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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO E ENSINO GÉSSICA CRYSLÂNIA DA SILVA SIPRIANO A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E SEUS REBATIMENTOS NO COMPLEXO DA ARTE: NOTAS ACERCA DA EDUCACÃO DOS SENTIDOS LIMOEIRO DO NORTE CEARÁ 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL

MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO E ENSINO

GÉSSICA CRYSLÂNIA DA SILVA SIPRIANO

A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E SEUS REBATIMENTOS NO COMPLEXO

DA ARTE: NOTAS ACERCA DA EDUCACÃO DOS SENTIDOS

LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ

2019

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GÉSSICA CRYSLÂNIA DA SILVA SIPRIANO

A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E SEUS REBATIMENTOS NO COMPLEXO

DA ARTE: NOTAS ACERCA DA EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico Intercamp em Educação e Ensino da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Educação e Ensino. Linha de pesquisa: Trabalho, educação e movimentos sociais. Área de Concentração: Mestrado em Educação e Ensino.

Orientador: Prof. Dr. José Deribaldo Gomes dos Santos.

LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ

2019

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GÉSSICA CRYSLÂNIA DA SILVA SIPRIANO

A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E SEUS REBATIMENTOS NO COMPLEXO

DA ARTE: NOTAS ACERCA DA EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico Intercamp em Educação e Ensino da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Educação e Ensino. Linha de pesquisa: Trabalho, educação e movimentos sociais. Área de Concentração: Mestrado em Educação e Ensino.

Aprovada em: 23 de abril de 2019

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. José Deribaldo Gomes dos Santos (Orientador)

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Profa. Dra. Maria das Dores Mendes Segundo

Universidade Estadual do Ceará – (UECE)

Profa. Dra. Francisca Maurilene do Carmo Universidade Federal do Ceará – (UFC)

Prof. Dr. José Wellington Dias Soares

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

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A todos que acreditaram e contribuíram

para realização deste sonho. Mãe, Pai,

Esposo e Irmãos, dedico este trabalho a

vocês!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus. Essa é mais uma prova do seu cuidado por mim e

das maravilhas que Ele reservou em favor da minha vida. Soli Deo Glória!

Ao amado Marles Sipriano, por todo suporte, carinho e atenção depositados a mim,

por todas as palavras de ânimo nos momentos de desesperança. Por acreditar e

apoiar a minha realização profissional e, além de esposo, companheiro e amigo foi

também revisor gramatical do meu texto.

Aos meus pais, Francisco e Cristina, que apesar de toda a dificuldade nunca mediram

esforços para que eu pudesse prosseguir com meus estudos. Embora simples

agricultores sempre souberam da importância do estudo e cultivaram em mim o desejo

em buscar o conhecimento.

A cada um dos meus queridos irmãos, por todo apoio sempre!

Ao estimado professor Deribaldo Santos, pelo conhecimento compartilhado, todo

auxílio no percurso desta pesquisa e por me fazer acreditar que sou capaz. Atribuo a

você grande responsabilidade pelo meu crescimento acadêmico.

Aos professores Maria Das Dores, Maurilene do Carmo e Wellington Soares que

aceitaram o convite em compor a banca examinadora de nossa pesquisa. Desejo

ainda expressar meu sentimento de gratidão à professora Adéle Araújo por todas as

suas contribuições.

Ao MAIE (Mestrado Acadêmico Intercamp em educação e Ensino) e a todo seu corpo

docente; a Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, assim também como a

Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central. O mestrado não

possibilitou apenas conhecimento, mas também conhecer pessoas maravilhosas.

Desejo a cada um dos companheiros da turma de 2017, muito sucesso.

Agradeço a FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio a Pesquisa), que possibilitou

minha permanência nesse curso.

Enfim, agradeço a todos que direta, ou indiretamente, contribuíram para realização de

mais esse sonho!

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RESUMO

Nosso estudo tem como premissa averiguar os rebatimentos que a crise estrutural do

capital gera sobre a arte, investigando os meios pelos quais ocorre a fragmentação

dos sentidos. Partimos do pressuposto de que a arte no modo de produção capitalista

está mais inclinada para a alienação, uma vez que tanto o trabalho como as demais

categorias sociais encontram-se profundamente afetada pelo fenômeno da crise

estrutural do capital, do que voltada para a Omnilateralidade, formação do homem em

todos os sentidos, como convém a sua função social, mediante uma educação

estética. Com a intensão de darmos conta da problemática aqui apresentada,

elencamos como objetivos específicos: contextualizar o modo de produção capitalista,

traçando uma breve análise de como se constitui até chegar ao momento de crise

profunda do sistema; analisar a categoria do trabalho enquanto complexo social

fundante; historiar os complexos artístico e educativo desde sua gênese e verificar os

motivos que levam à fragmentação dos sentidos na sociedade capitalista, pois,

embora qualquer solução para as contradições do sistema implique em ir para além

do capital e do complexo artístico a ser atingido profundamente pela crise, o reflexo

estético ainda pode enriquecer o indivíduo ao potencializar determinados aspectos

que o faz partícipe do gênero humano, mediante o processo de elevação em sua

forma superior de abstração acima da fragmentação da sociedade.

Palavras-chave: Arte. Formação estética dos sentidos humanos. Crise estrutural do

capital. Trabalho. Educação.

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ABSTRACT

Our study has as a premise to ascertain the refutations that the structural crisis of

capital generates over art, investigating the means by which the fragmentation of the

senses occurs. We start from the assumption that art in the capitalist mode of

production is more inclined towards alienation, since both the work and the other

categorical social are profoundly affected by the phenomenon of the structural crisis of

capital, than that turned to the Omnilaterality, formation of man in all senses, as his

social function, through an aesthetic education. With the intention of giving an account

of the problematic presented here, we have specific objectives: to contextualize the

capitalist mode of production, drawing a brief analysis of how it is constituted until it

reaches the moment of deep crisis of the system. analyze the category of work as a

foundational social complex. historize the artistic and educational complex from its

genesis and verify the reasons that lead to the fragmentation of the senses in capitalist

society. Although any solution to the contradictions of the system implies going beyond

capital and the artistic complex to be deeply affected by the crisis, the aesthetic

reflection can still enrich the individual by potentiating certain aspects that make him a

participant of the human race, through the process of elevation in its superior form of

abstraction over the fragmentation of society.

Keywords: Art. Aesthetic formation of the human senses. Structural crisis of capital.

Labor. Education.

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SUMÁRIO

1

2

2.1

2.2

3

3.1

3.1.1

3.2

4

4.1

4.2

4.2.1

4.3

5

INTRODUÇÃO ...............................................................................

CRISE DO CAPITAL ......................................................................

MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E AS CRISES CÍCLICAS:

PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES....................................

A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL: PALAVRAS

NECESSÁRIAS ..............................................................................

TRABALHO E EDUCAÇÃO: UMA ARTICULAÇÃO SOCIAL.......

O TRABALHO ENQUANTO CATEGORIA UNIVERSAL:

PANORAMA INICIAL......................................................................

Algumas considerações sobre o trabalhador enquanto

mercadoria ....................................................................................

O COMPLEXO DA EDUCAÇÃO: ALGUNS CONCEITOS

FUNDAMENTAIS............................................................................

ARTE, CAPITALISMO E EDUCAÇÃO ESTÉTICA DOS

SENTIDOS HUMANOS: ELEMENTOS SOBRE ALIENAÇÃO E

OMNILATERALIDADE ..................................................................

O COMPLEXO DA ARTE: ALGUNS CONCEITOS

FUNDAMENTAIS ...........................................................................

FORMAÇÃO DOS SENTIDOS HUMANOS; ALIENAÇÃO E

OMNILATERALIDADE: A DESUMANIZAÇÃO DOS SENTIDOS...

Formação estética dos sentidos humanos e omnilateralidade:

a luz para a emancipação humana................

A ARTE NO CAPITALISMO: A FRAGMENTAÇÃO DOS

SENTIDOS HUMANOS...................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................

REFERÊNCIAS ..............................................................................

9

17

17

34

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54

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1 INTRODUÇÃO

Muitas foram às inquietações que nos trouxeram até aqui. De início, nosso

estudo partiu primeiramente de um artigo construído durante o projeto de iniciação

cientifica “Os sentidos humanos e a formação humana na sociabilidade capitalista”,

subprojeto da pesquisa: “Estética Lukacsiana: considerações sobre a formação

humana”, sob a orientação da professora Adéle Cristina Braga Araújo. Esses estudos

foram realizados no interior do Laboratório Sobre Políticas Sociais do Sertão Central

no Grupo de Pesquisa, Trabalho, Educação, Estética e Sociedade (GPTREES),

organismo articulado à Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central,

Unidade acadêmica da Universidade Estadual do Ceará. (Lapps/FECLESC/UECE). O

referido grupo de pesquisa existe há cerca de 10 anos e realizou inúmeros trabalhos

sobre a crise estrutural do capital.

Torna-se necessário frisar as incontáveis contribuições do referido

laboratório e os grupos de estudos realizados em seu interior, não apenas no que diz

respeito especificamente a esta pesquisa, mas também, sobre uma quantidade bem

maior de experiências compartilhadas, não somente em subsídios para uma vida

acadêmica, mas para além disso. Todos esses conhecimentos que nos fazem

capazes de enfrentar o mundo; buscando compreender os meios que levam essa

sociedade atual, a chegar a um nível tão crítico no que diz respeito à arte, enquanto

princípio motor da elevação dos seres humanos. Além das barreiras do cotidiano

fragmentado em que nos encontramos inseridos.

Esta pesquisa intitulada: A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E SEUS

REBATIMENTOS NO COMPLEXO DA ARTE: notas acerca da educação dos

sentidos, propõe-se a estudar o subjetivismo que guia e norteia o complexo da arte

imerso na crise estrutural do capital, averiguando se, no atual momento de crise

profunda, a arte e a educação dos sentidos estão inclinadas a uma maior intensidade

para a alienação humana ou para a omnilateralidade, considerando principalmente os

efeitos que a mesma sofre com as formas peculiares de subsistir do modo de

produção vigente.

O método utilizado para a realização da pesquisa é o de Marx,

materialismo histórico dialético, por ser um método fiel à realidade, “os objetivos só

serão alcançados mediante considerações sem preconceito sobre a realidade”

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(SANTOS, 2017a, p. 16). Nossas categorias nodais da pesquisa são: alienação e

omnilateralidade.

O conceito de alienação foi historicamente criado. É o estado de

estranhamento do homem, com relação à natureza e a si próprio. Já a

omnilateralidade é um termo criado por Marx que implica na formação do homem em

todos os sentidos plenamente, e no estado alcançado por este a partir de sua

emancipação.

Com efeito, esta pesquisa pretende analisar duas importantes categorias:

a arte e a educação dos sentidos como sendo o complexo consequente do trabalho,

uma vez que elas surgem a partir do próprio processo do trabalho; observando a

importância dessa atividade para o surgimento desses complexos e de muitos outros

acontecimentos relevantes que nos fizeram chegar até aqui, entre os tais, o

desenvolvimento do modo de produção capitalista.

Isto posto, será discorrido sobre a atual crise do capital, fazendo aqui,

uma breve recapitulação histórica. Pretende-se averiguar a história da crise do

capitalismo, de sua gênese até o estado em que ela se encontra nos dias atuais;

observando ainda, o que há por traz da lógica capitalista que nunca encontra êxito e

sempre é interrompida de forma inesperada por profundas crises. Em um segundo

momento, serão tratadas algumas considerações sobre a arte em meio a esse quadro

caótico, dando relevância aos efeitos que a crise estrutural do capital gera sobre a

mesma.

Nossa análise parte do pressuposto de que a arte na sociedade capitalista,

sobretudo no atual momento em que ela se encontra, denominado em uma crise

estrutural do capital (MÉSZAROS, 2002), compactua com formas desumanas e

embrutecedoras que obstaculizam a humanização plena dos sentidos, podendo ser

responsável, a partir do contexto em que está inserido, de distanciar a grande parte

dos homens das riquezas espirituais e do estado de elevação que a arte gera em cada

indivíduo.

Com a intenção de darmos conta da problemática aqui apresentada, o

objetivo geral da pesquisa é averiguar os rebatimentos que a crise estrutural do capital

gera sobre a arte, investigando os meios pelos quais ocorre a fragmentação dos

sentidos. Nesta perspectiva, investigar se a educação dos sentidos está mais voltada

para a alienação humana, uma vez que os complexos sociais, dentre eles o trabalho,

se encontram criticamente atingidos ou se ela consegue, mesmo em um cotidiano tão

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embrutecido, formar o homem omnilateralmente, ou seja, em todos os sentidos, com

uma educação que rompa com as limitações provocadas pela sociedade capitalista.

Como forma de nos aprofundarmos o máximo possível do nosso objetivo

geral propõe-se de modo específico: contextualizar o modo de produção capitalista,

de sua origem à crise estrutural do capital; historiar os complexos artístico e educativo,

desde sua gênese; analisar a arte imersa na crise estrutural do capital e, por fim,

verificar os motivos que levam à fragmentação dos sentidos na sociedade capitalista,

trazendo elementos sobre a educação dos sentidos.

Nessa perspectiva, a relevância da pesquisa assenta-se no fato de propor

desvendar como e por quais mediações, os sentidos humanos tornam-se mais

grosseiros na sociedade capitalista. Também contribui para o entendimento do

complexo da arte enquanto atividade que aprimorou os sentidos, apontando para a

possibilidade de altos procedimentos no processo de humanização, a partir da

superação da sociabilidade do capital, na qual a maioria das pessoas é impedida de

desenvolver potencialmente suas capacidades humanas.

Fundamentamos nossa pesquisa nos estudos de Marx, recuperado por

Lukács, a fim de percebermos o que orienta a concepção de arte e o que causa a

abertura da lógica desfavorável capital/trabalho, o qual permite gerar a

mercantilização da educação e da arte, tanto no que diz respeito à criação, quanto no

que se refere à recepção. Argumentaremos sobre a arte como um complexo

consequente do trabalho que, juntamente com ele, possibilitou a formação humana.

Para tanto, como proposta de verificação, apresentaremos uma investigação a partir

da ontologia do ser social da estética marxista.

Consideramos que a arte de modo geral é atingida por esta crise de

várias maneiras, uma vez que ela gera nas pessoas um estranhamento, fazendo com

que estas não consigam captar o real sentido da obra de arte verdadeiramente

autêntica. Destarte, a sociedade capitalista, imersa nessa crise profunda do capital,

denominada como de caráter estrutural, em grande parte das vezes priva a maioria

dos seres humanos de desfrutarem as riquezas materiais, culturais e estéticas que

existem, impedindo-os de terem uma formação humana omnilateral.

Vivemos em uma sociedade miserável, que não prioriza condições objetivas para o desenvolvimento estético. Sociedade está que não nos permite

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vivenciar a dança, a pintura, a escultura – as artes plásticas de maneira geral, a música, a não ser de forma mínima. (ARAUJO, 2013, p. 95).

Assim, observamos que na atual conjuntura capitalista, a grande maioria

dos homens é impedida de desfrutar as riquezas espirituais que o próprio homem

constituiu. Diante desse quadro, torna-se urgentemente necessário compreender, a

fim de que possamos intervir em tal situação e alcançarmos a emancipação dos

sentidos, visto que, na sociedade em que vivemos é cada vez mais negado ao ser

humano a humanização plena dos sentidos, por isso, torna-se bem mais complicado

para o mesmo alcançar as riquezas espirituais produzidas.

Para que compreendamos um pouco mais sobre arte é necessário

voltarmos para a gênese da mesma. Inicialmente, é preciso ressaltar que a arte,

enquanto complexo tardio, nasce a partir de uma necessidade humana, gerada no ato

do trabalho. O trabalho é o elemento fundamental no processo de produção e uso de

novos instrumentos e signos, foi ele que possibilitou o surgimento do ser social, ou

seja, da vida em sociedade. É por meio do trabalho que acontece o processo de

humanização e aperfeiçoamento dos sentidos. Para Lukács (1979, p. 87), “o trabalho

é antes de mais nada, em termos genéticos, o ponto de partida da humanização do

homem, do refinamento de suas faculdades, processo do qual não se deve o domínio

sobre si mesmo”.

O trabalho é visto como o ato de agir sobre a natureza, ao passo que,

modificando-a o homem também transforme a si mesmo, mediante o ato teleológico.

“A partir do trabalho, o ser humano se faz diferente da natureza, se faz um autêntico

ser social, com leis de desenvolvimento histórico, completamente distintas das leis

que regem os processos naturais” (LESSA e TONET, 2011, p.17-18).

De acordo com Marx e Engels (2007), os homens adquirem novos

conhecimentos e habilidades, quando produzem meios para satisfazer suas

necessidades. No ato do trabalho faz-se necessário a apropriação de um

conhecimento para que sejam alcançados outros. Entretanto, essa falta de acordo,

que existe entre capital e trabalho gera muitos impedimentos para que o homem não

tenha uma formação humana omnilateral.

O trabalho surge em um período bem antes do comunismo primitivo e

era um modelo de trabalho voltado apenas para a sobrevivência. A comunidade

primitiva continuou assim por muitos anos até que surgiram elementos que causaram

sua dissolução, tais como a domesticação de animais e a agricultura. Com o aumento

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da produtividade do trabalho e o excedente econômico, a comunidade primitiva

começa a perder suas características, paulatinamente passa a entrar em declínio,

sendo substituída pelo período escravista.

Esse período foi marcado pela implantação da propriedade privada nos

meios de produção e pela exploração do homem pelo homem. Nesse modo de

produção, o trabalho era realizado em forma de repressão. Por conseguinte, inicia-se

o modo de produção feudal, em que as unidades econômicas e sociais desse modelo

de produção eram baseadas na divisão territorial, existia, portanto, o feudo que

pertencia a um nobre e nesse trabalhava os servos, os produtores direto (NETTO e

BRAZ 2008). Na sequência, após um período de inúmeras revoluções, surge o modo

de produção capitalista, tendo como características as relações assalariadas de

produção, composta por duas classes sociais: a burguesia e a trabalhadora.

Vivemos hoje uma crise sem precedente e que afeta todos os ramos da

produção e do desenvolvimento humano, uma crise denominada pelo filósofo húngaro

István Mészáros, como de caráter estrutural, visto que o sistema de produção da qual

falamos já passou por muitas outras crises ao longo de sua existência. No entanto,

nenhuma delas com o grau de perigo que esta crise atual demostra, como veremos

adiante. Por ser uma crise que afeta todos os ramos da vida em sociedade, temos

grande necessidade em conhecê-la.

Para tanto, traremos algumas considerações sobre o modo de produção

capitalista e sua crise estrutural, Netto e Braz (2008) afirmam que as crises são

características do capitalismo, não são anomalias ou algum tipo de acidente de

percurso gerado durante a existência do referido sistema econômico, pelo contrário,

ao estabelecer o capitalismo enquanto modo de produção, já é certo a existência de

crises. Elas são expressões das contradições do sistema e por isso não pode existir

capitalismo sem crise. É também por serem próprias do modo de produção que as

crises não podem extinguir o mesmo.

Após um longo período de desenvolvimento do capitalismo, o sistema

começa a apresentar crises, no entanto, as crises que aconteciam eram limitadas e

cíclicas, não eram todos os países afetados e nem todos os ramos da produção

atingidos, mas, mesmo assim, o crescimento e expansão do capitalismo sofreram com

profundas depressões; após um período, o sistema econômico se restabelecia e

começava todo processo novamente. Essa é a real história de desenvolvimento do

capitalismo que se mostrou assustadoramente instável.

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Logo após um grande período do capitalismo caracterizado por muitos

avanços tecnológicos e também científicos, que se iniciam após o termino da Segunda

Guerra Mundial, esse desenvolvimento é novamente interrompido por problemas no

capital. Mészáros (2003) ressalta que a sociedade capitalista está vivendo atualmente

sua crise mais intensa. As consequências dessa crise são inúmeras e, por isso,

acreditamos ser esta a pior que o capitalismo já enfrentou.

O autor diferencia a crise atual das crises do passado por quatro aspectos

principais: em primeiro lugar aponta o caráter da crise, considerada por ele como

universal, uma vez que a mesma afeta todos os ramos de produção em diferentes

setores. O segundo aspecto diz respeito ao alcance global da crise, por não se limitar

a um grupo particular de países. Em seguida ele observa a escala de tempo da crise

que se mostra extensa, contínua e permanente. No quarto e último aspecto, Mészáros

(2002) refere-se ao desenvolvimento da crise, considerando-a como rastejante, visto

que seus primeiros sinais puderam ser observados desde 1970. A seguir, vemos nas

palavras de Mészáros (2009, p. 29) suas considerações sobre a crise que

enfrentamos hoje.

O que está fundamentalmente em causa hoje não é apenas uma crise financeira maciça, mas o potencial de autodestruição da humanidade no atual momento do desenvolvimento histórico, tanto militarmente como por meio da destruição no curso da natureza.

Mais uma vez nos posicionamos na mesma linha de pensamento do autor,

vivemos em meio a um cenário de expansão do capital e este põe em risco a

existência da vida humana. As consequências dessa crise podem ser observadas por

diferentes ângulos, suas ações vêm destruindo as forças produtivas, força humana de

trabalho e o meio ambiente. As devastações causadas pela crise do sistema do capital

têm proporções bastante significativas que nunca foram vistas antes.

Nossa pesquisa parte da explicação de um conceito fundamental para a

realização da mesma. Nosso intuito é analisar o complexo artístico desde sua gênese,

fazendo também algumas considerações sobre a educação, categoria bastante

importante para nosso estudo, considerando o trabalho como categoria base da qual

originam todos os demais complexos. O trabalho aqui apresentado será analisado do

ponto de vista marxiano/lukacsiano, ou seja, como fundamento do ser social.

A arte na sociedade capitalismo é atingida de muitas maneiras; inúmeros

são os obstáculos que impedem a mesma de cumprir com sua função social de

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elevação da humanidade acima da fragmentação da sociedade. O complexo da arte

tornou-se objeto da burguesia, com preços elevados, são poucos os afortunados com

condições de acessá-la. A imediaticidade da vida humana em sobreviver, causada

pelo estilo da sociabilidade atual, também rouba todo o tempo do homem trabalhador.

Portanto, a pesquisa busca analisar se esses aspectos responsáveis por alienar o

homem são mais evidentes em uma sociedade que vive uma crise profunda.

A educação, assim como todos os outros complexos, surge no ato do

trabalho e mantém com ele uma dependência ontológica e autonomia relativa. A

categoria fundante cria a educação com o desejo de transmitir os conhecimentos e

habilidades adquiridos às gerações futuras. Quando a sociedade capitalista se efetiva,

a educação que já sofria com a dicotomia educacional1 é novamente dividida em favor

do capital. Deste modo, o sistema molda o setor que contribuirá significativamente

para o crescimento do capitalismo, a escola. Deste modo, a educação estética surge

como uma tentativa isolada de uma formação completa, omnilateral.

Damos início nossa pesquisa com a categoria que nos permite configurar

o atual momento do objeto em análise, encetando nosso primeiro capítulo titulado

Crise do capital. Assim, realizaremos uma análise sobre o modo de produção

capitalista, visto que é um ponto considerado significativamente relevante para a

pesquisa e, por isso, o contextualizaremos historicamente, fazendo uma análise de

seu processo de desenvolvimento, suas crises cíclicas, até chegarmos ao momento

da crise estrutural do capital que é o estágio desejado pela pesquisa.

O segundo capítulo, denominado Trabalho e educação: uma articulação

social, apresenta o trabalho como ato fundante das categorias sociais, seu processo

de desenvolvimento em diferentes épocas e a transformação vivida pela categoria

base da totalidade social em que se desprendem todas as demais relações cotidianas

mediante a entrada do modo de produção capitalista. Em um segundo momento,

ainda no segundo capítulo, retratamos sobre a educação, sua relação de autonomia

relativa e dependência ontológica quanto ao trabalho, seus aspectos em diferentes

momentos da história humana com ênfase no período capitalista.

O terceiro capítulo apresenta como título: Arte, capitalismo e educação

dos sentidos: elementos sobre alienação e omnilateralidade. Nele, retratamos sobre

1 Para compreender melhor o processo de dualidade educacional vê: SANTOS, Deribaldo. Educação Estética:

Algumas considerações críticas sobre arte-educação. GESTO-DEBATE, ISSN 2595-3109, volume 15, número 01,

novembro de 2018.)

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o complexo artístico, como ele opera e sua função social. Apresentamos também as

categorias (imanência, transcendência, antropomorfização, desantropomorfização)

essenciais para compreender a arte. Em um segundo momento do terceiro capítulo,

tratamos sobre as duas categorias nodais para se alcançar nosso objetivo principal

da pesquisa, alienação e omnilateralidade, trazendo conceitos e algumas categorias

que estão intimamente ligadas, como formação dos sentidos e emancipação humana.

E por fim, no terceiro momento, averiguamos sobre a crise estrutural e os rebatimentos

na arte, observando como, e por quais mediações, ocorre a fragmentação dos

sentidos humanos.

Com efeito, a fim de compreendermos os conceitos que a pesquisa pede,

analisaremos as obras: Manuscritos econômicos filosóficos de Marx (2015);

Introdução a Filosofia de Marx de Sérgio Lessa e Ivo Tonet (2010); A teoria da

Alienação em Marx de István Mészáros (2006); A Crise Estrutural do Capital de

Mészáros (2009); Economia Política de Netto e Braz (2008), entre outros, conforme o

que a pesquisa exige. A partir dessas leituras encontraremos subsídios teóricos para

alicerçar nosso estudo. Porquanto, as obras referidas dispõem de conteúdos que são

significativos para a área.

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2 CRISE DO CAPITAL

A análise do modo de produção capitalista, bem como a compreensão de

suas crises, sobretudo a estrutural do capital, tornaram-se, nos dias atuais,

imprescindíveis a fim de alcançarmos níveis superiores na busca por soluções contra

a peculiar forma de subsistir do capital, se quisermos que a humanidade alcance suas

potencialidades. Deste modo, iniciaremos nossa pesquisa analisando o modo de

produção capitalista e suas crises.

Traremos ainda algumas considerações sobre a forma como a crise

estrutural se desenvolve, para em seguida avaliarmos seus rebatimentos na educação

e na arte. Este capítulo retrata um pouco os caminhos percorridos pela humanidade

no que se diz respeito ao modo de produção vigente e às consequências que essas

decisões geraram, principalmente nas duas categorias anteriormente mencionadas.

Portanto, a necessidade em expô-lo é justamente por ser a partir do mesmo

que esclarecemos as relações capitalistas responsáveis por trazerem a humanidade,

e grande parte dos complexos sociais, dentre eles, o complexo da arte e a educação

dos sentidos, a níveis que, grande parte das vezes se apresenta drasticamente

atingidos pela crise do sistema. A relevância deste capítulo para a pesquisa assenta-

se de modo sintético em responder como? Quando? E por quê? Dos rebatimentos da

crise no complexo da arte, assim também como na educação dos sentidos.

2.1 MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E AS CRISES CÍCLICAS: PRIMEIRAS

APROXIMAÇÕES

Logo após o declínio do feudalismo, emerge em sequência o sistema

capitalista, caracterizado por ser um modo de produção de mercadorias. Netto e Braz

(2008) consideram a mercadoria como um objeto externo ao homem, algo que pelas

suas propriedades satisfaz qualquer necessidade humana, material ou espiritual.

O grande aumento no desenvolvimento da produção de mercadorias foi

definitivo para a efetivação do modo de produção capitalista.

Mas, mesmo derrotados os servos pela força, a sua luta conduziu a importantes alterações no regime feudal, alterações que o desenvolvimento do comercio já prepara. Do ponto de vista econômico, mediações da natureza mercantil penetraram as eleições básicas da economia feudal entre os próprios senhores (a terra começou a ser objeto de transação mercantil) e entre senhores e servos (as prestações em trabalho e espécie começaram a

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ser substituídas por pagamento em dinheiro). Aquilo que era próprio de um segmento da ordem feudal, a economia mercantil urbana, cada vez mais consolidada e ampliada, a pouco e pouco iniciou uma irreversível expansão. (NETTO E BRAZ, 2008, p. 71).

As inúmeras mudanças e pequenos movimentos foram cada vez mais se

transformando em algo bem maior. A expansão das atividades mercantis pelo mundo

e o nascimento da manufatura foram as condições para que houvesse a revolução

burguesa, deste modo, “a sociedade tornava-se cada vez mais burguesa” (NETTO e

BRAZ, 2008, p. 74). Destarte, a sociedade passava, a partir das forças produtivas, a

exigir novas relações voltadas para o capitalismo burguês. As forças produtivas do

modo de produção feudal já não podiam segurar o desenvolvimento das relações de

produção. Foram as constantes revoluções sociais que permitiram os comerciantes e

mercadores chegarem ao nível de importantes protagonistas econômicos.

A revolução burguesa, vê-se, constitui mesmo toda uma época de revolução social – inicia-se com os grupos mercantis tornando-se figuras centrais na economia, conformando-se numa nova classe social, o que se processa entre os séculos XV e XVII, e prossegue nos séculos XVII e XVIII, quando a nova classe, já constituída, constrói a sua hegemonia político-cultural e reúne as condições para o enfrentamento direto com a feudalidade, derrotando-a nos confrontos maiores de 1688/89 (Inglaterra) e 1789 (França). (NETTO e BRAZ, 2008, p. 74-75).

A partir dessa revolução, a burguesia toma também o poder político. A

hegemonia conquistada organiza e lidera o povo e põe fim ao regime feudal. Destarte,

abre-se caminho para o estado burguês. A classe triunfante articula o

desenvolvimento das novas forças produtivas e, deste modo, criaram as condições

para a concretização histórica do modo de produção capitalista.

Por conseguinte, o capitalismo não surge na história humana de repente.

“No decurso desses séculos, operando para a ultrapassagem do modo de produção

feudal, as suas contradições internas foram potencializadas pelo efeito do

florescimento do comercio, expressos na consolidação crescente de uma economia

de base mercantil”. (NETTO e BRAZ, 2008, p. 70). As características expressas

anteriormente são exemplos de eventos que culminaram com o surgimento do

capitalismo. Ao longo da crise do feudalismo, vários acontecimentos históricos

conduziram o mundo à revolução burguesa e efetivação capitalista.

No entanto, embora já houvesse a divisão de classes, como nos afirma

Netto e Braz (2008), era necessário existir ainda duas classes de pessoas com

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19

características próprias, uma que pudesse dispor de riquezas acumuladas para

comprar meios de produção e força de trabalho, e outro grupo de pessoas desprovidas

de tudo, exceto, de sua força de trabalho, possível de ser vendida, pois essa seria,

praticamente, o seu único bem.

Com o intuito de apresentarmos de forma mais límpida a definição de

capitalismo, observemos a seguir:

Organização da sociedade na qual a terra, as fábricas, os instrumentos de produção pertencem a um pequeno número de proprietários fundiários e capitalistas, enquanto a massa do povo não possui nenhuma ou quase nenhuma propriedade e, por isso deve vender a sua força de trabalho (NIKITIN apud NETTO e BRAZ, 2008, p. 88).

O modo de produção capitalista diferencia-se dos demais ao longo da

história por meio de uma característica bem particular que pode ser identificada como

acúmulo de capital, sem o qual o mesmo não existiria. Portanto, o modo de produção

capitalista se distingue principalmente pela influência do capital e o predomínio do

apego ao dinheiro. Outra diferença que pode ser observada é sua forma de existir, na

qual os meios de produção pertencem a particulares, ou seja, à corporação privada.

Nenhum período da história possuiu tais particularidades.

As bases da circulação e da produção mercantil capitalista são,

significativamente, diferentes das produções mercantis simples. Primeiramente o

capitalista, proprietário direto dos meios de produção, não é o responsável pelo

trabalho, ele compra a força de trabalho de um homem que não possui meios de

produção (trabalhador). Este será produtor direto e quem realizará o trabalho em troca

de uma determinada quantia de dinheiro (salario), transformando a própria força de

trabalho em uma mercadoria. (NETTO e BRAZ, 2008).

O capitalista produz mercadorias a partir da soma dos meios de produção

com a força de trabalho do trabalhador. A diferença entre a produção mercantil simples

e a capacidade assenta-se justamente pela exploração capitalista da força de

trabalho. “Os ganhos (lucros) do capitalista, diferentemente dos ganhos do

comerciante, não provêm da circulação: sua origem está na exploração do trabalho –

reside no interior do processo de produção de mercadorias, que é controlado pelo

capitalista”. (NETTO e BRAZ, 2008, p. 83). As diferenças entre o modo de produção

capitalista e os modos de produções anteriores não permanecem apenas na produção

mercantil, ela também está na circulação mercantil.

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20

O capitalista, ao contrário do produtor mercantil simples, não quer mercadorias para trocar por outras mercadorias e, portanto, não entrega o seu dinheiro como simples intermediário entre uma mercadoria e outra. A circulação capitalista também difere daquela na qual o comerciante é o elo entre produtores (camponeses e artesãos) e consumidores, precisamente porque o lucro capitalista não é criado na esfera da circulação; provindo da esfera da produção, o lucro capitalista exige a continuidade da produção e o seu controle pelo capitalista – nem uma nem outro são decisivos para o comerciante. (NETTO e BRAZ, 2008, p. 83-84).

A circulação da mercadoria anteriormente se dava unicamente por meio da

troca entre mercadorias, de modo que esse procedimento tivesse o mesmo valor para

ambas as partes. O capitalista pelo contrário, não troca sua mercadoria, ele a vende

por uma determinada quantia em dinheiro e por isso não recebe outra mercadoria em

troca. O lucro capitalista como anteriormente ressaltamos, não provêm da circulação,

mas sim, da exploração do trabalho no ato da produção, diferentemente dos

camponeses e artesãos, como destacado pelos autores supracitados.

No entanto, assim como o comerciante, o objetivo do capitalista também

está no lucro, portanto, este último necessita de continuidade na produção e o controle

de todo o processo. A circulação mercantil capitalista ocorre quando o capitalista tem

uma determinada quantia em dinheiro (D) que serve principalmente para comprar

meios de produção e força de trabalho com o intuito de produzir mercadorias (M), que

são vendidas por uma quantidade de dinheiro maior do que a que foi inicialmente

investida, ou seja, dinheiro acrescido (D´), dinheiro + mais valia. Esta é a formula da

circulação mercantil capitalista. (D -> M -> D´). (NETTO e BRAZ, 2008).

Do ponto de vista do capital, visto como modo de controle, a questão importante não é a sua forma contingente, é a necessidade de uma expropriação da mais-valia que-assegure-a-acumulação. De uma forma ou de outra, sua forma contingente deve ser modificada – mesmo nos parâmetros estritamente capitalistas – no curso da inexorável autoexpansão do capital, de acordo com as variações de intensidade e escopo da acumulação de capital possível na prática sob as circunstâncias históricas dadas. (MÉSZÁROS, 2011, P. 451).

Enquanto modo de controle dominante na sociedade, o capitalismo

necessita de se apropriar do trabalho excedente (mais-valia) para continuar com sua

produção e desenvolvimento. O sistema do capital depende significativamente do

momento histórico e dos meios circunstanciais que esse último oferece ao primeiro.

Deste modo, o capital se modifica, sempre dentro dos padrões estabelecidos por sua

própria natureza, para prosseguir com sua autoexpansão e controle absoluto.

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21

É de fundamental importância, a fim de compreendermos a relação entre

capital e capitalismo, deixarmos claro que há uma distinção entre os dois conceitos.

Sendo possível a existência do capital mesmo em uma sociabilidade pós-capitalista,

que tenham ocorrido alterações nas características do modo de produção capitalista.

A exemplo dessa possibilidade, temos também sociedades antigas que não

conheciam o modo de produção capitalista, mas que, no entanto, já era possível

perceber formas primitivas do capital.

Paniago (2012), em diálogo com Marx, explica quais as formas de capital

existentes a princípio, têm-se a partir de duas formas, capital usuário e capital

comercial. No entanto, foi necessário um longo processo histórico de transformação

desse antigo formato de capital para se chegar à forma de capital dominante dos dias

atuais. Capital comercial é, portanto, capital circulante e este nada mais é que a

primeira forma de capital, ou seja, quando ele ainda não tinha se tornado o

fundamento da produção. Destarte, compreende-se que capital é anterior ao

capitalismo.

Em todo processo histórico-social, cada um dos momentos do capital se apresenta de forma variada, de acordo com as características das fases que marcam sua origem, desenvolvimento e maturidade plena. É esse processo que nos indica a progressiva constituição de sua natureza e o grau de controle que passará a exercer na produção social. (PANIAGO, 2012, p. 21).

O capital existe independente do momento histórico. Porém, será o próprio

momento histórico que ditará as características deste. Desse modo, ele se

apresentará de forma variada. Será também o processo histórico quem indica o grau

de domínio do capital sobre a vida humana. Assim, temos o capital não como uma

simples relação, mas como um processo presente em vários momentos em que

sempre será capital, independente da forma que se apresente. Segundo a autora

supracitada em diálogo com Marx, o modo de produção capitalista é deste modo uma

das formas de capital. (PANIAGO, 2012).

Evidentemente, o capital existe antes não apenas de sua forma capitalista,

mas também de seus aspectos enquanto plenamente desenvolvido, incluindo é claro

a mercantilização da força de trabalho que Paniago (2012) ressalta e considera como

essencial para que o capital alcance sua forma mais desenvolvida, que é justamente

a capitalista. No entanto, Marx diz que “A natureza do capital permanece a mesma

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22

tanto em sua forma desenvolvida como na subdesenvolvida”. (PANIAGO, 2012, p.

22).

O fato de Mészáros afirmar esta distinção entre capital e capitalismo, contudo, não o leva, de modo algum, a negar que, enquanto capital, ele mantenha, em todas as suas fases, desde a mais primitiva até a pós-capitalista, a sua natureza mais profunda. Isso não quer dizer, para nosso autor, que seja a-histórico, mas que a ‘invariabilidade do capital’ se refere à sua natureza e às suas determinações mais essenciais, mas não ao modo e às formas de existência adotadas historicamente (PANIAGO, 2012, p. 22).

Embora exista uma diferença entre capital e capitalismo e do primeiro

sobrepujar o segundo, não quer dizer que o capital em sua forma capitalista perca

suas formas anteriores, muito pelo contrário. Em todas suas fases o capital mostrou-

se mais intenso, o que significa não ser parte da história. O modo de existir do capital

refere-se a sua própria natureza e não às determinações históricas. Não importa em

qual forma o capital se apresente, sua natureza mais profunda permanecerá do

mesmo modo.

Compreende-se, portanto, que a forma capitalista do capital é o “resultado

de um longo processo cumulativo não uniforme, de suas ‘formas de dominação

precedentes’, tais como a família, controle do processo de trabalho, as instituições de

intercâmbio e as formas políticas de dominação”. (PANIAGO, 2012, p. 23). Essas

formas de dominação se uniram formando um novo tipo de sistema “poderoso e

coerente” como expressa Paniago. Destarte, a forma capitalista seria uma fundição

das formas de dominação que teriam dado ao capital o grau de controle que ele exerce

na produção social.

O capital é uma relação social fundada no trabalho social, trabalho abstrato;

seu próprio desenvolvimento histórico o mostra como um modo de controle. O capital

vai encontrar a base para sua existência no trabalho vivo, a partir da sujeição do

mesmo. No entanto, apenas poderá se apresentar ao trabalhador, enquanto trabalho

acumulado e alienado. Sendo assim, ele só pôde se desenvolver quando transformou

todo trabalhador em assalariado, a partir da sociedade de mercado; opondo os meios

do trabalho ao próprio trabalho vivo.

O capital, enquanto modo de controle metabólico social, adquire sua força e continuidade não por estar concentrado nas mãos de uma ou mais unidades privadas ou estatais, mas por fazer parte do próprio modo como se estrutura a ordem social. Seu domínio sobre o trabalho não se sustenta numa relação de titularidade legal ou jurídica, mas sobre a apropriação da mais-valia e, para

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23

isso, tem que exercer seu ‘poder determinante do processo sociometabólico, materialmente encastoado, incorrigivelmente hierárquico e orientado-para-a-expansão’ sob todas as circunstâncias históricas. (PANIAGO, 2012, p. 25)

O domínio do capital e seu poder sobre a vida social se encontra no próprio

modo em que se estrutura a sociedade. É a organização do momento atual que o

permite alcançar suas potencialidades. O controle do capital sobre o trabalho está no

apoderamento da mais-valia e isto vai caracterizar a forma capitalista do capital; para

tanto, ele exerce seu domínio sobre a vida social, apropriando-se do momento

histórico sem nenhuma restrição de modo incorrigível e hierárquico, como coloca a

autora.

O capital exerce um grande controle não somente sobre o trabalho, mas

principalmente sobre o trabalhador. A lógica da relação entre capital e trabalho é

anterior ao desejo capitalista e se institui através de seu poder ao trabalhador. Essa

dominação tão profunda que o capital pratica sobre o trabalho é algo que não pode

ser mudado, nem mesmo modificado pelo modo de controle do capital. “Enquanto

permanecerem as condições materiais dessa dominação não desaparecerá o capital,

e isso se aplica a todos os tipos de sociedade capitalista ou pós-capitalistas”.

(PANIAGO, 2012, p. 26). Esse é mais um exemplo da superioridade do capital.

Sobre a relação capital-trabalho Paniago em diálogo com Marx ressalta:

Capital, portanto, é a existência do trabalho social – a combinação do trabalho como sujeito e também como objeto – mas esta existência existe independentemente e oposta a seus momentos reais – consequentemente, ela própria é uma existência particular isolada deles. Por sua parte, o capital aparece, então, como o sujeito predominante e dono do trabalho alienado, e sua relação é ela própria uma contradição tão completa como o é a do trabalho assalariado. (MARX apud PANIAGO, 2012, p. 27).

Compreende-se assim que o capital em sua relação com o trabalho altera

a relação sujeito-objeto; o primeiro apresenta-se como predominante, no entanto,

depende do trabalho alienado e de seus meios de produção. Sua forma de dominação

usurpa o poder do trabalho e substitui as necessidades humanas por seus princípios

materiais egoístas. (PANIAGO, 2012). Para que o capital possa manter seu controle

social tem que garantir o total comando sobre o trabalho. Deste modo, transforma o

sujeito trabalhador em um simples e insignificante objeto para compor a máquina

produtiva de seu sistema.

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24

É com princípios de um sistema orgânico que o capital se desenvolve e

cresce, constituindo-se um processo de reprodução ainda maior. Desta forma, obtém

as características que constitui a essência do sistema do capital. “Este imperativo de

acumulação e expansão vai muito além da ‘variedade capitalista do sistema do

capital’, e, por conseguinte, da ‘motivação (natural) do lucro’ capitalista individual. Na

verdade, a ‘motivação do lucro’ é a consequência e não a causa das determinações

internas do sistema”. (PANIAGO, 2012, p. 33).

Destarte, embora a acumulação e expansão sejam parte da determinação

capitalista, não é o mesmo para o capital uma vez que ele está além da sua forma

capitalista. A motivação pelo lucro faz parte apenas de sua forma atual e não de sua

premissa interna. A questão que envolve capital e capitalismo pode ser melhor

analisada quando compreendido que o mais apropriado é tratar capital como pós-

capitalista, pois embora o primeiro dê origem ao segundo, ele não desaparece com a

extinção deste, visto que apenas eliminará a incompatibilidade estrutural do sistema,

até que seu processo de reprodução não venha mais a ser mantido, como já víamos

observando.

O capital não é uma simples relação, mas um processo, em cujos vários momentos sempre é capital. (...) a troca não permaneceu inalterada com a colocação formal de valores de troca, mas avançou necessariamente para a sujeição da própria produção ao valor de troca’. Sem o reconhecimento de seu poder autoconstituinte, que ultrapassa toda jurisdição legal que se lhe pretenda impor, não há possibilidade de sucesso em sua superação, muito menos no que se refere à restituição do ‘poder alienado de comando sobre o trabalho ao próprio trabalho (PANIAGO, 2012, p. 35).

O capital encontra inúmeras maneiras de safar-se da história quando o

momento apresentava algumas dificuldades ao seu desenvolvimento, não se

importando no que terá de se tornar ou a política que deverá adotar. As tentativas de

intervenção política falharam pelo fato de “a dominação do capital sobre o trabalho é

de caráter fundamentalmente econômico, não político”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 576).

Quando na verdade os desafios para essa transição histórica é quebrar “a dominação

econômica do capital sobre o trabalho e todas as condições que a sustentam”.

A indispensabilidade de se acabar o domínio econômico do capital, permite

ainda libertar o trabalho das condições requeridas pela dominação do capital. Não se

pode em uma perspectiva radical desviar-se do domínio do capital sobre o trabalho.

É inevitável e imprescindível que o capital seja superado em todos os aspectos; para

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25

que assim, seu modo de reprodução metabólico não venha se autorreconstituir. “O

capital só pôde atravessar os séculos (...) e evoluir para sua forma mais desenvolvida

e universal por operar eficientemente essa circularidade autorreferente, não poupando

recursos para deslocar todas as barreiras colocadas no caminho de seu imperativo de

expansão, sejam barreiras naturais, culturais ou nacionais”. (PANIAGO, 2012, p. 36).

Logo após um período de grande desenvolvimento do capitalismo,

momento este denominado pelos franceses como “Os trinta anos gloriosos” e pelos

anglo-americanos de “A era de ouro”, Rabelo (2006) assevera que o capitalismo

começou a sofrer com inúmeras crises econômicas. Esses momentos de crise fazem

parte da real história do desenvolvimento do capitalismo, que se mostrou muito

instável. Seu crescimento e expansão foram interrompidos por profundas depressões,

caracterizado por desemprego, falências e misérias.

Retomemos, com Rabelo (2006), em um primeiro momento as crises eram

localizadas apenas em países do chamado primeiro mundo. A primeira, em 1825,

envolveu quase que unicamente a Inglaterra. No entanto, com o passar dos anos

essas crises foram alcançando dimensões mundiais. Inicialmente os países

desenvolvidos não reconheceram que os problemas econômicos que eles

enfrentavam eram sérios e, portanto, nada fizeram para minimizá-los. Enquanto isso,

os países considerados subdesenvolvidos, a exemplo de regiões da África e América

Latina, vivenciavam momentos de empobrecimento e grandes depressões.

A crise mais grave do século XIX foi a de 1873, que se iniciou na Inglaterra

e ganhou escala mundial, e só foi superada na última década do mesmo século. Já

no século XX, a crise de 1929 teve consequências catastróficas e grande impacto na

economia mundial. Vejamos algumas considerações sobre esta crise, nas palavras

de Torres (2014, p. 33):

A grande crise de 1929 é originada pela superprodução, que sem demanda no nível de consumo, forçou a queda nos preços, despencando a taxa de lucro das empresas. A falência foi inevitável, milhares de indústrias, bancos, “quebraram” da noite para o dia, papéis negociados na Bolsa de Valores de Nova Iorque despencaram vertiginosamente.

Só a partir do segundo pós-guerra o mundo reconheceu a seriedade das

crises, quando foram implementadas políticas e criadas instituições com o objetivo de

reduzir os efeitos causados por elas. Apesar dessas providencias, o desenvolvimento

do capitalismo continuou ao longo dos séculos apresentando sinais de crises e

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26

recessões. A partir desse momento é possível observar que as crises do capitalismo

não podem ser eliminadas.

Netto e Braz elucidam nossa compreensão justificando as ocorrências das

crises no MPC (Modo de Produção Capitalista).

A análise teórica e histórica do MPC comprova que a crise não é um acidente de percurso, não é aleatória, não é algo independente do movimento do capital. Nem é uma enfermidade, uma anomalia ou uma excepcionalidade que pode ser suprimida no capitalismo. Expressão concentrada das contradições inerentes ao MPC, a crise é constitutiva do capitalismo: não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise (NETTO e BRAZ, 2008, p. 157).

Portanto, é próprio do sistema capitalista a existência de crises. Elas não

surgiram em consequência de alguma falha no processo de desenvolvimento do MPC,

pelo contrário, a partir do momento que ele se efetiva enquanto modo de produção já

é esperado o surgimento de crises, pois essa é uma característica desse modo de

produção. Como descrito, o capitalismo não pode existir sem crises.

Na crise do capitalismo ocorre a redução da produção, isto ocasiona a

diminuição da força de trabalho, que consequentemente gera desemprego. O que

acontece é que as mercadorias não encontram consumidores que possam pagar o

seu valor, e quando isso sucede os capitalistas tendem a parar a produção; na crise

do capitalismo as ofertas de mercadorias são bem maiores do que a procura por elas,

por isso os donos dos meios de produção contêm e até mesmo suspendem a

produção (NETO e BRAZ, 2008).

O capitalismo existe a partir do movimento real do capital, o capitalista,

aquele que dispõem dos meios de produção, investe dinheiro para produzir

mercadorias com o objetivo de ganhar mais dinheiro do que a quantidade inicialmente

investida. A crise ocorre, quando há uma interrupção nesse processo. Ela se efetiva

quando durante este movimento a mercadoria, que foi produzida, não se converte em

uma quantia maior do que a que foi aplicada no início do processo. A mercadoria só

se realiza, quando ela é transformada em mais dinheiro, e quando isso não ocorre, o

capital fica suspenso. Marx (1980) assevera que crise é justamente quando

acontecem interrupções no processo de acumulação.

Entre uma crise e outra ocorre o ciclo econômico. Esse contém quatro

fases: a crise, a depressão, a retomada e o auge. Netto e Braz (2008) nos

apresentam, de forma clara, as características dessas quatro fases, na qual a crise é

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27

quando as operações comerciais diminuem de forma trágica, as mercadorias não são

vendidas, a produção reduz e muitas vezes param, os preços e os salários caem,

empresas quebram, o desemprego aumenta e a classe trabalhadora padece de

miséria.

Na sequência vem a depressão, as empresas que sobreviveram procuram

soluções para continuarem com algumas produções, mesmo que para isso seja

necessário deixar os preços de suas mercadorias bem mais baixo. Ao passar esse

período chega o momento da retomada, as empresas que resistiram, absorvem

algumas que faliram. Elas renovam seus equipamentos a partir dos equipamentos e

instalações das outras e assim começam a produzir mais. Esse ato vai gerar aumento

de empregos, as mercadorias são vendidas, os preços se elevam e o comércio se

reanima. (NETTO e BRAZ, 2008).

Deste modo, a crise chega à última fase do ciclo, o auge. Nesse momento,

os capitalistas começam a investir em suas empresas, criam novas linhas de

produção e lançam no mercado mercadorias em quantidades cada vez maiores. O

crescimento da produção aumenta significativamente, até que, de repente, o mercado

está novamente cheio de mercadorias que não são vendidas pelo seu valor, fazendo

com que os preços caiam e comece uma nova crise. Com isso, o ciclo recomeça. E

essa é a prova que as crises no modo de produção capitalista não podem ser

eliminadas, como foi mencionado anteriormente.

As crises no sistema capitalista não possuem uma causa única, elas são o

resultado das contradições do próprio sistema. No entanto, com base em Netto e Braz

(2008), vejamos algumas causas mais determinantes para que a quarta fase do ciclo

seja interrompida de forma inesperada. Primeiramente como fator de causa das

crises, temos a desordem da produção, pois no capitalismo, ela não obedece a

nenhum planejamento, gerando inundações nos mercados, com produtos que não se

tem certeza se serão vendidos ou qual será o seu destino.

Outro fator determinante é a queda da taxa de lucro, pois cada capitalista

tem sua forma particular de responder a queda da taxa de lucro. Com efeito, essa

tendência dos capitalistas acaba contribuindo para o desenvolvimento de uma nova

crise. O último fator refere-se à limitação da classe trabalhadora no consumo das

mercadorias; seus preços elevados e a imediaticidade em sobreviver impedem as

massas trabalhadoras de comprá-las. Por isso, afirma-se:

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28

A razão última de todas as crises reais é sempre a pobreza e a restrição ao consumo das massas em face do impulso da produção capitalista a desenvolver as forças produtivas como se apenas a capacidade absoluta de consumo da sociedade constituísse seu limite (MARX apud NETTO e BRAZ, 2008, p. 161).

Em última instância, esta é a principal causa de todas as crises, pois,

embora outros fatores contribuam para a eclosão delas, esse fator sempre terá um

peso maior para o desenvolvimento de uma nova crise. As crises capitalistas nos

mostram as contradições do próprio sistema e causam uma interrupção na produção

de mercadorias. No entanto, também são elas que criam as condições para uma

reanimação, fazendo voltarem novamente ao auge. Netto e Braz (2008) afirmam que

por mais violentos que sejam os efeitos das crises e por mais graves que sejam suas

consequências, elas não terão condições de levar o sistema capitalista ao colapso ou

mesmo destruí-lo.

O capital não tem conseguido reverter o fato, hoje, de que, por um lado, a capacidade de consumo dos capitalistas, a partir de uma certa escala, impõe limites humanamente intransponíveis e, por outro, que cada vez maior número de trabalhadores são eliminados do círculo de consumo. Mesmo aqueles trabalhadores que podem dele participar contam com salários (e nível de vida) em franca deterioração, estando impossibilitados, portanto, de comparecer com um ‘poder de compra crescente’ (necessário para uma expansão saudável. (PANIAGO, 2012, p. 43).

O sistema do capital durante toda sua existência sempre buscou meios

para subsistir e, desta forma, modificou-se de modo a se adaptar a cada momento

histórico. Destarte, o capital tem conseguido se desenvolver apesar de suas

contradições. No entanto, hoje, suas possibilidades de reacomodação estão

esgotadas. Alguns fatores que podem ser destacados são a capacidade de consumo

dos capitalistas impostas à humanidade e à limitação da classe trabalhadora no

círculo do consumo; como descreve a autora supracitada.

O capital tem encontrado dificuldades para igualar a produção e a

insistência exploradora de trabalho excedente, necessários ao total desempenho do

sistema. Sem uma padronização adequada dos movimentos apresentados

anteriormente, o capital não pode se reproduzir, em virtude das contradições geradas

pelo próprio sistema. Paniago (2012) acentua com Mészáros que o sistema do capital

nunca resolveu nenhuma de suas contradições, nem mesmo a menor delas; ele

suspende os antagonismos entre capital e trabalho, mas de modo algum os supera.

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O sistema do capital está assentado no antagonismo estrutural entre capital e trabalho e, como diz Mészáros, ‘é o que objetivamente o define, nas partes e no todo’. Não há como alterá-lo substantivamente se nos mantivermos nos quadros estruturais desse modo de controle sociometabólico que tudo abarca, na medida em que é um sistema orgânico que, para funcionar, necessita subordinar todos os elementos da sociedade. (PANIAGO, 2012, p. 44).

Sob a lógica capitalista e os desígnios do capital não existe um modo

adequado e eficiente para modificar a relação antagônica entre capital e trabalho, visto

que a própria natureza do sistema (um poder determinante, ‘incorrigivelmente

hierárquico e orientado-para-a-expansão’) que a tudo domina não permitirá que isto

ocorra. Uma vez que seu papel está definido em uma permanente contraposição ao

trabalho. O acúmulo das dificuldades enfrentadas pelo capital contra o deslocamento

de suas contradições deixa ainda mais visível sua incontrolabilidade.

Em diálogo com Mészáros Paniago, evidencia-se ainda que “tal

incontrolabilidade, pela própria condição de universalidade, ao abarcar todas as

relações e espaços da vida social significa, hoje, que o ‘controle’ do mundo inteiro sob

o domínio do capital traz a profunda crise do controle”. (PANIAGO, 2012, p. 44). O

caráter expansionista do capital sempre esteve presente, os elementos que

constituem essa incontrolabilidade condizem com sua própria natureza. Se o sistema

parasse de operar sua autorreprodução, ele deixaria de ser capital; porquanto, esta é

sua condição ineliminável.

O capital para se consolidar como um sistema universal e dominante teve que superar todas as barreiras dos modos de produção anteriores e se libertar de todas as restrições sociais, políticas e materiais ao seu impulso à autorreprodução contínua. O capital, como vimos, constitui um sistema sóciorreprodutivo orientado pela expansão e guiado pela acumulação, e encontra nesses determinantes sua própria razão de ser. Qualquer impedimento a seu impulso de acumulação expansiva deve ser removido independentemente dos recursos empregados e das consequências desencadeadas. (PANIAGO, 2012, p. 129).

Compreende-se, deste modo, que o sistema do capital é universal, venceu

todas as dificuldades que lhe apareceu no percurso dos modos de produção

anteriores e se estabeleceu com rígidas e cruéis leis de autorreprodução. Sua

principal orientação assenta-se na expansão, guiado pela acumulação. Qualquer

impedimento que se apresente ao seu desenvolvimento é repelido independente do

que terá que ser feito e das consequências geradas. O capital só pode existir enquanto

valor, se mantiver seu desenvolvimento sempre crescente, “para isso tem que

submeter a força de trabalho como condição de realização de seus objetivos

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30

acumulativos e se sobrepor a toda vontade subjetiva dos indivíduos, transformando o

processo original de produção em autorreprodutor do capital.

Enquanto sistema de produção, o capital adquire poder autoconstituinte em

que a produção da riqueza só terá algum sentido se estiver voltado para sua

reprodução. É exatamente este poder que traz em si as causas de sua

incontrolabilidade, pois todo o processo social tende a se submeter às potencialidades

hierárquicas e autoritárias do sistema.

A determinação do sistema do capital resulta em um efeito duplamente

contraditório. “Constitui tanto um dinamismo anteriormente inimaginável como uma

fatal deficiência” (PANIAGO, 2012, p. 130). Destarte, foi possivelmente graças a sua

incontrolabilidade que o capital conseguiu superar todas as dificuldades para seu

desenvolvimento nos modos de produção anteriores até se consolidar como sistema

social.

Ao mesmo tempo em que no seu processo de constituição o capital teve que superar todas as restrições, e para isso criou um sistema adequado de controle sobre a sociedade como um todo (‘em todas as suas funções produtivas e reprodutivas’), não podia colocar novas restrições a seu imperativo expansionista, perdendo assim o controle sobre suas partes constituintes, que são centrifugamente estruturadas em uma totalidade historicamente instável. (PANIAGO, 2012, p. 130).

Mesmo que o capital tivesse o puro bom senso para agir de outra maneira,

sua natureza imperiosa e expansionista não permitiria, porquanto ele perderia seu

total controle e, com isso, seria extinto. Com a superação dos limites do próprio

sistema, o capital consegue se desenvolver em todos os aspectos socioeconômicos.

No entanto, a partir do cumprimento da fase de ascendência desse, começaram a

ocorrer inevitáveis limitações que transformaram o seu processo. Quando o processo

do capital chega ao nível máximo e ele já esgotou todos os recursos naturais que

poderia utilizar, ele se torna destrutivo, pois sua natureza o impele à expansão, e deste

modo coloca em risco a vida humana.

Esse processo realizado pelo capital, embora tenha lhe permitido ascender-

se acima de todos os demais modos de produção, superando todos os obstáculos,

permitiu também que o sistema, inevitavelmente, perdesse o controle sobre o sistema

reprodutivo social. Quando separou a produção e o controle a partir do trabalho, o

capital fixa os defeitos estruturais do sistema que não possuem uma solução

permanente.

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31

Pode-se ocultar essa perda de controle durante um longo estágio histórico do desenvolvimento, graças ao deslocamento das contradições do capital durante sua fase de forte expansão; contudo as consequências nefastas para o desenvolvimento do sistema se farão sentir de maneira inevitável, num momento posterior, e em proporção ainda maior. (PANIAGO, 2012, p. 132).

Durante o período de grande expansão, o capital evidencia os efeitos

nocivos do seu desenvolvimento. As contradições do sistema se intensificam quando

ele chega ao extremo, em que não existem mais possibilidades de se prosseguir,

revelando assim, aspecto de sua incontrolabilidade. Desse modo, a necessidade que

o sistema tem de intensificar sua expansão é um exemplo dessa perda de controle,

tentando de todas as maneiras adiar seu próprio fim, multiplicando os mesmos

problemas que há tempos vem sendo postergados. (PANIAGO, 2012).

O sistema do capital, sempre segundo Mészáros, não pode reconhecer a existência de problemas e contradições em sua base causal. Toda ordem de problemas é tratada como disfunção e distúrbio temporário, sempre na esfera dos efeitos e consequências, e nunca do ponto de vista da imanência de sua causa sui. Não importa quão grave sejam as implicações no longo prazo, o capital é apenas ‘reativo’ e ‘retroativo’. Conforme surjam as necessidades de intervenção utiliza-se de ações remediadoras, cujo objetivo é retomar o fluxo da expansão. (PANIAGO, 2012, p. 132).

O capital não reconhece que os problemas enfrentados por ele são

causados por sua própria natureza. Deste modo, as soluções são sempre superficiais,

não chegam à raiz do problema. São medidas apenas para possibilitar o retorno de

sua expansão. O sistema não permite qualquer mudança que questione a premissa

de sua causa sui. Ele não tolera nenhum princípio socioeconômico que chegue a

enfrentar sua expansão. Mesmo que seja em um momento histórico “em que a

expansão compulsiva significa expansão da produção destrutiva e perda de controle

sobre os deslocamentos das contradições antes praticados”. (PANIAGO, 2012, p.

134).

O desenvolvimento do nosso sistema econômico é medido a partir da

quantidade, independente dos custos que serão cobrados ao planeta e a raça

humana. “Não existe uma maneira de definir a própria expansão dentro da estrutura

do sistema do capital senão de modo puramente quantitativo, projetando-a como

extensão direta do que existe”. (MÉSZÁROS, 2002, p. 178). Mesmo que para isto seja

necessário levar os recursos aos limites mais extremos, a expansão e a produção

capitalista não podem, para o sistema, serem suspensas.

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32

Quanto ao descaso do sistema com as implantações geradas

especificamente pela sua forma egoísta de agir em busca de um desenvolvimento

desenfreado, Paniago (2012, p.136) ressalta:

A ‘tendência universalizadora’ do capital só pode se consumar em razão do irrestringível impulso do capital à superação de toda barreira limitadora, fosse elas originadas em ‘obstáculos naturais ou fronteiras culturais e nacionais’. Desse modo, toda medida de restrição aparece como um sinal de crise do sistema e como tal deve ser deslocada. Ao capital não importa ‘o peso das implicações materiais dos obstáculos a enfrentar, nem a urgência relativa (chegando à emergência extrema) em razão a sua escala temporal’. Nesse sentido, iludem-se aqueles que creem poder deter o capital no que tem de mais visivelmente destrutivo – a natureza e os seres humanos. Adverte Mészáros que a ‘degradação da natureza ou a dor da devastação social não têm qualquer significado para seu sistema de controle sociometabólico, em relação ao imperativo absoluto de sua autorreprodução numa escala cada vez maior’.

O sistema do capital não tem ética ou moral. Ele não pode ser humanizado.

Desta forma, ele não se comove com o peso de sua forma de autorreprodução, a

ponto de parar ou mesmo diminuir sua expansão. Para o capital o que importa é

unicamente continuar produzindo cada vez mais, isso sim, merece todo seu esforço.

Não tem nenhum significado para o sistema quais os meios que serão utilizados para

chegar-se aos seus objetivos, e muito menos, as implicações futuras. Isso se deve

essencialmente ao fato de se o capital parar sua reprodução ele põe em risco sua

própria dominação.

Paniago (2012, p. 137) destaca que alguns dos movimentos criados com a

intenção de reformar o sistema do capital “tenham se marginalizado, apesar do

espetacular sucesso inicial em quase todos os países, revelando que ‘as causas da

destruição ambiental são muito mais profundamente enraizadas do que admitiam os

líderes desses movimentos reformistas que ignoravam programaticamente a questão

das classes”. Eram movimentos que pensavam apenas em adquirir poder e um lugar

melhor na ordem estabelecida. No entanto, apesar de os movimentos destacarem um

dos aspectos mais destrutivos do capital, este se mostrou impermeável a tais

reformas.

O capital não reconhece qualquer medida de restrições, e vê os obstáculos que surgem à sua frente como barreiras a mais a ultrapassar. Aquelas que não consegue eliminar frontalmente são contornados por ajustes remediadores, não chegando a constituição obstáculos impeditivos de seu curso acumulativo. (...). Os ‘obstáculos externos jamais detiveram o impulso ilimitado do capital; a natureza e os seres humanos só poderiam ser considerados ‘fatores de produção’ externos em termos da lógica

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autoexpansionista do capital’. Sendo assim, qualquer ‘impacto limitador’ deveria ser originado de um ‘poder de restrição’ interno à própria lógica do capital. (PANIAGO, 2012, p. 137).

A questão de não reconhecer as causas e os problemas como realmente

são e a busca desenfreada pela expansão e superação de seus limites levou o sistema

do capital a uma “profunda crise de controle”. Intensificada por medidas paliativas

definidas pelo próprio sistema como alternativas para superar barreiras que surgiam

ao seu desenvolvimento em diferentes momentos históricos. “Foi apenas uma questão

de tempo para que o capital em seu irrefreável impulso para ir além dos limites

encontrados tivesse de se superar contradizendo sua lógica interna e entrando em

colisão com os limites estruturais insuperáveis de seu próprio modo de controle

sociometabólico”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 253).

Destarte, foi preciso mostrar como o capital é irrecorrível e como as crises

são apenas facetas do movimento de autorreprodução. Sua necessidade se assenta

em virtude de termos que deixar claro como se compõem as crises cíclicas a fim de

adentrarmos na questão que envolve a crise estrutural, feito a seguir. Este debate, por

sua vez, iluminará a decadência atual do complexo da arte e da educação dos

sentidos.

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2.2 A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL: PALAVRAS NECESSÁRIAS

Mészáros (2003) analisa que a sociedade capitalista está vivendo, nos dias

atuais, sua crise mais intensa, denominada por ele próprio como “crise estrutural do

capital”. Para muitos exegetas, esta crise que o capital vive hoje é apenas mais uma,

como todas as outras que o capitalismo já enfrentou. No entanto, após um longo

período do capitalismo, caracterizado por muitos avanços científicos e tecnológicos,

que se iniciou após o término da Segunda Guerra Mundial, essa temporada de

acúmulos é interrompida novamente por problemas com o capital.

A grande capacidade de destruição do meio ambiente pelo capital leva a

humanidade a vivenciar dias difíceis, e com uma forte tendência a piorar, caso não

sejam tomadas soluções a tempo. As consequências dessa atual crise são inúmeras

e, por isso, acreditamos ser esta a pior crise pela qual o capitalismo já vivenciou

durante todos os anos de sua existência. Para Mészáros (2002), a crise atual

diferencia-se das crises passadas por quatro aspectos principais:

1) seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho, com sua gama específica de habilidades e graus de produtividade, etc.); 2) seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como foram todas as principais crises no passado); 3) sua escala de tempo é extensa, contínua, se preferir, permanente, em lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crises anteriores do capital; 4) em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de que nem se quer as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a saber, quando a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na ‘administração da crise’ e no ‘deslocamento’ mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua energia. (MÉSZÁROS, 2002, 796).

Esses pontos são os quatro aspectos do modo de ser da crise atual, que

se inicia a partir de 1970, enumerados por Mészáros para qualificá-la como crise

estrutural. Deste modo, compreendemos: “O que está fundamentalmente em causa

hoje não é apenas uma crise financeira maciça, mas o potencial de autodestruição da

humanidade no atual momento do desenvolvimento histórico, tanto militarmente como

por meio da destruição no curso da natureza”. (MÉSZÁROS, 2009, p. 29).

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Posicionamo-nos mais uma vez na mesma linha do pensamento de

Mészáros (2002) ao afirmarmos que esta época é caracterizada pelo aumento do

desemprego, da pobreza e da miséria. As consequências da crise podem ser

observadas por diferentes ângulos, suas ações têm destruído forças produtivas, a

força humana de trabalho e o meio ambiente. Essas devastações têm proporções

muito significativas que nunca foram vistas igualmente. Como atesta Torres (2014, p.

46):

Nesse cenário de destrutividade e expansão, o capital põe em perigo a existência de vida humana no planeta Terra, como nunca antes na história da humanidade. Os graves problemas ambientais apresentam-se em escala global, e não apenas local, com níveis acelerados de destruição dos recursos naturais, a questão ambiental emerge em contexto em que a situação só tende a piorar com efeitos catastróficos, se nada for feito para parar ou reduzir drasticamente os níveis de ataque aos recursos naturais.

Considerando os efeitos devastadores dessa crise, reconhecemos que

suas características vão além dos quatro aspectos apontados por Mészáros, visto que

não se observou em nenhuma das crises cíclicas anteriores esse potencial de alta

destruição da natureza. Isso porque tanto a crise, como os problemas com os recursos

naturais, são consequência da expansão do capitalismo. A visão de Mészáros sobre

o modo de produção capitalista é a seguinte:

A razão principal por que este sistema forçosamente escapa a um significativo grau de controle humano é precisamente o fato de ter, ele próprio, surgido no curso da história como uma poderosa – na verdade, até o presente, de longe a mais poderosa – estrutura “totalizadora” de controle à qual tudo o mais, inclusive seres humanos, deve se ajustar, e assim provar sua “viabilidade produtiva”, ou perecer, caso não consiga se adaptar (MÉSZÁROS, 2003, p. 96, aspas do original).

Mediante as exposições, cremos estarmos vivendo em um sistema

controlador que obriga tudo e todos a servi-lo. E caso em algum momento não se

consiga, a única saída é perecer, como afirmado por Mészáros; porquanto, somos

obrigados a nos adaptar, pois “as condições objetivas de desenvolvimento humano se

encontram cada vez mais deterioradas” (ARAUJO, 2013 p. 85), causando em todas

as áreas da vida humana, um enorme impacto:

A humanidade vive momentos intranquilos. Ao mesmo tempo em que chegamos a uma era com níveis de desenvolvimento da técnica, da ciência, da cultura, da informação e da produção material de riqueza nunca visto, encontramo-nos à beira de um desequilíbrio ecológico de proporções

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desastrosas, que acompanhado por um descarte progressivo de enormes contingentes de populações supérfluas, pois não mais necessárias à acumulação privada da riqueza que caracteriza o capitalismo global, nos leva a temer pelo futuro. (PANIAGO, 2012, p.13).

Apesar de estarmos vivendo desenvolvimentos extraordinários, o preço

que a humanidade está pagando é bem maior que o crescimento proporcionado pelo

sistema. O desequilíbrio ocasionado pelo capital deixa incerto o futuro da vida no

planeta. Foi mediante o dinamismo produtivo do capital que ele conseguiu sobreviver

aos modos de produção anteriores e mais que isto, tornou-se o modo de controle

dominante da sociedade, chegando a níveis tão excepcionais que põe em risco a

própria humanidade.

O enorme crescimento do sistema não poderia ser sustentado por um

tempo indefinido, uma vez que sua expansão não obedece a nenhuma regra de

planejamento. “Para além de certo ponto, de nada adianta um aumento maior dessa

escala e a usurpação da totalidade dos recursos renováveis e não renováveis que o

acompanha, mas, ao contrário, ele aprofunda os problemas implícitos e se torna

contraproducente”. (PANIAGO, 2012, p. 46). Sem uma capacidade de análise, além

de seu egoísta desejo de reprodução e crescimento, a produção capitalista não mede

as devastadoras consequências futuras para a humanidade. Destarte, a produção que

era genuína, torna-se uma produção destrutiva. Entra em cena então o poder negativo

da produção capitalista.

Com o desenvolvimento das forças produtivas e a necessidade da permanente expansão do consumo, o sistema do capital proporcionou uma diversidade de consumo de mercadorias de ‘luxo’, cuja produção tinha por motivação o lucro e não a dimensão qualitativa da relação entre valor de uso e necessidade humana’. Por isso, impôs aos indivíduos, como ‘seus apetites’, o que era do interesse do sistema reprodutivo coisificado e alienado. Qualquer reversão desta tendência expansionista deve esbarrar nos próprios requisitos estruturais do sistema do capital, pois a eliminação desses ‘luxos’, como uma medida racional remediadora da produção perdulária, ‘levaria ao colapso de todo o sistema de produção.(PANIAGO, 2012, p. 47).

A partir da necessidade de constante expansão, o capital cria condições

que possam aumentar o consumo. Os artigos de luxo são uma de suas invenções na

busca pela ampliação de seu desenvolvimento, porquanto, eles não fazem parte de

uma necessidade humana, mas produzem um grande lucro para satisfazer os

imperativos do sistema. Essas são medidas remediadoras que o capital encontrou

para prosseguir crescendo, a eliminação dessas medidas de luxo destruiria o sistema.

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Deste modo, a produção destrutiva é excelente para o capital, visto que esses

componentes são destruídos para serem reconstruídos em outro nível, de modo que

a produção não cesse. Alguns exemplos de produtos que servem bem ao capital no

que se refere à produção destrutiva são os materiais tecnológicos, celulares e

computadores e os eletroeletrônicos de modo geral.

No presente momento, em que o capital já esgotou todas as suas

possibilidades de expansão, no que se refere ao avanço de mercados e apropriações

de territórios, a redução da taxa de utilização dos produtos de mercado veio a ser o

escape do sistema, sendo a forma mais propícia para continuar seu desenvolvimento

histórico. Paniago (2012) pondera ser a partir desse momento que surge um novo

objetivo para ser perseguido pelo capital, descobrir formas de reduzir a vida útil de

mercadorias, como meio de realizar um novo lançamento do produto.

A questão da durabilidade das mercadorias foi considerada pelo capital

como algo a ser evitado de todas as formas possíveis, no entanto, não tinha uma

atenção tão grande como a que foi conquistada a partir da crise do século XX, quando

o sistema adquire a necessidade de se livrar do excesso do capital produzido. Para

isso, o capital ativa o consumo destrutivo. Essa foi a maneira encontrada para

continuar a ampliar sua produção. “Isto é, tende a seguir a linha de ação mais de

acordo com sua configuração estrutural global, mantendo o controle que já exerce,

em vez de pesquisar alguma estratégia alternativa que necessitaria do abandono de

práticas bem estabelecidas”. (PANIAGO, 2012, p. 48).

Enquanto um modo de produção egoísta, o sistema capitalista não busca

soluções na raiz do problema, pois isto implicaria em sua própria extinção. Sendo

assim, ele busca meios para remediar o problema a partir do controle que ele já

exerce. Uma vez que o mercado esgota qualquer ampliação do consumo, a solução

será aumentar a velocidade de transação dentro do círculo que já existe. Porquanto,

o ato de tentar alargar o círculo seria bem mais arriscado. Desta forma, a queda da

taxa de utilização dos produtos teve que ser ainda mais intensificada. A razão pela

qual essa alternativa apresenta-se viável ao sistema “é que consumo e destruição

vêm a serem equivalentes funcionais do ponto de vista perverso do processo de

realização capitalista”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 679).

A partir do momento que a mercadoria é convertida em dinheiro não importa

para o capital se ela é consumida ou destruída. No entanto, quando conduz a

produção para o consumo destrutivo, o sistema está destruindo a totalidade dos

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recursos humanos e materiais do planeta. E sabemos que muitos dos nossos

recursos, e principalmente o planeta, não são renováveis. O ato da destrutividade

proposto pelo capital traz consigo as contradições que constitui a essência do próprio

sistema. Com as soluções remediáveis como é o caso da taxa de utilização

decrescente, novas contradições são geradas.

A determinação mais interna do sistema – a necessidade de estar orientado para a expansão e guiado pela acumulação – pôde tanto ser a base de um ‘dinamismo anteriormente inimaginável, como [de] uma fatal deficiência’. O não atendimento dessa determinação interna do capital, nos desdobramentos do fim da fase de ascendência histórica, acarretou o aparecimento de uma crise estrutural (sistêmica) que nos acompanha desde os anos de 70. Uma crise cujas implicações afetam ‘o sistema do capital global não apenas em um de seus aspectos – o financeiro/monetário, por exemplo –, mas em todas as suas dimensões fundamentais, ao colocar em questão a sua viabilidade como sistema reprodutivo social’. (PANIAGO, 2012, p. 50).

Essa necessidade de constante expansão do capital e suas soluções

superficiais para amenizar os efeitos contraditórios dele próprio, trouxe-nos a um nível

extraordinariamente crítico. A crise estrutural que agora se desdobra tem

consequências catastróficas para a humanidade,

nas condições de uma crise do capital dessa natureza, seus constituintes destrutivos avançam com força extrema, ativando os aspectos de uma incontrolabilidade total numa forma que faz prever a autodestruição, tanto para o sistema reprodutivo social excepcional, em si, como para a humanidade em gera. (PANIAGO, 2012, p. 50).

Os ajustes promovidos pelo sistema para manter-se em equilíbrio, não

puderam conter a instabilidade de sua natureza. A necessidade de acumulação do

capital em um contexto já de crise, obrigou o sistema a buscar novas estratégias e,

deste modo, aumentou as contradições entre capital-trabalho, alcançando assim, os

limites absolutos do sistema. Dessa forma, nenhum ato do trabalho será suficiente

para satisfazer os desejos do capital. Paniago (2012), deixa claro que os limites

estruturais do sistema não puderam reverter esse quadro da crise que atualmente se

debruça sobre a totalidade social.

O aspecto mais problemático do sistema do capital, apesar de sua força incomensurável como forma de controle sociometabólico, é a total incapacidade de tratar as causas como causas, não importando a gravidade de suas implicações a longo prazo. Esta não é uma dimensão passageira (historicamente superável), mas uma irremediável dimensão estrutural do sistema do capital voltado para a expansão os problemas e contradições

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gerados em sua estrutura por meio de ajustes feitos estritamente nos efeitos e nas consequências. (MÉSZÁROS, 2011, p. 175).

O capital traz consigo, enquanto sua principal dificuldade, a incapacidade

de tratar as causas como causas, ou seja, não importa o quanto será prejudicial no

futuro ele não tratará a raiz do problema, buscando uma solução eficaz. Isso ocasiona

contradições ainda maiores, visto que tais implicações se fundam na estrutura do

sistema. Deste modo, mesmo que as soluções superficiais tenham sido eficazes no

passado, em um quadro de crise estrutural, elas sempre retornam gerando restrições

à reprodução do capital.

Permanecendo a causalidade antagônica do sistema, também permanecem e se multiplicam as contradições correspondentes, uma vez que o sistema do capital não pode enfrentar as causas como causas sem questionar sua própria razão de existência. (PANIAGO, 2012, p. 52).

As causas que geram inúmeras contradições do sistema surgem a partir da

estrutura do próprio capital; por isto, é inviável para o mesmo tratá-las a fundo, sem

que isto não acarrete prejuízos em sua existência. Destarte, Mészáros (2011, p. 226)

salienta,

pode-se dizer que a fase progressista da ascendência histórica do capital chega ao encerramento precisamente porque o sistema global do capital atinge os limites absolutos, além dos quais a lei do valor não pode ser acomodada aos seus limites estruturais.

As dificuldades enfrentadas pelo sistema foram se acumulando e as

soluções superficiais que eram utilizadas antes de se chegar aos limites absolutos não

mais são possíveis para o próprio capital.

Chegamos, assim, à crise estrutural do sistema do capital que ‘afeta a totalidade de um complexo social, em todas suas relações com suas partes constituintes ou sub-complexos, como também com outros complexos aos quais é articulado’. E mais que isso, sua ação ‘põe em questão a própria existência do complexo global envolvido, postulando sua transcendência e sua substituição por algum complexo alternativo. (...) uma crise estrutural não está relacionada aos limites imediatos, mas com os limites últimos de uma estrutura global’. (PANIAGO, 2012, p. 53).

Os limites relativos (imediatos) são os que caracterizam as crises cíclicas

(periódicas) e que podem ser superadas mediante alternativas superficiais, como foi

no passado. Embora o momento pelo qual se atingisse os limites relativos fosse

turbulento, eles eram solucionados pela expansão e eficiência da produção. Tais

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soluções eram realizadas dentro do marco referencial do sistema, e por um período

de tempo moderava os efeitos estruturais do capital. Mészáros (2011) nos deixa o

exemplo da crise de 1929, que por maior que tenha sido não passou de uma crise

periódica, pois deixou um grande número de possibilidades para o capital sobreviver

e retomar fortemente sua produção.

A abordagem dos limites absolutos do capital inevitavelmente coloca em ação a própria estrutura causal. Consequentemente, ultrapassá-los exigiria a adoção de estratégias reprodutivas que, mais cedo ou mais tarde, enfraqueceriam inteiramente a viabilidade do sistema do capital em si. Portanto, não é surpresa que este sistema de reprodução social tenha de confinar a qualquer custo seus esforços remediadores à modificação parcial estruturalmente compatível dos efeitos e consequências de seu modo de funcionamento, aceitando sem qualquer questionamento sua base causal – até mesmo nas crises mais sérias. (MÉSZÁROS, 2011, p. 175).

Desse modo, a crise atual apresenta-se irreversível, pois seriam

necessárias estratégias que pudessem destruir a viabilidade capitalista para que sua

superação fosse possível. As mudanças que caracterizam as crises foram

fundamentais para compreender a crise atual do sistema. Os acontecimentos que

começaram a se apresentar por volta da década de 1970 e se mostram bem mais

intensos nos dias atuais, revelam que não estamos vivenciando um desenvolvimento

saudável e muito menos temos a alternativa, dentro dos moldes capitalistas de se

reerguer, como ocorreu na última grande crise do sistema.

Paniago (2012, p. 54) em diálogo com Mészáros, acentua que “encontrar

uma solução duradoura para uma crise estrutural dessa natureza implica em superar

um conjunto de contradições que afeta o sistema do capital como um todo e as

relações estabelecidas entre suas partes constituintes”. Assim, parafraseando a

autora, qualquer alternativa que busque uma solução definitiva em superar os

problemas gerados pelo sistema que põe em risco a sobrevivência da humanidade,

resulta em ir para além das amarras do capital.

... é absolutamente impossível manter os pés nas duas canoas: manter a existência do sistema de produção absurdamente ampliado e ‘superdesenvolvido’ do capital ‘avançado’ (o qual depende necessariamente da continuação da dominação de um ‘vasto território’ de subdesenvolvimento forçado) e, ao mesmo tempo, impelir o ‘Terceiro Mundo’ a um alto nível de desenvolvimento capitalista (que apenas poderia reproduzir as contradições do capital ocidental ‘avançado’, multiplicadas pelo imenso tamanho da população envolvida). (MÉSZÁROS, 2011, p. 810).

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Embora o capital tenha mostrado um equilíbrio excepcional ao sobreviver

durante tantos anos, envolto em contradições gigantes não é possível manter o

crescimento de seu sistema de produção, e ao mesmo tempo levar o terceiro mundo

ao nível de desenvolvimento capitalista. Chegamos a um estágio que não é possível

prosseguir, mesmo o sistema aliviando os efeitos ao deixar as determinações causais

intactas. Pelo simples fato de sua base causal fundamental não poder ser

questionada. Diferentemente dos momentos do passado, não é aceitável ao capital

apenas deslocar as contradições que se apresentam, pois seriam ineficazes diante do

contexto que a crise se encontra atualmente. (MÉSZÁROS, 2011).

Para que o sistema do capital retome sua expansão global, será necessário

vencer sua própria essência contraditória.

É muito remota a possibilidade de sucesso até mesmo dos objetivos relativamente limitados, para não mencionar a solução duradora das contradições de todas as quatro categorias em conjunto. O mais provável é, ao contrário, continuarmos afundando cada vez mais na crise estrutural. (MÉSZÁROS, 2011, p. 810).

As soluções empregadas pelo sistema apenas podiam aliviar por um

determinado tempo, que dependeria significativamente da circunstância sócio

histórica; no atual momento, as circunstâncias não estão favoráveis ao capital, visto

que qualquer alternativa de prosseguir com sua lógica expansionista implica na

extinção dos recursos naturais do planeta.

Eventuais sucessos conjunturais em nada aliviam o peso da crise estrutural na definição das perspectivas futuras do sistema do capital. As tentativas com algum efeito prático em resolver uma das contradições mais explosivas do sistema, como o desemprego, no longo prazo, apenas agravam sua dimensão. O ‘pleno emprego’ keynesiano transformou-se em desemprego crônico, e o trabalhador socialista, depois de anos de desenvolvimento planejado, voltou a estar vulnerável às leis de mercado capitalista (ainda que, para nosso autor, não se possa considerar as antigas sociedades soviéticas totalmente integrada ao capitalismo, como muitos esperavam ser possível de imediato), alimentando os índices do desemprego mundial. (PANIAGO, 2012, p. 57).

As diversas soluções propostas pelo capital com o objetivo de solucionar

as barreiras que se apresentam contrárias ao seu desenvolvimento seguiram na

mesma tônica que o problema do desemprego descrito por Paniago anteriormente.

Embora a princípio tais soluções se apresentem como uma alternativa eficaz, ao fim

e ao cabo, a situação volta bem mais intensas, exigindo um preço amargo do homem

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trabalhador. Isso se deve principalmente à incapacidade do sistema de combater as

causas, ao resolver apenas os efeitos que estão prejudicando seu funcionamento,

criam-se medidas conjunturais por curto período de tempo.

Destarte, as soluções que anteriormente superavam as crises cíclicas

tornam-se incapazes de enfrentar a crise estrutural do sistema, uma vez que “como

nunca antes, a ativação dos antagonismos internos passa a interferir e bloquear o

funcionamento de todos os seus complexos, colocando em xeque o próprio sistema

dominante”. (PANIAGO, 2012, p. 57). É imprescindível distinguir a crise estrutural das

crises cíclicas anteriores para assim ser possível uma alternativa de superação eficaz

que transforme radicalmente o sociometabolismo vigente.

Do ponto de vista revolucionário, a determinação da natureza da crise é imprescindível se pretendermos superá-la pela restruturação radical do sociometabolismo. Não é o caso das personificações do capital comprometidas com ela. As crises são inseparáveis do modo de ser do capital – ‘são maneiras de progredir para além de suas barreiras imediatas e, desse modo, estender com dinamismo cruel sua esfera de operação e dominação. Neste sentido, a última coisa que o capital poderia desejar seria uma superação permanente de todas as crises’. (PANIAGO, 2012, p. 58).

Compreender a natureza da crise é um importante passo na busca por sua

superação é um requisito essencial para obtenção do êxito na restruturação do

sociometabolismo. Não se pode esperar pelos atos de superação do capital, uma vez

que o mesmo é diretamente beneficiado com o processo e qualquer solução de

superação implicaria na extinção do próprio sistema capitalista.

O processo capitalista está muito conectado a todos os aspectos da vida,

por isso a crise estrutural do capital afeta todos os âmbitos da vida social,

principalmente no que diz respeito à produção de mercadorias. É mediante esta

afirmação que surge a constatação de que a arte: educação dos sentidos, não tem

como estar isenta diante de um contexto dominado pela crise estrutural. Destarte,

compreendemos que o complexo artístico também faz parte dos domínios capitalista,

resta-nos saber até que ponto vai esta dominação.

“A crise estrutural ‘reside dentro e emana’ das três dimensões internas do

sistema: produção, consumo e circulação/ distribuição, realização”. (PANIAGO, 2012,

p. 58). Mediante a conexão entre essas três esferas, qualquer bloqueio em algumas

áreas, afeta todo o sistema [Recentemente nosso país vivenciou mais uma

paralização denominada como Greve dos caminhoneiros também chamada de crise

do Diesel; no caso, os caminhoneiros reivindicavam melhores condições de trabalho,

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tal paralização durou cerca de dez dias, impossibilitando a circulação das

mercadorias, o impacto no país foi gigante, a população (sobretudo a classe

trabalhadora) padeceu inúmeras consequências. Além do problema com a circulação

podemos destacar ainda o grande aumento nos preços de alguns produtos, como por

exemplo, a batata inglesa que nos supermercados chegou a registrar um aumento de

150% acima do preço normal. Em muitos casos, o produto nem mesmo chegava às

localidades]. Por meio desse exemplo, compreendemos como se relaciona essas três

esferas e o quanto estão conectadas ao ponto de todas serem afetadas

negativamente quando ocorre um bloqueio em alguma delas.

Deste modo, o bloqueio sistemático faz com que a crise que enfrentamos

atualmente não esteja relacionada apenas ao aspecto econômico, mas a todas às

áreas, inclusive, com a arte: educação dos sentidos, visto que são categorias sociais

de grande importância para a vida humana. Para tanto, é imprescindível, mas uma

vez salientarmos, compreender até que ponto a crise estrutural do capital atinge a

arte: educação dos sentidos. Destarte, a crise estrutural afeta o poder legitimador do

capital e faz com que o mesmo perca sua força persuasiva como efeito ao atingir

algumas das áreas, causando bloqueio.

O que ocorre é que a intenção reciproca estabelecida entre ‘as interconexões objetivas e determinações recíprocas’ permite que umas auxiliem as outras na superação das limitações imediatas. Ao mesmo tempo em que fortalecem e ampliam uma a outra, por um longo tempo, passam a prover ‘também a motivação interna necessária para a reprodução dinâmica uma da outra em uma escala cada vez mais ampliada’. É o que acontece quando ‘a barreira imediata para a produção é positivamente superada pela expansão do consumo e vice-versa’. Não se deve confundir a ocorrência de um bloqueio temporário em alguns dos canais em crescimento do sistema com uma crise estrutural, pois esta, ao contrário, corresponde a uma ‘crise fundamental do todo, que consiste no bloqueio sistemático das partes constituintes vitais’. Isso ocorre quando as dimensões internas do sistema apresentam perturbações cada vez maiores, acarretando indisfarçáveis impedimentos para a continuidade do crescimento. (PANIAGO, 2012, p. 59).

As esferas da produção, consumo e circulação funcionam a partir de uma

interação reciproca, de modo que uma auxilia a outra, para que assim, essas três

dimensões se fortaleçam e o seu desenvolvimento seja ainda maior. Nas crises

anteriores quando ocorria um bloqueio à expansão da produção, as interações

reciprocas entre essas três esferas permitiam que tal barreira fosse superada. No

entanto, é evidente que não é o caso de uma crise estrutural, uma vez que a mesma

causa um bloqueio de todas as partes, não deixando sequer uma alternativa de

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superação dentro do próprio sistema. O intercâmbio entre produção, consumo e

circulação, capaz de levá-los à expansão deixa de ser possível frente à crise estrutural

do capital.

E então “a partir desse momento, as perturbações e ‘disfunções

antagônicas, ao invés de serem absorvidas/dissipadas/desconcentradas e

desarmadas’, tendem a se tornar cumulativas e, portanto, estruturais, trazendo com

elas um perigoso bloqueio ao complexo mecanismo de deslocamento das

contradições”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 799-800). Através de um longo tempo de

deslocamento de contradições, promovidos pelo capital, constituiu-se um grande

acúmulo que pode vir a explodir a qualquer momento, pois não estamos enfrentando

algo que possa ser ignorado, mas sim, potencialmente devastador.

A perda do poder legitimador do capital gera algumas dificuldades ao

sistema e desta forma, ele se utiliza com mais frequências e vigor de “medidas

políticas autoritárias”, um meio de garantir a essencial “taxa de exploração do trabalho

excedente”, forma primordial para continuar existindo. “Quando ‘a dissipação

destrutiva de recursos naturais e riqueza social se torna a condição objetiva da

reprodução ampliada do capital’ a positividade produtiva, antes atribuída ao sistema,

fica mais difícil de ser defendida, e mais irracional aceitar a escalada da destrutividade,

como parte integrante de todo o processo”. (PANIAGO, 2012, p. 60). A partir do

momento em que se torna claro o grau destrutivo da natureza, o sistema perde seu

título de positividade produtiva, e com isso, menos serão os adeptos de sua produção.

O que antes era ideologicamente explorado vantagem histórica do capital e sustentava sua ‘influência civilizadora’, hoje, com a ‘devastação sistemática da natureza e a acumulação contínua de poderes de destruição, ao lado da negação completa das necessidades elementares de incontáveis milhões de famintos’, transforma-se no fundamento de sua crise. É nesse sentido que Mészáros pode afirmar que o ‘sistema existente de dominação está em crise por que sua raison d’être e justificação histórica desapareceram, e já não podem mais ser reinventadas, por maior que seja a manipulação ou a pura repressão’. (PANIAGO, 2012, p. 61).

Depois de longos anos demonstrando um desenvolvimento extraordinário,

o sistema revela a partir da crise estrutural do capital o grau de devastação da

natureza e a sua incapacidade de superar as contradições que surgem dentro de seu

próprio processo de expansão. É, a partir desse momento, que reconhecemos como

necessária uma intervenção radical no sistema vigente. Na atualidade, é evidente que

o capital está disposto a negar todos os avisos de perigos e colocar em risco a

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necessidade de milhões de pessoas em busca de um objetivo egoísta. O acúmulo

causado por toda transferência das contradições em decorrência de medidas de

soluções superficiais já atingiu todos os limites.

A atual crise é estrutural por atingir todas as esferas da vida humana. Não

existem meios que possam encobrir sua instabilidade social, a qual provocou

dificuldades, contradições e crises. No entanto, muitos adeptos do sistema acreditam

que esta é uma simples crise como tantas outras, ignoram todos os sinais e pregam

que existe certo exagero. Por essa razão, Mészáros (2011, p. 800) acentua: “Quem

acha que isto soa muito dramático deveria olhar a sua volta, em todas as direções. É

possível encontrar qualquer esfera de atividades ou qualquer conjunto de relações

humanas não afetadas pela crise?”. Não há como negar a necessidade de uma

solução definitiva para esta crise.

Em suma dois aspectos exporiam a inutilidade de tais propostas de soluções da crise no interior do quadro estrutural do sistema do capital. Em primeiro lugar, não há como eliminar a relação de antagonismo que sustenta a forma concreta de valorização do capital, qual seja, a relação irreconciliável entre o capital e o trabalho. Desse modo, a contradição inexorável entre crescimento da produção de trabalho excedente e diminuição do trabalho necessário, com suas nefastas consequências para a realização do capital, permanecendo atuante. Temos, também, como impedimento de solução da crise por propostas dessa natureza, o fato de que não há nenhuma esfera da vida ou região no capitalismo mundial que já não estejam incorporadas às leis da lógica exploradora do trabalho. Hoje, nada resta do lado exterior do sistema do capital, pois ‘ele não tem exterior’. (PANIAGO, 2012, p. 62).

As soluções apresentadas até agora para combater a atual crise do capital

são incapazes de tratar as causas, continuando desse modo com o círculo vicioso do

sistema, que são procurar medidas paliativas que não chegam a fundo no problema,

não oferecem soluções estruturais como a atual crise exige. Portanto, assim como

anteriormente mencionado, a autora deixa evidente que é impossível para o sistema

encontrar uma solução eficaz, uma vez que o próprio capital seria significativamente

atingido. Destarte, as medidas remediadoras e superficiais são insuficientes para

enfrentar a crise estrutural, por isso, Mészáros (2011, p. 669) ressalta que tais

soluções não chegam nem a “arranhar a superfície dos problemas estruturais das

sociedades envolvidas”.

O ato de não propor soluções eficazes e de pôr em risco a humanidade

sem provocar no sistema nenhum remoço a ponto de parar ou mesmo diminuir sua

expansão é uma prova do absurdo desse sistema. Mais que isto, a barbaridade desse

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sistema de produção torna-se manifesto quando, dentro de sua lógica de expansão,

ver coerência em manter milhões destruídos e passando fome, quando o sistema

produz o suficiente para alimentá-los duas vezes2. As contradições do sistema são

tão gigantes que Mészáros (2011) enfatiza que em nenhum momento do capital,

durante todas as sociedades pelo qual ele já passou, seria capaz de resolver uma

única contradição estrutural do capital.

O que nada mais significa que dizer o mesmo de outra forma, a razão da crise estrutural do capital está em seu próprio ‘modo de controle sociometabólico irrefreavelmente orientado à expansão’ que lhe impõe a necessidade de ‘sustentar seu curso de desenvolvimento guiado pela acumulação’ pois, do contrário, ‘mais cedo ou mais tarde implode, como aconteceu com o sistema do capital pós-capitalista soviético’. Em função disso, ‘quanto mais mudam as próprias circunstâncias históricas, mais categoricamente os imperativos de funcionamento devem ser reforçados, e mais estreitas devem ser as margens dos ajustes aceitáveis’. (PANIAGO, 2012, p. 62).

Chegamos ao momento que não cabem mais ajustes superficiais, a

ativação dos limites absolutos do sistema não permite nenhum ajuste que não atinja

a raiz da crise estrutural. Portanto, não podemos ignorar o tempo restante para uma

solução eficaz, pois corremos grande risco de um colapso no sistema que põe em

questão a existência da humanidade no planeta terra. A razão dessa crise estrutural

encontra-se no seu próprio modo de controle irrefreável, por isso a solução deve partir

da raiz do problema, esperar que o capital por si mesmo busque uma solução, já não

cabe aqui, visto que qualquer ação eficiente implica em ir além do capital, como afirma

Mészáros.

O grande risco para a humanidade assenta-se no “fato de que o sistema

transforma suas potencialidades positivas em realidades destrutivas”. Esse

desenvolvimento aumenta ao se aproximar cada vez mais dos limites do sistema na

busca por expansão em um “mundo de recursos finitos”. Os ajustes superficiais

2 Segundo dados da ONU (Organização das nações unidas) publicado pela BBC News Brasil, acerca de um estudo

realizado pelo instituto sueco SIK, entre agosto de 2010 e janeiro 2011, 1,3 bilhão de toneladas de alimentos,

quantia equivalente a mais da metade de toda colheita de grãos no mundo, são desperdiçados. Segundo a FAO

(Organização das nações Unidas para Alimentação e Agricultura), muitos alimentos são descartados antes mesmo

de expirar a data de validade.

https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/05/110511_alimentos_fao_desperdicio_dg. Publicado em:

11/05/2011. Acessado em: 17/05/2019.

Segundo dados da ONU, publicados pela UOL de São Paulo em 11/09/2018 o número dos que passam fome

aumentou pelo terceiro ano seguido afetando a 821 milhões de pessoas.

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2018/09/11/fome-cresce-no-mundo-e-no-brasil-afeta-5-

da-população-segundo-relatorio-da-onu.htm. Acessado em: 17/05/2019.

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promovidos pelo sistema, apesar de propor ao capital o crescimento objetivado,

apenas foram adiados. A partir do instante em que a fase de expansão se esgota “uma

vez que não há mais continentes escondidos para serem descobertos, os

‘antagonismos estruturais latentes (...) [são] dramaticamente ativados”. (PANIAGO,

2012, p. 63). O futuro para onde foram lançados os problemas do sistema é

exatamente nosso presente, por isso mesmo vivemos hoje um momento tão delicado.

Não se deve esquecer que ‘todo sistema de reprodução sociometabólica tem seus limites intrínsecos ou absolutos, que não podem ser transcendidos sem que o modo de controle prevalecente mude para um modo qualitativamente diferente. Apenas nesse sentido são absolutos, tendo em vista que a superação definitiva de um dado sistema de reprodução social impõe a alteração de todos os seus pressupostos e princípios orientadores, o que no caso do sistema do capital significa eliminar seu total controle sobre a produção e distribuição da riqueza social, portanto sobre o trabalho, e a prioridade da produção de valor de troca em detrimento das necessidades humanas. (PANIAGO, 2012, p. 63).

Por ser um sistema de reprodução absoluto, pensar em uma solução para

tal crise implica em alterar todos os aspectos do capital, eliminando seu total controle

sobre o trabalho. Mészáros (2011), revela que a expansão dos limites absolutos não

é algo impossível de ser superado. Os limites absolutos caracterizam um sistema que

foi determinado historicamente e possível de ser transcendidos. Outro aspecto dos

limites absolutos do capital que precisamos enfatizar é que o sistema já não possui

meios para continuar sua expansão desenfreada, uma vez que prosseguir com seu

processo de autorreprodução é levar dentro de si o poder destrutivo dos elementos

materiais fundamentais para o desenvolvimento do sistema.

Resta ao capital a alternativa de aprofundar as suas contradições insanáveis, utilizando-se de ajustes corretivos de pouco efeito e confinados pelos limites intrínsecos do sistema. Tais ajustes, contudo, implicam em enfrentar ‘a mais intratável das contradições gerais do sistema capitalista’, já sublinhada anteriormente: ‘a impossibilidade de impor restrições internas a seus constituintes econômicos e a necessidade atualmente inevitável de introduzir grandes restrições’. Portanto, ‘qualquer esperança de encontrar uma saída desse círculo vicioso, nas circunstâncias marcadas pela ativação dos limites absolutos do capital, deve ser investida na dimensão política do sistema’ e no uso de ‘restrições autoritárias extremas’ através das instituições de que dispõe, como o parlamento e a força repressiva policial. (PANIANO, 2012, p. 64).

Uma vez atingido os limites absolutos qualquer alternativa de saída implica

em ir à raiz do sistema do capital, de onde a crise do capitalismo brota. Mészáros

(2011) apresenta quatro aspectos que caracterizam a ativação dos limites absolutos.

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Primeiro, temos a divergência estrutural entre capital global e os estados nacionais.

Em segundo, a destruição das condições do meio ambiente. Terceiro, a luta pela

autonomia das mulheres, e quarto, o agravamento do desemprego crônico. Esses

aspectos não se apresentam isoladamente, pelo contrário, tais características são um

conjunto de grandes contradições.

Para Mészáros (2011) o desemprego até então não havia se apresentado

como uma ameaça ao funcionamento do sistema. Por um longo período de seu

desenvolvimento histórico o capital conseguiu apresentar tal questão como algo sem

muita importância e possível de ser superado. “O deslocamento expansionista das

contradições e antagonismos internos alimentava a ilusão de que o aumento do nível

de desemprego seria passageiro e as leis naturais da reprodução socioeconômica

ativariam os ajustes corretivos necessários”. (PANIAGO, 2012, p. 65). No entanto, os

índices de desemprego cresceram ainda mais, até chegarmos ao nível alarmante dos

dias atuais. Como acentua Paniago (2012, p. 65-66):

Contudo, o problema assume uma dimensão bem mais incontrolável quando a fase de ascendência histórica do capital se esgota e a acumulação enfrenta dificuldades crescentes para a realização de seus objetivos expansivos. A essa altura já não há mais disponibilidade das formas anteriores e de exportações das contradições acumuladas, antes posta em ação ‘mediante uma confrontação militar massiva, como se experimentou em duas guerras mundiais, nem tampouco [se pôde dissipar] internamente [tais contradições] graças à mobilização dos recursos materiais e humanos da sociedade, em preparação de uma próxima guerra’, como se viu na década de 1930 e no período pós-Segunda Guerra Mundial. Mesmo porque o crescimento excessivo de armamentos, justificado pela Guerra Fria, começou a tornar-se ‘proibitivo até para os países mais poderosos economicamente’. A consequência imediata dessa inversão expansionista é o desemprego, agora numa escala que não pode mais ser dissimulada pela ilusão de ser uma mera disfunção temporária; é, assim, que ‘o desemprego em massa começa a lançar uma sobra realmente ameaçadora, não somente sobre a vida socioeconômica de um ou outro país, mas sobre todo o sistema do capital’.

Evidentemente, já não existem meios para o sistema prosseguir sua

expansão, a partir do momento que o capital deixa de investir em armamento. A

indústria bélica foi a grande responsável pelo crescimento extraordinário do

capitalismo logo após as duas guerras mundiais. No entanto, hoje, com o potencial de

armamento dos grandes países capitalistas, uma terceira guerra mundial poderia

levar-nos ao fim da vida no planeta e dos recursos naturais, impedindo de qualquer

forma que o sistema se restabelecesse. Destarte, o desemprego continua

aumentando significativamente, de modo a ameaçar até mesmo o sistema do capital.

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Uma característica do desemprego crônico é que o mesmo atinge a

homens e mulheres de diferentes classes sociais e idades, distintos setores da vida e

regiões do planeta; ou seja, ele está ligado a todas as categorias de trabalho sendo

qualificado ou não. Paniago (2012), em diálogo com Mészáros ressalta que se atingir

o pleno emprego estava distante anteriormente, nos dias de hoje é impossível. “Com

o presente quadro de população excedente, expulsa das oportunidades de trabalho

criadas no período de ascendência capitalista, é como se o exército de trabalhadores

de reserva fosse o mundo todo”. (PANIAGO, 2012, p. 66). O crescimento do

desemprego é atribuído, acriticamente, ainda ao desenvolvimento tecnológico e os

novos descobrimentos da ciência, portanto, os mesmos são utilizados em

conformidade com os ideais reprodutivos do sistema, reforçando ainda mais o

desemprego.

As consequências dessa extensão global do desemprego crônico expressam tanto por meio das disfarçadas práticas flexíveis de trabalho (part-time labour), como na redução significativa do nível de vida dos que permanecem empregados em tempo integral (full-time occupations), são sentidos de forma mais intensa no capitalismo avançado e representam maior instabilidade para o sistema. Tendo em vista o lugar ocupado pela força de trabalho no processo de reprodução e realização do capital nos países avançados, o que lhe garantiu a alegada superioridade em relação aos trabalhadores do ‘Terceiro mundo’ (ainda à espera das melhorias prometidas pela ‘modernização’), o colapso do pleno emprego e o declínio do poder aquisitivo provocam circunstâncias demasiadamente intoleráveis a tais trabalhadores. Isso não se deve à ‘incapacidade de atender a algumas ‘aspirações fictícias da classe média’, mas em termos dos compromissos e obrigações mínimos, sem os quais as pessoas não conseguem levar sua vida diária, adicionando assim o pavio aos explosivos que se acumulam’. Na eventualidade de um colapso no capitalismo avançado, dada sua posição de centro nuclear do sistema, ‘seria absolutamente impossível imaginar o seu funcionamento sustentado’. (PANIAGO, 2012, p. 69-70).

Quando o capitalismo chegou a um estágio mais avançado, as

consequências do desemprego foram sentidas de forma mais intensas causando uma

instabilidade maior para o sistema. Pelo fato de o trabalho ocupar um lugar de

destaque no processo de reprodução do capital, a classe trabalhadora sofreu

grandemente com tais circunstâncias. Nem mesmo o mínimo para a sobrevivência, o

capital conseguiu garantir ao trabalhador. O sistema não alcança estabilização

econômica e, por isso, frequentemente faz uso de medidas autoritárias através de leis

para ameaçar a força de trabalho, buscando soluções para as consequências geradas

pelo desemprego crônico.

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Assim, ao contrário das ‘determinações primordialmente econômicas’ que predominaram na fase de ascensão histórica do capital, diante da tentativa de tomar o controle da incontrolabilidade do sistema, estamos sujeitos a uma tendência de determinações crescentemente políticas no desenvolvimento econômico do século XX. (PANIAGO, 2012, p. 70).

O resultado dessas circunstâncias tem sido inquietante. Por tais razões, a

contradição do sistema que pode explodir a qualquer instante é justamente usar ou

não a força de trabalho disponível. Parafraseando Paniago (2012), o uso dessa força

de trabalho em um contexto como o atual, de crise estrutural do capital, seria

transformar todo um exército de força de trabalho reserva em algo sem nenhuma

importância. Tornar insignificante essa força de trabalho seria uma possibilidade de o

capital continuar sua reprodução. No entanto, ainda existem inúmeras contradições e

quadros que necessitam serem enfrentados no interior do sistema sociometabólico

vigente.

O agravamento dos limites absolutos, ativados por todos os quatros complexos parciais, cuja gravidade diferenciada adquire um potencial ameaçador quando combinados num mesmo momento de crise, coloca a reprodução continuada do sistema em questão. Principalmente porque, no passado, ‘todos os quatro conjuntos de determinantes foram constituintes positivos da expansão dinâmica e do avanço histórico do capital’, e agora não só estão impossibilitados de ‘continuar sendo positivamente sustentados’, mas muito pior, representam ‘um impedimento atuante para a acumulação tranquila do capital e o funcionamento futuro do sistema capitalista global’. Em vista disso, ‘a ameaça da incontrolabilidade lança uma sombra muito longa sobre todos os aspectos objetivos e subjetivos do modo historicamente singular de que o capital dispõe para controlar a ininterrupta reprodução sociometabólica’. As condições necessárias ao funcionamento apropriado do sistema tendem, assim, a escapar ao controle do capital, algo extremamente grave, considerando-se que o capital é ‘um sistema de controle por excellence ou nada’. (PANIAGO, 2012, p. 71).

Diante de uma crise estrutural, todos os complexos e setores do sistema

são atingidos e acionados, como já havíamos mencionado. Deste modo a reprodução

continuada do capital é ameaçada. Com o agravamento dos limites absolutos os

conjuntos que proporcionam o funcionamento do sistema, além de impossibilitados de

continuar, ainda impedem a acumulação do capital. Dessa forma, as condições ao

bom funcionamento do sistema fogem ao controle do capital. Além de tudo isso, os

limites do capital, mediante às contradições que lhes são próprias, aqui já

apresentadas, “colidem com as condições elementares do próprio sociometabolismo

e, desse modo, ameaçam aguda, e cronicamente, a própria sobrevivência da

humanidade”. (MÉSZÁROS, 2002, p. 526). No presente momento, para o capital,

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produtividade se apresenta quase inseparável de destrutividade; embora o sistema

não pare de operar repentinamente, ele certamente ruirá mais cedo ou mais tarde.

Diante do avanço produtivo do capital, vivemos um estágio em que a

tendência universalizadora do sistema tornou-se insustentável. A incontrolabilidade do

capital que por muitos anos pode ser disfarçada a partir de momentos históricos

favoráveis, hoje revela com a crise estrutural os riscos da inevitável perda de controle

do sistema. Tal situação foi criada pelo próprio capital através da necessidade de

superar, continuamente, seus limites até chegar a um estado intransponível do

sistema do capital. Os elementos contraditórios não podem ser superados pelo

sistema, independentemente de quais consequências serão geradas. Mészáros

(2011, p. 259) ressalta que:

O impulso expansionista cego do sistema do capital é incorrigível, porque não pode renunciar à sua própria natureza e adotar práticas produtivas compatíveis com a necessidade de restrição racional em escala global. Praticando uma restrição racional abrangente, o capital de fato reprimiria o aspecto mais dinâmico de seu modo de funcionamento, cometendo suicídio como sistema de controle sociometabólico historicamente único. Esta é uma das principais razões por que a ideia de um “governo mundial” globalmente racional e consensualmente limitador baseado no sistema do capital – necessariamente parcial em sua única forma viável de racionalidade – é uma contradição gritante.

Através de seu modo de controle intransponível, para o capital será mais

viável continuar sua produção a ponto de cometer suicídio do que adotar práticas

eficazes na solução de sua crise, visto que a segunda opção também levaria ao fim o

sistema capitalista. As restrições que a atualidade do sistema sociometabólico

exigem, a fim de conter o poder destrutivo da crise estrutural do capital são

indispensáveis, embora impossíveis. “A ameaça da incontrolabilidade lança uma

sombra muito longa sobre todos os aspectos objetivos e subjetivos do modo,

historicamente singular, de que o capital dispõe para controlar a ininterrupta

reprodução sociometabólico”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 227).

Com o intuito de chegar ao domínio universal da sociedade, o capital teve

que transferir as barreiras que impediam o seu desenvolvimento para um nível global.

Ao prolongar suas contradições, o sistema chegou a um estágio incontrolável e

impossível de se manter. Paniago (2012), acentua que a incontrolabilidade é própria

do sistema e este é o preço que ele teve que pagar para atingir a sua universalização.

A pesar do estágio crítico do sistema, o capital agrava ainda mais tais contradições

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ao estimular as empresas a progredirem na produção constante, não se importando o

quão destrutivo são, globalmente, e suas consequências sobre os recursos naturais.

Conceber como possível o capital vir a reprimir seu impulso expansionista impondo restrições a si mesmo é o mesmo que propor o suicídio do sistema. No entanto, a ameaça da incontrolabilidade não está muito distante de resultar em consequências igualmente trágicas. Se o caminho da integração global do capital e, por conseguinte, o processo da ‘transferência das condições de produção e reprodução social para o exterior das empresas e indústrias particulares (...) se completar historicamente, o capital como sistema de controle se extralimitará de maneira irreversível’, uma vez que não pode retornar para ‘uma condição anterior (menos integrada e expandida globalmente), nem pode continuar em seu impulso expansionista global na escala requerida. ‘Nesta esfera, é isso que significa crise estrutural: ‘bloqueio de novos territórios sobre os quais o capital poderia estender seu domínio e aos quais poderia ‘exportar’ suas contradições’. (PANIAGO, 2012, p. 140).

Mesmo que o capital não permita limites a seu processo de produção, o

sistema corre o mesmo risco de extinção se prosseguir com sua reprodução

incontrolável. É necessário rompermos com a lógica do capital em todos os âmbitos

da vida humana, se quisermos uma solução eficaz para esta catastrófica crise que a

cada dia aumenta ainda mais seu poder de destruição. O princípio expansionista que

orienta o capital rejeita as considerações sobre o desenvolvimento sustentável. Desta

forma, são cada vez mais intensificados os problemas enfrentados pela sociedade

diante de uma crise estrutural, visto que o sistema do capital busca atender

exclusivamente os imperativos expansionistas de sua produção.

Esse é um grande problema para a sociedade atualmente, pois quando o

sistema busca unicamente satisfazer seus imperativos expansionistas e desconsidera

a vida humana, complexos sociais como a arte: a educação dos sentidos é ignorada

no que se refere ao seu papel social. E não satisfeito, o sistema molda e usa tais

categorias a seu favor, fazendo com que até mesmo os complexos sociais ajam de

acordo com os ditames de um capitalismo em crise. Paniago (2012, p. 140) ressalta

que os desdobramentos gerados pela crise fecham por completo “o círculo vicioso da

incontrolabilidade estrutural do capital”. Deste modo,

a necessidade inevitável de assegurar a administração sustentável das condições de controle sociometabólico e da produção no contexto global adequado se revela como algo irremediavelmente além do alcance do capital, não importa até onde e quão perigosamente se extralimite o sistema. (PANIAGO, 2012, p. 140).

Destarte, torna-se necessário o controle do sistema global para completar

o fechamento do círculo vicioso, no entanto, é “inconcebível escapar de tal círculo

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vicioso sem superar radicalmente as determinações fundamentais do próprio sistema

capitalista”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 259).

A transição a uma nova forma histórica implica, pelo que foi exposto, a superação do capital e não a escolha de estratégias que auxiliem a ‘revitalização da incontrolável força de controle do capital’. Para Mészáros, trata-se da construção de uma ordem na qual o controle sobre todas as atividades da vida passa a ser determinado pela decisão consciente do verdadeiro sujeito produtor da riqueza social: o trabalho. (PANIAGO, 2012, p.152).

Pelo fato de a incontrolabilidade do capital ser estrutural, ela só poderá ser

extinta quando também o capital for abolido. O trabalho é a alternativa mais eficaz

para “o incontrolável modo de controle do capital”. (MÉSSZÁROS, 2011, p. 160).

Somente a luta da classe trabalhadora levará a superação do capital.

Este capítulo buscou analisar o sistema do capital, especificamente na sua

forma capitalista, dando ênfase a sua crise estrutural.

Esta análise se faz necessária como uma forma de situar nosso objeto e,

deste modo, caracterizar o momento pelo qual passamos; a fim de mais adiante

podermos averiguar nosso real objeto, o complexo artístico, dentro de um contexto

devastado por uma crise dantes descrita. Assim, também como com as demais áreas,

a exemplo da educação dos sentidos que necessita do complexo artístico e

desenvolve mediante sua relação com o mesmo um importante papel social,

principalmente no que concerne à formação e desenvolvimento dos sentidos

humanos.

No entanto, antes de estudarmos o complexo da arte, faremos um exame

sobre a categoria do trabalho, a fim de compreendermos sua importância para a

superação do capital e sua relevância para o surgimento dos complexos sociais, entre

tais, a arte. Averiguaremos ainda, algumas ramificações do complexo do trabalho e o

complexo da educação, visto ser ela uma categoria imprescindível para compreensão

da educação dos sentidos, tema a ser discutido a partir do complexo da arte.

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54

3 TRABALHO E EDUCAÇÃO: UMA ARTICULAÇÃO SOCIAL

O capítulo que aqui se inicia tem o objetivo de apresentar duas categorias

principais para realização da pesquisa; são elas: trabalho e educação. É

imprescindível analisarmos e começarmos pelo trabalho, visto que acreditamos ser

ele o complexo dos complexos, a categoria fundante de todas as outas; pelo grau de

importância do mesmo, faz-se necessário uma análise minuciosa, pois para

compreendermos as outras categorias, primeiramente, deve-se incluir o trabalho em

todos os seus aspectos. Destarte, iniciamos realizando um exame do trabalho

enquanto categoria universal, dando ênfase às três esferas do ser e o surgimento da

sociedade, logo depois discorreremos sobre o trabalho após a revolução burguesa.

Ainda neste capítulo traremos algumas reflexões sobre o conceito de

educação, enquanto complexo consequente do trabalho, como também algumas

considerações sobre a escola. Este capítulo é de fundamental importância, visto que

a totalidade é quem conseguirá revelar o real. Essa totalidade é composta por

complexos que só podem ser compreendidos em seu conjunto, destarte, só

poderíamos comprovar se a educação dos sentidos na sociedade atual se inclina mais

para a omnilateralidade ou para a alienação, se, primeiramente, conhecermos as

categorias que alicerçam essa pesquisa.

3.1 O TRABALHO ENQUANTO CATEGORIA UNIVERSAL: PANORAMA INICIAL

O trabalho é uma categoria de grande significado para a vida humana, a

base do cotidiano em que se desenvolvem todas as formas de subsistir em sociedade.

É analisando a categoria fundante do mundo dos homens e mulheres que nos

propusemos a iniciar nosso capítulo. Acreditamos ser no ato do trabalho, mediante

necessidades surgidas a partir do desenvolvimento dele próprio que emergem outros

complexos imprescindíveis para a vida em sociedade, entre eles podemos destacar a

linguagem, a educação, a ciência, a religião, a arte, entre outros.

Entretanto, como escreve Moreira e Maceno, (2012, p. 177):

Para que o homem possa transformar a natureza em fins que respondem às necessidades humanas, isto é, para que possa realizar trabalho, um conjunto de complexos sociais se faz necessário. Isso é visível mesmo nos atos de trabalho mais primitivos, como por exemplo, na construção de uma lança ou de um machado de pedra. Tais realizações seriam impossíveis sem a

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mediação da consciência, da fala, do conhecimento do mundo, da educação. O que significa que algumas dimensões da sociabilidade surgiram simultaneamente ao trabalho.

Os complexos surgem justamente para facilitar o processo de trabalho e de

desenvolvimento do homem; ao longo dos tempos os homens foram potencializando

sua atividade e aumentando a força produtiva. Mesmo nos primórdios da existência

humana era possível perceber esse desenvolvimento no trabalho. Tal processo de

trabalho era a transformação da natureza, levando assim, o indivíduo a desenvolver-

se até chegar à condição de ser social, como veremos mais adiante.

O trabalho surge como um meio de orientar os indivíduos, ou seja, ele é a

categoria fundante de um mundo propriamente humano. Nosso complexo torna-se

assim, o ponto principal para a construção do ser social. Antunes (2004) nos afirma

ser no ato do trabalho, ao se multiplicar os casos de ajuda mútua que os indivíduos

começaram a se agrupar, criando deste modo, uma nova forma de existir e se

reproduzir. É nesse ato que surge na história humana, os primeiros vestígios da

comunidade primitiva. Porquanto, o trabalho possibilitou um desenvolvimento até

então inexistente.

A partir desse desenvolvimento, surge um novo tipo de ser bem mais

complexo que só poderá ser compreendido fora da natureza, ou seja, no seio da

sociedade. Esse seria o ser social, resultado do desenvolvimento do trabalho sobre

indivíduos singulares. O ser enquanto natureza inorgânica tinha na própria natureza

os subsídios necessários para existir; ao tornar-se um ser social esse indivíduo tende,

através do trabalho, buscar os meios imprescindíveis para seu desenvolvimento e

reprodução. Esse processo leva-o até a vida em sociedade. Assim, o surgimento do

ser social deveu-se especialmente ao trabalho. Cabe ainda frisar que entre esses

níveis de desenvolvimento do ser (primeiro: inorgânico; segundo: orgânico e terceiro:

social) ocorreram saltos ontológicos, essas mudanças não se deram em um curto

prazo de tempo, foram necessários milhares de anos de desenvolvimento.

Traremos algumas considerações para que possamos compreender o que

são as três esferas ontológicas do ser: inorgânica, orgânica e social. As duas primeiras

são formas de ser anteriores que fizeram do ser social uma nova e diferente esfera do

ser. São as determinações que possibilitaram o surgimento do ser social. As duas

primeiras esferas foram essenciais para se chegar à terceira. Mediante as relações

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entre as esferas inorgânica e orgânica que surge o ser social e, deste modo, uma nova

esfera ontológica.

Andrade (2014, p. 178) elucida:

Em termos ontológicos gerais, a natureza inorgânica é a esfera sobre a qual se funda todo o existente, por isso, todas as outras esferas de ser apenas podem existir, de modo ontologicamente fundado, na natureza inorgânica. O processo de transformação e evolução desta esfera é, sobretudo, marcado pelo tornar-se-outro dos ‘elementos’ físico-químicos que a constituem. Por exemplo, da junção de dois ‘elementos’ químicos distintos como o hidrogênio e o oxigênio funda-se um terceiro e também distinto ‘elemento’, a água. Tendo em vista essa dinâmica, o tornar-se-outro é, portanto, a peculiaridade ontológica decisiva que assinala a continuidade da esfera inorgânica.

É por meio da natureza inorgânica – primeira esfera ontológica – que surge

tudo que existe, inclusive as outras esferas. Esse primeiro processo caracteriza-se por

tornar-se outro elemento, um minério só pode vir a ser outro minério, oxigênio e

hidrogênio em quantidades específicas, tornam-se água. A transformação sempre

resultará em elementos distintos. É o processo de tornar-se outro que constitui sua

dinâmica; ele é considerado como evolução dessa esfera, uma vez que é no se tornar

outro que surge a esfera orgânica.

As muitas transformações que ocorrem na esfera inorgânica duram

milhares de ano, até que surge uma nova esfera do ser; a esfera orgânica, também

podendo ser considerada como a esfera da vida. Essa nova esfera que nasce é bem

mais complexa do que a anterior e, por isso, as características que predominaram na

esfera inorgânica são consideradas superadas; embora que também conservadas no

que diz respeito ao processo de desenvolvimento. Isso ocorre porque, quando sobre

uma esfera ergue-se outra, as categorias inferiores são transformadas para dar lugar

às categorias da esfera superior.

Isso implica que, embora na esfera da vida as categorias pertencentes à natureza inorgânica integrem, eneliminavelmente, a sua reprodução, aquelas substancias inorgânicas presentes nos processos biológicos são predominantemente determinadas pelo repor-o-mesmo da reprodução biológica. (ANDRADE, 2014, p. 179).

Ao se estabelecer uma nova esfera do ser, as categorias pertencentes às

esferas anteriores são superadas pelas da nova esfera. No caso da esfera inorgânica

e orgânica isso ocorre principalmente pelo fato de que na primeira o processo será

sempre para repor outro de seus elementos, ou seja, um determinado minério nunca

produzirá outra espécie que não seja um novo minério. Diferente do processo na

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esfera orgânica em que um organismo tem a capacidade de criar outro organismo,

outra vida; no entanto, ela sempre produzirá o mesmo.

Dito isto, sublinhemos: na gênese da esfera da vida, o que distingue a substância orgânica da inorgânica é o fato de a primeira apenas existir por meio de um ininterrupto processo de reposição do mesmo (uma árvore qualquer repõe sempre outras árvores idênticas a ela), enquanto a processualidade inorgânica é marcada por um interminável tornar-se-outro dos seus elementos. Entre ambas as esferas processa-se, portanto, uma ruptura ontológica que as torna formas distintas de ser. Todavia, para Lukács, tal distinção não quer dizer que uma forma derive imediatamente da outra. (ANDRADE, 2014, p. 179).

Enquanto a esfera orgânica produz a vida, mesmo que por meio de um

processo contínuo de repor o mesmo, a inorgânica sempre se torna outro dos seus

elementos. Embora sejam consideradas diferentes, não se pode dizer que uma resulta

imediatamente da outra, mas que tudo isso faz parte de um longo processo ontológico.

Após longos anos, esse processo ocorre novamente e a partir da esfera orgânica

surge a esfera social, completamente distinta das anteriores, com a capacidade de

criar constantemente o novo. No entanto, as esferas anteriores não desaparecem,

elas continuam fazendo parte do mundo dos homens somada à terceira esfera agora

existente.

Quando o indivíduo chega ao terceiro nível, o da vida em sociedade, o

trabalho enquanto ato de agir sobre a natureza modificando-a de forma

teleologicamente direcionada exige novas formas de conhecimento, gera novas

necessidades que só serão superadas com o surgimento de novos complexos. Nossa

categoria fundante torna-se intercâmbio entre sociedade/natureza, conferindo ao

indivíduo a condição de sujeito e atendendo e recriando as necessidades sociais,

como nos afirma Marx apud Lessa, (2015).

Vejamos com Lessa (2005, p. 13) a explicação de como surge o trabalho e

em consequentemente o ser social.

O ser social, portanto, é um ser que se autoproduz no sentido preciso que tanto as suas determinações mais essenciais, quanto as mais fenomênicas, são resultados da síntese dos atos humanos concretos, singulares, em tendências históricas concretas, universais. E isto apenas é possível porque, com o ser social, surgiu algo inteiramente novo: uma forma de interação entre o ser vivo e a natureza que é o trabalho. É das necessidades e possibilidades postas pela necessidade primeira de toda reprodução social, qual seja, retirar da natureza o indispensável para a reprodução social, que todas as outras categorias sociais surgem e se desenvolvem. Por isso é que, para Marx, o trabalho é a categoria fundante do mundo dos homens e todas as outras categorias sociais são por ele fundadas.

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Assim, o ser social resulta dos atos humanos concretos que só seria

possível porque juntamente com ele surgiu o trabalho, que seria a interação entre o

ser vivo e a natureza. Desse modo, o que vai constituir o gênero humano enquanto

ser social será sua própria ação, suas respostas às determinações históricas.

Outrossim, o trabalho é a categoria fundante pelo fato de que ao retirar da natureza

os meios imprescindíveis para sobrevivência surgiu a necessidade de criar outros

complexos e, assim, atender ao necessário para reprodução social. Vemos deste

modo, porque o trabalho é considerado o complexo fundante do mundo dos homens.

Nossa categoria é assim imprescindível para o desenvolvimento do ser

social. “A partir do trabalho, o ser humano se faz diferente da natureza, se faz um

autêntico ser social, com leis de desenvolvimento histórico completamente distinto das

leis que regem os processos naturais”. (LESSA e TONET, 2011, p. 17-18). Destarte,

mediante a transformação do meio natural em um meio social, as leis que regem os

indivíduos também são modificadas de modo que possam atender aos imperativos do

novo tipo de ser agora existente.

As necessidades individuais são assim transformadas nas necessidades

dos grupos; promovendo ao ser social uma melhor condição de desenvolvimento,

sobrevivência e reprodução. A natureza a partir desse momento perde o caráter de

domínio da vida, em que tudo rege e tudo controla e passa a servir aos interesses

humanos, sendo dominada e, dentro de determinados limites, controlada pelo ser

social. Nesse momento o homem já não tem a natureza como um deus, mas sim,

como um meio de garantir os bens necessários à sua sobrevivência, necessitando

apenas da modificação da mesma ao seu favor. (LESSA, 2005).

Lima nos explica que o trabalho produziu muito mais do que se esperava,

ele foi bem mais além e assim, criou novos conhecimentos, habilidades e carências

“e por isso o trabalho chama à vida outros complexos sociais como: a linguagem, a

educação, a ciência, a arte, o direito etc.” (LIMA, 2009, p. 170). Pois, para muitas das

necessidades advindas do próprio processo de trabalho fazia-se necessário uma

esfera específica para satisfazer tais imperativos.

Esse processo realizado pelo trabalho não se esgota, pelo contrário, quanto

mais o indivíduo se desenvolve, outros complexos são criados, e assim, novas

necessidades humanas são atendidas. Esse processo ocorre durante toda a história

do desenvolvimento do homem e por ser contínuo, permaneceremos a vê-lo. Antunes

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(2004, p. 11) nos revela que o trabalho teve grande participação na construção do ser

social.

O trabalho é a fonte de toda a riqueza, afirma os economistas. Assim é, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso. É a condição básica e fundamental de toda vida humana. E em tal, grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem.

Percebemos assim, que o trabalho foi decisivo para a vida em sociedade,

ao ponto de o autor afirmar que tal categoria em certo modo funda o gênero humano.

É mediante o trabalho que o ser humano modificou muito mais do que ele mesmo. Ele

transformou também o que estava a sua volta, criou as condições necessárias para

seu desenvolvimento ao mesmo tempo em que produziu riquezas. Destarte, é por

meio do trabalho que o homem constrói sua história.

O trabalho teleológico é o que vai diferenciar o homem de qualquer outro

ser vivo que igualmente necessita da natureza para sobrevivência; porquanto o ser

humano tem uma ação bem mais direta sobre o meio e isso separa significativamente

o homem de qualquer outra espécie. Os animais também transformam a natureza, no

entanto, apenas para suprir uma necessidade imediata, suas ações são bastante

limitadas se comparadas com as atividades realizadas pelos seres humanos.

Marx entende por trabalho um tipo de atividade muito diferente daquela que podemos encontrar nas abelhas ou formigas. Nessas, a organização das atividades e sua execução são determinadas geneticamente e, por isso, não servem de fundamento para o desenvolvimento desses insetos. Por séculos, as abelhas e as formigas produzirão exatamente da mesma forma, o que já produzem hoje. (LESSA e TONET, 2011, p. 18).

Compreendemos deste modo que os animais nunca conseguirão produzir

algo novo, eles sempre produzirão exatamente o mesmo e da mesma forma. O ser

humano, diferentemente, tem sua consciência mediando suas ações, e por isso, cada

época da história foi um passo adiante no desenvolvimento do homem em busca de

sua própria superação. Assim, cada vez que o indivíduo, enquanto ser social criava

algo novo, abriam-se ao mesmo tempo as condições para em breve ir além do já

alcançado.

(O homem), não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, com lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é exigida à vontade orientada a

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um fim, que se manifesta com atenção durante todo o tempo de trabalho, e isso tanto mais quanto menos esse trabalho, pelo próprio conteúdo e pela espécie e modo de sua execução, atrai o trabalhador, portanto, quanto menos ele o aproveita como jogo de suas próprias forças físicas e espirituais. (MARX apud BARRADAS, 2014, p. 30)

Essa é mais uma diferença entre o homem e os demais animais; o ser

humano mais que transformar a natureza ele realiza seu objetivo nela; por conhecer

suas capacidades, sabe que o seu trabalho está subordinado a sua vontade. O

homem, deste modo, é um ser distinto da natureza com formas de subsistir

completamente particular à espécie. O trabalho enquanto atividade teleologicamente

orientada é exclusivo e típico do mundo dos homens. A humanidade no ato do trabalho

salta para fora da natureza, porquanto, no processo de transformação da mesma, o

homem nega-a e a modifica no objeto que lhe é necessário.

Os animais, como já indicamos de passagem, também modificam com sua atividade a natureza exterior, embora não no mesmo grau que o homem; e essas modificações provocadas por eles no meio ambiente repercutem, como vimos em seus causadores, modificando-os por sua vez (...) Mas a influência duradoura dos animais sobre a natureza que os rodeia é inteiramente involuntária e constitui, no que se refere aos animais, um fato acidental. Mas, quanto mais os homens se afastam dos animais, mais sua influência sobre a natureza adquire um caráter de uma ação intencional e planejada, cujo fim é alcançar objetivos projetados de antemão. (ANTUNES, 2004, p. 26).

O ser humano tem a capacidade de criar constantemente algo novo,

enquanto a influência dos animais sobre o que está a sua volta é instintiva e

involuntária. As ações dos homens são intencionais, ou seja, antes de realizar

qualquer atividade, os seres humanos já têm um objetivo projetado em mente e por

isso eles planejam previamente cada resultado possível para seu ato. É por esta

capacidade que a humanidade pode criar algo que até então não existia e também

produzir alguma coisa que não necessita imediatamente.

Quando falamos que o homem salta para fora da natureza, não estamos

querendo proferir que ele deixa de ser natureza, simplesmente pelo fato do ser

humano não perder suas características orgânicas e inorgânicas. Estamos dizendo

que a humanidade evoluiu ao ponto de não ser apenas natureza, mas de poder olhá-

la fora dela, usá-la e, muitas vezes, dominá-la de forma diferente de qualquer outro

ser. Ao vê-la, ele a observa com uma intenção e isso, como foi destacado

anteriormente, é a principal diferença entre os homens e as demais espécies.

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Quando o ser humano salta para fora da natureza através do trabalho, inicia

entre eles um tipo de movimento dialético, em que o ser social faz uso de uma de suas

características bem peculiar, a consciência. Esta, por sua vez, analisa a melhor

alternativa possível e, assim, o homem preserva toda a sua espécie; visto que é por

meio da prévia ideação que o ser humano se destaca dos outros seres vivos, quando

responde no ato do trabalho ao que foi posto à sua frente pela natureza.

Como todo ser vivo, o homem é por natureza um ser que responde: o ambiente põe à sua existência, à sua reprodução, condições, tarefas, etc. e a atividade do ser vivente, para conservar a si mesmo e a sua espécie, se concreta no reagir de modo adequado (de modo adequado às suas necessidades de vida no sentido mais amplo). (LUKÀCS apud ANDRADE, 2014, p. 181).

O trabalho teleológico tem uma grande importância para a sobrevivência e

o desenvolvimento da espécie humana, isto porque ele é o responsável por responder

adequadamente às determinações postas pelo meio. Também é o trabalho teleológico

que diferencia o ser humano dos outros seres. A relevância da teleologia é observada,

quando em suas palavras o autor enfatiza a questão de “agir de modo adequado”,

isso significa que o ser humano é capaz e de certa forma obrigado (para sua

sobrevivência), de operar posições teleológicas.

Lessa e Tonet (2011, p. 18-19) consideram que “Essa antecipação na

consciência do resultado provável de cada alternativa possibilita as pessoas

escolherem aquela que avaliam como melhor”. A principal característica do trabalho

enquanto atividade vital para o desenvolvimento humano é o fato de ele ser

consciente. É justamente essa característica que deixa o homem a passos

significativos à frente de qualquer outra espécie; para sermos mais precisos, a um

salto ontológico a frente de qualquer ser.

O homem, porém, faz de sua atividade vital um objeto de sua vontade e consciência. Ele tem uma atividade vital consciente. Ela não é uma prescrição com a qual ele esteja plenamente identificado. A atividade vital consciente distingue o homem da atividade vital dos animais: só por esta razão ele é um ente-espécie. Ou antes, é apenas um ser autoconsciente, isto é, sua própria vida é um objeto para ele, porque ele é um ente-espécie. Só por isso, a sua atividade é atividade livre. (MOREIRA e MACENO, 2012, p. 177).

O homem faz do seu trabalho um objeto de seu desejo, porquanto é para

satisfazer seus anseios que ele age sobre a natureza e cria novos complexos e com

isso surgem novas necessidades para serem supridas. É esse processo que leva o

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homem a desenvolver-se a níveis extraordinários. Torna-se necessário destacar ainda

que os complexos que surgem no trabalho não se reduzem a ele, muitos deles tornam-

se tão imprescindíveis para a vida humana, a ponto de resistirem até mesmo à

extinção da sociedade de classe como é o caso da linguagem e da educação.

O trabalho é especifico e típico do mundo dos homens principalmente pelo

fato de em nenhuma outra espécie dispor de uma consciência, mediatizando suas

ações. No entanto, para o homem continuar desenvolvendo-se é necessário que essa

relação deste com a natureza seja constante. Lessa e Tonet (2011, p. 17) asseveram

que “esta é a base ineliminável do mundo dos homens”. Deste modo, nesta relação

existente entre o homem com o meio natural, o trabalho não pode ser eliminado da

sociedade, do contrário, o desenvolvimento cessaria.

A centralidade ontológica do trabalho resulta exatamente do fato de que é a partir dele, e somente dele, que se realiza, no âmbito do ser material, uma posição teleológica que dá origem a uma nova causalidade. É a partir da contínua ‘escolha’ entre alternativas, que o homem, através do trabalho, sistemática e conscientemente põe finalidades à causalidade objetiva num processo constante de mútua transformação de si próprio e da natureza: da objetividade e da sua própria subjetividade; num único processo, humaniza a natureza e constrói sua própria humanidade. (MENEZES, 2011, p. 81).

É a partir da ininterrupta escolha entre alternativas que os processos de

transformações do homem e da natureza ocorrem. Deste modo, existe uma

necessidade dessa relação continuar a ser o meio de desenvolvimento entre os

homens. Na centralidade do trabalho o homem ao mesmo tempo em que humaniza a

natureza, ele também constrói a sua própria humanidade, ou seja, o indivíduo também

necessita de se estabelecer enquanto ser humano.

Pelo fato de ser teleologicamente orientado, o trabalho exige uma

transformação da consciência (LIMA, 2009). Essa característica do ser social é a

condição que o homem tem de realizar uma prévia-ideação de seus objetivos, mesmo

antes de causar qualquer ação sobre os meios. A prévia-ideação é justamente a

capacidade em prever os prováveis resultados de seus atos. (LESSA e TONET,

2011).

A prévia-ideação, como já afirmamos, é uma característica exclusiva do

mundo dos homens, ocorre na consciência do homem, principalmente antes do

mesmo produzir algum objeto, ou realizar alguma construção, visto que a humanidade

tem a necessidade de avaliar as alternativas e imaginar os prováveis resultados, a fim

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de se obter êxito em suas ações. Caso contrário, as objetivações não seriam

concluídas com sucesso e, consequentemente, a humanidade não chegaria aos dias

de hoje com um desenvolvimento excepcional.

É no ato da prévia ideação, ou seja, de procurar a alternativa ideal para se

chegar ao que foi objetivado, que o homem transforma a natureza e a si próprio

concomitantemente. Também será mediante a esse processo que ocorre a produção

do novo. Esse por sua vez é resultado do processo de objetivação da transformação

da realidade, no intuito de satisfazer uma necessidade surgida no trabalho. Todas as

vezes que o homem conclui uma objetivação surge na sequência uma outra. Esse é

um processo contínuo.

Vejamos o exemplo de Lessa e Tonet (2011, p. 19):

Vamos imaginar que a alternativa escolhida para quebrar o coco seja a de construir um machado. Ao construí-lo, o indivíduo transformou a natureza, pois o machado era algo que não existia antes. Isso é da maior importância, uma vez que toda objetivação é uma transformação da realidade.

O processo descrito na citação é o mesmo que ocorre cotidianamente na

vida humana, visto que primeiramente o indivíduo tem uma necessidade e para que

ela seja suprida é preciso que o homem projete na mente inúmeras alternativas.

Durante esse processo, a consciência tem o papel de avaliar e escolher dentre as

alternativas a opção mais conveniente que responda à exigência imediata. Quando o

resultado almejado já estiver projetado em mente, o indivíduo começa a construir seu

objetivo. “Esse momento de converter em objeto uma prévia-ideação é denominado

por Marx de objetivação”. (LESSA e TONET, 2011, p. 19).

O movimento que gera a objetivação é justamente o processo que vai da

ideia ao objeto concluído e, por isso, a objetivação sempre vai fazer surgir algo novo,

assim como afirma Lessa e Tonet (2011), pois a realidade em que o indivíduo está

inserido de alguma maneira sofreu alterações; por menor que seja a ação humana no

lugar em que ele estiver inserido, ela sempre causará uma reação, de forma a mudar,

tanto o ambiente como os seres que lá vivem, inclusive a si próprio mediante o

processo de objetivação.

Os autores supracitados nos concernem uma explicação sobre esse

processo e podemos observar que ela segue na mesma tônica a qual explanávamos

no parágrafo anterior: “Toda objetivação produz uma nova situação, pois tanto a

realidade já não é mais a mesma (em algum aspecto ela foi mudada) quanto também

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o indivíduo já não é mais o mesmo, uma vez que ele aprendeu algo com aquela ação”.

(LESSA e TONET, 2011, p.19).

É a partir da objetivação que o homem adquire experiências e habilidades

para serem utilizadas futuramente, quando uma nova necessidade surgir; essa

segunda necessidade pode muitas vezes ser causada pela própria ação inicial.

Podemos perceber que na vida humana isso é algo constante. Na maioria das vezes,

logo após a objetivação de algo, ela própria já fornece meios para que o homem pense

e vá além do que foi inicialmente projetado.

Será sempre na busca por novos conhecimentos que o homem transforma

o meio e a si próprio concomitantemente. Lessa e Tonet (2011, p. 20) asseveram que

essa situação gera novas necessidades e, portanto, “novas possibilidades de atendê-

las (o indivíduo possui conhecimentos e habilidades que não possuía anteriormente

e, além disso, possui um machado novo para auxiliá-lo na construção do próximo

machado)”. Destarte, o desenvolvimento humano não cessa, ele se complementa a

cada nova descoberta.

Quando o homem cria algo que não existia, além dele adquirir novos

conhecimentos, o objeto também lhe auxilia a completar outra ação que o próprio

processo de realização gerou. Os indivíduos são constantemente impulsionados a

novas situações, fazendo com que se tenha sempre a necessidade de suprir as

objetivações geradas no processo de trabalho e de transformação da natureza, por

esta razão o processo de objetivação é constante na criação do novo.

Desse modo, o trabalho, criando o novo, produz incessantemente novas situações objetivas e subjetivas que são continuamente atualizadas, pois no trabalho o homem descobre e realiza coisas novas, adquire novos conhecimentos e novas habilidades; dessas novas realizações surgem novas necessidades, novos caminhos para satisfazê-las, e tais realizações, por seu turno, requerem que sempre novas prévia-ideações e depois novas objetivações sejam realizadas, e assim por diante. Esse desenvolvimento revela, portanto, que a reprodução social é sempre e necessariamente a produção do novo. (ANDRADE, 2014, p. 182).

O trabalho produz o novo, e esse novo propicia novos conhecimentos e

desta forma surgem novas necessidades que precisam ser supridas do mesmo modo,

também se fazem necessárias novas prévias-ideações e assim por diante. É por meio

desse processo dialético que o ser social se desenvolve com uma diferença

significativa quanto a qualquer outra espécie. Destarte, a reprodução social ocorre por

meio do ato de reproduzir o novo, característica específica da terceira esfera do ser.

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Deste modo, compreendemos que a arte não só é um complexo que tem

origem no trabalho como também é um processo de realização do mesmo. Todo esse

procedimento descrito de efetuação do trabalho nos faz perceber que, mediante suas

urgências, o complexo artístico proporciona esse desenvolvimento humano, ao

propiciar, de modo teleologicamente orientado, a educação dos sentidos como meio

de o homem refletir suas objetivações e criar novas. Destarte, ao compreender a

categoria do trabalho e das relações que o envolve, entendemos que a arte surge

como resposta a necessidades que não podiam ser resolvidas à luz do próprio

trabalho.

3.1.1 Algumas considerações sobre o trabalhador enquanto mercadoria

A pesquisa apresentou o trabalho como fundamento do ser social, sua

origem e as relações que o envolve. A partir de agora faremos uma análise sobre a

categoria fundante já na perspectiva do ser social como requisito para adentramos no

debate da educação que, por sua vez, nos permitirá compreender a educação dos

sentidos a ser discutida no capítulo seguinte. Neste momento, faremos ainda uma

breve observação sobre o trabalho a partir da revolução burguesa, o que envolve o

modo de produção capitalista, sua crise estrutural e sua dominação sobre as relações

sociais.

Desta forma, torna-se inevitável a repetição de alguns elementos sobre a

categoria do trabalho, visto que como complexo imprescindível, o processo de agir do

trabalho tende a ser considerado a cada análise de uma nova categoria. Para

averiguar o complexo da educação é necessário conhecermos a relação entre o

trabalho, o surgimento do ser social, assim também como a forma do homem subsistir

em sociedade, somente assim conseguiremos compreender a relação entre o

complexo fundante com os complexos fundados.

A categoria do trabalho assim como assinalamos é a mediação que existe

entre o homem e a natureza. Enquanto uma atividade teleologicamente orientada, ele

possibilita o surgimento do ser social. A necessidade humana de deixar as formas

simplesmente biológicas foi o que impulsionou sua organização em sociedade. Lima

(2014) aponta para o trabalho como o elemento diferenciador entre as esferas

meramente biológicas e o homem. A autora ressalta que a distância entre as barreiras

do ser humano e as barreiras naturais é bastante complexa.

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O trabalho apenas afasta os limites naturais, sem jamais eliminá-los completamente porque o ser social mantém uma ineliminável dependência ontológica em relação às demais esferas do ser. Por mais que avance rumo ao infinito na sua sociabilização, o homem continua sendo um ser biológico, cujo metabolismo é impossível sem a relação com a esfera inorgânica. (LIMA, 2014, p. 169).

Embora o trabalho afaste o homem das barreiras naturais, ele jamais

poderá eliminar essa característica do gênero humano, pois apesar de o homem ser

agora um ser social, ele ainda continuará sendo um ser biológico. O trabalho, para o

marxismo clássico, é exclusivo e típico, porquanto é uma categoria social, só está

presente no mundo dos homens e a essência do trabalho é a teleologia, pois só será

no interior do ser social que ela se faz presente.

Nesse sentido, podemos compreender em Marx (2015), o que diferencia

de antemão o pior arquiteto da melhor abelha é que ele constrói em sua mente seu

objetivo antes de ir para a prática. O trabalho no final apresenta o resultado já

idealizado, pois, antes de iniciar esta transformação da natureza, o homem já tem todo

processo formado em sua mente. Lukács devolve a Marx o caráter ontológico de sua

obra, isto é, desenvolve uma ontologia do ser social como síntese entre o gênero e o

indivíduo. O trabalho, consequentemente, possibilitou o surgimento do homem-social,

pois ele só se realiza quando há uma cooperação entre os membros, portanto, o

trabalho é uma atividade coletiva.

Esse novo mundo que surge a partir da vida produtiva humana, no qual a natureza transformada aparece como sua obra e sua efetividade, é também objetivação da vida genérica do homem se duplica não apenas intelectualmente, mas operativamente por meio de seus projetos que se efetivam materialmente, daí a possibilidade de contemplar-se a si mesmo num mundo criado por ele. Portanto, é o trabalho que alicerça a dimensão genérica do ser social, pois ele só é possível como atividade coletiva, isto é, só é realizável através da relação com outros homens. (COSTA, PAULA e MORAES, 2013, p. 27).

O trabalho é o alicerce do ser social, o responsável pela existência da vida

em sociedade, uma vez que, em seu ato, enquanto atividade emancipadora,

proporcionou o agrupamento dos indivíduos. Destarte, o homem é um ser social, pois

resulta do trabalho tudo de humano que existe nele: “A partir do momento em que o

homem vive em sociedade, ele tem a necessidade de criar mediações próprias de seu

movimento histórico-social”. (VYGOTSKY apud ARAÚJO, 2010, p. 15). Assim, pelo

fato de a atividade fundante ser um ato coletivo novas mediações eram criadas.

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67

Com efeito, o homem não nasce homem, ele torna-se homem durante sua

existência, Manacorda (2014, p. 26) aponta que esse é “seu longo treinamento por

tornar-se ele mesmo”. Para que ele venha a se tornar um ser humano é necessário

construir estruturas físicas, formar habilidades e mais do que isto, é preciso

desenvolver-se socialmente. Assim, mesmo que ele já nasça homem, todavia, será

preciso viver num contexto social adequado para vir a ser.

Portanto, Araújo (2013, p. 13) escreve:

O homem é um ser social na medida em que tudo de humano nele existente resulta da vida em sociedade, ou seja, do contexto cultural que vem sendo criado pelos homens em sua prática. A passagem da esfera orgânica à condição humana constitui um longo processo, estimulado basicamente pela fabricação de instrumentos engendrada pelo trabalho e através da vida em sociedade.

Esse aspecto refere-se à relação ontológica entre ser social e trabalho e

faz um acréscimo contribuindo para nossa compreensão no que diz respeito ao

conhecimento adquirido por um indivíduo; tal conhecimento por sua vez, logo se torna

de toda a comunidade, o que será útil para diferentes situações. Desse modo, a partir

desse processo ele vai gerando transformações não apenas nele, enquanto um

indivíduo singular, mas também em toda a sociedade. Esses conhecimentos são

repassados de geração a geração.

O homem se tornará um ser social, uma vez que adquire em sociedade

tudo que existe nele, ou seja, tudo aquilo que o faz distinto dos demais animais ou

mesmo o que lhe afasta das barreiras naturais e das esferas orgânicas e inorgânicas.

Outrossim, a própria cultura criada pelo homem em sua prática possibilitará seu

desenvolvimento social, mediante o ato do trabalho, e esse por sua vez, agindo por

meio da teleologia, como nos esclarece Lessa e Tonet (2011, p. 26):

O trabalho é o fundamento do ser social porque transforma a natureza na base material indispensável ao mundo dos homens. Ele possibilita que, ao transformarem a natureza, os homens também se transformem. E essa articulada transformação da natureza e dos indivíduos permite a constante construção de novas situações históricas, de novas relações sociais, de novos conhecimentos e habilidades, num processo de acumulação constante (e contraditório, como veremos). É esse processo de acumulação de novas situações e de novos conhecimentos – o que significa novas possibilidades de evolução – que faz com que o desenvolvimento do ser social seja ontologicamente (isto é, no plano do ser) distinto da natureza.

Essa é uma síntese da relação que existe entre o trabalho e o ser social.

Por isso, mesmo que pareça repetitivo, vamos insistir mais uma vez na importância

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68

do trabalho para o mundo dos homens e seu papel social, e no que nos diz respeito à

pesquisa, sua relevância para o surgimento do complexo artístico. Os autores

supracitados asseveram que é no trabalho que o homem adquire bases para vir a ser

um ser social, ao mesmo tempo em que constrói sólida e materialmente a sociedade

da qual faz parte.

Observemos, assim, algumas considerações a respeito do ser social, com

os pesquisadores Costa, Paula e Moraes (2013, p.30):

A reprodução no ser social, que tem como motor o trabalho se realiza em condições diferentes do modo de produção próprio ao ser biológico. Portanto, no ser o modo de reprodução são postos socialmente pela atividade consciente humana de transformação material da natureza, que tem como núcleo a objetivação de um projeto previamente idealizado – por mais tosco ou inconsciente que seja. O aspecto radicalmente novo do ser social está na forma de transformação material da realidade, que nele é determinada pelo pôr consciente de uma finalidade.

Apreendemos assim que a transformação da sociedade do mesmo modo

como a do próprio indivíduo (orgânico/social) ocorre mediante uma série de fatores,

são momentos que se relacionam permitindo sempre um novo desenvolvimento, a

criação de algo que não existia. Todo o processo ocorre por meio do trabalho, ele é

quem vai revelar esse novo tipo de ser, que proporciona ao homem evoluir a um nível

cada vez mais complexo de sociabilidade.

Lessa e Tonet (2011, p. 26) ressaltam que “toda e qualquer ação dos

indivíduos tem uma dimensão social. Suas consequências influenciam não apenas a

vida do indivíduo, mas também a de toda a sociedade”. Assim como havíamos

assinalado, todos os atos humanos estão intimamente ligados e foram necessários

para a construção de uma sociedade mais evoluída. Assim, corroborando com as

reflexões acima, os teóricos continuam afirmando que “o desenvolvimento social dá

origem à necessidade de os indivíduos se reproduzirem como personalidades cada

vez mais complexas”. Isso leva a uma sociedade ainda mais desenvolvida, visto que

os homens estão bem mais capacitados. Os autores prosseguem expondo que “não

há ato humano fora da história, fora da sociedade” (2011, p. 74), porquanto o ser

humano enquanto sujeito social só existe dentro de uma sociedade.

Andrade (2014) em diálogo com Lukács nos relata que entre a categoria

fundante e os demais complexos sociais e parciais que formam o ser social como o

complexo de complexo se faz necessário uma ligação, algo que é preciso para mediar

um ao outro, responsável ainda por exercer o papel de momento predominante no que

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69

diz respeito à reprodução dos indivíduos em sociedade. Esta por sua vez, é a própria

totalidade social.

Vejamos um pouco mais sobre a relação ser social e trabalho:

No trabalho (troca orgânica do homem com a natureza), as prévias-ideações, objetivações, alternativas, escolhas etc., elementos ativos no trabalho mais primitivo, convergem para criar, no ser social, complexos parciais, inicialmente isolados e dispersos. Estes, com o tempo, se multiplicam, se tornam cada vez mais mediados, se agrupam em complexos particulares e específicos e fazem surgir pela interação de todas estas forças, sociedades em estágios de desenvolvimento determinados. (ANDRADE, 2014, p. 184).

Esta é a forma como ocorre o processo dos elementos ativos do trabalho

incumbido de criar no ser social todos os demais complexos sociais, levando o homem

a um nível de desenvolvimento cada vez maior, entre os tais o complexo artístico e o

educativo, essenciais para nossa pesquisa. Tais complexos são responsáveis por

levar a espécie humana a níveis extraordinários, como podemos ver nos dias de hoje.

Esse processo foi essencial para erguer, mesmo que gradualmente, o mundo dos

homens.

A partir desse novo desenvolvimento do ser e construção de um mundo

propriamente humano, passa a existir certa determinação entre indivíduo e sociedade.

O homem passa a não existir sem a sociedade. Ele só existe enquanto criador da

mesma. Do mesmo modo a sociedade, ela só será possível enquanto criação

humana. Com efeito, a sociedade é parte da ação do homem e só pode existir deste

modo. (ANDRADE, 2014). Para uma melhor problematização no tocante a articulação

entre indivíduo e sociedade, vejamos a citação a seguir:

O impulso ontológico em direção a uma sociabilidade cada vez mais complexa e rica requer, com intensidade e profundidade crescentes, que indivíduos e sociedade se reproduzam de modo cada vez mais rigorosamente articulado. Essa integração efetiva consubstancia, de um lado, o desenvolvimento das forças produtivas e, do outro lado, o desenvolvimento das individualidades humanas. (ANDRADE, 2014, p. 185).

O crescente desenvolvimento vivido tanto pelo indivíduo como por toda a

sociedade, exigia uma articulação cada vez maior entre os mesmos. A partir do que

já foi exposto, podemos obter uma maior compreensão a respeito da seriedade do

trabalho para a criação do mundo dos homens e dos meios que essa categoria,

fundante de todas as outras como já assinalamos, opera no seio da sociabilidade.

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Uma vez abordado o conceito de trabalho e de seu papel social, poderemos então

começar a analisar o trabalho imerso em um novo contexto social, o capitalista.

Após inúmeras transformações vivenciadas no seio da sociedade,

principalmente depois da revolução burguesa e entrada do modo de produção

capitalista, a categoria do trabalho passou por profundas mudanças. Assim como

todas as demais categorias que surgem a partir do trabalho, ele próprio passou a ser

moldado de acordo com as regras do capitalismo. O trabalho, mesmo sem perder seu

caráter inicial, passa a ser visto como uma forma de perpetuar a riqueza das classes

que dispõem dos meios de produção. Jimenez (2000, p. 04) nos dá indícios de alguns

dos impactos sofridos pelo trabalho, ao afirmar que:

Na ordem do capital, portanto, o trabalho sofreu uma brutal perversão: passa de fim a meio voltado para a reprodução da riqueza privada, transformando em mercadoria, atrelado à lógica do mercado. Castra-se, assim, o caráter emancipador, realizador, libertário e libertador por excelência, do trabalho.

Mesmo a essência emancipadora do trabalho, enquanto categoria principal

e possibilitadora do ser social, sofre com as modificações da sociedade. Não existe

categoria no capitalismo que não esteja sobre o seu domínio, mesmo que se

conservem contradições. O sistema na qual estamos inseridos é controlador e obriga

tudo e todos a servi-lo. Essa é uma forma de garantir sua sobrevivência. Vejamos

como esse processo ocorre e os meios pelos quais o sistema age sobre o trabalho.

Os fundamentos que explicam o processo de reestruturação produtiva na atualidade estão na base da organização do trabalho capitalista que transforma o processo de trabalho num processo de valorização do capital. Neste processo de trabalho capitalista, os instrumentos, a força de trabalho e o produto estão subordinados às determinações do controle capitalista. (SOUZA, 2012, p. 147).

O sentido do trabalho é transformado de modo que valorize o capital, e que

tudo, assim como já havíamos mencionado, está sobre o controle do sistema.

Percebemos ainda, que o trabalho passa a ser usado a favor das classes dirigentes

como um meio de continuarem seus domínios sobre a classe desfavorecida da

sociedade. Porquanto, o trabalho, frente ao capital e subordinado aos seus desígnios,

converte-se em trabalho estranhado, torna-se mercadoria e, portanto, é uma atividade

que não pertence a quem executa, mas sim, a outra pessoa.

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Com tudo isso, o trabalho começa a perder seus princípios, ou seja, sua

finalidade original, e passa a ser visto na sociedade capitalista de duas formas

distintas. O trabalho no sentindo em que apresentamos inicialmente de intercâmbio

com a natureza e o trabalho abstrato, que é o trabalho assalariado, bastante

conhecido pela sociedade atual, ou seja, passa a existir a partir da efetivação do modo

de produção capitalista uma agudização na divisão social do trabalho, tornando-se

evidentes duas formas de trabalho, conhecidas principalmente como trabalho

concreto e trabalho abstrato.

Embora as duas levem o nome do complexo dos complexos existe uma

profunda distinção entre elas.

Ao contrário do trabalho concreto, que independe de forma histórico-social estabelecida pelos homens na produção da vida, o trabalho abstrato revela as características próprias de uma determinada forma de produção específica, a forma capitalista de produção. (MENESES, 2011, p. 83).

Esta é uma das principais diferenças existentes entre as duas formas de

trabalho; visto que o trabalho abstrato é próprio e exclusivo da sociedade atual. A

pesquisadora continua nessa mesma tônica:

É na forma da sociabilidade capitalista que os produtos dos trabalhos privados, autônomos e independentes entre si confrontam-se como mercadorias. Os diferentes trabalhos perdem suas qualidades específicas igualando-se no corpo social do trabalho geral da sociedade. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, suas particularidades, restam-lhes ser apenas dispêndio de força humana, e, como configuração desta substância social, valores de troca. (MENESES, 2011, p. 83).

O trabalho humano transforma-se em mercadoria, o que causa uma perda

na especificidade do trabalho concreto. O mesmo é sucumbido por uma sociedade

que enxerga quase que unicamente o valor do trabalho abstrato. “No mundo

resplendoroso das mercadorias, tem-se que nelas, desvanecem-se as diferentes

formas de trabalho concreto (...) elas não se distinguem mais uma das outras, mas,

reduzem-se todas, a uma única espécie de trabalho humano, o trabalho abstrato”. As

palavras de Meneses (2011, p. 83) em diálogo com Marx, deixam evidente o que

anteriormente ressaltamos.

Na sociedade movida pelo capital o trabalho acontece principalmente de

forma alienada, uma vez que ele é exterior ao homem, assim como já assinalamos.

“É através da alienação que as forças humanas, que são sempre forças dos próprios

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homens e não da natureza ou de entidades sobrenaturais, se tornam ‘estranhas,

poderosas, hostis’ e dominadoras da vida humana” (LESSA e TONET, 2011, p. 89-

90). Deste modo, no capitalismo o trabalho encontra dificuldades em operar suas

características de autoconstrução humana e ascensor dos homens a níveis

superiores.

Lessa (2012, p. 26) assinala que, “nesta acepção de intercâmbio material

eternamente necessário do homem com a natureza o trabalho é uma categoria distinta

do trabalho abstrato, produtor de mais valia”. Essas duas formas de trabalho são,

significativamente distintas, e por isso na sociedade capitalista existe a necessidade

de conceituá-las segundo seus fins. Essa primeira forma de trabalho é quase que

extinta na sociedade atual, visto que trabalho nos dias de hoje é o que uma pessoa

que não dispõe de meios de produção, vende em troca de dinheiro.

Essa enorme diferença entre as duas formas de trabalho se deve ao fato

de que:

Ao contrário do trabalho concreto, que independente da forma histórico-social estabelecida pelos homens na produção da vida, o trabalho abstrato revela as características próprias de uma determinada forma de produção específica, a forma capitalista de produção. É na forma da sociabilidade capitalista que os produtos dos trabalhos privados, autônomos e independentes entre si confrontam-se como mercadorias. (MENESES, 2011, p. 83).

O trabalho abstrato revela em si a forma de produção capitalista, ele

começa a agir visando às mercadorias e não à emancipação humana. A autora relata

ainda que “Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, suas

particularidades, restam-lhes ser apenas dispêndio de força humana, e, como

configuração desta substância social, valores de troca”. Fica evidente que a sociedade

em seu atual contexto transformou literalmente o complexo do trabalho, nem mesmo

a vida humana foi poupada.

Com a entrada do modo de produção capitalista, o trabalho assume a forma

abstrata. Lessa (2012, p. 26) considera trabalho abstrato como “uma atividade social

assalariada, alienada pelo capital”. Pelo fato do trabalho assentar-se agora em forma

abstrata, é cada vez mais difícil para o indivíduo enxergar o trabalho em seu sentido

inicialmente ressaltado. Quando o trabalho assalariado passa a fazer parte da

sociedade, ele se torna uma forma de exploração da classe trabalhadora.

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Vejamos algumas considerações sobre a superioridade do trabalho

abstrato na sociedade atual com Lessa (2012, p. 26):

E, hoje, com a extensão das relações capitalistas até praticamente todas as formas de práxis social, com a incorporação, ao processo de valorização do capital, de atividades que anteriormente ou estavam dele excluídas ou apenas participavam de modo muito indireto, vivemos uma situação em que praticamente a totalidade dos atos de trabalho assume a forma abstrata advinda de sua subordinação ao capital. Aparentemente, o trabalho teria desaparecido, substituído pelo trabalho abstrato. Trabalho e trabalho abstrato passam, assim, equivocadamente a ser tomados como sinônimos no caso da sociabilidade contemporânea.

Na sociedade capitalista só é levada em consideração uma forma de

trabalho, deste modo, as duas são erroneamente tomadas como sinônimos. Trabalho

concreto e trabalho abstrato são significativamente diferentes e, portanto, não podem

ser comparados. O trabalho intercâmbio com a natureza é tão necessário para a

reprodução social, a ponto de ser essencial, mesmo que a sociabilidade supere a

ordem do capital. Enquanto, trabalho abstrato “é uma necessidade para a reprodução

do capital, apenas e tão somente”. (LESSA, 2012, p. 28).

O trabalho abstrato “é a redução da capacidade produtiva humana a uma

mercadoria, a força de trabalho, cujo preço é o salário”. Todas as atividades humanas

assalariadas são trabalho abstrato’’. (LESSA, 2012, p. 28). Tais características do

trabalho abstrato nos permitem visualizar a diferença entre as duas formas de

trabalho. Marx, em Lessa (2012), conceitua a categoria trabalho abstrato como uma

forma de exploração do homem pelo homem; uma vez que ele possibilita a classe

dominante explorar a classe trabalhadora. Assim, acreditamos ser esta uma das

formas de exploração mais perigosa, visto que o ser humano acreditar estar livre.

O trabalho, na sua forma capitalista, torna-se trabalho forçado, constrangimento, sacrifício. De elemento de realização do homem, de sua humanização, o trabalho perverte-se em elemento de sua negação, da sua própria desrealização. O trabalho não constitui uma atividade espontânea, uma necessidade, mas uma imposição, um meio para satisfazer outras necessidades. No contexto das relações sociais capitalistas, o trabalhador é alienado do processo de concepção como dos produtos do seu trabalho. (MENESES, 2011, p. 83).

O trabalho na sociedade capitalista é grotesco. Ele desumaniza o homem.

O trabalhador acreditando estar livre, por ter a liberdade de vender ou não, sua força

de trabalho é explorada de todas as maneiras possíveis. A alienação toma conta do

mesmo. Não o permite perceber que não existe liberdade, visto que o homem

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trabalhador é obrigado a vender sua força de trabalho para sua própria sobrevivência.

Marx (2015) relata que na sociedade capitalista o trabalhador é tido como a mais

desprezível/miserável das mercadorias. Por tudo isso, o trabalho na sociedade

capitalista perde seu caráter de elemento de realização do homem, quando em sua

forma abstrata, porém não perde a sua função social, que é transformar a natureza e

o próprio homem.

A partir da própria economia nacional, com as suas próprias palavras, mostramos que o trabalhador decai em mercadorias e na mais miserável mercadoria, que a miséria do trabalhador está na relação inversa do poder e da magnitude da sua produção, que o resultado necessário da concorrência é a acumulação do capital em poucas mãos, portanto, o mais terrível restabelecimento do monopólio, que, finalmente, a diferença de capitalista e arrendador fundiário (Grundrentner), tal como a de agricultor e trabalhador manufatureiro desaparece, e toda a sociedade tem de dividir-se nas duas classes dos proprietários e dos trabalhadores desprovidos de propriedade. (MARX, 2015, p. 302).

É mediante as palavras do próprio Marx que nos indignamos ao

compreender o preço de um trabalhador, ou mesmo, a classe trabalhadora em geral,

diante do sistema capitalista. Não importa quão grande e potente seja a produção do

trabalhador, pois não terá efeito suficiente para mudar a visão capitalista sobre o

mesmo. Sua função lhe representa como sendo o que é, um meio de produzir riqueza

e poder. Para o capital o trabalhador não é quem produz mercadorias, pelo contrário,

ele próprio é uma mercadoria. O trabalho é, assim, a forma máxima de produção para

o trabalhador.

O trabalho produz maravilhas, para os ricos, mas produz a privação dos trabalhadores. Produz palácios, mas casebres para o trabalhador. Produz beleza, mas deformidade para o trabalhador. Substitui o trabalho por máquinas, mas lança uma parte dos trabalhadores para um trabalho bárbaro e transforma outros em máquinas. Produz inteligência, mas também produz estupidez e o cretinismo para o trabalhador. (MARX, 2015, p. 307).

Deste modo, o trabalho na condição de trabalho abstrato é usado em

benefício da minoria social, enquanto os trabalhadores não ficam com quase nenhuma

benfeitoria de sua atividade libertadora, uma vez que, nesse estado, o trabalho apenas

desumaniza o homem trabalhador. Embora existam leis e constituições alegando que

todos somos livres e iguais, o modo de produção capitalista revela justamente o

oposto, visto que nos dias atuais o ser humano é tido como uma insignificante

mercadoria.

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Só existem duas classes fundamentais de pessoas, os proprietários e os

trabalhadores, como destacadas anteriormente. Destarte, os que compõem a

segunda classe são subalternos ao sistema vigente, uma vez que este mesmo

sistema não permite ao homem trabalhador meios de libertar-se. Aqui, o trabalhador

não tem alternativas de sobrevivência que não seja a de se tornar uma simples

mercadoria para o capital, a fim de garantir sua existência e a dos que dependem de

si:

O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção cresce em poder e volume. O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a valorização do mundo das coisas, cresce a desvalorização do mundo dos homens em proporção direta. O trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se a si próprio e o trabalhador como uma mercadoria, e, a saber, na mesma proporção em que produz mercadorias em geral. (MARX, 2015, p. 304).

Mas uma vez o jovem Marx, nos Manuscritos econômicos – filosóficos

relata o quanto é crítica a situação da classe trabalhadora. A classe menos favorecida

da sociedade não é vista pelo seu trabalho. No sistema capitalista, a mercadoria é

mais importante. Ele não tem seu valor merecido, pelo contrário, perde o que já tinha,

sua humanidade, tornando-se uma mercadoria ainda mais barata do que a que ele

mesmo produziu. Esse caso ocorre porque nossa sociedade só valoriza o mundo das

coisas e, deste modo, o trabalho transforma o homem em mercadoria.

A alienação do trabalhador no seu objeto exprime-se, segundo as leis nacional-econômicas, em modo tal que, quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem para consumir; em que, quanto mais valores ele cria, tanto mais sem valor (wertloser) e indigno se torna; em que, quanto mais formado o seu produto, mais deformado o trabalhador; em que, quanto mais civilizado o seu objeto, tanto mais bárbaro o trabalhador; em que, quanto mais potente (mächtiger) o trabalho, tanto mais impotente (ohnmächtiger) o trabalhador; em que, quanto mais espiritualmente rico o trabalho, tanto mais sem espírito (geistloser) e servo da natureza se torna o trabalhador. (MARX, 2015, p. 307).

Dentro dos padrões da sociedade capitalista, considerando essa nova

forma de trabalho, o trabalhador estranha o que está ao seu redor. São muitas as

situações vividas pelo trabalhador em seu cotidiano, e como ressaltado pelo autor,

existe uma grande diferença entre o que ele produz e os efeitos sofridos por ele: “O

trabalho mesmo se torna um objeto, do qual o trabalhador só pode se apossar com os

maiores esforços, com as mais extraordinárias interrupções”. (MARX, 2015, p. 81).

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Isso porque o trabalhador não é reconhecido no seu trabalho e por não disponibilizar

de meios para comprar o que ele mesmo produziu.

Assim ressalta Marx (2015, p. 308):

Primeiro, em que o trabalho é exterior ao trabalhador, isto é, não pertence à sua essência, que ele não se afirma, antes se nega, no seu trabalho, não se sente bem, mas desgraçado; não desenvolve qualquer livre energia física ou espiritual, antes mortifica o seu físico (physis) e arruína o seu espirito. Por isso, o trabalhador se sente, antes, em si, fora do trabalho e fora de si no trabalho.

Deste modo, compreendemos o que anteriormente já havíamos

mencionado; o trabalhador não se enxerga na atividade por ele produzida, não há

uma identificação nisso. Não permanece nada do trabalhador no seu trabalho, uma

vez que o trabalho é externo ao trabalhador. O trabalho aliena e toma para si um valor

que deve ser do trabalhador, negando assim, a pessoa que o gerou, visto que não

permite ao homem enxerga-se nele. E desta forma, o trabalho vai perdendo cada vez

mais seu caráter emancipador.

Portanto, quanto mais o trabalhador se apropria pelo seu trabalho do mundo exterior, da natureza sensível, tanto mais se priva de meios de vida, pelo duplo aspecto de que, primeiro, cada vez mais o mundo exterior sensível deixa de ser um objeto pertencente ao seu trabalho, um meio de vida do seu trabalho; segundo, cada vez mais ele deixa de ser meio de vida no sentido imediato, meio para a subsistência física do trabalhador. (MARX 2015, p. 306-307).

O trabalhador na sua limitação se apropria do mundo externo através de

seu trabalho. É por meio da atividade criadora e receptora que o mesmo adentra ao

mundo da natureza sensível, no entanto, sob os desígnios do capital, não há uma

identificação entre trabalhador/trabalho. Destarte, esse mundo externo passa a ser

exclusivamente um meio de sobrevivência e não um meio de vida. O trabalho,

portanto, não existe para suprir uma carência própria, mas sim uma necessidade que

não é dele. “O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente

um meio para satisfazer necessidades fora dele”. (MARX, 2015, p. 83).

Chega-se assim ao resultado de que o homem (o trabalhador) já só se sente livremente ativo nas suas funções animais – comer, beber e procriar, quando muito ainda habitação, adorno etc. –, e já só como animal nas suas funções humanas. O animal torna-se o humano, e o humano, o animal. (MARX, 2015, p. 309).

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O trabalhador está imerso em uma inversão dos seus próprios sentimentos.

Quando ele deveria se sentir pleno em sua personalidade humana, por meio de seu

trabalho, atividade que o diferencia de qualquer outro ser, ele se sente como um

animal (cativo, forçado, obrigado). E deveria se sentir como um animal quando está

exercendo suas funções biológicas naturais de qualquer ser, no entanto, assim ele se

sente como homem. O trabalhador encontra-se atingido de forma intensa pelo

sistema, de modo que até suas necessidades mais íntimas são lesadas. Por este

motivo, acreditamos que a arte enquanto complexo originado no trabalho sofre

rebatimentos do sistema vigente, visto que até a própria atividade que a criou não fica

intacta. O fato de o trabalhador sentir uma inversão de seus sentimentos é um indicio

de que os sentidos humanos estão sendo, de alguma forma, atingidos pelo sistema e

sua crise profunda.

Deste modo, Meneses (2011, p. 84) relata que “sob os desígnios do capital,

o trabalho morto se apresenta como uma arma que atira contra o trabalhador, seja

diluindo especialização ou o que é pior, tornando-o supérfluo”. É justamente neste

ponto que Marx localiza o fenômeno do estranhamento. O crescente desenvolvimento

do capitalismo impede “o desenvolvimento pleno de uma personalidade

verdadeiramente humana” (MENESES, 2011, p. 84). Isso mediante as finalidades do

capital, que constrange o homem a servi-lo, pondo em risco sua sobrevivência:

(...) a subsunção de seu trabalho ao capital a absorção de seu trabalho pelo capital – que está no cerne da produção capitalista, surge aqui como um fator tecnológico. A pedra fundamental está posta: o trabalho morto no movimento dotado de inteligência e o vivo existindo apenas como um de seus órgãos conscientes. A conexão viva do corpo da oficina não se funda mais na cooperação, mas sim no sistema de máquinas que forma agora, a partir do movimento de um motor primário e do abarcamento da totalidade das oficinas, a unidade ampla à qual estas últimas, ao continuarem sendo compostas por trabalhadores, mantêm-se subordinadas. A unidade da maquinaria alcançada assim, evidentemente, forma independentemente e plena autonomia com relação aos trabalhadores, ao mesmo tempo em que se coloca em oposição a eles. (MARX apud MENESES, 2011, p. 85).

Marx avalia como decrescente a relevância do trabalho vivo (trabalhador)

para o processo da valorização do capital. São inúmeras as modificações sofridas

pelos trabalhadores com a divisão social do trabalho. O trabalho assim como já

mencionado, “ganha uma forma particular na sociedade capitalista porque está

diretamente conectado à dinamização do processo de trabalho, desenvolve as

diversas formas da forma equivalente do valor e potencializa a produção do valor”.

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(BARRADAS, 2014, p. 51). Tem-se o trabalho como uma atividade produzida pelo

homem (trabalhador) na criação dos objetos.

Marx esclarece, no entanto, que esse conceito é inadequado para analisar o trabalho sob forma de organização capitalista uma vez que ‘a produção capitalista não é apenas produção de mercadorias, mas essencialmente produção de mais-valia’ e, nesse sentido, trabalho produtivo será toda e qualquer atividade que produzir mais-valia e, efetivamente, contribuir para a expansão do capital, não importando inclusive, se a atividade pertence ou não à esfera da reprodução material. (MENESES, 2011, p. 85).

O pensador alemão compreende que trabalho produtivo não é unicamente

uma atividade que produz efeito útil, mas também, uma relação social que faz do

trabalhador um meio de produzir mais-valia. Marx assevera que trabalho produtivo

deriva da produção do trabalho coletivo, visto que o mesmo já não é produzido

individualmente e sim socialmente, uma combinação diferente das duas formas de

trabalho. Nesse momento ocorre a participação direta ou indireta dos trabalhadores

na realização do trabalho.

É a partir da distinção entre trabalho concreto, produtor de valores de uso, eterna necessidade do homem em qualquer forma de organização social e trabalho na sua forma histórica capitalista, o trabalho abstrato, que poderemos reconhecer a lógica que preside a reestruturação do mundo do trabalho pelo capital como resposta a sua crise estrutural cujo efeito mais perverso é o desemprego estrutural atingindo a classe trabalhadora no mundo interno. (MENESES, 2011 p. 87).

Por meio da distinção entre as duas formas de trabalho, reconhecemos a

lógica entre o trabalho na sociedade atual, capital e crise estrutural. O caráter universal

do trabalho concreto apresenta-se como uma das diferenças entre os dois tipos de

trabalho. Ainda de acordo com Meneses, evidenciamos um dos efeitos da crise

estrutural do capital sob a classe trabalhadora, o desemprego estrutural que vem

crescendo absurdamente nos últimos anos3.

Na sociedade atual vemos que o trabalho abstrato se destaca bem mais

que o trabalho concreto. Podemos perceber também que o primeiro reduz

3 A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 172 milhões de pessoas, o equivalente a uma taxa de

5%, foram atingidas pelo desemprego no final de 2018. Por Agência Estado. Publicado em: 13/02/2019. Acessado

em: 06/06/2019

https://www.google.com/amp/s/www.correiobrasiliense.com.br/app/noticia/economia/2019/02/13/internas_econ

omia,737186/amp.html

“Atualmente o mundo atingiu um nível muito alto de desemprego, fato que só havia acontecido em proporções

similares, após a crise de 29”. Por Mundo Educação. Acessado em: 06/06/2019

https://www.google.com/amp/s/m.mundoeducacao.bol.uol.com.br/amp/geografia/desemprego-um-problema-

mundial.htm

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drasticamente a presença de trabalhadores no processo de produção, no entanto, ele

“é ainda decisivo na criação de valor, uma vez que não se vislumbra concretamente,

a possibilidade de nenhuma mercadoria ser produzida sem a intervenção manual e/ou

intelectual do trabalhador”. (MENESES, 2011, p. 86).

Quanto à substituição do trabalhador compreendemos que:

A presente substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto não indica que estejamos vislumbrando uma nova forma de sociabilidade, um novo modo de produção, significa ao contrário, a radicalização do fenômeno do estranhamento, do exacerbamento da oposição entre capital e trabalho. (MENESES, 2011, p. 86).

O fenômeno do estranhamento se intensificou ao nível do processo de

produção reger tanto a esfera do consumo, como também o tempo que o ser social

tinha fora do trabalho. Desse modo, passa a controlar toda a esfera da vida. Meneses

(2011, p. 89) assinala que alienação gera “a coisificação do homem que, de sujeito se

converte em objeto do processo de produção da vida”. Destarte, percebemos a

proporção das transformações na vida humana ao longo de seu caminhar histórico.

Mediante o que aqui já foi exposto, observamos que o trabalho sofreu uma

brutal transformação logo após a revolução burguesa e, com isso, o trabalhador

também foi atingido de maneira muito direta. Percebemos, assim, que essas

modificações na categoria do trabalho geraram impactos negativos, principalmente

para a classe trabalhadora. Essa exposição foi necessária a fim de que pudéssemos

compreender como se desenvolve a relação capitalista sobre o trabalho, uma vez que

a dominação do capitalismo sobre os complexos sociais e a vida humana ocorre no

momento em que ele subordina a categoria do trabalho aos seus desígnios.

Destarte, uma vez já analisada a categoria trabalho na contemporaneidade,

faremos na sequência uma observação sobre a educação para adentrarmos no

debate que cerca a educação do sentido. Somente após conhecermos o vínculo que

envolve o complexo educativo poderemos realizar uma análise de sua relação com a

arte e os sentidos humanos. Todas as categorias estudadas estão relacionadas e

necessitam umas das outras para o procedimento da pesquisa

3.2 O COMPLEXO DA EDUCAÇÃO: ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Page 81: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FACULDADE DE FILOSOFIA …

80

A educação, juntamente com o trabalho, surge na história do homem quase

ao mesmo tempo, embora a educação tenha se tornado possível somente mediante

o trabalho. Por este motivo, a mesma terá permanentemente uma relação de

dependência ontológica quanto ao último. No entanto, o complexo educativo

desenvolveu-se extraordinariamente, de modo que se tornou relativamente autônomo

ao trabalho. Desta forma, ainda que a educação tenha nascido mediante o trabalho,

ela desenvolveu certa autonomia quanto ao complexo fundante, por isso a principal

característica entre essas duas categorias é por manterem uma relação de

dependência ontológica e autonomia relativa4.

A educação, enquanto complexo que nasce de uma necessidade do

trabalho, tem como função repassar os conhecimentos adquiridos às gerações

seguintes, Pereira (2015, p. 32), com base nos clássicos do marxismo, acentua sobre

a educação:

Fundada sobre uma materialidade objetiva pelo complexo do trabalho, a humanidade produz e reproduz sua existência histórica, e nesse sentido, a educação surge como complexo secundário, não menos importante, com a finalidade de garantir a transmissão do patrimônio cultural produzido pelo homem.

Enquanto complexo secundário, a educação tem a função de repassar os

conhecimentos adquiridos de modo que a humanidade não necessite começar do zero

a cada nova geração; pelo contrário, dava-se sequência, aprimorando o que já havia

sido descoberto, gerando um desenvolvimento cada vez maior. A educação foi uma

importante criação do trabalho, pois produziu para o homem uma mudança que

nenhuma outra espécie dispõe, porquanto, quando se aprimorava algo que já existia,

novas necessidades e inquietações surgiam, e nesta busca constante por satisfazê-

las, o ser social alcançou níveis extraordinários de desenvolvimento.

A educação, assim como os demais complexos, é unicamente parte de um

todo. Existe “compondo o quadro da totalidade”. O trabalho, no entanto, é “o complexo

base sobre a qual a práxis social se move, processual e historicamente” (PEREIRA,

2015, p. 33), por isso, afirmamos existir uma dependência dos primeiros em relação

4 “Os complexos sociais só alcançam autonomia num contexto já crescentemente sociabilizado pelo

desenvolvimento do trabalho. Mas, tal autonomia não pode se configurar de forma absoluta. Ela é sempre relativa,

justamente por conta da dependência ontológica que está na base da sua relação com o trabalho, enquanto categoria

fundante do ser social. A autonomia estabelecida nesses complexos deriva do fato de que eles, para realizarem

funções específicas, essencialmente distintas do intercâmbio entre o homem e a natureza, assumem características

particulares que os diferem do trabalho”. (LIMA, 2009, p. 103)

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81

ao segundo. Fundada no trabalho, a educação torna-se sujeita às determinações do

complexo fundante, apesar de dispor de uma autonomia relativa enquanto ao mesmo.

Vejamos alguns exemplos.

A educação, por sua vez, é chamada a garantir a transmissão dos conhecimentos, habilidades e valores necessários para que o ser humano se torne um sujeito apto a viver em sociedade e responder às necessidades surgidas na práxis social, para pensar em algo novo, projetando a superação das condições que atormentam a humanidade em sua trajetória histórica. (PEREIRA, 2015, p. 32).

O papel da educação é transmitir aos indivíduos a história da humanidade

e, desse modo, todas as habilidades e valores construídos pelo gênero humano em

sua trajetória. Essa é uma necessidade determinada para a própria existência em

sociedade. A educação é, assim, encarregada de conduzir e transmitir os

conhecimentos indispensáveis ao processo de humanização. Lima (2009, p. 105)

assinala ser a educação “um complexo essencial para a reprodução do gênero

humano consistindo na mediação entre individuação e a generalidade. O caráter

social a ela inerente também constitui uma característica especificamente humana

genérica e se traduz num aspecto que distingue o ser social da esfera precedente”.

O complexo da educação é encarregado de fazer a mediação entre o

indivíduo e o universal. Quando um dos membros de alguma tribo fazia uma

descoberta ela já não pertencia somente a si, mas a toda sociedade. Diante disso, o

conhecimento até então não estava limitado a um só indivíduo, ele era um bem de

toda a comunidade. Saviani (1995, p. 17) define a educação como “o ato de produzir

direta e intencionalmente em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida

histórica, e coletivamente, pelo conjunto dos homens”. A educação, deste modo,

permanece com um caráter atual, mantendo-se sempre ativa.

Outra característica peculiar do complexo educativo é por ser um processo

unicamente social, deste modo:

Entre os animais, a educação consiste num processo de complementação e atualização de tendências naturais, sempre em consonância com a caracterização da espécie e em conformidade com as determinações do meio. Não havendo a mínima possibilidade de ruptura com os padrões naturais de desenvolvimento e reprodução. Trata-se de um processo circunscrito ao âmbito natural, realizado sob os limites dados em cada espécie pelo script geneticamente determinado. (LIMA, 2009, p. 106).

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82

O comportamento dos animais é puramente instintivo, faz parte de suas

características agirem unicamente de forma instituída biologicamente. No entanto, o

ser humano, ao contrário de outras espécies, consiste em produzir sempre o novo;

por viver em sociedade sua espécie é impulsionada a superar desafios que são

gerados constantemente. Assim, a mudança faz parte da reprodução do ser social,

por isso ela é inevitável, uma vez que o homem está em contínua mudança não só no

meio natural, mas também dele próprio.

Deste modo, Lima (2009, p. 106) enfatiza ser a educação “um complexo

social e como tal não pode ser compreendida à luz das categorias biológicas, pois as

categorias pertinentes à sociabilidade humana só podem ser explicadas em termos

sociais, não podem ser reduzidas às categorias do ser orgânico ou inorgânico”.

Quando surgem as duas primeiras esferas do ser, a educação ainda não era possível,

somente quando a terceira esfera do ser surge é que a educação se torna possível,

pois ela pertence ao homem enquanto sujeito social. Portanto, a educação é um

processo unicamente social. Vejamos a seguir como a educação ocorria e os

processos percorridos durante a comunidade primitiva.

Ainda nos primórdios da comunidade primitiva, quando as famílias eram

formadas por poucos membros, todos os indivíduos eram livres e iguais, tudo que era

produzido pertencia a todos. Essa primeira forma de vida social perdurou por muitos

anos como nômades, alimentavam-se da coleta vegetal e da caça eventual, como até

então não existiam acumulação de bens, consumiam imediatamente os insuficientes

alimentos que conseguiam adquirir. (NETTO e BRAZ, 2008). As atividades realizadas

pelos membros da família eram comuns. Com o passar do tempo e a produção de

instrumentos, os seres humanos foram se aperfeiçoando.

Após muitos anos vivendo sob esses meios, a comunidade primitiva divide-

se gradativamente. Com a domesticação dos animais e o surgimento da agricultura

surgem elementos que causam essa ruptura. Esse processo foi essencial para

aperfeiçoar os instrumentos de trabalho. Com um número maior de instrumentos, a

sociedade começa, a partir de então, a produzir mais do que o necessário para o

consumo imediato do grupo. Surge assim, o excedente econômico, causando um

enorme desenvolvimento no processo de trabalho.

Coletivamente pequena, assentada sobre a propriedade comum da terra e unida por laços de sangue, os seus membros eram indivíduos livres, com direitos iguais, que ajustaram as suas vidas às resoluções de um conselho

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83

formado democraticamente por todos os adultos, homens e mulheres, da tribo. O que era produzido em comum era repartido com todos, e imediatamente consumido. O pequeno desenvolvimento dos instrumentos de trabalho impedia que se produzisse mais do que o necessário para a vida quotidiana e, portanto, a acumulação de bens. (PONCE, 1994, p. 17).

Logo no início da vida humana a educação se dava de modo bastante

espontânea, não existia uma pessoa ou instituições responsáveis por levarem os

conhecimentos aos novos membros do grupo. Essa educação ocorria dentro da

própria comunidade, através do trabalho realizado pelo grupo. Ponce (1994) assevera

que o ambiente onde as crianças estavam inseridas era o encarregado de ensiná-las.

Durante essa primeira educação, não existia a necessidade de ninguém a repassar:

“Na unidade aglutinadora da tribo dava-se a apropriação coletiva da terra, constituindo

a propriedade tribal na qual os homens produziam sua existência em comum e se

educavam nesse mesmo processo” (SAVIANI, 2007, p. 154).

As crianças aprendiam observando e logo mais executando as atividades

realizadas pelos adultos. Era por meio das funções coletivas que ocorria a educação,

como afirma Santos (2017b), a educação era responsabilidade de todos os membros

da comunidade. “A educação na comunidade primitiva era uma função espontânea da

sociedade em conjunto, da mesma forma que a linguagem e a moral” (PONCE, 1994,

p.19). Deste modo, o processo ocorria da seguinte forma:

As crianças acompanhavam os adultos em todos os trabalhos, ajudavam-nos na medida de suas forças e como recompensa recebiam a sua porção de alimentos como qualquer outro membro da comunidade. A sua educação não estava confiada a ninguém em especial, e sim a vigilância difusa do ambiente. Mercê de uma insensível e espontânea assimilação do seu meio ambiente, a criança ia pouco a pouco se amoldando aos padrões reverenciados pelo grupo (…) a criança adquiria a sua primeira educação sem que ninguém a dirigisse expressamente. (PONCE, 1994, p. 18).

A educação na comunidade primitiva deveria servir aos interesses do grupo

e, por isso, se realizava de modo igual para todos. Não existia distinção entre os

membros, até mesmo as crianças eram tratadas como iguais. Isto ocorre porque em

uma sociedade que só tinham interesses na sua própria sobrevivência não havia nada

que fosse mais importante que as necessidades da tribo.

Numa sociedade sem classes como a comunidade primitiva, os fins da educação derivam da estrutura homogênea do ambiente social, identificam-se com os interesses comuns dos grupos, e se realizam igualitariamente em todos os membros de modo espontâneo e integral. (PONCE, 1994, p. 21).

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84

A educação até este momento tinha esse conceito como característica

principal, uma vez que não havia nada que sobrepujasse as necessidades da tribo.

Ponce ressalta que:

Este conceito de educação, como função espontânea da sociedade, mediante a qual as novas gerações se assemelham às mais velhas, era adequada para a comunidade primitiva, mas deixou de sê-lo à medida que esta foi lentamente se transformando numa sociedade dividida em classes. (PONCE, 1994, p. 21-22).

A partir de então os acontecimentos causaram cada vez mais a divisão da

sociedade. E com essa divisão em classes, a educação começa a ser vista de outra

forma. A partir de então, ela deixa de estar implícita, uma vez que os interesses dos

membros do grupo já não são mais os mesmos. Destarte, o processo educativo passa

por modificações de modo a provocar uma divisão na educação, pois se até esse

momento era único, passa a ser dividido de acordo com as classes. E, aos olhos de

uns poucos, a educação passa a ser vista como forma de domínio, fonte de poder

(SANTOS 2017b).

Com o desaparecimento dos interesses comuns a todos os membros iguais de um grupo e a sua substituição por interesses distintos, pouco a pouco antagônicos, o processo educativo, que até então era único, sofreu uma partição: a desigualdade econômica entre os 'organizadores' cada vez mais exploradores e os 'executores' cada vez mais explorados trouxe, necessariamente, a desigualdade das educações respectivas. (PONCE,1994, p. 26).

As transformações sofridas pela educação com as mudanças na sociedade

foram inúmeras, mas podemos destacar como principal, a perda de seu caráter inicial:

“A educação sistemática, organizada e violenta, surge no momento em que a

educação perde o seu primitivo caráter homogêneo e integral” (PONCE, 1994, p. 28).

A educação a partir de então era encarregada de reforçar os privilégios dos nobres e

de não permitir que as classes dominadas chegassem a níveis superiores. Portanto,

quanto mais a educação conserva o status quo, mas ela é julgada adequada.

Antes a educação se realizava no próprio processo do trabalho e no caráter

reprodutor da sociedade. Com a divisão da sociedade, a educação vai trazer consigo

a necessidade dos códigos formais, os da escrita e o domínio dos números (MORAIS;

PAULA; COSTA, 2013). É nesse período que surge a escola, como um lugar exclusivo

para a classe dirigente, que dispunham do ócio. Eles continham tempo livre. Esse

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grupo não tinha a necessidade de trabalhar para viver, pois existia outro grupo que

trabalhava para manter os dois.

Muitos foram os fatores que possibilitaram o estabelecimento da

escravatura no seio da sociedade. Os dois grupos que a partir de então compunham

o mundo dos homens, inicialmente são denominados como senhores e escravos. É

neste primeiro momento que surge a exploração do homem pelo homem. Apesar da

divisão da sociedade em classes, a humanidade continuou aumentando sua

capacidade e se desenvolvendo em diversos aspectos.

O desenvolvimento das forças produtivas ocorreu por muitos fatores, entre

eles, a disponibilidade de recursos, a produção e inovações tecnológicas do trabalho,

os resultados dos conhecimentos dantes adquiridos, elaboração de novas formas de

organização e qualificação do trabalho. Como resultado, obteve-se maior

produtividade, aumento da riqueza. (MORAIS; PAULA; COSTA, 2013).

Com a ruptura do modo de produção antigo (escravista), a ordem feudal vai gerar um tipo de escola que em nada lembra a paidéia grega. Diferentemente da educação ateniense e espartana, assim como da romana, em que o estado desempenhava papel importante, na Idade Média as escolas trarão fortemente a marca da igreja católica. (SAVIANI, 2007, p. 157).

Já no período feudal, momento histórico que a igreja possuía todo o

domínio tanto da classe dominante como da classe dominada, as primeiras escolas

foram nos mosteiros. Elas eram classificadas em duas categorias: “uma destinada à

instrução dos futuros monges, chamadas ‘escolas para oblatas’ em que se ministrava

a instrução religiosa necessária para a época. (...) E outra, destinada à instrução da

plebe, que eram as verdadeiras escolas monásticas” (PONCE, 1994, p. 91).

Importante destacar que mesmo a classe trabalhadora podendo frequentar uma

escola, as escolas monásticas não faziam o essencial, que era ensinar a ler e

escrever.

A finalidade dessas escolas não era instruir a plebe, mas familiarizar as massas campesinas com as doutrinas cristãs e, ao mesmo tempo, mantê-las dóceis e conformadas. Herdeiras das escolas catequistas dos primeiros tempos do cristianismo, estas escolas não se incomodavam com a instrução, mas sim com a pregação. (PONCE, 1994, p. 91).

Neste período a igreja pregava a igualdade entre os homens perante Deus.

Essas escolas que não instruíam, apenas doutrinavam, serviam unicamente para

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86

empregar na mente do trabalhador, ser a vontade de Deus a situação na qual se

encontravam; mantendo assim o status quo da sociedade. As escolas para oblatas

eram somente para os que desejavam entrar para o convento, não existia escola para

os nobres. Apenas quando o império se constituía, foram criadas outras escolas,

chamadas “externas”. Essas “destinavam aos clérigos seculares e alguns nobres que

queriam estudar, mas não pretendiam tomar habito (...). Gramática, retórica e dialética

eram as colunas mestras no ensino dessas escolas” (PONCE, 1994, p. 92). Com uma

disciplina bastante rigorosa eram, na maioria das vezes, abandonadas por seus

alunos, principalmente por não disponibilizar a educação cavalheiresca e também

porque “os senhores feudais desprezavam a instrução e a cultura” (PONCE, 1994, p.

93).

Com o florescimento do comércio, uma nova classe começa a surgir. Ainda

na idade média, os burgueses que nesse primeiro momento não tinham nada de

revolucionários, tinham um estilo de vida pacifico e urbano. “As cidades se

transformavam em centros de comércio, (...) o que até ontem era apenas uma

fortaleza, começava agora a ser um mercado” (PONCE, 1994, p. 97). Com essa

importante mudança na sociedade, surgiu a necessidade de outra forma de instrução;

o ensino passa para o clérigo secular. As escolas não seriam nos monastérios, mas

sim, escolas das catedrais. Essas escolas semelhavam-se, na organização, com as

escolas monásticas, sua principal preocupação pedagógica era a teologia, em que o

ideal de um sábio, seria amar a Deus e venerá-lo.

Sob a influência da nova burguesia, que exigia a sua parte na instrução, a escola catedralícias foi, no século XI, o germe da universidade. No domínio intelectual, a fundação das universidades equivaleu à outorga de uma nova carta de franquia à burguesia (…). Ressurgiram agora essas associações com mais vigor, não só assegurando à burguesia os seus triunfos econômicos, como também abrindo caminho para a sua primeira vitória intelectual. (PONCE, 1994, p. 99).

Assim como nas escolas anteriores, a instrução era o que menos importava

nas escolas das catedrais. No entanto, a burguesia necessitava de um ensino mais

adequado para os seus. Deste modo, cria nas universidades uma atmosfera

intelectual e por intermédio das mesmas começam a ter vantagens que somente a

nobreza e o clero tinham. O ensino começa a mudar “ao invés do latim, ensinava-se

o idioma nacional, ao invés do predomínio total do trivim e do quadrivim, noções de

geografia, história e de ciências naturais” (PONCE, 1994, p. 104).

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Embora as escolas fossem municipais, os professores eram pagos pelos

próprios alunos, deste modo, apenas os pequenos burgueses frequentavam-nas:

O homem feudal sucumbia. Os burgueses compraram as suas terras; a pólvora derrubou os seus castelos. Os navios apontavam agora as rotas de um continente remoto, mas inacessível do que as princesas de Trípoli que só podiam ser conquistada mediante a indústria e o comercio. (PONCE, 1994, p. 112).

A partir desse momento, o modo de produção feudal é vencido pela

burguesia, que traz junto de si um novo modo de produção, responsável por profundas

mudanças na educação como veremos a seguir. A necessidade de se fazer esse

percurso histórico se deve ao fato de nos permitir uma compreensão mais detalhada

do complexo educativo em benefício de clarear a relação sobre a educação dos

sentidos.

A partir de agora, conectaremos a educação à crise para chegar à formação

dos sentidos. Para tanto, faremos uma breve análise da educação imersa na crise

estrutural do capital, demostrando como um complexo autônomo como a educação

pode ser atingida pela crise.

O capítulo anterior trouxe algumas das consequências causadas pela crise

estrutural do capital e mediante esta análise podemos constatar que as reações da

atual crise do sistema são desastrosas e trazem para todas as esferas sociais da vida

humana inúmeros malefícios; entre os complexos atingidos negativamente pela crise

encontra-se a educação. Destarte, após termos estudados as duas categorias (crise

estrutural e educação) só agora poderemos articulá-las, pois já debatemos a base de

sustentação de ambas, o trabalho.

Com a revolução burguesa e a instituição do modo de produção capitalista,

a educação sofre modificações significativas. Mesmo diante de um novo quadro social

a educação continua trazendo uma enorme distinção entre os que detinham o poder

e as classes trabalhadoras5. A dualidade educacional que já existia sofre uma

agudização na sociedade capitalista: “Com a substituição do regime feudal pelo

burguês, piorou a situação das massas, mas os novos amos não se importavam

5 “A divisão processada na educação após a Revolução Burguesa é qualitativamente diferente da dualidade

estrutural ocorrida após a dissolução do comunismo primitivo. Enquanto esta divide a educação em sentido amplo,

para os trabalhadores, e em sentido estrito, para os proprietários, aquela cindi o ramo estrito em propedêutico para

os proprietários e seus prepostos, por uma parte e por outra em profissionalizante para os trabalhadores e seus

filhos”. (SANTOS, Deribaldo. Educação Estética: Algumas considerações críticas sobre arte-educação. GESTO-

DEBATE, ISSN 2595-3109, volume 15, número 01, novembro de 2018, p. 12)

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absolutamente com isso. Formar indivíduos aptos para a competição do mercado,

esse foi o ideal da burguesia triunfadora”. (PONCE, 1994, p. 135).

A burguesia, a princípio, estava mais interessada na capacidade dos

indivíduos de competirem no mercado. Com o passar do tempo, a indústria crescia e

juntamente com ela a necessidade de instruir a classe trabalhadora para que eles

pudessem manusear as máquinas corretamente. A partir desse momento surge uma

grande inquietação para a classe dominante, pois o conhecimento poderia levar a

classe trabalhadora a níveis iguais ou, até mesmo, superiores aos dos detentores do

poder aquisitivo na nova sociabilidade. Deste modo, optaram por dosar o ensino

transmitido aos filhos dos trabalhadores.

De um lado, a necessidade de instruir as massas, para elevá-las até o nível das técnicas da nova produção e, do outro, o temor de que essa mesma instrução as torne cada dia menos assustadiças e menos humildes. A burguesia solucionou esse conflito entre os seus temores e os seus interesses dosando com parcimônia o ensino primário e impregnando-o de um cerrado espírito de classe, como para não comprometer, com o pretexto das ‘luzes’, a exploração do operário, que constitui a própria base da sua existência. (PONCE, 1994, p. 150).

A preocupação da burguesia com as instruções das massas estava

diretamente ligada ao medo em perder seu lugar de destaque da sociedade. Jimenez

(2000, p. 07) descreve essa situação como “um espinhoso desafio: como oferecer

educação formal, escolar aos trabalhadores (requerida pelas características da

produção) e, ao mesmo tempo, manter sobre estes, a dominação”. Com o surgimento

da indústria moderna, sobreveio um desafio ainda maior, a extensão da educação que

deveria ser permitida aos trabalhadores.

Nesse sentido, as classes dominantes, através da história, têm lançado mão dos maiores malabarismos para tentar instruir os trabalhadores sem educá-los para governar; sem capacitá-los para assumir a função de dirigentes, sem habilitá-los para pensar e falar bem. Essas classes têm equacionado o problema, fundamentalmente, universalizando em termos, a escola, porém, diferenciando-a essencialmente, em duas: a escola da elite destinada à formação intelectual – a teórica e a escola do povo (para tarefas manuais – a prática). (JIMENEZ, 2000, p. 07).

Este novo meio de instruir os trabalhadores, apesar de em certo modo

propor uma melhoria no que se refere ao ensino das massas, permanece como uma

forma cruel de manter o status quo, uma vez que continuam negando um

desenvolvimento integral do homem trabalhador. A partir de então seria necessário

instruir as classes dominadas, no entanto, “até que ponto deveria permitir aos

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89

trabalhadores adentrar no campo da educação intelectual, para além das fronteiras

do simples manuseio técnico, requerido por ofícios específicos” (JIMENEZ, 2000, p.

07).

A escola na sociedade capitalista se estabelece como o local ideal para

repassar conhecimentos sistematizados, no entanto, mais que isto, a escola na atual

sociabilidade é tida como lócus para pôr em prática os ideais da burguesia. Porquanto,

assim como a transmissão dos conteúdos, também são oferecidos conhecimentos

ínfimos, pragmáticos e fragmentados. Deste modo, a classe dominante dosa o ensino

do filho do trabalhador, permitindo no limite um nível técnico, uma educação

profissionalizante, para que continuem tendo mão de obra e, acima de tudo, o controle

das massas trabalhadoras.

A burguesia encontra no processo escolar o lócus ideal para pôr em prática seu projeto de adestramento do trabalhador aos particularismos burgueses, destinando-lhes uma educação de caráter eminentemente profissionalizante. Dessa forma estaria fechada idealmente a equação cujo comando ficaria a cabo da burguesia, cabendo aos trabalhadores retirar da escola os ensinamentos necessários para fazer girar essa engenhosa descoberta moderna capaz de retroalimentar com mãos, espíritos e mentes o mercado reprodutor do capital. (SANTOS, 2017b, p. 55).

A sociedade burguesa necessita estar continuamente no controle de tudo.

Correr o risco de perder seus domínios é uma das grandes preocupações da classe

dirigente. Para tanto, tornou-se imprescindível um acompanhamento minucioso do

ensino ofertado aos trabalhadores. Porquanto, “tais políticas procuram reformular o

modelo educacional para atender a uma cena histórica que transforma radicalmente

o processo pedagógico em mercadorias” (SANTOS, 2017b, p. 12). O capitalismo

busca de todas as maneiras e em todos os setores o controle da sociedade; com a

educação, ele molda o ensino de acordo com o que melhor lhe parece.

Elementos do processo de aprendizagem-ensino, que possam dar garantias ao próprio Estado, aos empresários e às agências internacionais de orientação e monitoramento, que essa educação terá a eficiência almejada pelo mercado de trabalho capitalista. (SANTOS, 2017b, p. 12).

O ensino transmitido às classes trabalhadoras, uma vez que o capital

transforma o processo pedagógico em mercadoria, deve dar garantias às classes

dirigentes que cumprirão eficazmente com as exigências do mercado. Para tanto,

controlam o ensino oferecido para a classe menos privilegiada em contraste aos

conhecimentos ofertados aos filhos da classe detentora dos bens materiais. “A maioria

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90

dos homens fica à mercê do conhecimento mínimo e limitado, de modo a atender as

necessidades utilitárias e imediatas do próprio mercado capitalista”. (ARAÚJO, 2010,

p. 42).

O presente capítulo que aqui se encerra trouxe algumas das principais

considerações sobre as categorias Trabalho e Educação. Apresentamos o trabalho

como uma importante categoria, os passos que o homem percorreu até chegar ao

nível de sociedade. Mostramos ainda as consequências surreais provocadas pelo

capitalismo sob o trabalho e o trabalhador. Analisamos também o complexo educativo,

todo o processo percorrido, o surgimento da escola e como era a educação durante

os períodos históricos, dando ênfase ao período capitalista, como exige a pesquisa.

No capítulo a seguir, faremos uma análise da arte, outra importante categoria que, em

alguns aspectos, é muito semelhante à educação.

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91

4 ARTE, CAPITALISMO E EDUCAÇÃO ESTÉTICA DOS SENTIDOS HUMANOS:

ELEMENTOS SOBRE ALIENAÇÃO E OMNILATERALIDADE

Nesse momento faremos uma análise mais aprofundada sobre o objeto da

pesquisa, visto que até o presente momento pouco se falou especificamente acerca

da arte. No entanto, cabe ressaltar que as categorias apresentadas anteriormente são

imprescindíveis para a compreensão do complexo artístico. Não teríamos

possibilidades de falar sobre a origem da arte sem antes falarmos do trabalho,

explicando o processo como ocorre a origem dos complexos sociais e suas

implicações para a sociedade.

O complexo da arte teve grande influência na humanização do ser social.

A partir do momento em que surge o sujeito humano e o trabalho se evidencia como

atividade criadora da vida, o indivíduo buscou a cada descoberta progredir e

desenvolver-se ainda mais. Como vimos anteriormente, o trabalho trouxe toda essa

evolução e possibilitou o surgimento de todos esses complexos como resposta a esse

desenvolvimento.

Do mesmo modo também não seríamos capazes de um diálogo mais

profundo sobre o estado atual da arte sem antes compreendermos o capitalismo e a

crise estrutural do capital. Essa averiguação tornou-se necessária mediante o objetivo

principal que visa uma análise da arte no capitalismo. Para tanto, a pesquisa exige

que, primeiramente compreendamos o conceito e as características dos processos

que envolvem essas três categorias - trabalho, capitalismo e crise estrutural do

capital-, para então compreendermos como a arte opera e seus desdobramentos no

seio de uma sociedade em crise crônica.

Uma vez analisada a categoria da crise estrutural do capital e logo após o

complexo do trabalho e o educativo, poderemos agora averiguar a arte e a

educação/formação dos sentidos, a fim de compreendermos como se inserem tais

categorias na sociabilidade e articular as duas últimas categorias com as duas

primeiras. Dito, a arte em si, é de suma importância para a vida humana. Assim, como

veremos a seguir, é o complexo artístico o responsável pela riqueza espiritual do

gênero humano, mas a arte articula - se à educação na tarefa de desenvolver os

sentidos humanos. No entanto, como ressalta Mészáros (2006): na sociedade

capitalista, sobretudo em sua crise estrutural, tanto o complexo artístico, como o

educativo, são, na maioria das vezes, atingidos negativamente causando impasses

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92

para sua plena realização. Esse processo gera o que aqui chamamos de

desumanização dos sentidos.

Este capítulo trata do complexo da arte, analisando como ela age no ser

humano e os rebatimentos que a crise estrutural do capital causa no complexo

artístico. A importância deste capítulo assenta-se no fato de ser neste momento que

conseguiremos comprovar, ou não, se a educação dos sentidos no capitalismo aliena

o homem impedindo-o de desenvolver potencialmente suas habilidades e

distanciando o trabalhador de contemplar as riquezas possibilitadas pela arte,

construídas ao longo da história humana. Adiante verificaremos o processo pelo qual

ocorre a humanização plena dos sentidos consentidos pela arte.

Nosso capítulo trabalha muito com Santos (2018) como base teórica para

fundamentação da análise, isso porque, como atesta Celso Frederico (2005, p. 91),

“O único livro inteiramente dedicado à Estética de Lukács que conheço foi feito por

KIRÂLYFALVI, Béla. The aestheticis of György Lukács. New Jersey: Princeton

University Press, 1975.

O esforço de Santos (2018) é o segundo livro exclusivamente dedicado à

estética do autor magiar. Ademais, como não há uma tradução para o português da

Grande Estética de Lukács, a publicação do autor brasileiro nos foi bem utilizada.

Vedda registra no prólogo da obra de Santos (2018), que o livro vem cobrir uma

ausência fundamental, permitindo assim, uma compreensão mais profunda da

estética. Lukács reconhece a dificuldade em conceituar a arte, pois são conceitos de

difíceis apropriações; estes obstáculos que impedem a definição da arte estão no fato

de ela se apresentar no cotidiano, muito misturada aos demais complexos sociais,

portanto, o pensador magiar usa os conceitos de antropomorfização,

desantropomorfização, imanência e transcendência, para, através de aproximações e

distanciamentos em relação à ciência e à religião, conceituar incialmente o complexo

artístico, como ressaltaremos adiante.

4.1 O COMPLEXO DA ARTE: ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS

O complexo da arte tem um papel importante na dialética do movimento

social, no entanto, teóricos como o próprio Lukács relatam a dificuldade que é defini-

la com precisão, afirmando ser possível, embora demasiadamente complicado,

principalmente pela sua complexidade teórica e por sua relevância para a vida

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humana. Para tanto, torna-se “necessário apreendê-la a partir da aproximação e do

distanciamento entre outros complexos sociais como, por exemplo, ciência e religião”

(SANTOS, 2017a, p. 16). Destarte, não é uma tarefa simples conceituar a principal

categoria da pesquisa.

Optamos por iniciar nosso debate pelo próprio cotidiano, uma vez que esse

é o solo de rebatimentos das práxis. Lukács (1966, p.11) acredita que o

“comportamento cotidiano do homem é o começo e ao mesmo tempo o fim de toda

atividade humana”. Destarte, o cotidiano tem um papel de amplo significado para a

arte, isso por que ele tem participação direta no operar do complexo artístico. Quando

Lukács define o cotidiano, ele deixa bem claro a justificativa da intima relação entre a

arte e o cotidiano, o primeiro define o segundo como:

Se fosse representado a cotidianidade como um grande rio, pode ser dito que dele se desprendem, em formas superiores de recepção e reprodução da realidade, a ciência e a arte, e estas se diferenciam e se constituem de acordo com suas finalidades específicas, e alcançam sua forma pura nessa especificidade – que nasce das necessidades da vida social – para então, em consequência de seus efeitos, de sua influência na vida dos homens, desembocar novamente na correnteza da vida cotidiana. Esta, por sua vez, se enriquece constantemente com os resultados superiores do espírito humano, o assimila a suas necessidades cotidianas práticas e, assim, dando lugar, em seguida, como questões e como exigências, a novas ramificações de formas superiores de objetivação. (LUKÁCS, 1966, p. 11-12).

Sobre a categoria da imanência, observemos a seguir:

A estrutura categorial objetiva da obra de arte faz que todo movimento da consciência até o transcendente, tão natural e frequente na história do gênero humano, transforme-se de novo em imanência ao obrigar-lhe a aparecer como o que é, como elemento da vida humana, de vida imanente, como sintoma de seu ser-assim de cada momento. (LUKÁCS, 1966, p. 28).

Lukács em sua obra desenvolve conceitos que torna possível alcançar uma

melhor compreensão dos complexos, Arte, Ciência, Religião, entre outros complexos

em relação ao cotidiano. As relações entre essas categorias são indispensáveis para

conceituar a arte.

Se quisermos estudar o reflexo da vida cotidiana, na ciência e na arte, nos interessando por suas diferenças, teremos que recordar sempre claramente que as três formas [cotidiano, ciência, arte] refletem a mesma realidade. (LUKÁCS, 1966, p. 35).

O próprio esteta húngaro justifica o uso das três categorias, uma vez que

esses complexos se apresentam misturados em uma mesma realidade, somente é

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possível compreendê-los relacionando-os uns aos outros. Para compreender o

complexo artístico, as categorias mais importantes são: desantropomorfização,

antropomorfização, imanência e transcendência. O cotidiano é a base, o trabalho o

fundamento e as referências da definição são a ciência e a religião.

Essas três esferas (Ciência, Religião e Arte) nascem da mesma forma, no

ato do trabalho, com o intuito de satisfazer necessidades humanas e tem como base

o cotidiano, embora existam contradições “e cada uma tem uma história determinada

e uma evolução diferenciada”. O autor continua, “elas não podem ser consideradas

inatas; surgem e se desenvolvem paulatinamente, contraditoriamente, com saltos e

retrocessos até adquirirem a independência, mesmo que relativa, em relação ao

trabalho e entre si” (SANTOS, 2018, p. 79). Essas características têm suma

importância para compreensão do complexo artístico. Embora as três categorias

tenham bastante em comum, elas não são a mesma. Portanto, devem ser analisadas

respeitando suas particularidades.

A vida humana, seu pensamento, seu sentimento, sua prática e sua reflexão, são inimagináveis sem objetivação. Porém, prescindindo inclusive de que todas as objetivações autênticas têm um papel de importância na vida cotidiana, ademais ocorre que já as formas básicas da vida humana específica, o trabalho e a linguagem, têm essencialmente em muitos aspectos o caráter de objetivações. (LUKÁCS, 1966, p. 39).

As objetivações são imprescindíveis para a existência da vida humana.

Nesse ponto, consideramos a relevância de uma arte autêntica, ou seja, obras que

sejam capazes de provocar o movimento catártico. Para tanto é necessário que o ser

humano tenha recebido uma educação estética e seus órgãos do consumo estético

estejam aptos para usufruírem de tal arte, como veremos mais detalhadamente

adiante.

O surgimento da arte se deve principalmente ao surgimento do ócio. Este,

por sua vez, só foi possível mediante a divisão social do trabalho. Quando os magos

do primitivo conseguiram através do ócio a função de pensar estando separados da

produção da materialidade cotidiana, foi esse determinado momento histórico que

autorizou pensar o mundo idealmente, ou seja, um pensamento que se aparta da ação

imediata sobre a natureza.

Desta forma: “a divisão social do trabalho, portanto, com o incipiente

desenvolvimento da ciência e de um determinado nível de ócio, autoriza o ser social

a elaborar uma reflexão sobre seu entorno e sobre si próprio”. (SANTOS, 2017a, p.

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22). Para que a arte pudesse surgir era necessário que o complexo científico já

existisse. Assim, a técnica produzida pelo homem eleva-o acima do seu estado

anterior.

A técnica aparece como elemento de importância destacada para tal desenvolvimento; o ócio, por si só, jamais seria o responsável pelo desligamento da arte do trabalho. Em comparação com o trabalho, o reflexo artístico surge relativamente tarde, posteriormente inclusive ao reflexo científico da realidade. Para que aquele reflexo pudesse ser constituído, era preciso que um determinado desenvolvimento da técnica propiciasse materialmente mais ócio para a criação da ‘superfluidade’, o que apenas tornar-se-ia possível com o dialético aumento das forças produtivas advindas do trabalho. (SANTOS, 2017a, p. 22-23).

A técnica foi bastante relevante para o surgimento da arte como um meio

propulsor de se ter mais ócio, até ser possível desligar a arte do trabalho. Temos

também a confirmação do que antes já havíamos ressaltado, a arte surge bem depois

do trabalho, e mesmo da própria ciência. Importante destacar o caráter dialético desse

processo, visto que esse desenvolvimento só é possível com o aumento das forças

produtivas advindas também da ação do trabalho.

A arte surge muito depois da maioria dos complexos como já ressaltamos,

por esta questão ela vai assim ser considerada como um complexo tardio que nasce

a partir de uma necessidade humana, gerada no próprio ato do trabalho; como vimos

anteriormente. É por meio do trabalho que acontece o processo de humanização e

aperfeiçoamento dos sentidos. Como podemos constatar, foi por meio do trabalho que

o homem conseguiu elaborar respostas às suas necessidades, enquanto um ser que

vive em sociedade. De acordo com Marx e Engels (2007), os homens adquirem novos

conhecimentos e habilidades quando produzem meios para satisfazer suas

necessidades. É dessa forma que surge a arte.

Vejamos como ocorre esse processo:

Aqui podemos afirmar, alicerçados em Lukács, que o reflexo da arte, assim como o reflexo da ciência, desdobrou-se do reflexo fundante do trabalho, contudo, inicialmente efetivou-se no cotidiano de uma totalidade primitiva indiferenciada, num entrelaçamento prático, que se processava entre os reflexos (cotidiano, mágico, científico e artístico), e, apenas por meio do desenvolvimento humano, de maneira paulatina e contraditória, constituiu-se posteriormente enquanto reflexo superior particular. (COSTA; PAULA; MORAES,

2014, p. 159-60).

Os pesquisadores supracitados relatam baseados nas obras de Lukács o

que havíamos mencionado, tanto a arte como os demais complexos surgem no

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trabalho. No entanto, os autores asseveram ainda que a arte brota no cotidiano e com

o desenvolvimento humano chegou ao nível de “reflexo superior particular”. Eles

continuam na mesma linha de raciocínio ao considerar a arte como “um fenômeno

histórico-social” e que “a essência da arte não pode ser caracterizada como uma

categoria imutável preexistente, mas sim, como resultado de determinações sociais

empreendidas num longo processo de desenvolvimento histórico”. (COSTA; PAULA;

MORAES, 2014, p. 165).

Dessa forma, a arte surge e se desenvolve mediante as decisões tomadas

no seio da sociedade. Ela é sujeita às determinações históricas. Deste modo,

podemos conhecer um pouco mais sobre a arte e de como ela opera. A produção do

mesmo modo como a recepção da estética nasce a partir das necessidades humanas,

as quais surgem no cotidiano e, por isso, efetivam-se nele próprio, ou seja, o reflexo

estético tem origem nas pessoas e suas finalidades são orientadas para elas mesmas.

Como sintetiza Santos (2018), ela parte do indivíduo e é para ele que retorna: trafega

de um sujeito para outro sujeito, portanto, é antropomórfico.

A arte enquanto manifestação da realidade humana tem o papel de refletir

sobre os atos que compõem o momento histórico, “toda conformação estética inclui

em si e se insere no que Lukács chama de hic et nunc (o aqui e agora) histórico da

sua gênese, constituinte do momento essencial da objetividade decisiva”. (SANTOS,

2018, p. 46). O reflexo artístico, assim como o científico, traz consigo reflexões de

determinado espaço e tempo de suas realizações:

nunca houve uma obra de arte importante que não tenha dado vida com a forma de hic et nunc histórico do momento reinventado. Em todos os casos das autênticas criações artísticas, as circunstâncias históricas são captadas e refletidas em forma de arte. (SANTOS, 2017a, p. 46).

Este é um dos elementos de maior importância do complexo da arte, que a

revela também como criação humana.

Portanto, arte e ciência não podem surgir de nenhuma forma transcendental, são imanentes, uma vez que dependem da ação humana para existirem; todavia, enquanto este reflete os objetos como são em si, desantropomorfizadamente, aquela os reflete de modo antropomórfico, pois como é uma forma especial da relação objeto-sujeito, trafega do sujeito que vive com os pés no chão para o sujeito que vive, também, nesse mesmo mundo. (SANTOS, 2018, p. 49).

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Compreendemos assim os aspectos que relacionam o complexo científico

com o artístico e também o que os diferenciam. A categoria da religião ao contrário da

ciência e em aproximação com a arte é antropomórfica, pois tanto a primeira, como a

última, dependem do sujeito para existirem. No entanto, enquanto a arte se orienta

para o imanente humano em aproximação com a ciência, a religião se orienta ao

transcendente. Desta forma, a religião se apresenta completamente afastada da

ciência. Mediante a análise das categorias religião e ciência, concebe-se uma

definição do complexo artístico e seus aspectos principais que são imanência

(depende da ação humana para existir) e antropomorfização (trafega de um sujeito

para o outro sujeito que vive nesse mesmo mundo).

A arte foi desenvolvendo-se em passos lentos e contraditórios na busca por

sua independência na forma de elaborar a realidade humana.

Arte é resultado da evolução histórica da humanidade, não existindo, destarte, a partir de uma capacidade apriorística e originária dos homens e mulheres. Esse resultado, que consegue registrar a autoconsciência da humanidade, garante a arte a mais autêntica prova da imanência humana. (SANTOS, 2017a, p. 30).

O complexo artístico surge a partir do desenvolvimento humano. Ele

depende do ser social para existir, e por isso ela é uma prova da imanência humana,

tanto em sua realização como na criação dos sentidos. Em diálogo com Marx, Santos

(2018) ressalta que os cinco sentidos humanos evoluíram enquanto resultado da

história do desenvolvimento dos seres humanos.

Portanto, a gênese histórica da arte tomada como referencial o seu produtor, bem como o referencial da recepção artística, precisa ser tratado no marco da história dos cinco sentidos humanos, que é, por sua vez, o marco da história universal. E o desenvolvimento desses sentidos, inclusive seu refinamento e sua diferenciação, como escreve Lukács, depende completamente do trabalho. (SANTOS, 2018, p. 95).

A arte enquanto resultado da história humana revela o aspecto de

dependência ontológica com o trabalho e a relação com o desenvolvimento dos cincos

sentidos. Somente a partir do desenvolvimento do trabalho e o surgimento da ciência,

como forma de generalizar as experiências do trabalho é que seria possível pensar

em arte. Porquanto, “a tendência utilizada talvez não permitisse nem sequer a

recepção inconsciente de motivos artísticos a não ser em um nível relativamente alto

de desenvolvimento social”. (LUKÁCS, 1966, p. 219). Dessa forma, era necessário

um determinado desenvolvimento humano para que a arte pudesse existir.

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A partir do desenvolvimento do trabalho, o ser humano conseguiu um

aprimoramento dos sentidos e alcançou o nível do aparecimento do simbolismo, seu

crescimento em comparação com a linguagem foi relativamente lento. Santos (2017a,

p. 32) acentua que mesmo o “campo do reflexo visual é objetivamente adquirido pela

divisão social do trabalho”. No campo estético também houve algumas modificações

no que se refere aos sentidos e à ampliação do reflexo artístico com a divisão social

do trabalho e o surgimento do ócio. A dependente relação entre arte e trabalho nos

mostra que a primeira é inteiramente necessitada do desenvolvimento completo da

sociedade.

A forma idealista como em geral a arte é analisada, que nos dias atuais ganha grande reforço das teorias pós-modernas, causa sérias distorções nas análises sobre o complexo artístico. Não se pode considerar a arte, conforme debatido acima, como algo apriorístico ao ser social, isto é, inato ao homem, independente de seu desenvolvimento genético e histórico. (SANTOS, 2017a, p. 32).

O complexo artístico enquanto criação humana, resposta ao

desenvolvimento humano, é diretamente atingido pelas modificações que ocorrem na

sociedade. Ela não é inata, mas depende do momento histórico-social para operar.

Foi a partir da categoria do trabalho que o ser social descobriu o ritmo que existia em

seu corpo e então pode exercitar seus sentidos. Por meio do descobrimento do ritmo,

o processo de trabalho potencializava sua produção, este, por sua vez, provocou um

aligeiramento que facilitou o trabalho.

O homem, ao ritmar, por exemplo, seus movimentos para quebrar pedras, ou como forma de facilitar qualquer outra atividade que necessitasse da ordenação dos movimentos físicos, descobre que o próprio corpo pode ser utilizado de modo que a produção de trabalho desempenhado aumente consideravelmente. (SANTOS, 2017a, p. 34).

Dessa forma, quanto mais o ser social aprimora esse ritmo, mas ele

melhora seu processo de produção. Tais conjuntos de fatores criam no homem

trabalhador, a autoconsciência, uma vez que o corpo está aliviado das tarefas do

trabalho.

Em resumo, com a descoberta do ritmo o homem a utiliza de forma eminentemente utilitária para produzir mais e melhor, porém essa utilitariedade também lhe proporciona satisfação física, pessoal. Este tipo de satisfação, ainda puramente útil, trafega para outra forma, mais elevada, mais requintada, fora da produção. Do ritmo do trabalho se desprende o puramente útil, que passa pela utilidade do agradável e desemboca na satisfação do espirito, puramente estética. Uma observação importante é perceber que

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jamais a satisfação estética poder-se-á conseguir sem uma relação, mesmo que de dependência/independência ontológica e autonomia relativa, com a materialidade da vida cotidiana demandada pelo trabalho. (SANTOS, 2017a, p. 35).

Compreendemos assim, que o ritmo por meio do desenvolvimento do

trabalho potencializou o surgimento da arte, do ritmo no trabalho se desprende a

satisfação estética. E esta última só foi possível através da dependência ontológica e

autonomia relativa com a vida humana, representada no cotidiano pelo trabalho.

Sendo assim, o complexo artístico “é em todas as suas fases, um fenômeno social,

tendo como objeto e fundamento da existência social da humanidade”. (SANTOS,

2017a, p. 35). Deste modo, qualquer relação que envolva por completo a sociedade,

assim como a crise estrutural do sistema do capital, tende de alguma maneira a atingir

também o complexo artístico.

No que se refere ao complexo artístico, tanto o seu nascimento, seu

processo de desligamento do trabalho e sua autonomia, embora que relativa,

dependem do desenvolvimento social, ou seja, do próprio desenvolvimento do

trabalho. O que determina a necessidade do trabalho é o ponto que marca o

nascimento do reflexo estético, no entanto, a satisfação não se desliga do cotidiano.

Por ser um reflexo que se depreende do trabalho, a arte, repetimos, não é inata, senão

criação humana e dependente, embora que relativamente, do trabalho e de suas

relações sócias.

A arte, essencialmente, é o complexo social cuja função é elevar o patamar de sensibilidade dos humanos ao máximo alcançando em cada momento. Isto é, imprescindível para a reprodução social: sem o constante desenvolvimento de nossa capacidade de sentir o mundo, mais cedo ou mais tarde nossa própria capacidade de conhecer o mundo e ficaria impossibilitada de novos desenvolvimentos – vice-versa. (MARX apud LESSA, 2015, p. 471-472).

A função da arte é limpidamente descrita por Lessa ao mesmo tempo em

que revela sua importância para a reprodução social. A função da arte em elevar o

homem e sua sensibilidade permite o desenvolvimento das capacidades do ser social

na sua relação com o mundo e proporciona o próprio desenvolvimento social. Quando

a arte ergue o homem a um nível privilegiado, dentro do próprio cotidiano por meio do

processo catártico, o homem alcança um elevado patamar da humanidade. (SANTOS,

2018). Esse processo artístico de elevação humana a um estado de reflexão é uma

demonstração da relação do homem inteiro com o homem inteiramente.

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Os dois momentos do homem inteiro e inteiramente ocorrem na vida do

homem que no seu cotidiano encontra na obra de arte um meio de alcançar o gênero

humano. Tal processo ocorre mediante interconexão entre o criador e o receptor da

arte. É um momento recíproco e que tem a pretensão de retirar o ser humano do

cotidiano e levá-lo a acessar um mundo diferente, como realmente ele é, embora que

momentaneamente.

O homem inteiro o que se expressa em uma tal extrema especialização, mesmo que com a importante modificação dinâmico-cultural (a diferença do caso médio da vida cotidiana) de que suas qualidades, unilateralmente mobilizadas, concentram-se, por assim dizer, sobre aquela ponta que se orienta à objetivação montada pelo contexto. Por isso, quando adiante falarmos desse comportamento, falaremos do ‘homem inteiramente’ (referente a uma determinada objetivação) em contraposição ao homem inteiro da cotidianidade, o qual, dito graficamente, está orientado a realidade com toda a superfície sua existência. (LUKÁCS, 1966, p. 79).

Compreendemos assim, um pouco mais sobre a relação e até mesmo

distinção entre os dois estágios do ser (inteiro/inteiramente). Araújo (2013, p. 71)

acentua ser necessário destacar que o homem inteiramente nunca deixa de ser

homem inteiro. Em alguns momentos um dos estágios pode se destacar mais que o

outro. No entanto: “nos tempos atuais, trafegar entre o homem inteiro e o homem

inteiramente é um momento raríssimo, dada as condições objetivas que fragmentam

o homem, desferindo profundos golpes em sua humanização”. Sobre essa questão

analisaremos mais detalhadamente no ponto seguinte. Contudo: “a arte, na medida

em que acessa os elementos constitutivos da elevação humana, soergue o homem

em sua forma superior de abstração da forma de ser da vida cotidiana”. (ARAÚJO,

2013, p. 69). Aí se assenta a grande importância do complexo da arte, mesmo que

em alguns casos a elevação não dure mais que alguns segundos.

Lukács (1966), citando Goethe, diz que o homem inteiro é aquele que está

envolvido no cotidiano com todas as suas capacidades (humanas e espirituais), mas

esse homem inteiro reproduz e percebe a realidade como ela é, objetivamente. A arte

busca qualquer aspecto da realidade humana. Apresenta uma representação do

momento histórico. O complexo artístico não está ligado a formas transcendentes,

pelo contrário, ela está direcionada ao próprio homem. Em oposição ao complexo

religioso que se direciona ao transcendente, a arte tem compromisso com o homem

que vive com os pés no chão e está engajado na realidade socialmente objetiva.

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A arte, em sua autenticidade, como aponta Lukács, carrega em si o compromisso com o desvelamento das verdadeiras manifestações humanas (geralmente ocultas), com a ascensão das experiências e vivências de cada um dos momentos da história social, em seus aspectos formais e materiais que precisam ser fixados na memória humana. Esse fenômeno social chamado arte busca, em qualquer uma de suas fases, o fundamento da existência social da humanidade. Ao registrar essa busca do homem por sua inteireza, o complexo artístico soergue o ser social, elevando-o da imersão do cotidiano, alçado pelas mãos de um processo catártico, a um nível destacado de humanização: é o que chamamos, com Lukács, tráfego do homem inteiro ao homem inteiramente. (SANTOS, 2017a, p. 40).

A arte traz junto de si um compromisso com a vida humana, revelando as

manifestações muitas vezes ocultas da história dos homens. Nosso complexo tem

como objetivo fundamentar a existência do ser humano em qualquer momento de

suas fases. Para tanto, ela realiza no ser social o processo catártico, para que este

alcance sua inteireza:

A proposta estética desse filósofo, que mergulha até a gênese do fato estético para encontrar sua estrutura, apresenta-se de forma inteiramente nova, pois confere a arte – por ser fruto das contradições existentes no meio histórico-social – o privilegiado papel de comprovar a imanência humana. (SANTOS, 2017a, p. 40).

O autor supracitado relata a respeito da visão do grande esteta húngaro

Lukács, sobre o papel da arte para a vida humana e, para isto, este último iniciou um

grande estudo sobre a estética, acreditando assim, que a partir da gênese do

desligamento, da autonomia e da raiz da arte na vida humana é possível alcançar as

categorias das relações artísticas com a realidade humana. (LUKÁCS, 1966). O esteta

acentua ainda que tanto o produtor como o receptor da estética são partes da essência

do homem e por isso mesmo, os diversos modos de reflexo estão possíveis de

mudanças, uma vez que mesmo a realidade é histórica e submetida as suas

determinações, sejam elas de conteúdo ou forma.

No entanto, até mesmo além desse planejamento geral, a historicidade objetiva do ser e seu modo específico e destacado de manifestar-se na sociedade humana têm consequências importantes para a captação da peculiaridade principal do estético. Será tarefa de nossas concretas argumentações, a demonstração de que o reflexo científico da realidade procura se libertar de todas as determinações antropológicas, tanto as derivadas da sensibilidade como as de natureza intelectual, ou seja, que esse reflexo se esforça para reinventar os objetos e suas relações da mesma maneira como são em si, independentemente da consciência. Por outro lado, o reflexo estético parte do mundo humano e se orienta a ele. Isto, como exporemos, não significa nenhum objetivismo puro e simples. Pelo contrário, a objetividade dos objetos e preservada, porem de tal modo que contenha todas suas referências típicas a vida humana: de tal modo, pois, que a

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objetividade apareça como correspondente ao estado da evolução humana, externa e interna, que é cada desenvolvimento social. (LUKÁCS, 1966, p. 24-25).

O reflexo estético preserva a objetividade dos objetos de modo que capta

as referências do mundo humano e deste modo a arte se insere hic et nunc histórico.

No entanto, é ainda necessária uma averiguação sobre a autenticidade da arte.

Lukács (1968, p. 205-206) em diálogo com Hegel acentua que: “O mau quadro é

aquele no qual o artista mostra a si mesmo; a originalidade consiste em produzir algo

inteiramente universal”. Nosso autor acredita, a partir de Hegel, que para uma obra

ser original ela deve sair do que é meramente particular e transitar até o universal.

Portanto, a originalidade precisa estar ligada a objetividade e a subjetividade daquilo

que está sendo representado na obra. Assim, ao mesmo tempo em que o sujeito e o

objeto preservam sua identidade também alcançam o universal. Parafraseando

Lukács, Santos (2017a, p. 79) destaca:

Originalmente artista deve ser ‘entendida como um voltar-se para a própria natureza e não para o que a arte produziu no passado no que diz respeito ao conteúdo e forma’, uma vez que aqui se manifesta com precisão a ‘importância que tem a descoberta e a determinação imediata do que de novo é produzido pelo desenvolvimento histórico-social’. Deve-se considerar original aquele artista que capta com justeza o conteúdo, a direção e a proporção, o que aparece de substancialmente novo em sua época e, com isso elabora uma nova e original forma orgânica que se ajusta a esse também novo conteúdo.

É possível, mediante as palavras do autor supracitado, compreendermos

que para uma obra ser considerada original ela deve obedecer tais considerações.

Somente deste modo, o artista conseguira alcançar o universal e se ajustar ao hic et

nunc do momento histórico. A arte não pode representar apenas as singularidades,

mas deve buscar as totalidades:

As obras autenticamente originais são aquelas onde seu conteúdo, carrega as posições justas em relação aos grandes problemas de sua época, em fase do que é novo manifestado neles, sendo representado, ao mesmo tempo, através de uma forma que corresponda a tal conteúdo idealmente pensado que, por sua vez, seja capaz de expressá-lo adequadamente. (SANTOS, 2017a, p. 83).

A arte tem a capacidade de erguer o ser humano, pois ela eleva-o acima

da fragmentação e contradições da sociedade. Nesse momento de elevação, ela faz

com que o ser humano pense e reflita sobre o cotidiano. Ela funciona como um ciclo,

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103

pois tira o homem do seu dia a dia, eleva a consciência sensível desse, e em seguida,

retorna para o cotidiano. Quando o indivíduo volta para sua realidade, ele passa a ver

o mundo com outros olhos. É nesse processo que a humanidade ganha grande

riqueza espiritual, como nos explica a citação a seguir:

A arte, portanto, educa o homem fazendo-o transcender à fragmentação produzida pelo fetichismo da sociedade mercantil. Nascida para refletir sobre a vida cotidiana dos homens, a arte produz uma ‘elevação’ que a separa inicialmente do cotidiano para, no final, fazer a operação de retorno. Esse processo circular produz um contínuo enriquecimento espiritual da humanidade. (FREDERICO, 2014, p. 73).

É um processo bastante interessante e enriquecedor, no entanto, se faz

necessário frisar que nem sempre a arte será capaz de produzir esse efeito. O autor

afirma ainda que “a elevação não é uma fuga, um devaneio inconsequente. Após a

fruição estética, o homem mobilizado pela arte volta a defrontar-se com a

fragmentação do cotidiano’’. (FREDERICO, 2014, p. 73). A diferença está no fato de

esse homem uma vez que teve acesso ao gênero, passará a ver a vida de forma

diferente. Embora retorne para a mesma realidade caótica, ele não será mais a

mesma pessoa, pois terá uma visão distinta.

A tarefa em compreender a arte se torna ainda mais difícil, uma vez que a

essência do estético não pode ser entendida, como asseguram Santos e Costa (2014,

p. 41):

Como a vida humana é uma realidade contraditoriamente unitária e se encontra nas inter-relações sociais, a essência do estético não pode ser entendida, nem mesmo de forma aproximada, se não for em constante comparação com os demais modos de reações humanas.

Muito embora não seja possível um conceito preciso que defina a essência

estética, é possível uma noção da arte com base na aproximação e distanciamento

da estética com outros complexos, como ressaltado anteriormente. Frederico (2014,

p. 66) nos traz algumas considerações de Hegel sobre a arte; primeiramente ele

argumenta ser o complexo artístico uma busca pela verdade e uma “manifestação

sensível do espirito”. Frederico define a arte como “uma representação que nos

conduz a uma realidade diferente de nosso cotidiano, pois nesta a aparência cumpre

a função de ocultar a essência”. Assim, a arte fornece uma realidade diferente do

nosso dia a dia. Uma realidade que mostra a verdade da vida.

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Através da arte, é permitido, a partir da categoria da particularidade, transitar do singular, purificando-o ao universal, acessando o privilegiado espaço de exacerbação da subjetividade humana e assim causar no sujeito uma reflexão elevada, tanto para o criador, que se realiza na criação, quanto para o receptor, que aprecia o produto do artista (ARAÚJO; 2013, p.101-2).

Destarte, a criação artística tem de ser transformada e deve ser vista com

a mesma preocupação que se tem com os bens necessários a reprodução das

condições de suas vidas. Nas palavras de Mészáros (2006):

Na medida em que isso concerne diretamente à arte, a mensagem de Marx significa que a criação artística tem de ser, em última análise, transformada numa atividade na qual os indivíduos sociais se engajem tão profundamente como o fazem na produção dos bens necessários à reprodução das condições da sua vida. (MÉSZÁROS, 2006, p. 192).

Portanto, a arte também é importante e imprescindível para a existência de

qualquer ser humano, pois, sua necessidade é de alcance universal, não está limitada

a grupos de pessoas.

A arte tem que representar a vida humana como ela é cotidianamente, a

realidade objetiva. Portanto, somente a partir do reflexo de tal realidade objetiva é que

a arte poderá agir sobre o sujeito humano. É mediante o reflexo da realidade do

homem social com relação à natureza que surge um elemento indispensável para o

crescimento do indivíduo. (SANTOS, 2017a). Destarte, uma vez compreendido o

complexo da arte e como o mesmo opera na realidade humana, faremos a seguir uma

análise de alguns elementos indispensáveis para compreender o complexo artístico

na atualidade. São eles: formação dos sentidos, alienação e omnilateralidade, pois

com essas categorias aclaradas teremos melhores condições de atender ao que

propomos com a presente pesquisa.

4.2 FORMAÇÃO DOS SENTIDOS HUMANOS, ALIENAÇÃO E

OMNILATERALIDADE: A DESUMANIZAÇÃO DOS SENTIDOS

A busca em situar nosso objeto no atual momento de crise nos instiga a

analisar, mesmo que em breve linhas, a relação entre alienação e formação

omnilateral dos sentidos humano. A arte enquanto complexo social historicamente

moldado, necessita está inclinada para uma das categorias citadas anteriormente;

assim como todas as demais categorias sociais. O fato de ela estar voltada mais para

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105

uma do que para outra, não significa dizer que não haja exceções uma vez ou outra,

ou seja, não é algo determinado e impossível de ocorrer.

Para tanto, compreender tais categorias e como as mesmas agem dentro

do processo desenvolvido pelo complexo artístico é fundamental para a pesquisa,

uma vez que o modo de agir do capital, descrito capítulos atrás, lança sobre a

humanidade uma grande incerteza, pois aliena radicalmente o homem de quase todos

os complexos sociais e atividades humanas, entre tais, a principal delas é o trabalho,

como dantes já analisamos minuciosamente.

Mészáros descreve os quatro aspectos da alienação.

1) A alienação dos seres humanos em relação à natureza; 2) à sua própria atividade produtiva; 3) à sua espécie, como espécie humana; e 4) de uns em relação aos outros. Ele afirmou enfaticamente que tudo isso não é uma ‘fatalidade da natureza’ – como de fato são representados os antagonismos estruturais do capital, a fim de deixá-los onde estão – mas uma forma de autoalienação. Dito de outra forma, não é o feito de uma força externa todo-poderosa, natural ou metafisica, mas o resultado de um tipo determinado de desenvolvimento histórico que pode ser positivamente alterado pela intervenção consciente no processo histórico para ‘transcender a autoalienação do trabalho’. (MÉSZÁROS, 2006, p. 14).

Os quatro aspectos nos permitem compreender como diferentes áreas da

vida humana podem estar afetadas negativamente pelo fenômeno da alienação.

Mészáros deixa evidente mais uma vez que esse estado crítico não é natural, mas

sim, algo historicamente criado e por isso mesmo possível de ser mudado mediante a

superação da alienação do trabalho. Somente a partir da libertação do trabalho,

poderemos alcançar a emancipação dos demais complexos, dentre eles, a arte. A

crítica marxista da alienação encontra sua relevância sócia histórica, principalmente

em relação à crise estrutural global do capital.

Ao compreendermos que o homem está alienado da natureza, de si

mesmo, ou seja, sua própria atividade, de seu ser genérico (sua espécie humana) e

do próprio homem não resta duvidas da urgência em enfrentar o grande desafio que

é a alienação: “o conceito de alienação de Marx compreende as manifestações do

‘estranhamento do homem em relação à natureza e a si mesmo, de um lado, e as

expressões desse processo na relação homem-humanidade e homem e homem de

outro”. (MÉSZÁROS, 2006, p. 21). Contudo, a nós é imperativo nesse momento

compreender que não existem meios de alguma atividade social não ser atingida

negativamente pelo processo de crise do capital.

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106

Com a alienação do trabalho, todos os outros complexos também são

atingidos, porquanto: a alienação do trabalho é “a raiz causal de todo o complexo de

alienação”. Desta forma, como descrito: “as mais variadas formas de alienação que

ele examina podem ser resumidas sob um denominador comum, no campo da prática

social, por intermédio do conceito tangivelmente concreto e estrategicamente crucial

de trabalho alienado” (MÉSZÁROS, 2006, p. 21-23). Sendo assim, a grande parte das

categorias criadas pelo trabalho não estão isentas, pois mantem com ele uma

dependência ontológica.

A alienação caracterizou-se, portanto, pela extensão universal da ‘vendabilidade’ (isto é, a transformação de tudo em mercadoria); pela conversão dos seres humanos em ‘coisas’, para que eles possam aparecer como mercadorias no mercado (em outras palavras: a ‘reificação’ das relações humanas); e pela fragmentação do corpo social em ‘indivíduos isolados’. (Vereinzelte Einzelnen), que perseguem seus próprios objetivos limitados, particularistas, ‘em servidão à necessidade egoísta’, fazendo de seu egoísmo uma virtude em seu culto da privacidade. (MÉSZÁROS, 2006, p. 39).

Mediante o atual estado pelo qual o capital está vivenciando, não é de se

assustar que a alienação promovida pelo sistema venha a ser uma de suas buscas

desesperadas para continuar existindo. Podemos constatar o estado alienante do

homem, ao analisarmos a crise estrutural e o trabalho em sua forma capitalista, assim

como foi realizado nos capítulos anteriores, vimos a relação da alienação, quando o

capital transforma o próprio homem e mesmo o trabalho em uma desprezível

mercadoria. O capital só pode agir dessa forma através do processo de alienação.

“De fato, se o conceito de alienação é abstrato do processo

socioeconômico concreto, uma mera aparência de historicidade pode pôr-se no lugar

de um genuíno entendimento dos fatores complexos envolvidos no processo

histórico”. (MÉSZÁROS, 2006, p. 40). O autor enfatiza que o caráter histórico do

conceito de determinada categoria esteja abalizado em algo também histórico,

transfere assim, um problema sócio histórico de grande importância para o

desenvolvimento do homem em algo atemporal. No entanto, tanto o problema da

alienação como o próprio capital, são possíveis de serem superado.

Sobre o fenômeno da alienação Mészáros (2006, p. 40) acentua:

A alienação é um conceito iminentemente histórico. Se o homem é alienado, ele deve ser alienado com relação a alguma coisa, como resultado de certas causas – o jogo mútuo dos acontecimentos e circunstâncias em relação ao homem como sujeito dessa alienação – que se manifestam num contexto

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107

histórico. Do mesmo modo, a ‘transcendência da alienação’ é um conceito inerentemente histórico, que vislumbra a culminação bem-sucedida de um processo em direção a um estado de coisas qualitativamente diferente.

Sendo o conceito de alienação um termo historicamente criado, a

superação da alienação também é possível em um determinado momento histórico. A

princípio, o conceito de alienação foi desenvolvido de forma positiva sobre fatores

socioeconômicos e políticos, período em que insistiam nas vantagens de alienar a

terra e que o lucro sobre a alienação era algo positivo. (MÉSZÁROS, 2006). O capital

foi tão sagaz ao longo de tantos anos que alcançou um desenvolvimento

extraordinário, no entanto, suas táticas enganosas o trouxeram ao seu extremo, a

poucos passos de sua destruição total.

A alienação serviu bem aos desígnios do capital, tanto que foi analisada

em diferentes momentos por diferentes pensadores. Mészáros em sua obra destaca

que Rousseau vê a alienação capitalista de modo particular, como algo que causa

danos: “é considerada por ele como contingente e não necessária. E seu discurso

moral radical está empenhado em proporcionar uma alternativa não contingente de

modo que as pessoas esclarecidas por seu desvelamento de tudo o que é apenas

‘aparente e ilusório’, pudessem abandonar as práticas artificiais e alienadas da vida

social”. (MÉSZÁROS, 2006, p. 61). Rousseau conquistou a compreensão de muitos

aspectos da alienação e, por isso, deve ser ressaltado. No entanto, nenhum desses

estudos superou a análise de Marx sobre alienação.

A universalidade da visão de Marx tornou-se possível por ter ele conseguido identificar a problemática da alienação, a partir de um ponto de vista do trabalho adotado criticamente, em sua complexa totalidade ontológica, caracterizada pelos termos ‘objetivação’, ‘alienação’ e ‘apropriação’. Essa adoção crítica do ponto de vista do trabalho significou uma concepção do proletariado não simplesmente como uma força sociológica diametralmente oposta ao ponto de vista do capital – e assim permanecendo na órbita deste último –, mas como uma força histórica que se transcende a si mesma e que não pode deixar de superar a alienação (isto é, a forma historicamente dada de objetivação) no processo de realização de seus próprios objetivos imediatos, os quais coincidem com a ‘reapropriação da essência humana’. (MÉSZÁROS, 2006, p. 65).

A justificativa pela grande consideração ao trabalho de Marx sobre

alienação está no fato de ele ter identificado a partir do ponto de vista do trabalho,

principal categoria social, portanto, em plano ontológico, o problema da alienação.

Sendo a alienação do trabalho responsável por toda espécie de alienação. A

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108

relevância desse estudo assenta-se ainda em revelar o fenômeno como uma força

historicamente criada e possível de ser superada:

O aspecto central da teoria da alienação de Marx é a afirmação da superação historicamente necessária do capitalismo pelo socialismo, liberada de todos os postulados morais abstratos encontrados nos escritos de seus predecessores imediatos. (MÉSZÁROS, 2006, p. 64).

Marx esclarece ainda que a superação da alienação na prática e em termos

unicamente políticos é inconcebível, uma vez que a política é somente parte de todos

os processos sociais. A situação histórica de tal aspecto, por mais importante que

possa ser, não é suficiente. Destarte, não é somente incluir a superação da alienação

no programa de economistas políticos, a não ser em caso de correção de alguns

efeitos da alienação capitalista do trabalho. Por esta questão, a atitude dos

economistas políticos no que diz respeito à alienação deve ser chamada de

positivismo acrítico. (MÉSZÁROS, 2006).

Marx compreende que o fundamento não-alienado daquilo que se reflete de uma forma alienada na economia política como uma esfera particular é a esfera ontológica fundamental da existência humana e, portanto, o fundamento último de todos os tipos e formas de atividade. Assim, o trabalho, em sua ‘forma sensível’, assume sua significação universal na filosofia de Marx. Ele se torna não só a chave para entender as determinações inerentes a todas as formas de alienação, mas também o centro de referência de sua estratégia prática apontada para a superação real da alienação capitalista. (MÉSZÁROS, 2006, p. 86).

O trabalho enquanto atividade libertadora e emancipadora torna-se o

principal meio de compreender os aspectos de todas as formas de alienação,

guardando em si a possibilidade de superação da alienação capitalista, como descrito

no final do primeiro capítulo. Mészáros (2006, p. 96) ressalta que Marx ao investigar

aspectos históricos e sistemático-estruturais do problema da alienação na vida

humana conclui: “Os reflexos dessas alienações por intermédio da religião, da

filosofia, do direito, da economia política, da arte, da ciência ‘abstratamente material’

etc, são manifestadas na vida real”.

A partir do momento em que a humanidade é convertida em um objeto

externo a si própria, esta e sua história criam uma nova relação que é a de alienação.

“A humanidade se exteriorizou em um objeto e, ao fazê-lo, alienou-se de si própria. A

alienação implica, portanto, uma exteriorização (Entäusserung) pela qual a

humanidade distingue-se de sua história, convertendo está em algo externo a ela

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109

própria”. (MARX apud LESSA, 2015, p. 459). O ato de transformar o ser humano em

uma mercadoria, um objeto qualquer, possível de ser vendido, proposto pelo modo de

produção capitalista, fez com que o homem se alienasse, não só do trabalho ou da

natureza, mas de si próprio.

Em determinadas circunstâncias, as relações sociais podem se converter em obstáculos ao desenvolvimento da humanidade. Tendo ou não os indivíduos disso consciência. Quando as relações sociais se tornam entraves ao desenvolvimento humano, passam a ser uma relação social (criada, portanto, pelos humanos) que é anti-humana, desumana. São desumanidades criadas e reproduzidas pelos próprios humanos, são desumanidades socialmente postas. Isto é, em Marx, a alienação: uma desumanidade socialmente posta. (MARX, 2015, p. 479).

Quando as relações em sociedade impedem o desenvolvimento humano,

como ocorre em diferentes momentos no modo de produção capitalista, em que

consideram unicamente o crescimento do sistema, não se importando com a vida

humana, tal relação social é desumana. Isso, visto que é proporcionado pelos

humanos e não é algo determinado, mas sim, posto. É desta forma que Marx trata a

alienação. Apesar de vivermos em uma sociedade que despreza o ser humano ao

transforma-lo em objeto, os complexos sociais dependem de suas funções na

reprodução da sociedade para cumprir ou não um papel alienante. No entanto, é

preciso que fique claro que sempre existem exceções, principalmente quando se trata

de um sistema que usa os complexos sociais para satisfazer seu imperativo de

expansão. (MARX apud LESSA, 2015).

Existe ainda outro complexo que se desenvolve a partir da exploração do

homem pelo homem e, por isso, é um complexo de alienação. Este é a propriedade

privada que só poderá ser superada com o fim da sociedade de classes.

A propriedade privada, o Estado, a política, as classes sociais (...) são exemplos típicos de alienações que apenas serão superadas pela revolução proletária. Tais complexos sociais são sempre alienantes – todavia a qualidade de suas alienações não foi sempre exatamente a mesma. (MARX apud LESSA, 2015, p. 480).

O grau de alienação de tais complexos é modificado em mais ou menos

intensos a partir do momento histórico. Com o aumento das contradições capitalistas,

houve um aumento na qualidade de suas alienações.

Por mais de 14 mil anos, portanto, o mais rápido desenvolvimento apenas foi possível pela destruição da maior parte da humanidade: a alienação, nesse caso, servia ao desenvolvimento das forças produtivas e, ao mesmo tempo, rebaixava o desenvolvimento humano ao patamar da propriedade privada.

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Não deixava de ser alienação – no limite, porque submete o humano às necessidades da reprodução da propriedade privada, tanto dos indivíduos das classes dominantes como entre os trabalhadores; tanto entre os homens quanto entre as mulheres, agora marcados pelo patriarcalismo. (MARX, 2015, p. 481).

A alienação foi um instrumento usado no desenvolvimento das forças

produtivas que ao mesmo tempo proporcionou o rebaixamento do ser humano ao nível

de propriedade privada. Os complexos de alienação, muitas vezes, impedem o

desenvolvimento eficaz da capacidade de o homem fazer sua história. Na sociedade

capitalista, contudo, este processo entra em contradição com o desenvolvimento das

capacidades do ser humano, causando consequências na capacidade produtiva do

capital, convertendo-se em um processo de destruição, não só dos recursos naturais,

mas também do próprio ser humano.

Em relação às alienações do passado as alienações que surgem na

propriedade privada, têm dentro de si uma nova qualidade. O sacrifício feito pela

humanidade, causando sua destruição, tornou-se insuficiente para as forças

produtivas prosseguir com seu desenvolvimento. Para tanto, é necessário superar a

propriedade privada e de suas alienações próprias. Quando a humanidade se colocou

como objeto, ela se alienou, diferenciando-se da própria humanidade, de seus

semelhantes ao se indagar sobre seu destino. A alienação não precisa estar na

consciência para existir enquanto alienação.

Não é a qualidade da relação da consciência com o mundo que determina a existência da alienação, mas sim a função que as relações sociais cumprem na reprodução do mundo dos homens. A alienação em Marx é primordialmente um fenômeno objetivo que possui reflexo na consciência; para Hegel, é um fenômeno da consciência que serve à elevação desta mesma consciência ao seu para si. (MARX apud LESSA, 2015, p. 485).

A alienação não está condicionada à consciência do ser social, mas sim,

às relações sociais que tais complexos exercem na sociedade. “São relações sociais

objetivas, que têm lugar no mundo objetivo e, apenas em consequência disso, são

refletidas pela consciência. Muitas vezes os processos alienantes sequer se elevam

à consciência enquanto tais”. (MARX, 2015, p. 484). O processo da alienação é

captado pela consciência por ser uma relação social objetiva, não por serem

interligadas ou mesmo, conectadas de modo mais específico.

A alienação não é a ‘perda’ da humanidade de si própria, mas a constituição de relações sociais desumanas por obra da própria humanidade. A alienação

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111

é a desumanidade humanamente, socialmente, posta. Sua existência não depende de os indivíduos e suas consciências sentirem-se (ou não) estranhos ou estranhados – assim como a superação da alienação não terá lugar na esfera afetiva ao se modificar esse sentimento por outro de conforto ou aconchego. (MARX, 2015, p. 488).

O processo de alienação não se trata de uma perda de algum aspecto que

constitui a humanidade, ela é na verdade, uma relação social historicamente criada

pelo ser humano. O fenômeno de alienação mais desenvolvido é o que brota na

propriedade privada em um determinado momento histórico, quando a alienação

atinge o complexo do trabalho. Por isso, o autor vai ressaltar que esta categoria é

socialmente posta e existe independente dos sujeitos sentirem-se ou não alienados.

A objetividade da alienação não decorre de seu estatuto mais ou menos consciente, mas da função social de ser obstáculos ao desenvolvimento humano, tenham ou não os homens consciência desse fato. Há alienações que foram produzidas e superadas na história sem que os humanos tivessem delas consciência, ou tivessem consciência tão rudimentar que mal se aproximavam de suas essências. As alienações, em Marx, são determinações objetivas da existência. Por isso, as superações das alienações não podem ocorrer nos complexos ideológicos sem que uma alteração correspondente se verifique, com as devidas mediações, em suas bases materiais fundantes. (MARX apud LESSA, 2015, p. 488).

Como a alienação não depende da consciência do sujeito, ela age sendo

obstáculo ao desenvolvimento do indivíduo. A maioria dos complexos, entre estes, o

artístico, na atual sociabilidade, decorre, na maioria das vezes, como barreiras ao

desenvolvimento humano, visto que são ludibriados pelas egoístas aspirações

capitalistas. Para tanto, a superação da alienação deve ocorrer nas bases materiais

fundantes, ou seja, no complexo fundante e estrutural da sociedade, o trabalho.

4.2.1 Formação estética dos sentidos humanos e omnilateralidade: a luz para a

emancipação humana

Mediante nossa exposição, vimos que a arte com suas mediações

específicas, também é atingida pelo fenômeno da alienação, uma vez que mantém

com a categoria trabalho uma dependência ontológica. Deste modo, necessitamos,

neste momento, fazer uma análise acerca da formação dos sentidos e sobre a

omnilateralidade, estado alcançado pelo indivíduo ao obter sua plena emancipação

humana. Essa humanização plena de todas as qualidades e sentidos humanos é

possível a partir de uma formação estética? Portanto, ao estudarmos um pouco mais

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112

sobre o estado omnilateral e a formação dos sentidos, poderemos constatar se

atualmente a arte está conseguindo cumprir sua função social, ou se ela está mais

inclinada para a alienação, objetivo da presente investigação.

A educação, enquanto complexo social, guarda uma profunda importância

para a vida humana. As causas sobre tal relevância já foram mencionadas neste texto.

Portanto, agora nos cabe compreender a relação da educação com a arte, processo

esse que envolve a formação dos sentidos e a formação omnilateral, como afirmado

anteriormente. Destarte, é necessário salientarmos que é a educação estética a

responsável por educar o homem para que este esteja apto à apropriação da arte.

Veremos que tais categorias estão ligadas às outras e, por isso, foi necessária toda

uma análise das mesmas nos capítulos anteriores.

Mészáros (2006) destaca que os sentidos humanos possuem variedades e

riquezas, correspondem à riqueza dos objetos que se relacionam com os sentidos

humanos. Tais sentidos humanos têm características complexas. Isso porque não

basta possuir o órgão do sentido, mas, principalmente, é necessário educar seu órgão

para desenvolver o sentido. Todos os sentidos humanos estão relacionados em uma

totalidade, pois um permite que o outro cumpra com eficácia seu papel. Não basta o

olho humano para visualizar a beleza é preciso o conhecimento social que garanta

que o objeto possa ser considerado uma arte autêntica.

O homem se apropria da sua essência omnilateral de uma maneira omnilateral, portanto como um homem total. Separar os sentidos – que se tornaram, na prática, ‘imediatamente teóricos’ – do raciocínio, para subordinar os primeiros aos segundos, é, portanto, artificial e arbitrário. (MÉSZÁROS, 2006, p. 183).

O homem só poderá alcançar o estado omnilateral como um ser humano

total, completo, capaz de usar todos seus sentidos plenamente, e por isso de maneira

omnilateral. Porquanto, a separação dos sentidos não será capaz de levar o homem

a conquistar sua emancipação, e por isso deve ser combatido, visto que um não pode

existir enquanto o outro permanecer. Nosso autor acentua, com Marx, que estamos

lidando com fenômenos históricos:

Um estado de coisas desumanizado devido à alienação capitalista. Nessa definição histórica concreta do problema ele pôde não só afirmar a possibilidade de transcender a desumanização capitalista dos sentidos, mas também, positivamente, identificar na ‘emancipação completa de todas as qualidades e sentidos humano’ a raison d’êntre do socialismo. (MÉSZÁROS, 2006, p. 185).

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113

Para que a emancipação humana seja possível é necessário que

primeiramente o homem se aproprie de sua omnilateralidade. Na sociedade

capitalista, pelo contrário, o homem se limita ao unilateral, devido ao estado alienante

que o mesmo se encontra. É deste modo que o real significado do gozo humano é

brutalmente substituído pela satisfação imediata e individual. Isso porque a formação

dos cinco sentidos humanos é resultado de um trabalho que vem de toda a história do

mundo até os dias atuais. A partir da alienação capitalista, a evolução destes sentidos

se encontra em uma crise estética geral no que se refere aos valores e padrões.

A educação estética se apresenta como resposta ao individualismo e a

satisfação unilateral, pois ela busca a realização da totalidade do mundo humano. É

mediante a educação estética que o ser humano é capaz de alcançar a catarse ao

apreciar uma obra de arte. É justamente pelo fato de capacitar o indivíduo para

contemplar as relações estéticas que Mészáros a considera como criadora do órgão

do consumo estético. E que a formação estética é primordial para que a arte de modo

geral, venha a se desenvolver ainda mais. Porquanto, a arte tem a necessidade de

ser recriada constantemente para então existir adequadamente. (MÉSZÁROS, 2006).

A educação estética é crucial para modificar essa situação: para transformar a satisfação limitada e unilateral no gozo autorrealizador da “totalidade extensiva e intensiva” do mundo humano. Sem a educação estética, não pode haver verdadeiro consumidor – apenas o agente comercial – das obras de arte. E como a obra de arte não pode existir adequadamente sem ser constantemente recriada na atividade de consumo – cuja consciência deve ser materializada na própria criação –, a educação estética, como criadora do órgão do consumo estético, é uma condição vital para o desenvolvimento da arte em geral (MÉSZÁROS, 2006, p. 190-191, aspas do original).

Este é outro fator relevante referente à arte. É por meio da educação

estética que desenvolvemos os sentidos humanos, uma vez que o homem desperta

seus órgãos para o consumo artístico, daí a necessidade de uma educação estética

de qualidade. Deste modo, a criação e o gozo artístico só podem se realizar de modo

a fazer uma transformação geral em todas as relações humanas a partir da formação

estética do homem. A arte traz uma nova dimensão a vida humana na busca por sua

totalidade mediante um envolvimento de todas as atividades indispensáveis ao

homem enquanto ser social.

Em um mundo dominado pelo capital e suas relações alienantes, Mészáros

(2006) considera ter sido um milagre se a formação estética do homem pudesse ter

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114

conseguido se realizar plenamente. Os problemas enfrentados pela formação estética

não podem ser separados dos demais aspectos da educação. Quando o homem não

têm condições para apreciar o belo, encontra-se carente e cheio de preocupações

pelo qual a própria sociedade lhe impõe. Tais condições não permitem viver uma

formação estética de qualidade, desta forma, ela não pode existir autenticamente.

Por isso, a educação só é possível numa sociedade autenticamente socialista, que – no quadro global de uma estratégia educacional socialista – já tenha superado a ‘alienação capitalista de todos os sentidos’, e com isso tenha produzido o homem na ‘total riqueza de sua essência, o homem plenamente rico e profundo enquanto sua permanente efetividade. Uma educação estética adequada para o ser humano não pode ser limitada a um ‘mundo interior’ imaginário do indivíduo isolado, nem a um abrigo utópico da sociedade alienada. Sua realização envolve necessariamente a totalidade dos processos sociais em sua complexa reciprocidade dialética. (MÉSZÁROS, 2006, p. 266, negrito do original).

Compreendemos deste modo que a educação estética necessita de que a

alienação dos sentidos proporcionados pela sociedade capitalista seja superada.

Assim como todas as demais relações sociais que atualmente vive sobre o jugo do

capital, principalmente o complexo do trabalho. Além do que só será após a superação

da alienação humana que o homem poderá alcançar seu estado omnilateral, descrito

pelo autor como o plenamente rico e profundo. A educação estética necessita da

totalidade dos processos sociais para existir autenticamente, portanto, é improvável

que programas isolados de uma formação estética do homem, ou mesmo o complexo

da arte, embora uma vez ou outra ainda se tenha obras autênticas, consiga solucionar

sozinha a racionalidade capitalista.

Todas as tentativas de uma formação estética do homem isolada foram um

fracasso. Mészáros (2006, p. 266-267) acentua que esses fracassos “não podem ser

compreendidos se não como um aspecto de uma questão mais fundamental: o caráter

inerentemente problemático da educação sob o capitalismo”. O complexo da

educação como já analisado, é responsável por produzir e reproduzir os valores em

cada indivíduo para que, assim, definam seus objetivos e fins. No capitalismo, as

relações de produção só são realizadas pelos indivíduos porque eles interiorizam as

pressões externas e seguem a perspectiva da sociedade de mercado.

O conceito de educação estética é na verdade, uma tentativa isolada de enfrentar a desumanização dos processos educacionais na sociedade capitalista; e, como tal, é um aspecto de uma crise que se intensifica cada

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115

vez mais. É necessário, portanto, investigar, muito rapidamente, a natureza dessa crise que remonta a um passado distante. (MÉSZÁROS, 2006, p. 267).

A educação estética surge como um meio para um fim que não conseguiu

êxito inicial, ou seja, ela é uma forma de alcançar a humanização do processo

educacional perdida com a ascensão da sociedade capitalista. Deste modo, a

educação estética apresenta-se como um aspecto dessa crise que cresce ainda mais

a cada dia. Isto ocorre porque a divisão social do trabalho foi, significativamente,

prejudicial para o complexo da educação.

“De um lado, ela empobrece o homem a tal ponto que seria necessário um

esforço educacional especial para reparar as coisas. Mas nenhum esforço desse tipo

é feito”. (MÉSZÁROS, 2006, p. 266). Para nosso autor, esse é um segundo aspecto

negativo provocado pela divisão do trabalho sobre a educação: “uma vez que a divisão

do trabalho simplifica de forma extrema o processo de trabalho, diminui muito a

necessidade de uma educação adequada, em lugar de intensifica-la”. (MÉSZÁROS,

2006, p. 267). Sendo assim, as necessidades de produção do sistema, ao invés de

melhorar o nível geral de educação, o faz piorar, impedindo uma educação

equilibrada.

Assim, a transcendência positiva da alienação é, em última análise, uma tarefa educacional, exigindo uma ‘revolução cultural’ radical para a sua realização. O que está em jogo não é apenas a modificação política das instituições de educação formal. Como já vimos, Marx ressaltou vigorosamente a continuidade ontológica objetiva do desenvolvimento do capital, materializando em todas as formas e instituições de intercambio social, e não apenas nas mediações de segunda ordem, diretamente econômicas, do capitalismo. É por isso que a tarefa de transcender as relações sociais de produção alienadas sob o capitalismo deve ser concebida no quadro global de uma estratégia educacional socialista. Esta última, porém, não deve ser confundida com nenhuma forma de utopismo educacional. (MÉSZÁROS, 2006, p. 264).

Diante do que ocorre atualmente em nossa sociedade, é necessária uma

radical transformação social. No entanto, as relações sociais de produção encontram-

se alienadas de um modo assustadoramente crítico que, segundo Mészáros (2006),

tal transformação só seria possível em um contexto educacional socialista. Nosso

autor retrata a importância de uma transformação radical ao considerar a crise da

educação formal apenas como a ponta do iceberg, diante de uma total alienação em

todos os âmbitos sociais.

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116

Deste modo, ao relacionar nossas categorias (alienação e formação

omnilateral dos sentidos) com o complexo da arte, podemos constatar que existe uma

ligação muito próxima entre elas de modo que não é possível falar de uma sem

mencionar as demais. O fenômeno da alienação é assustadoramente intenso e possui

um domínio social muito grande, com relação aos complexos sociais, entre os quais,

o artístico, que ofusca os elementos que por natureza estão vinculados à arte

autêntica.

Como exemplo, temos nossa pesquisa que não pôde com maior eficácia

retratar sobre a omnilateralidade, estado alcançado pelo homem a partir de sua

emancipação humana que, por sua vez, só é possível com a educação

estética/formação dos sentidos. Porquanto quando buscamos relacionar tais

categorias com a arte na atualidade, o fenômeno da alienação capitalista se destaca

muito mais, o que responde nossa principal pergunta, feita no início da pesquisa: No

atual momento histórico, o complexo da arte está voltada com maior intensidade para

a omnilateralidade, como convém ao seu papel social ou para a alienação humana?

A partir do enorme destaque da alienação capitalista sobre a arte, no ponto seguinte

faremos uma análise sobre os rebatimentos da alienação capitalista, sobretudo no

atual momento de crise estrutural do capital, sobre o complexo da arte.

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117

4.3 A ARTE NO CAPITALISMO: A FRAGMENTAÇÃO DOS SENTIDOS HUMANOS

A partir de agora faremos uma análise do complexo artístico imerso no

sistema capitalista. Hoje, nessa sociedade em que os meios são movidos a favor ou

pelo capital, a arte vem sendo diretamente afetada. Este ataque ao campo estético

não traz qualquer benefício. A sociedade capitalista vem constantemente criando

obstáculos que impedem o homem de alcançar a humanização plena dos sentidos.

Portanto, existe a necessidade de conhecermos estes obstáculos para que, assim,

não sejamos engolidos despercebidamente pelo fenômeno.

Por causa de obstáculos gerados pelo capital, nem sempre o artista

conseguirá produzir obras de arte capazes de exercer as funções de educar o homem

e elevá-lo acima do cotidiano embrutecido da sociedade, como ressaltamos

anteriormente. Isso se torna ainda mais difícil no atual momento em que tudo é regido

pelas forças do capital visando unicamente os lucros, em todas as áreas da vida

humana. Portanto, será pouco provável que a arte consiga exercer essa função em

sua plenitude, enquanto a mesma estiver submersa no cotidiano fragmentado da

sociabilidade impedindo o homem, de todos os meios possíveis, de ter uma vida plena

de sentidos.

O capitalismo, vitorioso na economia, destrói cada vez mais a resistência dos autênticos paladinos da cultura. À medida que a economia mercantil se vai generalizando, todos os bens da cultura tornam-se também mercadorias, ao mesmo tempo em que seus produtos se tornam especialistas submetidos à divisão capitalista do trabalho. (LUKÁCS, 2010, p. 121).

A economia mercantil advinda principalmente pela divisão do trabalho

transformou todos os bens em mercadorias, inclusive a própria cultura. Tal

imperabilidade da economia provoca cada vez mais uma diminuição dos que buscam

autenticidade da cultura. O próprio artista, apresentado por Lukács (2010)

representado pelo escritor, é ele mesmo produto da divisão do trabalho no capitalismo,

sendo o artista o responsável de causar o interesse, a tranquilidade e a tensão no

público receptor.

O crescimento da mercantilização apresenta-se como o caminho que leva

a burocratização, uma vez que na arte moderna existem tendências que o escritor é

imediatista: “A começar pelo naturalismo, assistimos a um constante florescimento de

orientações que desejam transformar a literatura numa ‘ciência’, eliminando a

Page 119: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FACULDADE DE FILOSOFIA …

118

subjetividade do escritor”. (LUKÁCS, 2010, p. 121). Essa tendência leva o escritor

moderno às qualidades ruins de uma especialização burocrática e a uma alienação

do cotidiano em sua totalidade.

Mas não é necessário recorrer a este exemplo para especificar os efeitos fetichizantes da mercantilização universal e literatura, que se manifestam mesmo nos casos em que se acentua e engrandece a subjetividade. A experiência vivida, a “nota pessoal”, tornou-se o valor de uso absolutamente indispensável a fim de que a obra literária passe a conquistar um mercado e adquirir um valor de troca. (LUKÁCS, 2010, p. 122).

A pesar de não ser necessário entrar no campo da literatura para

compreendermos o quanto a mercantilização da vida humana advinda, a priori, da

acessão capitalista e agora agravada pela crise estrutural do capital, é importante

conhecermos que até mesmo um aspecto tão específico e subjetivo, quanto à

literatura, é na maioria das vezes limitada ao imperativo expansionista do capital.

Deste modo, “a mais cara subjetividade do homem é reduzida a uma mercadoria”.

(LUKÁCS, 2010, p. 122).

No entanto, como já referido em vários pontos anteriores, existe uma

resistência posta por representes da literatura e das demais formas de arte, contra a

propagação negativa da divisão capitalista do trabalho e da cultura. (LUKÁCS, 2010).

Em alguns momentos esta resistência fracassa devido à sujeição da sociedade e à

divisão capitalista do complexo do trabalho que traz consigo um desenvolvimento

difícil de impedir, uma vez que o crescimento econômico tem um caráter progressista,

impendente dos aspectos nocivos para a cultura. Existe outro ponto que também

provoca o fracasso da resistência, causando não só sua diluição, mas também uma

modificação qualitativa de conteúdo.

O motivo decisivamente novo é a transformação da relação do grande artista com a cultura de sua época, com as bases sociais e a orientação desta cultura. Em suma, a posição do artista diante da classe burguesa tornou-se problemática. Com a instabilidade desta base sobre a cultura assumiu um caráter novo, diverso tragicamente desesperado e isto porque a relação modificada da relação entre arte e vida. (LUKÁCS, 2010, p. 124).

O próprio momento histórico pelo qual vive o artista apresenta-se como um

problema, visto que a própria cultura sofreu transformações que atingiram sua relação

com o artista. A sociedade capitalista provoca uma relação de desespero do artista

com o cotidiano tendo que o primeiro, frente ao imperativo de sua sobrevivência,

escolher entre arte e vida. Desta forma, o maior responsável pela criação de obras

Page 120: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FACULDADE DE FILOSOFIA …

119

artísticas, excepcionais, capazes de revelar o momento histórico refletindo-o, tem de,

na maioria das vezes, modificar a qualidade do conteúdo de suas obras para que

sejam aprovadas pelo sistema capitalista, na busca por sua sobrevivência.

Sendo assim, torna-se límpido que existe uma oposição entre os interesses

da burguesia e a cultura advinda da forma social e econômica do sistema capitalista,

mediante o desenvolvimento das forças produtivas: “Quanto mais se afirma esse

desenvolvimento, tão nítido se torna a divergência entre os interesses da classe

burguesa e as exigências vitais da cultura, ainda que se trate da cultura burguesa”.

(LUKÁCS, 2010, p. 124). O esteta húngaro é feliz ao afirmar que a estrutura social da

cultura sempre esteve acompanhada de conflitos, no entanto agora, tornou-se uma

trágica controvérsia.

A trágica sabedoria que permitiu a um Shakespeare criticar com igual peso tanto o feudalismo em declínio quanto o acidentado nascimento do capitalismo. Indicando naquele a trágica faustosidade e neste, as forças demoníacas que chafurdavam no sangue e na imundície, tem profundas raízes na vida popular de seu tempo. Ela é socialmente determinada pelos contrastes que impelem a humanidade para a frente, por caminhos difíceis e sinuosos, através de infinitos sofrimentos populares da destruição de civilizações inteiras de florescentes e vigorosos estragos populares. Mas o ponto de vista a partir do qual estas tragédias da humanidade podem ser observadas e figuradas, em seus justos matizes, tem também em Shakespeare um caráter utópico; embora verdadeiro como aspiração popular, como apaixonado impulso no sentido da cultura humana, é prejudicado pela impossibilidade de sua realização. (LUKÁCS, 2010, p. 125).

Através do exemplo de Shakespeare citado por Lukács é evidente a

impossibilidade, na maioria das vezes, de o artista conseguir refletir na arte o momento

histórico, uma vez que esta última é determinada pelas forças do capital que induz o

desenvolvimento econômico. Mesmo que, para tanto, a humanidade tenha que

vivenciar momentos difíceis. Embora ilusório, o ponto descrito pelo autor adquire

realidade em um segundo momento ao apresentar uma representação da vida.

“Em outras palavras ele foi indispensável à criação artística. Mas quando a

obra se completa, dá-nos quase a impressão de um expediente ou mesmo de um

corpo estranho com relação ao realismo da representação”. (LUKÁCS, 2010, p. 125).

Para o esteta húngaro, no decorrer da história é cada vez mais difícil encontrar o ponto

por ele descrito. Este ponto arquimédico passa a função distinta, qualitativamente, da

anterior em que oferecia uma visão total da vida humana na sociedade. Assim sendo,

torna-se raro que o realismo vença a utopia mediante as contradições deste ponto de

partida utópico e o ato de refletir a realidade.

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120

O segredo dos pontos arquimédicos consiste em que, nos escritores que se elevaram a tal atitude, o amor inquebrantável pelo povo e pela vida, a confiança no progresso da humanidade e a intima vinculação aos problemas de sua própria época, não são anulados pela expressão intrépida e corajosa de tudo o que existe, pela crítica mais radical da desumanidade da vida capitalista. Manter os olhos abertos a tudo e, apesar disso, amar a vida: eis um paradoxo presente em toda a sociedade classista, uma contradição dialética que pôde, todavia, por muito tempo, exercer uma fecunda influencia criadora. Somente quando estas contradições se aprofundam, a ponto de se transformarem num ou - ou sem saída, é que os escritores se encontram em face de um dilema trágico e que se abre o período da tragédia da arte. (LUKÁCS, 2010, p. 126).

Foi necessário que as contradições que cercam a vida na sociedade

capitalista evoluíssem profundamente até o ponto de não existir saída, dentro é claro,

dos modos de produção, para compreensão de que a arte estava tragicamente

afetada. Lukács (2010) acentua ser mediante a intensão de dois fatores contraditórios

que impedem o trabalho dos artistas, a aceitação e a condenação. É o amor do artista

pela vida que o permite expressar sua veracidade.

Todavia, quando surge uma situação social na qual o artista é obrigado a odiar e desprezar a vida, ou começar mesmo a lhe dirigir um olhar indiferente, então a verdade das melhores observações se empobrece; superfície e essência da vida humana divergem uma da outra. (LUKÁCS, 2010, p. 126).

A partir do momento que ocorre esse distanciamento, o amor pela vida é

apagado e a arte torna-se lamentavelmente autônoma com relação à vida. Isto ocorre

pelo fato de a vida ter se tornado trivial, enfrentando a arte de modo hostil, uma vez

que elas se encontram separadas. A autonomia pela qual a arte vai depositar sua

existência, não é aquela que exalta a sua riqueza, mas sim, aquela em que se fecha

em si mesma, tornando-se alheia à vida humana. (LUKÁCS, 2010).

A relação do artista de valor com seu modelo é somente um caso particularmente evidente e incisivo da relação modificada entre arte e vida. Em Flaubert e em Baudelaire, esta série de problemas encontra-se no centro de sua estética do desespero, de uma filosofia da arte emanada do ódio e do desprezo pela sociedade burguesa já constituída. (...). Se o artista quer ser sincero e fel a si mesmo, se quer ir até o fim da estrada que lhe indica a própria arte, é preciso que aniquile toda a vida em si e em torno de si. O arrependimento, o despertar do sentindo da humanidade, tem lugar – com fatalidade trágica –muito tardiamente. E isto porque, para ser humano, é preciso renunciar à arte e viver até o fundo as razões do artista. (LUKÁCS, 2010, p. 129).

A relação modificada entre arte e vida provoca no artista, e também em sua

obra, um sentimento de desespero e desprezo pela sociedade burguesa, visto que

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121

provocam uma relação de valor do artista, ou seja, o artista é moldado segundo os

desejos da dita sociedade. Sendo assim, o artista é impelido a eliminar toda a vida

para conseguir fielmente prosseguir com sua arte. No entanto, é mediante o reflexo

da vida que a arte se debruça e, por isso, o arrependimento é inevitável quando ocorre

o despertar do sentido da humanidade.

É necessária uma sensibilidade por parte dos artistas de modo geral para

a separação que há entre a vida e a arte, pois assim pode revelar os aspectos que

fundamentam a sociedade, “ainda que seja sob condição de não sucumbir

inteiramente à imediaticidade desta experiência e de saber levar em conta, no plano

humano e artístico, a contradição implícita”. (LUKÁCS, 2010, p. 128). Deste modo, o

artista apesar das contradições da sociedade, poderá produzir fielmente as obras de

artes, responsáveis por grandes riquezas espirituais ao desvendar o momento

histórico.

Os escritores mais significativos, os que penetraram profundamente na problemática da época, colocaram o problema de Flaubert e de Ibsen de um modo goethiano (mas aprofundado em sentido trágico); isto é, estenderam a tragédia do artista à tragédia da própria arte. Mais claramente do que em seus predecessores, portanto, aparece neles por trás dos motivos imediatos (a tragédia do modelo, por exemplo) e dos abstratos panos de fundo à Flaubert – o núcleo social e humano da questão: as relações com a sociedade burguesa e com sua cultura. (LUKÁCS, 2010, p. 131).

Os referidos autores dantes mencionados por Lukács percebem mal o

problema da crise pela qual a arte atravessa, visto que seus interesses com relação

ao problema da alienação da arte com a vida estão centrados no problema humano,

da solidão pela qual o artista se encontra. Goethe, ainda de acordo com Lukács, tem

consciência de todo “o processo objetivo da alienação e sabe exatamente que o

homem só tem acesso ao macrocosmo do mundo através do microcosmo da própria

vida”. (LUKÁCS, 2010, p. 131). Deste modo, Goethe consegue ver o problema de fora,

tendo uma visão mais ampla sobre a evolução da arte.

Lukács em Tragédia e tragicomédia do artista no capitalismo, nos

apresenta alguns escritores que assim como Goethe perceberam o problema da arte

a partir de fora, entre os tais ele destaca Jean Cristophe e Balzac. Estes, em suas

obras destacaram aspectos da transformação da arte e as relações artísticas com a

mercadoria; relatam ainda, a solidão do artista no que diz respeito à universalidade do

caráter mercantil e a necessidade de seguir tais princípios, como uma retirada precisa

e como uma expulsão da sociedade.

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122

A vida que se tornou hostil à arte deixa de revelar de modo abstrato; em igual a medida, a luta do artista por sua própria preservação interior e exterior se transforma na tentativa heroicamente desesperada e corajosa de salvar a própria arte, prestes a submergir na correnteza de economia capitalista de mercado. (LUKÁCS, 2010, p. 132).

O esteta relata aspectos realizados a partir do momento em que a arte

passa a operar dentro dos moldes capitalistas. A hostilidade da vida e o desespero

em salvar a arte, tornam-se ainda mais intenso no atual momento de crise estrutural

do capital. Isso ocorre pelo fato de que sem amor pela vida a arte não é possível. “A

renovação e a vitalidade da arte só são possíveis sob a condição de que o artista não

permita a espontaneidade social do antagonismo entre arte e vida explicitar-se

livremente em si e na própria obra”. (LUKÁCS, 2010, p. 132).

Compreende-se assim, que o artista tem grande responsabilidade no que

se refere ao resgate da obra de arte. Ainda de acordo com Lukács, muitos artistas se

acomodam em sua solidão e tornam a hostilidade da vida natural acomodando-se a

elas. No entanto, apesar do artista ter um grande papel no resgate completo da arte,

torna-se inviável dentro dos moldes capitalistas, uma vez que uma solução eficaz para

qualquer das contradições do capital implica em ir para além do capital, como já

ressaltamos algumas vezes. Desta forma, no atual estágio da vida em que a arte se

encontra, não cabe ao artista silenciar-se, mas despertar da solidão e do alheamento

em que ele se encontra.

Com isso, retornamos a nossa definição anterior: embriaguez e insensibilidade são os sintomas psicológicos mais gerais da habituação à terrível desumanidade do capitalismo moribundo; é isto que os interesses de classe da burguesia exigem da arte. A embriaguez estérea não é apenas um fenômeno complementar da obtusidade da habituação, mas reforça seus piores aspectos. E tanto mais isto ocorre quanto mais se arvora em sublimidade e refinamento, quanto mais pretende ser crítica. Assim, esta arte de decadência, qualquer que seja a intenção do artista individual, desemboca toda em um rio cujas águas devem proteger as periclitantes fortalezas do imperialismo contra a sublevação dos trabalhadores. Nos germes espontâneos, de onde surge a arte deste tipo, pode estar implícita, por vezes, uma vontade sincera de oposição. Mas quando se permanece prisioneiro da espontaneidade e ela é exaltada na teoria e na crítica, nenhuma outra solução é possível fora da oscilação monótona e estéril entre embriaguez e insensibilidade. (LUKÁCS, 2010 p. 134).

O ser social sofre continuamente com a negação da faculdade do sentir.

São inúmeros os obstáculos que eles encontram em busca de uma vida plena de

sentidos. Nessa mesma tônica, Araújo (2013) declara que a grande maioria dos

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123

homens tem sido retirada do conhecimento historicamente produzido pela

humanidade, pois à atual conjuntura capitalista em que estamos inseridos, defende à

ideia de oferecer os conhecimentos de maneira imediata, aligeirada e pragmática. E

isto, de certa forma, também foi aplicado ao complexo da arte.

Vejamos a seguir algumas considerações sobre a totalidade do domínio do

sistema capitalista nas palavras de Mészáros (2003, p. 96):

Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente absorvente – e, neste importante sentido, 'totalitário' – do que o sistema do capital globalmente dominante, que sujeita cegamente, os mesmos imperativos a questão da saúde e a do comércio, a educação e a agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios critérios de viabilidade, desde as menores unidades de seu “microcosmo” até as mais gigantescas empresas transnacionais, desde as mais íntimas relações pessoais aos mais complexos processos de tomada de decisão dos vastos monopólios industriais, sempre a favor dos fortes e contra os fracos.

O sistema do capital é dominante. Absorve tudo o que lhe convém e sujeita

todos ao seu controle, sempre priorizando os mais fortes. Mészáros (2006, p. 176)

afirma que “Marx levantou a questão de uma maneira qualitativamente diferente. Ele

apresentou essa tendência artística como uma condenação do capitalismo,

vislumbrando medidas – uma transformação radical na sociedade – pelas quais ela

deveria ser detida”. Existe uma grande necessidade de mudança, e como se pode

perceber, as reflexões de Marx sobre a estética estão muito ligadas a outros de seus

pensamentos.

O complexo da arte, na sociedade capitalista, é atingido de muitas

maneiras, uma delas é o fato de que a arte se tornou instrumento da burguesia, pois

ela é tida como mercadoria e pode ser vendida por preços altíssimos. Isso gera um

grande impasse para que a classe trabalhadora não desfrute de suas riquezas, com

efeito, também não terão acesso ao estado de elevação que a arte causa em cada

indivíduo. A arte, nos dias de hoje, é usada para fins mercadológicos. O mercado

conseguiu dominar – não sem contradições – até mesmo a cultura e vem cada dia

mais conseguindo inúmeros lucros.

O artista também é atingido de maneira muito significativamente pelo

capitalismo e isso ocorre pelo fato dele ser o responsável por criar obras de arte

capazes de causar a catarse no indivíduo, levando-o a enxergar a vida de um modo

diferente. O artista é alvo do sistema, pois quanto menos rica espiritualmente a obra

de arte for, maior será a chance de ela não cumprir seu papel social. Destarte, o artista

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124

fica cada vez mais distante de sua obra, pois muitas vezes ele produz apenas o que

pode ser vendido, porquanto, como qualquer ser humano ele precisa satisfazer suas

necessidades básicas de sobrevivência, tornando-se assim, um escravo do mercado.

A atual crise estrutural do capitalismo, na qual a arte se encontra

profundamente inserida, aliena o artista a fim de que esse não possa se identificar

com a realidade humana. Como diz Mészáros (2006), essa crise artística tem raízes

profundas no poder envolvente da alienação. Conforme esse poder se intensifica, é

cada vez mais negada ao artista a possibilidade de identificar-se com as tendências

fundamentais da realidade humana historicamente dada. O autor revela ainda os

efeitos negativos sobre a arte, com relação ao artista e ao público receptor:

O fato de 'a força galvano-química da sociedade' (dinheiro) dominar o seu trabalho significa que esse último perde seu sentido direto e, sujeito as leis da comercialização, torna-se um simples meio para um fim alheio. Para reconquistar o sentido de seu trabalho o artista tem de romper com a interferência paralisadora do mercado de arte e estabelecer uma relação inerentemente artística com o seu público. O próprio público não é menos afetado pela comercialização generalizada do que o artista, o que torna a tarefa deste último duplamente difícil (MÉSZÁROS, 2006, p. 185).

O dinheiro por meio do trabalho sujeita o artista às leis do comercio, sendo

necessário que o mesmo rompa com as interferências do mercado para seu trabalho

encontrar sentido. O público receptor das obras de arte também é afetado pelo

sistema, não os permitindo identificar-se com a obra, de modo que a tarefa do artista

se torna duplamente difícil.

O problema dessa sociedade é que ela nega à grande maioria dos homens

o poder de usufruírem os sentidos integralmente. Como consequência desse ato, a

falta de educação estética faz com que as pessoas, imersas em seu próprio cotidiano,

estranhem a arte. A grande parte do gênero humano, dentre eles a classe

trabalhadora inteira, são impedidos de conhecer, ver, sentir e ouvir muitos aspectos e

áreas das obras de arte.

Por não haver uma aproximação mais íntima do ser humano com a estética,

por meio de uma educação estética, ele chega muitas vezes a estranhar a arte, que

contém valores espirituais únicos. Como consequência desse fato, ele continua

acomodado em seu mundo, sem compreender na íntegra o real sentido da arte, e da

realidade que o cerca; vendo, ouvindo e sentido algo, que muitas vezes nos deixa

dúvida se realmente podem ser considerados ou classificados como arte. No entanto,

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125

não temos aqui a intenção de apresentarmos juízo de valor sobre essa problemática,

pois nos falta as condições necessárias para que ousemos na crítica de arte.

Esperamos que uma investigação específica a esse respeito possa avançar sobre a

problemática do que é arte autêntica no capitalismo em sua versão de crise estrutural.

Consideramos que a própria forma de subsistir do homem se apresenta

como um grande problema causado pelo sistema capitalista e sua crise estrutural em

relação à tarefa de emancipar todos os sentidos humanos. Porquanto, o indivíduo

encontra-se alienado e, por isso, torna-se difícil para o mesmo apropriar-se de sua

omnilateralidade. Pois sua atenção está voltada apenas, no agora, no essencial, que

é a sua sobrevivência. E, infelizmente, a sociedade, a qual nós nos encontramos

inseridos, não nos oferece nenhum meio possível para reverter esta situação.

A tarefa de “emancipar todos os sentidos e atributos humanos” está longe de ser resolvida por uma compreensão correta das complexas inter-relações dos poderes humanos. O problema, como Marx o vê, consiste no fato de que o homem, devido a alienação, não se apropria de sua “essência omnilateral como um homem total”, mas limita sua atenção à esfera da mera utilidade. Isso acarreta um extremo empobrecimento dos sentidos humanos (MÉSZÁROS, 2006, p.183, aspas do original).

Outro grave problema que a arte vem enfrentando é com relação ao

consumo da mesma. A obra de arte não deve ser consumida como um objeto de

utilidade. Ela é muito especifica e esse é um grande problema que a arte vem

enfrentando na sociedade capitalista, seu modo adequado de consumo. Nas palavras

de Mészáros (2006), a obra de arte por seu caráter específico, exige um modo

especifico de consumo. A principal razão dos sofrimentos da arte na sociedade

capitalista consiste em ser muito difícil assegurar as condições necessárias ao modo

de consumo adequado à verdadeira obra de arte.

Se a obra de arte é vista apenas como um objeto comercial, então seu real

sentido e sua verdadeira essência, que foram aprofundados no ponto anterior, não

serão alcançados. Nesse aspecto, na sociedade capitalista, a arte tem deixado muito

a desejar, uma vez que o foco principal do sistema é o lucro que a obra pode gerar.

Não importa para o capital a forma que a arte será consumida.

Como qualquer outra atividade, a arte envolve o consumo, e a natureza de cada forma particular de consumo revela o caráter especifico da atividade em questão. Portanto, se uma obra de arte é consumida como simples objeto de utilidade, isso mostra que há alguma coisa de errado em seu ser especifico como obra de arte (MÉSZÁROS, 2006, p. 186).

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126

O consumo da arte nos parece, na concepção de Mészáros, existir para

suprir uma necessidade de outro tipo, e não a da própria arte, o que gera mais um

distanciamento no verdadeiro sentido do complexo em questão. Pelo fato de o ser

humano estar alienado, ele não consegue fazer uso de maneira correta da arte, pois

esta serve para suprir uma necessidade vinda diretamente da falta de arte e não outra

necessidade qualquer. “Desse modo, já que o consumo da obra de arte não pode ser

motivado por uma necessidade natural direta, o consumo artístico só pode se realizar

onde existe uma necessidade de algum outro tipo” (MÉSZÁROS, 2006, p. 189).

Consideramos que a arte consiste em prover às necessidades dos seres

humanos por ela e torná-los cada vez mais humanos ao longo de seu

desenvolvimento. E o mais importante, ela deve ser para todos, na mesma proporção,

nenhum ser humano deveria ficar sem o contato com a arte, pois ela é de grande valor

para a construção de um ser humano genérico social. “A arte, nesse sentido, é um

'fim em si mesmo' e não um meio para fim que lhe é exterior. Mas, a arte concebida

nesses termos, não é uma das especialidades entre as muitas preservadas para os

poucos afortunados, e sim uma dimensão essencial da vida humana em geral”

(MÉSZÁROS, 2006, p. 191).

Em diálogo com Lukács, Moreira e Moraes (2017) acentua que o artista na

atualidade se encontra como um produtor de mercadoria no que se refere ao mercado,

porquanto aquele está submetido às leis deste. Desta forma, além de o artista perder

o caráter imediato com seu público, o capital torna-se o mediador dos mesmos: “as

relações capitalistas são, desde sua gênese, objetivamente voltadas à universalização

das relações sociais, e por isso a arte também sofre em seu interior suas

consequências”. (MOREIRA E MORAES, 2017, p. 77). Diante da forma de relação

social capitalista ocorreu grande perda na produção de obra de arte autêntica.

Portanto, o individualismo engendrado pelo sistema capitalista gesta uma visão de liberdade abstrata, amorfa e empobrecedora, em que o contato entre a artista e o mundo sofre uma série de implicações fetichizadas. Esse processo é paulatinamente aprofundado, e com o tempo e amadurecimento do sistema cristaliza-se num modo de vida predominante. (MOREIRA E MORAES, 2017, p. 77).

Sendo assim, a arte segue com uma produção de obras decadentes, com

o objetivo de tornar-se lucrativa, e por isso está voltada para o consumo em massa.

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127

Sob efeito e domínio do sistema, a arte segue envolvida na lógica mercantil. Nessa

lógica, o artista transforma-se em uma marca: “Com efeito, da tendência objetiva da

alienação e do estranhamento do homem ante o mundo, o artista, como homem social

e histórico que é, refugia-se na sua individualidade isolada”. (MOREIRA e MORAES,

2017, p. 78). Em consequência, as obras de arte não conseguirão expressar a

essência de seu mundo. O ato do artista se refugiar em sua individualidade faz com

que sua obra distorça a realidade de modo que não faça sentido algum para os dramas

humanos. Esse é um grande problema que a arte enfrenta no capitalismo, pois quando

o artista age desse modo nega o mundo humano, sua mundanidade, visto que o

criador se subordina aos ímpetos do capital, e por isso, contribui para sua reprodução.

Deste modo, a arte segue o caminho da superficialidade ou do

subjetivismo, em que o artista provoca pouco impacto com relação às questões de

seu tempo:

Enquanto o artista em seu trabalho criativo não superar essa separação e não resgatar na relação com seu público, ou melhor, no próprio homem, na humanidade real, a unidade oculta e contraditória entre sentimento e intelecto, será impossível uma arte realista. (MOREIRA E MORAES, 2017, p. 85).

Uma arte realista ainda é possível de ser produzida nos nossos dias

cumprindo com seu papel e desvendando os problemas humanos. Por isso, os

pesquisadores afirmam ser primordial de que os indivíduos se apropriem do

patrimônio artístico. A grande arte deve fazer parte de nossas vidas. Uma obra de arte

autêntica, visto que nem toda arte cumpre seu papel.

Portanto, há uma necessidade de libertar tanto a arte como as demais

categorias sociais das leis do capitalismo, assim como advertiu Marx. Mészáros (2006,

p. 192), considera “o que Marx ressaltou repetidamente foi a necessidade de libertar

as atividades vitais – não importa se muitas ou poucas – das leis férreas da economia

capitalista, que afetaram tanto a arte como outras coisas”. Para Tonet (2007), quanto

menos cada um expressar sua formação humana integral (moral, artística, cultural,

intelectual), tanto maior será sua alienação e isso se deve, em larga medida, as

amarras ocasionadas pelo sistema capitalista.

Essas são características do que ocorre com a arte nos dias atuais, a

desumanização do capitalismo prestes a ruir lança uma sombra sobre o complexo

artístico. O sistema em sua decadência busca proteger e garantir os seus próprios

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128

interesses. No entanto, embora seja cada vez mais raro, ainda existem “esplêndidas

ilhas” que conseguiram manter uma criação artística autêntica. Destarte, o artista

precisa travar uma luta não só contra o capital em crise, mas com todo aparelho social

que põe em circulação pseudo-arte6 sob etiqueta de arte.

6 Sobre a reação entre elementos estético e pseudo-estéticos, ver o volume 4 da Estética de Lukács (1967).

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129

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa realizou uma análise de um importante complexo social

(artístico) que envolve categorias essenciais para compreendê-la (trabalho e

educação) em um momento histórico que traz grandes incertezas para a vida humana

em suas mais diversas áreas, quando o sistema global de produção capitalista

vivência uma crise sem precedentes. Para tanto, utilizaremos orientados pela própria

pesquisa o método do materialismo histórico dialético, por ser o único a garantir a

possibilidade de alcançar nosso objetivo.

O reflexo estético opera na realidade humana em seu cotidiano, por isso

mesmo só poderia ser compreendido por um método que também se aproxima da

realidade. Destarte, o método indicado por Marx “Considera a unidade material do

mundo como um fato real. Todo reflexo é, portanto, fruto dessa realidade”. O

materialismo é, pois, o único que considera “as formas da objetividade, as categorias

correspondentes aos objetos e suas relações, produtos (...) de uma realidade objetiva

que existe independente da consciência”. (SANTOS, 2017a, p. 17 - 24).

Nessa perspectiva, nossa pesquisa veio tratar sobre a relação que envolve

a crise estrutural do sistema do capital com o complexo artístico; os rebatimentos

advindos sobre a arte em um momento tão delicado para a vida humana e para as

relações sociais. Para tanto, trouxemos quatro objetivos específicos que nos

permitiram alcançar o objeto desejado. Primeiramente propomos contextualizar o

modo de produção capitalista, traçando uma breve análise de como se constitui até

chegar ao momento de crise profunda do sistema. Tal objetivo específico englobou

ainda as características das crises, tanto as cíclicas como a estrutural. Esse objetivo

responde como e porque dos rebatimentos da crise na arte, como também na

educação dos sentidos.

A análise do modo de produção capitalista bem como a de suas crises foi

imprescindível para contextualizarmos e compreendermos não apenas o próprio modo

de produção no qual estamos inseridos, mas também o momento atual. A partir do

estudo do MPC e de suas crises constatamos que essa crise estrutural é uma resposta

aos longos anos que o sistema do capital veio agindo conforme seus desejos

expansionistas, que de forma egoísta nunca se reocupou em resolver definitivamente

nenhuma dos impasses gerados pelo seu próprio processo de produção, remediando

os problemas que se tornaram uma gigantesca bola de neve que acabou por se

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130

explodir por volta da década de setenta, causando uma grande crise estrutural no

sistema.

O modo de produção capitalista se ergue envolto a inúmeras revoluções,

trazendo consigo características peculiares, por ser um modo de produção de

mercadorias e pelo acúmulo e apego ao dinheiro. Após um período de

desenvolvimento, o capitalismo começou a sofrer com crises econômicas que apesar

do grande impacto na economia não poderiam acabar com o capitalismo, uma vez

que elas são próprias do sistema. Portanto, apesar de as crises capitalistas

provocarem interrupções no processo de produção, serão elas as responsáveis por

reanimar o comercio a partir das quatro fases (crise, depressão, retomada e o auge)

do ciclo econômico que ocorrem dentro das crises cíclicas.

O modo de produção conseguiu assim um desenvolvimento extraordinário

a ponto de dominar quase todas as áreas sociais da vida humana. Desta forma,

categorias como arte, educação e até mesmo o próprio trabalho ficam sujeitos ao

controle do sistema e vulneráveis a quaisquer consequências que este último possa

causar. Assim como ocorreu quando o capitalismo entrou em uma crise profunda que

acabou por afetar a vida humana, o meio ambiente e os complexos sociais.

O capital em si não passa de um modo e um meio dinâmico de mediação reprodutiva, devorador e dominador, articulado como um conjunto historicamente específico de estruturas e suas práticas sociais institucionalmente incrustadas e protegidas. É um sistema claramente identificável de mediações que, na forma adequadamente desenvolvida, subordina rigorosamente todas as funções de reprodução social – das relações de gênero e família até a produção e a criação das obras de arte – à exigência absoluta de sua própria expansão, ou seja: de sua própria expansão constante e de sua reprodução expandida como sistema de meditação sociometabólico. (MÉSZÁROS, 2011, p. 188).

É próprio do capital ser um modo de produção dominador. Sua busca

incontrolável pelo lucro trouxe-nos a vivência de momentos de grandes incertezas.

Quando uma crise de diferente de todas as outras que afeta a totalidade dos

complexos sociais, provoca catastróficos efeitos aos recursos naturais e deteriora as

condições do desenvolvimento humano. A solução para esta crise implica em eliminar

seu total controle sobre o trabalho, no entanto, esta é uma tarefa que só poderá ser

realizada para além do capital, como afirma Mészáros.

Com a crise estrutural, o sistema busca um equilíbrio para manter a

estabilidade de sua própria natureza e, portanto, cria novas estratégias que aumentam

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ainda mais as contradições entre capital-trabalho. Outro dos objetivos escolhidos para

alcançar o objeto da pesquisa foi analisar a categoria do trabalho enquanto complexo

social fundante de todos os demais complexos, fizemos assim, um estudo mais

detalhado da categoria pelo grau de importância para o objeto principal da pesquisa.

Destarte, realizamos uma averiguação do trabalho em diferentes momentos e como

ele chama à vida, os outros complexos sociais. Entre os tais, dois importantes

complexos para o desenvolvimento da pesquisa, o da educação e o da arte.

O trabalho é o ato de agir sobre a natureza de modo teleologicamente

orientado ao passo que à medida que a transforma também sofre transformações. É

essa categoria também responsável pela criação de todos os outros complexos

sociais, mediante um longo processo de desenvolvimento. Portanto, a importância

dessa categoria assenta-se não só em revelar como ocorre o processo de criação dos

complexos artístico e educativo, mas ainda por demonstrar que enquanto categoria

base da vida humana, qualquer ação sobre si implica uma reação na totalidade social.

Para uma análise de qualquer categoria se deve primeiramente

compreender seu processo inicial que ocorre no trabalho, considerando-os como

produtos de necessidades sociais. Portanto, ele surge como orientador e criador de

um mundo propriamente humano, uma vez que em sua realização novos

conhecimentos geram novas necessidades que só poderão ser respondidas,

adequadamente, mediante um complexo social específico, e desta forma surgem

novos complexos.

Enquanto categoria base, o trabalho carrega em si um importante papel

social, portanto, ao subordinar o trabalho aos seus desígnios, o capital adquire um

domínio sobre as relações sociais. Esse controle sobre a vida humana foi se

intensificando a cada desenvolvimento do capitalismo até chegar a um estágio em que

o próprio trabalho converteu-se em trabalho estranhado e se tornou uma simples

mercadoria. Nesse momento, praticamente a totalidade dos atos de trabalho estão

subordinados ao capital.

Deste modo, o trabalho passa de elemento realizador do ser humano para

elemento de sua negação e ao invés de necessidade do homem, ele se torna uma

obrigação imposta pelo sistema para satisfazer as necessidades deste último. Quanto

mais o sistema capitalista se desenvolvia maior era seu domínio, o que impedia o

desenvolvimento humano, viso que o trabalho realizado pelo homem já não serve para

satisfazer suas necessidades, mas os anseios do sistema. A personalidade humana

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também é afetada quando os complexos são privados de sua realização social, como

ocorre no caso da educação e da arte aqui apresentados.

Os complexos da educação e da arte também foram estudados em detalhe,

visto que a história de tais complexos era um de nossos objetivos específicos, com o

intuito de clarear nossa pesquisa. A educação surge quase que ao mesmo tempo em

que o trabalho e mantém com ele uma dependência ontológica e autonomia relativa.

Ela surge em resposta à necessidade de repassar os conhecimentos adquiridos no

processo de trabalho às gerações futuras. No entanto, o complexo educativo por ser

uma categoria até certo ponto, autônoma do trabalho, se desenvolveu grandemente.

Portanto, fizemos uma apresentação da educação em diferentes momentos

históricos a fim de demonstrarmos o excepcional e mutável processo de

desenvolvimento do complexo educativo. Apesar das inconstantes mudanças, o

complexo educativo não conseguiu dentro do modo de produção capitalista alcançar

uma educação omnilateral, visto que tal proposta não corresponde aos desejos

capitalistas. Essa formação humana omnilateral é responsável por capacitar o homem

em todos os sentidos.

Para isto surge a educação estética como uma condição vital para o

desenvolvimento da arte. Ela transforma a satisfação unilateral, predominante em

nossa sociedade. Sem uma educação estética, é menos provável que o homem

consiga usufruir adequadamente das obras de arte, e assim, consiga alcançar o

estado de elevação enriquecedor provocado pela obra de arte autentica.

A criação artística, em circunstâncias adequadas, é considerada por Marx como uma atividade livre, como uma realização adequada do ser humano em toda a sua riqueza. Só em relação a um ser natural pode a questão da liberdade ser levantada como uma realização que está em harmonia com a determinação interior desse ser, e somente nessa relação pode a liberdade ser definida em termos positivos. (MÉSZÁROS, 2006, p. 191).

O complexo artístico também tem origem no trabalho. Os complexos

secundários são parte de um todo. Compondo o quadro da totalidade e o do trabalho

é a base de todos eles. No entanto, em comparação com os complexos educativo e

científico, o artístico é considerado um complexo tardio, porquanto ele surge na

história humana quando já existe certo desenvolvimento da técnica. O

desenvolvimento do trabalho potencializou o surgimento da arte por meio do ritmo, de

que se desprende a satisfação estética.

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Somada ao ócio, a técnica permite o desligamento da arte do trabalho. Com

o aumento dialético das forças produtivas, a técnica produziu mais ócio e assim cria-

se a superfluidade o que constitui o reflexo artístico. Deste modo, enquanto resultado

da história do homem, a arte revela o aspecto de dependência ao trabalho e do

desenvolvimento dos cinco sentidos.

O complexo artístico é o responsável pela riqueza espiritual da humanidade

e em articulação com a educação é capaz de desenvolver os sentidos humanos. Tanto

a criação como a recepção da arte surge mediante necessidades vivenciadas no

próprio cotidiano, por isso ela é orientada para a vida cotidiana, sua origem e finalidade

são de pessoas para pessoas. Quando a arte alcança os elementos de elevação

humana, ela ergue o indivíduo em sua forma superior de abstração acima da

fragmentação da sociedade.

Quando o indivíduo se depara com uma arte autêntica, ela eleva-o acima

das contradições da sociedade. No momento em que ocorre a elevação, o ser humano

reflete seu próprio cotidiano, elevando a consciência sensível e em seguida ele retorna

ao cotidiano, que por sua vez continuará caótico. No entanto, o indivíduo voltará

diferente; esse processo ocorre quando o homem busca sua inteireza. Essa elevação

a um nível destacado de humanização causada pela arte é chamada de catarse.

No entanto, no atual momento de crise do capital, os complexos sociais,

sobretudo o trabalho, vem sofrendo grandes impactos. A alienação capitalista atinge

o homem em relação à natureza, a si próprio e a sua atividade. Tal alienação

capitalista é uma busca desesperada do sistema para continuar existindo, por isso,

ele busca dominar todas as áreas da vida. Quando a humanidade se colocou como

um objeto, ela se alienou. Deste modo, o complexo da arte não pôde isentar-se das

consequentes relações capitalistas.

Nesta perspectiva, o complexo artístico age, na maioria das vezes, de

modo a impedir o desenvolvimento humano, visto que estão sobre o domínio do

sistema capitalista e sua ambição. No entanto, o termo alienação foi historicamente

criado e, portanto, possível de ser superado em um determinado momento histórico.

Essa superação da alienação deve ocorrer no trabalho por ser este, o complexo base,

fundante e estrutural da sociedade.

A partir da alienação capitalista a formação dos cinco sentidos que é

resultado de um trabalho de toda a história humana vivencia em sua evolução dos

sentidos uma crise estética geral quanto aos valores e padrões. Destarte, se faz

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necessário uma transformação nas relações humana a partir da educação estética do

homem, para que a criação e o gozo artístico possam se realizar. Em um mundo

dominado pelos desejos alienantes e capitalistas, não seria possível a educação

estética se realizar plenamente. O homem cheio de preocupações é impedido, pela

sua condição, de viver uma educação estética de qualidade. Por isso, os problemas

da formação estética não podem ser separados dos demais aspectos da educação.

A educação estética é uma tentativa de enfrentar a desumanização dos

processos educacionais na sociedade capitalista, passando a ser um aspecto da crise

que vem crescendo a cada dia mais. Uma educação estética adequada para o homem

não pode estar limitada a uma sociedade alienada, visto que sua realização envolve

a totalidade dos complexos sociais em uma relação dialética, sendo improvável que

programas isolados de educação estética ou mesmo apenas o complexo da arte,

apesar de algumas vezes ainda se realizar autenticamente, consigam solucionar

sozinhas a racionalidade capitalista.

A educação omnilateral só é possível em uma sociedade que tenha

superado a alienação capitalista em todos os sentidos e assim já tenha produzido o

homem em sua essência, pleno. O homem só consegue alcançar seu estado

omnilateral enquanto um ser total, completo, com capacidade de usar seus sentidos

plenamente e por isso omnilateral. Destarte, o fenômeno da alienação é intenso e

possui um assustador domínio sobre os complexos sociais, inclusive o artístico, o que

ofusca os elementos que naturalmente estão vinculados à arte autêntica.

Deste modo, a arte é atingida profundamente pela crise capitalista e está

voltada mais intensamente para a alienação humana do que para a omnilateralidade.

Nosso último objetivo específico, que em conjunto com os anteriores, responderá por

completo o objetivo geral da pesquisa visa verificar os motivos que levam a

fragmentação dos sentidos na sociedade capitalista. Para tanto, analisamos alguns

aspectos relacionados à arte, as principais foram o artista e a obra.

O artista é diretamente afetado com a crise do capitalismo. Na sociedade

atual, ele vive com o cotidiano uma relação de desespero frente aos imperativos de

sua sobrevivência e por muitas vezes tende a escolher entre uma arte autêntica e

suas necessidades para sobreviver. Na maioria das vezes torna-se improvável que o

artista consiga refletir na arte o momento histórico, visto que o desenvolvimento

econômico induzido pelas forças do capital é quem determina as relações artísticas.

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O artista tem um importante papel no resgate da arte, no entanto, com as

relações capitalistas seu papel se torna ainda mais difícil, visto que qualquer solução

para as contradições capitalistas implica em ir para além do capital. Portanto, cabe ao

artista despertar da solidão e da alienação que o envolve na busca por uma

transformação da sociedade. A obra de arte também é atingida de muitas maneiras.

Um dos aspectos é o fato de ela ter se tornado instrumento da burguesia, na maioria

das vezes acessível somente mediante preços altíssimos, o que impede o contato da

classe trabalhadora.

À medida que a arte se torna mercadoria, ela segue sua produção de obras

decadentes. Com a intenção de ser lucrativa volta-se para o consumo em massa. É

mediante o domínio do sistema que a arte segue na logica mercantil. O artista

transforma-se em uma marca. Em consequência da lógica mercantil, a arte não

conseguirá expressar seu real sentido, ao ser produzida distorcida da realidade de

modo a não fazer nenhum sentido com os dramas humanos. O próprio público é

lesado no que concerne à alienação artística, quando não se identifica com as obras

de arte produzidas.

Portanto, na busca por sua totalidade mediante uma relação de

envolvimento entre as atividades indispensáveis ao ser social, a arte traz uma nova

visão da vida humana. O complexo da arte, assim como todos complexos sociais, é

diretamente afetado pelo fenômeno da alienação. No entanto, estamos vivenciando

um momento em que pela primeira vez na história, o capitalismo é confrontado pelas

suas próprias contradições. O que não pode ser adiado. Deste modo, existe a

necessidade de libertar todas as relações humanas das amarras do capitalismo.

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