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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTROS DE HUMANIDADES E ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE ROBERTA DE CASTRO CUNHA OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS EDUCADORES SOCIAIS: RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA OU PERPETUAÇÃO DO EXISTENTE? FORTALEZA CEARÁ 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTROS DE HUMANIDADES E ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

ROBERTA DE CASTRO CUNHA

OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS EDUCADORES

SOCIAIS:

RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA OU PERPETUAÇÃO DO EXISTENTE?

FORTALEZA – CEARÁ

2012

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ROBERTA DE CASTRO CUNHA

OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS EDUCADORES

SOCIAIS:

RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA OU PERPETUAÇÃO DO EXISTENTE?

Dissertação submetida à Coordenação

do Curso de Mestrado Acadêmico em

Políticas Públicas e Sociedade, da

Universidade Estadual do Ceará, como

requisito parcial para a obtenção do

grau de mestre em Políticas Públicas e

Sociedade.

Orientadora: Profª. Drª. Rosemary de

Oliveira Almeida.

FORTALEZA – CEARÁ

2012

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Dedico esta dissertação ao meu filho Davi, que nos momentos

de sua elaboração tantas vezes ficou sem a devida atenção.

Espero que ele agora compreenda e volte a gostar de livros.

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AGRADECIMENTOS

A Deus – “quando minha força acabar e eu descobrir que por mim mesmo não dá, a fé

me fará ir além, prosseguir e o teu santo espírito virá sobre mim” – por reconstituir as

minhas forças nos momentos mais decisivos.

À Maria, mãe de Jesus e minha mãe, em todas as suas aparições, pela vigilante

intercessão e por me proteger sempre com seu manto.

Aos meus pais, Roberto Cunha e Inês de Castro, que sempre prezaram por minha

educação e por demonstrarem força e me apoiarem em todos os momentos da minha

vida.

Ao meu esposo Paulo Henrique, pelo amor, paciência e compreensão. Mesmo com

todos os ranços que possui em relação à Academia, sempre me auxiliou nos momentos

de elaboração deste trabalho e em todo o meu percurso no mestrado, seja digitando as

minhas resenhas, lendo os meus artigos, enfim. Como ele mesmo afirmava: “só tu

mesmo para me fazer ler esses autores que dizem a mesma coisa o tempo todo e em

outras palavras”.

Aos meus irmãos, Samira e Alberto; ao meu cunhado Ivan; aos meus sobrinhos Iana,

Raul, Pedro e André Luis – elos de afeto e amizade eternos.

Ao meu “filho, irmão, amigo e amante”, Francisco Garcia Lima, por nossa

cumplicidade entendida nos “olhares de paisagem”; por estar ao meu lado nos

momentos em que mais precisei de um ombro amigo; por nossos choros e nossas

grandes conquistas na coordenação das medidas socioeducativas da Funci; pelo

companheirismo, sem esquecer, é claro, dos inúmeros furos; por reviver Cazuza

comigo; por absolutamente tudo e por nossa ligação em outras vidas.

Aos meus amigos, Renata Morais, Brenda Castro, Cristiane Fernandes, Rejane Jesuino,

Nádia Cândido, Daniele Freire, Marciliano Ribeiro, Mariana Lima, Lelé Câmara, Diana

Maia, Tarciso Mesquita, Gilberto Braga, Ana Maria, Sidney Michel, Vera Fernandes,

Cecília Góis, Thatiane Maciel, Evandro Miranda, amizades de infância, juventude e

vida adulta que não se desfazem mais. Cada um sabe a importância que possui em

minha vida.

Aos companheiros do MAPPS, turma 2010, pelo apoio, pelas palavras de força e pelo

tempo perdido com meus desabafos em forma de poesia.

Às professoras Margarita e Dilneia, do Mestrado em Educação da UFMS, por

reascenderem o pensamento de Marx em minha vida acadêmica.

À melhor orientadora do mundo, Rosemary de Oliveira Almeida, por não ter me

deixado desistir, pela sua sabedoria, pela orientação valiosa e por me fazer acreditar que

mesmo pragmática posso produzir conhecimento.

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Ao professor Domingos Sávio Abreu, por ter aceitado o convite de participar da banca

examinadora e por ter fervilhado, “coçado” os meus pensamentos em relação à

Educação Social e pelas contribuições no momento da qualificação.

Ao professor Alexandre Almeida Barbalho, por ter aceitado o convite de participar da

banca examinadora, por ter me apresentado à Guattari e Rolnik e por suas contribuições

no momento da qualificação.

À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico – FUNCAP, pelo

incentivo à pesquisa. Agradeço a bolsa de estudos a mim concedida durante o primeiro

ano do mestrado.

Aos jovens educadores sociais e aos gestores da Coordenadoria-Funci, por viabilizarem

e colaborarem para a realização deste estudo.

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Construções e Desconstruções

A verdade? Sei que não existe!

Existe a verdade de Marx, de Foucault, de Bauman e Guattari

Que insistem em não impor uma verdade

O que me faz relacioná-los e seguir.

Para os marxistas uma inconsistência teórica

Aos pós-modernos produção do conhecimento complexa

E eu vou produzindo,

Construindo e Desconstruindo.

Capital, Trabalho, Poder, Normalização,

Imaginário, Consenso, Hegemonia, Educação, Políticas Públicas,

Categorias trabalhadas, exigidas,

Construídas e desconstruídas.

À exigência de produção, de avaliação,

De vida acadêmica, de dedicação,

Ao ato mais simples produzo uma relação

Que me delicio e me distancio dos considerados sãos.

Assim, construindo e desconstruindo

Estou seguindo

À beira da loucura.

Roberta de Castro Cunha

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RESUMO

Esta dissertação versa sobre a Educação Social realizada por jovens educadores que, em

suas trajetórias de vida, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de

assistência do poder público ou da sociedade civil organizada. Escolhi como locus de

realização do estudo os Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro,

da Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci, que possui em seu quadro de

funcionários este perfil de educador. Minha ideia foi buscar compreender as práticas e

sentidos que os referidos educadores sociais constroem sobre seu trabalho, considerando

a Educação Social desenvolvida no âmbito da referida instituição. A pesquisa foi

realizada na cidade de Fortaleza, durante os meses de novembro e dezembro de 2011.

Optei por uma pesquisa qualitativa, pois esta recupera a pessoa estudada em condição

de sujeito ativo na construção de sua experiência. Assim, a pesquisa apontou que o

desenvolvimento de práticas pedagógicas pautadas na Educação Social, com o simples

objetivo de controle, não é suficiente para conduzir o ser a mudanças significativas, mas

também revelou a arte-educação como ferramenta importante da Educação Social.

Mostrou, ainda, que as contratações dos jovens educadores sociais, por parte da

Coordenadoria-Funci, não se caracterizam uma política institucional. Outras

construções apontadas pela pesquisa foram a necessidade de avançar na relação teoria-

prática, para a consolidação da Educação Social nos espaços institucionais; a

necessidade de superar as disputas entre as ciências e atuações profissionais, no sentido

de unir esforços para consolidar a área e a importância dos educadores sociais

assumirem e defenderem pressupostos teóricos para subsidiarem as suas práticas

profissionais.

Palavras-chaves: Educação Social. Educadores Sociais. Sentidos.

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ABSTRACT

This dissertation versa on Education Social performed by young educators who, in their

life trajectories, belonged, on condition learners, to institutions of power assist public or

of society organized civil. I chose as locus of accomplishment the study those Programs

Crescer com Arte e Cidadania and Ponte de Encontro, of Coordenadoria da Criança e do

Adolescente-Funci, that possesses in your framework of officials this profile of

educator. My idea went to fetch understand practices and senses that the referred social

educators build about his work, considering the Education Social developed within the

aforementioned institution. The research was accomplished in city of Fortaleza, during

the months of november and december 2011. I chose a qualitative research, because it

restores the person studied in become an active subject in the construction of their

experience. Thus, the research pointed that the development of pedagogical practices

based in Education Social, with the simple control objective, is not enough to drive the

being to significant changes, but also revealed the art-education as important tool of

Education Social. Showed, still, which the signings of young people social educators,

for part of Coordenadoria-Funci, is not characterized one institutional policy. Other

constructions pointed by research were the need to advance towards the relation theory-

practice, for the consolidation of Education Social in institutional spaces; the need to

overcome the disputes between the sciences and professional performances, in the sense

of uniting efforts to consolidate the area and the importance of educators social assume

and defend theoretical presuppositions for subsidize their practices professionals.

Keywords: Social Education. Social Educators. Senses.

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LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS

ARCA – Associação Recreativa e Esportiva para Crianças e Adolescentes

CAF – Coordenadoria Administrativa Financeira

CEDECA/CE – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará

COB – Classificação Brasileira de Ocupações

COMDICA – Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

COOPEDEF – Coordenadoria de Pessoas com Deficiência

COPPIR – Coordenadoria de Políticas Públicas de Inclusão Racial

CRAS – Centro de Referência da Assistência Social

CSU – Centro Social Urbano

CSUS – Centros Sociais Urbanos

CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social

DDCA – Disque Direitos Criança e Adolescente

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

EMLURB – Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização

ESCUTA – Espaço Cultural Frei Tito de Alencar

FUNCI – Fundação da Criança e da Família Cidadã

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LA – Liberdade Assistida

LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias

LEDH – Laboratório de Direitos Humanos

LOA – Lei Orçamentária Anual

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil

ONG – Organização Não-Governamental

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ONGs – Organizações Não-Governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

OP – Orçamento Participativo

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PPA – Plano Plurianual

PPP – Projeto Político-Pedagógico

PPPs – Projetos Político-Pedagógicos

PT – Partido dos Trabalhadores

SDH – Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza

SEFIN – Secretaria de Finanças de Fortaleza

SEMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 1 – Quantitativo dos profissionais da Coordenadoria-Funci – maio de 2010 a

fevereiro de 2011.............................................................................................................29

Tabela 2 – Quantitativo dos profissionais da Coordenadoria-Funci – novembro a

dezembro de 2011............................................................................................................30

Tabela 3 – Perfil dos jovens educadores sociais..............................................................32

Tabela 4 – Atividades, habilidades, motivações e experiências dos jovens educadores

sociais..............................................................................................................................34

Tabela 5 – Percursos e sentidos da Educação Social na vida dos jovens educadores da

Coordenadoria-Funci.......................................................................................................97

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SUMÁRIO

SUMÁRIO DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS............................................................10

SUMÁRIO DE ILUSTRAÇÕES................................................................................12

INTRODUÇÃO............................................................................................................15

CAPÍTULO 1 – PERCURSOS METODOLÓGICOS: APRESENTANDO OS

JOVENS EDUCADORES SOCIAIS E OS SEUS ESPAÇOS NA EDUCAÇÃO

SOCIAL..........................................................................................................................23

1.1 A Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci: o lugar referencial da

pesquisa..........................................................................................................................23

1.2 Os programas e os sujeitos da pesquisa...................................................................28

1.3 Jovens educadores sociais: protagonistas de suas histórias e das histórias do Crescer

com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro...................................................................32

CAPÍTULO 2 – A EDUCAÇÃO SOCIAL NOS PROGRAMAS CRESCER COM

ARTE E CIDADANIA E PONTE DE ENCONTRO: INTERVENÇÕES

POSSÍVEIS....................................................................................................................40

2.1 Educação Social: passos históricos..........................................................................43

2.2 O Programa Crescer com Arte e Cidadania: a arte-educação como possibilidade de

transformação.................................................................................................................48

2.3 O Programa Ponte de Encontro: a rua como espaço de intervenção.......................57

2.4 A Educação Social no âmbito dos programas: o “carro chefe” da Coordenadoria-

Funci..............................................................................................................................61

CAPÍTULO 3 – FAZER PROFISSIONAL, PROFISSIONALIZAÇÃO E

CONDIÇÕES DE TRABALHO DO JOVEM EDUCADOR SOCIAL NA

COORDENADORIA-FUNCI.....................................................................................67

3.1 Imagens e representações do trabalho social para os jovens educadores da

Coordenadoria-Funci: missões vocacional-religiosa, técnico-profissional e de

militância-política............................................................................................................67

3.2 Percepções dos jovens educadores sociais e dos gestores sobre o processo de

contratação na Coordenadoria-Funci: o fazer profissional, a profissionalização e as

condições de trabalho......................................................................................................71

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CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO SOCIAL PARA OS JOVENS EDUCADORES

SOCIAIS DA COORDENADORIA-FUNCI: UM CONCEITO EM

CONSTRUÇÃO E POSSIBILIDADES DE RESSIGNIFICAÇÃO DE

VIDA...............................................................................................................................84

4.1 Diálogos e especificidades de educadores sociais: o desafio de teorização da prática

profissional......................................................................................................................86

4.2 O campo de atuação: afirmação da tendência crítico-social......................................94

4.3 A trajetória de vida dos jovens educadores sociais e os sentidos construídos em

torno da Educação Social: ressignificação ou perpetuação do existente?.......................95

CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS “ACHADOS” CONSTRUÍDOS E

DESCONSTRUÍDOS DA PESQUISA......................................................................109

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................115

ANEXOS.......................................................................................................................119

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INTRODUÇÃO

No ano de 2005, arriscando uma suposta estabilidade por estar trabalhando

em um órgão do Governo do Estado do Ceará, ainda que vinculada a uma empresa de

terceirização, assumi o risco e o desafio de fazer parte da então nova gestão de

Fortaleza1

que, por sua vez, tinha a tarefa de municipalizar o atendimento da medida

socioeducativa de Liberdade Assistida2 (LA), assumindo não só a responsabilidade de

pensar como seria o atendimento/acompanhamento de adolescentes em cumprimento

dessa medida, mas a responsabilidade de propor uma política pública para esse

contingente populacional.

Assim, aceitei o convite para trabalhar na Fundação da Criança e da Família

Cidadã (Funci), como coordenadora das medidas socioeducativas em meio aberto.

Àquela época, contando com uma equipe composta por uma psicóloga, uma assessora

comunitária e uma estagiária de Serviço Social, foi realizado um diagnóstico sobre a

situação dos quase 200 (duzentos) adolescentes atendidos pelo Município, para, a partir

daí, pensar estratégias para a municipalização do atendimento, ação definida como

prioridade da gestão.

Este parêntese inicial pode parecer dispensável, no entanto possui relação

direta com a construção do meu objeto de pesquisa e, sobretudo, com a minha

curiosidade de investigar temáticas relacionadas à juventude3 e à Educação Social. Tudo

começou quando estava participando da minha primeira reunião na condição de

1 Trata-se da gestão autodenominada “Fortaleza Bela” (2005-2008), tendo Luizianne Lins como prefeita,

do Partido dos Trabalhadores (PT), representando a alteração do cenário político que imperava na cidade

de Fortaleza há 16 (dezesseis) anos, com o poderio do Partido do Movimento Democrático Brasileiro

(PMDB). Com a reeleição em 2008, a gestão “Fortaleza Bela” está em seu segundo mandato, devendo

permanecer até 2012. 2 A Liberdade Assistida (LA) é uma medida socioeducativa, aplicada pelo Juiz da Infância e da Juventude

a um adolescente que tenha cometido um ato infracional – conduta descrita como crime ou contravenção

penal. A legislação específica que versa acerca dos direitos e deveres das crianças e dos adolescentes – O

Estatuto da Criança e do Adolescente – prevê em seu Art. 112: “verificada a prática de ato infracional, a

autoridade competente poderá aplicar ao adolescente medidas socioeducativas” (ECA, 2010, p. 81) e Art.

118: “a LA será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar,

auxiliar e orientar o adolescente” (ECA, 2010, p. 83). 3 É importante mencionar que o Plano Nacional de Juventude considera juventude a população

compreendida na faixa etária de 15 a 29 anos. Além do Plano, estão na Câmara outras matérias relativas à

juventude, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 238/2003, que institui na CF/88 a figura da

juventude, estipulando como faixa etária para esta parcela da sociedade de 15 a 29 anos, bem como o

Estatuto da Juventude, que detalha a redação proposta pela PEC, especificando os direitos dos jovens

brasileiros. Fonte: Jornal Carta Maior, disponível no site:

http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/index. Acesso em 22 de maio de 2010.

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coordenadora da LA, em março de 2005. O cenário era desolador. Tratava-se de um

prédio consideravelmente velho, com letreiros indicando Juizado da Infância e da

Juventude4; o elevador nos convidava a subir quantos lances de escada fosse preciso,

pela visível má conservação. Porém, mais cruel me pareceu a nossa recepção. Havia

literalmente um paredão de profissionais (assistentes sociais, psicólogas, pedagogas

etc.) nos esperando em uma sala quente, com carteiras escolares desconfortáveis. Até aí

tudo bem, poderíamos supor as precárias condições de trabalho oferecidas àqueles

profissionais, só não poderíamos imaginar a frieza de suas palavras, o descrédito de suas

próprias ações e a resistência às possíveis mudanças sob a alegativa de possuírem mais

de dez anos de experiência na área.

Apesar de não possuir sequer um ano de experiência, tinha a convicção da

possibilidade de, no mínimo, humanizar o atendimento aos adolescentes, em

cumprimento de medida socioeducativa, deixando de lado práticas de puro

disciplinamento, massificadas, sem impactos – o que é pior, para buscar ressignificar os

valores e atitudes5 dos jovens que, no meu entender, são uma das principais forças

motrizes da transformação societária. Eis aí o meu encantamento pela juventude.

Percebi depois que não bastava apenas humanizar o atendimento, era

necessário romper os muros das ações meramente burocráticas. O grande desafio era

iniciar a desconstrução, junto aos adolescentes, de que o cumprimento da medida de LA

restringia-se ao ato de assinar6, imagem historicamente perpetuada que é mal comparada

ao regime de liberdade condicional dos adultos, que todos os meses têm a obrigação de

“prestar contas” à justiça. Nessa perspectiva, entrou em cena a Educação Social,

pautada nos ensinamentos da Educação Popular, cuja metodologia se apresenta como

capaz de impactar a vida dos sujeitos e, sobretudo, de romper com as amarras das

intervenções institucionais formais e disciplinadoras.

4 A execução da medida de LA era de responsabilidade do Juizado da Infância e da Juventude. Àquela

época, o atendimento dos adolescentes era realizado no próprio órgão, por uma equipe de profissionais. A

partir de 2007, a execução da LA se dá em duas instâncias: município e Pastoral do Menor, organização

não-governamental vinculada à arquidiocese da Igreja Católica. 5 O primeiro projeto de captação de recursos, junto ao Governo Federal, especificamente apresentado à

Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, para iniciar o processo de

municipalização da LA foi intitulado: “Liberdade Assistida: ressignificando valores e atitudes”. 6 Durante muito tempo o atendimento dos adolescentes em cumprimento de LA restringia-se a um

atendimento formal, espécie de conversa e/ou entrevista com uma assistente social ou psicóloga nas

dependências do Juizado. Ao final desse atendimento os adolescentes assinavam uma lista de frequência e

de recebimento de um vale transporte para retornarem para casa. Assim, no imaginário deles o ato de

assinar tal lista caracterizava o cumprimento da medida.

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Assim, adotando uma política de descentralização administrativa, entre os

anos de 2006 e 2007, foram criados cinco núcleos regionalizados e especializados de

Liberdade Assistida, onde os profissionais passaram a executar, exclusivamente, o

atendimento e o acompanhamento dos adolescentes na busca de atendê-los em suas

várias dimensões: sociais, psicológicas, jurídicas e pedagógicas, ou seja, um

acompanhamento realizado por assistentes sociais, psicólogos, assessores jurídicos,

pedagogos e educadores sociais – uma equipe multidisciplinar atuando de forma

interdisciplinar.

Os Núcleos passaram a aliar aspectos formais exigidos pelo cumprimento da

medida (como atendimentos individuais, por cada categoria profissional, inserção na

escola formal, visitas domiciliares e institucionais, para o acompanhamento do

adolescente) com atividades de arte-educação (teatro, música, confecção de

instrumentos musicais) e de informática, vislumbrando a ressignificação e a construção

de um novo projeto de vida, autônoma e articulada à comunidade, para os adolescentes.

Durante os três anos em que estive na coordenação da Liberdade Assistida,

que me instigou a conhecer inúmeras práticas desenvolvidas no País, pude perceber

duas problemáticas recorrentes: a normalização e a disciplina tornaram-se a centralidade

das ações institucionais no plano da educação e da cidadania; e o desinteresse dos

jovens pelo retorno ou permanência no ensino formal sob a alegativa de que a dinâmica

é restrita à transmissão e apreensão de conteúdos curriculares. Associado a estas

problemáticas, um fato significativo me chamou atenção: o interesse da juventude pelas

atividades pedagógicas centradas na Educação Social. Tais fatos me levaram a um

primeiro questionamento: a Educação Social é efetivamente uma prática capaz de

conduzir o ser a mudanças significativas?

Avançando na minha trajetória7 e adentrando na investigação, na condição

de gestora, não tive tempo suficiente para avaliar com mais afinco a relação entre

juventude, Educação Social e políticas públicas, ficando esta tarefa para a condição de

pesquisadora. Assim, a partir de 2010, já plenamente fora da gestão, elegi como objeto

da pesquisa a Educação Social realizada por jovens educadores que, em suas trajetórias

7 Permaneci na coordenação da LA por um período de três anos (2005-2008). Em 2006, foram instalados

três núcleos de atendimento especializado ao adolescente em cumprimento de LA. Nesse período foi

garantido um processo seletivo rigoroso, resultando na contratação de 36 (trinta e seis) profissionais. Em

2007, foi efetivada a municipalização e instalado mais dois núcleos. Porém, houve um descompasso entre

a quantidade de adolescentes acompanhados e a estruturação adequada para a qualidade desse

atendimento.

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de vida, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de assistência do poder

público ou da sociedade civil organizada.

Escolhi como locus de realização do estudo os Programas Crescer com Arte

e Cidadania e o Ponte de Encontro, da Coordenadoria da Criança e do Adolescente-

Funci, que possui, em seu quadro de funcionários, este perfil de educador. Minha ideia

foi buscar compreender as práticas e sentidos que os referidos educadores sociais

constroem sobre seu trabalho, considerando a Educação Social desenvolvida no âmbito

da referida instituição.

É importante ressaltar que minha opção por envolver os profissionais que já

foram atendidos em projetos sociais foi pelo fato de eles terem vivenciado a Educação

Social na condição de educandos e por querer compreender os sentidos de tal

experiência na vida deles, o que resultou nos seguintes objetivos: investigar os sentidos

da Educação Social construídos por educadores sociais da Coordenadoria-Funci que, em

suas trajetórias de vida, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de

assistência do poder público ou da sociedade civil organizada; compreender como esses

sujeitos percebem as suas absorções no quadro de profissionais da referida instituição,

problematizando sobre o fazer profissional no âmbito das políticas públicas, a

profissionalização e as condições de trabalho; perceber as estratégias da Coordenadoria-

Funci frente à absorção desses educadores em seu quadro profissional, analisando os

limites e potencialidades da prática educativa desenvolvida pelos jovens educadores

sociais e as possíveis problemáticas desse processo.

Para iniciar as discussões propostas que envolvem o meu objeto de

pesquisa, é fundamental definir o que considero Educação Social e educador social à luz

de Romans, Petrus e Trilla (2003); Gohn (2010); Machado (2011), entre outros autores

e sujeitos pesquisados. Assim, Educação Social significa “um conjunto fundamentado e

sistematizado de práticas educativas [...], orientadas para o desenvolvimento adequado e

competente dos indivíduos, assim como para dar respostas a seus problemas e

necessidades sociais” (Gohn, 2010, p. 26 apud Pérez, 1999).

Quanto ao educador social8, é o profissional que desenvolve ações no

campo da Educação Social, junto aos movimentos sociais, como os populares, os

8 Gohn destaca que “o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil (MTE), em seu documento COB –

Classificação Brasileira de Ocupações (2002) –, menciona, no código 5.153, os trabalhadores de atenção,

defesa e proteção a pessoas em situação de risco, e inclui os educadores sociais nesta categoria. Além de

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identitários e os globalizantes; e que atua em projetos sociais de organizações

governamentais e não-governamentais por meio do desenvolvimento de ações

socioeducativas (Gohn, 2010).

Nos espaços de atuação do educador social lhe é exigido o ensino médio

completo, mas muitos possuem formação acadêmica nas áreas de humanas (Serviço

Social, Psicologia, Ciências Sociais, Pedagogia etc.). No Brasil, não existe uma

formação acadêmica de educador social, e a sua atuação ainda me parece fragilizada.

Grosso modo, na realidade da instituição em análise, parece-me que a atuação como

educador social se configura em um estágio preliminar para o profissional, que

posteriormente terá uma formação acadêmica para só depois atuar em uma área

específica9.

De acordo com Silva (2008), o educador social acaba utilizando-se de

metodologias de trabalho apreendidas na sua área de formação acadêmica ou em suas

experiências de vida e, essa realidade corrobora para gerar descompassos entre os

princípios da Educação Social e a prática disseminada.

Ainda segundo Silva (2008), diante da vontade de ajudar – construída à

imagem disseminada acerca do trabalho social – o educador social depara-se com o

“não saber ao certo o que fazer frente aos sujeitos que já não sabem ao certo o que

esperar” (SILVA, 2008, p. 18), impondo, assim, à população a ideia de que o

atendimento/ação das políticas públicas se configura em um favor e não um direito que

lhes deve ser assegurado.

Machado (2011) esclarece, no entanto, que, para a área socioeducativa,

apenas a referência das práticas, que ainda permanece em muitos espaços, torna-se

insuficiente numa sociedade que se complexifica e apresenta novas demandas. Portanto,

é premente “a necessidade de um referencial teórico consolidado específico para a área,

para dar suporte às discussões e propostas, e principalmente, para impulsionar e

fundamentar pesquisas e produção de conhecimentos” (MACHADO, 2011, p. 264).

reconhecer a função, o referido código detalha suas atribuições, assinalando que “o acesso à ocupação é

livre, sem requisitos de escolaridade” (GOHN, 2010, p. 54). 9 Essa realidade é bem presente na instituição estudada. No levantamento inicial para a produção dos

dados da pesquisa, constatei um número elevado de técnicos (assistentes sociais, pedagogos, sociólogos,

entre outras formações) e coordenadores de projetos e programas que iniciaram na instituição como

educadores sociais e após a conclusão de suas formações acadêmicas foram contratados como técnicos,

sendo mais bem remunerados. Outro detalhe importante é o fato de alguns nessa situação também terem

sido atendidos em projetos sociais, mas minha análise voltou-se apenas aos jovens educadores sociais.

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20

Outros autores foram fundamentais para a dissertação, pois me levaram a

compreensão de categorias centrais para este estudo, como sentido e subjetividade, já

que é eixo condutor das questões levantadas, quer dizer, os sentidos atribuídos por

jovens educadores sociais sobre a Educação Social e seu trabalho, entre outros

processos e engrenagens que os envolvem. O sentido é “uma construção social, um

empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas

[...] constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e

fenômenos a sua volta” (SPINK; MEDRADO, 2000, p. 41).

Desse modo, pelo fato da pesquisa ter a subjetividade como enfoque, optei

por uma pesquisa qualitativa. Tal delimitação deu-se em virtude do meu objeto de

estudo e à minha concepção de que a pesquisa qualitativa apresenta uma metodologia

adequada aos meus propósitos de investigação.

Segundo Rey (2010, p. 131), “a pesquisa qualitativa recupera a pessoa

estudada em condição de sujeito ativo na construção de sua experiência. Os caminhos

de sua expressão os escolhe a pessoa estudada, transitando livremente por eles através

da complexa trama de sua experiência subjetiva”. Quanto à subjetividade, concordando

com Rey (2010), essa “está constituída tanto no sujeito individual como nos diferentes

espaços sociais em que este vive, [...] apresenta-se nas representações sociais, nos mitos,

nas crenças, na moral, na sexualidade, nos diferentes espaços em que vivemos” (REY,

2010, p. 24).

Aqui, levo em consideração o pensamento de Guattari e Rolnik (2011, p.

34) que acreditam que as “mutações da subjetividade não funcionam apenas no registro

das ideologias, mas no próprio coração dos indivíduos, em sua maneira de perceber o

mundo, de se articular com o tecido urbano, com os processos maquínicos do trabalho e

com a ordem social suporte dessas forças produtivas”. Por isso concordo com os autores

quando afirmam que “não é utópico considerar que uma revolução, uma mudança social

em nível macropolítico e macrossocial, concerne também a produção de subjetividade,

o que deverá ser levado em conta pelos movimentos de emancipação” (GUATTARI;

ROLNIK, 2011, p. 34).

Ao estudar o educador social na sua condição de jovem, penso

imediatamente no conceito de juventude, considerando que não existe unanimidade

acerca dessa conceituação, mas adoto a ideia de produção sócio-histórica-cultural, já

que “a faixa etária juvenil, assim como os demais grupos de idade, são uma criação

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21

sócio-cultural própria, marcante e fundamental dos processos de modernização e da

configuração das sociedades contemporâneas” (GROPPO, 2000, p. 27). Os principais

autores que utilizei na fundamentação da categoria de juventude foram Groppo (2000) e

Pais (2003).

Outras categorias surgiram no desenrolar da pesquisa de campo, como

trabalho, trabalho social e políticas públicas, que serão abordadas ao longo do texto

especialmente à luz de autores como Antunes (2009), Araújo (1997), Abramo (1997),

Cohn (2004), entre outros.

Assim, mediante essa análise e para alcançar os objetivos da pesquisa,

escolhi o seguinte caminho de investigação: No capítulo I, traço o percurso

metodológico do trabalho, apresentando os caminhos trilhados, o lugar referencial da

pesquisa – a Coordenadoria-Funci e, em especial, os sujeitos envolvidos, para

possibilitar ao leitor conhecê-los no lugar em que constroem suas percepções e seu

trabalho.

No capítulo II, apresento, brevemente, as origens da Educação Social e os

Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro, locus de realização do

estudo, no sentido de continuar compreendendo representações e práticas dos

educadores construídas no espaço e no lugar onde foram contratados e atuam. Assim,

delineio as ações de Educação Social desenvolvidas nos dois Programas, tendo como

subsídio de análise os seus Projetos Político-Pedagógicos e as percepções dos sujeitos

envolvidos na pesquisa (educadores sociais e gestores).

Inicio o capítulo III apresentando as reconfigurações do trabalho social para

os jovens educadores sociais no âmbito da Coordenadoria-Funci. Ainda no mesmo

capítulo, faço uma análise sobre a contratação desses sujeitos pela referida instituição,

partindo de suas percepções e das percepções dos gestores, em busca de problematizar

aspectos relacionados ao fazer profissional, à profissionalização e às condições de

trabalho.

Levando em consideração a importante necessidade de teorização da prática

profissional, no capítulo IV, inicio com uma discussão acerca da Educação Social, os

seus conceitos e como os jovens educadores sociais percebem essa educação em termos

conceituais, bem como que sentidos eles constroem em torno da Educação Social, a

partir de suas trajetórias de vida, problematizando sobre a real possibilidade desta

ressignificar a vida dos sujeitos.

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22

Enfim, tive preocupação em definir os capítulos, itens e subitens, levando

em consideração os objetivos, as questões iniciais da pesquisa, mas, principalmente, o

que foi produzido no campo, ou seja, construindo uma relação estreita entre a teoria e a

empiria. Tais questões são, dessa forma, desenvolvidas no texto que se segue.

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23

CAPÍTULO 1 – PERCURSOS METODOLÓGICOS: APRESENTANDO OS

JOVENS EDUCADORES SOCIAIS E SEUS ESPAÇOS NA EDUCAÇÃO

SOCIAL

1.1. A Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci: o lugar referencial da

pesquisa

Remexendo documentos, projetos, planos de ação – atividade exigida pela

pesquisa documental, realizada entre maio de 2010 e dezembro de 2011 –, conversando

com os profissionais e a partir das minhas observações desde a época em que trabalhava

na instituição, pude conhecer “as histórias” da Funci. Não simplesmente o seu percurso

histórico, descrito friamente nos documentos, mas suas conquistas, seus choros, seus

ganhos e perdas.

Criada no ano de 1993, precisamente em 30 de dezembro, com a

promulgação da Lei nº 7.488, a Funci recebeu a denominação de Fundação da Cidade.

Sua sede foi instalada no Parque da Liberdade10

e tinha como propósito o

desenvolvimento de ações de enfrentamento às diversas situações de vulnerabilidade

social envolvendo crianças e adolescentes “pobres” da cidade de Fortaleza.

Em 1999, apesar de mantido o mesmo propósito, mas reconhecendo a

necessidade de se ampliar o foco de atuação para a família e não apenas para as crianças

e os adolescentes, a Funci recebeu nova denominação, por meio da Lei nº 8.389,

passando a se chamar Fundação da Criança e da Família Cidadã.

Por meio de seus documentos e dos discursos de profissionais, já na gestão

2005-2008, identifiquei objetivos para realizar um trabalho de fortalecimento das redes

de proteção social e harmonia do Sistema de Garantia de Direitos em detrimento de

práticas pontuais e assistencialistas. Por esta razão, em 2005, a Funci passou a redefinir

os seus programas e projetos na perspectiva da promoção e garantia de direitos.

Nesse período, estabeleceu como missão “promover e garantir Direitos

Humanos com crianças e adolescentes de Fortaleza”, desenvolvendo a linha política de

ação “Família: arte-educação, cidadania e qualidade de vida, com foco em gênero e

10 Conhecido pelos moradores da cidade de Fortaleza como “Parque das Crianças”. Situado no coração da

referida cidade, no entorno das Ruas Pedro I, Solon Pinheiro, Pinto Madeira e Conde D‟eu. Nos anos

1950, em suas casinhas espalhadas pelo parque funcionava uma escola municipal de ensino primário. Não

fosse a poluição e a preocupação com o desmoronamento das margens do “Lago do Amor”, os

profissionais poderiam contemplar uma linda vista e um agradável ambiente institucional.

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24

socioeconomia solidária11

”. É importante registrar que, desde a sua criação, o orçamento

da Funci é vinculado ao orçamento da Secretaria de Assistência Social, correspondendo

a cerca de 1% do orçamento total da prefeitura.

O coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania relatou que no

ano de 2005, àquela época vinculado ao Programa das Medidas Socioeducativas em

Meio Aberto, houve muito trabalho, reorganização, estudos, para que se pudesse superar

a herança orçamentária das gestões anteriores e ressaltou: “lembro que ficávamos até

mais tarde trabalhando, para finalizarmos projetos e planos de trabalho e os vigias da

instituição querendo fechar os portões”. Nos anos seguintes (2006, 2007 e 2008), como

salientou o coordenador, “pudemos colher os frutos do trabalho do primeiro ano de

gestão e tivemos muitas conquistas, como inclusão de programas no PPA12

, ampliação

de metas de atendimento, recursos externos para a manutenção das atividades dos

projetos”.

Em 2009 (segunda gestão 2009-2012), houve uma reestruturação política e

foi criada a Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH), através da Lei

Complementar nº 0061, de 22 de janeiro de 2009, com o objetivo de “promover e

coordenar a política de direitos humanos da Cidade, atuando de forma transversal a

todos os órgãos da gestão municipal” (FORTALEZA, 2010, p. 11). Na perspectiva de

desenvolver ações relacionadas às políticas de geração (infância, adolescência e

população idosa), população negra, diversidade sexual e pessoas com deficiência, a

SDH instituiu coordenadorias que definem as políticas específicas para tais grupos.

De acordo com o texto institucional (2010), elaborado para a compreensão

do organograma da SDH, esta possui três eixos de atuação, quais sejam: (i) promoção

dos Direitos Humanos, abrangendo o acesso a serviços e equipamentos públicos, a não

violação de direitos, a incorporação da temática nas políticas públicas e o atendimento

para a efetivação, restauração e notificação do direito violado; (ii) defesa dos Direitos

Humanos, que consiste em acompanhar os procedimentos e processos de

responsabilização dos agressores, assim como de acolhimento inicial e encaminhamento

da vítima para a Rede de Retaguarda e (iii) divulgação dos Direitos Humanos,

11 Estratégia de enfrentamento à exclusão social e da precarização do trabalho, sustentada em formas

coletivas, justas e solidárias de geração de trabalho e renda. 12 O plano plurianual (PPA) estabelece os projetos e os programas de longa duração do governo,

definindo objetivos e metas da ação pública para um período de quatro anos. Informação retirada do site:

http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/PPA/elaboracao:PL. Acesso em 23 de

dezembro de 2011.

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25

significando a construção e reconstrução de espaços de diálogo permanente dos direitos

humanos.

Para a organização dos três eixos de atuação, a SDH conta com um (a)

secretário (a) municipal e seis coordenadorias, Coordenadoria Administrativa

Financeira-CAF13

, Coordenadoria do Idoso14

, Coordenadoria da Diversidade Sexual15

,

Coordenadoria de Políticas Públicas de Inclusão Racial-COPPIR16

, Coordenadoria de

Pessoas com Deficiência-COOPEDEF17

e Coordenadoria da Criança e do Adolescente-

Funci, além de dois projetos especiais (Raízes da Cidadania18

e Laboratório de Direitos

Humanos-LEDH19

). Porém, o que me interessa aqui é ter um maior aprofundamento

acerca da Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci20

que, ao vincular-se ao

conjunto das coordenadorias da SDH, iniciou um novo processo de mudanças em sua

estrutura organizacional e orçamentária.

Como já mencionado, com a Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza, a

Funci passou a ser uma coordenação da SDH, recebendo a denominação de

Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci. Optou-se em não suprimir a sigla

“Funci” em virtude de sua referência, instituída ao longo da história, com a sociedade e,

sobretudo, para a sociedade civil organizada e a população atendida.

Apesar da mudança em seu nome, a Coordenadoria da Criança e do

Adolescente-Funci, de acordo com os documentos analisados, manteve a sua missão e

linha política de ação, definidas em 2005, havendo apenas uma redefinição em seus

13 A CAF comporta a coordenação financeira, supervisão de compras, procuradoria jurídica, contratos e

convênios, planejamento, tesouraria, setor de informática e protocolo. 14 A Coordenadoria do Idoso é responsável por articular as diferentes políticas públicas municipais

voltadas para pessoas idosas, como questões relacionadas a transporte, assistência social, saúde e

educação. Também visa mobilizar essa população em torno da garantia de seus direitos. 15 A Coordenadoria da Diversidade Sexual possui como missão coordenar, elaborar e implementar

políticas públicas de enfrentamento ao preconceito e à discriminação por orientação sexual e identidade

de gênero no município de Fortaleza, articulando com as demais secretarias e áreas de atuação

governamental. 16 A COPPIR é responsável em coordenar e desenvolver políticas voltadas para a questão racial e étnica,

como forma de garantir direitos e construir a cidadania e a justiça para negros e outros grupos étnico

raciais historicamente discriminados. 17 A COOPEDEF é responsável pelas articulações contínuas com os gestores municipais e a sociedade

civil, numa tentativa de integrar as políticas de forma intersetorial para atender às demandas da sociedade

referentes às necessidades específicas das pessoas com deficiência. 18 As Raízes da Cidadania são a Secretaria de Direitos Humanos nos bairros, numa atuação que considera

as especificidades dos territórios e que está fortemente ligada às organizações da sociedade civil. 19 O LEDH é a referência da SDH na sistematização de dados e de conhecimento produzido sobre direitos

humanos, assessora os projetos de pesquisas da Secretaria e gerencia o acervo sobre o tema. 20 É importante registrar que apesar de ter se tornado uma coordenadoria, a Funci não perdeu o status de

fundação, o que facilita a captação de recursos externos.

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26

princípios norteadores21

e no seu organograma22

, ainda com a responsabilidade pela

execução e proposição de políticas públicas “para meninas e meninos de Fortaleza,

dialogando diretamente com o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e

do Adolescente (COMDICA), que também está vinculado à SDH” (FORTALEZA,

2010, p. 12).

O organograma institucional, além da formatação própria de gestão e

serviços, ainda apresenta sete programas: Programa Se Garanta, Programa Ponte de

Encontro, Programa Rede Aquarela, Programa Famílias Defensoras, Programa Disque

Direitos Criança e Adolescente, Programa Adolescente Cidadão e Programa Crescer

com Arte e Cidadania.

Com a criação da SDH, tornou-se necessária uma nova composição

organizacional, que trouxe retrocessos para a Funci, principalmente em relação ao

orçamento. O pouco que se tinha, cerca de 1% do orçamento da prefeitura, teve que ser

redimensionado para todas as demais coordenadorias no primeiro ano.

Quanto à questão acima, o coordenador do Programa Crescer com Arte e

Cidadania relatou que vivenciou literalmente a perda de quase tudo que foi construído

na primeira gestão, como demonstrou na fala: “vimos nossos carros, computadores,

armários, materiais em geral sendo pulverizados nas demais coordenadorias. Tudo foi

conquistado com muito esforço e não poderia ter sido desfeito sem um mínimo de

planejamento”.

O coordenador também relatou que a execução orçamentária da política das

medidas socioeducativas e de erradicação do trabalho infantil passou a ser de

responsabilidade da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS), causando

disparidade salarial entre profissionais da mesma categoria dentro da instituição; as

atividades de arte-educação e informática, desenvolvidas nos Núcleos da Liberdade

Assistida, foram disseminadas em outros projetos, levando muito tempo para serem

21 O leitor que tiver interesse em conhecer os princípios norteadores da Funci com mais detalhes

encontrará no Plano de Ação 2010/2012, da Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci,

documento institucional que se encontra na Coordenação de Gestão da referida instituição. Em suma, os

princípios são: universalidade da política, centralidade na criança e no adolescente, foco na família e na

comunidade, ação articulada, garantia da participação real de crianças e adolescentes, respeito à equidade

de gênero, garantia da cidadania plena e garantia da inserção produtiva (FORTALEZA, Plano de Ação,

2010-2012). 22 No anexo da pesquisa consta o desenho do organograma da Coordenadoria-Funci, para facilitar a sua

compreensão.

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27

reinstaladas e ocasionando a extinção da categoria de educador social nos Núcleos; e os

projetos passaram a funcionar com insuficiência de recursos e dotação orçamentária.

Outro fato relatado pelo coordenador, que denota insatisfação após a criação

da SDH, foi a mudança da Coordenadoria-Funci do “Parque das Crianças”. Todos os

programas23

foram instalados em um imóvel situado à Rua Guilherme Rocha, nº 1503,

Bairro Jacarecanga. Segundo o profissional, a mudança gerou insatisfação da

população, que já possuía a referência da Funci no Parque e gozava de fácil acesso,

como relatou: “ficávamos em uma região central e a população, além de já conhecer o

local, aproveitava para resolver outros problemas e demandas no centro da Cidade,

utilizando apenas um transporte”.

A implantação da Secretaria de Direitos Humanos, na visão do profissional,

quase que comprometeu por completo a efetivação dos Direitos Humanos das Crianças

e dos Adolescentes em situação de vulnerabilidade social da cidade de Fortaleza, além

de ter gerado certa disputa de egos, sobretudo entre a SDH e a SEMAS, quanto à

responsabilidade da execução orçamentária das ações desenvolvidas, como ressaltou:

os profissionais da SEMAS sem terem vivenciado o processo de construção

das políticas chegavam na Funci dizendo-se fiscalizadores das ações e

cobrando projetos para a liberação dos recursos, quando bastavam planos de

trabalhos, já que eram ações continuadas, assim reconhecidas pelo

financiador – o Governo Federal (Coordenador do Programa Crescer com

Arte e Cidadania).

Essa suposta disputa entre SDH e SEMAS, relatada pelo coordenador do

Programa Crescer com Arte e Cidadania, é caracterizada por Costa (2008) como a

fragmentação da burocracia pública, um dos limites encontrados nos programas sociais.

Para Costa (2008, p. 29):

as disputas burocráticas, a busca de liderança institucional ou pessoal nos

papeis-chave de execução ou a defesa de espaços de poder por parte de

grupos ou instituições, não são exclusividades dos programas e políticas

sociais, mas contingências da ação em contextos e organizações complexas.

Entretanto, no âmbito do Estado, prejudicam de forma mais acentuada a

organicidade dos programas sociais, já que esses dependem geralmente da

ação concertada de diversos órgãos e instâncias decisórias.

23 Apenas a Coordenadoria e a coordenação de gestão permaneceram na Casa Branca do Parque.

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28

Aqui não me cabe o aprofundamento acerca das disputas entre as duas

secretarias, apenas comentei a questão por ter sido relatada por um dos sujeitos

entrevistados quando estava contextualizando a transformação da Funci em

Coordenadoria.

Ainda segundo o coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania,

em termos de dotação orçamentária24

, a SDH alcançou alguns avanços ao longo dos

anos, mas ainda persistem a não apropriação da população quanto às ações

desenvolvidas e o comprometimento da política voltada para as crianças e os

adolescentes, sobretudo pela fragilidade financeira e a não efetivação do Princípio da

Prioridade Absoluta. “O orçamento criança é mascarado com recursos diluídos nas

políticas de saúde e educação, havendo uma publicização não transparente dos valores

que, de fato, são repassados às ações destinadas a esse segmento populacional”

(Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania).

Esse fenômeno demonstra o que Edite e Eleonora Cunha (2008, p. 23)

afirmaram:

a política social não tem se constituído como prioridade de governo, ficando

a reboque da política econômica, o que veio confirmar o que Draibe, ainda no

início da década de 90, apontava como uma possível tendência: a

assistencialização das políticas, ou seja, o restrito financiamento destinado a

elas, comprometendo seus resultados e empurrando as classes médias para a

compra dos serviços no mercado. Seus usuários passaram a ser as parcelas

mais pauperizadas da população, dando-lhe um caráter residual.

Portanto, é neste cenário que situo os sujeitos desta pesquisa para alcançar

melhor uma compreensão histórica do educador social em Fortaleza, seus lugares,

experiências e sentidos construídos em torno do trabalho da Educação Social.

1.2. Os programas e os sujeitos da pesquisa

Como visto até aqui, esta pesquisa preza por uma abordagem contextual e

histórica de questões relacionadas à política desenvolvida pela Coordenadoria-Funci,

para melhor compreensão do universo geral da investigação. Porém, para maior

24 Detalhes do orçamento da SDH podem ser encontrados nas seguintes leis: Lei Orçamentária Anual

(LOA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e no PPA, disponíveis no site da Secretaria de Finanças

do Município (SEFIN), a saber: www.sefin.fortaleza.ce.gov.br.

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29

aproximação dos sujeitos selecionados para o estudo, jovens entre 18 e 29 anos de

idade, educadores sociais e/ou arte-educadores e que já foram atendidos em projetos

sociais, busquei delimitar um locus de realização do estudo.

Iniciei, assim, uma pesquisa exploratória junto aos programas da

Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci, a partir da aplicação de um

questionário com cada coordenador25

, no sentido de identificar o quantitativo geral de

profissionais e o quantitativo dos profissionais que estavam no perfil da pesquisa. Esta

metodologia revelou que o Programa Crescer com Arte e Cidadania possui o maior

número de profissionais no perfil, razão pela qual escolhi realizar, no primeiro

momento, a pesquisa de campo no referido programa envolvendo os seus profissionais.

A tabela abaixo sintetiza o quadro de profissionais dos programas da

Coordenadoria26

.

TABELA1

QUANTITATIVO DOS PROFISSIONAIS DA COORDENADORIA-FUNCI

Maio de 2010 a Fevereiro de 2011

PROGRAMAS/SUPERVISÕES

QUANTIDADE DE

PROFISSIONAIS

QUANTIDADE

DE

EDUCADORES

EDUCADORES

NO PERFIL DA

PESQUISA

Coordenação de Gestão 04 - -

Disque Direitos Criança e

Adolescente-DDCA

47 24 04

Supervisão dos Conselhos

Tutelares

04 - -

Rede Aquarela 58 15 -

Adolescente Cidadão 14 02 -

Famílias Defensoras 27 07 01

Se Garanta 65 - -

Acolhimento Institucional 18 12 -

Ponte de Encontro 77 51 05

Crescer com Arte e Cidadania 96 54 17

TOTAL 410 165 27

FONTE: Pesquisa direta junto aos programas da Coordenadoria-Funci. Elaboração da própria autora.

25 Saliento que, antes de minha inserção no campo de investigação, apresentei um requerimento junto à

Funci, solicitando autorização para a realização da pesquisa. Recebi a resposta oficial no dia 31 de maio

de 2010. No mesmo dia, antes da realização de uma reunião entre os gestores da Instituição, realizei um

momento de esclarecimento em relação à pesquisa e a importância quanto ao preenchimento dos

questionários. Desse modo, após sensibilização prévia, fui recebendo as respostas aos poucos, tendo

recebido o último questionário em fevereiro de 2011. 26 É importante salientar que existe alto índice de rotatividade profissional na Coordenadoria-Funci, o que

pode gerar a desatualização dos dados com muita velocidade. Este fator pode estar relacionado a

diferentes motivações de cunho objetivo como baixos salários, uma vez que existem disparidades salariais

entre as Secretarias da prefeitura para um mesmo cargo, além de condições de trabalho precárias, e de

cunho subjetivas, como processo de identificação com o trabalho, sensação de reconhecimento ou não da

profissão, distanciamento de valores tradicionais de solidariedade no trabalho com crianças, balanço da

autoestima, entre outros.

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30

Após a avaliação da banca de qualificação27

, seguindo as sugestões

metodológicas de ampliação do quantitativo de sujeitos e de ampliação da

representatividade feminina, redimensionei a pesquisa28

. Passei a envolver educadores

inseridos nos Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro, utilizando-

me de nova produção de dados29

, realizada entre os meses de novembro e dezembro de

2011, assim configurada:

TABELA 2

QUANTITATIVO DOS PROFISSIONAIS DA COORDENADORIA-FUNCI

Novembro a Dezembro de 2011

PROGRAMAS/SUPERVISÕES

QUANTIDADE DE

PROFISSIONAIS

QUANTIDADE

DE

EDUCADORES

EDUCADORES

NO PERFIL

DA PESQUISA

Coordenação de Gestão 08 - -

Disque Direitos Criança e

Adolescente-DDCA

47 25 02

Supervisão dos Conselhos

Tutelares

05 - -

Rede Aquarela 54 14 -

Erradicação do Trabalho Infantil30 08 01 -

Adolescente Cidadão 14 02 -

Famílias Defensoras 26 06 -

Se Garanta 70 - -

Acolhimento Institucional 18 12 -

Ponte de Encontro 95 65 07

Crescer com Arte e Cidadania 145 76 12

TOTAL 490 201 21

FONTE: Pesquisa direta junto aos programas da Coordenadoria-Funci. Elaboração da própria autora.

O comparativo entre os levantamentos denota o aumento no número de

profissionais em geral e educadores sociais na Instituição, mas redução no número de

educadores no perfil da pesquisa. Esse último indicativo requer alguns esclarecimentos,

quais sejam: (i) o Programa DDCA possuía quatro educadores no perfil, mas dois

desses foram remanejados para outros programas (Crescer e Ponte); (ii) o Programa

27 A avaliação da banca de qualificação ocorreu em 30 de agosto de 2011. 28 Antes da qualificação, a pesquisa envolvia seis educadores sociais do Programa Crescer com Arte e

Cidadania, sendo cinco homens e uma mulher e o coordenador do Programa. A representatividade

feminina foi colocada em risco, uma vez que optei por um sorteio aleatório contendo o nome de todos os

educadores no perfil (homens e mulheres), desse modo obtive, inicialmente, a fala de apenas uma

educadora. 29 Outra recomendação da banca de qualificação foi a necessidade de melhor delimitar o objeto de estudo,

o que exigiu novo roteiro de entrevista, sendo aplicado com os doze sujeitos envolvidos. 30 No levantamento realizado em maio de 2010, a política de erradicação do trabalho infantil era

vinculada ao Programa Rede Aquarela. Hoje, apesar de não possuir status de programa, alcançou

autonomia frente ao referido programa, por isso fiz a separação no segundo quadro.

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31

Famílias Defensoras apresentava um educador no perfil, mas este completou 30 (trinta)

anos de idade, em 2011, saindo do perfil; (iii) o Programa Ponte possuía cinco

educadores no perfil, porém, em 2011, dois foram desligados, três foram contratados e

um veio remanejado de outro projeto, totalizando sete educadores no perfil; (iv) o

Programa Crescer com Arte e Cidadania apresentava 17 (dezessete) educadores no

perfil, mas sete foram desligados em 2011, assim como um foi contratado e um veio

remanejado de outro projeto, totalizando 12 (doze) educadores sociais no perfil.

Tais números confirmam a informação, utilizada no relatório de

qualificação em 2010, de que na Coordenadoria-Funci existe um alto índice de

rotatividade, que leva a desatualização dos dados com muita velocidade.

Assim, diante do novo quantitativo, defini envolver a totalidade dos

educadores sociais dos Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro,

12 (doze) e 7 (sete), respectivamente. Além dos coordenadores de cada programa e um

profissional da coordenação de gestão31

. O critério de escolha para a investigação, que

envolve os referidos programas, é a característica de atuação dos educadores sociais, ou

seja, de desenvolverem ações de Educação Social, em sua multiplicidade de contextos,

diretamente com os adolescentes e o fato de possuírem projetos de monitoria junto aos

adolescentes atendidos.

Apesar do Programa DDCA possuir dois educadores sociais no perfil, esses

atuam de forma diferenciada, ou seja, não atendem diretamente as crianças e os

adolescentes, mas averiguam denúncias de violações de direitos junto a esses sujeitos, e

não possui projeto de monitoria.

De posse dos nomes e contatos de todos os educadores sociais que estavam

no perfil, iniciei nova mobilização para a concretização das entrevistas e demais ações

necessárias para a efetivação dos objetivos da pesquisa. Dos 19 (dezenove) educadores

mobilizados, compareceram para as entrevistas 12 (doze), sendo 9 (nove) vinculados ao

Programa Crescer com Arte e 3 (três) vinculados ao Programa Ponte de Encontro.

Para preservar a identidade dos profissionais, utilizei a denominação de

educador social, seguida de uma letra do alfabeto (de A até L), obedecendo à ordem das

entrevistas realizadas. Portanto, as suas falas, durante todo o trabalho, foram

identificadas dessa maneira. Assim, nos meses de novembro e dezembro de 2011,

31 Setor responsável pela contratação e desligamento dos profissionais da Instituição.

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32

apliquei um questionário de identificação junto aos educadores, antes de cada entrevista,

que me possibilitou traçar um perfil dos sujeitos da pesquisa.

É importante salientar que a aplicação do referido instrumental, a princípio,

pareceu-me um momento frio, com perguntas objetivas, mas a conclusão da tarefa

sempre desembocava em uma conversa descontraída, servindo de quebra gelo para o

momento posterior, a entrevista.

No item a seguir, apresento os sujeitos envolvidos na pesquisa, enfocando

os seus perfis e contextualizando suas experiências na condição de educadores sociais

da Coordenadoria-Funci. Assim, apresento ao leitor oito homens e quatro mulheres

jovens, que são sujeitos e protagonistas de suas histórias e da história dos Programas

Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro, que enriqueceram este trabalho com

seus depoimentos e enriquecem suas atuações profissionais mediante a socialização da

ressignificação de suas vidas.

1.3. Jovens educadores sociais: protagonistas de suas histórias e das histórias do

Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro

Como já informei anteriormente, defini previamente alguns critérios

objetivos para a escolha dos sujeitos da pesquisa, como a faixa etária (18 a 29 anos), a

categoria profissional (educadores sociais e/ou arte-educadores), o local de trabalho

(Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro) e o fato de já terem sido

atendidos em projetos sociais, resultando em uma entrevista com o coordenador de cada

programa, com uma supervisora de gestão e doze entrevistas com educadores sociais, já

denominados de educador de A até L.

As perguntas fechadas contidas no questionário de identificação, aplicado

junto aos educadores sociais, possibilitou-me traçar um perfil desses sujeitos,

sintetizado na tabela abaixo:

Tabela 3 – Perfil dos Jovens Educadores Sociais

Referência

(Identificação/Programa)

Idade Sexo Cargo Tempo no

Programa

Escolaridade

A

Crescer com Arte

26 M Educador

Social

3 anos e 8 meses Superior Incompleto

Educação Física

B

Crescer com Arte

21 M Arte

Educador

3 anos e 6 meses Ensino Médio

Completo

C 21 M Educador 4 anos Ensino Médio

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33

Crescer com Arte Social Completo

D

Crescer com Arte

29 F Arte

Educadora

1 ano Ensino Médio

Incompleto

E

Crescer com Arte

25 M Educador

Social

5 anos Superior Incompleto

Pedagogia

F

Crescer com Arte

25 M Arte

Educador

7 anos Ensino Médio

Completo

G

Ponte de Encontro

19 M Educador

Social

3 anos Ensino Médio

Incompleto

H

Ponte de Encontro

22 M Educador

Social

3 meses Ensino Médio

Completo

I

Ponte de Encontro

22 M Educador

Social

3 meses Superior Completo

Licenciatura em Artes

J

Crescer com Arte

24 F Arte

Educadora

7 anos Ensino Médio

Completo

K

Crescer com Arte

21 F Educadora

Social

3 anos Ensino Médio

Completo

L

Crescer com Arte

24 F Educadora

Social

2 anos e 8 meses Superior Incompleto

Pedagogia

Elaboração da própria autora.

Dos doze educadores sociais entrevistados, nove são vinculados ao

Programa Crescer com Arte e Cidadania, sendo cinco homens e quatro mulheres, e três

são vinculados ao Programa Ponte de Encontro, todos do sexo masculino. Em relação à

faixa de idade, apenas um educador está compreendido na faixa etária de 18 a 20 anos;

cinco estão compreendidos na faixa etária de 21 a 23 anos; assim como cinco

correspondem à faixa etária de 24 a 26 anos e um educador na faixa etária de 27 a 29

anos.

A maioria dos entrevistados é solteira, com exceção das educadoras D e L;

eles são vinculados à Instituição através de empresa de terceirização, com registros em

suas Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS) como educadores sociais (A, C,

E, G, H, I, K, L) ou instrutores de oficinas (B, D, F, J); possuem rendimento individual

correspondente a R$ 703,53 (setecentos e três reais e cinquenta e três centavos) e um

salário mínimo, respectivamente; trabalham no Programa há mais de dois anos, com

exceção da educadora D, que trabalha há um ano, e dos educadores H e I, que trabalham

há três meses.

Quanto à escolaridade, um possui ensino superior completo (I –

Licenciatura em Artes); três educadores possuem ensino superior incompleto (A –

Educação Física, E e L – Pedagogia), seis possuem ensino médio completo (B, C, F, H,

J e K) e dois estão cursando o ensino médio (D e G).

Todos fazem parte do quadro de profissionais da Funci, que comumente

contrata jovens, que já foram acompanhados por projetos sociais, em busca de

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34

enriquecer o processo de aprendizagem, compartilhando suas experiências de vida com

as crianças e os adolescentes inseridos nos projetos. Foram admitidos pela Instituição

através de convite, embora todos tenham se submetido à entrega de currículo. Alguns

vivenciaram um processo seletivo mais rigoroso, como os educadores D, E e L,

passando por avaliações escritas, entrevistas coletivas e vivências práticas.

Na intenção de compartilhar com o leitor um pouco dessas experiências, a

partir das questões abertas contidas no questionário de identificação, elaborei uma breve

contextualização acerca dos educadores sociais no ambiente institucional, a saber:

Tabela 4

Atividades, Habilidades, Motivações e Experiências dos Jovens Educadores Sociais

Educador Projeto/Área32 Atividade Habilida

de

Motivação Experiência O que almeja

A Crescer Santa

Filomena

Esporte Futebol Sente-se motivado

em desenvolver a

atividade por ter

aptidão. “Sempre

fui louco por

futebol”.

Iniciou como

adolescente

atendido na

escolinha de

futebol do projeto

Crescer com Arte.

Foi voluntário,

auxiliando o

instrutor, depois se

tornou monitor da

atividade,

recebendo bolsa de

monitoria, até

tornar-se educador

social, responsável

pela atividade.

Ser professor de

Educação

Física.

B Crescer Bela

Vista

Arte-educação Artes

visuais

Sente-se motivado

a desenvolver a

atividade por

possuir habilidade

com desenho,

gostar de dar aula

e aprender.

“Através dessa

linguagem e do

fato de ser

educador, a cada

dia que passa eu

aprendo mais”.

Iniciou como

adolescente

atendido no projeto

Crescer com Arte.

Depois se tornou

monitor com bolsa

e por destacar-se

foi convidado a

assumir a atividade.

Adquirir mais

teoria para

desenvolver a

sua atividade

profissional.

C Crescer Bela

Vista

Educação Social:

acompanhamento

dos adolescentes,

desenvolvimento

de oficinas

Teatro Sente-se motivado

a desenvolver a

atividade pela

possibilidade de

multiplicar com os

Iniciou como

adolescente

atendido no projeto

Crescer com Arte.

Tornou-se monitor

Viajar,

participar de

companhias de

teatro.

32 O leitor deve observar que os Programas Crescer com Arte e Ponte de Encontro acontecem em algumas

áreas de Fortaleza, daí levar o nome de alguns bairros da Cidade, como Santa Filomena, Bela Vista entre

outros que aparecem no quadro.

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35

temáticas. adolescentes o seu

aprendizado. “O

que a gente

vivencia em

oficina, em

dinâmica é muito

bom, é muito

construtivo”.

de teatro, depois

arte-educador da

atividade e hoje é

educador social.

D Crescer

Palmeiras

Arte-educação Dança Sente-se motivada

a desenvolver a

atividade por que

sempre gostou de

ensinar. “Comecei

a dançar com 12

anos de

brincadeira, mas

não imaginava que

iria ensinar. Hoje

não me vejo

fazendo outra

coisa”.

Foi atendida em

uma ONG

(Escuta)33 da

comunidade desde

os 15 anos de

idade, na atividade

de dança. Depois

passou a ministrar a

oficina. Essa

experiência foi

preponderante para

assumir a atividade

de dança na Funci.

Não deixar a

dança morrer e

cultivar as

raízes

nordestinas.

E Crescer

Jangurussu

Educação Social:

acompanhamento

dos adolescentes,

desenvolvimento

de oficinas

temáticas.

Teatro e

Dança

Sente-se motivado

a desenvolver a

atividade por

gostar do que faz.

“É o que eu gosto

de fazer. Quando

me imagino

fazendo outra

coisa, não consigo

me encontrar”.

Iniciou como

adolescente

atendido em

projetos da

sociedade civil,

desenvolvidos pela

DIACONIA34.

Sempre exerceu

liderança, foi

monitor e considera

tais experiências

fundamentais para

ter assumido uma

vaga na Funci.

Ser pedagogo,

sem deixar de

lado a Educação

Social.

F Crescer

Granja

Portugal

Arte-educação Artes

visuais

Sente-se motivado

a desenvolver a

atividade por ter

aptidão com o

desenho e por

gostar muito.

“Desenvolvendo

esse trabalho, eu

me satisfaço pra

„caralho‟”.

Iniciou como

adolescente no

projeto Crescer

com Arte. Tornou-

se monitor, depois

foi contratado

como auxiliar da

oficina. Em seguida

foi convidado a ser

o arte-educador

responsável.

Possuir uma

formação na

área de cinema.

G Ponte/Casa de

Passagem

Educação Social:

abordagem de

rua e redução de

danos.

Música Sente-se motivado

a desenvolver a

atividade pela

possibilidade de

retribuir aos

adolescentes o que

ele pôde vivenciar.

“O que me motiva

a exercer essa

função é o mesmo

amor que me

Iniciou como

adolescente

atendido em

diversos projetos

da Funci. Tornou-

se monitor, foi

protagonista de

alguns filmes da

Instituição, até

tornar-se educador

social do Ponte de

Quer ser músico

profissional.

33 Espaço Cultural Frei Tito de Alencar, ONG situada no Bairro Planalto Pici, em Fortaleza/CE. 34 ONG representada por sete igrejas evangélicas que desenvolvem ações nos bairros Bom Jardim,

Jangurussu e Planalto Pici. O nome significa serviço, ou seja, igrejas evangélicas a serviço da sociedade.

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36

repassaram. E a

vontade de querer

ajudar a melhorar

outras

comunidades,

além da minha”.

Encontro.

H Ponte/Siqueira

e Bom Jardim

Educação Social:

abordagem de

rua e esportes.

Futebol Sente-se motivado

a desenvolver a

atividade pelo

desejo de ajudar ao

próximo. “A

Educação Social

me ajuda muito,

me faz ajudar esse

pessoal que tá

precisando no

momento”.

Iniciou como

adolescente

atendido pelo Ponte

de Encontro.

Tornou-se monitor

da atividade de

esporte e

recentemente foi

contratado pela

Funci como

educador social.

Deseja que o

educador social

tenha mais

autonomia na

Instituição.

I Ponte/Siqueira

e Barra do

Ceará

Educação Social:

abordagem de

rua e esportes

Surfe Sente-se motivado

a desenvolver a

atividade pela

oportunidade de

ser uma referência

na sua comunidade

e por ter aptidão

para o esporte.

“Sou considerado

uma referência na

minha

comunidade,

através do surfe,

esporte que amo,

posso possibilitar

a transformação”.

Iniciou como

adolescente

atendido em

projetos na sua

comunidade

(ARCA,

Associação Barra

Surfe Clube)35. Foi

monitor de esporte

em um dos projetos

atendidos.

Conheceu o

trabalho da Funci,

entregou currículo,

por orientação de

educadores da

referida instituição

e foi selecionado.

Almejava ser

um surfista

profissional,

mas esse sonho

foi adiado. Hoje

busca facilitar

conhecimentos.

J Crescer Santa

Filomena

Arte-educação Música Sente-se motivada

a desenvolver a

atividade pela

possibilidade de

promover a

socialização das

pessoas. “Somos

educadas para

competir com o

outro; a Educação

Social permite o

contato com o

outro, a

afetividade, a

sociabilidade”.

Foi atendida em

projeto da

comunidade

(ENXAME)36.

Depois foi atendida

pela Funci (Crescer

com Arte), foi

monitora e tornou-

se arte-educadora.

Quer ter uma

formação em

Arte.

K Crescer

Granja

Portugal

Educação Social:

acompanhamento

dos adolescentes,

Teatro Sente-se motivada

a desenvolver a

atividade pela

Foi atendida em

projetos da

comunidade

Quer ser

assistente social.

35 A ARCA (Associação Recreativa e Esportiva para Crianças e Adolescentes) é uma ONG que trabalha o

esporte como fator socializador, com intervenção em diversos bairros da cidade de Fortaleza. Já a

Associação Barra Surfe Clube, era uma associação dos moradores da Barra do Ceará que incentivava a

profissionalização do surfe junto às crianças e adolescentes da região. Foi extinta, mas não tenho a

informação da data precisa de sua extinção. 36 ONG situada no Bairro Mucuripe, que trabalha com foco na arte-educação.

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37

desenvolvimento

de oficinas

temáticas.

identificação com

o trabalho. “Eu

não me vejo

trabalhando em

outra área a não

ser a área social”.

(Káritas,

CEDECA/CE)37.

Atuou como

voluntária. Depois

foi atendida pela

Funci (Adolescente

Cidadão38), foi

monitora e tornou-

se educadora

social.

L Crescer Santa

Filomena

Educação Social:

acompanhamento

dos adolescentes,

desenvolvimento

de oficinas

temáticas.

Teatro Sente-se motivada

a desenvolver a

atividade pela

oportunidade de

efetivar direitos.

“Luto pelos

direitos das

crianças e dos

adolescentes,

desde quando era

adolescente da

Rede OPA39”.

Foi atendida em

projetos da

comunidade

(DIACONIA e

CEDECA/CE).

Destacou-se como

protagonista

juvenil. Fez seleção

para a Funci.

Iniciou no

DDCA40, depois foi

remanejada para o

Crescer.

Ser pedagoga.

Elaboração da própria autora.

Como evidenciou o perfil e a contextualização, existem os educadores

sociais e os arte-educadores. Todos possuem responsabilidades e atividades que se

confundem, mas com carga horária e salários diferenciados41

. Os jovens sequer

mencionaram as diferenças quanto ao registro em suas CTPS e as diferenciações

existentes entre os Programas.

Tendo como base o Projeto Político-Pedagógico do Programa Crescer com

Arte, no tocante às atribuições dos educadores sociais e arte-educadores (instrutores de

oficinas) existe uma atividade específica para cada cargo – realizar atividades de cunho

socioeducativo e realizar oficinas na sua linguagem artística, respectivamente. Mas

37 Káritas Diocesana do Brasil, instituição vinculada à Igreja católica, com projetos desenvolvidos em

diversos bairros de Fortaleza. E o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará, que

desenvolve ações de empoderamento de crianças e adolescentes para atuarem ativamente na construção

do orçamento público do segmento. 38 Projeto desenvolvido pela Coordenadoria-Funci que está inserido no Programa que recebe o mesmo

nome e visa o desenvolvimento de ações de formação e profissionalização para jovens de 16 a 21 anos. 39 A Rede OPA é uma ação de formação junto a crianças, adolescentes e jovens, desenvolvida pelo

CEDECA/CE e que tem por objetivo possibilitar a discussão do orçamento público para o referido

segmento. 40 Disque Direitos Criança e Adolescente, serviço municipal de defesa dos direitos das crianças e dos

adolescentes que recebe denúncias de violação dos direitos desses sujeitos. 41 O educador social trabalha 8h diárias e recebe o equivalente a R$ 703,53 (setecentos e três reais e

cinquenta e três centavos). O instrutor de oficina trabalha 4h diárias e recebe o equivalente a R$ 545,00

(quinhentos e quarenta e cinco reais). Ressalta-se que a partir de janeiro de 2012 o salário mínimo passou

a ser o equivalente a R$ 622,00 (seiscentos e vinte e dois reais).

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38

inúmeras atividades devem ser desenvolvidas por ambos, como visitas domiciliares,

promover atividades externas etc., sob a justificativa de complementaridade.

No que diz respeito às diferenciações na carga horária, salários e registros

nas CTPS, não houve nenhuma explicação. Afinal, porque o profissional responsável

por desenvolver o esporte é contratado como educador social e trabalha oito horas e a

profissional de dança é instrutora de oficina e trabalha quatro horas? Tal questão pode

estar relacionada à valorização do cunho artístico em detrimento do perfil genérico do

educador social? Mais adiante, em capítulo posterior, retomo a questão.

No Programa Ponte de Encontro não existe essa diferenciação entre

categorias profissionais de educador social e arte-educador. Todos são contratados

como educadores sociais e devem realizar a atividade de abordagem de rua durante oito

horas diárias. Os educadores que porventura possuírem alguma habilidade artística e/ou

esportiva podem utilizá-la como reforço na aproximação e fortalecimento dos vínculos

com as crianças e os adolescentes atendidos.

Outro aspecto observado na contextualização é o fato de tanto a habilidade

como a aptidão por alguma linguagem artística serem preponderantes, assim como a

identificação e a paixão pelo que exercem. Mesmo os que vislumbram outras

possibilidades de atuação – ser professor de educação física, pedagogo e cineasta –

como relataram os educadores A, E, F, respectivamente, as possíveis atividades que

venham desenvolver no futuro possuem relação com as do presente.

Na maioria dos casos se concretizou o que denominamos “juntou-se o útil

ao agradável”, uma vez que estavam desenvolvendo suas atividades, recebendo bolsas

de monitoria e puderam dar continuidade, agora sendo mais bem remunerados. Porém,

esta melhoria salarial somada à paixão e o fato de desenvolverem o que gostam podem

mascarar uma consciência crítica quanto à possível exploração da força de trabalho,

percebida nas entrelinhas das falas e na análise dos documentos institucionais.

Mas, afinal, o que credencia uma pessoa a ser um educador social? O fato

de ter sido atendido em projetos sociais contribui para melhor atuação profissional?

Existe um perfil mínimo? Que competências e habilidades são exigidas? A habilidade e

a aptidão artística são condições necessárias? Como essa categoria se inseriu no âmbito

das políticas públicas/projetos sociais? E o que os sujeitos pesquisados percebem sobre

isso?

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39

Essas questões serão respondidas ao longo de todo o trabalho, levando em

consideração a política desenvolvida pela Coordenadoria-Funci e, especificamente, as

ações dos programas onde os jovens educadores sociais estão inseridos, que apresento

no capítulo seguinte.

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40

CAPÍTULO 2 – A EDUCAÇÃO SOCIAL NOS PROGRAMAS CRESCER COM

ARTE E CIDADANIA E PONTE DE ENCONTRO: INTERVENÇÕES

POSSÍVEIS

Tanto a criança quanto o adolescente ocuparam espaços consideráveis na

agenda política das intenções; faltou, infelizmente, que sua causa se inserisse

na agenda política das ações, efetivamente.

Rejane Batista Vasconcelos

No Brasil, houve um grande crescimento dos grupos etários de 15 a 24 anos

durante a década de 1990. Esse processo foi o resultado da dinâmica demográfica do

passado recente e é conhecido como a “onda jovem” (RIBEIRO; LOURENÇO, 2003).

Porém, ressaltam as autoras, que não se desconhece que, quando um determinado

segmento se amplia significativamente na pirâmide populacional, emerge a exigência de

planificação de ações públicas para atender as demandas que se instalam a partir do

fenômeno.

As mudanças sociais42

das últimas décadas colocaram a juventude em

evidência. Os reflexos de tais mudanças acabam por atingir, violentamente, as crianças

e os jovens, revelando o aumento de alguns fenômenos como: a exploração sexual

infanto-juvenil, a exploração do trabalho infantil, a exclusão dos jovens do acesso à

educação e ao mercado de trabalho e, sobretudo, o elevado índice de mortes violentas

entre os jovens.

Segundo Diógenes (2003, p. 52), “a juventude tem se projetado como

vitrine da vida social”. Porém, a vitrine que ganha expressão pública, hoje, é a da

violência causada e sofrida pelos jovens, que acabam sendo estigmatizados e percebidos

como “perigosos”, “marginais”. Não convém reforçar ou ficar apático frente à utilização

de adjetivos negativos para ilustrar a “fase da vida” de um jovem, levando à equivocada

concepção de que a juventude é homogênea.

Não há unanimidade acerca do conceito de juventude, mas adoto aqui a sua

conceituação enquanto produção sócio-histórica-cultural, já que cada época e sociedade

admitem sua concepção própria e lhe atribui funções específicas.

42 Indicadores sociais do IBGE e do Relatório Mundial sobre a Juventude, produzido em 2005, pela

Organização das Nações Unidas (ONU) informam que na faixa etária correspondente à população jovem

se encontram os piores índices de evasão escolar, de desemprego, de falta de formação profissional, das

mortes por homicídio, envolvimento com drogas e com a criminalidade.

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41

Em consonância com a perspectiva de juventude como construto histórico-

social, trago a elucidativa fala de Groppo (2000, p. 13):

as faixas etárias reconhecidas pela sociedade moderna sofreram várias

alterações, abandonos, retornos, supressões e acréscimos ao longo dos dois

últimos séculos. Do mesmo modo, as categorias sociais que delas se

originaram também tiveram mudanças e até supressões. Giraram em torno de

termos como infância, adolescência, juventude, jovem-adulto, adulto,

maturidade, idoso, velho, terceira idade e outros. No tocante aos três

momentos básicos do curso da vida social – nascimento-ingresso na

sociedade, fase de transição e maturidade –, muitas divisões e subdivisões

foram criadas, recriadas e suprimidas ao sabor das mudanças sociais,

culturais, e de mentalidade, pelo reconhecimento legal e na prática cotidiana.

E, acrescenta o autor, “encontramos, do século XIX até o início do século

XX, uma noção de juventude engendrada pelas práticas e discursos das instituições

sociais oficiais, estatais, liberais, burguesas, capitalistas etc., noção legitimada pelas

ciências modernas” (GROPPO, 2000, p. 18).

De acordo com Ribeiro e Lourenço (2003, p. 48), a juventude tem sido

objeto de sucessivas mitificações, conforme assinalam, “a própria abstração da categoria

juventude, hoje cada vez mais manipulada, impede o mapeamento cognitivo

indispensável a sua transformação em sujeito”.

Levi e Schmitt (1996, p. 08), conceituando a juventude, afirmam que:

a juventude é uma construção social e cultural [...]. Se situa no interior das

margens móveis entre a dependência infantil e a autonomia da vida adulta,

naquele período de pura mudança e de inquietude em que se realizam as

promessas da adolescência, entre a formação e o pleno florescimento das

faculdades mentais, entre a falta e a aquisição de autoridade e de poder.

Nesse sentido, nenhum limite fisiológico basta para identificar analiticamente

uma fase da vida que se pode explicar melhor pela determinação cultural das

sociedades humanas segundo o modo pelo qual tratam de identificar, de

atribuir ordem e sentido a algo que parece tipicamente transitório, vale dizer,

caótico e desordenado.

Pais (2003, p. 31) destaca, no entanto, que a juventude “só começou a ser

vulgarmente encarada como fase de vida quando, na segunda metade do século XIX, os

problemas e tensões a ela associados a tornaram objeto de consciência social”.

É importante mencionar que as políticas voltadas à juventude sempre foram

pensadas como possibilidades de intervenção junto aos problemas e tensões a ela

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42

associados, como assinalou Pais (2003). Na maioria das vezes, encarando-a numa

perspectiva geracional43

, que apresenta a noção de juventude entendida no sentido de

fase da vida (homogênea) e ou classista, que acredita que a reprodução social é

fundamentalmente vista em termos de reprodução das classes sociais. Para Pais (2003,

p. 37), “a juventude deve ser olhada não apenas na sua aparente unidade, mas também

na sua diversidade”.

Conforme alerta Abramo (1997, p. 26), “no Brasil, [...], nunca existiu uma

tradição de políticas especificamente destinada aos jovens, como alvo diferenciado do

das crianças, para além da educação formal”. Acrescenta a autora que a maior parte das

ações desenvolvidas junto à juventude divide-se em dois tipos de programas: os

programas de ressocialização, por meio da educação não-formal, oficinas ocupacionais,

atividades de esporte e arte; e os programas de capacitação profissional, que nem

sempre qualificam efetivamente o jovem para o mercado de trabalho. Segundo Abramo

(1997, p. 26), “todos eles visando dirimir ou pelo menos diminuir as dificuldades de

integração social desses adolescentes em desvantagem”.

De acordo com Cohn (2004, p. 161), “os jovens, [...], situam-se numa

categoria transitória – da infância para a maturidade –, a eles cabendo a garantia do

acesso à educação e à saúde”. Segundo a autora, a juventude não tem lugar no sistema

de proteção social brasileiro, a não ser em programas pontuais que, na maioria das

vezes, não apresentam uma concepção mais ampla que fundamente um sistema de

seguridade social. Nessa perspectiva, a juventude acaba não sendo contemplada pelas

políticas de proteção social, ou seja, “na prática ainda prevalece no país a concepção de

seguro social em detrimento daquela de seguridade social” (COHN, 2004, p. 161).

É nesse contexto, portanto, que apresento os Programas Crescer com Arte e

Cidadania e Ponte de Encontro, para situar o leitor quanto aos locais de atuação dos

jovens educadores sociais, a partir da leitura e análise dos seus Projetos Político-

Pedagógicos (PPPs), que me foram disponibilizados em fevereiro de 2010 e dezembro

de 2011, respectivamente.

Antes de apresentar os dois programas, considerei pertinente relatar

brevemente as origens da Educação Social, uma vez que ela é considerada o “carro

43 Os instrumentos normativos que versam acerca dos direitos das crianças, adolescentes e jovens

claramente utilizam o critério etário como forma de identificar as fases da vida.

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43

chefe” das ações desenvolvidas pela Coordenadoria-Funci e alguns leitores podem não

possuir familiaridade com a temática.

Em seguida, após a apresentação dos programas, analiso como a Educação

Social é desenvolvida no âmbito desses programas e como esse desenvolvimento é

percebido pelos jovens educadores sociais e pelos gestores envolvidos na pesquisa. Em

todo o texto, além da leitura e análise dos documentos institucionais, trago como

complementação os depoimentos de alguns educadores sociais e dos coordenadores dos

programas que, de certa forma, registram conflitos com os PPPs.

2.1. Educação Social: passos históricos

De acordo com Machado (2011, p. 260), “a consolidação da Pedagogia

Social como campo teórico tem apresentado um processo marcante de discussão da

construção histórica da área e da busca de seus antecedentes.” Ressalta a autora que os

estudos sobre o fenômeno apresentam um cenário abrangente, global, diversificado e

sem fronteiras, que, inicialmente, estiveram centralizados em alguns países da Europa44

,

depois se espalharam por todo o continente, e se estenderam para a América Latina45

,

América do Norte e países da África.

A autora, utilizando-se da classificação elaborada por Caride (2005),

apresenta as etapas da Pedagogia Social, a partir da sequência cronológica e da

identificação de suas produções relevantes relacionadas à área, de:

(i) Antecedentes, que se referem à existência de uma pedagogia-Educação

Social implícita. Nessa etapa estão incluídos os primórdios dos

processos educativos, mesmo entre povos sem tradição escrita,

destacando-se o período compreendido entre a época clássica e

metade do século XVIII, considerado período da evolução do

pensamento “pedagógico-educativo social”;

(ii) Origens, que se referem ao tempo histórico em que surge uma

Pedagogia social explícita. Corresponde ao período que compreende

desde o início da referência à expressão Pedagogia social, passando

pela incorporação do conceito e que segue até os anos trinta do

século XX;

(iii) Retrocessos e transição. O período do retrocesso, compreendido entre

os anos trinta e início dos anos quarenta, corresponde à fase em que

a Pedagogia social se submete aos poderes políticos, de tendência

fascista e autoritária. Representou um rompimento com os princípios

44 Na Alemanha, Espanha, Itália e França. 45 Especialmente Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e México.

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iniciais. Já o período de transição se refere à retomada da

congruência entre o pensamento pedagógico, práticas educacionais e

necessidades sociais. Situa-se entre os anos quarenta e até os anos

setenta, no pós-guerra e no Estado de Bem-Estar que se implantou

na Europa e que reconceituou Educação e Trabalho Social na teoria

e nas metodologias;

(iv) Expansão, que se refere ao período atual que se iniciou nos anos

oitenta e no qual se verifica crescente institucionalização e

consolidação da Pedagogia social no campo científico, acadêmico e

profissional. Com a sociedade globalizada, há um progressivo

reconhecimento das contribuições pedagógicas sociais para a

construção de novos horizontes sociais (MACHADO, 2011, p. 261

apud CARIDE, 2005).

Machado (2011) afirma que existem alguns consensos acerca do fenômeno

– Educação, Pedagogia Social –, quais sejam: o primeiro está relacionado ao fato de se

considerar que o período compreendido entre o final do século XIX e início do século

XX, que revolucionou a Pedagogia, sob o olhar atual, não foi o primeiro momento em

que houve a inclusão do social nas referências à educação na sociedade. Afinal, desde o

mundo clássico, segundo a autora, surgiram precursores que se expressaram em

diferentes manifestações teóricas ou que desenvolveram ações com a intencionalidade

de incluir e atender a questão social pela via da educação, como Platão46

(430-347 a.C),

Aristóteles47

(384-322 a.C), Santo Tomás de Aquino48

(1225-1274), Comenius49

(1592-

1670), Locke50

(1632-1704), Rousseau51

(1712-1778), entre outros; o segundo consenso

relaciona-se ao fato de que as bases da Pedagogia Social, como teoria, foram

construídas na Alemanha.

Sobre o segundo consenso, Silva (2011, p. 56), utilizando-se da obra de

Santos (2007), demonstra que a Educação Social remonta ao século XIX, na

46 De acordo com Machado (2011), Platão, na obra A República, apresenta um verdadeiro tratado de

pedagogia social para a cidade da época e em As Leis, apresenta a organização da escola e defende uma

educação integral. 47 Ainda segundo Machado (2011), Aristóteles, na obra A Política, apresenta sem diferenciação uma

pedagogia social com a política e trata da dimensão social da educação na família, nos grupos e na cidade. 48 Santo Tomás de Aquino, de acordo com Machado (2011), entende a educação como um processo

intencional e retoma a obra de Aristóteles, acrescentando as questões da fé, da espiritualidade e da

religião. 49 Afirma Machado (2011) que Comenius propõe uma ruptura com os modelos já consolidados de

educação das elites governantes, com uma educação para todos, independentemente da situação social e

econômica. 50 Locke defende uma educação utilitária, no sentido moral, intelectual e físico. 51 Rousseau, na obra Contrato Social, defende a construção de um novo projeto de sociedade baseado nos

princípios de igualdade e fraternidade voltadas à justiça e à paz social.

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45

Alemanha52

, visando se apresentar como alternativa à educação escolar, vista como

“elitista e verbalista, enfatizando apenas o desenvolvimento individual em detrimento

da dimensão social.” Nesse contexto, salienta o autor que, a Educação Social aparece

como proposta educativa, com caráter de intervenção na realidade social, sobretudo por

meio do desenvolvimento e integração das pessoas em seus grupos sociais.

A proposta educativa da Educação Social com caráter de intervenção na

sociedade perdurou no século XX53

. Segundo Silva (2008), embasado na obra de

Ribeiro (2006), “Espanha e Portugal no pós-guerra viram nascer esta forma de

intervenção social para enfrentar as problemáticas que envolviam as crianças e jovens

que haviam perdido suas famílias na Segunda Guerra Mundial” (SILVA, 2008, p. 17).

Utilizando-se da obra de Romans, Petrus e Trilla (2003), Silva (2008) relata

que em 1990, a Espanha inaugurou a formação universitária de educador social seguida

por Portugal. Segundo o autor, as duas formações, em busca de construir a identidade

do educador social, definem algumas características desejáveis para este profissional.

Considera que na formação espanhola há ênfase em algumas características como “ser

criativo, otimista e realista, capaz de ações construtivas e otimizadoras, pertinentes à

possibilidade de transformação da realidade vivenciada” (SILVA 2008, p. 17 apud

ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003). Quanto à realidade portuguesa, Silva (2008)

afirma, com apoio em Carvalho e Baptista (2004), que o saber profissional do educador

exige a “reflexibilidade, polivalência técnica, criatividade, adaptabilidade e dinamismo”

(SILVA, 2008, p. 17 apud CARVALHO; BAPTISTA, 2004).

Buscando definir as funções e competências do educador social, Romans,

Petrus e Trilla (2003, p. 125) afirmam que

o educador social é o profissional da Educação Social que deve traduzir em

objetivos educativos a incumbência que a organização lhes confere; que seus

usuários podem ser pessoas, grupos e instituições; que tem definido um

marco de atuação; que pode estar integrado em equipes de trabalho; que

dispõe de recursos institucionais públicos e/ou privados e que requer uma

52 Hoje, a Alemanha é reconhecida como a pátria-mãe da Pedagogia Social, que assume diferentes

configurações em outros países europeus. In: NETO; SILVA; MOURA. Pedagogia Social. São Paulo:

Expressão e Arte, 2009. 53 Segundo Silva (2011), já no século XX, Paul Nartop, considerado o pai da Educação Social, publicou o

livro Pedagogia Social, mantendo a diferenciação entre a educação escolar e a extra-escolar, assinalando

que a primeira não atenderia a alguns valores como a solidariedade, nem seria capaz de promover os

“marginalizados”. In: SILVA. Vou para a rua e bebo a tempestade: representações de educadores de rua

de Fortaleza. UFC, 2011 (dissertação de mestrado).

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formação contínua para otimizar seu desenvolvimento pessoal e melhorar no

exercício de sua profissão.

Convém ressaltar, antes de abordar a realidade da Educação Social na

América Latina, que além dos cursos de bacharelado, licenciatura, mestrado e doutorado

em Educação Social, desenvolvidos nos países europeus (Espanha e Portugal), existe

uma consolidada organização desses trabalhadores em entidades políticas, por meio da

Associação Internacional de Educadores Sociais (AIEJI), atualmente sediada na Suíça,

possuindo mais de vinte países sócios (SILVA, 2011).

Quanto às origens da Educação Social na América Latina, segundo Silva

(2011), ainda embasado na obra de Santos (2007), emergiu em meio aos regimes

ditatoriais e processos de redemocratização, como no Uruguai54

e Brasil,

respectivamente. Segundo o autor, o foco de atuação nesse período eram as crianças e

adolescentes que viviam nas ruas, excluídos da educação escolar. A Pedagogia de Paulo

Freire era utilizada como referencial teórico para embasar as práticas dos educadores

sociais nos dois países. No entanto, Silva (2011) considera que o Uruguai avançou na

organização desses profissionais, pois hoje vivencia o processo de construção de um

currículo acadêmico para a formação de educadores sociais.

No Brasil, a Educação Social ainda hoje é costumeiramente associada ao

enfrentamento das problemáticas que envolvem crianças e adolescentes em situação de

rua55

, por meio da atuação de educadores sociais, voluntários, vinculados à Igreja ou

organizações não-governamentais, que desenvolvem suas ações na própria rua,

mediante programas sociais governamentais como o que explicitei aqui, o caso dos

programas da Coordenadoria-Funci.

A imagem da vinculação com instituições privadas, como ONGs e Igreja,

vem sendo desconstruída historicamente, mas é fruto dos primórdios da Educação

Social no Brasil, especificamente da década de 1980, quando se intensificou a luta pelo

54 “Na América do Sul, a maior referência para a Pedagogia Social é o Uruguai” (NETO; SILVA;

MOURA, 2009, p. 24). 55 Aqui, é interessante abrir um parêntese para explicitar a conceituação do termo “situação de rua”, que

evoluiu das classificações iniciais de “crianças de rua” e “crianças na rua”. Segundo Oliveira (2004, p.

28), “a classificação em “crianças de rua” e “crianças na rua” foi proposta pelo UNICEF, para diferenciar

as crianças que já não mantém vínculo com família ou grupo substitutivo (as “de rua”) das que passam

grande parte de seu tempo “na rua”, mas mantém vínculos com suas famílias e comunidades de origem”.

Mas, Paludo e Koller (2008), utilizando-se da fundamentação de Alves (1991), consideram que tais

classificações estão superadas por serem tênues e de difícil limitação precisa acerca dos vínculos e da

utilização do espaço da rua. Nesse sentido, Koller e Hutz (1996) sugeriram a denominação deste grupo

como “crianças em situação de rua”.

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fim da segregação e institucionalização de crianças e adolescentes em instituições

públicas. Como é sabido, retirar do convívio social, segregar as crianças e adolescentes

em instituições, era uma característica marcante das práticas governamentais adotadas,

sobretudo em relação às crianças e adolescentes em situação de rua.

Surgiram, nesse cenário, os educadores sociais ou educadores de rua. Eram

os profissionais encarregados da educação dos meninos e meninas em situação de rua

responsáveis pela disseminação das novas ideias e do ideal de solucionar os problemas

desse contingente populacional em seu próprio ambiente, valorizando o potencial, a

opinião, o ideal e os sonhos de cada criança e adolescente. Tratava-se de um movimento

para dar respostas à demanda crescente de crianças e adolescentes em situação de

moradia nas ruas das grandes cidades.

Ao longo do tempo, o locus de atuação do educador social se ampliou e este

passou a integrar significativamente o quadro das instituições governamentais (abrigos,

centros educacionais, projetos sociais em geral), com a intenção de superar as ações

meramente formais e disciplinadoras, pelo menos no discurso institucional.

Segundo Silva (2011), o Estado do Ceará é pioneiro em pautar e ampliar os

espaços de atuação e mobilização dos educadores sociais. O autor cita como exemplos,

para essa afirmação, a existência do Sindicato dos Trabalhadores em Instituições de

Estudos, Pesquisas e Assistência ao Bem Estar da Criança e do Adolescente –

SINTBEM/CE56

, bem como da Associação de Educadores Sociais do Ceará – AESC57

.

Silva (2011) também destaca o fato do Estado do Ceará ter instituído o dia

municipal e estadual dos educadores sociais, comemorado no dia 19 de setembro, em

homenagem ao educador Paulo Freire, uma vez que esse dia e mês é a data de seu

aniversário natalício. Esse dia é marcado por mobilizações, protestos e audiências

públicas para a discussão das questões que envolvem a categoria profissional.

É importante mencionar que se encontra em trâmite no Congresso Nacional

(Câmara dos Deputados) o Projeto de Lei (PL-05346/2009), de autoria do deputado

56 O SINTBEM/CE recebeu essa denominação em 1995, a partir de um redimensionamento dado pela

Associação dos Servidores da FEBEMCE, criada em meados da década de 1980. De acordo com Silva

(2011), hoje o SINTBEM/CE possui, como membros, servidores e terceirizados da Secretaria do

Trabalho e Desenvolvimento Social do Governo do Estado do Ceará – STDS, Secretaria de Direitos

Humanos de Fortaleza – SDH e funcionários de ONGs que atuam na mesma área. 57 Ainda segundo Silva (2011), a AESC foi fundada no ano de 2004; é sediada no Centro de Fortaleza e

tem centrado seus esforços na luta pelo reconhecimento da profissão. Assim como mantém relações com

a AIEJI.

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federal Chico Lopes (PCdoB/CE), apresentado em 03 de junho de 2009, que dispõe

sobre a criação da profissão de educador e educadora social no Brasil.

Agora, após a breve explanação das origens da Educação Social, passo a

apresentar aos leitores os programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro.

2.2. O Programa Crescer com Arte e Cidadania: a arte-educação como

possibilidade de transformação

O Projeto Político-Pedagógico (PPP) do Programa Crescer com Arte e

Cidadania, elaborado em outubro de 2010, constituiu-se na minha principal fonte

documental acerca do Programa. Ele apresenta um apanhado geral do histórico, das

ações desenvolvidas, metodologias, critérios de inserção e desligamento dos

adolescentes, entre outras informações sobre o Programa Crescer com Arte e Cidadania.

Assim, no referido documento, consta que o Programa foi criado em 1996

(na gestão do prefeito Antônio Cambraia), mediante convênio firmado entre a Funci e o

Exército Brasileiro. Os projetos funcionavam em quatro quartéis de Fortaleza,

localizados nos bairros Fátima, Dias Macedo, Jardim América e Antônio Bezerra58

.

Àquela época, eram realizadas intervenções diretas com crianças e adolescentes em

situação de rua, com o desenvolvimento de atividades musicais (banda musical),

serigrafia e produção de materiais de limpeza. Naquele período, observou-se grande

interesse do público atendido pelas artes e pela educação ambiental.

58Para situar o leitor, apresento um pouco da história dos bairros de Fátima, Dias Macedo, Jardim

América e Antônio Bezerra, tendo como fonte de pesquisa as matérias elaboradas pela TV Verdes Mares

– Meu Bairro na TV – veiculadas no ano de 2009, a saber: a religiosidade é a maior referência do bairro

de Fátima. No bairro tudo faz lembrar nossa senhora de Fátima que dá nome ao lugar. A igreja de um

lado, do outro a imagem da santa no centro da praça. Segundo os moradores, a Avenida 13 de Maio

recebeu esse nome por causa do dia da abolição da escravatura no Brasil. Este é um bairro, antes de tudo,

acolhedor. Todo mês recebe visitantes de várias partes de Fortaleza e até de outros municípios para as

missas, sempre nos dias 13; o bairro Dias Macedo surgiu na década de 1960, quando a área cheia de sítios

e uma fazenda começou a receber moradores vindos do interior do Estado. A localização, próxima a BR-

116, facilitou o crescimento. A família Macedo, deu nome ao bairro, pois era a que possuía mais terras na

região; o bairro Jardim América é antigo. A praça principal, no limite com o bairro Damas, é referência

no local. “A praça veio primeiro de tudo. O primeiro nome do bairro é da ligação com a praça Presidente

Roosevelt. O bairro se desenvolveu ao redor da praça. A ideia da época de quem desenvolveu era

realmente criar o jardim das Américas”, explica um dos diretores da associação de moradores, Márcio

Martins; o bairro Antônio Bezerra homenageia um importante cearense (Antônio Bezerra de Menezes,

poeta, historiador e naturalista brasileiro, nascido no Ceará). Ainda no século XIX, era um ponto de

encontro de intelectuais como Justiniano de Serpa e Antônio Sales. 150 anos depois, não resta nada desse

passado. Hoje um bairro completamente urbanizado. Fonte: http://tvverdesmares.com.br, pesquisa

realizada em 22 de maio de 2011.

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Ainda em 1996, houve ampliação do público atendido, tendo sido

identificada a importância de desenvolver trabalhos com filhos e filhas de presidiárias.

Desde então, foi instituído um projeto no Centro Social Urbano Marta Cambraia59

com

oficinas de música. Em 1997, outras parcerias foram firmadas, originando as oficinas de

teatro de bonecos e dança, ambas desenvolvidas nas casinhas do “Parque das Crianças”.

No ano 2000 (gestão do prefeito Juraci Magalhães), foram definidas três

unidades do Programa Crescer com Arte e Cidadania. A primeira e mais antiga no

bairro Centro60

, que realizava atividades de música e serigrafia; a segunda no bairro

Vila União61

, que desenvolvia atividades de dança, teatro e teatro de bonecos, e a

terceira no bairro Jangurussu62

, que desenvolvia atividades de flauta, canto coral e

banda.

É importante registrar que a unidade do Jangurussu foi instalada por uma

exigência do Ministério Público Estadual, em virtude do processo de desativação da

rampa de lixo localizada no bairro. Inicialmente, o projeto funcionava na Escola André

Luis, que ficava na região do entorno da desativada rampa. Porém, em setembro de

2000, após parceria firmada entre a Funci e a Empresa Municipal de Limpeza e

Urbanização de Fortaleza (EMLURB), o projeto passou a funcionar na usina de

resíduos sólidos do Jangurussu.

Em 2005 (gestão da prefeita Luizianne Lins), o Programa Crescer com Arte

passou por algumas mudanças em sua metodologia de trabalho e objetivos. Assim,

segundo consta em seu projeto político-pedagógico, o programa passou a ter a

finalidade de desenvolver ações que estimulem o exercício da cidadania, o

59 Os Centros Sociais Urbanos (CSUS) foram instalados à época da gestão do prefeito Antônio Cambraia

(1993-1996), que homenageou a sua esposa Marta Cambraia colocando o seu nome em um CSU. A partir

do ano de 2005, os equipamentos sociais são denominados Centros de Cidadania. 60 O bairro Centro abriga a maior concentração de comércios e serviços de Fortaleza. Além dos serviços,

as pessoas podem desfrutar dos lugares históricos de grande importância e beleza, tais como: a Catedral

da Sé – Catedral Metropolitana de Fortaleza e o Theatro José de Alencar. Fonte:

http://www.omelhordobairro.com.br/fortaleza-centro/page8840htm, pesquisa realizada em 19 de agosto

de 2011. 61

O bairro Vila União é cortado por uma linha férrea que liga os bairros Parangaba e Mucuripe, desde

1940. Tem um hospital referência no atendimento infantil, Hospital Albert Sabin. A praça e a igreja foram

inauguradas em 1968. A Vila União é vizinha do antigo terminal de passageiros do Aeroporto de

Fortaleza. Fica perto também da rodoviária. Fonte: http://tvverdesmares.com.br, pesquisa realizada em 22

de maio de 2011. 62

O bairro Jangurussu, cujo nome tem origem indígena, é o terceiro da Capital em tamanho. A Avenida

Castelo de Castro é a principal via de acesso ao Jangurussu. Ao lado, ficava o antigo lixão da Capital.

Desativado há 11 anos, o aterro acabou modificando a paisagem com uma montanha de lixo de 20 m.

Hoje, o mato cresceu, e o verde tomou conta do lugar. O lixo cedeu lugar ao pasto. Alguns moradores que

viviam do lixão agora fazem parte de uma cooperativa de reciclagem. Fonte: http://tvverdesmares.com.br,

pesquisa realizada em 22 de maio de 2011.

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reconhecimento da identidade, o sentimento de pertença, despertando a consciência dos

direitos humanos por meio de oficinas de arte-educação e esporte. A sua área de atuação

também foi expandida para dez63

bairros da cidade: Bela Vista, Barra do Ceará, Caça e

Pesca, Centro64

, Conjunto Palmeiras, Jangurussu, Joaquim Távora, Pio XII, Santa

Filomena e Vila União.

Com a mudança metodológica, o objetivo era intervir na participação dos

adolescentes, levando-os a condição de autogestores das ações nos projetos, os trabalhos

com as famílias e a inserção dos jovens em suas comunidades.

Percebi, a partir dos depoimentos dos jovens educadores, que a participação

real dos adolescentes ainda é muito limitada, conforme expresso na fala: “ainda é dada

pouca oportunidade para as crianças e os adolescentes participarem” (Educador A). Nas

minhas observações identifiquei que a participação ocorre principalmente por meio de

apresentações artísticas e atividades de cerimonial, em eventos promovidos pela

Instituição. Ações essas que não representam participação real na proposição de

políticas, como ratificou o educador F em seu depoimento: “dentro dessa perspectiva de

construção da política, a participação da juventude é bastante falha, porque não é

construída por eles, mas pelos adultos” (Educador F).

Existe, na prática, um espaço de participação, mas sem a garantia real da

efetivação das deliberações construídas pelas crianças e os adolescentes, ou seja, uma

aparente autonomia, uma vez que não existem mecanismos para a execução das

propostas. O depoimento do educador C ao afirmar: “quando acontece algum momento

de participação tudo já vem construído pelos adultos, a juventude escolhe dentre as

opções impostas, ou seja, não há construção verdadeiramente”, ratifica a minha

percepção sobre a aparente autonomia que ocorre nos projetos.

Outro fator muito relatado pelos jovens educadores em relação à

participação da juventude é a consideração de que os jovens são desinteressados pelo

processo de construção das políticas, como salientou a educadora D: “os jovens não

estão nem aí, não têm interesse de participar de nada”. No entanto, essa culpa atribuída

63 O leitor que tiver interesse na história dos dez bairros aonde funcionam os projetos do Programa

Crescer com Arte e Cidadania pode acessar o site: http://tvverdesmares.com.br. Como já informado, a TV

Verdes Mares veiculou matéria sobre a história dos bairros da cidade de Fortaleza, no ano de 2009. 64 No período de realização da pesquisa exploratória (maio de 2010 a fevereiro de 2011) o Projeto Crescer

com Arte Centro estava sem sede, funcionando no auditório da Coordenadoria da Criança e do

Adolescente, no Parque da Liberdade. Por dificuldades na locação de espaço na área do Centro, o projeto

foi instalado no Bairro Granja Portugal, passando a funcionar nas mesmas instalações do Projeto Casa

Brasil, do Governo Federal.

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ao jovem me remete a pensar com cuidado, sem propagá-la como uma verdade absoluta.

Afinal, que metodologias estão sendo aplicadas para atrair a participação? Como se dá a

mobilização desses sujeitos? Quais mecanismos existem no âmbito dos projetos e na

própria Cidade para o exercício da participação?

O orçamento participativo (OP) – instrumento de participação popular

existente na cidade de Fortaleza para a construção coletiva do orçamento – foi citado

por alguns educadores como um avanço da Cidade quanto à participação do segmento

criança e adolescente, como expressou os educadores: “o orçamento participativo de

crianças e adolescentes, que ocorre na Cidade é um meio de participação, é o começo de

um processo de mudança” (Educador A) e “apesar da participação dos jovens ser falha,

nessa gestão teve uma ação que foi o diferencial em relação a isso, que foi o OP”

(Educador F). Particularmente, considero o OP um avanço, mas ainda distante de

representação do segmento em questão, sobretudo pela fragilidade da mobilização e real

apropriação dos poucos que participam acerca do que está sendo discutido e proposto.

É importante registrar que não se configura tarefa fácil a efetivação de

espaços de diálogo e participação da juventude nas políticas públicas. Para Pontual

(2008), a tarefa exige inúmeros desafios, e ele destaca seis como os mais importantes,

quais sejam:

o primeiro é a questão do reconhecimento das especificidades do segmento

da juventude e das suas necessidades. [...]. No reconhecimento dessas

especificidades, cabe a criação de espaços específicos. [...]. Um segundo

desafio colocado no campo da diversidade é o reconhecimento de que existe

uma diversidade na própria juventude. [...]. A juventude é diversa. [...]. É

importante que a política pública reconheça essa diversidade e crie programas

e ações que levem isso em conta. [...]. Um terceiro desafio é como

transformar a temática da juventude num tema transversal às políticas

públicas, ao mesmo tempo em que ela requer [...] uma abordagem matricial.

[...]. Um quarto desafio tem a ver com a importância dos canais de

participação e dos espaços de diálogos. É preciso pensar a mais ampla

diversidade de instrumentos para isso. [...]. Também o desafio da formação

dos atores sociais é fundamental, cabendo tanto às organizações não-

governamentais, às organizações da própria juventude e ao poder público, o

papel de formar e informar as pessoas, se quiserem, de fato, construir canais

substantivamente democráticos. [...]. O sexto desafio é aquele de trabalhar

diferentes formas de linguagem na dimensão do diálogo e da participação

(PONTUAL, 2008, p. 115-118).

Levando em consideração os desafios apontados pelo autor, os programas

da Coordenadoria-Funci que afirmam possuir espaços de diálogo e discussão junto às

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crianças e os adolescentes atendidos, para a construção de políticas públicas, possuem

grande tarefa pela frente, visto que estão distantes da concretização de tais desafios.

Voltando às ações do Programa Crescer com Arte e Cidadania, segundo

consta no PPP, o Programa desenvolve oficinas de arte-educação, oficinas de esporte,

oficinas temáticas relacionadas aos direitos humanos, encontro com famílias, monitoria

com adolescentes, visitas culturais, dentre outras ações, visando alcançar os objetivos

específicos, quais sejam: (i) estimular as potencialidades artísticas bem como outras

habilidades (comunicação, trabalho em grupo, liderança) de crianças e adolescentes; (ii)

fortalecer os vínculos familiares e comunitários; (iii) estimular a sensibilidade,

criatividade, visão estética e criticidade das crianças e adolescentes; (iv) propiciar o

sentimento de autonomia, co-responsabilidade, coletividade e empoderamento, por meio

da participação de crianças e adolescentes; (v) estimular o engajamento e permanência

no ensino escolar e (vi) capacitar profissionais na área de Educação Social e arte-

educação para uma ação qualificada no atendimento.

As ações que estão registradas em um projeto político pedagógico nem

sempre ocorrem efetivamente no dia a dia. Portanto, não bastam apenas o engajamento

e a criatividade dos profissionais que, muitas vezes, são sacrificados pela falta de

estrutura mínina para o desenvolvimento das atividades. Este comentário pode ser

ilustrado pelas falas dos educadores quando indagados sobre a avaliação da política

desenvolvida:

ainda falta desenvolver um pouco mais. Por exemplo, tem um mês que as

atividades estão paradas por falta de material. De vez em quando aparece,

mas depois falta (Educador B);

a questão de recurso influi muito na questão metodológica. Para você

desenvolver a metodologia é necessário um material básico, para que o

educador possa desenvolver a sua atividade adequadamente (Educador C).

A situação, no meu entender, é ainda mais questionável, quando a prática de

aquisição de materiais, mediante recursos dos próprios profissionais, é legitimada e

encarada com naturalidade, como ilustram os educadores:

na semana passada fizemos o encerramento das atividades do projeto e

tivemos que tirar dinheiro do nosso bolso, para comprar material para a

apresentação [...]; quando queremos passar um filme para os meninos, temos

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que baixar em nossas casas ou alugar em uma locadora, pagando com o nosso

dinheiro (Educador C);

o que eu vejo de positivo na instituição é a alternatividade dos profissionais

[...]; a equipe lançou a proposta de trabalhar a linguagem cinematográfica,

sem depender dos recursos da instituição. Utilizamos câmera particular,

exploramos também um pouco dos produtos digitais que os próprios garotos

têm, por exemplo: um celular com câmera. Então explorar isso é a

alternatividade que eu falo (Educador F).

Esta realidade, revelada nas falas dos educadores, permite-me questionar

quanto ao impacto dessas ações na vida dos sujeitos alvo dessa política. Grosso modo, é

como se, para as pessoas que se encontram em vulnerabilidade social, qualquer coisa

bastasse, ou seja, a preocupação com a qualidade parece ser mínima ou nula. O que me

faz concluir que a proposta de desenvolver uma habilidade artística é sacrificada, uma

vez que o projeto não dispõe de materiais básicos para estimular as potencialidades

artísticas a que se propõe. Há, portanto, um descompasso entre o que está escrito no

Projeto Político-Pedagógico e a sua prática.

Quanto à metodologia das ações pedagógicas desenvolvidas no Crescer com

Arte e Cidadania, de acordo com o Projeto Político-Pedagógico, é baseada no método

dialógico de Paulo Freire65

, a partir de atividades que construam conhecimentos com

significados que possibilitem a percepção e transformação das realidades dos

educandos, visando o estímulo da criatividade, o fortalecimento das potencialidades e a

sensibilidade, aliados ao exercício da cidadania mediante ações de intervenção

comunitária.

Embora não tenha existido referência direta ao educador Paulo Freire, as

falas dos educadores, quando indaguei sobre suas práticas pedagógicas, revelaram

aproximação com o seu método, pelo menos em relação aos objetivos, como ilustram os

educadores:

na hora em que estou com eles numa roda de conversa [...] busco possibilitar

uma forma de olhar para o mundo diferenciado [...]. Acredito ser importante

a participação e a opinião de cada um [...]. Busco abrir os olhos de uma

65 Segundo Brandão, Paulo Freire foi o educador que instituiu um método de alfabetização

compreendendo três fases: levantamento do universo vocabular, escolha das palavras selecionadas do

universo vocabular pesquisado e criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se vai

trabalhar. Para o autor, são situações desafiadoras, codificadas e carregadas de elementos que serão

descodificados pelo grupo com a mediação do educador. São situações locais que discutidas abrem

perspectivas para a análise de problemas regionais e nacionais. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que

é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1981.

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forma com que eles se questionem até se aquilo que eu estou falando é

verdadeiro ou não (Educador A);

sempre tento mostrar que as nossas conquistas conseguimos em cada

caminhada. Multiplico isso no dia a dia e isso instiga os adolescentes. Sempre

digo para eles que estão buscando uma transformação e que ela é possível.

Não é porque eu moro em determinado canto, por que meus amigos foram

trilhar determinado caminho, que eu também vou fazer o mesmo. Existe a

possibilidade de mudança (Educador C);

cabe ao educador mostrar que os jovens são sujeitos transformadores, que

precisam modificar a realidade, que precisam estar à frente da transformação

[...]. Trabalhamos a formação enquanto cidadão, enquanto ser humano, a

questão dos valores [...]. No projeto a gente instiga a questão do

protagonismo para que eles possam de fato despertar para a própria realidade,

sabendo que tem muita coisa que não está legal, muita dificuldade dentro da

comunidade, e que eles podem se mobilizar e buscar melhorias (Educador E);

no nosso planejamento mensal a gente faz uma avaliação com os

adolescentes, onde é feita uma roda de conversa para que o coletivo decida.

O planejamento é construído por todos e os adolescentes sugerem o que eles

querem vivenciar, o que eles querem aprender [...]. O educando participa da

construção metodológica do que ele vai vivenciar. Isso é uma estratégia para

que ele se aproprie e se envolva (Educador F).

Como já salientei, embora não façam referência a Paulo Freire, se utilizam

de palavras como roda de conversa (que podem ser comparadas aos círculos de

cultura66

); participação e avaliação da construção metodológica (que se assemelham à

pesquisa e conhecimento do grupo ou levantamento do universo vocabular); sujeitos

transformadores, mudanças, enfim, práticas pedagógicas movidas pelo desejo da

transformação societária ou, ao menos, pelo desejo de indagação acerca da realidade.

Em relação ao engajamento do adolescente no Projeto, existem dois

mecanismos praticados: o encaminhamento interno, que se dá através dos programas e

projetos da Coordenadoria-Funci e o externo, por meio da rede de proteção social e

Sistema de Garantia de Direitos, como conselhos tutelares, CRAS67

.

Ao ser engajado no Projeto, o adolescente e seu responsável assinam um

termo de compromisso, dando ciência de seus direitos e deveres. Em relação à questão,

ressaltou o coordenador do Programa, “esse termo visa também à responsabilização e o

66 O círculo de cultura foi teorizado por Paulo Freire como operacionalização de sua proposta de

investigação dialógica, que tinha a preocupação com a construção coletiva do conhecimento. 67 O Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) é uma unidade pública de assistência social,

localizada em áreas de vulnerabilidade social. Os CRAS atuam com famílias e indivíduos em seu

contexto comunitário, visando à orientação para o fortalecimento dos convívios sócio-familiar e

comunitário. Suas equipes executam serviços da Proteção Social Básica no âmbito municipal. Em

Fortaleza existem 23 CRAS, distribuídos nas seis Secretarias Executivas Regionais. Fonte:

http://www.fortaleza.ce.gov.br/semas, pesquisa realizada no dia 21 de maio de 2011.

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envolvimento da família junto ao projeto”. Em seguida, há uma apresentação acerca das

atividades desenvolvidas (artes visuais, música, teatro, futebol e oficinas temáticas68

)

para que o adolescente possa optar pela atividade que se identifica. A sua permanência

no Projeto é de dois anos. Durante esse período, além da atividade artística, é realizado

acompanhamento individual para que possa construir seu projeto de vida. Ao final dos

dois anos, é realizada uma avaliação acerca da superação da violação de direito que

possibilitou o seu engajamento no Projeto, discutindo os encaminhamentos realizados

para a transformação da realidade.

Esses processos de acompanhamento e desligamento das crianças e

adolescentes não ocorrem de forma tão linear como está descrita no PPP. Isso pode ser

percebido pela grande rotatividade e evasão das pessoas atendidas; pela rotatividade dos

profissionais, cuja vaga nem sempre é substituída imediatamente à saída do anterior,

além do tempo necessário de apropriação acerca da situação de cada criança e

adolescente por parte de quem está assumindo a função; pelas dificuldades estruturais,

que dificultam um acompanhamento sistemático e a própria dificuldade de possibilitar a

transformação da situação de vulnerabilidade social vivenciada pelas crianças e

adolescentes atendidos, conforme salientou o educador C em seu depoimento:

no papel está tudo legalzinho, mas quando a gente sai do projeto à tarde, vai

no mercado ou está andando no meio da rua, encontra o adolescente caçando

lata, trabalhando, vendendo bala ou vendendo alguma coisa no sinal, isso

mexe com a gente e percebemos que precisamos fazer mais.

Para o desenvolvimento das atividades, cada projeto crescer com arte conta

com, pelo menos, uma equipe composta por um supervisor, um agente administrativo,

dois instrutores de oficinas, dois educadores sociais, uma cozinheira, uma auxiliar de

cozinha e um profissional de serviços gerais. De acordo com o coordenador do

Programa: “esta é a equipe mínima que deve conter em cada projeto para o seu

funcionamento, mas existem projetos com um número maior de profissionais”.

68 Segundo consta no Projeto Político-Pedagógico, na oficina de artes visuais é trabalhado o grafite,

desenho, pintura em tela, artes plásticas; na oficina de música são trabalhados quatro eixos: teoria

musical, prática musical, construção de instrumentos musicais e visitas culturais; no teatro é trabalhada a

expressão corporal, técnicas de alongamento, relaxamento, voz, leitura dramática e criação de esquetes;

nos treinos, além de aprender as técnicas básicas para jogar futebol busca-se o desenvolvimento do corpo,

a qualidade de vida e a discussão sobre disciplina, cidadania e direitos humanos e as oficinas temáticas,

como o próprio nome sugere, são trabalhados temas com os adolescentes em formato de oficinas.

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Quanto à capacidade de atendimento, existe uma meta máxima estipulada de

80 (oitenta) adolescentes por projeto, com exceção do Caça e Pesca, que corresponde a

130 (cento e trinta) crianças, e da Barra do Ceará, que corresponde a 200 (duzentos)

crianças e adolescentes. Segundo o coordenador do Programa, alguns projetos só

desenvolvem suas atividades às segundas, quartas e sextas, em virtude das dificuldades

financeiras, e salientou: “essa medida emergencial foi tomada para garantir a

alimentação, os materiais pedagógicos e o vale transporte dos adolescentes”.

Uma atividade desenvolvida pelo Crescer com Arte que merece destaque, é

a de monitoria, pois, como salientei anteriormente, a maioria dos jovens educadores

envolvidos na pesquisa vivenciou o papel de monitor antes de se tornarem educadores

sociais. No Programa Crescer com Arte e Cidadania, a atividade de monitoria, segundo

consta no PPP, foi instituída como uma ferramenta de fortalecimento de

potencialidades, exercício de cidadania e tomada de decisões por parte dos adolescentes.

Hoje, o Programa dispõe de 107 (cento e sete) bolsas de monitoria, no valor de R$

100,00 (cem reais).

Ainda segundo o PPP, as vagas de monitoria são distribuídas pelos projetos,

e o adolescente, para tornar-se monitor, vivencia um processo de escolha. Inicialmente,

os educadores sociais divulgam o processo de escolha e explicam os procedimentos

adotados e os critérios de elegibilidade69

. Em seguida, os adolescentes manifestam o

interesse de participação, depois é realizado um debate, seguido de eleição, envolvendo

os demais adolescentes e os profissionais do Projeto. O período de monitoria

corresponde a seis meses, podendo ser prorrogado pelo mesmo período. A cada três

meses, é realizada uma avaliação, por parte dos educadores e adolescentes, para

definirem a continuidade da atividade.

Como já mencionei, a maioria dos sujeitos envolvidos na pesquisa

vivenciou um processo de aprendizagem, sendo contemplados com algum tipo de bolsa

de monitoria, seja no próprio Projeto ou em outros. Eles afirmam a importância dessa

etapa em suas vidas, considerando-a fundamental para a condição que hoje vivenciam,

de educadores sociais, como evidenciam as falas:

69 Critérios: estar frequentando o projeto há, pelo menos, dois meses; possuir a idade de 13 anos a 18 anos

incompletos; não estar próximo ao fim de permanência no projeto (dois anos); não ter sido eleito por mais

de dois mandatos.

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a minha experiência como monitor da atividade de esportes foi o fundamento

para eu chegar a essa história de educador social. O meu instrutor também foi

muito importante, pois me orientava sempre como conviver e como ter um

bom relacionamento com os meus colegas de atividades (Educador A);

como monitor pude exercer a questão da liderança no grupo, pois sempre

puxava a oficina, chamava para fazer isso e aquilo, mesmo sem ter o

educador. Essa experiência foi importante e contribuiu para eu receber o

convite para ser educador social. Antes de entrar no projeto eu era muito

tímido, quando fui monitor fiquei ativo e participativo (Educador C).

Como se observa nas falas acima, esses jovens educadores eram monitores e

receberam o convite para serem educadores sociais, agora responsáveis pela atividade

que antes auxiliavam. Eles percebem esse processo como uma experiência, uma espécie

de estágio necessário para o possível alcance de uma vaga de educador social. Na

realidade, as probabilidades de contratação, para os jovens que foram atendidos na

própria Coordenadoria-Funci, giram em torno dos monitores, que extrapolam a simples

condição de educandos e passam a ser considerados auxiliares do educador social,

inclusive assumindo integralmente as atividades na ausência do profissional.

É exatamente nessa experiência de monitoria que os adolescentes passam,

ainda que involuntariamente, a serem avaliados, pois existe possibilidade de suas

competências e habilidades serem afloradas e, nesse sentido, serem convidados a fazer

parte do quadro de profissionais da Instituição. E tal prática tornou-se costumeira e

demonstra a possibilidade de os jovens se tornarem protagonistas de suas histórias e da

história do próprio programa.

2.3. O Programa Ponte de Encontro: a rua como espaço de intervenção

Assim como ocorreu com o Programa Crescer com Arte e Cidadania, o

Projeto Político-Pedagógico do Programa Ponte de Encontro, elaborado em outubro de

2010, constituiu-se na minha principal fonte documental acerca do Programa, que tive

acesso em dezembro de 2011.

De forma sucinta, o documento apresenta diretamente as ações

desenvolvidas, metodologias, entre outras informações sobre o Programa Ponte de

Encontro, sem dispor do histórico, datas, tampouco elucidar as possíveis evoluções ou

regressos na política de atendimento voltada às crianças e adolescentes em situação de

moradia e frequência nas ruas da cidade de Fortaleza.

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Pelo fato de ter acompanhado a estruturação do Programa, ainda que não

diretamente, posso afirmar que o Programa Ponte de Encontro foi idealizado como

redimensionamento do projeto Da Rua para a Cidadania70

, no ano de 2005,

alcançando, paulatinamente, avanços em relação à estruturação física e ampliação da

força de trabalho até os dias atuais. Tal redimensionamento, segundo consta no PPP,

buscou a efetivação de intervenções sociais no ambiente das ruas, possibilitando a

concretização de ações para além da higienização dos espaços públicos, privilegiando a

integração com as redes71

de discussão acerca da temática dos Direitos Humanos de

crianças e adolescentes e o fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos.

Quanto à questão do trabalho em rede, ressalta o Projeto Político-

Pedagógico: “compondo a rede do Sistema de Garantia de Direitos [...], procuramos

atuar de forma integrada com os demais órgãos e instituições [...], para fortalecer as

políticas públicas específicas do público-alvo” (FORTALEZA, 2010, p. 02).

Em relação ao público-alvo, as ações do Programa são voltadas para

crianças, adolescentes e suas famílias, que se encontram no município de Fortaleza e

que tiveram seus direitos fundamentais negados ou negligenciados, sendo vítimas dos

mais variados tipos de violação de direitos, como: “vínculos familiares fragilizados ou

rompidos, exploração sexual, violência doméstica, trabalho infantil, situação de moradia

nas ruas, mendicância, perambulância, uso de drogas” (FORTALEZA, 2010, p. 04).

O Programa Ponte de Encontro tem seu funcionamento dividido em três

eixos: (i) Educação Social de rua/casa de passagem; (ii) acolhimento institucional72

e

70 Projeto instituído na gestão do prefeito Juraci Magalhães (1997-2004), em meados do ano de 1998. 71 No Projeto Político-Pedagógico do Programa Ponte de Encontro são enumerados como espaços de

discussões, que visam a qualificação do atendimento voltado às crianças e adolescentes em situação de

moradia e frequência nas ruas, e que o Ponte se faz presente, quais sejam: (i) Núcleo de Articulação dos

Educadores Sociais, que possui como principal objetivo criar um processo institucional dialógico que

possibilite um avanço metodológico das ações dos educadores sociais de rua; (ii) Equipe Interinstitucional

de Abordagem de Rua, que possui o intuito de articular as ações existentes (abordagem de rua e abrigos) e

otimizar os encaminhamentos das crianças e adolescentes; (iii) Conselho de Apoio a 17ª Promotoria da

Parangaba, que tem como objetivo discutir acerca das problemáticas existentes no bairro, como a situação

de crianças e adolescentes em situação de moradia e frequência nas ruas; ABRA (Rede Brasileira de Arte-

educadores), que objetiva, por meio de suas ações artísticas e educacionais, a transformação social

pessoal e coletivas e (iv) Rede Fortaleza, que tem por objetivo o atendimento a crianças e adolescentes

em situação de uso e abuso de drogas na cidade de Fortaleza. 72 O eixo acolhimento institucional (casa dos meninos e casa das meninas) configura-se nos espaços de

acolhimento de caráter provisório, destinado a adolescentes de ambos os sexos, visando promover e

garantir o direito à convivência familiar e comunitária e articular a qualidade de vida com foco na

inserção socioprodutiva e nas relações solidárias.

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(iii) abrigos conveniados73

. Atendo-me à necessidade de delimitação do estudo, optei

em focar a análise no primeiro eixo de atuação, cujas ações são desenvolvidas e/ou

possuem como ponto de apoio o Espaço Ponte de Encontro, situado à Rua São Paulo, nº

1750, Bairro Jacarecanga, Fortaleza/Ceará.

O Espaço Ponte de Encontro, segundo consta em seu PPP, possui a

finalidade de promover a participação e o empoderamento do público-alvo, visando à

garantia e vivência de seus direitos fundamentais, tendo como objetivos (i) estimular a

construção de projetos de vida do público-sujeito, baseado no processo criativo e

reflexivo de valores positivos; (ii) favorecer o fortalecimento e a interação dos vínculos

familiares e comunitários saudáveis para a promoção da vida; (iii) legitimar a promoção

e a defesa dos direitos do público-sujeito, através das ações executadas pelo projeto; (iv)

minimizar o contato de crianças e adolescentes com o ambiente desfavorável de

moradia e permanência na rua; (v) favorecer ações de enfrentamento a situações de

violência, através do trabalho de busca ativa e prevenção e redução de danos.

A minha observação em relação ao descompasso entre o que está escrito no

PPP e a prática efetiva também se aplica ao Programa Ponte de Encontro, sobretudo em

relação ao trabalho voltado aos adolescentes em situação de rua, que apresenta inúmeras

descontinuidades, dada a especificidade da situação. Posso afirmar isso com certa

propriedade, pois trabalhei dois anos com crianças e adolescentes em situação de rua e a

sensação que eu tinha era de caminhar dois passos e retroceder quatro. Ou seja, na

prática, as ações não funcionam tão linearmente como registradas nos documentos.

Ainda segundo o PPP, para a efetivação dos objetivos institucionais, a

abordagem de rua, como o próprio nome sugere, realiza abordagem às crianças e

adolescentes, em 24 (vinte e quatro) áreas da cidade, contando com uma equipe

composta por 37 (trinta e sete) educadores sociais que desenvolvem ações de arte-

educação74

, esporte/lazer75

e busca ativa76

.

73 O eixo abrigos conveniados corresponde a subvenções sociais destinadas às entidades de abrigos

voltadas para crianças e adolescentes em situação de rua, de forma a garantir o fortalecimento da rede de

retaguarda/atendimento a esses sujeitos. Atualmente existem cinco entidades parceiras. 74 Segundo o PPP, a arte-educação consiste em ações educativas que possuem como estratégia a interação

positiva com as diversas manifestações artísticas, possibilitando o contato das crianças e adolescentes

atendidos com o universo simbólico e humanizador da Arte. 75 Ainda segundo o PPP, o esporte e o lazer são utilizados como estratégia de aproximação e mobilização

dos sujeitos atendidos e proporcionam a organização, a participação coletiva, a redução de danos, o

desenvolvimento físico e psicológico e o fortalecimento dos vínculos afetivos. 76 De acordo com o PPP, a busca ativa configura-se numa atividade de observação, aproximação e

formação de vínculos junto às crianças e adolescentes em situação de violação de direitos.

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O coordenador do Programa ressalta que o educador social “faz desde a

abordagem social, que é aquele primeiro contato de conversar, até preparar atividades

no ambiente da rua, como oficinas educativas e esportivas”. Em relação às atividades

esportivas, o educador H, declara que essas não se limitam à questão esportiva, mas

também compreende “a parte social, de ajudar a comunidade, de ajudar a família, um

trabalho mais profundo”.

Quanto à casa de passagem, essa possui capacidade de atender 10 crianças

e/ou adolescentes, em regime de plantão 24 horas, contando com uma equipe de 28

(vinte e oito) educadores sociais para dar fluxo às demandas da casa e realizar os

encaminhamentos necessários para a efetivação dos direitos dos sujeitos atendidos.

Nesse aspecto da capacidade, é perceptível a fragilidade da política, já que

10 (dez) vagas estão muito aquém da necessidade real do município de Fortaleza, dado

o crescente número de denúncias de violação de direitos77

, que muitas vezes, numa

única denúncia existem cinco irmãos necessitando do acolhimento institucional. Ou

seja, se o Programa Ponte fornecer retaguarda às demandas oriundas de apenas um

serviço municipal, como o Disque Direitos Criança e Adolescente (DDCA), sua

capacidade de atendimento fica comprometida. Afora a necessidade das outras

demandas. Associo tal questão à afirmação de Menezes (1998, p. 11), citando Marx,

“propostas que se traduzem em tentativas inglórias de amenizar ainda que minimamente

os contrastes reais”.

De acordo com o Projeto Político-Pedagógico, “toda ação educativa deve

privilegiar a prática como norteadora da reflexão, em vista de uma práxis

transformadora que se dá a partir da realidade, da experiência na rua” (FORTALEZA,

2010, p. 04).

O trecho acima denota o embasamento na teoria da Educação Popular, que

prima pela efetivação de uma práxis transformadora. Assim como Silva (2011), percebi,

ao longo de todo o texto do PPP, a influência do pensamento de Paulo Freire a partir da

utilização de designações, tais como: troca de saberes, mobilizações, transformação

etc. Também são visíveis práticas e valores influenciados pela doutrina cristã, como

solidariedade e amor ao próximo.

77 Segundo o Coordenador do DDCA, em 2008, o programa registrou um quantitativo geral de 1.990 (mil

novecentos e noventa) denúncias; em 2009, 2.791 (duas mil setecentas e noventa e uma) denúncias; em

2010, 2.492 (duas mil quatrocentas e noventa e duas) denúncias.

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É perceptível o caráter de militância em detrimento do caráter técnico na

elaboração do Projeto Político-Pedagógico (Silva, 2011), reafirmado pela concepção do

coordenador do Programa ao ser indagado acerca do perfil do educador social: “não tem

um perfil desenhado, mas o trabalho de Educação Social chega muito próximo de

militância” (Coordenador do Programa Ponte de Encontro)78

.

Ao contrário do Programa Crescer com Arte e Cidadania, o Programa Ponte

de Encontro não diferencia o educador social do arte-educador. Todos são contratados

como educadores sociais de rua, independentemente de possuírem alguma habilidade

artística, como afirmou o coordenador: “todos são educadores sociais e alguns têm

algumas habilidades de arte ou de esporte que vão ajudar e colaborar com esse processo

metodológico de intervenção junto às crianças e adolescentes”.

Posteriormente, quando eu estiver aprofundando a análise acerca do

trabalho desenvolvido pelos jovens educadores sociais, retomo algumas questões

relacionadas ao perfil profissional, fazendo paralelos entre as percepções dos gestores e

dos jovens educadores. Nesse momento, prezei por apresentar ao leitor os programas

Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro, de forma breve. No item a seguir,

apresento como a Educação Social é desenvolvida na Coordenadoria-Funci, levando em

consideração as especificidades dos referidos programas.

2.4. A Educação Social no âmbito dos programas: o “carro chefe” da

Coordenadoria-Funci

Questionei junto aos gestores por que a Educação Social nos programas da

Coordenadoria-Funci e como tal prática começou a ser instituída. Apesar de

considerarem a Educação Social como “o grosso, o carro chefe e a identidade da

Instituição”, como declarou o coordenador do Programa Ponte de Encontro, os gestores

entrevistados não souberam exatamente como se instituiu a sua prática no âmbito

institucional, conforme ilustra a fala: “eu não sei dizer como iniciou a Educação Social

na Funci, quando eu cheguei essa história já estava formatada” (Coordenador do

Programa Ponte de Encontro).

78 Em capítulo específico (Capítulo 3) aprofundo a discussão acerca do perfil militante do jovem educador

social.

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Quanto ao porquê de sua utilização nos programas e projetos da Instituição,

os gestores afirmaram:

é importante frisar que a escola formal hoje não consegue suprir todas as

carências, as lacunas e necessidades de uma criança e de um adolescente. A

escola ainda é muito limitada a sua grade curricular, não consegue ampliar

para uma dimensão de fato humana, que atinja e reflita diretamente na vida

desses sujeitos. Daí a necessidade de se trabalhar na perspectiva da Educação

Social, paralela à educação formal. Então é fundamental o ingresso da

Educação Social nos programas, pois ela vai trabalhar justamente essa

dimensão humana, a sociabilidade do público atendido, dimensões essas que

não são tratadas na escola com profundidade. A Educação Social surge no

sentido de suprir a carência da escola formal. Se a escola trabalhasse outros

aspectos além dos conteúdos, não seria necessário outro espaço trabalhar

(Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania);

a Educação Social é, na verdade, uma forma da gente trabalhar com o público

a fim de conseguir pessoas sensíveis que possam adentrar na realidade das

pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social. A Educação Social

permite esse acesso, esse contato, esse vínculo com as famílias de crianças e

adolescentes que são acompanhadas pela Coordenadoria (Supervisora de

gestão).

Os relatos acima denotam que a Educação Social é percebida como uma

prática de intervenção, uma forma de agir perante os sujeitos, superando as deficiências

da educação escolar e em busca da transformação da situação de vulnerabilidade social

das pessoas atendidas. Portanto, reconhecem-na segundo o uso habitual vigente de que

os seus processos educativos

dirigem-se prioritariamente ao desenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos,

têm como destinatários privilegiados indivíduos ou grupos em situação de

conflito social e têm lugar em contextos ou por meios educativos não-formais

(ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 28).

O discurso institucional, tanto do Programa Ponte de Encontro quanto do

Crescer com Arte e Cidadania, aponta a utilização da Educação Social como meio de

desenvolver ações que estimulem o exercício da cidadania, o reconhecimento da

identidade, o sentimento de pertença, a participação, o empoderamento das crianças,

adolescentes e suas respectivas famílias, através de oficinas de arte-educação e esporte.

A metodologia e o espaço de atuação determinam as diferenças entre os dois programas,

como salienta a fala:

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o educador social do Crescer está no projeto e a demanda vem até ele. Ele

tem um trabalho mais interno, embora em alguns momentos ele precise

visitar locais estratégicos, mas a diferença é exatamente esta: a localização do

trabalho. No Crescer, os educadores fazem visitas domiciliares, fazem

acompanhamento escolar, realizam oficinas com crianças e adolescentes,

reuniões com as famílias, tem esse acompanhamento sistemático do público-

alvo. No caso do Ponte, a atuação do educador social se diferencia porque

eles estão diretamente na rua, em pontos estratégicos da cidade e trabalham

muito mais através da busca ativa, que é visualizar as situações de

vulnerabilidade social e a partir disso ver a possibilidade de algum

encaminhamento ou do devido encaminhamento para cada caso. A

metodologia do Ponte se diferencia da metodologia do Crescer porque os

seus educadores estão nas ruas circulando e procurando a demanda

(Supervisora de gestão).

Essa diferença metodológica e de espaço de atuação são preponderantes no

delineamento da arte-educação desenvolvida em cada programa. No Crescer com Arte e

Cidadania existe uma perspectiva da arte-educação enquanto profissionalização, ainda

que superficialmente, em virtude das precárias condições estruturais.

Embora não exista objetivamente no PPP do referido programa a intenção

de profissionalizar, o depoimento do coordenador do programa me leva a considerar

essa perspectiva:

a gente não tem um direcionamento real para que esse menino se insira em

projetos sociais nessa função, porém nós temos o instrumento da monitoria

que facilita essas inserções, pois ele passa por formações e é

instrumentalizado caso ele queira dar continuidade (Coordenador do

Programa Crescer com Arte e Cidadania).

Outra evidência da perspectiva de profissionalização, ainda que velada, é a

declarada diferença entre o educador social e o arte-educador. Grosso modo, é como se

o arte-educador fosse o professor designado a repassar o conhecimento de sua

linguagem artística específica (teatro, música, dança, artes plásticas) junto às crianças e

adolescentes, ou seja, o seu olhar possui como foco principal o desenvolvimento da

técnica; o educador social dá suporte ao arte-educador, bem como volta-se às questões

sociais e outras dimensões da vida das crianças, dos adolescentes e de suas famílias, ou

seja, possui uma atuação mais generalizada.

No entanto, o coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania

salientou que a arte-educação desenvolvida no Programa “traz consigo, além das

técnicas, toda uma reflexão, formação cidadã, formação política, não é a técnica pela

técnica, não é a arte, pela arte”. Ele acrescentou que:

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o arte-educador trabalha muito articulado com o educador social; as temáticas

de Direitos Humanos são trabalhadas pelo educador social nas oficinas e o

arte-educador busca trabalhar a técnica vinculando as discussões

(Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania).

Quanto à questão, avalio que os discursos “não queremos formar artistas” e

“não nos preocupamos com um espetáculo final” são imbuídos de um fracasso das

ações de arte-educação desenvolvidas pelo Programa, uma vez que assumindo tais

discursos não há obrigatoriedade nos resultados concretos da profissionalização, sendo

suficiente apenas a socialização das crianças e dos adolescentes.

Em relação ao Programa Ponte de Encontro, a arte-educação não possui

intenção de profissionalizar. É desenvolvida como estratégia de interação, aproximação

junto às crianças e adolescentes atendidos. Isso pode ser evidenciado pelo fato de não

existir diferenciação entre educador social e arte-educador. Como já salientei

anteriormente, no Programa Ponte de Encontro, todos são contratados como educadores

sociais, porém, se possuírem alguma habilidade artística e/ou esportiva, podem

desenvolvê-las como incremento em suas atuações.

Já o esporte, nos dois programas, é encarado como um fenômeno social e

um fator socializador à luz da concepção de Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 99):

se educar supõe incidir nas estruturas cognitivas e afetivas do sujeito, se

educar é facilitar uma mudança no repertório de condutas e adquirir as

habilidades necessárias para se integrar no grupo, o esporte não pode ser

ignorado pela Pedagogia Social.

Como evidenciaram os gestores, a Educação Social na Coordenadoria-Funci

é responsabilidade precípua do educador social, seja na arte-educação, no esporte ou nas

ações mais generalizadas. Ao afirmarem que o educador social “é o meio da gente

conseguir chegar nas crianças, nos adolescentes e nas famílias e ter um impacto positivo

nas ações” (Supervisora de gestão), e “tem toda uma leitura acerca dessas realidades do

público-sujeito” (Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania), estão

reconhecendo a importância desse profissional na execução dos objetivos institucionais.

No entanto, existe descompasso entre o reconhecimento da importância da

categoria e a sua real valorização, sobretudo levando-se em consideração aspectos

objetivos, como o salário, por exemplo, conforme afirmou claramente o gestor do

Programa Ponte de Encontro ao ser indagado sobre o que o educador social necessita

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para ser contratado pela Instituição: “a primeira coisa é aceitar o perfil salarial da

gente”. Referia-se a um salário baixo diante da dimensão das atividades da profissão.

Na perspectiva institucional, além de submeter-se ao salário proposto pela

Instituição, é exigido que o educador social tenha, preferencialmente, experiência com

trabalhos comunitários, experiência com trabalho voltado para crianças e adolescentes e,

necessariamente, sensibilidade, compromisso, disponibilidade e desejo de

transformação, como expressaram os gestores ao serem indagados acerca do perfil do

educador social:

uma coisa que é muito importante é a experiência comunitária e vivências de

trabalho na área de crianças e adolescentes. Também compõe o perfil

profissional a habilidade com grupos, a facilidade de redigir documentos, de

elaborar planejamentos, de proposição de ideias, ou seja, uma pessoa que se

mostre sempre ativa, que queira construir coletivamente e que reconheça a

necessidade de atuar articuladamente em rede (Coordenador do Programa

Crescer com Arte e Cidadania);

precisam ser pessoas que tenham um mínimo de sensibilidade, que

pretendam causar impacto positivo na vida das outras pessoas, contribuir com

a instituição no sentido de fazer com que a política pública se realize na

ponta. Devem ter a compreensão da realidade, das dificuldades e serem

propositivas para poderem contribuir de alguma forma. Por isso o educador

social é muito importante para a instituição. É uma política pública que

precisa minimamente de cuidados para ser executada, então se você não tem

no quadro de profissionais alguém que se preocupa em fazer aquilo ali bem

feito, que tenha disponibilidade, inviabiliza esse trabalho (Supervisora de

gestão).

Os depoimentos dos gestores, em relação ao perfil do educador social,

foram consoantes com o que observei nos Projetos Político-Pedagógicos dos Programas.

No PPP do Programa Crescer com Arte e Cidadania, existe menção direta acerca desse

perfil profissional, como salientou o gestor do Programa e como consta no documento:

habilidades em desenvolver atividades socioeducativas e artísticas com

crianças, adolescentes, famílias e atividades comunitárias; conhecimento

sobre direitos humanos, especificamente na área da infância e adolescência;

desenvolver atividades de grupo; capacidade de planejamentos e facilitação

com metodologias participativas (FORTALEZA, 2010, p. 20).

Já o PPP do Programa Ponte de Encontro não possui menção direta em

relação ao perfil do educador social, o documento destaca algumas posturas básicas para

o seu trabalho, como “compreender as crianças e os adolescentes como sujeitos de

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direitos; despojar-se de todo tipo de preconceitos; abrir-se a novos valores; procurar

sempre atualizar os seus conhecimentos” (FORTALEZA, 2010, p. 05).

Essa informação é ratificada pelo gestor do Programa que afirmou que o

educador social “não tem um perfil definido, estamos adotando há algum tempo um

perfil muito próximo da militância, do envolvimento, do comprometimento e estamos

encontrando esse perfil em jovens que já foram atendidos e que são de comunidades”

(Coordenador do Programa Ponte de Encontro).

Tal afirmação me intrigou sobremaneira e me fez dedicar uma atenção

especial à questão. Afinal, por que o envolvimento e o comprometimento são

característicos de jovens que já foram atendidos e que estão inseridos em comunidades

que apresentam um contexto de vulnerabilidade social? Que contradições podemos

identificar nesse processo de inserção? E como os gestores e os jovens educadores

percebem tal realidade?

No capítulo seguinte, faço uma reflexão em busca de compreender as

indagações acima, apresentando breve contextualização acerca das construções sócio-

históricas sobre o trabalho e suas relações com as reconfigurações do trabalho social

para os jovens educadores sociais no âmbito da Coordenadoria-Funci, bem como faço

uma análise sobre a contratação desses sujeitos pela referida instituição, partindo de

suas percepções e das percepções dos gestores, em busca de problematizar aspectos

relacionados ao fazer profissional, à profissionalização e às condições de trabalho.

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CAPÍTULO 3 – FAZER PROFISSIONAL, PROFISSIONALIZAÇÃO E

CONDIÇÕES DE TRABALHO DO JOVEM EDUCADOR SOCIAL NA

COORDENADORIA-FUNCI

Os que lutam contra a exploração, a opressão, a dominação e a alienação –

isto é, contra o domínio do capital – têm como tarefa educacional a

“transformação social ampla emancipadora”.

Emir Sader

Inicio as discussões desse capítulo abordando as imagens e representações

sobre o trabalho social, em especial aquele realizado pelo educador social, apresentando

a relação dessas construções sócio-históricas com as reconfigurações do trabalho social

para os jovens educadores sociais no âmbito da Coordenadoria-Funci.

É importante ressaltar que optei em abordar a temática do trabalho em razão

dos depoimentos dos jovens educadores sociais, que não raras vezes, se desdobravam

acerca do trabalho e suas condições e por considerar que tais fatos estão relacionados e

compõem as suas construções de sentidos sobre a Educação Social e suas práticas

profissionais. Assim, abordo as percepções desses sujeitos acerca de suas contratações

pela referida instituição, fazendo um paralelo entre as suas percepções e as dos gestores,

analisando aspectos relacionados ao fazer profissional no âmbito das políticas públicas,

à profissionalização e às condições do trabalho.

3.1. Imagens e representações do trabalho social para os jovens educadores da

Coordenadoria-Funci: missões vocacional-religiosa, técnico-profissional e de

militância-política

Acredito que a discussão sobre a categoria trabalho nunca perdeu a sua

importância no meio acadêmico, ao contrário, torna-se cada vez mais fundamental para

que possamos compreender diversos fenômenos sociais, econômicos e a sua relação

com a atualidade.

Em concordância com Martins (2010), citando o pensamento de Marx e

Engels (1984), considero que

o processo histórico que se desdobrou ao longo dos tempos e que fez a

humanidade ser como é nos dias atuais traz a marca indelével do trabalho.

Foi por meio dele que o homem se impôs sobre a natureza, transformando-a

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segundo suas necessidades e intencionalidades, tendo como decorrência, ao

transformar a natureza, a sua própria transformação (MARTINS, 2010, p. 41

apud MARX; ENGELS, 1984).

Ao refletir acerca da categoria trabalho, não poderia deixar de mencionar as

contradições existentes nas construções sócio-históricas que a permeiam (ARAÚJO,

1997). Na formação do Brasil, por exemplo, as contradições podem ser vistas sem

rodeios ou eufemismos, afinal, quem desfrutava do berço da preguiça, gozando de um

ócio, graças à exploração, era exatamente o mais rude nas penalizações dos chamados

“vadios” ou “vagabundos”.

Segundo Araújo (1997, p. 150), “a maioria da população brasileira vivia à

margem da grande produção (monocultura ou mineradora), a única que, no fundo,

interessava à Coroa”. Acrescenta o autor, “era toda uma população desajustada e sem

inserção produtiva – negros forros e brancos pobres – que assombrava a vida dos que

pagavam impostos e frequentavam a igreja” (ARAÚJO, 1997, p. 160).

A realidade apresentada me remete ao pensamento de Marx (1984), quando

aborda a questão da expropriação dos camponeses – no texto „A chamada acumulação

primitiva‟ –, um processo que se utilizou da violência e gerou muita oferta de terra e

força de trabalho. Desse modo, acabou gerando uma massa de pessoas sem meios de

produção e sem espaço de inserção, ocasionando a “vadiagem”, que era punida através

de leis arbitrárias e sem qualquer observância aos direitos humanos.

No Brasil, havia um parasitismo regulamentado, bastava a pessoa pagar os

seus impostos e esta seria considerada honesta, distinta e até nobre (ARAÚJO, 1997).

Quanto ao “desclassificado”, que pesava à coletividade, este deveria ser reprimido e

controlado, pois escapava “às normas de convivência, de sobrevivência e de

conveniência minimamente aceitáveis por uma sociedade que só admitia o parasitismo

que fosse considerado honesto” (ARAÚJO, 1997, p. 174).

Frente à repressão e ao controle da população que estava à margem da

produção – “os desclassificados” –, o Estado e a Igreja, juntos, passaram a disseminar o

espírito da caridade, capaz de assegurar a propriedade privada das pessoas de posse e,

ainda, a salvação de suas almas. Nessa lógica, nascem as primeiras experiências de

trabalho social, atreladas à Igreja católica, com o objetivo de se ajudar na construção de

uma sociedade mais justa.

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Essas imagens, construídas à época da colonização do Brasil, ainda

perpassam o imaginário da população brasileira na atualidade, sobretudo as imagens

vinculadas ao trabalho social, ainda que remodeladas e com novas reconfigurações.

No imaginário dos jovens educadores sociais, ainda é muito presente a

perspectiva do trabalho social atrelado à missão, à vocação, como ilustram os

depoimentos:

desenvolvo minha função de educadora social como uma missão, uma

vocação. Eu luto pelos direitos das pessoas, de crianças e adolescentes.

Nunca me imaginei trabalhando em uma loja, no comércio e também não me

preocupo apenas com o dinheiro (Educadora L);

eu estou aqui por uma causa, por uma missão e eu vou lutar por ela, até

porque eu passei por essa causa, eu passei por todo esse processo. Eu não

estou trabalhando só pelo dinheiro, estou por sensibilidade e para tentar

amenizar ou mudar a história daquela criança ou adolescente (Educador G).

Exatamente em virtude desse caráter missionário, a superação das

construções atreladas à caridade, à ajuda como premissas do trabalho social ainda não é

predominância entre os jovens educadores sociais. Na maioria dos depoimentos os

educadores sociais, ao mesmo tempo em que se policiam para não utilizar termos como

“ajuda”, “caridade”, simplesmente por uma questão de linguagem, caracterizam suas

ações como “amor ao próximo”, “solidariedade”, que trazem o “engrandecimento

pessoal”, ou seja, premissas de valores morais religiosos e fundantes do espírito da

caridade. Em suma, a maioria dos jovens educadores sociais configura as suas atuações

no âmbito da Coordenadoria-Funci como uma missão vocacional-religiosa.

Salientando a importância da tensão entre o consenso e a diversidade

(SPINK; MEDRADO, 2000) na minha análise, apresento a ruptura dessa perspectiva

vocacional-religiosa, defendida com muita ênfase pela educadora J:

temos que ter muito cuidado com esse lance de amor, senão estaremos

disseminando o discurso do Governador79, de trabalhar por amor. Antes de

tudo, o meu trabalho possui um valor, pois é através dele que eu “como”, que

me visto e que posso me capacitar para melhorar a minha atuação e

verdadeiramente ter condições de facilitar um processo de transformação.

Não significa que eu não tenha amor pelo que faço, mas o profissionalismo é

importante.

79 A educadora referiu-se a um pronunciamento do governador do Estado do Ceará (Cid Gomes) quando

estava em negociação salarial com a categoria de professor em greve no período entre agosto e novembro

de 2012, ao mencionar que antes de qualquer valor, o professor deveria trabalhar por amor.

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Esse relato reflete à missão técnico-profissional do trabalho social

desenvolvido na Coordenadoria-Funci, caracterizado pela intenção de promover os

direitos das crianças e dos adolescentes em busca da justiça social. Ele se difere,

sobremaneira, do aspecto anterior (vocacional-religioso) porque as pessoas consideram

a importância do trabalho técnico-profissional, remunerado, para além de missão e

vocação, mas como compromisso político para a transformação societária.

Outra missão que identifiquei no relato dos jovens educadores foi a

militância-política, que não exclui a técnico-profissional. Embora eles não utilizem esse

termo “militância”, acabou ficando subtendido em algumas falas, como a que expressa:

“agora eu sou remunerado, pelo que antes eu fazia de graça, por ideologia” (Educador

E). Nesse depoimento, o educador estava ratificando a fala da presidenta da Funci em

um evento da instituição que, segundo o profissional, ela afirmara: “gente, vocês são

felizardos em trabalharem na Funci, porque estão recebendo dinheiro, pelo que antes

vocês faziam de graça, militando nos partidos de esquerda”.

É importante salientar que essa missão de militância-política aparece,

sobretudo, nos depoimentos dos jovens educadores sociais oriundos de projetos da

sociedade civil organizada. Embora, depois, estando representando o poder público,

ainda se identificam como representantes dos movimentos sociais, como salientado no

depoimento: “antes de estar na Funci eu represento a periferia, a minha comunidade, a

sociedade civil” (Educadora J).

Nenhum jovem atendido pela própria Coordenadoria-Funci expressou essa

questão em suas falas. Considero que o fato está relacionado às estruturas institucionais

do poder público e os espaços reais de participação oferecidos aos jovens e ao próprio

lugar de reivindicação que os jovens oriundos das Organizações não-governamentais

ocupavam anteriormente.

Essa realidade é permeada de contradições, pois antes assumiam uma

posição de apenas reivindicar, segundo eles, sem conhecerem os trâmites burocráticos

para a efetivação de uma ação, conforme o depoimento: “quando eu estava no projeto

eu só reivindicava, só queria a solução, hoje eu tenho que responder às reivindicações e

vejo que as coisas não são fáceis” (Educadora L). Como expressa a educadora, hoje tem

que dar respostas às mesmas reivindicações de outrora. Talvez por isso seja mais

cômodo se considerar representante do movimento social do que do poder público, já

que não possui as respostas concretas.

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Abrindo um parêntese, mas sem fugir desse contexto, é importante salientar

o enfraquecimento do movimento social de defesa dos direitos das crianças e dos

adolescentes na cidade de Fortaleza, pois muitas pessoas militantes da área acabaram

assumindo cargos no poder público municipal, estadual e federal. Percebi essa realidade

quando ocupava a presidência do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos das

Crianças e dos Adolescentes (COMDICA), biênio 2010/2012, representando a SDH,

que apresentava total harmonia e quase nenhum embate entre poder público e sociedade

civil.

Voltando às missões ou ao que posso denominar estilos de educadores

sociais, em concordância com o pensamento de Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 131

apud P. AYERBE, 1995), “a fuga entre dois estilos de educadores, que iriam dos perfis

da filantropia e da benevolência ou ao dos rebeldes ou contestatórios, pode ser evitada

garantindo aspectos técnicos em suas competências”. No entanto, não seria uma

excessiva tecnicização, nas palavras de Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 132)

“excessivamente aplicador dos recursos e com atitudes abertamente desvinculadas do

social”, mas “educadores transformadores da realidade social, sujeitos ativos e

reflexivos” (p. 133).

Na realidade dos jovens educadores sociais desse estudo, o perfil de

educador social ativo e reflexivo, salientado acima, ainda está distante, uma vez que a

maioria está inserida em situações de precariedade, de dependência dos empregadores, o

que acaba evitando uma postura mais crítica no âmbito institucional.

Minha análise foi construída a partir das percepções dos próprios jovens

educadores sociais e dos gestores acerca do processo de contratação na Coordenadoria-

Funci, levando em consideração aspectos relacionados ao fazer profissional, à

profissionalização e às condições de trabalho que envolvem esses sujeitos, conforme

apresento no item que segue.

3.2. Percepções dos jovens educadores sociais e dos gestores sobre o processo de

contratação na Coordenadoria-Funci: o fazer profissional, a profissionalização e as

condições de trabalho

A Coordenadoria-Funci vem adotando a prática de contratar jovens que já

foram atendidos em projetos sociais, sejam em projetos da própria instituição ou de

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organizações não-governamentais. Parti da hipótese de que tal prática é utilizada como

forma de enriquecer o processo de aprendizagem das crianças e dos adolescentes

atendidos a partir da socialização das experiências de vida desses jovens educadores,

que outrora vivenciaram o lugar daqueles sujeitos.

Essa minha hipótese, construída numa primeira observação um tanto quanto

superficial, embora não tenha sido invalidada em sua integralidade, evidenciou

contradições importantes na análise do fenômeno. A contratação dos jovens educadores

é encarada de forma diferenciada, dependendo do lugar que ocupa o informante. Ela

pode ser caracterizada como reconhecimento das potencialidades juvenis, como

exploração ou até mesmo um misto entre as duas caracterizações.

A maioria dos educadores sociais caracteriza essa contratação como uma

valorização da juventude por parte da instituição, como salienta o depoimento: “eu acho

bem bacana essa iniciativa. É uma forma de dar oportunidade aos jovens que já fizeram

parte de projetos; emprego hoje está difícil, principalmente para os jovens” (Educador

B). Apenas dois educadores sociais, percebem-na como um misto de valorização e

exploração, não em relação à exploração da força de trabalho, mas, sobretudo, em prol

do fortalecimento da imagem institucional, como trazem os depoimentos: “querendo ou

não é uma estratégia para a política, por que hoje as coisas não funcionam sem

propaganda. Mas, além disso, acredito que existe sim uma valorização desse jovem”

(Educador F); “é uma iniciativa positiva, pois houve a necessidade de contratação,

existia o jovem capacitado, ele foi valorizado e foi bem visto para a imagem da

instituição” (Educador C).

Quanto aos gestores, existem mais variações de percepções acerca da

contratação dos jovens educadores sociais. A supervisora de gestão considera que tal

prática não é frequente, dada a dificuldade de encontrar jovens no perfil, mas, quando

isso ocorre, ela considera muito interessante para o projeto; o coordenador do Programa

Crescer com Arte e Cidadania considera que a instituição está reduzindo essa prática,

por considerar importante não só a padronização no processo de contratação dos

profissionais como a importância da qualificação; já o coordenador do Programa Ponte

de Encontro considera que essa prática está sendo fortalecida, uma vez que esses jovens

demonstram envolvimento em suas monitorias e facilitam o processo de atuação no

âmbito das comunidades, conforme ilustram os seus depoimentos:

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na verdade não é uma situação muito corriqueira, porque nem todas as

pessoas têm o perfil para trabalhar com o social. Quando a gente consegue

trazer alguém que foi atendido enquanto público-alvo para ser um

profissional da instituição isso é importante, porque ele tem a visão dos

meninos que já estiveram lá sendo atendidos recebendo os “cuidados”, entre

aspas, o atendimento do projeto (Supervisora de gestão);

hoje nós temos absorvido bem menos jovens que foram educandos do próprio

projeto, pois existe uma padronização quanto à contratação de profissionais,

que é realizada pelo setor de desenvolvimento humano junto com a

coordenação de gestão, em parceria com a coordenação do programa. O ex-

educando não é mais contratado diretamente, pois ele pode ser absorvido por

qualquer outro programa desde que tenha qualificação (Coordenador do

Programa Crescer com Arte e Cidadania);

já é o terceiro monitor da escolinha de surf que a gente contrata como

educador e essa realidade vem se intensificando, porque são pessoas que se

destacam em suas atividades, possuem envolvimento com a comunidade e

abertura com as crianças e os adolescentes. Isso facilita o processo de

compromisso, de atuação dentro da comunidade. Fica muito mais fácil pra

gente trazer uma pessoa que já foi atendida pela gente, que vivenciou a

história, do que de repente trazer uma pessoa com mais experiência, mas

cheia de vícios (Coordenador do Programa Ponte de Encontro).

Unanimemente, gestores e educadores descartaram a possibilidade das

contratações serem uma política institucional, conforme observei nos depoimentos: “a

contratação de quem já foi atendido não é uma política da instituição, até porque não

existe um quadro de vagas para egressos do programa” (Coordenador do Programa

Crescer com Arte e Cidadania); “não é uma política da instituição, pois a contratação

não é adotada por todos os programas, vai depender de cada gestor individualmente.

Inclusive tem gestores que tem medo de fazer isso” (Coordenador do Programa Ponte

de Encontro); “não consigo perceber essa prática como uma política da instituição, acho

que é um processo de valorização, sem ser instituído oficialmente” (Educadora J).

Gestores e educadores consideram importante a ampliação dessas

contratações e não desconsideram a possibilidade de haver uma regulamentação dessa

prática, como ressaltaram: “o Demitri (secretário da SDH) disse pra mim: vamos adotar

essa política de contratar as pessoas que já foram atendidas?” (Coordenador do

Programa Ponte de Encontro); “podemos trabalhar na perspectiva de adotar essa prática

como política, é uma ideia” (Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania)

e “os vários exemplos que deram certo acabaram estimulando essa prática e talvez ela

possa ser transformada em política” (Educador C).

Quanto à escolha dos jovens educadores, existem diferenciações entre os

dois programas. Segundo o coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania, “o

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jovem é avaliado pela equipe que o acompanha e convidado a participar do processo

seletivo como outra pessoa qualquer”. Já no Programa Ponte de Encontro, o processo de

escolha é baseado no destaque de cada jovem como monitor de alguma atividade do

Programa e há priorização para quem reside nas áreas de vulnerabilidade social, como

salientou o coordenador: “acabamos de contratar três jovens que eram monitores e que

se destacaram muito; um da Barra do Ceará, um do Bom Jardim e outro do Oitão

Preto”. Bairros da cidade de Fortaleza que possuem índices elevados de situações de

vulnerabilidade social.

Acredito que a diferença no processo de escolha está relacionada ao objetivo

de atuação de cada programa, ou seja, no Crescer com Arte e Cidadania prioriza-se a

técnica da pessoa que será contratada tendo em vista a perspectiva de

profissionalização, ainda que não assumida propriamente. Tal afirmação pode ser

encontrada no depoimento do coordenador do Programa, ao salientar que:

quando o jovem é contratado automaticamente logo que sai da condição de

educando é porque teve méritos, ele mostrou que tinha capacidade; mas

quando ele estagna, não vai buscar uma formação técnica ou acadêmica da

linguagem que ele se propôs a trabalhar, ele acaba se perdendo no processo e

não se reconhece como educador.

Importante salientar que, para os gestores, independentemente da função, é

imprescindível que o jovem que será contratado tenha tido, além de alguma habilidade,

comprometimento na sua experiência de educando, entendido como assiduidade,

participação ativa, entre outros.

Os próprios educadores também reconhecem tais aspectos como

preponderantes para as suas contratações, conforme os depoimentos: “com esse tempo

que eu passei lá no projeto eu sempre fui um dos mais dedicados. Sempre que rolava

atividades fora, rolava um debate, eu estava participando. Também me destaquei no

desenho” (Educador B); “tive uma participação muito ativa no projeto, uma consciência

muito crítica e também o desenvolvimento artístico” (Educador C).

Quanto à habilidade e à aptidão artística serem condições necessárias à

contratação dos jovens educadores sociais, percebi contradições entre as falas dos

gestores e o que de fato é praticado. Salientaram os coordenadores: “a habilidade

esportiva ou artística não são condição para a contratação no Programa” (Coordenador

do Programa Crescer com Arte e Cidadania); “não priorizamos a contratação de quem

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possui habilidades artísticas ou esportivas, mas alguns educadores possuem e vão

colaborar com o processo metodológico e de intervenção” (Coordenador do Programa

Ponte de Encontro).

No primeiro programa (Crescer com Arte), a contratação do arte-educador

necessariamente está relacionada a tais habilidades, e, em ambos os programas, embora

a contratação dos educadores sociais não esteja vinculada às habilidades, todos os

jovens deste estudo, contratados como educadores sociais, possuem alguma aptidão

artística ou esportiva. Tal realidade me remete à ideia de intensificação do trabalho, ou

seja, exploração da força do trabalho tido como polivalente, que abordo mais adiante.

Em relação às potencialidades e limites da prática educativa, desenvolvida

pelos jovens educadores sociais no âmbito institucional, os gestores destacaram como

potencialidades: (i) a socialização de suas experiências junto às crianças e os

adolescentes atendidos; (ii) a facilidade de inserção comunitária; (iii) o compromisso

com a transformação da situação de vulnerabilidade.

Esse último aspecto carrega contradições, uma vez que o fato de vivenciar

situações de vulnerabilidade social é considerado um limite à atuação desses jovens,

como salientou o coordenador do Programa Ponte de Encontro: “esses jovens muitas

vezes vêm de situações complicadas, muitas vezes estavam em situação de

vulnerabilidade e essa situação não se supera quando ele é contratado”.

No depoimento acima também é possível identificar a fragilidade da

proposta institucional em promover a transformação da situação de vulnerabilidade, já

que os poucos que conseguem certo destaque ainda sim não conseguem alterar suas

condições de vulnerabilidade. O próprio documento que versa acerca da proposta de

atuação reconhece tal fragilidade ao afirmar:

tendo consciência desse contexto e do enorme desafio a ser enfrentado, não

podemos ser prepotentes em apontar soluções imediatas, contudo não seria

possível nos omitirmos de nossas obrigações em fazer cumprir o Estatuto da

Criança e do Adolescente (FORTALEZA, 2010, p. 02).

Ainda como limites da prática educativa desenvolvida pelos jovens

educadores, os gestores destacaram: (i) a fragilidade na educação escolar, que

compromete a eficácia nas ações mais formais exigidas, como a elaboração de

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relatórios; (ii) e a dificuldade na condução de grupos, por não se perceberem na

condição de educadores.

Para os gestores, a primeira limitação pode ser identificada pelo fato da

contratação se efetivar ainda que o profissional não tenha concluído o ensino médio, e

pela resistência deste em registrar e planejar antecipadamente as suas ações, assim como

em responder às solicitações das coordenações dos programas. Particularmente, pude

identificar essa fragilidade pelo vocabulário e conotação das ideias apreendidas nas

entrevistas, bem como pelo contato com o parco material produzido pelos jovens

educadores no período da pesquisa, como planos de aula, respostas de questionários

sobre interesse de formações, entre outros. Se percebida, ainda assim essa limitação não

foi verbalizada pelos educadores.

Quanto à segunda limitação, identificada pelo coordenador do Programa

Crescer com Arte e Cidadania, a justificativa mais parece um desejo de silenciar uma

postura crítica do que uma real limitação, conforme expresso no depoimento:

ao invés de contribuir para a organização da oficina, ele está junto na

discussão. Se os meninos se reúnem para fazer uma manifestação contrária,

pela falta de material digamos, ele não tenta mediar a situação, ele é tão

incisivo, ele entra no embate no ritmo dos meninos (Coordenador do

Programa Crescer com Arte e Cidadania).

Nesse depoimento, o coordenador critica o fato de o jovem educador não

saber mediar conflitos, uma vez que ele entra no embate junto com o adolescente para

reivindicar melhores condições de trabalho e qualidade das atividades. Ou seja, uma

postura crítica do educador social e não simplesmente uma limitação, haja vista também

a complexa tarefa de mediação de conflitos.

Abrindo um parêntese, esse depoimento me fez lembrar um episódio que

vivenciei quando trabalhava na Coordenadoria-Funci. Depois de inúmeras tentativas de

diálogo, de envio de comunicação interna e de relatos contendo situações de perigo,

para realizar a troca de um automóvel, uma Kombi (que os bancos estavam soltos, os

pneus carecas, a porta pendurada e faltava freio), disponibilizada para o transporte dos

adolescentes, suas famílias e profissionais, decidimos realizar uma passeata no Parque

das Crianças, com cartazes e pedaços da própria Kombi. Fomos então recebidos pela

presidenta da Funci, àquela época, que frisou nossa atitude equivocada ao considerar a

manifestação a última opção de solução de um conflito, sobretudo quando aderida por

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gestores. Eu, particularmente, recebi a bronca, mas considerava legítima a reivindicação

mediante manifestação pacífica. O fato é que, após o episódio, a Kombi foi trocada no

dia seguinte, o que solicitávamos há mais de quatro meses.

Voltando à questão da limitação, os jovens educadores sociais relataram

sentir insegurança na condução dos grupos, principalmente no início de suas

contratações, por estar ocupando uma posição nova e por, há pouco tempo, ter estado do

outro lado, conforme se apresenta nos depoimentos: “no começo foi um pouco

complicado, porque eu não me adaptava, mas o tempo foi passando e eu fui me

aprofundando mais nas atividades, nas temáticas” (Educador B); “tive um pouco de

insegurança, porque tudo que é novo, querendo ou não, vai te causar uma insegurança,

surgem pensamentos que não somos capazes de fazer aquilo” (Educador F); “no início

eu tive muita dificuldade de me ver na condição de educador, pois eu chamava a minha

parceira de trabalho outro dia de “tia”, ela me atendia. Demorou para cair a ficha e eu

me acostumar com a ideia de companheira de trabalho” (Educador H); “agora eu estou

mais madura e compreendendo o meu espaço e o meu papel, mas demorei muito para

compreender que eu não era mais uma educanda” (Educadora J).

Levando em consideração os dois últimos depoimentos, os gestores não

percebem um tratamento diferenciado por parte dos demais educadores sociais para com

os jovens educadores, conforme relatado: “eu não percebo qualquer rejeição. Inclusive

eles são muito respeitados dentro da equipe, pela experiência de vida deles, mesmo

sendo jovens” (Coordenador do Programa Ponte de Encontro).

Para a educadora J essa rejeição ocorreu apenas no início, pelo fato de ser

jovem e tal característica não ser dotada de credibilidade, conforme ressaltou:

quando eu cheguei para facilitar a minha primeira oficina, os educadores do

projeto olhavam pra mim com cara de quem pensava assim: olha essa

doidinha, bem novinha, crente que sabe facilitar alguma coisa (Educadora J).

Indaguei dos gestores acerca da existência de algum tipo de processo de

transição dos jovens educadores que já foram atendidos no próprio projeto e/ou algum

acompanhamento diferenciado para os que são oriundos de outras instituições, com o

objetivo de superar as limitações relatadas e fortalecer as suas atuações. Os dois

coordenadores afirmaram não existir, mas, que para os jovens que são contratados sem

o ensino médio completo, a sua permanência na Instituição é condicionada à conclusão.

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Também foi relatado que não existe diferenciação nos processos de

formação. Esses são caracterizados por encontros realizados no âmbito institucional

e/ou promovidos por instituições que compõem a rede de proteção às crianças e

adolescentes, onde são discutidas as temáticas pertinentes ao fazer profissional,

conforme salientou o coordenador do Programa Ponte de Encontro:

temos um processo de formação permanente. Toda segunda-feira nos

reunimos com todos os profissionais da unidade e discutimos temas ligados à

realidade do trabalho, como o sistema de garantia de direitos, a rede que a

gente pode encaminhar, passando por ética, por várias temáticas que dizem

respeito ao cotidiano do educador.

Essa realidade foi identificada como um fenômeno comum das instituições

que trabalham com a categoria do educador social, conforme afirmou Caliman (2011, p.

238): “a formação dos educadores sociais se dá em geral através de reuniões periódicas

de revisão e avaliação da prática sociopedagógica cotidiana”.

Nesse sentido, existe valorização da ação prática nos momentos de

formação institucional, identificada no discurso: “toda ação educativa deve privilegiar a

prática como norteadora da reflexão” (FORTALEZA, 2010, p. 03) e no relato:

a formação do educador social seria a rua mesmo; formação por formação na

escola você já tem; acho que a Educação Social é um trabalho mais sensível,

é mais o olhar mesmo, a magia daquele momento e sentir o próximo

(Educador G).

Ainda quanto à valorização do saber prático, reconheci no depoimento da

maioria dos jovens educadores a priorização do conhecimento prático e sua

identificação como fator preponderante na conquista de suas posições atuais, como

salientou o educador F: “a escola formal não influenciou em nada para a atividade que

hoje exerço. O que influenciou foram as minhas vivências práticas. Hoje estou como

arte-educador, graças às vivências práticas”.

Contraditoriamente, ainda sobre os fatores que contribuíram para se tornar

um educador social, o educador F inicialmente não dá importância ao saber teórico, mas

em seguida reconhece a pesquisa e o aprofundamento sobre a linguagem artística que

desenvolve como importantes para alcançar a sua posição atual, conforme se apresenta

no relato: “primeiramente a minha vivência com a construção civil, que me despertou a

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sensibilidade para as artes visuais e as minhas vivências no projeto, depois eu me

apropriei e despertei o interesse em pesquisar e me aprofundar sobre essa linguagem”

(Educador F).

A pesquisa e o aprofundamento teórico, que denomino nesse trabalho de

teorização da prática, são incipientes na Coordenadoria-Funci. Apesar do Programa

Crescer com Arte e Cidadania desenvolver um momento de nivelamento junto aos

profissionais, voltado às linguagens artísticas desenvolvidas e às discussões temáticas,

pouca coisa é registrada e quase nada produzida e transformada em textos e material de

consulta, assim como o aperfeiçoamento real das técnicas, o aprofundamento teórico, a

formação técnica ou acadêmica é de inteira responsabilidade do educador social, ainda

que não disponha de um salário que possa lhe propiciar tais garantias.

No Programa Ponte de Encontro, diferentemente, as limitações e

fragilidades nas atuações profissionais são toleradas e até aceitas, levando-se em

consideração que a Instituição ainda tem um caminho de acertos pela frente, já que é

uma escola de Educação Social onde os profissionais aprendem na prática, conforme

salientou o coordenador do programa: “a Funci acaba sendo uma escola de Educação

Social em Fortaleza, porque você não tem isso formalmente instituído. Inclusive tem

um movimento de trazer uma escola de Educação Social para Fortaleza, através da

equipe interinstitucional”.

Em relação à regulamentação da profissão, apenas um educador social

afirmou categoricamente não conhecer o debate. Os demais relataram ser importante o

reconhecimento da categoria, embora não tenham demonstrado propriedade perante a

discussão, como salientou o educador G: “escuto falar sobre a regulamentação,

considero importante, mas confesso que não conheço o debate profundamente”.

Os jovens educadores sociais que afirmaram conhecer tal debate sabem que

ele está ocorrendo, mas desconhecem as suas argumentações, o que está em pauta, e

consideram como fator decisivo para o não aprofundamento da discussão, o não

engajamento no sindicato dos educadores, conforme identifiquei no depoimento:

o que eu sei sobre a regulamentação é por cima, justamente por essa ausência

de estar no sindicato. Sem hipocrisia ou ignorância, eu não vou para uma

reunião que vai ter três pessoas, onde existem quase oitenta educadores na

instituição (Educador F).

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Importante salientar que nenhum dos educadores sociais desse estudo

participa ativamente do sindicato e da associação dos educadores do Estado. A maioria

só tem conhecimento sobre o sindicato quando vem deduzida a contribuição sindical no

contracheque.

A regulamentação da profissão, pela não apropriação das discussões, ainda

parece muito confusa para os jovens educadores sociais. Em seus depoimentos,

encontrei menção à necessidade de valorização salarial e melhoria na estrutura do

trabalho, como afirmou o educador E: “a regulamentação tocará na questão da

valorização do salário, pela estrutura do trabalho”; menção à valorização subjetiva da

atuação, como salientou o educador H: “essa regulamentação é precisa para valorizar

mais o educador social, não é querendo falar, mas a gente faz praticamente a mesma

coisa que esse pessoal que tem faculdade, só porque tem diploma são mais valorizados”.

Foi justamente a discussão sobre a necessidade ou não de uma formação

superior em Educação Social que gerou mais polêmica e posicionamentos divergentes.

Os educadores sociais que já possuem formação superior completa ou em andamento,

com exceção da educadora L, são categóricos em afirmar a necessidade de uma

formação específica e condicionada para a atuação profissional, conforme identifiquei

nos depoimentos:

acredito que o educador social deve passar por uma formação superior, para

que seja reconhecido e valorizado como profissional, como acontece com

outras profissões. Só a partir disso as pessoas vão ter outro olhar para a

Educação Social também. No dia a dia o educador social tem feito a

diferença na vida das pessoas, portanto a ideia da Educação Social como

profissão é primordial para um processo político de reconhecimento da

categoria, de reconhecimento das suas ações (Educador A);

o educador social precisa ter um processo de formação sim, porque você está

trabalhando diretamente com crianças, que estão em processo de

crescimento, de descoberta e você é referência. O educador social tem que ter

um processo de formação de graduação, mas também uma formação humana,

para quebrar essa visão preconceituosa que muitos têm. Por isso eu digo que

não é qualquer pessoa que você coloca ali para estar à frente de uma oficina.

O educador social é responsável por vidas e isso não é tão simples. Acho que

a formação é de suma importância (Educador E);

apesar de estar flutuando nessa discussão, acho que o sonho de todo educador

é ter sua profissão reconhecida como uma categoria que desenvolve uma

função importantíssima na instituição. E para isso acontecer, vejo que o curso

de nível superior em Educação Social tem que ser inserido no nosso contexto,

pois essa área está cada vez mais complexa e precisamos de um

conhecimento teórico específico, pois só a prática não está trazendo

eficiência para o trabalho (Educador I).

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Esse último depoimento traz a importância da teorização da prática

profissional, pois como o próprio educador salienta: “só a prática não está trazendo

eficiência para o trabalho” (Educador I).

Os educadores de nível médio possuem mais dissensos quanto à questão,

mas consideram importante a existência de uma formação, seja superior, de extensão,

especialização, como alternativas opcionais, mas jamais como condição obrigatória para

inserção na atividade profissional, conforme os relatos:

eu acho que a profissão deve ser regulamentada, mas não sei se a

obrigatoriedade de ter o nível superior seria o grande diferencial, porque

quando se trabalha com seres humanos, quando se trabalha com gente tudo

pode acontecer. Você vai passar dois, três, quatro anos numa cadeira

estudando, tendo a parte teórica, mas quando você for para a ponta, cada caso

é um caso. Sei lá, a vida é quem mais te ensina. E na Funci tem grandes

exemplos desse tipo, pessoas autodidatas e que exercem um trabalho

fantástico, são ótimos profissionais sem ter a faculdade. Todo o contexto

deve ser levado em consideração, não só o diploma (Educador C);

acho importante essa formação acadêmica, mas não sei se ela seria necessária

para o engajamento de um profissional na instituição. Como já foi salientado,

existem pessoas autodidatas que fazem um trabalho igual ou até melhor do

que aquelas que vivenciaram um processo teórico. A exigência do diploma

excluirá pessoas capacitadas, mesmo que não tenham o nível superior. Espero

que a valorização da profissão não aconteça condicionada a uma formação

acadêmica, mas que essa formação seja opcional, ao tempo de cada um

(Educador F);

eu acho extremamente importante a regulamentação da profissão, para

valorizar a categoria, mas isso deve ser feito com todo cuidado, para não

perder o caráter popular da atuação. Acho que deve existir um curso de

especialização, mas também acho muito complicado exigir essa participação

como requisito de contratação, porque senão a gente cai na contradição de

exigir um diploma para executar a atividade. A qualificação é uma

necessidade nossa, de melhorar a nossa atuação, mas não deve ser encarada

como uma exigência mercadológica, para não perder o popular e o nosso

jeito de atuar. O diploma não deve ser crucial na contratação de um educador

social (Educadora J).

Como demonstraram os depoimentos, a questão necessita de mais debates,

argumentações e decisões, no mínimo, cuidadosas para não excluir do mercado de

trabalho inúmeros trabalhadores, preocupação principal dos educadores sociais que são

contrários à exigência de uma formação superior como condição necessária à inserção

na atividade profissional.

Nessa questão da regulamentação da profissão, percebi a destrutiva

separação entre os profissionais “qualificados”, que já alcançaram ou estão prestes a

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alcançar um patamar mais elevado na concorrência desleal do mercado de trabalho, e os

que buscam se manter nesse posto, ainda que não estejam caminhando rumo às

exigências desse mercado. No entanto, todos eles – “qualificados ou desqualificados” –

vivenciam a “contraditória processualidade do trabalho, que emancipa e aliena,

humaniza e sujeita, libera e escraviza” (ANTUNES, 2009, p. 12).

O pensamento de Antunes (2009), ainda que utilizado para ilustrar as novas

formas de intensificação do processo de trabalho produtivo, serve-me para ilustrar a

realidade dos jovens educadores sociais da Coordenadoria-Funci, que prega o discurso

do “envolvimento participativo” dos trabalhadores, salientado por Antunes (2009, p.

54), como uma “participação manipuladora e que preserva, na essência, as condições do

trabalho alienado e estranhado”.

Tanto os gestores como os jovens educadores não relacionaram suas falas

diretamente com possíveis características relacionadas à intensificação das condições de

exploração da força de trabalho, mas pude identificar, nas entrelinhas dos depoimentos e

ao longo das minhas observações no âmbito institucional, tais características.

Essas características podem ser ilustradas: (i) na redução dos postos de

trabalho, já que um único profissional pode desenvolver as mais variadas funções e

substituir outro que está de férias, somando à nova atividade as suas funções, como

relatado pela educadora J: “se um dia falta um educador de determinada atividade,

temos que estar prontos e dispostos a assumi-la nesse dia”; (ii) na desregulamentação

dos direitos do trabalho, presente nas inúmeras trocas de empresa de terceirização, como

salientou o educador E: “vejo como negativo na Funci o troca-troca de prestadoras de

serviços”. Essa realidade muitas vezes obriga os trabalhadores a abrirem mão de seus

direitos trabalhistas, para garantirem suas permanências na Instituição, tendo como meio

de defesa um “sindicalismo de empresa80

”; (iii) na precarização do trabalho,

considerada passível de transformação graças à competência individual de cada

profissional, que deve ser criativo, propositivo e garantir, em virtude dos seus poderes

de mobilização e articulação com outras instituições, condições estruturais de trabalho

sem depender do que deveria ser obrigação da instituição em garantir-lhes, como

ressaltou o educador I: “trabalhar na Funci é tirar leite de pedra. Não temos estrutura

adequada e dependemos da boa vontade das mães e das associações do bairro que nos

80 Traduzido por Antunes (2009, p. 55) como a “destruição do sindicalismo de classe e sua conversão

num sindicalismo dócil, de parceria”.

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cedem espaço”; (iv) na terceirização da força de trabalho e na absorção de profissionais

para fins políticos de governabilidade, salientadas no depoimento da educadora J:

“deveria existir concurso público ou ao menos a garantia de uma seleção pública por

edital, para evitar as indicações políticas, que muitas vezes não entram na Funci com

disposição de trabalho”. No meu entendimento, a excessiva terceirização é uma prática

ilegal, visto que a função de educador social configura-se em uma atividade fim da

instituição, e a indicação política para a ocupação de postos de trabalho é um absurdo e

total desrespeito aos princípios da Administração Pública.

Considero que os jovens educadores sociais estão inseridos em um contexto

instável e precário de trabalho, onde vigora a “boa” vontade e o compromisso de cada

um como fatores primordiais na efetivação dos objetivos institucionais. E a exigência de

um profissional polivalente e propositivo, desamparado das condições estruturais

mínimas de trabalho, coaduna para a evidente intensificação/exploração do trabalho

desses sujeitos, ainda que eles não percebam essa realidade, caracterizada por Antunes

(2009) como inibição do afloramento de uma subjetividade autêntica, ou seja, uma

subjetividade à disposição do capital.

Por considerar importante a necessidade de teorização da prática

profissional, inicio o capítulo seguinte com uma discussão acerca da Educação Social,

os seus conceitos e como os jovens educadores sociais percebem essa educação em

termos conceituais, primando pelo constante diálogo entre teoria e empiria, e que

sentidos eles constroem em torno da Educação Social, a partir de suas trajetórias de

vida, problematizando sobre a real possibilidade desta ressignificar a vida dos sujeitos.

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CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO SOCIAL PARA OS JOVENS EDUCADORES

SOCIAIS DA COORDENADORIA-FUNCI: UM CONCEITO EM

CONSTRUÇÃO E POSSIBILIDADES DE RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA

A única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas

poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para

que a educação seja uma educação para a contestação e para a resistência.

Theodor Adorno

Inicio este capítulo ressaltando a complexa tarefa de delimitar uma

conceituação acerca da Educação Social. Por tal razão, convido o leitor a construir e

reconstruir esta conceituação, em conjunto, tendo como caminho o diálogo entre o que

me foi revelado pelo campo de pesquisa e a teorização sobre a questão, considerando a

concepção de Rey (2010, p. 30) de que

o empírico representa o momento em que a teoria se confronta com a

realidade, sendo representado pela informação que resulta dessa

confrontação, e que se desenvolve por diferentes vias. Assim, o empírico é

inseparável do teórico, é um momento de seu desenvolvimento e

organização.

Segundo Silva (2011), o surgimento das práticas de Educação Social deve-

se a um movimento histórico particular que produziu teorias e tradições81

que

alimentam divergências conceituais. O fenômeno ora é denominado como Educação

Social, ora Pedagogia Social, embora os discursos apontem a necessidade de se alcançar

uma educação completa capaz de possibilitar ao sujeito a transformação de sua

realidade, independentemente das denominações.

Em concordância com o referido autor, considero a Educação Social como

uma atividade prática de atendimento e a Pedagogia Social como a teoria que subsidia

essa atividade. Porém, assim como os sujeitos envolvidos na pesquisa, considero que o

subsídio para tal atividade prática não advém exclusivamente da Pedagogia Social, mas

81 Para um aprofundamento acerca das teorias e tradições construídas historicamente em torno da

Educação Social/Pedagogia Social ver em: ROMANS; PETRUS; TRILLA. Profissão: educador social.

Porto Alegre: Artmed Editora, 2003; NETO; SILVA; MOURA. Pedagogia Social. São Paulo: Expressão

e Arte Editora, 2009; GARRIDO [et al.]. Desafios e perspectivas da Educação Social: um mosaico em

construção. São Paulo: Expressão e Ate Editora, 2010; SILVA [et al.]. Pedagogia social: contribuições

para uma teoria geral da Educação Social. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2011 e SILVA. Vou para

a rua e bebo a tempestade: representações de educadores de rua de Fortaleza. UFC, 2011 (dissertação de

mestrado).

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de outras ciências, como a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia, entre outras,

conforme expresso no depoimento: “não temos um conhecimento específico na nossa

área, mas pegamos emprestado de várias áreas como a Psicologia, Serviço Social,

Sociologia” (Educador I).

Quanto à questão, Machado (2011, p. 264), ancorada pelo pensamento de

Saez (1988), ressalta que “na Pedagogia Social o suporte teórico, apesar de existente,

ainda não se encontra claramente explicitado”, havendo necessidade de se ampliar e

aprofundar as discussões, relacionando teoria e prática. Afirma também que “novas

alternativas do pensar sobre a realidade social e educacional sugerem campos para

investigação” (MACHADO, 2011, p. 264).

Machado (2011) esclarece ainda que, para a área socioeducativa, “apenas a

referência das práticas, que vigorou e ainda vigora em muitos espaços, se torna

insuficiente numa sociedade que se complexifica nas tramas de novos conhecimentos,

novas tecnologias e novas demandas” (MACHADO, 2011, p. 264). Portanto, é

premente “a necessidade de um referencial teórico consolidado específico para a área,

para dar suporte às discussões e propostas e, principalmente, impulsionar e fundamentar

pesquisas e produção de conhecimentos” (MACHADO, 2011, p. 264).

Para a autora,

com o apoio de áreas básicas à formação de pedagogos, como Filosofia,

Sociologia, Psicologia, [...], ou com a contribuição de conhecimentos das

áreas afins e participação dos próprios profissionais que atuam nas ações

socioeducacionais, é que se está construindo a teoria e a prática no fazer

cotidiano (MACHADO, 2011, p. 265).

Machado (2011, p. 265) salienta que, “apesar da evidência da precariedade

expressa por falta de referencial teórico e de formação específica, as ações nesse campo

têm se intensificado”. Nesse sentido, acrescenta que “a construção da área ocorre de

maneira aleatória, [...], que expressam mais as suas trajetórias de vida do que

conhecimentos da área ou formação acadêmica” (MACHADO, 2011, p. 265).

Para Graciani (2011), o processo de construção do conhecimento que

envolve a Educação Social também ocorre tendo como ponto de partida sempre a

prática. Segundo a autora, a prática

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nos dá os dados sensoriais, via percepção da realidade objetiva, e a abstração

nos permite realizar um ordenamento lógico dessas percepções,

relacionando-as entre si, até formularmos conceitos. Com o descobrimento

das contradições internas da realidade social, podemos elaborar deduções e

juízos próprios, passando do conhecimento empírico a um conhecimento

racional teórico (GRACIANI, 2011, p. 293).

Assim, atentando-me ao pensamento de Machado (2011) e Graciani (2011),

em relação à construção teórica e prática no fazer cotidiano, passo a apresentar como

educadores sociais dialogam entre teoria e empiria, abordando como eles conceituam a

Educação Social, e que concepções e tendências teóricas se baseiam, salientando o

desafio de teorização de suas práticas profissionais.

Em seguida, levando em consideração que a subjetividade “está constituída

tanto no sujeito individual, como nos diferentes espaços sociais em que este vive”

(REY, 2010, p. 24), passo a analisar os sentidos construídos pelos jovens educadores

sociais, inseridos na Coordenadoria-Funci, em torno da Educação Social, a partir de

suas trajetórias de vida, problematizando sobre a real possibilidade desta ressignificar a

vida dos sujeitos.

4.1. Diálogos e especificidades de educadores sociais: o desafio de teorização da

prática profissional

Não foi tarefa fácil para os educadores sociais entrevistados falar

prontamente sobre o que é a Educação Social, em termos conceituais. Essa realidade era

esperada, levando em consideração a complexa tarefa enfatizada pela teoria como um

conceito em construção.

Para eles, é quase natural a comparação entre os processos desencadeados

pelos conteúdos que se encontram nos livros e orientam o processo de aprendizagem da

educação escolar e entre as possibilidades de complexificação da visão de mundo, do

gosto de fazer em grupo, possibilitados por meio das práticas pedagógicas

desenvolvidas na Educação Social.

A pergunta era: o que é Educação Social? Imediatamente iniciavam com

uma comparação entre Educação Social e educação escolar e entre as formas de atuação

do educador social e do professor, como ilustram as falas:

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na Educação Social a gente aprende a conviver com tudo, aprende a respeitar

e o que a gente vivencia em oficina, em dinâmica é muito bom, é muito

construtivo, ao contrário da escola e ao contrário do ensino formal. Na escola

a gente vê muito que o professor chega na sala, passa a matéria, não olha pra

você, não olha nos seus olhos, depois você tem que responder tudo o que ele

escreveu e ele vai embora, e aí chega outro e assim quatro, cinco professores

em uma tarde ou em uma manhã e acontece dessa forma (Educador C);

a Educação Social é aquela coisa mais informal, mais distraída, mais

espontânea. Quando se fala em professor parece que os meninos já ficam

meio assim [...] E a gente (educador) não; é aquela coisa mais solta, deixa

mais à vontade, não é aquela coisa tão rígida (Educadora D);

a Educação Social e o educador trabalham a questão da formação, da

construção do ser humano. Trabalha em cima de valores. Para o professor, na

prática, é muito mais complicado trabalhar esses valores, porque é

pressionado a apresentar um resultado, precisa ensinar a matemática, o

português e isso é muito cansativo para o professor, ele se preocupa em

passar o conteúdo (Educador E).

Aqui utilizei as falas que melhor expressaram a minha afirmação, mas

acrescento que foi unânime, entre os entrevistados, a percepção de que o professor

limita-se à transmissão do conteúdo de forma robotizada, e o educador social possui um

olhar diferenciado, preocupado com a formação cidadã em sua integralidade.

Na percepção dos educadores, observada nos trechos das falas, há rigidez

nas práticas pedagógicas desenvolvidas na educação escolar contrapondo-se às práticas

pedagógicas da Educação Social. Para eles, a Educação Social prima pela utilização de

técnicas e métodos que envolvam a ludicicidade, a arte, o espontaneísmo, sem distanciar

o processo educativo do social, ou seja, sem apartá-lo da dinâmica de vida de cada

educando.

É possível perceber apenas na fala do educador E menção a uma relação

professor/educador como algo estrutural, ou seja, não simplesmente como um perfil de

atuação, mas uma exigência do contexto que envolve o professor: “para o professor, na

prática, é muito mais complicado trabalhar esses valores, porque é pressionado a

apresentar um resultado”.

Quanto à questão, não podemos esquecer as estruturais sociais que

envolvem a relação conflituosa entre as formas de educação. No caso da Educação

Social, há uma atenção especial para que ela não se transforme em “uma espécie de

colchão, de suavizador das contradições existentes no seio da sociedade, camuflando e

ocultando as desigualdades e as injustiças sociais, tentando simplesmente adaptar o

indivíduo às coordenadas sociais existentes” (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p.

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131 apud AYERBE, 1995), como diria Foucault (2003), instituindo o poder disciplinar,

que opera por meio de estratégias, táticas e técnicas sutis de adestramento: uma

conformação física, política e moral dos corpos.

O educador social parece se constituir na perspectiva de ser um agente

social crítico, informal, inserido em movimentos sociais em busca de transformação da

realidade, portanto, incapaz de se submeter aos caprichos de uma “ordem alienante”

(MARTINELLI, 2010), seja no campo da educação, seja no da assistência social, que

pode transformá-lo em apenas mais um profissional programado pelo Estado.

Diante destas considerações, é importante que as pesquisas não assumam a

fala dos entrevistados como verdade, sem analisar o contexto e as condições estruturais

que envolvem as formas de educação, tampouco restringir a questão como sendo

experiências formais e não-formais, como salientam Romans, Petrus e Trilla:

admitindo que os âmbitos de atuação da pedagogia social são

preferencialmente não-formais, é necessário acrescentar a seguir que o uso de

ambas as expressões logo adverte que, nem o que chamamos pedagogia

social se esgota no que chamamos educação não-formal, nem vice-versa.

Quer dizer, existem subsetores da educação não-formal que não costumam

ser objeto da pedagogia social e há intervenções próprias desta que não se

realizam em contextos, nem sob procedimentos não-formais (ROMANS;

PETRUS; TRILLA, 2003, p. 22).

Os autores destacam que a Educação Social forma-se por meio de processos

educativos que se dirigem, prioritariamente, ao desenvolvimento da sociabilidade dos

sujeitos, tendo como destinatários privilegiados indivíduos ou grupos em situação de

conflito social, por meios educativos não-formais. A educadora J também enfatiza a

temática da sociabilidade: “a palavra social me remete à sociabilidade e a Educação

Social representa sociabilizar as nossas vivências para superarmos as nossas

dificuldades”.

Mesmo sem uma sistematização ordenada do pensamento, os educadores

sociais criam o que consideram ser a Educação Social: “ajuda as crianças, os

adolescentes e a comunidade; busca o direito dessas pessoas” (Educador H) e “é uma

ferramenta fundamental no processo de desenvolvimento de uma criança, adolescente,

por meio das atividades esportivas, os jogos cooperativos, contribuindo para o

crescimento do cidadão” (Educador I). Suas considerações são semelhantes à

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conceituação de Educação Social utilizada por Gohn (2010), embasada pelo pensamento

de Pérez, que considera a Educação Social como:

um conjunto fundamentado e sistematizado de práticas educativas não

convencionais realizadas preferencialmente – ainda que não exclusivamente

– no âmbito da educação não formal, orientadas para o desenvolvimento

adequado e competente dos indivíduos, assim como para dar respostas a seus

problemas e necessidades sociais (GOHN, 2010, p. 26 apud PÉREZ, 1999).

A teoria também publica que, na Educação Social, a educação é global, é

social e acontece ao longo de toda a vida, não se reduzindo à “educação escolar”, que

adota certa atitude de reserva frente aos conflitos e problemas sociais dos alunos.

Segundo Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 61), “na escola, por exemplo, ocorrem

situações violentas, existem conflitos de convivência e emocionais que a mera instrução

é incapaz de solucionar”, e o professor nem sempre está preparado para intervir frente a

tais contextos. Porém, salienta Caliman (2011, p. 239) que “a escola é indispensável,

mas não única nem suficiente, isto é, não se pode jogar sobre seus ombros toda a

responsabilidade pela luta a favor da inclusão social”.

Os educadores sociais desse estudo, todos oriundos de escolas públicas e

com relatos de desmotivação frente à passagem pelo ensino médio, concordam que a

escola sozinha não é suficiente para promover a transformação do ser humano, assim

como acreditam ser imprescindível a revisão das práticas pedagógicas e curriculares

desenvolvidas na educação pública escolar, como ilustram as falas:

nunca fui mau aluno, mas só aprendi quando me interessava pelo assunto, os

demais conteúdos eu passava na marra. O que me fez conquistar autonomia

foi o meu desenvolvimento enquanto ser humano, a minha evolução

enquanto artista e a escola é deficiente nesses aspectos. Os projetos sociais

suprem essa deficiência escolar e possibilitam que você seja um agente

transformador (Educador C);

o grande fracasso da escola é não proporcionar ao aluno o que ele tem

interesse em estudar, conteúdos que tenham aplicação prática para a sua vida.

Considero uma ignorância pedagógica, por parte da escola e do Estado,

repassar conteúdos sem relação com os ofícios e interesse dos alunos

(Educador F).

Nesse sentido, penso que experiências de Educação Social são bem vindas

na escola formal e vice-versa. A escola da rede pública de ensino é espaço público,

portanto, lugar privilegiado para a fala, para a escuta, para o diálogo não só em relação a

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assuntos acadêmicos e pedagógicos, como também no que se refere às vivências, às

emoções, aos conflitos sociais, tramas e temas do cotidiano como: relacionamentos

interpessoais e entre diferentes grupos e tribos juvenis; violências; drogas; sexualidade,

enfim, aquilo que os alunos vivenciam e observam no cotidiano e nas mídias, em

especial a televisão e as redes sociais.

Na percepção dos educadores entrevistados, é exatamente nesta forma de

intervenção que, geralmente, o professor da escola se diferencia do educador social. No

entanto, considero que a questão é bem mais complexa, extrapolando a dualidade

percebida pelos educadores, uma vez que existem diferentes conflitos e jogo de

interesses em ambas as formas de educação.

Trata-se de uma construção sócio-histórica, que tem situado a educação

escolar como aquela que cuida dos conteúdos e a Educação Social como a que se

preocupa com os problemas sociais, cabendo ao professor a transmissão do conteúdo e

ao educador a aproximação, os encaminhamentos para a transformação dos problemas,

como expresso na fala: “o professor vai para a escola só para dar aula, só faz aquilo e

pronto. O educador social se aproxima, conversa, troca ideia e faz os encaminhamentos”

(Educador B).

Considero que a versão dos educadores sociais entrevistados perpassa por

essa construção sócio-histórica, sendo, portanto, fundamental ser compreendida e

pensada, porém, também é importante compreender a perspectiva de que a educação

escolar não é antagonismo da Educação Social. É tarefa da Pedagogia Social, na

concepção de Caliman (2011, p. 242) “fazer com que os processos educativos latentes

na sociedade educadora sejam “intencionalmente” orientados, onde quer que

aconteçam: na escola, na família, no abrigo, nos meios de comunicação”.

Romans, Petrus e Trilla alertam que educação formal, não-formal e informal

tem sido uma terminologia que serviu para separar, conceitualmente, espaços

educativos, mas resulta de todo incorreto recorrer a essa classificação, principalmente

por ser imprecisa e criar confusão. “Educação Social e educação escolar não são duas

realidades opostas ou separadas. Pelo contrário, a realidade é uma, embora nós, desde a

academia, pretendamos divorciá-la” (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 63).

Os autores concluem, citando Delors (1996), que os “sistemas educativos

devem formar pessoas capazes de evoluir, de se adaptar a um mundo em rápida

transformação e de dominar a mudança” (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 63

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apud DELORS, 1996). E para consegui-lo, para alcançar a esperada formação dos

cidadãos é preciso recorrer à coordenação de todos os agentes formativos. Trata-se de

fazer uma educação cooperativa, dialógica e social com o fim de alcançar essa educação

completa, independentemente das nomenclaturas.

A diversidade de nomenclaturas que envolve o fenômeno Educação

Social/Pedagogia Social, na percepção de Machado (2011, p. 266), ilustra “a

flexibilidade presente na área como as relações explícitas com diversos campos de

conhecimento, que nela se estabelecem”, sinalizando a importância da

complementaridade dos conhecimentos e da superação de possíveis espaços de disputa

entre as ciências e atuações profissionais.

No campo de observação, identifiquei que existem indefinições em relação

ao uso das nomenclaturas, tanto por parte dos educadores sociais e gestores quanto dos

Projetos Político-Pedagógicos dos programas, que não demonstram claramente quais

referenciais teóricos se afiliam. Os referenciais são indicados nas entrelinhas, na forma

de expressão, mas sem apontamento objetivo.

Observei que em nenhum momento da pesquisa surgiu o termo Pedagogia

Social. Os educadores e gestores dos programas se utilizaram de termos como Educação

Social, escolar, formal, não-formal, popular, cidadã, educador social, arte-educação,

arte-educador, arte-educador social. Um exemplo é o depoimento da educadora J: “eu

sou arte-educadora social, porque para além da arte e da educação tenho a intenção de

transformar o social. A arte e a educação são os meios para essa transformação social”.

Os educadores também utilizaram recorrentemente os termos “assistência” e

“ajuda”. Esse último, quando utilizado, foi sempre justificado, como se houvesse certo

constrangimento, como se não fosse a denominação correta para expressar o

pensamento, conforme é demonstrado no seguinte depoimento: “a Educação Social é

isso: tentar ajudar, não sei se ajudar, acho que é ajuda também, é tentar amenizar os

problemas das pessoas e se doar, se dedicar ao que você faz” (Educadora L).

Outros relatos também surgiram absolutamente contrários à perspectiva da

Educação Social como ajuda, salientado pela educadora J: “temos que superar essa

história de que a Educação Social é ajuda aos “bichinhos”. A Educação Social é

solidária, popular e age com o coletivo para transformar a realidade”.

A maioria dos educadores entrevistados identifica a sua atuação profissional

como uma prática vinculada ao trabalho social prioritariamente, sendo a educação uma

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consequência. Ao mesmo tempo, busca desmistificar a concepção histórica que envolve

o trabalho social e a assistência social, como salientou a educadora J:

eu, particularmente, tinha preconceito com o termo trabalho social; tinha

ranço em relação à assistência social, sobretudo por não admitir a ideia de

que um profissional pode salvar a periferia. Ainda mais da forma como tudo

começou: mulheres burguesas que saiam de suas casas para trabalhar e

garantir sua vaga no céu. Infelizmente começou assim, o que gera muito

preconceito. Assim como a mídia fala mal da periferia, ela propaga essa

imagem tosca da assistência social, como uma forma de desqualificar a área.

Hoje eu sei que o trabalho social e assistência social garantem direitos e não

tenho problema de assumir que realizo trabalho social e acho essa área

massa. Por isso adoto o termo arte-educadora social.

O trabalho social apesar das desconstruções históricas, ainda carrega a

imagem da caridade, do assistencialismo, praticado por mulheres, com a missão

vocacional de ajudar. Quanto ao trabalho do educador social, na percepção dos

educadores sociais entrevistados, ainda há desconhecimento, por parte da sociedade, em

relação a sua atuação. Na maioria das vezes, é confundida com a atuação do assistente

social, do professor ou qualquer outro profissional inserido no ambiente institucional,

como salientou a educadora K: “as pessoas me perguntam o que é educador social, o

que eu faço, se dou aula, se sou assistente social, pedagoga ou professora”.

É importante registrar que o trabalho do educador social, no âmbito das

políticas públicas e em qualquer outro meio institucional, requer a definição de certas

funções que nem sempre são vistas com clareza. Salientaram Romans, Petrus e Trilla

(2003, p. 119) que a imprecisão das funções “deriva das multiformes tarefas que o

educador social desenvolve e que costumam repercutir em seu nível de satisfação e

possivelmente no serviço que se presta no próprio estabelecimento”. Complementam os

autores que no nível de satisfação, porque os educadores “se dão conta de que não

realizam o trabalho para o qual foram preparados ou contratados, e a instituição, porque

acredita que para tarefas “variadas”, não precisa de profissionais tão qualificados”

(ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 119).

A educadora J ilustra o pensamento acima, embora ela perceba como algo

positivo e que deve fazer parte do perfil profissional. Seu relato revela claramente a

imprecisão das funções, ou seja, as multiformes tarefas que o educador social deve

assumir no âmbito institucional, como salientou:

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o educador social deve ser jogado, desenrolado, “bombril82”. Se um dia falta

um educador de determinada atividade, temos que estar prontos e dispostos a

assumi-la nesse dia. Tanto é que a maioria dos educadores saca de dança,

teatro, música. É claro que você não é tão qualificado como um musicista ou

o educador que foi contratado para desenvolver a atividade específica, mas

você destrincha, desenrola. A gente assume a turma do outro porque ele

faltou ou está de férias numa boa. Eu até brinco: ei, se você não voltasse logo

eu ia assumir a capoeira. Porque, de fato, a gente tem que desenrolar. Esse é

o perfil maior do educador social, desenrolar. Ainda mais dentro da nossa

realidade institucional, que muitas vezes não tem recursos (Educadora J).

Na concepção de Araújo e Parente (2010), tal realidade acaba por

enfraquecer a Educação Social, não dando a devida visibilidade para que ela se

solidifique e se constitua como uma concepção educacional claramente estabelecida. E

me remete à importância de se instituir uma prática de formação permanente que

permita ao educador social manter-se atualizado, “proporcionando uma visão ampla e

profunda capaz de assegurar uma boa qualidade no desempenho de sua função”

(ARAÚJO; PARENTE, 2010, p. 34).

O desafio, portanto, é o alcance do perfil de um intelectual orgânico, como

salienta Martins (2010, p. 55), capaz de assumir a “tripla tarefa: filosófico-científica,

educativo-cultural e política”, superando as formações do educador social como

redentor ou mero técnico.

Quanto ao referido perfil, Martins (2010) acredita ser possível quando a

tendência materialista histórica e dialética83

influenciar o processo de formação do

educador social, “para que este possa efetivamente assumir-se como um intelectual

orgânico às classes subalternas e, assim, colaborar no processo de transformação radical

das relações sociais globais, e não apenas dos indivíduos e das comunidades nas quais

atua” (MARTINS, 2010, p. 41).

82 Termo utilizado em referência a publicidade da marca que propaga a ideia de muitas utilidades do

produto. 83 Para situar o leitor sobre a tendência materialista histórica e dialética, utilizo-me da síntese elaborada

por Martins (2010), que afirma que do ponto de vista ontológico, a tendência materialista histórico-

dialética entende o mundo como uma totalidade dialética, isto é “o concreto é concreto porque é a síntese

de múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso” (MARX, 1991, p. 16). Sua visão antropológica é

efetivamente histórica e orienta que o processo de produção do conhecimento deve se articular com o

compromisso político. Para a tendência materialista não há axiologia desvinculada da ontologia, da

antropologia e da epistemologia, de maneira que a ação do homem em movimento constante de

transformação deve ser a de lutar para que tais alterações possam desenvolver-se segundo uma finalidade

que lhe seja adequada. Quem tiver interesse em aprofundar a discussão acerca da referida tendência pode

encontrar em: MARTINS, M. F. Marx, Gramsci e o conhecimento: ruptura ou continuidade? Campinas:

Autores Associados, 2008.

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4.2. O campo de atuação: afirmação da tendência crítico-social

Como já informei anteriormente, os educadores sociais e os gestores dos

programas não revelaram objetivamente em quais referenciais teóricos se aportam para

subsidiar as suas práticas profissionais. Porém, quando indicam que o objetivo de suas

ações tem como foco a transformação da realidade social e a conscientização das

pessoas sobre seu papel no mundo, identifico, ainda que inconscientemente, uma

filiação à tendência crítico-social, que se expressa nas seguintes afirmações: “cabe ao

educador social mostrar que os jovens são sujeitos transformadores, que precisam

modificar a realidade, que precisam estar à frente dessa transformação” (Educador E);

“não trabalhamos só o esporte, só a socialização dos meninos; é um trabalho mais

profundo, que possa despertar o senso crítico para transformar a situação deles, da

comunidade” (Educador H).

Segundo Machado (2011), a Educação Social, na tendência crítico-social, é

um processo de interação social, que reflete uma dinâmica de liberação e

emancipação social e pessoal. O educador social intervém no processo, por

ser um agente de mudança social. A sua intervenção é uma prática

interpretativa crítica da realidade, com tomada de decisão na ação

transformadora que se pretende atingir (MACHADO, 2011, p. 268).

A autora salienta que Saez (1994) defende o modelo crítico-social84

,

considerando que o educador social “não é um profissional externo, capaz de resolver

problemas a partir de padrões estruturados fora da situação concreta, mas sim um

profissional polivalente, um agente de mudança social” (MACHADO 2011, p. 270,

apud SAEZ 1994).

Alguns educadores sociais entrevistados se percebem como agentes de

mudança, mas reconhecem as suas limitações, sobretudo em relação à necessidade de

fundamentação de suas práticas, como ressaltou o educador E: “o educador social vai ter

que estudar, porque toda teoria será importante para a sua prática”.

84 É importante salientar que Machado (2011), em seu artigo “Pedagogia social: percursos, concepções e

tendências”, discorre sobre as bases científicas que fundamentam a Pedagogia social na literatura

internacional, assim como na brasileira, e afirma que estão presentes três tendências dominantes: a

empírico-analítica, a hermenêutico-simbólica e a sociocrítica. Aqui registrei apenas a tendência

sociocrítica por estar relacionada aos sujeitos da pesquisa. Porém, o leitor que tiver interesse em conhecer

as outras tendências, encontrará o referido artigo em: SILVA [et al.]. Pedagogia social: contribuições para

uma teoria geral da Educação Social. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2011.

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Nesse aspecto, Machado (2011, p. 272) esclarece que,

por ser uma área que se dirige a práticas e que delas se deriva, a ação na

Educação Social/Pedagogia Social, independentemente dos subsídios de

diversas áreas que a compõem, precisa estar comprometida com as

finalidades básicas da área. Ou seja, com uma visão da totalidade, com vistas

à transformação da sociedade, pela inclusão de todos os segmentos sociais

num processo de melhoria da qualidade de vida.

Graciani (2011) salienta a importância da teorização da prática profissional

para alcançar o avanço histórico do movimento no qual se insere a Pedagogia Social.

Para a autora, “a criação e recriação dos fundamentos metodológicos favorecem a

formação sólida e consciente da postura do educador social, principalmente

transformando-o em um agente multiplicador” (GRACIANI, 2011, p. 294).

Segundo a autora, o educador social tem como desafio efetivar uma

metodologia da práxis, entendendo a práxis como um “processo de integrar-se sempre

mais fundo e plenamente no real e ir encontrando as formas singulares e plurais de

influir na sua estrutura e no sentido do seu movimento” (GRACIANI, 2011, p. 298).

É, portanto, partindo dos desafios lançados à Educação Social/Pedagogia

Social e à atuação do educador social, reconhecidos tanto pela teoria quanto pela

empiria, que passo a analisar, no item seguinte, os sentidos construídos pelos jovens

educadores sociais acerca da Educação Social em suas trajetórias de vida.

4.3. A trajetória de vida dos jovens educadores sociais e os sentidos construídos em

torno da Educação Social: ressignificação ou perpetuação do existente?

Compreendendo o sentido como uma construção social no plano da

interação, na qual as pessoas se situam para compreender e se posicionar no mundo

(SPINK; MEDRADO, 2000), e levando em consideração as dinâmicas históricas e as

produções culturais, indago que sentidos os jovens educadores sociais, inseridos na

Coordenadoria-Funci, que já estiveram na condição de educandos, seja na própria

instituição ou em instituições não-governamentais, construíram sobre a Educação Social

a partir de suas trajetórias de vida.

Considero, em concordância com Rey (2010, p. 21), que “o sentido

caracteriza o processo da atividade humana em seus diversos campos de ação”, bem

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como que ele se difere do significado, como conceitua Vigotsky (REY, 2010, p. 19

apud VIGOTSKY, 1987):

o sentido é uma formação dinâmica, fluida e complexa que tem inúmeras

zonas que variam em sua instabilidade. O significado é apenas uma dessas

zonas de sentido que a palavra adquire no contexto da fala. É a mais estável,

unificada e precisa dessas zonas.

Desse modo, para captar os sentidos dos jovens educadores sociais, utilizei-

me do recurso da entrevista, que me permitiu produzir informação sobre um grupo, bem

como sobre os sujeitos singulares que o constituem, sendo informações complementares

em relação ao que me interessa conhecer.

Após a transcrição das 12 (doze) entrevistas, efetuei a leitura dos conteúdos,

buscando captar os sentidos para, só a partir daí, realizar uma classificação dos dados

produzidos, ou seja, não busquei encaixar os dados em uma classificação existente a

priori, embora eu tivesse tematizações pré-existentes, advindas dos meus referenciais

teóricos, da definição dos meus objetivos. Minhas escolhas não serviram para enquadrar

os dados produzidos, já que considero que “há um confronto possível entre sentidos

construídos no processo de pesquisa e de interpretação e aqueles decorrentes da

familiarização prévia como nosso campo de estudo (nossa revisão bibliográfica) e

nossas teorias de base” (SPINK; LIMA, 2000, p. 106).

Em virtude da quantidade de sujeitos envolvidos, ficou inviabilizada a

apresentação da história de vida de cada um deles em sua íntegra, mas construí, a partir

de seus relatos, uma espécie de mapa que apresenta a síntese dos aspectos analisados.

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TABELA 5 – PERCURSOS E SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL NA VIDA DOS JOVENS EDUCADORES DA

COORDENADORIA-FUNCI

Trechos das entrevistas (histórias de vida)

Educador

Porque procurou um

projeto social?

Como avalia a

experiência que

vivenciou enquanto

educando?

Como avalia os

educadores que passaram

em sua vida?

Como hoje você executa a

Educação Social e o que

faz de diferencial?

Qual o sentido da Educação

Social em sua vida?

A Um dos motivos que

me levou a procurar

essa escolinha de

futebol foi a

necessidade de

socialização com os

outros meninos.

Essa escolinha de futebol

foi uma forma de me

libertar, de sair de dentro

de casa e ter contato com

a comunidade no bairro

onde eu morava.

Construí amigos no

bairro.

O meu educador

(instrutor de esporte) me

orientava sempre como

conviver e como ter um

bom relacionamento com

os meus colegas de

atividades. Eu queria ser

jogador de futebol, mas ele

sempre colocava pra gente

que quando isso não der,

você vai ter que procurar

outra coisa para fazer, por

isso o estudo é fundamental.

No meu dia a dia essa

preocupação com o outro,

com a Educação Social

como um todo, é colocada

em atitudes, em ações que

eu passo nas minhas

atividades. Busco

possibilitar uma forma de

olhar para o mundo

diferenciado; considero

necessário um feedback

entre educador e educando;

acredito ser importante a

participação, a opinião de

cada um.

A Educação Social é

idealizadora de sonhos. Ela é

primordial para que haja mais

pessoas saídas das periferias e

se inserindo no mercado de

trabalho. Se não fosse a

Educação Social eu não estaria

hoje cursando uma universidade,

não teria o olhar que tenho frente

ao conhecimento como um todo.

Se não fosse a Educação Social

eu não teria chegado aonde eu

cheguei e não teria essa vontade

de querer mais.

B Por questão de não ter

nada o que fazer em

casa, de ficar ocioso.

Eu vi uma melhora em

mim, pois pude trocar

experiências e

aprimorar o meu

desenho.

Eu sempre fui muito

orientado pelos

educadores sociais.

Sempre fui humilde e

reconheci que sempre existe

uma pessoa acima de mim,

que se deve respeitar.

A minha forma de trabalhar:

sou bem doidão mesmo,

chamo eles, converso,

troco ideia, abraço, dou

um beijo, é assim mesmo o

meu jeito de trabalhar.

Foi assim que eu ganhei a

confiança de todos os

adolescentes e eles se

sentem bem.

Pra mim a Educação Social

trouxe bastante conhecimento,

durante esse tempo todinho. Hoje

eu sou bem grato,

principalmente a essa

oportunidade que eu tive. Hoje

eu não trabalho só na Funci,

trabalho como educador em

vários locais de Fortaleza.

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C Por conta da

ociosidade eu fui

procurar o Crescer

com Arte, nessa

perspectiva de estar

fazendo alguma

atividade. Eu nunca

fui dentro do perfil de

violência, eu me

encaixo mais na

história de

vulnerabilidade

mesmo, por conta do

bairro onde moro

(Bom Jardim).

Antes do projeto eu era

muito tímido, muito

acanhado, não falava, não

gostava de aparecer.

Depois tornei-me ativo e

participativo e passei a

exercer a liderança.

“Venci a timidez”.

O educador social pode

facilitar na identificação de

uma habilidade do

adolescente. No meu caso,

quem me indicou para

fazer um teste em uma

companhia de teatro e, a

partir disso eu fui tendo

outras oportunidades,

conseguindo caminhar

com os meus próprios pés,

foi um educador. Ele me

deu uma força, agradeço

muito.

O primeiro aspecto mais

importante é o fato deles

saberem que eu, em algum

momento, estive na mesma

situação que eles. Que eu

era um educando de um

projeto social e que hoje eu

sou educador. Que estou

tendo autonomia em vários

aspectos, que estou no

mercado de trabalho e que

as nossas conquistas

conseguimos a cada

caminhada. Multiplico isso

no dia a dia e isso instiga os

adolescentes. Mostro para

eles que podem seguir outro

caminho, que podem ter as

mesmas oportunidades que

tive. O diferencial é a

minha busca, o meu

acreditar para tentar

transformar o máximo,

não deixar que isso seja

apenas uma utopia, ou

seja, transformar em

realidade.

O sentido da Educação Social

pra mim é uma escada.

Significa cada degrau que eu fui

subindo, desde criança,

adolescente, até agora essa escada

está em construção. Cada passo

que eu dei eu agradeço a

Educação Social e acho que

pouquíssima gente tem a

oportunidade de ter Educação

Social na sua vida. Tem muita

formal, tem muita escola, mas ela

é muito importante para a

formação do ser humano.

D Além de gostar de

estar no meio das

movimentações, de

dançar, de

participar, era o

espaço que tinha

aberto na minha

comunidade, para

aquilo que eu gostava

de fazer e era todo

mundo adolescente e

eu me identificava.

Serviu até como

experiência para entrar na

Funci, porque eles

perguntam logo a

experiência que você tem,

se já trabalhou com

criança. Minha primeira

experiência, meu primeiro

trabalho com criança foi

lá no Escuta. Não me

vejo fazendo outra coisa.

Sempre convivi com ótimos

educadores, a forma como

me tratavam, como

falavam seduzia, diferente

do professor, que falava,

falava e eu não entendia

nada.

Eu tento fazer com que eles

gostem da atividade e

entendo de verdade o que

eles estão passando. Tem

uns que a gente vê que eles

se espelham na gente. Tem

uns que dizem assim: eu

quero ser igual a ti. E isso é

bom às vezes.

Eu tenho um filho, tive ele com

14 anos. Até essa idade eu ainda

não tinha participado de projeto.

A Educação Social é importante

para você ter uma cabeça feita.

Hoje só tenho um filho e poderia

ter tido outros, se não tivesse sido

orientada pela Educação Social.

E Procurei um projeto Esse foi o começo da Fui contratado pela Funci Faço a diferença por que Transformação e mudança.

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99

social para me

entreter. Sempre fui

um moleque muito de

rua, de brincar na rua,

de me divertir.

minha formação enquanto

educador, porque

enquanto criança,

brincando na rua, não

tinha muitos limites e foi

dentro do projeto social

que eu fui percebendo

alguns limites que eu

deveria ter.

devido a construção que eu

tive, pelos educadores que

tive durante todo meu

processo de formação. Hoje

eu sou educador e um dia

eu vou agradecer a uma

educadora, que foi uma

grande orientadora, foi de

suma importância para a

minha formação enquanto

pessoa, enquanto educador.

acredito nos meninos. Sei

que eles não são como

prega o senso comum: é

pobre, é vagabundo, trilhará

pelo caminho da violência,

das drogas. Acredito que

são capazes de se

transformar. Quero que eles

tenham consciência disso,

quero que percebam que a

realidade talvez não seja

boa, mas que são capazes de

conquistar o próprio espaço

e modificar tudo que está

ali.

Falei muito isso, por que é o que

sinto. A Educação Social é uma

nova visão. Eu sou apaixonado

pelo que faço, mesmo com todas

as dificuldades, isso também é

aprendizado. A Educação Social

pra mim é construir o ser humano.

É uma nova forma de Pedagogia.

Não sei como farei, mas quero

inserir a Educação Social dentro

da escola. É por isso que sou

educador e estou me formando

pedagogo.

F No ano de 98, eu acho

que eu tinha uns 12 a

13 anos quando lá no

bairro (Pio XII) tinha

uma igreja que eu

pastorava carro

nessa igreja e tinha

uns educadores

sociais por lá. Eles

estavam fazendo

abordagem de rua lá

no espaço físico da

igreja e eu vi eles

com uns papeis e uns

lápis e aquilo me

despertou curiosidade,

então eu me

aproximei deles e

comecei a desenhar.

Posso considerar essas

vivências no projeto como

uma capacitação. Saí do

mundo da exploração

para entrar no mundo

da criação.

Outro fator principal para

eu me tornar um educador

social foi o trabalho dos

educadores sociais, as suas

orientações, que me

despertaram a

consciência, pois mudando

de vida poderia mudar a

realidade.

O que me torna ser

diferente na instituição ou

até mesmo na sociedade é

ter a certeza de que eu não

sou perfeito. Eu ter vindo

dessa realidade, ter

vivenciado o que eles

vivenciam ou poderão

vivenciar, isso contribui

para a minha função. Fico

mais próximo da realidade

deles, sou bem mais

compreensivo e a partir daí,

somando a vivência deles

com a que eu tive, podemos

chegar a um novo conceito.

Mesmo que a realidade

seja “fudida” podemos

fazer diferente.

O meu próprio percurso enquanto

criança, adolescente, enquanto

jovem responde esse

questionamento. O próprio

resultado que eu tive com isso, o

fato de estar dando essa entrevista

responde a pergunta. Isso é o

sentido, é fazer com que eu seja

protagonista da minha própria

vida, respeitando o próximo,

conhecendo meus direitos e meus

deveres.

G Minha rotina era

ficar no meio da rua,

ocioso. Eu tinha tudo

pra ser mais uma

estatística em todo o

País: mais um negro

Vi ali uma possibilidade

deu ser alguém na vida,

de não me tornar o que

todos falavam ao meu

redor: um usuário de

drogas, ladrão. Ali

Carinhosamente eu chamo

a pessoa que me

apresentou a arte de meu

padrinho. Era o educador

musical que trouxe essa

veia da música para o

Pelo meu jeito mesmo, não

liberal, mas assim entender

um pouco eles, até por que

eu sou do mesmo convívio,

do mesmo ambiente que é a

periferia. Por que eu sinto o

Tudo. A Educação Social pra

mim é tudo. Devido ao meu

histórico meio complicado e ser

resgatado por essa via social. É

complicado atingir todos os

jovens, pela dificuldade do

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100

adolescente morre

vítima de bala perdida

ou das drogas.

Poderia ter seguido

esse caminho, mas

busquei um projeto

social para mudar a

minha realidade de

vida.

encontrei uma

possibilidade de saída do

mundo onde eu vivia.

projeto, a percussão, que eu

me identifiquei muito.

Depois veio outro educador

que me apresentou o Rap,

um estilo mais agressivo. E

graças a esses educadores

eu comecei a me

familiarizar com a música e

os ritmos e com isso

descobrir o dom que eu não

sabia que tinha, de cantar

Rap.

que eles sentem, fico triste

por que eles ficam triste, é a

sintonia mesmo.

sistema, que impõe a necessidade

de comprar, mas é um trabalho

que tem seu lado gratificante.

H Era um menino de

comunidade, sem ter

nada para fazer,

ficava ocioso e

gostava de esporte,

por isso procurei um

projeto social.

Me mostraram que eu

tinha potencial e vi que

eu realmente tinha só

depois de me engajar em

projetos.

Quando eu era educando

eu achava que o educador

era apenas um treinador,

não via a outra dimensão do

trabalho. Via apenas como

lazer.

Hoje, como estou como

educador vejo o outro lado

da ação, me deparo com

muitas situações que eu não

via antigamente, como

educando. Por morar na

comunidade eu sei onde

estão os problemas, eu não

sei a solução, isso ninguém

sabe, mas facilita o fato de

morar na comunidade, me

ajuda muito.

A Educação Social é muito

importante na vida de uma

criança, de uma família. Na

minha vida eu agradeço a

Educação Social, mas graças a

Deus eu já estava na metade do

caminho andado, pois sempre

soube o que eram as coisas

certas e erradas, apesar de ter

nascido e crescido numa

comunidade muito pobre.

I Minha comunidade é

muito vulnerável,

possui diversas

problemáticas. Eu via

muitos colegas de

infância que estavam

se perdendo no

caminho das drogas e

eu decidi que eu não

queria aquele mesmo

caminho. Procurei

um caminho oposto,

para que eu me

tornasse um cidadão. Por isso resolvi me

dedicar ao surfe e

“Hoje sou um cidadão,

referência na minha

comunidade”. Pena que a

maioria dos meus colegas

de infância não teve as

mesmas oportunidades

que eu.

Havia um coordenador, que

também era educador, que

foi de grande importância

na minha vida, pois ele

quem identificou o meu

potencial de facilitador de

conhecimentos e eu sempre

procurei absorver o máximo

da postura dele, de como ele

conversava, de como ele

fazia uma reflexão com a

gente. Ele sempre tinha uma

energia positiva. Porém,

passaram por mim

educadores com posturas

autoritárias, inadequadas,

Pego os exemplos positivos

que tive quando educando e

aplico no meu dia a dia.

Tento não cometer os

mesmos erros dos

educadores que passaram

por mim. O fato de ser da

comunidade também

facilita a minha atuação e

eles me respeitam como

referência.

O sentido da Educação Social é

fortalecimento de vínculos

familiares, comunitários. É

ampliação das perspectivas de

vida de um ser humano. É

proporcionar cidadania.

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101

procurei um projeto

social que existia na

minha comunidade.

que colocavam apelidos

pejorativos.

J Tinha o esquema do

trampo, da

ocupação, eu queria

me ocupar, achava

que eu ficava de

bobeira e queria

ganhar grana, fazendo algo massa.

Então vi que os

jovens procuravam

primeiro algum curso

profissionalizante,

com bolsa, mas eu

nunca me encaixava

na faixa de idade

exigida.

A Educação Social foi

muito eficaz na minha

vida, principalmente por

essa coisa que eu falei no

começo, da sociabilidade.

A gente é medrosa e

educada pra competir com

a companheira, mas

quando conheci a

Educação Social comecei

a falar mais de nós, da

comunidade, da cidade,

do país. Mas também

avalio que existia a falsa

ideia de que poderia

intervir no projeto. Eu

fico com a sensação de

que a gente tinha a

ilusão de que tinha o

poder da decisão.

Quando eu era educanda, eu

achava que o ENXAME era

perfeito, hoje, mais madura,

eu consigo reconhecer

várias posturas equivocadas

por parte dos educadores de

lá, como: “ficar” com a

educanda, se aproveitando

de uma posição, de um

espaço que está ocupando;

falta de transparência e

autoritarismo. Mas

também existiam

educadores massa, que

fazia a gente pensar para

além da nossa realidade.

Como educadora eu busco

um equilíbrio, pois

vivenciei posturas de

educadores que tinham

muitos melindres e levavam

os seus abacaxis pra dentro

do projeto. Pra mim em

primeiro lugar está o

educando, a criança e o

adolescente, sem me

atropelar também, por isso

busco sempre estar

equilibrada

emocionalmente para não

agir com autoritarismo e

sem transparência. Busco

permitir com que a galera

possa se ver além dos meus

olhos.

Sociabilidade. Aprendi a abraçar

sem ter preconceito, pois não me

sentia segura e não era afetiva

com os outros. A homofobia ela

não é só algo que é colocado da

comunidade pra nós, ela pode ser

colocada de nós pra nós mesmos.

Eu cresci ouvindo dizer que

sapatão dá em cima de toda

mulher, e por isso não podia nem

chegar perto da menina com

medo dela achar que eu estava

dando em cima dela. Foi muito

bacana o que eu aprendi com a

Educação Social. O sentido da

Educação Social é a quebra de

preconceitos.

K Sempre participei de

tudo que aparecia no

meu bairro.

Procurava os

projetos em busca de

formação, de bolsa.

Desde os meus quinze

anos que eu venho

atuando na minha

comunidade

desenvolvendo a

Educação Social. Atuei

como voluntária, claro

que sempre foi importante

ter aquele benefício,

receber a bolsa, mas pra

mim era algo mais. As

pessoas me criticavam e

perguntavam: será que

você um dia vai chegar a

ser educadora? Não me

vejo trabalhando numa

outra área a não ser a

Os educadores que

facilitavam as atividades

nos projetos, na época que

eu era educanda, não

davam tanta importância

para a conversa com o

adolescente. Era mais

aquele lance de centro

comunitário, que você

sentava, pintava, desenhava

e fazia trabalhos artesanais.

Comigo é bem diferente, eu

converso, pergunto se o

educando está precisando

de orientação, de

aconselhamento e o

acompanhamento não se

resume ao projeto social.

Atuo com as famílias, vou

aos bairros, na escola e

busco conhecer a

realidade de cada

adolescente.

O sentido da Educação Social já

está no nome, é educar, é

mostrar para as pessoas os seus

direitos, direito à cultura, direito à

participação e de atuar nos

projetos.

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102

área social e isso está

relacionado com as

minhas experiências

enquanto educanda.

L Tinha história de

participação na

comunidade e me

metia em tudo.

Quando chegava

algum projeto social

na comunidade eu

me inscrevia, às

vezes nem sabia o

que era, mas me

metia.

Um dia desses eu era

educanda, hoje eu estou

como educadora, mas por

isso não me sinto

superior, continuo me

sentindo educanda, pois

quando estou facilitando

um oficina estou

aprendendo e isso eu

aprendi graças à

Educação Social. A

Educação Social me

ensinou limites, pois

sempre fui muito

atrevida.

Eu não tenho tantas críticas

em relação aos educadores

sociais que passaram pela

minha vida, ao contrário,

tenho mais coisas positivas

para falar. Como eu era

muito interessada, eu

tentava sugar o máximo de

coisas possíveis e sempre

prestava atenção nas

formações, pois pensava

que um dia poderia utilizá-

las. Os educadores que eu

tive contato eram ótimos

facilitadores e não tinham

posturas inadequadas.

Eu, ainda hoje, utilizo

anotações das formações

que eu tinha enquanto

educanda, é claro que eu

busco atualizar as

informações e utilizo uma

metodologia mais lúdica

para facilitar a

compreensão. Busco ser

flexível, mas como

educadora a minha

postura é totalmente

diferente de quando eu

era educanda, pois eu

brincava muito e chegava

a atrapalhar em alguns

momentos, hoje eu não

posso brincar desse jeito,

tenho que tomar cuidado,

por que de certa forma

sou referência para as

crianças e os adolescentes.

O sentido da Educação Social é

tudo isso que eu passei, tudo o

que estou passando. É essa

história mesmo do contato com as

comunidades, com o povo, com

crianças e adolescentes. É sentir,

é vivenciar situações, às vezes

não tão legais e às vezes boas e

enfrentar. É tentar combater a

violação de direitos e lutar para

a sua concretização,

principalmente lutar pelos direitos

de crianças e adolescentes e de

suas famílias.

Fonte: elaboração da própria autora.

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103

Os relatos das histórias de vida dos jovens educadores sociais são dotados

de sentidos construídos não só por suas singularizações, mas, sobretudo, por meio dos

valores e representações sociais dominantes em relação à pobreza e a condição de

vulnerabilidade social em nossa sociedade.

Todos, sem exceção, se utilizaram da caracterização de seus territórios para

ilustrar o motivo pelo qual procuraram um projeto social, ilustrando contextos de

violência, marginalização, falta de ocupação do tempo livre (denominado de

ociosidade), entre outros aspectos, conforme ilustram os depoimentos:

minha rotina era ficar no meio da rua, ocioso. Eu tinha tudo pra ser mais uma

estatística em todo o País: mais um negro morre vítima de bala perdida ou

das drogas. Poderia ter seguido esse caminho, mas busquei um projeto social

para mudar a minha realidade de vida (Educador G);

era um menino de comunidade, sem ter nada para fazer, ficava ocioso e

gostava de esporte, por isso procurei um projeto social (Educador H);

minha comunidade é muito vulnerável, possui diversas problemáticas. Eu via

muitos colegas de infância que estavam se perdendo no caminho das drogas e

eu decidi que eu não queria aquele mesmo caminho. Procurei um caminho

oposto, para que eu me tornasse um cidadão. Por isso resolvi me dedicar ao

surfe e procurei um projeto social que existia na minha comunidade

(Educador I).

Os relatos acima ilustram a afirmação de Forrester (1997, p. 57-58), é como

se “destinados de antemão a esses problemas, fundidos com eles, o desastre é sem saída

e sem limites”. Para eles, assim como para o pensamento dominante, “marginais por sua

condição, geograficamente definidos antes mesmo de nascer, reprovados de imediato,

eles são os excluídos por excelência” (FORRESTER, 1997, p. 57-58).

O universo da pobreza encontra-se marcado por diversas determinações

estigmatizantes e discriminatórias. Setores privilegiados da sociedade atribuem

comportamentos e valores aos pobres que, na verdade, não são seus, mas fazem parte de

um conjunto de representações das classes dominantes sobre eles (os pobres).

Segundo Yazbek (1993, p. 75),

designações tais como inadaptados, marginais, incapazes, problematizados,

dependentes, alvo de ações promocionais e outras tantas constituem

expressão de relações socialmente codificadas e marcadas por estereótipos

que configuram o “olhar” sobre as classes subalternas do ponto de vista de

outras classes e, ao mesmo tempo, definem as posições que os subalternos

podem ter na sociedade.

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104

É com a preocupação nessa forma de “olhar”, olhar da sociedade e da

comunidade, que os jovens desse estudo atribuem sentidos de mudança e transformação

às suas experiências como educandos em projetos sociais. Mudança e transformação

essas, que iniciam a partir de suas próprias escolhas de trilhar outro caminho possível,

fugindo dos estereótipos que marcam as suas condições de vida, conforme se vê nos

depoimentos: “vi ali (no projeto social) uma possibilidade deu ser alguém na vida, de

não me tornar o que todos falavam ao meu redor: um usuário de drogas, ladrão. Ali

encontrei uma possibilidade de saída do mundo onde eu vivia” (Educador G); e “hoje

sou um cidadão, referência na minha comunidade. Pena que a maioria dos meus colegas

de infância não teve as mesmas oportunidades” (Educador I).

Quando esses jovens avaliaram a Educação Social na qual foram alvos, a

partir da avaliação dos educadores sociais que passaram em suas vidas, percebi uma

tendência à estereotipia em suas respostas, pois poucos tiveram respostas capazes de

apreciar aspectos positivos e negativos em suas análises, atribuindo tão somente aos

referidos profissionais a descoberta de suas habilidades e potencialidades, conforme as

falas: “eu sempre fui muito orientado pelos educadores sociais” (Educador B); “sempre

convivi com ótimos educadores, a forma como me tratavam, como falavam seduzia”

(Educadora D); “eu não tenho tantas críticas em relação aos educadores sociais que

passaram pela minha vida, ao contrário, tenho mais coisas positivas para falar”

(Educadora L).

Não estou afirmando, com isto, que os educadores não tenham reflexividade

em suas construções de sentido, pelo contrário, demonstram pensar sobre suas vidas de

ontem e a relação com o que fazem hoje, mas percebi que não apresentam uma

dimensão mais aprofundada da realidade que os cerca, conforme se apresenta no

depoimento do educador F: “outro fator principal para eu me tornar um educador social

foi o trabalho dos educadores sociais, as suas orientações, que me despertaram a

consciência, pois mudando de vida poderia mudar a realidade”.

A dificuldade dos jovens educadores sociais de pensarem de forma mais

aprofundada, de instituírem sentidos singulares, leva-me a considerar que essa realidade

se deve às maneiras com que hoje se fabrica a subjetividade em escala planetária, “a

ideia de uma subjetividade de natureza industrial, maquínica, ou seja, essencialmente

fabricada, modelada, recebida, consumida” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 33).

Ainda sobre a questão, acrescentam os autores que

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tudo o que é produzido pela subjetivação capitalística – tudo o que nos chega

pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam – não é

uma questão de ideia ou de significações por meio de enunciados

significantes. Tampouco se reduz a modelos de identidade ou a identificações

com pólos maternos e paternos. Trata-se de sistemas de conexão direta entre

as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social e as

instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo

(GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 35).

Essa subjetividade serializada, adquirida por meio da ordem capitalística,

que “incide nos esquemas de conduta, de ação, de gestos, de pensamento, de sentido, de

sentimento, de afeto” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 51), também influencia os

sentidos dos jovens educadores sociais acerca de suas atuações profissionais. A maioria

considera o simples fato de ter vivenciado ou ainda vivenciar uma condição de

vulnerabilidade social o diferencial em suas práticas, mesmo que tal vivência não

ofereça condições de alteração da realidade concretamente, como demonstra o educador

H em seu depoimento: “por morar na comunidade eu sei onde estão os problemas, eu

não sei a solução, isso ninguém sabe, mas facilita o fato de morar na comunidade, me

ajuda muito”.

O reconhecimento da dificuldade em atingir um resultado concreto e

abrangente, por parte dos jovens educadores, junto às crianças e adolescentes atendidos,

é compensado por meio da utilização de metodologias “participativas”, da aproximação,

do carinho, da gratificação pessoal em poder proporcionar a cidadania, do sentimento de

potência junto à comunidade, ou seja, sentidos eufemísticos para justificar a

perpetuação do existente e, consequentemente, a limitação da Educação Social na

ressignificação de vida dos sujeitos, conforme identifiquei nos depoimentos:

sou bem doidão mesmo, chamo eles, converso, troco idéia, abraço, dou um

beijo, é assim mesmo o meu jeito de trabalhar. Foi assim que eu ganhei a

confiança de todos os adolescentes e eles se sentem bem (Educador B);

a educação social pra mim é tudo. Devido ao meu histórico meio complicado

e ser resgatado por essa via social. É complicado atingir a todos os jovens,

pela dificuldade do sistema, que impõe a necessidade de comprar, mas é um

trabalho que tem seu lado gratificante (Educador G).

Quanto à questão da objetividade das ações no campo do trabalho social,

Guattari e Rolnik (2011, p. 37) esclarecem que

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devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição no campo do

trabalho social, todos aqueles cuja profissão consiste em se interessar pelo

discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhada política e

micropolítica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos

que não só permitem criar saídas para os processos de singularização ou, ao

contrário, vão estar trabalhando para o funcionamento desses processos na

medida de suas possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr para

funcionar. Isso quer dizer que não há objetividade científica alguma nesse

campo, nem uma suposta neutralidade na relação, como a suposta

neutralidade analítica.

As possibilidades de intervenção e os agenciamentos utilizados pelos jovens

educadores sociais, em busca de criar saídas para os processos de singularização, junto

aos adolescentes atendidos, na maioria das vezes, resumem-se a discursos que sinalizam

“o acreditar na transformação”, sem identificar objetivamente como alcançá-la,

conforme identifiquei nos depoimentos:

o diferencial é a minha busca, o meu acreditar para tentar transformar o

máximo, não deixar que isso seja apenas uma utopia, ou seja, transformar em

realidade (Educador C);

faço a diferença por que acredito nos meninos. Sei que eles não são como

prega o senso comum: é pobre, é vagabundo, trilhará pelo caminho da

violência, das drogas. Acredito que são capazes de se transformar. Quero que

eles tenham consciência disso, quero que percebam que a realidade talvez

não seja boa, mas que são capazes de conquistar o próprio espaço e modificar

tudo que está ali (Educador E).

Guattari e Rolnik (2011) chamam atenção para o fato dos educadores

sociais, assim como os demais profissionais denominados de trabalhadores sociais,

atuarem de alguma maneira na produção de subjetividade. Consideram, ainda, que para

esses profissionais (do social), “tudo dependerá de sua capacidade de se articular com os

agenciamentos de enunciação que assumam sua responsabilidade no plano

micropolítico” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 38). No entanto, salientam que “a

garantia de uma micropolítica processual só pode – e deve – ser encontrada a cada

passo, a partir dos agenciamentos que a constituem, na invenção de modos de

referência, de modos de práxis” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 38).

Na minha concepção, construída e desconstruída no desenrolar dessa

pesquisa, os modos de referência e de práxis desenvolvidos pelos jovens educadores

sociais ainda não são auto-modeladores, característica definida por Guattari e Rolnik

(2011) como a capacidade de construir seus próprios tipos de referências práticas e

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teóricas. Ou seja, as práticas dos jovens educadores sociais ainda permanecem “nessa

posição constante de dependência em relação ao poder global” (GUATTARI; ROLNIK,

2011, p. 55). Para os autores,

a partir do momento em que os grupos adquirem essa liberdade de viver seus

processos, eles passam a ter uma capacidade de ler sua própria situação e

aquilo que se passa em torno deles. Essa capacidade é que vai lhes dar um

mínimo de possibilidade de criação e permitir preservar exatamente esse

caráter de autonomia tão importante (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 55).

Voltando aos sentidos construídos pelos jovens educadores sociais em torno

da Educação Social em suas trajetórias de vida, quando eles afirmaram: “venci a

timidez”, “construí amigos no bairro”, “saí do mundo da exploração para entrar no

mundo da criação”, “vi ali uma possibilidade deu ser alguém na vida”, “hoje sou um

cidadão, referência na minha comunidade”, estão atribuindo à Educação Social sentidos

de socialização, de superação da condição de vulnerabilidade e ressignificação de suas

vidas, ainda que sejam construções advindas de uma subjetividade serializada, mas que

foram verbalizadas e por isso mesmo não poderiam ser ignoradas.

Nos relatos dos jovens educadores sociais, que denotam sentidos de

ressignificação de vida, está presente, com muita intensidade, a gratidão para com o

projeto social e seus educadores, conforme expresso nos depoimentos:

o educador social pode facilitar na identificação de uma habilidade do

adolescente. No meu caso, quem me indicou para fazer um teste em uma

companhia de teatro e, a partir disso, eu fui tendo outras oportunidades,

conseguindo caminhar com os meus próprios pés, foi um educador. Ele me

deu uma força, agradeço muito (Educador C);

carinhosamente eu chamo a pessoa que me apresentou a arte de meu

padrinho. Era o educador musical que trouxe essa veia da música para o

projeto, a percussão, que eu me identifiquei muito. Depois veio outro

educador que me apresentou o Rap, um estilo mais agressivo. E graças a

esses educadores eu comecei a me familiarizar com a música e os ritmos e

com isso descobrir o dom que eu não sabia que tinha, de cantar Rap

(Educador G).

Os relatos acima coadunam com a concepção de que é “possível conferir

talento a alguém” (ADORNO, 1995, p. 170 apud BECKER, 1995), ou seja, o talento

não se encontra previamente configurado nos homens, mas que, em seu

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desenvolvimento, ele depende do desafio a que cada um é submetido. E na realidade

deles, isso foi possível por meio da inserção em um projeto social.

É, portanto, nessa possibilidade de despertar talentos e habilidades que os

jovens educadores sociais dão sentido à importância do desenvolvimento de práticas

pedagógicas centradas na Educação Social, sobretudo com enfoque na arte-educação.

Consideram que o talento não é uma disposição natural, já que descobriram os seus ao

se engajarem em projetos sociais, “embora eventualmente tenhamos que conceder a

existência de um resíduo natural, mas que o talento, tal como verificamos na relação

com a linguagem, na capacidade de se expressar, constitui-se, em uma importantíssima

proporção, em função de condições sociais” (ADORNO, 1995, p. 171-172).

Desse modo, não poderia deixar de considerar o potencial individual de

cada sujeito desse estudo, que os diferencia dos demais sujeitos alvos da Educação

Social, ou seja, os processos de singularização de cada um deles possibilitaram a

ressignificação de suas vidas. Hoje alcançaram a posição de educadores sociais, se

inseriram no mercado de trabalho, tornaram-se referência em suas comunidades, mas o

processo de singularização é gradual e a condição de sobrevivência, que os torna

dependentes do posto de trabalho, dificulta a superação de uma posição de reforço dos

sistemas de produção da subjetividade dominante, ou seja, junto às crianças e

adolescentes atendidos pelos jovens educadores sociais ainda prevalece a perpetuação

do existente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS “ACHADOS” CONSTRUÍDOS E

DESCONTRUÍDOS DA PESQUISA

Através do acervo bibliográfico, do discurso institucional e das falas dos

sujeitos entrevistados, analisados nesse trabalho, a Educação Social, nessa pesquisa, é

entendida como um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a

cidadania e emancipação humana por meio do desenvolvimento de práticas

socioeducativas, que envolvem uma multiplicidade de espaços, programas e projetos

sociais (GOHN, 2010), sendo subsidiada teoricamente por diversas áreas do

conhecimento.

O aprendizado gerado e compartilhado na Educação Social, facilitado pelo

educador social, não é espontâneo, uma vez que os processos que o produz têm

intencionalidades e propostas, ou seja, existe sempre uma proposta de intervenção na

realidade dos sujeitos alvos da Educação Social, e as intervenções são construídas com

objetivos variados, a depender do público-alvo e das intencionalidades na ação (GOHN,

2010).

Tendo como base a conceituação construída nessa pesquisa, observei que as

ações de Educação Social desenvolvidas no âmbito da Coordenadoria-Funci ainda

funcionam como forma de mascaramento da realidade, ou seja, não promovem a

cidadania e emancipação humana plenas das crianças e adolescentes atendidos.

Identifiquei, nas análises documentais, a preocupação maior em modificar as

denominações, os discursos ou, de tempos em tempos, realizar pseudo reformas,

substituição de órgãos e departamentos que, na verdade, continuaram e continuam sem

alterar a situação das crianças e dos adolescentes “desassistidos” e que ainda oferecem

continuidade ao complexo organizacional assistencial e repressivo do Estado.

Apesar de todo o envolvimento e compromisso dos jovens educadores

sociais que trabalham na Instituição, é difícil desconstruir a imagem do descompasso

entre os instrumentos jurídico-legais, já existentes, de reconhecimento e garantia de

direitos à cidadania plena e universal, e as práticas efetivas, que revelaram a incidência

de uma cidadania incompleta, experimentada, cotidianamente, por crianças,

adolescentes e suas famílias pobres, que são atendidos em programas e projetos que

funcionam de forma fragilizada, sem recursos materiais básicos para o desenvolvimento

das ações e atividades propostas em seus Projetos Político-Pedagógicos.

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Por outro lado, a experiência de ações voltadas à arte-educação e às

atividades esportivas, assumindo o caráter de profissionalização ou, no mínimo, de

aprendizagem real para as crianças e adolescentes atendidos constitui-se em

potencialidade e é de grande valia para o trabalho social, caso seja fortalecida. Afinal, a

maioria dos jovens que conseguiu certo destaque e que socializou as suas histórias de

vida nesse trabalho, demonstrou a importância da arte e das habilidades esportivas em

suas vidas.

Tal fortalecimento, porém, não é possível se concretizar somente por meio

da utilização da força de trabalho comprometida, criativa e explorada dos educadores

sociais ou arte-educadores, mas com recursos financeiros necessários à aquisição de

materiais para todas as linguagens artísticas e atividades esportivas. Afinal, apenas “a

força da palavra” e “o fechar os olhos e se imaginar tocando um instrumento”, não

possibilitará o domínio de tocar um violão, uma guitarra ou qualquer outro instrumento

musical. Assim como desenhar sem lápis, grafitar sem spray, surfar sem prancha, jogar

sem bola acabam com todas as possibilidades de criatividade do profissional e, o que é

pior, com a possibilidade de proporcionar aprendizado às crianças e adolescentes.

Quanto à arte, ela não pode estar dissociada da singularização e liberdade

real dos sujeitos, já que o “desenvolvimento do indivíduo é, antes de mais nada, função

de sua liberdade fática ou de suas possibilidades de liberdade” (HELLER, 1985, p. 22).

No caso dos jovens educadores sociais, que já foram educandos em projetos

sociais, sujeitos desse estudo, essa liberdade fática ainda é limitada, visto que, apesar de

terem conquistado certa autonomia em suas vidas, como eles mesmos relataram, no

ambiente institucional, essa autonomia é cerceada, seja pela não possibilidade concreta

de intervenção, seja pela interiorização de que hoje ocupam outro espaço e devem

mudar suas posturas críticas, ou seja, pela necessidade concreta de permanecerem em

seus postos de trabalho, mantendo uma posição meramente defensiva.

O último aspecto apareceu com maior evidência nas entrelinhas dos relatos

dos jovens educadores sociais e é bem ilustrado pelo pensamento de Rolnik (2011, p.

16) ao afirmar que

muitas vezes não há outra saída. É que quando na desmontagem, perplexos e

desparametrados, nos fragilizamos, a tendência é adotarmos posições

meramente defensivas – por medo da marginalização na qual corremos o

risco de ser confinados quando ousamos criar territórios singulares,

independentes de serializações subjetivas; por medo de essa marginalização

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chegar a comprometer a própria possibilidade de sobrevivência (um risco

real). Acabamos muitas vezes reivindicando um território no edifício das

identidades reconhecidas: em dissonância com nossa consciência e seus

ideais, tornamo-nos então os próprios produtores de algumas sequências da

linhagem de montagem do desejo.

Pensando, portanto, em suas sobrevivências e, ao mesmo tempo, por

vivenciarem ou terem vivenciado alguma situação de vulnerabilidade social e que agora

são os responsáveis ou agentes da transformação da realidade, os jovens educadores

sociais não se percebem como trabalhadores explorados, que vivenciam a precarização

do trabalho, ao contrário, consideram apenas que a Instituição está valorizando o

potencial da juventude e que devem ser criativos para que as atividades não parem,

mesmo sem recursos.

O discurso institucional assume os fracassos das intervenções propostas,

pois acabou por mostrar uma instituição acostumada com a reincidência da situação de

vulnerabilidade que ocasionou o encaminhamento das crianças e adolescentes

atendidos, bem como silente diante do descumprimento do ECA e descrente em relação

a uma transformação real na vida desses meninos e meninas. Por isso, engrossa as

fileiras dos que apregoam: “eles não têm mais jeito”, “os jovens não querem participar

de nada”, “não podemos atender a todos”, “fazemos a nossa parte”...

A Coordenadoria-Funci transfere a responsabilidade do sucesso das ações

para os educadores sociais, que devem ser comprometidos, envolvidos, polivalentes,

criativos, articulados e militantes. E pouca importância dá às péssimas condições

estruturais de trabalho e aos baixos salários, uma vez que os profissionais militantes e

vocacionados não devem ter a preocupação maior em torno da sua remuneração, mas na

justiça social que estão promovendo e em suas realizações pessoais. Afinal, antes de se

inserirem na Instituição, já faziam isso de graça.

Apesar dos avanços alcançados pelos educadores sociais, como a ampliação

dos espaços de atuação e da discussão sobre a regulamentação da profissão no Brasil e

no Estado do Ceará, pode-se dizer que existe um descompasso entre a utilização de sua

força de trabalho e o seu reconhecimento profissional. Tal realidade pode ser

identificada pelos baixos salários e a indefinição de seu papel no ambiente institucional,

muitas vezes desconhecido pelo próprio profissional, que me remete à ideia de

exploração do trabalho por um menor custo. Assim como pode colocar à prova a

imprescindibilidade de sua atuação no âmbito das políticas públicas, configurando-se

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um rearranjo do capital, ou seja, é mais cômodo para o Estado ou qualquer outro

empregador pagar mais barato por um profissional que não tem definida a sua atuação e

que, sendo explorado, pode desenvolver as mais variadas atividades.

As concepções do trabalho social como missões vocacional-religiosa,

técnico-profissional e de militância-política, que partem dos próprios jovens educadores

sociais corroboram com os discursos institucionais e, consequentemente, com a não

valorização profissional em termos objetivos, como melhoria salarial e estrutura de

trabalho, ao passo que o capital simbólico é muito bem caracterizado pelo sentimento de

valorização por parte da família e da comunidade, que agora são referência, por estarem

inseridos no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, por contribuírem com a

transformação e mudança de seus territórios, além de serem reconhecidos como

parceiros de trabalho, pelos demais profissionais da Instituição, e não mais como

educandos, agora estão “entre iguais”.

A pesquisa também mostrou que as contratações dos jovens educadores

sociais, por parte da Coordenadoria-Funci, não se caracterizam uma política

institucional. Para eles, as contratações se configuram uma valorização da juventude e

não representam exploração da força de trabalho. No máximo, para alguns, podem

identificar uma espécie de marketing institucional, ganhando reconhecimento externo a

partir da estratégia de utilização da força de trabalho juvenil.

Na percepção dos jovens educadores sociais e gestores, por meio deles –

jovens educadores – é possível alcançar maior aproximação comunitária, maior

aproximação com o público-alvo, além da importante socialização de suas experiências

junto às crianças e adolescentes. Mas esses aspectos não são suficientes para

promoverem a transformação das condições de vulnerabilidade dos sujeitos atendidos.

Esse quesito – já ter sido atendido em um projeto social – pode ser

considerado de relevância, no momento da contratação, mas é preciso ficar atendo às

formações anteriores e posteriores do profissional, não as encarando como

responsabilidade individual, mas solidária com a Instituição.

Outras construções apontadas pela pesquisa foram: (i) a necessidade de

avançar na relação teoria-prática, para a consolidação da Educação Social nos espaços

institucionais, pois, como Machado (2011) salientou, a referência apenas às práticas já

não dão conta da complexidade do conhecimento e das demandas que surgem em um

cenário globalizado; (ii) a necessidade de superar as disputas entre as ciências e

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atuações profissionais, no sentido de unir esforços para consolidar a área por meio da

complementaridade dos conhecimentos; (iii) a importância dos educadores sociais

assumirem e defenderem pressupostos teóricos para subsidiarem as suas práticas

profissionais, de modo a superar improvisações em todas as etapas do fazer profissional,

como salientou Gohn (2010, p. 51): “o espontâneo tem lugar na criação, mas ele não é o

elemento dominante no trabalho do educador social, pois o seu trabalho tem princípios,

métodos e metodologias de trabalho”.

Portanto, as considerações e consensos que envolvem a Educação Social,

construídos pela teoria, estão também presentes nos dados produzidos na pesquisa de

campo. Os educadores sociais entrevistados manifestaram em suas falas um conceito em

construção, marcado por indefinições quanto ao uso das nomenclaturas e a relação da

Educação Social com os diversos campos do conhecimento; uma afirmação

fundamentada na tendência crítico-social no campo de atuação, coexistindo com a

valorização do saber prático e o reconhecimento da importância de aprofundar o saber

teórico.

Quanto à regulamentação da profissão de educador social, existe

desconhecimento, por parte dos jovens educadores sociais, acerca da questão. No

entanto, a maioria considera que essa regulamentação trará benefícios positivos, como

melhoria salarial, melhoria das condições de trabalho, realização de concursos públicos.

Mas o medo de exclusão do mercado de trabalho aponta preocupação em relação à

exigência de um curso superior em Educação Social.

Nos moldes como hoje se configura a Educação Social na Coordenadoria-

Funci e o fazer profissional dos educadores sociais, sobretudo os jovens educadores

sociais desse estudo, não existe autonomia, pois as práticas pedagógicas são pautadas ao

sabor das determinações dos gestores, do tema de discussão que está em voga, e do

produto final que trará a apresentação artística exigida de última hora para ilustrar uma

pseudo participação de crianças e adolescentes. Tal realidade leva-me à conclusão de

que a Instituição desconhece o papel dos educadores sociais e que esses não possuem

identidade, ainda estão aprendendo na “escola da vida”, “fazem tudo, mas não fazem

nada concretamente”, perpetuando a imagem da ajuda e se distanciando dos reais

objetivos da Educação Social – a efetivação de direitos e a emancipação humana.

Finalmente, considero urgente a regulamentação da profissão de educador

social, o fortalecimento da teorização da prática profissional e a superação da dicotomia

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entre Educação Social e Educação Escolar, de modo que as práticas pedagógicas

pautadas na Educação Social superem o simples objetivo de controle social,

proporcionando, portanto, a condução efetiva do ser a mudanças significativas. Só

assim, em concordância com Vasconcelos (1997, p. 14), posso deixar de expressar que,

apesar de todos os avanços, inclusive nas legislações, “da filantropia à cidadania

remodelam-se os discursos; renovam-se os oradores; refina-se a oratória; reinvernizam-

se as imagens. Todo o velho aparenta novo. Muda-se (a fala) para perpetuar-se (a

prática e seus agentes) no mesmo, ou seja, eterniza-se o velho”.

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ANEXOS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

ALUNA: ROBERTA DE CASTRO CUNHA

ORIENTADORA: ROSEMARY DE OLIVEIRA ALMEIDA

PESQUISA: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS

EDUCADORES SOCIAIS: RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA O PERPETUAÇÃO DO

EXISTENTE?

QUESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS

Nome:

Sexo:

Estado civil:

Idade:

Escolaridade:

Cargo/função:

Rendimento individual (em salários mínimos):

Vínculo empregatício:

Como se incorporou na instituição (seleção, convite etc.)

Programa/projeto que trabalha atualmente:

Tempo em que trabalha na Funci:

Atividades que desenvolve:

Como foi sua trajetória de vida até ser atendido em um projeto social e depois tornar-se

educador da Funci?

Quando foi atendido em projetos sociais qual foi a instituição, qual projeto e em que

gestão administrativa?

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

ALUNA: ROBERTA DE CASTRO CUNHA

ORIENTADORA: ROSEMARY DE OLIVEIRA ALMEIDA

PESQUISA: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS

EDUCADORES SOCIAIS: RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA O PERPETUAÇÃO DO

EXISTENTE?

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS JOVENS EDUCADORES SOCIAIS

O que é Educação Social e qual o sentido da Educação Social em suas vidas?

Como foi a Educação Social em que foram alvos e como é a Educação Social que hoje

executam?

Qual o perfil de um educador social?

Que fatores contribuíram para você se tornar um educador social?

Vêem diferença no trabalho de Educação Social desenvolvido por vocês pelo fato de

terem sido educandos?

Como percebem suas absorções no quadro de profissionais da Funci?

Como é trabalhar nessa instituição?

Como percebem o debate sobre a regulamentação da profissão?

Você considera que a Educação Social pode conduzir o ser a mudanças significativas?

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

ALUNA: ROBERTA DE CASTRO CUNHA

ORIENTADORA: ROSEMARY DE OLIVEIRA ALMEIDA

PESQUISA: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS

EDUCADORES SOCIAIS: RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA O PERPETUAÇÃO DO

EXISTENTE?

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS GESTORES

O que é Educação Social, qual o sentido da Educação Social para vocês?

Porque a utilização da Educação Social nos projetos desenvolvidos pela Funci?

Qual o perfil e as atribuições dos educadores sociais e/ou arte-educadores inseridos na

Funci? Levando em consideração o programa que você coordena.

Porque a inserção de jovens que já foram atendidos em projetos sociais no quadro de

profissionais da instituição? Essa realidade se constitui uma política? Quais as

vantagens e desvantagens de se trabalhar com profissionais com esse perfil?

O que diferencia o trabalho do educador social do trabalho de um técnico?

Você é a favor da regulamentação da profissão de educador social. Por quê? Com a

criação de um curso superior?

Você considera que a Educação Social pode conduzir o ser a mudanças significativas?

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ORGANOGRAMA DA COORDENADORIA-FUNCI

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ORIENTAÇÕES PARA COMPREENSÃO DO ORGANOGRAMA

Coordenadoria da Criança e do Adolescente/FUNCI – responsável pela execução e

proposição de políticas públicas na área de crianças e adolescentes, no município de Fortaleza.

Com base nas doutrinas da Proteção Integral e da Participação Real, contidas no Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA), desde o ano de 2005, a Coordenadoria/FUNCI passou a

redefinir os seus programas e projetos na perspectiva de promoção e garantia de direitos, em

detrimento de práticas pontuais e assistencialistas, trabalhando em busca do fortalecimento das

redes de proteção social e harmonia do Sistema de Garantia de Direitos.

Coordenação de Gestão – Esfera de assessoramento ao coordenador especial, a partir do

desenvolvimento de ações em três eixos de atuação:

Político/Administrativo – acompanhamento metodológico do Plano de Ação, proposta

pedagógica e execução orçamentária dos Programas e agenda de mobilização.

Pessoal – acompanhamento de seleção de novos/as profissionais, formações iniciais e

continuadas, mobilização de profissionais.

Estrutural – avaliação de propostas para adequação das estruturas, memória

institucional e sistematização das experiências.

Rede de Direitos – tem como foco a articulação da rede de proteção social destinada à garantia

de direitos de crianças e adolescentes da cidade de Fortaleza e o fortalecimento do Sistema de

Garantia de Direitos.

Disque Direitos Criança e Adolescente (DDCA) – serviço público que tem como

objetivo garantir à sociedade um tele-atendimento municipal de demandas e espaço de

denúncias relativas aos direitos humanos de crianças e adolescentes.

Supervisão dos Conselhos Tutelares – objetiva o fortalecimento dos conselhos tutelares

da cidade de Fortaleza, desenvolvendo ações de acompanhamento e controle das

demandas administrativas, execução orçamentária, projetos de captação de recursos,

articulações com a rede de retaguarda, discussões políticas e assessoria em geral.

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Programa Se Garanta – gerencia os projetos que atuam com as Medidas Socioeducativas em

Meio Aberto do município de Fortaleza.

Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) – atendimento e acompanhamento aos

adolescentes em cumprimento de PSC, através de uma equipe especializada, voltada

para a identificação das habilidades dos adolescentes,

articulação/monitoramento/avaliação dos locais para o cumprimento da medida,

acompanhamento dos profissionais de referência, dentre outros.

Liberdade Assistida Municipalizada (LAM) – atendimento e acompanhamento aos

adolescentes em cumprimento de LA, através de cinco núcleos especializados, com

equipe técnica voltada para o atendimento formal da medida e encaminhamentos para a

rede de retaguarda, a fim de possibilitar o acesso à escolarização, profissionalização,

saúde, lazer e demais direitos dos adolescentes.

Programa Ponte de Encontro – voltado às ações diretas com crianças e adolescentes em

situação de rua e abrigamento. O Programa Ponte de Encontro tem seu funcionamento dividido

em três eixos: Educação Social de Rua, Casa de Passagem, Acolhimento institucional, conforme

se apresenta:

Abordagem de Rua/Casa de Passagem – responsável pela abordagem às crianças e

adolescentes na rua para posterior encaminhamento, com casa de passagem em regime

de plantão 24 horas (equipamento de acolhida temporária), contando com uma equipe

de educadores sociais para dar fluxo às demandas da casa de passagem e outra que

desenvolve ações de arte-educação em 24 áreas de atuação (terminais de ônibus, praças,

cruzamentos de avenidas, centro da cidade, orla marítima e algumas comunidades

como: Bom Jardim, Barra do Ceará, dentre outras), como forma atrativa para a

conquista e o fortalecimento de vínculos entre educador e

crianças/adolescentes/comunidade, com a intenção de conhecer o cotidiano vivenciado

por esses sujeitos a fim de conjuntamente construir alternativas para a ressignificação de

suas vidas.

Acolhimento institucional (Casa dos Meninos/Casa das Meninas/Abrigos Conveniados)

– espaço de acolhimento de caráter provisório destinado a adolescentes de ambos os

sexos, visando promover e garantir o direito à convivência familiar e comunitária e

articular a qualidade de vida com foco na inserção socioprodutiva e nas relações

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solidárias. O eixo abrigos conveniados corresponde a subvenções sociais destinadas às

entidades de abrigos voltadas para crianças e adolescentes em situação de rua, de forma

a garantir o fortalecimento da rede de retaguarda/atendimento a esses sujeitos.

Atualmente existem cinco entidades parceiras.

Programa Rede Aquarela – abrange a articulação das ações de enfrentamento à violência

sexual em Fortaleza.

Disseminação PAIR – É uma equipe de disseminação da metodologia do Pair no

Município, com foco nos territórios referenciados pela Pesquisa, “Sete sentimentos

capitais da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes”, com maior

recorrência de casos de exploração. A equipe já implementou ações nos Bairros da

Serrinha e Jangurussu e está em fase de disseminação na Barra do Ceará.

Espaço Aquarela – abrigo especializado para adolescentes vítimas de tráfico para fins

sexuais e exploração sexual e atendimento psicossocial a vitimas de violência sexual e

suas famílias.

Rede Aquarela DCECA – Equipe que faz o acolhimento, acompanhamento e

encaminhamento no atendimento das crianças, adolescentes e famílias junto a DCECA

(Delegacia Especializada).

Depoimento Especial – Sala junto à 12ª Vara Criminal para a escuta qualificada de

crianças e adolescentes utilizando a metodologia do Depoimento sem danos.

Supervisão Especial de Políticas de Enfrentamento ao Trabalho Infantil – Política com

atuação na prevenção, sensibilização e mobilização para o enfrentamento ao trabalho

infantil e proteção ao trabalhador adolescente.

Programa Famílias Defensoras – direcionado às ações que visam fortalecer a rede de

atendimento às famílias de origens das crianças e adolescentes que tiveram seus direitos

violados e são atendidas pela FUNCI, além do gerenciamento das bolsas disponibilizadas às

famílias.

Família Cidadã – desenvolve ações de acompanhamento direto no sentido de contribuir

para a ressignificação dos vínculos afetivos, familiares e comunitários, compondo

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outras formas de valorar as relações entre os membros da família, auxiliando na

construção de formas de lidar com as dificuldades que surgem, facilitando o acesso à

rede socioassistencial, fortalecendo a confiança nos próprios potenciais e favorecendo o

exercício da cidadania.

NAPSI – tem como proposta oferecer atendimentos psicológicos clínicos, individuais e

grupais, bem como realizar ações de acompanhamento psicossocial com crianças e

adolescentes atendidos pelos projetos da Coordenadoria da Criança e do Adolescente,

tendo em vista a valorização do sujeito, o fortalecimento dos vínculos familiares e

comunitários e a ampliação de práticas de cidadania, a partir de uma compreensão do

ser humano considerado em suas múltiplas dimensões.

Programa Adolescente Cidadão – desenvolve projetos de profissionalização para adolescentes

e jovens de 16 a 21 anos de idade, em situação de vulnerabilidade social, estabelecendo como

prioridade aqueles/as que estejam em situação de rua, exploração sexual ou cumprindo medidas

socioeducativas em meio aberto.

Projeto Adolescente Cidadão – é um projeto de transferência de renda que tem como

objetivo geral uma formação básica e vivência prática visando o desenvolvimento

humano, social, cidadão, político e profissional, além de fomentar espaços sociais nos

quais estes/as adolescentes e jovens possam ter uma aprendizagem profissional e

humanizadora. O programa atende prioritariamente adolescentes e jovens egressos dos

programas e projetos da Coordenadoria.

Projeto Cozinha Criativa – promove ações de formação e informação em Gastronomia,

por meio de curso profissionalizante, junto aos adolescentes e jovens acompanhados

pelos projetos da Coordenadoria da Criança e do Adolescente.

Projeto Estilo Solidário – atende jovens entre 16 e 19 anos da cidade de Fortaleza,

através de um aprendizado inovador e criativo em Estilismo e Moda, pautado em

vivências de moda, arte e cultura que possam lhes dar subsídios para a construção de

um projeto de vida autônomo e, assim, possibilitar o exercício pleno da cidadania.

Programa Crescer com Arte e Cidadania – se propõe a atender crianças e adolescentes (de 07

a 17 anos) com a finalidade de desenvolver ações que estimulem o exercício da cidadania, o

reconhecimento da identidade, o sentimento de pertença, despertando a consciência dos direitos

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humanos através de oficinas de arte-educação. Partindo dessa premissa, a participação real dos

adolescentes nesse processo é fundamental para a implementação de ações conjuntas para a

auto-gestão, os trabalhos com a família e a inserção dos jovens em suas comunidades.

Projeto Crescer com Arte – trabalha com crianças e adolescentes por meio da arte-

educação através de quatro linguagens artísticas: música, dança, artes visuais e teatro.

UNIDADES – Aquitãbaquara, Caça e Pesca, Centro, Bela Vista, Jangurussu, Parque

Rio Branco, Palmeiras, Pio XII, Santa Filomena e Vila União.