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0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE O MULTICULTURALISMO NEOLIBERAL E A ESCOLA PARA OS ÍNDIOS NO CEARÁ (1995 2002) Antônio José Morais de Lima Fortaleza-CE 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E

SOCIEDADE

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

O MULTICULTURALISMO NEOLIBERAL E A ESCOLA PARA OS ÍNDIOS NO

CEARÁ (1995 – 2002)

Antônio José Morais de Lima

Fortaleza-CE

2014

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ANTÔNIO JOSÉ MORAIS DE LIMA

O MULTICULTURALISMO NEOLIBERAL E A ESCOLA PARA OS ÍNDIOS NO

CEARÁ (1995 – 2002)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade

do Centro de Estudos Sociais Aplicados da

Universidade Estadual do Ceará, como

requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade.

Área de Concentração: Políticas Públicas e

Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. Jourberth Max Maranhão

P. Aires

Fortaleza- Ceará

2014

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RESUMO

Este trabalho busca fazer uma análise das políticas de educação escolar indígena, entre

os anos de 1995 e 2002, no estado do Ceará. Durante este período esteve à frente do

governo do estado o político empresário Tasso Jereissati, no seu segundo e terceiro

mandato. O governo do estado passou a moldar suas políticas públicas a partir de ideais

da doutrina neoliberal. O neoliberalismo foi um fenômeno recorrente na América

Latina, que tem por característica adequar a formação dos indivíduos a uma lógica de

mercado de trabalho. Deste modo, o caminho que traçamos para esta pesquisa foi

iniciado com uma analise da situação sociocultural da América Latina durante a década

de 1990, com o aparecimento do ideal neoliberal. Ao mesmo tempo em que a

mobilização indígena ganha força e representação por seus direitos. Em seguida,

partimos para apresentar as características da doutrina neoliberal que moldaram as

políticas culturais durante o “Governo das Mudanças” (1987). Por ultimo, realizou-se

uma analise dos documentos das políticas de educação escolar indígena que moldaram

as ações do estado. Para tanto, utilizando o conceito de gênero literário para

classificação dos documentos, realizamos uma analise da educação indígena enquanto

“ordem do discurso” contido nos textos oficiais do Estado. Chegamos à conclusão que a

educação escolar indígena, ao longo do período, foi se consolidando e ganhando

destaque juntos as políticas educacionais, apesar disso, ainda mostra-se uma área de

conflito, onde diversos agentes (movimento indígena, agentes do estado, acadêmicos,

etc.) atuam na construção dos documentos oficiais.

Palavras-Chave: Multiculturalismo Neoliberal; Governo das mudanças; Educação indígena.

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ABSTRACT

his paper seeks to analyze the indigenous education policies, between 1995 and 2002 in

the state of Ceará. During this time headed the state government political Tasso

Jereissati businessman, in its second and third term. The state government began to

shape public policies from ideals of neoliberal doctrine. Neoliberalism was a recurring

phenomenon in Latin America, which is characteristic adapt the education of

individuals to a labor market logic. Thus, the path we have set for this research was

started with an analysis of the socio-cultural situation in Latin America during the

1990s, with the rise of neo-liberal ideal. While the indigenous mobilization gains

strength and representation for their rights. Then we set out to present the neoliberal

doctrine of characteristics that shaped the cultural policies during the "Government of

Change" (1987). Finally, we carried out an analysis of the documents of indigenous

education policies that shaped the state's actions. Therefore, using the concept of literary

genre for classifying documents, we conducted an analysis of indigenous education as

"order of speech" contained in the State's official texts. We conclude that the indigenous

education, over the period, was taking hold and gaining momentum together educational

policies, nevertheless still shows up an area of conflict where various actors (indigenous

movement, state officials, academics, etc.) act in the construction of official documents.

Keywords: Neoliberal Multiculturalism; Government changes; indigenous education

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AECR Equipe de Apoio às Comunidades Rurais

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

BNB Banco do Nordeste do Brasil

CDMAC Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura

CEC Conselho Estadual de Educação

CIC Centro Industrial do Ceará

CREDE Centro Regional de Desenvolvimento da Educação

FMI Fundo Monetário Internacional

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação

FUNAI Fundação Nacional do Índio

FUNCAP Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa

GEPE Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnicidade

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

INI Instituto Nacional Indigenista

LDB Lei de Diretrizes e bases

LEC Liga Eleitoral Católica

MEB Movimento de Educação de Base

MEC Ministério da Educação

MIRAD Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário -

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONG Organização não Governamental

PCB Partido Comunista Brasileiro

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PDC Partido Democrata Cristão

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PI Posto Indígena

PMDB Partido do Movimento Democrata Brasileiro

PPA Plano Pluri Anual

REX Relação de Escolas Unidades Executivas

RCNEI Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas

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SAP Sistema de Acompanhamento Pedagógico –

SCITEC Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia

SEDUC Secretaria de Educação Básica

SIGE Sistema Integrado de Gestão Educacional

SPAECE Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do

Ceará

SPI Serviço de Proteção aos Índios

SPILTN Serviço de Proteção aos Índios e localização de trabalhadores

Nacionais

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFC Universidade Federal do Ceará

USP Universidade de São Paulo

UNEB Universidade do Estado da Bahia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................08

CAPÍTULO 1. A Formação de uma Doutrina Neoliberal e o movimento indígena

na América Latina.........................................................................................................16

1.3 O Banco Mundial e os Projetos Culturais.............................................................17

1.4 O Multiculturalismo Neoliberal na América Latina............................................18

1.1 Políticas de Descentralização..................................................................................19

1.2 O Desenvolvimento Econômico Local Através do Turismo................................21

1.5. Estado e Povos Indígenas no Brasil.......................................................................23

1.6 A Formação de um Indigenismo ...........................................................................24

CAPÍTULO 2. Multiculturalismo Neoliberal: “governo das mudanças”, igreja

católica e indígenas........................................................................................................29

2.1 Introdução................................................................................................................29

2.2.1 Um novo cenário político surge: os empresários do CIC..................................30

2.2.2 Transformações Simbólicas.................................................................................32

2.2.3 As Políticas Culturais no Governo das Mudanças............................................31

2.3 O “Reconhecimento” do Multiculturalismo no Ceará: a Arquidiocese de

Fortaleza.........................................................................................................................34

CAPÍTULO 3. A Produção de um Discurso e de Práticas Sobre Escolas Para os

Índios (1995-2002)..........................................................................................................40

3.2 A política educacional no modelo Neoliberal e a Escola para os Índios (1995 -

1999)................................................................................................................................40

3.3. O Terceiro Governo Tasso e o Movimento: Escola do Novo Milênio (1999 -

2002)................................................................................................................................45

3.4 A política educacional e ações direcionadas aos povos indígenas.......................45

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3.5 A Formação do Professor Indígena.......................................................................53

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................57

BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................60

ANEXO...........................................................................................................................66

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INTRODUÇÃO

Um conjunto de políticas voltadas para os direitos dos povos indígenas no Brasil

vão dar nova configuração ao cenário da educação diferenciada direcionada às

comunidades indígenas. Dentre as políticas e aparatos legais (Constituição Federal de

1988; Lei de Diretrizes e Base da Educação 9.394/96; Decreto n.° 25.970/2000;

Resolução n.° 382/2003, etc.), podemos destacar mudanças de ordem político-

administrativas, técnicas e pedagógicas, bem como a coordenação política das ações,

que passou da Fundação Nacional do Índio - FUNAI para o Ministério da Educação -

MEC. Como forma de por em prática as novas políticas de educação indígena, o MEC

inicia, em 1998, a elaboração de documento voltado, especificamente, para as escolas

indígenas, a saber: o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas -

RCNEI, deste modo, produzindo um ideário político oficial a respeito da educação

indígena, o qual passou a orientar os projetos a partir dos princípios de

interculturalidade, bilinguismo, especificidade e diferença como características das

políticas de educação escolar indígena a serem implementadas no Brasil (COLLET,

2001). O MEC, na continuidade de coordenador das políticas de educação indígena e

atendendo as novas normas de ensino, passa para as secretarias de educação dos Estados

e Municípios a tarefa de executar, de forma colaborativa (Governo Federal, Estadual e

Municipal), as novas políticas para as escolas diferenciadas.

Devemos levar em conta que, assim como em outros países, tais reformas foram

regionalmente fragmentadas em sua implementação, significados e efeitos

(GUSTAFSON, 2002 apud AIRES, 2009, p. 37). No Estado do Ceará, a Secretaria de

Educação Básica - SEDUC propôs o projeto de Descentralização da Administração e

Gestão Participativa que, consequentemente, envolviam as escolas diferenciadas

indígenas. Mas quando e como surgiram os primeiros indícios de uma política de

educação diferenciada indígena no Governo do Estado do Ceará?

Os documentos oficiais que estabeleceram os primeiros rumos de uma política

para a educação indígena aparecem no Ceará em 1996, quando uma série de políticas

específicas são implementadas no âmbito da educação indígena. Mas, antes disso, em

1987, uma nova forma de administração pública estava sendo incorporada ao governo

do Estado, com ideais de desenvolvimento e modernização. Entram em cena os

empresários do Centro Industrial do Ceará - CIC, liderados por Tasso Jereissati, que

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buscavam uma nova forma de governabilidade através de uma negação do passado, os

coronéis.

Com a entrada em cena dos políticos-empresários do CIC, os discursos e ações

governamentais no “Governo das Mudanças” são moldados a partir de uma lógica

empresarial centrada no desenvolvimento socioeconômico, modelando a criação de

políticas na área da indústria e do turismo local. Além disso, tais ideais de modernidade

influenciaram na criação das políticas culturais, com a re-significação dos mitos da

origem do povo cearense e, de uma só vez, trazendo ao discurso oficial do estado o ideal

de multiculturalismo. Assim, abre espaço para discussões sobre reconhecimento dos

direitos específicos dos demais grupos sociais que ocupam os distintos espaços, sejam

eles: mestiços, brancos, negros ou índios.

O trabalho que procuro desenvolver aqui diz respeito à introdução desse discurso

neoliberal pelo “Governo das Mudanças”, inicialmente, nas políticas culturais do Estado

e como, a partir daí, o governo passou a pensar as políticas de educação voltadas aos

povos indígenas no Ceará com o discurso do multicultural.

Ainda em 1996, o então secretário de educação do Estado do Ceará Antenor

Naspolini, encaminha ao Conselho Estadual de Educação – CEC, o Projeto: educação

escolar indígena/(Re)afirmando a identidade cultural do índio cearense, que tinha como

objetivo apoiar a educação escolar indígena e apresentar o Plano de Trabalho. Em

trechos do texto do projeto encontramos a seleção de temas destinados à educação

voltada para as comunidades indígenas: os conteúdos universais indispensáveis ao

exercício da cidadania e conteúdos e vivências indispensáveis à reafirmação cultural.

Em 1998, a SEDUC lança o Programa de Expansão da Escola Indígena no

Ceará, que conta com cinco metas, a saber: elaboração do censo educacional, formação

de professores, ampliação e construção de escolas, elaboração de material didático

específico e realização de eventos. Entre 1998 e 2002, a educação indígena é definida

como uma “educação especial”, sendo entendida como um serviço destinado a crianças

e adultos com carência de aprendizagem enfatizando-se a comunidade indígena ou

como processo de inclusão educacional de populações em risco social e econômico,

dentre elas a populações indígenas, priorizando a conservação de suas culturas.

No mesmo período, a educação indígena passa a fazer parte do orçamento

estadual e é estabelecido convênio com Banco Mundial para construção de escolas, ao

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mesmo tempo, é criada por decreto a categoria Escola Indígena. Dentre outras

providências, estabeleceu-se a estrutura e funcionamento das escolas indígenas com as

seguintes características: “localização em terras habitadas por comunidade ou povo

indígena”, “exclusividade de atendimento a comunidades ou povos indígenas” e

“adoção do ensino bilíngue ou multilíngue, incluindo as línguas materna e portuguesa”.

Durante mandato é concluído o processo de formação dos professores em nível médio,

tem início a formação continuada e começam as ações para a gestão das escolas

indígenas, tais como a criação dos “núcleos gestores” e capacitação dos indígenas.

Dando continuidade as mudanças realizadas pelas diretrizes do Programa de

Descentralização da Administração e Gestão Participativa a SEDUC coloca em prática

iniciativas no âmbito da administração regional da educação no Estado. A principal

mudança no âmbito da educação foi extinção das Delegacias Regionais de Educação –

DERE, que deram lugar ao Centro Regional de Desenvolvimento da Educação –

CREDE. Das 14 DERE extintas, o Estado passou a contar com 21 CREDE, que

passaram a gerir, em parceria com Órgãos Municipais, as políticas de educação nas

regiões, distribuídos em todo Estado do Ceará (SOUZA, 2006, p. 57).

Com a nova gestão descentralizada e a criação das CREDEs, novas ações

administrativo-financeira, de ensino e gestão escolar são postas em prática no estado.

Segundo Souza, correspondendo, respectivamente, às seguintes atribuições:

(a) Administrativo-financeiras, gerenciamento e

acompanhamento dos recursos financeiros repassados para as

unidades escolares e de seu próprio uso, controle e conservação do

material e patrimônio do Estado, desenvolvimento e lotação dos

recursos humanos; b) Ensino, desenvolvimento das propostas

curriculares, acompanhamento e avaliação do processo ensino-

aprendizagem; e c) Gestão Escolar, coordenação da política de

gestão democrática, fortalecimento dos organismos colegiados e de

autonomia escolar. (SOUZA, 2006, p. 10-11; negritos no original)

As ações de políticas de educação indígena realizadas pelo CREDE seguem as

diretrizes indicadas pela SEDUC, que “objetiva expandir o atendimento à população

indígena, de modo a beneficiar a todas as etnias presentes em território cearense.”

(SEDUC, 2001). As estratégias de implementação de uma política de educação na área

indígena, prevê atuações que assegurem a autonomia pedagógica e financeira das

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escolas indígenas. Outra especificidade relacionada á escola indígena é a atuação do

corpo docente, onde só quem leciona na escola são profissionais da própria comunidade,

indígenas formados nos cursos de magistério indígena, dentre eles o realizado pela

SEDUC em 19961.

Sobre o Corpus Documental da Educação Indígena

Neste trabalho, procuramos descrever e refletir a respeito do discurso sobre

educação voltada aos povos indígenas que foi se construindo entre os anos de 1995 e

2002, período este que condiz com o segundo e terceiro mandato de governador de

Tasso Jereissati. Na mesma época o Secretário Antenor Naspolini esteve á frente da

SEDUC. Nossas ambições foram a de levantar e analisar os documentos produzidos na

área de educação escolar indígena no Ceará, que seguisse uma “ordem do discurso”2

(FOUCAULT, 2010), ou seja, documentos que nos deem pistas para entende o discurso

produzido pelo estado que estabeleceu os rumos que foram traçados para a consolidação

da educação indígena.

A partir do recorte temporal estabelecido, podemos selecionar o material

produzido por agentes que atuaram nas agências governamentais e que exerceram

cargos ligados à educação formal – voltada para a sociedade em geral – e/ou à educação

escolar para os indígenas. Estes agentes, que Saldívar (2011) categorizou como “street-

level bureaucrats”, realizaram trabalho de campo ou mantiveram algum tipo de relação

junto aos povos indígenas, passaram por um processo que a autora chamou de “torna-se

indigenista”. Embora os agentes estatais tenham se envolvido em grande variedade de

interações com as populações indígenas, existem dificuldades e tensões em torno do

trabalho do indigenista, pois são estes agentes que decidem que tipo de atenção deve ser

dado, recursos a serem destinados, os meios e rotinas do trabalho junto às comunidades

e, principalmente, ações e formulação de políticas governamentais voltadas aos

indígenas.

1 Cf. NASCIMENTO, Rita Gomes. 2006.

2 Segundo Ravel, a "ordem do discurso" própria a um período particular possui, portanto, uma função

normativa e reguladora e coloca em funcionamento mecanismos de organização do real por meio da

produção de saberes, de estratégias e de práticas (REVEL, 2005, p. 37).

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Segundo Souza Lima, para pensar no indigenismo enquanto discurso deve-se

voltar a atenção para o fato eminentemente político da produção de saberes, tendo seu

objeto de pesquisa os arquivos. De modo que, o discurso tratado a partir dos

documentos, não poderia existir fora de sua historicidade e geografia específicas

(FOUCAULT, 1986 apud SOUZA LIMA, 1995, p. 15).

E completa, alertando que, para “estudar o indigenismo enquanto discurso

implicaria em trabalhar não apensar com os textos publicados pela administração [...]

sobre a população nativa” (ibidem, p. 16), mas também, fazer uso das etnografias que

contextualizem o período a ser estudado. Deste modo, também foram utilizadas teses,

dissertações e relatórios (TAVARES, 2001; PALADINO, 2001; NASCIMENTO, 2006;

LIMA, 2009; AIRES, 2010) que nos ajudassem a identificar o discurso que foram

estabelecendo a educação indígena nos documentos oficiais do estado durante os

governos de Tasso Jereissati.

Tomando como base o trabalho de Mariana Paladino, classificamos os

documentos a partir de gêneros literários (ALMEIDA, 1978, 1983; SOUZA LIMA,

1995; PALADINO, 2001; AIRES, 2010), e seguimos sua abordagem em que a autora

trabalha a educação indígena enquanto objeto de discurso. Então, os textos coletados

nesta pesquisa trazem o recorte temporal entre os anos de 1995 e 2002, pois se orientou

pelos primeiros indícios do discurso a respeito da educação indígena nos documentos

produzidos pelo governo do estado. Os documentos são em sua maioria classificados

como documentos oficiais3. São textos que dão conta do aspecto burocrático da

educação indígena e expressam como o estado apropriou-se dos discursos que norteiam

suas práticas. Também foi possível identificar, em menor número, documentos com

características de declarações e/ou pareceres, que reúne opiniões de agentes

especializados no tema da educação indígena. (idem, p. 29 - 30). “Embora esta

estratégia tenha facilitado o arranjo preliminar do material [...], ela pode ser enganadora,

pois alguns destes textos foram produzidos com a participação de múltiplos agentes4”

(AIRES et al, 2010, p. 100). Além dos documentos oficiais, também fizeram parte das

fontes consultadas relatórios, teses e dissertações que trataram de estudar o tema das

3 São textos de tipos diversos: como leis, resoluções e portarias, diretrizes, projetos, planos de ações,

convênios, programas de educação e estatísticas (PALADINO, 2001) 4O que nos remete a pensar na atuação dos vários agentes envolvidos (lideranças indígenas, movimentos

sociais, universidades, CREDE, ONGs, Pastoral Indigenista, antropólogos, educadores, instituições

internacionais, etc.) elaborando e executando políticas governamentais, ou seja, atuando como “Estado”

(ALMEIDA, 2008, p. 102).

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políticas educacionais para os povos indígenas e que contribuíssem para a construção do

campo discursivo (FOUCAULT, 2010; PALADINO, 2001) que tomou como objeto a

educação indígena.

Como analisado por Das e Polle (2008), é através da prática de documentação –

ou seja, documentos emitidos pelo governo para garantir ao sujeito sua legibilidade –

que ideais de sujeitos e cidadãos começam a circular entre os múltiplos agentes que

fazem uso destes documentos, gerando o que as autoras denominam de efecto de

legibilidade, de fato, “[Es] a través de estas prácticas de documentación que el estado

hace legible para sí a la población” (DAS & POOLE, 2008, p. 31). Segundo Weber, a

administração moderna baseia-se na documentação e o exercício contínuo e específico

de atividades dos funcionários que trabalham em uma instituição administrativa

(WEBER, 1999, p. 199).

Deste modo, a consulta do material a ser analisado aconteceu, principalmente,

no Banco de Dados de Documentos de Estado (AIRES, 2010). O material coletado

ocorreu no âmbito da pesquisa Mobilizações de Professores Indígenas e Políticas

Multiculturais5 (2009 - 2011), da qual tive oportunidade de participar como bolsista de

iniciação cientifica – FUNCAP, com orientação do professor Dr. Jouberth Max

Maranhão Piorsky Aires, durante minha graduação em Ciências Sociais na

Universidade Estadual do Ceará – UECE. Esta etapa da pesquisa foi facilitada, pois o

material já se encontrava no banco de dados6 do Grupo de Estudos e Pesquisas em

Etnicidade – GEPE, além do auxílio do relatório da pesquisa publicado em 2010

(AIRES et al, 2010). Outra parte dos documentos foi consultada na Secretaria de

Educação Básica do Estado do Ceará – SEDUC, os quais se encontravam tanto no

acervo do setor de educação indígena como na biblioteca da instituição. Após a

consulta, podemos classificar e selecionar os documentos que nos ajudassem a

5 Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq,

Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP e Universidade

Estadual do Ceará - UECE. 6 Cabe aqui ressaltar que a base de dados do GEPE foi criada a partir da realização de trabalho consultivo

em arquivos, bibliotecas e base de dados das seguintes instituições: Arquivos do Conselho de Educação

do Ceará; Arquivos da Fundação Nacional do Índio – Setor de Educação; Arquivos da Associação Missão

Tremembé; Arquivos da Arquidiocese de Fortaleza – Pastoral Indigenista; Biblioteca Pública Governador

Menezes Pimentel; Biblioteca César Cals de Oliveira, da Assembléia Legislativa; Biblioteca da Secretaria

de Educação Básica do Estado do Ceará; Biblioteca da Universidade Estadual e Federal do Ceará; Base

de dados do Ministério Público Federal – Ceará e Base de dados do Banco Mundial. Além da consulta a

estes locais, contaram também com a colaboração de professores indígenas, estudantes de graduação e

pós-graduação e pesquisadores que forneceram material de seus arquivos pessoais para a composição

deste levantamento (AIRES et al, 2010, p. 100).

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reconstruir a trajetória histórica, discurso e práticas das políticas de educação escolar

indígena no Ceará.

Destarte, iremos analisar os programas de governo com foco nas políticas

educacionais, a saber: Plano de Desenvolvimento Sustentável (1995), Todos pela

Educação de Qualidade para Todos (1995), Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDB (lei 9394/96 - Art. 78), Mensagens à Assembleia Legislativa do Ceará

(1995 - 2002), Plano Plurianual (1999), Escola do Novo Milênio (2001), A Educação

Básica no Ceará: conquistas e desafios (2001), Escola do Novo Milênio: Educação

Básica de Qualidade no Ceará – Acordo de Empréstimo (2001), A Educação Indígena

no Ceará (2001), Dados/Informações Sobre a Educação Indígena no Ceará (2001),

Formação Para o Magistério Indígena (2002).

Este trabalho tem, portanto, a ambição de realizar uma pesquisa documental a

respeito do surgimento das políticas de educação indígena no discurso oficial das

políticas públicas no estado do Ceará.

No primeiro capítulo, buscaremos entender como ocorreu o fenômeno da

doutrina neoliberal na América Latina, fazendo um breve paralelo com o que ocorria na

esfera nacional e local. Também destacamos como a mobilização indígena ganhou força

no âmbito das lutas na busca por seus direitos. Em seguida, mostraremos como ocorreu

o surgimento de um indigenismo burocrata e políticas direcionadas aos povos indígenas.

No segundo capítulo, a partir de uma analise do “Governo das Mudanças”,

tento mostrar como a doutrina neoliberal influenciou nas políticas governamentais, em

especial, as políticas culturais e, a partir daí, o discurso do multiculturalismo passou a

integrar os documentos oficiais do governo do estado do Ceará. Depois, procuramos

mostrar como a ação da Igreja Católica, na figura da Arquidiocese de Fortaleza e

Pastoral Indigenista, realizaram “trabalhos de conscientização” junto as comunidades

indígenas, em especial a comunidade do índio Tapeba, no intuito de realizar “resgate”

da cultural desses “índios misturados”.

No terceiro capítulo, voltamos nossa atenção para os documentos de educação,

entre os anos de 1995 a 2002, que permitissem reconstruir historicamente o surgimento

do discurso oficial e práticas que formularam os primeiros indícios das políticas de

educação escolar indigna no estado do Ceará. época que consistiu o segundo e terceiro

mandato de Tasso Jereissati. No primeiro momentos, ações mais específicas foram

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sendo executadas, como a organização de seminários para se discutir a escola indígena,

formação de professores, projetos pedagógicos, etc. No segundo momento, o governo

do estado, procurou continuar e ampliar as ações iniciadas, reforçando o ideal de

“participação” da comunidade para pensar e gerir a escola. A formação do docente

indígena recebe destaque com a realização de encontros para discutir educação

diferenciada, cursos específicos de formação de professores indígenas e a contratação

dos mesmos pelo governo do estado.

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1. A Formação de uma Doutrina Neoliberal e o movimento indígena na América

Latina

O período que consiste o fim da década de 1980 e início da década de 1990,

trouxe uma nova configuração sociocultural comum aos países da América Latina, a

saber, o neoliberalismo. O modelo neoliberal teve por característica ser um fenômeno

com especificidades, que caracterizou os diversos governos dos quais fez parte7, ou seja,

os alcances concretos foram significantemente diferentes; foi além das diferentes formas

de governo e políticas econômicas locais, de modo que tal configuração influenciou

projetos políticos, práticas cotidianas e ações governamentais (GRIMSON, 2007, p. 11).

Esa heterogeneidad entre espacios nacionales se vincula

estrechamente a la relevancia específica de los estados en los procesos

de producción de hegemonías. El Estado no sólo es un agente clave;

es también el principal destinatario de los reclamos de movimientos y

actores sociales, incluso en el marco de procesos de globalización. En

esse sentido, el Estado es el nodo clave de la red política y, por lo

tanto, es protagonista de la conformación histórica de las

configuraciones culturales hegemónicas. Así, en cada espacio nacional

se constituye un horizonte imaginativo específico en términos sociales

y políticos. (ibidem, 2007, p. 13).

No modelo neoliberal, “[o] Mercado e suas regras de livre concorrência

passaram a determinar as relações entre sociedade e Estado, submetendo todos ao jogo

da competição [...]” (TAVARES, 2002, p. 21). No neoliberalismo prevalece, quase que

exclusivamente, a lógica do Mercado como instituição autorreguladora dos recursos

econômicos, assim como das relações sociais, a qual ocorre por meio da desvalorização

do que é público (OLIVEIRA, 1997, p. 11).

[O] Mercado torna-se uma instituição que acaba por normatizar as

ações e realizações individuais. Os grupos culturais e as classes

sociais, onde estão inseridos tais indivíduos, não constituem mais uma

categoria de mediação, frente às relações, que esses indivíduos

estabelecem na sociedade em que vivem, ou com as instâncias de

7 No âmbito nacional, a política adotada por Collor de Melo, primeiro presidente eleito diretamente, após

o golpe militar de 1964, seguia à risca o receituário do neoliberal (CAMPOS, 1997 apud TAVARES,

2002, p. 13).

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poder, ao qual estão sujeitos, pois sob a ordem neoliberal tudo gira em

torno de questões econômicas que se concretizam pela lei da

competitividade e dos lucros (GENTILI, 1995 apud TAVARES,

2002, p. 26).

A nova configuração política e econômica que se estabeleceu nos demais países

da América Latina tornou possível a afirmação de ideais neoliberais nos projetos

políticos, do quais podemos destacar as seguintes características: a promoção de

projetos de políticas governamentais, em particular de educação, fomentadas por

agências multilaterais de financiamento (como o Banco Mundial – BM; Banco

Interamericano de Desenvolvimento – BID; Fundo Monetário Internacional – FMI,

entre outros) a partir da imposição de uma agenda política de atuação (DOMENECH,

2007); e discussões que trouxeram a tona questão do multiculturalismo a partir das

mobilizações culturais e indígenas na América Latina (BRIONES et al. 2007; HALE,

2007), Brasil (SOUZA LIMA, 1995; OLIVEIRA, 1997, etc.) e Ceará (BARRETO

FILHO 1992; AIRES, 2010, etc.); políticas de descentralização administrativa (FARIA

ALVES, 2007; TAVARES, 2002); ampliação do desenvolvimento econômico local

através do turismo (VICH, 2007).

1.1.1 O Banco Mundial e os Projetos Culturais

Segundo Eduardo Domenech (2007, p. 62-63), os órgãos multilaterais de

financiamento foram fundamentais na imposição de uma agenda política de atuação,

tendo como agente principal o Banco Mundial – BM. O BM, que ganhou destaque por

sua atuação durante os anos de 1980, impôs uma agenda política de ação, em especial

na educação8, a partir dos princípios da doutrina neoliberal. Ainda segundo Domenech,

da perspectiva do BM, a educação apareceu como ponto chave para a redução da

pobreza e crescimento econômico, pois a mesma seria capaz de elevar o capital humano

a partir de investimentos em comunidades mais carentes; é a partir deste ideal – da

educação como investimento no capital humano – que o BM passa a dar mais atenção

aos grupos étnicos (ibidem, p. 71).

8 Desde 1980, el volumen total de prestamos para educación se ha triplicado y la proporción que estos

representan en el total de préstamos del BM se ha duplicado (Banco Mundial, 1996: 162 apud

DOMENECH, 2007, p. 71).

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El interés que muestra el BM por los grupos étnicos minoritarios (en

términos sociológicos, no demográficos) debe ser enmarcado en los

principios y estrategias dirigidas a los “grupos desaventajados”, con

lo que no escapa a los criterios de equidad, eficiencia, eficacia y

calidad, entendidos de manera interrelacionada, que sostiene el Banco

desde antes del Consenso post-Washington. (ibidem, p. 71-72)

Mas, ao mesmo tempo, o autor alerta para esta linha de atuação juntos aos

grupos étnicos, pois o interesse do BM em atuar juntos destes grupos fez parte da

relação que denominou de: “cultura-pobreza-desenvolvimento” (ibidem, p. 73), uma

linha de pensamento e atuação que refletiu seu “pragmatismo economicista”, ou seja,

para o BM, seu interesse em etnicidade e cultura só seriam possíveis na medida em que

constituíssem obstáculos para o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza

(ibidem, p. 73).

No estado do Ceará, a atuação das agências multilaterais de financiamento – em

especial o BM – junto à educação, mais especificamente junto aos povos indígenas e

sua educação diferenciada, atuaram de forma precoce e diferenciada de outros estados,

pois as autoridades locais tinham bom trânsito junto destas agências (ZIBAS, 2005 apud

AIRES et al, 2010, p. 104). Os projetos do BM direcionados às comunidades indígenas no

Ceará tinham como conteúdo

a melhoria de qualidade e acesso a educação básica no Ceará; a

expansão e consolidação dos avanços sociais e modernização

institucional do Estado do Ceará, através do apoio a programas-

chaves, distribuídos nas seguintes áreas: administração do setor

público, educação, saúde, água e saneamento, setor empresarial e

inovação; avaliação do projeto de melhoria de qualidade da educação

básica no Ceará; [e] estabelece[r] os critérios para financiamento de

projetos destinado aos povos indígenas (ibidem, p. 104-105).

1.1.2 O Multiculturalismo Neoliberal na América Latina

Segundo Charles Hale (2007 p. 287), a década de 1990 foi palco de outro

fenômeno comum aos países da América Latina, a saber: a mobilização dos povos

indígenas, que sofreram avanços e fortalecimento da sua organização nas diversas áreas

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de atuação do movimento, ao mesmo tempo em que passou por processos de “re-

indianização” e criação de novos modelos de militância indígena.

Com a finalidade de analisar estes dois fenômenos recorrentes nos países da

América Latina, a saber, as mobilizações dos movimentos indígenas e a adoção da

doutrina neoliberal, Hale cunhou o conceito de “Multiculturalismo Neoliberal” (HALE,

2007).

Específicamente, los proponentes del multiculturalismo neoliberal son

más proclives a suscribir los derechos al “reconocimiento”, negados o

suprimidos categóricamente debido a que las nociones de ciudadanía,

construcción de la nación y desarrollo de la sociedad habían sido

desarrolladas sobre la imagen de un sujeto político culturalmente

homogéneo. A partir del “reconocimiento”, lógicamente siguieron

otros derechos, justificados en un espíritu de igualdad intercultural: las

reformas en las políticas lingüísticas y educativas, la legislación contra

la discriminación, la devolución de la responsabilidad del gobierno a

las instituciones locales, las medidas tendientes a terminar con la

exclusión política de los pueblos indígenas (ibidem, p. 293).

O conceito de multiculturalismo neoliberal surgiu, em parte, como uma resposta às

demandas por direitos culturais dos mais oprimidos, ao mesmo tempo em que abriu

espaços para a conquista de direitos com políticas direcionadas aos grupos

culturalmente diferenciados, como, por exemplo, o reconhecimento identitário,

participação popular, políticas de redução da pobreza, etc. Por outro lado, avançou

também na imposição de suas agendas políticas com a regulação dos espaços de

participação indígena e normatização das diferenças culturais (ibidem, p. 293). Segundo

Briones (2007, p. 267), que analisou o reconhecimento dos povos indígenas na

Argentina, o multiculturalismo neoliberal, para promover sua agenda política de

atuação, apoia uma versão substantiva, mas ao mesmo tempo limitada, dos direitos

culturais indígenas.

1.1.3 Políticas de Descentralização

Segundo Fabíola Tavares (2002, p. 78), o mecanismo de descentralização

comum às doutrinas neoliberais teve como propósito o envolvimento da sociedade civil,

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principalmente os movimentos populares, em projetos de desenvolvimento, a partir do

ideal da participação contido nos Planos de governo. Deste modo, políticas sociais

foram estabelecidas com a finalidade de prestar serviços em diálogo com a população.

Esta “política social abrange setores da educação e da saúde, além da segurança pública,

da cultura e de assistência social” (ibidem, p. 78).

O Processo de descentralização administrativa, a partir das reformas

governamentais, teve por finalidade “o enxugamento da máquina administrativa e

reorganização do modelo de gestão” (SOUZA, 2006, p. 123).

A política de ”descentralização” não pode ser considerada um

fenômeno novo, até porque, está inserida na própria forma de

governar [...]. É comum a análise de que o processo de

descentralização é instrumento para a democracia representativa, e o

motivo assinalado está em que deve proporcionar uma maior

participação dos cidadãos nas deliberações de políticas e programas

que afetam diretamente as suas vidas. (ibidem, p. 14).

No plano educacional, a exemplo do governo do Ceará, o modelo neoliberal de

educação teve por característica promover políticas de descentralização a partir do

discurso: “democratizar a administração escolar” (CEARÁ, Plano das Mudanças, 1987

apud ibidem, p. 79), desta forma, buscou “maior oferta de educação básica a toda

comunidade escolarizável, formando-a para o trabalho, para a participação comunitária

e para o exercício da cidadania, através da democracia do ensino” (ibidem).

Para Faria Alves (2007, p. 234), embora as políticas de descentralização

busquem a transparência das ações do governo e a defesa da participação popular, esta

prática pode limitar a atuação do indivíduo. Segundo o autor, para alguém propor ações

- sejam ações na área da educação, saúde, cultura, etc. - deve participar de reuniões

regulares, de eleições de conselhos, entre outros encontros9, o que acarretaria um grande

esforço, pois “não há como acompanhar esses eventos e instâncias todas sem uma

dedicação considerável de tempo” (ibidem, p. 235).

9 No caso estudado pelo autor, as instâncias envolvidas são as seguintes: as reuniões do orçamento

participativo nos bairros, momento em que ocorre também a eleição dos conselheiros, no caso, os da

cultura, e que compõem o Conselho Municipal de Cultura; o Sistema Municipal de Cultura; a

Conferência Municipal de Cultura e as reuniões no bairro do Conselho Regional de Cultura. Isso sem

mencionar, obviamente, a participação nos cursos, oficinas, patrocínio e concursos oferecidos pela

prefeitura. Todas essas instâncias estão interligas e ligadas também às entidades privadas que têm

atividade cultural no município, e que, mediante cadastro, têm assento no Conselho Municipal de Cultura

(FARIA ALVES, 2007, p. 234).

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1.1.4 O Desenvolvimento Econômico Local Através do Turismo

Outro aspecto comum aos governos neoliberais que podemos identificar foi a

busca por estratégias para o desenvolvimento socioeconômico local através do turismo.

Para Víctor Vich (2007), que analisou o caso do governo peruano, a identidade foi vista

como símbolo da nação no contexto neoliberal, ao mesmo tempo em que foi usada na

construção do discurso histórico nacional para o desenvolvimento da propaganda

turística no Peru. Deste modo, a proposta do Ministério de Comercio Exterior peruano

foi a de propagar a imagem do Brichero10

, pertencente aos contos andinos, o qual

seduzia as visitantes e conquistaria seu amor (VICH, 2007, p. 165). O uso da imagem

do Brichero colocou em pauta o discurso da mestiçagem e como as sociedades

capitalistas, em contexto de economia globalizada, convertem essa diferença étnica em

algo funcional para o mercado, pois estes sujeitos encontravam-se imersos em diversas

redes de relações, modificando, até mesmo, sua identidade.

Si en América Latina el concepto de identidad se arraigó

históricamente en la nación, [...] lo que ahora observamos es la

invención performativa de una imagen que se delinea por las

necesidades del mercado, las redes mediáticas, y que en algún sentido

reinterpreta su sustancia – si alguna vez la tuvo – desde otro

paradigmas y necesidades. Es cierto que la actual globalización

promueve los contactos interculturales, pero hoy tal proyecto parece

realizarse sólo al interior de un nuevo tipo de relación colonial:

aquella del mercado que asigna nuevos roles para satisfacer

únicamente necesidades hegemónicas. (ibidem, p. 166)

No caso brasileiro, Renzo Taddei (2006) afirmou que as metas prioritárias da

ação estatal estavam concentradas no discurso da modernidade, da industrialização e

desenvolvimento do turismo em contraste com a visão de um Brasil rural e de

agricultura familiar, símbolos do atraso. A dicotomia dos termos:

atraso/subdesenvolvimento e modernidade/progresso,

10

Por brichero se hace alusión a un sujeto andino que deambula por diferentes lugares turísticos a fin de

conquistar amores que le permitan pasarla bien y, en el mejor de los casos, poder huir del país (VICH,

2007, p. 160 – itálico no original).

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são termos ambíguos em sua significação, mas poderosos em sua

capacidade de apelo emocional, servindo de instrumento semiótico

para que grupos políticos locais os projetem sobre as realidades com

as quais convivem (TADDEI, 2006, p. 02).

Fazendo um paralelo com o caso do Brichero no Peru, no nordeste brasileiro o

movimento chamado: profetas do sertão, “tinha grande potencial para transformar-se em

atração ligada ao chamado turismo rural, contribuindo desta forma para o

desenvolvimento econômico local” (ibidem, p. 07), destarte, as formas tradicionais de

conhecimento transformaram-se em práticas midiáticas do tradicional, ou seja, práticas

ditas como tradicionais foram difundidas através das mídias – rádios e TVs – locais, o

que ajudou a potencializar a divulgação dos prognósticos dos profetas e da vida rural,

práticas que muitas vezes foram romantizadas e ligadas ao passado.

Esta representação romantizada do mundo do campo, na verdade,

fornece sustentação à indústria do turismo rural, que se estende da

produção de festas juninas especialmente direcionadas ao turismo

nacional e internacional à multiplicação de restaurantes “regionais”,

em Fortaleza, Recife, Salvador e no Sudeste (ibidem, p. 09).

No estado do Ceará, o governo local estabeleceu políticas culturais que

promoveram estratégias de divulgação e promoção do turismo, com o foco na “re-

invenção da tradição” e atualização do “mito fundacional” com a construção do

discurso: o que é ser cearense (TEIXEIRA JUNIOR, 2005). Deste modo, o governo do

estado trouxe ao centro da discussão símbolos da cultura local, a saber: o jangadeiro

“Dragão do Mar” e a Índia Iracema11

, os quais, também, foram usados de forma

romantizada. Tais discursos foram produzidos e moldados para promoção do turismo, a

partir de uma visão de desenvolvimento e modernidade, mantendo sua ligação com

tradicional; e mais, a partir de então, podemos perceber a adoção do discurso da

mestiçagem e a afirmação do ideal multicultural que passaram a conter nas políticas do

estado. “[O] Multiculturalismo é o discurso da mestiçagem para o novo milênio, com

uma mescla paralela de oportunidade e perigo” (HALE, 2007, p. 294).

11

Cf. Capítulo 2, seção: 2.1. As Políticas Culturais no Governo das Mudanças.

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1.2.1 Estado e Povos Indígenas no Brasil

No Brasil, o fenômeno da mobilização dos povos indígena ocorreu de forma

distinta, variando por época, região, instituição e sua forma de administração; desde a

chegada dos portugueses ao território nacional, até a instituição da República Federativa

do Brasil, a criação de um aparelho estatal laico e suas relações com os povos nativos

que aqui habitam.

Mas como ocorreu esta relação entre povos indígenas e Estado no território

brasileiro? Segundo Souza Lima (1995), em seu livro: Um Grande Cerco de Paz – o

qual faz uma analise da formação do Estado brasileiro a partir de uma abordagem

antropológica, de modo que o autor cunhou o conceito de “Poder Tutelar12

” (SOUZA

LIMA, 1995) para auxiliá-lo em sua pesquisa –, faz-se preciso, de modo operativo, o

uso dos termos: indigenismo e política indigenista. De forma que consideramos

indigenismo o conjunto de ideias (e ideais, i.e., aquelas elevadas à

qualidade de metas a serem atingidas em termos práticos) relativas à

inserção de povos indígenas em sociedades subsumidas a Estados

nacionais, com ênfase especial na formulação de métodos para o

tratamento das populações nativas, operando em especial, segundo

uma definição do que seja índio. A expressão política indigenista

designaria as medidas práticas formuladas por distintos poderes

estatizados, direta ou indiretamente incidentes sobre os povos

indígenas (ibidem, p. 14-15 – itálico no original).

Esta abordagem provisória dos termos serviu tanto para uma análise dos

momentos históricos, tanto a criação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de

Trabalhadores Nacionais – SPILTN13

, em 1910; como no período pós-implantação da

Fundação Nacional do Índio – FUNAI. Aparelhos estatais, criados para planejamento

12

O poder tutelar é “uma forma de ação sobre as ações dos povos indígenas e sobre seus territórios,

oriunda e guardando continuidades implícitas com as conquistas portuguesas e sua administração por

aparelhos de poder que visavam assegurar a soberania do monarca sobre terras dispostas em variados

continentes. [...] O poder tutelar pode ser pensado como integrando tanto elementos das sociedades de

soberania quanto das disciplinares. Mas é antes de tudo um poder estatizado num aparelho de pretensa

abrangência nacional, cuja função a um tempo é estratégica e tática, no qual a matriz militar da guerra de

conquista é sempre presente”( SOUZA LIMA, p. 73-74 – itálico no original), 13

Segundo Souza Lima (1995, p. 11), a partir de 1918 passaria a ser chamado apenas como Serviço de

Proteção ao Índio – SPI; em 1967 seria extinto para dar lugar à Fundação Nacional do Índio – FUNAI.

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das políticas públicas voltadas aos povos indígenas e sua interação com o estado

nacional (ibidem, p. 15).

1.2.2 A Formação do Indigenismo

A seguir, iremos analisar a incorporação das comunidades indígenas a partir da

atuação das organizações estatais, com o foco nas populações residentes no Nordeste

brasileiro, as quais passaram pelos “processos de territorialização” (OLIVEIRA, 1997).

Como vimos anteriormente, além da doutrina neoliberal, o fenômeno da

mobilização indígena ganhou força nos diversos países da América Latina. No Brasil

não foi diferente, os povos indígenas passaram por semelhante processo de “re-

indianização” e fortalecimento da sua organização como movimento (HALE, 2007), em

especial as comunidades indígenas que habitam a região Nordeste, procedimento que

Oliveira denominou de “processo de territorialização” (OLIVEIRA, 1997). Por processo

de territorialização, entendemos como

o movimento pelo qual um objeto político-administrativo [– o

movimento indígena –] vem a se transformar em uma coletividade

organizada, formulando uma identidade própria, instituindo

mecanismos de tomada de decisão e de representação, e

reestruturando as suas formas culturais (ibidem, p. 56).

Ainda segundo Oliveira, as comunidades indígenas no Nordeste passaram por

dois processos de territorialização bem distintos: o primeiro ocorreu entre a segunda

metade do XVII e nas primeiras décadas do século XVIII, de forma que “famílias de

nativos de diferentes línguas e culturas foram atraídas para os aldeamentos

missionários, sendo sedentarizadas e catequizadas”; e o segundo, ocorreu no início do

século XX e foi articulado a partir da agência indigenista oficial. (ibidem, p. 56)

No primeiro momento, foram as missões religiosas que ficaram com as funções

básicas de “ocupação territorial e de produção econômica”, além disso, executavam a

política expansão e “incorporavam ao estado colonial português um contingente de

índios mansos” (ibidem, 57), com a finalidade de assimilá-los à população nacional. As

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25

políticas assimilacionistas14

tiveram seu apogeu em 1850 com a Lei de Terras, a qual,

durante o império, regularizou as propriedades rurais, “declarando extintos os antigos

aldeamentos indígenas e incorporando os seus terrenos a comarcas e municípios em

formação” (ibidem, p. 58). Além disso,

[d]evemos observar que o processo de territorialização vivenciado

pela população autóctone é radicalmente diverso daquele gerado pela

política indigenista do século XX que, em termos de propositura,

pretende interromper o processo de assimilação compulsória [...].

(ibidem, p. 57)

Nosso interesse volta-se agora para o segundo processo e sua dimensão da

organização administrativa estatal e a criação de políticas voltadas aos povos indígenas.

O segundo processo de territorialização teve início na década de 1920, seu

marco foi a passagem do controle das terras do aldeamento missionário de Ipanema, em

Pernambuco, para o órgão indigenista oficial. Esta troca de tutela, pela qual o povo

indígena passou, atuou como um mecanismo “antiassimilacionista” (ibidem, p. 59), o

que proporcionou condições favoráveis para a população indígena afirmar-se

culturalmente diferenciada. E mais, “[n]as décadas seguintes foram implantados Postos

Indígenas [– PI] em diversas áreas do Nordeste, visando atender as populações ali

situadas”15

(ibidem, p. 58-59). Podemos destacar a figura do PI como espaço de tensão,

local onde é assegurado a identidade e os direitos indígenas, antes ali negados. O PI

leva-nos a refletir sobre as dinâmicas temporais que marcaram a interação dos povos

indígenas e o estado, visto que a criação destas práticas e documentos estatais passariam

a garantir a identidade e território da população indígena (DAS & POOLE, 2008, p. 25).

Em linhas gerais, esse processo de territorialização trouxe consigo a

imposição de instituições e crenças características de um modo de

vida próprio aos índios que habitam as reservas indígenas e são objeto,

com maior grau de compulsão, do exercício paternalista da tutela (fato

independente de sua diversidade cultural) (OLIVEIRA, 1997, p. 59).

14

Podemos citar, também, como política assimilacionista, o Diretório Pombalino da segunda metade do

século XVIII, adotado no Grão Pará e Maranhão a partir de 1755 e no Ceará a partir de janeiro de 1759

(CEARÁ, 2001). 15

Em 1937 isso ocorreu com os Pankararu (Brejo dos Padres, PE) e os Pataxó, da Fazenda

Paraguassu/Caramuru (Ilhéus, BA); em 1944 com os Kariri-Xocó, da ilha de São Pedro (AL); em meados

da década de 40 com os Truká, da ilha de Assunção (BA); em 1949 com os Atikum, da serra do Umã

(PE), e os Kiriri, de Mirandela (BA); em 1952 com os Xukuru-Kariri, da Fazenda Canto (AL); em 1954

com os Kambiwá (PE); e em 1957 com os Xukuru, de Pesqueira (PE) (OLIVEIRA, 1997, p. 59).

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No entanto, a política indigenista exigiu “demarcar descontinuidades culturais

em face dos regionais” (ibidem, p. 60), ou seja, os indígenas deveriam mostrar

características distintas e rituais que os distinguissem dos não-indígenas, demonstrar

sinais de uma “indianidade”16

. Como uma organização política, que passou a contar

com a presença do Cacique, Pajé, conselheiros, o aparecimento do ritual do Toré, entre

outros sinais diacríticos. A identificação destes indígenas foi feitas em parte pelos

postos indígenas, que os identificava através do fornecimento de identidades, carteiras

individuais que atestavam que “o portador desta era efetivamente índio” (ibidem, p. 60-

61).

[L]a mayor parte del estado moderno está construido a partir de

prácticas escritas. Reconocemos que las prácticas de relevamiento

documental y estadístico del estado están al servicio de la

consolidación del control estatal sobre lós sujetos, las poblaciones, los

territorios y las vidas (DAS & POOLE, 2008, p. 25).

É através destas práticas de documentação que o estado torna legível para si a

população indígena, ação que denominamos de “efeito de legibilidade”, o qual

entendemos como “producción de un lenguaje y de un conocimiento para gobernar,

como de herramientas teóricas y empíricas para clasificar y regular a las colectividades”

(TROULLIOT, 2001 apud ibidem, p. 31). Entretanto, o que se destaca nesta prática, não

é como o estado torna a população legível para si, com a produção de documento de

identificação da sua população, mas “cómo estos documentos se encarnan em formas de

vida a través de las cuales ciertas ideas de sujetos y ciudadanos empiezan a circular

entre aquellos que utilizan estos documentos” (ibidem, p. 31).

Essas práticas institucionais de documentação e reconhecimento moldaram,

transformaram e reproduziram os trabalhos dos agentes estatais em constante contato

com os povos indígenas. O perfil desse agente de estado que trabalhou junto aos povos

indígenas podemos considerá-los como Indigenista. Segundo Emiko Saldívar (2011),

que realizou uma etnografia dos indigenistas que trabalharam no extinto Instituto

Nacional Indigenista – INI, no México, mostrou como esses agentes estatais do INI

determinavam o conteúdo do indigenismo que era praticado na instituição e no campo.

Segundo a autora, no México, o ofício do indigenista não pode ser explicado a

partir de livros e/ou manuais. A falta de programas de treinamento para os funcionários

16

Cf. OLIVEIRA, João Pacheco de. 1988.

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27

dos órgãos estatais que trabalhavam com as populações indígenas fez com que fosse

quase que impossível identificar a ação institucional específica que transmitisse as

políticas de trabalho das instituições. Apesar disso, os trabalhadores do INI estavam

familiarizados com um conjunto de regras tácitas que não foram ensinados por manuais

ou treinamentos específicos, mas sim adquirida através de procedimentos burocráticos e

atividades no campo. “In the process of becoming indigenistas, INI workers reproduced

these anthropological ideas and work practices. They did so, however, within a state

bureaucracy” (SALDÍVAR, 2011, p. 71).

Estes indigenistas, que a autora vai chamar de “street-level bureaucrats”17

sejam agentes governamentais, de ONG’s, antropólogos, professores, agentes ligados à

Igreja católica, etc. –, envolvem-se em variadas interações com as populações indígenas

e são eles que decidem e controlam os recursos destinados aos grupos, realizaram

trabalho de campo ou mantiveram algum tipo de relação junto aos povos indígenas.

Entretanto, ao manter grande variedade de interações com as populações indígenas

dificuldades e tensões em torno do trabalho do indigenista poderiam ocorrer.

Os indigenistas aprendiam e ensinavam o “espírito indigenista” nas convivências

em campo junto aos povos indígena, baseados nos ideais antropológicos – segundo a

formação mexicana – sobre sensibilidade cultural e desenvolvimento regional. Com o

tempo e a convivência junto as populações indígenas, os indigenistas passavam a

defender os direitos dos indígenas, tonando-se assim aliados e até mesmo porta-voz do

grupo, processo que a autora chamou de “torna-se indigenista” (ibidem, p. 71).

“Although they worked in bureaucracies, most indigenistas did not consider themselves

to be bureaucrats. On the contrary, ‘‘bureaucracy’’ was used to refer the negative

aspects of the INI” (ibidem, p. 75).

Sobre a formação do indigenista no Brasil,

é preciso pensar em um segmento diretamente ligado às populações

indígenas: o daqueles que se definem como indigenistas. Parto para

isso da definição organizacional do termo, que em seu sentido estrito

se aplica à categoria burocrática dos técnicos em indigenismo da

FUNAI. Seria melhor ampliá­la a todos os funcionários do aparelho

indigenista, dentro ou fora da FUNAI, ou a todos, qualquer que seja

17

. “In this way, street-level bureaucrats define much of the form and content of the public policies they

carry out.” (SALDÍVAR, 2011, p. 71).

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28

sua formação acadêmica, que passaram por ritos de treina mento –

como os cursos de indigenismo, por exemplo –, integraram ou

integram certas redes sociais e comungaram de certos pressupostos

ideológicos em seu trabalho com as sociedades indígenas (SOUZA

LIMA, 2002, P. 88).

O papel do indigenista, no Brasil, está relacionado diretamente aos trabalhos

junto aos povos indígenas, desta forma, assume de início uma posição de diálogo,

negociante entre partes, entre povos indígenas e não-indígenas, lendo e conduzindo os

conflitos inerentes a vida social destes grupos.

Segundo Souza Lima (ibidem, p. 86), no Brasil há uma carência de pessoal

qualificado que seja capaz de desenvolver avaliações e ações de trabalho para atuar

junto aos povos indígenas, assim como mecanismos institucionais que capacite o

profissional para a ação indigenista. Alerta, também, que, para o profissional em

antropologia o campo esconde demandas bem diferentes das quais ele foi treinado para

analisar, pois a formação brasileira está voltada para a carreira acadêmica, ou seja, as

rotinas do campo superam o treinamento recebido em sala de aula.

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29

2. Multiculturalismo Neoliberal: “governo das mudanças”, Igreja Católica e

indígenas

2.1 Introdução

No Estado do Ceará, a Secretaria de Educação Básica (SEDUC) propôs o projeto

de Descentralização da Administração e Gestão Participativa18

que envolviam as escolas

e o curso de formação de professores indígenas. Mas quando e como surgiram os

primeiros indícios de uma política de educação indígena no Governo do Estado do

Ceará a partir da adoção de um discurso Neoliberal?

Os documentos oficiais que estabeleceram os primeiros rumos de uma política

para a educação indígena aparecem no Ceará em 1996, quando uma série de políticas

específicas foram implementadas no âmbito da educação (AIRES, 2008) Mas, antes

disso, em 1987, uma nova forma de administração pública estava sendo incorporada ao

governo do Estado, com ideais de desenvolvimento e modernização. Entram em cena os

empresários do Centro Industrial do Ceará (CIC), liderados por Tasso Jereissati, que

buscavam uma nova forma de governabilidade através de uma negação do passado, os

coronéis. Por conta disso, recebeu nome de “Governo das Mudanças”.

Com a entrada em cena dos políticos-empresários do CIC, os discursos e ações

governamentais no “Governo das Mudanças” foram moldados sob uma orientação

empresarial políticas de desenvolvimento socioeconômico, políticas na área da indústria

e turismo local. Estes ideais de modernidade influenciaram na criação das políticas

culturais que re-significaram os mitos da origem do povo cearense e, de uma só vez,

introduziram o discurso da diferença cultural na arena estadual. Em parte, estas políticas

abriram espaço para o reconhecimento de direitos específicos de determinados grupos

sociais que ocupavam distintos espaços, como por exemplo, os indígenas. Neste

capítulo reconstituo historicamente a entrada dos empresários do CIC na vida política

do Estado, que levou Tasso Jereissati a se eleger como Governador, em 1987 e assim,

introduzir a doutrina neoliberal nas práticas estatais. Inicialmente, nas políticas culturais

18

O Plano de Desenvolvimento Sustentável definiu as diretrizes do Programa de Descentralização da

Administração e Gestão Participativa da SEDUC no ano de 1995, durante o segundo mandato do governo

de Tasso Jereissati.

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do Estado e como, a partir daí, o governo passou a pensar as políticas de educação

voltadas aos povos indígenas no Ceará.

Como afirma Hale (2007), outro fenômeno recorrente na América Latina, no

início da década de 1990, foi o fortalecimento das mobilizações indígenas, abrindo

espaço para o reconhecimento identitário, iniciando-se, assim, a participação do

movimento indígena na criação de uma agenda de atuação. Desta forma, no segundo

momento deste capítulo, iremos analisar a atuação da Arquidiocese de Fortaleza no

“resgate da cultura” das populações indígenas no Ceará e como passaram de “índios

aculturados a índios com cultura” (AIRES, 2008).

2.2 Um novo cenário político surge: os empresários do CIC

Nas eleições de 1986 a coligação Pró-Mudanças19

lançou a candidatura de Tasso

Jereissati ao governo do Estado contra o candidato dos coronéis, o até então vice-

governador, Adauto Bezerra, “assinalando o início de uma época de profundas

mudanças políticas e sociais no Estado” (ABU-EL-HAJ, 2002, p. 83). Segundo Barreira

(2002), a candidatura de Tasso Jereissati tinha como slogan “governo das mudanças”,

“uma construção simbólica de uma temporalidade política”, que buscava uma nova

forma de governabilidade através de uma negação do passado, queria, assim, realizar a

“ruptura com os coronéis”, as chamadas “forças do atraso”, e ficou conhecido como “o

momento de embate entre o moderno e o tradicional” (PARENTE, 2002).

Tasso Jereissati fez parte da nova elite cearense, formada a partir de um grupo de

empresários ideologicamente homogêneos, tendo seus integrantes empenhados em

atividades industriais tradicionais e formada por uma maioria de empresários cearenses,

identificados com os problemas sociais e econômicos do Estado (ABU-EL-HAJ, 2002).

Segundo Parente (2002), a formação da nova elite cearense teve início na década 1950,

com o Banco do Nordeste do Brasil - BNB como principal instrumento de formação e

socialização, difundindo um ideal desenvolvimentista e modernizador.

19

A Coligação Pró-Mudança reunia os seguintes partidos político: PMDB, PCB, PCdoB e o PDC. (ABU-

EL-HAJ, 2002)

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Com o tempo, o CIC se tornou a principal voz crítica da sociedade civil contra

as elites políticas tradicionais e a sua estrutura econômica, defendeu uma economia

competitiva definida por uma ética empresarial (ABU-EL-HAJ, 2002).

Em 1986, Tasso Jereissati foi eleito para o Governo do Estado do Ceará, tendo

como seu grande projeto político, a reforma do Estado, com o objetivo de resgatar a

autonomia do setor público, o qual se encontrava em deterioração. Consequência da

criação de postos de trabalho, criados entre 1982 e 1987, sem a realização de concursos

públicos ou avaliação técnica dos empregados. De imediato, o novo governo tentou

minimizar os efeitos do empreguismo no setor público e suas consequências no

desempenho administrativo. (ibidem, 2002).

Gondim (1995) destaca que a reforma administrativa ocorreu logo nos primeiro

dias de governo, com a baixa de decretos que

[...] entre outras medidas, tomavam nulos os atos de nomeações,

contratações, promoções e transferências praticados nos nove meses

anteriores; eliminavam diversas gratificações e exigiam o registro de

presença diária para todos os servidores, excetuando-se apenas alguns

cargos de chefia e outros casos previstos em lei (GONDIM, 1995).

Dentre as reformas20

que foram realizadas de forma imediata com o inicio do

governo Jereissati, ocorreu a nomeação, através de concursos públicos21

, de um quadro

de técnicos para ocupar cargos administrativos, assim como, para o primeiro escalão de

secretários do novo governo, na tentativa de priorizar uma qualidade administrativa e,

ao mesmo tempo, ir em direção oposta às práticas clientelistas de apadrinhamento

político de uma política tradicionalista. O perfil do tecnocrata ocasionou mudanças

significativas no novo governo. Com formação em cursos de nível superior “esses

secretários técnicos mostram [...] uma ênfase na neutralidade das ações e uma

obstinação de atingir os objetivos propostos” (PARENTE, 2000).

Com relação à Secretaria de Educação, também ocorreram mudanças

significativas com o intuito de realização do projeto de modernização do Estado. Para a

20

Segundo Abu-El-Haj (2002), mais duas importantes medidas foram realizadas: Disciplinamento

cotidiano da administração pública, com o intuito de recuperar a hierarquia e o fluxo gerencial normal

necessário para o funcionamento harmonioso das instituições governamentais; e recuperação das finanças

públicas e da capacidade de investimento do Estado 21

Segundo Sousa (2007), “A obrigatoriedade do concurso para ingresso no setor público (conferida pela

Constituição Federal de 1988) facilitou o processo de moralização implementado no Estado, que passou a

adotá-lo para a contratação de pessoal, eliminando assim o empreguismo e as chances de prática do

nepotismo”.

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direção da secretaria foi nomeada uma secretaria com perfil técnico-politico, a

professora Nildes Alencar, filiada ao PMDB, em 1988, mas afastada em 1989, foi

substituída por José Rosa Abreu Vale, sociólogo, que até então era secretário de Ação

Social (BONFIM, 2002). Posteriormente, o cargo de secretário da Educação foi

preenchido pelo ex-reitor da Universidade de Federal do Ceará (UFC), o professor Dr.

Paulo Elpídio de Menezes Neto (PARENTE, 2000).

2.2.1 Transformações Simbólicas

Dando continuidade às iniciativas de modernização e desenvolvimento do estado

do Ceará, o novo Governo iniciou uma série de mudanças que visavam o crescimento

socioeconômico, criando assim uma propaganda que possuía uma mensagem positiva, a

fim de atrair investimentos e capital externo, com isso, adotaram projetos de

desenvolvimento direcionados a dois principais pontos: primeiro, como um atrativo de

prosperidade econômica para novas indústrias que aqui se instalassem, numa tentativa

de atrair capital nacional e global (FROTA & DA SILVA, 2003; TEIXEIRA JUNIOR,

2005); e segundo, mostrando o estado do Ceará e sua população dotados de uma

“vocação natural” para o turismo (ARAGÃO & DANTAS, 2006).

Renzo Taddei (2006, p. 01), afirma que “iniciativas de desenvolvimento

econômico só são capazes de reorganizar efetivamente padrões e fluxos econômicos na

medida em que operam também uma reorganização de padrões simbólicos”. No caso da

propaganda turística do governo, foi construída a imagem de um Ceará moderno,

desenvolvido, com um clima favorável ao turismo em grande parte do ano, belas

praias22

, belezas naturais, rico culturalmente. O novo período de industrialização do

“Governo das Mudanças” buscou atrair a iniciativa privada e novos investimentos

através de uma propaganda positiva da política industrial. O governo criou mecanismos

de “propaganda” que atraiu investidores interessados, o qual possuía

[...] uma característica diferenciada das outras propagandas do

governo, pois foi produzida para ser veiculada fora do Estado e do

País. Trata-se de um material publicitário cujo objetivo é atingir os

empresários que queiram investir no Ceará, ou seja, é um comercial

22

Segundo Gondim (2009), “Fortaleza foi apresentada na mídia e mesmo em documentos oficiais como

“a Miami do Nordeste” ou “a capital do Caribe brasileiro””.

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sobre a política industrial e de desenvolvimento local para a atração de

novos investimentos para o Estado (FROTA & DA SILVA, 2003).

Segundo Frota e da Silva (2003), a propaganda política pôs em evidência a

abertura econômica do estado para o investimento externo, tanto nacional quanto

internacional, difundiu a ideia de uma economia integrada globalmente.

Ao mesmo tempo foram realizadas iniciativas de criação de propagandas que

mostraram de forma positiva o estado do Ceará, como parte da estratégia do “Governo

das Mudanças” em desenvolver o turismo. A cultura que foi veiculada à propaganda

turística restringiu-se à cidade de Fortaleza, mostrou o ritmo musical “Forró” tradicional

e o Centro Cultural Dragão do Mar (CDMAC) como o principal veiculo governamental

de acesso à cultura (ARAGÃO & DANTAS, 2006). A iniciativa de se realizar uma

propaganda positiva do Estado estaria focada na concentração de forças em romper com

os pensamentos negativos e atrasados que conectava o estado e, ao mesmo tempo, o

semiárido nordestino, à seca, fome, miséria, etc. Segundo Taddei (2006, p. 02), no

Brasil, o sertanejo, a agricultura familiar, o subsídio e a ajuda governamental são

representados como símbolos do atraso; já a indústria, o turismo, o agronegócio para

exportação, a competitividade mercadológica e a auto-sustentabilidade transformam-se

em símbolos da modernidade.

Segundo Teixeira Junior (2005), é na construção de um discurso do “o que é ser

cearense”, que o governo passou a criar um sistema de representação da cultura local,

relacionando passado, presente e futuro na produção das estratégias de divulgação e, ao

mesmo tempo, de promoção do turismo local. “A elaboração de um imaginário é parte

integrante da legitimação de qualquer regime político [...] é nele que as sociedades

definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado,

presente e futuro” (MURILO DE CARVALHO, 1998 apud TEIXEIRA JUNIOR,

2005).

2.2.2 As Políticas Culturais no Governo das Mudanças

Definir o conceito de política cultural não poderia se limitar em uma mera

descrição de atividade administrativa, pois, quando se fala em política cultural entende-

se como o “[...] conjunto de ideias, lutas institucionais e relações de poder na produção

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e circulação de significados simbólicos” (BARBALHO, 2008). Segundo Barbalho

(2008 apud MAIA CRUZ & RODRIGUES, 2009), o conceito de políticas culturais, por

restringir-se simplesmente a descrever simples tarefas administrativas sofreu diversas

críticas. As críticas partem do sentido que tal conceito de política cultural estaria mais

próximo do conceito de “gestão cultural”, algo como um conjunto de regras e

instrumentos direcionado ao setor da cultura.

As políticas culturais trouxeram ao centro da discussão os símbolos que

representam a essência do povo cearense, na edificação de uma identidade, mais

precisamente: “o que é ser cearense”. Esses símbolos foram usados para moldar o

discurso de progresso, desenvolvimento e modernidade dos governos, mantendo sempre

uma relação entre o que é tradicional e moderno, entre o passado e o presente. Sendo

assim, ocorre a

“re-invenção da tradição”, atualização ou re-significação do mito

fundacional, calcado na unidade cultural, na mestiçagem e no atraso

em face dos rumos da política de desenvolvimento brasileira

(TEIXEIRA JUNIOR, 2005, itálico no original).

Com a finalidade de dar continuidade às políticas culturais que pretendiam

ampliar o desenvolvimento econômico local através do crescimento do turismo,

instituindo ao estado imagem uma moderna, através da afirmação de símbolos da

cultura local (BARBALHO, 2003), durante o mandato de Ciro Gomes (1991 - 1994) foi

idealizado o projeto do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), mas só

realizado durante o segundo mandato de Tasso (1995 - 1998).

A arquitetura do Centro Cultural é consistente com o ambicioso

projeto político de tornar Fortaleza uma cidade global, projetando-a

pelo seu papel no circuito produtor, distribuidor e consumidor da

cultura (Estado do Ceará, 1995 apud GONDIM, 1999).

Seu nome, “Dragão do Mar”, foi uma homenagem ao jangadeiro Francisco José

do Nascimento23

, herói cearense mitológico que liderou o movimento dos jangadeiros

que se negaram a embarcar escravos que se encontravam no Ceará para os navios que se

localizavam na costa, os quais os levariam para outros estados da província. Por liderar

tal movimento o jangadeiro Francisco José do Nascimento foi levado ao Rio de Janeiro

23

De inicio Francisco José do Nascimento era conhecido como “Chico da Matilde”, apelido dado por

conta do nome de sua mãe. (GONDIM, 2009)

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pelo Movimento Abolicionista onde foi homenageado. Por tal feito, a imprensa

começou a chamá-lo de “Dragão do Mar”, alusão ao ser de grande força e sabedoria (id,

2009).

O CDMAC foi construído estrategicamente na Praia de Iracema24

, pois ali era o

local onde o jangadeiro ”Dragão do Mar” guardava sua jangada em um galpão. O nome

Praia de Iracema também remete a outro símbolo mitológico da cultura cearense, a Índia

Iracema, a “virgem dos lábios de mel”, saída dos contos de José de Alencar25

. No

romance do escritor, é retratado o mito da origem do povo cearense, temos a Índia

Iracema que casa-se com Martin Soares Moreno, e dessa união entre a jovem tabajara e

o colonizador, nasce Moacir – “o nascido do meu sofrimento” (ALENCAR, 1865). A

idealização e construção do CDMAC e a reforma e revitalização da Praia de Iracema

surgiram como políticas culturais de estado que pautou as ações do governo na área

cultural com a finalidade de valorizar a identidade cultural do cearense, re-produzindo a

mitologia local, no caso, o mito da “mãe” de todos os cearenses, a Índia Iracema.

A partir das políticas culturais, que se originaram no “Governo das Mudanças”,

podemos perceber o discurso do multiculturalismo presente na agenda política do

Estado, através de suas ações moldadas durante o segundo governo de Tasso Jereissati,

com a re-invenção dos seus principais mitos e símbolos.

[...] trata-se de uma estratégia política poderosa que retrabalha

aspectos deste sistema de representação cultural, amalgamando os

anseios, as esperanças, os medos, e os mitos de origem da população

cearense (TEIXEIRA JUNIOR, 2005).

O crescimento na discussão, originada pelo governo que alegou o Estado como

sendo composto por uma pluralidade de práticas e expressões culturais, afirmou a

necessidade de se pensar o estado como composto por uma pluralidade cultural, isto é,

declaração oficial da constituição de um Estado multicultural. (BARBALHO, 2008;

MAIA, 2008)

24

Assim como ocorreu com o Francisco José do Nascimento, o “Chico da Matilde”, que a partir da

imprensa ficou conhecido por “Dragão do Mar”, a Praia de Iracema, até o inicio do século XX era

conhecida como “praia do peixe”, mas por se tratar de uma denominação corriqueira, a imprensa propõe a

mudança do nome para fazer uma homenagem a José de Alencar e, ao mesmo tempo, reforçar o mito da

origem do povo cearense. (SCHRAMM, 2001 apud GONDIM, 2009). 25

Antes do romance de José de Alencar, não existia nenhuma lenda sobre Iracema; entretanto, ao longo

do tempo, a ficção alencarina foi aceita como mito de origem do Ceará (MONTENEGRO, 1983;

LINHARES, 1992 apud GONDIM, 2009)

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Os elementos expostos nos levam a compreender como surgiu o discurso do

multiculturalismo nas políticas do estado após a entrada em cena dos políticos-

empresários do CIC e como foram moldaram os discursos e ações governamentais no

“governo das mudanças”, liderado por Tasso Jereissati; de como uma lógica empresarial

centrada no desenvolvimento socioeconômico modelou a criação das políticas na área

da indústria e do turismo local, além disso, como tais ações influenciaram na criação das

políticas culturais, com a “re-significação” dos mitos da origem do povo cearense, no

caso o mito da Índia Iracema, e, de uma só vez, afirmado o Estado como sendo

composto por uma ideal multiculturalista.

3.2 O “Reconhecimento” do Multiculturalismo no Ceará: a Arquidiocese de

Fortaleza

O projeto cultural do modelo Neoliberal criticou a intervenção estatal, o qual

propôs a reativação de iniciativas de responsabilidade a partir dos indivíduos da

sociedade civil, sendo realizados por uma visão construtivista, que defenda a

necessidade de “recuperar”, “resgatar” a essência dos indivíduos e grupos sociais em

risco de desaparecimento, no caso aqui analisado, os povos indígenas no Ceará. Para a

discussão a respeito do multiculturalismo e as políticas culturais no modelo neoliberal,

tomarei como foco o caso dos Índios Tapeba e sua relação com Arquidiocese de

Fortaleza, através do trabalho realizado pela pastoral indigenista e a luta dos indígenas

por terra,saúde e educação diferenciada (AIRES, 2012).

Esse “resgate” do indivíduo só e possível através de vínculos como organizações

não governamentais (ONGs), que no modelo neoliberal são os guardiões dos valores

culturais perdidos. O projeto cultural

[en] la doctrina neoliberal se articula no sobre la destrucción de la

comunidad indígena a objeto de convertir al indio em ciudadano, sino

más bien sobre la reactivación de la comunidad como agente eficaz en

la reconstitución del sujeto-ciudadano indígena. (HALE, 2007: 301).

Aqui, a pesquisa tomou como foco central da análise o caso da relação entre

Arquidiocese de Fortaleza, tendo a frente Dom Aloísio Lorscheider, e povos indígenas,

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os Tapeba de Caucaia durante a década de 1980 (AIRES, 2012; BARRETTO FILHO,

1992).

Dom Aloísio chega a Capital no início de 1973, logo após foi

nomeado arcebispo da Capital cearense pelo Papa Paulo VI, no início

de agosto [de 1973], tomou posse e, por volta do final dos anos de

1970, empreendeu uma série de mudanças na direção da pastoral da

Arquidiocese (AIRES, 2008, p. 86).

O modelo da Teologia da Libertação, constituído por Dom Aloísio na

Arquidiocese de Fortaleza, no início da década de 1980, tinha como característica a

“opção preferencial pelos pobres” e uma maior participação dos leigos na vida da instituição. O

que ocasionou um trabalho junto aos pobres e comunidades carentes de Caucaia.

Organizou o Movimento de Educação de Base - MEB26

, introduziu o tema da cultura

junto a comunidade, posteriormente com iniciativa do arcebispo o MEB, quando em

seguida transformou-se em Equipe de Apoio às Comunidades Rurais - EACR, que, a

partir de então começou a prestar, entre outras ações, assessoria as comunidades

camponesas, “miseráveis” e “remanescentes indígenas” (AIRES, 2012).

A Arquidiocese procurou estabelecer uma relação com o Ministério da Reforma

e Desenvolvimento Agrário - MIRAD, informando-os “sobre a situação em que viviam

os assim chamados índios Tapeba no município de Caucaia [...] e para solicitar uma

urgente atuação do MIRAD na regularização das terras daquele grupo” (BARRETTO

FILHO, 1992). Paralelamente a Fundação Nacional do Índio - FUNAI, embora, não

articulada com o MIRAD, também realizou trabalho de regularização da situação

fundiária dos Tapeba. Como principais estratégias de ações junto ao povo Tapeba que

foram iniciativas da Arquidiocese, podemos citar: a distribuição de alimentos, matéria

de construção, pagamento de funeral, medicamentos, entre outras ações

assistencialistas; a criação de escolas27

nas localidades onde se encontravam indígenas;

26

No Ceará, as atividades do MEB tiveram início em 1963. Por meio de transmissões radiofônicas, o

processo educacional era acompanhado por um monitor junto com os grupos de jovens e adultos. O

monitor também era encarregado de fazer a mobilização da população local em torno de um ideal de

“comunidade” com a realização de tarefas que permitissem a “ajuda mútua”, o desenvolvimento de

“trabalhos comunitários”, a sindicalização, reuniões para discussão e solução dos problemas locais. Com

o golpe militar de 1964, os temas foram despolitizados e a substituição da equipe nacional fizeram com

que o movimento se reconstituísse em bases distintas das propostas iniciais. No período de 1966 a 1970, o

MEB entra em declínio técnico-financeiro e os processos de escolarização formal destinados à suplência

dos estudos e alfabetização passam a ser a tônica da política (DAMASCENO, 1990, apud AIRES, 2008). 27

Foram criadas escolas em inúmeras nas localidades (Pontes, Vila São Raimundo Nonato, Vila Nova e

Trilho), porém estas escolas não duraram muito tempo pela falta de recursos. O projeto de escolas era

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a articulação pela regularização da Terra Indígena Tapeba; e produção de material,

através de pesquisa histórica, que comprovasse a presença indígena em Caucaia

(AIRES, 2012).

A produção do material histórico produzido pela equipe da Arquidiocese, o qual

auxiliou na configuração de características de identificação e reconhecimento da etnia

Tapeba, foram organizados e, posteriormente, usados como estratégia político-

pedagógico pela Igreja, sendo repassado às lideranças indígenas o “conhecimento” a

respeito da sua história, cultura e direitos: noções de direito sobre a terra, reforço na

história indígena, medicina tradicional, projetos políticos e reafirmação do povo

Tapeba, entre outros. Estratégia também usada nos processos de reconhecimento

jurídico-administrativos de regularização da Terra Indígena Tapeba (BARRETTO

FILHO, 1992).

A partir da década de 1990, a EACR deixou de existir, dando lugar à Pastoral

Indigenista. Dando continuidade as atividades de produção de evidências para o

reconhecimento, fundou a Associação das Comunidades do Rio Ceará e utilizou como

estratégia a criação de posições diretamente ligadas ao movimento indígena (cacique e

pajé) na direção da instituição, junto ao povo Tapeba. Após a criação da Pastoral

Indigenista sucessivas ações de produção de evidências e material histórico para o

reconhecimento dos Tapeba como indígenas são realizadas. Ações promovidas pela

Pastoral incentivaram o intercâmbio das lideranças indígenas com o financiamento de

viagens com a finalidade de participação em assembleias nacionais do movimento

indígena, o que proporcionou conhecer outras realidades, sendo que em uma das

viagens ficou conhecido a dança do Toré28

por umas lideranças, logo o conhecimento

foi repassado para as outros Tapeba e tornou-se principal símbolo da luta pela posse da

Terra Indígena (AIRES, 2012).

Com a entrada em cena da Igreja mediante a Arquidiocese de Fortaleza, a partir

da iniciativa de Dom Aloísio Lorscheider, primeiro com a EACR e em seguida com a

criação da Pastoral Indigenista, o povo Tapeba passou de “miseráveis” e “remanescente

indígenas” para sujeitos indígenas dotados de direitos legais (Estatuto Indígena de 1973;

uma estratégia conectada à ação da Igreja em intensificar a identificação e avançar na luta fundiária

(AIRES, 2012). 28

O aprendizado do Toré representou a possibilidade de obter um traço cultural, historicamente

empregado pelo órgão oficial federal, para o reconhecimento de índios no Nordeste brasileiro (Grünewald

2005).

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39

Constituição Federal de 1988; Convenção nº 169 da OIT; dentre outros), efeitos dos

esforços em realizar o “resgate” da história “verdadeira” (BARRETTO FILHO, 1992).

O que surtiu efeito, principalmente no processo de demarcação da Terra Indígena pela

FUNAI29

.

O período que se deu a seguir ocorreu na segunda metade da década de 1990,

quando uma nova configuração no movimento indígena, já estabelecido após a ação da

Pastoral Indigenista, com base na atuação da igreja e na Teologia da Libertação,

período em que o reconhecimento do território indígena, o conhecimento da legislação

nacional e implementação das políticas de educação, emergiram como processos

eminentes, que estão diretamente ligados aos processos históricos, legais e políticos de

luta por educação e terra. (AIRES, 2012)

29

Posteriormente, entre 1993 e 1997, sucedeu um período marcado por contestações judiciais e disputas

políticas, quando o Ministério da Justiça publicou portaria declarando os limites territoriais (Portaria

Declaratória nº 967/97)

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40

3. A Produção de um Discurso e de Práticas Sobre Escolas Para os Índios (1995-

2002)

3.1. A política educacional no modelo Neoliberal e a Escola para os Índios (1995 -

1999)

As Políticas Sociais foram uma das prioridades durante o segundo governo de

Tasso Jereissati e formaram importante seguimento do Plano de Desenvolvimento

Sustentável (1995), através do programa de capacitação da população e definiu as

diretrizes do Programa de Descentralização da Administração e Gestão Participativa da

Secretaria de Educação Básica do Ceará – SEDUC. Inicialmente, o documento não fez

nenhuma menção direta à Educação Indígena, apenas mencionou que foram realizadas

“ações dirigidas para as populações culturalmente fragilizadas, a exemplo das minorias

étnicas, menores carentes, idosos, mulheres, presidiários, prostitutas, homossexuais

etc.” (CEARÁ, 1995 apud AIRES, 2010, p. 101).

Tal programa trazia um plano de desenvolvimento nas áreas de educação e

saúde, estratégia tomada pelo governo para alcançar melhores números no Índice de

Desenvolvimento Humano - IDH30

, sendo que dois indicadores fazem referência à

educação: taxa de analfabetismo e taxa de escolarização - a taxa de escolarização é

composta por índices de evasão e repetência, bem como os números referentes aos anos

de escolaridade e matrícula. O governo do estado buscou melhoria do IDH, pois o

mesmo tem sido referência para avaliação dos programas governamentais e como

condição de renovação ou pedido de empréstimo junto às agências internacionais, a

exemplo do Banco Mundial (TAVARES, 2001).

A busca por estratégias para a melhoria das taxas de analfabetismo e

escolarização, fez com que o governo do estado procurasse elevar o padrão da qualidade

de ensino, diminuindo o índice de repetência e mobilizando diversos setores da

sociedade cearense. Ainda em 1995, o governo do estado, a partir da SEDUC, lançou o

projeto “Todos pela Educação de Qualidade para Todos”.

30

O IDH busca medir a situação da população, através dos percentuais de seis indicadores, a saber:

“domicílio atendido com coleta de lixo, domicílio com luz elétrica, domicílio com água encanada, taxa

de escolarização, taxa de analfabetismo, população com rendimento mensal inferior a um salário

mínimo e taxa de mortalidade infantil” (Ceará, Mensagem Anual, 1998 – grifo nosso).

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41

O projeto “Todos pela Educação de Qualidade para Todos”,

desenvolvido hoje no Ceará. Está centrado em três prioridades em

torno das quais se constrói uma mudança de paradigma na Educação

do Estado: Todos pela Educação, Educação de Qualidade e Educação

para Todos. Reconhece a Escola como ponto de partida de toda ação

pedagógica, propõe a autonomia escolar e, ao mesmo tempo,

identifica na parceria com os municípios o caminho para viabilizar o

“regime de colaboração” entre União, Estado e Municípios. (CEARÁ,

1995)

A prioridade do projeto: “Todos Pela Educação”, buscou a mobilização da

sociedade e a descentralização da gestão, assim como os projeto de municipalização,

eleição de diretores, convênios com universidade e a Secretaria de Ciências e

Tecnologia – SECITEC (TAVARES, 2001, p. 178). Com este plano, a SEDUC tentou

promover parcerias entre as instâncias do poder público, pois “esta perspectiva traduz

de que a educação bem sucedida é resultado de um processo compartilhado por todos”

(CEARÁ, 1995).

Outra prioridade, a “Educação de Qualidade”, “volta-se para a permanência bem

sucedida [do aluno] na escola” (idem), procurou aprimorar os índices da taxa de

escolarização através da melhoria da parte física da escola, com a construção, ajustes e

ampliação31

, assim como, melhor condição nos curso de qualificação docente e curso de

formação acadêmica, reformas no processo de avaliação do desempenho dos alunos, na

organização de ciclos escolares substitutos das séries de estudos e também com ações

junto à administração escolar com a adoção de um novo modelo de gestão (TAVARES,

2001, p. 181).

Por último, no ponto: “Educação para Todos”, o governo do estado teve como

meta alfabetizar e levar escolarização às crianças e jovens na faixa etária de 7 a 17 anos,

visou o acesso à educação e redução do tempo de conclusão do ensino médio e

fundamental, bem como a formação do professor. O projeto

priorizou favorecer o acesso à Educação, bem como tentou reduzir o

tempo gasto para concluir regularmente o ensino médio e

fundamental, além de oferecer aperfeiçoamento através de cursos de

31

Projeto “Instalações Escolares”

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42

alfabetização e atualização dos conhecimentos, para a população que

havia sido excluída dos bancos escolares. (idem, p. 180)

Segundo o secretário de educação, Antenor Naspolini (1995-2002), o programa

“Todos pela Educação de Qualidade para Todos” obteve sucesso e foi “a constatação de

que os cearenses estão na escola” (CEARÁ, 2001). O documento trouxe dados que

mostrou que, entre os anos de 1995 e 2000, o percentual de matrícula na rede pública do

estado, tanto no ensino fundamental como no ensino médio, obteve progresso

significativo dos indicadores educacionais. Apesar da melhoria nos números de alunos

matriculados, o Secretário lembrou que o problema da educação é mais complexo e

“inclusão, o que implica em ações mais abrangentes de política social” (ibidem). Com

isso, foi necessário tomar medidas que garantissem não só o acesso à escola, mas

também a qualidade da escola, a permanência e sucesso escolar do aluno. Para tanto, o

governo deu início a uma campanha de valorização do magistério, com cursos de

formação, concursos, entre outras ações (ibidem).

Consideramos que o termo “inclusão”, o qual esteve contido nos projetos

educativos do estado neoliberal, tem por finalidade promover a integração dos alunos ao

novo contexto mundial e assim incorporá-los a como membros que aceitassem e

atuassem de forma ativa na sociedade, “tornado os indivíduos tanto adepto da lógica que

rege a sociedade, como elementos atuantes” (TAVARES 2002, p. 36). Ou seja,

[n]esse sentido, dadas as atuais mudanças sociais, a Escola foi eleita

como a principal instância de integração social, pois toda a população

deve ser envolvida por essa nova proposta educacional, do velho à

criança, já que uma das condições fundamentais para sustentação do

neoliberalismo reside na integração de todos os segmentos da

sociedade aos propósitos neoliberais. A operacionalidade desse

princípio evidencia-se tanto nos programas de capacitação docente,

como nas revisões dos conteúdos curriculares. (ibidem)

Ainda com relação ao projeto, o tema: “Educação para Todos”, realizou as

primeiras menções diretas à educação voltada aos povos indígenas, o qual recebeu o

título “Educação Indígena”, e diz:

Implantado em 1996 junto às comunidades dos Tapebas, em Caucaia,

e Tremembés, em Itarema, o projeto “Reafirmando a Cultura do Índio

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43

Cearense”[ 32

], é um trabalho pedagógico que envolve 48 professores

índios, pais e lideranças comunitárias, totalizando cerca de 3.800

participantes de oito núcleos da comunidade Tremembé e 2.300 dos

cinco núcleos dos Tapebas, em Caucaia. Em 1998, estão sendo

atendidas 06 etnias em todo o Estado, beneficiando cerca de 2.000

índios cearenses. (CEARÁ, 1995)

No ano de 1996 foi realizado o primeiro Seminário de Educação Escolar

Indígena no estado. Com o total de carga horária de 16h/a. O seminário teve como

objetivo “sensibilizar” organizações governamentais, não governamentais e a sociedade

civil cearense da existência dos povos indígenas no Ceará. O segundo seminário foi

realizado após dois anos, em 1998, e abordou a seguinte temática “Identidade e Cultura

dos Povos Indígenas do Ceará/Novos rumos da Política Nacional de Educação Escolar

Indígena”, que teve como conferencista os antropólogos Bety Mendlin – USP e José

Augusto Laranjeira Sampaio – UNEB (CEARÁ, 2001).

Entre os anos de 1998 e 1999, a SEDUC encaminhou ao Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação – FNDE/MEC dois projetos voltados para a Educação

Escolar Indígena. Em 1998, submeteu o projeto Educação Escolar Indígena33

,

solicitando apoio financeiro para a “capacitação de professores de escolas situadas nas

comunidades indígenas”. No ano seguinte, em 1999, a SEDUC submeteu o segundo

projeto Educação Indígena34

, para a realização da “formação de professores, produção e

impressão de material didático” (idem). A Secretaria ainda promoveu, a partir de

convênio com seis (06) associações indígenas e com recursos financeiros próprios, o

pagamento de professores em atuação nas escolas, totalizando o investimento de R$

153.600,00.

Em 1999, foram realizados seminários, encontros e cursos para discutir a

educação indígena no estado. No mês de abril, foi realizado o Curso para Educadores e

Lideranças Indígenas, com carga horária de 120h/a. O curso contou com a participação

dos indígenas e representantes da FUNAI, UFC, ONGs, SEDUC, CREDEs e

32

O projeto enviado pela Secretaria tinha como objetivo ‘apoiar a educação escolar indígena e apresentar

o Plano de Trabalho para o ano de 1996’ (apud CEC, 1996a) e, também, conclama a todos para uma

‘mobilização geral de toda a sociedade e uma estreita articulação interinstitucional que junte esforços,

vontades e recursos’ (apud CEC, 1996a). Em outros trechos do texto do projeto, citados pelos

documentos do Conselho, encontramos também a seleção de temas destinados à educação dos índios: os

‘conteúdos universais indispensáveis ao exercício da cidadania’ e ‘conteúdos e vivências indispensáveis à

reafirmação cultural’ (apud CEC, 1996a) (AIRES et al, 2010 ) 33

Valor solicitado: R$ 80.229,00; valor concedido: R$ 51.000,00 34

Valor solicitado: R$ 109.699,00; valor concedido: R$ 30.000,00

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44

professores indígenas. Ocorreram, também, os seminários regionais para discussão do

Referencial Curricular para as Escolas Indígenas - RCNEI e da Resolução 03/99 – que

Fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas –, entre os meses

de maio e abril, nas localidades de Crateús e Acaraú, respectivamente. Contou com a

participação de professores indígenas, professores representantes de escolas públicas,

secretários municipais, diretores de escolas, técnicos da SEDUC e CREDEs. Ainda em

outubro do mesmo ano, ocorreu encontro para discussão da política de formação dos

professores indígenas do Ceará, que teve a participação de professores representantes de

todas as comunidades indígenas, especialistas da área e técnicos da SEDUC.

No âmbito regional, a SEDUC proporcionou a participação de seus técnicos e

indígenas (Tremembé, Pitaguari, Tapeba e Kanindé de Aratuba) no I Seminário de

Educação Escolar Indígena da Região Nordeste35

, que abordou temas como a Resolução

do Conselho Nacional de Educação (14/99); Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN

em ação para educação escolar indígena; formação dos professores indígenas; e

aspectos linguísticos dos povos indígenas do Nordeste. O seminário contou com a

participação de representantes do Comitê Nacional; consultores; representantes dos

Estados: Bahia. Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Maranhão, Minas Gerais,

técnicos da SEDUC e ONGs.

Foram desenvolvidas ainda pela SEDUC, através da Coordenadoria

Desenvolvimento Técnico-Pedagógico, ações que atenderam as escolas indígenas:

repasse da merenda escolar para as escolas cadastradas no Censo; repasse de material

didático-pedagógico; e pagamento dos professores indígenas em atuação nas escolas.

Assim como a capacitação permanente entre os professores indígenas entre os meses de

fevereiro e março, contando com participantes das etnias: Jenipapo Kanindé (23

participantes), Kalabaça (26 participantes), Potyguara, Kanindé de Aratuba, Tremembé

(45 participantes), Pitaguary (08 participantes) e Tapeba (29 participantes).

35

O Seminário ocorreu na Casa Cordimariana, localizada em Caucaia-CE.

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45

3.2 O Terceiro Governo Tasso e o Movimento: Escola do Novo Milênio (1999 -

2002)

Na continuidade do governo de Tasso Jereissati, em seu terceiro mandato (1999

- 2002), a participação continua sendo tratada como fator primordial dos seus

programas, principalmente, ao tratar da educação. “A proposta é baseada, novamente,

em uma ampla mobilização da sociedade para a discussão da escola que se tem e a da

escola que se quer” (NASPOLINI, 2001). Então o governo lançou o programa

denominado “Escola do Novo Milênio”, que

No primeiro momento as discussões se darão no âmbito da escola

tendo como protagonistas os professores, alunos e núcleo gestor,

conselho escolar, grêmios, pais e toda a comunidade. Três questões

balizam o debate: 1. Que escola tivemos neste final de milênio; 2. Que

escola queremos para o início do novo milênio; 3. Como transformar a

escola que temos na escola que queremos (CEARÁ, 2001, p. 10).

Como podemos ver, os projetos educacionais propostos pelo estado, tanto o

projeto “Todos pela Educação de Qualidade para Todos” (1995), quanto o projeto

“Escola do Novo Milênio” (2001), procurou realizar ampla mobilização do Estado,

agentes de educação e sociedade civil cearense na transformação da educação básica do

estado, com o foco no ideal “escola pública que temos e que queremos” (CEARÁ,

2001), e foi nesse contexto que a educação escolar indígena foi se consolidando aos

poucos, a partir da articulação entre governo do estado do Ceará, SEDUC, indigenistas e

comunidades indígenas.

3.3.1 A política educacional e ações direcionadas aos povos indígenas

Em 1999, o Plano Plurianual36

– PPA apresentou as metas do programa de

desenvolvimento do Estado, com a intenção de promover mudanças através de

investimento econômico e proporcionar melhorias no desenvolvimento social através de

36

Os Planos de Desenvolvimento Sustentável e os Planos Plurianuais, “constituem documentos mais

recentes, caracterizando-se por conter diretrizes, princípios, metas e estratégias de ação a serem

desenvolvidas nas mais diversas áreas durante uma gestão pública” (VIERIA & FARIAS, 2006, p. 14).

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46

planos estratégicos. Como parte do PPA, os planos estratégicos de educação fizeram

referência à Educação Indígena, com intuito de “promover a inclusão de crianças,

jovens e adultos em situação de risco social”, e alcançar a meta de “atender

comunidades indígenas com educação básica, construindo e equipando escolas”

(CEARÁ, 1999, p. 109 apud AIRES et al, 2010).

Em 2000, conforme o Decreto 25.970 – que certifica a estadualização das

escolas indígenas como escolas específicas e diferenciadas –, foram criadas um total de

24 escolas indígenas de Ensino Fundamental e Médio, ficando asseguradas as

especificidades e peculiaridades de cada etnia. Segundo o Censo executado pela

SEDUC no ano de 1998, o qual se constatou que as escolas diferenciadas indígenas

atendiam, aproximadamente, 4.800 alunos. Estas escolas, entretanto, encontravam-se

em má qualidade, condições educacionais precárias e seus docentes possuíam a carência

de melhor formação, como relata agente da SEDUC em seu parecer, em que diz que

“existem aproximadamente 100 professores [indígenas], na sua maioria com apenas as

quatro [04] primeiras séries do ensino fundamental, sendo que somente 20% passaram,

pela 5ª série” (CEARÁ, 2001). O caso da formação do professor indígena será abordado

mais a frente com maior profundidade.

No mesmo período, foi encaminhado ao Banco Mundial projeto de acordo de

empréstimo, que tinha por finalidade o financiamento da gestão e arcar com as despesas

administrativas do programa “Escola do Novo Milênio”. Podemos identificar a inclusão

da educação indígena no ponto denominado: “Grupos Étnicos do Ceará e o Projeto de

Educação”. Segundo o documento, as atividades seguiriam as diretrizes e as

especificações culturais discutidas e acordadas com as comunidades indígenas. E mais,

[t]odas as ações desenvolvidas e a serem implementadas estão em

consonância com a política pública federal implementada pelo

Ministério da Educação e do Desporto – MEC e o Referencial

Curricular Nacional para as Escolas Indígenas [RCNEI]. O Projeto irá

financiar ações específicas voltadas para o atendimento das

necessidades desses grupos étnicos através da construção e

equipamento de aproximadamente 20 pequenas escolas, cujos projetos

arquitetônicos levarão em consideração os requisitos sugeridos pelas

comunidades indígenas; treinamento de aproximadamente 75

professores indígenas; e o fornecimento de 24 bibliotecas escolares.

(CEARÁ, 2001, p. 19)

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Além disso, no mesmo período, foram realizadas mais ações direcionadas as

populações indígenas, das quais podemos destacar: a realização de oficinas nas áreas

indígenas para o desenvolvimento de ações pedagógicas específicas e diferenciadas das

comunidades, contando com o total de 129 indígenas participantes, distribuídos nas

áreas indígenas especificadas a seguir:

Tabela 1: povos indígenas participantes das oficinas pedagógicas por município.

ÁREA MUNICÍPIO N° PART.

Jenipapo Kanindé Aquiraz 23

Kalabaça Crateús 23

Pitaguary Maracanaú 10

Tapeba Caucaia 30

Tremembé Itarema 43

Fonte: SEDUC - 2001

Na continuidade destas ações, a SEDUC promoveu encontros para divulgação

do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI entre os

Jenipapo Kanindé, Kalabaça, Tapeba e Tremembé; como também, o trabalho em

conjunto entre técnicos da SEDUC e um antropólogo para a realização de estudos a

partir das narrativas orais, o que possibilitou aos técnicos melhor compreensão da

situação sociocultural dos povos indígenas cearenses; e a elaboração e publicação de

material didático, como a publicação de livros da história dos povos Potyguara, Tapeba,

Tremembé e povos da região de Crateús (CEARÁ, 2001).

Em 2001, no período de 20 a 22 de fevereiro, reuniram-se em Fortaleza os

principais órgãos gestores da educação no estado (SEDUC, APRECE37

, CREDE’s),

bem como diretores e convidados de outros estados (Goiás, Mato Grosso, Pernambuco e

Santa Catarina), a fim de propor a criação de uma Agenda Cearense pela Gestão

Educacional. A agenda foi

[...] discutida no âmbito do movimento “Escola do Novo Milênio”,

como produto do Seminário realizado para este fim, onde se reafirmou

o princípio de que só se educa para a democracia educando pela

37

Associação dos prefeitos do Estado do Ceará - APRECE

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democracia, norteador das ações de construção de uma rede pública,

integrada, democrática, de qualidade e sustentável. (CEARÁ, 2001, p.

14)

Das propostas desta agenda, sobressaem as relacionadas a seguir:

1. Fortalecer a participação e a organização de todos os segmentos

escolares e comunitários das diversas dimensões da gestão, através da

criação, implementação, operacionalização, acompanhamento e

avaliação dos colegiados escolares e seus instrumentos pedagógicos e

gerenciais, tais como Projetos Políticos pedagógicos, Regimentos

Escolar e Plano de Desenvolvimento da Escola;

[...]

3. Universalizar a descentralização da gestão educacional em nível

escolar, no âmbito do estado e do município, ampliando os

mecanismos de repasse de recursos financeiros, autonomia

pedagógica, administrativa e jurídica das escolas como unidades

executoras de políticas e geradoras de programas educacionais;

4. Garantir os padrões básicas de funcionamento das escolas públicas

em função de critérios de localização e demandas educativas das

comunidades onde estão inseridas;

[...]

13. Mobilizar e capacitar a comunidade escolar para inserção das

práticas culturais e das múltiplas linguagens visando a formação ética,

política e estética, na perspectiva de uma nova ecologia e de uma

cultura de paz;

14. Realizar de forma conjunta, entre Estado e Municípios, o Programa

de Formação de Gestores Educacionais orientado para o atendimento

das demandas e especificidades locais e etapas de educação básica

(idem).

Destacamos os princípios: “fortalecer a participação”, “universalizar a

descentralização”, “critérios de localização e demandas da comunidade”, “inserção das

práticas culturais e das múltiplas linguagens” e “atendimento das demandas e

especificidades locais”. Tais princípios estão contidos nos discursos das políticas

governamentais durante os mandatos de Tasso Jereissati, tanto em 1987 quanto em 1995

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(TAVARES, 2002), os quais caracterizam governos que possuem ideais da doutrina

neoliberal em seus textos oficiais. Ao mesmo tempo em que princípios de origem das

demandas por direitos culturais de oprimidos e excluídos são observados nos

programas, práticas do multiculturalismo neoliberal (HALE, 2007).

Em 2001, o secretário de educação, Antenor Naspolini, apresentou documento:

“A EDUCAÇÃO BÁSICA NO CEARÁ: conquistas e desafios” (CEARÁ, 2001) que,

segundo o mesmo, registrou os “avanços e conquistas” do governo do Ceará durante os

anos de 1995 a 2000 na área de educação. Dentre os pontos destacados pelo secretário

estão: universalização do acesso de crianças, jovens e adultos à educação com o

crescimento dos índices educacionais; a democratização da escola pública; implantação

dos sistemas de gestão escolar (SPAECE, 1992; SAP, 1996; e SIGE, 1997)38

;

negociação e aprovação de empréstimo específico junto ao Banco Mundial39

;

descentralização da gestão, planejamento e acompanhamento educacional com a criação

de 21 Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação - CREDE;

promoção dos programas de formação do magistério, juntamente com universidade

públicas locais, entre outras ações.

Dentre as “conquistas e avanços” pontuados pelo Secretário, apenas um tema fez

citação direta à educação escolar indígena, na seção “Acesso e Sucesso”, o último ponto

diz: “Promoção da inclusão social de crianças com necessidades especiais, através da

implantação do atendimento integrado em escolas públicas e regularização das escolas

indígenas” (CEARÁ, 2001). Podemos perceber ainda o discurso oficial da educação

indígena como uma educação especial, tal tema regeu os primeiros anos de políticas

governamentais voltadas à educação indígena no estado, como destaca Aires (2010),

Entre 1998 e 2002, os pronunciamentos do governo estadual à

Assembleia Legislativa incluem a educação indígena, definida como

uma ‘educação especial’ entendida como ‘um serviço destinado a

crianças e adultos com carência de aprendizagem enfatizando-se a

comunidade indígena’ (Mensagem, 1998) ou como ‘processo de

inclusão educacional de populações em risco social e econômico’,

38

Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará – SPAECE; Sistema de

Acompanhamento Pedagógico – SAP; e Sistema Integrado de Gestão Educacional – SIGE. 39

Negociação e aprovação do empréstimo de U$ 90 milhões, específico para o setor educacional, com o

Branco Mundial (Projeto de Qualidade de Educação Básica - PQEB)

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50

dentre elas a populações indígenas ‘primando pela conservação de

suas culturas’ (Mensagem, 2001; 2002) (AIRES et al, 2010)

Ao expor os indicadores educacionais (evolução da matrícula, movimento

escolar e rendimento escolar) enfatizados pelas políticas educacionais, o documento

destacou que o acesso à educação não seria mais o problema fundamental, pois “98%

das crianças e adolescentes de 7 a 14 anos estão matriculados nas escolas” (CEARÁ,

2001, p. 05), pois, segundo o documento aqui descrito, a questão “implica em ações

mais abrangentes de política social”, e assim, “são necessários providências para

garantir a permanência e o sucesso escolar, relacionadas, portanto, com a qualidade” da

escola pública (idem).

Sobre as ações no novo programa de educação do governo voltadas as

populações indígenas, consta no documento que:

Dando continuidade ao processo de inclusão educacional de

populações em risco social e econômico, a SEDUC atendeu também

as comunidades indígenas, ofertando-lhes educação básica. Para que

isto de fato se realizasse foram implantadas ações baseadas em três

vertentes: Material de Ensino Aprendizagem – MEA, Formação de

Professores Indígenas e Regularização de escolas.

A SEDUC também assinou com instituições indígenas convênio que

visa o pagamento de professores que atuam junto as comunidades.

Encontram-se em fase de conclusão a publicação dos livros indígenas

“Povo Caceteiro da Serra das Matas” (índios Tapeba), “Tradição por

trás da Criação” (índios Tremembé), “Terra demarcada vida

garantida” (índios Tapeba) e “Cartilha das raízes indígenas – Povo de

Crateús” (povos indígenas da região de Crateús) (idem, p. 06).

No âmbito da Coordenadoria de Desenvolvimento Técnico Pedagógico da

SEDUC, ocorreu discussão específica com relação à educação indígena e, com isso, foi

expedido o documento: A Educação Escolar Indígena no Ceará (2001), que,

inicialmente, contem breve histórico dos povos indígenas no Brasil e no estado. Pontua

que “no Ceará o processo de constituição da escola diferenciada indígena começou a se

tornar realidade a partir dos anos de 1990, com a luta e a participação das diversas

etnias” (CEARÁ, 2001), e que, a partir daí, uma série de ações foram sendo postas em

prática para o fortalecimento e organização da educação escolar indígena no estado. E

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mais, que “hoje [2001] existem 36 escolas indígenas, [...] localizadas nos municípios de

Acaraú, Aquiraz, Aratuba, Caucaia, Canindé, Crateús. Itarema, Maracanaú, Mosenhor

Tabosa, Novo Oriente, Poranga e Tamboril” (CEARÁ, 2001, p. 02).

No total foram desenvolvidas 14 propostas (Cf. Anexo) básicas específicas para

a Educação Indígena, as quais buscaram desenvolver programas de ensino e pesquisa no

intuito de “proporciona a oferta de educação e escolas específica, diferenciada,

intercultural e bilíngue a todos os povos indígenas que habitam o território do Ceará”

(idem, p. 03). Traziam como objetivos iniciais:

- proporcionar aos índios a recuperação e fortalecimento de suas

memórias históricas, a reafirmar de suas identidades étnicas, a

valorização de suas línguas, artes e ciências;

- garantir aos índios o acesso às informações, conhecimentos técnicos

e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e

não-indígenas (ibidem).

Na continuidade das propostas, assegurar a autonomia da escola e a formação do

professor indígena foi um dos focos principais da SEDUC, que conduziu suas ações

para o credenciamento e reconhecimento oficial das escolas, com a proposta de “criar,

dentro de um ano40

, a categoria oficial de ‘escola indígena’ para garantir a

especificidade da educação intercultural, diferenciada e bilíngue” (idem), assegurando a

autonomia das escolas,

tanto no que se refere ao desenvolvimento de suas atividades em

conformidade com as proposições dos seus respectivos projetos

políticos-pedagógicos e regimentos escolares, quanto ao uso de

recursos financeiros públicos para a manutenção do cotidiano escolar,

garantindo a plena participação e decisão de cada comunidade

indígena na definição do modelo de organização e gestão, bem como

nas decisões relativas ao funcionamento da escola(idem).

A formação do docente indígena foi tratada como prioridade nas propostas, de

modo que a SEDUC procurou garantir a execução e reconhecimento oficialmente dos

cursos de formação de professores; além da formulação de um plano de implementação

de programas especiais para a formação de professores indígenas em nível superior em

40

Em nível de curiosidade, o Conselho de Educação do Ceará – CEC publicou, em 2003, a resolução n°

382, que “dispõe sobre a criação e o funcionamento de escola indígena no Sistema de Ensino do Ceará e

dá outras providências” (Ceará, 2003).

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parceria com as universidades ou instituições de nível superior local. A proposta do

curso foi a de dar ênfase

à constituição de competências referenciadas em conhecimentos,

valores, habilidades e atitudes; na elaboração, no desenvolvimento e

na avaliação de currículos e programas próprios; na produção de

material didático e na utilização de metodologias adequadas de ensino

e pesquisa.(idem)

Também foram propostas ações a nível estrutural, para construção e equipar

escolas indígenas, considerando “a arquitetura tradicional desses povos, atendendo

assim aos anseios de cada comunidades indígena” (idem, p. 04). Foi proposta, ainda, a

realização de programa de produção e edição de materiais didáticos e pedagógicos

específicos dos povos indígenas, sendo sua elaboração realizada em diálogo entre

professores indígenas, alunos e assessores.

Podemos destacar como principal proposta de ação estrutural e organizacional, a

construção e realização das propostas 10 e 12, que trataram, respectivamente, de

10. Criar, na estrutura da Secretaria de Educação Básica – SEDUC

e nos Centros Regionais de Desenvolvimento da Educação –

CREDE, setores específicos responsáveis pelo planejamento,

execução e avaliação da Educação Escolar Indígena (idem).

12. Instituir, por dois anos, a Comissão Interinstitucional como

instância consultiva/deliberativa e de assessoramento técnico na

definição das diretrizes educacionais indígenas. [...]. A comissão

deverá, também, elaborar a proposta de criação do Conselho

Estadual de Educação Escolar Indígena no Ceará.

Com base nestas propostas, percebemos o intuito do governo do estado na

criação de uma agenda de ações e um discurso que desse a educação escolar indígena

características que tentam organizar a realidade por meio de saberes, estratégias e

práticas normativas e reguladoras (FOUCAULT, 2010).

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53

3.3 A Formação do Professor Indígena

No decorrer da pesquisa, foi possível perceber grande destaque a respeito da

formação do magistério indígena. Tal destaque nos levou a criação deste tópico para

poder analisar mais de perto a atuação da SEDUC e sua relação com os docentes

indígenas.

A política de educação básica do estado do ceará, entre os anos de 1996 e

2001, deu ênfase a duas premissas relacionadas com a formação do magistério: a

valorização e profissionalização:

Na valorização do magistério, o Governo do Estado vem promovendo

uma série de ações: concursos públicos para as funções efetivas em

parceria com 153 municípios e seleção pública para cargos de

confiança, além de também estar facilitando o acesso aos bens

culturais, como o programa Um Professor, Um Computador,

beneficiando diretamente todos os professores de ciências e os

diretores eleitos. (CEARÁ 2001, p.8 – itálico no original)

A SEDUC priorizou a formação inicial e continuada do magistério, com a

promoção de cursos para 32 mil professores da primeira a quarta série da rede pública

de ensino, assim como a promoção de encontros periódicos junto as CREDEs, e a

implantação do “projeto tempo de avançar”. A formação e capacitação do professor

indígena receberam atenção e destaque no mesmo período, com a realização de

seminário sobre educação indígena, cursos específicos de formação de professores

indígenas e a contratação dos mesmos pelo governo do estado. Assunto que será

retomado e discutido com mais calma a frente.

O governo do estado, dando continuidade as suas atividades específicas voltadas

às comunidades indígenas e a formação dos seus docentes, buscou adequar-se a política

nacional de educação, na tentativa de assegurar e se aproximar ao máximo dos objetivos

propostos aos povos indígenas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –

LDB (lei 9394/96), no qual o Art. 78 propõe desenvolver:

[...] programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de

educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os

seguintes objetivos:

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I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação

de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades

étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II – garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às

informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade

nacional e demais sociedades indígenas e não índias.

A SEDUC também propôs o projeto “Reafirmando a cultura do índio Cearense”

(CEARÁ, 1996), que direcionou as atividades relacionadas às escolas indígenas e ao

curso de formação de professores indígenas. O projeto

tinha por objetivos: 1) desenvolver uma educação escolar indígena

que reconhecesse o direito à diferença e preservasse as organizações

sociais, costumes, crenças e tradições próprias das populações

indígenas; e, 2) construir uma escola que seja um espaço positivo de

reconstrução da identidade indígena, formando educadores que

assumam o papel de pesquisador de suas próprias culturas e se tornem

os professores e gestores de seu sistema escolar (LIMA, 2009, p. 77).

A SEDUC, ao tratar do projeto pedagógico e curricular do curso de formação

para o Magistério indígena, segundo parecer: Formação para o Magistério Indígena

(2002), desenvolveu suas ações a partir de questões trazidas pelos próprios indígenas –

professores, lideranças e comunidade –, em diálogo com os assessores e agentes, sobre

o tipo de escola que gostariam de construir, ao mesmo tempo em que os indígenas

contribuíram com sua opinião sobre o tipo de formação, programa e conteúdos que o

docente indígena deveria cursar durante sua formação. “Não há, portanto, uma “grade

curricular”, com conteúdos fixados antes do início do curso”, assim como, “o processo

de escolarização e de formação desses professores é entendido como o próprio processo

de formulação da escola que [os indígenas] querem e de seu projeto político educativo”

(CEARÁ, 2002).

Desta forma, a SEDUC se dispôs a ouvir e responder as demandas que foram

surgindo dos encontros com os indígenas para a construção da escola diferenciada, de

modo que sugiram propostas com ideais que fosse possível assegurar um processo de

escolarização que não negue a identidade e especificidade culturais dos povos

indígenas, buscando, respeitar sua realidade sociocultural e histórica (idem). A partir

daí, várias ações foram realizadas por técnicos da SEDUC, a saber:

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estadualização das escolas indígenas como escolas específicas e

diferenciadas – Decreto n° 25.970/DOE de 31.07.2000 – contratação

dos professores indígenas, fornecimento de materiais didáticos e

equipamento permanente, apoio à elaboração, impressão e distribuição

de materiais didáticos específicos de cada etnia, construção de escolas

(CEARÁ, 2002, p. 01).

A formação do professor indígena fundamentou-se em uma concepção

pedagógica e metodológica que deu privilégio a pesquisa como o seu princípio

educativo, pois “[a] pesquisa assume a centralidade do processo de formação enquanto

espaço/instrumento de construção e reconstrução dos conhecimentos e de saberes

necessários ao enfrentamento da realidade que querem e pretendem transformar”

(CEARÁ, 2002).

Com as propostas a SEDUC, então, deu início ao primeiro curso de formação

docente do estado. Tal curso tinha o “propósito de dar maior autonomia às comunidades

indígenas que buscavam formas de manutenção, produção e reprodução de seus

conhecimentos culturais” (ibidem). A configuração do curso possibilitou a circulação de

técnicos de outros estados que difundiram conhecimentos sobre direitos indígenas. Nas

aulas ministradas, ocorreu a circulação entre os professores documentos oficiais sobre

educação, ensinaram a respeito da elaboração de currículos diferenciados, foi

apresentado aos professores o Referencial Curricular Nacional para as Escolas

Indígenas (RNCEI). Os docentes tiveram a oportunidade de conhecer a Constituição

Federal de 1988, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96 -

Art. 78). Os indígenas também tomaram conhecimento da Convenção n° 169 da

Organização Internacional do Trabalho (OIT) – aprovada em 2002 pelo Congresso

Nacional - que definiu a “consciência de sua identidade indígena ou tribal (...) como

critério fundamental para determinar” se um grupo era indígena (AIRES, 2012).

Apesar da iniciativa da SEDUC, houve grupos de professores que discordaram

de certos aspectos do curso, como a limitação do número de vagas por etnia, a

organização de turmas segundo o grau de escolaridade, etc. A desistência destes

professores que, posteriormente articularam-se com outras etnias, órgãos

governamentais, universidade, etc., deu origem a outros cursos de formação docente41

.

41

Surgiu no estado, inicialmente, três (03) cursos de formação docente: O primeiro, Magistério Indígena

Tremembé, ligado a Universidade Federal do Ceará (UFC), realizou-se junto aos índios Tremembé de

Almofala (Itarema). O Curso de Formação de Professores Indígenas, organizado pela SEDUC, por sua

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Então, dois grupos de articulação formaram-se: primeiro, o grupo dos índios

“reconhecidos”, que buscou apoio às reivindicações junto à FUNAI. Por possuir o

“poder de reconhecer” as etnias, atraia grupos que viam neste órgão uma garantia de

apoio financeiro e uma segurança na luta por reconhecimento do território indígena; e o

segundo grupo, dos índios “não-reconhecidos”, que teve o apoio da SEDUC. Segundo

Lima,

é possível afirmar que, diante da morosidade e ineficiência do Poder

Público em dar assistência aos indígenas, a atuação da SEDUC é vista

por alguns como positiva e até pioneira, pois, antes mesmo de a

FUNAI reconhecer a existência de muitos dos grupos indígenas

cearenses, a SEDUC já assumia entre estes a implementação de

escolas diferenciadas, dando, dessa forma, o seu reconhecimento

(LIMA, 2009, p. 77).

A atuação da SEDUC junto aos povos indígenas não reconhecidos também foi

destacada em parecer, que diz:

Desde meados da década de [1990], a Secretaria da Educação Básica –

SEDUC vem se envolvendo e desenvolvendo ações junto aos grupos

étnicos que no Ceará. Sem consideram relevante a situação de

reconhecimento oficial dessas etnias, a instituição tem buscado

articular-se com todos eles – Povos de Crateús (que se auto-

denominam Kalabaça, Kariri, Tabajara, Potyguara), Jenipapo

Kanindé, Kanindé de Aratuba, Kanindé de Canindé, Tremembé,

Tapeba e Pitaguary – na perspectiva de ir construindo as

possibilidades de implementação de uma política educacional

adequada (CEARÁ, 2002).

vez, envolve as etnias Potiguara (Crateús, Tamboril, Monsenhor Tabosa), Tabajara (Crateús, Monsenhor

Tabosa, Poranga), Kanindé (Baturité e Canindé), Kariri (Crateús), parte do Jenipapo-Kanindé (Aquiraz) e

Tremembé do Córrego do João Pereira (Acarau). Finalmente o Curso de Magistério Indígena Tapeba,

Pitaguary e Jenipapo-Kanindé, ligado à Fundação Nacional do Índio (FUNAI), envolveu os Tapeba

(Caucaia), os Pitaguary (Maracanaú) e parte dos Jenipapo-Kanindé (Aquiraz) (NASCIMENTO, 2006, p.

15).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O período que consiste o início da década de 1990 foi permeado por inúmeros

movimentos sociais, políticos e econômicos. Os principais fenômenos que destacados

neste trabalho foi o surgimento da doutrina neoliberal e o fortalecimento do movimento

indígena na América Latina. Fenômenos que também foram presentes no Brasil e no

estado do Ceará. Para além de uma análise econômica, comum na maioria dos trabalhos

acadêmico, nosso olhar do modelo neoliberal voltou-se para identificar uma série de

características que nos auxiliaram a refletir a respeito da sua configuração sociocultural,

dentre elas: como as agências multilaterais de financiamento, em especial o Banco

Mundial, influenciam na formulação de uma agenda de ações voltadas aos grupos

étnicos, como indígenas, a descentralização da administração pública, a implementação

de uma nova forma de desenvolvimento econômico voltada pra o turismo e

reconhecimento do uso de símbolos históricos locais (GRIMSON, 2007).

Outro fenômeno destacado, foi o fortalecimento do movimento indígena, da sua

luta, organização, militância e processo de re-indianização, pela qual algumas

comunidades da América Latina, em especial no Nordeste brasileiro, passaram. Mas

como foi destacado, a doutrina neoliberal e o movimento indígena não poderiam ser

pensados de forma que um fosse oposto ao outro, como destacou Hale (2007), na

doutrina neoliberal existe um movimento de apoio, mesmo de forma tímida e distinta

nos diversos países, da afirmação dos direitos culturais indígenas, como meio para

resolver os problemas étnicos e avançar na construção de uma agenda de ação do

movimento (HALE, 2007, p 289).

Foi mostrado também, como o governo brasileiro passou a pensar as populações

indígenas e criar políticas específicas voltadas para essas comunidades, com o

aparecimento de órgãos estatais que passaram a administrar a vida destes povos.

Trabalhamos a partir dos conceitos de indigenismo e políticas indigenistas (SOUZA

LIMA, 1995) e como a construção de uma burocracia indigenista foi se formando no

Brasil com o aparecimento de documentos que tornaram legíveis as populações

indígenas (DAS & POOLE, 2008) e, simultaneamente, agentes que colocassem em

prática tais políticas, a saber: o indigenista (SALDÍVAR, 2011). Logo em seguida,

mostramos os “processos de territorialização” (OLIVEIRA, 1998) o qual os indígenas

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no Nordeste passaram. Inicialmente com as missões religiosas, para depois o estado

reger as ações juntos destes povos.

No capítulo seguinte, analisamos o período que ficou conhecido como “Governo

das Mudanças” (1987), época em que Tasso Jereissati esteve a frente do governo do

estado e passou a introduzir ideais da doutrina neoliberal na construção das políticas

públicas. Com ideais de modernização e desenvolvimento, as políticas do estado

votaram-se para o crescimento econômico a partir de investimentos no setor industrial e

turístico. Destacamos o uso turismo como atrativo de investimento econômico, assim

como demonstrado por Vich (2007) no caso do governo peruano, o governo do estado

do Ceará fez uso de símbolos históricos, o jangadeiro “Dragão do Mar” e a Índia

Iracema, na construção de narrativas das políticas que atraíssem visitantes. A partir de

então, as políticas culturais no “Governo das Mudanças” passaram a apresentar

representações de uma “cearensidade”, de um ideal de “o que é ser cearense”

(TEIXEIRA JUNIOR, 2005). Podemos destacar o aparecimento destes símbolos nas

políticas do estado mostram o reconhecimento do multiculturalismo pelo governo do

estado. Na segunda parte do capítulo, foi visto como ocorreu o “resgate” da cultura dos

povos indígenas através de ações da Arquidiocese de Fortaleza, a partir do trabalho

realizado pela Pastoral Indigenista (AIRES, 2012). Foi exposto como o trabalho da

Arquidiocese proporcionou aos povos indígenas locais a se reconhecerem como

indígenas e, assim, sujeitos dotados de direitos legais.

O passo seguinte, como foi proposto na introdução deste trabalho, foi de

estabelecer um referencial metodológico que garantisse uma analise dos documentos

das políticas de educação escolar indígena. Para tanto, usamos o trabalho de Antônio

Carlo de Souza Lima (1995) e Mariana Paladino (2001) como norte e seguimos suas

sugestões ao tratar tais documentos de educação indígena, pensando-os a partir da

ordem discurso (FOUCAULT, 2010), ou seja, o discurso contido nos documentos não

pode ser deslocado do seu contexto histórico ou geográfico, e mais, faz-se preciso o uso

de textos etnográficos.

Foram analisados os documentos das políticas de educação entre os anos de

1995 a 2002, época que consistiu o segundo (1995 - 1998) e terceiro (1999 - 2002)

mandato de Tasso Jereissati. O primeiro documento a fazer menção aos povos indígenas

em seus textos foi o projeto “Todos Pela Educação de Qualidade Para Todos”, com um

tópico totalmente voltado para a categoria “educação indígena”, de modo que, a partir

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daí, ações mais específicas foram sendo executadas, como a organização de seminários

para se discutir a escola indígena, formação de professores, projetos pedagógicos, etc.

No primeiro momento, foi possível perceber a preocupação na formação do docente

indígena.

No segundo momento, o projeto “Escola do Novo Milênio”, procurou continuar

e ampliar as ações iniciadas no período anterior, reforçando o ideal de “participação” da

comunidade para pensar e gerir a escola. Foi visto que a SEDUC buscou financiamento

junto ao Banco Mundial no intuito de atender as demandas dos povos indígenas com a

construção e equipamento das escolas, como também financiamento para a formação de

novos professores indígenas e a construção de bibliotecas, assim como, a publicação de

livros didáticos produzidos pelos indígenas que contassem a história e lendas do seu

povo.

A formação do docente indígena recebeu destaque com a realização de

seminário sobre educação indígena, cursos específicos de formação de professores

indígenas e a contratação dos mesmos pelo governo do estado. Embora a atuação da

SEDUC tenha sido pioneira junto aos povos indígenas no Ceará, a agência estatal

estabeleceu sua agenda de atuação, o que gerou descontentamento de etnias – como

mostrado no caso dos cursos de formação docente -, motivando novas parcerias com

outros órgãos estatais, pesquisadores e universidades.

Por fim, acredito que este trabalho de possa torna-se uma futura fonte para

pesquisadores que buscam entender e conhecer, mesmo de forma breve, como a

educação escolar indígena no estado do Ceará foi aos poucos aparecendo nos

documentos oficiais do governo tomando força. Como passou de uma “educação

especial” para uma educação indígena.

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ANEXO

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Documento:

A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO CEARÁ

PROPOSTAS BÁSICAS

1. Desenvolver programas de ensino e pesquisa para proporcionar a oferta de educação

escolar específica, diferenciada, intercultural e bilíngue a todos os povos indígenas que

habitam o território do Ceará. A educação escolar ofertada terá os seguintes objetivos:

- proporcionar aos índios a recuperação e fortalecimento de suas memórias históricas, a

reafirmar de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas, artes e ciências;

-garantir aos índios o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da

sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-indígenas.

2. Criar, dentro de um ano, a categoria oficial de “escola indígena” para garantir a

especificidade da educação intercultural, diferenciada e bilíngue.

3. Proceder o credenciamento e reconhecimento oficial, no prazo de dois anos, de todas

as escolas indígenas em funcionamento. Estas escolas compõem a rede estadual de

ensino e gradativamente oferecerão ensino fundamental e ensino médio; Ouvidas as

comunidades indígenas poderão oferecer, ainda, outras modalidades de ensino. Os

professores das escolas indígenas devem ser índios.

4. Assegurar a autonomia das escolas indígenas, tanto no que se refere ao

desenvolvimento de suas atividades em conformidade com as proposições dos seus

respectivos projetos políticos-pedagógicos e regimentos escolares, quanto ao uso de

recursos financeiros públicos para a manutenção do cotidiano escolar, garantindo a

plena participação e decisão de cada comunidade indígena na definição do modelo de

organização e gestão, bem como nas decisões relativas ao funcionamento da escola.

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5. Garantir no Orçamento Anual do estado e dos Municípios parceiros recursos

financeiros específicos para o desenvolvimento das ações de Educação Escolar

Indígena.

6. Implementar e providenciar o reconhecimento oficial de cursos específicos de

formação de professores indígenas, construídos com a participação dos mesmos, que

deem ênfase à constituição de competências referenciadas em conhecimentos, valores,

habilidades e atitudes; na elaboração, no desenvolvimento e na avaliação de currículos e

programas próprios; na produção de material didático e na utilização de metodologias

adequadas de ensino e pesquisa.

Aos professores indígenas serão garantidas a sua formação em serviço e, quando for o

caso, concomitantemente com a sua própria escolarização.

7. Formular um plano para a implementação de programas especiais para a formação de

professores indígenas em nível superior em parceria com as universidades ou

instituições de nível equivalente e que os professores desse curso devem passar por um

processo de formação de formadores.

8. Implantar programa de produção e edição de materiais didáticos e pedagógicos

específicos para os povos indígenas, elaborados por professores índios juntamente com

os seus alunos e assessores, garantindo os respectivos direitos autorais.

9. Instituir e regulamentar, nos sistemas estaduais de ensino, a profissionalização e

reconhecimento público do magistério indígena, com a criação da categoria de

professores indígenas como carreira específica do magistério, com concurso de provas e

títulos adequados às particularidades linguísticas e culturais dos povos indígenas,

garantindo a esses professores os mesmos direitos atribuídos aos demais do mesmo

sistema de ensino, com níveis de remuneração correspondente ao seu nível de

qualificação profissional e às comunidades indígenas o direito à avaliação permanente

dos seus professores.

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10. Criar, na estrutura da Secretaria de Educação Básica – SEDUC e nos Centros

Regionais de Desenvolvimento da Educação – CREDE, setores específicos

responsáveis pelo planejamento, execução e avaliação da Educação Escolar Indígena.

11. Criar mecanismos que possibilitem aos educadores e educandos não-índios

conhecimento sobre povos indígenas e suas culturas.

12. Instituir, por dois anos, a Comissão Interinstitucional como instância

consultiva/deliberativa e de assessoramento técnico na definição das diretrizes

educacionais indígenas. A composição da Comissão será paritária entre representantes

das diferentes etnias, órgãos governamentais e entidades não-governamentais. A

comissão deverá, também, elaborar a proposta de criação do Conselho Estadual de

Educação Escolar Indígena no Ceará.

13. Construir e equipar as escolas indígenas considerando a arquitetura tradicional

desses povos, atendendo assim aos anseios de cada comunidade indígena.

14. Identificar e cadastrar os sítios arqueológicos e lugares sagrados no Ceará.

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DOCUMENTO:

Dados/ Informações sobre a Educação Indígena no Ceará. SEDUC, Fev 2001

1. Povos Indígenas por Município/CREDE

ETNIA MUNICÍPIO CREDE

Calabaça Crateús Crateús

Cariri Crateús Crateús

Jenipapo Kanindé Aquiraz Maracanaú

Kanindé de Aratuba Aratuba Baturité

Potyguara Monsenhor Tabosa Crateús

Pytaguari Maracanaú Maracanaú

Tabajara Crateús Crateús

Tapeba Caucaia Maracanaú

Tremembé Itarema Acaraú

Obs.: Dos povos existentes no Estado, apenas quatro (04) são reconhecidos, os demais

aguardam a realização do levantamento e da identificação de suas áreas pela FUNAI,

bem como de outros documento que possibilitem um melhor conhecimento.

2. Povos reconhecidos pela FUNAI:

- Jenipapo Kanindé;

- Pytaguari;

- Tapeba;

- Tremembé.

3. Relação das escolas Indígenas:

Conforme o Decreto n° 25.970, de 31 de julho de 2000, foram criadas 23 escolas

indígenas de Ensino Fundamental e Médio abaixo especificadas, ficando asseguradas as

especificidades e peculiaridades de cada etnia

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4. Proposta Curricular das Escolas Indígenas:

Apresenta-se de forma bastante diversificada. Algumas escolas já se encontram em

processo de construção de uma proposta curricular específica e diferenciada

(especialmente as escolas indígenas localizadas nos municípios de Crateús e Monsenhor

Tabosa)

Em algumas áreas as escolas indígenas fundamentam suas ações nas orientações das

escolas regulares da rede municipal. Outras têm uma prática pedagógica orientada pelas

próprias comunidades indígenas de seu entorno.

5. Quadro Demonstrativo do Número de Professores por Grau de Formação:

6. Quando Demonstrativo da Matrícula Realizada em 12 escolas

indígenas,conforma Censo de 2000

7. Ações desenvolvidas pela Secretaria de Educação Básica – SEDUC através da

Coordenadoria Desenvolvimento Técnico-Pedagógico

7.1 Atendimento as escolas indígenas:

- repasse da merenda escolar para as escolas cadastradas no Censo;

- repasse de material didático-pedagógico;

- pagamento dos professores indígenas em atuação nas escolas.

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7.2 Capacitação permanente de professores indígenas, realizada com as etnias

abaixo especificadas:

POVO MUNICÍPIO LOCALIDADE PERÍODO N°

PART. LOCAL

Jenipapo

Kanindé Aquiraz

Lagoa

Encantada

22 a 27

fev. 1999 23

Lagora

Encantada

Kalabaça Crateús

Vila Vitória,

Novo mundo,

Fátima

22 a 27

mar. 1999 26 Crateús

Potyguara Monsenhor

Tabosa - - - -

Kanindé de

Aratuba Aratuba Fernandes - - -

Tremembé Itarema

Varjota/Praia,

Panãn, Alto

Mangue

01 a 06

fev. 1999 45 Varjota

Pitaguary Maracanaú Santo Antônio

do Pitaguary

22 a 27

fev. 1999 08

Comunidade

Trilho -

Caucaia

Tapeba Caucaia

Trilho,

Capoeira,

Lameirão,

Lagoa I e II,

Ponte

21 a 27

fev. 1999 29

Comunidade

Trilho -

Caucaia

7.3 Seminários de Educação Escolar Indígena: nível estadual

1° Seminário

- Período: 05 a 06/10/1996

- Carga Horária: 16h/a

- Local: Centro de Treinamento Prof. Antônio Albuquerque

- Objetivo: Sensibilizar organizações governamentais e não governamentais e a

sociedade cearense da existência dos povos indígenas do Ceará.

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2° seminário

- Período: 09 e 10/03/1998

- Temas abordados: Identidade e Cultura dos Povos Indígenas do Ceará/Novos rumos

da Política Nacional de Educação Escolar Indígena

- Carga horária: 16h/a

- Conferencistas dos dois Seminários:

-Antropólogos: Bety Mendin – USP – São Paulo

Antonio Guga Laranjeira – UFB – Bahia

7.4 Curso para Educadores e Lideranças Indígenas:

- Período: 05 a 16/04/1999

- Local: CETRAX

- Carga horária: 120h/a

- Participantes: Todas as etnias e representantes da FUNAI/UFC/ONG/SEDUC/

CREDE/PROFESSORES INDÍGENAS.

Esta etapa de formação foi significativa para os professores e lideranças, pois

oportunizou discutir sobre a concepção de Educação Indígena; História do Brasil com

enfoque no Ceará; Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas.

Houve uma boa participação do grupo nas discussões gerais do trabalho. Na ocasião, as

etnias reivindicaram ao Secretário de Educação Básica a construção e equipamento das

escolas indígenas.

Sugeriu-se ainda, estudar a possibilidade de ser analisado e discutido junto ao Conselho

Estadual de Educação o aproveitamento dos conteúdos ministrados e de sua carga

horária no curso de formação do magistério indígena, a ser ofertado pela Secretária de

Educação.

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7.5 Encontro para discussão da Política de Formação dos professores indígenas do

Ceará

- Período: 26 e 27/10/1999

- Carga horária: 16h/a

- Participantes: representantes de professores de todas as nossas comunidades indígenas,

especialistas da área e técnicos da SEDUC

7.6 1° Seminário de Educação Escolar Indígena da Região Nordeste

- Período: 28 e 29/10/1999

- Carga horária: 16h/a

- Local: Casa Cordimariana

- Temas abordados: Resolução do Conselho Nacional de Educação; PCN em ação para

educação escolar indígena; formação dos professores indígenas; aspectos linguísticos

dos povos indígenas do Nordeste.

- Participantes: representantes do Comitê Nacional; consultores; representantes do

Estados: Bahia. Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Maranhão, Minas Gerais e

Técnicos da SEDUC e ONG locais

- Participantes indígenas: 06 Tremembé; 05 Crateús; 03 Pitaguari; 06 Tapeba; e 02

Aratuba.

7.7 Oficinas pedagógicas nas áreas indígenas para o desenvolvimento de ações

pedagógicas especificas e diferenciadas dos povos indígenas

- Período: s/d

- Carga horária: 60h/a

- Local: Áreas indígenas abaixo especificadas

- Participantes: 129

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75

ÁREAS MUNICÍPIO N° PARTICIP.

Tremembé Itarema 43

Genipapo-Kanindé Aquiraz 23

Pitaguary Maracanaú 10

Tapeba Caucaia 30

Kalabaça Crateús 23

7.8 Encontro para divulgação do Referencial Curricular Nacional para as Escolas

Indígenas (RCNEI) nas comunidades Genipapo-Kanindé, Tapeba, Tremembé e

Kalabaça. Este encontro possibilitou aos docentes indígenas a compreensão da

concepção do referido referencial.

7.9 Acompanhamento dos técnicos da SEDUC ao trabalho por um antropólogo sobre

estudos das narrativas orais nas áreas indígenas, possibilitando à equipe técnica uma

melhor compreensão da situação sócio cultural dos povos indígenas do Ceará.

7.10 Publicação de Material Didático

- elaboração e publicação de material didático específico para o povo Tremembé

(Cartilha – Tradição por trás da Criação)

- Fase final de elaboração dos livros para publicação da história dos povos: Tapeba,

Potyguara, Tremembé (segunda publicação), povos da região de Crateús

7.11 Seminários Regionais

- Local: Crateús e Acaraú

- Período:

- Crateús: 26 e 27/05/1999

- Acaraú: 10 e 11/06/1999

- Tema abordado: Referencial Curricular para as Escolas Indígenas e Resolução 03/99

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76

- Participantes: professores indígenas, representantes de professores da escola pública,

secretários municipais, diretores de escolas, SEDUC/CREDE.

8. Projeto de Educação Escolar Indígena submetido ao FNDE/MEC

1998

Título do Projeto: Educação Escolar Indígena

Ações: Capacitação de professores de escolas situadas nas comunidades indígenas

Valor solicitado: R$ 80.229,00

Valor concedido: R$ 51.000,00

1999

Título do Projeto: Educação Indígena

Ações: Formação, produção e impressão de material didático

Valor solicitado: R$109.699,00

Valor concedido: 30.000,00

9. Investimento com recurso financeiro da própria Secretaria

Convênio entre SEDUC e 06 (seis) Associações Indígenas para pagamento de professor

em atuação nas escolas

Valor programado para o ano de 2000: R$ 153.600,00.

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77

Compêndio da Educação Escolar Indígena no Ceará (1995 - 2002)

ANO DOCUMENTO/AÇÃO OBJETIVO OBSERVAÇÃO

1995

Plano de

Desenvolvimento

Sustentável

Programa de

capacitação da

população e define as

diretrizes do

Programa de

Descentralização da

Administração e

Gestão Participativa

da Secretaria de

Educação Básica do

Ceará

Todos pela Educação de

Qualidade para Todos

Está centrado em três

prioridades em torno

das quais se constrói

uma mudança de

paradigma na

Educação do Estado:

Todos pela Educação,

Educação de

Qualidade e Educação

para Todos.

Reconhece a Escola como

ponto de partida de toda

ação pedagógica, propõe a

autonomia escolar e, ao

mesmo tempo, identifica na

parceria com os municípios

o caminho para viabilizar o

“regime de colaboração”

entre União, Estado e

Municípios.

1996

1° Seminário de

Educação Escolar

Indígena

Sensibilizar

organizações

governamentais e não

governamentais e a

sociedade cearense da

existência dos povos

indígenas do Ceará.

1998

2° seminário de

Educação Escolar

Indígena

Temas abordado:

Identidade e Cultura

dos Povos Indígenas

do Ceará/Novos

rumos da Política

Nacional de Educação

Escolar Indígena

Projeto: Educação

Escolar Indígena

Capacitação de

professores de escolas

situadas nas

comunidades

indígenas

Valor solicitado: R$

80.229,00

Valor concedido: R$

51.000,00

1999 Projeto Educação

Indígena

Formação, produção e

impressão de material

didático

Valor solicitado:

R$109.699,00

Valor concedido: 30.000,00

Curso para Educadores e

Lideranças Indígenas Discutir sobre a Participantes: Todas as

etnias e representantes da

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78

concepção de

Educação Indígena;

História do Brasil

com enfoque no

Ceará; Referencial

Curricular Nacional

para as Escolas

Indígenas.

FUNAI/UFC/ONG/SEDUC/

CREDE/PROFESSORES

INDÍGENAS.

Encontro para

discussão da Política de

Formação dos

professores indígenas

do Ceará

Participantes:

representantes de

professores de todas as

nossas comunidades

indígenas, especialistas da

área e técnicos da SEDUC

1° Seminário de

Educação Escolar

Indígena da Região

Nordeste

Resolução do

Conselho Nacional de

Educação; PCN em

ação para educação

escolar indígena;

formação dos

professores indígenas;

aspectos linguísticos

dos povos indígenas

do Nordeste.

Participantes:

representantes do Comitê

Nacional; consultores;

representantes do Estados:

Bahia. Pernambuco,

Alagoas, Sergipe, Paraíba,

Maranhão, Minas Gerais e

Técnicos da SEDUC e ONG

locais

- Participantes indígenas:

06 Tremembé; 05 Crateús;

03 Pitaguari; 06 Tapeba; e

02 Aratuba.

Seminários Regionais

Tema abordado:

Referencial Curricular

para as Escolas

Indígenas e Resolução

03/99

Participantes: professores

indígenas, representantes de

professores da escola

pública, secretários

municipais, diretores de

escolas, SEDUC/CREDE

2000 Decreto 25.970

Certifica a

estadualização das

escolas indígenas

como escolas

específicas e

diferenciadas

2001 Escola do Novo Milênio

Procurou realizar

ampla mobilização do

Estado, agentes de

educação e sociedade

civil cearense na

transformação da

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79

educação básica do

estado, com o foco no

ideal “escola pública

que temos e que

queremos”.

A Educação Básica no

Ceará: conquistas e

desafios

Registrou os “avanços

e conquistas” do

governo do Ceará

durante os anos de

1995 a 2000 na área

de educação

Escola do Novo Milênio:

Educação Básica de

Qualidade no Ceará –

Acordo de Empréstimo

Financiamento da

gestão e arcar com as

despesas

administrativas do

programa “Escola do

Novo Milênio”

Projeto de financiamento

para ações específicas

voltadas para o atendimento

das necessidades desses

grupos étnicos através da

construção e equipamento

de aproximadamente 20

pequenas escolas, cujos

projetos arquitetônicos

levarão em consideração os

requisitos sugeridos pelas

comunidades indígenas;

treinamento de

aproximadamente 75

professores indígenas; e o

fornecimento de 24

bibliotecas escolares.

A Educação Indígena no

Ceará

Propostas básicas

específicas para a

Educação Indígena,

que buscam

desenvolver

programas de ensino e

pesquisa no intuito de

proporciona a oferta

de educação e escolas

específica,

diferenciada,

intercultural e

bilíngue a todos os

povos indígenas que

habitam o território do

Ceará

2002 Formação Para o

Magistério Indígena

Parecer redigido por

agente que trás breve

histórico das ações

realizadas pela

SEDUC para

realização dos cursos

de formação do

magistério indígena