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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE EDNA MORAIS DE LIMA A PERCEPÇÃO DE JUVENTUDE A PARTIR DO PROJETO SAÚDE E PREVENÇÃO NAS ESCOLAS- SPE EM MARACANAÚ: que saberes e práticas são problematizadas e quais as implicações nas políticas públicas de educação em saúde. FORTALEZA – CE 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE

EDNA MORAIS DE LIMA

A PERCEPÇÃO DE JUVENTUDE A PARTIR DO PROJETO SAÚDE E PREVENÇÃO NAS ESCOLAS- SPE EM

MARACANAÚ: que saberes e práticas são problematizadas e quais as implicações nas políticas públicas de educação em

saúde.

FORTALEZA – CE 2011

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EDNA MORAIS DE LIMA

A PERCEPÇÃO DE JUVENTUDE A PARTIR DO PROJETO SAÚDE E PREVENÇÃO NAS ESCOLAS- SPE EM MARACANAÚ: que saberes e práticas são

problematizadas e quais as implicações nas políticas públicas de educação em saúde.

Dissertação submetida à avaliação do Programa de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará, como parte dos requisitos exigidos para obtenção do grau de Mestre. Área de Concentração: Políticas Públicas Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria do Socorro Ferreira Osterne

FORTALEZA – CE 2011

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L732p Lima, Edna Morais de A percepção de juventude a partir do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas- SPE em Maracanaú: que saberes e práticas são problematizadas e quais as implicações nas políticas públicas de educação em saúde. — Fortaleza, 2011.

146 p. : il Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria do Socorro Ferreira Osterne Dissertação (Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados

1.Juventude 2. Percepção de Juventude. 3. Políticas Públicas. 4. Políticas de Juventude. 5. Educação em Saúde. I. Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados.

CDD: 320.6

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EDNA MORAIS DE LIMA

A PERCEPÇÃO DE JUVENTUDE A PARTIR DO PROJETO SAÚDE E PREVENÇÃO NAS ESCOLAS- SPE EM MARACANAÚ: QUE SABERES E

PRÁTICAS SÃO PROBLEMATIZADAS E QUAIS IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE.

Dissertação submetida a avaliação do Programa de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará, como parte dos requisitos exigidos para obtenção do grau de Mestre. Área de Concentração: Políticas Públicas

Aprovada em 22/02/2011

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria do Socorro Ferreira Osterne, UECE

Orientadora

_______________________________________________ Prof. Dr. Francisco Horácio da Silva Frota , UECE

1º Examinador UECE

_______________________________________________ Prof. Dr. Raimundo Augusto Torres

2º Examinador UECE

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A Deus, pelo dom da vida... A essa mulher para quem a calmaria, o cansaço, o comodismo não chega nunca, pois é, e está sempre forte, alerta, guerreira, curiosa, vibrante. Mulher com quem aprendi a não desistir nunca, minha Mãe.

Ao Jean, companheiro e amado, aquele com quem compartilho e vivo as coisas que importam acima de tudo.

Todo meu amor e gratidão.

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AGRADECIMENTOS

Aos que no presente ou passado, das mais diferentes formas, colaboraram para realização desse momento, em especial:

À Professora Dra. Maria do Socorro Ferreira Osterne, que durante a feitura desse trabalho, me fez refletir sobre a necessidade de um olhar profundo e ao mesmo tempo simples, como elementos essencial de um pesquisador;

Ao Professor Dr. Francisco Horácio Frota, pelas contribuições, durante o mestrado, no momento da qualificação e, ainda, pelo cuidado e atenção dispensada nesse percurso;

Ao Professor Dr. Augusto, que no momento da qualificação, me instigou a novos olhares sobre o objeto pesquisado, enriquecendo-o com valiosas colaborações teóricas;

Às amigas do Departamento de Assistência à Criança e ao Adolescente- DEACA, onde me apaixonei pela primeira vez pelo tema juventude;

A Graça Gadelha e sua equipe, as amigas Regina Brandão, Excelsa e Mazé, que de forma comprometida e apaixonada iniciaram o trabalho com juventude em Maracanaú, na Coordenadoria de Juventude- COOJUV;

Meu especial agradecimento ao jovem Lenilson Sousa, que aos 17 anos foi estagiário do ensino médio, naquela coordenadoria e hoje é coordenador da Condição Juvenil, reafirmando minha crença de que jovem não tem futuro, tem presente;

Ao amigo Riksberg Cabral, que tem colocado a juventude na agenda das políticas de educação em saúde do município e pela partilha e luta na busca do entendimento dos jovens como sujeitos das ações;

A todos que lutam por dias melhores na construção de Políticas Públicas de Juventude, em especial ao primeiro secretário de juventude de Maracanaú Josbertine Clementino, responsável pela ampliação de minha paixão pelo tema juventude;

À Secretária da Juventude, Carla Viana, que acolheu o desafio de Gerir políticas para um segmento pouco reconhecido na sua condição juvenil, pouco valorizado na condição de sujeito; A companheira Silvana Maciel reconhecidamente militante na área, ao companheiro Eudásio Sousa e toda equipe da SEJUV, por partilhar a dor e a delícia de fazer políticas públicas de juventude;

A minha irmã e sobrinho Adriana e Kauê e aos amigos, Sara, Tiago, Nildo, Adriana, Renato, Nésia que pacientemente esperaram pela minha companhia, e pela força dispensada nesses momentos difíceis, em especial Roziana e Nilson Morais, Carlos e Manuela Gomes. Às amigas de mestrado Glória, Karine, Valesca e Ana Paula com quem partilhei minhas angústias.

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RESUMO LIMA, Edna Morais de. A percepção de juventude a partir do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas- SPE em Maracanaú: que saberes e práticas são problematizadas e quais as implicações nas políticas públicas de educação em saúde. Fortaleza. 2011. 172 p. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual do Ceará. Este estudo tem como objeto a reflexão sobre as percepções de juventude, a partir do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas- SPE em Maracanaú: que saberes e práticas são problematizadas e quais as implicações nas políticas públicas de educação em saúde. Tem como objetivo geral analisar as relações existentes entre as percepções de juventude e a implementação das políticas públicas, considerando o enfoque das intervenções operacionais e os discursos (saberes e práticas) dos atores que realizam ações de educação em saúde, com foco na juventude, a partir do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas-SPE. Considera-se que a feitura desta pesquisa é relevante, uma vez que poderá contribuir com respostas a questões sobre as perspectivas teóricas (saberes) e para o enfoque das intervenções (práticas) que norteiam a política de educação em saúde, com foco na juventude. Poderá, ainda, subsidiar teoricamente o trabalho de capacitação do Projeto SPE e as discussões e reflexões dentro do Comitê Intersetorial de Políticas Públicas de Juventude. A pesquisa. Os instrumentais utilizados foram: estudo bibliográfico e entrevistas com roteiro semiestruturado. Os sujeitos da pesquisa situam-se num campo de análise privilegiado: o Programa Saúde e Prevenção nas Escolas em Maracanaú; são profissionais de educação, saúde, juventude e assistência social. Constatou-se, através dos discursos dos sujeitos pesquisados, que a percepção de juventude, ainda, predominantemente presente nos discursos e ações de educação em saúde, é a de juventude como problema e juventude como etapa de transição para a vida adulta. Reconhece-se, também, a existência de uma relação dialógica entre as ações e os programas públicos e as percepções de juventude e, por fim, que essas percepções são decorrentes da dificuldade de análise dos problemas sobre a ótica sociológica. Considera-se, diante do cenário delineado pela pesquisa, que a política de educação em saúde, em Maracanaú, precisa ser rediscutida sob o aspecto de suas percepções sobre aqueles que são os sujeitos de suas ações, os jovens, sob pena de se continuar com saberes e práticas fragilizados e com vieses de controle e de reprodutores das percepções dos jovens como problema ou como fase de preparação para a vida adulta. Palavras- chave: juventude; percepções de juventude; políticas públicas; políticas de juventude; políticas de educação em saúde.

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ABSTRACT LIMA, Edna Morales. The perception of youth from the Health and Prevention in Schools-SPE in Marazion: that knowledge and practices which are debated and policy implications of health education. Fortaleza. 2011. 172 p. Dissertation. State University of Ceará. This study aims to reflect on the perceptions of youth from the Health and Prevention in Schools-SPE in Marazion: that knowledge and practices are assessed and what the policy implications of health education. The research aimed to analyze the relationships between perceptions of youth and implementation of public policies, considering the focus of operational and discourses (knowledge and practice) of actors who perform actions in health education with a focus on youth, from the Health and Prevention Program in Schools-SPE. It is considered the making of this research is important because this will help with answers to questions about the theoretical perspectives (knowledge) and the focus of interventions (practices) that guide the policy of health education focusing on youth. It may also theoretically maintain the capacity-building work of the Project and the SPEs discussions and debates within the Inter-Sectoral Committee on Public Policies for Youth. The instruments used were: literature research and interviews with a semi-structured. The research subjects are situated in a privileged field of analysis: the Health and Prevention Program in Schools in Marazion, they are professionals in education, health, youth and social welfare. It was found through the speeches of the subjects studied the perception of youth, still predominantly present in the speeches and actions of health education also are youth as a problem and youth as a stage of transition to adulthood. Also recognizes the existence of a satisfactory relationship between the actions and programs and public perceptions of youth and, finally, that these perceptions are due to the difficulty of analyzing the problems on the sociological perspective. It is considered on, the scenario outlined by the policy research in health education in Marazion must be revisited under the aspect of their perceptions of those who are the subjects of their actions, young people. Otherwise it would continue with knowledge and practices, weak and biased breeding and control of the perceptions of young people as problems or as preparation for adulthood. Keywords: youth, perceptions of youth, public policies of youth, education policies in health.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 01 População residente por faixa de Idade TABELA 02 Indicadores de ocupação e desemprego da força de trabalho TABELA 03 População ocupada por faixa de idade TABELA 04 Distribuição da frequência de doenças sexualmente transmissíveis na

faixa etária de 10 a 24 anos, nos anos de 2000, 2001, 2002 TABELA 05 Distribuição da frequência de Doenças Sexualmente Transmissíveis

na faixa etária de 10 a 24 anos em relação ao total, nos anos de 2000, 2001, 2002

TABELA 06 Gravidez em menores de 20 anos - 2001 - 2002 (jan. a set.)

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AVISA Área de Vigilância Sanitária BID Banco Interamericano de Desenvolvimento; BNB Banco do Nordeste do Brasil; BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico; BNH Banco Nacional da Habitação; CADEE Centro de Apoio e Desenvolvimento em Educação Especial CEPAL Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe; CIT Comissão Intergestores Tripartite CLT Consolidação das Leis do Trabalho; CRAS Centro de Referência da Assistência Social CREDE Coordenadoria Regional de Educação e Desenvolvimento DST/AIDS Doenças Sexualmente Transmissíveis/Síndrome da

Imunodeficiência Adquirida ECA Estatuto da Criança e do Adolescente; ELETROBRÁS Centrais Elétricas Brasileiras S.A.; FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço; FHC Fernando Henrique Cardoso; FMI Fundo Monetário Internacional; FUNRURAL Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural; GGM Grupo Gestor Municipal IAPAS Instituto de Administração Financeira da Previdência e

Assistência Social; IDH Índice de Desenvolvimento Humano; IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; NASF Núcleo de Assistência à Saúde da Família ONGs Organizações Não-Governamentais ONU Organização das Nações Unidas; PAC Programa de Ação Concentrada; PAEG Programa de Ação Econômica do Governo; PDDES Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social; PETROBRÁS Petróleo Brasileiro S.A.; PIB Produto Interno Bruto; PND Plano Nacional de Desenvolvimento; PPJs Políticas Públicas de Juventude; Proeja Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com

a Educação de Jovens e Adultos; Projovem Programa Nacional de Inclusão de Jovens; PROSAD Programa Saúde do Adolescente; PROSAJ Programa Saúde do Adolescente e do Jovem; ProUni Programa Universidade para Todos; PSE Programa Saúde na Escola PTB Partido Trabalhista Brasileiro;

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SALTE Saúde, Alimentação, Transportes e Energia; SPE Saúde e Prevenção nas Escolas; SPVEA Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônia; SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste; SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito; TRT Tribunal Regional do Trabalho; TST Tribunal Superior do Trabalho UBASF Unidade Básica de Saúde da Família UBASFs Unidades Básicas de Saúde da Família

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 13 2 TRILHA METODOLÓGICA: DAS IMPRESSÕES DO COTIDIANO AO

CONHECIMENTO CIENTÍFICO................................................................. 27 2.1 CONSTITUIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO: UM DIÁLOGO ENTRE O

PROBLEMA E A TEORIA........................................................................... 29 2.2 A CONSTRUÇÃO DOS PRESSUPOSTOS................................................ 32 2.3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA: DO PENSAMENTO À PRÁTICA.......... 33 3 POLÍTICAS PÚBLICAS: DAS POLÍTICAS DE JUVENTUDE ÀS

POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE................................................. 40 3.1 CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL E DAS

POLÍTICAS DE JUVENTUDE COM FOCO NA SAÚDE DO JOVEM......... 40 3.1.1 Caminhos das Políticas Públicas de Juventude.................................... 49 3.1.2 Políticas Públicas de Educação em saúde com foco na Juventude.... 62 3.2 POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE E SAÚDE NA ESCOLA:

CONCEITOS E APROXIMAÇÕES............................................................. 65 4 SABERES E PRÁTICAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

EM SAÚDE: CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE E FOUCAULT....... 72 4.1 EDUCAÇÃO EM SAÚDE E A PEDAGOGIA LIBERTADORA DE FREIRE 72 4.2 EDUCAÇÃO EM SAÚDE E O BIOPODER DE MICHEL FOUCAULT........ 78 4.2.1 A apreensão das múltiplas realidades a partir de um diálogo entre

Freire e Foucault....................................................................................... 81 4.3 EDUCAÇÃO EM SAÚDE: NA PERSPECTIVA DE NOVOS SABERES E

PRÁTICAS.................................................................................................. 87 5 SABERES E PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE A PARTIR DAS

PERCEPÇÕES SOCIAIS DE JUVENTUDE............................................... 90 5.1 CONSTRUÇÃO SOCIOLÓGICA DE JUVENTUDE A PARTIR DAS

PERCEPÇÕES SOCIAIS............................................................................ 90 5.1.1 A Percepção da Juventude como “período de preparação para vida

adulta”........................................................................................................ 94 5.1.2 Percepção da Juventude como Problema.............................................. 97 5.1.3 Percepção da Juventude como segmento estratégico para o

desenvolvimento do país......................................................................... 100 5.1.4 Percepção da Juventude cidadã como sujeitos de direitos................. 103 5.2 CONSTRUÇÃO SOCIOLÓGICA DE JUVENTUDE A PARTIR DA

COMPREENSÃO DA CONDIÇÃO JUVENIL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO................................................................................... 105

6 AS PERCEPÇÕES DE JUVENTUDE : SABERES QUE LEGITIMAM AS

PRÁTICAS.................................................................................................. 110

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7 CONTEXTOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE.................................................. 136

7.1 AS IMPLICAÇÕES ENTRE O CONTEXTO SOCIAL E POLÍTICO............. 136 7.2 DESAFIOS E PERSPECTIVAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS COM

FOCO NA JUVENTUDE............................................................................. 146 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 154 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 161

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1 A ideia de liminaridade refere-se aos ritos de passagem e aos costumes exóticos dos grupos tribais; a ideia de

individualidade, ao domínio da filosofia política, ao universo do mercado e do capitalismo, enfim, ao nosso próprio cotidiano, ao nosso universalismo implícito e inconsciente. Foi analisado pela primeira vez, na perspectiva sociológica, sendo tomados como expressões da dinâmica social, por Van Gennep em 1909. Outros autores, entre eles Turner, falam de rituais de passagem como um ritual de distanciamento do indivíduo da sua estrutura social e, depois, um retorno, com novo status.

INTRODUÇÃO

"Quando somos jovens, não julgamos bem; quando somos velhos, também não."

(Blaise Pascal)

A discussão e a definição em torno da juventude ganha importância no

decorrer do século XX. Antes, a definição tinha como base os marcos etários; hoje,

outros elementos são incorporados ao jogo de emancipação e subordinação, que,

segundo Novaes e Vanucchi (2004), está sempre em choque de Negociação. Esses

elementos de emancipação e subordinação constituem a condição juvenil na

contemporaneidade e fazem parte da elaboração e reelaboração da maturidade e

busca da autonomia, pelos jovens.

Nesse percurso, identificam-se novos modelos de sociabilidade, com

destaque para a saída do lócus protetor da família, bem como a redefinição

constante frente aos laços de dependência, como afirma Sposito (1994). Tomam-se,

ainda, como referência, outros elementos, quais sejam: a construção de vínculos

sociais através de vários agrupamentos juvenis, a nova configuração da participação

política, para além do movimento estudantil, e a inserção nos grupos, via domínio

das Tecnologias da Informação e Comunicação- TIC

Podem-se identificar, também, nesse momento, formas de isolamento

frente aos centros tradicionais de poder, na tentativa de resistência e distanciamento

dos enlaces impostos pela estrutura social. Sposito (1992, 1993) enriquece esse

entendimento, afirmando que essas formas de inserção produzem, também,

situações de liminaridade1, que se traduzem nas escolhas, na vivência de situações

limite que podem resultar em alternativas que negam expectativas, regras e modelos

dominantes de ordem e normalidade.

Esse processo não acontece isoladamente, os sujeitos se constituem nas

relações sociais. E nessas relações que permeiam ora a emancipação, ora a

subordinação da juventude, outros elementos são integrados, como as percepções

de juventude e os aparatos políticos.

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Esses elementos constroem-se com base nos dados demográficos e

estudos epidemiológicos, que envolvem a juventude, associados à nova forma de

sociabilidade, à pobreza e à vulnerabilidade dos indivíduos. Tem-se como resultado

dessa percepção o entendimento de que as mudanças nos padrões de sociabilidade

e de inserção social são capazes de afetar a vida dos jovens, traçando novas

realidades como: consumo de drogas, a juvenização e feminização da AIDS, a

gravidez entendida como indesejada e não planejada, a violência, os acidentes, a

evasão escolar etc.

Assim, a condição juvenil ganha visibilidade ancorada nos problemas. E a

partir da ênfase dada às questões anteriormente citadas, os aparatos políticos

entram nesse processo como mecanismo redefinidor dos problemas que têm como

foco maior a juventude e o reequacionamento dos recursos e estratégias para

enfrentar os supostos problemas.

Sposito (2007) traz uma reflexão sobre as políticas públicas de juventude,

com base na análise da constituição da agenda pública voltada para o jovem, e sua

interseção como o consenso dominante em torno da ideia de uma juventude pobre,

ociosa, em situação de vulnerabilidade e risco, a qual repercute nos discursos e

gestão. Afirma a autora:

[...] conforme um ponto de vista bastante enraizado socialmente, com repercussões não desprezíveis no discurso e ações dos gestores públicos que constituem no plano da retórica um amálgama de representações ambíguas (SPOSITO, 2007, p. 14).

Investiga-se, assim, a trajetória das políticas públicas com foco na

juventude e percebe-se que, embora a discussão da juventude na perspectiva

exposta por Sposito tenha tomado corpo mais recentemente, as experiências

realizadas no âmbito das políticas públicas de juventude na América Latina, desde a

década de 1950, se pautam na oferta de programas sociais e no desenvolvimento

de ações que tentam encontrar solução para a problemática da vulnerabilidade

juvenil.

Sobre isso a UNESCO (2004) afirma que as ações dos Estados em torno

das políticas públicas destinadas aos jovens se apresentam ao longo dos anos a

partir de alguns modelos de políticas públicas, os quais se descrevem, em linhas

gerais, a partir deste ponto:

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O primeiro modelo, desenvolvido na década de 1950, relaciona-se com

o crescimento econômico da América Latina, o que, no Brasil, não foi diferente, e

possui dois focos de ação: a educação e o tempo livre. A proposta era investir

enfaticamente na escolarização para que os jovens pudessem se integrar à

sociedade através do aprimoramento científico e profissional.

O segundo modelo surge na década de 1970, sob a perspectiva de

promoção do controle social de jovens em posição de contestação da sociedade e

do sistema político. Tinha por finalidade, de acordo com a UNESCO (2004), o

cerceamento da autonomia dos jovens. Lança-se mão, para tanto, de programas

governamentais que se destinam a promover o isolamento e o controle dos

movimentos estudantis.

Nos anos de 1980, surge o terceiro modelo. Nesse período, há um

crescimento da organização juvenil que, ao lado de outros movimentos sociais,

promoveu uma forte resistência contra os governos ditatoriais. Assim, decorre a

reabertura econômica que trouxe, para os governos democráticos, fortes problemas

a serem enfrentados, como a expansão da pobreza e a recessão da economia.

É nos anos de 1980 que se percebe uma evolução na discussão das

políticas públicas relacionadas a esse segmento. Passou-se a ter um arcabouço

teórico, legal e até político, que colocou em pauta a necessidade de uma política

específica.

No cenário mundial, o reconhecimento dos jovens como força positiva de

grande potencial para contribuir com o desenvolvimento e o progresso social, bem

como para a promoção dos direitos humanos, aprovado pela Resolução Nº 50/1981,

da Assembléia Geral das Nações Unidas. Configura-se como estratégia de

enfrentamento aos desafios atuais e futuros da juventude. Para a Organização das

Nações Unidas- ONU, a implementação de uma Política de Juventude significa um

compromisso de seus Estados – membros a este enfrentamento.

Envolvida por esse contexto e atualizada com a discussão chega-se aos

anos 2000 e os órgãos que gerenciam a política nacional de juventude, a partir de

um diagnóstico sobre as condições sociais dos jovens brasileiros, mapeou, em 2004,

as principais ações do governo e formulou nove desafios: 1) erradicar o

analfabetismo; 2) ampliar o acesso ao ensino e à permanência em escolas de

qualidade; 3) preparar para o mundo do trabalho; 4) gerar trabalho e renda; 5)

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democratizar o acesso ao esporte, ao lazer, à cultura e à tecnologia da informação;

6) promover vida saudável; 7) promover os direitos humanos e as políticas

afirmativas; 8) estimular a cidadania e a participação social; 9) melhorar a qualidade

de vida nos meios rurais e comunidades tradicionais.

O governo norteou, também, a política nacional de juventude a partir de

diretrizes, a saber: singularidade da juventude; jovens como sujeitos de direitos;

valorização da diversidade juvenil; fortalecimento dos segmentos vulneráveis;

transversalidade das políticas; participação juvenil. Entre os principais programas e

projetos da política nacional de juventude, estão o Projovem, ProUni, Programa Livro

Didático para o Ensino Médio, Proeja- (Programa Nacional de Integração da

Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de

Jovens e Adultos), Programa Brasil Alfabetizado, Projeto Rondon, Soldado Cidadão,

Segundo Tempo, Escola Aberta, Bolsa Atleta, Pontos de Cultura, Nossa Primeira

Terra e Pronaf Jovem, Programa Juventude e Meio Ambiente e Saúde do

Adolescente e do Jovem.

Respaldadas pelo contexto nacional, surgem, no final dos anos 1990 e

início de 2000, nas esferas estaduais e municipais, estratégias de implementação de

um desenho institucional para as políticas de juventude, quando são criadas

Secretarias, Assessorias e Coordenadorias nos âmbitos federal, estadual e

municipal.

Em Maracanaú, vivi-se no mesmo período uma discussão inicial sobre

ações destinadas a esse segmento. Cidade da Região Metropolitana de Fortaleza,

Maracanaú tem 69% da sua população com menos de 29 anos e guardada as

devidas singularidades e a realidade da condição juvenil, a juventude vivencia das

mais diversas formas o processo de sociabilidade, discorrido no início deste

trabalho. Assim, a cartografia de Maracanaú possui muitas juventudes; juventudes

políticos- partidárias, juventudes religiosas, grupos de jovens artistas, desportistas

etc. Dessa forma, a partir de diagnóstico sociodemográfico, realizado em 2000 pelo

Comitê Intersetorial de Juventude, sobre a realidade juvenil, deu-se início em 2002 a

um trabalho voltado, especificamente, para esse segmento. Ressalte-se que, para

isso, foi criada a Coordenadoria de Juventude- Coojuv.

Tomou-se, para esse momento do trabalho, parte do diagnóstico,

realizado nesse período, que traz os indicadores sobre a população, o trabalho

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(ocupação), a saúde sexual e reprodutiva, as mortalidade por causas externas etc, a

fim de que se compreenda o contexto inicial das políticas públicas de juventude em

Maracanaú. A escolha dessa parte do diagnóstico, também, se deu por estar

diretamente relacionada com as informações que auxiliam as políticas de educação

em saúde para os jovens, estando, assim, diretamente ligada ao objeto de estudo

em pauta. Dentre outros, o diagnóstico apresentava os seguintes dados:

Tabela 01

MARACANAÚ – CE – 2002

População residente por faixa de idade

Total de 10 a 24 anos

Total do município

Até 09 anos

10 a 14 anos

15 anos

16 a 17 anos

18 a 19 anos

20 a 24 anos

Acima dos 24 anos

Abs %

179.732 41.213 21.513 4.054 7.907 7.978 17. 364 79.703 58.816 32,72

Fonte: IBGE- Censo 2000

A população de Maracanaú de 10 a 24 anos de idade representa 32% do

total da população. Quando tomada de 0 a 29 anos, perfaz um total de 69%,

caracterizando-se eminentemente jovem.

Tabela 02 MARACANAÚ- CE – 2001

Indicadores de ocupação e desemprego da força de trabalho

Indicadores Abs. Taxa

População em idade ativa 115.944 69,50

População economicamente ativa 49.186 42,42

População ocupada 39.792 34,25

Ocupação informal 19.259 48,51

Desemprego aberto 9.484 19,28

Fonte: pesquisa Direta SINE/IDT – 1991.

O estudo mostrou que parte significativa da População Ocupada (PO) de

Maracanaú (37,14%) estava inserida em seu segmento jovem, na faixa de 10 a 29

anos, como é apresentado na tabela a seguir e, ainda, que mais da metade da

População Ocupada (PO) do município tem apenas o primeiro grau incompleto e,

somente, 1,2% possui nível superior.

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Tabela 03

MARACANAÚ – CE – 2001

População ocupada por faixa de idade

Sexo (%) Faixa etária

Masc. Fem.

Total (%)

10 a 19 anos 10,82 12,84 11,64

20 a 29 anos 34,08 31,46 25,50

30 a 39 24,75 26,59 25,50

40 a 49 20,40 19,53 20,04

50 anos e mais 9,95 9,58 9,80

Fonte: pesquisa Direta SINE/IDT – 1991.

Na área da saúde, pode se verificar que a saúde reprodutiva foi um dos

principais campos que evidenciou a vulnerabilidade social dos jovens no campo da

saúde. O SINAN – Sistema de Informações de Agravos Notificáveis - oferece

indicadores que possibilitam um melhor recorte por faixa etária, quanto às doenças

sexualmente transmissíveis. A tabela a seguir apresenta as principais doenças

sexualmente transmissíveis, na faixa entre 10 e 24 anos, numa série histórica de

2000 a 2002 (janeiro a setembro) notificadas no município:

Tabela 04

MARACANAÚ - CE - 2002

DSTsAnos

2000 2001 2002Cancro mole 0 0 0Candidíase 3 4 4Clamídia 0 0 0DST não especificada 0 0 0Gardnerella vaginalis 23 50 70Gonorréia 18 9 19Herpes simples 0 0 1Herpes anogenital 2 3 0HPV 0 1 5Linfogranuloma venéreo 0 0 0Ingflamação da pelve feminina 0 0 0Verruga anogenital 15 10 15Uretrites gonocóccicas 0 0 1Sífilis 12 3 9Tricomoníase 4 5 26Total de DSTs na faixa de 10 a 24 anos 77 85 150Fonte: SINAN - Sistema de Informações de Agravos Notif icáveis - 2000, 2001, 2002 (jan. a set.).

Distribuição da frequência de doenças sexualmente transmissíveis na faixa etária de 10 a 24 anos, nos anos de 2000, 2001, 2002

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Segundo o setor de estatística da então Secretaria Municipal de Saúde e

Ação Social, o crescimento, ao longo do tempo, do número de ocorrências devia-se,

principalmente, a uma melhora na notificação, levando em conta as dificuldades de

busca por tratamento das DST por parte do público juvenil. A tabela a seguir mostra

a proporção das DST contraídas pelos adolescentes e jovens em relação ao total

das notificações nos mesmos anos.

Tabela 04

A tabela revelava, por um lado, o crescimento da incidência e/ou das

notificações em todas as faixas, mas, por outro, uma redução relativa crescente, ao

longo dos três anos, na faixa dos 10 a 24 anos. Essa informação reiterava os

indícios da subnotificação presente, ainda, entre os adolescentes e jovens no campo

das DST.

A gravidez na adolescência permanece com um alto índice, tendo

crescido de 2001 para 2002, sobretudo pelos dados de 2002 se referirem aos meses

de janeiro a setembro. A tabela a seguir mostra que, em 09 meses de 2002, o

índice já teria superado todo o ano de 2001.

Tabela 05

Abs % Abs % Abs %10 a 24 anos 77 46,67 85 37,78 150 28,90Todas as faixas 165 100,00 225 100,00 519 100,00

2001 2002

Fonte: SINAN - Sistema de Informações de Agravos Notificáveis - 2000, 2001, 2002 (jan. a set.)

Distribuição da frequência de Doenças Sexualmente Transmissíveis na faixa etária de 10 a 24 anos em relação ao total, nos anos de 2000, 2001,

Faixas etárias2000

MARACANAÚ - 2002

Gravidez em menores de 20 anos - 2001 - 2002 (jan. a set.)

Ano%

2001 1.368 364 26,61

2002 419 383 91,52

Nº total de gestantes

Gravidez em menores de 20 anos

Abs

Fonte: SIAB - Sistema de Informação da Atenção Básica -2001 / 2002 (jan. a set.)

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_____________________

2 A Microrregião Sanitária III, denominada de Maracanaú compreende os municípios de Maracanaú, Acarape, Redenção, Guaiúba, Maranguape, Pacatuba, Barreiras e Palmácia. Juntos, estes municípios, somam 404.250 habitantes. A população do município de Maracanaú (179.732) representa 44,46% deste total.

Os índices de gravidez na adolescência alimentaram a compreensão de

que se fazia necessária a realização de ações educativas no campo da

contracepção e da prevenção de DST. O acesso à camisinha constitui-se num

problema para os jovens e adolescentes que não querem expor sua atividade sexual

para suas famílias e nem para a comunidade, ressalta o relatório.

Segundo o relatório, no campo da saúde reprodutiva estava parte

significativa da vulnerabilidade social dos jovens, fazendo-se necessário, portanto,

estruturar políticas de saúde reprodutiva com foco específico no segmento juvenil,

capaz de atrair os jovens com ações de capacitação, prevenção e atendimento.

As consultas realizadas pelas equipes do PSF, nos anos de 2001 e 2002,

mostraram uma baixa procura dos jovens e adolescentes pelo serviço de saúde.

Outro indicador apresentado no relatório é o Coeficiente de mortalidade

por causas externas. Maracanaú, como um importante município integrante da

Região Metropolitana de Fortaleza, pertence à Microrregião de Maracanaú2, cujos

coeficientes de mortalidade por causas externas, por 100.000 habitantes, superam

os da capital. O gráfico a seguir coloca a região de Maracanaú em primeiro lugar

num perverso ranking que atinge, principalmente, os jovens.

Acaraú

Camocim

Brejo Santo

Canidé

Icó

Crateús

L. do Norte

Tauá

J. do Norte

Aracati

Baturité

Itapipoca

Quixadá

Iguatu

Sobral

Crato

Tianguá

Caucaia

Russas

Fortaleza

Maracanau

0 10 20 30 40 50 60 70

17,5

22,7

30,3

39,7

40,8

44,4

45,4

47,2

49,4

50,6

50,7

51,5

51,5

52,3

53,3

54,2

55,3

58,2

58,2

62,6

66,1

Coeficiente de Mortalidade por Causas Externas segundo Microrregião - Ceará 2000

Fonte: SESA / NUEPI / SIM

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3 De acordo com Castro e Abramovay (2002), as políticas para juventude dão ênfase ao controle e à atuação do Estado; é construto da democracia e responsabilidade social que atua na perspectiva de preparar gerações presentes, para serem gerações futuras, reconhecendo-se que tanto na infância, na adolescência como na juventude se anunciam as gerações seguintes. As políticas com a juventude se caracterizam por políticas especificas para grupos e segmentos jovens e passam, nessa linha, pela formação política dos jovens, no sentido de aprender a zelar pela coisa pública, acompanhar e cobrar a ação do Estado—exercicio de cidadania. As políticas de juventude são decididas e formatadas com a participação dos jovens, combinando- se a participação de grupos na sociedade civil com a de outros em instituições da sociedade; reconhecem o jovem como sujeito protagonista e de direitos. Políticas de/para/com juventudes significam tanto rejeitar políticas imposta por governos, e, ao mesmo tempo, não minimizar o papel do Estado. É do Estado o papel de legislar, administrar e implementar políticas públicas em consonância com a sociedade civil.

O diagnóstico foi composto, também, por outros levantamentos que

identificaram as potencialidades do município, como composição do parque escolar,

número de Unidades Básicas de Saúde, número de equipamentos sociais, grupos

artísticos, grupos juvenis organizados existentes no município etc.

A partir desse desenho sobre a juventude e embalado pela efervescência

da discussão política sobre juventude em âmbito nacional, Maracanaú propõe, em

2000, uma política baseada na participação juvenil; são realizados fóruns de

discussão e criados os comitês de articulação jovens- CAJ. Os trabalhos

desenvolvidos pelos CAJ tiveram como base a participação dos jovens nas diversas

áreas políticas: educação, cultura, saúde, esporte, lazer, trabalho, renda etc.

Ressalte-se que as proposições que, dos anos de 2000 a 2011, mais

avançaram, em nível de discussão com a gestão, e onde se teve mais espaço para

discutir políticas públicas sob a ótica da compreensão da condição juvenil, deram-se

na área de saúde, tendo como resultados a proposição e a criação do “Dia do

Jovem” nas Unidades de Saúde, a criação de um grupo de jovens multiplicadores

em saúde, o fortalecimento das ações de capacitação para profissionais da área de

saúde e educação, a criação do Centro de Referência em Saúde Sexual e

Reprodutiva do adolescente e do jovem, esse último não se efetivou e está em

discussão.

Em 2007, foi criada a Secretaria da Juventude em Maracanaú, que

norteou a Política Municipal de Juventude, tendo como base a discussão e a

proposição de políticas públicas de/com/e para a juventude3, a partir de 7 eixos

estruturantes, estando três deles em consonância direta com as ações e diretrizes

do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas. São eles: Promoção da Qualidade de

Vida Saudável para a Juventude; Valorização da Diversidade com Vida Segura e

Direitos Humanos, Empoderamento, Autonomia, Emancipação e Protagonismo da

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Juventude. Nesse contexto, os órgãos gestores de juventude em

Maracanaú, ou como coordenadoria, ou como secretaria, sempre se inseriram nas

discussões e ações de educação em saúde do município. De 2000 a 2007, teve

participação técnica no Núcleo Gestor do Projeto Amor à Vida, projeto social,

educativo e de prevenção que tinha por objetivo disseminar uma prática pedagógica,

reflexiva e de diálogos nos municípios cearenses. Coordenado pela Secretaria de

Ação Social do Estado, trabalhava os temas: saúde sexual e reprodutiva, gênero,

cultura de paz, família (conversas de família), saber ouvir, alimentação saudável,

sexualidade.

Esse projeto teve suas ações redimensionadas, em 2008, pelo Projeto

Saúde e Prevenção nas Escolas - SPE, quando foi criado, através de portaria, o

Grupo Gestor Municipal- GGM e, posteriormente, o Grupo Gestor Jovem – GGJ. O

município desenvolve, a partir daí, trabalho com 15 escolas estaduais e com 17 das

54 escolas do município.

O Saúde e Prevenção nas Escolas é um projeto intersetorial que, partindo

dessa premissa, tem por objetivo fomentar a incorporação da cultura da prevenção

na atuação profissional cotidiana, contribuindo para uma aprendizagem

compartilhada na saúde e na educação e em outras instituições públicas e da

sociedade civil, cujas ações repercutam na redução da vulnerabilidade de

adolescentes e jovens.

Em Maracanaú, o SPE tem uma peculiaridade. Ele agrupa ações não

somente de saúde sexual e reprodutiva, embora estas sejam o maior foco, mas

direciona a formação e a realização das atividades de forma ampliada, integral e

trabalha com os seguintes temas: direitos e saúde sexual e reprodutiva, relações de

gênero, sexualidade, doenças sexualmente transmissíveis e AIDS, violência familiar

e urbana, gravidez na adolescência, drogas, família, protagonismo juvenil,

adolescência e juventude. Esse projeto conta com a participação de uma equipe

multiprofissional e configura-se como espaço interdisciplinar e intersetorial; atende a

uma das diretrizes da política nacional, a um dos sete eixos da política municipal de

juventude e se insere, também, no programa municipal de saúde do adolescente e

do jovem- PROSAJ.

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Portanto, considera-se o referido projeto um rico espaço de compreensão

dos saberes e práticas, de educação em saúde, com foco na juventude, motivo pelo

qual se definiu como lócus da pesquisa.

Compreende-se esta pesquisa como um instrumento que poderá

contribuir com respostas a questões sobre as perspectivas teóricas (saberes) que

norteiam a política de juventude; o enfoque das intervenções (práticas) de educação

em saúde e a relação destas com as percepções de juventude.

Esta pesquisa poderá subsidiar o trabalho de capacitação e

acompanhamento desenvolvido pelo GGM do SPE, com profissionais das

secretarias de educação, de saúde, de juventude, e de assistência social, grupo do

qual faço parte, bem como poderá melhorar a qualidade do trabalho realizado com

os próprios jovens. Acredita-se, também, que o estudo poderá subsidiar discussões

e reflexões dentro do Comitê Intersetorial de Políticas Públicas de Juventude. O

comitê foi criado pela gestão municipal de Maracanaú, através do Decreto Nº 1.709,

de 16 de maio de 2007, e é formado por diversos representantes dos órgãos da

prefeitura, com os seguintes objetivos:

•••• Contribuir para ampliar os conhecimentos e conformar os conceitos

básicos para o entendimento da condição juvenil no município de

Maracanaú;

•••• Analisar as práticas adequadas desenvolvidas por outras instituições

públicas e privadas sobre a temática, propondo recomendações

pertinentes;

•••• Desenvolver de forma efetiva a concertação e coordenação de

esforços entre as instituições do executivo Municipal em matéria de

juventude;

•••• Subsidiar todas as etapas referentes à elaboração e ao

desenvolvimento do Plano Municipal de Juventude de Maracanaú,

traçando, assim, novas estratégias de mudanças das representações

sociais, das políticas públicas de juventude e da mudança de

comportamento dos jovens quanto ao autocuidado.

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Nessa perspectiva, o presente trabalho propõe reflexões sobre a

percepção de juventude embutida no Programa Saúde e Prevenção nas Escolas-

SPE em Maracanaú: que saberes e práticas são problematizados e quais suas

implicações nas políticas públicas de educação em saúde.

Tem como público alvo os atores que fazem as políticas públicas de

educação em saúde com foco na juventude, tendo como referência o Programa

Saúde e Prevenção nas Escolas em Maracanaú.

Esta pesquisa norteia- se a partir de algumas indagações, tais como: 1-

Quais, dentre os quatro paradigmas de percepções de juventude, os que estão

presentes na política de educação em saúde: i- Juventude como etapa problema; ii-

Juventude como etapa de preparação, transição entre a infância e a vida adulta; iii-

juventude como ator estratégico para o desenvolvimento; v- Juventude como

sujeitos de direitos.

Outras indagações sobre o tema estão, assim, constituídas: 2- Em que

bases sociológicas estão ancoradas as percepções de juventude? 3- Existe relação

entre as percepções sociais de juventude e a implementação das políticas de

educação em saúde? 4- Quais os enfoques das intervenções operacionais: que

saberes e práticas se apresentam como “vontade de verdade” nas políticas de

educação em saúde com foco na juventude?

As respostas a essas questões foram compiladas nos objetivos propostos

por este estudo que, a partir de seu objetivo macro, se propôs a analisar as relações

existentes entre as percepções de juventude e a implementação das políticas

públicas, considerando o enfoque das intervenções operacionais (saberes e

práticas) e os discursos das políticas de educação em saúde com foco na juventude,

a partir do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas e, de forma mais específica,

traçou os seguintes objetivos:

• Identificar quais percepções de juventude estão presentes no discurso dos

atores que fazem a política de educação em saúde;

• Compreender sob que bases sociológicas estão construídas as percepções de

juventude;

• Analisar as relações e o cenário existente entre as percepções de juventude e a

implementação das políticas públicas de educação em saúde.

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• Investigar que saberes e práticas são engendrados no SPE que se expressam

como “vontade de verdade” sobre a juventude, tendo como foco a educação em

saúde;

Este trabalho foi, portanto, estruturado em oito capítulos, a contar da

introdução, rematando com as considerações finais.

A introdução, ponto de partida, apresenta a razão, os objetivos e as

divisões da feitura desse trabalho.

O segundo capítulo versa sobre o percurso metodológico, em que são

retratados os caminhos percorridos até o encontro com o objeto da pesquisa.

Constitui-se o objeto de estudo a partir de um diálogo entre o problema e a teoria,

indicam-se os pressupostos e a trajetória metodológica composta pelos

interlocutores teóricos, a natureza da pesquisa, o campo de análise, a seleção dos

sujeitos da pesquisa, os instrumentos e um rápido relato da experiência por mim

vivida.

O terceiro capítulo apresenta a relação existente entre o Estado e as

políticas públicas, partindo de algumas questões como: sob que prisma são

estabelecidas as políticas públicas e por que os governos fazem políticas públicas,

uma vez que se considera que elas esclarecem as decisões e os caminhos de

implementação dessas políticas. Discorre- se, então, sobre a construção das

políticas públicas no Brasil e sobre as políticas de juventude com foco na saúde do

jovem. Busca-se não um conceito ou definição de políticas públicas, mas a

compreensão de sua função e base de interesse de sua formulação. Definiu-se

como ponto de partida a ser observado o período histórico que acontece dos anos

1930 aos nossos dias, traçando um rápido desenho da política pública

desenvolvimentista/intervencionista, até seu esgotamento, nos anos 1980, na

chamada década perdida. Em seguida, descreve- se sobre a política de

descentralização dos anos 1990 e a tentativa de construir uma política social. Até se

chegar a uma aproximação do cenário em que foram pensadas as políticas públicas

de juventude na contemporaneidade e políticas de educação em saúde

Nos capítulos quarto e quinto, faz-se uma análise a partir dos autores que

atendem a expectativa deste trabalho, os quais discorrem sobre as categorias

políticas públicas de juventude e de educação em saúde.

Mais especificamente, o quarto capítulo dedica-se a uma análise dos

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saberes e práticas que norteiam as políticas de educação em saúde, tendo como

foco as contribuições de Freire e Foucault e, no quinto capítulo, a análise é feita

sobre os saberes e práticas a partir das percepções sociais de juventude.

O sexto capítulo constitui o momento em que a dissertação busca verificar

os pressupostos sobre as percepções sociais e suas possíveis implicações na

implementação das ações de educação em saúde. É, também, o momento de

apresentação do resultado da pesquisa. Os resultados foram concebidos da

seguinte forma: percepções de juventude presentes no discurso dos atores que

fazem a política de educação em saúde e quais as implicações nas políticas; os

enfoques das intervenções operacionais: saberes e práticas que se apresentam

como “vontade de verdade” sobre a juventude, através do SPE, e o referencial

teórico e/ou pedagógico que norteia a prática dos educadores.

O sétimo capítulo destina-se a conjeturar os caminhos da educação em

saúde que se pautam nas percepções de juventude, aproximando os contextos, as

perspectivas e os desafios que a realidade propõe.

Nas considerações finais, oitava e última parada, apresentam-se os

resultados obtidos com a pesquisa e lançam-se propostas de possível colaboração

com o Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas e com outras instâncias que possam

realizar atividades de educação em saúde tendo como público a juventude.

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2 TRILHA METODOLÓGICA: DAS IMPRESSÕES DO COTIDIANO AO

CONHECIMENTO CIENTÍFICO

O cotidiano produz fatos que geram informações; para que elas se transformem em dados, precisam passar pelo processo da investigação, da pesquisa propriamente dita. Os dados, correlacionados com esquemas interpretativos, transformam-se em fatos de conhecimento.

Maria da Glória Marcondes Gohn (1999)

O conhecimento não se reduz a um inventário de dados isolados

conectados por uma explicação teórica (OSTERNE, 2001: p. 23). Atendendo ao

convite da orientadora, para uma aproximação de forma mais simples, do objeto de

pesquisa e reflexão sobre os caminhos que edificaram a chegada a esse momento,

traz-se a memória o início de uma relação com a temática.

Em 1996, ainda, no Departamento de Assistência à Criança e ao

Adolescente da Secretaria de Saúde e Assistência Social, onde ampliei meu olhar

profissional como pedagoga no campo social, compus, juntamente com duas amigas

assistentes sociais e um médico a equipe de formação do Projeto Amor à Vida.

Projeto sob a coordenação da Secretaria de Ação Social do Estado- SAS, em

parceria com a Secretaria de Educação- SEDUC e Secretaria de Saúde- SESA. O

projeto atuava nas áreas da saúde, assistência social e educação, trazendo à

discussão os temas: saúde sexual e reprodutiva, gênero, cultura de paz, família

(conversas de família), saber ouvir, alimentação saudável e sexualidade.

Em 2002, convidada a integrar a equipe da coordenadoria da juventude,

tive meu primeiro contato com a discussão sobre juventude, sob o novo olhar que se

construía no Brasil. Paralelamente a essa nova realidade, se constituía uma nova

formação na equipe do Projeto Amor à Vida. E há quase uma década passada,

poucos avanços de sucesso eram percebidos nos indicadores em relação à gravidez

na adolescência, às DSTs, ao fenômeno da violência e ao fortalecimento das ações.

E uma indagação surgia, incomodava: por que, quanto mais são pensadas

estratégias, quanto mais se discutem temas como: sexualidade, gravidez na

adolescência, DSTs/AIDS, violência, mais a realidade se mostra contrária, rebelde e

distante do que esperançamos?

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Em harmonia com a discussão nacional da política de juventude em 2007,

a prefeitura de Maracanaú, atualizando- se com a realidade da discussão sobre as

PPJs, cria-se uma Secretaria de Juventude- SEJUV. Em 2008, assumo a

coordenação técnica de políticas públicas de juventude. Acolho novas leituras que

me apaixonam e, acima de tudo, me instigam.

No mesmo período, são rediscutidas as ações de educação em saúde,

trazendo o jovem como parceiro e protagonista das ações. Discussão que chega

com maior força na esfera estadual e municipal, agora com o nome de SPE,

componho o Grupo Gestor Municipal do SPE, enquanto SEJUV, bem como, o grupo

formador.

Nas capacitações dos educadores do SPE, as atividades eram sempre

realizadas a partir de palavras ou temas geradores, ciclos de culturas, predições

que, embora não fizessem parte de uma metodologia de pesquisa, propiciavam um

contato mais direto com a realidade dos saberes desses educadores. As discussões

e as falas elucidavam aos poucos os saberes sobre as temáticas do Projeto. Sobre a

família, falas que verbalizavam quase sempre a família como desestruturada sendo,

assim, um modelo incompleto (OSTERNE, 2001: p. 72). Decretava- se sua falência,

quase sempre não se reconheciam os novos desenhos familiares e o imaginário

repousava sobre a família numa visão ideal. A gravidez na adolescência, sempre

vista como não planejada, indesejada e um problema. Sexualidade é discussão para

poucos. Poucos sabem, podem e querem conversar sobre (os educadores). Em

geral, é coisa de professor de Biologia, de Educação Física ou de pedagogos que

estão no apoio à docência. Mas uma coisa é certa muitos querem e poucos podem

(os alunos), têm hora, idade e a família que não permite. Gênero é, ainda, uma

discussão que permeia o imaginário, como uma nova versão do feminismo, vista

como guerra entre os sexos, percepção minha. Expressões como: mas isso tá

mudando, as mulheres já ocupam novos espaços de trabalho são falas correntes. A

desconexão entre esse fenômeno (me refiro à inserção da mulher no mercado de

trabalho), e a evocação permissível do capitalismo, que a vê como boa produtora, a

não relação da assimetria de gênero com a feminização do HIV e com outras

questões como violência doméstica contra crianças e adolescentes e violência

contra mulher, dificulta o aprofundamento da questão e torna a discussão superficial.

Em meio a isso, adolescentes e jovens, público “destinatário” das ações do SPE, se

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equilibram na gangorra ora como indivíduos cheios de energia, criativos, ousados,

ora como conflituosos, em crise, problemáticos. Jovens reconhecidos sobre a

eminência do risco, e com uma incapacidade de promover sua saúde e de realizar

escolhas relacionadas à sua sexualidade e vida reprodutiva.

Esse cenário me deixava angustiada e inquieta. E nesse trajeto, no

entrelaçar das reflexões teóricas sobre juventude e as práticas dos profissionais que

atuam nas ações de educação em saúde, aprofundo minhas indagações na tentativa

de possibilitar um diálogo entre os saberes e práticas que me fizessem compreender

melhor a realidade nas quais estão inseridas as políticas de educação em saúde

com foco na juventude.

Para mim, mais que simples falas eu tinha, na minha percepção, um

contexto de saberes e práticas higienistas e policialescas. Panorama instigador que

me convocou e atraiu para a discussão. Assim, nasceu meu objeto de estudo.

Em 2010, tive a oportunidade de caminhar por outra parte desse percurso

e para tanto, realizei inicialmente, um levantamento bibliográfico sobre a temática

juventude e políticas públicas. Num segundo momento uma releitura que entendi ter

sido imprescindível para a delimitação e fixação do objeto a ser pesquisado, bem

como os referenciais que subsidiaram a problematização e definição das categorias

abordadas: juventude, percepções de juventude, políticas públicas, políticas públicas

de juventude e educação em saúde.

2.1 Constituição do objeto de estudo: um diálogo entre o problema e a teoria

Minhas indagações e os saberes presentes nas falas dos atores confluem

ao encontro das Ciências Sociais que, para Minayo (1994), possuem instrumentos e

teorias que, ainda que de forma incompleta, imperfeita e insatisfatória, aproximam o

conhecimento e a vida dos seres humanos em sociedade.

As questões nascidas anteriormente não cessam. Ampliam-se. E, de

posse de alguns conceitos sobre as percepções que se têm sobre os jovens, lanço

mão das seguintes indagações: quais, dentre os quatro paradigmas de

representação da juventude: I- Juventude como etapa problema; II- Juventude como

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4 Para Foucault, a primeira hipótese da Ordem do discurso é a de que existem procedimentos externos de controle do discurso, os procedimentos de exclusão – a Vontade de verdade – que se mostra como sistema de coerção: exerce, sobre os demais discursos, pressão e poder de coerção: os discursos buscam autorizar-se pelo discurso da verdade.

etapa de preparação, transição entre a infância e vida adulta; III- juventude como

ator estratégico para o desenvolvimento; IV- juventude como sujeitos de direitos,

estão presentes na política de educação em saúde?

Existe relação entre as percepções sociais de juventude e a

implementação das políticas de educação em saúde? Quais os enfoques das

intervenções operacionais: que saberes e práticas se apresentam como “vontade de

verdade4” nas políticas de educação em saúde com foco na juventude?

Com base nos estudos sobre as políticas públicas de juventude nas duas

ultimas décadas, podem-se confirmar os avanços quanto a pesquisas referentes à

temática, bem como sua maior relevância na agenda política do país, tornando-se

alvo de investimento, principalmente, de políticas públicas do Governo Federal,

através de programas voltados para o segmento juvenil.

Contudo, é legítimo e pertinente refletir sobre em qual direção estão

sendo construídas as políticas públicas de juventude- PPJ. Nesse aspecto,

acreditamos que as PPJs estão sendo construídas institucionalmente sob

parâmetros homogêneos e estigmatizadores, tendo como eixos principais as

percepções de juventude problemática, de riscos ou juventude em transição para a

vida adulta, desconsiderando a condição juvenil e fazendo perdurar uma relação

cíclica entre percepções de juventude - políticas públicas – sociedade – exclusão da

juventude da condição de sujeito de direito. Porém este estudo justifica-se, também,

por acreditarmos que a análise e reflexão podem contribuir para a quebra desse

ciclo, e resultar em novas percepções, como afirmam Sposito e Carrano (2003).

Tomou-se, então, como base os estudos sobre as políticas públicas de

juventude nas últimas décadas, as percepções de juventude, aproximações sobre os

saberes e práticas de educação em saúde para compreender e proceder ao

entrelaçamento entre a realidade dos sujeitos pesquisados e as indagações da

pesquisa estabelecendo, primordialmente, “um diálogo entre a teoria e o problema a

ser investigado” (DESLANDES, 1994, p. 40).

Esse diálogo lança mão da cientificidade das Ciências Sociais,

fundamentando- se na partilha de princípios e não nos procedimentos. Parte de

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algumas considerações, sendo a primeira delas: que a cientificidade das Ciências

Sociais é regulada por abstração e não a partir de modelos e normas a serem

seguidos; os investigadores devem estar imbuídos da aceitação dos critérios da

historicidade, isto significa compreender que as sociedades humanas existem num

determinado espaço cuja formação social e configuração são específicas; e que o

conhecimento está em construção (MINAYO, 1994).

Minayo (1994) ressalta outros dois elementos considerados importantes

na constituição do objeto de estudo: a compreensão de que, nas Ciências Sociais,

existe um fundamento comum de identidade com o investigador, tornando-os

solidariamente imbricados e comprometidos. E a eminente característica qualitativa

da pesquisa social.

A partir das fundamentações anteriores, correlacionadas às evidências,

partiu-se para a formulação dos objetivos desta pesquisa:

Objetivo Geral

• Analisar as relações existentes entre as percepções de juventude e a

implementação das políticas públicas, considerando o enfoque das

intervenções operacionais e os discursos (saberes e práticas) dos atores

que realizam ações de educação em saúde com foco na juventude, a

partir do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas.

Objetivos Específicos

• Identificar quais percepções de juventude estão presentes no discurso

dos atores que fazem a política de educação em saúde;

• Compreender sob que bases sociológicas estão construídas as

percepções de juventude;

• Investigar que saberes e práticas são engendrados no SPE que se

expressam como “vontade de verdade” sobre a juventude, tendo como

foco a educação em saúde;

• Analisar a relação e o cenário existente entre as percepções de

juventude e a implementação das políticas públicas de educação em

saúde.

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2.2 A construção dos pressupostos

A conformação das ações e programas públicos não sofre apenas os efeitos de concepções, mas pode, ao contrário, provocar modulações nas imagens dominantes que a sociedade constrói sobre seus jovens. Assim, as políticas públicas de juventude não seriam apenas o retrato passivo de formas dominantes de conceber a condição juvenil, mas poderiam agir, ativamente, na produção de novas representações. (SPOSITO & CARRANO, 2003).

A literatura evidencia os avanços na constituição de políticas públicas de

juventude na última década. No entanto, a discussão e a formulação dessas

políticas estão norteadas sob o argumento demográfico, tendo o aumento do

número de jovens no país como bônus e o reconhecimento da juventude como

atores estratégicos de desenvolvimento. É perceptível, ainda, que a inserção da

temática juventude como questão social e a implementação dos programas e

projetos voltados para esse segmento, têm se apresentado através de discursos e

ações de natureza compensatória, de controle e estigmatizante a partir de

concepções de juventude, da “vontade de saber” sobre os jovens, tendo como

instrumento, entre outros, a política de educação em saúde.

Os pressupostos aqui trabalhados derivam da junção da conjuntura

teórica citada acima e da realidade empírica nascida das falas dos educadores,

reconhecendo-se, assim, o que diz Minayo sobre a importância dos pressupostos

quando afirma que são “como um diálogo que se estabelece entre o olhar do

pesquisador e a realidade a ser investigada”, (MINAYO, 1994). Cercamos-nos,

portanto, de alguns pressupostos que guiaram essa pesquisa e que poderiam ser

confirmados ou refutados pelos resultados da investigação, a saber:

1- Dos quatro enfoques das concepções de juventude apresentados na

sociedade, os mais presentes nos discursos e ações de educação em

saúde, ainda, são da juventude como problema e juventude como etapa de

transição;

2- As percepções de juventude tem como base construções sociológicas

estruturalistas.

3- As percepções de juventude e a “vontade de verdade” sobre os jovens

estão relacionadas simbioticamente;

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4- As percepções de juventude se traduzem no enfoque das intervenções

operacionais (práticas) da política pública e na perspectiva teórica

(saberes) que a norteia e, por vezes, modela os comportamentos, explica e

justifica sua expressão, tendo, pois, implicação direta na implementação

dessas políticas.

2.3 Trajetória metodológica: do pensamento à prática

Entendemos por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. (Cecília Minayo)

Essa etapa do trabalho teve por objetivo traçar o percurso metodológico

que seria utilizado na busca das perguntas que orientaram a pesquisa.

Utilizou-se a metodologia como articuladora entre conteúdos,

pensamentos e abordagem da realidade. Tomou-se como interlocutores teóricos,

preferencialmente, Foucault, Freire, Sposito e Krauskopf.

Com o intuito de facilitar a compreensão, subdividiu-se o roteiro, que se

constituiu no instrumento de pesquisa, em três blocos estratégicos: bloco 1-

Percepções de Juventude - percepções de juventude presentes no discurso dos

atores que fazem a política de educação em saúde e as implicações das PPJs;

bloco 2- Enfoques das intervenções operacionais: saberes e práticas que se

apresentam como “vontade de verdade” sobre a juventude através do SPE; 3-

Tendência pedagógica/atividades- abordagens e instrumentos educacionais

empregados nas atividades. É importante ressaltar que, embora, subdivididos os

pontos expressos em cada bloco estão correlacionados. São estratégias para captar

e atender ao objetivo maior desta pesquisa.

Decorrente do objetivo proposto, este estudo se configurou como um

estudo analítico e descritivo. Adotou-se o procedimento da pesquisa exploratória.

Envolveu um levantamento bibliográfico elaborado a partir de um referencial teórico.

O trabalho de campo usou entrevistas, visando proporcionar uma maior

aproximação com o objeto de estudo, através de identificação e análise dos saberes

e práticas que norteiam as políticas de educação em saúde destinadas à juventude.

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_____________________

5 Definem-se aqui como “sujeitos de diálogos” aqueles em quem se observa o construto teórico e, como diria

Freire (1987: p. 44), “tentamos um adentramento no diálogo como fenômeno humano, que nos revela a palavra”.

Esta pesquisa buscou conhecer, compreender e analisar as percepções

dos profissionais que atuam no programa de educação em saúde- SPE em

Maracanaú. Teve como foco da abordagem o processo e seu significado sendo,

portanto, eminentemente de natureza qualitativa.

Optou-se pela pesquisa qualitativa por considerar-se que esta modalidade

dá melhor conta da relação existente entre o mundo real e o sujeito, entre o objetivo

e o subjetivo, permitindo segundo Minayo (1994), uma aproximação com o mundo

dos significados, das ações e relações humanas, o que não é perceptível e captável

em uma pesquisa somente quantitativa. Acredito, assim, que a pesquisa colaborou

em nível pessoal para atenuar minhas ansiedades e impressões primeiras,

reelaborando meus conhecimentos acerca do objeto estudado, bem como subsidiou

discussões, planejamentos e formação na área de educação em saúde com foco na

juventude.

A elaboração e reelaboração do conhecimento científico, para emergir do

encontro entre a literatura e o fato empírico, requer um terceiro elemento: “os

sujeitos de diálogos5”, a partir dos quais, se entrelaçam esses dois saberes, e

obtém-se como resultado o acúmulo teórico através da ressonância desses sujeitos,

aos nossos enunciados. É importante localizar esses sujeitos, aqui nomeados, ou

reconhecidos como atores, partícipes (profissionais de educação, saúde, juventude

e assistência social) que atuam em um programa de educação em saúde. Esses

atores situam-se num campo de análise privilegiado: o Programa Saúde e

Prevenção nas Escolas- SPE em Maracanaú.

Participam desse programa, profissionais das 15 escolas estaduais, de 17

das 59 escolas municipais; 17 Unidades Básicas de Saúde da Família – UBASFs; os

04 Centro de Referência da Assistência Social - CRAS e 04 Centros de Convivência

da Assistência Social (Polos de Convivência ABC). É importante ressaltar que, nos

equipamentos sociais CRAS e Centros de Convivência, o programa se desenvolve

como atividade do serviço de convivência e fortalecimento de vínculos do Projovem

Adolescente.

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Com o objetivo de organizar o trabalho de campo, e melhor compreender

as percepções de juventude e os saberes e práticas implementados no Projeto

Saúde e Prevenção nas Escolas, foram estabelecidos alguns indicadores para a

seleção dos sujeitos participantes da pesquisa, a saber: atores com formação

diversa; com atuação institucional diversificada e com pensamentos ideológicos

diversos. Com base nos indicadores descritos, anteriormente, foram entrevistados

nos meses de fevereiro, março e abril de 2011, profissionais da saúde, educação

assistência social e da juventude descritos no quadro 1, responsáveis pela

formulação, sistematização, realização e acompanhamento das ações do Projeto

SPE em Maracanaú. Os grupos foram compostos por gestores e técnicos de

programas ou coordenações nas quais está inserido o SPE; por profissionais das

UBASF, por educadores das Escolas Municipais, por educadores das Escolas

Estaduais, profissionais do CRAS e dos Centros de Convivência; por profissionais

da Secretaria da Juventude e pelo Grupo Gestor Municipal do SPE- GGM,

perfazendo um total de 24 participantes com as seguintes indicações:

Quadro 1- profissionais participantes da pesquisa

Gestores e Técnicos de Programas ou Coordenações

Profissionais Informações Profissionais

Enfermeiro Pós-Graduação: Gestão em Serviços e Sistemas de Saúde e Epidemiologia Local de trabalho: Secretaria Municipal de Saúde Cargo/função: Coordenador de Atenção Básica à Saúde. Resp. pelo Programa de Saúde do Adolescente e do Jovem- PROSAJ, Programa de Saúde da Família- PSF e Programa de DST/ AIDS, e Membro do Grupo Gestor Municipal- SPE.

Filósofa Pós-Graduação: Dependência Química Local de trabalho: Secretaria Municipal de Saúde Cargo/função: Gerente do Programa de Saúde do Jovem e do Adolescente – PROSAJ

Publicitário Pós-Graduação: -------------------- Local de trabalho: Secretaria Municipal da Juventude Cargo/função: Coordenador da Política da Condição Juvenil e Membro do Grupo gestor Municipal- SPE

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Pedagoga Pós-Graduação: -------------------- Local de trabalho: Secretaria Municipal da Juventude. Cargo/função: Coordenadora da Política da Transição

Professor (a) Português Pós-Graduação: Psicopedagogia Local de trabalho: CREDE 01 Cargo/função: Técnica Pedagógica, Técnica respons. pelo PSE nas Escolas Estaduais e Membra do Grupo Gestor Municipal – SPE

Professor (a) História Pós-Graduação: Metodologia do Ensino Local de trabalho: CREDE 01 Cargo/função: Técnica Pedagógica

Assistente Social Pós-Graduação: Enfrentamento a Violência Doméstica e Esp. Serviço Social Local de trabalho: Sec. Assistência Social e Cidadania – Proteção Social Cargo/função: Coordenadora da Proteção Social

Pedagoga Pós-Graduação: Psicopedagogia Local de trabalho: Sec. Assistência Social e Cidadania – Proteção Social Cargo/função: Técnica de Referência do Projovem Adolescente, responsável pelo acompanhamento geral- SASC)

Cientista Social e Historiador

Pós-Graduação: Docência do Ens. Superior e Relações no Trabalho e mestrando em Inovação Pedagógica. Local de trabalho: Secretaria de Educação Cargo/função: Coordenador de Ações sócioeducativas e complementares

Pedagoga Pós-Graduação: Administração Escolar e mestranda em Ciências da Educação Local de trabalho: Secretaria de Educação Cargo/função: Responsável pelo acompanhamento de Ações sócioeducativas e complementares

Profissionais das Unidades Básicas de Saúde da Família- UBASF Profissionais Informações Profissionais

Enfermeira Pós-Graduação: -------------- Local de trabalho: UBASF- PSF Cargo/função: Enfermeira

Enfermeira Pós-Graduação: -------------- Local de trabalho: UBASF- PSF Cargo/função: Enfermeira

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Assistente Social e Pedagoga

Pós-Graduação: Programa Saúde da Família e Gestão Escolar Local de trabalho: UBASF- NASF Cargo/função: Assistente Social

Assistente Social Pós-Graduação: -------------------- Local de trabalho: CADE Cargo/função: Assistente Social

Educadores das Escolas Municipais Profissionais Informações Profissionais

Pedagoga Pós-Graduação: Educação Especial e Psicopedagogia em curso Local de trabalho: Escola Vinicius de Moraes Cargo/função: Atendimento Educacional Especializado Cargo/função: Enfermeira

Pedagoga Pós-Graduação: Gestão Escolar Local de trabalho: Escola Edson Queiroz Cargo/função: Vice- diretora

Ciências Religiosa Pós-Graduação: Administração Escolar Local de trabalho: Escola Herbert de Sousa Cargo/função: Vice – diretora

Professor (a) Geografia Pós-Graduação: Planejamento Educacional e Gestão Escolar (em curso) Local de trabalho: Escola Construindo o Saber Cargo/função: Vice- diretora e coord. pedagógica

Educadores das Escolas Estaduais,

Profissionais Informações Profissionais

Professor (a) Educação Física

Pós-Graduação: Espc. Ed. Física Escolar e Gestão Escolar Local de trabalho: Escola Martins Filho Cargo/função: Professor

Professor (a) Português Pós-Graduação: Gestão Escolar Local de trabalho: Escola Estadual Clodoaldo Pinto Cargo/função: Coordenadora Escolar

Professor (a) Biologia Pós-Graduação: Planejamento Educacional Local de trabalho: Liceu Estadual de Maracanaú Cargo/função: Coordenadora Pedagógica

Educadores dos PROJOVENS- CRAS e Polo Profissionais Informações Profissionais

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Psicólogo Pós-Graduação: Psicologia Social Local de trabalho: CRAS Cargo/função: Técnico de Referência do Projovem

Psicóloga Pós-Graduação: Psicodrama sócioeducacional e terapêutico Local de trabalho: CRAS- Projovem Cargo/função: Técnica de Referência do Projovem

Historiadora/ Geógrafa/Pedagoga

Pós-Graduação: -------------------- Local de trabalho: Centro de Convivência- Polo ABC Cargo/função: Orientadora Social

A escolha dos instrumentos é de significativa importância, uma vez que

esse é o caminho para oportunizar a interação com o informante, a fim de captar

percepções que se desejam conhecer. Para proceder à interação com os sujeitos da

pesquisa, escolhe-se a entrevista semiestruturada, em que se podem alternar

perguntas abertas e fechadas, possibilitando ao informante discorrer sobre o tema

proposto. A entrevista semiestruturada permite, ainda, uma maior flexibilidade, na

medida em que se pode alterar a ordem das perguntas, tendo-se ampla liberdade

para fazer intervenções, de acordo com o caminhar da entrevista, como afirma

(Bleger, 1993).

Nesse processo, alguns elementos, também, se configuram como

mediadores na maneira de apreender a realidade, além de agregar qualidade à

entrevista. São eles: o ouvir, o olhar e o escrever.

E a partir do que diz Morin (1996): “Trabalho as ideias que me trabalham”.

Tem-se a clareza de que não se olha, não se escuta e não se fala do mesmo lugar.

O conhecimento que é produzido pelos indivíduos traz a historicidade, as

existências, os saberes, potências e limites de cada um. Assim, inferem-se idéias e

experiências, sobre o objeto analisado. Todavia, Osterne (2001), apoiando-se em

Minayo, que define o objeto das Ciências Sociais como histórico e como tal

provisório, dinâmico e específico, afirma que aquilo ou aqueles que se tornam

objetos do conhecimento, também, emprestam sentido ao seu trabalho, atribuindo

significado e intencionalidade as suas ações e as suas construções. Caracterizando-

se a relação entre investigador e investigado como uma relação dialógica. Tem-se,

portanto, a compreensão de que o olhar, a escuta e a escrita devem estar imbuídos

de consciência crítica sobre os modos de expressão do processo científico e

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empírico, necessariamente marcados pela indagação e pelo questionamento de

seus limites e possibilidades.

Com base nessa visão iniciou-se a pesquisa, que perfez, através das

entrevistas 583 min 40s, o equivalente a 9h 42min e 40s de escuta. Percebi ao

primeiro contato com os possíveis entrevistados que alguns, embora fizessem parte

do programa, aparentavam insegurança e desconforto para aceitar o convite.

Portanto, quando possível, procurando não ferir os indicadores estabelecidos para a

seleção dos sujeitos participantes da pesquisa, escolheram-se os profissionais que

tinham mais familiaridade com o contexto em estudo, afim de que os informantes

pudessem ficar à vontade e seguros.

A proximidade com a realidade da maioria dos entrevistados, também

favoreceu o desenvolvimento da pesquisa. E, quando oportuno e necessário,

acrescentaram-se perguntas adicionais, que elucidaram questões que não haviam

ficado muito claras.

Algumas vezes, no decorrer da entrevista, houve a necessidade de situar

ou alinhar alguns conceitos como os de políticas públicas, referencial teórico ou

pedagógico, a fim de dirimir as dificuldades de compreensão. Em outras, no caso da

indagação sobre o referencial teórico/pedagógico ficou claro não se tratar de

compreensão conceitual e sim de pouco ou quase nenhum domínio ou

fundamentação teórico sociológica, pedagógica ou filosófica.

Bourdieu (1999) fala que os pesquisados, por vezes, aproveitam a

ocasião para se fazer ouvir, levar para os outros sua experiência e, muitas vezes, é

até uma ocasião para eles se explicarem, isto é, construírem seu próprio ponto de

vista sobre eles mesmos e sobre o mundo. Isso ficou muito patente nas falas. O

diálogo oportunizado pelo primeiro bloco de perguntas trouxe falas que partiam das

vivência dos sujeitos, tanto como profissionais, quanto das memórias comparativas

entre a juventude de ontem e de hoje, entre os modelos e suas experiências

familiares. O momento da entrevista, também, se configurou um momento de

reflexão sobre questões até, então, não refletidas por alguns dos sujeitos

pesquisados, conforme expressam em suas falas.

Embora as perguntas tenham sido organizadas em blocos, a divisão não

teve como base um modelo racional com a intenção de separar e compartimentalizar

os conhecimentos e percepções resultantes da pesquisa. Não sendo, portanto,

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prejudicada a contextualização e o princípio de correlação entre as perguntas,

necessário em uma pesquisa segundo Morin (2000). No decorrer da audição e

transcrição, vai-se apreendendo e aprendendo a intrínseca relação entre todas as

falas, explicitando-se nas percepções, nos saberes sobre a juventude e, por fim, nas

práticas políticas de educação em saúde destinadas à juventude.

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3 POLÍTICAS PÚBLICAS: DAS POLÍTICAS DE JUVENTUDE ÀS POLÍTICAS DE

EDUCAÇÃO EM SAÚDE.

3.1 Construção das Políticas Públicas no Brasil e das Políticas de Juventude

com foco na saúde do jovem.

Ao analisar as políticas públicas, não se pode desconsiderar a relação

existente entre o Estado e as políticas que este implementa em uma dada sociedade

e em um dado momento histórico.

Pretende-se, neste ponto do trabalho, não conceituar, nem avaliar as

políticas públicas, mas ponderar sobre algumas “questões subjetivas”, considerando

a importância dessas questões de fundo, uma vez que elas esclarecem, as decisões

tomadas, as escolhas e caminhos de implementação das políticas públicas, bem

como os modelos de avaliação aplicados, em relação a uma estratégia de

intervenção governamental

Portanto, indaga-se, a partir das ideias de alguns autores, sobre essa

relação e compreensão, sob que prisma são estabelecidas. Para além do conceito,

impõe-se as seguintes questões: está por que os governos fazem políticas públicas?

Sob que perspectiva os governos fazem políticas públicas?

Num primeiro momento, tem-se a formulação de políticas públicas como

“função natural” do Estado, em suas dimensões técnicas e administrativas. Porém,

de acordo com Lamounier (1982), a compreensão do significado das políticas

públicas corresponde a um duplo esforço: de um lado, o de entender a dimensão

técnico-administrativa que a compõe buscando verificar a eficiência e o resultado

prático das políticas públicas para a sociedade; de outro lado reconhecer que toda

política pública é uma forma de intervenção nas relações sociais em que o processo

condiciona e é condicionado por interesses e expectativas sociais.

A noção clássica de Lowi (1964) divide as políticas públicas

conceitualmente em três tipos: regulatória, que trata da limitação ou concessão de

atividades, como a privatização ou concessão direta de serviços públicos,

distributiva que estimula ou desestimula setores de atividades já existentes e

regulamentadas e redistributiva, que intervém na estrutura econômica da

sociedade criando mecanismos que diminuam as desigualdades sociais.

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Ao lançar mão de outros autores que, também, discorrem sobre o tema

apontando outras vertentes, apercebe-se do caráter formulador, das políticas

públicas o qual, segundo Saraiva (2006), desempenha o papel de controle do real e

está subordinado à compreensão de quem o prescreve, afirmando, o autor, que a

política pública envolve um fluxo de decisões públicas, direcionado a manter o

equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade.

Envolvem decisões condicionadas pelo próprio fluxo e pelas reações e modificações

que elas provocam no tecido social, bem como pelos valores, idéias e visões dos

que as adotam ou influem na decisão.

Bucci (2006) ressalta que as políticas públicas representam os

instrumentos de ação dos governos, numa clara substituição dos “governos por leis”

(government by Law) pelos “governos por políticas” (government by policies). O

fundamento mediato e fonte de justificação das políticas públicas é o Estado social,

marcado pela obrigação de implemento dos direitos fundamentais positivos, aqueles

que exigem uma prestação positiva do poder público.

Döring (Döring 2004, apud Sobottka, 2006) descreveu como finalidade

suprema da política social “evitar formas extremas de desigualdade e, com isso,

assegurar a coesão interna da sociedade”. Segundo esta resposta relativamente

clássica, estas políticas devem assegurar a continuidade do nível de vida em caso

de ocorrência de certos riscos inerentes à vida moderna, como desemprego e

incapacidade para o trabalho, e evitar a pobreza. Enquanto a manutenção de um

nível de vida já alcançado se orienta pelo mérito, evitar a pobreza implica,

necessariamente, em uma redistribuição de renda. Döring (Döring 2004 apud

Sobottka, 2006) mencionam seis razões para a existência de políticas sociais: apoiar

eficiência econômica, minimizar a pobreza, fomentar a integração e evitar a exclusão

social, assegurar estabilidade e fomentar as igualdade sociais e proteger a

autonomia individual.

De posse dos conceitos acima, surgem algumas indagações mais

específicas, como por exemplo as seguintes: sob quais bases se norteiam a

formulação das políticas públicas no Brasil? É o Estado Social e o implemento dos

direitos fundamentais constituem o enfoque das políticas públicas? A política pública

brasileira perpassa, substitui o governo de leis por um governo político? A política

pública no Brasil corresponde ou responde às seis razões mencionadas por Goodim

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(2002). É intervencionista ou tem-se um modelo desenvolvimentista? Regula as

relações entre sociedade civil e poder público?

Não se têm respostas absolutas para estas perguntas, mas elas se fazem

necessárias para se perceberem as contradições entre o conceito e a prática na

implementação dessas políticas, bem como para uma maior compreensão de como

são implementadas as políticas públicas de juventude- PPJs.

E para se chegar a essa compreensão, faz-se necessário que se saiba

dos espólios histórico-políticos, referentes à construção das políticas públicas no

Brasil. Portanto, sem adentrar anos a fio, na história das políticas públicas no Brasil,

toma-se como ponte o período mais recente que deságua nos dias atuais. Período

que segundo Santos (2003), estende-se dos anos 1930 até os dias atuais. Até os

anos de 1930, a economia do país era eminentemente agrícola e, 50 anos depois,

por volta de 1980, o Brasil figura no cenário mundial como a 8ª economia no que

concerne ao Produto Interno Bruto - PIB industrial.

O autor ressalta, ainda, que o Brasil se transformou numa potência

industrial em cinqüenta, sessenta anos, enquanto outros países levaram séculos

para alcançar o mesmo feito na indústria. Do período de 1920 a 1980, impetrava

políticas públicas na perspectiva desenvolvimentista, conservadora, autoritária, nas

quais o Estado de bem-estar social e suas relações não preocupavam, pois a

finalidade era promover o desenvolvimento através da consolidação do processo

industrial. Low-beer (2002) salienta que nesse movimento é possível reconhecer

dois momentos diferentes: a) do Estado desenvolvimentista (dos anos 1930 até o

final dos anos1960); seguido por b) um período marcado por uma atuação

marcadamente intervencionista, até o final dos anos 1980, quando teve início um

período de definições econômicas, sociais e políticas, resultando em profundas

mudanças que apontavam em direção a um Estado com características neoliberais

(anos 1990). Ainda que de forma geral, expõe-se a seguir no quadro 2 uma

compreensão aproximada de como foram construídas as políticas públicas

marcadas pelo desenvolvimentismo/intervencionismo dos anos 1930 aos anos 1980.

Ressaltam-se algumas características e acontecimentos desse período,

com destaque das seguintes variáveis: controle e regulação política; nacionalização

e reforma institucional; organização da sociedade para o desenvolvimento

econômico; planejamento/investimento para a aceleração da indústria; investimento

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na matriz industrial; transição política e ajustamento; fortalecimento do nacionalismo;

reformas institucionais; esgotamento financeiro do Estado (década perdida).

Quadro 2- Síntese da construção das políticas públicas dos anos 1930 aos anos 1980

Dos anos 1930 - 1940

Caracterização Datas/Acontecimentos/Objetivos

Primeiros “ensaios” de controle e regulação- política restrita e cidadania regulada

1930 - Criação do Ministério do trabalho, que elaborou toda a legislação social e trabalhista do país. 1932- Decretada jornada de oito horas para os setores da indústria e do comércio; regulamentado o trabalho dos menores; criou-se a carteira de trabalho; documento de identidade do trabalhador, além do salário mínimo. 1934 - Instituição do Código de Águas, além dos códigos de regulamentação dos serviços de utilidade pública, o de informação estatística centralizada, além dos primeiros planos destinados a promover a autossuficiência energética e de transportes; CLT; criação de comissões de conciliação e julgamento entre trabalhadores e patrão. O TRT e STT; criação do IAPAS de algumas categorias;

Início do primeiro estágio da nacionalização Reforma Institucional

1937- Criação de empresas estatais, autarquias mistas e o estabelecimento do controle nacional sobre certas áreas estratégicas de produção, como mineração, aço e petróleo; 1937 - Capacitação do aparelho de Estado destinado a controlar e administrar funções macroeconômicas 1940 – Criação do imposto sindical

Envolvimento do Estado na organização da sociedade e para o desenvolvimento econômico.

1942 – Criação da Companhia Vale do Rio Doce; 1943- a Companhia Nacional de Álcalis; criação da Fábrica Nacional de Motores.

Década de 1950 Caracterização Datas/Acontecimentos/Objetivos

Conjugação do planejamento/investimento.

Elaboração do Plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transportes e Energia para o período de 1950 a 1954), indicativo de gastos públicos e de fomento aos referidos setores, considerados ‘gargalos’ ao desenvolvimento. 1951- Instalação da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos, com a missão de avaliar o processo de industrialização e os pontos de estrangulamento da

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economia.

Surgimento de grandes e competentes burocracias especializadas na gestão pública setorial.

1952- Criação do BNDE e do IPEA, com o objetivo de fornecer insumos técnicos e setoriais para a formulação das políticas de desenvolvimento econômico; criação da PETROBRÁS, a SPVEA - Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia e a ELETROBRÁS - Centrais Elétricas Brasileiras S/A.

Fundação das bases do modelo econômico das décadas seguintes

1953 – Criação do BNB, agente financeiro da SUDENE; publicação das instruções da SUMOC- 70 (consistia na criação de um sistema de proteção tarifária ao similar nacional) e 113 (isenção de impostos às empresas estrangeiras que investissem em setores de interesse para o desenvolvimento que não tivessem similar nacional. 1955 – Criação de empresas estatais em setores básicos, como aço, petróleo, energia elétrica e transporte; criação do Banco de São Paulo.

Investimento na indústria de bens de capital e de consumo duráveis para promover a diversificação da matriz industrial.

Segunda metade dos anos 1950 - Criação dos “grupos executivos” compostos por representantes dos setores públicos e privados, que tinham por objetivo desenhar e acompanhar a implementação das várias metas setoriais do Plano, resultando num verdadeiro ‘boom’ do crescimento industrial.

Década de 1960 Caracterização Datas/Acontecimentos/Objetivos

Transição política e ajustamento fiscal. Política econômica orientada para exportações proteção à indústria local e o investimento estatal direto.

Entre 1961 e 1964 - Concentração nas chamadas “reformas de base” cujo objetivo político era fortalecer o Poder Executivo, e, no plano econômico, exigir um maior controle da inflação por meio do controle da oferta;

1964- Golpe militar consequente do descontentamento dos grupos econômicos partidários do modelo exportação de manufaturados; crise econômica; redução da capacidade produtiva; reivindicações sociais; uma aliança tecnocrático-militar de caráter desenvolvimentista.

Fortalecimento do grupo nacionalista que defendia o desenvolvimento baseado na expansão do mercado interno. (Programa de Ação Econômica do Governo – PAEG)

1969 – Criação do PAC - Programa de Ação Concentrada com o objetivo de implementar instrumentos de ação comunitária a partir da elaboração de planos, e a execução de projetos setoriais.

Década de 1970 Caracterização Datas/Acontecimentos/Objetivos

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1971- Implantação do FUNRURAL; Criação de programas de promoção da infraestrutura, de geração e transmissão de energia hidroelétrica (regiões Nordeste, Sul e Centro-Oeste); inclusão da variável social e a questão urbana, pela primeira vez; O PDDES - Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (67 a 76), estabelecia uma regionalização, com o objetivo de consolidar o mercado nacional. 1972 – 1974 - Publicação do Plano de Desenvolvimento Nacional- IPND. 1974 – Criação do Ministério da Previdência e Assistência Social; implementação do Plano Nacional de Saneamento que aumentou o número de domicílios com acesso a água e esgoto.

Déficit público relativamente equilibrado; inflação em patamares aceitáveis; políticas concentravam-se em infraestrutura básica.

Reformas institucionais, financeiras, reestruturação administrativa do setor público, ao criarem-se mais quatro ministérios: Comunicações, Transporte Planejamento e Interior. Período de crescimento exitoso. Período também chamado de “milagre brasileiro”

1976 - Formulação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano - programas estratégicos: o Programa de Regiões Metropolitanas; de Capitais e Cidades de Porte Médio; de Cidades de Pequeno Porte; o Programa de Núcleos Urbanos de Apoio e o Programa de Cidades Históricas, destinados a reforçar as regiões metropolitanas.

Década de 1980 Caracterização Datas/Acontecimentos/Objetivos

Marco divisório da história política e econômica recente, função do esgotamento. Também chamada “Década Perdida”

1980- 1989 – Economia extremamente baixa; esgotamento da capacidade de financiamento do Estado; 1982 - O país recorreu ao FMI - Fundo Monetário Internacional; desemprego brutal; encerramento do ciclo militar; democratização do país; Criação dos Planos Cruzado, Bresser e Verão, todos baseados no congelamento de preços e tarifas. 1988 - Sancionada uma nova Constituição, que, entre outros dispositivos, regulamentou o FGTS e sancionou outras medidas econômicas e políticas; grande crescimento das cidades; grande concentração de renda e elevação da pobreza.

Fonte: Low-Beer (2002); Lamounier (1982); Santos (2003).

Embora, a partir dos anos 1970, sejam perceptíveis algumas ações de

caráter social, o Brasil sempre teve um ordenamento intervencionista e/ou

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desenvolvimentista e, ainda, de proteção a grupos industriais restritos com

interesses especiais ou relacionados à produção ou “interesses de classe”,

constituindo ações formuladas sempre sob o norte das diretrizes econômicas, a fim

de promover o capitalismo financeiro e industrial. Eram, também, características das

políticas públicas, no período de 1930 a 1980, a centralização das decisões no

governo federal, ações institucionalmente fragmentadas, estruturadas, organizadas

por área de atuação em educação, saúde, habitação e saneamento, entre outras, e,

por fim, a supressão da sociedade civil do processo de formulação de políticas da

implementação dos programas e do controle de ação governamental.

Aufere-se, com base nas ideias acima, relacionando-as com os quadros

anteriormente apresentados, que as ações empreendidas no processo de

construção das políticas públicas no Brasil estiveram longe de compor as políticas

públicas sociais na perspectiva do Estado de bem-estar-social, que propõe a

proteção e promoção do bem-estar social e econômico dos cidadãos e reafirma a

cidadania social como cerne da sua concepção.

As características das políticas públicas desse período fortaleciam o

Estado de Direito e distanciavam as ações do ideário da política social do Estado de

bem-estar- social. A política social produzia, no máximo, programas sociais dentro

da ótica paternalista.

O que torna possível afirmar, portanto, que, apesar do crescimento dos

programas sociais, esses tinham como marcas ações compensatórias,

assistencialistas e clientelistas ou tinham como objetivo promover insumos de

infraestrutura necessários para a iniciativa privada, que eram atores principais do

desenvolvimento. Santos (1979) colabora com o entendimento da política social,

suas configurações e ineficácia após os anos 1930, através do conceito de

cidadania regulada, presente na prática política do governo “revolucionário”,

descrevendo- o assim:

Por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei (SANTOS, 1979, p. 75).

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Com o objetivo de criar um campo conciliador de interesses, impedindo o

conflito, a cidadania regulada se investe de proteção ao trabalhador através de uma

legislação trabalhista corporativa e estatal, tendo como resultado o peleguismo e a

cooptação dos sindicatos pelo governo, tendo influência na política parlamentar e na

criação do PTB.

Segundo Pereira (1993), historicamente, o Estado brasileiro pouco atuou

com relação às políticas sociais. Nos anos 1980, esta atuação foi ainda mais

reduzida a despeito do aumento da máquina burocrática social e dos seus

dispêndios: quase 20% do PIB, reforçando o caráter clientelístico e privatista das

políticas sociais. Os gastos com educação, saúde, trabalho e previdência caíram

ainda mais, alcançando níveis assustadores.

Se, da década de 1930 à década de 1980, tem-se uma política pública

voltada para o desenvolvimento industrial, ora sob a ótica do intervencionismo, ora

sob a ótica da proteção, a partir dos anos 1990, tem-se, segundo a exposição de

Low-Beer (2002), uma inflexão que traz, paralelamente, as mudanças no papel do

Estado e nas transformações econômicas, políticas e sociais.

Chega-se aos anos 1990 com uma herança da política de

descentralização. A nova política é marcada pelo viés econômico, em que a União

transfere a execução e o ônus de algumas políticas públicas. Para este novo

momento, a descentralização de acordo com Alves (2003), significava maior controle

social do gasto público e transferência às comunidades locais do poder de decisão

para melhor e mais justa alocação do recurso público. A descentralização já

procedente desde o final dos anos 1980, desencadeada pela Constituição de 88,

força mudanças nas relações entre os entes federados, redistribuindo competências

de tributos dos tesouros a cada esfera de governo, bem como provocando, a

descentralização dos poderes decisivos dos estados e municípios, conferindo – lhes

efetividade, eficiência e desafogamento do orçamento do governo Federal.

Já na década de 1990, afirma Alves (2003) que, com nova forma, a

descentralização inspirada em um cenário ideológico com pressupostos neoliberais

e com maior relevo no Brasil e com o Governo Collor, se desencadeia uma ampla

abertura financeira e mercantil da economia, marcando a entrada do Brasil na

expansão do capital multinacional, ou na era da globalização.

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A incorporação desse novo formato de descentralização se concretiza, no

governo de Fernando Henrique Cardoso, quando é estabelecido um dos grandes

pilares dessa concepção: o “Estado Mínimo”, que reside na remoção do Estado de

diversas atividades econômicas e até da direção de políticas públicas. Diminui ,com

isso, a soberania do Estado levada a efeito pela globalização econômica e

financeira.

Nesta perspectiva, os caminhos da descentralização das políticas sociais

no Brasil passam a ser condicionados pela conjuntura e pelas decisões, bem como

pelas imposições de organismos internacionais de financiamento.

Segundo Low-beer (2002), o retrato das políticas sociais nos anos 1990

reproduziu o quadro vigente dos anos 1980, no qual, a despeito do patamar

inegavelmente alto de gastos - 18,3% do PIB em 1986 – manteve-se a convivência

com situações de miséria e pobreza, inaceitáveis para o grau de desenvolvimento

econômico. Dentre as características de gestão das políticas sociais, destacam-se: a

extrema centralização política e financeira no nível federal; acentuada fragmentação

institucional; a exclusão da participação social e da política dos processos

decisórios; o princípio da privatização e/ou o autofinanciamento do investimento

social e o uso clientelístico da máquina social. Porém, de acordo com o mesmo

autora, na metade da década de 1990, teve início uma vazão na recuperação das

políticas sociais, marcadas agora, pela focalização na pobreza; programas de

inserção produtiva e/ou a descentralização de poder e dos recursos, além da

ampliação das instâncias de participação popular e do setor privado como co-

responsáveis.

A tradução dessas políticas se processa de três formas ou em três níveis

para Low-beer (2002): i) o político-institucional, em que ocorre a descentralização

político-administrativa, com o reforço da ação no nível local ou municipal, que se

mostra mais comprometida com a dinâmica da comunidade; ii) o da sociabilidade –

apresenta elevado grau de participação popular nas decisões , elaboração e

implementação, operação e distribuição das políticas e bens; iii) o das relações

público-privado - abrangendo o setor privado lucrativo e o não-lucrativo na produção

e oferta dos bens e serviços sociais, isso se dá através dos mutirões, da

autoconstrução, da ajuda-mútua, das práticas comunitárias, do envolvimento de

associações voluntárias e das redes das Organizações não Governamentais- ONGs.

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Nos meados do século XX e início do século XXI, surgem novos

desdobramentos na política pública, na forma de planejar. Novas tendências

aparecem: o meio ambiente e o conceito de desenvolvimento sustentável tornam- se

relevantes nas discussões das políticas públicas; as políticas de infraestrutura

passam a ser compreendidas como requisitos para reduzir a pobreza e as

desigualdades sociais; amplia- se o papel da Sociedade Civil nas políticas públicas,

como também a participação de empresas e organizações não-governamentais de

forma paralela ou em conjunto com o Estado.

3.1.1 Caminhos das Políticas Públicas de Juventude.

A literatura sobre as Políticas Públicas de Juventude mostra que no

decorrer do século XX, a discussão sobre juventude entrou na agenda das políticas

públicas dos Estados Unidos e da Europa e esteve sempre relacionada à criação de

órgãos governamentais de atendimento aos jovens.

De acordo com Kerbauy (2005), pesquisas realizadas mostraram que esta

preocupação começou antes, na década de 1950, considerada como o momento de

inclusão dos jovens aos processos de modernização, por meio de políticas

educativas. Os dados estatísticos mostram que é a partir desse período que se

processa a admissão maciça de crianças, adolescentes e jovens no ensino primário

e no médio, tendo o Estado como instância definidora da formulação e

implementação destas políticas.

Já na década de 1970, instigada por organismos como a CEPAL, a ONU

e alguns governos da Europa, observam-se, na América Latina, iniciativas de

cooperação regional e Ibero-Americana, reconhecendo a juventude como grupo

representativo.

No Brasil, segundo Sposito e Carrano (2003), ainda, se observa a

ausência de estudos que reconstituam os modos como foram concebidas as ações

públicas destinadas aos jovens no século XX, embora, de modo geral, sejam

perceptíveis algumas imagens reiterando determinadas orientações latino-

americanas.

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E, nesse contexto, lança-se mão da exposição de Novaes (2009), quando

afirma que, entre as ideias para sair da crise, via de regra gestadas em organismos

oficiais e agências de cooperação internacional, reservou-se um papel à população

juvenil: o de agente para o desenvolvimento. Tendo como referência a necessidade

de crescimento econômico, naquele momento, prevaleceu o enfoque dos jovens

como capital humano. O que, na prática, significava responder a demanda de

desemprego de jovens através de capacitação ocupacional e inserção produtiva,

com ênfase no chamado empreendedorismo juvenil.

Com este objetivo, surgiram vários programas e projetos sociais

executados em parceria estabelecida entre governos e organizações do terceiro

setor, na grande maioria dos casos, apoiados por organismos internacionais. O

Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID, por exemplo, financiou programas

de capacitação de jovens em diferentes países da América Latina.

Apesar de se ter reservado o papel de agente de desenvolvimento,

segundo Novaes (2009), para a população juvenil, não se pode deixar de perceber

que esse papel e a inserção dos jovens na política pública, nesse período, ainda,

estavam em consonância com o modelo desenvolvimentista do período político que

antecedeu os anos 1980. Uma nova realidade política se apresenta nos anos 1980

e, embora reformista, de caráter liberal, trouxe reflexão e flexibilização dos direitos

sociais que apontam em direção a um novo olhar, também, sobre a juventude.

Nessa perspectiva, emerge uma nova concepção de cidadania, de

liberdades democráticas e garantias de direitos. Mudam- se as leis orgânicas

municipais e estaduais que trazem em seu bojo o incorporação da universalidade de

direito, proteção social e a participação na formulação, partilhamento, ou co-gestão

na esfera pública. Essa nova realidade é tecida na década de 1980, acondicionada

pelos movimentos sociais e pelo processo constituinte de 1988, que muda a

configuração das bases constitucionais dos direitos civis e sociais.

Embaladas por esses movimentos internacionais ou de imposições das

organizações financiadoras, bem como pela efervescente influência da Constituinte

de 1988, surgem enquanto questão social as políticas públicas de juventude.

Esse contexto é mais bem compreendido, através da exposição analítica

de Carrano (2005), que destaca três períodos de ações governamentais no âmbito

federal para a população jovem: a) a promulgação da Constituição Federal de 1988

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e do Estatuto da Criança e do Adolescente -ECA em 1990; b) o segundo mandato

do governo de Fernando Henrique Cardoso -FHC (1999-2002) e c) o início do

governo Lula.

A primeira das ações governamentais, citada por Carrano (2005), em

meio o alargamento dos direitos sociais, é o redimensionamento da questão da

vulnerabilidade de crianças e adolescentes, principalmente as provenientes das

classes populares. É criado o Estatuto da Criança e Adolescente -ECA, Lei Federal

nº 8.069, promulgada em 1990. A referida lei é marco legal de um processo prático-

reflexivo que tem como proposta a transformação da realidade da menoridade

brasileira, especialmente naquilo que se refere aos expropriados socialmente ou em

conflito com a lei. O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma referência na

regulamentação, institucionalização e garantia dos direitos de crianças e

adolescentes.

No entanto, a juventude não figura no contexto das políticas públicas, pelo

menos nesse momento, como partícipe, como protagonista e, sim, quase sempre,

ela compõe um grupo sob a representação de juventude problema, representação

categorizada por Krauskopf (2003), relacionada à violência, ao crime, à exploração

sexual, à “drogadição”, à saúde e ao desemprego. São esses os referenciais que

norteiam as políticas destinadas aos “jovens”; além disso, o ECA balisava somente

as políticas destinadas ao público de 0 a 12 anos incompletos (crianças) e de 12 a

18 (adolescentes).

Portanto, a juventude, que compreende a faixa etária de 18 anos acima,

seguia sem marco legal que legislasse, principalmente, sobre políticas

especialmente destinadas à superação das muitas contradições do desenvolvimento

desigual da sociedade brasileira que penalizou, especialmente durante a década de

90, os setores juvenis mais empobrecidos da população, como ressalta Carrano

(2005).

Abre-se, aqui, um espaço para ressaltar que estudos de Sposito e

Carrano, (2003) identificam anterioriormente ao primeiro mandato de Fernando

Henrique, o surgimento das primeiras ações de programas específicos destinados

aos jovens, sobretudo adolescentes, as quais aparecem no interior da área da saúde

e são marcadas pelo foco na prevenção (DST/AIDS, drogadição, acidentes de

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trânsito e gravidez precoce), já ao final da década de 1980, com a criação do

Programa Saúde do Adolescente (PROSAD), no âmbito do Ministério da Saúde.

Todavia, seguindo a análise de Carrano (2005) examina-se que a

violência por causas externas (mortes de jovens ou protagonizadas por eles), o

crescente consumo de substâncias ilícitas relacionadas à organização do

narcotráfico, os indicadores sociais e a demanda da sociedade pelo combate a

violência alimentam a discussão sobre a criminalidade, correlacionam-se com o

debate sobre as políticas públicas destinadas aos jovens e fazem-se surgir no

segundo mandato de FHC, as instâncias coordenadoras de políticas públicas de

juventude, guiada dentro de uma perspectiva de segurança pública. Foi então,

criado o Programa do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da

República, sob a responsabilidade do exército, que tinha por objetivo travar uma

“batalha” pela salvação da juventude.

As políticas, a partir desse período, têm também outros aspectos a serem

observados. As ações do governo federal partem de parcerias fixadas entre estados

e municípios e a sociedade civil organizada, tudo isso atendendo as mudanças no

papel do Estado preconizado pelas agências de desenvolvimento social e

econômico, notadamente o Banco Mundial, o FMI e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento; focalizam-se nas comunidades, nos grupos em situação de

vulnerabilidade e risco social, e tomam como base o IDH (Índice de

Desenvolvimento Humano).

Através do estudo de Sposito e Carrano (2003), pode- se identificar cerca

de 33 programas e projetos, sendo 18 implementados na segunda gestão de FHC.

Tais ações se caracterizavam por serem fragmentadas setorialmente, com pouca

consistência quanto aos conceitos e à organização programática; verifica- se,

também, sob a luz dos autores, que existem focos diferenciados, no que se refere à

realização das políticas: ora o foco aponta explicitamente para adolescentes e/ou

jovens; ora é difuso entre crianças e adolescentes ou jovens e adultos e ora o foco

dirige-se à população jovem apenas de modo incidental.

E, ainda, sob a defesa de combate aos problemas que veem na juventude

um segmento de risco, demarcaram-se como prioridade ações focalizadas e não

investimentos sociais em políticas públicas fundamentais e universalistas, em que a

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segunda estratégia traria em si a perspectiva promotora e de garantia de direitos,

segundo análise de Carrano (2005).

Ressalta-se, aqui, que por ações focalizadas entendem-se ações cujo

público alvo são jovens em situação de risco, diferente da compreensão de ações

especificamente destinadas à juventude, mas dentro da perspectiva de políticas

universais.

Observa-se até, o momento, que a orientação que direcionou as políticas

públicas de juventude está diretamente ligada à percepção/representação que se

empresta a esse segmento da sociedade e que são lançados tradicionalmente sob o

olhar da juventude como momento de preparação, tendo como resultado a

implementação de ações de educação e emprego, ou sob o olhar da juventude

problema, resultando em estratégias de formação dos jovens, de maneira que o

envolvimento deles em situação de “risco”, seja minimizado.

Mais recentemente veem-se novos contornos na política de juventude,

com ampliação do foco, torna visíveis grupos, até então, na invisibilidade.

Vê-se a participação de novas organizações e grupos juvenis,que atuam

em diversos campos e não apenas a participação dos tradicionais grupos ligados ao

movimento estudantil e a partidos políticos; destacam-se grupos de jovens mulheres,

jovens negros/negras, da diversidade de orientação sexual, jovens indígenas e

jovens com deficiência, minorias que movem as políticas afirmativas introduzindo,

dentro de uma expectativa geracional, suas demandas específicas, como afirma

Novaes (2009).

Mesmo sendo numericamente poucos, em relação ao conjunto da

juventude, estas minorias ativas introduzem suas específicas demandas geracionais

em organizações existentes ou – a partir do recorte geracional – constroem novos

espaços de atuação. Este é o caso das redes juvenis de saúde, direitos sexuais e

reprodutivos.

Aquino (2009) confirma a mudança nos novos contornos das PPJs,

dizendo que o próprio aparecimento de organizações e grupos juvenis com atuação

em campos diversos – não apenas da vida estudantil e político-partidária, mas

também da cultura, da vida comunitária, das estratégias inovadoras de geração de

renda, entre outros – impulsionou o reconhecimento das questões específicas que

os afetam. Essa mobilização política resultou na demanda pela formulação de

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políticas específicas de/para/e com a juventude, com a criação de espaços para

participação e influência direta dos jovens.

Ressalta, também, que do diálogo destes grupos com os poderes

públicos, os movimentos sociais, os partidos políticos, as organizações não

governamentais (ONGs) e outros atores estratégicos, configurou-se uma agenda

que busca ir além das ações tradicionais.

Nesse contexto, descreve-se com brevidade, do terceiro momento

delineados, sob a visão de Carrano (2005) nessa trajetória da construção das PPJs -

o início do governo Lula. A primeira iniciativa desse governo em direção à

implementação de ações para juventude decorre de 2003, quando o governo federal

criou o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para os Jovens –

PNPE, cujo público alvo eram jovens de 16 a 24 anos, sem experiência prévia no

mercado de trabalho formal, com renda familiar per capita de até meio salário

mínimo, que tivessem o ensino fundamental ou médio completo ou em curso e

estabelecia quatro focos de discriminação social: gênero, raça/cor, portadores de

necessidades especiais e jovens em conflito com a lei.

O governo Lula conta com a participação de diversos setores da

sociedade: acadêmicos e políticos que, desde a década de 90, discutiam a temática

juventude. Estes grupos passaram a pautar a agenda publica e propor políticas que

garantissem os direitos sociais. Tem-se, portanto, a abertura de um espaço de

diálogo entre a esfera governamental e a sociedade civil, através dos movimentos

sociais, da criação de conselhos de juventude. Configura-se como desafio, de

acordo com Sposito (2005), pensar políticas que, por um lado, visassem à garantia

de cobertura em relação às diversas situações de vulnerabilidade e risco social

apresentadas para os jovens e, por outro, buscassem oferecer oportunidades de

experimentação e inserção social múltiplas, que favorecessem a integração dos

jovens nas várias esferas sociais.

A literatura que trata dos caminhos da construção da PPJs, a partir do

governo Lula, destaca três ações importantes desse período inicial: 1) o Projeto

Juventude do Instituto Cidadania; 2) a constituição da Comissão Especial de

Políticas Públicas de Juventude da Câmara dos Deputados (CEJUVENT); 3) e

criação do Grupo Interministerial de Juventude. Esse último ligado à Secretaria-

Geral da Presidência da República. Propõe-se, para além desses três momentos

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ampliar esses caminhos até 2009, na tentativa de uma aproximação maior com o

atual desenho das PPJs. Assim, decrevem-se, a seguir:

Projeto Juventude do Instituto cidadania – teve por objetivo trazer para

a pauta de discussão a temática juventude utilizando como estratégias debates,

seminários e pesquisa que teve por fim traçar o perfil da juventude brasileira. Após

discussão coletiva ocorrida nos estados de Espírito Santo, Pará, Minas Gerais,

Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Piauí, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Goiânia e

Pernambuco e realização de 20 oficinas temáticas discutindo temas como violência,

desigualdade racial, jovens mulheres, drogas, trabalho, juventude partidária, saúde,

esporte, mídia e cultura e um seminário internacional de intercâmbio de experiências

com representantes de 17 países, obteve-se como resultado de todo esse trabalho a

formulação de um diagnóstico sobre os jovens no Brasil e a proposição de políticas

para 19 áreas (educação, trabalho, cultura, participação, esporte, saúde, drogas,

sexualidade, prevenção da violência, mulheres jovens, desigualdade racial, meio

ambiente, jovens na área rural, juventude indígena, espaços urbanos,

desenvolvimento social, previdência, turismo e defesa).

Comissão Especial de Políticas Públicas de Juventude da Câmara

dos Deputados (CEJUVENT) – composta por 43 deputados entre titulares e

suplentes, a comissão, também, organizou debates e conferências regionais em

todo o país, discorrendo sobre as principais preocupações dos jovens brasileiros e

possíveis soluções para seus problemas. Teve como objetivo “tratar da juventude e

propor políticas públicas que correspondam às suas necessidades”. Como

estratégia, a CEJUVENT criou seis grupos de trabalho temáticos: a) o jovem, o

desporto e o lazer; b) o jovem e o trabalho; c) o jovem, a educação e a cultura; d) o

jovem, a saúde, a sexualidade e a dependência química; e) o jovem, a família, a

cidadania, a consciência religiosa, a exclusão social e a violência e f) jovem como

minoria. E, com a colaboração de técnicos especializados, mapearam indicadores

sociais, legislações, experiências internacionais, problemáticas e demandas públicas

da juventude brasileira. Como resultado, elaborou um Plano Nacional de Juventude,

plano esse decenal. Foram, ainda, realizados dois grandes encontros: o Seminário

Nacional de Políticas Públicas para a Juventude (23 a 26 de setembro de 2003),

realizado como parte das comemorações da Semana Nacional do Jovem, e a

Conferência Nacional de Juventude de (16 a 18 de junho de 2004). Após as

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consultas estaduais, culminando com a nacional, a Comissão Especial propôs a

criação dos seguintes órgãos: Secretaria Especial de Políticas de Juventude - no

âmbito do executivo federal - Instituto Brasileiro de Juventude e Conselho Nacional

de Juventude. Elaborou projetos de Lei instituindo Plano Nacional de Juventude e

Estatuto da Juventude. Propôs a realização bienal da Conferência Nacional de

Juventude, a instituição do ano de 2005 como o Ano da Juventude, bem como a

transformação da Comissão Especial em Comissão Permanente e emenda ao artigo

227, da Constituição, propondo a inclusão do termo jovem. Ressalta-se que o

referido dispositivo constitucional dispunha ser dever da família, da sociedade e do

Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de

colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão.

Grupo Interministerial – instalado em março de 2004, tinha por

finalidade definir uma Política Nacional Integrada de Juventude. O grupo foi formado

por representantes de 19 ministérios e secretarias especiais. O grupo mapeou dados

sobre as condições em que vivem os jovens brasileiros. De acordo com

levantamento do Grupo Interministerial, foram identificadas 131 ações federais

vinculadas a 45 programas e implementadas por 18 ministérios ou secretarias de

Estado, sendo apenas 19 ações identificadas com destino específico para o público

jovem de 15 a 24 anos, e as demais 112 ações, ainda que os contemplassem , não

foram exclusivas para juventude. O desafio que foi feito residia, portanto, em pensar

e propor uma PPJ de racionalização orçamentária e administrativa das ações já

existentes; superar o histórico de fragmentação, a baixa institucionalização dos

programas, superposição e dispersão das políticas públicas de juventude no Brasil

e, ainda, sugerir um novo programa focado nos/nas jovens em condição de

vulnerabilidade social, tendo como pressupostos a combinação de ações

relacionadas à educação (aceleração educacional para garantir a formação no

ensino médio), à qualificação profissional e transferência de renda através da

concessão de bolsas para jovens pobres realizarem trabalho social. O Grupo

Interministerial, identificou 9 desafios para implementação das políticas públicas no

Brasil, a saber:

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1. Ampliar o acesso e a permanência na escola de qualidade;

2. Erradicar o analfabetismo entre os jovens;

3. Preparar para o mundo do trabalho;

4. Gerar trabalho e renda;

5. Promover vida saudável;

6. Democratizar o acesso ao esporte, ao lazer, à cultura e à tecnologia da

informação;

7. Promover os direitos humanos e as políticas afirmativas;

8. Estimular a cidadania e a participação social;

9. Melhorar a qualidade de vida dos jovens no meio rural e nas

comunidades tradicionais.

Com o objetivo de articular os programas federais já existentes, e o

Conselho Nacional de Juventude- CONJUVE, órgão de articulação entre o governo

e a sociedade civil e respondendo a uma orientação do Grupo Interministerial, foi

criada, em fevereiro de 2005, a Secretaria Nacional de Juventude -SNJ, órgão

executivo ligado à Secretaria-Geral da Presidência da República, porém sem status

de ministério.

Até 2007, o governo federal executou 6 programas emergenciais voltados

para a juventude excluída do mercado de trabalho e com poucos anos de estudos e

reduzida capacitação profissional: a) ProJovem – Secretaria-Geral da Presidência da

República/Secretaria Nacional de Juventude; b) Consórcio Social da Juventude; c)

Juventude Cidadã – ambos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); d) Agente

Jovem – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); e) Escola

de Fábrica – Ministério da Educação (MEC); f) Saberes da Terra Ministério da

Educação e Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Tais programas tinham

por fim a ampliação da escolaridade e a formação profissional e o repasse de

auxílios financeiros aos jovens, como contrapartida de sua participação nas

atividades oferecidas. Entretanto, observou- se que os referidos programas se

davam de forma desarticulada, e, assim, terminavam por não atender

universalmente todos os jovens considerados excluídos e que, portanto, eram

público-alvo dos programas, bem como configuravam-se como ações pontuais,

fragmentadas e paralelas, caindo na repetição de modelos anteriores.

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Nessa perspectiva, novos desafios se instauravam para a Política

Nacional de Juventude em 2007, quais sejam: i) ampliação do potencial de

integração entre os programas emergenciais e destes com outro conjunto de ações

consideradas mais estruturantes, vinculadas às áreas de educação, saúde, esporte

e cultura; ii) aumento da escala de atendimento dos programas emergenciais para

todo o universo de jovens brasileiros considerados excluídos, considerando

juventude a faixa etária compreendida entre 15 e 29 anos; iii) otimização dos

recursos; iv) aumento da eficácia.

Como estratégia para alcançar os desafios lançados, em setembro de

2007, ocorre o lançamento do ProJovem Integrado, entrando em vigor a partir de

janeiro de 2008, como resultado da unificação de seis programas já existentes –

ProJovem, Agente Jovem, Saberes da Terra, Escola de Fábrica, Consórcio Social

da Juventude e Juventude Cidadão, assim subdividido : 1) ProJovem Urbano –

serviço socioeducativo; 2) ProJovem Trabalhador; 3) ProJovem Adolescente; 4)

ProJovem Campo – Saberes da Terra, destinado a jovens de 15 a 29 anos. O

objetivo é promover sua reintegração ao processo educacional, sua qualificação e

seu acesso a ações de cidadania, esporte, cultura e lazer. A gestão do programa é

compartilhada entre a Secretaria-Geral da Presidência da República – por meio da

Secretaria Nacional de Juventude –, o MTE, o MDS e o MEC.

Tem-se, então, em 2009, um novo desenho dos programas federais

de/com/e para juventude. Silva e Andrade (2009), tendo como fonte os Ministérios

setoriais e com o objetivo de esboçar os limites da intervenção federal na

problemática da juventude, agregam os programas em sete eixos temáticos, de

acordo com as principais atividades/benefícios ofertados: i) elevação de

escolaridade, capacitação profissional, formação e qualificação profissional e

cidadania; ii) educação – ensino médio e superior; iii) financiamento e crédito rural;

iv) cultura, esporte e lazer; v) meio ambiente; vi) saúde; vii) segurança pública.

Eixo I - elevação de escolaridade, capacitação profissional, formação

e qualificação profissional e cidadania:

1. Modalidade 1: ProJovem Urbano – objetivo: elevar a escolaridade

com certificação do ensino fundamental e de capacitação inicial ao mundo do

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trabalho; desenvolvimento de experiências em ações comunitárias; pagamento de

auxílio financeiro de R$ 100,00/mês, durante 20 meses, tendo como público alvo

Jovens entre 18 e 29 anos que sabem ler e escrever, mas não concluíram o ensino

fundamental, membros de famílias com renda mensal per capita de até meio salário

mínimo;

2. Modalidade 2: ProJovem Adolescente – objetivo: promover

atividades socioeducativas, introduzindo conhecimentos sobre o mundo do trabalho;

desenvolvimento de habilidades gerais e práticas associativas; auxílio financeiro de

R$ 30,00 pago às famílias em condição de extrema pobreza e beneficiárias do

Programa Bolsa Família, egressos ou em cumprimento de medidas socioeducativas,

egressos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil- PETI ou vinculados a

programas de combate ao abuso e à exploração sexual; público alvo: jovens de 15 a

17 anos.

3. Modalidade 3: ProJovem Trabalhador – objetivo: promover a

profissionalização; elevação de escolaridade; experiências em ações comunitárias;

pagamento de auxílio financeiro de seis parcelas de R$ 100,00; público alvo: jovens

entre 18 e 29 anos, que já concluíram o ensino fundamental, em situação de

desemprego, oriundos de famílias com renda familiar per capita de até um salário

mínimo

4. Modalidade 4: ProJovem Campo – objetivo: elevar a escolaridade;

promover a qualificação profissional inicial em produção rural; formação integrada ao

mundo do trabalho e da cidadania; auxílio financeiro de R$ 100,00; público alvo:

jovens da agricultura familiar entre 18 e 29 anos, que sabem ler e escrever, mas não

concluíram o ensino fundamental.

5. Soldado Cidadão- objetivo: promover atividades de formação e

qualificação técnica para jovens egressos do serviço militar com o intuito de prepará-

los para o mercado de trabalho; público alvo: jovens recrutas.

6. Jovem Aprendiz – objetivo: oportunizar aprendizagem de ofício ou

profissão com contrato de trabalho determinado; público alvo: jovens entre 14 e 24

anos.

7. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a

educação básica na modalidade de Proeja- objetivo: promover a formação inicial e

continuada/ensino fundamental; educação profissional técnica de nível médio/ensino

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médio; educação profissional e tecnológica integrada à educação escolar indígena;

jovens com idade mínima de 18 anos na data da matrícula.

Eixo II - educação – ensino médio e superior

1. Programa universidade para todos (Prouni) – objetivo: conceder

bolsas de estudos integrais e parciais em instituições de ensino superior privadas

para estudantes de baixa renda.

2. Projeto Rondon- promover estudo em regiões remotas do Brasil, sob

a supervisão de professores, durante as férias universitárias, público alvo jovens

estudantes de ensino superior

Eixo III – Financiamento e crédito rural

1. Programa nossa Primeira terra – objetivo: oportunizar a aquisição e o

investimento em infraestrutura básica de imóveis rurais; público alvo: jovens entre 18

e 28 anos.

2. Programa PRONAF Jovem - financiar até R$ 6 mil para cada unidade

familiar; público alvo: jovens entre 16 e 25 anos que tenham concluído a formação

ou estejam cursando o último ano em centros familiares rurais de formação por

alternância ou em escolas técnicas agrícolas de nível médio, ou que tenham

participado de curso ou estágio de formação profissional.

Eixo IV – Cultura, esporte e lazer

1. Programa Segundo Tempo - promover acesso de crianças e jovens da

rede pública de ensino à prática esportiva, assegurando complemento alimentar,

reforço escolar e material esportivo; público alvo: crianças e jovens em situação de

risco social.

2. Programa Bolsa Atleta- objetivo: garantir apoio financeiro aos atletas

com mais de 12 anos que não contam com o patrocínio da iniciativa privada, público

alvo jovens maiores de 12 anos, atletas das categorias: estudantil, internacional,

nacional e olímpico paraolímpica.

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3. Programa Escola Aberta – objetivo: ofertar atividades educacionais,

esportivas, culturais e de lazer em escolas públicas do ensino médio e fundamental.

Os jovens que ministram as oficinas recebem ajuda de custo mensal de R$ 150,00;

público alvo: jovens e pessoas da comunidade.

4. Pontos de Cultura – objetivo: ampliar o acesso da população de baixa

renda à produção dos bens e serviços culturais; público alvo: população de

localidades rurais, indígenas e quilombolas e de centros urbanos de todo o país.

Eixo V – Meio ambiente

1. Programa Juventude e Meio Ambiente- objetivo: promover a

formação e o fortalecimento de lideranças ambientalistas jovens em cinco eixos:

educação ambiental, fortalecimento organizacional, educomunicação,

empreendedorismo e participação política; público alvo: jovens entre 15 e 29 anos.

Eixo VI – Saúde

1. Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE) – promover

mobilização para submissão voluntária para testagem do HIV; disponibilidade de

preservativos nas escolas; informações sobre: prevenção do HIV e de outras

doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), saúde reprodutiva e drogas; público

alvo: jovens entre 14 e 19 anos, estudantes da escola pública.

2. Programa Saúde na Escola (PSE) – objetivo: promover avaliação das

condições de saúde; ações de segurança alimentar e promoção da alimentação

saudável; promoção das práticas corporais e de atividade física; educação para a

saúde sexual; saúde reprodutiva e prevenção das DST/AIDS; ações de prevenção

de gravidez na adolescência; prevenção ao uso de álcool, tabaco e outras drogas;

promoção da cultura de paz; educação permanente de jovens para promoção da

saúde; público alvo: alunos da rede pública de ensino: ensino fundamental, ensino

médio, rede federal de educação profissional e tecnológica e EJA.

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Eixo VII – Segurança Pública

1. Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

(Pronasci)- objetivo: reduzir a exposição dos jovens à violência e à criminalidade;

tem como público prioritário de ações a população de 15 a 24 anos de idade,

moradora das regiões metropolitanas mais violentas do país.

2. Programa de Redução da Violência Letal contra Adolescentes e

Jovens – objetivo: promover, através de articulação política, ações de advocacy

nacional e de mobilização de diferentes atores sociais; produção de indicadores

sobre a mortalidade de adolescentes e jovens; levantamento, análise e difusão de

metodologias que contribuam para a prevenção da violência e, sobretudo, para a

diminuição das taxas de letalidade de adolescentes e jovens no Brasil. O público é

constituído de adolescentes e jovens. Em agosto de 2009, a faixa etária, ainda, não

estava definida.

3.1.2 Políticas Públicas de Educação em Saúde com foco na Juventude.

No campo das políticas de saúde, os indicadores e grande parte da

literatura colocam a adolescência/juventude como uma fase de adoção de novas

práticas comportamentais, de exposição a diversas situações e riscos presentes e

futuros para a saúde. Comportamentos estes, geralmente, estabelecidos durante a

infância e a adolescência; incluem: consumo de cigarro, álcool e outras drogas; falta

de atividade física; comportamento alimentar inadequado; comportamentos sexuais

“descuidados”, que contribuem para a ocorrência de gravidez na adolescência e

infecção por doença sexualmente transmissível- DST, inclusive a síndrome da

imunodeficiência adquirida- AIDS; e situações que propiciam exposição à violência e

lesões acidentais. As causas externas, principalmente violência e acidentes de

trânsito, e os problemas relacionados às saúdes sexual e reprodutiva são indicadas

como as principais causas de morbimortalidade entre adolescentes e adultos jovens.

Essas concepções são as principais âncoras pelas quais se fazem PPJ, na área de

saúde.

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Repousa sobre essa visão a percepção da adolescência e juventude,

como ser incapaz de promover sua saúde e a acusação de grupo que não tem

autonomia para fazer as escolhas “certas” relacionadas à sua sexualidade e vida

reprodutiva.

No entanto, considera-se que a proposição de ter como foco a juventude

em uma política de educação em saúde deve, primeiramente, redimensionar o olhar

e sair do personalismo, que procura explicar os comportamentos dos grupos,

definindo, explicando o mundo e seus problemas, com base nos, nas

“vulnerabilidades pessoais” dos indivíduos ou em características que a sociedade

definiu, cartesianamente, como pertencendo a um segmento em exclusivo, que

personifica incorrendo erros de julgamento e ao corte superficial da realidade

objetiva.

Compreende-se, então, que, para fazer política de saúde do jovem, se faz

necessário ampliar a visão até das circunstâncias, com vistas à promoção integral

do ser, à diminuição, à exposição a riscos, à prevenção e ao combate às violências.

Faz-se imperativo pensar não em impor, mas em instrumentalizar e reconhecer

jovens e adolescentes como capazes de construírem sua autonomia e de atuarem

na melhoria da sua qualidade de vida e saúde.

Embora não se apresente claramente como estratégias dentro da

compreensão teórica e prática ressaltada no parágrafo anterior, tomando-se como

base a descrição de seu objetivo, promover a saúde integral do adolescente,

favorecendo o processo geral de seu crescimento e desenvolvimento, buscando

reduzir a morbimortalidade e os desajustes individuais e sociais. Em 1989, surge o

Programa de Saúde do adolescente- PROSAD do Ministério da Saúde fruto de uma

inquietação para com a definição de políticas ou programas específicos para o

adolescente e o jovem na área de saúde e em cumprimento à Constituição Federal

promulgada em 5 de outubro de 1988, visando à efetivação do seu Art. 227, como

também dos Arts. 7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente -ECA, que define

o direito à proteção, à vida e à saúde.

O Programa tem público alvo adolescentes de 10 a 19 anos (faixa etária

estabelecida como adolescência pela OMS). Em 1996, amplia seu atendimento para

os jovens com até 24 anos.

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Outro mecanismo, agora normatizador, é lançado em 1993. A Norma de

Atenção à Saúde Integral do Adolescente tinha como objetivos: orientar as equipes

de saúde na atenção aos jovens e também estabelecer diretrizes e recomendações

para a qualificação da atenção a este segmento da população. O documento

descreve, detalhadamente, as doenças mais comuns nessa época da vida, bem

como os instrumentos necessários para o acompanhamento do desenvolvimento e

crescimento do adolescente.

Ao normatizar sobre a assistência ao pré- natal, ao parto e puerpério e às

doenças sexualmente transmissíveis, ressalta respectivamente, que:

A gravidez, incidindo neste período do desenvolvimento, ocasiona uma nova busca de identidade - a materna - cujo novo cortejo de conflitos pode levar a uma desestruturação da personalidade. (BRASIL, 1993, p. 7)

A eclosão da genitalidade nesse período etário predispõe os adolescentes às doenças sexualmente transmissíveis (DST). A abordagem dessas patologias durante a adolescência reveste-se de importância significativa, pois a prevenção da fertilidade é fundamental. (BRASIL, 1993, p. 25)

Embora a norma traga um indicativo de abordagem educativa, apreende-

se que a proposta dá ênfase a provisão de assistência à saúde numa perspectiva

biomédica, e a partir de um víes prescritivo e regulador, pela própria constituição

etimológica do documento.

Posteriormente, já caminhando numa outra perspectiva, o Ministério da

Saúde, em 1999, lança uma agenda nacional de atenção à saúde do adolescente e

do jovem de 10 a 24 anos.

Entre os anos de 2005 e 2006, veem-se alguns implementos na área das

políticas públicas de Juventude, como a Secretaria Nacional da Juventude -SNJ e o

Conselho Nacional de Juventude- Conjuve, que vem fortalecer a retomada do

debate sobre a saúde do jovem e o processo de discussão entre gestores,

profissionais de saúde, organizações da sociedade e representações de jovens, com

a finalidade de elaborar uma proposta de política nacional de atenção integral à

saúde de adolescentes e jovens. O ano de 2007 é marcado pela aprovação deste

documento pelo Conselho Nacional de Saúde- CNS. A proposta é inovadora e

reconhece a necessidade de considerar a heterogeneidade da adolescência e

juventude, tirando a singularidade e assumindo a pluralidade das adolescências e

juventudes.

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Embora exista um debate sobre a política de saúde do jovem, e tal

política apresente uma compreensão mais sistêmica sobre a condição juvenil de

direito à política nacional de saúde, ainda não foi pactuada na Comissão

Intergestores Tripartite (CIT).

De acordo com Silva (2009), a alegativa para não aprovação, até o

presente, se dá pela ausência de recursos financeiros específicos para a

implementação. Contudo, a indefinição das ações enquanto políticas não tem sido

empecilho para a realização de iniciativas de promoção à saúde do adolescente e do

jovem. Silva (2009) destaca como exemplo o Projeto Saúde e Prevenção nas

Escolas -SPE, que tem como objetivo central promover a saúde sexual e a saúde

reprodutiva; a regulação das práticas alimentares saudáveis no ambiente escolar; a

implementação do Cartão do Adolescente; a expansão de redes de atenção aos

jovens em situação de violência. O SPE é uma ação coordenada pelos Ministérios

da Educação (MEC) e Ministérios da Saúde (MS) e conta com o apoio da

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Fundo de

Populações das Nações Unidas (UNFPA); concebe a escola como espaço

privilegiado para articulação de políticas voltadas para jovens, entre estas, as

políticas de atenção à saúde. Em 2005, amplia suas ações, passando a ter a

participação de adolescentes e jovens como protagonistas.

3.2 Políticas de Educação em Saúde e Saúde na Escola: conceitos e

aproximações

Para que se compreenda a política de educação em saúde hoje, é preciso

percorrer desde o início a história de nosso país. Fica claro que as práticas

comunitárias e populares, como o cuidado e a cura, sempre agregaram linguagem e

método mais aceitos pela população.

Segundo Bertolli (2001), as doenças tropicais, as guerras e o isolamento

eram um impedimento para a realização do sonho português na nova colônia

americana. Ressalta, ainda, que a população, fosse rica ou pobre, se utilizava,

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preferencialmente, de remédios recomendados pelos curandeiros, fossem negros ou

índios, e até recorria aos padres jesuítas. Tem-se que considerar, claro, alguns

fatores, como a escassez de médicos, as altas cobranças pelos serviços, condutas e

procedimentos médicos, como isolamento dos doentes e tratamento dolorosos, que

tornam essas escolhas justificável e mais compreensível, segundo olhares talvez

míopes.

Porém, Mano (2004) ressalta que a medicina, já no Brasil imperial,

mostrava a distância do discurso médico oficial das práticas populares mais

corriqueiras e que, mesmo com a fundação das primeiras faculdades de Medicina,

no Rio de Janeiro e Bahia, em 1813 e 1815, respectivamente, não mudou a

realidade. Entre 1890 e 1900, quando tinham início concomitantemente a república e

a expansão industrial, o país é acometido por inúmeras doenças, como a febre

amarela, a febre tifóide, a peste bubônica, a varíola e cólera que dizimaram milhares

de pessoas, o que impedia o crescimento do capital produtivo.

Numa perspectiva higienista, o governo republicano cria o primeiro

modelo de assistência à saúde, pautado em ações de fiscalizações, hospitalizações

de pessoas com doenças contagiosas e mentais. A elite brasileira já tinha formulado

através de representação sobre o povo, a explicação e justificativa para a baixa

produção econômica e as ocorrentes enfermidades. A justificativa era de o déficite

de produção se dava em virtude da “má qualidade na formação do povo brasileiro”,

em função de sua miscigenação. Tal discurso alimentava-se de uma visão facista e

embalava-se na perspectiva nazista que permeava a Europa naquele período. Cria-

se que a “raça pura” era o motivo do sucesso dos povos arianos. Essa abordagem

se relacionava plenamente com a visão sanitarista.

Por volta dos anos 1960 e 1970, havia, notoriamente, uma presença

policialesca do Estado sobre os indivíduos e sobre a coletividade. Minayo (1992, p.

32) reflete que, nesse período, as abordagens fenomenológicas presentes no campo

da saúde “questionaram a onipotência e a onipresença do Estado sobre os

indivíduos”, bem como “a arbitrariedade impositiva das classes dominantes através

dos sistemas de saúde”. Em meio às críticas ao sistema de produção e ao chamado

desenvolvimentismo, inacessível à população pobre, surgiam, então, os movimentos

que traziam os ideais marxistas e, junto à crítica, o questionamento à ciência como

grande verdade e ao conhecimento controlador do fazer médico.

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Sendo assim, acompanhando a história, vê-se a instituição do modelo

médico assistencial privado por todo o período da ditadura; a criação do Instituto

Nacional de Previdência Social- INPS em 1960, nos anos 1970, a medicina de

grupo; em 1976, inicia- se a medicina comunitária, o PREV- SAÚDE; nos anos 1980,

é criado o SUS: nos anos 1990, nasce o PACS e PSF, que incorpora os ideais

filosóficos da medicina comunitária e têm como base evidências epidemiológicas,

racionalização de recursos, mobilização da comunidade e aponta para a abertura de

práticas de Educação Popular em Saúde.

Lança-se mão da reflexão inicial desse item que relata as práticas

comunitárias e populares, do inicio, da história do Brasil, as quais agregavam

linguagem e método mais aceitos pela população. E sem desconsiderar, é claro, a

importância do saber científico e de todos os seus instrumentos, volta-se a pensar

estratégias que perpassem o exame e o procedimento medicamentoso, e

compreenda-se que a troca de saberes, a escuta são partes que integram, também,

o processo de cura de indivíduos, pois a dor é, às vezes, apenas uma manifestação

ou somatização de outros significados, para além dos agravos físicos.

Chega-se à Educação em Saúde, que busca um diálogo com a pedagogia

libertadora, que tem como prática a escuta e o compartilhar, e como referencial

teórico, Paulo Freire e suas pedagogias a quem se destina um olhar especial em

ponto posterior deste trabalho.

A educação em saúde é compreendida como uma área multidimensional,

que congrega diferentes concepções das áreas da saúde e educação, nas quais se

configuram diferentes saberes e apreensões de mundo, homem e sociedade. Duas

dimensões se destacam na contemporaneidade, a primeira refere- se ao processo

de aprendizagem sobre as doenças: seus efeitos sobre a saúde, seu controle,

prevenção e restabelecimento; a outra destaca a caracterização da educação em

saúde, norteada pela Organização Mundial de Saúde – OMS, como promoção à

saúde, incluindo os fatores sociais, determinantes de diferentes estados de saúde e

bem- estar construídos socialmente.

Esse trabalho pauta-se a partir da segunda caracterização de educação

em saúde e considera quatro momentos importantes até chegar à construção da

idéia de promoção da saúde, no contexto acima citado, sendo o primeiro momento

expresso nos textos de Sigerist em 1942, compreendendo a promoção da saúde

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como uma das quatro tarefas básicas da medicina; o segundo é a proposição de

combinar estilos de vida e melhorias ambientais, presentes no Informe Lalonde,

1974, quando foi usada, pela primeira vez, a expressão “promoção da saúde”, que

reconhecia os fatores ambientais como elementos influentes nos comportamentos

individuais e modos de vida na ocorrência de doenças e morte; o terceiro foi a

Conferência de Alma- Ata, em 1978 esta considera que a saúde deve ser tratada em

seu conceito ampliado, pois está relacionada às condições em que vivem os

indivíduos.

Destaca-se, ainda, um quarto momento, considerado o mais importante

movimento: A Conferência de Ottawa, 1986, a primeira conferência que se refere à

promoção de saúde, definindo- a como o processo de capacitação da comunidade

para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, adicionando a importância

do impacto social, econômico, político e cultural e propondo estratégias

intersetoriais.

Reconhe-se uma relação aproximada entre educação em saúde e

promoção da saúde e recorre-se à definição de Schall e Stuchiner (1999), que

entendem que o conceito de educação em saúde se sobrepõe ao conceito de

promoção da saúde, como uma definição mais ampla de um processo que abrange

a participação de toda a população no contexto de sua vida cotidiana e não apenas

das pessoas sob risco de adoecerem.

Esse conceito ampliado expresso por Schall e Stuchiner (1999) e pela

declaração conferida em Ottawa, 1986, remete a visão conceitual de saúde como

estado de bem-estar que integra os aspectos físicos, mental, ambiental e sócio-

ecológico e que requer a atuação da população num contexto integral de suas vidas

e não apenas sob os agravos de saúde, o que associa, segundo Oliveira (2005), à

ideia de emponderamento da população pelas informações que determinam a sua

saúde. Ela deve ser avaliada em todas as suas dimensões, individual e coletiva,

tanto em seu processo como em seus resultados, e o emponderamento deve ser

definido como um meio pelo qual as pessoas adquirem maior controle sobre as

decisões que afetam suas vidas.

Nesse contexto é impossível pensar em ações de educação em saúde em

que não se reconheçam a integralidade e as subjetividades dos indivíduos, suas

diferenças culturais, sociais, históricas econômicas e raciais, bem como suas

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_____________________

6 Habitus é explicado por Bourdieu da seguinte forma: “[...] o produto de um trabalho social de nominação e de inculcação ao término do qual uma idéia ao término do qual uma identidade social instituída por uma dessas linhas de demarcação mística, conhecidas e reconhecidas e reconhecidas por todos, que o mundo social desenha, inscreve-se em uma natureza biológica e se torna um habitus, lei social incorporada “apreensão particular que um grupo faz o modelo cultural dominante da sociedade onde se situa, o habitus articula dialeticamente o ator social e a estrutura social e representando uma única realidade, posto que na relação que o homem estabelece com a realidade exterior está presente interiorização da exteriorização e a exteriorização da interiorização (MARGOT, 1997). O habitus professoral é a síntese visível dos modos de ser e estar no ofício docente. Essa denominação, habitus professoral, vem sendo formulada já há alguns anos (SILVA, 2002- 2005) cuja fundamentação teórica vem de Bourdieu (1983c, 1989).

decisões, seus valores, conhecimentos, crenças, habilidades. Portanto qualquer

ação, seja de educação ou de saúde, deve perceber a população envolvida com sua

cultura e suas representações sobre a vida.

Pensar uma educação em saúde, a partir desse foco, requer a inclusão

de políticas públicas, para além da orientação ambulatorial e de serviços curativos

ou clínicos, bem como propostas pedagógicas que perpassem a postura de

escolarização, do habitus professoral6, que por vezes pode não ser o habitus de

quem “aprende”, de ensinamentos que se limitam ao condicionamento

comportamental.

Prática pedagógica em saúde que se desfaça de estratégias que

acreditem que a apreensão do saber instituído levará os grupos ou indivíduos à

aquisição de novos comportamentos e práticas. A prática pedagógica e todos os

conceitos até agora abordados podem e devem ter como lócus de aplicação tanto os

espaços da saúde, como os da escola.

A escola é hoje entendida como terreno privilegiado para realização de

ações de educação em saúde, como prescreve o Ministério da Educação,

A Escola é a área institucional privilegiada deste encontro da educação e da saúde: espaço para a convivência social e para o estabelecimento de relações favoráveis à promoção da saúde pelo viés de uma Educação Integral (BRASIL, 2001).

A escola, também, figura como instrumento de enfrentamento das

enfermidades e doenças crônicas, na concepção da Conferência de Ottawa, 1986.

[...] É essencial proporcionar meios para que, ao longo de sua vida, a população se prepare para as diferentes etapas da mesma e enfrente as enfermidades e lesões crônicas. Isto só será possível através das escolas, lares, lugares de trabalho e ambiente comunitário, no sentido de que exista uma participação ativa por parte das organizações profissionais, comerciais e beneficentes, orientada tanto ao exterior com ao interior das próprias instituições. (CONFERÊNCIA DE OTTAWA, 1986)

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E quando a escola surgiu como lócus de discussão sobre saúde? De

acordo com Moncorvo Filho (1979), o princípio dos estudos sobre saúde escolar no

Brasil remonta a data de 1850. Mas a saúde na escola somente tomou corpo, e

ainda sob a égide da higiene escolar, no início do século XX, segundo Lima (1985),

no contexto histórico já mencionado anteriormente, quando da alta incidência de

doenças, que se tornara grande problema de saúde pública. Lima (1985) ressalta,

ainda, que a saúde escolar, usualmente identificada como higiene escolar, foi

definida a partir da intercessão das seguintes vertentes: a da polícia médica, a do

sanitarismo e a da puericultura.

Na saúde escolar, a polícia médica exercia a função de inspetoria das

condições de saúde para a área de ensino, prescrição quanto à salubridade dos

locais de ensino e regras de viver para alunos e professores. Para Novais (1979), a

polícia médica foi o mecanismo através do qual o Estado assumiu a função de

“zelar” pela saúde da população, cabendo aos médicos não somente a

responsabilidade de tratar os doentes, mas, também, de controlar todos os aspectos

da vida dos indivíduos.

No final da década de oitenta, ocorrem muitas mudanças nos paradigmas

das ações de saúde, que saíam do discurso biomédico e sanitarista, para uma visão

sistêmica, de múltiplos olhares, incorporando novos conceitos e metodologias,

estendendo- se ao entorno escolar.

Aufere-se que a escola tem o papel de propiciar momento de maturação,

troca, mediação, elaboração, reelaboração e redimensionamento de saberes, sendo,

assim, grande parceira para efetivação de uma vida mais saudável:

A escola pode fornecer elementos que capacitem os indivíduos para uma vida mais saudável. Sua função é de apoio ao serviço médico, possibilitando a entrada desses profissionais no meio escolar, e assumindo suas responsabilidades no campo da saúde através da educação para a saúde (BRITO BASTOS, 1979).

A ação de educação em saúde no âmbito escolar tem como balizador um

instrumento pedagógico: Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, que

entendem Educação para a Saúde como fator de promoção e proteção à saúde e

estratégia para a conquista dos direitos de cidadania e preconiza, ainda, que:

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os educandos - dentre muitas outras habilidades - deveriam ser capazes de situar-se no mundo como cidadãos conscientes de seus direitos e deveres políticos, civis e sociais, capazes de adotar no dia-a-dia atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças e que, especificamente em relação à saúde, estejam aptos a "conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva (BRASIL, 2001).

Na atualidade, como uma das estratégias da política pública de educação

em saúde, foi instituído, em 2007, a partir da integração entre os Ministérios de

Educação e Saúde, o Programa Saúde na Escola (PSE), com a finalidade de

ampliar as ações específicas de saúde aos alunos e alunas da rede pública de

ensino, abrangendo as redes de ensino fundamental e médio e a rede federal de

educação profissional e tecnológica, e de contribuir para a construção de uma

cultura de paz nas escola. Tal proposta visa contribuir para o fortalecimento de

iniciativas que proporcionem à comunidade escolar a participação em programas e

projetos para o enfrentamento das vulnerabilidades que comprometem o pleno

desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens brasileiros. O programa conta

com o financiamento de materiais e equipamentos para as escolas e equipes de

saúde. O PSE visa integrar os serviços do setor de educação e SUS, através das

Unidades Escolares e UBASF.

As ações do PSE dividem- se em quatro áreas:

- Avaliação das condições de saúde: atendimentos nutricionais,

odontológicos, oftalmológicos, auditivos, clínicos e psicossociais com enfoque na

prevenção de doenças virais e cardíacas, além do adequado tratamento quando

necessário;

- Promoção da saúde e prevenção: informação de qualidade e incentivo

da adoção de práticas de alimentação saudável e de atividades físicas,

conscientização da responsabilidade e consequências do uso de álcool e outras

drogas, uso da violência. Há, também, educação para a saúde sexual e reprodutiva,

com enfoque na prevenção da AIDS, de hepatites virais e de outras doenças

sexualmente transmissíveis, por meio do programa Saúde e Prevenção nas Escolas-

SPE.

- Educação permanente dos profissionais da área: cursos de saúde

voltados para profissionais da educação e treinamento das equipes de saúde.

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Jovens também são qualificados para disseminar as informações entre outros jovens

e crianças;

- Monitoramento e avaliação da saúde dos estudantes: atenção às

estatísticas do estado de saúde dos jovens beneficiados com encarte Saúde no

Censo Escolar, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, Sistema de Monitoramento

do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas e Pesquisa Nacional do Perfil Nutricional

e Consumo Alimentar dos Escolares.

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4 SABERES E PRÁTICAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO EM

SAÚDE: CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE E FOUCAULT

4.1 Educação em Saúde e a Pedagogia Libertadora de Freire

A prática educativa está sujeita a condicionantes de caráter sociopolítico

que implicam em diferentes concepções de sociedade e de homem, o que resulta

numa diversidade de pressupostos teóricos e metodológicos sobre o papel dos

educadores, da educação e das aprendizagens.

Na trajetória dessa ação educativa, tem-se uma construção de saberes e

práticas manifestas sob o norte das tendências pedagógicas. Essas tendências ou

concepções pedagógicas trazem pressupostos epistemológicos, fundamentos

históricos, sociológicos, psicológicos, transpostos pela cultura adotada. A

caracterização das tendências pedagógicas é construída a partir do reconhecimento

de cada tendência em relação às finalidades sociais seja das instituições de

educação formal ou não-formal. Embora existam outras tendências acerca dos

saberes e práticas pedagógicas em construção, a sistematização e o “estado da

arte” sobre essa temática discerne duas vertentes: a pedagogia liberal e a

pedagogia progressista.

Libâneo (1990) traça a caracterização dessas vertentes, definindo-as a

partir de três tendências presentes no pensamento pedagógico brasileiro, a saber: 1)

Tendências Pedagógicas Liberal - são todas aquelas que sustentam a ideia de

que a educação tem a função de preparar os indivíduos para o desempenho de

papéis sociais, considerando suas aptidões individuais e sua adaptação aos valores

e normas vigentes na sociedade de classe. A partir dessa concepção, a educação,

embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não considera as

desigualdades de condições. São elas: tendência liberal tradicional; liberal renovada

progressivista; liberal renovada-não diretiva e liberal tecnicista. 2) Tendências

Pedagógicas Progressistas- são aquelas que, partindo de uma análise crítica das

realidades sociais, sustentam as finalidades sociopolíticas da educação. São elas:

progressista libertadora; progressista libertária; progressista crítico-social- dos

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conteúdos. 3) Tendências Pedagógicas Pós LDB 9394/96- constituem-se a partir

da valorização das idéias de Piaget, Vigotsky e Wallon e têm em comum a

concepção interacionista, que concebe o conhecimento como resultado da ação

entre sujeito e objeto.

Para embasar a reflexão sobre educação em saúde, importa ter como

base a Tendência Progressista Libertadora. Conhecida como Pedagogia de Paulo

Freire, a Pedagogia Libertadora é uma tendência que surge no início dos anos 1960,

em oposição às propostas pedagógicas norteadas pelas Tendências Liberal que na

época não demonstravam preocupações, nem habilidades na formação dos

cidadãos.

A Tendência Progressista Libertadora defende a autogestão pedagógica e

o antiautoritarismo; vincula a educação à luta e a organização de classe do oprimido.

E, nesse contexto, considera que o saber mais importante para o oprimido é a

descoberta da sua situação de oprimido, elemento essencial como condição para se

libertar da exploração política e econômica. Isso ocorre através da elaboração da

consciência crítica e de sua organização de classe.

Paulo Freire (1987), em Pedagogia do Oprimido, faz à crítica aos

pressupostos impretados pela Tendência Liberal Tradicional, que, através da

Educação Bancária, estabelece a relação entre educador e educando, a partir da

seguinte perspectiva: o educador é o que educa; os educandos, os que são

educados; o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; o educador

é o que pensa; os educandos, os pensados; o educador é o que diz a palavra; os

educandos, os que a escutam docilmente; o educador é o que disciplina; os

educandos, os disciplinados; o educador é o que opta e prescreve sua opção; os

educandos os que seguem a prescrição; o educador é o que atua; os educandos, os

que têm a ilusão de que atuam; o educador escolhe o conteúdo programático; os

educandos se acomodam a ele; o educador é o sujeito do processo; os educandos,

meros objetos.

A pedagogia freiriana não só faz a crítica ao modelo da educação

bancária, que entende a relação entre educador e educando como contradição, mas

propõe a elaboração de uma nova teoria do conhecimento, em que os oprimidos

reelaborem, reordenem seus próprios conhecimentos e deles se apropriem.

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A proposição libertadora de Freire tem como pilar a dialogicidade, em que

ninguém é receptáculo. Na relação dialógica, “ninguém educa ninguém, ninguém

educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”

(FREIRE, 1987: p. 39) e ainda “Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas

criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua construção” (FREIRE,

1997: p. 52).

E qual a relação entre saberes e práticas engendrados nas políticas de

educação em saúde e as tendências pedagógicas? E, mais especificamente, que

diálogo pode ter entre esses saberes e práticas e a pedagogia libertadora?

Muitos autores (as), entre eles (as) Stephanou (2006), retratam que a

educação em saúde trazia, nas primeiras décadas do século XX, a proliferação de

discursos médicos autorizados pela escola, orientando pedagogos a partir de

parâmetros higienistas e psicofisiologistas. Ayres (2003) ressalta que os progressos

do conhecimento e da técnica não esvaziaram os desafios da prevenção e que as

ações de educação em saúde continuam norteadas por modelo pedagógico

modelador e condicionante que visa ao depósito de conteúdos.

As práticas de educação em saúde, ainda, são descontextualizadas não

considerando diferenças e contextos culturais específicos. A abordagem dos

profissionais carregada por posturas normatizadoras culpabiliza o usuário e guarda

semelhanças com a chamada “educação bancária” (FREIRE, 1987). Parecem não

se concretizar efetivamente, e essa dificuldade se dá em virtude de as práticas

metodológicas ainda se utilizarem de concepções behavioristas que, não

reconhecendo a diversidade, a heterogeneidade, a identidade cultural dos indivíduos

ou dos grupos, condicionam os comportamentos às estratégias massificadoras.

Confirma-se esse pensamento a partir da afirmação de Gazzinelli (2005):

A dificuldade desta transposição se pauta na permanência, ainda, do modelo hegemônico na prática profissional que, verticalmente, preconiza a adoção de novos comportamentos, como o parar de fumar, vacinar-se, ter melhor higiene, entre outros, e de estratégias geralmente ditas coletivas, como a comunicação de massa (GAZZINELLI, 2005: p. 3)

Tal prática profissional se expressa via estratégias que enfatizam a

concepção de que a apreensão do saber instituído resulta em aquisição de novos

comportamentos e práticas, elaborados externamente pelo comunicado aos homens

e não pelo comunicar- se. O que, na compreensão problematizadora e dialógica de

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Paulo Freire (1987), é palavra inautêntica, oca, palavreria, verbalismo, blábláblá. Por

tudo isto, alienada e alienante. E não transforma o mundo, nem muda

comportamentos.

A pedagogia libertadora de Freire traz reflexões fundamentais que devem

ser utilizadas na educação e na saúde. O educador fomenta algumas reflexões das

quais faz-se uso para compreender sob que perspectiva se constituem as relações

entre educadores e educando (sua opressão e seu processo de libertação), seja na

saúde ou na educação, ou em qualquer relação de “ensino-aprendizagem”, formal

ou não-formal.

Dentre suas contribuições, queremos destacar a reflexão sobre três

pontos:

1) a relação entre oprimido e opressor - que se constrói a partir de uma

mediação prescritiva e que se configura como imposição de um modo de pensar de

uma consciência a outra. Para Freire, tais prescrições transformam a consciência

que recebe em consciência “hospedeira”. Por isto, o comportamento dos oprimidos é

um comportamento prescrito. Faz – se à base de pautas estranhas a eles - as

pautas dos opressores (PAULO FREIRE, 1987: p. 18). Essa relação

prescritiva/hospedeira introjeta em quem recebe uma característica de autodesvalia,

que se configura em absorver, como sua, a visão que deles têm os opressores.

Afirma Freire (1987: p. 28) que, de tanto ouvirem de si mesmos que são

incapazes, que não sabem de nada, que são enfermos, indolentes, que por isso não

produzem, terminam por se convencer de sua “incapacidade”.

2) a concepção “bancária” x “problematizadora”- o comportamento de

quem educa (sujeito narrador) e de quem é educado (objetos paciente) se forja

através de uma estratégia de narração e dissertação da realidade como algo inerte,

alheio à experiência de quem ouve, é a educação bancária. O educador é,

irrefutavelmente, o sujeito, cuja função é “encher” os educandos. Esses saberes são

vazios, desconectados da realidade e se configuram como doação dos que sabem

para os que de nada sabem. A educação bancária repousa sobre a permanência do

homem em seu estado passivo e para isso trabalha. Entende que os homens, ao

introjetarem o mundo que neles entra, já são seres passivos; cabe à educação

passivá-los mais ainda e adaptá-los ao mundo. Quanto mais adaptados, para

concepção a “bancária”, tanto mais “educados”, porque adequados ao mundo

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(FREIRE, 1987: p. 37). Essa concepção tem por estratégia ocultar as explicações

de como estão sendo os homens no mundo e lhes nega a consciência da realidade

e a domestica, tira do homem sua inclinação ontológica de humanização, nega o

diálogo, inibe a criatividade. É assistencialista e controladora.

Enquanto os saberes e práticas bancárias compreendem os homens

como depósitos, tábula rasa, a educação problematizadora proposta por Freire

(1987) reconhece os homens como seres históricos e sua historicidade. Os homens

são seres que estão sendo, são inconclusos e inacabados. A concepção

problematizadora se compromete a desmitificar a realidade, reconhece o diálogo

como elemento indispensável para esse ato. Supera a ideia de contradição entre

educador e educando. Os homens desenvolvem seu poder de captação e

compreensão do seu entorno mediatizados pelo mundo e suas relações, não mais

como uma realidade estática, mas em processo.

3) educação dialógica- Nas palavras de Freire, o diálogo é essencial, é

exigência à existência. E é na pronúncia do mundo que ocorre a transformação dos

homens. Sendo, portanto, o diálogo a ponte, através da qual os homens ganham

significação enquanto homens. Essa significação só é possível a partir de uma

educação dialógica, que não se define enquanto ato de depositar saberes de um

sobre o outro. Ressalta, ainda, Paulo Freire (1987) que não se trata de discussão

guerreira, polêmica entre sujeitos que, não comprometidos com a pronúncia do

mundo e com a liberdade dos homens, impõem suas ideias. Mas a dialogicidade é a

essência do ato de educar como prática da liberdade e do respeito.

Entre outros, os três elementos trazidos pela pedagogia libertadora são

eles: a crítica ao sistema de opressão que se apresenta na relação educador e

educando; a educação bancária que se contrapõe a problematização e a proposição

da dialogicidade como instrumento libertador, todos fomentam uma reflexão sobre

as implicações da educação bancária, nas abordagens educativas, como práticas de

promoção à saúde e propõem a confluência entre a proposta da Pedagogia

Libertadora e a proposta de educação em saúde.

E, a partir dos anos 1980, o discurso oficial do governo sobre educação

em saúde toma a forma da participação e dos saberes comunitários. Tendo como

base a pedagogia freiriana, a proposta de educação em saúde adota teoricamente

uma educação problematizadora que se constitui como base para construção da

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autonomia do ser nas diferentes formas de expressão do existir. A proposição é

perceber nos princípios de integralidade, equidade e universalidade, recomendados

pelo Sistema Único de Saúde-SUS, as práticas norteadas pela pedagogia de Paulo

Freire e compor junto com o referencial da promoção da saúde, que visa elaborar e

implementar políticas públicas saudáveis; criar ambientes favoráveis à saúde;

reforçar ação comunitária; desenvolver habilidades pessoais e reorientar o sistema

de saúde, conforme as diretrizes estabelecidas pela Carta de Ottawa (OMS, 1986),

adotam práticas e saberes integrantes dos direitos fundamentais da pessoa humana

e da transformação da realidade a partir do próprio ser. Há, portanto, uma

confluência favorável entre a prática de educação em saúde e a pedagogia

problematizadora, como ressalta Pereira:

A prática educativa norteada pela pedagogia da problematização é mais adequada à prática educativa em saúde. Esta tendência pedagógica promove a valorização do saber do educando, estimula-o para a transformação de sua realidade e de si mesmo, possibilitando efetivação do direito da clientela às informações, além de estabelecer sua participação ativa nas ações de saúde, assim como desenvolver habilidades humanas e técnicas no trabalhador de saúde, fazendo que este exerça um trabalho criativo. Sendo assim, essas características e conseqüências convergem para uma sociedade mais democrática em prol do desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos e coletividade estando em concordância com os princípios e diretrizes da Promoção da Saúde (PEREIRA, 2003: p. 19).

Essa adequação da educação problematizadora à educação em saúde é

sem dúvida em função das características da Pedagogia Libertadora, que, como

uma das correntes que compõem a Tendência Pedagógica Progressista, sustenta as

finalidades sociais e políticas das práticas educativas, partindo de uma análise

crítica das realidades.

Ao lado de outras práticas e saberes sociais, a Pedagogia Progressista,

aqui apresentada a partir da pedagogia libertadora, se configura como instrumento

de indagações e luta, uma vez que, segundo Santos (2007), tal pedagogia não tem

como se institucionalizar numa sociedade capitalista e de controle.

Nesse aspecto, com o objetivo de viabilizar uma aproximação entre as

contribuições de Paulo Freire e Michel Foucault à educação em saúde, propõe-se

uma reflexão ir sobre a arqueologia foucaultiana, que interroga sobre os dispositivos

que sustentam ou engendram as práticas de controle e poder, através de estratégias

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bancárias e de institucionalização. Para tanto, analisar-se-á no item que segue, a

relação entre o Biopoder de Foucault e a educação em saúde.

4.2 Educação em Saúde e o biopoder de Michel Foucault

Cada sociedade tem o seu regime de verdade, a sua 'política geral' de verdade:

isto é, os tipos de discursos que aceita e faz operar enquanto verdade.

(Michel Foucault)

Nos séculos XVII e XVIII, desenvolveu-se, segundo Foucault (1988), o

direito de causar a vida em substituição ao direito de causar a morte ou deixar de

viver. Esse fenômeno o qual ele denomina de biopoder se constitui de dois

mecanismos de poder, criados para garantir o controle a adequação e a hegemonia

da população em relação ao processo de produção do capital na sociedade

moderna, ao primeiro mecanismo refere- se à disciplina dos corpos individuais, a

anátoma-política; o segundo refere- se à regulação da população, a biopolítica.

A anátoma-política, tendo como base a disciplina, está centrada no

homem-corpo, ou seja, nos corpos dos indivíduos; realiza a política da coerção,

trabalha sobre o corpo: manipula, calcula seus gestos, seus comportamentos a fim

de adestrá-lo, de ampliar suas aptidões e fazer crescer sua docilidade e sua

utilidade. Age no que temos de mais íntimo, o corpo.

A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por um lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. (FOUCAULT, 1987: p. 119).

A biopolítica está centrada no homem-espécie e se estabelece não mais a

partir do controle do corpo apenas, mas da regulação e do suporte dos processos

biológicos: o controle sobre a vida e a morte, controle dos nascimentos, da duração

da vida, da longevidade e da saúde da população. Os primeiros objetos de saber e

controle da biopolítica foram as taxas de natalidade e mortalidade, a taxa de

reprodução e fecundidade da população. É a biopolítca que, como elemento do

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biopoder, faz o ajustamento dos fenômenos de população aos processos

econômicos.

Esse ajustamento é feito por meio do exercício do poder que se

estabelece através das técnicas presentes em todo o corpo social em instituições

como a família, a política, o Exército, a escola, a Medicina, entre outras.

A invenção dessa nova anatomia política não deve ser entendida como uma descoberta súbita. (...) Encontramo-la em funcionamento nos colégios, muito cedo; mais tarde nas escolas primárias, investiram lentamente o espaço hospitalar, reestruturaram a organização militar, militarização insidiosa das grandes oficinas, respondendo às inovações industriais (Foucault, 1987: p. 127).

É a partir dos estudos sobre “o nascimento da medicina social” na Europa

que Foucault inicia uma discussão acerca da biopolítica e aprofunda o conceito de

biopoder. Conforme Foucault (2000) surge, emergentemente, ao final do século XVII

uma medicina cuja função é a higiene pública, com tratamentos médico, de

centralização da informação, de normalização do saber e que adquire aspecto de

campanha de aprendizado da higiene e da medicalização da população. Ele afirma,

ainda, que a medicina que tinha um caráter particular, por ordem do Estado e do

desenvolvimento capitalista, passa a ter uma dimensão social:

[...] com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo desenvolvendo-se em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção, força de trabalho. O controle da sociedade não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia biopolítica (FOUCAULT, 2001a, p. 80) [...].

Os estudos de Foucault mostram que as técnicas de poder variavam em

toda a Europa e que diferentes contextos produziram diferentes saberes, práticas e

poderes como forma de dominação, sob o direcionamento da anátoma-política e da

biopolítica.

A anátoma-política e a biopolítica são abalizados pela normatização. Os

mecanismos disciplinares do corpo e os mecanismos regulamentadores da

população são articulados um com o outro, tendo a “norma” como elemento central

(FOUCAULT, 2002). Através da norma, da regulamentação realiza- se a “tomada de

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poder” sobre o homem, o que Foucault (2002) chama de bio-poder, cuja abordagem

é a da doença como fenômeno da população. O exercício de esse poder sobre o

homem, como dito anteriormente, é realizado pelas instituições por meio de práticas

educativas, o que traz a análise desses processos educativos para o campo do

poder político.

Gastaldo (1997) enfatiza em sua análise a dimensão política da educação

para a saúde, a partir da relação que a educação apresenta com a prevenção e a

promoção à saúde. Para autora a educação para saúde contribui com administração

do corpo individual e social, ao ditar normas de comportamento, a fim de promover

“boa saúde”.

Relacionada a essa dimensão política da educação em saúde, observa-se

que, embora a Política Nacional de Promoção da Saúde no Brasil, aprovada em

2006, se apresente como um esforço de compromisso com o bem comum, a

equidade social, princípios democráticos e caráter progressista, pode-se perceber

segundo distingue Castiel (2004), estratégias políticas fundamentadas a partir de

duas posturas: “as conservadoras” e as “radicais liberais”. A postura política

conservadora, segundo o mesmo autor, dá ênfase aos indivíduos como autores

responsáveis por sua saúde; tem por fim reduzir custos na assistência em saúde e

se utiliza de práticas educativas instrumentais e operativas, que tendem a se tornar

prescrição. O segundo modelo teria um viés reformista e o objetivo de mudar a

relação entre os cidadãos e o Estado, dando ênfase às políticas públicas

intersetoriais.

Numa mesma direção, caminha a análise de Gastaldo (1997) que ao

repensar a educação em saúde através do conceito de biopoder define da mesma

forma duas práticas “educação em saúde tradicional” e “educação em saúde

radical”. Ressalta-se aqui a análise de Gastaldo, no que se refere à dimensão

“Radical”, na qual a autora ressalta que o processo de normatização se dá através

do enfoque participativo, sendo permitido o exercício da autonomia e autogoverno.

Nesse contexto, o biopoder se configura como elo entre as relações micro e macro,

desenvolvendo uma política que se destina aos sujeitos de uma população, com

questões advindas do poder político em âmbito nacional. Estabelecem-se, então,

novas práticas, novas formas de promover o saber dentro de uma perspectiva do

micropoder. São novas formas de articular o controle. Assim, segundo Foucault

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(1998), nessa nova relação o poder é exercido de outras formas, num jogo de

variáveis, de relações desiguais e móveis.

É sem dúvida um desafio buscar sob um denominador comum entre as

ideias de Freire e Foucault. Portanto, considera-se que os dois pensadores

alimentam as Tendências Pedagógicas Progressistas, e tem em comum o

antiautoritarismo, a valorização da experiência vivida como alicerce da relação

educativa, a ideia de autogestão e a análise das relações de poder. Enxerga-se a

possibilidade de um diálogo entre eles, na tentativa de alcançar as múltiplas

realidades a partir do compartilhamento dos princípios formulados por Paulo Freire e

o desejo de criticidade de Foucault. Esse diálogo é construído dentro das

possibilidades de encontro entre os dois autores, conforme se percebe a seguir.

4.2.1 A apreensão das múltiplas realidades a partir de um diálogo entre Freire e

Foucault

A partir das reflexões da proposta da pedagogia libertadora, conhecida

também como pedagogia problematizadora e das ponderações sobre biopoder,

busca-se traçar, embora de forma despretensiosa, um diálogo guiado pela

confluência entre as ideias de Paulo Freire e Foucault, na tentativa de pensar

práticas e saberes que oportunizem ou, em menor alcance, diminuam o

distanciamento entre práticas, saberes e apreensão da realidade. A proposta dessa

reflexão se faz por reconhecer a importância e colaboração de ambos na temática

estudada. Acredita-se que diferentes saberes e práticas engendrados na educação

em saúde se expressam como “vontade de saber” sobre a juventude, fazendo a

questão do poder se materializar institucionalmente.

Freire e Foucault têm, sim, perspectivas distintas, mas trazem em suas

obras alguns pontos convergentes sobre os quais se pautam seus pensamentos

acerca de poder opressor- dialogicidade, atitude crítica, problematização,

resistência, contrapoder, emponderamento dos oprimidos. Esses pontos subsidiam a

trilogia presente na discussão dos dois autores: poder, opressão e liberdade.

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O primeiro elemento a ser investigado é o poder, cuja análise e

explicação tanto para Foucault como para Freire sua análise e explicação devem

fugir a qualquer viés simplista; o não deve, também, ser entendido como entidade

que subsiste por si, com vida própria. O poder é, portanto, para ambos exercidos,

cotidianamente, nas relações. O que substancia o poder não são as estruturas do

Estado, os suportes institucionais, mas as práticas regulamentadoras. E essas se

dão na esfera das subjetividades.

Não tenho de forma alguma intenção de diminuir a importância e a eficácia do poder de Estado. Creio simplesmente que de tanto se insistir em seu papel, e em seu papel exclusivo, corre-se o risco de não se dar conta de todos os mecanismos e efeitos de poder que não passam diretamente pelos aparelhos de Estado, que muitas vezes o sustentam, o reproduzem, elevam sua eficácia ao máximo (FOUCAULT, 1988, p. 161).

Foucault (2004) enfatiza a existência do poder para além do

Estado, afirmando que quando se fala de poder, as pessoas pensam

imediatamente em uma estrutura política, em um governo, em uma classe

social dominante, no senhor diante do escravo, etc.

Não é absolutamente o que penso quando falo das relações de poder. Quero dizer que nas relações humanas, quaisquer que sejam elas quer se trate de comunicar verbalmente [...] ou se trate de relações amorosas, institucionais ou econômicas -, o poder está sempre presente: quero dizer, a relação em que cada um procura dirigir a conduta do outro. São, portanto, relações que se podem encontrar em diferentes níveis, sob diferentes formas; essas relações de poder são móveis, ou seja, podem se modificar, não são dadas de uma vez por toda (FOUCAULT,2004: p. 265-287).

Freire (1987) ressalta que o proceder dos opressores, bem como a

maneira subjetiva como estes compreendem o mundo e os homens os faz reagir à

instalação de um novo poder, um poder que transforma tudo e todos em suas

relações, como objetos de seu domínio. De forma violenta cria-se nos opressores

uma consciência possessiva do mundo e dos homens. Essa posse concreta,

material, direta, alimenta as suas subjetividades, sem a qual não entendem a si

mesmos.

Daí que tendam a transformar tudo que os cerca em objetos de seu domínio. A terra, os bens, a produção, a criação dos homens, os homens mesmos, o tempo em que estão os homens, tudo se reduz a objeto de seu comando (FREIRE, 1987: p. 25).

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Com essas afirmações Freire e Foucault propõem, que se tenha um olhar

estrangeiro, de exilado, de estranhamento e de desnaturalização do real.

A opressão, o segundo elemento que se escolheu, para se analisar, é

instaurada pelo poder, ou uma adjetivação que serve ao poder- poder opressor- que,

segundo Paulo Freire (1987), é uma situação instaurada, um estado concreto,

existencial da realidade e que “[...] ela gera toda uma forma de ser e comportar-se

nos que estão envolvidos nela. [...] Nos opressores e oprimidos [...]” (PAULO

FREIRE, 1987: p. 25).

A estratégia pela qual se dá a situação real de opressão em Freire

denomina- se “Educação bancária”. Já salientada em ponto anterior deste capítulo, a

educação bancária efetiva-se enquanto instrumento instaurador do exercício do

poder. Nela, os homens são vistos como seres de adaptação, a serem ajustados.

Fazê-los de depósitos num exercício cotidiano significa não permitir que

desenvolvam em si a consciência crítica que os tornaria sujeitos transformadores do

mundo em que vivem.

Os saberes e práticas bancárias têm, de acordo com a análise de Freire

(1987) um caráter paternalista e vêem nos casos individuais “marginalização” que

discrepa da fisionomia geral da sociedade. Essa, por sua vez, boa, justa e

organizada e que por isso precisa ajustar a mentalidade dos homens ineptos e

preguiçosos.

Em Foucault, encontra-se estratégia definida com o mesmo fim, chamada

de “Sociedade Disciplinar”. Na sociedade medieval, o poder sobre a vida e a morte

era o poder soberano. Na sociedade moderna, nasce o poder disciplinar que exerce

com maior amplitude e eficácia o controle sobre o tempo, o espaço, sobre os corpos

individuais, sobre os fenômenos coletivos, sobre as ideologias.

Em resposta à situação de poder e opressão, Foucault e Freire propõem

dois instrumentos, pelos quais suas ideias se aproximam.

Freire (1997) compreende a construção da autonomia como consequente

da conscientização, proposta por ele como um esforço de “conhecimento crítico dos

obstáculos” que impedem a superação das condições de heteronomia. O

distanciamento/aproximação que o homem faz com o mundo que o cerca é, a

princípio, uma aproximação crítica ingênua. É consciência, mas não

conscientização, uma vez que a conscientização tem como base a ação-reflexão e a

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relação consciência-mundo. Sugere a transformação do mundo e a inserção crítica

na história.

Para esse feito, o educador evoca em sua “filosofia existencial” o sentido

dialógico, que é para ele exigência epistemológica. O diálogo se constitui como

movimento, como instrumento de promoção e problematização da relação homem-

mundo. Relação com o que ele vive, com o que ele sabe. Essa relação se faz pela

reflexão- ação – pela palavra. A palavra sem ação é palavreria; a ação sem reflexão

é ativismo e nega a práxis, impossibilitando o diálogo. A dialogicidade que gera a

palavra que problematiza, que transforma pela pronúncia do mundo diz Freire não é

direito, nem privilégios de poucos.

Dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isso ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com a qual rouba a palavra aos demais. (FREIRE, 1987: p. 44)

Assim, o sentido dialógico se configura combatente ao poder- opressor

que controla e governa os oprimidos.

Em aproximação a ideia de Freire, Michel Foucault traz sua colaboração

com o que ele chamou de atitude crítica ou crítica, para qual deu na Conferência

proferida em 27 de maio de 1978, na França, a seguinte definição:

Uma certa maneira de pensar, de dizer, de agir igualmente, uma certa relação com o que existe, com o que se sabe, o que se faz, uma relação com a sociedade, com a cultura, uma relação com os outros também, e que se poderia chamar, digamos, de atitude crítica. (FOUCAULT, 1990: p. 1,2)

De acordo com Foucault, na história da atitude crítica, se colocam vários

caminhos, os indivíduos independentes de suas idades, de seu estatuto, do início e

fim da vida, deviam ser governados e se deixarem governar, numa relação de

obediência. Essa arte de governar teve durante muito tempo sua ligação com os

grupos espirituais/religiosos. Contudo a partir do século XV, teve um deslocamento

do foco religioso para outras formas de governo. Multiplicam-se, então, outras artes

de governar: arte- pedagógica, arte- política, arte-econômica.

Não como simples afirmação contrária, mas como forma de limitar essa

forma de governar, de transformá-la, de escapar de seu domínio, nasce a atitude

crítica. Foucault (1990) fixa três pontos de ancoragem da crítica: o 1º - é a negação

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do magistério eclesiástico, é o questionamento do que é autêntico nas Escrituras; 2º-

não querer ser governado sob a perspectiva do direito natural, por entender que as

leis guardam uma ilegitimidade; 3º- não aceita como verdade, as certezas da

autoridade. A crítica será a arte da inservidão voluntária, aquela da indocilidade

refletida. “A crítica teria essencialmente por função o desassujeitamento no jogo do

que se poderia chamar, em uma palavra, a política da verdade” (FOUCAULT, 1990:

p. 5). O que a crítica toma como foco de sua ação-reflexão é a relação entre poder,

verdade e sujeito.

Atitude crítica e dialogicidade se movimentam em uma direção de

convergência em que o “sujeito se dá o direito de interrogar a verdade sobre seus

efeitos de poder e o poder sobre seus discursos de verdade” (FOUCAULT, 1990: p.

5). A crítica e a dialogicidade buscam a compreensão histórica do presente sobre a

qual pode-se atuar, a partir das condições que se amputaram como opressão e

domínio. Ambas significam, ainda, uma ruptura, uma insurgência contra os saberes

impostos pela educação bancária e pela institucionalização do discurso, seja

religioso, jurídico ou científico, e propõem a reativação dos saberes locais e

populares.

Essa leitura de mundo para Freire ou microssociologia em Foucault, feita

pela atitude crítica e diálogo, que tem por função desvelar o mundo, está

intrinsecamente relacionada com a problematização.

A educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade. (...) busca a emersão das consciências, de que resulta sua inserção crítica na realidade. (Freire: 1987, p. 70)

A problematização é tema recorrente em Freire; tem para ele a função de

romper com a submissão instituída na educação formal e não formal, que, por sua

vez, produz subjetividades que tornam os indivíduos dóceis, servis. A

problematização, como inserção crítica na realidade, questiona os desafios, as

angústias, as dificuldades, os sofrimentos, a expropriação, a opressão, as alegrias,

as verdades impostas. Problematiza o mundo e a si, resultando novos saberes e

novo homem historicizado e só é possível no tempo presente: “Só há História onde

há tempo problematizado e não pré-dado. A inexorabilidade do futuro é a negação

da História” (FREIRE, 1997: p. 80).

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No livro “O cuidado com a verdade”, Foucault afirma ser a

“problematização” ponto comum em seus estudos, reconhecendo- a como

instrumento para o pensar e que, essa, à luz da história, problematiza o presente.

A noção que serve de forma comum aos estudos que empreendi desde “A História da Loucura” é o da problematização (...). Problematização não quer dizer representação de um objeto preexistente, nem criação pelo discurso de um objeto que não existe. É o conjunto das práticas discursivas ou não discursivas que faz alguma coisa entrar no jogo do verdadeiro e do falso e a constitui como objeto para o pensamento (Foucault, 1984, p. 76).

A problematização da mesma forma que para Freire, para Foucault,

resulta em novos saberes, produz alterações em territórios conformados com a

lógica e a lei presente e cria novas possibilidades.

Dentre os pontos confluentes entre os dois autores, que discorrem sobre

a trilogia: poder, opressão e liberdade, encontra-se além dos já citados, a

“resistência”.

Se para Foucault a atitude crítica é, mesmo com suas variações, a

vontade de não ser governado e essa “[...] é sempre a vontade de não ser

governado assim, dessa forma, por elas, a esse preço [...]” (FOUCAULT, 1990: p.

24), entra em cena a “resistência”. Para o autor, a resistência se configura como um

elemento que se localiza entre as práticas de dominação e de liberdade. A segunda

não substitui o poder estabelecido (as relações de poder, a política, os

enfrentamentos, a tensão entre as forças). O que ocorre é uma relação dinâmica

entre poder e liberdade, na relação cotidiana de combate à dominação e ao controle

dos grupos econômicos, as práticas de expropriação dos saberes e a instituição de

outros.

É, portanto, aí que se instaura a resistência, nas práticas de saber e

poder, de dominação e liberdade.

No momento em que o indivíduo está numa situação de não poder fazer aquilo que ele quer, ele deve utilizar relações de poder. A resistência vem então em primeiro e permanece superior a todas as forças do processo; ela obriga, sob seu efeito, as relações de poder a mudar. Considero então que o termo “resistência” é a palavra mais importante, a palavra-chave desta dinâmica. (...) A resistência é um elemento dessa relação estratégica em que consiste o poder. A resistência toma sempre apoio, na realidade, sobre a situação que ela combate. (FOUCAULT, 2003: p. 34-35).

Para Foucault, onde há poder, há também resistência.

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Em Freire, a resistência cria condições para outra política da verdade e

restituição dos saberes marginalizados, bem como do direito de pronunciá-los:

Falo da resistência, da indignação, da justa ira� dos traídos e dos enganados. do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas (FREIRE, 1997: p.113-114).

E aonde se quer chegar e porque se busca o diálogo e a convergência

entre as ideias de Foucault e Freire?

Percebe-se que as ideias dos dois autores aqui relacionadas

compreendem a educação como espaço privilegiado das relações de poder, de

dominação, de controle, mas também de diálogo, de crítica, de resistência e de

transformação, tendo-se pois, o objetivo no item que segue, de transitar da

educação em saúde na perspectiva da promoção para a educação popular, através

do diálogo entre o conhecimento técnico-científico e o conhecimento oriundo das

experiências e lutas da população.

4.3 Educação em Saúde: na perspectiva de novos saberes e práticas

Como se afirmou em capítulo anterior deste trabalho, o discurso corrente

na saúde pública nas duas ultimas décadas, se articula em torno da promoção da

saúde. Promoção é um conceito tradicional de acordo com Czeresnia (2003), que foi

retomado recentemente no Canadá, nos Estados Unidos- EUA e na Europa

Ocidental. Resgata com um novo discurso o pensamento médico social do século

XIX, afirmando as relações entre saúde e condições de vida. Continua sua

constatação, assegurando que as motivações da retomada se deram pela

necessidade de controle dos gastos crescentes da assistência médica, que por sua

vez não obtinham resultados igualmente significativos.

Um dos objetivos da nova roupagem da saúde pública é fortalecer a

autonomia dos sujeitos e dos grupos sociais, dentro do contexto das sociedades

capitalistas de doutrina neoliberal. Algumas questões são colocadas por Czeresnia

(2003): a indagação de “qual concepção de autonomia é efetivamente proposta e

construída e a evidência de que conhecimentos e práticas estariam construindo

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representações científicas e culturais, conformando os sujeitos para exercerem uma

autonomia regulada, estimulando a livre escolha segundo uma lógica do mercado.

Uma das maiores questões da saúde pública, nessa nova proposta, é

superar a contradição do discurso promotor da saúde, mas que apresenta uma

prática que se ancora sob os conceitos de doença, bem como do seu controle. O

modelo explicativo é o da multicausalidade, mas os encaminhamentos e respostas

seguem no sentido da causa de forma linear. Assim, embora os agravos de saúde

possam ter origem emocional, social ou imunológica, são tratados, quase sempre,

como fisiopatológicos.

Como indicativo, tem se firmado outra perspectiva, outra dimensão da

promoção à saúde com uma tendência progressista. Não se trata de negar a

participação do saber científico e sim o reconhecimento de sua limitação, quanto a

dar conta de fenômenos complexos, com modelos explicativos e prescritivos.

A proposta e ao mesmo tempo desafio é, portanto, a renovação de velhas

filosofias que foram esquecidas e marginalizadas pela crença desmedida na razão e

no poder de controle e domínio do homem (CZERESNIA 2003). O reconhecimento,

a revalorização e a ampliação da interação com outros saberes e práticas legítimas

de apreensão da realidade.

Recomenda-se, então, lançar um olhar sob a égide da Educação Popular,

como meio emergente e paradigmático para subsidiar as práticas e os saberes de

educação em saúde, que para Brandão (1995), traz como característica a oposição

aos padrões formais que norteiam a educação não-formal, o controle por ela

exercido sobre o povo e o discernimento sobre o princípio que rege a participação

do público para a qual se destina.

Por oposição a modelos ‘formais’ de educação não-formal, e a projetos de ‘trabalho comunitário’ onde a participação de pessoas, grupos e outros segmentos da comunidade é ilusória, comandada a partir de pólos decisórios externos e dirigida à realização de interesses de controle e manipulação do povo, é sugerido um modelo participante de educação dirigida aos setores populares da sociedade. (...) É justamente sobre a idéia de participação comunitária, de participação popular, que os programas alternativos deste modelo fazem (...) a sua crítica às práticas pedagógicas da educação não-formal. É também sobre o sentido político da idéia de participação. Já que praticamente todos os tipos atuais de projetos de trabalho comunitário agenciado lançam mão da idéia de participação, como princípio teórico e operativo de sua proposta de ação na comunidade, é necessário definir o teor da participação. (BRANDÃO, 1995, p. 21)

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Em plena harmonia com o pensamento de Brandão (1995), Stotz (1993)

afirma que a Educação Popular é composta por um adjetivo que agrega um enfoque

que não se refere ao público apenas, mas traz a perspectiva política com a qual se

trabalha com a população, o que para ele, significa colocar-se a serviço dos

interesses dos oprimidos da sociedade.

A educação popular pondera que o poder opressor não se dá somente

dos capitalistas sobre o trabalhador, mas de uma forma geral ocorre sobre a mulher,

sobre os homossexuais, sobre os índios, sobre os negros. E por isso requer

estratégias que perpassem o mecanicismo revolucionário que resultaria na ditadura

do proletariado e no estabelecimento do socialismo como nova ordem. Requer

estratégias que tomem como ponto de partida da dimensão política da educação em

saúde o saber anterior das classes populares. Isto significa ver nas experiências das

pessoas (sobre o seu sofrimento, sobre suas histórias, sobre suas condições

presentes, bem como dos movimentos sociais, nas entidades de moradia, de

trabalho, de gênero, de raça e etnia, e organizações populares em sua luta pela

saúde, por educação ou quaisquer outras ações), construções, processos e saberes

tão verdadeiros e válidos quanto outros saberes.

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5 SABERES E PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE A PARTIR DAS

PERCEPÇÕES SOCIAIS DE JUVENTUDE

5.1 Construção Sociológica de juventude a partir das percepções sociais

A discussão sobre juventude ocupa um espaço importante, após a

Segunda Guerra Mundial. Isso acontece segundo Reguillo (2003), nos diversos

campos: na ciência, no Estado, na Igreja, no mercado e na mídia. Ressalta, ainda,

que, neste período se consolida um discurso jurídico, um discurso escolar e uma

florente indústria, que reivindica a existência dos jovens como sujeitos de direito e

como sujeitos de consumo. E que, pela primeira, vez ofereciam-se produtos de

consumo exclusivos para os jovens.

No transcorrer da história, vê-se desenhar a reação dos jovens ao cenário

social com os símbolos da contestação: os lost generation e os beatniks

expressavam a insatisfação com a irracionalidade do capitalismo, desumanização e

frivolidade. “Os hippies manifestavam modelos alternativos de sociedade.”

(VALENZUELA, 1998).

Por volta dos anos 1950 a problemática da juventude era a “predisposição

para a transgressão e a delinquência”, portanto, entendida quase como inerente à

condição juvenil, à corporificação da figura do “rebelde sem causa”. Nos anos 1960

e 1970, a problemática tinha um caráter político, era uma geração que ameaçava a

ordem social, política, moral. Culturalmente, surgia a contracultura, a contra

tecnocracia e com elas os movimentos pacifistas e os hippies. Aqui a juventude se

apresenta como categoria transformadora e sua representação congregava o medo

da revolução para uma parte da sociedade.

Chega-se aos anos 1980 e Helena Abramo (1994) revela que está posta

para a juventude, nesse período uma tentativa de homogeneização, evocação

comparativa com a juventude dos anos 1960, estereotipando e identificando a

juventude como passiva e alienada, sendo esta vista como traidora da identidade e

essência “rebelde”, entendida como “própria” da condição juvenil.

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É em contraste com essa imagem que a juventude dos anos 80 vai aparecer como patológica porque oposta à da geração dos anos 60: individualista, consumista, conservadora e indiferente aos assuntos públicos, apática. Uma geração que recusasse a assumir o papel de inovação cultural que agora, depois da reelaboração feita sobre os anos 60, passava a ser atributo da juventude como categoria social. (ABRAMO, 1997: P.31)

Nos anos 1990, tem-se uma nova configuração da juventude. Segundo

Abramo (1997), chamam a atenção não mais a apatia e a desmobilização da

juventude. Mas a presença de vários jovens envolvidos em ações identificadas como

ações individualizadas ou coletivas, agora associadas a movimentos violentos e

comportamentos desviantes como os arrastões, os meninos de rua, os surfistas

ferroviários, as gangues e galeras. Esse momento é, ainda, consoante a autora, uma

retomada de elementos constitutivos dos anos 1950, caracterizados por

comportamentos desviantes (envolvimento com a criminalidade, drogas, violência e

comportamentos anti-sociais) no processo de integração social de adolescentes e

jovens.

Nas décadas de 1990 a 2000, como consequencia da globalização, que

ampliou e acelerou o processo de informatização, há uma reconfiguração e

redimensionamento do mundo e das relações de trabalho. A juventude não vê essas

mudanças de forma passiva, ela participa. Uma nova cartografia das cidades e do

mundo é feita a partir da ocupação da juventude, segundo Diógenes (1998). Embora

essa ocupação seja percebida com a prática de atos de violência, outros aspectos

constituem a identidade juvenil nesse momento, sendo: as produções artísticas

como o grafite, pichações, rodas de break e shows musicais, os bailes funk, o

universo da cultura hip hop, as tatuagens e o corte de cabelos. Esses elementos

passaram a integrar e revelar novas formas de intervir no desenho urbano e de

construir sua cidadania. São os manos e as minas, nas suas novas formas de se

apropriar do espaço que lhe fora negado.

Consumir a cidade da qual foram banidos, realizar sua inscrição nos registros dos quais foram proscritos, adornar-se com os elementos estéticos dos quais foram expropriados são os passos para a aquisição do cidadão. (DIÓGENES, 1998, p. 41)

Hoje, a população juvenil sofre mudanças políticas e demográficas e, no

Brasil, bem como na América Latina é percebida a escalada do fenômeno juvenil e

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já não cabe a simples nomenclatura ou categorização da juventude corrente

relacionando-a com os movimentos que tiveram visibilidade nas diferentes épocas:

1950 - juventudes transviada, 1960 - juventude rebelde; 1970 - juventude paz e

amor; 1980 - juventude alienada; 1990 - as gangues, as galeras; e em 2000 - os

manos, pois essas representações ou percepções uniformizam e ocultam a

diversidade existente na cultura juvenil.

Surge, portanto, a discussão na perspectiva de conceituar e definir o que

é juventude. Essa definição se apresenta, cotidianamente, através das percepções

sociais, nas quais os jovens são tomados a partir de uma cultura juvenil clássica. De

um modo geral a sociologia da juventude a define dentro de duas perspectivas:

“Numa delas, a juventude é tomada como um conjunto social cujo principal atributo é o de ser constituído por indivíduos pertencentes a uma dada «fase da vida», prevalecendo a busca dos aspectos mais uniformes e homogêneos que caracterizariam essa fase da vida— aspectos que fariam parte de uma «cultura juvenil», específica, portanto, de um geração definida em termos etários” (PAIS, 1990, p. 140);

Noutra tendência, contudo, a juventude é tomada como um conjunto social necessariamente diversificado, perfilando-se diferentes culturas juvenis, em função de diferentes pertenças de classe, diferentes situações econômicas, diferentes parcelas de poder, diferentes interesses, diferentes oportunidades ocupacionais, etc. Nestoutro sentido, seria, de facto, um abuso de linguagem subsumir sob o mesmo conceito de juventude universos sociais que não têm entre si praticamente nada de comum. (PAIS, 1990, p. 140);

Além das duas tendências nas quais é enquadrada, de maneira geral, a

juventude, vê-se, ainda, o fetiche do juvenil pela via do consumo que é designado

por esses autores de juvenilização (ou juvenização), fenômeno em que a juventude

é processada como motivo estético, ou como objeto publicitário e sua conversão em

“mito mass midiático” contribuem à evaporação da história acumulada no corpo e na

memória, como afirma Peralva (1997). Assim a juventude é vista também como um

nicho de mercado potencial e promissor, crescendo o interesse das indústrias

culturais na sua exploração e em sua consolidação como “sujeito juvenil”, afirma

Pais, (1990). Outras representações ou percepções importantes que se veem

amiúde veicular socialmente são os jovens, ora como a redenção da humanidade

que expressa uma total condição de devir, ora como a ameaça ou desvio à ordem

social posta.

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As percepções relacionadas anteriormente subsidiam as práticas das

políticas destinadas à juventude. Tais percepções garantem uma ordem. São

dispersas e produzidas por diversas instituições da sociedade, como a igreja, a

justiça, a família, a mídia etc. Nascem com o surgimento das Ciências Humanas e

inserção do homem no mundo das representações/percepções. Constituem-se

através de códigos culturais; definem o lugar, o caráter e a organização dos seres e

conduzem as práticas sociais.

Para Foucault (2000), a finalidade de tal ordenação é a determinação do

caráter de agrupamento dos indivíduos e das espécies em unidades gerais, fazendo

a distinção entre elas, o que permite o enquadramento dos seres individualizados ou

em grupos. Conhecidos ou desconhecidos, todos encontrarão seu lugar. Essa

caracterização é extraída da representação ou percepção geral sobre os indivíduos.

[...] os códigos fundamentais de uma cultura- aqueles que regem sua linguagem, seus esquemas perceptivos, suas trocas, suas técnicas, seus valores, a hierarquia de suas práticas- fixam logo de entrada para cada homem as ordens empíricas com as quais terá de lidar e nas quais se há de encontrar [...] (FOUCAULT, 2000: Prefácio).

Em sentido oposto aos códigos fundamentais, que nutrem um olhar

codificado, estariam de acordo com Foucault (2000) as interpretações filosóficas,

que se apresentam reflexivas e que dão conta de questões como: por que há em

geral uma ordem, o que a justifica, a quem ela se subordina, por que esta e não

outra?. Entre ambas, Foucault desvela uma terceira proposta mediana. E que entre

o olhar codificado e o conhecimento reflexivo, tem papel importante. Ela autoriza a

ordem no próprio ser e se apresenta, segundo a cultura, a época, ligada ao local ou

constituída de forma impulsiva a cada instante. É a experiência da ordem. E é sob

essa ordem intermediária que se constitui o solo epistemológico, que se traz a

reflexão sobre a construção sociológica da juventude. Ao longo dessa construção os

seres sob suas ordens espontâneas, são ordenáveis a si mesmos. Embora

aparentem ter uma ordem “muda”, possuem em si uma ordem. Juventudes que se

libertam dos seus grilhões linguísticos, perceptivos, práticos criticando-os e os

invalidando parcialmente.

Assim, essa experiência da ordem, que envolve a cada tempo a

construção sociológica das juventudes, que foge aos códigos fundamentais,

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desempenha um papel mais crítico e é sempre mais verdadeira que as percepções e

formulações filosóficas sobre as juventudes.

Essa vontade de saber sobre a juventude, definindo seu lugar, dando

nomes, papéis, enquadrando- a, segundo uma ordem natural, faz que se reflita

sobre o que é desprezado, silenciado ou acolhido, no pensamento moderno, uma

vez que diz respeito às linhas macro e micropolíticas que constituem esses sujeitos,

bem como a experiência da ordem, o solo epistemológico, que se constitui a partir

da própria juventude.

Neste capítulo pretende-se, portanto, tratar do que tem sido privilegiado

enquanto formulação sobre a juventude e que tem implicado diretamente nas

políticas destinadas a esse segmento, com base nas percepções sociais sobre

juventude descritas em Krauskopf (2003) e Abramo (2005), que identificam nos

escritos sobre a juventude, bem como nas práticas das políticas públicas quatro

enfoques teóricos 1- juventude como etapa de preparação, transição entre a infância

e a idade adulta; 2- juventude como etapa problemática; 3 - juventude como ator

estratégico para o desenvolvimento; 4- juventude como sujeito de direitos. Cada um

desses enfoques será exposto a seguir:

5.1.1 A Percepção da Juventude como “período de preparação para vida

adulta”.

Compreender a juventude como “fase da vida”, tem significado em definir

e uniformizar a juventude a uma fase de transição para a vida adulta, que deverá

seguir alguns parâmetros como a saída da escola, seguida de participação na PEA-

População Economicamente Ativa, saída de casa, casamento e

maternidade/paternidade. O adulto é tido como responsável dentro de um construto

social, porque responde a um conjunto de responsabilidades que estão dentro dos

aspectos anteriormente citados: ocupacionais, conjugais/ familiares e de habitação.

Quando o jovem contrai para si essas condições, afirma-se na sociedade

como indivíduo autônomo e adquire o status de Adulto, segundo essa percepção.

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Esse modelo teórico é um modelo tradicional de transição, da passagem

para a vida adulta. Foi proposto por Oliviere Galland em meados dos anos 1980,

tendo como base as condições sociais transitadas na França, e efetua-se sobre dois

eixos: o primeiro na esfera pública e o segundo na esfera privada.

No primeiro eixo situa-se a conclusão dos estudos e a entrada na vida profissional, e no segundo situa- se a saída da casa dos pais e início da vida conjugal. O modelo tradicional caracteriza- se por uma relativa sincronia da passagem por essas etapas e, portanto por uma relativa homogeneidade das definições de idade em que ocorrem. (Galland,1996, p.37)

Esse modelo elaborado a partir de uma psicologia desenvolvimentista é

linear e prossegue sob uma perspectiva unidirecional, em que as fases da vida

obedecem a uma sequência lógica que vai de uma condição de imaturidade e

dependência a um estado de maturidade e emancipação.

A juventude como estudo sociológico e também veiculado comumente

como representação parece correr na mesma direção da psicologia do

desenvolvimento; parte de uma sociologia funcionalista segundo a qual a juventude

é compreendida como um momento de transição no ciclo de vida, da infância para a

maturidade. E essa categorização de análise, diz Abramo (1997), corresponde a um

momento específico e dramático de socialização, em que os indivíduos processam a

sua integração e se tornam membros da sociedade, através da aquisição de

elementos apropriados da “cultura” e da assunção de papéis adultos.

A percepção de juventude a partir desse enfoque, como fase de vida,

sendo um período preparatório constitui-se de alguns elementos: a) Compreensão

de Juventude - período de transição entre a infância e a idade adulta; b) Visão

sobre o jovem- jovem como sujeito em preparação; detentor de uma condição

universalmente homogênea e de uma possibilidade de se dedicar à preparação

(moratória); c) Referência na socialização- a transição é definida por etapas

consecutivamente organizadas que garantem a incorporação pelo jovem dos

elementos socioculturais que distinguem os papéis típicos do mundo adulto; d) Eixo

ordenador de sua preparação - o futuro; não visualiza os jovens como sujeitos

sociais do presente; e) Relação adultos - jovens- adultos como “educadores,

preceptores”, jovens como “educandos, receptores”; f) Causas dos problemas de

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comportamento juvenil- são compreendidos como desvio ou disfunções do

processo de socialização; g) Políticas Públicas- perspectiva universalista.

Segundo Krauskopf (2003), a juventude entra em cena, como “fase” de

aquisição de experiências que irão prepará-los para a idade adulta. Essas

aquisições se dão através das instituições de transição ao mundo adulto, dando- se

ênfase às políticas públicas numa perspectiva universalista, centralizada nas

políticas de educação e qualificação profissional. Ainda, surgem nessa perspectiva

os projetos/programas complementares à ação educativa. Programas direcionados

ao uso do tempo livre, de esporte, de lazer e ou atividades voluntárias, a fim de

garantir um desenvolvimento saudável, através da formação. O serviço militar se

configura, nesta perspectiva, como programa preparatório de habilidades específicas

para o cumprimento de deveres que subsidiam essa formação sadia e ao mesmo

tempo garantam a unidade nacional.

Essa percepção é a que mais atende a perspectiva universalista e

fundamenta- se na garantia de direitos universais a serem oferecidos pelo Estado. O

ponto nevrálgico das estratégias políticas que se estabelecem a partir do

fundamento universal, é que, compreendendo a juventude como um segmento

homogêneo, tais estratégias desconsideram as diversas e desiguais situações em

que estão inseridos os jovens, as especificidades do recorte etário, os direitos

difusos não incorporam a singularidade, nem a epistemologia da atual juventude.

Pautam-se na possibilidade da juventude de viver a moratória social. Com

base nesse conceito, Aquino (2009) ressalta que a juventude disporia de um tempo,

antes de sua entrada na vida adulta, favorecendo a fruição, as experimentações,

vivências necessárias ao seu desenvolvimento, a sua formação educacional e

profissional. Para tal, os jovens se mantêm fora do sistema de produção.

Confirmando o exposto, tem-se a afirmação de Galland (1996):

Em certo sentido, este período representa uma oportunidade para o ensaio e o erro, para experimentações, durante o qual o jovem “constrói progressivamente sua identidade social e profissional e tenta a fazer coincidir com um status acreditável (GALLAND, 1996, p. 74).

Porém, outra compreensão afirma que este processo também pode

colocar os jovens em uma situação de alijamento dos processos de decisão e

criação do social e, no limite, de marginalidade, uma vez que nem todos os jovens

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têm acesso aos espaços que oportunizam essas experimentações, nem todos

podem se distanciar dos espaços de produção econômica, sendo eles o provedor

financeiro da família. Questões como essas evidenciam que a moratória social não

ocorre para todos, gerando exclusão. Em especial no Brasil, como afirma Dayrell

(2007):

No Brasil, a juventude não pode ser caracterizada pela moratória em relação ao trabalho, como é comum nos paises europeus. Ao contrário, para grande parcela dos jovens, a condição juvenil só é vivenciada porque trabalham, garantido o mínimo de recursos para o lazer, o namoro ou o consumo (DAYRELL, 2007, p. 4).

Outras construções estabelecidas a partir dessa percepção são os mitos

generalizantes, que veiculam ideias como: “os jovens não têm preocupações”,

classificando-os como intempestivos, desinteressados, frívolos, com pouca

participação política, baixo interesse cultural, ávidos por experiências imediatas, que

cessarão quando se tornarem adultos. Essas construções traçam comparações com

as gerações passadas, estabelecem um perfil homogêneo da juventude

desconsideram o descrédito em que está inserido o sistema político e a baixa

representatividade que a temática juventude como sujeito de direito tem no cenário

político. Desconsideram, ainda, outras formas de participação e expressão da

fruição da juventude, senão a da díade educação e trabalho.

Tomando como base Spósito (2000: p. 9), essa compreensão dificulta

discernir a juventude como sujeito de direitos, com experiências e vivências tão

importantes quanto as de pessoas que estejam em outras fases e, nesse caso, eles

são definidos pelo negativo, pela ausência, pelo que não seriam.

5.1.2 Percepção da Juventude como Problema

Na perspectiva desenvolvimentista e funcionalista, como se viu

anteriormente poder-se-ia até dizer que a juventude é vista cartesianamente e segue

um curso natural, dentro da ordem, que quando não obedecida, quando não

indelével, pode resultar em outra representação. Passa – se a ter outra percepção,

“a juventude como problema”.

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De acordo com essa percepção, esse momento se configura, então,

como, momento crítico para o indivíduo que se constitui plenamente como sujeito

social e livre, tornando-se hábil, pela internalização de valores, normas e

comportamentos, para desempenhar os papéis que lhe foram outorgados.

Abramo (1997) destaca que, por esta razão, é entendido que este período

é crucial para a continuidade social.

...é nesse momento que a integração do indivíduo se efetiva ou não, trazendo conseqüências para ele próprio e para a manutenção da coesão social. É nesse sentido que a ênfase da sociologia funcionalista e quase que de toda sociologia preocupada com o tema da juventude recai sobre o processo de socialização vivido pelos jovens e sobre as possíveis disfunções nele encontradas. Como a juventude é pensada como um processo de desenvolvimento social e pessoal de capacidades e ajuste aos papéis adultos são as falhas nesse desenvolvimento e ajuste que se constituem em temas de preocupação social. É nesse sentido que a juventude só está presente para o pensamento e para a ação social como “problema”: como objeto de falha, disfunção ou anomia no processo de integração social; e, numa perspectiva mais abrangente, como tema de risco para a própria continuidade social (Abramo, 1997, p. 29).

Recém - estudada como categoria social, é no século XX que a juventude

emerge como problema e, como tal, objeto de preocupações da sociologia diz

Abramo:

[...] Delinqüentes, excêntricos, contestadores, rebeldes, revolucionários, protagonistas de desordens e violências aparentemente despropositadas, "alternativos", transgressores, os jovens serão progressivamente identificados como um imenso potencial de transformação ou modernização social, mas também como um poderoso fator de risco para a sociedade [...] (Abramo, 1994, p. 172).

A percepção de juventude como etapa problemática, que representa risco

para sociedade, apresenta, conforme sistematização de Dina Krauskopf (2003) e

Abramo (2005), alguns aspectos que se tornaram como referência para se

apresentarem como elementos que constituem essa percepção, quais sejam: a)

compreensão da juventude – como etapa da vida que apresenta comportamento

de risco (gravidez precoce, drogadição, DST e AIDS, envolvimento com violência,

criminalidade e narcotráfico) e transgressor que ameaça a ordem social; b) visão

sobre o jovem - eminentemente vulnerável; c) Referência na prevenção – ações

com foco nos setores que apresentam vulnerabilidade, risco ou transgressão; d)

Relação adulto- jovem – relação prescritiva, bancária, punitiva e tuteladora; e)

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Causa dos problemas juvenis - os próprios sujeitos juvenis; f) Política Pública –

políticas compensatórias, coercitivas e controladoras, focalizadas,

predominantemente, nas áreas de saúde, justiça e segurança.

A partir da inserção da juventude como questão social, como categoria

sociológica específica no mundo contemporâneo, com essa abordagem, firmou-se

uma vinculação quase que natural entre a temática juvenil e as questões de conflitos

e problemas sociais.

Como um fenômeno que é percebido, eminentemente, da juventude, os

problemas que, contemporaneamente, mais atingem a juventude, bem como a

manifestação da cultura juvenil ou de fragmentos dessa cultura se tornam arma de

estigmatização dela própria. Trata- se, em conformidade com Pais (1996: p. 145), da

veiculação das imagens das culturas juvenis retratadas como ameaça para a

sociedade.

E algumas questões tomam forma a partir desse paradigma. A

associação generalizada da pobreza com a criminalidade, tornando a segunda

conseqüência natural da primeira. Seguida a esta generalização, tem-se os próprios

sujeitos juvenis como responsáveis pela descontinuidade de uma sociedade

“saudável”, contrária à percepção da juventude como fase de transição que

compreende os problemas da juventude como fracasso nas/das instituições

socializadoras (escola e família).

Essas construções são alimentadas e reiteradas pelos indicadores de

desemprego, do baixo nível de escolaridade dos jovens, pelos índices de morte por

causas externas, índices de gravidez na adolescência, entre outros indicadores,

veiculados na mídia de forma descontextualizada, ancorados em análises

pulverizadas, sem nenhuma relação com as políticas públicas e sem investigação

dos fatores que as produzem.

Quase sempre a problematização sociológica da juventude se firma pelo

viés da moral como ressalta Abramo (1997, p. 29): [...] o foco real de preocupação é

com a coesão moral da sociedade e com a integridade moral do indivíduo — do

jovem como futuro membro da sociedade, integrado e funcional a ela [...].

Isso trunca e frustra a perspectiva e a expectativa de a juventude lograr

uma ordem social de ocupação de papéis, dentro de um contexto de transição para

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7 Termo utilizado para definir uma característica da dinâmica demográfica mundial e brasileira durante as

décadas de 1970 e 1980, chamada de “onda jovem”, caracterizada pelo o aumento da fecundidade na adolescência, em curso desde os anos 1970.

a vida adulta, tida como natural, segundo a percepção que se tem sobre essa

categoria.

Compreende-se que essa construção sociológica da juventude

desconsidera as mudanças ocorridas no pós-guerra, nos anos 1990, marcadas

pelas alterações no mercado de trabalho e na economia, com as novas demandas

de qualificação profissional e escolarização, bem como a crise do emprego que é

extensiva a toda Europa Ocidental e que entre outras razões, se deve ao Baby

Boom7 posterior à Segunda Guerra Mundial, tendo afetado, principalmente, os

jovens. Desconsidera, ainda, a experiência da ordem, própria da condição juvenil.

Assim, considerando-se como resultado objetivo de práticas e saberes

construídos sob a lógica dessa percepção social, afirma Aquino (2009) que com isso

temos a imposição e identificar a juventude como segmento prioritário das práticas

políticas de controle social e repressão.

5.1.3 Percepção da Juventude como segmento estratégico para o

desenvolvimento do país

A partir da década de 1990, impulsionada pelas discussões ocorridas

desde 1985 (ano definido como Ano Internacional da Juventude) e pelos

fenômenos sociais ocorridos nas décadas finais do século XX, que apresentavam

mudanças estruturais na distribuição etária da população em todo o mundo,

resultantes do crescimento excepcional do grupo jovem, como mencionado no item

anterior, decorrente do baby boom. Tem-se, nas décadas de 1990 e 2000, a “onda

jovem”, configurando como um período de aumento da população ativa. Associada

ao desenvolvimento sócioeconômico, esse fenômeno passa a ser qualificado como

bônus demográfico.

Pode ser detectado, segundo Souza (2006), a partir das duas últimas

décadas de 1985 – 2005, através do discurso, que a percepção sobre o jovem foi

alterada, passando para “ator estratégico”, sem subtraí-lo da condição de

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beneficiado, tornando- se a nova formulação uma orientação dos órgãos

internacionais, no que se refere a critérios para proposição das políticas públicas de

juventude.

São critérios de uma perspectiva geracional-juvenil em políticas públicas de juventude: [...] considerar os jovens a partir de uma perspectiva dupla: como beneficiários dos serviços e como atores estratégicos de desenvolvimento (UNESCO, 2005, p.18)

Com o objetivo de ampliar a compreensão sobre a percepção da

juventude como segmento estratégico para o desenvolvimento do país descrever-se

-ão com base em Krauskopf (2003) e Aquino (2009), os meios constituintes desta

percepção, sendo: a) Compreensão de Juventude – positiva, bônus demográfico;

b) Visão sobre o jovem- sujeito estratégico, jovens como forma de resolver os

problemas de desenvolvimento, jovens como atores dinâmicos da sociedade e com

potencialidades para responder aos desafios colocados pelas inovações

tecnológicas e transformações produtivas e, ainda, jovens como “protagonistas do

desenvolvimento local. c) Referência na formação- visão da preparação da

juventude reatualizada e redimensionada- formação de capital humano e social; d)

Políticas Públicas- centradas, principalmente, na incorporação em relação à

formação educacional e às competências no mundo do trabalho, protagonismo dos

jovens: como contribuição construtiva (voluntariado). Atende as orientações e

difusões dos organismos multilaterais e de fundações empresariais.

Esse novo cenário redefine ou dá novos contornos à forma de perceber a

juventude, que passa a ser vista como “ator estratégico” do desenvolvimento.

Não se perde de vista que essa abordagem foi especialmente difundida e

apoiada por organismos multilaterais e agências internacionais, preocupadas com o

contingente populacional de jovens expostos e inseridos em situação de

vulnerabilidade, conforme declaração da UNESCO (2005), a ser esboçada

posteriormente. E, ainda, a compreensão de que essa nova visão insere a juventude

como insumo dentro das exigências da relação capitalista, ou neoliberal,

mundializada, como afirma Silva e Lopes:

A visão do jovem como ator estratégico do desenvolvimento está orientada à formação de capital humano e social para enfrentar os problemas de exclusão social aguda que ameaçam grandes contingentes de jovens e

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atualizar as sociedades nacionais para as exigências de desenvolvimento colocadas pelos novos padrões mundiais (SILVA E LOPES, 2009, p. 102).

A UNESCO ressalta que, nos dias atuais, o grande contingente de jovens

expostos a “vulnerabilidades negativas” é fato que deve ser considerado pelo atual

governo brasileiro e pelo próximo em seus planos de governo. Expõe, ainda, que o

peso demográfico do segmento jovem em situação de pobreza pode se transformar

em sérios problemas, caso não sejam tomadas as medidas necessárias (UNESCO,

2005), ao mesmo tempo em que faz ressalva quanto à necessidade de

investimentos na juventude como oportunidade demográfica ou bônus demográfico

(UNESCO, 2005), considerando as potencialidades próprias da juventude para

novos padrões de desenvolvimento.

Embora, para Krauskopf (2003), esse enfoque apresente algumas

limitações, como a ausência de contextualização e discussão sobre o modelo de

ação em que os jovens estão inseridos como atores. Ignoram a existência de

conflitos entre os diversos modelos de desenvolvimento, bem como, das atuações

que postulam o bem coletivo. E, ainda, salienta a autora a responsabilidade

depositada nos jovens com a expectativa de solução para os problemas da

comunidade e problemas pessoais. É fato asseverar a nova configuração como

avanço, tendo como base as percepções sociais descritas anteriormente e a

declaração de Balardini (2003) sobre essa nova forma de compreender a juventude:

[...] parecem responder a um paradigma diferente dos tradicionalmente conhecidos no terreno da promoção juvenil, porque não se guiam somente por um simples critério de justiça social com um setor populacional afetado pelo desemprego ou pelo emprego precário, mas que se impulsionam sustentados na convicção de que os recursos humanos adequadamente capacitados, são um componente essencial da transformação produtiva e do crescimento econômico [...]. Se isso for realmente assim, ‘pela primeira vez se estariam estruturando ações dirigidas aos setores juvenis, priorizando as necessidades do próprio desenvolvimento, e não somente reagindo às demandas juvenis ou necessidades em matéria de controle social dos referidos setores (BALARDINI, 2003, p.104).

O paradigma da juventude como ator estratégico de desenvolvimento ou

aporte produtivo demarca um novo foco na busca pela equidade das políticas

públicas destinadas à juventude e é complementar a percepção que consolida a

discussão dos jovens cidadãos como sujeitos de direitos. Discussão que será

delineada no item que segue.

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5.1.4 Percepção da Juventude cidadã como sujeitos de direitos

A mobilização social dos anos de 1980 pautou a questão da infância e da

adolescência na agenda pública. Produziu a discussão sobre o desenvolvimento de

políticas e programas e obteve, como resultado, o processo de elaboração da

Constituinte e a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Com as

postulações trazidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, nos anos

1990, tem início uma discussão sobre juventude no Brasil, partindo de uma

conjuntura ideológica com enfoque nos direitos na cidadania da juventude como

referência para a definição das políticas públicas.

A mobilização social e política de jovens, que se consolida ao longo da

década de 1990, tem papel decisivo na conformação deste novo contexto

ideológico, em que emerge a compreensão dos jovens como sujeitos de direitos,

definidos não mais “por suas incompletudes ou desvios”, mas por suas

especificidades e necessidades, que passam a ser reconhecidas no espaço público

como demandas cidadãs legítimas (ABRAMO, 2005).

Essas transformações conceituais ampliaram a discussão sobre a

abrangência (faixa etária), as perspectivas e compreensão de juventude das

políticas destinadas a esse grupo social. Novo tempo, novas construções na

percepção social de juventude. A juventude concebida como sujeitos de cidadania e

de direitos. Nessa visão, a juventude é compreendida como etapa singular do

desenvolvimento pessoal e social. Prevêem políticas centradas na noção de

cidadania, abrindo a possibilidade da consideração dos jovens como sujeitos

integrais, para os quais se fazem necessárias políticas articuladas intersetorialmente

(KRUSKOPF, 2005).

Seguindo a análise de Krauskopf (2003), sintetizou-se alguns pontos

dessa percepção: a) Compreensão de Juventude – como etapa singular do

desenvolvimento pessoal e social. b) Visão sobre o jovem- sujeito integral e de

direitos. Supera a visão negativa (de incompletude ou desvio) idealizada sobre os

jovens; c) Eixo ordenador – Inclusão dos jovens como sujeitos explícitos de direitos

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civis, políticos, culturais, sociais e econômicos e protagonistas; g) Políticas

Públicas- políticas centradas na noção de cidadania e intersetorialidade.

Abad (2002) destaca a ideia de que, nesse aspecto, é reconhecida a

capacidade dos jovens de formular objetivos pessoais e coletivos, de comunicar e

defender publicamente a legitimidade de seus interesses e necessidades, enfim,

de atuar com plena consciência de seus direitos, com base em um pensamento

crítico, autônomo e emancipador, em um autêntico processo de “cidadanização”.

A percepção da juventude como sujeito de direitos é fomentada a partir de

algumas incongruências presentes em concepções que têm como pilar a inserção

no mercado de trabalho, marco necessário e definitivo da transição para a vida

adulta. Essa percepção é obscurecida e posta em questão a partir dos indicadores

de desemprego entre os jovens e do prolongamento da juventude (para alguns

jovens) que retardam a saída da casa dos pais. A sexualidade, também, é vivida não

como rito de passagem ou inserção na vida adulta, mas sim como “experimentação”

do mundo adulto. É a dessincronização das passagens (Galland, 1997). Assim

passa a juventude a ser conjugada no tempo presente. E adquire status de etapa do

ciclo da vida.

Perceber a juventude como cidadã e de direitos é também uma

construção que se faz a partir do novo cenário de fortalecimento, dos grupos de

jovens, da nova configuração dos movimentos sociais e políticos como espaços

privilegiados de construção da identidade e exercício da sociabilidade. Espaços

políticos que perpassam o movimento estudantil, espaços de socialização que vão

para além da família e escola.

As referências que circulam nestes espaços de interação e convivência ganham relevo à medida que preencham o vazio deixado, de um lado, pela inadequação das instituições tradicionais, em especial a escola. Ameaçando a redefinição da identidade do jovem segundo os cânones homogeneizadores da vida adulta, suas possibilidades de identificação são multiplicadas pela vasta pluralidade de culturas juvenis (AQUINO, 2009, p. 28- 29)

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5.2 Construção sociológica de juventude a partir da compreensão da condição

juvenil no Brasil contemporâneo

A percepção da juventude como sujeitos cidadãos de direitos, a partir de

uma análise crítica à visão clássica, está intrinsecamente ligada à da compreensão

da condição juvenil na sua forma contemporânea.

A definição da juventude enquanto categoria social é recente. Até o

século XVIII, a separação se dava em dois polos: o mundo infantil e o mundo adulto.

Ainda, no mesmo século, vislumbra-se, com Rousseau, começou de uma

categorização social composta pelos jovens, o que foi questionado pela sociedade,

que não via com bons olhos o acolhimento dessa categoria. Os jovens, portanto,

tinham vergonha de sua própria juventude, procurando, assim, a inserção na vida

adulta com mais rapidez, absorvendo atitudes e comportamentos dos adultos.

No século XIX, a adolescência e juventude são analisadas como fases

distinta das demais. Porém, destaca Áries (1981) que, somente no século XX, ocorre

a preocupação com a identificação social e política da juventude, sendo esta

inserida em espaços organizados. Ressalta, ainda, que a escola, a organização

militar (Estado) e as instituições confessionais foram as responsáveis por esta

revisitação.

Hoje, existem várias construções que buscam dar conta, definir esse

período. Em geral, no mundo ocidental, as percepções giram em torno do

desenvolvimento bio-psico-social, que se dá em etapas. Biológico, que culmina com

a maturação fisiológica (capacidade de reprodução) paralela às transformações

psíquico-cognitivas/emocionais (caracterizadas pela aparição de profundas

mudanças qualitativas na estrutura do pensamento) e sociais, que correspondem, na

abordagem sociológica clássica, à absorção e reprodução dos papéis sociais,

culminando com a inserção no mundo adulto.

Mesmo sobre um prisma já diverso, essa composição se apresentou, até

hoje, sob parâmetros fechados, lineares. A questão reside em que elementos, quais

culturas elaboram essa formação bio-psico-social.

Como descrito nos pontos anteriores, a condição juvenil está associada,

além das formulações das ciências humanas e sociais, a algumas percepções sobre

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juventude como fase de preparação para a vida adulta, juventude como problema,

como ator estratégico para o desenvolvimento e, mais recente, urge a discussão da

juventude como sujeito de direitos.

É perceptível, portanto, que uma das preocupações na

contemporaneidade é explicar as transformações pelas quais passam a juventude,

quando compreendida como um processo de desenvolvimento em um dado período

de tempo. E a construção social que se apresenta sobre a condição juvenil se

aproxima mais de uma percepção ou representação social que da experiência vivida

pelos próprios jovens. Essa construção sociológica da juventude tem permeado ora

o campo ideológico, ora o campo do discurso científico.

Torna-se, portanto, um desafio à sociologia e às políticas públicas: a

desconstrução da juventude enquanto percepção ou representação social e a

reelaboração a partir de uma construção da realidade.

Essa desconstrução indaga: uma ou outra corrente teórica e percepção

que se gera em torno dessa temática abrange, comporta a diversidade que traduz a

condição juvenil contemporânea? Sobre essa questão argumenta Pais (1996) :

não há de fato, um conceito único de juventude que possa abranger os diferentes campos semânticos que lhe aparecem associados. As diferentes juventudes e as diferentes maneiras de olhar essas juventudes corresponderão, pois necessariamente, diferentes teorias” (PAIS, 1996, p. 36).

Freitas (2005, p.7) reforça que “um elemento importante que caracteriza a

condição juvenil é a perda da linearidade”. A partir dessa perda de linearidade, seja

cronológica, seja enquanto fase, algumas compreensões analíticas vêm sendo

inseridas no contexto dos estudos sobre juventude, a fim de lançar novos olhares

sobre a temática, no que se refere à concepção tanto da própria juventude como

também de seus contextos. Dávila (2005) expõe alguns pontos, dentre eles: as

trajetórias de vida e as novas condições juvenis.

Para Dávila (2005, p. 16), as novas condições juvenis estão centradas

nas transformações sociais vivenciadas em nível global, nas últimas décadas,

advindas de passagem industrial para sociedade da informação ou do

conhecimento, as quais influenciam o modo de vida e estruturam mudanças

sócioeconômicas e culturais na sociedade. Esta, por sua vez, adquire novas formas

de compreender a etapa juvenil e a categoria juventude. Está posta em questão, a

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partir dessa nova realidade, a organização da vida em etapas e adentra- se a

concepção da condição juvenil como constituída pelas mudanças das experiências e

relações dos jovens nessa nova configuração. Nesse sentido, Sposito (2003, p. 21)

assegura que “[...] estaríamos, assim, diante da desinstitucionalização do ciclo de

vida ternário, centrado no trabalho e na descronologização do percurso das idades,

que participa, assim, da reconstrução dos grupos sociais.”

Dentro dessa reconstrução, surge outro debate acerca da condição juvenil

que compõe um marco regulatório sobre a demarcação da juventude na sociedade.

É o conceito de “culturas juvenis”. Com esse conceito, mesmo compreendido como

um novo conceito sobre juventude, há uma tentativa de novamente enquadrar a

“cultura juvenil” dentro de duas correntes sociológicas de juventude. A Corrente

Geracional que, segundo Pais (1990) toma como ponto de partida a juventude

como fase de vida, dá ênfase ao aspecto homogêneo da juventude e à análise das

relações intergeracionais, quanto à sedimentação ou não das configurações e dos

conteúdos das relações entre as gerações. Para essa corrente, a cultura juvenil

define-se por apresentar uma relativa oposição à cultura dominante das gerações

mais velhas, caracterizando um quadro de ruptura ou descontinuidade, entendida,

como cultura “desviante”. A segunda corrente é a Classista. Crítica da visão de

juventude associada à fase de vida. Percebe a transição dos jovens para a vida

adulta como reprodução classista e interpreta a cultura juvenil como forma de

resistência à cultura da classe dominante. O autor ressalta que essas abordagens

resultam, de um ou de outro modo, em culturas que aparecem subordinadas a uma

rede de “determinismos” que, estruturalmente, se veiculariam entre “cultura

dominante” e “subculturas”. (PAIS, 1990, p. 160). Pode-se dizer que essas correntes

alimentam e fortalecem as reflexões expostas no item anterior acerca das

percepções sociais de juventude.

Outros autores delineiam a cultura juvenil sob outros pontos de vista.

Segundo Barbiani (2007, p. 3-4), a designação “culturas juvenis” comparece nos

textos como o “guarda-chuva” possível e conciliador das diferentes

perspectivas de encarar e definir a juventude em suas diversas manifestações

e expressões. Reside a possibilidade de uma “chave-explicativa” e estruturadora de

saberes que venham a constituir e legitimar a categoria juventude(s) como campo do

conhecimento, dotado de um estatuto epistemológico e ontológico próprios.

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Outros autores dão suas contribuições quanto à definição ou

compreensão no que se refere à construção da cultura juvenil. Feixa (1999) defende,

também, que as culturas juvenis recebem influências de vários estilos, para construir

seus próprios, a partir das condições sociais e das imagens culturais. As culturas

juvenis trazem um sentido de complementacidade e aproximação às categorias

socialização e juvenilização, conforme Pais (1993), uma vez que há uma relação de

mão dupla. O jovem se insere no “mundo adulto” pelo processo de socialização e a

sociedade se “juveniliza” à medida que modula seus padrões à imagem da

juventude. A cidadania da condição juvenil é proposta por Abad (2002), ajustada

pela promoção dos direitos sociais, políticos e civis. Essa dimensão associa-se,

também, às ações públicas que contribuem com a afirmação da condição juvenil

“cidadã”, entendida como acréscimo à capacidade de construir de forma autônoma

seus objetivos pessoais e coletivos e de comunicá-los e de defendê-los.

Elementos como o trabalho, as culturas juvenis, a sociabilidade, o espaço,

o tempo e a transição para a vida adulta são, para Dayrell (2007), espaços sociais

em que é construída e manifestada a condição juvenil, que adquire sentido próprio:

[...] a condição juvenil é condicionada pelos espaços onde são construídas, que passa ter sentidos próprios, transformando-se em lugar, o espaço flui da vida do vivido. São suporte e a mediação das relações sociais, investido de sentido próprios, além de ancorarem da memória, tanto individual quanto coletiva. Os jovens tendem a transformar os espaços físicos em espaços sociais pela produção das estruturas particulares de significado [...] ( DAYRELL, 2007, p. 7)

A compreensão da condição juvenil contemporânea, considerando a

cultura juvenil, é uma compreensão que foge à regularidade, ao consenso. Não

comporta uma configuração geral do saber sobre a juventude, determinada pelo que

pode ser pensado, como pode ser pensado, dentro de que critérios, segundo qual

ordem. É a ordem da experiência, que se configura como articuladora entre os níveis

da realidade. Pronuncia a junção entre as vertentes científica e empírica e não a

superposição de uma sobre a outra. Não se deve ficar refém de uma única teoria, e,

que para dar conta dos “paradoxos da juventude”, devam-se articular as duas

perspectivas (PAIS, 1996, p.52). Assim, propõe libertar-se “de ter de encaixar fatos

empíricos em teorias pré-estabelecidas”.

Todas as teorias, percepções que se travam acerca da juventude

constroem saberes que implicam diretamente nas práticas e abordagens das

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políticas públicas com foco na juventude. Considera-se, assim, ser de extrema

importância a ponderação sobre as implicações na implementação das ações de

educação em saúde, decorrentes dessas percepções, no que se pauta a reflexão no

capítulo posterior.

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6 AS PERCEPÇÕES DE JUVENTUDE : SABERES QUE LIGITIMAM AS

PRÁTICAS

Esse capítulo, se apresenta como estratégia de verificação dos

pressupostos e de instrumento expositor dos resultados, expondo os dados obtidos

nas entrevistas de roteiro semiestruturado da pesquisa que teve por objetivo maior

analisar as relações existentes entre as percepções de juventude e a implementação

das políticas públicas, considerando o enfoque das intervenções operacionais e os

discursos (saberes e práticas) dos atores que realizam ações de educação em

saúde, com foco na juventude, a partir do Programa Saúde e Prevenção nas

Escolas.

Como estratégia didática, o questionário dividiu-se em três blocos:

O primeiro bloco tem por fim oportunizar uma aproximação do

conhecimento de quais percepções de juventude estão presentes no discurso dos

atores que fazem a política de educação em saúde e quais as implicações nas PPJ.

1. Percepção de “Ser Jovem”

A indagação: sobre o “O que é ser jovem para você?” pouco revelou um

construto baseado na percepção do ser como uma categoria etária. As falas dos

sujeitos de diálogos trouxeram a referência a um modo de ser ideal, traçando- se um

conjunto de significados correlacionados ao “ser jovem”. Esses significados estão

em geral associados ou descritos de forma positiva e expressam um estilo de vida,

um jeito de ser, de estar, de pensar e agir. Um estado de espírito, independente de

idade. E são partilhados pela maioria dos entrevistados, conforme registros de suas

falas:

Eu acho que ser jovem, é uma questão muito mais de atitude, que de idade...”(Profa. História- técnica da CREDE 01).

Pra mim... pra mim, está ligado ao estado de espírito de que propriamente a idade cronológica. Tem gente... tem muitas pessoas com a idade... com pouca idade que tem maturidade melhor do que outros de mais idade, que são mais imaturos. Pra mim é mais uma questão de sentir- se jovem. Tem mais esse caráter. Mais que uma faixa etária (Psicólogo- Técnico de referência do Projovem Adolescente- CRAS).

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Ser jovem está correlacionado, numa perspectiva da vivência pessoal, ao

ter e ser: ter atitude, ter possibilidades, ter expectativa, ser ousado, criativo,

sonhador. Ser jovem expressa vigor. É arriscar-se. Divertir- se acima de tudo,

priorizando o “viver bem”. Alguns se expressam da seguinte forma:

Ser jovem é ser ousado, ser criativo, ser aberto ao mundo, a vida( Assistente Social- SASC).

Ser jovem além de ser um estado de espírito, é aproveitar a vida com todas as suas vantagens e desvantagens. É saber que poderá xxxx do bom e do ruim. [...] então, ser jovem é namorar, é curtir a vida, é ir pras festas, é aproveitar a vida com seus amigos, mas, é também ter responsabilidades em tudo que se faz [...] (Publicitário, SEJUV).

Ser jovem é ter perspectiva e expectativa. É você ter um mundo inteiro a sua frente e várias opções. Essas opções podem te levar a qualquer lugar. E qualquer lugar pode ser algo bom para você, ou algo ruim para você.” (Cientista Social- SME)

É possível perceber que os estereótipos construídos a partir de um

imaginário social de valorização da juventude, em nível pessoal, não se repetem na

mesma proporção, no que se referem a uma construção de jovem (indivíduo) como

um ser de uma ação ou participação social coletiva e plena. Tendo sido mencionada,

somente 2 (duas), vezes a expressão:

É ter várias possibilidades. [...] assim..., a luta dos jovens vem... o histórico, o jovem vem lutando muito pra ter espaço mesmo pra eles participarem né... como é que se pode dizer... do planejamento das políticas que vem para eles. Nada de vir de cima para baixo. E o jovem tem, é, um potencial muito grande de estar participando. E é o que a gente já vê. Muitos jovens participando. Então, o jovem tem, é um potencial de possibilidades de ir atrás de políticas públicas para ele.[...] (Pedagoga- SASC).

Ser jovem é... é atitude, é falar o que pensa. Ter responsabilidade... e exercer, exercer é... funções que a sociedade oferece. É por exemplo: é em cada área da nossa vida, fazermos parte de vários tipos de sociedade, na igreja, não fugir das responsabilidades que nos são impostas. Sabendo que somos limitados, mas que somos dotados de inteligência, de pensamentos... (Pedagoga- Escola Municipal).

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2. Percepção de Juventude como momento da vida

Quando indagados e indagadas sobre como definiriam esse momento da

vida, fica clara uma dubiedade nos discursos dos atores pesquisados. Assim, como

configuram no cenário com sua característica revolucionária, de energia positiva e

transformadora, em outras circunstâncias, a juventude é identificada na condição

paradoxal. Por vezes considerados em sua potencialidade e, em outras, como

vítimas de processos de exclusão ou como população de risco ou em risco (CEPal-

OIJ, 2000). Em risco, em virtude da ausência ou fragilidade da instituição

socializadora – família, das políticas públicas e da sua condição aparentemente

natural de Ser ou de Estar em uma “fase” vulnerável. Definem, portanto, a

juventude da seguinte forma:

É um momento arriscado. Um momento em que o jovem só conta com as instituições. Ele não conta mais com a família como responsável em acompanhá-lo [...] É um momento em que o jovem, ele corre perigo, ele tá vulnerável. Embora você esteja com mais informações, mas nem toda vida o jovem é... ele se... como é que eu diria. Por ele está nessa fase do conhecer e não ter, assim, o acompanhamento da família, eu diria que ele está correndo risco. (Profa. Português- CREDE 01).

É, nesse momento da vida, eu vejo muito complicado para a juventude. Por conta da questão da violência das drogas, que está sendo oferecida cada dia mais próximo de casa e as políticas públicas não estão preparadas para vencer esse obstáculo. Então, assim, na minha opinião é... os jovens teriam que preencher todo o seu dia e outras atividades que pudessem levar os jovens a ter outras possibilidades, por que apenas a escola formal não está sendo suficiente. Esses jovens ficam muito ociosos e o pessoal do outro lado está atento a isso (Enfermeira- UBASF/ESF).

Existe, ainda, a percepção que oscila entre risco e momento de transição,

caracterizada pela situação de “vazio” que coloca o jovem na condição de anomia.

Anomia que significa ausência, falta, privação, inexistência. Pode ser entendida,

ainda, como um estado do indivíduo caracterizado pela falta de objetivos e pela

perda de identidade. O que define esse momento como um momento complicado,

problemático, em que tudo pode acontecer. Da mesma forma, os elementos pelos

quais a juventude se insere na sociedade, também, podem se configurar como

elemento complicador. Assim outra definição que se apresenta é a seguinte:

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Eu costumo dizer que o adolescente é um ser complicado. Por que ele nem é criança, nem adulto, então, o adolescente não é nada. Mas esse nada é justamente essa tábula rasa. Então, tem toda essa oportunidade que pode vir a existir. Então respondendo a tua pergunta. É o momento onde tudo pode acontecer. Agora, é também, um momento muito complicado, por que esse jovem tá tentando se encontrar na sociedade. É o que gera as tribos, é que geram certas amizades. Mas é o momento onde tudo pode acontecer (Cientista Social- SME).

Momento de conflitos, pela descontinuidade daquilo que você pode e não pode fazer. Quando você é criança você não pode nada, derrepente você pode algumas coisas, não pode outras. Estão preparados para fazer outras. Mas não pode porque você não tem condições de fazer (Psicólogo- Técnico de referência do Projovem Adolescente- CRAS).

Ainda, sobre a percepção da Juventude como momento da vida, ela

aparece enquanto fase de transição para vida adulta, marcadamente pelas fases

de passagem, eventos do modelo tradicional, como a saída da escola, seguida de

participação na PEA- População Economicamente Ativa, saída de casa, casamento

e maternidade/paternidade proposto por Galland, nos anos 1980. As falas dos

sujeitos, recorrentemente, referem- se a momento de formação, de transitoriedade.

A juventude como momento de vida é, também, definida novamente pelo negativo,

pela ausência, pelo que não seriam (Sposito, 2000: p. 9), pelo quase, pelo vir a ser,

está sendo... E os sujeitos afirmam que:

Juventude é um momento que... uma passagem muito rápida, acredito. Agente acaba assumindo muitas responsabilidades. A questão de escolher uma formação para a vida toda. Depois você tem que ir atrás, também, do seu relacionamento pessoal, amoroso. Isso é uma definição, também muito importante que agente toma na vida. E a juventude compreende toda essa parte que está sendo desenvolvida.(Pedagoga- SME).

É um momento de planejamento, de sonhar o futuro. De se colocar, de projetar para um futuro. É um momento muito intenso, onde você vive aquilo que chega até você com uma certa... certo encantamento, um temor. Onde você está experimentando coisas novas, numa condição nova. Condição de quase adulto. Você já toma suas decisões, já é responsável... é um momento muito intenso (Psicólogo- Técnico de referência do Projovem Adolescente- CRAS).

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3. Percepção sobre a juventude de hoje

Como você percebe a juventude hoje? Com um olhar bem superficial,

tem-se a impressão de que esse questionamento é congruente ao anterior. Porém, a

intenção é perceber se há um distanciamento entre o discurso pensado sobre a

juventude enquanto categoria, enquanto discurso que se revela mais subjetivo. Ou

se ele é recorrente. Se é acentuado quando referido à juventude de forma objetiva,

no tempo presente. Ou, ainda, quais saberes, quais imagens são produzidas a partir

de uma juventude, que é real, que está ao nosso lado, que é pensada dentro de uma

realidade que está sendo vivida. Assim, as duas perguntas se complementam, com

o objetivo de se entenderem quais saberes estão engendrados no discurso sobre a

juventude.

Esses dois momentos de diálogo com os sujeitos partícipes desta

pesquisa revelam generalizações frágeis, que produzem o entendimento de que a

juventude é um segmento problemático, seja como principal vítima da ineficácia das

políticas públicas, seja pela sua própria vulnerabilidade ou condição e acentuam a

condição, de agente passivo. Juventude sem competência para conduzir sua vida,

como pensam alguns:

Complicado. A juventude hoje tá... é... Já dizia Sócrates, já não sei a quanto tempo atrás, que a juventude já estava perdida naquela época. E hoje a gente vê é o jovem, hoje envolvido com drogas, envolvido com brigas de família.

Muito solta né, não sei se problema familiar, problema de desemprego. Mas elas não têm um norte. Não tem, a gente percebe, assim, eu dou aula pra jovens. Eles estão desnorteados da vida. Não tem objetivos e aqueles que têm são pouquinhos. (Prof. Educação Física- Escola Estadual)

Existe uma possibilidade muito grande dela realizar seu sonho. Mas para isso a juventude precisa ter mais apoio, precisa ter mais estímulo. E precisa esse estímulo e apoio, deve vir muito cedo. Porque assim, agente percebe, assim, com relação ao PSE, o aluno vai pra escola, mas os pais ocupados na luta pela sobrevivência, trabalhando, esses jovens já não tem suporte, já de casa né. Então, se o... se a questão social, o lado social tivesse... aquele jovem tivesse participando de outras atividades, então, ele não estaria tão ocioso e não estaria tão exposto aos riscos. Eu percebo a juventude frágil, muito exposta e frágil (Enfermeira- UBASF/ESF).

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4. Políticas Públicas com foco na Juventude

Agora já direcionando-se o olhar para as relações que as percepções

sociais de juventude têm sobre as políticas públicas, pergunta-se sobre quais

políticas públicas achavam que deviam ser direcionadas à juventude, ter como foco

a juventude.

As respostas a essa pergunta são coerentes e correlacionadas as

questões anteriores. Se a juventude é vista como momento de preparação, de

formação e transição, as políticas públicas que mais atenderiam a essa demanda

são quase na sua totalidade, entre os sujeitos, as de educação, educação

relacionada à formação profissional e às políticas de trabalho. A educação se

apresenta, ainda, numa perspectiva de prevenção. Mostra-se no quadro 3 uma

síntese com as políticas apresentadas nas falas dos profissionais pesquisados e a

freqüência com que foi referida, seguida da transcrição de algumas falas.

Quadro 3 - Políticas Públicas a serem destinadas a juventude

Políticas Públicas Nº de referências

Educação 12

Educação Profissional/Qualificação 10

Trabalho 5

Saúde 5

Cultura 3

Protagonismo/participação 3

Esporte 2

Todas as políticas 3

Assistência Social 1

Lazer 1

Segurança 2

Políticas Intersetorializadas 1

Políticas de Educação e saúde 1

Política Ambiental 1

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Mesmo os profissionais que percebem a juventude como sujeitos de

direitos, ou como sujeitos de desenvolvimento, dão ênfase às políticas de educação

e formação profissional.

O quadro anterior sinaliza uma maior ênfase na percepção de juventude

como período de transição. Chama a atenção o discurso dos sujeitos de diálogos

que ajudaram a construir este trabalho, confirmando a análise de Krauskopf (2003),

quando ela declara que a juventude encena nas políticas públicas como “fase” de

aquisição de experiências, que irão prepará-la para a transição ao mundo adulto.

Dando ênfase às políticas públicas numa perspectiva universalista,

centralizadas nas políticas de educação e qualificação profissional, os sujeitos

pesquisados dizem:

[...] eu acho que é uma política educacional profissionalizante, ela tinha que existir. E aí, é... a política não houvesse uma dicotomia entre educação e trabalho. Sabe eu acho que trabalho e educação são duas palavras que tinham que ser mais associadas, mais trabalhadas. Então eu posso educar o jovem, mais eu posso educar de uma forma mais ampla, no mercado de trabalho. A gente consegue perceber que ele pode ser uma grande solução. Um grande aliado para educação[...] [...] novas profissões vem surgindo e novas forma de educação... É... novos mercados estão sendo criados, mercados, atuais estão sendo expandidos. Então eu acredito que as políticas que devem ser direcionadas aos jovens é essa: educação e trabalho [...] (Publicitário, SEJUV).

Eu acho que, a educação principalmente né. Tem que ter educação. Tem que ter a base voltada pra qualificação. Mas a qualificação no sentido em que o jovem possa fazer escolhas, alternativas. Porque a gente vê muito as políticas na área... é com o curso... e quando é pra pobre principalmente aí, já é um curso pré-definido, um curso de pedreiro, de costureira, como se os meninos por serem pobres não pudessem fazer uma faculdade (Assistente Social- SASC).

A juventude precisa muito, muito mesmo é de educação. Essa educação de qualidade. Uma educação que propicie uma entrada no mercado de trabalho favorável. Com uma remuneração digna que tenha respeito, a questão a ética. As políticas públicas deverão pensar sobre essa temática. A questão de propiciar um ambiente mais de qualidade na educação pra que esses jovens tenham um futuro melhor (Pedagoga- SME)

Eu acho que a educação é fundamental. A educação é o ápice de tudo. Sem a educação você não consegue nada. Uma pessoa sem educação é fácil de ser enganada. Um jovem... a educação é o caminho. E a educação... aí vem as outras políticas. Vem, vem, vem esporte, vem assistência, vem saúde, vem outras políticas [...] (Pedagoga- SASC)

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4.1. Políticas Públicas com foco na Juventude: os porquês

A partir dos porquês, da compreensão, da escolha de tais políticas por

parte dos sujeitos entrevistados, é possível o conhecimento de quais percepções de

juventude estão presentes no discurso dos atores que fazem a política de educação

em saúde e qual a relação com as políticas públicas com foco na juventude por eles

pensadas. As falas confirmam os paradigmas apontados por Krauskopf (2003):

percepção da juventude como problema, percepção da juventude como

“período de preparação para a vida adulta”, Percepção da juventude como

segmento estratégico para o desenvolvimento do país e Percepção da

juventude cidadã como sujeito de direitos.

Porém, chama a atenção, a frequência, com que as falas revelam a

percepção dos jovens como segmento sob a iminência do risco, juventude

problema. Por isso, segundo suas falas, fazem-se necessárias políticas na

perspectiva de Prevenção ao risco ou ocupação do tempo. As falas trazem as

seguintes expressões:

Eu acho que deveria ser oferecido lazer de qualidade, alimentação de qualidade e isso no segundo turno. Pra outros, outros é... pra que ela pudesse, por exemplo, ser uma educação para o trabalho, profissionalizante ou um curso de línguas, informática. Então, eu percebo que tá faltando isso, ta faltando preencher o tempo da juventude com atividade de qualidade [...]” “Eu acho que o ser humano tem direito de ter isso, faz parte do crescimento do ser humano, faz parte do desenvolvimento da personalidade. E quando isso falta, então, deixa uma lacuna e deixa portas abertas para outras coisas. A violência, por exemplo (Enfermeira- UBASF/ESF).

Porque se o jovem tiver uma qualificação profissional, se ele tiver o seu lazer, então, com melhor final de semana isso vai o afastar das drogas, isso vai o afastar da marginalização, isso vai afastar de muita, muita coisa, porque eles ficam ociosos, por não ter uma qualificação profissional, por não terem emprego, que lhe proporcionem, também, lazer aí devido a ociosidade, eles vão pras drogas, vão pras... vão roubar, vão matar, pra ver se consegue ter uma vida melhor [...] (Pedagoga- SEJUV)

Ocupar o tempo desses jovens é com atividades, com estágios ou com atividades esportivas. É já que eles estão na escola um tempo, ocupar o outro tempo com uma atividade extra-escola. Eu acho que poderia ser uma salvação muito boa pra essa juventude que ta aí. Eu acho que a escola profissional deve contribuir muito. Daqui algum tempo vai começar a colher frutos, sabe, porque eles estão de manhã numa atividade e de tarde em outra. Eu acho que tá legal, a questão do governo do Estado ter implantado essas atividades do segundo tempo e dá um norte de vida para eles”. “Pra ver se melhora a qualidade desse povo. A qualidade de vida. E que eles tenham um objetivo na vida a seguir. Por que como eu falei anteriormente,

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eles estão perdidos e não sabem o que querem para eles mesmo no futuro (Prof. Educação Física- Escola Estadual)

[...] eu vejo a política como uma forma mais de prevenção né, assim, as políticas públicas, porque quando o jovem, ainda, tá... ele tem uma perspectiva de vida, ele tem uma visão de futuro. A partir daí, também, junto com a saúde né, ele tem uma prevenção. Eu acho que diminui muito os riscos né quando tá tudo junto, essa juventude se torna menos vulnerável aos riscos né, que são principalmente em termos de uma sociedade de violência, de drogas, de doenças, de famílias (Profa. História- CREDE 01).

Outro elemento que identifica esta percepção, a de juventude como

problema, é a compreensão sobre a causa dos problemas do comportamento

juvenil (entendido como desviante), como consequência do desvio ou de disfunções

do processo de socialização, que tem como instituição basilar a educação (escola) e

a família, como se lê abaixo:

Eu percebo, assim, como deveria ser o jovem. O jovem que corresse menos riscos. Um jovem que tivesse as políticas. Assim, com mais integridade pras famílias. Eu gostaria que as políticas fossem voltadas para os pais dos jovens. Eu os percebo órfãos, órfãos da família. (Profa. Português CREDE 01).

[...] eu acho que é isso, que a, sabe, que o SPE, ele tem que investir e muito porque ele tem que envolver a família, por que assim, eu acho mesmo que o que tá faltando é a participação da família, a família não esperar só pela escola, e sim fazer o papel da família que antes era feito, antes a gente tinha menos Aids, a gente tinha menos drogas, por que embora as famílias, eu sou filha de pessoas carentes, nenhum da minha família, nenhum da minha família é um drogado, eu acho que porque pelo acompanhamento, esse acompanhamento que tá se dispersando, e que, tá fazendo falta. É isso...”(Profa. Português- CREDE 01 ).

O segundo paradigma é a juventude como fase de vida. Krauskopf

(2003) ressalta que uma das características da percepção de juventude como fase

de vida, que prepara o jovem para a vida adulta - é a perspectiva formadora. E,

também, está presente nos discursos da seguinte forma:

Fase de transição, de afirmação, de formação, da busca de identidade (Profa. Ciências Religiosas- Escola Municipal)

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_____________________

8 O protagonismo juvenil parte do pressuposto de que o que os adolescentes e jovens pensam, dizem e fazem

pode transcender os limites do seu entorno pessoal e familiar e influir no curso dos acontecimentos da vida comunitária e social mais ampla. Em outras palavras, o protagonismo juvenil é uma forma de reconhecer que a participação dos adolescentes pode gerar mudanças decisivas na realidade social, ambiental, cultural e política em que estão inseridos. Nesse sentido, participar para o adolescente é envolver-se em processos de discussão, decisão, desenho e execução de ações, visando, através do seu envolvimento na solução de problemas reais, desenvolver o seu potencial criativo e a sua força transformadora. Assim, o protagonismo juvenil, tanto como um direito, é um dever dos adolescentes” (COSTA,1996:65).

Outra perspectiva é o eixo ordenador de sua preparação – prepara

sempre para o futuro; não visualiza os jovens como sujeitos sociais do presente. As

falas se manifestam da seguinte forma:

O Brasil é um país de jovens e como é que vai ser futuramente o presidente, as pessoas..., as cabeças pensantes desse país se o jovem no momento não é estimulado para pensar, não é preparado para vida adulta. Então, às vezes eu fico muito preocupada, então, com o futuro do país, porque são esses jovens de hoje que vão estar lá na frente, mais tarde. Então eles não estão preparados, estimulados pra tá assumindo uma responsabilidade maior no futuro.(Enfermeira- UBASF/ESF)

O terceiro paradigma exposto por Krauskopf (2003) é o da Juventude

como segmento estratégico para o desenvolvimento, e, embora com pouca

frequência, essa perspectiva aparece nesta fala:

Eu percebo a juventude como... é... um agente estratégico para o desenvolvimento dele e da sociedade em que ele vive. É um agente de transformação. E a gente consegue perceber hoje, que é... os governos né, e as instituições não governamentais, têm um interesse muito grande de trabalhar, com, com essa parcela da sociedade, que é a juventude. Acredito eu, que seja por conta desse potencial, que se começa a enxergar, tá ok!.[...] então, eu percebo a juventude, isso, um grande potencial de transformação do nosso país [...] (Publicitário, SEJUV).

O quarto paradigma que norteia nossa análise é a identificação da

percepção da juventude como sujeito de direitos. Sob esse prisma a juventude é

entendida como protagonista, como sujeito singular. Essa percepção é a que menos

se apresenta, embora, a fala de alguns profissionais faça referência à juventude

como protagonista. O protagonismo proposto é conceitualmente frágil, superficial e

mal interpretado. É o preventivo, que continua percebendo o jovem como possível

problema. Quando no protagonismo juvenil8 real a visão de jovem é como parte da

solução, não como parte do problema como é manifestado na fala abaixo:

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Eu acho que é o que já vem sendo feito, né. Essa questão de colocar o jovem como protagonista das atividades na escola, porque a questão da prevenção de drogas não é trazer uma pessoa pra fazer uma palestra sobre drogas. É fazer o aluno se envolver em atividades que o afastem das drogas [...] Ele se sentindo protagonista, ele se envolvendo nessas atividades ele se afasta naturalmente [...] (Profa. Ciências Religiosas- Escola Municipal)

Mas identifica-se em uma fala a percepção de juventude vista sob outro

olhar, que reconhece a condição juvenil, os problemas vistos como problemas

sociais e a necessidade de se colocarem em pauta políticas públicas que

potencializem a capacidade da juventude através do protagonismo e, ainda, políticas

públicas que promovam uma reflexão e ação sobre os problemas e os direitos

sociais. Esse olhar é, assim, expresso:

Eu acho assim, tem que ser com base nesse conceito, nessa perspectiva que a gente tem de juventude. Então, se eu penso um jovem... que a juventude é um misto de idéias, sentimentos e percepções, então, eu tenho que pensar políticas públicas que considerem isso. Que considere que os jovens vivem alguns problemas, né. Que aí, não é um problema que só o jovem vivencia, mas a população toda vivencia. Mas é pensar que o jovem deve ter um modo diferente de viver aquele problema, de encarar aquele problema. A violência, ele só produz a violência? Ou ele, também, é vítima dessa violência? Então quando eu penso dessa forma eu vou potencializar e não vou fazer um trabalho de puro assistencialismo, mas, também, de incentivo ao protagonismo, por exemplo. Então acho que é importante, pensar esse conceito de juventude. E a partir daí políticas públicas que potencialize algumas coisas, minimizem outras. Potencializem esse desejo de saber, conhecer, explorar, de questionar, debater, de se envolver, descobrir o mundo. Acho que potencializar isso e ao mesmo tempo é... discutir, refletir sobre como outras questões que tem afetado a sociedade como um todo tem afetado aos jovens. Que é emprego, a questão da formação profissional, da violência, uso de drogas, são questões que afetam a população como um todo. E o que deixa o jovem vulnerável a isso [...] [...] ações que desencadeiem um processo de reflexão dos adultos que vão trabalhar com os jovens sobre essa condição juvenil [...], [...] que o adulto pense essa juventude, considere essas juventudes, como é que elas vivenciam, considerem cada contexto da juventude [...] (Enfermeiro- SMS)

Mostra-se no quadro 4 as percepções de juventude que sistematizaram-

se, a partir das falas, dos sujeitos da pesquisa:

Quadro 4 – Percepção de Juventude dos sujeitos pesquisados

Percepção sobre Juventude – (Krauskopf, 2003) Nº Ref.

Percepção da Juventude como problema ou segmento de risco 9

Percepção da Juventude como período de preparação para

vida adulta.

6

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Percepção da Juventude como segmento estratégico para o

desenvolvimento do país.

2

Percepção da Juventude cidadã como sujeito de direitos. 4

As percepções sobre juventude que contribuíram para a construção desse

quadro foram identificadas e definidas a partir da análise das falas dos sujeitos

pesquisados, tomando-se como base a acentuação das características descritas

por Krauskopf (2003) é ressaltada no quarto capítulo desse trabalho. Algumas

percepções transitam entre juventude problema/risco e juventude como etapa de

transição, bem como alguns sujeitos que identificaram a juventude como segmento

estratégico; por vezes também, fizeram menção à juventude como sujeito de

direitos.

Todas essas formas de conceituar a juventude tentam enquadrá- la em

um dado tempo, como fase, com um lugar e papéis próprios. Todo discurso sobre o

modo de ser da juventude, que assume lugar no espaço societário, sob os

paradigmas descritos por Krauskopf (2003), entre outros, não é somente

componente de teoria. Denota um discurso que se entende como verdade sobre as

coisas e as pessoas e que propõe uma solução mediante a modificação do seu

futuro. É a “vontade de verdade”. Por regime de verdade, deve-se entender,

segundo Foucault:

Os discursos que funcionam como verdade, regras de enunciação da verdade, técnicas de obtenção da verdade, definição de um estatuto próprio daqueles que geram e definem a verdade; portanto ligação circular entre verdade e poder: poder que produz verdade e a sustenta, verdade que produz efeitos de poder. (cf. FOUCAULT, 2007: pags. 1-14).

É sob e sobre essa ordem que foi instalado o segundo bloco do

instrumento que teve por fim analisar e conhecer quais os enfoques das

intervenções operacionais: saberes e práticas que se apresentam como “vontade de

verdade” sobre a juventude através do SPE. Apresenta-se nos quadros 5 e 6 as

percepções e conteúdos sobre os problemas da juventude e as ações e temas a

serem trabalhados através do SPE. As questões:

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_____________________

9 Percepto do lat. perceptum, conteúdo de uma percepção; o percebido, o objeto da percepção, o que é percebido). São os dados da percepção. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais- Mário Ferreira dos Santos 10 Problemas que, embora reconhecidos como da sociedade, são associados a problemas da juventude, sob a ótica da vulnerabilidade pessoal.

1. Problemas presentes na sociedade identificados como sendo

problemas da juventude.

Quadro 5 - Percepções e conteúdos das percepções dos sujeitos da pesquisa

Percepção Percepto9 %

Problemas da

Sociedade

compreendidos como

problemas da

juventude10.

Drogas, Doenças Sexualmente Transmissíveis

(DSTs), violência, ociosidade, prostituição,

gravidez na adolescência.

35,4

Problemas

compreendidos sob a

“ótica do problema

social”

Estrutura sócioeconômica, competitividade de

mercado, mídia do ter, ausência da política do

primeiro emprego, educação de baixa

qualidade, fragilidade das instituições: família e

poder público, vulnerabilidades institucionais.

64,6

Como resposta a questão 1 do bloco 2. Você apontaria alguns problemas

presentes na sociedade como sendo problemas da juventude? Obtivemos o

indicativo de que os problemas ocorrem com a juventude por ser a mais comum

vítima dos problemas socioeconômicos do país, sendo, esta, fruto da sociedade

brasileira.

Mas, identificamos que, embora, cerca de 64,6 % dos sujeitos de diálogo

tenham seu discurso sob a ótica do que Abramo (1997) e Sposito (1997) chamariam

de “a ótica do problema social” e a concepção de que os problemas estendem-se a

toda sociedade, 35,4 % dos profissionais, ainda, correlacionam os problemas

sociais, como a violência, o crime, o consumo e o tráfico de drogas, a prostituição,

assim como a iniciação “precoce” na vida sexual e reprodutiva, sob a ótica da

vulnerabilidade pessoal dos jovens, associada a condições entendidas com

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inerentes aos jovens, como: imaturidade, inexperiência, necessidade de

autoafirmação. Estas falas expressam esta visão:

Os jovens estão mais vulneráveis né. Tão mais vulneráveis a questão da droga né, de se envolver. A questão da vulnerabilidade dele, dos jovens, no momento (Profa. Ciências Religiosas- Escola Municipal)

A questão social né, a questão... a questão da vulnerabilidade né dessa juventude está vulnerável a esses problemas, no caso das drogas, a prostituição, a própria violência na cidade” “eles estão numa fase da vida que ficam mais vulneráveis a essas ações que são mais chamativas, são mais convincentes. As pessoas que lidam com esse tipo de ação, no caso da prostituição, das drogas, elas sabem muito bem convencer um jovem a ingressar nessa vida (Pedagoga- SME)

É porque o jovem é mais vulnerável. Como eu falei: ele, ainda, tá no sonho, tá na, na... em busca, ainda, né de auto-afirmação (Profa. Português- Escola Estadual)

De certa forma eu acho que a curiosidade leva ele a querer experimentar (está se referindo as drogas). Não é obrigado todo jovem optar por isso. Mas, eu acredito que seja... nessa idade você é mais ansioso do que uma pessoa mais velha. As pessoas com mais idade elas tem mais maturidade. A gente não pode negar que a vivência dos anos, ela dá mais maturidade [...] (Psicóloga- técnica de referência do CRAS).

Numa outra direção, capta-se outro olhar, com outra expectativa, que

assim se expressa:

A vulnerabilidade do jovem não é uma coisa que é relacionada ao pessoal, ao próprio jovem, mas uma vulnerabilidade que ela é dentro de um contexto. Eu penso... a pessoa tem suas fantasias... ela acha que aquilo não acontece com ela, que aquilo é distante dela. Aí, uma questão é importante, é uma capacidade de abstrair ou criticidade que pode estar comprometida em relação a isso. Aí, cabe a gente fazer uma discussão sobre isso. Mas existem outras vulnerabilidades, também, para a gente não achar que o jovem é que é o centro, ele é a causa do problema, ou o problema em si. Mas vulnerabilidades sociais, que aí é aquela coisa que a gente falou. Existem problemas que não só o jovem vive. Mas a sociedade toda vive esse problema. Alguns problemas como: violência, falta de respeito às orientações sexuais, de condição social, de raça e cor. Então, pensar essa questão que acaba se refletindo nos jovens. O jovem faz parte da sociedade. Como pensar, também, a vulnerabilidade programática, institucional que são as lacunas que o poder público deixa (Enfermeiro- SME).

2. Ações de educação em saúde a serem realizadas através do

Saúde e Prevenção nas Escolas- SPE tendo como público a juventude.

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Esse momento da pesquisa é uma tentativa de conhecer de que forma

está ocorrendo o processo de dar-se conta da realidade social, da produção de

saberes nas práticas cotidianas, sugeridas pelos próprios educadores.

Nesse ponto da investigação, verifica-se um paradoxo entre a percepção

dos “problemas da juventude” que são problemas compreendidos sob a “ótica do

problema social” e que apontam como conteúdo dessa percepção a estrutura

sócioeconômica, competitividade de mercado, mídia do ter, ausência da política do

primeiro emprego, educação de baixa qualidade, fragilidade das instituições: família

e poder público, vulnerabilidades institucionais. Mas quando se pensa nas ações de

educação em saúde a serem realizadas, tendo como público a juventude, os

problemas sociais mudam o objeto da percepção. E se torna clara a projeção da luz,

numa perspectiva disciplinar sobre o ser jovem. Com a regulamentação do tempo e

a localização precisa dos corpos no espaço, é possível o controle, o registro e o

acúmulo de saber sobre os indivíduos vigiados, Foucault (1976). Nessa conjuntura,

as respostas as essas indagações definem a dimensão da ação e seus porquês.

Os temas mais recorrentes a serem trabalhados são sexualidade, drogas,

gravidez, DSTs e violência. Portanto, seguindo uma sequência “lógica” a prevenção

às DSTs, a violência, a gravidez na adolescência são as principais justificativas

normatizantes utilizadas para desenvolver as ações de educação em saúde através

do SPE, bem como ações de conscientização e prevenção das drogas. Estas falas

retratam esta perspectiva:

Primeiro das doenças transmissíveis e sobre gravidez na adolescência para explicar como prevenir para não ter essa gravidez não desejada (Profa. de Biologia- Escola Estadual)

A questão da sexualidade. Hoje, a violência sexual tá muito gritante na sociedade. Então, essa questão da gente tá cada vez mais repassando para esses jovens as informações com vínculos de doenças transmissíveis, sexualmente transmissíveis. Essa questão da mortalidade, também, através da sexualidade. E é bom que os jovens estejam sendo alertados. (Pedagoga- SME)

Ações né, na verdade algumas ações já acontecem né [...] mas, precisam ser intensificadas as palestras nas escolas, é sobre doenças, sobre DSTs, drogas. É DSTs, drogas e acidentes de trabalho (Pedagoga- vice-diretora- Escola Municipal)

Primeiro a sexualidade, né, conhecer porque está exatamente, na fase... reprodutiva, então, ele tem que tomar conhecimento né, do seu corpo, da

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sua sexualidade. É... deixa eu ver...é... deixa ver qual outro se encaixa e muito bem e é que é preciso, preciso conhecer as doenças que você vai ter, se você não se cuidar, e isso tem que ser dito pra que o jovem tema, né, deixa ver também, é... que ele venha conhecer como era os modelos das famílias anterior a essa atual certo não é que a gente aqui queira ter algum preconceito em relação os modelos de famílias atual, é que a família antes dessa ela tinha mais acompanhamento, certo as pessoa podiam até ser leigas mas, a questão da orientação, do acompanhamento, é essencial.” Pra evitar que, pra evitar que a gente perda os jovens, a questão das drogas também [...] (Profa. Português-CREDE 01)

Poucas falas fazem menção ao cuidado da saúde do jovem de uma forma

integral. Os discursos deixam aparecer claramente uma associação da adolescência

e juventude à ideia de risco social, o que os torna foco de atenção e cuidados.

Entra em cena a proposição de uma saúde e educação que vise minimizar riscos

como: gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, uso e tráfico de

drogas e violência. Assim, as ações se travestem de mecanismos de controle sobre

esses fenômenos, como pode-se observar nas falas abaixo:

Eu acho que o ponto número um é a sexualidade. Depois é... meio jargão isso, mas, é porque eu realmente acredito que são esses pontos: sexualidade, violência, drogadição (uso de drogas) e a partir daí é prevenção de doenças gerais. Mas eu acho que fica muito mínimo, até porque, por exemplo, há uma campanha de prevenção ao cólera, mas não é só pra juventude é pra todo mundo. Eu acho que com os jovens eu tenho que trabalhar o sexo. O velho sexo, drogas e rock and rool, só que o rock and rool aí é a violência. Mas eu acho que tem que ser trabalhado, isso mesmo, pra eles ter consciência que tudo tem conseqüência. Do que pode acontecer com eles e com a sociedade que eles vivem, com o meio... acho que é por aí (Cientista Social- SME)

Com essas ações podemos transformar algo que é pontual em uma política, em algo que é corriqueiro que vai fazer parte da realidade do menino. Em algo que esses meninos com 14 e 16 anos que ele tá fervilhando. Já que estamos falando na questão sexual e vai tá fervilhando os hormônios, mas ele tenha a consciência do que pode acontecer se ele tiver relações promíscuas, ou seja, um momento com um, com outro, com outro, com outra, com outra. E, também, a questão da gravidez. Ter a consciência que é... é muito bonita a gravidez, mas eu acho incrível essas meninas de 13 anos engravidar porque elas estão brincando de bonecas. É criança, criando criança. E agente precisa transformar (Cientista Social- SME)

Tomando como aporte, num primeiro momento, a fala sobre a gravidez de

adolescentes e jovens, esta, é, adjetivada como precoce ou indesejada, como algo a

ser combatido veementemente, caracteriza-se como vontade de verdade, que rege a

vontade de saber sobre a juventude. Ela é institucionalmente validada pelos saberes

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sistematizados de educação e saúde. E define, atribui e valora suas percepções

sobre o fenômeno da gravidez na adolescência.

Aqui ela está diretamente ligada à percepção da juventude como fase de

transição, preparação e projeta a questão como problema e sobre o indivíduo . Foi

gerada, ou transformada a partir dos novos contornos nos papéis sociais femininos e

no processo econômico e industrial. Socialmente é entendido que ter filhos deve ser

sempre uma decisão deliberada (gravidez planejada), na qual sejam considerados

fatores como a inserção no mercado de trabalho, a estabilidade familiar, o desejo de

concluir os estudos, a preocupação com os meios disponíveis para proporcionar

uma boa educação (CORRÊA, 2001: p.41).

A pesquisa apreende, através do diálogo com os sujeitos, esse

entendimento, uma vez que os atores da pesquisa se reportam a essa questão da

seguinte forma:

Uma questão que eu acho, bastante, cotidiana e que eu acho que impacta diretamente na questão do combate a pobreza é a questão do combate a gravidez na adolescência. A gente tem uma barreira moral de tratar isso na escola pelo caráter religioso que nossa sociedade tem. O religioso, ele passa em qualquer nível da sociedade. Então, se discutisse de uma forma mais profunda, mais clara, mais objetiva... A gente encontra muitas barreiras em função das famílias, da questão moral. Mas, pra mim a questão da gravidez na adolescência deve ser trabalhada tanto na educação, como na saúde, porque influi diretamente em todas as questões que eu já falei. As jovens muitas vezes engravidam deixam a escola. O jovem deixa de estudar pra trabalhar, pra sustentar a nova família. E não tem muito tempo disponível para continuar estudando pra ter uma formação. E ter uma expectativa de futuro (Psicólogo- Técnico de referência do Projovem Adolescente- CRAS)

Em nenhuma fala dos sujeitos de diálogos, que mencionaram a gravidez

como um problema, inclusive como uma das razões da pobreza, observa-se a

análise da gravidez: suas causas e consequências como um fenômeno que pode ser

problema para qualquer faixa etária, como nos auxilia Castro (2004). A autora

afirma:

Medos, inseguranças, baixa auto-estima, assimetrias de gênero nas negociações sobre direitos sexuais e reprodutivos podem derivar em uma gravidez, quer para mulheres jovens quer para adultas, inclusive como forma compensatória. Aliás, é interessante notar que se acentua o caráter de não planejada, não desejada, para as gravidezes ocorridas entre jovens,

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sem se fazer referência que tal tipo de gravidez possa ocorrer também para mulheres adultas (CASTRO, 2004: p. 134).

Compreende-se, portanto, que esses são saberes normativos sobre a

sexualidade, a gravidez, que acabam tentando definir os modos de ser, o que e

quando é possível de serem vivenciados por homens, mulheres, adulto/a, ou jovem

e adolescente. E que percorrem e formam as práticas de educação em saúde, sem

correlacioná-las com outros aspectos, sejam: sócioeconômicos, culturais, a vontade

pessoal, entre outros.

Embora em menor proporção, tem-se outra abordagem na perspectiva de

promoção à saúde integral e de direitos que compreende a saúde como estado de

bem- estar social, como se depreende da fala:

Pra mim saúde não é só ausência de doença é todo um estado de bem estar social. Então, assim, agente já vem fazendo um trabalho no SPE, nessa questão. A gente fala sobre DSTs, AIDS e ultimamente a gente vem tendo a idéia de fazer um trabalho intergeracional [...] [...] pra fortalecer esses laços familiares. Porque a gente observa que hoje a sociedade não se respeita mais. [...] e quando eu tenho meu direito violado, também, tenho uma ausência de doença. Por que se saúde é um estado de bem estar social, é... subentende- se que é transporte de qualidade, moradia, saúde, alimentação, uma série de coisas. Então, se eu não tenho meus direitos assistidos, eu não tenho uma boa saúde (Assistente Social- UBASF- NASF)

Conclui-se esse ponto da pesquisa com a compilação das ideias dos

participantes; que resultou nesse cenário acerca das ações e temas a serem

trabalhados no SPE:

Quadro 6 – Ações e temas a serem trabalhados através do SPE.

Ações a serem realizadas Temas a serem discutidos

Realização de Campanhas DSTs, drogas, gravidez, lazer e esporte

Realização de Palestras Sexualidade, violência, Dsts, drogas

Formação de Grupo Intergeracional Respeito e relações pessoais

Orientação Sexual (aqui entendita -

educação sexual)

DSTs

Inserção do Jovem como protagonista

(protagonismo preventivo)

Gravidez, doenças, sexualidade

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Rodas de Conversa Ser Jovem, Família, Espiritualidade,

mundo do trabalho

Combate à gravidez na adolescência Métodos contraceptivos, processo de

amadurecimento bio-psico. Drogas.

Capacitações/formação e educadores

e jovens- programas lúdicos-

protagonismo juvenil- rodas de família

Sexualidade, direitos sexuais e

reprodutivos, drogas (considerando a

realidade dos grupos), ECA, direitos

humanos, diversidade

Oficinas e ciclo de debates Saúde sexual e reprodutiva, gênero,

orientação sexual.

Ações de promoção à saúde,

seminários e Formação de grupos

Partir das necessidades deles

Qualificação do atendimento e

abordagem nas Unidades de Saúde

para os jovens

Gravidez precoce e gênero

Intersetorialização das ações Juventude, adolescência, gravidez,

DSTs, trabalho e meio ambiente

Programas lúdicos- protagonismo

juvenil

Saúde preventiva, direitos humanos,

discriminação sexual e racial, drogas,

violência contra a mulher.

Orientação vocacional e educação

ambiental

Meio ambiente- cuidar de sí

Programas/ações que potencializem a

participação

-------------------------------

As indagações que seguem têm por finalidade possibilitar um

reconhecimento e visualização da percepção desses atores sociais, quanto ao seu

papel na realização das ações de educação em saúde, assim como sobre o lugar do

educador e jovem nessa relação. A partir desse ponto, fazendo uso das palavras de

Freire, quando diz que o educando deve fazer sua própria leitura, e ainda, que ela é

única. Propõe-se a dar continuidade às apreensões sobre os saberes presentes nas

práticas à luz do pensamento de Paulo Freire.

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3. Papel do profissional na realização das ações

Os profissionais que estão em função de gestão ou desenvolvendo ações

não ligadas diretamente aos jovens se posicionaram, na sua maioria, como alguém

que está na condição de formador, articulador das ações a serem realizadas,

colaborador na elaboração dos projetos e às vezes como viabilizador de estrutura

física para a realização das ações, demonstrando por vezes um distanciamento da

percepção de si enquanto agente de transformação. Algumas falas reportam-se aos

que estão na ponta como os que têm o papel de tal transformação. Essa escuta

remeteu à reflexão de Freire (1997), quando ele ressalta que o homem assumirá

posição de sujeito de sua própria educação e, para que isto ocorra, deverá estar

conscientizado do processo: é, portanto, muito difícil pretender participar de um

processo educativo que, por sua vez, é processo de conscientização, sem que seja

consciente de si e de tal processo.

Os demais profissionais se expressam com vocábulos que os colocam

dentro da relação, com papel definido. Sendo esses os papéis: estimular, motivar,

orientar, esclarecer, facilitar, formar, informar, conscientizar.

4. Lugar do educador e jovem nessa relação: jovem/ educador e

educador/jovem

Na questão anterior, os sujeitos deram indicativo de seus papéis. Mas é

em resposta à indagação sobre o lugar que cada sujeito (educador e jovem) ocupa

nessa relação que se podem compreender os saberes que orientam essa relação.

Algumas falas, embora poucas, expressam uma base onde o educador se

configura como fazedor do outro (o jovem) e o jovem, o receptor . Referem- se ao

papel do educador e ao lugar do jovem na relação, da seguinte maneira:

Eu vejo assim, eu ocupo o lugar de levar o conhecimento aquele jovem. E aquele jovem, ele vai ser o receptor, de todo aquele conhecimento. Então, eu transmito e ele recebe. Só que essa transmissão tem que ser perfeita, se tiver qualquer quebra... (Pedagoga- SEJUV)

Papel do educador: “formador da juventude” Papel do jovem: “aprendiz” (Profa. de Biologia- Escola Estadual)

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O papel do educador... acho que seria esse mesmo de esclarecer. Esclarecedor mesmo. O jovem né... acho que seria esse mesmo de esclarecer e o outro... eu gostaria de dizer ... o outro será de pegar o que tá dentro e colocar em prática...acho que o interessante seria isso mesmo. No momento que ele pega a informação, é esclarecido, colocaria em prática. Se acontecesse isso seria muito bom (Profa. Geografia- Escola Municipal)

De acordo com Freire (1986), essa percepção é contrária à comunhão, à

relação a ser partilhada entre os homens, entre educadores e educandos, entre

jovens e adultos, em qualquer processo de construção.

O professor, portanto, não é o ponto final do desenvolvimento que os estudantes devem alcançar. Os estudantes não são uma frota de barcos tentando alcançar o professor que já terminou e os espera na praia. O professor também é um dos barcos da frota (Freire, 1986: p. 66).

Há, porém, outra compreensão sobre o papel dos educadores e

educadoras que não se restringe ao plano intelectual e cognitivo de prover

informações e conhecimentos, apenas. Sua intervenção é percebida como ato de

sensibilizar os jovens para a necessidade de mudança de valores e atitudes. E a

compreensão do jovem como parte do processo, na condição de protagonista, de

articulador, expressa-se nas seguintes falas:

É interessante você fazer essa pergunta, porque as vezes parece que é tudo separado, né, mas eu acho que é tudo junto e misturado. Acho que o educador tem o papel no sentido de identificar. A ação precisa ser entendida. Ele precisa ser perspicaz. Tem que tá preparado para atuar a partir da identificação. Acho que hoje o educador precisa sair daquela posição acima, sabe. Ele sendo parceiro consegue melhores resultados. Como parceiro o jovem chega junto. Ele é atuante. Ele tá no momento dele enquanto jovem (Filósofa- SMS).

Tem que ser é... ensinando e aprendendo um com o outro. Porque o educador do SPE, tem sua sabedoria, tem conhecimento teórico, mas o jovem tem sua prática, sua vivência. Tem que ter uma troca [...] (Pedagoga- SASC)

É possível perceber na fala de alguns profissionais uma visão de

educação libertadora. Para eles, seu papel é o de buscar um olhar ideológico e

problematizado sobre suas relações e sobre o seu fazer pedagógico. Um olhar de

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aprendiz, uma necessidade de formação continuada e permanentemente presente,

também, na filosofia de vida de Freire: “aprendi como ensinar a medida em que mais

amava ensinar e mais estudava a respeito” (Freire, 1986, p. 38). Compactuando com

Freire, o entrevistado diz:

Eu acho que agente tem uma responsabilidade, assim, muito grande, uma missão mesmo de se apropriar ideologicamente dessas questões. Qual é a concepção, como foi concebido, a partir de que foi gerado o SPE. Essa proposta de trabalhar o Saúde e Prevenção nas Escolas. Por que dentro das escolas? Por que trabalhar em parceria profissional da saúde, junto da escola? Por que envolver os jovens nessa ação? Que é um aspecto importante importante do SPE o protagonismo juvenil [...] [...] Não é só numa perspectiva de discussão de temas. Mas numa perspectiva de postura mesmo de educador, no dia-a-dia. Não só... hoje eu entrei na sala e vou dar uma aula de... sobre relacionamento, vou discutir sobre isso. Mas, não, no dia -a- dia eu percebo isso, eu sou sensível a essas questões [...] [...] nosso papel é de se apropriar disso, é... de pensar nessa política e fazer um link com a realidade que a gente encontra no nosso município. E esse confronto com a realidade pode ser através de pesquisa que a gente possa lançar a mão ou enquanto não existir, desse sentimento, dessa percepção que a gente tem subjetiva no dia-a dia com o jovem [...] [...] proporcionar momentos de reflexão e capacitação [...] [...] identificar cada temática, como é que essa temática pode ser melhor abordada, qual a melhor metodologia que deve ser aplicada, que momento, que público (Enfermeiro- compõe o GGM- SPE)

Relação educador/ jovem:

“Eu acho que são papéis complementares. Papéis que é importante ter uma sintonia, né. Que deve ter um papel de pares, uma relação de pares [...] [...] claro que os dois estão em momentos diferenciados da vida, da vida adulta, da vida juvenil. As idéias que eu tenho, as expectativas que eu tenho na vida são diferentes pelo próprio momento da idade. Mas dentro de uma filosofia desse projeto. Como esse projeto encara. Qual o objetivo desse projeto. Eu acho que os papéis são construídos. Não dá pra pensar que a gente vai chegar lá e vai ensinar os jovens alguma coisa, É importante que o adulto tenha consciência que é troca mesmo [...].” (Enfermeiro- SPE)

Sobre a relação educador/educando, jovem/ adulto toma-se as palavras

de Freire como referência para analisar as falas dos sujeitos da pesquisa, “sempre

tento me relacionar com os alunos como se estes fossem sujeitos cognoscentes,

pessoas que estão comigo, engajadas no processo de conhecer alguma coisa

comigo. (Freire, 1986, p. 204)”. A relação entre o educador e o jovem deve

transcender a relação técnica. Deve ser uma relação de comunhão, como sujerem

algumas falas:

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“O lugar do jovem é esse lugar de questionamento, de perguntar, lugar de tá querendo saber como as coisas acontecem e de tá descobrindo junto com o orientador, junto com o profissional o que ele quer para vida dele. Então, acho que é um lugar de parceria.” (Psicólogo- Técnico de referência do Projovem Adolescente- CRAS)

“Eu acho que nós trabalhamos numa linha que tanto nós aprendemos muito com ele, como nós passamos muito pra eles. E, assim, aqui há um diferencial muito grande porque, porque esses meninos, eles, passaram eles a vida toda é... sendo abolida a sexualidade deles, é como se eles não tivessem. É como se eles não tivessem. Então, quando a gente começa a fazer um trabalho né, você percebe a riqueza das coisas que eles passam pra gente, entendeu, então, você fica, assim, poxa eu não pensei que eles soubessem disso e eles sabem [...] [...] é descoberta tanto pra quem está no papel de educador, como pra aquelas pessoas que estão recebendo aquele conhecimento. É muito rico porque você aprende e eles também aprendem com a gente. Como eu disse é uma via de mão dupla.” (Assistente Social- Centro de Apoio e Desenvolvimento de Educação Especial)

O terceiro e último bloco desta pesquisa parte da compreensão de que

o educador que estabelece uma relação diferente com o conhecimento e com a

sociedade (FREIRE, 1986: p. 28) parte de um referencial que orienta seus métodos,

suas estratégias de intervenção. E que consiste em tê-los, aplicá-los, ou não.

Portanto, com o objetivo de conhecer o referencial teórico e os porquês

que balizam as abordagens e os instrumentos educacionais empregados nas

atividades, foi feito um levantamento dos teóricos e/ou tendência pedagógicas,

apresentadas no quadro 7. Em seguida deu-se continuidade em busca da relação

entre as falas dos atores e as de Freire, que se apresenta como referencial de

aproximadamente 48% dos sujeitos pesquisados.

1. Tendência(s) pedagógica(s)/referencial teórico que baseia(m) a

prática do educador(a)

Quadro 7 - Tendência Pedagógica/ Referencial Teórico

Tendência Pedagógica/

Referencial Teórico

Nº de Ref.

Os porquês

Paulo Freire 10 Norteia uma maior a aproximação do educador com o jovem, valoriza todos os saberes, é à base da psicologia social e comunitária, pedagogia libertadora, subsidia o trabalho em grupo, com as comunidades. Porque a racionalidade não dá conta das realidades.

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Jacques Delores 1 Orienta para os diversos aspectos da aprendizagem (os aprender...)

Edgar Morin 2 Orienta para reformulação de novas atitudes, novas metodologias a partir da troca, do saber do outro. Pela diversidade da clientela.

Ruben Alves 1 Na contemporaneidade, é o que mais respeita o educador e o aluno. Desconstrói as relações autoritárias.

Sathya Sai Baba 1 É um educador do espírito. Traz a educação dos valores humanos, a linguagem do amor, da paz e da retidão.

Tendência crítico-reflexiva

1 Visão crítica e reflexiva sobre as vivências.

Tendência crítica social

1 Busca a transformação

Tendência sócio- construtivista – Vigotisk, Piaget, Wallon

2 Considera a realidade da sociedade. Traz a importância da interação social, do vínculo, da interação social e afetiva

PCNs e leituras de psicologia

1

Educação biocêntrica 1 Defende a vida como centro da história Princípios do SUS 1 Trabalha a promoção e prevenção Projeto de Vida 1 Porque quem tem projeto de vida Socionomia 1 Trabalha o protagonismo, processo grupal e

papéis. PNAS 2 Norteia o trabalho da Assistência Social Gramsci 1 Marx 1 Busca a emancipação, trabalha a criticidade.

Algumas falas traduzem uma perspectiva de construção de uma proposta

que parte da vida real, das condições dadas. Nas palavras de Freire (1986), isto

significa que: “os professores devem ter algumas indicações sobre como os alunos

estão compreendendo sua própria realidade, de maneira diferente da realidade do

professor” (FREIRE, 1986, p. 213).

Outro elemento presente na educação freiriana é o respeito aos

diferentes e diversos saberes, as construções de cada um, os saberes instituídos

pelo grupo, pelos jovens, certos de que a ciência apenas não dá conta das

necessidades humanas.

Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as condições em que eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos "conhecimentos de experiência feitos" com que chegam à escola. O respeito devido à dignidade do educando não

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me permite subestimar, pior ainda, zombar do saber que ele traz consigo para a escola. (Freire, 1997, p. 71).

Encontrando-se com a ideia de Freire, a educadora afirma que:

[...] valorizar, assim, todos os saberes e práticas [...]. Porque eu acredito que, eu aprendi que essa integração, mesmo, do prático com o teórico, do vivencial é que pode causar algum impacto mesmo de mudança, de melhoria, de transformação do ser humano. Eu acho que essas linhas, esse referencial passeia entre a racionalidade, a cientificidade. Existe a ciência, está aí. O que tá na racionalidade é importante, mas não dá conta da realidade de hoje, não basta. Então, por isso eu venho estudando e acho, assim, que minha prática tá sendo muito pautada nessas linhas que misturam essas coisas, essa coisa, do viver, do cotidiano, da prática de cada um [...] (Assistente Social- SASC)

A participação é uma categoria presente em Freire e nos discursos dos

sujeitos de nossa pesquisa. Para Freire, se os educadores perpassassem o

programa e a rotina da educação formal e adentrassem na dinâmica dos

movimentos sociais, “eles poderiam aprender sobre uma outra face da educação

que não se encontra nos livros” (Freire, 1986, p. 53), corroborando essa percepção,

as falas usam as seguintes expressões:

[...] eu acho que é muito bom quando se trabalha com a participação, envolvendo os jovens, não ser uma coisa só de mão única. Algumas técnicas que coloquem a participação deles. Que tenham suas falas, que tenham momentos de usar até a dramatização, o teatro, as ações lúdicas né, que fazem com que eles se expressem até melhor [...] (Enfermeira- SMS).

Eu acho que uma das coisas é o jovem participar do planejamento. Seria muito importante o jovem participar [...] porque ele sabe das necessidades mais do que a gente [...] (Pedagoga - SASC).

Para finalizar esta análise sob a perspectiva freiriana sobre os saberes e

as práticas de educação em saúde, gostaríamos de ressaltar-se, a característica que

sintetiza ou congrega todos os elementos da pedagogia libertadora de Paulo Freire.

Ele ressalta, além da importância da participação do educando, da

importância do educador como ser político, que, quando se escolhe os objetivos, a

estratégia metodológica, o referencial, torna-se impossível a neutralidade.

“Escolhemos os livros a ler, as perguntas a serem feitas, o modelo da sala de aula

— tudo isso envolve nossa política”. (Freire, 1986, p. 187). Só a partir desse “ser

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político” é que se torna possível a compreensão dos papéis, da dimensão da

relação, do significado da construção da autonomia e, principalmente, de que

políticas públicas devem ser gestadas para que isso aconteça.

A educadora corrobora pensamento de Freire, afirmando a total relação

do seu referencial e sua prática. E colabora dizendo:

[...] eu tenho como referencial teórico a questão do marxismo, uma relação dialética [...] [...] eu tenho alguns conceitos de Paulo Freire, aonde o saber é um saber de mão dupla. Então, assim, eu busco a emancipação dos meninos, eu busco a autonomia deles. E a questão da sexualidade é uma autonomia e uma autonomia muito regulada. Porque, porque esses meninos, eles não... é... o próprio contexto deles é um contexto de muita, de muita retração de tudo. É retração de não estar na sociedade disputando mercado de trabalho de igual pra igual. É de lazer. É de estarem participando de locais, aonde a maioria dos jovens vem do município como um todo e vai pra uma festa. Eles não. O local de lazer deles é esse aqui. É aqui onde eles encontram os pares. É aqui onde eles encontram os amigos. É aqui que eles criam a identidade deles [...]

[...] eu acho que pra juventude como um todo deveria ser trabalhado o emponderamento do jovem [...] [...] buscar junto com eles os momentos que vivemos. Seria uma experiência de trabalho mais dialogado [...] [...] a gente precisa trabalhar o processo de reflexão dessa sociedade capitalista [...]” (Assistente Social- Centro de Apoio e Desenvolvimento de Educação Especial).

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7 CONTEXTOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE

EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Este capítulo destina-se a conjeturar os caminhos da educação em saúde

que se pautam nas percepções de juventude, aproximando os contextos, as

perspectivas e os desafios que a realidade propõe.

Para tanto, lança-se mão de exame bibliográfico, digo do “estado da arte”,

que versa sobre o tema aqui estudado e dos discursos dos atores que compõem o

Programa Saúde e Prevenção nas Escolas- PSE de Maracanaú, por nós

entrevistados.

Sob a análise da pesquisa documental e da fala dos atores, é possível

esboçar alguns elementos que implicam na composição do contexto atual das

políticas de educação em saúde, bem como inferir sobre os desafios e sobre uma

nova realidade que se espera traduzirem através dos saberes e práticas com foco

na juventude.

7.1 As implicações entre o contexto Social e Político

De acordo com Kerbauy (2005), a inquietação sobre os fatos que, embora

isolados, associam a juventude à violência, ou às drogas, e, ainda, o índice de

desemprego entre os jovens, fazem multiplicar as proposições normativas que visam

disciplinar esses fenômenos. E se traduzem em políticas de compensação social.

Ressalta, ainda, a autora que, embora essas políticas não tenham sido

“exclusivamente destinadas para jovens”, tem estes como foco e prioridade principal.

Produzem e reproduzem até os dias de hoje – o estigma problematizador da

condição juvenil.

Confirmando a análise de Kerbauy, os elementos nas leituras e

apreendidos nas leituras e escutas evidenciam que a política pública, ainda, emerge

do reconhecimento dos jovens como segmento de risco social, como ressaltam,

também, Sposito e Carrano (2003):

Problemas reais, identificados principalmente na área da saúde, da segurança pública, do trabalho e do emprego, dão a materialidade imediata

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11 O termo aqui expresso “universal” não se refere à política de garantias de direitos ao conjunto da população jovem. Mas, a uma ideia de “política universal” na perspectiva de que esta, compreende a juventude como categoria homogênea e, ainda, de forma setorializada .

para se pensar as políticas de juventude sob a égide dos problemas sociais a serem combatidos. (SPOSITO E CARRANO, 2003: p.20).

Isso implica na formulação de políticas e ações que se expressam, ainda,

segundo os autores, como forma de controle social do tempo livre, através de

programas esportivos, culturais e de trabalho, tendo como base a ideia de

prevenção ou de efeito compensatório de problemas que atingem a juventude, em

que, em algum momento, foram transformados em problemas da juventude.

Ainda contextualizando as políticas públicas e suas ações, Abramo

(1997), afirma que as políticas públicas, na tentativa de socializar os jovens

promovem programas que:

Incentivam programas de ressocialização vinculados à educação não-formal – por meio especialmente da organização de oficinas ocupacionais, da prática de esportes, da arte e de programas de capacitação profissional, que muitas vezes não passam de oficinas ocupacionais, ou seja, não logram promover qualquer tipo de qualificação para o trabalho (ABRAMO, 1997, p. 26).

Assim, as ações destinadas à juventude estão dentro do contexto geral

das políticas públicas. E, ainda, numa perspectiva universal11 e linear da provisão à

Educação, Saúde e Trabalho, como instrumentos de socialização, ascensão e

prevenção.

O Trabalho

O trabalho é uma dimensão relevante para as pessoas nas sociedades

modernas, segundo indica Giddens (2005). E mesmo sob condições adversas tende

a representar um elemento que estrutura as construções psicológicas das pessoas e

do ciclo de suas atividades cotidianas.

Guimarães (2005), a partir de uma pesquisa sobre o perfil da juventude

brasileira, analisa que o trabalho, ainda, se apresenta como central na

contemporaneidade, bem como de interesse da juventude. E destaca dentre outros

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significados do trabalho para os jovens, a condição de necessidade, ocupando o

plano das preocupações advindas do desemprego vivenciadas por eles; configura-

se como fator de risco, de desestabilização das formas de inserção social e do

modelo de vida da juventude brasileira, especialmente para os jovens entre 18 e 20

anos, com baixa escolaridade e baixo rendimento. Aparece, ainda, como referência

de direito, ora como portadores do direito de exercer, ora na condição de sujeitos

para os quais foi negado esse direito.

A relação entre juventude e trabalho e a percepção social de juventude

enquanto problema se dá em função da problemática do desemprego e desemprego

de inserção que está, sem dúvida, correlacionado a baixa escolaridade. E isso se dá

a partir das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, com a introdução de novas

tecnologias, novos padrões de consumo, definição e valorização de habilidades

pessoais necessárias e a requisição de profissionais com um maior nível de

conhecimento e informação. Observa-se essa afirmativa na citação abaixo:

Desde o desenvolvimento da indústria moderna, mudanças na base técnica e reestruturação produtiva sempre resultaram em novas e maiores exigências quanto a escolaridade dos trabalhadores, originando um movimento de qualificação dos postos de trabalho e seus ocupantes. (Borges, 2006, p.87)

Os requisitos exigidos pelo mercado passam a desenhar um perfil de

empregabilidade que aumenta, assim, a competitividade, tornando a educação

formal super valorizada e imprescindível na garantia de uma boa qualificação

profissional.

A partir dos indicadores da PNAD, 2007, referentes à situação

educacional, a condição de renda e ocupação relativa aos jovens pode ser

expressão da relação que se construiu entre educação e inserção dos jovens, como

população economicamente ativa- PEA. Os indicadores mostram uma mudança

gradual e significativa dos índices de analfabetismo juvenil, que entre os anos de

1997 e 2007 foi decrescente na faixa etária entre 15 e 17 anos. A frequência escolar,

também, duplicou nos últimos dez anos.

Porém os dados mostram que 44% não haviam concluído o ensino

fundamental e apenas 48% deles cursavam o ensino médio. Portanto, a defasagem

escolar continuava alta entre os jovens dessa faixa etária, pois já deveriam ter

finalizado a educação fundamental e isso implica diretamente na não inserção, ou

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dificuldade desses jovens de se inserirem no mundo do trabalho é a análise da

pesquisa.

Outro viés da relação juventude e trabalho e a percepção social de

juventude enquanto problema é consequente da evasão escolar em função da

necessidade de se inserir no mercado de trabalho. Segundo a PNAD, de 1997 a

2007, a escolaridade dos jovens aumentou, passando de 6,8 a 9,1 anos de estudos

entre os jovens da faixa etária de 18 a 24 anos. No entanto, os jovens desta faixa

etária conseguem ingressar no ensino médio, mas logo se evadem em função de

uma escolha entre o estudo ou o trabalho.

O abandono do estudo começa a ficar mais evidente na medida em que a idade aumenta. Antes de completar 18 anos, muitos jovens já se dividem entre o estudo e o trabalho: no grupo de 15 a 17 anos 21,8% dos jovens o fazem. No grupo de 18 a 24 anos essa porcentagem se reduz para 16,2%. Observa-se também que na medida em que a renda aumenta, maiores são as chances de o jovem conseguir estudar e trabalhar ao mesmo tempo: no grupo de 18 a 24 anos pertencentes a famílias com renda familiar per capita de até ½ salário mínimo, apenas cerca de 10% estudam e trabalham; essa porcentagem alcança cerca de 29% no grupo com renda domiciliar per capita de 2 a 5. salários mínimos e 30% no grupo com renda domiciliar per capita igual ou acima de 5 salários mínimos. (BRASIL, 2008)

Quanto à renda, a Pnad 2007, traz a informação de que 30,4% dos jovens

na faixa etária de 15 a 29 anos podem ser considerados pobres, uma vez que vive

em famílias com renda domiciliar per capita de até meio salários mínimos; 53,8%

pertenciam ao extrato medianeiro, com renda domiciliar per capita entre meio e 2

salários mínimos; e apenas 15,8% viviam em famílias com renda superior a 2

salários mínimos.

A análise consta, ainda, dos dados do nível de ocupação dos jovens, que

apresentam ocupação de 62,2% no grupo de 18 a 24 anos e 74,9% no grupo de 25

a 29 anos e uma taxa quase inalterada no grupo de 16 a 17 anos, de 45,3%, tudo

isso entre os anos de 2006 e 2007. Constatou também que houve uma redução de

9,3% na última década. E analisa que há um número de jovens/ adolescentes que

estão postergando sua entrada no mercado de trabalho, o que segundo a PNAD,

pode ser feito uma leitura positiva se esse jovem estiver fora do mercado em função

de estar no ensino médio. Por outro lado, é preocupante se a realidade que se

apresenta for direcionada pelo desemprego, pelo subemprego, por desalento ou por

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ocupação em atividades domésticas e, sobretudo, se coincidir com o abandono dos

estudos.

Em relação ao desemprego juvenil os dados de 2007 mostram que as

oportunidades de trabalho, ainda, são restritas, apresentando índices de 4,6 milhões

de desempregados, perfazendo um total de 63% do total de desempregados no

país. O desemprego juvenil era 2,9 vezes maior que o dos adultos, (a taxa de

desemprego juvenil era de 14%, enquanto a taxa de desemprego adulto era de

4,8%). Segundo Quadros (2003), os jovens constituem a faixa da população

economicamente ativa (PEA), mais atingida pelo desemprego. Em 2001, chegaram

a 12,1% para todas as faixas etárias; 27,3% a 18,9% para as faixas etárias de 15 a

19 anos e jovens de 20 a 24 anos.

Situações, como a busca pelo primeiro emprego contribuem para a

efetivação desses indicadores. É uma experiência difícil que abrange a maioria da

população jovem e que resulta num fenômeno “típico” da juventude: o desemprego

de inserção, evidenciando-se claramente a dificuldade dos jovens de se

incorporarem ao mercado de trabalho.

Pochmann (1998) afirma, então, que o jovem termina marginalizado no

mercado do trabalho, com problemas tanto para encontrar emprego quanto para se

manter em um regular. As oportunidades muitas vezes existentes são associadas às

ocupações parciais, atípicas, não assalariadas e assalariadas sem registro, além do

desemprego em larga escala. O desemprego juvenil é um dos mais rebeldes ao

recenseamento estatístico. A multiplicidade de relações de pertença e a circulação

incessante por diversas situações —nomeadamente perante o trabalho

(desemprego, inactividade, emprego, formação, aprendizagem, trabalho clandestino,

intermitente, parcial, etc.) — constituem um dos traços específicos da juventude de

hoje, ressalta Pais (1990: p. 142).

A partir dessa realidade, considerando-se as percepções veiculadas

socialmente e em concordância com Pais (1990), a emancipação dos jovens, tem

culminado com a constituição de um lar próprio, habitualmente precedido pela

obtenção de emprego, encontra-se, cada vez mais, bloqueada, tornando- se um

problema da juventude.

O desenho estatístico traçado não deixa dúvidas sobre a configuração de

um problema social. No entanto, compreende-se claramente que a relação que se

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estabelece entre juventude e trabalho e que torna esse segmento como problema é

uma construção societária.

Nadya Araujo Guimarães (2005) afirma que a primeira grande

convergência intelectual sobre a temática “juventude e trabalho” aponta para a

consideração de que se trata de uma relação socialmente construída e toma como

exemplo, entre outros, a França onde, somente no final do século XIX, teve sentido

na sociedade, ou melhor, sentido social, a mudança da condição de aluno para a

condição de trabalhador, quando foi institucionalizada a legislação do ensino

obrigatório para todos, pois, até então, os filhos de camponeses, operários e

artesãos ocupavam outras atividades de produção e que somente no século XX,

ocorre a interdição dessa atividade e a construção significativa da passagem da

escola para o trabalho. Ressalta-se também a reflexão de Claude Dubar (2001)

sobre o tema, na qual ele afirma que o dever de inserir-se no mundo do trabalho ao

final da vida escolar, não é um dado natural que tenha sempre existido, assim a

inserção dos jovens se tornou um problema social e um objeto de políticas públicas

recentemente.

Porém, essa situação é em geral compreendida e apresentada como um

problema da juventude. E que vê na educação a principal aliada para a socialização,

a mobilidade, ascensão e incorporação social, o que será tratado em item posterior

que trata da educação em item posterior que trata da educação .

A Saúde

As políticas públicas que esboçaram as primeiras ações destinadas

especificamente à juventude, segundo Sposito (2003) aparecem na área da saúde,

no final dos anos 1980, com a criação do PROSAD- Programa de Saúde do

Adolescente. Porém, tem como enfoque a prevenção às DSTs/AIDS, à drogadição,

aos acidentes de trânsitos e à gravidez precoce. A partir dos anos 1990, as políticas

públicas revelam um conjunto de programas que tem por finalidade a prevenção ou

o tratamento aos riscos que adolescentes e jovens estão expostos e que são

associados e entendidos como inerentes a esse momento da vida.

Dados do Boletim Epidemiológico AIDS 2010 apontam que, embora os

jovens tenham elevado conhecimento sobre prevenção da AIDS e de outras

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doenças sexualmente transmissíveis, há tendência de crescimento do HIV nesse

segmento. A faixa etária em que a AIDS é mais incidente, em ambos os sexos, é a

de 20 a 59 anos de idade. Na faixa etária de 13 a 19 anos, a prevalência do HIV

passou de 0,09% para 0,12%. Chama atenção o fato de o número de casos de AIDS

ser maior entre as mulheres. A inversão apresenta-se desde 1998, com oito casos

em meninos para cada 10 em meninas. Os dois dados caracterizam a juvenização e

a feminização da AIDS. A mesma pesquisa traz o indicador relacionado ao grau de

instrução e expõe que quanto menor a escolaridade, maior o percentual de

infectados pelo vírus da AIDS, sendo a prevalência de 0,17% entre os meninos com

ensino fundamental incompleto e 0,10% entre os que têm ensino fundamental

completo.

Outro indicador significativo é a causa de morbimortalidade no grupo das

doenças infecciosas e parasitárias nesse grupo, a AIDS aparece como causa das

mortes entre jovens de 15 a 29 anos até 2005, rerepresentando 30% do total de

casos notificados no Brasil, desde o início da epidemia, nos anos de 1980.

Em relação à gravidez na adolescência, dados do Ministério da Saúde-

mostram que a tendência da gravidez na adolescência é de redução. Dados

comparativos de 1996 e 2007, sobre gravidez na adolescência da PNAD, revelam a

queda da taxa de adolescentes na faixa etária de 15 a 19 anos, com filhos, de 12,6

% para 10,7%. Em 2007, os partos de adolescentes de 15 a 19 anos representaram

23%.

Embora os indicadores sinalizem a queda na taxa de fecundidade o

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e o Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IBGE/IPEA) consideram preocupante a gravidez em adolescentes em

situação de vulnerabilidade social. Conforme dados do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IBGE/IPEA), a

taxa de fecundidade adolescente, em 2006, cresceu em 0,14 nas classes

econômicas mais baixas.

A gravidez na adolescência no Brasil e em outros países tem sido

considerada um problema de risco para a juventude e alardeada, numa perspectiva

epidêmica, como afirma Costa (2002) “Na área da saúde o fenômeno tem sido

abordado de forma alarmista, sobre tudo em países mais pobres, ganhando status

de epidemia” (COSTA, 2002: 2)

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12 Conforme a Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases, em seu artigo 1° “A educação abrange processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.”.

Esses indicadores tornam as questões anteriormente citadas, como

drogadição, gravidez precoce e infecção pelo HIV, um problema de saúde pública e

uma construção enquanto problema social. Partindo desses números, sob a

percepção do olhar hegemônico da sociedade atual de que a fase mais adequada

para a procriação seja após a conclusão da escolaridade e a inserção no mercado

de trabalho, bem como a percepção de que a juventude seja uma fase de risco, o

Ministério da Saúde ressalta a necessidade de assegurar aos adolescentes e

jovens: orientação, proteção e apoio para que estes adotem uma carreira saudável

rumo à idade adulta, sendo a saúde um direito que precisa ser assegurado.

Assim, a educação toma grande importância como uma das estratégias

de promoção a esse direito. Na “expectativa” de instrumento socializador, ela é

responsável por dirimir os desvios e disfunções da “juventude problema” ou

“segmento de risco”, sendo espaço de práticas de controle através de temas na área

de saúde e segurança.

A Educação

O fato de ter deixado a educação como último elemento de discussão do

contexto das Políticas Públicas destinadas à juventude: implicações das percepções

sociais não se deu em função de uma simples divisão didática. Mas, por se observar

durante esse estudo que a educação como processo formativo12 tem se constituído

um elemento que permeia as demais políticas.

A educação-formal (a escola) e a não- formal são entendidas ao lado da

família como um dos elementos de socialização, e tem ampliada sua participação e

importância, pois é também mecanismo de mobilidade e ascensão social, de

incorporação social das novas gerações, de prevenção aos riscos e via de acesso a

outros direitos. Tornando-se a partir da década de 1950, foco de investimento da

política pública, diz Kerbauy (2005: p. 197).

Embora afirme, ainda, a autora que essa estratégia perdeu importância

devido à deterioração da qualidade de ensino. É notório o valor, o espaço que a

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educação ocupa como instrumento de socialização e formação. Por ser entendida,

por alguns autores, como redentora, afirma-se que “ela terá a força de redimir a

sociedade se investir seus esforços nas gerações novas, formando suas mentes e

dirigindo suas ações a partir dos ensinamentos” (SANTOS 2007: p.77). E, como tal,

a educação atende a tríade socialização- formação- desenvolvimento.

E no contexto desta discussão sobre a relação das percepções de

juventude e políticas públicas, essa é uma reflexão que se faz necessária. Segundo

Novaes (2007), a concepção moderna de juventude tornou a escolaridade uma

etapa intrínseca da passagem para a maturidade. Já a partir das transformações do

século XVIII e, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial, “estar na escola” passou

a definir a condição juvenil.

Dentro desse contexto, a educação como elemento da formação

converge para a percepção da “juventude como etapa de transição”, preocupando-

se com a preparação da juventude. Norteado por este modelo, o sistema educativo

se encarrega da formação do capital humano. Neste caso, predomina a tendência

de um modelo universalista de preparação para a adultez que não reconhece as

condições diferenciadas de vida das juventudes, nem as suas capacidades de

participação (KRAUSKOPF, 2003).

Esse entendimento da educação como instrumento das mudanças

sociais, não é uma criação brasileira dos anos 90, afirma Sousa (2006). Faz-se

presente desde o século XVIII, quando o pensamento pedagógico já tinha como

objetivo a formação individual e de aperfeiçoamento moral e intelectual e,

posteriormente, se traduz como detentora de uma função social.

A autora ressalta que a escola, a partir do pensamento liberal, assume a

função de instrumento equalizador de oportunidades.

Essa nova função da educação, está intrinsecamente ligada a perspectiva

desenvolvimentista. Que tem a juventude como aporte para o desenvolvimento do

país e, assim, a educação revela uma relação entre educação – juventude -

trabalho- desenvolvimento. Isso é claro, também, na concepção atual de educação.

Basta se tomar como base o Relatório para UNESCO da Comissão Internacional

sobre Educação para o século XXI, publicado em 1996 e referência na discussão

sobre a temática.

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_____________________

13 Em 1998 o PNUD, publicou: Educação. Agenda do Século XXI. Para um desenvolvimento humano, em que atribuía a desigualdade de renda e a concentração da propriedade da terra, do capital financeiro, da tecnologia e e da educação. Como forma de possibilita o ganho de renda à população pobre a proposta era redistribuir a educação. Já que a partilha dos outros fatores foi considerada mais difícil.

O desenvolvimento de um país supõe, em particular, que a sua população ativa saiba utilizar as tecnologias complexas e dê prova de criatividade, e de espírito de adaptação, atitudes que dependem em grande parte do nível de formação inicial das pessoas. O investimento educativo é, assim, uma condição essencial do desenvolvimento econômico e social a longo prazo e deve ser protegido em momentos de crise. (DELORES, 1997: p. 180)

É importante ressaltar que o conceito de desenvolvimento aqui evocado

se estabelece a partir de uma definição ampliada. Seria, portanto, o “incremento de

oportunidades” que perpassa a compreensão de desenvolvimento somente como

processo de riquezas. Segundo Rivero (2000), os relatórios do PNUD13 que divulga

desde 1990, os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), tem como base essa

concepção, considerando o aumento da qualidade e quantidade de oportunidades

para o ser humano.

O que caracteriza o desenvolvimento humano não é a elevação da renda percapta, mas o aumento da quantidade e qualidade das oportunidades para o ser humano, o que torna a educação ainda mais essencial. (RIVERO, 2000)

A relação educação – juventude – trabalho- desenvolvimento ganha uma

outra função a prevenção aos fatores de risco. E é expressa, também, na

Declaração de Lisboa (ONU 1998), que, sob a ótica do desenvolvimento humano,

indica a promoção do acesso à terra e as novas tecnologias pelos jovens e a

integração econômica e social da juventude pobre como meio de assegurar a

coesão social e redução de jovens envolvidos no crime e uso indevido de drogas.

Indica então:

[...] a urgência de criar mais e melhores postos de trabalho para os jovens e o papel central que desempenha o emprego da juventude para facilitar a transição da escola ao trabalho, reduzindo desse modo o crime e o uso indevido de drogas e assegurando a participação e a coesão social [...] (ONU,1998: p.144)

De acordo com Foracchi (1982), o “mito da educação” e a “ideologia de

valorização da juventude” associam-se e reforçam a educação e juventude como via

de acesso ao desenvolvimento, à ascensão social e ao progresso.

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______________________ 14 No ano de 2004, o Grupo de Trabalho Interministerial da Juventude sugeriu uma Política Nacional de Juventude, incluindo a criação do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), do Conselho Nacional da Juventude (CNJ) e da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ). A Lei n.11.129, de 30 de junho de 2005, instituiu o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem) e criou o Conselho Nacional de Juventude e a Secretaria Nacional de Juventude (BRASIL, 2005). Em janeiro de 2008, a presente lei sofreu modificações, com a revogação dos artigos 1º a 8º, referentes ao Projovem. A partir de então, o Programa ganhou dimensões maiores e se tornou uma lei específica

Atualmente, nas políticas públicas de juventude a educação permeia

como eixo principal em três modalidades previstas na Lei Nº. 11.12914, a saber:

ProJovem Adolescente; ProJovem Urbano e ProJovem Campo. O binômio

educação/trabalho se reapresenta como via de incentivo e estímulo ao mercado de

trabalho (qualificação profissional), aparecendo também em três das quatros

modalidades: ProJovem Urbano, ProJovem Campo e ProJovem Trabalhador.

É notório, diante desse cenário, o grande desafio posto, que é o de

pensar as políticas públicas de juventudes para além do desenho institucional da

formação, desenvolvimento e prevenção, proposto até hoje.

7.2 Desafios e perspectivas das políticas públicas com foco na juventude.

Embora se tenha, nos últimos 10 anos, vivenciado alguns avanços na

proposição do Estado brasileiro no que concerne a ações destinadas à juventude,

com a implementação de programas como PROJOVEM, PRO-UNI, a criação de

órgãos de controle e acompanhamento das políticas públicas, como os conselhos

nas esferas: federal, estadual e municipal, e, ainda, mais recentemente com a

aprovação em 2010 da PEC da Juventude - Proposta de Emenda Constitucional, a

ausência da complexificação e análise sociológica do que seja a juventude tem

resultado em uma generalização das propostas de atendimento e implementação

das políticas públicas com foco nesse segmento, como foi visto no item anterior

desse capítulo, sobre o contexto das PPJ.

Dessa forma, a compreensão é a de que os direitos dos jovens já

estariam garantidos nas políticas universais como as de educação, saúde, cultura,

trabalho e outras. Essas políticas são em geral, políticas setoriais, e não têm

considerado as necessidades específicas da condição juvenil.

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______________________ 15 Afirmação do diretor da Diretoria de Estudo Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jorge Abrahão de Castro em “Seminário Juventude em Pauta 2010”, que aconteceu em São Paulo (SP), em 03 de dezembro de 2010.

Sposito (2003: p.15) destaca que as ações públicas dirigidas à juventude

são produzidas a partir do recorte etário e econômico-social. E por essa razão,

segundo pressupostos da autora a percepção dos gestores sobre a juventude

conforma e propõe políticas dirigidas ao jovem, de forma hegemônica.

RUA (1998) contribui para a reflexão dos desafios que estão postos

quando afirma que as políticas públicas em geral, e especificamente as políticas

juvenis, no Brasil, são fragmentadas, estão sob a égide de competição burocrática

no interior das gestões, sob pena de descontinuidade administrativa, se dão em

resposta a certas ofertas e não a demandas específicas, e publicam as clivagens

entre formulação e implementação.

Outra reflexão, também, pautada no conceito de Rua (1998) que define

políticas públicas como “conjunto de decisões e ações destinadas à resolução de

problemas políticos” (p. 731), diferentemente da compreensão da expressão “estado

de coisas”. No âmbito da discussão teórica, também, tem-se uma proposição

desafiadora, se tomada como pilar a exposição do teórico português Pais (1996), o

autor nos desafia a “transformar o problema social da juventude em problema

sociológico” (PAIS, 1996, p. 34), sob a ótica de dois eixos semânticos: como

aparente unidade (uma fase da vida) e como diversidade, quando estão em jogo

diferentes atributos sociais que fazem distinguir os jovens um dos outros” (p.42).

Como se depreende, impõe-se: institucionalizar as demandas,

desinstitucionalizar na institucionalização, transpor as percepções estigmatizadoras

que alimentam saberes e práticas nas políticas públicas com foco na juventude e

intersetorializar as políticas.

A despeito do que se entende como primeiro desafio: a

institucionalização, de acordo com a afirmação de Castro15, da Diretoria de Estudo

Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), está relacionada às

políticas públicas na perspectiva de que os problemas sociais só ganham status,

quando são institucionalizados. Ressalta ainda:

Políticas públicas estão relacionadas com institucionalização. A juventude, a igualdade de gênero, igualdade racial, a questão das crianças e adolescentes e dos idosos ainda são políticas que podemos chamar de

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transversais hoje no governo. Já a educação é tradicional, institucionalizada, com ministério próprio. (CASTRO, 2010)

Dito isto, está posto, o primeiro desafio das PPJs: institucionalizar.

Institucionalizar consiste num aparente paradoxo, diante de todo o estudo feito até

aqui, uma vez que a reflexão foi centrada na necessidade de quebrar os paradigmas

institucionalizados sobre juventude, nos quais estão alicerçadas as políticas públicas

para o segmento jovem, as quais tem como base as percepções estereotipadas

relatadas no capítulo III, deste trabalho, a homogeneização da juventude, o não

reconhecimento da condição juvenil. Essa institucionalização se constitui a partir de

um conjunto de regras e discursos anônimos que estabelecem regimes de verdade,

legitimando e formatando modos de ser sujeito (FOUCAULT, 1996). Nesse caso, o

sujeito jovem.

Porém, a institucionalização aqui compreendida e proposta é a

necessidade do reconhecimento da juventude segmento diverso e de direitos,

através da aprovação de marco legal, pois, como ressalta Gouveia (2010, p: 10),

quando um direito é estabelecido em lei, a partir daí pode-se constituir seu

cumprimento. O ato de nomeá-lo fomenta uma nova realidade. Vera Telles (1993)

afirma que isso tem a ver com a nomeação, descrição e configuração do mundo

social:

Quando dizemos ‘isto é um direito’, reconfiguramos e redescrevemos a sociedade, reconfiguramos as coisas de um jeito diferente de antes, fazemos existirem coisas que antes não existiam, damos relevância a fatos e circunstâncias que antes pareciam insignificantes. (TELLES, 1993: p.69)

E, o outro viés da institucionalização é a garantia da efetiva saída dos

problemas sociais da condição “de estado de coisas” à inserção na agenda pública

na condição de problemas de natureza política, como diz: Rua (1998).

Isso requer, também, a definição orçamentária que estabeleça dotações e

rubricas para as políticas de juventude como prioridade, nos três níveis de governo

dentro de um concerto federativo (União, Estados e Municípios), sob pena de perder

espaços para outras políticas, como ressaltam Carrano; Sposito: “[...] se constata

que há uma diversidade de orientações, que podem e acabam de alguma forma,

disputando recursos e operando diferentes definições de prioridades diante de

outras políticas [...]” (CARRANO; SPOSITO, 2003).

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Nesse caminho, é preciso pensar, também, políticas públicas de

juventude para além do lugar que, hoje ocupam. Isso significa propor

paradoxalmente na institucionalização, a desinstitucionalização, o que se configura

outro desafio.

Abri-se aqui um parêntese para clariar sob qual ótica se defende a

desinstitucionalização. Isso se constitui na desconstrução dos saberes, práticas,

culturas e valores pautados nas percepções de juventude que requer de acordo

com Hadler e Guareschi (2010) desmontar as respostas científica e institucional,

romper a relação mecânica de causa-efeito para desconstruir o problema, re-

compondo-o, re-complexificando-o e superar a invalidação, tudo isso está implicado

num processo de desinstitucionalização.

Pensar na desintitucioanlização, nesse contexto, é enxergar a

necessidade de separação daquilo que estanca as intensidades, das políticas

públicas. É potencializar a capacidade de transformação dos fazeres e dizeres, ou

seja, dos saberes e práticas, aqui referidas as ações e educação e saúde com foco

nos jovens.

É, também, desnaturalizar as crenças em verdades incondicionadas, que

tomam ou dão forma a uma instituição no momento em que esta instala uma posição

supostamente eterna, verdadeira, imutável e inquestionável.

Constitui portanto, no âmbito das políticas macro, um grande desafio,

mudar a visão do que é aparentemente imutável nas políticas universais e

setorializadas de Educação, Geração de Emprego e Renda, de Assistência Social,

de Saúde, entre outras. E em especial da Educação como redentora e corretora das

distorções sociais, pelo seu caráter formador, independentemente da ordem social

produtora de desigualdades. Pois esse modelo é ideológico, imputa a educação as

mudanças sociais e escamoteia os mecanismos e causas estruturais e contribui para

que se mantenham intactas as condições sociais da atualidade.

Ainda pautada na visão da desinstitucionalização se constitui o terceiro

desafio: de implementar uma política que transponha as percepções

estigmatizadoras e homogêneas da juventude. Talvez esse seja o maior desafio,

pois congrega os desafios citados anteriormente da institucionalização e

desinstitucionalização e o que o que será exposto posteriormente, o da

intersetorialidade. Bango, 2003, revela- nos que:

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______________________ 16 O termo “Concerto”, refere-se à harmonia, acordo/consonância de instrumentos, ou de vozes na música; outra expressão “Concerto Grosso”, também, da música como, serve aos nossos objetivos, vez que diz respeito a uma composição na qual um pequeno grupo de instrumentos solistas que ora se opõe ao grosso da orquestra, ora funde-se com ela. A utilização do termo concertação, na literatura que aborda a gestão pública, analogicamente, respalda- se nesta definição. E é utilizado em referência à atuação conjunta, acordo entre pessoas, ou instituições, com vistas a um objetivo comum. Agências, políticas ou setores que almejam atingir objetivos e/ou metas comuns. Contudo, é importante ressaltar que as especificidades de cada situação em que estas relações ocorrem dão o tom de seus respectivos desenvolvimentos. Que poderão ser harmoniosas, conflituosas, paralelas à estrutura convencional do Estado ou parte institucionalizada da mesma.

O desafio é reorientar as políticas de juventude na direção de um modelo de jovens cidadãos e sujeitos de direito que deixe paulatinamente para trás enfoques como o do jovem-problema que ameaça a segurança pública. (BANGO, 2003, p. 48).

Para isso, é preciso questionar os saberes e práticas que deram até hoje,

sentido e corpo à juventude, que pensavam o ser jovem a partir de sua gênese. E

colocar a juventude como categoria invariavelmente produzida no decorrer da

história, transpondo as percepções de juventude como segmento de risco, juventude

como problema, fase de transição, período preparatório, algo que não é, mas está

por vir. E pensar em transpor as percepções estigmatizadoras que alimentam

saberes e práticas nas políticas públicas com foco na juventude, significa

problematizam as práticas discursivas.

Problematização não quer dizer representação de um objeto preexistente, nem criação pelo discurso de um objeto que não existe. É o conjunto de práticas discursivas ou não discursivas que faz alguma coisa entrar no jogo do verdadeiro e do falso e a constitui como objeto para o pensamento (seja sob a forma de reflexão moral, do conhecimento científico, da análise política etc.) (FOUCAULT,1984: p. 76).

Essa problematização dos saberes e práticas é importante porque,

dependendo, de onde parte o discurso, de quem discursa e o que se discursa. Seja

no campo jurídico, psicológico, nas políticas de educação, de saúde ou na

confluência das duas, nas políticas de educação em saúde, torna legítimo o dito

sobre juventude e consequetemente pode ter diferentes efeitos e implicar direta e

inversamente na abordagem das linhas de ação das políticas públicas. Seria “ação

sobre ação” (FOUCAULT,1982).

Implementar uma política que considere os direitos e a participação desse

segmento é entender e atender as especificidades dos jovens.

Bango (2003) afiança que o cenário latino-americano padece de certo

atraso na institucionalização das PPJs em função do não entendimento dos jovens

como sujeitos de direitos. E o que seria uma política que se conforma a partir dos

direitos e da participação? Estrategicamente, iniciaria com o concerto16 entre o

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poder público e a sociedade civil, a fim de fortalecer as redes comunitárias, as redes

sociais e de serviço local. Seria uma articulação e integração entre poder público e

sociedade civil organizada ou não, tirando-os da invisibilidade. Seria, portanto,

desafio e expectativa de alterações no cenário e nas relações de poder entre Estado

e sociedade civil.

Os desafios no reconhecimento dos direitos da juventude partem a

principio da superação das representações ou percepções sociais sobre a condição

juvenil, como relatado anteriormente. Do reconhecimento do ser jovem como uma

condição social com características específicas e que se manifestam de diferentes

formas de acordo com as construções e realidades das juventudes, a esperança

reside em:

Evitar o entendimento de que a juventude é uma faixa-etária problemática, essencialmente por ser a mais comum vítima dos problemas socioeconômicos do país. Evita-se também sua idealização no sentido de entendê-Ia como a única protagonista da mudança, em uma nova interpretação heróica de seu papel mítico. A juventude brasileira é fruto da sociedade brasileira e, em tempos de globalização e rápidas mudanças tecnológicas, deve ter condições, de oportunidades e responsabilidades. (Conselho Nacional de Juventude, 2006).

Problematizado e resignificado o conceito sobre juventude, caminha- se

para o efetivo processo de participação, sem a evocação exacerbada do jovem

protagonista, ímpar, único, mas em busca da autonomia que se revela nessa

participação. Consoante as proposições da ONU (2002), expostas no Programa de

Ação Mundial para a Juventude, esse processo de “autonomização” da juventude só

se efetivará com a participação no campo de ação das políticas públicas para o

segmento, desde o planejamento, a execução e a avaliação dessas políticas. Bango,

(2008), amplia a questão, enfatizando que uma política que enxerga os jovens como

sujeito de direitos acontece pela deliberação de: “fomentar o exercício da cidadania

dos jovens e supõe gerar condições para que eles protagonizem a sociedade e não

somente para que protagonizem as políticas de juventude” (BANGO, 2008: p.50)

Como último desafio e expectativa referentes às políticas públicas de

juventude: saberes e práticas destaca-se o desafio da intersetorialidade.

As políticas públicas segundo Frezza, Maraschin e Santos, (2009), instituí

projetos e programas que:

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De forma geral, tem por fim resolver problemas enfrentados por parcelas da população jovem em sua inserção na ordem social vigente — como aqueles relacionados ao acesso à educação, à saúde e ao trabalho; ou referentes a situações caracterizadas como em conflito com a lei. São programas variados em seus enfoques, estratégias, objetivos e modelos. Mas, de modo geral, podemos perceber uma concentração em seu direcionamento: tomam como foco a parcela da juventude qualificada como estando em situação de maior vulnerabilidade social. (FREZZA, MARASCHIN E SANTOS, 2009: p. 314)

Outros fatores circunscrevem as políticas públicas de juventude. Dentre

algumas limitações das políticas públicas a UNESCO (2004) destaca:

A forma desarticulada com que são planejados e implementados, não apresentando uma visão geral e perdendo, assim, a dimensão de conjunto. Com muita frequência, os programas são setorizados em focos específicos, como educação, emprego, saúde, atividades culturais, atividades esportivo-recreativas e outros. (UNESCO, 2004).

Essa desarticulação, fragmentação e visão míope das políticas públicas,

se dá segundo Ferreira (2009), pela maneira como foram construídas as estruturas

de cada política setorial.

Então, como quarto desafio, ressalta-se a articulação e intersetorialidade

das ações. A intersetodialidade é definida por Junqueira e Inojosa (1997) como uma

junção de saberes e experiências no planejamento, na execução e na avaliação de

ações com o objetivo de atingir efeito sinérgico em fenômenos complexos, no

desenvolvimento e na superação da exclusão social. A provocação se dá em função

de que a intersetorialidade, sem desconsiderar, nessa troca entre os saberes e

experiências, a competência de cada política setorial, presume horizontalidade entre

as políticas em nível político, técnico e gerencial.

Essa compreensão sobre a necessidade de desinstitucionalizar os

saberes e percepções que se têm sobre juventude; institucionlizar a política de

juventude; intersetorializar as ações e ofertar como um direito estende-se a partir da

proposição e dos resultados desse estudo as políticas de educação em saúde.

Destaca-se, portanto, como desafio, a superação das percepções que

balizam as práticas de educação em saúde sob o norte da educação para a saúde,

com a visão sanitária ou de formação dos sujeitos, ou ainda, a superação de uma

educação na saúde, localizada no interior da saúde, feita apenas pela saúde, de

responsabilidade apenas da política e dos gestores de saúde. A perspectiva é uma

educação em saúde, que saia dos limites do modelo hegemônico que entre outras

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características visa a prevenção de doenças e agravos, através de conteúdos

biomédicos, e se efetive dentro de um modelo dialógico, que parte da realidade e

dos saberes dos sujeitos. Conforme afirma Reis (2006) a partir de um processo

teóricoprático que integre os vários saberes: científico, popular e do senso comum,

possibilitando aos sujeitos envolvidos uma visão crítica, uma maior participação

responsável e autônoma frente à saúde no cotidiano.

Ressalta-se, que os saberes e práticas devem atender ao desafio de

partir da realidade dos sujeitos, reconhecendo a existência de um segmento

heterogêneo, sendo pois, as juventudes com toda sua condição juvenil e suas

formas de sociabilidades. Essas ações devem ancorar- se no conceito de promoção

da saúde, principio de educação universal e garantía de direitos e, assim, abranger a

participação de toda a juventude no contexto de sua vida cotidiana e não apenas

dos jovens na perspectiva do risco e da visão de sujeitos incapazes de cuidar de sua

saúde de forma responsável e autônoma.

Como segundo desafio, destacamos o acolhimento da perspectiva de

educação popular como caminho, que seguramente se norteia em formulações que

tem por objetivo a ampliação de práticas educativas que considerem o protagonismo

e o respeito às práticas e experiências populares.

Nosso terceiro ponto compreende os desafios institucionais, sendo o

primeiro e maior deles a efetivação da saúde como direito. Saúde promotora. A

institucionalização dos programas de educação em saúde que se referem a

formação de uma agenda de interlocução entre educação e saúde em nível estadual

e municipal e numa escala micro entre as escolas e unidades de saúde,

promovendo a intersetorialidade e a descentralização da execução das ações.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No campo teórico, a discussão atual sobre as “Políticas Públicas” se

anuncia como oposição às “políticas governamentais”. São entendidas como

políticas que perpassam os planos de governo, não se estruturam a partir de

diretivas que emanam de instâncias centralizadas. O seu direcionamento deve ser

de baixo para cima, ao invés de ser imposto de cima para baixo, sugerindo a

participação da sociedade civil no seu desenho e implementação.

Sob essa condicionalidade da participação, do protagonismo da

sociedade, encontra-se um paradoxo. Sob a ordem da descentralização e pseudo

co-gestão, ocorre a retração das funções estatais e a transformação da noção de

direitos em serviços, cujo acesso e usufruto nem sempre são garantidos pela lei,

pela luta dos movimentos ou pelo Estado. Mas garantidos pelo próprio indivíduo.

Essa é a arena em que surge a discussão sobre as Políticas Públicas de

Juventude. No discurso político e teórico, versa uma política pública de/para/e com a

juventude, que se identifica como participativa, feita a partir da juventude, para a

juventude e com a juventude. Vê os jovens como sujeitos de direitos e de

desenvolvimento econômico, participativos e co-responsáveis na garantia desses

direitos.

Mas a pesquisa sobre a qual este trabalho foi baseado partiu da

constatação de que a abordagem e a prática não revelam essa realidade. Através da

experiência, constata-se que as políticas públicas com foco na juventude, ainda, se

mostram distantes dessa visão dos jovens como cidadãos sujeito de direitos,

partícipes da política pública e têm tido pouca eficácia e impacto sobre esse

segmento.

Uma das principais questões que emergiram dessa constatação foi

identificar quais percepções de juventude permeiam as políticas de educação em

saúde. Do ponto de vista da subjetividade pretendia-se chegar aos saberes e

práticas que expressam a vontade de verdade sobre os jovens a partir dessas

percepções e saber se essas implicam nas políticas públicas de educação em

saúde.

A questão fundava- se em sob alguns pressupostos. O primeiro deles era

que as percepções de juventude se traduzem nas intervenções práticas e teóricas,

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implicam e norteiam a implementação das políticas públicas de juventude.

Conjecturava-se que as percepções de juventude mais presentes nos discursos e

ações de educação em saúde, ainda, são da juventude como problema e juventude

como etapa de transição; e, por fim, pressupunha-se que a existência de uma

relação dialógica entre os programas públicos e as percepções de juventude altera a

imagem da juventude perante a sociedade.

A partir do estudo e análise dos dados, constatou-se que o ser jovem é

compreendido a partir de uma perspectiva positiva. São agregados ao termo jovem,

atributos de inovação, renovação, abertura ao novo, ousadia, energia etc. A

compreensão aqui é do Ser Jovem como característica subjetiva empregada a todo

e qualquer indivíduo possuidor desses atributos e que perpassa o fator idade.

Confirmando-se um dos pressupostos, identifica-se que quando referida

como categoria, pensa-se dentro de um limite etário e ligado ao contexto dos

problemas sociais. Assim, os aspectos ressaltados sobre a condição juvenil são de

cunho negativo e se apresentam através de expressões usadas pela maioria dos

sujeitos da pesquisa, como: “perdida”, “desnorteados”, “sem objetivos”, “frágil”, “um

ser complicado”, “tábula rasa” referidas ao jovem ou à juventude e “momento de

conflitos”, “momento complicado”, “momento de vulnerabilidade”, momento de

planejar o futuro”, “condição de quase adulto”, expressões essas referidas ao

momento de vida da juventude, identificando-se que as percepções mais

presentes são as que apresentam a juventude problemática e conflituosa ou

como fase de vida preparatória, em formação, de transição para vida a adulta.

(KRAUSKOPF, 2003).

Veem-se, ainda, outros elementos que forjam essa condição nas

perspectivas pelas quais se devem fazer políticas públicas para a juventude, em

geral, de educação, qualificação profissional e trabalho. E essas políticas estão

pautadas na prevenção ou formação para o futuro. As falas expressam as seguintes

percepções da relação política/juventude: “se o jovem tiver qualificação

profissional... vai se afastar das drogas, da marginalização...”, “ocupar o tempo

desses jovens com atividades, com estágios ou com esporte”, “eu vejo a política

como forma de prevenção”, “..então, quando isso falta deixa uma lacuna e deixa

portas abertas para outras coisas como violência”.

A partir dessa escuta, faz-se uma análise e compreende-se que essas

percepções se constroem sociologicamente sob um viés, funcionalista,

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estruturalista e dentro de uma certa ordem de desenvolvimento, caracterizando

a pouca capacidade de análise dos problemas sobre uma ótica sociológica

multifacetada.

Assim, a visão que se tem é fragmentada, sem historicidade, homogênea

linear e de controle, portanto, negam-se as núancias sociais, as relações de poder

existentes no corpo social e o construto social e em que está inserida a juventude

como fase de vida, como afirma Pais (1990), ao dizer que quando vista como fase

de vida, deve ser entendida como uma construção social, bem como quando vista

numa perspectiva de risco ou problemática. A questão é que há uma dificuldade de

se analisarem os problemas, vistos como desse período, sob a ótica sociológica. As

representações ou percepções que se têm de juventude estão balizadas,

predominantemente, no senso comum, e não há problematização sociológica da

juventude.

Essa dificuldade de analisar os problemas ou diferentes realidades, que

envolvem a juventude, sob a ótica sociológica, é revelada a partir de alguns pontos

nos quais se identifica e destaca-se, o desconhecimento da condição juvenil, o

foco nos sistemas de socialização, ações de protagonismo preventivo, a

vontade de verdade sobre os jovens e descreve-se a seguir:

A fala da maioria dos atores traduz a condição juvenil, de forma negativa,

essa negação e não compreensão da condição juvenil se traduz em:

1. Invisibilidade enquanto segmento que não permite que sejam

percebidos como sujeitos específicos das políticas públicas;

2. Ênfase do aspecto da vulnerabilidade pessoal como característica

eminentemente juvenil que os coloca na condição de incapazes de fazer escolhas

positivas e interpreta a vulnerabilidade como causa dos problemas sociais;

3. Percepção da juventude homogeneizada, não reconhecendo que as

juventudes têm buscado a construção dos vínculos sociais de formas diferenciadas

como respostas às suas necessidades, através das mais variadas configurações de

agrupamentos juvenis que se diferenciam por meio da arte, da comunicação, do

esporte, da forma identitária, da solidariedade, bem como de outras formas de

participação social e política;

4. Visão dos processos de sociabilidades como anomia, portanto, risco

para a sociedade;

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Outro elemento é o foco nos sistemas de socialização. A família e a

educação são vistos como únicos mecanismos responsáveis pela socialização.

Esses dois dispositivos são suplementares e quando um ou outro ou os dois falham,

em sua missão, temos um descontrole social.

Minha interpretação após a escuta é que elas se constituem como

dispositivo de natureza essencialmente estratégica, que: “tem por alvo o sujeito, por

finalidade o controle e a vigilância e se relacionam a formação e estabilização da

sociedade capitalista” (FOUCAULT, 1999: p. 8).

As construções sobre a família são referenciadas pelo modelo familiar

prescrito socialmente, pelas suas experiências particulares e alimentam-se de

sentimentos nostálgicos. Não faz-se uma leitura do indivíduo como um ser social,

que se relaciona com diferentes grupos, sob diferentes perspectivas, podendo

ocorrer quebras nos laços familiares que podem se tornar difusos ao se depararem

com outras agências socializadoras. Agências, outras, como os grupos religiosos, os

amigos do futebol, o grupo de teatro de dança, de estudo e da escola.

E a escola, a educação, aqui vista do ponto institucional é a agência

socializadora substituta, natural do contexto familiar. E nesse aspecto constata-se,

que recai sobre ela o status de política redentora, aquela que é capaz de restituir

valores à sociedade, de conduzir a mobilidade social e o desenvolvimento. As falas

revelam-se acríticas, não alcançam a realidade de que o processo de socialização,

não se dá apenas sob o ângulo da escola, e muito pelo contrário a política de

educação formal não tem por si, conseguido atender as demandas e necessidades

dos jovens na contemporaneidade. Não percebe-se que, muitas vezes esse

caminho, produz relações tensas entre as aspirações juvenis e o modelo de

educação oferecido e, ainda, relações descontinuas ocasionadas pela pouca ou

ausência de efetiva ascensão social e melhoria na qualidade de vida para uma

grande parcela da população jovem.

Outro aspecto que entende-se ser importante é o da participação, onde o

protagonismo é preventivo se configura não como reconhecimento dos jovens

como sujeito de direito, e sim numa perspectiva de prevenção ao risco. Nesse

sentido é possível perceber nas falas que a figuração como sujeito, protagonista se

dá, não pelo viés do reconhecimento dos jovens como sujeito, mas, em resposta à

ameaça de descontrole social representada pela juventude pobre, excluída,

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vulnerável aos problemas do desemprego, adesão as drogas, violência, gravidez

indesejada, doenças sexualmente transmissíveis etc. como assevera, Sousa (2006).

Como último elemento adentra-se na percepção dos educadores no que

se refere às relações entre os sujeitos sociais, como vontade de verdade sobre a

juventude. E compreende-se que poucos se percebem, percebem o outro (jovem

com suas formas de sociabilidades diferentes), o Estado, a lei, a realidade

capitalista, os problemas sociais, seus referenciais e estratégias pedagógicas como

parte do corpo social constitutivos das práticas de relações de poder e resistência. A

ausência dessa leitura revela educação em saúde que, ainda, identifica-se com o

discurso da juventude a partir de uma natural vulnerabilidade e anomia, por isso,

incapaz de promover o auto cuidado. As falas ressaltam uma vontade de verdade

sobre a sexualidade e capacidade de reprodução dos jovens e esses, dentro de uma

prática social de controle, como sujeito normal ou anormal, dentro ou fora da regra.

Evidencia-se uma vontade de normatizar e de homogeneizar os comportamentos, o

que resulta em estigmatização, em classificação dos indivíduos, em julgamento, em

avaliação, em diferenciação e exclusão dos indivíduos ou dos segmentos.

Considerando-se a análise anterior, sobre a ausência de leitura da

realidade, embora, não tenha se configurado proposta desse trabalho analisar, a fala

dos profissionais a partir de suas formações, é impossível não perceber que esses

profissionais, têm como um dos pilares que balizam suas práticas e saberes, sua

própria formação acadêmica. Nesse sentido considera-se importante ressaltar que

os profissionais da área de ciências humanas e sociais, em específico, os

assistentes sociais, apresentaram maior clareza e capacidade de análise dos

problemas sobre a ótica sociológica, que os demais profissionais.

O último momento dessa pesquisa revela-se, instigantemente colaborador

com a proposição desse trabalho de correlacionar e analisar as percepções de

juventude, os saberes e práticas problematizados e as implicações nas políticas de

educação em saúde. Vez que as indagações possibilitam a visão dos elementos

teóricos e estratégicos que subsidiam a abordagem dos educadores. Como

resultado obteve-se o surpreendente resultado de falas pautadas numa educação

problematizadora, que considerem a realidade vivida pelos jovens, a condição

protagônica, bem como, os diversos saberes. Mas contraditórias, ao exporem suas

percepções sobre a juventude.

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Considera-se, portanto, foco de atenção dessa pesquisa a fragilidade,

senão dos referenciais teóricos dos sujeitos da pesquisa, mas da crença naquilo que

diziam crer, vez que se mostram colidentes no momento em que expressam através

de idéias normatizadas, preestabelecidas, homogêneas e negam à identidade

heterogênea dos sujeitos rumo à construção de conhecimento. Diria Freire (1987),

que essas, poderiam ser entendidas como palavreria, palavra oca. Embora as falas

se digam identificadas com a pedagogia freiriana, ou com teorias pedagógicas crítico

sociais, ou ainda, que defendem a construção sócio-interacionista, as percepções

sobre os jovens. Percebe-se uso a teoria como uma caixa de ferramentas. Não

tendo a ver com o significante... (FOUCAULT, 1979), sem serviço, sem

funcionalidade, só para si.

Assim, diante de toda essa cartografia, cenário e de todo o

engendramento dessas relações analisa-se que, existe uma estreita relação entre

as percepções de juventude e a implementação das políticas públicas de

educação em saúde. E como implicações diretas ou indiretas temos:

• tratamento da política pública de educação em saúde com foco na

juventude, ou dos problemas sociais na perspectiva da saúde do jovem, como

“estado de coisas”;

• construção de políticas universais que de acordo com a classificação de

Novaes (2009), se caracterizam por políticas setoriais dirigidas a toda a população,

inclusive aos jovens. São as políticas educacionais, de trabalho e emprego, de

saúde, de cultura, assistência social, de esporte e de combate à violência,

fragilizando a intersetorialidade;

• continuismo de uma política para juventude e não com/ de juventude,

políticas historicamente construídas pelos saberes e práticas cotidianas dos

seres humanos que têm na conformação societária, o Estado como

representante de seus interesses;

•••• ênfase a proposição de políticas setorializadas, em específico, nos

âmbitos da educação e qualificação profissional;

•••• ausência ou poucas iniciativas de políticas que fomentem a participação

da juventude;

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•••• políticas setoriais (esporte, cultura, assistência, saúde, segurança e

educação) e etc que se aplicam sob o viés da prevenção ao risco e não na

perspectiva do direito;

•••• ações de educação em saúde como estratégia de controle.

Considera-se diante, desse cenário que a política de educação em saúde,

em Maracanaú precisa ser rediscutida sob o aspecto de suas percepções sobre

aqueles que são os sujeitos de suas ações. Sob pena de se continuar com saberes

e práticas, fragilizadas, com viés de controle e reprodutoras das percepções dos

jovens como problema ou como fase de preparação para a vida adulta, somente.

Propõe-se, o fortalecimento e utilização dos espaços já existentes, como

o Comitê Intersetorial de Políticas Públicas de Juventude e Projeto Saúde e

Prevenção nas Escolas, e a construção de outros, como estratégias de discussão

aprofundada em temáticas, que acrescentem a discussão sobre a condição juvenil e

suas sociabilidades, as percepções de juventude e suas relações com educação em

saúde e educação numa perspectiva popular.

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