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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL LARISSA LOIOLA BATISTA O AUXÍLIO-RECLUSÃO: um estudo sobre a percepção dos contribuintes da Previdência Social à luz da criminalização da pobreza e do estigma do preso FORTALEZA – CEARÁ 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

LARISSA LOIOLA BATISTA

O AUXÍLIO-RECLUSÃO: um estudo sobre a percepção dos

contribuintes da Previdência Social à luz da criminalização da

pobreza e do estigma do preso

FORTALEZA – CEARÁ

2014

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LARISSA LOIOLA BATISTA

O AUXÍLIO-RECLUSÃO: um estudo sobre a percepção dos contribuintes da

Previdência Social à luz da criminalização da pobreza e do estigma do preso

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Serviço Social do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Profª. Ms. Maria Stela Pereira Accioly

FORTALEZA - CEARÁ

2014

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Sistema de Bibliotecas

Batista, Larissa Loiola.

O auxílio-reclusão: um estudo sobre a percepção dos

contribuintes da Previdência Social à luz da

criminalização da pobreza e do estigma do preso

[recurso eletrônico] / Larissa Loiola Batista. – 2014.

1 CD-ROM: il.; 4 ¾ pol.

CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do

trabalho acadêmico com 124 folhas, acondicionado em

caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm).

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) –

Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos

Sociais Aplicados, Graduação em Serviço Social,

Fortaleza, 2014.

Orientação: Prof.ª M.ª Maria Stela Pereira Accioly.

1. Auxílio-reclusão. 2. Estado penal.

3. Criminalização. 4. Estigma. I. Título.

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LARISSA LOIOLA BATISTA

O AUXÍLIO-RECLUSÃO: um estudo sobre a percepção dos contribuintes da

Previdência Social à luz da criminalização da pobreza e do estigma do preso

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Serviço Social do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social.

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“Nenhum outro amor na vida se compara com o teu, Não há forma mais sentida de amar como tu e eu,

Tuas veias são as minhas, Teu pulsar é meu também,

Por isso a cumplicidade, nosso amor e amizade tem a força do além. Temos o que ninguém tem.”

À minha irmã gêmea Lorena, pelo companheirismo, amizade e amor incondicionais

e por sempre estar ao meu lado, compartilhando medos e vitórias. Esse é apenas o início de muitas outras conquistas.

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AGRADECIMENTOS

À Deus e a Santa Mãe Maria, que em seu infinito amor, me concederam a graça da

alcançar esta vitória e traçaram os meus caminhos à sua vontade e não da maneira

que eu desejava.

Aos meus pais, José Batista e Ileuda, pela dedicação e amor devotados a mim e

por não medirem esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. Essa

conquista também é de vocês.

À minha irmã gêmea Lorena Loiola, por sempre estar ao meu lado em todos os

momentos da minha vida. Que prazer imenso é poder me formar junto com você!

Agora, enfrentaremos os desafios da vida profissional. Obrigada por tudo, te amo!

Aos meus irmãos, Joseleudo e Ítalo Loiola, por serem inspiração para que eu

chegasse até aqui. Obrigada pelo cuidado e amizade. Tenho muito orgulho de

vocês, irmãos!

Ao meu amor, Pedro Emmanuel, por ter sido tão compreensivo diante da minha

ausência e pelo apoio nas renúncias e sacrifícios. Obrigada pelo incentivo, amizade,

companheirismo e amor durante esse processo. Sem você, teria sido mais difícil.

Valeu a pena esperar. Hoje, estamos colhendo juntos, os frutos do nosso empenho!

A você, o meu muito obrigado, palavras jamais conseguirão expressar toda a minha

admiração e amor por você. Te amo!

À Família Loiola, avós, tios (as) e primos (as) que de alguma forma, incentivaram-

me na constante busca pelo conhecimento e serviram como inspiração e exemplo

de sucesso.

À minha orientadora Profª Stela Accioly, por ter aberto o meu olhar sobre a

pesquisa. Sua orientação segura e competente, suas valiosas contribuições sua

seriedade, foram essenciais para o meu crescimento intelectual e pessoal. Muito

obrigada!

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Às queridas amigas do curso de Serviço Social, pelos anos de convivência e

grande aprendizado que tivemos juntas. Tenho a certeza do sucesso profissional de

vocês!

Aos professores (as) da UECE, pela contribuição de cada um na minha formação,

sem os quais não seria possível transpassar as barreiras do conhecimento. Muito

obrigada por terem me tornado uma pessoa mais crítica e por serem espelho de

competência profissional.

Ao meu grande amigo Átila Freitas, pelos momentos de alegria, conversas e

risadas, pelas palavras de incentivo quando estava desanimada e pela amizade

sincera. Muito obrigada pela força e coragem!

À assistente social Terezinha Lopes, minha supervisora de estágio no INSS, por ter

sido mãe, amiga, confidente e referência de profissional ética e comprometida, com

quem aprendi a enfrentar os desafios postos a nossa profissão. Tetê, não existem

palavras para agradecer tamanho aprendizado e carinho que você teve por mim!

Muito obrigada!

Às assistentes sociais Liduina Paz e Norma Lobo, pelo cuidado e amizade e por

compartilharem comigo a sua experiência profissional.

Aos demais amigos da Agência da Previdência Social Fortaleza – Aldeota, com

quem tive o prazer de conviver e trabalhar durante dois anos, sempre rodeada de

carinho e de incentivo. Vocês foram essenciais no meu processo de

amadurecimento.

Aos sujeitos da pesquisa, cujas contribuições foram essenciais para a realização

deste trabalho.

Agradeço imensamente à todos que de alguma forma colaboraram para a

realização desta monografia.

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“A menos que modifiquemos a nossa maneira de pensar,

não seremos capazes de resolver os problemas causados

pela forma como nos acostumamos a ver o mundo.”

Albert Einstein

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LISTA DE ABREVIATURAS

AEPS - Anuário Estatístico da Previdência Social

AI - Ato Institucional

BEPS – Boletim Estatístico da Previdência Social

CAP - Caixa de Aposentadoria e Pensões

CCPL – Casa de Privação Provisória de Liberdade

CEME - Central de Medicamentos

CF - Constituição Federal

CLPS - Consolidação das Leis da Previdência Social

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

CONAP - Companhia Nacional de Administração Prisional Ltda

CPPP - Complexo Penitenciário Público Privado

DATAPREV - Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social

DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional

EC – Emenda Constitucional

FUNABEM - Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor

FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

IAP - Institutos de Aposentadoria e Pensão

IAPAS - Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social

IAPB - Institutos de Aposentadoria e Pensão dos Bancários

IAPC - Institutos de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários

IAPI - Institutos de Aposentadoria e Pensão dos Industriários

IAPM - Institutos de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos

IAPTEC - Institutos de Aposentadoria e Pensão dos Empregados de Transportes e

Cargas

INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INFOPEN - Sistema Integrado de Informações Penitenciárias

INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

INSS/PRES - Instituto Nacional do Seguro Social/Presidência

INPS - Instituto Nacional de Previdência Social

IPASE - Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado

LBA - Fundação Legião Brasileira de Assistência

LEP - Lei de Execução Penal

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LOPS - Lei Orgânica de Previdência Social

MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social

MPF - Ministério Público Federal

MT - Ministério do Trabalho

OAB - Ordem dos Advogados do Brasil

ONG - Organização Não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PEP - Programa de Educação Previdenciária

PIG - Penitenciária Industrial de Guarapuava

PPP - Parcerias Público-Privadas

PSC/AC - Partido Social Cristão/Acre

PSC/SE - Partido Social Cristão/Sergipe

RGPS - Regime Geral da Previdência Social

SINPAS - Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

SUS – Sistema Único de Saúde

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LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Quadro 1 – Quantidade de benefícios concedidos em 2013

Quadro 2 – Evolução das concessões do auxílio-reclusão

Quadro 3 – Meio de comunicação mais relatados

Figura 1 – Capa da Veja 08 de maio de 2013. Os órfãos da impunidade.

Figura 2 – Charge sobre o auxílio-reclusão

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RESUMO

Esta monografia objetiva identificar e analisar como os contribuintes da Previdência Social veem o benefício previdenciário do auxílio-reclusão à luz da teoria da criminalização da pobreza e o estigma do preso. Para tanto, trilharemos os caminhos da proteção social e da Previdência Social no Brasil. Destacamos, ainda, o auxílio-reclusão, que visa prover o sustento dos dependentes do segurado preso. O embasamento teórico vem de autores que trabalham os temas relativos à questão prisional no Brasil, o Estado penal e o estigma do preso. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cuja metodologia constituiu-se de pesquisa bibliográfica, documental e de campo, sendo realizadas entrevistas estruturadas e abertas, tendo como fonte primária trinta contribuintes da Previdência. Dos resultados, encontramos opiniões contrárias ao auxílio-reclusão, evidenciando argumentos que negam dos direitos do preso por considerarem o benefício um estímulo ao crime e culpabilizando o indivíduo pelo crime que cometeu. Já as opiniões favoráveis ao benefício e as indecisas entendem que a família não tem culpa do crime e não deve ser penalizada. Ademais, se foi pago um seguro, é direito da família ser amparada. Destacamos, ainda, argumentos que colocam condicionalidades para a concessão do benefício. Considerando que a mídia exerce influência sobre a opinião pública, identificamos como o benefício é abordado pelos meios de comunicação, concluindo que há uma cultura de criminalização e discriminação contra este. Diante do exposto, esta pesquisa buscou contribuir para o debate acerca da criminalização da pobreza e do estigma do preso, que põem em xeque os direitos dos mesmos na sociedade. Palavras-chave: Auxílio-reclusão, Estado penal, criminalização, estigma.

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ABSTRACT

This monograph aims to identify and analyze how taxpayers see the Social Security pension benefit Aid for imprisonment acoording to theory of criminalization of poverty and the stigma suffered by the prisoner. For such, will tread the paths of Social Protection and Social Security in Brazil. We also highlight the aid-seclusion, which aims to provide the support for the dependents of the insured arrested. The theoretical basis comes from authors who work the themes on the prison issue in Brazil, the penal state and the stigma stuck. This is a qualitative research whose methodology consisted of literature, documentary and field research, structured and open interviews being made as a primary source of Welfare thirty contributors. From the results, we find contrary opinions to aid-seclusion, showing arguments that deny the rights of the prisoner as they consider the benefit a stimulus to crime and blaming the individual who committed the crime. However, favorable to the benefit and opinions indecisive understand that the family is not guilty of the crime and should not be penalized. Furthermore, if the prisioner paid for the insurance, family law is to be supported. We also highlight arguments that place conditions on the granting of the benefit. Whereas the media influences public opinion, we identified how the benefit is covered by the media, concluding that there is a culture of criminalization and discrimination against it. Given the above, this study sought to contribute to the debate on the criminalization of poverty and stigma of arrest, which put into question the rights of them in the society.

Keywords: Imprisionment, penal state, criminalization, stigma.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 – OS CAMINHOS DA PROTEÇÃO SOCIAL, A TRAJETÓRIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL E UMA ABORDAGEM ACERCA DO AUXÍLIO-RECLUSÃO. ............................................................................................. 21

1.1 OS CAMINHOS DA PROTEÇÃO SOCIAL ..................................................... 21

1.2 BREVE HISTÓRICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL ................... 27

1.3 O AUXÍLIO RECLUSÃO .................................................................................. 35

CAPÍTULO 2 – O ESTADO PENAL, A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA E O ESTIGMA SOCIAL DO PRESO. ............................................................................... 45

2.1 O DESAPARECIMENTO DO WELFARE STATE E A ASCENSÃO DO ESTADO PENAL. ..................................................................................................................... 45

2.2 ESTIGMA SOCIAL DO PRESO ...................................................................... 63

CAPÍTULO 3 – PERCEPÇÕES DOS CONTRIBUINTES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL SOBRE O AUXÍLIO RECLUSÃO. ..................................................................... 83

1) CONHECIMENTO SOBRE OS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS ............... 83

2) OPINIÕES FAVORÁVEIS OU INDECISAS AO AUXÍLIO-RECLUSÃO .......... 86

3) OPINIÕES CONTRÁRIAS AO AUXÍLIO-RECLUSÃO ..................................... 89

3.1 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E O TRATAMENTO SOBRE O AUXÍLIO-RECLUSÃO ............................................................................................................................ 101

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 111

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 115

APÊNDICE ........................................................................................................................... 124

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INTRODUÇÃO

A proteção social originou-se da necessidade dos indivíduos de se

protegerem diante dos riscos sociais que os incapacitam para o trabalho e

comprometem o sustento familiar, como a idade avançada, a doença, a morte e a

reclusão. Desse modo, sempre existiu a necessidade de alguma proteção, sendo

esta provida pela família ou por grupos de caráter mutualista, voltados ao auxílio

recíproco dos seus membros. Com as transformações socioeconômicas da

sociedade burguesa, o acirramento do conflito entre capital e trabalho e o

aprofundamento das desigualdades sociais, tornou a assistência familiar insuficiente,

sendo necessária a intervenção do Estado.

No século XIX, a emergência da classe operária na luta por direitos

trabalhistas e melhores condições de vida, fizeram com que o Estado tomasse

providências através da criação das primeiras legislações e medidas de proteção

social, com destaque para países como a Alemanha e Inglaterra. No entanto,

somente após a Segunda Guerra Mundial, com a adoção do chamado Estado de

Bem Estar Social, é que foram se organizando os sistemas de proteção social,

baseados, principalmente, no modelo de seguro bismarckiano e no modelo de

seguridade social beveridgeano. (BOSCHETTI, 2009)

No Brasil, a seguridade social está disposta na Constituição Federal de

1988, como um conjunto integrado de ações de iniciativa do Estado e da sociedade,

destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.

A política de Previdência Social é organizada sob a forma de regime geral, de

caráter contributivo e de filiação obrigatória, que atua por meio de prestações

pecuniárias na forma de benefícios ou de serviços (reabilitação profissional, serviço

social). A política de Saúde constitui-se como um direito de todos os cidadãos e

dever do Estado, sem exigir a contrapartida de contribuição. Já a política de

Assistência Social, também de caráter não contributivo, visa garantir os mínimos

sociais a quem deles necessitar.

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Vale ressaltar que os direitos relativos à Seguridade Social são

considerados direitos sociais fundamentais, e dentre eles destaca-se o direito a uma

vida digna. No entanto, o desaparecimento do Estado de Bem Estar Social e

ascensão do Estado penal baseada no neoliberalismo, criou uma distância cada vez

maior entre ricos e pobres. O aumento da criminalidade e da violência é combatido

pelo Estado através de uma postura punitiva e controladora, evidenciada no

fortalecimento do princípio da Tolerância Zero e no consequente processo de

encarceramento em massa das classes pobres e o maior investimento na

privatização carcerária. De acordo com Ezeokeke (2011), o fenômeno da

criminalidade é gerado pela própria violência da sociedade, mas que é camuflada

para colocar a pobreza como causadora dessa violência.

Diante do aumento da criminalidade e da sensação de insegurança

vivenciada nos grandes centros urbanos, a sociedade clama por políticas mais

repressivas, respaldando, assim, o recrudescimento das leis e a consequente

criminalização dos pobres, principal alvo das políticas penais. Baseado nas reflexões

sociológicas de Loïc Wacquant (2001a, 2001b, 2003), Zygmunt Bauman (1998,

2006), Morais e Wermuth (2012), Pierre Rosavallon (1998), entre outros, realizamos

uma reflexão acerca da substituição do Estado Providência por um Estado cada vez

mais repressivo em face da adoção das políticas neoliberais.

Diante das medidas repressivas adotadas pelo Estado penal,

evidenciamos um processo de estigmatização e discriminação penal que atinge

principalmente, o pobre e o negro. Para discutir esse tema, destacaremos as

contribuições de Foulcault (2008), Rusche e Kirchheimer (2004) e Almeida (2006)

acerca das mudanças que se produziram nos sistemas penais desde sua

constituição e de Goffman (1988) acerca do estigma que cerca o preso, entre outros.

No Brasil, a combinação de um Estado mais policial e penitenciário de

um lado e de um Estado social mínimo de outro, promoveu, nas últimas duas

décadas, o crescimento vertiginoso da população carcerária, passando de

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aproximadamente 114 mil presos em 1992 para aproximadamente, 574 mil

atualmente, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen)

relativos a junho de 2013. Esse quadro configura o processo de encarceramento em

massa das classes pobres como uma das principais formas de controle social

utilizadas pelo Estado. Consequência disso é a superlotação das unidades prisionais

que promove a recorrente violação dos direitos humanos do preso, gerando um

sistema penitenciário cada vez mais negligenciado por falta de investimento e pelo

desinteresse dos governos em efetivar o processo de ressocialização do preso.

Além disso, o fracasso do Estado em reverter o fenômeno da

criminalidade, aliado ao sentimento de medo da população difundido pela mídia,

acaba contribuindo para a deslegitimação da capacidade do Estado em manter a

ordem, impedindo uma reflexão crítica acerca dos fatores estruturais e conjunturais

determinantes dessa realidade. O debate sobre o controle da criminalidade segue

ainda dominado pelo discurso midiático e elitista que segrega as classes

subalternas, exigindo maior policiamento estatal, sem adentrar na

imprescindibilidade do atendimento destas, frente às condições precárias de

trabalho, saúde e moradia em que vivem, fruto das desigualdades sociais. Segundo

Boldt e Krohling (2007, p. 115):

Além de fortalecer a seletividade do sistema penal, o discurso midiático dominante tem atuado como um instrumento de consolidação da subcidadania. Não obstante a minoria da população brasileira desfrute os prazeres da pós-modernidade e exerça plenamente grande parte de seus direitos, a maioria dos brasileiros continua vivendo os dissabores da pré-modernidade, destituídos de seus direitos e garantias mais básicos.

Com o incentivo ao recrudescimento penal, qualquer medida estatal em

favor das classes sociais baixas, é alvo de críticas por parte da sociedade. Entre

eles, destacamos o auxílio-reclusão, objeto de estudo deste trabalho. O auxílio-

reclusão gera várias discussões na sociedade brasileira, visto que algumas pessoas

acreditam que ele se constitui em uma espécie de “prêmio” oferecido ao preso. Nos

últimos anos, com a popularização da internet, tornou-se comum a circulação de

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mensagens falaciosas nas redes sociais e nos correios eletrônicos sobre este

benefício, fazendo ascender certa repulsa social contra o mesmo.

A inquietação sentida ao vermos notícias e mensagens demonstrando

preconceito contra esse benefício, aliada a experiência de estágio no Instituto

Nacional de Seguro Social – INSS fomentou nosso interesse em estudar o auxílio-

reclusão, um benefício previdenciário que visa amparar os dependentes do

contribuinte de baixa renda quando este comete algum ato ilícito e se encontra sob

pena privativa de liberdade, em regime fechado ou semiaberto. O objetivo é garantir

a sobrevivência do núcleo familiar diante da ausência do provedor. No entanto,

dentro do rol de benefícios oferecidos pela Previdência Social, o auxílio-reclusão é

bastante questionado pela sociedade, necessitando assim, que se fortaleça o debate

sobre sua importância social.

Esta monografia tem por finalidade identificar e analisar qual a visão dos

contribuintes da Previdência Social acerca da política previdenciária do auxílio-

reclusão, à luz da teoria da criminalização da pobreza e do estigma social do preso.

Além disso, buscamos identificar como os meios de comunicação tratam a temática

do auxílio-reclusão segundo os sujeitos pesquisados. Consideramos que esta

pesquisa fomentará o debate acadêmico acerca dos efeitos da legitimação do

Estado penal abertamente aceito pela sociedade, e como elas influenciam a opinião

dos contribuintes sobre o benefício previdenciário do auxílio-reclusão. A pouca

produção acadêmica sobre da presente temática nos impulsiona a pesquisá-la,

tendo em vista conhecer melhor a realidade que envolve a discussão.

Para a realização desta pesquisa de abordagem qualitativa, inicialmente,

fizemos uma pesquisa bibliográfica e documental sobre o tema, a partir do

levantamento de publicações escritas e eletrônicas como artigos científicos, livros,

dissertações e teses, legislações específicas e documentos estatísticos, com o

objetivo de proporcionar uma visão mais ampliada das categorias. Segundo Minayo

(2009, p. 21) a pesquisa qualitativa ”trabalha como universo dos significados, dos

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motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes.”.

Em uma segunda etapa, foram realizadas entrevistas com perguntas

estruturadas e abertas com trinta contribuintes da Previdência Social acerca de

alguns benefícios previdenciários, buscando evidenciar a opinião destes sobre o

auxílio-reclusão. Para Minayo (2009, p.65), a entrevista é uma forma privilegiada de

interação social, pois fornece dados que “referem-se a informações diretamente

construídas no diálogo com o indivíduo entrevistado e tratam da reflexão do próprio

sujeito sobre a realidade que vivencia.”.

As questões tiveram suas respostas transcritas para posterior

interpretação qualitativa dos dados, utilizando a técnica de análise de conteúdo,

objetivando, assim, atingir a compreensão de seus significados para além de uma

leitura comum. A escolha da análise de conteúdo justifica-se no fato de que a

mesma nos permitiu fazer uma análise categorial das falas. Segundo Bardin (2011,

p. 48), a análise de conteúdo é:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens.

Por tratar-se de uma amostra aleatória, não intencionamos traçar um perfil

dos entrevistados, sendo os mesmos diferenciados apenas pelo sexo e pela

profissão. Identificamos os entrevistados pela numeração de 01 a 30. O local da

pesquisa não foi especificado em apenas um espaço, pois entendemos que os

contribuintes estão inseridos em vários lugares, e assim, teríamos maior

abrangência de entrevistados. Foram realizadas entrevistas com contribuintes na

Agência da Previdência Social Fortaleza – Aldeota, na Secretaria de Saúde do

Estado do Ceará, com empregados de empresa privada, em comércios e praças,

entre outros espaços diversos.

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Para organizar as ideias contidas no presente trabalho, o mesmo foi

dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, traçamos os caminhos da proteção

social como uma forma de entender a origem do sistema de seguro social. Na

sequência, nos detemos em um breve histórico da Previdência Social no Brasil, de

forma a se buscar um maior entendimento sobre tal política e seus benefícios,

destacando a análise mais específica sobre o auxílio-reclusão em seu aspecto

legislativo e social de maneira a conhecer o benefício.

No segundo capítulo, abordamos o estudo sobre a criminalização da

pobreza, mostrando a constituição do Estado penal no Brasil em detrimento do

Estado social, enfatizando a política do encarceramento em massa respaldado na

política de Tolerância Zero e os processos de privatização das prisões. Num

segundo momento, realizamos um breve estudo sobre as prisões de forma a

embasar a discussão acerca do estigma que acomete o preso e seus familiares.

Além disso, discutimos o papel da mídia como influenciadora da opinião pública, que

legitima as ações punitivas estatais e favorece a discriminação e o preconceito

contra as classes pobres.

Evidenciamos, no terceiro capítulo, a pesquisa feita com os contribuintes

da Previdência Social acerca do seu olhar sobre o auxílio-reclusão, buscando uma

relação entre os discursos e a teoria da criminalização da pobreza e do estigma

social. A partir da opinião dos entrevistados, destacamos, ainda, os propósitos da

mídia ao abordar o tema do auxílio-reclusão.

Por fim, seguem as considerações finais, nas quais são esboçadas as

principais descobertas no que se refere ao resultado da pesquisa, possibilitando

fomentar a discussão sobre a importância do auxílio-reclusão através de uma

reflexão crítica que é inerente ao Serviço Social.

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CAPÍTULO 1 – OS CAMINHOS DA PROTEÇÃO SOCIAL, A TRAJETÓRIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL E UMA ABORDAGEM ACERCA DO AUXÍLIO-RECLUSÃO.

1.1 OS CAMINHOS DA PROTEÇÃO SOCIAL

Desde tempos longínquos, o homem buscava proteger-se dos infortúnios

da vida como a doença, a morte, a fome, etc. Dada à sua inerente capacidade de

objetivação, ele foi criando, através do trabalho, as condições de sobrevivência, na

perspectiva de superação dos desafios ambientais. O estudo de Lewis Morgan

acerca das sociedades indígenas americanas foi fundamental para a compreensão

da importância do trabalho no desenvolvimento da história. Ele expressou,

sinteticamente, essa sua conclusão, ao afirmar que “o fator decisivo da história é,

em última instância, a produção e a reprodução da vida imediata”. (ENGELS, 1984,

p.20). E isso é uma tarefa exclusiva do homem mediado pelo trabalho.

O homem primitivo, apesar de nômade, andava em bandos, o que

possibilitou, entre ele e o seu grupo, a prática de se protegerem mutuamente. Essa

realidade se alterou quando foi instituída a propriedade privada, na qual, o plantio e

a colheita passaram a ser, em geral, restritos a cada grupo familiar.

A institucionalização e expansão da propriedade privada modificaram as

relações sociais primitivas, que se configuravam pelos conflitos físicos, mas também

pela solidariedade muito forte entre pessoas e grupos. Ela aguçou o interesse

individual, gerou o medo da perda de bens e a luta pelo domínio da terra. Em

decorrência, uma parcela da população foi submetida à servidão e ao desamparo,

complexificando as relações sociais, o que originou a necessidade de uma instância

que pudesse regular os interesses em conflito, surgindo, assim, o Estado.

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É fato que, em cada avanço histórico, predominava um padrão de

proteção social de forma a livrar os indivíduos das contingências sociais. Nesse

sentido, Dias e Macêdo (2012) dão sua contribuição, ao elencarem os principais

estágios pelos quais foram desenvolvidas, historicamente, as medidas de proteção

social no mundo ocidental: 1) Assistencialismo: caracteriza-se pelas ações

espontâneas de caridade de membros e instituições sem qualquer participação

estatal. 2) Mutualismo: uma técnica de proteção na qual um conjunto de pessoas

reuniam-se para ajudar-se mutuamente, livre de interveniência estatal. 3)

Previdência social: seguro social obrigatório que visa proteger o trabalhador e seus

dependentes econômicos. 4) Seguridade social: sistema independentemente de

contribuição, que ampara as necessidades sociais de qualquer cidadão. É

importante salientar que, na trajetória histórica da proteção social, as lutas sociais

foram o principal fator de alavancamento das mudanças.

Inseridas nos modelos acima elencados, várias iniciativas de proteção

social foram adotadas nos diferentes períodos históricos. Na Idade Média, por

exemplo, surgiram as caixas operárias, de caráter mutualista, fruto da insatisfação

coletiva dos trabalhadores com suas condições de trabalho e insegurança frente às

vulnerabilidades pessoais, como doença, morte, invalidez etc. Relata Ibrahim (2008,

p.2) que essas caixas eram “de origem livre, sem intervenção estatal, nos quais um

conjunto de pessoas com interesse comum reunia-se, visando à cotização de valor

certo para o resguardo de todos, em caso de algum infortúnio.” Essas sociedades

mutualistas deram origem aos sistemas de seguro privados, genitores das primeiras

formas de previdência.

Com o discurso de proteger, mas na verdade, imbuído do propósito de

controlar os indivíduos que tinham como habitat as ruas ou que viviam numa

profunda pobreza, foi editada, na Europa absolutista do século XVII, mais

especificamente, na Inglaterra, a Lei dos Pobres (Poor Law e Poor Relief Act), que

instituiu a contribuição obrigatória das pessoas com algum poder aquisitivo para

prover assistência social aqueles. Segundo Pereira Júnior (2005, p. 7), “surgia a

primeira disciplina jurídica de proteção social, por força de dogmas religiosos, de

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molde a ser precursora da previdência social como concebida na atualidade.”

Ressalta-se que, naquele período, a Igreja Católica exercia importante papel na

organização da caridade aos mais carentes.

Contudo, as transformações políticas, econômicas e sociais do século

XVIII, advindas do surgimento da classe burguesa e da Revolução Industrial, de

caráter liberal, acarretaram graves consequências para as condições de vida dos

trabalhadores fabris, cujo atendimento de suas necessidades básicas era cerceado

devido ao regime de exploração de trabalho e aos baixos salários a que eram

submetidos, não lhes permitindo, sequer, consumir o que eles próprios produziam.

Para o Estado Liberal, a intervenção estatal deveria ser mínima, cabendo ao próprio

indivíduo prover o seu bem-estar social e familiar. Essa realidade tornava a proteção

desejada pelos trabalhadores inviável, pois, os valores em espécie por eles

aquinhoados nos fundos mutualistas, não obtinham somas compensatórias,

acarretando profunda insatisfação no meio operário.

Com o crescimento da grande massa trabalhadora nas indústrias, no

século XIX, as condições de trabalho tornaram-se ainda mais precárias e o Estado

liberal permanecia sem cogitar qualquer política que viesse ao encontro da

reivindicação operária por proteção. Nessa lógica, era praticamente impossível o

trabalhador fabril chegar a um patamar elevado de qualidade de vida, pois sua

remuneração era insuficiente para garantir o consumo dos bens que ele próprio

produzia. Obtendo uma consciência mais profunda de classe explorada e um

patamar de organização bastante elevado, o operariado radicalizava suas lutas,

ameaçando efetivamente o status quo.

Na Alemanha, na segunda metade daquele século, por exemplo, a

pressão da classe trabalhadora foi de tal monta que o governo de Otto Von Bismarck

foi obrigado a instituir um sistema de seguros sociais para o assalariado acometido

por doença, acidente de trabalho, invalidez e velhice, mediante prévia contribuição

Após essa experiência alemã, outros países, como o México, em 1917, e a

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República de Weimar em 1919, trataram, em suas legislações, sobre a

implementação obrigatória de direitos sociais e previdenciários. Pereira Júnior

(2005) ao analisar a dinâmica da proteção social no mundo afirma:

É fácil notar que todos os grandes marcos evolutivos da cadeia histórica da proteção social vieram precedidos de enormes conturbações sociais, que culminaram, em maior ou menor intensidade, na alteração da postura do Estado em relação à condução das políticas públicas. (PEREIRA JÚNIOR, 2005, p. 19)

Nessa direção, a proteção social foi obtendo, historicamente, avanços e

retrocessos, a depender da capacidade de organização da classe trabalhadora e

dos movimentos sociais, da pressão destes sobre os órgãos estatais e das crises

cíclicas de acumulação do capitalismo.

Podemos destacar como um dos contextos favoráveis à expansão da

proteção social nos países ricos, as décadas de 40, 50 e 60 do século XX. Diferente

do modelo de seguro instituído na Alemanha, conhecido como bismarkiano, que se

caracterizava por exigir a contribuição individual direta para ter direito à proteção,

surge na Inglaterra, após a Segunda Guerra Mundial, um novo modelo criado por

William Beveridge. O modelo beverigdiano tem como principal característica a

garantia dos direitos universais a todos os cidadãos e o atendimento das

necessidades através dos mínimos sociais. O financiamento é advindo dos impostos

fiscais e a gestão é pública, estatal, orientada pelo princípio da unificação

institucional e uniformização dos benefícios. (BOSCHETTI, 2009).

Com efeito, podemos perceber que a ampliação da proteção oferecida

pelo seguro social bismarckiano, que culminou na extensão da proteção social a

toda população e não somente à classe trabalhadora, ficou conhecido como sistema

beveridgiano, surgindo, assim, a concepção de seguridade social1. Essa forma

1 Vários autores brasileiros trabalham o conceito de seguridade social, dentre os quais destacamos: Ana Elizabete Mota (1995), Elaine Behring (2003), Maria Lúcia Vianna (2004) e Sérgio Pinto Martins

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ampliada de proteção baseada na assistência pública coincidiu com o surgimento do

Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), no qual passou-se a se reconhecer a

obrigação do Estado frente às necessidades sociais básicas da população.

Atualmente, nos países, de modo geral, a seguridade social baseia-se nos dois

modelos, o bismarckiano e o beveridgiano, sendo que um ou outro prevalece, de

acordo com a economia, a capacidade de intervenção do Estado e da correlação de

forças de sua classe trabalhadora. A respeito disso, fala Boschetti (2009, p. 3):

As políticas existentes e que constituem os sistemas de seguridade social em diversos países apresentam as características dos dois modelos, com maior ou menor intensidade. No Brasil, os princípios do modelo bismarckiano predominam na previdência social, e os do modelo beveridgiano orientam o atual sistema público de saúde (com exceção do auxílio doença, tido como seguro saúde e regido pelas regras da previdência) e de assistência social, o que faz com que a seguridade social brasileira se situe entre o seguro e a assistência social.

Após as duas grandes Guerras Mundiais que assolaram a Europa no

primeiro quartel do século XX, o Direito Internacional criou uma série de

instrumentos normativos voltados para o fortalecimento dos direitos sociais e

humanos, dentre os quais destacamos a Declaração Americana Dos Direitos e

Deveres do Homem (1948), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o

Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1966) e a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969).

O artigo XXII da Declaração dos Direitos Humanos prevê o direito à

seguridade social. Conforme leciona Dias e Macêdo (2012, p. 76), “o direito à

seguridade social é um direito social, um direito fundamental de segunda geração, a

exigir do Estado o oferecimento de prestações, as quais são limitadas, porém, pela

disponibilidade de recursos econômicos.” A partir desse documento, a proteção

(2003, p. 43) que conceitua a seguridade social como “um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”.

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social baseada na seguridade ganhou efetiva expansão, acompanhado do

crescimento dos modelos de Estados Democráticos de Direito.

Seguindo essa direção, a Constituição brasileira, em seu art. 194, define a

seguridade social como o “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes

públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à

previdência e à assistência social.” (BRASIL, 1998). Além de delimitar as políticas,

nossa Carta Magna apontou alguns princípios organizacionais.

Dentre os princípios constitucionais da seguridade no Brasil, queremos

destacar a universalidade da cobertura e do atendimento que tem por escopo

atender a todas as pessoas que necessitem de proteção diante dos riscos sociais.

Na esfera previdenciária, o princípio da universalidade se faz presente na

possibilidade de todo individuo ter acesso às prestações oferecidas pela Previdência

Social, mediante contribuição. Contudo, outro princípio se contrapõe a este – o da

seletividade –, que estabelece alguns critérios para obtenção, pelo contribuinte, do

direito às prestações.

Inserido como uma das prestações previdenciárias, o auxílio-reclusão

será foco de nosso estudo, cujo princípio de universalidade além de não ter sido

respeitado pelo Plano de Benefícios (1991), é esse benefício cingido por estigmas e

preconceitos, por se constituir como seu público-alvo o presidiário. Antes, porém, de

expor sobre ele, daremos a conhecer, de forma breve, a Previdência Social

brasileira que, desde seus primórdios, vem passando por uma série de

transformações conceituais e estruturais, principalmente, no que tange aos aspectos

basilares do sistema como a cobertura, a oferta de benefícios e as formas de

financiamento.

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1.2 BREVE HISTÓRICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

A proteção social no Brasil se efetivou, inicialmente, através das ações de

assistência privada de cunho caritativo e religioso. Nessa perspectiva, foram criadas,

no Período Colonial, as Santas Casas de Misericórdia, as quais, para se manterem,

contavam com a ajuda financeira das famílias mais abastadas. Não obstante essas

iniciativas privadas, o Estado brasileiro permanecia omisso no que dizia respeito à

proteção social da população, fato esse constatado na própria Constituição de 1824

que, em nenhum momento tratou do assunto. Já no Império, foram instituídos e

regulamentados, as caixas de socorro (de cunho mutualista) e os montepios.

As primeiras caixas de socorros foram devidas aos empregados públicos

das estradas de ferro, em 1888. Quanto aos montepios, o mais significativo, naquele

momento, surgiu no Rio de Janeiro, cognominado de Monte-Pio Geral de Economia

dos Servidores do Estado, que assegurava às famílias do servidor civil e militar

falecido o pagamento de pensões. Após a proclamação da República, em 1889, foi

promulgada a Constituição de 1891 que tratou, pela primeira vez, da aposentadoria,

destinada aos servidores públicos em caso de invalidez. (GURGEL, 2007).

No final do século XIX, graças ao recém-extinto regime escravocrata,

baseado na exploração do negro e depois, de lavradores europeus, o Brasil foi

considerado o maior exportador de café, o que lhe rendeu destaque no mercado

exterior. As empresas privadas, ainda incipientes, não ofereciam condições de

segurança aos seus trabalhadores, por isso a categoria dos servidores públicos era

a mais beneficiada pelas parcas medidas de proteção social da época. Desse modo,

no início do século XX, empresas e organizações públicas começaram a fomentar

organizações previdenciárias que assegurassem assistência médica e auxílios em

caso de invalidez, desemprego aos servidores e pensão por morte aos seus

dependentes, mediante a contrapartida da contribuição.

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O instrumento jurídico que se constituiu o marco da criação do sistema

previdenciário brasileiro foi a Lei Elói Chaves (Decreto nº 4.682), datada de 1923,

que instituiu as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para os ferroviários,

prevendo aposentadoria por invalidez, pensão aos dependentes do trabalhador e

pagamento de indenizações em caso de acidentes de trabalho. Contudo, esta não

era a primeira disposição legal sobre o assunto.2

A administração de cada CAP ficava a cargo dos empregados e

empregadores, sendo muito restrita a atuação do Estado. Mesmo com a crescente

adesão às CAPs, muitas empresas, por serem de pequeno porte financeiro, ficaram

alheias a esse processo, o que determinou a ausência de proteção previdenciária a

uma parcela significativa de trabalhadores. (IBRAHIM, 2008)

Segundo Afonso (2003), as primeiras categorias organizadas nas CAPs

eram as que tinham importância econômica para a exportação do café, como os

ferroviários, os marítimos e os portuários. Nos anos 1930, o setor cafeeiro, voltado

para o comércio exterior, foi prejudicado pela crise econômica de 1929, gerando um

crescimento do mercado interno, mas, também, uma elevação no nível de

desemprego. Diante das demandas sociais emergentes, os poucos filiados das

CAPs já não ofereciam recursos suficientes para sustentar o sistema. Esse quadro

provocou uma reorganização previdenciária e trabalhista durante o governo de

Getúlio Vargas, que levou a substituição das Caixas de Aposentadoria e Pensão

(CAPs) pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs). O primeiro IAP foi o dos

marítimos (IAPM), seguido dos bancários (IAPB), industriários (IAPI), comerciários

(IAPC), empregados de Transportes e Cargas (IAPETC), sendo o último, o Instituto

de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado (IPASE).

Embora tenha representado um avanço, o modelo dos IAPs gerou

distorção em termos de proteção social, pois excluiu os trabalhadores rurais e os

2 A primeira foi a Lei 3.724/1919 que implantou o benefício Acidente de Trabalho, tornando obrigatória a indenização por parte das empresas nos eventos de acidente de trabalho (cf. IBRAHIM, 2008).

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trabalhadores informais urbanos. Os institutos também permitiram uma maior

participação e controle do Estado sobre o sistema securitário do país. Em novembro

de 1930, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, por meio do

Decreto nº 19.433, o qual tinha por função regulamentar e supervisionar a

previdência social. Além disso, Vargas visava controlar a tensão entre

empregadores e empregados advinda das greves e mobilizações dos trabalhadores

fruto do processo de industrialização. (AFONSO, 2003) Com a Constituição de 1934

o sistema previdenciário começou a ser financiado na forma de tríplice custeio entre

Estado, empregadores e empregados.

Entre os anos de 1945 e 1966 ocorreram várias iniciativas de unificação

do sistema previdenciário. Os problemas com as despesas e receitas do sistema,

aliados a ingerência governamental foram preponderantes para que se buscassem

novos meios para segurar o regime. (AFONSO, 2003) Em 26 de agosto de 1960, a

Lei nº 3.807, conhecida como Lei Orgânica de Previdência Social (LOPS), unificou a

legislação previdenciária e uniformizou as contribuições e os planos de benefícios

dos diversos institutos, reduzindo, assim, a disparidade existente entre as categorias

profissionais. (relativos a capacidade de custeio, benefícios, cobertura, quantidade

de membros). Todavia, essa lei instituiu dois sistemas previdenciários, um, para

trabalhadores da iniciativa privada e outro, para os servidores públicos, quebrando a

uniformidade proposta.

Além das alterações acima mencionadas, a LOPS criou alguns

benefícios, como o auxílio natalidade, o auxílio funeral e o auxílio reclusão. Em 1963,

foi criado o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), estendendo

alguns benefícios conquistados aos trabalhadores rurais brasileiros. Em 1966, os

seis institutos existentes forma unificados pelo Decreto-Lei nº 72 em um novo órgão

– o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) – que unificou também as ações

da previdência para os trabalhadores do setor privado, exceto os trabalhadores

rurais e os domésticos.

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À época da unificação, o governo militar do presidente Castello Branco

estabeleceu uma série de intervenções políticas tais como, a cassação de mandatos

políticos e a instituição do AI-2 que dissolveu os partidos políticos e instituiu o

bipartidarismo. Conforme Afonso (2003, p. 18), o Estado assumiu o controle da

previdência, tirando poder das mãos dos trabalhadores e das empresas,

considerando que “estas medidas centralizadoras devem ser entendidas como parte

de um processo mais amplo de endurecimento do regime militar e redução dos

direitos civis.”.

Na década de 1970, foram criados outros benefícios previdenciários,

entre eles, o salário-família e o salário-maternidade. Os empregados domésticos

foram considerados como pertencentes ao rol de segurados, embora o dispositivo

legal que tratou deste assunto não tenha sido regulamentado. Essas novas

aquisições em termos de prestações previdenciárias acrescidas de outras medidas

administrativas e operacionais contribuíram mais ainda para a unificação da

legislação previdenciária, resultando na Consolidação das Leis da Previdência

Social – CLPS, regulamentada pelo Decreto nº 77.077, de 24 de janeiro de 1976.

Em 1974, o Ministério do Trabalho e Previdência Social foi extinto e criado

um que respondia apenas pelo trabalho (MT) e o outro pela previdência e

assistência social (MPAS). Três anos após, tendo sido constatado a expansão da

demanda para os serviços assistenciais e previdenciários, foi implantado, para

melhor estruturar o sistema previdenciário, o Sistema Nacional de Previdência e

Assistência Social – SINPAS. Integraram o SINPAS os seguintes órgãos: Instituto

Nacional de Previdência Social - INPS; Instituto Nacional de Assistência Médica da

Previdência Social - INAMPS; Fundação Legião Brasileira de Assistência - LBA;

Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor - FUNABEM; Empresa de

Processamento de Dados da Previdência Social - DATAPREV; Instituto de

Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – IAPAS e a Central

de Medicamentos - CEME.

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Da metade dos anos 70 até 1988, quando foi promulgada a Constituição

Federal atual, o sistema previdenciário enfrentou alguns desafios que geraram uma

grave crise no INPS. Afonso (2003) faz uma análise dos fatores estruturais que

levaram a esse quadro, entre os quais destacamos: a redução na relação entre

receitas e despesas, a sonegação das obrigações previdenciárias, a crescente

inflação, a crise econômica, a redução das atividades industriais e dos salários, o

esgotamento do financiamento externo aliado ao desequilíbrio fiscal e o aumento da

dívida interna e externa brasileira.

Nesse contexto, mais precisamente, nos anos 80, deu-se o processo de

abertura política e de redemocratização do país. Em 05 de outubro de 1988,

promulgou-se a nova Constituição brasileira, que ampliou de forma significativa os

direitos individuais, políticos e sociais, possibilitando, a participação social, a

universalização de acesso aos serviços sociais e o combate às desigualdades

socioeconômicas. Inserida no campo dos direitos sociais, a Previdência Social foi

assim organizada no texto constitucional original:

Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão; II - ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda; III - proteção à maternidade, especialmente à gestante; IV - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 5º e no art. 202. (BRASIL, 1988)3

O Decreto nº 99.350, de 27 de junho de 1990, criou o Instituto Nacional do

Seguro Social – INSS, mediante fusão do INPS e do Instituto de Administração

Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS). Em 24 de julho de 1991,

entraram em vigor duas legislações fundamentais da Previdência Social no Brasil, a

Lei n°. 8.212, a qual dispôs sobre a organização da Seguridade Social e instituiu seu

novo Plano de Custeio e a Lei n°. 8.213, que instituiu o Plano de Benefícios da

3 Vale ressaltar que esta redação não se encontra mais em vigor desde a aprovação da Emenda Constitucional nº 20, de 1998.

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Previdência Social. Destacam-se neste, os principais benefícios oferecidos pela

Previdência: auxílio-doença, auxílio-reclusão, auxílio-acidente, pensão por morte,

aposentadoria por idade, tempo de contribuição e invalidez, salário-maternidade e

salário-família.

Coube, assim, ao Plano de Benefícios, o detalhamento dos preceitos

constitucionais relativos à Previdência Social. Além de elencar os benefícios e

serviços previdenciários, ele ratificou os princípios e objetivos básicos dessa política

previstos na Constituição, os quais têm por base o primado do trabalho, o bem-estar

coletivo e a justiça social. Com base nesses princípios, o Regime Geral da

Previdência Social (RGPS) inaugurado pelo referido Plano, ampliou a cobertura ao

incorporar os trabalhadores rurais que vivem em regime de economia familiar ao

sistema de benefícios com redução de cinco anos para a concessão de

aposentadoria por velhice. Além disso, houve mudanças nas regras de

aposentadorias, na definição do piso de um salário mínimo para todos os benefícios

e outras alterações que não proporcionaram suficiente contrapartida contributiva.

(BERTUSSI E TEJADA, 2003)

No âmbito do RGPS são considerados beneficiários os segurados da

previdência social (obrigatórios e facultativos) e seus dependentes no caso de serem

atingidos por alguma contingência que gere incapacidade laboral, morte ou prisão.

Os segurados são todas as pessoas físicas que exerçam ou não atividade

remunerada, com ou sem vínculo empregatício. Os segurados obrigatórios são

aqueles filiados ao sistema de forma compulsória por meio de atividade remunerada,

já os segurados facultativos filiam-se por interesse próprio, mesmo não tendo

atividade remunerada.

Os segurados obrigatórios são divididos em cinco espécies: empregado,

empregado doméstico, avulso, contribuinte individual e segurado especial. O

segurado facultativo que ingressa por vontade própria no sistema previdenciário é a

dona-de-casa, o estudante, etc. A facultatividade é uma forma de universalizar o

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acesso àqueles que não estejam exercendo atividade. O segurado especial é o

trabalhador rural, o qual contribui sobre o valor da comercialização de sua produção

rural.

Além dos beneficiários segurados, há também os beneficiários na

condição de dependentes. São estes: o cônjuge, a companheira, o companheiro e o

filho não emancipado de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido;

os pais; ou o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um

anos ou inválido. Os dependentes de uma mesma classe concorrem em igualdade

de condições no recebimento das prestações, enquanto que a existência de

dependente de duas classes distintas exclui o direito daquele de classe inferior. A

dependência econômica de cônjuge/companheiro(a) e filhos é presumida e a das

demais deve ser comprovada.

Duas reformas constitucionais importantes ocorreram nos últimos anos no

âmbito previdenciário: a primeira, introduzida pela Emenda Constitucional 20 (1998),

de autoria do governo Fernando Henrique Cardoso; e a segunda, pela Emenda

Constitucional 41 (2003), do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ambas promoveram

alterações no marco jurídico geral alegando reverter o desequilíbrio do orçamento

federal e garantir a sustentabilidade do sistema a longo prazo. Contudo, estas

mudanças suprimiram conquistas constitucionais e direitos sociais de trabalhadores

privados e servidores públicos. (GURGEL, 2007)

A primeira mudança promovida pela EC nº 20, foi em relação ao artigo nº

201 da Constituição, que ganhou, a partir dela, a seguinte redação:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

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V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes [...] (BRASIL, 1998)

Conforme o exposto, referida Emenda buscava dar maior equilíbrio

financeiro e atuarial ao modelo previdenciário, enfatizando o caráter contributivo.

Sabe-se, porém, que esse mecanismo acarretou uma profunda retração na proteção

social do trabalhador, ideia essa reforçada na citação abaixo:

As principais mudanças efetuadas no regime geral com a emenda de 1998 foram: o maior rigor para a obtenção da aposentadoria, o estabelecimento de período mínimo de contribuição, além de mudanças no cálculo dos benefícios advindos da introdução do fator previdenciário, que funcionou como uma fórmula de ajuste atuarial para os contribuintes elegíveis à obtenção da aposentadoria. Para os servidores públicos, o aspecto mais significativo foi a eliminação da aposentadoria proporcional para os novos servidores, que, anteriormente, garantia a possibilidade de antecipação da aposentadoria. (NAKAHODO E SAVOIA, 2008, p. 51)

Já o Governo Lula, apoiado por alianças e partidos e vivenciando uma

maior estabilidade econômica, conseguiu aprovar a EC nº 41/03 que alterou o teto

de benefícios do Regime Geral, o cálculo das aposentadorias dos servidores

públicos, bem como determinou o fim da paridade entre os benefícios dos servidores

ativos e inativos. Para ambos os governos, a reforma do sistema previdenciário foi

uma maneira de se chegar a um equilíbrio fiscal do governo. (NAKAHODO E

SAVOIA, 2008)

Compondo o sistema de seguridade social, a Previdência Social é um

direito fundamental destinado aos trabalhadores e aos seus dependentes, tendo por

objetivo a manutenção básica da vida. Analisando a sua trajetória histórica, é

possível observar que, em meio à medidas que trouxeram avanços e retrocessos e à

conjunturas favoráveis ou não à classe trabalhadora, a instituição previdenciária

tornou mais amplo o seu campo de abrangência e o público a ser amparado, haja

vista a inserção de categorias profissionais de menor impacto na economia como,

por exemplo, o empregado doméstico, o pequeno produtor, o contribuinte facultativo.

Além disso, a Previdência Social se antecipou, algumas vezes, até mesmo ao setor

jurídico, no reconhecimento do direito social de alguns segmentos, tais como o da

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companheira do segurado e o dos dependentes daquele que cumpre prisão pela

prática de delito.

A pessoa detida por ordem judicial encontra uma forte rejeição no

imaginário social. Por isso, podemos considerar a prisão como um dos eventos mais

onerosos para o segurado e seus dependentes, pois além da subtração do suporte

financeiro da família, existe um estigma sobre a condição de recluso. Por se

constituir um risco a ser coberto pela Previdência Social, sob o nome de Auxílio-

Reclusão e, em torno do qual, desenvolve-se uma grande polêmica, este será o

tema do próximo tópico e o objeto de nosso estudo.

1.3 O AUXÍLIO RECLUSÃO

A sociedade brasileira, desde o Período Colonial, vem se configurando

social, econômica e culturalmente desigual. Naquele período, predominava o regime

escravocrata e, mesmo após a promulgação da Lei Áurea, em fins do século XIX e

que decretou o fim da escravatura, a relação de dominação/submissão prevaleceu

entre os proprietários de terra e seus empregados, a maioria destes últimos

constituída de negros. Desde então e se prolongando até as três primeiras décadas

do século XX, o Brasil tinha sua economia baseada, principalmente, na produção

agrícola, o que dava aos latifundiários poderes exorbitantes, não apenas econômico,

mas também, político. Por essa razão, a urbanização, durante esse longo período,

era incipiente, pois as propriedades eram muito extensas e a densidade

populacional baixa.

Com o processo de industrialização, que se desenvolveu a partir da

década de 1930, foi instalado o modelo de assalariamento, baseado na produção de

mercadorias pelo operariado, através da exploração de sua força de trabalho para

gerar mais-valia, ocasionando profundas desigualdades sociais. Nesse contexto, a

classe trabalhadora via suas condições de vida tornarem-se degradantes, sem

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conseguir suprir as necessidades de saúde, moradia, educação, lazer de sua família

devido aos baixos salários.

Este modelo que configurou a relação de trabalho no Brasil nos moldes

do capitalismo perverso foi complexificando as relações sociais e a relação entre a

sociedade civil e o Estado, dando visibilidade a alguns processos estatisticamente

insignificantes até então, como o abandono infantil, o trabalho feminino, os arranjos

familiares, a violência doméstica, a violência policial, entre outros.

Por outro lado, sendo o sistema prisional e o poder judiciário brasileiro

deficientes, ambos propiciaram um cenário de desordem e de práticas punitivas

equivocadas que penalizavam, em geral, os pobres e os negros. O trabalhador, por

sua vez, vivendo uma condição social de extrema pobreza, muitas vezes,

engrossava a fila dos encarcerados, por delitos quase sempre insignificantes, como

furtos, embriaguez ou manifestações públicas pela negação de direitos trabalhistas,

entre outros. Mas, esse mesmo trabalhador não tinha ainda um poder de barganha

socialmente reconhecido de modo a pressionar o Estado a adotar medidas de

proteção para sua família, enquanto se mantivesse na prisão.

Nesse contexto, a primeira legislação que irá abordar a questão da

proteção da família do segurado cumprindo sentença prisional surgiu na política

previdenciária brasileira, no artigo 63 do Decreto Nº 22.872, de 29 de junho de

19334, que estabeleceu o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos:

Art. 63. O associado que, não tendo familia, houver sido demitido do serviço da empresa, por falta grave, ou condenado por sentença definitiva, de que resulte perda do emprêgo, e preencher todas as condições exigidas neste decreto para aposentadoria, poderá requerê-la, mas esta sô lhe será concedida com metade das vantagens pecuniarias a que teria direito si não houvesse incorrido em penalidade. Parágrafo único. Caso e associado esteja cumprindo pena de prisão e tiver família sob sua exclusiva dependência econômica, a importância da

4 Disponível em: < http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/23/1933/22872.htm> Acesso em: 11 maio 2014.

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aposentadoria a que se refere êste artigo será paga ao representante legal da sua família, enquanto perdurar a situação de encarcerado.

Com a instituição do IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos

Bancários), pelo Decreto nº 24.615/1934, o auxílio-reclusão também foi

regulamentado no art. 67 do mesmo. Quando da instituição da Lei Orgânica da

Previdência Social, Nº 3.807/60, aparece pela primeira vez a nomenclatura de

auxílio-reclusão no texto legislativo. Dispõe o artigo 43 da referida Lei5:

Art. 43. Aos beneficiários do segurado, detento ou recluso, que não perceba qualquer espécie de remuneração da emprêsa, e que houver realizado no mínimo 12 (doze) contribuições mensais, a previdência social prestará auxílio-reclusão na forma dos arts. 37, 38, 39 e 40, desta lei. § 1º O processo de auxílio-reclusão será instruído com certidão do despacho da prisão preventiva ou sentença condenatória. § 2º O pagamento da pensão será mantido enquanto durar a reclusão ou detenção do segurado o que será comprovado por meio de atestados trimestrais firmados por autoridade competente.

Podemos observar que o texto não faz referência a limites quanto ao

salário-de-contribuição6 do segurado nem acerca da manutenção da qualidade de

segurado, impondo-se apenas como exigência para a concessão, a carência de

doze meses de contribuição, mas deixa claro que os beneficiários do auxílio-

reclusão são os dependentes do segurado recolhido à prisão e que, por isso mesmo,

está impossibilitado de exercer atividade remunerada para prover o atendimento das

necessidades básicas de sua família.

5 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3807.htm> Acesso em: 11 mai. 2014. 6 O valor do salário de contribuição corresponde ao salário do segurado, embora, desde a EC nº 20/1998, tenha sido definido um valor-base e um teto para o salário-de-contribuição. No ano de 2014, o valor máximo do salário-de-contribuição à Previdência Social é de R$4.390,24, atualizado de acordo com a Portaria Interministerial MPS/MF nº 19, de 10/01/2014.

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Esse direito foi garantido na Constituição Federal de 1988, em seu artigo

201, alterado pela Emenda Constitucional Nº 20, de 15 de dezembro de 19987, que

diz:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: [...] IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda [...] (BRASIL, 1998)

Como podemos verificar, essa Emenda criou um novo requisito para a

concessão do benefício: a baixa renda. O critério da baixa renda é baseado no valor

do último salário-de-contribuição do segurado8. No entanto, existe uma grande

discussão acerca desse critério, sendo considerado inconstitucional por vários

autores, entre os quais podemos destacar Zélia Luiza Pierdoná (2008).

Pierdoná (2008) argumenta que o critério de baixa renda para o auxílio-

reclusão fere os princípios constitucionais. Em sua exposição, a autora defende que

todo trabalhador que contribui para a previdência deve fazer jus a proteção desta,

bem como seus dependentes, já que o objetivo dessa instituição é assegurá-lo em

caso de incapacidade laboral, morte ou prisão. Assim, considera que excluir uma

parcela dos dependentes da proteção previdenciária e desamparar a família do

recluso com renda superior ao limite legal, fere o princípio da universalidade da

cobertura e do atendimento.

Outra violação se dá, segundo a autora, em relação ao que os juristas

chamam de princípio da personalidade da pena. Esse princípio estabelece que a

responsabilidade penal do condenado é individual, não se transmitindo a terceiros.

7Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc20.htm> Acesso em: 12 mai 2014. 8 No caso do auxílio reclusão, deve prevalecer o salário de contribuição vigente na data de recolhimento à prisão, não devendo este ser superior a R$ 1.025,80 (atualizado de acordo com a Portaria Interministerial MPS/MF nº 19, de 10/01/2014).

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Cabe ao condenado arcar com as consequências de seus atos delituosos, não

sendo estendida essa responsabilidade aos seus familiares.

Prosseguindo em sua argumentação, assevera Pierdoná (2008) que o

critério de baixa renda fere o princípio da isonomia, já que o benefício não se

estende a todos os trabalhadores. Portanto, para a autora, não há fundamento no

ordenamento jurídico para a limitação de renda imposta pela EC nº 20/98, haja vista

a violação de diversos princípios constitucionais. Além disso, o Estado tem como

dever fundamental promover a proteção da família, independente de sua renda

familiar.

Pereira e Lopes (2012, p. 68) exaltam a maximização dos direitos

fundamentais pelo benefício previdenciário do auxílio-reclusão à luz do princípio da

dignidade humana, ao entenderem que o benefício provê o sustento dos familiares

do segurado preso, possibilitando, assim, uma vida digna aos mesmos. Segundo os

autores, a dignidade humana é “o principal princípio para a compreensão exata de

toda constituição, dos direitos dos cidadãos, para a justa aplicabilidade das normas

de direito, para a justa concessão dos benefícios previdenciários.”

Do ponto de vista legal encontraremos no artigo 80 do Plano de

Benefícios da Previdência Social, lei 8.213/919 (BRASIL s.d.), a seguinte redação: “o

auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos

dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da

empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de

permanência em serviço”. Não é exigida a carência de 12 meses para que os

dependentes tenham direito ao benefício, porém é necessário que o preso tenha

qualidade de segurado à época da prisão. Isso significa dizer que, caso o segurado

esteja desempregado, o benefício será concedido se a data da prisão for dentro do

período de até 12 meses após a última contribuição.

9 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm> Acesso em 13 mai 2014.

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Um fator decisivo para a concessão do benefício é o tipo de regime

prisional em que se encontra o segurado. Conforme a Instrução Normativa

INSS/PRES Nº 45, de 06 de agosto de 201010:

Art. 332. Considera-se pena privativa de liberdade, para fins de reconhecimento do direito ao benefício de auxílio-reclusão, aquela cumprida em regime fechado ou semi-aberto, sendo: I - regime fechado aquele sujeito à execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; e II - regime semi-aberto aquele sujeito à execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.

Assim, não será concedido o benefício para os dependentes do

segurado que estiver cumprindo pena em liberdade condicional ou em regime

aberto. Em caso de soltura ou fuga, o auxílio-reclusão será suspenso. A legislação

prevê ainda, no artigo 331 da Instrução Normativa INSS/PRES Nº 45, o direito ao

auxílio-reclusão ao maior de dezesseis e menor de dezoito anos de idade que se

encontre internado em estabelecimento educacional ou congênere, sob custódia do

Juizado da Infância e da Juventude, desde que este venha contribuindo para a

Previdência Social.

São considerados dependentes do segurado, segundo o artigo 17 da

Instrução Normativa acima referida, “o cônjuge, a companheira, o companheiro e o

filho não emancipado de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido;

os pais; ou o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um

anos ou inválido.” Após a concessão do benefício, os dependentes devem

apresentar à Previdência Social, trimestralmente, atestado de que o segurado

continua preso, emitido por autoridade competente.

O auxílio-reclusão cessa nas seguintes hipóteses: com a morte do

segurado; em caso de fuga; liberdade condicional, transferência para prisão-

albergue ou cumprimento da pena em regime aberto; se o segurado passar a

10 Disponível em < http://www3.dataprev.gov.br/sislex/index.asp> Acesso em 13 mai. 2014.

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receber aposentadoria ou auxílio-doença; ao dependente que perder sua qualidade

de pendente, através da aquisição da maioridade, fim da invalidez ou morte. No

caso de falecimento do segurado, o benefício será convertido em pensão por morte.

Feitas estas considerações teóricas e operacionais, gostaríamos de dizer

que é difícil não percebermos no cotidiano processos explícitos ou velados de

discriminação e de preconceito social direcionados aqueles que se encontram em

condições divergentes daquelas idealizadas pela sociedade, à exemplo dos presos.

No imaginário social, de modo geral, o indivíduo, ao ser preso, deve perder todo e

qualquer direito à proteção do Estado, embora haja pessoas que dependam dele

economicamente. Porém, estudiosos do auxílio-reclusão, como Salvador e Santos

(2013, p. 14), expõem seu pensamento nos seguintes termos:

De início, é necessário ressaltar que o auxílio-reclusão exerce um papel maior do que de um simples benefício previdenciário, já que serve de instrumento das políticas públicas que visam a recuperação social do preso, haja vista não bastar tão-somente recuperá-lo socialmente, mas sobretudo, alicerçar e preparar sua família para recepcioná-lo após a soltura.

Nessa perspectiva, fica evidente a importância do auxílio-reclusão, pois, o

dependente do segurado, desde que comprovado não ser cúmplice do delito por

este cometido, tem direito à proteção e, não, ficar desamparado como defende o

senso comum. Os dados empíricos a seguir demonstram a efetividade do auxílio-

reclusão:

Segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social (BRASIL, 2014) só

no mês de março de 2014, foram concedidos 1.775 auxílios-reclusão no Brasil,

sendo 1.645 urbanos e 130 rurais, com valor médio de R$ 868,82, estando 380

benefícios na condição de cessados. No ano de 2013 foram concedidos 25.211

auxílios-reclusão no Brasil, com média de 2100 benefícios por mês (quadro 1).

Fazendo uma comparação de concessões entre os anos de 2010 a 2013, temos um

crescimento médio anual de 13% (quadro 2).

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(Quadro 1)

Fonte: Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS) mar/2014. (Quadro 2)

Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS) 2010-2013

Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional – Depen

(BRASIL, 2013), são aproximadamente 574 mil pessoas presas no Brasil, em

delegacias, cadeias públicas, penitenciárias e presídios. É a quarta maior população

carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6

18851661

21022303

2131 21112261

24262219 2336

19851791

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

Quantidade de benefícios concedidos em

2013

Série1

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

ANO 2010 ANO 2011 ANO 2012 ANO 2013

17.10419.428

21.529

25.211

EVOLUÇÃO DAS CONCESSÕES DO AUXÍLIO-RECLUSÃO

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milhão) e Rússia (740 mil). Somando o período do ano de 2013 ao primeiro trimestre

de 2014, o INSS concedeu 30.567 benefícios de auxílio-reclusão, ou seja, somente

5,3% da população encarcerada têm seus dependentes beneficiários dessa

prestação previdenciária, corroborando a ideia de que a grande maioria dos presos,

no Brasil, não é contribuinte da Previdência Social. Em dezembro de 2012, os

benefícios pagos de auxílio-reclusão totalizaram pouco mais de R$ 25 milhões.

Acrescido a isso, as famílias de baixa renda deixam de procurar, muitas vezes, seus

direitos por desconhecimento da existência desse benefício.

Não obstante essa constatação, o auxílio-reclusão é hoje alvo de muitas

críticas, tendo em vista uma parcela desinformada acreditar que o preso é quem

usufrui do dinheiro e não seus dependentes, ou que o valor pago a cada beneficiário

independe do salário-de-contribuição. A polêmica aumenta quando circulam através

de correntes de e-mails e das redes sociais informações incorretas sobre o auxílio-

reclusão, conhecido também como “bolsa-bandido”. Geralmente, são veiculadas

imagens de um assaltante apontando uma arma para a cabeça de alguém, junto a

textos errôneos, como por exemplo: “Quem matar, roubar, torturar e for preso, a

família do vagabundo terá o auxílio-reclusão de R$ 915,05 por filho. Mas se você é

um trabalhador que rala pra comprar comida pros seus filhos, seu salário é de

R$678! Isso é Brasil!”. (2012)

É provável que essas polêmicas estejam relacionadas a um fator

histórico-cultural, pois, como sabemos, o sistema prisional brasileiro se legitimou,

socialmente, punindo pobres e negros, pelos seus delitos. Se esses mesmos delitos

fossem praticados por ricos e brancos, a estes não eram aplicadas penas. Pior que

isso, muitas vezes, a responsabilidade de seus crimes eram repassados para os

primeiros. Essa prática de caráter jurídico-policial possibilitou a cristalização da ideia

de que só a pobreza comete crime. E mais: que a população pobre não quer

trabalhar, mas viver na vagabundagem ou na bandidagem e que lugar de bandido é

na prisão.

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Essa visão circula, principalmente, nas mídias sociais, exerce forte

influência na opinião pública, permitindo que mensagens preconceituosas contra o

auxílio-reclusão sejam creditadas como verdadeiras e induzindo à população a se

posicionar contra este benefício. Diante desse cenário, consideramos importante

analisar o auxílio-reclusão à luz da criminalização da pobreza e do estigma social, o

que tentaremos fazer no próximo capítulo.

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CAPÍTULO 2 – O ESTADO PENAL, A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA E O ESTIGMA SOCIAL DO PRESO.

2.1 O DESAPARECIMENTO DO WELFARE STATE E A ASCENSÃO DO ESTADO PENAL.

O Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State teve sua origem a partir

da década de 1940, nos Estados Unidos e nos países anglo-saxões, principalmente

após a Segunda Guerra Mundial, estendendo-se até os anos 1960. Conhecido como

a “Era Dourada do Capitalismo”, esse período caracterizou-se pelo crescimento

econômico industrial e o oferecimento de pleno emprego e amplos serviços sociais à

população, promovendo o acesso a serviços fundamentais para o bem comum nos

países mais desenvolvidos. “O momento dourado chegou a ser visto como uma

nova Revolução Industrial, por causa do crescimento da produção mundial e do

aumento de consumo.” (VICENTE, 2009, p. 124)

Esse período foi de grande avanço da produtividade e sustentabilidade

do capital devido à expansão do emprego e do consumo. A gestão econômica do

Estado de Bem-Estar foi alicerçada nas ideias intervencionistas de John Keynes que

defendia o desenvolvimento do planejamento estatal. Os ideais sociodemocráticos

keynesianos trouxeram importantes mudanças nas relações entre o capital e o

trabalho e o Estado e a sociedade civil, uma vez que possibilitaram uma maior

equidade no acesso da população aos bens e serviços, reduzindo, relativamente, as

injustiças sociais.

Nesse sentido, o Estado de Bem-Estar Social assumiu a responsabilidade

de manter um padrão mínimo de vida aos cidadãos como parte de sua obrigação em

garantir os direitos sociais. Segundo Rosanvallon (1981), esse padrão de Estado é o

prolongamento do Estado-Providência ou Estado-Protetor dos séculos XVII e XVIII,

cujos fundamentos se desenvolveram com a garantia de dois direitos fundamentais:

a vida e a propriedade.

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Para Rosanvallon(1998), aquele Estado-Providência foi-se tornando cada

vez mais político, afastando-se da lógica da reparação generalizada, na qual a lógica

securitária se dava como indenização e não como um direito. Nesse sentido, “a

construção do Estado-Providência se identificou historicamente com a instituição de

uma sociedade securitária baseada no princípio da socialização da responsabilidade

(passagem da noção de culpa à de risco)” (ROSANVALLON, 1998, p. 65)

No entanto, a prosperidade dos anos dourados verificada no Estado de

Bem-Estar não conseguiu mais se sustentar nos anos 60. Uma série de fatores

como a crise fiscal, os cortes salariais e as altas taxas de desemprego, levou a uma

crise estrutural do mesmo, passando a teoria keynesiana a ser questionada quanto a

sua capacidade de regular a economia e manter os gastos sociais, quando as

receitas estatais se mostravam incapazes de cumprir com seus objetivos. (MORAIS

E WERMUTH, 2012)

No Brasil, segundo Medeiros (2001), a constituição e desenvolvimento do

Estado de Bem-Estar Social ocorreram de forma diferenciada daquela observadas

nos Estados Unidos e na Europa. Entende o autor que este tenha se iniciado em

nosso país nos anos 1930, durante a Era Vargas, na qual o processo de

modernização é segmentado, tendo os setores econômicos tradicionais e

conservadores convivido com o surgimento da indústria moderna. Medeiros (2001,

p. 8) afirma que, “o Welfare State surge a partir de decisões autárquicas e com

caráter predominantemente político: regular aspectos relativos à organização dos

trabalhadores assalariados dos setores modernos da economia e da burocracia.”

Assevera ainda o autor, que a constituição do Welfare State brasileiro foi

marcada por um Estado autoritário, que implantou políticas sociais de caráter

conservador, visando controlar os movimentos de trabalhadores através de uma

combinação entre ações de repressão à parcela dos que se opunham ao status quo

e de concessão aos sindicatos de trabalhadores que apoiavam o regime. “Na

relação estruturada entre o Estado e a classe trabalhadora, convergem os

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fenômenos do patrimonialismo, cooptação e corporativismo.” (MEDEIROS, 2001, p.

11)

De acordo com Medeiros (2001), no período compreendido entre 1945 e

1964, o Estado autoritário deu lugar a um governo de traços democráticos, apesar

de ainda prevalecer a lógica do populismo, característica marcante da relação

Estado-Sociedade. O processo de urbanização crescente e de mudanças nas

relações sociais, sobretudo no âmbito do trabalho, aliado ao processo de

modernização e industrialização do país, exigiram do Estado a ampliação e a

rearticulação de suas funções para lidar com as transformações e demandas sociais

que estavam sendo postas.

Com o advento do Regime Militar, a partir de 1964, o modelo de Welfare

State perdeu seu caráter populista e as políticas sociais sofreram profundas

alterações na estrutura institucional e financeira. Duas linhas definidas foram

assumidas, conforme Medeiros (2001, p. 14):

A primeira, de caráter compensatório, era constituída de políticas assistencialistas que buscavam minorar os impactos das desigualdades crescentes provocadas pela aceleração do desenvolvimento capitalista; a segunda, de caráter produtivista, formulava políticas sociais visando contribuir com o processo de crescimento econômico.

Essas mudanças implicaram um grande volume de recursos aplicados em

políticas sociais, o que estimulou a participação da iniciativa privada. Porém, a

privatização das políticas sociais, “por um lado favoreceu sua expansão, por outro,

tornou-a regressiva, transferindo, recursos para estratos de maior renda.”

(MEDEIROS, 2001, p.15) Para o autor, do início da década de 1970 até o final da

década de 1980, o Welfare State brasileiro configurou-se como meritocrático-

particularista-clientelista, na medida em que definiu políticas específicas para grupos

sociais diferentes, reduzindo a patamares mínimos os programas assistenciais, o

que reforçou as desigualdades já existentes.

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Com o fim do regime militar e a promulgação da Constituição Federal de

1988 foi possível a restauração e institucionalização de direitos civis, políticos e

sociais, e, no bojo desse processo, a proteção social foi concebida como direito de

cidadania, distinguindo-se, conceitualmente, do padrão de proteção social até então

implementado, no qual existia, por parte dos poderes instituídos, forte resistência em

reconhecê-la como um direito a ser garantido pelo Estado aos indivíduos.

No início dos anos 1990, o projeto neoliberal começa a ganhar força no

Brasil no Governo Collor, amplamente comprometido com o projeto liberal-

conservador, contrapondo-se a alguns princípios e diretrizes constitucionais há

pouco tempo promulgados. No entanto, foi no Governo Fernando Henrique Cardoso

que se estabeleceu a maior parte do receituário neoliberal no país. Na vigência

desse mandato, teve início o processo de privatização das estatais, a quebra do

monopólio estatal brasileiro sobre o petróleo, a liberalização comercial e a reforma

da previdência. O Brasil abriu sua economia para o capital estrangeiro e o mercado

passou a ser o grande agente organizador da Nação, enquanto os trabalhadores,

como classe, começaram a sofrer um bombardeio incessante em seus direitos.

(BEHRING, 2003)

Ao estudar os efeitos do advento do Estado neoliberal, Behring (2003)

afirma que a reestruturação produtiva e a mundialização da economia de mercado

configuram-se numa verdadeira contra-reforma do Estado e das formações sociais,

pois as políticas neoliberais remontam ao passado, na medida em que apostam na

busca pela rentabilidade através da atratividade, adaptação, flexibilidade e

competitividade.

No Brasil, o Estado neoliberal vem aplicando formas de

desresponsabilização e desfinanciamento da proteção social através do corte dos

gastos sociais, passando a implementar políticas focalizadas e paternalistas, com

estímulo a solidariedade individual, bem como a organizações filantrópicas e

organizações não governamentais - ONG’s. Esse quadro acaba facilitando o

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processo de privatização dos serviços públicos, transformando, assim, as políticas

sociais em mercadorias e desconfigurando a lógica do direito. (BEHRING, 2003)

Trazendo uma importante contribuição para o entendimento do projeto

neoliberal no processo de reorganização da sociedade, Laurell (2002) aponta que

para os neoliberais o intervencionismo estatal é ineficaz e ineficiente, pois não

atende as demandas do mercado e nem logra êxito na erradicação da pobreza,

tornando os pobres dependentes do Estado. Nesse sentido, expõe o autor:

No campo específico do bem-estar social, os neoliberais sustentam que ele pertence ao âmbito privado, e que suas fontes “naturais” são a família, a comunidade e os serviços privados. Por isso, o Estado só deve intervir com o intuito de garantir um mínimo para aliviar a pobreza e produzir, além daqueles que são, a rigor, de apropriação coletiva. (LAURELL, 2002, p.162)

Do acima exposto, inferimos que os programas sociais não são, na visão

neoliberal, para diminuir as desigualdades e garantir direitos sociais, mas para

amenizar as condições de profunda miséria. Amparado nesse mesmo ideário, o

Estado deixa de dar condições protetivas aos trabalhadores, criando uma massa de

excluídos e marginalizados sujeitos a inserir-se no mercado informal de trabalho e

no mundo da criminalidade. Destituídos de qualquer proteção social, os pobres

passam a ser visto como “classes perigosas”.11

Cada vez mais ser pobre é encarado como um crime; empobrecer, como produto de predisposições ou intenções criminosas – abuso de álcool, jogos de azar, drogas, vadiagem e vagabundagem. Os pobres, longes de fazer jus a cuidado e assistência merecem ódio e condenação – como a própria encarnação do pecado. (BAUMAN, 1998, p. 59)

11 Bauman (2006) considera que, originalmente, as classes perigosas eram compostas pelo excedente de pessoas que estavam temporariamente fora do mercado de trabalho. Porém, na visão pós-moderna, as “novas classes perigosas são aquelas reconhecidas como inadequadas para a reintegração e declaradas inassimiláveis” (BAUMAN, 2006, p. 102)

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Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman (1998), vivemos em uma pós-

modernidade marcada pela desregulamentação. O Estado de Bem Estar que antes

tinha a perspectiva do direito, transforma-se em caridade. O sistema

socioeconômico, antes centrado fortemente na produção, é alterado para valorizar o

mercado de consumo. A “sedução do mercado”, conforme o autor, faz o consumidor

acreditar que possuir e consumir determinados objetos são sinônimos de felicidade.

A negação da liberdade do consumir para a parcela que não tem condições geraria,

assim, a criminalidade. Condenados a viver à margem da sociedade de consumo,

surge uma massa de desempregados sujeitos a entrar no mundo crime por falta de

perspectivas de emprego. (BAUMAN, 1998).

Nessa lógica, o mercado converte-se no grande igualador e separador da

sociedade. Segundo Morais e Wermuth (2012), criou-se uma polarização social que

resulta na divisão entre os que pertencem à classe consumidora e os que não são

consumidores, sendo, por isso, considerados perigosos e dignos de repressão por

não terem funcionalidade para o capital.

Na modernidade líquida12 de Bauman (2006, pg. 102), os desempregados

estão excluídos permanentemente da sociedade empregável, considerados uma

subclasse, refugo humano, “ser[es] rejeitado[s], rotulado[s] como supérfluo[s],

inútil[s], não empregável[s] e destinado[s] a permanecer[s] economicamente

inativo[s]", que devem ser controlados pela força repressiva do Estado por serem

considerados possíveis criminosos. Bauman (2006, p. 103) reforça essa ideia ao

afirmar que:

Igualmente tênue é a linha que separa os ‘redundantes’ dos criminosos: ‘subclasse’ e criminosos são apenas duas subcategorias de ‘elementos anti-sociais’ diferindo entre si mais pela classificação oficial e pelo tratamento que recebem do que por sua postura e conduta. Tal como as pessoas sem emprego, os criminosos (ou seja, os confinados à prisão, acusados ou sob vigilância policial, ou simplesmente constantes dos registros da polícia) não são mais vistos como temporariamente afastados da vida social normal e

12 O autor apresenta o referido termo como sinônimo de pós-modernidade, globalização ou de época da economia política da incerteza ou do medo.

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destinados a serem ‘reeducados’, ‘reabilitados’ e, na primeira oportunidade, ‘reconduzidos à comunidade’ - mas como permanentemente marginalizados, inadequados para a ‘reciclagem social’ e destinados a serem mantidos afastados, longe da comunidade das pessoas respeitadoras das leis.

A globalização da economia trouxe avanços científicos e tecnológicos

para a sociedade, aumentando a capacidade produtiva do homem, mas, ao mesmo

tempo, ampliou de forma profunda a miséria, a pobreza e a desigualdade social,

promovendo um crescente sentimento de insegurança e medo na sociedade. Esse

crescente contexto de disparidades sociais se expressa na extrema concentração de

renda, no desemprego, no aumento da pobreza, da criminalidade e da violência,

entre outros.

Diante dessa contradição, várias teorias surgem para explicar o

desenvolvimento do desemprego e da pobreza. Maranhão (2008) ao fazer uma

análise das obras de sociólogos pós-modernos que abordam o tema, aponta que há

um consenso entre os mesmos de que houve o rompimento do “contrato social” na

sociedade pós- industrial, o qual levou a desagregação dos laços de solidariedade e

coesão social. “Para esses teóricos os excluídos são pessoas que estão

desprovidas de alguma propriedade ou de alguma espécie de contrato, seja ele

relativo ao trabalho, à terra, à renda, ao consumo ou ao sistema de seguridade

social.” (MARANHÃO, 2008, p. 95)

Numa visão marxista, trouxemos dois estudiosos: Faustino (2010) e Paul

Singer (2000). Segundo Faustino (2010, p. 18), os pobres não estariam excluídos da

sociedade, pois ocupam lugar estratégico para a efetivação do sistema capitalista,

“seja a partir de sua contribuição em setores de trabalho de subemprego, que são na

sociedade ‘malvistos’, porém necessários à economia, seja na contribuição

demográfica ao rebaixamento geral do valor da força de trabalho (salário)”. Paul

Singer (2000, p. 13) corrobora dessa ideia ao afirmar que “o desemprego não é um

mal, mas um efeito funcional das políticas de estabilização exitosas.” Para o autor, o

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chamado exército industrial de reserva desempenha importante papel estabilizador

no processo de compra e venda da força de trabalho.

Com o propósito de enfrentar as desordens sociais geradas pelo

aprofundamento das desigualdades sociais, além do crescimento da pobreza, do

desemprego em massa e do estabelecimento do trabalho precário, vem ganhando

espaço, nos últimos trinta anos, o Estado penal em detrimento do Estado social,

como estratégia de criminalização das classes potencialmente perigosas. Segundo

Brisola (2012, p. 130), o Estado penal se baseia no enfraquecimento das políticas

sociais e no fortalecimento das “políticas voltadas para o controle da ordem, com o

apoio do aparato policial e do Judiciário.” Martinez e Santos (2009, p. 214),

conceituam o Estado Penal como “aquele que se baseia no sentido arraigado da

coerção (tutoria) para afirmar uma legitimidade e, principalmente, uma legalidade

que criminalizam, punem e reprimem outros direitos e liberdades.”.

Grande estudioso do tema, Loïc Wacquant (2003), apresenta a

experiência dos Estados Unidos que, na década de 1990, implantaram medidas de

cortes orçamentários nas políticas sociais, principalmente nas políticas de

assistência, saúde, educação e habitação e em contrapartida, implementaram

políticas penais em favor da segurança pública, essencialmente de caráter punitivo

às classes pobres. Conforme o autor, o desenvolvimento do Estado penal ocorre

com o estabelecimento de uma verdadeira “ditadura sobre os pobres”13.

No decorrer das três últimas décadas, ou seja, depois dos confrontos sociais que abalaram os grandes guetos de suas metrópoles, a América lançou-se numa experiência social e política sem precedentes nem paralelos entre as sociedades ocidentais do pós-guerra: a substituição progressiva de um (semi) Estado-providência por um Estado penal e policial, no seio do qual a criminalização da marginalidade e a “contenção punitiva” das categorias deserdadas faz as vezes de política social. (WACQUANT, 2003, p. 19)

13 WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001b, p. 10.

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Para Wacquant (2003), esse modelo de Estado é guiado por uma cabeça

liberal montada sobre um corpo autoritário, configurando-se como um Estado-

centauro. Afirma ainda o autor que essa “política estatal de criminalização das

consequências da miséria de Estado opera segundo duas modalidades principais.”

(Wacquant, 2003, p. 27). A primeira consiste na utilização dos serviços sociais para

fins de vigilância e controle, exigindo certas normas de conduta do usuário como

condição para o acesso à assistência social. O segundo elemento é o

encarceramento sistemático e massivo, principalmente de negros, que em vinte

anos triplicou a população carcerária americana. Conforme Wacquant (2003), essa

expansão ocorreu não devido ao aumento da criminalidade violenta, mas pela

tendência à condenação de crimes e delitos antes considerados leves.

De acordo ainda com o mesmo autor (2001a apud CASTRO, 2010, p.

40), “a decadência do Estado social e a ascendência do Estado penal são

transformações complementares que fazem parte da institucionalização de um

governo de miséria para os miseráveis e de riqueza para os ricos.” Isso se

materializa nas políticas de assistência, que se apresentam de forma focalizadas e

pontuais, estigmatizando e criminalizando aquele que não consegue se inserir no

mercado de trabalho e que depende dessas políticas para sobreviver. Nesse

contexto, o pobre é percebido socialmente como culpado pela sua pobreza. Esse

padrão de atuação estatal que criminaliza os pobres os impede de se verem como

sujeitos de direitos e aceitem a assistência como um favor.

Segundo Faustino (2010) a pobreza em si não é ruim para a classe

dominante, mas sim os indivíduos pobres, pois estes representam algum tipo de

ameaça à ordem vigente. Partindo dessa lógica, o autor questiona o termo

“criminalização da pobreza” ao argumentar que, na verdade, ocorre uma

criminalização dos pobres e não da pobreza, pois aqueles é que são vistos como

criminosos e não a condição de pobreza em que se encontram. Para o Estado

penal, o fato de não ter tido “sucesso” na vida, já é um motivo para que o indivíduo

pobre seja alvo da estratégia de controle do Estado para o estabelecimento da

segurança.

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O Brasil, ao aderir ao projeto neoliberal, também adotou uma postura

punitiva e controladora no que se refere a manutenção da ordem pública. Criou-se

um alarme social em torno da criminalidade, o que provocou um generalizado desejo

de punição, evidenciado pelo maior controle prisional por parte do Estado. Segundo

Wacquant (2001b, p. 7):

A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países.

A existência desse paradoxo ganha cada vez mais visibilidade no Brasil.

A sociedade brasileira se sente literalmente insegura, pois, por se fundamentar na

economia de consumo, as parcelas mais pobres, não tendo acesso aos bens

produzidos, usam da violência para atender a alguns desejos de consumo criados

pelo próprio capitalismo e pelos meios de comunicação que estão a serviço deste.

No bojo desse emaranhado social de cunho capitalista, criou-se um sistema prisional

com caráter eminentemente punitivo e operacionalmente violento, retirando toda e

qualquer possibilidade de reinserção social. Reforçando esta nossa argumentação,

assevera Pastana (2009, p. 315), que o Estado intervém violentamente na vida dos

cidadãos, “materializada através de uma dominação autoritária, articulada pelo medo

e pela aplicação indiscriminada da pena de prisão”.

Com o propósito de exercer o controle e a manutenção da ordem social, o

Estado penal brasileiro adota medidas de encarceramento em massa, que atinge

principalmente os mais vulneráveis. Dados do Sistema Integrado de Informações

Penitenciárias – Infopen (BRASIL, 2012), indicam que a maioria dos presos tem

entre 18 e 24 anos, 95% são pobres, do sexo masculino e grande parte tem o ensino

fundamental incompleto. As estatísticas ainda informam que houve um crescimento

abissal na população carcerária, saltando de 90 mil presos em 1990 para 574 mil até

junho de 2014, ou seja, um crescimento de 537% da população carcerária em pouco

mais de 20 anos. Esse quadro resulta na superlotação dos cárceres, nas péssimas

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condições de vida dentro dos presídios e na constante violação dos direitos sociais

dos presos.

Esse quadro de ascensão da demografia carcerária poderia ser explicado

pelo aumento da criminalidade violenta, no entanto, a maioria dos delitos não se

configura como tal, o que denota uma tendência à penalização dos pobres – por

meio do seu encarceramento em massa – e ao consequente inchaço das

penitenciárias e presídios. Para Wacquant (2001b), os elementos que caracterizam

a marginalidade urbana e a realidade do tratamento penal no Brasil e que propiciam

o aumento da criminalidade, são: as desigualdades sociais e a pobreza em massa, o

crime organizado e o tráfico de drogas, a discriminação racial e a hierarquia entre

classes, as precárias condições das prisões e o crescimento da repressão policial

em nome da segurança.

Em suma, a adoção das medidas norte-americanas de limpeza policial das ruas e de aprisionamento maciço dos pobres, dos inúteis e dos insubmissos à ditadura do mercado desregulamentado só irá agravar os males de que já sofre a sociedade brasileira em seu difícil caminho rumo ao estabelecimento de uma democracia que não seja de fachada [...]. (WACQUANT, 2001b, p. 12)

A cultura do encarceramento e a tendência ao endurecimento das penas

é muito presente no Brasil, tanto por parte do Estado como da sociedade civil que

preferem a prisão do indivíduo acusado de delito a qualquer outra medida punitiva.

Melhor ainda, se os prisioneiros pagarem sua dívida através da imposição do

trabalho, mesmo que sejam em condições degradantes. Do exposto, podemos aferir

que o Estado brasileiro se qualifica como um Estado penal. A respeito disso,

expõem Martinez e Santos (2009, p. 214):

No Brasil a presença do Estado Penal é altamente visível e, como exemplo, podemos citar vários casos: a edição da Lei dos Crimes Hediondos, votada na calada da noite, para atender um “caso emblemático e midiático”; as exigências pelo endurecimento das penas (o RDD é resultado dessa política – o que contraria as premissas de direitos humanos); os apelos populares e institucionais (ideológicos) para que haja a redução da maioridade penal; a construção de presídios de segurança máxima, entre outros, que mais lembram as antigas masmorras.

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Segundo Wacquant (2001b), a hipertrofia carcerária produz importantes

efeitos no mercado de trabalho. Primeiro, o sistema penal, em sua face mais

repressiva, regulamenta os segmentos inferiores do mercado de trabalho ao

encarcerar os desempregados inseridos na criminalidade, o que consequentemente,

leva à diminuição dos níveis de desemprego. Ao mesmo tempo, aumenta a

possibilidade de vagas de emprego no setor carcerário privado. Além disso, o medo

das sanções penais severas faz com que muitos se submetam aos princípios do

trabalho não-regulamentado.

Todavia, apesar de diminuir a probabilidade de desemprego, o

encarceramento em massa a longo prazo pode agravá-lo, pois milhares de pessoas

não conseguirão mais inserir-se no mercado de trabalho devido ao preconceito e à

discriminação dos empregadores. Desse quadro, infere-se o segundo efeito nefasto

sobre o trabalho, o qual produz um enorme contingente de mão-de-obra submissa a

empregos degradantes, levando ao crescimento da economia informal e

favorecendo o reingresso na criminalidade.

Além do encarceramento em massa, o Estado penal promove a Política

de Tolerância Zero através do crescimento das medidas punitivas como resposta ao

fenômeno da criminalidade. Tal política, legitimadora da gestão do Estado penal,

atinge principalmente, “os membros das classes populares reprimidas à margem do

mercado de trabalho e abandonadas pelo Estado assistencial” (WACQUANT, 2001b,

p. 39)

Teorias e movimentos têm surgido, na contemporaneidade, em defesa

dessa lógica repressiva, como o Direito Penal do Inimigo e o Movimento da Lei e

Ordem. O Direito Penal do Inimigo parte do pressuposto de que para aquele

considerado inimigo deve ser aplicada a coação, longe da garantia de direitos.

Segundo Shecaria (2009, p.170), “o que se estabelece é uma dualidade em que se

criam cidadãos, reconhecidos como pessoas, e inimigos, declaradamente não

pessoas.” Formulada pelo doutrinador alemão Gunter Jakobs, a teoria do Direito

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Penal do Inimigo separa os delinquentes em duas categorias: o primeiro seria o

indivíduo que comete um crime, mas que não tem habitualidade em tais atos,

enquanto o segundo seria aquele delinquente que participa de crime organizado,

atos terroristas, crimes sexuais e imigração ilegal. Sendo assim, os chamados

delinquentes “cidadãos”, autores de crimes normais, teriam direito ao julgamento e

conservariam a qualidade de pessoa portadora de direitos. Ao passo que, os

chamados delinquentes “inimigos” do Estado, responsáveis por crimes de alta

traição, seriam submetidos a um tratamento rígido e diferenciado, perdendo a

condição de cidadãos.

Já o Movimento da Lei e Ordem cria a dicotomização da sociedade,

dividindo-a entre homens bons e maus que serão controlados por meio de severas

leis repressivas. Conforme Shecaria (2009, p. 170), esse movimento preceitua que o

fenômeno da criminalidade “só poderá ser controlada através de leis severas, que

imponham longas penas privativas de liberdade, quando não a morte. Estes seriam

os únicos meios de controle efetivo da criminalidade crescente, a única forma de

intimidação e neutralização dos criminosos.” Através da influência das mídias que

reforçam a ideia de insegurança, acredita-se que a solução para a criminalidade

seria adoção de leis mais severas e penas maiores.

Cornélius Ezeokeke (2011, p. 31) afirma que o endurecimento das penas

não pode ser a solução para a criminalidade, pois o “recrudescimento penal é o

resumo e o ponto máximo da vingança dessa sociedade injusta que teoriza sobre

uma sociedade justa, porém fomenta ódio e preconceito”. O autor apresenta, ainda,

cinco mecanismos utilizados pelas classes dominantes para mascarar a verdadeira

causa da criminalidade. O primeiro mecanismo é negar que a criminalidade seja

fruto da violência produzida na sociedade, assim, a mesma se desresponsabiliza e

apresenta-se como vítima dessa violência. O segundo mecanismo é projetar a

violência como culpa apenas do criminoso, sendo algo externo à sociedade. O

terceiro é a lógica racional utilizada para afirmar que o preso é irrecuperável e assim,

descomprometer-se com a ressocialização do mesmo. O quarto mecanismo de

defesa usa a repressão como medida de contenção da violência, mas não combate

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suas verdadeiras causas. O quinto e último mecanismo diz respeito a uma formação

social reativa que repudia qualquer ação em defesa dos direitos humanos do preso.

Gibin (2010), ao tratar sobre o Estado penal, fala de sua semelhança com

o Estado patriarcal, chegando a criar uma metáfora ao afirmar que ambos são “filhos

do mesmo pai”, na medida em que se expressam pelo autoritarismo e pela violência

exacerbada. Defensores da propriedade privada, os dois Estados caminham juntos,

atuando “com respostas autoritárias e violentas que criminalizam, torturam e matam

em nome de uma ordem moral de defesa da sociedade de classes,” assevera Gibin,

(2010, p. 48)

Nessa mesma direção, o Estado penal, influenciado pelo pensamento

moralista-machista inerente ao patriarcalismo, constrói um maniqueísmo na

sociedade que divide as classes trabalhadoras em indivíduos bons e maus. Esse

mecanismo de opressão faz com que os marginalizados sejam considerados

perigosos no imaginário social.

Já Nunes (2011), em seus estudos sobre o sistema penal brasileiro

constata que esse adota uma política de controle social punitivo à exemplo do

racismo contra os negros nos Estados Unidos ou contra os judeus na Alemanha

nazista. No Brasil, esse caráter punitivo aparece no discurso racista contra as

massas pobres e negras. O discurso ideológico do Estado faz com que a sociedade

veja a segregação dos pobres como algo natural, favorecendo o que o autor chama

de um “silêncio mortal de indiferença”. Nunes (2011, p. 207) afirma que essa apatia

e aceitação das ações repressivas do Estado são decorrentes de “uma paralisia

típica de um povo com medo da opressão violenta de uma ditadura militar recente,

aliada a um grau elevado de alienação política. Em síntese, estamos em um

contexto propício para a reprodução do holocausto.”.

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Devido ao recrudescimento do poder punitivo estatal e a redução dos

gastos do Estado na área social, a política de privatização/terceirização do sistema

carcerário surgiu como uma opção para reduzir os gastos do Estado com o

aprisionamento. O apelo ao setor privado toma força nos anos 1980 como uma

solução para controlar a grande massa de prisioneiros e consequentemente, os

gastos do Estado para mantê-los encarcerados. Wacquant (2003, p.31) alerta em

seus estudos para esse fenômeno da privatização do cárcere nos Estados Unidos.

O encarceramento tornou-se assim uma verdadeira indústria - e uma indústria lucrativa. Pois a política do “tudo penal” estimulou o crescimento exponencial do setor das prisões privadas, para o qual as administrações públicas perpetuamente carentes de fundos se voltam para melhor rentabilizar os orçamentos consagrados à gestão das populações encarceradas.

Nesse sentido, várias empresas passaram a atuar na administração dos

presídios e buscaram reduzir os custos que o aumento da política de confinamento

da miséria proporcionou. Para tanto, o sistema penal adotou uma série de medidas

para aumentar o faturamento e diminuir os gastos com os encarcerados, entre as

quais destacamos: o indivíduo preso deve se submeter à trabalhos degradantes, a

família do preso deve se responsabilizar pelo pagamento de algumas despesas do

mesmo dentro da prisão, os serviços oferecidos nos estabelecimento prisionais são

reduzidos ao mínimo, sendo até cobrado aluguel pela cela onde fica encarcerado.

“Trata-se primeiramente de reafirmar o princípio de lesser eligibility, segundo o qual

a condição do detento deve imperativamente ser inferior a do assalariado menos

favorecido.” (WACQUANT, 2003, p. 94)

A privatização dos presídios é inspirada, geralmente, em dois modelos.

Uma delas inspirada no modelo americano, com a entrega total do preso a iniciativa

privada, e a outra baseada no modelo francês, na qual ocorre uma cogestão,

preservando-se a administração do Estado e transferindo a função material do

cumprimento da pena (comida, roupas, saúde, etc.) ao ente privado. Segundo

Pastana (2009), no Brasil, o processo de privatização acontece nos moldes

franceses através das Parcerias Público-Privadas (PPPs), na qual empresas

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privadas atuam, principalmente, no gerenciamento da acomodação (vestuário,

alimentação, limpeza), mas existe um grande potencial de expansão.

No Brasil, o modelo de encarceramento americano, no qual, tanto o

trabalho do preso como o gerenciamento das penitenciárias são da competência

exclusiva da iniciativa privada esbarra em restrições constitucionais, pois o poder

jurisdicional do Estado, que significa o poder de administrar as unidades prisionais e

responsabilizar-se pela custódia do preso, não pode ser entregue à instituições

privadas. Além disso, a Lei de Execução Penal (LEP) define em seu artigo 28, o

trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade humana, com

finalidade educativa e produtiva. Preceitua, ainda, que este trabalho somente será

gerenciado por fundação ou empresa pública, objetivando a formação profissional do

condenado. Nesse sentido, o trabalho carcerário não pode ser gerenciado por

empresários privados, nem a força de trabalho encarcerada pode ser objeto de

exploração lucrativa. (CABRAL E AZEVEDO, 2012)

Segundo Ezeokeke (2011), a realidade carcerária vive a utopia dos

“quatro erres”: regeneração, ressocialização, reinserção e reintegração. Utopia por

que o sistema prisional, ao invés de lugar de ressocialização, torna-se “escola do

crime”, pois os mecanismos de violência e punição repressiva deixam os presos

mais revoltados. Em grande parte das unidades prisionais, os apenados vivem em

condições insalubres, sofrem com a superlotação, a alimentação é insuficiente e de

má qualidade e enfrentam a falta de assistência jurídica e médica. Nesse sentido, os

defensores do modelo de PPPs do sistema carcerário afirmam que os benefícios

gerados seriam no sentido de aumentar a capacidade de vagas para amenizar o

problema da superlotação, proporcionar uma humanização no cumprimento da pena

e facilitar a ressocialização do preso através de oportunidades de trabalho.

(GUEDES, 2010) A primeira iniciativa de participação privada aconteceu em 1999,

na Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG), no Estado do Paraná.

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No Estado do Ceará, a primeira experiência de PPPs ocorreu no ano

2000, na Penitenciária Industrial Regional do Cariri, em Juazeiro do Norte, onde o

serviço de vigilância dos detentos era prestado por empresa privada. Em 2002, o

governo do Ceará inaugurou a Penitenciária Industrial Regional de Sobral e o

Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II, nos mesmos moldes de administração

da Penitenciária do Cariri. No entanto, em 2007, o poder judiciário do Estado

mandou suspender o contrato com Companhia Nacional de Administração Prisional

Ltda. (CONAP), pois este tinha sido contratado sem licitação. Além disso, o

Ministério Público Federal (MPF) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

entendiam que é responsabilidade do Estado gerir as unidades prisionais, não

devendo delegá-lo à iniciativa privada. Na contraposição dessa ideia, o Estado de

Minas Gerais, inaugurou um novo modelo de PPPs em janeiro de 2013, o Complexo

Prisional Público-Privado (CPPP) situado em Ribeirão das Neves. O diferencial

desse modelo adotado reside no fato de a parceria entre o poder público e a

iniciativa privada ter sido estabelecida antes da construção do complexo.

Wacquant (2003) mostra que essa política de privatização e/ou

terceirização dos presídios é cada vez mais lucrativa para as empresas privadas.

Exemplo disso é que nos Estados Unidos, muitas delas estão cotadas em bolsa de

valores. Permitir que a privatização do sistema carcerário ganhe força no Brasil é

incentivar a transformação do encarceramento em negócio e preso em mercadoria,

coisificando-o ainda mais. Se a lógica norteadora das empresas é o lucro, e quanto

maior o número de presos, maior o lucro, como se pode garantir o cumprimento dos

direitos do preso nessa relação contraditória? Pastana (2010, p. 327) corrobora com

essa ideia ao afirmar que “a única coisa certa, nesse modelo de gestão, é que o

controle do crime torna-se um enorme negócio privado a produzir lucros inauditos.”.

A maximização do Estado penal em detrimento do Estado social resulta

na promoção de um estado de terror, que se apresenta em altos índices de

criminalidade devido a carência de políticas públicas efetivas na área de segurança

pública. Desse modo, a sensação de insegurança faz com que atos repressivos do

Estado sejam aceitos abertamente e difundidos como sendo solução para conter a

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criminalidade. Nesse sentido, o fenômeno de fazer “justiça com as próprias mãos”,

que sempre existiu na sociedade brasileira, ganhou força nos últimos tempos, depois

de vários casos de linchamento terem sido noticiados nos telejornais. 14 A mídia

legitima a lógica punitiva quando propaga a insegurança através de um discurso

punitivista e criminalizador, os quais são coniventes com atos de linchamento15 e

abordagens policiais repressivas como uma forma de resposta á ineficiência do

sistema de justiça. Como a maioria das vítimas da revolta popular é da classe pobre,

as autoridades públicas enxergam legitimidade nessas práticas.

Segundo Brisola (2012, p. 137), a criminalização dos pobres acontece

com a ajuda da mídia que, de forma preconceituosa, associa a grande parte das

práticas de crimes aos segmentos excluídos. “Para o público, aparecem como

ameaças e para a reprodução do capital poderão ser utilizados para desfocar o

debate e discussões sobre o direito, sobre a cidadania, sobre a proteção social.” A

questão existente hoje é a ausência de políticas públicas efetivas e a mínima

participação do Estado no âmbito da proteção social, o que aprofunda a

desigualdade social e agrava a violência. Desse modo, o Estado penal associa a

violência às condições de pobreza, ao mesmo tempo em que realiza ações punitivas

contra as classes estigmatizadas, em nome da segurança da propriedade e da

manutenção do status quo. Estudiosos do tema, Boldt e Krohling (2007, p. 114)

afirmam que:

A mídia, composta por rádio, jornal, televisão e internet, não apenas relata a falência estatal e o aumento da criminalidade, mas tende a reduzir o significado desta a um significado totalizador, como, por exemplo, moradores da periferia. [...] Assim, mediante um discurso punitivista e criminalizador, a mídia constrói “verdades” e demonstra a necessidade de maior repressão – sobretudo contra os setores socialmente desfavorecidos – como solução para o problema da criminalidade.

14 Um caso de grande repercussão foi o comentário da jornalista Raquel Sheherazade ao noticiar no telejornal SBT Brasil, o ataque de “justiceiros” a um jovem negro acusado de roubo, que foi acorrentado nu em poste no Rio de Janeiro. A jornalista afirmou que era compreensível a atitude da população, considerando o linchamento um ato de “legítima defesa coletiva“. A clara incitação ao crime em rede nacional gerou grande polêmica e abriu a discussão acerca dos limites da liberdade de expressão no país e da aceitação de tais práticas punitivas. 15 Segundo Sinhoretto (2001), os atos de linchamento são associados à noção de uma justiça popular que se revolta contra a ineficiência dos serviços de segurança e justiça.

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Dessa forma, o espaço midiático contribui significativamente para a

construção de um sistema penal seletivo e policialesco que vitimiza principalmente

os marginalizados e excluídos. Para os autores, o discurso midiático favorece a

criação de estereótipos que ligam a imagem do criminoso aos indivíduos negros e

pobres. Dessa forma, esses indivíduos “sofrem com a estigmatização e passam a

ser tratadas como se [assim] fossem, embora não tenham praticado nenhuma

infração” (BOLDT E KROHLING, 2007, p. 124) A banalização da violência

fomentada pelos veículos de comunicação, corrobora com a criminalização da

miséria, que contribui para o recrudescimento das penas e o encarceramento em

massa. Nesse cenário, o preso é o mais atingido pelo estigma e pelo preconceito no

processo de exclusão social. Visando compreender o processo de estigmatização

que acomete o preso, estudaremos esse tema no tópico seguinte.

.

2.2 ESTIGMA SOCIAL DO PRESO

Para entender a origem do estigma que acomete o preso, falaremos antes

sobre o espaço onde ele está inserido que gera esse estigma: a prisão. Almeida

(2006) afirma que na Grécia e Roma antigas os infratores eram acorrentados e

segregados em locais reservados como castelos, fortalezas e conventos. O

encarceramento não tinha caráter de pena, mas o de preservar os réus até seu

julgamento ou execução. Vale, contudo, ressaltar que as práticas punitivas foram

diversificadas e essa variância se deveu a fatores políticos, econômicos e culturais

de cada época e localidade, indo desde a crueldade da violência física até a

configuração dos institutos modernos da prisão.

Segundo Foucault (2008)16, à época dos governos monárquicos da Idade

Média, a punição típica aos condenados era o sofrimento físico brutal aplicado ao

16 O sociólogo francês Michel Foucault foi o responsável por dar maior visibilidade à questão da

punição no século XX com a sua importante obra Vigiar e Punir (2008), ao realizar um estudo minucioso sobre o nascimento da prisão e as transformações das práticas penais na França do século XVII ao século XIX.

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corpo, através de mutilações e torturas em público. Constituíam o espetáculo

favorito das multidões deste período histórico, a amputação dos membros, a forca e

a guilhotina. Segundo estudos de Rusche e Kirchheimer (2004), na Idade Média, as

punições severas aumentavam quanto mais pobres ficassem as massas populares,

como uma forma de amedrontá-las para que não cometessem crimes diante da

pobreza. Ao longo do século XVI, a pena de morte e a mutilação, passaram de

medidas extremas para penas comuns. Dessa forma, “a pena de morte adquiriu um

novo significado; não era mais o instrumento extremo destinado aos casos mais

graves, mas um meio de tirar do caminho aqueles indivíduos alegadamente

perigosos.” (RUSCHE E KIRCHHEIMER, 2004, p. 38)

A crise da economia agrícola a partir do século XVI, promovida pelas

guerras e a devastação dos países por toda a Europa, contribuiu para o aumento da

pobreza, condição que levou muitos sujeitos à mendicância e à criminalidade. Diante

do avanço desta, fez-se necessário que os Estados definissem novas formas de

punição, já que a pena de morte não trazia mais estabilidade ao controle punitivo17.

Nesse sentido, houve um crescente investimento na construção de prisões

organizadas para a correção dos apenados. Naquele mesmo século, foi inaugurada

a Casa de Correção de Londres (1555), cujo propósito passou a ser o isolamento e

a recuperação do aprisionado, tendo como um dos instrumentos restaurador, o

trabalho. Para Foucault (2008, p. 202), “o trabalho é definido, junto com o

isolamento, como um agente de transformação carcerária”.

Seguindo o exemplo inglês, a Holanda, a França e a Alemanha,

inauguraram casas de correção nesse período, cuja essência “era uma combinação

de princípios das casas de assistência aos pobres (poorhouse), oficinas de trabalho

(workhouse) e instituições penais.” (RUSCHE E KIRCHHEIMER, 2004, p. 69) Dessa

forma, além do caráter punitivo, existia o lado econômico, pois o Estado conseguia

auferir lucros através da produção de bens a baixos custos.

17Essa instabilidade era devida à ambiguidade na aplicação da pena, já que muitas vezes, o povo que assistia as punições públicas também se revoltava contra o carrasco ou soberano em defesa do criminoso. (ALMEIDA, 2006)

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No entanto, muitos países europeus ainda mantinham as práticas de

suplícios como forma de punição. Segundo Barros e Jordão (2007), com o advento

dos princípios iluministas e as transformações nos terrenos político e econômico

durante os séculos XVII e XVIII, manter os rituais de execução da pena de morte

seria uma contradição naquele momento, no qual já havia lutas em favor dos direitos

do homem e pela garantia da liberdade, igualdade e fraternidade. Segundo Foucault

(2008, p. 196), a prisão tornou-se, então, “a pena por excelência numa sociedade

em que a liberdade é um bem que pertence a todos da mesma maneira [...]. Sua

perda tem, portanto, o mesmo preço para todos; melhor que a multa, ela é o castigo

igualitário”.

Conforme o autor, o cárcere teria ainda um duplo fundamento: a

diminuição dos custos do encarceramento, pois o encarcerado passou a

desenvolver as tarefas necessárias e cotidianas da instituição (fundamento jurídico-

econômico) e o aumento da eficácia no tratamento das punições (fundamento

técnico-disciplinar). O encarceramento teria, a partir de então, uma função técnica

de correção do indivíduo criminoso que tem uma dívida a pagar com a sociedade.

O marco na luta contra os suplícios aos condenados se deu, todavia, no

século XVIII, tendo como principais protagonistas filósofos e teóricos do Direito, que

defendiam a regulação do sistema penal e a humanização do sistema prisional,

passando eles a serem conhecidos como reformadores. Alguns personagens foram

de extrema importância nesse processo humanitário das prisões, entre os quais

destacamos, Cesare Beccaria, John Howard e Jeremy Bentham, que denunciavam

serem tirânicas as práticas violentas de punição, dado o prazer que os governantes

tinham em aplicá-las. Além disso, defendiam que o encarceramento deveria trazer

algo de benéfico para o preso, buscando uma utilidade para a pena. (ALMEIDA,

2006) De acordo com Foucault (2008, p. 63), a “necessidade de um castigo sem

suplício é formulada primeiro como um grito do coração ou da natureza indignada:

no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos:

sua humanidade”.

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No entanto, para Foucault (2008), as prisões se desenvolveram longe da

justiça penal e humanitária dos reformadores, pois, apesar da nova modalidade de

punição adotada deixar de lado a tortura do corpo, passou a privilegiar o flagelo da

alma do condenado. Ressalte-se, todavia, que o surgimento da prisão antecedeu a

sua normatização nos códigos penais, sendo anterior a sua compilação nos códigos,

quando ela não tinha ainda o caráter de pena, mas o de preservar os réus até seu

julgamento ou execução, conforme dito anteriormente.

A respeito disso sustenta Foucault (2008, p. 195):

A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência.

No início do século XIX, com o advento do Código Penal francês de 1810,

a privação de liberdade passou a ser o modo primordial do castigo. Segundo

Almeida (2006) a formação da prisão moderna insere-se no período histórico da

Revolução Industrial e o do crescimento do capitalismo. Diante da ascensão do

exército industrial de reserva e da grande massa de trabalhadores empobrecidas,

fez-se necessário adequá-los à nova estrutura socioeconômica emergente. Na

perspectiva Foucaultiana, a prisão surgiu ligada ao próprio funcionamento da

sociedade, assumindo um caráter de obviedade devido à sua função técnica de

correção e econômico-moral, afastando todas as outras punições pensadas pelos

reformadores do século XVIII. Corroborando com esse pensamento, De Giorgi

(2006, p. 41) afirma que:

A reclusão começa assim a ser proposta como estratégia para o controle das classes marginais. A sua utilidade, independentemente das camadas da

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população às quais pode ser aplicada (pobres, vagabundos, prostitutas, criminosos), consiste no fato de que agora o corpo é valorizado para encerrar uma potencialidade produtiva, e os sistemas de controle têm início concentrando-se nas atitudes, na moralidade, na alma dos indivíduos.

Na perspectiva marxista, a prisão também não tem caráter humanitário e

ressocializador, como a Foulcaultiana, mas sim de controle social sobre as massas

pobres que aumentavam cada vez mais, visando à disciplina e a segurança. De

acordo com Saraiva e Veras Neto (2011, n.p)

Estas instituições cumprem uma função complexa dentro da emergente sociedade capitalista moderna, com seu sistema capitalista industrial de produção. Atuando, basicamente, como domesticadoras de mão-de-obra e controladoras das tensões sociais. [...] Neste período, o propósito do uso da mão-obra é renovado, após as conquistas econômicas, o industrialismo, o expansionismo ultramarino e as mudanças tecnológicas introduzidas pelo capitalismo que precisavam muito mais de braços e corpos domesticados do que de mutilados e supliciados pelas penas corporais.

Segundo De Giorgi (2006, p. 44), dentro do sistema de produção

industrial, as instituições carcerárias consolidaram-se como uma extensão das

fábricas, assumindo a função de controle da reprodução da força de trabalho

assalariada através do processo de desconstrução e reconstrução dos indivíduos,

onde “o pobre se torna criminoso, o criminoso se torna prisioneiro e, enfim, o

prisioneiro se transforma em proletário.” O objetivo era formar indivíduos aptos a

obedecer às rotinas de trabalhos regulares e absorver a lógica de acumulação

capitalista enquanto produtor da mais-valia. Portanto, a prisão constituiu-se como

medida de contenção da classe popular através do trabalho, como uma forma de

garantir e conservar uma futura mão-de-obra para a economia industrial.

Trazendo os fundamentos carcerários expostos por Foucault (2008) para

a realidade brasileira, Ezeokeke (2011, p. 33) demonstra que entre nós a dinâmica

do sistema prisional toma uma direção distinta da constatada por aquele estudioso

devido a uma inversão de propósitos: “em primeiro lugar, jurídico-economicamente,

não se quer a aplicação da lei que garante o trabalho para egressos; assim não se

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gastaria com a sua implantação. Em segundo lugar, técnico-disciplinarmente, a

prisão só visa à destruição dos encarcerados e não à sua modificação”.

Conforme estudos de Carvalho Filho (2002), o surgimento de um sistema

prisional no Brasil se deu com a implementação da primeira cadeia em 1551, em

Salvador - Bahia, sede do Governo Geral. Os cárceres nessa época visavam

recolher criminosos, desordeiros e escravos fugitivos que estivessem à espera de

julgamento e punição. A pena de morte era prevista para mais de setenta infrações,

enquanto outras execuções eram feitas na forca, na fogueira e, em alguns casos,

ocorria a amputação dos braços ou das mãos do condenado.

Com a chegada da Família Real ao Brasil em 1808, iniciou-se uma

preocupação com o estado precário em que ficavam os presos. A prisão deveria

servir apenas para enclausurar os presos e não colocá-los em situação desumana.

A Constituição de 1824 trouxe algumas mudanças nas penalidades, abolindo as

penas cruéis e deixando a morte na forca somente para homicídio, latrocínio e

insurreição de escravos. Além disso, determinou que as cadeias tivessem os réus

separados por tipo de crime e penas. Em 1830 foi criado o Código Criminal do

Império baseado nos princípios liberais, que viria a se transformar no primeiro

Código Penal autônomo da América Latina. (CARVALHO FILHO, 2002; BATISTELA

E AMARAL, 2008)

Inspirado no sistema de encarceramento americano de Auburn18 e no

plano panóptico19, foi inaugurado a Casa de Correção na capital do Império em

18

O modelo de Aurbun surgiu em 1821, na cidade de Nova York. Segundo Foucault (2008, p. 200), esse modelo de encarceramento sob a regra do silêncio absoluto “deve ser um microcosmo de uma sociedade perfeita onde os indivíduos estão isolados em sua existência moral, mas onde sua reunião se efetua num enquadramento hierárquico estrito, sem relacionamento lateral, só se podendo fazer comunicação no sentido vertical.” 19

O Panóptipo consiste num sistema de vigilância geral que se instaura na sociedade, estendendo-se desde as prisões até as fábricas, as escolas, os hospitais e etc. É uma forma do aparelho de poder aperfeiçoar seu exercício de dominação através da imposição da disciplina. Ele tem uma tríplice função: a vigilância, o controle e a correção. É utilizado como uma grande máquina de poder, pois o indivíduo sabe que está sendo vigiado, mas não sabe por quem e em que momento está sendo

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1834. As casas de correção baseadas no modelo auburniano possuíam oficinas de

trabalho, pátios e celas individuais. Buscava-se a regeneração dos condenados por

intermédio do isolamento e do trabalho em silêncio absoluto. (MAIA et al, 2009)

Segundo Foucault (2008, p. 200), “esse jogo de isolamento, da reunião sem

comunicação, e da lei garantida por um controle ininterrupto, deve requalificar o

criminoso como indivíduo social: ele o treina para uma atividade útil e resignada,

devolve-lhe hábitos de sociabilidade”.

Contíguo a essa Casa de Correção, foi construída, em 1856, a Casa de

Detenção do Rio de Janeiro. Segundo Maia et al (2009, p. 11), “os nomes destas

duas instituições resumem seus respectivos propósitos: uma desejava corrigir e a

outra simplesmente deter.” Na Casa de Detenção haviam prisioneiros escravos e

homens livres, acusados dos mais variados tipos de crimes e infrações. Como

reflexo do regime escravagista, os escravos alforriados eram obrigados a trabalhar

sob custódia mesmo não sendo indiciados por crime nenhum. Com o crescente

número de presos e a falta de locais apropriados, muitos prisioneiros foram enviados

para Fernando de Noronha, que em 1872 abrigava em torno de 1340 condenados,

em situação de absoluta miséria. (MAIA et al, 2009)

A maioria dos presos nas Casas de Detenção era acusada de vício em

jogo e vadiagem. Como não havia um consenso jurídico quanto à ilegalidade de tais

atos, a polícia prendia por qualquer transgressão ou motivos banais. Símbolos da

questão social que se desenvolvia, os mendigos, as crianças abandonadas e os

moradores de rua eram visto como “caso de polícia”. (MAIA et al, 2009)

Com a proclamação da República em 1889, era evidente a necessidade

de uma reforma na legislação criminal, pois o Código Criminal do Império não era

mais eficiente no atendimento das demandas penais da sociedade. Desse modo, é

observado. Dessa forma, o Panóptico pode atuar como uma “máquina de fazer experiências, modificar o comportamento, treinar ou retreinar os indivíduos”. (FOUCAULT, 2008, p. 168)

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instituído o Código Penal em 1890, que entre outras medidas, deu fim as penas

cruéis, inclusive a pena de morte. O referido Código manteve, predominantemente, a

pena de prisão, buscando formar um regime penitenciário que tinha como propósito

ressocializar e reeducar o preso.

Leal (1998), ao analisar a trajetória da pena privativa de liberdade no

Brasil, cuja finalidade passou de retenção para correção, faz referência as suas

quatro funções principais: retribuição, intimidação, ressocialização e incapacitação.

Para o autor, tais funções estão sendo desconfiguradas, pois, a prisão, no nosso

país, não intimida nem ressocializa, apenas impede que o preso cometa novos

crimes nas ruas devido a sua restrição de liberdade.

A partir do ano de 1955, as Nações Unidas passaram a realizar

congressos quinquenais para discutir a problemática da prisão, especialmente no

que diz respeito à Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, sendo o último

realizado em 2010, no Brasil.20 Surgiram desses encontros, as Regras Mínimas da

ONU para o tratamento dos presos que contemplaram as questões de higiene,

repouso, alimentação, vestuário, lazer, serviços médicos, entre outros. Outros

documentos foram acordados visando à proteção dos direitos do preso, quais sejam:

o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos e a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas

Cruéis, Desumanos ou Degradantes. (LEAL, 1998).

Além de Maia et al (2009) e Leal (1998), Cymrot (2008) traz também sua

contribuição na compreensão da pena de prisão, detendo-se ele à discussão das

novas funções que o cárcere assumiu a partir da emergência do Estado neoliberal.

Segundo o autor, no período do Welfare State, a prisão assumiu uma lógica

disciplinar no sentido de controlar as tensões geradas pela falha do sistema. Com a

20

O 12º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime foi realizado em 2010 na cidade de Salvador – BA, com seguinte tema “Estratégias amplas para desafios globais: sistemas de prevenção ao crime e justiça criminal e seus desenvolvimentos em um mundo em transformação.”

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derrocada do Estado de Bem Estar, que levou ao fim do pleno emprego e das

garantias sociais, o Estado neoliberal busca meios de controlar o excesso de

trabalhadores desempregados, agora considerados perigosos. Acerca do papel da

prisão na nova política de gestão da miséria, Cymrot (2008, p. 22) afirma que:

A prisão pós-moderna não perde a função subalterna na organização capitalista do trabalho, pois serve não apenas para fazer a população desempregada, potencialmente perigosa respeitar a lei, mas também para intimidar toda uma classe de subempregados, profundamente insatisfeitos com seu nível de vida. Na relação custo-benefício, busca-se elevar o custo da opção de delinqüir e ir para cadeia ter acesso a “casa, comida e roupa lavada” em vez de se submeter a um trabalho tão precário.

A ideia do Estado liberal, por outro lado, é intimidar as populações

marginalizadas mostrando que a vida na prisão é tão desumana e cruel que para o

cidadão é mais vantajoso aceitar as piores condições de trabalho e a ausência de

proteção social do que entrar no mundo do crime. Dessa forma, o Estado reafirma

sua legitimidade e autoridade através do encarceramento. (CYMROT, 2008)

Barros e Jordão (2007) entendem que o debate acerca das

transformações no modelo do sistema prisional brasileiro não atraem a opinião

pública nem a sociedade civil organizada, pois a visão que estas tem é a de que a

prisão é um lugar onde estão os que não merecem ter direitos. Neste sentido, o

discurso das classes dominantes é o de isolar o apenado, tirando-lhe a dignidade e

o exercício da cidadania. Numa direção contrária, defende Ezeokeke (2011), que a

utopia carcerária deveria seguir a “teoria dos quarto erres”, a reeducação, a

ressocialização, a reinserção e a reintegração social dos apenados.

Seguindo a mesma linha de raciocínio de Barros e Jordão (2007),

Redígolo (2012, p. 83), assevera que a prisão representa para a sociedade um

símbolo de segregação entre os bons e maus, “ela é o que o Estado, a sociedade e

a mídia querem afastar, colocar do outro lado. Ela também é a vingança contra o

mal praticado: o criminoso é um ofensor à sociedade, e com a prisão a sociedade

lhe devolve a ofensa.” No cárcere estão os inferiores, os impuros, os marginais, o

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refugo do jogo21. No entanto, a prisão deveria reinserir e ressocializar o preso para

que ele pudesse voltar ao convívio social depois de cumprir sua pena. Fazendo uma

apreciação mais crítica do sistema prisional, Leal (1998, p. 38) argumenta que é

preciso desmistificar a ideia de ressocialização, pois “não se pode ensinar no

cativeiro a viver em liberdade, descabendo cogitar-se de ressocializar quem de regra

sequer foi antes socializado”.

Na realidade o que vemos é o crescente processo de desumanização do

apenado, na sua maioria negra e pobre. Inserido de forma marginalizada na

sociedade, ele vive igualmente em condições subumanas nas penitenciárias,

presídios, delegacias e demais locais de privação de liberdade, onde o espaço físico

é limitado, a proliferação de inúmeras doenças ocorre por falta de higiene adequada,

e o acesso à Justiça e aos direitos fundamentais é ausente.

Em Manicômios, Prisões e Conventos, Goffman (2008) traz as

características comuns desses três tipos de instituições que compõem o título de

sua obra, mostrando que neles se dá o processo de mortificação do eu que o

indivíduo sofre na passagem de uma vida livre para uma vida de confinamento

espacial e social. Nessas instituições totais22, as justificações para a mortificação ou

mutilação do eu são, conforme Goffman (2008, p. 48)

[...] simples racionalizações, criadas por esforços para controlar a vida diária de grande número de pessoas em espaço restrito e com pouco gasto de recursos. Além disso, as mutilações do eu ocorrem nos três tipos, mesmo quando o internado está cooperando e a direção tem interesses ideais pelo seu bem estar.

Nas instituições carcerárias, o processo de mortificação do apenado

ocorre no momento em que se ergue uma barreira entre ele e o mundo externo. Sua

21Termo utilizado por Bauman (1998) para se referir àqueles que estão fora da sociedade de consumo.

22Uma instituição total, segundo Goffman (2008, p.11), constitui-se como “um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.”

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identidade é imediatamente desfigurada pela padronização do espaço penal, sendo

refletida na roupa que vai vestir, nos horários para realizar determinadas tarefas, nas

regras de convivência, horários para visitas e etc. O indivíduo passa a ser, então,

como uma peça no sistema da instituição, o que interfere de maneira negativa no

seu processo de recuperação, pois quanto mais afastados dos seus referenciais do

mundo externo, como as relações familiares e o trabalho, mais difícil a sua

ressocialização. (GOFFMAN, 2008)

O debate desenvolvido nos últimos anos em defesa da humanização do

cárcere acaba sendo fragmentado devido ao estigma predominante em nossa

sociedade em relação ao indivíduo condenado e aos símbolos negativos atribuídos à

prisão que são, conforme Redígolo (2012) o da violência, da justiça e do perigo.

Esse pensamento se justifica no fato de que para sociedade, a prisão é o lugar onde

depositamos as pessoas “más”, as quais de alguma forma violentaram a sociedade.

Nesse sentido, oferecem um perigo iminente ao bom convívio social, sendo o poder

de punir e evitar um novo mal ao encarcerá-los símbolo de justiça, mas que na

verdade marginaliza e estigmatiza ainda mais o apenado. Além do preso, o estigma,

o preconceito e a discriminação atingem os indivíduos pobres, negros e

homossexuais, considerados classes perigosas e por isso, principais alvos das

desigualdades sociais presentes nos países capitalistas.

Erving Goffman (1988) define o estigma como uma marca (visível ou

não), que torna a pessoa diferente do padrão que é imposto. O autor afirma que na

Grécia antiga, o estigma se expressava na prática de cunhar marcas corporais que

identificavam e segregavam ladrões e escravos, mas admite que “na sociedade

moderna os estigmas não são necessariamente marcas corporais visíveis, podendo

ser marcas construídas socialmente”.

Nesse sentido, argumenta o autor, a sociedade estabelece um conjunto

de atributos estruturais e pessoais visíveis que caracterizam uma identidade social.

As exigências e atributos que as pessoas colocam sobre o outro e a resposta que se

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espera ter é caracterizado como uma identidade social virtual, enquanto os atributos

que de fato o indivíduo possui constituem a sua identidade social real. Desse modo,

o estigmatizado possui características que o tornam diferente de outros, podendo

haver uma diferença entre aquilo que se espera e aquilo que se é. “Tal

característica é um estigma, especialmente quando seu efeito de descrédito é muito

grande – algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma

desvantagem.“ (GOFFMAN, 1988, p. 12)

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, vamos encontrar Schilling e

Miyashiro (2008) que definem o estigma como uma marca socialmente construída,

aquilo que é indigno e desonroso e Brisola (2012, p. 136) que, interpretando

socialmente o significado do termo explica: “a palavra estigma representa algo de

mal, que deve ser evitado, uma ameaça à sociedade, isto é, uma identidade

deteriorada por uma ação social.” Conforme Omote (2004), o estigma na atualidade

refere-se a uma marca social de inferioridade, uma condição social de desgraça.

Para o autor, o estigma tem uma função primordial:

A função primordial desempenhada pelo estigma é a de controle social. Possivelmente, uma das forças motrizes de qualquer coletividade humana é representada pela necessidade de se exercer controle social sobre os seus integrantes. Para tanto, criam-se códigos de conduta, mecanismos de fiscalização do cumprimento desses códigos e programas de tratamento dos infratores. (OMOTE, 2004, p. 295)

Esse controle social se constitui uma maneira de formalizar os códigos de

conduta da sociedade através de leis, regras, normas de etiqueta e de

comportamento, essenciais para ser aceito e permanecer no convívio social. Ao

serem reconhecidos pela coletividade, os códigos são institucionalizados por

agentes fiscalizadores, como a polícia. Nesse sentido, o estigma assume a função

de controle social informal dos comportamentos e das relações sociais. (OMOTE,

2004)

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Dando sequencia à sua exposição, afirma Goffman (1988) que o estigma,

ao mesmo tempo em que pode atribuir um caráter negativo a um indivíduo, pode

confirmar a normalidade de outro. Quando o atributo de um indivíduo é uma marca

negativa perceptível, ele passa a ser estigmatizado e desacreditado. Porém, se a

diferença não é aparente e é possível escondê-la dos outros, a pessoa é

considerada desacreditável.

O autor afirma ainda que existem três tipos de estigmas: aquele

relacionado às deformidades físicas, às culpas de caráter individual e o estigma

tribal de raça, nação e religião. O estigma do preso, objeto de estudo deste trabalho,

situa-se no âmbito da culpa de caráter individual, por ser considerado fruto da ação

do sujeito regido por vontade própria. Segundo o autor, a família do preso está

inserida no conjunto dos “informados”, definido por ele como “os que são normais,

mas cuja situação especial levou a privar intimamente da vida secreta do indivíduo

estigmatizado e a simpatizar com ela [...].” (GOFFMAN, 1988, p. 37). Desse modo, o

alcance do estigma pode se dilatar a todos os que tiverem alguma relação com o

preso, inclusive, sua família.

Schilling e Miyashiro (2008, p. 248) corroboram com essa ideia ao afirmar:

O estigma — que pressupomos cercar os presidiários — se estende para além do indivíduo encarcerado, passando para as pessoas que se relacionam diretamente com eles, seus familiares ou amigos, o que permite à sociedade considerá-los uma só pessoa. A sociedade os vê de maneira fundida: a mulher de presidiário ou o filho de presidiário.

Todos esses processos desencadeados pelo estigma social em relação

ao encarcerado conferem-lhe uma identidade construída socialmente, por este ser

considerado diferente e/ou portador de desvio de conduta e/ou socialmente inferior

em relação aos demais membros da sociedade. Isso acaba resvalando nos

familiares que, muitas vezes, não tem nenhum tipo de ligação com o crime cometido.

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Segundo Omote (2004, p. 291), “o desvio é um fenômeno social,

construído para pôr em evidência o caráter negativo atribuído a determinadas

qualidades de uma pessoa (atributos, comportamentos ou afiliação grupal), com

base nas quais esta é desacreditada e segregada.” Ademais, elementos que

caracterizam a origem social dessa pessoa, como local de moradia, escolaridade,

cor da pele, são usualmente associados a uma série de estereótipos ligados à

marginalidade e denotam um desvio aos olhos da sociedade. Outro agravante do

encarceramento é que ele pode acarretar impactos nas relações sociais do preso,

na medida em que deteriora a situação financeira da família, desagrega as relações

com amigos e familiares, enfraquece os vínculos afetivos, entre outros.

Ao cometer um crime, o indivíduo passa a ser visto com reservas, torna-

se, muitas vezes, alvo de palavras de baixo calão ou de agressão física e

psicológica, mas, principalmente, de segregação social; e, mesmo tendo levado

anteriormente uma vida honesta ou cumprido integralmente a pena, é visto como

uma ameaça à ordem. A respeito disso, exemplifica Dias (2011, p. 95):

Como exemplo deste processo de desumanização, podemos citar a construção de um discurso repleto de termos pejorativos para designar o estigmatizado: monstro, animal, marginal etc. Além disso, são conferidos ao indivíduo novos atributos desqualificantes, os quais os normais acreditam derivar do defeito original.

Como dito anteriormente, um dos segmentos mais estigmatizados no

Brasil é a população encarcerada, pois esta, em geral, é constituída de sujeitos

pobres, negros e dependentes de alguma substância química. Referindo-se ao lugar

que o preso ocupa na sociedade norte-americana, mas que podemos ver na

realidade brasileira, Wacquant (2003, p. 97) expõe:

Atingidos por um tríplice estigma ao mesmo tempo moral (eles se baniram da cidadania ao violar a lei), de classe (eles são pobres em uma sociedade que venera a riqueza e concebe o sucesso social como resultado unicamente do esforço individual) e de casta (eles são majoritariamente negros, portanto oriundos de uma comunidade despida de “honra étnica”), os detentos são o grupo pária entre os párias, uma categoria sacrificial que se pode vilipendiar e humilhar impunemente com imensos lucros simbólicos.

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Para Moutinho (2002, p. 36), o Estado tem papel fundamental na

superação dos estigmas que atingem certos grupos sociais, pois estes negam a

igualdade entre os indivíduos. Desse modo, exige-se do Estado ações afirmativas e

práticas de inclusão para além do ordenamento jurídico, “a fim de que se possa, de

forma efetiva, assegurar a igualdade de tratamento entre todos os indivíduos e,

como decorrência lógica, a inclusão social de categorias que até então estiveram à

margem da própria democracia.”.

Uma visão estigmatizada sobre um segmento específico da sociedade é

um passo para sua criminalização e vice-versa. Se o estigma o segrega, a

criminalização o expulsa da agenda de cidadania. Nessa perspectiva de criminalizar

a pobreza, a família do preso, bem como o mesmo, devem ser privados do acesso a

direitos sociais ou a qualquer tipo de benefício, pois são vistos, em decorrência de

um construto social estigmatizado, como contraventores inatos, que praticam atos

contra a moral e os bons costumes.

Segundo Barros e Jordão (2007), os elevados índices de criminalidade e

as falhas nas políticas de segurança pública, propiciam um movimento em defesa do

endurecimento das penas, gerando políticas repressivas baseadas no

encarceramento em massa. A sociedade transfere a responsabilidade pelo crime

apenas para o indivíduo, pois foi este quem escolheu o “lado errado” para viver e,

por isso, seria irrecuperável. Para as autoras, ”pensar a prisão como espaço político

da recuperação e da retomada da vida comum para um criminoso chega a ofender o

cidadão comum, que espera mais que uma pena: aguarda vingança e retribuição“.

(BARROS E JORDÃO, 2007, p. 7)

Uma forma de combater a discriminação que atinge o preso seria através

do trabalho, atividade tão aclamada pela sociedade. Dentro do sistema prisional, o

trabalho é para o preso um direito fundamental constitucional (art. 6º da CF/1998),

ao mesmo tempo em que está preconizado como um dever na Lei de Execução

Penal, em seu artigo 39. A chamada laborterapia é uma forma de combater a

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ociosidade e manter a disciplina e a responsabilidade do preso, afirmando o caráter

reeducador da pena privativa de liberdade. Considerando que a prisão não tem

carácter de ressocialização, mas sim de correção, Foucault (2008, p. 203) afirma

que “o trabalho penal deve ser concebido como por si mesmo uma maquinaria que

transforma o prisioneiro violento, agitado, irrefletido em uma peça que desempenha

seu papel com perfeita regularidade.”.

Ezeokeke (2011) denuncia que o Estado não está interessado em

investir no processo de ressocialização do preso. Faltam políticas públicas efetivas e

verbas suficientes para cumprir o que está previsto em lei. Ou seja, as funções de

ressocializar e reintegrar são desviadas para transformar a prisão em uma “escola

do crime”. Esse quadro faz com que a sociedade tenha percepções cada vez mais

negativas sobre o universo carcerário. Alessando Baratta (2002) nos ensina que não

se pode pensar em ressocializar, sem antes refletir sobre os valores e os modelos

de pensamento que norteiam as relações em sociedade. Para Baratta (2002, p.

186), “a verdadeira reeducação deveria começar pela sociedade, antes que pelo

condenado: antes de querer modificar os excluídos, é preciso modificar a sociedade

excludente, atingindo, assim, a raiz do mecanismo de exclusão.“.

Segundo Melo (2000, p. 18), por ser considerado uma ameaça à

sociedade, o preso “não pode pertencer a mesma categoria de sujeitos (cidadãos),

isto é, participar com os mesmo direitos, mas tem de obedecer as regras da

marginalidade e responder dentro dos critérios preestabelecidos para o grupo.

Alberguaria (2011, n.p) retrata bem essa percepção social estigmatizante em relação

ao recluso, ao afirmar:

Quando o indivíduo é submetido à sentença penal condenatória, passa, aos olhos da sociedade, a não merecer garantias, direitos ou qualquer coisa que o beneficie. Além do mais, (a sociedade advoga que) o dinheiro fornecido pelo Estado é proveniente de impostos pagos pelos “cidadãos de bem”, aqueles que nada fizeram de errado na vida, que não possuem contas a

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prestar. A pena deve impor ao indivíduo sofrimento além da simples privação de sua liberdade, não importando se a família do detento sofrerá também as consequências.

Essa visão social estreita contesta o princípio constitucional de que, a

restrição de liberdade não retira do preso os seus direitos e garantias fundamentais,

tendo o Estado o dever de assegurar aos sentenciados meios que propiciem a

concretização de seus direitos. Além disso, ao se filiar ao Regime Geral de

Previdência Social, o cidadão tem direito à proteção prevista em lei. No Brasil, a

garantia dos direitos do preso se faz presente, na Constituição Federal de 1988, no

Código Penal e na Lei 7.210/1984, a Lei de Execução Penal. Segundo a LEP, os

direitos do preso se constituem, principalmente, de alimentação suficiente e

vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; assistência material, à saúde,

jurídica, educacional, social e religiosa; Previdência Social, entre outros. Feitosa

(2011, n.p) faz um estudo acerca dos direitos dos presidiários e afirma:

O princípio inspirador do cumprimento das penas e medidas de segurança de privação de liberdade é a consideração de que o interno é sujeito de direito e não se acha excluído da sociedade, mas continua formando parte da mesma. [...] Por estar privado de liberdade, o preso encontra-se em uma situação especial que condiciona uma limitação dos direitos previstos na Constituição Federal e nas leis, mas isso não quer dizer que perde, além da liberdade, sua condição de pessoa humana e a titularidade dos direitos não atingidos pelo ordenamento jurídico.

Neste sentido, é certa a normativa jurídica que prevê o auxílio-reclusão

como um direito dos dependentes do segurado preso, já que o mesmo contribuiu

para a previdência antes da condenação. Além disso, o auxílio é de suma

importância para os familiares conseguirem dar o suporte necessário para o preso,

pois estes conseguem prover seu sustento, ao mesmo tempo em que ajudam o

preso a ter melhores condições de vivência na prisão. Podemos identificar a

influência do apoio familiar no processo de recuperação do preso, ao nos

apropriarmos do pensamento de Ramalho (2002, p. 76) que afirma ser a

manutenção dos laços familiares fundamental para que o apenado consiga retornar

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à vida em sociedade, pois “valorizar a família equivalia a um sinal de

recuperabilidade, significava a possibilidade de voltar ao mundo do trabalho.”.

Vale ressaltar que as penitenciárias e presídios ficam afastados dos

grandes centros urbanos e muitas vezes, as famílias se mudam para o munícipio

onde o familiar vai ficar encarcerado, para ficar mais perto dele, prestando-lhe apoio.

Quando essa mudança não é possível ou não se faz necessária, a família tem, na

maioria das vezes, além dos gastos com transporte para visitar o preso, outras

despesas, onerando o orçamento familiar. Nesse caso, tratando-se de segurado da

Previdência Social, seus dependentes contam com o auxílio-reclusão que garantirá

uma renda mensal no valor de um salário mínimo, em substituição ao salário dele.

No entanto, na sociedade brasileira, a concessão do auxílio-reclusão gera

polêmica. Tem-se observado que uma parcela da população se posiciona contra

esse benefício, por não admitir que um preso, considerado ofensor dos bons

costumes, ou os que convivem com ele, tenham acesso a qualquer tipo de direito

social. O debate acerca do assunto é fomentado pelas mídias sociais, através de

imagens preconceituosas e informações falsas que reforçam o estigma do preso.

Atualmente, a internet é um dos maiores veículos de comunicação pela qual

podemos ter acesso às diferentes mídias, principalmente as redes sociais.

É nas redes sociais onde circulam grande parte das informações

errôneas que mostram uma imagem negativa do benefício, produzindo um

sentimento de indignação e revolta na população. Segundo Redígolo (2012), a

população em geral acredita que o preso tem mais direito aos serviços públicos na

condição de encarcerado do que em liberdade, já que o mesmo tem acesso, ainda

que precariamente, a serviços de assistência médica, jurídica e alimentação sem

fornecer nenhuma contrapartida para a sociedade.

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Tomamos conhecimento que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ

oferece essa contrapartida com o Programa Começar de Novo, instituído pela

Resolução n.º 96, de 27 de outubro de 200923. Esse programa promove ações que

visam sensibilizar os órgãos públicos e a sociedade civil para o desenvolvimento de

oportunidades de trabalho e capacitação profissional para presos e egressos do

sistema carcerário, com vistas à redução da reincidência e promoção de cidadania,

pois, como é do conhecimento público, as empresas não tem interesse em promover

ações de reintegração para o preso.

Em pesquisa realizada por Chies e Passos (2012) sobre a relação

entre o auxílio-reclusão e a repulsa social, através de dados coletados em blogs e

sites da internet, observou-se que a repulsa social fundamenta-se, principalmente,

na oposição construída socialmente entre homem trabalhador e homem criminoso,

sendo inaceitável que um preso tenha direitos sociais garantidos. Em decorrência

desse paradoxo que gera repulsa social, o auxílio-reclusão é visto como um estímulo

à criminalidade e ao aumento da violência.

A pesquisa também mostrou que a população desconhece a realidade

das penitenciárias brasileiras, reproduzindo o senso comum de que é mais vantajoso

estar preso do que ser um trabalhador honesto. Outros discursos como o de que a

família da vítima do crime é quem deve receber um auxílio assistencial do Estado e

não a família do segurado preso, bem como a adoção de um rigor punitivo extremo

com aquele que comete o delito, também são presentes na pesquisa. Na sequência,

Chies e Passos (2012, p. 285) afirmam que:

[...] as representações sociais que se constroem no entorno do auxílio-reclusão manifestam que a reflexividade social sobre o fenômeno da criminalidade está significativamente desprovida de uma criticidade quanto aos favorecimentos estruturais da sociedade contemporânea, tanto no que se refere à constituição da delinquencia, como em relação à atuação – seletiva e excludente – do sistema de justiça criminal.

23Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12209-resolucao-no-96-de-27-de-outubro-de-2009> Acesso em: 15 jul. 2014

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As manifestações contra o auxílio-reclusão ganharam força após a

circulação dos e-mails com informações distorcidas sobre o benefício. O debate

gerado na sociedade levou à criação da Proposta de Emenda Constitucional

30/2011, que argui pela não concessão do benefício para quem comete crimes

hediondos, ao mesmo tempo em que requer a criação de oportunidades de trabalho

para o preso. Contudo, a proposta continua em tramitação. Para Chies e Passos

(2012, p. 287), esse construto da existência de uma incompatibilidade entre o

auxílio-reclusão e o trabalho do preso, visa, na verdade, reduzir a abrangência do

auxílio-reclusão, reforçando a ideia de negação de direitos ao preso, “como a

histórica rejeição da Proteção Social àqueles que capazes de trabalhar não o fazem

(e, na atualidade, ao menos nos padrões do trabalho útil aos desígnios de uma

economia capitalista)”.

Percebe-se, então, que o auxílio-reclusão é um benefício que possui um

estigma social fortemente influenciado pelas mídias sociais, que geram reações

distorcidas devido à falta de informação e a ausência de análise e criticidade acerca

das contradições que cercam a sociedade capitalista. O Estado penal atua com forte

rigor punitivo com a conivência da sociedade, enquanto o preso tenta sobreviver ao

processo de exclusão a qual é submetido. De forma a entender esse processo, no

próximo capítulo buscaremos identificar e analisar à luz da teoria da criminalização

da pobreza e do estigma social, como contribuintes da Previdência Social, por nós

pesquisados, compreendem a política previdenciária do auxílio-reclusão.

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CAPÍTULO 3 – PERCEPÇÕES DOS CONTRIBUINTES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL SOBRE O AUXÍLIO RECLUSÃO.

Considerando o que foi exposto nos capítulos anteriores e as discussões

neles contidas, o terceiro capítulo deste trabalho visa exemplificar as teorias

apresentadas anteriormente, por meio da análise das entrevistas realizadas com

contribuintes da Previdência Social, a fim de se chegar a uma melhor aproximação

do entendimento que os mesmos têm sobre o auxílio-reclusão.

Como o intuito de alcançar o objetivo da pesquisa, faremos a análise

das falas dos 30 entrevistados, categorizando as falas dos sujeitos em “opiniões

favoráveis ou indecisas ao auxílio-reclusão” e “opiniões contrárias ao auxílio-

reclusão”, buscando uma relação entre as mesmas e a teoria da criminalização da

pobreza e do estigma social. Além disso, buscaremos compreender como os

entrevistados percebem o tratamento da mídia acerca do auxílio-reclusão. Cada

categoria será dividida em subcategorias de sentido, a fim de analisar melhor o

conteúdo das falas.

1) Conhecimento sobre os benefícios previdenciários

Inicialmente, nos interessou saber qual o conhecimento que os 30

entrevistados têm sobre os benefícios previdenciários. Constatamos que a maioria

conhece os mais comuns e eventualmente, os mais utilizados pelos contribuintes,

tais como: as aposentadorias (por idade, por tempo de contribuição e por invalidez),

o auxílio-doença e o salário-maternidade, de um total de dez benefícios 24; 02 (dois)

24

Vale ressaltar que os principais benefícios devido aos segurados da Previdência são: aposentadoria por idade, tempo de contribuição, invalidez e especial; auxílio-doença; auxílio-acidente; salário-maternidade; e salário-família. Para seus dependentes existem dois benefícios: pensão por morte e auxílio-reclusão.

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entrevistados os desconhecem totalmente e alguns citaram serviços do SUS como

benefício previdenciário, como podemos ler a seguir:

Aposentadoria por tempo de serviço, por invalidez, e o atendimento do SUS que eu acredito que seja pelo INSS, já que é descontada tanta coisa do nosso salário. (E02) Sei de alguns, o auxílio-doença, atendimento médico, direito a internação na rede pública, direito a aposentadoria. (E26)

No conjunto das respostas, constatamos que um dos entrevistados vê os

benefícios como uma benesse da previdência, em detrimento da ótica do direito do

contribuinte.

Seria uma ajuda que a previdência disponibiliza para os contribuintes, caso venham a precisar por motivos de saúde do auxílio. Eles calculam o valor do seu salário e não pode ser menor que um salário mínimo. (E19)

Percebemos, ainda, nas entrevistas que a maioria dos entrevistados

reconhece a previdência como um seguro somente em caso de doença ou velhice,

esquecendo-se de outras contingências sociais que podem acometer o trabalhador,

como a morte e a reclusão. Essa desinformação pode fazer com que vários

contribuintes deixem de requerer seus direitos por desconhecimento dos benefícios

previdenciários. Segundo Laffranchi (2012, p. 19-20):

Apesar da Previdência Social e do INSS serem órgãos amplamente conhecidos pela maioria do cidadão brasileiro, e apesar de alguns benefícios serem muito populares, tais como a aposentadoria por idade, o salário-maternidade e o auxílio-doença, muitos outros benefícios não são do conhecimento dos trabalhadores, e por muitas vezes não são requeridos junto à Previdência Social.

A informação é um elemento de fundamental importância para que os

sujeitos sociais tomem conhecimento de seus direitos e deveres, pois a construção

da cidadania se faz por meio também do livre acesso à informação. Nesse intuito, o

INSS, através do Programa de Educação Previdenciária – PEP, objetiva promover a

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ampliação do nível de cobertura previdenciária através de ações de informação e

conscientização sobre direitos e deveres previdenciários e do incentivo à inclusão no

sistema, contribuindo, assim, para a redução do número de trabalhadores informais.

(BRASIL, s.d.)

No entanto, apesar do PEP realizar parcerias com segmentos

organizados da sociedade, como sindicatos, associações de classe, cooperativas,

entidades educacionais, ONGs e outros, ainda é restrito o alcance das informações

para a maioria da população, principalmente àqueles das classes pobres, que são

os mais excluídos do acesso à informação e consequentemente, de seus direitos.

Historicamente, o Brasil é marcado pelo precário sistema educacional público, o que

propiciou a geração de uma massa de trabalhadores adultos analfabetos funcionais.

Consequência disso é a impossibilidade da democratização dos conhecimentos e a

efetivação da cidadania, visto que o acesso a informação por si só não garante a

compreensão do conteúdo, principalmente no âmbito previdenciário, cuja legislação

é extensa e cheia de pormenores.

Contribui para esse quadro, a pouca disseminação de informações

previdenciárias nos meios de comunicação, pois na atual conjuntura, é mais

interessante para a mídia usar a sua influência para estimular o consumo e assim,

atender aos interesses do capital. Nesse sentido, entendemos que o não

conhecimento dos benefícios previdenciários pode perpassar três dimensões: a falta

de efetividade das ações educativas do PEP, a ausência de uma educação voltada

para o conhecimento dos direitos do cidadão e a ausência por parte da mídia, de

mecanismos de promoção de acesso à informações sobres os direitos do

trabalhador.

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2) Opiniões favoráveis ou indecisas ao auxílio-reclusão.

Categorizamos neste tópico as falas dos 18 entrevistados que são

favoráveis a concessão do auxílio-reclusão e os que se mostraram indecisos ao dar

sua opinião. O argumento mais recorrente entre os que estão a favor do benefício é

o entendimento de que a família do segurado não tem culpa do crime cometido pelo

mesmo e que por isso, deve ser amparada nos moldes da lei.

A família não tem culpa do crime, então ela vai ficar desamparada. (E16)

Sim, a família não tem culpa. Conheço um caso de um idoso aposentado que matou a companheira. Quando ele foi preso, os filhos menores receberam esse auxílio. Acho que a gente não pode tirar o direito do cidadão, mesmo quando ele comete um ato assim. (E17)

A família não deve pagar pelas ações de uma pessoa que foi presa. Um auxílio, neste caso, também é bem-vindo. (E28)

[...] A família não pode ser apenada social ou juridicamente pelo reflexo da conduta do preso. (E21)

Concordo, porque por mais que se trate de um infrator, ele não deixa de ter dependentes. E estes não devem pagar também pelos delitos do “cara”.(E10)

Além da perspectiva de desresponsabilização da família pelo delito do

segurado, podemos perceber em algumas respostas que os entrevistados entendem

que, em caso de reclusão ou morte, a ausência do provedor familiar trará mudanças

negativas para a rotina familiar. Muitas vezes, a esposa ou companheira não

trabalha e não possui renda, além de os filhos serem menores, tendo por isso, que

ser amparados pelo Estado. Nessa ótica, o auxílio-reclusão é devido pelo mesmo

motivo da pensão por morte, pois nas duas situações o risco social atendido é a

perda da fonte de subsistência do núcleo familiar. Os entrevistados abaixo

sustentaram esta mesma ótica:

Acho que é mesma coisa da pensão. Se ele contribui, acho que tem direito sim, a família não tem culpa do crime dele. (E07)

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Eu acho que é a mesma lógica da pensão por morte. A esposa pode não ter condições de se manter sozinha e tem os filhos que precisam de apoio. (E15)

Eu acho que não é justo que a família pague pelo erro cometido pelo segurado. Pelo mesmo motivo da pensão por morte, sou a favor do pagamento aos dependentes do preso. (E23)

Já outros entrevistados se colocam a favor do auxílio-reclusão, visto ter

havido contribuição prévia do preso para a Previdência Social, uma política pública

que tem o objetivo de reconhecer e conceder direitos na forma de um seguro social

para a pessoa que contribui quando acometido das contingências sociais previstas

em sua legislação, entre as quais se encontra a privação de liberdade.

[...] Se ele pagou e o INSS é uma seguradora, então eu acho que deve ser dado um benefício. (E10) Porque, ao contrário do que defendem algumas pessoas, esse benefício não visa garantir conforto ao criminoso, mas sim garantir à família do segurado que contribui periodicamente para previdência, meios de prover sua mantença diante da reclusão do contribuinte. (E21)

Em outras falas, encontramos argumentos favoráveis à imposição de

certas condições para o preso ter acesso ao benefício, inclusive, entre os que se

mostraram indecisos. A ideia é que só deveria ter direito o segurado preso por

crimes em legítima defesa ou por alguma fatalidade, mas jamais os que cometeram

crimes hediondos.

Acho que esta questão é bem polemica, pois se partimos do princípio de que todos que contribuem teriam algum direito perante a previdência, os presidiários contribuintes também teriam seus direitos. Vivemos em um país cheio de mazelas sociais e que existem vários fatores que contribuem com a criminalidade, mas existem também alguns exemplos como o de um pai de família bêbado que se envolve em uma confusão em um bar e acaba por matar uma pessoa, exemplos de marido ciumento que comente um crime contra a esposa, ou até mesmo um bêbado dirigindo um carro e mata pessoas atropeladas. Acredito que em todos esses exemplos essas pessoas que cometeram esses crimes possuem famílias. Essas famílias merecem ficar desamparadas e pagar também pelo crime? No sentido de amparar as famílias que muitas vezes não tem culpa dos delitos cometidos pelos presos, concordo sim com este benefício, já que também não é qualquer preso que terá direito a este auxílio e sim aqueles que têm

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trabalho e que contribuem com a previdência. Não concordo em um estuprador, traficante e outros criminosos deste tipo em receber o beneficio,acredito que eles também não atendem aos requisitos para poder dar entrada no beneficio. (E18) Concordo em partes também. Por que a família não teve culpa se o segurado cometeu um crime. Mas eu acho que se ele fez algo errado, mas não teve culpa, como no caso de uma legítima defesa, deveria ter direito. (E06). Depende do caso. Se o crime que o contribuinte cometeu foi em legítima defesa, acho que ele deveria ter direito só nesse caso. (E13)

Atualmente, por mais grave que tenha sido o crime cometido pelo

segurado, não existe restrição legal para a concessão do benefício, salvo nos casos

de crime contra a Previdência Social. Nessa lógica de limitar o benefício de acordo

com o crime cometido, a PEC 30/2011, propõe uma emenda ao texto constitucional,

para que não tenham acesso ao auxílio-reclusão àqueles segurados que cometeram

crimes de tortura, racismo, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, pedofilia e

crimes definidos como hediondos. Em contrapartida a essa restrição, sugere a

referida PEC que o Estado crie oportunidade de trabalho para que todos os presos

exerçam atividades laborais, inclusive aqueles que não tem direito ao benefício e

que desejam prover o sustento de seus dependentes. Evidenciamos algumas falas

que corroboram com a ideia de que o benefício deveria ser provido pelo trabalho do

preso dentro da prisão, o que contraria a lógica securitária do auxílio-reclusão.

[...] As esposas e os filhos precisam se manter de alguma forma, por isso eu concordo. Acredito que esse benefício deveria ser retirado através do trabalho do preso, seria a forma mais justa. Enquanto ele está preso, ele trabalha dentro da cadeia, com essas cooperativas e o que receber passa pra sua família. Mesmo o preso que nunca contribuiu poderia ajudar a família assim. (E20)

[...] Eu acho que o governo poderia pagar esse benefício desde que o preso também tivesse uma ocupação. Que ele tivesse trabalhando pra sustentar a família dele lá fora. Só teria direito quem trabalhasse na prisão. (E02)

Evidenciamos, em algumas falas, a ideia de que a concessão permanente

do benefício até a ocorrência da soltura do preso acarreta acomodação entre os

dependentes e por isso, deveria ser concedido por um tempo limitado pelo Estado.

Disso, inferimos que essa proposição denota um preconceito em relação aos

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pobres, vistos, muitas vezes, no senso comum, como preguiçosos, acomodados,

mesmo quando estes estão usufruindo do direito de proteção social garantido

constitucionalmente, mediante o cumprimento prévio das obrigações legais, no caso,

o recolhimento mensal à Previdência Social. Em outras palavras, a relação do

Estado com o trabalhador que paga o seguro social é de um contrato: este tem a

obrigação prévia de contribuir para o sistema e aquele de garantir a sua proteção e a

de sua família, em caso de doença, invalidez, idade avançada, morte, reclusão,

entre outros eventos.

Se ele era contribuinte, acho justo receberem. O caso não é nem receber, é o tempo que se passa recebendo. Na minha opinião, hoje em dia, as pessoas se acomodam e acabam não procurando outro meio de vida. Eu acho que o certo seria por tempo indeterminado até o julgamento e posteriormente por tempo determinado. (E19)

A partir da análise das entrevistas, percebemos que os entrevistados que

são a favor do auxílio-reclusão entendem que a família não tem culpa pelo crime do

segurado e que, portanto, não deve ser penalizada. Já que o preso contribui para a

previdência, é justo que ele tenha o direito de assegurar seus dependentes com o

benefício. No entanto, as falas indecisas consideram que deve haver outros critérios

para a concessão, como a restrição para quem comete crimes hediondos e um limite

de tempo para o pagamento do mesmo como uma forma de evitar a acomodação

por parte dos dependentes.

3) Opiniões contrárias ao auxílio-reclusão

O auxílio-reclusão é um tema complexo e polêmico, pois se insere numa

questão maior de natureza política, social, cultural, jurídica e de comunicação.

Considerando as marcas históricas da desigualdade social no Brasil, o acesso aos

direitos, principalmente os sociais25 sempre foi fragmentado e implementado, de

25

Os direitos sociais, segundo o art. 6º da CF 88 são a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

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forma diferenciada, aos grupos da sociedade. Nessa lógica, a perspectiva da

negação de direitos atinge de forma clara os mais pobres, destacado aqui a figura

do preso. Culturalmente, a prisão tem a função de punição e correção aos olhos da

sociedade, longe da ideia de ressocialização.

A sociedade vê o recluso como um indivíduo que cometeu um erro e que

tem uma dívida a pagar perante a justiça e a sociedade, sendo desprovido de

direitos. Esse processo de estigmatização e discriminação resvala em tudo e em

todos que de alguma forma estejam ligado ao preso. Assim, o auxílio-reclusão é

bastante criticado, pois no imaginário social é visto como um privilégio e não como

um direito. No entanto, vale ressaltar que, conforme o ordenamento jurídico, o

auxílio-reclusão é devido aos dependentes do segurado de baixa renda, com o

objetivo de substituir o salário de seu provedor, em virtude do aprisionamento do

mesmo.

Das doze opiniões contrárias ao auxílio-reclusão, destacamos

primeiramente, as que alegam não concordar que o Estado responsabilize-se com

mais gastos a favor do preso, além de culpabilizá-lo por ter escolhido cometer algum

delito.

Eu não acho que deve ter auxílio pra família, por que se ele foi preso, é porque procurou acontecer isso. (E03) É uma vida que ele escolheu pra seguir e o Estado não deve arcar com essa despesa [...] (E04)

[...] O governo já gasta tanto com o preso, não teria porque arcar com essa despesa. (E09)

Não, de jeito maneira. Esse é que eu não concordo mesmo. Por que eu acho que se a pessoa está presa é porque cometeu algum crime. Então pra quem tá aqui fora é pior ainda, porque nós estamos pagando pra ele “tá” preso lá dentro por um crime que ele cometeu, e a gente vai “tá” pagando um auxílio pra ele criar a mulher e o filho dele que ficaram aqui fora. (E01)

Podemos perceber nas falas, um discurso que aceita a negação do direito

ao benefício, pois mesmo que o preso tenha contribuído, ele cometeu um erro e não

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merece receber tal benefício. Conceder o auxílio-reclusão é visto como uma afronta,

pois além da percepção de que a sociedade não tem o dever de sustentar a família

do detento26, o Estado estaria “beneficiando” o preso duas vezes, ao repassar

recursos para mantê-lo no sistema penitenciário, ao mesmo tempo em que concede

um benefício para seus dependentes. Esse discurso aceita a desresponsabilização

do Estado frente às necessidades das famílias.

No imaginário social, os gastos do Estado com o preso devem ser

mínimos, e isso atinge diretamente a família, que sofre preconceito por ter ligação

com uma pessoa que transgrediu as leis, pois a sociedade acredita que os

dependentes são coniventes ou têm alguma participação nos atos delituosos do

familiar preso. (SCHILLING E MIYASHIRO, 2008) Ser favorável a negação do

auxílio-reclusão corrobora com a negação dos direitos humanos do preso. Cano

(2010, p. 67-67) explicita bem o pensamento existente na sociedade:

Em particular, a ideia de respeitar os direitos dos acusados de cometer crimes enfrenta, em muitos países, resistências em diversos setores da sociedade. [...] Estabelece-se assim, de forma implícita, uma equação perversa, segunda a qual se acredita que o desrespeito dos direitos de alguns, dos criminosos, é indispensável para a preservação dos direitos da maioria.

Nesse sentido, destacamos um argumento contra o auxílio-reclusão, o

qual afirma que a cônjuge ou companheira do segurado preso pode trabalhar para

prover o sustento da família, não necessitando receber um benefício.

Não concordo [com o benefício], ele foi preso, mas a esposa pode trabalhar. Não precisaria o governo gastar mais dinheiro com o preso. (E14)

26

É importante ressaltar que o custeio de todos os benefícios previdenciários é feito através da arrecadação das contribuições previdenciárias, que são as contribuições sociais dos trabalhadores e das empresas, incidentes sobre a folha de pagamento (art. 195 , I, a e II da CRFB/88)

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Mesmo que a esposa trabalhe, a prisão do companheiro e a não

percepção de sua renda, vão onerar significativamente o orçamento da família, além

de se constituir um abalo emocional e afetivo. O afastamento de um de seus

membros (na maioria dos casos, o homem) provoca importantes transformações nas

relações sociais. Diante da prisão, geralmente a companheira ou cônjuge do recluso,

terá que buscar meios de garantir a sobrevivência dos demais membros, além de

lidar com a revolta dos filhos, principais alvos de preconceito. Outrossim, é papel do

Estado amparar os dependentes, pois a Constituição de 1988 prevê, em seu art.

226, a proteção estatal à família como base da sociedade, preceituando que “o

Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a

integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Nessa lógica, o auxílio-reclusão foi pensado pelos juristas no sentido de

garantir a proteção social da família, visto que a mesma não deve ser culpabilizada

pelos atos delituosos do segurado, segundo prevê o princípio da personalidade da

pena. De acordo com este princípio, a responsabilidade pelo crime deve ser

individual, não se transmitindo a terceiros. Dessa forma, podemos pensar que, se o

Estado deixa de proteger a família e nega o direito a um benefício

constitucionalmente previsto em forma de seguro, estará punindo os dependentes

pelo crime do familiar preso. Muitas vezes, não existe a reflexão de que o dinheiro

do benefício vai ser usado para dar apoio também ao recluso, diante da

precariedade do sistema penal.

Apesar da assistência material estar prevista na Lei de Execução Penal

(LEP), art. 12, os estabelecimentos prisionais, muitas vezes, não oferecem o básico

para os cuidados do preso de forma satisfatória. Muitos presos só tem acesso a

determinados objetos por que a família fornece, como colchões, materiais de higiene

pessoal, vestuário. Quando a família não tem condições de fornecer esses materiais,

os detentos compram de outros presos ou dos funcionários das unidades prisionais.

Assim, o benefício previdenciário se faz essencial para que o apenado tenha acesso

a itens básicos quando estes forem negligenciados pelo Estado.

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Constatamos no relato de uma assistente social que trabalha na Casa de

Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto - CPPL II, a importância

do auxílio-reclusão para as famílias dos apenados.

As companheiras [dos presos] ficam com a missão de sustentar a família emocionalmente e economicamente, além de ter que dar assistência ao seu companheiro recluso através das visitas, em presídios distantes e através dos materiais necessários ao interno na prisão, como material de higiene, roupas, comida. Tudo acarreta em um gasto extra para aquela família. Sem falar nos casos onde o casal é preso junto, assim os filhos ficam nas mãos de outros parentes, mudam de casa, perdem sua rotina e o contato diário com os pais.

Sabemos que a realidade do sistema carcerário no Brasil é de

precariedade, na qual os detentos vivem em condições subumanas, denotando um

quadro de total violação dos direitos humanos. A superlotação presente nesses

espaços gera vários tipos de violência, entre as quais destacamos a violência física,

sexual, as torturas e os conflitos entre as facções criminosas. Vale salientar que a

LEP, no seu art. 88, estabelece que o cumprimento da pena se dê em cela

individual, com área mínima de seis metros quadrados, no entanto, nesse mesmo

espaço se amontoam, muitas vezes, entre 18 e 24 pessoas sentadas ou em pé. Ou

seja, a realidade é muito diferente do que está previsto em lei.

Segundo Menezes (2014), é escasso o fornecimento de itens de higiene

pessoal nas unidades prisionais, obrigando os presos a negociarem com

organizações criminosas ou dependendo dos familiares para obterem. Além disso, a

alimentação fornecida por empresas terceirizadas é alvo constante de denúncias de

superfaturamento e falta de higiene no preparo dos alimentos, pois as marmitas são

servidas com mau cheiro, presença de insetos e alimentos fora do prazo de

validade. Esse descaso acontece com a conivência da sociedade que não tem

interesse em saber se este público está satisfeito ou não com o serviço prestado.

Não é por menos que, diante de uma realidade tão cruel, ocorram rebeliões nas

penitenciárias brasileiras.

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Outra análise das falas dos entrevistados nos remete a relação existente

entre o mundo do trabalho e o mundo do crime. Para a sociedade, o pobre pode

escolher ser criminoso ou não, pois o mercado oferece vagas de trabalho, mesmo

em condições precárias, como uma opção para não entrar no mundo do crime.

Eu acho que quem quer trabalhar mesmo, não precisa fazer coisa errada, tem tanto emprego de porteiro e pedreiro por aí. (E09)

Ele poderia arrumar um emprego pra bancar os filhos e não através de roubar. (E03)

Tais respostas nos remetem ao estudo de José Ricardo Ramalho (2002)

sobre o crime e a sua relação com o mundo do trabalho a partir da perspectiva dos

presos. O autor constatou em sua pesquisa que muitos reclusos exerciam algum tipo

de atividade laborativa antes de serem presos, mas que por descuido, acidente ou

necessidade, tornaram-se criminosos. Estes têm, afirma ele, maiores chances de

serem recuperáveis pelo sistema, pois através do trabalho dentro das prisões

conseguem se manter fora da influência do crime. Ramalho (2002, p. 71) mostra

argumentos que levaram os trabalhadores ao mundo do crime.

Muitas vezes, no entanto, os presos explicavam estarem na vida do crime através de suas referências à impossibilidade de obter através do trabalho a satisfação de suas expectativas: o trabalho que lhes cabia na sociedade não era gratificante, não dava status, nem compensações materiais.

Na sociedade capitalista, geradora de desigualdades sociais, as pessoas

definem uma ordem de valorização e merecimento das profissões. Tradicionalmente,

os mais bem vistos são os profissionais da área do Direito, da Medicina ou da

Engenharia, em contrapartida, os pedreiros, lixeiros, diaristas e costureiras são

profissões invisíveis na sociedade de classes que associa o sentido de

pertencimento social a condição de status que a profissão oferece. Para Ramalho

(2002, p. 72), “tais opções identificam a situação de desvantagem, quase de

degradação, a que se vê relegado todo o grupo a que pertence o preso.” Na cultura

do consumo, a desvantagem reside no fato de eles não poderem participar

ativamente do paraíso mercadológico que é a oferta de produtos que gera e recria

pseudo-necessidades, sem levar em conta as desigualdades sociais existentes. Por

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isso mesmo, Bauman (1998, p.55) afirma que essa sociedade de consumo

estabelece um grande “hiato entre os que desejam e os que podem satisfazer seus

desejos”.

Nessa direção, lembra-nos Castro (2010), que a relação trabalho-salário

não é condição suficiente para promover o bem estar de uma família, principalmente

quando esta sobrevive de um trabalho precarizado e de baixo salário, condições

estas em que se encontram concretamente milhões de trabalhadores brasileiros.

Há pessoas que, vivendo uma realidade social tão diferente, não são

capazes de compreender o que é viver em condições de profunda pobreza e, por

isso se surpreendem com os assaltos e outras expressões de violência ou delito.

Portanto, numa sociedade capitalista, a sobrevivência num patamar abaixo do

mínimo necessário aumenta a probabilidade do envolvimento do trabalhador em

algum ato delituoso, mesmo tendo ele um emprego. Nesse sentido, além de

emoções instantâneas em determinadas situações ou fatalidades que levam o

trabalhador a cometer um crime, existe o desejo e o estímulo ao consumo que

confundem a posse de bens com felicidade, e faz com que sejamos avaliados não

pelo que somos, mas pelo que possuímos.

Nessa mesma linha de raciocínio, Ezeokeke (2011), assevera que a

sociedade produz violência ao fomentar a desigualdade e exclusão sociais,

amparada pelo Estado, que se omite e prefere criminalizar os mais pobres, ao invés

de reconhecer que a sua negligência é a geradora da criminalidade. E acrescenta:

“do ponto de vista dos governantes, os supostos criminosos cometem crimes só por

que querem e não igualmente em decorrência da violência da sociedade,

corroboradas nas injustiças sociais.” (EZEOKEKE, 2011, p. 46).

Wacquant (2001b), profundo estudioso do assunto, afirma que o Estado

penal atua no sentido de criminalizar a pobreza, quando acredita que “não deve se

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preocupar com as causas da criminalidade das classes pobres, à margem de sua

pobreza moral [...], mas apenas com suas consequências, que ele deve punir com

eficácia e transigência”. (WACQUANT, 2001b, p. 50)

Dando prosseguimento à análise do conteúdo das falas dos

entrevistados, constatamos que, para alguns, o auxílio-reclusão se constitui um

estímulo à criminalidade, uma espécie de “prêmio”. Essa visão reforça a lógica da

criminalização do indivíduo pobre, que perpassa não só o Estado, mas também a

sociedade. Vejamos essas falas:

Acho que isso vai estimular o crime. Por que se o trabalhador fica desempregado ele pode querer ser preso pra dar um benefício pra família. (E09)

O preso que tem pelo menos 1% de consciência em cuidar da família, iria pensar duas vezes antes de cometer um crime para ser preso. Já com o auxilio, tanto os "sem cabeça" como os que têm um pouco de responsabilidade, não se preocupariam com seus filhos e esposa porque sabem que tem esse auxílio e não irão passar fome. (E25)

Existe, ainda, o pensamento que não se deveria conceder o benefício

como uma forma de punir o preso e evitar que o crime seja um exemplo para outros.

Acredito também que esse auxílio deveria não existir para servir de punição, e evitar que os próprios dependentes um dia sigam o exemplo dos pais. (E25)

Primeiramente, parece-nos equivocado pensar o auxílio-reclusão como

estímulo ao crime, pois crer que uma pessoa prefere ser presa, dispensando sua

liberdade, para garantir um benefício à família, seria o mesmo que pensar que um

trabalhador cometeria suicídio para deixar a pensão por morte. Tal posicionamento

denota, ainda, falta de conhecimento das condições das instituições penitenciárias

brasileiras, como nos referimos acima. Isso seria possível, mas em casos muito

isolados. Observando a última fala, verificamos que a linha de pensamento desta é

muito próxima das que lhe antecederam imediatamente. Ou seja: para estas, o

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auxílio-reclusão existe como uma forma de premiação a quem comete algum crime

e, para a entrevistada E25, ele “não deveria existir para servir de punição”. Voltamos

a recair na ideia da criminalização do indivíduo pobre e também, no discurso

moralista do patrimonialismo: “...evitar que os próprios dependentes um dia sigam o

exemplo dos pais”

Segundo Ezeokeke (2011, p. 29), a sociedade apoia o endurecimento das

penas como forma de combater a criminalidade, mascarado na forma de “justiça”,

quando na verdade, “revelam a tirania, o excesso, a sede de vingança, e a perversa

felicidade de destruir ao invés de corrigir.” Dessa forma, a não-garantia de direitos

ao preso é uma forma de oprimi-lo ainda mais, atendendo aos apelos da elite. Esse

tipo de olhar reflete uma visão excludente e de caráter punitivo, que cria uma

dicotomia entre o homem mau (preso) e o homem bom (trabalhador) e justifica os

processos de exclusão social. (GIBIN, 2010) Raramente, parte-se da perspectiva de

que o benefício é um direito constitucional, pois além de ser um benefício

previdenciário exigente de contribuição prévia, é dever do Estado proteger os

desamparados. Apesar do valor equivalente ao salário mínimo, o auxílio-reclusão

garante, pelo menos, que os dependentes tenham essa renda mensal, sem a qual

eles viveriam desprovidos de qualquer proteção.

Uma das falas se mostrou claramente contrária a essa proteção, ao

argumentar que o auxílio-reclusão beneficia a família do preso que cometeu o ato

criminoso, enquanto a da vítima não, ficando esta desamparada pelo Estado.

Não concordo, pelo fato de que um indivíduo que está preso por ter assassinado alguém a família recebe um auxílio e o que foi vitimado não recebe valor algum. Concordaria se fosse feito para ambos. (E05)

Partindo dessa lógica, que vem de forma tão veemente influenciando a

sociedade contemporânea, foi enviada à Câmara dos Deputados uma proposta de

emenda à Constituição solicitando extinguir o auxílio-reclusão e criar um benefício

assistencial para a vítima de crime pelo período que esta for afastada da atividade

que garanta seu sustento e, em caso de morte da mesma, conversão do benefício

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em pensão ao cônjuge ou companheiro e dependentes da vítima. Segundo o texto

da PEC 304/13, de autoria da deputada Antônia Lúcia (PSC-AC):

Ainda que a família do criminoso, na maior parte dos casos, não tenha influência para que ele cometa o crime, acaba se beneficiando da prática de atos criminosos que envolvam roubo, pois a renda é revertida também em favor da família. Ademais, o fato do criminoso saber que sua família não ficará ao total desamparo se ele for recolhido à prisão, pode facilitar sua decisão em cometer um crime. Neste sentido, entendemos que é mais justo amparar a família da vítima do que a família do criminoso. (BRASIL, 2013)

Como podemos observar, a PEC 304/13 tem uma perspectiva punitiva e

criminalizadora, pois ela propõe desamparar a família do preso, que tem direito ao

benefício previdenciário devido ás contribuições do segurado, e pretende instituir um

benefício assistencial para aqueles casos em que a vítima e a sua família não

recebem benefícios do sistema previdenciário. Ou seja, a PEC pretende tirar o

direito de um para dar ao outro, baseado na ideia de que o justo é amparar a família

da vítima e não a do preso. Diante de tal justificativa, convém refletirmos brevemente

o conceito de justiça.

O conceito de justiça foi desenvolvido por diversos pensadores no

decorrer da história. Podemos destacar as relevantes contribuições de Aristóteles e

Platão na Antiguidade (justiça como virtude moral para alcançar o bem comum),

Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho na Idade Média (justiça como

merecimento e a relação com a Lei Divina), e os contratualistas Hobbes, Locke e

Rousseau na Idade Moderna (justiça é fruto da racionalidade humana e é exposto de

forma a garantir o contrato social). Todos esses pensadores trouxeram uma

variedade de significações ao conceito de justiça, que expressam o contexto

histórico-político em que estavam inseridos.

Na contemporaneidade, o filósofo Norberto Bobbio (1998, p. 660) afirma

que “a Justiça é um fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou a

democracia ou o bem-estar”, no entanto, não se deve confundi-la com estes, pois a

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justiça é um conceito normativo, enquanto os outros são conceitos descritivos.

Todavia, Domingos (2007) argumenta que o conceito de justiça pode ser empregado

como uma virtude ou uma característica de uma pessoa (homem justo), também

para designar uma lei ou o Poder Judiciário e seus órgãos. Considerando que a

justiça possui três elementos essenciais - a alteridade ou pluralidade de pessoas, o

devido e a igualdade - a autora afirma que “só é justiça propriamente dita, a relação

que tem por objeto dar a outrem, o que lhe é devido, segundo uma igualdade.”

(DOMINGOS, 2007, p. 287)

Dessa forma, Direito e Justiça são conceitos que se confundem. Segundo

Cavalieri Filho (2002, p. 58), “enquanto a Justiça é um sistema aberto de valores, em

constante mutação, o Direito é um conjunto de princípios e regras destinado a

realizá-la.” O autor afirma que o Direito tem por finalidade a realização da justiça,

enquanto a justiça objetiva à transformação social e a constituição de uma

sociedade justa, sem preconceitos e discriminação de raça, sexo, cor ou idade, uma

sociedade livre, solidária, sem pobreza e desigualdades sociais, como está prevista

no art. 3º na CF/88. No entanto, vivemos em um Estado Democrático de Direito onde

esses direitos são negados, principalmente àqueles considerados inferiores, fazendo

com que ocorra uma relação de afastamento entre a justiça e a sociedade, marcada

pela falta de confiança do cidadão no Direito e na Justiça.

Outra matéria que tramita na Câmara é o Projeto de Lei 5671/13, do

deputado André Moura (PSC-SE), o qual propõe dividir o auxílio-reclusão entre a

família do preso e da vítima. Tanto a PEC 304/13 como o Projeto de lei acima

referido são inconstitucionais. Primeiro, por que a instituição de um benefício

assistencial proposta pela PEC seria condicionada à extinção de outro benefício

igualmente importante. Segundo, sendo o auxílio-reclusão um benefício

previdenciário que teve a contribuição prévia do preso, este não pode ser transferido

para a vítima que não ofereceu nenhuma contrapartida financeira ao sistema.

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Uma terceira proposta é a PEC 368/13, que pretende criar um benefício

assistencial de um salário mínimo a quem tenha sido vítima de crime, mas sem

interferir no auxílio-reclusão, enquanto durar a incapacidade da vítima para o retorno

ao trabalho. É oportuno ressaltar que, se a vítima for segurado (a) da Previdência

Social, sofrer lesões por parte do (a) autor (a) do delito e ficar temporariamente

incapacitada para o trabalho, a lei o (a) ampara com o benefício auxílio-doença e,

em caso de morte, seus dependentes recebem a pensão por morte. Do mesmo

modo, se o (a) autor (a) do delito for contribuinte do Regime Geral da Previdência

Social, seus dependentes receberão o auxílio-reclusão.

Dentro do discurso punitivista ora examinado, o qual vem obtendo adesão

da sociedade, “justiça” significa prender o bandido e submetê-lo às piores condições

possíveis de vida dentro das prisões, ganhando força, portanto, o princípio do less

eligibility, o qual preconiza que as condições das prisões têm que ser piores do que

as condições de vida das camadas trabalhadoras menos favorecidas da população,

a fim de desencorajar os atos que possam levar a prisão.

Outra fala adepta dessa linha punitiva é a do E12:

Não concordo [com o benefício], o preso já está à margem da sociedade e por isso ele não deve ter direito. Se ele cometeu um crime seria injustiça pagar um benefício. Pra mim, o preso só deve ter direito a comida e deveria trabalhar pra pagá-la. (E12)

Podemos inferir dessa fala, que o trabalho para o preso, longe de se

posicionar na perspectiva ressocializadora, deve ter caráter obrigatório e punitivo.

Além disso, defender que o detento pague pelos custos da sua permanência no

cárcere vai ao encontro da estratégia do Estado de diminuir os gastos com o

confinamento da miséria, que segundo Wacquant (2003, p. 93), “confirma o

abandono do ideal de reabilitação em proveito da função única da neutralização do

encarceramento e o endurecimento correlativo das condições de detenção”, exigido

pela política de criminalização da pobreza.

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A partir da análise do conteúdo das falas contrárias ao auxílio-reclusão,

podemos perceber que muitos entrevistados sustentam suas opiniões numa visão

pouco aprofundada da realidade, ou seja, no conhecimento imediato, além de

desconhecerem os aspectos legais que cercam este benefício e,

consequentemente, os critérios para a concessão do mesmo, gerando uma rejeição

baseada em argumentos acríticos. Nesse contexto, vimos a defesa de alguns, no

sentido de que o Estado não deva aumentar os gastos com o preso e por isso, não

deva se responsabilizar pelo amparo de seus dependentes, pois, em seu

entendimento, cabe ao indivíduo, por opção pessoal, entrar para o mundo do crime.

Essa repulsa social reflete os processos de criminalização da pobreza e

estigmatização do preso presentes na sociedade, que se fortalecem à medida que

cresce a defesa do não direito do preso e de seus familiares, ampliando assim, o

processo de exclusão social.

Dando sequência a esta ideia, há entrevistados que acreditam poder o

auxílio-reclusão estimular o crime, entendendo-o até mesmo como um premio.

Nesse sentido, alguns chegam a propor a extinção deste benefício e a criação de

um benefício assistencial para a família das vítimas do delito, numa evidente

manifestação de adesão ao pensamente prevalente de punição aos pobres, própria

das sociedades capitalistas inseridas no modelo de Estado Penal. Além disso,

evidenciou-se a ideia de que o indivíduo tem a opção de trabalhar e não cometer

atos ilícitos, pois no imaginário social, espera-se que o trabalhador digno aceite

qualquer ocupação diante das necessidades financeiras, mesmo que esta ofereça

condições precárias de trabalho, sem levar em consideração que, muitas vezes, o

crime é atrativo, mesmo para as classes altas, com salários avantajados, devido ao

seu retorno financeiro.

3.1 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E O TRATAMENTO SOBRE O AUXÍLIO-RECLUSÃO

Como demonstrado neste trabalho, existe uma grande mistificação e

desinformação na sociedade quando se fala no auxílio-reclusão. Nos últimos anos,

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várias informações sobre esse benefício têm circulado nos meios de comunicação

de forma destorcida. São mensagens que circulam pelas redes sociais e correios

eletrônicos, além de fotos de criminosos que estimulam a criação de um imaginário

social de medo e indignação. Devido ao avanço da criminalidade, do estigma e

preconceito social contra o preso, aliados à política do medo instaurada com a ajuda

da grande mídia constatamos, de um lado, um clamor popular contra qualquer ação

do Estado voltado para proteger os pobres desocupados e, de outro, um movimento

organizado, no sentido de que o órgão estatal exerça um controle policialesco

contundente sobre os mesmos.

As informações falaciosas sobre o auxílio-reclusão, que recebeu nas

redes sociais a alcunha de “bolsa bandido”, mas que está longe de ser uma “bolsa”,

e muito menos ao alcance dos “bandidos”, inflamou a sociedade a favor da extinção

do mesmo. Neste sentido, buscamos conhecer, na pesquisa, quais os meios de

comunicação que a opinião ou informação sobre o benefício chegou até o

entrevistado. A tabela abaixo nos mostra quais os meios mais identificados. (figura

3)

Quadro 3 – Gráfico sobre os meios de comunicação mais relatados

8

4

0

10

3

4

3

9

NUNCA OUVIU FALAR

OUTROS

RÁDIO

REDES SOCIAIS

JORNAL

TELEVISÃO

REVISTA

PESSOAS

Meios de Comunicação

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Percebemos que as redes sociais e as conversas entre pessoas são os

principais meios de divulgação do auxílio reclusão. Hoje, as redes sociais tem um

alcance enorme de público e podem produzir, filtrar e reverberar diversos tipos de

informações. Acerca do assunto em pauta, a maioria dos entrevistados teve acesso

a informações negativas, conforme as falas destacadas abaixo.

Vi imagens no facebook dizendo que o preso recebia um benefício por filho, chamavam ate de bolsa bandido. Também já vi debates na TV sobre o assunto, mostrando opiniões a favor e contra esse benefício. (E05) Ouvi notícias que falavam mal sobre esse benefício. Que era mil reais pra cada filho e uma recompensa por ele estar preso. O dinheiro do contribuinte estaria sendo usado duas vezes, uma pra manter o preso nos presídios e outra pagando benefício pra família. Assim, ele pode pensar que o crime compensa. (E14) No geral, as informações são negativas. Dizia que o auxílio-reclusão é injusto, pois ajuda ao preso enquanto que a família da vítima fica desamparada. (E23) Vi nas redes sociais, mas muitas vezes não aprofundam o assunto, só criticam. Vejo falar que o criminoso ganha mais que um salário mínimo pra tá preso, mas que não merece ter direito a nada. (E24) Falava mais sobre a divisão de opiniões, o que seria o auxílio e a polêmica que causava. A maioria das pessoas não concordava com esse auxílio porque acham injusto, a pessoa comete um crime contra uma pessoa do bem e ele ainda sai ganhando. (E20) Já ouvi falar muitos revoltosos contra e a favor desde auxilio, pois não admitem que como pode o governo sustentar a família de ladrão, assassino, traficante, etc. (E29)

Ficam evidenciadas nas falas que as informações sobre o auxílio-reclusão

na mídia difundem o preconceito e a criminalização contra o benefício, legitimando o

pensamento de que o auxílio-reclusão visa premiar o preso, sendo isso reforçado

pelo uso da expressão pejorativa bolsa-bandido, que dá a ideia de que o governo

sustenta o criminoso e o crime é vantajoso para este. Tal discurso torna o auxílio-

reclusão um assunto polêmico e favorece a criação de estereótipos no seio da

sociedade a respeito dele. Segundo Boldt e Krohling (2007), o discurso midiático

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estimula um sentimento de insegurança que reforça a ideia de que são necessárias

ações punitivas severas do Estado para manter o status quo.

O grande número de informações falsas, tendenciosas, de má-fé e não

fundamentadas, acaba produzindo um sentimento de indignação e de repulsa social

naquele que as lê.

Já ouvi muito pouco, só sei que o valor parece ser uns novecentos e poucos reais, mais que o salário mínimo, acho um absurdo! (E23)

Nessa resposta encontra-se patente o propósito do meio de comunicação

de confundir a opinião pública que acaba assimilando como verdadeiras tais

informações. Segundo Castro (2010), a sociedade é constantemente manipulada e

influenciada pela mídia, a fim de legitimar os interesses das classes dominantes.

Como os meios de comunicação são formadores de opinião, eles manipulam o pensamento da sociedade, homogeneizando as ideias de massa. Pois se todos pensam igual e seguem a ideologia dominante não existem grandes questionamentos a ponto de se colocar em risco sua hegemonia. (CASTRO, 2010, p. 48)

Guareschi (2007, p. 8) afirma que “não há instância de nossa sociedade

que não tenha uma relação profunda com a mídia e que não esteja intrinsecamente

contaminada por ela, desde a economia, passando pela educação, religião, etc.”

Para o autor, a mídia invade a vida das pessoas e é a principal norteadora das

discussões e debates do cotidiano. A maioria dos assuntos que as pessoas

conversam diz respeito a algo que viram em algum meio de comunicação. Porém, o

contexto de tantas informações, criou o que o autor chama de poluição midiática, o

qual se configura em uma guerra ideológica que nos bombardeia com mentiras,

boatos e manipulações, e que contaminam nossa capacidade de refletir e criticar as

informações que recebemos.

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Com os avanços nos processos de comunicação, existe muita

informação, mas, ao mesmo tempo, as pessoas são desinformadas. O brasileiro,

principalmente, no tocante aos seus direitos, é muito leigo. É comum o

descontentamento com o Estado quando o cidadão se sente desassistido,

principalmente na esfera da saúde, da educação, da segurança, etc. Mas fora isso,

os direitos trabalhistas e previdenciários são bastante desconhecidos, tornando-se

fácil a manipulação das informações acerca destes, como acredita o seguinte

entrevistado.

Muitas pessoas criticam, mas eu acredito que seja mais por falta de informação. Os críticos afirmam, erroneamente, que o pagamento do auxilio aos familiares dos presos onera os cofres. Contudo, apenas recebem o auxilio os parentes daqueles presos que contribuíram com parcelas mínimas, de modo que o repasse dos valores aos seus familiares nada mais seria do que um “retorno” por assim dizer. (E20)

Exemplificando o papel criminalizador e legitimador do poder punitivo que

a mídia assume, em 08 de maio de 2013, a Revista Veja, trouxe em sua capa a

seguinte manchete: “Os órfãos da impunidade: enquanto o governo e as ONGs se

ocupam em amparar assassinos de todas as idades, uma geração de vítimas

invisíveis cresce sem pais e sem apoio.” Buscando impactar o leitor, a foto de capa

trouxe uma criança com o olhar triste, de forma a retratar a dramática realidade dos

filhos que tiveram seus pais assassinados e estão desamparadas pelo Estado.

Enquanto isso, a família do criminoso está recebendo o auxílio-reclusão.

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(Figura 1)

Fonte: (Revista Veja, 08 de maio de 2013)

Conhecida por publicar matérias tendenciosas, a Revista Veja quis incitar

em suas páginas, de forma bem explícita, uma revolta pela existência do auxílio-

reclusão. Apesar de o texto da matéria trazer informações corretas sobre o

benefício, as autoras fizeram questão de desqualificá-lo através de falas de

“especialistas” defensores de que o Estado não deve beneficiar criminosos.

Referindo-se ao benefício como bolsa-bandido, referido texto não economiza

argumentos num apelo vingativo e revoltoso, distanciando-se da lógica do seguro a

que o segurado preso faz jus. A citação abaixo reflete essa ideia:

Entre os principais auxílios previdenciários, o chamado “bolsa-bandido” é o segundo que mais cresceu nos últimos anos, atrás apenas da ajuda para quem sofreu acidente de trabalho. A média de pagamento por família é de 730 reais mensais, acima do salário mínimo no país, de 678 reais. É correto que alguém que roubou ou matou tenha direito a um benefício desses? As pessoas que ficam desassistidas quando um parente mata alguém são tão vítimas quanto as que choram a perda de um pai de família num assalto? (DINIZ E CARVALHO, 2013, p. 90)

Inferimos, do trecho acima, que há um discurso midiático orquestrado com

os interesses das classes dominantes que tenta, não raro, de má-fé, minar o direito

ao auxílio-reclusão, persuadindo o leitor a questionar se os dependentes do

segurado preso podem ser considerados vítimas e devem ter direito ao benefício. A

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partir desse questionamento, a matéria desqualifica o tempo todo o direito ao auxílio-

reclusão, de forma a incentivar que a sociedade repudie um direito previdenciário,

colocando até que em outros países, a família da vítima é que é amparada e não a

do recluso. Sabendo de sua influência sobre os comportamentos e decisões da

sociedade, a mídia fortalece o processo de segregação social em nome das elites.

Nas redes sociais, é crescente o número de páginas reacionárias, que

usam o discurso do descontentamento com os valores da sociedade para incitar o

ódio e a violência. O melhor exemplo disso é uma página do Facebook chamada TV

Revolta, que ganhou grande repercussão pelos usuários e já conta com três milhões

de curtidas na página. As postagens atacam o governo Dilma, criticando as

denúncias de corrupção e principalmente, os programas sociais, reforçando a ideia

de que os beneficiários são preguiçosos e acomodados. Além disso, apoia atitudes

mais repressivas do Estado e da polícia contra os criminosos. Porém, o cunho de

revolta dessa página está espalhando algumas inverdades pelas redes sociais, que

são compartilhados por milhares de pessoas que, desinformadas, legitimam as

informações falsas como verdadeiras. Conforme imagem abaixo, o TV Revolta critica

o auxílio-reclusão reforçando a ideia de que é melhor ficar preso para garantir o

benefício do que ser trabalhador honesto.

(Figura 2)

Fonte: reprodução/Facebook

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Os canais de comunicação abertos pelas redes sociais provocam um

excesso de informações na rede, construído, muitas vezes, a partir de opiniões

pessoais dos usuários que são repassadas sem confirmação da veracidade das

fontes e o receptor acaba por acreditar nas mensagens falaciosas. O aumento do

consumo da informação na era digital é acompanhado de certa falta de profundidade

em alguns conteúdos, pois o que interessa é quantidade e não a qualidade das

informações.

Destacamos a fala de uma jornalista que entrevistamos, a qual pedimos

a opinião sobre a maneira que os meios de comunicação abordam a temática do

preso no Brasil e acerca da existência da cultura de criminalização por parte desses

veículos. Vejamos sua resposta:

Em alguns veículos há, sim, uma cultura de criminalização. No entanto, generalizar nunca é bom. Alguns veículos tratam o preso como um ser sem direitos, o que não é correto. Ou, pelo menos, não deveria ser. O preso cometeu um crime e deve ser julgado por isso. No entanto, nunca ser tratado como um bicho sem direitos. O jornalista é um formador de opinião e, por isso, não deve se colocar em parcialidade sobre qualquer temática, tampouco no caso em questão. (E28)

A jornalista, como percebemos, admite haver, por parte dos veículos de

comunicação, essa cultura de criminalização, além de asseverar a influência do

comunicador na formação de opinião, dado que, toda matéria, escrita ou falada, é

carregada de intencionalidade. De fato, a mídia brasileira, de modo geral, vem se

colocando ideologicamente à serviço dos interesses econômicos e políticos dos

grandes proprietários dos meios de comunicação. No nosso entendimento, os meios

de comunicação ao arguir em defesa da extinção do auxílio-reclusão estão negando

a proteção social constitucionalmente garantida aos dependentes do segurado,

estão fomentando a exclusão social. Pior ainda, estão justificando o processo de

exclusão através de um discurso desprovido de criticidade e sem fundamentação

jurídica.

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Apesar da maioria dos entrevistados expressarem sua opinião tendo

como referência visões midiáticas falsas ou equivocadas acerca desse benefício

previdenciário, constatamos, em algumas falas, que as informações repassadas

pelos meios de comunicação estavam corretas, embora insuficientes, para deixar o

indivíduo devidamente esclarecido acerca do mesmo. Vejamos abaixo:

Vi que o auxilio reclusão é um beneficio previdenciário pago pelo INSS aos dependentes dos segurados recolhidos a prisão. O valor do teto do auxílio é de R$ 790, e se o segurado falecer o benefício pode ser convertido em pensão por morte. (E18) Dizia que se a pessoa contribuísse, a família teria direito ao benefício. (E12) Um benefício que é concedido a família do preso. Na reportagem, o beneficiário afirmava que o valor é muito baixo e não cobria seus gastos durante o mês. (E22)

Parece-nos que caberia à assessoria de comunicação do Ministério da

Previdência Social utilizar-se das vias de comunicação para prestar as informações

necessárias à população, pois, a mídia, de forma geral, é leiga a respeito do assunto

e por isso, seus debates ou apresentações carecem de elementos que informem

sobre os critérios de concessão e manutenção do benefício, abordando de forma

superficial e contribuindo para que a sociedade deixe de conhecer os direitos

previdenciários. Esse fato propicia que as informações sejam manipuladas,

aumentando, no seio da população, o anseio pelo rigor punitivo sobre os presos,

fortalecendo ações voltadas para a criminalização da pobreza, em conjunto com o

estigma e a negação de direitos fundamentais para seus familiares.

A partir do que foi exposto neste capítulo, ficou claro que o auxílio-

reclusão é discriminado por uma parcela da sociedade que não reconhece o preso

como sujeito de direitos. Esse fato, que atinge diretamente os familiares, denota um

modelo de sociedade inserida num Estado Penal que defende a criminalização e

estigmatização, que é indiferente à questão social, que se legitima e se caracteriza

pelas ações estatais cada vez mais repressivas e de investimentos mínimos na área

social. Á serviço deste padrão de Estado e da elite que o compõe, encontram-se os

meios de comunicação que, diga-se de passagem, estão nas mãos de grandes

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empresários, que têm interesse em propagar um discurso punitivista e segregador

sobre o auxílio-reclusão e, não, de informar e promover o acesso dos trabalhadores

aos direitos previdenciários.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo tem por objetivo identificar e analisar como os

contribuintes da Previdência Social veem o benefício previdenciário do auxílio-

reclusão, buscando fazer uma relação com a teoria da criminalização da pobreza e o

estigma do preso, além de verificar como a mídia aborda a questão do direito ao

benefício. Ao longo do estudo, mostramos que o auxílio-reclusão visa proteger

financeiramente a família de um segurado da Previdência Social que, por qualquer

razão, tenha sido preso.

A partir dos dados analisados, podemos inferir, inicialmente, que há um

desconhecimento por parte dos entrevistados sobre o rol de benefícios oferecidos

pela Previdência, visto que apenas três foram citados de forma recorrente, as

aposentadorias, o auxílio-doença e o salário-maternidade.

Quanto às opiniões favoráveis ao auxílio-reclusão, podemos perceber que

os entrevistados consideram que a família do preso não tem culpa do crime

cometido pelo segurado e que por isso, não deve ser culpabilizada. Além disso, se

houve uma contribuição prévia e a Previdência Social tem caráter de seguro, é

direito da família ter acesso ao benefício. Dos que se mostraram indecisos quanto a

concessão do benefício, podemos inferir a imposição de certas condicionalidades

para ter direito ao auxílio-reclusão, como necessidade da contrapartida do trabalho

dentro da prisão e limitações no tempo de recebimento do benefício para que a não

haja acomodação dos dependentes.

Com relação às opiniões contrárias ao auxílio-reclusão, evidenciamos

alguns argumentos que pretendem justificar o motivo pelo qual os entrevistados não

concordam com a concessão do benefício. Destacamos a visão de que o Estado

não deve responsabilizar-se com gastos ao preso, pois no imaginário social estes

gastos já são muitos. Além disso, é recorrente a afirmação de que se o segurado

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cometeu um crime, o mesmo deve ser culpabilizado. Por isso, não deve ter acesso a

direitos, muito menos a um benefício previdenciário, mesmo que tenha dependentes.

Esse fato revela a discriminação e o preconceito social contra o preso. Outra ideia é

que os familiares poderiam trabalhar para prover o sustento da família, não

necessitando receber um benefício.

De acordo com a análise do conteúdo, infere-se o pensamento de que o

indivíduo poderia exercer atividade laborativa, mesmo que de forma precária, não

necessitando entrar no mundo do crime. Outra ideia é de que o auxílio-reclusão

seria um estímulo à criminalidade, como uma espécie de “prêmio” para o preso,

além do argumento de que a família do preso que cometeu o ato criminoso é

beneficiada como auxílio-reclusão, enquanto a da vítima fica desamparada. Nessa

lógica, ressaltamos algumas Propostas de Emenda Constitucional que visam

extinguir o benefício ou ratear o valor com a família da vítima, o que se configuram

em medidas inconstitucionais, por tentarem por em xeque um direito previdenciário.

Diante do exposto, podemos verificar nos discursos a presença de uma

repulsa social que reflete os processos de criminalização da pobreza e

estigmatização do preso, principais geradores da repulsa social contra o auxílio-

reclusão. Não se leva em consideração a importância do auxílio-reclusão no sentido

de que este visa garantir o sustento dos dependentes do preso, que além da perda

econômica, a reclusão constitui um abalo emocional para a família. O auxílio-

reclusão possibilita que o preso tenha a oportunidade de reinserir-se na sociedade,

bem como de retornar ao convívio de seus familiares em condições dignas de vida.

Constantemente os direitos dos presos são questionados na sociedade,

principalmente, quando ocorre algum crime que causa uma grande comoção

popular. Entendemos que para garantir o acesso aos direitos dos presos é

necessária a ampliação do acesso a informações dos mesmos, sendo a mídia

imprescindível nesse processo. No entanto, várias mensagens falaciosas sobre o

auxílio-reclusão que circulam em alguns meios de comunicação e o discurso

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midiático em favor das ações punitivas do Estado, fazem com que a sociedade

critique a existência desse benefício.

O discurso estigmatizador se faz presente no momento em que a

sociedade apoia a restrição dos direitos do preso baseada em uma lógica de

inferioridade que considera a vida deste, menos valiosa que a dos cidadãos de bem.

Triplamente estigmatizados (moral, classe e raça), o preso e seus dependentes são

alvo da criminalização e marginalização, sendo amplamente atingidos pela imagem

socialmente construída de que eles constituem uma classe perigosa, os quais

devem ser privados do acesso a direitos sociais ou a qualquer tipo de benefício.

(WACQUANT, 2003)

Da análise de como os meios de comunicação abordam a temática do

auxílio-reclusão podemos inferir que os mesmos, principalmente as redes sociais,

difundem informações falsas, não raro, de má-fé, que fortalecem o preconceito

contra o auxílio-reclusão, contribuindo para o aumento do estigma e para a negação

dos direitos do preso. Com o discurso que criminaliza os pobres, a mídia gera na

sociedade um sentimento de insegurança e um clamor por mais rigor penal e

redução de direitos aos apenados, contribuindo assim para reforçar o descaso do

Estado com as condições físicas degradantes dos alojamentos prisionais e,

consequentemente, para o aumento da prática da violência e da criminalidade,

dificultando, de forma inconteste, a reinserção social deles.

Como vimos, o estigma e o preconceito social que circundam o preso

representam um descrédito que torna a pessoa diferente do que a sociedade espera

dela e, aliados aos elevados índices de criminalidade e violência, propiciam a defesa

ao endurecimento das penas. Assim, justiça se transforma em vingança.

Diante dos resultados da pesquisa, buscamos fomentar o debate sobre

a existência dos processos de criminalização da pobreza e do estigma do preso

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existente na sociedade, aliado ao discurso midiático punitivo vigente, mostrando

como estes influenciam na opinião dos contribuintes da Previdência Social acerca da

concessão do auxílio-reclusão. Por meio do recrudescimento do Direito Penal, que

se volta precipuamente contra as camadas mais pobres da população, observamos

uma tendência da sociedade à adesão da lógica da criminalização do indivíduo

pobre e do estigma do preso.

Por fim, acreditamos que as discussões e resultados encontrados nesta

pesquisa são relevantes no fomento do debate, no sentido de contribuir para a

reflexão acerca da importância de se conhecer a sociedade em que estamos

inseridos. Vale ressaltar que não intencionamos esgotar o conhecimento sobre a

temática abordada, mas sim despertar para a reflexão sobre como o Estado

neoliberal, respaldado pelo discurso midiático, atua na construção de indivíduos

cada vez mais acríticos e alienados, que reproduzem, além do preconceito sobre as

classes pobres, ideias e valores que favorecem a manutenção do status quo, ou

seja, de uma sociedade violenta que, ao invés de procurar a efetivação da justiça

social, busca reforçar a prática punitiva pelo vulgar sentimento de vingança.

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APÊNDICE

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ENTREVISTA

Sexo: F ( ) M ( ) Profissão:

1) Você sabe quais são os benefícios de quem paga o INSS? Sim ( ) Não ( ) Quais são esses benefícios?

2) Você acha que o INSS deve dar um auxílio mensal para a mulher quando

esta tem um filho? Sim ( ) Não ( ) Por que?

3) Você acha que o INSS deve pagar uma pensão aos dependentes do

segurado falecido? Sim ( ) Não ( ) Por que?

4) Você acha que o INSS deve dar uma pensão para mulher e filhos de um segurado enquanto este estiver preso? Sim ( ) Não ( ) Por que?

5) O benefício pago aos dependentes do segurado preso é o auxílio-reclusão. Você já ouviu ou leu alguma opinião ou informação sobre o auxílio-reclusão? Sim ( ) Não ( )

6) Se sua resposta for sim, através de que meios essa opinião/informação

chegou até você?

Pessoas ( ) Jornal ( ) Outros ( ) Revista ( ) Redes Sociais ( ) Televisão ( ) Rádio ( )

7) O que dizia a respeito do auxílio-reclusão?