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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA CENTRO DE HUMANIDADES – CH MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE – MAPPS MARIA ENIANA ARAÚJO GOMES PACHECO POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS A USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: PRÁTICAS TERAPÊUTICAS NO PROJETO CONSULTÓRIO DE RUA EM FORTALEZA, CEARÁ FORTALEZA - CE 2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA

CENTRO DE HUMANIDADES – CH MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E

SOCIEDADE – MAPPS

MARIA ENIANA ARAÚJO GOMES PACHECO

POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS A USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: PRÁTICAS

TERAPÊUTICAS NO PROJETO CONSULTÓRIO DE RUA EM FORTALEZA, CEARÁ

FORTALEZA - CE 2013

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MARIA ENIANA ARAÚJO GOMES PACHECO

POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS A USUÁRIOS DE

SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: PRÁTICAS TERAPÊUTICAS NO

PROJETO CONSULTÓRIO DE RUA EM FORTALEZA, CEARÁ

Dissertação apresentada à Coordenação do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade – MAPPS da Universidade Estadual do Ceará – UECE, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. João Tadeu de Andrade.

FORTALEZA - CE 2013

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

Bibliotecário Responsável – Francisco Welton Silva Rios – CRB-3 / 919

P116p Pacheco, Maria Aniana Araújo Gomes

Política de redução de danos a usuários de substâncias psicoativas: práticas terapêuticas no Projeto Consultório de Rua em Fortaleza, CE / Maria Aniana Araújo Gomes Pacheco. — 2013.

CD-ROM. 143 f. ; il. (algumas color.) : 4 ¾ pol. “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho

acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Políticas Públicas e Sociedade. Orientação: Prof. Dr. João Tadeu de Andrade. 1. Redução de danos. 2. Cuidado em saúde. 3. Projeto Consultório

de Rua. Título. CDD: 362.1

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A minha mãe, Zélia (in memoriam), ao meu pai, Chico, às minhas irmãs, Elidiana e Ana Paula, e, em especial, ao meu filho, Ênio Henrique, e esposo, Mário Henrique, porque somos realmente uns com os outros na vivência humana de cada dia! Ao ser psicóloga, como um instrumento de respeito e cuidado ao outro.

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AGRADECIMENTOS

Ao concluir este trabalho tenho muitas pessoas a quem agradecer, algumas das

quais cuja nomeação é imprescindível. Por isso, com todo respeito e cuidado, destaco:

João Tadeu de Andrade, meu orientador, pela dedicação com que conduziu

nossos encontros e reencontros presenciais e virtuais.

Zulmira Áurea Cruz Bomfim, minha primeira orientadora na graduação, por me

ajudar a sentir o que é Ser Humana nas relações através das vivências em Biodança e

participação no grupo de pesquisa do Laboratório em Psicologia Ambiental (LOCUS).

Regianne Leila Rolim, minha primeira orientadora, que por motivos pessoais

precisou se ausentar.

João Bosco Feitosa dos Santos e Regina Heloísa Mattei de Oliveira Maciel,

membros da banca de qualificação, pelas recomendações e sugestões.

FUNCAP, pelo apoio financeiro.

Aos professores docentes do programa de pós-graduação do MAPPS aos quais

tive acesso.

Cristina Maria Pires de Medeiros, secretária do programa de pós-graduação do

MAPPS, por todos os encaminhamentos e esclarecimentos necessários à conclusão desta

dissertação.

Sâmea Moreira Mesquita Alves e Ana Marques, amigas queridas do MAPPS e,

acredito, de toda a vida, pelo acolhimento e companheirismo em momentos difíceis do meu

experienciar pessoal e profissional.

Raimunda Félix, coordenadora do Colegiado de Saúde Mental do município de

Fortaleza, durante o período desta pesquisa por todo o apoio.

Equipe de profissionais do Projeto Consultório de Rua.

A minha querida amiga Dirlândia Vieira da Silva, por ter me ajudado a acreditar

que no final tudo dá certo.

Mário Henrique, meu amado esposo, amigo e companheiro, por toda a

dedicação.

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RESUMO

Atualmente o cenário epidemiológico no Brasil e em outros países cresce quanto ao consumo de drogas lícitas e ilícitas, desencadeando problemas no que diz respeito ao uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas. Nesse contexto, o presente estudo objetiva analisar a Política de Redução de Danos na prática dos profissionais do Projeto Consultório de Rua, no município de Fortaleza, Ceará, Brasil. O Projeto Consultório de Rua é uma atividade aprovada pelo Ministério da Saúde desde 2009. No município de Fortaleza, local de recorte para este estudo, a Política de Redução de Danos teve início em 2005, no âmbito da Rede de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, sob a coordenação do colegiado que participou da seleção "Projetos de Consultório de Rua", promovida pelo Ministério da Saúde em 2009, obtendo êxito. O município de Fortaleza foi o único lugar de todo o estado do Ceará que atendeu às exigências para concorrer à seleção do Projeto de Consultório de Rua com vistas ao desenvolvimento de práticas de Redução de Danos destinadas à população de rua, por intermédio de abordagens nas ruas e ações nos Centros de Atenção Psicossocial, Álcool e outras Drogas (CAPS AD). A primeira equipe desse município foi constituída em junho de 2010, e a segunda, após um período experimental durante o mês de dezembro de 2011, estabeleceu suas atividades a partir de fevereiro de 2012. Os sujeitos convidados a participar deste estudo tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Optou-se por uma abordagem metodológica qualitativa para a obtenção dos dados necessários ao alcance dos objetivos propostos. O estudo foi desenvolvido nos locais de prática do Projeto Consultório de Rua. Foram considerados para a coleta de dados instrumentos metodológicos como a entrevista semiestruturada e a observação sistemática dos profissionais do Projeto Consultório de Rua no exercício de suas atividades. A entrevista semiestruturada áudiogravada teve fontes primárias como dados de identificação e contemplou questões abertas sobre o tema, sendo realizada em outubro de 2011; a observação sistemática da prática, buscando aprofundar o objeto em estudo, foi concretizada por diário de campo, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2012. Participaram do estudo 05 sujeitos: 01 Psicólogo, 01 Redutor de Danos, 01 Motorista, 01 Técnico de enfermagem, 01 Educador social. Os sujeitos convidados a participar deste estudo tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados obtidos foram processados por análise de conteúdo. Esta pesquisa, em respeito às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (CEP-UECE, processo nº 11224448-3), teve aprovação em 14 de setembro de 2011. Observou-se que as práticas em redução de danos apresentam uma dinâmica diferenciada a depender do processo de territorialidade dos sujeitos envolvidos. Obteve-se, ainda, que a troca de saberes, assim como a disponibilidade relacional entre usuários e profissionais corroboram para a prática do cuidado. É o cuidado em saúde pela prática da redução de danos que se desdobra na construção de diferentes saberes. Palavras-chave: Redução de Danos. Drogas. Projeto Consultório de Rua. Território. Cuidado em Saúde.

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ABSTRACT

Currently the epidemiological scenario in Brazil and other countries grow regarding the licit and illicit drug use, triggering problems with regard to the use, abuse and dependence of psychoactive substances. In this context, the present study aims to analyze the Harm-Reduction Policy in practice of professionals of the Street Office Project in the city of Fortaleza, Ceará, Brasil. The Street Office Project is an activity approved by the Ministry of Health since 2009. In the city of Fortaleza, clipping site for this study, the Harm-Reduction Policy began in 2005, within the Mental Health, Alcohol and Other Drugs Network, under the coordination of the group that participated in the "Street Office Projects", promoted by the Ministry of Health in 2009, succeeding. The city of Fortaleza was the only place in the whole state of Ceará that has met the requirements to run for Street Office Projects selection aiming the development of Harm-Reduction practices for the street population, through approaches on the streets and in the Centers of Psychosocial Care, Alcohol and Other Drugs (CAPS AD). The first team of this municipality was constituted in June 2010, and the second, after a trial period during the month of December 2011, lays down its activities from February 2012. The subjects invited to participate in this study had access to informed consent. Were considered to the data collection methodological instruments as the semi-structured interview and systematic observation of the Street Office Project professionals in the exercise of their activities. The semi-structured interview audio recording had primary sources such as data identification and contemplated open questions on the topic, being held in October 2011; systematic observation of practice was obtained by field journal, seeking to deepen the object under study, during the months of January and February of 2012. Five subjects participated in the study: 01 Psychologist, 01 Damage reduction, 01 Driver, 01 Nursing technical, 01 Social educator. This is a qualitative study being developed in the Street Office Project local of practice, with data collection among the professionals, to be processed by content analysis. This research, in respect to the requirements of the Research Ethics Committee of the Universidade Estadual do Ceará (UECE, CEP-process nº 11224448-3), had approval in September 14, 2011. It was observed that the harm-reduction practices are differentiated depending on the dynamic process of territoriality of the subjects involved. It was obtained, either, that the exchange of knowledge between professionals and users confirms a practice of care. Is the health care by harm-reduction practice that unfolds in the construction of different knowledge. Keywords: Harm-Reduction. Drugs. Street Office Project. Territory. Health Care.

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LISTA DE FIGURAS

1 Localização Geográfica da Secretaria Regional Centro, pelo Google Maps 42

2 Localização Geográfica do território da Investigação no âmbito da

Secretaria Regional II

43

3 Lateral da Kombi 44

4 Destaque da identificação institucional na lateral do veículo 45

5 Equipe I de profissionais do Projeto Consultório de Rua, no município de

Fortaleza

48

6 Cartografia da rota dos profissionais do Consultório de Rua 82

7 Cartografia da rota dos profissionais do Consultório de Rua 83

8 Praça da Estação observada por trás da Kombi 85

9

10

Praça da Estação observada pela frente da Kombi

Moradores de rua esperam por ações caridosas e é oportunizada a

abordagem de rua pelos profissionais do Consultório de Rua

86

87

11 Estabelecimento Casa da Sopa 88

12 Campanha de vacinação da Hepatite na Casa da Sopa 89

13 Viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno 91

14 Acesso à Rua Gérson Gradvol 93

15 Rua José Avelino 95

16 Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura 96

17 Igreja Santa Luzia, popularmente conhecido por Ferro de Engomar pelos

profissionais do PCR

97

18 Lateral da Pizza Hut, na Avenida Beira Mar 98

19 Travessa Jacinto 99

20 Atuação da equipe do Consultório de Rua no Vicente Pinzón 100

21 Prática preventiva da equipe do Consultório de Rua no Vicente Pinzón

100

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABAREDA Associação Baiana de Redução de Danos

ABORDA Associação Brasileira de Redutores de Danos

ACRD Associação Carioca de Redução de Danos

AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

CAPS AD Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas CEBRID Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas

CETAD Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas

CONAD Conselho Nacional Antidrogas

CONASS Conselho Nacional de Secretários de Saúde

CONFEN Conselho Federal de Entorpecentes

CSF Centros de Saúde da Família

CUCA Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte de Fortaleza

DST Doença Sexualmente Transmissível

ECR Equipes do Consultório de Rua

ESF Equipes de Saúde da Família

HGF Hospital Geral de Fortaleza

HIV Human immunodeficiency vírus (Vírus da Imunodeficiência Adquirida) IDGS Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Apoio a Gestão em Saúde

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

NEPAD Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas

OEA

OMS

Organização dos Estados Americanos

Organização Mundial de Saúde

PCR Projeto de Consultório de Rua

PEAD Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em

Álcool e outras Drogas

PIEC Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas

PNAD Política Nacional Antidrogas

PNAD

PRD

Política Nacional sobre Drogas

Política de Redução de Danos

PROJOVEM Programa Nacional de Inclusão de Jovens

RD Redução de Danos

REDUC Rede de Redução de Danos e Direitos Humanos

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RELARD Rede Latino-Americana de Redução de Danos

SEAR Serviço Especializado de Abordagem de Rua

SEMAS Secretaria Municipal de Assistência Social

SENAD Secretaria Nacional Sobre Drogas

SER Secretaria Executiva Regional

SISNAD Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas

SMS Secretaria Municipal de Saúde

SUAS Sistema Único de Assistência Social

SUS

SPA

Sistema Único de Saúde

Substâncias Psicoativas

UBS Unidades Básicas de Saúde

UFBA Universidade Federal da Bahia

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1 INTRODUÇÃO

09

10

13

2 REDUÇÃO DE DANOS E CONSULTÓRIO DE RUA: CONQUISTAS, LIMITES E

DESAFIOS

21

2.1 O percurso das políticas públicas em saúde no Brasil destinadas a usuários de

substâncias psicoativas

21

2.2 Os movimentos da Redução de Danos e seus desdobramentos nas práticas em

saúde

28

2.3 Especificidades do Projeto Consultório de Rua no município de Fortaleza, Ceará

2.4 O Consultório de Rua em interface com a redução de danos

37

48

3 PRÁTICAS TERAPÊUTICAS EM REDUÇÃO DE DANOS: O PROJETO

CONSULTÓRIO DE RUA EM FORTALEZA-CE

52

3.1 Redução de danos e subjetividade em espaço urbano: os saberes na prática de

território

52

3.1.1 Configuração dos saberes na Redução de Danos 57

3.1.2 Produção terapêutica nas práticas de território 67

4 O CUIDADO EM SAÚDE: UM CAMINHO PARA A PRODUÇÃO DE PRÁTICAS

TERAPÊUTICAS NO CONTEXTO DA REDUÇÃO DE DANOS

97

4.1 A Redução de Danos na transversalidade da produção de práticas do cuidar 97

4.1.1 Saúde e drogas 97

4.1.2 Práticas do cuidar 105

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

109

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

111

APÊNDICES

120

ANEXOS 125

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1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos observa-se que o cenário epidemiológico no Brasil e

em vários outros países cresce quanto ao consumo de drogas lícitas e ilícitas,

desencadeando problemas no que diz respeito ao uso, abuso e dependência de substâncias

psicoativas. Além do crescimento observa-se que o fenômeno aumenta cada vez mais

precocemente nas populações, incluindo grupos sociais menos favorecidos

(OLIEVENSTEIN, 1980; MELMAN, 1992; LE BRETON, 2003).

Frente a esse caráter de uso, abuso e dependência das drogas psicotrópicas

adquiridas na pós-modernidade, a toxicomania e a farmacodependência se tornaram um

problema de saúde pública. Nesse contexto, o presente estudo objetiva analisar a Política

de Redução de Danos (PRD) aos usuários de substâncias psicoativas por intermédio das

práticas terapêuticas realizadas pelos profissionais do Projeto Consultório de Rua, no

município de Fortaleza, Ceará.

Visando alcançar a proposta de análise deste estudo, elegeram-se como

objetivos específicos:

1. Analisar a concepção dos profissionais atuantes no Projeto Consultório de

Rua sobre Redução de Danos, no município de Fortaleza;

2. Identificar e descrever áreas de Fortaleza onde ocorre a prática dos

profissionais atuantes no Projeto Consultório de Rua;

3. Conhecer as estratégias em Redução de Danos utilizadas na prática dos

profissionais atuantes no Projeto Consultório de Rua do município de

Fortaleza.

O interesse por este estudo surgiu durante as vivências, no curso de Psicologia

da Universidade Federal do Ceará, em atividades de extensão e pesquisa pelo Laboratório

de Psicologia Ambiental – LOCUS; e desenvolvimento de atividades profissionais no âmbito

da Psicologia, em abril de 2008, no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas

(CAPS AD), situado na Barra do Ceará, no município de Fortaleza. No LOCUS estuda-se a

relação do indivíduo com seu entorno. O CAPS AD constitui-se enquanto um serviço extra-

hospitalar de assistência pública, estatal ou contratado, destinado a cuidar dos problemas

de saúde mental, individual e coletivo, dos usuários de substâncias psicoativas, no nível da

atenção secundária.

A indagação inicial que gerou a construção do objeto dessa pesquisa foi:

Existem práticas terapêuticas na abordagem de rua embasadas pelos ideais da Redução de

Danos?

A prática terapêutica na saúde pública brasileira é orientada e ofertada à

população pelo Sistema Único de Saúde (SUS), considerado a maior política de inclusão

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social do País, que possui como diretrizes os princípios doutrinários da universalidade1,

integralidade2 e o princípio ético da equidade3, cuja forma de organização e

operacionalização apoiam-se na participação popular, na regionalização e hierarquização,

na descentralização4 e no comando único5 (BRASIL, 1990a).

O SUS agrega à prática em saúde conhecimentos sobre: meio físico, por

intermédio das condições geográficas, água, alimentação, habitação; meios socioeconômico

e cultural, incorporando o emprego, renda, educação, hábitos; e a promoção, proteção e

recuperação da saúde (BRASIL, 2004a).

Dentre as políticas públicas nacionais destinadas ao combate do uso e abuso de

substâncias psicotrópicas, iniciativas estatais e projetos voltados à prevenção e promoção

da saúde e ao tratamento das enfermidades são orientados pelos princípios do SUS, que

preconizam a humanização dos serviços e a articulação entre os diferentes equipamentos

sociais (BRASIL, 2004b).

Assim, em 1994, o SUS inseriu oficialmente no Brasil a Redução de Danos (RD)

enquanto política estratégica no âmbito da saúde pública, tendo como eixo inicial um

conjunto de práticas voltadas para a prevenção da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

(AIDS) e hepatites virais em grupos estigmatizados vulneráveis à transmissão dos vírus pelo

compartilhamento das agulhas e seringas contaminadas durante a prática do uso injetável

de drogas, na maioria dos casos. Essa política, posteriormente, passou a ser utilizada com

maior intensidade no desenvolvimento de ações preventivas e na promoção de saúde junto

aos usuários de drogas, em espaços institucionalizados e abordagens de rua (NIEL,

SILVEIRA, 2008).

A RD é uma política que surge, enquanto estratégia de saúde pública, visando

controlar possíveis consequências negativas associadas ao consumo de substâncias

psicoativas6 (lícitas e ilícitas) sem, necessariamente, interferir na oferta ou consumo,

respeitando a liberdade de escolha, buscando inclusão social e cidadania para os usuários,

em seus contextos de vida marginais, com um modo de atuar clínico e efeitos terapêuticos

eficazes (BRASIL, 2004c).

Essa política oportunizou a criação da categoria profissional “Redutor de Danos”,

cujos integrantes, na sua maioria, são do nível médio de escolaridade e atuam em locais

onde usuários de drogas vivem e convivem, assistindo-os pela promoção da saúde com

acolhimento, construção de vínculos e norteamentos terapêuticos focados no sujeito. 1Saúde como direito de todos os indivíduos. 2Acesso a todos os serviços médicos como direito de todos. Fomento a ações e serviços preventivos, curativos e coletivos, articulados e contínuos, exigidos em todos os níveis de complexidade de assistência. 3Reconhecimento das diferentes necessidades da população por meio de ações governamentais diferenciadas. 4 Transferência de ações do governo federal para o estadual ou municipal. 5 Um único gestor comanda as políticas de saúde na rede assistencial de abrangência. 6 Termo farmacológico utilizado atualmente para se referir às substâncias que modificam o funcionamento do Sistema Nervosos Central.

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Por meio da Lei nº 11.343/2006, a Redução de Danos foi regulamentada como

uma estratégia que se insere nos espaços institucionais por meio das políticas centrais de

saúde do SUS, a exemplo da Política Nacional da Atenção Básica, da Política Nacional de

Saúde Mental, da Política do Ministério da Saúde de Atenção Integral de Usuários de Álcool

e outras Drogas e da Política Nacional sobre Drogas, realinhada em 2004 (BRASIL, 2006).

Em 2009, o Ministério da Saúde selecionou Projetos de Consultório de Rua que

fossem vinculados às secretarias municipais dos diferentes estados brasileiros com o fim de

desenvolver ações destinadas a usuários de drogas em situação de rua. Foram

selecionados 14 municípios7 para executarem abordagem de rua com usuários de

substâncias psicoativas por meio das intervenções clínicas, psicossociais e educativas

(BRASIL, 2010b).

Sob a Portaria nº 122, em 25 de janeiro de 2012, foram definidas as diretrizes de

organização e funcionamento dos Projetos de Consultório de Rua (PCR), considerando

como composição mínima da equipe dois profissionais de nível superior e dois de nível

médio. As ações devem ser conjuntas e integradas às Unidades Básicas de Saúde (UBS) e,

quando necessário, às equipes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), serviços de

Urgência e Emergência e outros equipamentos sociais (BRASIL, 2012).

Os programas de redução de danos visam acessar e vincular usuários de drogas

a serviços de saúde que promovam a diminuição da vulnerabilidade pela reinserção social

(QUEIROZ, 2001), pelos princípios da busca ativa em locais onde o usuário vive e faz uso

de drogas; o vínculo ético e afetivo na relação entre usuário e agente redutor de danos,

adquirido pela confiança; a abordagem sigilosa, não estigmatizante ou excludente; a

intervenção que instigue o desenvolvimento da autonomia do sujeito; e ações de educação

em saúde que oportunizem novos modos possíveis de relação com as drogas (ROMERO,

2001).

No município de Fortaleza, local de recorte deste estudo, o Programa de

Redução de Danos teve início no âmbito da Rede de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas,

sob a coordenação de colegiado8 desde 2005, que, ao participar da seleção dos Projetos de

Consultório de Rua, promovida pelo Ministério da Saúde, em 2009, obtive êxito.

Em todo o estado do Ceará, Fortaleza foi o único município que atendeu às

exigências para concorrer à seleção do Projeto Consultório de Rua. Por isso o recorte

espacial para esta pesquisa ocorreu somente nesse município. Este PCR teve seu início em

junho de 2010. 7 Dentre as cidades destacam-se: Maceió/AL, Manaus/AM, Salvador/BA, Fortaleza/CE, Brasília/DF, Uberlândia/MG, Belém/PA, João Pessoa/PB, Curitiba/PR, Recife/PE, Niterói/RJ, Rio de Janeiro/RJ, São Bernardo do Campo/SP, Guarulhos/SP. (BRASIL, 2010c). 8 O Colegiado de Gestão em Saúde constitui-se por ser um espaço de negociação, pactuação e co-gestão solidária. Em Fortaleza, o Colegiado de Saúde Mental, no período da pesquisa, constituía-se por um Psiquiatra e duas Psicólogas que buscavam garantir e aprimorar a aplicação dos princípios do SUS.

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Esta pesquisa foi submetida à análise do Comitê de Ética e Pesquisa da

Universidade Estadual do Ceará (Anexo A). Devido à obrigatoriedade do cumprimento das

exigências normativas aos princípios éticos da pesquisa envolvendo seres humanos

estabelecidos pela Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de

Saúde (BRASIL, 1998), a pesquisa de campo só iniciou após a devida aprovação. Os

sujeitos convidados a participar do estudo tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido (Apêndice A), o qual foi assinado após manifestarem o desejo de participarem

da pesquisa.

Foram considerados para a coleta de dados instrumentos metodológicos como a

entrevista semiestruturada (Apêndice C) e a observação sistemática (Apêndice D) dos

profissionais do Projeto Consultório de Rua (PCR) no exercício de suas atividades. A

entrevista semiestruturada audiogravada teve fontes primárias como dados de identificação

e contemplou questões abertas sobre o tema, sendo realizada em outubro de 2011; a

observação sistemática da prática foi registrada por diário de campo que seguiu alguns

elementos de referência (Apêndice D), durante os meses de janeiro, fevereiro e março de

2012. Na entrevista, se buscou examinar os conteúdos dos discursos e as observações de

campo, que aconteceram de forma sistemática.

Vale ressaltar que a observação sistemática apresenta-se como adequada ao

estudo por viabilizar a descrição precisa do confronto entre as informações apreendidas a

partir das representações dos sujeitos por meio da fala/depoimento e a práxis concreta do

serviço, no momento da ação (LEOPARDI, 2002).

Participaram do estudo cinco sujeitos da equipe do PCR, e os critérios para a

sua inclusão foram: 1 estar no serviço há pelo menos seis meses; 2 disponibilidade de

tempo para a entrevista; e, por fim, 3 aceitar participar da pesquisa.

Esse grupo de sujeitos da pesquisa foi constituído por um Psicólogo, um Redutor

de Danos, um Motorista, um Técnico de enfermagem e um Educador social. Como

característica desse grupo tem-se que todos os sujeitos têm idade variando entre 27 e 53

anos e, dos cinco sujeitos, um tem formação de nível superior, dois, em redução de danos,

um concluiu o curso técnico e dois não têm experiência anterior com saúde mental.

No município de Fortaleza, esses sujeitos da amostra possuem vínculo

empregatício de terceirização com o Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Apoio a

Gestão em Saúde (IDGS).

Objetivando detalhar mais a caracterização dos sujeitos da amostra identificou-

se os profissionais do Consultório de Rua por colaboradores e a sequência na descrição

destes seguiu a ordem das entrevistas realizadas.

Assim, o Colaborador 1 (C-1) tem 53 anos, é do sexo feminino, ocupa o cargo de

redutora de danos, já trabalhou por dois anos em um Centro de atenção Psicossocial Álcool

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e outras Drogas, concluiu o nível médio de escolarização, tem cursos em redução de danos

pela Associação Brasileira de Redução de Danos do Brasil e Associação Cearense de

Redução de Danos e está como membro da equipe do Consultório de Rua há um ano e

quatro meses.

O Colaborador 2 (C-2) tem 48 anos, é do sexo masculino, ocupa o cargo de

motorista, não havia trabalhado anteriormente em saúde mental, concluiu o nível médio de

escolarização, tem curso de condutor de veículos - categoria B, e está como membro da

equipe do Consultório de Rua há seis meses.

O Colaborador 3 (C-3) tem 37 anos, é do sexo masculino, ocupa o cargo de

Técnico de Enfermagem, já trabalhou por três anos em um Centro de atenção Psicossocial

e três meses em Hospital Psiquiátrico, concluiu o nível médio de escolarização, tem Curso

Técnico em Enfermagem.

O Colaborador 4 (C-4) tem 27 anos, é do sexo masculino, ocupa o cargo de

Educador Social, não havia trabalhado anteriormente em saúde mental, más no Programa

DST/AIDS, no município de Fortaleza, por um ano, concluiu o nível médio de escolarização,

tem curso em redução de danos pela Associação Cearense de Redução de Danos e está

como membro da equipe do Consultório de Rua há um ano e quatro meses.

O Colaborador 5 (C-5) tem 28 anos, é do sexo masculino, ocupa o cargo de

Psicólogo, já trabalhou por quatro anos em Centro de atenção Psicossocial com prática na

especificidade Geral e Álcool e Outras Drogas, concluiu bacharelado em curso superior,

tem especialização em Saúde Pública e está como membro da equipe do Consultório de

Rua há um ano e quatro meses.

Acrescenta-se que a observação sistemática de campo iniciou em 19/01/2012,

persistindo até 09/03/2012, totalizando 75h. Foram oito semanas, no período de segunda a

sexta de 17h até às 21h, em que foram observadas as práticas terapêuticas dos

profissionais do PCR. Durante a realização da observação sistemática de campo algumas

falas do supervisor da equipe do PCR se fizeram importantes para esse estudo.

Optou-se pela realização de um estudo qualitativo tendo em vista a subjetividade

que circunda os trabalhos com grupos sociais e o sujeito biopsicossocial (MARTINELLI,

1999). Esta escolha embasada na perspectiva crítico-analítica pretende analisar um

fenômeno social e suas relações com o campo da saúde mental pela práxis social

(MINAYO, 2006).

Segundo Minayo (1999), a pesquisa qualitativa:

[...] se preocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que

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não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 1999, p. 21).

Conforme Minayo (2006) a pesquisa qualitativa se distingue da quantitativa “pela

empiria e sistematização progressiva de conhecimento até a compreensão da lógica interna

do grupo ou do processo em estudo” (p. 57).

Essa sistematização do conhecimento, seguida pela análise dos dados, teve

como passos operacionais:

I - Ordenação dos dados – transcrição e leitura geral do conteúdo das

entrevistas gravadas durante a coleta empírica de material. Posteriormente foram

organizados os dados observados nas entrevistas, objetivando um mapeamento horizontal

do material empírico coletado no campo de estudo, organizando-o em diferentes conjuntos.

II - Classificação dos dados – versa sobre a organização das informações em

que ocorre a relação entre os dados empíricos, objetivos e pressupostos teóricos da

pesquisa. Há uma primeira aproximação com os significados das falas dos sujeitos

possibilitando o surgimento dos núcleos de sentido. Os núcleos de sentido se constituem

por três etapas, referenciadas por Assis et al. (1998).

A primeira etapa constitui-se da leitura do material coletado nas entrevistas e

observações, procurando relações entre as informações obtidas a fim de organizar as

categorias sobre o tema em questão. As ideias centrais foram: saúde; drogas; configurações

dos saberes; práticas do cuidar; produção de saberes nas práticas de território. Essas

categorias centrais contribuíram para a organização das categorias empíricas que

emergiram do trabalho de campo.

As referidas categorias foram selecionadas por meio das falas dos entrevistados

e da observação em diário de campo. Por conseguinte, foi feita a síntese de todos os

trechos selecionados para cada unidade categorial em dois quadros de análise, um para os

profissionais entrevistados e outro para o campo observado. Assim, iniciou-se a leitura

transversal das unidades temáticas empíricas por intermédio do cruzamento das ideias

contidas nesses dois quadros de análise.

Após a leitura transversal, foram selecionados os temas mais relevantes ao

objeto do estudo, assim como as questões orientadoras e os pressupostos teóricos da

pesquisa de que as práticas terapêuticas na abordagem de rua contribuem para a Redução

de Danos, sem serem desconsideradas as representações singulares e específicas dos

sentidos.

A segunda etapa elegeu como subtema da análise empírica a Redução de

Danos e subjetividade em espaço urbano: os saberes na prática de território do Consultório

de Rua; e A Redução de Danos na transversalidade da produção de práticas do cuidar no

Consultório de Rua.

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Nessas categorias empíricas confrontaram-se os sujeitos do estudo, analisando-

se a dialética das ideias e suas posições no campo das práticas do Projeto Consultório de

Rua, no contexto da Redução de Danos, em Fortaleza. Esse confronto deu-se por meio das

convergências, divergências, diferenças e complementaridades no processo dinâmico de

(re)construção das práticas dos profissionais do Consultório de Rua, no município de

Fortaleza.

No tocante ao registro das observações, ressalta-se que os dados coletados por

meio desse instrumento foram utilizados durante a análise, na medida em que foi procedida

a sua triangulação (TRIVIÑOS, 1992) pelas categorias empíricas em interface com o

processo metodológico e o referencial teórico.

Na última etapa faz-se a releitura dos textos, objetivando-se identificar os

conteúdos evidentes e ocultos, relacionando-os com as categorias empíricas deflagradas.

Assim, se evidenciam os dados analisados mais relevantes a fim de melhor compreendê-los

e interpretá-los.

Segundo Assis et al. (1998), nessa etapa a análise ocorre pelo encontro da

singularidade do objeto, a partir do que foi vivido, com as relações entre o real

particularizado e social.

Para Minayo (2006), é a etapa em que há a possibilidade de realização de uma

síntese entre o real vivenciado pelos sujeitos sociais da pesquisa, em seu cotidiano, e os

contextos práticos, teóricos e também subjetivo do pesquisador, ambos inseridos em

condições sócio-históricas singulares.

Dessa maneira, os resultados se conformaram, pela configuração analítica do

objeto de estudo, em “Compreensão das práticas de redução de danos: o caso do Projeto

Consultório de Rua em Fortaleza-CE”, sob as seguintes categorias empíricas: Redução de

Danos e subjetividade em espaço urbano: os saberes na prática de território do Consultório

de Rua e A Redução de Danos na transversalidade da produção de práticas do cuidar no

Consultório de Rua, ambas discutidas, respectivamente, nos capítulos 2 e 3.

No primeiro capítulo, que sucede esta introdução, destaca-se o percurso

histórico dos movimentos e ações em Redução de Danos, originários de países da Europa.

Esses movimentos e ações manifestaram seus resultados entre as políticas públicas sobre

drogas, no Brasil, na esfera da saúde. Dessa forma o Ministério da Saúde incluiu a Redução

de Danos como norteador das práticas no Projeto Consultório de Rua (PCR). O PCR existe

enquanto um Projeto Nacional do Ministério da Saúde para atender usuários de substâncias

psicoativas em situação de rua, orientado pela lógica da Redução de Danos.

No capítulo segundo discutem-se as práticas de território do Projeto Consultório

de Rua, no município de Fortaleza, que se especificam a depender dos processos de

territorialização implicados durante as abordagens de rua.

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No capítulo terceiro reflete-se sobre o cuidado em saúde na perspectiva da

redução de danos.

Nas Considerações Finais apresentam-se algumas conclusões extraídas das

etapas bibliográfica, documental e de campo da pesquisa, ao mesmo tempo em que se

verificam se os objetivos geral e específicos foram parcial ou plenamente atendidos e se faz

algumas recomendações e sugestões, inclusive para o aprofundamento de estudos futuros

sobre a temática.

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2. REDUÇÃO DE DANOS E CONSULTÓRIO DE RUA: CONQUISTAS, LIMITES E DESAFIOS

Neste capítulo discorre-se sobre as políticas públicas de saúde que incluíram as

práticas em redução de danos nas novas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS),

voltadas às drogas, no Brasil, a partir dos diferentes dispositivos de atenção e gestão que

foram se articulando às ações de troca de seringas.

Aborda-se o trajeto da redução de danos desde os seus primeiros movimentos e

ações, originários de países da Europa, que visavam minimizar a contaminação de doenças

infectocontagiosas, até tornar-se um modelo de práticas em saúde, conceituada atualmente

como:

[...] uma política de saúde que se propõe a reduzir os prejuízos de natureza biológica, social e econômica do uso de drogas, pautada no respeito ao indivíduo e no seu direito de consumir drogas. (ANDRADE et al., 2001, p. 53).

Descreve-se, também, o dispositivo em saúde denominado Consultório de Rua

que se constitui em um Projeto Nacional desenvolvido pelo Ministério da Saúde voltado para

o atendimento a usuários de substâncias psicoativas em situação de rua, tendo como base

para o desenvolvimento de suas práticas a abordagem da Redução de Danos.

2.1 O percurso das políticas públicas em saúde no Brasil destinadas a usuários de substâncias psicoativas

O processo de consolidação da Saúde Pública, do século XIX ao XX, no Brasil,

esteve marcado pelo positivismo científico, pelos ideais da democracia liberal, moralidade

burguesa e cristã, assim como pelo construir de uma Nação que deveria se constituir por

populações numerosas e sadias, assim mantidas por intermédio das campanhas de

saneamento que enalteciam o Estado, garantido pela soberania nacional consolidada por

meio do poder militar, das atividades industriais e do mercado em larga escala (MACHADO,

2006).

Acrescenta-se ao século XX a valorização do saber médico que produzia um

discurso sobre a realidade social dos processos de saúde/doença, validada pela habilitação

pericial e intervenções em parceria com as esferas jurídica, educacional (intelectual, física e

sexual), política e moral com vistas ao controle de doenças infectocontagiosas e tropicais.

De tal modo, o enquadre das ações em saúde voltadas ao público usuário de drogas

também ficou centralizado à prática médica, que se legitimava junto ao Estado, ampliando

seu mercado de trabalho (MACHADO, 2006; COELHO, ALMEIDA FILHO, 1999).

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Na década de 1920, as primeiras medidas legislativas coercitivas ao uso e

comércio de certas substâncias psicoativas aconteciam por intermédio do mecanismo da

justiça criminal, que tinha como parceiro o movimento da medicina detentor de aparato

técnico para legitimar as provas sobre os fatos criminais (MACHADO, 2006; COELHO,

ALMEIDA FILHO, 1999).

Surgem os movimentos contrários às práticas monopolizadoras da medicina

tradicional visando democratizar a saúde frente ao regime de higienização, oriundo dos

dispositivos disciplinares da época. Esses movimentos, desenvolvidos inicialmente no

século XIX, firmam-se, no século XX, principalmente pelas campanhas de saneamento e

reforma psiquiátrica. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, institui o Sistema

Único de Saúde (SUS) e assegura a saúde como um direito de todos e dever do Estado

(BRASIL, 1988).

Tanto a Reforma Sanitária quanto a Reforma Psiquiátrica reivindicavam o

acesso universal igualitário à saúde a todos os cidadãos brasileiros. Contudo, foi a Reforma

Sanitária que serviu como alicerce para a concretização das diretrizes da Reforma

Psiquiátrica, no âmbito da saúde mental (ONOCKO-CAMPOS, FURTADO, 2006).

Da parceria entre as políticas em saúde e judiciária, consolidada ao longo da

trajetória das temáticas voltadas às questões do uso e abuso de substâncias psicoativas,

estabeleceram-se, durante a XX Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1998, os

princípios diretivos para a redução da demanda9 de drogas. Nesse evento, após discutir-se

também a redução da oferta10, o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) passa a se

configurar Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) (DUARTE, 2011).

O CONAD promoveu a criação da Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD)11,

vinculada a Casa Militar da Presidência da República. A SENAD, instituída na gestão

presidencial do governo de Fernando Henrique Cardoso, foi orientada pela Organização dos

Estados Americanos (OEA) (DUARTE, 2011).

Essa secretaria, coordenada inicialmente por um civil, juiz Walter Maierovitche, e

posteriormente pelo general Paulo Roberto Ulchôa, estruturou-se nos moldes do programa

americano antidrogas cuja diretriz política e ideológica era o combate às drogas,

principalmente, aos que faziam uso dela (DUARTE, 2011).

Em meio às práticas punitivas aplicadas aos usuários de drogas surge, no Rio

Grande do Sul, em 1999, a Política Estadual de Educação Preventiva e Atenção ao Usuário

de Drogas, que reconheceu a complexidade do fenômeno das drogas propondo, como

alternativa, a integração das diferentes secretarias sob a coordenação da secretaria geral de

9 Ações voltadas à prevenção, tratamento, recuperação, redução de danos e reinserção social do usuário de

drogas lícitas e ilícitas. (DUARTE, 2011). 10 Atos referentes à repressão da produção ilegal e do tráfico ilícito de drogas. (DUARTE, 2011). 11 Medida Provisória nº 1.669 e Decreto n° 2.632, de 19 de junho de 1998. (DUARTE, 2011).

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governo. No mesmo ano é criada a Associação Carioca de Redução de Danos (ACRD), com

a participação de técnicos do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de

Drogas (NEPAD) (DUARTE, 2011).

A saúde pública, até o início do século XXI, não realizava ações sistemáticas

para tratamento e prevenção do uso e abuso de substâncias psicoativas. Contudo, a partir

da Lei nº 10.216, do dia 6 de abril de 2001, originária do movimento da Reforma Psiquiátrica

brasileira, se reafirmaram os princípios e diretrizes do SUS garantindo-se serviços de saúde

mental às pessoas com transtornos decorrentes do consumo de álcool e outras substâncias

psicoativas (DELGADO, CORDEIRO, 2011).

Acrescenta-se à consolidação das práticas em saúde ao usuário de drogas o

Decreto Presidencial n° 4.345, de 26 de agosto de 2002, que estabeleceu a Política

Nacional Antidrogas (PNAD). (DUARTE, 2011).

Ainda em 2002, sob a Portaria nº 816/2002, é implementado, no SUS, o

Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada a Usuários de Álcool e outras Drogas.

Esse programa enfatizava a prestação de serviços não hospitalares, articulados em rede,

sob abordagem multidisciplinar, direcionados ao apoio das estratégias em redução de danos

e acessíveis à comunidade, que deveria se apoderar do controle social. Inicia-se o processo

de territorialização na saúde a fim de articular tratamento, prevenção, educação, inclusão

social e intersetorialidade entre os serviços e a comunidade (CRUZ, FERREIRA, 2011).

Ancorado pelo PNAD, em 2003, o Presidente da República, em Mensagem ao

Congresso Nacional, apresentou a urgência por uma nova Agenda Nacional que reduzisse a

demanda de drogas, a partir de três pontos:

“Integração das políticas públicas setoriais com a Política Nacional Antidrogas, visando ampliar o alcance das ações; descentralização das ações em nível municipal, permitindo a condução local das atividades da redução da demanda, devidamente adaptada à realidade de cada município; estreitamento das relações com a sociedade e com a comunidade científica” (DUARTE, 2011, p. 34).

Dentre as políticas públicas setoriais no âmbito da saúde, em 2003 é publicado o

documento intitulado “A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários

de Álcool e outras Drogas”, acordando oferta de serviços voltados à prevenção, tratamento

e reabilitação dos usuários de álcool e outras substâncias psicoativas (BRASIL, 2004b).

Ao ser revisado e republicado em 2004, indicou a criação da rede de atenção

integral a partir da intersetorialidade, contemplando ações de prevenção, promoção e

proteção à saúde. Assim, são implantados os Centros de Atenção Psicossocial, Álcool e

outras Drogas (CAPS AD) (BRASIL, 2004b).

Acerca desse documento destinado às questões do uso e abuso de substâncias

psicoativas, Flach (2010) apresenta a seguinte reflexão:

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Este documento pode ser considerado um marco político que rompe com as propostas reducionistas e focadas na abstinência ao conceber o consumo de drogas na sociedade como um fenômeno complexo que não pode ser objeto apenas das intervenções psiquiátricas e jurídicas, e exige a construção de respostas intersetoriais e a participação da sociedade. (FLACH, 2010, p. 17).

Machado (2006) afirma sobre essa política que suas diretrizes foram construídas

“em consonância com os princípios e diretrizes do SUS e da reforma psiquiátrica brasileira e

dentro de uma lógica ampliada de redução de danos”. (p. 95).

Após essa política, incluem-se na agenda da saúde pública as ações voltadas ao

consumo de substâncias psicoativas recomendadas pela III Conferência Nacional de Saúde

Mental (DELGADO, CORDEIRO, 2011). De acordo com Cruz e Ferreira (2011), a

constituição das ações de saúde em rede torna-se efetiva a partir da incorporação dos:

[...] recursos afetivos (relações pessoais, familiares, amigos etc), sanitários (rede de saúde), sociais (moradia, trabalho, esporte, escola, esportes etc.), econômicos (dinheiro, previdência etc.), culturais, religiosos e de saúde nos esforços de cuidado e reabilitação psicossocial (CRUZ, FERREIRA, 2011, p. 36).

Conforme Duarte (2011), “o Ministério da Saúde considera que o consumo de

álcool e outras drogas é uma questão de saúde pública e não de segurança pública ou de

polícia” (apud DELGADO, CORDEIRO, 2011, p. 46).

Visando reavaliar os fundamentos da PNAD, em 2004, frente às mudanças

sociais, políticas e econômicas em andamento no País, essa política é atualizada, em

articulação e sob a coordenação da SENAD, por intermédio do Seminário Internacional de

Políticas Públicas sobre Drogas, seis fóruns regionais e um Forúm Nacional sobre Drogas.

(BRASIL, 2004a, DUARTE, 2011).

Após esses movimentos, a política pública, voltada para a temática das drogas,

em 23 de maio de 2005, passa a chamar-se Política Nacional sobre Drogas (PNAD) que

prioriza em suas ações o planejamento e a articulação entre os diferentes equipamentos

sociais e instituições de saúde. (DUARTE, 2011).

Essa política apresenta direções e diretrizes sobre prevenção, tratamento,

recuperação e reinserção social; redução dos danos sociais e à saúde; redução da oferta; e

estudos, pesquisas e avaliações. Orienta-se pelo princípio da responsabilidade

compartilhada, segundo o qual governo, iniciativa privada, terceiro setor e cidadãos devem

atuar de forma cooperada e articulada entre si. Esse indicativo descentraliza as ações sobre

substâncias psicoativas no Brasil. (BRASIL, 2008).

Por sua vez, Flach (2010) avalia essa política, observando que, apesar das

ações voltadas para a redução da oferta e da demanda de substâncias psicoativas, há o

investimento na redução de danos, representando “uma importante mudança no discurso

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quanto ao ideal de uma sociedade abstinente das drogas para uma sociedade protegida do

uso de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas” (p. 15).

Assim, em 23 de agosto de 2006, sob a Lei nº 11.343, cria-se o Sistema

Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), que coloca o Brasil em destaque

entre as discussões mundiais sobre esse tema ao indicar medidas preventivas contra o uso

indevido de substâncias psicoativas (SPA) e promotoras da reinserção social dos usuários e

dependentes de drogas no panorama internacional, distinguindo o traficante do usuário

dependente, carente por tratamento e leis diferenciadas. Essa lei institui normas para

coerção à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, definindo-os como crimes

(BRASIL, 2006).

A edição dessa lei favoreceu a aproximação da Justiça aos serviços de saúde e

de assistência social, conferindo-lhes um papel central no atendimento a essas pessoas.

(GOMES et al., 2008). Duarte (2011), ao discutir esse novo modelo de concepção da

temática das drogas, faz algumas considerações sob os seus aspectos jurídicos:

A justiça retributiva baseada no castigo, é substituída pela justiça restaurativa, cujo objetivo maior é a ressocialização por meio de penas alternativas, tais como: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços a comunidade em locais/programas que se ocupem da prevenção/recuperação de usuários e dependentes de drogas; medida educativa de comparecimento a programa e curso educativo (DUARTE, 2011, p. 35).

Os objetivos do SISNAD consistem em formular a Política Nacional sobre

Drogas, compatibilizando planos nacionais com planos regionais, estaduais e municipais,

estabelecendo prioridades entre as suas atividades por meio da definição de critérios

técnicos, econômicos e administrativos. As diretrizes dessa política estão focadas na

responsabilidade compartilhada entre governo e sociedade no que diz respeito ao tema

colocando ênfase na garantia, e não apenas no reconhecimento desse direito, de tratamento

a dependente e usuário. Essa política prioriza as ações de prevenção e avança no que

tange às políticas de redução de danos (BRASIL, 2006).

Em 2007, tem-se o Decreto nº 6.117, de 22 de maio, aprovando a Política

Nacional sobre o Álcool, que estabelece princípios com vistas a:

[...] elaboração de estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao consumo de álcool, contemplando a intersetorialidade e a integralidade de ações para a redução de danos sociais, à saúde e à vida, causados pelo consumo desta substância, bem como das situações de violência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas. (DUARTE, 2011, p. 38).

Observa-se incentivo às estratégias que possam reduzir os danos causados ao

organismo em decorrência do uso indevido de álcool, assim como a necessidade da

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comunicação formal entre as instituições de saúde e o atendimento ao usuário conforme

suas necessidades. Contudo, o documento não insere medidas específicas referentes à

redução da demanda do álcool às populações vulneráveis, no caso, a população em

situação de rua (BRASIL, 2008).

Atualmente, na rede de atendimento do SUS, aos usuários de álcool e outras

drogas destinam-se a Atenção Básica mediante as Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou as

Equipes de Saúde da Família (ESF). Pesquisa desenvolvida pelo Ministério da Saúde em

2002 constatou que 56% dessas instituições já tinham realizado ações em saúde mental

(DELGADO, CORDEIRO, 2011). A esse serviço, em 2008, apresentam-se os Núcleos de

Apoio à Saúde da Família (NASF), compostos por equipe multiprofissional interdisciplinar

para que sejam realizados atendimentos conjuntos, apoio matricial12, supervisão de casos,

entre outras estratégias (DELGADO, CORDEIRO, 2011).

Acrescenta-se a essa rede em saúde os Centros de Atenção Psicossocial Álcool

e outras Drogas (CAPS AD). Esses centros foram instituídos em 2002 e são especializados

no tratamento de álcool e outras drogas, objetivando, além dos atendimentos em saúde, a

inclusão social (DELGADO, CORDEIRO, 2011).

Existem ainda os Serviços Hospitalares de Referência para Álcool e outras

Drogas, com leitos clínicos para atendimentos de urgência e emergência, visando diminuir

as internações em hospitais psiquiátricos; e a rede de suporte social envolvendo

associações de ajuda mútua e entidades da sociedade civil que complementam a rede de

serviços colocados à disposição dos usuários pelo SUS (DELGADO, CORDEIRO, 2011).

Posteriormente a essa política o Decreto nº 7.179, de 20 de maio de 2010, faz-

se presente, intitulado Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, com

predisposição ao desenvolvimento de ações intersetoriais imediatas e estruturantes, com

campanhas permanentes de mobilização nacional. Constitui um de seus objetivos, inscrito

no inciso I do art. 2º:

Art. 2º [...]

I - estruturar, integrar, articular e ampliar as ações voltadas à prevenção do uso, tratamento e reinserção social de usuários de crack e outras drogas, contemplando a participação dos familiares e a atenção aos públicos vulneráveis, entre outros, crianças, adolescentes e população em situação de rua; [...] (BRASIL, 2010a).

Urge a implementação desse plano, que se encontra sob a coordenação geral

do Ministério da Justiça, que envolve a participação de vários Ministérios, Secretarias e

12 É uma proposta que articula os cuidados em saúde mental à Atenção Básica, ou seja, constitui-se por ser um arranjo organizacional de suporte técnico em áreas específicas às equipes responsáveis pelo desenvolvimento das ações básicas de saúde para a população (CAMPOS, 1999).

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Organizações Não Governamentais, pela emergência do recrudescimento nos índices da

violência correlacionados ao uso de drogas (BRASIL, 2010a).

Entre as ações do plano de implementação imediata tem-se operações

encetadas pela Polícia Federal e Estadual, Forças Armadas e Polícia Rodoviária Federal,

em áreas vulneráveis ao consumo e ao tráfico das substâncias psicoativas; prioridades para

a ampliação do atendimento, tratamento e reinserção de usuários de Crack; campanha

nacional de mobilização, informação pelo Observatório Brasileiro de Políticas sobre Drogas,

e orientação com a criação, inicialmente, de um site interativo no “Portal Brasil”

(<http://www.brasil.gov.br>); expansão das ações em projetos como Projeto Rondon e

Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem); capacitações destinadas a

profissionais da rede de saúde e assistência social, educadores e comunidade escolar,

objetivando a formação de multiplicadores em prevenção; e a juízes e equipes

psicossociais, visando uniformizar e implantar práticas e políticas de reinserção social,

conforme a Lei de Drogas (BRASIL, 2010a).

As ações estruturantes do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras

Drogas, estão organizadas nos seguintes eixos: 1°) integração das ações de mobilização,

prevenção, tratamento e reinserção social, com destaque para as experiências da

Associação Lua Nova, do Projeto Consultório de Rua e Terapia Comunitária; 2°) diagnóstico

da situação sobre o consumo do crack e suas consequências; 3º) campanha permanente de

mobilização, informação e orientação; 4º) formação de recursos humanos através da

capacitação de profissionais e lideranças comunitárias (BRASIL, 2010a).

Vale acrescentar que atualmente, além desse Plano Integrado, da Política sobre

Drogas e da Política Nacional sobre o Álcool, há também a Lei Seca (Lei nº 11.705/08)

(DUARTE, 2011).

Há que se lembrar, também, que na trajetória das políticas públicas, no campo

da saúde, voltadas ao usuário de álcool e outras drogas, conta-se com algumas Portarias do

Ministério da Saúde, apresentadas na sequência:

- Portaria nº 2.197/GM, de 14 de outubro de 2004, que redefine e amplia a

atenção integral para usuários de álcool e outras drogas, no âmbito do SUS (BRASIL,

2004b).

- Portaria nº 1.059/GM, de 4 de julho de 2005, que destina incentivo financeiro

para o fomento de ações de redução de danos em CAPS AD (BRASIL, 2005a).

- Portaria nº 384, de 5 de julho de 2005, que autoriza os CAPS I a realizarem

procedimentos de atenção a usuários de álcool e outras drogas (BRASIL, 2005b).

- Portaria GM/MS nº 1.612, de 9 de setembro de 2005, que aprova as normas de

funcionamento e credenciamento/habilitação dos serviços hospitalares de referência para a

atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas (BRASIL, 2005c).

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Segundo Boiteux et al. (2009), as políticas públicas sobre substâncias

psicoativas promovidas pelo Brasil são reconhecidas como as mais avançadas da América

Latina, assim como também as que são previstas nas convenções internacionais sobre o

tema.

2.2. Os movimentos da Redução de Danos a usuários de substâncias psicoativas e seus desdobramentos nas práticas em saúde

Os primeiros movimentos relacionados à Redução de Danos aconteceram na

Inglaterra, em 1926, substanciados pelo Relatório Rolleston, documento que estabelecia

direitos aos médicos para a prescrição de opiáceos13 aos usuários de substâncias

psicoativas como uma forma de tratamento. Contudo, esse documento, sem respaldo

político e sistemático, padeceu de legitimidade (LARANJEIRA, 2004).

Esse movimento da Redução de Danos por cerca de cinco décadas manteve-se

inalterado. Entretanto, com o crescimento das doenças imunoadquiridas entre a população

mundial, fenômeno que marcou o cenário internacional no intervalo de 1926 a 1980, países

da Europa reconheceram a necessidade de implementar programas objetivando reduzir o

risco de transmissão do Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) e disseminação das

hepatites virais, principalmente entre usuários de drogas injetáveis (MESQUITA, 1998;

LARANJEIRA, 2004).

Esses programas implementados a partir da década de 1980, incluíram a

Redução de Danos como uma estratégia fundamental para o tratamento dos usuários de

substâncias psicoativas objetivando melhores condições de saúde frente à fragilidade das

terapias tradicionais, orientadas pela abstinência (MESQUITA, 1998; LARANJEIRA, 2004).

Na década de 1980, a Holanda teve o seu primeiro programa legalizado de

Redução de Danos em decorrência dos movimentos que discutiam questões referentes à

epidemia de Aids e Hepatite B nas Organizações não Governamentais e associações dos

usuários de substâncias psicoativas injetáveis. Essas discussões emergiram devido às

dificuldades de acesso dos usuários de substâncias psicoativas injetáveis a agulhas e

seringas nas drogarias. O descontentamento dos usuários de drogas injetáveis frente a essa

realidade motivou-os a exigirem das autoridades sanitárias melhorias no acesso às agulhas

e seringas (LARANJEIRA, 2004).

13 São substâncias oriundas do ópio que advém dos cortes na cápsula da papoula, quando ainda verde para se obter um suco leitoso. Os opiáceos podem ser: naturais quando não sofrem nenhuma modificação, como por exemplo a morfina e codeína; ou semi-sintéticos ao resultarem de modificações realizadas em laboratórios como é o caso da heroína (CEBRID, 2012)

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Mediante essa problemática do uso de drogas injetáveis, as autoridades

sanitárias da Holanda estabeleceram, em acordo com os usuários, que o recebimento das

agulhas e seringas disponibilizadas pelo Estado ficaria condicionado à devolução das

usadas pelos usuários. Essa prática, com a participação de todas as partes envolvidas na

discussão, reduziu em mais de 80% as infecções por HIV-Aids desse grupo (LARANJEIRA,

2004).

Ainda sobre esse período posterior à década de 1980, destaca-se no Reino

Unido o pioneirismo da manutenção de estoque medicamentoso para os usuários de

substâncias psicoativas, em que médicos com licença especial prescreviam heroína

injetável para dependentes de opiáceos, objetivando minimizar os sintomas da abstinência

(LARANJEIRA, 2004).

Além dessa ação do estoque medicamentoso que visou reduzir danos no Reino

Unido, o governo ainda apoiou os serviços direcionados à educação na comunidade, as

trocas de seringas com os usuários de drogas injetáveis, a oferta de moradias e

atendimento hospitalar para estes, dentre outros. Esse investimento em ações que se

destinavam a reduzir os danos decorrentes do abuso de substâncias psicoativas teve como

propósito incentivar a permanência dos seus usuários em tratamento (LARANJEIRA, 2004).

Laranjeira (2004) acrescenta que dentre as ações do Programa de Redução de

Danos desenvolvidas no Reino Unido, policiais foram capacitados a fim de encaminharem

os usuários de substâncias psicoativas aos centros de tratamento, não sendo registrado

Boletim de Ocorrência, caso estes não fossem reincidentes. Ainda de acordo com o autor

supracitado:

[...] este trabalho no Reino Unido tem a função de aliviar os sintomas de abstinências, atrair o usuário de droga ao programa, estimular a retenção e prevenir o abandono do tratamento. Com a implantação do programa as estatísticas da região mostraram diminuição das taxas de criminalidade e infecção por HIV. (LARANJEIRA, 2004, p. 424).

Práticas exitosas advindas dos Programas de Redução de Danos desenvolvidos

na Europa mobilizaram a Alemanha, na cidade de Frankfurt. Carros móveis, em pontos

estratégicos, trocavam seringas com os usuários de drogas injetáveis e realizavam oficinas

de aconselhamento. A realização da troca de seringas pelas farmácias urbanas e a

acomodação noturna em abrigos também foram práticas ofertadas aos usuários de drogas

injetáveis que se encontravam na situação de rua. Incluíram-se como tratamentos para essa

população em destaque a metadona14 e os centros de urgência médica, onde os usuários

podiam usar drogas injetáveis (LARANJEIRA, 2004).

14 É uma substância produzida em laboratório utilizada principalmente no tratamento dos toxicodependentes de heroína e outros opióides. Funciona como um analgésico.

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Ressalte-se que as práticas em Redução de Danos não existem em todos os

países da Europa, pois alguns se posicionam em contrário a essa proposta política

direcionada aos usuários de substâncias psicoativas. França e Suíça são exemplos de

países que são contra os Programas de Redução de Danos (LARANJEIRA, 2004).

Em território brasileiro, a saúde do século XX, marcada pela epidemia da Aids,

principalmente entre os usuários de drogas injetáveis, mobilizou os gestores da saúde.

Surge, então, o Programa Nacional de DST, em 1986, com fins de controlar, ampliar a

política voltada às questões das drogas e garantir o direito a tratamento aos usuários de

substâncias psicoativas injetáveis. Esse programa recebeu recursos financeiros do Banco

Mundial, da Union Nations Office on Drugs and Crime e de outras instituições internacionais.

As ações em Redução de Danos (RD) anteriormente executadas eram desenvolvidas com

recursos das secretarias estaduais e municipais de saúde (MESQUITA, 1998; DOMANICO,

MACRAE, 2006).

Posteriormente, outras instituições destinadas a atender os portadores de HIV

passaram a existir, a exemplo das Organizações não governamentais, do Grupo de Apoio e

Prevenção à AIDS, da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS e do Instituto de

Estudos e Pesquisa em AIDS de Santos. Nesses serviços se iniciaram os debates sobre as

estratégias de redução de danos enquanto política pública de saúde direcionada a usuários

de drogas injetáveis (MESQUITA, BASTOS, 1998).

No ano de 1989 iniciaram-se as práticas da redução de danos, no Brasil, na

cidade de Santos, local onde predominava a maior taxa de infectados pelo vírus da AIDS.

Na ocasião, ao ser criada a Secretaria de Saúde, implantou-se o primeiro programa

destinado à troca de seringas, intitulado Programa Municipal de AIDS, que aconteceu

durante a gestão de David Capistrano, secretário de saúde e militante nas Reformas

Psiquiátrica e Sanitária. Assim, surgiu o primeiro Programa de Redução de Danos no Brasil,

que teve como foco os usuários de drogas injetáveis (MESQUITA, BASTOS,1998).

Contudo, uma intervenção judicial descontinuou a ação, interpretando-a como

incentivo ao uso de drogas. O Poder Judiciário autuou como autores de crime de facilitação

ao uso de drogas os coordenadores do serviço, enquadrando-os como traficantes. Na

ocasião, a lei vigente para a prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de

substâncias entorpecentes, no Brasil, era a Lei n° 6.368, datada de 1976 (BUENO, 1994;

MESQUITA, 1998). Então, o desenvolvimento de práticas na perspectiva da Redução de

Danos em 1989 era compreendido pelo Poder Judiciário em Santos como um crime idêntico

ao tráfico de drogas.

Após esse acontecimento, diversos movimentos surgiram em universidades,

associações de usuários de drogas, organizações governamentais e não governamentais,

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em que ações de Redução de Danos foram realizadas frente ao crescente consumo de

drogas e a disseminação do vírus HIV (MESQUITA, BASTOS, 1998).

Ressalte-se que em 1990 foi publicada a lei que instituiu o Sistema Único de

Saúde (SUS). Na ocasião, a realidade brasileira referente às questões voltadas à saúde

desse período foi demarcada pela atuação dos movimentos da Reforma Sanitária, da luta

contra a AIDS e da Luta Antimanicomial (MESQUITA, BASTOS, 1998).

O alicerce do SUS teve seu início em 1986, no âmbito da 8ª Conferência

Nacional de Saúde, momento em que o movimento de Reforma Sanitária reuniu mais de

cinco mil delegados de todo o País. Em 1990, as Leis nº 8.080 e 8.142 instituíram o SUS, e

inscreveram a saúde no ordenamento constitucional como um direito de todos e dever do

Estado.

Depois da iniciativa de Santos, Salvador, em 1994, inaugura seu primeiro

Programa de Redução de Danos, coordenado pelo Centro de Estudos e Terapia do Abuso

de Drogas, na Universidade Federal da Bahia (CETAD/UFBA), realizando troca de seringas

com usuários de drogas injetáveis pelo Centro Histórico do Pelourinho. Posteriormente,

essas práticas direcionadas à redução de danos por meio da troca de seringas expandiram-

se a outros bairros como Engenho Velho da Federação, Ribeira e Calabar (OLIVEIRA,

2009).

Assim, nesse momento histórico, as práticas em Redução de Danos

encontravam-se resguardadas pela universidade, em um ambiente entre pesquisadores que

as desenvolviam enquanto uma pesquisa de extensão.

Em 1997, cria-se a Associação Brasileira de Redutores de Danos (ABORDA) e

diversos fóruns se propõem ao investimento em políticas públicas voltadas para a temática

das drogas. Além da Aborda, surge a Rede Brasileira de Redução de Danos15 (REDUC). Na

ocasião, a categoria redutores de danos inicia o desenvolvimento de ações territoriais

diretas junto aos usuários de drogas (DOMANICO, MACRAE, 2006).

No mesmo ano, em São Paulo, é fundada a Rede Latino-Americana de Redução

de Danos (RELARD), e realizada a IX Conferência Internacional de Redução de Danos,

ocasião em que foi anunciada a regulamentação da Lei nº 9.758/1997, de autoria do

Deputado Estadual Paulo Teixeira, que legitimou e legalizou a troca de seringas, em vigor

até os dias atuais (DUARTE, 2011).

Destaca-se ainda, do período de 1986 até 1997, o Programa Nacional de DST

que visou solucionar a disseminação do vírus HIV (DOMANICO, MACRAE, 2006).

Após esse percurso, o Ministério da Saúde formalizou a Redução de Danos

como política oficial de controle da AIDS. Iniciou-se, então, a implementação dos programas

15 Atualmente é denominada Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos. (NIEL, SILVEIRA, 2008,

p.15).

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de Redução de Danos em dez estados brasileiros16, “por apresentarem um quadro

epidemiológico com alta notificação de casos de AIDS pelo uso de drogas injetáveis”

(DOMANICO, 2006, p. 75).

Esses programas tiveram como focos prioritários de atuação: escola, centro de

referência nacional, centro de treinamentos, recuperação e reinserção social e projetos de

Redução de Danos (DOMANICO, 2006).

Por outro lado, acerca dos movimentos reivindicatórios e das práticas

diversificadas, no campo da saúde, na cidade de Santos, Lancetti (2009) acrescenta que:

“Não é por acaso que, no Brasil, a primeira experiência tenha sido iniciada em Santos na época em que essa cidade se transformou num laboratório de invenção de políticas públicas, com sua dose de confronto com a ordem instituída. Durante o período de 1989 a 1996, Santos foi a primeira cidade brasileira sem manicômio; a primeira cidade a reverter epidemiologicamente o quadro de contágio pelo vírus da aids; a primeira cidade a criar programas de assistência domiciliar e a inventar uma metodologia de trabalho com meninas prostituídas e dependentes do crack etc., e também a primeira cidade a aplicar a metodologia de distribuição gratuita de seringas descartáveis” (LANCETTI, 2009 p. 79).

Os movimentos emancipatórios em torno das discussões e práticas no âmbito

das políticas públicas em saúde, na cidade de Santos, no período que se estendeu de 1989

até 1996, são justificados por Gastão Wagner Campos (1997) como:

“... nunca seguiram de maneira acrítica nenhuma receita. Ao contrário, sempre se deram o direito de conhecer o que havia de mais sugestivo para enfrentamento de cada problema sanitário para, em seguida, adapta-lo à realidade de Santos. Este foi, aliás, o seu primeiro segredo: nunca se fecharam em copas, cultivaram-se relações com Itália, Canadá, São Paulo, Campinas, Icapuí, Londrina, aprendendo como todo mundo e reinventando o que os outros nem sequer fizeram antes. O modelo de Santos, neste sentido, é heterodoxo, porém funciona. Funciona defendendo a vida. Eles ousaram defender a vida no limite do possível. Por isso saíram na frente tanto em relação a distribuição de seringas para dependentes de drogas, quanto na aquisição de inventos tecnológicos importantes para a saúde, conforme aconteceu com as novas medicações para AIDS” (CAMPOS, 1997, p. 11- 12).

Nesse período, a cidade supracitada, por meio do conjunto de ações em RD,

passou a intervir significativamente sobre as questões direcionadas às políticas de drogas,

no Brasil.

No ano de 1997, em Brasília, a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) realizou

o I Fórum Nacional Antidrogas, momento que resultou em um relatório incluindo “as

Estratégias de Redução de Danos como uma das políticas públicas voltadas para o

enfrentamento da questão das drogas” (NIEL, SILVEIRA, 2008, p. 15).

16 Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,

Distrito Federal, Ceará e Bahia.

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Em dezembro de 1997, foi regulamentada, em Santa Catarina, a Lei nº 11.063, e

no Rio Grande do Sul, a Lei nº 11.562, autorizando a Secretaria de Estado da Saúde a

adquirir e distribuir seringas e agulhas descartáveis aos usuários de drogas endovenosas

com fins de prevenir, controlar e reduzir a transmissão de doenças e da AIDS (NIEL,

SILVEIRA, 2008).

Em setembro de 2001, o governador do Espírito Santo sancionou a lei que

autoriza a Secretaria de Saúde a adquirir e distribuir seringas descartáveis aos usuários de

drogas injetáveis, obrigando hotéis, motéis e estabelecimentos similares a fornecerem,

gratuitamente, preservativos aos seus frequentadores (NIEL, SILVEIRA, 2008).

Outros dois estados que regulamentaram a Política de Redução de Danos,

segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2002) foram Mato Grosso do Sul e Minas Gerais,

em 2001.

Nesse contexto, surgiu o Projeto AIDS, que demandou a atuação de uma

categoria específica de agente de saúde, no caso, o redutor de danos. Essa especificidade

profissional foi consolidada pela Política Nacional de Álcool e outras Drogas, compondo-se

de lideranças dos locais onde realizavam o trabalho de campo; profissionais do sexo; ou

usuários de drogas. Inicialmente essa categoria foi capacitada para trabalhar com o público

específico de usuários de drogas injetáveis (DOMANICO, MACRAE, 2006).

Esclarece-se que inicialmente, nos Projetos de Redução de Danos, no Brasil,

existiam duas designações atribuídas aos profissionais que desenvolviam práticas em saúde

com os usuários de drogas - agentes de saúde e agentes comunitários. Os profissionais

Agentes de Saúde eram capacitados para multiplicarem informações sobre AIDS e drogas.

Já os Agentes Comunitários compunham a rede social interativa dos usuários de drogas e,

ao receberem treinamento, atuavam como agentes de saúde, na comunidade. Esses

Agentes Comunitários que desenvolviam práticas em saúde na perspectiva da redução de

danos eram usuários ou ex-usuários de drogas (BRASIL, 2001).

Assim, esse novo profissional denominado “redutor de danos” é um agente de

saúde devidamente capacitado para abordar usuários de drogas e desenvolver atividades

de educação sanitária e inclusão social junto a esse segmento (BRASIL, 2002).

No intervalo entre 1986 e 1998 as pesquisas advindas do Projeto Brasil17,

realizadas inicialmente na cidade de Salvador, em 1994, contribuíram para demonstrar a

importância das práticas de Redução de Danos frente às características epidemiológicas

dos indivíduos usuários de substâncias psicoativas (DOMANICO, MACRAE, 2006).

17 “O projeto Brasil fazia parte de um estudo multicêntrico desenvolvido em sete cidades com alta incidência de HIV por uso de droga injetável” (DOMANICO, 2006, p. 76).

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No ano de 2001, surgiu a Associação Baiana de Redução de Danos

(ABAREDA), resultante da mobilização dos agentes redutores do CETAD/UFBA (DUARTE,

2011).

Por sua vez, no início de 2003, o Ministério da Saúde confirmou a existência de

160 projetos de redução de danos em todos os estados brasileiros e a intenção de ampliar

esses serviços foi garantida por meio do SUS, pela política de saúde pública intitulada

Política Nacional de Álcool e outras Drogas (BRASIL, 2004b).

Em seguida, o Ministério da Saúde, em 2005, publicou a Portaria nº 1.028/GM

regulamentando as ações que visam à redução de danos sociais e à saúde decorrentes do

uso de produtos, substâncias ou drogas que causem dependência.

No ano de 2006 surgiu a Lei nº 11.343, que regulamentou a Redução de Danos,

descrevendo-a em seu artigo 20 como estratégia preventiva ou redutora das consequências

negativas associadas ao uso de drogas, desenvolvida por ações de prevenção na saúde,

sem necessariamente interferir na oferta ou consumo, sendo orientada pelo respeito à

liberdade de escolha. Ela considera que:

“Constituem atividades de atenção ao usuário e dependentes de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem à melhoria da qualidade de vida e à redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas” (BRASIL, 2006, p. 5).

Verifica-se, a partir desse percurso histórico, que as estratégias de Redução de

Danos variam de acordo com a realidade de cada estado. No entanto, esse movimento

histórico de fatos e regulamentações jurídicas da Redução de Danos consolidou-a enquanto

um método clínico-político. Nesse método das práticas em saúde as estratégias clínicas

encontram-se coligadas às posições políticas (CAMPOS, 2000).

Nessa perspectiva, a Redução de Danos foi inserindo-se nos espaços

institucionais por intermédio das políticas centrais de saúde do SUS, como a Política

Nacional da Atenção Básica, a Política Nacional de Saúde Mental, a Política do Ministério da

Saúde de Atenção Integral de Usuários de Álcool e outras Drogas e a Política Nacional

sobre Drogas, realinhada em 2004 (BRASIL, 2006).

As práticas de saúde voltadas ao uso e abuso de substâncias psicoativas, após

pesquisas nacionais com crianças e adolescentes em extrema condição de vulnerabilidade

social (NOTO et al., 1997, 2003). Essas pesquisas realizaram o levantamento sobre o uso

de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua, primeiramente em seis capitais

brasileiras e depois em vinte e sete. Foi verificado o baixo índice das crianças e

adolescentes em situação de rua nos serviços da rede de saúde.

As estatísticas produzidas no âmbito dessas pesquisas nacionais embasaram os

representantes do Ministério da Saúde, durante o Comitê Intersetorial de Acompanhamento

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e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua, em 2008, para

proporem aos serviços já existentes, no campo da saúde, uma abordagem diferencial à

população em situação de rua (BRASIL, 2008).

Essa proposta para a Política Nacional à População em Situação de Rua prevê,

dentre suas ações estratégicas no âmbito da saúde:

“1. Garantia da atenção integral à saúde das pessoas em situação de rua e adequação das ações e serviços existentes, assegurando a equidade e o acesso universal no âmbito do Sistema Único de Saúde, com dispositivos de cuidados interdisciplinares e multiprofissionais; 2. Fortalecimento das ações de promoção à saúde, a atenção básica, com ênfase no Programa Saúde da Família sem Domicílio, incluindo prevenção e tratamento de doenças com alta incidência junto a essa população, como doenças sexualmente transmissíveis/AIDS, tuberculose, hanseníase, hipertensão arterial, problemas dermatológicos, entre outras; 3. Fortalecimento das ações de atenção à saúde mental das pessoas em situação de rua, em especial aqueles com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas, facilitando a localização e o acesso aos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS I, II, III e AD); 4. Instituição de instâncias de organização da atenção à saúde para a população em situação de rua nas três esferas do SUS; 5. Inclusão no processo de educação permanente em saúde dos gestores e trabalhadores de saúde, destacando-se as equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), agentes comunitários de saúde e operadores do Sistema Nacional de Ouvidoria, dos conteúdos relacionados às necessidades, demandas e especificidades da população em situação de rua; 6. Divulgação do canal de escuta do usuário: Sistema Nacional de Ouvidoria, Disque-Saúde (0800611997), junto à população em situação de rua, bem como das demais instâncias de participação social; 7. Apoio às iniciativas de ações intersetoriais que viabilizem a instituição e manutenção de Casas de Apoio ou similares voltadas para pessoas em situação de rua, em caso de alta hospitalar, para assegurar a continuidade do tratamento; 8. Incentivo a produção de conhecimento sobre a temática saúde desta população e aos mecanismos de informação e comunicação; 9. Apoio à participação nas instâncias de controle social do SUS e ao processo de mobilização junto aos movimentos sociais representantes dessa população; 10. Na seleção de agentes comunitários de saúde, considerar como um dos critérios a participação de moradores de rua e ex-moradores de rua” (BRASIL, 2008, p. 20-21).

A esses serviços já existentes no âmbito da saúde foi acrescido, em 2009, pelo

Ministério da Saúde, o Projeto Consultório de Rua, destinado ao atendimento da população

em situação de rua. Esse projeto foi indicado como uma das estratégias para o Plano

Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras

Drogas (PEAD). No ano seguinte esse serviço foi também incluído no Plano Integrado de

Enfrentamento ao Crack e outras Drogas (PIEC) (BRASIL, 2010a).

O Consultório de Rua teve suas primeiras ações em saúde efetivadas

inicialmente em 1999, no estado da Bahia, pelo Centro de Estudos e Terapia do Abuso de

Drogas (CETAD) enquanto atividade de extensão da Faculdade de Medicina, na

Universidade Federal da Bahia (UFBA). Na ocasião, o Prof. Antônio Nery Filho desenvolveu

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o Projeto Consultório de Rua em decorrência do aumento das crianças em situação de rua,

sob uso de drogas, na cidade de Salvador (OLIVEIRA, 2009).

Esse projeto foi concretizado inicialmente em parceria com a Prefeitura Municipal

de Salvador. Posteriormente, por oito anos consecutivos a experiência contou com o apoio

financeiro de outras instâncias governamentais, como o Ministério da Saúde, a Secretaria

Nacional Sobre Drogas (SENAD), a Secretaria de Combate à Pobreza e a Secretaria do

Trabalho e Ação Social do Governo do Estado da Bahia (OLIVEIRA, 2009).

Essa experiência do Consultório de Rua, em Salvador, no espaço urbano,

avaliada no período de 1999 até 2006, oportunizou a sua pertinência enquanto dispositivo

público alternativo para a abordagem de rua aos usuários de drogas em situação de grave

vulnerabilidade social. Além da abordagem, fazia-se também atendimento clínico a esses

usuários com dificuldades na adesão ao modelo tradicional dos serviços da rede de saúde

(OLIVEIRA, 2009).

O Consultório de Rua é um dispositivo para além do modelo biomédico, que se

distancia da lógica de demanda espontânea e abordagem única voltada à abstinência,

caracterizando-se fundamentalmente por oferecer cuidados no próprio espaço da rua,

respeitando o contexto sociocultural da população (BRASIL, 2010c; OLIVEIRA, 2009).

Esse dispositivo também é citado pelo CEBRID como um projeto caracterizado

pela participação ativa de profissionais da saúde junto à população de rua sem que seja

desrespeitado o seu contexto social. Na prática desse projeto, composto por uma equipe

multidisciplinar se procura assegurar a integralidade da assistência atuando sob uma

perspectiva interdisciplinar do cuidado em saúde ao indivíduo (BRASIL, 2010c).

O Consultório de Rua tem como princípios norteadores o respeito às diferenças,

a promoção de direitos humanos e inclusão social, o enfrentamento a estigmas, ações em

redução de danos e intersetorialidade (BRASIL, 2010c; OLIVEIRA, 2009).

O Ministério da Saúde, no ano de 2010, ao conceituar os Consultórios de Rua,

estabelecendo tanto seus princípios, quanto suas diretrizes e objetivos, afirma serem:

“[...] dispositivos clínico-comunitários que ofertam cuidados em saúde aos usuários em seus próprios contextos de vida, adaptados para as especificidades de uma população complexa. Promovem a acessibilidade a serviços da rede institucionalizada, a assistência integral e a promoção de laços sociais para os usuários em situação de exclusão social, possibilitando um espaço concreto do exercício de direitos e cidadania. Sua estrutura de funcionamento conta com uma equipe volante mínima com formação multidisciplinar constituída por profissionais da saúde mental, da atenção básica, de pelo menos um profissional da assistência social, sendo estes: médico, assistente social, psicólogo, outros profissionais de nível superior, redutores de danos, técnicos de enfermagem e educadores sociais. Além desses, eventualmente, poderá contar com oficineiros que possam, estrategicamente, desenvolver atividades de arte-expressão” (BRASIL, 2010a, p. 10).

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Para fins de análise sobre em que consistem e como se caracterizam os

Consultórios de Rua, no Brasil, este estudo apresenta no próximo item um recorte da

especificidade do município de Fortaleza.

2.3. Especificidades do Projeto Consultório de Rua no município de Fortaleza, Ceará

A proposta da abordagem de rua voltada ao atendimento de usuários de

substâncias psicoativas em situação de rua, no âmbito da saúde mental, em Fortaleza,

surgiu após a consolidação dos seis Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas

(CAPS AD) nas respectivas Secretarias Executivas Regionais (SERs) I, II, III, IV, V e VI.

Observou-se que após a consolidação dos CAPS AD existiam resistências de

acesso da população em situação de rua, crescente nos espaços urbanos e usuária de

substâncias psicoativas, às atividades e ações ofertadas pelos serviços da atenção básica e

saúde mental.

Assim, a primeira equipe do Consultório de Rua desse município foi formada em

2010 e teve como abrangência e cobertura territorial o bairro Centro, ilustrado pela Figura 1.

Figura 1 - Localização Geográfica da Secretaria Regional Centro, pelo Google Maps

Fonte: Google Maps, 2012.

O interesse inicial por esse bairro incidiu sob o levantamento de dados realizado

pelo Projeto Ponte de Encontro. O Projeto Ponte de Encontro, situado no município de

Fortaleza, é uma instituição que desenvolve ações junto a crianças e adolescentes em

situação de risco social, pessoal e de moradia ou de permanência no ambiente desfavorável

da rua.

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Nessa instituição foi observada a presença de 90 moradores em situação de rua,

no período de 2009. Desse total, 67 eram do sexo masculino e 23, do sexo feminino. A faixa

etária de maior prevalência estava entre 13 a 17 anos, com 50 respondentes. Desses 90

moradores, 78 afirmaram fazer uso de drogas (lícitas e ilícitas). Obteve-se como área de

permanência da população em situação de rua, no Centro do município de Fortaleza-CE,

entornos como Cidade da Criança, conhecida por Parque das Crianças; praças (BNB, José

de Alencar, Ferreira, Coração de Jesus, Lagoinha, Estação e Bandeira), cruzamentos,

calçadas de restaurantes e agências bancárias.

Posteriormente, outros bairros situados na Secretaria Executiva Regional II (SER

II) foram assistidos, como Praia de Iracema, Meireles e Vicente Pinzón, ilustrado pela Figura

2:

Figura 2 - Localização Geográfica do território da Investigação no âmbito da Secretaria Regional II

Fonte: Prefeitura Municipal de Fortaleza acessado em http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-II, 2012.

Essa área de cobertura da equipe do Consultório de Rua, no município de

Fortaleza, durante a realização desta pesquisa esteve vinculada à Gestão do Colegiado de

Saúde Mental, sob a lógica da Política de Redução de Danos. Por isso, analisar essa

política foi relevante para se entender melhor as práticas desenvolvidas pelos profissionais

da primeira equipe do Projeto Consultório de Rua.

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Outro diferencial do Consultório de Rua para a execução de suas atividades em

saúde é um veículo disponível para transportar a equipe de profissionais e os insumos. Os

insumos são: preservativos masculinos; cartilhas preventivas sobre Doença Sexualmente

Transmissível (DST) e saúde bucal voltada à promoção e prevenção da saúde; kit de

higiene bucal composto por escova e pasta dental; panfletos de prevenção às doenças

sexualmente transmissíveis e gel para lubrificação íntima.

Esse veículo se legitima enquanto uma referência para os usuários de

substância psicoativa em situação de rua ao lhes oferecer cuidados em saúde. Há veículos

do Projeto Consultório de Rua que foram grafitados e/ou incorporaram adesivos simbólicos

de cunho significativo em sua carcaça para o segmento jovem. A ideia de o veículo conter

características que despertem a atenção do público jovem, usuário de substâncias

psicoativas em situação de maior vulnerabilidade social, objetiva prover de variáveis

positivas a aproximação inicial para os cuidados em saúde (BRASIL, 2010c).

No município de Fortaleza, o veículo que transporta a equipe e os insumos

caracteriza-se por se tratar de uma Kombi grafitada com contornos bastante coloridos

ilustrando o espaço urbano. O objetivo dos contornos coloridos na Kombi é acessar

principalmente o público jovem, em situação de rua, com a identificação institucional

Consultório de Rua nas laterais, dianteira e traseira, podendo ser observada nas Figuras 3 e

4.

Figura 3: Lateral da Kombi

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

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Figura 4: Destaque da identificação institucional na lateral do veículo

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

Acrescenta-se como especificidade dessa Kombi que a mesma só passa por

manutenção quando aparece problemas mecânicos ou necessita de alguns reparos como,

por exemplo, consertos na caixa de marcha.

Outro aspecto relevante do Consultório de Rua é o ponto fixo territorial de

atuação da equipe, que deve ser previamente definido, contemplando o estabelecimento do

local, dia e hora para encontros regulares constantes. Desse modo, objetiva-se criar uma

referência territorial que facilite o acesso dos usuários de substâncias psicoativas aos outros

serviços de saúde (BRASIL, 2010c).

Os outros serviços de referência territorial para prestar maiores cuidados à

saúde da população em situação de rua e usuária de substâncias psicoativas em Fortaleza

são: Centros de Saúde da Família (CSF) Flávio Marcílio e Paulo Marcelo, ambos do terceiro

turno; e o Hospital Geral de Fortaleza (HGF), situado no bairro Papicu.

O ponto fixo territorial se constrói no espaço urbano enquanto um lugar

institucional a partir das abordagens em saúde desenvolvidas, propostas esclarecidas e

postura dos profissionais na relação com os usuários (BRASIL, 2010c).

Em Fortaleza acontece o estabelecimento fixo dos locais de referência, mas os

dias e horários apresentam variações durante a semana, no período noturno. Os dias para a

abordagem de rua acontecem de segunda a sexta e os horários entre o intervalo de

dezessete às vinte e uma horas. Há um cronograma a ser seguido, mas que não é

totalmente operacionalizado na prática, principalmente em razão de algumas intercorrências

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clínicas. As intercorrências clínicas podem ser observadas pelos sinais e sintomas de:

doenças do trato genitourinário (infecções urinárias), doenças sexualmente transmissíveis,

hepatite A, B e C, infecções do trato respiratório (pneumonia, tuberculose e viroses),

dermatites (erisipela, fungos e escabiose) e lesões com perfuro-cortante. Quando

acontecem essas intercorrências clínicas, um ou dois profissionais da equipe do Consultório

de Rua, juntamente com o usuário, participam de todo o processo do atendimento em saúde

pelo SUS, objetivando estimular a autonomia, caso haja outras necessidades futuras. Esse

segmento da prática no Consultório de Rua, em Fortaleza, objetiva apresentar ao usuário os

seus direitos à saúde, mesmo que não esteja acompanhado por profissionais da saúde em

outras intercorrências futuras.

Na relação com os usuários, a cada nova abordagem renovam-se as

características do trabalho e o propósito da presença do Projeto Consultório de Rua,

diferenciando-o, assim, das outras ações desenvolvidas na rua, como as de cunho caritativo

(BRASIL, 2010c).

Segundo NIEL e SILVEIRA (2008) a abordagem inicial ao usuário de substância

psicoativa em situação de rua é decisória para o desenvolvimento ou não de práticas

terapêuticas. Os autores sugerem alguns passos para a construção de uma relação positiva

entre profissional e usuário: “a) a primeira meta é apenas estabelecer contato; b) deve se apresentar portando crachá de identificação; c) explicar claramente os objetivos do projeto; d)administrar a ansiedade de atingir seu objetivo maior que é o distribuir kit; e) acolher o usuário e observar sua necessidade no momento; f) trnsmitir informação sobre prevenção às DST/AIDS e hepatites; g) caso o usuário aceite, deixar um kit de prevenção” (NIEL, SILVEIRA, 2008, p. 27).

Os profissionais do município de Fortaleza, a cada nova abordagem ao indivíduo

em situação de rua, seguem como passos: 1- apresentação profissional; 2- informação

sobre o serviço; 3- e a proposta de seu trabalho, que foca nas ações em Redução de

Danos. Oferecidos esses primeiros esclarecimentos obtêm-se, como possíveis resultados, o

início de um diálogo, o silêncio que se mantém ou a solicitação para a evasão da equipe do

espaço. Quando há o silêncio a equipe de profissionais permanece no território, mas com

certo distanciamento espacial, a fim de oportunizar o momento subjetivo de aceitação do

usuário no seu desejo pela oferta do serviço e início do diálogo. No caso de solicitação para

a evasão da equipe, os profissionais saem do cenário por alguns dias, contudo,

posteriormente, há novos investimentos com estratégias que visem vinculação em território.

As estratégias são as de distribuição de preservativos e kit bucal até que seja oportunizado

o início do diálogo entre o profissional do PCR e o usuário de substância psicoativa em

situação de rua a fim de que possam ser discutidas as condições de saúde destes.

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Ressalta-se que durante essa abordagem inicial, na realidade do município de

Fortaleza, os profissionais do Consultório de Rua legitimam sua identificação enquanto

trabalhadores de saúde por posicionarem-se próximos à Kombi, já caracterizada

anteriormente.

Em relação ao financiamento proposto para essa nova modalidade de saúde,

instituiu-se, desde a primeira chamada da seleção dos Projetos Consultório de Rua e

Redução de Danos, como principais componentes para o funcionamento de suas equipes:

[...] a) uma equipe volante, devidamente identificada por crachá e/ou camiseta, constituída por profissionais da saúde mental, da atenção básica, técnicos de enfermagem e pelo menos um profissional da área de assistência social; b) um veículo amplo, capaz de prover o deslocamento da equipe e armazenamento dos insumos durante as ações; c) insumos para tratamento de situações clínicas comuns, preservativos, cartilhas e material instrucional, material para curativos, medicamentos de uso mais freqüente em tais situações; d) rotina de atividade, contendo os protocolos clínicos aplicáveis, os fluxos de referência para continuidade da atenção, quando for o caso, e as intervenções psicossociais e educativas, que levem em conta as especificidades socioculturais e epidemiológicas locais. (BRASIL, 2010b).

Esses profissionais, durante a realização desta pesquisa, não apresentaram

nenhuma identificação visual para a abordagem de rua, seja por uniformes ou crachás, fato

verificado na pesquisa de campo. Foi uma realidade registrada pela Figura 5. Esse registro

denuncia a falta de condições mínimas para o desenvolvimento das atividades laborais

desses profissionais do PCR em Fortaleza.

Antunes (2005) compreende a classe trabalhadora atual como um conjunto de

seres sociais que vivem para vender sua força de trabalho, são assalariados e desprovidos

dos meios de produção. Conforme o autor, é uma classe-que-vive-do-trabalho e caracteriza-

se por: “aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário ... trabalhadores precarizados, terceirizados, fabris e de serviços, part-time, que se caracterizam pelo vínculo de trabalho temporário, pelo trabalho precarizado, em expansão na totalidade do mundo produtivo.” (ANTUNES, 2005, p. 52).

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Figura 5 - Equipe I de profissionais do Projeto Consultório de Rua, no município de Fortaleza

Fonte: Pesquisa direta, 2012.

Acrescenta-se que dentre os principais componentes para funcionamento das

equipes, no município de Fortaleza, foi observado, além da não identificação visual dos

profissionais, a inexistência de insumos diários para as situações das intercorrências

clínicas comuns já mencionadas. O material destinado a curativos como antiséptico, gases,

esparadrapo, luvas, soro fisiológico são ausentes, no entanto se observou, raramente,

apenas o álcool em gel. Na equipe do PCR não há o profissional da área de assistência

social. Os lubrificantes de uso sexual são distribuídos somente aos usuários do sexo

feminino ou travestis e nem sempre estão disponíveis. O material álcool em gel, quando

existente, é usado, principalmente pelos profissionais, para se prevenirem contra doenças

passíveis de contágio durante a vinculação, no espaço da rua.

Durante a rotina das atividades do município em estudo, não foi observado

nenhum registro, pelos profissionais, em prontuário específico, das intercorrências clínicas

com os usuários assistidos, assim como das intervenções psicossociais e educativas

realizadas em campo, ou mesmo das reuniões com outros equipamentos sociais e

supervisões.

No município de Fortaleza, dentre a rotina do Consultório de Rua há a execução

de ações extracampo, pela rede de saúde, junto aos serviços: da Rede de Saúde Mental,

como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD); da Atenção

Básica, nos Centros de Saúde da Família (CSF), Flávio Marcílio e Paulo Marcelo, ambos do

terceiro turno, por situarem-se próximos à área de cobertura do Projeto Consultório de Rua

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(PCR), e Hospital Geral de Fortaleza (HGF), situado no bairro Papicu. No acompanhamento

de usuários a esses serviços, caso seja necessário o deslocamento, este é realizado pela

Kombi do PCR, conforme verificou-se na pesquisa de campo.

Acerca das ações a serem desenvolvidas nas ruas pelos profissionais do

Consultório de Rua têm-se os ensinamentos de Oliveira (2009), que ao dissertar sobre

“Consultório de rua: relato de uma experiência” pontuou a relevância da interdisciplinaridade

diante da complexidade do objeto de trabalho dos profissionais no Projeto Consultório de

Rua. Para Oliveira (2009), ante a complexidade da demanda da população em situação de

rua, sugere-se aos profissionais do Consultório de Rua propor intervenções a partir dos

processos dialógicos resultantes da interação entre os saberes. Nessa perspectiva, a autora

pontua que o Consultório de Rua constitui-se a partir da inter-relação dos sujeitos sociais

envolvidos, cujos resultados são construídos dia a dia. A inter-relação desses sujeitos

sociais envolvidos molda-se pelo caráter ético das intervenções, que não impõe técnicas à

população em situação de rua assistida.

Autores como Almeida Filho (1997) e Vasconcelos (2002) discutem a questão da

interdisciplinaridade18 como possibilidade interativa à equipe de trabalho que tem como alvo

de intervenção objetos complexos.

Em Oliveira (2009), a interdisciplinaridade pode ser afirmada nos processos de

trabalho do Consultório de Rua ao longo da consolidação experiencial da abordagem nas

ruas. Segundo a autora:

“[...] a interdisciplinaridade se colocava quase que como uma imposição, na medida em que a população ia colocando nos técnicos da equipe demandas de todas as ordens, convocando os profissionais a atuarem nas interfaces dos vários campos disciplinares que caracterizavam a equipe.” (OLIVEIRA, 2009, p. 68).

A necessidade da interdisciplinaridade surgiu, então, para o Consultório de Rua,

como uma busca por novas maneiras de dialogar e interagir com os distintos campos do

saber, objetivando melhorar os atendimentos, em saúde, à clientela assistida.

Essa interdisciplinaridade é favorecida pela rotina de trabalho do Consultório de

Rua que consiste em:

Atividades extracampo, com os contatos com a rede de saúde e intersetorial na engenharia das articulações interinstitucionais, o acompanhamento de usuários quando se fizer necessário, discussão clínica de casos, a elaboração dos diários de campo e relatórios. Além dessas, na rotina diária está prevista uma reunião que antecede a ida a campo, com duração de uma (1) hora, com a presença de coordenador do Consultório de Rua, o supervisor clínico-institucional e os técnicos da equipe da área a ser

18 A interdisciplinaridade busca conciliar os conceitos pertencentes às diversas áreas do conhecimento a fim de produzir novos conhecimentos ou mesmo, novas sub-áreas, superando assim a fragmentação deste, relacionando-o à realidade e aos problemas da vida moderna. É uma trocas entre especialistas (NUNES, 1995).

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atendida no dia. Neste momento a equipe define quais as melhores estratégias de abordagem, um planejamento das atividades a serem realizadas no dia, configurando um processo permanente de avaliação do processo de trabalho da área. Há ainda a preparação do carro com os materiais necessários para a realização das atividades, e em seguida a equipe se desloca para a área de trabalho. O segundo tipo de atividades são as atividades de campo, que constituem os atendimentos aos usuários no seu espaço de permanência. Cada profissional desenvolve suas atividades planejadas e de acordo com as demandas que se apresentarem no momento. O tempo de permanência não é rígido, variando de acordo com as demandas. O período de tempo na rua, ou seja, o turno de trabalho deve ser suficiente para o desenvolvimento de atividades de rotina, como a distribuição de preservativos, a realização de oficinas de educação em saúde, atividades lúdicas, consultas clínicas e seus desdobramentos, tais como orientações e encaminhamentos. Os encaminhamentos podem ser entre os profissionais da equipe nas interconsultas, ou externos, para os serviços da rede de saúde e intersetorial. (BRASIL, 2010b, p.15).

Na especificidade do PCR, no município de Fortaleza, as discussões clínicas dos

casos ocorrem no espaço da rua entre psicólogo, técnico de enfermagem e um enfermeiro

vinculado à Coordenação Municipal de DST/AIDS e Hepatites Virais da Secretaria Municipal

de Saúde (SMS), que às vezes acompanha a rota da equipe.

Por outro lado, não foi observada a produção de diários de campo pelos

profissionais da equipe do PCR. Há os relatórios anuais da população assistida por esses

profissionais através de um Mapa de Registro de Atendimentos, conforme Anexo 1, no

formato de planilha que se constitui por: nome, sexo, idade, uso de drogas, substância atual,

avaliação de saúde, ação realizada, insumos, encaminhamentos e campo. Nesse mapa,

consta um quantitativo de 1553 usuários atendidos, durante o ano de 2011. O quantitativo

do mapa se caracteriza por: a maioria dos atendimentos foram realizados ao sexo masculino

sob o uso de substâncias psicoativas, no intervalo de idade entre quatorze e noventa anos;

na amostra a maioria fez uso de mais de uma substância psicoativa e receberam mais de

uma ação realizada nos diferentes espaços a serem discutidos posteriormente nesse

estudo.

Entretanto, sobre esse relatório anual, que devem ser alimentado no dia-a-dia,

durante a abordagem de rua é dispensada à equipe do Consultório de Rua apenas uma

ficha para recolhimento de identificação, idade do beneficiado e insumo distribuído. Os

insumos distribuídos são na maioria os preservativos.

Saliente-se que anteriormente às idas ao campo, durante o período da

observação sistemática, constatou-se que os profissionais da equipe do Consultório de Rua

não tinham nenhuma reunião com a presença de coordenação para definirem as estratégias

de abordagem e o planejamento das atividades a serem realizadas no dia. Assim, diante

dessa realidade, o processo permanente de avaliação do trabalho na área tornou-se

inexistente.

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As atividades de campo, para atendimento aos usuários em situação de rua,

ocorrem no seu próprio espaço de permanência. Essas atividades do dia-a-dia não foram

objeto de planejamento por nenhum dos profissionais da equipe do Consultório de Rua que

durante nossa observação de campo encontravam-se sem coordenação imediata para a

abordagem na rua. O tempo de permanência da equipe na rua não é rígido, e varia de

acordo com as intercorrências já especificadas.

Dentre as atividades desenvolvidas pelos profissionais podem-se mencionar

aconselhamento de educação em saúde; atividades lúdicas com crianças, por intermédio da

leitura de histórias infantis; testagem rápida de HIV e vacinação contra hepatite viral;

orientações de prevenções à saúde; e encaminhamentos clínicos a hospital de referência e

centros de saúde já mencionados.

Através das práticas terapêuticas no território o lugar do Consultório de Rua,

enquanto dispositivo do campo da saúde, vai sendo demarcado. Há também a oportunidade

da troca de saberes entre os profissionais da área da saúde, na perspectiva da

integralidade. A diversidade das intervenções é favorecida ao se considerar o contexto

sócio-histórico19 de cada sujeito em situação de rua e sob o uso de substância psicoativa

(NUNES, 1995; BRASIL, 2010b; ESPINHEIRA, 2004; MACRAE, 2001).

A articulação dos profissionais do Consultório de Rua com instituições do

Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no município de Fortaleza faz-se em parceria

com alguns profissionais do Serviço Especializado de Abordagem de Rua (SEAR), oriundos

da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS). Ações intersetoriais de articulação

com outros setores do governo e da sociedade civil em áreas como direitos humanos,

educação, justiça e esporte não foram observadas durante o período da pesquisa.

No âmbito da cultura, ação conjunta aconteceu junto ao Centro Urbano de

Cultura, Arte, Ciência e Esporte de Fortaleza (CUCA)20, no período carnavalesco, em 2012,

por intermédio de palestras voltadas à prevenção das drogas e doenças sexualmente

transmissíveis. Houve também parceria com o Vila das Artes21, ao se propor uma atividade

de exposição dos filmes de curta metragem em espaços urbanos aos usuários de

substância psicoativa em situação de rua, contudo, a ação planejada não foi executada no

prazo estabelecido, período em que ainda nos encontrávamos em campo.

Em janeiro de 2012, conforme a Portaria do Ministério da Saúde nº 122, foi

definido que as diretrizes de organização e funcionamento das equipes do Consultório de 19 Por contexto sócio-histórico entendem-se os registros que o homem faz da realidade e das experiências vividas sem dissociá-lo do mundo social e cultural (BOCK, GONÇALVES, 2002). 20 Esse espaço agrega atividades voltadas para a cultura, o lazer, a educação, o esporte, a formação profissional etc. Estimula o protagonismo juvenil, disponibiliza espaços de convivência para os jovens, oferece oficinas especificas para essa faixa etária e possui acervos, equipamentos e atividades direcionadas para a juventude. 21 É um equipamento social da Prefeitura Municipal de Fortaleza que direciona suas atividades para a Formação em Artes, apoio a produção artística, incentivo a pesquisa e difusão cultural. Oferece gratuitamente diferentes formatos de cursos e atividades como mostras de filmes, debates, encontros e intervenções artísticas.

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Rua deveriam seguir os nortes da Política de Atenção Básica, conforme destacado na

sequência:

As equipes do Consultório de Rua integram o componente atenção básica da Rede de Atenção Psicossocial e desenvolvem ações de Atenção Básica, devendo seguir os fundamentos e as diretrizes definidas na Política Nacional de Atenção Básica. (BRASIL, 2012).

Como práticas direcionadas pela Política Nacional de Atenção Básica, as ações

em saúde caracterizam-se pela interdisciplinaridade, regionalização22 e territorialização23,

desenvolvidas em nível primário, ao priorizarem a prevenção, promoção e recuperação da

saúde a partir de processos sociais, culturais, históricos e subjetivos da população assistida.

Essa política representa uma possibilidade estrutural para ações intersetoriais da rede de

serviços em saúde. Propõe-se um modo de cuidar da saúde em superação ao modelo

biomédico e organicista de queixa/conduta, restrita a prescrições medicamentosas e

encaminhamentos para exames e serviços especializados (BRASIL, 2006).

A Redução de Danos como uma política transversal à Política Nacional de

Atenção Básica, alicerçada inicialmente pela Política Nacional de Álcool e outras Drogas aos

usuários de substâncias psicoativas, sofreu alteração em seu método ao se incluir novas

funções e diretrizes. As estratégias da redução de danos, ao serem incluídas nas novas

funções e diretrizes das Políticas Públicas direcionadas às questões das drogas, no Brasil,

são influenciadas pelas necessidades do contexto local, na contemporaneidade. Essas

necessidades se moldaram da dimensão concreta, específica e preventiva de troca local das

seringas, em Santos, para a dimensão abstrata por intermédio da Política Nacional de Álcool

e outras Drogas, que direcionou a Redução de Danos às práticas em saúde promovedoras

dos avanços na qualidade de vida dos seres humanos.

Ainda sobre a realidade dos contextos locais voltados às necessidades humanas

em saúde na contemporaneidade, buscamos no próximo item, esclarecer a proposta da

Redução de Danos na perspectiva do Projeto Consultório de Rua.

22 A Regionalização é um princípio organizacional do SUS e a diretriz que orienta o processo de descentralização das ações e serviços de saúde. Orienta o processo de identificação e construção das Regiões de Saúde, nas quais ações e serviços são organizados para garantir o direito da população à saúde e potencializar os processos de planejamento, negociação e pactuação entre os gestores. 23 A territorialização significa “delimitar e conhecer o território de atuação, mapeando no espaço local os recursos e formas de organização da comunidade, as diferenças, desigualdades e riscos nas microáreas; identificar indivíduos, famílias ou grupos com maior vulnerabilidade e/ou risco”. (FRANÇA, S. P., FARIAS, I., COELHO, D. M. et al, 2011).

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2.4. O Projeto Consultório de Rua em interface com a Redução de Danos

O Projeto Consultório de Rua é um dispositivo da saúde que visa atender

crianças, adolescentes, adultos e idosos em condições de vulnerabilidade social e em

situação de rua, adotando a Redução de Danos como uma das estratégias de intervenção,

ancorando-se na interdisciplinaridade da equipe multiprofissional (BRASIL, 2012).

No contexto da vulnerabilidade social relativa à questão das drogas, as

diversidades dos modos de usos das substâncias psicoativas são consideradas na

perspectiva sócio-histórica. Daí não ser possível atribuir uma causa universal para o uso

nocivo24, abuso25 ou dependência26 de substâncias psicoativas. (ESPINHEIRA, 2004;

MACRAE, 2001). Para as diversidades dos modos de usos das substâncias psicoativas o

Projeto Consultório de Rua pretende contemplar a singularidade do sujeito ao respeitar as

liberdades de escolhas, propondo alternativas que reduzam os danos à saúde durante o uso

destas.

Como alternativa que diminua os danos à saúde, a Redução de Danos,

enquanto estratégia de trabalho se configura como importante ação na atualidade, por

promover a aproximação e o acesso dos profissionais da equipe do Consultório de Rua à

população usuária de droga em situação de rua. É uma alternativa de saúde pública aos

modelos proibicionistas e de tratamento que reconhece a abstinência como resultado ideal,

sem desconsiderar as alternativas que reduzam os danos (MARLATT, 1999).

Estas estratégias em redução de danos pretendem reduzir os prejuízos de

natureza biológica, social, cultural e econômica aos usuários de substâncias psicoativas,

promovendo-lhes o acesso aos serviços de saúde como uma alternativa, adotando a relação

profissional-usuário como um caminho para a construção de vínculos (MARLATT, 1999).

Seguindo esse pensamento, o foco da Redução de Danos no Consultório de

Rua não é o objeto uso nocivo, abuso ou dependência da substância psicoativa, mas a

melhoria na qualidade de vida do indivíduo pela promoção da saúde. Essa reflexão também

fundamenta-se em Moreira, Silveira e Andreoli (2006), quando afirmam que a Redução de

Danos tem suas propostas transversalizadoras pela promoção da saúde quando ofertam

ações inclusivas por intermédio das parcerias intersetoriais, investindo, assim, na autonomia

dos indivíduos, concebendo-os independentemente do uso.

No trajeto da Redução de Danos houve a transposição das ações únicas

direcionadas à prevenção de DST/AIDS para as estratégias que investem na promoção da 24 Padrão de uso que causa prejuízo físico ou mental à saúde, sem que os critérios para dependência sejam preenchidos (GALDURÓZ, 2011). 25 Consumo contínuo, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes, causados ou aumentados pelos efeitos da substância psicoativa (GALDURÓZ, 2011). 26 Forte desejo ou senso de compulsão para consumo da substância psicoativa. Abandono progressivo de prazeres e interesses alternativos, em favor do uso com um aumento da quantidade de tempo para obter, ingerir ou se recuperar dos efeitos da substância psicoativa (GALDURÓZ, 2011).

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saúde. Dentre essas estratégias a Redução de Danos é indicada pelo Ministério da Saúde

como uma:

“[...] estratégia de saúde pública que visa reduzir os danos causados pelo abuso de drogas lícitas e ilícitas, resgatando o usuário em seu papel auto-regulador, sem a preconização imediata da abstinência e incentivando-o à mobilização social – nas ações de prevenção e de tratamento, como um método clínico-político de ação territorial inserido na perspectiva da clínica ampliada” (BRASIL, 2004b p. 25).

A clínica ampliada, enquanto diretriz da Política Nacional de Álcool e outras

Drogas, do Ministério da Saúde, concebe os usuários de substância psicoativa como

sujeitos corresponsáveis pela produção de saúde ao se posicionarem de modo ativo na

relação clínica. Outro ângulo a ser explorado na clínica ampliada, dentro da relação

terapêutica, são as ações de território. Nas ações de território a escuta ativa do profissional

volta-se para o sujeito em atendimento, considerando sua singularidade. Nesse contexto, o

saber do especialista não será o único a ser relevante, pois no processo da produção de

saúde consideram-se os sujeitos singulares na sua autonomia (CAMPOS, 1997).

É interessante perceber que na Redução de Danos a clínica ampliada se molda

por intermédio do procedimento clínico-político ao criar novos dispositivos na atenção e

assistência a usuários de substâncias psicoativas. Esses novos dispositivos podem ser

percebidos por intermédio de supervisões, assembleias, incentivos ao conhecimento dos

direitos humanos e direitos constitucionais, criação dos cachimbos de madeiras para

prevenção de Hepatite C entre usuários de crack, substituição de crack por maconha, dentre

outras ações (CAMPOS, 2000).

Por intermédio desses novos dispositivos a transversalização e a

operacionalização da Redução de Danos passam a exigir diferentes respostas e

encaminhamentos das diferentes disciplinas e serviços ao integrar questões como AIDS e

drogas nas ações de atenção à saúde (CAMPOS, 2000). Nessa perspectiva, tem-se nas

diretrizes da Política Nacional de Álcool e outras Drogas a Redução de Danos como mais

uma possibilidade de intervenção da prática em saúde na ação de território sobre o tema

drogas.

Acrescenta-se que dentre as ações de atenção à saúde na Redução de Danos,

o desenvolvimento da ação territorial e a promoção da acessibilidade ao SUS ancoram-se

na Política de Atenção Básica, em que a abstinência27 não é o único objetivo a ser

alcançado quando se lida com as singularidades dos sujeitos (BRASIL, 2004b). Nas

singularidades temos aqueles sujeitos que querem parar de usar a substância psicoativa,

porém não conseguem ficar abstênico e os que optam por continuar a usar de um modo que

27 A abstinência é a ausência da substância psicoativa no organismo.

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não venha a prejudicar as suas atividades diárias como trabalho, atividades de lazer,

estabilidade na relação com família e amigos, alimentação e sono regulares.

Em Laranjeira (2004) se esclarece mais essa questão da abstinência na

Redução de Danos quando “reconhece a abstinência como resultado ideal, mas aceita

alternativas que reduzam os danos” (LARANJEIRA, 2004, p. 425).

No Brasil, essa questão da abstinência versus políticas públicas manifesta-se no

âmbito do Ministério da Saúde sob o seguinte pensamento:

“A abstinência não pode ser, então, o único objetivo a ser alcançado. Aliás, quando se trata de cuidar de vidas humanas, temos que, necessariamente, lidar com as singularidades, com as diferentes possibilidades e escolhas que são feitas. As práticas de saúde, em qualquer nível de ocorrência, devem levar em conta esta diversidade. Devem acolher, sem julgamento, o que em cada situação, com cada usuário, é possível, o que é necessário, o que está sendo demandado, o que pode ser ofertado, o que deve ser feito, sempre estimulando a sua participação e o seu engajamento. Aqui a abordagem da redução de danos nos oferece um caminho promissor. E por que? Porque reconhece cada usuário em suas singularidades, traça com ele estratégias que estão voltadas não para a abstinência como objetivo a ser alcançado, mas para a defesa de sua vida. Vemos aqui que a redução de danos oferece-se como um método (no sentido de methodos, caminho) e, portanto, não excludente de outros. Mas, vemos também, que o método está vinculado à direção do tratamento e, aqui, tratar significa aumentar o grau de liberdade, de co-responsabilidade daquele que está se tratando. Implica, por outro lado, o estabelecimento de vínculo com os profissionais, que também passam a ser coresponsáveis pelos caminhos a serem construídos pela vida daquele usuário, pelas muitas vidas que a ele se ligam e pelas que nele se expressam” (BRASIL, 2004b p.10).

Resulta que o desafio da Redução de Danos é o desenvolvimento da

democracia que garanta às minorias a possibilidade de expressão e cooperação política,

assim como a disponibilidade para as formas de sustentabilidade financeira a fim de

exercerem funções públicas entendidas como gestão comum (MESQUITA, 1994; CAMPOS,

2000).

Nas estratégias de Redução de Danos tem-se o princípio da transversalidade na

gestão comum. Como exemplos desse princípio podem ser citados, entre os diferentes

serviços de atenção à saúde e espaços políticos, a inserção dos usuários de drogas,

travestis e profissionais do sexo no desenvolvimento das discussões sobre as práticas em

saúde. Esse princípio, para ser legitimado, requer o estabelecimento de vínculos, confiança

e cooperação entre os profissionais da saúde e os usuários de substâncias psicoativas

visando uma maior eficácia na intervenção. Por esse ponto de vista, no campo das

discussões sobre saúde a Redução de Danos direciona sua abordagem para o foco da

relação cuidador-paciente (MERHY, 2002).

Merece destaque na abordagem da Redução de Danos, que a relação cuidador-

paciente segue o princípio metodológico da produção de conhecimento segundo a qual

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primeiro se deve conhecer para, só após, se intervir. Essa indicação advém das

imprevisibilidades, tanto clínicas quanto políticas, no contexto dos usuários de substâncias

psicoativas de modo que, nas abordagens terapêuticas, se parte do seu saber (BRASIL,

2006).

Ademais, na Redução de Danos se concebe o sujeito em sua dimensão sócio-

histórica, pertencente a um lócus, na medida em que o mesmo interage com seu entorno,

fazendo-se sujeito (SARACENO, 2001; TURCK, 2002; BOMFIM, 2003).

Acrescente-se que princípios como dignidade da pessoa humana e direitos

humanos aos usuários de drogas e membros de outros grupos, também estigmatizados e

oprimidos, são ofertados nas diferentes estratégias da Redução de Danos. Nessa

perspectiva, a Redução de Danos pode ser compreendida como um paradigma às

intervenções clínicas de diferentes áreas (MATOS, 2007).

Por fim, a Redução de Danos procura minimizar os possíveis danos que o

consumo de uma substância psicoativa pode causar à saúde na dimensão biopsicossocial

da pessoa, visando à promoção da saúde, cidadania e direitos humanos, levando em

consideração a necessidade real do indivíduo e não o direcionando à lógica da abstinência

ou da internação. Deste modo as intervenções em redução de danos assumem um modo de

cuidado que acolhe o sujeito em seu sofrimento frente às fragilidades sociais circundantes.

Assim, dentre as estratégias e intervenções interdisciplinares e multiprofissionais

no Projeto Consultório de Rua, as práticas em saúde, embasadas pela Redução de Danos,

se voltam para a promoção, prevenção e tratamento por intermédio dos cuidados primários

no espaço da rua (BRASIL, 2010c).

No município de Fortaleza, o Projeto Consultório de Rua, intitulado “Consultórios

de Rua e Redução de Danos: atenção integral ao usuário de álcool e outras drogas em

espaços coletivos”, durante a realização desta pesquisa, não direcionou o desenvolvimento

das atividades em redução de danos para o desenvolvimento das discussões políticas junto

aos usuários de substâncias psicoativas, no período considerado.

As atividades de redução de danos desenvolvidas pela equipe do Projeto

Consultório de Rua, no município de Fortaleza, serão ainda discutidas nos capítulos

seguintes, durante a análise dos dados. A discussão será focada em torno das questões

relacionadas às práticas do cuidar e da territorialização, as quais os usuários de drogas

lícitas e ilícitas estão submetidos.

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3. PRÁTICAS TERAPÊUTICAS EM REDUÇÃO DE DANOS: PROJETO CONSULTÓRIO DE RUA EM FORTALEZA-CE

Neste capítulo discorre-se sobre as terapêuticas realizadas pelos profissionais

do PCR em confronto com as dimensões referentes aos saberes em redução de danos e

práticas de território, no município de Fortaleza.

A fim de se situar o leitor quanto ao recorte do estudo em questão apresentamos

algumas características do município de Fortaleza: território localizado no litoral norte do

estado do Ceará, com área espacial de 313,8km2, que se limita ao norte e ao leste com o

Oceano Atlântico e com os municípios de Eusébio e Aquiraz; ao sul com os municípios de

Maracanaú, Pacatuba e Itaitinga; e a oeste com os municípios de Caucaia e Maracanaú

(FORTALEZA, 2007).

Em termos administrativos, o município de Fortaleza possui uma estrutura físico-

política dividida, operacionalmente, em seis Secretárias Executivas Regionais (SERs). Cada

SER é responsável por desenvolver ações de caráter estrutural, assim como proporcionar o

crescimento e desenvolvimento econômico-social de sua população (FORTALEZA, 2007).

Essas SERs dispõem de um Distrito de Saúde, de Educação, do Meio-Ambiente,

de Finanças, de Assistência Social e de Infraestrutura. Vale ressaltar que também possuem

como órgão gestor a Secretária Municipal de Saúde (SMS) (FORTALEZA, 2007).

Os espaços já apropriados pelos profissionais do PCR ficam localizados nos

bairros Centro, Praia de Iracema e Vicente Pinzón. Para a ocupação desses espaços, o

município, em 2012, contou com duas equipes no PCR, contudo, devido aos critérios de

inclusão e exclusão da amostragem, somente uma equipe participou do processo de coleta

dos dados, conforme já informado na introdução deste estudo.

3.1. Redução de danos e subjetividade em espaço urbano: os saberes na prática de território

As relações urbanas, segundo Santos (2003), estão cada vez mais globalizadas. No Brasil, Santos (2003), reconhece que o processo de urbanização nas sociedades

assumiu proporções de constante expansão em território nacional.

Sobre o estudo da categoria território, Santos (1998) a compreende enquanto

uma dinâmica urbana que concebe o espaço em sua totalidade. Por esse entendimento,

atualmente, a noção de território assume novos arranjos em seus conceitos. Conforme

Santos (2004), o espaço existe a partir da inter-relação entre os objetos e as ações

humanas nele produzidas, firmando-se enquanto um produto das relações sociais. Para

esse autor, espaço é concebido como “[...] um conjunto indissociável, solidário e também

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contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente,

mas como quadro único no qual a historia se dá” (SANTOS, 2004, p. 63).

Por sua vez Haesbaert (2004) aponta a discussão do território a partir de seu

aparecimento e desaparecimento com características de mobilidade e transitoriedade.

Pereira (2000) complementa essa reflexão considerando o conceito de território na

perspectiva de um lugar construído e “produto da apropriação, da valorização simbólica de

um grupo em relação ao espaço vivido” (p. 52), onde, segundo Fontes (2009), as vivências

cotidianas direcionam-se para as sociabilidades primárias e secundárias.

Nessa primeira instância, o habitat mais íntimo e duradouro corrobora uma rede

comunitária mais fechada, enquanto que na sociabilidade secundária, os espaços são

compartilhados e construídos simbolicamente a partir de sociabilidades ancoradas em

práticas institucionais, podendo ser observadas em templos, comunidades e políticas

públicas (FONTES, 2009).

Sobre os espaços, Bourdieu (1983, 1998) afirma que compreende não apenas o

aspecto econômico, mas também o cultural e o social nestes. Segundo o autor, espaço

social é um campo de lutas com atores na perspectiva individual e grupal que, ao

elaborarem estratégias, estabilizam ou melhoram sua posição social. Essas estratégias

estão relacionadas aos capitais econômicos, sociais e culturais.

Bourdieu (1983, 1998) identifica três aspectos do capital social que são: a sua

composição constitutiva; os acréscimos aos sujeitos mediante participação em grupos ou

redes sociais; e as manifestações reprodutivas. Os elementos que irão compor esses

aspectos do capital social serão as redes de relações sociais, a quantidade e a qualidade de

recursos do grupo.

As redes de relações sociais permitem aos diferentes atores o acesso a recursos

atualizados do campo social, a potenciais subjetivos e individuais próprios dos membros do

grupo e à rede durável das relações institucionalizadas de reconhecimento e inter-

reconhecimento mútuo. As relações estabelecidas entre os indivíduos pertencentes a um

determinado grupo advêm do compartilhamento das relações objetivas, do espaço

econômico e social e das trocas materiais e simbólicas. Essas redes sociais proporcionam

ao sujeito sentimentos de pertencimento a um determinado grupo (BOURDIEU, 1983, 1998).

Quanto à quantidade e qualidade de recursos do grupo, o autor está se referindo

às distintas formas de capital (econômico, cultural ou simbólico) singular aos agentes aos

quais o indivíduo esteja ligado. Da mesma forma, os ganhos obtidos pelos sujeitos serão

oriundos da sua participação nos referidos grupos aos quais esteja ligado, apropriando-se

das benfeitorias materiais e simbólicas que contornam os componentes da rede social.

Bourdieu compreende que o capital social tende a ser transformado em capital econômico

ou mesmo em capital cultural (BOURDIEU, 1983, 1998).

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O capital social é importante às classes porquanto proporciona aos sujeitos a

sua participação em grupos ou redes sociais que venham a lhes absorver, trazendo-lhes

benefícios simbólicos (status ocupacional, por exemplo) ou mesmo salariais. Conforme

Bourdieu (1983, 1998), o campo refere-se ao espaço no qual se manifestam as relações de

poder sob cuja regência ocorrem as distribuições desiguais do quantum social. O quantum

social determina a posição ocupada pelo sujeito. Esse quantum é o capital social. Os

sujeitos que têm o quantum social reconhecido pelo grupo assumem posições dominantes,

enquanto o inverso tende a acontecer com aqueles cujo quantum o grupo não reconhece,

são relegados às posições inferiores do campo.

Campo, para Bourdieu (1998), é o espaço para aonde as lutas e conflitos entre

os agentes convergem, conforme a posição que estejam ocupando, sem ser

desconsiderada a sua preservação ou transformação. O que orienta as estratégias dos

agentes (sujeitos) é a posição que detêm no interior do campo.

Por sua vez ao discutir sobre o capital social, numa perspectiva do sujeito

individualizado, Pol (1999), utiliza conceito cunhado por Sansot (1968) para explicar que a

exposição corporal do sujeito em território demarcado, com o fim de conhecer e implicar-se

ao ambiente, acontece via base sensório-motriz.

Esse conhecimento e implicação do corpo no espaço favorecem o resgate do

conceito de apropriação urbana em Korosec-Serfaty (1986), lembrado por Pol (1999),

considerado um processo dinâmico, de interação vivencial do indivíduo com seu meio

externo, suscitando “o sentimento de possuir e gerir um espaço, independente da

propriedade legal, por uso habitual ou por identificação” (p. 45).

A apropriação do espaço urbano enquanto um processo dinâmico exige

movimento e temporalidade próprios. Sobre esse dinamismo, Pol (1996) afirma que na

constituição do conceito de apropriação do espaço coexistem dois estilos circulares, um de

ação-transformação e outro de identificação. Esses dois estilos podem não ocorrer de forma

conjunta ou pode acontecer um e o outro não. A ação-transformação, oriunda de atividade

comportamental, modifica o espaço e promove um significado para o sujeito, compartilhado

ou não com a coletividade. Nesse momento, dar-se-ia o processo formativo da identidade

urbana ou de lugar, em que o espaço apropriado favorece a manutenção do referencial,

espacial e simbólico, e da identidade pessoal e histórica. Essa manutenção de referencial e

identidade vinculados garante à capacidade da autonomia humana.

Segundo Bomfim (2003), apropriar-se é “identificar-se e transformar-se a si

mesmo, a coletividade e o entorno. Isto quer dizer que o que cada um de nós é inclui, de

maneira determinante, os lugares que temos sido e os lugares que somos”. (p. 85).

Por sua vez, Santos (2003), ao entender a categoria território enquanto uma

apropriação social no âmbito político, econômico e cultural, assume ser esta possuidora de

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característica dinâmica, cercada por conflitos inerentes à própria condição humana de

relacionar-se socialmente. Por isso, nessa perspectiva, tem-se um território fragmentado e

fragmentador, integrado e integrador, que externa as relações políticas e econômicas do

espaço local a polos de decisões globais.

Seguindo na discussão sobre território e apropriação urbana, observa-se,

atualmente, que em paralelo ao desenvolvimento tecnológico e às oportunidades que as

grandes cidades oferecem, no contexto da globalização, a exclusão social aumenta. Sobre a

exclusão social entre as populações sobreviventes à margem da pobreza em espaços

públicos reconhece-se ser derivada de um processo histórico.

Ao se delimitar como campo deste estudo a cidade de Fortaleza, Costa (2007)

comenta que sua organização espacial urbana foi moldada por diversos agentes no âmbito

social, político e econômico em diferentes ações do poder público, setor privado e

moradores, originários de um processo histórico. No século XIX, o município de Fortaleza,

enquanto sede administrativa da província do Ceará, centralizou o poder político e

econômico, aumentando, assim, os “investimentos governamentais e privados em

edificações, infra-estrutura e serviços na capital” (COSTA, 2007, p. 51). Essa centralidade

do poder político e econômico na cidade de Fortaleza proporcionou o seu crescimento

populacional no século XX, que também se operou em decorrência da:

“[...] crise da agricultura cearense, a concentração fundiária e os longos períodos de estiagem [...] a cidade passa a ser atraente para diferentes grupos sociais, em virtude do desenvolvimento do comércio e da indústria, da implantação de infraestrutura e serviços e da oferta de empregos urbanos. [...] Fortaleza cresceu de forma radioconcêntrica, acompanhando os grandes eixos viários, em torno dos quais se formaram os bairros mais antigos” (COSTA, 2007, p. 52).

Nas décadas de 1950 e 1960, nos limites de abrangência territorial do bairro

Centro surgem as favelas da Estrada de Ferro, conhecidas pelas localidades Pirambu,

Morro do Ouro, Poço da Draga e Cinza. Os atrativos para a população migrante sofreram

discrepância nas proporções estatísticas entre a totalidade populacional e a “oferta de

emprego, condições de infra-estrutura e serviços urbanos. Nas periferias alojam-se estes

migrantes, que se mobilizam e pressionam o poder público por trabalho, moradia e serviços

públicos” (COSTA, 2007, p. 77).

Corroborando a fala de Costa (2007) em relação ao processo de

desenvolvimento dos entornos no território fortalezense, Silva (2007) assim se posiciona:

“Em Fortaleza, as favelas, os conjuntos habitacionais mal conservados e as áreas de risco são marcas de territórios empobrecidos em expansão que avançam em direção aos municípios vizinhos, convertendo áreas rurais em espaços sub-urbanizados. Os fluxos migratórios atraem pessoas que vêm de toda parte em busca da cidade. A maioria chega com dificuldade de

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ajuste à vida urbana, sem a devida qualificação profissional, numa conjuntura marcada pelo desemprego e por formas precárias de ocupação do espaço. A configuração da paisagem de Fortaleza e da área metropolitana abriga enormes grupos socialmente diferenciados, estando a maioria, no grupo dos vulneráveis constituídos, principalmente por migrantes. São pessoas em busca de um lugar na capital. Na área metropolitana de Fortaleza, os imigrantes constituem praticamente um quarto da população” (COSTA, 2007, p. 101).

Silva (2007) contextualiza o centro de Fortaleza, trazendo alguns apontamentos

que discutem essa paisagem:

“A precariedade e o déficit que atingem os setores de infra-estrutura, equipamentos e serviços nas áreas do saneamento básico, habitação, saúde e educação agravam a situação de pobreza do centro da cidade que se transformou em centro da periferia. Eles são indicadores das diferenças estruturais que explicam os enormes desníveis e os contrastes marcantes entre o centro e outros bairros da cidade. O crescimento acentuado da população urbana do Ceará engrossa a lista das cidades de porte médio e reforça algumas das pequenas. Essa população recentemente integrada à condição de urbana, permanece elegendo o centro de Fortaleza como núcleo principal de negócios e espaço simbólico do encontro do interior com a capital” (SILVA, 2007, p. 117).

Silva (2007) conclui que o centro do município de Fortaleza mostra-se “[...]

repartido, fragmentado, configura diversos territórios em seu interior, confirmando sua

condição de espaço privilegiado de negócios, de encontro, de trocas e de múltiplas

atividades” (p. 117).

Apresentada a complexidade que contorna a dinâmica do espaço urbano, temos

para a prática terapêutica na perspectiva da Redução de Danos no PCR um território em

constante movimento e temporalidade próprios, cercado por conflitos intrínsecos do âmbito

político, econômico e cultural, onde ao transformá-lo nos identificamos. Os agentes sociais

ao transformarem esse território por meio do capital social, garantido pelas experiências

pregressas em grupos ou redes sociais, obtêm ganhos simbólicos que podem ser

transformados em capital econômico ou mesmo capital cultural.

No cenário de Fortaleza tem-se para essas discussões dois contextos

entrelaçados, ou seja, de um lado profissionais assalariados que na prática, além de

aumentarem o capital econômico, ampliam seu capital cultural sobre o abuso e dependência

das substâncias psicoativas a partir da troca de saberes prévios oportunizados pelo

desenvolvimento das práticas terapêuticas realizadas durante a abordagem de rua com os

diferentes agentes sociais que são os moradores em situação de rua, os seguranças das

instituições privadas e públicas, os educadores e assistentes sociais e sujeitos que realizam

atividades filantrópicas.

Tais ações de saúde se constituem através das informações sobre doenças

sexualmente transmissíveis e os riscos causados pelo uso inadequado das substancias

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psicoativas, distribuição de insumos, panfletagem e encaminhamento às instituições de

saúde e vacinação contra hepatite B. Por outro lado, se encontram os usuários das

substâncias psicoativas que ao receberem essas práticas terapêutica dos profissionais do

PCR ampliam o capital cultural sobre a administração da droga no organismo sem causar

muitos danos a saúde.

Assim, no território de Fortaleza a prática terapêutica dos profissionais do PCR

junto aos usuários de substâncias psicoativas atendidos, apresenta uma comunhão entre o

saber técnico, popular e experiências vividas dos agentes sociais nos diferentes espaços

urbanos onde acontece a abordagem de rua. Acerca desses saberes comungados sobre o

assunto dependência de substâncias psicoativas e modo de vida urbana, na perspectiva da

Redução de Danos, seguiremos no item a seguir com uma breve discussão.

3.1.1. Configuração dos saberes na Redução de Danos

Os saberes regidos sob a lógica da Redução de Danos, no município de

Fortaleza, por profissionais que compõem a equipe do Consultório de Rua, refletem

diferentes nuanças a partir do agrupamento de capital cultural que são atualizados no

decorrer da trajetória pessoal e funcional, no campo do fazer em saúde.

Os saberes sobre Redução de Danos dos profissionais da equipe do PCR

permitem inferir que se manifestam enquanto abordagem estratégica e diferenciada de

acesso do usuário de drogas, em situação de vulnerabilidade social, aos serviços de saúde,

como se verifica pelas próprias palavras de um dos entrevistados:

A redução de danos é uma estratégia, uma tecnologia que seja de uma funcionalidade muito grande e vista como uma possibilidade de acesso do usuário aos seus direitos. Então, o usuário que quer continuar fazendo uso de qualquer tipo de substância, continua tendo os seus direitos para fazer algum tipo de tratamento, a pensar sobre sua saúde, a pensar sobre a forma de uso, mesmo que ele continue usando. Ele tem mais opções. (COLABORADOR 5).

Trata-se de diferentes estratégias em saúde que oportunizam o diálogo, sem

preconceito, com usuários em situação de abuso e dependência de drogas, pelas calçadas

e guetos da cidade, garantindo-lhes o direito de optar por obter ou não tratamento. Na visão

de um dos entrevistados, essa estratégia consiste na:

“[...] proposta mais viável que eu encontrei, até o momento, para estabelecer um diálogo com o usuário em uso de drogas”. (COLABORADOR 4).

Essa compreensão da lógica sobre Redução de Danos enquanto uma estratégia

e uma política que reduza os danos à saúde daquele que se encontra em situação de rua

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apreendida a partir das falas dos profissionais da equipe do PCR constrói o lugar destes

enquanto agentes de diferentes práticas em saúde inseridos no território de zona urbana.

É uma prática de saúde que agente trabalha na rua. (COLABORADOR 2).

Na verdade eu entendo redução de danos como uma política, uma série de práticas que vêm tentar reduzir os danos à saúde de quem está em uso abusivo de drogas. (COLABORADOR 3).

Os saberes sobre Redução de Danos são apreendidos não só por leituras

científicas, mas também pela prática na abordagem de rua em que devem estar envolvidos

tanto os profissionais da equipe do Consultório de Rua quanto os usuários de drogas em

situação de rua atendidos, em Fortaleza.

Na atenção de cuidados à saúde, atualmente se prioriza a integralidade

enquanto um processo de construção dos espaços de troca e pactuação entre os

profissionais entre si e os usuários, implantando normas e protocolos dentro do sistema de

saúde, possibilitando que o indivíduo percorra diferentes níveis de atenção, de acordo com

sua necessidade (FERREIRA, 2009).

Ela pode ser observada de duas formas: no nível micro e no nível macro. No

nível micro a integralidade é mais focalizada, pois existe enquanto uma avaliação individual

das necessidades dos usuários, por intermédio de uma abordagem multiprofissional

centrada no espaço do serviço de acolhimento28 que promove a avaliação de risco,

vulnerabilidade. No nível macro segue por uma perspectiva mais ampliada a partir da

articulação entre os serviços de saúde e outros (FERREIRA, 2009). Os serviços de saúde

diferenciam-se a depender da referência em atenção básica, secundária ou terciária que

correspondem, respectivamente, a atendimentos de baixa, média ou alta complexidade.

Contudo, a depender da demanda do usuário estes serviços podem articularem-se a fim de

promoverem atenção integral em saúde.

À integralidade somam-se conceitos como linha de cuidado e territorialização, no

âmbito da saúde, que serão discutidos mais à frente. Entretanto, adianta-se que na linha de

cuidado há um acordo assistencial com foco no usuário, considerado o elemento

estruturante do processo de produção da saúde. É um trabalho contínuo, articulado,

horizontal, de atenção ao paciente, que se realiza por meio de uma abordagem

multiprofissional de acordo com suas necessidades. A organização por linha de cuidado se

dá mediante trabalho em equipe como somatório de ações específicas de cada profissional,

como linha de montagem do tratamento da doença, tendo a cura como ideal (FERREIRA,

2009). 28 Conforme Pinheiro e Mattos (2004) o acolhimento faz-se importante na construção da postura dos profissionais em receber, escutar e tratar humanizadamente as demandas dos usuários que estejam sendo assistidos por estes. Implica na responsabilização dos profissionais da saúde pela condução da proposta terapêutica e corresponsabilização do usuário pela sua saúde.

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A Linha do Cuidado Integral incorpora a ideia da integralidade na assistência á

saúde, o que significa unificar ações preventivas, curativas e de reabilitação; proporcionar o

acesso a todos os recursos tecnológicos de que o usuário necessita, desde visitas

domiciliares realizadas pela Estratégia Saúde da Família e outros dispositivos como o

Programa de Atenção Domiciliar, até os de alta complexidade hospitalar; e ainda requer

uma opção de política de saúde e boas práticas dos profissionais. O cuidado integral é

pleno, promovido com base no ato acolhedor do profissional de saúde, no estabelecimento

de vínculo e na responsabilização diante do seu problema de saúde (FERREIRA, 2009).

Já na territorialização tem-se a técnica de reordenação do trabalho em saúde de

acordo com o vínculo terapêutico entre equipe e usuários, destacando-se sua importância

no cenário atual da organização da rede e serviços de saúde, bem como das práticas

sanitárias locais. Os objetivos da territorialização em saúde são: 1- Delimitar um território de

abrangência; 2- Definir a população favorecida e apropriar-se juntamente com ela do perfil

da área e da comunidade; 3- Reconhecer dentro da área de abrangência barreiras e

acessibilidade; 4- Conhecer condições de infraestrutura e recursos sociais; 5- Levantar

problemas e necessidades, definindo um diagnóstico da comunidade (continuo); 6-

Identificar o perfil demográfico, epidemiológico, socioeconômico e ambiental; 7- Identificar e

assessorar-se em lideranças formais e informais; 8- Potencializar os resultados e os

recursos presentes nesse território. Como produto desse processo pode se obter o

estabelecimento de uma rede social solidária, que resultará em melhoria da condição de

saúde da comunidade e dos trabalhadores inseridos nesse espaço e na ampliação de

projetos sociais envolvendo diferentes sujeitos da comunidade na busca de recursos

(FERREIRA, 2009).

Além do conhecimento sobre a integralidade, linha do cuidado integral e

territorialização somam-se ao saber técnico dos profissionais do PCR o conhecimento dos

moradores em situação de rua sob abuso ou dependência de substâncias psicoativas, assim

como também a prática de outros profissionais e supervisão institucional. Foi observado

durante pesquisa de campo que profissionais noturnos como seguranças de

estabelecimentos privados e públicos contribuem com a prática terapêutica do PCR ao

informarem sobre os fatos ocorridos no território, onde se encontram os moradores em

situação de rua. Dentre os fatos narrados temos conflitos como homicídios e agressões

físicas decorrentes da disputa de território ou relações inter-pessoais entre pares afetivos

que resultam na evasão destes para outros territórios.

Hoje o conhecimento da redução de danos vem para mim muito mais das experiências do que vejo na rua, das coisas que leio de experiências práticas também, vem muito do que eu vejo da prática das pessoas que trabalham com a gente, dos usuários que a gente acessa (COLABORADOR 5).

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Nas trocas de saberes entre esses atores são consideradas as condições

sanitárias de uso da substância psicoativa, assim como o seu manuseio que irão variar a

depender do espaço onde o usuário esteja inserido.

Foram observadas durante a pesquisa de campo condições do uso das

substâncias psicoativas entre os moradores em situação de rua que não consideram os

devidos cuidados à saúde como por exemplo: uso da lata de alumínio para a queima e

inalação da fumaça do crack sem as devidas noções de assepcia; o não descarte do

preservativo durante as relações sexuais a fim de que a utilização deste ocorra para outras

eventualidades; aumento no padrão de uso da substância psicoativa; a não substituição da

droga de uso por outra de efeito menos nocivo; o compartilhar de instrumentais utilizados no

uso da substância psicoativa; o não estabelecimento prévio de um quantitativo da droga a

ser utilizada; o não uso lento da droga para que o tempo de intervalo entre um uso e outro

seja aumentado; uso das drogas com estômago vazio e organismo pouco hidratado; não

recusa da substância psicoativa em período noturno nos espaços públicos.

Na prática terapêutica dos profissionais do PCR, em Fortaleza, orienta-se a

estes moradores em situação de rua, sob o uso de substâncias psicoativas, durante a

abordagem de rua: uso da lata de alumínio somente após assepcia; descarte de

preservativos; diminuição para o padrão de uso da substância psicoativa; substituição da

droga de uso por outra de efeito menos nocivo; não compartilhar instrumentais utilizados

para o uso da substância psicoativa; estabelecer previamente um quantitativo para a droga

utilizada; o uso lento da droga para que o tempo de intervalo entre um uso e outro seja

aumentado; não uso das drogas com estômago vazio e organismo bem hidratado;

investimento na aprendizagem em recusar a substância psicoativa oferecida durante a

estadia nos espaços públicos. Questionamentos sobre o por quê do uso da substância

psicoativa e a motivação do usuário para os devidos cuidados à saúde são levantados pelos

profissionais do PCR durante as abordagens de rua.

Recolhimento de material já utilizado como o crack na lata e informações sobre o

seu descarte não foi observado como orientação dos profissionais do PCR aos moradores

em situação de rua, sob o uso de substâncias psicoativas, durante pesquisa de campo.

Esses saberes em desenvolvimento constante e construídos a partir da relação

entre o profissional da equipe do PCR e o usuário é mediado pela dimensão cultural

existente dentro do contexto de vivências subjetivas, do convívio relacional. Por isso que:

Para quem trabalha com redução de danos vai muito de saberes. Um modo geral de estar sobre o uso, sobre como se faz uso, como é que se usa aquela substância, daquele contexto que você está trabalhando. Saberes para a redução de danos com as pessoas têm muito da convivência, da vivência. (COLABORADOR 5).

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As vivências apreendidas durante a prática dos profissionais da equipe do

Consultório de Rua variam ao serem considerados os usuários enquanto sujeitos singulares,

contudo coletivos, que interagem uns com os outros, no ambiente urbano. Na pesquisa de

campo observou-se que uma informação sobre determinada substância psicoativa ser

melhor para a saúde que outra não sofre nenhum impacto na mudança do uso coletivo ao

ser desconsiderado as condições financeiras e vivências anteriores do grupo. Há grupos de

usuários etílicos que não tem interesse em reduzir a quantidade do uso ou mesmo a troca

por outra substância devido à aquisição ser de menos custo financeiro e às experiências

durante a interação entre estes proporcionar-lhes maior prazer na estadia pelas ruas do que

em ambiente doméstico familiar. Isso ocorre porque:

No Consultório de Rua ou em qualquer outro que você trabalha, você tem essa questão da informação coletiva, onde não só você tem o seu conhecimento, mas todo o grupo que possa repassar isso de forma clara. (COLABORADOR 3).

Por intermédio das práticas dialógicas entre os diferentes grupos de moradores

em situação de rua e a equipe do PCR, surgem as intervenções possíveis que reduzam os

danos físicos e sociais oriundos do uso usuários das substâncias psicoativas.

As intervenções dos profissionais do PCR em Fortaleza ocorrem a partir da

coparticipação dos usuários em atendimento, respeitando-se os limites deflagrados por este

frente às propostas viáveis para a realidade do contexto em que estão inseridos. Essa

compreensão e atitude de respeito durante as intervenções na abordagem de rua podem ser

observadas pelas falas dos profissionais da equipe do PCR a seguir:

Você está acessando através dos diferentes saberes propostas de que você está concebendo junto com essa pessoa, a realidade de cultura, a realidade de espaço físico que ela mora, o contexto social que ela vive. (COLABORADOR 4).

Muitas vezes eu penso de um modo, mas aquele sujeito, que eu estou fazendo a abordagem, já pensa de outra forma. Então, eu tenho que respeitar o direito e os limites que eu encontro na rua com o usuário. (COLABORADOR 1).

Os saberes que constituem a dinâmica de determinados grupos, envolvem o

respeito ao tempo e à escolha destes em relação ao consumo das substâncias psicoativas

pelos profissionais do PCR durante a abordagem de rua sob a lógica da redução de danos.

A abordagem de rua orientada por práticas terapêuticas requerem o conhecimento de

diálogos com linguagem própria. (BRASIL, 2010c).

Acerca desses diálogos que constituem a dinâmica de determinados grupos

temos como exemplos da linguagem própria dos usuários de substâncias psicoativas em

situação de rua, no município de Fortaleza, as seguintes frases ou palavras com seus

respectivos significados, coletadas durante os registros no diário de campo, tais como:

1- “tô a fim de trocar uma ideia contigo”, significa “podemos conversar”?;

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2- “a parada é a seguinte”, significa “o assunto é esse”;

3- “o cachimbo roda entre os usuários durante o uso”, significa “todos usam o

mesmo cachimbo durante o uso da substância psicoativa”;

4- “o nêgo sabe que pode vacilar se continuar nessa linha”, significa “o sujeito

pode ser abordado pela polícia, por outros moradores de rua ou traficantes e sofrer

agressões físicas ou morrer caso não se retire logo de determinado território”;

5- “a turma vazou”, significa “o grupo que encontrava-se em determinado

território se deslocou para outro”;

6- “a boca do soim”, significa “vagina ou ânus”;

7- “o cara colou na minha”, significa “há uma pessoa próxima a outra”;

8- “tá ligado aí?”, significa “fique atento”;

9- “pedo”, significa uma resposta negativa, como por exemplo:

- João onde está sua bolsa?

- Pedo, ou seja, roubaram.

Em outra situação podemos ter o seguinte diálogo com essa mesma palavra:

- João como está sua saúde?

- Pedo, ou seja, mal.

10- “tu vasa”, significa “retire-se daqui”;

11- “Iracema”, significa “muita fome”;

12- “pipoco”, significa “alguém está pronto para atirar em você”;

13- “passar o rodo”, significa “agredir fisicamente outro até a morte”;

14- “vamos para holanda”, significa “reunião de um determinado grupo para o

uso da maconha em lugar específico, como por exemplo, em um mesmo banco de praça”;

15- “pivete”, significa “amigo, companheiro”;

16- “pacatuba”, significa “homossexual passivo ou ativo. No caso o “viado” é o

passivo e o “baitola” é o ativo;

17- “mora”, significa “Entende!, Compreende!”

18- “jorge” ou “bagulho”, significa maconha;

19- “basquetada”, significa a reunião de grupo para alimentação e é realizado o

“piquenique” que significa: em uma lata de tinta são colocados para cozimento o feijão,

arroz, gordura e verduras;

20- “siri dentro de uma lata”, significa uma pessoa com raiva;

21- “to chapado”, significa a fome foi saciada;

22- “avacalhar”, “frescar” ou “tirar sarro”, significam bulling;

23- “diague”, significa segredo;

24- “diague life”, significa um grande segredo;

25- “maricona”, significa bicha velha;

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26- “dá uma paulada”, significa uma sensação no organismo durante o início do

uso de crack;

27- “disaquenta”, significa “saia daqui”;

28- “manguea”, significa “pedir ajuda ou esmola”;

29- “perdeu play-boy”, significa “quando se é roubado”.

Algumas dessas falas que compõem parte do vocabulário dos moradores em

situação de rua usuários de substâncias psicoativas em Fortaleza, já eram conhecidas por

um profissional do PCR, com vistas a trajetória de sua experiência social, o habitus do

“menino que tava metido no tráfico, que tinha certa parceria” e depois motivou-se a trabalhar

no âmbito da saúde a partir da admiração pelo trabalho de alguns membros da família como

“Findei fazendo um curso de auxiliar de enfermagem, porque eu achei tipo: minha mãe já

era auxiliar de enfermagem, as minhas irmãs, primas”, conforme o relato a seguir:

Eu sou de comunidade, que chamavam antigamente de favela. Minha mãe teve 3 filhos. Ela casou muito cedo. Então com 35 anos ela já tinha os 3 filhos e por sua vez, já havia se separado, porque meu pai tinha se envolvido com o tráfico e ela preferiu que agente crescesse num outro ambiente que não fosse aquele. Descobriu que ainda tinha familiares aqui no nordeste. Aí nós vinhemos do Rio de Janeiro para cá. Vim primeiro aos 13 anos e voltei aos 16 anos. Tive alguns problemas de adaptação e isso acabou me deixando numa situação muito vulnerável, usando os termos de hoje. Então, dentro da situação vulnerável eu fui um menino que tava metido no tráfico, que tinha certa parceria. Agente era criança também, e não era algo tão maldoso para mim na época. O meu primeiro lugar de morada aqui foi no Morro do Moinho, ali no Oitão Preto. Então quando eu cheguei ali, eu já vinha meio malandro do Rio. Assim, já sabia muito como era a rua, porque lá agente brincava muito na rua, via como era o movimento e aqui se tornou uma coisa para mim normal, estar ali brincando com os meninos. Então, com a separação da minha mãe foi bem complicado, porque ai minhas irmãs, que eram minha família, estavam separadas: uma tava no Rio de Janeiro, outra tava morando com minha avó. Então, assim, tinha rolado aquela coisa da família ter se desagregado de certa forma. Cheguei a usar bagulho que é a maconha, porque assim: nunca gostei de cocaína, achava a cocaína uma coisa que tipo, deixava a pessoa num estado que não era legal para mim, porque eu tinha amigos que usavam e misturavam com álcool. Sempre achei, assim, dessas drogas a mais pesada da época. Assim, eu sempre tive um limite. Eu não queria decepcionar a minha mãe, nem tão pouco fazer merda da minha vida. Eu preferia usar a maconha porque me deixava mais tranquilo, ainda mais eu que sou meio agitado, mas nunca foi um uso tão presente. Tanto que assim, eu passei os últimos 10 anos sem fazer uso de nada, nem álcool, porque assim, eu não bebo, até porque tive conhecimento de história de famílias próximas da minha e isso me causou medo. Aversão mesmo a figura do bêbado. Então, eu tive essa construção. A droga, a questão de violência, o próprio preconceito que existe em torno de um espaço que é comunidade - isso meio que me rotulavam como alguém que não teria um futuro. Agente pode ver isso aí em qualquer propaganda de ONG, em que criança diz que se não tivesse naquela ONG, vai tá roubando, matando ou, sei lá, tá se drogando... Conheci o movimento negro, que me foi apresentado por outras pessoas que também eram da comunidade e lá eu me distancio da questão das drogas e passo a militar no movimento negro. Do movimento negro, conheço o movimento estudantil, o movimento hip hop que acabam agregando outros valores para as perspectivas de ser humano que eu tenho. Findei fazendo um curso de auxiliar de enfermagem, porque eu achei tipo: minha mãe já era auxiliar de enfermagem, as minhas irmãs, primas. Eu tinha uma vivência de saúde, tava ali perto, cuidando, aprendendo a cuidar. Então para mim foi natural. Só que a saúde

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mental acontece só há 3 anos para mim. Eu tinha aversão a trabalhar com saúde mental, pois eu não tive uma experiência muito boa nos meus estágios como no Nosso Lar, onde passei três meses e chutei o balde, o pau da barraca porque eu não agüentava ver gente gente empilhada como bicho. Ai fui trabalhar no CAPS, com uma proposta inovadora, de trabalhar com aquelas pessoas numa outra perspectiva que não fosse aquela que eu vi dentro do manicômio... Foi um salto pra mim, porque assim, eu consegui compreender que outras pessoas também tinham essa mesma perspectiva ou se não tinha, pelo menos, iam para lá para fazer isso, porque eram pagas para fazê-la ... E assim, me adaptei bastante. Hoje eu tô no Consultório de Rua numa proposta nova de trabalhar com criança e adolescente no espaço de rua que são usuários de qualquer tipo de substância tentando me desenvolver o melhor possível, até para compreender com quem eu estou lidando. (COLABORADOR 3).

Conforme o relato abstrai-se que o saber adquirido pela vivência nas ruas, a

partir da trajetória de vida, pode oportunizar um desempenho diferenciado na construção de

práticas terapêuticas na abordagem de rua.

Essa narrativa ocorreu no período da coleta de dados por meio da entrevista

semiestruturada. Pela observação sistemática da pesquisa de campo e nos bate-papos

casuais, durante as práticas do PCR, foi possível identificar, no modo de ser/agir do

profissional em destaque, uma maior intimidade para a formação de vínculos junto aos

usuários durante a abordagem de rua. Foram cenas que envolveram respeito, limites

relacionais e confiança como, por exemplo: enquanto esse profissional fumava tabaco um

usuário manifestou uma postura agressiva, através de falas e movimento corporal, ao pedir-

lhe o cigarro sem obter êxito.

Na ocasião, o profissional além de não compartilhar o tabaco ainda orientou ao

usuário sobre a importância do desenvolvimento da atividade laboral para a aquisição deste.

Essa relação resultou em encontros posteriores na rua em que o usuário sempre estava

esperando o profissional nem que fosse para um aperto de mão. Tratou-se da abordagem

de rua que se utilizou do diálogo e experiências pregressas do profissional, adquirido

durante a infância e adolescência, narrado pelo Colaborador 3 em: “Cheguei a usar bagulho que é a maconha, porque assim: nunca gostei de cocaína, achava a cocaína uma coisa que tipo, deixava a pessoa num estado que não era legal para mim, porque eu tinha amigos que usavam e misturavam com álcool. Sempre achei, assim, dessas drogas a mais pesada da época. Assim, eu sempre tive um limite ... Conheci o movimento negro, que me foi apresentado por outras pessoas que também eram da comunidade e lá eu me distancio da questão das drogas e passo a militar no movimento negro. Do movimento negro, conheço o movimento estudantil, o movimento hip hop que acabam agregando outros valores para as perspectivas de ser humano que eu tenho. Findei fazendo um curso de auxiliar de enfermagem” (Colaborador 3).

Em função destes traços e dos desdobramentos que eles acarretam, a equipe do

PCR vai se institucionalizando no espaço urbano de Fortaleza a cada encontro oportunizado

pela abordagem de rua.

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A prática terapêutica da abordagem de rua do profissional Colaborador 3

envolveu ações, observadas durante pesquisa de campo, como: contação de histórias

infantis voltadas a saúde bucal, distribuição de preservativos, encaminhamentos ao CAPS

AD da SER II, vacinação contra hepatite B e aconselhamentos sobre formas diferentes do

uso de drogas que reduz os riscos à saúde.

Cabe também registrar aqui que a prática terapêutica da abordagem de rua ao

promover interação entre os diferentes atores sociais em meio aos contornos do espaço

urbano público favorece a formação da identidade profissional dos agentes da equipe do

PCR (BRASIL, 2010c). Segundo Bourdieu (1983, 2003) o desenvolvimento da identidade

profissional não desconsidera a vivência pessoal. Dessa maneira o lugar de construção da

identidade profissional irá favorecer ou não a consolidação do serviço Consultório de Rua na

comunidade (BRASIL, 2010c).

Pierre Bourdieu (1983, 1994, 2001a, 2001b, 2003, 2007), teórico clássico da

sociologia contemporânea, desenvolveu seus estudos pensando a sociedade sob o foco do

espaço em sua dinamicidade, constituído pelas diferentes transformações executadas pelos

sujeitos em interação. Esse autor, ao refletir sobre espaço social, desenvolveu o conceito de

campo e habitus para compreender a dinamicidade mediante a inter-relação entre os

sujeitos.

Bourdieu (1994, 2003) compreende que na prática profissional a partir do

desenvolvimento de determinadas ações dos indivíduos, estes acabam por compararem as

situações atuais com outras já vividas. Durante pesquisa de campo o Colaborador 3 ao ser

abordado por crianças que no momento vendiam bombons no Parque das Crianças

perguntou-lhes como estava a relação delas com a escola, amigos e família. Ao ser

finalizado esse diálogo, o Colaborador 3 ao relatar sobre suas vivências anteriores no

espaço da rua à pesquisadora, durante pesquisa de campo, comentou sobre sua infância

afirmando que: “... dentro da situação vulnerável eu fui um menino que ... quando eu cheguei já vinha meio malandro do Rio. Assim, já sabia muito como era a rua, porque lá agente brincava muito na rua, via como era o movimento e aqui se tornou uma coisa para mim normal, estar ali brincando com os meninos”. (Colaborador 3).

Conforme Bourdieu (2001c), o habitus possibilita aos sujeitos fazerem escolhas

na realização de suas práticas e de suas representações, evidenciando que possui uma

dimensão de dinamicidade, de plasticidade, de mutabilidade. Entretanto, sempre sua pré–

constituição será oriunda da classe social ou coletivo no qual esse sujeito viveu e realizou

sua aprendizagem social/cultural (BOURDIEU, 2001c).

O autor (2001b) ainda acrescenta que a ação prática é resultante da relação

entre um habitus e uma situação concreta. Tendo em vista estas considerações

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compreendemos a abordagem de rua como uma situação concreta da prática terapêutica

em saúde, orientada sobre determinadas condições sociais e históricas específicas, através

de seus profissionais que promovem ações a partir de arranjos do passado orientadores das

ações do presente, sob constante reformulação.

Ainda em relação ao indivíduo congregar a peculiaridade do campo de práticas

em saúde a partir da mediação de sua própria trajetória social dispõe-se da seguinte fala:

A demanda da rua eu tenho que saber dividir, eu tenho que deixar a demanda que encontrei na rua para não jogar na minha casa, porque muitas vezes os conflitos são tão sérios que deixa agente muito baratinada no manejo de resolver os problemas da rua”. (COLABORADOR 1).

Esse colaborador apresentava maior interesse para uma abordagem de rua

voltada ao público adulto, por meio dos aconselhamentos e distribuição de preservativo,

verificado na pesquisa de campo. Teve como trajetória social uma infância restrita às

condições do ambiente rural, sob muitas privações, principalmente no que diz respeito à

rede social. Ao sair do ambiente doméstico foi oportuno o desenvolvimento de atividades

laborais em espaço urbano, como também a ampliação da interação em rede social. As

atividades laborais possibilitaram o desenvolvimento das práticas relacionais no ambiente

doméstico. Essas reflexões são passíveis de serem observadas na fala de um dos

entrevistados, na sequência:

Eu não lembro da minha infância. Eu não tive infância ... Porque eu morava no interior e a minha infância foi só estudar. Trabalhava numa horta. Ia sempre porque trabalhava com meus pais. Tinha que fazer carvão, plantação, machucava no fio do roçado ... Tenho 6 irmãos e sou a mais nova. Minha adolescência passei toda em São Paulo, porque eu dei muito trabalho aos meus pais. Eu era privada de sair em festa. Diziam que eu era muito danada. Eu era muito arengueira, eu arengava muito, dei até na professora. Fui para São Paulo com meu irmão mais velho e minha irmã mais velha. Meu irmão trabalhava e morava por lá. Ele trabalhava num aeroporto, onde meu primeiro trabalho foi no Aeroporto de Congonhas. Me casei com um cearense, ai vim pra cá. Fui para São Paulo aos 12 anos e voltei com 19 anos. Depois fui para recife para passear. Tenho 2 filhos meus e 2 que eu criei ... Tenho um bebê de 1 ano e 8 meses - eu to a coisa mais linda de vó-, mas cada macaco no seu galho. (COLABORADOR 1).

Na abordagem de rua, por meio do diálogo, adquirido a partir da interação do

saber vivencial com o técnico, no cruzamento entre a história pessoal e a relação com a

instituição, o sujeito, no seu lugar de profissional, desenvolve-se sob o senso prático, sem

desconsiderar os acontecimentos históricos. Através dos processos cognitivos os

profissionais do PCR podem identificar que saberes são passíveis de serem selecionados,

combinados, mobilizados para a prática direcionada ao público de sujeitos em situação de

rua, usuários de substâncias psicoativas (BOURDIEU, 2001c, 2003).

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Por fim, a abordagem de rua, na perspectiva de Bourdieu (1983, 1994, 2001c,

2003, 2007), pode ser traduzida como decorrente das aprendizagens construídas ao longo

das vivências pessoais, profissionais e das práticas em saúde.

3.1.2. Produção terapêutica nas práticas de território

No tocante às práticas em saúde no território, o Ministério da Saúde (BRASIL,

2010c) preconiza que o primeiro movimento da equipe dos profissionais do PCR deve ser o

mapeamento da área de abrangência. Esse mapeamento, no município de Fortaleza,

centralizou-se, inicialmente, em 2010, na área de cobertura da Secretaria Regional do

Centro, expandido, por conseguinte, à Secretaria Executiva Regional II (SER II) por

comportarem mais sujeitos em situação de rua.

Como atividade inicial desse processo, os profissionais do Consultório de Rua

realizaram contatos com outros profissionais pertencentes à Secretaria Municipal de

Assistência Social (Semas) por já desenvolverem abordagem de rua pelo Centro da cidade,

localizado na SER II.

Através dessa ação, os profissionais do Consultório de Rua adquiriram

informações prévias acerca da dinâmica urbana existente entre os moradores em situação

de rua, usuários de substâncias psicoativas, da SER II, uma das áreas de prevalência do

fluxo da população, principalmente no turno da noite. O início da abordagem pelas ruas de

Fortaleza foi desenvolvido de forma processual, ou seja, os profissionais do PCR

inicialmente observavam, por dentro da Kombi em movimento, os moradores em situação de

rua nos espaços urbanos onde se encontravam e conforme autorização destes acontecia os

primeiros contatos para explicar a proposta de trabalho em saúde. Foram espaços urbanos

caracterizados por praças, ruelas e calçadas localizados no Centro da cidade.

Nesse período, ações como participar da fila para receber sopas ou lanches

ofertados pela caridade religiosa, ocorreram com o objetivo de vincularem-se ao grupo dos

moradores em situação de rua, no bairro Centro. Contudo, essa ação foi extinta pelos

profissionais do PCR, pois resultou em desconfiança e raiva por parte da população em

situação de rua desse território que se constituía por mendigos, bêbados e retirantes.

Durante conversa com o profissional que forneceu essas informações o mesmo

analisou esse contexto do início da abordagem de rua pelo PCR em Fortaleza como:

A gente tinha muita ansiedade em vincular logo com a população de rua e nos fazermos conhecidos. Agora agente não tem tanta pressa de ir até eles. Na maioria das vezes, agora, eles que veem até nós [...] A própria Kombi tem um design legal, chega a despertar curiosidade e eles se aproximam. (COLABORADOR 4).

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Observou-se durante a pesquisa de campo que em alguns espaços aonde os

profissionais do Consultório de Rua chegam para abordagem de rua, ainda permanecem

próximos à Kombi. Tal fato decorre, em algumas situações, por ainda não serem conhecidos

pelo grupo de usuários de substâncias psicoativas em situação de rua que, às vezes,

encontra-se sob o uso coletivo da pedra de crack, na lata; outras vezes, por considerarem

ser um espaço perigoso para a dispersão da equipe.

Conforme o Colaborador 4, a depender da área de abordagem pelos

profissionais do Consultório de Rua, o espaço da rua comporta uma população composta

por grupos que ora localizam-se em praças ora migram para marquises ou mesmo outras

ruas localizadas em bairros distintos.

O Colaborador 3, acerca da abordagem de rua inicial, com a população em

situação de extrema vulnerabilidade social, afirma que:

No início começamos a abordagem na coragem mesmo, sem ter ninguém junto que já fosse conhecido pela população de rua [...] Falta retaguarda e se agente vacilar já era. (COLABORADOR 3)

Essa dificuldade apresentada denuncia a não existência dos redutores de danos

da própria comunidade compondo a equipe do PCR em Fortaleza. Autores como Niel e

Silveira (2008) sustentam a relevância dos redutores de danos serem da própria

comunidade, durante a abordagem de rua, ao afirmarem: “O fato de serem reconhecidos como membros da comunidade de usuários, faz com que não representem uma ameaça de denúncia às autoridades policiais, pelo caráter da ilegalidade do consumo de drogas. Por conhecerem as rotinas e os códigos, têm maior facilidade de reconhecer o momento mais adequado para tomar a iniciativa de como e onde abordar os usuários. A empatia e a linguagem apropriada também se tornam facilitadores da aproximação entre redutores e a população-alvo” (NIEL, SILVEIRA, 2008, p.24).

Acerca desse contexto o Colaborador 4 afirma que “a rua é cheia de incertezas e

inseguranças, por isso as atividades são criadas no aqui-agora de acordo com a demanda

que surge”.

Após esse espaço ser demarcado pelos profissionais do Consultório de Rua

houve a expansão para outros bairros, como Praia de Iracema, Meireles e Vicente Pinzón.

O cronograma da rota semanal para a realização das práticas terapêuticas

estabelecido pela equipe do PCR opera-se conforme o Quadro 2, a seguir:

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Quadro 2: Cronograma da rota semanal dos profissionais do PCR (Equipe 1) Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira Praça do Dragão Praça do Dragão

do Mar Ferro de Engomar Campo

flutuante29 Praia Titanzinho (Vicente Pinzón)

Praça da Estação Ferro de Engomar (Igreja Santa Luzia)30

Avenida Beira Mar Banco HSBC Avenida Beira Mar

Praça do Ferreira Banco HSBC - Travessa Jacinto

Rua José Avelino (Feira do Dragão do Mar)

Avenida Beira Mar

Rua José Avelino (Feira do Dragão)

Casa da Sopa Loja ACAL Baixa-Pau31 (Rua Gérson Gradval)

Viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno

Baixa Pau

Rua Clarindo de Queiroz

Praça do Ferreira Casa da Sopa32 Praça da Estação33

Rua Clarindo de Queiroz

Fonte: Pesquisa Direta, 2012.

Segundo pesquisa de campo, não foi verificado o cumprimento com precisão dos

horários e rotas estabelecidos.

Esses destinos das rotas da equipe do PCR podem ser observados pelas

Figuras 6 e 7:

29 Período em que a equipe do PCR busca outros espaços para a abordagem de rua. 30 A equipe considera a delimitação territorial do espaço onde se localiza a Igreja Santa Luzia parecido a de um ferro de engomar roupas, por isso utiliza o termo Ferro de Engomar. 31 É um espaço conhecido por Baixa-Pau pela equipe do PCR devido ao nome da favela que a área. 32 A Casa da Sopa é o nome da instituição que fornece lanche ou sopas durante o período noturno de 19:00 às 21:00h aos moradores em situação de rua. Trata-se de uma instituição espírita. 33 Praça da Estação é o nome tradicional, porém atualmente foi renomeada para Praça Castro Carreira

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Figura 6 – Cartografia da rota dos profissionais do Consultório de Rua

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012 após extrair a imagem do Google Earth.

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Figura 7 - Cartografia da rota dos profissionais do Consultório de Rua

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012 após extrair a imagem do Google Earth.

Os pontos numerados correspondem, respectivamente, aos seguintes locais:

1- Praça Parque das Crianças.

2- Praça do Dragão do Mar.

3- Baixa-Pau (Rua Gérson Gradval).

4- Rua José Avelino (Feira do Dragão).

5- Viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno.

6- Praça da Estação.

7- Praça do Ferreira.

8- Casa da Sopa.

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9- Rua Clarindo de Queiroz.

10- Calçada da Loja ACAL.

11- Ferro de Engomar (Igreja Santa Luzia).

12- Banco HSBC, na Travessa Jacinto.

13- Avenida Beira Mar, na lateral da Pizza Hutt.

14- Centro de Saúde da Família Flávio Marcílio, no Mucuripe.

15- Titanzinho, no Vicente Pinzón.

Na Praça da Estação acontece uma feira de vestuários durante os turnos manhã

e tarde. No entorno há um ponto terminal para ônibus que transitam pelos bairros da região

leste do município de Fortaleza, assim como também há terminal com destino à região

metropolitana por rotas que levam a Maranguape e Maracanaú, localizados no sentido sul

de Fortaleza, pelas vias ferroviária e rodoviária. Acrescente-se ser um espaço de

aglomeração de pessoas que fazem do ambiente um lugar de passagem para vários

destinos. Ao entardecer as barracas da feira são desmontadas. O fluxo de pessoas e

transportes tende a diminuir por volta das 19h. Começa, então, a configuração do espaço

aos interesses destinados a furtos, prostituição e comércio de drogas. Há uma iluminação

pública comprometida. A Kombi fica parada na Rua Castro e Silva, conforme Figuras 6 e 7,

em frente ao Shopping Acaiaca, que se encontra quase em desuso. Os profissionais ficam

próximos a Kombi a espera de demanda espontânea; quando os usuários não se

aproximam, saem para trabalhar sob o foco da prevenção e promoção da saúde.

Nesse horário os profissionais do Consultório de Rua desenvolvem ações junto

às profissionais do sexo, crianças e adolescentes em situação de rua, na maioria das vezes

há distribuição de preservativo e gel, caso o usuário seja do sexo feminino. A prevenção,

promoção e intervenção na área da saúde também são realizadas com alguns vendedores

ambulantes do turno da noite, focando na distribuição de camisinhas e na orientação sobre

doenças sexualmente transmissíveis. As visitas nesse espaço são semanais, entre o horário

das 18 às 19h.

Em uma das paradas na Praça da Estação, um adolescente de 16 anos,

apresentando um fenótipo de 10 anos, aproximou-se manifestando curiosidade pela Kombi.

Esse adolescente estava cheirando cola e um profissional do Consultório de Rua se

aproximou perguntando “se podia trocar uma ideia” (Colaborador 5). O menino, sem

resposta, continuou a cheirar a garrafa de cola e a olhar o que havia dentro da Kombi. O

profissional começou a batucar com as mãos, um pouco afastado do menino, que identificou

o som e começou a cantar. O profissional, ao se aproximar do garoto, inicia um pequeno

diálogo a fim de saber as outras drogas de uso. Através do diálogo é identificado como

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outras drogas de uso a cocaína, desde os oito anos, e o crack, desde os 10 anos, além da

cola de sapateiro.

Novamente o garoto retoma o silêncio e se põe a cheirar a garrafa de cola. O

profissional retoma a batucada e instiga o jovem a dizer de que música se tratava. O garoto

novamente se posicionou a cantar três músicas, todas do tipo gospel. Antes de ir embora o

garoto recebeu preservativos com orientações quanto ao uso e o processo de vinculação se

iniciou a fim de facilitar próximas abordagens.

Esse momento aconteceu no espaço representado pelas Figuras 8 e 9, na

sequência:

Figura 8 - Praça da Estação observada por trás da Kombi

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

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Figura 9 - Praça da Estação observada pela frente da Kombi

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

Ainda sobre os contornos do Centro, de abrangência da abordagem de rua dos

profissionais do Consultório de Rua, há o espaço da Praça do Ferreira. Esse espaço é

caracterizado por possuir uma boa iluminação pública e arborização, além de bancos que

comportam pessoas da terceira idade e casais de namorados, no período noturno. Constitui-

se tanto por se tratar de um espaço de passagem quanto por ser agregador de pessoas

para descanso ou descontração com amigos, no turno da manhã e da tarde. Contudo,

durante o turno da noite, o movimento de pedestres fica quase que escasso.

Esse cenário torna-se palco para os moradores em situação de rua durante a

apropriação do espaço, sentarem nos bancos da praça e conversarem uns com os outros,

conforme a Figura 10 apresenta, até o momento em que é distribuída uma sopa:

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Figura 10: Moradores de rua esperam por ações caridosas e é oportunizada a abordagem de rua pelos profissionais do Consultório de Rua

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

Nesse ambiente há a presença da população de rua composta por crianças,

adolescentes, adultos e idosos. Os profissionais, ao chegarem, ficam próximos à Kombi e

logo são abordados por uma demanda que busca por preservativos e gel.

Há o desenvolvimento da ação de prevenção em saúde pela contação de

histórias, com o auxílio do livro educativo infantil de prevenção bucal, ao público infantil, que

muitas vezes, demanda, também, ações recreativas como brincar de bola, esconde-esconde

e pega-pega.

As visitas à Praça do Ferreira ocorrem semanalmente entre as 19 e 20h, período

de maior concentração dos moradores em situação de rua, usuários de substâncias

psicoativas, devido às distribuições de sopa.

Segundo o Colaborador 4, na região do bairro Centro, que comporta os grupos

de moradores em situação de rua, usuários de substâncias psicoativas, que se encontram

pela Praça do Ferreira e Rua Tristão Gonçalves, em frente à loja Acal ocorrem muitos

conflitos por causa da demarcação de território:

Aqui no Centro há um público muito arredio. Os variados grupos têm lideranças com disputas constantes que dificulta as ações coletivas. Aqui na praça do Ferreira você pode ver que cada um fica na sua. Muitos desses grupos que ficam aqui vão à Casa da Sopa e dormem pela Acal. (Colaborador 4)

Entre a população de rua há muitas cenas de violência por causa da demarcação de território. Basta um que já tenha demarcado o território se sentir incomodado por outro, que seja para também demarcar, há a violência física. (Colaborador 4)

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Outro espaço no qual acontecem ações terapêuticas é a Casa da Sopa,

localizada na Rua Assunção, entre a Rua General Clarindo de Queiroz e a Rua Meton de

Alencar, conforme Figura 11.

Figura 11 – Estabelecimento Casa da Sopa

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

A Casa da Sopa é um espaço bem pequeno, que tem disponível uma sala

grande para atividades em grupo, seis banheiros, uma sala menor para dispensar alimentos

e uma sala para atendimento individual ocupado por outros equipamentos sociais como o

Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) para População de Rua. Essa instituição

desenvolve ações de cunho religioso, cuidados de higiene básicos, oferta de sopa e lanche.

A proposta do Consultório de Rua é atuar em ações integradas junto ao NASF

para População de Rua com atividades de promoção, prevenção e intervenção na área da

saúde à população em situação de rua, conforme ilustra a Figura 12.

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Figura 12 – Campanha de vacinação da Hepatite na Casa da Sopa

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

As visitas realizadas a essa instituição são semanais, entre 20 e 21h. Nesse

espaço institucional são realizadas ações como deslocamento de usuário ao atendimento de

emergência no Hospital Geral já acolhidos pelo NASF de Rua; campanhas de prevenção à

Hepatite B e Tétano através da vacinação; realização dos testes de HIV e Tuberculose;

palestras sobre doenças sexualmente transmissíveis. São ações que visam uma melhor

qualidade de vida frente ao uso de drogas nas ruas.

Certa vez, em frente à Casa da Sopa, um morador em situação de rua, ao se

aproximar de profissionais do Consultório de Rua para discutir a questão da internação

compulsória à população de rua usuária de drogas, em vigor a partir do Decreto nº 7.637, de

8 de dezembro de 2011(BRASIL, 2011a), afirmou que havia algumas lideranças da rua que

já estavam se organizando a fim de se protegerem quando entrasse em vigor essa prática

no município de Fortaleza. Após a saída desse usuário o Colaborador 4 chegou a comentar

que:

Esse tipo de discussão entre a população de rua do Centro é mais frequente por serem mais informados e articulados. São grupos que defendem o seu território a todo custo. (Colaborador 4)

Essa avaliação do profissional em questão é fruto da observação da dinâmica

dos espaços na rua vivenciada durante a abordagem do dia-a-dia.

Seguindo a outra área de abrangência de abordagem dos profissionais do

Consultório de Rua tem-se a calçada da Loja Acal, localizada na Rua Tristão Gonçalves.

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Essa loja disponibiliza a venda de materiais para construção. Trata-se de um espaço público

caracterizado por ser bem assistido pela iluminação pública. Contudo, em frente a Loja Acal,

devido aos estabelecimentos com marquises, a iluminação pública fica escassa,

oportunizando, assim, aos usuários de drogas mais pesadas, como o crack, fazerem uso do

entorpecente. Esses espaços possuem grupos heterogêneos compostos por famílias,

recicladores de lixo e vendedores ambulantes.

Acerca desse cenário em que a função de territórios próximos varia conforme as

necessidades dos sujeitos envolvidos sobre os circuitos da economia urbana trava-se uma

discussão com embasamento em Santos (1979) mais à frente. Considerando a variação da

função dos territórios conforme as necessidades dos sujeitos, observou-se durante a

pesquisa de campo como exemplos: 1) a Praça do Ferreira, durante período diurno há a

atividade comercial de vestuário, sapataria, instituições financeiras, produtos farmacêuticos,

bancas de revista e muitas pessoas que transitam; ao final da tarde os bancos na praça são

utilizados para o descanso e interação principalmente entre grupos da terceira idade; e no

período noturno os bancos e marquises das lojas são utilizados pelos moradores em

situação de rua para a espera da distribuição de sopa e acomodação dos dormitórios em

pedaços de papelão ou colchões já bastante usados; 2) e a Praça da Estação em período

diurno há a atividade comercial de vestuário e final de linha dos ônibus oriundos da região

oeste; durante a noite torna-se uma área caracterizada por pouca presença de pessoas e

veículos, furtos, homicídios e prostituição.

Segundo pesquisa de campo constatou-se que em frente a Loja Acal ainda é um

espaço desassistido pelas propostas estratégicas da redução de danos. O Colaborador 3

acrescentou que nessa área já foram realizadas duas tentativas de abordagem nas quais os

usuários de substância etílica mostraram-se resistentes à presença dos profissionais do

Consultório de Rua, ao lançar objetos tanto na Kombi quanto nos próprios profissionais.

Em razão dessa dificuldade de acesso do serviço de saúde, a equipe dos

profissionais procurou se articular com outros profissionais da Semas que já realizavam

abordagem de rua nesse espaço há mais tempo. Essa articulação visou oportunizar um

apoio inicial para o desenvolvimento da abordagem de rua e o estabelecimento de vínculos

a fim de surgirem as possibilidades interventivas.

Outro espaço da prática de território pelos profissionais do Consultório de Rua

fica por baixo do viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno, ao lado do Mercado Central, sob

ilustração da Figura 13. Caracteriza-se por ser desprovido de luminosidade pública e existir

pouquíssimo tráfego de carros no turno da noite. Comporta uma população de rua, em sua

maioria, do sexo masculino e adultos.

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Figura 13 – Viaduto da Avenida Alberto Nepomuceno

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

A abordagem ocorre pela distribuição de preservativos. Nesse espaço

predomina o uso de drogas, por isso a abordagem dos profissionais ocorre com todos

dentro da Kombi.

Há a abordagem também na Rua Clarindo de Queiroz, entre a Avenida Visconde

do Rio Branco e a Rua Jaime Benévolo, próximo à Cidade da Criança, ponto de referência

da chegada e dispersão da equipe dos profissionais do Consultório de Rua. Distingue-se por

comportar profissionais do sexo, no caso, travestis. Ressalte-se que alguns ainda não

atingiram a maturidade civil. As visitas ocorrem a partir das 20h30min, por se tratar de

período em que se vê maior número de travestis. As ações de redução de danos reservam-

se à distribuição de preservativos e lubrificantes. Uma maior permanência dos profissionais

do Consultório de Rua no local interfere no fluxo do comércio sexual.

Ressalte-se que a cada distribuição de preservativo ou kit de higiene bucal

durante a abordagem de rua é recolhido o nome do usuário e a idade para controle dos

atendimentos e dispensa dos insumos.

No bairro Praia de Iracema há práticas nas Ruas Gérson Gradvol, que fica por

traz dos Armazéns Adolfo Caminha, localizado na Rua Pessoa Anta; Rua da Feira, situada

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na Rua José Avelino; Avenida Almirante Barroso, nas proximidades do Centro Dragão do

Mar de Arte e Cultura; Igreja Santa Luzia, na Rua Tenente Benévolo; lateral do banco

HSBC, na Travessa Jacinto.

A Rua Gérson Gradvol caracteriza-se por ser um ambiente de pouca iluminação

pública, não asfaltado e sem fluxo de carros. É um ambiente que se localiza próximo a um

galpão de reciclagem, ao Marina Parque Hotel e a algumas boates noturnas acessíveis a

um público pagante. O Marina Parque Hotel é um hotel luxuoso promotor da circulação de

capital econômico abundante. Nas proximidades desses estabelecimentos predomina o

trabalho informal, a exemplo da venda de lanches e bebidas, assim como o comércio de

drogas realizado principalmente por adolescentes do sexo masculino que transitam apenas

para o repasse a consumidores.

Esse território concentra grupos de adultos jovens em condições de

vulnerabilidade social e recicladores. Constitui-se enquanto espaço de uso, abuso e

dependência das drogas, assim como um dos caminhos para o tráfico, no turno da noite. As

ações dos profissionais do Consultório de Rua restringem-se à distribuição de preservativos

e a equipe sempre se refere a esse espaço como Baixa-Pau.

O acesso ao local faz-se pelas coordenadas: ao final da Avenida Almirante

Barroso, sentido leste, dobra-se à direita até finalizar a área dos armazéns abandonados

(Figura 14).

Figura 14 - Acesso à Rua Gérson Gradvol

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

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Esse espaço, por ser amplo, foi indicado pelos profissionais do Consultório de

Rua, durante reunião com outros profissionais do Vila das Artes, para o desenvolvimento de

ações conjuntas. A reunião resultou em planejamento conjunto, entre os profissionais de

ambas as instituições citadas, para a viabilidade de ações voltadas ao desenvolvimento das

atividades de arte e cultura pelos espaços urbanísticos da cidade. O indicativo ficou

direcionado para a equipe do Consultório de Rua mobilizar a população de rua. Esse

movimento tinha como fim a exposição de filmes de curta-metragem em espaços públicos

objetivando oportunizar momentos culturais, aos finais de tarde, à população de rua.

Nesse ambiente, durante pesquisa de campo, aconteceu uma mobilização

coletiva visando à reconstrução da identidade. Essa prática desenvolveu-se durante um

diálogo em grupo que acabou por instigar o conhecimento da idade dos sujeitos envolvidos

e um dos componentes do grupo não sabia a idade. Esse dado mobilizou todos os outros

membros do grupo envolvidos que o instigaram a descobrir a data de nascimento a partir da

rememoração de acontecimentos sociais da época de infância. Contudo, nada o fazia

lembrar. Foi quando um dos profissionais (Colaborador 5) disse: “É hoje! Parabéns pra você

...”. Esse sujeito ficou muito emocionado, pois há muitos anos não ouvia um parabéns.

Ainda pelo bairro Praia de Iracema há a Rua José Avelino, apresentada na

Figura 15, conhecida pelos profissionais do Consultório de Rua por Rua da Feira34. Essa

rua, que fica ao lado da biblioteca central no sentido leste, é um espaço de passagem dos

“flanelinhas” e de uso do crack. Essa rua não é toda bem assistida pela iluminação pública,

no turno da noite, e tem seu relevo irregular e não pavimentado, dificultando o tráfego de

carros, ônibus e caminhões, por isso é pouco o movimento de veículos. As práticas de

território ocorrem semanalmente, no período entre 17 e 18hs ou 18 e 19hs.

34 A Rua José Avelino é denominada pelos profissionais do PCR por Rua da Feira devido a sua localização próxima a uma feira de confecção, no período noturno

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Figura 15 – Rua José Avelino

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

Nesse ambiente a prática de território é direcionada para a prevenção da saúde

com orientações acerca de usos que podem prevenir as hepatites virais, comuns durante o

uso do crack devido à fissura nos lábios e ao compartilhamento da lata em que se queima a

pedra para o uso de sua fumaça. Em algumas situações nesse espaço, durante as

abordagens de rua, a presença da Kombi foi significativa, pois despertou curiosidades na

comunidade, tanto de seguranças uniformizados quanto da população de rua.

Certa vez um grupo que se fazia presente em uso de crack manteve-se distante

até que, ao finalizar, uma moradora de rua se aproximou e perguntou o que era Consultório

de Rua que estava escrito na Kombi. Inicia-se um diálogo sobre o que era o serviço, a

proposta da redução de danos frente ao uso de drogas, os outros serviços que assistiam os

usuários de drogas para tratamento em saúde e assistência. Na ocasião, a usuária

queixava-se de dificuldades na respiração em decorrência do uso de crack e, mesmo

sabendo das ações preventivas, a mesma afirmava não realizar os devidos cuidados

necessários que reduzissem os danos a sua saúde.

Outro momento a ser relatado foi quando um segurança que observara o

trabalho da equipe do Consultório de Rua, ao vê-lo finalizado, se aproximou para ter

maiores informações acerca dos atendimentos oferecidos pela rede municipal e estadual ao

usuário de substância psicoativa. Nessa prática de território a equipe também teve como

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ação a escuta de algumas queixas individuais, derivadas da experiência pessoal com a

substância psicoativa, manifestadas pelo segurança.

A abordagem de rua também é realizada nas proximidades do Centro Dragão do

Mar de Arte e Cultura, ilustrado pela Figura 16, na Av. Almirante Barroso. Nesse entorno há

um grupo de moradores em situação de rua que fica sob um abrigo por baixo de uma árvore

na Av. Almirante Barroso. A prática de território com esse grupo acontece por

encaminhamentos e atendimentos clínicos. As visitas são realizadas semanalmente no

período entre 17 e 18hs.

Figura 16 - Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

Seguindo por espaços percorridos pela equipe do Consultório de Rua no bairro

Praia de Iracema, há abordagens na Igreja Santa Luzia, apresentada na Figura 17.

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Figura 17 – Igreja Santa Luzia, popularmente conhecido por Ferro de Engomar pelos profissionais do PCR

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

Esse espaço, situado na Rua Tenente Benévolo, é referenciado pela equipe por

Ferro de Engomar, devido ao seu formato de ferro. Caracteriza-se por ser um ponto de

renda para “flanelinhas”, devido à rotatividade de carros, favorecida por um supermercado, e

é bem assistido pela iluminação pública. A prática de território assinala-se por atendimentos

individuais, com demanda para as questões de ordem clínica e preventiva. As visitas são

realizadas semanalmente no horário entre 17 e 18hs.

No bairro Meireles, em área próxima à Beira Mar, situada na lateral da Pizza Hut,

conforme Figura 18, existe um ambiente com iluminação pública precária oportunizando o

comércio de drogas entre um adolescente do sexo masculino, que repassa a substância

psicoativa aos vendedores ambulantes em trânsito pela feirinha da Beira Mar, observado

durante o período da pesquisa.

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Figura 18 - Lateral da Pizza Hut, na Avenida Beira Mar

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

O local apresenta um ambiente muito insalubre, escuro e com pouco tráfego de

pessoas. Há uma marquise sob a qual os moradores em situação de rua se alojam à noite e

é utilizada como um ponto de apoio para repasse da droga. Essa feirinha tem como público

a população local adicionada a turistas. A abordagem de rua é realizada no intervalo entre

19 e 20hs.

Anteriormente, a prática terapêutica de território nesse espaço contava com o

apoio de uma traficante, também adolescente, assassinada em janeiro de 2012, período em

que era realizada a pesquisa de campo. A equipe do PCR ao vincular com a adolescente

realizou orientações sobre os ganhos que ela teria nas vendas das drogas ao também

propagar a ideia da redução de danos durante o ato da comercialização, como por exemplo,

um usuário de substância psicoativa que reduz os riscos a saúde em decorrência do uso da

droga tem uma sobrevida maior para o consumo.

Durante o período da pesquisa de campo verificou-se que a prática de território

na lateral da Pizza Hut ocorre com a distribuição de preservativos aos moradores em

situação de rua.

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Há também abrangência do trabalho do Consultório de Rua no bairro Praia de

Iracema, na lateral do banco HSBC, situado na Travessa Jacinto, conforme a Figura 19.

Figura 19 – Travessa Jacinto

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

Essa travessa caracteriza-se por ser bem assistida pela iluminação pública,

contudo, há pouco tráfego de pessoas e veículos. Segundo relato de uma moradora, várias

assinaturas coletadas da comunidade já foram recolhidas para a retirada da população de

rua, que se encontra instalada com seus materiais de reciclagem. Nesse contexto, a equipe

do Consultório de Rua exerce práticas de mediação de conflitos. Além dessa ação, a equipe

desenvolve práticas de encaminhamento a atendimentos de emergência e serviços

substitutivos para o tratamento das drogas oferecidos pelos Centros de Atenção

Psicossocial Álcool e Drogas; conscientização ambiental em relação ao material agrupado

para reciclagem armazenado por boa parte do dia; atendimento clínico de primeiros

cuidados para o não agravamento de doenças acometidas; e escuta terapêutica.

No bairro Vicente Pinzón, especificamente no primeiro quarteirão da Avenida

Zezé Diogo, que fica entre a Avenida Leite Barbosa e a Avenida Vicente de Castro, em um

bar (Figura 20), há como prática de território a prevenção de doenças infectocontagiosas por

meio da distribuição de preservativos e panfletagem, apresentada na Figura 21. O local

comporta um banco de preservativos, organizado pela equipe e pela proprietária do

estabelecimento, assim como também ocorre na Casa da Sopa. A presença da equipe do

Consultório de Rua acontece semanalmente, no horário entre 17 e 18hs.

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Figura 20 - Atuação da equipe do Consultório de Rua no Vicente Pinzón

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

Figura 21 – Prática preventiva da equipe do Consultório de Rua no Vicente Pinzón

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2012.

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As práticas de território são oportunizadas como resultado das trocas de saberes

entre profissionais e usuários de substâncias psicoativas, assim como também pelas

supervisões, que acontecem quinzenalmente. A supervisão é dirigida por um supervisor

psicólogo oriundo da SMS que tem experiência na saúde mental em CAPS AD há mais de

cinco anos. Esse supervisor trabalha três focos: 1) relação intersubjetiva entre os membros

da própria equipe; 2) textos com enfoques diversos, voltados para as temáticas do campo,

como a) o efeito das substâncias psicoativas, assim como suas consequências no

organismo, b) território, c) estratégias de redução de danos para o álcool, cocaína, crack e

cola de sapateiro que são as mais utilizadas pelos usuários em Fortaleza, d) a relação entre

profissional e usuário, e) afetividade intra e inter-pessoal, e e) doenças sexualmente

transmissíveis; e 3) estudos de casos.

Também são trabalhadas outras questões conforme a demanda da própria

equipe, a exemplo de estratégias de articulação da rede de cuidados, aproximação,

corresponsabilidades e pactuação da participação do usuário em seu próprio tratamento; e

elaboração de atividades para o campo a fim de facilitar o manejo nas abordagens das ruas.

As ações do supervisor a partir da problematização, indagação e cooperação,

visando encontrar estratégias possíveis às diferentes formas de acesso à demanda do PCR,

com fins de produção dos sentidos nas práticas terapêuticas realizadas pela equipe,

procuram ampliar a dimensão de uma clínica social.

O enfoque metodológico com que o supervisor trabalha envolve a lógica da

Redução de Danos numa perspectiva sociocultural, referenciada por estudos de Walter

Benjamin (1994) sobre a reflexão de narrativas. Essa referência propicia à equipe uma

reflexão sobre as práticas para além da ordem clínica orgânica, envolvendo também

aspectos sociais, estéticos, existenciais, políticos e afetivos. Segundo o supervisor

“apontam-se esforços de agregar outros modos de cuidados, conforme apontado como

clínica social ou clínica ampliada singular”.

Essa fala do supervisor se correlaciona aos dois modelos de atenção ainda

existentes nos serviços públicos ofertados à saúde, tais como, o biomédico e o psicossocial.

No modelo de atenção biomédico ocorre: a) herança do modelo assistencial privatista; b)

uma clínica degradada pelo pouco vínculo entre profissional e usuário; c) interesses

econômicos prioritários; d) o profissional é quem detém o saber no processo da

doença/cura; e) foco no atendimento medicamentoso de alto custo; f) baixa autonomia dos

usuários; g) ineficácia para as doenças crônicas; h) baixo aproveitamento de trabalho em

equipe; i) incapacidade de atuação em problemas de saúde coletiva; e j) gestão por

procedimentos/produção. A clínica no modelo biomédico consiste em sintoma, doença e

diagnóstico que ao serem definidos busca-se o alívio dos sintomas e a cura (CAMPOS,

2000).

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No modelo de atenção psicossocial há a responsabilidade sanitária pelo

território, adscrição de clientela, inserção social, promoção de saúde e gestão por

resultados. A clínica no modelo psicossocial compreende o problema de saúde a partir das

condições vulneráveis do sujeito e o risco que a doença oferece dentro de um contexto onde

este esteja inserido (CAMPOS, 2000).

A presença desses dois modelos na prática do PCR é considerada pelo

supervisor ao afirmar a existência de: [...] uma tensão [...] que, ora produz ou se desvia da ordem medicamentosa / tradicional, ora vislumbra outros modos, ainda ausentes, na prática integral de cuidados. Há um paradoxo, uma contradição em cena. A prática dos profissionais em saúde, dificilmente produz sentidos com princípios dialéticos. As práticas produzidas tendem a uma posição, seja para uma visão normatizadora, sendo flagrado um certo enquadramento, para uma visão higienista, provocando toda uma inquietação e afetação aos modos de vida diversos de uma certa ordem de uma concepção reducionista e absoluta de saúde. Falo isso num sentido geral da saúde e, digo que em certos momentos, de modo específico, a equipe do Projeto Consultório de Rua acaba se deparando com práticas, também, assim.

A clínica ampliada singular ou clínica social, considerada pelo supervisor da

equipe do PCR constitui-se por ser uma prática terapêutica de atenção psicossocial na

saúde, construída através do diálogo que busca conhecer as dimensões biológica,

psicológica e social dos sujeitos nos respectivos serviços de atendimento em saúde. Esta

prática terapêutica se caracteriza por: a) reconhecimento da singularidade de cada sujeito;

b) busca de conhecimento em saúde para além do sintoma e da doença do sujeito ao

reconhecer as múltiplas dimensões biológica, psicológica e social deste; c) realização de

trabalho em equipe; d) intersetorialidade; e) investimento na autonomia e protagonismo do

sujeito em atendimento (CAMPOS, AMARAL, 2007).

O supervisor da equipe do PCR reconhece a relevância da pesquisa de campo

sobre a prática terapêutica de território em que é possível ser observado os modelos de

atenção à saúde biomédico e psicossocial em:

Por isso, mais uma vez, penso ser extremamente oportuno você visualizar, de mais perto, a partir da equipe de campo, essas tensões e contradição que fazem parte do momento de um ano e quatro meses, mais ou menos, do início das atividades no campo. Esses dois lados existem... E é maior do que as práticas dos profissionais em si, é toda uma cultura dificílima de ser rompida e transformada...

Durante a pesquisa de campo foi observado o modelo biomédico que incapacita

os profissionais do PCR durante as práticas terapêuticas diante dos problemas de saúde

coletiva como: as endemias que são as doenças de época como a dengue e as doenças

respiratórias (viroses, bronquites e pneumonia); doenças crônicas como hipertensão e

diabetes; tuberculose e hanseníase; doenças de pele como escabiose, dermatites; e as

doenças sexualmente transmissíveis. Esses problemas de saúde coletiva apresentados

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durante a abordagem de rua necessitam do diagnóstico médico para os devidos tratamentos

e encaminhamentos aos serviços de saúde com fins de resolubilidade, que aponte soluções

ao respectivo problema. Ressalte-se que o profissional médico não se encontra presente na

composição da equipe do PCR, no município de Fortaleza e nem em nenhuma produção

científica pública pesquisada durante a construção dessa pesquisa.

Em relação às práticas terapêuticas dos profissionais do PCR enquadradas no

modelo de atenção psicossocial, observou-se durante a pesquisa de campo: compreensão

da situação de rua do usuário de substância psicoativa a partir do contexto sócio-histórico;

realização de atividades em que se busca a autonomia do usuário a partir do incentivo ao

auto-cuidado; planejamento terapêutico compartilhado, ou seja, durante a prática terapêutica

é priorizado as escolhas do usuário em seu tratamento; desenvolvimento de vínculos e

afetos entre profissional e usuário a partir do diálogo; responsabilização compartilhada do

processo de adoecimento com a postura acolhedora do profissional ao sofrimento do

usuário estabelecendo uma relação da confiança, apoio e empatia; na abordagem de rua

não há julgamentos dos profissionais a usuários que querem continuar usando drogas e

permanecer em situação de rua; oferta das possibilidades reais que possam reduzir os

danos à saúde do usuário mediante o uso das substâncias psicoativas; perguntas durante e

ao final das intervenções como, por exemplo, “você entendeu?”, que permita o

estabelecimento do diálogo. Não foi observada na construção de projeto terapêutico

compartilhado do usuário, momentos em que todos os profissionais do PCR estivessem

envolvidos.

Contudo, conforme falas entre o Colaborador 4 e supervisor, durante momentos

de supervisão, descritas a seguir, as práticas terapêuticas dos profissionais do PCR

enquadradas no modelo de atenção psicossocial apresentam dificuldades, tais como:

Colaborador 4: As vezes pra gente é difícil. Eles só pedem dinheiro. Eles não brincam ... Daí pra vincular e trazer a nossa proposta fica difícil.

Supervisor: Mas o momento aqui é o de possibilidades, vamos criar as alternativas possíveis. Claro que não vamos esquecer do cuidado em si inicialmente e depois o do sujeito no coletivo [...] vocês podem ouvir suas próprias histórias. Recontem sempre, revivam a identidade que ainda existe dos sujeitos quando em relação com vocês. Busquem a ancestralidade ao falar do presente, trazendo a figura dos antepassados para dentro dos sujeitos. A angústia move e ela nasce da necessidade de se escolher o que se quer ser no aqui-agora. Reconheçam o sujeito, no campo social do cuidado.

Estas dificuldades da vinculação entre os profissionais do PCR e os usuários de

substâncias psicoativas que o Colaborador 4 refere-se durante a abordagem de rua

decorrem da herança cultural capitalista das moedas de troca, ou seja, a espera por

distribuição de sopas das instituições caridosas pode representar mais ganhos às

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necessidades básicas humanas imediatas do que uma espera pela escuta qualificada de um

profissional da saúde.

No âmbito da saúde o Brasil a partir de 1960, incorporou gradualmente a política

de assistência médica previdenciária ao racionalizar e viabilizar a expansão do acesso à

saúde a partir da compra de serviços privados em detrimento aos da rede pública. O

posicionamento do Estado frente ao mercado de produção e consumo de serviços da saúde

tentou, por um lado, responder às pressões dos consumidores, técnicos e empresários,

favorecendo a organização de uma prática médica privada, orientada pelo lucro e, por outro,

amenizar a intensa crise social e política pela qual passava. Viu-se então uma grande

expansão da rede de serviços de saúde privados financiados por recursos públicos

(ALMEIDA, 2002). Sobre essa realidade histórica brasileira inicial de promoção da saúde o

Supervisor da equipe do PCR argumenta:

Nossa dívida social é imensa... E não parece ser à toa... Pois a pergunta que faço e refaço a mim é: A quem produzimos práticas de saúde? De que modos cuidamos? De quem cuidamos quando afirmamos que cuidamos? Quais as armadilhas culturais de um país de exclusão com remuneração tão desiguais e gigantescas? Como produzir uma saúde que leve em consideração a sabedoria de uma produção de vida na miséria para uma diminuição efetiva de condições de vida dignas e humanas, sem assistencialismo e clientelismo? Bem!!! Essas são indagações que penso serem éticas para um profissional que trilha a saúde coletiva, saúde mental... E isso deve ser convertido em potência para gerar uma prática, se não resolutiva, menos desigual”.

No que diz respeito às práticas em saúde sob as diretrizes do SUS à população

de rua, o Colaborador 3 ainda considera muito a ser feito e discutido. Ele considera uma

exclusão as práticas higienistas voltadas para interesses outros que não são os de inclusão

da população usuária de substâncias psicoativas em situação de rua ao afirmar:

Colaborador 3: O SUS é utópico. Busca-se sustentar o que é insustentável [...] Há algumas práticas pingadas de saúde à população de rua [...] o que se está propondo com maior ênfase pra nossa sociedade atual é exterminar a população de rua com as práticas higienistas.

Supervisor: O que vocês trazem são os fatos das análises perversas da sociedade, mas o que você enquanto profissional do Consultório de Rua pode fazer no espaço das ruas junto aos moradores.

Acerca da realidade social em que se busca uma prática terapêutica na

abordagem de rua com atividades grupais com fins lúdicos, o Colaborador 4 apresenta

algumas dificuldades ao afirmar:

A nossa abordagem no coletivo é muito difícil porque eles não confiam falar de seus problemas para os outros ouvirem. Geralmente quando tem algo desse tipo, eles nos chamam em particular para trocar umas ideias. Às vezes são situações de que não se preveniram no dia anterior com alguma menina; outras são de que contraíram alguma doença e não querem que os outros do grupo em que estejam

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saibam para não ficarem zoando... sabe como é que é né! Pode rolar o preconceito, a discriminação. (Colaborador 4)

Ainda sobre a prática de território enquanto uma produção de saber na rua tem-

se, na supervisão, o disparar de reflexões, como se verifica a partir das próprias falas dos

entrevistados:

Supervisor: Como colaborar para potencializar o campo? Qual a oferta?

Colaborador 5: Teve uma vez na rota, quando paramos a Kombi para irmos lanchar, que um daqueles meninos que ficam vigiando carros me pediu para adiantar o dinheiro. Daí disse que ia dar uma coisa melhor que dinheiro. O flanelinha perguntou o que poderia ser melhor que dinheiro. Eu respondi que quando voltasse ele saberia. O flanelinha ficou encucado com minha fala e me perguntou por mais umas 3 vezes o que poderia ser melhor que dinheiro. Fomos ao lanche e ao sairmos do local lá se vem o flanelinha correndo para saber. Fiz algumas perguntas do que ele achava e a resposta foi que nada era melhor que dinheiro. Quando cheguei no carro tirei um preservativo e disse que aquilo era melhor que dinheiro. Ficamos um bom tempo conversando e ao final o flanelinha disse que trocar uma idéia era melhor que dinheiro.

Supervisor: Como foi que te bateu essa idéia?

Colaborador 5: Foi uma vez na abordagem quando eu estava distribuindo preservativo um dos moradores de rua disse que tinha horas que a camisinha era melhor do que dinheiro. Eu me lembrei desse fato pra começar um diálogo, porque o cara tava insistindo muito por dinheiro e nossa proposta não era essa enquanto profissionais daquela Kombi.

[...]

Supervisor: ... a participação da pessoa e dos profissionais podem efetivar as políticas públicas

[...]

Supervisor: Houve alguma situação crítica em que se criaram diálogos a partir de tensões?

Colaborador 4: Na rota eu fui ascender meu cigarro e foi foda o cara vir querer que eu desse meu cigarro como se eu tivesse obrigação de dar pelo fato de ser pago pela prefeitura. Eu disse que não tinha obrigação de dar porque aquele cigarro era fruto do meu trabalho e agora eu queria fumá-lo. Assim como eu tinha comprado o meu cigarro ele também fosse comprar o dele. Quase que agente saia no tapa, mas foi indo, agente trocando ideia.

[...]

Supervisor: Tivemos até agora alguns marcadores de significações e implicações. Digamos que um envolvimento da prática nas ruas.

[...]

Colaborador 2: Esse relato da tensão sob o cigarro de X, fez com que sempre ao chegar nesse espaço agente passou a ser recebido com uma música - que sempre segue a mesma melodia, só muda a letra. Em relação a esse morador de rua agente teve algumas informações pelo porteiro de um dos condomínios e suspeitamos já ter passado por algumas internações psiquiátricas. Ele não fala de uso de substâncias, mas usa pedra.

[...]

Colaborador 3: Mesmo com muitas deficiências afetivas nas relações da população de rua ainda presenciamos alguns comportamentos carinhosos entre eles. Teve um dia que se estava distribuindo sopa e uma adolescente veio com a

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boca toda suja de sopa dar um beijo em um idoso que estava sentado também tomando a sua sopa.

[...]

Colaborador 5: Muitas das vezes estamos em atendimento e temos que interromper porque se começa alguma confusão, seja por qual motivo for. É o que dizemos: ali já deu o que tinha que dar.

Observou-se por essas falas acima entre alguns componentes da equipe do

PCR e supervisor, em Fortaleza, que a prática terapêutica de território produz saberes

específicos a partir: do modo de vida da população em situação de rua; das informações

adquiridas por trabalhadores noturnos que observam a dinâmica da rua; e dos laços afetivos

entre as diferentes faixas etárias.

Por outro lado, ao se falar da produção de saberes nas práticas do Consultório

de Rua em Fortaleza toma-se como uma das referências as reflexões do livro “Clínica

Peripatética”, de Antonio Lancetti (2009), que discute o que vem a ser uma clínica volante,

trazendo alguns apontamentos da prática de Redução de Danos a partir do diálogo que

ocorre com Domiciano Siqueira e suas respectivas discussões em torno da clínica

antimanicomial (LANCETTI, 2009).

Segundo o autor, o termo Peripatético remete-se à escola filosófica de

Aristóteles em que se ensinava andando. Daí o termo proceder da palavra peritatéo que

etimologicamente significa passear, ir e vir conversando (LANCETTI, 2009). Nesse processo

de aprendizagem, a dinâmica do território oportuniza a apropriação dos espaços públicos

que se privatizam quando vinculadas às necessidades momentâneas dos sujeitos.

É aqui nesses espaços que identificamos o perfil do usuário ou então os horários em que eles costumam vir para descansar, ou mesmo para trocar ou exercer alguma atividade financeira. Esses locais são próprios para isso à população em situação de rua”. (Colaborador 3)

Acerca do funcionamento dos territórios, Haesbaert (2004) aponta as

características de aparecimento e desaparecimento. O autor conclui seu pensamento

afirmando que esses aspectos ocorrem devido à característica de mobilidade e

transitoriedade dos territórios.

Para complementar essa reflexão tem-se Pereira (2000), que considera o

conceito de território na perspectiva da territorialidade enquanto um lugar de construção e

“produto da apropriação, da valorização simbólica de um grupo em relação ao espaço

vivido”. Ressalte-se que esse espaço físico em funcionamento também é observado por

Deleuze e Guattari (2002) como espelho do domínio sobre um conjunto de elementos, no

ambiente, composto por uma simbologia pré-existente ao próprio território. Dessa forma,

sobre esse pensamento, acrescenta-se um território que é segmentado, refletindo a

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distância existente entre os diferentes códigos das relações humanas entre si em um

mesmo espaço.

Na pesquisa de campo observou-se que os moradores em situação de rua

demarcam o território a partir de suas necessidades, como por exemplo: o espaço utilizado

para descanso e alimentação não será o mesmo para o uso da substância psicoativa. São

territórios privatizados por grupos afins homogêneos como o grupo de dependência para o

álcool, grupo de dependência para o crack e o grupo de dependência para o crack e outras

drogas em que as vivências das substâncias psicoativas são passíveis de serem

compartilhadas no coletivo. No território que torna-se palco das vivências coletivas um

banco de praça a depender do momento de interação pode simbolizar descanso, diversão,

agrupamento de sujeitos para fins específicos, esconderijo e observatório.

Santos (2003), ao entender a categoria território enquanto uma apropriação

social no âmbito político, econômico e cultural, assume ser esta possuidora de característica

dinâmica, cercada por conflitos inerentes à própria condição humana de relacionar-se

socialmente. Por isso, na perspectiva da territorialidade, segundo o autor supracitado, tem-

se um território, fragmentado e fragmentador, integrado e integrador, que externa as

relações políticas e econômicas do espaço local às decisões globais.

Em Fortaleza, conforme a observação em campo, um território com dimensões

de 200m na sua extensão comporta diferentes grupos de moradores em situação de rua

com interesses específicos. O mesmo território que fragmenta os grupos também os integra

a depender de seus interesses, como por exemplo, os grupos de usuários de álcool e crack

compartilham de um mesmo espaço no momento da distribuição de sopas.

Por sua vez, Pol (1996) explica a diferença entre a apropriação do espaço

público e do privado. O espaço privado é apropriado basicamente por ação-transformação,

em primeira instância, e por identificação, em segunda fase; a apropriação do público nem

sempre segue esse processo e há uma relação maior pela identificação.

Durante a pesquisa de campo em Fortaleza os grupos usuários de crack

identificam-se mais com os espaços de pouca iluminação pública devido aos riscos

envolvidos por usarem uma droga que é ilícita, já os grupos usuários de álcool identificam-

se mais com os espaços mais iluminados.

No município de Fortaleza, Silva (2007) descreve o território localizado no bairro

Centro a partir da:

“precariedade e o déficit que atingem os setores de infra-estrutura, equipamentos e serviços nas áreas do saneamento básico, habitação, saúde e educação agravam a situação de pobreza do centro da cidade que se transformou em centro da periferia. Eles são indicadores das diferenças estruturais que explicam os enormes desníveis e os contrastes marcantes entre o centro e outros bairros da cidade. O crescimento acentuado da população urbana do Ceará engrossa a lista das cidades de porte médio e

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reforçam algumas das pequenas. Essa população recentemente integrada à condição de urbana, permanece elegendo o centro de Fortaleza como núcleo principal de negócios e espaço simbólico do encontro do interior com a capital” (SILVA, 2007, p. 117).

Silva (2007) finaliza sua análise afirmando que o centro de Fortaleza mostra-se:

“[...] repartido, fragmentado, configura diversos territórios em seu interior, confirmando sua

condição de espaço privilegiado de negócios, de encontro, de trocas e de múltiplas

atividades”. (p. 117).

Ainda sobre a produção das práticas de território têm-se diferentes concepções

pelos profissionais da equipe do Consultório de Rua acerca da Redução de Danos, nas

seguintes respostas:

Eu posso pensar em saberes psicológicos, sociológicos, filosóficos e antropológicos para se pensar numa estratégia de como agente chega na rua. Todos esses saberes vão ser importantes para nós irmos trabalhando como chegar na rua. Hoje o conhecimento da redução de danos vem para mim muito mais das experiências do que vejo na rua, das coisas que leio de experiências práticas também. (Colaborador 5),

As conversas com o pessoal que agente trabalha, no Consultório de Rua, dependem da hora de chegar, da hora de você abordar. Isso é uma coisa que você nunca sabe e quem vai te dizer é o usuário a quem você vai abordar. É muito complicado porque é totalmente diferente a prática, porque agente pega cada local barra pesada. (Colaborador 2).

É aqui nesses espaços que identificamos o perfil do usuário ou então os horários em que eles costumam vir para descansar, ou mesmo para trocar ou exercer alguma atividade financeira. Acho que esses espaços merecem de uma forma serem estudados e pesquisados para agente perceber quais as melhores estratégias a serem usadas para a abordagem dessa população. O Consultório de Rua é para a população em situação de rua, mas isso não impede de que as pessoas que estejam em situação de comunidade também sejam vistas com um olhar positivo. (Colaborador 3).

Conhecer o que a rua está nos ensinando para como fazer essa prática; seja nossa postura, atitude, linguagem, local, horário, o dia... É o que fazer, como fazer, em que dia fazer e qual local fazer. (Colaborador 5).

Para trabalhar com redução de danos, na rua, você precisa compreender aquele espaço, que recursos tem, pensando que tipo de linha de redução de danos você vai usar. Então, o espaço vai ser muito determinante para como agente vai propor as mudanças. Porque, no caso, tem alguns locais que você faz propostas e é feito as negociações em redução de danos. Você negocia com o que você tem para negociar. Tem locais que tem como negociar alguns fatores, enquanto outros não tem como negociar aqueles mesmos fatores. E isso vai mudando como agente vai trabalhar na redução de danos. (Colaborador 5).

Saliente-se que a relação com o usuário de substância psicoativa, nos espaços

demarcados pela prática de território, contribui para a ampliação dos saberes adquiridos na

vivência pessoal. Essa reflexão pode ser observada pela fala “Seja como for, a rua nos dá

elementos para pensarmos no nosso dia-a-dia”. (Colaborador 5).

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Assim, por meio das vivências subjetivas de cada profissional, com seu modo

específico operante, a depender dos territórios singulares na abordagem das ruas, tem-se o

deflagrar do estilo próprio para o desenvolvimento das práticas no Consultório de Rua, sob a

lógica da redução de danos, no município de Fortaleza.

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4. O CUIDADO EM SAÚDE: UM CAMINHO PARA A PRODUÇÃO DE PRÁTICAS TERAPÊUTICAS, NO CONTEXTO DA REDUÇÃO DE DANOS

O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais do que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. Do ponto de vista da existência o cuidado se acha no principio da vida, o que significa reconhecer o cuidado como um modo-de-ser.

(BOFF, 1999, p.73).

No capítulo anterior discutiu-se a Categoria I, intitulada Redução de danos e

subjetividade em espaço urbano: os saberes na prática de território. Verificou-se que as

práticas de território desenvolvidas a partir das estratégias de Redução de Danos objetivam

oferecer um cuidado em saúde específico aos usuários de substâncias psicoativas em

situação de rua.

Sobre as diferentes formas de se conceber o cuidar, a partir da compreensão de

autores como Remen (1993), Boff (1999), Waldow (1998), Silva et al. (2001), dentre outros,

discute-se neste capítulo a Redução de Danos na perspectiva da transversalidade das

práticas do cuidar.

Sobre essa transversalidade das práticas do cuidar são consideradas as

categorias saúde e drogas no PCR, do município de Fortaleza, conforme delegado pelo

percurso metodológico, como Categoria II, diante da segunda etapa constituinte para a

análise dos núcleos de sentido desta pesquisa.

4.1. A redução de danos na transversalidade das práticas do cuidar no consultório de rua

4.1.1. Saúde e drogas

Na Constituição Federal de 1988 a saúde é reconhecida como um direito básico

de todos os brasileiros, compromisso social regulamentado pela Lei nº 8.080/90, cujo artigo

3º traz como seus fatores determinantes e condicionantes o saneamento básico, a moradia,

o meio ambiente, a alimentação, o trabalho, a renda, a educação, o lazer, entre outros

aspectos.

Esses fatores condicionantes influenciaram a compreensão das práticas de

saúde para além do foco em assistência médica e doença. Assim, gradativamente as

produções de práticas em saúde se reorientaram para ações mais complexas e amplas,

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alinhavando os recursos entre promoção de saúde, prevenção, tratamento, reabilitação e

reinserção social.

Durante o percurso da luta antimanicomial (movimento político, social e

econômico que defende a não hospitalização e a garantia dos direitos de cidadania aos

portadores de transtorno mental), o Ministério da Saúde anunciou a Política de Atenção

Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, assegurando atendimento multifatorial pelo

SUS a essa população, sem necessariamente a oferta dessa atenção integral ocorrer

somente pelos serviços de saúde (BRASIL, 2002).

A relevância dessa política na saúde pública está no entendimento da

problemática do uso de drogas como um objeto complexo que necessita de tratamento e

medicamento acessível na atenção primária; educação em saúde na comunidade;

ampliação de recursos humanos; incentivo à pesquisa e à constituição da rede de suporte

social, em áreas como educação, trabalho e promoção social (BRASIL, 2002, 2004).

Na Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas a Redução

de Danos é conceituada como:

“[...] um conjunto de medidas em saúde que têm a finalidade de minimizar as consequências adversas do uso/abuso de drogas. Tais ações possuem como princípio fundamental o respeito à “liberdade de escolha”, porquanto, mesmo que nem todos os usuários consigam ou desejem abster-se do uso de drogas, preconiza-se, como medida de saúde, a redução dos riscos de infecção pelo HIV e hepatite” (BRASIL, 2002, p.11).

As medidas de redução dos riscos surgem a partir das expectativas

probabilísticas de vulnerabilidade dos usuários de substâncias psicoativas em relação aos

agravos na saúde e se propõem a reduzir o surgimento de doenças ocasionadas devido à

exposição aos agentes agressores. Na Redução de Danos essas medidas se desdobram

em alternativas que diminuam os riscos e danos tanto para os usuários de substâncias

psicoativas quanto para a coletividade.

Segundo Nardi e Rigoni (2005), as medidas em redução de danos são

estimadas a partir dos saberes advindo da população usuária de substância psicoativa

atendida; diálogo entre usuário e profissional da saúde; não condicionamento da prática em

saúde à abstinência total e imediata; estímulo às práticas de autocuidado; construção de

projeto terapêutico compartilhado; estabelecimento de objetivos a serem alcançados na

busca por cidadania; aconselhamento para a diminuição da quantidade ou frequência do

consumo de droga; substituição das substâncias mais danosas por outras que causem

menores prejuízos à saúde; e fortalecimento de vínculos afetivos.

Essas medidas parecem convergir para o estabelecimento de práticas em saúde

que concebem o indivíduo numa perspectiva ampla de cuidado, e que não o distancia de

sua realidade social, podendo ser observado nessa pesquisa, nas palavras do Colaborador

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1 ao afirmar que “cuidar da saúde, cuidar de todas as formas como: saúde, sabedoria,

inteligência e dignidade”.

Conforme Cavalcante (2008), várias práticas de cuidado durante o consumo de

drogas, embasadas na perspectiva da Redução de Danos, são oriundas de informações

contidas em material educativo que é promovido por ONG e OG como: ONG Solivida, no

Maranhão; Casa, Acerd e Associação Cearense de Travestis (ATRAC), do Ceará; Gapa, do

Rio Grande do Sul, e os PRD municipais de São Paulo, São Vicente e Porto Alegre.

Referenciada por esses materiais educativos em Redução de Danos, Cavalcante

(2008) dispõe como exemplos:

“Para redução de danos do álcool, é recomendado ingerir água e líquidos não alcoólicos antes, durante e depois de consumir álcool; comer antes de beber, para o álcool ser absorvido mais lentamente pelo organismo; utilizar vitaminas do complexo B regularmente; beber devagar, pois quanto mais rápido beber, mais rápido ficará bêbado; não misturar álcool com outras drogas; evitar atividades incompatíveis com a embriaguez como dirigir; e ficar atento para não se envolver em situações de violência. As recomendações para diminuir os danos do tabaco são reduzir o número de cigarros que consome; não consumir cigarros com baixos teores, pois estes podem levar ao consumo de maior número de cigarros para obter a mesma satisfação; tentar outras fontes de nicotina como adesivos e gomas de mascar; aumentar a ingestão de água e de alimentos ricos em vitamina C; controlar outros fatores de riscos para o infarto como obesidade, sedentarismo, ansiedade; fazer exercícios físicos; não fumar durante a gravidez; e não fumar em ambientes fechados de uso coletivo. No caso da cocaína, quando for cheirar, tenha seu próprio canudo e não utilize nota de dinheiro como canudo. No caso de consumo de cocaína ou outras drogas injetáveis é importantíssimo ter seu próprio material como agulha, seringa, água, colher, copo, etc; lavar as mãos antes de preparar doses injetáveis; limpar o local com álcool antes da aplicação; pressionar o local aplicado com o polegar; usar pequenas quantidades de água destilada para dissolver a droga; injetar lentamente para aliviar o efeito; usar agulhas bem pequenas para se injetar; e fracionar as doses para diminuir o risco de overdose. Ainda quanto às drogas injetáveis é importante não repetir a dose com a mesma seringa, se for reutilizar sua própria agulha e seringa, apenas por você mesmo, lave-as regularmente com cloro; fortalecer as veias, pressionando o local com as mãos ou com uma bolinha de borracha ou de papel; evitar tomar doses sucessivas na mesma veia. Os pontos mais seguros para injetar as drogas são: veias dos braços, antebraços e veias das pernas, quando se injeta nos pés, as veias são muito frágeis e pode ser muito dolorido. Evite injetar em determinadas regiões como pescoço, rosto, barriga, seio, pênis, vagina, coxas e pulsos, pois estes pontos são perigosos. Tomar cuidado ao descartar o seu equipamento de injeção, colocando os instrumentos numa lata de refrigerante vazia ou numa caixa segura. Evite misturar estas drogas, principalmente com álcool, pois a mistura aumenta o risco de overdose; retire os kits de uso seguro de drogas injetáveis com o redutor de danos ou no serviço de DST/AIDS mais próximo de sua casa; se trocar de fornecedor experimente a nova droga em quantidades menores; e saiba que drogas com impurezas podem causar infecções das válvulas do coração e dos vasos sanguíneos, feridas na pele e infecção generalizada. Os cuidados adequados para o uso do crack, são beber muita água e líquidos não alcoólicos; reservar tempo para dormir e comer; evitar usar e compartilhar latas; de preferência fumar em cachimbo individual e com filtro; esperar o cachimbo esfriar antes de usar de novo;

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limpar o cachimbo regularmente; e tentar substituir o crack pela maconha, ou mesmo misturar, pois a maconha pode aliviar a fissura, causando menos prejuízos para a saúde. Para reduzir os danos da merla é importante beber muito líquido; consumir alimentos que contenham vitamina C como laranja, acerola, caju e limão; comer alimentos ricos em carboidratos como macarrão, arroz, batata, feijão, porque as substâncias tóxicas causam desnutrição rápida; e usar piteira individual. Quanto ao uso da maconha também se deve beber muito líquido; consumir vitamina C; procurar usar individualmente; usar piteira para evitar ferimentos nos lábios; preferir a maconha em sua forma natural, evitando suas formas prensadas, que cotem grande quantidade de agrotóxico, aditivos químicos. E por fim, para o uso mais seguro de substâncias de design, como o LSD e o ecstasy, é importante usar estas substâncias em companhia de alguém sóbrio; tomar líquidos de maneira moderada, pois o ecstasy trava o funcionamento normal da bexiga; procurar locais ventilados; evitar uso em situações incompatíveis com os efeitos, como dirigir, trabalhar, praticar esportes radicais; e usar sempre camisinha” (CAVALCANTE, 2008, p. 91-93).

Durante a pesquisa de campo evidenciou-se como recomendações dos

profissionais do PCR aos usuários de substâncias psicoativas com fins de reduzir os danos

à saúde: 1) Álcool: ingestão de água e líquidos não alcoólicos antes, durante e depois de

consumir álcool; beber devagar e em menor quantidade; não misturar álcool com outras

drogas; e não se envolver em situações de violência. 2) Crack: beber muita água e líquidos

não alcoólicos; estabelecimento de tempo para dormir e comer; evitar usar e compartilhar

latas de alumínio não higienizadas; dar preferência ao fumo em cachimbo individual e com

filtro; limpar o cachimbo regularmente; e tentar substituir o crack pela maconha, ou mesmo

misturá-las; e 3) usar sempre camisinha nas relações sexuais.

Essas práticas de cuidado com a saúde, sob o embasamento de um enfoque

educativo, permitem ao profissional do PCR estimular a conscientização dos usuários de

substâncias psicoativas a fim de que assumam uma maior autonomia sobre os seus atos.

Trata-se de uma política operacional dialógica educativa entre profissional e usuário com

vistas a reduzir os danos causados pelo uso, abuso e dependência de substâncias

psicoativas.

[...] percebo a Redução de Danos como uma política e uma série de práticas dialógicas e instrumentais que vem tentar reduzir os danos a saúde de quem está em uso abusivo de drogas. (Colaborador 3).

Desse modo, a Redução de Danos implanta na clínica uma nova tecnologia de

cuidado mediada pelo diálogo, buscando desenvolver reflexões sobre as formas de uso da

substância psicoativa que possibilite melhor qualidade de vida à saúde, já citadas

anteriormente, aos novos sujeitos de direito (BRASIL, 2006).

Essa tecnologia do cuidado através da abordagem dialógica se legitima pela

humanização, modelada por meio do cuidado e do acolhimento dos profissionais para com

os usuários de substâncias psicoativas, no desenvolvimento de práticas em saúde no SUS.

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Contudo essa abordagem dialógica sobre as substâncias psicoativas nem

sempre existiu. Existiram diferentes performances e significados sobre a diversidade das

tradições socioculturais de muitas sociedades, devido aos variados modos de concepção

em torno de sua utilização.

No Império Romano, período do cristianismo, entraram em crise as antigas

noções pagãs sobre a neutralidade da droga, a embriaguez sóbria, a automedicação e o

limite entre moral e direito vivenciados pelas sociedades mais antigas. Perseguiram-se os

praticantes dos cultos mágicos tentando obstruir qualquer traço de suas antigas crenças e

práticas. Assim as drogas foram estigmatizadas, no século X, tornando-se sinônimo de

heresia por sua associação a cultos mágicos, religiosos e usos terapêuticos para aliviar o

sofrimento. A dor e a mortificação da carne eram concebidas pelos cristãos como formas de

aproximação com Deus. A busca por cura limitara-se ao uso de recursos simbólicos, como

substâncias conhecidas por “pó de múmia”, “pó de chifre de unicórnio”, indulgências

eclesiásticas, óleos santos, velas e água benta (ESCOHOTADO, 1994).

No século XVIII, pela influência do racionalismo e iluminismo, as drogas “pagãs”

voltam a ser utilizadas para fins lúdicos e medicamentosos. O ópio volta a ser a principal

substância usada na composição de diversos medicamentos utilizados por pessoas de

todas as classes sociais, contexto que favoreceu a efervescência de conflitos entre

Inglaterra e China na chamada “guerra do ópio”, por ser uma das principais mercadorias de

exportação do mercado europeu (ESCOHOTADO, 1994).

No início do século XIX, cientistas isolaram os princípios ativos de várias plantas

produzindo fármacos como a morfina (1806), codeína (1832), atropina (1833), cafeína

(1841), cocaína (1860), heroína (1883), mescalina (1896) e os barbitúricos (1903). O cálculo

das dosagens de plantas com maior exatidão, em laboratório, proporcionou um manejo mais

fácil e puro (ESCOHOTADO, 1994).

Nesse período, leis e políticas públicas que tornaram o uso de drogas legítimo

ou ilegítimo foram respaldadas pela medicina científica na sociedade urbano-industrial

ocidental. No cenário das discussões sobre a legalidade do uso, ascende o modelo

proibicionista visando suprimir a produção e o consumo de determinadas substâncias

psicoativas. Os Estados Unidos iniciaram esse modelo caracterizado por focar na natureza

farmacológica das drogas, ilegalidade das mesmas, repressão e abstinência (MACRAE,

2001; RODRIGUES, 2009).

Ressalte-se que na Política sobre Drogas, no Brasil, a Política de Redução de

Danos se fundamenta na perspectiva sociocultural e geopolítica estrutural que, ao observar

a problemática social, se propõe a realizar intervenções focadas na redução dos efeitos

danosos das drogas, visando melhorar o bem-estar físico e social dos seus usuários.

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Nessa perspectiva, reconhece-se a diversidade advinda das especificidades dos

contextos histórico-sócio-culturais em que ocorrem os usos de drogas. Daí não ser possível

atribuir uma causa universal para os usos, abusos ou dependência de substâncias

psicoativas (ESPINHEIRA, 2004; MACRAE, 2001).

Assim, atualmente no Brasil, as estratégias da Política de Redução de Danos

dissipam-se no lócus das ruas, hospitais e prisões a fim de garantir o direito do acesso

universal aos serviços de saúde e reabilitação social, minimizando os possíveis danos que o

consumo da substância psicoativa podem causar à saúde sem desconsiderar a necessidade

real do indivíduo, ao direcioná-lo à lógica da abstinência ou internação (BRASIL, 2011a).

O usuário que quer continuar fazendo uso de qualquer tipo de substância continua tendo os seus direitos para fazer algum tipo de tratamento, a pensar sobre sua saúde, a pensar sobre a forma de uso, mesmo que ele continue usando. (Colaborador 5).

Conforme a Organização Mundial de Saúde (2001) o termo droga significa

qualquer substância natural ou sintética que, administrada por qualquer via no organismo,

afeta a estrutura ou funcionamento do Sistema Nervoso Central. Esta afirma que cerca de

10% da população mundial dos centros urbanos apresentam um consumo abusivo,

independentemente de idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo.

Mediante o consumo abusivo das substâncias psicoativas as práticas em saúde,

embasadas na Redução de Danos, ampliaram o seu campo de atuação ao diminuir o uso de

drogas injetáveis e aumentar outras, como a maconha, cocaína, merla, crack, álcool, tabaco,

psicofármacos e anabolizantes (NARDI; RIGONI, 2005).

Para alguns autores o fenômeno das drogas que direciona as práticas em saúde

na atualidade está correlacionado à economia da produção e comércio legal e ilegal de

entorpecentes. Sob esse pensamento “a história das drogas pertence cada vez menos à

história das culturas locais e cada vez mais à história da economia capitalista” (BARATTA

apud MESQUITA; BASTOS, 1994, p. 40).

Acerca da relação entre o fenômeno das drogas e a economia capitalista Bucher

(1992) acrescenta que nos países industrializados, o consumo de drogas se correlaciona ao

bem ou mal-estar social, assim como também ao (des)equilíbrio das interações e

(in)satisfação existencial dos cidadãos quanto às suas aspirações. Já nos países periféricos

em desenvolvimento, o excesso do uso de drogas manifesta as condições precárias da

realidade socioeconômica e cultural dos comportamentos não saudáveis. É um ciclo vicioso

em que a pobreza, a marginalidade e os danos à saúde se retroalimentam.

Ainda sobre a relação entre o fenômeno das drogas e a economia capitalista,

Siqueira (2006) acredita ser um movimento que acompanha o desenvolvimento das

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civilizações. O uso de “forma epidêmica” caracteriza a contemporaneidade envolvida pelo

desenvolvimento de agravo das doenças.

Essa realidade atual, sob o ponto de vista da legalidade na classificação lícita ou

ilícita das substâncias psicoativas, sofre interferências do Estado, que é constrangido pelos

determinantes culturais e econômicos diante da permissão para consumo e comercialização

(SIQUEIRA, 2006).

Dentre os medicamentos psicoativos comercializados no Brasil têm-se os

benzodiazepínicos de efeito tranquilizante ou indutores do sono Diazepam, Clordiazepóxido,

Clonazepam, Midazolam, Alprazolam, Bromazepam e Flunitrazepam, cujos nomes

comerciais são, respectivamente, Valium, Psicosedin, Rivotril, Dormonid, Frontal, Lexotan e

Rohypnol; os anestésicos gerais, analgésicos e antiespasmódicos derivados do ópio

Fentanila, Meperidina, Morfina e Codeína, cujos nomes comerciais são Durogesic, Fentanil,

Inoval, Dolantina, Dolosa, Astramorph, Dimorf, Belacodide, Setux e Tylex; e os

antiparkinsonianos e antinflamatórios Triexfenidila, Diciclomina e Benzidamina, cujos nomes

comerciais são Artane, Bentyl e Benflogin (Cebrid, 2007).

Acrescente-se também a indústria farmacêutica transnacional de substâncias

psicoativas, que incentiva a busca pela juventude eterna e o corpo perfeito, fármacos como

os esteroides anabolizantes; e os moderadores do apetite ou anorexígenos, procedidos de

anfetaminas como Anfepramonas, Femproporex e Metilfenidato, cujos nomes comerciais

são Dualid, Hipofagin, Inibex, Desobesi e Ritalina (Cebrid, 2007).

A indústria farmacêutica em constante crescimento é a terceira economia mais

lucrativa do mundo, abaixo apenas dos bancos e das empresas petrolíferas. Atualmente, as

empresas que dominam esse mercado lucrativo transnacional são conhecidas por Pfizer,

Johnson & Johnson, Roche e Novartis (Cebrid, 2007).

Somados aos fármacos sintéticos produzidos em laboratório por manipulações

químicas ainda se tem, na realidade brasileira, as drogas classificadas em naturais e

semissintéticas. (Cebrid, 2007). As drogas naturais são retiradas da natureza; dentre elas

tem-se as seguintes plantas: maconha (Cannabis sativa), coca ou epadu (Erythroxylon

coca), papoula do oriente (Papaver somniferum). Desta última se extrai o pó de ópio35.

Também se tem como drogas naturais os vegetais: cogumelos, jurema, mescal ou peyot,

caapi e chacrona (Cebrid, 2007).

Já as drogas semissintéticas têm o seu princípio ativo oriundo da natureza,

entretanto, passam por um processo químico para se adequar ao consumo, a exemplo da

cocaína (pó solúvel em água), crack (pedra que quando aquecida volatiza) e merla (pasta

extraída da coca), provenientes de extratos da folha de coca; charuto, rapé e cigarro,

35 A palavra ópio em grego quer dizer “suco” (Cebrid, 2007).

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confeccionados a partir das folhas de tabaco; morfina e heroína, que têm o ópio como

matéria prima (Cebrid, 2007).

A apropriação de conhecimentos que revelam a variedade de substâncias

psicoativas existente no Brasil, produtoras de diversas consequências danosas à saúde

como dependência química e/ou doenças orgânicas, oportuniza aos profissionais do PCR o

fundamento para desenvolverem práticas dialógicas promotoras do vínculo entre trabalhador

e usuário.

No dia-a-dia agente acaba absorvendo todo esse conhecimento. Na prática você tem que colocar isso, que é o mais difícil para agente, na abordagem. Você colocar isso para as pessoas como uma forma de realmente reduzir, o dano causado pelas substâncias. (Colaborador 3).

A questão da segurança de você está propondo algo que é relativamente novo no modo da maneira de se pensar o uso que seja menos danoso. É justamente ai que o saber entra. Ele te dá a segurança para os assuntos mais subjetivos. (Colaborador 4).

Menegon (1999) salienta que o diálogo produz sentidos e posicionamentos na

relação cotidiana entre as pessoas, afirmando:

Conversas do cotidiano pressupõem dialogia (vozes), que presentifica, também, interlocutores ausentes da situação da conversa e, além do contexto imediato da situação relacional, leva em conta a relação estabelecida entre o tempo curto (face-face) e o contexto mais amplo da circulação de ideias. (MENEGON, 1999, p. 215).

O diálogo presente no cotidiano das relações que é mediado pelo olhar mútuo e

o contexto das narrativas aproximam os sujeitos mesmo diante de suas ausências. Esse

diálogo intercedido por conhecimentos sistematizados a partir de um arcabouço teórico

respaldam as práticas terapêuticas da saúde pública. Nessa perspectiva acreditamos que os

diálogos realizados durante a abordagem de rua, não desconsiderando o olhar mútuo e o

contexto das narrativas, favorecem as práticas terapêuticas do cuidar dos profissionais,

respaldados por um arcabouço teórico, no PCR, aos usuários de substâncias psicoativas.

Logo, não sendo possível o fim das drogas, a Redução de Danos teve seu

conceito ampliado durante as duas últimas décadas. Em relação a esse conceito ampliado

da Redução de Danos Mesquita e Bastos (1994) acrescentam que sua definição é antes de

tudo operacional e aberta, em constante desenvolvimento a partir das práticas terapêuticas

em saúde pública ofertadas às diferentes extensões da vida social dos indivíduos.

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4.1.2 Práticas do cuidar

Historicamente, no campo da saúde, a prática do cuidar se aproximou do

sacerdócio e da filantropia, regularizando a junção do corpo e subjetividade à lógica da

divisão social do trabalho (REZENDE, 1989; PIRES, 2004).

Segundo Pires (2002), a organização tecnológica dos serviços de saúde regidos

sob a lógica do trabalho em favor do capital institucionalizou o cuidado. Merhy (2002) ao

discutir a organização tecnológica dos serviços de saúde afirma que estes não são

constituídos somente pelos equipamentos e máquinas. O autor classifica as tecnologias

envolvidas no trabalho em saúde a partir de tecnologias leves36, leve-duras37 e duras38 na

produção do cuidado, diante dos contextos em que o imaginário dos usuários do SUS é

compreendido por um quantitativo de exames, consultas, consumo de medicamentos e

insumos como sinônimo de qualidade na assistência.

É oportuna a compreensão de que a expressão cuidado, na área da saúde,

assume conceitos que vão desde a contraposição ao curar até uma proposta ética. Na

perspectiva da proposta ética o profissional vai ao encontro do outro visando estabelecer

laços de confiança e vínculo, compreendendo que a saúde como “direito de ser” que

significa: “atender às pessoas em seu sofrimento com respeito e acolhida, sem perder de vista sua fragilidade, também social. Requer a aceitação do outro como sujeito e um mover-se no sentido da construção da saúde como projeto de cidadania” (ZOBOLI, 2007, p.64).

Em função, dessa proposta ética durante a abordagem do profissional da saúde

ao usuário não se estabelece regras e a relação é entendida como um desenvolvimento

histórico no campo de conhecimentos da bioética que se caracteriza como: “abordagem secular, inter, multi, transdisciplinar, prospectiva, global,

multicultural, inter-religiosa e sistemática, que considera a pluralidade dos

contextos e tem por base o diálogo inclusivo de todos os afetados e

envolvidos como interlocutores válidos” (ZOBOLI, 2007, p.64).

36 São tecnologias assistenciais desenvolvidas por meio do trabalho vivo em ato no processo relacional entre

trabalhador-usuário em que ocorre “um encontro entre duas pessoas, que atuam uma sobre a outra, e no qual se opera o jogo de expectativas e produções, criando-se intersubjetivamente alguns momentos interessantes como momentos de falas, escutas, interpretações, no qual há a produção de uma acolhida ou não das intenções que estas pessoas colocam neste encontro: momentos de possíveis cumplicidades, nos quais pode haver a produção de uma responsabilização em torno do problema que vai ser enfrentado, ou mesmo de momentos de confiabilidade e esperança, os quais se produzem relações de vínculo e aceitação”. (MERHY, 2002, p. 307-308).

37São os saberes estruturados que operam nos processos de trabalho em saúde, como por exemplo a clínica médica, a psicanalítica, a epidemiológica e o taylorismo. Merhy (2002)

38São os equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, normas disciplinares e estruturas organizacionais dos serviços de saúde. Merhy (2002)

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A relação compreendida como uma atitude interativa entre os sujeitos nas

práticas de cuidado promove o acolhimento, a escuta, o respeito pelo sofrimento do outro e

suas histórias de vida (LACERDA, VALLA, 2005). Assim, em função de uma prática

interativa do cuidado é possível se desenvolver um trabalho na saúde em que:

“interroga os modos de ação, desmancha-os, porque acompanha o

movimento do vivo, que é de desconstrução e invenção permanentes.

Assim, uma prática do cuidado não pode ser reduzida a uma série de

passos ou procedimentos para serem usados pelos trabalhadores e, sim,

um caminho de encontros e problematizações que se efetivam nos

processos de trabalho” (BARROS, 2007, p. 120).

Para Ayres (2001), o cuidar da saúde dos sujeitos se desenvolve a partir do

processo de interação, encontro, consideração, reconstrução e desejo por construir projetos.

Por sua vez, Pinheiro (2006), compreende a prática do cuidado em saúde numa

perspectiva integral, com significados e sentidos direcionados para o direito de ser39.

O cuidado manifestado pelo trabalho interdisciplinar, não restrito às

competências e tarefas técnicas, fortalece as redes de apoio social, na perspectiva integral,

moldada pela articulação ativa entre profissionais e pacientes em rede (AYRES, 2001;

LACERDA, VALLA, 2005).

Para Dênis Petuco (2012), esse processo do cuidar da saúde dos sujeitos

usuários de substâncias psicoativas, eclode a partir do modo como estes sujeitos são vistos

e ouvidos. Trata-se de uma escuta que acolhe e aceita as diferentes formas de ser e estar

no mundo, perante a diversidade. Constitui-se por uma postura ética diante da vida, do

trabalho, do cuidado.

Escutar. Escutar esse pessoal que agente trabalha e aborda na rua. Saber escutar, em primeiro lugar, porque são muito complicados. Porque você nunca sabe como eles estão, por isso é que é uma coisa muito complicada. Às vezes você pode conversar, porque ele (o usuário) te dá espaço para você conversar. Às vezes a gente só escuta, porque naquele bate-papo o cara quer só falar. (Colaborador 2).

A escuta varia conforme as necessidades de saúde do outro, que nem todas as

vezes estão relacionadas a processos de adoecimentos físicos, e sim psíquicos. Enquadra-

se no respeito à alteridade do usuário de substâncias psicoativas. Esse respeito concretiza-

se ao se compreender a realidade da diversidade humana, cultural e social em relação ao

desenvolvimento dos processos saúde-doença (PINHEIRO et al., 2005).

39Ser, no sentido de Heidegger (1997): ser-aí. É o direito de ser ancorado no respeito às diferenças, garantia de

acesso às diferentes práticas terapêuticas e à abertura para participação do usuário nas decisões sobre a melhoria dos serviços a serem utilizados por eles.

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O cuidado na atenção à saúde, segundo Póvoa (2002), caracteriza-se não só

por processos de uma escuta respeitosa. Para o autor é necessário uma atenção envolvida

por predicados como devoção, dedicação e intuição para que a escuta e a percepção do

outro sejam concebidas na sua integralidade a partir do desejo do outro.

Assim, apesar de você ter pensado as ações, participar da elaboração de pensamento dessas ações nesse assunto, você tem que compreender que você está se inserindo na vida do outro. Então, assim, o meu papel é muito mais de humildade, de reconhecer que esse meu trabalho é do outro e do tempo dele. É dentro dessa perspectiva que eu trabalho: para com ele, com ele e com aquilo que ele quiser. (Colaborador 4).

Neste sentido, as categorias tempo e espaço são imprescindíveis para assegurar

a prática do cuidar em saúde. O tempo corresponde à dedicação continuada do como

cuidar. Em paralelo ao tempo há o espaço, que requer o como e onde ocorrem as práticas

do cuidar. Essas categorias presumem o ato de cuidar como uma atitude processual

desenvolvida por uma série de momentos envolvidos pelos encontros, olhares e

subjetividades do não dito (MACHADO, MONTEIRO et al, 2007).

Existem práticas que levam essa pessoa a ter assegurada a sua saúde. Aceitação das limitações, porque depende muito do outro. Então, tem que ter o tempo do outro. Eu trabalho a partir do tempo desse usuário. (Colaborador 4).

Por outro lado, Paulo Freire (1996) acredita na valorização dos saberes

negligenciados. Nessa perspectiva, a Educação Popular traz contribuições à clínica de

pessoas que usam drogas, da mesma forma que a Redução de Danos, ao imergir nos

lugares onde os usuários de substâncias psicoativas se encontram, objetivando o diálogo

com essas pessoas a partir da escuta de suas práticas de cuidado. Essa experiência da

escuta que valoriza as práticas de cuidado já construídas pela comunidade favorece a

construção de vínculos.

Você conseguir construir vínculos com aquelas pessoas de forma que você consiga ter um diálogo com elas e a partir desse vínculo e desse diálogo pode surgir a proposta da redução de danos. (Colaborador 5).

Na Educação Popular, assim como nas ações de Redução de Danos, busca-se

a realidade do outro, mantendo-se uma posição de curiosidade respeitosa que pressupõe o

que Paulo Freire (1996) chamava “a ontológica vocação de ser mais”. A curiosidade

respeitosa à realidade do outro, na perspectiva da redução de danos, se torna

compreensível ao profissional que trabalha na abordagem de rua não apenas após sua

formação técnica e sim durante a aplicabilidade diária desta durante a prática de território.

Temos uma certa formação, passamos por capacitações para redução de danos em linhas gerais, mas percebemos que essas linhas gerais iremos percebê-la no

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nosso dia-a-dia, como podemos aplicar. Quais os limites, quais as potencialidades de cada espaço, de cada local. (Colaborador 5).

Embasados por uma formação técnica os profissionais do PCR em contato com

a realidade laboral dos espaços onde acontece a abordagem de rua, esta:

“coloca problemas que forçam a pensar outros jeitos de operar: um jeito de

ser enfermeira, ..., médico, psicóloga, se constitui, principalmente, no agir

em situação, na imanência das situações vividas. Esse plano imanente diz,

portanto, da experiência concreta dos trabalhadores no curso da atividade

industriosa. A análise da experiência a partir desse plano coletivo é,

portanto, sempre singular e indissociável do processo de produção do

trabalhador e dos mundos do trabalho” (BARROS, 2007, p. 123).

Assegurar o cuidado no território, na perspectiva da integralidade, do trabalho

em redes, garante uma atenção diversificada aos usuários de álcool e outras drogas.

Tanto a Senad quanto o Ministério da Saúde reconhecem que a política

brasileira destinada aos usuários de drogas deve oferecer o cuidado integral por meio de

uma rede de atenção intersetorial, a partir de práticas diversificadas e amplas a fim de

atender às diferentes necessidades da população (CRUZ, FERREIRA, 2011).

Em Fortaleza a pesquisa de campo revelou que não há o cuidado integral aos

usuários de substâncias psicoativas, em situação de rua, pois a rede de atenção intersetorial

encontra-se fragilizada devido a dificuldades de acesso, horários de funcionamento e

resistências de alguns profissionais no manejo junto a essa população. Essa rede de

atenção intersetorial é composta por um Centro de Especialidades Médicas José de

Alencar, seis CAPS GERAIS, seis CAPS AD e dois CAPS Infantil, duas Ocas de Saúde

Comunitária, cinco Centros de Especialidades Odontológicas, seis Urgências Odontológicas,

noventa de dois Centros de Saúde da Família, dez Hospitais Municipais e um Instituto Dr.

José Frota. Durante a pesquisa de campo foram observadas práticas terapêuticas de

encaminhamentos pelos profissionais do PCR ao Hospital Geral e um Centro de Saúde da

Família de terceiro turno. Na ocasião do encaminhamento o usuário era deslocado com toda

a equipe do PCR através da Kombi.

A prática do cuidado no domínio da integralidade do SUS, compreende a saúde

enquanto um direito às diferenças, dignas de respeito público.

Finalmente, este capítulo buscou analisar a prática do cuidar em saúde a partir

do reconhecimento da realidade das substâncias psicoativas que por meio da relação

processual construída entre profissional e usuário não se desconsidera o contexto sócio-

histórico dos modos de uso do sujeito, assim como a liberdade de escolha.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a realização dessa pesquisa procurou-se mostrar que as práticas

terapêuticas desenvolvidas pelos profissionais da equipe do PCR, em Fortaleza, existem

devido ao crescimento do consumo de drogas lícitas e ilícitas entre os grupos sociais menos

favorecidos, os quais sofrem pela dependência de substâncias psicoativas.

O cenário das drogas em ambiente público urbano, expresso no conteúdo

desta dissertação, requisita que as proposições para o campo da práxis terapêutica sejam

flexíveis, no sentido de reconhecer o outro na sua transparência, e não sobre os a priori de

como estes devem conduzir suas vidas.

Verificou-se nas práticas em saúde da abordagem de rua que mesmo existindo o

modelo de atenção biomédico orientador dos critérios diagnósticos, condutas e resultados

clínicos, prevalece para o profissional do PCR o modelo de atenção psicossocial. Este

último se caracteriza pelo distanciamento da imposição de condutas e delimitações dos

enquadres terapêuticos, buscando efetivar a cidadania e inclusão social aos usuários de

substâncias psicoativas, em situação de rua.

No que se refere particularmente ao campo das práticas terapêuticas em

abordagens de rua no Brasil, observou-se uma modalidade que ainda necessita de mais

pesquisas, alicerçadas pelos trabalhos de campo que analisem este fazer em saúde e

possam (ou não) legitimá-lo.

Em Fortaleza, a abordagem de rua realizada pelos profissionais que compõem a

equipe do PCR, confirma uma tendência para práticas terapêuticas com enfoque na

perspectiva da Redução de Danos aos sujeitos envolvidos em cotidianos urbanos,

socialmente instáveis. Sobre esses cotidianos urbanos, no capítulo REDUÇÃO DE DANOS

E CONSULTÓRIO DE RUA: CONQUISTAS, LIMITES E DESAFIOS observou-se a

abordagem de rua destinada a uma população vulnerável socialmente, estabelecida em

espaços ambientalmente frágeis, caracterizados por áreas de risco, favelas, cortiços e

vazios urbanos. Esse contexto caracterizou condições de trabalho insalubre aos sujeitos do

estudo. Destaca-se ao capítulo das PRÁTICAS TERAPÊUTICAS EM REDUÇÃO DE

DANOS: O PROJETO CONSULTÓRIO DE RUA EM FORTALEZA-CE, frente à configuração

ambiental urbana da prática de território, uma fragmentação da integralidade na rede local

de saúde. Os profissionais essenciais para a lógica da integralidade na rede local de saúde,

ou seja, os sujeitos da amostra manifestaram ser relevante para a prática de território a

comunicação entre as diferentes instituições sociais e de saúde durante as intervenções

diretas com base psico-sócio-biológica.

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As práticas terapêuticas em saúde desenvolvidas pelos profissionais estudados

se adéquam ao inesperado e improvisado durante a troca entre conhecimento científico e

popular no cotidiano urbano. Essa realidade reproduz a prevalência da abordagem de rua

com práticas terapêuticas flexíveis no Projeto Consultório de Rua.

A integralidade da atenção destas práticas terapêuticas, junto aos usuários de

substâncias psicoativas na situação de rua, é operada através de acolhimento, vínculo,

escuta, (re)socialização, responsabilização e autonomia. No entanto, a resolubilidade da

terapêutica voltada para Redução de Danos à saúde é relativizada pelo modo de uso das

drogas por parte da população assistida. Isto ocorre, principalmente, na relação entre a

demanda e a oferta de insumos, assim como na intersetorialidade interna (rede de

atendimento em saúde) e externa (dispositivos comunitários e sociais).

No capítulo O CUIDADO EM SAÚDE: UM CAMINHO PARA A PRODUÇÃO DE

PRÁTICAS TERAPÊUTICAS NO CONTEXTO DA REDUÇÃO DE DANOS observou-se que

a partir da conduta terapêutica flexível na abordagem de rua, o cuidado em saúde

manifesta-se como uma possibilidade para a produção de práticas urbanas. O atendimento

individual terapêutico, com formulação de estratégias conjuntas na (re)construção dos laços

afetivos e acomodações sociais, objetivou consolidar a cidadania de cada usuário por meio

das atividades de intervenção, assistência, cuidados e troca de saberes através da prática

dialógica. Contudo, a prática do cuidado em saúde na perspectiva da Redução de Danos só

será possível de ser efetivada no espaço urbano se a responsabilização do usuário durante

o uso da substância psicoativa também existir.

Finalmente, sugere-se a elaboração de uma política de formação permanente

aos trabalhadores pesquisados com fins de que estes transponham suas limitações e

dificuldades. A ampliação dos espaços disponibilizados para o debate e a exposição de

necessidades da equipe devem ser respaldados e promovidos continuamente, não só

durante as supervisões institucionais.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

O (a) Sr. (a) está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “Saberes e

práticas dos profissionais do Consultório de Rua, no município de Fortaleza, no contexto da redução de danos” que tem como objetivos: 1. Compreender as concepções dos profissionais atuantes no Consultório de Rua quanto a Redução de Danos; 2. Perceber como os profissionais atuantes no Consultório de Rua se apropriam de estratégias de Redução de Danos; 3. Verificar como as concepções dos profissionais atuantes no Consultório de Rua exercem influência na sua prática profissional; 4. Quais saberes são relevantes na construção da prática desses profissionais.

Serão realizadas entrevistas semi-estruturada, as quais serão registradas através de gravação.

Dessa forma, pedimos a sua colaboração nesta pesquisa, respondendo a uma entrevista sobre o tema acima proposto se o (a) Sr. (a) concordar. Garantimos que a pesquisa não trará nenhuma forma de prejuízo, dano ou transtorno para aqueles que participarem. Todas as informações obtidas neste estudo serão mantidas em sigilo e sua identidade não será revelada. Vale ressaltar, que sua participação é voluntária e o (a) Sr. (a) poderá a qualquer momento deixar de participar deste, sem qualquer prejuízo ou dano. Comprometemo-nos a utilizar os dados coletados somente para pesquisa e os resultados poderão ser veiculados através de artigos científicos e revistas especializadas e ou encontros científicos e congressos, sempre resguardando sua identificação.

Todos os participantes poderão receber quaisquer esclarecimentos acerca da pesquisa e, ressaltando novamente, terão liberdade para não participarem quando assim não acharem mais conveniente. Contatos com a mestranda Maria Eniana Araújo Gomes Pacheco, fone: (85) 99241553, e-mail: [email protected].

O Comitê de Ética da UECE encontra-se disponível para esclarecimentos pelo telefone: (85) 3101.9890 – Endereço Av. Parajana, 1700 – Campos do Itaperi – Fortaleza - Ceará.

Este termo está elaborado em duas vias sendo um para o sujeito participante da pesquisa e outro para o arquivo do pesquisador.

Eu, _______________________________________________________ tendo sido esclarecido (a) a respeito da pesquisa, aceito participar da mesma.

Fortaleza, ______ de ___________________ de __________ .

__________________________ _____________________________ Assinatura do (a) participante Assinatura do (a) Pesquisador (a)

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APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido à Coordenadora de Saúde Mental

O trabalho intitulado “Saberes e práticas dos profissionais do Consultório de Rua, no município de Fortaleza, no contexto da Redução de Danos”, coordenado pela Profa. Dra. Maria Regianne Leila Rolim Medeiros, tem por objetivos: 1. Compreender as concepções dos profissionais atuantes no Consultório de Rua quanto a Redução de Danos; 2. Perceber como os profissionais atuantes no Consultório de Rua se apropriam de estratégias de Redução de Danos; 3. Verificar como as concepções dos profissionais atuantes no Consultório de Rua exercem influência na sua prática profissional; 4. Quais saberes são relevantes na construção da prática desses profissionais. Há como pesquisador(a) Maria Eniana Araújo Gomes Pacheco – mestranda em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Para a concretização do referido estudo, solicitamos a permissão para entrarmos em campo junto ao Projeto Consultório de Rua para que seja possível realizar observação sistemática da prática e entrevistas com os profissionais atuantes. A sua participação no estudo consiste em consentir a realização das atividades citadas. Será assegurando o anonimato e o sigilo das informações fornecidas, bem como a liberdade para retirar-se da pesquisa a qualquer momento, retirando o consentimento como possibilidade de minimizar o risco de constrangimento dos participantes. Assim, afastamos a obrigatoriedade de sua participação. Caso recuse participar do estudo, não terá nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição. As informações obtidas na pesquisa serão tratadas de forma confidencial, sendo utilizadas somente para escrever o trabalho que atribuirá o título de mestre em Políticas Publicas e Sociedade ao pesquisador e para publicação em periódicos científicos na área da saúde, antropologia e sociologia. O que trará como benefícios a compreensão de como se dá a relação dos saberes nos profissionais atuantes no Consultório de Rua, no município de Fortaleza, quanto a Redução de Danos no que diz respeito a sua aplicabilidade no campo atuante, contribuindo para reflexão no meio acadêmico e nos serviços, pelos gestores. Após a transcrição e digitação das entrevistas, estas serão destruídas. No momento em que desejar entender melhor a pesquisa ou quando desejar desistir da participação, retirando o consentimento, poderá fazê-lo entrando em contato com a pesquisadora no Departamento de Políticas Públicas e Sociedade da UECE, localizado no campus do Itaperi, Fortaleza, telefone: (85) 3101-9887. Caso concorde em participar do estudo, assine este documento, que também será assinado pelo pesquisador, o qual você ficara com uma cópia. Fortaleza – Ceará, 20/10/2011. ________________________ ______________________________________ Participante Maria Eniana Araújo G. Pacheco-Pesquisadora Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Eu, _______________________________, após tomar conhecimento da forma como será realizada a pesquisa: “Saberes e práticas dos profissionais do Consultório de Rua, no município de Fortaleza, no contexto da Redução de Danos”, concedo permissão, de forma livre e esclarecida, para a pesquisadora adentrar a rota do Consultório de Rua a fim de realizar pesquisa de campo. Fortaleza – Ceará, _______/________/2011. _______________________________ ________________________________ Participante M. Eniana A. G. Pacheco-Pesquisadora

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APÊNDICE C – Roteiro da Entrevista

I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO 1. IDADE (ANOS) ___________________ 2. FORMAÇÃO PROFISSIONAL _______________________ 3. PÓS-GRADUAÇÃO: ( ) SIM. QUAL? ________________________ ( ) NÃO 4. TEMPO DE FORMADO (ANOS) _____________________ 5. TEMPO DE ATUAÇÃO NA SAÚDE MENTAL E/OU CONSULTÓRIO DE RUA

________________________________ 6. VÍNCULO EMPREGATÍCIO __________________________________ 7. ESTADO CIVIL ______________________________________ II – QUESTÕES SOBRE OS SABERES E AS PRÁTICAS 1. O QUE VOCÊ ENTENDE POR REDUÇÃO DE DANOS. 2. COMO O CONHECIMENTO DA ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DE DANOS CHEGA ATÉ VOCÊ? 3. QUAIS SABERES SÃO IMPORTANTES PARA A CONSTRUÇÃO DA SUA PRÁTICA? 4. QUE MUDANÇAS OS SABERES PROPORCIONAM À PRÁTICA NO CONSULTÓRIO DE RUA. 5. QUE MUDANÇAS A PRÁTICA PROPORCIONA AOS SABERES NO CONSULTÓRIO DE RUA. 6. OS ESPAÇOS OCUPADOS NA PRÁTICA EXERCEM INFLUÊNCIA NOS SEUS SABERES?

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APÊNDICE D – Roteiro da Observação Sistemática

ELEMENTOS DE REFERÊNCIA

1. Condições de ambiente de trabalho

2. Áreas de maior prevalência de atendimento

3. Relações entre os trabalhadores

4. Ações e atividades intersetoriais desenvolvidas

5. Relações dos trabalhadores com os usuários do serviço

6. Parcerias com outros serviços

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ANEXO

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ANEXO 1- Quantitativo de 2011

SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE REDE ASSISTENCIAL DE SAÚDE MENTAL, ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

PROJETO CONSULTÓRIO DE RUA 1(Tarde) – FORTALEZA Rua do Rosário, nº 283 – Centro

Telefone: (85) 34526941/ 34337146

MAPA DE REGISTRO DE ATENDIMENTOS

Nº Da-ta

Nome/ Apeli-do

Se-xo

Ida-de

Situa-ção *1

Uso de drogas

Substân-cia atual *2

Avalia-ção Saúde *3

Ação reali-zada *4

Insu-mo

Encaminhamen to

Cam-po

1 M/ F

SIM / NÃO