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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA
MARCELO RANGEL PINHEIRO
ENSINO MÉDIO EM TEMPO INTEGRAL E SEUS SENTIDOS:
a experiência da escola Matias Beck em Fortaleza-CE.
FORTALEZA – CEARÁ
2018
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MARCELO RANGEL PINHEIRO
ENSINO MÉDIO EM TEMPO INTEGRAL E SEUS SENTIDOS:
a experiência da escola Matias Beck em Fortaleza-CE.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Sociologia do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de concentração: Sociologia.
Orientador: prof. Dr. Geovani Jacó de Freitas.
FORTALEZA – CEARÁ
2018
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AGRADECIMENTOS
Gratidão ao Mestre.
Agradeço à minha mãe, Maria das Graças Borges Rangel, pela vida e pelo amor.
Grato à minha esposa, Daniele Freire de Oliveira Rangel, pela força e
companheirismo.
Gratidão aos meus familiares pela a presença e o apoio fundamentais para que eu
pudesse concluir a presente dissertação.
Ao amigo George Arruda, pelo incentivo e motivação.
Gratidão à comunidade escolar da EEMTI Matias Beck: professores, estudantes,
núcleo gestor, funcionários, pais, mães e responsáveis pelos alunos dessa escola
tão acolhedora.
Gratidão à banca de qualificação pelas valiosas contribuições que favoreceram o
desenvolvimento dessa dissertação.
Gratidão ao professor orientador, Geovani Jacó de Freitas, Gil, pelo empenho em
transformar os achados da pesquisa em um trabalho sociológico.
Agradeço à Funcap pelo período em que tive acesso à bolsa de apoio à pesquisa
durante o curso de Mestrado em Sociologia do PPGS/UECE.
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RESUMO
Em 2016, a Secretaria de Educação Básica do Ceará (SEDUC) iniciou o processo de
implementação das Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) na rede
estadual de ensino. As escolas que participam desta política se caracterizam pela
ampliação da jornada escolar e por mudanças na sua estrutura organizacional e
curricular. Visando compreender as mudanças que a implantação dessa modalidade
de ensino acarreta na organização escolar e na vida dos estudantes, e contribuir com
o debate a respeito da política educacional de ensino médio em tempo integral, a
presente pesquisa tem como objetivo geral analisar o processo de implementação da
modalidade de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) na escola Matias Beck e os
sentidos atribuídos pela comunidade escolar a essa nova modalidade de ensino. Os
objetivos específicos da pesquisa são: identificar os pressupostos legais que
fundamentam a implementação do ensino médio em tempo integral; identificar e
analisar as mudanças ocorridas na escola Matias Beck com o advento do ensino
médio em tempo integral; e analisar os sentidos que a comunidade escolar atribui à
essa modalidade de ensino. Como metodologia de pesquisa, utilizamos a pesquisa
bibliográfica, a observação direta, questionários, grupo focal e entrevistas
semiestruturadas com membros da comunidade escolar. Os trabalhos de Carrano e
Dayrell (2013), Cavaliere (2007, 2014), Ferretti e Krawczyk (2017), Moll (2017),
Masschelein e Simons (2015), Sennett (1999) e Han (2017) oferecem chaves
analíticas importantes para se pensar a problemática posta pela pesquisa. Aspectos
relacionados às mudanças curriculares e pedagógicas como os “tempos eletivos” e
ações voltadas para o “desenvolvimento socioemocional” dos estudantes, o
“cansaço”, as condições de infraestrutura, equipamentos, além dos aspectos
extraescolares como a impossibilidade de trabalhar e a necessidade de “tirar os jovens
da rua” se apresentam como fatores importantes para se compreender as mudanças
acarretadas pela implementação do EMTI na escola Matias Beck.
Palavras-chave: Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Matias Beck;
juventudes; política de proteção; Tempos Eletivos; competências
socioemocionais.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CCT Centro Comunitário da Taíba
CEE Conselho Estadual de Educação
CREDE Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação
CODEA Coordenadoria de Desenvolvimento da Escola e da Aprendizagem
DCNEM Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
IDEB Índice de Desempenho da Educação Básica
EEEP Escola Estadual de Educação Profissional
EEMTI Escola de Ensino Médio em Tempo Integral
EF Ensino Fundamental
EM Ensino Médio
EMTI Ensino Médio em Tempo Integral
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
ETI Escola de Tempo Integral
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MPV Medida Provisória
MEC Ministério da Educação
NTPPS Núcleo de Trabalho e Prática de Pesquisa Sociais
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONG Organização Não-Governamental
PEC Projeto de Emenda Constitucional
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PNE Plano Nacional de Educação
PPP Projeto Político-Pedagógico
PPGS Programa de Pós-Graduação em Sociologia
SEDUC Secretaria da Educação do Ceará
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SEFOR Superintendência das Escolas de Fortaleza
SPAECE Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará
Tdh Instituto Terre des Hommes
UECE Universidade Estadual do Ceará
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNIFOR Universidade de Fortaleza
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................08
1.1Gênese do pesquisador e da pesquisa.............................................................08
1.2 Ensino Médio em Tempo Integral: problematização a partir da experiência da
EEMTI Matias Beck...................................................................................................11
1.3 Instrumentos de pesquisa, inserção no campo e a construção do percurso
metodológico............................................................................................................14
2. POLÍTICA NACIONAL E ESTADUAL DE EDUCAÇÃO EM TEMPO
INTEGRAL.................................................................................................................25
2.1 Contextualização do Ensino Médio em Tempo Integral a partir da Lei 13.415
de 2017 ......................................................................................................................25
2.2 Implementação do Ensino Médio em Tempo Integral no Ceará.....................31
2.3 Implementação do Ensino Médio em Tempo Integral na escola Matias
Beck...........................................................................................................................38
3. CARACTERIZAÇÃO DA EEMTI MATIAS BECK..................................................47
3.1 Breve Caracterização da EEMTI Matias Beck e perfil socioeconômico dos
estudantes que participaram da pesquisa.............................................................47
3.2 O Pacto por um Ceará Pacífico e as ações desenvolvidas na EEMTI Matias
Beck...........................................................................................................................61
3.3 Mudanças na estrutura física da escola..........................................................65
4. MAIOR TEMPO DE PERMANÊNCIA NA ESCOLA: ASPECTO
CENTRAIS.................................................................................................................72
4.1 Tempos “socioemocionais”..............................................................................72
4.2 Tempos eletivos..................................................................................................88
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................107
ANEXOS
APÊNDICES
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1 INTRODUÇÃO
1.1. Gênese do pesquisador e da pesquisa
O interesse em cursar o mestrado em Sociologia surgiu, inicialmente, da
necessidade, como professor de Sociologia, de uma melhor compreensão a respeito
da importância e das contribuições desta disciplina na formação dos estudantes do
ensino médio. Em outubro de 2010, fui aprovado no concurso para professores da
Secretaria da Educação do Ceará (SEDUC) e desde quando iniciei a “dar” aulas de
Sociologia na escola pública me perguntava a respeito de quais objetivos esta
disciplina deveria perseguir, tendo em vista o nível de ensino em que ela é ministrada
e o público alvo a qual se destina1. Ao mesmo tempo, me preocupava em como
melhorar minha formação como professor, tanto no aspecto metodológico quanto com
relação aos conteúdos e temas a serem trabalhados. Essas inquietações me
motivaram, a princípio, a buscar um maior aprofundamento teórico dos conceitos,
teorias e temas da Sociologia e, posteriormente, ampliaram meu interesse em
compreender e problematizar a própria educação escolar.
Ingressei no curso de Ciências Sociais, na Universidade de Fortaleza
(UNIFOR), no primeiro semestre do ano 2000 e desde o período da graduação me
interesso por temas relacionados à educação e à juventude. Foi nesse período que
apresentei meu primeiro trabalho de iniciação científica intitulado: Jovens e educação
na comunidade do Dendê (2003), fruto de uma pesquisa realizada numa escola
daquele bairro com o objetivo de conhecer aspectos socioeconômicos dos estudantes
daquela comunidade, localizada no bairro Edson Queiróz, bem próximo à Unifor.
Durante o período da graduação também tive algumas experiências profissionais em
organizações não-governamentais (ONGs) que trabalhavam com estudantes de
escolas públicas. Na ONG Comunicação e Cultura, entre os anos de 2002 e 2004,
desenvolvi um trabalho de formação de grupos de estudantes para produção de
jornais estudantis. Durante dois anos visitei escolas, sobretudo na região
metropolitana de Fortaleza, formando “clubes do jornal” e capacitando os jovens na
produção de jornais que abordassem temas relacionados à vida escolar e à juventude.
Já na ONG Aldeia (Agência de Desenvolvimento Cultural, Educomunicação e
1 Em sua grande maioria jovens entre 15 e 19 anos, embora, no turno da noite, essa faixa etária seja mais diversificada.
9
Infoinclusão), em 2005, trabalhei no projeto Escola de Mídia com a capacitação de
estudantes para produção de materiais audiovisuais nas escolas, abordando temas
como o cotidiano escolar, vida familiar, trabalho etc. Essas experiências me
aproximaram das escolas públicas e de seus estudantes, e me “introduziram” nesse
campo educacional, o qual viria a ser minha área de atuação profissional como
professor de sociologia.
Após concluir a graduação, em 2005, voltei a trabalhar com crianças e
adolescentes durante o ano de 2009, quando tive a oportunidade de ser gestor social
no Centro Comunitário da Taíba (CCT), associação comunitária no município de São
Gonçalo do Amarante que mantinha convênio com a ONG Fundo Cristão para
Crianças. A associação atendia em média 80 famílias através de atividades como
inglês, capoeira, informática e teatro. Após um ano coordenando as atividades no
CCT, retornei a Fortaleza para assumir o cargo de professor na rede estadual de
educação.
Ao me tornar professor de Sociologia procurei conciliar o estudo realizado
para o planejamento das aulas com cursos que contribuíssem para ampliar minha
formação como professor, alargando minha compreensão e minhas possibilidades de
atuação no âmbito escolar. Em meados de 2011, dei início ao curso de
especialização2 em História e Cultura Afro-brasileira e Indígena, que ampliou meus
conhecimentos a respeito da temática étnico-racial, me proporcionando um melhor
embasamento para tratar dessa temática3 nas aulas de Sociologia. Concluí a
especialização em meados de 2013 e em 2014 iniciei, juntamente com um grupo de
professores da escola, o curso Prevenção do Uso de Drogas para Educadores de
Escolas Públicas4, o que nos proporcionou pesquisar e problematizar o uso de drogas
pelos estudantes da escola e refletir a respeito dos fatores de risco e de proteção que
envolvem a comunidade escolar com relação esse tema. Durante o ano de 2014,
participei, juntamente com demais professores da escola, de um programa de
2 Curso de especialização realizado na Faculdade Ateneu. 3 Em 2003, foi sancionada a Lei 10.639 que trata da obrigatoriedade do ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio e, em 2008, a Lei 11.645 que modifica a lei 10.639 acrescentando à obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira o ensino da história e cultura indígena. 4 Curso com carga horária de 180 horas, oferecido pelo Instituto UFC Virtual, em parceria com a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação e com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD/Ministério da Justiça).
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formação de professores intitulado Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino
Médio5. Dentre os conteúdos trabalhados no programa, me chamou muita atenção a
discussão sobre Os Jovens como Sujeitos do Ensino Médio (CARRANO e DAYRELL,
2013), pois apontava para a necessidade de se compreender a condição juvenil nos
dias atuais e para a centralidade dos jovens estudantes como sujeitos do processo
educativo.
A partir dos estudos realizados e de experiências diárias no cotidiano
escolar, comecei a observar a diversidade dos modos de ser dos jovens estudantes
tanto no que se refere às práticas sociais e culturais quanto no tocante a questões
relacionadas às características familiares, econômicas, de credo, cor, gênero, e que
eles demonstravam comportamentos e atitudes distintas com relação ao interesse
pela escola e pelos estudos. Por outro lado, percebia que muitas vezes os jovens eram
classificados, sobretudo por parte de professores, tendo como base unicamente
critérios de avaliação escolar e visões homogeneizantes que não levavam em conta
a complexidade desse momento da vida e os diversos fatores que influenciam os
modos de ser e as visões de mundo dos jovens e a sua relação com a escola.
Dentre as leituras que vinha realizando, me deparei com um texto de
Dayrell (2010), no qual o autor sinaliza para o importante papel que o professor de
Sociologia pode desempenhar numa escola.
Como sociólogo, ao buscar compreender quem são os jovens alunos que chegam ao Ensino Médio, contribuindo assim para que a comunidade escolar desnaturalize a visão que possui dos alunos, superando preconceitos e estereótipos, compreendendo-os como sujeitos sociais com demandas e atitudes próprias. Mas também como docente, ao fazer do jovem e sua realidade objeto de pesquisa e de análise nas aulas de sociologia (p. 66).
Me identifiquei com esses papeis e decidi fazer um curso de mestrado onde
pudesse me dedicar ao estudo, teórico e empírico, da (s) juventude(s) e sua relação
com a escola. Em 2016, ano em que iniciei o curso de mestrado em Sociologia no
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará
(PPGS-UECE), a escola em que trabalhava6 começou a implementar o Ensino Médio
5 Programa de formação continuada de professores realizado pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com os governos estaduais. 6 No início do segundo ano do curso de Mestrado consegui o afastamento da escola para me dedicar exclusivamente às atividades acadêmicas. Já perto de concluir o curso, em abril de 2018, fui aprovado
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em Tempo Integral, o que deu início a mudanças na organização escolar tanto no que
se refere ao tempo de permanência do estudante na escola como na estrutura
pedagógico-curricular. Essa reorganização que a escola vem realizando tem gerado
mudanças no seu cotidiano e afetado toda a comunidade escolar. Percebi, então, a
necessidade de compreender as mudanças que estavam ocorrendo no cotidiano
escolar e, sobretudo, o que os estudantes e os demais membros da comunidade
escolar pensam a respeito desse novo modelo de escola. Nesse sentido, a
implementação do ensino médio em tempo integral na escola Matias Beck, situada do
bairro Vicente Pinzón em Fortaleza, suas mudanças e seus efeitos no cotidiano
escolar, assim como os sentidos atribuídos pela comunidade escolar7 a esse modelo
de ensino, se tornaram, inevitavelmente, o problema sociológico que decidi investigar,
tanto como professor como sociólogo.
1.2 Ensino Médio em Tempo Integral: problematização a partir da experiência da
EEMTI Matias Beck
No estado do Ceará, mudanças vêm ocorrendo em relação à organização
curricular-pedagógica das instituições escolares de ensino médio devido à
implementação da proposta das Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral
(EEMTI). Embora essas mudanças não abranjam a totalidade das escolas estaduais,
elas apontam para um modelo de educação estadual diversificado no que tange à
oferta de diferentes modalidades de ensino. Essas mudanças se tornaram mais
visíveis a partir da instituição, em 2008, das Escolas Estaduais de Educação
Profissional (EEEP) que se propõem a integrar o ensino médio à educação
profissional dos estudantes. Já em 2016, a Secretaria de Educação Básica do Ceará
(SEDUC) iniciou o processo de implementação das Escolas de Ensino Médio em
Tempo Integral (EEMTIs) em 26 escolas estaduais, dando continuidade às mudanças
em nosso sistema de ensino que oferece, atualmente, tanto o ensino médio regular
em um processo de seleção para trabalhar na Célula de Mediação Social e Cultura de Paz da Secretaria da Educação do Ceará, na Secretaria de Educação, tendo que interromper o afastamento e dar início na nova função laboral na SEDUC, desligando-me, assim, da EEMTI Matias Beck. 7 Comunidade escolar é um termo que se refere aos diferentes segmentos que compõe a escola:
núcleo gestor, professores, estudantes, pais e responsáveis e funcionários.
12
em um turno, como a escola profissional (EEP) em tempo integral e a escola de ensino
médio regular em tempo integral (EEMTI).
Em julho de 2017, o Governo do Estado do Ceará sancionou a lei que
institui a Política de Ensino Médio em Tempo Integral efetivando essa modalidade de
ensino como uma política pública de Estado. No decorrer de 2017, mais 45 escolas
de EMTI foram implantadas. Em fevereiro de 2018 o Governo do Estado anunciou a
implantação de mais 40 EEMTIs. Atualmente, das 716 escolas da rede estadual, 228
funcionam em tempo integral, sendo 117 escolas profissionalizantes e 111 escolas de
ensino médio regular em tempo integral8.
Uma das 26 escolas que iniciou a implementação do modelo de ensino
médio em tempo integral, em 2016 no Ceará, foi a EEMTI Matias Beck, localizada no
bairro Vicente Pinzón, na cidade de Fortaleza. A escola vem implementando esse
modelo de ensino de maneira progressiva, tendo iniciado em 2016 com as turmas do
1º ano do ensino médio. Em 2017, acrescentou-se à proposta as turmas do 2º ano,
concluindo-se esse processo inicial de implementação em 2018, com a adesão das
turmas de 3º ano, quando a escola passa a oferecer apenas o ensino médio em tempo
integral.
Com o advento do EMTI, a estrutura organizacional e pedagógica-curricular
da escola passou por mudanças significativas. Os estudantes do EMTI permanecem
9 horas por dia na escola, sendo este tempo distribuído diariamente em nove
disciplinas da base comum, diversificada e flexível e os horários para lanche e almoço.
As aulas da base comum são compostas pelas disciplinas História, Geografia,
Português, Matemática, Sociologia etc. Já os tempos eletivos9 compõem a parte
opcional e flexível da oferta de aulas onde os professores propõem opções variadas
de temas de estudos (carga horária de 2 horas/aula por semana) dentre os quais os
estudantes elegem quais querem cursar. Semestralmente, a escola oferece, a partir
da proposição de professores e alunos, opções de tempos eletivos em áreas diversas
de conhecimento. Como parte diversificada, são ofertadas para os estudantes os
8 Site oficial do Governo do Estado do Ceará. Acesso dia 3.2.2018. Disponível em: http://www.ceara.gov.br/2018/02/01/populacao-do-ceara-sera-beneficiada-com-40-novas-escolas-de-ensino-medio-em-tempo-integral/. 9 Tempos eletivos são componentes curriculares que compõem a parte flexível e diversificada do
currículo das escolas de ensino médio em tempo integral. Esses temas serão mais bem descritos no capítulo III.
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componentes curriculares Formação para Cidadania e Desenvolvimento de
Competências Socioemocionais (projeto Professor Diretor de Turma – PDT) e Núcleo
de Trabalho e Prática de Pesquisa Sociais (NTPPS).
As escolas de ensino médio regular em tempo integral implementadas pela
SEDUC se configuram nos discursos do governo estadual como um novo modelo
educacional. Vale ressaltar que, ao longo do século XX, foram feitas experiências
esparsas para realização de escolas de tempo integral, destacando-se os esforços de
Anísio Teixeira e, no período de redemocratização, após a ditadura militar, de Darcy
Ribeiro com os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) no Rio de Janeiro.
Nesse sentido, o debate a respeito da escola de tempo integral esteve presente nas
discussões das políticas educacionais no País desde o início do século passado, mas
será a partir das orientações propostas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB –Lei Nº 9394 de 20 de dezembro de 1996), sobretudo no início do
século XXI, que se intensificará tanto na imprensa, como nas secretarias de educação
e em campanhas eleitorais (CAVALIERE, 2007).
O debate sobre escola de tempo integral está relacionado às
transformações pelas quais vêm passando as sociedades urbanas e implica uma
diversidade de fatores. O aumento do tempo de permanência na escola vincula-se
não apenas a aspectos didáticos e pedagógicos, mas, também, a uma diversidade de
interesses que evidenciam a interdependência do campo educacional às dimensões
socioculturais, políticas e econômicas da sociedade em que este projeto está posto.
A proposta de implantação do ensino médio em tempo integral em nível nacional faz
parte da proposta de “reforma do ensino médio”, realizada por meio de Medida
Provisória pelo governo federal em 2016, transformada na Lei nº 13.415, de 16 de
fevereiro de 2017. A lei altera tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), como a Lei 11.494 que regulamenta o FUNDEB (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação) e a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e também institui a Política
de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral em
âmbito nacional.
A proposta de mudança curricular, o aumento da carga horária, as
condições físicas das escolas, as condições de trabalho dos professores,
14
possibilidade de parcerias com instituições privadas, a inclusão do ensino técnico-
profissional, possibilidade de profissionais com notório saber de ensinar no ensino
médio, a necessidade dos jovens em trabalhar e os diversos fatores que influenciam
a condição juvenil na atualidade são aspectos que vêm sendo discutidos no bojo das
mudanças relacionadas ao ensino médio, fazendo com que seja retomada a
discussão a respeito da identidade e dos objetivos desse nível de ensino.
Com a presente dissertação, trago aspectos para se pensar a oferta de
ensino médio em tempo integral a partir de análises realizadas sobre o processo de
implementação desse modelo de ensino na EEMTI Matias Beck. Analiso os efeitos
dessa política no cotidiano escolar e os sentidos que a comunidade escolar lhe atribui,
partindo das seguintes perguntas balizadoras da pesquisa de campo: quais as
políticas educacionais que orientam a implementação das escolas de ensino médio
em tempo integral? Como vem acontecendo a implementação do ensino médio em
Tempo Integral na escola Matias Beck e quais os principais efeitos no seu cotidiano
escolar? Que sentidos os integrantes da comunidade escolar diretamente impactados
por essa nova modalidade de ensino atribuem à escola de ensino médio em tempo
integral?
1.3 Instrumentos de pesquisa, inserção no campo e a construção do percurso
metodológico
A pesquisa, que resulta na presente dissertação, foi desenvolvida ao longo
do ano de 2017, até meados de 2018. Vale ressaltar que esse período se caracteriza
por momentos de inconstâncias e constâncias com relação ao envolvimento com o
campo e à produção teórica-reflexiva, tendo em vista as demandas das demais
disciplinas do curso, e as tarefas familiares e sociais. Durante esse percurso, o
sentimento que moveu e envolveu a pesquisa foi o de contribuir com as reflexões a
respeito da relação entre escola e as juventudes na sociedade contemporânea, a
partir das problematizações realizadas a respeito do EMTI, tendo como fundamento
as análises desenvolvidas junto à comunidade escolar da escola Matias Beck.
De acordo com os objetivos que me propus alcançar com a presente
pesquisa, procurei “mobilizar todas as técnicas que, dada a definição do objeto,
15
possam parecer pertinentes e que, dadas as condições práticas de recolha dos dados,
são praticamente utilizáveis” (BOURDIEU, 1989. p. 26). A utilização de diferentes
técnicas de coleta de dados foi sendo mobilizada na medida em que os achados da
pesquisa me impulsionavam a novas abordagens, tanto no sentido de acrescentar
informações que ainda não havia sido abordadas como aprofundar aspectos que
mereciam ser melhor trabalhados e compreendidos. A pesquisa realizada se
caracteriza por sua natureza quanti-qualitativa e por sua dimensão empírica, de
trabalho de campo, onde o locus da pesquisa é a EEMTI Matias Beck e sua
comunidade escolar seus principais interlocutores. Os membros da comunidade
escolar que participaram diretamente da pesquisa foram a diretora da escola, 15
professores e 50 alunos que colaboraram para a coleta de dados por intermédio da
realização de entrevistas semiestruturadas, questionários e grupo focal10 que buscam
caracterizar esses sujeitos e apreender os sentidos que eles atribuem à
implementação do EMTI na escola Matias Beck.
Entrevistei quatro professores, duas professoras, a diretora da escola e
realizei um grupo focal com a participação de 12 professores. O critério para
selecionar os professores e professoras entrevistados individualmente foi o de que
estivessem na escola desde o início da implementação EMTI e que fossem de áreas
de conhecimento distintas. Tendo em vista estes critérios, entrevistei os professores
de Física e História e a professora de Arte. Optei, também, por realizar entrevistas
com os PCAs (Professor Coordenador de Área) de Linguagens e Códigos (professor
de Português), Ciências Humanas (professora de História) e Ciências da Natureza e
Matemática (professor de Matemática). O(a) PCA é um professor(a) lotado sob regime
de 40 horas em uma mesma escola, sendo metade da lotação em efetiva regência de
classe e a outra metade destinada a assessorar os coordenadores escolares no
acompanhamento do trabalho docente e auxiliar os professores no desenvolvimento
de novas estratégias pedagógicas e na elaboração do planejamento em sua área de
conhecimento11. Já com os professores que participaram do grupo focal, o critério foi
que estivessem trabalhando atualmente na escola.
10 Modelo dos questionários, roteiro das entrevistas semiestruturadas e do grupo focal em apêndice. 11 Orientações Gerais para a Seleção do Professor Coordenador de Área no Âmbito da Rede Estadual do Ceará. Disponível em: http://www.seduc.ce.gov.br/images/Orienta%C3%A7%C3%B5es_Gerais_para_escolha_dos_PCAs_
Oficial.pdf. Acesso em 9 de junho de 2018.
16
Também realizei entrevistas com quatro alunos, sendo duas moças e dois
rapazes e apliquei questionários com 50 alunos dos 58 matriculados nas duas turmas
do terceiro ano. A escolha por esses estudantes se justifica por terem participado, no
1º ano do ensino médio, em 2016, do período inicial da implementação do EMTI e por
terem optado por continuarem na escola durante o 2º e o 3º anos. Em 2018 se
completa o processo de implementação do EMTI, com que a escola passa a oferecer
exclusivamente essa modalidade de ensino. A utilização dos questionários
proporcionou traçar um perfil socioeconômico dos jovens estudantes que participaram
da pesquisa a partir de informações relacionadas à idade, renda familiar, local de
moradia, composição familiar, escolaridade dos pais, mães e responsáveis e suas
respectivas atividades laborais. Para além do perfil socioeconômico, o questionário
proporcionou informações a respeito dos sentidos que os jovens estudantes atribuem
à EEMTI Matias Beck a partir de perguntas abertas que lhes proporcionaram escrever
sobre os motivos que os fizeram optar em estudar em uma EEMTI, se eles gostam de
estudar na EEMTI Matias Beck, se eles acham que o EMTI é uma boa política
educacional e quais os aspectos que eles consideram negativos do EMTI.
Outra estratégia que utilizei foi a observação direta. Estive na escola para
realizar as entrevistas, aplicar os questionários, o grupo focal, assim como participei
das jornadas pedagógicas e de reuniões de pais. Além de realizar os procedimentos
de pesquisa mencionados, sempre permanecia na escola participando de conversas
informais com funcionários, professores, alunos, observando também os usos que os
jovens faziam do espaço e suas interações no cotidiano escolar. A observação direta
me proporcionou tanto compreender melhor as narrativas coletadas nas entrevistas
orais ou as respostas coletadas por meio de questionários, como capturar aspectos
do cotidiano escolar nem sempre abordados ou levados em consideração mediante
outros instrumentos de pesquisa. Por exemplo, pude perceber que no pátio da escola
há um banner com os dizeres: “Nossa escola prioriza o aprendizado de todos os
alunos”. A partir desta observação, pude direcionar meu olhar para aspectos
importantes da gestão escolar que não estavam sendo contemplados até aquele
momento.
Dei início às observações realizadas na escola durante a semana
pedagógica, no início do ano letivo 2017. Durante os dias 14, 15 e 16 de março estive
na escola participando com os demais professores desse momento em que são
17
trazidas, pelo Núcleo Gestor da escola, informações e diretrizes que deverão ser
trabalhadas durante o ano. A pauta apresentada durante o encontro abordou temas
como: a mediação de conflitos12 na escola, a apresentação e análise do Regimento
Interno, apresentação do calendário escolar, a implementação do tempo integral, os
projetos e parcerias para o ano de 2017 e, por fim, a elaboração do planejamento dos
professores para o primeiro mês de aula. No encontro, também houve a apresentação
de um vídeo sobre das ações que a escola desenvolveu no ano de 2016, além da
presença de convidados: uma equipe de profissionais em coaching e um técnico da
SEDUC que falou a respeito da organização do EMTl e das características e
potencialidades dos tempos eletivos.
Minha maior preocupação ao participar daquele momento na escola foi
justamente saber como me comportar como pesquisador, o que observar e anotar e
o que seria relevante apreender para minha pesquisa. Além da insegurança por estar
iniciando a pesquisa de campo, tive que começar a me perceber naquele espaço
escolar, que me era familiar, não apenas como professor e sim como pesquisador.
Naquele momento, comecei a me dar conta da importância da construção do objeto
de pesquisa.
A construção do objeto – pelo menos na minha experiência de investigador – não é uma coisa que se produza de uma assentada, por uma espécie de ato inaugural, e o programa de observações ou de análises por meio do qual a operação se efetua não é um plano que se desenhe antecipadamente, à maneira de um engenheiro: é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correções, de emendas, sugeridos por o que se chama o ofício, quer dizer, esse conjunto de princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo minúsculas e decisivas (BOURDIEU, 1989. p. 26).
. Percebi, naquele momento inicial, que o meu objeto de pesquisa não estava
bem definido, o que só aconteceria meses depois quando decidi voltar a minha
atenção para o processo de implementação do EMTI e seus efeitos no cotidiano
escolar. Ainda assim, os desafios relacionados à “construção do objeto” não findaram
ali, pelo contrário, foi quando comecei a perceber que a pesquisa se caracteriza como
12 O termo “mediação de conflitos” é utilizado por membros da comunidade escolar e se refere a
práticas, princípios e valores que vêm sendo realizados na escola, a partir de 2016, quando a escola iniciou uma parceria com o programa governamental Pacto por um Ceará Pacífico. Tanto a “mediação de conflitos” como o Ceará Pacífico serão melhor abordados no capítulo II.
18
um “trabalho de grande fôlego”, que se realiza “pouco a pouco”, por “retoques
sucessivos” e que é necessário um conjunto de “correções” para se construir um
objeto de pesquisa. Nesse sentido, antecipo que os achados desta pesquisa sinalizam
para a necessidade de continuação da construção deste objeto de pesquisa em
estudos posteriores que proporcionem um maior aprofundamento das análises
realizadas aqui.
Devido à minha participação na semana pedagógica, pude perceber que
os temas trabalhados se caracterizavam como prioritários para a gestão escolar e
apresentavam aspectos do contexto escolar que contribuem para o entendimento de
como se organiza a escola. Como veremos adiante, alguns desses aspectos, como a
mediação de conflitos e a realização dos tempos eletivos foram trazidos pelos
colaboradores da pesquisa durante as entrevistas, pelo grupo focal e nas respostas
obtidas por meio dos questionários.
Após a semana pedagógica, continuei a frequentar a escola nos dias
seguintes ainda com o mesmo propósito de identificar aspectos do cotidiano escolar
que fossem relevantes para o desenvolvimento da pesquisa. Estive na escola nos dias
22, 24, 28 de março e dias 1, 11 e 19 de abril. Me utilizei de um caderno de anotações
e me coloquei então como observador, procurando estar atento à dinâmica da escola
e dos sujeitos que compõem a comunidade escolar. A partir dessas visitas iniciais à
escola, fui percebendo que ainda não estava claro para mim o que eu estava
realmente querendo pesquisar (delimitação do objeto de pesquisa) e,
consequentemente, estava com dificuldade em como realizar a estratégia
metodológica da pesquisa. Essas primeiras idas ao campo, por outro lado, serviram
para mostrar que as mudanças na escola advindas com a implementação do ensino
médio em tempo integral deveriam ser melhor observadas e poderiam, assim, se
tornar o objeto da pesquisa.
A possibilidade de pesquisar a implementação do ensino médio em tempo
integral na escola Matias Beck começou a se efetivar quando resolvi escrever um
artigo a respeito dessa modalidade de ensino para uma das disciplinas do Mestrado13.
Com o objetivo de conseguir dados empíricos para a produção do texto, voltei à escola
no mês de maio de 2017 e realizei entrevistas semiestruturadas com dois estudantes,
13 Teoria Sociológica II, no primeiro semestre de 2017.
19
duas professoras e com a uma das gestoras da escola. Estas entrevistas me
proporcionaram algumas pistas a respeito de como a implementação do EMTI estava
sendo vivenciada e apontaram para a importância de compreender melhor e com mais
profundidade os efeitos dessa política e os sentidos que a comunidade escolar lhe
atribuía.
Retornei à escola nos meses de novembro e dezembro para dar
continuidade as entrevistas, agora com o objeto de pesquisa melhor definido, ocasião
em que entrevistei mais quatro professores. Durante as entrevistas com os
professores pude perceber que me era difícil sair do lugar de professor, pois percebi
que algumas opiniões diferentes das minhas com relação à escola, me causavam um
certo desconforto. Naquele momento da pesquisa, o problema da objetividade se
colocou com maior intensidade na medida em que percebi que meus juízos de valor
(WEBER, 2006) estavam presentes na minha maneira de ver as coisas e que não
estava sendo fácil me desvincular deles. Percebi, então, que devo estar mais atento
à maneira como minha condição de professor interfere na construção de minha
“perspectiva” como pesquisador, procurando identificar, de acordo com Mannheim
(1986, p. 294), “até que ponto a posição social do observador afeta seu modo de ver”.
Em se tratando da realização de uma pesquisa em um ambiente familiar,
acredito ser pertinente as observações de Velho (2013) ao enfatizar que mesmo
estando acostumado com uma certa paisagem social, “meu conhecimento pode estar
seriamente comprometido pela rotina, hábitos e estereótipos” (p. 74). Velho, seguindo
a perspectiva proposta por Geertz (1978) ao enfatizar a natureza interpretativa do
trabalho antropológico, afirma que
A ‘realidade’ (familiar ou exótica) sempre é filtrada por determinado ponto de vista do observador, ela é percebida de maneira diferenciada. Mais uma vez não estou proclamando a falência do rigor científico no estudo da sociedade, mas a necessidade de percebê-lo enquanto objetividade relativa, mais ou menos ideológica e sempre interpretativa. Esse movimento de relativizar as noções de distância e objetividade, se de um lado nos torna mais modestos quanto à construção do nosso conhecimento em geral, por outro lado permite-nos observar o familiar e estudá-lo sem paranoias sobre a impossibilidade de resultados imparciais, neutros” (VELHO, 2013. P. 75).
Procurei dar continuidade à pesquisa seguindo a trilha interpretativa, atento
às prenoções, preconceitos e juízos de valor, agora não mais com tantas “paranoias”,
20
mas relativizando a noção de objetividade e imparcialidade e mais consciente do meu
lugar de professor como pesquisador. Fui me percebendo nesse diálogo constante,
acabando por reconhecer o papel central em que meu ponto de vista como professor
exerceu na pesquisa.
Após essas primeiras experiências no campo, retornei novamente à escola
para dar continuidade à pesquisa empírica nos dias 2 e 3 de fevereiro de 2018 durante
a semana pedagógica, atividade que marca o início do ano letivo. Pude perceber que
alguns temas abordados na semana pedagógica de 2017 foram novamente trazidos
pelo Núcleo Gestor da escola. O EMTI foi discutido a partir da leitura da Lei estadual
que institui a Política de Ensino em Tempo Integral no sistema estadual de ensino e
da Portaria nº 1451/2017 que estabelece as normas para lotação de professores nas
escolas públicas estaduais. Foram apresentadas algumas concepções e princípios do
EMTI, assim como os objetivos que a escola Matias Beck pretende alcançar com
relação ao desempenho dos alunos nas avaliações externas (SPAECE) e no Índice
de Desempenho da Educação Básica (IDEB).
Retornei à escola novamente no dia 8 de fevereiro para realizar uma
entrevista com a diretora da escola. A gestão escolar se caracteriza como um
importante agente para a implementação das políticas educacionais, tendo em vista
que recai sobre ela a responsabilidade de pôr em prática no cotidiano escolar as
demandas e orientações da secretaria de educação. Já em março, dia 22, participei
da primeira reunião de pais do ano letivo 2018. A reunião aconteceu no pátio da
escola, no período da noite, onde estiveram presentes, em média, 90 pessoas entre
pais, mães e responsáveis pelos alunos. A reunião se caracterizou por trazer informes
a respeito da organização e gestão escolar. Sempre me chamou a atenção, sobretudo
a partir do início da atual gestão, a quantidade de pais, mães e responsáveis que
participam das reuniões de pais na escola, pois percebia que os responsáveis pelos
alunos demonstravam interesse na vida escolar dos seus filhos, netos, sobrinhos. Isso
é um aspecto relevante, pois me auxiliou a descontruir, embora sem maiores
fundamentações empíricas, alguns preconceitos atribuídos à educação pública, como
a ideia de que os pais de alunos da escola pública não se importam com a
escolaridade de seus filhos.
21
Estive novamente na escola para aplicar o questionário com os alunos no
dia 27 de abril, no dia 10 de maio para realizar mais uma entrevista com um dos
professores e no dia 30 de maio finalizei as entrevistas ao entrevistar duas alunas do
3º ano. As entrevistas que realizei ao longo da pesquisa me possibilitaram adentrar
nos sentidos mobilizados pelos membros da comunidade escolar e me foram de
extrema importância para desenvolver as análises e dialogar tanto com o referencial
teórico como com as informações colhidas por meio dos demais instrumentos de
pesquisa utilizados. Segundo Gaskell (2008, p.64)
O emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o modo da vida dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista social que introduz, então, esquemas interpretativos para compreender as narrativas dos autores em termos mais conceituais e abstratos, muitas vezes em relação à outras observações. A entrevista qualitativa, pois, fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão da relação entre os atores sociais e a situação.
O Grupo focal foi realizado na escola no dia 15 de maio de 2018.
Meu objetivo ao utilizar o grupo focal foi poder tanto compreender as diferenças ou
ideias partilhadas pelo grupo, assim como integrar um maior número de professores
e professoras nas discussões e reflexões sobre a temática da implementação do
EMTI, a qual todo o corpo docente da escola estava vivenciando. Já havia realizado
entrevistas com quatro professores e duas professoras e, a partir dessas entrevistas,
percebi a necessidade de problematizar e aprofundar a temática de pesquisa com um
grupo maior de docentes, tendo em vista as possibilidades de interação e
compartilhamento de ideias, dissensos e consensos expressos em representações e
sentidos que o grupo focal proporciona. A respeito do grupo focal, Gatti (2005, p. 14)
afirma que,
A técnica é muito útil quando se está interessado em compreender as diferenças existentes em perspectivas, ideias, sentimentos, representações, valores e comportamentos de grupos diferenciados de pessoas, bem como compreender os fatores que os influenciam, as motivações que subsidiam as opções, os porquês de determinados posicionamentos.
Ao todo, realizei nove entrevistas e um grupo focal, todas elas tiveram como
registro a gravação em áudio, o que acarretou aproximadamente em trezentos
minutos de gravação. Em média, as entrevistas com os professores e professoras
duraram em torno de trinta minutos, sendo que com dois professores conversei por
quarenta minutos, com a gestora a entrevista durou em torno de uma hora e o grupo
22
focal, uma hora e vinte minutos. Feito os registros, optei por transcrevê-los, pois ao
mesmo tempo que fazia a transcrição já ia identificando, classificando e categorizando
as falas. Para realizar a análise do material e assim me aprofundar na busca por
compreender os sentidos atribuídos à temática, utilizei um procedimento que condiz à
Construir uma matriz com os objetivos e finalidades da pesquisa colocados como temas no título das colunas, e o que cada entrevistado (grupo) diz, como se fossem as linhas. Isso estrutura os dados, juntando as respostas de um modo acessível. Em uma coluna final se acrescentam notas e interpretações preliminares. À medida que as transcrições são lidas e relidas, tome nota das ideias que vem à mente. Conserve sempre à sua frente as finalidades e objetivos da pesquisa, procure padrões e conexões, tente descobrir um referencial mais amplo que vai além do detalhe particular (GASKELL, 2002. p. 85).
Desta maneira, fui adentrando nas falas dos entrevistados e construindo a
escrita do texto. Este procedimento de análise me fez também estar mais atento no
sentido de ter mais clareza com relação aos objetivos e finalidades da pesquisa. Em
outras palavras, me fez procurar com mais clareza o foco e os aspectos principais que
deveriam ser abordados para, assim, contemplar os objetivos da pesquisa: identificar
pressupostos legais que fundamentam a implementação do Ensino Médio em Tempo
Integral; identificar e analisar as mudanças ocorridas na escola Matias Beck com o
advento do tempo integral; e analisar os sentidos que a comunidade escolar atribui à
essa modalidade de ensino.
Alguns referenciais teóricos me foram bastante úteis no diálogo com os
achados da pesquisa e serviram de fundamentação teórico-conceitual no
desenvolvimento da presente dissertação. A análise dirigida aos jovens se pauta pela
compreensão de juventude como uma categoria dinâmica, construída social e
historicamente, ou seja, transformada no contexto das mutações sociais que vêm
ocorrendo ao longo da história. Segundo Carrano e Dayrell (2013), não há tanto uma
juventude e sim jovens, pois os sujeitos elaboram determinados modos de ser de
acordo com aquilo que experimentam e sentem nos contextos socioculturais e
universos de socialização em que estão inseridos. A ideia de condição juvenil
(ABRAMO, 2005) contribui para compreender as múltiplas dimensões que constituem
as identidades juvenis e os significados que os jovens estudantes atribuem à escola.
Segundo Pais,
23
Tentar uma aproximação científico-analítica ao mundo da “juventude” exige, nesta ordem de ideias, um radical ascetismo de vigilância epistemológica que nos obriga a partir do pressuposto metodológico de que, em certo sentido, a juventude não é, com efeito, socialmente homogénea. Na verdade, a juventude aparece socialmente dividida em função dos seus interesses, das suas origens sociais, das suas perspectivas e aspirações. Dar importância a este pressuposto metodológico parece tanto mais conveniente quanto é certo que, como se tem vindo a insistir, a noção de juventude é uma das que mais se
têm prestado a generalizações arbitrárias (PAIS, 1990. p. 139).
Esta perspectiva analítica de tratar os jovens a partir de seus diferentes
“interesses”, “origens sociais”, suas “perspectivas” e “aspirações” contribui na
compreensão dos diferentes sentidos que os jovens atribuem à instituição escolar.
Adoto uma premissa posta por Durkheim (1978) de que a educação tem
variado segundo o tempo e o espaço, posto que ela varia na medida em que as
condições sociais se modificam. Problematizo a implementação do EMTI a partir de
sua inserção na sociedade brasileira, marcada por grandes desigualdades
socioeconômicas, na qual um conjunto de atores expressam interesses diversos no
campo educacional e disputam a formação desse ser social (DURKHEIM, 1978),
jovens estudantes do ensino médio brasileiro.
Abordo a Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) a partir de
suas características como política pública educacional, e a discuto tendo como
referência os estudos de Cavaliere (2007; 2014) que aprofunda o debate a respeito
das diferentes concepções desse modelo de escola ao logo do tempo no Brasil, assim
como a partir dos trabalhos de Ferretti e Krawczyk (2017) e Moll (2017) que
problematizam à proposta de “formação humana integral” que reaparece no debate
educacional da atualidade como uma das finalidades do ensino médio em tempo
integral. Tendo em vista que o debate a respeito do ensino médio em tempo integral
está inserido nas transformações pelas quais vem passando a sociedade
contemporânea, os trabalhos de Sennett (1999) e Han (2017) ofereceram chaves
analíticas importantes a respeito das relações entre características da sociedade
contemporânea e a educação escolar.
No primeiro capítulo, exponho aspectos da política nacional e estadual
relacionados à implementação do EMTI, contextualizando-o a partir da Lei 13.415
(2016) e da legislação estadual que institui a Política de Ensino Médio em Tempo
24
Integral no Ceará. Apresento, também, aspectos relevantes para se compreender as
mudanças advindas na escola Matias Beck com a implementação do EMTI.
Já no segundo capítulo, faço uma caracterização da escola Matias Beck e
do perfil socioeconômico dos estudantes que participaram da pesquisa e procuro
estabelecer relações entre o contexto social na qual a escola está inserida e os
sentidos que os jovens atribuem à EEMTI Matias Beck. Explicito também as ações
desenvolvidas na escola devido à parceria com o programa governamental Pacto por
um Ceará Pacífico, dentre elas, as mudanças na estrutura física da escola.
Por fim, no terceiro capítulo, me proponho a analisar os sentidos atribuídos
à EEMTI Matias Beck com relação ao maior tempo de permanência na escola, onde
os achados da pesquisa apontam para duas características importantes: a realização
e as vivências dos “tempos eletivos” na escola e a maior e melhor “convivência” entre
os membros da comunidade escolar atribuídas ao desenvolvimento “socioemocional”
dos estudantes.
25
2. POLÍTICA NACIONAL E ESTADUAL DE EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL
2.1. Contextualização do Ensino Médio em Tempo Integral a partir da Lei 13.415
A proposta e implementação das escolas de tempo integral faz parte das
metas estipuladas pelo Plano Nacional de Educação (PNE/2014) que prevê oferecer
progressivamente essa modalidade de educação nas escolas estaduais de ensino
médio, assim como em outros pressupostos estipulados pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB/1996), no Plano Nacional de Educação 2001-2011, na lei
que regulamentou o FUNDEB (2007), nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (2012) e, mais recentemente, na Medida Provisória 746 (de setembro
de 2016), convertida na Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, que institui, dentre
outras mudanças na política educacional, a Política de Fomento à implementação de
Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, e na Portaria n° 727, de 13 de junho de
2017, que estabelece novas diretrizes, novos parâmetros e critérios para o Programa
de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, lei
n° 9.394, de 1996), a educação é um dever da família e do Estado, e “tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 2°). No que tange à organização da
educação nacional, referida lei ressalta que cabe à União coordenar a política nacional
de educação e, entre suas atribuições, elaborar o Plano Nacional de Educação. Já os
Estados, que têm como prioridade oferecer o ensino médio, deverão “elaborar e
executar políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e planos
nacionais de educação, integrando e coordenando as suas ações e as dos Municípios”
(Art. 10.).
Em seu artigo 34, a LDB prevê a progressiva ampliação do tempo de
permanência do estudante na escola: “A jornada escolar no ensino fundamental
incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo
progressivamente ampliado o período de permanência na escola”. Em seu parágrafo
2º, consta que: “O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo
integral, a critério dos sistemas de ensino” (BRASIL, 1996). Com a LDB, o ensino
26
médio se configura como etapa final da educação básica. Com relação sua
constituição curricular, a LDB em seu art. 26 afirma que,
Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (BRASIL, 1996).
O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em junho de 2014 e com
vigência de dez anos, consta de 20 metas, cabendo às diferentes instâncias dos
sistemas de ensino a adoção de medidas governamentais com o objetivo de alcançar
os objetivos propostos. Vale destacar as metas 3 e 6 do referido plano que tratam da
proposta de universalização do ensino médio e da realização de escolas de tempo
integral, respectivamente.
Meta 3: universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento).
Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica. (PNE, 2014).
Interessante pontuar que a estratégia 3.1, referente à meta 3 que visa à
universalização do ensino médio, se refere à institucionalização de um programa
nacional de renovação dessa etapa da educação básica, algo que seria retomado com
a MP 746 discutida adiante. Dita estratégia se refere a:
institucionalizar programa nacional de renovação do ensino médio, a fim de incentivar práticas pedagógicas com abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre teoria e prática, por meio de currículos escolares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em dimensões como ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte, garantindo-se a aquisição de equipamentos e laboratórios, a produção de material didático específico, a formação continuada de professores e a articulação com instituições acadêmicas, esportivas e culturais; (PNE, 2014).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM, 2012)
também orientam que o ensino médio deve assegurar sua função formativa mediante
diferentes formas de oferta e organização, sendo a educação em tempo integral uma
27
dessas formas. “O Ensino Médio regular diurno, quando adequado aos seus
estudantes, pode se organizar em regime de tempo integral com, no mínimo, 7 (sete)
horas diárias” (DCNEM, p.5). Outro aspecto importante apontado neste documento
diz respeito às mudanças na organização curricular das escolas do Ensino Médio:
A organização curricular do Ensino Médio deve oferecer tempos e espaços próprios para estudos e atividades que permitam itinerários formativos opcionais diversificados, a fim de melhor responder à heterogeneidade e pluralidade de condições, múltiplos interesses e aspirações dos estudantes, com suas especificidades etárias, sociais e culturais, bem como sua fase de desenvolvimento (DCNEM, p. 6).
Percebi que desde a LDB já se sinaliza a ampliação do tempo de
permanência na escola e que no PNE (2014/2014) a educação em tempo integral já
se configura como uma meta a ser alcançada em, no mínimo, 50% das escolas
públicas. Tanto o PNE como as DCNEM (2012) ressaltam a necessidade de uma
reestruturação física das escolas e mudanças curriculares que atendam as demandas
dos estudantes do ensino médio e do tempo integral. Configuram nesses documentos
palavras como “itinerários formativos”, organização curricular “flexível” e
“diversificada”, “conteúdos eletivos”, que irão compor, também, o vocabulário das mais
recentes leis a respeito da “reforma” do ensino médio e que serão problematizadas a
partir da implementação do EMTI na escola Matias Beck.
Recentemente, a implementação do Ensino Médio em Tempo Integral
(EMTI) faz parte da proposta de “reforma do ensino médio” realizada por meio de
medida provisória pelo governo federal. A Medida Provisória 746 (MP 746), adotada
em 22 de setembro de 2016, instituiu a Política de Fomento à Implementação de
Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral e altera a LDB de 1996, dentre outros
aspectos, ao determinar que a carga horária anual mínima no ensino médio deverá
ser progressivamente ampliada para mil e quatrocentas horas. O ano de 2016 foi
marcado pela centralidade, no âmbito político, pelos processos que desembocaram
no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, sendo a MP 746 a primeira de um
conjunto de reformas (PEC dos gastos públicos, reforma da previdência e reforma
trabalhista) que seriam postas em ação pelo recém empossado presidente Michel
Temer.
Embora se coloque de maneira quase que consensual no debate nacional
a necessidade de mudanças no ensino médio, a referida MP gerou diversas reações
28
por parte de educadores, estudantes, sociedade civil e demais segmentos envolvidos
com a educação no País, como por exemplo o Movimento em Defesa do Ensino
Médio14, que questionaram a legitimidade da lei ao ser proposta por meio de Medida
Provisória (por decreto presidencial15).
Após período de apreciação no Congresso Nacional, período marcado
também por intensas mobilizações estudantis que ocuparam centenas de escolas por
todo o País, o Congresso Nacional aprovou a MP 746 com poucas alterações com
relação ao texto original e o Presidente da República Michel Temer sancionou, em 16
de fevereiro de 2017, a Lei nº 13.415. Esta altera tanto a LDB, como a Lei 11.494 que
regulamenta o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e a CLT (Consolidação das
Leis do Trabalho) e, também, institui a Política de Fomento à Implementação de
Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral em âmbito nacional.
Algumas críticas têm sido feitas à reforma do ensino médio, tanto pela
forma como foi realizada quanto ao conteúdo e justificativas de suas proposições.
Com relação à centralidade da questão curricular proposta pela Reforma e as
trajetórias dos jovens estudantes, Ferretti e Krawczyk (2017) avaliam que
a parte diversificada em opções formativas foi justificada pela falta de adequação do que se ensina na escola aos interesses dos estudantes e à falta de possibilidades de escolha do que aprender, o que estaria desmotivando os jovens a estudar. É interessante que se responsabilize a organização curricular pela trajetória estudantil dos jovens. Ignora-se que as escolas não possuem as condições básicas de funcionamento institucional nem do exercício do trabalho dos professores, não oferecendo aos estudantes condições dignas de aprendizagem. Trata-se o jovem como um ser abstrato, negando suas condições objetivas e subjetivas de vida: enfrentam um processo de
14 As entidades que compõem o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio: Anped (Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), Cedes (Centro de Estudos Educação e Sociedade), Forumdir (Fórum Nacional de Diretores de Faculdades de Educação), Anfope (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação), Sociedade Brasileira de Física, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Anpae (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica) e CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação). 15 De acordo com o site do Congresso Nacional, as Medidas Provisórias são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Apesar de produzir efeitos jurídicos imediatos, a MPV precisa da posterior apreciação pelas Casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado) para se converter definitivamente em lei ordinária. Site oficial do Congresso Nacional: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/entenda-a-tramitacao-da-medida-provisoria. Acessado em 13/02/2018.
29
incerteza e desemprego crescente, precisam trabalhar para suprir as necessidades próprias e da família, gravidez indesejada, mas também vivem numa sociedade onde o consumo está sendo cada vez mais valorizado. Tudo se passa, entretanto, como se o problema residisse tão somente na organização escolar (p. 38).
Os autores discutem que, para além das questões curriculares, outros
aspectos relevantes para se pensar o ensino médio não estão sendo contemplados
nas proposições da reforma, como as condições de infraestrutura das escolas,
melhores condições para o trabalho dos professores e um olhar voltado para os jovens
estudantes que leve em consideração suas condições “objetivas” e “subjetivas” de
vida, como por exemplo a necessidade que muitos jovens têm de trabalhar. Conforme
constatamos na presente pesquisa, em se tratando de uma política de escolas de
tempo integral, a possibilidade de conciliar estudo e trabalho fica bastante
comprometida na medida em que os estudantes devem permanecer todo o dia na
escola.
Após sancionada a referida lei, a Portaria nº 727, de 13 de junho de 2017,
vai detalhar e estabelecer novas diretrizes, novos parâmetros e critérios para o
Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. De acordo
com os objetivos da presente dissertação, vale destacar o parágrafo inicial do texto
que justifica a referida Portaria, pois considera
A necessidade de estabelecer ações conjuntas entre os entes federados, que propiciem novas organizações curriculares para o novo ensino médio, compatíveis com as perspectivas da sociedade contemporânea e com os anseios dos jovens, em conformidade com a Lei no 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (DOU, 2017).
Necessariamente, cabe se problematizar quais as “perspectivas da
sociedade contemporânea e quais os anseios dos jovens” a que se refere o texto, pois
esses termos envolvem concepções conceituais e contextuais que podem gerar
entendimentos e pontos de vistas diversos. Em carta16 direcionada ao Presidente da
República, Michel Temer, o Ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho
expõe os motivos que levaram o Ministério da Educação (MEC) a propor a reforma no
ensino médio. Segundo ele, o ensino médio não tem cumprido com sua função social
(prevista no artigo 35 da LDB), seu currículo é extenso, fragmentado e superficial e
16 EM no 00084/2016/MEC. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-
2018/2016/Exm/Exm-MP-746-16.pdf. Acessado em 30 de abril de 2018.
30
não dialoga com os jovens, nem com o setor produtivo e nem com as demandas do
século XXI, elevado número de jovens fora da escola, baixo desempenho dos seus
alunos nas avaliações externas e baixo nível de proficiência nas disciplinas de
Português e Matemática e que, dentre outros argumentos, o Brasil é o único país do
mundo que possui um único modelo de ensino médio com 13 disciplinas obrigatórias
que não são alinhadas ao mundo do trabalho.
Em referido documento, o ministro apresenta como proposta para atender
aos “anseios dos jovens” a “flexibilização” do ensino médio, tornando-o mais atrativo,
pois os estudantes terão a “liberdade de escolher” seus “itinerários formativos”,
inclusive a oportunidade de uma formação técnico profissional, de acordo com seus
“projetos de vida”. Termos como flexibilidade, liberdade de escolha, itinerários
formativos e interesses dos alunos ganham centralidade no debate político-
educacional e justificam grande parte das mudanças curriculares e pedagógicas
atualmente. Fica claro na carta que um dos caminhos que o ensino médio deve trilhar
para estar compatível com as “perspectivas da sociedade contemporânea” é a
vinculação do ensino médio com o mercado de trabalho e com a preparação dos
jovens para um melhor desempenho nas avaliações externas proposta por
organismos internacionais.
Um novo modelo de ensino médio oferecerá, além das opções de aprofundamento nas áreas do conhecimento, cursos de qualificação, estágio e ensino técnico profissional de acordo com as disponibilidades de cada sistema de ensino, o que alinha as premissas da presente proposta às recomendações do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para Infância – Unicef (MEC, 2016).
De acordo com a Portaria nº 727, a proposta pedagógica das escolas de
ensino médio em tempo integral terá por base a “ampliação da jornada escolar e a
formação integral e integrada do estudante, tendo como pilar a Base Nacional Comum
Curricular17 e a nova estrutura do ensino médio”. Outro termo que ganha centralidade
no debate a respeito do EMTI é a “formação integral” ou “formação humana integral”,
alvo também de entendimentos diversos a respeito de sua definição e possibilidade
de realização.
17 Vale ressaltar que, um ano após a publicação de dita portaria, a BNCC que serve de base para a
publicação da Lei, ainda não havia sido homologada.
31
A proposta de mudança curricular, priorizando a centralidade e
obrigatoriedade das disciplinas português, matemática e inglês, o aumento da carga
horária, a possibilidade de parcerias com instituições privadas, a inclusão do ensino
técnico-profissional, a possibilidade de profissionais com “notório saber” de ensinar no
ensino médio e a realização de uma “formação integral” para os jovens estudantes se
caracterizam como os aspectos centrais da Reforma e fazem com que seja retomada
a discussão a respeito da identidade e dos objetivos desse nível de ensino. Ao analisar
os sentidos atribuídos pela comunidade escolar da escola Matias Beck à
implementação do EMTI, retomarei essa discussão à luz da fala dos interlocutores da
pesquisa.
2.2 Implementação do Ensino Médio em Tempo Integral no Ceará
No âmbito estadual o governo vem realizando algumas ações, que buscam
efetivar a implementação do modelo do EMTI, atendendo requisitos postos também
pela legislação federal, com a inserção de escolas do estado no Programa de Fomento
às EEMTI (Portaria nº 727). À nível estadual, o Plano Estadual de Educação do Ceará
(PEE), de maio de 2016, que fixa metas e estratégias para o período de 2016 a 2024
na área da educação em nosso Estado e a Lei nº 16.287, de 20 de julho de 2017, que
institui a Política de Ensino Médio em Tempo Integral no âmbito da Rede Estadual de
Ensino do Ceará, são os documentos que fundamentam legalmente a instituição das
Escolas de Ensino Médio em Tempo integral (EEMTI) em nosso Estado.
Ações no âmbito da legislação educacional e Notas Técnicas por parte da
SEDUC trazem diretrizes com relação aos aspectos pedagógicos e modelo de gestão
que orientam o desenvolvimento da implementação desse modelo de escola. A
implementação das EEMTI no Ceará teve início em 2016, com 26 escolas, com o
advento, em 2017, de mais 45 escolas e, em 2018, a implantação de mais 40 novas
unidades. Atualmente, das 716 escolas da rede estadual, 228 ofertam o tempo
integral, sendo 111 Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) e 118
Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEP).
Vale ressaltar que o projeto e implementação das EEMTI no Ceará é
anterior à chamada “reforma” do ensino médio e ao programa de fomento às escolas
32
de tempo integral. Desde 2016, quando teve início a implementação do EMTI nas 26
escolas estaduais (entre elas a EEMTI Matias Beck), a SEDUC vem orientando a
implementação dessas escolas através de Notas Técnicas para Escolas de Tempo
Integral, de seminários no começo do ano letivo para os gestores das escolas que
aderem a esse modelo de escola e demais documentos como o Projeto Político-
Pedagógico das EEMTI na rede estadual. Também em 2016, houve a aprovação do
Plano Estadual de Educação (PEE), composto de metas e estratégias que devem
orientar as políticas públicas educacionais no estado.
O Plano Estadual de Educação do Ceará (PEE), LEI Nº16.025 de 30 de
maio de 2016, consta de diretrizes, metas e estratégias que devem nortear as políticas
públicas relacionadas à educação no Ceará entre os anos de 2016 e 2024. O plano
aborda questões relacionadas a educação infantil, ensino fundamental e médio,
educação superior, educação indígena e quilombola, valorização de professores,
dentre outras. Uma das diretrizes do plano é “priorizar a instituição do ensino integral
na rede educacional pública cearense” e estabelece como uma de suas metas (meta
6): “Oferecer, até 2024, em regime de colaboração, Educação em Tempo Integral em,
no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas e instituições de educação
infantil, de forma a atender pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos estudantes
da educação básica”. (PEE, 2016). O PEE aponta algumas estratégias que deverão
ser realizadas para que o Estado do Ceará possa ofertar e implementar a educação
em tempo integral. Dentre elas:
Ampliar em regime de colaboração com a união e municípios a oferta de educação básica pública em tempo integral, por meio de atividades complementares de acompanhamento pedagógico e multidisciplinares, artísticas, culturais e esportivas, de forma que o tempo de permanência das crianças e dos alunos nas instituições de educação infantil e na escola, ou sob sua responsabilidade, passe a ser igual ou superior a 7 (sete) horas diárias durante todo o ano letivo, com a ampliação progressiva da jornada de trabalho dos professores em uma única instituição de educação infantil e escola (estratégia 6.1); Promover a formação continuada dos profissionais da educação que atuam nas escolas de tempo integral (estratégia 6.4); (DOE, 2016. p.
6).
Já a meta 3 do PEE, propõe que seja universalizado, até 2016, “o
atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e
elevar, até o final do período de vigência deste PEE, a taxa líquida de matrículas no
33
Ensino Médio para 85% (oitenta e cinco) por cento”, sendo uma de suas estratégias
para realização desta meta (estratégia 3.3.).
expandir para, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) as matrículas em Tempo Integral no Ensino Médio, visando ao desenvolvimento de atividades pedagógicas focadas no desenvolvimento de atividades cognitivas, culturais, esportivas, socioemocionais, a estimular no estudante a noção de sociabilidade, a partir do respeito para com o próximo, e o senso de responsabilidade, a partir de uma compreensão de direitos e deveres; com ênfase à elaboração do projeto de vida dos estudantes, orientação ao mundo do trabalho, inclusive por meio de equipe técnica especializada na área de Psicologia, visando à identificação de aptidões e à inserção no Ensino Superior (PEE, 2016).
Embora a implementação das EEMTIs tenha iniciado em 2016, foi em julho
de 2017 que o governador do Estado do Ceará, Camilo Santana, sancionou a Lei nº
16.287 18 que institui a Política de Ensino Médio em Tempo Integral no âmbito da Rede
Estadual de Ensino do Ceará, “objetivando a progressiva adequação das escolas já
em funcionamento, ou que vierem ser criadas, para a oferta do Ensino Médio em
Tempo Integral, com 45 (quarenta e cinco) horas semanais” (DOE, 2017).
Embora a maior parte da carga horária seja composta pela Base Nacional
Comum19, a EEMTI no Ceará se caracteriza pelo aumento de permanência dos alunos
na escola e por mudanças no currículo como o advento dos tempos eletivos20 que
compõem a proposta de currículo flexível e diversificado. As notas técnicas
elaboradas pela SEDUC, através da Coordenadoria de Desenvolvimento da Escola e
da Aprendizagem (CODEA) e da Articulação das Escolas de Ensino Médio em Tempo
Integral, são documentos que orientam como deve ser realizada a implementação do
tempo integral nas escolas que fazem parte dessa política de EMTI.
Em janeiro de 2016, a primeira Nota Técnica estabelece como premissa da
proposta das ETI que a matriz curricular dessas escolas deve ser organizada
contendo 30h/a semanais de disciplinas que compõem o núcleo comum e 15h/a que
deverá ser composta pela parte diversificada e flexível do currículo. O documento fazia
referência também à importância de ser apresentada a proposta da ETI aos alunos e
seus responsáveis, além de abordar aspectos relacionados à lotação de professores
e à organização dos tempos eletivos.
18 Publicada no Diário Oficial do Estado do Ceará do dia 21 de julho de 2017. 19 Ver anexo I. 20 A caracterização e análises a respeito dos tempos eletivos serão realizadas no capítulo III.
34
Quadro 1: Notas Técnicas para Escolas de Tempo Integral da Rede Estadual do
Ceará 2016-2018.
Notas Técnicas Data Detalhamento (temas abordados em cada documento)
Nota Técnica
01/2016
15 de
janeiro de
2016
Início das atividades do tempo integral; lotação de professores;
organização dos tempos eletivos.
Nota Técnica
02/2016
20/01/ 2016 Orientações para organização da eletiva “Formação Profissional
eJovem (Informática) ”.
Nota Técnica
03/2016
21/01/ 2016 Mapa dos Componentes Curriculares; Orientações para
organização dos tempos eletivos.
Nota Técnica
04/2016
5/02/2016 Concepção e funcionamento dos Clubes Estudantis.
Anexo I: Identificando interesses; Anexo II: Elaboração do plano
de ação (em grupo); Anexo III Exemplos de Clubes.
Nota Técnica
05/2016
2016
Orientações para avaliação pedagógica das Atividades Eletivas.
Nota Técnica
01/2017
Janeiro de
2017
Organização do Mapa Curricular; Diversificação dos Itinerários
Formativos: Eletivas; Estratégias de Diagnóstico e Nivelamento;
Nota Técnica
02/2017
19/01/ 2017
Alteração no Mapa Curricular.
Nota Técnica
03/2017
2017
Orientações gerais para organização e oferta dos componentes curriculares eletivos: Componentes curriculares eletivos e a flexibilização curricular; Flexibilização para promoção da equidade; Articulação dos itinerários formativos com o projeto de vida do estudante; Estrutura e organização da oferta dos Componentes Curriculares Eletivos. Anexo I: Eixos Temáticos dos Componentes Curriculares Eletivos; Anexo II: Estrutura padrão para registro de Componentes Eletivos para compor o Catálogo de Eletivas.
Nota Técnica
04/2017
27/12/2017 Base Nacional Comum - Alteração no Mapa Curricular;
Parte Diversificada.
Nota Técnica
01/2018
17/01/2018 Alimentação Escolar EEMTI e EEEP Autogestão.
Nota Técnica
02/2018
27/02/2018 Catálogo de Atividades Eletivas e Plano Semestral de Atividade
Eletiva.
Com relação à lotação de professores nas EEMTIs, a Nota Técnica já
referida menciona a importância de que a carga horária do professor seja concentrada
numa mesma escola e destaca que
35
os professores lotados nas escolas de tempo integral devem estar cientes dos aspectos de funcionamento e organização curricular. A proposta de tempo integral, para dar certo, depende do forte envolvimento dos professores para proporcionar o currículo diversificado tendo em vista a proposição de componentes curriculares eletivos e a adoção de práticas pedagógicas considerando o protagonismo dos estudantes. Nesse sentido, é imprescindível que o professor se identifique com essa proposta, sinta-se motivado a fazer parte dela e manifeste interesse em atuar de acordo com as diretrizes de funcionamento e organização (SEDUC, NT 1. p. 02, 2016).
Devido à centralidade dos professores no processo pedagógico e à
importância atribuída à sua participação no processo de implementação e bom
funcionamento da proposta das EEMTIs, os sentidos que os professores da EEMTI
Matias Beck atribuem ao ensino médio em tempo integral são fundamentais para se
compreender como vem sendo implementado esse modelo educacional na EEMTI
Matias Beck e quais os principais efeitos dessa política para a comunidade escolar.
Durante o ano de 2016, foram produzidas mais quatro Notas Técnicas que
aprofundaram, atualizaram, modificaram ou normatizaram as diretrizes e objetivos das
EEMTIs. As Notas abordavam aspectos como: orientações para organização da
eletiva “Formação Profissional eJovem (Informática)”, mapa dos componentes
curriculares e orientações para organização dos tempos eletivos; concepções e
funcionamento dos Clubes Estudantis e orientações para a avaliação pedagógica das
atividades eletivas. No ano letivo de 2017, mais quatro Notas Técnicas foram enviadas
às EEMTIs. Três das respectivas Notas trataram, novamente, de aspectos
relacionados à organização e estruturação da matriz curricular das EEMTIs e uma
delas continham informações conceituais e orientações gerais para organização e
oferta dos componentes curriculares eletivos e a flexibilização do currículo.
As Notas Técnicas de 2017 apresentam mudanças no que se refere à
orientação conceitual e organizacional, sobretudo dos tempos eletivos. Foram
instituídos oito eixos estruturais que orientam a proposição desses componentes
curriculares eletivos, são eles: Educação em Direitos Humanos; Educação Científica;
Mudo do Trabalho e Formação Profissional, Educação Ambiental e Sustentabilidade;
Comunicação, Uso de Mídias, Cultura Digital e Tecnológica; Esporte, Lazer e
Promoção da Saúde; Artes e Cultura e Aprofundamento de Conteúdos da Base
Comum (SEDUC. Nota Técnica nº 03/2017).
36
Já em 2018, mais duas Notas Técnicas foram produzidas e tratam da
alimentação nas EEMTIs e das atividades eletivas, respectivamente. Os tempos
eletivos têm centralidade na proposta das EEMTIs, pois se configuram, de acordo com
a proposta da SEDUC, como a parte flexível do currículo que compõe o itinerário
formativo que poderá ser escolhido pelo estudante. O termo “itinerário formativo”, de
acordo com sua utilização nas Notas Técnicas, se refere ao conjunto de componentes
curriculares denominados “tempos eletivos” que os estudantes escolherão ao longo
do ensino médio. No desenho curricular proposto para as EEMTI, os alunos poderão
cursar até 30 atividades, sendo 5 tempos eletivos por semestre. Ou seja, o termo
“itinerário formativo”, está relacionada as opções de tempos eletivos que os alunos
escolhem cursar durante o ensino médio.
As Notas Técnicas para a implantação das EEMTIs, disponibilizadas pela
SEDUC ao longo dos anos de 2016, 2017 e 2018, evidenciam que a implementação
desse modelo de ensino vem sendo construído e aprimorado ao longo do percurso,
sobretudo a partir da definição de sua concepção e objetivos. A partir, inicialmente, de
orientações relacionadas à parte organizacional das escolas, algumas concepções e
premissas foram sendo estabelecidas, tornando mais claro, no aspecto teórico-
conceitual, os objetivos e os modelos pedagógico e de gestão que devem ser
adotados pelas EEMTIs. Termos como itinerário formativo, projeto de vida,
competências socioemocionais, protagonismo juvenil, e princípios pedagógicos como
aprendizagem cooperativa, comunidade de aprendizagem, pesquisa como princípio
pedagógico e trabalho como princípio educativo orientam a proposta de modelo
pedagógico das EEMTIs. Nesse sentido, a proposição do Projeto Politico-Pedagógico
para o Ensino Médio em Tempo Integral traz com mais clareza quais os fundamentos
pedagógicos, curriculares e organizacionais que fundamentam a implantação desse
modelo de escola.
Para aderir ao Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em
Tempo Integral do Ministério da Educação (MEC), instituído pela portaria nº 727 de 13
de junho de 2017, as secretarias de educação deveriam apresentar um plano de
implantação das EEMTI contendo, entre outros documentos, a matriz curricular e o
Projeto Político Pedagógico aprovado pelo Conselho Estadual de Educação (CEE).
Aprovado em setembro de 2017 pelo CEE, o Projeto Político-Pedagógico para o
Ensino Médio em Tempo Integral na Rede Estadual do Ceará apresenta os
37
pressupostos do EMTI, define a organização da sua proposta curricular, sua
concepção de modelo pedagógico, seus princípios norteadores, as estratégias da
gestão escolar e seus processos avaliativos.
Partindo de uma concepção de que são múltiplas as dimensões sociais,
históricas e culturais que compõem e caracterizam a vida dos jovens, é proposta uma
ressignificação da escola como ambiente que atua com as “juventudes”, justificando
assim a “necessidade em repensar o currículo escolar, considerando as
potencialidades, os direitos de aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos” (PPP,
2017. p. 08). A concepção do modelo pedagógico das EEMTI se caracteriza por
princípios como a necessidade de estruturar uma escola para todos que atenda a
diversidade de preferências e de projetos de vidas dos estudantes. O projeto
pedagógico das EEMTI deve ser estruturado a partir de três dimensões fundantes: a
escola como comunidade de aprendizagem; a aprendizagem cooperativa como
método pedagógico estruturante e o protagonismo estudantil como princípio
imperativo. De acordo com o PPP,
A escola, ao se constituir como comunidade de aprendizagem, remete ao conceito que a educação se alicerça em dois processos basilares: as interações e a participação da comunidade. Em outra dimensão, os princípios da aprendizagem cooperativa trazem para a organização pedagógica a possibilidade de desenvolvimento intelectual a partir da efetiva interação dos estudantes. Por último, é muito importante que a escola tenha sempre o jovem como centro do processo educativo, estimulando-o ao protagonismo, a desenvolver a capacidade de fazer escolhas e de encontrar formas criativas de superação (PPP, 2017, p 11).
Outras características fundantes do projeto curricular das EEMTI são: a
pesquisa como princípio pedagógico, o trabalho como princípio educativo, a
desmassificação do ensino e a oferta de itinerários formativos diversificados. A partir
dessa fundamentação pedagógica, o currículo das EEMTI se estrutura em uma Base
Curricular Comum, composta de uma carga horária semanal de 30h/aula, e uma Parte
Diversificada, que contempla 15h/aula semanais, composta pelos componentes
curriculares Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS), o projeto
Professor Diretor de Turma (PDT) e os tempos eletivos.
Dando continuidade à realização de ações direcionadas à política de
implementação do EMTI, a SEDUC lançou, em fevereiro de 2018, a Política de
38
Desenvolvimento de Competências Socioemocionais. A proposta é que a temática
faça parte do cotidiano das 111 EEMTIs do Estado. Ao todo, são nove iniciativas que
compõem o conjunto de ações desta Política: Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas
Sociais (NTPPS ); Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT ); Juventude em Ação ;
Psicólogos Educacionais; Mediação Social e Cultura de Paz; Educação, Gênero e
Sexualidade na Escola; Aprendizagem Cooperativa; Comunidade de aprendizagem;
Projeto de Vida e Mundo do Trabalho. Na presente pesquisa, não consegui perceber
como, e se, chegam na escola todas essas iniciativas. Agora, consegui identificar a
presença significativa na escola de iniciativas como o NTPPS, o PPDT e a Mediação
Social e Cultura de Paz21
As metas e estratégias com relação à educação em tempo integral
presentes nas leis educacionais, tanto nacionais como estaduais, nos seminários de
formação de gestores, nas Notas Técnicas e no PPP das EEMTIs que orientam a
implantação do ensino médio em tempo integral trazem aspectos que serão
observados no decorrer da presente análise a respeito da implementação desta
modalidade de ensino na EEMTI Matias Beck. A seguir, analiso o processo de
implantação do EMTI na escola Matias Beck, procurando identificar aspectos
significativos das mudanças organizacionais, curricular-pedagógico e na infraestrutura
da escola, a partir de entrevistas com membros da comunidade escolar.
1.3. Implementação do EMTI na escola Matias Beck
A implementação do modelo de ensino médio em tempo integral na EEMTI
Matias Beck teve início no ano letivo de 2016. A escola vem implementando esse
modelo de ensino de maneira progressiva, tendo iniciado naquele ano com as turmas
do 1º ano do ensino médio. Em 2017, acrescentou-se à proposta as turmas do 2º ano,
concluindo-se esse processo inicial de implementação em 2018, com a adesão das
turmas de 3º ano, quando a escola passou a oferecer apenas essa modalidade de
ensino. Com o advento do ensino médio em tempo integral, a estrutura organizacional
e pedagógica-curricular da escola Matias Beck passou por mudanças significativas.
21 Vale ressaltar, que essas iniciativas já estavam presentes na composição curricular da escola bem antes do lançamento dessa Política de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais, e serão abordadas no capítulo III.
39
Os estudantes passam em média 9 horas por dia na escola, sendo esse tempo
distribuído diariamente em nove disciplinas da base comum, diversificada e flexível e
os horários para lanche, almoço e banho. As aulas da base comum são compostas
pelas disciplinas de arte, língua estrangeira, história, geografia, filosofia, sociologia,
matemática, português, física, química, biologia, inglês e educação física22. Além
dessas disciplinas, a escola oferece na parte diversificada: formação cidadã (disciplina
do projeto Professor Diretor de Turma) e Trabalho e Pesquisa Social (do projeto
Núcleo de Pesquisa e práticas Sociais – NTPPS). Já os tempos eletivos compõem a
parte flexível do currículo nos quais os professores propõem opções variadas de
temas de estudos dentre os quais os estudantes elegem quais querem cursar23. Essa
eleição se dá semestralmente.
Fundada em 1968, a escola contava, no início do ano letivo de 2018, com 290
estudantes matriculados, distribuídos em nove turmas do ensino médio: quatro turmas
de 1º ano, três turmas de 2º ano e duas turmas de terceiro ano, todas funcionando em
regime de tempo integral. Seu núcleo gestor é formado por uma diretora, uma
coordenadora pedagógica, uma coordenadora de gestão, um auxiliar administrativo e
uma secretária. O corpo docente é formado por 23 professores. A escola conta
também com funcionários de limpeza, manutenção, responsáveis pela alimentação
dos estudantes e vigilantes.
Utilizo-me das falas produzidas durante as entrevistas individuais, as
respostas dos questionários e as falas obtidas com a realização do grupo focal com o
objetivo de identificar aspectos significativos relacionados às mudanças advindas com
a implementação do EMTI e compreender os sentidos que os membros da
comunidade escolar atribuem à essas mudanças. De acordo com a diretora da escola,
no final de 2015 foi feito um convite à direção da escola para saber se a escola poderia
implementar, de maneira progressiva, o modelo de EMTI.
Em 2015, no finalzinho do ano, estávamos passando pela implementação do Ceará Pacífico aqui no bairro e nós recebemos a grande reforma de climatização das salas, troca de janelas, tirar grades, então a escola já teve essa grande mudança física e aí a gente foi perguntada, sondada, se daria pra ser tempo integral. Mas aquele sondado, meio, eu ‘acho que dá’. E aí a gente assumiu o tempo
22 Ver anexo I, Matriz Curricular das EEMTIs. 23 No capítulo III serão apresentadas as ofertas dos tempos eletivos nos semestres 2017.1, 2017.2 E 2018.1.
40
integral em 2016, as primeiras 26 escolas do Estado a assumir o tempo integral, para ser implantado o tempo integral. Um projeto piloto, com muitos desafios, na verdade a gente participou dessa construção coletiva, era tudo muito novo pra todo mundo, inclusive pro pessoal da SEDUC. (Diretora da escola. Entrevista realizada em 22.02.2018)
A diretora se refere ao programa governamental Pacto por um Ceará
Pacífico24, mencionado outras vezes durante as entrevistas, devido à reforma que
houve na escola ocasionada pela parceria com esse programa governamental. A
reforma na estrutura da escola, ocorrida no final de 2015, configura-se como uma
“grande mudança física” e é constantemente lembrada pela comunidade escolar como
um aspecto central da implementação do EMTI. A diretora menciona, além de
aspectos como a “climatização das salas” e a “troca das janelas”, o aspecto de que
com a reforma foram tiradas as grades das salas de aulas. Quando havia grades nas
portas da sala25, muitas salas permaneciam com a porta aberta, mas com a grade
fechada, o que remetia à ideia de “aprisionamento” dos alunos em sala de aula. Ao
tirar as grades das portas das salas de aula, contribuiu para um clima “mais leve” na
escola, pondera.
De acordo com a diretora da escola, após aceitar o convite para
implementação do EMTI, iniciou-se um trabalho de “construção coletiva” de um
“projeto piloto”, novo tanto para a comunidade escolar quanto para a própria SEDUC.
Alguns professores se referem ao processo de implementação inicial do
EMTI a partir de palavras como “adaptação”, “teste” e “improviso”. A seguir, transcrevo
trechos das entrevistas realizadas com professores que discorreram a respeito de
como se deu aquele momento inicial.
As informações eram meio despassadas. Chegou a informação que a escola seria agraciada com uma reforma devido ao projeto Ceará Pacífico. Então, tanto veio financiamento do Ceará Pacífico como veio financiamento pra escola através da implementação do tempo integral. E aí a gente ficava sabendo de como seria os detalhes, a hora do almoço, a logística, no começo que era apenas mesas de plástico, comum, e aí foi se adaptando, como um teste, pra saber o que iria precisar e como é que iria ocorrer (Professor de física. Entrevista realizada em 5.12.2017).
Ele chegou meio que de improviso, não houve um planejamento, uma organização prévia. Pelo que me consta a diretora foi contatada no final do ano (2015) e início do outro, pra saber se ela aceitava que a
24 Tanto o programa Ceará Pacífico como sua parceria com a escola serão melhor detalhados adiante. 25 Antes da referida reforma, todas as salas da escola, inclusive as salas de aulas, tinham grades.
41
escola se tornasse de tempo integral, pelo menos isso foi o que repassaram pra gente. E aí a escola passou por um processo de reforma, já estava meio que prevista essa reforma, já se adaptando, tentando se adaptar a essa realidade do tempo integral. Sobretudo na questão da cozinha, que teve que ser projetada pra uma quantidade X de alunos e também pra fornecer o almoço, que até então só tínhamos os lanches de manhã e de tarde. (Professor de português. Entrevista realizada em 7.11.2017)
As narrativas acima expostas mobilizam palavras como “improviso”,
“adaptação”, “teste”, assim como a ideia de “construção coletiva”. Estas expressões,
ao meu ver, embora se refiram ao aspecto de novidade devido às mudanças advindas
com o EMTI, expressam sentidos diferentes a respeito desse processo. A ideia de
“improviso” por exemplo, está relacionada à falta de planejamento prévio para se
iniciar o EMTI, identificada, sobretudo, à dimensão espacial, infraestrutura,
equipamentos e materiais disponíveis na escola. A ideia de “teste” remete à ideia de
que a escola é uma das primeiras do Estado a implementar o EMTI, servindo como
modelo de experiência da proposta, que “poderá ou não dá certo”, de acordo com a
maneira que for conduzida. Já a noção de “construção coletiva” remete à ideia de que
todos são responsáveis pela implementação do EMTI. Traz a responsabilidade desse
processo inicial tanto para a SEDUC quanto para a gestão escolar, professores e
alunos que devem participar da implementação de mudanças pedagógicas,
curriculares e organizacionais no cotidiano escolar. “Não tem fórmula pronta não, tem
que ser uma construção coletiva” (Diretora. Entrevista realizada em 22.03.2018).
Ao perguntar para uma das alunas entrevistadas a respeito das mudanças
que aconteceram na escola com a implementação do EMTI, ela destaca aspectos
relacionados aos espaços físicos, como as mudanças no pátio da escola com a
introdução de mesas onde são realizadas as refeições e a questão dos banheiros que
passaram a ficar “superlotados” devido aos alunos terem que utilizá-los com mais
frequência.
Mudou muita coisa, mudou totalmente a nossa visão da escola. Mudou a cantina de lugar, mudou, o pátio começou a ter mesas e cadeiras pra gente fazer as nossas refeições, o nosso refeitório. Mas antes foram aquelas mesas de plástico e era uma confusão. Mudou em relação ao banheiro que agora é superlotado, antigamente eu não via uma alma no banheiro. Hoje em dia em tenho pavor de entrar naquele banheiro por que é muita gente. Mudou, eu acho até mesmo com relação à convivência entre os alunos. Antigamente eu era uma pessoa meio reservada, eu acho que eu não falava nem com as pessoas da minha sala e hoje em dia eu tô falando com gente que eu
42
nem sabia que existia na escola (Branca26 3º B. Entrevista realizada em 30.05.208).
Nos primeiros meses de implementação, os alunos almoçavam em meses
de plástico que ficavam empilhadas no pátio da escola. Antes do almoço, as mesas
eram organizadas e após o término do almoço eram empilhadas novamente. Segundo
ainda Branca, aquele momento inicial se caracterizou pela “confusão” na hora de
organização do almoço. Atualmente, as refeições são realizadas em mesas e bancos
de madeira que ficam permanentemente no pátio da escola, embora possam ser
removidos para a realização de outras atividades no pátio, como ensaio de dança,
brincadeiras etc. Ela menciona o “pavor” que tem de entrar no banheiro, pois com o
TI, o banheiro passou a ficar “superlotado”. Com a permanência durante todo o dia na
escola, há uma maior necessidade de utilização do banheiro, sobretudo nos horários
próximos ao almoço. A escola tem um banheiro masculino e um banheiro feminino,
que atende à totalidade dos 290 alunos.
Outro aspecto mencionado pela aluna foi a mudança com relação à
“convivência” com os demais alunos da escola. Com a maior permanência na escola,
Branca está tendo mais oportunidade de se relacionar com os demais alunos,
tornando-se assim mais comunicativa. Devido se considerar uma pessoa “meio
reservada”, ela atribui como um aspecto positivo do TI a mudança de comportamento
na maneira de se relacionar com as demais pessoas de sua própria sala e os demais
alunos da escola.
Tanto os aspectos relacionados à estrutura física da escola e seus
equipamentos, quanto à melhora nos relacionamentos interpessoais e no clima da
escola também foram mencionados durante o grupo focal quando perguntei a respeito
das principais mudanças ocorridas com a implementação do EMTI. Segundo Gaskell
(2008), com o objetivo de provocar ideias e discussões no grupo focal, o pesquisador
pode utilizar recursos como figuras, fotos, dramatizações e livre associações como
material de estímulo para desenvolver o assunto que se pretende abordar. Quando
realizei o grupo focal utilizei o vídeo27 publicitário do governo estadual a respeito das
EEMTI veiculado nos canais de televisão abertos do Estado. O audiovisual, intitulado
26 Utilizo nomes fictícios dos estudantes entrevistados. 27 Disponível na plataforma youtube: Campanha Juventude em Tempo Integral – 90’.
43
Juventude em Tempo Integral, tem a duração de 1 minuto e 30 segundos e se
caracteriza por imagens, música e um texto falado:
Na nossa escola agora a gente pode fazer um filme e construir robôs. Aprender libras e fazer grafite, fazer teatro e ler seja o que for. Nosso futuro está na nossa escola, está nas escolhas que vamos fazer. Só quem aprende mais depois conquista tudo que a vida tem para oferecer. Nossa escola tem novas escolhas, vem! Nossa escola tem novas propostas, vem! Nossa escola tem novas conquistas, vem! Nossa escola tem novas conquistas vem! (letra da música).
Agora, nas 188 escolas estaduais de Ensino Médio em Tempo Integral, os alunos têm as disciplinas obrigatórias e também podem escolher e construir o que desejam aprender e fazer. É a Escola em Tempo Integral. É a escola do futuro, hoje (Texto falado)
O vídeo enfatiza as oportunidades que os estudantes terão em escolher
aquilo que querem estudar, por exemplo: “fazer um filme”, “construir robôs”, “grafite”,
“aprender libras”, “teatro”, “ler seja o que for”. Essa possibilidade de o estudante
“escolher e construir o que deseja aprender e fazer”, tem sido o argumento, por parte
do governo, que justifica a novidade e as mudanças educacionais advindas do EMTI,
caracterizadas pela possibilidade de escolha relacionada aos tempos eletivos e à
construção de seu itinerário formativo ao longo do ensino médio, a partir das
disciplinas eletivas que o estudante escolher cursar28.
Ao perguntar que relações poderíamos fazer entre o vídeo e o EMTI na
escola Matias Beck, um professor ressalta que:
A imagem mostra muito a situação ideal, né? Que infelizmente não corresponde ainda a realidade. Isso não quer dizer que essa realidade não possa se concretizar algum dia, mas infelizmente, não é o que a gente, a pesar de haver várias iniciativas na escola, principalmente iniciativas que partem dos próprios educadores, mas enquanto iniciativa da gestão pública a gente tá longe de se ver consolidar o que está na propaganda. Por exemplo, em relação aos laboratórios, a realidade que é mostrada aí é de laboratórios em pleno funcionamento, com equipamentos. E a gente sabe que isso ainda não acontece ainda na nossa escola. A gente tem o laboratório de ciências, por exemplo, que não funciona por falta de equipamentos, nós temos o laboratório de informática que funciona precariamente por que nós temos 12 máquinas funcionando, quando deveríamos ter, na proposta inicial, 45 máquinas (Grupo focal. Realizado em 15.05.2018).
28 Os tempos eletivos e a construção do itinerário formativo serão discutidos no capítulo II.
44
De acordo com o professor entrevistado no GF, a escola apresentada no
vídeo caracteriza-se como uma “situação ideal” de escola, a ser, talvez, realizado um
dia. O termo “ideal” é um adjetivo importante para se pensar a proposta de
implementação das EEMTI. Essa palavra é utilizada constantemente pelos
interlocutores da pesquisa para se referir ao modelo de EMTI, ao mesmo tempo que
enfatiza as dificuldades de se verem realizadas no cotidiano escolar algumas das
mudanças “idealizadas” para as EEMTIs. O professor se refere à falta de equipamento
nos laboratórios de ciências e os poucos computadores que estão funcionando e
disponíveis para os alunos no laboratório de informática da escola, tendo em vista que
o vídeo mostra “laboratórios em pleno funcionamento”.
Ao responder a essa pergunta inicial, a professora de português mencionou
que “o vídeo me remonta a essa lembrança, a essa ideia do protagonismo juvenil e
também do relacionamento entre os alunos, que melhorou bastante no período
integral” (professora de português. Grupo Focal realizado em 15.05.2018). Já a
professora de Inglês destaca que as principais mudanças na escola com a
implementação do EMTI foram “em termos físicos, a grande reforma. Em termos
acadêmicos, eu acho que o surgimento das aulas eletivas que vieram com uma ótima
proposta de complemento mesmo para os meninos” (Professora de Inglês. Grupo
Focal realizado em 15.05.2018).
Utilizo as narrativa exploradas acima pois elas abordam temas importantes
para se compreender as mudanças advindas com o EMTI na escola Matias Beck e
ganharam centralidade nas narrativas dos colaboradores ao longo da pesquisa: os
aspectos físicos da escola, o “protagonismo juvenil”, a “convivência” e os
relacionamentos entre os membros da comunidade escolar durante a jornada integral
e a realização dos “tempos eletivos”. Esses aspectos foram identificados, com a
presente pesquisa, como as principais mudanças advindas com a implementação do
EMTI na escola Matias Beck, e serão objetos de nossa análise nos capítulos II e III.
Com relação ao processo de implementação do modelo de EMTI, um dos
professores menciona que ainda não está “muito claro” quais os “objetivos”, “os
valores”, a “missão” da EEMTI. De acordo com o professor entrevistado,
[...] não houve, como não há uma discussão mais aprofundada sobre quais os reais objetivos da escola de tempo integral, nunca houve esse
45
momento em que a escola de tempo integral fosse apresentada de fato pra comunidade. Assim, ela foi implantada de repente, mas não houve uma discussão prévia, nem está tendo uma discussão durante a implantação e funcionamento, pra se deixar muito claro quais são os objetivos, quais são os valores, qual é a missão da escola em tempo integral. Ainda não está muito bem definido, bem delineado, por que eu penso que falta também isso, essa coisa de se colocar pra comunidade, envolvendo todo mundo mesmo, os educadores, os alunos, os próprios pais, de mostrar realmente a que foi que veio essa escola, a quê que ela se propõe. Então isso a gente vai assimilando no dia a dia, na vivência. Mas em níveis institucionais, de você ter materiais que discorram sobre essa escola, de onde foi que saiu essa ideia, não temos. A gente vai pegando uma coisa ali, através da mídia as vezes, de declarações do secretário de educação, mas no ambiente escolar não houve esse momento de se colocar o projeto, o projeto é esse e vai funcionar assim e assim. Eu sinto falta disso! (Professor de português. Entrevista realizada em 07.11.2018).
O professor enfatiza que sente falta, no ambiente escolar, de uma maior
discussão a respeito do projeto da EEMTI que envolva os “educadores”, os “alunos”,
os “próprios pais” para que possa ser mostrado “a que veio esse projeto”, e “a que ele
se propõe”. Afirma não ter conhecimento, em “nível institucional”, de materiais que
“discorram” sobre esse modelo de escola e que “vai pegando uma coisa aqui e outra
ali” por meio de declarações veiculadas “na mídia”. Em umas das declarações
veiculadas nos meios de comunicação, o governador do estado do Ceará, Camilo
Santana, afirmou que o objetivo da lei que institui a política de implementação das
EEMTI no Ceará
é transformar a ação em uma política pública de Estado. Independentemente dos governos futuros que essa seja uma ação de governo. Com o tempo integral, os alunos passam o dia na escola, fazem as três refeições, tem acesso às disciplinas normais do Ensino Médio e a aulas de extensão, e também podem praticar esportes. Isso é uma grande política não só de dar oportunidade para os nossos jovens cearenses, mas também uma política de proteção. Estamos falando de Segurança, de Saúde, do futuro de gerações que vão representar o Ceará, portanto é importante que se garanta essas ações como política permanente (SITE OFICIAL DA SEDUC)29.
De acordo com o governador, a política das EEMTIs se configura como
“uma grande política”, tanto de “oportunidades” como de “proteção”. As
“oportunidades” estão relacionadas “ao acesso às disciplinas normais”, “aulas de
29Disponível em: http://www.seduc.ce.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/211-noticias-
2017/12473-educacao-camilo-santana-sanciona-lei-que-institui-tempo-integral-na-rede-publica-de-ensino-do-ceara. Acesso dia 19 de outubro de 2017.
46
extensão”, a “prática de esportes” e com à possibilidade de os estudantes “escolherem
e construírem o que desejam aprender e fazer”, como exposto no vídeo institucional
do governo com relação ao EMTI, de acordo com a proposta dos tempos eletivos. O
fato dos estudantes “fazerem as três refeições” na escola também é mencionada pelo
governador como fator importante dessa política. Já a menção a uma “política de
proteção”, está relacionada, embora não explicitamente, à “segurança” dos jovens
estudantes com relação à violência urbana, tanto que as escolas localizadas em áreas
de atuação do programa de segurança pública Pacto por um Ceará Pacífico têm
prioridade no processo de implementação das EEMTI, como por exemplo, a escola
Matias Beck.
Embora desde a LDB se sinalize a possibilidade do amento no tempo de
permanência na escola e, consequentemente, uma reformulação nos aspectos
pedagógico-curriculares das escolas, é necessário situar às mudanças propostas no
campo educacional e suas relações com as características socioeconômicas na qual
o projeto está posto e, sobretudo, identificar as consequências dessas mudanças no
cotidiano da escola e na formação dos estudantes. De acordo com Cavaliere (2007),
Em sua configuração concreta, o tempo de escola é determinado por demandas que podem estar diretamente relacionadas ao bem-estar das crianças, ou às necessidades do Estado e da sociedade ou, ainda, à rotina e conforto dos adultos, sejam eles pais ou professores. Essa característica constitutiva complexa dá ao tempo escolar uma dimensão cultural que nos impede de com ele lidar de forma meramente administrativa ou burocrática, sendo a sua transformação o resultado de conflitos e negociações”. (CAVALIERE, 2007. Pp. 1018).
As mudanças propostas com a introdução de uma política de EEMTIs está
associada à necessidade de atender os “anseios da juventude” na sociedade atual, a
partir de um discurso governamental relacionado à “flexibilidade”, às “oportunidades”
e à “proteção”. Me proponho a analisar, no decorrer dos próximos capítulos, os efeitos
que esses termos acarretam no cotidiano escolar a partir dos sentidos que emergem
das falas dos interlocutores da pesquisa. Apresento a seguir, a caracterização da
EEMTI Matias Beck, o perfil socioeconômico dos estudantes e problematizo aspectos
relacionados às “oportunidades” advindas com a política de EMTI e à associação
dessa política como um fator de “proteção”.
47
3. CARACTERIZAÇÃO DA EEMTI MATIAS BECK
3.1 Breve Caracterização da EEMTI Matias Beck e o perfil socioeconômico dos
estudantes que participaram da pesquisa
A Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Matias Beck está
situada numa região de Fortaleza conhecida, tradicionalmente, como o Grande
Mucuripe, localizada, administrativamente, na Secretaria Executiva Regional II de
Fortaleza. Compõem esta região os bairros Mucuripe, Varjota, Praia do Futuro I, Praia
do Futuro II, Cais do Porto e Vicente Pinzón, onde está localizada a escola.
Figura 1: EEMTI Matias Beck, localizada na parte superior do mapa, lado direito. A escola está localizada no bairro Vicente Pinzón, na divisa com o bairro Mucuripe. FONTE: Google Maps.
Localizados bem próxima à orla marítima da beira mar, os bairros Vicente
Pinzón e Mucuripe têm grande importância na história do Ceará e na constituição da
cidade de Fortaleza. Possui uma rica diversidade cultural e belezas naturais, como
uma das vistas mais bonitas da orla da capital cearense, no mirante do Morro Santa
Terezinha. Uma das características dessa região onde se encontra a escola é o
48
contraste social, uma vez que nas imediações do bairro Vicente Pinzón estão bairros
com os melhores índices de desenvolvimento econômico e IDH30 da cidade.
Nas proximidades da escola estão, por exemplo, os bairros Mucuripe,
Meireles, Varjota, Cocó, e Aldeota, onde se concentra boa parte das famílias com
maior poder aquisitivo da capital cearense. De acordo com dados do IBGE (2010), os
bairros Meireles (IDH 0,953) e Aldeota (IDH 0,867) são os dois bairros com maior IDH
de Fortaleza, classificados como de IDH muito alto. Os bairros Mucuripe (0, 793) e
Varjota (0,718) se encontram na lista dos dez bairros de Fortaleza com melhor IDH,
classificados como alto. Já o bairro Vicente Pinzón (0,332) possui um IDH classificado
como muito baixo. De acordo com dados das Nações Unidas (2011), Fortaleza é a
quinta cidade mais desigual do mundo.
O entorno da EEMTI Matias Beck é constituído por comunidades como o
Castelo Encantado, Morro Santa Terezinha, Conjunto São Pedro I e II, Joana D’Arc,
Morro do Teixeira, Pilão e Buraco. Com o objetivo de traçar o perfil socioeconômico
dos estudantes e identificar sentidos atribuídos à EEMTI Matias Beck, realizei, no dia
27 de abril de 2018, a aplicação de um questionário com 50 dos 59 jovens
matriculados na 3º série do ensino médio, matriculados nas turmas A e B, dos quais
23 eram do sexo masculino e 27 do sexo feminino. Busquei informações a respeito da
idade dos estudantes, há quanto tempo estudam na escola, bairro/localidade em que
moram, com quem moram, profissão/ocupação dos pais ou responsáveis e a renda
familiar.
Tabela 01: quantidade de alunos por sexo
MASCULINO FEMININO
23 alunos 27 alunas
Fonte: questionário aplicado com os alunos das turmas 3º A e 3º B.
Dos 50 alunos que responderam o questionário, identificamos que 12
estudantes afirmaram morar no Castelo Encantado, 17 no Vicente Pinzón, 12 no
Mucuripe, 2 na Praia do Futuro, 1 no Conjunto Santa Terezinha e uma aluna mora no
bairro de Messejana. Essas localidades e bairros mencionados na pesquisa, com
30 O índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma classificação adotada pela Nações Unidas que
mede o nível de escolaridade, de renda e a expectativa de vida da população. Disponível em:
49
exceção da Praia do Futuro e Messejana, encontram-se nas proximidades da escola,
caracterizando-a como uma escola de “bairro”, ou seja, uma escola que atende em
sua grande maioria aos jovens que residem próximo à escola. Interessante notar que,
a aluna que atualmente mora em Messejana, morava próximo à escola e estuda ali
desde a 7º série do ensino fundamental e que, ao se mudar em 2017 para um bairro
muito distante da escola, optou por continuar estudando na escola Matias Beck devido
aos vínculos construídos durante o tempo em que estuda no local. A aluna se refere
a escola como “uma escola maravilhosa e cheia de oportunidades” (questionário).
Tabela 02: bairro/localidade onde residem os alunos
BAIRRO/LOCALIDADE QUANTIDADE
Castelo Encantado 12 alunos
Vicente Pinzón 17 alunos
Mucuripe 12 alunos
Praia do Futuro 2 alunos
Conj. Santa Terezinha 1 aluno
Messejana 1 aluno
Obs: cinco alunos não responderam
Fonte: questionário aplicado com os alunos das turmas 3º A e 3º B.
Outro aspecto abordado para traçar o perfil socioeconômico dos jovens
foram os dados referentes à composição familiar. Constatei que quase metade dos
estudantes mora com o pai, a mãe e irmãos (9 alunos) ou com pai mãe e irmão/ã (8
alunos). As demais famílias apresentam uma configuração bastante diversificada, com
as famílias dos alunos sendo compostas por exemplo, pela mãe e irmãos (8 jovens),
ou só pela mãe (4 alunos). A tabela abaixo demonstra as demais composições
familiares dos jovens do 3º ano.
Tabela 04: composição núcleo familiar dos alunos (com quem moram)
NÚCLEO FAMILIAR
Quantidade de alunos com essa
composição familiar
Pai, mãe e irmãos 11
Pai, mãe e irmão/ã 9
Mãe e irmãos 8
Só com a mãe 4
50
Tio, tia e primos 4
Mãe, padrasto e irmãos 2
Mãe, avô e irmão 2
Só com o pai 2
Pai e irmãos 1
Pai e mãe 1
Mãe, avô, tio, tia e primos 1
Mãe, avô e prima 1
Mãe e padrasto 1
Pai, mãe, irmão e cunhada 1
Pai, mãe, irmão e sobrinho 1
Irmã e avó 1
Fonte: questionário aplicado com os alunos das turmas 3º A e 3º B.
De acordo com os estudantes entrevistados, a família tem um papel muito
importante em suas vidas. Uma das alunas destaca o incentivo que sua mão sempre
lhe deu, a ela e a seus irmãos, para que estudassem.
A minha mãe, como ela não estudou tanto, ela acha que nós, eu e meus irmãos, temos que estudar mais pra não ser igual ela. Ela queria estudar, mas o pai dela e a mãe dela tiveram que colocar ela pra trabalhar por que eles não tinham condições. Eu sempre acreditei em mim, sempre gostei de estudar, desde pequena. Eu acredito até hoje que se você estudar bastante você vai ter um futuro bom (Iracema31, entrevista realizada em 30 de maio de 2018).
Para Iracema, o apoio que sua mãe lhe deu para continuar os estudos é
algo muito importante, pois assim como sua mãe, que teve que deixar de estudar para
trabalhar, ela reconhece que teria que trabalhar para auxiliar sua família, mas devido
ao apoio da mãe e por acreditar que se “estudar bastante” terá um futuro melhor, optou
por continuar os estudos e concluir o ensino médio.
Os jovens que cursam o 3º ano na EEMTI Matias Beck encontram-se com
idade entre 16 e 20 anos. Destes, 30 alunos têm 17 anos, idade considerada
“adequada” para conclusão do EM. 9 alunos têm 16 anos, mesma quantidade de
alunos com 18 anos. Apenas 2 alunos apresentaram uma distorção um pouco maior,
estando com 20 anos. O índice de abandono escolar de jovens de 15 a 17 anos no
31 Utilizo nomes fictícios ao referir-me aos alunos entrevistados durante a pesquisa.
51
estado do Ceará é maior do que a média nacional. De acordo com dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) referente ao ano de 2015, no Ceará estão
fora da escola 77.106 jovens de idade entre 15 a 17 anos, o que corresponde a 16,9%
do total das pessoas nessa faixa etária.
Tabela 03: quantidade de alunos de acordo com a idade
IDADE QUANTIDADE
16 anos 9 alunos
17 anos 30 alunos
18 anos 9 alunos
20 anos 2 alunos
Fonte: questionário aplicado com os alunos das turmas 3º A e 3º B.
A questão do abandono escolar foi uma temática abordado durante a
pesquisa, sobretudo no que se refere à necessidade que muitos jovens têm de
trabalhar. De acordo com a diretora da escola, ao falar a respeito do abandono escolar
e da quantidade de alunos matriculados no 3º ano do ensino médio da escola,
A gente começou com três turmas e eu tô com duas. E cada turma com 29 alunos. Eu comecei com três turmas de 40 alunos. No meio do processo já foi diminuindo. Ano passado eu tava só com dois 2º anos, com 39, mais ou menos 40 alunos. Tive a evasão de uma turma inteira. Por que é que não conta como evasão? Por que eles foram transferidos. Foram matriculados em outra escola, evasão é se ele não tivesse em canto nenhum. E, esse ano, eu tenho só dois 3º anos com 29 (Diretora da escola. Entrevista realizada em 8 de fevereiro de 2018).
Ela atribui essa quantidade de alunos “transferidos” à necessidade dos
estudantes de trabalhar e, também, devido a outros “problemas sociais”.
Não pode ficar o dia todo por que tem que trabalhar, não pode ficar o dia todo por que tem que cuidar do filho, tudo são problemas pessoais. Ninguém chegou pra dizer “eu não vou ficar por que não gosto da escola”, ninguém. Cansativo? Ninguém saiu por que é cansativo. A não ser que assim: é cansativo por que eu tô no tempo integral quando dá 5 horas eu tenho que trabalhar. É cansativo por causa do emprego, não é cansativo por causa da escola (Diretora da escola. Entrevista realizada em 8 de fevereiro).
Segundo a diretora, os alunos que optam por não estudar na EEMTI Matias
Beck o fazem por motivos, diga-se, extraescolares, como trabalho ou “cuidar do filho”.
Aqui se estabelece um referencial de análise importante para compreender os
52
possíveis sentidos atribuídos ao EMTI: alunos que tem que abandonar a escola de
tempo integral por motivos, por exemplo, da impossibilidade de estudar e trabalha
concomitantemente; e alunos que permanecem na escola. De acordo com a
professora de arte, a EEMTI não vai “acontecer” para aqueles alunos que “precisam”,
“querem” e “sentem necessidade” de trabalhar. Ela traz o relato de quem, enquanto
“estudante do ensino médio da escola pública”, teve que conciliar os estudos com o
trabalho.
É uma proposta muito interessante, mas a gente tem que pensar na quantidade de escolas, né? Porque se é o futuro da educação e ter todas as escolas em tempo integral, a gente não pode separar a escola do contexto social e a gente sabe que tem adolescentes com 16, 17 anos que precisam trabalhar e querem, sentem necessidade de trabalhar por que não tem em casa produtos básicos de higiene, até, de higiene pessoal. Eu tiro por mim, que fui uma estudante de ensino médio na escola pública e eu precisava trabalhar. Então vamos pensar na escola de tempo integral pra um estudante que precisa trabalhar, ela não vai acontecer. Então nós tivemos muitos alunos que precisaram sair da escola e foram, aqui ainda temos escolas em tempo regular, mas tem muitos lugares que tem uma escola de tempo regular, e aí estão superlotadas desses estudantes que precisam estar numa escola regular por que precisam trabalhar (Professora de arte. Grupo focal realizado em 15 de maio de 2018).
A professora reitera a impossibilidade de separação entre a escola e o
“contexto social” na qual está inserida. Na medida em que a EEMTI se caracteriza
pelas “oportunidades” que o maior tempo de permanência na escola pode
proporcionar, ela também inviabiliza a permanência de jovens estudantes que não
podem passar todo o dia na escola devido a demandas relacionadas aos demais
aspectos sociais e econômicos, como a necessidade de trabalhar.
Na busca por traçar o perfil socioeconômico dos estudantes do 3º ano do
EMTI da escola Matias Beck, o quesito renda familiar chamou muita atenção, pois a
grande maioria afirmou ter uma renda de no máximo 2 salários mínimos. Dos 50
alunos que foram entrevistados mediante aplicação dos questionários, 21 afirmaram
ter renda de no máximo um salário mínimo e 26 alunos possuem renda familiar de no
máximo dois salários mínimos. Dois alunos não informaram a renda familiar e apenas
um aluno saiu da média, ao afirmar que possui uma renda familiar de até quatro
salários mínimos. Embora dois alunos tenham me pedido para explicar o quesito renda
familiar no dia em que apliquei o questionário com as turmas, ao ler os resultados
pensei que eles não haviam entendido e, talvez, tivessem respondido de maneira
53
equivocada. No entanto, ao ler as respostas do quesito/item posterior, a respeito da
ocupação do pai e/ou mãe ou responsável, percebi que as respostas poderiam estar
corretas, devida à profissão ou ocupação dos pais, mães e/ou responsáveis estarem
numa classificação de “trabalhador assalariado” e, de acordo com a maioria das
respostas, apenas uma pessoa na família detém algum tipo de renda.
Tabela 06: profissão/ocupação do pai, mãe ou responsável
Profissão/ocupação
pais ou responsáveis
Quantidade Profissão/ocupação
pais ou responsáveis
Quantidade
Doméstica 12 Distribuidora de
equipamentos hospitalares
1
Dona de casa 8 Diarista 1
Porteiro 4 Serviço gerais em escola 1
Aposentado 4 Carpinteiro 1
Autônoma 4 Marinheiro 1
Pescador 3 Eletricista
(desempregado)
1
Vendedor 3 Setor de frios em
Supermercados
1
Zelador (a) 2 Comerciante
(vendedor de peixe)
1
Empresária 2 Auxiliar de coordenação 1
Segurança 2 Auxiliar de chefe de cozinha 1
Auxiliar de produção 2 Garçon 1
Auxiliar de serviços
Gerais
2 Taxista 1
Cozinheira 2 Caixa de supermercado 1
Vendedor ambulante 1 Pedreiro 1
Funcionário de
empresa de pisos
1 Cuidadora 1
Trabalha em restaurante 1 Pintor industrial 1
Bancária 1 Salgadeira (faz salgados) 1
Marisqueira 1
Fonte: questionário aplicado com os alunos das turmas 3º A e 3º B.
54
Identifiquei grande diversidade de atividades laborais, classificada,
sobretudo, como trabalhos assalariados, onde a remuneração gira em torno de um
salário mínimo, e atividades laborais classificadas como informais ou trabalho
autônomo. De acordo com o IBGE, o rendimento nominal mensal domiciliar per capita
da população residente no Ceará32 é de R$ 824,00, não chegando a um salário
mínimo, que atualmente é de R$ 954,0033. A tabela abaixo (tabela 05), expressa as
informações colhidas com o questionário a respeito da renda familiar dos alunos.
Tabela 05: renda familiar dos alunos
RENDA FAMILIAR QUANTIDADE
Até um salário mínimo 21 alunos
Até dois salários mínimos 26 alunos
Até quatro salários mínimos 1 aluno
Obs: 2 alunos não informaram a renda familiar
Fonte: questionário aplicado com os alunos das turmas 3º A e 3º B.
O quesito renda familiar me chamou a atenção ao identificar quase cem por
cento da turma tem renda familiar de no máximo dois salários mínimos. Registro uma
certa surpresa nesta questão. Aqui a necessidade de estranhamento do familiar se
torna imperativa, posto que ao observar a conduta e os corpos dos estudantes do 3º
ano da escola, as “marcas de uma perversa e imoral estrutura econômica e social”
(ARROYO, 2011. P. 16) não aparecem de forma evidente e imediata. Tanto a
uniformização física, devido à necessidade da utilização do uniforme da escola
(camisa da escola, calça jeans e tênis) como a uniformização simbólica (o imaginário
de que os alunos compartilham das mesmas condições socioeconômicas), assim
como as diversas expressões de artefatos culturais de consumo, como blusões,
calçados, roupas de “marca” e a utilização de smartphones pela grande maioria dos
alunos contribuem para criar imagens dos estudantes, que “escondem”, muitas vezes,
a difícil realidade econômica e social que muitos enfrentam. Uma das falas da gestora
descreve um pouco da realidade social de alguns dos alunos.
32 IBGE divulga o rendimento domiciliar per capita 2017, disponível em:
ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Renda_domiciliar_per_capita/Renda_domiciliar_per_capita_2017.pdf. 33 Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/noticias/2017/12/salario-minimo-sobe-para-r-954-a-partir-de-1-de-janeiro.
55
A gente tem alunos, aí vem o social. A gente tem alunas que quando chega em casa é que vai lavar roupa, é quem toma de conta do irmão menor, é quem vai cuidar de uma avó mais velha que tá doente. Então eles têm uma rotina extra escola muito intensa. [...] tem aluno que veio me pedir pra estudar aqui à noite, pra fazer grupo de estudos pra estudar pro Enem34 por que na casa dele não tem uma mesa, a mesa que ele tem é a mesa da cozinha que tá sempre, que funciona como armário. Então eu acho que as vezes a gente se empolga e perde essa noção social mesmo, do pé no chão da nossa comunidade. Porque a gente tá numa escola toda arrumadinha, os meninos vêm ajeitados, mas a gente tem um público muito humilde. Então a gente precisa ter uma atenção especial (Gestora escolar. Entrevista realizada em 22.03.2018).
A narrativa acima remete à “atenção especial” que se deve ter com relação
aos aspectos socioeconômicos dos estudantes da escola. Como menciona a
entrevistada, devido à escola ser “toda arrumadinha”, devido aos aspectos físicos e à
conservação das instalações, e os alunos virem “ajeitados”, ou seja, devido à maneira
que se apresentam fisicamente não é possível identificar imediatamente o contexto
de desigualdade social e as difíceis condições econômicas e sociais em que muitos
alunos vivem. Ao identificar características da realidade socioeconômica dos jovens
estudantes, percebo que aspectos extraescolares contribuem na maneira em que os
jovens vivenciam a escola e nos sentidos que a ela atribuem em suas vidas. Nesse
sentido, é importante se aproximar das “imagens reais” desses jovens. “Imagens não
mais romanceadas nem satanizadas, mas reais, chocantes, multifacetadas de
fracassos, de contravalores, de sombras, mas também de valores, de luzes e de
resistências” (ARROYO, 2011, p. 15).
De acordo com Carrano e Dayrell (2013), o esforço em conhecer os jovens
estudantes pode levar à descoberta dos jovens reais e corpóreos que habitam a
escola, o que pode afastar, em grande medida, as representações negativas ou as
abstrações sobre o “jovem ideal”. Segundo os autores,
Ocorrem sensíveis mudanças para melhor no relacionamento entre estudantes e professores quando esses vão deixando de ser vistos apenas como alunos para serem enxergados como jovens a partir de suas identidades culturais, seus gostos e valores produzidos para
34 O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), é uma prova realizada pelo Ministério da Educação
(MEC) com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica. Cerca de 500 universidades já usam o resultado do exame como critério de seleção para o ingresso no ensino superior, seja complementando ou substituindo o vestibular. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/enem-sp-2094708791. Acesso em 2 de abril de 2018.
56
além dos muros da escola. Suas corporeidades próprias e identidades assumidas e construídas nas relações sociais: são jovens homens e mulheres, negros e negras, hetero ou homossexuais, ateus ou religiosos; eles e elas são muitos e habitam nossas escolas, mesmo com a “capa da invisibilidade” das fardas e uniformes escolares (CARRANO e DAYRELL, 2013. P. 21).
Os autores propõem (CARRANO e DAYRELL, 2013; DAYRELL 2010), que
para superarmos a “capa da invisibilidade” é necessário perceber os jovens a partir
das múltiplas dimensões que compõem sua condição juvenil. Aspectos como o mundo
do trabalho, as culturas e identidades juvenis, as relações de sociabilidade, o território,
a transição para a vida adulta e os valores familiares são fatores que fazem parte da
realidade juvenil, e podem interferir na maneira com que os jovens vivenciam a escola.
Segundo os alunos que optaram em permanecer na EEMTI e estão tendo
a oportunidade de concluir o ensino médio e, consequentemente, a educação básica,
diferentes sentidos são atribuídos à escola. De acordo com os questionários, 48 dos
50 alunos responderam que gostam de estudar na escola e atribuem diversos fatores
a isso. 13 alunos mencionaram gostar de estudar na escola devido à qualidade do
ensino, dos professores, da alimentação e a sua boa infraestrutura. Outra boa parte
dos alunos, 10 estudantes, mencionaram que gostam da EEMTI, pois ela possibilita
mais horas de estudo e mais tempo para ficar com os amigos. “Gosto de estudar no
tempo integral pois dá mais horas para estudar e se relacionar e fazer mais amizades”
(Aluno 3º B).
Assim como os estudos, as “amizades” se constituem como um aspecto
importante para muitos jovens e a escola se caracteriza como um espaço significativo
por ser onde muitos laços de amizades são construídos. De acordo com Branca,
Eu tô vivendo meu tempo de juventude tentando aproveitar, agora no terceiro ano, cada segundo ao lado dos meus amigos e eu quero aproveitar o máximo deles. Estou tentando focar o máximo nos meus estudos, por que o ENEM já está em cima e eu quero proporcionar um futuro melhor tanto pra mim como para os meus pais e eu tô vivendo esse tempo pegando cada detalhe e aproveitando ao máximo por que ele tá acabando e eu não queria que acabasse (Branca, entrevista realizada em 30 de maio de 2018).
Esta estudante destaca a importância que os amigos têm para ela nesse
período de sua vida em que está cursando o terceiro ano do ensino médio. Ela afirma
que está tentando “focar” nos estudos devido à proximidade do ENEM e que quer
57
proporcionar um futuro melhor para si e para sua família. Percebo em sua fala que,
mesmo se referindo à escola e ao estudo como possibilidade de um futuro melhor, as
relações de amizades ganham centralidade em sua narrativa, aspecto que identifico
como um dos motivos pelos quais ela não quer que esse tempo de escola acabe.
De acordo ainda com as respostas obtidas nos questionários, 3 alunos
mencionam aspectos da boa qualidade do ensino e dos professores da escola, mas
enfatizam como principal motivo de gostarem de estudar na escola as possibilidades
que ela oferece para se passar no ENEM. De acordo com um desses estudantes,
gosto da escola porque oferece um excelente aprendizado, tem uma ótima refeição, professores muito bons e determinados para nos ajudar em qualquer dificuldade na educação. E além disso, vim estudar aqui no Matias Beck, por que eu quero me preparar para o ENEM, e como a escola é em tempo integral, já tenho oportunidade de ter mais conhecimento nos estudos” (Aluno 3º ano A. Entrevista realizada no dia 27 de abril).
Já quatro alunos responderam que preferem estar na escola do que em
casa. De acordo com dois desses estudantes: “me sinto melhor na escola do que em
casa e além do que a escola tem um ambiente muito agradável” (Aluno 3º A). “Eu não
fazia nada em casa. É bom estudar o dia todo, aprender várias coisas” (Aluno 3º B).
Três alunos destacaram o aspecto de se sentirem bem na EEMTI Matias Beck. De
acordo com um deles: “gosto de estudar na escola porque é onde eu me sinto bem
com os professores, com os colegas, gosto também do ensino, da maneira que sou
bem tratado” (Aluno 3º B). A escola é vista como um “ambiente muito agradável” onde
os alunos são “bem tratados”. Essa dimensão de uma boa convivência, de um bom
clima escolar, é uma característica importante atribuída a EEMTI Matias Beck.
Percebo uma diversidade de fatores que fazem com que os jovens gostem
da EEMTI Matias Beck e atribuam à escola um lugar importante em suas vidas.
Embora se discuta sobre a crise das instituições modernas (DUBET, 2007), e de
acordo com Spósito (2003), mesmo que se reconheça a perda do monopólio cultural
da escola, devido à presença de novas agências socializadoras presente na formação
e desenvolvimento das novas gerações, fruto das mutações sociais ocorridas nas
últimas décadas, a escola tem uma importância relevante e permanece no centro das
referências identitárias do mundo moderno. Nessa mesma direção, Dayrell (2010), ao
discutir o lugar da escola na vida dos jovens em relação às demais dimensões que
58
compõem a condição juvenil, afirma que “a escola perdeu o monopólio de socialização
dos jovens, mesmo continuando a ser uma referência significativa para a vivência
juvenil” (p. 78).
Dos alunos que responderam o questionário, apenas dois estudantes
disseram gostar “mais ou menos” de estudar na EEMTI Matias Beck. De acordo com
uma dessas alunas, estudar na EEMTI Matias Beck “tem o lado positivo e o lado
negativo. É bom porque aprendemos mais e ocupamos mais o tempo. Ruim, porque
acaba sendo cansativo” (aluna 3º A). Já o outro aluno menciona que gosta ““mais ou
menos, porque tem dias que fica pesado ficar o dia todo na escola, por outro lado, tem
bons professores que fazem a aula ficar bem legal” (Aluno 3º B).
A grande maioria das respostas relacionadas ao aspecto negativo do EMTI
diz respeito ao cansaço que os alunos sentem por passar todo o dia na escola. De
acordo com dezesseis alunos, o cansaço tanto durante o tempo de permanência na
escola, como após chegarem em casa, se caracteriza como o principal aspecto
negativo do EMTI. De acordo com alguns dos alunos: “você chega em casa cansado
e não dá pra fazer nada” (Aluno 3º B); “cansaço e o enfado do dia a dia” (Aluna 3º A);
“O cansaço. Ficamos sem tempo pra fazer as tarefas de casa, o tempo que temos é
no final de semana e mal podemos descansar” (Aluno, 3º A). Outro fator, mencionado
por 8 alunos, relacionado aos aspectos negativos da EEMTI, diz respeito à
impossibilidade de trabalhar.
De acordo com o depoimento de um estudante entrevistado, o tempo de
permanência na escola, a quantidade de aulas e de atividades, assim como as
possibilidades que os estudantes teriam se não estivessem na escola, estão
dificultando sua adaptação e aceitação em passar a manhã e a tarde na escola:
O problema é que a gente passa tempo demais na escola e pouco tempo em casa. Quando eu ficava em casa podia ficar de bobeira, sair com os amigos, podia trabalhar. Esse tempo todo na escola é muito cansativo, é uma carga horária de aula muito grande, muitas atividades, muito tempo ouvindo o professor e as vezes dá vontade de dormir. A turma também faz muito barulho e as vezes eu fico com dor de cabeça. Tive vontade de sair da escola esse ano, mas não saí ainda por causa da minha mãe. E eu também tenho interesse em terminar logo meus estudos pois vou ter mais oportunidades depois: trabalho, faculdade, concurso (Tio, 18 anos. 2º ano TI).
59
O relato acima manifesta o interesse do aluno em concluir os estudos e
expressa o sentido social que o jovem atribui à escola como instituição que lhe
proporcionará melhores oportunidades no futuro, embora o tempo presente nesse
espaço não esteja sendo vivido de maneira, talvez, prazerosa. Expressa, sobretudo,
o conflito que o jovem vivencia com aquilo que a escola lhe oferece em relação ao
tempo de permanência na escola e a quantidade de atividades e disciplinas. Percebo
na fala de Tio um tom de passividade, conformação e disciplinamento do corpo
(FOUCAULT, 1987), assim como uma insatisfação por estar sendo privado de
vivenciar de um tempo livre e poder fazer outras escolhas mais produtivas
(necessidade ou opção por trabalhar) ou mais prazerosas (ficar em casa, estar com
os amigos) fora do ambiente escolar.
Ao concluir a entrevista, Tio me faz uma pergunta que a dificuldade em
respondê-la sintetiza a complexidade dos significados atribuídos à escola de tempo
integral: “professor, qual o intuito da escola de tempo integral? Pois eu ouvi falar que
é pra tirar os jovens da rua” (Tio, 18 anos). Fico pensativo e procuro lhe responder
remetendo-me a Cavaliere (2002) que, ao analisar diversos projetos de escolas de
tempo integral em curso no Brasil, afirma existir pelo menos quatro concepções desse
modelo de escola: a assistencialista, visão predominante onde a escola é vista como
lugar de “atendimento” aos desprivilegiados; a autoritária, na qual se enfatiza o papel
da escola de tempo integral como lugar de prevenção ao crime, em que estar “preso”
na escola é melhor do que está na rua; a concepção democrática, que acredita que a
escola pode cumprir um papel emancipatório; e a concepção multissetorial, que
propõe que a educação em tempo integral pode ser feita fora da escola e não precisa
ser centralizada na instituição escolar (CAVALIERE, 2007).
Ao utilizar as concepções mencionadas acima, identifiquei que diferentes
sentidos são atribuídos pelos colaboradores da pesquisa em relação ao “intuito” da
escola de tempo integral, embora prevaleçam as concepções relacionadas às
“oportunidades” (concepção democrática), assim como concepções de cunho
“autoritário”35, a escola como “prevenção ao crime” e para “tirar os jovens das ruas”.
35 Utilizo o termo “política de proteção”, pois é como se reporta o governo estadual quando se refere a
“tirar o jovem da rua”.
60
Ao perguntar aos alunos se eles consideram a EEMTI uma boa proposta
de modelo educacional, quase todos responderam que sim, embora destacando
aspectos diferentes para justificar suas respostas. Apenas um aluno afirmou não
achar uma boa política, e outro ressaltou a ambiguidade da política. “Por um lado, sim
e outro não, porque na maioria das vezes os alunos precisam de trabalho para ajudar
em casa, mas também têm opções bacanas para estudar no tempo integral”
(anônima).
Todos os demais alunos acreditam que a EEMTI seja uma boa política
educacional e mencionam aspectos abordados anteriormente, como as “maiores e
melhores oportunidades de aprendizagem e tempo de estudo”, mas também atribuem
ao EMTI um aspecto positivo pelo fato de contribuir para “tirar e manter os jovens fora
das ruas” e “evitar ou prevenir o uso de drogas”, a “criminalidade” e outras “coisas
ruins” que os jovens poderiam estar fazendo caso não estivessem na escola.
Dos alunos que responderam ao questionário, quinze deles acreditam que
a EEMTI é uma boa política educacional pois proporciona mais “oportunidades”, mais
tempo de estudo e melhores condições de aprendizagem, conforme pude atestar nas
seguintes respostas que abordam esses aspectos do EMTI: “Sim, pois disponibiliza
diversas ocupações e oportunidades que a escola em tempo regular não possui”
(aluno, 3º A); “Sim, o tempo integral tenta aproveitar ao máximo o tempo do aluno com
os estudos, direcionando as pessoas a buscar e alcançar bons objetivos” (aluna, 3º
B); “Sim, pois nos dá mais chance de passar no vestibular! (aluna, 3º B); “Sim, por que
tem mais aulas, mais aprendizado” (aluno, 3º B).
Para outros dez alunos, o EMTI se caracteriza como uma boa política
educacional pois “tira os jovens da rua”. “Porque muitos alunos do tempo regular ficam
na rua, sem rumo e o tempo integral é bom por que o aluno fica o dia todo” (Euller).
“Porque tira muitos jovens das ruas e faz com que eles se tornem pessoas melhores”
(aluna 3º A);
Seis alunos acreditam que o ensino médio em tempo integral é uma boa
política educacional, pois ao mesmo tempo que oferece mais oportunidades e
melhores condições de estudo e aprendizagem, também tira os jovens da rua.
Exponho duas opiniões que exemplificam estes pontos de vista: “Sim, porque os
alunos têm mais tempo para estudar e se manter fora das ruas” (aluno, 3º B); “Sim,
61
porque, além de tirar vários jovens das ruas, o ensino de tempo integral pode oferecer
vários tipos de oportunidades” (aluno, 3º B).
Outro sentido mobilizado pelos estudantes é a ideia de que o EMTI evita
que os jovens usem drogas, se “envolvam” com a criminalidade ou façam coisas ruins.
“Sim, por que aqueles jovens que estão na droga, na rua, sem fazer nada mesmo, só
perambulando por aí, tem que ir pra uma escola de tempo integral pois lá vai conhecer
vários projetos” (aluno, 3º A); “Sim. Diminuição do índice de criminalidade e de
mortalidade de adolescentes” (aluno, 3º A). Aqui, percebo que os alunos relacionam
os jovens que não estão na escola a uma condição de “problemas sociais” (ABRAMO,
2007). De acordo com Almeida e Xavier (2004), “o fenômeno da violência é, antes,
uma representação social, criada e mantida no imaginário social como uma ação
criminosa de certos atores sociais, como os jovens e os pobres” (p. 128).
3.2 O Pacto por um Ceará Pacífico e as ações desenvolvidas na EEMTI Matias
Beck
Recentemente, verificou-se a utilização de uma nova terminologia utilizada
para designar a região na qual a EEMTI Matias Beck está localizada, qual seja,
Grande Vicente Pinzón. Essa terminologia vem sendo empregada pelos órgãos
governamentais que compõem o Pacto Ceará Pacífico que tem nessa área um dos
seus territórios de atuação. As comunidades localizadas próximas à escola se
caracterizam pela carência de equipamentos de serviços públicos básicos e por
índices relacionados à criminalidade e à violência, sobretudo no que se refere a mortes
violentas. Segundo dados do Mapa da Criminalidade e da Violência em Fortaleza
(2011), a Regional II mantém índices elevados de casos de violência, onde o bairro
Vicente Pinzón se destacou pelo aumento no número de homicídios entre os anos
2007 e 2009, sendo a maioria das vítimas homens e em idade entre 15 e 29 anos.
De acordo com o relatório do Comitê Cearense pela Prevenção de
Homicídios na Adolescência (2017) houve 13 homicídios de adolescentes no bairro
Vicente Pinzón em 2015, deixando-o entre os quatro bairros de Fortaleza onde mais
se mataram adolescentes naquele ano. Nos anos de 2014 e 2015, dois estudantes da
escola, um com 18 e o outro com 19 anos, foram assassinados próximos às suas
62
casas, em localidades próximas à escola, confirmando o cenário de violência
apresentado no relatório.
Dados apresentados no relatório indicam Fortaleza como a cidade com o
maior índice de mortes de adolescentes no Brasil. Nesse cenário de violência extrema,
direcionada sobretudo a adolescentes e jovens, o relatório apresenta que 70% dos
jovens assassinados não estudavam ou havia abandonado a escola meses antes de
perderem suas vidas. Atribui-se à escola, neste sentido, certa importância como fator
de proteção e, como verifico adiante, tanto no discurso governamental como nas falas
dos membros da comunidade escolar esta dimensão protetiva da escola permeia os
sentidos sobre sua função social.
Segundo análise situacional realizada em 2015 pelo Instituto Terre des
hommes Lausanne no Brasil (Tdh, 2017), identificou-se que nos territórios do Grande
Mucuripe36 as crianças, adolescentes e jovens são as principais vítimas de violência
nessas comunidades. Dentre as principais problemáticas identificadas, ressalto:
Mais de 50% das crianças e adolescentes não se sentem seguros(as) nas comunidades do Grande Mucuripe; 100% de crianças, adolescentes, jovens, moradores locais e profissionais de órgãos governamentais reconhecem o Grande Mucuripe como área de grande violência, com assassinatos de adolescentes ocorridos pelos conflitos entre gangues e tráfico de drogas; ausência de equipamentos lúdicos, culturais, esportivos e de profissionalização para adolescentes e jovens; e 100% das crianças reconhecem as escolas como importantes espaços para as suas vidas (Tdh, 2016. p. 11).
Este cenário expressa características sociais dessa região relacionadas à
violência e à vulnerabilidade social. A noção de vulnerabilidade está relacionada tanto
às questões socioeconômicas como civis. O aspecto socioeconômico da
vulnerabilidade
Refere-se à situação de desproteção a que vasta camadas pobres encontram- se submetidas no que concerne às garantias de trabalho, saúde, saneamento, educação e outros componentes que caracterizam os direitos sociais básicos da cidadania. (...) O outro lado, a vulnerabilidade civil, refere-se à integridade física das pessoas, ou seja, ao fato de vastos segmentos da população estarem desprotegidos da violência praticada por bandidos e pela polícia. Sua expressão máxima é o homicídio, mas também está presente nos assaltos ou roubos, espancamentos, extorsões e humilhações que
36 Terminologia adotada pelo documento ao invés de Grande Vicente Pinzón.
63
fazem parte do cotidiano das famílias de baixos rendimentos (KOWARICK, 2009, p. 19).
Com o objetivo de realizar ações de prevenção social e reduzir os índices
de criminalidade e de violência, o governo do Estado vem intervindo na região com o
Programa Pacto por um Ceará Pacífico. Devido a sua característica interinstitucional,
articulada aos demais órgãos públicos estaduais, efetivaram-se parcerias com as
escolas da Secretaria da Educação localizadas nos territórios de atuação do Pacto,
dentre eles o Bairro Vicente Pinzón, primeiro território de atuação do programa.
O Pacto por um Ceará Pacífico, instituído pelo Decreto estadual nº 31.787, de 21 de setembro de 2015, objetiva a construção da Cultura de Paz no Ceará, através da definição, da implantação, do monitoramento e da avaliação contínua de políticas públicas interinstitucionais de prevenção social e segurança pública, para a melhoria do contexto urbano, acolhimento às populações mais vulneráveis e enfrentamento à violência, com atuação articulada, integrada e compartilhada dos órgãos e entidades públicas estaduais, municipais e federais, e da sociedade civil. (Documento Ceará Pacífico em ação: matriz de acompanhamento)37.
De acordo com a publicação Ceará Pacífico em ação: matriz de
monitoramento (2017), a articulação com a SEDUC prevê cinco ações a serem
realizadas nas escolas: estruturação do Programa Nem um a Menos38,
implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, fortalecimento das
competências socioemocionais, mediação social de conflitos e garantir apoio para que
as escolas ampliem atividades de esporte e lazer.
As escolas situadas nos territórios do Ceará Pacífico comporão o grupo de escolas que serão priorizadas para passarem a ofertam o ensino médio em tempo integral. No modelo em curso, os estudantes passam nove horas por dia e podem escolher parte de suas atividades a partir um menu de eletivas ofertadas pela escola (Documento Ceará Pacífico em ação: matriz de acompanhamento. p. 61).
Um aspecto relevante detectado na pesquisa é a associação da EEMTI com
uma “política de proteção”, na medida em que se acredita que o EMTI é uma boa
37 Disponível em: http://www.ceara.gov.br/wpcontent/uploads/2017/12/CP_Livro3_Ceara%CC%81-
Paci%CC%81fico-em-Ac%CC%A7a%CC%83o.pdf. Acesso em 24 de junho de 2018. 38 Programa governamental que visa combater o evasão escolar. Disponível em: http://www.ceara.gov.br/wpcontent/uploads/2017/12/CP_Livro3_Ceara%CC%81-Paci%CC%81fico-em-Ac%CC%A7a%CC%83o.pdf. Acesso em 24 de junho de 2018.
64
política educacional pois “tira os jovens da rua”, evitando que eles se “envolvam” com
a criminalidade ou sejam vítimas dela, como demonstrarei mais adiante.
De acordo com os depoimentos interlocutores desta pesquisa, algumas
dessas ações priorizadas e desenvolvidas na escola, devido a parceria com o Ceará
Pacífico, são trazidas como fatores característicos da EEMTI Matias Beck, dentre eles:
a presença da “mediação social de conflitos” e o fortalecimento das “competências
socioemocionais”. No referido documento, o desenvolvimento de competências
socioemocionais é exemplificado pela realização, nas escolas, do componente
curricular NTPPS (Núcleo Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais), melhor detalhado
adiante, onde as escolas situadas nos territórios do Ceará Pacífico receberão
estímulos específicos para adesão a essa iniciativa. Vale ressaltar que o NTPPS já
faz parte da grade curricular da escola Matias Beck desde o ano de 2012, sendo uma
das 12 escolas que aderiu ao projeto quando lançado pela SEDUC naquele ano.
Já a mediação social de conflitos, que vem sendo desenvolvida na escola
desde 2015, é fruto da parceria com o Ceará Pacífico:
A instalação de Núcleos de Mediação Social de Conflitos se constitui a partir de ações de capacitação de professores e lideranças juvenis em prol da construção da paz nas escolas e na comunidade, mobilizando diferentes atores a se engajarem na promoção do desenvolvimento comunitário, protagonismo juvenil e cultura de paz. Tem o objetivo de promover e desenvolver estratégias de aproximação da escola com a comunidade, por meio da valorização dos saberes e experiências locais (Documento Ceará Pacífico em ação: matriz de acompanhamento. P. 62).
Não é o objetivo deste trabalho analisar, e nem tampouco avaliar esse
programa governamental, mas a menção ao Pacto por um Ceará Pacífico se justifica
pela sua importância no contexto escolar em que realizei a pesquisa, onde o referido
programa foi várias vezes mencionado pelos que fazem a comunidade escolar,
sobretudo, ao falarem da reforma na estrutura física da escola e da introdução da
mediação social de conflitos como possibilidade de mudança nas práticas
disciplinares da escola.
65
3.3 Mudanças na estrutura física da escola com o EMTI
De acordo com o professor da disciplina História, um dos entrevistados na
Escola, uma das principais dificuldades para se implementar o EMTI na escola Matias
Beck está relacionada à sua estrutura física.
A escola passou por uma reforma, mas mesmo com a reforma os recursos ainda não possibilitam tudo que uma escola em tempo integral poderia ter. Infelizmente nossa escola é muito pequena, e o seu tamanho dificulta a estruturação de uma escola de tempo integral. Há poucos espaços de lazer, o pátio que é um espaço de lazer, ele é confundido com cantina, com refeitório, então perde-se mais um espaço de lazer. A gente tem apenas uma quadra e os espaços que podem ser construídos, ainda é muito reduzido e acho que não tem como mudar isso. Tem a carência dos laboratórios, que falta chegar verba, falta chegar recurso, mas eu vejo que a adaptação da escola, dentro das possibilidades, tá bem à frente do que muitas outras escolas. Ela conseguiu se redefinir e ter uma estrutura invejável, mas para ser tempo integral ainda falta uma estrutura mais avantajada, que possibilite espaços mais amplos por que a escola de tempo integral ela tem que ter espaços de produção, espaços de construção criativa e ainda a escola não consegue pelo seu tamanho (Professor de História. Entrevista realizada em 10.05.2018).
A fala do professor se situa entre aquilo que a escola disponibiliza e aquilo
que uma escola de tempo integral “poderia ter”, ou deveria ter, como estrutura física.
O professor destaca que o espaço da escola é “pequeno”, o que “dificulta a
estruturação do tempo integral”. Segundo ele, a escola tem poucas áreas de lazer,
dispondo de apenas uma quadra e que o pátio, que deveria ser mais um espaço de
lazer, também é utilizado como refeitório. Para o professor, uma escola de tempo
integral deve ter uma estrutura “mais avantajada”, que possibilite “espaços mais
amplos”, espaços de “produção”, de “construção coletiva”, mas que, por seu tamanho,
a escola não consegue oferecer isso aos alunos. Menciona também a carência de
materiais nos laboratórios, embora reconheça que a escola possui uma estrutura
invejável e muito boa se comparada com outras EEMTIs.
Atualmente, a EEMTI Matias Beck possui uma estrutura física composta
por 10 salas de aula, pátio, biblioteca, sala de mediação, laboratório de informática,
laboratório de ciências da natureza, quadra de esportes, cozinha, banheiros feminino
e masculino, sala de professores, direção, coordenação, secretaria, estacionamento
e jardim. A escola possui equipamentos como projetores móveis, aparelhos de som,
66
TV e DVD. Com o advento do EMTI, as aulas iniciam às 7:30 da manhã e concluem
às 17 horas.
Para a diretora, a escola tem uma boa estrutura física, mas reconhece que
precisa melhorar em termos de equipamentos e ressalta também que a infraestrutura
da EEMTI Matias Beck se encontra melhor do que outras escolas, inclusive escolas
particulares e profissionalizantes.
Assim, a escola ela tem uma estrutura por causa do Ceará Pacífico, não é por conta do tempo integral. As salas serem climatizadas e tal. Eu não tenho banheiro suficiente pra todo mundo e não tenho esse espaço de descanso e eu não sei se a proposta era ter ou não. Mas eu acho que esse menino, eu não vejo a estrutura como problema, ela precisa melhorar ainda em termos de equipamentos, em termos de estrutura não. Por exemplo, acredito que a gente precisava de equipamento no laboratório de informática, mais máquinas, completar as máquinas que a gente tem, laboratório de ciências, mas em termos de estrutura é isso. A gente pega a escola profissional. Eu acho que a gente é que as vezes menospreza a necessidade do adolescente. A gente tem aluno de escola particular e de escola profissional que a estrutura é pior do que a nossa. (Diretora da escola. Entrevista realizada em 08.02.2018)
De acordo com a entrevistada, as melhorias realizadas na estrutura física
da escola são fruto da parceria com o programa governamental de segurança pública,
o Pacto por um Ceará Pacífico. Ela reconhece que a escola não oferece um número
de banheiros adequado à quantidade de alunos que passam todo o dia na escola;
também reconhece que a escola não disponibiliza um “espaço de descanso” para os
alunos, embora afirme não saber se a escola deveria ou não disponibilizar um espaço,
e um tempo, para que os alunos pudessem descansar ao longo do dia. Segundo ela,
a escola possui uma boa estrutura física e não se configura como um “problema” para
a realização do EMTI. A diretora acredite que a escola precise melhorar em relação
aos equipamentos disponíveis aos alunos, sobretudo os equipamentos dos
laboratórios de informática e ciências.
De acordo com Lima (2015), tempos e espaços se caracterizam como
categorias fundantes para se pensar a escola de tempo integral. No trabalho de
mapeamento que realizou sobre publicações que tratam da educação em tempo
integral no Brasil, a autora constatou ser difícil pensar na educação integral sem
ampliar o tempo de permanência na escola e repensar os espaços educativos. Para
ela, “o espaço físico, conforme já foi apontado, constitui um fator importante e deve
67
ser observado, modificado de acordo com as necessidades verificadas pelo aumento
de tempo de permanência na escola” (p. 64). Como exposto anteriormente pela aluna,
a quantidade e o aumento na utilização dos banheiros devido ao maior tempo de
permanência dos alunos na escola se configura como um aspecto que deve ser
repensado quanto à estrutura física da EEMTI Matias Beck. Outro aspecto importante,
também problematizado por alunos e professores, é a discussão de ter ou não um
espaço, e um tempo, para descanso dos alunos. Como exponho adiante, um dos
aspectos negativos que os estudantes atribuem ao EMTI é o “cansaço” devido ao fato
de passarem todo o dia na escola.
A professora de arte reconhece que a escola Matias Beck tem uma boa
infraestrutura, mas, afirma que pode melhorar com o advento de salas que atendam
modalidades específicas como dança, teatro, música e um espaço apropriado para
repouso. Ela traz uma informação importante para se pensar como está sendo
implementada a modalidade de EMTI em outras escolas do Estado, ao afirmar que,
na outra escola onde trabalha, o espaço físico é muito pequeno e as salas de aula não
dispõem de ar-condicionado. “Dá ‘pena’ ver os alunos o dia todo suando nas aulas e
com calor”. Esta questão foi abordada pelas análises desenvolvidas por Vidal e Vieira
(2016), ao constatarem uma distribuição desigual dos bens educacionais entre as
escolas no Ceará. De acordo com a professora entrevistada,
A realidade da Matias Beck não é a realidade de outras escolas de tempo integral, no caso o Dragão do Mar que eu trabalho também. Então lá, nós temos salas superquentes, nós temos um espaço que não é convidativo, nós temos um espaço que é violento para estudantes que ficam o dia inteiro numa escola. Então, a reforma, os benefícios que nós tivemos aqui, não foi do ensino médio em tempo integral, o governo não ajeitou, não organizou, não preparou as escolas para receber o ensino médio em tempo integral. Existem muitas dificuldades, e é desumano você colocar o estudante o dia inteiro em uma sala quente, e querer que esse estudante aprenda. Então, a gente tem que pensar que é lindo, no ideal, mas que ele não está acontecendo. Não é o nosso caso mas vizinho a gente está acontecendo isso. (Professora de arte. Grupo focal. Realizado em 15.05.2018).
Percebo, a partir da comparação que a professora estabelece entre a
escola Matias Beck e uma outra escola na qual trabalha que também oferece o EMTI,
a importância dos espaços físicos da escola é um aspecto crucial para o
desenvolvimento dos estudantes, sobretudo quando estes permanecem durante todo
68
o dia na instituição escolar. Seu relato enfatiza que, no processo de implementação
de EEMTIs, nem todas as escolas estaduais dispõem de espaços físicos adequados.
Ao analisar a estrutura física da outra escola em que trabalha, ela enfatiza que as
salas de aulas são “superquentes”, que o espaço físico não é “convidativo”, é um
espaço físico “violento”, sendo “desumano” que os alunos permaneçam todo o dia em
uma sala de aula naquelas condições. A professora destaca que a melhoria na
estrutura física da EEMTI Matias Beck é fruto da parceria da escola com o Ceará
Pacífico, e não de uma ação que foi desenvolvida necessariamente nas demais
escolas estaduais de ensino médio em tempo integral.
De acordo com as respostas dos estudantes que participaram da aplicação
do questionário, quando perguntados se gostavam de estudar na EEMTI Matias Beck,
muitos alunos responderam afirmativamente, destacando e justificado suas respostas
mencionando a qualidade do ensino, dos professores, da alimentação e a boa
infraestrutura da escola. Suas opiniões atestam avaliação positiva em relação à
estrutura física da escola e a outros aspectos como ensino e a qualidade dos
professores: “Gosto por que é uma escola que tem os melhores professores. A
estrutura da escola é boa e o ensino é espetacular” (Aluno 3º B). “A metodologia é
diferente, temos o apoio da gestão. O núcleo gestor trabalha em prol dos alunos,
diferente de muitas escolas. Ótima estrutura e excelente professores” (Aluno 3º B).
Observo que, de acordo com esses estudantes, a estrutura física da escola é um dos
aspectos que contribuem para a permanência prazerosa na escola. Com relação à
estrutura física da escola, ela foi mencionada nos questionários sempre relacionada
como um dos aspectos positivos da EEMTI Matias Beck, e não figurou entre as
respostas relacionadas aos aspectos negativos da escola.
Dentre as estratégias do Plano Nacional de Educação (PNE) para oferecer
uma educação em tempo integral, é proposto que o tempo de permanência dos
estudantes nas escolas seja igual ou superior a sete horas diárias e que haja uma
reestruturação das escolas por meio da instalação de quadras poliesportivas,
laboratórios, inclusive de informática, espaços para atividades culturais, bibliotecas,
auditórios, cozinhas, refeitórios e banheiros, estabelecendo um padrão arquitetônico
e de mobiliário adequado ao tempo integral (PNE, 2014).
69
O Plano Estadual de Educação do Ceará (PEE) tem como uma de suas
diretrizes “priorizar a instituição do ensino integral na rede educacional pública
cearense”. Entre as estratégias que deverão ser realizadas para que o Estado do
Ceará possa ofertar e implementar a educação em tempo integral, estão:
Apoiar a institucionalização do programa nacional de ampliação e reestruturação das instituições de educação infantil e escolas públicas, por meio da instalação e manutenção de quadras poliesportivas parques infantis, laboratórios, inclusive de informática e língua estrangeira. Espaços para atividades culturais, salas de aula temáticas, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banheiros e outros equipamentos (estratégia 6.2); Adequar as escolas da rede estadual e apoiar os municípios na adequação das instituições de educação infantil e das escolas, para atendimento em tempo integral (mobiliário, alimentação e arquitetura apropriados para as faixas etárias), prioritariamente em comunidades mais carentes (estratégia 6.5); (DOE, 2016. p. 6)
As narrativas relacionadas à estrutura física da escola apontam para o
reconhecimento de que a EEMTI Matias Beck possui, portanto, uma boa estrutura
física. Embora a escola possua um espaço físico pequeno, suas instalações estão em
boas condições e suas salas de aulas são todas climatizadas, ainda que precise
melhorar com relação aos equipamentos, sobretudo no que respeita aos laboratórios
de ciências e informática e à falta de materiais que atendam à proposta de aulas
diversificadas, como, por exemplo, materiais para as disciplinas eletivas de fotografia,
produção de vídeos etc.
A proposta de educação em tempo integral requer necessariamente que os
espaços físicos das escolas sejam os melhores possíveis, para que proporcione mais
qualidade às práticas pedagógicas oferecidas (salas bem equipadas que atendam
diferentes modalidades de ensino e estratégias metodológicas), assim como um
ambiente agradável, (banheiros, quadras esportivas, áreas de lazer) tendo em vista
que os alunos permanecem nove horas por dia dentro da escola.
Embora se reconheça a centralidade e importância de uma boa infraestrutura
e espaços físicos adequados para realização da educação em tempo integral, o
professor de português ressalta outros aspectos importantes para se pensar o
processo de implementação do EMTI na escola e demonstra preocupação, sobretudo,
com o que está sendo feito durante o tempo de permanência na escola durante a
jornada de tempo integral.
70
Mas, o que me preocupa mais não é a questão da estrutura física em si, é a questão do que se faz com esses alunos enquanto eles estão no ambiente escolar. Porque eles têm uma rotina, a meu ver, meio puxada, se você levar em conta que eles entram na escola as 7h30 da manhã e saem às 17h00 da tarde, sem ter muitos atrativos que não sejam as aulas convencionais. Apesar de que foram lançadas as disciplinas eletivas que deveriam contemplar uma gama de possibilidades no sentido mais cultural, mais artísticas, mais esportivas, mas a gente esbarra na questão da estrutura porque não temos salas e nem materiais, por exemplo, pra as aulas de artes. Então fica tudo muito improvisado, os professores é que fazem um jogo de cintura pra que as aulas aconteçam a contento. Mas, assim, dentro do que se espera de um processo formativo mais integral, tá muito aquém, muito a desejar. E, o que acontece é que os alunos já demonstram um certo cansaço, eu percebo muito isso, um certo desinteresse. Eles gostam de estar na escola, de estar no convívio social, mas por exemplo, de estar focado em aprender mais, em aprender outras possibilidades, outras modalidades, seja uma língua estrangeira, seja um teatro, uma dança, você percebe assim, um aluno aqui e outro ali. Mas no geral, a maioria, está aqui por que gosta de estar na escola por conta talvez desse convívio social, mas na questão da formação mesmo, da formação integral, eu não consigo perceber muito esse envolvimento não. Então a escola, por enquanto, de TI ainda como esse espaço que mantém os alunos, eu não diria presos por que é uma palavra muito pesada, mas mantém os alunos em um ambiente fechado, protegidos do que estaria acontecendo lá fora e evitando que eles contribuam para o aumento dessa violência que está acontecendo lá fora (Professor de português. Entrevista realizada em 07.11.2018).
Segundo o professor, a rotina da escola é “meio puxada” e não oferece
muitos “atrativos” para além das “aulas convencionais”. Ainda segundo sua
percepção, os estudantes gostam de permanecer na escola devido ao “convívio
social” que ela proporciona, mas que demonstram “cansaço” e “desinteresse”. Suas
palavras problematizam aspectos importantes para se pensar como está sendo
vivenciado o EMTI na escola: a realização dos tempos eletivos, o cansaço e
desinteresse por parte dos alunos, a proposta de formação integral e a questão da
escola em manter os alunos “presos”, “fechados”, protegendo-os ou impedindo-os de
contribuir com a violência que acontece fora dos muros da escola.
Essas questões trazidas pelo entrevistado também foram identificadas
pelos demais interlocutores da pesquisa como aspectos importantes relacionados à
implementação do EMTI. Sem dúvida, o aumento no tempo de permanência na escola
é uma característica central das EEMTIs, e seguindo a problemática sobre o “que se
faz com esses alunos enquanto eles estão no ambiente escolar”, identifiquei, de
acordo com as entrevistas e os questionários realizados, duas características que se
71
tornaram bastante evidentes devido ao aumento do tempo de escola: o aumento das
relações e um melhor relacionamento entre os membros da comunidade escolar
devido à realização de ações voltadas para o desenvolvimento “socioemocional” dos
alunos ; e as mudanças ocorridas no cotidiano escolar devido à realização dos tempos
eletivos na escola.
72
4. O PERÍODO DE PERMANÊNCIA NA ESCOLA: OS TEMPOS E SEUS SENTIDOS
4.1 Tempos “socioemocionais”
O aumento do tempo de permanência na escola se caracteriza como uma
dimensão fundante das EEMTIs. O tempo de permanência na escola que antes era
de quatro horas diárias se estende para nove horas, tendo início às 7 h30min
terminando às 17h00. Consequentemente, há uma maior permanência dos alunos na
escola, uma maior utilização de seus espaços e um maior tempo de convivência entre
eles e os demais membros da comunidade escolar. Como exposto ao final do capítulo
II, de acordo com o professor de Português entrevistado, a possibilidade de um maior
convívio social entre os alunos se torna uma característica importante da EEMTI. O
maior tempo de permanência na escola proporciona uma maior interação e integração
entre os alunos e entre os alunos e os professores.
Quando indaguei a Branca, estudante entrevistadas, o que de mais
importante ela aprende na EEMTI Matias Beck, ela responde: o “respeito”.
Uma coisa que eu aprendo muito aqui e que eu acho que é essencial é o respeito que você tem que ter pelo outro. Por que a gente sabe que o outro tem os seus direitos e que cada um é livre, entendeu? Isso é uma das coisas mais importante que eu aprendo aqui na escola. É uma coisa que eu priorizo muito, que eu aprendi a priorizar bastante ao longo desse tempo integral, que você precisa ter de fato o respeito pelas outras pessoas por que o mesmo direito seu é o mesmo direito do outro e o seu direito termina quando o do outro começa. Então você tem que ter aquele respeito e a empatia pelo outro. (Branca, entrevista realizada em 30 de maio de 2018).
Interessante perceber como o “respeito” ganha centralidade na fala da
estudante e se configura, dentre as demais possibilidades de aprendizado que a
escola oferece, como algo “essencial” no seu aprendizado escolar. De acordo com
alguns professores, o ambiente escolar tem se caracterizado pelo bom
relacionamento dos alunos entre si e entre os alunos e os professores. De acordo com
o professor de História, com o advento do EMTI, ficam mais visíveis as mudanças
positivas referentes à “relação emocional dos alunos”, a “relação de afetividade”, a
“parceria” com os professores, as relações de “respeito” entre os professores e os
alunos, e que as relações entre os colegas se tornaram “extremamente harmônicas”.
73
O professor enfatiza o “salto muito grande” que a escola deu com relação à “questão
socioemocional”.
O que eu percebi foi a relação emocional dos alunos, essa relação mudou bastante. Eles por estarem o tempo todo em constante contato com os professores, em constante contato com os colegas a relação de afetividade tá bem diferente. Existe uma relação de parceria com os professores, ampliou essa relação de respeito, as relações entre os colegas são extremamente harmônicas, essa questão socioemocional ela deu um salto muito grande. (Professor de história. Entrevista realizada em 10.05.2018).
Ele ressalta o aspecto socioemocional como uma característica importante
da EEMTI Matias Beck. Antes de discorrer a respeito do conceito de “competências
socioemocionais”, como e quando essa política começa a ser introduzida no campo
educacional e quais as repercussões dessa introdução, discorro sobre dois exemplos
de ações desenvolvidas relacionadas ao desenvolvimento socioemocional dos
estudantes. O professor de história afirma que, antes da implementação do tempo
integral a escola já se destacava com relação ao desenvolvimento de projetos de
música, arte, e que os componentes curriculares voltados para fortalecer o
desenvolvimento socioemocional já aconteciam na escola, como o PDT e o NTPPS.
A escola sempre esteve muito antenada com as possibilidades de projetos de trabalhar essa questão socioemocional. Nas minhas lembranças, todos esses projetos já eram ativos então não houve avanço por ser tempo integral, a escola já avançava, estava à frente de outras escolas no sentido de procurar uma educação mais funcional, mais significativa para os meninos. A escola sempre esteve voltada para uma educação significativa, então os projetos PDT, NTPPS, já estavam presentes antes mesmo do TI e essas atividades que você também citou (a mediação de conflitos), a escola já tinha esse perfil e talvez por ter esse perfil ela foi convidada a participar do TI.
Em fevereiro de 2018, a SEDUC lançou, em parceria com o Instituto Ayrton
Senna, a Política de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais,
direcionada às EEMTIs. Com o objetivo de fortalecer as competências
socioemocionais dos estudantes, a proposta é que a política faça parte do cotidiano
das 111 EEMTIs do Estado. Ao todo, são nove iniciativas que compõem o conjunto
de ações desta Política: Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS );
Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT ); Juventude em Ação; Psicólogos
Educacionais; Mediação Social e Cultura de Paz; Educação, Gênero e Sexualidade
74
na Escola; Aprendizagem Cooperativa; Comunidade de aprendizagem; Projeto de
Vida e Mundo do Trabalho.
Como mencionado acima pelo professor de História, alguns projetos que
atualmente compõem a Política de Desenvolvimento de Competências
Socioemocionais já faziam parte dos componentes curriculares da escola bem antes
do lançamento da referida política, como por exemplo: o NTPPS, o PPDT e a
Mediação Social de Conflitos.
A presença da prática de mediação de conflitos na escola, por exemplo, é
fruto da articulação entre SEDUC e o programa Ceará Pacífico. Durante dois anos, de
2015 a 2017, uma profissional da Tdh39 esteve presente na escola acompanhando e
desenvolvendo um conjunto de ações com o objetivo de instituir no ambiente escolar
os princípios e práticas da justiça restaurativa como a mediação de conflitos e os
círculos de construção de paz, que são técnicas, ou metodologias, que tanto podem
ser utilizadas para a prevenção de conflitos e violências, quanto utilizados para mediar
conflitos existentes no âmbito escolar.
De acordo com a professora de Português, “a gente tinha muitas situações
de conflito aqui na escola entre alunos e eu acho que, eu não sei se pela filosofia do
tempo integral, a gente tem um grupo muito mais harmônico e muito mais unido”
(Sofia. Grupo Focal realizado em 15.05.2018). A professora menciona que, não
sabendo se devido à “filosofia do tempo integral”, percebe o grupo mais “harmônico”
e “muito mais unido” e que com o advento do tempo integral houve uma melhora no
relacionamento e uma diminuição nas “situações de conflito” entre os alunos da
escola. O professor de Português ressalta que uma das coisas que modificou na
EEMTI foi a “dinâmica” escolar e acrescenta que a introdução da prática da mediação
de conflitos “casou” bem com a proposta de EMTI, devido ao cuidado maior que se
deve ter com os relacionamentos, pois se convive junto durante todo o dia.
A dinâmica né. O fato deles conviverem mais tempo com a escola, com os professores, com os funcionários, isso requer um cuidado maior, um olhar mais diferenciado. Associado a isso, nós temos também a questão da mediação de conflitos, que casou. Por que esse processo da mediação de conflito, da formação de mediadores, aconteceu justamente junto com a implementação do tempo integral. Então, essa forma de você sair de uma estrutura mais punitiva para
39 ONG que mantém convênio com o governo para desenvolver ações do Ceará Pacífico.
75
uma estrutura restaurativa tem ajudado a manter as coisas mais em equilíbrio e em ordem (Professor de português. Entrevista realizada em 07.11.207).
De acordo com ZEHR (2015), as práticas restaurativas se propõem a uma
mudança do paradigma disciplinar punitivo para o restaurativo, com esteio na
construção de espaços de diálogo, de corresponsabilidade na medida em que “lançam
um olhar diferenciado sobre as situações conflitivas, percebendo os conflitos como
oportunidade de transformação e de aprendizagem e ressaltando o sentimento de
pertença, de inclusão, da escuta ativa e da colaboração” (ZEHR, p. 23). Nesta mesma
direção, foi observada a perspectiva trazida pela Terre des Homme, ao definir sua
compreensão sobre a mediação de conflito e práticas restaurativas::
Práticas Restaurativas é o nome que se dá a um conjunto de metodologias de resolução positiva de conflitos, violências e atos infracionais (estes também compreendidos como violência). Têm como objetivo central a restauração. Ao lidar com os conflitos e violências, através das Práticas Restaurativas, não se tenta estabelecer culpados ou punições, mas oportunizar-lhes o entendimento sobre as motivações e necessidades que geraram os conflitos e atos violentos ou infracionais, restaurar as relações entre as pessoas neles envolvidas, seus sentimentos consigo mesma e, inclusive, reparar seu patrimônio, promovendo a segurança humana (Tdh, 203.p. 13).
Devido à importância dada para a implantação dessa perspectiva
restaurativa, sobretudo por parte da direção da escola e pelo envolvimento de alguns
professores e professoras, no início de 2016, quatro professoras e dois professores
da escola participaram de um curso de 60 horas sobre Círculos de Construção de Paz
e Mediação Escolar e, em abril de 2018, mais seis professoras, dois professores, duas
coordenadoras e o auxiliar administrativo da escola realizaram essa mesma formação.
Outra ação desenvolvida na escola foi o processo de reformulação40 do Regimento
Interno da escola e inclusão das práticas restaurativas e dos procedimentos de
prevenção e proteção à violência no contexto escolar. Dentre os princípios da escola,
constante no seu regimento, está o “enfoque restaurativo e disciplina restaurativa que
são valores fundamentais para uma convivência escolar pautada na ética, respeito,
responsabilidade e segurança para si e para o outro”. (Regimento Interno, 2017).
40 Ao término de dissertação, a reformulação do regimento ainda não havia sido concluída.
76
A diretora da EEMTI Matias Beck ressalta a importância de se trabalhar
tendo como fundamento uma perspectiva mais restaurativa, pois devido ao maior
tempo de permanência na escola e uma maior convivência entre os membros da
comunidade escolar, questões relacionadas à indisciplina e ao uso de drogas, por
exemplo, se tornam mais propícias a se manifestarem no cotidiano escolar. Segundo
ainda a diretora, as turmas que entram na escola no 1º ano do ensino médio tem que
passar por um processo de “construção” para a convivência no espaço escolar, devido
à jornada ampliada do tempo de escola.
A maior dificuldade ainda é o empoderamento. Você entender que esse espaço é seu. Que você precisa cuidar, que você precisa zelar, que você não vai ter um funcionário pra apanhar o teu prato lá da mesa e levar pro balcão da cozinha, é você que tem que ir. É essa construção diária que vai além da base comum, que vai além da eletiva, que vai além da base diversificada. É o dia a dia mesmo, dessa convivência e desse compartilhar espaços. É muito complicado, é muito complicado. A gente pegar alunos que vêm cheios de vício e manias. Vícios mesmo do uso de drogas, do álcool. Hoje mesmo foi encontrado uma garrafa de vinho, numa sala do primeiro ano, estão chegando agora no tempo integral. Então assim, a cada ano a gente vai ter o mesmo trabalho com a turma que está entrando. 3º ano eu não tenho mais esse problema, 2º ano já tá bem encaminhado. Mas a gente vai ter que ter essa construção todo ano com a turma de primeiro, todo ano. Segundo dia de aula quebraram a porta do banheiro, quem foi ninguém sabe. Segundo dia de aula, fizeram cocô no banheiro e espalharam por todas as paredes. Tinha cocô no chão, nas paredes, em todo canto. Todo dia é uma emoção, todo dia. Eu comecei a fazer até, depois se você quiser lê, comecei a fazer um diário: diário de uma prática restaurativa na escola. Por que todo dia é uma emoção... Aí tem essas questões da convivência que a gente precisa tá muito ligada sabe? Muito atenta. Realmente a gente precisa ter essa prática restaurativa, não dá pra ir pro pau com o menino o tempo todo (Diretora da Escola. Entrevista em 9 de março de 2018).
A diretora entrevistada atribui importância à utilização de uma postura
restaurativa no ambiente educacional e afirma que isso tem contribuído com um
ambiente mais harmônico e acolhedor na escola. Uma das características das práticas
restaurativas baseia-se na capacidade de “escutar o aluno”, buscando compreender
os motivos que os fazem agir de determinada maneira. Esses valores relacionados à
prática restaurativa, como a “escuta”, o “respeito”, a “responsabilização” foram
mencionados por diversos membros da comunidade escolar, algumas vezes de forma
indireta, sem mencionar ou identificar que essas características da escola estariam
relacionadas à introdução de práticas restaurativas, ou de forma direta, como o fez,
por exemplo, o vigilante da escola em uma conversa informal que tivemos, que atribuiu
77
ao projeto da mediação de conflitos na escola uma mudança para melhor no
comportamento dos alunos.
O outro exemplo é NTPPS, que também consta como uma das ações
propostas pelo Ceará Pacífico para serem desenvolvidas nas EEMTI localizadas em
seus territórios de atuação. Esse componente curricular vem sendo desenvolvido
como atividade curricular da escola desde 2012, bem antes do Ceará Pacífico.
Em 2012, 12 escolas da rede estadual que funcionavam em tempo parcial (em média 25 horas semanais) aderiram ao NTPPS como piloto para construção e aplicação de práticas educativas que têm a perspectiva de se desenvolver como elemento articulador do currículo na escola que trabalha competências socioemocionais dos alunos de forma transdisciplinar, por meio de oficinas, e articula as áreas de conhecimento de modo interdisciplinar e contextualizado, mediante projetos de pesquisa desenvolvidos pelos alunos (ALENCAR e MENDES, 2018, p. 40)
O NTPPS compõe a parte diversificada do currículo, ocupando um total de
4h/aulas por semana. Esse componente curricular, tem como eixo temático: projeto
de vida, mundo do trabalho e iniciação à pesquisa científica. A SEDUC desenvolve o
NTPPS a partir de uma parceria com o Instituto Aliança desde 2012, sendo a escola
Matias Beck uma das 12 escolas que aderiram ao projeto naquele ano. O projeto é
inspirado nos Protótipos curriculares de ensino médio e ensino médio integrado:
resumo executivo, publicado pela Representação da Unesco no Brasil (ALENCAR,
MENDES, 2018)
No Ceará, os Protótipos Curriculares do Ensino Médio propostos pela representação da Unesco no Brasil deram origem a estudos que buscaram estruturar uma proposta de Reorganização Curricular, cuja principal ação para dinamizar o currículo foi a criação do Núcleo Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS). O Núcleo surgiu mediante a necessidade de adequar a escola às demandas da juventude. A proposta pretende ser uma alternativa ao modelo de aprendizagem tradicional, que visa a estabelecer uma nova relação do estudante com a escola (PPP, 2017.p. 13).
De acordo com o PPP para as EEMTI, o NTPPS surge para atender às
“demandas da juventude”, sendo assim “uma alternativa ao modelo de aprendizagem
tradicional”. Já o referido documento da Unesco (KULLER, 2011), justifica sua
proposta curricular direcionada às “demandas da juventude” baseado na afirmativa de
que “a preparação só para os vestibulares que dão acesso à educação superior não
é um objetivo adequado para a maioria dos jovens, que não chega a esse nível de
78
ensino” (p. 05). O documento, que propõe “protótipos curriculares” que visam a
integração entre a educação geral, a educação básica para o trabalho e a educação
profissional no ensino médio, “está desenhado para garantir aprendizagens
necessárias ao desenvolvimento de conhecimentos, atitudes, valores e capacidades
básicas para o exercício de todo e qualquer tipo de trabalho” (KULLER, 2011. p. 06).
Um dos “protótipos” propostos para o currículo do ensino médio é o NTPPS.
De acordo com o site do Instituto Aliança, o NTPPS tem como objetivo
promover, em articulação com a política pública de educação do Ceará, uma reorganização curricular do ensino médio, de modo a garantir ao adolescente e ao jovem formação integrada e integral, conhecimentos e competências para a vida e para o trabalho. Visa, ainda, propiciar aos alunos do Ensino Médio regular uma experiência diferenciada de formação que possa impactar em suas vidas, tanto pelo desenvolvimento das inteligências socioemocionais, como pela preparação para o mundo do trabalho41.
O NTPPS se propõe a promover uma “reorganização curricular do ensino
médio” que garanta a adolescentes e jovens uma “formação integrada e integral”,
assim como “conhecimentos e competências para a vida e para o trabalho”, como uma
experiência que possa “impactar em suas vidas” seja através do “desenvolvimento
das inteligências socioemocionais, seja pela “preparação para o mundo do trabalho”.
Interessante perceber como valores, atitudes e comportamentos advindos do campo
econômico neoliberal podem estar sendo introduzidos nas escolas e como essas
características podem estar influenciando na formação da subjetividade dos alunos.
As análises de Sennett (1999) a respeito das mudanças produzidas no
mundo do trabalho, sobretudo a partir do advento do “capitalismo flexível”, podem
auxiliar na compreensão de como os atuais comportamentos e características
valorizados no mercado de trabalho estariam influenciando as políticas educacionais
atualmente. Para Sennett (1999), estaria ocorrendo uma significativa mudança na
ética de trabalho, na medida em que a organização do tempo de trabalho baseado na
rotina é substituída pela flexibilidade. Segundo ele,
A moderna ética de trabalho concentra-se no trabalho em equipe. Celebra a sensibilidade aos outros: ‘aptidões delicadas’, como ser bom ouvinte e cooperativo; acima de tudo, o trabalhador em equipe enfatiza
41 Site do Instituto Aliança. Disponível em: http://www.institutoalianca.org.br/projeto.html?id=16.
Acesso em 5 de abril de 2018.
79
a adaptabilidade às circunstâncias. O trabalho em equipe é a ética do trabalhador que serve a uma economia política flexível. (SENNETT, 1999. P. 118).
Nessa “moderna ética do trabalho” são valorizados aspectos atitudinais,
“aptidões delicadas”, como saber ouvir, ter bom relacionamento e disposição a
colaborar. O trabalho em equipe, por exemplo, se configura como a “ética do
trabalhador” de uma “economia política flexível”. Na entrevista realizada com uma das
alunas do 3º ano, ao perguntar o que de mais importante ela aprende na escola, ela
menciona o NTPPS, devido à possibilidade de aprendizagem de se trabalhar em
grupo que esse componente curricular proporciona. Mesmo enfatizando a dificuldade
que sente em desenvolver atividades em grupo, Iracema considera importante essa
aprendizagem devido à possibilidade de ter que desenvolver esse tipo de habilidade
no mercado de trabalho.
O NTPPS, porque é muito difícil você trabalhar em grupo, tem que trabalhar em grupo e eu não sou muito boa em trabalhar em grupo. Por que algumas pessoas conseguem, mas a maioria não consegue acompanhar meu ritmo. Eu sou o tipo de pessoa que gosto muito de mandar, entendeu? Por que a pessoa não fez isso, aí eu fico logo assim: ‘gente, pelo amor de Deus vamos fazer logo isso’. Por que eu não consigo esperar, eu quero logo fazer. Eu não gosto também por que eu estou determinada pra fazer aquela coisa e a pessoa fica se escorando, eu não gosto, eu não tenho paciência pra isso. Eu quero logo falar umas coisas pra pessoa e tirar ela do grupo. Eu não tenho paciência, eu tento, mas eu tenho muita dificuldade em trabalhar em grupo. Eu fico olhando assim e digo: ‘eu vou tentar, eu não vou me estressar com essa pessoa’. Aí se a pessoa dá uma sugestão eu tenho que respeitar, mas se eu não gostei, eu quero que fique melhor. Eu acho que o NTPPS é muito importante, por que no trabalho você vai ter que trabalhar em grupo. Aí eu tô tentando me acostumar, por que o professor fala que futuramente eu vou ter que trabalhar em grupo, aí eu digo ‘tá certo tio, eu vou tentar’. Aí eu tô tentando (Iracema. Entrevista realizada em 30 de maio de 2018).
A aluna destaca o esforço que tem feito para desenvolver nela essa
“habilidade” de “trabalhar em grupo”. Esse é um exemplo de como a realização da
proposta de desenvolvimento das competências socioemocionais operam na
subjetividade dos estudantes. O desenvolvimento de competências, ou “habilidades”,
socioemocionais, exemplificadas pelo NTPPS, está articulado com a preparação dos
jovens para o mundo do trabalho e expressa a centralidade que palavras como
“competências socioemocionais”, “flexível”, “flexibilidade” e “formação humana
integral” têm tido nas atuais políticas educacionais.
80
De acordo com Santos (2015, p. 51), “a possibilidade e urgência de fazer
com que as competências socioemocionais passassem a fazer parte dos currículos
escolares” aconteceu a partir da construção do Relatório da Unesco Educação um
Tesouro a Descobrir (DELORS, 1998). Em 2014, realizou-se na cidade de São Paulo
o Fórum Internacional de Políticas Públicas: Educar para as competências do século
21. O Fórum foi promovido pelo MEC, a OCDE e pelo Instituto Ayrton Senna. De
acordo com o então ministro da educação naquele período, as competências
socioemocionais precisariam ser incluídas nas políticas educacionais brasileiras42. A
inclusão das competências socioemocionais nas políticas públicas educacionais,
inclusive na SEDUC, vem sendo realizada em parceria com o Instituto Ayrton Senna43.
De acordo com documentos desse instituto, as competências
socioemocionais são capacidades “para se relacionar com os outros e consigo
mesmo, compreender e gerir emoções, estabelecer e atingir objetivos, tomar decisões
autônomas e responsáveis e enfrentar situações adversas de maneira criativa e
construtiva” (IAS, 2014. p. 09). Neste sentido, competências socioemocionais estão
relacionadas com aspectos como: responsabilidade, colaboração, comunicação,
criatividade, autocontrole, pensamento crítico, resolução de problemas e abertura
(IAS, 2014). As ações desenvolvidas pelo instituto,
Propõem-se ensinar os conteúdos curriculares a partir de uma matriz de competências para o século 21, flexível e customizável a diferentes modelos de escola – que combina competências cognitivas – como a resolução de problemas e o pensamento crítico – com competências socioemocionais – como a colaboração e a responsabilidade. (IAS, 2014. p. 13).
Nas propostas educacionais do Instituto Ayrton Senna, o desenvolvimento
de competências está associado à ideia de “educação integral”.
O Instituto Ayrton Senna acredita que através da educação integral podemos superar as dívidas educacionais do passado e enfrentar os desafios do século 21. Essa é uma proposta que colabora para que escolas superem o ensino tradicional de mero acúmulo de conhecimentos: esse século demanda que a educação de jovens e
42 Disponível em: http://www.educacaosec21.org.br/foruminternacional2014/wp-content/uploads/2014/01/comunicado-de-imprensa-f%C3%B3rum.pdf. Acesso em 25 de fevereiro de 2018. 43 “O Instituto Ayrton Senna é uma organização sem fins lucrativos, que nasceu em novembro de 1994, para que crianças e jovens tenham oportunidade de desenvolver seus potenciais por meio da Educação de qualidade, em todo o Brasil”. Disponível em: http://institutoayrtonsenna.org.br/pt-br/instituto.html#nossa-historia. Acesso em 25 de fevereiro de 2018.
81
crianças seja plena para que desenvolvam seus potenciais e possam fazer escolhas na vida. A aprendizagem vai além da teoria e passa a envolver tanto as competências cognitivas quanto as socioemocionais (IAS, 2014. p. 13).
O discurso a respeito das competências socioemocionais está atrelado à
ideia de “superar” o “ensino tradicional”, associado ao “mero acúmulo de conteúdos”
e fazer frente aos “desafios do século XXI”, relacionados à possibilidade de jovens e
crianças em “fazer escolhas na vida”, onde o aprendizado de competências
socioemocionais aparece como aspecto central dessa proposta educacional,
caracterizando-se como algo importante a ser apreendido, assim como as
“competências cognitivas”.
Com as alterações na LDB advindas com a “reforma” do ensino médio,
acrescenta-se, dentre outras proposições, que “os currículos do ensino médio deverão
considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para
a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos,
cognitivos e socioemocionais” (BRASIL, 2017). Na Lei 16.287, de 20 de julho de 2017,
que Institui a Política de Ensino Médio em Tempo Integral no âmbito da Rede Estadual
de Ensino do Ceará, o desenvolvimento de competências socioemocionais compõe a
proposta pedagógica das EEMTIs, que deve ofertar um “currículo flexível, com vistas
a oferecer itinerários formativos diversificados e em diálogo com os projetos de vida
de cada estudante e articulado com o desenvolvimento de competências
socioemocionais” (DOE, 2017).
Com o advento das EEMTIs, tem sido colocada como horizonte para a
educação básica a possibilidade de proporcionar uma formação integral para os
estudantes, tendo como um dos fundamentos o desenvolvimento de competências
socioemocionais, a “construção do projeto de vida” e a formação com relação os
“aspectos físicos” e “cognitivos”. De acordo com os discursos atuais a respeito da
implementação do EMTI, a possibilidade de uma formação humana integral volta a
ser almejada. Para o então secretário de educação do Ceará, Idilvan Alencar,
O sucesso na educação não é uma questão apenas de obter bom desempenho em avaliações. São as habilidades socioemocionais que têm o poder de, verdadeiramente, mudar a juventude deste país. O nosso papel, enquanto educadores, é de cada vez mais oferecer formação integral. Não me refiro, especificamente, ao tempo integral,
82
mas, à formação cidadã, que promove a cultura de paz (SITE OFICIAL DA SEDUC44).
A professora de Português ressalta o trabalho que vem sendo feito na
escola a respeito do desenvolvimento de “habilidades socioemocionais”, e acredita
que o ensino na escola tem se voltado para a “formação do cidadão”, do “ser humano”.
Sobre a formação integral, posso ressaltar que o ensino é mais humanizado, menos propedêutico, acho que esse é o termo mais adequado, voltado pra essas questões de formação do cidadão, do ser humano. Existe um trabalho pra desenvolver habilidades socioemocionais que antes não existiam, né? Tava engatinhando antes do projeto de escola de tempo integral. Então é muito interessante essa nova proposta, eu acho que de tudo o que o programa oferece isso é o que eu destaco de mais importante. Essa mudança de paradigma (Professora de Português. Grupo focal realizado em 15.05.2018).
Para ela, o EMTI volta-se para um ensino “mais humanizado” e “menos
propedêutico”, onde as “habilidades socioemocionais” se configuram como o aspecto
“mais importante” do que o programa de EEMTI “oferece”. Em suas palavras, “essa
nova proposta” aponta para uma “mudança de paradigma”.
A questão colocada, tanto pela professora como pelo então secretário de
educação, a respeito da realização de uma formação humana integral nas EEMTIs, é
alvo de diferentes e contraditórias interpretações. Embora se reconheça os benefícios
dessa política na escola, como mencionado a respeito da melhora nos
relacionamentos entre os membros da comunidade escolar e na construção de um
clima escolar mais “harmônico”, a questão da oferta de uma formação integral é algo
constantemente problematizado quando se oferece educação em tempo integral.
Embora a professora atribua uma “mudança de paradigma” na escola, esta questão
não é consenso entre os demais entrevistados e convive com outras compreensões a
respeito dos objetivos da EEMTI e do próprio ensino médio.
Para a diretora da escola, por exemplo, o ensino médio na escola tem uma
clara intencionalidade propedêutica na medida em que o EMTI tem um objetivo de
fazer com que os estudantes tenham a possibilidade de prosseguir com os estudos.
44 Disponível em: http://www.seduc.ce.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/215-noticias-
2018/12909-cidadania-tematica-ganha-destaque-na-educacao-estadual-com-lancamento-de-politica-de-desenvolvimento-de-competencias-socioemocionais. Acesso dia 25 de fevereiro de 2018.
83
Ela afirma que a definição dos conteúdos trabalhados no ensino médio deve atender
as exigências do Enem:
A base comum ela precisa mudar. Primeiro, a escola precisa saber qual é o foco dela. Em 2018 nós somos só ensino médio. Qual é a proposta do Matias Beck? É isso que eu coloquei na jornada pedagógica e todo professor do 1º, 2º e 3º tem que ter isso na cabeça. Eu vou fazer meu plano de curso pensando em quem? Qual é o conteúdo que eu vou colocar? Eu vou escolher esse conteúdo por quê? Por que eu quero que o menino se dê melhor no ENEM? Qual é o meu objetivo? Eu tenho que ter isso bem claro? Então se a gente é escola de tempo integral ensino médio, o objetivo é colocar o menino no instituto federal ou no Enem. Então o nosso planejamento vai ser baseado nisso. Pra que essa base comum tão enxertada de coisa, que no final não precisa. O que é que o Enem quer? Que o menino seja capaz de ler e interpretar, que ele tenha uma leitura crítica, que ele tenha capacidade de resolver problemas. Se a gente resgatar a matriz do Enem é a mesma proposta do tempo integral, a mesma. Esse posicionamento, esse ponto de vista crítico. Então assim, o que é que eu estou fazendo dentro da minha disciplina pra poder construir isso. Por que eu não posso esperar pelo PDT e pelo NTPPS. Isso é apoio, é a fundamentação do socioemocional. Mas tem que ser o socioemocional e o cognitivo. Eu acho que os nossos alunos são muito fortalecidos socioemocionalmente. Mas ele precisa fortalecer o cognitivo. É como se tivesse um nó aí. Tem que ajeitar. Aí eu estou muito otimista. Eu acredito que esse ano o negócio ande. (Diretora da escola. Entrevista realizada em 8 de fevereiro de 2018).
A escola vem desenvolvendo bem o aspecto do fortalecimento das
habilidades socioemocionais, entretanto, ainda não tem conseguido ter avanças
significativos com relação ao “fortalecimento cognitivo”, este, associado à capacidade
de “ler e interpretar”, de fazer uma “leitura crítica” e de “resolver problemas”. Segundo
a diretora entrevistada, é como se tivesse um nó” entre o desenvolvimento
“socioemocional” e o desenvolvimento “cognitivo”, e que deve se trabalhar no sentido
de fortalecer o desenvolvimento cognitivo dos estudantes a partir de uma mudança na
base curricular que possa está direcionada aos conteúdos, habilidades e
competências exigidas pela matriz curricular do Enem.
Essa ideia de “nó”, entre o “desenvolvimento cognitivo” e o
“desenvolvimento socioemocional” é bem representativa dos conflitos estabelecidos
entre as finalidades do ensino médio e aponta para os deslocamentos nos objetivos
que a escola deve perseguir para a formação dos estudantes na medida em que
ganha centralidade o desenvolvimento de “competências socioemocionais”.
84
De acordo com Libâneo (2012) têm-se observado contradições mal
resolvidas entre uma visão de escola assentada no conhecimento e outra, em suas
missões sociais. Para o autor, dentre uma variedade de propostas sobre as funções
da escola, torna-se explícito uma polarização que indica o dualismo da escola
brasileira em que,
Em um extremo, estaria a escola assentada no conhecimento, na aprendizagem e nas tecnologias, voltada aos filhos dos ricos, e, em outro, a escola do acolhimento social, da integração social, voltada aos pobres e dedicada, primordialmente, a missões sociais de assistência e apoio às crianças (LIBÂNEO, 2012. p. 16).
Segundo o autor, a “escola de acolhimento social” identifica-se mais como
um lugar de encontro e compartilhamento do que como espaço para o
desenvolvimento cognitivo. Segundo Libâneo (idem) a “escola para a integração
social”, a “escola como acolhimento social”, tem suas origens na Declaração Mundial
sobre Educação para Todos, de 1990 e em outros documentos produzidos com o
patrocínio do Banco Mundial, que atesta a incapacidade da “escola tradicional” e
propõe outro tipo de escola em que sejam atendidas as “necessidades básicas de
aprendizagem” da população.
Dessa forma, a política do Banco Mundial para as escolas de países pobres assume duas características pedagógicas: atendimento a necessidades mínimas de aprendizagem e espaço de convivência e acolhimento social. Com isso, produz-se, nos sistemas de ensino, o que Nóvoa (2009) chamou de transbordamento de objetivos, em que os objetivos assistenciais se sobrepõem aos objetivos de aprendizagem. Conclui-se, assim, que a escola passa a assumir as seguintes características: a) conteúdos de aprendizagem entendidos como competências e habilidades mínimas para a sobrevivência e o trabalho (como um kit de habilidades para a vida); b) avaliação do rendimento escolar por meio de indicadores de caráter quantitativo, ou seja, independentemente de processos de aprendizagem e formas de aprender; c) aprendizagem de valores e atitudes requeridos pela nova cidadania (ênfase na sociabilidade pela vivência de ideais de solidariedade e participação no cotidiano escolar) (LIBÂNEO, 2012, p. 20)
De acordo com as análises do autor, as escolas dos países pobres que
adotam a política do Banco Mundial se caracterizam como “espaço de convivência e
acolhimento social” e de “atendimento a necessidades mínimas de aprendizagem”,
onde os conteúdos de aprendizagens passam a ser vistos como “competências e
habilidades mínimas para a sobrevivência e o trabalho” e que os “objetivos
assistenciais se sobrepõem aos objetivos de aprendizagem”. Segundo ainda Libâneo,
85
o rendimento dos alunos nessas escolas passa a ser avaliado a partir de “indicadores
quantitativos” dando “ênfase” a aspectos relacionados à “sociabilidade”,
“solidariedade” e “participação” em detrimento a outros objetivos de aprendizagem.
Estas questões trazidas por Libâneo (2012) remetem ao “nó” estabelecido
entre desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento socioemocional e problematizam
a ideia mesmo de formação humana integral proposta pelas políticas educacionais.
Ao abordar a proposta de escolas de ensino médio em tempo integral e a possibilidade
de uma formação integral para os estudantes mediante ao progressivo aumento da
carga horária nessas instituições, Moll (2017) pondera que
Ampliar o tempo sob que condições? Ampliar o tempo com que objetivos? Sem a perspectiva de formação humana integral, claramente explicitada na flexibilização curricular, que retira áreas importantes do currículo obrigatório, a mera ampliação do tempo não configurará a perspectiva de escolas de tempo e formação humana integral. Alongar a régua do tempo para ampliação da jornada escolar, redimensiona-la, não muda efetivamente os resultados do processo educativo, nem tampouco garante a permanência dos estudantes nos bancos escolares (MOLL, 2017, p. 69).
A proposta de mudança curricular, priorizando a centralidade e
obrigatoriedade das disciplinas Português, Matemática e Inglês é um dos aspectos
que fazem com que seja questionada a oferta de uma “formação humana integral”. De
acordo com Moraes (2013), uma “formação humana integral”
É uma formação em que os aspectos científicos, humanísticos e culturais estejam incorporados e integrados. Assim, os conhecimentos das ciências denominadas duras e os das ciências sociais e humanas serão contemplados de forma equânime, em nível de importância e de conteúdo, visando uma formação integral de sujeitos autônomos e emancipados. Tal formação, caro professor da rede pública de educação, não pode centrar-se exclusivamente nos conteúdos voltados para o acesso ao ensino superior, quer seja o vestibular ou o ENEM, tampouco o foco pode ser a formação instrumental para o mercado de trabalho, centrado na lógica das competências para a empregabilidade (MORAES, 2013. p. 34).
Ferretti e Krawczyk (2017) ponderam que a “educação integral” proposta
pela Lei tem sido abordada de forma “totalmente aligeirada”, na medida em que
aumentar o tempo de permanência na escola não se caracteriza como a realização
de uma formação humana integral e questionam, “para quê” efetivamente essa
proposta está sendo realizada.
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A jornada escolar completa ou, como é chamada na Lei, a “educação integral” é mais um aspecto abordado de forma totalmente aligeirada, como se se tratasse exclusivamente de extensão da jornada escolar e para a qual o governo federal se dispõe a colaborar financeiramente. Mas, para quê? Para tirar o jovem da rua? Para oferecer mais do mesmo? Para abrir nichos de mercado no interior da escola pública? Ou para oferecer uma educação integral que contraria toda a postura tecnicista e regressiva que percorre a Lei? (FERRETTI e KRAWCZYK, 2017, p. 38).
As questões colocadas acima são bastante pertinentes, tendo em vista as
diversas interpretações a respeito das possibilidades do EMTI em realizar uma
formação humana integral. Embora o projeto de EEMTI seja algo “recente”, “novo”,
que ainda “está em processo”, pude identificar, por exemplo, que “tirar o jovem da rua”
tem sido um dos principais sentidos atribuídos à política educacional das EEMTI, tanto
por parte dos alunos como dos professores.
Ao questionar o professor de história a respeito da proposta educacional
da EEMTI Matias Beck, ele aponta que não está clara a concepção das EEMTIs como
um todo, que esse é um problema educacional mais amplo que diz respeito à própria
proposta educacional do ensino médio. Embora reconheça que não está claro o que
o ensino médio tem para oferecer aos jovens estudantes, o professor tem clareza de
que a “maior responsabilidade da escola é afastar os meninos da zona de risco”,
relacionando assim a proposta de ensino médio em tempo integral aos objetivos de
uma “política de proteção”, dada a vinculação da escola com o programa
governamental Pacto por um Ceará Pacífico, que tem o bairro Vicente Pinzón como
um dos seus territórios prioritários de atuação.
Eu não vejo com clareza em nenhuma escola, isso se repercute de maneira geral na educação. Por mais que a nossa escola esteja integrada em um projeto bem maior que a educação, que é o Ceará Pacífico, eu vejo que a escola ainda não tá com uma concepção do que planeja para a educação de tempo integral Matias Beck. Por que é muito difícil ver com clareza o que o ensino médio tem pra oferecer pra esses jovens, não é claro. Eu acredito que pra ninguém da educação, né? De formar trabalhadores e deixar as escolas particulares formarem os gerentes da sociedade? Então, em formar técnicos e deixar que as particulares formem engenheiros e profissionais realmente líderes? Então, eu acho que vai além das paredes da escola porque é um projeto que é construído realmente longe daqui, projeto que é construído, na minha opinião, voltado pra manter o status quo das elites e colocar o trabalhador naquela posição mesmo básica. Não vejo como a escola Matias Beck se constitui aí como fio condutor pra esse ensino médio, acho que ainda não encontramos. Lógico que a gente sabe que a nossa maior
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responsabilidade enquanto escola é afastar os meninos da zona de risco a qual eles se encontram, inclusive o Ceará Pacífico tem essa proposta, de tornar o ambiente, os bairros, a cidade mais tranquila, mais pacífica, de mais paz, tornar a vida social mais feliz. Mas ainda volto, terminar o ensino médio e o que seremos? Terminar o ensino médio com proposta de quê? Acho que o ensino médio, o ensino integral, a escola não tem esse objetivo, diferente da escola profissionalizante que é bem objetiva, que é formar para o mercado de trabalho. O ensino médio ainda não se sabe (Professor de história. Entrevista realizada em 10.05.2018).
A fala do professor problematiza os objetivos da EEMTI e enfatiza a
dimensão da “função social” que a escola desempenha. Uma das características da
EEMTI Matias Beck está relacionada a um maior e melhor “convívio social” dentro da
escola devido à presença e à importância de ações voltadas para o desenvolvimento
de competências socioemocionais que têm contribuído para a criação de um clima
escolar mais acolhedor e menos conflituoso. O professor de Português acredita que a
EEMTI tem um papel importante para a sociedade na medida em que pode contribuir
para a “redução da criminalidade”, da “drogadição”. Entretanto, o professor não
consegue “ainda” perceber como a EEMTI tem contribuído para a formação dos
estudantes e se mostra preocupado com relação à quantidade de estudantes que terá
interesse em estudar na escola caso ela não ofereça uma proposta diferenciada e
mais atrativa. Para o professor, o EMTI
pode ser positivo não pra escola em si, mas pra sociedade. Pra sociedade eu penso que pode ser positivo. Se não no sentido de possibilitar uma formação melhor pros meninos, por que eu ainda não consegui alcançar isso, mas no sentido de talvez nesse convívio mais tempo dentro da escola, se se oferecer as condições necessárias para que isso aconteça, é possível que haja uma melhor formação desses meninos e, em consequência disso, até pelo fato deles terem mais contato com a educação e menos com a rua, com o meio, aqui a gente sabe que é uma área complicada, uma área de risco, onde a gente sabe que há muitas mortes de adolescentes por conta do tráfico e etc. etc.. Então eu penso que pra comunidade, pra sociedade, a ETI pode representar uma possível saída pra essa questão da juventude. Pra redução da criminalidade, pra redução da drogadição. Agora, eu me pergunto se a escola não estiver preparada pra oferecer um diferencial, pra ser atrativa, quantos adolescentes nós vamos ter querendo está no tempo integral ainda? (Professor de português. Entrevista realizada em 07.11.2018).
Um dos “diferenciais” que as EEMTI no Ceará têm ofertado aos estudantes
para se tornar um espaço mais “atrativo” é a realização dos tempos eletivos, que se
configuram como uma proposta educacional que tem por fundamento oferecer um
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“cardápio” de opções para que os estudantes possam “escolher” o que estudar de
acordo com seus gostos e interesses.
4.2 Tempos eletivos e a “filosofia da EEMTI”
Em janeiro de 2016, a primeira Nota Técnica disponibilizada pela SEDUC
estabelece como premissa da proposta das EEMTIs que a matriz curricular dessas
escolas deve ser organizada contendo 30h/a semanais de disciplinas que compõem
o núcleo comum e 15h/a que deverão ser compostas pela parte diversificada e flexível
do currículo. O documento destaca a criação de Componentes Curriculares Eletivos
(tempos eletivos), ofertados pela escola no tempo reservado na matriz curricular para
o desenvolvimento da parte flexível do currículo. Tratam-se de 10 (dez) horas/aula
semanais, que devem ser divididas em 5 (cinco) tempos eletivos de 2h/a geminadas.
Se caracterizam como aspecto central da proposta pois se configuram como uma
novidade na organização da matriz curricular.
Os tempos eletivos diversificam o currículo e oportunizam a construção do itinerário formativo por cada aluno de acordo com seus interesses e projeto de vida. É importante que os mesmos sejam construídos considerando as manifestações dos alunos, domínio dos professores e possibilidade de parcerias com outras instituições e comunidade (Nota Técnica Nº 01. P. 03).
Os tempos eletivos fazem parte do Matriz Curricular do EMTI, sendo
ofertados em uma carga horária de 10 horas semanais, ou seja, 2h/aula diárias em
que os alunos escolhem, no início de cada semestre, as atividades eletivas que
querem cursar de acordo com as possibilidades de oferta de cada escola. A proposta
pedagógica das EEMTIs deve proporcionar um “currículo flexível” e oferecer
“itinerários formativos” diversificados que dialoguem com os “projetos de vida” e os
“interesses dos estudantes”.
Nesse sentido, os tempos eletivos representam a realização dessa
perspectiva pedagógica na escola na medida em que cada aluno tem a possibilidade
de cursar, ao longo dos três anos do ensino médio, 30 eletivas, ou seja, 5 tipos
diferentes de eletivas por semestre. Configuram os itinerários formativos
diversificados e a parte flexível do currículo das EEMTI na medida em que o estudante
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pode “escolher”, dentre as ofertas propostas em cada semestre, quais assuntos
querem estudar ou praticar, no caso das opções esportivas.
No início de 2018, foi lançado o Catálogo de Eletivas construído a partir da
reunião e seleção de tempos eletivos propostos45 por professores das escolas
estaduais ao longo desses dois anos de implantação.
Visando à padronização e ao aprimoramento das Atividades Eletivas ofertadas nas EEMTI, foi criado o Catálogo de Atividades Eletivas, cuja Versão Preliminar (2018.1), composta por 120 Atividades Eletivas, foi lançada em janeiro de 2018. O referido catálogo terá atualização semestral. Dessa forma, a partir da oferta de 2018.2, as escolas devem verificar se as eletivas a serem ofertadas já estão contempladas na versão mais atualizada do catálogo. As propostas de atividades eletivas que não estiverem contempladas pelo catálogo deverão passar por análise pela CODEA para inclusão na versão seguinte (NT nº 02/2018).
Como vimos no capítulo I, a lei de implementação da política de EEMTI no
Ceará afirma que a proposição de tempos eletivos deve ser orientada com base em
oito eixos temáticos: educação em direitos humanos; educação científica; mundo do
trabalho e formação profissional; educação ambiental e sustentabilidade;
comunicação, uso de mídias, cultura digital e tecnológica; esporte, lazer e promoção
da saúde; artes e cultura e aprofundamento de conteúdos da base comum (SEDUC.
Nota Técnica 03/2017).
O tempo eletivo na escola se configura como o momento em que os alunos
saem de sua sala de origem, dirigindo-se para outras salas ou espaços onde as aulas
eletivas acontecem, havendo uma “enturmação” com alunos de outras turmas/séries
do ensino médio que também optaram por fazer aquela mesma eletiva. As turmas
formadas para os tempos eletivos têm uma quantidade reduzida de alunos, em média
20 alunos.
Para se ter uma ideia de como funciona a base comum e os tempos
eletivos, discorro aqui alguns exemplos: o professor de língua portuguesa (disciplina
ofertada na base comum) se propôs a trabalhar com a produção de vídeos e ofertou
a disciplina do tempo eletivo Imagem em ação: produzindo vídeos na comunidade.
45 Ver anexo III: Estrutura padrão para registro de componentes eletivos para compor o catálogo de
eletivas da SEDUC.
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Outro caso emblemático: a professora de História também ofertou uma disciplina de
tempo eletivo, com o tema: Fotografia: um olhar crítico sobre o cotidiano.
Oferta de tempos eletivos da EEMTI Matias Beck no semestre 2017.1
Imagem em ação: produzindo vídeos na comunidade;
Clube de desenho (ministrado por um aluno)
História do Ceará Futsal masculino
Laboratório de redação Ler e escrever: muito prazer;
Dança (ministrada por um grupo de alunas e um aluno);
Clube de vôlei (ministrado por um aluno);
Fotografia: um olhar crítico sobre o cotidiano Juventude, Afetividade e sexualidade com foco na
gravidez;
Clube de estudo Teatro
ABC da matemática Horta e jardim
Clube futsal (ministrada por um aluno) História do Brasil: regimes ditatoriais
Clube de Astronomia Violão
Jovem cientista Texto em cena
Informática Vôlei: fundamentos e disciplina
Cine clube Clube futsal (ministrado por 2 alunas);
Audiovisual: uma prática de arte na escola Canto e interpretação
Muay Thay; Flauta;
Raciocínio lógico: jogos, enigmas e desafios;
Fonte: pesquisa direta
Os componentes curriculares eletivos também podem ser ministrados por
estudantes, nos chamados clubes estudantis. De acordo com seus talentos e
habilidades, alguns alunos se responsabilizam pelos clubes estudantis. No primeiro
semestre de 2017, alguns alunos ministraram clubes estudantis como clube de vôlei,
dança, futsal, desenho, grafite e clube de estudo. A formação e organização desses
clubes resulta da proposição dos alunos que devem apresentar um projeto abordando
o tema, os objetivos e a metodologia que pretendem utilizar para desenvolver os
estudos. O Clube estudantil
É uma organização de alunos destinada à prática do protagonismo estudantil cujos encontros acontecem em tempos eletivos e visa o aprofundamento do estudo sobre temas específicos (Clube Literário; Clube de Aprendizagem Cooperativa; Clube do Conto; Clube da História etc.), ou o desenvolvimento de atividades que geram produtos (Clube da Mobilização Cidadã para o combate ao Aedes aegypti; Clube do Jornal; Clube da Recreação dos Intervalos etc.), ou, ainda, a
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vivência e fruição das artes (Clube do Teatro; Clube do Coral; Clube da Dança etc.). O Clube pode estar vinculado a uma ou mais das seguintes finalidades: a) educacional; b) cultural; c) cívica; d) esportiva; e) social, ou outras a serem definidas pelos alunos (Seduc. Nota Técnica nº 04 de 05.02.2016).
Na entrevista que realizei com duas estudantes do 3º ano, elas
mencionaram que gostam da proposta dos tempos eletivos e que eles são importantes
sobretudo para os alunos que querem passar no ENEM. Constatei que das cinco
opções das quais os alunos podem escolher por semestre, as duas alunas do 3º ano
deram prioridade, no primeiro semestre de 2018, ao eixo temático de aprofundamento
de conteúdos da base comum e atribuem o êxito dos tempos eletivos às qualidades
e características de cada professor.
Eu gosto muito das eletivas, principalmente de redação. Eu amo aquela eletiva, eu gosto muito. Eu também gosto muito da eletiva de química, apesar de eu não ser uma grande fã de química, eu gosto muito dessa eletiva por que o professor que ministra é um ótimo professor, ele ensina muito bem. A de espanhol também acho bem interessante por que a professora sempre vem com uma coisa diferente, na aula passada foi um filme muito bom que é um dos meus filmes favoritos, que é Viva a vida é uma festa, e foi muito bom e a professora conversa com a gente e a gente rir bastante. E na terça feira tenho a eletiva de matemática que eu também gosto muito por que é uma descontração e a gente ainda faz atividades. (Branca. Entrevista realizada em 30 de maio de 2018).
Para alguns professores, os tempos eletivos se caracterizam como a
principal mudança advinda com a implementação do EMTI e manifestam entusiasmo
devido a suas características pedagógicas, como pode ser atestado nos depoimentos
a seguir:
A principal mudança foram as eletivas, alguns alunos tinham uma necessidade, e você via isso conversando com eles fora de sala de aula, de saber mais sobre outros assuntos. Vamos pegar o exemplo de astronomia, que é a eletiva que eu ministro. Essa disciplina de astronomia tinha muitos assuntos que não cabiam, necessariamente, na matéria de física em si por que a gente tem um currículo a cumprir. Então, nas eletivas eles têm maior liberdade de questionar, pedir pra explicar, pôr um filme, poder desviar do assunto de acordo onde a curiosidade dele pode levar. Então isso dá uma maior liberdade de trabalhar de uma maneira mais calma e até mais didática com os alunos por que você não está só cumprindo um roteiro, você está vendo, está sendo levado de acordo com as dúvidas deles e o que eles realmente querem ver (Professor de Física. Entrevista realizada em 05.12.2017).
92
O exemplo do professor de física, mencionado acima, expressa como é
possível desenvolver uma eletiva que seja interessante para os alunos e que também
dialogue com os interesses do professor, que pôde utilizar os conhecimentos
adquiridos em cursos realizados anteriormente, como os cursos de astronomia, que
havia realizado pelo Observatório Nacional. Segundo ele, os tempos eletivos
possibilitam ao professor “maior liberdade” e uma maior “calma”, na medida em que o
ritmo da turma se desenvolve de acordo com os interesses dos alunos.
Tempos eletivos ofertados na EEMTI Matias Beck no semestre 2017.2
ABC da matemática Empreendedorismo
Aprendizagem cooperativa 1 Interpretação para cinema e vídeo
Aprendizagem cooperativa 2 Jovens, sexo e afeto
Aprendizagem cooperativa 3 K-Pop
Clube de astronomia Farmácia viva
Futsal masculino: ação e alegria Ler e escrever, muito prazer
Informática Básica Muay Thai masculino
Jogos de Tabuleiro, cartas e tênis de mesa:
regras e aplicabilidade
Raciocínio lógico: jogos, enigmas e desafios
Música no cinema Redação nota 1000
FLACSO Teatro: corpo pulsante
Clube de estudo Preparatório Olimpíada de Química
Educação ambiental Grafite: um ensino de arte
Fotografia: um olhar crítico sobre o cotidiano Clube de leitura de crônicas de Raquel de
Queiroz
Iniciação ao francês Princípios anatômicos, nutricionais e fitness
Desenho – HQS Texto cena
Muay Thai feminino Vôlei: um esporte de fundamentos e
disciplina
Teatro: sonoridades Clube de estudo 2
Clube de estudo 1 Clube de estudo 3
Fonte: elaboração do autor
Segundo o professor de História,
O grande diferencial da escola de tempo integral são os tempos eletivos, que dá a possibilidade para o aluno escolher, de forma autônoma, o que ele quer fazer, o que ele quer cursar, o que ele quer entender. Então, os alunos têm a possibilidade de escolher por áreas
93
de afinidade e de interesse, também muitos alunos e pessoas da comunidade podem ministrar aulas eletivas e isso é muito democrático (Professor de história. Entrevista realizada em 10.05.2018).
É importante ressaltar que a possibilidade de escolha do estudante está
condicionada àquilo que os professores podem ofertar em termos de tempo eletivo.
Embora procure atender aos interesses dos alunos, o componente curricular só pode
ser realizado de acordo com as possibilidades dos professores daquela escola em
ofertar determinado conteúdo ou prática. Ou seja, embora o discurso oficial e o vídeo
publicitário das EEMTI enfatizem que os alunos poderão escolher um tempo eletivo
de “construir protótipos”, por exemplo, essa opção é totalmente condicionada à
presença na escola de um professor, tutor ou aluno que possa oferta esse tipo de
prática na escola.
Tempos eletivos ofertados na EEMTI Matias Beck no semestre 2018.1
Matemática do zero Jovem empreendedor
Aprendizagem cooperativa 1 Redação nota 1000
Aprendizagem cooperativa 2 Desenho e grafite
Aprendizagem cooperativa 3 Desenho geométrico
Introdução à astronomia Atualidades
Futsal masculino Dança
Informática Básica Vôlei para iniciantes
Jogos de tabuleiro (básico) Basquetebol
Jogos de tabuleiro (avançado) Muay Thai
Práticas laborais de química Espanhol
Matemática para Enem Sexualidade
Violão
Fonte: elaboração do autor
Os tempos eletivos foi um dos temas que mais gerou opiniões e
interpretações a respeito do processo de implementação do EMTI. Embora a proposta
de tempos eletivos tenha sido bem recebida pelos docentes e estudantes, sua
realização no dia a dia da escola tem gerado controvérsias e promovido
problematizações a respeito de assuntos relacionados à autonomia dos alunos, o
comprometimento, a maturidade para “escolher”, o “cansaço”, assim como aspectos
relacionados às avaliações escolares e a necessidade de maior “controle”. Vejamos,
a seguir, o relato de um dos professores que menciona tanto os aspectos positivos
94
dos tempos eletivos como o sentimento de frustração ocasionado pela constatação
da falta de interesse dos alunos nos componentes eletivos propostos.
O que tem de positivo é que o professor tá podendo trabalhar outras habilidades. Por exemplo, tem professores da matemática, mas que gostam de música, ou que tem habilidades musicais, ou tem habilidades com outras áreas do conhecimento e que em sala de aula, em uma aula normal, digamos assim convencional, ele não poderia utilizar. Através das eletivas eles estão podendo inovar, fazer outras questões que não estão necessariamente ligadas à disciplina dele. No meu caso, eu sou professor de português, literatura e redação. Mas, eu tive algumas experiências com teatro, com cinema, e quando a gente pensa na eletiva isso apareceu como uma possibilidade de fazer o novo, o diferencial, até prazeroso. Então foi desafiador, cada professor cria a ementa da eletiva que quer ministrar, mas, ao mesmo tempo, é pelo menos o meu caso e de alguns professores, houve uma certa frustação por que se criou uma expectativa de que os alunos iriam achar interessante ter essas disciplinas que fogem do currículo tradicional, e as aulas também são diferenciadas das aulas em sala de aula, enfim, com livro, com carteira, mas, não houve assim uma adesão, um retorno do jeito que a gente esperava que houvesse. Não houve um encantamento, digamos assim, por parte dos alunos. E aí, sinceramente até agora, ainda não consegui descobrir o que é que tá faltando. [...]Eu penso que talvez a gente precisasse ouvir esses alunos, ouvir deles o porquê desse desinteresse, desse desencantamento pelas disciplinas eletivas. Eu não sei. Por que as próprias disciplinas foram escolhidas por eles. Foi feita uma enquete inicial pra saber o quê que eles gostariam, e tal. Os professores criaram as eletivas a partir de ouvi-los. Mas seria interessante dá uma parada e fazer uma avaliação. Ouvir deles por que é que não está cumprindo (Professor de Português. Entrevista realizada em 07.11.2017).
O professor demonstra que um dos aspectos “positivos” dos tempos
eletivos é a possibilitam de “ fazer o novo”, “inovar”, trabalhar com outras habilidades
ou áreas de interesse que podem, inclusive, proporcionar “prazer”. Os tempos eletivos
é visto como “desafiador” pois os professores têm a possibilidade de “criar” uma
ementa de tempo eletivo. Por outro lodo, questiona o motivo pelo qual os alunos não
demonstram interesses em participar e frequentar as aulas que eles mesmos
escolheram. Sentindo-se “frustrado”, busca descobrir o que está faltando para que os
alunos se interessem e o motivo dessa falta de “encantamento” dos alunos pelos
tempos eletivos. Pergunto-lhe, o que estaria faltando?
Mas, o que está acontecendo: talvez pelo cansaço, talvez pela falta de motivação, nós estamos observando que as disciplinas eletivas elas não estão cumprindo com o papel que a elas é atribuído. Nós temos casos por exemplo, falar de mim especificamente, no semestre passado nós demos duas disciplinas eletivas. Os alunos se
95
inscreveram, mais ou menos 22 alunos em cada disciplina, desses 22 alunos a metade compareceu a primeira aula e dessa metade que compareceu a gente conseguiu concluir com 5 ou 3 alunos. Por quê? Aí você pode se perguntar: onde é que esses alunos foram parar? Eu tô colocando assim a minha realidade, mas que foi realidade de todas as demais eletivas, exceto as de esporte, de atividades esportivas. Mas de teatro, de dança, de cinema, de fotografia, todos os professores fizeram essa mesma colocação, que houve um esvaziamento. Os alunos eles utilizam o horário das eletivas ou pra descansar, ou pra interagir, se integrar, seja através de jogos ou alguma coisa assim, ou então pra fazer trabalhos das outras disciplinas. Por exemplo: o professor da disciplina x passou um trabalho, então no horário da eletiva eles vão se reunir pra fazer esse trabalho, e não vão pra aula eletiva. Aí a gente se pergunta também: por que que não existe um controle? Não sei! Por que também tem a chamada eletiva de tempo de estudo. Então o que é que acontece, não tem como controlar quem é que está no tempo de estudo ou quem está nas eletivas. Então você vê um monte de alunos no pátio, envolvido em alguma atividade ou conversando ou descansando, e aí quando vc vai abordá-los eles dizem que estão em tempo de estudo (Professor de português. Entrevista realizada em 07.11.2017).
De acordo com o professor, a falta de interesse ou a ausência do aluno nas
aulas eletivas, pode estar relacionada ao “cansaço” e à “falta de motivação”. Na sua
opinião os alunos escolhem não ir para aula pois preferem “descansar”, “interagir”, “se
integrar” com os demais alunos ou “fazer trabalhos de outras disciplinas”. Questiona
por que não há um “controle” maior com relação a esses alunos. Se refere à situação
de que é difícil “controlar” quais alunos estão nas eletivas e quais estão no “tempo de
estudo”. Uma das constatações relacionada aos tempos eletivos é que estava
havendo um “esvaziamento” nas salas de aulas durante as eletivas, pois os alunos
que haviam escolhido cursar determinado tempo eletivo optavam por não está
presente na aula.
Para uma das professoras, a proposta dos tempos eletivos e da EEMTI é
vista como algo “maravilhoso”, embora seja preciso ter a “consciência” de que não se
pode deixar o “adolescente no momento dele”, ou seja, por sua própria capacidade de
escolha e decisão. Por esse motivo, é necessário “ter um certo controle”, pois os
alunos não têm “responsabilidade” em relação as eletivas.
Então, é maravilhoso, é uma nova modalidade na escola, é diferenciada as aulas mas tem que ter essa consciência de que não pode deixar o aluno, o adolescente no momento dele. Não, ele tem que ter um certo controle, por que se não ele não vai ver, ele não ver ainda a eletiva como uma fonte de conhecimento, que ele tem que tá lá naquele momento por que ele escolheu aquilo, ele se comprometeu
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em fazer aquilo dentro daquele horário. Ele não entende isso, ele não tem responsabilidade em relação á eletiva. Então isso teria que partir da escola, um pouquinho, pra cobrar isso deles. (Professora de NTPPS. Grupo focal realizado em 15.05.2018).
A discussão realizada, sobretudo pelos professores e endossada na fala
dos estudantes, aborda o fato de muitos alunos não se fazerem presentes nas aulas
durante os tempos eletivos, e reivindicam que haja um “maior controle” por parte da
gestão da escola que garantisse a presença e participação desses alunos nas aulas.
A ausência dos estudantes nas aulas eletivas é justificada por algumas razões, como
a escolha dos alunos em não ir devido priorizarem outras atividades escolares, ou por
escolherem interagir com outros alunos, devido ao cansaço, a falta de interesse em
frequenta algumas aulas eletivas, a falta de “responsabilidade”, ou mesmo à ausência
de um processo avaliativo.
O professor de matemática atribui a falta de interesse de alguns alunos
pelos tempos eletivos devido à falta de um processo avaliativo nesses componentes
curriculares. Ele menciona às “eletivas” como uma grande mudança pedagógica na
escola e afirma ser “fã” desse “sistema de eletivas”, referindo-se a elas como uma
“ideia formidável” embora careça ser “melhor trabalhada” e “melhor adaptada” aos
alunos.
As eletivas têm uma ideia formidável. Eu sou fã desse sistema de eletivas, agora assim, é uma coisa que ainda precisa ser melhor trabalhada, precisa ser melhor adaptada aos alunos e os alunos precisam se adaptar as eletivas. Tem que ter alguma forma de você tá avaliando continuamente esses alunos que estão participando das eletivas, o controle é meio complicado por que mexe com o regime da escola e a escola não é totalmente de tempo integral ainda. (...). Acho que esse é um dos problemas das eletivas, por que carece de uma avaliação continuada. Não é aquela avaliação de prova, trabalho, nem nada não. É realmente uma forma de tentar ver com que tenha o aluno o interesse desde o processo que ele fez a inscrição até o último dia da eletiva. Por que esse interesse acaba indo embora em alguns casos. Talvez, exatamente, por não ter avaliação. O ser humano ele trabalha melhor quando é avaliado (Professor de matemática. Entrevista realizada em 08.11.2017)
. Nas palavras do professor, talvez pela falta de um processo avaliativo o
“interesse acaba indo embora em alguns casos”. De acordo com a Nota Técnica nº 5,
de 2016, referente às “orientações para avaliação pedagógica das Atividades
Eletivas”, orienta-se que o desempenho dos alunos seja avaliado a partir de “níveis”
de desempenho (básico, intermediário, adequado e avançado) de acordo com
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domínios de aprendizagens relacionados aos aspectos cognitivos, socioemocional e
psicomotor e ressalta-se que a “avaliação nas disciplinas eletivas não deverá interferir
na trajetória escolar, no sentido de impedir o fluxo regular, ou seja, não gera
reprovação” (NT nº 05/2016). Pelo o que pude constatar, nenhum dos professores
entrevistados desenvolvia algum tipo de avaliação nos tempos eletivos em que
ministrava.
Outra característica dos componentes curriculares eletivos é que eles não
aparecem no boletim dos alunos. Ao questionar uma das alunas quais as principais
diferenças entre os tempos eletivos e os componentes curriculares da base comum,
ela afirma que:
A presença. Os alunos claro que vão estar presentes na sua aula normal, né? Na eletiva, pra eles tanto faz, não vai ganhar ponto, não tem presença. Se você faltar sua aula, você leva uma falta, na eletiva tanto faz, não vai contar, não vai ter o peso no seu boletim. Nas eletivas, se você perder o conteúdo tanto faz para os alunos por que não tem prova, não tem nada disso (Iracema, entrevista realizada em 30 de maio de 2018)
A professora de Espanhol diz ser “fã” dos tempos eletivos, mas enfatiza
que não é fácil mudar uma cultura escolar baseada em um processo avaliativo
associado à ideia de “punição”.
Eu concordo plenamente que é um processo até por que se a gente for analisar em termos educacionais na história da educação brasileira, a gente vai ver que existe um costume dessa coisa de só fazer pra não ser punido, e o que é a punição? É um zero numa prova e, consequentemente, uma reprovação. A partir do momento em que eles sabem, não são todos obviamente, a partir de momentos que muitos sabem “ah, eu não vou ser reprovado”. As vezes muitos vem justificar a ausência por que estão fazendo uma atividade de uma outra prova, ou alguma outra coisa de uma disciplina. Então assim, eu acho que é tempo, a gente tem uma cultura sim de só fazer algumas coisas se tiver a punição. E a eletiva ela não tem. A eletiva, vou usar esse termo na falta de outro, ela é um presente, ela é uma opção pra ele. Então ele fica naquela ‘ah, eu não vou hoje não, não vai ter prova mesmo’. Infelizmente a educação brasileira ela foi embasada muito nisso, e ainda tá muito forte. Eu sou fã desse esquema de eletivas, eu acho que é maravilhoso você ter a oportunidade de você estudar coisas como grafite numa escola, eu acho isso muito bom. Não tem o laboratório perfeito, mas com o pouco que tem você que os meninos brilham os olhos pra ver isso. Eu tenho uma turma que um dos horários, o horário que é pela manhã, que eu costumo dizer que é meu melhor horário de eletivas, eu tenho no mínimo 15 a 20 alunos dentro dessa sala, sabe? Em compensação, na outra que é o horário depois do almoço, tem dias que tem menos de 10 alunos numa lista enorme.
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Então assim, gosto muito das eletivas, acho que é um tempo e o próprio tempo vai trazer essa resposta pra gente, e os alunos precisam criar essa maturidade. Eles vêm de uma cultura que ainda não tem essa autonomia deles, é muito fácil escolher, mas cumprir ainda não tá no vocabulário mental deles.” (Professora de espanhol. Grupo focal realizado em....)
De acordo com a professora, o fato de não “reprovar” estaria levando
alguns alunos a deixarem de frequentar as eletivas pois não tem a obrigação da nota,
não acarreta em uma “reprovação”. Para ela, o tempo eletivo não se caracteriza por
essa lógica da “punição”, ele seria um “presente”, fruto de uma “escolha”, digamos
livre, de estar ali. Ela acredita que será necessário que os alunos criem, com o tempo,
uma maturidade, posto que a cultura educacional baseada na “punição”, característica
muito presente na educação escolar, não proporciona a “autonomia” necessária para
que possam cumprir com as escolhas que fizeram.
Outro aspecto bastante enfatizado, que repercute na maneira em que os
tempos eletivos estão sendo vivenciados na escola, é a questão do “cansaço” e do
“sono”. Segundo professores e alunos, existem diferenças no interesse e na qualidade
das aulas dependendo do horário em que elas aconteçam, sejam na parte da manhã
ou na parte da tarde, depois do almoço. Para boa parte dos estudantes do 3º ano que
responderam ao questionário, o “cansaço” e o “sono” são considerados, assim como
o fato de não poderem trabalhar, como os principais aspectos negativos da escola em
tempo integral.
De acordo com o professor de física, “você ter uma aula logo após o almoço
ainda não é o ideal por causa daquela sonolência, do metabolismo dos alunos”. O
professor de matemática relata “que na hora do almoço, os meninos adoram tirar uma
soneca depois. “A princípio teve essa resistência, até a questão das aulas à tarde,
para alguns, as primeiras aulas da tarde são aulas em que eles ainda estão meio
sonolentos”. A professora de Português pondera a questão da “sonolência” dos alunos
enfatizando que permanecer nove horas diárias na escola é muito cansativo, inclusive
para os professores.
Realmente a gente tá exigindo muito dos alunos que fiquem alertas e bem-dispostos, durante nove períodos. Inclusive pra nós é muito difícil isso. Então, como essa é uma das grandes dificuldades da implementação do tempo integral, uma solução seria, antecipando aqui uma possível solução, aumentar esse tempo de intervalo. Realmente a escola passa a ser a segunda casa dos meninos, por
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uma sensação de pertencimento que eles passam a ter, claro, as relações ficam mais estreitas, mas também pela quantidade de tempo que eles estão aqui dentro. Inclusive alguns tomam banho aqui, eles almoçam aqui, fazem quase todas as refeições do dia aqui, a gente pode até dizer que uns, inclusive, fazem todas as refeições do aqui. Eu acho muito difícil que a gente consiga ter sucesso nessa empreitada das eletivas se a gente não conseguir conciliar esse momento mais tranquilo, esse momento de descanso, que é natural, que é fisiológico como muitos colocaram, com a questão acadêmica, de conteúdos. Já pensou, nove aulas? Não tem quem aguente, é demais. Ainda mais pra um adolescente, como nosso colega aqui bem colocou, é muita necessidade de sono, tem menino que dorme 14 horas por dia e é normal. Fica aí a dica.” (Professora de português. Grupo focal realizado em 15.05.2018).
De acordo com a professora, a situação de cansaço e sono por parte dos
adolescentes é uma das grandes dificuldades do EMTI. Ela menciona tanto o aspecto
fisiológico, no qual o adolescente teria uma maior necessidade de sono, como
reconhece que, nove aulas por dia, “não tem quem aguente, é demais”. Ela destaca
que uma possível solução seria aumentar o tempo de intervalo, e que é imprescindível
para a EEMTI poder conciliar os tempos de conteúdos com os tempos de repouso e
descanso.
A professora de educação física destaca que é necessário repensar os
tempos na EEMTI pois, segundo ela, os tempos da escola de tempo integral estão
“engessados”, assim como o modelo de educação em tempo regular. Para ela, seria
importante ter na escola um espaço para os alunos descansarem. Em suas palavras,
Outro caso também é repensar a questão dos tempos. Se tá integral aqui e essa coisa de fechar cinco aulas de manhã e quatro aulas a tarde, engessando, eu já conversei com a direção por que assim, em termos fisiológicos, adolescente ele tem uma condição de sono maior do que o adulto, do que a criança. Então ele teria que ter um espaço aqui pra realmente descansar, relaxar, dormir. E aí, por que a gente tem que começar uma e meia, né? Por que não se dá um espaço maior, tipo as aulas começarem as 14:00h? E sei lá, terminar mais tarde, não sei. A educação, de forma geral, e a integral está vindo também, engessada. Tudo nas caixinhas, aquele horário, aquela coisa fechada. Talvez seja isso que também dificulte” (Professora de educação física. Grupo focal realizado em 15.05.2018).
Esta discussão problematiza a dinâmica escolar estruturada em nove
horas/aulas ao enfatizar como se torna cansativo permanecer todo o dia na escola,
sobretudo no período da tarde, após o almoço. Como exposto acima, o “cansaço” e o
“sono” comprometem o interesse e o rendimento dos alunos, principalmente no
100
período da tarde. Com relação aos tempos eletivos, essa problemática se torna mais
evidente na medida em que os alunos optam por não estar presente nas aulas tendo
em vista os diversos motivos apontados que justificariam a ausência dos estudantes
nessas aulas.
A professora de português, reconhece que os alunos não têm o mesmo
critério para participarem dos tempos eletivos e as aulas regulares, mas destaca que
o projeto é “algo novo” e apresenta uma situação atípica para professores, alunos e
para a gestão da escola, na qual todos ainda estão se “adaptando”. Fazendo
referência a uma fala anterior, que propunha a necessidade de um “bedel” na escola
(funcionário de algumas escolas particulares que “tange” o aluno para sala de aula),
ela acredita que não seria necessário pois não faz parte da “filosofia do tempo integral”
e nem da escola. Segundo ela, é necessário trabalhar no plano da “conscientização”
e que essa situação se trata de um “processo”, de algo que “está acontecendo”.
Na verdade, eu queria fazer uma opinião a respeito das eletivas, mas já fazendo um contraponto de tudo que foi apresentado. É, de fato os alunos não têm o mesmo critério com as disciplinas eletivas como eles têm com as regulares. Mas eu quero colocar que esse projeto é muito novo, estamos em adaptação. É uma situação absolutamente atípica pra todo mundo, alunos, professores, núcleo gestor. Então a escola ainda está se adaptando a todas as mudanças e, eu nem considero que seja necessário um bedel aqui na escola por que nem é a filosofia do tempo integral e muito menos da escola, que a gente precise de um, dá um nome mais bonito, um supervisor pra essa função. Mas uma consciência, uma conscientização que vai surgir naturalmente, e claro, precisa ser incentivada, é lógico, mas eu acredito que as coisas vão pro seu lugar naturalmente. Não vai ser preciso uma quebra, uma ruptura, vamos mudar tudo aqui pra que a coisa funcione. Eu acho que são pequenos ajustes. E a gente tem que dá o desconto, eu concordo com todos que disseram que, de fato, as eletivas ainda estão meio soltas, que os alunos ainda não se sentem na obrigação de participar e, mas diante de todas as dificuldades a gente precisa entender que é um processo e que ele está acontecendo, não é uma coisa finalizada ainda” (Professora português/multimeios. Grupo focal realizado em 15.05.2018).
Analiso que as falas referentes aos interesses dos alunos pelos tempos
eletivos remetem a aspectos conflitantes entre a maneira em que estão sendo
vivenciados na escola os tempos eletivos e sua proposta fundante como novidade das
EEMTI baseada na “escolha do aluno”, na possibilidade de ter seus “interesses”
atendidos, a construção da sua almejada autonomia, a realização mesmo do
101
protagonismo estudantil e sua condição de fazer escolhas com relação a sua presença
e participação nos tempos eletivos, tempos de escolha.
De acordo com a discussão acima exposta, caberia perguntar quais as
concepções de educação que estariam proporcionando tais mudanças? Quero
retomar novamente a discussão, trazida pela professora de Português, a respeito da
“filosofia do tempo integral”, agora destacando os princípios e fundamentos da EEMTI
de acordo com o Projeto Político Pedagógico para as Escolas de Ensino Médio em
Tempo Integral. A professora faz menção à ideia de protagonismo estudantil que, de
acordo com o Projeto Político-Pedagógico (PPP) para as EEMTIs do Ceará, é uma
das três dimensões fundantes que devem estruturar a proposta pedagógica das
EEMTI, juntamente com as dimensões da escola como comunidade de aprendizagem
e a aprendizagem cooperativa como modelo pedagógico estruturante. No PPP coloca-
se que “é muito importante que a escola tenha sempre o jovem como centro do
processo educativo, estimulando-o ao protagonismo, a desenvolver a capacidade de
fazer escolhas e de encontrar formas criativas de superação” (PPP, 2017).
O Projeto Político-Pedagógico para o EMTI apresenta os pressupostos do
EMTI, define a organização da sua proposta curricular, sua concepção de modelo
pedagógico, seus princípios norteadores, as estratégias da gestão escolar e seus
processos avaliativos. Em outras palavras, contêm a “filosofia do ensino médio em
tempo integral”. “O PPP deve ser entendido como uma tomada de posição em função
de uma leitura da realidade e embasado em alguns valores e em uma concepção de
educação” (BRASIL, 2013).
Com a oferta da educação em tempo integral no ensino médio realizada
pela Secretaria da Educação, o Projeto Político Pedagógico da escola enuncia
Espera-se melhorar as condições socioeducacionais dos educandos e as condições de trabalho para os professores e para a equipe gestora, dinamizando tempos e espaços pedagógicos com vistas a potencializar o sucesso acadêmico dos alunos; ampliar o repertório cultural e artístico; propiciar vivências de práticas educativas mais significativas; proporcionar um maior desenvolvimento do raciocínio crítico e criativo, enfim; contribuir para a formação integral da juventude cearense (PPP, 2017. p. 07).
As EEMTI se propõem a contribuir com a formação integral dos jovens e
um de seus pressupostos é ofertar uma escola estruturada para as juventudes.
102
Partindo de uma concepção de que são múltiplas as dimensões sociais, históricas e
culturais que compõem e caracterizam a vida dos jovens, propõe-se uma
ressignificação da escola como ambiente que atua com as “juventudes”, justificando
assim a “necessidade em repensar o currículo escolar, considerando as
potencialidades, os direitos de aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos” (PPP,
2017. p.08).
A concepção do modelo pedagógico das EEMTI se caracteriza por
princípios como a necessidade de estruturar uma escola para todos que atenda a
diversidade de preferências e de projetos de vidas dos estudantes. O projeto
pedagógico das EEMTI deve ser estruturado a partir de três dimensões fundantes: a
escola como comunidade de aprendizagem; a aprendizagem cooperativa como
método pedagógico estruturante e o protagonismo estudantil como princípio
imperativo. De acordo com o PPP,
A escola, ao se constituir como comunidade de aprendizagem, remete ao conceito que a educação se alicerça em dois processos basilares: as interações e a participação da comunidade. Em outra dimensão, os princípios da aprendizagem cooperativa trazem para a organização pedagógica a possibilidade de desenvolvimento intelectual a partir da efetiva interação dos estudantes. Por último, é muito importante que a escola tenha sempre o jovem como centro do processo educativo, estimulando-o ao protagonismo, a desenvolver a capacidade de fazer escolhas e de encontrar formas criativas de superação (PPP, 2017. p 11).
De acordo com Masschelein e Simons (2015), a palavra “aprendizagem” se
torna o termo central a partir dos discursos de iniciativas de reformas no campo
educacional realizados por organismos internacionais como a OCDE e a Unesco.
Tendo como referência as análises de Foucault (1984), esses autores destacam que
estaria havendo um processo de descontinuidade entre o modelo de organização
escolar moderno e a maneira de vivenciar seus tempos e espaços com a organização
escolar contemporânea baseada em “ambientes de aprendizagem” e estudantes
“aprendizes”. Estaria emergindo uma nova compreensão de si “ambiental” em
detrimento de uma compreensão de si histórica. A compreensão de si ambiental indica
uma nova experiência na maneira de vivenciar o tempo e o espaço, considerando o
mundo como um ambiente de aprendizagem e a si mesmo como um aprendiz.
Esta mudança de uma compreensão de si histórica para ambiental auxilia explicar o excessivo uso da palavra ‘aprendizagem’ atualmente.
103
Aprendizagem é considerada a força fundamental ou capacidade de apropriação. Através da aprendizagem, a humanidade pode ser considerada como hábil para enfrentar os desafios de um ambiente. (...) A norma social hoje é a habilidade de se usar autonomamente a força de aprendizagem individual, determinar cuidadosamente os objetivos do indivíduo e administrar eficaz e eficientemente o processo de aprendizado. A norma é ter dedicação permanente para encontrar ou construir o próprio destino, fazer ‘planos’ e aprender (MASSCHELEIN e SIMONS, 2015. p. 342).
Há um deslocamento na maneira de compreender a si mesmo, agora como
ser autônomo, capaz de construir seu próprio “projeto de vida”. Nessa perspectiva, o
tipo de controle muda e baseia-se no governo e controle de si. “Dentro desse
ambiente, trajetórias são definidas e perseguidas seguindo o ritmo das necessidades
do próprio indivíduo (e, portanto, experimentadas como sendo dentro do autocontrole
do próprio indivíduo) ” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2015. p. 348). Nesse sentido, a
“filosofia” que fundamenta a proposta pedagógica das EEMTIs tem centralidade nas
interações entre os aprendizes, no protagonismo e autonomia dos alunos e deslocam
a necessidade de controle externo para a responsabilidade individual de cada um,
baseada no “autocontrole” e no “autodesempenho”, consoante à análise de Han:
O sujeito de desempenho pós-moderno é livre na medida que não está exposto a qualquer tipo de repressão por instâncias de domínio externas a ele. Mas na realidade ele não é livre do mesmo modo que o sujeito da obediência. Quando a repressão externa é superada surge a pressão interna (, 2017a. p. 10).
De acordo com Han (2017b), a dinâmica da atualidade baseia-se na
“sociedade do desempenho”, com características diferentes da “sociedade
disciplinar”:
A sociedade disciplinar é uma sociedade da negatividade. É determinada pela negatividade da proibição. O verbo modal negativo que a domina é o não-ter-o-direito. Também ao dever inere uma negatividade, a negatividade da coerção. A sociedade do desempenho vai se desvinculando cada vez mais da negatividade. Justamente a desregulamentação crescente vai abolindo-a. O poder ilimitado é o verbo modal positivo da sociedade do desempenho. O plural coletivo da afirmação Yes, we can46 expressa precisamente o caráter de positividade da sociedade do desempenho. No lugar de proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação (HAN 2012b, p. 24)
46 Tradução em português: Sim, nós podemos.
104
Acredito que está havendo uma mudança com relação ao que a escola
cobra como desempenho dos alunos, tanto que nos tempos eletivos já não são
realizadas avaliações, nem reprovações e nem “um maior controle externo” por parte
da gestão da escola. O desempenho dos alunos é de responsabilidade de cada um,
assim como seus níveis de interesse pelos estudos, pela escola, pelos tempos eletivos
etc. Por um lado, o desempenho do aluno é fruto de sua própria responsabilidade, de
sua própria “pressão interna”, “iniciativa” e “motivação” que expressa seu “interesse”
e “projeto de vida”, por outro, o “controle externo” é exercido sobre o desempenho dos
estudantes no que se refere aos domínios básicos de língua portuguesa e da
Matemática.
Diferentemente da escola moderna,
que funciona de acordo a normas fixadas e com especialistas observando e julgando alunos regularmente e de acordo com essas normas e padrões [.], o aprendiz em discursos contemporâneos, no entanto, não mais precisa de vigilância regular e instrução normativa por especialistas, mas necessita de feedback permanente para conhecer permanentemente sua própria posição” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2015. p. 345).
De acordo com a perspectiva dos ambientes de aprendizagens, cada
indivíduo deve ter suas necessidades de aprendizagens atendidas e o processo de
aprendizagem do indivíduo representa que o aprendiz tem uma permanente
necessidade de informações sobre seu desempenho. Uma das maneiras de cobrar e
informar sobre o desempenho dos alunos está relacionada ao desempenho dos
estudantes nas avaliações externas.
O PPP das EEMTIs enfatiza a necessidade de as escolas melhorarem o
nível de aprendizagem de seus alunos, medido pelo Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB). Destaca, nesse sentido, que com vistas a apoiar a gestão
das escolas e monitorar os indicadores de desempenho acadêmico, a SEDUC tem
uma estrutura de atendimento e acompanhamento às escolas por intermédio de
Superintendências Escolares: 20 Coordenadoria de Desenvolvimento da Educação
(Crede) e 3 Superintendência das Escolas Estaduais de Fortaleza (Sefor) compostas
por técnicos da Secretaria que desenvolvem ações visando a melhorar os indicadores
educacionais. Segundo o PPP, essas iniciativas contribuem para expansão da oferta
do ensino médio em tempo integral, na medida em que “se criou uma expertise na
105
gestão dos processos de acompanhamento às escolas, através da Superintendência
Escolar, e na instituição de uma gestão escolar voltada para resultados” (PPP, 2017,
p. 07).
Em parceria com o Instituto Unibanco, a SEDUC realiza o projeto Jovem
de Futuro que visa apoiar as escolas com foco em resultados de aprendizagem47,
baseados nos índices de desempenho educacionais medido pelas avaliações
externas como o SPAECE (Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica
do Ceará), cujo objetivo é o de medir a qualidade da educação no ensino médio
relacionada ao desempenho acadêmico dos alunos em língua portuguesa e
Matemática. A Nota Técnica Nº 3, de 2017, orienta aos gestores escolares para que,
ao detectar o estudante com alguma “deficiência”, seja em Português ou em
Matemática, o oriente que se matricule em tempos eletivos direcionados ao
aprofundamento desses conteúdos. Dessa maneira, o tempo eletivo já não cumpre
com sua lógica de atender necessariamente “os interesses dos alunos” e nem sua
possibilidade de “escolha”, e sim ter um papel de suprir as deficiências dos alunos
com relação aos conhecimentos básicos destas duas disciplinas.
Com relação à realização dos tempos eletivos na escola, outro assunto que
me chamou a atenção foi saber que um dos componentes curriculares eletivos que
vem sendo desenvolvido na escola é o Jovem empreendedor, fruto da parceria entre
a SEDUC e a empresa Junior Achievement Ceará.
Voltando ao tema das eletivas, de tudo que foi falado de entrar ou não entrar em sala, eu lembrei que eu tenho uma eletiva de empreendedorismo com a colega, são 26 alunos, e como é empreendedorismo é uma miniempresa que funciona de verdade, uma miniempresa estudantil. Sempre vai essa quantidade de menino, não existe falta, no mínimo que tem é 18. [...] Geralmente estão lá todos, por que não pode faltar. É dito que não pode faltar por que é descontado na miniempresa e eles tem esse compromisso (Professora do NTPPS. Grupo focal realizado em 15 de maio de 2018).
Não pude me aprofundar em como vem sendo desenvolvido na escola essa
proposta pedagógica de tempos eletivos voltados para o empreendedorismo, mas é
algo que deve ser melhor investigado em estudos posteriores, pois aponta para o que
47 Disponível em: http://www.seduc.ce.gov.br/index.php/component/content/article/186-projetos-e-programas/destaques/13008-escolas-superam-meta-do-ide-medio-em-2017. Acesso em 10 de maio
de 2018.
106
Sibila (2012, apud SILVA 2015) denomina de “ética empreendedora”, que se
caracteriza pela introdução de novas racionalidades e estratégias políticas colocadas
em ação na composição da agenda da escolarização do século XXI: “a autonomia, a
flexibilização, a iniciativa e a motivação, a superação e as responsabilidades
individuais” (p. 126). De acordo com Silva (2015), não são recentes os estudos que
apontam mudanças nos conhecimentos ensinados nos processos de escolarização,
relacionadas às “habilidades do século XXI”.
107
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procurei identificar as principais mudanças que aconteceram na escola
Matias Beck a partir da introdução da política de EMTI e analisar os sentidos que a
comunidade escolar atribui à essas mudanças. Desde 2016, período em que a escola
iniciou a implementação desse modelo educacional a escola tem apresentado
mudanças com relação seu aspecto físico, mas sobretudo, mudanças relacionadas
ao maior tempo de permanência na escola, maior e melhor relacionamento entre os
membros da comunidade escolar, e ás mudanças curriculares associadas à
introdução de componentes curriculares como o NTPPS e os tempos eletivos.
O maior tempo de permanência na escola implica em condições diferentes
de se vivenciar o tempo de escola. Em primeiro lugar, ele se torna um empecilho para
os estudantes que querem e precisam associar os estudos ao trabalho. Grande parte
dos estudantes que abandonaram a escola, o fizeram devido à impossibilidade de
estudar e trabalhar concomitantemente. Tendo em vista que essa política educacional
está destinada, sobretudo, aos estudantes de classes econômicas menos favorecidas,
isso se torna um problema importante quando se pretende, como política educacional,
“universalizar” o acesso ao ensino médio.
Outro aspecto relacionado ao maior tempo de permanência na escola e ao
público ao qual a política de EEMTI se destina, ou seja, jovens com baixa renda
econômica e que residem em comunidades vulneráveis socioeconomicamente e à
violência, é a associação dessa política educacional à “segurança” e à “proteção” dos
jovens. Embora reconheça a importância que a política educacional desempenha
como fator de garantia de direitos para os jovens, esta política têm uma dimensão
relacionada à “tirar os jovens da rua” e à “mantê-los longe das drogas e da
criminalidade”, o que não garante sua qualidade como política educacional que atenda
as demais demandas da condição juvenil, além de estigmatizar os jovens como
causadores dos problemas sociais e não problematizar a complexidade dos diversos
fatores relacionados à violência e à criminalidade nas sociedades atuais.
108
Uma das características da EEMTI Matias Beck é a parceria que a escola
desenvolveu com o programa Ceará Pacífico, que acarretou em uma reforma na
estrutura física e na introdução de princípios relacionados às práticas restaurativas
que têm proporcionado mudanças no aspecto relacional e disciplinar da escola. A
percepção de que a escola se caracteriza por um clima mais “harmônico”, mais
“respeitoso” e menos “conflituoso”, está relacionada à introdução da mediação de
conflitos na escola, assim como outras ações que visam fortalecer o desenvolvimento
socioemocional do estudantes como o NTPPS. Embora as consequências e
repercussões de uma política de desenvolvimento de competências socioemocionais
ainda precise ser melhor investigada, identifiquei que a introdução dessa política na
escola aponta para a vinculação das atuais políticas educacionais para o ensino médio
às exigências do mercado de trabalho da sociedade neoliberal, e evidenciam às
contradições dessas políticas que propõem uma “formação humana integral” na
medida em que são priorizadas atitudes e comportamentos que não necessariamente
implicam em um melhor desenvolvimento cognitivo dos estudantes.
Para aqueles que optaram em continuar estudando EEMTI Matias Beck, o
maior tempo de permanência no espaço escolar está sendo vivenciado de diversas
maneiras, pois os estudantes atribuem diferentes aspectos que os fazem estudar, e
gostar de estudar, na escola. Aspectos relacionados à qualidade dos professores, das
instalações da escola, à maneira com que são tratados, a maior possibilidade de
estudar e apreender e o aspecto relacional que a escola oferece, sobretudo como
espaço que proporciona o desenvolvimento de relacionamentos de amizade, são
caraterísticas positivas atribuídas ao tempo de escola. A escola é vista como um
espaço acolhedor e que proporciona bons relacionamentos entre os membros da
comunidade escolar.
Por outro lado, a permanência de 9 horas diárias na escola acarreta
também no maior “cansaço” e “sono” por parte dos estudantes, o que afeta
diretamente o interesse desses estudantes nas atividades que a escola oferece,
dentre elas, os tempos eletivos. Embora se configura como a grande mudança
pedagógica da EEMTI e seja visto como uma proposta pedagógica muito boa pelos
109
membros da comunidade escolar, os tempos eletivos têm se caracterizado pela falta
de interesse que muitos alunos têm demonstrado pelas aulas eletivas.
Reconheço que chego até aqui com mais perguntas e inquietações do que
afirmações conclusivas. Primeiramente, no decorrer do percurso, percebi que
identificar e analisar o que tinha me proposto a fazer se mostrou algo muito amplo, na
medida em que as falas coletadas com as entrevistas e os questionários traziam
diversos aspectos desse processo de implementação e mudanças na escola. Ou seja,
a delimitação do tema, proporcionou a “descoberta” de outros temas que não puderam
ser tratados com profundidade na presente dissertação de Mestrado. Por um lado,
acredito que o objetivo de “identificar” me foi muito caro a esta pesquisa, na medida
em que me trouxe a possibilidade de ver e perceber diferentes aspectos da relação
entre juventudes, escola e sociedade que não estavam postos a priori e me
proporcionou estabelecer algumas “conexões de sentido” e esboçar análises
sociológicas a respeito dos achados da pesquisa.
Entretanto, reconheço que alguns achados apontam para a necessidade
de serem melhor estudados a partir do desenvolvimento de uma pesquisa que me
proporcione aprofundar na análise de aspectos identificados com a presente pesquisa:
a relação estabelecida entre a EEMTI e uma política de “proteção”, onde prevalece a
dimensão da escola como função social que tem como objetivo “tirar os jovens da
rua”; a introdução, presença e força que a política de desenvolvimento de
competências socioemocionais tem ganhado no campo e na gramática educacionais
e as consequências desta política na formação dos estudantes; e quais os impactos
que acarretam na política educacional a presença de instituições privadas como o
Instituto Unibanco, voltada para capacitar as gestões escolares com foco no
desempenho dos alunos nos componentes curriculares de matemática e português, o
Instituto Aliança e o Instituto Ayrton Senna, voltados para introduzir as competências
socioemocionais no cotidiano escolar, e a empresa Junior Achievement Ceará,
responsável pela realização do projeto Jovem Empreendedor em escolas públicas
estaduais.
110
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adolescentes. Fortaleza, Copyright 2016.
KOWARICK, Lúcio. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil.
São Paulo: Ed. 34, 2009.
LIMA, Edilene Eva de. Movimentos de mudança curricular nas experiências de
educação integral em redes e escolas públicas de Santa Catarina/ Edilene Eva de
Lima. – Florianópolis, 2015.
MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 4º ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
MASETTO, Marcos Tarciso. Apresentação. In: Formação de professores e escola na
contemporaneidade / Marina Graziela Feldmann (organizadora). – São Paulo: Editora
Senac São Paulo, 2009.
MAURÍCIO, Lúcia Velloso. Educação integral e tempo integral. Em Aberto, Brasília, v.
22, n. 80, p. 1-165, abr. 2009.
MOLL, Jaqueline. Reformar para retardar: a lógica da mudança no EM. Revista
Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n.20, p. 61-74, jan/jun. 2017. Disponível em:
<http//www.esforce.org.br>.
PAIS, José Machado. A construção sociológica da juventude—alguns contributos.
Revista Análise Social, vol. XXV (105-106), 1990 (1.°, 2.°), 139-165.
________. Jovens e cidadania. Revista Sociologia, Problemas e Práticas. Nº 49, 2005,
P. 53-70.
SELL, Carlos Eduardo. Sociologia Clássica: Marx, Durkheim e Weber. 2. Ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
113
VELHO, Gilberto. Um antropólogo na cidade: ensaios de antropologia urbana.
Organizadores: Hermano Viana, Karina Kuschnir, Celso Castro. – Rio de Janeiro:
Zahar, 2013.
VIDAL, Eloísa Maia, e VIEIRA, Sofia Lercher. Políticas de ensino médio no Ceará:
escola, juventude e território. – Fortaleza: Editora CENPEC, 2016.
WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. São Paulo,
Ática, 2006.
________ Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília,
DF: Editora Universidade de Brasília, 1999
114
ANEXO I:
QUADRO DOS COMPONENTES CURRICULARES QUE COMPÕEM A BASE
NACIONAL COMUM
Quadro A - Base Nacional Comum
Área Componente Curricular
Carga Horária
Semanal
(Intervalo)
LINGUAGENS
Língua Portuguesa 05
Redação 01
Arte 01 02
Educação Física 01 02
Língua Estrangeira (Obrigatória) 01 02
MATEMÁTICA
Matemática I 00 06
Matemática II 00 06
CIÊNCIAS DA
NATUREZA
Biologia 02 03
Química 02 03
Física 02 03
HUMANAS
História 02 03
Geografia 02 03
Sociologia 01 02
Filosofia 01 02
Total Base Comum 30
115
ANEXO II:
COMPONETES CURRICULARES DA PARTE DIVERSIFICADA DO CURRÍCULO
Formação cidadã 01
Núcleo Trabalho
Pesquisa e
Práticas Sociais
04
Tempo Eletivo 1
02
Tempo Eletivo 2
02
Tempo Eletivo 3 02
Tempo Eletivo 4
02
Tempo Eletivo 5
02
Total Parte Flexível 15
116
ANEXO III:
ESTRUTURA PADRÃO PARA REGISTRO DE COMPONENTES ELETIVOS PARA COMPOR O CATÁLOGO DE ELETIVAS DA SEDUC
117
APÊNDICE 01
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADO – DIRETORA DA ESCOLA
1. Falar da trajetória como profissional da educação.
2. Quando iniciou o processo de implantação do Ensino Médio em Tempo Integral
(EMTI) na escola Matias Beck?
3. Como se deu esse processo?
4. Como foi sua participação nesse processo inicial?
5. Como a comunidade escolar participou desse processo?
6. Por que a escola fez parte das 26 unidades que iniciaram essa implantação em
2016?
7. Houve algum tipo de capacitação para os gestores das escolas que iniciaram a
implantação do EMTI em 2016? Há capacitações atualmente?
8. Quais os documentos da SEDUC que orientam a implantação do EMTI?
9. Quais as principais mudanças ocorreram na escola (pedagógicas, curriculares,
organizacionais, financeiras) com a implantação do EMTI)?
10. Houve mudanças no processo de avaliação da escola com o TI?
11. Como acontece os tempos eletivos? Elas têm cumprido com o papel que lhes é
atribuído?
12. Quais as principais dificuldades para se implantar o EMTI na escola?
13. Que fatores contribuíram para implantação do EMTI na escola?
14. Qual sua avaliação a respeito do EMTI na escola com relação a evasão escolar,
aprendizado e interesse dos estudantes pela escola e pelos estudos?
15. Como você avalia o envolvimento e adesão dos professores a essa política de
EMTI?
16. Como os alunos estão vivenciando o TI?
118
APÊNDICE 02
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA – PROFESSORES
1. Falar de si (Dados pessoais: nome, idade, bairro onde mora, prática religiosa,
formação acadêmica, composição familiar).
2. Trajetória como profissional da educação.
3. Como se deu o processo de implantação do Ensino Médio em Tempo Integral
(EMTI) na escola Matias Beck?
4. Como você participou desse processo?
5. Ocorreram mudanças na escola (pedagógicas, curriculares, organizacionais) com a
implantação do EMTI? Quais as principais?
6. Como essas mudanças afetam o cotidiano escolar?
7. Como você avalia os tempo eletivos? Que papel eles têm cumprido na escola?
8. Quais as principais dificuldades para se implantar o EMTI na escola?
9. Que fatores contribuíram para implantação do EMTI na escola?
10. Qual sua avaliação a respeito do EMTI na escola com relação a evasão escolar,
aprendizado e interesse dos estudantes pela escola e pelos estudos?
11. Como você avalia a política de EMTI tendo como referência sua experiência na
escola Matias Beck?
12. Você gostaria de acrescentar algo mais a respeito do EMTI na escola Matias Beck?
119
APÊNDICE 03
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTUADA – ESTUDANTES
1. Falar do contexto familiar: onde e com quem mora, escolaridade e ocupação dos pais ou responsáveis.
2. Quais as coisas mais importantes na sua vida?
3. Como você tem vivido o seu tempo de juventude?
4. O que seus pais pensam a respeito da escola de tempo integral? Como eles influenciam na sua vida escolar?
5. O que mudou na escola depois da implementação do EMTI?
6. Quais os momentos que você mais gosta durante o dia? Na escola?
7. Como é a sua rotina enquanto estudante da EEMTI Matias Beck?
8. O que de mais importante você aprende na escola?
9. Qual sua opinião a respeito dos tempos eletivos?
10. Quais os aspectos negativos de se estudar na EEMTI Matias Beck?
11. Como você avalia a política de EMTI tendo como referência sua experiência na
escola Matias Beck?
12.Você gostaria de acrescentar algo mais a respeito do EMTI na escola Matias Beck?
120
APÊNDICE 04
QUESTIONÁRIO APLICADO COM OS ESTUDANTES DOS 3ºs ANOS DA EEMTI
MATIAS BECK
Caro estudante,
Este questionário faz parte de uma pesquisa de mestrado em sociologia que tem como objetivo compreender o que os alunos do 3º ano pensam a respeito da EEMTI Matias Beck. Convido você a participar voluntariamente desse estudo respondendo as perguntas abaixo. Agradeço sua colaboração.
1. Dados pessoais:
Nome:______________________________________________________________
Idade:____ Sexo:______________________
Bairro onde mora: _____________________
2. Contexto familiar:
Com quem você mora?
___________________________________________________________________
Qual a escolaridade dos pais ou responsáveis?
______________________________________________________________________________________________________________________________________
Qual trabalho/ocupação dos pais ou responsáveis?
___________________________________________________________________
Qual sua renda familiar?
( ) 1 salário mínimo ( ) 2 salários mínimos ( ) 3 salários mínimos
( ) 4 salários mínimos ( ) 5 salários mínimos ( ) mais de 5 salários mínimos
3. Sobre a escola:
Desde que série/ano estuda na EEMTI Matias Beck?_________________________
Você gosta de estudar na Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Matias Beck?
Por quê?
_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
121
Quais os principais motivos que fazem você estudar numa EEMTI Matias Beck?
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
A EEMTI é uma boa proposta de modelo educacional? Por quê?
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Existe algum aspecto que você considere negativo em estudar na EEMTI Matias Beck?
_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Deseja acrescentar algo mais a respeito da EEMTI Matias Beck?
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
122
APÊNDICE 08
QUADRO: PRESSUPOSTOS LEGAIS REFERENTES AO ENSINO MÉDIO QUE
ABORDAM/FUNDAMENTAM A EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL A PARTIR DA LDB
DE 1996
PRESSUPOSTOS LEGAIS
ANO
DETALHAMENTO
Constituição da República
Federativa do Brasil.
1988
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB.
Lei nº 9.394.
1996
Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Inciso 1º: Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
Programa Mais Educação
Portaria Normativa Interministerial
nº 17, em de 24 de abril de 2007.
2007
Institui o Programa Mais Educação, que visa fomentar a educação
integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a
atividades socioeducativas no contraturno escolar.
FUNDEB
Lei Nº 11.494 de 20 de junho de
2007.
2007
Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –
FUNDEB (definiu que a educação em tempo integral será
incentivada com maior aporte de recursos).
Programa Brasil Profissionalizado De 12 de dezembro de 2007.
2007
Fica instituído, no âmbito do Ministério da Educação, o Programa Brasil Profissionalizado, com vistas a estimular o ensino médio integrado à educação profissional, enfatizando a educação científica e humanística, por meio da articulação entre formação geral e educação profissional no contexto dos arranjos produtivos e das vocações locais e regionais.
Emenda Constitucional
nº 59/2009 :
2009
Prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e
ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as
etapas da educação básica.
Ensino Médio Inovador
Portaria nº 971.
9 de outubro de 2009.
2009
Art. 1º. Instituir, no âmbito do Ministério da Educação, o Programa
Ensino Médio Inovador, com vistas de apoiar e fortalecer o
desenvolvimento de propostas curriculares inovadoras nas escolas
do ensino médio não profissional.
123
Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio
2012
Art. 2º. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
articulam-se com as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica e reúnem princípios, fundamentos e
procedimentos, definidos pelo Conselho Nacional de Educação,
para orientar as políticas públicas educacionais da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na elaboração,
planejamento, implementação e avaliação das propostas
curriculares das unidades escolares públicas e particulares que
oferecem o Ensino Médio.
Projeto de Lei 6.840.
(Da Comissão Especial destinada a
promover estudos e proposições
para a reformulação do ensino
médio).
2013
. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, para instituir a jornada
em tempo integral no ensino médio, dispor sobre a organização dos
currículos do ensino médio em áreas do conhecimento e dá outras
providências.
Plano Nacional de Educação
2014-
2024
Art. 1º É aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência por dez anos, a contar da publicação desta lei, na forma do anexo, com vistas ao cumprimento do disposto no art. 214 da Constituição Federal.
Medida Provisória 746 de
2016
Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências.
Lei 13.415 de 16 de fevereiro
de 2017.
2017
Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.
Portaria n° 727
2017
Estabelece novas diretrizes, novos parâmetros e critérios para o Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral
Base Nacional Comum
Curricular-BNCC / Ensino Médio