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Publicação da Secretaria Municipal de Educação Belo Horizonte

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EDUCA BHPublicação da Rede Municipal

de Educação de Belo Horizonte

Belo Horizonte2013

Page 4: Revista Educa BH

Prefeitura de Belo Horizonte

Secretaria Municipal de Educação

Supervisão Editorial

Rosa Vani Pereira

Coordenador

Marcelino Cástulo Martins

Conselho Editorial

Ércio Sena

Helena Maria Penna Amorim Pereira

Leila Cristina Barros

Marcelino Cástulo Martins

Rosália Estelita Gregório Diogo

Sâmara Carla Lopes Guerra de Araújo

Revisão

Tadeu Rodrigo Ribeiro

Projeto gráfico e diagramação

Gerência de Comunicação Social/SMED

E – 24

Educa BH / Publicação da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte.

- v.1, n.1 (2013). Belo Horizonte: Prefeitura de Belo Horizonte /

Secretaria Municipal de Educação, 2013.

Anual

1. Educação – Periódicos.

I. Prefeitura de Belo Horizonte. II. Secretaria Municipal de Educação.

CDD 370

Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam, necessaria-

mente, a opinião dos responsáveis pela publicação.

É permitida a reprodução parcial ou total desta publicação, desde que citada a fonte e

que não seja para venda ou qualquer outro fim.

Page 5: Revista Educa BH

SumárioApresentação

A cidadania nas suas diversas possibilidades - seria a educação integral uma possibilidade para os novos tempos?

É possível medir a qualidade da educação municipal?Uma proposta de sistema de informações estratégicas e georreferenciais para a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte

Jogos Estudantis: uma experiência de participação coletiva na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte

Programa Escola nas Férias: possibilidades de apropriação e ressignifi cação de espaços públicos

Escola Integrada: um projeto de educação para todos

A oferta da Educação de Jovens e Adultos em espaços não escolares na Rede Municipal de Belo Horizonte: uma política educacional equitativa

Formação de professores e qualidade da Educação no 3º Ciclo do Ensino Fundamental na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte

Plano de Ações para melhoria da gestão escolar

Parceria Público-Privada para expansão da oferta de vagas em Educação Infantil

Nota do Conselho Editorial

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ApresentaçãoÉ com grande satisfação que publicamos a primeira edição da

revista Educa BH. Fruto de ousada iniciativa, a revista é mais um

passo da Rede Municipal em direção a práticas e movimentos

que orientem novos fazeres pedagógicos na escola pública.

Nos últimos anos, a Educação Municipal tem desenvolvido e

ampliado a relação da Cidade com o Poder Público, trazendo

destacados avanços na expansão e oferta da Educação Básica

e Escola Integrada. Como forma de se abrir à diversidade de

conhecimentos que as escolas comportam, assim como trazer

o pensamento de seus profi ssionais sobre essas práticas, a

Educa BH cumpre a tarefa de reunir e difundir saberes, ação

essencial às refl exões de quem pensa nos desafi os da Educação

Brasileira.

A escola que interagiu com novos espaços e tempos dedicados

a várias dimensões formadoras de educadores e educandos

agora socializa entre eles suas experiências, formata e devolve

à sociedade o conhecimento gerado nessas práticas. Nesse

movimento a escola segue o compromisso de se abrir ao

mundo, acompanhando as transformações que afetam a vida

de alunos e professores. A aposta é socializar as potencialidades

formadoras da Rede Municipal, buscando fazer das escolas,

além de espaços de produção de conhecimentos, lugares

dispostos ao diálogo que envolve esses saberes.

A Rede Municipal de Educação é reconhecida pelo protagonismo

de seus profi ssionais no desenvolvimento de propostas

inovadoras. A revista Educa BH é nova ação que visa a dispor o

diálogo entre essas experiências para articular e dar visibilidade

a essas práticas. Pretende oferecer aos educadores e à Cidade

mais esse instrumento em direção ao senso crítico e às ações

transformadoras na Educação Pública.

Sueli Maria Baliza Dias

Secretária Municipal de Educação de Belo Horizonte

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A cidadania nas suas diversas possibilidades - seria a educação integral uma possibilidade para os novos tempos?

Resumo

O presente artigo propõe uma refl exão sobre cidadania e justiça social, tendo como referência a maneira de viver de dois personagens moradores do campo em contraste com as concepções e conceitos de T. H. Marshall e Thomas Humphrey Marshall sobre cidadania por meio de direitos sociais. No mesmo sentido, acrescenta ao diálogo a educação integral no Brasil, com agenda, movimentos, formuladores e conceitos atuais. Pretende, por fi m, questionar se só existe uma forma de inserção cidadã numa sociedade que pretende ser democrática, plural e com justiça social.

Palavras Chaves: Cidadania. Educação integral. Justiça social.

Dagmá Brandão SilvaMestre em Ciências Sociais | [email protected]

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A cidadania nas suas diversas

possibilidades - seria a educação integral

uma possibilidade para os novos tempos?

Deixo para trás um tempo de trabalho intenso - estudos, provas, leituras, aulas, debates - e vou passar uma semana na “roça”, voltando às minhas raízes. É claro que levo na mala alguns livros e, na cabeça, ideias para produzir mais um texto.

No primeiro dia das minhas férias, para arejar um pouco, saio para caminhar logo de manhã. Andando pelo mato, encontro uma senhora bem idosa carregando um feixe de lenha. Dou bom-dia e engatamos uma conversa. Ela termina nosso encontro, dizendo que precisa apertar o passo, pois a lenha era para fazer o almoço. Em minha cabeça, dá um estalo, tudo para. Em pleno século XXI, no tempo do micro-ondas, quando cozinhar leva apenas alguns segundos, essa senhora foi pegar lenha para acender o fogo e, aí então, fazer o almoço? E o melhor da história é que ela estava completamente tranquila, em paz e bem-humorada. Penso em T. H. Marshall (1967) e na discussão de Maria Victoria Benevides (2003): o povo não sabe votar, o povo é incompetente, incoerente, irresponsável, conservador, preconceituoso, infl uenciável e apático. Fiquei pensando em conceitos que estudei sobre cidadania e garantia de direitos e tentando entender se aquela senhora cabia dentro de algum desses conceitos. Qual era o direito necessário a ser garantido para assegurar cidadania àquela senhora? O que ela desejaria para se sentir uma cidadã?

Quando Marshall (1967) aponta o fi nal do século XIX como um tempo no qual cresce a busca pela igualdade e a justiça social, dizendo que a cidadania contribuiu para estabelecer as políticas igualitárias do século XX e citando o Estado - que garante alguns serviços mínimos, como assistência médica, moradia e educação -, fi co pensando que parece não ter chegado esse estado de direito para essa senhora. Distante, perdida no tempo, ela vive subjugada aos limites da sua condição de pobreza ou vive plena e acima de toda essa busca pela igualdade e justiça social?

À noite, escutei do Waldir - um senhor que vive na fazenda e cuida dela - uma história rica em detalhes do dia em que ele matou uma onça. Usando uma linguagem própria, sua narrativa descrevia a coragem, mas também os riscos de quem vive longe da suposta segurança que a civilização oferece. O que mais me impressionou foi a riqueza das palavras - “tava tudo suturno, os zói dela incandiava” - para se referir à onça e ao momento em que a encontrou. Mais uma vez, trago à tona o universo acadêmico, lembro-me de Rousseau, fi lósofo

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francês do século XVIII, e da sua discussão sobre o homem no estado natural. Vou dormir pensando na contradição da vida: enquanto Freitas (1985) pesquisa a prostituição e revela as negociações para se manter a ordem social num grande centro urbano, aqui no meu canto, tenho como problema a sobrevivência num universo de cobras, onças e morcegos, “causos” contados por Waldir. Essa contradição ressalta a diversidade da vida nas suas múltiplas possibilidades e revela a necessidade da criação de critérios próprios, um código de ética ampliada, não diferente da cidade, que também exige o instinto de autoconservação e proteção para sobreviver, mas sem dúvida diferente da necessidade imposta pelas relações sociais, que nos colocam a importância das regras, da moral, da ética e da civilidade nas metrópoles.

Reis (1988) afi rma que “a nação possui um paradoxo: trata-se de um indivíduo coletivo e de uma coleção de indivíduos. Mas apenas uma das concepções deve prevalecer: a ênfase deve recair sobre as individualidades humanas ou na nação como um todo. E isso impõe modelos diferentes de Estado nacional e de cidadania”. Diz ainda que, “no Império, a necessidade de manter a integridade em um país com dimensões continentais torna o estabelecimento do Estado prioritário ao da nação”. Trago aqui uma refl exão do nosso tempo, em pleno século XXI, será que superamos a necessidade apontada pela autora como sendo da época do Império? Temos hoje um país íntegro? É possível garantir cidadania a todos - do Norte ao Sul, da cidade ao campo, dos coletivos aos indivíduos? Quando Reis (1988) afi rma que a ênfase deve recair no indivíduo ou na nação, fi co pensando - talvez romanticamente - que poderíamos ter uma grande nação, com elevada organização social, capaz de possibilitar cidadania e justiça social, se pudéssemos ter clareza das diversas necessidades dos diferentes territórios deste país.

Desde 1988, com a Assembleia Nacional Constituinte, está posto no cenário nacional o debate sobre ordenamento territorial. Penso que, além do debate sobre soberania, territorialidade, poder-se-iam constituir fl uxos para atender aos diversos indivíduos nas suas diferentes necessidades; e, ao atender os indivíduos na sua humanidade, produzir o bem-estar social potencializador da construção da cidadania individual e coletiva. Nessa medida, o Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação tem-se constituído em forte política pública, com o fi m de rever a cruel trajetória educacional das classes populares e do jovem trabalhador, que, sem dúvida alguma, também tem direito a uma educação que o qualifi que para a vida intelectual. Como professora que sou, não poderia falar de cidadania sem trazer para refl exão a educação e, especialmente neste momento, a discussão acerca da educação integral como política pública para os novos tempos.

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Educação e cidadania

Giolo (2012) diz que a educação de tempo integral sempre foi vista como

precária e restrita, porém isso era para os segmentos populares, pois a classe

dominante tinha acesso garantido aos colégios jesuítas, liceus e internatos,

grandes colégios dirigidos por ordens religiosas ou empresários laicos, todos

eles de educação integral. Ressalta que as escolas para as classes populares

não poderiam ser de tempo integral, pois essas eram conjugadas ao trabalho.

Interessava formar mão de obra braçal, muito mais que intelectuais. As

escolas eram organizadas de maneira defi ciente, pois a política vigente do

período colonial era alfabetizar e entregar o jovem ao mundo do trabalho

braçal.

Essa escola para pobres, que se destinava a prender os jovens a suas raízes,

tornando-o um bom trabalhador, foi reproduzida e consolidada no Brasil por

muitos anos. Poucas propostas apontavam para uma formação diferente:

[…] no século XX dois marcos signifi cativos: as escolas-parques/escolas-

classe, concebidas por Anísio Texeira nos anos de 1940/1960, e os centros

integrados de educação pública (CIEPs) idealizados por Darcy Ribeiro nos

anos 1980/1990” (MOLL, 2012, p. 129).

Segundo Chagas, Silva e Souza (2012), em 1950 Anísio Teixeira indica uma outra

escola possível, quando idealizou e implementou na Bahia e, posteriormente,

em Brasília as escolas-parque. Anísio Teixeira defendeu ardentemente durante

toda a sua vida a democratização da educação pública de excelência. Ele

sonhava com um Brasil próspero e moderno. Acreditava que somente pela

educação isso poderia acontecer. Identifi cado com a pedagogia de John Dewey,

criou suas escolas baseadas na experimentação com a ciência, a arte e a

cultura popular.

Mais tarde, em 1980, retomamos a discussão da educação integral com Darcy

Ribeiro, que, entre tantas lutas pela educação, implementou, no Rio Janeiro, os

Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs). Assim como Anísio Teixeira,

Darcy Ribeiro se pautava pelo mesmo ideal de uma escola pública de qualidade

para atender à classe popular, a camada mais vulnerável da população,

historicamente excluída. Darcy dizia que “a escola pública é a maior invenção

do mundo, pois permite que todos os homens sejam herdeiros das bases do

patrimônio mundial mais importante, que é a cultura” (RIBEIRO apud BOMENY,

2003, p. 76).

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Não é possível falar em defesa da educação pública sem lembrar Paulo Freire, sem dizer da sua capacidade de nos provocar para a realização de uma educação emancipadora, que responda às diferentes realidades, que promova a ação comunitária, estabeleça parcerias e potencialize as redes e articulações da ação pública, ampliando assim os horizontes. Paulo Freire (1995) buscava, de forma consciente e coesa, a construção da cidadania e dizia que essa busca “demanda engajamento, clareza política, coerência, decisão. Por isso mesmo é que uma educação democrática não é possível realizar a parte de uma educação da cidadania e para ela” (p. 119).

Esses três educadores se destacaram por defenderem de forma apaixonada a educação pública de qualidade para todos, por quebrar o ciclo de escola precária e defi ciente para os pobres, justamente os que necessitam de uma escola competente, criativa, humana e transformadora. Entretanto, suas iniciativas não resultaram na transformação educacional de que o Brasil necessitava.

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional coloca em pauta a escola de tempo integral. Seus artigos 34 e 87 preveem a ampliação gradativa da jornada escolar e a conjugação de esforços dos entes da federação para esse fi m, porém o texto se apresenta de forma solta, sem especifi cação de fi nanciamento, sem previsão dos recursos, prazos ou uma defi nição que pudesse de fato confi gurar uma política pública defi nidora e necessária.

Fuks (2000, p. 80) interroga: “Como certas questões conseguem transcender o âmbito da preocupação de pequenos grupos para alcançar a atenção pública?”. Sem pretender responder à questão apresentada por Fuks, é importante dizer que, embora Anísio, Darcy e Freire não tenham levado a cabo a transformação de que o Brasil necessitava, eles provocaram, abriram caminhos, mostraram ser possível. E muito do que eles sonharam e realizaram seguiu repercutindo em políticas locais, em experiências de algumas cidades ou municípios, em grandes fóruns que mobilizaram o Brasil na construção de projetos de uma educação democrática.

Fuks diz que “a defi nição de problemas ocorre dentro de um determinado cenário cultural e de organização das instituições públicas, o qual estabelece parâmetros de legitimidades e regras que condicionam a ação e o debate público” (FUKS, 2000, p. 81), os fóruns mundiais de educação, as conferências brasileiras de educação, as experiências locais bem-sucedidas. De alguma forma, o cenário nacional se abriu para estabelecer uma agenda de educação integral no Brasil.

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Talvez o movimento mais importante a considerar foi mesmo a implementação do Fundeb, na primeira década dos anos 2000. O movimento pró-creche2, em consonância com os municípios, defendeu a revisão da educação básica, desencadeando um processo de integração dos níveis da educação básica (infantil, fundamental e médio). Somado a essa integração dos níveis de escolarização básica, reacendeu a discussão da ampliação da jornada escolar para o mínimo de 7 horas diárias. Além da jornada diária, ampliou o tempo de “escolarização obrigatório, que, durante décadas, foi dos 7 aos 14 anos, passou em 2006 a ser dos 6 aos 14 anos e em 2009, a partir da Emenda Constitucional 59, passou a ser dos 4 aos 17 anos” (MOLL, 2012, p. 131).

Com a criação do Fundeb, a educação integral “emerge da disputa, encontrada em arenas específi cas” (FUKS, 2000, p. 79). Agora com fi nanciamento diferenciado, abre-se um processo verdadeiro de discussão nacional sobre a implementação da educação em tempo integral. Belo Horizonte é referência no cenário nacional como uma rede de educação que já coloca em ação a experiência de escola integrada como política de governo.

“No contexto do Plano de Desenvolvimento Nacional da Educação (Brasil, 2007), o Programa Mais Educação é proposto na perspectiva da construção da agenda” (MOLL, 2012, p. 131), com o propósito de mapear experiências, fomentar a proposta e retomar a história existente. O programa se fundamenta como uma política intersetorial: “fi rmada pelos Ministérios da Educação, Cultura, Esporte e Desenvolvimento Social, o Programa Mais Educação estabelece-se como estratégia intersetorial do governo federal para indução de uma política de educação integral” (MOLL, 2012, p. 132).

Ao estabelecer um plano para a educação nacional e trabalhar, tendo em vista o Índice de Educação Básica - Ideb2, o Ministério da educação amplia o olhar para

1 Movimento pró-creche: é um movimento que tem como objetivo promover ações para a efetivação dos direitos garantidos em lei e pela melhoria da qualidade no atendimento de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos de idade, pela melhoria da qualidade no atendimento oferecido em creches e centros infantojuvenis comunitários, fi lantrópicos e/ou confessionais e por melhor qualidade de vida de suas famílias, considerando a troca de conhecimentos e a valorização do saber popular. Disponível em http://www.mlpc.com.br/. Acesso em 01/02/2012.

2 Ideb - O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica foi criado pelo Inep em 2007 e representa a iniciativa pioneira de reunir num só indicador dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: fl uxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. Ele agrega ao enfoque pedagó-gico dos resultados das avaliações em larga escala do Inep a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente assimiláveis e que permitem traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb - para as unidades da Federação e para o País, e a Prova Brasil - para os municípios. Disponível em http://www.portalideb.com.br. Acesso em 01.02.12.

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as diversas necessidades da educação nacional. Do Nordeste ao Sudeste, tem-se agora uma unidade de medidas que possibilita verifi car quais as fragilidades de um território no que se refere à educação, qual o investimento necessário ou mais urgente para cada região do país.

Em agosto de 2010, o Programa Mais Educação lança os Cadernos pedagógicos - territórios educativos para a educação integral: a reinvenção pedagógica dos espaços e tempos da escola e da cidade - Série Mais Educação. E, ao escrevê-los, retoma a trajetória dos grandes educadores brasileiros e traz à tona o ideal de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire.

Segundo Moll (2012), em 2008, o Programa Mais Educação foi implantado em 1.380 escolas públicas do Brasil. Em 2009, a adesão ao programa é ampliada para 5.004 escolas; e, em 2010, dobra o atendimento, passando para 10.026 escolas; em 2011, cresce para 15.018 escolas em todo o território nacional; e a projeção para 2012-2014 é ultrapassar 32 mil escolas públicas, incluindo as escolas do campo. Será a constituição de uma política nacional de educação integral uma possibilidade concreta de tratar a cidadania plena das próximas gerações de brasileiros?

Voltando aos meus personagens iniciais, a senhora da lenha e Waldir não tiveram acesso à escola, não cursaram sequer o ensino fundamental. Assim é minha suspeita em relação à senhora da lenha; quanto a Waldir, tenho certeza disso. Eles pertencem ao tempo descrito por Giolo (2012). E, como moradores do campo, não tiveram acesso a uma educação que os formasse para o exercício do trabalho. Dialogando com a discussão de cidadania de Marshall (1967), fi quei intrigada ao conversar com meus dois personagens e vê-los tão bem integrados a suas condições locais. Não consigo perceber na “senhora da lenha”, e especialmente em Waldir, indivíduos conscientes de pertencerem a um país com leis que garantem direitos comuns a todos os brasileiros, tampouco os vejo como pessoas subjugadas, oprimidas, sem os laços que os integrem a suas comunidades. Eles me parecem pessoas bem-integradas ao seu contexto, com força de ação sobre suas vidas, donos de suas propriedades, com liberdade e expressão de bem-estar, ainda que estejam à margem de uma sociedade que não lhes garante alguns dos direitos básicos. Essa é uma contradição ou talvez se revelem aqui as diferentes nuances do que seja condição de cidadania para os diferentes sujeitos dos diferentes tempos e contextos?

Para Marshall (1967), garantir direitos sociais não quer dizer garantia de cidadania aos homens; para ele, a cidadania representa a possibilidade de superação das desigualdades. Assim, num território tão vasto como o Brasil, com uma cultura plural, fi ca difícil estabelecer um único referencial para o que

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seja a cidadania. As pessoas citadas, moradoras da área rural, ainda não estão contaminadas pela sociedade de consumo. Por outro lado, se estão integradas à natureza, também não têm acesso aos serviços de saúde, educação e assistência - os serviços básicos que Marshall aponta estarem garantidos desde o século passado. Elas têm necessidades diferentes do homem que vive na cidade. Para uma e outra, o signifi cado de superação das desigualdades implica diferentes possibilidades.

T. H. Marshall (1967) afi rma que Alfred Marshall “mencionava cidadania como algo que artesãos qualifi cados aprendem a apreciar no curso de sua transformação em cavalheiros, ele se referia somente às obrigações e não direitos da cidadania. Ele a concebeu como um modo de ver que brotasse de dentro de cada indivíduo e não como algo imposto a ele de fora” (p. 62). Muito mais que a garantia de direitos ou a redução das desigualdades, ele propõe um conceito mais humano, ou talvez uma cidadania inerente à condição humana: todos podendo exercer a cidadania plena, pois cada um carrega em si essa possibilidade. Marshall afi rma ser uma hipótese latente no ensaio de Alfred Marshall “de que há uma espécie de igualdade humana básica, associada com a participação efetiva na comunidade” (p. 109).

Não seria essa a cidadania de que Waldir e a senhora da lenha desfrutavam? Uma cidadania afastada “de uma avaliação quantitativa dos padrões de vida em termos de bens consumidos e serviços recebidos em direção a uma avaliação qualitativa da vida como um todo em termos dos elementos essenciais na civilização ou cultura”? (MARSHALL, p. 61). Ainda segundo o autor, “Alfred Marshall aceitava como certo e adequado um raio amplo de desigualdade quantitativa ou econômica, mas condenava a diferenciação ou desigualdade qualitativa entre o homem que era por ocupação, ao menos, um cavalheiro” (p. 61). A dignidade, a sobriedade e a inteireza que observei em Waldir e na senhora da lenha podem ser encontradas na defi nição de cidadania proposta por Alfred Marshall. Uma cidadania que não se baseia no poder econômico, mas na capacidade humana de estabelecer relação com o trabalho, com a vida e com seus processos essenciais. Esse conceito de cidadania guarda respeito à diversidade e conforma meu entendimento de que a cidadania tem como referência o homem integrado e pleno na sua vida e no seu fazer diário.

Não encontrei novamente a senhora da lenha, mas, por uma semana, convivi prazerosamente com Waldir, escutei suas histórias, percebi suas habilidades, reconheci seu espírito livre e entrei num universo distante daquele em que vivo cotidianamente. Numa das minhas últimas conversas com Waldir, sob uma linda lua cheia, que tornava a noite clara e iluminada, eu disse a ele que o homem tinha ido à Lua, ele riu e me respondeu: “Ela pensa que a gente é besta”. Eu retruquei que era verdade, e ele não acreditou de forma nenhuma.

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Naquela noite, compreendi que a verdade de Waldir está num universo mágico de onças com olhos que “incandeiam”, cobras e seus venenos, os sons da mata, as chuvas, os cantos dos bichos, as águas do rio e suas migrações, os pássaros e suas cores, mas também sua verdade está nas tarefas do dia a dia: tirar o leite, fazer o doce, matar o porco, fazer a comida, alimentar os bichos, consertar o motor, cuidar das vacas, e por aí vai - tudo visível, concreto, ao alcance da mão. E ele, conformado a esse universo, tira daí a certeza da sua existência e a plenitude de se fazer único, dono da sua vida e sujeito da sua história.

ABSTRACT

The present article proposes a refl ection about citizenship and social justice, according to the way of living of two country characters in contrast to the conceptions and conceits of T. H. Marshall and Thomas Humphrey Marshall about citizenship through social rights. In the same sense, it adds to the dialogue integral education in Brazil with its agenda, movements, formulators and currently conceits. Finally, it aims to question whether there is only one way of inserting people in the constitution of a society that intends to be democratic, plural and fi lled with social justice.

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É possível medir a qualidade da educação municipal?Uma proposta de sistema de informações estratégicas e georreferenciadas para a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte 1

1 Artigo baseado na dissertação de mestrado “Proposta de um sistema de informações estratégicas e georreferenciadas para a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte” apresentada ao programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF, em 2012.

Resumo

Atualmente, a disponibilidade de informações educacionais no nível municipal aponta a existência de um grande volume de dados produzidos e de uma demanda crescente por tais informações. No nível estratégico da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED), essas informações vêm sendo disponibilizadas com grande esforço e, muitas vezes, baseadas em dados não sistematizados ou mediante planilhas, relatórios ou gráfi cos elaborados manualmente. Este artigo tem por objetivo apresentar uma proposta de concepção de sistema de informações estratégicas e georreferenciadas para a SMED. O sistema dará maior visibilidade aos principais indicadores utilizados pelo Gabinete de forma ágil e por meio de mapas. Assim, o sistema se constituirá numa ferramenta útil para o planejamento e monitoramento dos programas e políticas públicas da educação municipal. Uma ferramenta para medir a qualidade da educação municipal levando em consideração todas as suas dimensões.

Palavras chaves: Qualidade da educação. Sistemas de informação. Informações estratégicas. Georreferenciamento de informação.

Eleonora Ferreira de PaulaMestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública | [email protected]

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Introdução

A melhoria da qualidade da educação se constitui, atualmente, na principal meta a ser alcançada pelos gestores da educação, em todos os níveis. Porém, como medir essa qualidade? Como monitorar seus avanços? Como identifi car os impactos das políticas e dos projetos adotados? Ora, sabemos que os sistemas de avaliação em larga escala respondem a parte desses questionamentos, quando nos trazem os resultados e avanços no rendimento do alunado. Mas, para o gestor, todas as dimensões da qualidade da educação estão sendo medidas? É para fornecer tais respostas que a solução, aqui proposta, se constitui numa ferramenta de gestão viável, necessária e oportuna.

De acordo com o estudo realizado para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira sobre o tema qualidade da educação, Dourado et al (2007) apontam a necessidade de considerar as dimensões intraescolares e as extraescolares para a análise da situação escolar sob o enfoque da qualidade. A partir de então, ferramentas para medir as condições intraescolares (condições de oferta do ensino; gestão e organização do trabalho escolar; formação, profi ssionalização e ação pedagógica; e acesso, permanência e desempenho escolar) vêm sendo, de certa forma, desenvolvidas pelos sistemas educacionais.

Há, ainda, ferramentas, como as pesquisas associadas aos sistemas de avaliação, que trazem informações importantes das condições extraescolares, quais sejam: o nível de renda, o acesso a bens culturais e tecnológicos como a Internet, a escolarização dos pais, os hábitos de leitura dos pais, o ambiente familiar, a participação dos pais na vida escolar do aluno, a imagem de sucesso ou fracasso projetada no estudante, as atividades extracurriculares, entre outras.

Assim, um sistema que possibilite o tratamento e a análise das informações e que proporcione uma dinâmica mais efi ciente na sua busca e obtenção vai resultar em decisões mais confi áveis, rápidas, seguras e objetivas nas políticas de educação de Belo Horizonte. Essa é a referência de um sistema de informações para o nível estratégico da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED) capaz de trazer respostas e análises regionalizadas dos impactos da política educacional implantada e possibilitar mudanças pontuais e estratégicas nos caminhos a serem tomados para atingir as metas. Levando em consideração os projetos sustentadores da gestão educacional, o sistema deverá medir e monitorar indicadores e metas predeterminados e acordados os lanos de governo.

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Secretaria Municipal de Educação 19

O cenário e o contexto informacional

Segundo dados levantados na pesquisa realizada pela autora em 2011, existem,

na estrutura organizacional da SMED, cerca de 550 servidores lotados na

administração central, dentre professores, pedagogos da Rede Municipal de

Educação, agentes administrativos e outros cargos. Esses profi ssionais são

atendidos por uma grande infraestrutura de tecnologias de informação, com

equipamentos modernos e em quantidade sufi ciente para instrumentalizar

processos administrativos e pedagógicos.

Assim como todas as nove gerências regionais de educação e cerca de 260

unidades escolares municipais, os setores administrativos da SMED estão

conectados à Rede Municipal de Informática (RMI) e à internet. Além disso, a

comunicação interna e institucional é feita na intranet da educação, onde são

disponibilizadas as notícias, informes sobre eventos nas escolas, agendas de

eventos da SMED e acesso aos principais sistemas de informação e dados da

Rede Municipal de Educação (RME).

Porém, diante desse cenário, a sistematização e a informatização de todos os

processos (operacionais ou gerenciais) não são completas. Ainda temos grande

quantidade de setores da SMED produzindo e armazenando seus dados em

planilhas eletrônicas e arquivos textos, inclusive em papel. Assim, a demanda por

um modelo informacional que supra suas carências de informações gerenciais,

e principalmente as estratégicas, aponta para a necessidade de tratamento de

dados e, principalmente, da disponibilização (e da comunicação) em tempo real

dos mesmos.

Na atual gestão, a SMED mantém sob sua responsabilidade três projetos

sustentadores da educação: Expansão da Educação Infantil, Expansão da Escola

Integrada e Melhoria da Qualidade da Educação. No entanto, deve-se levar em

consideração que a implantação desse modelo de gestão é muito recente para

a SMED. E, apesar de terem sido feitas capacitações e formações sobre os novos

processos de gestão adotados, nem todos os servidores tomaram conhecimento

ou assimilaram bem os novos conceitos de trabalho.

Em um estudo realizado em 1999, baseado na administração municipal de Belo Horizonte, Chiavegatto apontava a necessidade de considerar as dimensões

comportamental e cultural da informação nas organizações, quando da (re)

defi nição dos processos de trabalho, na defi nição de novas estratégias ou novas

estruturas organizacionais. Entende-se por comportamento informacional

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Publicação da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte20

aquele referente ao modo como os indivíduos lidam com a informação (produção,

manipulação, disseminação, armazenamento) e por cultura informacional aquela

que “envolve valores e crenças do indivíduo ou grupo e orientam o processo

informacional das organizações” (CHIAVEGATTO, 1999, p. 40). Se fi zermos

uma breve comparação com o ambiente atual da SMED, perceberemos pouca

mudança.

Pensando nas demandas e na melhoria do atendimento dado aos diversos setores

da Secretaria, a Gerência de Planejamento e Informação (GPLI) vem propondo

e desenvolvendo, desde 2011, soluções para a informatização dos processos

internos e de sistemas de informações gerenciais, para diminuir, então, o gap

entre necessidade/demanda e obtenção da informação.

Atualmente, todas as unidades escolares municipais acessam e utilizam o Sistema

de Gestão Escolar (SGE), cuja base de dados (centralizada e única) possibilita

a disponibilização, on-line, de grande sorte de informações sobre estudantes,

professores, servidores, turmas e infraestrutura física escolar da RME. Por outro

lado, a base de dados do censo escolar fornecida pelo Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), anualmente, fornece os

dados educacionais de todas as redes de ensino do município. Outras bases de

dados compõem o acervo informacional da SMED: cadastro de turmas e alunos

das creches conveniadas (Sistema CAT); cadastro de benefi ciários dos Programa

Bolsa Escola e Bolsa Família (Sistema BEM e CAD Único); avaliação sistemática

(Sistema Avalia BH). São essas bases que possibilitam as estatísticas escolares

e os cálculos dos principais indicadores utilizados nos acompanhamentos dos

projetos da SMED.

Além das bases de dados, existem alguns sistemas de informações que foram

desenvolvidos para atender aos níveis operacionais e gerenciais da SMED. O

primeiro deles, Sistema de Informações para a Gestão Acadêmica (SIG@BH),

foi elaborado para atender, prioritariamente, às demandas por informações

estatísticas sobre a educação na Rede Municipal de Educação e na Rede Privada

de Educação conveniada com a PBH, além de auxiliar nos processos gerenciais

das escolas municipais e da SMED. Para o nível operacional, principalmente

para as escolas, foram criados diversos relatórios no Sistema de Auditorias do

SGE, on-line, o qual disponibiliza diversas informações gerenciais. E, para o

nível estratégico, está sendo desenvolvido o Sistema para o Monitoramento da

Gestão Escolar (SIMGE), que buscará, mediante gráfi cos e faróis, apresentar, de

forma ágil, o acompanhamento de alguns indicadores do projeto sustentador

Melhoria da Qualidade na Educação.

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Secretaria Municipal de Educação 21

Uma proposta para a SMED

A despeito da implementação desses sistemas, a infraestrutura informacional da SMED não vem garantindo a qualidade desejável dos processos de atendimento e disponibilização das informações para o nível estratégico. A demanda do Gabinete, constatada na pesquisa realizada, vem sendo atendida de forma precária e com grande esforço. É preciso, pois, investir em ferramentas que atendam com mais agilidade, confi abilidade e efi ciência às demandas por informações educacionais. Assim, a qualidade da informação repassada tenderá a melhorar; e a redundância ou esforço na disponibilização dessa informação, a diminuir. Além disso, o georreferenciamento dessas informações tem sido também uma demanda constante do Gabinete, assim como o cruzamento com outras informações e indicadores de outros setores da administração municipal.

Assim, surge a proposta de elaboração de um sistema de informações estratégicas e georreferenciadas, constituindo-se num “conjunto de ferramentas informatizadas que permitem o tratamento dos dados coletados pelo monitoramento estratégico, transformando-os em informações e agregando-lhes conhecimento”, como defi nido por Miranda (1999, p. 286-287). Sistema este capaz de auxiliá-los no monitoramento dos indicadores educacionais, na avaliação dos programas e projetos dessa Secretaria e na aferição da qualidade da educação municipal.

Há um consenso na literatura de que, na sociedade atual, numa economia globalizada, a informação passa a ser considerada um capital precioso, equiparando-se aos recursos de produção, materiais e fi nanceiros. É relevante a mudança fundamental de signifi cado que a informação vem assumindo: “não é apenas um recurso, mas o recurso” (MORESI, 2000, p. 14). A informação vem sendo considerada e utilizada como fator estruturante e um instrumento de gestão, capaz de reduzir a incerteza acerca de decisões importantes.

Assim, o sistema proposto aqui deverá ter, dentre suas funcionalidades, a apresentação dos indicadores educacionais territorializados (nos três níveis de visão: município, regional e escola), de forma a dar a visibilidade aos impactos da política de educação implantada no município de Belo Horizonte. Para atender aos diversos usos e perfi s dos gestores que o utilizarão, a informação deverá ser disponibilizada em diferentes formatos: gráfi cos, planilhas e, principalmente, em mapas. Além disso, deverá constituir uma base única de dados e indicadores educacionais, estruturada e atualizada de forma a garantir ao Gabinete agilidade na busca das informações e mais segurança na obtenção de informações confi áveis e atuais.

Para esse sistema, deverão ser levados em consideração os processos da gestão de informação defi nidos por Choo (2003): identifi cação das necessidades de informação; aquisição da informação; organização e armazenamento da

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Publicação da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte22

informação; desenvolvimento de produtos e serviços de informação; distribuição da informação e uso da informação. No entanto, não cabe, aqui, descrever todas as etapas. Apenas serão descritas algumas das principais delas.

Como a segunda etapa desse processo, a aquisição da informação diz respeito às fontes de informação que serão utilizadas no âmbito e na externalidade da SMED. Dever-se-á levar em consideração, no desenvolvimento do sistema, soluções técnicas cabíveis que possibilitem a integração das diferentes bases de dados já existentes. Além dessas bases, caberá aos analistas no levantamento de requisitos do sistema, identifi car outras bases complementares que subsidiarão os cálculos ou a extração dos indicadores necessários ao acompanhamento das políticas educacionais. Nessa etapa, uma importante ferramenta que poderá apoiar na construção da base de dados é um mapa das informações da SMED - instrumento que será essencial para a identifi cação das necessidades e fontes das informações.

É imprescindível, nas etapas de organização e armazenamento da informação, que seja prevista a saída da informação no formato de mapas temáticos, com a utilização do georreferenciamento dos principais indicadores educacionais e com as desagregações necessárias. Dessa forma, o gestor terá uma visão regionalizada das informações estratégicas e, ainda, poderá obter informações desagregadas até o nível de escola, se assim o quiser. Como exemplo, é apresentada na fi gura a seguir uma possível visualização, em mapa, de informação considerada estratégica para a SMED.

Atendimento

da Educação

Infantil nas escolas

municipais

de Belo Horizonte

fi gura a seguir uma possível visualização, em mapa, de informação considerada égica para a SMED.

Infantil nas escolas

de Belo Horizonte

Fonte: Elaborada com

dados do SGE (2011),

utilizando o software

MapInfo.

Atendimento por Regional1653 a 1867 alunos1498 a 1653 alunos1436 a 1498 alunos1365 a 1436 alunos

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Para as etapas desenvolvimento de produtos e serviços e à distribuição da informação, o sistema deverá ser desenvolvido por técnicos especialistas da área de informática a serem contratados para essa função. No entanto, deverá ser levada em consideração a possibilidade de esse sistema ser integrado ao SIG@BH e ao SIMGE como um upgrade dos sistemas já implantados na SMED. Isso se justifi ca pelo caráter complementar que as informações estratégicas têm em relação às gerenciais que são disponibilizadas nesses dois sistemas. Além disso, a maior parte dos indicadores utilizados no monitoramento das metas das políticas educacionais, principalmente aquelas que irão aferir a qualidade da educação municipal, é calculada a partir dos dados do censo escolar ou do SGE, bases já utilizadas e disponibilizadas nesses sistemas.

Ao longo dos anos, tem-se percebido que o uso de recursos informacionais traz contribuições ao processo decisório, pois são os gestores os principais usuários demandantes das informações nas instituições. Se elas forem geridas por ferramentas e métodos efi cientes, o processo se benefi ciará. Portanto, um sistema de informações desenvolvido de acordo com as necessidades do usuário, combinado com ferramenta que estruture o armazenamento adequado, a atualização e a manutenção dessas informações, pode auxiliar o processo decisório.

ABSTRACT

Nowadays, the availability of educational information at the municipal administration level indicates the existence of a large amount of data produced and an increasing demand for such information. At the strategic level of the Municipal Board of Education of Belo Horizonte (SMED), such information have been available with great effort and, many times, not based on systematized data or through worksheets, charts or reports prepared manually. This article objects to present a proposal of guidelines for a strategic information system composed by educational database and geographic indicators for SMED. This system will give more visibility to the most important educational indicators used by the council with more agility and through maps. Thus, the system will provide a useful tool for planning and monitoring of public policies and programs of municipal education. A tool to measure the quality of municipal education taking into account all its dimensions.

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Referências

CHIAVEGATTO, M.V. As práticas do gerenciamento da informação: estudo exploratório na Prefeitura de Belo Horizonte. Dissertação de mestrado em Administração Pública. Área de Concentração: Tecnologias da Informação. Fundação João Pinheiro. Belo Horizonte, 1999.

CHOO, Chun Wei. A organização do conhecimento: como as organizações usam a informação para criar signifi cado, construir conhecimento e tomar decisões. Tradução de Eliana Rocha. São Paulo: SENAC, 2004. 425p.

DOURADO, L.F. (Coord.); OLIVEIRA, J.F.; SANTOS, C.A. A qualidade da educação: conceitos e defi nições. In Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Série Documental. Textos para Discussão. Brasília: INEP, 2007.65 p. (ISSN 1414-0604; 24). Disponível em http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos. Acesso em 10/08/2013.

MIRANDA, R.C.R. O uso da informação na formulação de ações estratégicas pelas empresas. Revista Ciência da Informação, v. 28, n. 3, p. 286-292, set./dez. 1999.

MORESI, E.A.D. Delineando o valor do sistema de informação de uma organização. Revista Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 1, p. 14-24, jan/abr. 2000. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ci/v29n1/v29n1a2.pdf. Acesso em 15/12/2011.

PBH. Programa de Governo BH Metas e Resultados. Belo Horizonte, 2009. Disponível em www.pbh.gov.br. Acesso em 24/07/2011.

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RESUMO

Este trabalho apresenta a experiência de construção e execução de uma proposta de jogos escolares realizados na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte (RME-BH). O relato é oriundo das refl e-xões de três professoras pertencentes à equipe de coordenação e planejamento do projeto. Os dados descritos retratam o percurso até a concretização de uma ação que dialoga com as Proposições Curriculares do Ensino da Educação Física da RME-BH e respeita as práticas docentes realizadas nas escolas que não sobrevalorizam a competição, a seletividade e a vitória. Acredita-se que, apesar das falhas e limitações, a ação serviu para incentivar docentes a diver-sifi car e qualifi car suas práticas e expor aos discentes uma forma mais cooperativa de vivenciar jogos e práticas esportivas. Palavras-chave: Jogos estudantis. Educação física escolar. Espor-te educacional.

Lucilene AlencarEspecialista em Gestão de Projetos Culturais | [email protected]

Luíza Aguiar dos AnjosMestre em Estudos Interdisciplinares do Lazer | [email protected]

Leandra Fernandes ResendeMestre em Estudos Interdisciplinares do Lazer | [email protected]

Jogos Estudantis: uma experiência de participação coletiva na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte.

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Introdução

Neste texto, apresentamos uma descrição do processo de construção de um projeto de jogos estudantis no Município de Belo Horizonte a partir de uma demanda da Secretaria Municipal de Educação, que foi denominado Jovem - Jogos e Vivências Esportivas das Escolas Municipais. Em seguida, tecemos discussões e refl exões sobre experiências realizadas nas duas primeiras edições baseadas em registros próprios, oriundos de nossa participação na organização e de documentos avaliadores do projeto. E, por fi m, analisamos o processo de construção e execução do Jovem como uma proposta de jogos estudantis na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte que possibilita refl etir sobre os conteúdos da Educação Física escolar.

Em 2010, a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte - SMED se sentiu desafi ada a desenvolver uma proposta que qualifi casse o aprendizado que vinha sendo desenvolvido com os estudantes do terceiro ciclo1 do ensino fundamental. Especialmente a partir dos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb2, identifi cava-se uma queda de desempenho nesses três anos, quando comparado aos anos anteriores. Enquanto os dois primeiros ciclos da Rede de Educação atingiam um índice de 5,8 (próximo ao índice desejado), o terceiro ciclo apresentava um índice de 3,8. Assim, a pergunta feita pela equipe SMED, responsável pela elaboração dessa proposta, foi: “O que fazer para proporcionar uma melhoria na educação pública ofertada a adolescentes e jovens?”.

Sabíamos que a proposta deveria estar afi nada com as realidades das escolas, respeitando seus territórios educativos e diálogos com as comunidades escolares. Além disso, deveria ter consistência para fortalecer de maneira signifi cativa os processos formativos de ensino e aprendizagem já construídos, estando em consonância com as Proposições Curriculares do 3º Ciclo da Rede

1 A organização em ciclos é uma adequação da escola considerando o desenvolvimento biológico, social e cultural de crianças, pré-adolescentes e adolescentes. Ou seja, adequação de tempos, espaços, conhecimentos, metodologias e vivências que visem melhores condições para aprendizagens. O ensino fundamental consiste em nove anos de escolarização distribuídos em três ciclos. O terceiro ciclo corresponde ao 7º, 8º e 9º anos de escolarização do ensino fundamental, ou seja, aos estudantes que possuem faixa etária compreendida entre 12 a 14 anos.

2 O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi criado em 2007 para medir a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino. O indicador é calculado com base no desempenho do estudante em avaliações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e em taxas de aprovação. Assim, para que o Ideb de uma escola ou rede cresça é preciso que o estudante aprenda, não repita o ano e frequente a sala de aula.

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Municipal de Educação3 e sendo ainda capaz de provocar a participação efetiva dos adolescentes e jovens e incentivar o protagonismo juvenil.

Assim, a partir de então, vários encontros foram organizados para discutir os alicerces da proposta. A equipe que acompanha o 3º ciclo da Secretaria de Educação se reuniu em algumas escolas municipais com direções escolares, professores e estudantes a fi m de levantar premissas para a construção de um projeto que atendesse às especifi cidades desse ciclo.

Após muitos encontros e reuniões realizadas ao longo de 2010 e 2011 com os atores4 que participam direta ou indiretamente da educação pública municipal de Belo Horizonte, surgiu o Projeto 3º ciclo - Sujeitos & Práticas. Esse projeto consistia no desenvolvimento de três ações: a Jornada Literária, a Feira de Ciências, Cultura & Tecnologia; e o Jovem - Jogos e Vivências Esportivas das Escolas Municipais, sendo esta o foco deste texto.

O Jovem seria uma ação que atenderia aos anseios de professores e, principalmente, dos estudantes na realização de jogos estudantis, fundamentando-se nos princípios norteadores das Proposições Curriculares Municipais do Terceiro Ciclo, possibilitando uma oportunidade de diálogo entre os docentes da Rede Municipal de Educação e suas práticas pedagógicas, além de provocar um movimento de intercâmbio entre as escolas e estudantes. A Secretaria de Educação constituiu, então, uma equipe de professores de Educação Física, da qual fazíamos parte, para formular a proposta e ser indutora do Jovem.

Os princípios norteadores da proposta

Enquanto ação proposta pela Secretaria Municipal de Educação, o Jovem não poderia deixar de buscar coerência entre seus eixos norteadores e os documentos que referenciam o trabalho da disciplina de Educação Física na Rede Municipal de Educação, em especial as Proposições Curriculares Municipais. Essa tarefa, contudo, se mostrou desafi adora.

3 Entre os anos de 2007 e 2008, a Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte (RME-BH), elaborou de forma coletiva - com a participação dos professores, coordenações pedagógicas, acompanhantes das escolas da RME-BH, assessores e consultores - as Proposições Curriculares para o Ensino Fundamental. Trata-se de um documento que apresenta orientações sobre o currículo a ser desenvolvido nos 1º, 2º e 3º ciclos do ensino fundamental.

4 Com a organização sistemática dos encontros para discussão do projeto, as escolas, por vezes, não conseguiam manter um mesmo professor ausente na unidade escolar para participar das reuniões. Assim, tivemos a participação de ofi cineiros, agentes culturais e funcionários da escola, sem a regularidade do ator envolvido nas reuniões, mas com assiduidade da escola na construção do projeto.

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Publicado em 2010 a partir de um trabalho feito com os professores, as Proposições Curriculares da Educação Física identifi cam a disciplina Educação Física como a responsável pela organização do conhecimento acerca das práticas corporais de movimento5, possuindo, ainda, um vínculo orgânico com os princípios de formação humana defendidos pela Rede de Educação de Belo Horizonte.

Nessa perspectiva, propõem situar os conhecimentos próprios da Educação Física no seio da cultura, reconhecendo que os saberes que envolvem o corpo e o movimento possuem dimensões não só biológicas, mas também cognitivas, históricas, afetivas, linguísticas e estéticas, que se expressam de forma indissociável.

Há, assim, um redirecionamento especialmente marcante no tratamento dado aos esportes. O que se observava nas décadas anteriores era que a Educação Física Escolar servia à instituição esportiva de alto rendimento, tendo como funções centrais o estímulo à prática e, sobretudo, a detecção de talentos, constituindo-se como a base da chamada pirâmide esportiva. Para Millen Neto e colaboradores (2007), nesse contexto, os jogos estudantis tinham uma relação de duplo sentido com a escola: um fi m para a Educação Física, visto que se tornava o objetivo fi nal do que era desenvolvido nas aulas do ano, e um meio para a promoção do esporte (de rendimento), “pois caberia aos Jogos Estudantis constituir o segundo patamar da pirâmide esportiva” (MILLEN NETO et al., 2007, p. 2).

Ao construir as primeiras propostas do Jovem, ainda numa discussão que se restringia à Secretaria Municipal de Educação, tinha-se clareza de que o intuito inicial não era retomar tal tipo de evento esportivo. Contudo, ao ampliar a discussão para o grupo de professores da RME-BH, deparamos com reivindicações de torneios dentro de tais moldes, trazendo à tona confl itos que vão além dessa ação em si, relacionando-se, em suas origens, com as especifi cidades da Educação Física escolar.

Defendemos - naquele momento e ainda hoje - que a escola possui códigos e funções próprios, e o esporte escolar, sendo um de seus constituintes, deve assumi-los e incorporá-los. Concordamos com Vago (1996) na crença de que a escola é capaz de produzir uma cultura escolar do esporte, cuja prática seja problematizada e capaz de construir novas possibilidades de

5 De acordo com as Proposições Curriculares da Rede Municipal de Belo Horizonte, a Educação Física é um componente curricular da Educação Básica responsável pela organização do conhecimento acerca do que se convencionou chamar de práticas corporais de movimento; são as práticas produzidas pelo homem e que se manifestam por meio dos esportes, das danças, das lutas, da ginástica, da capoeira, dos jogos e das brincadeiras. (SECRETARIA, 2010, p. 47).

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vivências. O fenômeno esportivo deve, assim, ser objeto de análise, gerando questionamentos, construção e desconstrução de saberes. A apropriação do esporte pela escola deve gerar um “esporte da escola”, que se embasa nos códigos e sentidos da cultura escolar, e não um “esporte na escola”, que apenas toma seu espaço.

Entendendo que uma ação que se relaciona com o esporte da escola seria possível apenas se estabelecêssemos canais de diálogo com os atores de tais práticas – estudantes e professores –, foi proposto que o Jovem fosse construído de forma coletiva6, por meio de encontros com os docentes, os quais, por sua vez, representariam seus discentes. Essa proposta visava, ainda, apropriar-se dos diferentes saberes e experiências que os educadores poderiam trazer. Além disso, acreditava-se que uma ação construída democraticamente - e não imposta pelos gestores da educação - ganhava legitimidade e credibilidade entre os educadores.

Na primeira edição do Jovem, realizada em 2011, os encontros serviram, especialmente, para construir os regulamentos geral e específi cos dos jogos. Entre uma série de questões que poderiam ser descritas aqui, destacamos as seguintes decisões estabelecidas naquele ano: haveria a disputa tanto de esportes quanto de jogos; as regras das modalidades seriam adaptadas de forma a considerar as habilidades e aprendizagens individuais; as partidas seriam mediadas de forma educativa por estudantes de Educação Física, e não por árbitros; a premiação por medalha seria concedida a todos os participantes; diversos aspectos seriam considerados na pontuação das equipes7 como forma de valorizar o processo, além dos resultados dos jogos.

Em 2012, propôs-se um cronograma de encontros que abarcava dois momentos: o primeiro, de formação de professores, e o segundo, de construção do regulamento. A formação dessa segunda edição desenvolveu três temas centrais: 1) a prática

6 É necessário pontuar que o Projeto Básico do Jovem teve de ser aprovado internamente, na Secretaria de Educação, antes dos encontros com os professores, como forma de garantir a sua realização. Dessa forma, questões, sobretudo de ordem fi nanceira, limitavam as propostas que poderiam ser levadas adiante.

7 Cumprimento do horário de chegada no parque, confecção de um banner registrando a Fase Escolar, criação de um mascote, identifi cação da escola por meio de uma camiseta para os estudantes, participação no desfi le de abertura. A escola poderia, ainda, ser despontuada em casos de: desrespeito às outras equipes, aos colegas de equipe ou ao mediador de jogo; não participação em alguma partida (W.O.); não apresentar o número mínimo de estudantes por modalidade, recebimento de determinado número de cartões amarelos e/ou vermelhos.

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de atividades físicas por pessoas com defi ciência8, no qual vivenciamos o goal ball e a bocha; 2) esporte de rendimento e esporte educacional, no qual participamos, também, de ofi cinas ministradas por alguns professores da Rede Municipal de Educação a partir de projetos desenvolvidos em suas escolas, cujos conteúdos foram: “futebóis”, dança, corrida de orientação, parkour e golfe9; e 3)

questões de gênero na Educação Física10.

Considerações fi nais

Partindo do breve panorama apresentado até aqui - do início do processo de criação do Jovem, da busca por experiências que fugissem da competitividade extremada, da execução e realização de duas edições que apresentassem um modelo baseado na construção coletiva dos regulamentos e do fato de ser um projeto situado em um contexto de políticas públicas de educação -, cabe levantar alguns apontamentos e refl exões sobre a ocorrência dessa ação nas nossas escolas e na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte11.

A princípio, esperava-se que os jogos seriam um refl exo do que acontecia nas aulas de Educação Física e que a criação do Jovem na Rede Municipal de Educação pudesse desestabilizar esse quadro, interferindo no cotidiano escolar ao incentivar e fomentar novas possibilidades de trabalho, além das práticas restritas à queimada para as meninas e ao futsal para os meninos, ou baseado no chamado “quarteto fantástico”, que se limita a quatro modalidades esportivas: vôlei, basquete, futsal e handebol.

8 Essa formação foi ministrada por membros do Programa Superar, da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer.

9 As discussões e ofi cinas foram ministradas ou coordenadas pela professora Eustáquia Salvadora, consultora educacional contratada pela Secretaria Municipal de Educação.

10 Essa formação foi ministrada por membros do Núcleo de Relações Étnico-Raciais e de Gênero da Secretaria Municipal de Educação.

11 Ressaltamos a importância do registro de ações como esta, bem como a realização de uma avaliação mais aprofundada dos “efeitos” da existência dessa ação tanto de forma qualitativa quanto quantitativa. Conforme destaca Menicucci (2008), a avaliação de uma política pública “busca responder às seguintes perguntas: O que foi feito? Como foi feito? E por que foi feito?”. E, nesse sentido, pode servir para pensar, repensar e planejar ações. A avaliação é, ainda, um instrumento gerencial para permitir decisões mais informadas pelos formuladores de políticas, bem como para prestar contas à população.

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No entanto, a partir dos relatos de professores, não podemos dizer que a ocorrência dessa ação tenha criado um grande impacto ao longo do ano na escola. Entre outras questões, identifi camos como ponto desfavorável o número reduzido de estudantes que têm a possibilidade de participar da chamada fase municipal, ou seja, dos dias de jogos no parque. Cientes do problema desde o início, não encontramos alternativas, uma vez que há limitações em termos de estrutura física, de recursos humanos e fi nanceiros que impedem o aumento do número efetivo de participantes nessa fase do Jovem.

Nesse sentido, sabemos que a inclusão de poucos e exclusão de muitos discentes na fase municipal não impede, ou até reforça, a necessidade da constituição de critérios de seleção dos estudantes. Como a sistematização de tal escolha é deixada a cargo dos professores, muitas vezes são priorizados os que têm uma habilidade maior com os esportes, ou capacidades físicas mais desenvolvidas como a força, velocidade e resistência12, podendo trazer de volta à escola a ideia de seleção de talentos que contradiz o discurso que tentamos problematizar por meio do Jovem.

Entendemos que a existência efetiva de uma fase escolar, envolvendo todos os estudantes do terceiro ciclo, antes da fase municipal, pode potencializar a própria existência dessa ação, que passa a ser mais do que apenas alguns dias de jogos para um grupo restrito de estudantes, ampliando, assim, seus desdobramentos nas escolas. Essa primeira fase se encontra como parte da proposta do Jovem, embora não tenha acontecido de forma satisfatória13. Entre outras razões, isso pode ter ocorrido devido ao fato de essa ação - em duas edições - ser recente e, por via de consequência, os professores ainda não terem planejado o cronograma anual, já considerando a realização dessa fase.

Um ponto interessante a ser observado é que - apesar de incluir jogos nos esportes, de forma a valorizar as diversas práticas corporais realizadas nas aulas de Educação Física escolar e ter como princípios norteadores do Jovem a valorização da participação, o respeito à maneira de jogar dos estudantes das escolas, o fair play às outras equipes, deixando, em teoria, a competição em segundo plano - a necessidade de unifi car as regras dos jogos e esportes, que seriam utilizadas durante os dias de jogos na fase municipal, acaba propiciando uma esportivização das brincadeiras, ou seja, uma institucionalização de regras comuns aos jogos, como no caso do cabo de guerra e da queimada.

12 Em conversas informais ao longo do evento, muitos professores nos expuseram seus métodos de seleção. Vários deles levaram à fase municipal os alunos e equipes vencedores de uma espécie de seletiva, exemplifi cando a ideia pontuada.

13 Isso foi identifi cado em formulários avaliativos encaminhados por todos os professores que participaram do Jovem para a Comissão Organizadora.

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Outra questão que muitas vezes difi culta o avanço da proposta é a falta de registro do desenvolvimento da ação. Isso se percebe ao longo de todo o processo: nos primeiros encontros de professores, nas reuniões de planejamento do Jovem, na realização das fases escolar e municipal e nos momentos de fechamento do trabalho.

Enfi m, sabemos que ainda há muitas falhas tanto na construção quanto na execução do Jovem, mas reconhecemos também que esse processo pôde apresentar novas possibilidades de pensar os jogos e práticas esportivas. Além disso, proporcionou um novo momento para a educação física na rede municipal de BH, constituindo um espaço de troca de experiências entre pares docentes e discentes. As reuniões de planejamento e avaliação bem como a realização da fase municipal geraram os encontros dos professores de educação física, que muitas vezes realizavam suas práticas de forma isolada. Esses momentos ampliaram o intercâmbio entre docentes, proporcionando refl exões sobre suas práticas, o que pode (e deve), inclusive, continuar após o Jovem. Para os estudantes, devido à distribuição territorial de Belo Horizonte em regionais e à difi culdade do deslocamento urbano dentro da Capital, a fase municipal do Jovem possibilitou a redução das distâncias que os separam e favoreceu o encontro, a interação com outros e a possibilidade de construção de novos laços de amizades. Podemos ir além, pois é no encontro com o outro que reconhecemos e valorizamos o local de onde viemos, nossa cultura, nossos amigos e, consequentemente, nossa escola.

ABSTRACT

This paper presents the experience of making and executing a proposition of school games held in the municipal schools of Belo Horizonte (RME-BH). The report is originated from the thoughts of three teachers belonging to the coordination team and project planning. The described data portray the route full of challenges for the achievement of an action that dialogues with the Curriculum Propositions for Teaching Physical Education in the RME-BH and respects the teaching practices carried out in schools, not over appreciating competition, selectivity and victory. It is believed that, despite its fl aws and limitations, the action served to encourage teachers to qualify and diversify their practices and to expose students to a more cooperative way of experiencing games and sports.

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Referências

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Programa Escola nas Férias: possibilidades de apropriação e ressignifi cação de espaços públicos

Resumo

Este trabalho apresenta a experiência de uma política de lazer que utiliza espaços públicos, principalmente a escola, nos períodos de férias escolares. O relato descreve a criação do projeto, sua organização, realização e funcionamento. Acreditamos que o Programa Escola nas Férias ressignifi ca o uso do território da escola, possibilitando fortalecer a relação de integração com a comunidade do entorno, uma vez que seu universo passa a ser usufruído para a prática do lazer.

Palavras-chave: Lazer. Escola. Espaço público.

Lucilene AlencarEspecialista em Gestão de Projetos Culturais | [email protected]

Luíza Aguiar dos AnjosMestre em Estudos Interdisciplinares do Lazer | [email protected]

Leandra Fernandes ResendeMestre em Estudos Interdisciplinares do Lazer | [email protected]

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Introdução

Neste texto, apresentamos a experiência de uma política de lazer que utiliza espaços públicos, principalmente a escola, nos períodos de férias escolares. Descrevemos a organização, realização e funcionamento do Programa Escola nas Férias e discutimos brevemente como a existência desse programa contribui para a apropriação e ressignifi cação da escola por comunidades de Belo Horizonte.

Em janeiro de 2009, a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED), propôs para escolas municipais o desenvolvimento de um projeto piloto de oferta de atividades de lazer para crianças de 6 a 14 anos no período de férias escolares, durante duas semanas de janeiro e julho. Foram convidadas a participar dessa primeira experiência as escolas que já realizavam programas e projetos da SMED. Esse critério foi baseado na crença de que escolas que desenvolvem tais atividades extracurriculares possuem uma melhor integração entre escola e comunidade por ampliar as oportunidades de acesso a espaços de promoção da cidadania. Tratando-se de uma proposta nova, a adesão das escolas ao programa foi espontânea, uma vez que era necessário o envolvimento da comunidade escolar para o seu sucesso. No primeiro semestre do ano 2009, do universo de 186 escolas municipais de ensino fundamental, 131 possuíam o diálogo com a comunidade que a SMED julgava necessário para o desenvolvimento do projeto. Destas, 10 escolas aderiram, atingindo um público de 8.700 participantes. Já no segundo semestre, o projeto foi ampliado para 36 escolas, atendendo 18.615 participantes.

O projeto foi ganhando o interesse das comunidades de Belo Horizonte, que passaram a reivindicar a expansão da proposta para as outras escolas municipais, por meio dos fóruns regionais da educação1. Assim, em 2010, o projeto passou a constitui-se em um programa de governo, a ser desenvolvido em todas as escolas da Rede Municipal de Educação, com a alcunha de Programa Escola nas Férias (PEF). Pela dimensão alcançada, a SMED deixou de ser o único representante do Poder Público na ação, tornando-se, assim, o produto de uma articulação intersetorial entre diversas secretarias2.

1 Momentos organizados pela Secretaria Municipal de Educação, por meio de suas gerências regionais a fi m de ouvir os interesses das comunidades.

2 Além da participação efetiva da Secretaria Municipal de Educação na formulação e execução do programa, temos o envolvimento da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, Secretaria Municipal Adjunta de Segurança Alimentar e Nutricional, Fundação de Parques e Jardins, Fundação de Cultura, Secretaria Municipal de Políticas Sociais e Fundação Zoobotânica.

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Programa Escola nas Férias: seu território

e a prática do lazer

O Programa ocorre durante duas semanas, no período das férias escolares, de 9h às 16h. A primeira, com atividades no interior da escola; e a segunda, nos chamados Espaços BH Cidadania, onde funcionam aparelhos públicos de atendimento a comunidades de maior vulnerabilidade social, geridos pela Secretaria de Políticas Sociais. Em ambas as semanas, o programa oferece atividades de lazer que contemplam vivências em jogos, brincadeiras, esportes, danças, artes (manifestações culturais), conforme o planejamento de cada unidade escolar. A participação é de livre escolha das crianças e adolescentes, dependendo apenas da autorização de seus responsáveis.

Na escola, o espaço ganha um formato diferente do seu modelo tradicional, com novas possibilidades de uso. As atividades propostas no Programa Escola nas Férias dialogam e respeitam os códigos e funções do espaço escolar, mas criam uma nova relação com os participantes, propondo-se a atender suas demandas e interesses, o que difere da lógica que defi ne os conteúdos presentes em um currículo escolar. Dessa maneira, as atividades organizam-se sob o viés do lazer proposto por Gomes e Pinto (2009, p. 68),

considerando tempos/espaços disponíveis e a atitude assumidas pelas

pessoas neste tipo de experiência - marcada por um sentimento de liberdade

(mesmo que seja apenas imaginada), impulsionada pela busca de satisfação

e pelo desfrute do momento vivido.

Como já dito, o uso do espaço das escolas pelo programa acontece na primeira semana de seu funcionamento, no qual observamos uma maior adesão de participantes. Pelo fato de o público do programa ser de crianças e adolescentes, é possível que isso aconteça devido à relação de confi ança dos responsáveis com a escola. Outro fator que pode infl uenciar a maior adesão nessa semana é a participação de pessoas da comunidade como voluntários3. Estes se revezam na organização da recepção e distribuição dos participantes, dos lanches (incluindo a preparação do almoço) e ministrando ofi cinas nos diversos espaços da escola: salas de aula, pátio, cantina, auditórios, laboratórios, quadras, corredores, ressignifi cando esses locais.

3 Para atuar como voluntario no Programa, são selecionadas pela escola, de acordo com a demanda da comunidade, pessoas que valorizem os saberes e fazeres da localidade e que possuem habilidades para desenvolver atividades de lazer. Os voluntários podem ser ressarcidos com ajuda de custo de transporte e alimentação pelo município, conforme a Lei do Voluntariado nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998.

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Durante a primeira semana, as escolas escolhem um dia para realizar um passeio a um espaço da cidade. Esses locais, mediante a parceria intersetorial estabelecida pelas instituições do Poder Público, organizam o atendimento aos participantes do programa, sem inviabilizar as visitas habituais de outros frequentadores. Com isso, além da inserção de uma parcela da sociedade nos espaços culturais, pretende-se expandir o programa para a cidade, considerando a responsabilidade do Estado na garantia dos direitos sociais4 à população.

Partindo da experiência das edições do programa desde 2009 até a última realização em janeiro de 2013, levantamos dois questionamentos centrais com relação aos sujeitos e ao uso do espaço da escola em uma nova confi guração: 1) Como a escola, local que faz parte do cotidiano dos alunos sob uma lógica da obrigação, pode ainda despertar o interesse dos estudantes no período em que estão livres desse compromisso?; 2) É possível que a escola seja um local que foi apropriado não somente pelas crianças e adolescentes que lá estudam, mas também por toda a comunidade de seu entorno?

Desenvolver o Programa durante cinco anos não responde a tais questões, mas aponta caminhos que nos conduzem a entender que, nesse tempo, a escola ressignifi ca o uso do seu território, possibilitando fortalecer a relação de integração com a comunidade do entorno, uma vez que seu universo passa a ser usufruído para o lazer. Assim, o espaço escolar dialoga com o conceito de território proposto por Santos (1999, p. 8): “o território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence”.

Entendemos, portanto, que é necessária a intervenção do gestor para que os espaços públicos passem a ser apropriados pelos cidadãos, possibilitando uma educação para e pelo lazer. É preciso que haja a intencionalidade dos sujeitos e principalmente das políticas públicas para que a cidade seja de fato um espaço educativo e propício não somente ao trabalho, mas também ao desfrute do lazer. Acreditamos que as relações sociais de usufruto da cidade pela população podem possibilitar a criação e recriação do espaço urbano, provocando um sentimento de apropriação da cidade pela comunidade.

4 “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer...” (BRASIL, 1988, art. 227).

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ABSTRACT

This paper presents an experience of a leisure policy that uses public spaces, specially school, during school vacations. It describes the creation of this project, its organization and how it works. We believe that the program “Escola nas Férias” reframes the use of school territory and gives the possibility of strengthen the relationship and integration with the community that lives around the school area, once this place has become a space for leisure time.

Referências

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Escola Integrada: um projeto de educação para todos

Mary Margareth Marinho ResendeMestre em gestão e Avaliação da Educação Pública | [email protected]

Resumo

O Programa Escola Integrada é um programa desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte que possibilita a ampliação da jornada escolar para nove horas diárias, por meio de parcerias com universidades públicas e privadas, empresas, grupos comunitários e organizações sociais. Inspirado no conceito de Cidade Educadora e sob o compromisso de Belo Horizonte de efetivar-se como tal, o programa desenvolve um projeto educativo amplo que contempla a educação formal, informal e não formal, objetivando a formação global dos cidadãos para as práticas democráticas. Este artigo pretende contextualizar o Programa Escola Integrada como uma política de ampliação da jornada escolar que possibilita a construção de uma educação de qualidade com equidade, uma vez que permite reduzir as diferenças de oportunidades entre os estudantes, por meio do acesso às linguagens, capacidades, conhecimentos e habilidades presentes nos vários contextos socioculturais.

Palavras-chave: Equidade. Cidade educadora. Escola integrada.

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Introdução

Pode-se avaliar que o processo de universalização da educação pública no Brasil é muito recente. Até meados de 1990, o País enfrentava ainda os desafi os relativos ao acesso e principalmente à permanência no ensino fundamental. Muitas políticas foram implementadas com o objetivo de reduzir a repetência, possibilitar a permanência dos estudantes nas escolas e corrigir as altas taxas de distorção idade/ano de escolarização.

No entanto, as medidas realizadas, visando à entrada e permanência de todas as crianças na escola, não foram sufi cientes para que todas desenvolvessem as capacidades esperadas pelo processo de escolarização, agravando as discrepâncias em relação à aprendizagem e ao desenvolvimento de capacidades e habilidades importantes para o exercício da cidadania.

O presente trabalho tem o objetivo de contextualizar o Programa Escola Integrada, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Belo Horizonte, como um programa que apresenta potencial para o desenvolvimento de ações que possibilitam a aprendizagem de todos os estudantes, gerando equidade educacional, além de permitir o trabalho com os diversos conhecimentos, saberes e práticas necessárias para uma formação humana ampla e global.

O Programa Escola Integrada (PEI) é um programa para as escolas municipais de Belo Horizonte, implementado desde 2006, que amplia a jornada escolar para nove horas diárias, sendo quatro horas e vinte minutos ministrados pelos docentes da Rede Municipal de Educação e as demais horas complementadas com atividades de diferentes áreas do conhecimento como formação social e pessoal, lazer, esportes, cultura, acompanhamento pedagógico. Essas atividades são desenvolvidas por monitores universitários e agentes da comunidade mediante ofi cinas que complementam o currículo, integrando as diversas dimensões formadoras do ser humano.

Escola Integrada: uma estratégia de

equidade? A equidade é um termo amplamente utilizado nas discussões de políticas sociais, mas nem sempre com clareza de signifi cado. De acordo com o Miniaurélio século XXI escolar: o minidicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “equidade é a disposição em reconhecer o direito de cada um” (FERREIRA, 2001, p. 276). Dessa forma, refere-se à distribuição dos bens sociais e está relacionado aos termos equivalência e igualdade.

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Um dos indicadores da equidade em educação é a justa distribuição dos serviços educacionais entre os diferentes grupos sociais. No entanto, a simples distribuição equitativa não é garantia para que os estudantes se apropriem de forma equânime, visto que apresentam diferenças iniciais que interferem no resultado escolar.

Assim, as discussões realizadas nos últimos anos tendem a considerar a equidade como a igualdade dos resultados, e não como a igualdade da oferta educacional. A Resolução nº 7 da CNE/CEB, de 14 de dezembro de 2010, que fi xa diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental de no ve anos, deixa isso bem explícito, quando preconiza que a educação de qualidade é, “antes de tudo, relevante, pertinente e equitativa” (BRASIL, 2010, § 2°). Preconiza ainda a igualdade do direito à educação quando “alude à importância de tratar de forma diferenciada o que se apresenta como desigual no ponto de partida, com vistas a obter desenvolvimento e aprendizagens equiparáveis [...]” (BRASIL, 2010, § 2°, III). Nesse ponto, o direito à diversidade e à pluralidade, tal como as ações afi rmativas na educação, ganha contornos no sentido de garantir que os bens educacionais, econômicos e sociais sejam mais equânimes, não no sentido da igual distribuição, mas no sentido de maior igualdade de acesso aos direitos.

Lopez (2009 p. 79) afi rma que a equidade só se torna possível a partir do desenvolvimento de ações diferenciadas com vistas a corrigir as distorções de oportunidades entre os alunos. Segundo esse autor, os alunos iniciam o processo de escolarização em diferentes níveis, de acordo com as oportunidades vivenciadas por cada um no contexto familiar e social, e cabe ao sistema escolar e a outros setores da sociedade suprir as difi culdades, objetivando alcançar resultados mais próximos ao longo da escolarização.

Para desenvolver estratégias de equidade na educação, é necessário compreender os elementos que impactam os resultados escolares. Segundo Soares e Andrade (2006, p. 109), os fatores que determinam o desempenho cognitivo do aluno pertencem a três grandes categorias: a estrutura escolar, a família e características do próprio aluno. Dessa maneira, a aprendizagem depende de fatores associados e relacionados às particularidades de cada aluno, como características pessoais, interesses, valores e atitudes em relação à escola e à aprendizagem (SOARES; ANDRADE, 2006).

Outros autores, no entanto, analisam o fracasso escolar à luz da história e do processo de formação da escola, relacionando a crise dessa instituição com a forma como foi estruturada. Moll (2008, p. 13) atribui a crise da escola à estrutura que promoveu a separação dos processos educativos realizados na família e no grupo social com os processos formativos realizados na escola, resultando na

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oposição entre saberes populares - considerados irracionais, pois são baseados em crenças, tradições, costumes e práticas sociais - e os saberes considerados legítimos, operados no âmbito escolar. Para a autora, a aprendizagem valorizada pela escola, muitas vezes, está vinculada à negação das múltiplas aprendizagens que os estudantes desenvolvem em suas experiências e interações cotidianas, relacionadas ao seu contexto sociocultural.

A estrutura escolar hierarquizada favorece a exclusão na medida em que parte de um currículo único, desvinculado da realidade dos alunos e busca uma padronização metodológica e de resultados. Essa homogenização do ensino tende a considerar o aluno como o único responsável pelo seu desempenho, afetando sua autoestima e agravando seu desempenho escolar. A escola homogenizadora também propicia a desigualdade na medida em que não reconhece as diferenças, gerando o “silenciamento e o abandono e a permanente produção da invisibilidade dos sujeitos, conhecimentos e contextos que não cabem nas estreitas margens dos denominados sujeito e conhecimento escolar” (ESTEBAN, 2009, p. 125).

O Programa Escola Integrada permite resultados mais equânimes, no momento em que atua, direta ou indiretamente, nos três fatores que determinam o desempenho cognitivo do aluno: a família, a escola e o próprio aluno.

O PEI pode atuar na aproximação e estabelecimento de parcerias entre a família e a escola, reduzindo as distâncias e aumentando a responsabilização das famílias pelo cuidado e pela educação das crianças e jovens da comunidade, além de permitir uma melhor organização dos tempos familiares, de forma que os pais possam sair para a captação de renda com a certeza de que deixarão os fi lhos em segurança.

Pode atuar, também, na aproximação dos objetivos divergentes entre escola, alunos, famílias, sociedade e comunidade, redimensionando o fazer e as práticas escolares. Do mesmo modo, pode gerar o desenvolvimento de estratégias que garantam melhores resultados entre os alunos.

O Programa pode atuar, por fi m, reduzindo as distâncias entre os conhecimentos, práticas e saberes da comunidade e os saberes tidos como escolares, possibilitando o desenvolvimento de uma escolarização mais ampla, na perspectiva de uma educação integral.

O programa possibilita maior equidade, na medida em que permite às classes populares e aos estudantes com vulnerabilidade social, pobreza extrema e com um universo restrito de experiências educativas signifi cativas o acesso aos múltiplos processos educativos desenvolvidos pela e na sociedade. Não se trata

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aqui de uma visão preconceituosa das infâncias populares, mas de reconhecer que muitas crianças são condenadas a viver de maneira precária, tendo como desafi o principal a sobrevivência, e não a formação.

Às infâncias e adolescências populares é negado o direito mais básico:

desenvolver seu viver, seu corpo em espaços-tempos tempos humanos [...].

Gente que desde a infância é condenada pelas relações sociais, econômicas

e políticas a formas precaríssimas de vida-corpo-espaço-tempo (ARROYO,

2012, p. 41).

Partindo do conceito de cidade educadora, o programa propõe a utilização dos espaços da cidade, como clubes, igrejas, cinemas, parques, museus e outros, no contraturno da escola regular, para trabalhar as diversas linguagens e conhecimentos, por meio de ofi cineiros, agentes sociais e comunitários, monitores de instituição de ensino superior e professores da escola. Isso possibilita que os estudantes ampliem o universo de experiência e saberes e encontrem sentido para a busca de conhecimentos e para a consolidação da aprendizagem escolar.

A multiplicidade de agentes educativos, como professores concursados, estudantes coordenados por professores universitários, agentes sociais e comunitários, permite um entrelaçamento de saberes e conhecimentos que devem ser considerados pela escola e potencializados ao máximo.

No entanto, observa-se ainda um distanciamento entre o planejamento e as atividades que ocorrem no tempo da escola regular e no período ampliado, possibilitado pelo Programa Escola Integrada. Observa-se, também, resistência e desconhecimento pelo grupo de professores das atividades que ocorrem no contraturno da escola.

Esse distanciamento e até oposição entre o trabalho realizado no turno escolar e no contraturno interfere de forma negativa, mantendo a oposição entre conhecimento popular e conhecimento escolar entre os profi ssionais formados e concursados e os profi ssionais que trabalham com o conhecimento popular e comunitário. Também colabora na construção de duas escolas: uma prazerosa, que possibilita em sua organização a aproximação e o diálogo entre alunos e profi ssionais, que valoriza a cultura local e permite a livre expressão dos alunos; e a ofi cial, que tem uma organização rígida e tensa, que precisa apresentar resultados, que nem sempre tem tempo para o diálogo, o debate e a construção coletiva.

É preciso dar um passo à frente e possibilitar a construção de uma escola capaz de dialogar com os múltiplos saberes, que consiga articular os vários conhecimentos, tendo em vista o trabalho e a consolidação dos parâmetros

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curriculares do município. É importante que a escola assuma o Programa Escola Integrada como parte do seu projeto político-pedagógico e construa alternativas para que o trabalho seja uma construção coletiva, visando ao desenvolvimento pleno dos educandos.

Estes programas não se propõem apenas a ampliar o tempo, mas a

reorganizar com radicalidade os tempos-espaços do viver a infância e a

adolescência […] assumida esta radicalidade, seremos obrigados a repensar

e reorganizar toda a lógica em que planejamos o tempo-espaço, desde a

enturmação até a sequenciação dos conteúdos, das aprendizagens e das

avaliações (ARROYO, 2012, p. 43).

Superar a lógica de turno e contraturno deve ser um objetivo a ser perseguido a longo prazo, visto que envolve a construção de uma nova lógica escolar, a expansão do horário escolar obrigatório e a reestruturação do espaço direcionado às atividades escolares. Nessa perspectiva, a integração escolar poderá ser viabilizada e as atividades complementares poderão possibilitar uma melhor organização do tempo escolar regular, permitindo alternar os tempos mais lúdicos e os tempos de estudos formais, possibilitando arranjos que viabilizem o atendimento às necessidades individuais dos educandos.

Considerações fi nais

Ao longo do processo de democratização, percebeu-se a necessidade de efetivar estratégias e políticas diferenciadas de modo a possibilitar a escolarização e aprendizagem de todos os alunos. Em algumas redes de ensino, entre elas a Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, houve propostas de adequação do tempo e espaço escolar, com ênfase na totalidade da formação humana, considerando que a escola constitui um tempo de vivência social e cultural. Consolidou-se, então, uma proposta que busca uma nova identidade da escola com seu profi ssional: uma escola mais sensível às demandas da comunidade e que inclui nas práticas escolares as múltiplas linguagens e conhecimentos dessa comunidade.

Inicialmente, as mudanças ocorreram na jornada escolar. A escola aproximou-se do aluno, de sua realidade, e tentou suprir suas necessidades, objetivando uma escolarização mais ampla. Com o passar do tempo, constatou-se que a escola sozinha não conseguiria alcançar seu objetivo fundamental - oferecer uma escolarização de qualidade para todos - e que seria necessário o desenvolvimento de ações integradas entre diferentes setores como secretarias de saúde, assistência social, esportes e outros.

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O Programa Escola Integrada de Belo Horizonte surge nessa perspectiva, valorizando o que está próximo do aluno e de sua realidade; construindo novas referências e possibilidades de vida e de futuro; buscando a articulação com os vários atores sociais responsáveis pela saúde, assistência social, alimentação, moradia e outros; criando uma rede de corresponsáveis pelo processo educativo das crianças e adolescentes na perspectiva de cidade educadora; possibilitando a construção de uma escola cidadã; e ajudando a construir referências para uma escolarização mais exitosa.

O Programa Escola Integrada é comprometido com a equidade educacional na medida em que oferece estratégias e possibilidades diferenciadas aos estudantes. Nesse sentido, pode-se inferir que o programa gera equidade de duas formas: a primeira, relacionada à melhoria nas condições de vida e ao acesso a cuidados básicos como alimentação, higiene e proteção para muitas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social; e a segunda, relacionada à ampliação do acesso aos múltiplos saberes, conhecimentos e vivências fundamentais nos processos de ensino e aprendizagem, o que não seria possível por meio da escola regular, organizada em apenas um turno de trabalho.

ABSTRACT

The Integrated School Program is developed by the Municipal Board of Education

of Belo Horizonte which enables the extension of the school journey to nine daily

hours through partnerships with public and private universities, companies,

community groups and social organizations. Inspired by the concept of Educator

City and under the commitment of Belo Horizonte achieving effectively this grade,

the program develops a large educational project that comprehends the formal,

informal and non-formal, aiming at the formation of global citizens for democratic

practices. This article intends to contextualize the Integrated School Program as

a policy for expanding the school daily hours which enables the construction

of a quality education with equity and intending to reduce the differences in

opportunities for students through access to languages, skills, knowledge and

abilities that are present in many social and cultural contexts.

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Referências

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A oferta da Educação de Jovens e Adultos em espaços não escolares na Rede Municipal de Belo Horizonte: uma política educacional equitativa

Nídia Cristina SabinoMestranda em Gestão e Avaliação da Educação | [email protected]

Resumo

Este artigo faz parte da pesquisa de dissertação em andamento, no Programa de Pós-Graduação Profi ssional em Gestão e Avaliação da Educação Pública, do Centro de Política e Avaliação da Educação Pública (CAEd), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O trabalho descreve e analisa como se dá o atendimento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em espaços não escolares na Rede Municipal de Belo Horizonte. O que se pretende com esta pesquisa é alcançar um entendimento maior sobre as especifi cidades da EJA e seu atendimento fora dos espaços escolares convencionais, propondo uma refl exão sobre os ideários da educação popular e da educação ao longo da vida, em relação à meta maior da Rede Municipal de Educação, que é a garantia de uma educação de qualidade para todos, reduzindo o número de pessoas não alfabetizadas acima de 15 anos na cidade. Palavras-chave: Educação de jovens e adultos. Espaços não escolares. Equidade. Qualidade da educação.

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Introdução

Este artigo pretende descrever e analisar a política de atendimento da Educação de Jovens e Adultos - EJA em espaços não escolares da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, tendo como base pesquisa de campo, bibliográfi ca e documental.

A oferta da Educação de Jovens e Adultos em espaços não escolares, denominados “turmas externas”, prioriza o atendimento às pessoas que não vão à escola por motivos diversos, como, por exemplo, horários impróprios para frequentar as aulas, distância de sua casa até o ambiente escolar e até mesmo uma recusa em retornar ao espaço que excluiu esses sujeitos do direito à educação.

Essa política educacional visa ampliar o acesso a grupos sociais populares à educação, organizando turmas em diferentes espaços da cidade, onde esses grupos já se organizam, residem ou trabalham. Trata-se, portanto, do reconhecimento da diversidade de demandas e da obrigatoriedade, legal e social, de ofertar uma educação de qualidade para todos, reduzindo o número de pessoas não alfabetizadas acima de 15 anos na cidade de Belo Horizonte.

A oferta da EJA nos espaços não escolares

denominados “Turmas Externas”

As turmas externas surgiram em 1997, a partir da demanda, pelo Programa Bolsa-Escola Municipal, de alfabetização das mães bolsistas que precisavam aprender a ler e escrever o próprio nome para assinar o benefício, além de acompanhar a vida escolar dos fi lhos como explicita Oliveira (2012, p. 21):

A elaboração da proposta de alfabetização das mães de alunos do Programa Bolsa Escola foi desencadeada por duas contradições empíricas: a existência de um número expressivo de pessoas (em torno de 40%) que não sabiam assinar, tendo, assim, difi culdade em receber o benefício do fi lho e a inexistência de espaços escolares para o atendimento das necessidades básicas de aprendizagens desse público. Isso porque, na Rede Municipal de Ensino, com exceção de um estabelecimento educativo, as escolas que oferecem a EJA funcionam apenas no noturno, o que é um obstáculo à escolarização dessas senhoras. Para elas, o horário mais adequado para estudar é o diurno, seja por questões de segurança, seja por questões familiares, já que, na parte da manhã ou da tarde, os maridos estão, de modo geral, trabalhando e os fi lhos estudando.

A equipe do Bolsa Escola Municipal propôs uma ação de atendimento a essa

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demanda, dando origem ao Projeto Educação de Jovens e Adultos do Programa Bolsa Escola Municipal de Belo Horizonte (EJA/BEM-BH).

O desejo demonstrado pelas mães bolsistas de prosseguir os estudos, a adesão ao programa federal Brasil Alfabetizado e a procura por escolarização de outras pessoas da comunidade ampliaram a demanda, e, em 2004, a Secretaria Municipal de Educação assumiu o Projeto EJA/BEM-BH com o objetivo de garantir a regularidade acadêmica e a certifi cação do ensino fundamental aos educandos. A coordenação do projeto foi repassada ao Núcleo de EJA da SMED, com a denominação de Projeto EJA-BH.

O Projeto EJA-BH caracterizava-se pela facilitação do retorno aos estudos das pessoas não alfabetizadas ou com experiências negativas de escolarização; formação de grupos pequenos de até 25 pessoas, por vizinhança; busca de um local de fácil acesso para todos; negociação do horário mais conveniente para o grupo, levando o educador até o educando. Assim, as pessoas não precisavam deslocar-se para um local distante nem ter gastos com transportes.

Com a ampliação da demanda por escolarização e o desejo do Poder Público municipal de assumir a oferta da EJA, as turmas do projeto EJA-BH foram vinculadas progressivamente às escolas municipais mais próximas. Cada escola constrói sua proposta pedagógica para essa modalidade de ensino, conforme diretrizes da SMED e levando em conta o público das turmas sede e das turmas externas vinculadas à escola, conforme tabela 1.

TABELA 1: ATENDIMENTO DA EJA PELA SMED

REGIONAIS TOTAL DE ESCOLAS

TURMAS SEDE

TURMAS EXTERNAS

TOTAL GERAL DE TURMAS

TOTAL GERAL DE

EDUCANDOS

TOTAL GERAL DE

EDUCADORESBARREIRO 17 85 20 105 3260 103CENTRO-SUL 9 66 25 91 2576 94LESTE 7 31 9 40 1238 38NORDESTE 13 58 10 68 2063 76NOROESTE 10 31 20 51 1449 50NORTE 14 53 5 58 1761 60OESTE 7 38 11 49 1599 49PAMPULHA 11 49 14 63 1662 63VENDA NOVA 14 70 7 77 2458 78TOTAL NO MUNICÍPIO

102 481 121 602 18066 611

Fonte: SMED/GPLI/Gined – SGE - Dados extraídos em 10.07.2013

Atualmente, a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, conforme tabela 1, atende aproximadamente 18 mil educandos. São 102 escolas municipais

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que possuem autorização para ofertar essa modalidade de educação. Das 602 turmas de EJA, 481 funcionam em salas nas escolas municipais e 121 turmas funcionam em espaços não escolares - as turmas externas.

Todos os educadores das turmas externas são vinculados às escolas municipais. Cada escola tem uma coordenação pedagógica da EJA, que, por meio da realização de reuniões semanais, a cada sexta-feira, procura ampliar o vínculo entre a totalidade da equipe de professores. Trata-se, portanto, de uma proposta pedagógica de escolarização, oferecendo, em regime de unidocência1 e ciclo único2, o ensino fundamental completo, que, segundo Oliveira (2012), em linhas gerais, representa

[...] uma parceria entre Poder Público e a sociedade civil, visando assegurar

o direito à educação a uma parcela da população que não teve acesso à

escola na infância e na adolescência. Enquanto a Prefeitura é responsável

pela remuneração e pela formação do educador, as instituições parceiras

têm como incumbência a organização do espaço onde as aulas serão

ministradas. Além disso, tanto uma quanto a outra se responsabilizam pela

chamada pública dos educandos (OLIVEIRA, 2012, p. 20).

Até aqui, procuramos expor sinteticamente a implementação da política de atendimento da EJA em espaços não escolares da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. No tópico a seguir, à luz de alguns autores que têm se dedicado a discutir as políticas públicas de EJA, analisamos essa política, reconhecendo a EJA como um direito, diferindo de uma visão compensatória e supletiva, e avançando para as funções de emancipação, equidade e qualifi cação.

Educação de Jovens e Adultos da RMEBH:

a busca constante pela qualidade de ensino

Entender a realidade existente na EJA é, antes de tudo, entender a diversidade que revela esse campo da educação. São eles jovens, adultos e idosos que não tiveram seu direito atendido por diversos motivos, mesmo que esse direito primeiro seja assegurado pela Constituição Federal de 1988 e reafi rmado pela LDB 9.394/96.

1 Unidocência: um professor para cada turma, trabalha todas as disciplinas curriculares obrigatórias.

2 Ciclo único: o ensino fundamental na modalidade EJA na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte é organizado em um único ciclo, sem divisões em segmentos ou módulos.

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Di Pierro (2000), Haddad (2002) e Silva (2009) ao discutirem o processo de escolarização da EJA, defendem que as práticas de ensino e aprendizagem não devem limitar-se à transmissão de conteúdos disciplinares e, portanto, desprezar outras experiências educativas. Arroyo (2005) corrobora esses autores, pontuando essa diferença no próprio texto legal da LDB 9.394/96:

A nova LDB fala propriamente em educação de jovens e adultos. Quando

se refere à idade da infância, da adolescência e da juventude, não fala em

educação da infância e da adolescência, mas de ensino fundamental. Não fala

em educação da juventude, mas de ensino médio; não usa, lamentavelmente,

o conceito de educação, mas ensino; não nomeia os sujeitos educandos, mas

a etapa, o nível de ensino. Entretanto, quando se refere a jovens e adultos,

nomeia-os não como sujeitos aprendizes de uma etapa de ensino, mas como

educandos, ou seja, como sujeitos sociais e culturais, jovens e adultos. Essas

diferenças sugerem que a EJA é uma modalidade que construiu sua própria

especifi cidade como educação, com um olhar sobre os educandos (ARROYO,

2005, p. 224).

O conceito estrito de ensino, segundo Arroyo, foi superado pela concepção de educação, reconhecendo a dimensão educativa de outros espaços de convívio social, um princípio proposto e colocado pelos movimentos populares. A educação, nesse sentido, tornou-se permanentemente social, uma vez que não há idade para se educar e a educação se estende por toda vida e nunca é neutra. O paradigma dos anos 60, a educação popular de Paulo Freire, encontrou na conscientização sua categoria principal; e, nos anos 80, traduziu-se pelo movimento de escola pública popular. De acordo com Freire, a educação na perspectiva da emancipação é

aquela que tem que ser forjada com ele (oprimido) e não para ele, enquanto

homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade.

Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da refl exão dos

oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua

libertação, em que esta pedagogia se fará e refará (FREIRE, 2005, p. 34).

Em outras palavras, Freire (2005) estabelece que as pessoas mais desfavorecidas, os oprimidos, coletivamente organizados por meio do desvelamento crítico da sua realidade, podem transformar suas existências concretas, libertando-se da opressão. Emancipar o ser humano é, portanto, um desafi o a ser atingido.

Na atualidade, a educação popular deixa de ser exclusividade dos movimentos das classes trabalhadoras e passa a ser compreendida como o regime alicerçado na justiça social e no respeito integral aos direitos humanos, reconhecendo os grupos socialmente excluídos e, com eles, reassumindo a luta histórica por um

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projeto emancipador. Tal concepção se orienta pela diversidade, democracia e conhecimento de seus direitos e dos outros.

Mesmo reconhecendo que a educação popular hoje não é a mesma da década de 1960, alguns princípios permanecem: o compromisso com as demandas dos grupos com os quais se atua, a politicidade da educação, a educação como ato de conhecimento e de transformação social e a importância do respeito à identidade cultural dos educandos.

Podemos constatar, então, que, historicamente, as experiências educacionais populares de EJA têm em comum o compromisso de adequar os processos educativos à condição dos jovens e adultos que atendem, e não o inverso, ou seja, que os jovens e adultos se adaptem às estruturas escolares pensadas para a infância e adolescência. A política de atendimento da EJA em espaços não escolares da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte encontra eco no legado da educação popular de Paulo Freire, pois, além de possuir o compromisso de resgatar o direito de acesso ao saber para as camadas populares, apresenta alguns indicadores que representam a ruptura com a antiga concepção assistencialista e supletiva da EJA: matrícula dos educandos ao longo do ano, horários de aula e frequência fl exíveis, garantia dos momentos de planejamento semanal dos professores, em reuniões semanais às sextas-feiras, espaços fora da escola e partir das necessidades dos educandos.

A EJA, na concepção de aprender por toda a vida em diversos espaços sociais, responde às exigências do mundo contemporâneo, além da escola. Essa concepção considera que as pessoas estão permanentemente educando-se em diversos âmbitos sociais, além da escola.

Nesse sentido, as políticas públicas devem estar associadas às demandas da população e, assim, oferecer respostas tão diversas quanto as singularidades dos contextos onde ocorrem e da diversidade dos grupos atendidos. A política pública de atendimento da EJA em espaços não escolares vem ao encontro dessa concepção ampla de educação.

Considerações fi nais

Conceber a educação de jovens e adultos no âmbito do paradigma da educação continuada e na perspectiva do direito constitui o foco da política educacional de

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atendimento da EJA em espaços não escolares da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte.

A incorporação da realidade de vida, dos interesses, especifi cidades e diversidade dos educandos transforma a EJA numa modalidade estendida a sujeitos de classes populares compreendidos como protagonistas da própria história. A oferta da EJA em espaços não escolares oportuniza o direito à educação com qualidade a uma parcela da população que sempre esteve à margem do sistema educacional.

O trabalho por hora apresentado encontra-se em execução, mas em avançado estágio. Dentre os resultados já detectados, podemos constatar que, indo ao encontro da política nacional de EJA, a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte superou a concepção de que o momento de vida mais adequado para aprender é a infância e a adolescência e que a função precípua da EJA é a reposição da escolaridade perdida. Concebendo a educação para jovens e adultos a partir da diversidade e especifi cidade das demandas concretas dos diferentes sujeitos que a essa política recorrem, a Secretaria Municipal de Educação investe nessa modalidade do ensino fundamental na certeza de que a melhoria da qualidade do ensino passa, fundamentalmente, pela promoção da equidade educativa e social.

ABSTRACT

The present article is part of a dissertation in progress, at the Professional Graduate Program of Management and Assessment of Public Education, of the Center for Policy and Assessment of Public Education (CAEd), of Federal University of Juiz de Fora (UFJF). The paper describes and analyzes how the assistance of the Education for Youngsters and Adults (EJA) is conducted in non-scholarly environments at the Municipal Schools of Belo Horizonte. With this research we intend to reach a larger understanding regarding the specifi cities of EJA and its assistance in non-conventional school environments, proposing a consideration in relation to the ideals of popular education and education throughout life, when related to the greater goal of the Municipal Education, which is to guarantee quality education for all, reducing the number of non-alphabetized individuals

over fi fteen years old in the city.

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Publicação da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte56

Referências

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Formação de professores e qualidade da educação no 3º Ciclo do Ensino Fundamental na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte

Resumo

Os indicadores mais recentes da qualidade educacional oferecida na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte (RME/BH) vêm demonstrando avanços nos últimos anos, mas os resultados do 3º ciclo do ensino fundamental apontam defasagem maior que os do 1º e 2º ciclos. Partindo do princípio de que a formação docente é um dos fatores relacionados ao desempenho dos estudantes e, por fi m, à qualidade da educação, este artigo apresenta uma revisão bibliográfi ca sobre formação docente, destacadamente a formação inicial. Seu objetivo é analisar a formação inicial do professor do 3º ciclo da RME/BH e apontar possibilidades de atuação para os gestores municipais da educação.

Palavras-chave: Formação docente. Formação inicial. Qualidade da educação.

Renata Júlia da CostaMestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública | [email protected]

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Introdução: formação docente

e melhoria da qualidade da educação

Atualmente, a Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte (RME/BH) vem sendo desafi ada a promover uma educação de qualidade que tenha refl exo no desempenho acadêmico dos seus estudantes, atendendo a expectativas e demandas sociais da escola contemporânea. Esse desafi o se apresenta maior no 3º ciclo do ensino fundamental, como pode ser constatado no resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Ao se comparar o resultado dos anos fi nais com o dos anos iniciais, observa-se maior defasagem no desempenho e menor taxa de aprovação dos estudantes do 3º ciclo (MERITT, 2012).

O professor é um ator central ao se pensar a aprendizagem dos estudantes (NÓVOA, 1992; TARDIF, 2000; PERRENOUD, 2002; DEMO, 2010), haja vista ser ele o sujeito que, de forma ativa e direta, promove a mediação do estudante com o conhecimento. Essa concepção é reiterada por pesquisa realizada ao longo de 2002 a 2004 com 25 países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE):

Atualmente, há pesquisas substanciais indicando que a qualidade dos

professores e a de seu ensino são os fatores sensíveis a políticas mais

importantes no resultado de estudantes. [...] Muitas vezes, as diferenças do

desempenho dos estudantes são maiores dentro das escolas do que entre

as escolas (OCDE, 2006, p. 12).

Reformas educacionais implantadas “de cima para baixo” são limitadas pela difi culdade de adesão por parte dos professores e demais atores da escola. Com isso, tais reformas acabam por não se efetivarem conforme planejado. Por outro lado, as reformas “de baixo para cima” recebem forte adesão por parte dos professores, mas costumam não ter força para repercutir suas mudanças em todo o sistema educacional, mas apenas no território onde surgem.

Diante disso, a formação de professores ganha relevância, uma vez que precisa apontar para um trabalho docente capaz de lidar com os desafi os colocados pela complexidade característica da realidade contemporânea. Não se considera que o trabalho docente seja o único responsável pela qualidade educacional, mas, conforme a justifi cativa anteriormente colocada, percebe-se que, sem o professor, não se promove educação de qualidade.

Nessa perspectiva, este artigo apresenta uma revisão bibliográfi ca sobre formação docente. Destaca-se a formação inicial, devido à sua infl uência na prática docente, especialmente nos anos iniciais da carreira. O objetivo deste

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artigo é analisar a condição da formação inicial do professor do 3º ciclo da RME/BH e, a partir das lacunas identifi cadas, apontar possibilidades de trabalho para

os gestores municipais da educação de Belo Horizonte.

Limitações da formação inicial do

professor

Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), “a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena [...]” (BRASIL, 1996, art. 62). Portanto, a graduação constitui a formação inicial do professor do 3º ciclo do ensino fundamental, o que é realidade na RME/BH. Nesta rede, 98% dos professores do 3º ciclo são licenciados na disciplina que lecionam, conforme informação da Gerência de Planejamento e Informação da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED/BH), em 26 de setembro de 2012.

Nas licenciaturas, privilegia-se o conhecimento específi co da disciplina que o professor irá lecionar em detrimento das demais questões relacionadas ao trabalho docente com os adolescentes do 3º ciclo. Para Guiomar Mello,

a localização institucional das licenciaturas na estrutura do ensino superior,

e particularmente das universidades, cria um divórcio entre a aquisição de

conhecimentos nas áreas de conteúdos substantivos e a constituição de

competências para ensinar esses conteúdos [...] (MELLO, G., 2000, p. 100).

A formação inicial favorece o domínio técnico do conhecimento por parte do docente em sua disciplina, o que não garante a compreensão de aspectos da educação em geral, como relação professor-aluno, planejamento, currículo e avaliação. Na dissertação de mestrado de Analise Silva sobre formadores, professores e adolescentes da RME/BH, a autora afi rma que

causa alarme [...] a predominância de profi ssionais da educação que se

dizem - ou se confessam - despreparados para trabalhar no espaço das

relações professor e aluno, nas relações curriculares, no cotidiano escolar,

com situações que envolvam questões tais como: cidadania, sexualidade,

drogadição, violência, desemprego. Esses profi ssionais argumentam,

muitas vezes, para não desenvolverem essa prática, que não receberam

embasamento para tal em suas formações iniciais nas respectivas

graduações (SILVA, 2002, p. 61).

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Publicação da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte60

Nas grades curriculares dos cursos de licenciatura do Brasil, observa-se maior investimento de carga horária em disciplinas referentes aos conteúdos específi cos do curso e, em contrapartida, menor dedicação às disciplinas referentes à didática e à pedagogia. Essa realidade é constatada na dissertação de Analise Silva ao pesquisar a licenciatura nos cursos de Ciências, História e Matemática da Universidade Federal de Minas Gerais (SILVA, 2002).

O que se observa é que os currículos das licenciaturas possibilitam pouco,

em níveis de complexidade e importância necessários, o trato com o elenco

de disciplinas que os compõem visando a (re)signifi cação de conhecimentos

científi cos historicamente acumulados pela humanidade, muito menos a

construção de valores sociais com os sujeitos adolescentes-alunos-cidadãos

com os quais as licenciaturas estão habilitando a trabalhar (SILVA, 2002, p. 147).

[Nas licenciaturas, destaca-se] a inexistência de um projeto institucional que

trabalhe as especifi cidades das diferentes etapas da educação básica quanto

às diferentes fases de vivências e socializações dos sujeitos envolvidos

(SILVA, 2002, p. 186).

Na RME/BH, o professor do 3º ciclo tem demonstrado competência no domínio de conteúdos específi cos da área na qual é licenciado, mas apresenta difi culdade para: a) elaborar planejamento de ensino que seja coerente com os estudantes; b) organizar o trabalho pedagógico com base em habilidades/capacidades; c) selecionar estratégias e recursos apropriados para sua realidade; e d) avaliar a aprendizagem dos estudantes de forma diagnóstica e somativa.

Para o exercício da profi ssão, o conhecimento abordado nos cursos de licenciatura não é sufi ciente, pois

o professor polivalente ou especialista, independentemente de sua área

de especialidade, deve dominar a língua portuguesa, a matemática, a

informática e as linguagens de expressão artística, pelo menos no mesmo

grau previsto para os formados na última etapa da educação básica (MELLO,

G., 2000, p. 105).

Essa concepção aponta que a formação de todo professor do ensino fundamental deve ser a mesma, independentemente de sua atuação nos anos iniciais ou nos fi nais. Ao prever uma articulação no ensino para os estudantes de 6 a 14/15 anos, a LDB (BRASIL, 1996) busca superar a dicotomia entre primário e ginásio, nomeando esse nível da educação básica como um todo, ensino fundamental (ZAIDAN, 2003). Ainda assim, a universidade oferece cursos diferentes para o professor dos anos iniciais e para aquele que atuará nos anos fi nais (ZAIDAN, 2003).

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Essa ruptura e as demais limitações da formação inicial abordadas neste artigo têm impacto no trabalho docente e provocam um desafi o para a gestão municipal. Por um lado, das limitações da formação inicial e das lacunas deixadas por ela decorre a necessidade de investimento dos gestores municipais da educação na formação continuada de professores. Por outro lado, tal necessidade vem do reconhecimento da escola e da experiência docente como elementos da formação contínua do professor.

Como estratégia para promover a melhoria da qualidade da educação, a SMED/BH vem desenvolvendo ações de formação continuada para os professores do 3º ciclo do ensino fundamental: pós-graduação lato sensu em Docência na Educação Básica, Rede de Formação de Professores do 3º ciclo, pós-graduação no nível de especialização em Gestão de Projetos Culturais e Projeto do 3º Ciclo - Sujeitos e Práticas. Essas ações de formação continuada não são objeto de análise deste artigo, mas pode-se afi rmar que, assim como trazem possibilidades para a prática docente do professor do 3º ciclo, apresentam limitações em sua formulação, implementação e avaliação (COSTA, 2012).

Parece haver consenso em torno da ideia de que nenhuma formação inicial, mesmo em nível superior, é sufi ciente para o desenvolvimento profi ssional (BERNADO, 2004). Ainda assim, há que se reconhecer que todos os contextos de formação docente têm, em si mesmos, suas próprias limitações, o que torna possível compreender que, de maneira alguma, a formação inicial se responsabilizaria, exclusiva e isoladamente, pela integralidade da formação docente, especialmente ao considerar que tal formação também acontece no cotidiano do trabalho do professor. Mesmo com essa ressalva, são percebidas lacunas nos cursos de licenciatura que poderiam ser superadas, tendo em vista a melhoria do trabalho docente e da qualidade da educação.

Papel dos gestores municipais de educação

na formação inicial do professor

Este artigo aponta a necessidade de aproximação entre o meio acadêmico e a gestão da política educacional como uma estratégia de aproximar os estudos teóricos da realidade das escolas públicas: “[...] entre o projeto teórico da didática das disciplinas e sua encarnação na prática ainda há um abismo” (PERRENOUD, 2002, p. 28). Tal aproximação tende a favorecer a formação inicial dos docentes e, com ela, as redes públicas de ensino, à medida que a licenciatura incorpora elementos do exercício da profi ssão ao saber acadêmico. Dessa forma, as

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universidades tendem a um enriquecimento, haja vista que tal aproximação tem a possibilidade de motivar a produção de pesquisas e de conhecimento.

Pesquisas e publicações acadêmicas produzidas no Brasil a partir dos anos 1980 demonstraram para a universidade os dilemas enfrentados pelos cursos de licenciatura (PEREIRA, 2006). A academia tem conhecimento da necessidade de avanços, especialmente da articulação da universidade com o mundo do trabalho docente e da relevância das disciplinas pedagógicas para os estudantes de licenciatura:

As publicações que analisam a problemática das licenciaturas, ao mesmo

tempo em que levantam os problemas enfrentados por esses cursos,

apontam perspectivas e soluções para os mesmos (PEREIRA, 2006, p. 63).

É necessário promover a articulação das escolas da RME/BH com os cursos de licenciatura da cidade, de forma que estudantes e professores universitários possam conhecer a realidade da educação pública no município. Por meio de estágios nas escolas municipais, por exemplo, é possível que o recém-formado, ao ingressar no trabalho da RME/BH, tenha maior conhecimento da realidade na qual atuará. A partir dessas possibilidades, destaca-se, como uma frente de ação a ser incorporada pelos gestores da política educacional, a integração da gestão municipal com a academia.

Conclusão

A formação inicial do professor do 3º ciclo, que acontece nos cursos de licenciatura em nível superior, não tem proporcionado aos docentes exercer sua função a contento da demanda atual, pois, nas faculdades e universidades, privilegia-se o conhecimento específi co da disciplina que o professor irá lecionar em detrimento das demais questões relacionadas ao trabalho docente.

A partir das lacunas identifi cadas, propõe-se aos gestores municipais da educação uma articulação das escolas da RME/BH com cursos de licenciatura. Isso possibilitará melhoria na condição do trabalho do professor no 3º ciclo e, consequentemente, avanço na qualidade da educação no 3º ciclo.

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ABSTRACT

The latest indicators of educational quality of Municipal Education System of Belo

Horizonte (RME/BH) have showed progress in recent years, but, especially in the

3rd cycle of fundamental education, the result points a gap higher than in the

1st and 2nd cycles. Assuming that teacher education is one of the factors related

to students’ performance and, consequently, to the quality of education, this

article presents a literature review about teacher education, notably the initial

education. Its goal is to analyze the teacher initial education of the 3rd cycle

at the RME/BH and to point out possible actions to for municipal managers of

education.

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Fábio Camilo Xavier

Mestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública | [email protected]

Resu mo

Este artigo apresenta um plano de ações para melhoria do desempenho educacional por meio da atuação dos gestores escolares. Procurou-se enumerar as principais características da gestão que podem exercer infl uência sobre os resultados educacionais, mesmo que a escola apresente baixo nível socioeconômico.

Palavras-chave: Formação. Gestão escolar. Roteiro de boas práticas.

Plano de ações para melhoria da gestão escolar

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Introdução

A proposta apresentada neste artigo está fundamentada em pesquisa realizada na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte (RME-BH) sobre ações da gestão escolar que podem favorecer a superação da infl uência socioeconômica sobre o desempenho médio dos alunos de uma escola.

Em uma pesquisa preliminar, foi verifi cada notável relação entre desempenho escolar e nível socioeconômico para as escolas da RME-BH. Desse modo, escolas cujos alunos apresentam padrão socioeconômico favorável, em geral, apresentam melhores resultados nas avaliações externas em relação às escolas de nível socioeconômico inferior. Entretanto, embora tenha sido observada a infl uência socioeconômica sobre os resultados escolares, verifi cou-se que não há, deterministicamente, uma vinculação entre fracasso escolar e às condições socioeconômicas, uma vez que algumas escolas, mesmo em condições menos favoráveis, possuíam desempenhos semelhantes aos das escolas que atendem crianças em melhores condições.

Em escolas de 1º e 2º ciclos da RME-BH, foram identifi cadas algumas ações da gestão - especialmente aquelas que procuram atenuar as infl uências das origens sociais dos alunos - que puderam produzir escolas de sucesso. Nessas escolas, houve considerável aumento do desempenho discente nas avaliações externas e, por via de consequência, dos indicadores educacionais.

Assim, este artigo apresenta um plano de ações recomendáveis aos diretores e gestores no âmbito de uma escola e de uma rede de ensino. O plano contempla algumas contribuições de boas práticas observadas tanto em algumas escolas de sucesso da RME-BH, como em importantes autores que tratam do assunto.

Sabe-se que as ações de uma gestão competente estão associadas a certas habilidades e competências que o diretor deve possuir, especialmente aquelas relacionadas ao desenvolvimento de atitudes de liderança para o exercício de uma gestão escolar mais competente. Entretanto, é oportuno lembrar que, apesar de o gestor escolar ser o principal responsável pelos resultados acadêmicos da instituição, não se pode desconsiderar o importante papel que deve ser atribuído às Secretarias de Educação na formação e capacitação do mesmo. Lück (2009) também acredita que seja possível aprender a liderar e desenvolver gestão compartilhada, quando coloca que:

Existem indivíduos que despontam naturalmente para exercer esse papel e

certamente o farão se o ambiente favorecer. Mas mesmo eles precisam de

orientação para empregar essa habilidade e toda a energia em nome do bem

coletivo. Trata-se de um exercício associado à consciência de responsabilidade

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social. Onde a gestão é democrática e participativa, há a oportunidade de

desenvolver essa característica em diversos agentes. Somente governos e

organizações autoritários e centralizadores não permitem isso. E a escola,

é claro, não deve ser assim (grifo do autor) (LÜCK, 2009, em entrevista à

revista Nova Escola Gestão Escolar).

Objetivos do plano de ações

O objetivo principal deste plano é permitir maior conscientização dos gestores escolares como lideranças pedagógicas, motivando sua equipe na busca constante da melhoria do processo de ensino-aprendizagem.

Além disso, torna-se meta a busca de maior qualidade e equidade no ensino tanto no interior das escolas como entre as escolas de uma rede de ensino, independentemente das condições preexistentes dos alunos.

Justifi cativa do plano de ações

Os avanços na prestação de um ensino de qualidade que uma escola pode ofertar passam, necessariamente, pela melhoria da gestão escolar. Evidentemente, o gestor escolar deve estar atento às principais difi culdades educacionais de modo que possa apontar soluções, ao promover ações para a construção de uma escola na qual os alunos aprendam independentemente de suas origens socioeconômicas.

A mobilização dos principais recursos materiais e humanos à disposição cabe ao gestor escolar: a provisão dos recursos materiais bem como a articulação entre atores envolvidos direta ou indiretamente dentro do sistema de ensino.

Para isso, os gestores escolares devem possuir uma visão abrangente de todo o processo de ensino e atuar com o devido conhecimento e a competência necessária no que for de sua responsabilidade. Entretanto, nem sempre os diretores escolares estão preparados para assumir essa missão. Diante disso, é recomendável que os gestores (ou pretendentes) desenvolvam as competências que cada vez mais são exigidas dessa nobre função.

Apesar de considerar que diversos elementos da prática da gestão escolar são assimilados a partir do exercício, verifi ca-se que muitos diretores têm se mostrado desnorteados nos caminhos que podem conduzir ao estabelecimento de uma escola efi caz.

Não muito raro, os diretores perdem-se em questões burocráticas, afastando-

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se, intencionalmente ou não, das determinações pedagógicas que lhes cabem também cumprir. Muitas vezes, seu aprendizado ocorre por meio das práticas de tentativas “erro/acerto”, que acabam provocando uma série de prejuízos tanto para a escola quanto para si mesmos, acarretando sentimentos como medo, angústia, frustração, desinteresse e, até mesmo, decepção.

É necessário, portanto, que gestores em exercício, ou aspirantes ao cargo, deem ensejo ao aprimoramento de competências e desenvolvimento de habilidades inerentes à gestão escolar.

Seria oportuna, pois, a capacitação para a gestão escolar tanto dos candidatos a diretor quanto dos que já se encontram em exercício. Essa formação deve ter o objetivo de ampliar os conhecimentos inerentes às principais dimensões da gestão escolar, procurando conscientizar o diretor de sua liderança quanto à organização, coordenação e avaliação das ações que possibilitem a formação humana e o aprendizado de seus alunos.

Estrutura do Programa

O programa de melhoria da gestão escolar aqui proposto é composto de três eixos norteadores: 1) Certifi cação ocupacional dos gestores escolares; 2) Programa de formação continuada para os gestores em exercício e 3) Guia de boas práticas.

1 - Certifi cação ocupacional dos gestores escolares

A Secretaria de Educação deverá estabelecer critérios para seleção de diretores, de modo que os candidatos ao cargo apresentem perfi l profi ssional caracterizado com os pré-requisitos mínimos de capacidade requerida pelo cargo.

Após defi nir os conhecimentos e habilidades mínimas do cargo de Diretor Escolar, a Secretaria de Educação deverá promover um processo de avaliação preliminar que servirá como sondagem do perfi l dos interessados em concorrer às eleições para diretor.

Em seguida, a Secretaria de Educação deverá promover um curso de formação de gestores para todos os educadores aprovados no teste de sondagem. Os educadores que apresentarem rendimento satisfatório no curso receberão o certifi cado ocupacional que lhes permitirá concorrer ao cargo de diretor.

Paralelamente às ações acima, o educador da rede de ensino interessado em se tornar gestor escolar deverá inscrever-se no processo de avaliação

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preliminar e, mostrando-se apto, frequentar o curso de formação de gestores, evidentemente em horário que seja compatível com sua jornada de trabalho.

Ao demonstrar desempenho satisfatório no curso, em função da formação de competências, o educador receberá o certifi cado ocupacional, tornando-se apto ao cargo de gestor escolar. Ou seja, somente a partir da certifi cação, esse educador poderá concorrer à vaga de diretor escolar.

O processo de certifi cação de diretores poderá funcionar como fi ltro capaz de transformar o cenário da gestão escolar de uma rede pública, impulsionando, conjuntamente com outras políticas socioeducacionais, o alcance das metas propostas pelo governo em seu planejamento de longo prazo.

2 - Programa de formação continuada para os gestores em exercício

A Secretaria de Educação deverá promover cursos de formação inicial para gestores eleitos, destacando os conhecimentos das atribuições pedagógicas, administrativas e fi nanceiras mais específi cas que a do curso de certifi cação - focados na prática cotidiana da gestão escolar.

Além disso, a Secretaria de Educação deverá promover cursos de capacitação continuada para os diretores que se encontram em exercício e promover fóruns de discussão (presencial e virtual) entre os gestores para compartilhamento de experiências e socialização de boas práticas das escolas.

Por outro lado, o Diretor Escolar deverá participar das capacitações, consciente de que seu aprimoramento profi ssional é tão importante quanto o bom desempenho das atribuições que lhe competem.

3 - Guia de boas práticas

Foi identifi cada a necessidade de estabelecer o planejamento estratégico em cada ação da gestão para melhoria da efi ciência nos processos escolares. Fica clara, também, a importância que deve ser dada às reuniões administrativas e pedagógicas, sendo estas essenciais para alinhar a equipe de professores com as dir etrizes educacionais e com os planos de ensino.

É importante considerar, como fora percebido na gestão das escolas de sucesso da RME-BH, que os diretores escolares devem procurar estimular a gestão compartilhada e democrática, de modo que a comunidade escolar possa participar e se envolver, oportunizando, assim, maior comprometimento de todos com os resultados a serem alcançados.

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Outro elemento importante que deve ser considerado pelos gestores escolares que desejam transformar sua escola é o de conhecer seus alunos, suas reais necessidades, mesmo aquelas que não estejam diretamente relacionadas às questões pedagógicas, como as carências de suporte material, a formação de valores e, até mesmo, as necessidades nutricionais.

O monitoramento sistemático dos alunos e o encaminhamento daqueles com baixo desempenho para o Projeto de Intervenção Pedagógica (PIP) tem-se mostrado efi ciente para melhoria do desempenho dos alunos. Conforme observado na RME-BH, o PIP tem sido importante instrumento de correção e atenuação das discrepâncias de resultados dos alunos.

O PIP proporciona, de certa forma, a equidade educativa, mecanismo tão importante para atenuar as diferenças entre os desempenhos educacionais dos alunos dentro de uma mesma escola, muitas das quais relacionadas a fatores extraescolares.

Sendo assim, a direção, juntamente com a equipe pedagógica, deve potencializar os efeitos do PIP, seja aumentando a carga horária, seja o número de alunos atendidos. Para tal, deve ser verifi cada a viabilidade de ampliação do número de professores que atuam no PIP, bem como a intensifi cação das ações de formação profi ssional para esses educadores.

Além disso, é oportuno que os resultados escolares sejam divulgados para toda a comunidade escolar, como uma forma de prestação de contas da qualidade educacional. Tal divulgação, aliás, tem demonstrado impacto positivo para a mudança da cultura da escola, fortalecendo ainda mais o engajamento da comunidade escolar na construção de uma escola efi caz.

As análises contidas na pesquisa de campo confi rmaram a necessidade de que seja (re)construída a cultura organizacional de uma escola que deseja obter sucesso educacional. A começar pela mudança de atitudes que possam repercutir em um melhor desempenho dos profi ssionais e dos alunos, com a consequente melhoria da qualidade do ensino ofertado. Como foi verifi cado, o diretor escolar deve fi car atento aos costumes e crenças de sua equipe e às regularidades do cotidiano escolar que podem aproximar ou distanciar os princípios educacionais, favorecendo as práticas escolares mais adequadas e coibindo as contrárias aos objetivos educacionais.

São elencadas, a seguir, ações e orientações que podem servir de auxílio aos gestores escolares na condução do trabalho como liderança no processo do desenvolvimento acadêmico discente:

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Priorizar a gestão pedagógica.

Possuir expectativas elevadas sobre o corpo discente, promovendo projetos ou ações afi rmativas direcionadas aos alunos que mais precisem.

Promover e manter a integração entre a comunidade e a escola.

Desenvolver uma visão abrangente do seu trabalho e sobre o funcionamento do sistema de ensino.

Consolidar mecanismos de monitoramento da aprendizagem e de reforço escolar destinado aos alunos de menor profi ciência.

Desenvolver uma estratégia de automonitoramento ou avaliação de seu trabalho.

Atualizar-se constantemente sobre os conhecimentos que devem fazer parte do seu cotidiano, como uma espécie de “capacitação em serviço”.

Compreender e atuar sob os fundamentos e princípios da educação, bem como das determinações legais.

Liderar e orientar os membros da escola sobre os princípios e fundamentos educacionais e determinações legais, especialmente no estabelecimento do projeto político-pedagógico da escola e regimento escolar.

Desenvolver o trabalho em equipe, exercendo a gestão compartilhada.

Garantir um processo de comunicação e diálogo aberto entre professores, pais, alunos e comunidade.

Planejar e coordenar as reuniões pedagógicas e as assembleias escolares.

Articular os diferentes pontos de vista para o consenso.

Gerenciar convenientemente os confl itos que surgirem e atuar com prudência nos momentos de tensão.

Monitorar processos e avaliar permanentemente os resultados.

Considerações fi nais

Diferentemente de décadas atrás, a gestão escolar tem sido cada vez mais responsabilizada quanto à prestação de contas dos resultados educacionais. Paralelamente, a própria escola tornou-se palco de uma série de políticas

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sociais, não necessariamente voltadas à função fi nalística de educar, como evidenciado pela pesquisa em relação às escolas da RME-BH (Escola Aberta, Escola de Férias, Escola Integrada, Programa Saúde na Escola, reestruturações recorrentes dos aspectos administrativos e pedagógicos, prestação de contas e gestão de pessoas, reformas, etc.).

Considerando esse cenário mais complexo, é importante que o gestor planeje suas ações de forma estratégica, isto é, com uma visão mais holística dos processos e do contexto escolar.

Para que seja efetivada uma administração mais competente, sugere-se prévia capacitação dos diretores escolares bem como projetos de formação continuada.

Enfi m, o diretor deve priorizar a gestão pedagógica, focando sua atenção às necessidades dos alunos, principalmente quando não possuem vantagens socioeconômicas preexistentes.

ABSTRACT

This article presents an action plan to improve educational performance through

the actions of school principals. We tried to list the main features of management

that may infl uence educational outcomes, even if the school presents low

socioeconomic status.

Referências

FRANCO, Creso; ORTIGÃO, Isabel; ALBERNAZ, Ângela; BONAMINO, Alicia; AGUIAR, Glauco; ALVES, Fátima; SÁTYRO, Natália. Qualidade e equidade em educação: reconsiderando o signifi cado de “fatores intra-escolares”. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 15, n. 55, p. 277-298, abr./jun. 2007. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v15n55/a07v1555.pdf. Acessado em 1º/06/2012.

LÜCK, Heloísa. As dimensões da gestão escolar. Curitiba: Positivo, 2009.SOARES, J. F. e ANDRADE, R. J. Nível socioeconômico, qualidade e equidade das escolas de Belo Horizonte. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br. Acessado em 8 de novembro de 2011.

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Parceria Público-Privada para expansão da oferta de vagas em Educação Infantil

Paulo de Tarso da Silva ReisMestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública | E-mail: [email protected]

Resumo

A oferta de Educação Infantil Pública em Belo Horizonte iniciou-se em 1954,

com a criação das primeiras escolas municipais de educação infantil. Até

o ano de 2003, o atendimento era realizado apenas por essas escolas ou

em creches comunitárias e conveniadas com o Poder Público. A partir de

2003, com a criação das Unidades Municipais de Educação Infantil (Umeis),

Belo Horizonte, que atendia a 2.500 crianças nas escolas municipais de

educação infantil, passa a atender a 23.500 crianças. Porém, mesmo com

esse avanço, a demanda por vagas na educação infantil torna-se cada

vez maior. Às voltas para gerir contratos administrativos na edifi cação

de Umeis e atender às crianças em curto espaço de tempo, a Secretaria

Municipal de Educação (SMED) optou por ampliar parte de sua rede de

Umeis mediante parceria público-privada. Este texto apresenta um breve

histórico da Educação Infantil em Belo Horizonte, as difi culdades em

ampliar uma rede de escolas mediante contratos regidos pela Lei 8.666/94,

a decisão pela ampliação de parte da rede de Umeis por parceria público-

privada, os benefícios dessa parceria para o Poder Público e, fi nalmente,

aponta algumas sugestões para que a SMED possa conduzir a parceria

público-privada na ampliação de sua rede de Umeis.

Palavras Chave: Parceria público-privada. Educação infantil. Educação.

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Introdução

A Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - (LDBEN) 9.394/96 - defi nem a Educação Infantil como direito subjetivo das crianças de 0 a 5 anos de idade, constituindo a primeira etapa da educação básica. Após a promulgação da LDBEN 9.394/96, vários desafi os foram colocados aos governos, principalmente aos municipais, para garantir esse direito educacional à população. Tais desafi os se tornam ainda maiores a partir do momento em que a sociedade passa a descobrir esse direito educacional e, principalmente, quando o governo federal aponta, no Plano Nacional de Educação 2011-2020, as metas para universalizar, até o ano de 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos de idade, e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil, de forma a atender a pelo menos 50% da população de até 3 anos de idade. Essas metas se tornaram desafi adoras, pois requerem não somente a construção de novos prédios escolares, mas também o custeio dos mesmos. Tudo isso exige aos governos aportes fi nanceiros e replanejamentos orçamentários.

A Secretaria Municipal de Educação em Belo Horizonte (SMED), nos últimos anos, tem desenvolvido ações para universalizar o acesso das crianças de 0 a 5 anos de idade à educação infantil. Atualmente, o município atende a, aproximadamente, 46.300 crianças de 0 a 5 anos de idade, em 68 unidades municipais de educação infantil (Umeis) e 190 creches conveniadas. Todas essas Umeis foram edifi cadas por meio de licitações e contratos, regidas pela Lei Federal 8.666/93, cujos contratos, pela própria natureza, geram atrasos na execução e entrega das unidades, aditivos de valores contratuais e elevação do valor fi nal dos projetos.

Na tentativa de minimizar esses e outros problemas contratuais, agilizar a construção de Umeis, reduzir a demanda por vagas e atender às crianças mais rapidamente, a SMED optou por ampliar parte de sua rede de Umeis por meio de parceria público-privada. Com esse modelo, a SMED pretende edifi car 32 novas unidades na cidade e ofertar 14.000 novas vagas em educação infantil.

O atendimento público à Educação Infantil

em Belo Horizonte

A oferta de educação infantil pública em Belo Horizonte ocorre por meio de vagas na rede própria da SMED e em creches conveniadas, as quais são instituições educacionais privadas de natureza comunitária, fi lantrópicas ou confessionais e sem fi ns lucrativos. Entretanto, ao se considerar apenas o número de crianças

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candidatas a uma vaga nas Umeis anualmente, o município ainda não atende a todas as famílias que manifestam o desejo pela educação infantil. Esse atendimento iniciou-se em 1957, com a criação de 13 instituições municipais de educação infantil. De 1957 até 2003, a educação infantil era ofertada apenas em jornada parcial e para crianças de 4 a 5 anos de idade. Havia também oferta em turmas que funcionavam em escolas de ensino fundamental. Porém, essas turmas oscilavam, pois seu número dependia do cadastramento escolar para o ensino fundamental, o que impedia a continuidade do atendimento em algumas escolas.

Por muito tempo, Belo Horizonte foi uma das poucas capitais do Brasil em que não havia atendimento público às crianças de 0 a 3 anos de idade na rede própria de ensino. A demanda por esse atendimento foi-se tornando cada vez maior, o que possibilitou o surgimento e multiplicação de creches comunitárias pela cidade. Em 1983, a Prefeitura de Belo Horizonte realizou os primeiros convênios com algumas dessas creches. Inicialmente, esses convênios foram fi rmados pela Secretaria Municipal de Saúde, posteriormente pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e somente a partir de 2001 pela SMED. Segundo Di Pietro (2000, p. 284), o convênio é defi nido como uma “forma de ajuste entre o Poder Público e entidades públicas ou privadas para realização de interesse comum, mediante mútua colaboração”. Dessa forma, o convênio fi rmado entre a rede de creches conveniadas e o município de Belo Horizonte é realizado entre uma entidade privada, sem fi ns lucrativos, e o Poder Público. Nessa modalidade, a administração pública repassa recursos fi nanceiros à creche, a qual se compromete a realizar ações educativas constantes em um plano de trabalho. Posteriormente, a creche presta contas da utilização desses recursos, conforme previsto na Lei Federal nº 8.666/93, e na Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional de 15/01/1997. Atualmente, as creches conveniadas atendem a 23.500 crianças de 0 a 5 anos de idade.

Com o objetivo de ampliar a oferta de vagas na rede própria de educação infantil, em 2003, a SMED, amparada pela Lei Municipal nº 8.679/03, criou as Umeis e o cargo de educador infantil. Todas as Umeis são vinculadas administrativa e fi nanceiramente a uma escola municipal já existente. As primeiras unidades foram entregues à população no ano de 2004. Atualmente, existem 68 Umeis em funcionamento, que atendem a 23.500 crianças de 0 a 5 anos de idade. Os critérios para o atendimento nas Umeis foram defi nidos pela SMED em conjunto com outras secretarias e a sociedade civil. Esse atendimento prioriza a família, assegurando matrícula compulsória para crianças com defi ciência ou em medida protetiva. As vagas remanescentes são distribuídas de acordo com os seguintes critérios: 70% das vagas para crianças em situação de vulnerabilidade social;

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10% para sorteio público destinado às famílias que residem ou trabalham em uma distância de até um quilômetro da Umei; e 20% para sorteio público geral de todo o restante das crianças inscritas. As crianças não contempladas com vagas permanecem classifi cadas em lista de espera na Umei. Com isso, a SMED, que atendia em 2004, em sua rede própria, a 2.500 crianças de 3 a 5 anos de idade, passou a atender em 2013 a 23.500 crianças de 0 a 5 anos de idade.

Mesmo com esse avanço na ampliação da oferta, a SMED ainda não consegue atender a toda a demanda pela educação infantil pública. O número de crianças em listas de espera nas Umeis é estimado em torno de 17.000. Com o objetivo de agilizar a edifi cação de Umeis e reduzir a demanda por vagas, a SMED optou por ampliar parte de sua rede de unidades por meio de parceria público-privada. Com essa iniciativa, a SMED pretende construir 32 novas unidades (30 construções e 2 reconstruções) para garantir a ampliação de 14.000 novas vagas de educação infantil.

Parcerias Público-Privadas em Educação

As parcerias público-privadas passaram a fazer parte da administração pública

a partir do ano de 2004 pela Lei Federal nº 11.079/2004. Em Belo Horizonte,

já existem parcerias público-privadas para construção e administração do

aterro sanitário, qualifi cação da infraestrutura de atenção primária à saúde e

construção do Hospital Metropolitano de Belo Horizonte. Na educação brasileira,

esse modelo de parceria e concessão ainda é uma novidade. Outros modelos

de parcerias público-privadas em educação já foram realizados por países como

Chile, Colômbia e Estados Unidos, todos na tentativa de ampliar a oferta pública

educacional. Porém, nenhum desses modelos, com as mesmas características

da parceria público-privada realizada pela SMED de Belo Horizonte.

Amparada pela Lei Municipal nº 10.377/12, a SMED propõe um modelo de

parceria público-privada com duração de 20 anos, na qual o parceiro privado

será responsável pela edifi cação, manutenção e serviços administrativos de 32

Umeis. Todos os serviços pedagógicos, contratação de docentes e alimentação

das crianças serão de responsabilidade da SMED, a qual pagará contraprestações

mensais ao parceiro privado. Esse pagamento estará atrelado ao funcionamento

e ao padrão de qualidade dos serviços prestados em cada uma das Umeis

fruto da parceria público-privada e não poderá ocorrer cobrança de tarifas dos

usuários das Umeis ou isenção de impostos para a empresa privada.

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Secretaria Municipal de Educação 77

Possíveis benefícios da Parceria

Público- Privada para a SMED

Segundo Melo (2009), embora a ideia das parcerias público-privadas tenha surgido no Brasil na década de 1990 com as privatizações de estatais e a fl exibilização de serviços públicos, foi somente em 2004 que as normas para a sua realização foram editadas pela Lei Federal 11.079/04.

Essa lei estabelece dois tipos de concessões públicas: a concessão patrocinada e a administrativa, cada uma delas mediante contratos específi cos. A concessão patrocinada é aquela em que os serviços ou obras públicas têm contraprestação pecuniária pelo Poder Público, com o adicional de tarifas pagas pelos usuários. Trata-se do modelo utilizado, por exemplo, nas concessões de serviços em rodovias. A concessão administrativa envolve a realização de obras públicas, fornecimento de bens e prestação de serviços pelo parceiro privado, podendo este realizar a manutenção, recuperação e a operação de prédios públicos. O pagamento ao parceiro privado ocorre por meio de contraprestações, e não pode haver cobrança de tarifas dos usuários, isenção de impostos ou crédito tributário. As parcerias público-privadas devem ser realizadas por via de contratos com prazo mínimo de 5 e máximo de 35 anos, com eventuais prorrogações, sendo o valor mínimo contratual de 20 milhões de reais.

Em uma parceria público-privada, o Poder Público se benefi cia por vários razões: o parceiro privado possui maior liberdade e fl exibilidade para execução dos projetos; a qualidade dos produtos fi nais e dos serviços prestados ganham em efi ciência, podendo ser aferidos por um sistema de metas e resultados; os processos gerenciais e administrativos tornam-se mais simplifi cados; há menor exposição de riscos como redução no tempo de obras e nos custos fi nais dos projetos; várias atividades podem ser concentradas em um mesmo contrato de longo prazo; diminui-se o número de licitações e de contratos; eliminam-se aditivos contratuais; e, fi nalmente, há a possibilidade de efetuar o pagamento ao ente privado de forma parcelada e em muitos anos, o que desonera o investimento e as contas públicas.

Por outro lado, as licitações públicas regidas pela Lei Federal nº 8.666/93, realizadas para edifi car as 68 Umeis já existentes em Belo Horizonte, podem trazer uma série de transtornos à própria administração pública. Nessa forma de licitação, frequentemente, um mesmo contrato pode envolver múltiplos prestadores de serviços, com divisões de responsabilidades entre eles, o que não garante a qualidade fi nal desejada, expondo o Poder Público a riscos desnecessários. É comum ocorrem paralisações nas obras, com consequente

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atraso na entrega do produto fi nal. Esses atrasos geram aditivos de valores e elevação nos custos fi nais. Finalmente, o Poder Público necessita despender um grande número de profi ssionais e recursos para gerir esses contratos, o que, para a SMED, signifi ca ocupar o tempo que deveria ser ocupado em sua função precípua.

Na parceria público-privada estabelecida pela SMED, a empresa privada parceira será responsável pela elaboração dos projetos, edifi cação e manutenção das unidades. Deverá também equipá-las e mobiliá-las. A empresa se encarregará ainda da execução dos seguintes serviços administrativos: portaria, serviços gerais, lavanderia, operação de reprografi a, help desk e gestão de riscos e seguros. Toda a gestão pedagógica - lotação de professores, alimentação escolar, projeto político-pedagógico e a materialidade educativa - será de responsabilidades da SMED. Um comitê de governança, constituído por representantes da SMED e da empresa privada parceira, será encarregado de coordenar, integrar e disciplinar toda a execução da parceria público-privada.

Considerações Finais

A iniciativa da SMED de ampliar a oferta de vagas em educação infantil por meio de parceria público-privada pode confi gurar-se em uma boa proposta não somente para Belo Horizonte, mas também para outras esferas governamentais. Além de eliminar os problemas com a gestão dos contratos regidos pela Lei nº 8.666/94, a parceria público-privada pode reduzir o tempo de edifi cação das unidades escolares, elevar a qualidade dos serviços prestados aos usuários, minimizar os custos fi nais e desburocratizar a prestação de serviços e das contas públicas. Com isso, os gestores da SMED têm mais tempo e recursos para investir nos processos pedagógicos da educação.

Porém, por se tratar de uma iniciativa inovadora, torna-se necessário e importante que a SMED promova a divulgação da parceria público-privada a toda a sociedade, bem como os fatores que conduziram a essa decisão política. A participação dos profi ssionais da educação é fundamental na elaboração de documentos que regulamentarão o funcionamento dessas Umeis, uma vez que esses profi ssionais também serão responsáveis pela implementação dessa política. Finalmente, é importante que a SMED avalie ao longo dos anos se o custo aluno de uma Umei fruto da parceria público-privada é maior que o custo aluno das outras Umeis e se os serviços prestados às crianças naquelas serão diferenciados. Assim, além de possibilitar os ajustes necessários no atendimento, o qual deve ocorrer de forma igualitária a todas as crianças, será possível avaliar pela manutenção ou não da parceria público-privada.

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ABSTRACT

The offer of early childhood public education in Belo Horizonte began in 1954 with

the establishment of the fi rst municipal schools for early childhood education. By

the year of 2003, the service was performed only by those schools or day-care

centers under the agreement of the government. From 2003 on, with the creation

of units of municipal daycare (Umeis), Belo Horizonte, which gave support to

2.500 children in the School District Early Childhood Education, now supports

23.500 children. However, even with this progress, the demand for places in

kindergarten becomes increasingly larger. At turns to gestate administrative

contracts in building Umeis to give support to children in a short period of time,

the Municipal Board of Education (SMED) chose to expand part of its network

Umeis through public-private partnership. This paper presents a brief history

of early childhood education in Belo Horizonte, the diffi culties in expanding a

network of schools through contracts ran by the Law 8.666/94, the decision of

the expansion of the network of Umeis by public-private partnership, the benefi ts

of this partnership to the government and fi nally points out some suggestions for

SMED to lead public-private partnership in order to expand its network of Umeis.

Referências

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Publicação da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte80

janeiro de 1997, “Disciplina a celebração de convênios de natureza fi nanceira que tenham por objeto a execução de projetos ou realização de eventos e dá outras providências. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/legislacao/download/contabilidade/in1_97.pdf. Acesso em setembro/2011.

______. LDB 9.394/96. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm Acesso em setembro/2011.

______. Lei 8.666 de 21 de Junho de 1993, “Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm. Acesso em setembro/2011.

______. Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, “Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L11079.htm. Acesso em setembro/2011.

______. Plano Nacional de Educação - Decênio 2011-2020. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf. Acesso em setembro/2011.

MELO, Isabella Bez. Parceria público-privada no Brasil. Disponível em: http://www.unibrasil.com.br/arquivos/direito/20092/isabella-bez-melo.pdf. Acesso em dezembro de 2011.

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Secretaria Municipal de Educação 81

Nota do Conselho Editorial

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

Normas de submissão de artigos para a Educa BH:publicação da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte

I. OBJETIVOS

A revista Educa BH publica artigos elaborados especialmente por profi ssionais da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, sobre conteúdos ligados a temas educacionais, os quais possam contribuir para o incentivo à realização de pesquisas voltadas para o benefício da Rede e o consequente aprimoramento das práticas pedagógicas dos profi ssionais da Educação.

II. ORIENTAÇÕES PARA ELABORAÇÃO DE ARTIGOS

1. Dentro dos prazos anunciados através da Intranet da Educação, em época oportuna, o trabalho deve ser enviado, para o endereço eletrônico [email protected] ou pode ser entregue pessoalmente em CD/DVD na sala 721 do prédio da Smed, Rua Carangola, 288 – 7º andar – Bairro Santo Antônio;2. O trabalho entregue pessoalmente deve estar acompanhado da Declaração de veracidade dos dados do artigo e de revisão gramatical(anexo I) devidamente assinada;3. Se o trabalho for enviado por e-mail, o(a), o(a) autor(a) terá um prazo de cinco dias úteis para entregar, na sala indicada no item 1, o anexo I devidamente assinado;4. Sendo o trabalho aprovado para publicação, ao(à) autor(a) será solicitada, por e-mail, a entrega do Termo de cessão de direitos autorais(anexo II), devidamente assinado;5. Quanto ao conteúdo, o artigo pode ser um(uma):

a) revisão bibliográfi ca sobre o eixo temático “Melhoria da Qualidade da Educação”;b) refl exão aprofundada sobre determinado(s) segmento(s) de uma tese/dissertação;c) relato de experiência exitosa, descrita com a fi nalidade de favorecer refl exões sobre os processos de ensino e aprendizagem, bem como análise dos resultados que serviram de base para as conclusões;

6. O artigo deve ser inédito, não podendo, portanto, ter sido publicado em outra revista ou qualquer outro suporte de divulgação;

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Publicação da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte82

7. O artigo deverá ser elaborado seguindo as normas da ABNT em todos os quesitos que se refi ram à elaboração de artigos científi cos, com destaque para:

a) elementos enumerados de acordo com a NBR 6022;b) citações de acordo com a NBR 10520;c) referências de acordo com a NBR 6023;

8. O artigos devem ter no máximo 8(oito) páginas, digitadas necessariamente em Word(ou similar), fonte Arial(ou similar), tamanho 12, com espaçamento entre linhas 1,5 e inserção de parágrafos sem recuo, com espaçamento duplo entre parágrafos;9. O artigo deve conter resumo claro e objetivo, com um máximo de 250 palavras, seguido de palavras-chave e abstract (versão do mesmo para o inglês);10. Tabelas e gráfi cos poderão ser inseridas no corpo do texto;11. O Conselho Editorial rejeitará o artigo que:

a) apresentar um assunto fora da temática estipulada para a edição;b) não obedecer a TODAS as orientações contidas neste regulamento.

O artigo rejeitado será devolvido ao autor, acompanhado de um parecer do Conselho Editorial da revista.

A contribuição dos profi ssionais municipais da educação, nos próximos anos, terá grande valia para o crescimento e enriquecimento da revista Educa BH.

Conselho Editorial da Revista Educa BH

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