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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE JAMILE LOURDES FERREIRA TAJRA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA: UMA INCURSÃO AO CONCEITO DE CIDADANIA NO ÂMBITO DO PARLAMENTO DO MERCOSUL FORTALEZA CEARÁ 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

JAMILE LOURDES FERREIRA TAJRA

INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA: UMA INCURSÃO AO CONCEITO DE

CIDADANIA NO ÂMBITO DO PARLAMENTO DO MERCOSUL

FORTALEZA – CEARÁ

2014

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JAMILE LOURDES FERREIRA TAJRA

INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA: UMA INCURSÃO AO CONCEITO DE CIDADANIA

NO ÂMBITO DO PARLAMENTO DO MERCOSUL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do

Centro de Estudos Sociais Aplicados da Pró-

Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da

Universidade Estadual do Ceará, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em

Políticas Públicas e Sociedade. Área de

Concentração: Políticas Públicas.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mônica Dias Martins.

FORTALEZA – CEARÁ

2014

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

Bibliotecário responsável – Francisco Welton Silva Rios – CRB-3/919

T136i Tajra, Jamile Lourdes Ferreira

Integração Sul-Americana: uma incursão ao conceito de cidadania no âmbito

do planejamento do Mercosul / Jamile Lourdes Ferreira Tajra . -- 2014.

CD-ROM. 115 f. : 4 ¾ pol.

“CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico,

acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos

Sociais Aplicados, Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e

Sociedade, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Políticas Públicas e Sociedade.

Orientação: Prof.ª Dr.ª Mônica Dias Martins.

1. Integração Sul-Americana. 2. Cidadania. 3. Parlamento do MERCOSUL.

I. Título.

CDD: 339.58

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À minha Fortaleza, minha mãe, Nazareth!

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a

realização deste trabalho.

À banca avaliadora da qualificação, que se repete na defesa, Professora Liduina Farias e

Professor Jawdat Abu-el-Haj, pelo tempo e disponibilidade dispensados à leitura do trabalho e,

principalmente, pelas contribuições que em muito vieram e virão a enriquecer a pesquisa.

Aos entrevistados da pesquisa, Deputado Dr. Rosinha, Senador Inácio Arruda, Consultores

Legislativos do Senado Eugênio Arcanjo e Maria Claudia Drummond, de cujas valiosas

contribuições foram indispensáveis para o desenvolvimento da pesquisa.

À minha orientadora, Professora Mônica Dias Martins, não só pelo aprendizado acadêmico, mas

também pela dedicação, carinho e amizade.

Ao professor Estevão Arcanjo, pela contribuição teórica, pela atenção e carinho de sempre e por

ter aberto as portas de que eu precisava para dar prosseguimento à pesquisa.

Ao Senador Inácio Arruda, pelo apoio financeiro que possibilitou a execução de parte das

entrevistas.

À Ana e Stela Teles, pela recepção sempre calorosa, seja em Fortaleza ou Brasília.

Aos meus amigos verdadeiros, aqueles que me ouvem, questionam, e decerto também me

orientam: Anderson Verçosa, Lorena Matos, Nayara Nobre, Rafael Domingos e Willams Ribeiro.

Um agradecimento especial ao meu amigo Thiago Estevam, pela atenção e pelo zelo que só aos

irmãos se dedicam e à Gislânia Freitas, não só pela amizade, mas por me ensinar e encorajar a

correr com os lobos.

Ao colega de turma e amigo Everton Souza, pela companhia durante o curso e pela leitura e

sugestões aos primeiros textos, durante a disciplina de Seminário de dissertação.

À Leiliane Azevedo (Leili), Mara Freire (Maroca) e Missilene da Silva (Missi), primas-irmãs e à

tia Liduina (tia Lidu), que me dão força e sempre apoiam meus projetos.

À minha mãe, Nazareth, pelo suporte, apoio e dedicação insubstituíveis.

Ao Observatório das Nacionalidades, pelo abrigo teórico e pela oportunidade de envolvimento

em um grupo de pesquisa.

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Ao Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade (MAPPS), seus professores e

funcionários, especialmente sua secretária, Cristina Pires, sempre pronta a fazer com que as

coisas fluam.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento

da pesquisa através da bolsa concedida.

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América, terra que faz sonhar,

América, a minha razão de amar,

me faz cantar.

América, quero te ouvir falar.

América, quero te ouvir cantar,

te ouvir gritar.

América!

América – Jessé

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RESUMO

Esta dissertação discute a integração sul-americana em seu viés político e o compromisso

institucional do Parlamento do MERCOSUL, Parlasul, de fomento à cidadania no âmbito do

bloco. O órgão foi instituído em 2005 para cumprir as funções de representação cidadã e

harmonização legislativa entre os Estados-partes, de modo a que estes recebam a normativa

criada pelos acordos no âmbito do bloco, agilizando e tornando mais efetivo o processo de

integração. Além disso, de acordo com o discurso dos governantes dos países envolvidos, o órgão

absorve a missão institucional de abrigar a semente de uma cidadania sul-americana. O Parlasul

seria, pois, responsável pela representação dos cidadãos dos Estados-partes conferindo maior

equilíbrio, coesão e legitimidade ao bloco. A pesquisa se propõe, a partir da observação da

normativa que rege o Parlasul, de sua atividade parlamentar e da colheita e análise de

depoimentos de parlamentares e assessores legislativos brasileiros ligados ao órgão, a oferecer

uma reflexão sobre a sua efetiva contribuição para o fortalecimento da cidadania não só no

Brasil, mas na região como um todo. O estudo busca, ainda, examinar a política externa brasileira

em suas relações com os vizinhos sul-americanos, desde as primeiras tentativas de união dos

povos, logo após as lutas de independência, até a demonstração clara de interesse e o

envolvimento no fortalecimento dos laços entre os países da região, momento em que o

fortalecimento da cidadania ganha um caráter prioritário. O texto, dividido em quatro capítulos,

problematiza a ideia de cidadania do MERCOSUL com apoio teórico nos conceitos de cidadania

e Estado-nação.

Palavras-chave: Integração Sul-Americana; Cidadania; Parlamento do MERCOSUL.

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ABSTRACT

This paper presents a discussion about the South American integration in their political bias and

the institutional commitment of the Mercosur Parliament, Parlasul, in fostering citizenship within

the block. The agency was established in 2005 to fulfill the duties of citizen representation and

legislative harmonization between the States Parties, so that they receive more easily the rules

created by the agreements under the block, streamlining and making more effective the

integration process. Moreover, according to the discourse of the chiefs of the countries involved,

the agency absorbs the institutional mission to shelter the seed of a South American citizenship.

The Parlasul would therefore be responsible for representing the citizens of the States Parties

providing greater balance, cohesion and legitimacy to the block. The research aims to, from

observing the rules governing the Parlasul, its parliamentary activity, and the collection and

analysis of statements from Brazilian lawmakers and legislative aides linked to the agency, offer

a reflection on its effective contribution to strengthening citizenship not only in Brazil but in the

region as a whole. The study also seeks to examine the posture of Brazilian's foreign policy as the

country's relations with their South Americans neighbors since the first attempts at uniting

people, shortly after the independence struggles, until the clear proof of interest and involvement

in strengthening ties between the countries of the region, at which time the strengthening of

citizenship gains a priority basis. The text is divided into four chapters in the course of which

presents a questioning of the idea of citizenship of the Mercosur with theoretical support on the

concepts of citizenship and the Nation-State.

Keywords: South american integration; Citizenship; Mercosur parliament.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC Argentina, Brasil, Chile

ALADI Associação Latino-Americana de Integração

ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio

ALCSA Área de Livre Comércio Sul-Americana

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

BRICs Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CAN Comunidade Andina de Nações

CBMSP Conselho Brasileiro do MERCOSUL Social e Participativo

CCJ Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal Brasileiro

CCM Conselho de Comércio do MERCOSUL

CCMAS Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais do MERCOSUL

CDH Comissão de Direito Humanos

Cepal Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CMC Conselho do Mercado Comum – MERCOSUL

CRE Comissão de Relações Exteriores

CUE Conselho da União Europeia

DEM Partido dos Democratas

EUA Estados Unidos da América

FCCR Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos

do MERCOSUL

FCES Foro Consultivo Econômico e Social – MERCOSUL

FHC Fernando Henrique Cardoso

FOCEM Foro de Convergência Estrutural do MERCOSUL

GANREL Grupo de Alto Nível sobre Relação Institucional

GMC Grupo Mercado Comum – MERCOSUL

IPOL Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília

ISM Instituto Social do MERCOSUL

MAPPS Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade

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MERCOSUL Mercado Comum do Sul

OEA Organização dos Estados Americanos

ON Observatório das Nacionalidades

ONU Organização das Nações Unidas

OPA Operação Pan-Americana

Parlasul Parlamento do MERCOSUL

PCPM Parlamento Constitutivo do Parlamento do MERCOSUL

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PDS Partido Social Democrático

PE Parlamento Europeu

PEAS Plano Estratégico de Ação Social do MERCOSUL

PIB Produto Interno Bruto

PICE Programa de Integração e Cooperação Econômica – Argentina/Brasil

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PPA Plano Pluri-Anual

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PT Partido dos Trabalhadores

RMRE Relatório do Ministério das Relações Exteriores do Brasil

RIPM Regimento Interno do Parlamento do MERCOSUL

SAM Secretaria Administrativa do MERCOSUL

TEC Tarifa Externa Comum

UE União Europeia

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFC Universidade Federal do Ceará

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UnB Universidade de Brasília

UNILA Universidade da Integração Latino-americana

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 14

2 DEFINIÇÕES............................................................................................................. 18

2.1 O objeto, o problema e as motivações da pesquisa.................................................. 18

2.1.1 Objetivos..................................................................................................................... 21

2.1.2 Hipóteses..................................................................................................................... 21

2.2 Categorias de análise e marco referencial teórico................................................... 23

2.3 Questões de método – escolhas práticas para a construção do conhecimento...... 31

2.3.1 Natureza, recursos e fontes da pesquisa................................................................... 31

2.3.2 Base de dados produzidos no âmbito da pesquisa................................................... 32

2.3.3 Fontes complementares da pesquisa........................................................................ 34

3 TRAJETÓRIAS DA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA................................... 35

3.1 Dois paradigmas de integração................................................................................. 35

3.2 A identidade sul-americana do Brasil...................................................................... 40

3.3 Mudança nos rumos da Integração.......................................................................... 48

4 A CIDADANIA COMO FENÔMENO HISTÓRICO............................................ 54

4.1 A gênese do conceito................................................................................................... 54

4.2 A experiência Latino-Americana.............................................................................. 63

4.3 Cidadania no Brasil.................................................................................................... 66

5 O PARLASUL NA ÓTICA DE SEUS FORMULADORES.................................. 69

5.1 Dados produzidos no âmbito da pesquisa................................................................ 69

5.2 Senador Inácio Arruda, um representante do Nordeste......................................... 70

5.3 Consultor Eugênio Arcanjo, consultor e cético....................................................... 76

5.4 Deputado Dr. Rosinha, o defensor do Parlasul........................................................ 80

5.5 Consultora Maria Cláudia Drummond, decana do MERCOSUL........................ 84

5.6 Percepções acerca das falas....................................................................................... 88

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 92

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 96

APÊNDICES............................................................................................................... 100

Apêndice A – Questionário apresentado ao entrevistado – Senador Inácio

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Arruda, PCdoB-CE.................................................................................................... 101

Apêndice B – Questionário apresentado ao entrevistado – Consultor Eugênio

Arcanjo........................................................................................................................

103

Apêndice C – Questionário apresentado ao entrevistado – Deputado

Florisvaldo Fier (Dr. Rosinha), PT-PR...................................................................

104

Apêndice D – Questionário apresentado à entrevistada – Consultora Maria

Cláudia Drummond...................................................................................................

105

ANEXOS..................................................................................................................... 106

Anexo A – Estrutura Institucional do MERCOSUL.............................................. 107

Anexo B – Organograma do Parlasul...................................................................... 108

Anexo C – Estatuto da Cidadania do MERCOSUL – Plano de Ação................... 109

Anexo D – Lista de documentos consultados........................................................... 115

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1 INTRODUÇÃO

Duas reações se tornaram corriqueiras quando apresentava e começava a discorrer

sobre meu tema de pesquisa, mesmo dentro da academia. Os que não conheciam o Parlamento do

MERCOSUL reagiam com perguntas sobre o que seria? Desde quando existia? Existe mesmo? Um

Parlamento? No MERCOSUL? Aqueles que conheciam minimamente do que se tratava, logo

apresentavam um diagnóstico: o Parlasul de nada serve, não funciona, o calendário não foi

cumprido, ou seja, é um fracasso como instituição. As duas reações me fizeram acreditar que estava

no caminho certo. Era preciso esclarecer algumas questões e acima de tudo, levar meu objeto ao

conhecimento das pessoas, no meio acadêmico e além dele.

Para os primeiros, minha resposta era um tanto óbvia, eu tentava apresentar o órgão,

suas funções, seus limites e principalmente, que, se tudo corresse como o previsto nos

documentos, teríamos que eleger nossos representantes em breve, então, “preparem-se, vocês vão

ouvir falar muito no Parlasul”.

Com os segundos, sempre busquei a cautela necessária para sustentar minha ideia de

que o objeto merecia ser estudado e de que a existência tantos problemas e percalços pelo

caminho era mais uma boa razão para esse merecimento. O fato é: o Brasil decidiu investir num

Parlamento para o MERCOSUL, estabeleceu regras e prazos para a institucionalização deste, mas

não as cumpriu. E isso tudo dentro de um mesmo paradigma de governo. Afinal, contam-se dez

anos desde que a ideia de um Parlamento regional fora lançada e apenas sete desde o primeiro

ano de atividades do órgão.

Do ponto de vista da postura do Brasil em relação à América do Sul, o que me moveu

foi a tentativa de esclarecer o porquê, afinal, de uma mudança tão drástica em tão pouco tempo.

Há apenas cento e cinquenta anos nem sequer aceitávamos a ideia de uma raiz comum latino-

americana; hoje, a irmandade entre os vizinhos do sul fundamenta uma mais que desejada,

necessária integração sul-americana e, no caso da pesquisa aqui empreendida, a cidadania sul-

americana.

O presente estudo se dedica à análise da “cidadania do MERCOSUL” encerrada pelo

órgão de representação popular no âmbito do bloco, o Parlamento do MERCOSUL, Parlasul.

Objetivou-se, por meio da análise dos documentos oficiais do Parlasul e ainda, de entrevistas com

atores-chave para o órgão, apresentar um estudo compreensivo acerca do que seja essa “cidadania

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do MERCOSUL” para os atores que a levaram a um lugar de destaque no desenvolvimento da

integração sul-americana, além de procurar encontrar as motivações brasileiras quanto à criação

do referido órgão que, instituído em 2005, passou a integrar a estrutura institucional do bloco em

2007, substituindo a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), e assumindo a missão institucional

de representar o cidadão no processo de integração levado a cabo pelo MERCOSUL.

A ideia de me aprofundar no estudo de um dos ramos da integração sul-americana

surgiu quando cursava a disciplina de prática de pesquisa I, na graduação em Ciências Sociais, na

Universidade Federal do Ceará (UFC). Entrei no curso determinada a enveredar pela ciência

política, sempre pendendo para as relações internacionais. A integração sul-americana, no

entanto, ainda era um campo vasto, muitas vezes ao apresentar meu projeto de pesquisa, os

professores me sugeriam procurar algo mais afeito à seara das ciências sociais. Foi, então, que

observando a estrutura institucional do MERCOSUL, me deparei com um órgão que, a julgar

pelo compromisso institucional que assumia, teria o potencial de alavancar de forma inédita o

processo em curso. O Parlamento do MERCOSUL, então, não foi uma obra do acaso, foi ele

mesmo aquela altura, já resultado de uma busca.

A cidadania no MERCOSUL, por sua vez, apareceu como “problema de pesquisa” no

momento de leitura dos documentos do Parlamento para a confecção da monografia. No

conteúdo desses documentos, que constam como resultado da atividade parlamentar do órgão, as

expressões cidadania no MERCOSUL e cidadania sul-americana apareciam com frequência

dentre as atribuições e mesmo missões do Parlamento, mas careciam de uma definição mais

apurada e, principalmente, de uma explicação mais cuidadosa sobre a razão de ser de uma inédita

prioridade dada à integração política e ao fortalecimento da cidadania nos países do

MERCOSUL.

A pesquisa consta, pois, da continuidade e do aprofundamento do estudo iniciado no

segundo semestre de 2010 e que originou o trabalho monográfico “A participação dos povos na

integração sul-americana: o papel do Parlamento do MERCOSUL” (TAJRA, 2011),

apresentado no Departamento de Ciências Sociais da UFC em agosto de 2011. O referencial

teórico dado acompanha a perspectiva adotada pelo Observatório das Nacionalidades (ON),

grupo de pesquisa dedicado à estudos teóricos e empíricos concernentes à formação das nações e

à ordem internacional de Estados, inserindo-me na linha de pesquisa denominada “Nacionalismo

e Internacionalismo”, à qual me vinculo desde 2011.

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No tocante ao desenvolvimento teórico, parte da discussão das categorias de análise

da pesquisa se deve às ideias levantadas nas disciplinas de Teoria Política I e Política

Internacional, bem como no Curso de leitura em Estado e Políticas Públicas, no decorrer dos anos

2012 e 2013, no âmbito da linha de pesquisa “Nacionalidades, Culturas e Comunicação”, do

Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade (MAPPS) da Universidade Estadual do

Ceará (UECE).

O trabalho está dividido em cinco partes (introdução e quatro capítulos) no decorrer

das quais apresento uma interpretação acerca dos parâmetros estabelecidos para a cidadania no

MERCOSUL segundo os documentos do Parlasul e os depoimentos de atores considerados

“chaves” para o órgão. O trabalho também se norteia pela tentativa de entendimento da política

externa do Brasil com relação aos vizinhos sul-americanos, que num intervalo de pouco mais de

um século passou da hostilidade à amizade e solidariedade. A identidade sul-americana do Brasil,

assim, como construção social, é recente, mas apresenta já claros contornos, perceptíveis no

conteúdo dos acordos firmados na região.

O segundo capítulo é dedicado à apresentação da pesquisa e à construção do objeto,

momento em que lanço mão dos resultados do estudo monográfico. Neste ponto se discute, ainda,

a perspectiva teórica e as categorias analíticas tomadas na pesquisa, de que a noção de cidadania,

acompanha o ininterrupto processo de construção e desenvolvimento do Estado-nação moderno.

Desta forma, Estado-nação e cidadania entram em discussão de forma inicialmente separadas,

mas na medida em que se tornam convergentes na experiência histórica da América do Sul,

apresentam-se como mutuamente influentes, demonstrando serem duas faces de um mesmo

movimento histórico, o do desenvolvimento do modelo capitalista.

O terceiro capítulo, por sua vez, aborda em perspectiva histórica a integração latino-

americana, inicialmente mostrando as bases do pensamento latino-americanista e a contribuição dos

pensadores fundacionais da integração continental. Adiante, desenvolve-se a ideia de que o Brasil

Império, colocando-se de costas para uma América republicana, em termos contribuiu para um

atraso na aproximação com os vizinhos continentais. Posteriormente, apresentam-se os acordos e a

experiência histórica que durante o século XX lançaram as bases políticas para a assinatura do

Tratado de Assunção em 1991 e, ainda, a trajetória do bloco até a abertura política que possibilitou

a instituição do Parlasul, em 2005.

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No quarto capítulo, discuto a íntima relação entre o Estado nacional e a cidadania, que

no desenvolvimento das forças históricas, caminham indissociavelmente. Considero esta última

como fenômeno analítico, desde a sua origem, com as revoluções burguesas dos séculos XVIII,

passando por sua institucionalização, tornando-se depositório de direitos individuais por excelência

nos Estados democráticos nos dois últimos séculos, até o momento em que sua unidade política de

referência (o Estado nacional) passa por mudanças profundas, que parecem reconfigurar seu papel

de legítimo mantenedor da ordem jurídica e democrática estatal. Buscou-se, pois, discutir a

cidadania enquanto categoria de análise, em perspectiva histórica.

O quinto capítulo apresenta, por fim, o Parlasul e seu papel institucional: sua

localização no âmbito da estrutura do MERCOSUL, sua função de representação dos povos (e

aqui se inclui o processo de regulamentarização das eleições diretas ao cargo de Parlamentar do

MERCOSUL em cada um dos Estados Partes) e, ainda, a proposta de que este funcione como

locus de exercício de uma cidadania sul-americana, todos sob a ótica dos “atores” da pesquisa.

Apresenta-se, então, a discussão de questões de delicada percepção no âmbito do projeto

ensejado, como as possibilidades de exercício da cidadania no MERCOSUL em contraponto ao

conteúdo dos documentos oficiais.

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2 DEFINIÇÕES

2.1 O objeto, o problema e as motivações da pesquisa

Em 2014, completam-se 23 anos desde a assinatura do Tratado de Assunção, acordo

político entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai que, em 1991, consagrou o Mercado Comum

do Sul (MERCOSUL). Desde 2007, integra a estrutura institucional do bloco o Parlamento do

MERCOSUL (Parlasul), órgão idealizado para cumprir as funções de representação popular e

harmonização das legislações dos Estados-partes de modo a que estes recebam com maior

facilidade a normativa criada pelos acordos firmados no âmbito do bloco.

Os últimos acordos firmados pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010)

no tocante ao MERCOSUL, deram conta de aprofundar os vínculos políticos entre os países e

fortalecer as relações entre os cidadãos envolvidos no processo da integração sul-americana.

Dessa forma, os documentos oficiais assinados pelos sócios do bloco propuseram, a partir da

institucionalização de um órgão parlamentar regional, o desenvolvimento de uma cidadania no

âmbito do bloco.

A instituição de um órgão democrático no MERCOSUL foi uma iniciativa dos líderes

executivos dos dois maiores países do bloco. Assim, Argentina e Brasil, com vistas a dar

legitimidade ao processo de integração através do reconhecimento político da sociedade,

apresentaram na ocasião de um encontro entre os dois presidentes, em Brasília, no mês de junho de

2003, por meio de um comunicado à imprensa, sua proposta de criação de um Parlamento regional.

A decisão que assumia o interesse comum de estabelecer um Parlamento para o

MERCOSUL foi assinada em 06 de outubro de 2003 e constou como resultado de uma

articulação entre a CPC e o Conselho do Mercado Comum (CMC), órgão decisório superior do

MERCOSUL. Articulou-se então uma série de ações no âmbito dos Estados-partes para fundar o

Parlamento regional em futuro próximo. Por indicação do poder executivo brasileiro foi

designado um grupo de consultores legislativos da Câmara e do Senado para dar suporte à

elaboração do PCPM. No ano seguinte, o Parlasul foi criado em substituição a CPC, ficando

regido pelo disposto no referido protocolo.

O Parlasul foi instituído em 2005 em substituição à CPC, sendo inserido na estrutura

institucional do bloco no intuito de funcionar como órgão de representação dos povos no âmbito

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da integração sul-americana. Iniciando suas atividades em 2007, a instituição do órgão inaugurou

uma agenda política que, pela primeira vez, admitia a possibilidade do exercício de uma

cidadania regional e da integração dos povos da região (ROSINHA, 2008).

A decisão do Conselho do Mercado Comum, CMC 23/2005, que incorporou o

Protocolo Constitutivo do Parlamento do MERCOSUL (PCPM), na base documental do bloco, por

sua vez, dispõe sobre a importância de fortalecer o âmbito institucional de cooperação

interparlamentar, para avançar nos objetivos previstos de harmonização das legislações nacionais

nas áreas pertinentes e agilizar a incorporação aos respectivos ordenamentos jurídicos internos da

normativa do MERCOSUL que requeira aprovação legislativa.

Além disso, de acordo com o discurso dos presidentes dos quatro países, o Parlasul

absorve a missão institucional de abrigar a semente de uma cidadania sul-americana e sua

existência viria a conferir maior equilíbrio e legitimidade ao bloco. O Parlasul, assim, seria o

órgão responsável pela representação dos cidadãos dos Estados do MERCOSUL.

Entretanto, diante da observação da curta trajetória do órgão, desde sua instituição,

em 2007, a despeito de sua incapacidade decisória, o que se observa é que o Parlasul trabalha no

limite, como órgão de consultoria aos órgãos executivos do bloco e às respectivas casas

legislativas nacionais, com quem se comunica principalmente por meio de anteprojetos e projetos

de norma, declarações e pareceres.

O diálogo democrático se apresenta como alternativa válida para a solução pacífica de

potenciais controvérsias entre os países vizinhos e a aproximação do cidadão do processo de

integração traz uma maior coesão ao processo, posto que lança as bases mais sólidas para a sua

legitimidade. No entanto, o Parlasul, embora abra a possibilidade de participação para a sociedade

civil e as eleições diretas estejam, mesmo que com dificuldades, prevista no calendário eleitoral não

só do Brasil, como dos demais membros envolvidos, enfrenta desafios à sua institucionalização.

A grande diferença do Parlamento em relação à CPC é a de que enquanto esta

representava os países membros do MERCOSUL, e por isso mesmo as cadeiras no órgão eram

distribuídas de forma paritária entre os países, o Parlamento viria a ser o órgão de representação

do cidadão, motivo pelo qual, juntamente com os mecanismos necessários para a realização das

eleições diretas, a questão da adequação das bancadas ao tamanho das populações se fizesse tão

necessária quanto urgente, incluindo também a questão da representação no processo de

institucionalização do órgão.

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As etapas de adaptação das bancadas de cada Estado-parte e a implementação das

eleições diretas de cada um dos Estados membros, ainda que com dificuldade e adaptações, vêm

sendo paulatinamente inseridas nas agendas eleitorais dos Estados envolvidos. Ao Brasil e à

Argentina, mais populosos, cabe maior representatividade no órgão regional, enquanto o Uruguai

e o Paraguai, ao fim das etapas de transição, passarão a ter bancadas menos representativas no

Parlamento regional, mas, no tocante à sua capacidade legislativa, os poderes limitados do órgão

quanto à elaboração normativa, relegam o Parlasul à permanente desconfiança em relação às suas

pretensões políticas em âmbito regional.

No tocante às Recomendações aos órgãos decisórios do bloco e às instâncias

legislativas nacionais, principal mecanismo de participação na arquitetura normativa do

MERCOSUL, entre 2007 e 2010, o Parlasul apresentou uma produção em ascendente progressão. É

perceptível a preocupação constante para com a absorção das demandas trabalhistas (a

possibilidade dos cidadãos dos Estados-partes participarem efetivamente através de petições e

sugestões a serem levadas à pauta de discussões do Parlamento) e da estrutura de transportes,

principalmente na tríplice fronteira (Brasil-Argentina-Paraguai), permitindo que se estabeleçam os

parâmetros de escoamento da produção com o consequente fortalecimento do mercado regional.

No entanto, a possibilidade de exercício e o alcance dessa cidadania são postos em

xeque diante da fragilidade institucional e da sua ausência de competências legislativas. A

atividade parlamentar empreendida pelo Parlasul funciona no limite como indicativo para que os

órgãos decisórios do bloco e dos Estados nacionais analisem sua possível absorção pelo

arcabouço normativo do MERCOSUL. Por ora, as recomendações aos órgãos executivos do

bloco apresentam-se como a única possibilidade de participação civil na elaboração normativa,

fazendo com que os representantes, eleitos pelo voto direto, tornem-se de fato instrumento da

vontade política dos povos sul-americanos.

A partir do exposto a pesquisa levantou os seguintes questionamentos:

Qual a contribuição do Parlasul para o acesso universal aos direitos políticos e

sociais e para a luta pelo reconhecimento da igualdade de direitos nos países

componentes do MERCOSUL?

De que maneira o órgão parlamentar da integração sul-americana absorve a

participação popular e contribui para a articulação dos movimentos sociais

organizados? E, por fim;

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Quais as motivações do Brasil em assumir a iniciativa do projeto da cidadania

sul-americana?

2.1.1 Objetivos

Para cumprir com um dos objetivos da pesquisa, na tentativa de verificar se a

cidadania regional contribui para o fortalecimento da cidadania do MERCOSUL, aproximando o

cidadão da esfera de decisões políticas, como propõem os documentos oficiais, se fez necessário

compreender a medida dessa participação em perspectiva histórica. Dessa forma, diante dos

questionamentos levantados e na tentativa de inferir respostas a estes, o estudo aqui apresentado

teve como objetivos principais:

Observar, por meio da análise dos documentos referentes à normativa da

integração se o Parlasul trabalha no intuito de fortalecer a cidadania nos países

envolvidos;

Compreender o significado da “cidadania do MERCOSUL”, ou seja, de que

forma ela vem sendo efetivada e, assim, desvelar o conteúdo dessa cidadania e, por

fim;

Examinar, em perspectiva histórica, as motivações políticas do Brasil para o

estabelecimento da cidadania do MERCOSUL.

2.1.2 Hipóteses

A construção das hipóteses, ao contrário de constituir julgamentos preestabelecidos e

esconder as intenções, pode funcionar como instrumento de expressão intuitiva do pesquisador,

que inevitavelmente conhece já de antemão minimamente o fenômeno que se propõe a desvelar.

De acordo com Laville e Dione (1999, p. 124-125, grifos dos autores), em seu “A

construção do saber” – manual de metodologia para pesquisa em Ciências Humanas,

qualquer que seja a forma dada à expressão da hipótese seu espírito permanecerá, o que

pode resumir nas palavras se – então: se tal suposição está correta, então, se deveria

encontrar... Qualquer que seja o modo de formulação, a hipótese sempre será necessária

para direcionar a continuidade da pesquisa; como afirmou um brincalhão, só se acha o

que se procura!

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Assim sendo, é pela apreciação dos acordos políticos e da produção parlamentar do

Parlasul, em que se vislumbram objetivos em torno dos quais se ensaia o discurso político da

integração cidadã e; através da análise minuciosa do conteúdo destes documentos (dados

existentes), que se podem formular hipóteses que, posteriormente, pelo estudo dos depoimentos

colhidos especificamente para esta análise (dados criados) e da observação da atividade do órgão,

(sendo confirmados ou negados), serão apresentados como conclusão do trabalho de pesquisa.

Levando em consideração o conhecimento acumulado do órgão em questão, a

pesquisa levantou na condição de pontos de partida, as seguintes hipóteses:

O Parlasul foi inserido na estrutura institucional do bloco no intuito de sanar o

déficit democrático, fortalecer a institucionalidade e, com isso, trazer maior

legitimidade e transparência ao bloco até então carente de um instrumento de

absorção das demandas civis (DRUMMOND, 2005a, 2005b). Neste sentido, o

órgão parlamentar propicia ao cidadão conhecimento acerca da produção dos

órgãos decisórios e, mais que isso, dá-lhes a possibilidade de participação, ainda

que indireta, na produção normativa do MERCOSUL;

Enquanto os governantes enumeram os benefícios e pregam a cidadania do

MERCOSUL em seu caráter de cooperação, em que uma identidade sul-americana

entre os países norteariam as políticas dos Estados envolvidos a fim de se alcançar

o desenvolvimento regional equilibrado, os discursos dos atores diretamente

ligados ao órgão e o conteúdo dos documentos oficiais produzidos em seu interior

revelam um forte conteúdo mercadológico. Assim, a prioridade dos acordos de

cooperação mesmo no âmbito do órgão de representação dos cidadãos é menos os

benefícios para estes do que meios de viabilizar a complementação de mercados

produtores e consumidores;

Por outro lado, o exercício da cidadania do MERCOSUL não interfere de modo

negativo na cidadania nacional como propõem os que aderem à tese da

“constelação pós-nacional” (HABERMAS, 2001). O filósofo e cientista político

alemão desenvolve nestas duas obras o argumento de que, suplantado pelos

imperativos da dinâmica da globalização econômica, o Estado nacional perde sua

autonomia tanto econômica, quanto política e administrativamente. Assim, para

Habermas, os parlamentos de integração seriam uma prova factual de que, diante

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de questões cujas responsabilidades já não cabem a um Estado isoladamente, as

demandas cidadãs e, com elas, as questões fundamentais quanto aos direitos de

cidadania, são transferidas para o nível supranacional. A proposta habermasiana

advoga a emergência de uma ordem política de Estados confederados como

resposta aos imperativos sistêmicos da globalização inaugurada pela esfera

econômica e orienta de forma tendente os poucos estudos sobre o Parlasul.

Segundo a perspectiva em questão as instituições parlamentares transnacionais

seriam o diagnóstico preciso da insuficiência das esferas políticas no âmbito dos

Estados nacionais. A normativa da integração sul-americana e mesmo àquela

relativa à integração europeia, entretanto, afere conjunturas outras que vêm a negar

a tal proposta, visto que o fortalecimento dos Estados envolvidos está no cerne dos

projetos de integração.

2.2 Categorias de análise e marco referencial teórico

Inscrito na área da ciência política, o campo das relações internacionais é

multidisciplinar por excelência, “acrescentando a seus próprios recursos as perspectivas teóricas,

bem como o instrumental conceitual e os instrumentos de análise das ciências humanas”

(LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 71).

Como, então, analisar objetivamente um fenômeno envolto em uma atmosfera

sistêmica que o põe sob a influência e é ele mesmo fruto de uma conjuntura política doméstica e

internacional? Laville e Dionne (1999, p. 71) anteveem que

diante da multidisciplinaridade do campo estudado, o pesquisador procura,

paralelamente aos múltiplos componentes do sistema internacional com suas redes de

significação e mutua influência, compreender as relações entre os grupos étnicos e entre

as maiorias e minorias, a evolução da demografia mundial, as migrações, o

desenvolvimento e o subdesenvolvimento, a utilização dos recursos naturais, os meios

de comunicação, as trocas culturais e outras, a formação da opinião pública, os tipos de

representação dos outros grupos, as motivações e os comportamentos dos atores, os

processos de tomada de decisão, etc. e, claro, as inter-relações que existem entre os

diferentes objetos de pesquisa.

A definição do campo do conhecimento e das categorias orientadoras da análise

consta de passo primordial no desenvolvimento da pesquisa. Este exercício auxilia e orienta o

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recorte do conteúdo, que constituem eles mesmos uma das primeiras tarefas do pesquisador após

a fase preparatória (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 219). Aqui, a condução dos atributos teóricos

sobre os quais se debruça o pesquisador na sua tentativa de compreensão da complexa dinâmica

do real encerrada no fenômeno estudado acarreta decisões de ordem metodológica que mesmo

antecedem o momento da investigação em si.

Neste sentido, “a definição das categorias analíticas, rubricas sob as quais virão a se

organizar os elementos de conteúdo agrupados por parentesco de sentido, é uma outra tarefa que

se reconhece primordial” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 219). Passado o momento de

delimitação do objeto a ser estudado, a definição das categorias analíticas aparece como

momento decisivo para a organização e condução da pesquisa.

Laville e Dionne (1999) diferenciam em três os modos de definição das categorias de

análise. Dessa forma, em função das intenções do pesquisador e de seu domínio do campo

estudado no momento de seu estabelecimento propõem-se os modelos aberto, fechado e misto

de definição das categorias de análise.

No modo aberto as categorias, não fixas, tomam forma no decorrer da pesquisa,

enquanto no modelo fechado, o pesquisador define as categorias, a priori, do desenvolvimento da

pesquisa. O modelo misto, aqui adotado, por sua vez, admite a definição antecipada das

categorias, mas permite ao pesquisador a modificação destas em função das necessidades e

descobertas da pesquisa.

Aqui,

o pesquisador não quer se limitar a verificação da presença de elementos predeterminados;

espera levar em consideração todos os elementos que se mostram significativos, mesmo que

isso o obrigue a ampliar o campo das categorias, a modificar uma ou outra, a eliminá-las,

aperfeiçoar ou precisar as rubricas... (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 222).

O presente estudo assume o ponto de vista brasileiro sobre o processo de integração

sul-americana. Essa perspectiva se dá, além das maiores facilidades de execução e acesso às

fontes, pelo fato do Brasil, atuando com protagonismo na condução das diretrizes do projeto de

integração regional, ser também o mentor e de quem partiu a iniciativa do estabelecimento de um

órgão de absorção das demandas civis no âmbito da estrutura institucional do MERCOSUL.

Deste mote, é de fundamental importância para a compreensão da postura política do país em

relação aos vizinhos sul-americanos o exame das diretrizes de sua política exterior nos últimos

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vinte anos, momento a partir do qual a integração regional passou a aparecer como prioridade

dentre as estratégias de inserção internacional do país.

No âmbito desta investigação, três são as categorias analíticas inicialmente

definidas como essenciais para o campo de análise pretendido. A partir dessas categorias,

apresenta-se uma proposta interpretativa aos questionamentos levantados. Seguidas de uma breve

fundamentação para suas escolhas, as categorias da análise trabalhadas estão apresentadas a

seguir.

a) Integração sul-americana

Segundo Riggirozzi (2011), observando em perspectiva histórica, podemos estabelecer

uma diferenciação entre as tendências dos processos de integração na América Latina, os quais no

atual contexto geopolítico se sobrepõem. Em primeiro lugar existem os projetos com clara ênfase

aos fatores comerciais, em que a integração aparece como mecanismo de inserção no mercado

global; em segundo, os projetos que, embora se pautem pelo fator comercial, contemplam também

plataformas de inflexão, política, social e cultural e; por último, identifica-se um novo

regionalismo, em que os fatores políticos e sociais se sobressaem e os países envolvidos passam a

assumir o compromisso com o desenvolvimento social por meio de iniciativas radicais com relação

à condução de seus recursos econômicos, autoproclamando-se como projetos de “regionalismo

transformador” (RIGGIROZZI, 2011, p. 295-296).

Segundo a autora, o MERCOSUL se insere na segunda perspectiva, segundo a qual, o

regionalismo, transcendendo o caráter comercial, se tornou um “proyecto de autonomia y

desarrollo humano que va más allá de la gobernancia nacional, creando instituciones geopolíticas

autónomas y promovendo nuevas redes de solidariedad transnacional.” (RIGGIROZZI, 2011, p.

294). Houve uma clara mudança na estrutura institucional do MERCOSUL, que passou a dar

lugar a órgãos de absorção dos temas sociais agora tomados como prioridade para o sucesso do

processo de integração, inaugurando uma terceira fase, que a autora denominam novo

regionalismo em que se ensaiaram novas urgências quanto ao desenvolvimento de outros campos,

como o político, o social e o cultural. “La búsqueda de proyectos de integraciónhan convertido

em un intento real, más allá de cálculos personalistas de corto plazo, y más allá de retóricas y

simbolismos políticos.” (RIGGIROZZI, 2011, p. 293).

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Entretanto, adverte ainda a Riggirozzi (2011, p. 286), “seria erróneo suponer que la

transición de la regionalización comercial a una robustamente centrada em la cooperación

política y social constituye una ruptura com el passado reciente em América Latina”. Certamente,

as novas posturas políticas assumidas conformaram o estabelecimento de novos eixos

estratégicos para a integração regional. Dessa forma, é necessário ter em mente que,

lejos de una nueva gran “metanarrativa” de transformación y ruptura, el regionalismo em

América Latina refleja, certamente aunparciales, de cambio que combinan una revisión

de las políticas del passado connuevasmotivaciones y multifacéticas iniciativas, esto es,

políticas sociales, institucionais, económicas y culturales (RIGGIROZZI, 2011, p. 287).

O Brasil, por meio de órgãos públicos de financiamento, principalmente o Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e de empresas privadas com

atuação internacional, aumentou seus investimentos em toda a região. Essa postura, sugerem

Ribeiro e Kfuri (2011), se dá no intuito de promover uma melhor inserção internacional das

empresas envolvidas, além de fomentar a diminuição da vulnerabilidade externa do país,

revelando a estratégia de expansão do capitalismo brasileiro por meio de aumento nos

investimentos nacionais na região, em que o MERCOSUL figura como principal plataforma

facilitadora.

O objetivo do bloco, desde Assunção, foi uma integração de mercados produtores e

consumidores com vistas à estabilização da região e à promoção dos países perante o resto do

mundo. A iniciativa cidadã, dessa maneira, não escaparia à finalidade e à lógica comercial a

integração. Mesmo que os projetos nacionais, a política econômica e a política externa vivam

hoje um período de convergência e os parâmetros sociais, culturais e políticos tenham ganhado

destaque no âmbito do MERCSOSUL, é necessário partir da perspectiva de que a integração

serve ao projeto maior de integração de mercado para uma inserção global dos países reunidos

em bloco.

b) Cidadania

Em que pese seu caráter histórico, como apresentou o inglês Thomas Humphrey

Marshall, em seu clássico ensaio, “Cidadania, classe social e status” (1963), publicado no Brasil,

em 1967, “a cidadania, em sua acepção moderna, têm sua pedra fundamental nas revoluções

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burguesas que trouxeram a noção de indivíduo portador de direitos que conhecemos hoje”

(MARSHALL, 1967, p. XX).

Em perspectiva histórica o reconhecimento dos direito do homem teve sua gênese

marcada pela Revolução Francesa que no século XVIII reclamava de forma inédita a suplantação

de uma ordem pautada na submissão dos súditos em nome da implantação de uma ordem social

orientada pelos direitos e deveres do indivíduo em relação ao Estado, não ao poder absoluto de

um monarca (DUMOND, 1985).

Foi, então, baseado nessa noção de indivíduo, em contraponto com a ideia de estratos

ou grupos imóveis características marcantes das sociedades tradicionais, que se pôde florescer o

ideal do homem cidadão, aquele que toma parte como integrante e mantenedor de uma sociedade

civil de homens livres portadores direitos conquistados por meio de lutas históricas e que tem

deveres para com a manutenção de um Estado soberano, que lhes garante o título de cidadão.

A tríade dos direitos de cidadania estabelecidos por Marshall até hoje serve de baliza

para a análise das experiências cidadãs no interior dos Estados nacionais. Segundo o autor, foi

diante dessa mudança de perspectiva e visão de mundo que os direitos civis surgiram no século

XVIII para reclamar uma igualdade que, embora apenas de forma modelar, serviu de ponto de

partida para o estabelecimento de uma gama de direitos de cidadania. A seguir, no século XIX, os

direitos políticos, surgiam como resposta às crescentes demandas por igual acesso à divisão das

riquezas produzidas pela sociedade, dando abertura, por fim, à luta pelo estabelecimento dos

direitos sociais, no século XX.

Seguindo a mesma perspectiva, o filósofo jurídico e cientista político italiano, Norberto

Bobbio, em 2004, admite que o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem nada tem de

natural, são fruto de circunstâncias históricas que, pautadas na celebração do indivíduo, abriram

espaço para a instituição do Estado democrático de direito. E foi justamente com a instituição desse

Estado democrático que se observou a passagem dos deveres do súdito para os direitos do cidadão

(BOBBIO, 2004, p. XI). Foi, pois, no contexto do inédito protagonismo do indivíduo como força

centrípeta da ordem social que se pôde observar a conjuntura na qual foi possível instituir a

cidadania como princípio da governança democrática moderna.

A cidadania entendida como resultado de lutas e conquistas dos últimos três séculos

envolve, assim, elementos de ordens várias, desde os direitos fundamentais conquistados no

período pós-II Guerra, passando pelos direitos políticos de liberdade religiosa e de opinião, até os

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mais recentes direitos sobre a propriedade biológica, ainda que os direitos cidadãos, à revelia do

que preveem as cartas magnas que os acatam, não alcance todos os seus titulares no âmbito dos

Estados democráticos de direito. Deste modo, a reconfiguração da capacidade do Estado de garantir

o acesso aos direitos individuais em meio a essa era de relativização das fronteiras estatais e de sua

habilidade de autogestão, vê-se como algo inevitável.

No decorrer do século XX e alvorecer do século XXI o Estado moderno, ampliou de

forma significativa sua cartela de obrigações constitucionais perante os cidadãos. A transferência

das indústrias para os países menos desenvolvidos onde, em geral, os salários são mais baixos e a

matéria-prima, além de farta, mais barata e, a remessa de lucros enviados aos países de origem,

dentre outros fatores, ajudaram a elevar os custos sociais pagos pelo Estado na manutenção de

seu sistema de produção.

O surgimento de instituições parlamentares transnacionais é, nesse contexto,

percebido como estratégia de absorção das demandas políticas de um mundo em que os custos

sociais não são mais de exclusivo tratamento do Estado-nação. Esses órgãos parlamentares

apareceram nas estruturas institucionais dos processos de integração regional para responder às

demandas pela participação popular em tais processos e mesmo para a legitimação destes perante

os cidadãos envolvidos.

c) Estado-nação

A nação, para além de fronteiras territoriais, abrange uma gama de elementos, com

influência direta sobre os indivíduos, a serem considerados antes do categórico diagnóstico do seu

fim. Assim, a construção da nacionalidade envolve história, luta, memória, sentimentos de pertença

e perspectivas sobre um futuro comum, que nem mesmo o advento de um projeto cosmopolita ou

de uma ordem política global é capaz de mitigar. Dessa forma, a nação é um resultado histórico de

uma série de fatos que convergem para a existência de uma comunidade que compartilha

lembranças comuns, ao passo que mantém no esquecimento os acontecimentos que não contribuem

para sua afirmação (RENAN, 1997, p. 20). Esta aliança entre lembrança e esquecimento foi

possível graças à ação do Estado e, neste sentido, como admitiu Ernest Renan em sua breve e não

menos clássica conferência intitulada “O que é uma nação?”, proferida na Sorbonne em 1882, a

nação deriva do sentimento de pertença e de “uma grande solidariedade, constituída pelo

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sentimento dos sacrifícios que fizemos e daqueles que ainda estamos dispostos a fazer. Ela supõe

um passado; resume-se, porém, no presente, por um fato tangível: o consentimento, o desejo

claramente expresso de continuar a vida em comum” (RENAN, 1997, p. 40).

A comunidade nacional pode ser definida como uma zona de permanente conflito,

constantemente posta diante de desafios e fatos que reordenam seus limites imaginados e, por

isso mesmo, antes de tudo, é uma entidade em permanente construção. O Estado-nação, assim, é

formulador de uma consciência coletiva que abriga sob os mesmos princípios todos os seus

membros e, “enquanto esta consciência moral provar forças através dos sacrifícios exigidos pela

abdicação do indivíduo em prol de sua comunidade, ela será legítima, e terá o direito de existir”

(RENAN, 1997, p. 43). É certo que, como construção histórica, a nação é passível de ser

superada, mas a atual conjuntura global não oferece indícios do fim das comunidades nacionais.

Dessa forma, os acordos de integração em termos jurídico-legais constam de uma

conjunção de Estados nacionais autônomos comprometidos com o crescimento-desenvolvimento

coordenado entre si, não como filiação a uma nova ordem política que suplanta as unidades

políticas nacionais, até porque seria impensável se admitir a derrubada das complexas estruturas

de administração e gerência estatal de todos os países em prol de um novo e involuntário

ordenamento “pós-nacional”, que de tão vinculada às contendas nacionais, não consegue nem

mesmo estabelecer uma nomenclatura própria.

Nos estudos desenvolvidos no âmbito do Observatório das Nacionalidades (2008), a

nação é compreendida como uma

comunidade-padrão da civilização moderna que apresenta características: estrutura-se

em vista de integrar um sistema global competitivo e crescentemente interligado;

alimenta-se da autopercepção de seus integrantes e do reconhecimento externo obtido,

via de regra, mediante demonstrações de força; vincula-se a disputas pelo poder e

afirma-se como a principal fonte de legitimação do Estado moderno.

A nação é sustentada, pois, pela permanente expectativa de um futuro compartilhado

por seus membros. E essa expectativa, em larga escala, é fomentada pela promessa de proteção a

todos e da igualdade de direitos entre seus cidadãos.

Neste sentido, a existência de uma instituição parlamentar no âmbito da integração

sul-americana não destitui os Parlamentos nacionais envolvidos de sua legitimidade perante os

cidadãos. Pelo contrário, esses processos de integração de tendência internacionalista ajudam a

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fortalecer as estruturas políticas nacionais, já que quanto mais sólidos os Estados-nação, mais

forte será a integração e vice-versa.

Como esclarecem Domingos Neto e Martins (2006, p. 84, itálico dos autores), “o

nacionalismo é incompreensível sem o internacionalismo e vice-versa; não tem cabimento falar

de internacionalismo sem a existência de nações e a chamada ordem internacional seria

impraticável sem os Estados nacionais”.

Não há ruptura entre as esferas nacional e internacional, a nação só existe porque é

reconhecida como legítima tanto no âmbito doméstico como no sistema internacional de Estados,

visto que “as organizações ditas multilaterais, orientadas por propósitos internacionalistas,

assumem papel de destaque na configuração das nacionalidades” (DOMINGOS NETO;

MARTINS, 2006, p. 84, itálico dos autores).

A representação cidadã trazida à luz pelo Parlasul apresenta uma possibilidade de

cooperação regional que em nada prejudica a instância nacional. As funções institucionais do

órgão não interferem nem tampouco ameaçam as esferas políticas legitimadas no âmbito

nacional. Percebe-se, então, que o diálogo entre nacionalismo e internacionalismo é inevitável na

medida em que os Estados nacionais promovem parcerias internacionais – como é o caso das

iniciativas de integração regional. Logo, tornar o Parlasul um órgão autônomo em relação aos

parlamentos e governos nacionais e provê-lo de autonomia institucional por meio de

Parlamentares próprios, não implica em depor as nações envolvidas de sua legitimidade e

condição de entidade política prima das sociedades modernas.

Na medida em que os processos de integração transnacional promovem o

estabelecimento de uma estrutura institucional própria, cabe observar esta estrutura e suas conexões

com as unidades nacionais a que se vinculam, de modo a analisar os parâmetros de uma suposta

suplantação da comunidade nacional em nome de uma ordem supranacional de Estados.

Conforme adverte Benedict Anderson, “em si mesmas, as zonas comerciais,

“naturais” – geográficas ou político-administrativas, não criam laços” (ANDERSON, 2008, p.

92). Dessa forma, a filiação a blocos regionais se insere numa lógica internacionalizante, ao

tempo em que resguarda a integridade e a preservação política do Estado nacional. Não há sinais

de que o Estado-nação esteja perdendo sua capacidade de decisão no âmbito destes parlamentos

de integração (europeu e sul-americano), porque, no limite de suas possibilidades contratuais,

nenhum tratado de cooperação regional exige, ao menos em termos jurídico-legais, que os

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Estados abdiquem de conduzir de forma autônoma suas comunidades nacionais. Ainda, é o

Estado-nação – governantes e cidadãos – que determina, em última instância, as ações dentro de

suas fronteiras, além de serem os esteios que mantém a ordem global. A tese de enfraquecimento

do Estado nacional diante dos processos de integração regional, portanto, não se sustenta.

2.3 Questões de método – escolhas práticas para a construção do conhecimento

2.3.1 Natureza, recursos e fontes da pesquisa

Passado o momento de definição do quadro conceitual e da escolha das categorias

analíticas característicos da pesquisa acadêmica, faz-se necessário o estabelecimento das fontes

bibliográficas, documentais e instrumentos utilizados na definição do quadro operacional da

pesquisa.

Aqui, ainda seguindo as arestas definidas por Laville e Dionne (1999), a metodologia

qualitativa foi escolhida por apresentar melhores parâmetros de absorção e análise do campo

empírico proposto. Assim sendo, a presente pesquisa se desenvolverá por meio de três recursos

metodológicos: levantamento bibliográfico sobre o tema estudado na literatura acadêmica, análise

da base documental e recolhimento de depoimento por meio de entrevistas. Assim sendo, as

fontes utilizadas são de cunho bibliográfico, documental e oral.

Como já explicitado, o termo cidadania apareceu com destaque quando da pesquisa

bibliográfica realizada por ocasião da monografia de graduação. O estudo em questão abordou o

Parlasul em suas atribuições e seu lugar institucional no âmbito da estrutura institucional do

MERCOSUL. Ali, tanto nos documentos oficiais emitidos em nome do órgão quanto nos textos

acadêmicos dedicados à análise e interpretação deste, termos como “cidadania sul-americana”

(ROSINHA, 2008) e “cidadania do MERCOSUL” (MERCOSUL, 2008) apareciam como

sinônimos, porém sem uma prévia conceituaçao a qual oferecesse ao leitor subsídios para uma

compreensão mais aprofundada do que se tratava.

Para a consecução do objetivo central desta pesquisa, trazer à luz e submeter à

discussão os parâmetros estabelecidos pelo Parlasul para essa cidadania comum aos Estados-

partes do MERCOSUL, foram considerados de especial interesse todos os documentos de leitura

obrigatória para o desenvolvimento da presente análise. Enquanto alguns deles dizem respeito à

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integração de forma ampla (tratados e protocolos que tratam do MERCOSUL, de forma geral),

outros, formulados na intenção de “instruir” o cidadão dos países membros do bloco, são vistos

como sendo de especial interesse para a compreensão da integração cidadã proposta, funcionando

como fontes de informação primárias sobre a cidadania em desenvolvimento na América do Sul,

é o que preconiza a Cartilha do cidadão do MERCOSUL (MERCOSUL, 2010a).

A pesquisa se ateve prioritariamente sobre a base documental disponível na página

eletrônica da Secretaria do MERCOSUL, onde se encontram todos os acordos fundacionais

referentes ao processo de integração, além de todas as decisões do Conselho do Mercado Comum

(CMC). Outra importante fonte de dados documentais foi a página eletrônica do próprio

Parlamento do MERCOSUL, portal oficial de divulgação da atividade parlamentar do órgão.

Ademais, foram observados todos os principais acordos e protocolos que constam

como os documentos base do MERCOSUL: Tratado de Assunção (1991), Protocolo de Ouro

Preto (tratado adicional ao Tratado de Assunção, 1994) e Tratado de Ushuaia sobre o

compromisso democrático do MERCOSUL, Bolívia e Chile (1998).

Foi realizado ainda um levantamento das decisões do CMC entre os anos 1991 e

2012, a fim de verificar a partir de quando a integração de caráter político orientado pelo

Parlamento e pelo termo “cidadania” apareceu como resultado da criação normativa do órgão

decisório do bloco, além da análise detalhada do documento de fundação e de regulamentação do

Parlamento: Protocolo Constitutivo (2005) e Regimento Interno do Parlamento do MERCOSUL.

O levantamento contemplou ainda a análise dos documentos elaborados no âmbito da atividade

parlamentar do órgão entre os anos 2007, quando entrou em atividade, e 2011, último ano de

atividades, já que suas reuniões se encontram suspensas.

2.3.2 Base de dados produzidos no âmbito da pesquisa

Como valioso instrumento metodológico lançou-se mão ainda do recurso de

entrevistas com atores pontuais na dinâmica do fenômeno em questão, desenvolvidas de forma

semiestruturada, na qual o pesquisador aborda temas particularizados, baseado em roteiro

anteriormente preparado, mas tem a liberdade de interferir a título de esclarecimento com

questionamentos não previstos no roteiro (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 188).

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Ao invés da rigidez do questionário fechado e da entrevista estruturada, abre-se a

possibilidade de um maior aprofundamento dos assuntos abordados, visto que a flexibilidade

“possibilita um contato mais íntimo entre o entrevistador e o entrevistado, favorecendo assim a

exploração em profundidade de seus saberes, bem como se suas representações, de suas crenças e

valores.” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 189).

A fala de cada entrevistado foi individualizada na medida em que cada um a seu turno,

oferecia sua visão privilegiada do objeto estudado. Na tentativa de capturar o fator inclusive

simbólico da fala proferida, à cada entrevistado foram apresentados questionamentos de acordo

com a sua possibilidade de contribuir para a compreensão do objeto em questão. Para uma melhor

localização das falas acionadas, torna-se, então, de fundamental importância a explicação dos

parâmetros utilizados na escolha de cada uma dos atores.

A escolha das “pessoas da pesquisa” se deu pelos critérios definidos a seguir:

Inácio Arruda, Senador pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), do Ceará e

Parlamentar do MERCOSUL, foi escolhido por ser o único representante do

cearense no órgão regional, tendo destaque entre os defensores do projeto de união

dos povos e da cidadania regional. Além da destacada atuação junto ao Parlasul,

Arruda participou no Senado entre 2007 e 2009 da Comissão Direitos Humanos e

Legislação Participativa (CDH), e participa desde 2001 da Comissão de

Constituição Justiça e Cidadania (CCJ);

Florisvaldo Fier, ou Dr. Rosinha, Deputado Federal pelo Partido dos

Trabalhadores, PT, do Paraná, e também representante brasileiro no Parlasul, Dr.

Rosinha foi secretário-geral e presidente da Comissão do MERCOSUL do

Congresso, em 2003; vice-presidente do Parlasul entre 2007 e 2008 e; presidente

do órgão entre 2008 e 2009. Além disso, foi relator do texto do Regimento Interno

do Parlamento do MERCOSUL (RIPM), e à sua autoria se conferem os primeiros

documentos em que se encontram cunhados o termo “cidadania do MERCOSUL”.

Dessa forma, sua fala acionada na tentativa de melhor compreender os parâmetros

estabelecidos para tal projeto.

Da mesma forma, a pesquisa contou com os depoimentos de dois Consultores

Legislativos do Senado Brasileiro, escolhidos por terem composto a comissão brasileira de

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consultores que elaboraram o texto preliminar do que seria o Protocolo Constitutivo, PCPM, e do

RIPM. São eles:

Eugênio Machado Arcanjo, que participou do grupo técnico que elaborou o texto

do RIPM, além de acompanhar todas as sessões do Parlamento desde o início de

suas atividades, em 2007;

Maria Claudia Drummond, que trabalha com temas relativos ao MERCOSUL na

consultoria do Senado desde a Assinatura do tratado Assunção, tendo participado

do grupo técnico que elaborou o PCPM. Ademais também participa de todas as

sessões parlamentares do Parlasul.

Apresentados de forma sistemática no decorrer do último capítulo os argumentos

políticos emanados dos depoimentos dos atores ouvidos, mesclam-se ao texto dissertativo de

forma a apresentar uma compreensão global do referido fenômeno, a cidadania do MERCOSUL.

No tocante às entrevistas resta informar que o instrumento do gravador foi utilizado na execução

destas.

2.3.3 Fontes complementares da pesquisa

Como alternativa às fontes oficiais coube, ainda, a leitura de notícias veiculadas pelos

principais veículos de comunicação dos cinco países do MERCOSUL, no entanto, devido ao

recorte empírico aqui encerrado, as fontes brasileiras foram mais acessadas.

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3 TRAJETÓRIAS DA INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA

3.1 Dois paradigmas de integração

O Continente Americano vivenciou durante os séculos XVII e XVIII inúmeras lutas

por independência das metrópoles colonizadoras europeias. As primeiras ideias sobre a criação de

uma unidade política latino-americana surgiram nesse contexto de lutas independentistas. Àquela

altura, sob a bandeira da solidariedade continental, os Estados recém-criados objetivavam, além

da libertação do julgo da metrópole, evitar que se iniciassem conflitos internos e ainda o

reconhecimento internacional de sua existência independente. A criação de uma liga de Estados

latino-americano aparecia no horizonte próximo como uma possibilidade viável à conformação

desses objetivos comuns.

De acordo com o historiador russo A. N. Glinkin (1984, p. 12), em estudo sobre as

matrizes do pensamento latino-americano e seus reflexos nas experiências de integração a finais

do século passado, pode-se objetar que “la concepción de la solidariedad latinoamericana desde

un princípio se caracterizó por su orientación anticolonial”. A partir desse ponto de convergência

quanto aos objetivos dos novos Estados, das primeiras iniciativas de união latino-americana

emergiram perspectivas que sustentaram no continente um projeto de união que, pelo menos a

princípio objetivavam fazer do continente uma única grande nação.

O desenvolvimento dos Estados Unidos, no entanto, se apresentaria como um grande

percalço no caminho das nações ao sul da América. Após as lutas de independência da Espanha,

as novas repúblicas passaram a ser alvo da sede expansionista dos EUA. Desde então, emergiram

dois paradigmas quanto a um destino comum entre os povos do continente.

Segundo Glinkin (1984, p. 4),

Uma peculiaridad importante del desarrollo histórico de los países de América Latina, que se

liberaron del yugo colonial ya a principios del siglo XIX, ha consistido em que desde los

primeros días de su existencia independiente se encontraron em ruta fundamental de la

expansión territorial y de la aspiraciones hegemonistas de los Estados Unidos de América que

veían el establecimiento de su dominio en el Hemisferio Occidental como condición

indispensable de la lucha por la “paz americana” a escala mundial. Al servicio de estos

objetivos fue puesto el panamericanismo, es decir, la ideología y la política orientadas a crear

en esta parte del mundo un “sistema cerrado” de relaciones interestatales, cuyo centro fuese

EE.UU.

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De um lado, as linhas gerais de política externa lançadas pelo presidente James

Monroe (1758-1831), conhecida como Doutrina Monroe, representaria o receituário da política

exterior dos Estados Unidos da América (EUA), com relação às potências europeias bem como

sua intenção expansionista para o restante do continente americano no momento em que, recém-

libertos dos laços coloniais com as metrópoles espanhola e portuguesa, os novos Estados tiveram

que lidar com diversas fragilidades internas e, principalmente, com o desafio de se estabelecerem

como unidades políticas autônomas.

Com a Doutrina Monroe se utilizando de um plano de fundo autodeterminado de

caráter defensivo, a estratégia dos EUA de zelar pela soberania dos novos Estados e pela não-

intervenção por potências extracontinentais, erigiu-se como estandarte protecionista do

continente perante às potências estrangeiras. O receituário de Monroe, no entanto, não se

apresentaria como ponto de inflexão dos interesses dos vizinhos latinos. Pelo contrário, suas

premissas revelaram-se como um claro ataque ao projeto de autonomia e soberania dos países da

América Latina. Dessa forma, ainda de acordo com Glinkin (1984, p. 27), “al introducir la

doctrina Monroe Washington renunciaba resueltamente a toda acción conjunta con sus vecinos

del Sur en la arena internacional, reservándose el derecho a inmiscuirse en sus asuntos”. O que se

vislumbrava, então, era um transplante de dependência e subjugo, não mais pela metrópole, a

partir de então, pelos EUA.

De outra feita, na porção latina do continente, as iniciativas de integração ensaiadas à

época das lutas de independência a priori vislumbravam agregar, pelo menos as ex-colônias

espanholas, sob uma única autoridade política. A ideia original era a de que todos os confins da

América hispânica, subjugados por uma mesma metrópole exploradora, enfrentariam problemas

políticos e sociais similares, para o quais se ensaiariam soluções comuns e se vislumbraria um

futuro compartilhado.

Nesse sentido, pensadores e políticos como Simon Bolívar (1783-1830), José de San

Martin (1778-1850) e José Martí (1853-1895), atuando ativamente em seus projetos de libertação

dos povos da América Latina do domínio da metrópole colonizadora, deixaram como principal

legado a ideia de que a condição de colônias exploradas por um inimigo comum, que lhes

trouxera uma gama de questões sociais e desordens internas semelhantes, através de um laço de

amizade e de uma identidade e um passado compartilhado, possibilitaria nas ex-colônias a

construção de um futuro de liberdade política e igualdade perante a comunidade internacional.

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Assim, enquanto o Pan-americanismo inspirou a Doutrina Monroe e o projeto dos

Estados Unidos de expandir sua influência na região, com relação às iniciativas Latino-

americanistas, “es indiscutible que su objetivo [do latino-americanismo] era el fortalecimiento y

la transformación de los países de la región que provenían de una misma madre, buscando

superar las particularidades de cada uno de los estados y la creación de una Patria” (GLINKIN,

1984, p. 209, itálico do autor).

A importância política e ideológica do pensamento de Simon Bolívar na América

Latina é revelada pelos eventos históricos dos quais tomou parte, se não foi o mentor intelectual,

tendo participado junto a José de San Martín das guerras de independência da América hispânica

e da fundação da primeira união de nações independentes na América Latina, nomeada Grã-

Colômbia, da qual foi presidente de 1819 a 1830, agregando Bolívia, Colômbia, Equador,

Panamá, Peru e Venezuela.

Al nacer de los nuevos Estados independientes de América Latina, el insigne luchador

por la liberación de los pueblos del continentes del yugo colonial, Simon Bolívar,

expresó em sua actividade con toda plenitud la aspiración de los mismos a fortalecer

entre sí los lazos de cooperación a ocupar un lugar digno en la palestra internacional y

aplicar una política exterior activa rigiéndose por los principios de justicia e igualdad

(GLINKIN, 1984, p. 205).

As ideias do Libertador davam conta de um projeto pautado pelo estabelecimento de

nações livres e independentes política e economicamente e, acima de tudo, de povos unidos, tanto

com objetivo de formar blocos, sejam políticos ou econômicos, quanto de discutir problemas de

ordem mundial, colocando a América Latina em pé de igualdade com as demais nações do

mundo.

Entretanto, quando no seio das guerras de independência se percebeu que a grande

fragmentação do continente em diversos pequenos Estados e o processo de formação de

diferentes Estados dentro da fronteira territorial do império colonial espanhol impediria qualquer

tentativa de estabelecimento de um Estado único na América Latina, a solução pensada foi a

fundação de uma coordenação entre esses Estados, o que se daria mediante a convocação de um

congresso interamericano.

Dessa forma,

tomando en consideración las peculiaridades históricas y las diferencias entre los

pueblos del continente, Bolívar hubo de renunciar a sua idea anterior de “formar de todo

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el mundo nuevo uma sola nación” con un gobierno común y propuso convocar un

congreso internacional em Panamá (GLINKIN, 1984, p. 10).

Sob a coordenação de Bolívar, logo após a libertação da Metrópole Espanhola, já em

1819, deram-se início aos preparativos para a realização do Congresso do Panamá, que, nesse

sentido, constaria como a primeira reunião bem sucedida entre os chefes dos novos Estados

Americanos, ainda que antes dele algumas tentativas de reunião tenham sido levadas a cabo sem

sucesso.

De acordo com Silvana Montaruli (2008), em linhas gerais,

En sus categorías básicas de libertad, identidad, dependencia e integración, los textos

bolivarianos sintetizan la denuncia (traduce la situación real de su contexto histórico enfrentada

a su modo de objetivar el mundo: desde la libertad); el reclamo (traduce desde una moral de la

emergencia, la crítica a su tiempo y la necesidad de cambiar la realidad existente); la acción

(traduce la propia forma de objetivación de la realidad en la praxis independientista); y la

utopía (traduce la tensión existente entre lo real y el imaginario como proyecto).

(MONTARULI, 2008, p. 194, itálicos da autora).

As ideias de Bolívar apresentavam assim, “la libertad como conciencia, la identidad

como búsqueda de sí mismo y la integración como utopía” (MONTARULI, 2008, p. 194, itálicos

da autora).

Em Bolívar el amor a su patria, Venezuela, se conjugaba de un modo orgánico con sua

auténtico internacionalismo. Veía la lucha de la América Española por la independencia como

la causa de los hombres progresistas del mundo entero y consideraba a sus pueblos como

miembros iguales de una gran família (GLIKIN, 1984, p. 10).

Sua intenção principal era libertar a América espanhola do julgo da metrópole

europeia e, através da união entre as diversas nações, promover o desenvolvimento e o seu

reconhecimento perante o resto do mundo, principalmente a Europa e os EUA, e nesse sentido,

suas propostas apontaram como o primeiro referente de uma matriz autônoma do pensamento

latino-americano (MONTARULI, 2008).

Dessa forma, depreende-se que

desde lo discursivo, Bolívar determinó un quiebre con los universos ideológicos de la Europa

conquistadora. A la vez, desde su praxis, marcó la génesis de los pueblos americanos como

naciones libres. Desde lo axiológico, fue expresión de la conciencia y de la moral del hombre

naciente. Desde lo utópico, dejó abierto el camino para las generaciones futuras: la

realización de la unidad y la integración latinoamericanas (MONTARULI, 2008, p. 201).

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Outro importante ponto do pensamento de Bolívar foi também a defesa da

emancipação da região frente à influência opressora do vizinho do Norte. É necessario registrar

que não faltaram tentativas de assimilar a proposta integradora de Bolívar aos dítames da

Doutrina Monroe. Nos EUA, à altura dos anos 1900, (aliás, depois da morte de Bolívar), a

política externa do presidente Theodore Roosevelt, tratava de construir uma forçada aproximação

entre as duas perspectivas, o que se dava tacitamente de forma a vincular a imagem de Bolívar à

do pan-americanismo. Entretanto, “cabe señalar que Bolívar siempre estableció una clara

delimitación entre la América Española y la del Norte, destacando suas diferencias esenciales en

cuanto a história, cultura, ideales, sistema de valores humanos, etc.” (GLINKIN, 1984, p. 23).

Nesse sentido, na concepção do Libertador, “la proclamación de la doctrina Monroe

en el momento en que marchaba rápidamente la preparación práctica del Congreso de Panamá

conseguía el objetivo de asestar un golpe antecipado a la unidade latinoamericana (GLINKIN,

1984, p. 27). Para Bolívar, por assim dizer, complementa Glinkin (1984, p. 29),

la comprensión de la creciente amenaza que partía del Norte se expresó ante todo en que

[...] al igual que muchos de sus compañeros de lucha, veía la alianza de los jóvanes

Estados latinoamericanos, unidos por la comunidad de objetivos históricos, económico y

de política exterior, como el principal contrea peso a la expansión hegemónica de

EE.UU.

O ideal da integração sul-americana, como se vê, acompanhou os primeiros passos

dos Novos Estados do lado latino do continente. Os projetos de integração construídos durante o

século XX, seguindo as mais variadas perspectivas, desde as de caráter exclusivamente

econômico às de orientação ideológico-emancipadora, assim, pode-se dizer, de alguma forma,

buscaram uma identificação, senão uma justificação nas primeiras iniciativas de integração.

Como indica Montaruli (2008, p. 191-192),

Las relaciones interamericanas y las tramas que conforman los nuevos tejidos políticos,

económicos y sociales a fines del siglo XX y comienzos del XXI exigen, por decirlo así,

que los países de Nuestra América finalmente encuentren la consolidación de la que se

ha constituido historicamente como la utopía americana: su integración.

Na construção dessa utopia, complementa a autora, em linhas gerais,

El siglo XIX puede ser calificado como la génesis de nuestra conciencia americana, no sólo

porque en él consiguen carta de libertad sus pueblos –lo que implica la reorganización de los

estados y de sus formas de gobierno y la creación de constituciones y alianzas que garanticen

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la consolidación del proceso independentista–, sino porque el fundamento de todas estas

acciones se encuentra en la conciencia concreta de un sujeto que hace explícito en sus

múltiples vertientes el reclamo por su derecho a entrar en la historia del único modo legítimo

en que puede hacerlo: desde el reconocimiento de su propia humanidad (MONTARULI,

2008, p. 193).

Assim, as ideias plantadas pelos pensadores inaugurais da unidade latinoamericana,

dentre os quais destaca-se Simon Bolívar, serviram de base ideológica a muitas das tentativas de

estabelecer nos dias de hoje vários e multifacetados projetos de integração na região. E nesse

sentido, “aquellos elementos del siglo XIX se constituyeron como los pilares sobre los que deben

ser construidos los proyectos integracionistas actuales” (FERNANDES, 2008, p. 208).

3.2 A identidade sul-americana do Brasil

Se no despontar do século XXI o discurso e as ações da política exterior do Brasil

adiantam uma identificação e uma postura de solidariedade para com os “irmãos” sul-americanos, a

experiência política do Brasil e da América Latina conta que a história não foi sempre assim. Para um

diagnóstico categórico, o país protagonizou querelas políticas com os vizinhos que foram desde a

definição das fronteiras (com Argentina e Uruguai), passando pela contenda em relação a uma

“disfarçada intervenção” brasileira num país vizinho (Argentina) e até mesmo à declaração de guerra

(com a Argentina, em torno da questão cisplatina, declarada em 1825), não esquecendo o maior

conflito armado já ocorrido na região, entre a tríplice aliança: Argentina, Brasil e Uruguai, e o

Paraguai, a Guerra do Paraguai, ocorrida entre 1864 e 1870.

O Brasil, que hoje lidera econômica, política e ideologicamente o processo de

integração entre os países sul-americanos, já esteve envolvido, em passado não muito remoto em

divergências de ordem várias com todos os países que, em 1991, definiram-se como parceiros no

MERCOSUL.

A decisão pelo entendimento com os vizinhos hispânicos somente viria a se tornar

uma clara estratégia da política externa brasileira a partir da década de 1940, quando diante de

uma generalizada dificuldade em promover seus projetos de desenvolvimento, causada,

principalmente, pela insuficiência de suas economias nacionais, os países da região começaram a

ensaiar formas de superar da situação de subordinação e dependência externa, sobretudo em

relação aos EUA.

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É certo que o histórico da integração regional apresenta episódios nos quais a junção

de forças se dava justamente no intuito de conseguir o apoio político e econômico dos EUA, “em

primeiro lugar por necessidades econômicas enfrentadas pelas maiores economias da região e, em

segundo, pelos diversos reveses sofridos por seus governantes na busca de apoio norte-americano

ao desenvolvimento” (VIDIGAL, 2011, p. 63). As parcerias regionais se dariam pela

conformação do interesse comum de levar a cabo os projetos de desenvolvimento nacionais e, via

de regra, não absorviam as históricas assimetrias entre os países da região.

A aceitação do Brasil em assumir uma postura de entendimento e coordenação

política especificamente com os vizinhos sul-americanos, por sua vez, e ainda que muitas vezes

restrita ao discurso diplomático, remonta à década de 1950. Antes disso, o que se percebia era um

claro distanciamento do país em relação aos demais países do subcontinente. Como lembra

Fernandes (2008, p. 213), “em nossa herança colonial, o oceano se torna um rio de fácil

navegação, enquanto a bacia do Prata e, especialmente, os Andes e a Amazônia se apresentam

como obstáculos naturais intransponíveis”.

Porém, fixar-se somente no argumento dos obstáculos naturais é assumir risco de incorrer

no erro de ignorar as principais causas do tácito distanciamento do Império brasileiro em relação às

Repúblicas Americanas, já que, essa diferenciação em relação aos vizinhos hispânicos, inclusive, “foi

uma mistificação instrumental para a construção de uma identidade e de uma ideia de pátria comum

e, mais tarde, do sentimento de nacionalidade brasileira” (SANTOS, 2012, p. 17), assim, contribuindo

de forma decisiva na definição da nossa identidade.

Isto porque, como adverte Santos (2004, p. 24),

Ao manter o princípio dinástico como fonte de legitimação de seu Estado, o Brasil se

diferenciava decisivamente de seus vizinhos americanos, que passariam a representar

para o Império o “outro” irreconciliável. A construção da identidade das repúblicas

americanas se fazia em grande parte a partir da ideia de ruptura com o Antigo Regime e,

metaforicamente com a Europa. Essa noção de ruptura entre o Novo e o Velho Mundo,

entre América e Europa impregnava as iniciativas interamericanas, tornando muito

difícil ao Império associar-se a elas sem pôr em risco as bases de sua própria

legitimidade.

Dessa forma, o que se percebia praticamente até a metade do século XIX por parte do

Império era uma recusa tácita em estabelecer qualquer envolvimento político com os demais

países do continente. “O Brasil, monarquia cercada de repúblicas, via seus vizinhos com

desconfiança” (SANTOS, 2005, p. 29). A própria escolha pela manutenção da ordem imperial e a

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não adesão à forma republicana, como fizeram os vizinhos, era também uma forma de discernir o

Brasil, herdeiro de uma civilidade e ordem política europeia, dos republicanos “caudilhescos”.

Isolado nas Américas como único defensor do princípio monárquico, salvo pelas fugazes

experiências no México e no Haiti, o Estado brasileiro tinha dificuldades para situar-se

ao lado de seus vizinhos na construção e instrumentalização de um discurso legitimador

com base na ideia de uma ruptura entre o Antigo Regime e a nova ordem, entre o Novo

Mundo e o Velho Mundo, em síntese, entre a América e a Europa. Entre esses dois

continentes, em um desafio à geografia, o Império inventava-se como um bastião da

civilização (“europeia” naturalmente) cercado de repúblicas anárquicas. Um Império

distante e tropical, mas fundamentalmente civilizado, e, portanto, “europeu” (SANTOS,

2004, p. 25).

Foi com esta postura que o Império pautadamente se posicionou na maior parte de

seus sessenta e sete anos. Ainda, segundo Santos (2004), a região, apreciada nos relatórios do

Ministério das Relações Exteriores do Brasil, RMRE, era até então, um conceito ainda esvaziado

de significado e, geralmente, sem correlação pragmática com a realidade. A expressão “América

do Sul”, dessa forma,

com a afirmação do conceito de América Latina (inventado em 1850, mas só

consolidado completamente após 1945), passou a definir uma entidade geográfica que

inclui os doze países americanos ao Sul da República do Panamá (exclusive) e a Guiana

Francesa (SANTOS, 2005, p. 200).

Na dinâmica do desenvolvimento capitalista durante o século XX, as iniciativas de

integração regional se deram, sobremaneira, como união entre os países no intuito de fazer frente

aos mercados globais, fomentando mecanismos para tornar a região competitiva em relação aos

demais centros. Na América Latina, “tradicionalmente el análisis del regionalismo ha entendido

el fenómeno como un processo defensivo de cooperación para contrarrestar pressiones externas,

principalmente la influencia de la potencia regional, EEUU” (RIGGIROZZI, 2011, p. 286).

Nas primeiras iniciativas, então, era o comércio o motor da integração. Entre nós, “a

integración regional ha sido principalmente concebida como un instrumento para equilibrar

fuentes o manifestaciones de infuencia externa; esto es la hegemonia de EEUU, la competitividad

económica de la EU, el capital internacional y la globalización neoliberal. (RIGGIROZZI, 2011,

p. 288).

O MERCOSUL se insere na perspectiva, segundo a qual, o regionalismo,

transcendendo o caráter comercial, se tornou um “proyecto de autonomia y desarrollo humano

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que va más allá de la gobernancia nacional, creando instituciones geopolíticas autónomas y

promovendo nuevas redes de solidariedad transnacional” (RIGGIROZZI, 2011, p. 294) em que

se ensaiaram novas urgências quanto ao desenvolvimento de outros campos, como o político, o

social e o cultural e “la búsqueda de proyectos de integración han convertido en un intento real,

más allá de cálculos personalistas de corto plazo, y más allá de retóricas y simbolismos

políticos.” (RIGGIROZZI, 2011, p. 293).

Certamente, novas posturas políticas assumidas, conformam no estabelecimento de

novos eixos estratégicos para a integração regional. No entanto, é necessário ter em mente que

lejos de una nueva gran “metanarrativa” de transformación y ruptura, el regionalismo em

América Latina refleja, certamente aun parciales, de cambio que combinan una revisión

de las políticas del passado con nuevas motivaciones y multifacéticas iniciativas, esto es,

políticas sociales, institucionais, económicas y culturales (RIGGIROZZI, 2011, p. 287).

Por conseguinte, como adverte ainda Riggirozzi (2011, p. 286), “seria erróneo suponer

que la transición de la regionalización comercial a una robustamente centrada em la cooperación

política y social constituye una ruptura com el passado reciente em América Latina”. Na realidade,

os esforços de integração regional durante o século XX se desenvolveram em larga escala como

uma tentativa de superação das dificuldades econômicas que, de forma geral, atingiram o

continente no momento imediatamente posterior a II Grande Guerra.

Outro importante ponto de inflexão dos primeiros movimentos em torno de uma

integração regional foram influenciados diretamente pelas questões comerciais e de circulação da

região do Rio da Prata, cuja circulação comercial era considerada estratégica para o Império. O

entendimento naquela região fronteiriça era, assim, primordial na agenda de negociações do

Brasil.

Mesmo antes da II Guerra e dos problemas econômicos advindos do conflito, projetos

de integração já se ensaiavam na região. Desta maneira, a iniciativa de integração entre

Argentina, Brasil e Chile (conhecida como triângulo ABC), cujo esboço de projeto se deu ainda

na primeira década do século XX, em 1907, apresenta-se, pois, com ponto de partida factual para

uma reconstrução histórica da integração sul-americana.

O projeto ABC, assim, demonstra que já no início do século XX havia uma

preocupação com o entendimento entre os países do cone sul por meio da manutenção da ordem e

da estabilidade das relações político-diplomáticas entre os três países. No entanto, como reitera

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Clodoaldo Bueno (2011), mesmo na concepção do Barão do Rio Branco, no projeto ABC “nada

constava a respeito de economia e comércio entre as nações envolvidas, não incluía equivalência

naval no Cone Sul, a qual veemente descartava, e reafirmava que a aproximação Argentina-Brasil-

Chile não se destinava a contrabalançar a influência norte-americana” (BUENO, 2011, p. 46).

Destinado a lançar as bases e fomentar a harmonia entre os contratantes, que

tratariam de proceder sempre de comum acordo em questões relativas aos seus interesses e

aspirações, o ABC vislumbrava assegurar a paz e estimular o progresso na região. Em seus

termos, desde que não envolvessem questões de interesses vitais, como a independência, a

soberania ou a honra dos contratantes, seria mantido o compromisso mútuo de preservar a paz e

trabalhar para o desenvolvimento da região (BUENO, 2011).

A Operação Pan-Americana (OPA), de junho de 1958, por sua vez, pode ser definida

como a primeira iniciativa brasileira feita com base em “um estado de consciência

verdadeiramente latino-americano” (RMRE, 1958, p. 3 apud SANTOS, 2005, p. 196). Iniciativa

de política externa do governo Juscelino Kubitschek, a OPA surgia no contexto mundial pós-II

Guerra como tentativa de contenção da extrema pobreza e do subdesenvolvimento em prol do

desenvolvimento nacional dos países da região, o que se daria por meio do financiamento norte-

americano em troca de uma espécie de “blindagem anticomunista” da América Latina (BUENO,

2011). O pano de fundo da política internacional era, pois, o conflito expresso na polaridade

EUA-União Soviética.

Entretanto, ainda que a OPA tomasse como ponto de partida um “estado de

consciência latino-americano”, o objetivo do Brasil era claramente o de recuperar o prestígio

perdido junto aos EUA, deixando o entendimento regional em segundo plano. Dessa forma, foi a

falta de resultados práticos que relegou a Operação ao ostracismo em que caíram as anteriores

iniciativas de integração.

Independente do êxito ou fracasso das experiências de integração ensaiadas no

subcontinente, a América do Sul como unidade (ou projeto de unidade) não era o horizonte dos

acordos firmados até então. Conforme Vidigal (2011), a América do Sul propriamente dita

somente viria a ser vislumbrada como horizonte das intenções políticas do Brasil, a partir do

início da década de 1960. Nesse sentido, o Encontro de Uruguaiana, em abril de 1961, entre o

presidente argentino, Arturo Frondizi, e brasileiro, Jânio Quadros, simbolizou o ponto alto da

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dimensão sul-americana da autodeterminada Política Externa Independente, assumida por

Quadros e seu chanceler, Afonso Arinos de Melo Franco.

De acordo com Vidigal (2011, p. 65), pode-se considerar o Encontro de Uruguaiana

como

o único marco historicamente consistente para o início da integração sul-americana, tal

qual a concebemos nas décadas iniciais do século XXI. Foi o primeiro momento no qual,

além do estabelecimento de um sistema de consultas recíprocas, vislumbrando-se se a

integração econômica em sentido amplo, em um horizonte definido, a América do Sul.

O Encontro foi também, de uma perspectiva normativa, o primeiro momento em que

a complementaridade industrial entre os países foi posta em discussão. Assim, quando o

presidente Frondizi propôs que, “para cada unidade monetária que a Argentina despendesse para

comprar um novo produto manufaturado brasileiro, a mesma unidade monetária deveria ser gasta

pelo Brasil na aquisição de manufaturados argentinos” (VIDIGAL, 2011, p. 76), se colocavam de

forma inédita os parâmetros que trinta anos depois viriam a ser consagrados no Tratado de

Assunção.

Nesse sentido, ainda que nenhuma grande iniciativa da política externa brasileira, e

nenhum acordo significativo tenha sido firmado entre os países da região, em parte devido a uma

reorientação norte-americanista dada à política exterior argentina pelo novo presidente, José

María Guido, nos anos posteriores ao Encontro, é notório que “o horizonte de Uruguaiana era a

integração sul-americana e, nesse aspecto, a iniciativa foi pioneira” (VIDIGAL, 2011, p. 68).

Nos anos seguintes, destaque-se o Tratado de Cooperação Amazônica, firmado em

junho de 1978 entre oito países, que, aos moldes dos acordos na região do Rio da Prata, que

envolvendo Argentina e Paraguai, tentou estabelecer parâmetros para o desenvolvimento

integrado da Bacia Amazônica, e o Acordo Tripartite, de outubro de 1979, que pôs fim às

divergências entre Argentina, Brasil e Paraguai com relação à Itaipu. À Bacia Amazônica

somava-se, então, a Bacia do Rio da Prata na definição dos eixos de integração.

Entre 1960 e 1980, com exceção da assinatura do Tratado de Montevidéu, em 1980,

que estabeleceu a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), em substituição à

Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), nenhum grande acordo seria

firmado em nível regional. De modo geral, a principal inovação da ALADI em relação à ALALC

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se deu pelo pragmatismo daquela, que passou a aceitar as assimetrias entre os países e a

superação destas, como requisito essencial a uma eficaz integração econômica.

A partir da segunda metade da década de 1980, com os coincidentes contextos

nacionais de reestruturação política, redemocratização e afinidades quanto às políticas exteriores

de Argentina e Brasil, se pôde observar a aproximação bilateral que permitiu articulações

políticas propensas a um projeto comum de crescimento e desenvolvimento para a região. Foi a

Declaração de Iguaçu, de 30 de novembro de 1985, assinada pelos presidentes Raul Alfonsín, da

Argentina e José Sarney, do Brasil, que selou a inauguração de um novo episódio nas relações

bilaterais entre os dois países.

Nesse sentido,

o avanço dos processos de redemocratização, de maneira abrupta na Argentina e gradual

no Brasil, gerou alguns descompassos no diálogo bilateral, mas não prejudicou o

acumulado histórico bilateral, base para a integração iniciada em Foz do Iguaçu [...],

cujo principal resultado foi a criação do Mercosul (VIDIGAL, 2011, p. 77).

Alfonsín e Sarney, portanto, começaram a construir as bases para um entendimento

real. Naquele contexto, “ambos se deram conta de que sua oportunidade de legitimação histórica

estava mais na cooperação mútua, livre dos limites de um jogo interno no qual, além da pouca

força política, os dois eram vítimas de uma inflação crônica e interminável” (AZAMBUJA, 2011,

p. 82-83).

Assim, com a assinatura da Ata para a Integração Argentino-Brasileira, em 1986, os

governantes se propuseram a cumprir o Programa de Integração e Cooperação Econômica

(PICE), que definiu as normas para o comércio recíproco e a integração de setores específicos

entre os dois países. Mais tarde, em 1988, a assinatura do Tratado de Integração Cooperação e

Desenvolvimento, impulsionado principalmente pelo crescimento do comércio bilateral,

estabelecia o prazo de dez anos para o estabelecimento definitivo de uma zona econômica

comum entre os países.

Dois anos depois, a Ata de Buenos Aires, assinada pelos presidentes Fernando Collor

de Melo, do Brasil, e Carlos Saúl Menem, da Argentina, apresentou o projeto de um Mercado

Comum e, com isso, estabeleceu a pedra fundamental para que se vislumbrasse o projeto maior

de integração regional que culminou na criação do MERCOSUL. Assim, no ano seguinte, a 26 de

março de 1991, o Tratado de Assunção, finalmente, viria a afirmar tal pretensão por meio do

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estabelecimento do tratado, ao qual se uniram Paraguai e Uruguai, estabelecendo o molde inicial

do MERCOSUL: bloco econômico no formato de Mercado Comum, ou seja, previa a total

derrubada das tarifas de exportação para o comércio entre seus membros.

O Tratado de Assunção estabeleceu o prazo de 31 de dezembro de 1994 para a

superação de uma primeira etapa da integração e consequente implantação do Mercado Comum,

que, diga-se, até hoje não foi integralmente implementado. A conjuntura à época, entretanto,

indica que os objetivos diziam respeito também à consolidação da democracia na região e à

superação de uma rivalidade econômica, e até militar, entre Argentina e Brasil.

Para a política exterior do Brasil, o bloco “constitui um projeto político que a crise do

neoliberalismo e a permanência de assimetrias tornaram mais flexível, [...] enquanto a diplomacia o

percebe como instrumento de reforço do poder de barganha internacional” (BUENO; CERVO,

2011, p. 550). Do ponto de vista de sua estrutura institucional, por sua vez, em consonância com a

Constituição brasileira, desde Assunção, se previu o estabelecimento de órgãos voltados ao

entendimento político, social e cultural entre os países envolvidos.

Tudo somado,

a integração destina-se a criar o polo regional com que melhor se possa realizar metas do

multilateralismo da reciprocidade e da globalização da economia brasileira. No fundo,

como em todos os países e quadrantes das relações internacionais, a hegemonia do

nacional se impõe, mais no século XXI do que nos anos 1990 (BUENO; CERVO, 2011,

p. 550).

Do ponto de vista do Direito Internacional é necessário mencionar que, embora seja o

MERCOSUL dotado de personalidade jurídica internacional, os acordos que versam sobre os

direitos humanos e a cidadania até agora firmados em seu âmbito não se transformam em

automática obrigação para os países signatários. Somente as Decisões do Conselho do Mercado

Comum, CMC, as Resoluções do Grupo Mercado Comum (GMC), e as Diretrizes da Comissão

de Comércio do MERCOSUL (CCM), constituem, pois, arcabouços jurídicos aos quais os

Estados partes do bloco, da perspectiva legal, obrigam-se a realizar.

Com exceção do Protocolo de Ushuaia, que discorre essencialmente sobre a

manutenção da democracia e do Estado de Direito, ainda não se efetivou na base institucional do

MERCOSUL nenhum acordo de caráter vinculativo com relação à defesa dos direitos humanos e

da cidadania em si; figuram estes, pois, como “declarações e compromissos sem poder

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vinculativo, que apenas espelham o pensamento que os países membros devem seguir”

(BETHONICO, 2007, p. 05). Essas iniciativas, porém, ainda que pertencendo ao espectro das

intenções e dos compromissos não jurídicos, definem um prisma diante do qual são estabelecidas

agendas comuns para com a defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania na região.

3.3 Mudança nos rumos da integração

Ainda que desde a sua fundação se previsse a integração em múltiplos níveis

(econômico, político, social e cultural como os principais deles), nos primeiros anos após a

assinatura do Tratado de Assunção, o que se percebeu foi um claro avanço no campo comercial,

sobretudo entre Argentina e Brasil, que cresceu em significativamente com relação ao período

anterior a assinatura do tratado, sendo o MERCOSUL, ainda assim, relegado ao plano secundário

de inserção internacional do Brasil, que preferiu manter múltiplas frentes de ação internacional

(relações bilaterais com os EUA, União Europeia, por exemplo).

As diretrizes da política externa do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-

2002), embora tenham estabelecido como múltiplos os eixos de atuação dentre os quais a

América do Sul, ainda que esta não ganhasse protagonismo frente à dileção pelas relações com

EUA e países europeus, não deixaram de apresentar importantes bases, não apenas quanto às

inclinações políticas, mas também ao conteúdo institucional do bloco.

Assim,

por iniciativa pessoal do presidente Fernando Henrique Cardoso, com base em seu

projeto de desenvolvimento regional para o Brasil a partir dos eixos de desenvolvimento

concertados no programa “Avança Brasil”, foram realizadas as duas primeiras Reuniões

de presidentes da América do Sul. [...] Com as Cúpulas de Brasília (2000) e Guayaquil

(2002), a definição de “América do Sul” na retórica diplomática brasileira adquiriu,

finalmente, contornos definidos – englobando as doze nações (e só estas), que foram

convidadas para participar dos dois encontros, ainda que tenha havido observadores de

outros países (SANTOS, 2005, p. 201).

Essa iniciativa do governo de FHC, ainda que não tenha se dado no âmbito exclusivo

do MERCOSUL, já que reuniu os presidentes de todos os países da região, simbolizou um ponto

de transição entre a velha e a nova fase das relações diplomáticas do Brasil com seus vizinhos.

A partir de 2002, a emergência de líderes de orientação esquerdista nos quatro países

integrantes do MERCOSUL inaugurou um momento favorável ao desenvolvimento de todas as

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instâncias da integração sul-americana. No tocante ao MERCOSUL, a estrutura institucional do

bloco passou a acolher a possibilidade de absorção de organismos para a conformação dos

parâmetros políticos e sociais até então ausentes nas iniciativas no âmbito do bloco.

Em 2003, o presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) estabeleceria, desde os

primeiros momentos, como prioridade da política externa brasileira o aprofundamento das

relações com os países sul-americanos. Já em seu discurso de posse, o novo presidente ratificava

a condução que seu governo pretendia dar a integração regional. Dizia Lula da Silva (2003,

itálicos nossos):

A grande prioridade da política externa durante o meu Governo será a construção de

uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais

democráticos e de justiça social. Para isso é essencial uma ação decidida de revitalização

do Mercosul, enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visões muitas

vezes estreitas e egoístas do significado da integração. O Mercosul, assim como a

integração da América do Sul em seu conjunto, é sobretudo um projeto político. Mas

esse projeto repousa em alicerces econômico-comerciais que precisam ser urgentemente

reparados e reforçados. Cuidaremos também das dimensões social, cultural e científico-

tecnológica do processo de integração. Estimularemos empreendimentos conjuntos e

fomentaremos um vivo intercâmbio intelectual e artístico entre os países sul-americanos.

Apoiaremos os arranjos institucionais necessários, para que possa florescer uma

verdadeira identidade do Mercosul e da América do Sul.

Dali por diante,

o ponto de partida para uma nova inserção do Brasil no cenário internacional [seria] a

América do Sul – consolidada a partir da reconstrução do MERCOSUL, das negociações

com a Comunidade Andina e da incorporação do Chile, da Guiana e do Suriname no

esforço de integração (SANTOS, 2005, p. 202).

A criação da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), em dezembro de 2004,

demonstra

mais do que a “circunstância do Brasil”, a América do Sul [tornava-se] a referência para

a inserção brasileira no mundo do século que se abre. Ultrapassa a etapa a etapa das

Reuniões de presidentes da América do Sul, os processos de integração da região

ganharam uma nova institucionalidade, desde a perspectiva integradora dos esforços

sub-regionais trazida pela criação da CASA (SANTOS, 2005, p. 203).

Dessa forma, fugindo à trajetória traçada nos primeiros anos após sua instituição –

marcados por um caráter essencialmente comercial –, o arcabouço institucional do MERCOSUL

passou a absorver a possibilidade de criação e institucionalização de órgãos que promovessem a

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integração política e social, sem abandonar a econômico- comercial já – ainda que com

dificuldades – encaminhadas.

O primeiro órgão social do bloco, o Foro Consultivo Econômico e Social (FCES),

composto por representantes dos setores sindical e empresarial, foi instituído pelo Protocolo de

Ouro Preto, em 1994, mas a abertura efetiva do arcabouço institucional do MERCOSUL aos

órgãos de cunho essencialmente social apenas pôde ser observado com a mudança de governantes

nos quatro países, o que possibilitou uma reorientação dos rumos da integração regional.

Durante a Cúpula Presidencial de Costa do Sauipe, ocorrida em dezembro de 2008,

foi criada a Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais do MERCOSUL

(CCMAS), definida a estrutura do Instituto Social do MERCOSUL (ISM), e estabelecidos os

eixos e diretrizes para a elaboração de um Plano Estratégico de Ação Social do MERCOSUL

(PEAS) (TAJRA; MARTINS, 2013c). No mesmo contexto destaca-se nos últimos anos, a

criação, em 2004, do Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM), que consta

de uma poupança regional para o financiamento de projetos de infraestrutura na região, no intuito

de minimizar as assimetrias existentes entre os países em prol de um desenvolvimento regional

equilibrado; do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos

do MERCOSUL, FCCR, instituído no mesmo ano com o objetivo de aproximar as instâncias

municipais do processo de integração regional; e, no ano de 2009, do ISM, no intuito de avançar

com o objetivo geral de promover o desenvolvimento da dimensão social no âmbito do bloco.

A integração política aparecia, pois, como uma dentre a agenda de oportunidades

(PIETRAFESA, 2009, p. 27) para as várias plataformas de convergência regional a serem

trabalhadas. “As eleições de Lula, no Brasil, em outubro de 2002, e de Néstor Kirchner para

Presidente da Argentina, em abril de 2003, dariam origem a uma conjunção de fatores favoráveis

à “parlamentarização” do MERCOSUL” (DRUMMOND, 2005, p. 317, aspas duplas da autora).

Foi então que, em uma reunião entre os presidentes do bloco em Buenos Aires, em outubro de

2003, se apresentou a intenção política do estabelecimento de um órgão de representação dos

povos no âmbito da estrutura institucional do MERCOSUL.

Articulou-se a partir daí uma série de ações no âmbito dos Estados-partes para fundar

o Parlamento regional em futuro próximo. Por indicação do poder executivo brasileiro foi

designado um grupo de consultores legislativos da Câmara e do Senado para dar suporte à

elaboração do PCPM. Em 2005, o Parlasul foi criado em substituição a CPC, ficando regido pelo

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disposto no referido protocolo. O Parlasul, no entanto, só viria a iniciar suas atividades e a

compor a base institucional do bloco a partir de 2007.

O Parlasul tem sua normativa orientada pelo disposto na Declaração Presidencial

sobre o Compromisso Democrático no MERCOSUL, de 1996 e no Protocolo de Ushuaia sobre o

Compromisso Democrático no MERCOSUL, a República da Bolívia e a República do Chile,

assinado em 1998. A organização interna do órgão se fundamenta na normativa disposta no

PCPM, e foi planejada de modo a possibilitar a absorção das demandas cidadãs dos Estados-

partes, de forma que os grupos políticos articulados no Parlasul permitam a reunião de

parlamentares segundo alianças de interesse ou a identificação partidária. Foi acertado que a

manutenção financeira do órgão seria por meio de financiamento público, com a contribuição de

cada Estado-parte definida em função do Produto Interno Bruto (PIB), e dos orçamentos

nacionais, à exceção da “primeira etapa de transição”, cujo orçamento ficou constituído pela

divisão em partes iguais entre os Estados membros.

A proposta de um Parlamento regional idealizava a participação civil direta no processo

de integração, já que sua estabilidade e legitimação se apresentavam como condição sine qua non

do reconhecimento dos entes que o integram, em última instância, os cidadãos de cada Estado

membro. Visto que a comunicação com a sociedade, como um todo, e com imprensa em especial,

contribui para fortalecer a instituição, uma vez que a atuação parlamentar passa a ter maior

visibilidade (PIETRAFESA, 2009, p. 77), um Parlamento viria, então, a minimizar o déficit

democrático do bloco e aproximar o cidadão do processo de integração.

Idealizado para cumprir as funções de representação popular e viabilizar a

harmonização das legislações dos Estados-partes de modo a que estes recebam com maior

facilidade a normativa criada pelos acordos firmados no âmbito do bloco (DRUMMOND, 2005),

o Parlasul trouxe a questão do envolvimento do cidadão no processo para centro do debate acerca

da integração regional, apresentando-se como plano de fundo central de fomento a uma

“cidadania do MERCOSUL” (ROSINHA, 2008).

Com a missão de elaborar um projeto que viabilizasse a interação entre o Conselho

do Mercado Comum e o Parlamento do MERCOSUL, em dezembro de 2008 por decisão do

CMC, reunido em Salvador, Bahia, foi criado o Grupo de Alto Nível sobre Relação Institucional

(GANREL) entre o CMC e o Parlasul, a ser composto por representantes dos Estados Partes

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designados pelas Coordenações Nacionais do GMC, estabelecido pelo Decreto nº 47, 15 de

dezembro de 2008, do MERCOSUL e CMC (MERCOSUL, 2008).

A intenção de colaborar para o desenvolvimento de uma cidadania sul-americana,

entretanto, somente apareceu de maneira expressa nos planos de ação dos documentos oficiais

dois anos depois quando a decisão do CMC 64/2010 acordava sobre a criação do Estatuto da

cidadania do MERCOSUL. O Caput do documento afirma ser necessário

consolidar um conjunto de direitos fundamentais e benefícios em favor dos nacionais

dos Estados Partes do MERCOSUL e estabelecer um Plano de Ação para a conformação

progressiva de um Estatuto da Cidadania do MERCOSUL, com vistas a sua plena

implementação no trigésimo aniversário da assinatura do Tratado de Assunção

(MERCOSUL, 2010b).

O Estatuto, por sua vez, se fundamentava em um conjunto de direitos fundamentais e

benefícios para os nacionais dos Estados Partes, tendo como base os objetivos apresentados nos

Tratados Fundamentais do MERCOSUL e na sua normativa derivada. Dessa forma, o documento

estabelecia um plano de ação cujos eixos centrais eram: a) a implementação de uma política de

livre circulação de pessoas na região; b) a igualdade de direitos e liberdades civis, sociais,

culturais e econômicas para os nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL e; c) a igualdade de

condições para acesso ao trabalho, saúde e educação – art. 2º do Dec. Nº 64/10, MERCOSUL e

CMC (MERCOSUL, 2010b).

O Plano de ação, a seu turno, estabelece onze temas de inflexão, tais como: circulação

de pessoas, fronteiras, identificação, documentação e cooperação consular, trabalho e emprego,

previdência social, educação, transporte, comunicações, defesa do consumidor e direitos

políticos. Destaque-se este último elemento, o qual prevê o estabelecimento e a avaliação de

metas para o avanço progressivo do estabelecimento de direitos políticos, “de acordo com as

legislações nacionais que regulamentem seu exercício, em favor dos cidadãos de um dos Estados

Partes do MERCOSUL que residam em outro Estado-parte de que não sejam nacionais, incluindo

a possibilidade de eleger parlamentares do MERCOSUL” – art. 3º do Dec. Nº 64/10,

MERCOSUL e CMC (MERCOSUL, 2010b).

O documento estabeleceu, por fim, o prazo de 10 anos para a progressiva

implementação do Plano de ação, de modo que, tendo em vista o exercício da “cidadania do

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MERCOSUL”, por ocasião do 30o aniversário do MERCOSUL (26 de março de 2021), esteja

integralmente incorporado.

Contrariando o previsto pelos cronogramas e acordos firmados para sua

implementação, o Parlasul encontra-se desativado devido, entre outros, ao fato de que quatro dos

cinco países membros do bloco, incluindo o Brasil, à revelia do que previa seu Protocolo

Constitutivo, PCPM, não terem ainda realizado eleições diretas para Parlamentares do

MERCOSUL. No entanto, mesmo diante dos atrasos no cronograma previsto, a Decisão 18/11 do

CMC, que aprovou a Recomendação 16/10 do Parlamento, autorizou que este continue

funcionando até 2014 com representantes designados pelos Parlamentos nacionais.

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4 A CIDADANIA COMO FENÔMENO HISTÓRICO

4.1 Um conceito em perspectiva

Cidadania não é uma definição estanque, mas um conceito histórico, o que significa

dizer que seu sentido varia no tempo e no espaço (PINSKY; PINSKY, 2013, p. 09).

O conceito de cidadania certamente encontra divergências quanto a uma definição

teórica que abranja os seus múltiplos significados. O que se pode afirmar, porém, é que o ideal de

cidadania que conhecemos hoje e que está presente na grande maioria das constituições dos

Estados democráticos de direito teve seu “formato” inicial definido pelas revoluções burguesas

que, nos séculos XVII e XVIII, de forma inovadora reclamavam uma condição para o indivíduo

enquanto parte de uma sociedade de iguais.

As Revoluções, Francesa e Inglesa, reclamavam a autonomia nacional e mais, a

autonomia dos indivíduos em relação às antigas ordens políticas das dinastias reais. A perspectiva que

conserva o indivíduo no centro da dinâmica social, tal qual conhece a modernidade, resultou

primeiramente do papel político desempenhado pela igreja nos primeiros séculos do cristianismo;

depois, séculos mais tarde, foi a instituição do direito à liberdade de consciência que tornou possível o

desenvolvimento do homem-cidadão tal qual hoje nos reconhecemos.

A queda dos poderes absolutos do rei, assim, inaugurou a "era do indivíduo" e abriu a

possibilidade da conquista crescente de direitos por parte do cidadão. Foi sob a perspectiva que

trata os indivíduos (e, como exercício moral deste, o individualismo) como livres e iguais, que

juridicamente se organizaram os Estados de direito ocidentais (DUMOND, 1985). Baseado nessa

noção de individuo, em contraponto à ideia de estratos ou grupos imóveis, característica marcante

das sociedades tradicionais se pôde, enfim, florescer o ideal do homem cidadão, aquele que toma

parte como integrante e mantenedor de uma sociedade civil de homens livres portadores direitos

conquistados por meio de lutas históricas e que tem deveres para com a manutenção de um

Estado soberano, aquele que, por sua vez, lhes garante o título de cidadão.

Partindo dessa premissa, à revelia do que propunham os teóricos jus naturalistas do

século XVII, os direitos do homem não são fruto de dado da natureza. São eles um constructo

jurídico historicamente voltado ao aprimoramento político da convivência coletiva. Nesse sentido,

os direitos do cidadão surgiram para e como resposta às demandas sócio-políticas de cada

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momento e se definem pela adequação aos parâmetros socais e mesmo tecnológicos de cada

período histórico. O reconhecimento dos direitos do homem teve sua gênese marcada pela

revolução francesa que, no século XVIII, reclamava de forma inédita a suplantação de uma ordem

pautada na submissão dos súditos em nome da implantação de uma ordem social orientada pelos

direitos e deveres do indivíduo em relação ao Estado, não ao poder absoluto de um monarca.

Assim, a cidadania da era moderna, Thomas Humphrey Marshall, em sua clássica

obra, “Cidadania, classe social e status” (1967, p. 84),

exige um sentimento direto de participação numa comunidade baseado numa lealdade a

uma civilização que é um patrimônio comum. Compreende a lealdade de homens livres,

imbuídos de direitos, e protegidos por uma lei comum. Seu desenvolvimento é

estimulado tanto pela luta para adquirir tais direitos quanto pelo gozo dos mesmos, uma

vez adquiridos. Percebe-se isto claramente no século XVIII, o qual assistiu ao

nascimento não apenas dos direitos civis modernos, mas também da consciência

nacional de nossos dias.

A noção de cidadania, pode-se concluir ainda, está historicamente vinculada também

ao ininterrupto processo de construção e afirmação do Estado-nação moderno. É portanto,

um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos

aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações

pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determine o que estes

direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em

desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso

pode medido e em relação à qual a aspiração pode se dirigida. A insistência em seguir o

caminho assim determinado equivale a uma insistência por uma medida efetiva de

igualdade, um enriquecimento da matéria-prima do status e um aumento no número

daqueles a quem é conferido o status (MARSHALL, 1967).

O italiano Norberto Bobbio, em seu livro “A era dos direitos” (2004), defende a tese

de que os direitos naturais do homem são, na verdade, histórica e socialmente instituídos e só

foram possíveis a partir do início da era moderna, juntamente com a concepção individualista da

sociedade, que, no desenvolver das forças históricas, tornaram-se um dos principais indicadores

do progresso da civilização moderna ocidental.

A declaração dos direitos do homem de 1948, principal documento internacional de

reconhecimento dos direitos do homem e do cidadão, assinada pelos membros da recém-lançada

Organização das Nações Unidas (ONU), no contexto do pós-II Guerra Mundial, apresentou-se,

por sua vez, como reclame de um progresso moral da humanidade.

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A emergência de valores como democracia e paz entre as nações, inaugurou uma fase

em que toda a comunidade internacional, fragilizada pelas baixas humanas, econômicas e morais

do conflito, dava seu primeiro passo na tentativa de estabelecer uma convivência pacifica entre

as nações. Nesse sentido, a Declaração foi incorporada às constituições dos Estados liberais,

estando presente na gênese dos Estados democráticos de direito que se caracteriza principalmente

por se constituir de cidadãos titulares de direitos.

Este, por sua vez, contou com três etapas de desenvolvimento. Inicialmente, passou

pela fase de positivação, momento em que a ideologia moderna se fez mais presente, trabalhando

no sentido da conversão do valor da pessoa humana e do reconhecimento do direito positivo, foi

uma fase de ruptura com o antigo modo de pensar o indivíduo e a organização social; em segundo

lugar, uma generalização se fez necessária para que houvesse a possibilidade da universalização

dos princípios de igualdade e não-discriminação, que buscam absorver toda a humanidade

pautando-se pelo valor do reconhecimento da pessoa humana; depois, a internacionalização,

principalmente a partir de 1948, com o lançamento da Declaração Universal, procurava o

reconhecimento da comunidade internacional do indivíduo e da garantia de seus direitos

fundamentais independente do contexto nacional e forma de governo ao qual se encontre

governado.

Por fim, com a construção do Estado democrático e a conformação de uma estrutura

internacional de respeito aos direitos fundamentais do indivíduo, observar-se-ia um movimento

de especificação e crescente abrangência desses direitos. Isso porque, ainda segundo Bobbio, à

medida em que se alargam os direitos, alargam-se as carestias. Ao invés dos direitos antes do

homem, ser genérico, começam a aparecer as demandas pelo respeito e a absorção dos direitos de

grupos específicos do gênero humano, não alcançáveis através de uma legislação geral estendida

a todos os cidadãos. Da demanda por maiores prerrogativas surge um processo de segmentação.

Aqui a igualdade outrora reclamada seria, grosso modo, suplantada por uma tentativa de absorver

a desigualdade entre os indivíduos tratados como iguais, mas histórica, econômica, social ou

biologicamente diferentes. Os direitos da mulher, da criança, do idoso, do deficiente ou de grupos

subalternos na organização social, são exemplos de carestias deste processo de especificação.

A cidadania em termos jurídicos, na perspectiva de Bobbio (2004), contou,

igualmente, com três etapas de desenvolvimento. Inicialmente passou por uma fase de

positivação, em que a ideologia moderna se fez mais presente, trabalhando no sentido da

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conversão do valor da pessoa humana e do reconhecimento do direito positivo, foi uma fase de

ruptura com o antigo modo de pensar o indivíduo e a organização social; em segundo lugar, a

generalização se fez necessária para que houvesse a possibilidade da universalização dos

princípios de igualdade e não-discriminação que busca absorver toda a humanidade pautada no

valor do reconhecimento da pessoa humana; depois, a internacionalização, principalmente a partir

de 1948, com o lançamento da Declaração, procurava o reconhecimento pela comunidade

internacional do cidadão e da garantia de seus direitos fundamentais independente do contexto

nacional e forma de governo ao qual se encontre governado; por fim, a construção do Estado

democrático e a conformação de uma estrutura internacional de respeito aos direitos

fundamentais do indivíduo, observou-se um movimento de especificação e crescente abrangência

desses direitos. Isso porque na medida em que se alargam os direitos, alargam-se as carestias, a

demanda por maiores prerrogativas inicia então um processo de segmentação.

Assim, na medida em que os direitos de primeira geração, considerados fundamentais,

dariam conta de prerrogativas concedidas a todo o gênero humano, tais como liberdade e igualdade;

os de segunda, os direitos sociais, investiam os indivíduos de prerrogativas de controle da esfera

política e administrativa do Estado, como a escolha dos governantes, um maior controle sobre a

produção legislativa e mesmo em relação ao modelo político adotado e; os direitos de terceira

geração diziam respeito a uma instância de movimentos ecológicos, que reclamavam

principalmente o direito cidadão a um meio ambiente equilibrado, propõe mudanças no modelo de

exploração dos recursos naturais dispensado pelo modo de produção capitalista. Aqui, a grande

preocupação é com o esgotamento dos recursos e à qualidade de vida, inclusive das gerações

vindouras. Um último movimento absorveria ainda os direitos sobre a vida e a dignidade da pessoa

humana diante do contínuo desenvolvimento das técnicas de manipulação da vida em laboratório.

Assim, à medida que o domínio da ciência traz consigo a melhoria da qualidade de vida e mesmo a

prolongação da longevidade da espécie humana, traz também uma nova gama de carestias, aquelas

que dizem respeito aos limites impostos a manipulação das técnicas e sua capacidade de

interferência na originalidade da espécie, são exemplos dessa classe os direitos biológicos e de

segurança biogenética.

Ao invés dos direitos antes do homem, ser genérico, começaram a aparecer as

demandas pelo respeito e a absorção dos direitos de grupos específicos do gênero humano, não

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alcançáveis através de uma legislação geral estendida a todos os cidadãos. Dessa forma, como

admitiu Marshall,

os direitos do cidadão não podem ser definidos de modo preciso. O elemento qualitativo

pesa muito na balança. Um mínimo de direitos legalmente reconhecidos pode ser

concedido, mas o que interessa ao cidadão é a superestrutura das expectativas legítimas.

[...] Assim, verificamos que a legislação, ao invés de ser o fator decisivo que faça com

que a política entre em efeito imediato, adquire cada vez mais, o caráter de uma

declaração de política que, segundo se espera, entrará em vigor algum dia

(MARSHALL, 1967, p. 96).

A ascensão da burguesia como classe dominante (e a aceitação de seus valores como

valores dominantes) possibilitou também a emergência de um novo sistema de valores e o

estabelecimento de uma nova moral nas relações sociais. A ascendente burguesia do século

XVIII não se podia estabelecer nem promover-se como classe dominante sem que se ensaiasse a

superação dos valores norteadores da sociedade tradicional. O indivíduo passando a fazer parte

do mundo passou pertencer à cartela de responsabilidade do Estado, a quem passou a caber a

função legítima de garantia dos direitos individuais em que o individualismo das ações humanas

mina paulatinamente sua sustentação enquanto instituição política, o Estado vê-se limitado à

mediação da conflituosa relação entre liberdade e igualdade nas sociedades modernas.

A cidadania e o próprio cidadão se configuraram (e continuam a se configurar) em

meio a uma trama de acontecimentos no mundo econômico. Com a troca de paradigma de uma

ordem social centrada na secularização e nos poderes tradicionais e o advento do capitalismo e

seu sistema de produção voltado para o lucro e à acumulação, o indivíduo foi jogado num mundo

em que, não mais atormentado pelo destino ditado pelo nascimento, se via as voltas com a

construção de seu próprio destino.

A noção da propriedade como valor supremo e ideal buscado na nova ordem social, a

dignidade pelo trabalho, a poupança individual e o mito da prosperidade, defendidos pela burguesia

como valores humanos absolutos, compõem a ideologia moderna que se pauta no indivíduo e

prioriza os meios pelos quais este promove seu próprio progresso. A ética protestante, então,

buscava dar conta de legitimar uma nova lógica nas relações do homem em sociedade, em que os

direitos individuais e a propriedade privada ditam a moral das relações sociais (WEBER, 2011).

Desde os direitos fundamentais conquistados no período pós-II Guerra, passando pelos

direitos políticos de liberdade religiosa e de opinião, até os mais recentes direitos sobre a

propriedade biológica, os direitos cidadãos à revelia do que preveem as cartas magnas, não chegam

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a todos os portadores da cidadania no âmbito dos Estados democráticos de direito. A dificuldade no

acesso aos direitos, paradoxalmente, se dá pela razão inversa do agir das liberdades individuais

previstas também como direito fundamental nas constituições democráticas.

O livre agir dos interesses individuais principalmente na esfera econômica das relações

sociais desafia a garantia do direito à liberdade que, então, consta como um empecilho na condução

de garantia do direito de igualdade pelo Estado e faz com que a igualdade na sociedade liberal seja

sempre um devir, na linguagem weberiana, um tipo ideal a ser alcançado no constante jogo de

forças entre as ambições particulares e a igualdade a que tem direito cada um dos indivíduos. O

desafio das sociedades modernas continua a ser o de conformar duas faces de uma mesma moeda,

entre a liberdade e a igualdade frente a um contexto social em que o individualismo impera e

acarreta o conflito às relações sociais da modernidade.

Para Eric Hobsbawm, como escreveu em seu livro “Era dos extremos – o breve século

XX”, ao mesmo tempo em que apresentou avanços significativos no campo da ciência, da medicina

e técnica, dos direitos humanos, das comunicações, o século XX apresentou-se como o mais

sangrento, escrevendo na história duas Grandes Guerras “quentes” e uma guerra “fria”, que

ceifaram vidas na escala dos milhões. Para o historiador egípcio, o breve século XX teve uma

duração cronológica de apenas 77 anos. Neste curto período, que se iniciou com a I Guerra Mundial

e teve seu fim marcado pela Guerra da Bósnia e simbolizado pela decadência das potências

comunistas, o mundo passou por significativas catástrofes sociais e políticas, que fizeram com que

o “breve século” trouxesse um período de catástrofes políticas e extermínio humano.

Da mesma forma, o desenvolvimento das técnicas de manipulação do homem sobre a

natureza, possibilitou uma exploração discriminada dos recursos naturais em favor da

manutenção das sociedades de consumo em ascensão, que inaugurou nos últimos anos do breve

século uma crise ecológica inédita na biosfera. Reflexo desta crise é a crescente preocupação com

a finitude dos recursos naturais por parte dos Estados ao redor do mundo. O desenvolvimento das

redes de comunicação e transportes também demonstra como o século XX apresentou um ritmo

de desenvolvimento inédito na história mundial. O extermínio ideológico também é destacado

pelo autor. Assim, ao passo em que os progressos da ciência possibilitou a descoberta da cura de

algumas doenças até então consideradas incuráveis, essa mesma ciência desenvolveu armas

químicas e promoveu a morte de milhares de seres humanos.

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O fenômeno da globalização econômica, ocorrido com maior rapidez a partir da

segunda metade século XX, por sua vez, trouxe mudanças para o sistema de produção capitalista.

A transferência das indústrias para os países menos desenvolvidos onde, em geral, os salários são

mais baixos e as matérias-primas mais baratas e, a remessa de lucros enviados aos países de

origem, ajudaram, assim, a elevar os custos sociais pagos pelo Estado na manutenção do sistema

de produção.

Na medida em que a globalização dos fatores de produção, e mesmo da exploração

capital-trabalho, arquiteta uma ordem política também em escala global, torna-se mais difícil ao

Estado manter os direitos e o bem-estar social nas fronteiras nacionais. O maior problema no final do

século XX e a herança para o novo milênio era então, não o de como criar riqueza material, mas de

como redistribuir a riqueza entre os indivíduos de forma a, pelo menos, manter os níveis de

desigualdade sob controle, garantindo assim outro direito fundamental, o da igualdade. Dessa forma,

a reconfiguração do poder do Estado em meio a essa era de derrubada das fronteiras estatais e da

capacidade de autogestão por parte destes, surgia como desafio um inevitável.

Tornar-se-ia igualmente difícil ao Estado honrar os compromissos firmados no

âmbito do Estado de bem-estar, seu papel de guardião da igualdade e garantidor dos direitos

individuais instituídos no âmbito de seu compromisso democrático tornam-se impossibilidades

diante do alargamento da cartela de direitos a que têm acesso os portadores da cidadania moderna

em sua acepção moderna.

Em sua incursão pelo breve século, Hobsbawm (1994) apresenta os parâmetros

positivos que o século XX trouxe à humanidade. Melhorias quanto a expectativa de vida e dos

níveis de educação das populações, uma maior estruturação das redes de comunicação e de

infraestrutura de transportes mostram como o investimento em ciência e tecnologia trouxe

benefícios à humanidade. Ao mesmo tempo, permitiu o genocídio sistemático de seres humanos,

provando que o homem nem sempre faz bom uso de seu livre arbítrio, que a válvula propulsora

de suas ações nem sempre é a autopreservação e a comunhão da paz em sociedade. Assim,

“durante o século XX as guerras têm sido, cada vez mais, travadas contra a economia e a

infraestrutura de Estados e contra suas populações civis” (HOBSBAWM, 1994, p. 23).

O século que, começando pelo evento que marcou o fim da civilização ocidental do

século XIX, fez ascender a civilização que, em confronto durante seus 77 “longos” anos,

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inclusive com momentos de crise estrutural, saiu vitoriosa e imperiosa quanto a instituição de

uma ordem econômica socialmente excludente.

Tratava-se de uma civilização capitalista na economia; liberal na estrutura legal e

constitucional; burguesa na imagem de sua classe hegemônica característica; exultante

com o avanço da ciência, do conhecimento e da educação e também com o progresso

material e moral; e profundamente convencida da centralidade da Europa

(HOBSBAWM, 1994, p. 16).

Como corolário do breve século o enfraquecimento do pólo socialista em detrimento

da ascensão das potências capitalista, tornara-se possível a arquitetura de um sistema mundial

único pautado por valores, pressupostos e uma moral capitalista. Diante das profundas

consequências da instituição de uma ordem mundial “coesa” fiel aos ditames do capital, o Estado

sofreria mudanças nas suas configurações não só econômicas, mas, consequentemente, sociais e

políticas. As fronteiras do poder regulatório e mesmo a ideologia do Estado passariam, pois, por

uma reconfiguração.

Agora o Estado não lidaria tão somente com suas intempéries domésticas, teria ainda

de absorver e administrar os custos sociais de uma dinâmica de produção transnacionalizada.

Assim, “desemprego em massa, depressões cíclicas severas, contraposição cada vez mais

espetacular de mendigos sem teto a luxo abundante, em meio a rendas limitadas de Estado e

despesas ilimitadas de Estado” (HOBSBAWM, 1994, p. 19) constavam na ordem do dia.

Os imperativos sistêmicos de uma ordem internacional capitalista em ascensão,

adverte Hobsbawm, puseram sob observação os Estados nacionais que atravessaram o século

XIX e boa parte do século seguinte como unidade política soberana. Diante da globalização do

capital, “os Estados-nação territoriais, soberanos e independentes, inclusive os mais antigos e

estáveis, viram-se esfacelados de uma economia supranacional ou transnacional e pelas forças

infranacionais de regiões e grupos étnicos secessionistas” (HOBSBAWM, 1994, p. 20). Dessa

forma, o fenômeno global trazia dois problemas ao Estado-nação, tanto no sentido de expandir

seus limites econômicos e políticos, quanto de trazer à luz as reivindicações de grupos étnicos

minoritários até então encobertos sob o véu homogeneizante da nação.

A ideia de aldeia global colocava sob muitos aspectos o globo como unidade

operacional básica. Com isso, percebe-se um desmantelamento dos velhos padrões de

relacionamento humano, a ruptura entre o passado e o presente faz com a que as sociedades

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sejam cada dia mais voláteis, os valores sociais defendidos dão conta de um individualismo

associal que prega o egocentrismo absoluto em conformação com a moral do homo oeconomicus.

No tocante as funções do Estado,

a maneira mais eficaz de construir uma economia industrial baseada na empresa privada era

combiná-la com motivações que nada tivessem a ver com a lógica do mercado livre – por

exemplo, com a ética protestante; com a abstenção da satisfação imediata; com a ética do

trabalho árduo; com a noção de dever a confiança familiar; mas decerto, não com a

antinômica rebelião dos indivíduos (HOBSBAWM, 1994, p. 25).

Confirmando sua essência histórica, não por acaso, os direitos cidadãos e os direitos

humanos passaram nesse período por um processo de desenvolvimento a passos largos. Se

tornava cada vez mais urgente socializar os custos sociais de um sistema mundial

economicamente integrado. Nesse sentido, as iniciativas de interação os blocos econômicos e os

acordos bi ou multilaterais surgiam como receituário para relações econômicas entre os países na

arena internacional.

A existência de órgãos parlamentares transnacionais apareceu nas estruturas

institucionais dos processos de integração regional para responder às demandas pela participação

popular em tais processos e mesmo pela legitimação destes perante os indivíduos em última

instância envolvidos. Assim sendo, a cidadania, até então confinada aos limites dos Estados

nacionais, seria transplantada para esfera transnacional.

As instituições parlamentares transnacionais (como o Parlasul e o Parlamento

Europeu) serviriam de lugar de inflexão ou entendimento entres os Estados envolvidos, ou ainda,

como plataforma de manifestação de opinião do indivíduo dotado de voz ativa no âmbito dos

processos de integração.

Como consenso ensaiado entre os autores que tratam da cidadania como categoria de

análise, há a aceitação de que sua instituição está intimamente ligada ao nascimento do Estado-

nação moderno. Neste contexto, o surgimento de instituições parlamentares regionais é percebido

como estratégia de absorção das demandas políticas de um mundo em que os custos sociais não

são mais de exclusivo tratamento do Estado-nação.

Nesse sentido, ao passo que a construção teórica e a interpretação de Jürgen

Habermas (2001) se impõem como teoria sobre o processo de globalização e integração regional

desenvolvidos no âmbito deste, com a inevitável derrubada das fronteiras político-econômicas e

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socioculturais nacionais, a não observância deste diagnostico na experiência sul-americana de

integração, senão nega seus pressupostos fundamentais, de certa forma, relativiza os termos

gerais da teoria em questão.

No caso da experiência europeia, sob a qual se deteve a análise de Habermas, as

dimensões dos Estados nacionais e a fluidez de suas fronteiras diante da dinâmica da

globalização, parecem ter permitido um arranjo de integração que, em parte, relativiza a

soberania dos Estados membros. Porém, mesmo a União Europeia serve de plataforma de

sustentação de interesses comuns às unidades nacionais envolvidas. Embora o Parlamento

Europeu abrigue competências legislativas, trabalhando em sistema de co-decisão com o

Conselho da União Europeia (ALMEIDA, 2011), os domínios políticos nacionais permanecem

resguardados de tal modo, pondera Michael Mann (2008, p. 319), que “o impacto direto das

normas da Comunidade Europeia na política cotidiana dos países-membros é bastante limitado”.

Na verdade, “a Comunidade Europeia não cultua realmente um sentido verdadeiro de identidade

ou cidadania europeias” e “ainda não constitui um Estado nem está substituindo os Estados”

(MANN, 2008, p. 321-323).

4.2 A experiência Latino-Americana

O sucesso do modelo capitalista inaugurou uma era de desregulação e

desestruturação estatal em detrimento do agir das forças do livre mercado que, no entanto,

resultaram numa desordem social extrema e no aumento dos carecimentos sociais e da

responsabilidade do Estado quanto à manutenção dos custos sociais da sustentação do sistema

capitalista. O novo milênio anunciava como prelúdio uma rearrumação dos atores na

geopolítica global (HOBSBAWM, 1994).

Os EUA, sob a égide do sistema capitalista, encerrou o “breve século” como potência

política, econômica e militar mundial, que via nos países periféricos, dentre eles todos os do

subcontinente latino-americano, um contingente mercado consumidor, além de fornecedores de

mão-de-obra e matéria-prima barata à sua manutenção como ator hegemônico.

O breve século XX foi um século de luzes, mas também de trevas, com a implantação

de uma ordem econômica verdadeiramente sedutora aos atores do capital, mas extremamente

danosa ao bem-estar e equilíbrio da sociedade como um todo. A quebra dos vínculos acabou por

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influenciar também a construção das identidades individuais e coletivas. Na era da informação o

próprio conceito de comunidade é reconfigurado, o Estado sofre a necessidade de reformular suas

bases sócio-culturais. Não mais subordinado a uma concepção étnica ou cultural, precisa

encontrar novas fontes de legitimação para suas ações.

No contexto neoliberalizante do fim do século, as estratégias de integração regional

que de forma tendente começaram a se arrumar no contexto mundial, inclusive na América do

Sul (vide MERCOSUL), davam conta de promover as economias dependentes no contexto

competitivo do sistema econômico mundial.

Importante referencial teórico para o estudo da democracia, dos direitos humanos, do

desenvolvimento humano e, por conseguinte, da cidadania na América Latina, é a obra de

Guilhermo O’Donnell (2013). Para o cientista político argentino, Democracia, Desenvolvimento

Humano e Direitos Humanos se sustentam sobre um mesmo postulado: “compartilham, como o

fundamento mesmo de suas respectivas perspectivas, uma concepção moral do ser humano como

um agente, e os três propõem que isto gera não só reivindicações morais, mas também direitos

positivos universais” (O’DONNELL, 2013, p. 77).

A íntima relação entre os três conceitos que, embora possam ser separados

analiticamente, estão inseparavelmente representados no movimento do real, indica que, com o

fim último de garantir a todos os seres humanos uma existência de acordo com parâmetros

considerados dignos desse caráter de humanidade, se estabeleça uma agenda de direitos

fundamentais que contenha em seus termos os direitos básicos os quais todos os indivíduos

tenham garantidos para que se alcance uma igualdade fundamental (mesmo que meramente

virtual) entre eles.

Assim, da aceitação de que “os conceitos de desenvolvimento humano e de direitos

humanos compartilham uma subjacente perspectiva universalista do ser humano como um agente”

advém justamente o questionamento sobre “quais seriam as condições, capacidade e/ou direitos

básicos que normalmente permitem a um indivíduo funcionar como um agente” (O’DONNELL,

2013, p. 20), pois, como mesmo admite o autor, o consenso universal sobre quais sejam esses

direitos (ou essas demandas) fundamentais é factualmente inalcançável.

Na América Latina, foco das análises de O’Donnell (2013, p. 24), “o escasso poder que

[...] tem os governos democraticamente eleitos e, em geral, os estados, para avançar na

democratização de seus respectivos países”, faz com que, salvo, poucas exceções, “em termos de

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desenvolvimento humano e de direitos humanos, escasso progresso (e algumas regressões) se

[tenha] conseguido sob os atuais regimes democráticos” (O’DONNELL, 2013, p. 72).

De acordo com O’Donnell (2013), na América Latina, e, no caso brasileiro,

corroborado pela leitura de José Murilo de Carvalho (2007), a sequência da instituição dos

direitos de cidadania proposta por Marshall (1967), se deu de forma invertida.

Enquanto, Marshall (1967) propunha que a cidadania, como depositório de direitos –

reclamados e historicamente instituídos – se dera de forma modelar seguindo a sequência de

Direitos Civis, no século XVIII, Direitos Políticos, no século XIX e Direitos Sociais, no transcorrer

do século XX, no caso latino-americano adverte O’Donnell (2013, p. 70)

1) na maioria dos nossos países, como correlato da inauguração de regimes

democráticos, alcançamos a universalização de direitos políticos; 2) No entanto, somente

conquistamos uma limitada e parcial implementação de direitos civis, os que, além do

mais, estão pouco estendidos para amplos segmentos das respectivas populações; 3) Em

vários casos tem havido um retrocesso nos limitados direitos sociais que se haviam

conseguido; e 4) Com exceção da Costa Rica e Uruguai, o apoio ao regime democrático

é baixo e tem diminuído durante os últimos anos.

Aqui, “a crise econômica, a inflação alta, a fúria antiestatal da maioria dos programas

de ajuste econômico, a corrupção e o clientelismo contribuíram para gerar um estado anêmico”

(O’DONNELL, 2013, p. 67), fomentando um panorama de direitos civis fracos e uma “cidadania

de baixa intensidade [em que] todos têm, pelo menos em princípio, os direitos políticos que

correspondem a um regime democrático, mas a muitos lhes são negados os direitos sociais

básicos, como sugere a extensão da pobreza e a desigualdade” (O’DONNELL, 2013, p. 67).

A pobreza e desigualdade crônicas que, em larga escala assolam os países latino-

americanos, dificultam o acesso e o exercício dos direitos que, embora institucionalizados, não estão

ao alcance de larga parcela da população, configurando dessa forma, como denuncia O’Donnell

(2013, p. 40), a própria “negação de sua condição de agentes”.

No caso específico dos países que compõem o MERCOSUL, as assimetrias no

tocante à economia, território, etc., apenas adiantam o quão desafiadora é a missão de estabelecer

políticas sociais de comum aceitação aos Estados envolvidos e que, saindo do campo das

aspirações e dos discursos ideológicos, consigam ser efetivas na empreitada de mudar esse

panorama.

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4.3 Cidadania no Brasil

Entre o período colonial e as décadas iniciais do Brasil independente, o vocábulo

cidadão sofreu transformações no seu significado cujo resultado foi o estabelecimento de um

conceito novo. “Sob alguns aspectos, estas transformações são tributarias dos rumos assumidos

pelo conceito de cidadão na história europeia”. Em meios às revoluções burguesas, a ordem

imperial ali sucumbia. A reclamação dos direitos do indivíduo, implicava então, “a passagem de

uma compreensão hierárquica da cidadania para um entendimento igualitário” (SANTOS;

FERREIRA, 2009, p. 44).

Assim sendo,

ao longo do século XVIII, esse quadro tendeu a se transformar como resultado da

incorporação de uma linguagem referida a um novo sujeito de direito: o indivíduo. Tal

fato foi o produto da difusão de duas retóricas nem sempre convergentes, ainda que

ambas tributárias do jusnaturalismo moderno: a retórica igualitária dos direitos

subjetivos e a da soberania popular (SANTOS; FERREIRA, 2009, p. 49).

O velho continente funcionou como o espelho no qual o Brasil buscaria refletir sua

experiência cidadã. “Na metafórica ruptura entre a América e a Europa, o Brasil colocava-se

ideologicamente ao lado das potências europeias” (SANTOS, 2005, p. 186). Assim a

compreensão da cidadania no Brasil exige uma íntima correlação com os conceitos desenvolvidos

na Europa. Nos primeiros anos do Império, cidadão era considerado o “homem bom”, aquele que

com uma privilegiada posição na hierarquia imperial, gozava de uma série de isenções e digno de

distinção na sociedade de corte, sendo ainda considerado apto aos cargos públicos.

A base escravocrata que marcou a colônia e o império necessitava de reformulações

para que a cidadania pudesse se desenvolver em sua forma moderna, tal qual o modelo europeu

(pirâmide de Marshall). Compreendido agora como um conjunto de indivíduos juridicamente

iguais, o povo deixava de ser uma das ordens da sociedade para se transformar no titular dos

direitos de soberania: é o povo que, na linguagem dos pasquins, “quer”, “manda”, “ordena”

(SANTOS; FERREIRA, 2009, p. 51). No entanto, a utilização do vocábulo, que se referia à

totalidade dos habitantes do país exigiria ainda uma serie de modificações no sentido de alargar seu

alcance até que envolvesse toda a população. Numa sociedade em que a cidadania em princípio só

se aplicava a brancos, proprietários, excluindo tacitamente mulheres, negros, pobres e analfabetos,

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a ideia de um povo viria a homogeneizar a população e, assim, lançar as bases para o exercício de

uma cidadania. Ainda assim, a noção de raça perdurou no Brasil até um momento posterior às

primeiras definições constitucionais da cidadania (SANTOS; FERREIRA, 2009, p. 56).

Apresentando um histórico do caminho perseguido pelo Brasil no intuito de

consolidar seu corolário de direitos cidadãos, José Murilo de Carvalho (2007), em seu já clássico

livro “Cidadania no Brasil – o longo caminho” admite que o acesso aos direitos cidadãos no

Brasil se deu quase que exclusivamente via concessão do Estado.

O exercício de certos direitos, com a liberdade de pensamento e o voto, não gera

automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O exercício do voto

não garante a existência de governos atentos aos problemas básicos da população. Dito

de outra maneira: a liberdade e a participação não levam automaticamente, ou

rapidamente, à resolução de problemas sociais. Isto quer dizer que a cidadania inclui

várias dimensões e que algumas podem estar presentes sem as outras. Uma cidadania

plena, que combine liberdade, participação e igualdade para todos, é um ideal

desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível, mas ele tem servido de parâmetro para o

julgamento da qualidade da cidadania em cada país e em cada momento histórico.

(CARVALHO, 2007, p. 8-9).

Para o autor, não se observa entre nós o espírito cívico de participação nos processos

de decisão política. Até a primeira metade do século XX o povo, desorganizado politicamente,

“não tinha lugar no sistema político, seja no Império, seja na República. O Brasil era ainda para e

uma realidade abstrata” (CARVALHO, 2007, p. 83).

Dessa forma, afora os movimentos sociais organizados com seu histórico de luta e

conquistas de espaço nos aparelhos estatais, os direitos cidadãos no Brasil são outorgados de

cima para baixo, caracterizando uma estadania de direitos concedidos. Além disso, a sequência

da concessão dos direitos cidadãos no Brasil definiu prioritariamente o caráter da cidadania

desenvolvida entre nós.

Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos

direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que tornou popular.

Depois vieram os diretos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do

direito ao voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de representação

política foram transformados em peça decorativa do regime. Finalmente, ainda hoje

muitos direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria

da população. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo (CARVALHO,

2007, p. 220-221).

Na medida em que, de acordo com o autor, a maneira como se conformam os Estados-

nação condiciona a construção da cidadania, a inversão da sequência dos direitos no Brasil

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contribuiu ainda para reforçar entre nós a supremacia do Estado (CARVALHO, 2007, p. 227).

Entre nós, o protagonismo do poder executivo sobre o legislativo faz com que a população se afaste

da esfera política. A ausência de uma população suficientemente educada figura ainda como um

dos principais obstáculos à construção da cidadania civil e política no Brasil (CARVALHO, 2007,

p. 11), além disso, a obrigatoriedade do voto no país transforma direito em dever.

A Constituição Federal de 1988, resultado de um processo constituinte que se iniciou

com a abertura à democracia no país, depois de vinte e um anos de ditadura militar, diga-se apoiada

e, muitas vezes financiada por capital estrangeiro, apresenta uma ampla cartela de direitos civis,

políticos, sociais os quais se conferem à todo cidadão brasileiro. A CF 88 é considerada modelo de

carta magna. Nela, o acesso aos serviços básicos de saúde, educação, previdência, direitos sociais,

são considerados direitos do cidadão e dever do Estado. Uma inovação da CF 88 foi ainda o

contido em seu Capítulo IV, parágrafo único: “a República Federativa do Brasil buscará a

integração econômica, política, social e cultural dos Povos da América Latina, visando a formação

de uma comunidade latino-americana de nações” (BRASIL, 1988).

O que se presenciou nos primeiros anos após sua promulgação, no entanto, foi a

insistência do quadro de desigualdade herdado da ditadura militar. Desigualdade de ordens

várias, nacional, regionais, locais, de gênero, de cor, de idade e, consequentemente, o acesso aos

direitos cidadãos.

A partir de 2002, com a eleição de Nestor Kirchner, na Argentina; as sucessivas vitórias

eleitorais para a presidência de Luís Inácio Lula da Silva, no Brasil; Nicanor Duarte, no Paraguai em

2003; e por fim, de Tabaré Vasquez, no Uruguai, em 2004; o MERCOSUL passou a ter lugar de

distinção na condução das políticas externas dos países que o engendram. Kirchner, Lula, Duarte e

Vasquez apresentavam, cada um a seu turno, posturas declaradamente regionalistas e, com isso,

trataram de assumir o compromisso de promoção das bases sociais e políticas necessárias à efetivação

do já adolescente projeto de integração sul-americano. A instalação de portais institucionais de

participação civil no intuito de envolver o cidadão dos Estados-partes no processo da integração

começou, então, a ser absorvida como etapa fundamental para a efetivação do referido processo

(DRUMMOND, 2005). A discussão no âmbito do órgão regional permitiria lançar luzes sobre o

planejamento de políticas públicas vinculadas à cidadania na região. A incorporação via cidadania

regional de ambos as demandas civis visaria assim, a ruptura com as ideias colonialistas e levantar a

autonomia da América Latina como propunha Simon Bolívar já no século XIX.

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5 O PARLASUL NA ÓTICA DE SEUS FORMULADORES

5.1 Dados produzidos no âmbito da pesquisa

Sair do gabinete pela primeira vez não foi fácil e, ao mesmo tempo, extremamente

prazeroso e enriquecedor. A escolha dos atores da pesquisa foi o passo mais simples. Aquelas

pessoas teriam muito a dizer sobre o meu objeto. Resolvi adotar a postura de curiosa e sempre de

aprendiz diante das vozes proferidas. O contato com os entrevistados veio por etapas:

primeiramente, ouvi o Senador Inácio Arruda e o Consultor Eugênio Arcanjo, ambos cearenses, o

que facilitou o acesso, visto que foram, os dois, entrevistados em Fortaleza, ainda em 2012. No

ano seguinte, e também de acordo com o desenvolvimento e mesmo amadurecimento da

pesquisa, dos “achados” e “perdidos” no decorrer do caminho, foram entrevistados o Deputado

Dr. Rosinha e a Consultora Maria Cláudia Drummond, ambos em Brasília.

O projeto original previa cinco entrevistas, entretanto, devido à impossibilidade de

compatibilização das agendas dos entrevistados fora de Fortaleza, apenas quatro foram

realizadas. A entrevista com o Senador Inácio Arruda, se deu no dia 29 de junho de 2012, na sede

estadual do PCdoB, em Fortaleza. Pouco depois, no dia 30 de julho, foi realizada a entrevista

com o Consultor Legislativo do Senado Federal, Eugênio Arcanjo. No dia 18 de junho de 2013,

foi realizada a entrevista com o Deputado Federal, Dr. Rosinha e no dia seguinte, 19 de junho,

com a consultora legislativa do Senado Federal, Maria Cláudia Drummond.

As temáticas abordadas não seguiram um padrão para os quatro entrevistados. Na

medida em que no decorrer da entrevista um ou outro tema foi sendo apresentado com maior

profundidade, cada fala lançou luzes sobre o objeto (Parlasul-Cidadania no MERCOSUL) por

uma perspectiva particularizada. O norte inicial seria abordá-los sobre três questões principais:

1. Quais os temas prioritários para a pauta de discussões do Parlasul?

2. Como o Parlasul contribui ou pode contribuir para o fortalecimento da cidadania

do bloco?

3. O MERCOSUL é estratégia ou iniciativa solidária do Brasil para a região?

No entanto, pela riqueza das fontes, cada conversa tomou rumos específicos dentro

do tema estudado. Optei, então, por apresentar cada fala separadamente no decorrer do capítulo.

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Assim, fragmentos selecionados por temática são, a seguir, dispostas separadamente segundo a

sequência cronológica da realização das entrevistas. A escolha por apresentar as falas

individualmente não se deu por acaso. A intenção aqui, não foi a de comparar ou mesmo um

confrontar argumentos sobre as vantagens e-ou desafios e problemas enfrentados pelo Parlasul

em seu árduo processo de institucionalização. O objetivo principal foi, através da fala proferida,

captar a perspectiva de cada um dos entrevistados de forma que o órgão possa, numa dupla

perspectiva (política, técnica), ser melhor compreendido.

5.2 Senador Inácio Arruda, um representante do Nordeste

Inácio Arruda iniciou sua vida pública na década de 1980 como presidente da

Associação dos Moradores do Bairro Dias Macedo, em Fortaleza e, em seguida, presidente da

Federação de Bairros e Favelas da capital cearense. Filiado ao Partido Comunista do Brasil

(PCdoB), desde 1981, sua trajetória na ocupação de cargos públicos começou no final daquela

década, quando em 1988 foi eleito vereador pela capital. Em 1990 foi eleito deputado estadual e

em 1994, deputado federal, cargo para o qual se reelegeu, em 1998 e, novamente, em 2002, sendo

nesta eleição, o deputado federal mais votado da história do estado. Em 2006, com quase dois

milhões de votos, foi eleito Senador, cargo que exerce até 31 de dezembro de 2014. Arruda ainda

disputou por três vezes a prefeitura de Fortaleza em 2000, 2004 e 2012.

A entrevista ocorreu na sede estadual do PCdoB, em Fortaleza, em 29 de julho de

2012, três dias antes do lançamento oficial da candidatura do Senador à prefeitura da capital. Na

conversa de aproximadamente 45 minutos, o Senador discorreu sobre o que chamou de “uma

integração extremamente vantajosa para o Brasil”. Para ele, a integração sul-americana é um

processo “sem volta” e que deve no futuro agregar todos os países da região.

O tema da cidadania apareceu, ora explícita, ora implicitamente como resultado da

integração de mercados produtores e consumidores. O fator econômico que, para o Senador, é o

carro-chefe da integração sul-americana, viria a impulsionar o desenvolvimento, pelo menos em

termos de arcabouço institucional, do leque de direitos reconhecidos pelos sócios do

MERCOSUL. Nesse sentido, o Brasil desempenha um papel de liderança, não somente

econômica, como também do ponto de vista das iniciativas políticas, já que, segundo o Senador,

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o Brasil “é o principal país e é o principal receptor de imigrantes dessa região, em busca

principalmente de trabalho, principal instrumento da cidadania”.

Questionado sobre a filiação partidária e composição das bancadas no Parlasul,

Arruda (2012) explicou que ali, pela ausência de bandeiras partidárias comuns, a composição das

bancadas se dá pela afinidade ideológica entre os Parlamentares.

Nós buscamos formar blocos de opinião, quer dizer, de posicionamento mais político. Então,

você tem o bloco da esquerda, tem o bloco mais à direita no Parlamento e tem um bloco, que

você tá sempre negociando com ele, que é o bloco centrista, que tem a maioria da bancada

brasileira. Depois você tem o bloco mais à esquerda, formado por PCdoB, PT, alguns

representantes do PSB. [...] Então, você tem uma dinâmica política, das correntes de opinião,

mas têm muita força as representações nacionais (ARRUDA, 2012).

O entendimento entre as bancadas nacionais, então, se faz de modo a reunir os

Parlamentares em grupos políticos segundo as orientações partidárias sem, contudo, formar

barreiras instransponíveis entre os grupos. Quando um tema de explícito interesse nacional entra

em discussão, a tendência é de que os Parlamentares brasileiros se reorganizem de modo a

defendê-lo independente das diferenças político-partidárias no âmbito nacional. Dessa forma,

admite o Senador,

quando entram temas de questionamento sobre o Brasil a tendência não é você discutir do ponto

de vista das opiniões e das correntes políticas, mas você discutir do ponto de vista do interesse

nacional, e que é muito natural que seja porque os países continuam o processo de consolidação

dos Estados que tá em curso, uns mais consolidados, outros menos consolidados, mas isso é um

processo também natural da formação dos Estados (ARRUDA, 2012).

Quando o tema da cidadania entrou em discussão, Arruda foi claro ao afirmar que o

compromisso central do Parlasul, seguindo as linhas orientadoras do MERCOSUL, é para com o

fortalecimento do Estado democrático e o desenvolvimento nacional dos Estados envolvidos. O

Estado nacional, assim, seria a unidade de origem e de destino de toda decisão no âmbito do

bloco. O fortalecimento da cidadania, dessa forma, somente poderia ser fomentado em estrito

respeito aos limites políticos e jurídicos do Estado nacional.

Nesse sentido, o Senador discorreu sobre a afinada relação entre o tema da cidadania

no MERCOSUL e a herança das lutas e conquistas dos direitos, principalmente, civis e sociais,

ao longo dos últimos séculos na região, em que as legislações nacionais (em que constam a

matéria e o conteúdo de cada experiência cidadã), em larga escala, são fruto das lutas dos

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trabalhadores. O alargamento das possibilidades de atuação do trabalhador de um país do bloco

em qualquer dos outros, então, através do livre acesso aos mercados de trabalho, viria a contribuir

de modo a consolidar as bases da cidadania regional.

Para o Senador, avanços institucionais já incluídos na pauta de discussões do

Parlasul, como o reconhecimento dos diplomas universitários e do fundo de contribuição

previdenciária de um país pelos demais países do bloco aparecem como possibilidades de

exercício da cidadania sul-americana. Arruda considera que essa legislação seja um ponto chave.

Segundo ele (2012),

hoje o Parlamento do MERCOSUL é exatamente o espaço de diálogo, de debate e de ligação

entre o órgão executivo do Mercado Comum da nossa região e a nossa sociedade. O espaço está

aqui no Parlamento. E ao mesmo tempo o Parlamento já passa a cumprir uma função de

natureza política muito importante.

Quanto à natureza dos temas discutidos, que claramente dizem respeito ao conteúdo

que a “cidadania do MERCOSUL” apresentados nesses primeiros anos de atividades do Parlasul,

o Senador apresentou sua visão de quais sejam os assuntos mais vigentes e caros à pauta de

discussões e atividades do órgão.

Os grupos, principalmente na área de formação profissional, talvez sejam os mais fortes nos

debate no Parlamento. Então, se em toda reunião nós quiséssemos discutir grade curricular,

integração curricular, reconhecimento profissional na região, talvez toda reunião do

MERCOSUL fosse ocupada só por esse tema, entendeu? Porque você tem sempre muitas

categorias querendo tratar desse assunto no Parlasul. Mas, um segundo, depois da educação,

vem o problema das áreas de integração rodoviária. Que aqui tem muitos trabalhadores, tem

muita gente, porque comércio de ida e vinda hoje é rodoviário, quer dizer, cargas e distribuição

de cargas, legislação de transito das regiões, então, é muito forte esse debate no Parlamento. Se

geram vários projetos, então esses projetos no Parlasul se transformam em projetos que vão ser

discutidos no âmbito do Executivo do MERCOSUL e se transformam em acordos que depois

têm que ser aprovados nos Parlamentos nacionais, certo? Então, aqui tem um debate muito

forte, depois tem o debate sobre o trânsito, etc., Depois, talvez o mais discutido de todos

organizadamente tenha sido a integração energética da região. Que aqui é ligado ao

desenvolvimento puro, sem energia, não tem desenvolvimento. Então a produção de energia, a

integração das fontes de energia tem sido objeto de muitas audiências públicas no

MERCOSUL, muitos seminários, e isso praticamente, eu acho que todos os países da região

têm sentado pra discutir no MERCOSUL, embora nem todos sendo membros, mas todos já

sentaram pra discutir a integração energética na América do Sul (ARRUDA, 2012).

Questionado sobre a atividade parlamentar do Parlasul e as possibilidades de

efetivação da cidadania do MERCOSUL, o Senador não hesitou em apresentar dados sobre os

projetos de integração nos campos da infraestrutura viária na tríplice fronteira (Argentina, Brasil,

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Paraguai), nos setores energético e comercial, reforçando o interesse brasileiro, transformado em

investimento, nestes campos estratégicos e, ainda, como estes podem intervir positivamente no

desenvolvimento e crescimento econômico da região, diminuindo suas históricas assimetrias.

Ainda quanto às possibilidades de pauta para o Parlamento, como relator do projeto

de lei que aprovou no Brasil o Estatuto da Cidade, cujos termos regulamentam o planejamento

participativo e a função social da propriedade urbana, o Senador se mostrou otimista ao falar

sobre a possibilidade de se apresentar o Estatuto como projeto de planejamento urbano a ser

adotado nas grandes cidades do MERCOSUL.

A exemplo da legislação no tocante à propriedade rural, o documento regulamenta a

propriedade de territórios urbanos, apresentando a discussão sobre a função social da terra. O

documento inovou ao criar uma série de instrumentos que possibilitou aos municípios buscarem

de forma autônoma o seu desenvolvimento urbano, sendo a principal inovação, o estabelecimento

do plano diretor do município.

Eu acho que [o Estatuto] é uma legislação avançada em relação à Cidade e coloca a questão da

propriedade como uma questão-chave a ser discutida na área urbana. Na área rural você vê o

debate. [...] e na questão urbana esse debate é mais difícil. É muito difícil você dizer que a

propriedade deve cumprir uma função social, é um debate muito mais difícil, mas tem que ser

levado. Nós conseguimos aprovar isso no Brasil. Isso está como legislação, então nós queremos

que isso seja discutido também no âmbito do MERCOSUL para ampliar as conquistas sociais

nas grandes cidades da região. Então, você pega uma cidade como La Paz, é gigantesca, Lima,

gigantesca, Buenos Aires e a sua região metropolitana, também é gigantesca, Santiago é uma

cidade gigantesca, mas não tem uma legislação urbana que coloque em debate como questão

central a função social da propriedade. Nós temos, e queremos que esse debate se estenda pra

todo o MERCOSUL (ARRUDA, 2012).

A entrevista com o Senador se deu dois dias depois da suspensão do Paraguai do

MERCOSUL como consequência do golpe que depôs o presidente, Fernando Lugo. Na ocasião,

os demais membros do MERCOSUL optaram por suspender o Paraguai do bloco, alegando que o

país desrespeitou o compromisso para com o Estado democrático, especialmente o previsto no

Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no MERCOSUL, República da Bolívia

e a República do Chile. O Parlasul divulgou diversas notas de reprovação à atitude

antidemocrática do país. Aproveitando a oportunidade, questionei o Senador sobre o papel do

Parlasul de guarda da democracia na região.

O Senador acredita que o Parlasul possa atuar também no sentido de evitar atitudes

semelhantes no futuro, de contribuir para o debate democrático. Segundo ele,

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o Parlasul surgiu porque as questões sociais, os problemas sociais, que têm ligação direta com a

política e a economia, estavam fora do debate. Onde é que falo, onde é que é a minha casa? A

minha casa é o Parlamento. Então, hoje o Parlamento do MERCOSUL é exatamente o espaço

de diálogo, de debate e de ligação entre o órgão executivo do Mercado Comum da nossa região

e a nossa sociedade. O espaço está aqui no Parlamento. E, ao mesmo tempo, o Parlamento já

passa a cumprir uma função de natureza política muito importante. [...] O Parlamento do

MERCOSUL tem participado das eleições na região inteira. Nós temos tido representação do

Parlasul na Venezuela, na Bolívia, no Equador, no Peru, na Colômbia, no Chile. Temos enviado

a representação nossa pra eleições em outros Estados, fora da nossa região, na África, no

Oriente Médio e no Caribe. Então, você passa a ter um papel, a trocar um papel político, a ser

reconhecido e respeitado como uma instância que tem uma forte representação porque está

ligada a uma estrutura de integração de uma região muito importante, que é essa região da

América do Sul. [...] Claro que preventivamente é sempre o debate em consolidação de

instituições e fortalecimento do Parlamento, fortalecimento das presenças das minorias no

Parlamento, a liberdade partidária para que elas possam, as várias opiniões possam se expressar

nos processos eleitorais, porque senão você diz: olha aqui é democrático, mas você só pode

dizer A, não pode dizer B, como no caso dos Estados Unidos, você só pode ser republicano e

democrata, se você for do Partido Socialista, não pode, se você for de outro Partido, não pode.

Pode existir como Partido, mas não pode entrar ali no Parlamento. Então, a democracia ela tem

que ampliar o espectro, isso ajuda a consolida-la e a mantê-la firme ali. Então, eu acho que pra

agir preventivamente você tem que buscar e manter essas instituições sempre, de representação

política ampla, de vários setores, pra que todo mundo tenha opinião dentro da área mais fácil da

opinião, que é o Parlamento. No Executivo isso é muito mais difícil, ele tem obrigações muito

imediatas. No Parlamento você pode ter um diálogo. Eu acho que o Parlamento do Sul [do

MERCOSUL] pode sim, e deve fazer, deve cobrar isso (ARRUDA, 2012).

Como único representante do Ceará no Parlasul, questionei ao Senador de que forma

uma maior coesão do MERCOSUL poderia impulsionar o desenvolvimento do Nordeste

brasileiro. Segundo Arruda (2012), “de várias formas’. Desde acordos específicos, facilitados

pela base jurídica trazida pelos grandes acordos do MERCOSUL, até por meio da construção de

obras de infraestrutura, principalmente com a construção de estradas que viriam a interligar o

Nordeste a diversas outras cidades do bloco, ampliando assim, uma linha de comércio que já

existe, mas é pouco explorada. Outra maneira de angariam benefícios para o Nordeste seria via

financiamento pelo FOCEM. O Fundo de Convergência Estrutural do MERCSOUL visa não

somente minimizar as assimetrias infraestruturais entre os países, mas também diminuir as

desigualdades em nível regional dentro desses países. Assim, do 1% dos recursos investidos no

Fundo que o Brasil recebe para investimento em obras nacionais, as regiões Norte e Nordeste

teriam direito à maior parcela que as demais regiões. Sobre sua participação enquanto

representante do Nordeste no Parlasul, o Senador discorre:

Sempre se tem a ideia de que sendo do Nordeste, “Quê que cê tá fazendo no Parlasul?” É que o

Parlasul é da América do Sul e o Brasil todo é da América do Sul. Embora tenha um pequeno

pedaço do Brasil no norte, no Hemisfério Norte. Mas toda essa região, essa área continental

inteira, desses países da América do Sul vão se integrando e a nossa economia também. Nós

exportamos para os países do MERCOSUL, o Ceará, e compramos dos países do países do

MERCOSUL. Nós temos uma linha de comércio muito grande e nós podemos ampliar essa linha

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de comércio intensamente com a entrada da Venezuela, que está bem ao norte e ligada com todos

os estados do Norte brasileiro. A integração energética entre nós e a Venezuela também vai cada

vez se ampliando mais. Quer dizer, nós compramos energia hidrelétrica da Venezuela, na nossa

região. Nós compramos petróleo da Venezuela, nós compramos gás na Venezuela, que vem pra

cá, que vem pro Porto do Mucuripe, tá certo? Que desembarca no Pecém, que desembarca no

Nordeste brasileiro. Nós temos uma rota de comércio que sai de Fortaleza, vai até Tabatinga, na

fronteira com Letícia, na Colômbia. Então, daqui, nós temos uma outra rota de comércio que vai

até Pacaraima, na Venezuela, que é uma cidade, de Roraima, na fronteira com Santa Helena, na

Venezuela, também é uma rota, quer dizer, você vai saindo, vendendo. É como que, eu vou

vendendo confecções, eu vou aqui, saio de Fortaleza, subo pra Venezuela, vou na reta pra

Colômbia e mais à esquerda, eu entro no Peru, vou até Cuzco. Então, de lá você desce com

produtos da região, você tem uma rota de comércio já regular, que funciona. É uma rota de

cearenses. Você tem cearenses lá no Peru, na Colômbia, na Venezuela e em todos esses estados

brasileiros que fazem uma rota de comércio intensa nessa região, que está integrada pelo Parlasul,

que às vezes fica meio incompreensível. “Mas, o que você tá fazendo mesmo no Parlasul? Eu tô

fazendo isso, amigo! Tô integrando o nosso estado com essa grande região” [...] O Nordeste é

uma das regiões que mais precisa do FOCEM. Então, você tem, nós temos vários projetos, por

exemplo, um projeto de uso dos recursos do FOCEM na região dos sertões de Crateús. Então,

porque? Porque aquela região está dentro de um território chamado território da cidadania no

sertão brasileiro, que é um território de uma região muito pobre, que merece todas as atenções do

Governo Federal e também do fundo de combate às assimetrias do MERCOSUL, que é o

FOCEM. Então, nós podemos aprovar brevemente. Porque no Brasil retardamos, quer dizer, os

projetos fortes que nós aprovamos no FOCEM relativos ao Brasil foram da UNILA, da

Universidade de Integração Latino-Americana, quer dizer, pra criação de laboratórios, biblioteca,

etc., da universidade que serve a toda a região latino-americana, mas nós podemos usar isso em

infraestrutura de água, de esgoto, de drenagem urbana, de construção de casas, de recuperação de

áreas ambientais, quer dizer, você pode canalizar esses recursos pra essa infraestrutura também no

nordeste (ARRUDA, 2012).

Inácio Arruda invariavelmente falou de uma integração necessária e extremamente

vantajosa para o Brasil e para a América do Sul como um todo. Não foi difícil identificar em sua

fala a perspectiva partidária na qual se insere. Sua visão acerca da integração sul-americana

reflete a perspectiva de que é interesse vital do país a promoção do desenvolvimento regional

equilibrado e de que ao Brasil só interessa crescer tanto econômica quanto politicamente se a

América do Sul assim também o fizer. Essa ideia estava nas palavras do Presidente Lula já no

primeiro momento em que se dirigiu à sociedade como presidente eleito em 2003. Em seu

discurso de posse, apresentado no capítulo II, Lula dizia ser a América do Sul o destinatário

dileto da ação de sua política externa e que, através das parcerias regionais, o Brasil contribuiria

diretamente para o crescimento e desenvolvimento da região.

O que, no entanto, ficou mais claro na fala do Senador que no discurso do Presidente,

talvez tenha sido o caráter comercial prioritário dado ao MERCOSUL mesmo no interior dos órgãos

políticos como o Parlamento e naquele que visa a diminuição das assimetrias regionais, como o

FOCEM. Dessa forma, a integração de mercados produtores e consumidores e a construção de uma

infraestrutura que possibilite essa interligação é pedra de toque das ações do Parlasul.

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5.3 Consultor Eugênio Arcanjo, consultor e cético

Francisco Eugênio Machado Arcanjo, cearense, é arquiteto e bacharel em Direito e

integra o corpo de consultores legislativos do Senado desde 1993, função na qual acompanhou

todas as reuniões do Parlasul desde o início de suas atividades, em 2007. A entrevista de quase

uma hora, foi concedida no dia 30 de julho de 2012, no café de uma livraria de Fortaleza. Na

ocasião, o consultor falou de seu envolvimento com o Parlasul desde o momento da idealização

do órgão, visto que compôs o grupo técnico responsável pela elaboração de seu Regimento

Interno (RIPM). Arcanjo (2012) relatou sobre a antiguidade da ideia de se criar uma assembleia

parlamentar no MERCOSUL, ressaltando que o bloco, desde o início, se propôs a desenvolver

uma integração política, social e cultural, além da econômica, ainda que, a ideia de um

Parlamento à época de Assunção e mesmo nos anos subsequentes soasse precipitada e além das

possibilidades reais de execução.

No tocante à iniciativa comum de transformar a Comissão Parlamentar Conjunta

(CPC), em um Parlamento e a liderança brasileira no processo de institucionalização deste,

Eugênio lembrou que o corpo de consultores legislativos brasileiro desde o início, por meio de

recomendações escritas ao Conselho do Mercado Comum (CMC), se manifestou a favor dessa

evolução institucional.

Se você for recuperar os documentos da Comissão Parlamentar, praticamente em toda reunião,

a cada seis meses, tinha uma moção para a criação de um Parlamento ou de uma Assembleia

Parlamentar. [...] O Parlamento era uma coisa muito ousada na época, na década de 1990. A

gente falava em Assembleia Parlamentar, fazia moções, pra ter um pouco mais de

representatividade. Foi o Lula que falou em Parlamento pela primeira vez, em 2003, num

discurso. Depois do que a gente fez, se você for recuperar os documentos da Comissão

Parlamentar, praticamente em toda reunião, a cada seis meses, tinha uma moção para a criação

de um Parlamento ou de uma Assembleia Parlamentar (ARCANJO, 2012).

O Parlamento Europeu (PE), primeira experiência de Parlamento de integração,

constante e, por vezes, erroneamente, é colocado como modelo institucional para o Parlasul. O PE

apresenta a possibilidade de exercício do poder decisório ao lado do Conselho da União Europeia

(CUE), órgão executivo da integração europeia, dessa forma, o processo de integração europeu se

pauta na relativização da soberania dos Estados, característica ausente no caso sul-americano. No

entanto, comparações tácitas entre os dois processos, suas instâncias parlamentares, se fazem de

forma precipitada e inevitavelmente colocando o Parlasul em posição desfavorável.

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Sobre as diferenças e semelhanças entre as duas casas parlamentares, Arcanjo (2012)

admitiu que, do ponto de vista regimentar, há semelhanças e mesmo o modelo do Regimento

Interno do Parlasul seguiu o molde do PE, no entanto, no tocante aos fins e às competências

institucionais, não se pode falar nem mesmo que há equivalência entre os dois órgãos. Segundo o

consultor,

O Parlamento Europeu é um referencial, sem dúvida nenhuma. Porque também é um

Parlamento, até aqui, bem sucedido. [..] Copiamos coisas do regimento da Europa, a regra da

proporcionalidade a gente fez baseada no Parlamento Europeu, que é por camadas de

população, e é sempre uma referência. [...] Mas essa é uma referência, não um modelo. Lá eles

participam da questão do orçamento, por exemplo. Então, não é um espelho. O MERCOSUL

tem um caminho muito próprio. É um caminho que combina saltos com paralisia. O

MERCOSUL não é uma coisa continua, ele realiza uns avanços e dá uma estacionada. É muito

parecido assim com a América do Sul, com a nossa região, complicada (ARCANJO, 2012).

Com a criação do Parlasul em substituição à Comissão Parlamentar Conjunta, a

questão da proporcionalidade da representação entrou na pauta de discussões do órgão. No

tocante à readequação das bancadas, o Consultor admite que os países menores estão sempre em

busca de levarem as votações para serem discutidas pelo consenso. Os países maiores, por sua

vez, tendem a serem favoráveis à decisão pelo voto da maioria. Dessa forma, no diálogo entre as

bancadas nacionais e no processo de tomada de decisão no âmbito do Parlasul, “a tendência do

Brasil e da maior parte dos delegados brasileiros é tentar fazer com que prevaleça o senso de

maioria, em vez de ser o consenso” (ARCANJO, 2012). Neste quesito o trabalho do corpo

consultores legislativos foi essencial para estabelecer um modelo de decisão para o órgão.

A gente tentou desde o Regimento botar regras de votação por maioria pra começar a dar cara

de Parlamento, na expectativa também de você formar as famílias políticas e a votar não de

acordo com a sua nacionalidade, mas de acordo com a sua ideologia, os seus interesses, mas há

muita resistência deles. A gente queria, inclusive há uma parte do Regimento que fala que há

uma parte das decisões da mesa são por maioria, e eles não aceitaram, e nessa reforma para

ajeitar a questão da proporcionalidade ele colocaram uma proposição para que se mudasse isso,

pra ser sempre por consenso. Então, praticamente não há grandes embates no Parlamento. Os

assuntos quando vão para o plenário, vão muito já consensuados, digamos assim (ARCANJO,

2012).

O próprio regimento interno teve sua redação inicial elaborado pelos consultores

brasileiros, “tem muitos problemas, claro, tudo encima de uma coisa que não existia na prática

ainda, tem muito de idealismo”, admite Arcanjo, mas é onde consta a essência do Parlasul, e ali o

Brasil escreveu seu nome em sua pedra fundamental.

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Questionado sobre a pretensão do órgão em abrigar a semente da cidadania do

MERCOSUL, o Consultor advertiu:

A cidadania não é um conceito ligado só ao Parlamento. Eu acho até que a gente vai ver que

está num momento de crise o Parlamento. A história do MERCOSUL sempre foi uma pretensão

muito além da só comercial e econômica. Em todos os documentos fundacionais, os fundadores

do MERCOSUL, sempre se falou de uma coisa mais além. Não vamos falar dos moldes da

União Europeia porque ele também tem um caminho muito próprio, de cada região, mas seria

assim, uma integração além da comercial, além da união aduaneira, seria também uma

integração com um caráter de supranacionalidade. Quando você tem instituições

supranacionais, você vai ter que ter direitos que são comuns a todos os povos da região, etc.

Então seria também nesse sentido, cidadania do MERCOSUL, como você fala hoje de

cidadania da União Europeia, analogamente. É nesse sentido, mas não só no Parlamento. O

Parlamento, claro, é a instituição mais política do MERCOSUL, que daria a cara da cidadania

do MERCOSUL (ARCANJO, 2012).

Ao retratar a condução dada ao processo de institucionalização do órgão, Arcanjo

relatou sobre o grupo técnico de Parlamentares e consultores legislativos que foi designado pelo

Brasil para redigir o Protocolo Constitutivo. Essa caraterística, segundo Arcanjo, foi inovadora.

Pelo primeira vez, ao invés do Itamaraty o documento como de costume faz com os tratados e

acordos internciaonais, delegou à CPC a tarefa de redigir o Protocolo.

Eu participei de algumas reuniões quando era no Brasil, das reuniões no Brasil, eu participava.

Mas ai essa comissão fez esse documento. Acabou tendo muita influência do pessoal do

Uruguai, não poderia quantificar assim agora quanto, mas o protocolo como ele ficou, ele

acabou, eu acho, incorrendo nesses problemas que estão acontecendo agora. Como ele criou

etapas muito rígidas: 2010 para ter eleição direta. Eu acho que se tivesse sido uma coisa flexível

o Protocolo, acho que teria condições de ter dado mais certo. A gente tinha uma minuta, que até

fui eu que redigi, que era assim: deixar a cargo de cada país organizar a sua eleição, o seu

calendário. Não exigia que fosse num prazo, não fechava o prazo, mas falava assim: depois que

o último país realizar eleições, você teria uma etapa de transição, ai depois você teria uma data

fixa, entendeu. A gente não fixava, não estabelecia uma data como ele ficou. Você viu o

Protocolo, como ficou a questão das eleições. Tinha uma etapa, até 2010 todos tinham que

realizar as eleições diretas, de 2010 a 2014, a segunda etapa de transição, de 2014 em diante,

era uma eleição na data do MERCOSUL. Então, eu acho que ficou um pouco irresponsável

(ARCANJO, 2012).

Em seu diagnóstico sobre a atual situação do Parlasul, Arcanjo se mostrou temeroso

diante da atual crise institucional, em grande parte provocada pela não realização das eleições

diretas como previa o Protocolo Constitutivo e que põe em xeque a legitimidade do órgão.

Eu acho que o Parlamento em si perdeu massa crítica pra demandar esse tipo de esforço

nacional, de fazer uma eleição. Sou eu que falo isso, ninguém mais fala. [...] Eu acho que tinha

que se repensar. O problema é que repensar implica em repensar o Protocolo e foi uma luta tão

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grande, uma conquista esse Protocolo. Abrir ele pra discussão agora, um documento

internacional, é temerário. O pessoal não aceita essa coisa de abrir um tratado pra discussão

novamente. [...] O processo legislativo tá muito caótico ainda no Parlamento, ele passou por

muitos problemas, as culturas parlamentares são muito diferentes. Isso é assim, uma coisa

impressionante, como altera. Coisas mínimas assim. No Brasil, um projeto de lei apresentado,

um projeto de norma no Parlamento, um Senador apresenta, ai é designado um relator, que ele

vai estudar aquele projeto e vai apresentar um parecer depois, na outra sessão. Nessa outra

sessão ele vai fazer um parecer, aceitando ou não o projeto de lei. Ou aceitando com emendas, e

apresentando uma ou outra versão, um substitutivo. Nos outros três países é assim: se você

apresenta um projeto de lei, esse projeto de lei chega na pauta da comissão. Não existe

legislação de relator. Todo mundo discute livremente. Eles vão discutindo o projeto sem um

relator. Depois que eles discutem bastante, “ah, acho que vamos fazer assim, devia ser assim”,

ai eles escolhem um relator, pro relator relatar (sic.) como é que foi a discussão e como deveria

ficar essa redação a partir da discussão. É assim que funciona. Isso é um exemplo de culturas

parlamentares diferentes. Então, é dificultável colocar isso no regimento. É muito difícil, tem

muitas questões de ordem diferente, etc. etc. Então, o processo legislativo [...] não se pode dizer

que é um processo legislativo. O processo, digamos assim, normativo no Parlamento ainda é

muito sem uma definição, sem um caminho próprio. Isso dificulta, essa é uma coisa que tem

que ser repensada também, essa coisa que eu falo de repensar a questão do Parlamento, tem que

pensar isso também, simplificar o Regimento pra talvez, uma maneira que se possa unificar

essas culturas parlamentares. Porque, na verdade, houve nesses dois anos e meio, se você for

analisar, muitas propostas. O Parlamento tem cinco ou seis tipos de proposições: Projetos de

norma, que é quando ele faz projeto de um tratado, de um acordo do MERCOSUL, pra mandar

pro Conselho; Anteprojetos de norma, que é quando ele faz uma sugestão aos Parlamentos

nacionais de cada país, quando o Parlamento faz isso: “Sugiro aos Parlamentos que estudem a

questão das drogas da seguinte maneira, com tais e tais linhas de ação”; Declarações, são mais

de cunho político: “Declaração sobre a crise no Paraguai”; Disposições, seria como se fosse as

resoluções do Senado, seria só pra questões administrativas internas, questões internas do

MERCOSUL, organização de Comissões, etc.; Pareceres, que são isso que eu falei sobre o

mecanismo de consulta, os Pareceres, esse nunca houve, é quando os países mandam um tratado

para negociação para pedir o Parecer do Parlamento e, se houver aprovação, esse tratado vai ter

tramitação rápida nos Congressos nacionais, que é uma coisa super legal e; Relatórios,

relatórios de Comissões especiais ou relatórios de Direitos Humanos, que são documentos, todo

ano o Parlamento teria que votar um relatório de Direitos Humanos. Então, se você for ver, tem

muitas propostas apresentadas nesse período ai. [...] Por esse aspecto, também por causa dessa

diferença de cultura parlamentar de cada país, porque eles não dão seguimento, ou esperam até

a outra reunião, como não tem o interesse político, então, muitas propostas ficaram no limbo, só

chegaram ao plenário algumas (ARCANJO, 2012).

Eugênio Arcanjo talvez tenha sido o mais cético em relação aos rumos tomados e ao

futuro do Parlasul. O consultor lembrou dos anos anteriores a assinatura do PCPM e do quão

importante foi a pressão da CPC no sentido de reclamar a sua promoção de Comissão

Parlamentar a Parlamento regional. No entanto, ao passo que o Parlasul foi instituído em 2005 e

começou a funcionar em 2007, houve uma desarticulação no sentido de dar prosseguimento ao

cronograma previsto no PCPM, atrasado em todas as fases de institucionalização.

Fatores que talvez expliquem esse atraso, para o consultor, são a desarticulação e as

diferenças entre as culturas legislativas e mesmo a falta de vontade política dessas casas

legislativas em interpor esforços em nome da institucionalização de um órgão legislativo sem

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poder legiferante. Ao mesmo tempo, a esfera executiva da integração, o Conselho e o Grupo do

Mercado Comum, não deseja dividir seus poderes com o Parlamento, por isso, mesmo que a ideia

de instituir um Parlamento tenha partido do CMC, implementar as competências do órgão será

um desafio.

5.4 Deputado Dr. Rosinha, o defensor do Parlasul

Florisvaldo Fier, ou Dr. Rosinha, é médico pediatra e começou sua vida profissional

nos postos municipais de atendimento de Curitiba, Paraná, onde entrou para a militância política

por melhores condições de vida para as comunidades que atendia na periferia da cidade. Em

1988, apoiado pelo movimento social e sindical, foi eleito vereador pela capital paranaense. Em

1990 foi eleito deputado estadual, sendo reeleito para o cargo em 1994. Em 1998, Dr. Rosinha foi

eleito deputado federal, cargo para o qual cumpre até dezembro de 2014 seu quarto mandato

consecutivo.

No início dos anos 1980, Dr. Rosinha participou da fundação do Partido dos

Trabalhadores, PT, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Nos últimos anos, foi

presidente e secretário-geral da Comissão do MERCOSUL do Congresso Nacional. Em 2007, foi

eleito vice-presidente do Parlasul e, entre junho de 2008 e fevereiro de 2009, exerceu a

presidência do órgão.

Dr. Rosinha talvez seja o parlamentar brasileiro mais ativo na defesa de uma instância

parlamentar no MERCOSUL. A ele se confere relatoria de vários documentos, dentre eles o

Protocolo Constitutivo e o Regimento Interno do Parlasul, nos quais o fortalecimento e a

promoção de uma “cidadania do MERCOSUL” aparecem com destaque dentre as missões

institucionais do órgão.

A entrevista aconteceu no dia 18 de junho de 2013 em seu gabinete na Câmara dos

Deputados, em Brasília. Pela conversa de aproximadamente uma hora de duração, apesar de ter

sofrido duas interrupções devido a compromissos institucionais do Deputado, pude perceber o

quão sensível é para o Congresso brasileiro o tema da regulamentação das eleições diretas ao

cargo de Parlamentar do MERCOSUL. Sobre a percepção e a recepção do Parlasul na Câmara

dos Deputados, Dr. Rosinha lembra o quão desafiador foi (e continua sendo) a defesa do projeto.

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Dr. Rosinha foi o principal negociador do Protocolo Constitutivo e do Regimento

Interno do Parlamento do MERCOSUL, primeiro acordo internacional negociado por

Parlamentos e, nesse caso, por um Parlamentar.

Primeiro eu fiz a negociação do Protocolo Constitutivo do Parlamento do MERCOSUL como

Presidente da nossa Comissão de representação, depois o Senador Sergio Zambiasi se tornou o

Presidente e ele me designou pra continuar a negociação. Então, feito isso e por essa própria

experiência, eu também fui designado, daí já com o Parlamento constituído, pra ser o relator do

Regimento Interno. É uma tarefa muito árdua, tanto uma como a outra. Árdua porque cada país

tem a sua cultura jurídica, a sua cultura política, jurídica, filosófica, e que tudo isso repercute

quando você vai fazer um Protocolo, quando você vai fazer um Regimento Interno. [...] Então,

eu acho que foi difícil e um aprendizado. Um aprendizado no sentido de respeitar a cultura,

principalmente jurídica do outro país e não sendo eu advogado, eu sou médico, eu acho que foi

árduo, não foi fácil não, foi bastante difícil. Até porque, dois países com culturas muito

diferentes que são Brasil e Argentina, e dois países considerados grandes no processo do

MERCOSUL. Então cada um, seja Brasil, Argentina, Uruguai ou Paraguai, cada um acha que a

melhor proposta, a melhor lei, o melhor projeto de regimento interno é o seu e que ele é

infalível no seu Parlamento. Quer dizer, cada um usa sua experiência nacional pra colocá-la

internacionalmente (ROSINHA, 2013).

Nesse momento, o caráter nacional das bancadas no Parlasul apareceu como tema

latente. Para o deputado, o ideal seria conseguir que os Parlamentares do MERCOSUL passem a

absorver a noção de representação dos cidadãos do bloco de forma geral, abandonando assim a de

uma representação nacional no âmbito regional. Colocar os interesses nacionais acima do

benefício global de todos os países é, na ótica do deputado, um dos motivos do atraso nas

discussões e decisões quanto aos objetivos prioritários para o Parlamento.

Cada um acha que está lá pra representar o país dele e ele vai lá pra fazer a disputa de que o que

o meu país defende é melhor que o do outro. Primeiro eu quero chamar atenção que o

Parlamento deveria colocar quase que em latência o debate das relações comerciais, da disputa,

não das relações, da disputa comercial. Eu acho que o Parlamento não é pra debater a disputa

comercial. Se eu for discutir alguma coisa na área comercial, eu tenho que discutir a sinergia na

produção e nas relações comerciais, de como todos os países podem ganhar e não com a

disputa. Porque eu tô falando isso? Porque quando ele vai, ele vai com a ideia nacional, então,

se ele vai com a ideia nacional, ele com a ideia da disputa e, principalmente comercial, por isso

que eu tô dizendo isso. Então, ele não deveria ir com essa ideia do nacional, do comercial e sim

com a ideia da integração. Na integração eu vou discutir sinergia, eu não vou discutir disputa.

Segundo, não há uma cultura política de MERCOSUL. A ideia de sempre da disputa comercial

não criou a ideia política de que integrados nós somos maiores. Maiores em que sentido? De

buscar soberania no exterior com a integração. Maior no sentido de termos uma cidadania mais

presente dentro do próprio MERCOSUL. Maior no sentido de respeitar porque se eu conheço a

cultura de um povo, eu respeito esse povo, se eu não conheço a cultura de um povo, jamais vou

respeitá-lo, porque o diferente eu só vou respeitá-lo quando eu conhecê-lo. Então, eu acho que o

Parlamento tem uma quantidade enorme de coisas pra se preocupar, e ai nós teríamos que

construir famílias políticas com alguma identidade. Eu não tenho que votar em tudo que um

brasileiro acha que eu tenho que votar ou que um Parlamentar do Brasil quer votar. Eu tenho

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que votar naquilo que um grupo de Parlamentares dos quatro, cinco ou de todos os

Parlamentares do bloco, entenderem como positivo para o bloco. Então eu não vou lá pra

fomentar a disputa, eu vou lá pra construir a integração e essa construção só é possível com

famílias políticas (ROSINHA, 2013).

Quanto ao exercício da cidadania segundo o deputado, um desses mecanismos seria a

própria Comissão de Direitos Humanos do Parlamento do MERCOSUL que, ao legitimar a

fiscalização recíproca entre os países do bloco, oferece uma oportunidade de controle mesmo

sobre os governos nacionais.

Eu não posso como deputado do Brasil ir para o Paraguai ou qualquer outro país e dizer que

eles estão desrespeitando os Direitos Humanos, agora como Parlamentar do MERCOSUL, eu

tenho a obrigação. Ao mesmo tempo em que eu ganho respeito ao constatar irregularidade, ou

mesmo que não constate, com a posição, eu indo até lá, eu ganho o respeito e aquela pessoa que

fez a denúncia ou aquele grupo que fez a denúncia, também vai passar a reconhecer no

Parlamento: “olha, realmente o Parlamento veio, o Parlamento mudou minha vida, eu hoje

tenho meus direitos respeitados, que é o que eu espero”. Então é uma outra... A outra, que

também é questão de Direitos Humanos, é o direito de ir e vir. Eu não posso, num processo de

integração, ter fronteiras, as fronteiras elas têm que ser borradas, e o Parlamento tem esse papel

pra construir essa postura de borrar essas barreiras. Há também no Parlamento o Observatório

da Democracia. Houve um golpe de Estado no Paraguai, um golpe que eles dizem

constitucional, mas foi um golpe, através do Parlamento deles. O Observatório da Democracia

estava desativado, porque o Parlamento está desativado. E depois, os processos eleitorais no

MERCOSUL, o Observatório tem que acompanhar, não só ai, aonde ele for convidado. Os

processos de negociação dos acordos, porque em acordos internacionais, eu posso perder

cidadania. Por exemplo, o Acordo Tríplice, que o mundo todo assinou, o Brasil assinou, eu

perdi a cidadania de ter medicamento mais barato, de ter uma produção nacional mais

qualificada, porque um acordo internacional roubou isso do povo brasileiro. Então, o

Parlamento, cumprindo o Protocolo tem a obrigação de acompanhar todos os acordos

internacionais. Porque um acordo é uma lei depois de aprovado nos Congressos Nacionais. Eu

não posso permitir que um acordo roube o meu direito de cidadania. E o Protocolo, no artigo 4o,

inciso XII, se não me falha a memória, estabelece um processo de negociação, aonde os

acordos, antes de serem aprovados pelo poder Executivo, têm que passar pelo Parlamento do

MERCOSUL. Então, esses são instrumentos que podemos construir a cidadania, além, é lógico,

de outros instrumentos da política, como, por exemplo, um movimento social reivindicando

direitos e o Parlamento ou alguns Parlamentares podem ir até lá dar o apoio, porque são direitos

que, as vezes, a pessoa não tem no dia-a-dia. Então, o Parlamento é um instrumento político, ele

não é um instrumento de construção de leis. [...] O Parlamento não vai dar a cidadania, ele é um

instrumento a mais para conquistá-la. Porque ali é o local onde vai ocorrer o debate político. E o

Parlamento pode ajudar (ROSINHA, 2013).

Ao refletir sobre o envolvimento do Brasil no MERCOSUL, o deputado apresentou

sua visão de que a reaproximação do país ao bloco somente se deu de fato com a chegada de Lula

da Silva à presidência.

Quando o Lula assumiu a Presidência do Brasil, em 2003, o MERCOSUL tava esquecido,

ignorado. E naquele momento todos os países da América do Sul estavam com uma profunda

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crise econômica, financeira e uma crise social e precisava dar resposta a isso. O povo não

confiava nos seus governantes, por isso veio Kirchner, veio Lula, veio Chávez, veio Lugo, e

Tabaré Vasquez, porque o povo já não confiava mais. Esses governantes assumem um Estado

falido, sem capacidade econômica-financeira. Essa capacidade econômica-financeira não só

passa por política interna como por política externa e, na política externa, cada país desse

individualmente não tinha como fazer. Então, o MERCOSUL passou a ser estratégico na

política externa e articulando na política externa, foi através do MERCOSUL e uma articulação

mais ampla na América do Sul, que se conseguiu dar um não à ALCA. Foi isso que acabou

dando um não, e acabou que daí passou a se traçar estratégias de negociação, seja comercial,

seja de inserção política, através do MERCOSUL. Então, o MERCOSUL ele é estratégico hoje,

continua sendo. Eu acho que ele não está tendo capacidade de formulação, de definir uma

política que é estratégica. [...] Ele formulou um período, deu resposta nesse período, vamos

dizer, de seis anos, até o primeiro ano do governo Dilma, depois ele perdeu essa capacidade, até

porque aprofundou a crise econômica mundial, então aquela estratégia inicial ela sentiu impacto

e tá respondendo muito lentamente à estratégia dos BRICS, onde o Brasil se inseriu. Mas,

quando o Brasil se insere, o problema é ele não poder fazer acordos separado do MERCOSUL,

que atinja, que agrida a Soberania dos outros países, é praticamente o MERCOSUL que passa a

funcionar dentro dos BRICS. Porque eu não posso assinar um tratado de livre comércio com a

África, nem com a Índia, nem com ninguém, eu só assino se levo junto o MERCOSUL. Agora

então, mesmo que vá só o nome do Brasil, é uma inserção do MERCOSUL no processo, pelas

amarras que têm (ROSINHA, 2013).

Considero a conversa com Dr. Rosinha o ponto alto da defesa do Parlasul e da

importância de um espaço democrático na integração sul-americana levada a cabo pelo

MERCOSUL. O deputado em todos os momentos demonstrou “vestir a camisa” e “comprar a

ideia” do Parlasul.

No dia da entrevista o deputado tinha marcado um debate com parlamentares do

Partido Democrático Social (PDS), na Câmara dos Deputados. Na ocasião, o tema a ser debatido

era justamente o projeto de lei que regulamenta as eleições diretas ao Parlamento do

MERCOSUL no Brasil. Trata-se de um projeto substitutivo do Projeto de Lei (PL) 5.279/09, de

autoria do Deputado Federal Carlos Zarattini (PT-SP), que, por sua vez, não foi aprovado a

tempo de ser sancionado e incorporado ao processo eleitoral de 2010.

Durante o debate, talvez mais que durante a entrevista, pude perceber o quão sensível

é o tema do Parlasul no Congresso brasileiro. Dr. Rosinha falou da importância deste para o

processo de integração e apresentou o PL a ser apresentado à votação em plenário, mas, logo

começou a ser interpelado por questões de ordem prática, e a meu ver, sintomáticas.

Os parlamentares lhe perguntavam sobre a competência decisória e, ao saberem de

sua impossibilidade, o questionavam sobre a relevância de um Parlamento de consultoria e mero

acessório dos órgãos decisórios do MERCOSUL. Ao saberem que, com a aprovação do PL que

se lhes apresentava, se extinguiria o duplo mandato, como hoje acontece, a preocupação passou a

ser com a recepção do projeto pela imprensa brasileira. A ideia era a de que aprovar a criação de

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mais 34 cargos parlamentares e, com eles, toda uma equipe de assessores, além de verba de

gabinete, inevitavelmente viria colaborar para uma imagem negativa acerca do Congresso

brasileiro. De onde sairiam os recursos para suprir os gastos desses parlamentares? Ecoaram as

vozes... “Do orçamento da Câmara dos Deputados, do Senado”, respondia Dr. Rosinha.

O desconhecimento do órgão e, principalmente, a preocupação com a imagem do

Congresso como instituição e dos Parlamentares como ocupantes e futuros candidatos a cargos

eletivos, naquele momento, suprimiu qualquer tentativa de angariar votos favoráveis à proposta.

Quando voltamos para a segunda parte da entrevista, o horizonte de meus

questionamentos parecia ter-se aberto consideravelmente. Observando o desconhecimento dos

Parlamentares sobre a integração, o Parlasul e os acordos assinados pelo Brasil nesse campo,

dizia ao Deputado que por muitas vezes, ao falar sobre tema de pesquisa, tinha que explicar o que

era, desde quando existia e que teriamos, num futuro bem próximo que escolher nossos

representantes.

Dr. Rosinha (2013) afirmou compartilhar da mesma impressão:

No início foi ignorado, ninguém sabia de nada, peguei a relatoria desse projeto e trabalho com

ele desde o começo. No entanto, não há uma consciência política dos Parlamentares sobre o

MERCOSUL, sobre a eleição, e há uma resistência à lista e uma resistência ao financiamento

público. [...] Há uma preocupação muito mais com a imprensa do que com o orçamento. Não é

uma questão orçamentária. A Câmara dos Deputados tem orçamento suficiente. Na minha

opinião, bem disciplinada, bem trabalhada, tem orçamento suficiente pra ter mil Deputados,

tendo a mesma despesa que hoje tem.

Sai da Câmara dos Deputados com a impressão de que o debate me fora mais

esclarecedor que a entrevista em si. Ambos foram valiosos para a pesquisa, mas certamente, o

debate me dera, mesmo que superficialmente, uma visão geral acerca do esforço empreendido

pelo Deputado na defesa do Parlasul. A impressão mais alarmante foi a de que o Parlasul seria

desconhecido até mesmo no Congresso brasileiro.

5.5 Consultora Maria Cláudia Drummond, decana do MERCOSUL

Maria Claudia Drummond é graduada em Direito, mestre em Ciência Política e

doutora em História. Além de consultora legislativa do Senado brasileiro, Maria Cláudia é

pesquisadora associada à Universidade de Brasília (UnB), onde leciona disciplinas ligadas à

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política da integração regional no Instituto de Ciência Política (IPOL). A entrevista de

aproximadamente uma hora aconteceu numa sala do prédio anexo do Senado Federal em Brasília,

no dia 19 de junho de 2013.

A importância de Maria Cláudia não só para o Parlasul, mas para o envolvimento da

esfera legislativa brasileira no MERCOSUL, de maneira geral, é incontestável. Seu nome foi citado

por todos os entrevistados, que a definiram como uma referência no tema da integração sul-americana

no Congresso brasileiro. Na consultoria legislativa do Senado, Maria Cláudia trabalha com o

MERCOSUL desde a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991. A consultora trabalhava

diretamente com os representantes brasileiros da CPC, tendo colaborado na elaboração do Regimento

Interno. Compôs ainda o grupo técnico designado pelo Brasil para trabalhar na elaboração do texto do

Protocolo Constitutivo e do Regimento Interno do Parlamento do MERCOSUL. Sobre seu

envolvimento com o processo de integração sul-americana, a consultora esclarece:

Na verdade, antes mesmo do Tratado de Assunção, eu me interessava muito pela integração:

integração europeia. [...] Quando começou o MERCOSUL, em 1991, criou-se a figura da

Comissão Parlamentar Conjunta, e os parlamentares estavam meio perdidos, sem saber como

atuar, e qual seria a atuação deles. Então, o presidente da Comissão Parlamentar Conjunta do

MERCOSUL, que na época era o Senador Dirceu Carneiro, me convidou para acompanhar o

MERCOSUL, pra ajudar no acompanhamento, e foi assim que eu comecei a me interessar pelo

MERCOSUL e acompanhar de perto. Até porque eu participei da redação do Regimento

Interno da Comissão Parlamentar Conjunta. Ainda era só Comissão, mas tinha um Regimento

Interno, então daí é que veio o meu interesse e eu não larguei mais o tema porque acaba sendo

uma coisa natural, porque os outros Senadores sempre me demandavam e os presidentes da

Comissão Parlamentar Conjunta seguintes, depois do Senador Dirceu Carneiro, também me

pediam consultoria, faziam demandas, trabalhos, etc. (DRUMMOND, 2013).

Maria Cláudia tornou-se uma espécie de especialista em MERCOSUL no Senado.

Vinham até ela os parlamentares interessados em obter maiores informações sobre suas

possibilidades de ação ou mesmo como aprofundar a dimensão parlamentar do MERCOSUL.

Contudo, como mesmo admite a consultora, o desconhecimento sobre o então órgão parlamentar de

representação dos Estados-partes, por vezes, gerava desinteresse por parte dos Parlamentares. Com

relação ao interesse gerado por uma instância parlamentar no bloco, Drummond (2010) revelou que,

por se tratar de um tema ainda pouco palpável à realidade dos cidadãos, o assunto, a priori, não era

considerado pelos parlamentares como um bom angariador de votos, parte por ignorância sobre a

função do órgão, parte por falta de tato ao vislumbrar um horizonte de ação real.

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No início, como os parlamentares não tinham nenhuma noção do que fosse o MERCOSUL, e

além disso, o MERCOSUL começando ainda, então, uma coisa muito incipiente, e também

como os parlamentares não tinham o hábito de acompanhar a política externa, houve um

desinteresse, porque eles não sabiam pra quê que aquilo servia, a Comissão Parlamentar

Conjunta, e nem o que eles deviam fazer. [...] Porque a ideia no início era a seguinte: política

externa não dá voto, então eles não tinham muito interesse. Mas depois, quando o MERCOSUL

ficou mais importante, e houve números favoráveis nas exportações brasileiras e, com isso, os

próprios empresários começaram a procurar os parlamentares, empresários e outros setores que

se julgavam afetados pelo MERCOSUL, ou que queriam favorecer o MERCOSUL, estimular,

dependendo do interesse deles, o assunto começou a ficar mais presente no Senado e, de uma

maneira geral, o que se vê aqui no Senado, e na Câmara também, é que os Parlamentares são

favoráveis ao MERCOSUL. É muito difícil você encontrar um discurso contrário ao

MERCOSUL, todos eles são favoráveis por princípio: favorecer a integração regional. Agora,

nem sempre eles são favoráveis ao aprofundamento do MERCOSUL como ele está. Alguns, a

oposição geralmente, falam em um regresso à área de livre comércio, principalmente agora com

as dificuldades com a Argentina. Mas, não falam contra a instituição Parlamento do

MERCOSUL, há um desejo de participar. E com a importância maior que o MERCOSUL foi

assumindo, o que houve aqui, e isso é bastante interessante, foi que começou a haver uma

disputa, entre os parlamentares para serem indicados pelos partidos pra participar do

Parlamento do MERCOSUL. Então, isso foi uma mudança de paradigma e hoje já se conhece o

Parlamento (DRUMMOND, 2013).

Entretanto, mesmo com essa mudança de paradigma quanto ao reconhecimento da

importância de uma instância parlamentar no MERCOSUL, os parlamentares brasileiros, ainda

hoje, desconhecem principalmente as competências do órgão. Drummond (2013) admite que

É verdade que eles não sabem muito, não se aprofundam muito naquilo que o Parlamento pode

fazer. Eles não sabem muito bem quais são as competências, o quê que pode vir dai e, as vezes,

eles se decepcionam. Por exemplo, quando os técnicos, consultores, dizem a eles, “olha, o que

os senhores vão votar no plenário do Parlamento do MEROCSUL, não vai ser uma lei, o

Parlamento do MERCOSUL não tem a competência de legislar”, eles se decepcionam, mas

depois eles veem que o Parlamento pode fazer pressão no Executivo e que pode inclusive atrair

a sociedade civil pra tentar influenciar o processo por meio do Parlamento.

A questão da (ou falta da) competência decisória em grande parte é responsável pelo

Parlasul ser deixado em segundo plano na pauta de discussão dos Parlamentares brasileiros.

Questionada sobre o horizonte político de atuação do Parlasul, Maria Cláudia se diz otimista

mesmo dentro das possibilidades limitadas que o órgão tem hoje.

O que nós temos que fazer é implementar as competências que não estão implementadas ainda.

Porque a competência mais importante do Parlamento do MERCOSUL, por meio da qual ele

pode influenciar o Executivo, é aquela do art. 4º inciso 12, a competência consultiva, que diz

que durante a negociação de uma norma pelo Executivo, ele consulta o Parlamento, o que viria

como um projeto. O Parlamento emite um parecer. Se aquela norma for aprovada e finalmente

assinada pelo Executivo de acordo com o parecer do Parlamento, ela vai ter uma tramitação

mais rápida dentro dos Congressos nacionais. Agora, se não for de acordo, então ela vai ter o

que nós temos hoje, uma tramitação mais demorada, uma tramitação que, às vezes, leva dois

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anos. Isso depende de alguns mecanismos: um deles é que dentro dos parlamentos nacionais se

crie uma via rápida para essas normas que foram aprovadas de acordo com o parecer do

Parlamento do MERCOSUL. O Brasil foi o único que criou essa via rápida até agora, que foi

definida pela resolução No 1/2011. Essa resolução inclui a representação brasileira na

tramitação de todas as normas de interesse do MERCOSUL, todas que chegam aqui têm que ser

submetidas à representação brasileira primeiro, é o primeiro órgão que emite parecer sobre

essas normas. Então, isso é um up grade, podemos dizer assim. Porque antes a Comissão

Parlamentar Conjunta não tinha representação nenhuma no Congresso Nacional, agora tem

(DRUMMOND, 2013).

Diante de tantos desafios institucionais, que vão desde o não cumprimento do

cronograma previsto pelo Protocolo Constitutivo até mesmo a desconfiança ou descrença por

parte dos parlamentares brasileiros quanto à utilidade de um Parlamento sem capacidade

legislativa própria, o tema da cidadania apareceria como um horizonte turvo e pouco visível. Ao

falar sobre as possibilidades de promoção e de conquistas cidadãs no âmbito regional, Maria

Cláudia é otimista ao apontar possibilidades de inflexão cidadã para os países do bloco.

Houve algo que eu achei interessante que foi o estatuto das Cooperativas. Daí que eu percebo é

que alguns setores conseguiram se organizar em nível regional, em nível de MERCOSUL, um

deles é o setor das cooperativas. Outro setor é o das mulheres, reunião de mulheres do

MERCOSUL que existe. Outro setor é na área de educação, que eles costumam fazer lobby, já

foram ao Parlamento a favor do reconhecimento automático de diplomas, que não está

funcionando e eles conseguiram formar esse lobby transnacional (DRUMMOND, 2013).

Uma questão conjuntural, talvez a única de forma comum dirigida aos quatro

entrevistados, sobre a percepção do MERCOSUL enquanto projeto político e econômico do qual

o Brasil, na condição de sócio majoritário, quando não tem a iniciativa em projetos nos campos

social, político ou cultural, de maneira geral, participa ou apoia a dos demais sócios. A consultora

enxerga o bloco como essencial para a inserção internacional do país, mas, para além do

tratamento estratégico da política externa brasileira, é preciso ter em mente as implicações tanto

econômicas, quanto no tocante às políticas sociais nos países envolvidos. Para isso, a perspectiva

que se tem do MERCOSUL tem que mudar. Nas palavras de Drummond (2013).

O MERCOSUL é mais estratégia do que vontade política. É uma estratégia de inclusão no

mundo, no cenário internacional e eu também acho que ultimamente tem sido uma estratégia de

desempenhar um papel de liderança na América do Sul, embora o Brasil nunca tenha querido

um papel de liderança semelhante ao que os Estados Unidos da América desempenha. O Brasil

sempre foi muito discreto, muitas vezes até deixando a desejar, porque os outros países do

MERCOSUL esperam essa liderança e, às vezes, o Brasil se omite em alguns momentos. O

MERCOSUL seria uma vertente de inserção na ordem internacional, a outra vertente são as

relações Brasil-África, que o Brasil também tem cultivado muito. [...] Outra vertente, pra falar

se é uma estratégia ou não: eu acho que é uma estratégia, a vontade política tem sofrido porque

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eu não vejo tanta vontade política ultimamente, e em terceiro lugar, é preciso que o

MERCOSUL seja encarado como uma política pública, porque ele impacta em tudo, ele

impacta em todos os setores, da economia até setores sociais. Então, eu acho que falta essa

visão. Ao invés de ver o MERCOSUL como uma iniciativa de relações exteriores apenas, tem

que ver que é uma iniciativa de integração e que há um impacto grande nisso. Até mesmo a

mentalidade do país tem que mudar quando você tá num processo de integração.

A conversa com Maria Cláudia foi muito rica de conteúdo, de uma visão global

consciente dos problemas a serem enfrentados para que o Parlasul consiga ser ágil no

cumprimento de suas atribuições institucionais e efetivo na promoção da cidadania na região,

mas, acima de tudo a fala da consultora foi de defesa da instituição. A liderança do Brasil na

região traz consigo a responsabilidade de condução do processo. Uma condução aberta à

participação dos demais, que “esperam isso de nós”, disse ela.

No tocante ao Parlasul, os temas levados para discussão e nesse sentido as legislações

mais avançadas de cada país podem ser propostas para adoção pelos demais, via apresentação e

discussão no Parlamento. No entanto, um entrave para a completa institucionalização do órgão,

segundo Maria Cláudia, e que, inclusive, provém de uma ignorância quanto à sua validade para a

integração como um todo, é a ausência ou a recusa em pensar políticas públicas comuns para os

países do MERCOSUL. Embora os esforços em prol da integração tenham-se intensificado nos

últimos anos com claros reflexos, inclusive na sua estrutura institucional, no contexto do qual o

Parlasul foi um dos resultados, a consultora considera que o processo em si tem, nos últimos

anos, sofrido de uma falta de vontade e entusiasmo quanto a dar prosseguimento ao que preveem

os acordos.

5.6 Percepções acerca das falas

Pretendi entender o Parlasul e sua missão de semear e fortalecer a cidadania no

MERCOSUL através das falas de alguns atores intimamente ligados ao órgão. Mesmo seguindo o

modelo semiestruturado, que permite estabelecer pontes exclusivas e personalizadas com cada

entrevistado, de modo a melhor perceber o sentido de suas falas, um ponto fiz questão de indagar

a todos os “atores” da pesquisa: sua opinião sobre o papel do MERCOSUL na defesa dos

interesses do Brasil, mesmo diante de órgãos políticos e sociais, que assumem a missão

institucional de zelar pelo desenvolvimento equilibrado e pela cidadania no bloco.

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Perguntados sobre esse caráter estratégico do MERCOSUL para o Brasil, todos os

entrevistados não hesitaram em afirmar que o envolvimento do Brasil no bloco, quer econômico,

quer político e social, é vantajoso para o país e essencial para a região. Enquanto, os

parlamentares defenderam o Parlasul como instância por excelência de defesa dos direitos de

cidadania no MERCOSUL, os consultores, com uma perspectiva mais técnica e limitada às

possibilidades jurídicas, apresentaram os entraves e inconsistências do órgão.

Na fala de ambos os consultores pude observar uma clara percepção acerca das

diferenças entre as culturas parlamentares dos países envolvidos, o que vêm a dificultar a ação do

Parlasul no tocante a sua função de harmonização legislativa. A falta de visão global por parte

dos parlamentares e a insistência em enxergar o Parlasul como instrumento de barganha dos

interesses nacionais, por sua vez, foram por todos denunciadas como fator de atraso mesmo

quanto à a organização dos grupos políticos dentro do órgão.

No tocante ao exercício da cidadania, para os Parlamentares, assim como para os

consultores, o estabelecimento de um fundo de previdência comum, a validação de diplomas

universitários e os acordos de harmonização das legislações migratórias por todos os países do

bloco, ainda que alguns campos limitem-se por ora ao campo das aspirações, são hoje as áreas de

inflexão mais significativas.

Neste quesito, ambos consultores chamaram atenção para a que consideram a

competência mais importante do Parlamento do MERCOSUL, a competência consultiva disposta

no artigo 4º, inciso 12 do PCPM, que diz que durante a negociação de uma norma pelo

Executivo, ele consulta o Parlamento como forma de obter a chancela das populações

representadas pelos parlamentares da casa.

O horizonte institucional do Parlasul é limitado. Do ponto de vista dos tratados, não

se pode pensar ainda em uma instância legislativa e legiferante acima dos Estados nacionais entre

os países do MERCOSUL. No Brasil, por exemplo, a Constituição impede a criação de leis acima

da esfera da União e os acordos internacionais assinados pelo Brasil apenas ganham caráter legal,

após serem aprovados por maioria qualificada no Congresso Nacional. Para dar ao Parlasul a

desejada competência legislativa plena, seria, então, necessário uma emenda à CF/88.

Segundo os entrevistados, a competência decisória, entretanto, não é uma ideia a ser

descartada. A comparação com o Parlamento Europeu nesse momento foi inevitável. O PE

começou suas atividades com poucas competências dentre as quais não se incluía a criação

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legislativa. Com 55 anos de existência o PE funciona em regime de co-decisão ao lado do Conselho

da União Europeia e tem, dentre outras, a função de aprovar o orçamento do bloco, que envolve

hoje 28 países europeus. Os 754 parlamentares têm mandato de cinco anos.

Todos os entrevistados ressaltaram, ainda, a necessidade de implementar as

competências do órgão e afirmaram o desejo de que o Parlasul tenha num futuro próximo a

competência decisória, senão para estabelecer leis de comum aceitação, pelo menos de

influenciar de forma mais efetiva o processo decisório no âmbito do bloco.

Quando se lança uma análise sobre o Parlamento, o conteúdo da atividade do órgão

adianta um claro destaque dado aos temas concernentes à melhoria da interação entre as cadeias

produtivas e da estrutura viária para a livre circulação dos fatores de produção entre os países do

bloco. Nesse sentido, as regiões fronteiriças são igualmente bastante mais sensíveis ao processo de

integração que aquelas afastadas das fronteiras entre os países do bloco.

É por meio de iniciativas nos campos educacional, cultural e das comunicações, que o

Brasil imprime sua identidade no processo de integração de forma geral. Exemplo disso, o país

foi escolhido para sediar a Universidade da Integração Latino-americana (UNILA), instituída em

2007 em Foz do Iguaçu, Brasil, que, ainda que esteja localizada na região da tríplice fronteira (tão

cara e simbólica para o projeto de integração sul-americana), obedece uma política que

claramente defende a interesses do país, a começar pela priorização dos cursos que venham a

defender os interesses da nação na integração sul-americana, e principalmente a reserva do maior

número de vagas aos cidadãos brasileiros. Outro eixo-chave da UNILA é o desenvolvimento do

setor energético, para o qual oferece um curso de especialização (Lato Sensu) em Energias

Renováveis com ênfase em Biogás. Percebe-se, então, um claro direcionamento dado ao projeto,

mesmo naqueles setores a priori autônomos em relação à esfera econômica.

Como plataforma de discussão de projeto a serem levados ao CMC o Parlasul apresenta

uma possibilidade, embora, por ora, pouco perceptível, visto que no limite de sua competência

consultiva, suas propostas de normas não são de caráter vinculado, ou seja, não implicam obrigação

para os órgãos executivos do bloco. A importância de uma instância parlamentar que funcione como

plataforma de absorção das demandas cidadãs, no entanto, aparece como única possibilidade no

horizonte da integração regional. Nesse sentido, dar prosseguimento ao cronograma previsto no

PCPM torna-se urgente para a própria sobrevivência do órgão, implementar suas competências,

imprescindível para desenvolvimento da cidadania no MERCOSUL.

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A principal razão do Parlasul não abrigar competências decisórias advém do fato da

integração proposta pelo MERCOSUL não permitir que as capacidades legislativas sejam

transplantadas para a esfera transnacional, cabendo exclusivamente aos órgãos legislativos

nacionais. Este desenho institucional, por sua vez, se deu porque o MERCOSUL foi concebido

como uma integração de caráter multilateral, em que toda a estrutura institucional do bloco obedece

a um processo decisório intergovernamental e, portanto, não gerador de direito comunitário.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Corroborando a ideia de que as experiências modernas de cidadania nasceram e

acompanharam o desenvolvimento do sistema capitalista que, por sua vez, abrigou em seu seio

também o florescimento dos Estados nacionais, as experiências de cidadania na América Latina

inevitavelmente foram afetadas pelo modo como seus países foram inseridos nessa nova

dinâmica política. O fato de terem sido, sem exceção, colônias de exploração, fez com que as

futuras repúblicas entrassem no jogo capitalista já em posição de desvantagem.

Ao livrarem-se das amarras coloniais, os países latino-americanos tiveram que lidar

ainda com a potência que se encontrava, então, em sua fase de grande desenvolvimento

industrial. Não apenas econômica, mas também política e ideologicamente, no final do século

XIX, os EUA vivenciavam um período expansão, com a difusão de seus valores e

principalmente, imprimiam sua personalidade interventora na região.

Durante boa parte do século XX, as iniciativas de integração e-ou concertação que

envolveram os países da América Latina, via de regra, foram modelos proforme implementados

de fora para dentro e, por isso mesmo, não refletiam os interesses e tampouco fomentavam a

autonomia da região perante a comunidade internacional, quer política, quer economicamente.

Nesse contexto, plataformas como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Comissão

Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (BM), viriam a congregar os países da região sob um

projeto alheio, que apenas fomentaria a manutenção de uma condição de subjugo.

Foi assim que, através de compromissos que, inevitavelmente, afetavam campos

estratégicos para o desenvolvimento desses países, como educação, reforma agrária,

desenvolvimento da indústria e balança comercial, essas agências capturaram qualquer tentativa

da região de ensaiar uma maior autonomia em relação às potências mundiais, sobretudo Europa e

EUA. Seguindo essa lógica de predomínio dos interesses externos sobre os internos, as agências

multilaterais mantinham incólumes os interesses das potências e impraticável qualquer tentativa

de autonomia entre os países da região.

Entretanto, se no período colonial Espanha e Portugal funcionaram como válvulas

propulsoras para as primeiras iniciativas de concertação entre os países da região, no final do

século XX, o combate à influência e à intervenção dos Estados Unidos funcionariam como

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bandeira sob a qual os países voltariam a se reunir. Nesse sentido, além do rechaço à Área de

Livre Comércio das Américas (ALCA), as iniciativas regionais que se sucederam (União de

Nações Sul-Americanas-UNASUL, Aliança Bolivariana para a América-ALBA, aprofundamento

do MERCOSUL) vieram a inaugurar um período de insurreição cuja autonomia para traçar seu

próprio destino figura como a principal bandeira.

Como destinatário prioritário da política externa do Brasil na última década, o

MERCOSUL, passando por uma reconfiguração de suas diretrizes, que abriu a cartela de atuação

aos campos político, social e cultural, mais do que reflexo da retórica de diplomatas e

governantes, representa uma significativa guinada regionalista.

Enredado com os vizinhos desde as disputas pela definição de suas fronteiras, esse

desejo de comunhão com os vizinhos é uma inovação; o Brasil, inclusive, há muito sofre acusações

de tentar exercer uma espécie de subimperialismo na região. No período pós-independência, sua

preferência pela metrópole colonizadora, seguida pelas parcerias bilaterais com os EUA,

retardaram o estreitamento dos laços com os vizinhos em mais de um século. A proximidade e

amizade do Brasil com os países sul-americanos, dessa forma, é uma construção social, histórica e

diplomática recente. Menos de dois séculos atrás estávamos estrategicamente voltados para o além

mar, preferindo nos espelhar na Europa à assumir uma identidade latino-americana.

O discurso diplomático da não-intervenção, que historicamente marca a postura do

país e o promove internacionalmente como aquele “gigante amigo", disposto a intervir desde que

expressamente solicitado e, no caso da integração sul-americana, carrega quase que integralmente

às suas expensas o projeto regional, pode entretanto, revelar alguns dos interesses estratégicos do

país na conformação de seu plano de desenvolvimento político e econômico na região. Do

mesmo modo, a mudança de postura do Brasil com relação ao MERCOSUL pode lançar luzes

sobre os múltiplos vieses que corroboraram para a construção da identidade internacional do

Brasil nas primeiras décadas do século XXI.

De fato, no último decênio, a região tornou-se dileta nos planos de expansão da

influência do Brasil. Na contra-mão de sua forte característica de exportador de produtos

primários, a balança comercial do Brasil no MERCOSUL é marcadamente de produtos

industrializados, sobretudo, automóveis, fármacos, alimentícios, celulose, construção civil e

metalurgia. Além disso, como importante credor dos países vizinhos, o Brasil financia obras de

infraestrutura e desenvolvimento em todos os países do MERCOSUL.

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O FOCEM, a exemplo disso, como fundo de investimento para obras de

infraestrutura no MERCOSUL, embora conte com um orçamento irrisório para o porte dos

projetos a que se dedica (U$100 milhões/ano), funciona como um catalizador de clientes para o

nosso BNDES, garantindo ao Brasil clientes cujo desenvolvimento se torna extremamente

interessante aos planos de expansão da influência do país na região.

A edificação de uma estrutura que facilite o trânsito tanto de pessoas quanto, senão

principalmente, de mercadorias entre esses países é imprescindível para a manutenção de

mercados interligados. Dessa forma, embora este tenha sido apresentado como sendo uma das

possibilidades de benefícios das regiões Norte e Nordeste, até agora não há registro de nenhum

projeto aprovado para essas regiões. O FOCEM tem sua pauta de financiamento marcado por

acordos na região da tríplice fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai).

A integração dos campos energético, de defesa e o contínuo e crescente fluxo

comercial de produtos industrializados que o Brasil escoa para os vizinhos, elevam o

MERCOSUL, inegavelmente, à condição de parceiro indispensável nos planos de

desenvolvimento do país. Prova disso, no Plano Pluri-Anual (PPA) – 2012-2015, um tópico

especial, separado da política externa, é dedicado a América do Sul onde, por sua vez, o

MERCOSUL é apresentado como plataforma prioritária para o desenvolvimento do Brasil.

A ideia de constituir um Parlamento no MERCOSUL, iniciativa de Argentina e

Brasil, trouxe para a possibilidade, ainda que indireta, de envolver o cidadão no processo

decisório no âmbito do bloco. No entanto, o exercício e o alcance dessa cidadania são postos em

xeque diante da fragilidade institucional e da ausência de competências legislativas.

No tocante à contribuição do Parlasul para o acesso universal aos direitos políticos e

sociais, à luta pelo reconhecimento da igualdade de direitos nos países do MERCOSUL, à

absorção da participação popular do órgão parlamentar da integração sul-americana e à

contribuição deste para a articulação dos movimentos sociais organizados, a única possibilidade

aberta à sociedade civil é a de apresentar propostas que, uma vez aceitas, poderão ser levadas aos

órgãos decisórios do bloco sob a forma de anteprojetos ou projetos de norma ou ainda de

recomendações. Mas esse acesso se dá mediante aproximação e negociação com os grupos

políticos do Parlasul, que, por sua vez, encontram-se ainda muito atrelados às bandeiras

partidárias e ao repertório das demandas políticas nacionais.

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Pode-se inferir que a “cidadania do MERCOSUL”, levada a cabo pelo Parlasul,

deflagrada tanto nos depoimentos colhidos quanto nos documentos oficiais (anteprojetos e

projetos de norma, pareceres e declarações), emitidos em nome do órgão, demonstra de antemão,

um forte caráter mercadológico. Os direitos civis, pois, tem um claro destaque nas ações do

Parlamento. Os direitos sociais como o acesso aos sistemas de saúde, educação, inclusão social

esperam ainda um tratamento mais direto por parte do Parlasul. Observando o conteúdo das

atividades do órgão, percebe-se que a dileção pela implementação de projetos na tríplice fronteira

adianta que o viés comercial ainda prevalece sobre os campos político, social e cultural. Os

direitos políticos, por sua vez, são ainda ausentes na pauta de discussões e proposições do

Parlasul aos órgãos decisórios do bloco, o que, por sua vez, não surpreende diante das

dificuldades crônicas mesmo em estabelecer os parâmetros de escolha dos próprios Parlamentares

do órgão.

No entanto, é necessário ressaltar, o próprio MERCOSUL que, de início visava

estreitar os laços comercias e inaugurar uma era de paz entre os países, só foi concebível no seio

dos processos de redemocratização na Argentina e no Brasil na primeira metade da década de

1980. Assim, é ele mesmo, em sua essência, fruto de uma experiência de resgate e de contínua

construção da cidadania.

No momento em que a integração sul-americana toma importantes proporções para os

países que compõem o MERCOSUL e o aprofundamento da dimensão social verifica-se como

pedra de toque do referido processo, torna-se necessário investir na discussão não somente dos

parâmetros, mas também das implicações desse aprofundamento tanto para a região como um

todo quanto para cada país individualmente. Em recente publicação intitulada “A dimensão

Social do MERCOSUL”, lançada pelo o Instituto Social do MERCOSUL (ISM) os membros do

bloco reafirmam a necessidade de “instalar como eixo transversal das políticas sociais o respeito

pelos direitos humanos e, em consequência, a promoção, acesso e apropriação dos direitos da

cidadania” (MERCOSUL, 2013:59). Segundo o documento intitulado “Mapa del MERCOSUR

Social”, lançado pela Secretaria Administrativa do MERCOSUL (SAM) em 2012, 40 eram os

órgãos, reuniões e secretarias especiais, os quais, na estrutura institucional do bloco, cuidam dos

assuntos sociais e políticos da integração. Através desse dado pressupõe-se que a cidadania não

se limita apenas ao Parlamento.

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APÊNDICES

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Apêndice A – Questionário apresentado ao entrevistado – Senador Inácio Arruda

Como foi a sua aproximação com o Parlamento. Do momento inicial do Parlasul até hoje? A

sua trajetória no órgão?

Nesse sentido, o senhor acha que a integração de cunho energético é um carro-chefe da

integração sul-americana, no geral?

Ainda nesse mote de fontes de energias, aparecem essas fontes novas e sustentáveis, mas

ainda nas fontes tradicionais, o senhor acha que a Venezuela viria a acrescentar ao

MERCOSUL?

No tocante às atividades do Parlamento do MERCOSUL, uma coisa que eu tenho tido muita

dúvida, eu procuro nas minhas leituras para entender o funcionamento do Parlamento, mas nas

minhas leituras tem ficado muito vagas. Como funcionam as dinâmicas dos grupos políticos lá

dentro?

E o Ministério das Relações Exteriores do Brasil acompanha de perto as decisões? Como é o

diálogo?

Deixa eu voltar aqui, porque grande parte das perguntas o senhor já vai respondendo antes de

eu fazer. O senhor vê alguma semelhança entre o Parlamento do MERCOSUL e o Parlamento

Europeu. Os estudos a que eu tenho tido acesso, eles fazem diretamente essa comparação.

Geralmente eles colocam o Parlamento do MERCOSUL em desvantagem por ele não ter uma

função decisória como tem o Parlamento Europeu.

Ainda no tocante ao estabelecimento de uma moeda comum, no MERCOSUL seria um caso

impensável, não adequado?

Só uma última pergunta, com relação ao Parlamento do MERCOSUL e o Parlamento

Europeu. Há alguma ligação institucional, alguma influência clara?

E Senador, com relação à cidadania regional proposta pelo Parlamento do MERCOSUL.

Como o senhor vê a relação entre o Parlasul, enquanto instituição que propõe essa cidadania, e

o cidadão brasileiro hoje?

Então, o carro-chefe do alcance dessa cidadania regional, da aproximação do cidadão, do

indivíduo brasileiro com relação ao Parlamento do MERCOSUL, seria via inserção no

mercado de trabalho?

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E há algum segmento social, algum movimento social que já demonstra hoje um interesse

pelas reuniões do Parlamento?

Há algum ministério em particular, fora o Ministério das Relações Exteriores?

E com relação a nós, aqui no Nordeste. De que forma o Parlasul pode alcançar os

nordestinos? Afora a inserção pelo mundo do trabalho?

E, em termos de infraestrutura, ainda que o Brasil tenha de volta o mínimo de recursos

investidos no FOCEM, aqui no Nordeste, a gente recebe algum recurso?

E nesse sentido, as demandas de Norte e Nordeste são maiores que as de Sul e Sudeste?

E o Senador como relator do Estatuto da Cidade. É um projeto a ser levado à apreciação no

Parlasul?

Pra concluir, um tema que foi colocado agora, nos últimos dias, que é o caso do Paraguai. O

recente impedimento pelo qual passou o presidente, Fernando Lugo, não foi bem aceito pelos

demais membros do MERCOSUL, o Parlasul divulgou diversas notas de reprovação à atitude

antidemocrática do país. O Senador acredita que o Parlasul possa atuar no sentido de evitar

atitudes semelhantes no futuro, de contribuir para o debate democrático?

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Apêndice B – Questionário apresentado ao entrevistado - Consultor Eugênio Arcanjo

Como foi a sua aproximação com o projeto do Parlamento, desde o momento inicial até hoje,

a sua trajetória...

Tem previsão pra quando o Parlamento vai entrar em atividades novamente?

Em que medida, se há medida, o Parlamento Europeu serve de modelo pro Parlamento do

MERCOSUL?

Por que o projeto de lei que o Brasil não aprovou até 2010, já não foi aprovado a tempo?

Em relação a essa interação Executivo-Legislativo, no âmbito do MERCOSUL, é possível

dizer que é um projeto mais Executivo?

Dentro do Poder Executivo e no Senado, no seu caso, existe algum grupo político que se

mostra contra o Parlamento do MERCOSUL?

Há um diálogo entre os Ministérios das Relações Exteriores ou então o Ministério de algum

tema que seja priorizado pelos debates no Parlamento?

Sobre as proposições, esses projetos de norma, geralmente partem dos Parlamentares

juntamente com os consultores?

No caso de o cidadão se propor, ou desejar sugerir uma proposta de norma, ou um projeto a

ser adotado. Há essa possibilidade?

Então, a única possibilidade do cidadão participar do processo de criação normativa seria

através do representante que propôs um projeto? Então, no tocante à cidadania, o Sr. acha que

se pode falar de uma cidadania sul-americana?

E a falta do poder de decisão do Parlamento seria um fator negativo para a conformação dessa

cidadania?

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Apêndice C – Questionário apresentado ao entrevistado – Deputado Florisvaldo Fier (Dr.

Rosinha), PT-PR

Como se deu a sua aproximação com temática da integração sul-americana? Com o

MERSOSUL e o Parlasul. Queria saber sobre o seu envolvimento, desde o início até hoje.

O Sr. foi o relator do RIPM, certo? O Consultor Eugenio Arcanjo me falou da sua

participação de vocês na formulação do documento. Como foi esse processo? Existe um

diálogo entre os consultores legislativos (mesma função) dos demais países?

O fortalecimento da cidadania sul-americana (ou do MERCOSUL), passou a ser prioridade

das iniciativas dos governantes, quais são, para o Sr. os pilares (os meios de efetivação) dessa

cidadania? Existem temas prioritários?

Podemos tratar os termos cidadania sul-americana e cidadania do MERCOSUL como

sinônimos?

Como o senhor vê a relação entre o Parlasul, enquanto instituição que propõe essa cidadania,

e o cidadão brasileiro hoje?

Há algum segmento social, algum movimento social que já demonstra hoje um interesse pelas

reuniões do Parlamento?

Sobre a regulamentação das eleições no Brasil. Como estamos? Existe a possibilidade de

ocorrerem já em 2014?

Quais os empecilhos hoje para que o Parlasul retome suas atividades?

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Apêndice D – Questionário apresentado ao entrevistado – Consultora Maria Cláudia

Drummond

Como se deu a sua aproximação com o Parlasul?

Dentro do Senado você virou uma espécie de especialista em MERCOSUL. Nesse sentido, os

parlamentares vêm até você para trazer suas demandas?

Como é que o Parlamento recepcionou o projeto do Parlamento do MERCOSUL?

A gente tem previsão de quando as atividades do Parlamento serão retomadas?

O Brasil está pronto para mandar os seus?

A gente pode colocar a capacidade decisória para o Parlasul como horizonte para o futuro do

órgão?

Ainda com relação as eleições diretas, quando a gente vê o projeto de lei do Deputado Carlos

Zarattinni, ele não foi aprovado, eu procuro em todos os meus de comunicação, mas não acho.

Talvez uma pessoa de dentro possa me dizer.

A gente pode esperar as eleições para o Parlasul para o próximo ano (2014)?

Como é a relação do Parlamento com o Itamaraty? Existe um diálogo?

Com relação aos grupos políticos no Parlasul, o senador Inácio Arruda e o Deputado Dr.

Rosinha, falaram ambos que o caráter nacional ainda prevalece, mas eles faram enquanto

parlamentares do Brasil. Como é que funcionam?

E falando na cidadania, a gente pode dizer que existem eixos desse envolvimento cidadão,

prioridades para a cidadania no MERCOSUL?

Falando um pouco da tua tese, a gente vê muito a comparação até por parte da mídia, do

parlamento do MERCOSUL com o Parlamento Europeu, a gente pode ter o PE como espelho?

O MERCOSUL hoje para o Brasil é uma estratégia ou uma vontade política?

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ANEXOS

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Anexo A – Estrutura institucional do MERCOSUL

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Anexo B – Organograma do Parlasul

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Anexo C – Estatuto da Cidadania do MERCOSUL – Plano de Ação

MERCOSUL/CMC/DEC. N° 64/10

ESTATUTO DA CIDADANIA DO MERCOSUL

PLANO DE AÇÃO

TENDO EM VISTA: O Tratado de Assunção, o Protocolo de Ouro Preto e a Decisão N° 63/10

do Conselho do Mercado Comum.

CONSIDERANDO:

Que, no espírito do Tratado de Assunção, o MERCOSUL deve assentar-se sobre uma união cada

vez mais estreita entre seus povos;

Que os Estados Partes do MERCOSUL implementaram uma estratégia regional de avanço

progressivo e um enfoque multidimensional da integração, que contempla ações e medidas em

matéria política, econômica, comercial, social, educativa, cultural, de cooperação judicial e em

temas de segurança.

Que é fundamental avançar, no marco do vigésimo aniversário da assinatura do Tratado de

Assunção, no aprofundamento da dimensão social e cidadã do processo de integração, com vistas

a alcançar um desenvolvimento sustentável, com justiça e inclusão social em benefício dos

nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL.

Que os instrumentos adotados no MERCOSUL garantem aos nacionais dos Estados Partes e as

suas famílias o gozo dos mesmos direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicas, de

acordo com as leis que regulamentam o seu exercício.

Que é necessário consolidar um conjunto de direitos fundamentais e benefícios em favor dos

nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL e estabelecer um Plano de Ação para a

conformação progressiva de um Estatuto da Cidadania do MERCOSUL, com vistas a sua plena

implementação no trigésimo aniversário da assinatura do Tratado de Assunção.

O CONSELHO DO MERCADO COMUM

DECIDE:

Art. 1º – Estabelecer um plano de ação para a conformação progressiva de um Estatuto da

Cidadania do MERCOSUL.

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Art. 2º – O Estatuto da Cidadania do MERCOSUL estará integrado por um conjunto de

direitos fundamentais e benefícios para os nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL e

se conformará com base, entre outros, nos seguintes objetivos oportunamente elencados nos

Tratados Fundamentais do MERCOSUL e na normativa derivada:

- Implementação de uma política de livre circulação de pessoas na região

- Igualdade de direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicas para os nacionais dos

Estados Partes do MERCOSUL

- Igualdade de condições para acesso ao trabalho, saúde e educação.

Art. 3º – Com vistas a alcançar os objetivos gerais indicados no artigo 2, o plano de ação

será integrado pelos seguintes elementos, os quais serão tratados nos âmbitos indicados a

seguir:

1 Circulação de pessoas

1.1 Facilitação do trânsito e da circulação no espaço MERCOSUL.

1.2 Simplificação de trâmites, agilização de procedimentos de controle migratório, harmonização

gradual dos documentos aduaneiros e migratórios.

Âmbitos:

Reunião de Ministros da Justiça

Reunião de Ministros do Interior

Foro Especializado Migratório

CCM – CT N° 2 “Assuntos Aduaneiros”

2 Fronteiras

2.1 Plena implementação e ampliação gradual das Áreas de Controle Integrado.

2.2 Revisão do Acordo de Recife e instrumentos correlatos.

2.3 Acordo sobre Localidades Fronteiriças Vinculadas.

Âmbitos:

Reunião de Ministros do Interior

Foro Especializado Migratório

Comissão de Comércio do MERCOSUL

CT N° 2 “Assuntos Aduaneiros”

Grupo Mercado Comum – Grupo Ad Hoc de Integração Fronteiriça

3 Identificação

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3.1 Harmonização das informações para a emissão de documentos de identificação nos Estados

Partes do MERCOSUL.

3.2 Inserção da denominação “MERCOSUL” nas cédulas de identidade nacionais.

Âmbitos:

Reunião de Ministros da Justiça

Reunião de Ministros do Interior

Foro Especializado Migratório

Foro de Consulta e Concertação Política

Grupo de Trabalho sobre Assuntos Jurídicos e Consulares

4 Documentação e cooperação consular

4.1 Ampliação dos casos de dispensa de tradução, consularização e legalização de documentos.

4.2 Ampliação dos mecanismos de cooperação consular.

Âmbitos:

Reunião de Ministros da Justiça

Reunião de Ministros do Interior

Foro Especializado Migratório

Foro de Consulta e Concertação Política

Grupo de Trabalho sobre Assuntos Jurídicos e Consulares

5 Trabalho e Emprego

5.1 Revisão da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL

5.2 Fortalecimento do funcionamento da Comissão Sociolaboral

5.3 Fortalecimento do Observatório do Mercado de Trabalho

5.4 Desenvolvimento de diretrizes sobre emprego

5.5 Desenvolvimento de plano regional em matéria de trabalho infantil

5.6 Desenvolvimento de plano regional em matéria de inspeção de trabalho

5.7 Desenvolvimento de plano regional em matéria de facilitação da circulação de trabalhadores

Âmbitos:

Reunião de Ministros do Trabalho

Grupo Mercado Comum

SGT No 10 “Assuntos Laborais, Emprego e Seguridade Social”

6 Previdência Social

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6.1 Integração dos cadastros de informações previdenciárias e trabalhistas dos Estados Partes

para fins de simplificação de trâmites, segurança das informações, formulação de políticas

públicas e agilização de concessão de benefícios

6.2 Estabelecimento de um Programa de Educação Previdenciária do MERCOSUL, que incluiria

a criação de um portal na Internet para facilitar o acesso a informações previdenciárias

Âmbito:

Grupo Mercado Comum

SGT No 10 “Assuntos Laborais, Emprego e Seguridade Social”

7 Educação

7.1 Simplificação dos trâmites administrativos para efeitos da equivalência de estudos e títulos de

ensino superior

7.2 Aprofundamento do Sistema ARCU-SUL para a equivalência plena de cursos superiores no

MERCOSUL

7.3 Criação de um Acordo-Quadro de Mobilidade para a consolidação de um espaço de

mobilidade (estudantes, professores e pesquisadores) e intercâmbios acadêmicos

Âmbito:

Reunião de Ministros da Educação

8 Transporte

8.1 Criação de um sistema de consultas sobre informações veiculares acessível às autoridades

competentes dos Estados Partes

8.2 Definição de características comuns que deverá ter a Patente MERCOSUL

Âmbito:

Grupo Mercado Comum

SGT No 5 “Transportes”

9 Comunicações

9.1 Ações que visam a favorecer a redução de preços e tarifas para comunicações fixas e moveis

entre os Países do MERCOSUL, incluindo o roaming

9.2 Ações que visam a extensão do tratamento local para serviços de telecomunicações sem fio

em zona de fronteira, sobretudo por meio do compartilhamento de redes

Âmbito:

Grupo Mercado Comum

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SGT N° 1 “Comunicações”

10 Defesa do consumidor

10.1 Criação de um Sistema MERCOSUL de Defesa do Consumidor, composto por:

10.1.1Sistema MERCOSUL de Informações de Defesa do Consumidor

10.1.2Ação regional de capacitação – Escola MERCOSUL de Defesa do Consumidor

10.1.3Norma MERCOSUL aplicável a contratos internacionais de consumo

Âmbito:

Comissão de Comércio – Grupo de Monitoramento

CT No 7 “Defesa do Consumidor”

11 Direitos políticos

11.1 Avaliar as condições para avançar progressivamente no estabelecimento de direitos

políticos, de acordo com as legislações nacionais que regulamentem seu exercício, em favor dos

cidadãos de um dos Estados Partes do MERCOSUL que residam em outro Estado Parte de que

não sejam nacionais, incluindo a possibilidade de eleger parlamentares do MERCOSUL.

Âmbito:

Reunião de Ministros da Justiça

Reunião de Ministros do Interior

Art. 4º – O Conselho do Mercado Comum poderá atualizar e/ou ampliar o Plano de Ação com

base nas recomendações dos âmbitos mencionados no Artigo 3 e do Alto Representante Geral do

MERCOSUL. A primeira revisão da implementação do Plano de Ação se efetuará na LVI

Reunião Ordinária do Conselho do Mercado Comum.

Art. 5º – O Alto Representante-Geral do MERCOSUL acompanhará o desenvolvimento do

Plano de Ação e apresentará relatório de avanços nas Reuniões Ordinárias do Conselho do

Mercado Comum. Para tanto, o Alto Representante-Geral do MERCOSUL poderá solicitar

informação e/ou fazer sugestões aos foros do MERCOSUL mencionados no Artigo 3.

Art. 6º – Os foros do MERCOSUL mencionados no Artigo 3 elaborarão um cronograma de

trabalho, de até 10 anos, para a implementação progressiva dos elementos que integram o

Plano de Ação, tendo em conta os objetivos indicados no Artigo 2.

Art. 7º – O Plano de Ação deverá estar integralmente implementado no 30° aniversário do

MERCOSUL. O Estatuto da Cidadania do MERCOSUL poderá ser instrumentalizado por

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meio da assinatura de um protocolo internacional que incorpore o conceito de “Cidadão do

MERCOSUL” e forme parte do Tratado de Assunção.

Art. 8º – Esta Decisão não necessita ser incorporada ao ordenamento jurídico dos Estados

Partes, por regulamentar aspectos da organização ou do funcionamento do MERCOSUL.

XL CMC – Foz do Iguaçu, 16/XII/10.

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Anexo D – Lista de documentos consultados

MERCOSUL. Cartilha do cidadão do MERCOSUL. [S.l]: Comissão de Representantes

Permanentes do MERCOSUL, 2010a. Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/cartilha-do-

cidadao/cartilha-do-cidadao-do-mercosul-edicao-2010>. Acesso em: 27 maio 2012.

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MERCOSUL. [S.l.], 2010b. Disponível em: <http://www.mercosur.int/innovaportal/file/

2810/1/DEC_064-2010_PT_Estatuto_da_Cidadania.pdf>. Acesso em: 24 maio 2013.

______. Conselho do Mercado Comum. Decreto nº 47, de 15 de dezembro de 2008. Grupo de

Alto Nível sobre a Relação Institucional entre o Conselho do Mercado Comum e o Parlamento do

MERCOSUL. Salvador, BA, 15 de dezembro de 2008. Disponível em:

<www.mercosur.int/.../Decisiones/.../DEC_047-2008_PT_FERR_Criaçao%2...>.

______. Protocolo Constitutivo do Parlamento do MERCOSUL. Montevidéu, Uruguai, 2003. In:

MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Coletânea de Direito Internacional. 6. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2008.

______. Regimento Interno do Parlamento do MERCOSUL. Tradução da Secretaria da

Delegação Brasileira no Parlamento do MERCOSUL. Montevidéu, Uruguai: Departamento de

documentación y Normativa – Secretaria Parlamentaria, 2003. Disponível em:

<http://www.parlamentodelmercosur.org/innovaportal/v/4296/1/secretaria/%20

Documentos_de_refer%C3%AAncia.html?seccion=2>. Acesso em: 15 abr. 2013.

______. Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no MERCOSUL, República

da Bolívia e a República do Chile. Ushuaia, Bolívia, 1998. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira

(Org.). Coletânea de Direito Internacional. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

______. Declaração presidencial sobre compromisso democrático no MERCOSUL. Brasília,

1996. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Coletânea de Direito Internacional. 6. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

______. Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a estrutura institucional do

MERCOSUL – Protocolo de Ouro Preto. Ouro Preto, MG, 1994. In: MAZZUOLI, Valério de

Oliveira (Org.). Coletânea de Direito Internacional. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008.

______. Tratado de Assunção. Assunção, Paraguai, 1991. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira

(Org.). Coletânea de Direito Internacional. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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Viena, 1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_

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