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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ Giuseppe Migliorati DESCENTRALIZAÇÃO E POLÍTICA EDUCACIONAL PARA JOVENS E ADULTOS: ESTUDO DE CASO EM SÃO GONÇALO DO AMARANTE Fortaleza – Ceará 2003

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Giuseppe Migliorati

DESCENTRALIZAÇÃO E POLÍTICA EDUCACIONAL

PARA JOVENS E ADULTOS:

ESTUDO DE CASO EM SÃO GONÇALO DO AMARANTE

Fortaleza – Ceará 2003

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Giuseppe Migliorati

DESCENTRALIZAÇÃO E POLÍTICA EDUCACIONAL

PARA JOVENS E ADULTOS:

ESTUDO DE CASO EM SÃO GONÇALO DO AMARANTE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Orientadora: Maria Celeste Magalhães Cordeiro

Fortaleza – Ceará 2003

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Universidade Estadual do Ceará

Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade

Título do Trabalho: Descentralização e Política Educacional para Jovens e Adultos: estudo de caso em São Gonçalo do Amarante

Autor: Giuseppe Migliorati Defesa em: 26 de agosto de 2003 Conceito obtido: Satisfatório com louvor

Banca Examinadora

____________________________________ Maria Celeste Magalhães Cordeiro

Profa. Dra. Orientadora

___________________________________ Maria Socorro Lucena Lima Profa. Dra.

____________________________________ Francisco Horácio da Silva Frota Prof. Dr.

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A meu pai.

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AGRADECIMENTOS A Lia Albuquerque, mãe, amiga e incentivadora nos momentos mais áridos; A Celeste Cordeiro, minha orientadora, que aguardou os tempos das minhas produções que nunca foram os ideais; A Flávio Araújo, que sempre me acolheu com cordialidade; A Luiza Ramos, meu elo de ligação com o município de São Gonçalo do Amarante; A Glaucilândia Santos, pelos esclarecimentos e disponibilidade demonstrada; Aos professores Francisco, Erilene e Verônica por ter enfrentado o gravador; A todas as pessoas da Secretaria de Educação do município de São Gonçalo do Amarante que colaboraram de alguma forma com esta pesquisa;

A Cândido B.C. Neto, que me recebeu com a alegria de sempre;

A Rosilea Roldi Wille, pela atenção;

À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tenológico – FUNCAP, que contribuiu com este trabalho mediante a concessão de bolsa;

A todos, os meus sinceros agradecimentos.

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RESUMO

Nesta dissertação aborda-se o processo de descentralização administrativa, entendido como a transferência para a esfera local de prerrogativas antes atribuídas a instâncias superiores de governo, sendo o termo municipalização utilizado com o mesmo sentido. Desmistifica-se o mito da descentralização como solução de todos os problemas em uma realidade de economia mundial e aponta-se o desenvolvimento sustentável, teorizado entre outros por Carlos Jara, como um dos caminhos possíveis. Mas como se aproximar do tema? O envolvimento do pesquisador com o Programa Alfabetização Solidária no município de São Gonçalo do Amarante possibilitou que a Educação de Jovens e Adultos se tornasse a porta de entrada para compreender um problema que afeta também as outras áreas sociais. Um estudo mais aprofundado da Educação de Jovens e Adultos, junto com pesquisa documental realizada no município, observação participante e entrevistas com atores sociais envolvidos tanto do município (três professores, duas coordenadoras e o Secretário de Educação) quanto da esfera estadual (o Pró-Reitor de Extensão da UECE) e da esfera federal (a Diretora Nacional de Avaliação do Programa Alfabetização da Solidária) ajudaram a entender como as coisas acontecem dentro do novo contexto criado pelo processo de descentralização. Constatou-se que apesar de não existir uma autonomia financeira e persistir uma certa desconfiança dos poderes estadual e federal, a municipalização desencadeou situações em que o município passa a ter alguma margem de ação e obriga os atores sociais envolvidos a questionar, a pensar o espaço local, a sugerir, a experimentar os ganhos e ônus do processo participativo.

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SUMÁRIO

Introdução 9

1. A municipalização do desenvolvimento no contexto da globalização 16

Descentralização como efeito da globalização 17 Descentralização 20 A descentralização na história brasileira 24 Descentralização: a municipalização do desenvolvimento 26 A gestão Municipal na ótica do desenvolvimento sustentável 29 Obstáculos à implementação do desenvolvimento sustentável 32

2. A Educação de Jovens e Adultos no Brasil 36

A Educação de Jovens e Adultos na história brasileira 38

Os primórdios da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 38 A primeira iniciativa de âmbito nacional 39 Uma nova perspectiva para a Educação de Jovens e Adultos: 1958/1964 42 O golpe de 1964 e a nova orientação para a Educação de Jovens e Adultos 45 O Movimento brasileiro de Alfabetização-MOBRAL 47 A Educação de Jovens e Adultos na redemocratização 48

A Educação de Jovens e Adultos hoje 50

Programa Alfabetização Solidária – PAS 50 Programa Recomeço – Supletivo de qualidade 54

A Educação de Jovens e Adultos no Ceará de hoje 55

3. A Educação de Jovens e Adultos em São Gonçalo do Amarante

de 1998 até 2002 58

São Gonçalo do Amarante 58

Um pouco de história 59 Aspectos econômicos 61 População e analfabetismo 64

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Programas de Educação de Jovens e Adultos presentes no município 66

Breve histórico da Educ. de Jovens e Adultos no município 68 Supletivo – Ensino Fundamental 69 Classes de Aceleração do Ensino Fundamental – CAEF 71 Tempo de Avançar – Telecurso 2000 75 Programa Alfabetização Solidária – PAS 77 SESC Ler 83 Últimas informações 83

Um choque de realidade 84

Caso 1: O ABC do Sertão 85 Caso 2: A merenda do PAS 86 Caso 3: Alfabetizadores do PAS: situações complicadas 87 Caso 4: PAS: início problemático em 2002.1 88 Caso 5: A visita das funcionárias do FNDE 89 Caso 6: Recomeço e PAS 89 Caso 7: À caça de alfabetizadores para o PAS 90 Caso 8: O PAS parou/suspendeu as atividades 91

4. A voz dos atores sociais envolvidos 93

Entrevista com os professores 94 Entrevista com as coordenadoras municipais 97 Maria Glaucilãndia: coordenadora geral da Educação

de Jovens e Adultos em São Gonçalo do Amarante 97 Luiza Ramos: coordenadora administrativa do PAS

em São Gonçalo do Amarante 102 Entrevista com o Secretário de Educação de São Gonçalo

do Amarante 105 Entrevista com o Pró-Reitor de Extensão da UECE 110 Entrevista com a Diretora Nacional do Departamento de

Avaliação e Acompanhamento do Programa Alfabetização Solidária 112

5. Considerações finais 116

Bibliografia 120

Anexos 124

Anexo I: Mapa do município 125 Anexo II: Dados do IBGE 126 Anexo III: Roteiro das entrevistas 128

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INTRODUÇÃO

As profundas transformações ocorridas no mundo nas últimas décadas

trouxeram como um dos resultados mais visíveis o enfraquecimento dos Estados

Nacionais, que não conseguem lidar com problemas que ultrapassam as suas

fronteiras e nem atender às demandas locais sempre mais complexas e várias.

Uma das respostas a esta nova situação foi a descentralização

administrativa que no Brasil encontrou respaldo na Constituição Federal de 1988,

que elevou os municípios à unidade básica da federação. Apontado, ingenuamente,

como a solução de todos os problemas, o processo de municipalização trouxe

profundas discussões sobre as novas formas de participação por este engendradas

e sobre as formas de manifestação da própria democracia.

No aspecto teórico, o conceito de descentralização se torna ambíguo na

medida em que, dependendo da opção teórico-política, pode servir a visões de

mundo e objetivos opostos. Neste trabalho, entende-se descentralização como a

transferência para a esfera local de prerrogativas antes atribuídas a instâncias

superiores de governo, sendo o termo municipalização utilizado com o mesmo

sentido.

Com base em Arretche (1996), e outros autores que compartilham do

mesmo pensamento, questiona-se o mito da descentralização que traria,

necessariamente, como resultados, por um lado, uma mais eficiente e eficaz

aplicação dos escassos recursos públicos e um maior controle dos beneficiários

sobre estes e, por outro lado, a construção de uma sociedade mais justa e

democrática. A possibilidade dos ideais democráticos se concretizarem depende

muito mais, segundo a mesma autora, da natureza das instituições incumbidas de

processar as decisões do que do nível mais ou menos descentralizado das decisões.

Ao modelo de descentralização predominante, baseado nos princípios

tradicionais do liberalismo e imposto ao mundo pelos Estados Unidos da América,

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que valoriza quase unicamente o aspecto econômico, tendo como conseqüência um

aumento das desigualdades sociais e do número de excluídos, se opõe um modelo

alternativo denominado de “desenvolvimento sustentável”. Teorizado nos escritos de

Jara (1996), este novo paradigma de desenvolvimento propõe a harmonização dos

aspectos ambientais, econômicos, políticos, sociais e culturais, priorizando o ser

humano.

Atualmente já é possível tecer uma reflexão sobre o assunto. Mas como

se aproximar do processo de descentralização/municipalização em curso, como

captar a forma em que este vem acontecendo no plano real, colhendo as

possibilidades e limitações intrínsecas ao novo arranjo federativo e, mais do que

isso, a forma com que os atores sociais envolvidos interpretam e lidam com os

acontecimentos?

O envolvimento pessoal do pesquisador com Educação de Jovens e

Adultos, no interior do Ceará, ao longo dos últimos anos, sempre sugeriu a

necessidade de políticas para esta fatia da população que fossem planejadas,

executadas e avaliadas a partir do próprio município para atender a peculiaridades

impossíveis de serem percebidas por atores externos. Tendo trabalhado como

coordenador setorial do Programa Alfabetização Solidária no município de São

Gonçalo do Amarante, a partir de 2000, teve-se oportunidade de refletir sobre estes

projetos emergenciais e pontuais desligados do restante do contexto educativo, e se

familiarizar com pessoas, programas e projetos de EJA presentes no município.

A Educação de Jovens e Adultos em São Gonçalo do Amarante era,

portanto, a porta de entrada para um problema maior que pode ser estendido

também para as outras áreas sociais. Nesse enfoque, as políticas educacionais para

pessoas não escolarizadas no tempo oportuno são situadas dentro de um contexto

real em que ações se tornam, ou não, em alguma medida, realizáveis; dessa forma,

evita-se o perigo de análises superficiais que desconhecem o campo em que as

pessoas estão obrigadas a agir e que utilizam a situação ideal como único parâmetro

de avaliação positiva.

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Na realidade, o caminho para chegar a esta definição da pesquisa foi

longo e um tanto sofrido; exigiu uma mudança de foco para quem queria, de início,

simplesmente analisar programas de EJA presentes em São Gonçalo do Amarante.

Para esta pesquisa foram formuladas as seguintes hipóteses:

− No atual estágio de descentralização/municipalização os governos locais ainda

não dispõem de autonomia no planejamento e na implementação de políticas

educacionais para jovens e adultos. Isso se traduz em um conjunto desarticulado

de políticas que provoca ineficiência no alcance dos objetivos.

− O discurso oficial sobre os benefícios da municipalização encobre uma

desconfiança, não verbalizada, dos governos estadual e federal com relação à

capacidade administrativa municipal.

e os seguintes objetivos:

- Perceber, apesar da determinação constitucional, até que ponto as esferas de

governo federal e estadual respeitam a autonomia municipal;

- Investigar como o município introjeta o seu direito à autonomia. Quais os fatores

materiais, conceituais e culturais que favorecem ou obstruem o caminho rumo a

uma descentralização real;

- Analisar de que forma o município consegue organizar a Educação de Jovens e

Adultos frente à existência de programas coordenados fora da esfera municipal;

- Interpretar como as pessoas diretamente envolvidas vêem e lidam com essa

realidade contraditória.

- Analisar em que medida o modus operandi interfere no sucesso dos programas;

- Perceber as dificuldades em aproximar o discurso oficial e acadêmico sobre os

benefícios da descentralização à realidade.

Quanto ao tratamento metodológico, para investigar a realidade, foi

adotada a abordagem qualitativa que, segundo Bogdan e Biklen (1994:49), “exige

que o mundo seja examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem

potencial para constituir uma pista que permita estabelecer uma compreensão mais

esclarecedora do objeto de estudo”.

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Dentro desta abordagem definiu-se para o estudo de caso e uma

perspectiva etnográfica, recorrendo:

− à observação participante que permite um

“contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos. Sustenta-se na relação face a face com os dados observados e traz a possibilidade de captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas, transmitindo o que há de mais imponderável e evasivo na vida real” (Cruz Neto, 1994:59);

− à realização de entrevistas que

“não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada” (Cruz Neto, 1994: 57);

− ao estudo bibliográfico e à pesquisa documental para fundamentar

argumentos, enriquecer e confirmar informações obtidas nas observações

e entrevistas.

O trabalho com Educação de Jovens e Adultos no interior do Ceará se

constituiu na base sobre a qual a pesquisa foi tomando forma. A primeira decisão foi

a escolha do município que recaiu sobre São Gonçalo do Amarante pelos seguintes

motivos:

− ser um dos municípios acompanhados pelo pesquisador na colaboração

com o Programa Alfabetização Solidária, o que torna a realidade local já

conhecida e facilita os contatos com as pessoas alvo da pesquisa;

− estar a só 50 Km de Fortaleza, fato que facilita os deslocamentos para a

pesquisa de campo;

− ser um município de médio porte sem características peculiares,

semelhante a muitos outros do Ceará1: escassa atividade econômica,

Prefeitura Municipal como maior empregador, sociedade civil pouco

organizada, clima de apatia para com a situação local.

1 A construção do porto não parece, até agora, ter trazido para o município as mudanças esperadas.

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O passo seguinte foi um estudo teórico para melhor entender, situar e

definir o processo de descentralização/municipalização, e um aprofundamento nas

políticas para jovens e adultos no Brasil para melhor compreender as atuais.

Em 2002, iniciou-se de forma sistemática a pesquisa de campo. Em um

primeiro momento, foram levantadas informações sobre o município, tomando como

fontes o IBGE, o Plano Plurianual de Assistência Social 2002/2005 e o Plano de

Desenvolvimento Urbano de São Gonçalo do Amarante. Foram necessárias

conversas esclarecedoras com o Secretário de Educação e a Secretária da

Assistência Social do município, pois alguns dados pareciam contraditórios.

O momento mais complicado, tido em geral como um dos mais simples,

revelou-se ser o levantamento de informações sobre programas e projetos para

jovens e adultos presentes no município. Não existe documentação, apenas um livro

de Ata, não autenticado, das reuniões do MOBRAL. Os outros documentos, segundo

informação de funcionários municipais, foram extraviados nas várias mudanças, ou,

guardados em locais inapropriados, foram estragados pela chuva.

Existem os documentos oficiais de criação dos programas em andamento,

mas nada específico do município, a não ser uns poucos dados estatísticos

trabalhados de forma rudimentar. O ponto de partida foi uma monografia1 realizada

em um curso de especialização, cuja autora compartilhou as dificuldades e a

precariedade das informações, em alguns pontos contraditórias. Através de

entrevistas e conversas informais, tentou-se reconstruir a história dos vários

programas. Baseados na memória histórica ligada a fatos pessoais, os dados

mudavam de pessoa para pessoa, e também na mesma pessoa se ouvida em

momentos diferentes. Quando tudo parecia fazer sentido, surgiam novas

informações que colocavam em xeque o trabalho já realizado.

Serão apresentados alguns casos pertinentes aos programas, ocorridos

durante os dois anos de trabalho do pesquisador no município, os quais são

1 SANTOS, Maria de Lourdes Sá. A importância da Educação de Jovens e Adultos no município de São Gonçalo do Amarante-CE. São Gonçalo do Amarante, 2002. 63 p. Monografia (Especialização em Metodologia do Ensino Fundamental e Médio), Universidade Estadual Vale do Acarau.

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importantes para se ter uma idéia real de como as coisas acontecem. Não foram

citados casos ligados à política local para não criar constrangimentos.

As entrevistas foram realizadas ao longo do ano de 2002 e no início de

2003. Foram entrevistados três professores, as coordenadoras municipais de um

programa local e outro federal, o Secretário de Educação do município, o Pró-Reitor

de Extensão da UECE e a Diretora Nacional do Departamento de Avaliação e

Acompanhamento do Programa Alfabetização Solidária, tentando colher a voz de

atores envolvidos em vários níveis. Todos os entrevistados foram previamente

contatados e informados sobre os objetivos da pesquisa. As entrevistas foram

gravadas, recebidas por e-mail ou registradas à mão. Havia um roteiro de perguntas

que, em alguns momentos, inibia as pessoas ou induzia respostas curtas e

politicamente corretas, por isso foi deixado como opção segui-lo ou não, tentando

fazer com que o entrevistado falasse mais livremente.

O fato do pesquisador estar diretamente envolvido com os

acontecimentos, e conhecer antes da pesquisa os entrevistados, tornou-se motivo

de apreensão quando as informações obtidas na entrevista não atendiam às

expectativas. Até que ponto era correto e justo intervir, pressionar ou colocar na

pesquisa dados obtidos em conversas informais? Outra dificuldade foi em captar

pensamentos que não são expressos abertamente, que ainda são irrefletidos e que

nas próprias pessoas convivem de forma conflitante.

O trabalho se divide em 5 partes: No primeiro capítulo faz-se uma

abordagem do processo de descentralização/municipalização, procurando entender

suas origens e quais os desdobramentos na sua implementação, em particular, no

Brasil e no Nordeste. No segundo capítulo faz-se uma retomada da história da

Educação de Jovens e Adultos no Brasil até os nossos dias, para que sirva como

subsídio ao melhor entendimento dos programas em curso no município. O terceiro

capítulo contém uma descrição do município de São Gonçalo do Amarante; sua

história, seus aspectos geográficos, econômicos e educacionais. Em seguida, são

abordados os programas de jovens e adultos, dando destaque aos anos de 1998 até

hoje, e relatados alguns casos que mostram como os programas acontecem na

realidade do município. No quarto capítulo apresenta-se uma análise crítica das

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entrevistas realizadas com atores sociais envolvidos, em diferentes níveis, com a

educação de jovens e adultos, tentando interpretar como compreendem e lidam com

esta nova realidade, às vezes contraditória, que surgiu com a descentralização. Nas

Considerações Finais são realizadas algumas reflexões com base nos estudos

teóricos, nos dados levantados e nas entrevistas, com a finalidade de compreender

melhor um processo de suma importância que não pode ser reduzido a visões

lineares e simplistas.

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CAP. I

A MUNICIPALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO DA

GLOBALIZAÇÃO

No novo cenário mundial criado pela globalização, a esfera local está

assumindo uma importância que não se via desde as antigas polis gregas. A

descentralização do Estado e o novo papel dos municípios na gestão da res publica

e na relação com os cidadãos estão entre as questões mais debatidas nos últimos

anos.

A redescoberta da influência que o município pode ter na vida das

pessoas traz consigo uma reflexão profunda sobre democracia e processos

participativos. No nível de governo mais próximo, o povo busca ver concretizados os

anseios de justiça social e de uma vida digna; é aqui que podem acontecer

experiências de democracia direta, permitindo o exercício da cidadania ativa.

A participação é elemento determinante para uma municipalização que se

queira democrática. Todos os segmentos sociais podem e devem encontrar espaços

de negociação para que suas reivindicações encontrem visibilidade em um projeto

municipal que objetive a melhoria da qualidade de vida da população.

Mas mudanças não acontecem pacifica e linearmente. A cultura secular

centralizadora e mandonista que afeta a todos, mandantes e subordinados, opõe

ferrenha resistência a essa nova forma de lidar com o bem público. E a guerra está

só começando...

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Não se pode, ingenuamente, achar que a simples transferência de

incumbências, de uma esfera para outra de governo, seja a panacéia de todos os

males da sociedade. É preciso que, à luz das experiências em curso, se discuta

serenamente os limites e as possibilidades de ações originadas de governos

municipais, reconhecendo a importância e a necessidade de interação e

colaboração com a esfera de poder estadual e federal.

1. 1 DESCENTRALIZAÇÃO COMO EFEITO DA GLOBALIZAÇÃO

As últimas décadas do século XX foram testemunhas de um processo

sem volta que criou um novo cenário mundial, ainda sem traços bem definidos: a

globalização.

O surgimento da aldeia global é caracterizado por enormes avanços

científicos e tecnológicos sobretudo na área de comunicação e informação. O

transito das informações pode ser simultâneo ao próprio acontecimento em qualquer

lugar da terra e fora dela (é possível assistir ao vivo o que acontece na estação

espacial). Para se ter uma idéia mais real do que isso significa, é só relembrar que a

notícia do assassinato de Abraham Lincoln chegou à Inglaterra 12 dias após ter

acontecido.

Quem mais se aproveitou das novas tecnologias (satélites, fibras óticas,

computadores super-potentes...) foi o mercado financeiro internacional que passou a

faturar alto com a especulação e a ameaçar a estabilidade de todos os paises do

mundo, sem exceção, que não têm como se proteger. “...: na era do dinheiro volátil,

os fluxos se tornaram mundiais, enquanto os instrumentos de regulação continuam

no âmbito do Estado nacional” (Dowbor, 1996: s/n).

Até o Federal Reserve, o banco central do país “carro chefe” do processo

globalizante, admite não ter competência jurídica para atuar sobre a circulação

mundial de dinheiro e nem mesmo competência técnica para acompanhar o que está

acontecendo.

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Quem consegue navegar à vontade, em um mundo ainda sem regras

precisas, são as sempre menos numerosas empresas transnacionais, pertencentes

a um pequeno grupo de Estados nacionais, que promovem uma elitização da

economia mundial.

Os países respondem aos novos desafios com a globalização da

economia propriamente dita. Grandes blocos de livre comércio se formam com o

objetivo de se fortalecer e se proteger da competição de terceiros no mercado

internacional e de lidar melhor com fenômenos supra-nacionais. A União Européia

está ensaiando, além da unidade econômica, uma unidade política e monetária na

tentativa de voltar a dar as cartas na nova organização mundial em construção.

Todo esse processo foi acompanhado, e ao mesmo tempo tornado

possível, por uma acelerada industrialização e urbanização enquanto fenômenos

mundiais. O mundo que até 1950 era eminentemente rural passa em poucas

décadas a ser predominantemente urbano. Segundo o IBGE, no Brasil em 1950 a

população urbana representava 36% do total de habitantes e hoje beira os 80%.

Essas transformações levaram a uma ulterior concentração de renda e ao

subseqüente aumento das desigualdades sócio-econômicas dentro de cada país e,

também, nas relações internacionais. No Brasil, segundo o Banco Mundial, os 20%

mais ricos ficam com 67% da renda nacional e as famílias 20% mais pobres ficam

com 2,1%. No mundo, 72% da riqueza produzida ficam nas mãos de 800 milhões de

habitantes, o que corresponde a cerca de 15% da população mundial. Esse quadro

de miséria, que encontra a sua expressão mais típica nas imensas e caóticas

periferias das grandes cidades, deságua em uma criminalidade sempre mais

organizada com ramificações em vários setores da vida nacional como Parlamento,

alto comando das polícias, o que mina a sociedade por baixo. Este setor criminal,

como o define Dowbor, movimenta na cidade de São Paulo um valor equivalente ao

orçamento do município, ou seja 3 bilhões de dólares.

Está errado, porém, pensar que tudo caminha para a padronização e

uniformização. Paradoxalmente, como afirma Sergio Buarque, citado por Dowbor

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(1996), a contra-face da globalização é a redescoberta do local e da diversidade. No

dia-a-dia somos parte e realizamos atividades que se desenvolvem no espaço local

(a casa onde moramos, a escola dos filhos, a academia, o local de trabalho, os horti-

fruto-granjeiros da alimentação diária...).

“Daí a necessidade de substituirmos a visão de que tudo se globalizou, por uma melhor compreensão de como os diversos espaços do nosso desenvolvimento se articulam, cada nível apresentando os seus problemas e as suas oportunidades, e a totalidade representando um sistema mais complexo” (Dowbor, 1996:s/n).

Uma conseqüência do novo cenário mundial foi também uma mudança na

concepção da política. Na Grécia antiga, a política era a ciência das elites. Ao longo

dos séculos, ela continuou sendo prerrogativa de minorias detentoras do saber e das

fortunas. No século XX, há um retorno à “polis”, mas a política deixa de ser

exclusividade de um pequeno grupo. O cidadão comum, a partir das grandes

cidades, vai assumindo aos poucos o seu papel de ator da política. Primeiramente,

os movimentos são de cunho classista, dando espaço, em seguida, a movimentos

sociais e comunitários com visão política mais ampla até chegar, recentemente, a

movimentos mais específicos: de mulheres, de negros, de sem teto, de gays, de

vítimas da violência... todos estes movimentos passam a exercer pressão sobre o

governo para ver realizadas as próprias reivindicações.

No meio de um processo de globalização e de reivindicações provindas

de todos os setores da sociedade, o estado nacional, por tradição centralizado, entra

em crise; burocrático e lento, diante de aceleradas transformações que afetam todas

as facetas do viver em sociedade, não consegue dar uma resposta para os

problemas que superam as fronteiras do país nem corresponder aos anseios locais.

“... em toda parte crescem os problemas com os Estados nacionais grandes demais para solucionar os problemas pequenos, embora importantes, da humanidade e pequenos demais até para tentar solucionar os grandes problemas globais” (Leisinger, 1996:42)

A sociedade deixou de ser substancialmente homogênea, com divisões

claras entre proletariado, campesinato e burguesia. Hoje temos um tecido social

complexo e diferenciado de atores sociais. Uma sociedade urbana, plural,

diversificada e complexificada não pode mais ser atendida por um governo

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centralizado que uniformiza demandas e respostas, tornado-se ineficiente na oferta

de políticas setoriais e serviços públicos, tornando-se incapaz de viabilizar e

promover a participação e as reformas sociais. Situações complexas, novas e em

constante transformação exigem que as políticas sociais contemplem a participação

do público alvo.

“A centralização, que historicamente teve aspectos progressistas, é hoje, segundo nos parece, pouco eficaz do ponto de vista econômico-global. Multiplica os custos sociais, os desequilíbrios territoriais e as deseconomias de aglomeração. Socialmente é injusta, pois contribui para aumentar as desigualdades entre os grupos e as áreas territoriais. Politicamente é inaceitável, posto que conduz a um modelo técnico-burocrático, estreitamente vinculado a hierarquias sociais. Isso implica uma verdadeira expropriação política das classes populares, assim como das classes médias, que contemplam impotentes, (...). As organizações sociais e os representantes eleitos nos níveis locais e intermediários, servem muito pouco frente a centros de poder inacessíveis, que tornam as suas decisões de forma inapelável, sem levá-las em conta” (Borges apud D’Oliveira, 1996:61-2).

A cidade está recuperando o seu espaço de influencia nas decisões que

afetam diretamente o seu dia-a-dia. Isto abre caminhos para o exercício da

cidadania, em uma democracia que passa a ser não só representativa, mas também

participativa. Não que as iniciativas locais sejam a solução de todos os males, mas

sem sólidas estruturas que permitam o envolvimento de todos os setores da

sociedade, é difícil para financiamentos externos ou instituições centralizadas

obterem resultados expressivos.

Segundo Dowbor (1996) estamos vivendo uma nova reorganização dos

papeis desenvolvidos pelos vários espaços que compõem a sociedade, portanto é

preciso articular os espaços locais com os espaços mais amplos.

1.2 DESCENTRALIZAÇÃO

A crise capitalista dos anos ’70, deu vida a um debate sobre a reforma do

Estado que encontrou, na descentralização, um dos seus pontos fortes. Todos, à

esquerda, ao centro e à direita do arco político, enxergavam, nas virtudes da

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descentralização, a superação de problemas identificados no Estado e nos sistemas

políticos nacionais.

No fim da década de ’70 e em toda a década de ’80, um número

considerável de países implementou reformas de cunho descentralizador. Segundo

Arretche (1996), tais reformas seguiram estratégias distintas que podem ser

resumidas em quatro tendências:

- descentralização como desconcentração: transferência da

responsabilidade pela execução dos serviços para unidades

descentralizadas mas pertencentes ao aparato do governo central;

- descentralização como delegação: transferência da responsabilidade pela

gestão dos serviços para esferas sub-nacionais, mantendo o governo

central o controle dos recursos;

- descentralização como transferência de atribuições: transferência de

recursos e da responsabilidade da gestão dos serviços para agências não

vinculadas ao governo central;

- descentralização como privatização ou desregulação: transferência da

responsabilidade pela oferta de serviços para organizações privadas.

Fruto de uma perspectiva ingênua, a descentralização foi muitas vezes

tomada como a solução automática para todos os problemas vividos pelos Estados.

As democracias sairiam fortalecidas e consolidadas com serviços públicos

descentralizados e mais democráticos; serviços públicos descentralizados, por sua

vez, seriam mais eficientes e eficazes, elevando assim o nível real de bem-estar da

população. Os ideais de equidade, justiça social, redução do clientelismo e controle

social sobre o Estado ficariam mais perto de serem alcançados. A centralização,

nessa mesma perspectiva, viu-se associada a valores negativos tais como: decisões

não democráticas, ineficiência e ineficácia das políticas públicas, impossibilidade de

se pôr um freio à invasão da liberdade da sociedade civil operada pelo Estado. Tudo

o que se precisaria fazer seria, portanto, enfraquecer o governo central e torná-lo

menos atuante para que os problemas encontrassem, de modo mais adequado, uma

solução na esfera local.

O tempo se encarregou de desmontar essa forma simplista de abordar a

descentralização. Formas descentralizadas de governo podem sim atender às

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expectativas do ideário progressista mas podem, também, levar, da mesma forma, a

um retrocesso conservador. Como sustenta Cordeiro (1999:48),

“A mera descentralização, em virtude do esvaziamento do poder central acuado pelos efeitos do mundo globalizado, arrisca reafirmar uma modernização excludente que pode mesmo implicar uma volta renovada dos caciquismos. Uma alocação privatista de recursos pode ser mantida, ainda que com maiores dificuldades, num desenho descentralizado de poder que não alcança os setores populares”.

Arretche (1996), em seu trabalho de análise sobre o processo

descentralizador, afirma que os ideais democráticos encontram terreno fértil para a

sua concretização, não no nível mais ou menos descentralizado das decisões, mas

na natureza das instituições incumbidas de processar as decisões. Se uma

instituição não é regida por relações democráticas, pouco importa a escala de

atuação, as decisões serão centralizadas e anti-democráticas.

O termo ‘descentralização’, como toda palavra muito utilizada, denota

diferentes e variados conceitos. O seu significado se torna ainda mais ambíguo, pois

o seu significado varia de acordo com as distintas opções teórico-políticas, podendo,

também, servir a visões de mundo e a objetivos opostos.

No cenário internacional, encontra-se por exemplo, o caso dos governos

chileno do ditador Pinochet, inglês de Margareth Thatcher e norte americano de

Ronald Reagan. Neles se chamou de descentralização à reprivatização e

desregulação de alguns setores, o que resultou em uma diminuição de recursos e

competências do poder local, em uma redução dos meios e da autonomia de

funcionamento dos organismos responsáveis pelos serviços sociais.

Neste trabalho, compreende-se por descentralização a transferência para

a esfera local de prerrogativas antes atribuídas a instâncias superiores de governo.

A descentralização assim entendida apresenta uma dimensão econômica, priorizada

pelos órgãos internacionais de fomento ao desenvolvimento, e uma dimensão

política, prioridade dos setores progressistas da sociedade.

Do ponto de vista econômico, a descentralização é uma forma de facilitar

a competitividade, tornando-se um mecanismo adequado para uma mais eficiente e

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eficaz aplicação dos escassos recursos públicos, que poderá contar com o controle

dos próprios beneficiários.

Do ponto de vista político, a descentralização é a possibilidade de se

construir uma sociedade mais justa e democrática. Os municípios têm maior

autonomia para gerir recursos e contam com um maior envolvimento dos cidadãos

na escolha de prioridades, no planejamento e na fiscalização. Isso implica na

criação de novos espaços institucionalizados de participação, que abrem as portas

do poder a novos agentes sociais.

Nota Arretche (1996:47) que a dimensão econômica é o

desdobramento de uma visão política. Baseado nos princípios tradicionais do

liberalismo, impostos à força ao mundo pelo governo dos Estados Unidos de

América, a descentralização, nesta ótica, é vista como um instrumento para

fortalecer a sociedade civil frente a um Estado “excessivamente centralizador e

invasivo”. Tal processo desencadearia uma revolução comportamental, fazendo com

que as pessoas se tornassem mais empreendedoras, competitivas e, em

conseqüência, menos dependentes do Estado.

Ao conceito de descentralização, acima discutido, é acrescida, por Jara

(1996), uma terceira dimensão, a sociológica. A mudança social não é

responsabilidade de um só ator (Estado, partido, empresariado, proletariado) mas da

sociedade civil como um todo, que se agrega entorno de um projeto comum.

Tais vertentes que ajudam a compreender a acepção do termo

“descentralização” precisam se articular entre si, sobretudo, no caso das políticas

sociais. Se por um lado é preciso imprimir maior racionalidade às políticas setoriais

(quer com relação ao custo/benefício, quer com relação ao atendimento das reais

necessidades do público-alvo, quer com relação à universalidade), por outro lado a

população deve participar na tomada de decisões, que a afetarão diretamente, e no

controle da administração, através de novos espaços para o exercício da cidadania.

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1.2.1 A descentralização na história brasileira

A história brasileira, afora uma única exceção, constituída pelo breve

período da República Velha, é dominada por uma administração fortemente

centralizada desde a época colonial. A partir de 1930, com a política

desenvolvimentista e a progressiva ampliação das funções do governo, a União

centraliza ainda mais a administração do país.

A centralização de 1930 é resultado de dois fatores:

- as fontes de arrecadação se tornam progressivamente de

competência exclusiva do governo central (centralização

financeira);

- uma bem sucedida estratégia de fortalecimento institucional criou,

em nível federal, uma burocracia tecnicamente preparada, capaz de

formular políticas de desenvolvimento e de inovar nas políticas

sociais.

Para Arretche (1996), a progressiva expansão da centralização, que se

arrastou até o final da década de ’70, deve ser atribuída ao fato de

“ser o nível federal que demonstrou elevada capacidade de inovação institucional e de resposta às pressões advindas dos processos de industrialização e urbanização em curso” (1996:52).

Aqui corre-se o risco de cair em um círculo vicioso: a centralização pode

ser vista, tanto como efeito, quanto causa da capacidade do nível federal para dar

respostas às pressões provindas das transformações sócio-econômicas. Mas não

cabe, neste trabalho, uma discussão mais profunda, sobre isso.

Em uma consideração não consensual entre os estudiosos do assunto,

Arretche (1996) assevera que, apesar de uma centralização financeira sem

precedentes, foi durante a ditadura militar, iniciada em 1964, que a forma de

expansão do Estado favoreceu a criação de capacidades administrativas e

institucionais nos estados e nos municípios.

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Os municípios viram aumentar o montante de recursos à sua disposição.

Segundo Afonso, citado por Arretche (1996), passou-se de 6,5% do total da receita

bruta em 1960 para 11,14% em 1988. Não obstante o poder local não tivesse

liberdade de decisão e nem autonomia para empregar os repasses, o manuseio de

maiores quantidades de dinheiro engendrou a criação de capacidades institucionais

e administrativas. O mesmo aconteceu nos estados, pois o montante de recursos da

receita bruta em percentual diminuiu, mas a criação de empresas públicas estaduais

(água, energia elétrica, comunicações) viabilizou o surgimento de quadros aptos a

executar mas também a planejar e a inovar na formulação de políticas públicas.

“Em suma,a forma de expansão do Estado que implicou o fortalecimento institucional e administrativo dos níveis municipal e estadual – paradoxalmente implementada no período de maior centralização financeira e política da história brasileira -, em um contexto de crise das capacidades estatais do governo federal e de fortalecimento do poder político das elites regionais, explica boa parte da dinâmica do conflito federativo” (Arretche, 1996:54).

No Brasil, a descentralização acontece em um contexto de grandes

desafios. A reforma do Estado acompanha o processo de redemocratização; isso

comporta a necessidade de constituir instrumentos e mecanismos políticos capazes

de agilizar o funcionamento de um regime democrático, ao mesmo tempo em que se

busca um novo equilíbrio entre as três esferas de poder.

Outro desafio é o cenário econômico e social caracterizado pela

hiperinflação, pela recessão, pela pobreza e pela dívida social. Para o êxito de um

programa de descentralização, os teóricos sugerem que haja um cenário de

estabilidade econômica e finanças públicas nacionais saneadas, reduzindo assim os

custos esperados no período de transição.

No meio de todos esses fatores desafiantes, o resultado

fundamentalmente positivo da descentralização nestes anos não pode, porém, ser

atribuído à existência de uma estratégia de descentralização, conduzida pelo

governo federal, com vista uma maior eficácia e eficiência nas políticas sociais. O

que acontece no Brasil é uma “descentralização pela demanda”, de baixo para cima,

como sustentam Afonso e Lobo.

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“A lógica para aumentar recursos e poderes nas mãos dos governos intermediários e/ou locais é, antes de tudo, enfraquecer o governo central e evitar que a partir daí volte a si instalar um regime centralizador ou ditatorial no país. A descentralização não nasce de uma ação da política fiscal ou econômica , mas sim de uma reação dos governos subnacionais (...), contra os poderes ditos excessivos do centro” (1996:s/n).

O fato de ser um processo imposto e não um arranjo concertado entre os

vários níveis de poder, deixa aberta a porta à re-centralização caso o governo

federal recupere a antiga capacidade institucional e administrativa e os estados e os

municípios não atendam às excessivas expectativas recaídas sobre a

descentralização.

Esse processo impositivo constitui um primeiro ponto na tentativa de

analisar e entender programas sociais voltados para pessoas jovens e adultas, os

quais costumam ser lançados na realidade dos municípios sem que estes tenham a

possibilidade de opinar, objetar, sugerir. Portanto, há um atropelamento de um

discurso teórico que apregoa em favor da autonomia e co-responsabilidade da

esfera mais próxima à população.

1.3 DESCENTRALIZAÇÃO: A MUNICIPALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

A reflexão em torno da descentralização municipal vista como

possibilidade de democratização do Estado teve o seu início na Europa, mais

precisamente na França, Itália e Espanha, na década de ’70, com os primeiros

sinais da crise do Welfare State. Este tipo de organização estatal se sustenta na

idéia do pleno emprego, pois considera que o trabalho bem remunerado vai garantir

uma vida emancipada e digna, apaziguando os antagonismos de classe. O Estado,

democraticamente legitimado, exerce um papel intervencionista no mercado para

assegurar a expansão do capitalismo e a melhoria de vida do trabalhador. Os

avanços tecnológicos, que se refletem na diminuição de postos de trabalho, e as

novas pressões do capital, que superam as fronteiras nacionais, tornam inadequada

a organização político-administrativa e o seu projeto de sociedade.

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No Brasil, esta reflexão surge uma década mais tarde, com a

redemocratização, acompanhada das lutas e demandas dos movimentos sociais e

da sociedade civil por maior espaço de participação na gestão municipal, dando

sinais de esgotamento do modelo desenvolvimentista, caracterizado por uma

enorme dívida externa e uma política dominada pelas elites econômicas. O

desenvolvimento promovido pelo Estado não garantiu o crescimento econômico

prometido e muito menos, o desenvolvimento social, tendo acirrado as

desigualdades sociais. O bolo cresceu, mas esqueceram de compartilhá-lo.

Em resposta à crise desencadeada nos Estados nacionais pelas

transformações globais, surgem propostas de reforma do Estado, que apontam para

a municipalização como uma das possíveis saídas. A transferência de mais poderes

para a esfera local desonera o governo central da solução dos problemas, que

afetam mais diretamente os cidadãos. Como nota Andrade (1997:4) nessa nova

divisão de tarefas, passam a funcionar dois tipos de gestão e de discurso: o do

Estado central, preocupado em se articular com a nova realidade mundial, que

prioriza a eficiência econômica e o equilíbrio macroeconômico; e o dos governos

municipais, às voltas com problemas sociais que não param de aumentar.

Em uma visão neo-liberal globalizante, essa transferência expressa

unicamente questões ligadas à crise econômica, provocada pelo esgotamento do

estado-providência, nos países desenvolvidos e do modelo desenvolvimentista nos

países em desenvolvimento. A municipalização, dentro dessa visão, é uma forma de

dar mais rentabilidade e competitividade aos empreendimentos, sem preocupação

com a depredação dos recursos naturais, visando apenas à estabilidade econômica.

A subordinação da esfera social ao crescimento econômico acirra ainda mais as

desigualdades sociais. Para Jara esta

“ (...) nova corrente pos-modernizante impulsionada pela globalização representa uma forma limitada e provavelmente absurda de desenvolvimento. Um processo perverso, que ainda não valoriza a diversidade de interesses dos atores sociais, que insiste em imitar padrões de consumo das elites dominantes, produtor de excludência e desigualdades, violência, desemprego, fome e desesperança. Um esquema preocupado principalmente com a abertura de espaços sociais para a operação livre das mãos do mercado” (1996:10)

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Os acontecimentos dos últimos tempos demonstram o que já se sabia: as

forças do mercado, sozinhas, não resolvem os problemas mas os tornam mais

agudos. Em um processo de municipalização, priorizar fatores econômicos significa

acirrar ainda mais as desigualdades e a exclusão permanente de setores

desfavorecidos, tendo como conseqüência mais visível, hoje, o fenômeno da

violência1.

Mas não basta criticar e denunciar, é necessário mostrar caminhos

alternativos viáveis. Diante da crise do modelo desenvolvimentista, que deixou como

herança graves problemas ambientais, recursos naturais sempre mais escassos e

sem gerenciamento, e largos setores sociais marginalizados, Jara (1996) propõe a

construção de um novo paradigma de desenvolvimento que parta de uma visão

totalizante e integradora da realidade, superando a supremacia dos fatores

econômicos.

“É oportuno fazer uma reflexão dos problemas centrais relativos ao meio ambiente e recursos naturais e, particularmente, sobre a situação social das comunidades excluídas, fazendo releitura do estilo de desenvolvimento, seu impacto sobre a renda familiar, qualidade de vida, equidade, liberdade, diversidade cultural, participação social e capacidade produtiva futura” (1996:9).

Na perspectiva de Jara, o desenvolvimento sustentável apresenta, ao

mesmo tempo, dimensões ambientais, econômicas, políticas, sociais, e culturais.

Pensa o presente da sociedade sem deixar de enxergar o futuro; preocupa-se com a

satisfação das necessidades básicas da sociedade sem descuidar da conservação e

da preservação do meio ambiente; defende os direitos humanos e o resgate da

cidadania ativa; pleiteia espaços de participação e de decisão.

A condição sine qua non para a implementação desse novo modelo de

desenvolvimento é uma mudança de consciência, pensamentos, valores e atitudes,

para construir, entre acertos e erros, uma nova visão de realidade.

1Por ironia os municípios que mais sofrem com a violência no Brasil passam por processos descentralizadores que se pretendem democráticos.

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“A nova visão da realidade baseia-se na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos-físicos, biológicos, psicológicos, sociais, culturais. Essa visão transcende as atuais fronteiras disciplinares e conceituais e será explorada no âmbito de novas instituições. Não existe, no presente momento, uma estrutura bem estabelecida, conceitual ou institucional, que acomode a formulação do novo paradigma, mas as linhas mestras de tal estrutura já estão sendo formuladas por muitos indivíduos, comunidades e organizações que estão desenvolvendo novas formas de pensamento e que se estabelecem de acordo com novos princípios...” (F. Capra apud Jara 1996:11).

A tendência à descentralização surge, portanto, como conseqüência da

crise dos governos nacionais e do fortalecimento das esferas subnacionais mais

próximas das reivindicações e pressões das comunidades. Ela se faz acompanhar

de um novo projeto de desenvolvimento que prioriza o ser humano, a qualidade de

vida e o meio ambiente. Nesse novo modelo, o município passa a ser uma instância

político-administrativa estratégica, enquanto cabe a ele garantir a qualidade de vida,

preservar os ecossistemas e reduzir os problemas sociais.

A democratização da esfera local é a condição indispensável para

participar ativamente do processo de globalização. É no espaço diminuto que as

pessoas podem desenvolver valores de responsabilidade social e encontrar, em

formas solidárias, a solução de problemas específicos. Como bem resume Jara

(1996:18) “a resposta à abertura econômica externa é a abertura política interna”.

1.4 A GESTÃO MUNICIPAL NA ÓTICA DO DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

Com a Constituição de 1988, o município é alçado à condição de unidade

básica federada, adquire amplo espectro de mobilidade e liberdade em matéria de

desenvolvimento local. Os municípios tornam-se espaços privilegiados para a

construção da cidadania (maior participação direta e novas instâncias de

representação) e para pensar o desenvolvimento local em uma ótica mais humana,

integrando a competitividade econômica com a satisfação das necessidades da

comunidade e com o respeito ao meio ambiente.

“A proposta alternativa é no sentido de democratizar as relações entre o Estado e a sociedade civil, provocando abertura política local, que

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possibilite a expressão criativa do movimento de atores sociais, visando identificar os problemas do município como um todo, interpretar os interesses específicos das comunidades e discutir possíveis soluções. Se deseja que o desenvolvimento, em todos os aspectos, seja discutido, analisado e realizado, no seio da sociedade local, não apenas utilizando mecanismos convencionais de representação, como através da participação direta dos cidadãos. Trata-se de valorizar o conceito de cidadania como força propulsora do desenvolvimento sustentável a nível municipal” (Jara, 1996:18).

Segundo Jara (1996), os deveres para a concretização da

municipalização do desenvolvimento sustentável são:

- criar mecanismos e canais que permitam, também aos grupos

sociais excluídos participar das decisões para a solução de

problemas locais específicos;

- aprimorar as capacidades técnicas e gerenciais dos atores

diretamente envolvidos no desenvolvimento municipal;

- favorecer o surgimento de outros espaços de representação

institucionalizados ao lado dos já existentes;

- interligar os órgãos públicos municipais às esferas estadual e

federal para a criação de um sistema público descentralizado

eficiente, flexível e aberto à participação das comunidades;

- permitir a participação da sociedade civil na gestão da coisa pública

através de informações transparentes e acessíveis.

O mesmo autor considera que o desenvolvimento sustentável deve se

nortear por três eixos fundamentais:

- democratização da vida social: a sociedade civil precisa participar

da gestão dos processos de desenvolvimento através de espaços

participativos institucionalizados, que permitam transparência e livre

curso às informações. A cultura política tradicional deve ser

mudada. Tornam-se indispensáveis o compromisso das

autoridades, a educação dos cidadãos e a percepção de ser parte

de um projeto coletivo.

- estratégia de desenvolvimento comunitário que considere o

conceito de endogenia: através de processos participativos e não

assistencialistas, promover o desenvolvimento sustentável

daquelas comunidades com maior grau de pobreza, aproveitando

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suas potencialidades endógenas. Para tanto, é indispensável

capacitar o quadro local para as atividades de planejamento e

gerenciamento de projetos. As ações não podem ser pontuais, mas

inseridas em um conjunto inter-comunitário de intervenções, que

visam ao desenvolvimento do município como um todo.

- proteção ao meio ambiente: o desenvolvimento sustentável prevê o

respeito ao equilíbrio ambiental, o uso racional e eficiente dos

recursos naturais para que as futuras gerações possam desfrutar

deles.

A municipalização do desenvolvimento sustentável apresenta desafios

políticos e técnicos. Dentre os desafios políticos destacam-se: mobilizar e organizar

a sociedade civil; tomar decisões como fruto de negociação, que procure conciliar

valores, necessidades e prioridades; articular o governo local com o poder regional

e nacional. Dentre os desafios técnicos, os prioritários são: superar a carência de

estruturas e de técnicos preparados para o trabalho de planejamento sustentável;

encontrar mecanismos flexíveis de financiamento e sistemas de parceria e co-

responsabilidade entre atores públicos e privados. Tais desafios são distintos, mas

devem caminhar de modo entrelaçado.

Nessa mesma linha de pensamento, Haddad (1997) apresenta as quatro

dimensões mais relevantes do conceito de desenvolvimento sustentável:

- econômica: relativa à capacidade de sustentação econômica dos

empreendimentos;

- social: relativa à capacidade de resgatar a população excluída;

- ambiental: relativa à necessidade de preservar os recursos naturais

e a capacidade produtiva da base física;

- política: relativa à permanência dos processos descentralizados de

tomada de decisões e às próprias políticas de desenvolvimento.

Haddad (1992) salienta, também, que aderir a este novo paradigma de

desenvolvimento implica em opções políticas e morais profundas. Trata-se de uma

ruptura radical com padrões societários autoritários e hierárquicos, típicos das

regiões mais atrasadas e dos municípios menores, em que os equipamentos e

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serviços públicos são utilizados para atender a interesses privados e manter o

eleitorado cativo. Trata-se de estabelecer um novo horizonte, que focalize a

melhoria da qualidade de vida de toda a população, em particular daqueles que

sempre passaram esquecidos como prioridade da gestão pública.

“O desenvolvimento tem por objetivo último melhorar os tipos de vida que os seres humanos estão vivendo. Tanto em teoria quanto na prática o desenvolvimento deve ser definido em relação àquilo que os seres humanos podem ser e devem fazer” (Sen apud Caccia Bava, 2000:s/n).

1.5 OBSTÁCULOS À IMPLEMENTAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Existe um certo consenso, pelo menos na teoria, quanto à necessidade

dos municípios planejarem, executarem e avaliarem as próprias políticas de

desenvolvimento, em uma visão totalizante e integradora, que considere fatores

políticos, econômicos, sociais e ambientais. Na prática, isso se torna mais difícil e

esbarra em obstáculos de não fácil superação.

A Constituição de 1988 trouxe um novo arranjo federativo, alçando o

município à condição de unidade básica federada. O artigo 18 assim reza:

“A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

A nova Constituição deu mais poder aos municípios, os quais assumiram

a responsabilidade de algumas áreas sociais, como educação, saúde e assistência

social. Ampliou os recursos nas mãos dos governos locais e permitiu aos mesmos

que implementassem iniciativas para aumentar a arrecadação própria. Os governos

municipais criaram impostos e taxas próprias e viram o repasse da receita pública

total mais que dobrar em termos percentuais (de 7%/8% para 16% segundo Kayano,

2000:s/n). Tudo isso pode levar a crer que os municípios estejam em uma situação

boa, mas na realidade os recursos em valores reais não são tão expressivos, e as

novas responsabilidades com políticas sociais requerem financiamentos muito

maiores. Na opinião de Andrade (1997), a nova distribuição de recursos trazida pela

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Constituição de 1988, não reverteu o quadro de centralização, pois os municípios

continuam na dependência do governo federal.

“Não há dúvidas, no entanto, quanto ao gargalo maior do problema, que é a falta de recursos financeiros para fazer frente à nova realidade. O aumento da participação dos municípios na distribuição da receita tributária nacional, apesar de significativo ainda não é suficiente para viabilizar um certo patamar de autonomia de ação aos governos municipais” (1997:10).

Caccia Bava (2000) é ainda mais contundente, afirmando que existe hoje

uma “reconcentração” da receita em nível federal.

“A descentralização, nos moldes de como foi realizada, é considerada abusiva pelo governo federal, que passa a reconcentrar os recursos públicos nos anos recentes, premido pelas necessidades de caixa para pagamento do serviço da dívida externa brasileira” (2000:s/n).

A história do povo brasileiro é dominada por relações verticais: poucos

mandando e muitos obedecendo. A estrutura político-administrativa não poderia fugir

a esse padrão. Uma cultura autoritária e centralizadora segura as rédeas do Brasil,

impedindo que medidas descentralizadoras e democráticas obtenham o êxito

esperado. A partilha do espaço de decisão soa como perda de poder e de

autonomia. Os lideres políticos agem de forma patrimonialista, na condução da coisa

pública e instauram relações de tipo clientelista com os munícipes para se eternizar

no poder.

“Isto significa que comportamentos fortemente arraigados na cultura política de uma determinada sociedade podem ser um sério fator limitador da concretização dos comportamentos e princípios democráticos perseguidos, mesmo que se obtenha sucesso na implantação de instituições consoantes com aquelas finalidades” (Arretche, 1996:49)

A política clientelista se reflete diretamente no funcionalismo público que,

apadrinhado, e, muitas vezes, escalado em funções para as quais não tem o menor

preparo, boicota qualquer novidade que possa vir, de alguma forma, a prejudicá-lo.

As grandes empresas e os empresários locais ligados à administração

também constituem agentes favoráveis à manutenção do status quo. Eles vêem os

seus interesses ameaçados por uma possível re-orientação de prioridades, se

grupos antes marginalizados participarem das decisões.

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Órgãos técnicos públicos também oferecem resistência, pois se sentem

ameaçados por concepções político-ideológicas que podem modificar os

encaminhamentos técnicos de seus projetos. Além disso, e talvez constitua a razão

principal, não acreditam que uma maior participação acarrete práticas

administrativas mais eficientes. Consultas aos beneficiários ou a quem já trabalha na

área são muitas vezes vistas como grande perda de tempo.

Problema comum a todos os municípios, porém mais acentuado nos

pequenos e nos situados nas regiões mais pobres, é a escassez de recursos

humanos e financeiros. O legado histórico de autoritarismo e centralização do poder

é um quadro de funcionários sem preparo técnico, com incapacidade propositiva e,

sobretudo, com receio de agir se não houver ordens expressas. A falta de pessoas

qualificadas e capazes de “fazer acontecer” obriga as prefeituras a procurar técnicos

“de fora”, os quais nem sempre têm uma visão geral dos problemas ou conseguem

lidar com a população do município.

A insuficiente disponibilidade de recursos, fruto de arrecadação própria

deixa os governos locais reféns das transferências dos governos federal e estadual.

Os repasses passam pela triagem da barganha política, onde o bem da comunidade

é quase sempre o último item da pauta. Isso faz dos municípios

“eternos dependentes da transferência de recursos do governo federal. O repasse da maioria desses recursos, se dá de forma negociada, em transações, quase sempre de natureza política, sob a forma de barganha. Mesmo as transferências automáticas (aquelas garantidas pela Constituição), não obedecem a um calendário rigoroso de repasse, que garanta a continuidade das ações” (Andrade, 1997:4).

A ausência de recursos próprios, que nos pequenos municípios com

atividade econômica praticamente nula chega a ser total, deixa as prefeituras em

uma situação muito vulnerável. A insegurança quanto ao recebimento em dia dos

repasses, faz com que os governos municipais não queiram assumir sozinhos

responsabilidades que, se não forem cumpridas satisfatoriamente, trarão graves

conseqüências políticas.

“Talvez por isso (a escassez de recursos próprios), os municípios ainda atuam como unidades subordinadas às instâncias centrais, revelando limitada capacidade de entendimento do seu próprio contexto, fechando-se

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nas fronteiras de um território desorganizado e desinformado, servindo geralmente como arenas de lutas partidárias e, por conseguinte, manifestando as distorções próprias das formas liberais de representação” (Jara, 1996:19)

A ausência de critérios de representação e a dificuldade para dar uma

estrutura institucional ao processo participativo são outros empecilhos para

implementar o desenvolvimento sustentável. Os canais de participação devem

permitir o acesso dos mais variados estratos sociais, enquanto executores e

beneficiários da gestão municipal. Para isso, é preciso superar visões maniqueístas

daqueles que atribuem o monopólio da verdade ao segmento social a que

pertencem. É necessário superar a crença ingênua de que os setores populares

defendem interesses homogêneos; dentro das classes subalternas existem

interesses conflitivos que precisam de uma mediação para chegar a um

denominador comum. A maioria é uma soma de minorias, já dizia um antigo sábio.

Outra dificuldade para se estabelecer um projeto de desenvolvimento que

englobe os vários atores da sociedade é a comunicação. Não se está falando aqui

de marketing político, mas de uma linguagem que possibilite ao cidadão comum, que

não domina o jargão técnico, de participar, com entendimento de causa, das

discussões e decisões.

A opção pela municipalização é, antes de tudo, uma opção política, pois

está em jogo um poder político mais democrático. Segundo Cordeiro (1999), no

Brasil, este é um grande obstáculo, pois em todo o espectro ideológico-partidário as

resistências oferecidas ao novo paradigma são muitas. E o embate entre a velha

ordem e a nova ordem não está atrelado a ideologias político-partidárias, apesar dos

partidos de esquerda encabeçarem, geralmente, estas iniciativas, mas a uma

concepção suprapartidária mais popular e democrática da sociedade, que reconhece

e aceita o direito dos excluídos.

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CAP. II

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

Ao longo da história da humanidade, civilizações surgiram, floresceram,

declinaram e desapareceram, deixando lugar a outras que foram aparecendo no

mesmo território. O despontar de uma nova civilização é resultante dos recursos

matérias oferecidos pela natureza e, sobretudo, do engenho humano que soube tirar

proveito daquilo que a natureza oferecia e criar alternativas para aquilo que esta não

proporcionava em quantidade suficiente.

Toda civilização se funda em um sistema de transmissão de

conhecimento, mais ou menos organizada, que possibilita a sua predominância e

reprodução em uma determinada época. Nas “sociedades primitivas” a transferência

de saber de uma geração a outra se dá nas relações cotidianas; o ensino-

aprendizagem acontece, misturado com a própria vida em momentos de trabalho e

de lazer. A complexificação da organização social com a subseqüente divisão de

tarefas leva à institucionalização de um espaço para transmissão de saberes

específicos, privilégios de pequenos grupos detentores do poder. A evolução das

formas de produção e de convívio da humanidade força a expansão e o

aperfeiçoamento dos sistemas de transferência de conhecimento como garantia da

continuação do desenvolvimento.

Hoje a sociedade está ingressando em uma nova era: a era do

conhecimento. A educação é tida como o fator primário para enfrentar um mundo em

continua re-estruturação, o elemento indispensável para o processo de

desenvolvimento econômico e social dos povos. Mas o conhecimento exigido não é

o mesmo das épocas que se foram. O domínio, muitas vezes mnemônico de

matérias estanques, deixa lugar à capacidade de aprender a aprender. Dados e

informações, em número impossível de serem retidos pela memória, rapidamente

são superados e substituídos por outros. A capacidade humana de processar

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informações novas e se adaptar a um mundo em que as certezas parecem não mais

existir, é o que se exige dos sistemas educacionais.

A nova realidade demanda uma educação básica eficiente que,

atendendo às necessidades do mercado, ofereça subsídios para viver em uma

sociedade tecnológica e, respondendo aos anseios de setores progressistas, forme

pessoas atuantes na comunidade a que servem e que os serve.

O Brasil ingressa, na era do conhecimento, com altos índices de

analfabetismo1 que se explicam no contexto de um processo histórico de exclusão,

de boa parte da população, da distribuição dos bens materiais e não-materiais

socialmente produzidos. Em uma sociedade letrada, não saber ler nem escrever leva

a negação de outros direitos fundamentais: o direito à informação, à participação em

torno da vida em sociedade, a condições básicas de sobrevivência, como trabalho,

saúde e alimentação.

Um dos perigos, diante dessa situação, é ceder à tentação de recuperar o

tempo perdido com ações voluntaristas ou com pretensos métodos milagrosos

prometedores de soluções, a curto prazo, para uma realidade arraigada na

sociedade e que tem conotações éticas, políticas e econômicas. Outro risco é

promover um aligeiramento generalizado do ensino, o que pode agravar a questão,

enquanto leva a um falseamento dos indicadores, dificultando a construção de

soluções definitivas.

1 Como todo termo muito utilizado tem várias interpretações, além do mais o conceito evolui ao longo dos anos.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE considera alfabetizado quem declara saber escrever e ler um pequeno bilhete. Para maiores informações há o livro de Rose Neubauer da Silva e Yara Lúcia Espósito Analfabetismo e subescolarização: ainda um desafio.

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2.1 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA HISTÓRIA BRASILEIRA

Uma análise histórica das tentativas de enfrentar o problema do

analfabetismo registra o constante esforço dos mais variados setores da sociedade e

a produção de contribuições pedagógicas para a Educação de Jovens e Adultos. No

entanto, apresenta uma sucessão de programas e projetos sem fundamentação

pedagógica rigorosa, sem uma preocupação com a reflexão sobre as experiências

implementadas e sem, na prática, continuação ou articulação com os sistemas

regulares de ensino.

2.1.1 Os primórdios da Educação de Jovens e Adultos no Brasil A Educação de Jovens e Adultos, no Brasil, surgiu juntamente com a

educação básica comum e começou a delimitar seu espaço na história da educação,

na década de 1930 e 1940. Naquela ocasião, se consolidou no país um sistema

público de educação elementar para atender ao processo de industrialização e a

subseqüente concentração da população em centros urbanos.

Mas pode-se vislumbrar uma primeira forma de Educação de Jovens e

Adultos no trabalho de catequização dos Jesuítas; a alfabetização e a transmissão

da língua portuguesa eram instrumentos de cristianização e de aculturação dos

indígenas. Passada a primeira fase da colonização, a educação dos nativos adultos

perdeu a sua importância. A economia colonial não demandava escolarização para a

população adulta, nem para os portugueses e muito menos para indígenas e

escravos.

Em 1870, com o primeiro surto industrial e a penetração das idéias

liberais, acompanhando o crescimento do ensino em geral, surgiram, em todas as

províncias, as escolas para adultos. Dificuldades legais – a difusão do ensino

elementar era de competência exclusiva das províncias -, a retomada do poder pelas

oligarquias agrárias, no final do século XIX, e os fracos resultados atingidos levaram

à rápida extinção de um grande número de escolas que “(...) não correspondiam à

demanda ou à pressão pela ampliação das oportunidades educativas para adultos,

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mas sim à difusão de idéias acerca da necessidade de tais escolas”. (Paiva,

1987:167).

O problema educacional retomou força a partir da primeira Guerra

Mundial ligado às lutas pelo poder político e foi, novamente, deixado de lado no

início do Estado Novo. Nesse período, a Educação de Adultos continuou sendo vista

como uma coisa só, juntamente, com o ensino elementar comum, exceção feita à

experiência do Distrito Federal, no começo dos anos ’30, em que, pela primeira vez

no Brasil, foram oferecidos cursos de extensão fora dos moldes tradicionais.

“Estes eram cursos organizados de acordo com os interesses dos alunos e com as oportunidades de emprego e atividades existentes no momento, funcionando em horário noturno, sem limite de idade, sem formalidades especiais de matrícula, sem seriação especial de matérias, com duração variável – de acordo com a condição dos alunos – e cuja natureza dependia das solicitações e interesses dos candidatos”. (Paiva, 1987: 169)

A partir da década de ’40, já com o Estado Novo findando e acenando

com a abertura do processo democrático, a Educação de Jovens e Adultos adquiriu

espaço próprio, desvinculando-se do ensino elementar regular. Contribuições e

sinais disso foram: o levantamento dos índices de analfabetismo realizado pelo

Serviço de Estatísticas da Educação e a dotação de recursos específicos para tal

modalidade de ensino prevista no Fundo Nacional do Ensino Primário criado em

1942.

2.1.2 A primeira iniciativa de âmbito nacional

A criação do Fundo Nacional do Ensino Primário, que destinava 25% de

seus recursos para a Educação de Jovens e Adultos, marcou a independência desta

do ensino elementar comum, mas a sua implementação se dará apenas no ano de

1947.

A ditadura getulista chegava ao fim e o Brasil vivia um período de

efervescência política com a redemocratização. Internacionalmente, o termino da

Segunda Guerra Mundial trazia consigo o fortalecimento dos princípios democráticos

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e a convicção que era preciso se educar as massas para dar sustentabilidade e

legitimidade a governos liberais representativos, fruto de eleições livres. As recém

criadas ONU e UNESCO pediam empenho aos seus membros no abrandamento do

analfabetismo como forma de integrar os povos, visando a paz e a democracia. A

conjuntura política interna e externa forçou, portanto, a execução da primeira

iniciativa para a educação de pessoas adultas de âmbito nacional.

“A pressão interna fora suficiente para criar os mecanismos necessários ao funcionamento de uma campanha ampla de alfabetização e educação de adultos; a pressão externa atuou no sentido de fazê-la funcionar e influiu sobre sua orientação”. (Paiva, 1987: 49)

A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), de

orientação nitidamente ruralista, tinha fundamentação política inequívoca: ampliar as

bases eleitorais para garantir o funcionamento da democracia liberal e enfraquecer

as oligarquias rurais, vistas como ameaça à nova realidade em construção. Isso

trará para a campanha, a acusação de ser “uma fábrica de eleitores” e de priorizar

aspectos políticos ao invés dos técnico-educativos. O desencadeamento da ação de

alfabetização estava respaldada também em aspectos sociais e econômicos. Fazia-

se necessário integrar os novos contingentes de imigrantes recém chegados – os

estados com maior número de estrangeiros foram beneficiados com os maiores

recursos – e difundir a instrução para proporcionar mão de obra qualificada para o

desenvolvimento e industrialização do país. O Ministro da Educação da época,

intervindo no 1º Congresso de Educação de Adultos, afirmava que a

“ignorância da população e escassa produção econômica andam sempre juntas e somente uma política educacional esclarecida seria capaz de concorrer para o crescimento econômico da nação”. (Lourenço Filho, apud Paiva, 1987: 180)

E acrescentava,

“nossa grave crise atual – política, econômica e social – provém, antes de tudo, de nossa pequena densidade cultural, da mentalidade média dominante no país, com seus 55% de analfabetos nas idades de 18 e mais”. (Lourenço Filho, apud Paiva, 1987: 187)

A primeira campanha nacional de massa para educação de adolescentes

e adultos foi lançada no início de 1947. Estavam previstas duas etapas: uma ação

extensiva que pretendia oferecer alfabetização em 3 meses e curso primário

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condensado em dois períodos de 7 meses; uma ação em profundidade voltada para

a capacitação profissional e o desenvolvimento comunitário. Na prática, a

experiência restringiu-se fundamentalmente ao seu aspecto extensivo. As ações de

aprofundamento tentadas com a Campanha Nacional de Educação Rural, com os

cursos profissionais a partir de 1951 e com o Sistema Rádio Educativo Nacional, em

1957, ficaram bastante restritos.

No ano de seu lançamento, foram abertas 10.000 salas em todo o Brasil

para uma matrícula de meio milhão de alunos. À União cabia a incumbência do

planejamento geral, da orientação técnica e da prestação de auxílio financeiro e do

fornecimento de material didático. Os Estados ficaram responsáveis pela instalação

das salas, a seleção do pessoal e dos professores, que recebiam gratificação inferior

ao salário normal dos profissionais da educação. Para efeito de administração e

fiscalização, era prevista a criação de um setor responsável para tal modalidade de

ensino nos Estados e nos Municípios. A ação alfabetizadora contava ainda com um

clima de entusiasmo e colaboracionismo para atacar de vez o analfabetismo.

“Tudo fazia parte de uma estratégia que visava conduzir a comunidade a participar da alfabetização de adultos como tarefa cívica e por isso foi aberto o voluntariado, cuja função era manter aceso o interesse pela instrução popular e criar uma mística em torno do problema”. (Paiva, 1987: 191)

Após os primeiros anos de resultados positivos, atingindo, em 1953,

17.000 salas e 850.685 alunos, em 1954 inicia-se a fase de declínio. Segundo

avaliação de Beisegel (1974) nesse momento há uma progressiva absorção da

campanha pela rotina administrativa. O seu fracasso será reconhecido em público no

IIº Congresso Nacional de Educação de Adultos, em 1958. A ação extensiva

encontrou no interior obstáculos de difícil superação:

- O baixo salário, muitas vezes em atraso, oferecido aos professores atraia

um corpo docente despreparado e incompetente. O representante de

Amazonas, no IIº Congresso Nacional de Educação de Adultos, afirmava

que os professores leigos do seu Estado recebiam, por um turno de

trabalho, uma quantia 5 vezes superior à paga pela Campanha;

- O funcionamento das classes era precário devido a problemas de

iluminação e a falta de material escolar;

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- O material didático, igual em todo o Brasil, era tido como pouco adequado

aos adultos e não respeitador das peculiaridades regionais;

- O desinteresse do trabalhador rural era resultado da clara consciência que

o fraco ensino oferecido em nada mudaria a sua vida;

- A desorganização dos setores estadual e municipal, encarregados da

administração e fiscalização, eram responsáveis por informações e dados

inverídicos sobre a Campanha.

Lançada em 1947, a CEAA foi extinta em 1963 totalmente desacreditada,

apesar dos índices de analfabetismo terem diminuído de 55% em 1940 para 39,48%

em 1960. Dessa primeira investida nacional, sobrevivem, ainda, o ensino supletivo,

agora assumido pelos Estados e Municípios, a reflexão e o debate acerca do

analfabetismo e da educação de adultos.

No decorrer da Campanha, foram superados preconceitos para com o

analfabeto visto como incapaz, marginal, problema para a sociedade, identificado

psicológica e socialmente com uma criança. A idéia do analfabetismo como causa e

não efeito da situação econômica, social e política do país também foi questionada,

abrindo as portas para as discussões da década sucessiva.

2.1.3 Uma nova perspectiva para a Educação de Jovens e Adultos: 1958/1964

Com o reconhecimento público dos fracos resultados da CEAA no IIº

Congresso Nacional de Educação de Adultos, em 1958, inicia-se um curto período

de tempo caracterizado pelo fervilhar de idéias e ações no campo de Educação de

Adultos, reflexo da intensificação da luta política e ideológica, dos novos rumos

tomados pela economia e pelas novas condições sociais e culturais do país1.

O IIº Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado no Rio de

Janeiro em julho de 1958, objetivava, partindo da experiência fracassada da 1ª

1 A abertura ao capital internacional, no governo Kubitschek, havia rompido o equilíbrio entre economia e

política. O capital estrangeiro se chocava com o nacionalismo e a política de massa, levando ao acirramento das posições de esquerda e de direita.

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campanha de massa, estudar, sob todos os aspectos, o problema da educação de

adultos para oferecer diretrizes aos órgãos governamentais, que sentiam

necessidade de formar, rapidamente, mão de obra qualificada e semi-qualificada

para alavancar o processo desenvolvimentista. O Presidente Kubitschek,

discursando no Congresso, não deixava sombra de duvida quanto a isso;

“O Governo espera deste Congresso não somente o exame crítico dos processos e métodos e dos resultados dos planos de educação de adolescentes e adultos levados a efeito pelo MEC, pelos Estados, municípios e entidades privadas e religiosas, mas também, e principalmente, a formulação de uma doutrina sobre a matéria, que deverá orientar governo e particulares no planejamento e na condução dos programas de educação de adultos, em face das condições do país, em rápida e continua transformação”

e em outro trecho do discurso;

“Essa expansão (industrial, comercial e agrícola) vem sendo tão rápida e a conseqüente demanda de pessoal tecnicamente habilitado, tão intensa, que não podemos esperar a sua formação regular de ensino; é precisa uma ação rápida, intensiva, ampla e de resultados práticos e imediatos, a fim de atendermos às necessidades de nosso crescimento”. (Paiva, 1987: 208)

No Congresso, que logrou ampla participação, encontraram espaço as

várias posições ideológicas: os que propunham uma educação de adultos cautelosa

para evitar possíveis perturbações sociais fruto de uma alfabetização em massa; os

que clamavam pela erradicação do analfabetismo para que houvesse uma

verdadeira democracia no Brasil e o país evoluísse sem subversão da ordem social;

os que viam, na educação de adultos, um instrumento de transformação social e de

construção de uma nova sociedade. Esta última concepção, liderada pelo grupo

pernambucano de Paulo Freire, acabará se impondo e inspirará os principais

programas de alfabetização no inicio dos anos ‘60. O que unia estas correntes tão

diferentes em um mesmo Congresso era a preocupação com a eficiência

metodológica e a procura de caminhos mais racionais, reflexo do tecnicismo em

educação.

O Congresso, devido também às lutas entre as diversas correntes, não

trouxe medidas concretas. Foi criada em 1958 a Campanha Nacional de

Erradicação do Analfabetismo, mas esta destinava-se à educação popular em

geral, não era dirigida especificamente para adolescentes e adultos. Além disso, não

chegou a superar o estágio de programa experimental de desenvolvimento

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comunitário em busca de novas metodologias. Até o final do governo Kubitschek não

haverá novas iniciativas para Educação de Jovens e Adultos em nível federal.

No governo João Goulart, foi lançado o programa Mobilização Nacional

contra o Analfabetismo – criado ainda no governo Jânio Quadro não havia sido

implantado -. O programa incorporava as tarefas das campanhas federais pré-

existentes, agora paralisadas, e objetivava aplicar os recursos disponíveis para

educação de adultos, enquanto fosse aprovado o Plano Nacional de Educação, que

fixaria os objetivos para o período seguinte e a distribuição dos recursos do FNEP.

Com a aprovação do PNE, o MNCA perdeu grande parte dos seus financiamentos, e

após três meses de vida, foi substituído pelo Programa de Emergência que buscava,

com os poucos recursos restantes, o desenvolvimento do ensino primário e médio.

Em março de 1963, todas as iniciativas federais foram extintas para

permitir a descentralização prescrita pela Lei de Diretrizes de Base da Educação de

1961. A lei transferia para os estados e municípios a tarefa de organizar e executar

os serviços educativos, deixando com o governo federal o encargo de estabelecer

as metas gerais e de suprir as deficiências regionais financeiras e técnicas.

Com exceção do CEAA, os programas federais procuravam soluções para

a educação popular em geral, sendo a educação de adultos uma vertente desta. A

Educação de Jovens e Adultos encontrava tratamento específico em movimentos

locais que se multiplicavam em vários Estados e que traziam consigo uma fecunda e

inovadora reflexão sobre o tema.

“Reconhecia-se a necessidade da educação de adultos ser pensada dentro de parâmetros próprios e não simplesmente como reposição de conteúdos escolares perdidos. Reconhecia-se, também, a importância de uma metodologia adequada ao ensino de adultos. Reconhecia-se, finalmente, a necessidade de uma reflexão sobre o social na prática educacional: unia-se, portanto, o político ao pedagógico”. (Haddad, 1988: 124)

Os principais movimentos foram: os Centros de Cultura Popular - CPCs,

organizados pela União Nacional dos Estudantes; os Movimentos de Cultura Popular

que funcionaram com o apoio das prefeituras; o Movimento de Educação de Base -

MEB, ligado à Igreja Católica. Todos eles foram influenciados pelo pensamento

pedagógico de Paulo Freire e pela sua proposta de alfabetização. O analfabetismo

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não é mais apontado como causa da pobreza e da marginalização, mas como efeito

da situação de pobreza gerada pela estrutura social. O processo de alfabetização

seria um instrumento para o reconhecimento (conscientização) das condições

sociais para poder superá-las.

Esses vários movimentos estavam em contato entre si e passaram a

pressionar o governo federal para a criação de uma coordenação nacional que

desse um rumo comum às iniciativas e garantisse os fundos necessários à sua

realização. Em janeiro de 1963, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização que

previa a disseminação, em todo o Brasil, de programas de alfabetização orientados

pela proposta freiriana. O golpe militar em março de 1964 pôs fim a essa iniciativa

com visão político-pedagógica bem definida e explícita.

2.1.4 O golpe de 1964 e a nova orientação para a Educação de Jovens e

Adultos

Para os setores conservadores da sociedade brasileira, a alfabetização

de jovens e adultos, oferecida a partir do início de ’60, constituía um perigo para a

estabilidade do país e para a preservação da ordem capitalista. Por isso após o

golpe de 1964 se assiste ao fechamento de grande maioria dos programas e à

repressão dos seus principais promotores.

Nos dois primeiros anos da ditadura militar, o problema do analfabetismo

ficou esquecido, mas pressões internas e externas despertaram novamente o

interesse do poder central. As campanhas que precederam a tomada do poder pelos

militares haviam deixado muitas expectativas e semeado idéias consideradas

subversivas que precisavam ser contidas e redirecionadas, enquanto a UNESCO

relembrava aos paises membros o compromisso assumido no combate ao

analfabetismo.

Em 1966, o Governo Federal retomou a luta para erradicar o

analfabetismo em duas frentes: através do Ministério da Educação com a criação do

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Plano Complementar e dando apoio à Cruzada ABC, programa dirigido por uma

entidade de orientação norte-americana, em colaboração com a USAID1.

O Plano Complementar, uma nova versão do MNCA de 1962, previa 8

meses de alfabetização e 6 meses para realização de um curso profissionalizante.

Como o programa em que se inspirava, não chegou a ser executado por falta de

recursos. É interessante notar, nos discursos do Ministro da Educação de então, que

há um retorno ao conceito de analfabeto que caracterizou o início dos anos ’50.

“Analfabeto é uma pessoa intelectualmente incapaz de servir-se da comunidade, de servir à comunidade, de integrar-se no processo de desenvolvimento político e de participar do contexto político” (Franco apud Paiva, 1987 :266)

e de forma mais explicita afirma-se que o analfabetismo é causa de “inabilitação total

para o FAZER”.

A Cruzada da Ação Básica Cristã nasceu no Recife, berço dos

educadores que haviam revolucionado a visão de Educação de Adultos nos anos

’60. O alvo das suas atividades foram, preferencialmente, o Nordeste e aquelas

regiões onde os programas anteriores haviam tentado disseminar idéias, que

precisavam ser neutralizadas para permitir a solidificação do poder político e das

estruturas sociais e econômicas. O analfabeto, incapacitado para o trabalho e

marginalizado socialmente, poderia se tornar um fator de instabilidade. A campanha,

conduzida por pessoas ligadas à igreja protestante norte-americana, obteve

financiamentos do governo, de particulares e, de forma substanciosa, da USAID e

de outras entidades estrangeiras. Apesar de uma forte oposição interna, sobretudo

dos setores nacionalistas, e da acusação de mau uso dos recursos, as atividades de

alfabetização emprenhadas de proselitismo evangélico e de propaganda filo-

americana continuaram até 1971.

A Cruzada pretendia alfabetizar um milhão de adultos em 5 anos. Era

previsto, inicialmente, somente um curso de alfabetização da duração de cinco

meses, em seguida foram oferecidos também educação continuada, orientação

1 United States Agency for Internacional Development – USAID. Agência de assistência técnica e de cooperação

financeira que colaborou na reorganização do sistema educacional brasileiro após o golpe militar de 1964. Para maiores esclarecimentos consultar ROMANELLI, Otaiza de Oliveira. História da educação no Brasil.

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profissional, educação comunitária e um programa de correta alimentação com farta

distribuição de alimentos. Não obstante todas as recomendações em sentido

contrário, fruto da experiência do CNEAA, a Cruzada do ABC foi, fundamentalmente,

uma campanha extensiva de Educação de Adultos.

2.1.4.1 O Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL

Paralelamente à Cruzada do ABC, o governo federal, pressionado pelos

setores nacionalistas, se articulava para organizar um seu programa de

alfabetização. Em dezembro de 1967, foi instituída, vinculada ao Departamento

Nacional de Educação, a Fundação Movimento Brasileiro de Alfabetização. Esta virá

a funcionar só em 1970, já desvinculada do DNE, quando se encontrará uma forma

real de financiamento.

O MOBRAL não foi o primeiro esforço alfabetizador de amplitude

nacional, mas como afirma Freitag (1986:92), era a primeira vez que se

implementava um movimento, priorizando a alfabetização daqueles que constituíam

a força de trabalho, com a finalidade de elevar o seu nível de qualificação para

corresponder à consolidação do modelo industrial- urbano capitalista.

Pensado inicialmente como organismo de incentivo e coordenação das

diferentes experiências de Educação de Jovens e Adultos nos municípios e nas

comunidades, em 1970, o MOBRAL se transformou em uma entidade executora e se

lançou em uma campanha de alfabetização de massa, ignorando todos os estudos

em contrário, não apresentando propostas que garantissem a continuidade dos

estudos. “(...) o programa foi lançado de modo improvisado, sem planejamento de

continuação imediata das atividades educativas para os neo-alfabetizados” (Paiva,

1987: 297). Ao longo dos trabalhos surgiu a necessidade de oferecer oportunidades

de aprimoramento para aprendizagem rudimentar, proporcionada pela simples

alfabetização.

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A campanha possuía uma estrutura administrativa descentralizada,

composta de quatro níveis: Mobral central, as coordenações regionais, as

coordenações estaduais e as comissões municipais.

Nos primeiros quatro meses de funcionamento o MOBRAL atendeu a

500.000 alunos. Em 1972, o número de alfabetizandos matriculados foi estimado

nos 2 milhões, mas não é fácil encontrar dados oficiais a respeito da campanha.

Quanto a isso, Regina Esteves, coordenadora nacional do Programa Alfabetização

Solidária, assim se expressa em um artigo da revista Isto É:

“Bem que tentamos resgatar outros dados do MOBRAL, descobrir quantos alunos haviam sido matriculados durante sua existência e, principalmente, saber os resultados obtidos, mas tudo isso é um mistério completo” (maio 1997).

Quanto à metodologia e as técnicas de alfabetização, o

MOBRAL se valeu do Método Paulo Freire, já bastante famoso no

exterior e conhecido entre os educadores brasileiros, recorrendo à

decomposição das palavras geradoras em famílias silábicas, ao trabalho

em grupo, à ajuda mútua e à inserção comunitária, mas

descaracterizando-o do seu suporte ideológico e filosófico.

“Podemos dizer que o método foi refuncionalizado como prática, não de liberdade, mas de integração ao “Modelo Brasileiro” ao nível das três instancias: infra-estrutura, sociedade política e sociedade civil”. (Freitag, 1986: 93)

Nascido com a finalidade de extinguir o analfabetismo, ou pelo menos, de

reduzir seus índices para baixo dos 10%, patamar considerado satisfatório pela UNESCO, o MOBRAL foi se tornando desacreditado nos meios políticos e educacionais, chegando a ser extinto em 1985.

2.1.5 A Educação de Jovens e Adultos na redemocratização

A criação do MOBRAL não acabou totalmente com as pequenas e

isoladas experiências de Educação de Jovens e Adultos com propostas mais críticas

em relação à sociedade posta. A década de ´80, com o início da abertura política e o

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surgimento de movimentos sociais organizados, assistiu ao crescimento e à

articulação dessas ações pontuais entre si. Essas mesmas iniciativas passaram a

receber o apoio financeiro e técnico da Fundação Educar, entidade que ocupou o

lugar do extinto MOBRAL e que desistiu de executar diretamente os programas.

Nesse período, a mobilização da sociedade civil e dos movimentos sociais

organizados trouxe avanços legais para a EJA. A Constituição Federal de 1988

estendeu aos jovens e adultos o direito à Educação Fundamental, garantindo a

obrigatoriedade e gratuidade.1 Mas a existência da lei não foi suficiente para o

desenvolvimento de políticas públicas consistentes voltadas para o setor. Desde o

início dos anos ´90, a União vem se desobrigando dos encargos com a EJA,

transferindo-os para os Estados e, principalmente, para os Municípios. Marco disso

foi a extinção da Fundação Educar, que trabalhava na indução das experiências de

alfabetização.

No governo Collor, em substituição à Fundação Educar, é criado o

Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC). Este não abrangia só a

alfabetização, mas todo o ensino primário e secundário. Utilizando as palavras de

Vieira (1988: 57) foram tempos de “muito discurso e pouca ação”.

Itamar Franco, que assumiu o governo após o impeachment do seu

predecessor, deu início a amplos debates com toda a sociedade para a elaboração

do Plano Decenal de Educação para Todos. Assim, procurou dar prosseguimento

aos compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil, em 1990, na

Conferencia de Educação para Todos, realizada em Jomtien na Tailândia, quando

os países participantes se comprometeram a eliminar o analfabetismo e universalizar

o ensino fundamental em 10 anos.

Na analise de Vieira (1988:89) o governo de Fernando Henrique Cardoso,

que tomou posse em 1995, ignorou o Plano Decenal até o segundo semestre de

1997, confirmando o que ela chama de “continuidade descontinua”.

1 A Emenda Constitucional nº 233 suprimirá do texto a obrigatoriedade

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3.2 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS HOJE

O decênio que sucedeu a extinção do MOBRAL se caracterizou pela

ausência de programas nacionais de amplo fôlego. Assistimos, com o fim da

ditadura, ao florescer de várias iniciativas de Educação de Jovens e Adultos ligadas

a associações comunitárias ou de classe, a instituições privadas, a universidades e a

grupos organizados cada um com uma visão político-pedagógica mais ou menos

explícita.

O 1º governo FHC, dando continuidade a idéias gestadas na

administração anterior, deu prioridade absoluta à educação fundamental das

crianças de 7 a 14 anos. Segundo Vieira (1998: 126), nos documentos Mãos à Obra

Brasil: proposta de governo (Cardoso, 1994) e Planejamento Político Estratégico-

1995/1998 (Brasil.MEC. maio/1995) a EJA é ignorada. Ela aparece nos projetos de

educação complementar quando, para efeito de redução do analfabetismo no país,

fala-se da atuação conjunta de governo federal, estadual, municipal, associações

comunitárias e empresas.

Para atender às pressões internacionais em prol da universalização do

ensino e da erradicação do analfabetismo, visto como empecilho para a sociedade

do conhecimento, para responder às acusações de ser um governo que não prioriza

o social e para atender a reivindicação dos mais variados setores da sociedade em

favor da oferta de Educação de Jovens e Adultos é criado, como uma das ações

assistenciais do Programa Comunidade Solidária, o Programa Alfabetização

Solidária.

3.2.1 Programa Alfabetização Solidária-PAS

O Conselho da Comunidade Solidária para fazer frente à baixa

escolaridade dos jovens das camadas mais pobres, fato que dificulta a inserção

destes no mercado de trabalho, concebeu em 1996, como ação suplementar e

emergencial, o Programa Alfabetização Solidária cujo objetivo é “reduzir os índices

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de analfabetismo entre jovens e adultos no país, principalmente na faixa etária de 12

a 18 anos1”.

A consciência que problemas dessa natureza não podem ser resolvidos

sem uma ampla participação da sociedade fez do Programa uma ação em parceria,

o que se constitui na sua grande novidade. Participam dele a Comunidade Solidária,

Governo representado pelo MEC, Empresas Particulares, Universidades e

Prefeituras, cada um com atribuições específicas.

O Comunidade Solidária organiza as ações, articulando as entidades

envolvidas e mobilizando novos parceiros; o MEC oferece a equipe encarregada de

coordenar as várias fases do programa e supervisionar o uso dos recursos, também

produz e fornece o material didático; as Empresas Privadas adotam o município e

custeiam as despesas com o transporte, alimentação e hospedagem do

coordenador e dos alfabetizadores durante o treinamento, repassam o dinheiro da

merenda dos alunos e das bolsas dos professores; as Universidades são

responsáveis pela seleção e capacitação dos alfabetizadores e do coordenador

municipal e pela avaliação mensal do Programa; às Prefeituras cabe a tarefa de

indicar possíveis alfabetizadores, recrutar os alunos e disponibilizar a infra-estrutura

necessária para as salas de aula.

O curso tem duração de seis meses (módulo), um mês para a capacitação

dos alfabetizadores e cinco meses de alfabetização, perfazendo um total de 240

horas/aula. O custo por aluno é estimado em R$ 34,00 (trinta e quatro reais) e é

repartido igualmente entre o MEC e os parceiros financiadores2. A cada módulo são

selecionados novos alfabetizadores e alfabetizandos.

O público alvo é constituído, prioritariamente, por jovens de 12 a 18 anos

que não sabem ler e escrever, no entanto, não existe nenhuma discriminação

quanto à faixa etária, contando o programa com pessoas com mais de 70 anos.

1 É valido lembrar que a Constituição Federal de 1988 e a LDB de dezembro de 1996 garantem obrigatoriedade

e gratuidade do ensino para crianças até 14 anos. 2 Além da empresas privadas, também financiam o PAS instituições, organizações, Estados e, nos grandes

centros urbanos, pessoas físicas que aderem à campanha “Adote um Aluno”.

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Os alfabetizadores são escolhidos nas próprias comunidades para evitar

problemas de deslocamento e, sobretudo, por conhecerem os problemas

enfrentados no cotidiano pelos alfabetizandos e serem mais aceitos por eles.

Exigência para ser selecionado é ter cursado o 2º grau, o pedagógico ou estar

terminando a 8ª série do 1º grau. Os futuros professores, além de receber uma

bolsa mensal de R$ 120,00 (cento e vinte reais), no período da capacitação, entram

em contato com docentes e alunos universitários e conhecem centros urbanos

maiores que a sua cidade de origem; isso também traz ganhos que não são

mensuráveis.

Não existem modelos de alfabetização prontos. Cada Universidade

escolhe a forma de selecionar e capacitar os alfabetizadores, escolhe o tipo de

alfabetização que considera mais oportuno à luz das peculiaridades das

comunidades atendidas e das características dos alunos e estabelece como fazer o

acompanhamento e a avaliação.

Uma Coordenação Executiva Nacional organiza e fiscaliza o

funcionamento dessa ação alfabetizadora, recolhendo dados sobre as capacitações,

visitas de acompanhamento mensais e dados avaliativos ao final dos seis meses,

duração de cada módulo. Os dados recolhidos e publicados, além de instrumento

de avaliação e replanejamento, testemunham a seriedade do programa na busca de

parceiros financiadores antigos e novos.

O projeto piloto, implementado em janeiro de 1997, abrangia 38

municípios das regiões Norte e Nordeste, escolhidos por apresentarem, segundo o

censo de 1991, índices de analfabetismo, na faixa etária de 15 a 17 anos, superiores

a 55%. No Ceará, foi contemplado o município de Salitre, acompanhado pela

Universidade Federal do Ceará. Esta primeira etapa pretendia implantar um modelo

que pudesse ser estendido depois a outras partes do Brasil, tentando evitar os erros

do passado. Ruth Cardoso afirmava a respeito do PAS:

“Levamos anos criticando as políticas sociais e indicando quais eram os principais pontos negativos. Agora é hora de colocarmos as idéias em prática, com um projeto descentralizado, autonomia de execução e parceria entre governo e sociedade” (Isto é, 1997)

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Em 1999, nascia, como desdobramento das atividades do PAS, o Projeto

Grandes Centros Urbanos. Nas principais cidades do país, os índices de

analfabetismo coletados pelo censo não são tão expressivos, mas a concentração

de pessoas sem escolarização é muito alta. O PGCU foi implantado, primeiramente,

no Rio de Janeiro e em São Paulo e mais tarde atingiu o Distrito Federal, Fortaleza,

Goiânia, Belo Horizonte e São Luis do Maranhão.

Em novembro de 2000, o PAS superou as fronteiras nacionais e foi

implantado no Timor Leste e, em setembro de 2001, em São Tomé e Príncipe e em

Moçambique.

O Alfabetização Solidária teve uma expansão muito rápida. O seu site

informa que, em 2002, o programa chegará a 2010 município, atendendo 1,2

milhões de alunos, perfazendo, desde o começo até hoje, 3,6 milhões de

analfabetos atendidos. No Ceará, todos os 184 municípios participam do programa.

Calcula-se que 500.000 alunos já freqüentaram o curso de alfabetização, 150.000

destes em municípios acompanhados pela Universidade Estadual do Ceará – UECE.

O maior parceiro financiador do PAS, no Estado, é o próprio governo estadual.

Os meios acadêmicos, desde o surgimento do PAS, demonstraram um

certo ceticismo. Se por um lado a autonomia concedida às universidades possibilita

adaptações locais que são, talvez, um dos motivos dos bons resultados, por outro

lado a dispersão de concepções de educação e de alfabetização tornam a avaliação

do processo de ensino-aprendizagem bastante difícil e duvidosa. Porém a crítica

mais contundente é de ser um programa assistencialista e paternalista. Segundo

Ribeiro (1999:188) a sua “estrutura organizacional” e o “mecanismo de

financiamento” são um entrave à consolidação de redes capazes de promover de

forma continuada a Educação de Jovens e Adultos e a formação de educadores. A

União é também acusada de se sobrepor aos sistemas de ensino estaduais e

municipais aos quais compete essa ação.

Como os programas anteriores, o Alfabetização Solidária surgiu com o

objetivo de oferecer um curso de alfabetização e, em seguida, sentiu a necessidade,

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por pressão de alguns setores das universidades, dos movimentos organizados e

também dos próprios alfabetizandos, de oferecer possibilidades de aprimoramento e

continuação dos estudos. É nessa direção que é pensado, na Universidade Estadual

do Ceará, o Programa Educação Profissional Contextualizada que tem como seu

principal objetivo oferecer aos alunos a possibilidade de continuarem o

aperfeiçoamento das habilidades de ler, escrever e contar, acrescidas da formação

em habilidades específicas e de gestão, condizentes com as vocações dos

municípios, das localidades e dos indivíduos.

O governo federal para atender a essa demanda crescente para

continuidade nos estudos institui, em 2002, o Programa Recomeço.

3.2.2 Programa Recomeço – supletivo de qualidade

Pode-se dizer que essa nova ação do governo federal constitui-se no

FUNDEF (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

Magistério) para Educação de Jovens e Adultos. A cada jovem ou adulto matriculado

no ensino fundamental, em cursos presenciais com avaliação no processo,

corresponde uma verba para o município, ou o Estado, de R$ 230,00 (duzentos e

trinta reais). A quantidade de aluno é levantada no Censo Escolar e os recursos

correspondentes são repassados no ano seguinte.

Participam do Recomeço aqueles Estados e municípios que estão

incluídos no Projeto Alvorada por apresentarem um IDH (Índice de Desenvolvimento

Humano) menor ou igual a 0,500. Um dos objetivos do MEC é contribuir com a

institucionalização da EJA como política pública nos sistemas de ensino estaduais e

municipais dessas áreas, resgatando assim o déficit de escolarização, apontado

como uma das causas do baixo desenvolvimento econômico, social e cultural.

O Programa foi implantado em 2001, beneficiando 946 municípios que

mantinham turmas de EJA e que foram registradas no Censo Escolar de 2000. No

total, os municípios que poderão ser beneficiados são 2547. O Plano Nacional de

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Educação tem como meta atender, no ano de 2003, 2 milhões e 400 mil alunos com

15 anos de idade ou mais.

O Recomeço foi criado para funcionar em base experimental durante três

anos. Mais que uma política educacional trata-se de um fundo suplementar

provisório que veio para superar uma falha do FUNDEF que não contabilizava, para

efeito de repasse, os alunos da Educação de Jovens e Adultos. No entanto,

permanece o seguinte questionamento: como municípios pobres poderão continuar

a oferta dessa modalidade de educação ao findar o prazo da ajuda federal?

3.3 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E A DULTOS NO CEARÁ DE HOJE

A política governamental cearense visa ao desenvolvimento do Estado

atraindo industrias que se instalam no interior do Estado. Para isso é preciso

oferecer mão de obra escolarizada que mais rapidamente se adapta às

necessidades das novas formas de produção. A proposta de Educação Básica do

Ceará, adotada a partir de 1995, tenta atender à demanda dos novos processos

econômicos, culturais e políticos não só colocando todas as crianças em faixa

escolar dentro da sala de aula, mas, também, oferecendo oportunidades à

população que não teve acesso na idade apropriada.

Nesse contexto, a EJA se torna um compromisso público assumido pelo

governo para erradicar o analfabetismo, aumentar o nível de escolarização dos

jovens e adultos, sobretudo, daqueles compreendidos na faixa etária de 15 a 39

anos, alvo imediato dos novos rumos da economia1.

O Estado não implementou um novo programa de alfabetização, mas

apóia o Alfabetização Solidária, sendo o parceiro financiador em muitos municípios

cearenses. Para garantir a continuidade, há as Classes de Aceleração de Jovens e

Adultos que funcionam nas escolas públicas e em sistema presencial, contemplando

1 O maior parceiro do PAS, no atendimento aos municípios cearenses, foi, e continua sendo, o próprio Governo

do Estado.

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de 1ª a 4ª série. A partir de 2000, foi instalado, no Estado, o Projeto Tempo de

Avançar em convênio com a Fundação Roberto Marinho, que, utilizando metodologia

e material do Telecurso 2000, oferece em 15 meses de 5ª à 8ª série e em 18 meses

o Ensino Médio. O Ceará dispõe ainda dos Centros de Educação de Jovens e

Adultos–CEJA, que funcionam em sistema não presencial, podendo o aluno

respeitar os seus ritmos de aprendizagem e adequar os estudos à sua

disponibilidade de tempo.

Outro programa precisa ser mencionado - o ABC do Sertão - pois nos

depararemos com ele no município de São Gonçalo do Amarante. Trata-se de um

curso de alfabetização voltado para as famílias rurais residentes nos municípios

mais afetados pela estiagem. No lugar de participar de frentes de serviço para

receber o beneficio de R$ 60,00 (sessenta reais), os agricultores, cadastrados pela

Secretaria de Desenvolvimento Rural/SDR, são encaminhados para salas de aula.

Isso é uma demonstração a mais da preocupação do governo estadual com o

problema do analfabetismo.

O ABC do Sertão foi criado no começo de 2001 e teve uma existência

confusa e conturbada. Em 2001, foi realizada a capacitação dos alfabetizadores

indicados pelas prefeituras, mas não foi dado prosseguimento ao programa, não

tendo sido abertas as salas de aula. Em 2002, a Secretaria de Educação do Estado

procurou a coordenação do Programa Alfabetização Solidária para que esta

assumisse a administração do ABC do Sertão; os dois programas passaram a

funcionar como se fosse um só e o ABC do Sertão foi absorvido pelo programa

federal, deixando de existir, pelo menos no nome. Em julho, após a seleção dos

novos alfabetizadores, o PAS informou que todos os municípios voltariam a

funcionar com 10 salas de aula, como no projeto inicial, pondo um ponto final à

breve e conturbada vida do ABC do Sertão.

Este breve apanhado histórico das ações para Educação de Jovens e

Adultos, por motivos didáticos, segue uma certa linearidade, mas na realidade os

programas chegam muitas vezes a se sobrepor e a se atropelar, quando não ficam

só no papel, deixando dúvidas quando à existência de políticas capazes de nortear

os caminhos, apesar das intenções presentes nos documentos oficiais.

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A política para o ensino fundamental, nos últimos anos, continua

fortemente influenciada pela idéia que os esforços devem privilegiar os que estão na

faixa etária apropriada. Dessa forma, se estancaria o nascimento de novos

analfabetos e, aos poucos, este problema se acabaria sozinho. A EJA é enfrentada,

portanto, com programas emergenciais, improvisados e semi-voluntaristas para

satisfazer organismos internacionais e a pressão interna de alguns setores mais

progressistas da sociedade.

Sem querer entrar no mérito da maior ou menor validade dessa linha de

pensamento, parece que a realidade aponta na direção oposta. A escola pública e a

privada, com exceções de ambas as partes, continuam sendo um celeiro de

analfabetismo, e o que é pior, varrido para debaixo do tapete. É fácil encontrar

alunos de 5ª a 8ª série com graves dificuldades de escrita e leitura, mas todas as

pesquisas consideram os alunos que cursaram a 4ª série como alfabetizados.

A EJA ainda é indispensável para atender a um déficit educacional que

vem de longe e para, em colaboração com o ensino regular, subsidiar quem não

consegue atingir um grau de aprendizagem satisfatório, para ingressar no mundo do

trabalho e, também, para participar de forma mais consciente e participativa do

convívio social. Para que isso se concretize, é indispensável a ação indutora da

União que garanta continuidade às políticas educacionais para esta modalidade de

ensino.

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CAP. III

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM SÃO GONÇALO DO

AMARANTE DE 1998 ATÉ 2002

Após se situar dentro do novo contexto mundial que trouxe a

descentralização político administrativa como uma das suas marcas e visualizar as

políticas de Educação de Jovens e Adultos ao longo da história brasileira, finalmente

chegou o momento de uma aproximação com o município para ver como as coisas

acontecem na concretude e aridez do dia a dia.

3.1 SÃO GONÇALO DO AMARANTE

São Gonçalo do Amarante faz parte da mesorregião do Norte Cearense e,

junto com Paracuru e Paraipaba, é integrante da microrregião do Baixo Curu. Está

situado próximo a Fortaleza, distando da capital do Estado pouco mais de 50

quilômetros. As principais rodovias de acesso são: CE 423, conexão BR 222 e a

nova Via Turística Estruturante do Sol Poente – CE 085.

Sua elevação à categoria de Município autônomo se deu em 1938 por

força do Decreto Lei nº 448, mas a dimensão territorial ficará definida em 1951 com

a emancipação política dos distritos de Paracuru e Trairi e a sua atual divisão

político-administrativa se completará com a criação do distrito de Taíba em 1986. O

Município é hoje composto pelo distrito sede e mais seis – Pecém, Siupé, Umarituba,

Serrote, Croatá e Taíba – assentados em um território de 782 quilômetros

quadrados, correspondentes a 0,53% do território cearense.

São Gonçalo do Amarante limita-se, ao norte, com o Oceano Atlântico e

os municípios de Paracuru e Paraipaba; ao sul, com o município de Pentecoste e

Caucaia; ao leste, com o município de Caucaia; ao oeste, com os municípios de

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Trairi e São Luiz do Curu. Situado na bacia hidrográfica do Curu, o território

municipal usufrui também das águas dos rios São Gonçalo do Amarante e Anil e das

lagoas Onça, Croata, Mundo Novo, Prejubaca, Sorocaba e Candeia.

O Distrito-Sede encontra-se no meio dos dois espaços naturais que

compõem o Município: o Litoral, com suas dunas, mangues e núcleos de veraneio, e

o Sertão, de características exclusivamente rurais, que sobrevive da agricultura de

subsistência e da pecuária extensiva. Entre esses dois extremos existe uma faixa de

transição com grande potencial hidrográfico e solos agricultáveis.

A população residente no Município, segundo o censo demográfico de

2.000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, é de

35.608 habitantes, sendo que 62% residem na zona urbana e 38% na zona rural. É

interessante notar que o Distrito-Sede apresenta um universo populacional muito

próximo dos demais (ver anexo II), justificando a sua supremacia unicamente por ser

o centro político-administrativo-institucional.

A proximidade de São Gonçalo do Amarante com a capital do Estado, a

existência de um litoral com lindas praias e a recente construção do sistema

portuário de Pecem deixam o município em uma posição invejável, vista a grande

possibilidade de futuros investimentos nas áreas do turismo e da industria, que

poderão aportar profundas mudanças na vida local.

3.1.1 Um pouco de história

No século XVI, as terras onde hoje se localiza o município de São

Gonçalo do Amarante eram ocupadas por diversas nações indígenas, entre elas os

Anacés, os mais numerosos, os Guanacés e os Jaguaruanas, que disputavam, em

constantes lutas, estas áreas do litoral cortadas por rios e lagoas e pródigas em

pesca e caça. Segundo Correia (1997) a cultura e a civilização dos índios foram

varridas pela chegada dos colonizadores e as poucas informações disponíveis só

relatam a “superioridade numérica e valentia” dos Anacés.

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As primeiras penetrações do homem branco com o intento de povoar o

local remontam ao 1682, quando surgiram os primeiros núcleos, Parazinho, Trairi,

Siupé e São Gonçalo. Somente na segunda metade do século XIX, Parazinho, a

localidade que mais havia crescido, denominado agora de Paracuru, se transformou

em vila e sede do município pela Lei Provincial nº 1235, de 27 de novembro de

1868. Os anos a seguir assistiram à disputa entre os distritos de Paracuru e Trairi,

que também havia se desenvolvido econômica e politicamente, para ser a sede

municipal.

Nesse período, o povoado de São Gonçalo não passava de um conjunto

de fazendas com modestos conglomerados de casas de taipa, habitadas por gente

humilde, que praticava uma agricultura de subsistência e a criação de animais e

aves para o seu sustento.

Em 1891, São Gonçalo ganhou novos moradores ilustres: o Coronel

Martins de Oliveira, mais conhecido como Neco Martins, sua mulher dona Filomena

e o Capitão José Procópio de Alcântara chegaram ao povoado para fixar residência,

dando novos rumos à sua história. Neco Martins com a colaboração do Capitão

Alcântara animou e incentivou o intercâmbio comercial com as outras localidades.

Os dois construíram ainda, em 1989, a capela dedicada a São Gonçalo ao redor da

qual foi se estruturando a futura sede do município. Dona Filomena organizou as

primeiras escolas e os primeiros núcleos de assistência comunitária.

O desenvolvimento sócio-cultural do povoado e o prestigio sempre maior

das famílias Martins e Alcântara levou São Gonçalo a uma disputa acirrada com

Paracuru para abrigar a sede do município, mas foi somente com a Lei Estadual nº

1.841 de 17 de agosto de 1921 que a localidade, com a denominação de São

Gonçalo, conseguiu suplantar o distrito rival. Paracuru, graças aos esforços do

Coronel Meireles, voltou a sediar o centro político-administrativo de 1926 a 1928 e

de 1931 a 1935. O Decreto nº 64 de 7 de agosto de 1935 fixou, em definitivo, a sede

municipal em São Gonçalo que já contava com novas forças políticas locais, entre as

quais se destacavam o comerciante Raimundo Nonato da Silva, mais conhecido

como Coronel Doca Paraíba. Como já acenamos anteriormente, o decreto Lei nº 448

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de 20 de dezembro de 1938 elevou São Gonçalo à categoria de município

autônomo.

A rivalidade entre São Gonçalo, Paracuru e Trairi só chegou ao seu fim

em novembro de 1953 com a Lei nº 1.153 que concedeu a emancipação política às

duas localidades antagonistas. A mesma lei deu ao município a denominação atual

de São Gonçalo do Amarante em homenagem ao padroeiro da cidade (em 1943,

São Gonçalo havia assumido o nome de “Anacetaba” para homenagear os índios

Anacés).

A atual divisão política do município foi se delineando com a criação do

distrito de Croatá em 1963, desmembrando-o dos distritos de Serrote e Umarituba, e

o surgimento do distrito de Taíba em 1986.

3.1.2 Aspectos econômicos

São Gonçalo do Amarante é uma cidade com características

fundamentalmente rurais, que exerce o predomínio sobre os outros distritos por

abrigar o poder executivo e não por ser um centro econômico mais desenvolvido.

Como bem se expressa o Plano Diretor de Desenvolvimento do município,

“A cidade (...)é, em sua dinâmica, no seu contexto social e na sua organização espacial, muito influenciada pelo modo de vida rural. O espelho d’água da Lagoa de Prejubaca e os Carnaubais à entrada da cidade são suas características naturais mais marcantes, ao lado das tradições e da sua história envolvendo famílias ilustres que lhe deram origem. Sua importância como centro urbano do Município está ligada unicamente ao fato de sediar os Poderes Executivo Municipal (e seus órgãos vinculados), o Legislativo Municipal, Órgãos da Justiça e outros. Configura-se mais como sede política-administrativa-institucional que centro dinâmico irradiador de negócios e desenvolvimento. (1998: 10)

Na realidade, São Gonçalo do Amarante lidera um conjunto de áreas

urbanas locais com número de habitantes muito próximo ao seu e com economias,

de certo modo, independentes, baseadas na pesca, na agricultura, na pecuária e no

turismo de lazer.

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As principais atividades econômicas e fontes de renda do Município são a

agricultura de subsistência, a agroindústria canavieira, a industria de cerâmica, o

turismo, a pesca, o artesanato e o comércio varejista.

Os minifúndios exploram, de forma preponderante, o cultivo de cana de

açúcar, mandioca, coco e castanhas de caju. Outros produtos da lavoura são o

feijão, o algodão herbáceo, o arroz, a manga e a batata doce.

Na pecuária, merecem destaque a criação de bovinos, de aves e a

produção de ovos de galinha. Encontramos também criações menos expressivas

numericamente de suínos, caprinos, ovinos, eqüinos, asininos e muares.

No tocante ao extrativismo vegetal, além das matas onde se extrai a

madeira e se produz carvão vegetal, os carnaubais que fornecem pó e cera

constituem uma das maiores fontes de renda do município.

Nos distritos litorâneos da Taíba e do Pecém, a maior fonte de renda é

constituída pela pesca artesanal e o pelo turismo.

Mas o município de São Gonçalo do Amarante, lugar de pacatas

comunidades rurais e de pescadores, está prestes a desaparecer diante das

profundas mudanças em suas bases populacionais, econômicas, sociais e culturais

que a implantação do Complexo Industrial e Portuário do Pecem – CIPP irá

acarretar.

A ponta do Pecém foi escolhida para a construção do novo porto do

Estado por apresentar profundidades maiores que 15 metros, o que possibilita o

atraque de navios de grande porte para a exportação de cargas para o resto do

mundo. Uma área de 335 Km² ao seu redor foi declarada de Utilidade Pública pelo

Decreto Estadual nº 24.032 de 6 de março de 1996 com a finalidade de abrigar o

complexo industrial, que surgirá impulsionado pela instalação de uma siderúrgica. A

via férrea e o gasoduto já estão em fase de conclusão e são previstos investimentos

na criação de energia com a implantação de uma termelétrica e de quatro parques

eólicos.

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De olho na futura posição estratégica ocupada por São Gonçalo do

Amarante no desenvolvimento econômico da região e com vistas a viabilizar a

consolidação do CIPP, o Governo do Estado incluiu o município no seu

planejamento urbano, econômico e turístico. Juntos com um conjunto especial de

municípios cearenses, São Gonçalo do Amarante integra os seguintes projetos

estaduais:

- PRODETUR/CE: abrange os municípios de Itapipoca, Trairi, Paracuru, São

Gonçalo do Amarante e Caucaia e é coordenado e executado pela Secretaria do

Turismo. Inclui obras de estradas e vias de acesso para desenvolvimento do

turismo em uma extensão de 130 Km de litoral. Prevê também a implantação de

sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário, ações na área de

proteção ambiental, ações de assistência técnica e fortalecimento institucional

dos órgãos estaduais e municipais envolvidos no projeto;

- PROURB/CE, projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão de Recursos

Hídricos em implementação em 44 municípios. Prevê ações na área de infra-

estrutura urbana e a construção de barragens e adutoras;

- PRPOGERIRH/CE, projeto de Gerenciamento e Integração de Recursos Hídricos

que contempla a interligação de bacias.

- PROJETO SÃO JOSÉ, com propostas na área produtiva, social e de infra-

estrutura, direcionado para as comunidades rurais.

A industrialização trará, também, como conseqüência, o incremento do

setor terciário para atender à demanda, fruto de um aumento da renda da população

do município. Se isso não acontecer os municípios limítrofes poderão ocupar este

espaço.

São Gonçalo do Amarante está vivendo outro momento especial da sua

história, comparável à chegada do Coronel Neco Martins e o Capitão Procópio

Alcântara ao antigo povoado, que, alterando o frágil equilíbrio entre os distritos,

poderá levar a novas disputas políticas dentro do município.

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3.1.3 População e analfabetismo

Em 1991, o Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística – IBGE computou 29.286 moradores no município de São

Gonçalo do Amarante, 17.999 vivendo na área urbana e 11.287 na rural. Os homens

eram a maioria, 15.107 contra 14.179 mulheres.

Os indicadores educacionais não eram muito animadores como

demonstra a tabela a seguir:

Tabela 1: São Gonçalo do Amarante. População residente de 11 anos ou mais de idade,

por grupo de idade, total, alfabetizada, não alfabetizada e taxa de analfabetismo.

Grupo de idade total alfabetizada Não alfabetizada Taxa de analfabetismo

11 – 14 anos 3.072 2.102 970 31,6 % 15 – 17 anos1 - - - - 15 anos ou mais 17.276 9.686 7.590 43,9%

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1.991.

Em 1996, o IBGE realizou uma nova contagem da população cearense

e dos respectivos indicadores educacionais. Nessa época, 32.687 pessoas moravam

em São Gonçalo do Amarante, 20.094 na área urbana e 12593 na área rural, 17.018

eram homens e 15.669 eram mulheres.

A situação da educação fundamental no município, apesar de uma

melhora nos percentuais, continuava problemática como evidencia a tabela a seguir:

Tabela 2: São Gonçalo do Amarante. População residente de 11 anos ou mais de idade, por

grupo de idade, total, alfabetizada, não alfabetizada e taxa de analfabetismo.

Grupo de idade total Alfabetizada Não alfabetizada

Taxa de analfabetismo

11 – 14 anos - - - 22,26 % 15 – 17 anos - - - 16,17% 15 anos ou mais - - - -

Fonte: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de São Gonçalo do Amarante, 19982. Não existe um levantamento da taxa de analfabetismo entre a

população de 15 anos ou mais, mas tudo indica que não tenha ocorrido redução em 1 O Censo Demográfico de 1991 não considerou este grupo de idade mas de “15 a 19 anos” que apresentou

uma taxa de analfabetismo de 38,8%. 2 A Secretaria de Educação em conjunto com a Secretaria de Saúde do Estado realizou este Censo Comunitário,

servindo-se dos Agentes de Saúde.

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números absolutos, pois, na Contagem da População realizada pelo IBGE em 1996,

só 17 adultos participavam de um curso de alfabetização em São Gonçalo do

Amarante.

Em 2000, o último Censo Demográfico realizado pelo IBGE registrou

um novo aumento populacional em São Gonçalo do Amarante: 35.608 pessoas

vivem no município, 22.077 morando na área urbana e 13.531 na rural. Os homens

continuam sendo a maioria, 18.354 contra 17.254 mulheres.

Os indicadores educacionais demonstram uma melhora sensível

respeito ao quadro anterior, reflexo dos esforços encampados para colocar todas as

crianças na escola e dos vários programas de Educação de Jovens e Adultos, que

passam a receber mais atenção desde o final do primeiro governo FHC.

Tabela 3: São Gonçalo do Amarante. População residente de 11 anos ou mais de idade, por

grupo de idade, total, alfabetizada, não alfabetizada e taxa de analfabetismo.

Grupo de idade total alfabetizada Não alfabetizada Taxa de analfabetismo

11 – 14 anos 3.461 3.190 271 7,8 % 15 – 17 anos 2.409 2.237 172 7,1% 15 anos ou mais 23.044 16.137 6.907 29,9%

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2.000.

Ao analisar os percentuais da população com mais de 15 anos

analfabeta, de 1.991 a 2.000 verifica-se uma redução significativa de 14 pontos

percentuais. Mas, ao se analisar o analfabetismo, em números absolutos, percebe-

se um estancamento do seu crescimento, indicando que não estão sendo criados

novos analfabetos, porém a sua redução, considerado que se passaram quase 10

anos, não é tão representativa.

Convém ressaltar que uma taxa de analfabetismo de 29,9% ainda é muito

alta. Se é importante para qualquer município melhorar os índices de escolarização

dos seus cidadãos, para São Gonçalo do Amarante se torna ainda mais vital para

dar sustentação à implementação do CIPP, de forma que este se torne um fator de

melhoria para toda a população. A instrução é passo indispensável para evitar que o

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desenvolvimento dos próximos anos não acirre, ainda mais, a exclusão de alguns

setores da população do município.

Como bem frisa o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, a mão de

obra local, além da falta de qualificação, apresenta problemas relacionados à cultura

rural “que vão da inadaptação à pura e simples rejeição aos empregos ofertados”.

Nessa circunstância, a educação escolar pode contribuir para criar a forma mentis

de um ambiente mais urbano e atitudes consoantes ao trabalho típico de área

industrial.

3.2 PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS PRESENTES NO

MUNICÍPIO

O momento histórico mundial de transformação e reorganização das

sociedades, internamente e entre elas, e a realidade local, obrigada a se

confrontar com uma nova perspectiva de desenvolvimento, dá à EJA, no

município de São Gonçalo do Amarante, um destaque todo especial.

Como foi dito anteriormente, a Contagem da População realizada pelo

IBGE em 1996 encontrou 17 pessoas inscritas em programas de alfabetização de

adultos no município, demonstrando a inexistência de políticas educacionais para

este setor da sociedade e a falta de incentivos que estimulassem jovens e adultos

a retomarem os estudos. Quando se fala em incentivos esta se pensando em

campanhas de conscientização sobre a necessidade da escolarização para uma

mais justa e ativa inserção no convívio social e, também, em meios mais

convincentes como bolsas de estudo, cestas básicas ou cursos

profissionalizantes de acordo com a vocação local. É difícil acreditar que a

simples oferta de oportunidades seja suficiente para despertar o desejo de

aprender a ler e escrever ou de aprimorar a precária aprendizagem, adquirida na

passagem em salas de aula regulares ou em cursos de alfabetização oferecidos

por entidades governamentais ou civis.

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A partir de 1998, como em um passo de mágica, os projetos e

programas de Educação de Jovens e Adultos surgem ou, os já existentes, passam a

ter mais visibilidade. Dois fatores podem ter contribuído para isso: a pressão de

organismos internacionais, que apontam o “ataque à pobreza” como o principal

objetivo no mundo atual e o investimento em educação como o caminho mais viável,

atrelando a isso possíveis empréstimos e investimentos; o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério –

FUNDEF1 que determina a obrigatoriedade da aplicação de 25% dos recursos

resultantes da receita de impostos e transferência na educação, sendo que não

menos de 60% devem ser destinados ao Ensino Fundamental. O Fundo não

abrange a Educação de Jovens e Adultos, mas o repasse de R$300,00 (trezentos

reais) previsto para cada aluno matriculado no Ensino Fundamental, estimulou os

municípios a encontrarem formas que permitissem o computo de jovens e adultos

nessa contagem.

Serão descritos a seguir, após um breve apanhado histórico, os

programas de Educação de Jovens e Adultos que nos últimos anos tiveram como

alvo o município de São Gonçalo do Amarante. Alguns programas continuam até

hoje, outros mudaram de nome ou foram suspensos e alguns não saíram do papel

apesar de pesada propaganda televisionada.

Recolher informações não foi tarefa fácil. Não existe documentação, com

exceção de uma copia do Livro de Ata, não autenticada, das reuniões do MOBRAL.

O restante dos documentos foi perdido nas várias mudanças do setor educacional,

que se transformou na atual Secretaria de Educação. Além disso, parte do arquivo

foi estragado pela chuva por ter sido guardado em locais não apropriados e jogado

fora. O ponto de partida é uma monografia realizada por uma das funcionarias do

Núcleo de Ensino Supletivo, que compartilhou as dificuldades e a precariedade das

informações obtidas que, às vezes, não se encaixam entre elas. Nas entrevistas e

nas conversas informais, tentou-se clarear e entender como foi se estruturando, ao

longo dos anos, esta modalidade de ensino, mas como a memória pode falhar,

1 Foi criado pela Emenda Constitucional nº 14, de setembro de 1996 e regulamentado pela Lei 9.424 de

dezembro de 1996 e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997. Sua implantação, em nível nacional, ocorreu a partir de 1º de janeiro de 1998.

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foram encontradas muitas contradições inclusive vindas da mesma pessoa. Quando

as coisas pareciam fazer sentido, apareciam outros programas que embaralhavam

tudo outra vez.

Recolher informações a respeito dos programas atuais também não foi

fácil como era de se esperar. Existem os documentos oficiais dos programas ou

projetos, mas não existe nada escrito de como estão acontecendo no município. Os

poucos dados coletados são trabalhados de forma rudimentar e, se cruzados, nem

sempre fecham. Se há algo mais estruturado, em outras esferas da Prefeitura, não

foi possível ter acesso. As pessoas envolvidas falam com um certo receio de como

a Educação de Jovens e Adultos funciona na realidade concreta e se escondem por

trás das informações oficiais. É preciso reconhecer, também, que os fatos

acontecem de tal forma que as pessoas responsáveis para a concretização das

ações nem sempre conseguem delimitar onde termina e onde começa um programa,

pois as diretivas tornam-se confusas e mutáveis em curtos espaços de tempo.

3.2.1 Breve histórico da Educação de Jovens e Adultos no município

O primeiro movimento de Educação de Jovens e Adultos em São Gonçalo

do Amarante, do qual se tenha registro escrito, foi o MOBRAL, implantado no dia 19

do mês de abril de 1971 com a finalidade de erradicar de vez o analfabetismo. Em

uma breve analise do Livro de Ata, que contem o relato dos principais

acontecimentos, pode-se constatar uma grande atuação do executivo no início do

programa. Porém essa atuação foi se esvaecendo ao longo dos anos até à extinção

do MOBRAL em 1983.

Paralelamente ao programa de alfabetização, funcionou no município o

Madureza, um curso que oferecia às pessoas com mais de 17 anos a oportunidade

de concluírem o 1º Grau. As aulas eram transmitidas por meio de um canal de

televisão e no final do curso, com duração de um ano, coordenadores estaduais

aplicavam as provas, que eram levadas para serem corrigidas em Fortaleza, onde

existia uma sede do Madureza. O curso não mantinha vínculo com nenhum órgão da

Prefeitura nem recebia qualquer ajuda municipal. Não existem indícios que apontem

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uma interligação entre estes dois programas que vigoraram no mesmo período. O

Madureza foi extinto em 1979.

Em 1982, a Secretaria de Educação do Estado do Ceará implantou no

município o Supletivo Modular que veio a preencher o vazio deixado pelo Madureza.

A importância deste é ressaltada em um dos poucos depoimentos escritos dos

participantes: “na época, para a clientela, pessoas fora da faixa etária de estudo,

com apenas a 4ª série e a idade acima de 16 anos, não existia nenhum outro curso

deste nível, apenas o Mobral que era de nível mais baixo”. As aulas eram divididas

entre uma transmissão da TVC de 15 minutos de duração e a exploração dos

conteúdos com a ajuda do professor e o apoio de jornaizinhos. Vale salientar que o

curso não disponha de uma infraestrutura própria, vagando de uma sede para outra

e o salário dos professores, recebido em Fortaleza a cada três meses, era tão

irrisório que os alunos ajudavam com uma pequena auto-taxação.

O Supletivo Modular foi extinto com a implantação do Núcleo de Ensino

Supletivo em São Gonçalo do Amarante em 1988. Na realidade, tratou-se de uma

transferência parcial de atribuições da esfera estadual para a municipal. Os dois

cursos utilizavam a mesma sistemática de trabalho, baseada em módulos e a

passagem de um para o outro pode ser considerada uma continuação. Nos relatos

recolhidos pela professora, que realizou a sua pesquisa no município, as aulas do

Supletivo Modular, no começo, foram através de um canal de transmissão via rádio

cujo funcionamento era muito precário e as transmissões via televisão nunca

chegaram a se concretizar.

3.2.2 Supletivo – Ensino Fundamental

Em agosto de 1988, foi instituído em São Gonçalo do Amarante, o Núcleo

de Estudos Supletivos, onde funciona o Curso de Suplência a nível de Ensino

Fundamental de 5ª a 8ª série. O Núcleo de Estudos Supletivos está vinculado

pedagogicamente a um Centro de Estudos Supletivos de Fortaleza, onde a clientela

é computada e de onde são expedidos os certificados. Desde 1999, está tramitando,

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na esfera estadual, um projeto para transformar o Núcleo em Centro, conferindo

assim mais autonomia ao município.

O Supletivo tem como finalidade atender a adolescentes e adultos que

deixaram a escola antes mesmo de concluir o ensino fundamental e aos que moram

distantes da sede do município, sem condições de deslocamento diário. Destina-se,

também, aos que concluíram os estudos, mas gostariam de revisar os conteúdos e a

todos aqueles que procuram uma atividade de enriquecimento cultural. O curso atua,

portanto, em três vertentes: escolarização, aperfeiçoamento e atualização.

Pode-se matricular o aluno com idade igual ou superior a 15 anos para o

Ensino Fundamental e 18 anos para o Ensino Médio, não havendo limite de idade

para conclusão, conforme Art. 73 da Resolução 333/94-CEE. A matricula pode ser

efetuada em qualquer época do ano, pois o curso funciona de janeiro a dezembro,

de 2ª a 6ª feira. A duração de cada curso depende do ritmo de aprendizagem, do

interesse, da participação do aluno nas atividades e do tempo disponível. A

estimativa é que um aluno consiga concluir o Ensino Fundamental em 10 meses e o

Ensino Médio em 8 meses.

Quanto à metodologia, emprega-se o ensino personalizado nos moldes

didáticos do ensino à distância. O sistema é modular; os materiais instrucionais (60

módulos) são entregues aos alunos, que os levam para casa e voltam ao Núcleo ou

para esclarecer dúvidas ou para se submeter a uma prova, que exige 80% de acerto.

Caso o aluno não atinja o mínimo exigido estudará outra vez o mesmo assunto antes

de fazer outra prova. Os materiais são produzidos pelo Centro de Ensino

Tecnológico de Brasília – CETEB, para todas as disciplinas e níveis de ensino.

Segundo informa a responsável do Núcleo de Ensino Supletivo, o Estado do Ceará

está investindo na elaboração de seu próprio material para atender as

peculiaridades da região.

O curso supletivo é vinculado à Secretaria de Educação Municipal, conta

com um total de 6 funcionários e dispõe de uma sede própria, localizada à rua

Capitão Procópio nº 29. Aqui já passaram alunos de quase todos os distritos, ou

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seja: Croatá, Várzea Redonda, Siupé, Taiba, Pecém, Nova Vista e outras

adjacências, além da clientela provinda da própria sede municipal.

Os dados estatísticos que a Secretaria de Educação nos disponibilizou

apontam uma taxa de evasão muito alta, que precisa ser investigada, considerando

os 13 anos a que se referem.

Tabela 4: São Gonçalo do Amarante; dados estatísticos do Ensino

Supletivo Fundamental de 1988 a 2001 ENSINO SUPLETIVO FUNDAMENTAL Matrícula 772

Transferência 19 Reingresso 80

Evasão 706 Conclusão 127

Fonte: Secretaria de Educação de São Gonçalo do Amarante

3.2.3 Classes de Aceleração do Ensino Fundamental – CAEF

Em uma última tentativa para entender como e de onde surgiram as

Classes de Aceleração, descobriu-se a presença no município, nos anos anteriores

a 1998, do Programa de Educação Básica - PEB1. O programa era estadual,

funcionava de modo presencial, abrangia desde a Alfabetização até a 4ª série do

Ensino Fundamental e era dividido em três etapas com duração mínima de 2

semestres letivos com 800 horas/aula cada uma. O aluno que conseguisse aprender

mais rapidamente podia ser promovido durante o ano letivo.

Em 1998, o PEB deu o lugar ao CAEF como relata o atual Secretário de

Educação do município:

“Quando entramos aqui na secretaria (1997) existia o PEB, Programa de Educação Básica, que era dividido em 3 módulos, alfabetização, 1ª e 2ª série, 3ª e 4ª série, nós pegamos esse projeto e o transformamos dentro das Classes de Aceleração, da mesma forma, só que criamos na Secretaria de Educação, porque PEB era um programa estadual, a gente criou um programa nosso chamado CAEF naquele momento, e tem a mesma função, só que desta vez

1 Na Contagem de 1996 realizada pelo IBGE existiam em São Gonçalo do Amarante 17 alunos matriculados na

Educação de Jovens e Adultos. Na pesquisa foram encontrados nesse mesmo período três programas para jovens e adultos (Supletivo semipresencial, PEB e LOGUS) o que leva a especular sobre o real funcionamento dos mesmos.

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não tem a função da alfabetização, nós tiramos a função da alfabetização e ficou só 1ª e 2ª série, 3ª e 4ª série e a gente chamou de aceleração do ensino fundamental porque estes alunos estão sendo acelerados...”

O objetivo do programa é resgatar para a escola jovens e adultos a partir

de 15 anos que, por diferentes razões, não concluíram os primeiros quatro anos do

ensino fundamental. Uma das suas metas é ampliar a oferta de vagas na educação

fundamental pública para jovens e adultos e propiciar um atendimento de qualidade.

As salas funcionam em escolas públicas, em sistema presencial, contemplando o

primeiro segmento do ensino fundamental. Os alunos, que teoricamente se

pressupõe já estejam alfabetizados, são divididos em dois níveis, conforme o grau

de sua aprendizagem escolar e cada nível prevê um ano de estudo. Quanto ao

financiamento do projeto, os professores eram pagos com recursos do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério – FUNDEF, ficando o material didático e pedagógico e a merenda sob a

responsabilidade financeira da prefeitura.

O CAEF teve início em São Gonçalo do Amarante no primeiro semestre

de 1998, com 89 alunos matriculados. Nos anos seguintes, houve um aumento

constante da matricula e do número de salas como demonstram as tabelas abaixo.

Tabela 5: São Gonçalo do Amarante: dados estatísticos do CAEF/EJA, de 1998 a 2002

Ano 1998 1999 2000 20001 2002 Matricula Inicial 89 233 458 519 615 Aprovação 79 186 225 251 317 Reprovação 15 22 51 63 32 Evasão 10 47 228 228 333 Matricula Final 94 208 276 314 349

Fonte: Secretaria de Educação de São Gonçalo do Amarante

Tabela 6: São Gonçalo do Amarante: Escolas onde funcionou a EJA e respectivo número de alunos de 1998 a 2002

ESCOLAS Número de alunos

1998 1999 2000 2001 2002

EEF Aércio Moreira Barroso - - 29 21

EEF Alfredo da Rocha Forte - 18 - 25

EEF Associação dos Moradores - - - 23

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EEF Daniel Correia de Carvalho 10 - - 35

EEF Euclides Pereira Gomes 35 45 90 80

EEF Filomena Martins 25 29 - -

EEF Francisco Lopes Queiroz - 25 - -

EEF Gal. José Brasileiro - - 23 -

EEF Gertrudes Prata Lima 11 30 33 27

EEF Gov. Tasso Jereissati - 99 70 90

EEF João Galdino Marques - - 29 29

EEF João Moreira Barroso - 36 20 -

EEF João Pinto Magalhães 20 31 20 28

EEF Joaquim Pacheco de Menezes - 30 53 21

EEF José Pereira Barros - - 30 24

EEF Leone Alcântara Brasileiro - - - 26

EEF Leonice Brasileiro 11 - - -

EEF Manoel Pereira Barros 14 27 21 32

EEF Manoel Pereira Brito 13 - 20 25

EEF Odete Sampaio de Azevedo 8 - - 32

EEF Poetisa Abigail Sampaio 18 26 - 26

EEF Porfírio de Araujo 43 62 78 74

Total 208 458 516 618

Fonte: Secretaria de Educação de São Gonçalo do Amarante1

Apesar destes dados serem oficiais, a matrícula inicial precisa ser

apreciada com cuidado. São os mesmos professores, na maioria dos casos, que

formam as turmas e repassam o número de alunos matriculados. A grande extensão

do município, aliada à falta de pessoal e de meios de transportes suficientes tornam

impossível um acompanhamento mais preciso dos dados. Essa realidade é

confirmada pela fala da coordenadora geral da Educação de Jovens e Adultos no

município.

“Neste ano, batemos muito na mesma tecla com os professores. Os professores são responsáveis pela matrícula apresentada, não podem dizer de ter 30 alunos e na visita estarem só 10. Os diretores que também não querem saber do CAEF estão sendo pressionados”.

Os diretores de escola também se tornam um problema na medida em

que não vêem com bons olhos as classes de jovens e adultos, pois a elevada taxa 1 A Secretaria de Educação do Município não dispõe dos dados relativos ao ano de 1998

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de evasão apresentada na modalidade, influencia negativamente as estatísticas da

escola.

Na Tabela n° 5, constata-se uma evasão elevada, que chega perto dos

50%. Podem ser tentadas duas possíveis explicações: as matrículas são

superestimadas e existem alunos evadidos, que nunca chegaram a se matricular; as

turmas, quanto ao nível de aprendizagem, são muito heterogêneas porque, em

muitas localidades, é impossível formar mais de uma sala, como confirma a Tabela

n° 6. Portanto, o aluno que não consegue acompanhar o ritmo da maioria ou aqulele

que estiver mais adiantado começa a achar que não está aprendendo nada e

abandona o curso.

Em 2001, sendo São Gonçalo do Amarante incluído no projeto Alvorada

por pertencer aos municípios com Índice de Desenvolvimento Humano inferior a

0,500, foi contemplado com o RECOMEÇO-Supletivo de Qualidade, que veio a se

sobrepor ao CAEF. O Fundo, que representa para EJA o que o FUNDEF representa

para o Ensino Fundamental, financia a contratação temporária de professores e a

sua formação continuada, a compra de material didático e pedagógico. Os alunos

que estavam no CAEF, em 2000, foram aproveitados na contagem do RECOMEÇO

em 2001.

Houve, portanto, uma mudança no nome e na forma de financiamento,

que não alterou a organização nem o funcionamento do projeto. Um dos fatos

positivos da presença do RECOMEÇO é que obrigou o município a se preocupar

mais com a matricula de jovens e adultos e com a permanência deles para garantir

nova matricula no ano seguinte. Os repasses são da ordem de R$ 230,00 (Duzentos

e trinta reais) por aluno/ano, tendo por base o Censo Escolar, realizado pelo

Ministério da Educação-MEC no ano anterior ao das transferências dos recursos.

A organização e a realização do programa esbarra em algumas

dificuldades peculiares a municípios interioranos;

− As turmas devem ser compostas por uma média de 25 alunos, isso

prejudica as localidades menores e, geralmente, mais pobres, que não

conseguem atingir o número de alunos exigidos;

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− Poucas localidades conseguem formar mais de uma turma, o que

inviabiliza a divisão dos alunos, segundo o seu nível de aprendizagem.

Dividem o mesmo espaço pessoas que não conhecem ainda as letras com

pessoas que já lêem e escrevem;

− O acompanhamento dos coordenadores é dificultado pela sobrecarga de

trabalho e a dificuldade de transporte, o que se torna totalmente proibitivo

nas quadras invernosas;

− Nas localidades onde podem ser formadas mais de uma turma, os

professores não têm preparo suficiente para avaliar o nível e potencial dos

alunos;

− Os alunos querem recuperar o tempo rapidamente. Ninguém aceita passar

três anos para completar os estudos até a 4ª série. Após um ano, a

maioria quer ingressar no Telecurso 2000-Ensino Fundamental.

Existem também dificuldades de planejamento, pois as regras do jogo são

mutáveis. Com relação à compra de material didático com dinheiro do RECOMEÇO,

por exemplo, a coordenadora geral da EJA no município afirma: “antes era assim

(podia-se comprar qualquer tipo de material) , ano passado não, só livro, [...], e este

ano o que pode comprar é caderno e lápis”.

O RECOMEÇO nasceu como um fundo provisório, pensado para durar

três anos. Isto deixa alguns questionamentos no ar: é possível, em três anos,

resolver o problema da baixa escolarização das pessoas com mais de 15 anos? Se,

como afirmam os documentos, o programa visa a “institucionalização de Educação

de Jovens e Adultos como política pública no interior dos sistemas municipais e

estaduais de ensino”, de onde virão os recursos para o município bancar a

continuação dessas salas de aula? É preciso lembrar que também o FUNDEF, de

onde provinha o dinheiro para pagar os professores, nos primeiros dois anos do

CAEF, é um fundo provisório.

3.2.4 Tempo de Avançar – Telecurso 2000

Uma das possíveis explicações para a evasão registrada no ensino

supletivo pode ser a implantação, no ano 2000, do Projeto Tempo de Avançar,

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considerado pela Secretaria de Educação do Estado como “o maior projeto de

regularização do fluxo escolar da Educação Básica”. Desenvolvido em cooperação

com os municípios cearenses, utiliza a metodologia e o material do Telecurso 2000 e

funciona em convênio com a Fundação Roberto Marinho.

O Telecurso acelera o tempo de estudo, possibilitando o acesso dos

alunos a séries mais adequadas à sua idade. É possível terminar o Ensino

Fundamental em 1 ano e 3 meses e o Ensino Médio em um ano e 6 meses. Podem

participar todas as pessoas com mais de 15 anos, com disponibilidade de tempo

para assistir diariamente as aulas. A grande adesão ao projeto, testemunhada pelas

tabelas estatísticas a seguir, encontra uma explicação na oferta de salas nos vários

distritos, o que constitui uma facilidade, considerando-se a grande extensão

territorial do município.

Tabela 7: São Gonçalo do Amarante: escolas públicas em que foram abertas salas do

Telecurso 2000 com respectivo número de alunos de 2000 a 2002

NOME DA ESCOLA FUNDAMENTAL MÉDIO

2000 2001 2002 2000 2001 2002 EEF Euclides P. Gomes 36 92 - - EEF Éster de P. Barroso 30 - - 25 EEF Filomena Martins 40 25 30 57 27 EEF Gov. Tasso Jereissati 78 108 123 109 90 EEF João P. Magalhães 41 36 65 62 EEF Joaquim P. de Menezes 34 30 30 32 EEF Manoel P. Barros 40 41 32 40 55

EEF Manoel P. de Brito 44 29 - 36 EEF Poetisa Abigail Samapio 40 44 30 - -

EEF Porfírio de Araújo 34 33 - - EEF Gal. José Brasileiro - - - 40

EEF João M. Barroso 39 - - 40 Total 218 476 435 301 407

Fonte: Secretaria de Educação de São Gonçalo do Amarante

Tabela 8: São Gonçalo do Amarante. Dados estatísticos do Telecurso 2000 de 2000 a 2002.

FUNDAMENTAL MÉDIO

2000 2001 2002 2000 2001 2002 Matrícula Inicial 198 455 620 207 300

Aprovação 164 396 441 175 Reprovação 02 24 14 -

Evasão 38 87 197 31 Matrícula Final 198 420 455 175

Fonte: Secretaria de Educação de São Gonçalo do Amarante

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Além do número expressivo de alunos, se pode notar também um alto

índice de aprovação. Não cabe aqui discutir o grau de aprendizagem destes alunos,

mas entre aqueles que participaram das seleções para professor do Programa

Alfabetização Solidária, em 2001 e 2002, houve alguns que escreveram São

Gonçalo com “s”.

Para atender à demanda, a Prefeitura ampliou o seu quadro de

professores. Os selecionados foram capacitados pela Fundação Roberto Marinho e

participam de reuniões mensais com um coordenador, responsável também por uma

supervisão in loco. O município é responsável pelo Telecurso 2000-Ensino

Fundamental que é mantido com recursos do FUNDEF e os alunos são incluídos no

Censo Escolar como alunos da 8ª série. O Telecurso 2000-Ensino Médio é de

responsabilidade do Estado, o que dificulta a obtenção de dados a seu respeito.

O Tempo de Avançar é um programa presencial, mas os estudos são por

disciplina, fato que o aproxima do Supletivo semi-presencial e permitiu que, em São

Gonçalo do Amarante, após previa consulta ao Conselho de Educação Cearense, os

dois programas funcionem de forma integrada. Quem não cursou uma determinada

disciplina no Telecurso 2000 pode cursá-la no Supletivo semi-presencial e vice-

versa.

3.2.5 Programa Alfabetização Solidária

Com a extinção do Mobral em 1983 começava para São Gonçalo do

Amarante um longo período sem um programa de alfabetização para jovens e

adultos. Existiu o Programa de Educação Básica-PEB, estadual, que abrangia da

alfabetização até à 4ª série, mas não foram encontrados indícios do seu real

funcionamento.

Em 1999, o Programa Alfabetização Solidária, que atuava no Estado

desde 1997, nos municípios de Salitre, Granja e Uruoca como experiência piloto,

assinou convênio com o município de São Gonçalo do Amarante para ofertar cursos

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de alfabetização de duração de 6 meses. Na realidade, seria um mês para realizar a

capacitação dos alfabetizadores e cinco meses para o processo de alfabetização.

Como já se viu anteriormente, trata-se de um programa baseado na

parceria entre o Alfabetização Solidária, o MEC, o município, uma universidade e um

ente público ou privado, que assume uma parte dos custos. No caso de São

Gonçalo do Amarante, a universidade que ficou responsável para selecionar os

alfabetizadores, capacitar e acompanhar o desenvolvimento das ações foi a

Universidade Estadual do Ceará – UECE; a entidade responsável para o

financiamento das bolsas dos professores, da merenda, do transporte, alimentação,

hospedagem dos coordenadores administrativo e pedagógico e dos alfabetizadores

durante o treinamento foi o próprio Governo do Estado.

A primeira ação do PAS no município foi a seleção de um coordenador

administrativo e outro pedagógico, realizada por pessoas diretamente ligadas ao

programa que vieram de Brasília. A escolhida para o cargo administrativo foi uma

funcionária da Secretaria de Educação, muito competente, que mora em Fortaleza.

O fato de não ser do município criou algumas dificuldades nos seguintes aspectos:

no acompanhamento das salas, que funcionavam à noite, e nos momentos em que

foi preciso tomar decisões que exigiam um conhecimento maior da realidade de

cada localidade em que havia salas do PAS. Ao mesmo tempo, isso facilitou

quebrar certos laços políticos que permeiam as relações dos moradores de um

pequeno município e que, também, interferem no momento de escolher os

alfabetizadores.

Em um segundo momento, um coordenador setorial (o professor indicado

pela universidade para acompanhar o PAS no município) selecionou 11

alfabetizadores, de preferência da localidade contemplada com a sala do PAS, dos

quais um como suplente, para participar de um curso de capacitação de duração de

120 horas, ministrado pela UECE. A cada novo módulo, se repete esta sistemática.

É fácil entender que a figura do alfabetizador suplente não tem muito sentido para a

realidade do município de São Gonçalo do Amarante onde a distância entre as

localidades é considerável.

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Em agosto de 1999, iniciavam as primeiras 10 turmas do Programa

Alfabetização Solidária. Em 2000, 2001 e 2002 foram 20 turmas por ano, perfazendo

um total de 70. Destas, na realidade 3 não chegaram a se concretizar, uma por

desistência em massa dos alunos, sem motivo aparente, e as outras duas por

desistência dos alfabetizadores, também, por razões pouco claras. A propaganda

oficial do PAS faz uma estimativa de 25 alunos por turma, o que dá 1750 alunos

alfabetizados, ou talvez seja melhor dizer 1750 alunos que se envolveram, de

alguma forma, com este curso de alfabetização.

Esse número precisaria ser analisado com mais cuidado. As turmas nem

sempre comportavam 25 alunos e poucas mais do que isso. Após o entusiasmo do

início, nos anos de 2001 e 2002, houve uma certa dificuldade para compor as salas

e uma frase recorrente era “não há mais alunos, as pessoas não estão

interessadas”. Outra prática comum era o alfabetizador selecionado arregimentar

alunos suficientes para garantir uma vaga na Solidária e, conseqüentemente, a

bolsa durante 5 meses. Isto, naturalmente, poderia ser um bom motivo para fornecer

informações falsas, facilmente descobertas ao momento da visita à localidade. Outro

fato notório era alunos participarem mais de uma vez do programa.

As salas do Alfabetização Solidária se espalharam por todo o território do

município com exceção da sede, que conta desde 2001 com o Programa SESC

LER. Na tabela a seguir constam as localidades e o período em que atuou o PAS.

Tabela 9: Localidades em que foram abertas salas do PAS com respectivo período

1999.2 2000.1 2000.2 2001.1 2001.2 2002.1 2002.2

Acende Candeia X X Bolso X Cágado X X X X Caiçara X Caraubas X X X Córrego do Coelho X X X Croata X X Curral Grande X X X Espinhos X Frecheira XX X Genipapo X X Lagoa do mato X Lagoa Nova X X X X

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Mata fresca X Marco X Parada X X XX X Parque Violete X X Passagem X Paul X Pecem X X X Queimadas X Rossinha X Salgado X X Serrote X Siupé X X X X Tabuba II X X X Tabuba III X Taiba X X Taibinha X Tapuio X X Umarituba X X X Várzea Redonda XX X X Violete X

Fonte: Secretaria de Educação de São Gonçalo do Amarante

Ao findar o ano de 2002, o PAS terminou, alguns preferem dizer

“suspendeu”, as suas atividades em São Gonçalo do Amarante sem comunicações

oficiais.

O programa em sua organização original fazia algumas exigências, que

ao longo da execução, foram sendo descumpridas para permitir a própria

continuação dos trabalhos, como por exemplo a troca, a cada 6 meses, de todos os

alfabetizadores e a participação de novos alunos. Conseguir a cada módulo novos

professores foi uma tarefa árdua pelos seguintes motivos:

− Falha na divulgação do Programa nas localidades. Os candidatos, quase

sempre, eram pessoas indicadas por lideres comunitários, diretores ou

professores da escola municipal, quando não eram os mesmos

professores;

− Nas comunidades menores, as pessoas com o perfil exigido se contavam,

quando muito, nos dedos de uma mão;

− A desvalorização da bolsa de R$120,00 (Cento e vinte reais), que no seu

início correspondia ao salário mínimo, era outro fator desencorajador;

− O curso de capacitação de 12 dias, por ser ministrado em Fortaleza, era

um obstáculo para as pessoas casadas, sobretudo para as mulheres;

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− O trabalho, além do preparo didático-pedagógico, exigia do professor

capacidade de lidar com pessoas que convivem, junto com ele,

diariamente, no mesmo espaço, o que às vezes se torna complicado

devido a rixas familiares de longa data ou a incompreensões sem motivos

aparentes.

Matricular 250 novos alfabetizandos a cada 6 meses também não foi

possível:

− Havia alfabetizandos que, em 6 meses, não conseguiram aprender a ler e

escrever e queriam permanecer no programa;

− Nas localidades em que não existia continuidade, os alunos se

matriculavam de novo “para não ficar parados e esquecer tudo” como eles

mesmos falam;

− A exigência de se obter uma lista de 25 nomes para formar uma turma

acabava com qualquer critério de seleção;

− Os alfabetizandos, que ao longo do módulo desistiam, eram substituídos

por outros para evitar que a sala se esvaziasse. Portanto, ninguém sabia

quem participou mesmo do Programa.

A rápida expansão ocorrida a partir de 1999 sobrecarregou a organização

burocrática do Programa, o que trouxe os seguintes problemas: atrasos do material

didático, dos livros, do dinheiro para a merenda e das bolsas de coordenadores e

alfabetizadores. O módulo 2002.2 terminou sem que os alfabetizadores recebessem

uma única bolsa, fato que, apesar dos discursos em contrário, atrapalhou o

desenvolvimento da atividade alfabetizadora. Diante desses desmandos, a

Prefeitura se sentiu respaldada para relaxar a oferta de transporte para o

coordenador setorial e pedagógico, que deveriam visitar todos os meses algumas

salas.

O coordenador setorial, além do acompanhamento pedagógico, ou talvez,

mais do que isso, cumpria um papel fiscalizador das obrigações do poder municipal,

cobrando, quando necessários, mais lampiões a gás, lousa em estado de uso,

intervenção em escolas onde a sala do PAS recebia pouca atenção da direção.

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Torna-se quase impossível avaliar os resultados práticos devido à

heterogeneidade dos alunos, que iam do completo desconhecimento da lecto-

escrita a conhecimentos típicos de 4ª série e, sobretudo, devido à falta de um

levantamento de dados com uma certa credibilidade. A coleta de dados realizada

pelos alfabetizadores, ao final de cada módulo, padece de confiabilidade, pois os

mesmos tinham dificuldade em entender o que devia ser avaliado. Com certeza o

PAS, sobretudo nas localidades mais esquecidas e distantes, conseguiu

movimentar a comunidade e fazer com que as pessoas se reunissem em torno de

um objetivo comum.

Chama a atenção uma certa semelhança entre a Campanha de

Educação de Adolescentes e Adultos deflagrada em 1947 e o Programa

Alfabetização Solidária:

- uma conjuntura mundial que considera necessário o combate ao

analfabetismo para a consolidação de um novo mundo e, no país, um clima

de entusiasmo e colaboracionismo para atacar de vez este problema;

- à proposta de alfabetização se segue uma tentativa de garantir a continuidade

dos estudos e de oferecer cursos profissionalizantes;

- um programa considerado de baixo custo;

- vasto material didático de tiragem nacional, acusado de não respeitar as

diversidades regionais;

- o salário dos professores inferior a de outros programas de jovens e adultos,

que atrai um corpo docente despreparado;

- os atrasos no repasse dos salários dos professores, no dinheiro da merenda e

no recebimento de material didático;

- a dificuldade encontrada no recrutamento de alfabetizandos, que se evadem

com facilidade;

- após um começo com recursos vultuosos, começa a escassez.

A grande lição da experiência iniciada em 1947 é que as campanhas de

massa não são muito adequadas para a solução de problemas tão complexos, no

entanto essa lição não parece ter sido considerada. Em 2003, o Programa

Alfabetização Solidária sofreu uma diminuição na sua atuação, mas ainda continua

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presente em 1.000 municípios em todo o Brasil. Somente pesquisas futuras, com a

distância temporal necessária, poderão avaliá-lo com mais acuidade. Se conseguir

deixar nichos de Educação de Jovens e Adultos estruturados em cada município, já

será um grande avanço.

3.2.6 SESC LER

O SESC LER é um programa da Federação de Comércio Nacional que

abrange da alfabetização à 4ª série, em três ciclos. Em 2002, foram escolhidos 5

municípios cearenses para serem beneficiados com esse novo programa e São

Gonçalo do Amarante estava entre eles. Hoje, o SESC LER funciona na sede do

município e dispõe de uma linda infra-estrutura com três salas de aula, uma

biblioteca e um auditório. Todos os funcionários têm carteira assinada e são pagos

pela Fecomércio. Na sede do município, esta nova ação alfabetizadora, de comum

acordo com a Secretaria de Educação Municipal, ocupou o espaço do PAS e do

CAEF.

3.2.7 Últimas Informações

Em 2003, o Programa Alfabetização Solidária se manteve presente só nos

municípios que, no último Censo do IBGE, apresentaram um índice de analfabetismo

superior a 35,9% e São Gonçalo do Amarante foi excluído. Mas a ciranda de

programas de Educação de Jovens e Adultos continua. Já está funcionando nas

localidades do sertão o Alfabetização literária-ALFALIT sob a responsabilidade de

uma ONG. Acatando a campanha Brasil Alfabetizado desenvolvida pelo governo

Lula, o município aderiu também ao projeto da ONG GEEMPA, que promete

alfabetizar em três meses. Trata-se de uma parceria entre Governo Federal,

Estadual e Municipal. O Secretário de Educação está também sondando a

possibilidade de trazer para São Gonçalo do Amarante o programa BB-Educar do

Banco do Brasil. Na tentativa de apresentar uma certa unidade neste amaranhado

de programas, o Governo Estadual está propondo uma denominação única:

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“Alfabetização é Cidadania”. Todos as ações desenvolvidas em favor da educação

de jovens e adultos passariam a ser sub-programas deste.

3.3 UM CHOQUE DE REALIDADE

Um dos méritos da globalização é ter ´descoberto´ a importância das

administrações municipais. Existe, hoje, um certo consenso em torno da

necessidade de que as políticas em geral e, aqui, as políticas em Educação de

Jovens e Adultos sejam pensadas, planejadas e implementadas a partir da esfera

local, para que atendam mais de perto aos anseios dos seus reivindicadores.

Existe também consenso quanto à necessidade de se eliminar o

analfabetismo e o baixo grau de instrução, para que as populações possam se

integrar de forma mais homogênea e em pé de igualdade à nova ordem social em

construção. É difícil avaliar em que grau se trata de uma convicção arraigada ou de

um certo modismo, que encontra sustentação em recomendações de organismos

internacionais, que atribuem à educação um poder maior do que ela tem. A

educação sozinha, se não for acompanhada de um conjunto de ações, que visem

reduzir as grandes disparidades existentes no mundo, em vários níveis, não pode

resolver os problemas regionais e mundiais. É nesse contexto de mundialização dos

mercados e de supervalorização da instrução que se assiste, a partir de 1998, ao

surgimento de vários programas para jovens e adultos, que apresentam, entre as

suas finalidades, estimular, ou eles próprios institucionalizar, redes municipais de

educação de jovens e adultos.

Todo programa, na sua organização teórica, apresenta uma estruturação

racional, que acaba esbarrando em situações concretas que minam a possibilidade

de resultados mais tangíveis e satisfatórios. Serão narrados alguns acontecimentos,

tomados isoladamente, sem preocupações cronológicas, envolvendo a Educação de

Jovens e Adultos em São Gonçalo do Amarante. Tais fatos dão uma idéia clara das

dificuldades e dos entraves enfrentados pelos municípios na concretização de

programas que já vém prontos dos Governos Federal ou Estadual e, também, na

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tentativa de criar caminhos próprios na elaboração e realização de ações

educadoras com jovens e adultos.

3.3.1 Caso 1: O ABC do Sertão

O Programa ABC do Sertão foi pensado para atender às famílias

rurais, castigadas pela estiagem, residentes na Região Nordeste e no norte do

Estado de Minas Gerais. Ao invés de receberem uma bolsa de R$ 60,00 (sessenta

reais) pela participação em frentes de serviço, receberiam o beneficio pela

participação em um curso de alfabetização.

Em 2001, baseado em um levantamento realizado pela Secretaria de

Desenvolvimento Rural, foram projetadas 15 salas do ABC do Sertão para São

Gonçalo do Amarante. O município indicou 15 alfabetizadores para participarem de

um curso de capacitação em Tejuçuoca e depois assumirem as salas. O início das

atividades sofreu vários adiamentos e não se concretizou.

Em uma tentativa de solucionar os problemas organizativos que

emperraram o programa, o Estado do Ceará procurou a coordenação nacional do

Alfabetização Solidária para que utilizasse a estrutura administrativa já montada para

gerir também o ABC. Em dezembro, uma semana antes do Natal, a coordenação

nacional enviou um ofício para o coordenador geral do PAS na Universidade

Estadual do Ceará –UECE, informando que o PAS e o ABC do Sertão passariam a

funcionar juntos, com a única diferença - os alunos do segundo receberiam uma

bolsa de R$ 60,00 (sessenta reais). Havia municípios que passariam a ter 10 salas

de alfabetização a mais e município com 65 ou 70 salas a mais. No caso especifico

de São Gonçalo do Amarante, eram 15 salas além das 10 do PAS.

O município não recebeu nenhum comunicado oficial, somente um

telefonema do coordenador setorial e de um funcionário da universidade, informando

da necessidade de enviar, o quanto antes, os nomes dos 15 escolhidos para

participarem da capacitação de janeiro 2002, já prevista para os alfabetizadores do

PAS. Diante da relutância do município em atender rapidamente a esta exigência de

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última hora, surgiram veladas ameaças de que isso poderia prejudicar a liberação de

material e verbas para a merenda ou a liberação da bolsa dos professores do PAS.

Além disso surgiram falsas promessas de aumento nas bolsas dos coordenadores

setoriais e municipais.

Superada a dificuldade de encontrar os 15 alfabetizadores, foi realizada a

capacitação. No momento de dar início às aulas surgiram novos problemas:

− não se sabia onde estava a lista dos selecionados pela Secretaria de

Desenvolvimento Rural;

− não se sabia como seria feito o acompanhamento dos 25 professores e

das visitas às salas, que não poderiam mais ser realizadas por uma

mesma pessoa;

− não se sabia de onde viriam os R$ 60,00 (sessenta reais) dos

alfabetizandos, como e quem os distribuiria.

A universidade não se posicionou, a coordenação do Alfabetização

Solidária não esclareceu e a Secretaria de Educação deixou os acontecimentos

fluirem para não pagar o pato. Ao final, sobraram muitas reclamações dos 15

alfabetizadores que participaram da capacitação e não foram aproveitados e muito

alívio na Secretaria de Educação quando a Solidária anunciou, após a realização de

nova seleção para professores do PAS e do ABC, que todos os municípios voltariam

a ter 10 turmas de alfabetização.

Quanto às turmas do PAS, os alunos ficaram perguntando o tempo todo

sobre os R$ 60,00 (sessenta reais) e muitos se evadiram com medo de não

receberem o beneficio por estarem matriculados em outro programa.

3.3.2 Caso 2: A merenda do PAS

No primeiro semestre de 2001, a verba da merenda atrasou e duas

parcelas chegaram após o término das aulas. Sob orientação da coordenação

nacional o dinheiro foi devolvido. A partir desse momento, o município não recebeu

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mais verbas para merenda e não se encontrava nenhuma explicação plausível para

o fato.

Em março de 2002, uma funcionária, técnico do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação-FNDE visitou o município como avaliador/fiscalizador

das verbas do Alfabetização Solidária. Informado sobre a situação, prometeu ajudar.

No mês seguinte, um técnico da Associação de Apoio ao Programa Alfabetização

Solidária-AAPAS1 foi ao município, tirou xerox do comprovante de deposito referente

à devolução das duas parcelas da merenda e de outros documentos, e afirmou que

tudo estava resolvido e a situação se normalizaria. Como isso não aconteceu,

recomeçaram os contatos com Brasília para entender o que estava acontecendo.

Surgiu uma explicação: o setor financeiro do programa só aceitava o comprovante

de depósito original. A prefeitura respondeu que era impossível, porque este já

estava no Tribunal de Contas do Município. Houve pressões da universidade para

que se encontrasse uma solução e o município ameaçou não iniciar novas turmas

até a situação da merenda se normalizar. Quando tudo parecia perdido, o Prefeito,

em setembro de 2002, decidiu enviar o comprovante original do deposito e a verba

da merenda finalmente chegou novamente ao município.

Os 18 meses sem merenda contribuíram, ainda mais, para uma

freqüência inferior à esperada. Como sempre diz a coordenadora pedagógica do

programa no município, “infelizmente, a merenda faz a diferença”.

3.3.3 Caso 3: Alfabetizadores do PAS: situações complicadas

1. Surgiram boatos que a professora de uma sala não estava

cumprindo com as suas atribuições. Na visita à localidade, foi constatado que a

professora havia viajado e deixado um dos alunos para substitui-la, durante toda a

semana. Foi chamada a atenção da alfabetizadora, mas sem resultado; a sitaução

foi piorando. Uma possível solução seria a substituição por outra pessoa da

localidade, que já fosse professora ou que tivesse um mínimo de experiência. Havia

1 Organização não governamental criada em novembro de 1998 para gerenciar o PAS.

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na comunidade mais de um possível substituto, mas todos recusaram alegando

alguma desculpa. Juntando as peças do quebra cabeça, descobriu-se que a

professora era de uma família influente e que ninguém queria correr o perigo de se

indispor com esta com medo de retaliações futuras. Assim só restou uma solução: -

fechar oficialmente a sala.

2. Em uma visita a uma das salas, foi encontrada uma situação

inusitada. O professor que participou da capacitação tomou a liberdade, após duas

semanas de aula, segundo informaram os alfabetizandos, de contratar uma

professora para substitui-lo com a promessa de repassar para ela um quarto da

bolsa que receberia. E mais, prometeu aos alunos que quem permanecesse até o

final dos cinco meses ganharia uma quantia em dinheiro. As coordenadoras

administrativa e pedagógica não estavam sabendo de nada, e muitos menos o

coordenador setorial. A solução foi explicar aos alunos que não receberiam dinheiro

algum e efetivar a professora substituta. O professor não estava mais morando na

localidade e nem apareceu para dar satisfações.

3. Uma sala do PAS funcionava em uma localidade muito distante

que ficou praticamente isolada durante o inverno. O acesso só era possível de moto

ou caminhão. Quando já no final do módulo foi possível visitar a turma de

alfabetização, descobriu-se, conversando com quem morava ao redor da escola, que

as atividades estavam suspensas há bastante tempo. O alfabetizador era também

diretor da escola e é tido como pessoa muito responsável; convidado para se

explicar, não apareceu e tudo terminou assim. Também em outras duas localidades,

os professores acharam por bem, sem consultar nem avisar ninguém, encerrar as

atividades antes de completar as 240 horas/aula previstas.

3.3.4 Caso 4: PAS: início problemático em 2002.1

O módulo 2001.2 terminou sem merenda e com as bolsas dos

alfabetizadores bastante atrasadas. Em 2002, o município manifestou o seu

descontentamento com os desmandos administrativos do programa e ameaçou,

inclusive com ofício enviado à universidade e à coordenação nacional, não iniciar as

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atividades até a solução dessas pendências. O tempo foi passando, o início do

módulo foi adiado, mas ao final, com medo de prejudicar o andamento dos

semestres sucessivos, o Secretário de Educação resolveu iniciar as atividades

mesmo assim. Estava faltando tudo: livros, cadernos, lápis, canetas, réguas, pinceis,

cartolinas, papel madeira... A Secretaria de Educação adiantou cadernos e lápis e o

módulo começou de forma muito precária. No início de abril, chegou todo o material

previsto, também para as 15 salas do ABC do Sertão que não foram abertas e, hoje,

continua estocado no armazém da Secretária de Educação.

3.3.5 Caso 5: A visita das funcionárias do FNDE

Em março de 2002, o município foi agraciado com a visita de duas

funcionárias, técnicos do FNDE, para fiscalizar o uso dos recursos e dos materiais

do PAS e do RECOMEÇO. Em 2000, o município recebeu como doação uma

biblioteca de 198 títulos, cada um em dupla cópia, para ser utilizada pelos

professores do Alfabetização Solidária. Ao ser perguntada sobre o paradeiro do

acervo recebido, a coordenadora indicou a biblioteca do Núcleo de Educação de

Jovens e Adultos, onde uma cópia de cada livro estava catalogada e à disposição de

qualquer interessado. A outra cópia estava em uma escola de um distrito para tentar

oferecer a outras comunidades a oportunidade de acesso à informação e ao

conhecimento. A funcionária do FNDE achou um absurdo, pois a biblioteca doada

deveria ficar em uma sala reservada para o PAS e à disposição só dos professores e

alunos deste programa. Mal sabia ela que nem a sala do Secretário de Educação

escapa de servir a múltiplas funções por falta de espaço. Ninguém dos presentes

ousou se opor à arrogância de quem não conhecia a realidade e nem estava

preocupada em conhecer e ficou a inquietação de como atender ao pedido.

3.3.6 Caso 6: RECOMEÇO e PAS

1. Na localidade de Parada funcionavam duas turmas do Alfabetização

Solidária. A diretora, percebendo que uma turma estava bem adiantada, pediu que

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fosse transformada em EJA. O pedido foi atendido e foi aberta outra sala da

Solidária em uma nova localidade.

2. No distrito de Umarituba, em 2002.1, o Alfabetização Solidária iniciou

em 18 de fevereiro e a turma da EJA (antigo CAEF) em 11 de março. A diretora,

percebendo que as duas turmas eram muito heterogêneas, quanto ao domínio do

processo de leitura e escrita, de acordo com as duas professoras, fez um

diagnóstico e remanejou os alunos conforme o nível diagnosticado. Alguns alunos

não aceitaram, porque eram parentes ou vizinhos da professora e se negaram a

mudar de sala. Em 2002.2, a professora do PAS não se apresentou à capacitação e,

procurada, sem explicar os motivos, anunciou a sua desistência. A alfabetizadora

que a substituiu deu aula uma semana e também desistiu sem maiores explicações.

3. Nas localidades com menos habitantes, onde era impossível formar

uma sala da Solidária e outra da EJA, os professores ficaram disputando alunos,

criando assim atritos na comunidade, para garantir o número mínimo exigido e,

conseqüentemente, o emprego.

3.3.7 Caso 7: À caça de alfabetizadores para o PAS

A cada módulo que terminava ficava mais difícil conseguir pessoas

dispostas a alfabetizar. Prováveis justificativas são:

− a bolsa de R$ 120,00 (cento e vinte reais) que nos primeiros módulos

correspondia a um salário mínimo e não foi atualizada;

− os atrasos das bolsas sempre maiores;

− dificuldades causadas pela falta de material didático;

− o trabalho que exige bastante dedicação e tato para lidar com situações

peculiares das comunidades;

− pouca divulgação da seleção por parte da Prefeitura.

Nos últimos dois módulos, escolhidas as comunidades que seriam

beneficiadas com o PAS, houve uma difícil procura de alfabetizadores dispostos a

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encarar o desafio. Em alguns casos, chegou-se a pedir o engajamento no programa

como favor pessoal e, em situações extremas, assumiram professores com um grau

de alfabetização precário. Uma solução seria a diminuição de salas, mas isso

esbarra em exigências burocráticas que desestimulam tal procedimento e, também,

existem pressões dos funcionários da universidade e do programa para que

continuem as 10 salas. Não fica claro se essas pressões são uma diretiva da

coordenação nacional ou fruto do comprometimento pessoal de alguns com a

engrenagem burocrática montada. Esses não conseguem perceber que essa

sistemática poderia funcionar também de outra forma.

Caso 8: O PAS suspendeu as atividades

No início de novembro de 2002, o município foi comunicado através do

coordenador setorial que deveria ser realizada nova seleção de alfabetizadores até o

final do mês. Houve uma reunião entre coordenador setorial, coordenadora

administrativa e a responsável para a Educação de Jovens e Adultos no município,

para escolher possíveis localidades alvo para mais um semestre de alfabetização,

tentando integrar, no limite do possível, os vários programas. As comunidades

escolhidas foram repassadas para o Secretário de Educação que pediu um tempo

para confirmar a escolha com o Prefeito da cidade.

A demora na confirmação das localidades fez com que a seleção fosse

adiada para dezembro, mas, nesse mês, surgiu o boato que o PAS poderia ser

suspenso no município. A universidade recebeu um ofício da coordenação nacional,

informando que continuariam no programa só os municípios que, no último censo do

IBGE, apresentaram índices de analfabetismo igual ou superior a 35,9%. São

Gonçalo do Amarante deixou de se enquadrar nesse critério, portanto, não contaria

mais com o funcionamento do PAS, no entanto, nenhuma comunicação oficial foi

enviada ao município que, ainda, vive na expectativa de que o programa possa

voltar no próximo semestre.

Existem outros fatos interessantes ligados à política da cidade, que serão

omitidos, para não constranger pessoas que seriam facilmente identificadas.

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Estes simples relatos são alguns exemplos que testemunham como as

coisas, na prática, não acontecem de forma linear como estão escritas no papel, e

ressaltam as dificuldades encontradas por quem tem a responsabilidade de cuidar

para a realização de programas de alfabetização.

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CAP. IV

A VOZ DOS ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS

Nos capítulos anteriores, foi abordada a descentralização administrativa

que trouxe novas perspectivas para os municípios, foi feita uma síntese da

Educação de Jovens e Adultos ao longo da história brasileira e foi descrito o

município de São Gonçalo do Amarante com os seus programas para jovens e

adultos, em seu desenrolar cotidiano.

Neste capítulo, serão analisadas as entrevistas realizadas com pessoas

diretamente envolvidas com as ações em questão, para tentar entender como elas

percebem e avaliam esse novo contexto em que se dá a gestão municipal. Foram

entrevistados três professores, as coordenadoras de um programa municipal e outro

federal, o Secretário de Educação do município, o Pró-Reitor de Extensão da UECE

e a Diretora Nacional do Departamento de Avaliação e Acompanhamento do

Programa Alfabetização Solidária. Fez-se, portanto, uma tentativa de ouvir a voz de

pessoas comprometidas em vários graus e dos diferentes níveis de governo.

As entrevistas foram realizadas ao longo do ano de 2002 e no começo de

2003. Todas foram precedidas de um primeiro contato, durante o qual foi explicado

de que tratava a pesquisa e quais seriam as perguntas. A intenção era gravar todas

as entrevistas, mas devido à distância e a falhas técnicas, uma foi por e-mail e a

outra registrada à mão. Foi apresentado um roteiro de perguntas, mas nem todos

seguiram à risca, alguns preferindo falar mais livremente.

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4.1 ENTREVISTA COM OS PROFESSORES

Foram selecionados, aleatoriamente, duas professoras e um professor do

Programa Alfabetização Solidária que lecionaram no segundo semestre de 2002,

nas localidades Salgado, Cágado e Genipapo. Erilene participava pela primeira vez

do programa e já havia trabalhado no ensino regular como substituta1 na 5ª série.

Verônica estava na sua segunda participação no programa, mas nunca ensinou em

escola, fora isso. Francisco Antônio se encontrava já na sua terceira experiência

como alfabetizador de jovens e adultos, é funcionário contratado pela prefeitura e

leciona no Ensino Fundamental. Estava prevista uma entrevista com uma professora

que foi do PAS e que hoje trabalha no EJA mas, por duas vezes, não compareceu

ao encontro marcado. A entrevista foi realizada com a presença dos três professores

que se sentiram envergonhados na frente do gravador e se soltaram quando o

gravador foi desligado, chegando a criar, em alguns momentos, um debate de

idéias.

Questionados sobre a capacidade do PAS de eliminar o analfabetismo no

município, foram unânimes em afirmar que isso não era possível e acrescentaram

um interessante ‘mas’: “mas ameniza (o analfabetismo), é já um bom caminho

andado”; “mas com a implantação de projetos que venham a dar uma assistência

maior... quem sabe”; “mas diminui um pouco o analfabetismo na localidade”.

Os professores não acreditam que o PAS possa ser uma solução

definitiva ao analfabetismo, mas percebem que de alguma forma está sendo útil.

Reconhecem, nas conversas não gravadas, que apesar de alfabetizar uma minoria,

trouxe para as localidades um ar de novidade, as pessoas passaram a se reunir, a

se socializar, a pensar sobre a sua localidade. Um dos professores percebe,

também, que falta algo que poderia chegar com projetos futuros. Aqui é bom

ressalvar que se fala em projetos e não em uma política de visão mais duradoura e

abrangente.

1 É comum no município que professores da rede municipal sejam substituídos por parentes, vizinhos ou amigos

quando, por algum motivo, precisam se ausentar por um período curto ou longo de tempo.

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Perguntados sobre o que mudariam para tornar o programa mais eficiente

no seu propósito de alfabetizar, todos acharam os cinco meses de curso

insuficientes e sugeriram que fosse acrescido mais um semestre. Com o gravador

desligado, eles mesmos reconheceram quanta dificuldade encontram para segurar

os alunos durante os cinco meses. O professor que faz parte do quadro municipal

criticou os livros adotados “que são fora da nossa realidade” e afirmou que

“implantaria um livro texto que estivesse de acordo com a nossa região”. Dois

professores falaram da bolsa que recebem. Fixada em R$ 120,00 (cento e vinte

reais) em 1997, nunca sofreu aumentos e, além disso, é liberada sistematicamente

com atraso. Uma professora citou a necessidade de algum incentivo, “daria, tipo

assim, uma bolsa, uma coisa assim para os alunos, pra eles terem mais força de

vontade para vir”.

Os professores, por serem diretamente interessados, percebem a

necessidade de que os profissionais sejam bem remunerados e no prazo

estabelecido. Não há como não lembrar o apelo ao voluntariado dos novos governos

eleitos, tanto federal quanto estadual, quando se fala em educação de jovens e

adultos. Parece que a participação da sociedade civil nas administrações públicas se

restringe a trabalhar de graça. Os alfabetizadores compreendem também que é uma

contradição querer estender a duração do curso se as salas se esvaziam em cinco

meses e que são necessárias medidas de incentivo, que estimulem efetivamente as

pessoas a permanecerem, apesar de todas as dificuldades que elas enfrentam na

sua luta diária.

À pergunta se os jovens e adultos não escolarizados estão mesmo

procurando uma oportunidade para estudar, em um primeiro momento as respostas

foram diplomáticas: “existe interesse sim dos alunos... porém nem todos”; “como em

todos os ambientes educacionais existe aquele grupinho de pessoas que estão

sempre interessados e outras que estão assim meio dispersas”. Em um segundo

momento, expressaram o que realmente estão sentindo:

“falta alguma coisa a eles, não tem uma perspectiva de vida e por isso não dão uma atenção maior aos estudos”; “também porque a nossa região é uma região de interior e as pessoas sempre alegam estudar pra quê, se tem muita gente aí que terminou o 2º grau e vive trabalhando de foice, de machado”;

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“uma senhora dentro do ônibus ficou se perguntando: ‘estudá pra quê?’ já está em uma certa idade e não vai mais entrar no mercado de trabalho, então para que estudar? Fica essa dúvida, ficam essas interrogações e também muitos porque já são mãe e pai de família e não dispõem de tanto tempo assim”.

Os entrevistados, inconscientemente, quando falam em “perspectivas de

vida” estão se referindo a um dos possíveis incentivos para os estudos, como

também expressando a necessidade de que outras ações acompanhem o processo

de escolarização. Fica evidente também a visão de uma educação em função

unicamente do trabalho. É preocupante como os professores justificam e aceitam o

pouco interesse das comunidades pelos estudos. É uma resignação com o status

quo que passa de professor para aluno, sem que seja questionado.

Ao perguntar como eles analisavam a presença, no município, de mais de

um programa de jovens e adultos, se a Secretaria de Educação conseguia articulá-

los entre si ou se eles notavam dificuldades devido também a esses terem

organizações independentes, a resposta foi uma série de elogios para funcionários

da secretaria diretamente envolvidos com a Educação de Jovens e Adultos. Tentou-

se então simplificar, analisando a situação de cada localidade. Na comunidade do

Salgado e do Genipapo funcionava só a turma do PAS e haveria continuidade só no

caso que o número de alunos justificasse o gasto da abertura de uma sala. Os dois

professores se mostraram céticos quanto a isso. Na comunidade do Cágado

funcionavam uma sala do PAS e outra da EJA que são assim definidas pela fala da

professora:

“tem algo em comum devido à alfabetização e também porque no PAS e no EJA têm alunos que não sabem ler, nos dois programas... o que está no EJA, o que diferencia porque muitos estão no nível mais elevado do que estão no PAS, e o tempo de alfabetização que no EJA é mais longo, PAS não, as pessoas que podem dizer que estão no EJA dispõem de mais tempo porque são todos jovens, diferente do PAS que já são todos casados, mães que passam o dia trabalhando, à noite estão cansadas, muitas não vão”. Perguntada se alunos oriundos da Solidária estavam no EJA, continuou:

“não, creio que não... ah, tem uma senhora que tá, não lembrava, tá no EJA, já

estudou a Solidária nos anos passados”.

Os alfabetizadores parecem não ter refletido antes sobre a possível

integração dos vários programas, talvez porque vejam o mundo restrito à sua sala de

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aula e à necessidade de manter um número razoável de alunos para garantir o

emprego. Mas na fala da professora do Cágado, é interessante notar que a divisão

das salas do PAS e do EJA é baseada em dois critérios: o da aprendizagem e o da

idade ao mesmo tempo. Temos pessoas mais adultas que só precisam aprender a

escrever o nome e ler umas poucas palavras e jovens que precisam de um

aprofundamento maior. Até que ponto essa divisão se repete em outras localidades

e é proposital ou causal não foi possível averiguar.

4.2 ENTREVISTA COM AS COORDENADORAS MUNICIPAIS.

Do grupo de pessoas que trabalham diretamente na organização da

Educação de Jovens e Adultos no município, foram escolhidas a coordenadora geral

dessa modalidade de ensino e a coordenadora administrativa do PAS para

concederem uma entrevista gravada. A escolha recaiu sobre elas, não só pelo cargo

ocupado mas, sobretudo, por serem pessoas que conseguem refletir sobre os

acontecimentos e se posicionar de forma independente. Na entrevista, foi

apresentado um roteiro de perguntas, mas as entrevistadas ficaram livres de se ater

a ele, podendo expor suas idéias de forma mais espontânea. Aqui, por motivos

didáticos, as respostas serão apresentadas em seqüência.

4.2.1 Glaucilândia: coordenadora geral da Educação de Jovens e Adultos em

São Gonçalo do Amarante

A professora Maria Glaucilândia era, até final de 2002, responsável pelo

Núcleo de Estudos Supletivos e coordenava a EJA, o novo nome dado ao CAEF, e o

Tempo de Avançar-Ensino Fundamental. Hoje, é coordenadora geral da Educação

de Jovens e Adultos no município, acompanha os novos programas que estão

chegando em São Gonçalo do Amarante e continua na coordenação do EJA e do

Tempo de Avançar-Ensino Fundamental. O Núcleo de Ensino Supletivo se tornou

Centro de Ensino Supletivo e está sob a responsabilidade da professora Maria de

Lourdes.

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Maria Glaucilândia mora em São Gonçalo do Amarante e há quinze anos

é funcionária municipal; segundo ela, durante todo esse tempo sempre trabalhou

com jovens e adultos, mas inicialmente em setores burocráticos. Foi a partir de

1998, que assumiu cargos de coordenadoria. Sobre esse longo período de

envolvimento com a educação de jovens e adultos não soube dar maiores detalhes.

Perguntada em quais programas trabalhava, após uma breve pausa, com

muita simplicidade definiu o que acontece hoje com a Educação de Jovens e Adultos

e, talvez, seja possível afirmar que esses fatos ocorrem de forma cíclica na história

da educação brasileira.

“Bom, eles inventam, são muitos os nomes para a Educação de Jovens e Adultos, passei uma semana agora em Juazeiro em um congresso lá, e o que eles falaram é que o programa agora é ‘Alfabetização e Cidadania’, os outros nomes vão se acoplar ao ‘Alfabetização e Cidadania’ como se fossem subprogramas, e são muitos agora, a gente está trabalhando com o GEEMPA, ALFALIT, temos o supletivo que é o semi-presencial, fundamental e médio, o programa RECOMEÇO que a gente chama de EJA de 1ª a 4ª série...”

Convidada a fazer uma analise geral dos programas, a professora

apresentou um balanço substancialmente positivo, “eu acho que a gente conseguiu

muita coisa durante esse tempo todo, conseguimos muita coisa, conseguimos

alfabetizar muita gente”. Ao mesmo tempo reconheceu que há um percentual de

evasão muito alto, mas o justificou como fato considerado normal entre os

estudiosos dessa modalidade de ensino;

“eu já assisti a uma reunião sobre EJA e disseram que na EJA o percentual de desistência é de 45 por cento, aí eu fiquei, porque ficava me perguntando porque o índice de evasão é tão grande, eu fico assim angustiada com isso, quando eles falaram isso eu fiquei até de boca aberta, mas eu acho que é por aí mesmo”.

Por trabalhar diretamente com as turmas do RECOMEÇO e do Tempo de

Avançar, acabou estigmatizando os alunos atendidos por estes programas: “é um

público muito difícil de lidar, são pessoas que nunca foram para uma sala de aula ou

desistiram por vários motivos. Geralmente são jovens rebeldes que as classes ficam

empurrando, empurrando”. Sem se aperceber, atribuiu o deficit educacional a

problemas individuais e não a uma situação social adversa.

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Às perguntas sobre os motivos da Educação de Jovens e Adultos adquirir

visibilidade e maiores atenções a partir de 1998, e sobre o grau de autonomia do

município na elaboração de políticas neste setor, a coordenadora só aceitou gravar

após ser convencida de que não seria prejudicada pelas suas palavras. Não foi

possível saber o porquê interpretou os questionamentos, unicamente, sob uma ótica

financeira: “Eu não tenho acesso a essa parte do dinheiro e não sei realmente como

as coisas acontecem, como é que esse dinheiro é administrado, apesar de eu ser a

coordenadora geral, mas eu não sei...”.

Era importante saber se os programas conseguem se articular entre eles

e em que aspectos ajudam ou atrapalham na construção de uma Educação de

Jovens e Adultos que respeite as peculiaridades de São Gonçalo do Amarante.

Glaucilândia achou que os programas conseguem se integrar entre eles e deu um

exemplo concreto, “a gente não tem problema não, teve até uma localidade que a

menina falou, não, lá já formou uma, que é vizinho lá na creche, vamos deixar eles

lá, os alunos lá e a gente não forma aqui”. Logo em seguida, afirmou que seria muito

melhor se existisse um único programa,”seria bom que fosse uma coisa globalizada,

que só existisse um (programa), a minha opinião era essa, que para alfabetizar

existisse só um, de 1ª a 4ª também, de 5ª a 8ª, ensino médio e assim vai... se fosse

só um seria bem melhor da gente trabalhar, não tenho nem dúvida disso”. Foram

omitidos os casos que depunham em sentido contrário, como nas localidades em

que professores do PAS e do EJA ficaram disputando alunos para fechar a chamada

no número mínimo exigido.

Perguntada se o Supletivo semi-presencial e o Tempo de Avançar não

ocupavam o mesmo espaço e acabavam se sobrepondo um ao outro, a professora

discordou:

”não, até porque o Supletivo é um pouco parecido com o Tempo de Avançar, porque o Tempo de Avançar é presencial e o Supletivo é semi presencial, mas eles estudam por disciplina, então se um aluno fez no Tempo de Avançar e faltou por algum problema uma disciplina ele pode pagar esta disciplina no Supletivo, tá entendendo, ou viceversa, se ele fica devendo no Supletivo ele pode pagar no Tempo de Avançar, então é uma coisa que dá certo, que não atrapalha, pelo contrário, é até bom“.

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O mais interessante foi descobrir que essa integração dos dois programas

não está prevista na organização teórica, mas foi uma iniciativa da própria

coordenadora que abriu caminho para que isso acontecesse.

“é porque eu achei que podia, com a vivência que eu tenho achei que podia, conversei com o secretário da escola daqui que é a pessoa responsável e ele disse que não, mas eu disse para ele que eu achava que podia, que ligasse para o Conselho e se informasse; ligou para o Conselho e o Conselho disse que podia porque ele não é regular, o Tempo de Avançar é presencial, mas não é como aquele que o aluno tem aula de três matérias durante o dia...”

A postura da coordenadora em não aceitar um fato que parecia

consolidado demonstra que, dentro de certas limitações, é possível ir criando

espaços de integração também entre programas que a burocracia pensou como

realidades estanques.

Quanto aos resultados práticos dos cursos, ela reafirmou que a

aprendizagem depende muito do aluno, “muitos dizem, ah..., nesses cursos os

alunos não aprendem nada, mas eu acho que não aprende quem não quer”, e

acrescentou que também no ensino regular acontece o mesmo.

“Esses alunos que não aprendem, se eles estivessem no sistema regular seria do mesmo jeito, são aqueles alunos que o professor vai empurrando com a barriga, no final do ano tem que passar, passa por conta de números, que você sabe, tá entendendo, você sabe que é assim”.

Como exemplo da validade da EJA, apresentou um aluno que estudou no

Supletivo e no Tempo de Avançar, passou no concurso da Polícia Militar e no

vestibular para Matemática, em Sobral, e conseguiu uma ótima colocação. É claro

que este fato louvável constitui uma exceção e não a regra como seria plausível.

Continuando nas suas considerações, Glaucilândia reconheceu a especificidade do

aluno jovem e adulto, o qual traz para a escola toda uma bagagem cultural que

precisa ser aproveitada. Para terminar, referiu-se brevemente à importância do

professor no processo de ensino-aprendizagem e ao excessivo número de faltas dos

alunos que freqüentam o Tempo de Avançar, que teoricamente é presencial. “Eles

tendem a faltar muito, os alunos da EJA eles acham que não, que não têm que estar

na escola todo dia, por mais que a gente visite as salas, converse sobre isso, mas

eles acham que não”.

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A professora deu um retrato fiel da precariedade da educação pública

como um todo: baixa freqüência, alunos que não aprendem, mas são aprovados

para atender a estatísticas, professores nem sempre à altura, uma minoria que se

sobressai e que é apontada como exemplo para sustentar a validade do sistema

educacional. Mais uma vez, o aluno acaba sendo responsabilizado pelo seu

fracasso e, em momento nenhum, os cursos são questionados quanto à sua

organização e precariedade.

A última pergunta investigava uma situação utópica, em que a

coordenadora tivesse liberdade e dinheiro para organizar a Educação de Jovens e

Adultos no município de São Gonçalo do Amarante. A professora Glaucilândia, como

já havia afirmado no início da entrevista, reiterou que “se tivesse liberdade para

fazer, a primeira coisa era unificar, eu acho que a gente trabalharia muito melhor”.

Em seguida, enfatizou a relevância do material didático-pedagógico, que recebe

pouca importância dos programas: “eu ia investir no material, porque eu acho assim

muito importante, pelas visitas que a gente já fez nas salas e pelos resultados de

algumas salas que a gente vê, o material didático é de muita importância”.

Ela ainda desmistificou a relevância da merenda, que precisa ser

comprada, porque os recursos vêm com destinação definida: “eles falam muito na

merenda, eles reclamam é muito da merenda, mas eu acho uma coisa, que a gente

podia ir trabalhando até... a gente tem que comprar porque vem recurso para isso,

mas não que fosse aquela coisa necessária”.

Além dos recursos terem destinação certa, podem ocorrer variações de

ano em ano. Tomando como exemplo o material didático-pedagógico “antes podia

(comprar qualquer material), ano passado não, só livro, único material que podia ser

comprado era livro, e este ano o que pode comprar é cadernos e lápis só, mas eu

não compraria cadernos e lápis, não tem necessidade, geralmente compra aqueles

cadernos pequenos que eles nem querem”.

A professora Glaucilândia demonstrou indignação ao se referir a essas

situações em que o município se vê obrigado a gastar os recursos em compras que

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considera desnecessárias diante da realidade a ser atendida e, também, ao fato de

não poder programar a médio e longo prazo porque as regras do jogo mudam

freqüentemente.

4.2.2 Luiza: Coordenadora Administrativa do PAS em São Gonçalo do

Amarante

A professora Luiza Ramos foi, de agosto de 1999 até o final de 2002, a

coordenadora administrativa municipal do Programa Alfabetização Solidária e,

paralelamente, trabalhou na Secretaria de Educação, fazendo o acompanhamento

pedagógico dos professores das escolas municipais. Hoje, o PAS encerrou suas

atividades em São Gonçalo do Amarante e a professora Luiza continua trabalhando

na equipe da Secretaria de Educação. Ela reside em Fortaleza, é funcionária

municipal desde 1998 e trabalha também para a Prefeitura de Fortaleza, dando

aulas no turno da noite nas classes para jovens e adultos.

Ao fazer uma análise geral do programa em que atuou durante dois anos

e meio, ela separou dois momentos: um primeiro, de esperança e satisfação com

uma proposta inovadora, que se baseava na parceria entre governos e sociedade

civil. “Gratificante, né, foi muito bom, positivo, quando a gente viu a questão de uma

proposta mais renovada, isso no início até 2000”. Talvez a professora,

inconscientemente, estivesse se referindo também ao fato de ter sido escolhida

como coordenadora sem apadrinhamentos políticos, o que nos pequenos municípios

não deixa de ser uma novidade. Um segundo momento, em que tudo se complicou

com os desmandos administrativos, fruto, em alguns casos, de um excessivo zelo

burocrático fiscalizador: ”passou de 2000, já virou uma salada, uma bagunça.

Primeiro lugar porque começou a atrasar o pagamento dos professores, começou a

não vir mais merenda, sobretudo aqui no município, a questão do material começou

a atrasar também”.

Convidada a expressar os motivos que levaram a Educação de Jovens e

Adultos a ganhar destaque a partir de 1998, ela apontou unicamente fatores

externos ao país: “foi uma exigência do BID, FMI, para que se acabasse com o

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analfabetismo no país, porque iam investir mais dinheiro se diminuísse o

analfabetismo no Brasil”.

Quanto à presumida autonomia do município na elaboração e execução

de políticas de jovens e adultos, não reconheceu que isso aconteça. Para ela todos

os programas que surgem acabam sendo absorvidos passivamente. É o município

que se adequa às propostas que vêm de fora e não o contrário, como seria plausível

que fosse. “São implantados aqui no município porque já vêm, já vêm para poder ser

implantados, não é que o município em si criou não, porque, por exemplo, vão

aparecendo estes programas e o município vai colocando, vai colocando tudo que

aparece”.

Perguntada se existia articulação entre os programas, lembrou-se que

após um início onde cada um seguiu a sua estrada, os acontecimentos levaram as

coordenadoras do PAS e do RECOMEÇO a se sentarem para tentar traçar uma

linha de ação comum, a fim de aproveitar ao máximo os recursos humanos e

financeiros dos dois programas.

“Do ano passado para cá foi que o Alfabetização Solidária conseguiu se articular mais com o RECOMEÇO. Isso começou pela questão da necessidade, os alunos do PAS como é que iriam entrar na questão do RECOMEÇO, a gente pensou nisso aí e a gente decidiu que precisava ter uma articulação, uma conversa entre si, para saber como é que a gente iria trabalhar esses alunos no RECOMEÇO. Foi uma necessidade que surgiu entre as coordenadoras, aí procuramos o Flávio (o Secretário de Educação) e ele deu um grande empurrão, disse que precisava trabalhar juntos”.

A professora Luiza acabou reconhecendo, portanto, a possibilidade,

dentro das restrições impostas por uma estrutura pré-definida, de tentar adaptar os

programas às necessidades locais.

Mas a existência de mais de um programa, segundo Luiza, “atrapalha um

pouco por conta da questão que alguns têm metodologia diferente...”. Com o termo

‘metodologia’ se entende aqui não só o método em si, mas o modus operandi e a

filosofia que está na base dos programas e que muda tão rápido quanto esses. As

contínuas mudanças acabam desnorteando tanto os professores, geralmente são os

mesmos, quanto os alunos que passam de um curso para outro, sem atingir o

objetivo de se alfabetizar.

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Interrogada sobre os resultados do PAS em São Gonçalo do Amarante,

definiu a aprendizagem como “razoável”, mas ressaltou a dificuldade de se obter

dados confiáveis: “a gente vê muito a questão também do... perceber que alguns

professores fazem a questão da camuflagem né, trazem um resultado mas a

realidade acaba sendo outra”. Além disso reconheceu que a heterogeneidade da

clientela, que vária de turma para turma, dificulta a generalização dos dados.

À pergunta sobre as decisões que ela tomaria se pudesse organizar a

Educação de Jovens e Adultos com total liberdade, a coordenadora, como todos os

que trabalham nessa modalidade de ensino no município, concorda que seria

necessário unificar todos os programas em um só, de longo prazo, garantindo a

continuidade de quem ingressasse nele, e foi contundente ao afirmar: “Então acho

que é isso que precisa no município e não estes programas vindo de curto prazo,

estes não dão resultado de jeito nenhum”.

Uma segunda medida seria garantir incentivos para os alunos

ingressarem e permanecerem nos programas: “eles para virem, para estudarem,

precisam de incentivo, alguma coisa, se disser vai estudar que vai ter livros, é difícil,

[...], precisa ter um incentivo, infelizmente tem que ser uma bolsa, alguma coisa,

dinheiro, porque eles não vão de jeito nenhum”. A professora se refere ao PAS que

superlotou as salas quando, à época do ABC do Sertão, se espalhou o boato de que

cada alfabetizando iria receber R$ 60,00 (sessenta reais) por mês. Outra medida

seria a oferta, junto com a alfabetização, de cursos profissionalizantes que

funcionariam como incentivo e preparariam as pessoas para a nova realidade, que a

chegada do porto do Pecém na região está criando. Última medida, não menos

importante, seria a equiparação do salário dos professores que, no caso do PAS, era

inferior ao dos outros programas.

As duas coordenadoras apresentam visões ligeiramente diferenciadas

sobre a Educação de Jovens e Adultos no município, resultado, além de inclinações

pessoais, do embate direto com programas com mais ou menos liberdade de ação.

A professora Glaucilândia é mais propensa a analisar positivamente o que acontece

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e a achar possível encontrar espaços, onde as instituições locais podem interferir

para atender às suas peculiaridades. Isso, com certeza, é reflexo da experiência

com o Tempo de Avançar, que ela conseguiu integrar com o Supletivo semi-

presencial e com o CAEF, que é o programa propriamente do município. A

professora Luiza faz uma análise, em alguns, momentos negativa e pessimista, na

qual expressa a sua experiência com o PAS que manteve uma estrutura mais rígida

e que, no último período, foi caracterizado por problemas na sua operacionalização.

Nas entrevistas, existem momentos contraditórios. Passa-se de uma

percepção positiva à negativa de uma mesma realidade; os programas parecem ser

em alguns momentos vistos com benevolência e em outros quase execrados; ao

mesmo tempo em que são criticados, são apontados resultados razoáveis ou bons.

Isso pode ser explicado pelo envolvimento das coordenadoras no assunto e,

também, por não terem aquela distância que permitiria enxergar sem a

interveniência das paixões. Além disso, vivenciavam o dilema entre a necessidade

de falar o que é politicamente correto e as convicções pessoais que não querem

calar.

Pode-se concluir que no município há pessoas que refletem sobre

Educação de Jovens e Adultos e que estão aprendendo a lidar com realidades que

superam os limites do município. Pode ser um passo rumo à autonomia possível de

São Gonçalo do Amarante nas políticas educacionais.

4.3 ENTREVISTA COM O SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DE SÃO GONÇALO

DO AMARANTE

O professor Flávio de Araújo Barbosa é Secretário de Educação do

Município de São Gonçalo do Amarante, onde reside, desde 1997. Antes disso, era

professor de Matemática e diretor de escola.

Foram realizadas duas entrevistas a 5 meses de distância uma da outra,

tempo suficiente para que a Educação de Jovens e Adultos, no município, passasse

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por mudanças; o Alfabetização Solidária não está mais presente e deixou lugar para

o Alfabetização Literária e o Brasil Alfabetizado. A primeira entrevista, realizada em

um momento de espera agradavelmente preenchido, foi resultado de uma conversa

quase informal sobre os programas presentes na realidade local.

Perguntado se os programas ajudam ou atrapalham na construção de

uma Educação de Jovens e Adultos com a visão dos que fazem educação em São

Gonçalo do Amarante, o Secretário afirmou: “Tudo ajuda.... a gente lida com o real...

os programas ajudam nisso porque trazem recursos que o município não dispõe.

Não vamos recusar material didático, merenda, capacitações... seria pior sem eles”.

Mas continuando no seu raciocínio reconheceu que, se dependesse dele, unificaria

todos em um só programa porque:

a) a dispersão cria problemas (“hoje há divisões; o PAS em 5 meses, se o

aluno se alfabetizar mais rapidamente, o que faço? e se precisar de mais tempo, o

que fazer? O CAEF é anual, o que faço com os alunos do PÁS que terminam no

mês de junho?”);

b) acarreta maiores gastos (“Os recursos são separados. Também

quando compro são licitações separadas e eu não posso barganhar um preço

melhor baseado na maior quantidade. Capacitação mesma coisa, o PAS faz a sua e

o RECOMEÇO outra separada”);

c) prejudica financeiramente o município (“os 250 alunos, ficticiamente,

nas salas do PAS não estão gerando 250 alunos para efeito do RECOMEÇO...se

fosse um programa só teria mais dinheiro, mais condições”).

O professor Flávio criticou também os salários diferenciados que criam

mal-estar entre os professores que se sentem desprestigiados.

Ao refletir sobre a limitação temporal dos financiamentos que dão

sustentação a essas ações, já que o FUNDEF está previsto para durar 10 anos e o

RECOMEÇO 3 anos, o Secretário afirmou: “o município, por enquanto, não tem

como assumir a EJA sozinho, mas aí vamos ver...”. A frase inconclusa pode sugerir

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a expectativa para novos financiamentos ou para mais um período de esquecimento

de quem não foi escolarizado na idade apropriada.

O responsável pela educação escolar em São Gonçalo do Amarante falou

dos seus sonhos de conseguir um Centro de Educação de Jovens e Adultos-CEJA,

tanto para não depender de Fortaleza como para dar um “passo rumo à construção

de uma EJA com a cara de São Gonçalo do Amarante”. Para ele, não se pode

enxergar só o simples alfabetizar, mas oferecer ensino médio e profissionalização

para que as pessoas possam aproveitar as oportunidades oferecidas pela

instalação do Porto no distrito de Pecém.

“Hoje o aluno tem estudado o que? 6 meses de Solidária, 1 ano de CAEF, 1 ano de Tempo de Avançar-Ensino Fundamental e 1 ano de Tempo de Avançar-Ensino Médio, ele tem esses 4 anos em que poderia estar se profissionalizando, quando ele terminasse o 2° Grau poderia ter uma profissão, ele tem tudo aquilo e ainda vai atrás de uma profissão; então para São Gonçalo do Amarante acho que o grande salto era esse aí, que a EJA acoplasse cursos profissionalizantes”.

A segunda entrevista foi realizada no ano de 2003 e pretendeu investigar

qual o grau de liberdade de que o município dispõe para organizar como bem

entender a Educação de Jovens e Adultos, e como o Secretário lida com as

situações contraditórias que encontra.

A primeira pergunta era sobre qual a autonomia do município para

elaborar e executar uma política de jovens e adultos. O professor Flávio reconheceu

que os municípios conquistaram com os financiamentos federais maior liberdade de

ação, mas continuam dependendo demais de recursos externos.

“Nós temos uma autonomia conquistada, né, nós ainda não estamos propriamente dito autônomos na parte financeira... foi conquistada com o PROEJA e os recursos federais, deu a possibilidade de comprar livros para trabalhar com jovens e adultos, capacitar professores com a instituição que deseja... então toda essa autonomia, mas financeiramente ainda não estamos autônomos”.

A segunda pergunta questionou o fato dos municípios serem apontados

como o lugar onde as coisas devem surgir e acontecer e os programas, que chegam

de fora, com uma estrutura já pré-definida. O Secretário foi direto: “A resposta seria

assim: o município é o local onde as coisas acontecem desde que faça o que eu

(governo federal ou estadual) quero que faça”, mas admitiu estar esperançoso

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porque o caminho em direção a uma maior autonomia já está sendo trilhado: “é uma

conquista que os municípios têm que fazer uma hora e eu acho que está chegando,

porque hoje existe espaço [...], o município pode criar um programa dele próprio e

assegurar recursos para este alunos”.

Quanto aos programas prontos que o município recebe demonstrou um

certo ceticismo, “a gente faz da forma como ele (o Programa) deseja, não acredito

muito...” e expressou, em uma crítica ao Alfabetização Solidária, como gostaria que

se processassem as coisas:

“O Alfabetização Solidária, ele repassa os recursos mas já vem tudo acertadinho, como vai ser e como vai trabalhar; era para repassar os recursos e deixar que o município se sentasse com a universidade e visse se aquele recurso era melhor ser gasto em merenda ou em material...”.

Ele acredita que esses programas são fruto de uma desconfiança para

com o município e de um velho preconceito de que desvio ou malversação do

dinheiro público só acontece na ponta: “é aquele velho rótulo, é lá no município que

some dinheiro , é lá no município que...” e em outro trecho da entrevista “...aquela

questão da corrupção, até se coloca, lá no município acontece, no Estado e na

União não acontece, é essa a visão que às vezes se tem”.

Tentou-se indagar, em seguida, de que forma a Secretaria de Educação

consegue articular os vários programas para amenizar sobreposições, que podem

levar a desperdiço de recursos humanos e financeiros. O professor Flavio explicou

que o município absorve os programas, mas não os espalha indiscriminadamente

em todas as localidades; são detectados primeiro os problemas da comunidade e

depois se determina o programa que mais responde a esses.

“Todo município tem sua clientela e dentro dessa clientela se separam os programas, quer dizer, em determinada localidade se observa que tem problemas de alfabetização, então o PAS vai para essa localidade; tem outra localidade que tem muitas pessoas que abandonaram e não terminaram o Ensino Fundamental, então coloco Tempo de Avançar -Ensino Fundamental e Médio”.

Essa divisão dos programas não é tão simples como parece nas palavras

do Secretário; atender às necessidades das comunidades é muito complexo, mas

esta é a forma como o município tenta aproveitar os recursos que ninguém pensa

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em recusar. No caso da Solidária, por exemplo, era preciso formar 10 turmas e nos

últimos módulo era problemático encontrar as 10 comunidades para implantar o

programa e os levantamentos das situações locais são baseados, muitas vezes, no

achismo e não em dados científicos.

Foi perguntado ao Secretário se ele acredita que a esfera estadual e

federal confiam na capacidade do município em estruturar uma própria política de

EJA. Mais uma vez, ele demonstrou acreditar que algo está acontecendo, mas que

ainda falta muito caminho a fazer e que os fatos às vezes são contraditórios entre

eles:

“Nesse momento, esse programa do Estado ‘Alfabetização e Cidadania’ está deixando para o município criar seu próprio programa [...] está deixando para o município essa oportunidade de tratar os programas de jovens e adultos do município e conseguir recursos por aluno para gastar no programa”.

Mas com relação ao Brasil Alfabetizado, continuou: “cria o programa, mas

só patrocina 15,00 R$ (quinze reais) por aluno e 20,00R$ (vinte reais) para capacitar

o professor, quer dizer, mesma história, não acredito em você município”, e concluiu

com o otimismo de quem precisa acreditar que as mudanças são possíveis: “mas

acho que estamos no rumo, aos poucos os municípios vão mostrando que são

capazes de administrar suas políticas educacionais”.

Convidado a fazer uma comparação entre a atualidade e alguns anos

atrás, o Professor Flávio reconheceu que já se caminhou bastante:

“anteriormente era muito mais fechado, já vinha com tudo [...] já vinha tudo amarrado, se eu dissesse não, este livro aqui não é o melhor para o município, fala muitas coisas do sul, queríamos um livro que falasse da nossa realidade, não, que vêm é esse aqui... a merenda, essa merenda aqui não da certo, a gente queria... não, mas a merenda é essa aqui, isto é, já vinha tudo amarrado, hoje está começando a se soltar”,

mas cobrou mais uma vez um crédito maior de confiança para com os municípios,

sugerindo o repasse de recursos não vinculados e a presença de uma fiscalização

rigorosa. Os recursos já previamente destinados impedem, por exemplo, que o

município gaste mais em merenda onde precisa e, onde não for necessário, gaste

esse dinheiro com material didático, capacitações, ou o que tiver prioridade naquele

momento.

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“Dê o recurso, cobre o projeto, mas não amarre o projeto, ah, vou te dar 200 mil, 10% para a merenda, não, deixa os 200 mil a gente decidir o que vai fazer, fiscalize [...] você é limitado, só pode comprar esse aqui, como se todo mundo fosse igual. Está aqui o recurso, o município decide quanto é de merenda, quanto é de capacitação, quanto é de material, preste conta... eu acho que precisa desamarrar esta historiazinha”.

O Secretário de Educação Municipal Flávio de Araújo Barbosa

demonstrou ser uma pessoa que olha para o ideal sem se distanciar demais do real

e cair no nada presta, nada dá certo. Durante toda a entrevista, reconheceu que

existem falhas, mas que hoje é melhor do que ontem. Naturalmente, apresentou a

visão do município, cobra maior confiança dos poderes estadual e federal, mas não

analisa as possíveis razões de ser deste confiar desconfiando.

4.4 ENTREVISTA COM O PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO DA UECE

O professor Cândido Bezerra da Costa Neto é Pró-reitor de Extensão da

Universidade Estadual do Ceará-UECE e está na coordenação dos projetos e

programas de jovens e adultos que confluem na PROEX, entre estes o Programa

Alfabetização Solidária, do qual é coordenador geral na universidade e, também,

membro do Conselho Nacional de caráter consultivo. Esteve envolvido, ao longo de

toda a sua vida, com a temática e conhece profundamente a realidade interiorana.

A entrevista sofreu vários percalços. Um compromisso de última hora do

professor B.C.Neto reduziu consideravelmente o tempo pactuado, o gravador não

funcionou e os funcionários interromperam várias vezes. O entrevistado quis

escrever as respostas, mas pulou muitos comentários que serão mencionados,

mantendo o sentido sem, porém, ser possível a citação ipsis literis.

O Pró-Reitor de Extensão da UECE está convicto da necessidade de uma

EJA pensada nos municípios, e ao mesmo tempo é defensor ferrenho de programas

como o Alfabetização Solidária, que chegam com uma estrutura já pronta.

Perguntado se programas pontuais são suficientes para resolver o problema do

analfabetismo e da baixa escolaridade, a resposta foi: “(os programas pontuais)

nunca foram e nunca serão suficientes. Quais propostas ou projetos surgirão

enquanto estrutura operacional eficaz? Onde?” Os programas são vistos como um

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laboratório, uma oportunidade de ir gestando algo que acabe se tornando

permanente por ser funcional e eficaz ao mesmo tempo.

A segunda pergunta partia de um dos objetivos do PAS, que é estimular a

institucionalização de EJA para investigar se os municípios, no momento atual, têm

condição de implementar uma política educacional pensada a partir da própria

esfera local. O professor B.C. Neto pontuou que se trata de uma institucionalização

“com” os municípios em um sistema de gestão compartilhada. É um longo processo

em que os municípios teriam a oportunidade de ir aprendendo a gerirem suas

próprias políticas.

Foram investigados quais os entraves à institucionalização de uma EJA

inteiramente nas mãos dos governos municipais. O Pró-Reitor reconheceu que o

ideal era a “descentralização dos recursos” mas, por uma “questão de ordem cultural

e política”, isso não se torna possível. E continuou: “há necessidade de uma

organização da sociedade e das instituições civis para uma verdadeira democracia”

e isso ainda não existe nos municípios.

A partir desse ponto, a entrevista não seguiu mais roteiro nenhum. À

provocação “então existe uma desconfiança...” a resposta foi um pulo na cadeira e

um desabafo no seguinte teor:

“O ideal era que os recursos fossem direto para os municípios, mas o que aconteceu com a Contextualizada?Cada município individualmente apresentou o seu projeto, contrataram escritórios de Fortaleza que fizeram a capacitação e pronto, não houve nem acompanhamento, nem avaliação. O PAS tentou quebrar com as politicagens e a universidade sabe da barra enfrentada para impor o coordenador administrativo e pedagógico” O professor B.C. Neto se referia aos municípios em que as eleições de

2000 trouxeram ao poder novas lideranças e que queriam substituir os

coordenadores municipais por pessoas a eles ligadas.

Foi reafirmada a idéia de que se trata de um processo para a construção

de uma nova sociedade. A EJA seria “uma oportunidade de aprender a administrar

os recursos” mas para isso o aparelho fiscal estadual e federal “precisa aprender a

orientar e acompanhar com mais eficiência e não se restringir à punição”.

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Diante das críticas feitas pelos meios acadêmicos ao PAS, de ser

paternalista, assistencialista, compensatório e de dificultar a criação de redes

permanentes de EJA, o professor Cândido rebateu dizendo que “todo trabalho de

inclusão social é compensatório e assistencialista e... nas mãos dos prefeitos o

seriam ainda mais”, e defendeu o PAS que “vem sendo desenhado através de

acertos e erros. Acredito que é um ponto de partida e não esta imagem ‘pronta e

acabada’ feita por quem não tem modelo algum”.

Durante toda a entrevista, estiveram presentes o ideal e o real. Por um

lado se reconheceu a importância da descentralização para um melhor

funcionamento dos programas e, do outro lado, afirmou-se não ser possível realizar

isso devido a situações concretas, políticas e culturais, vividas nos municípios.

Existe uma grande esperança de que os vários programas, apesar de desperdiços

de recursos humanos e financeiros que foram relativizados, possam contribuir para

quebrar alguns ‘vícios’ oriundos de formas peculiares de conduzir a política local. Os

municípios precisariam, portanto, de ajuda para caminhar rumo a uma política de

educação para jovens e adultos inteiramente nas mãos da esfera local.

4.5 ENTREVISTA COM A DIRETORA NACIONAL DO DEPARTAMENTO DE

AVALIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DO PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO

SOLIDÁRIA

A professora Rosilea Maria Roldi Wille exerce o cargo de Diretora Nacional

do Departamento de Avaliação e Acompanhamento no Programa Alfabetização

Solidária. Foi contatada, em setembro de 2002, na Semana Internacional de

Educação de Jovens e Adultos, organizada pelo mesmo Programa, e demonstrou

sua total disponibilidade em conceder uma entrevista. De comum acordo, ficou

estabelecido que a melhor maneira de realizá-la seria por meio de e-mail. A

professora Rosilea era uma das responsáveis pela organização do evento e teria

sido difícil encontrar um momento de sossego para uma entrevista gravada que, com

certeza, traria mais riqueza de detalhes.

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A primeira pergunta era uma investigação acerca dos motivos que levaram

ao surgimento de um programa de alfabetização de tal envergadura em um governo

que, nas suas diretrizes programáticas, nem mesmo citou a educação de jovens e

adultos. A resposta foi um breve histórico do PAS, que não satisfez à curiosidade da

questão, mas a afirmação “sua base de funcionamento está centralizada na parceria

entre governo federal, iniciativa privada e sociedade civil” revelou a importância

secundária atribuída aos governos municipais.

Um dos objetivos do PAS é estimular a institucionalização de EJA nos

municípios. A segunda indagação visava entender se a professora acreditava ser

possível, para os municípios, implementar uma política educacional para jovens e

adultos própria, e em que aspectos o Programa poderia ajudar nesse sentido. Na

resposta, ela esclareceu que a “estrutura do Alfabetização Solidária busca favorecer

ações que fortaleçam a sociedade civil” e, dessa forma, “criar um canal de

participação” que faça com que “a comunidade se transforme em co-autora do

processo de alfabetização”. Aqui está expresso um objetivo do PAS que vai muito

além de uma simples alfabetização. Continuando, a Diretora de Avaliação atribui os

bons resultados atingidos à “atuação da esfera local, por intermédio das

administrações municipais” e amplia o leque dos parceiros: “o modelo funcional do

Programa se apóia em módulos de alfabetização desenvolvidos e viabilizados por

uma articulação simples e eficaz entre os governos federal, estadual e municipal,

sociedade civil e a comunidade acadêmica”. Aqui são citados o governo estadual,

municipal e as universidades, deixadas de lado na primeira resposta, como se

fossem parceiros de segunda ordem. Para concluir, ela afirma “ser possível pensar

em iniciativas que tenham sua origem na esfera local e se institucionalizem por meio

de parcerias firmadas com o Programa”. Trata-se de uma institucionalização em que

o município não estaria sozinho, mas caminharia com a ajuda do PAS.

Para prosseguir nessa mesma linha de pensamento, foi perguntado quais

os obstáculos, presentes na esfera local, que dificultam a institucionalização de uma

rede de ensino para jovens e adultos. A resposta foi concisa: “um dos possíveis

entraves é a centralização de decisões no âmbito municipal”. Ao município, além de

garantir a infra-estrutura, cabe a única decisão de escolher as comunidades que

hospedarão as salas. A que decisões estava se referindo a professora Rosilea?

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Seria a inexistência de uma sociedade civil suficientemente organizada para interferir

na escolha das localidades? Seria a indicação de coordenadores e professores,

obedecendo a padrões políticos e não técnicos1?

Tentou-se, em seguida, descobrir as motivações que nortearam a

organização funcional/operacional do Programa. Por que alfabetizandos e

alfabetizadores devem ser substituídos a cada módulo? A resposta foi pela metade:

“a alternância de alfabetizadores se manteve com o objetivo de promover a

ampliação da rede de atuação no processo de alfabetização”. O intuito era deixar

nas localidades mais de uma pessoa capacitada para alfabetizar, que poderia

exercer esta função também fora do espaço de atuação do PAS. Quanto aos

alfabetizandos, se poderia deduzir que era uma forma de atender a um número

maior de pessoas e pressionar pelo surgimento de programas, que garantissem a

continuidade.

A pergunta sobre o porquê a escolha dos alfabetizadores é realizada

pelas universidades e não por pessoas da comunidade local não obteve resposta:

“As universidades escolhem dentro da comunidade o alfabetizador que contempla

de maneira mais eficaz a missão de conduzir o processo de alfabetização”. Foi uma

forma de evitar um posicionamento mais claro com relação aos municípios?

Questionada se os atrasos de bolsas, merenda, material didático,

constantes em 2001 e 2002, não constituiriam fator desencorajador para os

municípios pensarem em criar uma rede de EJA, a professora Rosilea transferiu a

responsabilidade para a esfera local: “atrasos de ordem organizacional tais como

bolsa, merenda ocorrem em função de dificuldades de caráter pontuais, muitas

vezes na prestação de contas”. A explicação não convence, porque a coordenadora

administrativa sempre manteve em dia essa parte burocrática.

Nos meios acadêmicos o PAS é acusado de ser paternalista,

assistencialista e de caráter compensatório, e mais, a sua estrutura organizacional e

o mecanismo de financiamento são acusados de serem obstáculos à criação de

1 Não era tarefa dos municípios escolher o coordenador municipal e os professores, mas existiam pressões e,

sobretudo nas localidades menores e mais distantes, os candidatos eram quase sempre únicos.

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redes permanentes de EJA. A Diretora de Avaliação e Acompanhamento rebateu

estas críticas, enaltecendo mais uma vez a experiência inovadora de parceria que

trouxe mudanças nos próprios parceiros e no conceito de parceria, e reiterou a

importância das transformações sociais oportunizadas pelo Programa ao lado da

criação de uma política de EJA duradoura.

“Assim, o contexto sobre o qual falamos envolve também o resultado e o impacto que esta parceria provoca em cada parceiro, não apenas no que diz respeito à manutenção ou expansão da rede, mas num sentido mais amplo, às transformações sociais que ela desencadeia”. Na entrevista, a esfera local nem sempre é lembrada como parceira

fundamental. Quando fala em redes permanentes de EJA, a professora Rosilea

pensa em uma institucionalização supervisionada. O objetivo principal do programa

parece ser nem tanto a alfabetização, mas o desencadeamento de transformações

na sociedade, como o fortalecimento da sociedade civil, que iria interferir

positivamente nas relações políticas municipais.

Existe uma desconfiança para com os governos locais que não é

expressa abertamente, mas que desponta nas entrelinhas, inclusive nas respostas

evasivas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais de dez anos se passaram da promulgação da Constituição de 1988,

que elevou os municípios à unidade básica da federação, iniciando um processo de

descentralização administrativa, apontado muitas vezes, superficialmente, como

uma panacéia para os problemas locais, que vêm se acentuando com a

mundialização dos mercados. É possível começar a fazer uma análise desse

movimento mundial na realidade dos municípios cearenses, tendo a Educação de

Jovens e Adultos como porta de entrada.

A partir de 1998, a vontade política nacional e internacional aliada a

financiamentos direcionados à EJA, ou utilizados pelo município para esse fim (como

o caso do FUNDEF financiando o CAEF), deram início a um novo período de grande

oferta desta modalidade de ensino, que ainda não esvaeceu e conta com novas

iniciativas.

Os programas, com seu modus operandi mais ou menos imposto, criam

problemas de gerenciamento que o município tenta superar, escolhendo as

localidades que mais se adequam ao formato de cada um e operando ajustes. Tais

ajustes ocorrem por necessidade e não por opção, pois os programas devem se

adaptar à realidade local para que se viabilizem.

A Secretaria de Educação tem dificuldade para aplicar a sua sistemática

de trabalho na EJA em decorrência dos seguintes fatores: extensão do município,

falta de transporte e recursos financeiros e humanos insuficientes. Dessa forma, não

tem como exercer um controle real, ficando na dependência da boa vontade e do

engajamento dos atores envolvidos nas localidades.

Apesar de todas as restrições impostas pelas limitações externas e

internas, existe uma margem de manobra que depende da visão e da capacidade,

das pessoas com cargos de coordenação, de encontrar brechas para sugerir

caminhos, visando a otimização de recursos e resultados.

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Os programas baseados em fundos provisórios, e sem uma política geral

que os norteie, são sujeitos a surgirem do nada e a desaparecer sem prévio aviso.

Caracterizam-se pela precariedade e inviabilizam a consolidação de uma rede mais

bem estruturada de Educação de Jovens e Adultos, apesar do discurso em contrário.

Utilizando a divisão sugerida por Arretche (1996), em São Gonçalo do

Amarante se assiste a uma descentralização como delegação: há uma transferência

da responsabilidade pela gestão dos programas de jovens e adultos, mas o controle

dos recursos continua em outras esferas de poder. Esta falta de autonomia

financeira, lamentada pelos atores municipais, impede que a Secretaria de

Educação possa organizar os programas, atendendo às peculiaridades das várias

localidades e, além disso, investir no que mais considera necessário e prioritário.

Existe todo um discurso oficial e acadêmico sobre os benefícios da

municipalização, que parece desconhecer ou minimizar as dificuldades que lastreiam

o caminho da descentralização:

− Nos municípios pequenos, a falta de uma arrecadação própria expressiva deixa

as administrações “de pires na mão”; tudo que aparece é aceito porque representa

uma receita a mais, independentemente de atender aos anseios e projetos do

município;

− Os gestores municipais demonstram uma certa subserviência para com as outras

esferas de governos, quase fosse receio de interferir e ser prejudicado em iniciativas

futuras; não existe uma relação entre iguais;

− As decisões da área educacional sofrem ingerências políticas diretas ou indiretas

através de apadrinhamento. Os funcionários municipais demonstram um medo, que

não se pode avaliar o quanto esteja no imaginário das pessoas e o quanto seja

justificado pelos fatos, com relação a uma política clientelista que sempre beneficia

os outros;

− Há escassez de recursos humanos capacitados oriundos do próprio município;

isso implica na necessidade de cursos de aperfeiçoamento que, além de precisar de

financiamentos, devem ser realizados fora do expediente de trabalho porque os

funcionários são em número insuficiente. Os recursos humanos vindos de fora,

sobretudo se da capital, tendem a se inserir com dificuldade na realidade e não

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planejam permanecer senão o tempo necessário para conseguir emprego mais perto

de casa. Não acreditam na possibilidade de ascensão no cargo com base em

critérios técnicos.

− Em nível federal e estadual, apesar de um discurso pró-municipalização, existe

uma desconfiança, disfarçada com dificuldade, que se manifesta na estruturação e

organização dos programas e na tendência a culpar o poder local por tudo o que

foge ao planejado, na tentativa de se isentar de qualquer responsabilidade.

− Não existe uma sociedade civil organizada que interaja e fiscalize as ações

municipais, pois os núcleos existentes (ex. associação dos moradores) não são

consultados nem agregados ao processo. Isso ocorre talvez por falta de preparo das

pessoas responsáveis e também pela pouca vivência de situações de participação

efetiva.

Mesmo que a autonomia ainda não seja completa, a experiência com uma

autonomia relativa, maior que em anos anteriores, faz com que o município comece

a interagir e decidir, tomando como referência a situação local. As pessoas

envolvidas passam a questionar, a pensar o espaço local, a sugerir, a experimentar

os ganhos e os ônus da participação.

O município ainda não dispõe de condições de caminhar sozinho e

precisa da ajuda estadual e federal. Mas o auxílio não pode embaraçar a liberdade

de ação dos gestores locais. A ajuda deve ser na orientação, acompanhamento sem

preconceitos, fiscalização, acreditando na possibilidade de um dia caminharem sós.

As hipóteses do trabalho se confirmaram:

− No atual estágio de descentralização/municipalização, o governo local ainda não

dispõe de autonomia no planejamento e na implementação de políticas educacionais

para jovens e adultos. As pessoas que compõem a Secretária de Educação em São

Gonçalo do Amarante são unânimes em afirmar que, se existisse um programa

único, e não esse conjunto desarticulado de ações, haveria maior eficiência no

alcance dos objetivos. A realidade objetiva, porém, deixa uma pequena margem de

ação, que pode ser usada para demonstrar do que os municípios são capazes e

justificar futuras reivindicações;

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− O Estado e a União não confiam nos municípios por falta de uma sociedade civil

mais organizada que se contraponha a uma cultura política clientelista e

patrimonialista. Isso tem razão de ser, mas há o perigo de se cair em um circulo

vicioso: a sociedade civil não se organiza por falta de espaços e oportunidades de

atuação que a justifiquem; os espaços não são criados por falta de uma sociedade

civil mais atuante.

A descentralização é um processo longo, que requer paciência e

profundas convicções democráticas, que não podem fraquejar diante das primeiras

dificuldades. As pessoas precisam aprender a participar, a ousar, a não ter medo de

errar, a não se sentirem acuadas por relações políticas espúrias, a se acharem

responsáveis pelas ações implementadas nas comunidades onde vivem. Isso só se

aprende com o tempo e talvez com o passar das gerações.

O perigo de uma re-centralização não pode ser descartado, pois o

município se vê obrigado a assumir responsabilidades, que vão além das suas

possibilidades atuais. Todos os pequenos municípios dependem inteiramente de

financiamentos externos que nem sempre obedecem aos cronogramas pré-

estabelecidos nem são isentos de barganhas políticas. Isso pode levar a acusações

improcedentes de incompetência das administrações municipais e tornar-se um

pretexto para o caminho de volta.

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ANEXOS

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ANEXO I

MAPA DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE

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ANEXO II

DADOS DO IBGE

Pessoas de 4 anos ou mais de idade por frequência à escola, por grau , segundo os grupos de idade

Município = São Gonçalo do Amarante - CE

Variável = Pessoas de 4 anos ou mais de idade (Pessoas)

Sexo = Total

IBGE: Contagem da População de 1996

Idade

Freqüência à escola e grau

Total Pré-escolar

Alfab. de Adultos 1° Grau 2° Grau

Pré-Vestibul

ar

Ens. Superior

Mestr ou Doutora

do

Sem declaraç

ao

Total 9442 1801 17 7009 392 1 19 2 201

4 – 6 anos 1608 1296 0 223 0 0 0 0 89

7 – 14 anos 5818 498 0 5219 6 0 0 0 95

15 anos ou + 1981 0 17 1539 386 1 19 2 17

Idade Ignorada 35 7 0 28 0 0 0 0 0

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Censo Demográfico 2000 – Resultado do Universo – ESTADO DO CEARÁ

População residente em São Gonçalo do Amarante por Distrito e Área

São Gonçalo do Amarante 35.608 Urbana 22.077 Rural 13.531

Croatá 5638 Urbana 4.643 Rural 995 Pecém 7.460 Urbana 2.765 Rural 4.695 São Gonçalo do Amarante 7.535 Urbana 6.380 Rural 1.155 Serrote 6.880 Urbana 2.216 Rural 4.664 Siupé 2.942 Urbana 2.234 Rural 708 Taiba 3.911 Urbana 2.775 Rural 1.136 Umarituba 1.242 Urbana 1.064 Rural 178

Fonte IBGE – Censo 2000: Dados extraídos da tabela 3.1.4.10 População residente, por grupos de idade, segundo as Mesorregiões, as Microrregiões, os Municípios, os Distritos, os Subdistritos, os Bairros e a situação do domicílio – Ceará.

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ANEXO III

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

ENTREVISTA COM OS PROFESSORES

1. Há quanto tempo ensina a Jovens e Adultos? 2. Em que programa trabalhou ou trabalha? 3. Você acha que o programa em que está atualmente é suficiente para resolver

o problema do analfabetismo (ou baixa escolaridade)?

4. Na sua opinião, os jovens e adultos não escolarizados, na sua maioria, estão procurando mesmo uma oportunidade para estudar ou trata-se de um discurso que não encontra respaldo na prática?

5. O que você acha do programa em que já ensinou ou está ensinando?

- Em que gostaria que fosse diferente?

6. Na localidade onde você ensina existe mais de um programa de jovens e adultos? Se a resposta for positiva, os programas conseguem se articular entre eles ou existe uma certa sobreposição?

7. Há mais algo que gostaria de dizer?

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ENTREVISTA COORDENADORAS MUNICIPAIS

8. Nome: 9. É funcionária municipal? Desde quando? 10. Há quanto tempo trabalha com educação de Jovens e Adultos? 11. Em que programa trabalha? 12. Qual a sua função? 13. Qual a sua análise do programa que você coordena? 14. A partir de 1998 surgem vários programas para jovens e adultos no município.

Na sua opinião porque isso aconteceu? 15. A Constituição de 1988 elevou os municípios a unidades básicas da

Federação, dando mais autonomia aos governos locais. (Municipalização/Descentralização). Com relação à educação de jovens e adultos, o município tem hoje autonomia para elaborar e executar uma sua política?

16. De 1998 a 2002 estiveram presentes no município vários programas para

jovens e adultos:

- Estes programas conseguem se articular entre eles? 1 - Em que aspectos ajudam e em que aspectos atrapalham na construção de

uma EJA com a cara de São Gonçalo do Amarante? - Em que gostaria que fossem diferentes? (no seu modus operandi...)

17. Ainda não existem pesquisas confiáveis sobre os resultados dos programas.

Com relação ao programa que coordena, na sua opinião, quais os resultados obtidos?

18. Se tivesse dinheiro e liberdade para organizar a EJA no município, quais

seriam as principais medidas tomadas? 1 Luiza: PAS/RECOMEÇO Glaucilândia: RECOMEÇO/SUPLETIVO/TEMPO DE AVANÇAR

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Iª ENTREVISTA

COM O SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE

1. Até 1996 só 17 alunos estavam inscritos em cursos de EJA. É a partir de 1998

que começam a surgir várias iniciativas tendo como público alvo jovens e adultos. Essas iniciativas foram uma necessidade sentida no município ou uma forma de atender a exigências ou pressões das esferas estadual e federal? Ou as duas coisas?

2. O senhor acha que programas pontuais (ninguém sabe a duração deles) são

suficientes para resolver o problema do analfabetismo e baixa escolaridade ou necessitaria uma institucionalização da EJA (política de médio e longo prazo com financiamentos definidos)? Por que isso não acontece?

3. O senhor acredita na real necessidade de ações que ofereçam oportunidade aos

jovens e adultos não escolarizados ou hoje existe um certo modismo? 4. Como o senhor analisa os programas de jovens e adultos presentes no

município, em particular o PAS e o RECOMEÇO (antes CAEF), sem esquecer o ABC do Sertão?

- Em que gostaria que fossem diferentes - Em que ajudam e em que atrapalham na implementação de uma política

educacional de jovens e adultos que se ajuste às necessidades do município?

5. De que forma a Secretaria Municipal de Educação consegue articular os vários

programas para que não aconteçam sobreposições que podem levar a desperdiço de recursos humanos e financeiros?

6. O senhor vislumbra no PAS e RECOMEÇO resultados que justifiquem os

investimentos? 7. Se tivesse dinheiro e liberdade para organizar a EJA no município, quais seriam

as principais medidas tomadas? 8. Na opinião do senhor, qual a EJA que São Gonçalo do Amarante precisa?

- Quais as habilidades e atitudes deveria despertar nos alunos? - Quais os resultados esperados, a médio prazo, na vida dos alunos, da

comunidade, do município? 9. Entre os Secretários de Educação da mesma região existe uma direção comum

quanto a EJA ou conversas sobre o assunto?

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IIª ENTREVISTA

COM O SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE

1. Nome: 2. Desde quando é Secretário de Educação? 3. Qual a sua função antes de ser Secretário de Educação? 4. A Constituição de 1988 elevou os municípios a unidades básicas da

Federação, dando mais autonomia aos governos locais. (Municipalização/Descentralização). Com relação à educação de jovens e adultos o município tem hoje autonomia para elaborar e executar uma sua política?

5. Como você analisa o fato dos municípios serem apontados como o local onde

as coisas devem surgir e acontecer e esses programas que vem de fora com uma estrutura já definida?

6. De que forma a Secretaria Municipal de Educação consegue articular os

vários programas para que não aconteçam sobreposições que podem levar a desperdiço de recursos humanos e financeiros?

7. A esfera estadual e federal, na opinião do senhor, confiam na capacidade do

município em estruturar uma política de EJA?

8. Nos últimos anos houve mesmo uma municipalização/descentralização das ações ou ficou só no discurso oficial e acadêmico? Se houve trouxe benefícios? Quais?

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ENTREVISTA COM BC NETO

COORDENADOR GERAL DO PAS NA UECE

1. Programas pontuais (duração limitada) são suficientes para resolver o

problema do analfabetismo e a baixa escolaridade?

2. Um dos objetivos do PAS é estimular a institucionalização da EJA nos municípios. Na opinião do senhor, até que ponto os municípios têm condição de implementar uma política educacional pensada a partir da esfera local? Em que, na sua opinião, o PAS pode ajudar, ou já ajudou, nisso?

3. Quais os entraves para a institucionalização da EJA nos municípios? Vários

programas (municipais, estaduais, federais) não levam ao desperdiço de recursos humanos e financeiros?

4. A esfera estadual e federal, na opinião do senhor que tem acesso a todas as

esferas, confiam na capacidade do município em estruturar uma política de EJA? (ex. porque os alfabetizadores são selecionados, no PAS, pela universidade e não pelo próprio município?)

5. Em alguns meios acadêmicos o PAS é acusado de ser um programa

paternalista, assistencialista e de caráter compensatório. “A sua estrutura organizacional e o mecanismo de financiamento são um entrave à consolidação de redes capazes de promover de forma continuada a educação de jovens e adultos e a formação de educadores”. Como o senhor rebateria tais críticas ou em parte concorda?

6. Se pudesse reformular o PAS e os outros programas, quais as principais

medidas tomadas à luz da experiência desses anos de engajamentos com o PAS e inúmeros outros programas?

7. Contextualizada/ABC porque em alguns municípios aconteceu e em outros

não saiu do papel?

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ENTREVISTA

COM A PROFESSORA ROSILEA ROLDI WILLE DA COORDENAÇÃO

NACIONAL DO PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA

1. Qual a função da senhora no PAS?

2. No programa de governo de Fernando Henrique Cardoso não se fala de

educação de jovens e adultos. O que motivou o surgimento do PAS? Que setores fizeram com que, após dois anos de governo, se pensasse em um programa de Educação de Adultos de tal envergadura?

3. Um dos objetivos do PAS é estimular a institucionalização da EJA nos municípios. Na opinião da senhora, até que ponto os municípios têm condição de implementar uma política educacional pensada a partir da a esfera local? Em que, na sua opinião, o PAS pode ajudar, ou já ajudou, nisso?

4. Para a senhora, quais os empecilhos, na esfera local, para um resultado ainda

mais satisfatório com relação ao PAS? Quais obstáculos nos municípios dificultam a institucionalização da EJA?

5. Para a Senhora, quais os “fatores locais” que poderiam interferir positivamente na

institucionalização da EJA nos municípios? 6. Quanto à organização e funcionamento do PAS:

a. A cada novo módulo devem ser escolhidos novos alfabetizadores e alfabetizandos. O que motivou tais decisões?

b. Os alfabetizadores são selecionados pelas universidades e não pelos

municípios. Por quê? c. Os constantes atrasos com bolsa-alfabetizador, merenda, (no módulo XI o

material didático chegou, nos municípios que coordeno, em abril) não são fatores desencorajadores para os municípios que vêem no PAS a possibilidade de articular a criação de uma verdadeira rede de EJA?

7. Em alguns meios acadêmicos o PAS é acusado de ser um programa paternalista, assistencialista e de caráter compensatório. “A sua estrutura organizacional e o mecanismo de financiamento são um entrave à consolidação de redes capazes de promover de forma continuada a educação de jovens e adultos e a formação de educadores”. Como a senhora rebateria tais críticas?

8. Até que ponto a mudança político-administrativa decorrente das últimas eleições

presidenciais influenciará o PAS?