos Drummond de Andrade)
Tolentino, Maria Antônia Honório. Educação Continuada e Trabalho Docente no Bloco Inicial de Alfabetização: o caso de uma escola da rede pública do Distrito Federal. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Brasília/Faculdade de Educação.
RESUMO
A presente pesquisa, realizada no ano de 2007, se propôs a investigar como professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública do Distrito Federal articulam a educação continuada proposta pelo Bloco Inicial de Alfabetização - BIA ao trabalho docente que desenvolvem. O BIA é a proposta do Governo para a implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos no Distrito Federal. A investigação proposta nessa pesquisa demandou analisar concepções de educação continuada que alicerçavam a proposta pedagógica do BIA; analisar como o espaço da coordenação pedagógica, desenvolvida na escola, articulou-se às propostas de educação continuada; e analisar como as professoras articularam as possíveis contribuições desencadeadas pelo processo de educação continuada ao trabalho docente que desenvolveram. Para trabalhar os objetivos foi necessário o uso da abordagem metodológica de cunho qualitativo, com os seguintes procedimentos: observações, entrevistas semi-estruturadas e análise de documentos. Os eixos orientadores da pesquisa foram: educação continuada, coordenação pedagógica e trabalho docente. Alguns teóricos contribuíram para iluminar as análises, dentre eles, Candau (2003), Zeichner (1993), Freire (1996, 2000), Freitas (1996), Freitas (2002, 2003, 2005), Marin (1995, 1998, 2003, 2005), Vázquez (1977), Pimenta e Anastasiou (2005) e Pimenta e Ghedin (2005). Analisando os dados obtidos na complexidade vivida no campo de pesquisa, foi possível perceber as articulações tecidas. As professoras, por meio da educação continuada, apropriaram-se de referenciais que oportunizaram a organização do trabalho que realizaram em sala de aula e na coordenação pedagógica. A educação continuada proposta pelo BIA instituiu a reflexão coletiva no espaço/tempo da coordenação pedagógica da escola, por meio do grupo de estudo; oportunizando aos professores vivenciarem situações que contribuíram para a organização do trabalho docente. Ao realizar tais atividades, houve a articulação entre trabalho docente, coordenação pedagógica e educação continuada, o que salientou a importância desta como ferramenta para transformar o espaço/tempo da coordenação pedagógica. Palavras-chave: Educação Continuada. Trabalho Docente. Coordenação Pedagógica. Bloco Inicial de Alfabetização.
Tolentino, Maria Antônia Honório. Continued Education, Teacher Practice and Pedagogic Coordination in Initial Literacy Block: the case of a school of public network of the Distrito Federal. 2007. Dissertation (Master’s Degree in Education) – Universidade de Brasília/Faculdade de Educação.
ABSTRACT
The present research, completed in the year of 2007, aims at investigating how teachers working in the early years of primary education in a state school in Brasilia connect the continued education proposed by BIA (Initial Literacy Block) to their teaching practice. The BIA is the proposal of the government for the implementation of primary education for Nine Years in Distrito Federal. In order to achieve this objective it was necessary to analyze the concepts of continued education adopted by BIA; to examine how the pedagogic coordination developed in the school matched the proposals of continued education; and also how teachers connected the contributions triggered by the process of continued education to their teaching practice. The method chosen was a qualitative analysis through observation, semi-structered interviews and analysis of documents.The main concepts for this study were continued education, pedagogic coordination and teacher practice.Some theorists helped to guide the analysis and among them I would mention Candau (2003), Zeichner (1993), Freire (1996, 2000), Freitas (1996), Freitas (2002, 2003, 2005) Vázquez (1977), Pimenta and Anastasiou (2005) and Pimenta and Ghedin (2005). After analyzing data which had been collected it was possible to see the contributions that teachers’ continued education had made to their teaching practice and also to the pedagogic coordination in the school.The continued education proposed by BIA contributed to the implementation of colective reflective teaching practice of the work done in the classrooms and also in the pedagogic coordination time through a group of study formed by teachers enabling them to experience situations which contributed to the organization of their work and to the integration of teaching practice, pedagogic coordination and teachers’ continued education .Teachers’continued education proved to be an important tool to transform the pedagogic coordination time.
Keywords: Continued Education. Teacher Practice. Pedagogic Coordination. Initial Literacy Block
LISTA DE FIGURAS E QUADROS
Figura 1 Mapa da cidade de Taguatinga, área Sul
Figura 2 CEF 18 de Taguatinga
Figura 3 Vista interna do CEF 18
Figura 4 Alunos distribuídos em etapas e séries
Figura 5 Turmas do BIA
Figura 6 Profissionais da Carreira Magistério
Figura 7 Trabalhadores da Carreira Assistência à Educação
Figura 8 Rizoma
Figura 9 Rizoma da produção da pesquisa
Quadro 1 Atendimento aos estudantes no ano de 2007
Quadro 2 Participantes da Pesquisa
Quadro 3 Documentos sobre educação
Quadro 4 Documentos relacionados ao BIA
Quadro 5 Organização do Ensino Fundamental de Nove Anos - BIA
Quadro 6 Formação Profissional: a semântica ideológica
Quadro 7 Organização espacial da sala de aula
LISTA DE ABREVIATURAS
ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
BIA Bloco Inicial de Alfabetização
CBA Ciclo Básico de Alfabetização
CEF 18 Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga
CEMAB Centro de Ensino Médio Ave Branca
CNE Conselho Nacional de Educação
CP Conselho Pleno
CRA Centros de Referência de Alfabetização
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia
DEIF/GSI Departamento de Educação Infantil - Gerência das Séries Iniciais
DF Distrito Federal
DRE Diretoria Regional de Ensino
DRET Diretoria Regional de Ensino de Taguatinga
EAPE Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação
EC 41 Escola Classe 41
FEDF Fundação Educacional do Distrito Federal
GDF Governo do Distrito Federal
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira -
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96
MEC Ministério da Educação
NCP Núcleo de Coordenação Pedagógica
NMP Núcleo de Monitoramento de Pedagógico
PIE Curso de Pedagogia para Professores em Exercício no Início de Escolarização
PNE Plano Nacional de Educação
SEEDF Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
UnB Universidade de Brasília
UniCEUB Centro Universitário de Brasília
ÍNDICE
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL.............................................................................................12
1. A TESSITURA DOS RUMOS INVESTIGATIVOS .........................................................23 1.1. A escola pesquisada ...................................................................................................24 1.2. As interlocutoras da pesquisa.....................................................................................32 1.3. Procedimentos e instrumentos ...................................................................................36
2. BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO E CENTRO DE REFERÊNCIA EM ALFABETIZAÇÃO: contexto histórico, proposta e realidade ................................................43
2.1. Implantação dos ciclos no Brasil: conquistas e contratempos ...................................44 2.2. Distrito Federal e Ensino Fundamental para Nove Anos: organização e ações.........52 2.3. Bloco Inicial de Alfabetização: proposta para sua instituição ...................................54 2.4. Centro de Referência em Alfabetização e Educação Continuada..............................61 2.5. Bloco Inicial de Alfabetização e a concretude da realidade ......................................75 2.6. A instituição do Bloco Inicial de Alfabetização ........................................................79
3. EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO .................................................................................................................95
3.1. Trabalho docente: progressos e retrocessos ...............................................................97 3.1.1. Trabalho intelectual e Trabalho material: cisão de relações..........................100 3.1.2. Capitalismo: uma outra reconfiguração para o trabalho docente ..................105 3.1.3. Produção de conhecimento: ruptura com a fragmentação.............................110
3.2. Educação Continuada no Centro de Referência de Alfabetização...........................119 3.3. A escola como locus de Educação Continuada........................................................124 3.4. Grupo de Estudo e a ressignificação da coordenação pedagógica...........................129 3.5. A articulação rizomática entre os saberes ................................................................141 3.6. A importância da cultura da sala de aula .................................................................145 3.7. Inquietações despertadas na Educação Continuada .................................................151 3.8. Teoria e Prática: simbiose no trabalho docente .......................................................159
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE AS TRAMAS TECIDAS..........................................168
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................175
ANEXO A - Ordem de serviço DODF...................................................................................186
APÊNDICE A - Autorização para uso do nome CEF 18 .......................................................187
APÊNDICE B - Roteiro das observações Educação Continuada...........................................188
APÊNDICE C - Roteiro das observações Trabalho Docente................................................190
APÊNDICE D - Roteiro das observações Coordenação Pedagógica.....................................192
APÊNDICE E - Roteiro para a Entrevista com as professoras regentes e coordenadora do BIA no CRA CEF 18.........................................................................................................193
APÊNDICE F - Roteiro para a entrevista com a coordenadora do CRA CEF 18..................195
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TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
[...] não há formação e prática pedagógica definitivas: há um processo de criação constante e infindável, necessariamente refletido e questionado, reconfigurado. (VEIGA, 2002: 85).
Investigar situações que envolvem os profissionais docentes implica desvelar o modo
como os professores agem na escola e suas relações com as marcas do processo de
institucionalização da educação. Essas marcas constituem-se cicatrizes desnudadas a partir do
conhecimento da historicidade da educação, que foi se constituindo mediante a vivência de
diversas lutas, vitórias, derrotas, conquistas, entraves e inquietações.
Uma, dentre as tantas inquietações que vem intrigando o cenário educacional,
provocando discussões, refere-se à constituição do “ser” professor. Diversos autores abordam
o tema e apontam a compreensão das ressignificações que urgem ser instituídas. Freire
(1986), dentre eles, destaca a necessidade da percepção da incompletude e inacabamento e,
portanto, da busca de novos conhecimentos.
Essa busca enseja a compreensão de que não existe prática pedagógica nem formação
definitivas, apontando para um processo contínuo de construções e reconstruções (VEIGA,
2002). Sendo o conhecimento reelaborado, este desencadeia um processo ininterrupto de
expansão e, para apoderar-se dele requer seu acompanhamento. O que pode ser realizado a
partir de estudos, reflexões e discussões, ou seja, pela busca constante de formação.
A ação dos professores, como uma prática social, necessita ser mediada pela reflexão,
por discussões que possam desvelar as nuanças da função social que a sociedade atual delega
à escola e compreender sua verdadeira intenção. Portanto refletir, discutir e buscar engendrar
mudanças torna-se necessário para o reconhecimento do comprometimento com práticas
sociais emancipatórias. Pimenta e Anastasiou (2005) alertam para que essa reflexão seja uma
leitura crítica da realidade em que o trabalho docente se realiza.
Apesar de já conhecer a importância do compromisso com a função da escola ainda
seria necessário aprofundar minhas reflexões, afinal o contexto social e educacional sempre
impôs, como destaca Braverman (1977), a função de pensar e conceber a uns, e agir a outros,
e eu somente agia. Cumpria o que o sistema de ensino enviava como proposta pedagógica. Na
época em que trabalhava com o Pré-Escolar, a Fundação Educacional do Distrito Federal
(FEDF), enviava para as escolas o “Conteúdo Programático” com os objetivos e a sugestão
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das atividades a serem realizadas. Meu planejamento não ia além de escolher as atividades e
organizar o material para desenvolvê-las, registrando tudo conforme o modelo de plano de
aula aprendido nas aulas de Didática. Pouco conhecia sobre a realidade da comunidade com a
qual trabalhava e, menos ainda, sobre os saberes dos sujeitos com os quais me envolveria.
Mesmo freqüentando os chamados cursos de capacitação promovidos pela FEDF,
continuava com a mesma prática, realizando uma reflexão pautada no senso comum. As
inquietações cotidianas da sala de aula transformavam-se em questões justificadas apenas pelo
contexto social daquele momento, agindo da mesma forma que a maioria dos professores com
os quais convivia. Caso os cursos de capacitação que freqüentava buscassem relacionar os
saberes dos professores ao trabalho docente que realizavam, articulando-os a outros saberes
conforme comenta Tardif (2002), poderiam ter contribuído para ressignifcar minha prática.
No entanto, mediante essa capacitação, continuava desenvolvendo um trabalho pautado na
lógica do conteúdo1, pois até então desconhecia a lógica do processo2.
Alguns professores encontram-se “desesperançosos” e cansados para encampar a
busca de sua educação continuada. Imersos em mudanças que lhes têm sido impostas a cada
novo governo, frutos de uma educação bancária que os leva à reprodução, desconfiados de
toda e qualquer proposta, tornam-se alienados. O professor, fruto dessa sociedade, não se dá
conta de que a educação continuada exige pensar sobre suas ações. Numa reflexão que
envolva a compreensão do contexto em que são realizadas, seja na escola ou fora dela, pois
essa se torna condição fundamental para oportunizar uma transformação (PIMENTA, 1997).
O compromisso social, nesse contexto, fica resumido à simples reprodução, bem
desempenhada, tanto que nem sempre é percebida como tal. Como executores, a maioria dos
professores cumpre o papel social que lhes é delegado. A resistência em participar de
discussões sobre as mudanças educacionais, possivelmente seja influenciada pela cultura da
não participação na concepção de propostas pedagógicas. Em decorrência disso, alguns
professores aceitam, quase que passivamente, a implantação de programas educacionais, ou
mesmo sua extinção. Se por um lado, algumas propostas são impostas à classe docente, por
outro, esta mesma classe nem sempre aproveita as oportunidades, que lhes são asseguradas,
preferindo se eximir das discussões. Poucos são os participantes das assembléias promovidas
1 O trabalho pautado na lógica do conteúdo segue rigorosamente uma seqüência, seja do livro do didático ou da idéia de que existem conteúdos mais fáceis e mais difíceis, e, portanto os mais fáceis devem ser trabalhados primeiro e, então, os conteúdos são dados a conta-gotas, fragmentados. Nesse sentido a prioridade é o conteúdo. 2 O trabalho realizado considerando a lógica do processo envolve a compreensão das etapas do processo de aprendizagem de um conhecimento, e partem delas para oportunizar novas aprendizagens. O foco do trabalho deixa de ser o conteúdo e passa a ser a criança, considerando que cada vez mais a criança precisa apossar-se de novas aprendizagens.
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pelo sindicato, dos encontros promovidos na área de educação, sejam palestras, simpósios ou
congressos organizados pela Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF),
antiga FEDF; pelo Ministério da Educação (MEC); pelas Universidades ou outras entidades
como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Uma discussão da qual alguns participam, está prevista no calendário escolar da
SEEDF que, a cada início de ano letivo, propõe a realização da Semana Pedagógica nas
escolas e dentre as atividades previstas para serem realizadas, inclui-se a elaboração do
Projeto Político Pedagógico da instituição. Outros, no entanto, movidos pela cultura da
acomodação, se esquivam dessas discussões por não considerá-las importantes, deixando nas
mãos da equipe gestora. Possivelmente os professores até desconheçam o artigo 14 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 (LDB), que prevê, em seu inciso I, a
“participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola”.
Essa orientação deixa de ser divulgada tanto pela SEEDF como pelo Sindicato desta
categoria, mantendo o professorado desavisado de uma de suas funções.
No decorrer de minha trajetória profissional, vivenciei a implantação de diversas
propostas pedagógicas e fiquei indignada ao perceber que cumpri, como uma simples
executora, o que havia sido instituído por decisões de outros. Uma delas foi o Projeto
Monitoria, implantado no início dos anos 80, que previa a docência em três turmas de
Educação Infantil - eram noventa crianças de quatro anos para cada professora! Pré-
adolescentes, estudantes que cursavam entre a 5ª e 8a séries, alternavam comigo a regência de
classe. Isto quando não faltavam, pois o único incentivo que recebiam, para participar do
projeto, era o passe escolar.
Não havia preocupação com a formação dessas monitoras, afinal o projeto previa uma
parceria com o curso normal, que não deu conta de atender à demanda das escolas, garantindo
normalistas para todas elas. Também não havia nenhum acompanhamento do trabalho
pedagógico por elas desenvolvido. As monitoras eram simples guardiãs das crianças. Ficavam
“cuidando” das mesmas enquanto eu “dava” alguma atividade numa das três salas, e depois
íamos revezando as turmas. Elas chegavam exatamente no mesmo horário do início da aula,
era apenas o tempo de explicar-lhes superficialmente a atividade que seria proposta naquele
dia. Não passava de um desenho pronto para pintar, conforme “meu receituário” - um álbum
com sugestões de atividades para o período preparatório, fruto da formação que acabara de
concluir na Escola Normal, no ano anterior ao ingressar na Secretaria de Educação e assumir
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esse “desafio”. Como professora “novata”3, chegando à escola só me coube definir a idade
das crianças com as quais trabalharia, com a única experiência do estágio supervisionado, o
qual não incluiu experiências na Educação Pré-Escolar, somente algumas poucas observações
no Jardim de Infância daquela escola. Também provei o gostinho da catastrófica
Dinamização4 e do tedioso turno intermediário, conhecido como “turno da fome”, resultado
de mais uma política enviesada de democratização do acesso à educação. Muitas propostas
que, por trás do compromisso social, “colonizam” cada vez mais professores e sociedade.
Importante foi a participação sindical, que instigou os profissionais a se empenharem
para conquistar relevantes mudanças para a categoria. Conseguiram emplacar a luta e vencer
algumas dessas atrocidades educacionais, acabando com o projeto Monitoria e instituindo
inclusive, um plano de educação continuada no fim desta década, com a criação da Escola de
Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (EAPE)5, em 1986. Esta institucionalização
foi um marco importante e representou a possibilidade de oportunizar a educação continuada
e em serviço aos professores.
Com a institucionalização da EAPE, uma avalanche de cursos foi
disponibilizada aos professores. Mas participar desses cursos não era tão simples assim, afinal
não haveria possibilidade de atender à demanda, então a participação era controlada pelo
estabelecimento de critérios e um deles era o tempo de exercício no magistério. Essa busca
por conhecimentos se transformou em uma preocupação enviesada, pois algumas vezes o que
os professores buscavam, nestes cursos, era apenas acúmulo de pontos, fornecido pela carga
horária de seus certificados. Talvez poucos se interessassem se o curso lhes oportunizaria a
reflexão sobre suas indagações, se os levaria a pensar sobre os questionamentos que lhes
surgiam no dia a dia. Não importava se realmente lhes permitiria a ressignificação da prática
pedagógica, mas os proventos acrescidos no final do mês. Por trás dessa formação, estava um
3 No Distrito Federal, a escolha de turma realiza-se a partir da contagem de pontos entre os professores de uma escola. Um dos itens que contam mais pontos refere-se ao tempo de serviço. Dessa forma, os professores com menos tempo de serviço são sempre os últimos a escolher turmas. Nessa época, não havia gratificação para alfabetização - GAL – portanto as turmas de alfabetização e Educação Infantil ficavam sempre para serem escolhidas pelos últimos da lista. Com a instituição dessa gratificação, houve uma mudança nas intenções de alguns professores, que movidos pela vantagem de inserir a porcentagem dessa gratificação em seu salário, mesmo não tendo desejo de nessas turmas atuar, optam por elas porque têm a oportunidade de escolhê-las. 4 Estratégia utilizada para garantir ao professor a coordenação pedagógica. Um professor cuja denominação atribuída, Dinamizador, trabalharia com as crianças os conteúdos de Artes, Ensino Religioso e Educação Física, uma vez por semana, horário este em que o professor regente utilizava para realizar sua coordenação, planejando e organizando o trabalho que seria proposto durante a semana. 5 A Escola de Aperfeiçoamento de Professores – EAP, foi instituída em 1986, pelo professor Fábio Bruno, logo após foi extinta. Em 1997 foi recriada pela professora Eurides Brito como EAPE, conforme Lei Nº 1619/97, constante em seu histórico. Informações obtidas no dia 06 de novembro de 2007, em uma conversa com a professora Maria das Graças Carvalho, que atuou na EAP, naquela época, e no site www.se.df.gov.br, em 12 de setembro de 2005.
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plano de cargos e salários da categoria que exigia dos professores, a cada seis anos uma
determinada pontuação, de carga horária em cursos para avançar no plano de carreira.
Nesse tempo, o professor da SEEDF, com jornada de quarenta horas semanais tinha
regência de classe em duas turmas, uma a cada vinte horas, e apenas oito horas de
coordenação (quatro a cada vinte horas) para planejar as atividades que seriam desenvolvidas
durante a semana e ainda participar desses cursos de formação. Era o dia da Dinamização.
Enquanto o professor regente coordenava, as crianças ficavam sob a responsabilidade do
professor dinamizador, realizando atividades artísticas e recreativas.
Minha formação, promovida pelo curso Normal e até pelo curso de Pedagogia, parecia
frágil para que eu pudesse organizar meu trabalho docente de forma crítico-reflexiva. Busquei
insaciavelmente estes cursos e entre eles o “Vira Brasília a Educação”, realizado em dois
momentos. No primeiro, considerado curso de “atualização”, depois como especialização.
Foram momentos riquíssimos de descobertas que começaram a provocar mudanças
significativas na minha identidade profissional. Recessos, férias e finais de semana do ano
foram dedicados à presença em encontros promovidos nos mais variados locais: foyer do
Teatro Nacional, salas de aula da Escola Normal de Brasília, salas no Espaço Cultural 508
Sul. Quaisquer espaços que possibilitassem o diálogo entre a teoria e a ansiedade pelo
aprender de professores, da escola pública, irrequietos com as práticas pedagógicas até então
promovidas em sua sala de aula.
O plano de carreira previa que cursos de especialização corresponderiam a uma
gratificação de titulação, mas esse curso não foi validado pelo MEC, não valeu para esta
titulação. Apesar de não cumprir com parte de suas proposições – certificar-me, contribuiu
para minha formação, pois foi ele que oportunizou novas elaborações para que eu pudesse
trilhar de forma diferente o meu caminho de alfabetizadora. Compreendi os processos
percorridos pelos sujeitos ao aprender. Participei de pesquisas, discussões articulando teoria e
prática e percebi as necessidades das crianças para elaborar aprendizagens. Produzi um
ensaio, descrevendo as aprendizagens de uma das crianças da minha turma: “O
enganchamento de Wesley”.
O curso de Pedagogia que realizei pareceu-me, então, menos enriquecedor, mesmo
cursando a habilitação para Séries Iniciais, após a conclusão do Magistério do 2° grau. Havia
a separação entre docência e pesquisa. A monografia produzida apresentava conteúdos
desarticulados com a realidade da minha prática. Abordava a cultura dos índios xavantes – o
ritual do furo da orelha - e eu trabalhava com Educação Pré-Escolar em uma escola pública do
Distrito Federal (DF). A disciplina Didática proporcionava a discussão das técnicas e dos
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métodos, o que para Pimenta e Anastasiou (2002) e Chauí (1999) representa uma idéia
simplista e reducionista dos cursos de Pedagogia.
Se formação é, conforme Chauí, (2003:7), “[...] estimular a passagem do instituído ao
instituínte [...]” é apreender o presente interrogando-o, refletindo criticamente sobre ele,
elevando “ao plano do conceito o que foi experimentado como questão, pergunta, problema,
dificuldade”, acredito que este curso poderia ter enriquecido mais minha formação. Inclusive
foi validado pelo MEC e garantiu minha reclassificação de nível Médio para graduação.
A preocupação com a qualidade da formação, nos cursos de Pedagogia e Normal
Superior6 promoveu muitas discussões, envolvendo diversos órgãos e resultou na aprovação
das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), por meio da Resolução n° 1 do Conselho
Nacional de Educação/Conselho Pleno de 2006 - Resolução n° 1 (CNE/CP).
Essas diretrizes representam um grande avanço para a educação dos profissionais
docentes, uma vez que definem os princípios e as condições de ensino da educação superior
do País. Importante conquista no momento em que o oportunismo capitalista invadiu o campo
da educação inicial para os profissionais docentes mediante a extinção do curso de
Magistério, na rede pública de ensino do DF, a partir de 2003. A reformulação do artigo 62 da
LDB, Lei 9.394/96, determinou que a “formação de professores para atuar na educação
básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em
universidades e institutos superiores de educação” (grifo meu). E ainda, exigiu a educação
superior “como formação mínima para o exercício do magistério na Educação Infantil e nas
quatro primeiras séries do Ensino Fundamental” (grifo meu). Algo desejado por Anísio
Teixeira desde a década de 30, quando tentou criar o Instituto de Educação, por meio da
Escola de Professores - que seria articulada à Universidade do Distrito Federal (naquela
época, o Rio de Janeiro), sob o nome de Escola de Educação. Até os dias atuais esse Instituto7
não foi criado na rede pública do Distrito Federal, o que conseqüentemente, abriu espaço para
o afoitamento imedido das escolas particulares no oferecimento do curso Normal Superior
como porta de acesso à educação inicial docente.
6 Curso superior, criado a partir de 2003, em substituição ao curso Normal – nível Médio, em cumprimento à Lei 9394/96, que foi reformulada em seus artigos 62 e 63, determinando como formação docente para o exercício do magistério das séries iniciais e da educação infantil, o nível superior. Essa formação aconteceria no Instituto Superior de Educação. Não havendo, até o momento, instituições públicas atendendo à demanda, este espaço foi intensamente tomado pelas instituições privadas. 7 Conforme Evangelista (2001) foi criado em São Paulo, na década de 30, o Instituto de Educação da USP - IEUSP, uma experiência muito importante para a educação docente superior, no entanto em pouco tempo foi extinto. Informações obtidas no artigo: EVANGELISTA, Olinda. Formar o mestre na universidade: a experiência paulista nos anos de 1930. 2001. Disponível em: www.fundaj.gov.br/geral/educacao_foco/formar%20o%20mestre.pdf . Acesso em 20 de dezembro de 2007.
18
Cabe também destacar que o conteúdo das DCN não representou consenso no grupo
de professores. Para alguns representou uma conquista, mas para outros expressou, ainda,
poucos avanços para a melhoria da qualidade do ensino, apontando a grande diversidade de
entendimentos que envolveram as mudanças propostas para o curso de Pedagogia.
A sociedade brasileira, principalmente a parcela formada pelos membros das camadas
populares, viu-se numa encruzilhada, antes o curso de Magistério já garantia a possibilidade
de emprego para seus filhos, e agora há possibilidade de melhoria na qualidade da educação
promovida, nas escolas públicas, uma vez que será realizada por profissionais com educação
superior. Uma perda que revelaria outros ganhos, porém a exigência da educação superior
para o exercício do magistério pode não garantir a boa qualidade na educação promovida nas
instituições públicas. A garantia da educação superior como educação inicial para o
magistério é realmente fato positivo, já que profissionaliza a docência, mas o campo
educacional para essa educação encontra-se em funcionamento precário, o que interfere na
qualidade da educação promovida. Situação embaraçosa que predomina neste momento, pois
a inexistência de um Instituto Superior de Educação no Distrito Federal possibilitou um
escasso espaço público8 destinado à educação inicial para o profissional docente.
Por meio do § 2o do art. 3o do Decreto nº 3.554 (2000), houve uma mudança na
exigência da formação mínima para o exercício do Magistério. Antes a lei havia garantido a
educação superior em como educação inicial docente, mas a adição da palavra
preferencialmente abriu uma brecha para que se possa ser professor sem ter a educação
superior, o que pode representar um retrocesso, uma vez que desobriga os governos, tanto
municipais como estaduais, a lutarem por sua consolidação.
Diante das necessidades historicamente comprovadas dessa educação, o Ministério da
Educação tem desenvolvido várias políticas na intenção de promover a educação continuada,
tanto média como superior. Os programas são desenvolvidos em parceria com os Sistemas
Municipais e Estaduais de Educação. Atualmente seis programas9 encontram-se em execução,
são eles: Rede Nacional de Formação Continuada de Professores, Pró-Letramento, Pró-
Licenciatura, Pro-Infantil, Programa Ética e Cidadania e Programa de Incentivo à Formação
Continuada de Professores do Ensino Médio.
A formação inicial superior deve ser primazia para o Magistério, pois essa era a única
profissão que não havia alcançado este patamar. A educação média é a instância da formação
8 No período entre 2003 a 2005, o espaço público de educação inicial superior para os profissionais docentes, no Distrito Federal, foi reduzido ao curso de Pedagogia oferecido pela Universidade de Brasília (UnB). 9 Informações sobre esses cursos estão disponíveis no site MEC: http://portal.mec.gov.br/seb/, no ícone Valorização dos Profissionais da Educação.
19
do técnico. O médico, o advogado, dentre outros, têm garantido sua educação inicial superior.
Algo conquistado há tempos, mas para os docentes ainda se desenha um processo de luta,
incluindo a ampliação de políticas públicas para promoção da educação superior, o que vem
ganhando espaço, após as discussões sobre a reformulação dos artigos 61 a 63 da Lei 9394/96.
No Distrito Federal, a SEEDF oportunizou à maioria dos seus professores a educação
superior, para tanto estabeleceu um convênio com a UnB e promoveu o Curso de Pedagogia
para Professores em Exercício no Início de Escolarização – (PIE/SEEDF/UnB), mas mediante
alguns impasses, essa parceria foi repassada ao Centro Universitário de Brasília (UniCEUB),
que promoveu o Projeto Professor Nota 10.
Como professora mediadora10, participei do Curso PIE. Ao longo dessa vivência foi
escrita e inscrita muita história. Vitórias, derrotas, tristezas, alegrias, lutas constantes para
concretizar a instituição de alguns desejos, embate entre ideologias, perdas, celebrações, um
belo movimento do viver. Após a formatura dos professores-cursistas, retornei à escola em
que trabalhava antes, a escola das mudanças, que não era mais Escola Normal, mas Centro de
Ensino Fundamental 18 de Taguatinga (CEF 18). Digo escola das mudanças em todos os
sentidos, inclusive na própria nomenclatura e finalidade, pois com a extinção do curso
Normal, a escola passou a atender, exclusivamente, os anos iniciais do Ensino Fundamental.
Com a implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos na cidade de Taguatinga - DF, por
meio do Bloco Inicial de Alfabetização (BIA), essa escola foi indicada para sediar um dos
Centros de Referência de Alfabetização (CRA).
Enquanto estive no curso PIE, acompanhei os embates da implantação deste programa
de governo, por meio das professoras-cursistas, em 2005, o que será relatado no capítulo I.
Nos últimos tempos, atuando como coordenadora pedagógica nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, vivenciei mais uma contradição: alguns professores aceitavam as mudanças
conforme estavam sendo propostas, enquanto outros desejavam delas participar, comentando,
contribuindo com sua experiência e, até mesmo, rejeitando-as em alguns aspectos.
O grupo de professores que buscavam mudanças aproveitava o momento de
coordenação pedagógica para lutar, discutir, buscando romper com aquilo que estava sendo
instituído, alterando propostas, engendrando um novo modo de agir, enquanto outros,
apegados ao arraigado no processo educacional, cumpriam o que lhes estava sendo prescrito.
Essa situação demonstra a grande necessidade de se repensar a essência da coordenação
10 Nomenclatura utilizada para designar Professora colaboradora PIE, conforme carteirinha da UnB, expedida pelo Departamento de Recursos Humanos, em 18 de agosto de 2003 e ficha funcional expedida pela Secretaria de Recursos Humanos- UnB, em 02/12/2003.
20
pedagógica e dos cursos de educação continuada que são propostos aos professores, para que
possam reelaborar e ressignificar o trabalho docente que realizam no cumprimento de sua
função social.
A educação continuada torna-se necessária para construir um novo olhar e desvelar as
intenções de certas ações, mas muitos profissionais ainda a vêem “como uma perda de
tempo”. Torna-se imprescindível construir uma outra cultura de educação continuada nas
escolas, como lócus privilegiado para que ocorra essa educação. Dessa forma, além de
envolver os profissionais docentes nas discussões sobre as propostas pedagógicas das quais se
vêem alijados de sua concepção, despertando nos professores executores o desejo de ser
construtores, poderia instituir um trabalho docente desvinculado do senso comum. Poderia
instigar os professores a pensarem sobre a complexidade que os envolve, a olhar para si e
refletir criticamente sobre sua ação.
Diante disso, emergiram muitas angústias, incentivando-me a buscar sua compreensão.
No espaço dessa instituição escolar, eram poucos os elementos que as acalentavam, o que
sugeriu uma busca para além de seus muros. Ao irromper esse espaço, houve uma sintonia
entre o que vivi durante o tempo em que estive na universidade, como professora
colaboradora em um curso de educação continuada, e aquilo que ali faltava. Essa vivência me
permitiu olhar para a realidade com a qual me defrontara nesse momento, percebendo lacunas.
Havia a necessidade de ressignificar o espaço/tempo destinado à reflexão e à própria reflexão
em si, conforme apontam diversos autores, dentre eles Pimenta e Gedin (2005), Pimenta e
Anastasiou (2005), permitindo ao professor rever o que faz, repensar suas práticas
pedagógicas cotidianas. Provocar-lhes um olhar introspectivo – para reolhar para si e, ao
mesmo tempo, olhar para fora de si, reolhar as crianças, os outros que os circundam, a
complexidade que envolve sua profissão, a educação como uma prática social capaz de
emancipar, enfim, desnudar um novo olhar.
Toda essa situação incentivou-me a pensar na possibilidade de ingressar no curso de
Mestrado para ajudar na compreensão de tantas angústias e desafios. Imersa nesse novo
contexto, pude ampliar e ressignificar minhas concepções sobre trabalho docente, educação
continuada e teoria e prática pedagógicas à luz de estudos como os de Tardif (2002), Pimenta
Ghedin (2005), Freitas (2002, 2003, 2005), Candau (2003) Marin (1995, 1998, 2003),
Vázquez (1977), dentre outros autores.
O problema a ser investigado pela presente pesquisa voltou-se para esse tema. Para
defini-lo foram necessárias muitas outras formulações, finalizando na busca pela compreensão
de como professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública
21
do Distrito Federal articulam educação continuada proposta pelo BIA, coordenação
pedagógica e trabalho docente?
A busca pela compreensão desta indagação apontou a necessidade de incluir algumas
questões de apoio:
� Que concepções de educação continuada alicerçam a proposta pedagógica do
BIA?
� Como o tempo e o espaço da coordenação pedagógica desenvolvida na escola
articulam-se à educação continuada proposta pelo BIA?
� Como as professoras articulam as possíveis contribuições desencadeadas pelo
processo de educação continuada proposta pelo BIA ao trabalho docente que
desenvolvem?
Diante dessa complexidade, busquei envolver-me em um contexto sócio-histórico
cultural, enveredando pelos caminhos percorridos pelo BIA, para compreender a questão
central desta pesquisa, que tem como objetivo geral:
� Investigar como professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma
escola da rede pública do Distrito Federal articulam a educação continuada
proposta pelo BIA ao trabalho docente que desenvolvem.
Para compreender como são tecidas essas articulações, observei o contexto em que
ocorreram e a partir das informações obtidas busquei traçar um diálogo rizomático entre elas e
as teorias nas quais me apóio, num processo reflexivo, buscando responder às inquietações
dessa investigação. Para tanto se tornou necessário definir alguns propósitos específicos:
� Analisar as concepções de educação continuada que alicerçam a proposta
pedagógica do BIA;
� Analisar como o espaço da coordenação pedagógica desenvolvida na escola
articula-se às propostas de educação continuada oportunizadas pelo BIA;
� Analisar como as professoras articulam as possíveis contribuições
desencadeadas pelo processo de educação continuada proposta pelo BIA ao
trabalho docente que desenvolvem.
Para investigar esses objetivos foi necessário conhecer os contextos históricos, sociais,
culturais e organizacionais que envolviam o espaço investigado. Alves-Mazzotti (2002)
22
enfatiza a importância do referencial teórico para iluminar o caminho a ser percorrido pelo
pesquisador durante toda a pesquisa, delineando os fios que a conduzem. Neste caso, o
arcabouço teórico foi fundamental para a definição do problema, para a escolha dos
procedimentos e instrumentos metodológicos e, principalmente apoiar as análises
desenvolvidas.
O contato com uma parte do conhecimento produzido sobre os temas que envolvem
meu questionamento oportunizou-me elaborar a tessitura aqui apresentada. Assim, começo
descrevendo, no primeiro capítulo, os rumos investigativos percorridos, apresentando o
contexto em que transcorreram, e as ações realizadas durante o tempo despendido na obtenção
de informações sobre o problema investigado.
No segundo capítulo, apresento a proposta do Distrito Federal para a ampliação do
Ensino Fundamental de Nove Anos, o Bloco Inicial de Alfabetização. No qual busco
recuperar a historicidade do contexto em que ocorreu sua implantação, priorizando o
espaço/tempo da educação continuada oportunizada aos docentes atuantes no BIA, por meio
do Centro de Referência em Alfabetização/Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga –
CRA/CEF 18.
Essas situações de educação continuada possibilitaram aos professores atuantes no
BIA tecer algumas articulações entre elas e o trabalho docente que realizaram, o que procuro
abordar no terceiro capítulo. Essas articulações ocorreram entre as diferentes atividades
realizadas pelos professores, ao desenvolverem o trabalho docente. Trabalho esse que envolve
uma totalidade de situações, portanto tornou-se relevante destacar o cenário em que ocorreu,
incluindo o espaço/tempo destinado à coordenação pedagógica. Esse momento resultou da
luta dos docentes na conquista de um espaço/tempo para discutir o trabalho docente que
desenvolvem no cotidiano escolar, compreendendo-o como uma prática social que demanda
estudos, reflexões e análises críticas à luz de diferentes teorias. Outro aspecto importante
refere-se às diversas situações que influenciaram e influenciam a constituição da identidade
do profissional docente, bem como a compreensão da realidade em que desenvolve seu
trabalho.
23
1. A TESSITURA DOS RUMOS INVESTIGATIVOS
Se a aparência e a essência dos fenômenos fossem a mesma coisa, a ciência seria desnecessária. (KARL MARX, 1971)
A compreensão de uma determinada situação demanda a investigação do contexto em
que ocorre de forma que sua aparência seja desvelada, permitindo conhecer sua essência.
Desvelar a aparência suscita pesquisar, investigar, questionar, espiar, considerando
complexidades, especulando a conjuntura rizomática envolvida. Rizomática no sentido
utilizado por Deleuze e Guattari (1995) apresentado por Dandolini e Brito (2005). Os autores
dizem que para Deleuze e Guattari (op. cit.) os rizomas ramificam e se articulam entre si de
forma que um ponto qualquer se liga a outro ponto qualquer, em um sistema acêntrico, não
hierárquico e não significante. Nesse sentido, a complexidade que envolve um certo contexto
apresenta-se como a tessitura de uma rede. Os entrelaçamentos ocorrem indo e vindo entre os
fios, não necessariamente organizados, mas amalgamados, numa mistura, em que a seqüência
não produz um desenho perfeito da teia, mas um emaranhado que permite um encontro dos
diferentes fios, conforme expressa a figura apresentada ao final deste capítulo.
A pesquisa, nas ciências sociais, promoveu inúmeras discussões sobre os paradigmas
adotados, uma vez que se apresenta como processo de interpretação de uma realidade,
envolvendo um processo de construção do conhecimento de um objeto e apresentando um
ponto de vista epistemológico (SEVERINO, 2006). Dessa forma, a objetividade e a
radicalidade das ciências naturais começaram a ser questionadas. Quando um conhecimento é
veiculado e debatido pela sociedade pode interferir nas produções e definir possíveis
aplicações. Alguns conhecimentos são refutados enquanto outros são ampliados. Prova disso é
que, por muitos anos, Plutão foi considerado um planeta, hoje não o é mais, de acordo com as
explicações de Oliveira e Cavalcante (2006). Outro ponto apresentado por diversos autores e
que oportunizou a reflexão crítica sobre o processo de pesquisa, refere-se à questão da
subjetividade em que a interpretação passa pelo modo de ver, pelas concepções do
pesquisador. Gonzáles Rey (2005) apresenta-a como uma singularidade, que expressa uma
situação à maneira de cada um. Sendo assim, uma pesquisa perde sua objetividade, uma vez
que a subjetividade estará nela implícita, por mais que o pesquisador queira dela se esquivar.
O que explica Alves-Mazzotti e Gewandsznajer (2002) ao comentarem que, o pesquisador
24
como principal instrumento de investigação, ao fornecer informações sobre suas experiências
pessoais e profissionais revela o ponto de vista dado às interpretações dos fenômenos por ele
observados.
Com este olhar, analisei uma realidade, que se passou num determinado momento
sócio-histórico-cultural, tendo como foco de investigação o contexto educacional, buscando
compreendê-lo em suas inter-relações. A complexidade em que se apresenta este contexto
incitou um recorte para delimitar os aspectos que foram considerados nesta investigação, sem
a intenção de desprezar a totalidade em que ocorreu o fenômeno.
Nesse sentido, a proposta metodológica da presente pesquisa pauta-se na abordagem
qualitativa. Nela o pesquisador participa do cenário em que são construídas as relações que
pretende investigar, a fim de interpretar os elementos que dão a ela significação. Gonzáles
Rey (2005) diz que essa participação possibilita o diálogo e a reflexão entre os sujeitos da
pesquisa na medida em que será articulada e conduzida por um pesquisador ativo. O que
transcorre numa atmosfera natural, humanizada, estimulando a participação e o desvelamento
dos sujeitos subjetivos envolvidos.
1.1. A escola pesquisada
A compreensão da complexidade que envolve as ações dos sujeitos em seu espaço
social demanda a inserção do pesquisador no campo onde a pesquisa transcorre, portanto a
compreensão do problema desta pesquisa determinou minha imersão no locus em que se
manifestou o fenômeno que investiguei, uma escola pública do DF, o Centro Ensino
Fundamental 18 de Taguatinga – CEF 18. Optei pela identificação da instituição, pois a
garantia de seu anonimato tornou-se difícil, uma vez que as características a ela peculiares,
apresentadas no decorrer desta pesquisa, revelariam sua identificação. Assim, a opção foi
revelar sua identidade, o que foi feito após obter a autorização (Apêndice A) dos membros
que ocupavam o cargo de sua direção.
A opção por desenvolver a investigação que ocorreu no CEF 18, deveu-se aos
seguintes critérios:
� pela função que desempenhou na implantação do programa BIA como Centro
de Referência em Alfabetização – CRA, investindo na formação docente,
dinamizando o espaço/tempo da coordenação pedagógica e resgatando o papel
25
do coordenador pedagógico para a construção de um trabalho pedagógico
diferenciado, na intenção de promover a alfabetização e o letramento de todas
as crianças matriculadas no BIA;
� pelo reconhecimento tanto da comunidade como da Diretoria Regional de
Ensino de Taguatinga (DRET), pela realização de um bom trabalho pedagógico
por esta escola, constituindo-se como Centro de Referência em Alfabetização;
� por contar com o atendimento às três etapas do BIA; o que oportunizou o
desenvolvimento desta pesquisa com professoras que atuam em diferentes
etapas do Ensino Fundamental de Nove Anos – BIA;
� pela acolhida das professoras para participarem da pesquisa;
� por ter em sua historicidade a marca de uma escola de formação, o que poderia
enriquecer a pesquisa.
O CEF 18 localiza-se no Setor “D” Sul, de Taguatinga11-DF. Uma cidade que fica a
20,9 Km de Brasília e abriga uma população de 259.123 mil habitantes. A área ocupada pelo
CEF 18 fica em um espaço privilegiado: às margens do córrego Taguatinga e ao lado de uma
reserva ambiental, o Parque Saburo Onoyama, conforme mostra a figura 1.
Figura 1 – Mapa da cidade de Taguatinga, área Sul
Fonte: <http://fa23.sites.uol.com.br/mapadodf.htm.> Acesso em 21 de junho de 2007
11 Informações obtidas no site do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (população) e da Secretaria de Turismo (distância).
CEF 18
26
Figura 2 - CEF 18 de Taguatinga
Fonte: www.se.df.gov.br. Acesso em fevereiro de 2007.
O CEF 18 possui uma extensa área verde, uma bela paisagem proporcionada pela sua
localização comprovada pelas figuras 2 e 3:
Conforme informações extraídas do Projeto Político Pedagógico (2006: 6) esta
instituição de ensino “foi fundada em 05 de março de 1970, e solenemente inaugurada no dia
30 de março desse mesmo ano”. Recebeu, inicialmente, o nome de Centro Educacional de
Taguatinga Sul e atendia ao Ensino Fundamental - 1a a 6a séries e Ensino Médio, cursos
profissionalizantes de Auxiliar de Contabilidade, Auxiliar de Administração, Auxiliar de
Figura 3 - vista interna do CEF 18
Fonte: www.se.df.gov.br. Acesso em fevereiro de 2007.
27
Escritório e Auxiliar de Biblioteca. Ainda na década de 70, houve a transferência do Curso
Normal, ofertado pelo Centro Educacional Ave Branca para esta escola, por esse motivo, na
década posterior, passou a chamar-se Escola Normal de Taguatinga. Com o término do curso
normal em 2003, foi novamente renomeada para Centro de Ensino Fundamental 18 de
Taguatinga, em 2005, atendendo aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Além disso,
possui o atendimento às crianças com Altas Habilidades educativas em diferentes habilidades;
crianças com déficit intelectual, na Sala de Recursos, na Equipe de Apoio à Aprendizagem e,
ainda, no Atendimento Psicopedagógico. Em 2006, com a implantação do Bloco Inicial de
Alfabetização, em Taguatinga, foi uma das escolas caracterizadas como Centro de Referência
em Alfabetização.
O Quadro 1 apresenta informações referentes ao ano de 2007, incluindo o atendimento
realizado pelas Equipes Altas Habilidades e Apoio à Aprendizagem, e pelos Professores que
atuam na Sala de Recursos.
Quadro 1– Atendimento aos estudantes no ano de 2007
Fonte: Carreira Magistério Público do Distrito Federal - Modulação 2007 - CEF 18 de Taguatinga, e informações coletadas pela pesquisadora em contato com os responsáveis por cada uma das especialidades.
A partir dos dados fornecidos pela Modulação (2007), percebi que dentre as crianças
matriculadas no CEF 18 a maioria das cursava o BIA, conforme mostra a figura 4.
Etapa I - BIA Etapa II - BIA Etapa III - BIA 3ª Série 4ª Série
04 turmas 05 turmas 06 turmas 04 turmas 04 turmas
Alunos = 112 Alunos = 138 Alunos = 176 Alunos = 111 Alunos = 104
Altas Habilidades Educativas Equipe de Apoio à Aprendizagem Sala de Recursos
Atende a todas as crianças das Regionais de Ensino de Taguatinga e Samambaia, num total de aproximadamente 250 alunos, incluindo 23 do CEF 18.
Atende, preventiva e esporadicamente, às 641 crianças matriculadas no CEF 18 e, sistematicamente, a 40 crianças, por mês. Também atende aos pais e à classe de professores, quando solicitadas. Realiza oficinas discutindo as questões inquietantes no ambiente escolar.
Atende às crianças encaminhadas pelas 14 escolas situadas em Taguatinga Sul, incluindo 17 crianças do CEF 18.
28
Figura 4 - Alunos distribuídos em etapas e séries
BIA65%
3ª e 4ª séries35%
Fonte: Modulação 2007 - CEF 18
As professoras regentes, interlocutoras desta pesquisa, atuam no turno matutino. Nesse
turno, ficou concentrada a maioria dos alunos matriculados nesta escola, conforme apresenta a
figura 5.
Figura 5 - Turmas do BIA
Vespertino47% Matutino
53%
Fonte: Modulação 2007 – CEF 18
Esta escola conta com a participação de cinqüenta e cinco profissionais da carreira do
Magistério, distribuídos em diferentes funções, conforme demonstra a figura 6.
29
Fonte: Carreira Magistério Público do Distrito Federal - Modulação 2007 - CEF 18 de Taguatinga.
O CEF 18 conta com a participação de quarenta trabalhadores da Carreira Assistência
à Educação, distribuídos em diversas funções conforme ilustra a figura 7.
Figura 7 - Trabalhadores da Carreira Assistência à Educação
Vigia 4
Portaria 3
Serviços Gerais – readaptados
5
Merendeira 2 Apoio
Administrativo 7
Auxiliar em Educação -
conservação e limpeza
19
Fonte: Carreira Magistério Público do Distrito Federal - Modulação 2007
Figura 6 - Profissionais da Carreira Magistério
Professores readaptados; com
Limitação de Atividades e em
processo de Readaptação Funcional
4
Professores fora de regência – apoio à
direção1
Professores excedentes: Licença médica até
aposentadoria1 Equipe
Psicopedagógica2
Professoras 3ª E 4ª Séries
8
Servidores em cargo comissionado
3
Orientador Educacional1
Coordenadoras3
Altas Habilidades9
Laboratório de Informática
0Sala de Apoio / Sala de
Recursos 3
Sala de Leitura0
Professores BIA 15
30
Entendendo cultura como uma categoria associada a tradições e costumes, a escola
torna-se, então, um espaço multicultural que propicia o entrelaçamento entre elas e que,
portanto institui um modo de aprender característico a cada instituição. A esse respeito Pérez
Gomes comenta
o responsável definitivo da natureza, sentido e consistência do que os alunos aprendem na sua vida escolar é este vivo, fluido e complexo cruzamento de culturas que se produz na escola entre as propostas da cultura crítica, que se situa nas disciplinas científicas, artística e filosóficas; as determinações da cultura acadêmica, que se refletem no currículo; as influências da cultura social, constituídas pelos valores hegemônicos do cenário social; as pressões cotidianas, da cultura institucional, presente nos papéis, normas, rotinas e ritos próprios da escola como instituição social escolar específica, e as características da cultura experencial, adquirida por cada aluno através da experiência dos intercâmbios espontâneos com seu entorno (1998: 17 apud MOREIRA e CANDAU, 2003, grifo meu)
Pérez Gomes (1998) aborda, dentre outras, a cultura institucional, o que me pareceu
coadunar com o proposto por Candau (2003) como cultura escolar. Partindo desse
pressuposto, há um imaginário social para o conceito de escola e algo que especifica cada
uma delas. Nos dizeres de Candau (2003) cultura escolar envolve as representações sociais
atribuídas ao que se constitui como conceito de escola em uma sociedade. A autora considera
cultura escolar como a estrutura e o processo organizacional padronizado pela instituição,
incluindo a distribuição dos tempos e espaços, seus rituais, valores, crenças e pressupostos de
ação. Candau (2003) acrescenta que no cotidiano de uma escola, além da cultura escolar,
também se fazem presentes a cultura da escola e o universo cultural de cada um dos sujeitos
que dele participam.
A autora atribui à cultura da escola àquilo que se torna peculiar a cada escola, o que a
distingue, a singulariza, constituindo-se como sua identidade, uma totalidade de ações
cotidianas que inculca, nos sujeitos, um modo de conviver coletiva e socialmente. A escola
torna-se, também, um fecundo espaço de manifestações culturais, oportunizando a
convivência com diferentes modos de ver e viver no mundo.
Dessa forma, a vivência no contexto do campo de pesquisa oportunizou-me
compreender a cultura da escola que caracteriza seu cotidiano, pois tanto o CEF 18 como toda
instituição de ensino se encontra imerso em uma cultura escolar que lhe é peculiar. O tempo
escolar foi distribuído em um dos dois turnos, em um período de cinco horas, atendendo no
matutino - das 7 horas e 30 minutos às 12 horas e 30 minutos, e no vespertino - das 13 horas
às 18 horas. Ao chegar a esta escola, as crianças se adaptam aos rituais que ali ocorrem.
31
Todos os dias elas entravam na escola, dirigiam-se até sua sala de aula e deixavam seus
materiais escolares, depois conduziam-se ao pátio da entrada, acomodavam-se, sentadas no
chão e em fila, organizadas conforme a disposição das salas de aula. A ordem das turmas
seguia a lógica de que os primeiros a se conduzirem para a sala eram aqueles que ocupam as
últimas salas de cada um dos dois blocos, e os últimos, os que ocupam as primeiras salas.
Nesse local, permaneciam por um período de quinze a vinte minutos, enquanto um dos
membros da equipe da direção coordenava as atividades ali realizadas.
Geralmente esse momento de entrada das crianças na escola era aproveitado para o
repasse de avisos que envolviam o coletivo, como por exemplo, informações sobre a
Associação de Pais e Mestres, sobre os cuidados com um material adquirido pela escola e que
estaria disponível para o uso de todos durante o horário do recreio12. Logo em seguida, as
crianças eram incentivadas a cantar algumas músicas infantis, aproximadamente duas ou três
canções. Encerravam o momento com a realização de uma oração. A cada dia eram
convidadas duas crianças de uma determinada turma para fazer uma oração espontânea,
concluindo com o coletivo orando o Pai Nosso, considerado oração universal. Depois desse
momento, as crianças se dirigem para sua sala de aula – entrada na sala de aula.
Toda sexta-feira, a entrada na escola ocorria no pátio interno da escola para a
realização do Momento Cultural. As crianças, durante a semana, se organizavam para uma
apresentação; sozinhas ou com a ajuda da professora. No início do semestre, a maioria das
apresentações envolvia danças com coreografia de alguma música de sucesso daquele
momento. Após algum tempo, os assuntos trabalhados em sala de aula começaram a dominar
tais apresentações. Havia declamação de poesias, leituras de textos produzidos pelas crianças
e de pequenas histórias. Essas apresentações dependiam do contexto vivido tanto na escola,
em casa, como na sociedade.
A partir do número de turmas de cada turno, foi organizado o horário do lanche13, as
crianças menores eram as primeiras a lanchar. O tempo reservado para o lanche era,
relativamente de quinze minutos. Cada turma, de acordo com o cronograma organizado, se
dirigia ao refeitório, onde eram servidos pela merendeira e sentavam em grandes mesas para
degustar a merenda escolar. Havia também uma lanchonete particular, resquício da época em
que a escola atendia ao Ensino Médio. No segundo semestre, finalmente a lanchonete foi
12 Nesse caso uma mesa de ping-pong, situação ocorrida na entrada das crianças na escola no dia 19 de março de 2007, conforme anotações do Protocolo de observações constante no Porta-fólio por mim organizado durante o processo de elaboração desta pesquisa. 13 Nesta escola o lanche é servido às crianças no refeitório - um espaço amplo, com mesas grandes, localizado no pátio coberto, perto da cantina. Todos os dias as professores conduzem as crianças até esse espaço para lancharem. O momento do recreio, ocorre logo após o lanche, em um espaço aberto.
32
fechada. Meados de cada turno ocorria o Recreio, com a duração de vinte minutos. Nesse
tempo, todas as crianças ficavam em um espaço da escola que tem um parquinho, uma quadra
e um espaço livre arborizado.
Para o enriquecimento das atividades pedagógicas, a escola organizou, conforme suas
possibilidades, um Cronograma de Atividades, incluindo o atendimento na Biblioteca, Sala
de Vídeo e Recreação. O horário em que as turmas estavam na recreação era utilizado pelas
auxiliares à educação para realização da faxina da sala de aula, uma vez que a limpeza diária
ocorria em menos de quinze minutos. O curto intervalo de meia hora entre um turno e outro, e
o número reduzido de auxiliares não permitia que a faxina completa fosse realizada
diariamente.
Havia também um Laboratório de Informática, que não estava atendendo às crianças,
porque a professora que desenvolvia os projetos nesse espaço encontrava-se em regência de
classe desde o início do ano letivo. Até o momento não assumira suas atividades, pois ainda
não havia chegado substituta para a regência na turma na qual se encontrava, mesmo diante
dos constantes pedidos realizados pela direção escola.
O tempo escolar ficava distribuído entre Entrada na escola, Recreio e Saída, o que
era informado a todos, por meio de um sinal eletrônico que tocava uma música. Cada sala de
aula, conforme o modo de ser de sua professora, apresentava também uma rotina escolar,
conforme descrito na apresentação dos achados desta pesquisa. A complexidade escolar se
completa, considerando as singularidades culturais de cada um dos personagens que dela
participam, bem como da comunidade e sociedade da qual fazem parte.
1.2. As interlocutoras da pesquisa
Alves-Mazzoti e Gewandsznajer (2002: 174) propõem que “os sujeitos [participantes
sejam] escolhidos de forma proposital, em função de suas características, ou dos
conhecimentos que detêm sobre os interesses da pesquisa”. Dessa forma participaram desta
investigação três professoras atuantes nas diferentes etapas do BIA, duas professoras
coordenadoras pedagógicas, uma do CRA/CEF 18 em 2006, e outra do BIA no CEF 18, no
ano de 2007, e três professoras participantes da equipe do BIA no ano de 2007, caracterizadas
conforme informações contidas no quadro 2:
33
Quadro 2: Participantes da Pesquisa14
Dados coletados pela pesquisadora a partir das entrevistas realizadas com as interlocutoras.
- As três professoras atuantes nas diferentes etapas do BIA foram escolhidas mediante os
critérios a seguir:
� docentes que atuam há mais de 8 anos nesta escola e, assim sendo conhecem a
cultura institucional e gozam de experiência docente nas séries iniciais;
� participantes das atividades de educação continuada, o que permitiu analisar
como são interpretadas as contribuições oportunizadas pelo BIA no trabalho
docente que desenvolvem;
14 Na tentativa de preservar a identidade das professoras participantes, serão utilizados, no decorrer da pesquisa, os pseudônimos correspondentes a cada uma delas. Assim como todos os nomes citados na pesquisa são fictícios. 15 Núcleo de Monitoramento Pedagógico (NMP) pertencente à Diretoria Regional de Ensino (DRE), antigo Núcleo de Coordenação Pedagógica (NCP)
Professora
Função Tempo de
docência
Tempo de
escola
Tempo com alfabetização
Formação acadêmica
Maria Professora da Etapa I 26 8 25 � Magistério; � Pedagogia: Magistério do 2º grau, Séries Iniciais; Alfabetização.
Suzi Professora da Etapa II
23 14 20 � Magistério; � Pedagogia: Magistério do 2º grau, Séries Iniciais; Alfabetização.
Lara Professora da Etapa III
28 12 5 � Magistério; � Pedagogia Magistério do 2º grau e Administração
Ana Coordenadora Pedagógica do BIA
21
4
2
� Magistério; � Pedagogia: Magistério do 2º grau e Séries Iniciais
Lúcia Coordenadora do CRA/CEF 18
17 2 5 � Magistério � Educação Física
Jane Coordenadora do CRA Norte
16 3 6 � Magistério � História
Meg Membro do NMP15 17 1 10 � Magistério � Pedagogia: Séries Iniciais
34
� atuantes em diferentes etapas do BIA: uma professora regente na etapa I, uma
na etapa II e outra na etapa III, o que possibilitou a análise das interpretações
no contexto geral do Bloco.
A compreensão do contexto em que ocorreu o processo de educação continuada
proposta a essas professoras sugeriu a inclusão de outras duas interlocutoras:
- A coordenadora do BIA no CEF 18, justificou-se pelas funções que desempenhou como:
� coordenadora das atividades propostas durante as coordenações pedagógicas
das quais participaram as professoras interlocutoras desta pesquisa;
� participante das coordenações pedagógicas ocorridas na escola e fora dela;
� participante do Fórum de Coordenadores;
� participante dos momentos de educação continuada propostos pelo BIA.
- A coordenadora do CRA/CEF 18, justificou-se pelo fato de que foi:
� coordenadora do espaço em que o curso “Alfabetizando no BIA” foi
promovido;
� coordenadora da equipe de revisão da proposta pedagógica para o BIA;
� coordenadora das reuniões para o acompanhamento do trabalho docente
desenvolvido pelas escolas pertencentes a este CRA, incluindo o CEF 18;
� coordenadora das oficinas e do Fórum de Coordenadores;
� organizadora do registro sistematizado dos planejamentos e avaliações das
situações de educação continuada promovidas por este CRA;
� coordenadora das situações de educação continuada propostas pelo CRA/CEF
18, o que possibilitou o contato com todos os professores participantes desses
eventos.
Inicialmente foi incluída como interlocutora apenas a coordenadora do CRA/CEF 18
(2006), conforme critérios descritos anteriormente, mas as mudanças realizadas em 2007,
demandaram a inclusão de toda a equipe do CRA/CEF 18. Essa decisão justificou-se pelas
funções por ela desempenhada como:
� coordenadora das atividades realizadas conforme a proposta do ano de 2006,
descritas nos quatro últimos critérios de escolha da coordenadora do CRA/CEF
18,
35
� coordenadora do curso “Alfabetização no Ensino Fundamental de Nove Anos:
Ressignificando a prática pedagógica à luz do pós-construtivismo”.
Durante a realização da investigação, ocorreram diversas mudanças no contexto
investigado, o que indicou a necessidade de se redefinir alguns de seus personagens, pois a
realidade de uma escola se reconfigura a cada início de ano. As pessoas transitam entre as
diferentes possibilidades que envolvem o trabalho docente, seja na regência de classe em
outra etapa/série; seja na coordenação pedagógica da escola ou do CRA; seja na função de
apoio à direção, ou em quaisquer outras funções.
Essa reconfiguração depende da realidade da escola e dos personagens que dela
participam. Desse modo as informações constantes nesta pesquisa foram obtidas num período
em que diferentes personagens ocupavam determinada função, o que ocorreu com a
coordenação pedagógica do CRA/CEF 18 que no ano de 2006 foi coordenado por uma
professora, sendo redefinida em 2007. Sendo assim, nos momentos referentes à coordenação
pedagógica realizada pelo CRA/CEF 18 em 2006, optei por utilizar o termo designado à
função - coordenadora pedagógica - e, ao apresentar informações sobre o trabalho realizado
em 2007, utilizo os pseudônimos adotados para cada uma delas, conforme informado no
quadro 2.
As professoras regentes - das três etapas do BIA - permaneceram em sua função no
decorrer desta pesquisa, o que me possibilitou vivenciar o cotidiano da sala de aula,
percebendo a singularidade do trabalho realizado por elas, ou seja, oportunizou-me conhecer a
cultura do trabalho que realizaram e realizam. Para Tardif essa cultura representa “uma certa
superposição entre os conhecimentos do professor e a cultura profissional da equipe de
trabalho e do estabelecimento” (2002: 101). Nesse caso, o professor costuma aderir aos
valores do grupo, partilhando com outros sua vivência profissional e trocando conhecimentos,
o que permite uma associação entre os seus saberes, o tempo e o trabalho. São associações
que permitem rotinas, constituindo-se “modelos simplificados de ação, elas envolvem os atos
numa estrutura estável, uniforme e repetitiva” (ibid.). Tardif comenta que o conhecimento
dessa rotina torna-se importante “para entender a vida na sala de aula e o trabalho do
professor” (ibid.). Assim, cada uma das professoras pesquisadas apresenta um estilo de
trabalho personalizado que as singulariza e diferencia.
36
1.3. Procedimentos e instrumentos
A busca de informações sobre as questões investigadas suscitou o uso de instrumentos
que possibilitaram a coexistência de diálogos, expressando a trama social constituída de forma
espontânea, oferecendo subsídios relevantes e instigantes para a definição dos rumos da
pesquisa.
Os instrumentos, definidos conforme o foco desta investigação, possibilitaram a
obtenção de relevantes informações. Para produzi-los tornou-se imprescindível rever o que foi
proposto no projeto de pesquisa: quais procedimentos haviam sido anunciados, quais as
situações e interlocutoras se articulavam com cada um deles. Iniciei a elaboração dos roteiros
quando estava finalizando o projeto de pesquisa, organizando os aspectos abordados em cada
um de seus eixos. Quando comecei a realizar as observações, foi necessário finalizar a
organização do roteiro, retomando a leitura do arcabouço teórico produzido, e considerando o
que havia sido priorizado nos objetivos da pesquisa. Pude perceber a importante
interdependência teórico-metodológica que orientou a investigação. Elaborei três roteiros, um
para nortear a observação das situações de educação continuada (Apêndice B), outro se
referindo ao trabalho docente (Apêndice C), e o terceiro sobre a coordenação pedagógica
(Apêndice D). Os itens pontuados permitiram organizar os achados, observando as questões
que ainda precisavam ser investigadas.
Por meio das observações, acompanhei, sistematicamente, as atividades realizadas no
CEF 18 durante o primeiro semestre de 2007, gravando-as. Estive no campo de pesquisa por
342 horas - desde o primeiro dia de retorno dos professores, em 2007, momento em que se
iniciou a Semana Pedagógica e lá permaneci até o recesso de julho. Durante o segundo
semestre, continuei observando o curso proposto pelo CRA aos professores atuantes no BIA,
e observei alguns momentos de coordenação pedagógica, o fórum de coordenadores e o
trabalho realizado em sala de aula, entre agosto e setembro, totalizando 26 horas. Ao todo a
pesquisa foi desenvolvida em, aproximadamente, 368 horas. Conforme os fatos aconteciam,
fui organizando os achados, considerando os objetivos previstos. As observações foram
realizadas de acordo com o rumo apontado pelas necessidades que envolvem o trabalho
docente. Observei as atividades desenvolvidas no espaço/tempo da coordenação pedagógica,
o trabalho realizado, em sala de aula e as situações de educação continuada - curso, oficinas,
palestras e fórum. A situação vivenciada impeliu-me a participar do curso promovido no CRA
37
(2007) e de algumas atividades ocorridas na escola, como o Reagrupamento Interclasse e o
Projeto Interventivo, o que será apresentado posteriormente.
O Calendário Escolar do ano de 2007 propôs a realização do Encontro Pedagógico16
na primeira semana, incluindo dentre as atividades previstas, a escolha de turma.
Oportunidade que permitiu a definição das três professoras atuantes nas diferentes etapas do
BIA e da coordenadora pedagógica da escola, deixando indefinido o cargo para coordenação
deste CRA.
A escolha das professoras docentes ocorreu num convite à equipe do BIA, após a
apresentação das intenções da pesquisa, realizada no momento da coordenação pedagógica,
em fevereiro de 2007. Nesse momento, argumentei que necessitaria de cinco interlocutoras,
sendo uma professora de cada uma das etapas e as coordenadoras pedagógicas do BIA e do
CRA. Logo duas professoras, uma da etapa I e outra da etapa II apresentaram interesse em
desenvolver o trabalho comigo. Na etapa III, todas as professoras se disponibilizaram a
participar. Na intenção de manter o equilíbrio entre o número de interlocutoras, realizei um
sorteio entre elas, definindo a terceira interlocutora. A coordenadora do BIA havia sido
escolhida pelo grupo, mas diante da situação político-educacional, ficaria em sala de aula até
que chegasse uma professora para substituí-la, e até aquele momento, ainda não havia
coordenadora para o CRA/CEF 18.
Além das observações, realizei entrevistas semi-estruturadas com todas as
participantes da pesquisa, totalizando, aproximadamente 4 horas. Momentos anteriores às
entrevistas foram dedicados ao seu planejamento. Para realizar esse procedimento foi
necessário organizar um outro instrumento, o roteiro para cada uma das entrevistas. Para
elaborá-los foi necessário rever os três roteiros produzidos anteriormente, considerando os
pontos neles destacados, ou seja, as idéias abordadas em cada eixo do projeto de pesquisa; os
objetivos propostos e quais situações relacionavam com quais interlocutoras. Organizei um
quadro entrelaçando-os. A partir desse quadro, elaborei o roteiro para a entrevista com cada
uma das interlocutoras: roteiro para a entrevista com as professoras regentes e coordenadora
do BIA no CRA/CEF 18 (Apêndice E); roteiro para a entrevista com a coordenadora do
CRA/CEF 18 (Apêndice F). No momento de discussão com a orientadora desta pesquisa,
fomos revendo e redefinindo algumas questões para que o objetivo previsto fosse atingido.
Logo em seguida, realizei a testagem da entrevista com uma professora não participante da
pesquisa, mas com características semelhantes, observando a clareza e objetividade dos
16 Nomenclatura que substitui o termo Semana Pedagógica, conforme o Calendário para o ano letivo de 2007.
38
questionamentos, bem como o tempo utilizado para realizá-la. Foram, aproximadamente, 30
minutos.
As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas em momentos diferenciados, pois
imprevistos aconteceram, impedindo a execução do planejamento organizado. Num primeiro
momento, a conversa envolveu duas professoras regentes, porque, quando fui entregar o
convite17, uma delas informou-me que, naquela semana, iria usufruir o direito do abono e do
Tribunal Regional Eleitoral. Dessa forma foram entrevistadas inicialmente as professoras das
etapas II e III, e em outro momento a professora da etapa I. Assim que foram definidas as
coordenadoras pedagógicas do CRA/CEF 18 e do BIA no CEF 18, realizei a entrevista, com
cada uma delas, em separado. O tempo médio utilizado em cada uma das quatro entrevistas
correspondeu a, aproximadamente, 1hora. Todas as entrevistas transcorreram como uma
conversa descontraída em que o assunto fluiu naturalmente, permitindo que relevantes
informações fossem contempladas durante o diálogo.
A análise documental tornou-se fundamental para esta pesquisa, possibilitando o
resgate do contexto sócio-histórico, permitindo o desvelar de informações importantes sobre o
processo de construção da proposta educacional do Governo do Distrito Federal (GDF), para
a implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos. Permitiu o conhecimento de sua
implantação, em especial, na cidade de Taguatinga, no Centro de Ensino Fundamental 18 –
Centro de Referência em Alfabetização.
Buscando conhecer o processo de elaboração da proposta para o Ensino Fundamental
de nove anos no Distrito Federal, foi necessário pesquisar alguns documentos que abordavam
a legislação e outros organizados nessa intenção, conforme expressa o quadro 3:
Quadro 3 – Documentos sobre educação
Assunto Documentos Declaração Mundial sobre Educação para Todos Declaração de Dakar
Educação: declarações internacionais
Acordo Punta del Leste e Santiago Lei 9394/96 Parecer 18/2005
Educação no Brasil
Projeto de Lei 144/2005 Lei n. 10.172/2001 - Plano Nacional de Educação Ensino Fundamental de Nove Anos - Orientações Gerais (2004) Lei 11.114/2005
Ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos
Lei 11.274/2006
17 Conforme Porta-fólio do processo de Pesquisa, p. 5
39
Assunto Documentos Educação Superior Resolução n° 1 do Conselho Nacional de
Educação/Conselho Pleno - CNE/CP - de 2006
Para conhecer a proposta do Ensino Fundamental de Nove Anos, elaborada pelo
governo do Distrito Federal, foi necessário analisar os documentos relacionados no Quadro 4:
Quadro 4 – Documentos relacionados ao BIA
Assunto Documentos Indicação n°5 (1966) Documento Ensino Primário no Distrito Federal (1969) Cadernos da Escola Candanga
Projeto ABC: Estudos Experimentais em Alfabetização. Relatório – Separata Documento-Síntese norteador para implementação do Ciclo Básico de Alfabetização – CBA: Orientação Pedagógica n° 4 (1989)
Educação no DF
Parecer n° 53/89 – CEDF (1989)
Lei 3.483/2004 Decreto nº 25.617/2005
Ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos no DF
Portaria nº 283/2005
Orientações gerais para o ensino fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização (versão preliminar, 2005) Orientações gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização (versão revista, 2006)
BIA
Orientações gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização – Proposta Pedagógica (versão revista, 2006) Plano de Ação (2006) Cronograma de Trabalho dos CRA e NCP 2º Semestre (2006) Planejamentos das oficinas, palestras e fórum de coordenadores (2006) Cronograma de Trabalho dos CRA e NCP - 2º Semestre Planejamento para o semestre DEIF
CRA/CEF 18 2006
Portaria 30/2006/SEEDF Plano de Ação (2007) Programação do curso 2007
CRA/CEF 18 2007
Planejamentos das oficinas, palestras e fórum de coordenadores (2007) Projeto Político Pedagógico 2006 e 2007 CEF 18 Modulação 2007 Planejamentos das Coordenações Coletivas
Trabalho Docente Planejamentos de aula
O acesso à documentação referente ao CEF 18 foi facilitado pela equipe de sua
direção, que a disponibilizou prontamente à medida que foram sendo necessários à pesquisa.
A prática da gestão democrática que impulsiona as atividades escolares norteia as ações
40
conduzidas por este grupo, de forma que pude manusear e adquirir cópia de todos os
documentos que forneceram importantes informações sobre esta realidade escolar. Tive livre
acesso ao Projeto Político Pedagógico, à modulação com os dados sobre a instituição, bem
como a toda documentação recebida e expedida em nome dessa instituição. Também pude
presenciar, livremente, todos os acontecimentos ocorridos no âmbito escolar, tais como
reuniões administrativas e pedagógicas, salas de aula, festas, estudos, oficinas, coordenações
coletivas, planejamentos, dentre outros.
A trama tecida na pesquisa foi apresentada ao grupo de professores da escola
desencadeando uma discussão sobre as análises realizadas pela pesquisadora.
Por meio da análise dos documentos e da ampla participação nesse cenário
educacional, foi possível conhecer as nuanças que envolveram o trabalho docente proposto
pelo BIA e desenvolvido pelas professoras desta escola, entrelaçando-os à complexidade
educacional cotidiana em que ocorreram.
A análise dessas informações ocorreu desde o início da pesquisa e acompanhou todo o
seu processo. Muitas delas foram obtidas mediante a análise das anotações e registros, por
mim realizados, enquanto vivi o processo de implantação do BIA nesta escola, no ano de
2005 e 2006, como professora regente e coordenadora do BIA.
Busquei tecer relações rizomáticas entre o lido e o vivido, confrontando minhas
interpretações com a realidade investigada nos diversos contatos com as interlocutoras. Essas
construções foram articulando-se com os subsídios oferecidos pelo arcabouço teórico
elaborado durante a participação em simpósios, seminários, congressos e encontros com os
professores das disciplinas cursadas no Mestrado.
A pesquisa em si foi elaborada e reelaborada diversas vezes, o que demandou um
processo de reelaboração contínuo, em que o respeito, o companheirismo, a sabedoria e o
incentivo foram marcantes nos momentos de discussões ocorridos entre orientadora e
pesquisadora.
A trama apresentada nesta pesquisa constituiu-se nas inter-relações rizomáticas tecidas
durante todo o processo de pesquisa com acontecimentos que a antecederam e com aqueles
produzidos em seu percurso. O que pode ser representado pelo rizoma, apresentado por
Dandolini e Brito (2005) como a figura de uma raiz, conforme expresso na figura 8. Neto e
Costa (2000: 14), na tradução da idéia de Deleuze e Guattari (1995), dizem que “os bulbos, os
tubérculos, são rizomas” se ramificam em diferentes sentidos. O “rizoma nele mesmo tem
41
formas muito diversas, desde sua extensão
superficial ramificada até suas concreções em
bulbos e tubérculos” (1995: 15).
O desenho do rizoma simboliza o
emaranhado de situações que se articularam para
compor esta pesquisa, como algo que “tem como
tecido a conjunção ‘e... e... e. ’” como explicam
Neto e Costa (2000: 4), tendo como pano de fundo
as orientações realizadas pela professora
orientadora da pesquisa. As situações apresentadas no decorrer da análise resultaram de
diversos e de diferentes acontecimentos que se juntaram para significá-lo. Sendo assim o
processo rizomático de elaborar/reelaborar a investigação pode ser graficamente representado
conforme a figura 9:
Figura 9 – Rizoma da produção da pesquisa
Elaborado pela pesquisadora a partir das idéias de Deleuze e Guattari (1995) apresentadas por Neto e Costa (2000) e Dandolini e Brito (2005).
Figura 8 – Rizoma
Fonte: Dandolini e Brito (2005)
42
A complexidade rizomática, que envolve o contexto educacional, apresentada dessa
forma possibilita compreender que tudo o que se passa dentro e fora dele, nele incide, sendo
“um mapa que deve ser produzido, construído, sempre desmontável, conectável, reversível,
modificável, com múltiplas entradas e saídas”, como definem Neto e Costa (2000: 32).
Assemelha-se à realidade educacional que vive um intenso e pulsante movimento; um ir e vir,
prosseguir, voltar, inovar, renovar; ou seja, um ressignificar constante, como será apresentado
nos achados desta pesquisa, que se inicia com a apresentação do processo de
institucionalização do Ensino Fundamental de Nove Anos em uma escola da rede pública do
Distrito Federal.
43
2. BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO E CENTRO DE REFERÊNCIA EM ALFABETIZAÇÃO: contexto histórico, proposta e realidade
Uma outra escola há que surgir para dar vida a um outro homem, que construirá uma outra sociedade. (TOLENTINO, 2004).
Há muito se anuncia uma escola que promova a emancipação dos sujeitos. A cada
nova conquista a esperança se renova, no entanto, muitos são os entraves que impedem sua
consolidação. Essa esperança mais uma vez se revigora com a instituição do Ensino
Fundamental de Nove Anos nas escolas brasileiras, uma nova tentativa para democratizar o
acesso à educação. Cada Estado busca, a seu modo, instituí-lo.
O Governo do Distrito Federal, em 2004, buscando cumprir essa intenção, organizou
sua proposta denominada BBB loco IIInicial de AAAlfabetização – BIA, ampliando a duração do
ensino fundamental para nove anos e matriculando, obrigatoriamente, as crianças, a partir dos
seis anos de idade, nas escolas da rede pública de ensino.
Possibilitar o acesso à educação representou e representa um enorme desafio para os
governantes, permitindo que, durante muitas gerações, uma multidão ficasse dela excluída,
seja porque diversas situações lhe impedem o acesso, ou porque nela não têm condições de
permanecer. Essa última situação tem provocado enormes discussões, no atual cenário
educacional, pois está sendo percebida a desarticulação entre a garantia de entrada na escola e
conseqüente inserção social, ou seja, a possibilidade de estar na escola nem sempre tem
permitido a emancipação dos sujeitos que dela participam, pois muitas vezes são dela
excluídos.
Essa exclusão apresenta diferentes nuanças. Matizes presentes numa outra tentativa de
democratizar o acesso ao ensino pela mudança na organização da escolaridade. A organização
da educação, até então configurada em séries, foi sendo, aos poucos, substituída pelo ciclo, na
intenção de adequar a escola às necessidades da sociedade brasileira.
A educação nos anos iniciais do Ensino Fundamental apresentava um alto índice de
reprovação e evasão que incomodava, e ainda, incomoda os sistemas de educação brasileiros,
o que incentivou a adoção da proposta da organização da escolaridade em ciclo. Este tem
como objetivo reconfigurar o cenário apresentado pela educação primária, rompendo com a
idéia da fragamentação em série, que determina o tempo em que a aprendizagem deve ocorrer
e garantir à criança sua progressão na escolaridade, atendendo aos princípios fundantes do
44
processo de alfabetização. No entanto, em diversas situações, a concepção de ciclo foi
utilizada para “maquiar” os dados da reprovação, atendendo aos interesses do sistema,
camuflando os resultados.
A proposta elaborada pelo GDF para ampliar o Ensino Fundamental para Nove Anos
apresenta essa modalidade de organização da escolaridade. O BIA, assim como as demais
propostas pautadas na mudança significativa do cenário apresentado, pretendeu reconfigurar a
educação brasiliense, incluindo as crianças no processo de escolarização.
2.1. Implantação dos ciclos no Brasil: conquistas e contratempos
Mainardes (2001), Barreto e Mitrulis (2001) relatam que, há algumas décadas, essa
discussão desperta o interesse daqueles que buscam aprimorar a educação brasileira, inovando
o modo de organizar a escolaridade. Mainardes descreve que, “desde o início do século” esse
assunto permeia o campo educacional, “mas as primeiras experiências concretas iniciaram-se
a partir do final dos anos 60” (op. cit.: 35). Barreto e Mitrulis relatam que os ciclos escolares
estavam “presentes em alguns ensaios de inovação propostos pelos estados sobretudo a partir
da década de 60, e alguns de seus pressupostos, defendidos desde os anos 20” (op. cit.: 1).
Nascimento18, durante entrevista, comentou que na década de 60, os ideais liberalistas,
disseminados mundo afora, acirraram a luta dos movimentos sociais brasileiros pela
democratização do acesso ao ensino, incentivando a promulgação da Lei Federal 4024/61, que
ampliou a “Educação de Grau Primário” para 4 anos.
O contexto social impulsionou a adoção de medidas para aprimorar a educação e,
alguns sistemas de ensino alteraram o modo de distribuir a promoção nos anos de
escolaridade. Pesquisadores como Mainardes (2001), e Barreto e Mitrulis (2001) apresentam
algumas das experiências implantadas com este intuito, em diferentes estados brasileiros,
porém deixaram de incluir o Distrito Federal – DF, que segundo Villas Boas (2006) foi o
pioneiro na implantação de ciclos no Brasil. Diz a autora que “algumas das experiências
pioneiras de adoção de ciclos foram a do Distrito Federal (Fases e Etapas, de 1963 até o final
da década de 60) (op.cit.: 1)”, de acordo com as informações contidas na Indicação n°5 (1966)
do Conselho de Educação do Distrito Federal e no documento Ensino Primário no Distrito
18 Professora Aricélia Ribeiro do Nascimento, membro da Coordenação Geral do Ensino Fundamental do MEC (2006), entrevistada em outubro de 2006, pela pesquisadora.
45
Federal (1969), publicado pela Coordenação de Educação Primária. Dourado (2005) comenta
que desde 195719 o DF já abrigava as primeiras escolas brasilienses.
Segundo a Indicação n°5 (1966), que trata da organização do sistema de ensino do
Distrito Federal, naquela época, o curso primário foi
[...] dividido em três fases. A primeira fase abrange a primeira e a segunda séries; a segunda fase abrange a terceira, a quarta e quinta séries; a terceira fase abrange a classe complementar da sexta série que pode funcionar nas escolas do Plano Pilôto (sic) e das cidades satélites (Cap. I, art. I, grifo meu).
O documento Ensino Primário no Distrito Federal (1969) que também trata da
organização do ensino no DF, apresentando o Plano Geral do Sistema, retoma e confirma o
descrito na Indicação n° 5 com uma diferença, divide o curso primário em apenas duas fases:
A Indicação n° 5 do Conselho de Educação do DF estabeleceu as normas para a organização e funcionamento do sistema de ensino primário e considera que este ensino deverá compreender duas fases: a primeira correspondendo à 1ª e 2ª séries primárias e a segunda correspondendo à 3ª, 4ª e 5ª séries. A sexta série é considerada parte do plano experimental de extensão da escolaridade primária (grifo meu).
A luta na busca dessas mudanças provocou diversas discussões. Novamente a
ampliação do Ensino Fundamental ganhou reforços. Nascimento informou que participaram
de um encontro de países caribenhos e latinos, inclusive o Brasil, e que as discussões
resultaram no Acordo Punta del Leste e Santiago (1970)20 no qual os participantes se
comprometeram a ampliar o Ensino Fundamental para 6 anos.
Motivados por essas discussões, além do Distrito Federal, outros sistemas de ensino
estaduais e municipais foram mudando a organização da escolaridade em séries para ciclos.
Mainardes (2001) apresenta os estados que implantaram a organização do ensino pautada
nesse novo ideário, em seus sistemas, no período entre 1968 e 1984. O Estado de São Paulo
implantou os ciclos, designando-os de Organização em Níveis. Santa Catarina o fez,
implantando o Sistema de Avanços Progressivos, e o Rio de Janeiro implantou o Bloco
Único. Barreto e Mitrulis (2001) acrescentam mais dois estados que adotaram essa
perspectiva educacional, nessa mesma época: Pernambuco e Minas Gerais.
19 Antes mesmo da inauguração de Brasília, algumas escolas foram inauguradas. O GE – 1, Escola Classe Júlia Kubitschek, localizada no Núcleo Novacap/Candangolândia foi inaugurada, em 10 de setembro de 1957; no ano seguinte, foi a Escola Dr. Ernesto Silva, na Companhia Construtora Nacional, e em 1959, foram inauguradas, em Taguatinga, a Escola Profissional e a Escola Classe 01 (DOURADO, 2005). 20 Conforme descrito na apresentação do Documento Ensino Fundamental de Nove Anos (2006)
46
Nascimento relatou que as discussões continuaram, resultando em mais uma
conquista, a promulgação da Lei Federal 5692/71 que ampliou o “Ensino de 1° Grau” para 8
anos e acrescentou que a década de 80 foi marcada por intensos movimentos sociais, sendo
considerada a década da crítica, da renovação pedagógica, influenciando, cada vez mais, a
adoção de mudanças nos sistemas educacionais brasileiros.
Mainardes comenta que nessa década “diversos estados brasileiros implantaram o
Ciclo Básico de Alfabetização (CBA)”, dentre eles os Estados de São Paulo, Minas Gerais,
Paraná e Goiás “acrescentando a essa proposta, outras medidas administrativas e
pedagógicas” (op.cit: 35). O autor novamente deixa de incluir o Distrito Federal que, no início
da década de 80, vivenciou o Projeto ABC (1984) e, no final dessa década e início dos anos
90, o CBA (1989).
A mudança na organização da escolaridade representou um espaço de luta para
modernizar a educação e foi sendo agregada a algumas propostas de governo, conforme
descreve Mainardes (2006). O autor relata que “esta política foi incorporada por algumas
administrações e partidos políticos (principalmente pelo Partido dos Trabalhadores – PT),
constituindo a versão progressista da política” (ibid.: 13) e apresenta algumas dessas
propostas governamentais: O CBA implantado em São Paulo, a Escola Cidadã21 implantada
em Porto Alegre – RS e a Escola Plural22 criada em Belo Horizonte - MG. Nessa mesma
perspectiva, também houve no Distrito Federal, em 1995, a Escola Candanga – proposta pelo
Governo Democrático e Popular e a Escola Cabana23, em Belém – Pa.
Freitas (2002, 2003) comenta que a concepção de ciclo tornou-se uma alternativa para
o enfrentamento da grave situação de reprovação e evasão que incomodava a educação
brasileira, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental, vislumbrando a
reconfiguração deste cenário. No entanto o autor adverte que a diversidade de interpretações
que envolveram a lógica de ciclo impediram a consolidação desse ideário.
21 Informações obtidas no site www.portoalegre.rs.gov.br/fme/. Acesso em 6 de novembro de 2006. 22 Informações obtidas no site www.anped.org.br/reunioes/23/textos/te13.PDF. Acesso em janeiro de 2007. 23 Informações obtidas no site www.anped.org.br/28/textos/gt07/gt071472int.rtf. Acesso em 6 de novembro de 2006.
47
A Lógica de Ciclos: o enfrentamento a ranço e equívocos
Freitas (2002, 2003) descreve as diferentes estratégias utilizadas pelos projetos que
apresentaram essa concepção de organização da escolaridade: a progressão continuada, a
promoção automática e os ciclos de formação. Diz o autor que essas estratégias diferem
tanto no conceito como na forma de aplicação e implantação, mas alerta que, apesar dessas
diferenças, esses projetos vêm apresentando uma grave consonância, a desresponsabilização
da escola pelo ensino para todos, ou seja, a escola desresponsabilizou-se pela aprendizagem
de seus alunos.
Freitas comenta que na progressão continuada há o agrupamento das “séries como
propósito de garantir a progressão continuada do aluno” (2003: 9), na tentativa “de retirar os
efeitos da avaliação formal durante um determinado conjunto de anos” (2002: 318).
Mainardes (2001) exemplifica esse modo de organização da escolaridade com a situação
vivenciada por São Paulo, no ano de 1985, quando implantou o CBA, juntando os quatro
primeiros anos do Ensino Fundamental em um ciclo e os quatro últimos em outro, de modo
que o aluno somente poderia ficar retido ao final de cada ciclo. No percurso do ciclo os alunos
que necessitavam eram atendidos com atividades de reforço e recuperação.
Freitas explica que na progressão continuada retira-se da avaliação o poder de reter o
aluno ao final de cada série, adiando sua retenção para o final do ciclo, mas “se espera que a
escola encontre diferentes formas de ensinar que assegurem a aprendizagem dos alunos e o
seu progresso intra e interciclos” (2003: 24). O autor acrescenta que dessa forma a criança
sempre progredirá no seu processo de aprendizagem, o qual ocorre conforme o ritmo natural
de cada uma. O autor baseia-se em Bertagna (2003) para diferenciar progressão continuada
de promoção automática.
Diz ele que, na primeira, a criança avança em seu percurso porque se apropria “de
novas formas de pensar, sentir e agir” (op. cit.: 25), enquanto, na segunda, a criança
permanece na escola, independentemente, de progredir nessas apropriações. Freitas aponta
ainda que a progressão automática “foi adotada, como enfatizam diversos textos oficiais,
porque extrapola a compreensão da aprovação automática” uma vez que incorpora aspectos
pedagógicos, ao contrário da promoção automática que se pautou meramente em aspectos
administrativos (2003: 24). Também Mainardes apresenta essa diferenciação, apoiando-se em
Poli (1998), a progressão continuada “prevê três quesitos: ‘não-prejuízo da avaliação do
processo de ensino-aprendizagem; obrigatoriedade dos estudos de recuperação para alunos de
48
baixo rendimento e possibilidade de retenção, por um ano, no final do ciclo”. Retirando “esses
três itens da progressão continuada, teremos a promoção automática” (2001: 36, grifo meu).
Para compreender a necessidade de ressignificação da palavra promoção automática
para progressão continuada basta conhecer os ideais que inspiraram sua concepção.
Mainardes (2001) apresenta alguns deles por meio do legado de Almeida Júnior (1957).
Mainardes comenta que Almeida Júnior após participar da Conferência Estadual de Educação
realizada em Ribeirão Preto – SP, em 1956, publicou um artigo, comentando sua participação
na Conferência Regional sobre Educação Gratuita e Obrigatória, em 1956, em Lima – Peru.
Almeida Júnior relatou as idéias de Thompson (1921) que sugeriu a adoção da
‘promoção em massa’ e ainda, as idéias de Dória (1918), aconselhando que a repetição de
ano deveria ocorrer quando não houvesse candidatos para os lugares que seriam ocupados
pelos reprovados, pois não deveria ser permitido que se negasse a matrícula aos novos
candidatos, somente porque vadios ou anormais iriam repetir o ano (op. cit: 39).
A intenção da promoção automática nada mais era do que manter o aluno na escola,
independentemente, de estar ou não progredindo no processo de aprendizagem, dispensando,
além de outras condições, os aspectos pedagógicos que podem garantir a progressão. Situação
polêmica apresentada por Freitas ao comentar que “não basta dar ao aluno todo o tempo
necessário: é preciso que ele tenha ajuda igualmente diferenciada para aprender (materiais
diversificados, ajuda pontual durante o processo de aprendizagem), [...]” (2003: 20). O autor
diz, ainda, que esses aspectos deveriam ter sido introduzidos na prática da progressão
continuada, que não conseguiu incorporá-los, ficando dissociada na teoria. Infelizmente
também os ciclos não incorporaram esses ideais.
Nos ciclos de formação, geralmente o agrupamento acontece a cada três anos,
conforme as fases do desenvolvimento da criança. Para Freitas, os ciclos de formação
baseiam-se “em experiências socialmente significativas para a idade do aluno” (2003: 9). O
sistema de ensino no DF, por cinco vezes foi organizado dessa forma, em 1963 conforme
estabelecido na Indicação nº 5 (1966) e no documento Ensino Primário no Distrito Federal
(1969), nos tempos do Projeto ABC (1984), do CBA (1989), da Escola Candanga (1995) e
atualmente com o projeto BIA, conforme descreve a Proposta Pedagógica (2006), lembrando
que cada um desses projetos pautou-se em uma determinada lógica.
49
Ciclos no Distrito Federal: a cada proposta uma lógica
A lógica da organização da escolaridade em ciclos vivenciada pelo sistema de ensino
do Distrito Federal pode ser analisada, considerando-se o que ficou registrado sobre cada uma
delas, no entanto pouco se tem registrado sobre a educação brasiliense nas décadas de 60, 80 e
90. Relacionado à implantação das fases na época de 1963, há dois documentos referindo-se à
proposta, apresentados anteriormente. Sobre o Projeto ABC, iniciado em 1984, há um
relatório, descrevendo como ocorreu a implantação desse projeto - Projeto ABC: Estudos
Experimentais em Alfabetização. Relatório – Separata (1984). Quanto ao CBA foram
encontrados três documentos, dois contendo as orientações pedagógicas para a efetivação da
proposta: o Documento-Síntese norteador para implementação do Ciclo Básico de
Alfabetização – CBA: Orientação Pedagógica n° 4 (1989), um resumo desse documento
elaborado pela DRE de Sobradinho e, o Parecer n° 53/89 – CEDF (1989), que aprovou a
adoção da sistemática de registros pedagógicos e administrativos dos alunos provenientes do
CBA. Referindo-se à Escola Candanga existem vários registros, incluindo documentos,
reportagens e monografias. Quanto ao BIA há os documentos citados mais à frente, algumas
reportagens e uma pesquisa, analisando o processo de avaliação utilizado.
Mesmo sendo considerados projetos inovadores, cada um deles foi implantado,
apoiando-se em uma determinada lógica, como apontou Freitas (2001). Na década de 60, o
ciclo foi organizado em três fases e depois em duas, da forma como descrito, anteriormente,
na Indicação nº 5 (1966) e no documento Ensino Primário no Distrito Federal (1969). O
Projeto ABC deixa transparecer que organizou a escolaridade em um ciclo, envolvendo a 1ª e
2ª séries, conforme informado no relatório: “a alfabetização não ocorre, comumente, ao final
da 1ª série, mas da 2ª série” (1984: 26-27). O CBA (1988) classificou as crianças
matriculadas na 1ª e 2ª séries, por meio de uma avaliação, em turmas de Iniciando: Grupo I24
– crianças que estavam iniciando o processo de alfabetização, Concluindo: Grupo II –
crianças que estavam concluindo esse processo e Continuando: Grupo III – crianças que não
haviam sido alfabetizadas nesses dois anos, conforme informações contidas no Documento-
Síntese norteador para implementação do Ciclo Básico de Alfabetização – CBA: Orientação
Pedagógica n° 4 (1989).
24 Neste documento, não foram encontradas referências à classificação em grupos, mas como professora da rede pública do Distrito Federal desde março de 1984, vivenciei o uso dessa nomenclatura. Fui professora de turmas do Grupo III, Continuando, em 1988 e Grupo II – Concluindo, em 1989.
50
A Escola Candanga, de acordo com os Cadernos (1995, 1997) que tratam da sua
organização instituiu as fases de formação, enturmando as crianças de acordo com “dois
critérios conjugados: idade – desenvolvimento global” (CADERNO 3, 1995: 37) e, ainda,
propondo a jornada ampliada, em que o tempo de estudo diário passou para cinco horas.
Começou atendendo, na 1ª fase, as crianças do antigo 3º Período da Educação Infantil e 1ª e 2ª
séries, o que corresponde, atualmente ao BIA. Atendeu também na 2ª fase, no primeiro ano
de sua implantação, as crianças matriculadas nas antigas 3ª e 4ª séries e, no ano seguinte,
atendeu nessa fase, as crianças da 5ª série. A implantação da 3ª fase ocorreria no ano de 1999,
no entanto a mudança na gestão do governo do DF não só impossibilitou a ampliação do
projeto Escola Candanga como também casou sua extinção; e assim como se dá a
implementação do BIA a Escola Candanga também estava sendo instituída gradativamente e
com o término do governo voltou-se à proposta de seriação.
Após seis anos vivendo a seriação, houve o retorno aos ciclos, por meio do BIA em
2005. O Bloco atende, atualmente, somente as crianças de seis a oito anos, nas etapas I, II e
III, conforme previsto no documento que fundamenta e organiza sua implantação. Esse
documento não aborda a possibilidade de ampliação do ciclo.
O BIA, por meio da Proposta Pedagógica (2006), “propõe que a organização da escola
nos anos iniciais do Ensino Fundamental ocorra por Etapas de Formação” (2006: 13).
Apresenta a seguinte estrutura: cinco anos iniciais e quatro anos finais. O ciclo inclui apenas
os três anos iniciais do Ensino Fundamental, organizado em três etapas:
Quadro 5: Organização do Ensino Fundamental de Nove Anos - BIA
Ensino Fundamental de 9 anos ANOS INICIAIS
Ensino Fundamental de 9 anos ANOS FINAIS
ETAPA I - 6 anos 1º ANO 5ª SÉRIE 6º ANO ETAPA II - 7 anos 2º ANO 6ª SÉRIE 7º ANO
B I A ETAPA III - 8 anos 3º ANO 7ª SÉRIE 8º ANO 3ª SÉRIE 4º ANO 8ª SÉRIE 9º ANO 4ª SÉRIE 5º ANO
Fonte: Proposta Pedagógica (2006: 14)
Freitas (2002) aponta a concepção de ciclo como um mecanismo de resistência à
lógica seriada, oportunizando o desvelar do senso comum que impede o desenvolvimento da
escola e da sociedade. Infelizmente a concepção de ciclos adotada nos projetos de educação
implantados nas escolas brasileiras, não tem oportunizado, ainda, a elaboração de
conhecimentos, opondo-se à lógica seriada, apenas tem conservado o aluno dentro da escola,
não lhe garantido inserção social. Mainardes (2001) comprova esses dizeres ao comentar que
51
essa prática tem levado à implantação paralela de tentativas de correção de fluxo. Muitas são
as ações criadas com o objetivo de corrigir a defasagem idade/série provocada pelo acúmulo
de retenção das crianças entre um ciclo e outro. Inclusive essas medidas foram adotadas no
DF que, por diversas vezes, vivenciou a sistema de ciclos interrompido pela volta da seriação
e inseriu, em seus projetos, alternativas para enfrentar a defasagem idade/série.
Na busca de garantir uma nova perspectiva para a educação brasileira, as discussões
envolvendo a organização da escolaridade, foram entremeadas pelas discussões para a
inclusão da criança na escola a partir dos seis anos de idade.
O segundo parágrafo, o artigo 10 do capítulo V da Indicação n° 5 refere-se à
matrícula, definindo que, para ingressar na primeira série do curso primário, a criança deve ter
a idade de sete anos, da mesma forma também abordam essa questão, o documento Ensino
Primário no Distrito Federal; as Leis 4024/61, 5692/71 e o Acordo Punta del Leste e Santiago
(1970); diferentemente do que propôs, dentre outros, a Escola Plural (1994); a Escola
Candanga (1995); a Lei 10.172/2001 - Plano Nacional de Educação; a Lei 9394/96 após sua
reformulação e, atualmente, o BIA.
As medidas educacionais revelam a influência do contexto sócio-histórico e político
da época em que acontecem, o que motivou a adoção da organização da escolaridade em
ciclos, em diferentes épocas aqui no DF. Na década de 60, as discussões desencadeadas pelos
progressistas, culminando com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
(1932), fomentavam mudanças e resultou na ampliação da “Educação de Grau Primário” para
4 anos, por meio da Lei 4024/61, incentivando a adoção das fases no sistema de ensino do
DF. Os movimentos sociais, educacionais, políticos, nacionais e internacionais continuaram
discutindo a inclusão de todos na educação, tornando os anos 80 conhecidos como a década
da crítica, o que incentivou a implantação do Projeto ABC e do CBA. Posteriormente, na
época da Escola Candanga, esses movimentos, com o objetivo de “universalizar o acesso à
educação e promover a eqüidade”, proclamaram a Declaração Mundial sobre Educação para
Todos (1990). As discussões avançaram e na intenção de universalizar o acesso à educação
básica incentivaram a inclusão das crianças de seis anos no Ensino Fundamental, levando à
reformulação da Lei 9394/96, que impulsionou a instituição do BIA.
Durante a entrevista realizada com Nascimento, esta esclareceu que a conquista da
inclusão da criança no Ensino Fundamental a partir de seis anos, passou por diversos entraves.
Um deles ocorreu durante a empreitada para reformulação da Lei 9394/96. A primeira
tentativa de reformular essa lei iniciou-se pela proposição de alteração nos seus artigos 6o, 30,
32 e 87 pela Lei 11.114/2005, com o objetivo de tornar obrigatório o início do ensino
52
fundamental aos seis anos de idade. Mas incluiu, também, algumas limitações, tornando-a
apenas uma antecipação, pois atrelou à obrigatoriedade do ensino três exigências, que
impediram sua efetivação em muitos estados e municípios brasileiros, conforme expressa o
artigo 87:
§ 3o, [...] a) plena observância das condições de oferta fixadas por esta Lei, [...] b) atingimento de taxa líquida de escolarização de pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) da faixa etária de sete a catorze anos, [...] c) não redução média de recursos por aluno [...] (grifo meu).
Nascimento ressaltou, ainda, a importância da luta de diversos movimentos,
associações, sindicatos e governos, dentre outros, interessados em viabilizar a democratização
da educação, o que foi aos poucos, tornando-se uma conquista. Destacou que, a ampliação do
Ensino Fundamental tornou-se formalmente instituída em 2001, por meio do Plano
Nacional de Educação (PNE) - Lei 10.172/01, que instituiu a Década da Educação, definindo
como 2ª meta para o Ensino Fundamental: “ampliar para nove anos a duração do ensino
fundamental obrigatório com início aos seis anos de idade, [...]” (Itens 2.3 – Objetivos e
Metas, grifo meu).
2.2. Distrito Federal e Ensino Fundamental para Nove Anos: organização e ações
O GDF começou a elaborar sua proposta para cumprir com o disposto na Lei
10.172/01 após participar das discussões promovidas pelo MEC. De acordo com o Relatório
do Programa do Ensino Fundamental de Nove Anos (2004), o MEC coordenou as discussões
para a implementar/implantar este programa, em 2003, por meio de uma consulta para
identificar o interesse das secretarias de educação em ampliar o Ensino Fundamental. Recebeu
a resposta de cinco estados e duzentos e oitenta e quatro municípios. O MEC iniciou as ações
para ampliação do Ensino Fundamental, promovendo encontros regionais com os sistemas
interessados. Segundo o Relatório do Programa de Ampliação do Ensino Fundamental para
Nove Anos (2004), participaram dessas discussões secretários de educação municipais e
estaduais, incluindo-se a SEEDF. Participaram, também, equipes técnicas pertencentes a essas
secretarias, diretores de escola, professores, supervisores e inspetores educacionais,
orientadores pedagógicos e outros profissionais da educação, além de representantes da União
dos Dirigentes Municipais de Educação e do CNE. Estes encontros oportunizaram a
53
elaboração coletiva da versão preliminar do documento Ensino Fundamental de Nove
Anos - Orientações Gerais (2004). No ano seguinte, munidos desse documento, Estados,
Municípios e Distrito Federal realizaram suas discussões.
A SEEDF se organizou para implantar o Ensino Fundamental de Nove Anos, por meio
da Lei 3.483 sancionada pelo governo, em novembro de 2004, determinando em seu artigo 1º:
Fica ampliada, de oito para nove anos, a duração mínima do Ensino Fundamental da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal.
§ 1º A ampliação do Ensino Fundamental para nove anos será feita de forma gradativa, no prazo máximo de quatro anos, a contar de janeiro de 2005;
§ 2° Será extinto, gradativamente o Projeto “Quanto mais cedo melhor”, à medida que for implantada a ampliação do Ensino Fundamental (grifo meu).
Vale lembrar que no DF as crianças com seis anos de idade estavam sendo atendidas
pelo Programa “Quanto mais cedo melhor”, criado para atender às crianças a partir de cinco
anos e meio, assegurando-lhes escolaridade obrigatória.
Em março de 2005, o GDF, por meio do Decreto nº 25.617/2005, regulamentou o
disposto na Lei nº 3.483, orientando a forma, o local e a responsabilidade da implantação do
Ensino Fundamental de Nove Anos:
Art. 1º - A partir de 2005 dar-se-á a implantação progressiva do Ensino Fundamental de nove anos nas instituições da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal com a inclusão de crianças de seis anos de idade.
Parágrafo único – O estabelecimento do programa de ampliação do Ensino Fundamental ocorrerá de forma gradativa, no prazo máximo de quatro anos, tendo início nas instituições de ensino da Diretoria Regional de Ensino de Ceilândia.
Art. 2º - À Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal caberá construir, organizar, divulgar e acompanhar a implantação e implementação do Ensino Fundamental de nove anos no Sistema Público de Ensino do Distrito Federal, por meio de ações técnico-pedagógicas, bem como a ampliação e adequação da rede física. (grifo meu).
Enquanto isso, o MEC e o CNE continuaram promovendo discussões para elucidar a
inadequação da Lei 11.114/2005, o que foi proposto pela Resolução n° 3/2005 e pelo Parecer
18/2005, culminando no Projeto de Lei 144/2005 que originou a Lei 11.274/2006, alterando o
artigo 32 e revogando as exigências do artigo 87:
54
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão [...] Art. 87. § 3o [...] Matricular todos os educandos a partir dos 6 (seis) anos de idade no ensino fundamental (grifo meu).
As discussões realizadas no Distrito Federal resultaram na publicação da Portaria nº
283/2005, que trouxe as diretrizes preliminares para a implantação do Ensino Fundamental de
Nove Anos nas escolas públicas do DF. Essa Portaria continha as disposições sobre a
organização, o funcionamento da proposta governamental e os preceitos que fundamentaram a
elaboração do documento “Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de Nove Anos -
Bloco Inicial de Alfabetização – BIA (versão preliminar, 2005)”.
Esse documento foi revisado em 2005 e depois em 2006, originando três versões: a
primeira foi impressa sob o título acima, a segunda foi intitulada “Orientações gerais para o
ensino fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização (versão revista, 2005)” e a
última “Orientações gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de
Alfabetização – Proposta Pedagógica (versão revista, 2006)”.
Para embasar minhas discussões, apoiei-me inicialmente no segundo documento,
editado em 2005, pois foi baseado nele que se implantou o BIA na cidade de Taguatinga. Nas
discussões ocorridas posteriormente à segunda revisão, apóio-me no último documento,
editado em 2006.
2.3. Bloco Inicial de Alfabetização: proposta para sua instituição
O documento com as Orientações gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco
Inicial de Alfabetização – Proposta Pedagógica (versão revista, 2006)25 incluiu a Proposta
Pedagógica do BIA. Essa proposta contém cinco itens, inicia situando os diferentes contextos
em que se deu a institucionalização dessa proposta com o item: Situando o Bloco Inicial de
Alfabetização no Contexto Educacional e Legal. Aborda os Princípios Metodológicos,
reforçando, entre os professores, as mudanças fundamentais na configuração do BIA,
tornando esses princípios norteadores fundamentais e indispensáveis à sua consolidação.
São eles: “Enturmação por idade; Formação continuada dos professores; Trabalho
25 Ao referir-me a esse documento usarei apenas o nome Proposta Pedagógica (2006).
55
coletivo com reagrupamentos; Trabalho com Projeto Interventivo26; As Quatro Práticas
de Alfabetização; A avaliação formativa no processo de ensino e aprendizagem” (2006:
13). Apresenta o Eixo Integrador: Alfabetização, Letramento, Ludicidade, buscando o
estabelecimento de uma coerência entre os princípios apresentados. Aborda a Alfabetização
Matemática, na intenção de promover o repensar sobre essas práticas de ensino conforme o
expressa no quarto item: Alfabetização Matemática: repensando as práticas de ensino e
conclui, apresentando no quinto item: Epistemologia e Metodologia do BIA, a concepção
epistemológica e metodológica baseada numa perspectiva sócio-histórico-interacionista.
Coube à Subsecretaria de Educação a responsabilidade de implantar e gerenciar as
discussões sobre o BIA, inclusive elaborando todos estes documentos, num processo de
reestruturação, visando dar melhor esclarecimento a cada ponto da proposta. A educação
brasiliense em diferentes épocas adotou a proposta de ciclos e poucos foram os referenciais e
registros elaborados em relação a essa vivência. O que poderia, a partir da análise da situação
vivida, ter oportunizado diversos avanços, considerando o que foi socialmente elaborado.
BIA: expectativas e possibilidades
A educação no Distrito Federal, por muitas vezes acompanha as intempéries ocorridas
no meio político, trazendo constantes mudanças em seu cenário a cada quatro anos.
Geralmente o novo governo, ao assumir seu mandato, busca instituir uma nova proposta
educacional. Na entrevista27 realizada com as interlocutoras dessa pesquisa, a professora Lara
descreveu sua opinião sobre o contexto em que ocorreu a implantação da proposta do BIA:
você sabe que o BIA veio goela abaixo, igual ao CBA, igual a outros momentos que nós vivemos, como alternativa “A”, abordagem vivencial e agora vem o BIA. Cada vez que entra um governo quer empurrar uma coisa na gente, e às vezes quer jogar na lata do lixo tudo que você aprendeu até aquele momento. Isso dá raiva, pois cada um quer implantar sua idéia. Eu acho que o governo quando muda não tem que jogar tudo que o outro fez, na lata de lixo e querer implantar tudo de novo.
26 O Projeto interventivo tem como objetivo principal atender as crianças da Etapa III com defasagem idade/série, proporcionando-lhes uma efetiva alfabetização, para que possam ser incluídos no processo de escolaridade, freqüentando a 3ª série, no ano seguinte. 27 Entrevista realizada pela pesquisadora, no dia 2 de abril de 2007, com a participação das professoras Suzi e Lara.
56
Muitas vezes novas propostas desconstroem importantes conquistas sociais. No
Projeto da Escola Candanga, houve a inclusão das crianças de seis anos no Ensino
Fundamental, por meio da chamada 1ª fase, no entanto, a proposta do governo seguinte,
retornou essas crianças para a Educação Infantil. Essa atitude foi um retrocesso, uma vez que
se perdeu a chance de compreender melhor como promover a progressão continuada,
oportunizando a não retenção das crianças na etapa III, situação que representa hoje, um dos
grandes desafios do BIA. Poderiam ter sido elaborados referenciais para subsidiar as
discussões sobre esse assunto, o que foi postergado, por diversas vezes.
Agora as escolas da rede pública terão essa oportunidade, mesmo diante da mudança
de governo, pois o BIA que se iniciou no ano de 2005 continua, em 2007, sendo implantado
nas cidades de Samambaia, Guará e Brazlândia, conforme reportagem disponível no site da
SEEDF: “Ensino fundamental de nove anos chega à Samambaia”. A implantação do Ensino
Fundamental para Nove Anos está definida por uma lei federal, não somente por uma
proposta de governo local. Dessa forma, torna-se uma conquista social, por meio da Lei
11.274/2006 que prevê em seu artigo 5º que “os Municípios, os Estados e o Distrito Federal
terão prazo até 2010 para implementar a obrigatoriedade para o ensino fundamental”. No
Distrito Federal:
A SEEDF prevê que o processo de implantação do Ensino Fundamental de 9 anos esteja totalmente consolidado em toda a Rede Pública de Ensino até 2008, conforme a Lei nº 3.483, de 25 de novembro de 2004, DODF nº 225, Decreto 25.619 de 01 de março de 2005 e Portaria 283/2005 (Proposta Pedagógica, 2006: 8-9, grifo meu)
Nesse cenário, poderá ocorrer apenas a mudança na nomenclatura, uma proposta
diferente de “BIA”, mas não poderá retroceder e excluir do Ensino Fundamental as crianças
de seis anos, como ocorreu na mudança dos gestores políticos que sucederam à implantação
da Escola Candanga, em 1999. Elas permanecerão no Ensino Fundamental, pois essa
conquista está expressa nos artigos 32 e 87 da Lei 9394/96 reformulada pela Lei 11.274/2006.
A professora Ana comentou em entrevista28, que essa mudança representa uma grande
conquista social uma vez que, “obrigatoriamente inclui os seis anos” e complementa “este é o
melhor ganho para mim”. A conquista da inclusão das crianças de 6 anos no Ensino
Fundamental representa um desafio. Se por um lado constitue uma conquista social,
promovendo o acesso de mais crianças à educação, por outro precisa cautela para não
28 Entrevista realizada pela pesquisadora no dia de 7 de maio de 2007, no CEF 18 de Taguatinga.
57
antecipar o fracasso escolar. Um tema que envolve muito estudo, muita reflexão, cuidando
para realmente incluí-las no processo de escolarização.
Poderá haver mudança também na concepção de organização da escolaridade,
retornando para séries, mas há uma intenção expressa no primeiro parágrafo do artigo 32 da
Lei nº 9394/96 de que o ensino seja realizado na perspectiva de ciclos, dizendo que “é
facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos”. Diante dessa
realidade, são grandes as expectativas para a continuidade na elaboração de referenciais tanto
em relação à inclusão das crianças de seis anos na escola como na concepção de organização
da escolaridade que promova a progressão continuada.
Ciclos: propostas implantadas no DF e a lógica da continuidade das aprendizagens
A Proposta Pedagógica do BIA apresenta a lógica da progressão continuada como
oportunidade para a criança prosseguir no processo de ampliação do conhecimento,
descrevendo que:
O BIA objetiva oportunizar às crianças no período de alfabetização o acesso ao conhecimento, promovendo a progressão continuada e assegurando o sucesso escolar. O tempo único de 03 anos para que o conjunto de habilidades definidas para cada uma das Etapas do Bloco seja trabalhado, assegura o desenvolvimento da criança, bem como sua alfabetização e letramento [...] (2006: 28, grifo meu).
A proposta defende, ainda, que a criança tem o tempo de três anos para vencer as
habilidades definidas em cada uma de suas etapas, assegurando-lhe seu desenvolvimento.
O documento Ensino Primário no Distrito Federal (1969) assim descreveu esse
entendimento:
Mas é evidente que um ano de escolaridade deveria haver desenvolvido, nesse aluno, algumas experiências e habilidades de leitura e escrita e, se fôsse (sic) dada a continuidade ao processo, em lugar de voltar-se à estaca zero, os resultados do segundo ano de escolaridade deveriam ser melhores, por razões óbvias (grifo meu).
Villas Boas (2006) relata que o Projeto ABC teve como objetivo o desenvolvimento
contínuo das aprendizagens da criança, durante todo o processo de alfabetização,
58
desvinculando-o do fracasso escolar. No relatório desse projeto, está expressa a necessidade
de se considerar o processo de alfabetização abrangendo as duas primeiras séries do ensino de
1º grau, pois “à 2ª série é destinada uma boa parte de atividades voltadas para a
complementação da alfabetização”, indicando a necessidade de continuidade desse processo
(1984: 26).
As orientações pedagógicas contidas no Documento-Síntese do CBA orientavam que
“como bloco único de conhecimentos, o CBA assegura a seqüência e a continuidade do
processo de alfabetização a partir do estágio onde o aluno se encontra (1989: 05)”. Esta
orientação indicou a intenção da continuidade e ainda acrescentou que, para isso deveriam ser
considerado os conhecimentos elaborados pela criança.
A proposta da Escola Candanga apresentou a idéia de:
pensar os processos pedagógicos na perspectiva de possibilitar aos educandos avançar em sua escolaridade, buscando soluções adequadas diante de suas dificuldades. [...] garantindo o direito de permanência dos educandos na escola. O aluno pode avançar sempre, valorizando seu desenvolvimento e aprendizagem, vendo e revendo diferenças [...] (CADERNO 3, 1995: 22, grifo meu).
Mediante a análise das informações contidas nesses documentos torna-se evidente que
a lógica adotada por esses projetos implantados no Distrito Federal, em relação à adoção da
organização da escolaridade, expressaram a possibilidade de continuidade do processo de
alfabetização, privilegiando o progresso da criança na elaboração de aprendizagens. Os
projetos são apresentados como uma inovação que buscam instituir uma outra lógica para esse
tipo de organização, mas incidiram em poucos avanços.
Muitos foram os argumentos encontrados para justificar o porquê dos resultados
apresentados pelos projetos, que trazem a concepção de ciclos, implantados na educação
brasileira. A maioria deles baseia-se nos obstáculos para sua concretização. O documento
Ensino Primário no Distrito Federal (1969) elenca alguns deles: método utilizado, preparo do
professor e o tempo de permanência do aluno na escola. Chiarello (2001) aponta como
impedimentos a formação ineficiente dos professores e o pouco tempo para consolidação da
proposta. Freitas (2002) enriquece a discussão apresentando a necessidade de superar a lógica
da exclusão e da submissão, considerando a aprendizagem como um direito da cidadania.
Villas Boas (2006) acrescenta a necessidade de redimensionamento do trabalho docente e da
reelaboração de práticas avaliativas, pautadas na análise diária do processo percorrido pelas
crianças ao aprender.
59
Essas análises apresentam consenso com os dizeres das interlocutoras da pesquisa,
conforme revelaram, ao expor suas opiniões, durante a realização de uma das entrevistas. A
professora Ana comentou a distorção provocada pelo entendimento da progressão continuada
para garantir a permanência da criança na escola, evitando a reprovação e a evasão. Ela
acredita que “no ciclo, a criança na etapa que está, deve ter seus direitos preservados,
conforme o processo de aprendizagem da leitura e da escrita, incluindo-a no processo de
escolarização”.
A professora Ana aspira a que a promoção aconteça porque a criança esteja sendo
incluída no processo de escolarização e esteja aprendendo os conteúdos referentes à etapa na
qual está matriculada. O que começou a ser instituído por meio da Escola Candanga, após a
compreensão por parte de alguns de equívocos da concepção dos ciclos de formação. Mas
infelizmente essa compreensão ocorreu entre poucos grupos de professores que, em sua
maioria, os interpretou como promoção automática.
Caso a criança pudesse ser promovida conforme seu processo de aprendizagem e de
acordo com ele ser enturmada em cada uma das etapas, certamente uma outra lógica
permearia o trabalho realizado em sala de aula. Mas quando a Proposta Pedagógica (2006: 28)
considera “o tempo único de 03 anos, para que o conjunto de habilidades definidas para cada
uma das Etapas do Bloco seja trabalhado”, pode gerar uma interpretação incorreta do que
propõe o ciclo. Este deve garantir a progressão da criança na escolaridade mediante sua
progressão no processo de aprendizagem, assegurado pelo acompanhamento sistemático desse
processo, por meio do trabalho realizado, cotidianamente, em sala de aula. Uma situação “que
faz a diferença”, conforme alerta a professora Maria29, caso não haja um “critério mínimo
para acompanhar a aprendizagem das crianças, os professores podem acomodar-se e achar
que as crianças terão um longo tempo para aprender. Isso pode acontecer no BIA”, e
acrescenta:
Acho que a seriação deveria ter acabado. O BIA avançou, mas a questão da avaliação das crianças não. Acredito que a criança só deveria avançar se tivesse condições. Senão vai para outra etapa sem condições para estar nela. Infelizmente quando se monta um programa não se pensa na avaliação, mas uma avaliação processual, não aquela deixada para o fim. Essa idéia de três anos para aprender, faz com que o trabalho se perca. Tem que haver avaliação processual, acompanhamento do trabalho que está sendo realizado, como a coordenadora do CRA [2006] começou a fazer.
29 Entrevista realizada no dia 7 de maio de 2007, no horário da coordenação pedagógica.
60
As interlocutoras da pesquisa realizaram um acompanhamento sistematizado do
processo de aprendizagem das crianças. Além das anotações individuais no caderno de
registros, organizaram uma coletânea com as atividades propostas como avaliações
diagnósticas bimestrais.
Essas professoras acreditam que a concepção de ciclos urge ser ressignificada,
tornando imprescindível compreender o modo como oportunizar o avanço intra ciclo,
repensando a avaliação como acompanhamento sistemático do processo de aprendizagem de
cada uma das crianças, o que pode ser realizado por meio da educação continuada. Acreditam
também que se deva instituir uma educação continuada centrada nessa prioridade, ou seja,
uma educação continuada que priorize o proposto, dentre outros, por Villas Boas (2006): o
acompanhamento diário do processo de aquisição das aprendizagens. Uma mudança que
poderá contribuir para alterar os resultados apresentados por essas tentativas de eliminar a
reprovação e a evasão escolar, conforme explica a professora Maria:
Achei muito interessante, no início do ano, a coordenadora do CRA tinha colhido e estava colhendo dados, e a coordenadora da escola acompanhando a escola, para fazer reflexão sobre os dados e o que fazer para que as crianças avançassem no processo de alfabetização. Eu pensei: felizmente a SEEDF está no caminho certo, na minha visão.
A professora Maria acredita que o acompanhamento sistematizado do trabalho
realizado pelos professores deve estar inserido nas propostas de educação continuada, diz ela
que “a SEEDF precisa fazer uma avaliação processual e para isso ela precisa de pessoas que
entendam, que saibam, que realmente atinja o ponto. A formação continuada precisa ter em
mente isso, o que está acontecendo e o que o professor pode fazer a partir disso”.
A intenção de oportunizar a continuidade do processo de escolarização, garantindo a
aprendizagem das crianças esteve e está explicitada nos documentos dessas propostas, mas,
como advertem as interlocutoras, carece ser instituída pelos professores que realizam o
trabalho, cotidianamente, em sala de aula. O que pode ser assegurado por meio da educação
continuada, conforme expressa a Proposta Pedagógica ao descrever que o trabalho a ser
realizado nas três etapas deve ser “renovado pelas práticas docentes coerentes com esta
ideologia, através da formação continuada” (2006: 29).
61
2.4. Centro de Referência em Alfabetização e Educação Continuada
A educação continuada proposta pelo BIA ficou definida para ocorrer no Centro de
Referência em Alfabetização apresentado na Proposta Pedagógica (2006). O CRA representa
uma instituição educacional com espaço físico disponível para receber os professores atuantes
no BIA, oportunizando a eles situações de educação continuada. “Tem como principal função
atender às demandas dos coordenadores pedagógicos e dos professores atuantes no Bloco”
(ibid.: 17). Para tanto, dentre outras situações, deve promover “oficinas, palestras e encontros
entre os professores para compartilhar experiências, manter grupos de discussão e estudo
permanente sobre alfabetização e letramento” (ibid.: 17-18).
A Proposta Pedagógica (2006) define para o CRA, a seguinte orientação, além das
funções transcritas anteriormente:
Disponibilizar um professor com perfil de articulador e com experiência docente para atuar como elo do CRA junto às Instituições Educacionais que atendem ao BIA, bem como de uma equipe de Apoio à Aprendizagem para subsidiar o desenvolvimento das ações concernentes ao CRA. Priorizar ações pedagógicas inerentes à implantação e implementação do BIA, atuando como referência na consolidação dos princípios que sustentam a proposta, e na disseminação de novas alternativas pedagógicas essenciais ao fortalecimento do trabalho individual e coletivo dos professores. Atender às demandas dos coordenadores e professores que atuam no BIA com ações planejadas coletivamente (ibid.: 17, grifo meu).
A criação do CRA pode fomentar a consolidação do pensamento de Candau, porque
busca tornar-se uma “das linhas ou dos caminhos que, partindo da informação da escola como
locus de formação” tem o intuito de
[...] trabalhar com o corpo docente de uma determinada instituição favorecendo processos coletivos de reflexão e intervenção na prática pedagógica concreta, de oferecer espaços e tempos institucionalizados nesta perspectiva, de criar sistemas de incentivo à sistematização das práticas pedagógicas dos professores e a sua socialização, de ressituar o trabalho de supervisão e orientação pedagógica nessa perspectiva. Parte-se das necessidades reais dos professores, dos problemas do seu dia-a-dia, e favorecem-se processos de pesquisa-ação (2003: 145).
A autora comenta que a necessidade de se reconhecer a escola como locus privilegiado
da educação continuada, torna-se primordial para essa construção. Nesse sentido cabe ao
CRA promover experiências em que os professores sejam estimulados a pensar; discutir;
62
habituar-se a refletir sobre o que fazem, buscando elementos para compreender a
complexidade que envolve o cotidiano de sua sala de aula e, agindo assim, os professores
poderão descobrir que podem realizar essa construção dentro de sua própria escola. Poderão,
também, criar situações para compartilhar essas experiências com outras instituições
escolares, sem que para isso seja necessário se conduzirem a um outro lugar. Quando o CRA
cumprir sua função, conseqüentemente ele será extinto, tornará desnecessário, pois será
apenas o fomentador dessa prática, aquele que anuncia os caminhos, que oportuniza aprender
a fazer, fazendo.
A concepção de educação continuada organizada pela equipe que coordenou esse
CRA, tanto em 2006, como em 2007, primou pela organização de situações que envolveram a
reflexão sobre os pressupostos da prática pedagógica dos alfabetizadores. Uma concepção
diferenciada daquela dos tempos da escola de demonstração, quando se propunha o
aperfeiçoamento dos professores, por meio da observação de aulas de outros professores.
BIA e Educação Continuada: ressignificando conceitos
A educação continuada descrita na Proposta Pedagógica do BIA (2006) está
apresentada como um de seus princípios teórico-metodológicos norteadores e prevê que sejam
privilegiados “os espaços e tempos destinados à coordenação pedagógica como possibilidade
de construção coletiva, de trocas de experiências e de vivências significativas para o
aprimoramento do fazer pedagógico” (2006: 19). No decorrer do texto referente à educação
continuada, contida nessa proposta, encontra-se a idéia de “instrumentalizar o professor para
atender às diversidades e perspectivas”, oportunizando a esses profissionais “uma estrutura de
apoio pedagógico que subsidiará sua formação continuada, por meio da” EAPE e dos CRA
(ibid.: 17-18, grifo meu).
Essa concepção de educação continuada carrega em si um significado elaborado ao
longo dos anos. Para Fusari (1998), o termo instrumentalizar tem a intenção de oferecer ao
professor o acesso a métodos e técnicas de ensino a fim de modernizar sua prática docente. Os
instrumentos oferecidos o ajudariam a guiar suas ações pedagógicas. Tanto Fusari (ibid.)
como Marin (1998) dizem que, na maioria das vezes, esses instrumentos apresentam-se
desvinculados da realidade da escola e de seu contexto social.
63
Marin (ibid.) apresenta características semelhantes a instrumentalizar para o ato de
capacitar e aperfeiçoar, uma vez que por meio deles se buscava promover condições para que
o professor desempenhasse sua função, ou melhorasse suas ações, buscando a melhoria das
práticas. Essa concepção foi, largamente, disseminada no campo educacional e impulsionou e
ainda impulsiona, em alguns casos, a essência da educação de professores.
O processo de elaboração semântico de uma palavra carrega as significações e
ressignificações das mudanças sociais instituídas no caminho percorrido e, por carregarem em
si os pressupostos que a definiam no momento histórico em que são usadas, necessitam de
uma transposição semântica. Sendo assim, a ressignificação da palavra educação continuada
foi reelaborada imersa no contexto em que ocorreu a institucionalização da educação.
Realidade que certamente foi influenciada por todo o conjunto de situações instituídas no
contexto no qual econtrava-se imerso.
Segundo a Indicação n° 5, na década de 60 era proposto, para a educação continuada,
o “contínuo aperfeiçoamento”, portanto “as instituições mantenedoras da escola primária”
deveriam “incentivar e possuir serviços assistenciais ao professor para o seu contínuo
aperfeiçoamento”. Apontava que haveria “orientação permanente, seminários e mesas
redondas sobre educação, bolsas de estudos, observação de experiências de educação
consideradas valiosas, biblioteca especializada, de fácil acesso, com acervo atualizado e
acessível”, conforme descrito nesse documento (1966: 20). Ao expressar “contínuo
aperfeiçoamento” ficou sugerido que a educação continuada, naquele tempo, apresentava as
características associadas por Marin (1998) à idéia de completude, de algo acabado, gerando
um distanciamento entre professor e crianças. O professor tornava-se o dono dos
conhecimentos e, portanto, necessitava apenas se aperfeiçoar, melhorar sua prática de como
transmitir esse saber. A Indicação n° 5, ao definir a educação continuada por meio da
“orientação permanente” (1966: 20), denota a intenção de manter o professor atualizado com
as questões que representavam os interesses pedagógicos daquele momento histórico.
O documento do Ensino Primário no Distrito Federal (1969) refere-se à orientação,
propondo que esta aconteceria mediante a “organização de uma equipe central para a
supervisão dos trabalhos da 1ª fase, com professores de reconhecida experiência no trabalho
de alfabetização”. A equipe especializada orientaria e supervisionaria o trabalho dos
professores e ocorreria por meio do “estabelecimento experimental de equipes de professores
especializados em alfabetização em duas escolas de Taguatinga, para aulas de demonstração e
descentralização do trabalho de supervisão da 1ª fase” (ibid.: 5). Esse mesmo documento
acrescenta ainda que, considera indispensável que o Diretor esteja engajado “no trabalho de
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orientação pedagógica”. Aponta “três razões principais” para justificar esse engajamento:
“[...] é formado em curso que o possibilita a tarefa; [...] deve ser a pessoa imediatamente
responsável pelo rendimento escolar” de cada escola; é a “pessoa que mais de perto e mais
sistematicamente convive com professores e com os problemas da escola”, além de que
também responde “pela orientação pedagógica, como chefe que é do orientador” (idem: 7-8).
Dessa forma, responsabiliza o Diretor pelo trabalho docente que seria realizado na escola, o
que é fundamental, para o desenvolvimento de um trabalho docente com boa qualidade.
Essa orientação foi proposta para ser realizada “semanalmente em 4 (quatro) horas do
chamado horário complementar”, sendo que “o corpo docente primário” estaria “obrigado à
prestação de 20 horas-aula e quatro de planejamento e avaliação no estabelecimento de
ensino”. Nesse sentido, a orientação ocorreria no espaço/tempo da coordenação pedagógica
que, naquele tempo, era chamado de horário complementar.
No item referente à organização pedagógica – Pessoal – o documento do Ensino
Primário no Distrito Federal (1969) complementava sua concepção de educação continuada,
definindo que haveria o “treinamento de professores para a 1ª fase, em cursos especiais e em
serviço” e “treinamento de orientadores e diretores para acompanhamento do trabalho e
orientação a professores”. Esse documento apresentou uma concepção de educação
continuada no sentido similar ao treinamento proposto pelo Método Lancaster, descrito por
Lima (1974), como ensino mútuo em que o decurião era treinado para ensinar os alunos.
Nas décadas de 60 e 70, a sociedade brasileira vivia sob o regime militar, mas com um
movimento de mudança sendo engendrado por ideais progressistas. Nesse contexto a
educação, influenciada por uma nova perspectiva social, agregou ao seu discurso uma nova
concepção, a escolanovista, no entanto a prática permaneceu distanciada dela (FUSARI,
1998). Assim, o treinamento era considerado como possibilidade de contribuir para a
educação continuada e, conforme Fusari (1998), oportunizaria ao professor conhecer métodos
e técnicas para auxiliar no trabalho realizado em sala de aula. Para Marin (1998) a idéia de
treinar implica em exercício repetitivo, algo que condiciona, remetendo à idéia fabril, de
trabalhador de fábrica. Esse era o imaginário social que vigorava naquele momento dos quais
os ideais progressistas buscavam se desvencilhar.
No inicio da década de 90, uma conquista foi instituída nas escolas da rede pública de
ensino do DF. Houve a possibilidade de contar com a colaboração do Coordenador
Pedagógico - um professor, que era escolhido pelo grupo para coordenar e acompanhar o
trabalho docente desenvolvido durante a coordenação pedagógica. Nesse tempo, a
coordenadora pedagógica tinha regência em uma turma e, no outro turno se dedicava à
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coordenação pedagógica da escola. Havia também, as Escolas de Aplicação nas Escolas
Normais e algumas Escolas de Demonstração em cada Complexo Escolar, hoje chamado de
Diretoria Regional de Ensino. Houve, anteriormente, no sistema de ensino do DF, o
supervisor de ensino, no entanto o coordendor pedagógico tem maior contato com o grupo de
professores da escola, uma vez que pertence e conhece as necessidades daquela equipe.
As escolas de Aplicação pertenciam às Escolas Normais, e as escolas de
Demonstração eram escolhidas e consideradas Escolas Modelo. Ambas conservavam a
intenção declarada no documento do Ensino Primário no Distrito Federal (1969), de
oportunizar ao professorado a observação de práticas de ensino diferenciadas. As Escolas de
Aplicação recebiam os estudantes do curso de Magistério, e as Escolas de Demonstração
recebiam os professores da rede pública de ensino. Para trabalhar nessas escolas, o professor
tinha que ser entrevistado. Essas escolas contavam com uma realidade bem diferente daquela
vivenciada pelos professores das demais escolas, devido às condições das quais dispunham
para desenvolver o trabalho docente.
Nessas escolas, os professores tinham vinte, das quarenta horas de sua carga horária
semanal, para dedicarem à coordenação pedagógica e por esse motivo exerciam a regência em
apenas uma turma. No entanto a autonomia para o planejamento, algumas vezes, ficava
restrita ao preparo da aula para atender ao conteúdo definido pelas professoras do Estágio
Supervisionado, para que as normalistas observassem como trabalhá-lo.
A realidade das outras escolas públicas era bem diferente. Na maioria das vezes, o
professor era responsável por duas turmas, e contava com apenas oito horas de coordenação.
Às vezes, esse professor exercia a regência em duas diferentes séries, ficando com apenas
quatro horas para o planejamento e acompanhamento de cada turma, como nos tempos do
horário complementar. Além de que não havia o tratamento igualitário para todas as escolas,
quanto à distribuição de materiais pedagógicos, profissionais docentes, manutenção da rede
física, dentre outros.
No ano de 1995, a Escola Candanga trouxe um ganho indelével para as escolas da rede
pública de ensino do Distrito Federal. Propôs uma educação diferenciada, com uma lógica de
organização do tempo escolar em ciclos distinta daquela vivenciada noutros tempos. Mediante
essa mudança, todos os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental das escolas
públicas do Distrito Federal passaram a ter regência em uma única classe, ou seja, o que era
considerado privilégio dos professores das Escolas de Aplicação e de Demonstração atingiu
toda a categoria. A jornada ampliada oportunizou que a carga horária semanal desses
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profissionais ficasse distribuída de forma que, das quarenta horas semanais, vinte e cinco
fossem reservadas para regência em classe e quinze para a coordenação pedagógica.
Essa reconfiguração da educação tinha a intenção de ressignificar a organização do
trabalho docente, buscando instituir a realização de uma educação como prática
transformadora, centrada nas questões sociais e coletivas (CADERNO 1, 1995). Para que essa
educação fosse instituída seria fundamental promover, na coordenação pedagógica, discussões
e planejamentos de ações conjuntas. Isto se tornou possível, uma vez que os profissionais
docentes, que atuavam em uma mesma fase, encontravam-se nesses momentos. Situação
descrita no caderno 3 (1995: 35), dizendo que “esse momento busca privilegiar o trabalho
coletivo dos profissionais que atuam com as turmas de seis, sete e oito anos [...]”.
Para organizar as atividades a serem desenvolvidas na coordenação pedagógica, houve
um direcionamento. Para cada dia da semana, foi orientada a realização de uma atividade,
teria que abarcar o planejamento coletivo, o planejamento individual e a confecção de
materiais e reservar um dia para o estudo, para conhecer, dentre outros temas, a filosofia da
Escola Candanga.
Dessa forma, a educação continuada começou a ser articulada à coordenação
pedagógica. Houve a intenção de incluir o estudo e a pesquisa, oportunizando ao docente
espaço para o debate e para a reflexão coletiva, conforme expressa o 3° e 5° momentos do
item que trata dos “Momentos facilitadores da coordenação pedagógica”, descrito no Caderno
3 (1995: 34-35). Mediante as condições oportunizadas, os professores tiveram maiores
possibilidades para tornarem-se sujeitos pesquisadores, investigadores e problematizadores de
sua prática, conforme destaca Zeichner (1993). Tiveram a oportunidade de refletir sobre as
necessidades de sua turma, reelaborando e ressignificando práticas pedagógicas. Consta ainda,
no Caderno 3 (1995), que o centro dessas preocupações seria a criança, considerando seu
perfil, suas necessidades, seus interesses, e a partir dessa realidade os professores
organizariam seu trabalho docente. A reconfiguração da educação brasiliense nos tempos da
Escola Candanga, instituindo a jornada ampliada, cumpriu diversos objetivos. Ampliou o
tempo de permanência da criança na escola, ampliou o período para a progressão na
escolaridade, eliminando a reprovação para o final do ciclo, e ainda, oportunizou
espaço/tempo para a discussão coletiva entre os professores. Essas ações foram implantadas
objetivando melhorar a qualidade da educação brasiliense. Discussões que ocorrem em
diversos espaços e instituições na intenção de promover a boa qualidade para a educação.
Com o término do Governo Democrático e Popular, no ano de 1999, houve um novo
projeto educacional. A proposta para a coordenação pedagógica foi reconfigurada,
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conduzindo a alguns retrocessos. O espaço/tempo das quinze horas que eram dedicadas a essa
atividade foram distribuídos em oito horas para coordenação e sete para atividades
desenvolvidas na sala de leitura, reforço e projetos específicos, conforme expressa o item 20,
da Seção II, contida no Capítulo III da Portaria n° 511, de 24 de dezembro de 2002. Situação
que deixou de privilegiar a unicidade, o espírito de coletividade e discussão/reflexão sobre a
prática docente, diminuindo as condições de trabalho conquistadas.
Diante do contexto delineado, foi possível repensar o significado do termo apresentado
para qualificar a educação continuada expresso na proposta pelo BIA (2006):
instrumentalizar, que se apresenta numa concepção diferenciada daquela que vem sendo
analisada, conforme confirmam as ressignificações propostas para esse termo.
Marin (1998) arrola as características de diversas palavras, utilizadas no intuito de
promover a educação continuada dos professores e que foram sendo ressignificadas, com o
passar do tempo. A autora mostra a trajetória das ressignificações até chegar à educação
continuada. Além do termo instrumentalizar, outros vocábulos também foram utilizados para
definir educação continuada: reciclagem, aperfeiçoamento e capacitação, no entanto, ainda
hoje, muitos deles continuam sendo utilizados, em diferentes instituições, nessa mesma
perspectiva. Para melhor compreender as nuanças da utilização desses termos torna-se
imprescindível conhecer o postulado de Marin (1998) a esse respeito.
Educação Continuada: necessidade de ressignificação
Araújo (2000) contribuiu para essa compreensão, sintetizando as idéias de Marin
(1998) e organizando-as conforme o quadro 6:
Quadro 6 – Formação Profissional: a semântica ideológica
Denominação Característica Implicações ideológicas Reciclagem � Mudanças profundas, transfor-
mações radicais de objetos, coisas, materiais em outros objetos, em outras coisas, em outras matérias; � Desconsidera os saberes dos professores; � Considera os professores como ‘recurso humano’ que pode ser modificado à mercê das políticas públicas de educação.
� O professor é um objeto, manipulável, obediente, servil às idéias que outros concebem, a ele cabe a execução, o professor não é visto como sujeito da própria formação; � Trata a educação como tema extremamente simplista, descaracterizando a complexidade que a envolve e as rela-ções com a realidade social; � Torna o professor um receptor de ‘receitas’ prontas; � Forma para a adaptação, não ambiciona a transformação; � As ações são rápidas, imediatas, descontextualizadas, distantes da realidade da escola.
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Denominação Característica Implicações ideológicas Treinamento � Buscam a destreza, o desenvol-
vimento de aptidões, habilidades; � Implica exercício repetitivo, condicionante; � Remete à idéia fabril, trabalha-dor da fábrica, ‘trabalho braçal’.
� As ações de treinamento devem ser usadas com consciência do que se quer atingir em nível de educação; � Pode gerar a alienação, passividade, individualismo, competitividade, mecanização do trabalho docente, etc; � Algumas atividades necessitam de um caráter de treina-mento, mas não podemos alargar essa terminologia a todo trabalho de formação do professor.
Capacitação � Possibilidade de desenvolver habilidades e competências; � Promoção de condições para o desempenho de funções.
� Se compreendido como forma de convencer ou persua-dir, corre-se o risco de promover atitudes acríticas de pro-fessores; � Ao significar possibilidade de desenvolver-se, pode-se romper com a idéia de que as pessoas são incapazes, são limitadas.
Aperfeiçoa-mento
� Dá a idéia de completude, aspectos completos, findos, fecha-dos, acabados; � Deificação de ações humanas e do próprio homem; � Melhoramento de ações, busca de melhoria nas práticas.
� Pode gerar um distanciamento entre professor e os ‘ho-mens comuns’, pois ele pode assumir sua postura de ‘dono do saber’, ‘Deus do conhecimento’; � Pode contribuir para a aquisição de um maior grau de esmero do trabalho docente; � Tendo em vista a construção de um mundo melhor, mais justo, mais ético, a denominação poderia contribuir para a melhoria da qualidade de vida de todos, mas tendo claro que a perfeição seria muito pretensiosa.
Formação � Constitui-se como ações em processo, inacabadas; � Mostra a idéia de constituição, disposição, organização, funda-mentação.
� Pode contribuir na compreensão de que o ser humano é inconcluso, pois há um processo de constituição humana que não se esgota com o nascimento; � Promove a consciência deliberada de mudança em pro-cesso.
Fonte: Araújo (2000), pp. 33-34.
De acordo com a ressignificação proposta por Marin (1995, 1998) para a concepção de
formação docente, Araújo (2000) apresentou o quadro 6 em sua pesquisa: “Educação
Continuada na Escola: Traços, Trilhas e rumos da Coordenação Pedagógica”. A partir do
postulado de Marin (1995, 1998) e das idéias apresentadas na pesquisa de Araújo (200) sugiro
o acréscimo de mais um item no quadro 6, elaborado por Araújo (2000) - “Educação
Continuada”
Importante se faz resgatar o significado desses termos para compreender o porquê de
suas ressignificações, que se torna um meio de buscar palavras capazes de representar a
intenção de mudar, de construir um outro modo de ver a educação continuada de professores.
Marin justifica essa necessidade de ressignifcação, dizendo:
Educação Continuada
- Constitui-se processo de idas e vindas; - Reforça a idéia de cria-ção, recriação e transfor-mação;
- Envolve o complexo processo de ensinar a aprender, aprender a ensinar, ensinar a ensinar, aprender a aprender, aprender a pensar, ensinar a aprender a pensar; - O processo de criação e recriação pode contri-buir para a transformação da realidade social.
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[...] que a terminologia educação continuada pode ser utilizada para uma abordagem mais ampla, rica e potencial, na medida em que pode incorporar as noções anteriores – treinamento, capacitação, aperfeiçoamento – dependendo da perspectiva, do objetivo ou dos aspectos a serem focalizados no processo educativo, permitindo que tenhamos visão menos fragmentária, mais inclusiva, menos maniqueísta ou polarizadora. (1995: 19, grifo da autora)
Essa perspectiva de ressignificação necessita ser incorporada às escritas e ações, uma
vez que, por meio dela, fica expressa a intenção daquilo que se pretende realizar. Em
consonância com a ressignificação proposta por Marin (1995, 1998) para a expressão
formação docente, foi utilizado na pesquisa o termo educação continuada.
Instituir processos de educação aos profissionais docentes induz desvelar o que
representa essa educação, seja ela inicial ou continuada. A proposta de Marin (1995, 1998)
encontra consonância com a discussão apresentada por Chauí (2003), Pimenta e Anastasiou
(2005), dentre outros autores, quando apontam elementos que lhe são essenciais. Chauí (op.
cit.) descreve o conceito de educação como um advento em intrínseca relação com o tempo,
uma imersão na cultura, um estímulo à mudança do instituído ao instituinte, afirmando que
para haver educação deverá, também, haver obra de pensamento, interrogação, reflexão e
pensamento crítico sobre um fragmento social imerso numa totalidade. A autora enfatiza a
importância do conhecimento da realidade, para perceber os problemas que dela emergem e
buscar meios para os resolver. O que, segundo a autora, tem sido discutido nos cursos de
educação continuada visto que a educação inicial não tem privilegiado essa discussão.
A educação continuada realizada na escola, nos momentos de coordenação
pedagógica, poderia cumprir tais intenções, na medida em que oportunizasse aos professores a
discussão sobre o instituído, possibilitando-lhes refletir criticamente, buscando engendrar
mudanças. Uma das oportunidades para discutir o instituído, buscando romper com as ações
cristalizadas nas atitudes de alguns professores, surgiu durante o estudo realizado pela
professora Ana, coordenadora pedagógica do BIA no CEF 18. Ela debateu com os professores
a necessidade de realizar registros sobre cada uma das crianças para o acompanhamento
sistematizado do processo de aprendizagem. Ana comentou que ao participar “de uma
reunião30, a palestrante falou exatamente do registro. Ela falou que os professores sentem
dificuldade de registrar aquilo que vai acontecendo com as crianças, o que está se passando
na sala de aula”, pois na maioria das vezes “acham que podem se valer dos guardados da
memória, mas na verdade isso não é possível”. Ana destacou que o trabalho com registros
30 Palestra sobre Avaliação, realizada pela EAPE, no primeiro semestre de 2007.
70
acontece na escola, relatando que “esse trabalho que vou propor aqui, que nós vamos
começar, começar não, porque eu já vi algumas professoras fazendo. Eu vi a Suzi e a colega
fazendo. Elas têm um caderno com todos os nomes dos alunos para anotar”. Nesse momento
as professoras, interlocutoras da pesquisa se pronunciaram. Maria comentou “eu também
tenho!”, e a professora Lara, apontando para seus materiais, disse “o meu está ali dentro”.
Ana continuou, dizendo:
Eu sei que vocês já têm um trabalho nesse sentido, mas achei a discussão muito interessante. Ela falou que existe a avaliação formal e informal. Os relatórios, diários, bilhetes, advertência e, até aqueles carimbos que a gente coloca “não fez a tarefa”, são registros formais. Existem os registros pessoais, que são do professor e, o amparam quando vai fazer o relatório, como o diário de bordo, as anotações no caderno. Por exemplo, quando um aluno escrevia silabicamente, você percebeu que ele avançou, então você anota nesse caderno, que deve sempre estar a mão para você anotar, que é cheio de rabisco, não é um caderno bonitinho.
A coordenadora destacou que “eles fizeram uma pesquisa e constataram que a
maioria dos professores não dá credibilidade àquele relatório que a gente faz”. Comentou
que “registrar é deixar marcas”, daí a necessidade de superar o hábito das anotações
superficiais, focadas na descrição dos aspectos atitudinais e priorizar as “informações
relevantes”. Essas anotações são subsídios para a avaliação, portanto “têm como foco a
aprendizagem”, o que permite o acompanhamento do processo de aprendizagem de cada
criança. Ana concluiu, dizendo que “é preciso anotar para recuperar o vivido”.
Ao final todos confeccionaram um caderno para realizar os registros de sua turma,
sabendo que as informações registradas seriam utilizadas durante as próximas coordenações
pedagógicas como subsídio para organizar e planejar as situações didáticas, fomentando a
pesquisa do cotidiano escolar.
A professora Suzi, interlocutora da pesquisa, decidiu usar esse caderno com as
crianças, transformando-o num caderno de registros da turma. Suzi o apresentou às crianças,
dizendo que a cada dia da semana uma das crianças o levaria para casa e poderiam registrar
nele algo significativo para elas. Poderia ser um passeio, uma festa, sobre o que gostam de
fazer, um filme a que assistiram, qualquer coisa que quisessem compartilhar com os colegas.
Marcos levou o caderno para casa e chegou ansioso à sala de aula, queria ler sua história para
a turma. A turma silenciou, mas Marcos leu muito baixinho e os colegas disseram que não
estavam ouvindo nada. A professora pediu-lhe “eu posso ler seu texto?”. Marcos concordou,
a professora releu o texto, ao final as crianças perguntavam: “quem vai levar o caderno
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amanhã?”. Em meio à gritaria, a professora relembrou “todos vão levar o caderno. Nós
combinamos que um dia um menino levava, no outro, uma menina”. Em setembro, a
professora Suzi, orgulhosa, abriu o caderno e comentou “já está todo amassado, mas
continua fazendo sucesso, todo dia é uma briga, porque cada um quer levar o caderno”. Um
grupo de meninas, muito empolgado, só descansou depois que ouvi a leitura do texto de cada
uma delas. As informações anotadas por Suzi e a observação das idéias subjacentes, presentes
no relato de cada criança, certamente contribuíram para organização dos relatórios que estava
redigindo. Suzi comentou o avanço de algumas crianças no processo de escrita, mostrando o
texto produzido nesse caderno: “veja como a Karen está escrevendo, ainda tem algumas
dificuldades, mas melhorou muito.” A tessitura entre as diferentes informações oportunizou a
percepção dos avanços e necessidades das crianças, contribuindo para uma leitura crítica da
realidade da sala de aula, fomentando uma reflexão para além do senso comum.
O fomento à pesquisa tem sido uma das questões que impulsionou as discussões de
diversos pensadores do campo educacional, dentre eles Freire (1996), Veiga (1998) e Pimenta
e Anastasiou (2005), pois oportuniza a leitura crítica da realidade escolar. No entanto a luta
pela tentativa de inserir nos cursos de Pedagogia a possibilidade de realizar ações críticas
transcorreu entre avanços e equívocos da proposta de educação expressa na LDB 9394/96,
apontados por Veiga (1998). Segundo a autora, alguns preceitos legais de forma direta ou
indireta apontaram uma educação que transitou entre a lógica da racionalidade técnica e a
lógica do praticismo inoperante, centrando a discussão instrumental sobre o trabalho docente.
A autora comenta que houve, no entanto, uma distorção do sentido da educação, que poderia
ter incluído a investigação da prática, mas demorou a inseri-la em sua proposta. Segundo
Veiga (ibid.), a nova LDB previu apenas a “associação entre teorias e práticas, mediante a
capacitação em serviço” (inciso I do Art. 61), estabelecendo entre elas uma visão relacional, o
que não garantiu a inclusão da pesquisa para articulá-las. Após inúmeras discussões, acordos e
desacordos, a pesquisa foi inserida na proposta de educação, conforme expressa a redação do
Art. 3º das DCN (2006), no parágrafo único do item II: “para a educação do licenciado em
Pedagogia é central: a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de
interesse da área educacional”.
As mudanças resultantes das discussões realizadas pelos profissionais docentes, em
diferentes instâncias: sindicatos, associações congressos, conselhos, dentre outros,
promoveram alterações significativas para a concepção dos cursos de educação de
professores. Pimenta e Anastasiou (2005) destacam que as mudanças sociais contemporâneas
ensejam uma educação que compreenda o ensino como um fenômeno, uma situação em
72
movimento e diferente para cada um dos sujeitos, lugares e contextos onde ocorre. Essa
educação considera a pesquisa como o meio em que os profissionais, atentos às suas
especificidades, sejam capazes de criar, inventar, buscar meios para mudar os rumos da
educação.
O atual contexto social requer profissionais que compreendam o cotidiano da sala de
aula, da instituição escolar e da sociedade, que ultrapasse os muros da escola em busca de
informações para dar conta da problemática que o envolve. O curso promovido pelo
CRA/CEF 18, no ano de 2007, tem buscado promover a reflexão crítica dos professores. Na
palestra31 realizada por, Lima (2007), ela comentou que “a questão essencial, fundante da
escola é transmissão dos conhecimentos complexos construídos ao longo da história da
humanidade”. Acrescentou que a escola não tem conseguido cumprir essa função, conforme
os dados apresentados pelos sistemas que avaliam a educação brasileira, pois “ensinar é algo
complexo, que deve ser realizado por profissional, professor pesquisador, investigador, que
acredita que todos podem aprender e busca meios para vencer os desafios que surgem no
dia-a-dia”. Situação que suscita a necessidade de uma reflexão crítica: “professor precisa ser
profissional, desvincular suas ações do senso comum e buscar investigar as questões que
surgem no dia-a-dia, apoiando-se em teorias que possam ajudá-lo a compreender tais
questões”. Situação que indica a necessidade de ressignificar ações, de lutar para conquistar
condições para cumprir a função social da escola.
31 Palestra realizada, no dia 03 de maio de 2007, pela professora Maria José Rocha Lima, Mestre em Educação - Inep/MEC, no auditório do CEMAB. .
73
Ressignificação: necessidade dos termos e das ações
Um outro termo que vem carecendo de uma transposição semântica, assim como foi
proposto para educação continuada, para romper com as ações cristalizadas em sala de aula,
refere-se a ciclos. Esse tipo de organização da escolaridade impregnou-se de uma concepção
que não dá conta de atingir seus objetivos. Situação comprovada por diversos autores,
apresentada anteriormente, ao explorar os obstáculos da busca pela instituição das propostas
pautadas nessa concepção. A palavra ciclos impregnou-se da obrigatoriedade da criança
avançar intra ciclo, desobrigando de atrelar a esse fato o avanço nas aprendizagens, ranço da
promoção automática. Mais ainda que ressignificar palavras, urge ressignificar ações. Freitas
(2002) alerta que, tanto a desresponsabilização da escola como a do professor pelas
aprendizagens que devam garantir, inviabiliza a consolidação dos ciclos. Portanto, para a
garantia da progressão da criança no seu processo de escolarização, deve-se priorizar o modo
como lhe é oportunizado elaborar conhecimentos. Tais situações são promovidas para lhe
permitir a elaboração de novas aprendizagens, o que torna imprescindível o conhecimento do
postulado de Ferrero e Teberoski (1995) sobre os esquemas de pensamento em cada nível da
psicogênese para planejar as intervenções necessárias que promovem novas aprendizagens. A
progressão na aprendizagem pode garantir à criança a progressão na escolaridade, ao mesmo
tempo em que permitirá sua inserção social. A eliminação da retenção não prioriza a
progressão na escolaridade; não avaliar para não reter, também não. Respeitar o ritmo natural
da aprendizagem torna-se questionável diante dos entraves psicológicos, biológicos,
antropológicos e sociológicos apontados pelos estudos atuais nesse campo, dentre outros por
Lima (2007). Torna-se imprescindível que se considerem, como parâmetro da progressão na
escolaridade, as aprendizagens elaboradas pelas crianças, garantindo-lhes a elaboração de
novos conhecimentos, por meio de provocações didáticas adequadas aos esquemas de
pensamento32 em relação ao seu processo de construção do conhecimento, o que deve ser
priorizado pelas situações de educação continuada promovida aos professores alfabetizadores.
Essa discussão deve ser entrelaçada à questão do ciclo que alarga o tempo para que a criança
aprenda, pois existem dados comprovados33 que, quando as intervenções didáticas são
32 Refere-se à organização do pensamento mediante uma determinada situação. Segundo Verganud “podemos dizer que esquema de pensamento é um plano de ação, uma estratégia que abrange uma classe de ações, numa certa seqüência para dar conta de uma tarefa de certa complexidade” (2001: 16, grifo do autor). 33 Divulgação, dentre outras, da reportagem redigida por Gurgel, Thaís. “Vou alfabetizar todos até o fim do ano”. Revista Veja, edição 204 - ago./2007.
74
realizadas em consonância com o esquema de pensamento da criança, ela avança no processo
de ampliação do conhecimento. Inclusive esse fato foi destacado pela professoras
pesquisadas. A professora Maria disse que “se você sabe trabalhar, a criança avança” e
todos os alunos dela estão alfabetizados. A progressão porque está aprendendo serve de
ferramenta para que a criança possa inserir-se na sociedade da qual participa, no entanto,
algumas vezes, encontra-se marginalizada, excluída.
A necessidade de incluir as crianças no processo de escolarização vem sendo discutida
por diversos autores, dentre eles, Freitas ao apresentar as formas de exclusão que ocorrem
“dentro e fora da escola, cuja determinação fundamental não foi alterada nos últimos 400
anos” (2002: 302). Uma situação que necessita ser repensada pelos professores que convivem
dia-a-dia com as crianças e podem subverter esta cruel realidade, sabendo que a “batalha pela
educação e pela eqüidade não é uma tarefa do tipo ‘one man, one show’” (ibid.: 303), mas
que prescinde de sabermos “ler as medidas que estão sendo propostas usando um instrumental
teórico que nos permita desvelar as reais intenções e as práticas atuais [...] e armar
resistência” (ibid.: 322).
Para desvelar este emaranhado de situações que ronda o espaço escolar e impede que a
educação cumpra seus objetivos, muito há que se fazer. Dentre as condições sugeridas para
consolidar esse propósito, em Freitas (2003), está incluída a promoção de situações de
educação continuada, priorizando o compromisso social, a responsabilização pela
aprendizagem da criança, tanto pela escola, como pelo professor, tornando a escola o palco
principal dessa discussão.
Para ressignificar a concepção de ciclos e inaugurar um novo patamar para a educação
brasileira, há que se acreditar que todos podem aprender e investir em ações que priorizem o
trabalho para consolidar esse pensamento, rompendo com todas as ações contrárias a ele.
Freire (1996) disse que “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de
intervenção no mundo” (1996: 98). Isso significa que o professor deve compreender que de
posse do conhecimento da leitura e da escrita o sujeito inaugura um novo olhar e um novo
lugar para sua vida na sociedade. Esse certamente é o oficio fundante dos profissionais
docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental: alfabetizar. Uma proposta almejada,
dentre outras tantas, pelo BIA.
75
2.5. Bloco Inicial de Alfabetização e a concretude da realidade
Para compreender o processo de implantação do BIA no Distrito Federal, foi
necessário desvelar os fatos que foram escritos e inscritos durante essa instituição. Algumas
situações foram vivenciadas enquanto atuei como professora do curso PIE/SEEDF/UnB e
como professora e coordenadora pedagógica do CEF 18 de Taguatinga. Portanto alguns dos
relatos apresentados foram baseados nessa vivência, recuperados por meio dos registros de
atividades coletivas e individuais, realizados na época.
BIA: implicações de sua implantação
A implantação do BIA iniciou-se em 2005, na cidade de Ceilândia, de acordo com
explicações da Subsecretária de Educação Pública, na reportagem “No DF o ensino
fundamental vai durar 9 anos” (2004), divulgada no site34 da SEEDF. O motivo para a
implantação do BIA ser iniciado nesta cidade, justificado nessa reportagem, referiu-se ao fato
de que esse local apresentava o maior índice de atendimento às crianças pelo programa
“Quanto mais cedo melhor” e por ter uma estrutura física adequada ao funcionamento dos
trabalhos. Essa informação, mesmo sendo divulgada pela reportagem, no site da SEEDF,
parece não ter atingido o público do professorado, pois a maioria dos professores desconhecia
o motivo da escolha dessa cidade. Inclusive as professoras que exerciam regência nessa
cidade e cursavam o PIE, na turma em que fui professora mediadora. Por essa razão foram
vários os relatos que apontavam resistências dos professores à implantação do BIA. Uma das
cursistas comentou, na época, que “a minha escola está uma confusão, as turmas de 3ª e 4ª
séries foram transferidas para outra escola, pois lá só vai ter BIA”. E concluiu dizendo
“ninguém sabe nada, as coisas acontecem” e isso, cada vez mais, provocava a resistência dos
professores.
Talvez o conhecimento do motivo que levou a SEEDF a começar a implantação do
BIA naquela cidade pudesse diminuir a resistência à proposta, afinal representava uma
justificativa compreensível, uma vez que oportunizaria a democratização legal do acesso à
escola para todas as crianças. Outro fato que acirrava a resistência dos professores, relatado
34 <http://www.se.df.gov.br/imprensa/indexnew.asp> - Sala de Imprensa
76
pelas cursistas, adveio, também, da decisão da Secretaria de Educação em não realizar os
concursos de remoção externa e interna, no final ao ano de 2004. Esse é um meio pelo qual os
professores podem mudar o seu local de trabalho, seja de uma escola para outra, ou de uma
cidade para outra, o que geralmente vinha ocorrendo a cada final de ano. Mas nesse ano, os
professores mesmo desejando sair da escola, porque não gostariam de trabalhar com turmas
de BIA, tiveram que permanecer naquela instituição ou encontrar uma permuta. Uma das
cursistas comentou “não vai haver concurso de remoção, os professores estão negociando a
permuta, quem quer trabalhar com o BIA acaba trocando de escola com quem quer trabalhar
com 3ª ou 4ª séries”.
No final de 2005, iniciaram-se as discussões sobre a implantação da proposta, em
Taguatinga, das quais participei como professora e coordenadora pedagógica do CEF 18. Em
novembro desse mesmo ano, houve a indicação de duas escolas dessa cidade para sediarem o
Centro de Referência em Alfabetização. Foram indicados o CEF 18 e a Escola Classe 41 (EC
41), um para atender a demanda da região Norte da cidade e outro para atender a região Sul.
Ao CRA/CEF 18 coube o atendimento aos professores atuantes no BIA nas quatorze escolas35
da região Sul de Taguatinga.
Diante do emaranhado contexto em que ocorreu a implantação do BIA no Distrito
Federal, busco delimitar minha compreensão acompanhando o processo vivido no CRA/CEF
18, local escolhido como campo de pesquisa.
BIA e CEF 18: conhecendo a proposta
Somente os professores das duas escolas indicadas para sediarem o CRA receberam as
orientações do Departamento de Educação Infantil - Gerência das Séries Iniciais (DEIF/GSI),
e o documento com as Orientações Gerais (versão preliminar, 2005); por ocasião da reunião36
com os professores das escolas indicadas para sediarem o CRA, em dezembro de 2005. Um
dos pontos destacados referiu-se à polêmica sobre a avaliação diagnóstica. Uma professora do
35 O CRA CEF 18 atende a 14 Escolas Classes, a 2 Centros de Ensino Fundamental e ao CAIC Walter José Moura, perfazendo um total de 28.392 crianças e 333 professores alfabetizadores. Lembrando que o CRA CEF 18 atendeu, inicialmente somente às escolas situadas na região Sul de Taguatinga. O termo Escola Classe, utilizado no Distrito Federal, refere-se à escola que atende os anos iniciais do Ensino Fundamental. 36 Reunião realizada no Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga, no dia seis de dezembro de 2005, com a presença das duas escolas indicadas para serem, em 2006, os Centros de Referência em Alfabetização: CEF 18 e EC 41. Gravada e editada pelo professor do CEF 18, Elso Hitashi, disponível em DVD.
77
CEF 18 comentou que, ao buscar informações no CRA de Ceilândia, tomou conhecimento de
uma “avaliação diagnóstica com 29 páginas para ser preenchida por criança”, no entanto,
naquele momento lhe foi informado que haveria mudança, mas ainda estava sendo definida. A
ausência, na proposta, da Alfabetização Matemática também foi percebida e questionada por
uma professora dessa mesma escola. Ela argumentou que na leitura do documento observou a
citação de habilidades e competências referentes à língua portuguesa, mas a proposta “não faz
nenhuma alusão ao raciocínio lógico matemático e eu tenho uma preocupação a esse
respeito, porque a alfabetização matemática também é muito importante”. Houve a resposta
de que a equipe do DEIF/GSI também havia percebido essa falta.
Além da avaliação diagnóstica e da ausência da matemática no documento, outra
questão que provocou grande desassossego referiu-se à enturmação. Conforme o documento
com as Orientações Gerais para o BIA (versão preliminar, 2005), as crianças deveriam ser
enturmadas em cada uma das etapas de acordo com a idade. Dessa forma, as crianças, mesmo
não estando alfabetizadas, seriam matriculadas em qualquer uma das etapas, pois o parâmetro
para matriculá-las desconsidera seu processo de aprendizagem. Caso fosse possível opinar,
mudar, a escola poderia organizar as turmas de outra forma, enturmando as crianças,
utilizando outros critérios. Uma professora questionou às representantes do DEIF/GSI se seria
possível haver mudança, dizendo: “ao iniciar o ano que vem, os alunos que nós temos hoje
serão reagrupados nestas etapas, conforme a idade? Eu tenho uma primeira série, alguns
alunos vão ficar retidos, como iremos proceder? Eles vão para que etapa?”. As responsáveis
pela apresentação da proposta foram categóricas: a enturmação deveria ser realizada
considerando apenas a idade, este seria um dos itens das diretrizes para a Estratégia de
Matrícula no ano seguinte. Não haveria possibilidade de realizá-la de outra forma, a escola
teria que organizar as turmas considerando apenas esse critério.
Isso representava um enorme desafio, pois era o final de um ano letivo e o processo de
avanço das crianças para a etapa seguinte estava sendo mudado. Algumas discussões foram
realizadas pelo grupo de professores, após a reunião e agarrando-se ao regimento escolar, foi
possível repensar e promover alguns ajustes, não permitindo que algumas crianças tivessem
que refazer a etapa cursada naquele ano. Infelizmente não foi possível reorganizar a questão
das crianças promovidas para uma etapa, na qual não tinha condições de acompanhar as
atividades nela propostas, o que segundo esse documento, em alguns casos, seria atingido
pelo Projeto Interventivo que atenderia às crianças da etapa III.
Os professores comentavam que essas discussões poderiam anteceder sua
concretização, antes que a proposta fosse instituída, os professores deveriam conhecê-la,
78
participando de sua elaboração e não da forma como estava ocorrendo. Afinal, quando
começaram a conhecê-la, faltavam apenas dez dias para o encerramento do ano de 2005,
seguido das férias coletivas e do início do novo ano escolar no qual a proposta estaria sendo
instituída.
Nessa circunstância, os professores puderam simplesmente tomar conhecimento da
proposta. A intenção de discuti-la, opinando e participando de novas elaborações, poderia ter
sido talvez, um aperfeiçoamento do vivido, dentre outros37, pela educação mineira, quando o
governo promoveu a participação dos profissionais da educação na escolha da forma em que
organizaria a escolaridade, se em séries ou ciclos, conforme relato apresentado por Franco e
Fernandes (2001). No caso do Distrito Federal, a participação dos professores não seria por
meio de um plebiscito para definir o modo de organizar a escolaridade. Seria a participação,
contribuindo com suas experiências para adequar a proposta à realidade vivenciada. Seria a
oportunidade de trabalhar a proposta possibilitando aos professores condições de aproximá-la
de suas dúvidas, dos seus saberes, buscando resolver os problemas do dia-a-dia da sala de
aula. Se, na apresentação da proposta do BIA, os professores tivessem participado,
reelaborando-a, essa teria sido a oportunidade para inovar o modo de instituir políticas
públicas. Teria sido uma experiência singular que poderia contribuir com novas perspectivas
para a concepção de outras propostas educacionais. Poderia ter sido dada a oportunidade para
que os professores alterassem a proposta, que pudessem reelaborá-la conforme os
questionamentos apresentados pelo grupo. Uma professora indagou à equipe do DEIF/GSI:
“tem como a gente discordar ainda, nessa altura do campeonato?”. Os professores queriam
saber se poderiam repensar, discutir, buscar a melhor forma para a escola se adequar às
mudanças. Caso fosse possível, este poderia ser um momento que deslancharia tal discussão,
no entanto foram informados de que a proposta estava sendo apenas “repassada”, seria
impossível tecer considerações para reelaborá-la. Infelizmente os professores ainda são
considerados meros executores. Os saberes elaborados nos anos de experiência são
desconsiderados e a proposta deveria ser aplicada ipis litere, tal qual, definida pelos
especialistas.
37 A respeito dessa questão há trabalhos realizados por pesquisadores que podem contribuir com outras informações, dentre eles cito: ANDRADE, Irene Rodrigues, (1992). Ciclo básico: da proposta transformadora de alfabetização à realidade de sua prática. Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. CANGUSSU, Maria Aparecida Rodrigues, (2001). Progressão continuada na escola pública mineira: limites e avanços. Dissertação de mestrado. Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. VASCONCELLOS, Celso dos S., (1999). Ciclos de formação: um horizonte libertador para a escola no 3º milênio. Revista de Educação AEC, no 111, p. 83-95.
79
Logo após, o grupo de professores das duas escolas indicadas para sediarem o CRA, se
organizou e, cada um, à sua forma, tomou conhecimento de tal documento. O CRA/CEF 18
recebeu uma cópia desse documento e, por meio de xérox, o disponibilizou aos professores
para seu conhecimento mais detalhado, o que foi realizado, no pouco tempo que lhes restava e
em meio à agitação das atividades do final de ano.
2.6. A instituição do Bloco Inicial de Alfabetização
No início de 2006, foi realizada uma reunião, em Taguatinga – no Teatro da Praça,
com a presença de todos os diretores e vice-diretores, coordenadores pedagógicos e
secretários das escolas da cidade, para tomarem conhecimento da proposta. Participei desse
encontro juntamente com a vice-diretora da escola. Ocasião em que uma representante do
MEC expôs a historicidade da luta pela democratização da educação, incluindo as crianças de
seis anos na escola, conforme exposição “Ensino Fundamental de Nove Anos” (PAGEL,
2005). Logo após as professoras do DEIF/GSI, responsáveis pela divulgação do BIA,
apresentaram os pontos principais da proposta, explicando, dentre outros aspectos, a
enturmação em cada uma das etapas. Essas explicações foram acompanhadas pela exposição:
“Por dentro do BIA” (SEEDF, 2005).
No início de 2006, conforme a programação da Semana Pedagógica, realizada entre 13
e 17 de fevereiro de 200638, o grupo de professores do CEF 18, numa nova discussão coletiva,
analisou as informações contidas no documento das Orientações Gerais (versão preliminar,
2005). O documento foi divido em partes, pois o grupo já havia tomado conhecimento do
todo, durante a reunião com o DEIF/GSI, realizada em novembro de 2005 e nas discussões
realizadas posteriormente. Cada grupo destacou os pontos que poderiam ser articulados com o
Projeto Político Pedagógico da escola, buscando contemplar as orientações nele contidas. Mas
nem tudo transcorreu normalmente, pois essa escola ainda não tinha a indicação39 de quem
assumiria o cargo de sua direção. O grupo demonstrava insatisfação com a direção anterior e
buscava meios para resolver a situação. Não havia também a definição de quem exerceria a
38 Conforme previsto no Calendário Escolar da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal para o ano letivo de 2006, elaborado pela Secretaria de Educação de Estado do Distrito Federal. 39 No Distrito Federal, já foram utilizadas diferentes propostas para a escolha de diretores. Houve eleição direta, escolha por meio de uma lista tríplice. Nesse ano a escolha foi realizada por indicação.
80
coordenação do CRA, situações que levaram o grupo a organizar uma luta coletiva travada,
implacavelmente, a cada dia desta semana.
CEF 18: luta gerada pelas inquietações
A equipe de professores do CEF 18 buscou meios para resolver a situação que
inquietava o ambiente escolar. Foram muitas reuniões40 para o grupo se organizar: entre os
professores, entre eles e o Diretor da DRET, entre ambos e a Subsecretária de Educação que,
em um encontro, comunicou já ter escolhido a diretora para o cargo, mas poderia repensar.
A Subsecretária de Educação (2005), responsável pela implantação dessa proposta de
educação, compareceu à escola após o pedido do grupo de professores que não conseguia
resolver a situação por intermédio do diretor dessa Regional de Ensino. Nesse dia estavam
presentes todos os professores da escola, os representantes e o presidente do Conselho
Escolar, que reuniram esforços para justificar o motivo que incendiava a luta pela definição da
direção da escola. Foram abordadas diversas situações. Destacaram a necessidade de se
resolver a questão de forma transparente, respeitando o desejo que o grupo tinha de que a
direção fosse ocupada por alguém que pertencia à equipe e, inclusive, valorizasse as
construções realizadas durante a Semana Pedagógica, como o Projeto Político Pedagógico. As
argumentações envolveram também a importância de essa pessoa ser conhecedora da
comunidade escolar, da sua cultura, afinal houve coragem e ousadia desse grupo em abraçar a
proposta do BIA, sediando o CRA. Acrescentaram ainda a justificativa de que uma pessoa
conhecedora do grupo poderia levar adiante o trabalho planejado por eles, enquanto outra
pessoa, por mais boa vontade que tivesse, perderia tempo “tateando” o ambiente, o que
poderia protelar o trabalho que já havia sido organizado pelo grupo até aquele momento.
O grupo de professores dessa escola traz em sua história uma trajetória de lutas
político-pedagógicas anteriores conquistadas pelas discussões como uma escola de formação.
Sendo uma equipe que se destaca pelas posições de liderança, consegue respeito em suas
reivindicações. Os profissionais dessa escola haviam indicado para a função uma professora
pertencente àquela instituição e após momentos de angústias, negociações, discussões,
reuniões intermináveis, quase no fim da semana (que seria a semana dedicada à organização
40 Reuniões registradas por mim em forma de Porta-fólio do CEF 18, em 25 de março de 2006. Nesse tempo era professora que exercia regência de classe nesta escola e logo em seguida, fui coordenadora pedagógica.
81
das atividades para o ano letivo) foi recebido um telefonema vitorioso, garantindo a indicação
desejada para a direção da escola. Para a coordenação do CRA/CEF 18 foi indicada uma
professora que havia pertencido ao grupo dessa instituição na época em que era Escola
Normal.
Definidos os personagens seria necessário definir, também, os caminhos e com a
chegada das crianças, foram sendo elaborados os projetos que dariam os encaminhamentos
para o trabalho da escola como CRA, e atendendo às especificidades do BIA, o que demandou
rever e reler documentos para juntos organizarem o jeito de caminhar.
O ano letivo de 2006, já havia começado, e o contato dos professores da cidade de
Taguatinga com informações sobre o BIA estava sendo planejado e, nesse sentido, ocorreram
muitas reuniões no CRA/CEF 18. Um dos itens que demandou muitos encontros foi a
avaliação diagnóstica. Os encontros envolvendo esse tema ocorreram concomitantemente à
reorganização da divulgação da proposta aos professores, pois como previsto nas Orientações
Gerais (versão revista, 2005) a avaliação diagnóstica ofereceria informações à Secretaria de
Educação para “validar os resultados”. Essa situação ocorreu na cidade de Ceilândia, no ano
anterior, e dessa forma também seria divulgada pela equipe do DEIF/GSI, conforme
exposição “Por dentro do BIA” (2005), apresentada durante a divulgação para os diretores,
realizada no Teatro da Praça.
Era necessário ressignificar essa divulgação e dar-lhe sentido pedagógico, o que
ocorreu numa reunião, incluindo a participação de representantes do DEIF/GSI, NCP/DRET,
EAPE, Oficina Pedagógica, CRA’s e CEF 18. Houve a sugestão para que a avaliação
diagnóstica, ao ser divulgada entre os professores, não fosse considerada como um simples
“levantamento de dados” como estava sendo proposto. A intenção era que os professores
percebessem que, por meio dela, também poderiam organizar o trabalho a ser realizado em
sua sala de aula. Diversos encontros foram realizados até se chegar a esse entendimento.
Foi uma tentativa para mudar o foco da avaliação quantitativa para qualitativa, já que,
além dos dados serem enviados para a SEEDF, permitindo obtenção de elementos para a
avaliação dessa proposta de educação, poderia subsidiar o professor no conhecimento daquilo
que as crianças já sabiam e o que ainda não sabiam. Outro ponto discutido foi relacionado ao
teste único, pois dessa forma não atenderia o objetivo de subsidiar o trabalho docente, uma
vez que havia alunos não alfabetizados e alfabetizados, matriculados nas três diferentes etapas
do BIA, pois o processo de enturmação das crianças havia sido realizado, considerando
somente a idade cronológica.
82
Além dessa, outras questões provocavam o desassossego dos professores nesse início
de ano letivo, que foi marcado por diversos movimentos inquietantes mediante a implantação
do BIA em Taguatinga. Afinal essa implantação foi realizada sem uma prévia discussão com
todos os professores, insinuando um reformismo autoritário, que, para Mainardes (2001)
significa a implantação de um projeto sem negociação e discussão com professores e demais
profissionais da educação.
A divulgação da proposta do BIA foi reelaborada e realizou-se em dois momentos, no
turno matutino e no vespertino, durante um encontro realizado no auditório do Centro de
Ensino Médio Ave Branca (CEMAB), em Taguatinga, com a participação de todos os
professores atuantes no BIA. Momento em que a equipe do DEIF/GSI apresentou aos
professores a proposta, por meio da exposição: “Por dentro do BIA” (2006). Nessa exposição,
destacaram o contexto histórico para a inclusão da criança de seis anos no Ensino
Fundamental; as mudanças na organização da escolaridade, apresentando os critérios para
enturmação; a proposta pedagógica, apontando a codificação e decodificação do código para
sua sistematização e a operacionalização da avaliação. Incluiu também a avaliação
diagnóstica, num outro entendimento, resultante das muitas argumentações ocorridas entre as
equipes de divulgação do BIA e do CRA.
Importante se faz lembrar que nesse momento os professores já haviam recebido sua
turma de BIA, pois o calendário escolar do ano letivo previu o início das aulas para o dia 20
de fevereiro. No entanto esse foi o primeiro contatado deles com informações oficiais sobre
essa proposta. O que poderia ter ocorrido no ano anterior, enquanto a proposta estava sendo
implantada em Ceilândia, assim como os professores daquela cidade, também poderiam tê-la
conhecido anteriormente, quando discutiam o documento elaborado pelo MEC. Os
professores, indignados, fizeram diversos comentários. Uns diziam que parecia “reprise da
Escola Candanga. O reagrupamento é a mesma coisa do rodízio. Porque não falaram isso
antes?” Essa fala demonstrou a ansiedade da professora em compreender a proposta que para
ela, no entanto, não havia tanta novidade. Outro comentário representava a angústia de saber
que iria lidar com uma situação complicada, e praticamente sozinha: “Esse negócio de
enturmar por idade, não vai dar certo. A minha turma está uma confusão e só falaram que
vai ter um tal de projeto interventivo.” Outra situação demonstrou a decepção de saber que
tudo continuaria como estava, a organização das turmas por idade iria permanecer. Conhecer
a proposta não ajudou a resolver o problema que iria enfrentar no dia- a-dia de sua sala de
aula: “Essa história de projeto interventivo é só para enganar! Só vai atender a etapa III. Eu
não sei o que vou fazer! A minha turma é etapa II e tem criança que não sabe ler”. Houve
83
também muita indignação ao saber que teriam que freqüentar um curso: “Além dessa
confusão ainda vou ter que fazer esse curso?” A ansiedade e a indignação tomaram conta do
ambiente, mas a proposta havia de ser instituída, e aos professores cabia executá-la.
O curso apresentado aos professores, durante o encontro para divulgação do BIA,
estava previsto para ser realizado no CRA. O curso “Alfabetizando no BIA” foi especialmente
planejado para acompanhar a implantação desse programa. No ano de 2005, foi promovido
em Ceilândia, em 2007, foi promovido para os professores de Taguatinga, sob a
responsabilidade da EAPE.
A coordenadora41 do CRA/CEF 18 (2006) logo que tomou conhecimento do
Documento com as Orientações Gerais para o BIA (versão revista, 2005) percebeu nele
muitas lacunas e sugeriu que fosse realizada uma revisão. A Subsecretaria de Educação
nomeou uma comissão e as discussões transcorreram nesse espaço, durante o primeiro
semestre de 2006, resultando numa terceira versão do documento. Para essa comissão foram
nomeadas 13 professoras: sete pertencentes à EAPE, das quais uma participou da primeira
elaboração; uma pertencente ao DEIF/GSI que participou da segunda elaboração; as
coordenadoras dos dois CRA; duas professoras da equipe de apoio do NCP/DRET e uma
professora coordenadora pedagógica. Participei dessa comissão, conforme nomeação do
Diário Oficial do DF (2006) – (Anexo A), no entanto devido ao acúmulo das atividades da
coordenação pedagógica, poucas vezes pude comparecer às reuniões da comissão de revisão.
A participação dos professores nessa comissão restringiu-se a essa equipe, os professores
regentes do CEF 18, ansiosos por colaborar com suas experiências, ficaram apenas sabendo
que a discussão transcorria naquele espaço. Ficaram, praticamente, impossibilitados de
acompanhá-la, sequer como ouvintes, mediante a necessidade de participar das intensas
atividades de instituição do BIA na escola. Caso a proposta pudesse ser reelaborada com a
participação dos professores que atuavam no BIA - nessa e em outras escolas - as reuniões da
comissão poderiam ter sido articuladas aos acontecimentos de cada instituição, considerando
as sugestões, desses profissionais, mediante as possibilidades e dificuldades encontradas ao
instituí-la. Dessa forma, até o tempo para reelaborá-la, certamente, teria que ser ampliado,
uma vez que, partindo do que se tinha como proposta e das questões apresentadas em sua
concretização é que seria possível propor reelaboraçãoes.
A comissão de revisão teve a intenção de transformar o Documento com as
Orientações Gerais para o BIA numa Proposta Pedagógica, resgatando o processo histórico da
41 A coordenadora do CRA/CEF 18, em 2006, iniciou o trabalho em parceria com a coordenadora do CRA/EC 40, mas divergências quanto à concepção das atividades propostas influenciaram a dissolução da parceria.
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instituição da ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos; definindo sistemática e
claramente os Princípios Metodológicos e, ainda, incluindo a Alfabetização Matemática, um
dos pontos frágeis do processo de alfabetização. Outra situação que provocou longas
discussões e argumentações durante as reuniões, tanto da comissão de revisão como para
reorganização da exposição utilizada para divulgação do BIA, foi a avaliação diagnóstica. Os
índices apresentados pelas propostas de ciclos implantadas indicam que o objetivo de
alfabetizar a todos, evitar a evasão e a exclusão não estava sendo atingido e apontam novas
perspectivas para vencer esse quadro por meio da mudança na avaliação. Assim tornou-se
fundamentalmente, necessário encontrar um modo em que as palavras pudessem desfazer o
equívoco expresso no primeiro documento de que “a avaliação diagnóstica apresentada pela
Secretaria de Educação, teste único para todos os alunos do BIA” fosse apenas o modo de
“conhecer o perfil de entrada do aluno no Bloco e validar os resultados” (Orientações,
versão revista, 2005: 35, grifo meu). A consolidação dessa ressignificação, ganhou outro
corpo, ao menos, buscou deixar essa intenção um pouco mais clara, ficando dessa forma
expresso:
Ao iniciar o ano letivo, os professores atuantes no Ensino Fundamental de 9 anos, especialmente no Bloco Inicial de Alfabetização – BIA – realizarão uma avaliação diagnóstica a fim de conhecerem as habilidades e competências já adquiridas por seus alunos, bem como identificarem em que nível da aprendizagem da leitura e da escrita as crianças se encontram. Esta avaliação deve ser a base do planejamento do professor, pois subsidiará sua prática pedagógica, estabelecendo objetivos a serem alcançados ao final de cada Etapa, além de colaborar com a SEDF no sentido de conhecimento do perfil de entrada dos alunos no Bloco (Proposta Pedagógica, 2006: 20, grifo meu).
A proposta final permaneceu com a terminologia Bloco que parece não coadunar com
a filosofia proposta para a educação em ciclos, pois apresenta a idéia de algo que representa
uma parte separada do todo, enquanto deveria apresentar a idéia de encadeamento, de um
processo em constante reelaboração. O termo Bloco sugere parte fechada, sem diálogo com as
outras partes, mas essa terminologia fazia parte da proposta do governo e não incomodou a
toda a equipe de revisão, portanto nela permaneceu, ficando assim definida: Orientações para
o Ensino Fundamental de Nove Anos - Bloco Inicial de Alfabetização - Proposta Pedagógica
- (versão revista, 2006).
Várias foram as discussões que em alguns momentos apresentaram consensos, em
outros, divergências e tiveram que ser encaminhadas, possibilitando ao grupo repensar e abrir
ou não mão de concepções, algumas já arraigadas, mas garantindo que algo ficasse para ser
refletido. Essas situações foram vividas intensamente pela comissão durante o processo de
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revisão, que foi parcialmente concluído, mas mediante o prazo estabelecido havia de ser
entregue à Subsecretaria de Educação.
Em meio às reuniões de revisão do documento, a coordenadora do CRA/CEF 18
(2006) elaborou o planejamento das atividades que seriam realizadas, atendendo às demandas
advindas dos profissionais que atuavam no BIA naquele ano. Afinal a operacionalização da
educação continuada proposta aos professores atuantes no BIA estava prevista para ser
realizada, principalmente, no e pelo CRA, com a participação do NCP/DRET e da EAPE,
conforme prevê a Proposta Pedagógica (ibid.). A EAPE organiza outros cursos na intenção de
oportunizar a educação continuada aos docentes da rede pública de ensino, tanto da Educação
Infantil como do Ensino Fundamental anos iniciais e finais e do Ensino Médio, conforme sua
programação para o ano de 2007.
Como era o ano de implantação do BIA em Taguatinga, cada uma das coordenadoras
do CRA recebeu o apoio de três professoras do NCP/DRET, o que totalizava uma equipe com
oito pessoas – quatro para cada CRA. Em 2007 esse contigente foi reduzido a apenas três
pessoas. Vale ressaltar que o curso em 2006, foi promovido pela EAPE e em 2007, pelo CRA.
A SEEDF também ofereceu instrumentos para a confecção de materiais pedagógicos na
Oficina Pedagógica, durante o curso. No ano de 2007, os participantes do curso tiveram que
colaborar com uma taxa de dez reais por semestre para a compra do material necessário para a
confecção de recursos pedagógicos. Sendo assim, no ano de implantação foram oferecidas
melhores condições para que o CRA organizasse as situações de educação continuada
propostas aos professores.
O trabalho realizado pelo CRA/CEF 18 no ano de 2006 e 2007 será apresentado no
capítulo 3. A apresentação será realizada, concomitantemente, relatando situações ocorridas
entre um ano e outro, portanto para melhor compreensão da conjuntura em que ocorreu o
trabalho realizado em 2007, será delineado o contexto que o antecedeu, assim como
rememorado o contexto que envolveu o trabalho realizado em 2006.
2007: novo ano com velhos enganos
O ano de 2007 inicia-se, trazendo novidades para a educação brasiliense, tanto nas
mudanças de governo e direções do setor educacional, quanto no entendimento sobre a
educação em si. Alguns entraves começaram a surgir, trazendo instabilidade para o cenário
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educacional desenhado até esse momento, demonstrando que a luta por conquistas jamais
cessa. No fim de 2006 e início de 2007, com o processo de mudança dos gestores do governo
e do setor educacional, a jornada ampliada tornou-se o escopo da discussão sobre a educação
brasiliense. Índices de qualidade, saúde do professor, licenças, substituição, dentre outros
assuntos, provocaram discussões envolvendo a conquista do espaço/tempo da coordenação
pedagógica, arduamente obtida por essa categoria, provocando angústia, desconforto e
indignação no meio educacional.
Transtornos foram vividos desde o período de férias do professorado, em que a
categoria acompanhou, pela mídia, as referências divulgadas pela nova secretária indicada
para coordenar a educação no Distrito Federal. Diversas reportagens anunciadas tanto pela
mídia escrita como falada, traziam generalizações42 negativas quanto à qualidade da educação
praticada nas escolas públicas. Numa delas, exibida no site da Secretaria de Educação:
“Seminário discute propostas para melhorar a Educação no DF” a atual secretária declarou
sua “preocupação com o grande número de professores que estão de licença médica (30%)”,
questionando a quantidade de licenças usufruídas pelos professores. No jornal Aqui43 a
secretária de educação divulgou algumas de suas ações para este ano letivo, informando a
maneira como pretendia conduzir a política educacional:
Os quadros colocados na porta da escola terão informações com a nota que a unidade teve na Prova Brasil, os índices de distorção série/idade, o total de professores e o número de licenças. Assim os pais e alunos terão motivos para cobrar e obrigar os professores a prestarem contas do trabalho desenvolvido ao longo do ano. Daremos mais autonomia às escolas, mas vamos aumentar o controle e a cobrança. Faremos monitoramento contínuo das metas que os diretores vão assumir (2007, Cidades, grifo meu).
Esse comentário revelou que o diálogo entre a Secretaria de Educação e pais
desconsidera a existência do professorado. A secretaria, disponibilizando os dados sobre os
professores, permitiria que os pais controlassem e cobrassem que o quadro apresentado fosse
mudado, mas controlar e cobrar não muda dados. Uma política educacional realizada com
controle e cobrança, dispensando o diálogo, pouco ou quase nada conseguirá compreender
dos resultados apresentados, das lacunas, das necessidades que emergem em cada escola.
Cada escola apresenta uma singularidade e a partir de sua análise pode se pensar em
estratégias para modificá-la. Mas pareceu que a intenção da nova secretária pautou-se em 42 Situações que apresentam tais generalizações fazem parte de uma reportagem do jornal Correio Braziliense, publicada em janeiro de 2007 e incentivaram a publicação do Boletim Informativo do Sindicato dos Professores no DF - “Edição Extra” – Ano XVII – n° 260 – de 05 de fevereiro de 2007. 43 Jornal Aqui, edição de 13 de fevereiro de 2007.
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ações de controle e cobrança, pois costumou apresentar comentários relativos à educação
explorando dados numéricos, quantitativos, desprezando a análise singular de cada um deles,
das condições que levaram à apresentação de tais índices. O controle e a cobrança
impregnados nas ações educacionais incidiram na mudança da nomenclatura adotada nos
setores das Regionais de Ensino. O Núcleo de Coordenação Pedagógica passou a se chamar
Núcleo de Monitoramento Pedagógico, de NCP a NMP. Monitorar coaduna com controlar,
cobrar. Uma perspectiva um tanto quanto retrógrada para os tempos atuais, que busca inculcar
um novo olhar para a educação. Uma educação participativa, dialógica e criativa não passa
pela ideologia do controle, cobrança e monitoramento. Essas são posturas associadas ao
militarismo e não à democracia que há tanto se busca instituir.
Outra reportagem deplorável foi publicada na revista Veja44 em que o atual
governador comentou que os professores sofriam de “preguicite aguda”, enquanto deveria
investigar o fato, buscando compreender o que leva o professorado a necessitar de tantas
licenças médicas. Poderia, inclusive pensar em instituir uma política de prevenção de doenças,
procurando controlar aquelas advindas do exercício da profissão. Além desses, outros
comentários foram constantemente divulgados, incluindo a suspensão do direito à licença-
prêmio45, gerando um clima de insatisfação, o que levou o Sindicato da categoria a organizar
uma mobilização para o primeiro dia de regresso das férias dos professores.
Conforme previsto no calendário escolar de 2007, o ano letivo iniciou-se com a
realização do Encontro Pedagógico, na primeira semana de fevereiro. Cada escola planejou
suas atividades, observando algumas diretrizes definidas pela SEEDF. Nesse momento iniciei
a pesquisa, por meio da observação, participando das atividades realizadas no CEF 18.
O CEF 18 organizou uma recepção para os professores, preparando-lhes um refinado
café da manhã, regado pela discussão sobre o contexto político-educacional vivido naquele
momento, o que suscitou a reorganização das atividades programadas para o dia e para a
semana, possibilitando a participação desse grupo na assembléia.
O planejamento para o Encontro Pedagógico foi entregue e redefinido. As atividades
nele previstas oportunizaram importantes discussões sobre o trabalho docente realizado, mas a
angústia e a indignação continuavam presentes. Agora trazidas por três novas mudanças na
Portaria 30/2007/SEEDF, uma referente ao parágrafo único do artigo 3º - antes definia que “a
escolha do coordenador pedagógico antecederá a distribuição de carga horária dos
44 Nota publicada na coluna Holofote, assinada pelo editor Felipe Patury, sob o título “Assombração nas escolas”. Revista Veja, 21 de fevereiro de 2007, edição 1996, p.30. 45 Até o momento a licença-prêmio para os professores da SEEDF continua suspensa, somente os profissionais da carreira assistência podem gozá-la.
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professores” e foi revogada, portanto os coordenadores, escolhidos pelos professores,
deveriam escolher turma e assumi-las até que pudesse ser enviado professor para substituí-los.
Essa medida impossibilitou a continuidade da tranqüilidade nos trabalhos iniciados pelo grupo
durante a semana pedagógica.
Outra mudança referindo-se ao inciso IV dos artigos 19 e 20, que trata da substituição
de professores, antes dizia que os professores deveriam destinar três horas das quinze
destinadas à coordenação pedagógica à “substituição, no caso de afastamento de professor
regente, de até 10(dez) dias”. O termo que delimitava o tempo “até 10(dez) dias” foi retirado e
alterado para: “conforme escala definida pela Instituição educacional, no caso de afastamento
de professor regente”. Dessa forma, o trabalho coletivo ficaria inviabilizado, pois a cada dia
um professor não estaria presente na coordenação, visto que naquele momento havia na escola
a carência de cinco professores, no turno vespertino.
A terceira alteração atingiu o artigo 38, trazendo novos critérios para a escolha de
turmas no BIA. Antes esse artigo apresentava um quadro com critérios para escolha de turma
de Educação Especial e nele foi acrescentado outro quadro, trazendo critérios para escolha
“de turma de 3° período ‘Quanto mais cedo melhor’ da Educação Infantil, de Bloco Inicial de
Alfabetização, de 1ª e 2ª séries do Ensino Fundamental”. Dizia que seriam considerados “[...]
a experiência, a habilitação e a qualificação do professor na área pleiteada”.
A ansiedade gerada pela espera do entendimento dessas mudanças pelo pessoal da
direção da escola para a organização de uma nova escala de pontuação - para que pudesse
ocorrer nova distribuição da carga horária - estava explícita em todos os olhares e falas. A
incerteza pela turma que exerceria regência torna o momento de planejamento coletivo um
marasmo. Os professores pouco conseguiam se concentrar para se dedicar às atividades que
são comuns a todas as turmas. O ambiente escolar foi inundado de angústia diante da
indefinição do que programar para o trabalho docente. Uma professora, expressando sua
ansiedade buscou forças para resistir, dizendo a “capacidade de indignação se faz necessária
para continuarmos sonhando”.
Logo que a listagem de pontos foi redefinida, considerando que a coordenadora
escolhida pelo grupo assumiria uma turma e, que a pontuação anterior foi alterada para os
professores interessados em atuar no BIA, visto que foram incluídos os pontos referentes aos
cursos na área de alfabetização, houve, então, nova distribuição de turmas. Na semana
seguinte, essa realidade novamente sente-se ameaçada diante da decisão de que diretor e vice
teriam que escolher turma. Pela terceira vez realiza-se a distribuição de turmas. Cabe ressaltar
que as aulas haviam começado, os professores tinham organizado seu planejamento e
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inclusive já haviam recebido as crianças, mas tudo não passou de um desgastante processo e
poucas foram as mudanças. Os comentários dos professores expressavam a indignação pelo
embaraço provocado por essa situação “gente, só mudaram duas professoras, não mudou
mais nada, só o stress que aumentou e muito”. Outra professora comenta “deveríamos
convidar a secretária de educação para passar um dia nessa escola, para ela ver a tensão
que sofremos com essas medidas”.
Muitas vezes, o que desgasta e provoca o desassossego dos professores não são
somente os problemas do cotidiano da sala de aula, mas o estresse dessas atitudes político-
educacionais que interferem diretamente em suas vidas, desestabilizando-os, interferindo
tanto na sua vida docente como nas atividades realizadas para além da profissão. Com toda
essa mudança de turma, algumas professoras tiveram que redefinir suas vidas pessoais,
provocando modificações na rotina organizada a partir da definição de sua jornada de
trabalho. Uma professora, inconformada com a nova definição, questiona: “como vou fazer,
agora estou no turno vespertino e matriculei meu filho no turno matutino, porque esse era o
meu horário. E agora? As aulas já começaram!”.
Mas os aborrecimentos insistiram em rondar o espaço escolar, dessa vez a questão da
substituição tirou o sossego daquele grupo de professores acostumados a travar constantes
lutas e ameaça à gestão da escola, conseguida de forma tão sofrida, no ano anterior. A direção
informa que a Regional de Ensino enviou novo pedido para o cumprimento no disposto no
inciso IV do artigo 19, exigindo, impreterivelmente, o mais rápido possível, a escala de
substituição e, o memorando com o nome daquele professor que se negasse substituir. E
acrescenta que foi sugerido o envio do memorando com o nome dos professores “em grupos
de três”, para que a listagem fosse encaminhada ao setor jurídico para as medidas cabíveis.
Nesse momento, algumas ponderações foram apresentadas, lembrando que “se for para
penalizar um a um, como é esta proposta do envio em grupos de três, não dá, nós todos
juntos somos força, sozinhos ficamos frágeis às punições”. Uma euforia toma conta das falas,
e chegam à conclusão de que “enquanto estivermos como grupo será possível lutar, mas
partir para individualizar não dá para enfrentar. Vamos permanecer unidos”. Dessa forma, o
grupo decidiu não realizar substituições, e afirmou, caso fosse necessário seria enviado um
memorando com o nome de todos os professores da escola. Nesse momento, a equipe
começou a organizar outras ações, buscando o apoio do Sindicato e do Conselho Escolar.
Caso fosse necessário, seria elaborado um documento, juntamente com o Conselho Escolar,
comunicando o motivo dessa decisão. Com a chegada constante de muitos documentos sobre
o assunto, informando, dentre outros, a forma do regime disciplinar, o grupo retoma a decisão
90
e começa a realizar as substituições, o que ocorreu por pouco tempo. A categoria reunida,
numa outra assembléia, decidiu novamente pela não substituição. O grupo de professores
dessa escola acatou a deliberação. Logo em seguida, solicitou à diretora da DRET, uma
reunião, para justificar o motivo da decisão, buscando garantir a continuidade da direção, uma
vez que a listagem continuaria sendo enviada no coletivo. Muito embora tenha continuado, a
cada semana, a chegada de mais e mais documentos tratando das punições para o
descumprimento da substituição.
Desencanto: enganos despertam sentimentos
Toda essa situação leva os profissionais docentes a se sentirem desencantados,
desesperançosos, desmotivados, quase que aniquilados. Esse foi um ponto convergente no
relato das participantes da pesquisa, durante uma de nossas conversas. Suzi comentou que
“esse ano eu estou sentindo uma tristeza por causa das colocações do governo, do que está
sendo falado dos professores do DF. Eu estou decepcionada, me sentindo desvalorizada.”
Lara descreveu o mesmo sentimento:
Eu já venho me sentindo desanimada, desestimulada já há algum tempo, e eu acho que uma das causas foi isso, muito stress [...] Eu estou desanimada [...] A nossa secretária de educação, vai para a televisão falar que quando ela era diretora, quando ela era professora, ela fazia e acontecia. Ela não tem tanto tempo a mais do que eu, do que muitos de nós aqui não, todas já vivenciamos essa realidade e sabemos do que ela está falando.
Maria também deixou transparecer essa mesma sensação:
Eu me desiludi muito, não só em relação ao salário, mas à dignidade da profissão. As pessoas que representam a situação política deveriam se preocupar e ao invés de ameaçar, de dizer coisas sobre a gente, provocando desgosto, deveriam nos fazer sentir felizes, ficar animados, no entanto eles destroem nossa auto-estima. Principalmente esse ano, nós professores estamos com uma estima muito baixa,, muito baixa.
A despeito das razões do desgaste cabe considerar o momento profissional das
interlocutoras da pesquisa. O sentimento de desilusão apresentado por elas foi semelhante ao
91
postulado por Huberman46 (1989). O autor, ao descrever os ciclos de vida dos professores,
apresenta as diferentes fases que atravessam ao longo de sua carreira. Comenta que os estudos
sobre essas fases iniciaram com a investigação do ciclo da vida humana realizado por diversos
autores e direcionam à docência na intenção de compreender melhor a complexidade que
envolve a carreira desses profissionais. Os estudos indicam que, geralmente ao final da
carreira, os professores, assim como os demais profissionais, encontram-se em processo de
desenvestimento. As interlocutoras que fizeram os comentários descritos anteriormente,
encontram-se nesse momento profissional.
Huberman afirma que as investigações ressaltam que esse processo ocorre por diversas
razões, inclusive porque os professores se encontram “desiludidos com os resultados [...] das
reformas empreendidas” (ibid.: 46). Ele acredita que esse desenvestimento ocorre entre os
professores, pois tanto eles como os outros profissionais “estão sujeitos, mais ou menos, à
mesma evolução fisiológica e às mesmas pressões sociais” (ibid.: 46). A vivência de
constantes mudanças nos programas educacionais no sistema de educação do Distrito Federal,
expôs as professoras a situações de pressão social, que lhes despertaram tal sentimento.
O autor acrescenta, ainda, que esse desenvestimento “evoca um fenômeno de recuo e
interiorização”, de modo que as pessoas vão, progressivamente, libertando-se do investimento
no trabalho, para consagrarem mais tempo para si, para interesses diferenciados daqueles de
sua profissão e à vida social com maior reflexão (ibid.). Esses dizeres encontram consonância
no pensamento da professora Maria, ao comentar, que se encontra desiludida, inclusive com a
dignidade da profissão, percebendo o descaso social, de modo que “ninguém quer ser
professor. Essas pessoas novas estão achando que é bico!” Atualmente a professora Maria
está cursando Direito e se justificou, comentando a realidade que vive. Ela se comparou com
as pessoas de sua família que trabalham no judiciário e concluiu que elas “ganham o dobro do
que eu ganho. Isso na parte salarial! Eu me comparei a uma pessoa da minha família, que
tem nível superior [como eu] e ganha bem mais que eu ganho e eles não ouvem o que a gente
ouve”.
No entanto, mesmo decepcionadas com a situação social, as professoras
permaneceram comprometidas com o trabalho docente que realizam. Lara comentou “estou
desanimada não é com o meu aluno, meu aluno não tem culpa de nada. É ótimo trabalhar
com as crianças. Eu estou decepcionada com este projeto de governo!”
46 Os tempos apresentados no ciclo de vida dos docentes, por Huberman (1989), não representam os tempos brasileiros, mas podem ser adaptados, servindo de referência para análises.
92
Suzi acrescentou “não que eu não queira trabalhar com minha turma, eu amo
trabalhar com minha turma, mas realmente, estou me sentindo ‘pra baixo’ esse ano. O
governo vem desfazendo do professor”.
Maria também relatou que “tenho o maior prazer em trabalhar com o aluno, chego na
sala de aula nem lembro dessas coisas, mas de maneira geral fica um sentimento negativo.
Isso não é bom!”.
Huberman aponta outras características para os sujeitos que se encontram na fase entre
sete e vinte e cinco anos de profissão – fase da diversificação, do “activismo”. Segundo o
autor, nessa etapa, esses docentes são “os mais motivados, os mais dinâmicos, os mais
empenhados nas equipes pedagógicas” (1989: 42). As palavras da professora Ana
expressaram esses sentimentos. Entusiasmada, descreveu o projeto que pretendia desenvolver
como coordenadora pedagógica, apresentando uma diversidade de ações:
Na próxima coletiva, pretendo perguntar o que elas [as professoras] querem. Vou direcionar, perguntar o que fazer diante dessa situação [um terço dos alunos da etapa III não estão alfabetizados] e dizer como pensei em organizar. Vou passar o cronograma de atendimento para essas crianças. Vou passar os gráficos com o resultado da primeira avaliação diagnóstica para que elas percebam como será o acompanhamento, [...] afinal estou com os dados e pretendo ajudá-las, para que tudo caminhe. Vou estabelecer metas, fazer os combinados. Vou distribuir o material que tenho sobre combinados, como construí-los com as crianças. O direcionamento que eu quero dar é este: todos os alunos alfabetizados e ter um projeto.
A professora Lúcia47, coordenadora do CRA/CEF 18 também apresentou essa
animação ao comentar a intenção do trabalho que seria desenvolvido por este CRA. Exultante
ela disse que teve o objetivo “de provocar [nos docentes] um novo olhar, um caminho, uma
forma diferente de trabalhar”. A finalidade maior da educação continuada que pretendia
oportunizar nesse espaço era motivar o “professor a procurar modificar a sua prática, sua
forma de atuar. Participar de momentos de estudo para compreender o seu valor para o
trabalho que desenvolve. Descobrir o quão importante é se envolver na pesquisa, na
investigação”. Um entusiasmo que permaneceu durante a realização das situações de
educação continuada promovidas pelo CRA/CEF 18. Um exemplo disso aconteceu no estudo
realizado no Fórum de Coordenadores. Nesse dia o tema estudado abordou “A coordenação
pedagógica e a constituição do grupo de professores”, (SOUZA apud ALMEIDA e PLACCO,
2005). Ao final do encontro, Ana muito entusiasmada, destacou o desejo de que os
47 Entrevista realizada pela pesquisadora, no dia 03 de abril de 2007, no CRA/CEF 18.
93
coordenadores conseguissem realizar um bom trabalho, mesmo em meio a todos os
contratempos surgidos. Encorajou os coordenadores, lembrando-lhes que seria necessário
lidar com os inconvenientes causados pelas substituições, além de outros que, certamente,
apareceriam no cotidiano escolar, “mas o coordenador é o articulador do grupo de
professores. É o coordenador que vai oportunizar a educação continuada dos professores
dentro do espaço da escola”. Enfaticamente destacou o “CRA vai subsidiar esse trabalho e
possibilitar a parceria entre as escolas”.
A professora Lúcia foi indicada para articular o trabalho do CRA/CEF 18 depois que
algumas das situações complexas vivenciadas no início do ano de 2007 foram se ajustando.
No ano passado, essa professora trabalhou no NCP/DRET, colaborando com a realização das
atividades propostas por esse CRA.
Durante uma conversa, a professora Lúcia comentou que o trabalho desenvolvido pelo
CRA em 2007, teria a parceria do CRA Norte. Cabe destacar que as escolas atendidas pelo
CRA Norte passaram por algumas mudanças em relação ao espaço utilizado para a promoção
das atividades. No início do ano letivo de 2007, houve a transferência da sede desse CRA da
EC 41 para a Escola Classe 40 de Taguatinga – EC 40. Também mudou a pessoa responsável
por sua coordenação pedagógica. No final do primeiro semestre desse ano, houve nova
mudança na sede desse CRA, que mediante a necessidade de reforma no prédio da EC 40 foi
agregado ao CRA/CEF 18, conforme informações das coordenadoras, numa conversa
realizada no último dia de aula do curso, no primeiro semestre.
CRA: organização do trabalho considerando a realidade do DF
O trabalho realizado pela equipe do CRA/CEF 18, nos anos de 2006 e 2007, buscou
priorizar o comprometimento com o trabalho docente realizado. As atividades propostas nesse
espaço foram organizadas conforme explicou a professora Lúcia. Ela comentou durante nosso
diálogo que, no ano de 2007 “pretende, juntamente com o NCP/DRET, organizar a
programação do CRA”, aliás, dos dois CRA. As articuladoras desses CRA tiveram a
pretensão de desenvolver um trabalho em equipe. Segundo Lúcia, elas elaboraram o projeto
conjuntamente: “fizemos o projeto, enviamos para a EAPE para aprovação”. O trabalho
também continuou com o apoio do NCP/DRET, de modo que “o NCP entra com a parte de
promover o acesso entre o CRA e as escolas”.
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As coordenadoras pedagógicas do CRA/CEF 18 organizaram o Plano de Ação (2006,
2007) de acordo com os objetivos previstos para o CRA, considerando também, o contexto
vivido na educação brasiliense, de modo que todas as atividades puderam ser realizadas no
espaço/tempo destinado à coordenação pedagógica. Muito embora o ganho com a jornada
ampliada tenha sido desvirtuado mediante as mudanças que vem sendo realizadas, conforme
exposto anteriormente quando foram apresentadas as alterações da Portaria 30/2007/SEEDF.
Essa Portaria redefiniu a forma de utilização das quinze horas destinadas à coordenação
pedagógica, reservando-lhe apenas dez horas, enquanto as outras cinco foram divididas, de
forma que duas horas foram destinadas para atividades em sala de leitura/reforço e as três
restantes, para substituição.
Essas mudanças estão atreladas à lógica de ciclos descrita por Freitas (2003). O autor
explica que na progressão continuada além da reprovação ser adiada para o final do ciclo, há a
necessidade de envolver outras atividades, inclusive o tempo para reforço. Para tanto o
espaço/tempo da coordenação pedagógica foi reorganizado considerando este aspecto, muito
embora a atividade do reforço pouco contribua para a elaboração de aprendizagens, uma vez
que as aprendizagens ocorrem, principalmente, na e pela interação social. Para que a criança
receba o atendimento de suas necessidades para aprendizagem da leitura e da escrita torna-se
indispensável que ela esteja no grupo. A criança sozinha encontra-se sem seus parceiros para
aprender, sem referenciais para tecer a rede que a possibilita elaborar conceitos. “As
diversidades e diferenças das experiências sociais de cada um dos alunos” são fundamentais
para a elaboração de novas aprendizagens, conforme afirmam Rocha e Vendana (2005),
portanto a coordenação pedagógica deve privilegiar a organização de tais atividades.
O CRA/CEF 18 teve a intenção de promover uma educação continuada criadora que
oportunizasse aos professores a compreensão de que o fundamental é refletir sobre o que se
faz, conforme postula Houssaye, promovendo rupturas com o instituído, e imbuindo-se de
elementos para compreender a simbiose teoria e prática diante dos questionamentos do dia-a-
dia (1995 apud Pimenta e Ghedin, 2005). Muitas reflexões aconteceram no CRA/CEF 18,
com o intuito de reforçar a importância do trabalho docente individual e coletivo, bem como
da parceria entre as escolas na busca da instituição de uma outra concepção de educação.
Como espaço destinado à educação continuada, este CRA oportunizou a vivência de
diversas situações, possibilitando às professoras atuantes no BIA, interlocutoras da pesquisa,
tecerem articulações entre o trabalho docente que realizaram e a educação continuada
vivenciada, o que será apresentado no capítulo seguinte.
95
3. EDUCAÇÃO CONTINUADA E TRABALHO DOCENTE NO BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO
Ser professor é ser profissional, é saber que precisa estudar, investigar, saber por que e o quê está acontecendo, por que não deu certo. É o tempo da pesquisa, na sala de aula. (Professora Lúcia)
O BIA anunciou em sua Proposta Pedagógica (2006) a intenção de possibilitou uma
educação continuada que oportunizasse aos docentes situações de apoio ao trabalho realizado.
Para tanto, sugeriu que se investisse “na formação docente, dinamizando a coordenação
pedagógica [...], visando à construção de um trabalho” que pudesse vencer o desafio de
reconfigurar o cenário apresentado pela educação brasiliense, em relação aos anos iniciais do
ensino fundamental. Dessa forma, pretendeu que fossem criadas “estratégias, junto aos
coordenadores pedagógicos, para ressignificar” esse espaço/tempo (ibid.: 19 e 21).
A proposta pedagógica do BIA aborda a coordenação pedagógica como momento
destinado “à formação continuada, ao planejamento e avaliação, tendo ainda a possibilidade
de atender individualmente aos alunos”, dinamizando-a “a partir de um trabalho coletivo,
objetivando a construção de uma escola de qualidade para todos” (2006: 20). Resgata o
princípio da pesquisa, iniciado com a instituição da Escola Candanga, na medida em que
propõe a “prática investigativa com o intuito de compreender o movimento das aprendizagens
em sua complexidade” (ibid.: 28). Insere em sua proposta o estudo, ao propor a manutenção
“de grupos de discussão e estudos permanentes sobre alfabetização e letramento” (ibid.: 20), e
o planejamento “de momentos de estudos relacionados ao aprimoramento das didáticas
utilizadas pelos alfabetizadores” (ibid.: 21).
Essa proposta, ao sugerir a investigação do cotidiano escolar, envolvendo a busca por
respostas aos questionamentos, transforma a coordenação pedagógica no locus apropriado
para a educação continuada, coincidindo com o pensamento de Candau (2003) e Fusari
(2003). Os autores apontam a escola como o lugar privilegiado para que a educação
continuada aconteça. Fusari comenta, inclusive, que essa formação deve ser organizada pelo
coletivo da escola, determinando, no calendário escolar, a data de sua realização, justificando
que esta é uma oportunidade ímpar de discussão da prática.
O CEF 18 de Taguatinga, durante o Encontro Pedagógico realizado no início do ano
letivo de 2007, elegeu, coletivamente, o dia de quarta-feira para a realização da coordenação
96
coletiva, conforme determinado pela SEEDF, por meio do documento Subep em ação (2006).
Sendo assim, os professores do CEF 18 definiram esse dia como um dos momentos em que
ocorreria a educação continuada organizada pela própria escola, sugerindo a continuidade dos
estudos e a troca de experiências entre as diferentes etapas e séries. Uma professora reforçou a
idéia dizendo que o “estudo continua coletivo”. Dessa forma, os profissionais docentes do
CEF 18 pretenderam instituir uma prática refletida, definida por Zeichner (1993) como prática
social, realizada no coletivo, transformando a escola em comunidade de aprendizagem, em
que os professores se apóiam e se estimulam mutuamente. Segundo o autor, "existe a tentativa
de construir comunidades de aprendizagem, nas quais os professores apóiam e sustentam o
crescimento uns dos outros. [...] Esse compromisso tem um valor estratégico importante para
a criação de condições, visando à mudança institucional e social" (ibid.: 26).
Para concretizar a proposta de educação continuada delineada para o CRA, a EAPE,
dentre outras ações, organizou o curso “Alfabetizando no BIA”, destinado aos professores que
atuariam nas três etapas do Bloco. O CRA/CEF 18, além de abrigar o curso, organizou outras
situações de educação continuada mediante a demanda advinda dos professores, de acordo
com o descrito nos Planos de Ação (2006, 2007).
Nas entrevistas realizadas com as professoras – interlocutoras da investigação – foi
possível compreender algumas das articulações tecidas entre as atividades de educação
continuada que lhes foi oportunizada pelo BIA e o trabalho docente que realizavam.
Inicialmente as professoras pesquisadas comentaram o contexto em que transcorreu uma das
situações, demonstrando a forma como iniciou a institucionalização da proposta de educação
continuada prevista para o BIA. Durante a entrevista Suzi comentou sobre a participação no
curso “Alfabetizando no BIA”, dizendo que “todos que pegaram turmas do BIA tiveram que
se matricular no curso”. Lara enfatizou: “fomos obrigadas a fazer o curso”.
A professora Ana também comentou sobre este contexto, dizendo que:
O curso foi colocado como obrigatório, inclusive uma professora assistiu às primeiras aulas de costas, com a cadeira virada para trás. Esta professora disse que se tivesse que freqüentar o curso, obrigada, seria dessa forma que assistiria às aulas.
A forma como o governo instituiu o BIA parece ter inspirado ações da mesma
natureza. A professora Lara comentou que o curso “veio goela abaixo”, assim como o BIA e
as outras propostas de educação instituídas, anteriormente, por essa Secretaria.
97
As professoras expressavam o sentimento da não participação na implantação e
elaboração de propostas, algo comum no meio educacional, de acordo com o cenário descrito
no capítulo anterior, quando a professora Lara fez o comentário dizendo que, quando um novo
governo assume, desconsidera aquilo que foi construído anteriormente. Geralmente as
propostas são instituídas sem a participação daqueles que irão executá-las, conforme explica
Braverman, ao comentar que a fragmentação no trabalho levou à separação entre os que
concebem e os que executam, mediante a introdução da gerência científica no processo de
trabalho. Momento este que propiciou “a cisão entre os que pensam, planejam e organizam
determinadas ações e tarefas, e aqueles que realizam, no trabalho, as tarefas planejadas por
outros que detêm o monopólio do conhecimento sobre todo o processo de trabalho” (1977:
108 apud FREITAS, 2005).
Aos professores, que atuariam nas turmas das etapas I, II e III, foi determinado que
deveriam ser matriculados no curso Alfabetizando no BIA, conforme relataram as
professoras. Se por um lado, algumas mudanças necessitam ser assim instituídas, pois, caso
contrário, conforme comentou Lara, “se deixar a gente não faz é curso nenhum”, por outro,
poderiam incentivar a participação do professorado, possibilitar uma discussão sobre suas
necessidades para promover a aprendizagem de todas as crianças e ousar incentivar a
rompimento com a realidade apresentada, por meio do trabalho realizado em cada sala de
aula. Talvez a resistência seja provocada por uma questão de encaminhamento e aproximação
às necessidades docentes.
3.1. Trabalho docente: progressos e retrocessos
As situações cotidianas de uma sala de aula envolvem uma totalidade de ações para
além do contexto escolar. Essas ações são instituídas pelos personagens que participam desse
contexto, conforme suas inter-relações com a sociedade que os abriga.
Freitas (1996) diz que para entender como essas relações ocorrem, torna-se
fundamental compreender o contexto em que ocorreu a organização do processo de trabalho
na escola e suas relações com o contexto social no qual foram constituídas. Comenta, ainda,
que vários autores já abordaram essa temática, dentre eles cita: Enguita (1985 e 1989); Arroyo
(1991); Silva (1992c) e Saviani (1980, 1984 e 1991a).
98
Para compreender como ocorreu a organização do trabalho docente, Freitas (op. cit.)
faz uma reflexão sobre o trabalho e suas relações com a educação numa concepção marxista.
Pauta-se em Marx e Engels (2000) que consideraram o trabalho como uma atividade humana
que, articulado a sua natureza, transforma-a, apreendendo, compreendendo e transformando a
realidade, assim como por ela é transformado.
Marx (1974) explica que a atividade humana envolve o trabalho intelectual e material.
Para Marx (ibid.) o trabalho intelectual inicia-se com a idealização de um produto e culmina
na sua efetivação como produto real. É a intervenção da consciência que possibilita ao
resultado existir duas vezes, uma no ideal e outra no real. A antecipação do resultado dá à
atividade humana o aspecto consciente. A atividade humana desenvolve-se em virtude de
finalidades. Para atingir um objetivo, certas atitudes precisam ser tomadas. Essa capacidade
de antecipar resultados idealmente diferencia a atividade humana de qualquer atividade
animal. Marx (ibid.) exemplifica, dizendo que a aranha executa operações semelhantes à do
tecelão, e as abelhas, ao construírem sua colméia poderiam envergonhar qualquer mestre de
obras, no entanto nem a aranha, nem a abelha poderiam antecipar, idealizar o projeto que
desejam realizar. O homem, no entanto, pode planejar uma situação, imaginando o que
realizar para produzir algo. Um professor, por exemplo, planeja uma aula e organiza situações
didáticas na intenção de promover aprendizagens. Ao planejar, o professor idealiza as
atividades que melhor podem contribuir para a aquisição dos conhecimentos.
A professora Maria realizou uma atividade, planejada anteriormente, com o intuito de
promover o conhecimento das letras do alfabeto. Ao planejar considerou o campo conceitual48
da leitura e da escrita - letras, palavras, frases e texto, e partindo dos esquemas de pensamento
das crianças, criou provocações didáticas na intenção de oportunizar novas aprendizagens.
Iniciou a aula com provocações didáticas, envolvendo o campo conceitual desse
conhecimento, para isso contou a história “de Avestruz a Zebra” e explorou cada uma das
letras, algumas palavras e frases. Maria questionou: “com que letra começa hipopótamo?” As
crianças responderam em coro: “Com H”. Ela perguntou: “que letra a gente fala?” e teve
como resposta: “I”. Questionou outra vez: “por quê?” Uma criança respondeu: “nessa
palavra o H não tem som”. A professora continuou explorando as letras e sugeriu: “uma vez
as meninas falam o nome do animal e a letra inicial, outra vez os meninos”. A cada uma das
letras fazia questionamentos. Ao chegar na letra R, indagou: “que letra começa a palavra
48 Para Gerard Vergnaud (2001: 16) “um campo conceitual é um conjunto de situações, cujo domínio progressivo exige uma variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas, em estreita conexão”.
99
rato? Nós já sabemos que a letra r tem dois sons”. Uma criança respondeu: “na língua e na
garganta”, e fez cada um dos sons. Ao final, Maria desafiou as crianças a desenharem alguns
animais e escreverem a letra inicial de seus nomes e, complementou “se esquecer o nome de
algum animal, pode perguntar ao coleguinha”. Enquanto as crianças realizavam a atividade,
a professora foi fazendo intervenções diversificadas, atendendo às necessidades de cada
criança.
As interlocutoras de maneira geral, assim como a Professora Maria, organizam,
anteriormente, o planejamento das atividades a serem realizadas. A professora Ana aproveita
os momentos intercalados entre as diversas atividades que realiza para organizar o
planejamento do estudo e às vezes utiliza os finais de semana para terminá-los. Mantêm,
rotineiramente, anotado em uma agenda, as ações que precisam ser tomadas para encaminhar
o seu trabalho. A professora Lúcia e as duas parceiras de trabalho, organizam com
antecedência, o planejamento dos encontros do curso. Também mantém em sua agenda as
anotações das ações referentes às atividades que deseja desenvolver. As professoras Suzi e
Lara também organizam, antecipadamente, o planejamento das atividades que propõem às
crianças. Todas as professoras registram, em um caderno, o planejamento das atividades que
pretendem realizar.
Para Maria, Lara e Suzi, a preparação do planejamento envolve o trabalho coletivo
entre colegas de todas as etapas independentemente da turma em que atuam, o que Contreras
(2002) considera essencial, pois a reflexão realizada no coletivo, oportunizada nesse
espaço/tempo, permite ao conjunto de professores elaborarem estratégias para realizar
investigações sobre as necessidades surgidas, discutir e pensar soluções para os problemas e
buscar meios para responder questionamentos, teoria-praticando o cotidiano da sala de aula.
As professoras pesquisadas revelaram a importância dada ao planejamento das
atividades que pretendem realizar em diversos momentos, inclusive durante a entrevista. A
esse respeito, a professora Lara comentou:
O planejamento, a preparação do material, deve acontecer, não tem como deixar de planejar. Durante o planejamento acontece a discussão com as colegas da etapa. A troca de idéias entre as colegas de uma mesma etapa e, também com as colegas das outras etapas. Então dentro do planejamento tem isso tudo, pesquisa, discussão. É o momento realmente do planejamento. Tem que ter estudo, às vezes é preciso buscar alguma informação, alguma coisa.
Suzi acrescentou:
100
O planejamento, a discussão com os colegas da etapa, e das outras etapas é um momento muito importante, porque oportuniza a troca de idéias entre as colegas, e a avaliação das atividades que realizamos.
As professoras pesquisadas realizam o trabalho intelectual iniciando com a idealização
de uma ação – o planejamento, e culminam, efetivando com a ação real – a realização da
atividade planejada. No caso descrito acima, a professora Maria realizou o trabalho
intelectual, iniciando com a idealização da ação (planejamento para promover aprendizagem
das letras) e culminou com sua efetivação como ação real (realização da situação planejada
para promover essa aprendizagem). Nesse caso a intervenção da consciência possibilitou ao
resultado existir duas vezes, uma no ideal e outra no real, no entanto a abelha e a aranha
jamais poderiam planejar sua obra para depois executá-la, assim como fazem a professora
Maria e as demais interlocutoras.
3.1.1. Trabalho intelectual e Trabalho material: cisão de relações
Vázquez (1977) descreve que na ação humana a atividade intelectual tem estreita
relação com a atividade material. O homem, antes de realizar uma determinada ação pode
pensá-la, antecipá-la, construí-la idealmente. Vázquez esclarece que a atividade material –
prática - tem como características o “real, objetivo, da matéria prima na qual se atua, dos
meios ou instrumentos com que se exerce a ação, e do seu resultado e produto”, seu objeto é a
natureza, a sociedade, e seu resultado é uma nova realidade (ibid.: 193). Caso a atividade
intelectual esteja dissociada da atividade material, surge a alienação, o que Freitas (2005)
chama de expropriação do trabalho e explica que em nossa sociedade o trabalho encontra-se
dividido em trabalho material e intelectual e que a simbiose entre eles foi extraída das
profissões.
Essa dissociação, historicamente elaborada, foi agregada ao campo trabalhista. Gentili
e Silva (1995) relatam que no auge da industrialização mundial houve uma grande demanda
trabalhista, no entanto, exploradora. As indústrias seguiam o ritmo taylorista, um trabalho
fragmentado, em que cada trabalhador era responsável por uma parte do trabalho, e o fazia
bem feito, mas não tinha a visão do todo. A produtividade garantia uma excelente qualidade,
além de assegurar, também, o atendimento da grande procura por produtos. Dessa forma, a
expropriação do trabalho intelectual e material penetrou no mundo trabalhista e também,
101
adentrou às salas de aula. A valorização do produto final levou a escola a enfatizar mais a
reprodução dos conteúdos, e menos o processo de aprendizagem. Os estudantes decoram
conceitos, fórmulas, automatizam respostas e os “devolvem” ao professor, por meio da
escrita, e logo após os esquecem.
Huberman (1975) exemplifica o início dessa expropriação do trabalho material, com a
situação vivida pelos artesãos. Antigamente o ofício de artesão era ensinado aos aprendizes
pelos próprios artesãos, tornando possível perceber a articulação entre o trabalho intelectual e
material. O autor comenta que, naquele tempo, o artesão e o aprendiz conviviam por um bom
tempo, permitindo ao aprendiz apropriar-se dos conhecimentos e tornar-se um mestre. Na
nova configuração taylorista, já não havia mais essa possibilidade. Huberman (ibid) diz que
passou a existir uma grande distância entre trabalhador e patrão e que, seus interesses não
eram mais os mesmos. Um era o dono da matéria prima e o outro vendia sua força de
trabalho, provocando a reconfiguração das relações entre eles próprios, e entre eles e a
sociedade. Nessa reorganização social, surgiu a fragmentação no trabalho, levando à
separação entre os que concebem e os que executam, conforme explicou Braverman ao
comentar a repercussão da introdução da gerência científica no processo de trabalho (1977
apud FREITAS, 2005). O que tem levado à elaboração de propostas educacionais,
considerando apenas o legado dos especialistas, desprezando as elaborações dos professores
que, no dia-a-dia, a vivenciam. Assim como foi elaborada e reelaborada a Proposta
Pedagógica do BIA (2006), conforme relato no capítulo anterior; não houve a oportunidade de
participação dos professores do BIA que lidavam com o cotidiano escolar.
O trabalho docente, como todo trabalho humano, se constituiu imerso numa sociedade
que o instituiu como tal, portanto essa concepção de trabalho influenciou o trabalho docente.
Hypólito (1997) enriquece a abordagem dessa instituição, comentando que, além da educação
ter sido trazida para o Brasil pela igreja, para atender à elite brasileira, logo após, tornou-se
uma profissão feminina que passou a atender ao grupo dos economicamente desprivilegiados.
Recebia, para isso, uma remuneração indigna, o que conseqüentemente, acarretou a dizimação
e a desqualificação docente, tornando os professores proletarizados, alienados, envolvidos
com tarefas administrativas. Propícios a dessensiblização ideológica, em conseqüência da
falta de tempo para refletir sobre o trabalho que desenvolvem cotidianamente. Para Derber a
dessensibilização ideológica é uma das formas como reagem os professores mediante a
proletarização a que são submetidos pelo sistema, ao exercerem funções assistencialistas
desarticuladas do trabalho docente, abandonando o compromisso com os usos e fins sociais de
seu trabalho, conforme descreve Villas Boas (2002).
102
A fragmentação do trabalho, dissociando a atividade intelectual da material tem
provocado conseqüências marcantes no processo do trabalho docente. A alguns professores
cabe realizar o trabalho intelectual a outros o material. Diante dessa complexidade, os
momentos de coordenação pedagógica têm sido invadidos pela proletarização e alienação,
chegando, algumas vezes, à dessensibilização ideológica. Tem sido criada a cultura de que o
espaço/tempo da coordenação pedagógica seja utilizado somente para correção de cadernos e
planejamento das tarefas a serem propostas durante a semana, partindo apenas da análise das
atividades curriculares a serem trabalhadas em determinada etapa/série, conforme prescrito no
Currículo de Educação Básica das Escolas Públicas do Distrito Federal -1ª a 4ª série (2002). A
professora Lara justificou o motivo pelo qual o planejamento se pauta no currículo prescrito,
durante a realização do estudo para o planejamento do Reagrupamento Interclasse49. Ela disse
que “nós estamos ainda naquela fase de 1ª série só isso, 2ª série só isso. Foram muitos anos
pensando dessa forma, nós fomos educadas assim, entramos no mercado de trabalho e era
assim que se trabalhava, então para repensar isso, é um desafio”. Além dessas questões,
outras também estão arraigadas no processo de organização das aulas, pois alguns professores
se guiam pelo caderno de planejamento de atividades propostas à turma do ano anterior;
outros lançam mão das coleções didáticas com sugestões de atividades e há, ainda, aqueles
que seguem apenas o proposto pelos livros didáticos.
Nesse sentido, o trabalho intelectual tem sido reduzido à reprodução, e o trabalho
material decorrente dele tem tomado conta das coordenações pedagógicas, tornando os
professores, simplesmente, tarefeiros. São filas enormes de cadernos a corrigir, pilhas de
atividades mimeografadas para encaixar no planejamento diário, além daquelas que são
recortadas, dobradas e entregues às crianças para, simplesmente, serem montadas e coladas no
caderno. Naufragados nessas atividades, os professores se fazem presentes às reuniões
pedagógicas - mãos em movimento incessante e pensamento meio lá, meio cá. Essas são
cenas comuns nos momentos de coordenação pedagógica, inclusive nos dias de estudo.
As considerações sobre o processo de aprendizagem de cada criança, o andamento
geral da turma, a troca de experiências, as discussões sobre as vicissitudes do trabalho
cotidiano ficam para outro momento. Às vezes, são temas durante o recreio, em momentos em
que o colega com o qual se tem mais intimidade esteja presente, não no coletivo da escola.
49 De acordo com a Proposta Pedagógica do BIA (2006), Reagrupamento Interclasse é uma estratégia pedagógica realizada, agrupando as crianças de uma mesma Etapa ou de Etapas diferentes, permitindo o intercâmbio entre os professores para o atendimento das necessidades de aprendizagem das crianças, com o intuito de enriquecer e aprofundar os conhecimentos elaborados.
103
Mas também há aqueles que se debruçam sobre as atividades dos estudantes, compreendem
suas necessidades e questionam o planejamento realizado naquele dia. Identificam lacunas e
conquistas, refletem sobre a reflexão de sua ação, sobre o que fazem no cotidiano,
investigando o processo de reelaboração do conhecimento, criando situações para promover o
avanço das crianças nas aprendizagens. Utilizam este espaço/tempo para o estudo e discussão
da realidade da escola e da sala de aula.
A coordenação pedagógica, realizada no CEF 18, foi planejada no início do ano, pelos
professores, ao elaborarem, coletivamente, o Projeto Político Pedagógico. Os professores
definiram algumas ações para o coordenador pedagógico com o intuito de organizar esse
momento. A professora Ana relembrou o acompanhamento iniciado no ano anterior quando
participou, inclusive do processo da diagnose. Ela destacou que “no ano passado, aquele
trabalho iniciado e que, não conseguimos levar até o fim” oportunizou-lhe o
acompanhamento das atividades desencadeadas durante o ano. Relatou que “ter ajudado na
testagem me permitiu conhecer os alunos. Quando uma professora vinha comentar algo
sobre eles, eu sabia de quem ela estava falando”. Ana disse que “essa coordenação, em que
se fala do ‘fulaninho’, daquilo que está acontecendo na sala, do dia-a-dia, das coisas
pequeninas” permite acompanhar melhor o trabalho. Quando Ana fala em conhecer a
realidade da sala de aula, ela quer dizer que dessa forma poderia contribuir, oportunizando o
contato com referenciais que auxiliariam os professores a resolver os problemas que surgem
no cotidiano. Uma percepção de que esse conhecimento amplia as possibilidades desse
professor estabelecer articulações mais efetivas com suas inquietações.
A professora Maria suscitou a elaboração de “um projeto amplo, que aprofundasse no
atendimento das questões que envolvem as etapas I, II e III do BIA e pudesse guiar o trabalho
coletivo da escola”. Idéia complementada por Ana ao dizer que deveria ser “um projeto com
coisas práticas para trabalhar com os alunos em sala”.
Os professores discutiram também a necessidade de demarcar o espaço/tempo, onde
aconteceriam os encontros coletivos, para que todos pudessem “estar realmente presentes”.
Logo em seguida, a professora Suzi sugeriu um tema para o projeto: “inclusão, estão falando
tanto sobre inclusão e a nossa escola passou a ser uma escola inclusiva”. A professora Maria
ponderou “são idéias. Na segunda-feira, a gente podia trazer as idéias e sentar para definir
uma”. A professora Suzi lembrou que “os projetos podem ser diferentes, o turno da tarde
trabalha com um e o da manhã com outro, tendo alguns pontos em comum, para manter mais
ou menos a mesma linha de trabalho”.
104
Ao definirem o tema do projeto, algumas idéias expressaram os modismos, os assuntos
que estão recorrentes na sociedade. No entanto, outras enfatizaram a importância de se pensar
em algo que pudesse coadunar com as expectativas do grupo para articular o trabalho da
escola. Haveria de ser um projeto amplo, que pudesse apresentar a linha de trabalho da escola,
que representasse a concepção das ações dessa escola como um todo. As conversas
enfatizavam que não havia necessidade que o tema fosse trabalhado pelo coletivo, mas que
pudesse servir de orientação para esse trabalho.
Na segunda-feira seguinte, a coordenação pedagógica iniciou como previsto no
Encontro Pedagógico, com a professora Ana conduzindo a discussão. No entanto, naquele
momento, apesar de Ana ter sido escolhida pelo grupo para ocupar o cargo de coordenadora,
diante das necessidades do sistema, tinha assumido uma turma. A conversa sobre a definição
de um tema para subsidiar o trabalho coletivo recebeu sua sugestão: “saber cuidar”, baseado
no título de um livro de Leonardo Boff, justificado pelas questões sociais que inquietam a
todas as sociedades neste momento. A professora Maria sugeriu que esse tema fosse “o carro
chefe para dar unidade ao trabalho dos professores do BIA” e, ponderou que poderiam, a
partir dele, definir alguns subtemas para direcionar o trabalho coletivo, o que em seguida
começou a ser realizado. Com o passar do tempo e o envolvimento da professora Ana com a
turma na qual exercia regência, o trabalho coletivo nas coordenações pedagógicas foi
realizado em parceria entre as professoras de uma mesma etapa.
Quando a coordenação pedagógica está pautada na perspectiva da discussão coletiva,
pode tornar-se o espaço/tempo destinado à investigação do cotidiano da sala de aula. Situação
que começou a ser realizada quando a Escola Candanga foi instituída. Naquela época havia o
dia para estudos, discussões e para os planejamentos coletivos, porém essa realidade
infelizmente deixou de existir após o término dessa proposta de educação. Sem interrupções
essas ações poderiam ter se instituído no cotidiano e na cultura escolar, conforme a
abordagem de Candau (2003), quando defende que as ações realizadas no cotidiano escolar
inculcam um modo singular de ser, agir, pensar e fazer nos sujeitos que dela participam. No
entanto, poucos foram as instituições consolidadas.
A cultura escolar vai se instituindo contextualizada à totalidade de situações que a
envolvem. Da mesma forma, a instituição de ações no meio educacional ocorre influenciada
pelo contexto social. Abordando esse tema, Hypólito (1997) comenta que a instituição da
educação brasileira desvela a constituição do trabalho docente como trabalho proletariado e
profissional, fruto das diferentes conjunturas sociais vividas pelos professores brasileiros.
105
Freitas (1996) acrescenta que, a cada momento histórico, essas nuanças foram e vão sendo
reconfiguradas.
3.1.2. Capitalismo: uma outra reconfiguração para o trabalho docente
A sociedade reconfigura-se ao longo do tempo, o que promove novas formas para
estabelecer relações entre trabalho e trabalhador. Gentili e Silva (1995) abordam o surgimento
da concepção trabalhista enominada de fordismo (nome inspirado em Henry Ford). Uma
implacável precisão sustentada por uma cadeia de montagem com trabalhadores polivalentes,
que garantem maior produtividade (maior quantidade) com excelente qualidade. Atualmente
surge o neofordismo, que para Gamble objetiva “maximizar o lucro - aumentando o processo
de exploração da força de trabalho, gerando mais-valia [para enfrentar] as crises de
acumulação do capitalismo” (1988 apud FREITAS, 1996: 40).
Nesse contexto, as relações entre trabalho e trabalhador foram redefinidas. Ao
trabalhador coube cumprir o que lhe é proposto, comprovado pelas estatísticas ou pelos
medidores de qualidade nacional e internacional. A gestão que teve início no ano de 2007
parece ter reconfigurado a educação brasiliense nessa concepção. No início do ano letivo
desse mesmo ano, começou a “medir” a qualidade da educação, comparando os dados
apresentados pelos sistemas de avaliação.
Nessa gestão, as ações da secretária de educação (2007) foram influenciadas pelo
neofordismo que bombardeia, incessantemente, as ações da sociedade e tem seus princípios
norteadores estampados nos diversos espaços sociais, desde cenas de televisão a outdoors:
competência, habilidade, eficiência, eficácia, qualidade, excelência, sucesso. Uma famigerada
obsessão pela maior produtividade obtida a menor custo. A produtividade ocorre em
detrimento da qualidade. O capitalismo invadiu o cenário trabalhista e incentivou a
excelência, pretendendo alcançar maior produtividade para obter sucesso com eficiência e
eficácia. Situação que incentiva o consumismo exagerado, ao mesmo tempo em que os
trabalhadores se vêem sem alternativas empregatícias e se rendem aos baixos salários, o que
segundo Gentili e Alencar (2001), vem fabricando os inimpregáveis. O trabalho intelectual se
distancia, cada vez mais, do material, assim como o trabalho manual torna-se independente do
intelectual. A fragmentação avassaladora domina o campo do trabalho e, conseqüentemente, a
educação, como prática social, repercute esse contexto.
106
Diante dessa complexidade, o trabalho docente foi se reconfigurando, e os princípios
da sociedade capitalista forma sendo aplicados ao campo educacional. O número de alunos
explode nas salas de aula para concretizar a democratização do acesso maciço da população à
educação, pois o objetivo que direciona as ações escolares prima pela maior produtividade
com menor custo. O que influencia que a progressão na escolaridade dispense o
acompanhamento do processo de aprendizagem e se renda às políticas orçamentárias,
camuflando a reprovação.
Outra situação em que o capitalismo logra os resultados obtidos pela educação refere-
se à divulgação das avaliações institucionais. O percentual obtido na avaliação padronizada
garante uma melhor posição da escola, no ranking geral e, cada vez mais, exclui os estudantes
que não conseguem se adequar aos moldes estipulados por essa instituição.
O trabalhador docente se vê cercado por um emaranhado de propostas pedagógicas
consideradas “excelentes”, comprovadas pelas estatísticas, pelos medidores de qualidade.
Inclusive algumas dessas propostas foram adotadas, no Distrito Federal. Uma delas teve a
intenção de reverter os dados apresentados pela defasagem idade/série por meio da parceria
entre o GDF (2007) e o Instituto Ayrton Senna. Houve a previsão de “que 15 mil alunos, por
ano, [seriam] beneficiados pelo projeto”, conforme relatado na reportagem “EDUCAÇÃO -
Parceria com Instituto Ayrton Senna para elevar a qualidade do ensino”, exibida no site50 do
GDF. Esse projeto tem reconhecimento social pelos resultados apresentados, conforme
declarado nessa mesma reportagem: “o Instituto Ayrton Senna tem 12 anos de atividades
dedicadas à qualidade da educação pública no Brasil. A organização está presente em 1.300
municípios e em 24 estados brasileiros. Um exemplo vitorioso é o estado de Goiás, onde (sic)
os resultados positivos chegaram ao índice de 99,08%”. Essa porcentagem obtida pela
aprovação dos estudantes pode comprovar a excelência do projeto.
A adoção de medidas nessa perspectiva tem sido, cada vez mais, exigida pelo mercado
capitalista, pois a escola não tem conseguido formar profissionais para atender à sua demanda.
Muito embora, o imaginário social permaneça pregando que quanto mais competências o
aluno adquire maior será seu sucesso, importando apenas os resultados, o produto dessa
apropriação. No Distrito Federal, a avaliação nos anos iniciais do Ensino Fundamental foi
transformada em relatório, o que por algumas vezes omite as elaborações necessárias para o
avanço intra e inter ciclo. Nos anos finais e no Ensino Médio, o acúmulo de pontos permite a
progressão na escolaridade. A escola transformou esse acúmulo em comércio. As notas
50 Disponível em: <www.distritofederal.df.gov.br/003/00301009.asp?ttCD_CHAVE=47465>. Acesso em 28 de agosto de 2007.
107
tornaram-se objeto de valor - a moeda escolar, quanto mais o aluno as tem, quanto mais as
acumula, maior a chance de progredir na escolaridade, tornando a progressão na escolaridade
uma nefasta barganha por notas. Ações que permanecem sendo reforçadas mas que já deviam
ter sido superadas, no entanto o sucesso escolar continua atrelado à tabela de medição,
considerando o melhor estudante aquele que melhor reproduz o conhecimento, não
importando se ele está se apropriando desse conhecimento para elaborar outras aprendizagens.
O conhecimento tornou-se apenas um degrau que ficou para trás, não sendo mais útil na
caminhada.
A sociedade determina o tipo de relação entre trabalho e trabalhador, sendo assim a
sociedade capitalista espera de seus trabalhadores docentes uma ação inerente aos seus
princípios. Vázquez (1977) afirma que não há teoria sem prática, portanto, não há ação sem
uma razão, mediante essa conclusão, o contexto capitalista traz uma teoria determinada pelo
próprio capitalismo. A proposta educacional tem, em sua essência, traços capitalistas. Alguns
dos rastros da teoria capitalista foram apresentados por meio de seus princípios, porém Freitas
(2005) alerta que, além desses, outros também estão invadindo o espaço escolar, por meio das
relações estabelecidas ao cumprir sua função social.
A tão discutida função social da escola escamoteia nuanças de continuidade da escola
capitalista. Bourdieu e Champgne (1998) abordam a função reprodutiva da educação, pois,
muitas vezes a escola funciona como um aparelho ideológico reprodutivo da sociedade
capitalista, promovendo diferentes tipos de escola para diferentes tipos de alunos. Uma escola
propedêutica, e outra que não oferece essa possibilidade. Uma escola para cada classe social.
Os resultados apresentados na Prova Brasil são um exemplo fidedigno dessa realidade.
Nenhuma escola pública do DF conseguiu classificação entre as dez melhores do país. A
única escola que conseguiu tal proeza não é totalmente pública, conforme declara a
reportagem51 publicada pelo Fórum de Entidades de Direitos Humanos do Distrito Federal e
Região, dizendo que:
O Prova Brasil, realizado pelo MEC [...] avaliou 3.306.378 alunos de 4ª e 8ª séries de 40.920 colégios públicos do país. No DF, 316 instituições de ensino fundamental participaram da pesquisa. Nenhuma ficou entre as 10 primeiras do país nos testes da 4ª série [...]. No exame da 8ª série, só uma do DF entrou na lista dos campeões nacionais, o Colégio Militar. Ficou em 10º lugar, mas não é uma escola estritamente pública. Os pais pagam uma mensalidade de R$ 120 [...].
51 Disponível em/: <http://df.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=36&Itemid=2>. Acesso em 28 de agosto de 2007.
108
A escola legitima a hierarquização social pelas hierarquias escolares e, segundo Freitas
(2005), esta realidade que está posta nas sociedades estratificadas em classes necessita ser
desvendada a fim de encontrar meios para superá-la na prática. A escola pública atende a
camadas populares, garantindo a manutenção dos sujeitos que a freqüentam nessa mesma
camada. Subverter essa realidade requer que se lance um olhar crítico para a sociedade, o
professor, os estudantes, a educação e sua função social, enfim para uma totalidade histórico-
social e política na qual se encontram a escola e seus sujeitos. Para guiar este olhar Freitas
apresenta a crítica de um ponto de vista marxista. Nesse sentido, a crítica “tem que ser
construída por oposição a uma realidade e não a partir de um plano teórico” (2005: 65,
grifo do autor). Diz, também, que a sala de aula por si só não consegue abarcar a totalidade
dos fatos, mas ações nela ocorridas representam muitas de suas concepções. Esse é o grande
desafio para o BIA ao pretender alfabetizar todas as crianças das etapas I, II e III. Talvez essa
possa vir a ser a forma da resistência, para superação do cenário atual, que há tanto tempo se
busca concretizar. Inclusive na turma da professora Maria esse intuito tem se transformado
em realidade. No mês de junho, essa professora comemorava os resultados alcançados.
Comentando sobre as lacunas do processo de inclusão, relatou que somente naquele momento
– no meio do ano letivo – foi procurada pela professora itinerante52, responsável pela criança
que apresenta um alto grau de comprometimento visual – lê com os olhos praticamente
“cravados” no papel. Após o relato de tal indignação, a professora, exultante de animação,
disse: “você viu, ele também já está lendo!!! Todos estão lendo! Aliás, só o João, que chegou
no mês passado ainda não”, mas convictamente, declarou “até o final do ano ele também vai
ler”.
Caso todas as turmas de etapa I do BIA estivessem como a turma da professora Maria
- que, praticamente, no meio do ano estava com todas as crianças alfabetizadas - certamente a
educação brasiliense estaria começando a romper com a realidade apresentada até o momento
e inaugurando um novo cenário. Mas essa realidade não se repete nas turmas das etapas II e
III pesquisadas. As professoras Suzi e Lara tinham, ainda, nesse mesmo período, crianças em
processo de alfabetização que não conseguiam acompanhar as atividades propostas
diariamente, demandando que ações fossem definidas nessa intenção. Situação que 52 O professor itinerante refere-se a um professor especializado que atende os alunos do Ensino Especial, deslocando-se até a escola uma ou mais vezes por semana, com o objetivo de dar apoio especializado ao educando. Realiza o atendimento individual ou em grupos de dois a quatro alunos, de acordo com as necessidades específicas de cada caso. O professor itinerante atua na escola regular, servindo de apoio ao educando que estiver em processo de integração na classe comum ou na classe especial dessa escola, sendo também o elo de ligação entre aluno e professor do ensino regular. Informações obtidas no site: <http://www.se.df.gov.br/programasprojetos/Atendimento%20ItineranteProjeto.pdf>. Acesso em 07 de setembro de 2007.
109
demonstrou que, caso não fossem tomadas medidas eficazes, essas crianças permaneceriam na
escola sem progredir na aprendizagem, no entanto elas precisam ser incluídas no processo de
escolarização. Na busca de alternativas para reverter esta situação a escola, por meio do
trabalho coletivo, organizou o Projeto Interventivo e o Reagrupamento Interclasse, e as
professoras, além de realizar, em sala de aula, o atendimento cotidiano das necessidades
apresentadas por essas crianças, também as atendiam no horário de reforço.
O entrelaçamento entre as medidas tomadas pretendeu oportunizar a essas crianças a
sua inclusão na escolaridade. No mês de agosto, a professora Suzi, alegremente, comentou os
progressos realizados pelas crianças de sua turma, dizendo “todos estão lendo, estão
conseguindo realizar as atividades” e acrescentou, apenas um deles continua “com
dificuldade para realizar as atividades, ainda está muito lento, mas faz”. A professora Lara,
no mês de setembro, comentando os resultados da avaliação diagnóstica aplicada em sua
turma, ficou deslumbrada com os avanços do aluno Marcelo. Com os olhos radiantes de
alegria a professora Ana complementou: “observe o primeiro texto dele. As palavras estão
todas segmentadas e aglutinadas indiscriminadamente, quase não dá para ler. Veja agora
esta última. O texto tem até parágrafo e pontuação”.
Ambos os casos resultaram de um trabalho comprometido com a elaboração de novas
aprendizagens, com a responsabilidade de oportunizar o avanço dessas crianças na
escolaridade. Duas situações que subverteram as estatísticas da exclusão e evasão,
apresentadas nos dados de crianças com defasagem idade/série, apontando novos caminhos.
Para Freitas (2005), a transformação das bases de organização da escola e da
sociedade pode ser uma das formas de resistência, uma projeção de futuro, de médio e longo
prazo. Uma realidade que pode ser vislumbrada, conforme mostraram os resultados
conseguidos pela professora Maria que, mesmo trabalhando com crianças da camada popular,
as alfabetizou. Mas Freitas (ibid) alerta para que o desânimo e o derrotismo não avassalem
tais idéias, há a necessidade de se compreender o processo histórico em que se dão essas
mudanças. Compreender a contradição apresentada nessa mesma escola, nas turmas
pesquisadas, em que as crianças da etapa I estavam todas alfabetizadas, enquanto algumas das
etapas II e III ainda não, mas que mediante tal realidade, ações foram tomadas, revertendo a
situação.
110
3.1.3. Produção de conhecimento: ruptura com a fragmentação
A inclusão das crianças na escolaridade requer que elas estejam na escola e
aprendendo cada vez mais. Freitas (2005) adverte que a não aprendizagem tem sido
provocada pela ausência do trabalho material na escola, o que torna o conhecimento sem
significado para o aluno. O autor acrescenta que a ausência desse trabalho produtivo
artificializa o processo de ensino, tornando-o exclusivamente cognitivo, o que exige
memorização e exclui o raciocínio, portanto torna-se fundamental superar a fragmentação
entre o trabalho intelectual e material, introduzindo na escola o trabalho material. Freitas
declara “é preciso incorporar o aluno a um novo processo de produção de conhecimento,
onde ele se sinta incluído” (ibid.: 265, grifos do autor). O que exige um trabalho pautado na
antecipação da ação, conforme explica Vázquez (1977).
De acordo com os relatos das atividades propostas pelas interlocutoras, apresentados
no decorrer da pesquisa, elas tiveram a intenção de superar essa fragamentação. Inclusive
quando a professora Suzi trabalhou com Ciências, o que na maioria das vezes ocorre pela
simples reprodução do livro didático. Suzi participou do encontro no curso - relatado mais à
frente e inseriu um rico processo de construções nas atividades propostas às crianças. Ela
inciou sugerindo que cada uma delas construísse um terrário. Ela e as crianças admiravam os
resultados das construções. Suzi relatou que para confeccionar o terrário as crianças levaram
os materiais necessários e as plantinhas e os animais foram recolhidos na escola. As crianças
extasiantes de alegria comentavam: “eu tenho dois grilos e eles estão vivos”, “minha
plantinha está nascendo”, “esse terrário é da Paula, ela não veio hoje e eu estou cuidando
dele para ela”. José relatou “o meu tinha uma mariposa e ela morreu”. A coleguinha do lado
interpelou “o meu grilo morreu e aí eu capturei um tatu bola e coloquei”.
Enquanto a euforia tomava conta das observações das crianças, a professora entregava
o relatório para que elas continuassem registrando suas elaborações. Suzi comentou:
Eles colocam a data e registram as observações. Cada um escreve do seu jeito - teve criança que escreveu girassol assim: gira hífen e sol (gira-sol). Mas está rico esse trabalho. Trabalhamos histórias: do tatu bola, da borboleta. [...] Teve uma criança que colocou um grilo e ele foi comendo a folha, foi roendo, cada dia ela via um pedacinho a menos. [...] Eles concluíram que o terrário é como se fosse a Terra, tem água, terra, ar, tem tudo que a plantinha precisa.
As atividades oportunizadas às crianças pela professora Suzi associaram o trabalho
111
material ao intelectual na construção das aprendizagens. No registro das observações, as
crianças antes de escrevê-las no papel tinham que antecipá-las idealmente, o que exige
raciocínio. Elas observavam, idealizavam e, em seguida, registravam. O trabalho material
também é importante para as crianças, uma vez que as permite antecipar situações para além
desse material.
Professora e criança, no processo do ensinar e aprender lançam mão tanto da atividade
intelectual como da atividade material, o que pôde ser percebido, também, nesse relato da
atividade realizada pela professora Suzi. No entanto, Freitas (2005) comenta que quando o
trabalho desenvolvido está apoiado nos princípios capitalistas, os professores e alunos são
expropriados do trabalho material, restando apenas o intelectual desvinculado de seu produto
– o que gera a reprodução. O professor ensina, e a criança apenas repete aquilo que o
professor lhe ensinou. As etapas do processo de elaboração do conhecimento são totalmente
desprezadas, o que possibilitaria ao estudante valer-se de seu trabalho intelectual para
produzir elaborações. Quando o trabalho intelectual restringe-se à reprodução, importando-se
apenas com o produto, basta apenas apreender, repetir o conteúdo. Essa situação indica a
necessidade de subverter tal realidade, de ousar instituir uma outra lógica, pois aquele
estudante que não consegue reproduzir os conteúdos ensinados pelo professor, finda por ser
excluído da escola, estando ou não dentro dela.
Para reorganizar o trabalho docente, desvinculando-o dos ideais capitalistas, Freitas
(2005) elenca algumas ações: a redefinição da função social da escola, desvelando suas reais
intenções e apropriando-se de subsídios para armar resistência. A identificação da
fragmentação dos conhecimentos, buscando vencê-la, propondo a produção de conhecimentos
significativos, optando pelo clássico, o que para Saviani (1991: 21) é tido como “aquilo que se
firmou como fundamental, como essencial”, conhecimentos contextualizados com o momento
sócio-histórico-cultural dos estudantes.
As atividades desenvolvidas pelas professoras participantes da pesquisa pretenderam
inserir o trabalho material produtivo além do intelectual, tornando as crianças sujeitos ativos
da produção desse conhecimento. Ao organizarem o trabalho docente dessa forma, definiram
sua concepção de sociedade, educação e homem, promovendo interações democráticas,
coletivas e participativas. Um conjunto de situações deveras importantes para serem
consolidadas no cotidiano escolar.
Para reorganizar o trabalho docente, desvinculando-o dos ideais de conservação da
educação que exclui e mantém na escola sujeitos reprodutores de conhecimento, torna-se
necessário engendrar tais mudanças, pela educação continuada.
112
Educação continuada: comprometimento social para superação da fragmentação
A educação continuada, oportunizada pelo CRA/CEF 18 nos anos de 2006 e 2007,
buscou promover ações, incentivando que fosse evitada a exclusão, por meio de uma
educação continuada pautada no compromisso social. O comprometimento com o trabalho
docente realizado foi confirmado pelo acompanhamento das atividades realizadas nesse
espaço e na escola em que transcorreu a pesquisa.
As professoras pesquisadas também consideraram relevante o compromisso e a
responsabilidade social com a educação que praticam. Lara, priorizando estas questões
comentou “o que era mais importante? Ficar na escola preparando as atividades para meus
alunos ou ficar no curso que muito pouco estava contribuindo com o meu trabalho”. A
professora Suzi destacou “pelo que eu entendi da proposta do BIA, seria para alfabetizar
qualquer criança” e a professora Maria deixou claro “se você trabalha, você vai avançar
essa criança. As crianças aprendem, por que esperar?”. Pensando a função social da escola
como um compromisso e uma responsabilidade social torna-se fundamental que obstáculos
sejam descartados e que seja considerado, na realidade de cada escola, o esforço pedagógico
para vencer o estrangulamento social da não-alfabetização, desenvolvendo ações coletivas
direcionadas a esse objetivo maior.
O trabalho docente realizado pelas professoras pesquisadas encontrou consonância
com o compromisso e a responsabilidade social com a educação, na medida em que o tornou
uma prática social e instituiu meios para que as crianças aprendessem cada vez mais,
avançando no processo de elaboração de aprendizagens. Quando retornei à escola, em
setembro, a professora Lara comentou que das 35 crianças de sua turma da etapa III, todas
serão avançadas para a 3ª série, dizendo “tinha uma criança que eu estava em dúvida, mas
conversando com a coordenadora, esta me disse que ela tem todas as possibilidades para
avançar sim. Analisamos a última avaliação e percebemos o avanço dela no processo de
aprendizagens.”
Nesse mesmo dia, ao revisitar a turma da professora Maria, ela fez questão de chamar
a criança que havia chegado a sua turma no mês de julho e que ainda não estava alfabetizada,
dizendo “ele não conhecia todas as letras do alfabeto, e agora está escrevendo palavras” e
pediu para que ele escrevesse algumas. Pedido que foi prontamente atendido. A professora
Suzi também comentou os avanços de sua turma dizendo “todos estão lendo e escrevendo.
Alguns ainda têm dificuldade, mas demonstram um bom avanço”
113
Nesses momentos, as professoras evidenciam com clareza a intenção de cumprirem
sua função social, desmistificando a idéia de que as crianças da escola pública não aprendem.
Ao promover o avanço no processo da aprendizagem dos conteúdos trabalhados em sala de
aula, as professoras consideraram indispensável o estabelecimento de um diálogo entre a
professora e as crianças e das crianças entre si. Dessa forma, oportunizaram que cada passo
dado no caminho de novas elaborações do conhecimento fosse esmiuçado, investigado,
questionado com perguntas simples, que lhes permitiram compreender essa trajetória e serem,
também, compreendidas. Diálogo incentivado por perguntas simples que pipocam na sala de
aula: “o que você vai escrever”, “como você pensou”, “professora, trânsito é com s com z?”,
“João, campo termina com “u”, me empresta a borracha, errei”. Questões que possibilitam
que a criança se sinta percebida em sala de aula, descubra que sabe muitas coisas e necessita
aprender outras tantas.
Para consolidar o objetivo do compromisso social, dentre outras atividades, a equipe
do CRA/CEF 18 organizou uma discussão, no Fórum de Coordenadores, voltada para a
questão da elaboração do Projeto Interventivo. Essa discussão também ocorreu no ano
anterior, de acordo com o planejamento elaborado pela coordenadora desse espaço (2006).
O Projeto Interventivo objetiva alfabetizar as crianças que correm o risco de ficar
retidas, ou mesmo que já estejam retidas na etapa III. Resultado da estratégia de enturmação
prevista para o BIA em que as crianças foram enturmadas por idade, conforme orientação da
Proposta Pedagógica (2006). As crianças não-alfabetizadas, ou seja, que não apresentavam
condições de serem matriculadas na 3ª série também foram enturmadas nessa etapa. Portanto
esse projeto propõe-se a subverter essa estratégia que mantém a criança na escola sem que ela
seja inserida na escolaridade, oportunizando sua inclusão e conseqüente progressão escolar.
Esse projeto pode parecer a recuperação do ciclo, no entanto ele difere da antiga recuperação
paralela, que tinha um tempo determinado para ocorrer, geralmente ao final de cada bimestre,
ao perceber que algumas crianças não tinham atingido a média. O Projeto Interventivo, no
entanto deve ser realizado no processo, quando a professora recebe a turma e detecta que há
alunos não-alfabetizados. Eles devem ser atendidos nesse projeto com a intenção de
alfabetizá-los, inserindo-os no processo de progressão da escolaridade. Infelizmente nem
todas as escolas contam com recursos humanos para realizá-lo. A coordenadora do CRA/CEF
18 buscou parcerias para realizá-lo, porque na escola havia profissionais que poderiam
colaborar com ela. Caso tivesse uma professora para se responsabilizar por ele, certamente
seria bem mais eficiente. Esse projeto representa um ganho para as crianças que estavam
sendo excluídos do processo de alfabetização, no entanto, não foram oferecidas as condições
114
necessárias para que ele fosse efetivado. A luta dos professores de cada escola para organizar
esses projetos torna-se árdua mediante essa falta de condições, mas todos compreendem sua
importância e unem esforços para promovê-lo.
Consciente dessas dificuldades, Meg, ao coordenar um dos encontros do fórum,
propôs a socialização das atividades realizadas em cada grupo, após a discussão sobre o que
deveria conter ou não no Projeto Interventivo. Uma professora, ao apresentar os pontos
discutidos em seu grupo, enfatizou que o “objetivo do projeto deve primar pela alfabetização
de todos”. Ela comentou que este foi um ponto relevante na leitura do texto de Villas Boas
(2006). A professora destacou que “um projeto foi desenvolvido para que 80% das crianças
aprendessem” e questionou “e as outras como ficariam?”. Meg enfatizou “exatamente, não
se pode admitir que seja abaixo de 100%, essa ponderação é forte”.
No entanto, a maioria das escolas de nossa sociedade ainda investe na aprovação de
apenas 80% de seus estudantes, e contentam-se com esses resultados, justificando-os pela
falta de condições materiais e pedagógicas. As situações propostas findam por expropriar o
trabalho material de suas atividades, e para inseri-lo torna-se necessário repensar o trabalho
docente desenvolvido cotidianamente na sala de aula, reorganizando-o e instituindo uma outra
lógica para as ações nele praticadas. Para tanto, torna-se fundamental uma reflexão crítica da
realidade escolar, dirigindo um olhar investigativo para cada uma das ações, procurando
conhecer a lógica do outro (seja ele estudante ou outro professor), conforme propõe Charlot
(2001). O autor considera importante a compreensão da lógica do outro, dizendo que ela
somente ocorre quando um e outro dialogam, esclarecendo o ponto de vista de cada um “para
ver o mundo com o olhar do outro” (ibid.: 99).
Às vezes acontecem situações, em sala de aula, em que o professor não compreende
aquilo que a criança diz, pensa e faz, por isso Charlot alerta sobre a importância da descoberta
da lógica daquilo que foi dito, pensado e feito. Para ele essas ações têm “uma lógica, uma
lógica completamente diferente da lógica do professor, e que a coexistência de duas lógicas,
cada uma se pensando a própria legitimidade, sem conhecer a lógica do outro, é uma das
principais fontes da violência escolar” (ibid: 99.). Quando o professor não compreende a
lógica da criança e vice-versa, geralmente as crianças acabam vítimas da violência da não
aprendizagem. No entanto, quando há simbiose nessa compreensão, há também a elaboração
de aprendizagens.
As professoras pesquisadas, por meio do diálogo, conheciam a lógica do pensamento
das crianças. Um exemplo dessa situação ocorreu com a professora Suzi, após a leitura do
texto “A Galinha Ruiva” em que destacou o uso da letra G. As crianças falaram palavras que
115
continham a letra em diversas situações e a professora ia anotando-as no quadro. Uma das
crianças disse: “Jabuticaba” e outra, “Jipe”. A professora explorou as palavras e logo ouviu
a justificativa “é que a letra G também tem o som de J. Dá para enganar. Geladeira começa
com G” [e parece J]. A professora possibilitou às crianças reelaborarem o pensamento,
destacando que, algumas vezes, a lógica da escrita convencional não obedece à lógica da fala.
Caso a professora deixasse de oportunizar esse diálogo, para compreender a lógica do
pensamento dessas crianças, poderia ter-lhes negado a chance de reelaborar esse
conhecimento, expropriando-as do trabalho intelectual. Charlot, comentando sobre a
necessidade do aluno realizar o trabalho intelectual, diz que:
Assim, se quem deve aprender é o aluno, não é o professor quem pode fazer o trabalho intelectual por ele. Isto significa que, no centro, fica a prática do aluno, não a prática docente. Portanto, o trabalho do professor não é ensinar, é fazer o aluno aprender. [...] Para aprender é preciso entrar numa atividade intelectual [...] (2005: 96).
A professora Suzi, agindo dessa forma, possibilitou àquelas crianças realizarem o
trabalho intelectual.
Freitas (2005) comenta que, em algumas escolas, acontece a expropriação do trabalho,
desvinculando-o da prática social, separando-o de seu produto. Diz ainda, que o trabalho
intelectual restringe-se à reprodução do trabalho intelectual do professor ou do livro didático,
demonstrando a necessidade da introdução do trabalho intelectual do estudante, que poderá
incorporar suas descobertas ao processo de construção do conhecimento. Freitas
complementa, dizendo que “os alunos que conseguem aprender não são expropriados do
produto de seu trabalho” (ibid.: 230). Um acontecimento demonstrou como as crianças
incorporam suas descobertas à elaboração de novas aprendizagens, utilizando o trabalho
intelectual. As crianças realizaram um passeio à Transitolândia, onde puderam ouvir e
vivenciar situações envolvendo o trânsito e depois, em sala de aula, dialogaram entre colegas
e professora comentado as experiências, entrelaçando-as às situações de vida. Logo em
seguida, a professora Lara contou a história “As aventuras do bonequinho do banheiro” e
estimulou as crianças a produzirem um texto sobre o tema. Durante a conversa, a professora
questionou: “o que aprendemos?” Uma criança respondeu, apresentando sua descoberta:
“agora eu sei por que não pode conversar com o motorista! Senão ele não presta atenção no
trânsito”. Outra criança disse “tem que atravessar sempre na faixa de pedestre, fazer
primeiro o sinal de vida”. A professora complementou: “antes de atravessar é preciso fazer o
sinal de vida, esperar os carros pararem e depois atravessar”, a criança concluiu: “porque às
116
vezes tem motorista distraído e provoca acidente”, demonstrando, dessa forma, ter
compreendido a necessidade do uso do sinal de vida.
Essa situação se contrapõe àquela em que o professor utiliza, unicamente, o livro
didático para que as crianças reproduzam o conhecimento nele contido, realizando a leitura
das informações e os exercícios nele propostos, muitas vezes, desarticulado da realidade da
criança. A professora propôs diversas situações para provocar aprendizagens, o que exigiu o
trabalho intelectual das crianças para elaborá-las. As crianças puderam tecer uma rede entre as
informações com as quais tiveram contato, sistematizando-as durante a conversa com os
colegas e a professora e também ao registrá-las.
O processo de elaboração de um conhecimento ocorre por meio do entrelaçamento
entre eles, conforme postula Vergnaud (2001). O autor comenta que “os conceitos só
adquirem sentido em situações ou conjunto de situações. São elas que vão construindo a
referência do conceito” (2001: 16), ou seja, para que a criança elabore um conceito, necessita
de outros para articulá-los, necessita estar imersa no campo conceitual desse conhecimento.
Esse tema foi discutido, no curso por diversas vezes, inclusive nos encontros em que abordou
os níveis da psicogênese e no trabalho com Ciências.
A proposta de educação continuada promovida pelo CRA/CEF 18 (2007), por meio do
curso promovido em 2007, buscou oportunizar aos professores a necessidade de se trabalhar
com o campo conceitual do conhecimento, permitindo que houvesse um encadeamento entre
as atividades realizadas entre uma aula e outra. Fato destacado por Meg - uma das
ministrantes do curso BIA (2007), ao comentar que as atividades propostas no curso teriam
uma lógica, tanto aquelas realizadas na Oficina Pedagógica como as realizadas no CRA/CEF
18. Ela destacou:
As aulas serão como uma rede, interligadas uma à outra. Uma aula é gancho para a outra. Para isso nós estamos nos reunindo. Estamos planejando para que os nossos encontros aconteçam numa seqüência, numa seqüência lógica, que dê idéias para que vocês trabalhem com sua turma.
Situação observada ao relembrar as atividades realizadas em cada encontro do curso.
Na aula inaugural, foi passado um vídeo, enfatizando que todos podem aprender. Na aula
seguinte, foram elaboradas atividades didáticas, considerando este contexto. O terceiro
encontro incluiu uma palestra, abordando o tema “Democracia e aprendizagem” em que a
palestrante destacou a necessidade de desnaturalizar muitos preconceitos construídos em
relação à aprendizagem para que ela se torne, verdadeiramente, um fenômeno social, que
117
realmente promova a inclusão social das crianças que estudam nas escolas públicas,
pertencentes à classe popular. Destacou que ensinar é algo complexo, que deve ser realizado
por profissionais que ousam vencer os “desafios conquistados a cada dia” auxiliados por um
grupo de estudo. Ao final da palestra, foi realizada uma avaliação diagnóstica, abordando
conhecimentos sobre níveis psicogenéticos da aprendizagem da leitura e da escrita. No
encontro seguinte foi contada uma história sobre “ser mãe” e a questão de que podemos
conviver bem com as diferenças e a partir desse contexto semântico, foi confeccionado um
jogo didático. Para reinaugurar o olhar e oportunizar atividades para além dos muros da escola
e com sentido para as crianças, houve a visita à exposição das obras do “Aleijadinho” e
“Jardim do Poder” - exposição de arte contemporânea, uma crítica ao poder. Houve uma
analogia entre a sala de aula, o uso das avaliações informais que muitas vezes rotulam e
excluem as crianças do processo de escolarização. Uma dialética entre o belo, o “dito
normal”, e o feio, considerado com “necessidades especiais”, o belo – arte barroca, e o feio –
arte contemporânea (para alguns “parecia um amontoado de lixo”). A aula seguinte envolveu
a discussão sobre a exposição dos resultados das duas avaliações diagnósticas realizadas com
os professores, colocadas na parede, por meio do gráfico de escada: os princípios do pós-
constutivismo e a psicogênese da língua escrita. Logo após foi realizada a eleição de grupos,
considerando a construção de aprendizagens. A discussão foi encerrada com a leitura do texto
“Caminhos e fundamentos para encaminhar os estudos na escola”, e dessa forma uma aula foi
se articulando à outra.
Ao propor essa forma de trabalho, o curso buscou superar a fragmentação do trabalho
realizado em sala, oportunizando aos professores vivenciarem a continuidade na aquisição de
referenciais para elaboração de um conhecimento, pois a fragmentação do conhecimento
provoca a perda de sua essência, apegando-se a superficialidades.
A esse respeito, Saviani (1991) destaca que na escola encontra-se tempo para se
dedicar às comemorações, mas não há tempo para as atividades nucleares. Essa questão vem
se apresentando como realidade dentro das escolas, muitas vezes apontada como necessidade,
pois essas instituições vêem na possibilidade de realizar festas uma forma de arrecadar fundos
e suprir suas carências materiais e pedagógicas. No CEF 18, houve a preocupação com a
redução do número de festas realizadas na escola. Ponto destacado durante a elaboração do
Projeto Político Pedagógico. Uma das professoras advertiu que seria melhor diminuir a
quantidade de festas, sugerindo como opção juntar algumas delas, dizendo que “a
culminância da semana cultural seria a festa da família”, o que ocorreu em outubro de 2007.
No entanto, mesmo diminuindo o número de festas, essa prioridade não foi concretizada,
118
tornando-se superficial. Inclusive a organização da festa junina se sobrepôs às atividades
pedagógicas, o que até para os alunos causa estranheza.
Para as crianças, sobrepor comemorações às atividades nucleares não faz sentido. Foi
esse o entendimento de Jorge, aluno da etapa III, participante do Projeto Interventivo, na
semana em que ocorreria a festa junina, na qual não haveria atividades do projeto.
Acostumado com as aulas do projeto, ficou indignado ao ser informado de que não haveria
encontro naquela semana. Ele se dirigiu à sala dos professores e perguntou à coordenadora
pedagógica da escola, qual era o motivo de não haver tal aula. Após ouvir a justificativa de
que seria porque estavam todos envolvidos com a festa, ele retrucou “e o que isso tem a ver?”
A professora Ana franziu a testa, olhou para as pessoas que estavam ao lado e concordou “é
mesmo! O que isso tem a ver?”
Às vezes a superficialidade impede o andamento normal das situações que são
significativas para os estudantes, como ocorreu no CEF 18, quando as atividades de
organização da festa junina se sobrepuseram ao planejamento do Projeto Interventivo.
Provavelmente, outras atividades nucleares deixaram de ser realizadas, tanto na escola como
em sala de aula, em detrimento à realização dessa festa. A professora Maria comentou que
não havia necessidade de deixar que as atividades da festa atrapalhassem o desenvolvimento
de sua aula. Ela relatou “as crianças já fizeram a atividade, produziram um texto e agora vão
ao parque, não é preciso parar a atividade, basta você se organizar”. Se todos os professores
priorizassem os conteúdos significativos, poderiam alfabetizar todas as crianças, assim como
Maria, Lara e Suzi fizeram.
O conhecimento fragmentado não tem sentido para o estudante, no entanto, o
conhecimento da realidade social, da cultura, das vicissitudes de uma determinada
comunidade torna-se essencial para a organização do trabalho docente. Desvincular a
superficialidade do essencial torna-se fundamental para desmantelar projetos e romper com a
perversa realidade da evasão e da exclusão escolar.
119
3.2. Educação Continuada no Centro de Referência de Alfabetização
Ressignificar o espaço da sala de aula requer uma ruptura com o paradigma que
sustenta o trabalho docente desenvolvido em algumas salas de aula, conforme nos aponta
Freitas (2005), dentre outros. Mudar princípios exige romper com referenciais historicamente
incorporados e arraigados em muitas ações, pois o novo requer desnudar percepções. A
necessidade dessa mudança vem se confirmando nas pesquisas realizadas por diferentes
instituições53, comprovando o proposto por Morin (2003) que a discussão sobre a educação do
futuro precisa, urgentemente, transformar-se em ações e adentrar a sala de aula, tornando-se
conteúdo das reflexões realizadas na escola.
Zeichner (1993), ao analisar as necessidades apresentadas pelos projetos de educação
continuada, observou que se torna indispensável incluir a perspectiva de promover situações
para uma prática reflexiva centrada no exercício profissional dos professores, reconhecendo
que seus atos são fundamentalmente políticos podendo direcionar objetivos democráticos
emancipatórios. Dessa forma o CRA/CEF 18, como espaço de reflexão, reforçou as idéias de
Zeichner (1993), centrando suas ações na prática dos professores, possibilitando-lhes
compreender e acompanhar o processo de aprendizagem dos estudantes e, promover a
alfabetização de todos, na tentativa de evitar a evasão, a exclusão e a internalização da
exclusão discutida por Freitas (2002).
Para Freitas “a exclusão é internalizada (no sentido de que o aluno permanece na
instituição escolar mesmo sem aprendizagem, ao contrário de quando era puramente
eliminado da escola)” (2002: 308, grifo do autor), o que vem ocorrendo no Distrito Federal,
ao inserir, em seus programas de governo, as Classes de Aceleração, Classes de Reintegração,
Acelera Brasil e Se liga54, dentre outras.
Discutir o modo de instituir estas mudanças no cotidiano escolar pode imbuir o
professorado de elementos para ousar modificar seu olhar para a educação, pois, conforme
aponta Freitas (2003) a progressão continuada tem como foco a aprendizagem de todos, de
modo que nenhuma criança tenha prejuízo em seu processo de aprendizagem. O autor
53 Para mais informações ver (google): Inep, Mec, Anresc, Pisa, Declaração de Dackar, Declaração Mundial sobre Educação para todos. 54 Reportagem sobre a adoção desses dois programas pelo governo do GDF (2007). Disponível no site da Secretaria de Segurança Pública: <http://www.ssp.df.gov.br/003/00301009.asp?ttCD_CHAVE=47465>. Acesso em 03 de junho de 2007.
120
acrescenta ainda que essa organização escolar tem por objetivo a garantia do “sucesso do
regime que visa ‘fazer com que os alunos aprendam cada vez mais’” (2006: 37), cuidando
para que seja evitada a internalização da exclusão. Para Freitas (2002) isso impede aos
sujeitos o acesso à escolarização, uma vez que não há repetência, reprovação, nem evasão,
mas “em que o tempo passado na instituição escolar será considerado como um tempo
morto, um tempo perdido”, tornando-se apenas em uma “eliminação adiada” (ibid.: 310,
grifo meu). O sujeito se mantém na escola, entretanto não consegue inserir-se socialmente,
garantindo a ampliação “do próprio conhecimento como construção pessoal e poder de
interferência no mundo” (ibid.: 315).
Em uma conversa com a coordenadora do CRA/CEF 18 e representantes do
NCP/DRET (2006), foi possível perceber a intenção de que, a educação continuada, proposta
por esse espaço, priorizasse o entendimento de que a reorganização da escolaridade no BIA
fosse pautada em uma prática diferente na qual as crianças avançassem pela aprendizagem,
não somente porque o tempo passou. O compromisso com o trabalho docente oportunizaria o
rompimento com as práticas avaliativas que valorizam a reprovação e o descomprometimento
com o trabalho realizado, uma vez que a criança avançaria ao final de cada etapa porque
elaborou novas aprendizagens. O CRA/CEF 18, pretendendo suscitar essa discussão,
aproveitou a situação vivenciada naquele momento. Os professores haviam recebido da
SEEDF um modelo da avaliação diagnóstica, durante a Semana Pedagógica (2006). Estavam
curiosos para compreender sua aplicação e sabendo que aquele era um espaço para subsidiar o
trabalho docente, foram, então, atrás de auxílio.
O CRA/CEF 18 tinha a intenção de oportunizar aos professores que ali buscavam
subsídios: uma educação continuada que lhes possibilitasse repensarem os pressupostos da
educação que praticavam. Refletir sobre o quê, quem e para quê avaliar era um bom começo
e, a partir dessa demanda que emergiu dos profissionais diante da proposição da avaliação
diagnóstica pelo BIA, este CRA, juntamente com o NCP/DRET, organizou a 1ª oficina com
este intuito: “Construindo uma avaliação diagnóstica no BIA”, conforme descrito no
planejamento da 1ª Oficina (2006). Esta oficina também foi realizada em 2007.
A finalidade dessas discussões foi refletir sobre a sugestão da SEEDF para essa
diagnose, de forma que a avaliação fosse vinculada ao processo de alfabetização,
oportunizando estudos e permitindo que os professores deixassem de se sentir simples
executores e pudessem participar da reflexão sobre os pressupostos da proposta pedagógica
que praticam, prática reflexiva centrada no exercício profissional dos professores. Zeichner
(1993) alerta que o ato de refletir envolve intuição, emoção e paixão, não podendo ser
121
empacotado, transformado em um programa de técnicas para os professores usarem. Também
Pimenta e Anastasiou (2005) apontam a necessidade indispensável de se inserir nos cursos de
educação continuada este questionamento, superando a visão do oferecimento de caminhos
metodológicos, reconfigurando-o como meio de análise crítica, alargando a compreensão de
trabalho docente como prática social, que se realiza em diferentes contextos. Marin
complementa esses pensamentos, dizendo que “os profissionais da educação não podem, e
não devem ser persuadidos ou convencidos de idéias, eles devem conhecê-las, analisá-las,
criticá-las, até mesmo aceitá-las, mas mediante o uso da razão” (1995: 17). O que Meg, Lúcia
e Jane buscaram esclarecer aos professores durante as situações de educação continuada
propostas pelo CRA/CEF 18.
Meg comentou que “a partir dos elementos percebidos durante a aula - história,
campo semântico, jogos – vocês podem, usando sua criatividade e, considerando as questões
dramáticas que envolvem sua turma, analisar as situações e até produzir atividades para
organizar seu trabalho”. Dessa forma, procurou despertar nos professores o senso crítico da
observação, para captar além daquilo que estavam realizando na aula. O curso não estava
sugerindo histórias e jogos, mas oportunizando a vivência do trabalho com o campo
conceitual entrelaçado a um campo semântico e a realização de atividades desafiadoras que
provocam aprendizagens. A partir dessa percepção os professores puderam analisar o trabalho
realizado, apontando sua adequação ou não à realidade da sala de aula, sugerindo mudanças,
refletindo criticamente sobre aquilo que estavam vivenciando no curso.
Os Planos de Ação55 (2006, 2007) demonstraram sua intenção em tornar o CRA, o
locus da discussão coletiva, promovendo encontros sistematizados, entre os professores que
atuam no BIA, por meio das oficinas, palestras e do fórum de coordenadores. Essa intenção
ficou clara durante a realização da 1ª Oficina, conforme comentou a coordenadora (2006)
deste espaço: “esta oficina foi organizada a partir do pedido de diversos professores que
procuraram o CRA na busca de compreender a aplicação da avaliação diagnóstica proposta
pelo BIA” e acrescentou, este local tornou-se “o espaço para abrigar as inquietações dos
professores”, oportunizando e fomentando discussões do interesse de todos.
A coordenadora do CRA/CEF 18 (2006), durante a realização da Oficina “S.O.S. Pré-
silábico/Silábico”, comentou que as oficinas foram programadas conforme as necessidades
que iam surgindo advindas do grupo de professores, na tentativa de tornar as questões de cada
escola o cerne da discussão. Relatou que as necessidades apontadas durante as visitas
55 O planejamento das atividades que serão realizadas pelo CRA está definido no Plano de Ação, 2006.
122
agendadas para análise das avaliações diagnósticas, suscitaram a organização dessa oficina. A
coordenadora disse que “ao visitar as escolas, e discutir os dados apresentados, os
professores pediram auxílio para o trabalho com as crianças não-alfabetizadas, então
organizamos essa oficina”. O levantamento dessas necessidades também foi realizado nas
conversas do Fórum, momento em que os coordenadores traziam as inquietações dos
professores quanto ao trabalho docente desenvolvido diariamente, incluindo as atividades
realizadas em sala de aula. As avaliações realizadas, ao final das próprias oficinas e das
palestras também contribuíram para a escolha dos temas das discussões organizadas pela
equipe do CRA/CEF 18.
O trabalho desenvolvido pela equipe do CRA/CEF 18, em 2006 e 2007, priorizou
organização do trabalho docente, por meio das situações de educação continuada proposta aos
professores. Teve a intenção de incluir as crianças no processo de escolarização, deixando
claro que os ciclos de formação não deveriam incorporar os aspectos da progressão
continuada ou da progressão automática já adotada em outras propostas, conforme abordou
Mainardes (2001). Inquietas com a possibilidade dessa incorporação instituíram um
acompanhamento do trabalho docente e uma avaliação processual, por meio do “Atendimento
direto às escolas”. Dessa forma, acompanhou o andamento das atividades realizadas em cada
escola, o que sugeriu o estímulo do acompanhamento do trabalho realizado pelos professores
em sua sala de aula. Esse acompanhamento foi realizado por meio de visitas agendadas.
Momento em que, junto com professores e coordenadores da própria escola, analisavam os
resultados da avaliação diagnóstica, definindo encaminhamentos, estudando “a situação dos
alunos defasados, [refletindo] sobre os avanços e [buscando] estratégias para o trabalho” com
as crianças que necessitavam de ajuda para avançar, principalmente na etapa III, conforme
descrito no Cronograma de Trabalho dos CRA e NCP - 2º semestre (2006). Esse
acompanhamento teve o propósito de promover a simbiose entre a progressão da criança na
escolaridade e na elaboração de conhecimentos e, conseqüentemente, evitar a sua
permanência na etapa III. Para participar dessa reunião, tornou-se imprescindível, a cada
professor atuante no BIA ter em mãos os dados de sua turma. A sugestão para organização
dos dados de cada turma foi realizada por meio de fichas com o gráfico de escadas dos níveis
da psicogênese da aprendizagem da leitura e da escrita, discutidos com os professores durante
a oficina sobre Avaliação Diagnóstica, realizada no início do ano letivo.
A coordenadora do CRA/CEF 18 (2006) comentou, durante o estudo sobre avaliação,
realizado no Encontro Pedagógico (2007) no CEF 18 que “os dados apresentados no final do
ano demonstraram o esforço realizado, no entanto, não conseguimos zerá-los, mas foram
123
diminuídos consideravelmente”, conforme foi informado no relatório enviado ao DEIF/GSI
(2006).
Dessa forma, as atividades de educação continuada organizadas pelo CRA/CEF 18
buscaram discutir a necessidade de se contrariar a lógica avaliativa de exclusão que
atualmente predomina na sociedade, ousando instituir uma outra, como possibilidade de
resistência, para além de ensinar os conteúdos, de acordo com as reflexões de Freitas (2003).
Isso oportuniza às crianças viverem a escola e sua própria vida; não se afastando dela. A
permanência na escola ficou associada ao tratamento pedagógico adequado, que pretendeu
atender às necessidades de cada criança, sugerindo-lhes uma avaliação formal sem
interferência da negatividade da avaliação informal.
O CRA/CEF 18 oportunizou diversos momentos para discussão do tema avaliação.
Em um deles, Batista56 (2006) abordou as reflexões de Freitas (ibid.) sobre as nuanças da
avaliação. Ela chamou a atenção dos professores para os efeitos da avaliação na vida das
crianças. Comentou que, para Freitas (2003), a avaliação informal envolve os juízos de valor
que se faz do estudante. Um jogo de representações construído em “imagens e auto-imagens
que terminam interagindo com as decisões metodológicas do professor”, afetando as “relações
entre professor e aluno” na medida em que “vão sendo marcadas por juízos construídos
informalmente no dia-a-dia da sala de aula” (ibid.: 45). Ocorrendo dessa forma a avaliação
poderia influenciar na organização do trabalho docente desvirtuada de sua função pedagógica.
O professor ao invés de conhecer os esquemas de pensamento das crianças em relação a
determinado conhecimento, para a partir daí elaborar situações didáticas que os permitiriam
aprender, agarraria às essas representações e as “deixaria de lado”. Situação que, infelizmente,
ocorre em algumas salas de aula, em que o professor, conhecendo a complicada vida social de
uma criança, usa a informação como esteio para sua não-aprendizagem e, realmente, queixa-
se por aquilo que essa criança não sabe, ao invés de buscar meios, condições para que ela
possa vir a saber.
O acompanhamento do trabalho docente realizado nas turmas do BIA, permaneceu,
nessa mesma sistemática, conforme descrito no Plano de Ação (2007), no entanto a equipe do
CRA/CEF 18 resolveu ampliar esse acompanhamento, por meio do representante pedagógico
de cada escola. A coordenadora do CRA/CEF 18 (2007), professora Lúcia57, explicou o modo
como planejou a ampliação desse acompanhamento. Segundo Lúcia, a equipe do CRA/CEF
56 Oficina sobre Avaliação realizada no Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga, no dia 04 de agosto de 2006, por Carmyra Oliveira Batista, professora da Rede Pública do Distrito Federal, Mestre em Educação, e doutoranda da Faculdade de Educação da UnB. 57 Informações obtidas na entrevista realizada pela pesquisadora, no dia 3 de abril de 2007.
124
18 (2007) teve a intenção de entrelaçar o acompanhamento do trabalho de cada escola com as
atividades realizadas no curso proposto, com a ajuda do representante pedagógico e/ou do
coordenador dos grupos de estudo.
3.3. A escola como locus de Educação Continuada
Para a coordenadora Lúcia, a situação que ocorre nas escolas, e fora delas influencia
diretamente no planejamento das atividades do CRA. O ano de 2007 iniciou-se repleto de
mudanças, tanto no espaço educacional como político. A coordenadora do CRA/CEF 18
(2006) resolveu acompanhar a instituição do BIA na cidade de Samambaia, a coordenadora
do BIA no CEF 18 foi para o NCP/DRET, e duas professoras desse núcleo, que
acompanharam o trabalho realizado pelo CRA/CEF 18 em 2006, ocuparam a coordenação dos
dois CRA, em Taguatinga. Portanto o planejamento do CRA/CEF 18 (2007) teve de ser
adaptado a todas essas mudanças. Ao elaborá-lo, a equipe pensou em dar continuidade ao que
havia sido considerado proveitoso nas avaliações dos professores que freqüentaram as
atividades propostas no ano anterior. Ao abordar esse tema durante a entrevista, Lúcia relatou
que:
As avaliações nos fizeram pensar na proposta a ser implantada nesse ano. Para o Projeto aproveitamos o que havíamos realizado com os coordenadores, no ano passado, e reformulamos. Ele era todo voltado para a ação dos coordenadores locais. Com toda essa problemática dos coordenadores na escola, tivemos que redimensionar para o professor. Nosso projeto está praticamente aprovado, já foi analisado, já foram feitas as observações, tivemos que mudar, acrescentar e, estamos aguardando. Também, partindo dessas avaliações, planejamos o curso: “Ressignificando a prática pedagógica à luz do pós-contrutivismo”.
O contexto social interferiu nas ações planejadas pelo CRA/CEF 18, inclusive no
planejamento do curso, antes promovido pela EAPE, ficou sob a responsabilidade do CRA.
Considerando a complexidade na qual estavam imersas, as coordenadoras dos dois CRA
estabeleceram parceria com uma professora membro do NMP/DRET. Essa equipe pretendeu
organizar uma educação continuada pautada na concepção que vem sendo defendida por
atores do campo educacional, concebendo como foco de suas atividades a própria escola.
Também propuseram que essa educação continuada deveria ter um olhar perspicaz e
125
engenhoso para os docentes assim como deveria ser o olhar deles para com os estudantes,
firmando-se na intenção de que profissional almejavam formar, para que sociedade, assim
como esses profissionais deveriam lançar seu olhar para o cidadão que estão formando,
considerando a sociedade em que vivem. Dessa forma, arriscaram superar a lógica social,
rompendo com as concepções cristalizadas, com os princípios do trabalho docente
desenvolvido, conforme vislumbra Freitas (2005).
O curso planejado pelo CRA/CEF 18 considerou como um de seus princípios que o
professor vivenciasse em cada um dos encontros, situações que poderiam realizar em sua sala
de aula. Libâneo descreve em sua análise sobre a formação de professores, que:
Se quisermos que o professor trabalhe numa abordagem socioconstrutivista, e que planeje e promova na sala de aula situações em que o aluno estruture suas idéias, analise seus próprios processos de pensamento (acertos e erros), expresse seus pensamentos, resolva problemas, numa palavra, faça pensar, é necessário que seu processo de formação tenha essas características (2005: 71).
Nessa perspectiva, este curso considerou que fosse vivenciado em seus encontros o
processo reflexivo-crítico-criador, que para Ghedin resulta “de uma série de conflitos e
transgressões possibilitando a autonomia do humano que se desacomoda para romper e,
rompendo, percebe-se automaticamente ele próprio sujeito de sua história” (2003:148).
Para ser sujeito de sua história, professor e estudantes necessitam se emancipar. O que
para Ranciére (2002) depende dos princípios daquilo que vive. Para o autor que o que
embrutece ou emancipa não é o procedimento, a marcha, mas o princípio. Para ele esses
princípios podem emancipar ou embrutecer. Segundo o autor, para emancipar torna-se
fundamental que os caminhos sejam abertos aos sujeitos, “para toda aventura no país do
saber” (2002: 51), dessa forma, esses sujeitos tratam de ousar, aventurar, emancipar, mas caso
contrário os embrutecerá, pois o que os embrutece não é a falta de instrução, mas a crença na
inferioridade de sua inteligência, na desigualdade. O que, muitas vezes, a escola apregoa. A
escola passa a maioria do tempo a lhes mostrar o que não sabem, a classificar e medir o que
sabem. A promover competições ranckiando-os do mais ao menos inteligente. Provando-lhes
cada vez mais sua incapacidade, apontando suas diferenças como meras desigualdades,
enquanto deveria enfatizar o que já sabem e incitá-los a descobrir aquilo que ainda não sabem.
Poderia mostrar-lhes quanta capacidade têm de elaborar e reelaborar conhecimentos, de
aprender. Provar-lhes que as diferenças existem e podem conviver, complementando-se, pois
são essenciais para a sobrevivência de todos, apresentando-lhes uma reflexão crítica,
126
reolhando os fatos evidenciados na história. Nesse aspecto, Resende comenta que “as
diferenças devem ser analisadas como produto da história, da ideologia e das relações de
poder e constituírem-se fato incontestável” (2006: 37). A autora enfatiza a necessidade da
escola “reestruturar-se e ressignificar os princípios do que sejam os processos do ensinar e do
aprender [...] a figura do professor, [...] seu papel”, para compreender a complexidade em que
foram se constituindo socialmente (ibid.: 38).
O CRA/CEF 18, no ano de 2007, ao organizar o curso, parece ter considerado esse
ponto de vista, pois oportunizou ao professor vivenciar no curso situações que poderiam
proporcionar às crianças, reconfigurando os princípios dos processos de ensinar e aprender. O
curso pretendeu entrecruzar a situação de ensinantes e aprendentes. Nessa condição,
necessitam de parceria para aprender, necessitam criar para resolver os problemas que
surgem, necessitam compreender as diversidades e as adversidades sociais nas quais estão
imersos.
A professora Lúcia, comentando sobre essa complexidade, apontou um dos princípios
que inspiraram o planejamento do curso:
Primeiro é a questão de colocar o professor no lugar do aluno, ter que escolher um colega para trabalhar que não seja o seu amigo, ter que ensinar uma coisa que sabe a um colega que não sabe. Levá-lo a estar na condição do seu aluno, para rever a postura que está tendo em sala e que às vezes não está favorecendo ao aluno aprender. [...] O trabalho será voltado para formação de grupos. Nós pensamos em colocar um número que dê para formar grupos, da mesma forma que o professor poderá agir na sua sala de aula.
Ela explicou que o curso foi organizado “pensando em atender o professor”, e, diante
do ocorrido no ano anterior em que foi determinado que todos os professores participassem do
curso, causando situações de resistência, a equipe do CRA/CEF 18 (2007) atentou para um
detalhe que considerou importante, transformando-o em um dos critérios para a participação
no curso. Lúcia comentou que o professor deveria “fazer o curso por desejo”. O outro
critério abarcou a necessidade de atender à maioria das escolas que ainda não tinha
coordenador, por isso “seria importante a escola ter um representante pedagógico”. Nesse
sentido, as vagas foram distribuídas, oportunizando a cada escola garantir a presença de um
deles, pois seria ele quem iria “viabilizar a formação do grupo de estudos nas escolas”, o que
foi considerado “fundamental para que o trabalho realmente fluísse”.
Lúcia acrescentou que “a questão do desejo tem a intenção de que o professor se
inscreva independentemente do tempo de serviço: seja ele mais antigo, mais velho, novato ou
127
mesmo que tenha atuado, no ano passado, em turmas de 3ª ou 4ª série”.
Para consolidar as ações propostas em seu planejamento o CRA/CEF 18 começou a
concretizá-lo, iniciando o processo de inscrição para o curso. No entanto havia um número
limitado de vagas, uma vez que poderia atender a um certo número de cursistas, pois esse
curso seria de responsabilidade da equipe do CRA, conforme explicou Lúcia:
A parte de formação seria realizada pela EAPE e pelo CRA, no ano passado, isso aconteceu, era o ano de implantação. A EAPE ofereceu o curso “Alfabetizando no BIA” e o CRA entrou com a parte de oficinas, os atendimentos a todas as escolas a ele vinculadas, as visitas. Agora mudou a EAPE, em função das demandas das outras três Regionais que estão implantando o BIA, deixou os CRA de Ceilândia e Taguatinga com autonomia para planejar suas ações em relação à formação que promoverá aos professores.
Diante dessa realidade, Lúcia comentou que a equipe do CRA elaborou uma estratégia
para ministrar esse curso, pois contaria apenas com três professoras e teriam que atender aos
professores atuantes no BIA das 31 escolas de Taguatinga. Pensou então na possibilidade de
montar seis turmas, cada turma com trinta participantes, de forma que cada uma das
ministrantes atendesse a duas turmas. Realizadas as inscrições, foram montadas quatro turmas
com, aproximadamente, quarenta cursistas cada uma. Inicialmente o CRA Norte receberia
duas turmas de professores na terça feira, cada uma em um dos turnos, sob a responsabilidade
da professora Jane e ao CRA/CEF 18 coube as outras duas, na quinta feira, aos cuidados da
professora Meg. Após a junção dos CRA, mudou apenas o local do curso. Lúcia, Meg e Jane
se organizaram de forma que as três estariam sempre presentes nos encontros, uma auxiliando
o trabalho da outra.
Dentre as interlocutoras da pesquisa, somente a coordenadora pedagógica do BIA se
inscreveu para o curso, as outras priorizaram outras questões. Diante desse fato, fui impelida a
conversar com uma delas, explicando a necessidade de sua participação, uma vez que
contribuiria para o enriquecimento da pesquisa. Nesse momento, procurei analisar o contexto
por elas vivido. A professora Maria estava dedicando-se ao curso de Direito. A professora
Lara comentou durante a entrevista que, dentre os motivos pelos quais deixou de participar do
curso realizado no ano de 2006, destaca-se sua enfermidade; ela disse: “já estava adoecendo
no final do semestre. Muita coisa que aconteceu no ano passado foi apagada da minha
memória, parece que passou alguma coisa na minha cabeça e desmanchou, deletou”. Essa
situação a levou entrar de licença médica por um bom período. Então decidi pedir à
professora Suzi para participar do curso, junto comigo. Fui surpreendida pelo fato de que,
128
assim como as outras duas interlocutoras, ela também tinha pouco tempo a cumprir para se
aposentar, mas poderia contribuir com a pesquisa.
Em meados do terceiro mês de aula, chegou a professora substituta para a turma
assumida pela provável coordenadora, indicada no início do ano para ocupar a função da
coordenação pedagógica do BIA no CEF 18. Ana assumiu o cargo abarrotada de atividades.
Havia atraso nos documentos com os avanços das crianças de uma etapa para outra; o Projeto
Interventivo precisava ser planejado; o Reagrupamento Interclasse ainda não havia sido
realizado nas etapas I e II; o curso do BIA tinha começado e ela continuaria dele participando;
o relatório do acompanhamento das avaliações diagnósticas precisava ser enviado para o
NMP/DRET. Com todas essas atribuições teria, ainda, que organizar os estudos para a
coordenação coletiva e o acompanhamento do trabalho de cada professor. Muitas outras
decisões precisavam ser tomadas e efetivadas.
Nesse emaranhado de situações havia que ser privilegiado aquilo que daria sustentação
ao trabalho docente que ela se propôs a realizar. Diante disso, Ana esclareceu:
Ainda não organizei o trabalho para a coordenação. No início do ano, tinha uma proposta que era trabalhar com o projeto “Saber cuidar”, lembra? Como eu fiquei muito tempo em sala de aula, têm outras coisas que são urgentes, a primeira é sobre os registros. Tem professor que chegou e não sabe, precisa ser orientado. Agora vem a questão do projeto interventivo. Meu direcionamento começará pela organização dos registros para acompanhamento das aprendizagens dos alunos, priorizando a alfabetização de todas as crianças.
Nesse ponto, houve consenso entre a proposta de trabalho que Ana pretendeu
desenvolver como coordenadora pedagógica e o proposto pelo curso. Lúcia comentou que o
acompanhamento das atividades seria processual, o que vinha ocorrendo desde o ano passado,
pois “tudo era repassado pelos coordenadores nas reuniões do fórum” e agora deveria ser
complementado com o trabalho desenvolvido no grupo de estudos, por meio do
“representante de cada escola, no curso”. Ele “poderá nos ajudar”, uma vez que não se
tinha coordenador em todas as escolas.
No quinto encontro do curso, foi proposto aos cursistas a organização do grupo de
estudo na escola, e para tanto cada representante de escola deveria trazer, no próximo
encontro, o relato de como ocorreu essa organização. O encaminhamento transcrito do quadro
orientava para “estruturar grupos de estudos na escola e trazer relatório; como viabilizá-los
– determinar um dia para o estudo e planejamento, pensando sobre sua turma. Pequenos
grupos, com no máximo seis professores” e propunha que se deveria “traçar metas: seis anos
129
devem estar alfabetizados ao final do ano letivo”.
A intenção desse curso coaduna com o pensamento de Candau (2003) em considerar a
escola, como locus privilegiado de educação continuada, uma vez que procura assegurar a
organização de grupos de estudos em cada uma delas, com “a função de ajudar a organizar o
trabalho na escola, fazendo acompanhamento das turmas”, conforme explicou Lúcia.
3.4. Grupo de Estudo e a ressignificação da coordenação pedagógica
Houve um burburinho no grupo, cada um expressando a ansiedade para organizar o
tempo/espaço da coordenação pedagógica, que vem sendo desarticulado de suas funções,
conforme o cenário descrito anteriormente. As mudanças realizadas pela secretária de
educação, referindo-se aos artigos 19 e 20 da Portaria 30/2007/SEEDF que definiam a forma
de utilização das quinze horas destinadas à coordenação, exigindo a substituição, afetavam a
organização desses grupos de estudo. Os professores comentaram que a substituição
provocava situações complicadas. O comentário de uma professora esclareceu essa
complicação: “a diretora deixou claro, se a professora tiver que substituir no dia do curso do
BIA, ela manda uma declaração, mas a substituição não pode deixar de ocorrer”.
Certamente a participação em cursos de educação continuada, deveria ser priorizada pela
escola, já que pode possibilitar a apropriação de referenciais e contribuir para a melhoria da
qualidade do trabalho docente, além de que está prevista na Proposta Pedagógica (2006) como
um dos princípios do BIA. Se até a presença no curso podia ser justificada, certamente havia
pouco interesse na participação desse professor no grupo de estudo.
A imposição da substituição provocou desassossego. Mediante os imprevistos
provocados pelas eventuais substituições, a rotina da coordenação pedagógica ficaria
desestruturada, pois nesse tempo teria o professor que substituir, planejar, preparar materiais,
participar do curso e ministrar a aula do reforço. Como a substituição ocorre de forma
imprevisível, não há como se organizar entre essas atividades, que podem ser alteradas e até
mesmo excluídas do momento da coordenação, dependendo da eventualidade da necessidade
de substituir.
Outras situações impedem que a conquista do espaço/tempo da coordenação
pedagógica seja utilizada, priorizando o foco das atividades que envolvem o trabalho docente.
A questão da substituição tem provocado ações incoerentes com o desenvolvimento de tais
130
atividades. Diante da resistência dos professores em substituir, em algumas escolas, são
realizadas “negociações” para compensar esse ato – o professor substitui uma turma e em
compensação “ganha” uma folga, conforme relatou uma professora, durante o encontro do
curso. Ela disse que não teria como pegar um material para a colega porque “hoje à tarde não
vou à escola, estou de folga, ontem substituí a professora da etapa I”. Quando isso acontece o
professor, conseqüentemente, fica impossibilitado de participar das atividades realizadas em
dois dias da coordenação pedagógica – no dia que substituiu e no dia que ficou de folga.
Além disso, são várias as situações em que alguma atividade importante para o
trabalho docente deixa de ser realizada em detrimento de outras. Quando a escola se envolve
com a realização de uma festa, todas as atividades se voltam para esse tema. Os professores
precisam se dedicar à organização da festa, ensaiar apresentações artísticas com as crianças
para motivar os pais a comparecerem à escola. A participação dos pais na festa promovida
pela instituição possibilita a arrecadação de fundos, que contribui para atender às necessidades
da escola. A verba arrecadada é utilizada para comprar material didático, para realizar reparos
na construção e até mesmo, para oportunizar às crianças atividades diferentes em
comemoração ao seu dia. Na semana em que ocorrere a festa, as atividades docentes ganham
outro tom. O estudo poderia enfocar o significado da realização dessa atividade para as
crianças, o que elas podem aprender com esse evento, mas mediante o acúmulo de atividades
não dá tempo para parar e refletir.
As demandas administrativas, por vezes, sobrepõem às pedagógicas, mas são sempre
questões urgentes e requerem a participação dos professores da escola. Fato que ocorreu na
coordenação coletiva que foi dedicada à elaboração do Caderno de Propostas para 2008. Para
que houvesse a participação de todos os professores, esta atividade foi realizada neste
espaço/tempo, juntos foram discutindo e sugerindo propostas para cada um dos itens do
caderno, o que tomou todo o tempo, impossibilitando a realização do estudo programado.
Assim como esta situação, outras que necessitam da participação de toda a equipe da escola
acabam por sobrepor ao estudo que deveria ser realizado nesse dia.
Dessa forma, várias situações prejudicaram a organização dos grupos de estudos nas
escolas, pois a freqüência nele não podia ser garantida, diante da possibilidade do professor
substituir a um colega, ou mesmo estar ausente da escola - de folga, naquele dia. Agravou-se
mais a situação, pois algumas escolas permaneceriam, ainda, sem o coordenador pedagógico.
A incerteza e inconstância na participação dos professores nas atividades propostas para os
momentos de coordenação aumentaram a angústia e indignação de, dessa forma, vivenciarem
a perda das boas condições da conquista do tempo/espaço da coordenação. A substituição,
131
dentre outros inconvenientes, certamente dificultou e impossibilitou a participação nas
atividades realizadas nesse espaço/tempo.
O grupo de professores do CEF 18, ao apresentar sugestões para o item Força de
Trabalho (recursos pessoais) do Caderno de Propostas para 2008/SEEDF, sugeriu uma
solução para o problema, evitando as substituições: “contratação de profissionais para
substituir licenças médicas de curto período”. Esse assunto há algum tempo incomoda a
categoria docente, uma vez que dessa forma, a substituição fica sob a responsabilidade de
cada escola. Antes a SEEDF providenciava professor substituto quando o atestado médico
ultrapassava a 10 dias, e a realidade da substituição aconteceu, apenas, nas Escolas de
Aplicação e Demonstração.
Naquele tempo, essas escolas adotaram uma escala de substituição, de modo que os
atestados com tempo inferior a 10 dias eram cobertos pelos professores que se encontravam
no horário de coordenação. A categoria tinha uma folga no mês, chamada de “folga de
banco”, ou seja, na semana do pagamento o professor tinha direito a uma folga. Como nas
Escolas de Aplicação e Demonstração os professores substituíam colegas que se encontravam
ausentes, essa folga, nessas escolas, passou a ser semanal, como compensação pela
substituição. Nas outras escolas as crianças eram dispensadas. Quando o CEF 18 deixou de
ser Escola de Aplicação, a medida adotada para resolver a situação foi assim encaminhada,
quando a direção era comunicada que um professor estava de licença, telefonava para a casa
dos alunos avisando que não haveria aula naquele período. Essa medida ainda vem sendo
adotada nessa e em outras escolas da rede pública.
Todavia a substituição vem acontecendo nas escolas de maneira diferenciada. Em
umas foram “negociadas” as folgas, em outras, cuja direção cumpriu fielmente as orientações
da SEEDF, estavam “virando uma panela de pressão que a qualquer hora vai explodir”.
Esses foram os comentários da coordenadora de uma escola. Essa professora comentou que,
em sua escola, a situação estava ficando incontrolável, dizendo que “está ficando difícil
reunir todo o grupo” e acrescentou “o clima entre as professoras está ficando complicado.
Basta uma professora pegar atestado e já ficam olhando de cara feia para ela, pois algumas
professoras trabalham doentes para não ‘sacrificar’ as colegas”. E concluiu: “Vai chegar
uma hora em que não vai dar para suportar a situação e...”. Essa situação tem provocado
uma “guerra” entre os professores de uma mesma escola.
O direito de apresentar atestado médico é lícito. Às vezes fica difícil coadunar os
horários entre as atividades docentes e o tratamento médico – que, em alguns casos poderiam
ser realizado no período das férias, dos recessos e esporadicamente da coordenação
132
pedagógica, entretanto torna-se imprescindível privilegiar o trabalho com as crianças. Uma
eventualidade, certamente ocorrerá, mas há que se firmar no compromisso social com a
educação, no respeito ao direito das crianças de estar na escola e, aprendendo.
Outra situação que demonstrou os inconvenientes da substituição foi apresentada por
uma cursista. Ela comentou que tinha um problema familiar, necessitando de um atestado
médico, no entanto, diante da situação vivenciada naquele dia pela escola, não o fez, mas
necessitaria que alguém a substituísse por alguns instantes. Como não havia ninguém para
ficar em sua turma, ela pediu à sua filha para ficar na sua turma. A cursista concluiu “mas ela
não tem formação nenhuma, apenas sempre me vê preparando as atividades”.
Se por um lado há inconvenientes provocados pela substituição, por outro, há um
impasse em relação ao atendimento as crianças quando não têm aula. Fundamental é respeitar
os direitos dos professores, mas também resguardar os das crianças. Não é adequado que as
crianças fiquem na escola sob os “cuidados” de pessoas que não sejam profissionais docentes,
quer seja com porteiras, merendeiras ou filhos de professores. Uma solução foi apontada pela
equipe de professores do CEF 18. A SEEDF poderia manter um banco de professores, talvez
em cada Regional de Ensino, talvez na própria Secretaria com o objetivo de suprir essas
pequenas carências, mas para isso necessita de boa vontade política, de investimentos
priorizando a educação. Também poderia, quem sabe, firmar convênio com as instituições que
têm cursos de Pedagogia, de forma que elas organizariam um banco de reserva com
estagiários, para que pudessem suprir as carências das escolas em seus arredores. Outras
sugestões poderiam vir à tona caso fosse dedicado maior espaço para a discussão profissional
sobre esse assunto.
Cada escola, vencendo as dificuldades impostas pelo sistema e mediante os
imprevistos cotidianos, buscou meios para organizar os grupos de estudo, garantindo o
acompanhamento do trabalho realizado, concretizando um dos objetivos propostos pela
educação continuada promovida pelo CRA/CEF 18 (2007).
No CEF 18, as reuniões do grupo de estudo aconteceram às quartas-feiras, no dia
reservado para a coordenação coletiva. No momento a professora Ana aproveitava para
discutir assuntos que poderiam oportunizar o contato dos professores com referenciais para
organizar o trabalho docente que desenvolvem. Apresentava também, os gráficos com os
resultados das avaliações realizadas, em cada turma e do coletivo da escola, envolvendo todas
as turmas do BIA, analisando os resultados do trabalho desenvolvido no cotidiano da sala de
aula e nas ações dos projetos desenvolvidos. A partir dessa análise eram organizados os
planejamentos para o Reagrupamento Interclasse, para o Projeto Interventivo e sugestões para
133
atividades para sala de aula. Quanto a esse assunto, Ana comentou que as “atividades devem
ser bem direcionadas”, fomentando a reflexão coletiva sobre as questões apresentadas.
O CRA/CEF 18, como espaço de fomento da prática reflexiva, pretendeu levá-la para
a escola, ressignificando o espaço da coordenação pedagógica, em consonância com as
proposições concebidas para os cursos de educação continuada, por diversos autores e
conforme previsto na Proposta Pedagógica (2006). Esta proposta indica que a “concepção de
formação defendida no BIA implica, dentre outros fatores, na otimização dos espaços e
tempos destinados à coordenação pedagógica”, possibilitando a “construção coletiva de trocas
de experiências e de vivências significativas para o aprimoramento do fazer pedagógico”
(ibid.: 17).
A coordenadora pedagógica do BIA, no CEF 18, buscou tornar o espaço/tempo da
coordenação pedagógica realizada na própria escola um momento de construção coletiva.
Para organizar o trabalho diário, seria necessária a compreensão dos níveis psicogenéticos.
Pensando em viabilizar o entendimento sobre as características de cada nível, a coordenação
oportunizou a discussão sobre elas, entre os professores, conforme o planejamento da
coordenação coletiva (2007). Ana comentou a complexidade que envolve o trabalho coletivo,
dizendo “no trabalho coletivo você precisa aceitar o outro, as idéias dele, porque a
prioridade é o aluno. Todos vão acompanhar o trabalho com as crianças, vão dar opinião,
por isso é preciso entender o que cada um está falando”. Logo após discutiram as
características de cada nível, expostas em um cartaz. Ana destacou a importância de se
reconhecer essas peculiaridades, comentando: “identificar o nível do aluno é importante para
saber que atividade propor a ele. É uma coisa difícil, mas necessária. A gente precisa ter
muito cuidado para avaliar um aluno, para depois não dizer que ele retrocedeu”. Aproveitou
esse momento para distribuir a ficha de acompanhamento, uma para cada professora. Disse
que ela também as teria, para o acompanhamento do trabalho de todas as turmas. Ana
comentou “essa ficha vai nos auxiliar a organizar os planejamentos”. Após realizarem as
avaliações diagnósticas, os professores repassavam os dados para que Ana pudesse organizar
as coletivas de posse dessas informações e, também, as repassasse no curso e para o
NMP/DRET.
Algumas professoras solicitaram a ajuda da coordenadora para preencherem a ficha.
Justificaram que a análise das avaliações demanda a compreensão das características de cada
um dos níveis, algo que estava sendo elaborado por elas. Uma das professoras que solicitou
essa ajuda foi a professora Suzi. Ana organizou um esquema para realizar essa ajuda, pois
sentia necessidade de estar de posse dos resultados o mais rápido possível. Junto com a
134
diretora da escola, viabilizou professores para acompanhar as crianças na realização de
atividades enquanto analisavam as avaliações. Caso essas análises fossem realizadas somente
no horário de coordenação, demandaria muito tempo, pois cada turma necessita, praticamente,
das três horas para concluí-la.
Uma outra situação organizada pela professora Ana que oportunizou a reflexão
coletiva dos professores foi a discussão sobre o Projeto Interventivo e o Reagrupamento
Interclasse. Após a discussão desses assuntos, realizada no Fórum de Coordenadores e no
curso, a professora Ana programou um estudo58, abordando a cada dia um tema, de modo que
os professores construíram, conjuntamente, o planejamento dessas atividades.
Para organizar o Reagrupamento Interclasse, a professora Ana pediu antecipadamente
para agilizarem o resultado da avaliação diagnóstica. De posse dos dados, Ana os classificou
de acordo com os níveis psicogenéticos. Ana iniciou abordando a reflexão sobre a
necessidade de um tempo para aprender, destacando que há “tempos importantes na
aprendizagem, por isso a necessidade do acolhimento e da ruptura”. Associou o acolhimento
à função materna e a ruptura à função paterna, justificando o conceito de cada termo a partir
de uma reunião sobre educação de filhos da qual participou, em que o palestrante
metaforicamente, comentou:
se a criança tivesse só pai, ela morreria antes dos quatorze anos e se tivesse mãe não faria nada na vida. O pai empurra o filho, deixa-o ir para ver como são as coisas. A mãe não, ela diz que ele vai se machucar, ele não dá conta, cuidado. A mãe dá segurança, acolhe, enquanto o pai empurra-o, rompe. A mãe ao segurar o filho, vira o para si, protegendo-o, o pai vira-o para o mundo, apresentando o mundo para a criança e a criança para o mundo.
Nesse sentido, o acolhimento refere-se às atividades que a criança consegue realizar
sozinha, que ela sabe fazer, que vai ao encontro das hipóteses que tem a respeito da leitura e
da escrita, e a ruptura são atividades que a desafiam, que colocam em cheque suas hipóteses.
Ana complementou, destacando a importância das atividades planejadas para esse
reagrupamento serem sempre de ruptura, pois são elas que oportunizam o avanço das crianças
nas aprendizagens. Comentou situações ocorridas com algumas crianças na escola e a
importância do acompanhamento e da compreensão de como a criança aprende.
O conhecimento das especificidades de cada uma das etapas do processo de aquisição
da leitura e da escrita tornou-se fundamental para organização das atividades a serem
realizadas para alfabetizar. Inconcebível alfabetizar desconhecendo esse processo. A
58 Estudo organizado pela coordenadora no BIA no CE 18, realizado no dia 23 de maio de 2007.
135
professora Maria complementou esse pensamento dizendo “depois que compreendi como as
crianças aprendem, depois que comecei a perceber isso na escrita das crianças, foi muito
mais tranqüilo alfabetizar”.
A professora Ana apresentou os dados da avaliação diagnóstica, e partindo deles foi
possível determinar a quantidade de turmas e de docentes. As crianças foram agrupadas,
inicialmente, de acordo com o número de professoras, mas a professora Maria interpelou e
disse que “dessa forma o objetivo não será atingido, tem turma grande demais”. As
professoras tiveram que repensar a avaliação de algumas crianças e remanejá-las, Mas surgiu
outro problema, o número de turmas superou a quantidade de professoras. A coordenadora
assumiu uma das turmas e diante do impasse de não encontrarem uma professora para ajudá-
las, resolvi me oferecer para ficar com a outra turma, enquanto estaria pesquisando na escola.
Logo em seguida, o planejamento foi elaborado a partir da experiência construída pelo grupo,
por ocasião do Projeto da Escola Candanga e no ano passado. Inclusive as professoras da
etapa III já estavam realizando o reagrupamento. Foi a solução encontrada mediante a
realidade de que dentre as cento e cinco crianças matriculadas na etapa III, um total de 19
necessitavam ser alfabetizadas e sugeriram a possibilidade de juntá-las, para que uma das
professoras pudesse desenvolver um trabalho mais direcionado, priorizando situações
didáticas para alfabetização. A professora Lara comentou que para vencer esta defasagem
reagrupar “uma vez por semana, uma vez só não dá não!”. No início do reagrupamento entre
essas turmas a professora alertou “nós da terceira etapa estamos fazendo reagrupamento sim
[...]. Nós vamos fazer uma observação, nós vamos dar mais um tempo e ver se está surtindo
efeito. Caso contrário, nós vamos voltar cada uma para a sua turma e pronto”.
Ao final do estudo a coordenadora relatou como ficou o cenário para a realização do
reagrupamento, iniciando com uma atividade coletiva e o modo como organizariam as turmas.
Partindo dos esquemas de pensamento de cada um dos níveis psicogenéticos descritos em um
cartaz, resultado dos estudos anteriores, o grupo planejou as atividades para cada turma,
considerando as características peculiares a cada uma. Definiram que seria realizado,
envolvendo as três etapas. Como de costume, ao final do estudo, recolheu a assinatura dos
professores, juntamente com uma avaliação escrita. Tudo registrado na própria pauta,
colecionada por ela, naquele caderno confeccionado durante o estudo sobre Registros. Ana
transformou esse caderno no meio de acompanhar o trabalho realizado nas turmas do BIA no
CEF 18.
As avaliações das atividades planejadas para o Reagrupamento Interclasse ocorreram
logo após a realização de cada uma delas. As professoras avaliaram o tempo e a eficiência das
136
atividades. A professora Lara disse que “com relação ao tempo, depende da atividade, essa
semana o tempo foi bom”. A professora Suzi complementou, dizendo que “a atividade foi
ótima”. A professora Maria lembrou que teve uma atividade que “não ia alcançar o objetivo
proposto que era fazer o aluno pensar”, mas de modo geral as atividades propostas no
reagrupamento interclasse estavam tendo um “retorno muito bom para o meu trabalho”. Suzi
alertou que algumas crianças que estavam na sua turma “não pertenciam àquele grupo mais”,
no entanto o grupo decidiu que as crianças seriam reagrupadas após a realização da avaliação
diagnóstica, programada para o início de agosto. Lara informou que “com os nossos alunos
da etapa III, nós vamos fazer a avaliação diagnóstica já na semana que vem”.
A organização do Projeto Interventivo também envolveu a construção coletiva. Houve
uma primeira discussão, durante a reunião do grupo de estudos, em que o Projeto Interventivo
foi esquematizado. A execução desse projeto envolveu duas professoras da Sala de Recursos,
duas professoras da Equipe de Apoio, a coordenadora pedagógica e eu, como colaboradora. A
professora Ana organizou uma escala para o atendimento às crianças. Os planejamentos foram
realizados com a colaboração de toda a equipe que, em duplas, os realizava com as crianças
da etapa III. Em meados de julho algumas crianças apresentavam visíveis avanços e os
comemoravam. Uma delas, exultante de alegria, comentou “agora eu já sei ler, não preciso
mais vir pra cá”, dizendo que sua professora havia lhe dito que aquela seria sua última aula
no projeto. A coordenadora acompanhava o progresso de todas as crianças e os analisava
acompanhadas pelas outras professoras. Ao analisar uma das atividades realizadas, ela
comentou: “ele conseguiu, realmente conseguiu” e complementou “olha a capacidade de
síntese dele. Quando eles conseguem vão embora, mas ele vai continuar mais um pouco”. As
professoras, analisando as atividades, avaliaram as crianças, percebendo os avanços de cada
uma, tornando o momento da coordenação pedagógica, um espaço para reflexão coletiva
sobre o que se faz.
O acompanhamento do trabalho docente dos professores, desenvolvido no CEF 18,
assim como o do CRA/CEF 18 (2006, 2007), trouxe uma nova visão do apoio dado ao
docente que, em outros tempos, foi considerado um espaço para demonstração de aula ou
possibilitou-lhes liberdade de ação e não lhes ofereceu subsídios para reflexão, e assim o
docente perdeu o rumo, apesar de se esforçar para acompanhar essas mudanças. Além de se
perder em meio a mudanças propostas, outro entrave que impediu e continua impedindo
avanços na área da educação são as interrupções das propostas, os modismos, as discussões
superficiais sobre teorias, com a supervalorização de uma delas, desprezando as demais.
A intenção do CRA/CEF 18, conforme explícito nos planejamentos de suas atividades
137
(2006, 2007), envolveu a participação dos professores em discussões sobre o trabalho que
desenvolvem cotidianamente. Pretendendo permitir-lhes conhecer diferentes referenciais que
lhes possibilitassem compreender onde e em que esta ou aquela teoria poderia colaborar com
os princípios do trabalho que desejavam desenvolver.
Para realizar o entrelaçamento entre o trabalho realizado pelos professores e as
atividades propostas no curso foi pedido aos representantes pedagógicos e/ou coordenadores
dos grupos de estudo de cada escola, ao final do semestre, um relatório sobre a constituição
desse grupo. Meg comentou sobre os pontos que deveriam conter:
Vocês estão caminhando para a constituição dos grupos de estudos na escola. Tem escola que conseguiu se organizar, outras estão com sérias dificuldades. Os coordenadores que conseguiram organizar os grupos vão relatar como ocorreu essa organização, o que tem acontecido, quantas reuniões foram realizadas, qual o dia da semana e qual o tempo em que se reúnem, quantos professores participam, e uma análise disso. Quem não está conseguindo vai relatar o que tem impedido essa organização, o que tem feito para conseguir, em que está precisando de apoio. Será um relatório para cada grupo, conforme a ficha de funcionamento do grupo de estudos entregue no início.
Ela aproveitou o momento para relembrar que os dados sobre a aula-entrevista
também deveriam ser entregues pelos coordenadores dos grupos de estudo, pois auxiliam na
organização do planejamento das atividades a serem propostas no curso. Comentou que “a
aula entrevista deve ser realizada por bimestre. Nós organizamos os gráficos de cada escola,
a partir deles será possível analisar como estão as turmas do BIA. Nós vamos fazer o
mapeamento de cada escola, da primeira até a última avaliação, para dar um panorama
geral do trabalho realizado”.
Meg acrescentou:
Cada professor vai acompanhar o andamento de sua turma, considerando os gráficos da avaliação diagnóstica e da freqüência. Vão observar como está o andamento da turma em relação à realização da “Merenda Pedagógica”, das atividades individuais, em pequenos grupos e no grande grupo. Vão enviar o primeiro e o segundo gráficos, com uma análise deles. Quando forem registrar o nome das crianças no segundo gráfico, seria bom fazer uma legenda, colocando o nome das crianças que avançaram de uma cor, e as que permanecem no mesmo nível, de outra para facilitar a análise. Seria bom confrontar o gráfico de freqüência com o dos níveis.
A professora Ana, analisando os dados descritos no relatório do grupo de estudos do
CEF 18, comemorava entusiasmada:
138
Olha só, como está o gráfico da nossa escola! Ainda tem um pouco de alunos não-alfabetizados [dez alunos da etapa I], uma turma que a professora entrou de licença maternidade, ficou sem professora e agora chegou a substituta. Mas veja como aumentou essa parte [mostrando os alunos alfabetizados, que praticamente triplicou].
O acompanhamento do trabalho docente realizado pela professora Ana forneceu
elementos para a elaboração do relatório individual de cada criança, e o mais importante, tem
servido de instrumento para organizar o trabalho docente realizado nas três etapas do BIA.
A equipe do CRA/CEF 18 buscou suscitar o acompanhamento do trabalho realizado,
entrelaçando as atividades propostas, e superando o não-desejo dos professores de participar
das situações de educação continuada, pois um dos critérios para participar do curso era o
desejo.
As diferentes estratégias, organizadas pela equipe do CRA/CEF 18 para o
acompanhamento do trabalho realizado em cada escola, permitiram que todas as escolas
pudessem ter contato com a educação continuada proposta por ele. Caso a escola não tivesse
um representante pedagógico participando do curso, haveria a possibilidade da participação
no fórum e, ainda, poderia ser contemplada pelas “visitas periódicas e atendimento no
NCP/escolas, quando solicitado”, de acordo com o descrito no Plano de Ação (2007). Numa
conversa, Lúcia comentou que “a participação do coordenador pedagógico no fórum tem
vínculo com a DRET, que observa a presença das escolas em cada encontro e, caso seja
necessário, as coordenadoras do NMP podem intervir, questionando à escola o motivo de sua
não participação”, o que, de certa forma, possibilita que todas as escolas participem das
situação de educação continuada propostas por esse CRA.
A questão do não-desejo de participar de situações de educação continuada, ronda os
espaços escolares. Muitas vezes os professores associam o que lhes está sendo proposto a
outras experiências e se esquivam de participar. A fala de alguns cursistas transparece essa
idéia, quando comentaram “a Mariana desistiu do curso. Ela disse que tudo era igual ao ano
passado, então não quis mais continuar”. Nesse momento, questionei o que tinha de igual, e
ela respondeu “as idéias, a gente viu tudo isso nas oficinas realizadas no ano passado”. Isso
demonstra que as discussões sobre o trabalho que realiza deixam de ser prioridade, pois na
maioria das vezes, o que os professores buscam nos cursos de educação continuada são
receitas diferentes para aplicar. No entanto, esse curso priorizou discussões coletivas sobre o
que se faz, pautando numa determinada perspectiva, que de uma forma ou de outra
possibilitou ao professor analisar suas ações.
139
Para o CRA/CEF 18 tornou-se imprescindível promover momentos de reelaboração e
reflexão coletiva, referendando os dizeres de Zeichner de que “o importante é o tipo de
reflexão que queremos incentivar nos nossos programas de formação de professores [...]”
(1993: 50), ou seja, uma reflexão crítica e participativa. Nesse sentido, por meio das ações
criadas pelo CRA/CEF 18 para acompanhar o trabalho realizado, os professores puderam
apoiar-se na prática reflexiva, destacada por Zeichner (ibid.). Para este autor, a reflexão, como
prática social, só pode se realizar no coletivo, mediante a transformação das escolas em
comunidades de aprendizagens, num mútuo apoio.
As atividades organizadas pela equipe do CRA/CEF 18 (2006, 2007) buscaram apoiar
o trabalho docente realizado pelos professores e subsidiar a reflexão coletiva, instigando-os a
refletir sobre o que fazem, investigando e problematizando os resultados obtidos, também lhes
ofereceu suporte teórico, incentivando-os a pesquisar sua própria prática. Mediante essas
ações, pretendeu desenvolver esta cultura no cotidiano das coordenações pedagógicas,
despertando nos professores o interesse em investigar as questões que ocorrem no cotidiano
de sua sala de aula, bem como de sua escola. Freire diz que “não há ensino sem pesquisa e
pesquisa sem ensino”, porque “faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca,
a pesquisa” (1996: 29). Portanto é importante que “em sua formação permanente, o professor
se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador”. Essa pesquisa exige uma
reflexão crítica, o que Freire chama de “curiosidade epistemológica”.
A curiosidade ingênua, de que resulta indiscutivelmente um certo saber, não importa que metodicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso comum. O saber de pura experiência feito. Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a consciência crítica do educando cuja "promoção" da ingenuidade não se faz automaticamente (ibid.).
Para pautar-se nessa reflexão crítica, o professor precisa imbuir-se de referenciais
relacionados à essência daquilo que o inquieta e assim olhar para a situação e analisá-la, no
ponto de vista de Freire (ibid.), constatando, intervindo, reprocurando, conhecendo e
comunicando o que descobriu ou redescobriu.
O acompanhamento do trabalho docente realizado pelo CRA/CEF 18 desencadeou um
acompanhamento sistematizado do trabalho desenvolvido pelos professores em sua sala de
aula. Ao propor a organização dos grupos de estudo no espaço/tempo da coordenação
pedagógica, em cada escola, mantendo o contato com um coordenador ou representante
140
pedagógico para acompanhar o trabalho realizado, o CRA/CEF 18 suscitou a sistematização
do acompanhamento do trabalho de cada um dos professores participantes ou não do curso.
A professora Maria declarou que esse é o tipo de acompanhamento, que na visão dela,
conduz ao “caminho certo”, porque oportuniza a “reflexão crítica sobre o processo de
alfabetização”. Uma reflexão que possibilita ao professor se auto-avaliar como profissional,
conforme deseja a professora Ana. Ela almeja que, nos cursos de educação continuada, os
professores vivenciem situações que lhes permitam se auto-avaliarem como profissionais.
As discussões no grupo de estudo, com análise de dados de cada turma, bem como do
todo da escola, permitiram a cada professor avaliar o trabalho que realizou. Referindo-se à
avaliação, a professora Suzi comentou que, além dessa análise, ela e a parceira de trabalho
procuram conversar e repensar as ações. Ela disse: “eu e a Paula estamos sempre procurando
avaliar nosso trabalho, para ver o que estamos fazendo, às vezes até descobrimos um outro
caminho melhor para trabalhar. Essa avaliação tem que ser contínua”, dizendo que
procuram se avaliar durante a organização dos planejamentos diários. A professora Lara
complementou “a gente avalia os resultados o tempo todo”. O olhar crítico-reflexivo para as
ações que realizam possibilitou a auto-avaliação, bem como a avaliação do trabalho coletivo
que a escola desenvolveu.
Infelizmente, nem todas as discussões, desencadeadas nos grupos de estudo,
oportunizam o repensar das práticas do professor. Uma situação relatada, no curso por uma
representante pedagógica de uma escola, evidenciou essa lacuna nos grupos de estudo, no
sistema de educação. Na escola em que trabalhava, havia uma professora de uma turma de
etapa III, que em meados de agosto tinha, ainda, crianças não-alfabetizadas e ela se negava a
realizar o trabalho proposto coletivamente. Vendo o resultado de seu trabalho espelhado nos
gráficos expostos na discussão do grupo de estudo, sentiu-se tão incomodada que permutou de
escola outra professora. No entanto nessa escola, continua havendo problemas com os pais
das crianças que cobram um trabalho efetivo que oportunize o avanço nas aprendizagens,
como vinha ocorrendo com a professora anterior. Também o grupo de estudo tem propiciado
uma discussão crítico-reflexiva que tem despertado nela a vontade de sair daquela escola.
Caso todas as escolas contassem com essa sistemática de acompanhamento do trabalho de
cada professor, certamente algo teria que ser mudado, ou o trabalho que realiza na
alfabetização ou, quem sabe, optar por outra série. Caso não haja essa reflexão, outras
crianças estarão condenadas à internalização da exclusão, a continuarem marginalizadas,
vítimas da violência da não-aprendizagem.
A professora Lúcia comentou como se sente amarrada pelo sistema mediante essa
141
situação. Ela disse “a gestão da escola, desde o início do ano, pode apresentar aos auxiliares
da educação suas funções, pode também discutir com os professores as funções do
coordenador pedagógico, descritas na portaria, mas quanto ao professor, em lugar algum
está definida sua função”.
A lei diz que a educação é um dever do estado e um direito do cidadão, mas não diz
que é dever do professor consolidar essa educação. O sindicato da categoria defende os
professores, e os direitos dos estudantes quem os defende, senão o professor? Lúcia concluiu
dizendo “o grupo de estudos, com este acompanhamento pode mudar essa realidade”.
Somente o comprometimento profissional de cada professor com sua função social
pode assegurar o direito do aluno, e o coletivo da escola, incluindo a gestão, deve por ele se
responsabilizar. Sabendo que, independentemente da situação, é preciso “demonstrar que é
possível mudar”, transgredir, intervir, romper, transformando uma realidade, nos termos de
Freire (1996: 112). Mas para o professor provocar tais mudanças, torna-se fundante
compreender-se como ser inacabado, que vive num “espaço pedagógico [que] é um texto para
ser ‘lido’, interpretado, ‘escrito’ e ‘reescrito’” (ibid.: 97). Uma elaboração que exige uma
articulação rizomática entre os diversos saberes do professor, num processo crítico-reflexivo
que deve ser disseminado pela educação continuada.
3.5. A articulação rizomática entre os saberes
A educação continuada proposta aos professores pelo CRA/CEF 18 (2006, 2007)
buscou compreender que a realização do trabalho docente envolve uma articulação rizomática
entre os saberes elaborados pelos professores. Tardif (2002) aponta que a educação
continuada de professores deve oportunizar uma nova visão desses saberes, relacionando-os
ao trabalho docente. Para ele o saber docente envolve a articulação de outros saberes: os
saberes disciplinares, curriculares e experenciais que por sua vez estabelecem relações com a
totalidade de situações nas quais encontram-se inseridos. Por algum tempo, o paradigma que
predominou na educação era o de que o professor era o detentor do saber e os estudantes
“tábulas rasas”, e a educação continuada privilegiava o treinamento, conforme aborda Marin
(1995). Para a autora, o treinamento representa um conceito mecânico, com a intenção de
modelar, padronizar, o que se torna restrito para designar as ações desencadeadas pela
educação continuada, uma vez que esse processo transcende tais ações.
142
A esse respeito Marin comenta:
Penso que, em se tratando dos profissionais da educação, há inadequação em pensarmos o processo de educação continuada como treinamento quando desencadearam apenas ações com finalidades meramente mecânicas. Tais inadequações são tanto maiores quanto mais as ações forem distantes das manifestações inteligentes, pois não estamos de modo geral, meramente modelando comportamentos ou esperando reações padronizadas, estamos educando pessoas, que exercem funções pautadas no uso da inteligência e nunca apenas pelo uso de seus olhos, seus passos e seus gestos (1995: 15).
Entendido de tal forma, caberia ao docente receber treinamento, sendo condicionado a
realizar algumas práticas para transmitir seus conhecimentos, o que lhe era pré-determinado.
Importava-lhe o domínio dos conteúdos de sua disciplina. A fragmentação dos conteúdos era
visivelmente identificada.
Tardif (op. cit) alerta que, mediante as mudanças sociais, a escola também muda,
exigindo dos professores mais do que conhecimentos disciplinares. Não basta dominar os
conteúdos de sua disciplina, pois outros saberes lhe serão exigidos. Postura adotada durante o
curso (2007), as oficinas e palestras organizadas pelo CRA/CEF 18 ao questionar, dentre
outros temas, o uso da avaliação diagnóstica para alfabetizadores, o trabalho com a educação
matemática e ciências, a necessidade de desnaturalizar o olhar mediante as questões que lhes
são apresentadas. Houve confronto de idéias, pois a teoria da qual essas professoras
dispunham estava sendo articuladas a outras idéias, advindas da continuidade nas pesquisas e
com outros olhares. Situação revelada pelos comentários feitos pela professora Suzi, ao
adentrar sua sala de aula. Suzi comentou que o texto de Madalena Freire, “A avaliação é um
ato de refletir sobre a sua própria aprendizagem”, distribuído no curso, no dia anterior, para
suscitar a discussão sobre a avaliação do primeiro semestre, apresentou o modo como ela
estava se sentindo ao deparar-se com as novas teorias sobre aprendizagem. O texto fala sobre
o processo de reflexão:
[...] ou o professor assume sua condição reflexão de seu processo de formação como algo que está sendo parido por ele mesmo e que, por isso trará dores de parto também, sem os fantasmas teóricos lhe paralisando a ação ou então ele pode se considerar ‘formado’, morto na sua criação, morto na sua curiosidade, morto na sua reflexão, morto na sua paixão, morto na sua capacidade de seduzir o outro para a opção do prazer em assumir sua formação (grifo meu).
143
Suzi comentou: “o texto disse direitinho o que tenho sentido”, realmente são “as
dores do parto”. E acrescentou “foi assim que me senti quando comecei a compreender as
características dos níveis da psicogênese para os alunos alfabetizados”.
A longa experiência da professora Suzi com a alfabetização demonstra a elaboração de
muitos referenciais constituídos na articulação entre os diferentes saberes e confirma a
importância da educação continuada. Segundo Tardif (2002), os saberes do professor
resultam de uma heterogeneidade. Para ele a tríade de saberes se complementa - os saberes
disciplinares - advindos da educação continuada e inicial, por meio das diferentes disciplinas
curriculares, emergem das tradições culturais (matemática, literatura...), - os saberes
curriculares correspondem ao programa escolar, à categorização dos objetivos, conteúdos,
discursos e métodos definidos pelas instituições como padrão de cultura e formação eruditas,
os saberes experenciais - adquiridos na experiência individual e coletiva.
Nesse ponto, as situações de educação continuada organizadas pelo CRA/CEF 18
teceram essa trama entre eles. Na discussão realizada durante a oficina SOS pré-silábicos, foi
proposto que os professores refletissem “o modo como aprenderam” a alfabetizar nos cursos
dos quais participaram, o que era necessário “saber para alfabetizar” e a influência das
aprendizagens advindas do “trabalho dos colegas e dos anos de trabalho” nessa área. Todas
essas questões foram apontadas nas discussões, incitando a compreensão das atuais
necessidades para alfabetizar as crianças.
Pimenta e Anastasiou (2005) abordam a necessidade de se reinventarem esses saberes
tomando a educação como prática social, numa leitura crítica da realidade para o
enfrentamento dos questionamentos com os quais os docentes se deparam. Dizem as autoras
“é na leitura crítica da profissão diante das realidades sociais que se buscam os referenciais
para modificá-la” (ibid.: 77). O CRA/CEF 18, por meio do acompanhamento do trabalho
docente realizado, objetivou oportunizar aos professores situações que lhes permitissem
refletir sobre a importância de reorganizar o trabalho docente, pautando-se em princípios
emancipatórios e desvelando a teoria em que se apóiam para orientar suas ações cotidianas.
Ao mesmo tempo buscou propiciar, na realização das atividades propostas (2006, 2007), o
conhecimento de outras teorias para com elas dialogar, contrapor, resistir, elaborar, reelaborar
e ressignificar pensamentos e ações, enfim refletir numa “compreensão crítica do contexto
social no qual desenvolve a ação educativa”, concretizando o proposto por Pimenta e Ghedin
(2005: 207).
As condições oportunizadas pela educação brasiliense para a realização da
coordenação pedagógica, apesar das perdas descritas anteriormente, tornaram possível a
144
participação dos professores nas situações de educação continuada propostas pelo CRA. A
intenção das coordenadoras do CRA/CEF 18 (2006, 2007) era que, nesse momento, os
professores pudessem refletir sobre sua ação, ou melhor, pudessem exercer uma reflexividade
emancipadora, conforme postula Contreras (2002). Ao associar as atividades propostas por
este CRA ao trabalho docente realizado, os professores puderam refletir sobre as dificuldades
encontradas, extrapolando a análise das suas experiências imediatas e da rotina cotidiana da
sala de aula e associando-as ao contexto sócio-histórico cultural em que ocorreram, por meio
do contato com teorias críticas que lhes permitiram compreender e reelaborar ações. Situação
oportunizada pela palestra realizada, no auditório do CEMAB, discutindo o tema
“Democracia e aprendizagem”. Lima (2007) abordou temas voltados para a necessidade de
desnaturalizar conceitos e preconceitos elaborados socialmente, pois quando esses conceitos
são naturalizados, não possibilitam aprendizagem, porque as inquietações ficam acomodadas.
Lima (ibid.) incendiou a discussão quando apresentou os conceitos e preconceitos importados
das outras ciências, aspectos psicologizantes, que fomentam a profecia auto-realizadora. Citou
os advindos da Biologia: “uns são mais inteligentes que outros”; da Sociologia: a política da
conservação do status quo: “os alunos da escola pública não aprendem porque são privados
culturalmente”; da Antropologia: a hereditariedade, “não aprende, é de sangue, o irmão
também não aprendia”. A professora Ana comentou “quantas vezes a gente se flagra falando
essas coisas”. A professora Suzi confirmou “às vezes a gente fala essas coisas mesmo”. O
tema provocou a participação dos professores para compreenderem as incompreensões,
conforme expõe Morin (2003). A necessidade de desconstruir tais conceitos foi explicitada,
mas “a incompreensão dos Valores imperativos propagados no seio de outra cultura” a
impedem (ibid.: 96). Lima (op. cit.) comentou que perceber a diferença entre culturas torna-se
fundamental, pois o professor precisa se distanciar da sua cultura e compreender a cultura da
criança, para estreitar as relações e criar um espaço de problemas que o permita elaborar
conceitos.
Essa reflexão/discussão foi realizada no coletivo, uma vez que aconteceu no
espaço/tempo da coordenação pedagógica, oportunizando o encontro entre diversos
professores para pensarem sobre o trabalho docente que desenvolvem. Nesse espaço/tempo os
professores puderam rever suas ações cotidianas, analisando-as individual e coletivamente,
pois além de se encontrarem com professores de sua escola, também encontraram com os
professores de outras escolas. Oportunidade ímpar para conhecer outras realidades, investigar,
problematizar e questionar, teoria-praticando o cotidiano da sala de aula, criando condições
para compreendê-lo.
145
3.6. A importância da cultura da sala de aula
Criar condições, incita, buscar responder às questões apresentadas pelo cotidiano, para
tanto se torna imprescindível, considerar todo o contexto no qual essas situações são
produzidas. André (2005) destaca a importância de se conhecer o que constitui a vida escolar
cotidiana para que se possa entender o processo de construção da cultura de cada escola, o que
considera fundamental para questionar a origem de seus problemas, o contexto específico em
que são produzidos; o seu significado para o momento histórico e seus condicionantes e
implicações.
A autora enfatiza a importância de investigar as especificidades do cotidiano escolar:
[...] para tentarmos compreender, por exemplo, como os atores escolares se apropriam das normas oficiais, dos regulamentos, das inovações; que peso têm as relações sociais na aceitação ou na resistência a essas normas; que processos são gerados no dia-a-dia escolar para responder às demanda das políticas educacionais, aos anseios das famílias e aos desafios do ensino em sala de aula (ibid. 13).
A investigação da realidade escolar oportuniza a compreensão das situações que dela
emergem. A especificidade da cultura escolar é singular a uma instituição, na medida em que
resulta das relações estabelecidas entre os atores educacionais que dela participam. Para
analisar as questões inquietantes, torna-se necessário que elas sejam discutidas pelo grupo
envolvido, que sejam entrelaçadas aos elementos que fluem do cotidiano à luz de um
referencial teórico, compreendendo e interpretando os sujeitos e suas ações. Dessa forma, o
professor pesquisador cumpre sua função social, ao tomar como responsabilidade a busca de
respostas dos questionamentos de sua comunidade, compreendendo sua cultura.
Assim como a cultura escolar singulariza uma instituição, cada sala de aula também se
torna singularizada pelo modo como nela são instituídas as interações sociais. Ao realizar a
pesquisa, e vivenciar o cotidiano escolar de cada uma das três etapas do BIA, essa
singularidade ficou nitidamente clara. Cada uma das professoras demarcou seu estilo de ser
em sala de aula, o que conseqüentemente tornou ímpar as situações vivenciadas pelas crianças
que a freqüentam.
A professora da Etapa I manteve uma rotina escolar, em que ao adentrar a sala de aula,
as crianças organizavam-se numa roda para conversar – a Hora das Novidades, logo em
seguida, explorava o calendário do mês e faziam a contagem das crianças presentes. A
146
professora aproveitava esse momento para dar os encaminhamentos da atividade seguinte. Ao
término das atividades, as crianças podiam manusear livros com histórias infantis. Incluíam-
se, nas atividades dessa rotina escolar, o lanche e o recreio.
Após o recreio as crianças dessa etapa permaneciam no parquinho por mais quinze
minutos, pois as professoras consideram importante a vivência desse momento, pela idade das
crianças e sua disposição para produção durante o período escolar. Na maioria das vezes, ao
retornar à sala a professora contava-lhes uma história e propunha-lhes alguma atividade. As
crianças sentavam-se em grupos de quatro crianças, podendo mudar de grupo, por interesse
próprio ou da professora.
As crianças da Etapa II vivenciaram uma rotina diferenciada. Ao entrar em sala iam
logo organizando o calendário e em seguida eram motivadas a realizar uma atividade proposta
pela professora, envolvendo uma área do conhecimento. Terminavam geralmente no horário
do lanche, que era seguido pelo recreio. Após o recreio, realizavam uma outra atividade
pedagógica, o que findava com o término da aula. As crianças sentavam-se em grupos de seis,
organizados nas áreas laterais da sala e no centro havia quatro filas, cada uma com três
carteiras. As crianças dos grupos mudavam de lugar entre os grupos, enquanto as crianças do
centro trocavam de lugar com as outras que sentavam nesse espaço.
Na maioria das vezes, as crianças da etapa III começavam suas atividades com a
correção coletiva da tarefa de casa, momento em que a professora explorava as representações
apresentadas pelas crianças em relação aos conceitos trabalhados. Logo em seguida,
realizavam uma atividade pedagógica proposta pela professora. Paravam para o lanche e o
recreio e retornavam às atividades.
Outras tarefas lhes eram propostas, à medida que iam terminando. Para isso a
professora chamava as crianças em pequenos grupos e lhes explicava a atividade. Nessa
turma, as crianças sentavam-se em fileiras, havia três fileiras, cada uma com três carteiras, e
geralmente, as crianças mantinham-se nos mesmos trios.
A configuração espacial das três turmas, onde transcorreu a pesquisa ficou
representada conforme mostra o Quadro 7:
147
Quadro 7 – Organização espacial da sala de aula
Etapa I Etapa II Etapa III
Elaborado pela pesquisadora, a partir das observações em cada uma das salas de aula.
A turma da Etapa I é uma turma de inclusão, isto é, possui uma criança ANEE - com
deficiência visual – baixa visão, portanto tem garantido uma redução prevista no item 4.7.4 –
Constituição de turmas - Estratégia de Matrícula 2007, por isso possui 22 alunos. Caso fosse
uma turma regular, poderia ter no mínimo 24 alunos e no máximo 30. As turmas de Etapa II e
III são regulares, possuem cada uma delas 35 alunos. De acordo com o item 4.2 –
Constituição de turma da Estratégia de Matrícula 2007, essas turmas poderiam ter no mínimo
30 alunos e no máximo 45. A quantidade de alunos atendidos nas turmas de Etapas II e III
(35) representa um número relativamente excessivo para uma turma de alfabetização, uma vez
que a professora necessita acompanhar as elaborações das aprendizagens de cada um deles.
A observação da organização espacial dessas salas de aula possibilita diversas
análises. A sala da Etapa I apresenta um espaço com maiores possibilidades de locomoção,
enquanto as turmas de Etapa II e III a dificultam. A quantidade de crianças em sala contribuiu
para o adensamento do espaço, de forma que, por mais que a professora o reorganize, ficará
com o aspecto de “apertado”. As mesas dessas salas ficam bem próximas umas das outras,
prejudicando a passagem entre elas, inclusive da professora. As aulas das professoras foram
gravadas, durante sua reprodução, a fala da professora da Etapa I é claramente ouvida, no
entanto a fala das professoras das outras etapas ficou prejudicada, pelos constantes ruídos
sonoros, provocados no ambiente da sala de aula. São cadeiras arrastadas para permitir a
locomoção de algumas crianças até a lixeira, ou mesmo para possibilitar à professora
acompanhar a atividade das crianças que ficam no meio dos grupos. Parece que a diferença
de dez crianças entre o número de crianças atendidas na etapa I e nas etapas II e II não
interfere na qualidade das condições de trabalho, no entanto certamente o ambiente sonoro a
que ficam expostas crianças e professoras é bastante diferente. Inclusive as falas das crianças
da Etapa I são nitidamente ouvidas, enquanto nas outras Etapas, há sempre falas simultâneas,
5 4
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148
por mais que as professoras se esforcem para garantir a fala de uma criança, há sempre outras
usufruindo desse direito. Essa situação se agrava quando a professora deseja conhecer as
representações de cada criança para depois trabalhar o conteúdo.
Fato que ocorreu quando a professora Lara estava contando uma história. A professora
procurou ouvir o pensamento de algumas crianças, porque não era possível ouvir todas, caso
fizesse isso “demoraria mais que as duas horas que gastei para contar a história que poderia
ter sido contada, em trinta minutos”. Algumas crianças ficavam indignadas porque não dava
tempo para que elas pudessem se expressar. Quando a professora contava a história, o silêncio
imperava, no entanto quando fazia um questionamento havia muitos burburinhos e ficava
difícil permitir a fala de todas. Essa situação também ocorria na turma de etapa II, no entanto
não acontecia na etapa I.
O desejo de ouvir as crianças permeou a realização das atividades nas três etapas. As
professoras procuravam manter um diálogo com as crianças, para compreender o pensamento
delas em relação ao assunto que estava sendo trabalhado em sala de aula, a partir dessas
representações, promoviam situações para oportunizar aprendizagens.
Outro ponto comum apresentado entre as professoras regentes refere-se ao momento
em que se encontram no ciclo de vida profissional. Todas se encontram na fase final de
carreira, demonstrando uma certa desilusão provocada pelas constantes mudanças
educacionais que desconsideram os saberes docentes por elas elaborados durante sua trajetória
profissional, conforme os depoimentos descritos no capítulo II.
Da mesma forma, também o curso “Ressignificando a Prática Pedagógica à luz do
Pós-Construtivismo”, promovido pela equipe do CRA/CEF 18 em 2007, buscou demarcar sua
cultura. Esclarecendo essa questão durante um dos encontros, Meg enfatizou que as atividades
planejadas:
trazem a possibilidade de vocês se interarem das questões, para que no grupo de estudos, nas coordenações, vocês possam se reunir, discutir as questões pertinentes a cada turma e planejar, pensando na turma de cada um de vocês. Para isso vocês precisam observar os resultados da aula entrevista, o mapeamento da turma. Conversar sobre as angústias, fazer leituras teóricas para dar subsídios a essas angústias. Fazer a discussão, pensando em alternativas para superá-las. Pensar em realizar o interclasse semanalmente, planejar SOS, se for necessário, mas com um objetivo definido. Em uma escola, a partir do grupo de estudo, e percebendo a grande quantidade de alunos não-alfabetizados, o grupo planejou o interclasse e a partir dele um SOS para zerar com os Pré-Silábicos, não zerou, mas reduziu drasticamente (Encontro realizado em 17 de maio de 2007).
149
O CRA/CEF 18 teve a intenção de vencer as dificuldades surgidas no cotidiano
escolar, conquistando o espaço/tempo da coordenação pedagógica, dedicado ao curso, para
vencer a dessensibilização ideológica e oportunizar aos professores, a vivência de um
processo intelectual crítico-reflexivo. Buscou despertar a atenção dos professores para a
pesquisa das questões que afloram do cotidiano escolar, podendo repensar o ofício de ser
professor. Com a constituição dos grupos de estudo na escola, os professores, mesmo não
participando do curso, tinham contato com as discussões desencadeadas naquele espaço,
repassadas pelo coordenador e/ou representante pedagógico da escola. Dentre as discussões
que buscou aguçar incluiu o tema das interações sociais, abordadas por Freitas (2005) ao
verificar o clima de dominação que imperava nas interações estabelecidas em sala de aula,
durante todo o ano letivo.
O autor comenta que o estudante caminha sozinho no seu processo de elaboração do
conhecimento, não lhe sendo permitido vivenciar situações de companheirismo e
solidariedade. Dessa forma, o trabalho escolar baseia-se em ações individuais, desarticuladas
da realidade, dirigido por regras impostas. No entanto, o cotidiano escolar deveria ser repleto
de práticas sociais, oportunizando a vivência de atividades de interação, de parceira. Dessa
forma, a função social da escola está, então, pautada numa concepção de escola capitalista,
garantindo a manutenção da organização social em seu mesmo estilo (capitalista). Freitas
(2005: 263) aborda que “com base nessa compreensão é fundamental reinventar as práticas
[...] no interior da sala de aula”, considerando, permanentemente, a necessidade de se repensar
o trabalho docente desenvolvido no cotidiano escolar, reorganizando seus princípios numa
outra lógica.
O CRA/CEF 18, vislumbrando a reivenção dessas práticas no interior da sala de aula,
propôs como tema de uma oficina, a discussão sobre a “Interação social na sala de aula”. Essa
discussão foi novamente realizada, durante o curso promovido em 2007. A professora Lúcia
esclareceu que a prioridade do curso seria “oportunizar ao professor situações para que ele
perceba que pode levá-las para a sala de aula”. Para tanto propuseram o trabalho em
pequenos grupos. Durante um dos encontros houve a eleição dos grupos áulicos. Meg
esclareceu que o “princípio para a formação dos grupos é a aprendizagem”, por isso, para
que houvesse eleição seria necessário que as professoras-cursistas pensassem sobre essa
questão, definindo três colegas, uma com a qual gostaria de aprender, outra com a qual
gostaria de trocar e uma à qual gostaria de ensinar. A partir desses três elementos, e
considerando outros, foi realizada a eleição entre as cursistas, destacando a importância da
possibilidade de instituir essa dinâmica em sua sala de aula. Meg também destacou a
150
importância da “formação dos grupos de estudos na escola, para que os professores
pudessem, juntamente com os outros colegas, dinamizar o trabalho pedagógico da escola, na
fase da alfabetização” e relembrou que esse tema também deveria ser discutido no grupo de
estudos, explorando as nuanças desse trabalho na sala de aula. Ela enfatizou as situações de
interação social oportunizadas pelo trabalho em grupo, pois a criança aprende a viver
coletivamente na escola. A professora Ana reforçou a necessidade de se instituir esse trabalho
no cotidiano escolar, durante uma discussão realizada no Fórum. Ela comentou:
As crianças de hoje mesmo de tendo acesso fácil às informações, pois elas estão em todos os lugares, tem um espaço de convivência muito difícil. Cada família tem poucos filhos, geralmente um. Cada filho tem uma televisão no seu quarto. As crianças quase não têm que resolver conflitos em casa, geralmente os pais fazem todos os gostos. Quando acontece alguma coisa na escola os pais dizem que na casa deles não acontece nada disso. Alguns pais querem garantir o privilégio dos filhos na escola, só que essa é uma das oportunidades dele ser igual. São trinta, e ele é “um”, não “o”. São trinta, e ele é um deles, assim ele vai aprender a conviver, aprender a ouvir, a esperar a vez de falar, aprender a resolver um conflito, a se frustrar. É na escola que as crianças vão aprender a viver socialmente, aprender a construir relações, aprender a dar e receber, aprender o jogo social. Na escola a criança descobre que ele é um entre tantos, que ele tem direitos iguais, que deve respeitar o espaço do outro. Aprende a abrir mão, a ceder.
A professora Ana, comentando o relato da professora Suzi, ao organizar o trabalho em
sala em grupos áulicos, disse: “no segundo e terceiro dia, os meninos já queriam mudar, eles
não queriam mais o líder, o líder queria abdicar. Eles têm dificuldade de assumir
compromisso, eles são imediatistas. Eles acham que tudo que sentem dificuldade em resolver
tem que largar, tem que mudar de sala, de professor, de escola para resolver o problema”.
A professora Lúcia completou “é a hora que a família dá emprego ao psicólogo,
tentando descobrir o problema do filho e, às vezes para a gente isso fica muito claro”.
Todas essas questões enfatizam a importância do trabalho em sala de aula, priorizando
situações de interação social, o que demanda a reconfiguração do trabalho docente, conforme
a professora Jane enfatizou ao final dessas falas: “o trabalho docente precisa ser profissional,
realizado por professores que estudam, aprendem e que sabem que as crianças estão
aprendendo”. Concepção essa fundamental para que seja instituída uma outra lógica para a o
trabalho docente, inclusive para o BIA, que tem como prioridade desnudar a progressão
escolar instituída outrora nas escolas brasilienses. Imprescindível para ressignificar esta
organização escolar em ciclos, reconfigurando a idéia da progressão continuada, conforme
151
adverte Freitas (2002, 2003). Necessidade inexorável dessa organização da escolaridade,
várias vezes adotada pelo sistema de ensino brasiliense e que, infelizmente, não conseguiu
solucionar o grave problema da reprovação, evasão e internalização da exclusão, que
impossibilita a inclusão escolar de grande parcela dos estudantes.
3.7. Inquietações despertadas na Educação Continuada
Para provocar mudanças, torna-se necessário discutir os contratempos encontrados
para ousar buscar condições para engendrá-la. Portanto a discussão sobre os obstáculos que
provocam o enganchamento da educação no cumprimento de sua função torna-se fundante
para que ocorra alguma alteração. Situação que demanda a necessidade de enfrentar as
inquietações surgidas no dia-a-dia da escola. A professora Ana comentou que durante o curso,
promovido em 2006, essas questões vieram à tona, inclusive ela apresentou para a professora
responsável por sua turma a situação que enfrentava na escola. “Eu tinha uma turma de etapa
III, com alunos de diferentes faixas etárias, de até dezoito anos. Tinha alunos especiais.
Alfabetizados e não-alfabetizados”, no entanto, quanto abordei o assunto a professora disse
“que ia ser tratado assim mesmo, por idade. Eles aprenderiam todos juntos”, mas Ana
retrucou: “Não é assim!” Na realidade, na sua sala de aula, teria que se desenvolver um
trabalho bem refletido, diversificado, atendendo às necessidades de aprendizagem de cada um
dos estudantes, mas, segundo a professora Ana, a discussão:
não promovia a reflexão sobre esses assuntos. Não aprofundava a reflexão sobre essas necessidades, passava por cima. Não era uma coisa que fazia você pensar a respeito. Parecia que era um curso que tinha que ser repassado, a professora vinha e reproduzia o que tinha para repassar. Não lidava com o real, parecia que estávamos falando de outra realidade. Parecia que a gente estava falando de uma coisa que não era o dia-a-dia da sala de aula. A gente estudava, participava, mas aquilo não tinha muito a ver com a nossa realidade não.
Tratando, dessa forma, as situações advindas do cotidiano, o processo de
internalização da exclusão continuaria, as crianças permaneceriam na escola, mas sem que se
garantisse sua aprendizagem, seu avanço nos estudos, sua inserção social. A instituição da
situação de educação continuada promovida pelo curso “Alfabetizando no BIA”, realizado em
2006, pareceu não coadunar com a perspectiva descrita na Proposta Pedagógica ao suscitar
152
que “a formação defendida pelo BIA é a de que se torna impossível transformar as práticas do
professor, sem conhecer o que este sujeito fundamental da ação pedagógica pensa” (2006:
18), idéia complementada pelo pensamento de Tardif sobre a impossibilidade de se
"compreender a natureza do saber dos professores sem se colocar em íntima relação com o
que os professores, nos espaços de trabalho cotidiano, são, fazem, pensam e dizem” (2002, p.
15). Ao desconsiderar a situação vivenciada em sala de aula pelos professores, esse curso
criou uma lacuna entre o que os professores são, fazem, pensam e dizem sobre o trabalho que
desenvolvem e a educação continuada que estava sendo a eles oportunizada.
A professora Lara, percebendo que as discussões não adentravam sua sala de aula,
questionou:
O que é mais importante; é o meu aluno ou é ficar lá sentada? Das três horas que nós ficávamos lá, tirávamos uma hora de coisas interessantes, o resto não dava para aproveitar. Então, nós realmente achamos que era mais importante ficar aqui na escola preparando a aula para o aluno do que ficarmos no curso, e desistimos de freqüentá-lo.
A professora Maria também lamentou o rumo tomado pelo curso, dizendo: “quanto ao
curso, ele iniciou de uma maneira, com boas perspectivas, mas depois começou a se perder”.
Ela acrescentou sua opinião quanto a esse fato: “acho que foi pela falta de conhecimento do
pessoal que estava ministrando o curso. Acho que foi um caso pontual, isso geralmente não
ocorre”. Ela disse que não chegou “a ficar até o final” porque ficou “desestimulada; as
atividades e o que estava sendo proposto não estavam me chamando a atenção [...] eu não
me interessei”.
As atividades desenvolvidas no curso “Alfabetizando no BIA” parecem não ter
atendido às expectativas das professoras, interlocutoras da pesquisa. Elas afirmaram que o
curso não lhes despertou interesse. A professora Suzi comentou que o curso “não propiciava
ao professor aquilo que almejava”, não lhe despertando o interesse em permanecer,
participando dos encontros.
Lara advertiu: é “claro que teve alguma coisa que era novidade, coisas interessantes,
mas era muito pouco para tanto tempo que a gente perdia”. Ela continuou, dizendo que
“depois do recesso de julho, nós não voltamos mais” e Suzi complementou “eu acho, na
minha concepção, que na minha turma apenas um terço que iniciou, terminou”.
A professora Lara compreendeu a importância de algumas das discussões realizadas
no curso tanto que afirmou que houve discussões interessantes, mas que se deviam ter
privilegiado as necessidades das crianças. Questionou o teor da maioria das discussões que
153
deixaram de privilegiar o trabalho que necessita ser concretizado em sala de aula para dar
conta da complexidade por elas vivida, pelo modo em que se deu a enturmação das crianças,
considerando apenas a idade.
As professoras tinham uma grande expectativa em relação a esse curso, inclusive o
próprio nome era bem convidativo “Alfabetizando no BIA”. Parecia que realmente seria
desenvolvido um trabalho voltado para a alfabetização das crianças, uma vez que o processo
de enturmação adotado incluiu, na etapa III, crianças não-alfabetizadas, o que demandou o
grande desafio de enturmá-las. Além disso, teria que se evitar a internalização da exclusão
para não provocar a retenção de mais crianças nesta etapa.
As professoras gostariam que a realidade da sala de aula fosse discutida, assim como
as questões que encontram no cotidiano e que necessita serem investigadas. A professora Suzi
comentou que o que buscavam era “na verdade a prática mesmo em si, coisas práticas, do
dia-a-dia e não a teoria que estava sendo passada, mas muita teoria”. Expressões como estas
talvez possam sugerir a necessidade de compreender que a revisão de teorias, a releitura, o
aprofundamento, pudessem contribuir para a compreensão do que, realmente, acontece em
sala de aula. Essa fragilidade teórico-prático, algumas vezes, impede o reolhar para ações
cotidianas que necessitam ser revistas, repensadas, entrelaçadas ao cotidiano escolar,
permitindo ressignificar conceitos, por vezes, arraigados no contexto vivido. O que pode ser
realizado, conforme relata Feldman (2001), apresentando aos professores propostas possíveis
de serem realizadas por eles. A discussão teórica, realizada no curso, estava articulada ao
trabalho docente que realizavam, porém não se alargava a ponto de aproximar-se da realidade
vivida por elas. A esse respeito Feldman defende que:
[...] qualquer posição teórica é difícil de ser assimilada por professores e educadores se não resolve o problema prático de aprender e ensinar. [...] Nesse sentido, a interação e a negociação significativa sobre os conteúdos instrumentais pode ser um passo necessário para a reformulação das teorias. Além disso, trabalhar sobre propostas que resultem em práticas exitosas e possíveis de realizar pelos professores pode abrir maiores possibilidades para a reconstrução dos fundamentos teóricos, desenvolver princípios e ampliar a base aplicável dos conhecimentos (2001: 107).
As professoras almejavam que o curso as ajudasse a resolver os problemas práticos do
cotidiano, discutindo a realidade encontrada na sala de aula, uma teoria e prática que tratasse,
por exemplo, a grande angústia delas, o processo de enturmação e o trabalho a ser realizado
com estas crianças, afinal elas necessitam ser incluídas no processo de escolaridade, e,
portanto cursariam, em um ano, o que era proposto para os três anos.
154
As professoras explicitam que as escolas estavam criando alternativas para resolver
essa situação e, naquele espaço, poderiam discutir e buscar elementos para promover a
aprendizagem das crianças. Muitas delas não estavam alfabetizadas, e precisavam ser
alfabetizadas e não, simplesmente, serem promovidas para enganchar59 na etapa III. Isso já
foi realidade quando o CBA e a Escola Candanga foram vivenciados. A professora Lara se
preocupa com os resultados, dizendo que “pra mim está caindo naquela situação do
iniciando, continuando e concluindo”, como ocorreu no CBA.
Para as professoras participantes desta pesquisa, o curso, cujo nome era Alfabetizando
no BIA, poderia incluir a reflexão sobre a não aprendizagem das crianças, sobre o trabalho em
sala de aula para provocar o avanço nas etapas do processo de alfabetização e,
conseqüentemente, oportunizar a inclusão das crianças retidas na etapa III, além de evitar que
tantas outras ficassem nela retidas.
A professora Lara questiona: “a filosofia do BIA é muito linda quando se fala que o
aluno pode avançar. Mas será que é por aí, será que não teria que ser criada uma turma, ou
outro nome como turma de aceleração, uma turma especial” e conclui “eu não sei, eu não
tenho a resposta, eu só acho que essa forma que eles acharam, que encontraram no início” de
enturmar por idade sem considerar o processo de aprendizagem torna-se um “um ponto de
estrangulamento”, enquanto deveria ser a solução para o enfrentamento desta situação secular
vivida pela educação: a defasagem idade/série.
De acordo com as instruções dessa Proposta (2006), as escolas receberiam as crianças
não-alfabetizadas e, por meio do Projeto Interventivo, resolveriam a questão da alfabetização,
desenvolvendo um trabalho coletivo de agrupamento dessas crianças, mas como disse a
professora Lara, isso é “muito lindo no papel”, na realidade as situações apresentadas
necessitam de apoio, de referenciais, de subsídios para que o professor reorganize o trabalho
que desenvolve, pois a professora percebe sua impotência diante dessa situação e comenta:
Eu não dou conta, eu sinto muito. Eu sei que educação não tem receita, mas se alguém quiser me ensinar... Eu não dou conta de alfabetizar um aluno numa turma de 35[que já estão alfabetizados e demandam outras necessidades].
As professoras compreendiam que as etapas do processo de alfabetização requeriam
um trabalho docente com questões específicas. As crianças que estão no início do processo de
alfabetização demandam um trabalho diferenciado daquelas que avançaram nas etapas desse
59 No sentido de ficarem paradas, estacionadas nessa etapa e não progredirem na escolaridade.
155
processo, implicando um outro tipo de acompanhamento, com outras atividades didáticas, o
que sugere um complexo trabalho diversificado. Quando há na etapa III crianças em
diferentes estágios do processo de alfabetização, por mais criativa e conhecedora dos
diferentes esquemas de pensamento de cada uma das etapas do processo de alfabetização, que
seja a professora, certamente ela terá que trabalhar com núcleos diferentes, será mais que um
trabalho diversificado, algo parecido com turmas multisseriadas. Haverá na turma crianças
alfabetizadas – que lêem e produzem pequenos textos, e não-alfabetizadas – que não
conhecem sequer as letras do alfabeto, essa realidade tem sido constante nas turmas da etapa
III do BIA e tem despertado angústia nas professoras que se vêem sem alternativas para
resolver a situação, conforme declarou anteriormente a professora Lara, angustiada com a
realidade de sua sala de aula.
A professora Lara reconheceu que “receitas” não são a resposta, mas o professor
precisa de subsídios para compreender e saber lidar com essas situações que envolvem o seu
cotidiano escolar. As professoras falaram da experiência que tiveram com o trabalho
diversificado durante o exercício da profissão, mas que, nesse momento, a experiência que
têm ofereceu poucos elementos para lidar com o vivido. Lara descreveu, dentre outras
experiências, a que realizou na perspectiva da Alternativa A, dizendo que era uma rotina
repetitiva, e acrescentou “eu pensei até em fazer isso”, mas percebeu que a realidade não era
mais a mesma e precisava ser ressignificada.
A complexidade que envolve o planejamento do trabalho diversificado foi abordada
em algumas das situações de educação continuada promovida pelo CRA/CEF 18 em 2007,
tanto no curso como no Fórum de Coordenadores. Num dos encontros, foi proposta uma
atividade para se pensar no planejamento do trabalho diversificado a ser realizado em sala de
aula.
Como de costume, foi proposto o trabalho em pequenos grupos: elaborar atividades
para os diferentes níveis da psicogênese tendo como suporte um caderno de atividades. À
medida que cada grupo foi apresentando as atividades houve uma discussão, enfatizando o
nível da psicogênese ao qual contemplaria, justificado pelo esquema de pensamento da
criança, apontando, também, se era atividade de ruptura ou acolhimento. Ao ser apresentado o
bingo, Meg aproveitou para destacar que “algumas atividades podem ser elaboradas,
contemplando um espaço de problemas, ou seja, uma atividade que pode ser realizada por
todas as crianças, independentemente do nível em que se encontram, assim como o bingo”.
Reforçou a necessidade de que a professora conheça bem os esquemas de pensamento de cada
uma das crianças para que o planejamento seja organizado mediante a análise dessas
156
informações. Relembrou que as atividades planejadas para a semana devem sempre
oportunizar o trabalho individual, em pequenos grupos e em grande grupo.
As professoras pesquisadas, em diferentes momentos, expressaram o pensamento de
considerarem indispensável para o trabalho que realizam o conhecimento dessas
características, pois dessa forma tanto a criança como o professor vivenciam um processo de
alfabetização mais tranqüilo. Esse conhecimento permite que o professor acompanhe as
aprendizagens elaboradas pelas crianças, individualmente, e promova seu constante progresso
na elaboração desse conhecimento.
A professora Maria declarou:
depois que eu compreendi a psicogênese, olho para aquilo que a criança fez na atividade e sei como intervir; sei porque ela fez daquela forma, eu sei o que fazer para ela aprender. Eu sofro menos e a criança também, o ambiente fica mais agradável.
A professora Maria, comentando sobre a necessidade de ressignificar conceitos para
acompanhar a realidade que se apresenta para o trabalho docente, relatou sua opinião em
relação à sua participação em uma oficina, promovida pela equipe do CRA/CEF 18, em 2006.
Ela disse:
Eu pude desmistificar algumas coisas, que eu entendia de um jeito e eu acho que desmistifiquei. Contribuiu na prática, porque eu consegui associar o que eu já sabia, com o que eu desconstruí e reconstruí para entender melhor como a criança aprende, como se alfabetiza de uma maneira mais tranqüila.
A professora relatou que as questões que enfrentava no dia-a-dia de sua sala de aula,
requeriam intervenções para as quais buscou, nos cursos de educação continuada,
contribuições que lhe possibilitassem resolvê-las. Comentou que as situações de educação
continuada, promovidas pelo CRA/CEF 18, no ano de 2006, oportunizaram o contato com
alguns referenciais, no entanto, foram poucas as reflexões e discussões, que lhes permitiram
dialogar com aquilo que faz, cotidianamente. E acrescentou:
Fala-se muito no significativo para o aluno e o significativo para o
professor? E o professor? Acho que o ponto chave para a formação é ter essa visão de que se está formando não é o aluno. Pegam o professor como um viés, mas é o professor que tem que se formar, que tem que entender para buscar.
157
Para a professora Maria, quando a educação continuada abrange o que é significativo
para o professor, permite ao docente a compreensão do que faz e incita-o a procurar o
entendimento das questões que o desafiam. Essa compreensão do que faz exige que o
professor lance o olhar para si, para suas ações. O curso “Ressignificando a Prática
Pedagógica à luz do Pós-Construtivismo” buscou compreender o que era significativo para o
professor, ao organizar a proposta desse curso, a partir do conhecimento dos saberes dos
professores participantes.
No 3º encontro, foi proposto aos professores uma avaliação diagnóstica – primeiro
contato com alguns princípios do pós-construtivismo, demonstrando seus conhecimentos
sobre a prática pedagógica pautada nesses princípios, o que sugeriu um confronto entre os
saberes dos professores quanto à alfabetização e a teoria em que se apóia o trabalho realizado
nesse curso. As questões apresentadas traziam situações que envolvem o trabalho docente
realizado, desde os momentos de coordenação pedagógica até as atividades realizadas em sala
de aula. Incluiu discussões referentes às especificidades das etapas do processo de elaboração
do conhecimento e também sobre configuração espacial da sala de aula, que interfere
profundamente nas possibilidades de elaboração de aprendizagens por meio das interações
sociais.
Ao responder os questionamentos, os professores expressaram sua opinião em relação
a cada um dos princípios apontados, justificando seu ponto de vista, o que revelou o que cada
um considera relevante para a realização do trabalho docente. Partindo da análise das
respostas dadas pelos professores, foi possível tecer uma rede entre os princípios da teoria
pós-construtivista e os conhecimentos trazidos pelos professores, organizando as discussões
de cada encontro. Candau comenta que nos cursos de educação continuada promovidos:
os professores muitas vezes são tratados como se não tivessem um saber, têm que partir do zero, como se não tivessem ao longo de sua profissão construído um saber, principalmente um saber da experiência, que tem de entrar em confronto e interlocução com os saberes acadêmicos produzidos (2003:147).
Dessa forma, esse curso consolidou uma concepção para a educação continuada
promovida aos professores, valorizando os conhecimentos adquiridos nos anos de exercício
de sua profissão, ao mesmo tempo em que os confrontou com um dos novos paradigmas
educacionais. Jane comentou que “esse questionário que vocês responderam hoje será nosso
ponto de partida. Nós não queremos trabalhar com temas aleatoriamente. Nós queremos
trabalhar na perspectiva do processo de vocês”.
158
A avaliação diagnóstica também possibilitou o conhecimento das representações, dos
preconceitos dos professores sobre os conhecimentos considerados indispensáveis ao
alfabetizador, na perspectiva pós-construtivista. Sendo assim mais uma vez este curso primou
por uma outra lógica para embasar suas ações, considerando as representações dos
professores, tomando-as como subsídios para a organização do curso, reiterando os dizeres de
Marin ao apontar as necessidades atuais dos cursos de educação continuada, dizendo que:
precisamos adotar um paradigma com fundamento histórico e social para embasar nossos cursos, buscando levantar a história de vida, o processo de socialização, as expectativas, as crenças, os valores, as representações que os alunos tem no início do curso como subsídio para o nosso trabalho (2003:163, grifo meu).
Essa situação permitiu que as organizadoras desse curso valorizassem os
conhecimentos trazidos pelos professores e os tomassem como subsídios para o planejamento
dos encontros, cumprindo o proposto por Marin (2003).
No entanto a professora Ana, comentando a necessidade dos professores de discutirem
e socializarem as atividades realizadas nas escolas, disse que havia algo desejado pelos
professores, ainda não explicitado. “No meu grupo as professoras queriam saber como fazer
o reagrupamento interclasse, porque ainda não conseguiram planejar na escola delas. Nesse
curso a gente podia um dia, compartilhar nossas experiências. Isso ajudaria muito aos
professores”. Essa situação demonstra que, mesmo o curso, realizado em 2007, partindo das
necessidades apontadas pelos professores, ainda não conseguiu abarcar a todas. Essa situação
ainda não foi apontada nas avaliações dos encontros do curso, talvez caso tivesse sido
denunciada, teria sido contemplada.
Uma das situações organizadas envolveu a compreensão dos esquemas de pensamento
das crianças nas diferentes etapas do processo de alfabetização. Para tanto foi planejada a
análise de diferentes escritas das crianças. Cada grupo analisou e apresentou suas
considerações para o coletivo, provocando a discussão das inquietações. Jane interpelou:
“Faça de conta que essa é uma avaliação de alguma criança da sua escola, vocês estão no
grupo de estudos, na hora da coordenação e chegou, na mão de vocês, essa escrita para
vocês analisarem. Como vocês caracterizam essa criança: alfabética ou alfabetizada?” Uma
professora respondeu “essa criança escreve palavras, mas não escreve texto, para estar
alfabetizada, ela teria que escrever um texto simples, que desse para ler e compreender o que
ela estava dizendo”. Essa é uma situação que ocorre diariamente em sala de aula: a análise
daquilo que a criança revela ao professor e, para apropriar do que está sendo dito se faz
159
necessário analisar as nuanças de cada uma das etapas desse processo de aprendizagem. Essa
foi uma tentativa de demonstrar às professoras a necessidade de compreender sua prática
cotidiana em sua sala de aula, no entanto, para que seja compreendida há que ser percebida,
conforme nos mostra Vasquez (1977).
Para o autor, a compreensão da prática pode elevá-la a práxis. Diz ele que
compreender a práxis não é algo simples, pois é necessário percebê-la como “atividade
objetiva e transformadora da realidade natural e social” e como atividade correspondente à
realidade, às necessidades que satisfará. “Sem a sua compreensão a prática tem sua
racionalidade, mas esta permanece oculta”, só transparece para “quem tem olhos para ela”
(ibid.: 235). Prática e teoria estão vinculadas uma a outra. A prática como fundamento,
finalidade da teoria, e a teoria como similar da prática, transformada por ela, no entanto
alerta-nos “a prática não fala por si mesma e exige uma relação teórica com ela: a
compreensão da práxis”. A atenção se redobra para não se pautar numa prática esvaziada de
teoria, elas existem numa simbiose, a validade da prática é definida pela sua unicidade com a
teoria.
3.8. Teoria e Prática: simbiose no trabalho docente
Para compreender a prática elevando-a a práxis será necessário desvelar a teoria na
qual se embasa, por meio da reflexão. Vázquez (1977) comenta que essa reflexão para
compreensão da prática pedagógica, percebendo a possibilidade de elevá-la à práxis, permite
a distinção entre práxis criadora ou reiterativa (imitativa) e práxis reflexiva ou espontânea.
Possibilita, também, a distinção entre o conceito de invenção e criação do conceito de
reprodução, no sentido proposto por Bourdieu e Champagne (1998).
Para Vázquez (1977) a unicidade entre teoria e prática permite ao professor identificar
o grau de sua reflexão. O autor diz que, dependendo do grau de manifestação da consciência
na atividade prática, há a possibilidade de ela ser reiterativa ou imitativa, espontânea ou
reflexiva.
A fala da professora Maria exemplifica o seu grau de compreensão da sua prática,
elevando-a a práxis quando declara que:
160
[...] a formação deve gerar uma discussão, uma reflexão em cima da teoria e prática possibilitando entender melhor como é que isso funciona. Refletir sobre a prática significa entendê-la, passar a compreendê-la, por isso eu acho que a reflexão é fundamental, porque você busca, e quando você busca, você não traz coisas aleatórias, você traz para funcionar, exatamente naquilo que você necessita, e você fica bem fundamentado.
Vázquez (1977) apresenta os graus da reflexão como resultantes da dialética existente
entre práxis criadora e reiterativa ou imitativa, e práxis reflexiva e espontânea e afirma
que há um vínculo entre os termos de cada par. Estabelece critérios niveladores, dizendo que
o que situa determinada prática num ou noutro nível é o grau de penetração da consciência do
sujeito e o grau de criação/humanização da matéria (produto). Apresenta três traços distintivos
na qualificação da práxis: a unidade indissolúvel, o processo prático, de interior e exterior, de
subjetivo e objetivo; a indeterminação e imprevisibilidade do processo e do produto e a
unicidade e irrepetibilidade do produto.
O autor caracteriza cada uma das práticas. Prática Reiterativa: refere-se àquela em
que há reprodução de algo previamente delineado, rompendo a unicidade do processo prático
(unidades entre teoria e prática), seu produto apresenta características análogas a outros já
existentes, portanto o ideal e o real são imutáveis. Vàzquez (1977: 257) enfatiza que neste tipo
de práxis o “projeto, a finalidade ou plano pré-existem de modo acabado à sua realização”. O
subjetivo se dá como uma espécie de modelo ideal platônico que se plasma ou realiza dando
lugar a uma cópia ou duplicação. Nada afeta as vicissitudes do processo, está pré-
determinado, já se sabe o quê e como fazer. O processo prático torna-se uma repetição, ou
uma ampliação da imitação de algo já existente. Quando há a repetição de uma prática para
satisfazer algo pré-existente, em que um processo anterior é aplicado mecanicamente a um
novo processo, Vázquez diz tratar-se de uma prática burocratizada, e que essa é favorecida
quando necessita de um corpo especial de pessoas para sua realização. Isto acontece com a
educação.
Essa é a prática milenarmente difundida na educação. O que leva a maioria dos
professores a buscar nos cursos de educação continuada, receitas, modelos prontos com idéias
para aplicar em sala de aula. A professora Lúcia comenta que é preciso romper com este
olhar:
O professor é muito experimentador, experimenta aqui, experimenta ali, na verdade nós somos profissionais, mas não nos vemos como profissionais. Para ser profissional é preciso se especializar, investigar, saber porque não é assim... O quê está acontecendo, porque não deu certo. É o tempo da pesquisa, na sala de aula. Começar pelo olhar da profissionalização.
161
Essa seria uma práxis diferente, que não está pronta, mas será construída, uma práxis
criadora. Vázquez (1977) define Práxis Criadora como aquela em que há unicidade do
processo prático (há unidade entre teoria e prática), pois o ideal e o real são mutáveis, cria-se
o modo de criar, de fazer algo que não estava delineado anteriormente, tornando seu produto
singular e novo. A práxis humana, atividade criadora, é determinante na medida em que
permite invenções para enfrentar novas necessidades. A solução encontrada para atender a
qualquer uma dessas necessidades pode ser generalizada por um determinado tempo, mas
novas situações exigirão novas criações. Criar, enseja revolucionar, sendo assim não há como
imitar, mas inovar, assimilar uma criação.
As professoras pesquisadas pautam-se na prática criadora, conforme os relatos das
atividades que oportunizavam às crianças. Inclusive a professora Maria o fez, durante aquela
aula na qual promoveu situações de alfabetização às suas crianças, oportunizando-lhes
aprendizado das letras. Ao contar a história, ela foi tecendo articulações entre o lido e vivido
pelas crianças. Maria descreveu os animais e incentivou as crianças a descobrirem qual estava
relacionado a cada letra. Ela não seguiu os passos engessados para uma aula de história, mas
criou um ambiente agradável de aprendizagens. Aproveitou o momento para fazer
intervenções que promovessem a aprendizagem, como na exploração de cada umas das letras
do alfabeto, trabalhando com todas elas ao mesmo tempo, e não como a receita da cartilha que
oferece a cada lição uma letra e uma porção de exercícios repetitivos para a criança realizar. A
professora compreendeu que a aprendizagem se dá num mergulho no caos de um campo
conceitual, articulando teoria e prática, conforme afirma Vázquez (1977) ao dizer que não há
teoria sem prática, portanto, não há ação sem uma razão.
A cada dia as professoras pesquisadas promoviam uma forma diferente para
oportunizar aprendizagens. A professora Maria, que precisava alfabetizar as crianças,
procurava diversificar a forma de explorar todas as letras, contando outra história, com outro
modo de intervir, mas sistematizando as aprendizagens das crianças. Quando conversava com
as crianças ou lhes contava uma história, falava as palavras normalmente: “sonu; sorveti,
istrela” e, na hora da sistematização alertava, questionando “nós falamos assim e escrevemos
com que letra?”. A professora Lara também explorava essas questões a todo momento. Cada
criança tinha a liberdade de sistematizar a seu modo, e a professora acompanhava as
sistematizações, intervindo quando necessário – uma práxis criadora, revolucionária.
Vázquez (1977) mostra que para existir uma práxis revolucionária é necessário
àqueles que a desejam imbuír-se de seus objetivos e de uma teoria que os impulsione. O autor
diz que a práxis revolucionária somente se plasmará pela ação humana, no processo prático,
162
singular, imprevisível, irrepetível, mas esta imprevisibilidade não exclui a antecipação ideal
do desenvolvimento de uma práxis revolucionária. Para ele um movimento histórico
desenvolve-se na singularidade do contexto que o determina, mediante as situações que vão se
apresentando no processo da prática. Muitas vezes, nessa realização uma nova descoberta vai
sendo tecida.
Nas situações descritas no trabalho desenvolvido pelas professoras pesquisadas, ficou
claro que os momentos de aprendizagem que proporcionaram às crianças são singulares,
imprevisíveis e estão pautados numa teoria que, como Maria descreveu anteriormente, se
desconstrói e reconstrói para que possam melhor compreender e refletir sobre o trabalho que
desenvolvem. Não é algo estático, acabado, que pode ser constantemente aplicado, mas que se
plasma em sua ação.
A professora Maria comentando que essa prática foi construída no decorrer de sua
vida profissional, disse:
como eu aprendi isso?Aprendi buscando, lendo, li realmente [referindo-se a um arsenal de livros sobre alfabetização, que doou para a escola] e os cursos me deram complementos. Os cursos sozinhos não vão chegar lá. É preciso a parte teórica e prática e uma reflexão sobre ela.
Todas essas situações contribuíram para as elaborações e reelaborações vividas por
Maria nesse processo de educação continuada constante, compreendida como algo inacabado,
incessante. Algo que depois de descoberto necessita ser redescoberto.
Vázquez (1977) alerta para o cuidado com as descobertas, afinal as leis para serem
generalizadas ensejam muita cautela na sua interpretação. Envolve perceber suas
particularidades, compreender suas nuanças. Outras situações similares acontecem, mas não
seguem rigorosamente o mesmo processo vivido, cada uma segue a seu modo, conforme suas
necessidades. O autor apresenta a práxis criadora como aquela em que, somente
abstratamente, pode haver indissolubilidade entre prática e teoria, tal como apresenta sua
unicidade. O processo prático é incerto, mas ao seu final essa incerteza dá lugar à realização;
o que se inventa é o modo de fazer.
A professora Lara, durante a decomposição de numerais com as crianças, demonstrou
que a criação tem situações similares, mas que não seguem rigorosamente o mesmo processo
vivido. As crianças aprenderam a decompor os numerais, compreendendo o processo.
Diferentes algoritmos foram apresentados, contrapondo-se ao simples ato de definir a
quantidade de centenas, dezenas e unidades comumente usadas na escola. Dentre eles, foi
163
apresentado, para a decomposição do número 136: “9 dezenas e 46 unidades”; “11 dezenas e
26 unidades”; “100 unidades, 3 dezenas e 6 unidades”. Para o número 243, apresentaram,
dentre outras, a resposta “23 dezenas e 13 unidades”. Esse processo de criação pautado na
práxis da professora, embasou suas atitudes ao oportunizar às crianças a elaboração de
conhecimentos.
Para resolver essa questão, as crianças precisaram de subsídios que lhes possibilitaram
a compreensão do conceito de decomposição, não foi um puro ato de reprodução. Precisaram
lançar mão do ato reflexivo, assim como a professora os disponibilizou ao lhes oportunizar tal
situação. Cada algoritmo foi criado, inventado, não foi reproduzido do modelo apresentado
pela professora, evolveu um processo de reinvenção, de reflexão.
A ação reflexiva caracteriza um dos tipos de práxis apontados por Vázquez (1977). O
autor esclarece que uma prática por ser Reflexiva ou Espontânea, dependendo do grau de
manifestação da autoconsciência, se elevado; baixo ou quase nulo.
Na Práxis Reflexiva, apresenta-se um alto grau de consciência da atividade prática -
da consciência da práxis (autoconsciência), em que o sujeito volta-se sobre si mesmo e sobre
a atividade material que se realiza. Na Práxis Espontânea não há falta de consciência prática,
há um baixo grau de consciência ou este é quase nulo. Uma práxis pode ser criadora e
espontânea, uma não exclui a outra, depende do grau de manifestação da consciência na
atividade prática.
A consciência prática é aquela que permite a realização de um ideal e está sendo
delineada durante todo o processo, adequando-se às situações eleva-se à práxis criadora; e
aquela que se processa mecanizada, debilitada torna-se puramente uma práxis imitativa. À
consciência que se volta sobre si mesma e sobre sua ação plasmada é denominada de
consciência da práxis enquanto que consciência da prática é aquela em que a consciência se
apresenta quase nula, porém, “toda consciência prática implica sempre em certa consciência
da práxis”, embora ambas estejam em planos e níveis diferenciados.
A ansiedade das professoras pesquisadas revela que a teoria e a prática que desejavam
encontrar, nos cursos de educação continuada, seria uma teoria e prática que contribuísse para
ressignificar o trabalho docente que realizavam, que pudesse ser elevada à práxis, que fosse
reflexiva em que a consciência da práxis permitisse torná-la criadora. Algo que pudesse lhes
ajudar a compreender o cotidiano da sala de aula, dispondo de referenciais que as possibilitem
resolver as questões que lhe são apresentadas, como ocorreu em algumas das situações de
educação continuada propostas em 2007.
164
A professora Ana, referindo-se ao curso promovido, em 2006, pelo CRA comentou
que:
No curso foi feita muito proposta prática, tanto que muitas atividades estamos usando agora, mas não teve uma proposta para elevar o conhecimento teórico e prático, tinha, mas um pouco fraco, não deu para saber como levar uma turma do começo ao fim. Nem se avaliar como professora.
Para avaliar-se como professora, há que se refletir sobre o que se faz, articulando essa
reflexão a uma teoria e analisando os resultados do trabalho desenvolvido. No entanto
algumas vezes, o conhecimento teórico-prático, disseminado nos cursos de educação
continuada, incomoda o professorado. A autonomia a eles delegada, os leva a decidir o que
devem ou não fazer em sua sala de aula. Resta aos cursos provocar-lhes desejo de ousar alçar
outros vôos. Essa autonomia por um lado representa uma grande conquista para o trabalho
docente, por outro, impede a reflexão crítica de algumas questões. Durante alguns encontros
foi pedido aos professores que apresentassem um relatório sobre a realização de algumas
atividades.
Um deles foi pedido ao final da discussão sobre o trabalho com Ciências. Houve um
murmurinho, questionando a necessidade da entrega. Jane esclareceu que poderiam relatar a
realização ou não dessa atividade em sua sala de aula. No entanto as atividades de Ciências
realizadas nesse encontro foram articuladas à alfabetização, justamente para oportunizar às
cursistas essa vivência. Jane tentou provocar uma discussão para compartilhar idéias sobre os
assuntos abordados, mas poucas foram as participações, o que despertou a desconfiança de
que não se tem trabalhado com Ciências na fase de alfabetização. Ao final Jane suscitou a
percepção das professoras, comentando que “aquilo que cada uma fez, quando vocês estavam
interagindo, participando, construindo o terrário, conversando, tirando dúvidas, fazendo
perguntas, ali, naquele momento vocês também estavam construindo conceitos, assim como
as crianças”. Jane pretendia que as professoras compreendessem a relação entre o que
realizaram e aquilo que poderiam provocar nas crianças Uma tentativa de provocar nas
professoras o pensar sobre o que fazem em sala de aula, procurando compreender a prática
pedagógica do seu cotidiano, algo que para ser realizado necessita ser percebido, conforme
aborda Vázquez (1977).
Os conflitos gerados pela resistência à aceitação dos pressupostos disseminados por
novas teorias – que não são tão novas assim, como a construção do terrário para explorar os
conteúdos da área de Ciências, algumas vezes postergam relevantes discussões, atendo-se a
165
detalhes pouco significantes. Ao invés de discutir as questões pertinentes ao trabalho com
Ciências, às indagações das crianças a respeito do assunto estudado, ao rumo que poderia
tomar a pesquisa em sua sala de aula, reclamavam por ter que redigir um relatório sobre a
realização ou não da atividade.
Alguns, indignados questionaram: “mas é preciso mesmo trazer o relatório?” Essa
discussão poderia representar um momento riquíssimo de elaborações interessantes sobre a
realização da atividade, apontando suas adequações, inadequações e sugestões para adaptar às
diferentes realidades.
Tanto as atividades propostas no curso realizado pelo CRA/CEF 18 (2007), como as
propostas por Ana no espaço/tempo da coordenação pedagogia priorizam as idéias de
Contreras (2002), apontando a necessidade de que seja oportunizado ao professor conhecer
teoria e práticas críticas que lhes permitam compreender e reelaborar ações praticadas ao
desenvolverem o trabalho docente. Para Contreras (ibid.), esse conhecimento permite ao
professor adentrar a sala de aula com um olhar investigativo, podendo lançar mão deles para
compreender as diferentes nuanças que envolvem seu trabalho. Contreras (ibid,) ressalta a
importância desse conhecimento para que, à luz dele, o professor possa refletir sobre as
dificuldades encontradas no dia-a-dia, extrapolando a análise das experiências imediatas e da
rotina cotidiana da sala de aula, associando-as ao contexto sócio-histórico cultural em que
ocorrem. O autor alerta o professor de que:
Conforme sua prática fica estável ou restritiva, seu conhecimento na prática se torna mais tácito e espontâneo. É esse conhecimento profissional que lhe permite confiar em sua especialização. Porém, à medida que os casos reflitam diferenças, ou lhe criem dúvidas [...]. Seu conhecimento profissional acumulado e tácito se mostra insuficiente para dar conta deste caso e são outros os recursos que irá utilizar. Necessita refletir, confrontar seu conhecimento prático com a situação para a qual o repertório disponível de casos não lhe proporciona uma resposta satisfatória (2002: 107-108).
A reflexão imediata sobre os acontecimentos cotidianos pode, algumas vezes, ficar
atrelada ao senso comum, caso não ultrapasse o contexto da sala de aula. Contreras (2002)
adverte que dessa forma a reflexão fica submetida somente à experiência do professor. Para
confrontar o seu conhecimento prático torna-se necessário que o professor disponha de algo
mais que esse conhecimento, razão pela qual, precisa inserir, nessa reflexão, teorias que
permitam a ele ir além da situação.
As professoras pesquisadas desejavam, assim como reforça Houssaye (1995), que a
especificidade da formação pedagógica seja não a de “refletir sobre o que se vai fazer, nem
166
sobre o que se deve fazer”, mas refletir sobre o que elas fazem (1995: 28 apud PIMENTA e
GHEDIN, 2005: 173, grifo meu). Explicitam essa busca ao comentarem que “a gente queria,
que quando a gente chegasse ao curso Alfabetizando no BIA, encontrasse” referenciais que
ajudassem a resolver “esse problema de receber os alunos dentro da faixa etária sem a
mínima condição de estar naquela etapa”. Apontam a decepção que tiveram “porque nós
não encontramos” subsídios, “parece que ninguém tinha resposta para isso”, e concluiu que
“não encontrei ainda” tais referencias, “porque eu acho que todo mundo coloca muito lindo
no papel, ‘faz trabalho diversificado, faz isso, dá atendimento’”, esquecendo-se de
oportunizar o contato com elementos que possam contribuir para que o trabalho diversificado
aconteça, atendendo a esses objetivos, permitindo ao professor construir um novo olhar para a
sala de aula, diferente do que ocorreu e ainda ocorre em algumas poucas escolas que possuem
turmas multisseriadas.
A educação continuada quando adentra à sala de aula, permite ao professor analisar as
situações que ocorrem no cotidiano, possibilitando a reflexão daquilo que se faz. Fato que
aconteceu quando a professora Suzi analisou os dados da terceira avaliação de sua turma, em
agosto de 2007. Ao analisar as avaliações, a professora Suzi ficou encantada com os
resultados do trabalho realizado. Ela comentou “veja como está agora o Francisco. Essa é a
primeira avaliação, só escrevia palavras, fez apenas uma frase para o texto. Agora está
demais, escreveu um texto, e conseguiu expressar a idéia. Ainda tem muita palavra escrita do
jeito que ele fala, mas o pensamento dele foi compreendido”.
As professoras Jane e Lúcia precisaram de algumas avaliações de crianças
alfabetizadas para serem analisadas no Fórum com os coordenadores. Para isso pediu algumas
das avaliações realizadas nas turmas das professoras Suzi e Lara. A professora Lara, assim
como professora Suzi, também, estava deslumbrada com os resultados da terceira avaliação.
Estava difícil escolher uma dentre as demais avaliações para realizar o empréstimo.
Lara mostrava a coletânea que havia organizado, com as três avaliações de cada criança e
apontava o crescimento de cada uma delas. Havia crianças que estavam utilizando
corretamente a pontuação, o parágrafo, a letra maiúscula no início da frase, todas aquelas
questões que explorava incessantemente durante a aula. Lara comentou “esta aqui é a
primeira avaliação. Esta é a terceira. Veja como está organizado e que riqueza de detalhes
na produção do texto”.
O trabalho docente realizado pelas professoras estava estreitamente organizado em
consonância com a educação continuada oportunizada pelo CRA/CEF 18, durante a
coordenação pedagógica. Antes as professoras realizavam, por diversas vezes, a mesma
167
avaliação diagnóstica, utilizando as mesmas palavras e o reconto da mesma história, agora
estavam mudando. A cada avaliação o grupo de professores planejava uma nova história para
ser recontada, com palavras diferentes, mas contemplando as questões ortográficas que
necessitava serem trabalhadas em cada uma das etapas. O planejamento da terceira avaliação
foi proposta como uma atividade para o Reagrupamento Interclasse. A história escolhida foi
“A casa sonolenta” que foi adaptada às necessidades, conforme as orientações para
organização das avaliações, recebidas durante a realização da 1ª oficina (2007).
As situações elaboradas, discutidas, planejadas e realizadas pelo grupo de professores
do BIA, no CEF 18, e pela equipe do CRA, sediado nessa mesma escola, foram relatadas com
a intenção de evidenciar as articulações tecidas entre a educação continuada vivenciada e o
trabalho docente por elas desenvolvido. A educação continuada compreendida como um
processo que acontece influenciado pela complexidade em que se encontram envolvidos os
professores, a escola, a comunidade, a educação, a sociedade como um todo. Um rizoma
produzido na amplitude entre todas essas articulações.
168
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE AS TRAMAS TECIDAS
A Educação Continuada precisa promover a reflexão sobre sua prática e incentivar a parceria, para que realmente consiga mostrar o que você fez, porque deu ou não certo e o que pode fazer para resolver os problemas que surgem. (Professora Maria).
Para tecer a trama desta pesquisa imbriquei-me na complexidade vivida pelo CEF 18
de Taguatinga na intenção de investigar como professoras atuantes nos anos iniciais do
Ensino Fundamental articularam educação continuada, coordenação pedagógica e trabalho
docente. Essa compreensão implicou o efetivo acompanhamento tanto do trabalho docente
realizado pelas interlocutoras da pesquisa como pelo contorno vivido, pensado e sentido por
elas.
O trabalho empírico possibilitou-me perceber diversas questões do cotidiano escolar,
dentre as quais pretendo destacar algumas, como a importância de apresentar a experiência da
educação continuada promovida pela equipe do CRA/CEF 18 e o trabalho docente realizado
pelas professoras e pela coordenadora do BIA nesta escola. Considero essas práticas
pedagógicas relevantes, principalmente pelo fato de que ocorreram no espaço de uma escola
pública, vencendo adversidades que, por vezes, podem interferir na boa qualidade do processo
educativo.
A educação no Distrito Federal, em especial no que se refere aos anos iniciais do
Ensino Fundamental, venceu algumas adversidades, principalmente por meio da incessante
luta da categoria e de movimentos sociais e políticos. Conquistas que oportunizaram a
melhoria de condições de trabalho para que os professores pudessem ressignificar o trabalho
docente desenvolvido. Houve a implantação da Escola Candanga, uma política educacional
que instituiu a jornada ampliada - os professores passaram a exercer regência de classe em
uma única turma, sendo que quinze, das quarenta horas da carga de trabalho, foram destinadas
à coordenação pedagógica; momento que representou o espaço/tempo para discutir, refletir, e
construir coletivamente o trabalho docente. Infelizmente, nos últimos tempos, essa conquista
tem provocado polêmica com a determinação de se realizarem, nesse momento, outras
atividades, inclusive a substituição de professores impossibilitados de estar presentes em suas
salas de aula, por diferentes motivos. Em seguida, foi oportunizada a educação superior à
quase totalidade de seus professores, por meio da educação continuada e em serviço. Com a
169
implantação do BIA foi criado o CRA, um espaço para desencadear e subsidiar reflexões
coletivas entre os docentes que atuam nos anos iniciais de alfabetização, no momento da
coordenação pedagógica.
Mediante tais condições, o CRA/CEF 18 desenvolveu um trabalho com a intenção de
articular as situações de educação continuada à coordenação pedagógica e ao trabalho docente
desenvolvido, tanto pelas professoras atuantes nas três etapas do BIA, como pela coordenação
pedagógica de cada escola.
A concepção de educação continuada apresentada pelas situações promovidas pela
equipe desse CRA, nos anos de 2006 e 2007, período em que se realizou esta pesquisa, foi
pautada na intenção de ressignificar o espaço/tempo da coordenação pedagógica por meio
da educação continuada. Para tanto incentivaram a instituição da reflexão coletiva nesse
espaço/tempo, transformando a escola no lócus privilegiado da educação continuada,
conforme propõe, dentre outros Candau (2003).
As situações de educação continuada planejadas pelo CRA/CEF 18 foram entrelaçadas
de forma que possibilitaram o acompanhamento do trabalho realizado pelos professores
atuantes nas três etapas do BIA. Os professores tiveram a oportunidade de participar de
cursos, oficinas e palestras, com a finalidade de efetivar a educação continuada promovida
pela equipe desse CRA que realizou, ainda, o fórum de coordenadores e visitas às escolas. Em
2007, assegurou uma vaga no curso para o representante e/ou coordenador pedagógico de
cada escola.
Para instituir a cultura coletiva da pesquisa, do estudo e da reflexão, foi proposto
pelo curso “Ressignificando a Prática Pedagógica à luz do Pós-construtivismo” a organização
de grupos de estudo em cada uma das 31 escolas atendidas por esse CRA. O coordenador
e/ou representante pedagógico foi o responsável por essa organização, bem como pelo
acompanhamento e realização das atividades. Assim, fica claro que os espaços e tempos são
necessários, mas dependem de ações bem orientadas, organizadas e partilhadas para que
ganhem vida coletiva e pedagogicamente estruturada.
As atividades propostas aos docentes foram planejadas de forma que os professores
vivenciaram situações que puderam realizar em sua sala de aula, conforme propõe
Libâneo (2005). Segundo o autor, para que o professor trabalhe numa determinada
abordagem, torna-se necessário que seu processo de formação seja pautado nas características
desse paradigma.
As avaliações diagnósticas, realizadas nos primeiros encontros, oportunizaram o
confronto entre os saberes dos professores e propostas para o processo de alfabetização. Ao
170
concordar ou discordar das questões apresentadas, os professores revelaram elementos que
subsidiaram o planejamento das situações de educação continuada a eles propostas pelo
CRA/CEF 18. Considerar as representações dos professores para organizar o planejamento
também oportunizou que fosse priorizado aquilo que era significativo para eles. Essa
situação permitiu consolidar o proposto por Marin (2003) ao recomendar que os cursos de
educação continuada considerem as representações trazidas pelos professores, como subsídio
para a sua organização.
As situações propostas oportunizaram aos professores a apropriação de referenciais
para os auxiliar no planejamento do trabalho que realizavam. Ao promover esse tipo de
reflexão tiveram a intenção de articular o trabalho docente, que é prática social, à realidade
vivenciada em sala de aula, por meio do acompanhamento do trabalho desenvolvido na
coordenação pedagógica e em sala de aula.
O acompanhamento realizado pelo CRA ocorreu por meio das atividades realizadas
nos grupos de estudo, durante as coordenações pedagógicas. Nesse momento, cada professor,
de posse do acompanhamento dado aos resultados das avaliações diagnósticas e análises das
aprendizagens elaboradas pelas crianças no processo de aquisição do conhecimento, pôde
analisar os resultados, observar as diferentes nuanças apresentadas, interrogar-se e organizar o
trabalho a ser desenvolvido. O que possibilitou ao professor se auto-avaliar como
profissional, uma vez que a análise dos dados refletia tanto o trabalho realizado pelo
professor, como pelo coletivo da escola.
A compreensão da necessidade do atendimento às expectativas das crianças em
consonância com as etapas do processo de alfabetização permitiu a realização de um trabalho
reflexivo, em que as decisões foram tomadas a partir de um referencial, e não apenas, partindo
do currículo prescrito pelo senso comum. As professoras pesquisadas consideraram
indispensável o conhecimento dessas características, justificando que, dessa forma, alunos e
professora podem vivenciar, com mais efetividade o processo educativo. O trabalho docente
pautado nessa concepção corrobora com o proposto por Freitas (2002, 2003, 2005), na medida
em que promove a progressão da criança no processo de alfabetização, subvertendo a
internalização da exclusão.
A cultura da discussão das inquietações cotidianas à luz de um referencial teórico,
realizada pelo coletivo da escola, substituiu a reflexão do senso comum por análises crítico-
reflexivas. Ao oportunizar a vivência de situações para a organização do trabalho docente, as
situações de educação continuada também superaram a fragmentação dos conteúdos.
Possibilitaram o encadeamento das ações, de forma que os professores puderam perceber a
171
relação entre uma atividade e outra, observando que há sempre uma teoria sustentando a
prática, superando a visão do oferecimento de caminhos, reconfigurando-os como meio de
análise crítica, alargando a compreensão de trabalho docente como prática social, que se
realiza em diferentes contextos. Sendo assim, essas atividades possibilitaram a apropriação da
proposta pedagógica que praticavam, diferentemente das situações pautadas na prescrição de
idéias a serem aplicadas. A proposta pedagógica foi vivenciada e analisada, conforme
advertem, dentre outros, Zeichner (1993), Marin (1995) e Pimenta e Anastasiou (2005).
A articulação entre a educação continuada e o trabalho docente, desenvolvido na
coordenação pedagógica, ocorreu na medida em que houve a discussão de questões
relevantes para a organização do trabalho docente de cada professor e do coletivo da escola.
Uma reflexão que inclui compromisso e responsabilidade com a educação pública,
conforme exposto por Freitas (2002).
As discussões sobre “Registros Avaliativos”, “Características dos Níveis da
Psicogênese”, “Reagrupamento Interclasse”, “Projeto Interventivo” e “Atividades Didáticas”
oportunizaram o contato com referenciais orientadores que auxiliaram os professores a
organizar o trabalho realizado em sala de aula. O “Acompanhamento” do trabalho
desenvolvido em cada uma das quinze turmas distribuídas entre as três etapas do BIA no CEF
18 apresentou questões relevantes para o caminhar, tanto de cada turma como da escola
como um todo.
O relevante trabalho, realizado no BIA pelas professoras pesquisadas, provém do
permanente processo de educação continuada, das discussões coletivas oportunizadas pela
própria escola, pelo CRA/CEF 18 e pelas articulações tecidas entre as situações vivenciadas
no desenvolvimento da profissão, mediante conflitos, rupturas com algumas práticas e
constantes elaborações e reelaborações do trabalho pedagógico.
Dentre as articulações que puderam tecer entre a educação continuada e o trabalho
que desenvolveram em sala de aula, as três professoras organizaram o acompanhamento
de suas turmas, realizando as avaliações diagnósticas e registrando os resultados no gráfico
elaborado pela coordenadora pedagógica. Partindo desses resultados, planejaram e
executaram o Reagrupamento Interclasse, o Projeto Interventivo e algumas situações
didáticas. Consideraram as características de cada etapa do processo de alfabetização
para organizar tais atividades. Estabeleceram um constante diálogo com as crianças, o que
lhes permitiu conhecer o “pensamento inteligente” que elas expressavam, e partindo dessas
representações, oportunizaram aprendizagens. Respeitaram as hipóteses das crianças porque
conheciam as especificidades das características de cada etapa do processo de alfabetização.
172
As situações de educação continuada instituídas pelo CRA/CEF 18 tiveram o intuito
de romper com a concepção instrumentalizadora, apresentada numa das partes da Proposta
Pedagógica (2006). Isso foi possível porque contou com pessoas que compreenderam as
ressignificações destacadas por Marin (1995, 1998) e buscaram instituí-las, considerando a
escola como lócus privilegiado para essa educação. Incentivaram também os professores “a
serem mais questionadores, reflexivos, ao focalizar as realidades vivenciadas ou observadas
na realidade escolar e serem criativos, pensando e propondo alternativas com perspectiva de
atuação para uma educação qualitativamente superior” (Marin, 2005: 90).
A efetividade e a contribuição do trabalho realizado pelo CRA/CEF 18 (2006, 2007)
representou uma outra concepção de educação continuada, muito embora essa realidade não
aconteça em todas as situações propostas aos professores. Para que isso venha a ocorrer
diferentes variáveis precisam ser revistas e o processo sempre avaliado, além da sempre
vigilante revisão de concepções dos profissionais envolvidos.
O interessante e o significativo do trabalho docente realizado no e pelo CRA/CEF 18
foi por vezes ofuscada por algumas questões institucionais. As inquietações geradas pela
substituição embaraçaram o andamento das atividades, pois algumas vezes impediu a
participação dos professores nos momentos dedicados ao processo de educação continuada.
Os conflitos gerados pela resistência à aceitação dos pressupostos disseminados por novas
teorias, algumas vezes postergaram relevantes discussões, atendo-se a detalhes pouco
significantes. Mas estes são também elementos que compõem os cenários de reconstruções.
Outra questão deveras importante atrelada a essa resistência refere-se à autonomia do
professorado para realizar o trabalho docente. Trata-se de um aspecto de mérito indiscutível,
uma vez que já é consenso a necessidade de autonomia do profissional docente. Mas também
é consenso que essa autonomia precisa estar atrelada ao compromisso de fazer bem o que se
faz. E como nem sempre isto ocorre, o trabalho autônomo, algumas vezes, pode ter impedido
a realização de reflexões críticas no trabalho desenvolvido em sala de aula.
Outro inconveniente guarda estrita relação com a avaliação e representa um imenso
desafio para os cursos de formação: o acompanhamento do processo de aprendizagem dos
professores nas situações de educação continuada. Caso a equipe contasse com mais
profissionais para desenvolver o trabalho, poderia, dentre outras situações, ter elaborado um
porta-fólio do curso em que o próprio professor iria registrando e analisando sua caminhada
durante o processo de formação. Mas isso requer um acompanhamento processual, individual
e sistematizado, complicado para ser realizado por apenas três profissionais, tendo 133
cursistas e, ainda, a responsabilidade pela organização das outras situações de educação
173
continuada promovidas no e pelo CRA.
Outro ponto, que agrava ainda mais essa situação, diz respeito à falta de hábito do
professor em registrar seu trabalho. Na maioria das vezes, o registro resume-se ao caderno de
planejamento, enquanto poderia ser realizado, ao longo do processo, com a participação das
crianças, por meio da avaliação de aprendizagens, usando um porta-fólio individual ou
coletivo. Ou mesmo pela simples instituição de um caderno de registros, com a organização
de uma coletânea de avaliações diagnósticas, com gráficos de acompanhamento dos níveis da
psicogênese, demonstrados pelo andamento de cada criança e da turma. O que certamente
torna-se um quesito indelével para fundamentar a reflexão crítica dos resultados apresentados
pelo trabalho realizado.
Todavia, vale ressaltar que o processo de educação continuada deve ser constante,
renovado, reolhado, revisitado para ser reelaborado e constituir-se referência na educação do
professor intelectual crítico-reflexivo e pesquisador de sua prática (ZEICHNER, 1993),
instigado pela curiosidade epistemológica, conforme propõem, dentre outros, Freire (1996,
2000) e Pimenta e Ghedin (2005).
As situações propostas pelo CRA/CEF 18 (2006, 2007) procuraram incentivar os
professores a tornarem-se autônomos na busca da compreensão das questões do dia-a-dia da
sala de aula e da escola, aliada a coordenação pedagógica local e direção. Essa vivência teve a
intenção de ressignifcar a cultura da coordenação pedagógica, instituindo uma outra educação
no espaço/tempo da coordenação pedagógica. Uma reflexão pautada no princípio de
Houssaye quando diz que não se deve “refletir sobre o que vai fazer, nem sobre o que se deve
fazer, mas sobre o que se faz” (1995: 28 apud PIMENTA e GHEDIN, 2005: 173, grifo meu).
A educação continuada vivida em sua plenitude pode tornar-se um importante
processo de construção de boas condições para a realização do trabalho docente. As
experiências, aqui relatadas, representam um processo marcado por expectativas, desejos,
lutas, disputas e muitos planejamentos, na instituição do BIA, na cidade de Taguatinga – DF.
Uma história que passou por diferentes trajetos, com caminhos sinuosos, inesperados,
imprevisíveis, na companhia de profissionais guerreiras e essencialmente dispostas a encarar a
luta por uma educação de boa qualidade. Profissionais capazes de assumir novos desafios,
vislumbrando reinaugurar uma nova realidade para o cenário da escola pública do DF.
Isso nada mais é que buscar instituir uma educação emancipadora, numa escola dos
sonhos que há tanto se tenta construir: com professores e crianças emancipadas, como Freire
(2000) sonhava e, ao mesmo tempo alertava, dizendo que essa mudança é difícil mas possível.
Para consolidá-la torna-se fundante lançar-se nessa caminhada, por meio de ações que se
174
conquistam e constroem passo a passo.
Ao encerrar a presente pesquisa destaco o quão gratificante foi investigar o espaço da
escola pública, que suscita ainda muita investigação. Entendo que a articulação entre trabalho
docente, educação continuada e coordenação pedagógica representa um grande desafio, que
pode ser superado com o trabalho de profissionais capazes e comprometidos. Assim, não
basta que professores tenham a concessão do espaço e o do tempo para pressupor a superação
do desafio, mas que construam, dia após dia, a conquista de preservá-los, por meio do
desafiante processo de revisão de concepções, organizações e avaliações. Para tanto, além das
ponderações já expressas, é importante compreender que a educação não pode prescindir de
profissionais comprometidos, e aqui nos referimos a todos aqueles que vivenciam a cada dia o
trabalho pedagógico com a convicção de que é possível fazer uma escola pública de boa
qualidade.
175
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PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. PISTRAK, M. Mikhaylovich. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Editora Expressão Popular Ltda, 2000. RANCIÉRE, Jacques. O Mestre Ignorante – cinco lições sobre a emancipação Intelectual. Tradução de Lílian do Valle. BH: Autêntica, 2002. REGO, Teresa Cristina; MELLO, Guiomar N. de. Formação de professores na América Latina e Caribe: a busca por Inovação e eficiência. Anais da Conferência Regional - Formação de professores na América Latina e Caribe. Brasília, Julho, 2002. RESENDE, Lúcia Maria Gonçalves de. A perspectiva multicultural no Projeto Político-Pedagógico. In: VEIGA, Ilma Passos A.; RESENDE, Lúcia M. G. de. (Orgs.). Escola: Espaço do Projeto Político-Pedagógico. 10a edição. SP: Papirus, 2006, p. 33- 48. ROCHA, Ana Luiza Carvalho; VENDANA, Viviane. Revisitando o processo de organização de grupos áulicos à luz da teoria geempiana de sala de aula. In: ROCHA, Ana Luiza Carvalho. (Orgs.). Grupos Áulicos: a Interação social na sala de aula. Coleção Ensinagens, v. 1. Porto Alegre, GEEMPA, 2005, p. 99- 127. SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-critica: primeiras aproximações. SP: Cortez, 1991. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA DO DF. Coordenação de Educação Primária. Ensino Primário no Distrito Federal. Brasília, 1969. ______. Indicação n°5, de 21 de maio de 1963. Boletim n° 1. Brasília, 1966.SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DO DF. Subsecretaria de Educação Pública. No DF o ensino fundamental vai durar 9 anos. Disponível em: <http://www.se.df.gov.br/MostraNoticia.asp?id=3904>. Sala de Imprensa, 2004. Acesso em 18 de junho de 2005. ________. Diário Oficial do Distrito Federal. Decreto Nº 25.617. Publicado no DODF n° 41 de 02 de março de 2005. Disponível em: <http//sileg.sga.df.gov.br/sileg/legislacao/Distrital >. Acesso em 18 de junho de 2005. ________. Orientações gerais para o ensino fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização - versão preliminar. Brasília, 2005.
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________. Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização – versão revista. Brasília, 2005. ______. Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco Inicial de Alfabetização – Proposta Pedagógica - versão revista. Brasília, 2006. ________.Por dentro do BIA: Marcos Regulatórios. PNE. Slides EF 9 A – 18 de março de 2006. _______. Portaria Nº 30. Brasília, 2006. mimeo. _______. Proposta Pedagógica do Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga – Projeto Político Pedagógico. Brasília, 2006. ________. Regimento Escolar das Instituições de Ensino da Rede Pública do Distrito Federal. 2ª ed. Brasília, 2001. ________. Diretoria de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Programa Quanto mais cedo Melhor. Brasília, 2004. SEVERINO, Joaquim Antônio. Pós-Graduação e pesquisa: o processo de produção e de sistematização do conhecimento no campo educacional. In: BIANCHETTI, Lucídio; NETO, Ana Maria. (Orgs.). A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação de teses e dissertações. Florianópolis: Ed. Cortez, 2006, p. 66- 87. SOUZA, Vera Lúcia Trevisan de. A coordenação pedagógica e a constituição do grupo de professores. In: PLACCO, Vera M. N. de Souza; ALMEIDA, Laurinda R. de. (Orgs.). O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. 3ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005, p.93- 112. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. TOLENTINO, Maria Antônia Honório. Porta-Foliando: ...a Construção de uma Práxis na Educação Infantil. Trabalho de Conclusão do Curso. Universidade de Brasília. Brasília, 2004. mimeo. ______. Porta-fólio do Centro de Ensino Fundamental 18 de Taguatinga. Brasília, 2006, mimeo.
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VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia da Práxis. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. VEIGA, Ilma P. A.. Avanços e equívocos na profissionalização do Magistério e a nova LDB. Capítulo 4 In: VEIGA, Ilma P. A. (Org.).Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas/São Paulo: Papirus, 1998, p. 75- 98. ______. Professor: tecnólogo do ensino ou agente social? In: VEIGA, Ilma P. A.; AMARAL, Ana Lúcia. (Orgs.). Formação de Professores – políticas e debates. Campinas/SP: Papirus, 2002. p. 85-86. VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. A Avaliação no Bloco Inicial de Alfabetização no DF. Disponível em: <http//www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT13-1708--Int.pdf>. Acesso em novembro de 2006. ______. Significado do Trabalho e do trabalho escolar. In: Bases Pedagógicas do Trabalho Escolar II e III. Módulo I, volume I, Curso de Pedagogia para Professores no Início de Escolarização – PIE, FE/UnB, 2002, p. 194- 207. ______. Trabalho docente: proletarização ou profissionalização? In: Bases Pedagógicas do Trabalho Escolar II e III. Módulo I, volume I, Curso de Pedagogia para Professores no Início de Escolarização – PIE, FE/UnB, 2002, p. 174- 190. ZEICHNER, Kenneth.M. A formação reflexiva do professor: Idéias e Práticas. Tradução de Maria Nóvoa. Lisboa: Educa, 1993. _______. A pesquisa-ação e a formação docente voltada para a justiça social: um estudo de caso dos Estados Unidos. In: DINIZ PEREIRA, Júlio Emílio; ZEICHNER, Kenneth. M. (Orgs.). A Pesquisa na formação e no trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p. 67- 93.
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ANEXO A - Ordem de serviço DODF
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APÊNDICE A - Autorização para uso do nome CEF 18
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Faculdade de Educação Mestrado em Educação Orientadora: Drª Lúcia Maria Gonçalves de Resende Mestranda: Maria Antônia Honório Tolentino
Pedido de AUTORIZAÇÃO
Eu, Maria Antônia Honório Tolentino, mestranda do Programa de Pós-
Graduação em Educação - Mestrado em Educação - da Faculdade de Educação da
Universidade de Brasília venho por meio desta pedir à Diretora do Centro de Ensino
Fundamental 18 de Taguatinga, em 2006, Professora Maria de Fátima Silva Godoy e sua
equipe de trabalho a autorização para identificação desta escola, em minha pesquisa. Não
poderei garantir seu anonimato, uma vez que, no decorrer da pesquisa, descreverei
características que lhe são peculiares e que por meio delas seria revelado sua identificação.
Desde já agradeço a compreensão e colaboração da equipe de trabalho desta
escola.
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APÊNDICE B - Roteiro das observações Educação Continuada
Roteiro para Observações das situações de EDUCAÇÃO CONTINUADA
Interlocutora: Professoras das Etapas I, II e III, coordenadora pedagógica do BIA no CEF 18 e equipe do CRA/CEF 18
Período de observação: durante as Oficinas, Palestras, Curso e Fórum Permanente de Discussão.
Duração: 3 h diárias
OBJETIVO:
1. Analisar as concepções de educação continuada que alicerçam a proposta pedagógica do BIA; 1.1. Propõe a análise reflexiva do cotidiano, partindo da prática concreta: compreendendo o cotidiano da sala de aula, da instituição escolar e da sociedade, ultrapassando os muros da escola em busca de informações para dar conta da problemática que o envolve (30); 1.2. Supera a visão do oferecimento de caminhos metodológicos, reconfigurando-os como meio de análise crítica, alargando a compreensão de trabalho docente como prática social, que se realiza em diferentes contextos; 1.3. A reflexão inclui o compromisso e a responsabilidade com a educação pública (31);
1.4. Incita o professor a promover um ensino que assegure a entrada e a permanência dos estudantes procedentes (33); 1.5. Considerar a educação como prática social;
1.6. Lê criticamente a profissão (Pimenta e Anastasiou, 2002 - 33); 1.7. Tem como referência fundamental o saber docente (idem) 1.8. Oportuniza a visão dos saberes do professor em relação a seu trabalho (31); 1.9. Confronta os saberes do professor (idem) 1.10. Prioriza a pesquisa (ANDRÉ e OLIVEIRA, 1997 – Pesquisa/33); 1.11. Promove a articulação entre seus saberes do professor e a realidade vivida; incitando a busca por informações para compreender os questionamentos do dia a dia, construindo um repertório de conhecimentos práticos sendo que, ao perceber que os novos problemas superam este repertório, se lança na busca por teorias para iluminar sua inquietação, imbricando numa investigação que denomina reflexão sobre a reflexão na ação; 1.12. Promove a reflexão crítica sobre a educação que praticam, buscando questioná-la; 1.13. Incita a articulação entre os saberes da prática aos saberes teóricos, buscando ressignificá-los; 1.14. Promove a reflexão sobre o que se faz, cultivando habilidades de investigação sobre o ensinar, encorajando a problematização do que se faz para refletir o que se deve fazer; 1.15. Busca mudar o paradigma epistemológico imbuindo o docente de elementos para compreender a simbiose teoria e prática; 1.16. Compreende a simbiose teoriaprática (eu: 34); 1.17. Oportuniza situações para romper com as concepções cristalizadas, com os princípios do trabalho pedagógico que desenvolvem; 1.18. Promove a reflexão sobre as dificuldades e os problemas detectados na própria escola; 1.19. A formação pauta-se na prática orientada para a pesquisa; 1.20. Promove a autonomia, oportunizando ao professor o poder para definir as normas sobre a docência;
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1.21. Organiza situações para que o professor organize seu trabalho continuadamente evitando a fragmentação dos conteúdos (31); 1.22. Percebe o docente como sujeito único, singular (idem); 1.23. Considera a história de vida (Marin, 2003 - 16); 1.24. Considera o processo de constituição da identidade do ser professor de cada um (Marin, 2003 - 34); 1.25. Considera as fases em que se encontram os sujeitos envolvidos na formação (idem). 1.26. Considera as representações dos professores, tomando-as como subsídios para a organização dos cursos de formação (Marin, 2003 - 163); 1.27. Considera como lócus privilegiado de formação a própria escola; (Candau,2003 - 33); 1.28. Tem um olhar perspicaz e engenhoso para os docentes assim como deve ser o olhar deles para com os estudantes; 1.29. Firma-se na intenção de que profissional se quer formar; 1.30. Subverte princípios capitalistas; 1.31. Há busca por respostas aos questionamentos; 1.32. Oportuniza situações que proporcionem uma formação docente criadora; 1.33. Há a determinação, no calendário escolar, da data da realização da conversa entre professores; 1.34. O processo de formação é organizado pelo coletivo da escola (Fusari, 2003 - 43); 1.35. Os professores se apóiam e se estimulam mutuamente, criando condições para que ocorram mudanças institucionais e sociais (1992, apud Pimenta e Gedhin, 2005 - 43); 1.36. Observa e formula questionamentos e hipóteses, seleciona informações que podem contribuir para responder às questões e oportuniza momentos de expressão de suas descobertas (idem); 1.37. Considera em sua proposta que o professor tem carência de conhecimento do conteúdo das diversas áreas;
1.38. Dificuldades em identificar as concepções em que pautam seus saberes se são mecanicistas, míticas, utilitaristas; 1.39. Dificuldades em priorizar conteúdos;
1.40. Dificuldades no enfoque dado à avaliação;
1.41. Dificuldades no enfoque dado à disciplina;
1.42. Dificuldades em identificar os pressupostos do trabalho que desenvolvem;
1.43. Dificuldades de perceber os estudantes como parceiros de seu trabalho;
1.44. Dificuldade de perceber o percurso do estudante na progressão escolar;
1.45. Dificuldades de perceber a presença, em suas ações, da profecia auto-realizadora.
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APÊNDICE C - Roteiro das observações Trabalho Docente
Roteiro para Observações do TRABALHO DOCENTE
Interlocutora: Professora da Etapa I, II e III
Período de observação: 15 dias
Duração: 4 h 30 min
OBJETIVO:
2. Analisar como as professoras articulam as possíveis contribuições desencadeadas pelo processo de formação continuada proposta pelo BIA ao trabalho docente que desenvolvem em sala de aula.
Questões a serem observadas 2.1. Pratica uma educação com princípios para ascender/emancipar (240); 2.2. Tem compromisso e responsabilidade com a educação pública (Freitas, 2005); 2.3. Apego ao arraigado no processo educacional; 2.4. Pratica ações apolíticas; 2.5. Pratica ações com princípio político; 2.6. Burla propostas; 2.7. Engendra um novo modo de agir; 2.8. Considera-se um professor pesquisador, praticando a reflexão sobre a ação; 2.9. Questiona sua prática; 2.10. Reconhece seu comprometimento social com a sociedade; 2.11. Sua prática encontra-se esvaziada de teoria; 2.12. Percebe a teoria articulada à prática (Práxis/ Vazques; 237); 2.13. Práxis Reflexiva: tem consciência da atividade prática, volta-se sobre si mesmo e sobre a atividade material que se realiza (idem: 45); 2.14. Prática Espontânea: há um baixo grau de consciência ou quase nulo (idem 45); 2.15. Práxis Criadora: cria-se o modo de criar (idem - 44); 2.16. Inventa para enfrentar novas necessidades (idem - 44); 2.17. Prática Reiterativa: Prática esvaziada de teoria (idem), reproduz de algo previamente delineado, já se sabe o que e como fazer. (idem - 44); 2.18. Reflete sobre a reflexão na ação (Schön apud Pimenta, 2005: 20); 2.19. Desenvolve um trabalho docente fragmentado; 2.20. Identifica os pressupostos do trabalho que desenvolve (Marin); 2.21. Introduz o trabalho material; 2.22. Utiliza, na maioria das atividades, o trabalho intelectual; 2.23. Tem autonomia, poder de definição das normas sobre a docência. (Dissertação/32); 2.24. Pratica um ensino que assegure a entrada e a permanência dos estudantes procedentes das classes populares. (idem); 2.25. Seus saberes se pautam em concepções mecanicistas: ensino livresco míticas, utilitaristas (idem); 2.26. Prioriza os conteúdos críticos; 2.27. Prioriza os conteúdos nucleares/clássicos (Saviani: 23); 2.28. Há superficialidade pedagógica no trabalho docente realizado (24); 2.29. Há lógica do praticismo inoperante; 2.30. Há lógica da racionalidade técnica (Veiga, 1998: 95);
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2.31. Observa a presença da profecia auto-realizadora (Marin, 2003: 34); 2.32. Conhece o conteúdo das diversas áreas (idem); 2.33. Questiona sua prática; 2.34. Qual o ofício de aluno pratica (Perrenoud, 1995: 209); 2.35. Utiliza atividades abertas; 2.36. Utiliza atividades fechadas; 2.37. Oportuniza momentos de expressão das descobertas das crianças (Pesquisa/33); 2.38. Identifica o enfoque dado à prioridade de conteúdos (idem); 2.39. Conhece o conteúdo das diversas áreas (idem); 2.40. Reconhece a realidade em que vivem (Marin); 2.41. Oportuniza momentos de expressão das descobertas das crianças (Pesquisa/33); 2.42. Identifica o enfoque dado à prioridade de conteúdos (idem); 2.43. Conhece o conteúdo das diversas áreas (idem); 2.44. Reconhece a realidade em que vivem (Marin); 2.45. Discute a realidade da escola e da sala de aula; 2.46. Considera a realidade como ponto de partida para promover aprendizagens; 2.47. Percebe os questionamentos do dia a dia; 2.48. Realiza atividades emergem das necessidades das crianças; 2.49. Seleciona informações que contribuem para responder as questões (Pesquisa/33); 2.50. Observa, formula questionamentos e hipóteses (Pesquisa/33); 2.51. O contexto cultural dos estudantes dialoga com a cultura da escola (Candau: 42); 2.52. Investiga o processo de reelaboração do conhecimento; 2.53. Identifica o enfoque dado à avaliação (Marin, 2003 - 34); 2.54. Percebe o percurso do estudante na progressão escolar (idem); 2.55. Pratica Avaliação classificatória; 2.56. Pratica Avaliação excludente; 2.57. Pratica Avaliação punitiva; 2.58. Identifica o enfoque dado à disciplina (Marin, 2003 - 34); 2.59. Percebe os estudantes como parceiros de seu trabalho (idem); 2.60. Considera a disciplina como autoridade (Paulo Freire); 2.61. Considera a disciplina como autoritarismo.
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APÊNDICE D - Roteiro das observações Coordenação Pedagógica
Roteiro para Observações da COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA Interlocutora: Professoras das Etapas I, II e III, coordenadora pedagógica do BIA
Período de observação: 45 dias
Duração: 3 h OBJETIVO:
3. Analisar como a coordenação pedagógica desenvolvida na escola articula-se às propostas de formação continuada oportunizadas pelo BIA.
3.1. Há reflexão sobre as dificuldades extrapolando a análise das suas experiências imediatas e da rotina cotidiana da sala de aula, associando-as ao contexto sócio-histórico cultural em que ocorrem, buscando teorias críticas que lhes permitam compreender e reelaborar ações; 3.2. Há a investigação do cotidiano da sala de aula (42); 3.3. Percebe-se a reflexão/discussão realizada no coletivo (35); 3.4. Observa-se a consideração do processo de aprendizagem da criança para planejar as atividades (42); 3.5. Busca-se compreender as necessidades dos estudantes, debruçando sobre as atividades, questionando o planejamento realizado naquele dia, identificando lacunas e conquistas, refletindo sobre a reflexão de sua ação, sobre o que se faz no cotidiano, investigando o processo de reelaboração do conhecimento, criando situações para promover o avanço das crianças nas aprendizagens (42). 3.6. Este espaço/tempo é utilizado para o estudo e discussão da realidade da escola e da sala de aula (42); 3.7. O espaço/tempo da coordenação é utilizado para o estudo (14); 3.8. Toma como responsabilidade a busca de respostas dos questionamentos de sua comunidade (43); 3.9. Vê coordenação pedagógica como locus de formação (43); 3.10. A coordenação é organizada pelo coletivo da escola (determinam no calendário escolar, a data de sua realização) (43); 3.11. Sente a necessidade de um vasto arcabouço teórico (43); 3.12. As situações cotidianas são discutidas pelo grupo de educadores à luz de um referencial teórico, (André, 2005- 43); 3.13. Entrelaça os elementos que fluem do cotidiano à luz de um referencial teórico 3.14. Pauta-se numa prática esvaziada de teoria (43) 3.15. Reflete sobre a prática pedagógica elevando-a a práxis; 3.16. Compreende a práxis percebendo-a como “atividade objetiva e transformadora da realidade natural e social” Vázquez (1977: 235 - 43); 3.17. Pauta-se numa Práxis criadora (cria-se o modo de criar, 44;) 3.18. Pauta-se numa Práxis reiterativa ou imitativa (já se sabe o que e como fazer); 3.19. Pauta-se numa Práxis reflexiva (volta-se sobre si mesmo e sobre a atividade material que se realiza: 45); 3.20. Pauta-se numa Práxis espontânea (há um baixo grau de consciência ou este é quase nulo: 45); 3.21. Participa da concepção de propostas pedagógicas; 3.22. Cumpre o que está prescrito; aceita o instituído; 3.23. Busca romper com o instituído/instituinte; 3.24. Participa da construção do P.P.P. (docentes e comunidade escolar).
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APÊNDICE E - Roteiro para a Entrevista com as professoras regentes e coordenadora do BIA no CRA CEF 18
Roteiro para Entrevista
Interlocutoras: Professoras Regente na Etapa I, II e III e coordenadora do BIA.
Duração: 1h
Local: conversa (agendada) com as interlocutoras no momento da coordenação pedagógica
Previsão da realização de três entrevistas com a presença de todas as interlocutoras
OBJETIVOS QUESTÕES
1. Analisar as concep-ções de educação conti-nuada que alicerçam a proposta pedagógica do BIA;
1. Vocês conhecem o conteúdo da Proposta Pedagógica do BIA como educação continuada?
2. O que a Proposta Pedagógica do BIA contempla como educação aos professores que irão atuar em cada um de suas etapas, pode se referir ao ano passado?
3. Como são realizadas essas situações de educação? 4. O que a EAPE tem oferecido como educação continuada aos
professores que atuam no BIA? Cite-a. 5. E o CRA? 6. O que acontece nesse espaço que tem contribuído para o
trabalho que você realiza? Envolve o trabalho em sala de aula e outras questões?
7. Você considera importante a existência do CRA? Por quê? 8. Qual sua opinião sobre a educação oferecida aos professores
que atuam no BIA? 9. Há discussões teórico- práticas interessantes nesses
momentos de educação? 10. Você acha válida essa discussão teórico- prática oportunizada
pelas situações de educação? Por quê? 11. Você sente necessidade de ter contato com materiais
produzidos que envolvem sua prática? 12. Há nas situações de educação continuada a preocupação em
levar o professor a pesquisar, investigar o dia-a-dia da sala de aula? Quando você percebe que isso acontece?
13. Nas situações de educação continuada você percebe se há preocupação com o compromisso e a responsabilidade social da educação? Como isso fica evidenciado?
14. Como e por quem é feito o acompanhamento do trabalho que vocês realizam em sala de aula?
15. Comente sobre o seu atual momento pessoal e profissional. Você está entusiasmada, encantada, desestimulada por falta de condições de trabalho?
2. Analisar como a coor-denação pedagógica de-senvolvida na escola arti-cula-se às propostas de educação continuada, oportunizadas pelo BIA;
1. Para você o que é esse momento de coordenação pedagógica? 2. Que atividades você realiza nesse momento? Quais você
considera importante para seu trabalho? Por quê? 3. Como está organizado o trabalho docente, (além da sala de
aula), realizado nessa escola, pelas professoras que atuam no BIA?
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4. Nesta escola você encontra espaço e tempo para o trabalho coletivo?
5. A direção participa desse trabalho coletivo? Como? Pra quê? 6. O que você acha que deveria ser priorizado nessas discussões
coletivas? Quem estabelece o que discutir? Os professores devem participar da definição desta proposta?
7. Você o considera importante para o trabalho que desenvolve? Por quê?
8. Você acha importante a presença do coordenador pedagógico? Por quê?
3. Analisar como as pro-fessoras articulam as pos-síveis contribuições de-sencadeadas pelo pro-cesso de educação conti-nuada proposta pelo BIA ao trabalho docente que desenvolvem em sala de aula.
1. O que o CRA tem contribuído com o trabalho que você realiza em sala?
2. Em que as oficinas, palestras e fórum permanente de discussão, proporcionados pelo CRA, contribuem para o trabalho docente que realizam?
3. A forma como são conduzidas as situações de educação continuada para rever e pensar trabalho que você realiza?
4. As situações de educação continuada têm conseguido aproximar-se, das circunstâncias concretas do seu trabalho?
5. Você acha importante conhecer a história de vida de seus alunos? Como faz para conhecê-la?
6. O trabalho docente envolve muitos aspectos, além do trabalho em sala de aula. Aponte as dificuldades e ganhos que vocês encontram para desenvolver que realizam?
7. A gente houve sempre falar em aprender sempre. Como vocês fazem para identificar as necessidades do que querem aprender?
8. O que você considera importante ao organizar seu planejamento semanal? Por quê?
9. Como você realiza o acompanhamento das aprendizagens das crianças? Como vocês chegaram a isso?
10. O que você que faz, considerando o espaço da sala de aula, que promove a aprendizagem de seus alunos.
11. Acredito ser interessante para minha pesquisa, conhecer um pouco mais sobre a trajetória pessoal e profissional de cada uma de vocês. Seria possível? No curso do BIA, no ano passado foi pedido, quem tiver feito pode ser esta mesma, ou então, pode fazer um breve relato. Seria bom fazer um destaque do porquê pela opção pelo BIA (ou então conversar comigo, gravo e degravo).
12. Vocês têm algo mais a acrescentar ou sugerir nessa nossa conversa, para enriquecer minha pesquisa?
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APÊNDICE F - Roteiro para a entrevista com a coordenadora do CRA CEF 18
Roteiro para Entrevista
Interlocutoras: Coordenadora do CRA CEF 18 de Taguatinga
Local: CRA CEF 18
Duração: 2h
OBJETIVOS
1. Analisar as concepções de educação continuada que alicerçam a proposta pedagógica do BIA;
1. Você conhece a proposta para a educação continuada do BIA? Quais pontos você ressaltaria dessa proposta? 2. Como e quem organizou a proposta de educação continuada para o CRA? 3. Você poderia descrever o caminho percorrido para que essa proposta fosse viabilizada? 4. Ao construir esse planejamento, o que foi considerado como objetivo principal a ser atingido pelo CRA? 5. O que você, enquanto coordenadora pedagógica do CRA, buscou priorizar ao organizar o planejamento deste espaço de educação continuada? 6. Os professores percebem a relação teoria e prática? Como isso é revelado?
2. Analisar como a coordenação pedagógica desenvolvida na escola poderá se articular às propostas de educação continuada oportunizadas pelo BIA
1. Como você vê a participação dos professores nessas situações de educação? (oficinas, palestras, fórum permanente de discussão); 2. Que estratégias são utilizadas para que os professores percebam a importância da teoriaprática articulada ao trabalho que desenvolvem? 3. Que dificuldades e facilidades o CRA tem percebido na realização dessas situações de educação?
3. Analisar como as professoras articulam as possíveis contribuições desencadeadas pelo processo de educação continuada proposta pelo BIA ao trabalho docente que desenvolvem em sala de aula.
1. Como definiram o processo de acompanhamento do trabalho docente realizado pelas professoras que atuam nas diferentes etapas do BIA? Em que se basearam? 2. Vocês já possuem pistas sobre a educação continuada oportunizadas pelo CRA? Como trabalham com elas? Que providências têm conseguido tomar? Onde encontram respaldo para as questões que se apresentam no processo de educação continuada? Quem tem ajudado? 3. Que sugestões poderiam acrescentar para enriquecer essa nossa conversa?