assÉdio moral no cenÁrio do trabalho flexÍvel: desafios da vigilância em saúde...

140
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ ANA KARINA LOIOLA DE OLIVEIRA ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde do Trabalhador no Ceará FORTALEZA - CEARÁ 2013

Upload: others

Post on 26-Jul-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

ANA KARINA LOIOLA DE OLIVEIRA

ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde do Trabalhador no Ceará

FORTALEZA - CEARÁ

2013

Page 2: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

ANA KARINA LOIOLA DE OLIVEIRA

ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde do Trabalhador no Ceará

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos.

FORTALEZA – CEARÁ

2013

Page 3: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho Bibliotecário(a) Responsável – Thelma Marylanda Silva de Melo CRB-3 / 623

O48a Oliveira, Ana Karina Loiola de

Assédio moral no cenário do trabalho flexível: desafios da vigilância em saúde do trabalhador no Ceará / Ana Karina Loiola de Oliveira. — 2013.

CD-ROM. 142f .:il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol. “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slin (19 x 14 cm x 7 mm)”. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Ciências Sociais Aplicadas.

Orientação: Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos.

1. Assédio moral. 2. Precarização. 3. Saúde do trabalhador. 4. Políticas públicas de saúde. I. Título.

CDD: 362.10981

Page 4: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS
Page 5: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS
Page 6: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

À minha única e amada irmã, Juliana, pelos exemplos de

dedicação, inteligência e carinho; pelos livros alugados, os

lanches preparados, a paciência nos meus momentos de

angústia, as conversas de minutos ou de horas, as mensagens

de ‘eu te amo’ no celular.

Aos meus pais, Carlinhos e Graça, pelo amor incondicional e

gratuito, pelas orações à santinha de Schoenstatt, pelas

demonstrações de apoio, confiança, consolo, incentivo; pela

união em todos os momentos das nossas vidas.

À minha vozinha, Laurinda (in memorian), pelo exemplo de

força e coragem, pelos aprendizados e pelo carinho a mim

dedicados durante a existência comigo compartilhada.

À minha grande amiga, Ana, que encontrei nessa caminhada e

que se tornou uma grande fonte de inspiração e carinho.

Page 7: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

AGRADECIMENTOS

Aos meus familiares e amigos, por seu apoio e incentivo antes e durante a realização desta pesquisa.

Aos meus colegas e professores da pós-graduação em Políticas Públicas e Sociedade/MAPPS, pelos anos em que contribuíram, de forma direta ou indireta, para meu aprendizado e meu crescimento pessoal.

À secretária do MAPPS, pela atenção, incentivo e colaboração nos processos de vivência do mestrado.

Ao meu orientador, Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos, pelo apoio, pela partilha de conhecimento e pelas críticas que me proporcionaram grande crescimento nesta fase de minha trajetória acadêmica.

Aos profissionais de saúde dos Centros Estaduais de Referência em Saúde do Trabalhador/CEREST de Fortaleza, Horizonte, Quixeramobim, Tianguá, Juazeiro do Norte, Aracati e Sobral que se dispuseram a contribuir com esta pesquisa participando das entrevistas.

À Dra. Fátima e toda a equipe de profissionais do Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador-CEREST/CE, por facilitarem e incentivarem minha pesquisa e meu aprendizado oferecendo apoio, conhecimento e participação nos eventos organizados.

Às professoras Regina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel e Rosemary de Oliveira Almeida, por se disponibilizarem prontamente a conhecer e avaliar minha pesquisa por meio da banca examinadora.

Aos meus pais e à minha irmã, pela confiança, amor e dedicação eternos.

Às amigas Graça Lessa e Ana Marques, pelo carinho, apoio, dedicação e partilha de experiências.

Page 8: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

No caminho com Maiakóvski

“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor

do nosso jardim. E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores,

matam nosso cão, e não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada. (...)"

Eduardo Gomes da Costa

Page 9: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

RESUMO

Este trabalho apresenta os resultados da pesquisa: Assédio Moral no Cenário do Trabalho Flexível: desafios da vigilância à Saúde do Trabalhador no Ceará. Tem por objetivo analisar a percepção dos profissionais de saúde acerca dos desafios e possibilidades da atuação em promoção e prevenção em Saúde do Trabalhador, sobretudo no que se refere às vítimas de assédio moral. Os locais de cuidado estabelecidos como campo de pesquisa foram os oito principais Centros de Referência em Saúde do Trabalhador-CEREST do estado do Ceará. A metodologia utilizada consistiu numa apreensão teórica acerca do assédio moral, bem como das condições gerais de precarização do trabalho no contexto sócio-histórico das relações de trabalho da contemporaneidade e da trajetória das políticas públicas brasileiras de Saúde do Trabalhador. Em seguida, por meio de análises de prontuários e de entrevistas com profissionais de saúde dos centros, foram encontrados resultados que, estudados e analisados, permitiram classificar as demandas dos entrevistados sob os aspectos das relações de poder, das fragilidades das políticas de Saúde do Trabalhador em termos de gerenciamento, financiamento, prioridades nas ações de vigilância e prevenção dos danos à saúde relacionados ao trabalho; do estabelecimento do nexo causal; da atuação em conjunto com outros serviços; do adoecimento dos próprios profissionais de saúde devido ao desgaste e à precarização do trabalho. Esses resultados apontam uma relação entre as condições de trabalho inseridas no contexto social, econômico e cultural e a ocorrência de atos de violência moral. Apontam, ainda, para a ineficiência das políticas públicas no atendimento e encaminhamento das vítimas de assédio moral. As conclusões da pesquisa inferem a necessidade de novos e aprofundados estudos que possam subsidiar a atuação dos órgãos de atenção à saúde do trabalhador e, sobretudo, a construção de um meio ético de trabalho.

Palavras-chave: Assédio moral. Precarização. Saúde do trabalhador. Políticas Públicas de saúde.

Page 10: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

ABSTRACT This paper presents the results of the research: Moral Harassment in Flexible Working Scenario: challenges for surveillance in workers' health in Ceará. It aims to analyze the perception of health professionals about the challenges and possibilities of promotion and prevention activities in Occupational Health, especially regarding to victims of bullying. The health care places established as research field were eight Reference Centers in Occupational Health-CEREST in Ceará. The methodology consisted of a theoretical apprehension about bullying, as well as the general conditions of precarious work in the socio-historical context of labor relations and the contemporary history of Brazilian public policies of Occupational Health. Then, through analysis of medical records and interviews with health centers professionals, results, studied and analyzed, allowed us classifying the demands of respondents under the aspects of power relations; weaknesses of Occupational Health policies in terms of management, funding priorities for surveillance and prevention of damage to health related to work, establishment of the causal link, acting in conjunction with other services, illness among health professionals themselves due to wear and job insecurity . These results indicate a relationship between working conditions, inserted in the social, economic and cultural fields, and the occurrence of acts of moral violence. Also they reported to the inefficiency of public policies in the care and referral of bullying victims. The research findings infer the need for new and in-depth studies that can support the work of the organs of the health care worker, and especially the construction of an ethical work environment. Keywords: Bullying/Mobbing. Precariousness. Health workers. Public Health policies.

Page 11: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

SUMÁRIO

PARTE I 1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 13 1.1 Interesse pela temática........................................................................... 13 1.2 Configuração do estudo.......................................................................... 14 1.3 Estruturação do estudo........................................................................... 18 2 O PROCESSO METODOLÓGICO DO ESTUDO.................................. 20 2.1 Local e período da coleta de dados........................................................ 21 2.2 Descrição do campo de pesquisa .......................................................... 22 2.2.1 O CEREST Estadual............................................................................. 22 2.2.2 Os CEREST Regionais......................................................................... 23 2.3 Sujeitos da pesquisa............................................................................... 24 2.3.1 Técnicas e ferramentas metodológicas............................................. 24 2.4 Análise e discussão dos resultados........................................................ 25 2.5 Aspectos éticos ...................................................................................... 26 3 ENTRE O MERCADO E A FLEXIBILIZAÇÃO: a construção de

perigosas relações laborais................................................................

27 3.1 Modelos de gestão científica e precarização do trabalho: um percurso

histórico .................................................................................................

28 3.1.1 Trabalho, subjetividade e direitos sociais ........................................ 34 3.1.2 A flexibilização levada à dimensão do privado .............................. 36 3.2 Assédio moral, precarização do trabalho e Saúde do Trabalhador ...... 41 4 ASSÉDIO MORAL NA CONTEMPORANEIDADE: riscos e desafios

à saúde do trabalhador .......................................................................

45 4.1 O problema do assédio moral ............................................................... 45 4.2 Assédio moral: um problema “delicado” para a Saúde Pública ............ 48 4.3 As relações de poder no assédio moral ................................................ 56 4.4 Estratégias de prevenção e enfrentamento ao assédio moral............... 65 4.5 A política de prevenção e enfrentamento ao assédio moral no Ceará.. 69 PARTE II 5 ASSÉDIO MORAL E OS DESAFIOS DA SAÚDE DO

TRABALHADOR NO SUS.....................................................................

73 5.1 Trabalho, saúde e políticas públicas: uma construção histórica............ 73 5.1.1 Antecedentes da Previdência e da Saúde Pública no Brasil........... 76 5.2 A questão da Saúde do Trabalhador no âmbito do SUS........................ 79 5.2.1 Estratégias de vigilância e promoção da saúde do trabalhador.... 81 5.3 O sistema de vigilância em Saúde do Trabalhador: RENAST/CEREST 87 5.4 A Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador no

Ceará.....................................................................................................

92 5.4.1 CEREST Estadual................................................................................ 94

Page 12: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

5.4.2 CEREST Fortaleza............................................................................... 95 5.4.3 CEREST Horizonte.............................................................................. 96 5.4.4 CEREST Aracati .................................................................................. 97 5.4.5 CEREST Quixeramobim ..................................................................... 98 5.4.6 CEREST Sobral.................................................................................... 98 5.4.7 CEREST Tianguá................................................................................. 99 5.4.8 CEREST Juazeiro do Norte................................................................ 100 6 INTERFACES ASSÉDIO MORAL/SAÚDE, MENTAL/SAÚDE DO

TRABALHADOR...................................................................................

101 6.1 Análise de prontuários do CEREST Estadual....................................... 102 6.2 Análise das Entrevistas……………………………………………………. 104 6.2.1 A Estruturação/organização de trabalho.......................................... 105 6.2.2 As ações de vigilância....................................................................... 110 6.2.3 O nexo causal em Saúde Mental....................................................... 116 6.2.4 A promoção e a prevenção............................................................... 121 6.2.5 O problema da saúde do cuidador.................................................... 124 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 127 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................... 132 APÊNDICES......................................................................................... 139

Page 13: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

13

1 INTRODUÇÃO

1.1 INTERESSE PELA TEMÁTICA

O estudo aqui desenvolvido advém de uma trajetória pessoal de estudos na área da

Saúde do Trabalhador, com ênfase no tema assédio moral. Ao desenvolver uma

pesquisa de graduação, no Centro Estadual de Referência em Saúde do

Trabalhador (CEREST) da cidade de Fortaleza, com usuários do serviço, obtive,

dentre outros resultados, um que foi considerado como ponto essencial que merecia

uma análise mais aprofundada. Pois constatei, por meio dos entrevistados, uma

deficiência em relação à atenção aos trabalhadores vítimas de assédio moral. Todos

os entrevistados pontuaram a dificuldade no encaminhamento das demandas

surgidas a partir da violência no ambiente de trabalho e suas consequências.

A deficiência no atendimento, pelo serviço público, às vítimas de assédio

moral se desdobra em diversas complicações que culminam na geração de

problemas de saúde, de convívio social e familiar, ao mesmo tempo em que

instituem a necessidade de se recorrer a variadas estratégias de enfrentamento

pessoais. Dentre as estratégias mais comuns, destacam-se: o auxílio de

medicamentos, a busca pela religião, o abandono do emprego, dentre outros.

A partir da constatação do fato mencionado, investigou-se, de maneira

informal, por meio da participação em reuniões nos sindicatos e no próprio CEREST,

a ocorrência de casos de assédio moral, e buscou-se fazer os encaminhamentos

possíveis, ao mesmo tempo em que também foram pesquisadas produções teóricas

que abrangessem discussões sobre a manifestação desse fenômeno na sociedade,

procurando saber qual a atuação dos órgãos de atenção ao trabalhador no que se

refere a esse tipo de violência.

Considerando as várias discussões produzidas, o número crescente de

denúncias de assédio moral não formalizadas e, portanto, não encaminhadas, assim

como demandas formalizadas, mas não efetivamente supridas, verificou-se, então, a

relevância do estudo no sentido da atuação dos serviços de atenção ao trabalhador,

visto que esse tipo de violência, ainda que sob novas formas e características, está

Page 14: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

14

intrinsecamente inserido no contexto dos novos arranjos trabalhistas na

contemporaneidade.

1.2 PROBLEMÁTICA DO ESTUDO

A cultura dos processos de trabalho reflete a lógica socioeconômica e determina

impactos na saúde do trabalhador em todos os seus aspectos. Se, por um lado, é

notável que as novas tecnologias reduziram alguns riscos ocupacionais, criando

ambientes de trabalho mais humanizados, por outro surgiram e surgem novos riscos

responsáveis por distúrbios mentais e psíquicos, em decorrência das exigências

incorporadas ao processo de trabalho, que induzem a sentimentos de medo,

incerteza, angústia e tristeza. Consistem em riscos invisíveis, de ordem psicossocial,

difíceis de serem evidenciados, mas que fazem adoecer (BARRETO, 2002).

Os trabalhadores encontram-se, portanto, em meio a rápidas e intensas

mudanças que afetam a vida contemporânea. Essas mudanças, necessárias à

manutenção da ordem capitalista, visam um caminho muitas vezes oposto à busca

pela qualidade de vida e melhores condições de trabalho1. Dessa forma, o ambiente

de trabalho se transforma num lugar de sofrimento onde o poder se exerce, não no

sentido do desenvolvimento de potencialidades pessoais e coletivas ou da

construção de um bem comum, mas, sim, influenciado por uma sociedade de

consumo que gera produção massificada e acentua a mais-valia, num processo de

captura da subjetividade do trabalhador. Nessa perspectiva, não se tem clareza do

lugar que os direitos sociais assumem nesse processo nem se há garantias de

trabalho digno aos trabalhadores na contemporaneidade.

O cenário da modernidade líquida, conforme propõe Bauman (2001), é

marcado pela globalização e pela evolução da tecnologia, ao mesmo tempo em que

é permeado por relações efêmeras, distanciamento afetivo e supervalorização do

dinheiro, fatores que influenciam também, negativamente, na saúde física e

psíquica, na atividade laboral e nas relações sociais do indivíduo.

1A autora Ellen Meiksins Wood (2006, p.40) afirma nesse sentido que o capitalismo “(...) apesar de seu dinamismo, (...) não é um modo eficiente de suprir as necessidades humanas. É certamente verdade que o capitalismo gerou grande progresso técnico e material, mas existe uma enorme disparidade entre a capacidade produtiva engendrada pelo capitalismo e o que ele, de fato, oferece”.

Page 15: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

15

De acordo com Sennett (2006), as formas de trabalho, assim como as de

poder, sofrem influência dos processos de instabilidade, perda de referência e

efemeridade das relações. Para o autor, prosperar em condições instáveis e

fragmentárias pressupõe o enfrentamento de três desafios pelo ser humano. São

estes: cuidar das relações de curto prazo; desenvolver novas capacitações e

potenciais; abrir mão de experiências vivenciadas anteriormente. Estes desafios

constituiriam uma nova cultura de formação do ser humano “ideal”. No entanto, o

próprio autor atenta para o prejuízo desse ideal cultural que prioriza a interrupção de

narrativas contínuas e a constituição de um cotidiano fragmentado e individualizado,

onde “as ‘transações’ tomaram o lugar das ‘relações’” (SENNETT, 2006, p.31).

Nesse contexto, temos observado o aumento de um tipo específico de

violência, nos ambientes de trabalho, configurado por abusos de poder,

manipulações perversas e desumanas que fazem adoecer, o assédio moral. Sendo

assim, instiga-nos questionar: como atuar preventivamente nesse contexto

fragmentário e discriminador? Como cuidar da saúde de quem é, ao mesmo tempo,

sujeito e vítima de um sistema de violenta movimentação? Cabe, então, discutirmos

como se manifesta, nesse cenário, o assédio moral a trabalhadores e, sobretudo,

como os profissionais de saúde, que lidam com esse tipo de violência,

experimentam e descrevem esse fenômeno, tanto do ponto de vista do atendimento

quanto da crítica/avaliação das políticas destinadas a amenizar e prevenir esta

prática.

Tendo em vista a dinâmica das relações de poder que envolvem as relações

sociais e partindo da proposta de se conhecer os processos de poder a partir de

suas estratégias de resistência (FOUCAULT, 1995), esta pesquisa tem como

objetivo principal a apreensão das vivências relacionadas ao atendimento e

encaminhamento de vítimas de assédio moral no cotidiano de trabalho por meio de

profissionais que atuam nesse nível de atenção à saúde do trabalhador, ou seja, os

Centros de Referência em Saúde do Trabalhador do Ceará. Ressaltamos que a

abordagem proposta está diretamente ligada à instabilidade posta pelos processos

de trabalho da contemporaneidade e sua repercussão sobre a saúde dos

trabalhadores.

Page 16: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

16

O assédio moral não é um tema novo, encontra-se nas origens das relações

de trabalho. No entanto, tem adquirido novas características ao longo das mudanças

históricas no campo do trabalho, estando relacionado à ampliação do setor de

serviços, à crescente complexidade organizacional do trabalho e à ampliação da

presença da subjetividade nas relações de trabalho, para a saúde e para a doença

no trabalho.

No contexto de ampliação elou flexibilização das condições de trabalho,

universo onde o assédio moral se manifesta, encontram-se políticas públicas de

atenção ao trabalhador. Estariam essas políticas preparadas para oferecer suporte

às demandas de assédio moral e demais formas de violência contra o trabalhador

contemporâneo?

As pesquisas atualmente realizadas no campo do assédio moral ainda se

concentram prioritariamente na perspectiva do assediado. A questão da ótica do

assediador é um ponto ainda obscuro para os pesquisadores. Leymann (1996)

ressalta, contudo, queé inútildiscutir quemcausou o conflitoouquem está certo,

mesmo que isso seja de interesse prático.Há outro ponto que precisa ser posto

inicialmente em questão: a discussão deum tipode agressãosocial e psicológicano

local de trabalho, o que pode levar aprofundas consequênciaslegais, sociais,

econômicas e mentaispara o indivíduo.

Outro fator a ser considerado é a reduzida produção bibliográfica sobre como

tratar o assunto e suas consequências, sobretudo em nível nacional (BARRETO,

2000). A maioria dos estudos se baseia nos parâmetros e discussões de autores

franceses (HIRIGOYEN,2002) e alemães (LEYMAN, 1996) que iniciaram

primeiramente debate acerca desse fenômeno. Apesar do aumento dos estudos

nacionais acerca do assédio moral, a questão da assistência às vítimas por meio de

órgãos e/ou políticas de atenção ao trabalhador ainda se mostram insuficientes.

É inegável, portanto, que a maior visibilidade do assédio moral no contexto

das relações de trabalho nos diz muito da necessidade de conhecer o assédio moral

para subsidiar políticas de intervenção sobre ele, posto que, mesmo sob novas

formas, a essência do problema perdura nos tempos atuais e resulta em

Page 17: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

17

consequências que não só desestabiliza o trabalhador, mas a sua família, o

ambiente organizacional e a saúde pública em geral.

Segundo o escritório brasileiro da Organização Internacional do Trabalho,

42% dos trabalhadores brasileiros já foram vítimas de assédio moral. Foi publicada

por essa mesma organização uma notícia a respeito da realização do I Encontro de

Participantes do Grupo de Apoio às Vítimas de Assédio Moral no Trabalho-GAVAM,

em novembro de 2007. O tema do encontro foi “Assédio Moral, risco invisível no

trabalho” (OIT, 2007).

Maciel et al. (apud GONÇALVES, 2006, p.35), em uma pesquisa com 2.609

trabalhadores do setor bancário, de 25 estados brasileiros, obtiveram que 33,89%

dos trabalhadores pesquisados haviam sido expostos, nos últimos seis meses, a,

pelo menos, uma situação constrangedora.

Existem hoje inúmeros projetos de lei em tramitação nos âmbitos municipal,

estadual e federal. O estado do Rio de Janeiro foi o primeiro, no Brasil, a aprovar

uma legislação contra o assédio moral, em 2002. No âmbito federal, há também

propostas de alteração do Código Penal, embora alguns pesquisadores questionem

a coerência dessas mudanças no contexto sócio-histórico e político-econômico do

país. O estado do Ceará, por sua vez, acaba de aprovar, em 2012, uma lei contra

assédio moral.

Leymann (1996) ressalta que o assédio moral é, antes de tudo, uma violação

dos direitos sociais conquistados ao longo de décadas pelas sociedades. A citação

descrita abaixo veio como uma necessidade de reflexão acerca da real gravidade

dos danos sociais e psicológicos causados pelo assédio moral. Por meio da fala de

Leymann, busca-se, também, chamar atenção para a necessidade de uma atuação

eficiente sobre esse fenômeno e suas consequências de tal maneira que o assédio

moral não represente uma forma tolerável de destruição da liberdade, da saúde e da

dignidade dos sujeitos.

[as] conseqüências (sic) são tão graves e abalam de tal forma o desequilíbrio pessoal, que deve ficar bem claroque este fenômeno deve ser visto principalmente como uma usurpação dos direitos civis do indivíduo. Estes casos mostram destinos muito rágicos, incluindo a violação dos direitos civis, que foram cerceados na maioria das

Page 18: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

18

sociedades por um longo tempo. Nas sociedades do mundo ocidental altamente industrializado, o local de trabalho é oúnico campo de batalha remanescente onde as pessoas podem "matar" o outro sem correr orisco de ser levado a tribunal (tradução livre, 1996, n.p.).

Vê-se, portanto, quão significativa essa violência tem se tornado. Ao mesmo

tempo, percebe-se que pouco tem sido feito no sentido de uma intervenção prática

sobre suas consequências na saúde do trabalhador.

Diante do exposto, o presente estudo se propõe a explorar o assédio moral

sob a perspectiva da atenção à saúde do trabalhador. A intenção inicial por este

aspecto foi entender a atuação da saúde pública sobre este tipo de violência,

identificando de que modo ele é percebido pelos profissionais de saúde e qual o

suporte oferecido pelas políticas públicas.

Sendo assim, buscou-se realizar um estudo sobre os desafios da atuação

sobre o assédio moral no trabalho percebido como expressão de sofrimento na

dimensão da subjetividade do trabalhador. No entanto, em virtude da escassez de

dados consistentes relacionados aos atendimentos dos casos de assédio moral,

optou-se por analisar alem dos acompanhamentos a esses casos de violência, o

desempenho geral dos mecanismos de atenção e encaminhamento das demandas,

suas potencialidades e provocações.

Para tanto, foi tomado como campo de pesquisa os Centros Estaduais de

Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) do estado do Ceará. Enfatiza-se,

nesta pesquisa, a perspectiva dos profissionais que lidam com as vítimas de

violência psicológica no cotidiano de trabalho. Busca-se ainda, nesse contexto,

discutir o papel das políticas de atenção ao trabalhador nas estratégias de cuidado

às vitimas de assédio moral em sua trajetória em busca da “cura”.

1.3 ESTRUTURAÇÃO DO ESTUDO

Para a concretização dos objetivos propostos, foi considerada, em nível didático, a

divisão do trabalho em duas partes. A Parte um (I) abrange a introdução e os

procedimentos metodológicos; nos dois capítulos teóricos,foi dada ênfase à

discussão acerca do trabalho e suas transformações, sobretudo a partir da década

de 1970, quando operaram uma reestruturação no capitalismo. Reestruturação esta

Page 19: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

19

que repercute diretamente nas condições e nos processos de trabalho na

contemporaneidade. Essa discussão será tecida ao longo do capítulo três (3) desta

dissertação, intitulado: ENTRE O MERCADO E A FLEXIBILIZAÇÃO: a construção de perigosas relações laborais.

Posteriormente, ainda na Parte um (I), no capítulo quatro (4), ASSÉDIO MORAL NA CONTEMPORANEIDADE: riscos e desafios à saúde do trabalhador, aborda-se o assédio moral em si, enquanto elemento do processo de precarização

do trabalho, manifestado por meio de violência moral e psicológica e da violação dos

direitos sociais.

A Parte dois (II) constitui-se dos capítulos cinco (5) e seis (6) e se concentra

na discussão sobre os desafios de efetivação das políticas de Saúde do Trabalhador

com foco na atuação dos profissionais dos CEREST do Ceará no que diz respeito,

sobretudo, aos encaminhamentos dos casos de assédio moral.

No capítulo cinco (5), ASSÉDIO MORAL E OS DESAFIOS DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO SUS, são descritas as políticas e/ou projetos relacionados à

saúde do trabalhador no campo da prevenção e eliminação do assédio moral. É

dado enfoque especial ao campo, apresentando o percurso da pesquisa, com

destaque na atuação dos profissionais que lidam com as vítimas de assédio moral

nos CEREST do Ceará,identificando-se ainda o perfil e as características dos

CEREST e sua inserção na Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do

Trabalhador (RENAST).

O capítulo final, intitulado INTERFACES ASSÉDIO MORAL/SAÚDE MENTAL/SAÚDE DO TRABALHADO,apresenta os resultados e a discussão da

trajetória de pesquisa. O título remete à contradição vivenciada pelos profissionais

dos centros de referência, na medida em que precisam lidar com expressões da

precarização das condições de trabalho, trazidas pelas vítimas de assédio moral sob

a forma de doenças físicas ou emocionais, ao mesmo tempo em que são também

sujeitos inseridos no mesmo contexto de exploração e precarização. O que remete a

uma discussão ampla acerca da atuação conjunta dos campos Saúde Mental e

Saúde do Trabalhador na busca pela efetivação do cuidado.

Page 20: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

20

2 O PROCESSO METODOLÓGICO DO ESTUDO

A metodologia representa "o caminho do pensamento e a prática exercida na

abordagem da realidade" (Minayo, p.16). Para Chizzotti (2008), a pesquisa constitui

um esforço de observações, reflexões, análises e sínteses.

De acordo com Minayo (1994, p.25), “a pesquisa (…) se realiza

fundamentalmente por uma linguagem fundada em conceitos, proposições, métodos

e técnicas”. Apresenta-se, nesta etapa, uma abordagem acerca dos principais

aspectos metodológicos que constituíram esta pesquisa, bem como dos

instrumentos, procedimentos e técnicas de coleta e análise de dados.

No sentido de alcançar os objetivos propostos e analisar o material coletado,

parte-se da visão de provisoriedade, dinamismo e especificidade da questão social,

conforme apresenta Minayo (1994). Consideram-se no estudo as múltiplas

manifestações do fenômeno e suas implicações na vida pessoal e social dos sujeitos

no contexto das transformações sociais. Cabe ressaltar que essas transformações

repercutem na prática do assédio moral que se objetiva, por sua vez, em discutir

casos ou problemas na saúde do trabalhador sob seus vários aspectos.

Dessa forma, optou-se por realizar uma pesquisa de natureza qualitativa2,

uma vez que tem como objetivo analisar as ações de atenção ao trabalhador, vítima

de assédio moral, nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador do estado

do Ceará por meio da vivência dos profissionais do sistema de saúde pública que

atuam no serviço. Utilizou-se, como ferramenta de investigação, a observação direta

da dinâmica dos centros, bem como entrevistas semiestruturadas e análise de

prontuários como procedimentos de pesquisa documental.

Este estudo, de caráter exploratório, não objetiva primariamente uma

caracterização do fenômeno assédio moral, muito menos de suas consequências

sobre a saúde dos trabalhadores. Busca-se, porém, compreender a perspectiva dos

2A pesquisa qualitativa compõe a esfera da “exploração” e do “subjetivismo”. Segundo Minayo (1994), a abordagem qualitativa “aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas” no sentido de compreender a realidade dessas relações no seu contexto sócio- -histórico. Assim posto, a abordagem dialética na relação sujeito e objeto no processo de conhecimento “se propõe a abarcar o sistema de relações que constrói o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações sociais que traduzem o mundo de significados” (1994, p.24).

Page 21: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

21

profissionais responsáveis pelo atendimento às vítimas dessa violência; o que tem

sido feito, quais os limites e possibilidades do serviço tanto do ponto de vista

operacional quanto subjetivo.

2.1 LOCAL E PERÍODO DA COLETA DE DADOS

A pesquisa tem como loci as unidades dos CEREST no Ceará, em que foram

definidos como informantes os profissionais envolvidos com a temática (diretores e

profissionais de saúde).

A pesquisa de campo realizou-se no período de outubro de 2012 a fevereiro

de 2013 nos oito Centros Estaduais de Referência em Saúde do Trabalhador

(CEREST), localizados nas cidades de Fortaleza (regional e estadual),

Quixeramobim, Sobral, Tianguá, Juazeiro do Norte, Aracati e Horizonte, órgãos

públicos do estado do Ceará referenciados em Saúde do Trabalhador.

O campo de estudo foi selecionado considerando sua importância no estado

do Ceará para o atendimento e o encaminhamento das vítimas de acidentes

decorrentes do trabalho, dentre outros acometimentos relacionados à saúde do

trabalhador, como LER/DORT, além das sequelas que resultaram em impacto

negativo no processo reabilitacional da vítima.

Durante o processo de pesquisa, foram realizadas cinco visitas ao CEREST

Estadual e uma visita em cada CEREST Regional, no sentido de observar as

estruturas físicas do campo, bem como realizar uma investigação acerca do

cotidiano de funcionamento das principais demandas surgidas, da composição das

equipes profissionais, dos principais serviços e encaminhamentos oferecidos.

Neste período, foram acompanhadas, informalmente, algumas reuniões em

sindicatos e em seminários promovidos pelo CEREST Estadual Manuel Jacaré, em

Fortaleza, cuja temática tratava do assédio moral e outros agravos à saúde do

trabalhador. Foram analisados, ainda, os prontuários de atendimento dos últimos

quatro anos registrados no CEREST Estadual. Não foi possível a análise de

prontuários nos CEREST regionais uma vez que a maioria destes passava por uma

mudança no quadro de profissionais e não dispunha destes dados até o momento

das entrevistas.

Page 22: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

22

2.2 DESCRIÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA

Os CEREST do Ceará constituem unidades de saúde vinculadas à Secretária do

Estado do Ceará e ao Ministério da Saúde, coordenadas pelo Núcleo de Atenção à

Saúde do Trabalhador/NUAST. Foram criadas por meio da ampliação da Rede

Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador/RENAST, integrada ao

Sistema Único de Saúde/SUS, sob a proposta de integralização da atenção à saúde,

da política nacional, com o objetivo de prestar suporte técnico-científico para o pleno

funcionamento da rede, contribuindo, assim, para a promoção, proteção e

recuperação da saúde dos trabalhadores.

O CEREST é referência no diagnóstico de doenças relacionadas ao trabalho,

possuindo equipe multiprofissional para orientar o trabalhador. É responsável pelo

suporte técnico e científico para a estruturação da Rede Estadual de Atenção

Integral à Saúde do Trabalhador, propõe uma atuação nos campos de assistência,

pesquisa, formação e vigilância mediante ações voltadas à atenção básica à saúde

do trabalhador. Entre suas principais atribuições, destacam-se: proporcionar suporte

técnico e científico para o aprimoramento de práticas assistenciais interdisciplinares

em saúde do trabalhador, por meio de projetos de intervenção; promover pesquisas

no campo de saúde do trabalhador; realizar programas de formação, capacitação e

especialização de Recursos Humanos na área de saúde do trabalhador; desenvolver

programas de educação em saúde relativos a questões saúde/trabalho para a

sociedade.

2.2.1 O CEREST Estadual

O CEREST-CE foi criado em 19 de setembro de 2002 e reconhecido pela Portaria

SAS/MS nº 109, de maio de 2003. Porém, só passou a atuar, efetivamente, em

agosto de 2005, vinculado, inicialmente, ao Hospital Geral César Cals enquanto era

realizada a reforma de um prédio histórico situado no centro da cidade de Fortaleza,

propriedade do industrial e médico Thomas Pompeu, onde agora está sediado.

Sua estrutura organizacional é composta por uma Diretoria, uma

Coordenação Administrativo-Financeira e uma Coordenação Técnica. Esta última,

Page 23: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

23

subdividida em: assistência, projetos e pesquisa, educação e comunicação, e

vigilância; é formada por uma equipe multidisciplinar.

O CEREST-CE recebe e encaminha casos de assédio moral, de modo

efetivo, desde 2006. No período de 2007 a 2009, foram identificados 960 registros

de atendimento, entre consultas e retornos, dos quais um terço teve relação direta

com a prática de assédio moral. A ocorrência de registro no período permite deduzir

a média de 20 atendimentos mensais, dos quais sete de assédio moral.

No ano de 2010, pelo levantamento dos meses de janeiro a junho, destaca-se

discreto aumento: foram realizados 56 atendimentos registrados como assédio

moral, o que representa uma média de nove atendimentos mensais. A partir de julho

de 2010 até a conclusão da pesquisa, o CEREST-CE não dispôs de serviço de

atendimento psicológico. A profissional de psicologia do serviço assumia funções de

gestão e não de atendimento direto à demanda. Segundo os profissionais, durante

este período, não foram registradas quantidades relevantes de casos de assédio

moral no serviço.

O serviço conta também com o Grupo de Apoio à Saúde do

Trabalhador/GAST que reúne, uma vez por mês, trabalhadores que tiveram afetadas

a sua saúde e, consequentemente, seu convívio social em razão de problemas

associados ao ambiente de trabalho.

2.2.2 Os CEREST Regionais

A atuação dos CEREST regionais3 é semelhante à do CEREST Estadual, no

entanto, com particularidades inerentes a cada região. Cada CEREST referencia

uma determinada quantidade de municípios por meio das Coordenadorias Regionais

de Saúde/CRES4.

3No Capítulo 3, que trata das políticas de saúde do trabalhador, descreve-se,mais detalhadamente, a atuação dos CEREST regionais do Ceará. 4As CRES são os órgãos de representação da Secretaria da Saúde do Estado nas microrregiões de saúde. São responsáveis pela implementação das políticas estaduais de saúde em âmbito microrregional. Entre suas atribuições, estão o assessoramento na organização dos serviços nas microrregiões, a orientação, o planejamento, o acompanhamento, a avaliação e o monitoramento das atividades e ações de saúde em âmbito microrregional, promoção e articulação interinstitucional e a gestão do sistema de referência e contrarreferência nas microrregiões de saúde (Fonte: SESA).

Page 24: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

24

Além dos oito CEREST abordados, sendo um (1) CEREST estadual e sete (7)

CEREST regionais, existe um (1) CEREST rural, localizado na cidade de Limoeiro

do Norte, criado em 2012. Contudo, dada sua recente inauguração, este não foi

incluído nesta pesquisa. Todos os CEREST restantes, com exceção do CEREST de

Quixeramobim, foram visitados.

2.3 SUJEITOS DA PESQUISA

Tendo em vista o objetivo de investigar os desafios e possibilidades de atuação dos

CEREST com relação às vítimas de assédio moral, o foco da pesquisa foi o corpo de

profissionais dos CEREST que lidam com a questão do assédio moral.

Em cada CEREST, considerando as possibilidades da instituição, foram

entrevistados dois profissionais, sendo um deles necessariamente diretor do serviço.

Porém, em um dos CEREST, não foi possível entrevistar o responsável pela direção.

Assim, totalizaram-se quinze (15) entrevistados dentre todas as áreas de atuação

que lidam diretamente no atendimento à demanda. Foi entrevistado, ainda, um

membro da comissão para elaboração da política de prevenção e combate ao

assédio moral na administração pública no Ceará.

No sentido de resguardar a identidade dos entrevistados ao longo da

discussão dos resultados, a identidade dos sujeitos e os campos de pesquisa serão

omitidos, assim como não serão identificados os CEREST a que pertencem cada

profissional. A título de análise, os entrevistados foram identificados apenas pela

atividade que desempenham nos centros. À atividade foi acrescentado um cardinal

referente à ordem das entrevistas. Por exemplo: Direção 1, Direção2, Enfermeira1,

Enfermeira2, Psicólogo1, Psicólogo2.

2.3.1 Técnicas e ferramentas metodológicas

As técnicas utilizadas na coleta de dados foram: entrevista semiestruturada, análise

de prontuário e observação direta registrada em diário de campo. As referidas

técnicas foram aplicadas durante todo o período da pesquisa. Como procedimento

inicial, observou-se a dinâmica geral da instituição estadual: quadro de profissionais,

demandas surgidas, encaminhamentos, eventos realizados. Concomitantemente,

realizou-se uma análise dos prontuários registrados nesta instituição nos anos de

Page 25: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

25

2006 a junho de 2010, o restante não estava disponível. Posteriormente, realizaram-

se as visitas aos demais centros para aplicação das entrevistas.

Como ferramentas auxiliares, foram elaborados roteiros de pesquisa

documental e cadernos para anotação das observações de campo.

A Entrevista

A entrevista aplicada teve como base um roteiro com o objetivo de apreender as

principais demandas e encaminhamentos recebidos pelo serviço (CEREST); os

encaminhamentos realizados com relação aos casos de agravos mentais

relacionados ao trabalhador, sobretudo aqueles provenientes de denúncias de

assédio moral; bem como os desafios enfrentados pelos profissionais do serviço no

atendimento a essas demandas.

O roteiro foi dividido em três tópicos principais: identificação do profissional;

descrição das atividades e perguntas dirigidas. Há ainda um quarto tópico

direcionado a observações e informações adicionais da pesquisadora com relação a

dados que, porventura, possam não ter sido contemplados pelas perguntas

anteriores.

2.4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os dados obtidos na investigação qualitativa foram avaliados por meio do referencial

da análise de discurso (CHIZZOTTI, 2008), obtido mediante transcrição das

entrevistas aplicadas, posterior à coleta de dados.

Para Chizzotti (2008), “a análise do discurso constitui-se como um tipo de

análise que ultrapassa os aspectos meramente formais da linguística, para privilegiar

a função e o processo da língua no contexto interativo (...)” (CHIZZOTTI, 2008,

p.116). O discurso em si é representado pelo autor como a expressão social do

sujeito diante do mundo no que explicita sua identidade. Está, portanto, situado em

um contexto sócio-histórico, só podendo ser compreendido na sua relação com os

processos cultural, socioeconômico e político (idem, p. 120-121).

Mediante a análise crítica do discurso, buscou-se compreender a

representação social e subjetiva dos indivíduos acerca do trabalho na área de saúde

Page 26: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

26

e dos limites e possibilidades deste trabalho voltado à prevenção e/ou

encaminhamento dos casos de agravos causados em virtude do assédio moral.

A análise de prontuários e participação em eventos ligados à saúde mental e

trabalho, promovidos pelo CEREST-CE, subsidiou o estudo fornecendo dados

acerca das principais discussões, demandas e desafios enfrentados no campo da

saúde do trabalhador.

2.5 ASPECTOS ÉTICOS

O presente trabalho constitui uma pesquisa situada no campo da atenção à saúde

do trabalhador, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade

Estadual do Ceará, protocolado por meio da Plataforma Brasil, sob o número

09220612.4.0000.5534, conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de

Ética em Pesquisa-CNEP.

Após abordagem inicial dos sujeitos, foram prestados os devidos

esclarecimentos e garantida a confidencialidade e o anonimato das entrevistas, bem

como assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (em duas vias) e

o Termo de Compromisso (em uma via). As entrevistas apenas foram gravadas com

o consentimento dos entrevistados.

Page 27: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

27

3 ENTRE O MERCADO E A FLEXIBILIZAÇÃO: a construção de perigosas relações laborais

O capitalismo ‘produziu’ o atual modo de produção capitalista Braverman (1980, p.30).

A flexibilização das condições de trabalho é um fenômeno cada vez mais notável no

cotidiano laboral, pois traz consigo sensíveis mudanças nas relações

capital/trabalho. De fato, “perdeu-se (...) a diferenciação entre as atividades e isso

ocorreu porque o que se rompeu (...) foram os limites entre as esferas pública e

privada” (Wagner, 2002, p.57). Essas mudanças nas formas de trabalho, já

discutidas por Marx e Arendt (WAGNER, 2002), acabam por gerar, na

contemporaneidade, o que Sennett (1988) chama de “esvaziamento da vida

pública”. Esse “esvaziamento”, por sua vez, percorre todos os âmbitos da vida do

sujeito e modifica sua relação consigo e com a sociedade em que vive. No mundo

do trabalho, isso se reflete de maneira generalizada afetando a vida dos

trabalhadores em todas as suas dimensões.

Sennett (1988) ressalta que a produção em massa, estimulada a partir da

Revolução Industrial, transformou a relação entre o sujeito que compra e o sujeito

que vende. A mistificação do objeto valoriza o papel do comprador em detrimento do

papel do vendedor ou do produtor. Essa nova forma de secularidade contribuiu,

segundo o autor, para o enfraquecimento do espaço público enquanto espaço de

interação. Apresenta-se aí uma dimensão intimista de sociedade povoada por

relações esvaziadas de conteúdo. Essas relações permeiam todo o cotidiano do

sujeito e se desdobram das mais variadas formas sobre suas relações laborais e

sociais, interferindo diretamente sobre sua saúde.

Para Sennett (1988), o capitalismo desenvolve uma natureza flexível, com

relações supérfluas no âmbito público, o que afeta o caráter pessoal dos indivíduos

e impede a construção de uma narrativa linear de vida com relações de trabalho

baseadas na exploração e afrouxamento dos laços de afinidade.

As reformas neoliberais no campo da saúde também se enquadram nesse

novo modelo flexível de produção, de redução de custos e aumento da

Page 28: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

28

produtividade. Hennington (2011) cita estudos no referido campo, na América Latina,

que evidenciaram o aumento do estresse e da insatisfação no trabalho, a redução

da participação dos profissionais nas atividades em saúde, que demanda tempo

adicional, como capacitações, assim como o impacto negativo do enfoque na

produtividade sobre a atenção ao usuário.

Neste capítulo, busca-se tratar da questão da fragilidade destas relações

trabalhistas contemporâneas, inseridas no contexto de flexibilização do trabalho e da

desconstrução de relações estáveis no universo do funcionamento das relações de

poder, na medida em que essas relações vão conduzindo a um desgaste físico e

mental do trabalhador que é acelerado por práticas de exploração e violência cada

vez mais intensas e constantes, como o assédio moral ou psicoterrorismo

(LEYMANN, 1996), os quais serão foco principal nesta pesquisa.

Será discutido, a seguir, o lugar do trabalhador nesse contexto de

flexibilização e violência, enfatizando, sobretudo, a influência desse processo sobre

a estruturação e efetivação das políticas de Saúde do Trabalhador. Essa discussão

acima suscita, nesse processo, alguns questionamentos como: Qual a possibilidade

de separar e conciliar a vida pública e a vida privada? Como se encaixar em um

cotidiano onde a dinâmica social se molda não só pelas novas interações e formas

globalizadas de ver o mundo, mas também pela rapidez e a instabilidade? Como

lidar com a promoção da saúde do trabalhador quando os próprios trabalhadores da

saúde também são suscetíveis a essa precarização?

3.1 MODELOS DE GESTÃO CIENTÍFICA E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO:

UM PERCURSO HISTÓRICO

Um dilema se torna constante nas discussões sobre as condições de trabalho na

contemporaneidade. Braverman (1980) já apontava esse dilema em fins do século

XX. Segundo o autor, há uma contradição no processo de transformação

ocupacional.

Por um lado, dá-se ênfase a que o trabalho moderno, como consequência da revolução científico-tecnológica e da “automação”, exige níveis cada vez mais elevados de instrução, adestramento, emprego maior da inteligência e do esforço mental em geral. Ao mesmo tempo, uma crescente insatisfação com as condições de

Page 29: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

29

trabalho industrial e de escritório parece contradizer essa opinião (BRAVERMAN, 1980, p.15).

As reconfigurações da sociedade, no campo do trabalho, vêm atendendo,

durante séculos, às necessidades de superação das crises do modo de produção

capitalista. Desse modo, é importante conhecer o percurso dessa transformação, a

partir do século XX, uma vez que este se desdobra até hoje influenciando o

cotidiano do trabalhador, além de afetá-lo direta e/ou indiretamente em suas

dimensões pessoal, social e profissional.

As novas tecnologias e fontes de energia possibilitadas pela Segunda

Revolução Industrial fomentaram a produtividade e a busca pelo lucro. Essas

inovações subverteram o modo de produção tradicional e passaram a exigir do

capitalista funções de coordenação e gerência no sentido de acabar com o

desperdício e a ociosidade operária. “O capitalista assumiu essas funções como

gerente em virtude de sua propriedade do capital” (BRAVERMAN, 1980, p.62).

Tendo criado novas relações sociais de produção, e tendo começado a transformar o modo de produção, [os capitalistas] viram-se diante de problemas de administração que eram diferentes (...) em relação às características do processo de produção anterior. Sob as novas e especiais relações do capitalismo, que pressupunham um “contrato livre de trabalho”, tiveram que extrair de seus empregados aquela conduta diária que melhor serviria a seus interesses (idem, p.68).

A revolução dos meios e técnicas de organização do trabalho ao longo do

desenvolvimento capitalista, operada inicialmente pelo modelo de gerenciamento

científico taylorista5 em fins do século XIX e início do século XX, marca um

importante momento histórico no qual o estudo científico dos processos gerenciais

passa a ser efetivamente empregado em favor do aumento da produção e do lucro,

a despeito das condições de trabalho cada vez mais exploradoras e desumanas.

Segundo Lênin (apud BRAVERMAN, 1974, p.22),

o sistema de Taylor, ‘como todo progresso capitalista, é uma combinação da refinada brutalidade da exploração burguesa com uma quantidade dos maiores feitos científicos no campo da análise dos movimentos mecânicos durante o trabalho, da eliminação dos

5Moldado por atividades mais especializadas e na divisão do trabalho em tarefas específicas de execução contínua, o processo de produção, no taylorismo, institui o controle do trabalho alienado por meio da fixação da jornada de trabalho, da supervisão intensa e ininterrupta de normas contra distrações, da fixação de mínimos de produção, etc (1980, p.86).

Page 30: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

30

movimentos supérfluos e lentos, da elaboração dos métodos corretos de trabalho, a introdução do melhor sistema de contabilidade e controle, etc’.

Para Taylor, as novas organizações de trabalho deveriam impor a

necessidade de gestão e, portanto, da separação entre produção e planejamento.

Esse modelo, proposto por Taylor, deveria ser considerado por todos como uma

“tendência do desenvolvimento industrial moderno” (BRAVERMAN, 1980, p.115).

Logo, ir contra ele significaria ir contra a modernização em curso.

O estudo científico dos processos de trabalho, neste contexto de

desenvolvimento do capital, estava, portanto, voltado exclusivamente para as

necessidades da industrialização capitalista. Essa tendência se desenvolveu e se

disseminou ao longo da evolução capitalista, podendo ser observada mais

fortemente na contemporaneidade, tanto nas fábricas quanto nos serviços.

O rápido crescimento administrativo e técnico especializado, o aumento da

produção e a mudança de ocupações dentro dos processos industriais, juntamente

com a organização do trabalho em tarefas simplificadas e controladas em outro

lugar, agravavam a degradação da capacidade técnica do trabalhador, fosse ele

operário ou gerente (BRAVERMAN, 1980).

Desse modo, tendências a curto prazo simplesmente mascaram a tendência secular no sentido do rebaixamento de toda a classe trabalhadora a níveis inferiores de especialidade e funções, ao abrir caminho para o avanço de alguns trabalhadores nas indústrias em rápida expansão, juntamente com exigências cada vez menores de capacitação dos candidatos (...). À medida que isso continua por várias gerações, (...) o próprio significado de “qualificação” degrada-se (idem, p.116).

A precarização6 do trabalho na contemporaneidade aparece, então, como

reflexo do modelo de gerenciamento científico da produção. Diante desse modelo de

gestão, os trabalhadores, para Braverman (1980, p.121), não se mantiveram

passivos, mas adquiriram consciência das perdas causadas pelas novas condições

de produção. “O taylorismo desencadeou uma tempestade de oposição entre os

sindicatos durante os primeiros anos deste século”. No entanto, a crítica inicial dos

6 A precarização, para Alves (2009), é um constructo do novo metabolismo social. Caracteriza-se pela intensificação e ampliação da exploração da força de trabalho, “pelo desmonte de coletivos de trabalho e de resistência sindical-corporativa; e pela fragmentação social nas cidades em virtude do crescimento exacerbado do desemprego em massa” (ALVES, 2009, p.189).

Page 31: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

31

trabalhadores direcionava-se não à questão da exploração e da precarização das

condições de trabalho em si, mas da perda do conhecimento do ofício.

Braverman (1980) destaca, ainda, que a necessidade de ajuste do

trabalhador às condições repugnantes do trabalho em sua forma capitalista,

superando relações sociais antagônicas e sucessão de gerações, é um aspecto

permanente da sociedade capitalista. O foco da gerência científica de Taylor não é,

senão, a busca de condições que possibilitem ao trabalhador “cooperar no esquema

de trabalho organizado pela engenharia industrial”.

A crise estrutural da era fordista/taylorista veio, de acordo com Harvey (1994),

no período de 1965 a 1973, tornando “cada vez mais evidente a incapacidade do

fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo”.

Essa incapacidade, para Harvey (1994), deveu-se, sobretudo, à “rigidez”: rigidez de

investimentos, rigidez na distribuição de mercados, rigidez nos contratos de trabalho,

rigidez nos compromissos estatais com seguridade social e serviços públicos (1994,

p.135).

Podemos ressaltar, no entanto, que as crises do capitalismo em vez de

conduzi-lo a um colapso, conforme previa Marx, impulsionaram transformações não

somente no âmbito econômico, mas também nos âmbitos social e cultural, no

sentido de buscar meios de superação dentro do próprio sistema. “Ocorre que o

capitalismo é autofágico: (...) suas crises são a razão de sua existência no tempo”

(CAMARGO e MELLO 2012, p.384).

De acordo com Mészáros (apud ALVES, 2011, p.11), as crises do capital na

contemporaneidade, “crises de intensidade e duração variadas”, “são o modo natural

de existência do capital: são maneiras de (...) estender com dinamismo cruel sua

esfera de operação e dominação”.

Petras (2012) argumenta que

a ‘crise do capital’ foi convertida numa vantagem estratégica para promover os interesses (...) do capital: a expansão de lucros, a consolidação do domínio capitalista, a maior concentração da propriedade, o aprofundamento de desigualdades entre capital e trabalho e a criação de enormes reservas de trabalho para promover o aumento dos seus lucros(idem, n.p.).

Page 32: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

32

Sendo assim, o modelo de organização toyotista7 de trabalho, implantado nas

fábricas do Japão após a Segunda Guerra Mundial, dissemina-se, nas últimas

décadas do século XX, em meio a uma crise do capital, com uma proposta de um

novo modelo de trabalhador. Segundo Alves (2007), no modelo toytista,

não é apenas o “saber” e o “fazer” operários que são capturados pela lógica do capital, mas sua disposição intelectual-afetiva que é mobilizada para cooperar com a lógica de valorização. O operário é encorajado a pensar “pró-ativamente”, a encontrar soluções antes que os problemas aconteçam (o que tende, por exemplo, no plano sindical, as estratégias neocorporativas de cariz propositivo) (ALVES, 2007, p.187).

Nesse contexto, Coriat (1992) chama atenção para o surgimento de uma

figura social nova: o trabalhador ao “abrigo” da indústria metal-mecânica, que se

reinventa em virtude das novas atividades demandadas pelos avanços tecnológicos

(introdução da microeletrônica e da robótica, por exemplo) e que ultrapassa o tipo

fordista-taylorista ideal de operário alienado.

Apesar do discurso voltado para a valorização do trabalho em equipe, da

multifuncionalidade, da flexibilização das atividades e da qualificação do trabalhador,

este novo modelo de produção “oculta (...) a exploração, a intensificação e a

precarização do trabalho, inerentes à busca desenfreada do lucro pelo sistema de

metabolismo social do capital (...)” (MESZAROS apud PERES, 2010, p.1).

Braverman (1980) ressalta que o desenvolvimento da tecnologia científica,

bem como os novos modelos de gestão e produção dela derivados, conduziu a

classe trabalhadora a ceder, enquanto classe organizada, às novas estratégias

capitalistas de produção.

Para Antunes (1998), é nesse momento que se dá a completa manipulação

do trabalhador na medida em que se introduz a flexibilização da produção e também

dos direitos trabalhistas conquistados historicamente. “Substitui-se o despotismo 7O modelo de organização toyotista surge como uma alternativa do capitalismo à crise dos anos 1970. “a preocupação do toyotismo é com o controle do elemento subjetivo no processo de produção capitalista (...) e com a manipulação do consentimento do trabalho através de um conjunto amplo de inovações organizacionais, institucionais e relacionais no complexo de produção de mercadorias, caracterizadas pelo princípio de ‘autonomação’ e de ‘auto-ativação’, ou ainda, pelo just-in-time/kanban, a polivalência do trabalhador, o trabalho em equipe, produção enxuta, os CCQ’s, programas de Qualidade Total, iniciativas de envolvimento do trabalhador (...)” (CORIAT, 1990 apud ALVES, 2008).

Page 33: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

33

taylorista pelo estranhamento do trabalho levado ao limite, por meio da apropriação,

pelo capital, do saber e do fazer operário” (ANTUNES, 1998, p.72).

De acordo com Antunes (1998), esse momento, denominado de

reestruturação produtiva, marcado por grande desenvolvimento tecnológico,

automação, experimentação, invade definitivamente o campo das relações de

trabalho e produção no sentido da necessidade de sua adequação à lógica do

mercado. Os modelos fordista e taylorista ganham novas roupagens (neofordismo e

neotaylorismo) e o modelo japonês toyotista se dissemina.

Segundo Alves (2008), a flexibilização das relações de trabalho apresenta-se,

nesse processo, como uma realidade do atual contexto sociometabólico do capital.

É por pertencer à lógica estrutural da mundialização do capital – que não está voltada para o crescimento e políticas de pleno emprego – que o toyotismo e sua ideologia de formação profissional (a empregabilidade) tendem a frustrar qualquer promessa integradora do mundo do trabalho, tão comum na era do capitalismo fordista do pós-guerra (2008, n.p.).

O Brasil, por conta de seu capitalismo tardio, só começa a se aproximar do

processo de reestruturação produtiva, já avançado nos países da Europa, na década

de 1980. Nesse momento, as empresas começam a adotar novos padrões

organizacionais e tecnológicos, bem como novas formas de organização social e

sexual do trabalho. Dá-se, assim, início aos métodos denominados participativos,

procurando envolver os trabalhadores nos planos da empresa (idem, 2004).

Segundo Antunes (2004), nos anos 1990, o processo de reestruturação

produtiva se instala de forma mais desenvolvida com a instalação do sistema just-in-

time e das formas de subcontratação, terceirização e enxugamento da força de

trabalho. Após ter sofrido uma queda em virtude da crise do governo Collor, o

sistema de reestruturação produtiva do capital se amplia a partir de 1994, com o

Plano de Estabilização Econômica, Plano Real, implementado no governo de

Fernando Henrique. Surgem novas políticas gerenciais, bem como programas de

"qualidade total" e "remuneração variável".

Todas essas modificações acabam por gerar instabilidade e

desregulamentação do trabalho que fortalecem o individualismo em detrimento da

Page 34: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

34

coletividade (ANTUNES, 2004). Fator este que, para muitos pesquisadores,

influencia, de forma determinante, na manifestação da violência no ambiente de

trabalho, como a que aqui será discutida (assédio moral).

Para Boaventura Santos (2005), se por um lado ocorreu um fortalecimento do

modelo hegemônico do capitalismo de mercado neoliberal cada vez menos

engajado com a promoção das questões sociais, não há um modelo único de

globalização,uma vez que este é, também, uma construção histórica.

Boaventura Santos (2005) defende, portanto, que dentro dessa mesma

conjuntura mundial há resistências e organizações locais autônomas.Ele vê essas

resistências como uma forma de barrar a dominação intransigente do capitalismo

por meio da construção de contra-hegemonias. Essa discussão é de suma

importância para se analisar as formas de enfrentamento à hegemonia neoliberal e

suas consequências.

3.1.1 Trabalho, subjetividade e direitos sociais

Para Boaventura Santos (2005), o modelo da economia de mercado tem de fato

aumentado as desigualdades sociais, sendo possível verificar esse aumento tanto

nos países centrais como periféricos (com mais intensidade). Portanto, após a crise

da década de 1970, há um crescimento das desigualdades sociais e um

enriquecimento das grandes corporações transnacionais.

Há um modelo hegemônico manifestado na economia, no Estado, na cultura.

É um modelo de uma cultura ocidental americanizada, apoiado por órgãos

internacionais que condicionam empréstimos e benefícios às diferentes nações com

o comprometimento destas na implementação das políticas neoliberais (SANTOS,

2005).

Nesse contexto, percebe-se que o trabalho se legitima a partir da

intensificação de processos de exploração dos trabalhadores, seja direta ou

indiretamente, ao que Alves (2007) denomina precarização, que, sendo um

processo, se diferencia de precariedade, embora reforce seu estado.

Page 35: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

35

Segundo Giovanni Alves (2007), a precarização do trabalho, gerada a partir

das crises estruturais do capitalismo, atinge a objetividade e também a subjetividade

da classe. Uma das dimensões mais cruéis desse processo de precarização, de

acordo com Alves (2007), é justamente “a intensificação dos mecanismos

sistêmicos8 voltados para a manipulação da subjetividade do trabalho e a sua

‘captura’ pelos dispositivos ideológico-organizacionais do capital”. Ou seja, a luta de

classes estaria centrada em uma perspectiva ideológica, visto que é na subjetividade

que se deflagram as lutas pela hegemonia (idem, p.185).

Como exemplo dessa apropriação da subjetividade do trabalhador pelo

capital, podemos citar Antunes (1998), quando este destaca a postura defensiva dos

sindicatos. Segundo ele, essa instância representativa dos trabalhadores parte para

o “acrítico sindicalismo de participação e de negociação, que em geral aceita a

ordem do capital e do mercado” abandonando as perspectivas emancipatórias

(idem, p.72). Nesse sentido, para Braverman (1980), a dimensão do enfrentamento

da classe trabalhadora, sindicalizada no modo de produção capitalista proposto por

Marx, verte-se em uma crítica ao capitalismo apenas enquanto modo de distribuição.

O modelo japonês toyotista pressupõe uma integração “orgânica” dos

trabalhadores, ou seja, uma integração coletiva da força produtiva. No entanto, com

base na discussão de Meszáros (2002), Alves (2007) argumenta que essa

integração “orgânica” representa, na verdade, uma “fragmentação” da consciência

de classe dos trabalhadores submetidos a uma pulverização de formas flexíveis e

precarizadas de serviço.

É nesse sentido que o autor propõe o termo “captura” da subjetividade, para

expressar um processo social que se desenvolve sem resistências ou lutas

cotidianas.

8Por “mecanismos sistêmicos”, Alves (2007) se refere às estratégias de gerenciamento científico criadas para manipulação de mão de obra e aumento da produção com ênfase nos dispositivos organizacionais do toyotismo, considerado pelo autor como “momento predominante” da reestruturação produtiva, seguindo a proposta fordista-taylorista de “captura” da subjetividade do trabalho mediante a inclusão do trabalhador nos processos gerenciais e nas tarefas da produção em equipe, visando o sustento da empresa capitalista (ALVES, p.186).

Page 36: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

36

O processo de “captura” da subjetividade do trabalho vivo é um processo intrinsecamente contraditório, constituído por um jogo de simulações, articulando mecanismos de coerção e de consentimento, que se interage com uma teia de manipulação que perpassa não apenas o local de trabalho, mas as instâncias da reprodução social (ALVES, 2007, p.188).

Alves (2007) ressalta que o regime de acumulação flexível não extingue a luta

de classes e o conflito entre capital e trabalho, mas desloca esse conflito para

“dimensões invisíveis do cotidiano”. Para o autor, os mecanismos de defesa do

trabalhador (sindicatos, partidos e outras instituições políticas) enfrentam uma crise

provocada por essa invasão do capital sobre a subjetividade dos indivíduos (idem,

p.188).

O toyotismo, o novo espírito da racionalização capitalista no local de trabalho, tende a agir sobre o trabalho organizado e sua subjetividade, precarizando-a e buscando subsumi-la aos interesses da reprodução do capital como sistema sócio-metabólico. (p.189)

Camargo e Melo (2012) falam da “captura” da subjetividade como um

“obstáculo à efetivação dos direitos sociais”. Para os referidos autores, essa

“captura”, denominada de “cooptação ideológica” do trabalhador, tem estreita

relação com o processo de eficácia dos direitos sociais surgidos como uma

demanda por respostas do Estado frente às transformações da realidade social.

De acordo com Camargo e Melo (2012), a flexibilização das formas de

trabalho, no toyotismo, é um fenômeno que evidencia “um dos momentos mais

intensos de perdas de garantias e tutela do Estado” (2012, p.387).

Podemos ressaltar, portanto, que o desmonte dos direitos sociais em troca de

uma superficial melhoria das condições de produção representou a grande

estratégia do capitalismo no sentido de sua própria superação.

3.1.2 A flexibilização levada à dimensão do privado

“Flexibilidade” designa essa capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o teste e restauração de sua forma. Em termos ideais, o comportamento humano flexível deve ter a mesma força tênsil: ser adaptável a circunstâncias variáveis, mas não quebrado por elas (Sennett, 2002, p.53 )

Page 37: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

37

É dessa forma que Sennett (2002) resgata, em A Corrosão do Carater, a origem do

significado de flexibilidade, trazendo essa definição para a realidade do capitalismo

neoliberal, onde essa flexibilidade é levada as últimas consequências.

Bauman (2001), por sua vez, discute a flexibilização do comportamento

humano da sociedade moderna inserindo esse comportamento no universo temporal

do que ele chama de “modernidade líquida”. Com esse termo, o autor busca

caracterizar a fluidez da realidade globalizada em contraposição à solidez do

período anterior. Esta fluidez não afeta apenas o campo econômico (transferência

de capital de um lado a outro do mundo) ou político (mudanças na legislação, fim

dos direitos adquiridos dos trabalhadores, crise dos partidos tradicionais de

esquerda e de direita, etc.), mas atinge também as demais áreas da vida humana,

como as relações interpessoais.

Para Bauman (2001), essa mobilidade e fluidez contínuas são vivenciadas de

forma diferenciada pelas pessoas, a depender da vivência ou não dos benefícios

que elas trazem; benefícios estes que demandam, por exemplo, uma boa condição

financeira. Desse modo, tanto para os pobres como para os excluídos, não é uma

escolha e sim uma condição.

Bauman (2001) demonstra-se pessimista ao caracterizar a sociedade atual.

Para ele, se o lado do fim das grandes utopias e das certezas poderia tornar os

indivíduos mais livres, o lado da radicalização do individualismo tornou quase

impossível a convivência coletiva. O sujeito agora é apenas o indivíduo, o

consumidor. Se por séculos o indivíduo foi sufocado pelo coletivo, agora caiu no

extremo do individualismo. “O cenário líquido-moderno, porém, não apenas engloba

a questão da ‘identidade nacional’ como a ultrapassa” (Bauman, 2001).

Com base no pensamento de Bauman (1998), Bernardo (2009), ressalta que

o mundo flexível cria uma massa infeliz e vulnerável incapaz de controlar e entender

determinadas forças,”buscando defender-se dos riscos e perigos da modernidade

em uma sociedade (...) em que muitas vezes o outro parece constituir o maior e

principal perigo” (2009, p.434)

Com relação ao trabalho e aos direitos sociais, ambos vão se tornando

responsabilidade unicamente individual.

Page 38: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

38

O conceito de empregabilidade começa a ser difundido e a responsabilidade por estar ou não empregado passa a ser do indivíduo, o que acaba acarretando sofrimento ao sujeito em questão. Ou seja, estar incluído em um trabalho formal passa a ser uma questão de desempenho individual e não mais econômico ou social. Nestes casos a individualização do sujeito passa a ser maior, fazendo com que cada funcionário vislumbre seu emprego, impedindo que haja um maior sentimento coletivo de ação, uma vez que o emprego, principalmente o formal, passa a ser “artigo” raro e deve ser mantido (AGUZOLLI, 2007, p.7).

Segundo Sennett (2006), as relações sociais e interpessoais na modernidade

não implicam na criação dos laços sociais profundos, já que não há valorização do

“longo prazo”. Dessa forma, sem o tempo necessário à construção de laços

estáveis, não há o estabelecimento da confiança, da lealdade e do compromisso. Os

trabalhadores, nesse contexto, viram reféns da instabilidade. A dimensão privada

torna-se, então, o abrigo contra a vida pública, flexível, inconstante.

O capitalismo dito flexível acaba, para Sennett (2006), por impedir a

construção de um rumo único nas carreiras. O autor coloca em dúvida inclusive a

possibilidade de se falar em “carreira” propriamente dita, já que as pessoas mudam

de trabalho frequentemente e não têm como desenvolver uma relação estável ou

mesmo fazer planos de crescimento, de carreira. Suas vidas não produzem mais

uma narrativa linear, são agora fragmentadas.

Da mesma forma, ainda segundo Sennett (2006), no que diz respeito à

dimensão pública, o comprometimento com consciência de classe também é

afetado, uma vez que necessita do prazo de construção de uma identidade com o

trabalho, com a comunidade. Prazo este inexistente no modelo capitalista flexível.

O “trabalhador flexibilizado” sofre, portanto, pela falta de solidez nas

experiências cotidianas. A fragilidade na construção dos laços sociais afeta também

a ética no trabalho que, tal como os demais aspectos relacionados a ele, modificou-

se para atender as necessidades capitalistas.

A moderna ética do trabalho concentra-se no trabalho de equipe. Celebra a sensibilidade aos outros; exige “aptidões delicadas”, como ser bom ouvinte e cooperativo; acima de tudo, o trabalho em equipe enfatiza a adaptabilidade às circunstâncias. O trabalho de equipe é a ética de trabalho que serve a uma economia política flexível. Apesar de todo o arquejar psicológico da administração moderna sobre o

Page 39: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

39

trabalho de equipe (...), é o etos de trabalho que permanece na superfície da experiência. O trabalho de equipe é a prática de grupo da superficialidade degradante.

A velha ética do trabalho revelou conceitos de caráter que ainda contam, mesmo que essas qualidades não mais encontrem expressão na mão-de-obra. A velha ética do trabalho baseava-se no uso autodisciplinado do nosso tempo, pondo-se a ênfase mais na prática voluntária, auto-imposta, que na simples submissão passiva a horários ou rotinas. (2002, p.119)

Nesse sentido, tem-se o incentivo à motivação, ao trabalho em grupo, à

especialização. Sennett (2002) considera esses aspectos como geradores de

submissão e não de liberdade. “O homem motivado é demasiado oprimido pela

importância que tem de atribuir ao trabalho”. E complementa ainda: “Disciplina, diz-

nos Michel Foucault, é um ato de autopunição (...)” (2002, p.117). O apelo ao

trabalho em equipe no sentido de incentivar a troca e o aprendizado mútuos

representa, para Sennett (2002), um “poder exercido sem reivindicações de

autoridade, [que] está muito distante da ética de responsabilidade própria que

caracterizava a velha ética do trabalho” (idem, p.139).

Nesse sentido, “Haverá limites para até onde as pessoas são obrigadas a

dobrar-se? Pode o governo dar às pessoas alguma coisa semelhante à força tênsil

de uma árvore, para que os indivíduos não se partam sob a força da mudança?”

(idem, p.62).

Nenhum setor do trabalho está imune à miséria desumana do desemprego e do “trabalho temporário” (...) a questão não é se o desemprego ou o “trabalho temporário flexível” vai ameaçar os trabalhadores empregados, mas quando estes, forçosamente, vão vivenciar a precarização (MÉSZÁROS, 2006, apud ANTUNES, 2006).

Na atual fase do capitalismo, observam-se grandes mudanças no campo das

relações de trabalho. Vivencia-se, simultaneamente, a adesão do Estado ao modelo

de mundialização do capital e a ampliação da atuação do mercado em todas as

dimensões da vida pública e privada.

A modernização do trabalho degradou as condições de vida e trabalho.

Fortino (2012) cita um caso paradigmático ocorrido na empresa France Telecom,

Page 40: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

40

onde foram recenseados 35 suicídios ligados ao trabalho entre 2008 e 2009,

continuando ao longo de 2010.

Na referida empresa, era realizada uma dinâmica de rotatividade e

reagrupamento de trabalhadores em diferentes serviços, visando maior

especialzação e polivalência. Essas transformações, denominadas por Fortino

(2012) de “taylorização das relações de serviço”, foram responsáveis, de acordo

com a autora, pela criaçãode um sentimentode perda de orientação, de

confiançaede angústia gerado no trabalhador devido à pressão que é submetido

diariamente.

Bernardo (2009), por sua vez, discute o excesso de responsabilidade e a

humilhação cotidiana vivenciados por trabalhadores de duas montadoras de

automóveis. Apresenta, por meio das falas desses trabalhadores, aspectos de

opressão e exploração sob o discurso da “família-empresa”.

É muita pressão psicológica em cima da gente. Porque de qualidade deles é muito rígida. Eles têm o nome pra zelar. (...) Você tem uma meta. Tem um padrão. Todo dia você tem um tanto pra errar (...) Se você passar dali, aí a cobrança já é maior (idem, p.127).

Essa “pressão psicológica” presente na maioria das falas colhidas pela autora

representam, para ela, o sofrimento dos trabalhadores frente às exigências e abusos

no ambiente de trabalho.

A flexibilização das relações é uma realidade da contemporaneidade e causa

mudanças reais no cotidiano dos trabalhadores. A vida privada desses trabalhadores

acaba por se tornar um refúgio, uma vez que, na vida pública, o indivíduo não

consegue se estabelecer enquanto sujeito, parte de um grupo social, dotado de uma

história de vida ligada intimamente à sua dimensão social.

Vê-se, portanto, que o aparecimento da flexibilização está relacionado às

mudanças do capitalismo globalizado, à ampliação do setor de serviços, à

complexidade organizacional do trabalho, à instabilidade nas relações de trabalho.

Desse modo, os episódios de exploração e violência vão se tornando cada vez mais

frequentes no cotidiano laboral.

Page 41: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

41

3.2 ASSÉDIO MORAL, PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E SAÚDE DO

TRABALHADOR

O estudo da atual configuração das relações trabalhistas da contemporaneidade

confunde-se com aspectos da mundialização do capital, da evolução da tecnologia

e, ao mesmo tempo, da constituição de relações efêmeras, do distanciamento

afetivo e da supervalorização do lucro.

O assédio moral, no ambiente de trabalho, figura nesse universo como uma

forma de violência sutil e obscura que aparece, muitas vezes, sob a forma de

práticas não explícitas de poder e dominação sobre o outro com o objetivo de

desestabilizá-lo emocionalmente, abalando, assim, sua saúde (MATA, 2007).

Silva, Oliveira e Sousa (2011, p.59) ressaltam o fato de que as situações de

assédio moral acontecem, em sua maioria, com a conivência das empresas,

podendo se converter em uma “estratégia de gestão” para submeter o trabalhador

aos “imperativos da produção”.

O assédio moral, enquanto expressão agravada pelo processo de

flexibilização, atinge as mais diversas categorias e formas de trabalho, incluindo-se

aí os próprios trabalhadores da saúde. A sutileza de suas expressões, bem como os

agravos à saúde do trabalhador, torna-se um desafio para as políticas públicas.

Qual lugar se destina à avaliação e à atuação sobre o impacto dessas

mudanças no cotidiano e na saúde mental dos trabalhadores? Como tratar usuários

e cuidadores, vítimas de uma mesma violência psicológica sutil e, ao mesmo tempo,

intensa, que têm sua causa ligada a questões socioeconômicas de cunho global?

Para Dejours (1993), a saúde do trabalhador está intimamente afetada pela

relação dele com o trabalho que executa, e são cada vez mais comuns as

reclamações dos trabalhadores acerca do desgaste pelo trabalho e do

envelhecimento precoce.

Analisando o conceito de saúde, conforme posto pela Organização Mundial

de Saúde, Dejours (1998) critica a questão de não ser algo possível, mas sim ideal o

"completo bem-estar físico". Fazendo uma breve análise sob a ótica da fisiologia das

Page 42: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

42

relações, da psicossomática e da psicopatologia do trabalho, Dejours, Dessors e

Desriaux (1993) observam que a saúde psíquica não corresponde necessariamente

a uma vida sem "angústias" ou "desequilíbrios", mas sim a impossibilidade de traçar

metas e objetivos, isto é, a passividade frente aos desafios.

Ressalta-se também a estreita relação entre o ser humano e a forma de

organização da sociedade. O sofrimento mental seria decorrente da falta de

identidade entre ambos. Para os autores citados, portanto, o que caracteriza o

sofrimento é o fato de o sujeito se encontrar sem alternativas frente à situação de

violência.

No sentido de compreender as consequências dos contextos de trabalho para

o indivíduo, sobretudo a partir da "virada neoliberal", Dejours (2004) expõe uma

análise da relação trabalho e subjetividade.

Com a evolução do trabalhar, sob o império das novas formas de organização do trabalho, de gestão e de administração específicos do neoliberalismo é, nolens volens, o futuro do homem que está comprometido. Colocar a questão da subjetividade na teoria política é levantar a questão do lugar que se dá à vida na própria concepção de ação (idem, p.31).

Para ele, sob uma perspectiva clínica, trabalho, antes de uma relação salarial

ou de emprego, implica a "mobilização da inteligência, a capacidade de refletir, de

interpretar e de reagir às situações; é o poder de sentir, de pensar e de inventar". A

ação de trabalhar constitui-se, para Dejours (2004), de acordos de cooperação

firmados coletivamente entre os trabalhadores. Esses acordos visam o objetivo da

qualidade de trabalho e o objetivo social. Contudo, "pressupõe renúncia a uma parte

do potencial subjetivo individual, em favor do viver junto e da cooperação" (idem,

p.31). Os conflitos, portanto, surgiriam na medida em que essa renúncia não fosse

consentida por todos.

Segundo Dejours (2004), o contexto das novas formas de organização

intensifica e sacrifica a subjetividade do trabalhador em nome da rentabilidade,

contribuindo, assim, para a desagregação do coletivo e o aumento do isolamento do

indivíduo, ou, ainda, a "desolação" no sentido tratado por Hannah Arendt,

isto é, o desabamento do solo, que constitui a razão pela qual os homens reconhecem entre si aquilo que eles têm em comum, aquilo

Page 43: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

43

que compartilham e que se encontra no próprio alicerce da confiança dos homens uns nos outros (DEJOURS, 2004, p.34).

Diante do exposto, ter-se-ia como resultado o agravamento de patologias

mentais e o surgimento de novas patologias, como o suicídio no próprio local de

trabalho.

Xavier, Nunes e Santos (2008) problematizam também a questão do assédio

moral nas universidades, enquanto instituições consideradas como espaço de

desafio para todos que nela trabalham. Para eles, nelas podem ser percebidas

situações geradoras de sofrimento psíquico manifestadas sob a forma de

absenteísmo, depressão, dependência química, melancolia, fobias, isolamento.

Segundo as autoras acima citadas, a relação prazer/sofrimento representa

uma experiência subjetiva do trabalhador vivenciada coletivamente e influenciada

pela atividade de trabalho. "Desta forma, experiências produzidas no espaço

acadêmico como realização de trabalhos, artigos, aulas, pesquisas irão produzir

multiplicidades de sentidos que serão incorporados pelo sujeito" (XAVIER, NUNES e

SANTOS, 2008, p. 430).

De acordo com Heloani (2005), cada indivíduo representa o produto de uma

construção sócio-histórica e atua como sujeito e produtor das relações no meio

ambiente social no qual se insere, no contexto de leis e regras que lhe cabem,

diretrizes estas que funcionam dentro de uma determinada lógica macroeconômica,

a qual subentende e incorpora relações de poder.

A abordagem de Heloani (2005) busca abranger o fenômeno do assédio

moral em sua totalidade, relacionando-o ao contexto em que ocorre. Dessa forma, o

autor aproxima-se da temática da violência moral, sob seu aspecto contemporâneo,

como produto da hipercompetitividade e das novas relações de trabalho

provenientes do capitalismo neoliberal.

Nessa nova lógica pós-moderna (...) que legitima uma ampla reestruturação produtiva, onde os salários sofrem cada vez mais reduções (...) o trabalho torna-se cada vez mais precário e seletivo. O Estado vem mediante uma política neoliberal retirar (...) benefícios do trabalhador, modificando a relação capital-trabalho; surgem, então, novas relações (...) que geram o subemprego e o trabalho informal (...) (idem, 2005, n.p.).

Page 44: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

44

Frigotto (1998), Antunes (1998), Oliveira (2000) e Heloani (2005) auxiliam na

compreensão do assédio moral enquanto fenômeno inserido no contexto das

relações sócio-historicamente estabelecidas.

Para Frigotto (1998), a pós-modernidade enfrenta uma crise de paradigmas,

no âmbito das relações de trabalho, protagonizada pelo aumento do desemprego

estrutural e da "precarização" do trabalho. Essa crise

delineia um debate que situa a compreensão desta categoria [trabalho] no plano da historicidade de modos sociais de produção material (...) de existência humana, demarcados pela cisão de classes sociais (...) (idem, p.27).

Tomando o pensamento de Frigotto (1998, p. 43), a crise do desenvolvimento

capitalista neoliberal culmina na destruição de postos de trabalho – "síndrome do

desemprego estrutural" – bem como na precarização/flexibilização do trabalho

associadas à abolição ou enfraquecimento dos direitos sociais. Os trabalhadores,

que há décadas lutavam por melhores condições de trabalho, agora precisam lutar

pelo direito de serem explorados, sendo submetidos a "novas formas de alienação".

Oliveira (2003) considera o processo de reestruturação produtiva como um

meio de o capital superar sua própria crise por meio da criação de novas formas de

relação social. A autora faz uma breve abordagem sobre o desafio para a formação

profissional no Brasil. Para ela, o cenário profissional brasileiro passa por incertezas.

A educação tem sido estimulada a contribuir para oferecer "empregabilidade" ao

trabalhador, ou seja, dar-lhe condições de conseguir um emprego por meio de suas

competências e capacidades individuais.

Diante do referido cenário, todas as transformações nos processos de

trabalho e suas consequências para a saúde do trabalhador começaram a ganhar

proporções anteriormente não mensuradas. Percebe-se que o trabalhador está

adoecendo cada vez mais e esse adoecimento tem se tornado, muitas vezes,

passível de relação com as condições gerais de trabalho, ao passo em que as

políticas públicas de saúde mostram-se desarticuladas e pouco eficientes.

Page 45: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

45

4 ASSÉDIO MORAL NA CONTEMPORANEIDADE: riscos e desafios à saúde do trabalhador

Os medos contemporâneos mais assustadores são os que nascem da incerteza existencial.

Bauman (2007)

4.1 O PROBLEMA DO ASSÉDIO MORAL

4.1.1 O problema do assédio moral

Não existe uma definição única e invariável de assédio moral. Barreto (2000),

pioneira no estudo do fenômeno no Brasil, define esse fenômeno como

exposição prolongada e repetitiva a condições de trabalho que, deliberadamente, vão sendo degradadas. Surge e se propaga em relações hierárquicas assimétricas, desumanas e sem ética, marcadas pelo abuso de poder e manipulações perversas (BARRETO, 2000, p.2).

O momento exato do surgimento da prática de assédio moral também não é

consensual entre os pesquisadores e ainda não se pode ter alta exatidão sem alta

precisão. Para Heloani (2004), o assédio moral é tão antigo quanto o próprio

trabalho. O autor relembra, no Brasil colônia, as situações de violência, humilhação

e coerção contra índios e negros. Para ele, o sistema macroeconômico brasileiro,

desde sua origem até os dias atuais, favorece a prática de atos abusivos,

discriminatórios e opressivos, sobretudo por parte de superiores hierárquicos.

Há quem considere que o assédio moral é produto da chamada “Quarta

Revolução Industrial”, fruto da política neoliberal e do processo de reestruturação

produtiva, no qual, segundo Habermas (1988, apud HELOANI, 2005), a

“racionalidade comunicativa” perde espaço para a “racionalidade instrumental”.

Diante disso, infere-se que as mudanças nos processos de organização capitalista

são responsáveis pela manifestação do fenômeno e, por conseguinte, resta

identificar a verdadeira influência das mudanças no mundo do trabalho sobre tal

manifestação.

Os primeiros estudos relevantes acerca do assédio moral começam a surgir

na Europa, a partir dos anos 1980, apósas publicações deum trabalho de

Page 46: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

46

pesquisa(LEYMANN &GUSTAVSSON, 1984) e do primeiro livrosobre o

tema(LEYMANN, 1986). Ao longo dos anos 1980, foram realizadas pesquisas na

Noruega (EINARSEN eRACKNES, 1991; eKIHLE, 1990; e MATTHIESEN,

RAKNESeRÖKKUM, 1989), Finlândia (BJÖRKQVIST et al, 1994;

ePAANENeVARTIA, 1991), Alemanha (BECKER, 1993;eKNORZeZAPF, 1996;

eZAPFetal, 1996), Áustria (NIEDL, 1995), Hungria (KAUCSEK e SIMON, 1995) e

Austrália (McCARTHY et al, 1995;eTOOHEY, 1991).

Embora algum progressopossa serrelatado, estes estudos tornaram claroque há muito mais questões em abertodo que respostasempiricamentefundadas.A minha esperança éque mais pesquisasserãofeitas nessa área, alterando assim a sensibilidade dos cientistas eprofissionaisparao danoe o sofrimento queé causado peloassédio moralno trabalho (The Mobbing Encyclopeadia, LEYMANN, 1996. Tradução livre. n.p.).

Pesquisador em Psicologia do Trabalho, Leymann (1996), médico psiquiatra

alemão, radicado na Suécia, foi um dos primeiros a identificar o fenômeno do

assédio moral, em 1984, e que estudou sobre o assunto até sua morte, em 1999. De

acordo com um site com publicações do próprio autor (www.leymann.se), este

iniciou seus estudos a partir da constatação de comportamentos hostis de longa

duração no ambiente de trabalho.

O pesquisador, Leymann, então professor da Universidade de Umea, na

Suécia, passou a acompanhar as várias queixas de problemas de ordem

psicossocial com algum tipo de relação com o trabalho, chegando a desenvolver um

programa de tratamento especialmente para esse tipo de caso. Ainda de acordo

com o site (leymann.com), dos 1.300 pacientes atendidos pelo psicólogo, 300

deleseram internados para se submeterem a esses programas de tratamento.

Segundo a jurista Márcia Novaes Guedes (2004), por meio de seus estudos,

Leymann (1996) verificou que, em um ano, 3,5% dos trabalhadores membros da

população economicamente ativa da Suécia eram vítimas de assédio moral. Essa

prevalência indicaria uma taxa de 120.000 novos casos por ano. Considerando um

tempo médio de seis meses de desgaste no trabalho, por assédio moral, e uma

permanência no mercado de trabalho por trinta anos, o risco de um indivíduo ser

submetido a assédio moral durante toda sua carreira profissional é de 25% (THE

MOBBING ENCYCLOPEDIA, 1996).

Page 47: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

47

Em seus achados epidemiológicos, Leymann (1992) destaca-se pela

pesquisa realizada com uma amostra de 2.400 trabalhadores suecos. Essa pesquisa

possibilitou a classificação das seguintes categorias: frequência, gênero, idade,

número de assediadores, ocupação, efeitos a longo prazo, comparação

internacional.

A pesquisa de Leymann (1992) não abrangeu uma amostra representativa da

população sueca, no entanto apontou uma tendência das ocupações nas quais os

sujeitos eram mais assediados, sendo essas: indústrias (19,7%), administração

pública e serviços sociais (12,5%), atenção à saúde (10,3%), escolas e

universidades(6,2%). Verificou-se, ainda,que,aproximadamente,de 10% a20%de

suicídiosanuais, na Suécia,eram resultado deassédio moralno local de trabalho.

Ainda segundo Guedes (2004), poucos anos depois, na França, a psiquiatra

Marie-France Hirigoyen torna o assunto ainda mais conhecido por meio do best

seller Assédio Moral (HIRIGOYEN, 1988); e, posteriormente, em 2001, pelo seu

livro seminal Harcelement moral: la violence perverse du cotidien, publicado em

português, pela Editora Bertrand Brasil, sob o título de Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano (HIRIGOYEN, 2001). Naquele livro, é utilizada, pela primeira

vez, a denominação “Assédio Moral”.

Segundo Lílian Ramos Batalha (BATALHA, 2003), em sua dissertação

Assédio Moral em Face do Servidor Público, o tema viria a ser mundialmente

conhecido após a primeira pesquisa realizada pela Organização Internacional do

Trabalho/OIT, em 1996. Nesta pesquisa, estima-se que 9% dos trabalhadores da

União Europeia sofriam de violência moral proveniente de seus respectivos chefes

de trabalho, o que representaria, no contexto da época, cerca de treze milhões de

pessoas.

No Brasil, a reflexão acerca do Assédio Moral ganha maior destaque após a

publicação de Uma jornada de humilhações, dissertação de mestrado em

Psicologia Social de Margarida Barreto, defendida em 2000 (BARRETO, 2000). A

partir daí, as discussões sobre o tema passam a ser mais recorrentes em jornais,

revistas, televisão e internet.

Page 48: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

48

Um estudo realizado por Miranda (2003) aborda, especificamente, o tema do

Assédio Moral na Educação Superior. No estudo, o autor apresenta resultados de

várias pesquisas sobre manifestações de assédio moral no Brasil e no mundo. Em

abrangência nacional, pesquisas revelaram que a maior incidência desse fenômeno

é observada nas regiões Sudeste (66%) e Sul (21%). Em Santa Catarina, foi

registrado, em 2005, casos de assédio moral na Assembleia Legislativa.

4.2 ASSÉDIO MORAL: UM PROBLEMA “DELICADO” PARA A SAÚDE PÚBLICA

A utilização do termo “delicado” no sentido de sensível, sutil, embaraçoso

(AURÉLIO, 2004), para fazer referência ao problema do assédio moral, é uma

constante em muitas das produções bibliográficas analisadas sobre o assunto. E

não é por acaso. A prática do assédio moral envolve questões sociais, econômicas,

políticas, individuais e subjetivas de difícil identificação e, consequentemente,

intervenção.

O estudo da atual configuração do assédio moral, manifestado por meio de

perseguições, humilhações e discriminações, muitas vezes sutis, porém

sistemáticas, no sentido de desestabilizar o indivíduo em seu ambiente de trabalho,

não pode, portanto, ser separado do estudo das atuais condições de flexibilização e

precarização do trabalho vivenciadas na contemporaneidade.

Em termos práticos, a expressão “delicado” alude ao fato de que essa

violência moral é de tal forma ampla e sutil que somente passa a ser notada quando

a vítima alcança uma situação de adoecimento a qual não consegue mais suportar.

Mesmo após o adoecimento, ainda é difícil detectar suas expressões e/ou

estabelecer um nexo com as condições de trabalho. Acrescenta-se aí a dificuldade

na realização de investigação e pesquisas que consigam chegar ao âmago do

problema.

Maranhão (2011) retoma a questão do caráter agressivo das formas de

gestão praticadas pelo sistema capitalista.

O que pretendo gizar (sic) é que nós estamos vivendo algo muito grave. O capitalismo está se estruturando de uma forma tal que a própria gestão de pessoas, a própria estruturação organizacional, o

Page 49: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

49

próprio modus operandi empresarial surge como algo intrinsecamente violento. Percebam a proliferação da chamada "gestão por estresse". Vejam, ainda, o fenômeno que alguns chamam de straining, que em inglês significa "esticar". Imaginem aqueles grupos para o qual o empregador estimula o constante atingimento de metas. Na medida em que essas metas são alcançadas, novo patamar é colocado para o mês seguinte (idem, n.p.).

Leymann (1996) chama atenção para o fato de que a evolução do assédio

moral se modifica sempre que se alteram as configurações econômicas e sociais,

uma vez que está intrinsecamente relacionado a elas.

Nesse sentido, Maciel et al. (2007) ressaltam a questão da falta de uma

definição precisa de assédio moral no trabalho, assim como da variação de

denominações e de métodos e técnicas de avaliação. De acordo com as autoras, o

relatório Health and Safety Authority (HSA), da Task Force on Prevention of

Workplace Bullying9, publicado em 2001, estabelece assédio moral no trabalho

como

repetição de comportamentos inadequados, diretos ou indiretos, verbais, físicos ou de outra ordem, conduzidos por uma ou mais pessoas contra um outro ou outros, no local de trabalho e/ou no exercício de sua função, que podem ser razoavelmente percebidos como prejudicando os direitos individuais de dignidade no trabalho (...) (HSA, 2001 apud MACIEL, et al., 2007, p.118).

No artigo The Content and Development of Mobbing at Work, Leymann (1996)

define mobbing, também chamado bullying ou terror psicológico, como um tipo de

conflito no qual o sujeito é submetido a uma violação sistemática e estigmatizante de

seus direitos civis.

Para Gonçalves (2006), o assédio moral se configura como um fenômeno

psicossocial que se relaciona a conceitos de estresse e conflito. Contudo, difere dos

conflitos organizacionais tradicionais porque não há uma discussão aberta, com

tomadas de posição, já que se estabelece em uma relação dominante/dominado na

qual a vítima é forçada a se submeter. A autora se apropria, dentre outras fontes, da

discussão de Leymann (1996) que define mobbing como

fenômeno no qual uma pessoa ou grupo de pessoas exerce violência psicológica extrema, de forma sistemática e recorrente e durante um

9 Força-tarefa para prevenção do assédio moral no trabalho (MACIEL, et al., 2007, p. 118).

Page 50: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

50

tempo prolongado – por mais de seis meses e que os ataques se repitam numa freqüência (sic) média de duas vezes na semana – sobre outra pessoa no local de trabalho, com a finalidade de destruir as redes de comunicação da vítima ou das vítimas, destruir sua reputação, perturbar a execução de seu trabalho e conseguir finalmente que essa pessoa (...) acabe abandonando o local de trabalho (apud GONÇALVES, 2006, 37).

Maciel e Gonçalves (2011) chamam atenção ainda para a importância de

diferenciar o assédio moral de outras formas de agressão contra o trabalhador, no

sentido de evitar a banalização do fenômeno e/ou o descrédito das vítimas. Segundo

as autoras, não é considerado assédio:

• Conflitos - de ideias, opiniões, interesses -, quando há igualdade entre os debatedores;

• Estresse profissional provocado por eventuais picos de trabalho; • Más condições de trabalho, excetuando-se quando forem

direcionadas a um único trabalhador; • Mudanças ou transferência de função, desde que não tenham

caráter punitivo; • Críticas ou avaliações sobre o trabalho executado, desde que

sejam fundamentadas e comunicadas de forma construtiva e respeitosa;

• Exigência de produtividade, dentro dos parâmetros da razoabilidade;

• Controle administrativo dos chefes sobre os empregados, desde que este poder disciplinar do superior hierárquico seja exercido de maneira adequada;

• Má organização do trabalho e falta de comunicação (...) (idem, 2011, p.11).

Einarsen (apud GONÇALVES, 2006) trabalha com o conceito de atos

negativos. Presentes nas relações humanas desde os tempos remotos, os atos

negativos “visam submeter, intimidar, ameaçar ou punir a vítima”. Seus efeitos

afetam a autoestima ao mesmo tempo em que interferem no desempenho das

atividades. São classificados em: assédio relacionado ao trabalho e assédio pessoal.

O assédio relacionado ao trabalho implica perseguições direcionadas às atividades e ao desempenho da pessoa-alvo, tais como metas inatingíveis, sobrecarga de trabalho, ignorar opiniões, excesso de supervisão, reter informações, atribuir tarefas abaixo do nível de competência ou outros tipos de comportamentos que dificultem as condições de realização do trabalho. Já o assédio pessoal refere-se às agressões dirigidas a características ou situações particulares da vítima, como espalhar boatos, criticar persistentemente, gritar, humilhar, fazer “pegadinhas”, isolar e excluir (GONÇALVES, 2006, p.11).

Page 51: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

51

Gonçalves (2006), de acordo com Einarsen (1996), Leymann (1996) e

Hirigoyen (2002), pondera que, apesar da ênfase nos fatores externos, não se pode

desprezar, contudo, a dimensão subjetiva do fenômeno. Ou seja, a maneira como o

indivíduo interpreta as situações e reage frente a elas.

Desta forma, é importante saber distinguir o assédio moral de outros fenômenos no trabalho (...). Hirigoyen (2002a) argumenta que é preciso ter cautela ao identificar uma situação de assédio, pois nem todas as pessoas que se dizem assediadas o são de fato. Saber reconhecer o assédio é imprescindível para a adoção de estratégias eficazes de prevenção nas organizações (idem, p.9).

Para Gonçalves (2006), o assédio moral é uma experiência subjetiva

complexa, vivenciada pelo trabalhador, que oferece riscos psicossociais à sua saúde

física e mental. No entanto, é importante ressaltar o modo como o sujeito percebe os

comportamentos negativos e seus efeitos, considerando que “para ser vítima é

preciso que o indivíduo se reconheça enquanto alvo de agressões” (EINARSEN,

1996, apud GONÇALVES, 2006). Nesse contexto, interferem fatores como

educação, cultura organizacional e social.

A subjetividade do trabalhador, contudo, ao mesmo tempo em que influencia

a percepção do assédio, também é sacrificada ao longo das práticas de violência,

pois esse mesmo trabalhador tem sua subjetividade “sequestrada”, sua capacidade

de agir, pensar e sentir cerceadas em função da naturalização dessa violência,

fazendo-o desistir dos próprios valores morais (idem, 2006) e/ou atribuir a si mesmo

a culpa pelas agressões.

No que se refere à saúde do trabalhador, as consequências do assédio moral

só são percebidas, na maioria das vezes, quando chegam ao ponto de causar

doenças ou mesmo afastar o trabalhador de sua atividade.

[O sofrimento mental] só se revela quando o processo, no final da evolução, começa a acarretar distúrbios de toda ordem, físicos, psicológicos ou sociais. Ainda assim, mesmo quando adoece, o trabalhador evita expor as dificuldades e angústias para não ser estigmatizado ou considerado incompetente para as suas atribuições (idem, 2006 p.28).

Dessa forma, Segundo Hirigoyen (2002) apud Gonçalves (2006):

Como as agressões perduram, a tendência do organismo é ir esgotando a resistência, fazendo emergir distúrbios psicossomáticos,

Page 52: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

52

como cansaço, nervosismo, alterações do sono, enxaquecas, dores na coluna, crises de hipertensão arterial, gastrites, colites, etc. Após vários meses de assédio, os sintomas de estresse vão dando lugar a distúrbios psíquicos, como neuroses e psicoses traumáticas (idem, p.28)

Ainda de acordo com Gonçalves (2006), Leymann compara os sintomas das

vítimas de assédio moral aos de mulheres que sofreram estupro ou, ainda, de

motoristas que atropelaram, por acidente, indivíduos suicidas.

Leymann (1996) apresenta o conceito de diagnóstico de “Transtorno de

Estresse Pós-Traumático/PTSD”, elaborado por meio de contínuas pesquisas

realizadas por ele com os trabalhadores, na Suécia. De acordo com o pesquisador,

“A pessoa com o transtorno tende a reviver a experiência negativa, voltando a

vivenciar continuamente a situação de sofrimento que desencadeia alterações

neurofisiológicas e mentais” (LEYMANN, 1996, p.94). Na classificação internacional

de doenças, em sua décima revisão – CID-1010, os sintomas relacionados ao PTSD

se encontram, sobretudo, no capítulo V que trata de “Transtornos mentais e

comportamentais” (DATASUS, 2009).

Os sintomas relacionados à violência se tornam mais significativos quando

passam a afetar a dinâmica da vida individual e social do sujeito em seus vários

aspectos. No entanto, a vítima, muitas vezes, evita pedir demissão por medo de ser

excluída do mercado de trabalho (LEYMANN, 1996 apud GONÇALVES, 2006).

A pesquisa de Margarida Barreto (2000), que ofereceu suporte a seus

estudos posteriores sobre o assédio moral, apresenta, de forma geral, vários danos

à saúde do trabalhador decorrentes da exposição a situações relacionadas ao

fenômeno.

10 “Uma classificação de doenças pode ser definida como um sistema de categorias atribuídas a entidades mórbidas segundo algum critério estabelecido. [...] precisa incluir todas as entidades mórbidas dentro de um número manuseável de categorias. A Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde é a última de uma série que se iniciou em 1893 como a Classificação de Bertillon ou Lista Internacional de Causas de Morte”(http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm).

Page 53: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

53

Tabela 1: Sintomas da exposição ao assédio moral

A referida pesquisa foi realizada com 376 homens e 494 mulheres, no período

de março de 1996 a julho de 1998. De acordo com os dados observados na tabela

2, pode-se perceber que a violência moral e psicológica pode causar às vítimas

sequelas psíquicas (neuroses traumáticas, ruína ânsia depressiva, acessos

delirantes), físicas (arritmias cardíacas, hipertensão, nas mulheres, amenorréia,

câncer de mama e de ovário) e até mesmo suicídio.

Em 2000, foi realizada nova pesquisa, pela Organização Internacional do

Trabalho/OIT, sobre políticas e programas de saúde mental voltadas aos

trabalhadores da Alemanha, Estados Unidos, Finlândia, Polônia e Reino Unido.

Nesta pesquisa, constatou-se que o número de trabalhadores com problemas

mentais vem crescendo de forma alarmante, assim como são crescentes os gastos

para tratamento desses problemas, além dos pedidos de aposentadoria por

incapacidade. “Para o governo, o custo se traduz no orçamento da previdência”

(OIT, 2000 apud SCANFONE, 2004).

Segundo a OIT, a sociedade irá enfrentar nos próximos anos o

(...) “mal estar na globalização”, onde predominará depressões, angústias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho e que estão vinculadas as políticas neoliberais (BARRETO, 2000, p.22).

Sintomas Mulheres (%) Homens (%) Crise de choro Dores generalizadas Palpitações, tremores Sentimento de inutilidade Insônia, sonolência excessiva Depressão Diminuição de libido Sede de vingança Aumento da pressão arterial Dor de cabeça Distúrbios digestivos Tonturas Ideia de suicídio Falta de apetite Falta de ar Passa a beber Tentativa de suicídio

100 80 80 72 69,5 60 60 50 40 40 40 22,3 16,2 13,6 10 5 -

- 80 40 40 63,3 70 15 100 51,6 33,2 15 3,2 100 2,1 30 63 18,3

Fonte: Barreto, M. Uma jornada de humilhações. 2000, PUC/SP. Reproduzido do site www.assediomoral.org

Page 54: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

54

De acordo com pesquisas do Instituto Nacional de Saúde e Segurança

Ocupacional/NIOSH, nos Estados Unidos, o custo total da violência no trabalho foi

de quatro milhões de dólares, em 1992 (NIOSH, 2003 apud HELOANI, 2005). Freire

(2008), amparando-se em referência a Rouquayrol (2008), informa que, dentre os

transtornos mentais relacionados ao trabalho, 14,2% são responsáveis por

aposentadorias por invalidez e 9,1% por causas responsáveis pela concessão do

auxílio à doença, na década de 1980.

Nesse sentido, segundo Freire (2008), dentre os casos considerados como

assédio moral, causador de muitos transtornos psicopatológicos, psicossomáticos e

comportamentais, não existem estatísticas sobre o real número das vítimas que

sofreram problemas na saúde; pois não foi considerada a duração e/ou intensidade

das agressões, bem como das predisposições (sic).

Outro problema que torna o assédio moral uma questão “delicada” para a

saúde pública é a questão da identificação do nexo causal.

Para Villatore (2007),

Convém frisar que, mesmo com toda a tecnologia, além do conhecimento técnico que os médicos do trabalho possuem, na atualidade, é muito difícil existir, no exame clínico (físico e mental) e no exame complementar (caso necessário), o estabelecimento concreto do nexo causal entre os transtornos à saúde e as atividades do trabalhador (VILLATORE, 2007, n.p.).

Para evitar problemas com o reconhecimento do nexo causal pelas empresas,

o advogado trabalhista propõe a utilização de procedimentos técnico-administrativos

constantes na Lei nº 8.213/9111 “(...) além de regras estabelecidas na Norma

Regulamentadora de Segurança e de Medicina do Trabalho nº. 7, sobre o Programa

de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO)”.

Não se pode esquecer que a saúde do trabalhador propõe uma atenção

integralizada e que, principalmente no campo da saúde mental, essa integralização

precisa levar em conta todos os aspectos pessoais e coletivos da vida do sujeito. É

importante ressaltar também que a utilização de procedimentos e protocolos de

11Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.

Page 55: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

55

atenção à saúde do trabalhador ainda passa por um processo de construção e

adaptação.

Barreto (2010) afirma que, mesmo com os percalços de identificação e de

tratamento, os transtornos mentais ocupam hoje o terceiro lugar em concessão de

benefícios previdenciários; e ressalta, ainda, a necessidade de se levar em conta o

alto número de subnotificações.

Seligmann Silva et al. (2010) destacam que, no Brasil, houve um aumento de

1157% de benefícios acidentários de 2006 para 2007, “quando foi introduzido o

critério epidemiológico para estabelecimento de nexo causal entre um agravo à

saúde e o trabalho. No entanto, essas estatísticas se referem unicamente às da

Previdência Social, “únicas estatísticas oficiais disponíveis em âmbito nacional”

(idem, p. 188). Por conseguinte, questiona-se: e quanto às estatísticas dos órgãos

de vigilância à saúde do trabalhador, como os Centros de Referência em Saúde do

Trabalhador?

O papel dessas instâncias necessita ainda hoje de discussão. "Elas não se

tornaram referência, uma vez que a rede do SUS ficou alheia à problemática da

saúde/doença relacionada ao trabalho" (GOMEZ e LACAZ, 2005, p. 205). Para

Moulin e Moraes (2010), persiste a resistência por parte das empresas, profissionais

de saúde, peritos do INSS em reconhecer o trabalho como causador de problemas

psíquicos, o que reflete uma busca de ajuda, ainda ineficaz, em serviços de

referência (SATO e BERNARDO, 2005, apud MOULIN e MORAES, 2010, p.193).

Gomez e Lacaz (2005) incitam a todos a refletir sobre a real abrangência das

políticas e das ações que têm como foco a saúde do trabalhador. É importante

compreender a dicotomia existente entre assistência e vigilância, bem como as

estratégias de prevenção e promoção da saúde; e, ainda, a fragmentação existente

no campo do conhecimento acerca da "saúde do trabalhador". Disso depende uma

abordagem mais clara e aproximada da realidade para melhor intervir sobre a

saúde.

Para Jackson Filho (2012), as ações na área de Saúde e Segurança do

Trabalho (SST) tendem a se restringir a fatores ligados a uma perspectiva de

Page 56: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

56

racionalidade técnica, “cabendo, portanto, aos especialistas resolvê-los no escopo

de sua especialidade”, o que é comprovadamente ineficiente.

Nesse sentido, numa perspectiva contraposta a essa “hegemonia da

racionalidade técnica” (JACKSON FILHO, 2012), Gomez e Lacaz (2005) tecem uma

crítica acerca da efetivação dos serviços públicos de atenção à saúde. Destacam o

protagonismo dos atores sociais no sentido da implantação da Saúde do

Trabalhador no SUS, desde a Reforma Sanitária, passando pela realização da VIII

Conferência Nacional de Saúde, dos Programas de Saúde do Trabalhador,

culminando na proposta de participação e controle social, universalidade e

integralidade no atendimento ao trabalhador e na criação e implementação dos

Centros de Referência em Saúde dos Trabalhadores (CEREST).

Dejours (1999, apud MACHADO, 2006, p.15), por sua vez, ressalta que o

espaço para a discussão do sofrimento no trabalho tornou-se restrito. A falta de

políticas de prevenção, para ele, deriva da complexidade das relações político-

ideológicas que envolvem o campo da saúde do trabalhador.

Não se pode deixar de incluir no rol de desafios das políticas de saúde pública

a questão que diz respeito ao fato de os próprios profissionais da saúde serem

vítimas da precarização que assola o mundo do trabalho, sendo, inclusive,

moralmente assediados.

4.3 AS RELAÇÕES DE PODER NO ASSÉDIO MORAL

A prática do assédio moral no ambiente de trabalho está, com frequência, ligada a

perseguições, abusos ou mau uso do poder, exercido neste caso como forma de

punição contra os trabalhadores, seja por conta de sua condição física, idade, sexo,

opção sexual, vínculo trabalhista, desempenho profissional destacado ou mesmo de

seu posicionamento político e/ou busca pela efetivação de seus direitos sociais e

trabalhistas.

Leymann (1996) considera o assédio moral como um “processo de

destruição” nas relações entre o agressor e suas vítimas, o que compromete, por

sua vez, a possibilidade de expressão; as relações sociais; as condições das quais

Page 57: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

57

elas se beneficiariam; a qualidade da vida profissional e privada, bem como a saúde

delas; já que, “satisfait de sa puissance”, o agressor não tem interesse em

esclarecer suas atitudes de ataque e/ou isolamento contra a vítima, deixando esta

alheia aos motivos e, consequentemente, sem possibilidades de reação.

A comunicação é um componente essencial das relações sociais. A perda

deste “suporte social” é, para Leymann (1996) o “centro da tragédia”. Sem esse

suporte, a vítima se sente rejeitada, excluída e isolada não só no ambiente de

trabalho, mas em todo o universo de suas relações. Por esse motivo, a privação da

possibilidade de expressão é um dos principais modos de punição e manipulação

utilizados pelos agressores. “L’isolement n’est pás uniquement um moyen de

punition, Il est aussi um moyen pour le groupe d’imposer sa volonté à un sujet

réticent12” (idem, p.34).

Leymann (1996) ressalta a necessidade de se diferenciar assédio moral de

conflito. Apresenta a questão da continuidade e da frequência como fatores que

diferenciam os dois comportamentos. O autor define fases que, segundo ele,

caracterizam o processo de violência pelo qual os trabalhadores passam, desde a

fase das primeiras agressões psíquicas até a fase de adoecimento e abandono do

emprego.

Denominadas de “as quatro fases do psicoterror”, Leymann (1996) considera

que o assédio moral se inicia com conflitos que deixam de ser pontuais e inofensivos

e podem se tornar frequentes, hostis e intimidadores, constituindo a primeira fase ou

a “situação desencadeante” do assédio moral. Estes conflitos, aparentemente sem

causa conhecida ou justificada, irão desencadear a transição para o assédio moral e

o psicoterror, causando o adoecimento mental nas vítimas.

Pesquisas têm revelado cursos estereotipados da violência que

correspondem a práticas semelhantes àquelas sugeridas na classificação proposta

pelo autor. As fases seguintes encontram-se descritas a seguir:

Assédio moral e estigmatização: pode não incluir agressão direta, mas

períodos de hostilidade na intenção de punir (manipulação agressiva). 12 “O isolamento não é unicamente um meio de punição, é também um meio de um grupo impor sua vontade a um sujeito relutante” (tradução livre).

Page 58: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

58

Atuação da gestão de pessoal: administração tende a reconhecer e assumir

os preconceitos produzidos durante as etapas anteriores. Na maioria das vezes,

resultando em graves violações dos direitos civis do indivíduo.

Por causa de erros de atribuição de gestão, tende-se a criar explicações

baseadas em características pessoais em vez de fatores ambientais (Jones, 1984).

Este pode ser um caso particular quando a administração é responsável pelo

ambiente psicossocial do trabalho e pode se recusar a aceitar esta responsabilidade.

De acordo com o autor, as ações empregadas dentro do ambiente de

trabalho, que oferecem medidas para por fim aos conflitos, são, em geral,

ineficientes ou mesmo inexistentes. Essas medidas acabam agravando ainda mais a

situação de psicoterror, podendo, inclusive, levar ao suicídio. Dentre elas, destacam-

se: transferências sucessivas, licenças médicas duradouras, decisão administrativa

de internação psiquiátrica, licenças com indenizações ou atestado de invalidez.

Diagnósticos incorretos: Se a pessoa agredida procura contato com

psiquiatras ou psicólogos, há um grande risco de que esses profissionais não

interpretem a situação de forma clara, ou por não experenciarem casos

semelhantes, ou mesmo por não terem vivenciado na prática situações sociais

vividas no local de trabalho.

O risco é que a pessoa seja rotulada e submetida a diagnósticos incorretos

e/ou limitados, como paranóia, depressão, distúrbio de personalidade, julgamentos

que podem destruir as chances de a pessoa se recuperar e voltar ao mercado de

trabalho.

Expulsão do mercado de trabalho: a interrupção da vida de trabalho se

explica pela convergência de todas as agressões das fases anteriores que relega ao

indivíduo uma posição de desqualificação e impotência.

Barros (2005), por sua vez, destaca os chamados “configuradores” de assédio

moral, que seriam, segundo a autora, a utilização de “técnicas de relacionamento”,

“técnicas de isolamento”, “técnicas de ataque” e “técnicas punitivas”.

Page 59: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

59

Vacchiano (2007) ressalta que as violências praticadas no assédio moral

representam condutas de natureza difusa e, por isso, difíceis de serem

reconhecidas.

O autor cita exemplos de atitudes identificáveis que podem caracterizar o

assédio moral no ambiente de trabalho: desestabilização psicológica da vítima;

advertências devido à requisição de direitos; carga de trabalho excessiva;

comentários maliciosos; controle de idas ao banheiro; críticas contínuas; desvio de

função; demissão após estabilidade legal; despromoção injustificada; atos de

humilhação pública; imposição de regras personalizadas; manipulação de

informações; proposição de metas inatingíveis; não reconhecimento de doenças do

trabalho; não repasse de trabalho; programa de desligamento voluntário (PDV);

recusa de comunicação direta; vigilância específica; vedação ao direito de

expressão; dentre outros.

De acordo com Vacchiano (2009), a orientação e a fiscalização não

configuram, por si sós, assédio moral, já que cabe ao administrador o “poder de

direção”. Tais funções só constituiriam assédio moral se realizadas sob

“constrangimentos e humilhações injustificadas”. Mas o que seria de fato esse

“poder de direção”? Como ele se manifesta nas relações trabalhistas?

Vacchiano (2009) afirma que, com relação ao serviço público, esse poder se

manifesta, enquanto poder hierárquico, impessoal e voltado ao bem comum, que

“tem por objetivo ordenar, fiscalizar, avocar, delegar e reapreciar (corrigir as

atividades administrativas)” (p.40) o poder disciplinar, que “controla o desempenho

das funções e a conduta interna dos servidores” mediante avaliação periódica do

trabalhador13.

Bernardo (2009) ressalta que o sistema de management, que predominou a

partir dessa nova ordem neoliberal, teve como pano de fundo o discurso da 13Vacchiano (2009) critica o modelo de avaliação de desempenho do trabalhador no serviço público criado na administração Fernando Henrique Cardoso. Para o autor, esse modelo favorece práticas de assédio moral na medida em que fragmenta a solidariedade entre os servidores e oferece instrumentos de avaliação a chefes não preparados. Representa “um conjunto de avaliações perverso que instituiu a coisificação do servidor, pois, seus critérios de pontuação não levam em conta que quem está sendo avaliado são seres humanos dotados de necessidades, de consideração, de respeito e de conhecimento aptos, portanto, para compreenderem o processo perverso a que estão sendo submetidos” (p.44).

Page 60: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

60

autonomia e a prática da disciplina. No entanto, esse discurso, de acordo com a

autora, representa unicamente uma estratégia de dominação.

Ampliando a lista de agravantes do assédio moral, Silva (2009) assegura que

a globalização que caracteriza o processo das transformações neoliberais baseia-se

na hegemonia do capital. Sendo assim, as modificações nos modos de produção e

gestão do trabalho seguem o rumo das exigências do capital industrial e bancário

em detrimento das “classes subalternas”. Na medida em que a economia ultrapassa

a soberania do Estado, segundo Silva (2009), as consequências para essas classes

são cada vez mais visíveis na forma do desemprego e da violação dos direitos do

trabalhador.

Em referência à Motta (2008), Silva (2009) complementa

A externalização da produção, (...) cria uma nova dinâmica na relação exclusão-inclusão dos trabalhadores no âmbito da economia. Nesta dinâmica, a exclusão dos trabalhadores do trabalho socialmente protegido gera a sua inclusão na economia de forma insegura e sem proteção. Os trabalhadores se percebem agora em torno de um vasto número de estatutos trabalhistas e reprodutivos de forma precarizados e desprotegidos (idem, n.p.).

Essa dinâmica descrita por Motta (2008) faz referência aos novos arranjos

capitalistas entre mercado e Estado no sentido de o capitalismo superar sua própria

crise; arranjos estes que pressupõem unicamente interesses de produtividade e

subjugam os trabalhadores a condições precárias de trabalho, preterindo quaisquer

intervenções no sentido de favorecer o bem-estar deles.

Intrincada nesse processo globalizado e sofrendo consequências diretas do

sistema capitalista, encontra-se a sociabilidade, em suas mais variadas formas.

Para os trabalhadores essas novas formas de sociabilidade, conforme Motta (2008) são construídas de forma a fraturar suas formas históricas de organização e aderindo a uma cultura política que comporta alternativas à ordem do capital.

Tais sociabilidades emergentes são estratégias criadas pelo capital para subordinar cada vez mais os trabalhadores, flexibilizá-los ao mesmo tempo em que intensifica a produtividade do trabalho, mascarado sob a forma "harmoniosa" entre patrões e empregados (SILVA, 2009, n.p.).

Page 61: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

61

O atual mundo do trabalho e as mudanças nele operadas encontram-se

diretamente implicadas neste processo de globalização dirigido pelo mercado.

Sennet (2006) ressalta que a revolução tecnológica da última geração tem ganhado

maior espaço, sobretudo nas instituições menos presas a formas centralizadas de

controle. “Esse crescimento certamente tem um preço alto: desigualdades

econômicas cada vez maiores e instabilidade social” (SENNET, 2006, p. 12).

A manipulação social do capitalismo sobre os sujeitos reforça as contradições

instauradas pelo toyotismo e causa um dilaceramento das dimensões física,

psíquica e espiritual do trabalhador (ALVES, 2007, p.188).

O processo de captura como inovação sócio-metabólica do capital tende a dilacerar/estressar não apenas a dimensão física da corporalidade viva da força de trabalho, mas sua dimensão psíquica e espiritual, dilaceramento que se manifesta através de sintomas de doenças psicossomáticas que atingem o trabalhador (2007, p.188).

Rezende (2006) tece uma discussão acerca do contrato de trabalho como um

“instrumento de sujeição operária”. Para ele, as transformações nas formas de

exploração do trabalho humano elevaram o trabalhador da condição de “objeto de

direito” à condição de “sujeito de direito”. Surgem também novos meios de

exploração e sujeição deste trabalhador ainda que sob o discurso da liberdade.

Se outrora a exploração do trabalho justificou-se predominantemente por elementos ideológicos e por uma divisão social discriminatória que privilegiava a desigualdade entre as camadas da população (...), neste momento, o trabalhador vincula-se ao tomador de serviços por meio do contrato, instrumento que conseguia reunir dentro de si tanto a força coercitiva necessária para obrigar ao trabalho como a possibilidade de fortalecer a liberdade falaciosa do trabalhador (...), e ainda de igualar trabalhadores e tomadores de serviços como proprietários (p.78).

De acordo com Dumenil (2011), a “nova ordem social” passou a se

caracterizar pelo “reforço do poder das classes capitalistas em aliança com a classe

dos gerentes (classe des cadres) – sobretudo as cúpulas das hierarquias e dos

setores financeiros”, com relativos poderes dessas classes sociais.

Para o economista, essa nova ordem social neoliberal transformou o

capitalismo de modo a acentuar o controle e a disciplina na produção. Dessa forma,

com relação ao trabalho, pode-se afirmar que, de acordo com o autor, os

Page 62: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

62

trabalhadores foram inseridos em uma situação de intensa competição e

“desregulamentação financeira”.

Embora muitas empresas considerem a flexibilização como uma vantagem na

medida em que o trabalhador pode ter muitas alternativas com relação à carga

horária, local, tipo de atividade, é fato que essa flexibilização prejudica ou mesmo

interrompe a possibilidade de construção de uma história linear de vida (SENNET,

2002), deixando o sujeito passivo e dependente de relações cada vez mais

instáveis, culminando, muitas vezes, em adoecimento, mal-estar e violência, criando,

assim, uma questão de saúde pública que demanda intervenção direta e eficiente.

Alves (2007) lembra que o período de crises e mudanças econômicas,

vivenciadas por meio da racionalização da produção e da “manipulação do trabalho

vivo”, atingiu “as mais diversas instâncias do ser social” (2007, p.156).

De acordo com Sennett (2006), as formas de poder nas relações sociais,

incluindo as relações laborais, sofrem influência dos processos de instabilidade,

perda de referência e efemeridade das relações.

Em “O sujeito e o Poder”, Foucault (1995) afirma: “se o sujeito humano é

apanhado nas relações de produção e nas relações de sentido, ele é igualmente

apanhado nas relações de poder de uma grande complexidade” (idem, p.291). Para

Foucault (1995), o poder faz parte das experiências cotidianas. O autor se utiliza de

eventos históricos nos quais o poder se manifesta de forma extrema, como as

ditaduras fascistas, para ilustrar como o poder pode ser utilizado e transformado em

benefício de uma “racionalidade política”.

A relação entre racionalização e excessos do poder político é evidente. E nós não deveríamos ter de esperar a burocracia ou os campos de concentração para reconhecer a existência de relações desse tipo (idem, p. 301).

O autor destaca que os seres humanos tornam-se sujeitos por meio de

processos de subordinação e autonomia. Nesse sentido, ressalta a reflexão acerca

de como se exerce o poder. Para ele, “o exercício do poder não é simplesmente

uma relação entre ‘parceiros’ individuais ou coletivos; é um modo de ação de alguns

sobre outros” (idem, p.297) e só pode se manifestar entre seres presumidamente

Page 63: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

63

livres. No entanto, não representa naturalmente um consenso. Sendo assim, é

possível questionar: será, então, necessário legitimar esse poder paralelamente a

atos de violência?

Pode-se inserir o pensamento de Foucault (1995) no universo das discussões

sobre o funcionamento das relações de poder no ambiente de trabalho da

contemporaneidade. Como esse poder se exerce no sentido de garantir os

resultados esperados pelo mercado? De que forma os trabalhadores respondem a

esse processo e/ou são afetados por ele?

Para Foucault (2005), o poder compreende uma dimensão subjetiva, portanto,

“mais do que analisar o poder do ponto de vista da sua racionalidade interna, trata-

se de analisar as relações de poder por meio do afrontamento de estratégias”

(FOUCAULT, 2005, p.300).

o principal objetivo destas lutas não é o de atacar esta ou aquela instituição de poder, ou grupo, ou classe ou elite, mas sim uma técnica particular, uma forma de poder. Esta forma de poder exerce-se sobre a vida quotidiana imediata, que classifica os indivíduos em categorias, os designa pela sua individualidade própria, liga-os à sua identidade, impõe-lhes uma lei de verdade que é necessário reconhecer e que os outros devem reconhecer neles. É uma forma de poder que transforma os indivíduos em sujeitos. Há dois sentidos para a palavra "sujeito": sujeito submetido a outro pelo controle e a dependência e sujeito ligado à sua própria identidade pela consciência ou pelo conhecimento de si. Nos dois casos a palavra sugere uma forma de poder que subjuga e submete (idem, p.302).

Mata (2008) expõe a questão da hierarquia como pressuposto para a

discussão acerca das interações humanas em detrimento de valores humanos e

éticos. Para ele, as sociedades encaram a hierarquia como fator inerente à

socialização, o que pode gerar sequelas patológicas, “divergências, competição,

jogos psicológicos e emocionais, abuso de poder e até violências” (idem, p.4).

Em pesquisa, por meio de questionário com 186 participantes, sobre a

origem do assédio, Hirigoyen (2002) aponta a origem do assédio moral por

estratificação hierárquica dos ambientes de trabalho.

Page 64: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

64

Tabela 2: Origem do assédio por estratificação hierárquica

Fonte: HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho redefinindo o assédio moral, 2002, p. 111.

A discussão de Mata (2008) se concentra nas formas veladas de exercício de

poder na hierarquia que contribuem para a prática do assédio moral. “A hierarquia

(...) possui mecanismos de controle muito mais sofisticados e sutis do que o

autoritarismo explícito” (idem, p.6).

Baseado nas discussões de Foucault (2002) e Reich (1977) acerca da

repressão e do conflito, Mata (2008) discute o assédio moral enquanto manifestação

do sadismo humano e enfatiza a questão dos danos à autoestima e às condições

físicas e psicológicas para o trabalho, que leva o indivíduo a perder sua capacidade

de reação diante da estigmatização e da humilhação.

O autor pressupõe a necessidade de se repensar práticas éticas, no ambiente

de trabalho, no sentido de se estabelecer um pacto ético entre o eu e o outro e não

apenas reproduzir ciclos de autoritarismo.

A própria relação de crime e castigo, se não nos damos conta, apenas reproduz e alimenta a engrenagem do poder instituído e assim, o fortalece. Portanto, se não serão as transformações éticas que a sociedade deverá passar, só mesmo mais punição para corrigir os próprios subprodutos que o capitalismo e sua ética egoísta criam (idem, p.12).

Vê-se, assim, que o que se destaca na caracterização do assédio moral, além

de questões referentes às formas de exercício do poder no ambiente de trabalho, é

que esses atos contínuos de violência, humilhação e descaracterização do indivíduo

resultam, necessariamente, em danos à saúde mental do trabalhador, bem como

afetam o cotidiano de suas relações laborais e sociais como um todo.

Será necessário esperar que o trabalhador adoeça para que seja possível

tomar alguma providência? Como prevenir e tratar trabalhadores precarizados e

vitimizados, já que estas duas situações se encontram inter-relacionadas?

ORIGEM DO ASSÉDIO % Hierarquia 58 Diversas pessoas (incluindo colegas) 29 Colegas 12 Subordinados 1 TOTAL 100

Page 65: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

65

Fato é que o fenômeno do assédio moral, na sociedade contemporânea,

mostra-se frequente, agressivo e generalizado. Sua prevenção, combate e o

tratamento de suas consequências sobre a saúde do trabalhador constituem, ainda,

um grande desafio para as políticas públicas.

4.4 ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO E ENFRENTAMENTO AO ASSÉDIO

MORAL

Verifica-se que a abordagem de estudos que dispõe sobre a atenção à saúde do

trabalhador e sobre seu acompanhamento na trajetória do enfrentamento ao assédio

moral e ao sofrimento psíquico no trabalho, em geral, é incompleta. Da mesma

forma, as políticas voltadas ao cuidado integral ainda não se encontram adaptadas

ao modelo sócio-histórico de desenvolvimento da sociedade brasileira.

Não se pode, no entanto, desprezar iniciativas que remetem a importantes

ações de prevenção e enfrentamento ao assédio moral. Essas iniciativas estão (ou

deveriam estar) presentes no âmbito da sociedade civil, do Estado e das

organizações.

É frequente, nas produções bibliográficas, o relato de experiências de

participação sindical em assuntos relacionados ao assédio moral no trabalho, seja

na participação/organização de eventos relacionados ao tema, seja na apuração de

denúncias em parceria com outras instituições.

É papel dos sindicatos intervir em casos de gestão que causa adoecimento aos trabalhadores, “pois compete ao sindicato interpelar a direção e obrigá-la a mudar os métodos” afirma Marie-France. O sindicato pode também participar de mediações internas, atuando em planos de prevenção, conscientização, e até mesmo em comissões paritárias de saúde, mas deve ser o primeiro a agir no combate ao assédio moral no ambiente de trabalho (LOBATO, 2008, n.p.).

Santos (1997) discute a questão do isolamento político do movimento

operário. Para ele, esse isolamento tem se agravado nas últimas décadas. Contudo,

tem contribuído para a “emergência de novos sujeitos sociais e novas práticas de

mobilização social” (idem, p.256).

Pode-se ressaltar que as novas formas de controle e exploração dos

trabalhadores permitem, em contrapartida, o surgimento de novos desafios e

Page 66: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

66

possibilidades para a construção de uma subjetividade baseada na consciência das

potencialidades da classe trabalhadora.

A jurista Patrícia Oliveira Peçanha (2009) acredita que, uma vez caracterizado

o assédio moral, não há dificuldade em enquadrá-lo como acidente de trabalho.

Contudo, reconhece que

até o momento, não se tem vislumbrado grandes aplicações práticas onde se constate pleitos de reconhecimento de acidente de trabalho em virtude de assédio moral. Muito provavelmente em razão do instituto ainda encontrar-se em fase de amadurecimento, onde o mero reconhecimento do assédio moral, por si só, já se apresenta como desafio a ser vencido. Parece que pretender, a um só tempo, também sua caracterização como doença ocupacional ou laboral seria “dar um passo maior do que a perna”, preferindo-se o caminhar mais comedido.

Para Peçanha (2009), o empregador tem obrigação de proporcionar ao

empregado condições de trabalho salubres; e infere, ainda, que a prevenção de

assédio moral no ambiente de trabalho caberia a órgãos como a Comissão Interna

de Prevenção contra Acidentes do Trabalho (CIPA). Já sabemos, contudo, que o

problema do assédio moral abrange um universo bem maior e mais complexo de

relações laborais.

De acordo com Wooding e Levenstein, (1999) (apud JACKSON FILHO, 2012,

p.193), “a prevenção aos agravos relacionados ao trabalho depende, sobretudo, da

margem de ação de que dispõem, e às quais dispõem, os atores sociais para agir

sobre os determinantes das condições de trabalho”.

O foco nos fatores “micro” influencia a forma de agir das instituições,

transferindo aos trabalhadores a responsabilidade para sua própria segurança e

“impedindo qualquer associação com os determinantes ‘macro’ dos problemas, ou

seja, os políticos, econômicos organizacionais e gerenciais que influenciam e

determinam as escolhas técnicas e o funcionamento dos sistemas produtivos”

(JACKSON FILHO, 2012, p. 194).

De acordo com Jackson Filho (2012), a questão da prevenção ao assédio

moral segue esta mesma lógica.

Page 67: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

67

Procura-se de modo geral, achar e punir os assediadores para buscar a ‘compensação’ dos danos na justiça. Embora os trabalhadores vítimas de assédio possam ter certa compensação, a judicialização e a psicologização pouco contribuem com a prevenção, ou seja, com a ação sobre os determinantes organizacionais e gerenciais que produzem modalidades de relação social inaceitáveis no seio das corporações (idem, p.194).

O autor defende, portanto, a perspectiva de uma “Sociologia da Gestão”, com

ênfase na relação gestão/violência, e incentiva a produção de uma nova forma,

contextualizada técnica, econômica, social e politicamente, para se pensar e agir

sobre “os problemas contemporâneos que envolvem as relações entre trabalho e

saúde em consonância com os princípios norteadores da Saúde do Trabalhador”

(idem, p.194).

Nesse sentido, Guedes (2000) propõe ainda a constituição de ouvidorias14,

assim como de um grupo de profissionais habilitados para lidar com essas

situações: “conciliadores, (...) assistentes sociais, psicólogos e até mesmo

psiquiatras que atuem junto ao setor médico da empresa, conforme necessário”.

De acordo com Câmara, Maciel e Gonçalves (2012):

Intervenções baseadas em ações administrativas proativas, como a criação de comissões para mediação e investigação do assédio acompanhadas da possibilidade de punição para os assediadores, têm sido recomendadas e parecem ter tido sucesso no combate e na prevenção do assédio (idem, p.244).

Tarcitano e Guimarães (2004) problematizam que, diferentemente das outras

formas de sofrimento, no trabalho o assédio moral não possibilita uma recuperação

14 O SUS possui um Departamento de Ouvidoria Geral, regulamentado pelo Decreto 5.974/06, que compõe a estrutura do Ministério da Saúde. A esse departamento compete “propor, coordenar e implementar a Política Nacional de Ouvidoria em Saúde (...); promover ações para assegurar a preservação dos aspectos éticos (...) e todas as etapas do processamento de informações (...); acionar órgãos competentes para a correção de problemas identificados, mediante reclamações enviadas ao Ministério da Saúde (...)”. Na cidade de Fortaleza, a Secretaria de Saúde é a responsável por realizar os encaminhamentos dos usuários. A primeira ouvidoria pública do Ceará foi criada no início dos anos 1990, no Instituto Dr. José Frota. Hoje existem mais dez unidades descentralizadas nas secretarias regionais: Hospital Distrital Gonzaga Mota (Barra do Ceará, José Walter, Messejana); Hospital Distrital Dr. Evandro Ayres de Moura (Antonio Bezerra); Hospital Distrital Edmilson Barros de Oliveira (Messejana); Hospital Distrital Maria José Barroso de Oliveira (Parangaba); Nossa Senhora da Conceição; Centro de Assistência à Criança Lúcia de Fátima; Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU); Instituto de Previdência do Município/IPM (BRASIL, 2008).

Page 68: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

68

da vítima a curto prazo, visto que, mesmo que cessem os estímulos, permanecem

as sequelas

que podem evoluir do estresse pós-traumático até uma sensação de vergonha recorrente ou mesmo modificações duradouras de personalidade. A desvalorização persiste mesmo que a pessoa esteja afastada de seu agressor (HIRIGOYEN, 2002, p.164). Logo, são fundamentais a terapia de apoio ou outras práticas alternativas que potencializem a auto-estima, resgatando à vítima a autoconfiança (idem, p.33).

Os autores reconhecem, entretanto, que a recuperação da vítima “depende

também do coletivo, dos laços de afeto, do reconhecimento de solidariedade do

outro, que a possibilitarão resistir, dar-lhe visibilidade social e resgatar sua

dignidade” (idem, p.33).

Em uma revisão de literatura acerca das intervenções sobre o assédio moral,

Glina e Soboll (2010) destacam a proposta de um modelo paradoxal de

gerenciamento: o gerenciamento do chamado risco psicossocial (LEKA e COX,

2008). Este modelo compreende as fases de avaliação de riscos e auditoria das

práticas existentes; desenvolvimentos de planos de ação (medidas preventivas em

ordem de prioridade); Implementação do plano para redução dos riscos ou

intervenções (envolvendo os trabalhadores e seus representantes no processo);

avaliação do plano de ação; e aprendizagem organizacional (GLINA e

SOBOLL,2010, p.271).

As autoras consideram que as medidas de prevenção poderiam se realizar

paralelamente às medidas para os riscos psicossociais. No entanto, é necessário

conhecer a fase do processo de assédio moral “uma vez que há diferentes medidas

para prevenir o seu desenvolvimento, pará-lo ou reabilitar as vítimas” (idem, p.272).

Considerando o assédio moral no trabalho como uma prática

multidimensional, Di Martino (2002, apud GLINA e SOBOLL, 2010) concorda que as

intervenções devem ter um aspecto amplo, priorizando as causas em detrimento dos

efeitos, “incluindo o indivíduo, o trabalho, atividades em nível organizacional e social”

(idem, p.272).

Glina e Soboll (2010) destacam a proposta da European Agency for Safety

and Health at Work que sugere uma classificação das intervenções em níveis: nível

Page 69: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

69

do indivíduo, nível da interface indivíduo x organização e nível organizacional e foco

das ações, ou seja, prevenção, reação e reabilitação/medidas corretivas. As autoras

discutem as intervenções encontradas na literatura, portanto, em nível 1: foco nos

indivíduos envolvidos diretamente – assediados (aconselhamento, grupo de apoio,

estratégias de reabilitação e retorno ao trabalho, ouvidoria.); e assediadores

(coaching, reabilitação, transferência ou desligamento.); nível 2: grupo, equipe e

colegas (interface indivíduo/organização: fortalecimento do apoio social e do

enriquecimento do trabalho); nível 3: foco nas organizações (cultura organizacional

que não tolere tais tipos de comportamento.).

De acordo com as pesquisadoras, é consenso, na literatura consultada, a

importância da criação, pelas organizações, de uma política contra o assédio moral.

Essa política deve englobar uma definição de assédio moral no trabalho; uma

explicação dos riscos do assédio moral para os indivíduos e para a organização,

incluindo os efeitos à saúde; um empenho ético por parte dos empregadores e dos

trabalhadores na promoção de um ambiente em que não haja assédio moral; uma

explicitação dos procedimentos para lidar com as queixas de assédio moral, como

investigá-las e como resolver os conflitos; uma indicação das consequências da

violação das normas e dos valores organizacionais e das sanções aplicáveis; um

esclarecimento do papel do gestor, do supervisor, do contato/colega com funções de

apoio e dos representantes sindicais; um encorajamento de denúncias de assédio

moral, assegurando “proteção” contra retaliações dos denunciantes; um

encorajamento de programas antiviolência e antiassédio moral; e um monitoramento

da política (European Agency for Safety and Health at Work, 2002a, 2002b; Beswick

et al. 2006 apud GLINA e SOBOLL, 2010, p.276) .

4.5 A POLÍTICA DE PREVENÇÃO E ENFRENTAMENTO AO ASSÉDIO MORAL

NO CEARÁ

No Ceará, a prevenção e o enfrentamento ao assédio moral tem se dado por meio

da parceria entre sindicatos, universidades, órgãos da administração estatal e

órgãos públicos de atenção à saúde do trabalhador.

Page 70: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

70

Essa parceria resultou em estudos, destacando-se uma pesquisa realizada

pelas psicólogas Maciel e Gonçalves (2007) feita com trabalhadores da

administração do estado do Ceará15, a qual subsidiou a iniciativa de elaboração do

“Projeto de Prevenção e Combate ao Assédio Moral dos Servidores Públicos da

Administração Direta do Estado do Ceará”, proposto e encaminhado pelo Fórum

Unificado das Associações e Sindicatos de Servidores Públicos Estaduais do Ceará

(FUASPEC).

De acordo com Evandro Maciel (2012), analista de gestão pública da

Secretaria do Planejamento e Gestão do Estado do Ceará (SEPLAG-CE), um grupo

de representantes da SEPLAG, da Escola de Gestão Pública, do Sindicato dos

Trabalhadores do Serviço Estadual (MOVA-SE), do CEREST/SESA, da Associação

de Servidores da Secretaria de Educação, do Laboratório de Estudos sobre o

Trabalho (LET/UNIFOR) e da Controladoria e Ouvidoria Geral desenvolveu estudos

e estratégias de prevenção e combate ao assédio moral na administração pública, o

que possibilitou a inclusão da temática na agenda da gestão pública.

Dentre estas estratégias de prevenção e combate, Maciel (2012) destaca a

elaboração, em 2009, do projeto de lei sobre o assédio moral e do Manual de

Prevenção e Combate ao Assédio Moral e a capacitação da primeira Comissão

Setorial de Prevenção e Combate ao Assédio Moral.

A Lei n°15.036, que dispõe sobre a prevenção e repreensão do assédio moral

no serviço público, bem como a promoção da dignidade do agente público, foi

aprovada e publicada em Diário Oficial em 18/11/2011 (MACIEL, 2012).

A lei traz consigo a definição do protocolo de providências sobre o processo de apuração de denúncias de assédio moral, a exemplo da representação, processamento, medidas administrativas protetivas e penalidades. Define ainda a alocação de recursos ordinários do erário estadual para a cobertura de despesas necessárias à execução da Lei, além de dotações oriundas de programas de qualidade de vida e de valorização, capacitação e reciclagem de servidores públicos (idem, n.p.).

15A pesquisa foi realizada com uma amostra de 147 trabalhadores que compareceram as reuniões do sindicato dos servidores públicos do estado do Ceará. Do total de entrevistados, 38% foi alvo de assédio moral no trabalho (CÂMARA, MACIEL e GONÇALVES, 2012).

Page 71: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

71

Com relação ao Manual de Prevenção e Combate ao Assédio Moral, Maciel

(2012) explica que este foi criado para uso das comissões setoriais no intuito de

ampliar a divulgação da política e difundir o conhecimento acerca da atuação sobre

as manifestações de assédio moral.

Segundo as psicólogas Câmara, Maciel e Gonçalves (2012), a Comissão

Permanente de Combate ao Assédio Moral resultou de ações voltadas ao combate e

prevenção ao assédio moral, embasadas pelos resultados das pesquisas e

discussões acima discutidas.

Composta por representantes da Secretaria de Planejamento e Gestão, da Secretaria de Controladoria e Ouvidoria, do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, da Secretaria da Saúde do Estado (CEREST) e representantes da Fuaspec. Essa comissão foi responsável pela elaboração e o desenvolvimento do projeto final, que envolve a criação de comissões bipartites, representantes da gestão e dos trabalhadores nos órgãos da administração direta, denominadas de Comissões Setoriais de Combate ao Assédio Moral no Trabalho (CS). As CS ficam subordinadas à comissão permanente, que tem por função orientar, capacitar e acompanhar suas atividades (idem, n.p.).

Maciel (2012) e Câmara, Maciel e Gonçalves (2012) discutem uma

experiência piloto de implantação da Comissão Setorial. Analisam as etapas de

atuação descritas no Manual e as delineiam da forma a seguir.

Queixa: qualquer trabalhador ou entidade representante do trabalhador, como

associações ou sindicatos, pode apresentar uma denúncia de assédio moral;

Indicação de relator e investigação no local de trabalho: após o

recebimento da queixa, um relator é designado para investigar a existência de

assédio, e pode, para tanto, designar uma equipe de membros ou solicitar apoio de

técnicos externos, por exemplo, profissionais do CEREST;

Contato com o denunciado;

Parecer, relatório e ações: No caso de confirmação da ocorrência de

assédio moral, o denunciante é consultado sobre a decisão de dar continuidade ao

processo com solicitação de abertura de Sindicância (Processo Administrativo).

Page 72: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

72

Um dos representantes da comissão piloto, entrevistado no processo de

pesquisa de campo, avaliou a experiência como não satisfatória, uma vez que os

membros não se mostraram empenhados com as atividades da comissão. O

entrevistado ressaltou ainda que ocorreram muitas divergências entre membros do

governo e sociedade civil. Por fim, supôs que uma possível remuneração dos

membros da comissão (não prevista no protocolo) poderia ser um incentivador à

participação ativa dos membros.

Independente dos sucessos ou insucessos da comissão piloto, é inegável que

a iniciativa corresponde a um avanço no sentido da prevenção e combate ao

assédio moral, considerando que a comissão integra uma ação coletiva (Estado e

sociedade civil) e oferece um resguardo da integridade da vítima que, porventura,

tenha medo de se expor aos chefes e/ou colegas durante o processo.

Na parte II desta pesquisa, será enfatizado o aparato das políticas públicas de

saúde no Brasil e seus avanços na atuação sobre os agravos provenientes da

exploração e da violência no ambiente de trabalho. Dar-se-á também ênfase à

atuação dos CEREST do estado do Ceará, buscando, assim, entender os limites e

possibilidades do sistema público de atenção ao trabalhador.

Page 73: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

73

5 ASSÉDIO MORAL E OS DESAFIOS DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO SUS

O que é produtivo, então, é o jogo das relações sociais.

Sodré (2011, p.299)

5.1 TRABALHO, SAÚDE E POLÍTICAS PÚBLICAS: uma construção histórica

O assédio moral acarreta problemas/custos não só para o trabalhador, mas

para todos que estão em seu entorno, ou seja, a saúde pública, a previdência social,

a economia como um todo, incluindo o próprio local de trabalho. Não é a toa que

esse tipo de violência tem sido considerado um problema de saúde pública e um

desafio para as políticas públicas em geral. A única maneira de combater o assédio

moral no trabalho é unir esforços no sentido de observar a questão de ângulos

diferentes (CASSITTO et al., 2004).

De acordo com o Mapa da Violência-2011, das três causas de mortalidade

violenta, os suicídios foram os que mais cresceram na década de 1998-2008,

aumentando em 17% tanto entre a população total quanto para a jovem (com idade

entre 15 e 24 anos), sendo crescente nessa faixa etária.

Na região Nordeste, o estado do Ceará é o que possui maior índice de

suicídios. Fortaleza registrou uma média de 7,6% suicídios a cada cem mil

habitantes entre 2004-2006, superando a média da região (4,6%) e a média nacional

(de 5,1% por cem mil habitantes). Entre as cidades com menos de 50 mil habitantes,

durante o triênio 2005-2007, Boa Viagem, Tianguá e Russas apresentam os maiores

coeficientes de suicídio do Nordeste, 15,5,% 14,2% e 13,5% por cem mil habitantes,

respectivamente (BOTEGA, 2010).

No que tange às relações de trabalho, Amaral, Amaral e Amaral (2010)

ressaltam que o Brasil vivencia um paradoxo que contrapõe, por um lado, “um

desenvolvimento econômico sólido e sustentável, gerando trabalho e renda para a

população e estabilizando as taxas de desemprego” e, por outro,

postos de trabalho criados [que] dizem respeito a ocupações com baixa qualificação profissional, baixa escolaridade e baixa renda, elementos estes que se caracterizam como fatores de risco para as Morbidades Psiquiátricas Menores que, por sua vez, predispõem,

Page 74: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

74

juntamente com a pressão no trabalho e com o desemprego, ao suicídio e oneram, sem comentar acerca do desastre humano, familiar e social, a economia, a saúde pública e a previdência social, por meio da perda da mão-de-obra e do afastamento do trabalho, dos atendimentos na rede básica e ambulatorial de saúde e das aposentadorias especiais (AMARAL, AMARAL e AMARAL, 2010).

Esses ônus podem ser constatados nos dados referentes a acidentes de

trabalho, no país, a partir do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho da

Previdência Social (AEAT/MPS) que aponta, dentre outras questões, indicadores

relacionados a acidentes de trabalho, doenças e mortes em todas as regiões

brasileiras, segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).

Em 2006, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) registrou 503.890

acidentes e 2.717 mortes relacionadas ao trabalho; entre trabalhadores sob regime

da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o aumento foi de 0,8% com relação ao

ano anterior. Importante ressaltar que esse tipo de contrato de trabalho responde por

apenas 30% dos vínculos trabalhistas da população economicamente ativa. Os

acidentes típicos representaram 80% do total; os de trajeto, 14,7%; e as doenças do

trabalho; 5,3%. Já em 2008 e 2009, o número de acidentes atingiu os patamares de

755.980 e 723.452, respectivamente, sendo as doenças do trabalho responsáveis

por 20.356 ocorrências em 2008 e 17.653 ocorrências em 2009 (BRASIL, 2010). O

estado do Ceará, por sua vez, apresentou um crescimento de 41,7% de óbitos

decorrentes de acidentes de trabalho de 2009 a 2010 (BRASIL, 2012).

De acordo com o Ministério da Previdência, cerca de 700 mil casos de

acidentes de trabalho16 são notificados anualmente no Brasil, sem contar os casos

não oficialmente notificados. Esse tipo de acidente gera um ônus de cerca de R$ 70

bilhões por ano. Entre as principais causas desses acidentes estão: maquinário e

tecnologia ultrapassados, mobiliário inadequado, ritmo de trabalho acelerado,

assédio moral, cobrança exagerada e desrespeito a diversos direitos (BRASIL,

2012).

16 Segundo o artigo 19 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, “acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, ou pelo exercício do trabalho do segurado especial, provocando lesão corporal ou perturbação funcional, de caráter temporário ou permanente” (BRASIL, 1991).

Page 75: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

75

Os transtornos mentais e comportamentais, como episódios depressivos,

estresse e ansiedade, aparecem em terceiro lugar nessa lista, atrás apenas de

fraturas e amputações e lesões por esforço repetitivo e distúrbios osteomusculares

relacionados ao Trabalho (LER/DORT). Segundo o diretor do Departamento de

Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência Social,

Remígio Todeschini (apud BRASIL, 2012), os transtornos mentais são os problemas

de solução mais complexa. Estima-se que, em 2009, foram 13.200 casos, enquanto,

no ano de 2006, foram registrados 600 casos. Já em 2010, registrou-se 12.500

(BRASIL, 2010).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS - Suicide Prevention,

2011), um importante fator de risco para o suicídio na Europa e América do Norte

compreende os transtornos mentais (particularmente depressão e transtornos por

uso de álcool), incluindo também aqueles ligados à violência no trabalho.

Ainda segundo a OMS (2011), todos os anos, quase um milhão de pessoas

cometem suicídio; uma taxa de mortalidade "global"de 16 pessoas por 100 mil

habitantes, ou uma morte a cada 40 segundos; ou seja, para cada suicídio, há, em

média, cinco (5) ou seis (6) pessoas próximas ao falecido que sofre consequências

emocionais, sociais e econômicas.

Nos últimos 45 anos, as taxas de suicídio aumentaram 60% em todo o

mundo, elevando o suicídio a uma das três principais causas de morte entre aqueles

com idade de 15-44 anos. Em alguns países, é a segunda principal causa de morte

na faixa etária de 10-24 anos, não incluindo as tentativas de suicídio, que são até 20

vezes mais frequente do que o suicídio consumado (OMS, 2011).

Em termos de número de óbitos, o Brasil figura entre os dez países que

registram os maiores números de suicídios. Foram 8.639 suicídios oficialmente

registrados em 2006, o que representa, em média, 24 mortes por dia (BOTEGA,

2010).

Com uma nova Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, criada

em 2011, o governo propõe uma intervenção baseada em ações combinadas por

Page 76: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

76

três ministérios: Previdência, Trabalho e Saúde, visando à prevenção em

contraposição às ações antes focadas em reabilitação e tratamento (BRASIL, 2012).

Nota-se que a Saúde do Trabalhador, nesse contexto, edifica-se em meio a

avanços e recuos no contexto das relações de trabalho e das mudanças sócio-

históricas. Dessa forma, para subsidiar a discussão acerca da atuação do serviço

público na atenção ao trabalhador, considera-se importante entender o percurso de

evolução dos procedimentos em Saúde do Trabalhador, notadamente ao que se

refere ao assédio moral. Logo, surge o seguinte questionamento: estaria a Saúde

Pública preparada para lidar com os transtornos mentais provenientes dessa

violência?

5.1.1 Antecedentes da Previdência e da Saúde Pública no Brasil

Se no século XIX a saúde apresentava dimensões coletiva e preventiva

(controle de epidemias, endemias, vigilância e controle dos alimentos, etc), de

responsabilidade do Estado; e individual e curativa, de responsabilidade da família;

no século seguinte, Bertrand Dawson, a partir de seus estudos acerca da história da

política de saúde, propõe que a assistência médica deveria se caracterizar como um

conjunto de ações integradas e de natureza curativa e preventiva, individual e

coletiva (POLIGNANO, 2008)

No Brasil existiam, no início do século XX, quatro modelos de atendimento à

saúde: saúde pública, baseada principalmente em campanhas sanitárias; saúde

privada, para classes de melhor poder aquisitivo; atenção filantrópica, voltada aos

mais pobres; e medicina de fábrica, surgida a partir da industrialização.

Atreladas à medicina de fábrica, foram criadas as Caixas de Aposentadoria e

Pensão (CAPs), que tinham como finalidade prestar proteção em caso de doença,

morte e idade avançada, no sentido de oferecer serviços médicos e medicamentos

aos trabalhadores das grandes empresas, constituindo-se o embrião da previdência

brasileira.

Durante o governo Vargas, tem-se a criação do Serviço Especial de Saúde

Pública (SESP). No governo seguinte, funda-se o Departamento Nacional de

Page 77: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

77

Endemias Rurais (DNERu), transformando as campanhas sanitaristas em “medicina

de massa”.

Nas décadas de 1950 e 1960, a expansão da industrialização traz novas

demandas para a classe trabalhadora. O Estado, então, suprime o poder de

reivindicação das organizações trabalhistas e centraliza as decisões referentes à

Previdência Social, tornando-a um sistema obrigatório e contributivo. Os recursos

destinados à assistência médico-previdenciária foram transferidos para hospitais e

clínicas médicas privadas, contribuindo para o processo de mercantilização da

saúde.

Na década de 1970, institui-se o Plano de Pronta Ação (PPA), que propõe

uma igualdade de direito à assistência médica de urgência independentemente de

contribuição com a previdência; e o Sistema Nacional de Previdência e Assistência

Social (SINPAS), que transferiu a assistência médica previdenciária para o Instituto

Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), configurando o

sistema como contratual e de caráter contributivo, fiscalizado e administrado pelo

Estado.

No final da década de 1970 e início da década de 1980, o modelo de saúde

brasileiro começa a dar sinais de desgaste, favorecendo o ingresso de novos atores

sociais que constituíram a base político-ideológica da Reforma Sanitária e da

superação da visão de saúde ocupacional.

O olhar conferido pela medicina social – atento à estrutura social e do trabalho e mais próximo das instituições públicas de saúde – ganha nova dimensão: o ser humano, sua inserção no processo produtivo como um todo, na organização e na divisão do trabalho, e as características específicas de cada extrato social. Este enfoque permitiu uma abordagem mais ampla das necessidades de saúde dos trabalhadores e resultou em um espectro mais largo e integral de instrumentos para sua atenção (MAENO e CARMO, 2005, p.44).

Page 78: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

78

A Constituição de 1988 representou um avanço no contexto das reformas

sociais e da conquista de direitos sociais, como a Seguridade, integrada pelos

setores de Previdência, Saúde, Assistência Social e Seguro desemprego17.

Seu âmago reside nos princípios da universalidade (em contraposição à focalização exclusiva), da seguridade social (em contraposição ao seguro social) e da compreensão da questão social como um direito da cidadania (em contraposição ao assistencialismo) (FAGNANI, 2010, p.24).

De acordo com Maeno e Carmo (2005), a criação do SUS, diante de todos os

seus percalços, representou “uma nova etapa na construção da cidadania no Brasil”,

cidadania em seu conceito concreto, não apenas como um “item da agenda política”

(2005, p.104).

Nesse contexto, a saúde do trabalhador, incluindo situações de acidentes e

danos à saúde do trabalhador, passa a ser direito constitucional de responsabilidade

do Sistema Único de Saúde (SUS).

Nessa conjuntura, é que se configura, segundo Gomez (2011), o campo da

saúde do trabalhador. O autor aponta, ainda, como principais antecedentes dessa

“gênese social”, o avanço da produção acadêmica no âmbito da saúde pública,

ampliando a concepção de saúde, incluindo as dimensões de “classe” e “trabalho”; o

movimento pela Reforma Sanitária; o fortalecimento dos movimentos sociais; a

realização da I Conferência Nacional de Saúde dos Trabalhadores; e a criação dos

Programas de Saúde do Trabalhador e dos Centros de Referência em Saúde do

Trabalhador (2011, p.24).

Fagnani (2010) ressalta o momento atual brasileiro como um período de

desafios para consolidação das conquistas sociais garantidas pela Constituição de

1988. O autor aponta os principais aspectos que, “segundo especialistas e entidades

do movimento social”, deveriam ser rediscutidos na década corrente. São eles: 1) o

papel do Estado no planejamento para propor uma reorganização administrativa e

uma recomposição de investimentos em projetos econômicos e sociais; 2)

redistribuição de renda e riquezas; 3) reforma tributária; 4) alteração das relações

17 De acordo com o levantamento da CEPAL, até 2009, o Brasil possuía 80% dos idosos tendo a aposentadoria como fonte de renda, enquanto na América Latina essa média caia para 30%. (CEPAL, 2010).

Page 79: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

79

entre a política econômica e a social, avançando em opções macroeconômicas que

priorizem o crescimento sustentável; 5) conservação e desenvolvimento ambiental

sustentável; 6) promoção de emprego e renda, garantindo maior valorização e

proteção ao trabalhador; 7) restabelecimento das bases de financiamento das

políticas sociais; 8) enfrentamento da questão agrária e concentração de riquezas,

abrindo espaço para iniciativas de agricultura familiar, economia solidária e proteção

ecológica; 9) cumprimento das disposições que tratam da Seguridade Social por

meio do planejamento integrado das ações de saúde, previdência, assistência e

seguro desemprego; 10) promoção de uma reforma previdenciária, incorporando

100% da população economicamente ativa; 11) ampliação da equidade e da

integralidade da saúde no SUS; 12) ampliação dos benefícios de assistência social;

13) universalização da educação; 14) política nacional de desenvolvimento urbano

(2010 p.36-38).

5.2 A QUESTÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR NO ÂMBITO DO SUS

A construção da Saúde do Trabalhador percorre um caminho de lutas e desafios

(MAENO e CARMO, 2005; FALEIROS, 2010; LACAZ, 2007; GOMEZ, 2011;

SANTOS e LACAZ, 2011) uma vez que pressupõe o envolvimento constante de

vários atores sociais, assim como conflitos de interesses presentes na conjuntura

capital versus trabalho. De acordo com os autores, essas questões interferem na

maneira como o trabalho se insere na vida e na saúde das pessoas (MAENO e

CARMO, 2005, p.23).

No novo cenário [Revolução Industrial] o trabalhador vira parte da engrenagem do trabalho e a doença passa a ser para o empregador apenas um fator de ameaça à produtividade e ao lucro, ainda que o “custo de reposição” do trabalhador fosse “baixo” (2005, p.28).

Manoel Messias de Melo (2010), Secretário Nacional de Relações de

Trabalho da CUT, enfatiza essa demanda em uma discussão acerca dos desafios

para o mundo do trabalho, no que diz respeito aos campos da Seguridade Social,

desenvolvimento e saúde, e ressalta a importância da participação da sociedade civil

organizada nas ações de construção/fiscalização de políticas de saúde do

trabalhador.

Page 80: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

80

As ações de resistência às políticas neoliberais nos anos de 1990 são (...) marco, na medida em que conseguimos impedir a privatização do SAT – Seguro Acidente de Trabalho, por meio de uma forte campanha que dialogou com trabalhadores e outros setores da sociedade, e desenvolvemos outras tantas lutas em defesa da saúde do trabalhador, dos aposentados, das pessoas com deficiência, contra as altas programadas, contra a precarização do trabalho, contra o fator previdenciário, contra a reforma da previdência social etc. além da intervenção nos espaços tripartite do Ministério do Trabalho e Emprego, no Conselho Nacional de Saúde e Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, no Conselho Nacional de Previdência Social e outros espaços das políticas públicas (MELO, 2010, p.11)

Nesse sentido, Maeno e Carmo (2005) frisam que não há como pensar a

saúde do trabalhador, seus determinantes e sua evolução desvinculados do

desenvolvimento da economia e das relações político-sociais.

Vasconcelos e Machado (2011) discutem o SUS enquanto palco de

formulação de uma política de saúde do trabalhador. Para eles, as fragilidades do

Sistema Único de Saúde/SUS, no que diz respeito à atuação política dos sujeitos e à

produção de conhecimento político-ideológico, repercutem no pretenso

posicionamento contra-hegemônico, interdisciplinar, universal e descentralizado.

Os autores consideram a discussão dos pressupostos de revisão do papel do

SUS e das ações de caráter assistencial como ponto de partida para se pensar a

criação e operacionalização de políticas de saúde do trabalhador.

Lacaz (2007) ressalta que a Saúde do Trabalhador no Brasil propõe, em sua

essência, uma superação da visão de Saúde Ocupacional por meio de

conhecimentos e práticas formulados a partir de discursos da medicina social latino-

americana relativos à “determinação social do processo saúde-doença; pela Saúde

Pública (...) e pela Saúde Coletiva ao abordar o sofrer, adoecer, morrer das classes

e grupos sociais inseridos em processos produtivos” (p.758).

Aqui se assume que Saúde do Trabalhador é campo de práticas e conhecimentos cujo enfoque teórico-metodológico, no Brasil, emerge da Saúde Coletiva, buscando conhecer (e intervir) (n)as relações trabalho e saúde-doença, tendo como referência central o surgimento de um novo ator social: a classe operária industrial, numa sociedade que vive profundas mudanças políticas, econômicas, sociais (idem, p.757-758).

Page 81: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

81

Lacaz (2007) complementa, ainda, que a Saúde do Trabalhador se configura

sob os pilares da produção acadêmica, programação e movimento dos

trabalhadores, contudo, ressalta que este é, ainda, um campo em construção.

Além dos desafios no campo acadêmico e no campo da gestão, com relação

à fragilidade dos movimentos dos trabalhadores na contemporaneidade, Santos e

Lacaz (2011) destacam a questão de que o “’controle social’ passou a ocorrer muito

mais nas ações institucionais (...) do que no protagonismo de ação e na definição de

frentes de atuação” (idem, p.32).

No caso da saúde, essa fragilidade, de acordo com os autores, traduz-se na

diluição da participação e na representação dos trabalhadores nos conselhos e nas

comissões interinstitucionais de saúde. Se no início da construção do SUS essa

participação era “proativa” e “propositiva”, na atualidade, ela vem assumindo uma

posição “participacionismo”, subsumindo o papel dos trabalhadores a “técnicos de

saúde”.

Dessa forma, entende-se que a Saúde do Trabalhador abrange um universo

de desafios e potencialidades a serem discutidos criticamente, de modo a produzir

consequências benéficas e contribuir para a elaboração e operacionalização das

políticas públicas. “Se a saúde do trabalhador é um campo aberto e em construção

(...) precisamos investir (...) no encontro de todos os atores e em planos de ação que

promovam maior consenso” (SANTOS e LACAZ, 2011 p.33).

5.2.1 Estratégias de vigilância e promoção da saúde do trabalhador

No campo da Saúde Pública, na década de 1980, tem início um movimento político-

ideológico, influenciado pelas tendências propostas por organismos internacionais

(Organização Internacional do Trabalho/OIT, Organização Mundial de Saúde/OMS e

Organização Pan-Americana da Saúde/OPAS) e pela criação dos Programas de

Saúde do Trabalhador (PST) (SANTOS e LACAZ, 2011).

Frisa-se que eram organizados todos eles na perspectiva de acoplar ações de assistência à saúde às ações de vigilância dos ambientes de trabalho, com ênfase na interlocução com o movimento social de trabalhadores e na atividade interinstitucional e multiprofissional, procurando sempre uma aproximação com a universidade (idem, p.88).

Page 82: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

82

Em março de 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em

Brasília, pressupõe a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)18 e define a

constituição de uma comissão organizadora da primeira Conferência Nacional de

Saúde do Trabalhador/CNST, que se realiza em dezembro do mesmo ano,

reforçando a proposta de inserção da saúde do trabalhador no campo da saúde

pública (idem, p.88). A Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde (Lei

nº 8080/90) consolidam a atenção do SUS e delegam ao Ministério da Saúde a

reestruturação da atenção à saúde no Brasil.

A II Conferência Nacional em Saúde do Trabalhador destacou-se pela

implantação de um plano de ação que tinha por base “incorporar a atenção à saúde

dos trabalhadores na rede de serviços, sob a perspectiva de municipalização da

saúde” (GOMEZ e LACAZ, 2005).

Nesta conjuntura de transição política – final dos anos 1980 e final dos anos

1990 – marcada, entre outros avanços, pela institucionalização das ações na rede

de assistência à saúde, mediante as leis 8.080/90 e 8.142/90, inicia-se a

implementação dos primeiros Centros de Referência em Saúde do

Trabalhador/CEREST em substituição aos Programas de Saúde do

Trabalhador/PST, inseridos, anteriormente, no contexto da Reforma Sanitária.

Os CEREST compõem uma tentativa de intersetorialização das estruturas no

Sistema Único de Saúde/SUS, no âmbito da “municipalização da saúde”, buscando

romper com a fragmentação e o desfavorecimento à Saúde do Trabalhador. Sua

criação está, portanto, ligada à proposta de integração da rede de atenção à saúde

por meio de ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde de

trabalhadores rurais e urbanos (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE,

2009). Constituem-se, até 2009, 178 unidades entre estaduais e regionais.

Os CEREST, juntamente com a Rede Sentinela, compõem o eixo estruturador

da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador/RENAST, instituída

18Conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde/SUS.

Page 83: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

83

em 2002, pela portaria nº 1.679 e implementada em 2009, pela portaria nº

2.728/GM.

Quase 20 anos após a VIII Conferência, entra em vigor, em 2004, a Política

Nacional de Saúde do Trabalhador/PNST, visando “à redução dos acidentes e

doenças relacionadas ao trabalho, mediante a execução de ações de promoção,

reabilitação e vigilância na área de saúde”, e propondo assegurar a qualidade de

vida no trabalho para garantir a integralidade das ações (BRASIL, 2004).

Segundo Gomez e Lacaz (2005), a dificuldade e a demora na implantação de

uma política nacional direcionada ao trabalhador é resultado de um conjunto de

fatores que são agravados pela reestruturação produtiva, dentre eles, destacam-se:

deficiências históricas na efetivação das políticas públicas e sociais no país; baixa cobertura do sistema de proteção social; fragmentação do sistema de seguridade social concebido na Constituição de 1988 para funcionar integralmente (...) (idem, p.796).

Para os autores, as mudanças no contexto socioeconômico constituem uma

“crise sistêmica” que atinge o trabalhador em sua totalidade, afetando inclusive suas

representações por meio de associações ou políticas públicas.

Nesse contexto, a elaboração da Política Nacional de Saúde do

Trabalhador/PNST contou com a colaboração dos Ministérios do Trabalho, da

Previdência Social e da Saúde no sentido de propor uma abordagem transversal e

intersetorial de políticas e ações de governo.

Dessa forma, a RENAST, conforme a Portaria nº 777/GM, de 28 de abril de

2004, passa a ser considerada “estratégia prioritária da Política Nacional de Saúde

do Trabalhador no SUS” (BRASIL, 2004).

Page 84: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

84

Figura 1: O sistema de vigilância da RENAST

Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232005000400007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt&userID=-2

A mesma portaria regulamenta, ainda, a notificação compulsória de 11 (onze)

tipos de agravos à saúde do trabalhador, dentre eles, transtornos mentais

relacionados ao trabalho, por meio da Ficha de Notificação padronizada, seguindo o

fluxo do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN); e cria a Rede

Sentinela de Notificação Compulsória de Acidentes e Doenças Relacionadas ao

Trabalho, que é composta pelos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador,

hospitais de referência e serviços de atenção básica e de média complexidade.

Durante os anos de implementação da RENAST, observou-se a necessidade

de revisões do texto da portaria nº 1.679 para adaptá-la às novas estruturas de

constituição das redes de atenção.

Page 85: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

85

Entre as inovações propostas estão: a) a ampliação do número de CEREST e de uma nova estrutura para a RENAST, que passa a ser organizada a partir da Coordenação Estadual de Saúde do Trabalhador, dos CEREST e da rede sentinela; b) mudanças no processo de habilitação dos CEREST, cuja gestão passa a ser tanto municipal quanto estadual; c) definição mais clara dos mecanismos de controle social, dos critérios de habilitação e acompanhamento dos CEREST e do sistema de informação do SIA/SUS (DIAS e HOEFL, 2005).

Em novembro de 2011, o decreto nº 7.602 regulamenta a Política Nacional de

Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), determinando suas diretrizes19 de

atuação e os órgãos responsáveis por sua implementação, execução e gestão.

Em 27 de abril de 2012, tem-se o lançamento da Política e do Plano Nacional

de Segurança e Saúde no Trabalho (Plansat)20 pelos Ministérios da Saúde, da

Previdência Social e do Trabalho e Emprego. E em agosto do mesmo ano, institui-se

a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, mediante Portaria

GM/MS nº 1.823, buscando um “alinhamento entre a Política de Saúde do

Trabalhador e a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST),

estabelecida por meio do Decreto nº 7.602, de 7 de novembro de 2011” (BRASIL,

2012); com foco nas estratégias de gestão (federal, estadual e municipal),

matriciamento21 e vigilância em saúde do trabalhador.

Dentre essas estratégias, destaca-se: 19a) Inclusão de todos trabalhadores brasileiros no sistema nacional de promoção e proteção da saúde; b) harmonização da legislação e a articulação das ações de promoção, proteção, prevenção, assistência, reabilitação e reparação da saúde do trabalhador; c) adoção de medidas especiais para atividades laborais de alto risco; d) estruturação de rede integrada de informações em saúde do trabalhador; e) promoção da implantação de sistemas e programas de gestão da segurança e saúde nos locais de trabalho; f) reestruturação da formação em saúde do trabalhador e em segurança no trabalho e o estímulo à capacitação e à educação continuada de trabalhadores; e g) promoção de agenda integrada de estudos e pesquisas em segurança e saúde no trabalho. 20Objetivos do Plansat: 1) Inclusão de todos trabalhadores brasileiros no sistema nacional de promoção e proteção da Segurança e Saúde no Trabalho/SST; 2) Harmonização da legislação trabalhista, sanitária, previdenciária e outras que se relacionem com SST; 3) Integração das ações de SST; 4) Adoção de medidas especiais para atividades laborais submetidas a alto risco de doenças e acidentes de trabalho; 5) Estruturação de uma rede integrada de informações em SST; 6) Implementação de sistemas de gestão de SST nos setores público e privado; 7) Capacitação e educação continuada em SST; 8) Criação de uma agenda integrada de estudos e pesquisas em SST (PLANSAT, 2012). 21O apoio matricial (AM) busca abordar as questões de Saúde do Trabalhador e ampliar o olhar para além do processo de trabalho, considerando os reflexos do trabalho e das condições de vida dos indivíduos e das famílias, envolvendo uma abordagem integral do sujeito com resolutividade, responsabilização, acolhimento e integralidade (RIBEIRO, 2012).

Page 86: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

86

- Integração da Vigilância em Saúde do Trabalhador junto aos demais componentes da Vigilância em Saúde e com a Atenção Primária em Saúde; - Análise do perfil produtivo e da situação de saúde dos trabalhadores; - Estruturação da RENAST no contexto da Rede de Atenção à Saúde; - Ações de Saúde do Trabalhador junto à Atenção Primária; - Ações de ST junto à Urgência e Emergência; - Ações de ST junto à Atenção Especializada (Ambulatorial e Hospitalar); - Fortalecimento e ampliação da articulação intersetorial; - Estímulo à participação da comunidade, dos trabalhadores e do controle social; - Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos; - Apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas (PNSTT, cap.III,art.9°).

No que se refere às estratégias integradas em Saúde do Trabalhador, Ribeiro

(2012), enfermeira do CEREST de Sobral, discute a implantação, a partir de

fevereiro de 2012, no município, de ações de matriciamento com o objetivo de

possibilitar o cuidado integral por meio de momentos de educação permanente nos

territórios sentinela de Atenção Primária à Saúde (APS), melhorando, assim, a

articulação entre a APS e o CEREST e aumentando a resolubilidade dos casos de

doenças ocupacionais de acidentes de trabalho.

A formulação e a implantação dessas políticas e estratégias constitui um

avanço na conquista dos direitos do trabalhador, contudo, estas iniciativas ainda se

mostram deficientes quanto às estratégias, diretrizes e princípios norteadores.

Parte desses entraves se deve, segundo Gomez e Lacaz (2005), à

insuficiência na articulação e no planejamento conjunto das ações, o que dificulta a

elaboração de diagnósticos baseados no conhecimento da real situação vivenciada

pelos trabalhadores, assim como das consequências dessa dinâmica para sua

saúde.

A reorganização da saúde sob uma perspectiva de direto social garantido pelo

Estado, com atuação baseada na humanização, regionalização, universalização e

intersetorialidade, trouxe à tona essa discussão sobre a fragmentação das redes de

atenção à saúde, sobretudo no que se refere à operacionalização das ações.

Para Castells (2000), as redes são novas formas de organização social, do Estado ou da sociedade, intensivas em tecnologia de

Page 87: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

87

informação e baseadas na cooperação entre unidades dotadas de autonomia. Diferentes conceitos coincidem em elementos comuns das redes: relações relativamente estáveis, autonomia, inexistência de hierarquia, compartilhamento de objetivos comuns, cooperação, confiança, interdependência e intercâmbio constante e duradouro de recursos (MENDES, 2011).

De acordo com Vasconcellos e Machado (2011), é “baixíssima” e, muitas

vezes, inexistente a articulação entre as inúmeras estruturas de gestão,

coordenação, promoção e vigilância em Saúde do Trabalhador que compõem os

aparelhos do Estado. Os autores ressaltam que esse fato tem reflexo sobre a

macropolítica e discutem, nesse contexto, o risco de um efeito contrário ao proposto

pelas redes, como a possibilidade de as estruturas se tornarem “guetos” ou “ilhas

autônomas marginais ao restante do sistema” (NOBRE, 2001, apud

VASCONCELLOS e MACHADO, 2011, p.45).

Os autores propõem ainda que a elaboração de políticas efetivas e eficientes

de saúde do trabalhador pressupõe o avanço “para estratégias mais condizentes

com preocupações hoje plenamente assumidas pelo mercado” (2011, p.48), como a

“refocalização da relação saúde-trabalho no campo político e no da produção de

conhecimentos” (idem, p.50).

Desta forma, podem-se considerar as questões acima discutidas como alguns

dos fatores mais relevantes para compreender a inoperância de políticas e

legislações voltadas à questão da própria violência moral contra o trabalhador, para

entender os desafios e possibilidades das estruturas de assistência à Saúde do

Trabalhador em geral.

5.3 O SISTEMA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR:

RENAST/CEREST

Gomez e Lacaz (2005) incitam a reflexão acerca da real abrangência das políticas e

das ações que têm como foco a saúde do trabalhador. É importante compreender a

dicotomia existente entre assistência e vigilância, bem como as estratégias de

prevenção e promoção da saúde e, ainda, a fragmentação existente no campo do

conhecimento acerca da “saúde do trabalhador”. Disso depende uma abordagem

mais clara e aproximada da realidade no sentido de intervir melhor sobre ela.

Page 88: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

88

A vigilância em Saúde do Trabalhador/Visat compõe o Sistema Nacional de

Vigilância em Saúde (Portaria GM/MS nº 3252/09) e adota os princípios norteadores

do SUS em suas diretrizes básicas.

As ações da Vigilância em Saúde do Trabalhador têm caráter proponente de mudanças e regulação dos processos de trabalho, a partir das análises epidemiológica, tecnológica, social em uma ação múltipla e interinstitucional. Exigem a articulação de conhecimentos interdisciplinares e o saber do trabalhador sistematizado a partir do registro sobre o processo ou a organização do trabalho/atividade e a percepção de adoecimento, de riscos e de vulnerabilidades. Assim, demandam a utilização de metodologias de intervenção, que contem com a participação dos trabalhadores em todas as suas etapas, desde a definição de prioridades, organização de ações programadas, execução, avaliação, acompanhamento e divulgação (PNST-SUS, 2010, p.3).

Segundo Machado (2011), busca “intervir na transformação do trabalho no

sentido da promoção da saúde” por meio de estratégias de interdependência dos

profissionais de saúde com os trabalhadores (2011, p.67).

As Diretrizes para implementação da Vigilância em Saúde do Trabalhador no

SUS deixam a cargo dos municípios, regiões e Estado as estratégias de busca para

uma melhor forma de desenvolvimento das ações e recomendam: promover e/ou

aprofundar a relação institucional com as estruturas de Vigilância Epidemiológica,

Sanitária, Ambiental, de Atenção Primária em Saúde de Média e Alta complexidade;

constituir equipes multiprofissionais; promover discussões nas instâncias de controle

social do SUS e outros espaços de participação social (VISAT-SUS, 2010, p.5)

As mesmas diretrizes ressaltam a necessidade de indicadores

epidemiológicos e sociais como critérios prioritários para a vigilância dos agravos

relacionados ao trabalho, conforme delimitados nas Portarias nº 1339/GM/MS/1999

e nº 104/GM/MS/2011.

Para a utilização deste critério deve se sistematizar e analisar as informações registradas nos sistemas de informação do SUS (Sinan, SIM, SIA, SIH, SIAB, Sinitox, entre outros), da Previdência Social (Sistema Único de Informações de Benefícios – Suibe e Sistema Integrado de Tratamento Estatístico de Séries Estratégicas – Síntese), do Ministério do Trabalho e Emprego (Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e Cadastro Geral de Empregados e Desempregados– CAGED), casos registrados na Segurança Pública e outros órgãos governamentais, informações demográficas da população trabalhadora, análise dos processos produtivos da região, bem como

Page 89: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

89

informações constantes de denúncias e notícias de jornal (VISAT-SUS, 2010, p.6).

Em uma discussão acerca dos pressupostos e princípios da atividade de

vigilância em Saúde do Trabalhador, Machado (2011) destaca a participação ativa

dos trabalhadores e a importância das bases epidemiológicas, como alicerce da

investigação em saúde do trabalhador no que se refere à identificação de situações

de risco, e a avaliação dos impactos causados por mudanças tecnológicas ou

procedimentos de gerenciamento de risco (2011 p.74).

Para Machado (2011), as ações de Visat constituem uma força de

organização e de construção, iniciada no Brasil na década de 1980, inspirada pelo

movimento social e pela reforma sanitária italiana, que ganha maiores dimensões no

âmbito das CNSTs e expande sua área de atuação por meio da criação e ampliação

dos CERESTs, sobretudo a partir de 2005, quando passam a integrar a Rede

Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador (RENAST). No entanto, o autor

reforça que essas estratégias de vigilância ainda carecem de definição e divulgação.

A própria criação dos CEREST passou por um processo histórico

contraditório. Discussões nos campos das redes de atenção à saúde apontavam,

por um lado, a necessidade de criação de centros que se tornassem referência para

a rede; por outro lado, acreditava-se na possibilidade de esses centros levarem a

uma fragmentação e concentração das ações de saúde do trabalhador.

Mesmo reconhecendo essas fragilidades, muitos autores reconhecem a

importância da RENAST e dos Centros de Referência. Machado (2011) ressalta que

as dificuldades apresentadas contribuem para manter essas estratégias “à margem

das políticas de saúde do SUS”. No entanto, reconhece que essas estratégias

possibilitam “avanços setoriais, acúmulo de experiências e conhecimentos técnicos”

(2011, p.89) e ressalta que deficiências, como a falta de disposições sobre vigilância

dos ambientes de trabalho, no momento de criação da RENAST, vão passo a passo

sendo discutidas e modificadas por meio de ações como discussões e publicação de

portarias.

Segundo dados do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde (Dsast/SVS), de 2002 a 2010 houve aumento de 958,8% no número de Centros de

Page 90: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

90

Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) no país. Para se ter uma idéia, em 2002 havia 17 unidades. Em 2010, o número subiu para 180 (BRASIL, 2010).

Maeno e Carmo (2005), por sua vez, enxergam a RENAST como “resultado

de um processo de construção a muitas mãos”, que se constitui em um desafio, e,

ao mesmo tempo, numa oportunidade de consolidar experiências regionais e gerar a

multiplicação de métodos e práticas, rompendo com a visão de que os CEREST se

transformariam em guetos dentro do SUS.

Os CEREST continuam sendo entendidos como unidades especializadas de retaguarda para as ações de saúde do trabalhador no SUS, envolvendo “ações de prevenção, promoção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e vigilância em saúde dos trabalhadores urbanos e rurais, independentemente do vínculo empregatício e do tipo de inserção no mercado de trabalho” (Brasil, 2009) (GOMES e LACAZ, 2011, p.92).

O quadro abaixo demonstra a distribuição dos CEREST nos Estados

definidos na portaria nº 2.978 de 2011. Ressalta-se uma ampliação de 10 unidades

com relação aos CEREST habilitados (178) e em processo de habilitação (12) a

partir de março de 2009. Sendo assim, a RENAST amplia de 178 CEREST e cerca

de 400 unidades-sentinela para 200 CEREST em 2011.

Quadro 1 – Distribuição dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador

REGIÕES/ESTADOS/DF Número de novos CEREST TOTAL

NORTE 2 21

Rondônia 1 3

Acre 1

Amazonas 3

Roraima 1 3

Amapá 2

Pará 6

Tocantins 3

NORDESTE 2 58

Maranhão 5

Piauí 1 5

Ceará 1 9

Page 91: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

91

Rio Grande do Norte 4

Paraíba 4

Pernambuco 9

Alagoas 4

Sergipe 3

Bahia 15

SUDESTE 1 83

Espírito Santo 5

Minas Gerais 1 20

Rio de Janeiro 16

São Paulo 42

SUL 29

Paraná 10

Santa Catarina 7

Rio Grande do Sul 12

CENTRO-OESTE 5 19

Mato Grosso 2 5

Mato Grosso do Sul 1 4

Goiás 2 7

Distrito Federal 3

TOTAL 10 210 Fonte: Portaria Nº 2.978/2011

Silva, Reis e Campos (2011) criticam a ausência de estudos de avaliação

sobre o processo de implantação da RENAST e seu impacto na saúde dos

trabalhadores em nível nacional.

Os autores expõem ainda avanços e desafios constatados em algumas

pesquisas em nível regional e/ou estadual. Dentre os avanços, destacam-se um

fluxo contínuo de financiamento para as ações de saúde do trabalhador; aumento do

número de CEREST; desenvolvimento de capacitações de técnicos, gestores e

controle social.

Page 92: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

92

Enquanto desafios para a atuação profissional são apresentados: o reforço de

articulações intrassetoriais; a necessidade de ruptura com a lógica do modelo da

RENAST, centrada na atuação dos CEREST; a inclusão da Saúde do Trabalhador

nos processos de educação permanente em saúde; o fomento da informação em

Saúde do Trabalho; a estruturação da vigilância de modo articulado.

Nesse sentido, Santos e Lacaz (2011) lançam um questionamento no cenário

das ações voltadas à saúde no contexto da RENAST. “(...) o espraiamento de

CEREST, a partir da Renast, poderia representar um importante papel na

consolidação da atenção integral à saúde dos trabalhadores no SUS?” (2011,

p.103).

5.4 A REDE NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DO TRABAHADOR

NO CEARÁ

Figura 2. Distribuição dos CEREST do Ceará por regiões de referência Fonte: Arquivos CEREST/CE

A RENAST no Ceará é composta por oito Centros de Referência em Saúde

do Trabalhador, Coordenações Estaduais e Municipais de Saúde do Trabalhador, e

pela Rede Sentinela em Saúde do Trabalhador, conforme determinado em CIB

Page 93: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

93

(Comissão Intergestores Bipartite) estadual. Nesse sentido, a Resolução nº. 149, de

2010:

Art.1º. Aprova a composição da Rede de Serviços Sentinela em Saúde do Trabalhador no Estado do Ceará, formada pelas Unidades Assistenciais, conforme disposto nos quadros anexos a esta Resolução.

§ 1º - A Unidade Sentinela será responsável por identificar, investigar e notificar, quando confirmados, os casos de doenças/agravos e/ou acidentes relacionados ao trabalho, subsidiando ações de promoção, prevenção, vigilância e intervenção em Saúde do Trabalhador.

§ 2º - A formalização da unidade de atendimento assistencial na Rede de Unidades Sentinela se efetivará com a assinatura do Termo de Adesão por parte dos gestores (Resolução nº. 149/2010 – CIB/CE)

Dentre os centros de referência, existem uma unidade Estadual, localizada na

cidade de Fortaleza, e mais sete unidades regionais situadas nas cidades de

Aracati, Fortaleza, Horizonte, Juazeiro do Norte, Limoeiro do Norte (CEREST rural),

Quixeramobim, Sobral, Tianguá. As áreas de referência de cada CEREST

encontram-se delimitadas na Figura 2. Há ainda a previsão de mais um CEREST no

Pecém.

As equipes mínimas para o funcionamento dos CEREST estaduais são cinco

(5) profissionais de nível médio, dez (10) de nível superior, sendo composta por,

pelo menos, um (1) médico, com carga horária mínima de 20 horas semanais. Para

as unidades regionais, a equipe mínima é composta por quatro profissionais de nível

médio e seis de nível superior, tendo ainda um médico, com carga horária mínima

de 20 horas semanais. Em nível nacional, o Nordeste responde por 36% das

unidades de CERESTs.

Durante o período da pesquisa de campo, todos os CEREST do estado do

Ceará apresentavam, pelo menos, a equipe mínima exigida. No entanto, a maioria

dos centros passava por uma reestruturação do quadro de profissionais em vista,

principalmente, de mudanças na gestão municipal.

Page 94: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

94

5.4.1 CEREST Estadual

O Centro Estadual de Referência de Saúde do Trabalhador Manoel Jacaré (Figura

3), em Fortaleza, foi habilitado em 9 de maio de 2003, pela Portaria nº 109/2003 –

SESA, e Inaugurado em 5 de agosto de 2005. As principais ações desenvolvidas

são: acolhimento ao trabalhador doente ou acidentado pelo trabalho; atendimento

para diagnóstico e avaliação de nexo causal; controle social; educação e pesquisa

em Saúde do Trabalhador; capacitação permanente para os profissionais do SUS;

vigilância em saúde do trabalhador e nos ambientes de trabalho.

Figura 3: CEREST Estadual Fonte: Arquivos CEREST/CE

O CEREST Manuel Jacaré tem como objetivo promover e dar apoio ao

desenvolvimento dos profissionais de saúde do SUS para atuarem na saúde do

trabalhador, em parceria com instituições públicas de controle social e segmentos

representativos dos trabalhadores e da sociedade.

É papel do órgão articular e desenvolver ações conjuntas com a vigilância

sanitária e epidemiológica para ampliação de ações de vigilância voltadas para a

saúde do trabalhador. Tem como função, também, identificar e monitorar as causas

de doenças, os riscos e agravos à saúde do trabalhador, propondo medidas

interventivas no sentido de proporcionar apoio à elaboração e execução de políticas

em Saúde do Trabalhador.

Page 95: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

95

O CEREST/CE conta com o apoio da Rede de Unidades de Referência, da

assistência de média e alta complexidade, o NUAST/COPAS, a RENAST/CE, os

Núcleos de Vigilâncias/SESA e demais unidades e coordenações, assim como

universidades e representantes da sociedade civil (Figura 4).

Figura 4. Ações Interinstitucionais em Saúde do Trabalhador

Fonte: Arquivos CEREST/CE

5.4.2 CEREST Fortaleza

O Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador José Ferreira de

Alencar (Figura 5), de Fortaleza, atende 37 municípios, numa área de 16.202,39

km², uma população estimada em 3.473.904 habitantes e uma População

Economicamente Ativa/PEA de 1.450.130 (BRASIL, 2000). Foi inaugurado em

novembro de 2008.

As principais ações desenvolvidas pelo CEREST de Fortaleza são: educação

e pesquisa em Saúde do Trabalhador, por meio de capacitação permanente para os

profissionais do SUS; acolhimento ao trabalhador doente ou acidentado; e

atendimento para diagnóstico e avaliação de nexo causal. A equipe multiprofissional

é composta de médico do trabalho, enfermeiro do trabalho, assistente social,

psicólogo, fonoaudiólogo, técnico em enfermagem do trabalho, técnico de segurança

do trabalho e fisioterapeuta.

Page 96: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

96

. Figura 5: CEREST Fortaleza Fonte: Arquivos CEREST/CE

5.4.3 CEREST Horizonte

O CEREST Horizonte (Figura 6) abrange sete municípios, perfazendo uma área de

3.985,35 km², e uma população de 232.574 habitantes, destes, 85.245 compõem a

População Economicamente Ativa/PEA. O prédio do CEREST Horizonte está

localizado no centro da cidade, em um centro integrado, onde funcionam ainda uma

Policlínica, o Centro de Especialidades Odontológicas/CEO e o Centro de Atenção

Psicossocial/CAPS. No entorno, encontram-se ainda a Secretaria de Saúde e a

Vigilância Epidemiológica.

Figura 6: CEREST Horizonte

Fonte: Arquivos pessoais

Page 97: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

97

5.4.4 CEREST Aracati

O mais recente CEREST inaugurado no Ceará. Encontra-se ainda em processo de

estruturação. O atual prédio onde se localiza o CEREST Aracati (Figura 7) é

provisório, estando funcionando hoje na rua tombada pelo patrimônio histórico. A

poucos metros da atual sede, está sendo construído o novo prédio que abrigará o

CEREST. Ele Possui 21 municípios de abrangência (Figura 8), perfazendo uma área

de 19.399,04 km², e uma PEA de 204.903 habitantes.

Figura7: CEREST Aracati

Fonte: Acervo pessoal

Figura 8: Área de abrangência do CEREST Aracati

Fonte: Acervo pessoal

Page 98: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

98

5.4.5 CEREST Quixeramobim

O CEREST Quixeramobim localiza-se no centro da cidade, em uma casa adaptada

para a atuação do serviço. O centro abrange vinte municípios, totalizando uma área

de 31.861,16 km², e uma população de 560.082 habitantes, dos quais 218.544

compõem a População Economicamente Ativa/PEA.

Figura 9: CEREST Quixeramobim

Fonte: Acervo CEREST/CE

5.4.6 CEREST Sobral

O CEREST Sobral (Figura 10) foi fundado em 2004, abrange 47 municípios

distribuídos em quatro regionais de saúde. O centro divide o espaço físico com a

vigilância sanitária.

O CEREST Sobral tem atuado principalmente na área de vigilância em saúde

do trabalhador, ou seja, na área de epidemiologia de doenças e agravos

relacionados ao trabalho, no matriciamento em Saúde do Trabalhador, com especial

cuidado na atenção primária à saúde e no monitoramento das unidades sentinelas.

A equipe profissional é atualmente composta por quatro enfermeiros, sendo que

uma se encontra na direção, além de psicólogo, fisioterapeutas, fonoaudiólogo,

médica do trabalho, engenheiro civil, técnico em segurança do trabalho, técnico de

enfermagem, auxiliar de enfermagem, agente administrativo e motorista. É

considerado pelos profissionais como um dos mais completos do Estado em matéria

de quadro profissional.

Page 99: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

99

Foto10: CEREST Sobral Fonte: Acervo pessoal

5.4.7 CEREST Tianguá

O CEREST Tianguá referencia oito municípios. Sua equipe profissional é composta

por coordenação, médico do trabalho, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, enfermeiros,

psicólogo, assistente social, técnico de enfermagem, técnico em segurança do

trabalho e auxiliar administrativo. Foi inaugurado em 2008, mas iniciou suas

atividades no final de 2009.

O prédio é amplo e possui um auditório e salas climatizadas para atendimento

individual (Figura 11). Duas salas do prédio do centro estão cedidas para a vigilância

sanitária. O prédio está situado em frente à Secretaria de Saúde.

Figura 11: CEREST Tianguá

Fonte: Acervo pessoal

Page 100: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

100

5.4.8 CEREST Juazeiro do Norte

O CEREST de Juazeiro (Figura 12) atua em 45 municípios de abrangência. Está

localizado nas proximidades da Secretaria de Saúde, do Centro de Atenção

Psicossocial e da Vigilância Sanitária.

O centro tem atuado prioritariamente em ações de matriciamento, apoio

técnico aos profissionais do SUS, campanhas em datas inclusivas para mobilização

da comunidade.

Figura12: CEREST Juazeiro do Norte

Fonte: Acervo pessoal

Page 101: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

101

6 INTERFACES ASSÉDIO MORAL/SAÚDE MENTAL/SAÚDE DO TRABALHADOR: análise e discussão dos resultados da pesquisa

Não é medida de saúde estar bem adaptado a uma sociedade

profundamente doente. Jiddu Krishnamurti, Freedom from the Known.

Os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, juntamente com a rede

sentinela, propõem a realização de um suporte transversal das ações de promoção

à saúde do trabalhador, perpassando diversas políticas e integrando toda a rede

pública de saúde.

As ações em Saúde do Trabalhador têm interfaces como sistema produtivo e a geração de riquezas, a formação da força de trabalho, as questões ambientais e a seguridade social. Elas requerem articulações com outros setores quer no âmbito do Município, do Estado ou da União, bem como com setores organizados da sociedade civil, para que as modificações necessárias sejam eficazes nesta área. (RENAST, 2005, p.2)

Devemos ressaltar, no entanto, que a RENAST enfrenta diversos desafios

para tornar possível um funcionamento de fato integrado.

No Ceará, assim como no restante do país, a atuação dos CEREST segue

sujeita às fragilidades políticas e sociais das relações contemporâneas de

precarização do trabalho – terceirizações, aumento da jornada de trabalho,

exploração e violência no ambiente laboral; o que compromete sua proposta de

integralidade e, consequentemente, a efetividade de suas ações. Acrescem, nesse

processo, aspectos geográficos, políticos e culturais próprios da constituição

histórica da região que contribuem negativamente para a pouca efetividade das

ações de saúde do trabalhador.

As observações de campo nas visitas aos CEREST, assim como as

entrevistas com os profissionais dos referidos centros permitiram verificar

expressões dessa complexa teia de problemas que envolvem a Saúde do

Trabalhador e suas interfaces com Saúde Metal no processo de atenção às vitimas

de assédio moral.

Page 102: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

102

As fragilidades da Saúde Pública, apontadas pelos entrevistados, conduzem à

verificação de que os problemas que atingem a rede são por demais influentes nas

ações de Saúde do Trabalhador. Sendo assim, para se falar em ações eficientes de

prevenção e promoção da saúde, sobretudo no que inclui o assédio moral, muitos

pontos estruturais, logísticos, políticos e psicossociais precisam ser

considerados.Essas constatações serão discutidas decorrer deste capítulo.

6.1 ANÁLISE DE PRONTUÁRIOS DO CEREST ESTADUAL

Por limitações de tempo, logística, e mudança nas gestões municipais, nos

detivemos apenas na análise de prontuários do CEREST Estadual. Foram

analisados cento e trinta e dois (132) prontuários. Essa análise permitiu a

constatação dos principais casos e demandas recebidas pelo CEREST, assim como

a obtenção de um panorama geral sobre os atendimentos relacionados ao assédio

moral e seus encaminhamentos.

Os casos de usuários que buscaram o CEREST/CE, até o ano de 2007, eram

registrados apenas em folhas com os encaminhamentos prestados. Constavam de

acompanhamentos, ou chamadas evoluções, realizadas pela psicóloga e pelas

estagiárias de Psicologia, que não se encontram mais na instituição. Em razão

dessa forma de organização inicial dos atendimentos, a verificação desses registros

ficou comprometida, pois alguns não continham informações completas e

padronizadas. Ademais, os registros, em folhas soltas, não se encontravam

agrupados por usuário.

A partir de 2008, os prontuários foram unificados e separados por usuário.

Dentro do prontuário único constam, agora, todas as informações sobre o indivíduo,

desde o dia em que o mesmo deu entrada no CEREST/CE. Além disso, consta

também uma verificação inicial de sua atual situação de trabalho, dados

socioeconômicos gerais, questões de saúde e a provável relação destas questões

com o trabalho.

Dos dados que foram passíveis de análise, constatou-se que, no período de

janeiro de 2009 até agosto de 2011, a principal demanda do CEREST/CE, de acordo

com os prontuários, caracterizou-se por: solicitação de orientações sobre auxílio-

Page 103: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

103

doença, benefício por incapacidade, homologação de deficiência física, emissão de

comunicação de acidente de trabalho, suspeitas de lesão por esforço repetitivo,

licenças, reabilitação e assédio moral.

Dos 132 prontuários analisados, 21 estavam relacionados a casos de assédio

moral, o que representa 16% do total de casos atendidos analisados. Com relação

ao assédio moral, especificamente, observou-se nestes três últimos anos uma

procura ligeiramente maior de pessoas do sexo masculino, com faixa etária

preponderante entre 28 e 45 anos. Já no caso do sexo feminino, a faixa etária

abrangia, sobretudo, as idades de 25 a 55 anos, o que mostra, ainda que de uma

maneira genérica, que é mais amplo o universo de mulheres que procura

atendimento em razão de um sofrimento ou situações de violência moral no trabalho.

Da mesma forma observou-se que as mulheres procuram atendimento de saúde, em

geral, mais cedo do que os homens.

No período em que foi realizada a pesquisa de campo no CEREST/CE

(outubro a dezembro de 2012), não houve notificação de casos de assédio moral.

Embora, tendo em vista que o objetivo da presente pesquisa não foi traçar um perfil

quantitativo dos casos, nem tampouco discutir a questão da submissão histórica da

mulher nas relações de gênero, não se pode afirmar que esse acontecimento

contrarie a literatura predominante (SALIN 2003; JIMENEZ et al., 2005 apud

GONÇALVES, 2006) que afirma serem as mulheres mais expostas do que os

homens ao assédio moral. Além disso, o não registro ou denúncia pode fornecer

outras pistas de análise, como a de que o silêncio ante os assédios ainda demonstre

medo de muitas mulheres de sofrer represálias ou até mesmo perder o emprego.

Por outro lado, acrescenta-se ainda a ineficiência das ações dos CEREST.

Importante ressaltar, ainda, que de julho de 2010 ate o final de 2012 o

CEREST Estadual não ofereceu serviço de atendimento psicológico, pois a única

psicóloga dedicava-se ao cargo de direção, o que acreditamos impactar diretamente

nas notificações de assédio moral considerando que, durante o ano de 2012, só

foram notificados quatro casos.

Page 104: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

104

6.2 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

As entrevistas semiestruturadas seguiram um roteiro direcionado à obtenção

de informações que abrangessem os objetivos especificados. O problema da

pesquisa, portanto, norteou a elaboração das questões, assim como a seleção e a

categorização dos dados obtidos através da transcrição das gravações. Frisa-se

que, do total de profissionais dos CEREST entrevistados, apenas um não consentiu

com a gravação da entrevista e um segundo solicitou a retirada de parte do material

gravado. Todas as visitas aos centros, bem como a realização das entrevistas foram

previamente agendadas.

Intencionou-se, com este material, traçar um panorama acerca dos desafios e

possibilidades da atenção em saúde mental voltada a trabalhadores vítimas de

assédio moral, através de um estudo comparativo da atuação dos CEREST do

estado do Ceará.

Com relação ao critério de análise, não se considerou possível identificar os

centros por nome, uma vez que poderia facilitar a identificação dos entrevistados. No

entanto, essa diferenciação será realizada ao longo dos tópicos analisados,

indicando características particulares de cada centro, por questão de fidelidade ao

campo. Esclarecemos, ainda, que a sequência de numeração dos centros segue

uma ordem aleatória.

Não foi realizada distinção de sexo entre os diretores dos serviços devido ao

reduzido número de profissionais entrevistados nesta função, o que poderia facilitar

a identificação deles. Por isso, optou-se por denominá-los apenas de “direção”.

A análise de conteúdo das entrevistas com os profissionais dos CEREST

possibilitou a definição de cinco categorias temáticas, relativas aos desafios do

serviço de atenção a saúde do trabalhador, construídas a partir das primeiras

análises dos depoimentos transcritos, e que serão apresentadas a seguir.

1. Estruturação/organização do trabalho: aborda de forma introdutória a questão

dos desafios de estruturação e atuação integrada dos CEREST, frente à

fragilidade das políticas de saúde do trabalhador, que impactam no

Page 105: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

105

desempenho das atividades dos profissionais. São aspectos que se

desdobrarão ao longo das categorias seguintes.

2. Ações de vigilância: aborda os fatores que influenciam na realização de ações

de vigilância, considerando que essa é uma dimensão chave da atuação dos

CEREST no sentido de detectar os agravos. Incluímos, aqui, sobretudo as

dificuldades do acesso das equipes de vigilância aos ambientes de trabalho,

bem como da obtenção de dados epidemiológicos para subsidiar

intervenções posteriores.

3. O nexo causal em Saúde Mental: trata da questão da subnotificação causada

pelas inúmeras dificuldades dos profissionais dos CEREST em estabelecer

uma relação entre os transtornos mentais desencadeados pelo assédio moral

e o trabalho. Seja por conta da falta de um protocolo de atividades em Saúde

Mental, da complexidade que envolve as relações de poder no trabalho, ou

até mesmo do preconceito dos usuários em torno da procura por

acompanhamentos psicológicos e/ou psiquiátricos.

4. A promoção e a prevenção: ressalta os desafios e possibilidades da atuação

preventiva e integrada dentro da rede de atenção à saúde do trabalhador.

5. A saúde do profissional de saúde: trata da questão do adoecimento psíquico

dos próprios profissionais dos centros de referência que, apesar de

trabalharem pela promoção da saúde do trabalhador, encontram-se, eles

próprios, tal como os trabalhadores em geral, vinculados a um cotidiano de

pressões, explorações e dificuldades de um trabalho muitas vezes

precarizado/flexibilizado.

6.2.1 O Estruturação/organização de trabalho

A presente categoria tem como base as falas dos entrevistados referentes à

estruturação das condições de atuação dos CEREST. Parte-se aqui da questão da

complexidade da estratégia RENAST no contexto das políticas de atenção à saúde

do trabalhador e a influência da centralidade do trabalho no desenvolvimento das

relações econômicas e sociais. Assim, notar-se-á que esta discussão se estende ao

longo das categorias seguintes influenciando diretamente na atenção às vítimas de

transtornos mentais relacionados ao trabalho, como o assédio moral.

Page 106: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

106

De acordo com Gomez (2011), a Saúde do Trabalhador enquanto campo da

Saúde Coletiva estrutura-se com base na epidemiologia, administração e

planejamento em saúde e ciências sociais em saúde, na perspectiva da saúde

integralizada enquanto direito social. Nesse sentido, conforme discutido, a criação

dos CEREST é uma tentativa recente de incorporar a Saúde do Trabalhador no

contexto de ação das políticas de saúde enfatizando a atenção ao trabalhador de

forma integrada com foco na prevenção. No entanto, falas como a da profissional a

seguir permitem constatar que a prevenção ainda não é uma prioridade das ações

de saúde.

Não impacta você dizer que tem cento e oitenta pessoas morrendo de acidente de trabalho. Agora, diga que morreram duas pessoas com dengue! É outra realidade. A gente ainda tá na assistência de causa e efeito (Direção 1).

Um ponto inicial que está presente no discurso dos profissionais é que a

implantação destes centros ainda sofre problemas de estrutura, de organização do

trabalho e até mesmo de reconhecimento frente aos outros órgãos e à sociedade; o

que prejudica, de uma forma geral, a ação em rede proposta pela política.

O desafio das ações em saúde do trabalhador é mais a questão da efetivação da política, é fazer com que os profissionais que estejam na ponta façam o nexo causal, não necessariamente o CEREST, o CEREST é pra dar o suporte, pra implementar a política... dar suporte de vigilância, matriciamento... e não de porta de entrada (Direção 1).

O CEREST é uma unidade que sai do convencional das unidades porque, quando você implanta uma unidade, qual a expectativa que as pessoas têm? Que você vai atender, que você vai prestar assistência, você cria uma demanda, uma expectativa (Direção 4).

Os municípios não sabem que eles são responsáveis por fazer saúde do trabalhador, eles acham que é papel só do CEREST (Enfermeira 2).

O município tem que parar de achar que saúde do trabalhador é responsabilidade do CEREST. Saúde do trabalhador é responsabilidade do serviço SUS desde 1988 (CEREST3. Psicóloga).

Nota-se que, ao invés de facilitar a integralidade das ações, conforme

proposto pelas políticas de Saúde do Trabalhador, o CEREST, ainda que

Page 107: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

107

involuntariamente, acaba por centralizar os atendimentos em suas unidades,

atuando de maneira ineficiente.

A totalidade dos profissionais entrevistados apresentou a questão da

estruturação da rede de saúde do trabalhador como deficiente. A fala a seguir

demonstra como a falta de integralidade impacta na qualidade e efetivação de

serviços como a realização de levantamentos epidemiológicos, que constituem a

base para a formulação das ações de vigilância, prevenção e promoção.

Não existe uma análise epidemiológica dos atendimentos no CEREST, infelizmente. Existia antigamente antes de eu chegar, mas aí... muita mudança... tem os entraves da política que é muito nova, o problema das capacitações nas redes sentinelas. Eu digo que é a organização de uma equipe mais coesa que ta faltando. Eu acho que tudo depende dessa articulação... (Direção5).

Outro fator que influencia negativamente na efetividade das atividades de

capacitação das redes sentinela, realização de eventos de divulgação e prevenção,

elaboração do plano de ação, dentre outros, é a intensa rotatividade de profissionais,

sobretudo devido a mudanças de gestão municipal.

Em janeiro ficamos sem coordenação, em fevereiro entrou a nova coordenadora, a passada era concursada, mas por questões administrativas... sempre que muda esses cargos de gestão modifica né? (Gestão8).

É ruim que a outra equipe já tava capacitada, aí tem que começar tudo de novo, né? E o que é mais chato é que não tem fundamentação pra essa troca de profissionais, só por questões políticas... A gente ta tendo um entrave grande nas questões das ações do CEREST por conta disso, até agora a gente não conseguiu elaborar nosso plano de ação, efetivamente. Agora é que vai ser apresentado (...). Perdemos três meses por conta dessas mudanças. Agora nós vamos ter que começar a capacitar toda a equipe. Já tiveram várias capacitações, são pessoas que não tinham conhecimentos em saúde do trabalhador. Então a gente vai ter que começar lá das bases, estudando as legislações, as diretrizes, os protocolos. (...) vamos gastar mais uns três meses pra capacitar essas pessoas, ai já foram seis meses... Ai as coisas vão acontecendo de uma forma (...) lenta, porque esse tempo investido nas capacitações você perde nas outras ações (Gestão3).

(...) teve muitas mudanças de funcionários e também de gestão dentro do CEREST (...). Então tem esses entraves (...), a gente tem uma perspectiva de desenvolver um programa de uma forma anual que as vezes não sai da forma que a gente planeja. Porque tem que capacitar novos profissionais, as vezes tem pessoas que não

Page 108: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

108

conhecem a política, não sabem o que é a saúde trabalhador (Psicologa3)

Nós vamos fazer de novo a capacitação pros profissionais, que o secretario saiu, o prefeito saiu e todos os profissionais de saúde saíram... (Psicologo2)

É possível, então, relacionar essa alta rotatividade a características políticas e

culturais próprias da constituição histórica do estado. O Ceará tem em sua essência

um histórico de oligarquias que exerciam seu poder por meio de abusos e

corrupções (FARIAS, 2004 apud GONÇALVES, 2005). Dessa forma, o

patrimonialismo que ainda reina fortemente, tanto na capital como nos demais

municípios, favorece a desestruturação dos serviços.

Por ser um tema que requer conhecimento teórico, envolvimento e domínio da

legislação, a Saúde do Trabalhador requer uma melhor estruturação e coesão das

equipes. A rotatividade por razões políticas prejudica a qualidade do trabalho

impedindo a eficiência e eficácia das ações.

Dos oito CEREST visitados, apenas um alegou ter mantido a equipe principal

desde sua criação e, por essa razão, afirmou ter conseguido se sobressair nas

ações realizadas, frente aos outros CEREST. Através do depoimento da direção

desse centro, podemos exemplificar como essa diferença se traduz numa maior

efetividade do serviço.

O CEREST aqui foi habilitado em (...), eu estou desde então. E isso faz com que o CEREST tenha outra característica. Porque você vem com uma mesma gestão há muito tempo, então eu não comecei tudo de novo. Outros CEREST, toda vez que muda o prefeito, muda a equipe (...). Eu não tive esse intervalo, então a gente vai ter uma outra conotação, tem uma continuidade (...).. Eu não to dizendo que a gente é o melhor aqui não, eu to dizendo que por esse motivo, por não ter tido parada (...) o trabalho evoluiu mais rápido. Então, tem coisa que os outros CEREST estão engatinhando que a gente já taalem desse processo. Por exemplo, se você for tirar notificações do SINAN você vai ver que o CEREST4 (...), proporcional ao número de habitantes, é o que mais notifica. (Direção4).

Esses entraves evidenciam a fragilidade das relações de trabalho no campo

da saúde os profissionais e a rede como um todo.

Não só é desgastante pro CEREST, mas pra todos os componentes da rede púbica (...). Aqui no interior a gente tem também uma rotatividade muito grande de profissionais de PSF, principalmente

Page 109: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

109

profissionais médicos, que trabalham em vários locais, e um dia aqui, outro lá... E aí a gente tem uma dificuldade grande porque você termina uma capacitação, logo após a capacitação você tem um aumento de notificações, uma visão melhor daqueles agravos... Passa-se um tempo, cai de novo, aí você tem que voltar, tocar de novo naquele assunto, aí melhora, e assim vai... (Direção4).

Os entrevistados apontaram, ainda, dois entraves estruturais relevantes,

referentes à realização dos serviços. São eles: as diferenças socioeconômicas e

demográficas entre os municípios de abrangência de cada regional e a grande área

geográfica dessas regiões; considerando o limitado número de profissionais e

recursos disponíveis.

Nossa assistência tem q ser mínima, porque se eu sou matriciamento eu não tenho tempo de ta ... Eu tenho X municípios pra fazer matriciamento. Com a equipe que eu tenho hoje, nem matriciamento... Eu não consigo dar conta nem no meu município que são dezoito equipes de saúde da família, um hospital especializado, uma rede de atenção especializada, eu não ia conseguir. Imagine de X. ( Direção3).

Não tem sido possível [atender todos os municípios referenciados], tem sido muito difícil, até porque nos outros municípios a gente ainda tá no processo de capacitar esses profissionais pra que eles identifiquem, tenham a sensibilidade... (Fonoaudióloga2).

A gente tem uma estreita ligação com X e Y que são cidades mais de sertão... Então elas têm atividades diferentes. (...) Que geografia é essa que colocou a gente junto com X e Y, quando teríamos que dar conta de territórios que fossem similares? Nós fazemos uma ação aqui, mas quando a gente leva pra X já aparece outra demanda que se diferencia bastante, (...) então, quando a gente vai pra lá, a gente se depara com outra realidade que necessita de um outro planejamento, então que geografia é essa que não pensou nisso? (Direção6)

Apenas um CEREST se declarou satisfeito com a sua área de abrangência

devido à facilidade de interação com a regional de saúde.

A área de abrangência é excelente porque a gente trabalha só com uma regional de saúde. A comunicação fica muito mais fácil... O deslocamento, o acompanhamento... dá pra gente acompanhar, da pra monitorar, é a mesma realidade, geográfica, econômica (Direção3).

A questão da fragilidade dos serviços de atenção à saúde do trabalhador no

Ceará, particularmente os CEREST, enfrenta diversos desafios que destacam a

fragilidade desse campo, e perpassam todas as dimensões da saúde. Diante da

Page 110: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

110

flexibilização e da instabilidade do trabalho, de formas alternativas de contratação,

da intensa rotatividade de profissionais, da terceirização, da necessidade de

intervenções rápidas, não há uma prioridade das ações preventivas que necessitam

de um suporte a longo prazo.

Reforçam-se, aqui, as ideias de autores como Vasconcellos e Machado

(2011) no tange aos dilemas da configuração de uma política nacional. Para eles,

“um dos principais dilemas (...) é o enfrentamento da blindagem política, reproduzida

(...) no sentido de não considerar a categoria trabalho nos determinantes sociais dos

agravos da população em geral” (idem, p.37).

Nesse contexto, o problema da estruturação da rede perpassa a sutileza dos

vínculos trabalhistas e o desmonte dos direitos sociais, que permitem a realização

de acordos políticos que inviabilizam a construção de um projeto sólido de ação.

Assim, vão sendo criadas novas estratégias nas relações de produção que

possibilitam explorar ao máximo o profissional, fornecendo o mínimo de direitos e

provocando seu adoecimento, inclusive, e com muita força, no campo da saúde.

O Ministério da Saúde ressalta as interfaces das ações em Saúde do

Trabalhador com o sistema produtivo de geração de riquezas, a formação da força

de trabalho, as questões ambientais e a seguridade social. Destaca que essas

interfaces demandam articulações de âmbito do Município, do Estado ou da União,

assim como com setores organizados da sociedade civil, para que as modificações

necessárias sejam eficazes nesta área (BRASIL, SAUDE, 2005, p.2).

Entende-se, no entanto, que, de acordo com as falas analisadas, essa

atuação articulada, baseada numa comunicação integrada dos serviços que compõe

a rede e destes com a sociedade civil, ainda é um grande desafio que se converte

em complicador para a efetivação das ações propostas pelos centros de referência,

não só com relação aos transtornos mentais, mas a todos os agravos, nas

perspectivas de vigilância, promoção e prevenção.

6.2.2 As ações de vigilância

Ao longo desta discussão,podem-se observar inúmeras fragilidades em muitos

aspectos já considerados por Machado (2011) como pressupostos essenciais das

Page 111: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

111

atividades de vigilância. São eles: a participação dos trabalhadores, as bases

epidemiológicas, a interdisciplinaridade, a articulação intrainstitucional, o caráter

processual das ações, a relação com o território, a relação com o processo de

trabalho, a prática multiprofissional e coletiva, o contexto e as questões

organizacionais e a heterogeneidade das ações, dada pela natureza histórica da

transformação dos processos de trabalho.

Essas questões, já introduzidas no tópico anterior, fornecem elementos para a

compreensão das dificuldades de superação dos entraves na operacionalização da

proposta de ações articuladas propriamente relacionadas à vigilância, através dos

CEREST.

Nas entrevistas com os profissionais de saúde dos centros, a dificuldade de

articulação visando o acesso aos ambientes de trabalho, em maior ou menor escala,

foi colocada como empecilho às ações de vigilância pelos profissionais de seis dos

oito CEREST.

A gente faz inspeções nas empresas (...) geralmente é parceria com o dono da empresa... a gente faz uma conversa... mas eles olham como se a gente fosse um fiscalizador. E isso causa um temor... muitos, muitos negam (...): “não, deixe pra outro dia”... E esse dia nunca chega (Direção6).

Observa-se, no entanto que, na maioria dos casos, esses entraves na relação

entre os CEREST e as empresas nem sempre se manifestam a priori. Em geral, os

profissionais de saúde dos centros realizam parcerias com essas empresas e com a

Vigilância Sanitária para ações de promoção e prevenção como a realização de

palestras, ações educativas atividades físicas, sobretudo durante os eventos

promovidos pelas SESMTs e CIPAs.

O CEREST (...) muitas empresas já convidam o CEREST na semana, na SIPAT... Muitas convidam pra dar uma palestra, convidam o fisioterapeuta pra falar de ginástica laboral, falar de ergonomia... ( Direção1).

Nós somos um órgão orientador, a gente ta preocupado com a saúde, então nós somos vistos na nossa região ainda como parceiros. (...) Até agora não teve nada que fosse preciso acionar as autoridades, não. Nunca tivemos dificuldade de acesso a nenhuma repartição pública nem privada ( Médica1).

Page 112: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

112

Num segundo momento, contudo, os entrevistados ressaltam uma grande

preocupação dessas empresas em acompanhar e controlar as ações do CEREST

durante as visitas.

Na inspeção, a equipe não pode ficar junta porque o dono da empresa acompanha, às vezes ele faz você esperar pra organizar as coisas... São estratégias que eles utilizam. Mas a gente explica que a gente não tem poder de fiscalizar, que a gente ta lá pra orientar (CEREST6. Psicóloga).

Quando a gente vai fazer as palestras, tu pensa que não tem alguém deles ali, não? Vigiando a gente, pra saber o quê que a gente ta falando pros trabalhadores? (CEREST5. Psicóloga).

A questão do poder fiscalizatório do CEREST ainda é um ponto de discussão

entre os profissionais. Muitos dos profissionais não souberam se expressar

claramente sobre os impactos de uma legitimação da vigilância compulsória nos

ambientes de trabalho.

Abaixo, encontramos a fala de uma profissional que se posicionou claramente

contra essa possibilidade, alegando que a atuação profissional seria prejudicada,

posto que as empresas iriam mascarar a verdade das condições de trabalho.

Dificulta nosso trabalho, porque quando você entra como fiscal, no meu ponto de vista, as pessoas não te mostram como desenvolvem sua atividade por medo da punição... Você sabe que o empregador sempre é visto como vilão... E o que acontece? Ele vai esconder algumas coisas. E a gente entrando como convidado, ele não tem interesse em esconder porque se ele já nos convidou é porque a intenção é que melhore. E tem outra coisa, já tem tantos órgãos fiscalizadores, tem o Ministério do Trabalho, tem a Vigilância Sanitária... Então eu não vejo que a saúde tenha que ser fiscalizada pelo CEREST, eu acho que o CEREST tem q entrar como apoio pra ele conseguir ver a realidade e a partir daí trabalhar em cima disso e ajudar... Já tem tanta gente que fiscaliza, não precisa de mais alguém pra fiscalizar(Médica2).

Ainda assim, a maioria dos entrevistados defende uma autonomia

fiscalizadora para que os CEREST possam realizar intervenções nos ambientes de

trabalho, enxergando essa autonomia como uma possibilidade de avanço nas

notificações dos agravos.

A fiscalização dos órgãos... do Ministério, da DRT... ela vai quando tem um acidente grave, né? E precisa opinar sobre quem é o culpado... O nosso caso seria uma fiscalização mais preventiva (Psicóloga4).

Page 113: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

113

É importante levar em consideração, nesse contexto, a necessidade de uma

remodelação dos objetivos e meios da RENAST, assim como de uma redefinição

das instâncias do SUS como um todo, abrangendo, inclusive as próprias estruturas

de gestão ligadas ao aparelho do Estado (VASCONCELLOS e MACHADO, 2011).

Há que se estabelecer uma consonância direta das ações de Saúde do Trabalhador

com as questões impostas pela globalização, a reestruturação produtiva e seus

impactos sobre a organização de trabalho. Não se pode desprezar, ainda, o fato de

que os CEREST atendem não só trabalhadores formais, mas todos os sujeitos que

exercem atividade remunerada independentemente da existência, ou não, do vinculo

empregatício.

Esses aspectos da organização do trabalho contemporânea; definida por

Dejours (1992, apud OCADA, 2004) pelos elementos divisão do trabalho, ausência

de conteúdo significativo da tarefa, sistema hierárquico, modalidades de comando,

relações de poder e responsabilidades (2004, p.177); perpassam as questões da

atuação dos serviços de Saúde do Trabalhador, complexificando sua demanda, seja

no que tange às ações de vigilância, seja na atenção especializada.

As relações instáveis de trabalho moldadas e “contaminadas” pela

organização do trabalho criam, muitas vezes, relações sociais tensas. Essas

condições são facilitadoras para o aparecimento do assédio moral e outros

transtornos que agravam e tencionam ainda mais as relações de trabalho, causando

danos graves à vida dos trabalhadores na mesma medida em que constroem

empecilhos para a busca de cuidado.

Não é interessante para as empresas que os trabalhadores conheçam seus

direitos e/ou teçam comentário acerca de sua condição de trabalho. Sendo assim,

quando os trabalhadores buscam a rede de saúde, muitos se negam a dar

informações aos profissionais de saúde sobre o local e as condições de trabalho

porque temem prejudicar a empresa e, consequentemente provocarem sua própria

demissão.

Já teve um caso que o trabalhador chegou lá no hospital, tava com a farda do trabalho e a enfermeira perguntou: “foi no trabalho?”; “foi”. “E onde é que você trabalha?”; “não, não vou dizer não, o quê que você ta anotando aí?”. A CAT deve ser emitida, só que não foi. Aí ele disse assim: “mas pra que você ta pegando essas informações? você

Page 114: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

114

vai mandar pra minha empresa? eu posso perder meu emprego?” Quer dizer, (...) não entende. São pessoas que não entendem ainda que aquilo é pro bem deles. Então, (...) o trabalhador tem medo de perder o emprego devido a dificuldade de arranjar outro, e a empresa... Porque não é interessante pra elas que elas tenham trabalhadores informados, não. Elas vão lidar com outras exigências que elas não querem... (Direção6)

Ressalta-se, também, o impacto direto dessa questão sobre as ações de

notificação dos serviços. Os profissionais dos CEREST se veem sem possibilidade

de atuar frente à pressão das empresas e ao medo dos trabalhadores.

A gente faz tipo um laudo. Às vezes os trabalhador tem uma preocupação em relação as notificações que o CEREST faz, porque acha que vai pra algum lugar, que vai botar o nome dele em algum lugar porque eles não querem perder o emprego (...). E a gente sempre explica, tem que ser a nossa primeira frase, as notificações só importam pro cadastro do sistema de saúde em relação ao trabalhador. “A gente não levar isso a lugar nenhum, ninguém vai mover um processo se você não quiser, você é o prejudicado, nos vamos lhe dar todos os caminhos, olhe, tem esse, tem esse, tem esse... se você disser “não, eu não quero nenhum”, pronto. Nós não podemos obrigar, a única coisa que vai acontecer da nossa alçada é a notificação (Psicóloga4).

A realização de notificações é ainda agravada por outro processo. De acordo

com a Portaria Nº 2.728 do Ministério da Saúde, que dispõe sobre as ações de

vigilância em saúde, as ações de vigilância se constroem a partir de parâmetros

epidemiológicos estaduais e/ou municipais (BRASIL, 2004). Sendo assim, parece

lógico e necessário que o CEREST tenha acesso a dados epidemiológicos de seus

municípios de referência para que possa construir suas ações.

No entanto, segundo depoimentos colhidos, não é isso que ocorre na maioria

dos centros, sobretudo nos municípios do interior onde, por falta de conhecimento

dos outros órgãos, ou até mesmo por questões políticas, é dificultado o acesso a

esses dados. Não se descarta, também, a falta de comunicação entre os próprios

ministérios nem a questão da troca de favores e disputas de influência de gestores

entre si e com as empresas.

Nesse sentido, a relação dos CEREST com o INSS, por exemplo, foi a mais

relatada pelos municípios como problemática no que se refere ao fornecimento de

dados epidemiológicos.

Page 115: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

115

No INSS, a gente não tem conseguido muitos dados. Na verdade, já fizemos algumas solicitações pra que eles enviem pra gente as CAT, porque (...) a saúde ficou totalmente desinformada em relação as CAT que são encaminhadas pro INSS, mas ai nos ainda estamos no processo de tentativa pra que eles liberem as informações ... Isso depende dos gestores, tinha um gestor aqui na cidade que dizia que são dados confidenciais e o Ministério da Previdência não libera, a gente diz, mas nos somos Ministério também (...). Aí chegou outro que foi bastante acessível, brigou lá na frente do juiz (...) um rapaz que tinha ainda esse pensamento. (...) e nós conseguimos fazer, durante noventa dias um estudo desses dados. Depois acabou. O gestor saiu e outro disse “não, não libero”... Então a gente tem essa relação que deveria ser parceira, mas em alguns momentos ela e conflituosa. Se a gente tivesse essas CAT, provavelmente a gente teria muito mais ambientes pra fazer vigilância. (Fonoaudióloga2)

A falta de uma integração entre as instancias e o desconhecimento das ações

desenvolvidas pelos CEREST acaba por tornar a concessão dos dados

epidemiológicos uma questão de favor.

O INSS ele é muito fechado. Por exemplo, a gente aqui trabalha com isso há algum tempo, eles sabem que a gente existe, mas quando a gente vai procurar os dados pra transferir CAT pro SINAN eles não repassam. “Mas porque? a gente vai só transferir!” “Porque aqui existe sigilo”. Eu disse: “o senhor não sabe que na saúde também existe?” ou o senhor acha que a gente vai sair por aí comentando os casos que o senhor diagnostica? o senhor acha que a gente anda contando por aí quais sãoos casos de AIDS? existe o sigilo também, na saúde. “Não, mas não pode”. (Direção3)

Então assim, se não há uma conversa entre essas várias instâncias, vai ficar difícil. Isso a gente já colocou pro Ministério tanto que eles tão tentando uma negociação. E outra. Saúde do Trabalhador é financiada pelos três Ministérios, pela Previdência, pelo Trabalho e pela Saúde e financiado pelos três. E os três não conversam entre si? Então, fica muito difícil. Tem que ter uma lógica de unificação disso. Eu sei que eles não vão ter todos que a gente tem, mas a gente era pra ter todos que eles tem, porque eles são todos formais. Aqui, a gente lida com setor formal, informal, desempregado, voluntário. Então nosso banco de dados era pra ser maior, mas a gente não conseguiu nada ainda com eles (Direção5).

A gente não tem como avançar na Saúde do Trabalhador se a gente não sabe do que o trabalhador ta adoecendo. Tanto é, que se a gente comparar a base de dados da previdência com a base de dados do município é totalmente..., não dá pra comparar. Você dizer que durante o ano todinho só teve quatro acidentes químicos e quatro transtornos mentais? (Enfermeira2).

O entendimento da integralidade na atenção à saúde do trabalhador, em

conformidade com o SUS e os sistemas nacionais de vigilância sanitária e

Page 116: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

116

epidemiológica na assistência e recuperação dos agravos, implica uma intervenção

sobre os níveis dos processos de trabalho e promoção da saúde abrangendo ações

articuladas. “A ênfase deve ser dirigida ao fato de que as ações individuais/curativas

articulam-se com as ações coletivas, no âmbito da vigilância, considerando que os

agravos à saúde do trabalhador são absolutamente preveníveis” (BRASIL, 2005).

Nesse sentido, pode-se dizer que a fragilidade de estruturação do CEREST está

ligada à fragilidade do sistema de saúde em sua totalidade.

6.2.3 O nexo causal em Saúde Mental

As falas apresentadas nessa categoria consistem em impressões gerais dos

entrevistados no que se refere a um dos maiores desafios relacionados à atenção às

vítimas de assédio moral: a questão da identificação do fenômeno e o

estabelecimento da relação com o trabalho. Nos CEREST, esses desafios se

refletem na ausência de notificações e, consequentemente, de ações voltadas a

prevenção e tratamento dos desdobramentos desse tipo de violência sobre a saúde

do trabalhador.

A dificuldade de se estabelecer nexo causal em Saúde Mental foi destacada

por todos os profissionais entrevistados. As falas a seguir apontam como um dos

fatores para tal dificuldade, a questão de os transtornos mentais estarem

constantemente relacionados a uma coatuação de fatores de ordem econômica,

familiar, social, dentre outras.

É muito difícil estabelecer o nexo em transtorno mental porque esses transtornos eles são multicausais. Não é só o trabalho, entra o trabalho, a família, o financeiro, o próprio estado consigo mesmo, então é muito complicado pra gente fechar esse nexo. Quando é uma coisa visível, saiu pra trabalhar e foi assaltado, ai é fácil, agora quando é aquele transtorno que é cumulativo, pouco a pouco... fica mais difícil (...). É muito difícil o nexo em transtorno mental. Nesse agravo eu tenho muita dificuldade, nós temos o apoio do CAPS que tem psiquiatras, mas a visão deles é a visão da patologia (...), eles não tem essa visão do psicólogo, o psicólogo me auxilia muito pra gente conseguir desmembrar todo aquele transtorno e verificar a relevância do trabalho (...). Talvez por ficar a maior parte do tempo no trabalho, ele tem uma relevância maior, mas nem sempre ele é o fator desencadeador de todo aquele transtorno (Médica do Trabalho1).

Page 117: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

117

Por essa razão os profissionais ressaltam que os serviços em saúde mental

demandam uma estrutura maior, uma atenção continuada e aprofundada a longo

prazo, o que, muitas vezes, torna-se inviável posto que o atendimento à demanda

não é uma atribuição própria do CEREST e as redes sentinela das regiões (CAPS

em sua maioria) não tem uma estrutura adequada para receber e acompanhar toda

a demanda.

Qual a dificuldade que eu encontro? (...) pra gente fazer realmente uma relação fundamentada desse nexo causal, ou dessa relação com o adoecimento, eu tenho que escutar a demanda, qualificar essa demanda (...). A primeira coisa é fazer o acolhimento e a anamnese ocupacional e aí eu faço também a anamnese pessoal, porque aí eu pego a historia da família, o genetograma, pego toda a questão da dinâmica familiar e já identifico se tem relação de doença, pais filhos, dependendo da dinâmica da família... aí eu pego também o histórico ocupacional desse sujeito. (...) Então não é um trabalho simples, rápido... Só que a gente aqui tem outras prioridades, tem as ações de vigilância, as capacitações...(Psicóloga3).

A diretora de um dos centros exemplifica a complexidade do estabelecimento

do nexo mesmo em casos explícitos de acidente.

A gente... só mesmo a pesquisa pra saber se tava mesmo relacionado com o trabalho (...). Porque ele tinha bebido quando se acidentou aí eu fiquei na dúvida... será que ele bebeu por causa do trabalho? Aí fica a dúvida, né? Ainda fica a incógnita sabe... porque ele pode ta bebendo por uma comorbidade.. mas aí você tem que realmente ter cautela. Quando eu faço esses relatórios psicológicos eu preciso de, no mínimo, uns três ou quatro atendimento com a pessoa... (Psicólog05).

A fala seguinte ressalta que, por conta das dificuldades de diagnóstico e

estabelecimento de nexo e, ainda, das implicações desse nexo na organização do

trabalho tanto do usuário quanto do profissional, muitos profissionais acabam

optando por não se aprofundar investigações dos casos de transtorno mental.

Nós temos um único caso notificado pelo psiquiatra (...) um caso de assedio moral (...) que esse médico, de posto de PSF, ele identificou e notificou. (...) eu acredito que seja o único caso que nós temos notificado em transtorno mental relacionado ao trabalho (...). A gente não consegue identificar ainda o porquê da resistência tão grande dos profissionais que estão, por exemplo, nos CAPS em associar aquele transtorno mental a uma doença relacionada ao trabalho. Na verdade, (...) eu acredito que os profissionais tem um receio porque eles acham que o transtorno mental relacionado ao trabalho ele só pode ser totalmente ligado ao trabalho, então quando eles identificam ali na anamnese deles que existe um outro fator, (...) problemas em

Page 118: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

118

casa ou outra dificuldade que não é só a dificuldade ali no meu trabalho, eles automaticamente descartam o problema no trabalho e preferem diagnosticar como qualquer outra coisa. Não sei se por uma questão trabalhista, legal, ter medo de ir pra um processo... existe uma resistência ... (Psicólogo5).

No caso do assédio moral, esse ponto se apresenta de forma mais acentuada

na medida em que envolve questões sutis de violência, abuso de poder e violação

de direitos nas relações interpessoais no trabalho, demandando ações que

ultrapassam o campo da saúde. São frequentemente demandadas intervenções

jurídicas e/ou abandono/mudança do posto de trabalho, o que pressupõe, segundo a

fala dos profissionais, um suporte emocional e um tratamento continuado ao

adoecimento psíquico.

O assédio moral (...) vai ter que mexer com leis, você também vai mexer com o outro, você tem que ir pro embate, você tem que ta preparado pra ir pro embate, porque quando você diz que o seu chefe esta fazendo determinada coisa e você ta se sentindo prejudicado com isso, e q isso for caracterizado como assedio, você vai ter que ir pra outras instâncias e você precisa estar preparado pra o desgaste, porque a gente sabe que as leis estão aí mas a justiça não tem a velocidade que a gente espera q ela tenha. E aí a gente já entra em outro departamento, tudo isso agregado ao adoecimento e ao sofrimento psíquico... (Psicólogo5)

Pela fala seguinte, de um dos profissionais do CEREST, que também foi

vítima de assédio moral, observamos como as sequelas psíquicas dessa violência

podem comprometer a busca de tratamento, assim como as relações de trabalho

futuras.

A pessoa fica com vergonha de conversar sobre isso. Pra você ver, eu nunca fiz entrevista, teve outras entrevistas, eu nunca falei... mas hoje eu vim falar com você, me deu vontade eu vim fazer. Pra mostrar as pessoas que assédio moral ele adoece a alma, o psíquico da pessoa. Ela precisa de ajuda. Ela precisa ir pra justiça? Precisa. Mas se você for ver do seu lado indenizatório, você não vai ta curada. Porque outra empresa que você for trabalhar, a partir do momento que uma pessoa disser, vai ali, você já acha q foi assediada. Porque você já ta adoecida (Enfermeira2).

Os profissionais dos CEREST apontaram a questão do preconceito ou

desconhecimento dos próprios usuários do sistema de saúde com relação à busca

de atendimento psiquiátrico e/ou psicológico.

As pessoas tendem a não identificar seu próprio problema quando é ligado a saúde mental. É sempre deixado de lado. (...) Sempre o

Page 119: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

119

palpável é o que é visto. Chegam muitas vezes casos assim aqui, muitos, que chegam com uma dor nas costas, o fisioterapeuta trabalha um dia, a dor já passa pro ombro; trabalha outro dia, passa pra outro lugar... aí vai trabalhado até que chega pra mim e diz: “(...), essa pessoa toda semana ta chegando com uma dor diferente, to tentando trabalhar, encaminhei pra acupuntura, estamos fazendo outros trabalhos e a gente não ta achando... e aí são causas relacionadas a saúde mental, seja burnout, seja outra coisa. E que ta num estado de tão inacessível esse pensamento sobre um problema mental, que é dito: “ah, é besteira, é frescura”. E muitas vezes a própria pessoa rejeita, por defesa (Psicóloga1).

Temos uma demanda digamos assim, reprimida. Na verdade, as pessoas tão adoecendo mentalmente, mas não sabem que... ou se sabem que é do trabalho, não ta sendo evidenciado na rede de atenção (Direção1).

Aqui a gente encaminha pro CAPS, e aí, o que acontece? O próprio paciente não quer ir, pra não se expor. Eu já atendi casos aqui, daqui do município, que vão pra outro município, pra CAPS também, porque não quer se expor... porque fica estereotipado, entendeu?... Pode conhecer uma pessoa... Então, assim, eu já tive casos da pessoa não querer ser vinculada a um transtorno mental porque tem aquele estereótipo de que não tem cura, ou de que é doido. E quando você vai pro trabalho, pode voltar a ter algum... (Psicologa3).

As dificuldades de organização do trabalho e as transições políticas mais uma

vez figuram como obstáculos ao desenvolvimento de ações de promoção e

prevenção, conforme verificamos na fala de uma médica do trabalho.

Nesse período que a gente ta agora, é muito complicado fazer um nexo de transtorno mental porque, por conta de questões políticas, ta uma confusão imensa, pessoas vem sendo discriminadas porque eram diretoras, mas eram concursadas como auxiliares de serviços gerais... e aí, quem era serviços gerais passou a ser coordenadora... tem toda essa questão. (...) aqui a política é muito forte, é de assustar. Se eu sou uma coisa, não posso ser outra, quem tava do lado que perdeu faz questão de não obedecer as regras, de não ser maleável, então ta um momento muito complicado pra gente tocar nesse assunto, ta muito nebuloso pra gente dividir o que é transtorno mental relacionado ao trabalho, o que é transtorno mental relacionado a política.. e o que fazer com isso? Nesse momento, acho que nem vale a pena a gente mexer nisso, porque é uma demanda q a gente não sabe o que fazer. (Medica do Trabalho2).

Destacamos ainda, na fala dos entrevistados, a questão da não priorização de

políticas voltadas à saúde mental. Como se observa na fragmentação das ações e

na inexistência de um protocolo de atuação.

Na verdade a historia é assim, a gente ainda vai ter o protocolo de atuação, o protocolo de transtorno metal, ainda não foi lançado pelo

Page 120: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

120

Ministério, ainda ta em consulta publica (..), então a gente não tem uma referência imediata, a gente age através dessas portarias que o Ministério da Saúde lança, a cada dois anos ele tem atualizado... (Direção2).

Transtorno mental é uma história muito difícil. Já começa que não existe o protocolo... todas as nossas notificações tem protocolos estabelecidos, transtorno mental é o único que não foi fechado, não existe um consenso em torno do transtorno mental (Psicólogo5).

Não foi feito o protocolo ainda, então é muito difícil fazer um diagnostico porque se você ficar muito bitolado que tudo é individual, ou tudo é do trabalho, você pode se equivocar, então é importante ter um norte, uma discussão (Psicóloga3).

Bernardo e Garbin (2011) discutem a possibilidade de uma integração entre

Saúde Mental e Saúde do Trabalhador. Para as autoras, embora ambos os campos

tenham sua origem ligada aos movimentos pela Reforma Sanitária e suas ações

sejam fundamentadas nos princípios do SUS, o olhar para as questões trazidas por

eles não foi incorporado por todos os níveis de atenção. Sendo assim, torna-se

ainda mais complexo tratar de temas que se encontram na fronteira entre esses dois

campos.

No Ceará, a Saúde do Trabalhador figura entre os quatro eixos da atenção

especializada, juntamente com o Serviço de Atendimento Médico de Urgência

(SAMU) e os programas e políticas de Saúde Mental e Saúde Bucal.

No que se refere à Saúde Mental, a rede sentinela de atenção ao trabalhador

do estado do Ceará dispunha de 18 (dezoito) Centros de Atenção Psicossocial

(CAPS)22 para “tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais,

psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade e/ou persistência

justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário,

personalizado e promotor de vida” (Secretaria de Saúde, 2011) – dentre CAPS I, II e

III, CAPS ad e CAPS i – além de 4 (quatro) residências terapêuticas e 87 (oitenta e

sete) leitos em hospitais gerais, até 2011.

Contudo, apesar dos avanços em Saúde Mental, conquistados, sobretudo a

partir da reforma psiquiátrica, manifestados na substituição do modelo manicomial

por uma rede de serviços substitutiva aos asilos; a criação e o funcionamento de

22Resolução Nº. 149/2010 – CIB/CE

Page 121: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

121

dispositivos assistenciais visando a autonomia e a reinserção social dos indivíduos

com transtornos mentais, como é o caso dos CAPS, ainda é um desafio para as

políticas públicas na medida em que não existem ações efetivas no campo da

gestão e essas unidades “estão mais focadas na assistência e distantes de questões

gerais da saúde coletiva” (BERNARDO e GARBIN, 2011, p.105).

Não se pode deixar de lado, também, o fato destacado ao longo das

conversas com os profissionais, o peso da organização do trabalho e da

configuração das relações de poder que refletem igualmente sobre os serviços de

atenção a saúde do trabalhador e seus usuários. As exigências impostas pelo

sistema de produção do capital, no sentido do desenvolvimento econômico, que

segue o ritmo da busca por lucro e poder, priorizada em detrimento da qualidade de

vida do trabalhador. Refletem na falta de prioridade nas ações de vigilância,

promoção e prevenção relacionadas à saúde do trabalhador, sobretudo naquelas

relacionadas à saúde mental.

6.2.4. A promoção e a prevenção

As falas até aqui analisadas, permitem compreender que a realização de ações de

prevenção e promoção esbarra nas fragilidades a que a Saúde do Trabalhador está

submetida. Dependem, portanto, de uma atuação integrada do sistema, com a

participação das representações dos trabalhadores e investimentos prioritários.

As falas a seguir desvelam os entraves enfrentados pelas equipes dos

CEREST nas intervenções de prevenção.

Os profissionais criticam a ineficiência da realização repetitiva de ações como

palestras e capacitações. Para eles, essas atividades não são suficientes para suprir

a demanda em saúde do trabalhador. Há que se pensar em atividades que levem

em consideração o amplo contexto da organização de trabalho vivenciado pelos

trabalhadores.

Eu já to com 33 anos de serviço. Eu tenho loucura pra botar as coisas pra funcionar. É muito difícil. A gente ta fazendo os protocolos. Eu pensei que a gente tivesse fazendo os protocolos pra botar pra caminhar a rede, pensei que tivesse uma pessoa lá, pra ser resolvida as coisas, e a mulher disse “não, mulher, isso aqui é só um curso”. Quer dizer, a gente vai fazer mais um curso, mais uma capacitação

Page 122: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

122

pra ficar pra gente, porque não vai botar pra funcionar lá na frente (Enfermeira2).

Aí a gente ontem mesmo realizou oficinas pra trabalhar a saúde deles de uma forma prática, dinâmica, levando a cultura, levando a arte, não necessariamente só a palestra. Por que você, pra mudar o comportamento, precisa mudar a organização... Então a gente tenta trabalhar a autoestima do profissional, tenta trabalhar que ele identifique que riscos ele ta trazendo pra vida dele com aquele trabalho. (Direção2).

As parcerias com as regionais de saúde foram apresentadas como

essenciais, pelos entrevistados diante da grande quantidade e diversidade de

municípios de referência.

A gente tem xx municípios, mas ação ainda ta um pouco centralizada. Até porque, pra adentrar os outros municípios, a gente precisa de demanda, prioridade. Então a gente faz reuniões nas regionais, repassa plano de ação, repassa a estratégia do serviço, pede a parceria deles... alguns a gente tem feedback bem positivo. A gente vai lá, capacita, eles notificam, eles mandam fichas, eles aumentam as notificações no sistema... (Direção2).

Contudo, em geral, os municípios não tem essa compreensão da atividade

em rede seja pelo desconhecimento de seu funcionamento, seja por estarem

vulneráveis à flexibilização das condições de trabalho.

Porque é como se fosse o nosso município entrando em um outro município. Eles entendem assim. Eles não entendem muito que a gente é uma regional então, assim, as vezes é um pouco complicado. (Fonoaudióloga2).

Órgãos como o Ministério Público e a Previdência Social também

representam um desafio para as parcerias.

O Ministério Público do Trabalho a gente tem uma parceria só mesmo na área de palestras, a gente entra com eles em questão de capacitações, pra indicar alguém pra falar sobre essa parte da atuação do Ministério na Saúde do Trabalhador. A parceria foi praticamente isso (Direção7).

Eu entro num debate com o INSS, com Ministério do Trabalho. Eles são muito ainda... crus com relação ao serviço dos Centros de Referência (Direção2).

Em um dos CEREST a parceria com os sindicatos foi considerada satisfatória.

A relação com os sindicatos é boa. Por exemplo, taxistas, professores, calçadistas. A gente tinha uma parceria, uma vez por mês ia uma equipe do CEREST no sindicato pra realizar ações de

Page 123: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

123

educação em saúde. Chegamos a levar ate o médico do trabalho. Então, a gente tem uma boa relação com os sindicatos, que realmente nos procuram. Dos agentes de endemias, dos servidores municipais de saúde... (Fonoaudiologa1).

O restante dos CEREST, no entanto, ressaltou a pouca significância da

atuação dos sindicatos.

Sindicato aqui é fraquíssimo. A gente que procura eles. Fizemos agora uma ação com os agricultores, então nós fomos ao sindicato... eles não criam demanda... a gente tem que ir (Direção8).

Olha, aqui é muito difícil, porque a proximidade de Fortaleza é grande, então nós não temos sedes de sindicatos aqui, o escritório de seção passa o dia fechado (...). Aí isso dificulta muito a própria organização dos trabalhadores, dificulta a participação deles aqui. A gente já tentou montar conselho gestor, a gente já tentou montar Comissão Interinstitucional de Saúde do trabalhador com representação de trabalhadores, mas é muito difícil (Direção8).

Segundo Ramalho (2002), o movimento sindical enfrenta dificuldades para

agir em um contexto onde “políticas e estratégias de ação sindical parecem

impotentes para deter a destruição de direitos (...)” (2002, p.86). Para ele, os

desafios postos ao movimento sindical brasileiro podem ser compreendidos, por um

lado,pela perspectiva da capacidade de reação e negociação frente ás novas

tecnologias e formas de gestão, e, por outro, pela dificuldade histórica de lidar com o

trabalho precarizado e informal. Dessa forma, Ramalho (2002) aponta a

necessidade de formulação de estratégias alternativas de organização como forma

de enfrentamento a essas novas condições, como a criação das “câmaras

setoriais”23 e grupos comunitários.

Ainda no campo dos problemas da atuação diante nas novas formas de

gestão e da precarização do trabalho, foram citadas a burocracia e a má utilização

dos recursos.

As pessoas só chegam pro Centro de Referência sabe porque? Porque Centro de Referência tem dinheiro. O prefeito quer o dinheiro do centro pra fazer outra coisa, o secretário quer o dinheiro do centro pra fazer outra coisa. As próprias unidades nunca chegam pra mim

23“O termo ‘câmaras setoriais’ vem sendo utilizado desde os anos 80 para definir um mecanismo de negociação tripartite entre trabalhadores, empresários e governos” (RAMALHO, 2002, p.99). Pode-se incluir nessas iniciativas a criação das comissões de fiscalização propostas pela Lei de Prevenção e Combate ao Assédio Moral na Administração Púbica, do estado do Ceará, que se encontra em fase de implementação.

Page 124: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

124

“(...), eu vim aqui porque eu vim propor um trabalho”. “Eu queria que vocês fossem lá porque eu tenho trabalhadores que trabalham assim, e tal”. Não vem. Vem assim: “(...), eu queria saber se tu pode me dar um computador”. Ta entendo? (Direção2).

Nós, como CEREST, temos uma verba própria. Então a gente vê, (...) tem uma demanda reprimida, a gente pode ate contratar profissional... só que a gente tem um dificuldade muito grande de tornar o nosso dinheiro de virtual pra real. A gente tem o dinheiro em caixa, um milhão e trinta e nove mil nós temos em caixa... e a gente não consegue acessar. (...) Tem que ter uma licitação especifica. E a licitação vai pra Secretaria de Saúde e a Secretaria de Saúde tem que juntar tudo que é documento... (...) Equipamentos específicos pro CEREST, como pro técnico de segurança, pra medir luz, calor, ruído, a gente não consegue. A gente ta desde 2008 tentando comprar equipamentos e não consegue. Temos o dinheiro, sabemos o que comprar, mas não conseguimos por conta da burocracia. Três anos que a gente tenta fazer o seminário de agrotóxico... nós já temos o contato, já temos os profissionais pra virem, já temos toda a logística pronta, o que falta é a gente conseguir acessar o dinheiro pra pagar (Direção8).

Uma vez a gente foi fazer um curso em Brasília, a prefeita teve que dar o dinheiro, tirar o dinheiro do gabinete dela... a gente com quase um milhão em caixa não podia pagar. Ai você não consegue desenvolver as ações. (Psicologo5).

6.2.5. O problema da saúde do cuidador

Essa categoria aborda os impactos dessas condições de trabalho sobre os próprios

profissionais da saúde que lidam com a saúde do trabalhador que, tal como os

demais trabalhadores, veem-se afetados pelas condições de precarização e

violência.

Os entrevistados relataram que tem dificuldades de acesso à rede púbica de

saúde, em geral, precisando recorrer ao serviço privado. No entanto, em algum

momento, os mesmos acabam utilizando os serviços do SUS.

Eu trabalho numa empresa privada que vão alguns médicos fazer o atendimento. (...) Geralmente eu vou... eu utilizo muito pouco a rede publica... eu to aqui há seis anos, eu uso mais pra essa questão de vacinação (Médica do Trabalho1) Eu procuro o SUS... tem aqui o posto, né? Aí, quando eu preciso eu vou lá... às vezes só pra fazer massagem... Mas, pra mental mesmo eu tenho a minha psicóloga, particular. (psicologo5)

Segundo Merhy e Franco (2005), a reestruturação produtiva repercute no

trabalho em saúde gerando mudanças nos processos de trabalho e nos modos de

Page 125: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

125

produzir o cuidado. Observa-se que os profissionais de saúde também se encontram

submetidos aos impactos da precarização e flexibilização das condições de trabalho.

Nesse sentido, a maioria dos profissionais relatou já ter sofrido problemas de saúde

relacionados ao desgaste e às pressões sofridas no ambiente de trabalho.

Por exemplo, (...) eu sou pai e mãe de quatro e da minha mãe, eu sustento a minha casa. Pra isso eu tenho que ter dois empregos, onde eu tenho uma carga horária de 64 horas, cadê minha qualidade de vida? cadê meu lazer? e dá? dá não. Só dá pra eu manter meus filhos na escola e comer. Eu não tenho lazer, eu não tenho viagens, eu não tenho férias. (Direção2) Eu tenho uma filha, a minha filha mais nova tem um ano e três meses. Eu tava no auge daqui, há dois anos atrás quando eu engravidei dela eu quase a perdi, eu quase perdi minha vida, eu tive eclampsia grave, quase evolui pra síndrome de Hellp. Porque eu tive estresse associado ao trabalho, aqui. Eu tive ela com trinta e quatro semanas porque eu não consegui mais esperar, não tinha nada que fizesse baixar minha pressão, era 24 por 12, tinha nada no mundo que fizesse baixar, nada. Eu já tava com epigastralgia, perda de função renal... mas eu tive que passar por isso tudo, tive uma história de orientação, mas se você não tem essa base fica muito difícil de você enfrentar isso... como? sozinha? (Enfermeira3) Eu tenho motivos aqui de sobra pra ter jogado essa direção do CEREST pra trás há muito tempo e dizer: “eu não quero mais isso pra minha vida”, tá entendendo? Mas a gente precisa encarar de outra forma, sabe? (Direção7).

Foram mencionados, ainda, casos de assédio moral de caráter coletivo dentro

de dois CEREST apresentado, na fala de um dos entrevistados, como fator de

desestabilidade física e emocional.

Aqui, a gente passou bastante por isso. Muito mesmo. A gente teve até que fazer abaixo-assinado pra botar a administração pra fora, todo mundo sendo assediado. (...) Mas eu não fiquei nervosa de ir pra psiquiatra, não. Antes disso ela saiu. Mas teve menina que tomou remédio tarja preta. Eu fui até no controle social pra tomar uma providencia, que o pessoal tava adoecendo, teve gente que tirou licença... foi sério (Enfermeira1).

As falas a seguir descrevem as vivências de assédio moral de um dos

entrevistados.

Eu não tinha ação nenhuma aqui dentro, eu era descriminada... toda confusão, todo problema era eu, trazia pra mim, mesmo nos dias que eu não tava. Eram pessoas indicadas por ela. Ela queria botar pessoas aqui dentro. Uma vez houve uma confusão muito grande

Page 126: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

126

deles aqui, aí ela disse “só podia ser você, tava de férias, já voltou”...(técnico em segurança do trabalho1) Você se acha uma barata, tem q correr pra não ser pisada. A gente se vê assim. Aí eu não me envolvia porque eu já vi casos da pessoa chegar aqui num caso pior por causa do assédio moral que ela sofria, ela teve foi uma LER... Existe casos aqui de uma moça q foi isolada num canto, dentro da empresa, ela não fazia nada, ficou isolada sem água, sem telefone, sem internet... Eu fiquei também sem internet, todo mundo tinha acesso a internet e eu não tinha. Eu perguntava porque eu era a única que não tinha acesso a internet, ela dizia: “Não, isso é coisa sua”. Você se sente inútil. Que tudo aquilo que você conquistou não vale a pena. Você não tendo uma estabilidade emocional forte, você adoece... porque realmente o assédio adoece, você. Por isso eu acho que tem muita gente hoje que adoece no trabalho, não consegue se reerguer, ou é alcoólatra ou é desequilibrada, não consegue ter uma estabilidade emocional em casa, na família, não consegue ter uma estabilidade no trabalho, não consegue arranjar emprego, porque foi abalada pelo problema de assedio que passou.

Verifica-se na sequência dos acontecimentos o desenvolvimento de

sofrimento proveniente da incompatibilidade entre o ser humano e a organização de

poder (DEJOURS, 1998), traduzidas na pressão e nas intimidações impostas ao

trabalhador.

É possível inferir que os métodos inadequados de gestão e o desvio de

função, portanto, sofrimento acompanhado de relações de trabalho agressivas.

Eu só fazia chorar. Eu não tinha força... Eu não podia chegar e dizer porque... eles rotulam a pessoa de ‘confuseira’.

Eu adoeci psicologicamente. Eu sofria, eu emagreci, eu não tinha vontade de pentear meus cabelos... Eu vivia doente, meu marido falava comigo dentro de casa eu era altamente depressiva e agressiva... porque a qualquer hora, eu pensava, a pessoa poderia me transferir daqui sem ter motivo (Técnico em segurança do trabalho1).

Santos (1997) discute a existência de quatro espaços-tempo condicionante da

prática social que se manifestam de forma inter-relacionada. São eles: o espaço-

tempo mundial, o espaço-tempo doméstico, o espaço-tempo da produção e o

espaço tempo da cidadania. Para o autor, o espaço-tempo da produção é o espaço

das relações sociais no processo de trabalho e se caracteriza por uma desigualdade

de poder assentada na exploração do homem pelo homem. No ambiente de

Page 127: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

127

trabalho, essa exploração se traduz no cotidiano de coerção e pressão por

resultados, geridos pela organização.

Destaca-se, nesse processo, a crise dos instrumentos de regulação e

emancipação, reforma e evolução, discutida por Santos (2011). Para ele, as novas

configurações sociais trazem uma tensão entre as experiências da sociedade,

desiguais e opressoras, e a expectativa de construção de uma vida melhor. Dessa

forma, na visão de Santos (2011), os problemas modernos requerem soluções

modernas, o que acontece a passos lentos.

A questão da pouca eficiência dos serviços de atenção à Saúde do

Trabalhador no Ceará, particularmente os CEREST, chama atenção para os

diversos desafios que destacam a fragilidade desse campo e perpassam todas as

dimensões da saúde. Diante da flexibilização e da instabilidade do trabalho, de

formas alternativas de contratação, da terceirização, da necessidade de

intervenções rápidas; não há uma prioridade das ações preventivas que necessitam

de todo um suporte a longo prazo. É nesse universo que se expressam as

contradições e os desafios da Saúde do Trabalhador em sua relação com a Saúde

Mental e com a Saúde Pública em geral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo constituiu uma abordagem inicial acerca dos desafios e

possibilidades de atuação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador,

com foco no acompanhamento dos casos de assédio moral. Trouxe, ainda, pela

análise, uma série de novos elementos a serem considerados, discutidos e

problematizados no sentido de ter fomentado indícios para uma intervenção prática

mais integrada e eficiente sobre a Saúde Pública.

No que se refere ao assédio moral, objeto inicial da pesquisa, o propósito de

analisar a atuação sobre estes casos não pôde ser concretizada a contento, posto

que a grande maioria dos CEREST não realizava ações concretas relacionadas a

prevenção e/ou combate ao assédio moral, o que encaminhou esta pesquisa a

outros caminhos de análise voltados à atuação dos centros em geral.

Page 128: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

128

Por se tratar de um serviço que envolve as relações de trabalho em sua

dimensão social mais ampla, considera-se que a atuação desses órgãos de saúde

do trabalhador não está destacada do contexto das relações sociais como espaço

de manifestação da subjetividade e palco de atuação das políticas públicas.

Nesse sentido, foi utilizada, a título de discussão, a percepção dos próprios

profissionais de saúde dos CEREST sobre como receber e tratar casos de doenças

relacionadas ao assédio moral e demais comorbidades, estabelecendo vínculo

dessas doenças com o cotidiano de trabalho.

Foram consideras, ainda, as fragilidades do Sistema Único de Saúde/SUS,

por eles apontadas, no que tange a investimentos e atuação em rede. Deve-se

atentar, portanto, que é da visão do trabalhador do CEREST que está sendo feita a

análise, com todos os seus componentes de valor.

Nas falas desses profissionais são ressaltados os desafios de uma atuação

integrada das políticas públicas de Saúde Mental, Saúde do Trabalhador e do

Sistema Único de Saúde como um todo. Entende-se que a proposta de criação dos

CEREST pressupõe uma atuação em rede que ainda não foi totalmente assimilada,

nem pela população, nem pelos próprios profissionais de saúde, por não

encontrarem abertura para a realização de ações de prevenção e promoção da

saúde.

Com relação à criação de centros de referência, observa-se que os CEREST

têm traçado o mesmo caminho, com percalços semelhantes aos vivenciados quando

da criação dos Centros de Atenção Psicossocial/CAPS. Ao invés de se tornarem

uma referência em saúde mental, conforme objetivo inicial, constituindo uma rede

multidisciplinar e integrada de atenção à saúde mental, os Centros de Atenção

Psicossocial acabaram concentrado as ações acerca do transtorno mental e do

sofrimento psíquico. As ações que deveriam ser descentralizadas nos diferentes

níveis de atenção passaram a se concentrar nas unidades dos CAPS, da mesma

forma que os CEREST enfrentaram o problema de concentração das ações em

Saúde do Trabalhador. Somam-se a isso os investimentos não prioritários em

prevenção e promoção da saúde (BERNARDO E GABIN, 2011).

Page 129: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

129

Essa fragilidade repercute diretamente nas ações. O que se nota nas

entrevistas com as equipes profissionais dos CEREST é que, no caso do Ceará, a

maioria dos centros de referência, em geral, não compreende, na prática, a real

extensão da atuação desses órgãos, bem como seu lugar nas chamadas redes de

atenção à saúde. Dessa forma, no cotidiano de trabalho, os profissionais, em geral,

não conseguem estabelecer prioridades e/ou planos de atuação eficientes e

eficazes, nem conseguir o essencial apoio dos demais órgãos como as

superintendências regionais do trabalho e o INSS.

Acrescido a isto, a atuação dos CEREST no Ceará se mostra, muitas vezes,

condicionada a fatores externos de cunho assistencialista e paternalista,

característicos da formação sócio-histórica do Estado, onde a atenção aos

trabalhadores é considerada um favor, devendo ser oferecida de modo a não se

confrontar com os interesses políticos e econômicos dos municípios. Dessa forma,

os profissionais do CEREST necessitam se submeter a parcerias e acordos que

geram relações de poder e dominação conflitantes com as ações integradas em

saúde sobre acidentes e doenças relacionados ao trabalho.

Considerando o assédio moral, nesse contexto, enquanto relacionado a

fatores econômicos, políticos, sociais, culturais e estruturais, atenta-se para o fato de

que todos os sujeitos pesquisados alegaram a dificuldade de compreender e,

sobretudo, de atuar sobre essa demanda, visto que os encaminhamentos implicam

uma investigação ampla e profunda das condições de trabalho, o que é

impossibilitada pelas contradições políticas e econômicas encontradas nas

empresas, postos de saúde e nos setores administrativos dos municípios em geral,

manifestadas na falta de qualificação da equipe profissional e na intensa rotatividade

desses profissionais; nas dificuldades de realizar ações nas empresas e nas

próprias redes sentinela; na falta de priorização de ações de promoção e prevenção

em Saúde do Trabalhador.

As particularidades do assédio moral, que tornam ainda mais difícil seu

desvelamento, dizem respeito ao fato de que os atos de agressão, humilhação e

perseguição vivenciados, bem como a situação na qual esses atos se manifestaram

no cotidiano das relações de trabalho, atestam que esse tipo de violência

representa, em alguns casos, uma resposta a comportamentos que ferem, de algum

Page 130: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

130

modo, a estrutura das relações de poder. Geralmente isso acontece quando os

trabalhadores ameaçam voluntária ou involuntariamente a estabilidade da

organização, alterando o padrão imposto pelas regras cada vez mais fluidas do

mercado. Tanto é que o trabalhador chega a considerar os episódios contínuos de

violência como uma espécie de castigo.

E os profissionais de saúde não se isentam desse risco. Pelo contrário, estão

expostos constantemente a esse ambiente de exploração e instabilidade, conforme

foi possível constatar nos depoimentos de alguns profissionais entrevistados que

relataram situações de assédio moral.

Dentre os usuários do sistema público de saúde, existe ainda o preconceito e

a resistência para se buscar atendimento psicológico ou psiquiátrico, essenciais no

acompanhamento das vítimas de assédio moral.

Vê-se que a prática do assédio moral, por meio de perseguições,

desestabilização, exposição a situações vexatórias, está ligada a questões

socioeconômicas e culturais mais amplas. Muitas vezes, confunde-se também com o

próprio abuso de poder nas organizações, que se reflete nas relações sociais dos

trabalhadores em todas as suas dimensões. A atuação da rede de atenção à Saúde

do Trabalhador, em contrapartida, necessita de um suporte profissional e estrutural

que dê conta de investigar o fenômeno em todas as suas dimensões, não

descuidando da saúde e da segurança dos próprios profissionais de saúde.

Ressalta-se que a estruturação e o funcionamento da rede de saúde são

essenciais para o trabalho dos centros de referência. Nesse sentido, o trabalho dos

profissionais encontra-se prejudicado pela falta de comunicação efetiva entre os

serviços, o que prejudica a obtenção de informações que subsidiem as ações. Os

CEREST dependem dos dados epidemiológicos para o planejamento de suas

atividades. No entanto, existe dificuldade de obtenção desses dados, principalmente

no que se refere aos registros de acidente de trabalho no INSS.

Outro grande empecilho que existe está relacionado à dificuldade de realizar

ações nos ambientes de trabalho, pois falta apoio, mobilização e organização dos

sindicatos.

Page 131: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

131

A visita aos campos de pesquisa possibilitou apreender, no que se refere à

estruturação física, que o serviço mostra um avanço. Ainda que a maioria dos

centros esteja sediada em prédios ou casas adaptados, estes têm boas instalações

ou passam por melhoramento. Acrescenta-se ainda o fato de que sua localização

nos municípios é central e, em geral, fica próxima a outras instituições de saúde,

como Vigilância Sanitária, Secretaria de Saúde, CAPS e outras unidades sentinela,

facilitando a comunicação entre os serviços.

Dessa forma, tendo em vista a implantação recente dos centros de referência

no Ceará, há que se considerar os esforços no sentido de incentivar a discussão das

temáticas relacionadas à Saúde do Trabalhador.

Existem inúmeras questões a serem pensadas e discutidas. As entrevistas

com os profissionais, assim como a análise do contexto sócio- -histórico em

comparação com o levantamento bibliográfico, levam a crer que ainda há muito a se

fazer no sentido de uma atuação integrada e eficiente sobre a saúde do trabalhador,

em especial a saúde mental, entendendo a saúde como um bem-estar geral do

individuo. Nos casos de assédio moral, essa atuação eficiente demanda não só

apoio integral dos órgãos competentes, mas de uma organização por parte dos

trabalhadores e suas representações. A longo prazo, o combate ao assédio moral e

às doenças relacionadas ao trabalho pressupõe uma reorganização das relações de

trabalho baseada num comportamento ético que vise ao bem-estar geral, incluindo o

campo dos trabalhadores da saúde.

Com relação à pesquisa aqui desenvolvida, foi detectada a necessidade de

aprofundamento das questões relativas à organização de trabalho e das condições

de trabalho nos âmbitos público e privado como um todo, além das questões

organizacionais que envolvem a atuação dos profissionais de saúde.

Por fim, acrescenta-se aqui a demanda por mais ações de combate e

prevenção contra a violência ao trabalhador, de maneira que venham romper com as

contradições do capital que, se por um lado estimula o bem-estar do trabalhador por

meio da ideologia dos programas de qualidade de vida, por outro cria um ambiente

de trabalho tenso e desprovido de senso ético.

Page 132: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

132

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

ALVES, G. Dimensões da Reestruturação Produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2ª Ed. Londrina: Práxis; Bauru: Canal 6, 2007

________. Trabalho e Subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011

________.(2008) Toyotismo, Novas Qualificações e Empregabilidade: mundialização do capital e a educação dos trabalhadores no século XXI. Disponível em http://www.ia.ufrrj.br/ppgea/conteudo/conteudo-2008-2/Educacao-MII/2SF/1-Alves2008.pdf Acesso em 12 mai 2012

AMARAL, C.E.V; AMARAL, A. L. V. e AMARAL, S. A. V. Agravos à saúde física e mental do trabalhador: o assédio moral indireto e os desafios para o trabalhador no século XXI. Revista da Rede de Estudos do Trabalho (RET). Ano IV. Número 7. 2010. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/02RevistaRET7.pdf Acesso em: 5 set 2012.

ANDREUCCI, R. A . A criminalização do assédio moral. Disponível em: http://www.jurisnauta.com.br/modelo-main-artigo.asp?id=740. Acesso em 19 mai 2009.

ANTUNES, R. Anotações sobre o Capitalismo Recente e a Reestruturação Produtiva no Brasil. In: ANTUNES, Ricardo e SILVA, Aparecida (Orgs.). O Avesso do Trabalho. 1ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2000.

BARRETO, M. (2002) Assédio moral: o risco invisível no mundo do trabalho. Jornal da Rede Feminista de Saúde, n. 25. Disponível em: http://www.redesaude.org.br/jr25/html/jr25-margarida.html. Acesso em: 10 dez 2009.

___________. (2006) Assédio moral no trabalho: chega de humilhação. Disponível em:<http://www.assediomoral.org/site/> . Acesso em 15 fev 2009.

BATALHA, L. R. (2003) Assédio Moral em Face do Servidor Público. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/assedio%20moral%20em%20face%20do%20servidor%20publico.pdf. Acesso em 29 fev 2010

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2001

BERNARDO, M. H.; SELIGMANN-SILVA, E; MAENO, M. e KATO, M..Ainda sobre a saúde mental do trabalhador. Rev. bras. saúde ocup. [online]. 2011, vol.36, n.123, pp. 8-11.

Page 133: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

133

BORSOI, I. C. F.; RIGOTTO, R.; MACIEL, R. H.; Da excelência ao lixo: humilhação, assédio moral e sofrimento de trabalhadores em fábricas de calçados no Ceará.Cad. psicol. soc. trab., São Paulo, v. 12, n. 2, dez. 2009. Disponível em http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-37172009000200004&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 16 jun. 2012.

BRASIL. Constituição Federal de 05 de outubro de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.pdf. Acesso em: 23 fev 2013.

BRASIL. Lei n.º 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm. Acesso em: 15 mar 2013

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde do(a) Trabalhador (a). Brasília, 2004. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/proposta_pnst_st_2009.pdf. Acesso em: 15 mar 2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde do Trabalhador. Brasília. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=30426&janela=1. Acesso em: 15 mar 2013

BRASIL. Secretaria do Planejamento e Gestão do Estado do Ceará. Manual de Prevenção e Combate ao Assédio Moral na Administração Pública. Disponível em: http://www.gestaodoservidor.ce.gov.br/site/images/stories/manuais/bt7.pdf. Acesso em: 02 jun. 2012

BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de. Janeiro: Zahar, 1980.

CAMARGO, L. H. K. e MELLO, R. T. (2012). A “captura da subjetividade do trabalhador como obstáculo à efetivação dos direitos sociais. In: Anais Simpósio Internacional de Direito: dimensões materiais e eficácias dos direitos fundamentais. Disponível em: http://editora.unoesc.edu.br/index.php/simposiointernacionaldedireito/article/view/1596/1059 Acesso em: 15 jun 2012.

CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Rio de Janeiro: Vozes, 1998

CEARÁ [Estado]. Lei nº 15.036, de 18 de novembro de 2011. Dispõe sobre o assédio moral no âmbito da administração pública estadual e seu enfrentamento, visando a sua prevenção, repreensão e promoção da dignidade do agente público no ambiente de trabalho, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Ceará, Fortaleza, CE, 25 nov. 2011. Disponível em: http://www.al.ce.gov.br/legislativo/legislacao5/leis2011/15036.htm. Acesso em: 20 mar. 2013.

Page 134: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

134

DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.

___________. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré. 2002.

DEJOURS, C., DESSORS, D. & DESRIAUX, F. (1993). Por um trabalho, fator de equilíbrio. Revista de Administração de Empresas, 33(3), 98-104.

DUMENIL G. O mundo já ingressou na segunda fase da crise. Entrevista ao jornal da Unicamp. 2011

FERREIRA, J. B. et al . Situações de assédio moral a trabalhadores anistiados políticos de uma empresa pública. Psicol. rev. (Belo Horizonte), Belo Horizonte, v.12, n.20, dez. 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682006000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 16 jun. 2012.

FOUCAULT, M. Deuxessaissurlesujet et lepouvoir, in Hubert Freyfus e Paul Rabinow, Michel Foucault. Un parcours philosophique, Paris, Gallimard, 1984, pp. 297-321

FOUCAULT, M. (1995). O sujeito e o poder. In: Hubert L. Dreyfus & Paul Rabinow, Michel Foucault. Uma trajetória filosófica. Para além do estruturalismo e da hermenêutica (pp. 231-249). Rio de Janeiro: Forense Universitária.

FREIRE, P. A. Assédio moral e saúde mental do trabalhador. Trabalho, Educação e Saúde: 2008, volume 6, numero 2, p. 367 a 380.

FRIGOTTO, G. Educação, crise do trabalho assalariado e do desenvolvimento: teorias em conflitos. In: FRIGOTTO, G. (Org.). Educação ecrise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis: Vozes,1998. p. 25-54.

GOMEZ, C.M. e LACAZ, F.A.C. Saúde do trabalhador: novas-velhas questões. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.10, n.4, p.797-807, 2005.

GONÇALVES, R. C. O assédio moral no Ceará: naturalização dos atos injustos no trabalho. Fortaleza, 2006.

GLINA, D. M. R. e SOBOLL, L. A. (2006). Intervenções em assédio moral no trabalho: uma revisão da literatura.Rev. bras. saúde ocup. 2012, vol.37, n.126

GRAMSCI, A. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. 3aed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

GUEDES, M. N. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2004.

GUIMARÃES, L. A. M.; RIMOLI, A. O. “Mobbing” (Assédio Psicológico) no Trabalho: Uma Síndrome Psicossocial Multidimensional. Psicologia: Teoria e Pesquisa, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 183-192, mai-ago. 2006.

Page 135: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

135

HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Ed. Loyola, 1994.

_______. O novo imperialismo. São Paulo: Ed. Loyola, 2004.

HELOANI, R. (2005) Assédio moral: a dignidade violada.Aletheia. [online]. dez. 2005, no.22, p.101-108. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942005000200010&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1413-0394. Acesso em 16 jul 2009

HELOANI, R.; BARRETO, M. Aspectos do trabalho relacionados à saúde mental: assédio moral e violência psicológica. In: GLINA, D. M. R.; ROCHA, L. E. Saúde mental no trabalho: da teoria à prática. São Paulo: Roca, 2010. p.31-48.

JACKSON FILHO, J. M. A determinação/produção dos agravos à saúde dos trabalhadores e seu enfrentamento: uma questão estritamente técnica?. Rev. bras. saúdeocup., Dez 2012, vol.37, no.126, p.193-194.

LEYMANN, H. "The Content and Development of Mobbing at Work." European Journal of Work and Organizational Psychology, 1996, pp.165-184.

LEYMANN, H. Mobbing: La Persecution au Travail. Paris: Du Seuil. 1996.

MACIEL, R. H. et al . Auto relato de situações constrangedoras no trabalho e assédio moral nos bancários: uma fotografia. Psicol. Soc., Porto Alegre, v.19, n.3, Dec.2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822007000300016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 16 jun. 2012.

MACIEL, R. H. e GONÇALVES, R. C. (2008). Pesquisando o assédio moral: a questão do método e a validação do Negative ActsQuestionnary (NAQ) para o Brasil. Em L. A. P. Soboll (Org.). Violência psicológica e assédio moral no trabalho: pesquisas brasileiras (pp. 167-185). São Paulo: Casa do Psicólogo.

MACIEL, E.C.; NOGUEIRA, C. V.; MACIEL, R. H. Licença Saúde por Transtornos Mentais entre Servidores Públicos do Estado do Ceará. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS, 13, 2010, Brasília. Anais do 13º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais. Brasília: CFESS, 2010.

MAENO, M, e CARMO, J. C. Saúde do Trabalhador no SUS. Aprender com o passado, trabalhar o presente, construir o futuro. Editora Hucitec. 2005.

MARANHÃO, Ney Stany Morais. Dignidade humana e assédio moral. A delicada questão da saúde mental do trabalhador. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3039, 27out.2011. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/20307. Acesso em 8 abr. 2013.

MÉSZÁROS, Ístván. Desemprego e precarização: um grande desafio para a esquerda. In: ANTUNES, Ricardo (Org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil.Boitempo, 2006.

Page 136: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

136

MINAYO, M. C. S. O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. 3ª Ed. São Paulo-Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO. 1994.

MINAYO GOMEZ, C. Historicidad del concepto "salud del trabajador" en el ámbito de la salud colectiva: el caso de Brasil. Salud colectiva, Lanús, v. 8, n. 3, dic. 2012 . Disponivel em: http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1851-82652012000400001&lng=es&nrm=iso Acesso em 04 fev 2013.

MINAYO GOMEZ. C., MACHADO JMH, Pena PGL, (org.). Saúde do Trabalhador na Sociedade Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011.

MOULIN, M. G. B. e MORAES, A. B. T..Vamos fazer poeira!: fontes e expressões da pressão no trabalho do setor de rochas ornamentais no Espírito Santo. Rev. bras. saúde ocup. [online]. 2010, vol.35, n.122, pp. 192-200.

OLIVEIRA, M.H.B. & VASCONCELLOS, L.C.F (2000). As políticas públicas brasileiras de saúde do trabalhador: tempos de avaliação. Saúde em Debate 24(55):92-103.

OLIVEIRA, E. S. Assédio Moral: sujeitos, danos à saúde e legislação. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v.30, n.114, p.49-64, abr./jun. 2004.

OLIVEIRA, M. H. B; VASCONCELLOS, L. C. F. Política de saúde do trabalhador no Brasil: muitas questões sem respostas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, jun. 1992. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1992000200006&lng=pt&nrm=iso Acesso em 29 jan 2013.

ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE. Política da OPAS em matéria de prevenção e resolução do assédio no local de trabalho. Brasília: OPAS, 2004.

PASSET, R. A ilusão neoliberal. Rio de Janeiro: Record, 2002.

PEÇANHA, P. O. L. Assédio moral: Consequências e formas de prevenção no ambiente empresarial. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7012. Acesso em abr 2013.

PERES, M. A. C. (2010).Do Taylorismo/fordismo à Acumulação Primitiva Toyotista: novos paradigmas e velhos dilemas. Disponível emhttp://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/taylorismo_e_fordismo_toyotismo1.pdfAcesso em 23 jun 2012

PETRAS, J. (2012). A “crise do capitalismo global” – Crise de quem? Quem lucra?Disponível em: http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/02/crise-do-capitalismo-global-crise-de.html. Acesso em: 02 mai 2012.

POCHMANN, M. O Trabalho sob Jogo Cruzado. Contexto, São Paulo, 1999.

Page 137: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

137

POLIGNANO, M. V. (2008) História das políticas de saúde no Brasil: uma pequena revisão. Disponível em: http://internatorural.medicina.ufmg.br/saude_no_brasil.pdf Acesso em: 20 mai 2013.

RIGOTTO, R. M. Saúde dos trabalhadores e meio ambiente em tempos de globalização e reestruturação produtiva. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 93/94: 9-20, dez.1998

RIGOTTO, R. M.; MACIEL, R. H.; BORSOI, I. C. F. Produtividade, pressão e humilhação no trabalho: os trabalhadores e as nova asnovas fábricas de calçados no Ceará. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo,35 (122), p. 217-228, 2010

SELIGMANN-SILVA, E. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez Editora, 2011.

SANTANA, V. S.; SILVA, J. M. da. Os 20 anos da saúde do trabalhador no sus: limites, avanços e desafios. Minas Gerais. Disponível em: <http://www.saude.mg.gov.br/politicas_de_saude/visa/Os%2020%20anos%20da%20ST%20no%20SUS-%20Limites,%20avancos%20e%20desafios.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2012.

SALIN, C.A. Doenças do trabalho: exclusão, segregação e relações de gênero. São Paulo Perspec., São Paulo, v.17, n.1, p.11-24, jan./mar., 2003.

SALIN, D. (2001) Prevalence and forms of bullying among business professionals: A comparison of two different strategies for measuring bullying. European Journal of Work and Organizational Psychology, 10 (4), 425–441

SANTOS, B. S. Pela Mão de Alice: o Social e o Político na Pós-Modernidade. 4ª Ed. São Paulo: Editora Cortez, 1997.

__________. A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2005.

SENNET, R. A Corrosão do Caráter. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001 __________. A Cultura do Novo Capitalismo. Editora RCB, 2006.

___________. O Declínio do Homem Público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

SILVA, S. B. (2009). Globalização Neoliberal: a reconfiguração da questão social através das metamorfoses no mundo do trabalho. Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/globalizacao-neoliberal-a-reconfiguracao-da-questao-social-atraves-das-metamorfoses-no-mundo-do-trabalho/14795/ Acesso em 02 mai 2013.

TARCITANO, J. S. Castro; GUIMARÃES, C. D. Assédio Moral no ambiente de trabalho. São Paulo: Casa dos Psicólogos, 2004.

WASHINGTON (2004). Produção em Massa ou Enxuta? Disponível em: http://www.geomundo.com.br/geografia-30108.htm. Acesso em: 21 mai 2012.

Page 138: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

138

WAGNER, E. S. Hannah Arendt e Karl Marx: o mundo do trabalho. Cotia: Ateliê Editorial, 2002.

Page 139: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

139

APÊNDICE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Nome da pesquisa: ASSÉDIO MORAL NA CONTEMPORANEIDADE: DESAFIOS DA ATENÇÃO AO TRABALHADOR VITIMIZADO O(a) senhor(a) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa e voluntariamente responder as perguntas a ela referentes. As suas informações e respostas serão mantidas em sigilo e sua identidade não será revelada e as informações serão consideradas confidenciais. Desta forma, pedimos a sua colaboração nesta pesquisa sobre o tema acima proposto que poderá ser gravada se o(a) senhor(a) concordar. Vale ressaltar, que sua participação é voluntária e o(a) senhor(a) poderá a qualquer momento deixar de participar desta sem nenhum prejuízo ou dano. Indicamos ainda que não há nenhum risco ou desconforto para o(a) Sr.(a) em participar da pesquisa. Garantimos, portanto, que a pesquisa não trará nenhum prejuízo, dano o transtorno para aqueles que participarem. Este estudo diz respeito a uma pesquisa sobre assédio moral no trabalho, enquanto expressão de sofrimento na dimensão da subjetividade do trabalhador vitimizado, observando a atuação dos profissionais que atendem as demandas de assédio que chegam aos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERESTs) do estado do Ceará.As informações que o (a) Sr.(a) nos der serão úteis para a compreensão das políticas e da atuação do serviço neste âmbito. Comprometemo-nos a utilizar os dados coletados somente para a pesquisa e os resultados poderão ser veiculados através de artigos científicos e revistas especializadas ou encontros científicos ou Congressos, sempre resguardando sua identificação. Destacamos que são esses os seus direitos ao participar da pesquisa (Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério de Saúde/ do Brasil): 1- A garantia de receber resposta a qualquer pergunta, dúvidas, esclarecimentos acerca dos procedimentos, riscos, benefícios e outros relacionados à pesquisa; 2- A liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo, sem que isso traga prejuízo à continuação de seu atendimento e tratamento habitual nesse serviço; 3- A segurança de não ser identificado e do caráter confidencial de toda a informação relacionada com sua privacidade; 4- O compromisso de receber informação atualizada durante o estudo, mesmo que este afete sua vontade de continuar participando; 5- A disponibilidade do tratamento médico e indenização a que legalmente tem direito, por parte da instituição de saúde, em caso de danos justificados, causados diretamente pela pesquisa; 6- Se existem gastos adicionais, estes, serão absorvidos pelo orçamento da pesquisa.

Page 140: ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO DO TRABALHO FLEXÍVEL: desafios da vigilância em Saúde …uece.br/politicasuece/dmdocuments/Ana_Karina_Loiola.pdf · 2013-08-29 · TRABALHADOR NO SUS

140

Pesquisadores Responsáveis: Ana Karina Loiola de Oliveira(mestranda) – Endereço: Av. da Universidade, nº 2223, CEP: 60.020-180 - Fortaleza-CE – Brasil, fone : (85) 9600.8116; e meu orientador, Dr.João Bosco Feitosa dos Santos. O Comitê de Ética da UECE encontra-se disponível para esclarecimentos pelo telefone (85) 3101.9890. Endereço: Av. Paranjana, 1700 – Itapery – Fortaleza – Ceará. Este Termo está elaborado em duas vias, sendo uma para o sujeito participante da pesquisa e outro para o arquivo do pesquisador.

TERMO DE CONSENTIMENTO Eu, Sr.(a)_________________________________________________________,abaixo assinado, tendo sido esclarecido a respeito da pesquisa, aceito participar da mesma.

______________________data: ____/_____/2013

_____________________________ _______________________________ Assinatura do sujeito da pesquisa Assinatura do(a) Pesquisador(a) (entrevistado) Digital do sujeito da pesquisa (entrevistado)