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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO E ENSINO JOÃO PAULO GUERREIRO DE ALMEIDA MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO - MOBRAL: MEMÓRIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DO JAGUARIBE/CE (1972-1979) LIMOEIRO DO NORTE - CE 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL

MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO E ENSINO

JOÃO PAULO GUERREIRO DE ALMEIDA

MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO - MOBRAL: MEMÓRIAS E

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DO JAGUARIBE/CE

(1972-1979)

LIMOEIRO DO NORTE - CE

2017

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JOÃO PAULO GUERREIRO DE ALMEIDA

MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO - MOBRAL: MEMÓRIAS E

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DO JAGUARIBE/CE

(1972-1979)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Educação. Linha de pesquisa: Trabalho, educação e movimentos sociais.

Orientadora: Profª. Dra. Sandra Maria

Gadelha de Carvalho.

LIMOEIRO DO NORTE – CE

2017

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Dedico este trabalho a todos e todas que

reforçam a luta diária em favor de uma

sociedade mais justa e livre das amarras

do capital!

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AGRADECIMENTOS

Ao criador, primeiramente, pelas graças alcançadas, ouvir-me ao dormir e acordar,

sempre que peço que olhe pelos seus filhos durante o dia.

À minha família: Conceição Guerreiro, Memê, minha mãe, um exemplo de pessoa, a

qual cuidou por muitos anos dos meus avós... Seu cuidado, indiretamente,

possibilitou a preservação da memória acerca do MOBRAL que ainda acompanhava

nossa avó Neci; Paulo Roberto (pai), pelo incentivo à educação ao longo da

vida;meus irmãos e irmãs, em especial Taísa Guerreiro, sempre presente comigo,

minha maior confidente; avós maternos (in memorian), os quais me incentivaram

sempre e contribuíram significativamente com o meu acesso à educação.

À minha orientadora e amiga Sandra Maria Gadelha de Carvalho, exemplo de

professora e ser humano, pela contribuição imensa para a minha formação enquanto

professor e pesquisador. No início da graduação em Pedagogia, por pouco fui

reprovado por Sandra Gadelha, na disciplina Introdução à Sociologia, em virtude do

rendimento insatisfatório. Na disciplina posterior, Sociologia da Educação I, tive um

melhor rendimento na avaliação qualitativa e recebi um recadinho: ―Você melhorou

muito em relação ao semestre anterior!‖. Desta forma, é uma pessoa bastante

estimada, que me acompanha desde 2010, quando ingressei no Laboratório de

Estudos da Educação do Campo – LECAMPO, onde dei meus primeiros passos na

Iniciação Científica e militância com os Movimentos Sociais. Em sala de aula, na

disciplina Educação e Diversidade, foram várias discussões, as quais muito

contribuíram com a minha atuação profissional.

Ao professor José Ernandi Mendes, do curso de Pedagogia da FAFIDAM e do

Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino – MAIE, que desde os

primeiros dias de graduação, vem contribuindo com a minha formação acadêmica

quando da inserção de discussões pertinentes em suas aulas, sobretudo acerca do

racismo, machismo e homofobia, as quais levo para a minha prática pedagógica.

Agradeço ainda pela disponibilidade desde a qualificação do trabalho, culminando

com o enriquecimento do estudo em sua fase final.

À professora Eliane Dayse Pontes Furtado, a qual conheci quando comecei a

participar de alguns encontros do Núcleo de Referência em Educação de Jovens e

Adultos – História e Memória: NEJAHM. Fica o agradecimento pelo acolhimento no

NEJAHM, nos instigando e motivando a desenvolver estudos na EJA. Diante disto,

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não poderia deixar de contribuir com esta investigação. Muito obrigado pelas

orientações desde o exame de qualificação. Estamos bem acompanhados!

Aos professores e professoras do colegiado do Mestrado Acadêmico Intercampi em

Educação e Ensino, os quais contribuíram significativamente com a minha formação

acadêmica.

À Coordenadora do MAIE, professora Maria Das Dores Mendes Segundo, por

encarar o desafio de estar à frente de um curso de pós-graduação stricto sensu no

interior do estado, neste contexto em que se tenta limitar o acesso à educação aos

filhos da classe trabalhadora. Sua contribuição à minha formação vem desde a

disciplina de Economia Política e Educação, no curso de Pedagogia, posteriormente

aprofundando estes estudos no Mestrado.

Aos sujeitos que contribuíram com o estudo sobre o MOBRAL, emprestando suas

vozes para esta investigação.

Às colegas do MAIE e também amigas, em especial Diana, Elenice (Leninha),

Janine, Luciana e Renata. A amizade com estas moças vem extrapolando os muros

da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos – FAFIDAM.

Aos grandes amigos que estiveram comigo nos momentos de alegria, mas também

nos momentos de aflição: Aline Paiva, Ana Elita, Camila Dayse, Daiane Barbosa,

Edleuza Silva, Gabriele Nascimento, Juliana Carvalho, Kamila Raulino, Lunian

Fernandes, Márcia Silva, Mila Nayane, Nara Gomes e Wanessa Pinheiro.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES pelo

fomento à realização desta pesquisa.

Aos companheiros e companheiras que seguem na resistência contra os

usurpadores do poder e reforçam o imperativo: Fora, Temer!

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram com a minha formação

acadêmica e profissional, o meu muito obrigado!

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RESUMO

Criado em 1967, durante o Regime Militar, o Movimento Brasileiro de Alfabetização

– MOBRAL foi um Programa destinado à erradicação do analfabetismo no Brasil.

Para isto, desenvolveu atividades de alfabetização funcional, educação integrada e

educação cultural. Neste trabalho, teve-se como objetivo analisar a atuação do

Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL em São João do Jaguaribe, no

período compreendido entre 1972 e 1979, de forma contextualizada, observando os

limites enfrentados e possibilidades de autonomia na prática pedagógica nos

Programas de Alfabetização Funcional - PAF e Educação Integrada - PEI, bem

como as repercussões destes nas vidas dos alunos. Para o desenvolvimento desta

pesquisa, recorreu-se a Le Goff (1990), o qual discorre sobre a categoria analítica

memória; Paiva (1973), Paiva (2005), Januzzi (1979) Coelho (2007), Gomes (2012),

Furtado e Pereira (2015) e Almeida e Carvalho (2015), a fim de discutir a Educação

de Jovens e Adultos com um breve histórico das ações desenvolvidas no Brasil e no

Ceará, entre as décadas de 1950 e 1960, culminando com criação do MOBRAL.

Ainda realizaram-se entrevistas com a participação de ex-professoras, ex-alunos,

membros da Comissão Municipal e da Coordenação Estadual do MOBRAL, na

perspectiva de (re)construir a memória existente sobre o Programa. Em pesquisa de

campo, constatou-se a existência de atividades de turmas de alfabetização funcional

e educação integrada, desenvolvidas nos contextos rural e urbano, nos anos de

1972 e 1978-1979, respectivamente. Constatou-se que, através das memórias, os

participantes enriquecem suas narrativas, incorporando avaliações do que

representou a experiência em suas vidas. Refletiu-se, diante das narrativas das

professoras, sobre o rendimento das atividades nestes contextos, em que as

atividades desenvolvidas no âmbito rural tiveram rendimento abaixo do esperado,

evasão acentuada, desestímulo e cansaço físico dos alunos. Na turma de educação

integrada, segundo a professora, alguns alunos conseguiram ter bom rendimento,

concluindo os estudos e recebendo habilitação para o magistério. No que concerne

à autonomia na prática pedagógica, as professoras relataram que não sofreram

repressão e que podiam inserir outros conteúdos no processo de alfabetização e

escolarização no MOBRAL, no entanto, deveriam colocar em primeiro plano as

orientações do MOBRAL Central. Sobre os alunos, constatou-se que a maioria

buscava a alfabetização com a intenção de aprender a escrever a fim participar

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como eleitor, e alguns relatam terem sido vítimas de preconceito. O Programa teve

também atividades inovadoras, como a MOBRALTECA - biblioteca ambulante que

trazia livros para emprestar à população. Os resultados do estudo denotaram que o

MOBRAL foi um programa que beneficiou parte da população São-Joanense,

entretanto, alguns dos seus objetivos e práticas pedagógicas deveriam ter sido

repensados e melhor desenvolvidos.

Palavras-chaves: MOBRAL. Memória-São João do Jaguaribe. Autonomia docente.

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RESUMEN

Creado en 1967 durante el régimen militar, el Movimiento Brasileño de

Alfabetización - MOBRAL fue un programa de erradicación del analfabetismo en

Brasil. Para esto, desarrollado actividades de alfabetización funcional, la educación

integrada y educación cultural. Este trabajo tuvo como objetivo analizar la actuación

del Movimiento Brasileño de Alfabetización - MOBRAL en São João do Jaguaribe

em el período entre 1972 y 1979, en el contexto, la observación de los límites y

posibilidades de autonomía que se enfrentanen la práctica pedagógica em el

Programa la alfabetización funcional - PAF y Educación integrado - PEI, y lãs

repercusiones de éstos en la vida de los estudiantes. Para el desarrollo de esta

investigación, se utilizo el Le Goff (1990), que trata sobre la memoria categoría

analítica; Paiva (1973), Paiva (2005), Januzzi (1979) Coelho (2007), Gomes (2012),

Furtado y Pereira (2015) y Almeida y Carvalho (2015), para discutir la educación de

jóvenes y adultos con una breve historia de las acciones desarrolladas en Brasil y

Ceará, entre los años 1950 y 1960, que culminaron em la creación de MOBRAL.

Aunque las entrevistas se llevaron a cabo com la participación de antiguos

profesores, antiguos alumnos, miembros de la Comisión de la Ciudad y la

Coordinación Estaduale del MOBRAL, com el objetivo de (re) construcción de la

memoria existente en el programa. En la investigación de campo, se constato la

existencia de actividades de clases de alfabetización funcional y la educación

integrada, desarrollado en contextos rurales y urbanos em los años 1972 y 1978-

1979, respectivamente. Reflejado, em las narrativas de los profesores em la

realización de actividades em estos contextos, em los que lãs actividades en las

zonas rurales tenían ingresos inferiores a lo esperado, marcada evitación, el

desánimo y la fatiga física de los estudiantes. En la clase de educación integrada, de

acuerdo conel profesor, algunos Estudiantes fueron capaces de tener um buen

rendimiento, completando los estudios y conseguir la clasificación para la enseñanza

el estudiantes, se encontró que la mayoría busco la alfabetización com la intención

de aprender a escribir con el fin de participar como votantes, y algunos reportan

haber sido víctimas de prejuicios. El programa también tuvo actividades

innovadoras, tales como MOBRALTECA - viajando biblioteca que traía libros para

prestar a lapoblación. Se encontró que, a través de los recuerdos, los participantes

enriquecer sus narrativas, incorporación de lãs evaluaciones de representar la

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experienciaen sus vidas. Los resultados del estúdio indican que MOBRAL fue un

programa que benefició parte de la población de San-Joanense, sin embargo,

algunos de sus objetivos y prácticas pedagógicas deberían haber sere planteado y

mejor desarrollado.

Palabras clave: MOBRAL. Memoria-São João do Jaguaribe. Autonomía enseñanza. .

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 1 - Artesanato produzido pelos alunos do Programa de

Alfabetização Funcional.....................................................................

68

Foto 2 - Desfile de Sete de Setembro............................................................. 69

Foto 3 - Filhos de alunos do MOBRAL no desfile de Sete de

Setembro......

70

Foto 4 - Sete de Setembro............................................................................... 70

Foto 5 - Concurso de Mais Bela Monitora..................................................... 71

Foto 6 - Aluno lfabetizado................................................................................ 103

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LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

AI-5

ANL

CEBs

CNBB

COEST

COMUN

CPC

EJA

FAFIDAM

FMI

IBGE

INEP

LECAMPO

MCP

MEB

MOBRAL

NEJAHM

PAF

PBA

PDS

PDT

PEI

PIB

PMDB

PNAD

PP

PT

PTB

SBPC

SEA

Ato Institucional nº 5

Aliança Nacional Libertadora

Comunidades Eclesiais de Base

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

Coordenações Estaduais

Comissões Municipais do MOBRAL

Centros Populares de Cultura

Educação de Jovens e Adultos

Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos

Fundo Monetário Internacional

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos

Laboratório de Estudos da Educação do Campo

Movimento de Cultura Popular

Movimento de Educação de Base

Movimento Brasileiro de Alfabetização

Núcleo de Referência em Educação de Jovens e Adultos:

História e Memória

Programa de Alfabetização Funcional

Programa Brasil Alfabetizado

Partido Social Democrático

Partido Democrático Trabalhista

Programa de Educação integrada

Produto Interno Bruto

Partido do Movimento Democrático Brasileiro

Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar

Partido Popular

Partido dos Trabalhadores

Partido Trabalhista Brasileiro

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

Serviço de Educação de Adultos

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SECAD

SECADI

TFP

UECE

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,

Diversidade e Inclusão

Tradição, Família e Propriedade

Universidade Estadual do Ceará

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15

1.1 CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO ............................................................................. 23

2 CONTEXTUALIZAÇÃO E INSTITUIÇÃO EM SÃO JOÃO DO

JAGUARIBE .............................................................................................................

31

2.1 O CONTEXTO DO ESTADO BRASILEIRO .............................................................. 31

2.2 A CONCEPÇÃO LIBERTADORA NA EDUCAÇÃO POPULAR E DE

JOVENS E ADULTOS...............................................................................................

38

2.2.1 Alfabetizar e conscientizar: o rompimento com a lógica das

cartilhas ...................................................................................................................

41

2.3 CONSEQUÊNCIAS DO GOLPE DE ESTADO NAS EXPERÊNCIAS

DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO BRASIL. ...........................................................

44

2.3.1 O Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL ......................................... 47

3 PERSPECTIVAS DOCENTES SOBRE O MOBRAL................................................ 63

3.1 OS PROGRAMAS DESENVOLVIDOS PELO MOBRAL........................................... 63

3.1.1 O MOBRAL e a Educação de crianças .................................................................. 71

3.2 PROFESSORAS DO MOBRAL: QUEM ERAM? QUAL A

FORMAÇÃO? TINHAM CAPACITAÇÃO? ................................................................

73

3.2.1 As professoras do MOBRAL .............................................................................. 74 74

3.3 EM TEMPOS AUTORITÁRIOS, COMO FICA A AUTONOMIA

DOCENTE NO MOBRAL? ........................................................................................

82

4 O MOBRAL E SUA REPERCUSSÃO NA VIDA DE EX-ALUNAS (OS) .................. 90

4.1 OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS ......................................... .............. 90

4.2 ―EU ERA MOBRAL‖: RELATOS DE PRECONCEITO CONTRA O

ANALFABETO EM SÃO JOÃO DO JAGUARIBE. ....................................................

99

4.3 REDEMOCRATIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO E OS RUMOS

DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .............................................................

107

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 114

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 121

APÊNDICES ............................................................................................................. 128

ANEXOS ................................................................................................................... 131

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1 INTRODUÇÃO

Historicamente, desde as primeiras décadas do século XX, no contexto da

industrialização e urbanização no Brasil, a União fomentou experiências e

posteriormente Campanhas de Alfabetização em massa, quer para atender a

expansão do mercado quando requeria trabalhadores com alguma instrução, quer

por motivos políticos, ligados às eleições presidenciais, para as quais era proibido o

voto daqueles em situação de analfabetismo. Desde então, e por todo o século

passado, a presença do Governo Federal marca a oferta da Educação de Jovens e

Adultos - EJA. Todavia estas ações ou Programas, não raro, foram marcados pela

curta duração e descontinuidade, caracterizando uma intervenção contraditória,

marcada pela oferta e ao mesmo tempo pela não consolidação de uma política

pública articulada à continuidade da escolarização, como apontam Furtado e Pereira

(2015). Tais iniciativas sofreram forte influência dos contextos sociais, políticos e

econômicos, no que concerne aos objetivos e à metodologia desenvolvida.

Apesar dos projetos, programas e ações desenvolvidas e da

determinação do direito a esta modalidade, expressas na Constituição de 1988, que

no artigo 205 define a educação como direito de todos e dever do Estado, e

posteriormente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB de 1996

(artigo 37 1 ), a alfabetização e a escolarização de jovens e adultos ainda se

constituem em um desafio nacional. Considere-se que no último Censo constatou-se

a taxa de analfabetismo da população brasileira na faixa compreendida entre 15

anos ou mais, em um percentual de 9,6%, situação ainda mais grave no estado do

Ceará, com taxa de 17,19% (IBGE, 2010).

Ao observar o percurso da Educação de Jovens e Adultos no contexto

das décadas de 1940 e 1950, no período do Estado Novo, percebeu-se a

organização de Campanhas de alfabetização em larga escala, sobretudo nas

Regiões Norte e Nordeste, que concentravam grande parte dos índices de

analfabetismo existentes. No início da década de 1960, as manifestações da cultura

popular e a revelação da criticidade das pessoas podiam ser percebidas nas ações

dos Centros Populares de Cultura - CPCs da União Nacional dos Estudantes - UNE

1 Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria (BRASIL, 1996).

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e no Movimento de Cultura Popular - MCP liderado por Paulo Freire, que

impulsionou a criação de uma nova metodologia de Alfabetização que se

generalizou chamar ―Método Freireano de Alfabetização de Adultos2‖. A tentativa de

uma educação problematizadora, em que a leitura da palavra e do mundo daria

início a um processo de conscientização, incidiria no conhecer as causas dos

problemas sociais e organização social, atuando na perspectiva de superá-los

(FÁVERO, 2013).

Entretanto, esta tentativa de pensar a educação com valorização da

cultura dos participantes e conscientizadora foi sufocada no ano de 1964 pelo Golpe

Militar e, a partir de então, a educação estaria, prioritariamente, pautada na

formação/instrução de mão de obra para o mercado de trabalho ou como ―dever da

sociedade3‖, reforçando a (des)responsabilização do Estado no que concerne à

garantia de acesso dos cidadãos a este direito. Neste contexto era criado em 1967,

o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, cujas atividades iniciaram-se a

partir de 1969, com o objetivo principal de erradicar4 o analfabetismo no período de

dez anos, desenvolvendo os Programas de Alfabetização Funcional -PAF, Educação

Integrada - PEI e Educação Cultural – PEC.

Tendo como objeto de estudo o MOBRAL, nesta pesquisa aprofundou-se

a discussão sobre como o Programa foi desenvolvido no município de São João do

Jaguaribe na década de 1970, identificando as ações e práticas pedagógicas das

professoras, dando enfoque à memória de docentes e de ex-alunos e alunas.

O interesse em estudar este Programa data de 2010, quando dei os

primeiros passos na pesquisa em Educação de Jovens e Adultos, atuando como

bolsista de iniciação científica do Laboratório de Estudos da Educação do Campo –

LECAMPO 5 , e ao mesmo tempo diante da minha atuação como professor da

2 Expressão empregada por Brandão (2006).

3 Expressão extraída do documento Brasil (1973).

4 Havia a ideia de erradicação da ‗erva daninha‘, advinda da crença no poder da educação.

5 O Laboratório de Estudos da Educação do Campo – LECAMPO está vinculado ao curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos – FAFIDAM, campus da Universidade Estadual do Ceará – UECE em Limoeiro do Norte. O LECAMPO foi criado a partir do edital 03/2006 da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), para criação ou reformas de laboratórios, com a pesquisa sobre as interrelações entre o desenvolvimento socioeconômico do Vale do Jaguaribe e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), na época projeto de extensão da FAFIDAM. O laboratório é coordenado pela Profa. Dra. Sandra Maria Gadelha de Carvalho e tem como temáticas de estudo e atuação, a Educação do Campo, os movimentos sociais e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) na região jaguaribana.

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educação básica, cuja primeira experiência ocorreu em uma turma desta modalidade

de ensino.

Minha inserção se deu, inicialmente, em caráter voluntário. Sob

orientação da Prof.ª Dr.ª Sandra Maria Gadelha de Carvalho, participei do projeto A

Educação de Jovens e Adultos no Vale do Jaguaribe: Incursões na história das

políticas, concepções e ações – 1960 a 2010, cuja investigação concentrava

ações na (re)construção da História e Memória da EJA na Região do Vale do

Jaguaribe. Naquele momento, o LECAMPO contava com oito bolsistas que

desenvolviam estudos de casos nos municípios de Limoeiro do Norte, Tabuleiro do

Norte, Russas, Morada Nova e São João do Jaguaribe. Trabalhei nesta investigação

até o ano de 2011, quando as atividades propostas no projeto foram concluídas e a

bolsa encerrada.

No curso daquele mesmo ano, fui inserido em outro projeto de pesquisa e

dei continuidade ao estudo anteriormente realizado. A pesquisa intitulava-se A

Educação de Jovens e Adultos no Vale do Jaguaribe: Políticas, concepções e

ações 1960 a 2010 (articulada ao Núcleo de Referência em Educação de Jovens e

Adultos – História e Memória: NEJHAM6), desta vez com o auxílio financeiro da

Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP, que

fomentou nosso estudo entre 2011 e 2012.

Durante este período, refleti sobre as várias iniciativas em torno desta

modalidade de ensino ao longo da história, produzi artigos, participei de eventos

científicos, socializei os resultados das minhas investigações e me inseri nos

estudos do Núcleo de Referência em Educação de Jovens e Adultos do Ceará:

História e Memória - NEJAHM.

Conforme já salientado no início, o trabalho de pesquisador incidiu

diretamente na minha atuação como professor da educação básica, pois ampliava-

se minha visão sobre educação como direito subjetivo.

6 O Núcleo de Referência em Educação de Jovens e Adultos – História e Memória – NEJAHM é coordenado pela Profa. Dra. Eliane Dayse Pontes Furtado, com sede na Faculdade de Educação - FACED, da Universidade Federal do Ceará - UFC e conta com a participação de professores e bolsistas desta instituição de ensino, bem como da Universidade Estadual do Ceará – UECE e da Universidade Regional do Cariri - URCA. É um dos Núcleos de Referência em Educação de Jovens e Adultos do Nordeste, ligado à Cátedra Paulo Freire do Fundo das Nações Unidas para a Educação e Cultura – UNESCO, que têm entre seus objetivos fazer o mapeamento de fontes históricas acerca da Educação de Jovens e Adultos nos Estados do Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Paraíba, dos anos de 1960 aos dias atuais.

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Em 2011, fui convocado para substituir, durante 15 dias, uma professora

do II segmento da EJA em Limoeiro do Norte. Eram alunos que tinham a faixa etária

compreendida entre 25 e 65 anos, alguns já casados e com filhos. Na primeira aula,

na disciplina de História, promovemos um debate acerca dos desdobramentos da

Copa do Mundo para a vida do trabalhador brasileiro. Os alunos relataram suas

percepções sobre o assunto e as questões que planejei para o debate tinham a

intenção de instigá-los a uma perspectiva crítica. Nas outras aulas enfocamos a

matemática para o trabalhador, textos de receitas de culinária na disciplina Língua

Portuguesa e, a partir desta, já iniciamos um breve debate sobre gênero.

O trabalho com estes jovens e adultos possibilitou-me conhecer suas

vivências, experiências de vida, anseios e perspectivas. Criamos um laço! Por várias

vezes fui convidado a participar de suas comemorações, feiras de ciências e

atividades pedagógicas. A experiência foi marcante e enriquecedora!

Mais tarde, em 2013, inicio meu trabalho como professor da educação

regular, atuando em duas turmas de 5º ano em uma escola pública da zona rural de

Limoeiro do Norte, na comunidade Cabeça Preta, localizada na Chapada do Apodi.

A realidade daquela escola era diferente do que se presenciava nas escolas do

centro urbano. Foram muitos desafios! As turmas tinham em média 40 alunos, na

faixa etária de 10 a 17 anos. O desestímulo no semblante destes era visível.

A ―distorção série-idade7‖ era um dos motivos para preconceito, que podia

ser percebido na própria fala dos professores durante conversas despretensiosas no

cotidiano: ―Aquela turma tem muitos fora de faixa‖, ―Esse povo não quer nada na

vida‖, ―Vou reprovar a maioria dos fora de faixa. Chegam no 5º ano sem saber

escrever um Ó com uma quenga‖. Confesso que em algum momento não me

contrapus a este discurso, o que contribuía para reforçá-lo. Por outro lado, senti-me

motivado a desconstruí-lo em minha prática pedagógica. Assim, acreditando em

suas capacidades cognitivas, desdobrei-me na atenção aos ―fora de faixa‖ no

decorrer do ano letivo, a ponto de convencer um aluno a não desistir da escola8. Dia

após dia, muitos desafios foram vencidos!

7 Termo utilizado pelos formadores da Secretaria da Educação de Limoeiro do Norte, a fim de dar

conta ao fenômeno de existência de alunos que se encontravam fora da faixa etária considerada regular.

8 A Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental Joaquim Dino Gadelha, na qual lecionei nos

anos de 2013 e 2014, encontra-se localizada na Chapada do Apodi-Limoeiro do Norte, situada na divisa dos estado do Ceará com o Rio Grande do Norte. A Chapada é um território marcado por disputas envolvendo terra, água e saúde, a partir da chegada de empresas multinacionais da

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Todavia, outro desafio surgia ao final do ano letivo. Como o 5º ano é uma

série avaliada pelo Sistema Permanente de Avaliação da Educação Cearense -

SPAECE, os professores destas turmas sofrem grande pressão por parte da

Secretaria Municipal de Educação, tendo em vista a necessidade de alcançar bons

resultados nas avaliações externas - as quais se submetem os educandos, a fim de

alavancar os índices da educação limoeirense.

Diante deste cenário, alguns professores e algumas professoras

sugeriram que fosse criada uma turma de EJA no período noturno para os alunos

com ‗distorção série-idade‘ e ‗problemas de indisciplina‘, pois assim ―eles não

interfeririam nos resultados da escola9‖, Naquele momento vi que os (as) docentes

encaravam a EJA como punição aos alunos ou uma forma de ―se livrar do fardo‖. Fiz

oposição a este movimento, meus alunos não poderiam ter este tratamento! Não tive

problemas trabalhando com os jovens, mesmo estando em uma turma regular cuja

maioria dos alunos eram crianças. Pelo contrário, trabalhar com eles era bastante

prazeroso, pois devido à maturidade, auxiliavam-me na condução da aula com os

pequenos.

Hoje avalio, tais posturas diferenciadas só foram possíveis em virtude dos

estudos, pesquisas e inserção no movimento estudantil, processos nos quais, aos

poucos, fui construindo minhas visões de homem, sociedade e educação,

identificados com a reclamação de uma pedagogia libertadora. Não obstante, a

formação como pesquisador da Educação de Jovens e Adultos contribuiu

significativamente para a minha prática docente, fazendo com que aumentasse meu

respeito por estes sujeitos.

Devo esclarecer que desde muito jovem, trabalhando com meu pai num

pequeno restaurante de sua propriedade, já presenciava as manifestações de

preconceito contra o analfabeto. Quanto a mim, sempre gostei bastante de

matemática, por isso auxiliava meu pai no registro das despesas dos fregueses.

Resumindo, era eu quem fazia as contas! Em determinado momento, solicitado por

certo freguês, calculei seus gastos e entreguei ao mesmo o saldo devedor, a fim de

que este realizasse o pagamento. O senhor percebeu um erro nos meus cálculos e

monocultura de frutos em 1990 (CARVALHO, 2013). Desde então, vem se formando no local a cultura de desenvolvimento econômico e profissional aliado ao Agronegócio, o que influencia os jovens das localidades a evadir-se dos estudos quando atingem a maioridade e empregar-se nas empresas da Chapada ou migrarem para outras localidades a busca de trabalho fugindo destas empresas (CARVALHO; ALMEIDA, 2012).

9 Fala de uma professora.

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sugeriu que eu voltasse para o MOBRAL! Naquele momento eu nada sabia sobre o

que este seria. Na verdade, acreditava ser apenas uma designação ao analfabeto.

Penso em agora comunicar-lhe sobre esta defesa e agradecer-lhe a ofensa!

Na pesquisa sobre EJA, pude rever meu (pré)conceito sobre o MOBRAL

e esclarecer seu real significado. Aliás, dentre as iniciativas na Educação de Jovens

e Adultos, chamava-me bastante atenção este Programa. Assim, influenciado no

meu primeiro contato com o MOBRAL na infância, bem como pela pesquisa em EJA

durante os estudos desenvolvidos no LECAMPO e, respaldado na minha

experiência na Educação Básica, passei a pensar mais veementemente em

desenvolver um estudo sobre o Programa.

A influência final seria a participação em um minicurso sobre os desafios

da EJA para a formação do trabalhador, ministrado pela Prof.ª Maria Jacinta

Machado durante a 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da

Ciência - SBPC, realizada na Universidade Federal de Goiás, em 2011. Neste

espaço de socialização de conhecimentos e troca de experiências, a professora

relatou a necessidade de estudos sobre o MOBRAL.

Desde então, diante de tudo o que foi relatado, venho me dedicando ao

resgate da História e Memória do MOBRAL no meu município - São João do

Jaguaribe, Ceará -, que por ser uma cidade pequena, possibilitou-me reunir, com

facilidade, sujeitos que tiveram história com o MOBRAL, bem como detectar um

acervo imagético sobre o Programa. Os achados desta pesquisa culminaram na

monografia de conclusão do curso de Pedagogia intitulada MOBRAL: contexto e

ações no município de São João do Jaguaribe, em 2014.

Na investigação para a monografia, contei com a participação de

professoras de turmas de alfabetização funcional e educação integrada do

MOBRAL, as quais relataram suas dificuldades no trabalho com os adultos. Porém,

na turma de alfabetização funcional, cujas atividades foram desenvolvidas no meio

rural no começo da década de 1970, houve problemáticas mais acentuadas: a

interferência política nas atividades do Programa; estrutura precária da sala de aula;

professorado sem qualificação adequada, tendo em vista formação aquém do nível

médio - magistério. Somavam-se a isso altos índices de evasão dos alunos,

sobretudo pelos fatores família e trabalho, bem como a falta de incentivo para os

mesmos prosseguirem os estudos. Estes pontos detectados na investigação vão ao

encontro das análises de Paiva (2005), entretanto, a autora centra o discurso no

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Programa de Alfabetização Funcional, analisando de forma secundária os demais

Programas desenvolvidos pelo MOBRAL.

Diante das falas das professoras pude compreender o MOBRAL não

como um todo homogêneo, pois à medida que se finalizava a década de 1970, o

país caminhava para a abertura política, fazendo com que a prática pedagógica

também se diversificasse, com menor rigidez na supervisão. Assim, o MOBRAL do

início e final de tal década não pode ser observado sob a mesma ótica. Era

necessário observar: Em quais aspectos se diversificou? Houve mudanças no

trabalho pedagógico das professoras? Em que medida as contingências políticas

influenciaram o desenvolvimento do Programa? Estas foram questões emergentes

as quais, aos poucos, me motivavam a continuar os estudos sobre o MOBRAL em

São João do Jaguaribe.

Este trabalho, que iniciei como bolsista do LECAMPO, em parceria com o

NEJAHM, possibilitou o resgate de parte da memória das professoras, alunas e

alunos do Programa no município de São João do Jaguaribe, apresentando as

ações desenvolvidas pelas docentes e suas relações com os contextos geográfico e

histórico. Todavia, mesmo diante da expansão de pesquisas envolvendo História e

Memória da EJA, existe a necessidade de ampliação de objetos, a fim de que haja

maior subsídio teórico para compreender, dentro de uma perspectiva histórica, os

períodos em que se sucederam as iniciativas no âmbito educacional e seus

determinantes.

Assim, torna-se imperativo o estudo da política educacional brasileira no

período do Regime Militar, pois mostra-se de fundamental importância para que se

possa compreender este momento histórico e suas implicações na educação. Em se

tratando de História da Educação de Jovens e Adultos - EJA, há ausência de

investigações que analisem como foram desenvolvidas as iniciativas

governamentais para esta modalidade de ensino. O MOBRAL, identificado como

política pública de alfabetização de adultos no Regime Militar, também apresenta

carência deste tipo de análise, sobretudo no que concerne à educação rural e suas

peculiaridades. Desta forma, considerei importante dar continuidade à discussão

realizada durante a graduação, tendo em vista a possibilidade de obtenção de novas

descobertas sobre o MOBRAL em âmbito municipal.

Para nortear o desenrolar da pesquisa, quatro indagações: Como foram

desenvolvidas as atividades do MOBRAL no contexto rural do município de São

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João do Jaguaribe, tendo como foco o início e o final da década de 1970? As

professoras tinham possibilidade de autonomia na prática pedagógica dos

Programas de Alfabetização Funcional - PAF e Educação Integrada - PEI? Houve

modificações na prática pedagógica das professoras do MOBRAL em São João do

Jaguaribe diante da iminência de redemocratização do Estado Brasileiro no final da

década de 1970? Houve impactos na vida de educandos e educandas do MOBRAL?

Assim, o objetivo geral desta pesquisa foi analisar a atuação do

Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL em São João do Jaguaribe, no

período compreendido entre 1971 e 1979, de forma contextualizada, observando os

limites enfrentados e possibilidades de autonomia na prática pedagógica nos

Programas de Alfabetização Funcional - PAF e Educação Integrada - PEI e

repercussões destes nas vidas dos alunos. E os específicos foram: discutir a criação

do MOBRAL e seus subprogramas; descrever as ações pedagógicas do Programa

no município, registrando sua implementação e desenvolvimento no Programa de

Alfabetização Funcional - PAF; registrar as fontes orais de docentes e discentes

como forma de resgatar a memória ainda existente no Município; averiguar como as

professoras das classes de alfabetização funcional desenvolviam suas ações e o

processo educativo, observando as possibilidades de autonomia na prática

pedagógica.

A investigação revestiu-se de importância ao possibilitar recuperar a

memória ainda existente sobre o MOBRAL na cidade de São João do Jaguaribe,

permitindo refletir acerca da metodologia, do alcance e desafios enfrentados, os

quais podem dialogar com análises de iniciativas atuais e constituir-se um acervo da

História da Educação de Jovens e Adultos, no estado do Ceará, ainda com poucas

produções a respeito. De acordo com Grangeiro (1994 apud Gomes, 2012, p. 69):

Os vários autores críticos do MOBRAL apresentaram suas falhas, distorções e juízo de valor, com base em documentos oficiais, relatórios etc. Essas análises foram feitas com muita propriedade, entretanto, sempre trataram a instituição como um todo homogêneo [...] nunca tivemos notícias de trabalhos feitos a partir da visão dos técnicos que como esses autores, e até sob inspiração dos mesmos, faziam a crítica interna, pois eram comprometidos com as camadas populares.

Dialogar com a produção acadêmica acerca do Programa, mas também

confrontá-la, buscar na contradição a oportunidade de anunciar o novo: aquilo que

ainda não foi contado. Discutir o MOBRAL, tendo como ponto de partida a memória

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dos sujeitos que atuaram nas atividades de alfabetização no município, mostra-se

um desafio. Apresentar a história do Programa em São João do Jaguaribe é dar

visibilidade à história educativa dos meus avós e tios, os quais foram alfabetizados

pelo MOBRAL. Alguns destes, vivos, com ―causos‖ para contar e conhecimento para

socializar; outros, já falecidos, porém não esquecidos, contribuíram indiretamente

para que esta pesquisa fosse iniciada durante minha graduação.

1.1 CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO

A pesquisa foi desenvolvida no município de São João do Jaguaribe10 –

Ceará, nas comunidades Sítio Nazária e Sítio Garço e enfocará a década de 1970.

Desenvolvi um estudo de natureza qualitativa, do tipo descritiva e explicativa (GIL,

2010). Para Minayo (1994, p. 21), o qualitativo:

Preocupa-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com um universo de significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis

Para isto, inicialmente o estudo contou com a utilização de pesquisa

bibliográfica, caracterizada por Marconi e Lakatos (2001, p. 66) como o:

[...] levantamento, seleção e documentação de toda bibliografia já publicada sobre o assunto que está sendo pesquisado, em livros, revistas, jornais, boletins, monografias, teses, dissertações, material cartográfico, entre outros, com o objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com todo material já escrito sobre o mesmo.

Na pesquisa abordei a História da Educação de Jovens e Adultos no

Brasil, focando o período do Regime Militar, à luz de Furtado e Pereira (2015), Paiva

(1973), Paiva (2005), Brandão (2006), Januzzi (1979), Freire (1996, 2001 e 2008),

Vieira (2002), Coelho (2007). Para a discussão acerca do MOBRAL no Ceará, a

10

O município de São João do Jaguaribe, estado do Ceará, localizado no Vale do Jaguaribe, às margens do Rio Jaguaribe e distante 205 quilômetros de Fortaleza. De acordo com o IBGE (2016), é um dos núcleos mais antigos do Ceará, datando de 1868, quando foi designado distrito. Posteriormente, em 01 de junho de 1957, foi elevado à categoria de cidade. Sua população estimada em 2010 era de 7.902 habitantes. Desses, 3.169 residiam na Zona Urbana e 4.733 encontravam-se na Zona Rural. A economia básica do município volta-se para a agricultura, com plantios diversos.

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bibliografia consultada foi Gomes (2012), Carvalho e Almeida (2015) e Almeida e

Carvalho (2014).

Acrescento ao desenvolvimento da pesquisa a análise de fontes

documentais, que segundo Marconi e Lakatos (2001, p. 82) ―[...] é a coleta de dados

em fontes primárias, como documentos escritos ou não, pertencentes a arquivos

públicos; arquivos particulares de instituições e domicílios, e fontes estatísticas‖. A

pesquisa documental foi utilizada no decorrer das seções para apresentar as

concepções dos órgãos do Estado acerca da EJA, especialmente o MOBRAL, as

quais dialogam com a produção dos autores citados no parágrafo anterior.

Realizei ainda a análise de fontes imagéticas, as quais materializaram

parte dos estudos bibliográficos e documentais sobre o Programa. Para Lopes (2002

apud Coelho, 2007, p. 30), ―[...] as fontes são parte do documento que se deve usar,

além das questões teóricas e materiais históricos disponíveis. Elas são elementos

essenciais e devem ser utilizadas de forma crítica e cautelosa‖.

A realização da investigação denotava urgência à medida que, na procura

por recursos humanos para realizar a pesquisa, vem-se constatando que a memória

de algumas pessoas envolvidas nas ações do MOBRAL no município está

comprometida, outros faleceram antes mesmo que fossem entrevistados - foi o caso

de uma ex-professora e dois ex-alunos. Desta forma, para a obtenção de material

referente à atuação do MOBRAL no município de São João do Jaguaribe, entrevistei

três ex-professoras e quatro ex-alunos e alunas.

Diante da importância de investigar a atuação das gestoras da Comissão

Municipal - COMUN de São João do Jaguaribe, bem como da Coordenação

Estadual - COEST, que à época, trabalhavam e estavam radicalizados(as) na capital

cearense, Fortaleza, entrevistei a ex-supervisora de área da região do Vale do

Jaguaribe, uma ex-funcionária encarregada pela mobilização das ações do

Programa no município e uma auxiliar técnica da COEST.

Entendo a oralidade como um recurso imprescindível para a obtenção de

informações sobre o MOBRAL. Portanto, a fonte oral foi utilizada como recurso

metodológico para a realização desta pesquisa, posta sua contribuição para o

resgate da história e da memória do Movimento Brasileiro de Alfabetização. A

análise do material fornecido pelos depoentes foi feita em uma perspectiva crítica.

Como instrumento para a coleta de material em campo foi utilizada a

entrevista semiestruturada, que consiste em um roteiro de entrevista pré-elaborado

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sobre a temática que se deseja investigar, todavia dando liberdade para o

pesquisador inserir outros questionamentos, caso considere necessário (MARCONI;

LAKATOS, 2001). Como formas de registro utilizei um gravador digital e um diário de

campo.

As questões da entrevista a professoras e gestores do MOBRAL

enfocaram: Idade; formação para atuar no Programa; tempo de atuação; critérios de

recruta/seleção utilizados para selecionar as professoras; se possuíam experiência

em sala de aula regular ou alfabetização de adultos quando da atuação no

MOBRAL; perfil socioeconômico do alunado; onde as aulas aconteciam; conteúdos;

possíveis dificuldades e avanços; autonomia para desenvolver as atividades; visão

sobre o Regime Militar e seus desdobramentos na educação brasileira; e se o

MOBRAL possibilitou o repensar de sua prática pedagógica na educação regular.

Para os(as) alunos(as), as questões levantadas na entrevista foram:

sexo; idade; impressões sobre a alfabetização no MOBRAL; trajetória escolar na

educação regular (caso tenha frequentado); os motivos que levaram desistir ou não

frequentar a escola; motivos para se voltar a estudar; se havia algo que não

gostavam no Programa; possíveis dificuldades para frequentar o MOBRAL;

repercussões do MOBRAL em suas vidas; se concluíram a alfabetização no

MOBRAL e se houve continuidade dos estudos (estes itens constam nos apêndices

A e B).

Os sujeitos participantes da pesquisa assinaram um termo de livre

esclarecimento autorizando a publicação de suas falas e identidades.

Como já se pode perceber, EJA, memória e práticas pedagógicas

constituem-se categorias de análise neste estudo. Minha compreensão da EJA, a

qual tem como órgão responsável a Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade - SECAD11, apoia-se numa:

[...] concepção ampliada de educação de jovens e adultos, que entende educação como direito de aprender, de ampliar conhecimentos ao longo da vida, e não apenas de se escolarizar. Em outras palavras, os adultos passam a maior parte da sua vida nesta condição, e muitas são certamente as situações de aprendizado que vivenciam em seus percursos formativos. [...] Tratar a EJA como direito significa reafirmar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, para a qual a educação constitui direito fundamental da pessoa, do cidadão; mais do que isto significa criar,

11

Em 2011, acrescentou-se a inclusão como responsabilidade deste órgão, o qual é atualmente denominado Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI.

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oferecer condições para que esses direitos sejam, de fato, exercidos (BRASIL, 2008, p. 4).

Esta compreensão advém da necessidade de educação como direito

subjetivo de formação ao longo da vida e não apenas escolarização, como consta

em Brasil (2008). Desde as obras de Paulo Freire (1979, 2001), a concepção de EJA

passou por intenso debate. Ao contrapor-se à concepção de alfabetização por

cartilhas, cujo conteúdo infantilizava o adulto, Freire, defende a valorização da

cultura das(os) educandas(os), efetivando uma ―Pedagogia do Oprimido‖, ou seja

para sua libertação, associando a educação de adultos ao pertencimento de classe,

portanto, com um viés político. Assim, além da alfabetização e escolarização em si,

a compreensão da EJA, exige a observação da perspectiva política em que se dá.

Nesse sentido, retomarei mais adiante esta concepção de EJA, pois é importante

observar nos documentos oficiais do MOBRAL as concepções presentes sobre a

EJA.

Na perspectiva de (re)contar a história do MOBRAL em São João do

Jaguaribe a partir da memória das professoras, alunos e gestores do Programa, a

memória constitui-se conceito fundante, bem como categoria analítica deste

trabalho. De acordo com Le Goff (1990, p. 4), ―[...] a memória é a propriedade de

conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de funções

psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou informações passadas,

ou reinterpretadas como passadas‖. O autor distingue a memória em três variações:

individual, coletiva e social. Embora aparentemente sinônimas, as duas últimas

possuem significados diferentes. Segundo Le Goff (1990 apud Gondar, 2008, p. 8)

destina-se:

[...] a designação de memória coletiva para os povos sem escrita, aplicando o termo memória social às sociedades onde a escrita já tenha se instalado. Nesse caso, a possibilidade de construir uma história permitiria distinguir memória coletiva e social: esta última teria como testemunhas os documentos escritos, inexistentes entre os povos de cultura exclusivamente oral. [...] Fornecendo aos homens um processo de marcação, memorização e registro e, por outro lado, assegurando a passagem da esfera auditiva à esfera visual, esses documentos escritos conferem um suporte material à memória, ampliando-a, transformando-a, e estabelecendo a fronteira onde, segundo Le Goff, a memória coletiva torna-se memória social.

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Diante da afirmação de Gondar (2008), na análise feita nesta investigação

recorremos à memória social e coletiva em virtude da minha opção pela oralidade12,

a qual será materializada em meus escritos.

Outra categoria, prática pedagógica, será analisada a partir da memória

das professoras do MOBRAL. Para Sacristán (1999), a prática pedagógica refere-se

à atuação do(a) docente no âmbito escolar, no espaço de sala de aula. Esta prática

tem intencionalidade, como afirma Fernandes (2008, p.159) e não é:

[…] reduzida à questão didática ou às metodologias de estudar e de aprender, mas articulada à educação como prática social e ao conhecimento como produção histórica e social, datada e situada, numa relação dialética entre prática-teoria, conteúdo-forma e perspectivas interdisciplinares.

Nesta esteia, Farias et al. (2008) trazem a prática pedagógica como

elemento da formação docente, da aquisição de saberes para a prática educativa no

decorrer de sua experiência enquanto educador(a). As autoras indicam que a prática

pedagógica do(a) docente está imbuída de suas visões de mundo, sociedade e

educação. Assim, esta categoria foi analisada, tendo em vista que uma das

questões norteadoras dá conta da prática das professoras, na perspectiva de

observar as possibilidades de autonomia.

Para o desenvolvimento desta pesquisa, tem-se como referência a matriz

metodológica dialética, que comporta outras duas categorias13 essenciais ao estudo:

a contradição e a totalidade. De acordo com Freitas (2007, p. 55), ―[...] se eu quero

investigar uma realidade, é prudente olharmos para as contradições daquela

realidade investigada. [...] Teremos que aumentar nossa compreensão e a pergunta

será: que forças estão em jogo nessas contradições?‖. Partindo dessa compreensão

de contradição, entendo que ―o ser e o pensar modificam-se na sua trajetória

histórica movidos pela contradição, pois a presença de aspectos e tendências

contrários contribui para que a realidade passe de um estado qualitativo a outro‖

(MASSON, 2015).

12

Le Goff (1990) distingue memória e oralidade. A primeira, como já explicado, ―é a propriedade de conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de funções psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou informações passadas, ou reinterpretadas como passadas‖, porém, ela pode ser materializada na forma escrita a partir da oralidade.

13 Contradição e totalidade não são categorias de análise desta investigação. No entanto, ao recorrer

à matriz metodológica dialética, precisa-se levá-las em consideração.

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Em seu centro, observar a contradição na compreensão dos fatos que

serão apresentados é importante por se tratar de um Programa que estava inserido

num contexto em que atuavam forças e interesses antagônicos. As análises

realizadas por Paiva (2005), Coelho (2007), Di Pierro, Joia e Ribeiro (2001), Escobar

(2007) e Gomes (2012) denotam que as ações do MOBRAL visavam ao controle e

fiscalização em virtude de ser um Regime Militar. Entretanto, é interessante saber se

em São João do Jaguaribe as ações do Programa também tiveram essas

características ou havia possibilidade de autonomia das professoras, ou seja: Que

contradições emergem em seu desenvolvimento?

É relevante mencionar que o materialismo histórico-dialético como

método de pesquisa não enxerga apenas a aparência do fenômeno, aquilo que se

mostra. Parte dela, porém vai até sua essência, permitindo, assim, a aproximação

com o real. Diante disto, observar a totalidade mostrou-se essencial para a

compreensão do fenômeno em suas múltiplas relações com o contexto macro, que

produz as contradições. Para Lowy (1991, p. 16):

A categoria metodológica da totalidade significa a percepção da realidade social como um todo orgânico, estruturado, no qual não se pode entender um elemento, um aspecto, uma dimensão, sem perder a sua relação com o conjunto.

Assim, não se deve tentar compreender um fenômeno de forma isolada:

há correlações com o contexto micro e macro. No que tange às políticas

educacionais - o MOBRAL, no caso deste estudo -, é evidente que estas não se dão

de forma isolada dos interesses econômicos, políticos e culturais de cada época.

Desta forma, a investigação em uma perspectiva histórico-dialética é fundamental

para compreender que as diferentes iniciativas do Estado estavam interligadas a um

contexto maior, de disputa política e acirramento das questões econômicas. Àquele

momento, a educação era enxergada como chave principal para o crescimento

econômico (FERREIRA JÚNIIOR; BITTAR, 2008). Daí a visível manifestação do

materialismo histórico dialético em uma perspectiva de totalidade para a

compreensão de como se deu a EJA no contexto em questão.

Para Lowy (1991), a escolha do método utilizado na pesquisa incorpora a

concepção/visão de mundo do pesquisador, bem como suas posturas filosóficas,

ideológicas e políticas. Assim, considero necessária a compreensão de que não há

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neutralidade quando se fala em pesquisa, como afirma Frigotto (2001, p. 31): ―[...] a

defesa da neutralidade científica não passa de um mecanismo de defesa do status

quo, no caso dos interesses burgueses‖. Partindo deste princípio, na análise acerca

do Programa procurei assumir uma postura crítica de interpretação da realidade,

todavia, a dialética que se impõe entre a objetividade e subjetividade do

pesquisador, exige redobrada atenção nas análises. Compreender esta realidade

será possível após observar o fenômeno em sua aparência, mas sobretudo em sua

essência.

No que concerne à estrutura do trabalho, este foi dividido em cinco

seções. Na primeira seção apresento os elementos introdutórios do trabalho, o

encontro do pesquisador com o objeto, opções metodológicas e estrutura do

presente trabalho.

Na segunda seção trato da contextualização histórica sobre a Educação

de Jovens e Adultos nas décadas de 1960, quando das experiências de Educação

Popular, e 1970, período que marca a implementação do MOBRAL em São João do

Jaguaribe.

Na terceira seção realizo a análise dos subprogramas desenvolvidos no

MOBRAL, enfocando a memória das professoras do PAF – Programa de

Alfabetização Funcional e PEI – Programa de Educação Integrada, bem como

apresentando suas impressões sobre a educação no contexto atual, em comparação

com o contexto em que desenvolveram suas ações no MOBRAL.

Na quarta seção trato da memória de ex-alunos do Programa de

Alfabetização Funcional, observando suas histórias de vida e repercussões do

MOBRAL em suas vidas.

Na quinta e última seção apresento as considerações e reflexões finais

sobre o estudo.

No ano em que se completam cinquenta e três anos do Golpe Militar de

1964, retomar uma iniciativa educacional do governo que a partir de então se

instaurou é também recontar parte dos desdobramentos deste acontecimento no

âmbito da educação em nosso Estado. Mostrar a subjetividade dos sujeitos

educandos(as) e educadores(as) frente a um estado de exceção constitui-se algo

importante e motivador para as atuais gerações, as quais experimentaram um Golpe

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de Estado14 de outra natureza, que os impelem também à resistência ao poder

usurpador.

14

Referência ao processo de impeachment que depôs a presidenta Dilma Roussef em 31 de agosto de 2016.

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2 MOBRAL: CONTEXTUALIZAÇÃO E INSTITUIÇÃO EM SÃO JOÃO DO

JAGUARIBE

―Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam‖.

(FREIRE, 1968)

Discutir o MOBRAL em uma perspectiva dialética implica uma análise

crítica e contextualizada deste fenômeno, a fim de permitir maior revelação entre sua

aparência e essência, ouvindo aos que lutaram e dando voz aos ―esfarrapados‖

participantes deste Programa. Pretende-se partir da compreensão do porquê de sua

existência, a qual demanda a discussão do contexto histórico-político e seus

desdobramentos para a Educação de Jovens e Adultos, posto que vem se

mostrando determinante das políticas de EJA no período.

A discussão sobre a década de 1960, no Brasil, pode ser dividida em dois

momentos: antes e após o Golpe Militar de 1964. Partindo desta premissa, o

capítulo será iniciado com uma breve contextualização acerca destes momentos e,

em seguida, serão discutidas suas influências na forma como se desenvolveu a

Educação de Jovens e Adultos.

2.1 O CONTEXTO DO ESTADO BRASILEIRO

Em 31 de março de 1964 João Goulart renuncia a presidência da

República. Tanques nas ruas, através de um golpe de Estado, os militares tomam o

controle do país. Segundo Costa (2015), a mídia, parceira do golpe, centra as

justificativas na necessidade de frear o avanço dos ideais comunistas, conter as

políticas populistas das Reformas de bases e reorganizar o Estado. Todavia, de

acordo com Sader (1981), as razões para o Golpe civil-militar15 estavam diretamente

ligadas ao modelo econômico adotado por Goulart.

Na década de 1950, Juscelino Kubitschek (JK) inaugura a grande virada

do capitalismo brasileiro com a fase de desenvolvimentismo, caracterizado pelo

impulso à industrialização e pela política de abertura da economia ao capital

15

Embora alguns autores como Costa (2015), empreguem a expressão civil-militar, a fim de lembrar que o Golpe de 1964, também teve manifestações de apoio da sociedade civil, numa intenção de denúncia da articulação do governo militar com os interesses do capital, outros autores como Leher usam a expressão: ditadura empresarial-militar.

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estrangeiro. No governo JK entraram no país as primeiras multinacionais. De acordo

com Paim (2000, p. 248):

Kubitischek conseguiu interessar a população no desenvolvimento econômico, dando sequência aos planos elaborados pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e prestigiando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Graças a isto, conseguiu superar sem dificuldades rebeliões militares e assegurar plenamente as liberdades democráticas, sucessivamente violadas nos períodos anteriores, quando o país nunca deixou de ter presos políticos, jornais de oposição fechados, etc.

Segundo Paim (2000), o presidente agradava aos brasileiros por seu

carisma e desejo de mudança, de desenvolvimento. Juscelino Kubitschek, com seu

Programa de Metas de um Brasil que se desenvolvesse ―50 anos em 5‖, planejou e

ampliou a indústria, não apenas com recursos nacionais, mas também com capital

estrangeiro.

Paim (2000) afirma que entre 1957 e 1961 o PIB do país cresceu cerca de

7% ao ano. Todavia esta industrialização acelerada trouxe alguns problemas para o

presidente, como o endividamento externo e o aumento da inflação. Esclarece o

autor que, pressionado, ―[...] JK rompeu com o Fundo Monetário Internacional - FMI,

rejeitou o programa de estabilização proposto por seu ministro da Fazenda e pelo

diretor do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico - BNDE e mudou seu

ministério‖ (PAIM, 2000, p.132). Estas atitudes do presidente agradaram à esquerda

e ao Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, mas não foram suficientes para que

Juscelino tivesse apoio à sua reeleição ou elegesse um sucessor aliado.

Ademais, o presidente termina seu mandato em 1960. O que se viu nos

governos subsequentes - Jânio Quadros e João Goulart, o último assume a

presidência após a renúncia precoce do primeiro em 1961 - foi a tentativa do Estado

brasileiro por preterir a abertura ao capital internacional, o que acabou por gerar a

insatisfação do governo americano.

O Governo de Jânio Quadros não durou muito. Segundo Arbex Junior

(1998, p. 133):

Após sete meses de governo, Jânio Quadros, o sucessor de JK renunciou, João Goulart que fora novamente eleito para a vice-presidência, pelo PTB, deveria assumir o governo mas manobras militares impediram sua posse, concretizada somente depois que o Congresso limitou seus poderes, implantando o parlamentarismo no Brasil.

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João Goulart só tomou posse como presidente em 7 de setembro de

1961, e indicou Tancredo Neves como Primeiro-Ministro. De acordo com Vieira

(1985, p. 8): ―Goulart se apresentava como um líder democrático, identificado com

os trabalhadores, para quem defendia melhores salários‖ (VIEIRA, 1985, p. 8) e por

isso foi ―[...] hostilizado por largas parcelas da elite política e econômica, que temiam

a implantação de uma república sindicalista, tendo que procurar o apoio da classe

operária e da burguesia industrial nacional‖.

De acordo com Vieira (1985) e Vieira (2002):

O contexto inaugurado com o regime militar começara a ser gestado desde a renúncia de Jânio Quadros, quando as forças de maior peso político procuram impedir a posse de João Goulart. As circunstâncias para seu afastamento do cargo de presidente vão se acirrando na proporção em que se aproxima de teses defendidas pela esquerda – as chamadas reformas de base (VIEIRA, 2002, p. 255). Desde sua posse em 1961, a pregação janguista foi sempre a mesma, independentemente das condições políticas e sociais. Mencionou sempre a força dos trabalhadores, o grande valor da legalidade, das liberdades públicas, da democracia, e acima de tudo das reformas de base. (VIEIRA, 1985, p. 10)

A resistência ao Governo de Goulart se manifestava desde sua posse,

como visto anteriormente, mas esta resistência não advinha apenas da intenção do

presidente em promover as reformas de base, que incluíam a reforma agrária e

urbana e visavam à redução das desigualdades sociais. Segundo Sader (1981), o

governo estadunidense e os militares brasileiros viam em João Goulart alguém cujas

ações prejudicariam a expansão do capital estrangeiro no país, pois o presidente

mantinha uma política exterior que visava à não dependência do Brasil aos Estados

Unidos. Não obstante, o Chefe de Estado havia nacionalizado o petróleo, também o

fazendo com a terra ociosa nas mãos de grandes latifundiários.

Esta opção de Goulart desagradou à elite conversadora da sociedade,

inclusive as instituições religiosas, que segundo Vieira (2002) manifestaram

resistência ao governo janguista, associado ao comunismo pela direita. A pressão

política e militar culmina com a renúncia do então presidente. A seguir, a

contextualização do fato:

[...] vimos que acontecimentos políticos passam a acirrar os ânimos das forças em confronto a partir de março de 1964. Duas grandes manifestações ocorrem (o comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro,

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de apoio às reformas de base, e a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo, de repúdio a essas medidas), preparando o ambiente para movimentações de tropas e negociações de bastidores entre aqueles que protagonizaram o golpe. O movimento pela queda de João Goulart tem início alguns dias depois das manifestações do Rio de Janeiro e de São Paulo. Começa, mais precisamente, em 31 de março, em Juiz de Fora- MG. Por iniciativa do General Olímpio Mourão Filho, tropas mineiras marcham para o Rio de Janeiro, onde um cenário semelhante começa a se configurar. Os militares se organizam, cercando o acesso a vários pontos estratégicos. O presidente, que está na cidade, não consegue reunir forças para garantir sua segurança. Viaja, assim, para Brasília. Mas também lá, o golpe está nas ruas. Tropas militares impedem a movimentação dos políticos; o rádio e a televisão estão sob censura. Com a intenção de buscar condições mais favoráveis de resistência ao golpe, o presidente segue para Porto Alegre, onde Leonel Brizola é governador. O apoio civil ao golpe, contudo, está em marcha e, no Congresso, seu impeachment é votado. Jango deixa o país, exilando-se no Uruguai. Está, assim, consumado o golpe. Trata-se, agora, depor em marcha o novo regime (VIEIRA, 2002, p. 257-258).

Denota-se que a tomada do poder pelos militares deu-se através de um

Golpe gestado no seio dos setores conservadores da sociedade. Embora partam de

reflexões sobre o contexto geral do Regime Militar, as informações até então

apresentadas podem incorporar-se à discussão sobre um contexto específico, como

o Vale do Jaguaribe, onde está localizado o município de São João do Jaguaribe,

lócus de investigação neste trabalho.

Recém-emancipado, na década de 1960, o Município de São João do

Jaguaribe sofreu influências desta contraposição ao governo de João Goulart. Como

bem apresentado por Vieira (2002), o contexto cearense era peculiar: o estado era

visto como a terra dos coronéis e estes também governavam os municípios. Em

estudo realizado por Costa (2015) evidenciam-se manifestações de setores

conservadores do Vale do Jaguaribe, como a mídia e a Igreja Católica da região,

esta última representada pelo Bispo da Diocese 16 de Limoeiro do Norte, Dom

Aureliano Matos, o qual ia de encontro às reformas de base propostas por João

Goulart. Em entrevista ao Jornal Gazeta de Notícias, 3 de outubro de 1962, Dom

Aureliano Matos aponta sua posição acerca dos rumos da sociedade e da política:

A Pátria e a Igreja esperam que não desmitamos as nossas tradições de um povo formado pelos ensinamentos do Evangelho, onde aurimos este espírito de paz, de ordem que aflora em todos os acontecimentos de nossa história. Não votemos para as altas funções do legislativo e do executivo, ou seja para deputados ou governador do Estado em quem não seja a garantia de nossas tradições cristãs, a segurança do nosso regime democrático; em

16

Composta pelos municípios de Limoeiro do Norte, Russas, Tabuleiro do Norte, São João do

Jaguaribe e Quixeré.

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quem bandeando-se para o esquerdismo torna-se o defensor e propulsor do comunismo mesmo que não se diga seu adepto, e estes são os mais perigosos. A gravidade da hora que vivemos não permite que ajamos na dúvida. Queremos definição, para que não hajam enganos nocivos e irremediáveis, arrependimentos tardios, como aconteceu em CUBA. Além disto, é preciso não esquecer que o voto é sagrado e não pode ser trocado por qualquer prato de lentilhas. Vender seu voto é vender a própria personalidade. É ultrajar o nosso sistema político representativo. É comerciar com o futuro da Pátria. É decepcionar a Igreja que já não poderá confiar em seus filhos. Diante da cabine dois caminhos abrem-se para nós: Ou seremos homens de bem cristãos autênticos, votando com a nossa consciência de católicos, com os olhos na Pátria e na Igreja; Ou então seremos uns traidores e suicidas entregando, com o nosso voto, o futuro, nas mãos dos seus inimigos que são os coveiros da civilização cristã, embora, desfarçados com o rótulo de nacionalismo ou cousas semelhantes (COSTA, 2015, p. 61).

Observando este contexto, é perceptível que se formava no país o senso

comum do anticomunismo, cujo discurso era endossado pelos setores

conservadores, incidindo diretamente na tomada do poder através do Golpe Civil-

Militar de 1964. Ao fazer referência a este senso comum do anticomunismo, é

importante mencionar a tamanha desfaçatez por trás deste discurso. Livrar o país do

comunismo significava abrir as portas ao capital estrangeiro, como afirma Sader

(1981, p. 176): ―Profundamente anticomunistas, os militares trataram de insuflar um

patriotismo, que se chocava, no entanto, com a evidência de sua prática

governamental de abertura do país para a penetração do capital estrangeiro‖.

O apoio à tomada do poder mostrava-se mais latente e em 31 de março

de 1964, quando Goulart anunciava as reformas de base, a insatisfação tomou conta

dos representantes do setor econômico estrangeiro, bem como os latifundiários. A

partir de então, o golpe para a derrubada de Goulart estava em curso.

[...] o desenvolvimento capitalista presidido pelo regime militar se fará não só contornando tais reformas mas ainda concentrando mais a propriedade e as rendas e oferecendo novas vantagens aos capitais estrangeiros, reforçando o poder capitalista. [...] Tratava-se, enfim, de aplicar uma política econômica antiinflacionária que enfrentasse a crise a partir da contenção de concurso, sobretudo reduzindo os salários reais e os créditos públicos, oferecendo novas garantias aos capitais estrangeiros. Para isso, naquele início de 1964, o golpe contou com o apoio de um amplo movimento civil de classe média organizado pela maioria das representações ideológicas da burguesia – partidos, grande imprensa, Igreja. Os militares se propunham a acabar com a corrupção e a subversão e em seguida devolver o poder às representações civis (SADER, 1981, p. 151).

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Em suma, segundo Sader (1981, p. 164), ―[...] o projeto econômico em

curso buscava garantir a hegemonia da fração monopolítica, industrial e financeira

da burguesia‖.

Caracterizado pelo autoritarismo, censura e crescimento econômico

pautado em investimentos maciços na formação de mão-de-obra com este fim, o

Regime Militar, implantado em 1964, com o golpe que depôs o então presidente

João Goulart, foi um marco na história político-econômica-educacional brasileira.

Os generais-presidentes que se sucederam no governo o país foram

Castelo Branco, Arthur Costa e Silva, Emilio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e

João Baptista Figueiredo. Vieira (2002, p. 258) tece algumas considerações sobre

estes presidentes:

Com Humberto de Alencar Castello Branco17

(16/04/1964 a 15/03/1967), um

cearense, começa o longo ciclo dos governos de generais militares. O

primeiro presidente deste período governaria o país na fase inicial do

regime, sendo sucedido por Arthur da Costa e Silva (15/03/1967 a

30/08/1969). Como este adoece durante o mandato, é substituído

temporariamente por uma junta militar (31/08/1969 a 30/10/1969), que

indica como presidente Emílio Garrastazu Médici (30/10/1969 a

15/03/1974). Depois viriam os dois últimos presidentes desta fase dariam

abertura ao lento movimento de retorno pacífico à transição para a

democracia: Ernesto Geisel (15/03/1974 a 15/03/1979) e João Baptista

Figueiredo (15/03/1979 a 15/03/1985).

Cada um destes presidentes, com suas ações, representou um momento

do Regime Militar, desde a tomada do poder (Castelo Branco), passando pelo

período de censura e repressão (Costa e Silva e Médici), até o momento de abertura

política e redemocratização do Estado (Geisel e Figueiredo). No contexto cearense,

o período do Regime Militar é considerado por Vieira (2002) o momento do

Coronelismo no governo do estado. Foram cinco governadores:

O primeiro deles é Virgílio Távora, que exerceu dois mandatos no período

(25/03/1963-15/03/1967 e 15/03/1979-15/03/1982). São também de origem

castrense: Adauto Bezerra (15/03/1975 a 15/03/1978) e Cesar Cals de

Oliveira Filho (15/03/1971 a 15/03/1975). O segundo e o último

governadores do período são civis: Plácido Castelo (15/03/1967 a

17

Este primeiro governo militar (Castello Branco), vale ressaltar, é mais ameno que os dois

subsequentes. [...] Durante sua gestão, algumas liberdades democráticas, como o direito ao harbeas corpus são mantidas, assim como a livre expressão (VIEIRA, 2002, p. 259).

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15/03/1971) e Luiz Gonzaga Fonseca Mota (15/03/1983 a 1987) (VIEIRA,

2002, p. 265).

A Ditadura conseguiu enfraquecer as manifestações populares, em

virtude da posição dos generais a combaterem a ideologia de uma política nacional

com participação das camadas menos favorecidas pelo Estado. Grande maioria dos

militares e da mídia acreditava que as ―[...] classes subalternas, capitaneadas pela

classe operária fabril, significavam uma ameaça para o processo contraditório e

complexo do desenvolvimento e modernização do capitalismo brasileiro‖

(FERREIRA JUNIOR; BITTAR, 2008, p. 334).

Observando esta breve contextualização, é importante mencionar que,

em se tratando de Educação de Jovens e Adultos, estes dois momentos da História

do país marcam a predominância de duas concepções de EJA: uma de caráter

progressista/libertador, idealizada por Paulo Freire; outra que abrigava uma postura

autoritária/conformadora, característica do Regime Militar. Neste último, segundo

Vieira (2002, p. 278), ―[...] a educação de jovens e adultos, materializada no

MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) e na forte ênfase depositada no

ensino supletivo é uma das prioridades do período‖.

Discutir estas concepções da Educação de Jovens e Adultos, trazendo à

baila as iniciativas em torno da Educação Popular e de Jovens e Adultos, é

fundamental para perceber os contrastes de cunho pedagógico, político e ideológico

entre ambos, bem como confrontá-los e tecer considerações sobre nosso objeto de

estudo.

Assim, para fins didáticos, a contextualização feita na seção acerca da

EJA no Brasil e no Ceará (precisamente no município de São João do Jaguaribe)

tem outros dois tópicos, com vistas a abordar, a princípio, o período compreendido

entre 1960 e 1964 (quando ocorre o Golpe Militar) e, posteriormente, discutir os

rumos da EJA durante o Regime Militar, período que marca a criação do Movimento

Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL.

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2.2 A CONCEPÇÃO LIBERTADORA NA EDUCAÇÃO POPULAR E DE JOVENS E

ADULTOS

O período compreendido entre 1960 e 1964 destaca-se pelas iniciativas

em torno da Educação Popular e de Jovens e Adultos, com vistas à conscientização

da população, como propunha Paulo Freire. Segundo Saviani (2008), neste

momento intensificavam-se pelo país as experiências de Educação Popular

envolvendo estudantes e intelectuais que atuavam junto a grupos populares. Sobre

a educação neste período, o autor afirma:

Em seu centro emerge a preocupação com a participação política das massas a partir da tomada de consciência da realidade brasileira. E a educação passa a ser vista como instrumento de conscientização. A expressão ―educação popular‖ assume, então, o sentido de uma educação do povo e para o povo, pretendendo-se superar o sentido anterior, criticado como sendo uma educação das elites, dos grupos dirigentes e dominantes, para o povo, visando a controlá-lo, manipulá-lo, ajustá-lo à ordem existente (SAVIANI, 2008, p. 317).

Dentre as principais iniciativas em torno da Educação Popular, podem-se

destacar: os Centros Populares de Cultura - CPCs, o Movimento de Cultura Popular

- MCP do Recife, liderado por Paulo Freire; a Campanha de Pé no Chão também se

aprende a Ler e a Campanha de Educação Popular da Paraíba – CEPLAR. Esses

movimentos concentravam suas ações no Nordeste, buscando a conscientização

das massas populares, dando-lhes oportunidade de pensar o mundo e agir sobre ele

(PAIVA, 1973). De acordo com Saviani (2008, p. 317-318):

Apesar de suas diferenças e particularidades, esses movimentos tinham em comum o objetivo da transformação das estruturas sociais e, valorizando a cultura do povo como sendo a autêntica cultura nacional, identificavam-se com a visão ideológica nacionalista, advogando a libertação do país dos laços de dependência com o exterior.

As ideias de Freire eram predominantes neste contexto. Em sua proposta

de alfabetização e conscientização, a educação proporcionaria a leitura do mundo e,

no exercício de reflexão e ação sobre este, os cidadãos despertariam para a

criticidade. Assim, seriam capazes de compreender melhor as situações adversas a

que estavam submetidos, organizando-se para superá-las (BRANDÃO, 2006). Os

Centros Populares de Cultura e o Movimento de Cultura Popular são duas

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experiências particularmente inspiradoras, sobre as quais se faz breve descrição a

seguir.

Segundo Ribeiro (1982, p. 155), o MCP, com origem em Recife, no ano

de 1960, desenvolveu-se em menor escala que os CPCs. Paiva (1973, p. 236-237)

afirma que ―[...] a valorização das formas de expressão cultural do homem do povo e

o estímulo ao desenvolvimento de sua capacidade de criação funcionava no MCP‖,

assim como a necessidade de diálogo entre os intelectuais e as massas. Desta

forma, de acordo com a referida autora, ―[...] partia-se da arte para chegar à análise

e à crítica da realidade social‖ (PAIVA, 1973, p. 237). Buscava-se, com isto, que os

intelectuais se integrassem com as massas, rejeitando a ideia de imposição de seu

padrão cultural e aproveitando o saber e cultura populares, fundamentados no

diálogo como canal de construção do conhecimento.

A respeito disto, Saviani (2008) observa a intenção de superar a distância

entre intelectuais e a cultura do povo e destaca que o MCP de Recife inspirou outros

outras experiências similares. Segundo o autor:

Pretendia-se desenvolver uma educação genuinamente brasileira visando à conscientização das massas por meio da alfabetização centrada na própria cultura do povo. A prática que se buscou implementar visava a aproximar a intelectualidade da população, travando um diálogo em que a disposição do intelectual era a de aprender com o povo, despindo-se de todo espírito assistencialista. Além do MCP de Pernambuco, cuja experiência serviu de base às ideias desenvolvidas por Paulo Freire, destacou-se também o movimento criado em 1961 pela Prefeitura de Natal sob o nome de ‗Campanha de pé no chão também se aprende a ler‘ (SAVIANI, 2008, p. 318).

O MCP contribuiu significativamente para a promoção da educação

popular na década de 1960. Uma educação feita com, pelo e para o povo, ou seja,

surgia como um ―[...] instrumento de crucial importância para promover a passagem

da consciência18 popular do nível transitivo-ingênuo para o nível transitivo-crítico,

evitando-se a sua queda na consciência fanática‖ (SAVIANI, 2008, p. 335).

Partindo de sua experiência com a alfabetização de adultos no Serviço de

Extensão da Universidade de Pernambuco, em 1962 e 1963, e ancorado nas

contribuições e aprendizados dos Círculos de Cultura e Movimento de Cultura

18

Neste trecho, Saviani (2008) refere-se aos níveis de consciência, desenvolvidos por Freire na

obra Educação como prática da liberdade (1979), dentre os quais destacam-se: Consciência

intransitiva, consciência transitiva ingênua e consciência crítica.

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Popular no Nordeste, Freire amplia sua visão sobre a educação, desenvolvendo

reflexões acerca da Educação Popular. Segundo Di Pierro, Joia e Ribeiro (2001, p.

60), estas experiências de Educação Popular:

[...] evoluíam no sentido da organização de grupos populares articulados a sindicatos e outros movimentos sociais. Professavam a necessidade de realizar uma educação de adultos crítica, voltada à transformação social e não apenas à adaptação da população a processos de modernização conduzidos por forças exógenas.

Desta forma, pode-se perceber o caráter problematizador da educação

popular àquele momento, cujas iniciativas recebiam a adesão da academia,

oportunidade que faz Paulo Freire ter o encontro com as camadas populares,

discutindo sua cultura e se utilizando dela para promover a educação popular.

À medida que as ações do Movimento de Cultura Popular - MCP eram

desenvolvidas, desenvolviam-se a dos Centros Populares de Cultura - CPC. Acerca

dos CPCs, Ribeiro (1982, p. 154-155) afirma:

Os CPCs tiveram como ponto de partida o CPC, intimamente ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE), surgido em 1961. Floresciam entre 1962 e início de 1964, despertando grande entusiasmo na juventude universitária. Sua base de atuação era o teatro de rua, com peças cujos temas tratavam de acontecimentos imediatos em linguagem popular e montadas em praças, universidades ou sindicatos.

Saviani (2008) acrescenta que, embora centrados nas artes, sobretudo no

teatro, os CPCs também desenvolviam ações na música, fotografia e literatura de

cordel. Paiva (1973, p. 233) contribui nesta discussão sobre os CPCs, abordando

outras ações promovidas pelo movimento, como ―[...] exposições gráficas e

fotográficas sobre reforma agrária, remessa de lucros, política externa independente,

voto de analfabeto e Petrobrás‖. Tinham como base a visão de que ―[...] a cultura

popular se liga diretamente à ação política, pois, enquanto expressão autêntica da

consciência e dos interesses e necessidades das massas, as prepara para a

revolução‖ (SAVIANI, 2008, p. 318).

Em suma: o contexto em que as ações eram desenvolvidas caracterizava-

se pelo diálogo entre a política nacional, educação e movimentos populares e suas

pautas.

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2.2.1 Alfabetizar e conscientizar: o rompimento com a lógica das cartilhas

As experiências com o Movimento de Cultura Popular - MCP e os Centros

Populares de Cultura – CPCs, na Alfabetização tiveram caráter experimental a

princípio. Acerca destes, Brandão (2006, p. 17-18) comenta:

Primeiro foi feita uma pequena experiência na casa que o MCP conseguiu arrumar numa periferia de Recife. Foram 5alfabetizandos. Dois saíram, ficaram 3. De lá a equipe realizou as primeiras experiências mais amplas em Angicos e Mossoró, no Rio Grande do Norte, e em João Pessoa, na Paraíba, com o pessoal da CEPLAR. Lavradores do Nordeste foram os primeiros homens a viverem a experiência nova do ―círculo de cultura‖. Foram os primeiros a serem alfabetizados de dentro para fora, através de seu próprio trabalho.

A partir das reflexões decorrentes do êxito nas atividades iniciais

desenvolvidas no âmbito do MCP, Paulo Freire lançava a proposta de um método de

alfabetização de adultos, cujo tempo de duração era 40 horas. Desenvolvido na

cidade de Angicos – Rio Grande do Norte, o Método Paulo Freire de Alfabetização

mudou o rumo da alfabetização de adultos na época, nas ações com 300

trabalhadores alfabetizados neste curto espaço de tempo. Tornava-se um marco da

Educação de Jovens e Adultos e influenciaria diretamente na produção intelectual de

Freire no exílio.

Alfabetizar e conscientizar: ―[...] é em vista desse objetivo que foi criado

um método de alfabetização ativo, dialogal, crítico e ‗criticizador‘‖ (SAVIANI, 2008, p.

335). De acordo com Ghiraldelli Jr (2008, p. 108):

Procurando se identificar com os ―oprimidos‖ – aqueles definidos como os que não têm voz na sociedade, mas também produzem cultura -, o ideário de Paulo Freire buscava uma educação comprometida com os problemas da comunidade, o local onde, de fato, ocorreria a vida das populações marginalizadas. A comunidade permaneceu, então, como ponto de partida e ponto de chegada de sua prática. Daí as teses do ensino regionalizado, comunitário, ligado aos costumes e à cultura do local de vida da população a ser educada.

Havia uma opção clara pelos que são silenciados nas suas necessidades,

oprimidos nos seus interesses e suas lutas. A prioridade da comunidade como lócus

de linguagens críticas e consciências partia da compreensão do que está ao seu

redor. Freire optou por considerar o universo onde os educandos estavam inseridos

como elemento fundamental na alfabetização e conscientização. Tratava-se da

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leitura do mundo, que uma vez realizada, encaminhava à leitura das palavras. Sobre

o método, Ribeiro (1982, p. 157) afirma:

A primeira fase de elaboração e execução prática do método, o levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se ia trabalhar; como segunda fase, a escolha das palavras selecionadas no universo vocabular pesquisado; como terceira fase, a criação de situações existenciais típicas do referido grupo; como quarta fase a elaboração de fichas-roteiro que auxiliassem os coordenadores e, como quinta fase, a leitura de fichas com a decomposição das famílias fonêmica correspondentes aos vocábulos geradores.

Como salientou-se, o método de Paulo Freire considerava o universo em

que se desenvolveria o processo de alfabetização, ou seja, as linguagens na

comunidade. Por isso, enfatizava os elementos significativos da cultura local, os

vocábulos mais pronunciados pelos moradores da comunidade, os quais eram

selecionados de acordo com o grau de complexidade e relevância - palavras

geradoras - para problematização, decomposição e formação de novas palavras.

Tais palavras não eram universais, ou seja, a cada nova turma em que se optava

pela utilização do método Paulo Freire, novas pesquisas do universo vocabular eram

realizadas, consequentemente diferentes palavras geradoras e formas de conduzir a

alfabetização eram utilizadas. Albuquerque (2004, p. 45) explica as palavras

geradoras da seguinte forma:

A partir do conhecimento da realidade dos educandos, o educador selecionaria algumas palavras – denominadas geradoras – que pudessem desencadear um processo de problematização dessa mesma realidade e as formas de superá-la e, ao mesmo tempo, servissem como ponto de partida para o ensino dos padrões silábicos da língua. No interior dos diversos movimentos, muitos materiais didáticos foram produzidos, inspirados na proposta de Paulo Freire.

De posse das palavras geradoras, os educadores iniciavam o processo

de alfabetização. Observe-se: problematização/discussão, instigando a fala dos

alunos acerca dos significados/significância da palavra geradora; posteriormente,

esta seria exposta em fichas e decomposta com as famílias fonêmicas. A próxima

etapa cabia aos educandos, que formavam novas palavras utilizando as famílias

fonêmicas; as palavras resultantes da palavra geradora, também problematizadas,

levavam a novos temas de discussão e ali aconteceriam os círculos de cultura

(BRANDÃO, 2006). Assim, segundo Ghiraldelli Jr (2008, p. 109):

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O ideário freireano insistia na ideia de que todo ato educativo é um ato político e que o ―educador humanista revolucionário‖, ombreado com os oprimidos, deveria colocar sua ação político-pedagógica a serviço da transformação da sociedade e da ―criação do homem novo‖. Essa educação, ao contrário da ―educação bancária‖, deveria problematizar as situações vividas pelos educandos, promovendo a passagem da ―consciência ingênua‖ para a ―consciência crítica‖.

A consideração do universo vocabular, as palavras geradoras e a

problematização consistiam em uma forma inovadora de conduzir a alfabetização de

adultos. As experiências exitosas davam credibilidade ao método freireano de

alfabetização. No ano de 1963, o então presidente João Goulart, que participara da

cerimônia de encerramento das atividades de alfabetização em Angicos, decide pela

ampliação do Método Paulo Freire, propondo a criação de um Plano Nacional de

Alfabetização em larga escala:

Decidiu-se aplicar o método em todo o território nacional, mas desta vez com o apoio do Governo Federal. E foi assim que, entre junho de 1963 e março de 1964, foram realizados cursos de formação de coordenadores na maior parte das Capitais dos Estados brasileiros (no Estado da Guanabara se inscreveram mais de 6.000 pessoas; igualmente criaram-se cursos nos Estados do Rio Grande do Norte, São Paulo, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Sul, que agrupavam vários milhares de pessoas. O plano de ação de 1964 previa a instalação de 20.000 círculos de cultura, capazes de formar, no mesmo ano, por volta de 2 milhões de alunos. Cada círculo alfabetizava, em dois meses, 30 alunos (BRANDÃO, 2006, p. 16).

A proposta de alfabetização de adultos no método idealizado e

desenvolvido por Paulo Freire se apresentava como viável para que fosse corrigido

o fluxo de analfabetismo existente no país. De acordo com os índices de

analfabetismo apontados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,

no ano de 1960, a taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais era de

39.4%, percentual que correspondia a 15.815.903 pessoas, em uma população com

40.278.602 habitantes nesta faixa etária. Eram dados alarmantes, e portanto seria

oportuno para o Governo Federal ter um Programa que alfabetizasse adultos em

pouco tempo, pois a ofensiva conservadora ameaçava a exequibilidade das

reformas (COELHO, 2007).

Era iniciado, assim, o Programa Nacional de Alfabetização de Adultos,

entretanto, suas atividades não ultrapassariam os primeiros meses, sendo

interrompidas em virtude do Golpe Militar de 1964 e tendo o material pedagógico

apreendido. De acordo com Brandão (2006, p. 19):

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Não houve tempo para passar das primeiras experiências para os trabalhos de amplo fôlego com a alfabetização de adultos. Em fevereiro de 1964, o governo do Estado da Guanabara apreendeu na gráfica milhares de exemplares da cartilha do Movimento de Educação de Base: Viver é lutar. Logo nos primeiros dias de abril, o Programa Nacional de Alfabetização, idealizado sob direção de Paulo Freire, pelo governo deposto, foi denunciada publicamente como ‗perigosamente subversiva. Aqueles foram anos – cada vez piores, até 1968 – em que por toda a parte educadores eram presos e trabalhos de educação, condenados‘.

De acordo com Brandão (2006), o Estado de exceção impossibilitou a

massificação da prática ocorrida em Angicos, uma vez que a repressão aos sujeitos

comprometidos com o Programa Nacional de Alfabetização de Adultos se espalhou

rapidamente, afinal foi declarada como pretensão subversivamente perigosa. Paulo

Freire, que estava à frente de tal empreitada, foi um dos educadores exilados do

Brasil. Durante o Regime Militar, Freire teve que se exilar no Chile, onde continuou

desenvolvendo seu método.

As experiências nos círculos de cultura no Brasil, somadas às que

aconteceram no Chile, foram fundamentais para as reflexões feitas nas obras

Educação como prática da liberdade (1965) e Pedagogia do Oprimido19 (1968).

Durante o exílio, Paulo Freire foi morar ainda nos Estados Unidos, Suíça e no

continente Africano, só retornando ao Brasil após a Lei da Anistia de 1979.

2.3 CONSEQUÊNCIAS DO GOLPE DE ESTADO NAS EXPERÊNCIAS DE

EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO BRASIL

Diante do Golpe Militar de 1964, as práticas educativas/formativas de

Conscientização da população foram reprimidas, uma vez que os militares e a mídia

se opunham às ações propostas por Paulo Freire. Com o fim do Programa Nacional

de Alfabetização de Adultos, o período compreendido entre 1964 e 1969 foi

caracterizado pela ausência de preocupações do Estado em possibilitar o acesso de

adultos à alfabetização.

19

A partir desta obra Freire inicia um processo de superação de sua base filosófica idealista, aproximando-se do materialismo histórico-dialético.

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As iniciativas em torno da EJA passaram a ser protagonizadas pela Igreja

Católica, com a Cruzada ABC20 e o Movimento de Educação de Base – MEB, ligado

à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, com maior impacto no período

entre 1964 e 1969, uma vez que a censura às ações da Igreja Católica ainda não se

fazia sentir. Segundo Paiva (1973, p. 241), o MEB:

Tomava como base a idéia de que a educação deveria ser considerada como comunicação a serviço da transformação do mundo. Esta transformação, no Brasil, era necessária e urgente, e, por isso mesmo, a educação deveria ser também um processo de conscientização que tornasse possível a transformação das mentalidades e das estruturas. A partir de então defendia-se o MEB como um movimento engajado com o povo nesse trabalho de mudança social, comprometido com esse povo e nunca com qualquer tipo de estrutura social ou qualquer instituição que pretende substituir o povo.

É importante ressaltar que os trabalhos com o MEB eram conduzidos

pelos setores mais progressistas da Igreja Católica. Entretanto, encontraram

resistência não somente dentro da instituição religiosa. Condescendentes com a

lógica do Regime, os setores conservadores da sociedade aderiram uma posição

contrária às Comunidades Eclesiais de Base - CEBs e à Teologia da Libertação,

tendo como argumento que estas pregavam a desordem e a destruição da moral

social.

Dentro desse contexto, o movimento católico conservador da Tradição,

Família e Propriedade - TFP ia de encontro às CEBS e disseminava a ideia de

terrorismo dentro das comunidades de base. Elaborou-se material didático, que era

vendido em comunidades mais abastadas do Brasil, principalmente no Norte e

Nordeste, pouco atingidas pela repressão, e que tinham pouco conhecimento acerca

do assunto. No material produzido pela TFP, dissemina-se uma ideologia de

demonização do comunismo, da reforma agrária, da teologia da libertação, sempre

questionando sua importância e induzindo os fieis a acreditar que esses movimentos

não eram confiáveis, tampouco a agitação social que pregavam.

20

Segundo Silva (2013), a Cruzada ABC ―provinha de convênios estabelecidos entre o Ministério da Educação e Cultura e a United States Agency for International Devellopment MEC/USAID39‖. A Cruzada ABC tem sua origem a partir da iniciativa de ―Um grupo de professores do colégio evangélico Agnes Erskine de Pernambuco que, em 1962, idealizou um trabalho de educação de adultos com sentido apostólico‖ (PAIVA, 2003, p. 299). Sendo retraídas as ações de cultura popular por meio da repressão, a Cruzada ABC apresenta-se com a função de legitimar as intenções do governo frente às classes populares, bem como ao grande contingente de pessoas analfabetas‖.

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A TFP aglutinou os setores mais conservadores para derrotar qualquer

resistência ao estado de exceção, sendo forte aliada do Regime Militar e, pode-se

dizer, corroborando para manutenção do mesmo.

Contudo, a Ditadura não se descuidara da alfabetização de adultos, pois

a reprodução do capital não pode prescindir do letramento dos indivíduos. Silva

(2013, p. 62), referindo-se especificamente à Educação de Adultos no Regime Militar

aponta:

Nesse contexto histórico a preocupação com a educação de adultos começa a tornar-se fundamental para o modelo capitalista, uma vez que sendo a produtividade um dos princípios básicos para o fortalecimento da sociedade, o capital rege suas ações. E a alfabetização entra como caminho necessário para a adequação dos alfabetizandos, à sociedade em crescimento.

Desta feita, a educação passava a constituir-se de uma formação

mercadológica, uma vez que ajudaria a repassar à população o conhecimento

mínimo necessário para que o indivíduo se firme no mercado de trabalho. Sobre os

fatos que moveram políticas educacionais na perspectiva do crescimento econômico

do país, Ferreira Junior e Bittar (2008, p. 341) afirmam:

A cronologia dos acontecimentos é reveladora da lógica economicista que presidia os objetivos propugnados pelos governos dos generais-presidentes: primeiramente, os planejamentos econômicos, nos quais estavam estabelecidas as diretrizes que vinculavam organicamente economia e educação, e depois a materialização dessas diretivas no âmbito das reformas educacionais.

Essas medidas que foram tomadas no decorrer do período ditatorial no

Brasil mediavam, concomitantemente, educação e economia, não apenas no que

concerne à formação para o mercado de trabalho, mas também pela expansão da

rede privada de educação básica e superior. A educação, então, assumia o papel de

mercadoria; com ela, o país poderia obter lucro. Assim, ao longo dos anos, foi

disseminada uma ideologia a ser seguida: através da formação de mão-de-obra

―qualificada‖, seria possível o crescimento econômico do país e com ele a melhoria

de vida para todos. Havia uma máxima da política econômica do Regime Militar:

―Primeiro cresce o bolo, depois divide‖.

O tal crescimento econômico realmente aconteceu, já que o Produto

Interno Bruto - PIB do país crescia 10% ao ano, como afirma Vieira (1985). Nesta

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lógica, o Brasil saiu da posição 49º lugar para a posição de 8º lugar na economia

mundial. Paiva (2005, p. 172) adverte:

O que estava em jogo, no marco do desenvolvimentismo, era a necessidade de se investir na força produtiva de trabalhadores apostando que a alfabetização – e depois a necessidade de pós-alfabetização -, contribuiriam para tirar o Brasil do atraso, e conformar o projeto de país grande, do ―pra frente Brasil‖, que animava a ideologia da época.

Complementando o pensamento de Paiva (2005), Gomes (2012, p. 13)

destaca que o cenário de uma educação voltada para o mercado de trabalho tinha a

concepção de analfabetismo como:

[...] ‗uma vergonha nacional‘, transformava-se em bandeira para os ideais nacionalista-desenvolvimentistas, porque era visto como fator de impedimento ao desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Com a intenção de alterar tal fator negativo, o Governo anunciou a criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), instituído pela Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967, cuja finalidade era a execução do Plano de Alfabetização Funcional e Educação Continuada de Adolescentes e Adultos, proposta pela UNESCO na Conferência de Teerã em 1965.

O analfabetismo era identificado como atraso, uma chaga; era o oposto

de desenvolvimento, incompatível com a industrialização do país. Desta forma, o

MOBRAL é concebido como um Programa que suprisse a demanda de

escolarização de jovens e adultos no contexto da Ditadura Militar. Assim, na

perspectiva de apresentar resultados ou ofertar o acesso a um Programa de

alfabetização funcional de adultos, em 1967 planejou-se uma política de

alfabetização que seria bastante conhecida, criticada, porém considerada um divisor

de águas na história da Educação de Adultos: o Movimento Brasileiro de

Alfabetização – MOBRAL, sobre o qual disserta-se a seguir.

2.3.1 O Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL

A lacuna na oferta de educação para jovens e adultos, imposta pelo

Golpe de 1964, impôs o próprio Regime Militar a se posicionar acerca da garantia

deste direito dos indivíduos, através de políticas educacionais que agradassem aos

empresários e ao Estado repressor. Necessitava-se de um Programa de

alfabetização que suprisse as demandas existentes na sociedade brasileira e, no

mesmo compasso, propagasse a ideologia de uma nação em desenvolvimento, a

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qual via a educação como elemento chave para o crescimento econômico do país.

Não obstante, nesse momento, a Cruzada ABC vinha recebendo críticas e perdia o

espaço de atuação.

Percebia-se que, diante dos níveis de analfabetismo divulgados no censo

de 1960, dever-se-ia desenvolver ações que possibilitassem a escolarização dos

sujeitos jovens e adultos. Em setembro de 1967 era encaminhado para o Congresso

o Plano sobre Alfabetização Funcional e Educação Continuada de Adultos, que

versava sobre essa situação e colaboraria na proposição de iniciativas para a

escolarização de jovens e adultos.

A 8 de setembro de 1967, Dia Internacional da Alfabetização, o Ministro da Educação e Cultura, Dr. Tarso Dutra levou à consideração do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Marechal Costa e Silva, decretos e anteprojetos de lei relativos à matéria. Após a avaliação do sério problema com que a nação se defrontava, o presidente anunciou que enviaria ao Congresso o Plano de Alfabetização Funcional e Educação Continuada de Adultos, precedido de anteprojeto de lei pelo qual a Alfabetização Funcional e a Educação Continuada passariam a ser atividades prioritárias permanentes do Ministério da Educação e Cultura e no qual ficaria instituída a Fundação MOBRAL como seu órgão executor (BRASIL, 1973, p. 9)

O governo militar decide priorizar a educação de adultos, após tomar

ciência do ―sério problema com que a Nação se defrontava‖ e envia o Plano sobre

Alfabetização Funcional e Educação Continuada de Adultos. Dentre os principais

objetivos traçados no Plano, destacam-se:

Assistência financeira e técnica para promover a obrigatoriedade escolar

na faixa etária de 7 a 14 anos; Extensão da escolaridade até a 6ª série; Assistência educativa imediata aos analfabetos que se situam na faixa

etária de 10 a 14 anos; Promoção da educação dos analfabetos de qualquer idade ou condição,

alcançáveis pelos recursos audiovisuais em programas que assegurem a avaliação dos resultados;

Cooperação dos movimentos isolados de iniciativa privada, desde que comprovada sua eficiência;

Alfabetização funcional e educação de adultos para os analfabetos de 15 ou mais anos, por meio de cursos especiais, básicos ou diretos, dotados de todos os recursos possíveis, inclusive audiovisuais, com duração de 9 meses;

Promoção progressiva de cursos de continuação (diretos, radiofônicos ou televisionados), visando a estender a alfabetização funcional;

Descentralização da ação sistemática, com execução pelos Estados, Territórios, Distrito Federal, Municípios e entidades privadas, mediante convênio (BRASIL, 1973, p. 11-12).

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Com a Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967, era aprovado o Plano

sobre Alfabetização Funcional e Educação Continuada de Adultos e instituiu-se a

criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, com sede e foro na

cidade do Rio de Janeiro, então estado de Guanabara. Posteriormente, com o

Decreto nº 62.484, de 28 de março de 1968, era aprovado o Estatuto da Fundação

Movimento Brasileiro de Alfabetização.

Amparado pela legislação acima citada, o Programa incumbir-se-ia do

cumprimento dos objetivos propostos no Plano sobre Alfabetização, enfocando a

meta principal de erradicação do analfabetismo no período de dez anos. Em âmbito

nacional, o MOBRAL iniciou suas atividades apenas em 1969, porém não de forma

homogênea. Houve localidades onde a formação de turmas teve início no decorrer

da década de 1970.

De acordo com Gomes (2012), no estado do Ceará, o Programa foi

iniciado em 1970, ―[...] instalando-se em 26 municípios; [...] especificamente em

Fortaleza havia 200 núcleos cadastrados com cinco mil alunos matriculados‖. No

município de São João do Jaguaribe, as atividades iniciaram-se em 1971 com a

formação de turmas de alfabetização funcional nas comunidades das zonas rural e

urbana.

Em sua pesquisa sobre a memória das alfabetizadoras do Programa na

Capital cearense, Gomes (2012, p. 58-59) destaca que:

A proposta pedagógica na qual estavam fincadas as ações pedagógicas no Ceará era chamada de educação de base, e mantinha a preocupação com a problemática do adulto analfabeto, levando em conta seus interesses e necessidades.

Tais interesses e necessidade eram voltados para a atuação profissional

e convivência nas comunidades, como afirma Coelho (2007). Na análise de Jannuzzi

(1979, p. 35), a documentação do MOBRAL conceituava educação como:

[...] o processo que auxilia o homem a explicitar suas capacidades, desenvolvendo-se como pessoa que se relaciona com os outros e com o meio, adquirindo condições de assumir sua responsabilidade como agente e seu direito como beneficiário do desenvolvimento econômico, social e cultural.

A prioridade inicial do Programa era a alfabetização funcional, em virtude

da quantidade de analfabetos absolutos existentes na faixa etária compreendida

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entre 15 e 30 anos, expressas no censo de 1960, como já explicitado anteriormente.

Uma vez alfabetizados, os alunos, conforme apresentado anteriormente, viriam a

assumir postos de trabalho em indústrias e contribuir para o crescimento econômico

do país. Silva (2013, p. 61) explica esta noção de desenvolvimento da seguinte

forma:

[...] a finalidade da alfabetização oferecida pelo MOBRAL estava completamente voltada para o desenvolvimento, uma vez que, naquele momento histórico, era necessário que o Mobralense: aceitasse o desenvolvimento tal qual estava colocado pela política econômica. Sem questionamentos; se motivasse a ingressar neste desenvolvimento, por meio da alfabetização, desenvolvendo habilidades que facilitassem o seu ingresso no desenvolvimento de forma funcional e acelerada. Donde a ênfase era na informação e, por fim, fazer com que todos transformassem a realidade no sentido colocado como adequado pela linha de desenvolvimento de 1970 a 1985.

Diante deste imperativo de desenvolvimento defendido pelos militares,

atribuía-se a denominação de alfabetização funcional, pois segundo o documento

básico do MOBRAL, fazia-se com que o aluno não somente aprendesse a ler,

escrever e contar, mas sim descobrir a função do homem na sociedade, a qual

Corrêa (1979 apud Gomes, 2012, p. 13) destacava como o desenvolvimento das

forças produtivas da nação. O autor viria a complementar, destacando a

alfabetização como:

[...] um processo formativo no qual o domínio das técnicas de leitura, escrita e cálculo deveria integrar-se à capacitação do alfabetizando para resolver seus problemas fundamentais, entre eles em primeiro lugar os relativos à suas atividades produtivas (CORRÊA, 1979 apud Gomes, 2012, p. 14).

Evidencia-se, no discurso de Corrêa (1979), que as ações propostas pelo

MOBRAL estavam ligadas à formação/qualificação para o mercado de trabalho,

exemplo disto foram as turmas de educação profissionalizante, as quais eram

formadas através da parceria público-privado, com vistas a capacitar trabalhadores

da indústria. Segundo Gomes (2012, p. 14), isto se deve ao fato de:

[...] o projeto MOBRAL ter sido implantado por um governo planificado, que privilegiava o planejamento e controle da informação, sendo influenciado pelo tecnicismo pedagógico que também orientava as escolas de 1º e 2º graus, na época, e seu objetivo final era preparar urgentemente o indivíduo para o mercado de trabalho, uma vez que o País passava por um momento de crescimento econômico e intensa urbanização.

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Grande influência para as ações do MOBRAL estava na legislação

educacional que então vigorava. Segundo Romanelli (1999), a Lei 5692/71 (Reforma

da educação de 1º e 2º graus) introduzia no sistema educacional brasileiro a lógica

de formação mercadológica, a qual também materializada nas políticas de

alfabetização e escolarização de jovens e adultos. Segundo o documento

Diagnóstico da Realidade Educacional Cearense (1971 apud Gomes, 2012, p. 58):

[...] a duração da educação de adultos era de dois anos e meio, em seis fases de quatro meses, distribuídas no período de março a junho e de agosto a novembro. O currículo escolar correspondia às mesmas áreas do curso primário, ou seja, Linguagem, Matemática, Estudos Sociais, Ciências, Naturais e Educação Moral e Cívica.

Além disso, à medida que eram concluídas as turmas de alfabetização

funcional, o MOBRAL foi estendendo suas atividades para as quatro séries iniciais,

em alguns casos particulares (BRASIL, 1973). Seus principais subprogramas eram:

Alfabetização Funcional, Educação Integrada, Programa Cultural, Programa de Ação

e Desenvolvimento Comunitário e Programa de Profissionalização, os quais serão

melhor detalhados na seção subsequente.

De acordo com Coelho (2007), ao MOBRAL competiam atividades de

implantação, execução e avaliação das turmas, assim como acompanhamento e

fiscalização do que estava sendo feito em sala de aula. Era inevitável, entretanto,

que a hierarquia superior do Programa não tivesse controle de todas as ações

desenvolvidas no âmbito do Programa. Por isso, havia a necessidade de delegar a

responsabilidade para um órgão associado, que se ocupasse da execução das

atividades obrigatórias, uma vez que existiam objetivos pré-estabelecidos. De

acordo com Escobar (2007, p. 33):

O MOBRAL foi implantado com três fatores básicos essenciais para sua organização. O primeiro fator foi o paralelismo em relação aos demais programas de educação, isto é, seus recursos financeiros também independiam de verbas orçamentárias. O segundo aspecto foi a organização operacional descentralizada, através de Comissões Municipais por quase todos os municípios brasileiros. Eram chamados ―representantes‖ das comunidades, os setores sociais da municipalidade mais identificada com a estrutura do governo autoritário. A terceira característica veio da centralização de direção do processo educativo, através da Gerência Pedagógica do MOBRAL Central, encarregada da organização, programação e execução do treinamento do pessoal para todas as fases, de acordo com as diretrizes estabelecidas da Secretaria Executiva.

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Esse delegar responsabilidade ocasionou a criação de Coordenações

Estaduais - COEST e Comissões Municipais do MOBRAL - COMUN, cujas

atribuições eram orientação e supervisão pedagógica aos envolvidos no Programa.

Entretanto, a elaboração de material permanecia centralizada pelo MOBRAL

Central, como afirma Coleti (2014, p. 6): ―[...] Quem escolhia os objetivos e

conteúdos dos materiais pedagógicos era o MOBRAL/CENTRAL, os professores e

alunos só seguiam as ‗ordens‘‖.

Em entrevista 21 com Célia Maria Machado de Brito 22 , atualmente

professora da Universidade Estadual do Ceará, a qual desempenhou o papel de

auxiliar técnica na COEST constatou-se que:

[...] a coordenação estadual do MOBRAL dava conta de subsidiar tecnicamente, pedagogicamente, as condições municipais do MOBRAL. Então... o subsistema era composto de supervisores de área e supervisores estaduais. O Estado era dividido em nove grandes regiões onde existia um técnico que se chamava supervisor estadual. Ele normalmente organizava o trabalho das supervisoras de área, que eram aquelas pessoas que viviam no campo. Tinha uma média de 25 dias no campo. E que davam assistência direta aos municípios. Nesse sentido, elas tinham o trabalho de selecionar, capacitar, implantar e acompanhar as turmas. Aqui na coordenação estadual a gente dava subsídios. A gente preparava o subsistema de supervisão global para eles atuarem. Mas, eventualmente, a gente também ia a campo pra ajudar nos processos, tanto de mobilização, como de seleção, como de capacitação tanto de acompanhamento. O MOBRAL Central chegava e dizia que o índice de analfabetismo na região do Jaguaribe é x. E a gente que reduzir para tanto. Portanto, teremos que fazer e implantar neste semestre, N salas de aula. Portanto, a gente precisa de um técnico para ajudar o supervisor de área a fazer esse processo completo. O que era esse processo completo? Era exatamente contatar com as prefeituras, articular transportes, pensar um processo de mobilização que envolvesse a sociedade, seja serviço radiofônico, seja radiadora. Todos os recursos, sejam as instituições, tipo secretaria de saúde, né? Para poder a gente mapear o município e ver nas localidades os índices de analfabetismo, mobilizar. E normalmente a gente visitava o município inteiro, fazendo reuniões, divulgando, trabalhando, conscientizando da importância da leitura e da escrita. Depois, a gente voltava pegando o nome do supervisor, marcando a capacitação e dando no mínimo 40 horas de capacitação inicial. Então ao longo da minha trajetória no Mobral, eu fiz, eu cheguei a passar 30 dias no município para fazer esse processo completo.

Cabia às Coordenações Estaduais o trabalho de orientar e auxiliar a

prática de supervisoras de área e professoras do MOBRAL. Tratava-se de um órgão

que se encontrava acima das Comissões Municipais, mas que caminhava ao lado

das mesmas.

21

Entrevista concedida a 10 de setembro de 2016, no município de Fortaleza-Ceará. 22

Graduada em Ciências Sociais, com mestrado e doutorado em Educação. Professora da Universidade Estadual do Ceará, com lotação no Centro de Educação – campus Itaperi.

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Através das COESTs e COMUNs passou-se a realizar um movimento

comunitário até então inédito. Em documento sobre o Programa, um dos relatos

sobre as COMUN foi o seguinte:

[...] as COMUN são os verdadeiros agentes executivos dos programas do MOBRAL. Espalhadas por todo o Brasil — quase 4.000 — mobilizam analfabetos, alfabetizadores, monitores e animadores. Providenciam locais para salas de aula e instalam postos de alfabetização. Em suma — procuram juntar os esforços comunitários em prol da educação de adultos (BRASIL, 1973, p. 13).

As Comissões Municipais eram orientadas pelas Coordenações

Estaduais, que por sua vez recebiam as orientações gerais do MOBRAL Central.

Neste sentido, serviam como canal de aproximação dos educandos com o Programa

em andamento. Segundo Corrêa (1979 apud Silva, 2013, p. 63), as Comissões

Municipais do MOBRAL:

[...] proporcionaram treinamento profissional, no sentido de facilitar a obtenção de emprego para ex-alunos, que se tornavam ―Objeto a serviço dos planos globais de desenvolvimento, através dos planos setoriais de educação‖ (RIBEIRO et al., 1992, p. 13). Atrelado a isso, buscavam desenvolver atividades culturais nas festas como quermesses e comemorações cívicas, congregando muitos Mobralenses.

A formação e alocação de turmas e a recruta de professores competiam a

este órgão (COMUN), que era composto por Presidente23, Secretário-Executivo24,

Encarregados da área Pedagógica25, da Área de Mobilização26, da Área de Apoio e

da Área Financeira.

O Presidente da Comissão Municipal era a figura-chave do Programa em

cada cidade. Ele era o responsável pela organização da parte administrativa, do

firmamento de parcerias, geria as atividades dos outros membros da comissão,

23

Deveria ser, de preferência, um representante da iniciativa privada (empresa, indústria, comércio, etc.); para que não se verifique um acúmulo de encargos com consequentes problemas de tempo, é recomendável que esta indicação não recaia sobre o prefeito (BRASIL, 1973, p. 21).

24

De preferência que fosse um membro da Secretaria Municipal de Educação (BRASIL, 1973, p. 21). 25

Deveria ser, de preferência, um professor com experiência de magistério, dinâmico. e com um bom relacionamento humano. Deve conhecer os principais problemas do município e demonstrar capa cidade para encontrar soluções, quando a seu alcance (BRASIL, 1973, p. 21).

26

Deveria ser um elemento interessado em trabalho de comunidade, conhecendo a realidade socioeconómica do município, demonstrando capacidade de liderança para envolvimento da comunidade no trabalho de integração do MOBRAL (BRASIL, 1973, p. 21).

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avaliava o desempenho e caso julgasse necessário modificava as formas de

execução das ações desenvolvidas. Havia também um profissional encarregado

pela área pedagógica do Programa, tendo como funções recrutamento e seleção de

alfabetizadores e animadores, a partir de critérios estabelecidos juntamente com a

COMUN; organização de classes; supervisão das atividades desenvolvidas pelos

alfabetizadores (BRASIL, 1973).

Outro profissional que desenvolvia atividades na COMUN era o

encarregado pela divulgação das atividades do Programa nas comunidades, na

intenção de atrair a população a participar das aulas; organizar eventos dentro das

comunidades onde funcionasse o Programa; e nestes locais divulgar os resultados

alcançados até então. Pode-se perceber que o trabalho do encarregado de

divulgação era difundir a ideologia do MOBRAL, convencendo a população de que

existiam avanços no que diz respeito à oferta de alfabetização para jovens e adultos.

Por último, o encarregado financeiro, que tinha como função atrair

recursos para o Programa, em virtude das possibilidades de colaboração financeira

de instituições de ordem privada.

Como se configurava a Comissão Municipal do MOBRAL em São João do

Jaguaribe? De acordo com a Supervisora do Programa no Vale do Jaguaribe,

Socorro Sousa27 (69a., F.), a COMUN era composta por: supervisora de área e

encarregado de mobilização. Os funcionários do MOBRAL neste município foram

indicados pelos gestores municipais28 de acordo com suas perspectivas políticas,

bem como pelo histórico de engajamento na educação municipal. Segundo a então

funcionária encarregada pela mobilização, Creuza Chaves29 (62a., F):

O movimento sempre exigia muito, que era o trabalho de pessoas voluntárias, aí como a gente não tinha na comunidade pessoas que se dedicassem mesmo, a prefeitura resolveu contratar no quadro pessoal essas pessoas e designar pra prestar serviços ao MOBRAL, aí a coisa até caminhou mais um pouco. [...] nós fomos pra Fortaleza, passamos uma semana lá fazendo o treinamento pedagógico pra saber como é que ia alfabetizar o adulto.

27

Entrevista concedida a 25 de abril de 2012, em Limoeiro do Norte – Ceará. 28

Os membros da Comissão Municipal foram indicados pelo prefeito do município, levando em consideração não apenas a perspectiva política, mas também o engajamento na educação do município.

29 Entrevista concedida a 13 de abril de 2012, em São João do Jaguaribe – Ceará.

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Da indicação dos funcionários da COMUN à formação das turmas, houve

um período de treinamento para as profissionais do MOBRAL em São João do

Jaguaribe, dentre estas também as professoras, as quais, embora não tivessem a

habilitação para o magistério, eram selecionadas para atuar no Programa de

Alfabetização Funcional - PAF. Neste treinamento, eram orientadas sobre a forma

como trabalhar com os adultos e metodologia de alfabetização. Após este período,

eram formadas as turmas.

Segundo Creuza Chaves, ―[...] num primeiro momento, foram instalados

31 postos, só funcionaram bem 27... era um período de cinco meses. Depois foi pra

23 postos, na reta final terminou com 19... Era assim‖. A formação de turma era

caracterizada pela visita às comunidades, onde os cidadãos eram convidados a

fazer parte do Programa. Esta função era desenvolvida pelo profissional

encarregado pela mobilização.

Creuza Chaves conta como era feita a formação das turmas: ―Eu visitava

as comunidades pra formar turma. Me lembro que a primeira comunidade que visitei

foi o Mocós30. Eu saía chamando os alunos para participar do MOBRAL. Dizia que

era um programa novo pra alfabetização‖. A quantidade de alunos por turma,

segundo ela, deveria ser: ―[...] até 30 alunos na sala de aula, eu peguei uma turma

com 27 alunos registrados, mas 34 alunos assistiam aula. Aí dos 34, 7 não

receberam certificado‖.

Outra informação bastante pertinente, mas característica da EJA, seja no

passado ou na atualidade: as aulas aconteciam sempre à noite, nas casas dos(as)

professores(as). De acordo com Creuza Chaves:

As aulas eram à noite, aí vinha verba pra comprar os lampiões, os tambores de gás. Funcionavam nas casas. Era muita boa vontade das pessoas. Tinha as supervisoras locais que vinham pra visitar, eu via que não podia levar tanto conhecimento, até porque era um movimento novo e as pessoas estavam à frente eram pessoas que não tinham uma qualificação para ficar à frente do movimento, mas como existia uma carência no município era preciso recorrer a elas.

A cidade ainda era pequena e pouco desenvolvida. Todos se conheciam

e assim aconteciam as coisas: os alunos se deslocavam para as casas dos

professores para estudar ou, em raros casos, alguns professores se deslocavam da

30

Comunidade localizada na zona rural de São João do Jaguaribe.

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zona urbana e lecionavam em outras comunidades, se hospedando, assim, na casa

dos educandos. Segundo Creuza Chaves:

A prefeitura nessa época arcava com toda a infraestrutura de alimentação, hospedagem, mas não tirava da conta do município. A gente pedia às famílias das pessoas pra receber uma pessoa em casa. Porque eu lembro que a prefeitura nessa época não tinha como registrar, não tinha como fazer empenho destas despesas, não podia empenhar estas despesas, tinha que ser um trabalho voluntário.

Os(as) professores e professoras, designados(as) como monitores(as)

não eram contratados(as) dentro da folha de pagamento do município, mas a

prefeitura dava ―auxílio financeiro‖. Quando se fez referência a este ponto como um

dos mais expressivos, é porque, notoriamente, a Educação de Jovens e Adultos era

um direito secundarizado, o que fica expresso no discurso do então presidente do

MOBRAL, Arlindo Lopes Corrêa, no documento Mobral: sua origem e evolução:

O analfabeto não é apenas do Governo; é de toda a comunidade, conforme expressamos genericamente em páginas anteriores. Todos são responsáveis, principalmente os que gozaram dos privilégios da escola, que ele não teve (BRASL, 1973, p. 23).

Estas indicações acerca do MOBRAL em São João do Jaguaribe

corroboram com o que era proposto nos documentos elaborados pela Comissão

Central do Programa:

Quanto menor a área operacional, tanto mais fácil será o levantamento dos analfabetos: tanto melhor, também, o relacionamento alfabetizador-aluno, para o entrosamento e condição capital na comunicação de ensinamentos, principalmente em se tratando de adultos. Recomendamos que, sempre que possível, o alfabetizador seja morador da mesma área porque: a) talvez já conheça os moradores; b) evita o deslocamento noturno; c) evita o natural constrangimento do analfabeto; d) na falta de outro lugar, sua casa poderá servir de Posto de Alfabetização; e) permitirá a ida do alfabetizador à casa do analfabeto sempre que necessário, como por exemplo: evasão, assistência, etc. (BRASIL, 1973, p. 24).

Os pontos A, B e D chamam bastante atenção, pois denotam a realidade

são-joanense: aulas que aconteciam nas casas das professoras e relações mais

próximas que possibilitavam uma interação maior entre as educadoras e os

educandos, como apontam Carvalho e Almeida (2015).

O MOBRAL tinha estrutura própria e desenvolvia suas atividades sem a

coordenação do Ministério da Educação e Cultura, embora recebesse desta

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entidade parte do fomento. Segundo Di Pierro, Joia e Ribeiro (2001, p. 5), ―[...] O

governo federal investiu um volume significativo de recursos na montagem de uma

organização de âmbito nacional e autônoma em relação às secretarias estaduais e

ao próprio Ministério da Educação‖. Em São João do Jaguaribe:

A verba que vinha pro MOBRAL já era uma verba federal, vinha pra comissão. O prefeito apenas assinava o convênio. E esses recursos que vinham, eles vinham numa conta aberta da Comissão Executiva Municipal, a agencia era do Banco do Brasil, ia pra Russas buscar o dinheiro, era pouco, mas naquela época representava alguma coisa (CREUZA CHAVES, membra da Comissão Municipal do MOBRAL).

―Era pouco, mas representava alguma coisa‖, esta passagem da fala de

Creuza Chaves traz um sentido emblemático: o pouco para quem nada tinha já era

um primeiro passo? À medida que esta política chegava ao sertanejo que buscava

alfabetização pelo MOBRAL, tratava-se como conquista. Entretanto, ainda havia

muito que caminhar, tendo em vista o caráter secundarizado da EJA, sobretudo no

meio rural. Embora o Governo Federal tivesse investido um volume significativo de

recursos na Fundação MOBRAL, estes ainda eram escassos diante do desafio de

alfabetizar tantas pessoas.

A fim de angariar mais recursos para o MOBRAL, as parcerias público-

privado no desenvolvimento de ações de alfabetização e escolarização de adultos

eram ampliadas, mesmo que, de acordo com Romanelli (1999), o Programa

contasse com recursos advindos da indicação de até 2% do imposto de renda

devido por pessoas jurídicas e ainda recebesse percentuais da loteria esportiva.

Mesmo assim, conclamava a população a fazer ―sua parte‖ no processo de

alfabetização dos adultos.

Os discursos pregados assumiam a forma de música; o hino 31 do

Programa contava com os seguintes trechos que reforçavam o assistencialismo e

31

Hino do MOBRAL -Você também é responsável (Dom e Ravel):Eu venho de campos, subúrbios e vilas / Sonhando e cantando, chorando nas filas / Seguindo a corrente sem participar / Me falta a semente do ler e contar/ Eu sou brasileiro anseio um lugar /Suplico que parem pra ouvir meu cantar: / Você também é responsável, então me ensine a escrever / Eu tenho a minha mão domável, eu sinto a sede do saber / Do saber, do saber /Eu venho de campos, tão ricos, tão lindos / Cantando e chamando. São todos bem-vindos / A nação merece maior direção. Marchemos pra luta / De lápis na mão; / Eu sou brasileiro, anseio um lugar, suplico que parem pra ouvir meu cantar: / Você também é responsável / Então me ensine a escrever / Eu tenho a minha mão domável, eu sinto a sede do saber / Do saber, do saber /Do saber, do saber.

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sentido de voluntariado: ―Você também é responsável, então me ensine a escrever‖,

―Eu tenho a mão domável, eu sinto a sede do saber‖. Ao se referir à população como

também responsável pela alfabetização dos adultos, o Estado abria mão de sua

responsabilidade na oferta de ensino, capacitação de professores e infraestrutura

adequada para a execução das atividades do MOBRAL.

Um trecho extraído do documento Soletre MOBRAL e Leia Brasil

complementa o que foi exposto acima:

[...] qualquer espaço serve para instalar escolas — casebres e salas modernas. Importante, mesmo, é alfabetizar. O MOBRAL baixou a taxa de analfabetismo para cerca de 13,9%. Eis a verdade dos números (BRASIL, 1976, p. 33)

Neste momento, fica evidente a reduzida preocupação com o espaço

onde seria realizado o processo educativo, importava apenas que deveria acontecer,

independente da forma. Partindo de uma visão mais ampla, é possível afirmar que,

desde os primeiros anos de atividades, havia certo descaso com a alfabetização e

escolarização dos adultos. Existindo professor, giz, material e alunos, de nada mais

se precisaria.

Sergio Haddad e Di Pierro (2000) chamam atenção para um fato bastante

importante: a estrutura política do país, que influía diretamente na oferta e na forma

de se fazer a educação de adultos. De acordo com os autores, o país já estava na

década de 1970:

[...] auge do controle autoritário pelo Estado. O MOBRAL chegava com a promessa de acabar em dez anos com o analfabetismo, classificando como ‗vergonha nacional‘ nas palavras do presidente militar Médice. Chegou imposto, sem a participação dos educadores e de grande parte da sociedade. As argumentações de caráter pedagógico não se faziam necessárias. Havia dinheiro, controle dos meios de comunicação, silêncio nas oposições, intensa campanha de mídia. Foi o período de intenso crescimento do MOBRAL (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.116).

É importante observar para o Programa, mas, sobretudo, para o contexto

em que as atividades eram desenvolvidas. A repressão e a censura foram as

maiores características do Regime Militar. Ao traçar um perfil de cada presidente no

que concerne à repressão e censura, chega-se à conclusão que todos praticavam-

na, entretanto, era veementemente negada oficialmente, porém praticada como

forma de manter a ordem social. Para manter a tal ―ordem‖:

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[...] o governo decreta Atos Institucionais (AI), que imprimem formato ‗legal‘

às medidas de exceção. Os partidos existentes são dissolvidos, instituindo-

se o bipartidarismo. Eleições indiretas para presidente e governadores são

adotadas. Direitos políticos são suspensos, mandatos de deputados

cassados e funcionários públicos demitidos. Cria-se também o Sistema

Nacional de Informações (SNI), com características de polícia política. Com

a nova Constituição (1967), as leis de exceção são incorporadas e a

ditadura institucionalizada (VIEIRA, 2002, p. 258).

O General Castelo Branco deu início aos Atos Institucionais, cassou

mandatos de políticos, exilou intelectuais e tirou direitos de militares que exerciam

suas funções até a data do golpe, pelo fato de se mostrarem contrários ao Regime

instaurado. Entretanto, a agitação social teve o maior período de censura e

repressão a partir do Ato Institucional de número 5 - AI-5, no governo de Arthur da

Costa e Silva, quando, segundo Vieira (2002, p. 258), começa ―[...] a fase mais dura

do regime militar, [...] e a ditadura atinge seu maior grau de aprofundamento‖. De

acordo com a autora:

Em dezembro de 1968, o Congresso é fechado, sendo decretado o Ato

Institucional nº 5 (AI-5), com vigência até 1979. Com o AI-5 se instala o

―arbítrio total‖, tendo ―a maior concentração de poder já vista na história do

Brasil‖ (Caldeira, 1997, p. 323). Instala-se a censura à imprensa. A luta

armada passa a ser uma proposta aceita por forças de esquerda reduzidas

à clandestinidade. Processos de cassações e de perdas de direitos políticos

se avolumam. Inquéritos Policiais Militares (IPMs) submetem a sociedade a

um estado de medo e de silêncio a um estado de medo e de silêncio

(VIEIRA, 2002, p. 261).

Diante deste contexto de repressão, percebe-se que problematizar estas

questões consistia num risco. Neste sentido, o MOBRAL caminhava à sombra do AI-

5, apenas passando a ser criticado com maior veemência quando o cenário político

caminhava para uma redemocratização. Mas, mesmo diante desta afirmação, é

importante questionar: Efetivamente, o Regime Militar exerceu controle sobre as

ações das professoras do MOBRAL? Em algum momento as docentes passaram a

ter autonomia na prática pedagógica? Foram questões perseguidas no âmbito da

pesquisa.

Àquele momento, no contexto cearense, segundo Gomes (2012, p. 57-

58):

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A questão da educação de jovens e adultos e do ensino supletivo estava posta para as Secretarias como um desafio e tinham suas bases conceituais estabelecidas no Estado, na Resolução 52/73, do Conselho de Educação do Ceará, que fixa as suas diretrizes e era calcado no capítulo IV da Lei Federal 5692/71. Segundo a referida Resolução, o ensino supletivo no Ceará era caracterizado por funções de suplência, suprimento e qualificação e aprendizagem. [...] Portanto, a educação de jovens e adultos abrangia a faixa etária de 14 a 50 anos, aproximadamente, sendo ministrada pelas redes pública e particular, funcionando no turno da noite.

Durante os primeiros anos de atuação efetiva, já era presente a influência

da Lei 5692/71 - Reforma de Ensino de 1º e 2º graus, não apenas no que concerne

ao tecnicismo educacional - que incidia diretamente no currículo e estruturação do

ensino -, mas também no caráter secundário/supletivo dado à Educação de Jovens

e Adultos. As críticas apresentadas ao MOBRAL centravam-se na formação das

professoras, currículo da alfabetização, metodologia e condições materiais para a

prática docente.

De acordo Albuquerque (2004, p. 46), havia a ―[...] recruta de

alfabetizadores sem muita exigência: repetia-se, assim, a despreocupação com o

fazer e o saber docentes – qualquer um que saiba ler e escrever pode também

ensinar. Qualquer um, de qualquer forma, ganhando qualquer coisa‖. Em São João

do Jaguaribe, a escolha dos professores e formação de turma tinham como critério a

indicação:

O critério para que os professores fossem contratados era indicação. [...] Diziam assim: ―não, não é pra ser pessoas formadas‖ ou ―coloca aquele ali, que ele vai conseguir muito voto‖. Ora, era quem mais precisava serem formados, eram os professores do MOBRAL, mas isso não acontecia só aqui em São João, não. Acontecia em todo o Ceará. Eu via que não podia levar tanto conhecimento, até porque era um movimento novo e as pessoas estavam à frente eram pessoas que não tinham uma qualificação para ficar à frente do movimento, mas como existia uma carência no município era preciso recorrer a elas (CREUZA CHAVES, membra da Comissão Municipal do MOBRAL).

Pode-se ver que a realidade do município quanto à escolha de

educadores(as) para trabalhar no MOBRAL era intrigante. A interferência política foi

acentuada, pois era por indicação que os(as) professores(as) começavam a

trabalhar no movimento. Indicação, esta, que tinha como interesse dos políticos da

cidade, fazer com que o seu número de eleitores aumentasse, como afirma Creuza

Chaves. Isto devia-se à proibição do voto aos considerados analfabetos absolutos.

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Sobre os conteúdos e metodologia do Programa, a afirmação de Freitag

(1997 apud Gomes, 2012, p. 48) revela a dissidência entre a concepção freireana e

a proposta de educação pós Golpe de 1964:

É preciso insistir na diferença entre a concepção alfabetizadora do MOBRAL e a exposta na Educação como prática da Liberdade ou na Pedagogia do Oprimido. No entanto, o MOBRAL não hesita em utilizar, extraindo-as de seu contexto filosófico e político, as técnicas de alfabetização de Paulo Freire. Podemos dizer que o método foi refuncionalizado como prática, não de liberdade, mas de integração ao ―modelo brasileiro‖ ao nível das três instâncias: infra-estrutura, sociedade política e sociedade civil.

Diferentemente da proposta de educação freireana, em que se atuava

visando à (trans)formação dos sujeitos e da realidade em que se encontravam

inseridos, no MOBRAL as ações centravam-se no individual, na formação intelectual

do sujeito, deixando nas entrelinhas a ideia de conformação. A análise do contexto

político em que o Programa era desenvolvido apresenta fundamentos para que se

possa compreender que havia uma tentativa de manter a sociedade da forma como

se encontrava. Na análise sobre o material e metodologia do Programa, é importante

contar com as recordações de Creuza Chaves:

Lembro bem que vêm as dificuldades, porque dentro dessa metodologia muitos professores não sabiam nem, coitadinhos, como ensinar a parte da alfabetização, que apesar de ser uma metodologia bonita não era bem assim conhecida. Mas vinha uns cartazes... De acordo com o tema, você explorava, mas os professores não sabiam passar e quem ia passar também não tinha muito aprofundamento e ficava uma coisa meio ligada só à silabação. [...]Tinha a família das palavras, naquela época é que ia surgindo essa metodologia, você pegava a palavra carroça, aí ia trabalhar a família do C do A e depois ia aparecendo as consoantes, porque eram palavras que eles estavam mais na vivência, palavras geradoras. Era o boi, era a carroça, agricultura, produtos regionais. Para a silabação esse material era muito rico, eu lembro bem. Só que naquela época a gente não tinha a vivência que temos hoje.

A metodologia empregada no MOBRAL tinha vagas aproximações com

método freireano. Entretanto, por fazer restrições à conscientização proposta por

Paulo Freire, trabalhava a decodificação de palavras e conteúdos referentes ao

cálculo; o universo vocabular não era levado em consideração, tendo em vista que o

MOBRAL Central enviava conteúdos pré-estabelecidos para as comissões do

Programa. Do operário da construção civil ao agricultor, o conteúdo era o mesmo.

No documento básico do MOBRAL consta que:

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No processo educativo, o professor precisa conhecer e utilizar as motivações que ajudam a determinar e orientar a ação de seus alunos. Para isso. Nada melhor que atender às necessidades vitais e aos interesses imediatos de alunos adolescentes e adultos. Por essa razão, as palavras geradoras foram escolhidas levando em conta as necessidades básicas ao homem, universalmente as mesmas (educação, saúde, alimentação, mprego, habitação, vestuário, lazer, previdência social, liberdades humanas) como tradução de seus anseios (BRASIL, 1973, p. 33).

As palavras utilizadas na alfabetização, consideradas pelos seus

idealizadores palavras geradoras, embora tratassem de objetos que se encontravam

no cotidiano daqueles educandos, não advinham de pesquisa do universo vocabular

local. Na perspectiva de Albuquerque (2004, p. 46):

Os métodos e o material didático propostos pelo MOBRAL assemelhavam-se aparentemente aos elaborados no interior dos movimentos de educação e cultura popular, pois também partiam de palavras-chave, retiradas da realidade do alfabetizando adulto, para, então, ensinar os padrões silábicos da língua portuguesa. No entanto, as semelhanças eram apenas superficiais, na medida em que todo o conteúdo crítico e problematizador das propostas anteriores foi esvaziado: as mensagens reforçavam a necessidade de esforço individual do educando para que se integrasse ao processo de modernização e desenvolvimento do país.

Pesava sobre o Programa a falta de conexão do material com a realidade

dos educandos: um material padronizado e utilizado de forma indistinta em qualquer

localidade que desenvolvesse atividades.

Diante desta explanação acerca do contexto de criação do MOBRAL,

parte-se para uma análise mais detalhada acerca da implementação do Programa

em São João do Jaguaribe, enfocando a memória dos sujeitos envolvidos, o que

será feito nas seções subsequentes.

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3 PERSPECTIVAS DOCENTES SOBRE O MOBRAL

Nesta seção fez-se a análise dos subprogramas desenvolvidos pelo

MOBRAL, dialogando com a memória das professoras do Programa de

Alfabetização Funcional - PAF, Programa de Educação Integrada - PEI32 e Programa

de Educação Cultural, tendo como foco a autonomia na prática pedagógica.

Na primeira parte, apresentam-se os programas de forma geral.

Posteriormente, acrescentam-se as falas das docentes à análise.

3.1 OS PROGRAMAS DESENVOLVIDOS PELO MOBRAL

Os principais subprogramas do MOBRAL eram: Programa Alfabetização

Funcional, Programa de Educação Integrada, Programa Cultural, Programa de Ação

e Desenvolvimento Comunitário e Programa de Profissionalização. Em São João do

Jaguaribe, embora se enfatizassem as atividades do PAF, foram desenvolvidos

também outros Programas que davam conta da continuidade dos estudos àqueles

que concluíssem o processo de alfabetização. No entanto, é importante destacar

que em muitas localidades do município não havia continuidade dos estudos,

limitando-se à aquisição da leitura e da escrita no PAF.

O Programa de Alfabetização Funcional – PAF era destinado àqueles

considerados analfabetos absolutos (em média 25 a 30 alunos por classe), ou

àqueles que iniciaram o processo de alfabetização e precisaram interrompê-lo.

Criado em 1970, tinha como objetivo proporcionar ao indivíduo as técnicas de

leitura, escrita e contagem (COELHO, 2007). De acordo com Brasil (1973), este

Programa dava conta das metas iniciais do MOBRAL, a partir das quais, como

explicitado na seção anterior, buscava-se chegar à erradicação do analfabetismo.

Era um Programa com objetivos claros, considerado o que teve maior

adesão em São João do Jaguaribe, segundo a então funcionária Creuza Chaves;

recomendava-se que as salas de aula fossem formadas próximo às casas dos

alfabetizandos (BRASIL, 1973). Os documentos oficiais do MOBRAL, como Brasil

(1973, 1976), consideravam que a alfabetização funcional seria o primeiro passo na

aquisição da aprendizagem para o mundo do trabalho e visava:

32

Foram escolhidos estes subprogramas para análise, pois tiveram maior consolidação na formação de turmas em São João do Jaguaribe.

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A aquisição de um vocabulário que permita um aumento de conhecimentos; a compreensão de orientações e ordens transmitidas por escrito e oralmente; a expressão clara de ideias e à comunicação escrita ou oral; ao DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO; à criação de HÁBITOS DE TRABALHO; ao DESENVOLVIMENTO DA CRIATIVIDADE visando, entre outros, ao aproveitamento de todos os recursos disponíveis a fim de melhorar as condições de vida; à DESCOBERTA das formas de vida e bem-estar social dos grupos que participam do Desenvolvimento, à motivação para ser CONSTRUTOR e BENEFICIÁRIO desse desenvolvimento (BRASIL, 1973, p. 32, grifos do autor).

Ao observar as metas do Programa de Alfabetização Funcional fica

evidente que se dava ênfase à formação para o trabalho e para o ―desenvolvimento‖

da nação, ideia bastante disseminada no MOBRAL, como explicitado na seção

anterior. Também é clara a valorização dos que se inserem e participam da lógica de

sociedade proposta pelo governo militar, nos aspectos políticos, ideológicos e

econômicos. Não à toa, pois naquele momento prevalecia a concepção produtivista

da educação, que segundo Saviani (2016, p. 8) buscava:

[...] evidenciar que a subordinação da educação ao desenvolvimento econômico significava torná-la funcional ao sistema capitalista, isto é, colocá-la a serviço dos interesses da classe dominante: ao qualificar a força de trabalho, o processo educativo concorria para o incremento da produção da mais-valia, reforçando, em conseqüência, as relações de exploração.

Assim, seguindo este pensamento, os idealizadores do MOBRAL

expressavam que o Programa contribuiria para a confirmação da tese de

alinhamento entre educação e economia – conhecida como Teoria do Capital

Humano33 -, uma vez que os alunos e alunas alfabetizados pelo Programa seriam

aqueles a ocupar postos de trabalho na indústria, no comércio e setor de serviços.

Para isto, a duração do curso de alfabetização funcional seria de cinco

meses, porém poder-se-ia acrescentar o sexto mês caso necessitasse. Segundo

Brasil (1973, p. 33), na metodologia de alfabetização no MOBRAL fazia-se o uso de

―palavras geradoras‖ - como já mencionado na seção anterior -, todavia não como

no Método Paulo Freire de Alfabetização de Adultos34. Ao contrário do que propunha

o referido autor - que escolhia as palavras geradoras a partir do vocabulário da

comunidade em que seria formada a turma, para, a partir destas, alfabetizar e

conscientizar -, no MOBRAL tais ―palavras geradoras‖ eram escolhidas a partir do

33

Ver O Capital Humano: Investimentos em Educação e Pesquisa, de Theodore Schultz (1971). 34

O método freireano de alfabetização de adultos foi apresentado nas seções anteriores, na discussão realizada a partir de Brandão (2006).

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que seus idealizadores consideravam ―necessidades básicas do ser humano‖. A

compreensão era que:

No processo educativo, o professor precisa conhecer e utilizar as motivações que ajudam a determinar e orientar a ação de seus alunos. Para isso. nada melhor que atender às necessidades vitais e aos interesses imediatos de alunos adolescentes e adultos. Por essa razão, as palavras geradoras foram escolhidas levando em conta as necessidades básicas ao homem, universalmente as mesmas (educação, saúde, alimentação. emprego, habitação, vestuário, lazer, previdência social, liberdades humanas) como tradução de seus anseios (BRASIL, 1973, p. 33, grifos nossos).

Tal como apresentado na seção anterior, a compreensão universal das

―palavras geradoras‖ se contrapõe à proposta de Paulo Freire, da correlação destas

à vida dos educandos. Segundo Brandão (2006), este é um dos critérios para sua

escolha. Desta forma, descaracteriza-se um dos principais elementos inovadores

propostos por Freire, à medida que as ―palavras geradoras‖ no MOBRAL passam a

ser universais, subtraindo-se a pesquisa do universo vocabular.

Não obstante, desconsideravam a complexidade das famílias silábicas,

não partindo de palavras mais simples para as mais complexas (COELHO, 2007). O

material era composto por livro-texto, exercícios de linguagem, exercícios de

matemática, manual do professor, cartazes geradores (BRASIL, 1973). Há, portanto,

uma distância à dimensão política e uma proximidade à técnica do Método de

Alfabetização de Paulo Freire.

Leve-se em consideração, entretanto, que tais temas geradores não

produziam a problematização da realidade, com a intenção de transformá-la.

Segundo Paiva (2005), não revelavam a criticidade dos educandos, pois utilizava-se

apenas a técnica de alfabetização. Para a autora, isto tinha grande aproximação

com a alfabetização tradicional.

Em São João do Jaguaribe, a primeira turma do PAF teve início em 1971,

com a formação de 27 turmas, como já explicitado na seção anterior. Suas

atividades foram encerradas em entre 1981 e 1982.

Outro Programa desenvolvido pelo MOBRAL foi Programa de Educação

Integrada – PEI, o qual tinha duração de doze meses, divididos em duas etapas de

seis meses ou em três etapas de quatro meses, e oportunizava o ingresso dos

alunos na 5ª série do ensino regular. De acordo com Coelho (2007, p. 105), ―[...] era

reconhecido oficialmente pelo Conselho Federal e Conselhos Estaduais de

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Educação e funcionava em convênio com as Secretarias estaduais e municipais de

Educação‖. Tinha como objetivo ―[...] oferecer aos alunos aprovados no Programa de

Alfabetização Funcional e que esperam dar continuidade a seus estudos,

oportunidade de firmar e enriquecer conhecimentos, atitudes e habilidades‖

(BRASIL, 1973, p. 35).

Caberia à Comissão Municipal - COMUN a organização de classes e o

controle do Programa. A avaliação levaria em consideração não apenas o

conhecimento adquirido, mas sim o comportamento geral do indivíduo. Segundo

Brasil (1973), avaliava-se como reagiriam em situações de conflito, ou seja,

trabalhavam-se as relações interpessoais. Não à toa, pois tal temática é bastante

explorada nos cursos de capacitação de trabalhadores da iniciativa privada.

Segundo a então funcionária Creuza Chaves 35 , as atividades do

Programa de Educação Integrada em São João do Jaguaribe tiveram maior adesão

a partir de 1975, perdurando até 1981. Todavia não há registros sobre a quantidade

de alunos matriculados ou egressos.

No campo Cultural, desenvolveu-se o Programa de Educação Cultural, o

qual era destinado à ―[...] valorização da cultura do povo‖ (BRASIL, 1976, p. 24).

Criado em 1973, servia como instrumento para comemoração de datas nacionais e

organização de eventos no âmbito do Programa. Coelho (2007, p. 106) afirma que:

Havia apresentações de repentistas, violeiros, seresteiros, poesias, histórias cantadas, música, dança entre outras atividades culturais. Para o MOBRAL esse tipo de atividade seria uma oportunidade ímpar para mobilizar as massas populares em torno de seus programas, uma vez que estavam reconhecendo a riqueza cultural do provo brasileiro.

Estas manifestações culturais recebiam críticas, pois devido ao contexto

em que se encontrava o país, o civismo era uma tentativa forçada de mostrar que o

Brasil tinha democracia, ou seja, que o povo ia à rua para manifestar seu amor à

pátria.

Não obstante, segundo Coelho (2007), estas manifestações culturais não

revelavam nível de criticidade, já que a estrutura do Programa não permitia que

houvesse ações semelhantes às dos MPCs e CPCs. Desvestiu-se a cultura dos

aspectos críticos e revolucionários. Acrescido a isto, existe também o fato de as 35

Entrevista concedida a 13 de abril de 2012, em São João do Jaguaribe – Ceará

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comissões municipais atraírem as massas populares para estes eventos, para

promover a divulgação das ideologias do MOBRAL.

Feitas estas considerações, é importante mencionar que neste momento

o MOBRAL partia para inovações das práticas educativas. Fato ilustrado pela

criação da MOBRALTECA, a biblioteca ambulante. Visitavam-se as cidades

semanalmente fazendo aluguel de livros para a população, deslocando-se em

caminhões equipados com videocassete, receptores de tevê, projetores de cinema,

livros, palco desmontável e recursos humanos.

A então moradora do Sítio Nazária, Conceição Guerreiro36 (58a.), que

acompanhava o pai às aulas do MOBRAL, fala um pouco sobre a MOBRALTECA:

―[...] era um carro que trazia livros pra emprestar. Ela encostava na praça e fazia

shows de calouros, teatro de fantoches. Tinha de tudo. [...] Ela trouxe muita diversão

pros jovens, foi muito útil‖.

Assim, embora não revelasse a criticidade dos sujeitos, a MOBRALTECA

pode ser considerada uma atividade inovadora, tendo em vista sua proposta de

instigar na população o hábito pela leitura. Entretanto, sua visita não era tão

frequente como se esperava e, após os primeiros momentos, passou a ser mais um

fato eventual.

Por iniciativa da Comissão Municipal, o MOBRAL em São João do

Jaguaribe desenvolveu outras atividades consideradas de cunho voltado à cultura e

integração das comunidades. Algumas imagens fornecidas pela supervisora de área

do MOBRAL no Vale do Jaguaribe ilustram e dão sentido aos depoimentos e

análises realizadas neste tópico.

Tratam-se de registros de ações desenvolvidas no ano de 1974. A seguir,

imagem de uma feira de artesanato. Dispostos no canto inferior direito os produtos

elaborados pelos alunos no Programa de Educação Cultural. Professoras e

supervisores de área prestigiam o evento.

36 Entrevista concedida a 7 de março de 2012, em São João do Jaguaribe – Ceará.

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Foto 1 - Artesanato produzido pelos alunos do Programa de Alfabetização Funcional

Fonte: Acervo da Supervisora de área, Socorro Sousa. Disponível em Almeida (2014).

A então supervisora de área do MOBRAL, Socorro Sousa37, afirma que

―[...] este material ficou exposto por alguns dias no pátio da Creche e boa parte foi

vendida e o dinheiro arrecado serviu para patrocinar a festa de formatura dos alunos

da alfabetização‖.

De acordo com a então encarregada de divulgação, Creuza Chaves, no

ano de 1974 também foi realizado um evento na praça Nilson Osterne, na intenção

de socializar as ações desenvolvidas pelo Programa no âmbito municipal e, nestas

circunstâncias, realizar concursos de repentistas e de melhor desenho. Segundo

Creuza, estes eventos serviam para ―[...] integrar a comunidade, para eles se

distraírem também, porque mal tinham um momento de lazer‖.

Foi realizado ainda o concurso de Mais Bela Monitora do MOBRAL no

município. A título de ilustração a imagem a seguir: supervisores e monitora.

37

Entrevista concedida em 25 de abril de 2012, em Limoeiro do Norte – Ceará.

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Foto 2 – Concurso de Mais Bela Monitora

Fonte: Acervo da Supervisora de área, Socorro Sousa. Disponível em Almeida

(2014)

Estes momentos de integração da comunidade devem ser levados em

consideração na análise acerca do Programa, uma vez que denotam a existência de

inovação das práticas educativas, entretanto, com conteúdo inofensivo ao status quo

e ao Regime Militar. Segundo Coelho (2007), o objetivo era fortalecer a ideologia do

Regime Militar, o amor à pátria. Contudo, contribuíram para valorizar a Educação de

Adultos nesta integração com os ―ditos‖ analfabetos.

O Programa também era marcado por atividades cívicas. A título de

ilustração, as imagens a seguir mostram as comemorações do dia da Independência

do Brasil – 7 de setembro.

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Foto 3 - Desfile de Sete de Setembro

Fonte: Acervo da Supervisora de área, Socorro Sousa. Disponível em Almeida (2014).

A próxima imagem, ainda referente ao desfile comemorativo à

Independência do Brasil. Desta vez, filhos de alunos do MOBRAL. As miniaturas de

bandeiras do BRASIL trazem à tona a demonstração de amor à pátria.

Foto 4 - Filhos de alunos do MOBRAL no desfile de Sete de Setembro

Fonte: Acervo da Supervisora de área, Socorro Sousa. Disponível em Almeida (2014).

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Os desfiles de comemoração à data de sete de setembro reuniam as

comissões municipais do MOBRAL no Vale do Jaguaribe. A imagem a seguir

destaca a participação dos alunos dos municípios de São João do Jaguaribe,

Quixeré, Limoeiro do Norte e Tabuleiro do Norte no desfile realizado em São João

do Jaguaribe.

Foto 5 - Sete de Setembro

Fonte: Acervo da Supervisora de área, Socorro Sousa. Disponível em Almeida (2014).

Os alunos eram convocados a participar destes eventos que revelavam o

ufanismo característico da Ditadura. Afinal o Regime Militar necessitava angariar a

empatia da população.

3.1.1 O MOBRAL e a educação de crianças

O objetivo inicial do MOBRAL centrava-se na alfabetização de jovens e

adultos. No entanto, no decorrer dos anos o Programa se reconfigura e passa a

atuar também na educação de crianças. Segundo Arce (2008, p. 378):

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Durante a década de 1980, o MOBRAL figurou como responsável pela educação de crianças menores de seis anos no Brasil, realizando o processo de expansão deste tipo de atendimento por todo o território nacional. A utilização de recursos da comunidade e o voluntarismo, marcas do trabalho do MOBRAL com a educação de adultos, acabaram por encontrar na educação infantil um terreno fértil para a cristalização das mesmas.

Acreditava-se que passando a educação infantil para o MOBRAL existiria

uma expansão mais rápida e se atingiria um grande percentual dentro da faixa

etária. De 1982 a 1985, com o auxílio de voluntariados da comunidade, o MOBRAL

passou a expandir o atendimento pré-escolar, chegando no ano de 1982 a

responder por 50% deste atendimento, ainda restrito a crianças de 4 a 6 anos.

Segundo Arce (2008, p. 383):

Durante a época em que se dedicou à educação pré-escolar, o MOBRAL enfatizou o treinamento em serviço da pessoa que deveria atuar com as crianças (o monitor), em detrimento de uma formação teórica e metodológica densa, em cursos de formação em nível de segundo e terceiro graus. As principais fontes para os treinamentos foram materiais didáticos produzidos pelo próprio MOBRAL. Entre eles, destacam-se o livro Vivendo a pré-escola, a revista Criança e o conjunto de cadernos intitulados ―Temas para Reflexão‖.

A formação pré-escolar designava a necessidade de o Programa envolver

não apenas os estudantes, mas seus filhos, para que também nos locais onde

aconteciam aulas existisse um ensino de baixo custo, tanto para adultos, quanto

para as crianças.

Embora o município de São João do Jaguaribe não tenha desenvolvido

turmas de educação pré-escolar pelo MOBRAL, algumas crianças participavam das

aulas, acompanhando os pais. Isso também fica evidente quando se observa que no

Programa de Educação Cultural havia significativa participação da comunidade, em

que estavam inclusas crianças e adolescentes.

Uma vez apresentados os principais subprogramas desenvolvidos pelo

MOBRAL em São João do Jaguaribe, parte-se agora para a discussão acerca da

formação das professoras que atuavam no MOBRAL, uma vez que, a cada

subprograma desenvolvido no MOBRAL havia uma concepção de educação e

sociedade. Dito isto, é importante empreender uma análise mais detalhada acerca

desta temática, tendo em vista que se configura como fundamental para

compreender a prática pedagógica.

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3.2 PROFESSORAS DO MOBRAL: QUEM ERAM? QUAL A FORMAÇÃO? TINHAM

CAPACITAÇÃO?

A formação das professoras do MOBRAL teve relação intrínseca com a

atuação das mesmas. Segundo Sacristán (1999) e Farias et al. (2008), a prática

pedagógica está fundamentada por determinadas teorias, as quais incidem e

coadunam com as visões de homem, sociedade e educação. Neste sentido, parte-se

do princípio que, além do contexto histórico, a formação das professoras deste

Programa também repercutia diretamente na sua atuação, uma vez que poderia

apontar ou não para manutenção do status quo.

Coleti (2014, p. 7) ressalta ―[...] a escassez de informações e dados sobre

os professores do MOBRAL, de como eles eram preparados, sobre a formação dos

mesmos, já que as pesquisas e estudos estão muito mais voltados para os aspectos

políticos e sociais‖. A fim de compreender o funcionamento do MOBRAL em tal

contexto geográfico, coube formular estes questionamentos: Quem eram os (as)

professores (as) e por que assumiram aquelas turmas? Houve dificuldades? Os

objetivos foram alcançados?

De forma mais geral, segundo Coleti (2014), as professoras que atuavam

na alfabetização de adultos não tinham formação adequada para tal. Esta tese foi

confirmada por Almeida e Carvalho (2015), quando anunciam que no município em

questão a formação das professoras38 ficava à margem, tendo em vista que não era

considerada como critério para a recruta de alfabetizadores(as).

No entanto, baseados nos depoimentos de gestoras e professoras do

MOBRAL, Almeida e Carvalho (2015) afirmam que havia um treinamento para que

as docentes iniciassem os trabalhos em sala de aula. Assim, outras questões foram

perseguidas neste estudo, quais sejam: Como se dava/deu a formação das

professoras do MOBRAL? Havia autonomia para desenvolver a prática pedagógica?

Neste estudo específico houve contribuição de duas professoras do

Programa de Alfabetização Funcional, quais sejam: Eleuba Teixeira (63 a.) e

Neidelene Lopes (58 a.), que atuaram nas comunidades da zona rural - Sítio Nazária

e Sítio Garço, nos anos de 1971-1972 e 1975, respectivamente; e uma professora

do Programa de Educação Integrada, Aidê Teixeira (58 a.), a qual atuou na sede do

38

Prevalecia o gênero feminino na docência no MOBRAL (ALMEIDA; CARVALHO, 2015).

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município em uma sala que funcionava na Creche Ida Chaves, nos anos de 1978 e

1979. Observa-se, assim, que são contextos históricos e geográficos distintos, no

entanto, enriquecem a reunião de informações sobre o MOBRAL em São João do

Jaguaribe e contribuem para o resgate da memória existente.

3.2.1 As professoras do MOBRAL

As histórias de vida das professoras foram nosso ponto de partida, tendo

em vista que são elementos constitutivos da identidade docente e reverberam suas

práticas pedagógicas, como afirmam Farias et al (2008, p. 68): ―[...] a identidade pro-

fissional não se descola das múltiplas experiências de vida, tanto pessoal quanto

profissional‖. As professoras têm elementos em comum, no que concerne às

histórias de vida: de famílias humildes, muito jovens iniciaram a carreira na docência,

o que naquele contexto era algo bastante comum. A seguir os depoimentos:

Precisava de uma pessoa. Naquela época era difícil encontrar uma pessoa que quisesse. E eu com muita precisão, estudava né? Aí, me convidaram, eu vim, fiz o curso e fui ensinar (ELEUBA TEIXEIRA

39, professora da PAF).

Eu trabalhei em 1975, no Garça, que fica a 9 quilômetros daqui do centro... Eu ia de bicicleta. Nesse tempo eu estudava. Na época eu fazia a oitava série. Era uma comunidade que necessitava e eu também precisava, né? Tinha pessoas que precisavam lá. Como eu era de lá e tinha aquela turma que precisava ser alfabetizada, tinha clientela, aí fui convidada (NEIDELENE LOPES

40, professora do PAF).

Eu já tinha concluído o 2º ano Normal e aí me convidaram. Eu era uma aluna dedicada e me chamaram, porque viram que eu ia dar conta. Eu aceitei, tinha muita precisão na época (AIDÊ TEIXEIRA

41, professora do

PEI).

As professoras relataram que gostavam da profissão, ―achavam bonito

ser professor‖ (Eleuba Teixeira) ou que ―lembravam da professora da infância‖ (Aidê

Teixeira) e isso as influenciou na opção pela docência. Já a professora Neidelene

afirma que sempre ―viu a mãe ajudar os outros e viu que o professor também ajuda

as pessoas‖, por isso resolveu escolher tal profissão. Não obstante, pesava a

condição financeira de ambas, pois de acordo com a professora Eleuba, havia

39

Entrevista concedida a 14 de setembro de 2016, em São João do Jaguaribe – Ceará. 40

Entrevista concedida a 14 de setembro de 2016, em São João do Jaguaribe – Ceará. 41

Entrevista concedida a 5 de outubro de 2016, em São João do Jaguaribe – Ceará.

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necessidade de ―ajudar em casa, nas contas e na alimentação‖. Isso fica ainda mais

evidente na análise do depoimento da professora Neidelene Lopes:

Na época você só tinha uma opção: ser professora. Você estudava e só existia aqui o pedagógico. Como não tinha mercado de trabalho, quando você terminava o pedagógico já dava graças a Deus conseguir um contrato pra ensinar. Agora a experiência foi válida. Foi uma coisa que não serviu de base, porque já foi uma clientela diferente do que eu costumei trabalhar.

Este último aspecto, vai ao encontro das análises de Therrien (1998, p.

97-98). De acordo com a autora:

Tornar-se um(a) professor(a), já indicava uma ―escolha‖, que levava os sujeitos a se submeterem a um trabalho ―irrisoriamente remunerado‖. O que não consistia um problema propriamente novo para o campo pedagógico. Anteriormente, já se [...] manifestava a respeito do ―desprestígio‖ de que tal atividade gozava em conseqüência do baixo nível salarial que se oferecia em troca do trabalho.

Neste sentido, emerge a necessidade de refletir sobre o porquê de as

professoras do MOBRAL optarem pelo posto no magistério. Notoriamente, no

universo investigado, a situação financeira das professoras influenciava para que

estas procurassem assumir o magistério, tendo em vista a formação de professoras

nas Escolas Normais ou a restrição do mercado de trabalho ao sexo feminino,

relegando a elas, a docência como opção de trabalho, uma vez que até a atividade

de comerciário era ocupada por homens.

Naquele momento havia a conciliação do trabalho e estudo, como fica

evidente no depoimento da professora Neidelene Lopes: ―Foi uma época muito difícil

porque eu estudava. Terminava a aula meio dia e ficava aqui, pra de tardezinha ir

ensinar. Eu ainda costurava à tarde na casa de mamãe, quando dava o horário ia

dar aula no MOBRAL, cansada‖. Este fato corrobora com as análises de Therrien

(1998), uma vez que confirma a existência de jornada tripla para as professoras:

trabalho em casa, estudos e trabalho como docentes.

Assim, cabe ainda refletir sobre que formação essas professoras

possuíam e qual sua relação com a prática docente. No que concerne às duas

professoras do Programa de Alfabetização Funcional, ambas não possuíam

formação para atuar na alfabetização de adultos. Segundo as professoras do PAF,

Eleuba Teixeira e Neidelene Lopes:

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Eu não era formada ainda. Não tinha nem o primeiro grau completo. Eu também estudava... [...] Talvez na época a 6ª ou 7ª série. Não tinha nem a 8ª série ainda. [...] Era de menor ainda... tinha talvez 14, 16 anos, nessa faixa.

Eu fazia a oitava série, tinha experiência de ter trabalhado não.

Com exceção da então professora Aidê, a qual atuou no Programa de

Educação Integrada após concluir o ensino de 2º grau, hoje ensino médio, as duas

professoras do Programa de Alfabetização Funcional cursavam a 8ª série do 1º

grau, mas isso não as impediu de exercer a profissão. Desta forma, os relatos

trazem à tona um aspecto relevante: a existência de docentes considerados ―leigos‖.

Therrien (1998, p. 93) afirma que:

[...] embora constituíssem a maioria dos(as) professores(as) disponíveis no sistema escolar em construção, eram considerados sujeitos ―não-habilitados‖ para o exercício da docência, uma vez que não compartilham da formação específica, instituída pelo campo pedagógico.

Tal realidade era perceptível quando da vigência do MOBRAL, todavia

permanece como desafio na atualidade, embora noutro patamar. Observa-se que a

formação das professoras da alfabetização não era maior do que a 8ª série. Não

havia, à época, discussões sobre como acontecia a formação dos alfabetizadores do

Programa, pois o contexto político não fomentava reflexão sobre a complexidade do

conteúdo da alfabetização funcional, o que deu margem para que se concedesse a

docência a ―qualquer um, que ensinasse de qualquer forma‖ (interpretação própria

da situação de formação encontrada por Therrien). É importante frisar que tal

ocorrência não acontecia sem o amparo da legislação educacional vigente. Na lei

5692/71, que estabeleceu a Reforma de Ensino de 1º e 2º graus, constava que os

docentes poderiam atuar em áreas para as quais não possuíam formação, desde

que houvesse carência. No artigo 77 da referida Lei, consta que:

Art. 77. Quando a oferta de professôres, legalmente habilitados, não bastar para atender às necessidades do ensino, permitir-se-á que lecionem, em caráter suplementar e a título precário: a) no ensino de 1º grau, até a 8ª série, os diplomados com habilitação para o magistério ao nível da 4ª série de 2º grau (BRASIL, 1971).

Permitir a precarização do ensino na Legislação vigente já se poderia

configurar um equívoco. A situação se agravaria caso, esgotadas todas as

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possibilidades de formação, ainda persistisse a carência de professores. No mesmo

artigo da Lei 5692/71, em parágrafo único, afirma-se que:

Parágrafo único. Onde e quando persistir a falta real de professôres, após a aplicação dos critérios estabelecidos neste artigo, poderão ainda lecionar: a) no ensino de 1º grau, até a 6ª série, candidatos que hajam concluído a 8ª série e venham a ser preparados em cursos intensivos; b) no ensino de 1º grau, até a 5ª série, candidatos habilitados em exames de capacitação regulados, nos vários sistemas, pelos respectivos Conselhos de Educação;

Desta forma, assegurada na legislação educacional, a precarização da

formação e, consequentemente, trabalho docentes configurava-se como um

empecilho para o êxito do MOBRAL. Embora as diretrizes do Programa

requisitassem formação de nível médio ao alfabetizador, isto não pode se

concretizar em São João do Jaguaribe, tendo em vista que as professoras do

Programa de Alfabetização Funcional apenas possuíam a formação de 1º grau (8ª

série). Isto fica mais evidente nos depoimentos das Professoras Neidelene e Eleuba

sobre a fragilidade da contratação, já que ainda não possuíam a maioridade:

Eu já tinha 17 anos, mas ainda não tinha concluído o 2º grau. Na verdade eu só tinha a 8ª série. Quem assinava a folha de pagamento era uma pessoa de maior, porque eu não podia assinar.

A professora Eleuba Teixeira foi indagada sobre o porquê de alguém ter

assinado a folha de pagamento por ela, em vez de terem contratado outro

profissional para exercer tal função. Sua resposta foi: ―Minha família toda era eleitora

dele (em referência ao então prefeito), aí me colocaram, eu era também da

comunidade‖. Os depoimentos das professoras ratificam a afirmação feita pela

profissional encarregada pela mobilização de atividades, expressa em Almeida

(2014, p. 75), quando esta afirma que existia dentro da Comissão Municipal –

COMUN ―um cabide de emprego‖. A propósito, Mendes (2005) mostra que o acesso

ao emprego na rede municipal de ensino se dava mediante o ―convite‖ do prefeito ou

de um de seus cabos eleitorais, situação ainda corriqueira na atualidade.

Sobre a remuneração das professoras, esta variava de acordo com a

quantidade de alunos por turma. Segundo a professora Eleuba Teixeira, ―[...] era

pouquinho... Porque naquela época, um professor leigo ganhava bem pouquinho‖.

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Este aspecto traz à discussão outro elemento já citado anteriormente: a

precarização do trabalho docente, expressa na remuneração dos professores. Para

a autora Ângela Theerrien (1998), os professores considerados leigos recebiam

vencimentos irrisórios, ou seja, o pagamento de sua atuação profissional era feito

por algo mais parecido com auxílio ao trabalho do que com salário.

Outro ponto de destaque foi: embora a formação possuída pelas

professoras não fosse a requisitada para a atuação na alfabetização de jovens e

adultos, a Professora Eleuba Teixeira, do Programa de Alfabetização Funcional,

afirma que recebeu treinamento antes de assumir as turmas:

As meninas (referindo-se às gestoras), foram assistir lá, trouxeram não sei, eu acho que era uma fita de vídeo. E ai ela passava para nós. Ai elas fazia o resumo, elas explicava melhor. Era Evanir e Creuza. Eu acho até que elas passaram bem. Foi alguma dúvida. Você sabe que a gente naquela época a pessoa tinha vergonha de perguntar as coisas né. Pois é, naquela época elas fizeram foi assim, através de rádio. Sei que elas foram não sei se foi para Fortaleza ou para Limoeiro fazer o treinamento e veio passar para nós. Passamos um mês em treinamento quase. Acho que foi. Umas três semanas eu garanto. Foi aqui. Foi. O nosso treinamento foi aqui.

A memória sobre o Programa estava ―um pouco arranhada‖, segundo a

professora, mas as informações dão conta da existência de uma capacitação das

professoras, ministrada pelas coordenadoras da COMUN. Após receberem

treinamento42 na cidade de Fortaleza, repassavam para as alfabetizadoras em São

João do Jaguaribe. Na capacitação enfocava-se a forma como trabalhar com os

adultos, manusear os materiais e avaliar quem estava apto ou não para a aquisição

do certificado de alfabetização. Ainda, segundo as professoras:

42

No processo de treinamento/capacitação das professoras do MOBRAL, houve momentos de resistência à ideologia dominante. Segundo a então auxiliar-técnica da Coordenação Estadual do MOBRAL, Célia Maria Machado de Brito: ―Os coronéis eram extremamente obedientes ao Mobral Central. Então, a relação... a relação de poder dentro da coordenação era muito verticalizada. E a gente realmente não tinha espaço para questionar. Nós chegamos a ter a doutora Lirisse Porto como coordenadora... Eu lembro que ela era um verdadeiro sargento, que ela impunha. Ela gritava quando a gente queria mudar as coisas.. Bom eu vi várias vezes o meu nome: - Dona Célia Brito, a senhora está tomando iniciativas que contrariam as orientações do Mobral Central! Entendeu? A depender do formador (a teoria das brechas, né?), já se tinha brechas para se questionar o modus operandi do MOBRAL‖. A professora Célia Brito evidencia em seu discurso as possibilidades de resistência às imposições do MOBRAL Central. Segundo ela, em virtude de sua formação em Ciências Sociais e sua visão de mundo, sempre via a necessidade de trabalhar os conteúdos de forma crítica. Tal posicionamento contrariava as orientações do MOBRAL Central e provocava a insatisfação dos gestores do Programa em âmbito estadual, fazendo com que em alguns momentos fosse chamada atenção.

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O treinamento a gente recebia lá na secretaria, orientando como a gente

trabalhava com aquele material. Vinha um cartaz grande, eu lembro

(NEIDELENE LOPES, professora do PAF).

[...] pediam pra não forçar os alunos, porque era gente que vinha cansada, que tava ali pra desenvolver um pouquinho a leitura e não era dever da gente não forçar. Pediam que a gente tomasse cuidado, porque a gente pegar turma de pessoas muito rudes, que podia dar alguma complicação, mas graças a Deus não houve isso comigo. Todos me conheciam (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF).

Nos primeiros anos de atuação do MOBRAL em São João do Jaguaribe,

a capacitação era ministrada pelas coordenadoras da COMUN, as quais recebiam o

treinamento e repassavam. Nos anos subsequentes, sobretudo a partir de 1978, o

Programa amplia o raio de atuação, fazendo com que as professoras participassem

dos momentos de formação nas cidades de Fortaleza e Caucaia. Foi o caso da

professora Aidê Teixeira, a qual afirma: ―Para assumir uma classe dessa, tive que

fazer um treinamento em Caucaia, cidade próxima a Fortaleza. Quem acompanhava

todo esse trabalho era a supervisora de Limoeiro‖.

De acordo com as professoras, mesmo com as adversidades existentes,

todos residiam na mesma localidade, conheciam-se, e, assim, não houve conflitos

de qualquer natureza. Reflete-se, desta forma, sobre a importância de o Professor

conhecer seus alunos, estar inteirado sobre suas dificuldades, anseios e desejos,

para que haja ali uma relação harmoniosa, marcada pela troca de conhecimentos e

experiências (FREIRE, 1996).

Entretanto, a professora Neidelene Lopes afirma que:

Era muito difícil a coisa funcionar de acordo com o treinamento que você recebia. O treinamento era ensinando você a utilizar a cartilha. Tinha o material pra recortar e colar no caderno de atividades. E não tinha como você fazer aquilo porque eles não sabiam, não conheciam as letras. Como é que você podia tentar alfabetizar? Eles tavam ali tentando aprender as letras pra fazer o nome deles. Quer dizer, com o desnível ficava muito difícil de trabalhar uma coisa ou outra. Umas sabiam até já umas letras, copiavam alguma coisa do quadro com facilidade. Porque vinha aquele material, mas o material para alfabetizar. Vinham pra você recortar, tinha uma cartilha. Aí tinha também umas mais avançadas que vinha conteúdo mesmo. Mas era raro uma pessoa que já soubesse ler, porque aqueles que já sabiam, eles não queriam mais frequentar o MOBRAL. Achava que já sabia o suficiente, só frequentavam mesmo. Até matriculavam, mas findavam desistindo, não frequentavam. Os que frequentavam, que ficavam mesmo, e ficaram até o final, era aqueles que não sabiam escrever e iriam pelo menos aprender o nome.

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Segundo a professora, o treinamento servia para orientar o trabalho que

deveria ser desenvolvido dentro de sala de aula. No entanto, subentendia-se que os

alunos já tinham experiências de alfabetização. A realidade do município era

diferente, pois grande parte dos alunos matriculados no Programa de Alfabetização

Funcional não tinha frequentado a escola em tempo regular, contribuindo, assim,

para que o trabalho das professoras enfrentasse maiores desafios.

Não obstante, aqueles que já haviam sido alfabetizados no tempo regular,

mas que fizeram matrícula no PAF, evadiam-se por considerarem que já sabiam o

suficiente. De acordo com a professora Neidelene Lopes: ―Naquele tempo não tinha

uma turma mais avançada para encaixar esses alunos mais avançados, porque lá

(referindo-se à comunidade) só era destinado turma de alfabetização‖.

A dicotomia rural-urbano fica evidente neste momento, sendo reforçada

quando se passa à discussão acerca dos desafios enfrentados pelas professoras, os

quais vão desde a estrutura física do ambiente de ensino até o que se refere ao

processo de ensino-aprendizagem. De acordo com as professoras:

No começo já era muito difícil, era à luz de lamparina, às vezes os alunos sentavam nos bancos de madeira ou nuns pedaços de madeira. Fui ensinar depois de dois anos mais uma etapa do MOBRAL. Dessa vez foi mais difícil. A casa tava fechada. Os alunos não se interessaram muito também não [..] era de noite, foi num período de inverno. [...] foi um fracasso! Tinha muitas dificuldades. As dificuldades pra mim era companhia pra mim ir, porque não tinha mais companhia pra ir pra casa quando acabasse a aula a noite. E o inverno, lembro que foi inverno forte, a gente teve noite que saia debaixo de chuva. No outro dia nem aula tinha, sabe? Acho que não cheguei nem a terminar a etapa e entreguei. Também vinha bem pouquinha gente. Entreguei, porque não tava fazendo sucesso. Tinha noite de eu anoitecer sozinha no beiço da estrada, minha companheira era uma aluna. Naquela época também não tinha luz, era só um farol mesmo. Luz de lamparina. Tinha energia não. (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF). No início começamos à luz de lamparina, aí depois é que deram um farol e um botijão de gás quando tinha uma condição melhor. Eles deram depois uma lâmpada a gás pra iluminar a sala com essa dimensão (aponta para a sala onde estavam sendo realizada a entrevista, cujas dimensões são 4m x 4m). Num iluminava tão bem, mas tinha aqueles que sentavam num local onde a iluminação já não era tão favorável. Era muito precário mesmo, desconfortável o banco, um sentava num lado, outro no outro. Tinha um quadrinho verde onde eu explicava as coisas e tinha os cartazes. Eles (a coordenação) não te davam um tubo de cola. Era na base do grude, fazia aquele pouquinho de grude pra colar as palavras. Era nessa base de colar com o grude (NEIDELENE LOPES, professora do PAF).

As condições materiais para o trabalho das professoras eram

comprometidas devido à falta de assistência que havia no contexto. As duas turmas

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encontravam-se na zona rural do município, marcada pelo descaso governamental.

Já a turma de educação integrada, em 1978, funcionava no Colégio São João

Batista, zona urbana, em uma sala de aula que tinha condições de receber os

alunos, com carteiras, energia elétrica. A professora Aidê Teixeira comenta:

Se comparar a condição, mesmo com toda pobreza da cidade pra zona rural, vemos, na cidade a gente via a classe que funcionava no colégio com energia. Já na zona rural funcionava assim, como eu já soube conversando com alguém, começou com a lamparina e depois conseguiram o lampião... e na cidade não, funcionava no colégio, tinha as carteiras, tinha água. A condição da cidade pra muita gente era melhor.

Novamente, pode-se presenciar os aspectos dicotômicos dos meios rural

e urbano. Como boa parte da população são-joanense frequentava a escola regular

na sede do município e nas zonas rurais funcionavam apenas salas de aula, a

estrutura física também deixava a desejar. A professora Eleuba Teixeira conta que

no caso da não disponibilização de local pela prefeitura, a professora deveria

encontrar um local para alfabetizar os alunos. Não obstante, fazia o trabalho de

divulgação do Programa na comunidade onde residia e ainda listava as pessoas que

queriam participar. Segundo ela, não poderia ser formada turma com menos de

quinze alunos.

Ademais, acrescenta que recebiam a visita da Coordenação Pedagógica

da COMUN ou eram convocadas a participar de reuniões na Sede do Município.

De vez em quando vinha as coordenadoras. Elas sempre vinham, visitavam, pra saber se tava funcionando a noite. Mas acho que foi poucas vezes que vieram visitar. Agora de vez em quando chamavam pra uma reunião aqui, na sede, pra saber quais eram as dificuldades, o material do mês. (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF).

A Comissão Municipal, em seus treinamentos, recomendava às

professoras que deixassem os alunos participar das atividades caso estivessem

motivados ou de acordo com o tempo individual. Segundo a professora Neidelene

Lopes: ―Eu recebi só uma visita. Era tipo uma supervisão, eu me lembro que foi uma,

aí as outras pessoas iam subindo em busca das outras comunidades. Elas ficavam

assistindo à aula pra ver como era que funcionava, né? Pra conhecer o nível da

turma também‖.

Caminha-se para a discussão acerca da autonomia docente, a qual será

abordada no tópico a seguir.

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3.3 EM TEMPOS AUTORITÁRIOS, COMO FICA A AUTONOMIA DOCENTE NO

MOBRAL?

A autonomia docente é objeto de análise nesta seção, tendo em vista que

o MOBRAL foi um Programa do Regime Militar, marcado pelo autoritarismo e

repressão. Isto trouxe um questionamento que foi perseguido neste estudo: Houve

interferência na prática pedagógica das professoras do MOBRAL?

No que concerne ao caso de São João do Jaguaribe, Almeida e Carvalho

(2015) relatam que algumas questões de aprofundamento em seu estudo foram

suprimidas porque as professoras solicitavam a confidencialidade de determinadas

informações. Desta forma, recai a ênfase à autonomia docente.

Entenda-se autonomia do ponto de vista pedagógico, ou seja, liberdade

de escolha de conteúdos a serem trabalhados, bem como as metodologias a serem

empregadas no processo de ensino-aprendizagem; e autonomia no sentido

ideológico, que diz respeito à liberdade de pensamento, ou seja, opção pela

criticidade, prática libertadora.

Para adentrar nesta discussão, é importante apresentar como era a

prática pedagógica das docentes. De acordo com as professoras, o objetivo dos

alunos era aprender a escrever o nome: Alguns por curiosidade e necessidade de

aprender; outros para poder votar:

O que eles queriam mesmo era escrever o nome pra tirar o título e votar. O objetivo deles era esse (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF). O objetivo maior era pelo menos saber escrever seu nome para quando fosse tirar um documento não precisar botar o dedo (NEIDELENE LOPES, professora do PAF). Alguns chegavam na educação integrada e já desistiam, porque o que eles queriam, que era assinar o nome, já tinham conseguido. Outros continuaram (AIDÊ TEIXEIRA, professora do PEI).

Os depoimentos das professoras corroboram com o pensamento de

Almeida e Carvalho (2015), quando afirmam que no município de São João do

Jaguaribe, ao menos na fase inicial de atuação do MOBRAL, os objetivos voltavam-

se ao aprendizado da escrita do nome, com fins de identificação. Tal prática era

bastante difundida, pois de acordo com Paiva (2005), era consequência direta da

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proibição do voto ao analfabeto43. A autonomia parece questionável, uma vez que

estava aliada à formação de eleitorado. Estes fatos influíam diretamente na prática

pedagógica das professoras:

A gente trabalhava aquela família silábica pra eles aprenderem a ler.

Começava pelas vogais e depois as famílias silábicas. Tinha as palavras,

por exemplo, BOLA, aí vinha figura, aquela palavra a gente ia trabalhar,

depois passava prás frases. Eram palavras pequenas que facilitassem a

aprendizagem (NEIDELENE LOPES, professora do PAF).

Eu basicamente, eu começava no quadro, fazendo a leitura da cartilha. Aí ia escrever as palavras, pra poder eles procurar. Era como se fosse quase um dicionário. Eu escreveria no quadro, eles procuravam na cartilha. As palavras que eles escolhessem a gente ia estudar essa palavra. Letra A, letra B... As palavras na letra A, depois as palavras na letra B. depois a pessoa aprendia algumas palavras, mas palavras pequenas. Não tinha palavras grandes, que era pra pessoa aprender aquelas palavras e depois é que vinha a silabação. Aprender a juntar as sílabas. (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF).

Diante dos depoimentos das professoras, vê-se que o material do

Programa de Alfabetização Funcional, por ser universal, ou seja, por não considerar

o universo vocabular, limitava-se à silabação e à memorização de letras, silabas e

palavras. Uma vez que a necessidade imediata dos alunos era aprender a escrita do

nome, os conteúdos voltados à consciência política eram esvaziados.

No entanto, houve uma iniciativa interessante em 1975. A professora

Neidelene Lopes, do PAF, falou de uma palestra ocorrida, a qual tinha como

temática a doença de Chagas, pois naquele momento havia muitos casos de

complicações de saúde em virtude do ‗barbeiro‘. Conta que: ―Era um vídeo que

passava com o barbeiro entrando nas frechas das casas de taipa. Foram dar essa

palestra lá‖.

Tratava-se de uma iniciativa do Programa de Saúde Comunitária, que

segundo Coelho (2007) tinha o objetivo de discutir os aspectos relacionados à saúde

da comunidade, apresentando formas de contribuir para o bem estar e qualidade de

vida. Perguntada se o papel do Estado foi enfocado, respondeu: ―Não, não tocaram

no assunto. Não fazia debate sobre assuntos da política, era mais a alfabetização

mesmo‖. Desnecessárias maiores explicações; afinal não era proibido proibir.

43

Mesmo numa conjuntura de Ditadura militar, a possibilidade do voto no âmbito municipal, além de oportunidade de escolha do dirigente municipal - ainda que controlada -, põe o indivíduo numa escala social não mais associada à vergonha do analfabetismo. O voto também o valoriza no mercado das eleições, geralmente corrompidas pelo poder econômico, que reproduz a histórica ―compra de votos‖ nos ―currais eleitorais‖ dos municípios do interior do Brasil.

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Indagadas acerca da autonomia para incluir outros materiais nas aulas,

respondem que tinham autorização, mas deveriam seguir a cartilha.

Não, eles mandavam. Tinha o conteúdo, as cartilhazinhas. Mas a pessoa podia arranjar mais se quisesse. No meu caso era muita vantagem por que tinha a Dona Maura, que tinha a sala de aula dela. O que eu precisava tinha: o giz, tinha o apagador, o quadro. Na época, né? Se eu precisasse de algo mais, algum texto diferente, tinha os livros dela. Para mim foi muito bom, viu? Porque eu tive a oportunidade de ensinar na sala de aula (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF).

O mesmo vale para a professora da turma de Educação Integrada: ―Eu

levava outros materiais, levava revistas, livros para recortarem, mas tinha que usar o

material que mandavam para a gente‖ (AIDÊ TEIXEIRA, professora do PEI). Tinha-

se somente que veicular uma política rigidamente pré-estabelecida, nada de

currículo que escapasse ao controle. Ademais, a formação das professoras não

propiciava maiores questionamentos. Sobre a prática em sala, acrescenta que:

Fazia leitura com eles, leitura diversificada, um lia, depois o outro, depois o outros. Sempre fazia correção das atividades. Teve gente que se saía melhor na matemática, porque já tinha sua própria matemática decorada na cabeça. Não era difícil eles fazer conta. Falasse pra eles que eles davam a resposta na hora (AIDÊ TEIXEIRA, professora do PEI).

Arroyo mostra que historicamente as elites brasileiras, em sua imensa e

tamanha mesquinhez, destinam para as classes populares apenas os rudimentos de

educação. E estes são apresentados como mero ato de decoração, realizado sem

objetivo aparente. Frisa-se, assim, a lógica do Programa ao desenvolver suas

atividades de forma não contextualizada, uma vez que consciência crítica, leitura do

mundo e da palavra não se punha em pauta no estado de exceção.

No que concerne à prática em sala de aula, as professoras Eleuba

Teixeira e Aidê Teixeira relatam sua compreensão de autonomia:

Eu dirigia a minha sala de aula e nisso a gente era bem orientado. Na sala de aula a autoridade era da gente. Só que a gente trabalha com adulto, né? E muitas vezes o adulto tinha que reivindicar alguma coisa e a gente tinha que ceder um pouco. E a gente não ia quebrar cabeça com uma pessoa que na maioria das vezes, sabíamos que tinha em algumas partes mais experiência que a gente. Não sabia ler nem escrever, coitado, mas tinha experiência de vida (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF). Eu tinha autonomia com os alunos, por mais que houvesse uma visita de vez em quando, que não era muito, eu geria a sala sozinha (AIDÊ TEIXEIRA, professora do PEI).

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Para as professoras, existia autonomia para desenvolver as atividades,

pois ―não tinha muita pressão sobre o trabalho‖ (NEIDELENE LOPES, professora do

PAF). No entanto, era uma autonomia relativa, uma vez que se tinha a obrigação de

trabalhar o material enviado pelo MOBRAL Central, esvaziando a discussão acerca

da política. Assim, resolveu-se indagar acerca da relação das professoras com os

gestores do Programa:

É claro que aqui a gente era subordinado a uma coordenação. Mas lá, quanto ao horário, se eles não tinham mais disposição a gente tinha autonomia prá liberar prá que eles fossem prá casa quando quisessem (NEIDELENE LOPES, professora do PAF).

Era boa. A minha família era eleitora dele. Na época eu nem votava ainda. Ele era esperto (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF). Eu devia satisfações à gestão, mas nada que me fizesse ter medo deles. Eram todos meus conhecidos (AIDÊ TEIXEIRA, professora do PEI).

Segundo as professoras, a relação com os gestores do Programa e

gestores municipal era estável, havia uma boa relação. Infere-se que isto tenha

influenciado na autonomia docente. Os laços de proximidade com o poder local em

pequenas comunidades ocasionam o fenômeno da ―pressão social‖, como aponta

Durkheim (1983), levando os indivíduos a agirem conforme expectativa do

comportamento predominante. Buscou-se, de forma mais direta, saber se houve

alguma repressão às professoras do MOBRAL em algum momento de suas práticas

pedagógicas.

Eu não tenho uma queixa contra o prefeito, não... Que ele me repreendia. Não. Que eu lembro não (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF). Na época a gente que morava no interior não tinha muito acesso às comunicações, a gente nem sabia que tava num regime militar. Não tinha esse negócio de repressão. Aqui já era um lugar tão distante que você nem sabia que forma de governo estava, nada disso. Eu, estudante, vim saber o que era regime militar quando já tinha terminado. Então já tinha era passado (NEIDELENE LOPES, professora do PAF).

Não, tinha isso não. Pelo menos não teve comigo (AIDÊ TEIXEIRA, professora do PEI).

As professoras relatam não ter sofrido repressão em suas atividades. No

entanto, esta compreensão pede que sejam feitas algumas ressalvas.

Estamos tratando de um contexto em que as atividades foram

desenvolvidas, para isso, deve-se evitar generalizações, o que fica melhor ilustrado

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na fala da professora Aidê Teixeira (pelo menos, não teve comigo). Desta forma, é

importante mencionar que esta era a realidade do município de São João do

Jaguaribe. Todavia, de acordo com Gomes (2007), as professoras da capital

cearense eram constantemente ―vigiadas‖ em suas práticas pedagógicas, o que

fazia com que a autonomia fosse relegada a segundo plano. A própria imposição de

um material definido pelo MOBRAL Central, que desvestiu os conteúdos do material

didático da perspectiva crítica constituiu-se num aspecto de repressão e controle das

práticas pedagógicas.

Não obstante, precisa-se redimensionar a situação, analisando um trecho

da fala da professora Neidelene, do PAF: ―Aqui já era um lugar tão distante que você

nem sabia que forma de governo estava, nada disso‖. Pesa sobre esta fala o

paradigma da consciência. De acordo com Freire (2001) tem-se consciência de ou

sobre algo. Uma vez que a professora relata que não se sabia a forma de governo,

logo, desconhecia suas características, isto implica inferir que caso houvesse

repressão, esta não seria encarada como tal, já que o termo não fazia parte de seu

cotidiano.

A professora Neidelene afirma que só veio conhecer o que era o Regime

Militar quando estava cursando o ensino superior, já em 1980, quando o país

caminhava para a reabertura política, fazendo com que alguns temas viessem à tona

para conhecimento da população. Ela diz: ―Na época não me atingiu em nada, hoje

em dia eu já vejo que foi um período muito ruim, as pessoas não tinham direito nem

de se expressar. Era um período rigoroso, né?‖. As outras professoras também o

afirmam:

Eu graças a Deus não tive problema com o regime militar. Mas, ave Maria,

não quero mais que volte. Falo por mim, né. Não posso dizer em outros

casos ai, eu sei que tinha coisa muito rigorosa ai (ELEUBA TEIXEIRA,

professora da PAF).

Era um período muito duro, hoje eu vejo assim (AIDÊ TEIXEIRA, professora

do PEI).

Embora relatem não ter sofrido com a repressão no Regime Militar, as

professoras emitiram suas opiniões acerca do período, sobretudo baseadas nas

informações a que tiveram acesso posteriormente, quando do ingresso no ensino

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superior44. Assim, outro ponto de bastante significância foi o acesso à informação.

Naquela época, as informações eram limitadas, em virtude de não haver no

município um jornal local. Restava a ‗Televisão‘, para quem possuía.

Na época não tinha nem televisão... você quando ia assistir era novela, na janela das casas dos outros que tinham... aí depois colocaram uma televisão ali na praça, mas o objetivo da gente era assistir a novela mesmo, ali já era uma diversão. Agora ser informado sobre o que acontecia no Brasil a gente não era não (NEIDELENE LOPES, professora do PAF).

É importante refletir sobre esta afirmação. A mídia, materializada na maior

empresa brasileira de comunicação, Rede Globo, não colocava em pauta a

repressão e censura no Regime Militar. Pelo contrário, as Organizações Globo

(jornal e emissora), então comandadas por Roberto Marinho, fizeram parte do Golpe

de 1964, quando o jornal O Globo distribuía severas críticas ao governo Goulart e

estampava como capa em 02 de abril do corrido ano a seguinte manchete: ―Fugiu

Goulart e a democracia está sendo restabelecida‖. Segue um trecho de tal edição:

Vive a nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opiniões sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições (O GLOBO, 1964 apud COSTA, 2015).

O primeiro apoio dado ao Regime Militar advém do período em que a

Globo ainda era um Jornal. Posteriormente, enquanto Emissora de Televisão, a

Rede Globo iria trabalhar na manutenção do mandato de Castello Branco (COSTA,

2015). Isso porque, enquanto Aparelho Ideológico de Estado, segundo Saviani

(2008), a mídia atua no processo de imposição da cultura dominante, através da

formação de opinião da classe dominada, construindo o senso comum sobre a

realidade. No caso da emissora em questão, tratava-se de uma formação para a

manutenção do status quo, aceitação das mazelas sociais, passividade; em

momento algum atuava no sentido de romper com estes paradigmas e contribuir na

edificação de uma nova sociabilidade pautada na democracia e formação cidadã.

44

Após a atuação no MOBRAL, as professoras prosseguiram na docência, concluindo cursos de licenciatura plena e fazendo parte do quadro pessoal permanente do município.

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Nota-se pelo silenciamento das manifestações em torno da Campanha Diretas Já,

em 1984, a qual pedia o fim das eleições indiretas.

Assim, pode-se evidenciar que houve uma relação intrínseca entre mídia

e Regime Militar, uma vez que a primeira contribuiu para a manutenção do segundo.

Não raro, pois o mesmo aconteceu em 2015 e 2016, quando a mídia, em especial a

Rede Globo de Televisão, incansavelmente, fez a cobertura das manifestações que

pediam o afastamento da Presidenta Dilma Roussef (sem culpa comprovada), as

quais fortaleceram a bancada conservadora do Congresso, ocasionando a aceitação

da abertura do processo de impeachment da Chefe de Estado e culminando com o

seu afastamento e posterior perda do mandato, caracterizando-se um Golpe de

Estado, do tipo parlamentar-institucional, sem tanques nas ruas.

Problemas de ontem, problemas de hoje. Uma vez que a mídia silenciava

os excessos do Regime Militar, contribuía para que as pessoas não o conhecessem,

portanto não o questionassem, como o caso da professora Neidelene Lopes.

Uma última informação, esta relatada pela professora Eleuba Teixeira, do

PAF, é bastante inquietante. Segundo a docente, houve um desentendimento com a

Gestão do Programa, tendo em vista que havia sido convocada para assinar um

documento que diziam ser relativo ao décimo terceiro salário:

[...] eu fui chamada para assinar uma folha de décimo terceiro que eu não tinha recebido... Ai eu disse que não assinava não... Mas acho que todo mundo assinou e alguém deve ter assinado por mim por que eu nem recebi. Eles pediram para a gente assinar a folha do décimo terceiro. E quando a gente chegou para assinar em uma casa particular [...] o homem dono da casa, nem tava que era o responsável, mas a esposa dele que tava, disse: ―Tá ai, ele pediu que vocês assinassem logo que tá avexado por esses papeis‖. Aí fomos ler isso e era a folha do décimo terceiro.. só que nós nem recebemos. Aí eu disse: ―Eu mesmo não assino não‖. Eu esperei que me chamassem para tirar satisfação. Mas nunca chamaram. E ficou por isso (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF).

O relato da professora é revelador, uma vez que denuncia tal prática.

Almeida e Carvalho (2014) já haviam mencionado um possível desvio de verbas

destinadas à alfabetização no MOBRAL em São João do Jaguaribe, levando em

consideração o depoimento de uma ex-funcionária do Programa. Paiva (2005)

comenta acerca de uma Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada no final da

década de 1970 para averiguar a possibilidade de manipulação nos resultados de

alfabetização, bem como o mau uso dos recursos voltados para o Programa. O

depoimento da professora reforça tal tese.

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As análises realizadas nesta seção deram conta de atividades

desenvolvidas pelo MOBRAL nos contextos rural e urbano, centrando nos anos de

1972 e 1979. A atuação no primeiro contexto mostrou-se precarizada e frágil; no

segundo, as atividades tiveram determinada modificação, mostrando que no

desenrolar da década de 1970, o MOBRAL modifica e ressignifica suas ações,

inovando-as. E isto incidiu na questão da autonomia docente.

Para complementar as informações sobre o MOBRAL em São João do

Jaguaribe, na próxima seção será feita a análise acerca da influência do MOBRAL

na vida de ex-alunos e ex-alunas.

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4 O MOBRAL E SUA REPERCUSSÃO NA VIDA DE EX-ALUNAS (OS)

O projeto, a tal salvação

Prestou atenção e no entanto não viu

A merenda, que é só o que atrai

A cadeia para qual o rico vai

Despachantes, guichês, hospitais

E os letreiros de frente pra trás

Aos olhos de quem

Só aprendeu o bê-á-bá

Pra tirar carteira de trabalho

E não entendeu Zé Ramalho cantar

Vida de gado

Povo marcado

Povo feliz

(MOBRAL – Herbert Viana)

Este capítulo volta-se aos(às) alunos(as) do MOBRAL em São João do

Jaguaribe, suas histórias de vida e anseios no que concerne à alfabetização, bem

como a repercussão do Programa em suas vidas.

As análises dialogam com os depoimentos das professoras, buscando-se

ampliar a compreensão do Programa, a partir do foco dos alfabetizandos e

alfabetizandas. Como explicitado na Introdução, foram entrevistados quatro ex-

alunos(as): três do sexo feminino e um do sexo masculino, os quais participaram do

Programa de Alfabetização Funcional - PAF nos anos de 1972 a 1976, nas zonas

rural e urbana.

4.1. OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Falar dos alunos do MOBRAL significa compreender suas histórias de

vida, o que acarretaria a discussão acerca dos motivos que os impediram de ter

acesso à escola e nesta permanecer quando eram crianças, mas também os

anseios que os levaram novamente para a sala de aula. Significa dar voz a quem

teve esse direito negado.

Os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos têm perfis variados quanto

a profissão, gênero, geração e zona de residência. No município de São João do

Jaguaribe, entre os que participaram do MOBRAL, encontramos da dona de casa ao

agricultor; do jovem ao mais idoso; do residente na zona rural ao que possui morada

na zona urbana. No que diz respeito aos sujeitos desta investigação, estes são

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Hilda, Jacinta, Maria, Francisco. Mas por que não Hildas, Jacintas, Marias,

Franciscos, uma vez que suas histórias de vida coincidem com a realidade de tantos

outros? Pois um traço lhes é comum em nosso país: são oriundos das camadas

populares e integrantes da classe trabalhadora,

Assim, importa neste momento inicial, fazer uma breve análise sobre

quem são os alunos e alunas da EJA. Em documento elaborado pela Secretaria de

Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD45 afirma-se que os

educandos e educandas da EJA são:

[...] Protagonistas de histórias reais e ricos em experiências vividas, os alunos jovens e adultos configuram tipos humanos diversos. São homens e mulheres que chegam à escola com crenças e valores já constituídos. Os homens, mulheres, jovens, adultos ou idosos que buscam a escola pertencem todos a uma mesma classe social: são pessoas com baixo poder aquisitivo, que consomem, de modo geral, apenas o básico à sua sobrevivência: aluguel, água, luz, alimentação, remédios para os filhos (quando os têm). O lazer fica por conta dos encontros com as famílias ou dos festejos e eventos das comunidades das quais participam, ligados, muitas vezes, às igrejas ou associações. A televisão é apontada como principal fonte de lazer e informação. Quase sempre seus pais têm ou tiveram uma escolaridade inferior à sua (BRASIL, 2006, p. 4-5).

Guardam a identidade de trabalhadores e trabalhadoras, com vínculo

empregatício ou não, e são pessoas que outrora tiveram o direito subjetivo à

educação negado, mas que, por algum motivo, retornaram aos estudos. Têm visões

de mundo, homem, sociedade e educação e, na maioria dos casos, acreditam que

esta última pode influenciar na ascensão social (PAIVA, 2005). Para Brasil (2006, p.

6), ―[...] os alunos e alunas de EJA trazem consigo uma visão de mundo influenciada

por seus traços culturais de origem e por sua vivência social, familiar e profissional‖.

Desta forma, é imprescindível trabalhar com a história da vida dos ex-alunos e ex-

alunas do MOBRAL, uma vez que esta permitirá a aproximação com o universo em

que se encontravam inseridos.

Como salientado anteriormente, nesta investigação houve a participação

de quatro ex-alunos do MOBRAL, sobre os quais disserta-se a seguir.

Francisco Mendes, 70 anos, casado com Hilda Alves, agricultor, é ‗o mais

velho‘ de seis filhos de um casal de agricultores (já falecidos) que residiam no Sítio

Nazária, zona rural de São João do Jaguaribe. Frequentou a escola regular até os

45

Desde 2010, no primeiro governo da presidenta Dilma Roussef (2010-2014), passou a denominar-se Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI.

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dez anos de idade, quando abandonou os estudos, pois segundo ele ―tinha muita

dificuldade de aprender‖. Foi aluno do MOBRAL no ano de 1972, quando tinha 26

anos.

Hilda Alves, 67 anos, casada com Francisco Mendes, agricultora, é a

terceira de quatro filhos de um casal de agricultores também residentes no Sítio

Nazária, zona rural, São João do Jaguaribe. Hilda não frequentou a escola regular.

O motivo: ―precisava ajudar a mãe em casa‖. Foi aluna do MOBRAL no ano de 1972,

quando tinha 23 anos.

Jacinta, 65 anos, comerciante, viúva, residente no Centro de São João do

Jaguaribe. Frequentou a escola regular até os doze anos, regressando aos estudos

no MOBRAL em 1975, quando tinha 24 anos.

Maria, 58 anos, dona de casa, residente no Centro de São João do

Jaguaribe. Maria, como costuma ser chamada, não permaneceu mais na escola

após os 13 anos. Foi aluna do MOBRAL no ano de 1976, quando tinha 18 anos.

De acordo com os alunos, estes deixaram a escola regular porque

precisaram trabalhar para ajudar os pais nas despesas da casa. Hilda Alves, que

nunca havia frequentado uma sala de aula, relata por que demorou a fazê-lo depois

de adulta, uma vez que havia constituído família: ―Os filhos precisavam de atenção‖,

e então optou por adiar o ingresso nos estudos. Segundo a ex-aluna Hilda Alves

(67a.): [...] eu casei com 16 anos... Aí tinha os meninos, tinha que botar pra dormir,

cuidar deles, cuidar da casa, e aí eu não consegui estudar tão cedo (HILDA

ALVES46, ex-aluna do PAF).

No depoimento de Hilda evidencia-se um traço ligado ao Gênero, uma

vez que numa sociedade fundada no patriarcado as tarefas domésticas recaem

sobre a mulher! Desta forma, só poderia voltar à escola se fosse noturna, e se

contasse com o pai ou outra pessoa para ajudar com as crianças e tarefas

domésticas.

Hilda Alves ainda afirma que não se matriculou na escola quando adulta

―porque não havia turma para adultos na época, era mais ou menos nos anos 50

(1950, grifo nosso)‖. Naquele contexto, ainda permanecia a educação como um

privilégio de alguns mais abastados, o que se impunha como negação de um direito

(ALMEIDA, 2014).

46

Entrevista concedida a 11 de abril de 2016, no município de São João do Jaguaribe.

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Em seus depoimentos, as ex-alunas Jacinta e Maria, que haviam

frequentado a escola no tempo regular, afirmam que o regresso aos estudos foi

tardio devido às condições financeiras da família: ―Você decidia se trabalhava ou

estudava‖ (MARIA47, ex-aluna do PAF), ―Tinha que ajudar em casa, meu filho, a

família era grande... quando casei as obrigações aumentaram mais, porque tinha os

meninos pequenos em casa também‖ (JACINTA48, ex-aluna do PAF).

Mendes (2005), ao mencionar a história de vida de professores ressalta

que, dado o tamanho da prole, escolhiam-se quais filhos iriam estudar; às vezes, de

dez filhos, apenas três frequentariam a educação formal.

Os depoimentos das ex-alunas revelam a condição da mulher naquele

contexto histórico. Ao gênero feminino era destinado o trabalho de cuidar da família

e manter o lar organizado. As mulheres, sobretudo as agricultoras, tinham sua vida

presa ao lar e à família, não podendo assim, buscar o acesso à educação

(COELHO, 2007).

Para uma das alfabetizadoras, Eleuba Teixeira, professora do PAF, os

alunos do MOBRAL frequentavam as aulas porque tinham: ―[...] o sonho que

estudar, de aprender a sentar o nome, de votar. Que na época quem não sentava o

nome não podia votar‖.

Este ponto da entrevista chamou bastante atenção, por evidenciar os

objetivos daqueles alunos no que diz respeito à alfabetização no Programa. No

universo investigado, muitos deles, quiçá a maioria, matriculavam-se nos cursos de

alfabetização funcional tendo como principal desejo aprender a escrever o nome.

Evidencia-se a ausência de perspectiva de melhorias na sua vida a partir da

alfabetização: a conscientização e a busca pela superação das adversidades do dia-

a-dia eram relegadas a segundo plano.

De acordo com a Professora Eleuba Teixeira, os alunos da Alfabetização

Funcional eram ―[...] as pessoas mais humildes, mais simples, pessoas que

trabalhava de enxada, outros não eram aposentados. [...] Tinha quem trabalhava de

olaria... agricultor diarista‖. Esta afirmação vai ao encontro do perfil do alunado da

EJA apresentado por Brasil (2006):

47

Entrevista concedida a 5 de outubro de 2016, no município de São João do Jaguaribe. 48

Entrevista concedida a 5 de outubro de 2016, no município de São João do Jaguaribe.

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As alunas e alunos da EJA, em sua maioria, são trabalhadores e, muitas

vezes, a experiência com o trabalho começou em suas vidas muito cedo.

Nas cidades, seus pais saíam para trabalhar e muitos deles já eram

responsáveis, ainda crianças, pelo cuidado da casa e dos irmãos mais

novos. Outras vezes, acompanhavam seus pais ao trabalho, realizando

pequenas tarefas para auxiliá-los. É comum, ainda, que nos centros

urbanos, estes alunos tenham realizado um sem-número de atividades cuja

renda completava os ganhos da família: guardar carros, distribuir panfletos,

auxiliar em serviços na construção civil, fazer entregas, arrematar costuras,

cuidar de crianças etc. (SECAD, 2006, p. 19).

Em se tratando dos(as) alunos(as) da Educação de Adultos nas áreas

rurais, percebe-se que estes tiveram que optar, quando crianças ou adolescentes,

entre o trabalho ou estudo. Foi o caso de Francisco Mendes, o qual afirma: ―Eu

precisava ajudar o papai no roçado, eu era o filho mais velho‖ (FRANCISCO

MENDES49, ex-aluno do PAF). Para Brasil (2006, p. 19), esta realidade multiplica-se

pelo país:

Nas regiões rurais, a participação no mundo do trabalho começa ainda mais

cedo: cuidar da terra, das plantações ou da criação de animais; auxiliar nos

serviços caseiros. Muitas vezes, acompanhando os pais e irmãos mais

velhos, é comum encontrar um grande número de crianças e jovens já

mergulhados no trabalho. Nessas regiões, os horários, os períodos de

colheita, de chuva e de seca marcam a vida cotidiana das pessoas e isto,

aliado às grandes distâncias, configura condição bastante precária para a

escolarização.

Ainda de acordo com Brasil (2006, p. 19), é importante considerar que

além de alunos e alunas da EJA, estes são pessoas inseridas no mercado de

trabalho. Ou seja: ―[...] a grande maioria dos alunos são trabalhadores que chegam

para as aulas após um dia intenso de trabalho‖, sendo necessário lembrar que este

―[...] não passa nem de longe pelo trabalho como atividade fundamental pela qual o

ser humano se humaniza e se aperfeiçoa. O trabalho que conhecem é na maior

parte das vezes repetitivo, cansativo e pouco engrandecedor‖ (BRASIL, 2006, p. 20).

Assim, ―vale notar, ainda, que em todas as regiões do país, o trabalho é

apontado pelos alunos de EJA tanto como motivo para terem deixado a escola,

como razão para voltarem a ela‖ (BRASIL, 2006, p. 20). Esta realidade pode ser

reconhecida no Vale do Jaguaribe, a partir de estudo realizado por Almeida e

Carvalho (2010), o qual aponta que um dos motivos que faziam os alunos

49

Entrevista concedida a 11 de abril de 2016, no município de São João do Jaguaribe.

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regressarem aos estudos era o aperfeiçoamento profissional: as empresas exigiam a

conclusão dos estudos em nível fundamental. Em se tratando do município de São

João do Jaguaribe, isto fica mais evidente quando do depoimento de Jacinta: ―No

trabalho a alfabetização me ajudou muito, porque eu precisava ler o nome dos

produtos‖. Pode-se evidenciar esta dupla perspectiva: o trabalho que provocara a

evasão no passado, mas que na atualidade trazia os alunos novamente à sala de

aula.

A este perfil apresentado pela SECAD-Brasil (2006), as professoras

acrescentam que devido à pouca instrução no tempo regular e à rotina de

conciliação entre trabalho e estudos, agravava-se a qualidade na aquisição do

conhecimento quando da matrícula na EJA:

[...] pessoas que não tinham nenhum conhecimento de leitura. Pessoas que até a primeira vez que foi para escola foi no MOBRAL. Peguei pessoas que aprenderam mesmo a escrever o nome nesse Programa. Tinha uns muito interessados, mas também tinha muitas pessoas com grandes dificuldades. [...] Povo muito interessado, doido pra aprender (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF). Era um nível tão diferente... tinha uns que não sabiam nada, outros já sabiam um pouquinho, mas alguns era preciso você pegar na mão, porque geralmente eram pessoas bem idosas, passavam o dia trabalhando e quando era a noite iam (NEIDELENE LOPES, professora do PAF). Tinha aluno que vinha do Lima

50 de bicicleta. Cerca de 6 quilômetros e à

noite (AIDÊ TEIXEIRA, professora do PEI).

Apesar das dificuldades apresentadas, os alunos e alunas do MOBRAL

buscavam a aquisição das capacidades de leitura e escrita. Como salientado, o

interesse pela alfabetização estava associado à escrita do nome completo, tal como

constava em suas certidões de nascimento. Não obstante, como naquele momento

o voto não era permitido aos que se encontravam em situação de analfabetismo,

fez-se com que houvesse maior procura por turmas de alfabetização funcional

(ALMEIDA, 2015).

Na alfabetização funcional, a faixa etária dos estudantes era

compreendida entre 50 anos ou mais. Poucos alunos estavam na faixa etária de 20

ou 30 anos. Já na educação integrada, os alunos tinham entre 15 e 60 anos. E um

desejo em comum: aprender a escrever o nome.

50

O Sítio Lima é uma comunidade localizada na zona rural do município, distante cerca de seis quilômetros da sede.

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Na perspectiva de Oliveira (1992), o contexto letrado da época trazia

desafios às pessoas que se encontravam em situação de analfabetismo. Entretanto,

não se pode limitar o conhecimento destas pessoas apenas ao que está ligado à

cultura letrada. Para o referido autor:

Obviamente que, enquanto consumidor de palavra escrita, o analfabeto está em desvantagem em relação aqueles indivíduos que, tendo passado por um processo regular de escolarização, dominam a lógica do mundo letrado. Mas ele sabe coisas sobre esse mundo, tem consciência de que não domina completamente o sistema de leitura e escrita e está, ativamente, buscando estratégias pessoais para lidar com os desafios que enfrenta nas esferas da vida que exigem competências letradas (OLIVEIRA, 1992, p. 18).

O comentário acima reveste-se de relevância à medida que denota os

limites e possibilidades do alunado da EJA no que diz respeito à cultura letrada. Os

mesmos, por não terem acesso ao sistema convencional de escrita, buscavam

estratégias para situar-se no meio, valiam-se de estranhos para orientar-lhes em

atividades desenvolvidas com a utilização da leitura e da escrita. Desta forma, ao

confrontar-se com estas limitações decorrentes da situação de analfabetismo, parte

deles buscou a escolarização em turmas de EJA. E isto reforçava o retorno aos

estudos.

No que concerne às experiências com a educação no tempo regular,

Francisco Mendes compara a mesma ao MOBRAL. De acordo com o ex-aluno, a

preferência pelo MOBRAL deu-se pelo seguinte fato:

Eu gostei muito do MOBRAL, porque ele era muito diferente das escolas que estudei... O professor tinha respeito com a gente. Quando eu era menino, a minha primeira professora deixava a gente na sala e ia namorar. No MOBRAL, não, a professora tava lá toda hora.

O aluno explica que sua preferência pelo Programa tinha significação

quando recordava como se dava a educação na escola regular: ―[...] eu sentia falta

da professora com a gente. Eu queria que ela tivesse dado mais atenção. Acho que

era isso que eu precisava prá poder me sair melhor nos estudos‖ (FRANCISCO

MENDES, ex-aluno do PAF).

A partir deste depoimento, reflete-se sobre a importância do

acompanhamento ao discente por parte do professor. É papel do docente auxiliar e

orientar os educandos nas atividades desenvolvidas em sala de aula, na perspectiva

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de motivá-los a continuar os estudos e proporcionar-lhes o conhecimento contido no

currículo escolar (FREIRE, 1996).

Já as ex-alunas Maria e Jacinta contam que pouco lembram da escola no

tempo regular, tendo em vista que passaram ―[...] pouco tempo estudando. Já tinha

começado a estudar depois de velha, acho que tinha uns nove anos, aí parei pouco

depois‖ (MARIA, ex-aluna do PAF). Jacinta afirma que sua lembrança é restrita à

professora ―copiando o dever de matemática no quadro e fazendo tabuada‖. Era a

manifestação do ensino tradicional, marcado pelo verbalismo e centralização no

docente, tal como afirma Freire (2001).

Em se tratando das atividades do MOBRAL em sala de aula, os alunos

lembravam vagamente de como era o cotidiano. Explicam que recebiam cartilhas: ―A

gente recebia umas cartilhas grandes...‖ (FRANCISCO MENDES, ex-aluno do PAF)

e que a professora chamava-os a participar da aula, levando-os ao quadro para

escrever quando já tivessem desenvolvimento da coordenação motora fina e global:

―Quando você aprendesse a cobrir tudinho, é que você ia fazer a palavra só...‖

(HILDA ALVES, ex-aluna do PAF). Isto devia-se ao fato de os alunos, em muitos

casos, terem seu primeiro acesso à escola a partir das atividades desenvolvidas no

Programa. Neste sentido, cabia ao professor auxiliá-los e fazê-los participar das

atividades. Entretanto, naquele contexto, prevalecia a educação tradicional: ―A

professora mandava escrever no quadro quando aprendia a cobrir‖ (FRANCISCO

MENDES, ex-aluno do PAF).

Sobre os contextos em que estavam inseridos, os quatro ex-alunos e

alunas do MOBRAL em São João do Jaguaribe faziam parte de dois: rural x urbano.

Como explicitado na seção anterior, Almeida (2014) afirma que as atividades no

meio rural tiveram maiores desafios do que no meio urbano, tendo em vista que ali

se concentrava a maior precarização do ensino e trabalho docentes.

O depoimento de uma professora do PAF, Eleuba Teixeira, ilustra melhor

esta afirmação. De acordo com a professora: ―Na minha classe tinha de 15 a 16

alunos, mas não vinham todos toda noite não. Mas tinha noite que tinha muita gente

também. Tinha noite que vinha cinco, ‗quando der fé‘ só vinha três. Era assim, muito

variado‖.

Esta infrequência era ocasionada por diversos fatores, os quais serão

melhor explorados adiante a partir dos depoimentos de ex-alunos e ex-alunas.

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Em se tratando da infrequência no meio rural, pode-se perceber que era

acentuada, tendo em vista que equivalia a aproximadamente um terço da

quantidade de alunos matriculados. Na linha contrária, as atividades do Programa de

Educação Integrada, as quais se concentravam no meio urbano, tinham maior

frequência do alunado. Segundo a professora Aidê Teixeira, do PEI:

Sempre que vai se matriculando, sempre acontece as desistências. Quando começou mesmo era uns 20 ou 22, acho que chegou a terminar com uns 14 ou 15. Tinha evasão, mas não era grande não. Porque sempre tinha alguém que ia embora, mudava de cidade ou comunidade. Lembro que a coordenadora até me parabenizou... E eles tinham muito compromisso... não era aquelas classes que iam só dois ou três não. Faltavam, aqui ou acolá faltavam, mas não era turma faltosa não.

No tocante a este aspecto, observa-se que a infrequência dos alunos da

alfabetização funcional era bastante acentuada, uma vez que em sua maioria

tratavam-se de trabalhadores rurais, os quais dedicavam maior parte do dia ao

trabalho no roçado, ―no trabalho duro, no cabo da enxada‖, como afirma o ex-aluno

Francisco Mendes. Além disso, pesava o desestímulo e dificuldades de

aprendizagem, oriundas do abandono precoce dos estudos. Isto fica mais evidente

do depoimento das professoras:

O pessoal tudo passava o dia trabalhando, de noite cansados, né? Tinha vez que nem vinha, dizia que tava cansado. Quando era período de inverno, aí tinha as chuvas e eles não vinham (ELEUBA TEIXEIRA, professora da PAF). Eles queriam muito, mas viviam cansados mesmo, aí dificultava a aprendizagem deles (AIDÊ TEIXEIRA, professora do PEI).

Os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos nos municípios localizados

no interior do estado são preponderantemente trabalhadores rurais, neste sentido, é

possível vincular a infrequência à atividade laboral desenvolvida no período diurno,

seja na agricultura, seja no comércio (PAIVA, 2005). Não obstante, tal infrequência

culminava com a evasão.

Dois dos nossos entrevistados afirmam que abandonaram os estudos no

MOBRAL em virtude da rotina de trabalho no campo. A seguir o depoimento de

Francisco Mendes e Hilda Alves:

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Eu deixei o MOBRAL porque tinha que trabalhar, e eu não enxergava bem; a aula era à noite... Mas eu achava bom... Era divertido... Eu achava bom demais a palestra (FRANCISCO MENDES, ex-aluno do PAF). Nós era aluno bom, mas teve que sair... Teve gente que aprendeu muito. Mas eu trabalhava o dia todinho e de noite tinha que botar os meninos pra dormir. Cometi um erro muito grande, porque eu era prá ter continuado (HILDA ALVES, ex-aluna do PAF).

Pode-se observar, a partir dos depoimentos dos alunos, que os motivos

para o abandono dos estudos mais uma vez estavam ligados à família ou ao

trabalho. Em linhas gerais, este tipo de evento, via-de-regra, conservava os mesmos

motivos. Para eles, mesmo tendo frequentado a sala de aula do MOBRAL por um

tempo considerado curto, o Programa contribuiu significativamente com suas vidas,

conforme depoimentos:

Se eu tivesse ficado mais tempo, eu tinha aprendido mais, pode ter por certeza... mas pelo menos o nome eu aprendi, isso eu aprendi sim (FRANCISCO MENDES, ex-aluno do PAF). A gente não sai porque quer, né, meu filho? Se tivesse ido mais umas aulas tinha aprendido mais, talvez até desse prá ajudar os meninos nos dever da escola (HILDA ALVES, ex-aluna do PAF).

A repercussão do Programa na vida destes alunos foi positiva, uma vez

que modificou suas vidas: o objetivo voltado à escrita do nome fora alcançado.

Novas conquistas também o seriam, se ocorresse a continuidade dos estudos.

Entretanto, o ideário destes sertanejos esbarrou na realidade adversa, pois após a

experiência do MOBRAL, grande maioria não mais frequentou a sala de aula.

Outros relatos ainda dão conta do preconceito contra os que se

encontravam em situação de analfabetismo. A seguir serão explorados.

4.2 ―EU ERA MOBRAL‖: RELATOS DE PRECONCEITO CONTRA O ANALFABETO

EM SÃO JOÃO DO JAGUARIBE

Historicamente, construiu-se o preconceito contra o sujeito analfabeto,

que por sua condição de ―sujeito‖ do analfabetismo, era considerado ―o câncer‖ da

sociedade. Este fenômeno pode ser percebido na construção cultural do termo

MOBRAL como designação/adjetivo referente aos sujeitos que se encontram em

situação de analfabetismo (DI PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001).

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No que diz respeito ao MOBRAL, os alunos da alfabetização funcional,

em sua maioria analfabetos absolutos, enfrentavam o preconceito da população, no

tocante à sua aprendizagem, na forma de uma palavra: MOBRAL, carregada de

negatividade e negação social aos que tiveram o direito à escola suprimido. O nome

do programa de alfabetização de adultos passou a ser uma designação negativa às

pessoas que se encontravam em situação de analfabetismo: ―Eu era MOBRAL, né?‖

(HILDA ALVES, ex-aluna do PAF)

Os alunos se viam como ―MOBRAL‖, ou seja, analfabetos. O relato da ex-

aluna revela a concepção do analfabeto como o improdutivo, o incapaz de ascender

socialmente. Estereótipo não criado por acaso: O contexto social em que as

atividades do Programa se inseriam trazia a educação como forma de ascensão

socioeconômica. Desta forma, aquele que estivesse à sua margem não poderia

contribuir para o crescimento econômico do país (PAIVA, 2005).

Este preconceito contra o analfabeto também se manifesta nos

documentos oficiais de Estado, os quais tinham a compreensão do analfabeto como:

[...] a pessoa INTELECTUALMENTE incapaz de ler, escrever, calcular, compreender e transmitir. Ao mesmo tempo é SOCIALMENTE incapaz de: a) servir-se da comunidade; b) servir à comunidade; c) integrar-se no processo de desenvolvimento sócio-econômico e d) participar do contexto político (MEC/DNE, 1966 apud MACHADO, 1997, p. 12, grifos do autor).

Pode-se perceber que o MOBRAL, além de um Programa de

alfabetização de adultos, era uma autoafirmação, a qual, construída historicamente,

refletia o preconceito contra o analfabeto. O ex-aluno Francisco Mendes então

revela: ―A gente passava e o povo gritava: Lá vai o bando de burro‖. O depoimento

do ex-aluno é inquietante porque denota a violência, o estigma, a carga de

preconceito existente contra o analfabeto, o que rebaixava a autoestima, causando

desestímulo, e era motivo para estes alunos novamente abandonarem os estudos:

―Você sabe que papagaio velho não aprende a falar, né?‖ (HILDA ALVES, ex-aluna

do PAF).

A respeito disto, o documento Trabalhando com a Educação de Jovens e

Adultos - Alunas e alunos da EJA, da SECAD afirma:

Uma característica freqüente do(a) aluno(a) é sua baixa auto-estima, muitas vezes reforçada pelas situações de fracasso escolar. A sua eventual passagem pela escola, muitas vezes, foi marcada pela exclusão e/ou pelo insucesso escolar. Com um desempenho pedagógico anterior

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comprometido, esse aluno volta à sala de aula revelando uma auto-imagem fragilizada, expressando sentimentos de insegurança e de desvalorização pessoal frente aos novos desafios que se impõem (BRASIL, 2006, p. 14).

De acordo com Galvão e Di Pierro (2007), mais do que o domínio desta

cultura letrada, as situações de preconceito são os desafios de contextos em que os

usos da leitura e da escrita são mais difundidos, permeando a vida cotidiana.

Alunos desestimulados e cansados, condições adversas de trabalho,

ensino que deixava a desejar. Pode-se perceber até então o descaso governamental

com a educação de jovens e adultos, muitos deles sem perspectiva de crescimento

pessoal ou profissional, buscavam o reconhecimento de si nas letras de seu nome.

Infere-se a perspectiva de futuro dos educandos do Programa, a busca pela

identidade: o ser que se reconhecia no corpo, mas não sabia a forma de se

manifestar utilizando os signos. Para Galvão e Di Pierro (2007, p. 21):

No contexto urbano letrado, a impressão da digital se torna a marca evidente do estigma de inferioridade atribuído ao analfabeto e as situações de identificação pública passam a ser vividas como humilhação. Por este motivo, a assinatura- o desenho do nome- é a primeira aprendizagem aspirada por qualquer adulto em processo de alfabetização.

Esta problemática é bastante pertinente, tendo em vista que ainda nos

dias atuais a procura pela alfabetização de adultos, sobretudo no meio rural, está

associada à memorização da escrita do nome.

Carvalho (2006), em sua tese de doutorado sobre o Programa Nacional

de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), como constitutivo de uma política

pública de EJA, acompanhou a Educação de Jovens e Adultos em Projetos de

alfabetização e I Segmento do Ensino Fundamental com o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST, no Ceará. A autora atesta que a assinatura

do nome, embora não possa ser considerada como apreensão da decifração dos

signos da leitura e escrita, representa muito para os alfabetizandos e alfabetizandas,

posto que encerra um sentido ontológico, de novas identidades em construção.

É um alerta para que não se menosprezem este primeiro anseio de

aprendizagem na EJA, o qual poderá estabelecer um vínculo com o processo de

escolarização, fortalecendo a disposição dos alunos e alunas em continuar seus

estudos. No entanto, superada a alfabetização voltada ao direito do sufrágio, outros

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desafios estão levando pessoas às salas de aula de EJA, mas o principal é a

empregabilidade (OLIVEIRA, 2007, p. 20).

Indagadas sobre a possibilidade de os alunos conseguirem alfabetizar-se

no Programa, as respostas foram divergentes. A professora Aidê Teixeira afirma que

houve prosseguimento dos estudos por parte de alguns alunos:

Sim, teve muita gente que conseguiu concluir e estudar mais, alguns concluíram a 8ª série. Lembro de duas que concluíram o ensino médio também, mas essas aí não quiseram ensinar não. Só concluíram... também eram casadas, tinham os filhos.

No contexto urbano houve alunos e alunas que concluíram primeiro e/ou

segundo graus. Foi o caso de Maria e Jacinta, ex-alunas do PAF e do PEI, as quais

participaram desta investigação. Segundo elas:

Eu concluí os estudos depois que passei pelo MOBRAL. Foi muito bom porque eu tive a oportunidade... Era meio difícil, porque eu ainda tinha os filhos e a casa para cuidar, mas foi uma boa experiência, só assim concluí o segundo grau (MARIA, ex-aluna do PAF e PEI) Eu ainda cheguei na oitava série, se não fosse o MOBRAL, nem isso (JACINTA, ex-aluna do PAF).

Jacinta conseguiu concluir o ensino de primeiro grau, o que já lhe

habilitava a ensinar turmas de alfabetização de crianças e adultos, em caráter

secundário e precário, de acordo com a Lei 5692/71. Já Maria possui a habilitação

para o magistério em segundo grau.

Ambas não exerceram a profissão, seja por considerar a docência algo

―[...] muito complicado, não tenho jeito para ensinar‖ (MARIA, ex-aluna do PAF), ou

porque os estudos estavam voltados para a atuação profissional: ―Os estudos

ajudaram aqui no comércio, precisava muito para trabalhar com mercadorias‖

(JACINTA, ex aluna do PAF). A título de ilustração, a imagem de um aluno

alfabetizado recebendo o certificado de alfabetização pelo PAF.

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Foto 6 - Aluno alfabetizado

Fonte: Acervo da Supervisora de área, Socorro Sousa. Disponível em Almeida

(2014).

Indagada sobre a possível continuidade dos estudos por parte dos

alfabetizandos, a Professora Eleuba Teixeira informa: ―Não... paravam, paravam,

não estudaram mais não‖. Esta é outra demonstração do descaso governamental

com a educação de jovens e adultos.

Dialogando com Almeida (2014, p. 77), percebe-se que no município de

São João do Jaguaribe, os alunos da zona rural não tiveram a oportunidade de

prosseguir nos estudos, tendo em vista a não composição de turmas que

contemplassem a formação continuada dos egressos do PAF, diferentemente do

que acontecia na zona urbana, onde até 1980 havia turmas de Educação Integrada.

Neste sentido, constata-se que o trabalho desenvolvido pelo MOBRAL na zona rural

de São João do Jaguaribe era voltado principalmente à formação de eleitorado, não

dando a estes alunos oportunidades de prosseguir na escolarização.

No que concerne à aprendizagem na turma de alfabetização funcional, a

qual encontrava-se na zona rural, a professora Eleuba Teixeira afirma que:

Não. Alfabetizados não. Só aprendia mesmo a escrever o nomezinho. Em termos de leitura eles só saíram mesmo escrevendo o nome deles, e teve deles que nem aprenderam o nome. Com esses podia continuar uma nova

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etapa. Não tinham estimulo de estudar não, era só a forcinha de vontade mesmo de aprender o nome. Pode ter certeza que não teve nenhum que aprendeu a escrever outras coisas.

E continua:

Eu acredito que o objetivo do Programa, pelo menos pelo treinamento que a gente recebia, era alfabetizar o adulto. [...] agora eu acho que ninguém quase saiu alfabetizado, porque geralmente o alfabetizado é quando a pessoa aprende a ler e a escrever ... e eles não, não chegavam a isso tudo não.

Pode-se perceber que, diante das realidades opostas, os alunos da

alfabetização funcional no meio rural não tiveram êxito considerável, caso fosse

comparado com as turmas da educação integrada da zona urbana – anteriormente

alfabetização funcional também -. Para a professora Eleuba Teixeira, os alunos não

aprenderam nada mais que escrever o nome, ou seja, a educação que deveria ser

voltada para ajudar o cidadão no desenvolvimento de suas funções na sociedade,

como advogavam os documentos oficiais do Programa, era apenas uma forma de

fazer os alunos terem conhecimento sobre seu nome ou exercer o papel de

eleitores.

No entanto, não era o que se percebia diante dos resultados

apresentados pelos idealizadores do Programa em âmbito nacional: ―Sete anos. O

bastante para o MOBRAL alfabetizar aproximadamente 11.500.000 de brasileiros,

que viviam dentro da escuridão social‖ (BRASIL, 1976).

É preciso redimensionar a situação, uma vez que a dialética nos impõe

isto: os alunos da turma do PAF, localizada na zona rural do município, participaram

das atividades iniciais do Programa, em 1972, as quais, por serem as iniciais, eram

mais passíveis de falhas. Os alunos da turma do PEI, no entanto, além de disporem

de infraestrutura adequada para a alfabetização, participaram das ações

desenvolvidas nos anos de 1976 em diante, momento em que já havia maior

amadurecimento dos profissionais do MOBRAL em São João do Jaguaribe. Infere-

se, desta forma, que ao longo dos anos a atuação do MOBRAL no município tenha

sido repensada e aprimorada.

A professora Eleuba Teixeira, afirma:

Depois que eu comecei a ensinar pré-escolar talvez eu já tivesse mais facilidade pra ensinar do que antes. Quando eu comecei a ensinar pré-escolar eu vi que ali no MOBRAL faltava muita coisa. [...] Na época a gente dava muito valor, achava que era um Programa muito bom, que muita gente

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podia aprender, que era o sonho de muita gente era aprender. Mas a gente sabe que não era tão bom ne? Poderia ter sido melhor. Ter sido mais assistido. Só que naquela época a gente considerava um Programa bom.

A alfabetizadora faz-nos refletir sobre as maiores atenções voltadas à

educação regular em detrimento da educação de jovens e adultos, considerada um

favor, ou algo que não devia mais existir, pois o analfabetismo deveria ser

erradicado. Mas ao mesmo tempo em que prega este discurso, o Estado

desresponsabiliza-se de oferecer um ensino de qualidade.

Ademais, o último relato da professora Eleuba Teixeira sobre avaliação do

MOBRAL é bastante sugestivo: ―Eu achei o MOBRAL um desperdício de dinheiro!‖.

Segundo ela, houve bastante material desperdiçado, desvio de verbas destinadas ao

Programa e os profissionais não tinham a formação de nível adequado para atuar na

alfabetização de adultos. Não obstante, a análise feita dos pontos apresentados

anteriormente denota a discrepância existente entre as ações desenvolvidas nos

contextos rural e urbano.

No entanto, em entrevista concedida a Borges (2009, p. 85), o então

presidente do Programa, Arlindo Lopes Correa, afirma que sentiu ―a capacidade que

o MOBRAL tinha de se transformar em algo que poderia tentar atender a

multiplicidade e as necessidades que a população mais carente do Brasil tinha e

tem‖. Todavia, de acordo com Borges (2009 apud Soares, 2003, p. 12), o MOBRAL

não atingiu suas metas iniciais:

As metas iniciais previstas, no entanto, ficaram longe de serem atingidas. Isso porque o Mobral não alterou as bases do analfabetismo, calcadas fundamentalmente na estrutura organizacional da educação no país. Além disso, o seu modelo foi bastante condenado como proposta pedagógica por ter como preocupação principal apenas o ensinar a ler e a escrever, sem nenhuma relação com a formação do homem.

Apesar de não atingir as metas inicialmente previstas, o MOBRAL

contribuiu significativamente para a redução das taxas de analfabetismo. Segundo

dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2000), no que

concerne aos percentuais de pessoas na faixa etária compreendida entre 15 anos

ou mais, que se encontravam em situação de analfabetismo, observa-se que houve

um decréscimo: em 1960, 39,6% da população era considerada analfabeta absoluta,

o equivalente a 15.964.852 pessoas; em 1970, houve a redução para 33,6% da

população nesta faixa etária, ou seja, 18.146.977. Este percentual reduz

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consideravelmente na década de 1980, quando 25.5% da população com 15 anos

ou mais, equivalente a 18.716.847 pessoas, encontravam-se em situação de

analfabetismo.

No entanto, as críticas ao MOBRAL aumentavam, desta vez com a

afirmação de que aos poucos o Programa se constituía em um movimento ―[...]

concebido com o fim básico de controle político da população, através da

centralização das ações e orientações, supervisão pedagógica e produção de

materiais didáticos‖ (DI PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001, p. 6), que embora

considerado política de alfabetização, tinha características de Campanha. Não

obstante, acrescentavam-se as finalidades do Programa, as quais também

voltavam-se para a formação de mão de obra qualificada para o mercado de

trabalho. Segundo a Professora Célia Brito, ex-funcionária da Comissão Estadual do

MOBRAL, no Ceará:

O Programa foi politicamente pensado como correia de transmissão da ideologia dominante. Estava se expandindo o mercado... o mercado no sentido das fábricas... precisava-se de mão de obra qualificada. Então é ai que o MOBRAL amplia suas finalidades. Como sendo aquela instância, aquela instituição que além de repassar a ideologia de integrar a sociedade ao projeto político militar. Também se preocupava em qualificar mão de obra pro trabalho. E nesse sentido o MOBRAL manteve-se coerente com a sua filosofia política que era de manutenção da ordem, de alienação mesmo, e de vinculação dos analfabetos de qualificação de mão de obra para o capital.

Junto às críticas e insatisfações com o Programa, cresciam no início da

década de 1980 as manifestações populares que contestavam o Regime Militar. Isto

já era resultado do processo de abertura política no país, o qual será explorado a

seguir.

4.3 REDEMOCRATIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO E OS RUMOS DA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

No governo de Ernesto Geisel (1974-1979) aumenta a pressão popular

pela abertura política, tendo-se iniciado uma distensão, com a abolição do Ato

Institucional nº5 - AI-5, o qual, entre outras determinações proibia o direito de

organização da sociedade civil, período a partir do qual, a imprensa também tinha

maior liberdade de se manifestar, mas tudo ainda com a devida cautela. Todavia,

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pode-se considerar o governo do General João Baptista Figueiredo (1979-1985), o

último presidente militar, aquele no qual ganham força as denúncias e protestos

contra a Ditadura levando, paulatinamente, a ir ‗soltando as amarras‘ do Regime.

Entretanto, de acordo com Vieira (1985, p. 54):

[...] suas propostas apresentavam pouca clareza, como, por exemplo no caso das alterações a serem concretizadas. Iniciaria seu governo, com poucas concessões, pois ―concessão gera concessão‖. Note-se, portanto, que o candidato oficial desejava alcançar a confiança do povo, mas ―com poucas concessões, de início‖, até penetrar no reino da democracia.

Havia ainda prisioneiros políticos, pessoas que foram exiladas do país,

dentre outros, que só teriam parte de sua vida normalizada no decorrer da década

de 1980, com o início Lei da Anistia 51 , que não passou a entrar em vigor

imediatamente. O então presidente João Baptista Figueiredo prometeu abertura

política, mas esta aconteceria aos poucos.

A Anistia de 1979 não foi concedida a quem participou da luta armada, tendo praticado ―crimes de sangue‖. Ela igualmente não libertou de imediato presos políticos que tentaram reorganizar um partido ilegal, de acordo com a Lei de Segurança Nacional. Os militares punidos por motivos políticos não puderam reassumir seus cargos, embora lhes fosse concedida aposentadoria, com pagamento integral. Os funcionários públicos de natureza civil geralmente só retomaram seus cargos depois de terem suas situações analisadas por comissão especial. A Lei de Anistia permitiu a volta dos exilados ao Brasil, devolvendo–lhes os direitos políticos, o que mais tarde lhes deu condições de se lançarem candidatos (VIEIRA, 1985, p. 55)

É importante frisar que a Anistia não seria dada a todos. Exemplo disto

foram os guerrilheiros e os que estavam presos por crimes políticos.

Concomitantemente, havia abertura para a criação de novos partidos, uma vez que

até então só era permitida pelos governos ditatoriais a existência de duas

agremiações: ARENA e MDB.

Assim, a partir da Lei 6.767 de 1979, foram surgindo novos partidos:

Partido Social Democrático - PDS, oriundo da antiga ARENA; Partido do Movimento

Democrático Brasileiro - PMDB, antigo MDB; Partido Popular - PP; Partido

Trabalhista Brasileiro - PTB; Partido Democrático Trabalhista - PDT e o Partido dos

Trabalhadores - PT (VIEIRA, 1989).

51

A Lei da Anistia tem início em 1979, mas é no decorrer da década de 1980 que ela alcança parte dos sujeitos.

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O PT era o partido que aparecia no âmbito dos movimentos sociais. Tal

partido foi fundamental na Greve dos Metalúrgicos do ABC paulista, que deu grande

fôlego para a participação popular em futuras manifestações. Segundo Machado

(1997, p. 12):

O processo de reabertura política vivido no Brasil no final dos anos 70 e início dos anos 80, não se deu pois, sem contradições. Há uma insatisfação generalizada da sociedade civil, incluindo aí setores co-participantes do golpe de 64. Portanto, mesmo sendo um momento importante de retomada da democracia, as discussões para a reconstrução do Estado estão ainda contaminadas pela defesa dos interesses de uma minoria, que já não se sentia satisfeita com os benefícios do Estado Autoritário, ora em crise. Mesmo representando interesses divergentes, estes diversos setores vão se unir em torno do fim dos governos militares. O ponto alto deste processo de transição pode ser lembrado com as mobilizações em massa denominadas "Diretas Já", que culminam com a eleição, ainda indireta, de Tancredo Neves para Presidente da República.

O Regime Militar perdia força à medida que a população se organizava

em campanhas por eleições diretas para Presidente e Vice-Presidente da República.

A campanha ―Diretas-já!‖, embora negligenciada por parte da mídia, teve maior

repercussão e contou com a participação considerável da população brasileira,

recebendo também apoio de políticos da esquerda. Todavia, o Congresso, que em

grande parte era composto por esquemas de eleições fraudulentas, frustra as

expectativas populares.

Novamente o presidente brasileiro seria eleito de forma indireta, mas não

mais seria um militar: o escolhido foi o civil Tancredo Neves, representando a

Aliança Democrática. Tancredo derrotou Paulo Maluf, mas não pode assumir a

presidência, em virtude de sua morte às vésperas da posse. José Sarney, o vice-

presidente, assume a presidência do país.

Finalizava-se em 1985 o regime militar, o qual teve duração de 21 anos. A

população assistia ao fim da Ditadura, porém não via ainda o direito de eleger seu

presidente. Apenas com a Constituição de 1988, haveria condições legais de

exercer a cidadania, escolhendo seus representantes.

No âmbito da educação de jovens e adultos, o MOBRAL ia perdendo

vultuosidade no cenário das políticas de alfabetização. Seu objetivo inicial de

erradicar o analfabetismo em dez anos não fora cumprido; contestavam-se ainda os

resultados ―alcançados‖ pelo Programa – embora seja inegável o decréscimo dos

índices de analfabetismo em âmbito nacional (COELHO, 2007).

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Em São João do Jaguaribe, a evasão por parte dos alunos foi a principal

variável que contribuiu para que não se lograsse êxito na tentativa de

composição/formação de novas turmas de alfabetização funcional.

Consequentemente, as turmas de Educação Integrada não teriam alunos em

quantidades suficientes para iniciar um novo ciclo. Assim, o MOBRAL teve suas

atividades encerradas no município de São João do Jaguaribe no ano de 1982, pois

de acordo com Creuza, funcionária da Comissão Municipal, ―[...] já não tinha mais

como continuar. Não formávamos turmas‖.

O contexto macro influenciava diretamente no andamento das atividades

do Programa. O depoimento da então funcionária da Comissão Estadual do

MOBRAL - COEST, Célia Machado de Brito52 reforça esta afirmação:

A partir de (19)85, com o avanço da democratização no pais, com a luta pelas Diretas, com a eleição do colégio eleitoral, do Tancredo eleito... Enfim, começa-se a ter um pouco mais de participação da sociedade. E nesse contexto o Mobral não tinha mais espaço da forma como ele estava posto, ou seja, de forma autoritária. Aí a extinção, porque aquela instituição pensada no ápice da Ditadura com a conjuntura se modificando e abrindo para redemocratização da sociedade, do Estado. Então não tinha mais vaga para ela (CÉLIA MARIA BRITO MACHADO, auxiliar técnica da COEST. Entrevista em 10 de setembro de 2016).

Estes fatores influenciaram o declínio do MOBRAL em vários municípios,

culminando com sua extinção em 1985. No mesmo ano, o Programa foi substituído

pela Fundação Educar, que embora não criasse políticas para a Educação de

Jovens e Adultos, fomentava-as. Sobre a Fundação Educar, Machado (1997, p. 12)

elucida:

Sua diferença fundamental do MOBRAL estava no caráter não executivo, ou seja, cabia à Fundação transferir os recursos necessários à execução de programas de alfabetização e educação básica, bem como sua normalização. Os executores seriam os Estados, Municípios e outras entidades públicas e privadas. A Fundação Educar apoiou entidades que realizavam trabalhos de educação popular e alfabetização em todo o país, como parte integrante do discurso de retomada da democracia, após 20 anos de ditadura. Isto chegou a representar uma democratização na definição das diretrizes, na orientação técnica e no pagamento aos que atuavam nestes projetos. Um dos projetos apoiados pela Fundação Educar foi o projeto da Baixada Fluminense no Rio de Janeiro, que lhe concebeu um prêmio da UNESCO pelo documentário sobre o trabalho de alfabetização desenvolvido naquela região.

52

Atualmente professora da Universidade Estadual do Ceará – UECE, graduada em Ciências Sociais, com mestrado e doutorado em Educação, atuando na área de EJA, Educação do Campo e Educação Popular.

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Em entrevista, a professora Célia Brito, ex-funcionária da COEST,

complementa esta análise da Educação de Jovens e Adultos pós-MOBRAL.

Segundo ela:

Na fundação Educar já era outro contexto. Já era outra proposta. Já tinha outros objetivos. Na verdade a tarefa não era mais da União: ficava sob responsabilidade dos Estados e municípios. Já existia liberdade para o município pensar seu projeto de educação, definindo sua metodologia, definindo seu material. Nós chegamos a ter um importante trabalho em Fortaleza junto às organizações da sociedade civil. E com a prefeitura de Fortaleza, na época o governo Maria Luísa, nós tivemos um importante projeto, onde a gente trabalhou com a metodologia freireana, e aí foi um sucesso esse projeto. Já existia uma abertura para novos recursos, prá novos projetos pedagógicos (CÉLIA MARIA BRITO MACHADO, auxiliar técnica da COEST).

Tal entidade desenvolveu essas atividades de incentivo a ações no

âmbito da alfabetização e escolarização de adultos até os anos 1990. A então

funcionária da Comissão Estadual, Célia Brito, afirma que: ―Foram cinco anos de

Fundação Educar até o Collor de Melo extinguir definitivamente, deixando a

educação de adultos órfã. Sem nenhuma instituição‖. Sua extinção dava início a um

período de desresponsabilização com a EJA, novamente secundarizada e oferecida

em caráter supletivo.

Legalmente a Constituição Brasileira de 1988, denominada Constituição

Cidadã, pós-período ditatorial, institui em seu Artigo 205: ―A educação, direito de

todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a

colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho‖.

A EJA volta a ser objeto de debate e disputa com a Lei 9394/96 de 20 de

dezembro de 1996, que instituiu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e em

seu artigo 37º declara: ―A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que

não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na

idade própria‖.

Aliada a isto, nos anos 2000, o Compromisso de Educação para Todos,

firmado em Dakar, no Senegal, elencou metas em torno da educação a serem

cumpridas pelos países periféricos do capital. No que concerne à EJA, a quarta

meta propõe ―[...] aumentar em 50% os níveis de alfabetização de adultos até 2015,

principalmente para mulheres, e facilitar o acesso eqüitativo à educação básica e

continua para todos os adultos‖ (UNESCO, 2000).

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Isto influenciaria a criação de Programas voltado à Alfabetização de

Jovens e Adultos, dentre os quais destacam-se: Programa Alfabetização Solidária,

Programa Recomeço, Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária e

Programa de profissionalização com recursos oriundos do Fundo de Apoio ao

Trabalhador – FAT, nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso

(1995-2002).

Posteriormente, seria criado o Programa Brasil Alfabetizado - PBA, em

2003, no primeiro mandato do então presidente Luís Inácio Lula da Silva. O PBA

tinha como objetivo erradicar o analfabetismo no Brasil, todavia esta meta não fora

alcançada no governo Lula, sendo levada a cabo quando da sucessão da

presidência por Dilma Roussef.

Em comparação entre o MOBRAL e o PBA, a professora Célia Brito, ex-

funcionária da Comissão Estadual do MOBRAL, afirma:

O Brasil Alfabetizado avançou dentro do arcabouço teórico metodológico. Mas eu acho que como ele não foca no nível dos professores, as teorias não são alcançadas. Eles terminam fazendo o que eles sempre fizeram. E eu acho que as que foram alfabetizadas no MOBRAL de tanta capacitação elas terminaram mecanicamente aprendendo esse bê-a-bá. Entendeu? E reproduzem até hoje, mesmo no Brasil Alfabetizado. Então assim, a primeira versão do Brasil Alfabetizado ele já modificou, depois da avaliação, ela já modificou algumas coisas, mas não modificou o básico, que é o nível do professor, a desvinculação, a terceirização dos professores que ganham gratificações, consequentemente o despreparo do professor. Como não é um programa que está vinculado ao sistema de educação, ele também se caracteriza como um programa pontual, sem continuidade. O grande problema do Brasil Alfabetizado hoje é a continuidade dos estudos daqueles que se alfabetizaram... O mesmo problema. O MOBRAL até pensou nisso e criou outros programas dentro do Mobral. E foi se ampliando o leque. A pessoa se alfabetizava, ai ele entrava no programa de educação integrada ai fazia até o quarto ano primário. Depois daí não tinha... nível... Ensino Fundamental maior. Mas se ele quisesse, poderia entrar no auto didatismo... E ao final ele poderia fazer o exame no CEJA. Então eu acho que não mudou muita coisa não. Eu acho que a Educação de Adultos continua ruim das pernas. Por que ela não é uma prioridade. Nunca foi. E quando foi, foi para ser uma instância de manipulação das classes trabalhadoras. Manipulação no sentido de integrar ideologicamente a classe trabalhadora aos interesses dominantes. Mas de uma maneira geral na educação de jovens e adultos, salvo raras exceções, não se tem experiências tal como foram preconizadas pelo Paulo Freire né, no sentido da conscientização e da politização. As experiências que a gente conhece seja no sistema público municipal, seja no CEJA elas são pautadas por uma política tradicional e a inovação não acontece mesmo que as teorias que dão suporte a esses projetos tenham alcançado. Mas o despreparo e o estigma da própria educação de jovens e adultos. Esse estigma ele é socialmente construído desde aluno até a sociedade em geral. Aquela história ―eu não estudei quando era criança, eu vou estudar para que?‖, ―Papagaio velho não aprende a falar‖ ainda predomina, de maneira que eu

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acho que não se avançou pedagogicamente muito não. Pode-se ter avançado politicamente.

Entre os desafios do passado e os desafios postos na atualidade, vê-se

que a Educação de Jovens e Adultos vem caminhando a depender da sensibilização

dos entes federativos no que concerne à oferta desta modalidade de ensino. No

entanto, mesmo com tais desafios, há avanços, pois segundo a professora Célia

Brito houve reestruturação da EJA do ponto de vista ideológico.

Dentre os avanços também destaca-se a criação da Secretaria de

Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD em 2004, pensada

com o fim de assessorar o trabalho dos municípios com as políticas de EJA,

Educação do Campo e Educação de Indígenas e Quilombolas. Posteriormente seria

acrescentada a este órgão a responsabilidade pela Inclusão, passando a designar-

se Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão -

SECADI, a qual atualmente encontra-se ameaçada pelo governo de Michel Temer,

uma vez que este exonerou parte dos funcionários desta Secretaria em junho de

201653.

Outro avanço é a construção dos Fóruns Estaduais de EJA, os quais

representam uma instância de resistência à desresponsabilzação do Estado com a

EJA. Acrescido a isto, vem a criação dos Núcleos de Referência em Educação de

Jovens e Adultos: História e Memória - NEHJAMs, os quais atuam na perspectiva de

(re)construção da história e da memória das experiências em EJA em estados do

Nordeste.

A concepção de Educação de Jovens e Adultos vem sendo ampliada e

ressignificada, sobretudo após as discussões realizadas nas VI e VII edições da

Conferência Internacional de Educação de Adultos – CONFINTEAs. A partir desta

aglutinação dos educadores de EJA, deu-se impulso à continuidade da luta pelo

direito a educação.

O desafio para com a Educação de Jovens e Adultos cresce, uma vez

que os dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar – PNAD (2012) mostram

que o percentual de pessoas que se encontram em situação de analfabetismo, na

faixa etária compreendida entre 15 anos ou mais, no Brasil, é de 8,7%, o equivalente

53

Vide publicação no Diário Oficial da União (DOU), de 02 de junho de 2016. Disponível em <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/117137167/dou-secao-2-02-06-2016-pg-17>.

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a 13.346.860 pessoas. No Ceará, este número é de 1.081.103 pessoas em situação

de analfabetismo segundo a PNAD (2012).

Não obstante, a formação docente é algo a ser observado. De acordo

com Carvalho, Mendes e Nunes (2014, p. 5):

A partir da pesquisa Diagnóstico das Ações de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos no estado do Ceará (2000 a 2011)‖, especificamente na região do Baixo Jaguaribe, foi possível observar que a formação do docente que atua na EJA pode ser considerada uma problemática a ser discutida, com dois aspectos a serem considerados. Primeiro a ausência de políticas educacionais que focalizem a formação para a atuação na área. Segundo a continuidade do processo de formação, que deveria acompanhar o desenvolvimento das ações cotidianas desses profissionais. Dessa maneira a formação e profissionalização do professor tem sido tema de debates e conflitos, não tanto quanto deveria. E ainda tem se pautado por dilemas políticos, pedagógicos, teóricos e ideológicos que envolve os professores em processo de formação e os já ―formados‖. Assim a formação docente está aquém do desejável e com modelos que deixa a mesma sob os cuidados dos próprios profissionais

Assim, os desafios da Educação de Jovens e Adultos ficam mais

evidentes, reforçando que o Estado deve se posicionar quanto à oferta de vagas e

permanência dos alunos; formação e valorização dos profissionais da educação,

bem como a ampliação das Políticas de Estado voltada à EJA, a fim de que possa

efetivamente romper com a lógica de secundarização desta modalidade de ensino.

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114

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL foi um Programa

desenvolvido durante o Regime Militar, a fim de promover alfabetização e

escolarização para jovens e adultos. Sua criação data de 1967 e implantação em

várias localidades do Brasil a partir de 1969. Tinha como objetivo principal a

erradicação do analfabetismo no país no período de dez anos.

No decorrer de sua implementação nos municípios brasileiros intensificou

as ações voltadas à alfabetização de jovens e adultos, somando à escolarização de

trabalhadores. Reestruturou-se e ampliou o ramo de atuação, promovendo a

educação cultural e formação para a saúde comunitária.

A adesão ao Programa pelos municípios aconteceu paulatinamente. Em

algumas localidades - a exemplo de São João do Jaguaribe, lócus desta

investigação -, o MOBRAL iniciou suas ações apenas entre 1971 e 1972, quando da

formação de turmas no Programa de Alfabetização Funcional - PAF.

Neste trabalho, centrou-se a análise na atuação do MOBRAL no

município de São João do Jaguaribe, a partir da memória de ex-gestoras, ex-

docentes e ex-discentes do Programa, tendo em vista a necessidade de resgatar a

História e a Memória ainda existente, com vistas a contribuir para a contextualização

sobre a EJA no estado do Ceará.

Na pesquisa de campo, contou-se com a participação de três ex-

professoras do MOBRAL, sendo duas do Programa de Alfabetização Funcional -

PAF e uma do Programa de Educação Integrada - PEI.

As primeiras atuaram em comunidades rurais do município, em 1972 e

1975, respectivamente, e relataram um cotidiano de desafios no que concerne ao

ensino e à aprendizagem naquele contexto, em que havia interferência da política

local nas atividades do Programa, uma vez que as professoras eram indicadas por

pessoas envolvidas com a política local, pois seus ―pais eram eleitores deles‖; outro

ponto relatado pelas professoras foi a escolha pela docência, que se deu

considerando a difícil condição financeira de suas famílias, sendo o magistério uma

profissão acessível e casual. Relatam, ainda, bastante evasão dos alunos e alunas

da alfabetização, os quais abandonavam os estudos no MOBRAL em virtude da

exaustão após o trabalho e das dificuldades de aprendizagem. Segundo as

docentes, os alunos pouco aprendiam, não dando continuidade aos estudos.

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Outra professora entrevistada participou de atividades desenvolvidas na

zona urbana do município. Relatou que seu ingresso na educação também se deu

devido à difícil condição financeira da família, no entanto, sem interferência da

política local em sua indicação, bem como na sua atuação. Enfrentou poucos

desafios, tendo em vista que trabalhava em uma escola da zona urbana, estruturada

e adequada para receber os alunos. O público com quem desenvolveu a

escolarização eram trabalhadores, todavia, a evasão foi menos acentuada e alguns

alunos prosseguiram os estudos no Programa de Educação Integrada, chegando a

concluir os ensinos de 1º e 2º graus.

Os depoimentos das professoras, cujos contextos em que desenvolveram

a educação eram diferentes, revelam uma disparidade entre as ações desenvolvidas

nos meios rural e urbano. No primeiro, a infraestrutura das salas de aula, formação

de professoras e condições sociais dos educandos acarretaram maiores empecilhos

para realização das atividades do Programa; no segundo, havia melhor

infraestrutura e acompanhamento pedagógico, propiciando o avanço na

escolarização de um maior número de educandos e educandas. Desta forma, a

investigação evidenciou que a infraestrutura é um elemento determinante para a

permanência do educandos e continuidade da escolarização.

Entretanto, precisa-se levar em consideração ainda o contexto histórico,

uma vez que a dialética nos impõe esta reflexão: as professoras das turmas de

alfabetização funcional desenvolveram suas atividades nos primeiros anos de

atuação do Programa em São João do Jaguaribe (1971 a 1975); já as atividades da

Educação Integrada apenas em 1978-1979. Assim sendo, a diferença de oito anos,

de uma ação para a outra, também é um fator a ser considerado, já que as

professoras da zona rural trabalharam na implantação do Programa no município, a

outra, contudo, acompanhou o andamento das atividades. Portanto, infere-se que,

no decorrer dos anos, as atividades tenham sido aprimoradas, em decorrência das

experiências passadas.

A partir da experiência do MOBRAL, todas as professoras continuaram no

exercício da docência, vindo posteriormente a concluir as licenciaturas em nível

superior e fazer parte do quadro de pessoal permanente da prefeitura municipal.

Um ponto revelador do período de realização do Programa foi o civismo,

expresso pelas manifestações de ―amor à pátria‖, comuns no Regime Militar. Assim,

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o material imagético fornecido pela supervisora de área mostra momentos em que

os alunos eram levados a participar dos chamados ―momentos cívicos‖.

No campo cultural, o MOBRAL, a partir da iniciativa de professoras e

supervisoras chegou a dinamizar a cidade de São João do Jaguaribe. Realizavam

shows de calouros, teatro de fantoches, bem como as feiras de artesanatos

elaborados pelos educandos, cujos produtos resultantes eram vendidos e o dinheiro

arrecado revertia-se em material de consumo para as atividades de alfabetização.

Existia também a biblioteca ambulante (MOBRALTECA). Entretanto, não se

constatou iniciativas que levassem a uma reflexão crítica do momento político e da

realidade brasileira.

Foram organizados, ainda, eventos que reuniam a população na praça da

cidade para que fossem apresentadas as ações e os resultados alcançados pelo

Programa. Estes eventos eram, em sua maioria, organizados por alunos,

professores e outros envolvidos com o Programa.

No campo da Saúde Comunitária, houve uma iniciativa bastante

importante: a palestra acerca do Barbeiro, inseto que transmite a doença de Chagas,

uma vez que o município demandava atividades de orientação à população, tendo

em vista a crescente quantidade de casos da referida doença, segundo uma das

professoras.

No que concerne à autonomia na prática pedagógica, as orientações

repassadas pelo MOBRAL Central evidenciavam a estrutura engessada e vertical do

Programa, o que fica mais evidente no discurso de uma das funcionárias da

Comissão Estadual do MOBRAL, a qual afirmou que a formação das professoras

deveria seguir tal demanda. No entanto, complementa que em virtude de sua visão

de mundo e formação sociológica, sentia necessidade de tratar os conteúdos do

processo formativo das professoras de forma crítica. Assim o fazia, quando tinha

oportunidade, a partir do que então considerava ―teoria das brechas‖.

Na perspectiva do materialismo histórico-dialético, as ―brechas‖ revelam

as contradições presentes na realidade social. Este depoimento denota as

possibilidades de resistência e criticidade, mesmos em momentos improváveis.

Todavia, aconteceram tensões em função de sua visão crítica, por vezes tendo sido

reprimida em sua prática.

A questão da autonomia foi levada à discussão pelas professoras

entrevistadas, as quais afirmaram existir autonomia na escolha de outros materiais,

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desde que não deixassem de trabalhar de acordo com as orientações do MOBRAL

Central. Reiteraram ainda que não foram vítimas de repressão por parte dos

membros da Comissão Municipal do Programa e que as visitas das funcionárias não

exprimiam um caráter repressivo: tratava-se de um momento em que a COMUN

buscava a aproximação com docentes e discentes, acompanhando avanços e

desafios no que concerne à prática pedagógica. Entretanto, a professora da

Educação Integrada faz uma ressalva: ―Pelo menos não comigo‖. Desta forma, como

o estudo não permite generalizações, não se descartou a hipótese de

comprometimento da autonomia docente no MOBRAL.

A experiência acompanhada permitiu concluir que não havia um controle

totalitário do trabalho docente. Por outro lado, o controle se dava ideologicamente,

através da censura e das informações acerca da realidade do país, as quais não

eram veiculadas no município, ao mesmo tempo em que o civismo levava a uma

concepção ufanista do Regime Militar.

Indagadas sobre as representações que possuíam acerca do Regime

Militar, comentaram que este foi um momento muito ―duro‖ da história do nosso país

e, segundo uma das professoras, ―não queria que voltasse‖. No entanto, uma das

alfabetizadoras afirma que naquele momento a população não tinha esta dimensão;

assim, não sabiam que se tratava de uma Ditadura civil-militar. Isto é representativo,

pois naquele contexto havia uma escassez de informações, dificultando a tomada de

consciência. Uma das professoras comenta que naquele momento não havia

televisão nas casas daquela cidade: ―Quando muito, tinha a Televisão na praça para

assistir à novela‖, afirma.

No que concerne aos alunos e alunas, demonstram que o fator trabalho

fora responsável pela não permanência na escola no tempo regular, somando-se as

dificuldades de acesso à escola. Todavia, cabe ressaltar que as condições sociais e

econômicas de suas famílias os levaram muito cedo ao mundo do trabalho. Ou seja,

numa realidade social e econômica justa, com políticas de apoio à agricultura

familiar, poderiam ter frequentado e permanecido na escola desde a infância.

Relatos ainda deram conta do preconceito contra o analfabeto,

manifestado na utilização do termo ―Mobral‖ como designação para a pessoa que se

encontrava em situação de analfabetismo, ficando mais evidente no depoimento de

uma ex-aluna, cuja autoafirmação é: ―Eu era Mobral‖.

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Das entrevistadas, duas relataram concluir os estudos em 1º ou 2º graus,

recebendo habilitação para o magistério. Embora o MOBRAL não tenha atingido as

metas iniciais, o fato de muitos alunos aprenderem a assinar o nome representou

para estes uma mudança de identidade social, distinguindo-os da situação de

analfabetismo em que se usa o dedo para identificação pessoal.

Destaca-se ainda a interferência da política local nas atividades do

Programa, considerada uma preocupação da supervisora de área, pois difundia a

formação de eleitorado, já que os políticos do município tentavam convencer

cidadãos a alfabetizarem-se para poderem ser seus eleitores.

Diante dos vários desafios enfrentados pela Comissão Municipal na

formação de turmas, pelas professoras na prática pedagógica e pelos(as) alunos(as)

na permanência no processo de alfabetização, o MOBRAL em São João do

Jaguaribe perdia o campo de atuação e encerraria suas atividades entre 1981 e

1982.

Em âmbito nacional não fora diferente. À medida que o MOBRAL

repensava e diversificava suas ações, a contingência política demandava o

rompimento com a estrutura arbitrária e vertical do Regime Militar, o qual se

enfraquecia paulatinamente. No decorrer da década de 1980, o país já caminhava

em abertura para a democracia, com a Campanha ―Diretas Já!‖ pelo voto universal

nas eleições presidenciais, as quais impulsionaram o fim do governo dos militares

em 1985.

Encerrava-se naquele ano a Ditadura civil-militar no Brasil. O MOBRAL

também não sobreviveria à nova ordem, concluindo suas atividades no mesmo ano

e sendo substituído pela Fundação Educar, que fomentava ações na EJA. No longo

período em que vigorou o Programa (1969-1985) aconteceram mudanças

organizativas, pedagógicas e desdobramentos, os quais revelaram que o MOBRAL

não foi apenas um projeto de alfabetização de adultos. Houve a possibilidade de

continuidade de escolarização no PEI, de cursos de profissionalização para os

jovens e adultos, de inserção da alfabetização das crianças, ou seja, não se pode ter

a visão do MOBRAL restrita à alfabetização de adultos, referência comumente

encontrada.

Do ponto de vista pedagógico, se por um lado, houve um retrocesso em

relação às metodologias inovadoras das experiências de educação popular, do final

da década de 1950 até 1964, destacando-se as inauguradas por Paulo Freire, por

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outro lado, o MOBRAL expressou uma política do governo militar para a educação

de jovens e adultos. O financiamento destinado ao Programa, a produção de

material didático, as metas estipuladas, a estrutura organizativa no âmbito federal,

situada no Ministério da Educação, e nos estadual e municipal envolvendo as

respectivas Secretarias, evidenciam que neste período a educação de jovens e

adultos teve um aporte mais efetivo que em períodos posteriores à ditadura, como

nos governos dos presidentes Fernando Collor de Melo (1990-1992) e Itamar Franco

(1992-1994).

Embora no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) tenham

existido alguns Programas expressivos para a EJA, como o Programa Alfabetização

Solidária, Programa Recomeço, Programa Nacional de Educação na Reforma

Agrária e Programa de profissionalização com recursos oriundos do Fundo de Apoio

ao Trabalhador - FAT, nenhum deles foi de iniciativa do Ministério da Educação -

MEC. Somente nos governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006/2007-2010), a

Educação de Jovens e Adultos é reintegrada ao MEC, com retomada de vários

Programas para a modalidade. Perspectiva que continuou nos Governos da

Presidenta Dilma Roussef (2011-2014/2015-2016), embora mais enfraquecidos em

termos de financiamento e política.

Esta digressão histórica nos mostra o quão podem ser inconstantes as

políticas educacionais no campo da EJA, fragilizando o direito constitucional à

educação, mais uma vez ameaçado em vista às reformas educativas do Governo do

presidente Michel Temer, iniciado em 2016, a partir de um Golpe parlamentar-

institucional que depôs a Presidenta Dilma Roussef.

As problemáticas detectadas nesta investigação na educação de jovens e

adultos, nos anos de atuação do MOBRAL em São João do Jaguaribe, são deveras

relevantes, permitindo concluir que, embora nos dias atuais tenha-se avançado nos

marcos legais constitutivos desta modalidade de ensino, os avanços efetivos nas

políticas municipais e estaduais ainda deixam muito a desejar no que concerne ao

direito à educação, pois, atualmente, ainda existem salas de aula em locais com

infraestrutura precária, professores com formação inadequada para atuar na EJA;

formação de eleitorado nas turmas de alfabetização, bem como dicotomias entre os

contextos rural e urbano.

Por fim, é importante frisar que neste trabalho resgataram-se as vozes e

memórias daqueles e daquelas que participaram das atividades do MOBRAL no

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município de São João do Jaguaribe. Desta forma, tal pesquisa poderá dialogar com

estudos futuros acerca do referido Programa, contribuindo, assim, com a

(re)construção da história da Educação de Jovens e Adultos no estado do Ceará e

no Brasil. Neste sentido, investigações futuras poderiam voltar-se ao cotejamento da

experiência em municípios diversos do estado.

Na esteia deste pensamento, contribui no refletir acerca da urgência na

construção de uma política de Estado voltada a esta modalidade de ensino,

reverberando, ainda, em uma prática pedagógica vinculada à perspectiva crítica e

reflexiva. Assim, traz-se à baila o paradigma freireano, o qual advogava uma

Pedagogia libertadora que partia da problematização da realidade e atuação nesta,

objetivando a superação da contradição opressores-oprimidos.

Nas palavras de Paulo Freire, ―se nada ficar destas páginas, algo, pelo

menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos

homens, na criação de um mundo em que seja menos difícil amar‖. É este amor que

nos leva a rebelar-nos contra as injustiças sociais. Na leitura do mundo vem a

indignação; na palavra escrita, dá-se um passo para a revolução, traçando seus

caminhos; na práxis, intenta-se reflexão-ação-reflexão. Assim, uma possibilidade:

que as reflexões vindouras nos levem à práxis!

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APÊNDICES

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Apêndice A: Roteiro de entrevista com as professoras do MOBRAL

Idade:

Formação para atuar no MOBRAL:

Tempo de atuação no MOBRAL:

Que critérios de recruta/seleção eram utilizados para selecionar as professoras do MOBRAL:

Tinha experiência em sala de aula regular ou alfabetização de adultos:

Perfil socioeconômico do alunado:

Onde as aulas aconteciam:

Como eram as aulas, que conteúdos:

Fale sobre a alfabetização no MOBRAL:

Quais as dificuldades:

Quais os avanços que se conseguiu com os alunos:

Considerava o MOBRAL um Programa eficiente para a alfabetização:

Você tinha autonomia para desenvolver suas atividades?

Qual sua visão sobre o Regime Militar e seus desdobramentos na educação brasileira?

O MOBRAL possibilitou o repensar de sua prática pedagógica na educação regular?

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Apêndice B - Entrevista com os alunos

Sexo:

Idade:

Fale sobre a alfabetização no MOBRAL:

Fale sobre sua trajetória escolar na educação regular (caso tenha frequentado), os motivos que levaram desistir ou não frequentar a escola:

Fale sobre os motivos que levaram você a voltar a estudar:

O que mais gostavam no programa?

Havia algo que não gostavam?

Você teve dificuldades para frequentar o MOBRAL? Aponte quais.

O Programa proporcionou crescimento pessoal?

Você considerava o MOBRAL um bom Programa?

Concluiu a alfabetização no MOBRAL? Se não, por quê?

Houve continuidade?

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ANEXOS

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Anexo A – Lei 5379/67 – Criação da Fundação MOBRAL

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 5.379, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1967.

(Vide Lei nº 7.051, de 1982)

Provê sôbre a alfabetização funcional e a educação continuada a adolescentes e adultos.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO

NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Constituem atividades prioritárias permanentes, no Ministério da

Educação e Cultura, a alfabetização funcional e, principalmente, a educação

continuada de adolescentes e adultos.

Parágrafo único. Essas atividades em sua fase inicial atingirão os objetivos

em dois períodos sucessivos de 4 (quatro) anos, o primeiro destinado a

adolescentes e adultos analfabetos até 30 (trinta) anos, e o segundo, aos

analfabetos de mais de 30 (trinta) anos de idade. Após êsses dois períodos, a

educação continuada de adultos prosseguirá de maneira constante e sem

discriminação etária.

Art. 2º Nos programas de alfabetização funcional e educação continuada

de adolescentes e adultos, cooperarão as autoridades e órgãos civis e militares de

tôdas as áreas administrativas, nos têrmos que forem fixados em decreto, bem

como, em caráter voluntário, os estudantes de níveis universitário e secundário que

possam fazê-lo sem prejuízo de sua própria formação.

Art. 3º É aprovado o Plano de Alfabetização Funcional e Educação

Continuada de Adolescentes e Adultos, que esta acompanha, sujeito a

reformulações anuais, de acôrdo com os meios disponíveis e os resultados obtidos.

Art. 4º Fica o Poder Executivo autorizado a instituir uma fundação, sob a

denominação de Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL de duração

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indeterminada, com sede e fôro na cidade do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara,

enquanto não fôr possível a transferência da sede e fôro para Brasília.

Art. 5º O MOBRAL será o Órgão executor do Plano de que trata o art. 3º.

Art. 6º O MOBRAL gozará de autonomia administrativa e financeira e

adquirirá personalidade jurídica a partir da inscrição no Registro Civil das Pessoas

Jurídicas, do seu ato constitutivo, com o qual serão apresentados seu estatuto e o

decreto do Poder Executivo que o aprovar.

Art. 7º O patrimônio da fundação será constituído:

a) por dotações orçamentárias e subvenções da União;

b) por doações e contribuições de entidades de direito público e privado,

nacionais, internacionais ou multinacionais, e de particulares;

c) de rendas eventuais.

Art. 8º O titular do Departamento Nacional de Educação será o Presidente

da Fundação.

Art. 8º O presidente da Fundação será nomeado pelo Presidente da

República mediante proposta do Ministro da Educação e Cultura com mandato de

três anos. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 665, de 1969)

Art. 9º O pessoal do MOBRAL será, pelo seu presidente, solicitado ao

Serviço Público Federal.

Art. 10. O MOBRAL poderá celebrar convênios com quaisquer entidades,

públicas ou privadas, nacionais, internacionais e multinacionais, para execução do

Plano aprovado e seus reajustamentos.

Art. 11. Os serviços de rádio, televisão e cinema educativos, no que

concerne à alfabetização funcional e educação continuada de adolescentes e

adultos, constituirão um sistema geral integrado no Plano a que se refere o art. 3º.

Art. 12. Extinguindo-se, por qualquer motivo, o MOBRAL, seus bens serão

incorporados ao patrimônio da União.

Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 14. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 15 de dezembro de 1967; 146º da Independência e 79º da

República.

A. COSTA E SILVA

Tarso Dutra

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Este texto não substitui o publicado no DOU de 19.12.1967

Plano de alfabetização funcional e educação continuada de adolescentes e

adultos

O Ministério da Educação e Cultura sistematizará suas atividades, quanto

à alfabetização funcional e educação continuada de adolescentes e adultos, na

realização dos seguintes objetivos e na forma adiante estabelecida, através da

Fundação Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL):

1. Assistência financeira e técnica, para promover e estimular, em todo o

País, a obrigatoriedade do ensino, na faixa etária de 7 a 14 anos.

2. Extensão da escolaridade até a 6ª série, inclusive.

3. Assistência educativa imediata aos analfabetos que se situem na faixa

etária de 10 a 14 anos, induzindo-os à matrícula em escolas primárias e

proporcionando recursos para que as escolas promovam essa integração por meio

de classes especiais, em horários adequados. A assistência financeira consistirá, em

relação a cada educando matriculado e freqüente, na contribuição, da metade do

custo previsto para a educação direta dos analfabetos adultos.

4. Promoção da educação dos analfabetos de qualquer idade ou condição,

alcançáveis pelos recursos audiovisuais, em programas que assegurem aferição

válida dos resultados. A assistência financeira consistirá, em relação a cada

alfabetizando matriculado e freqüente, na contribuição de um terço do custo previsto

para a educação direta dos analfabetos adultos.

5. Cooperação nos movimentos isolados, de iniciativa privada, desde que

comprovada sua eficiência.

6. Alfabetização funcional e educação continuada para os analfabetos de

15 ou mais anos, por meio de cursos especiais, básicos e diretos, dotados de todos

os recursos possíveis, inclusive audiovisuais, com a duração prevista de nove

meses. Será assegurada assistência técnica e financeira para a ministração dêsses

cursos.

7. Assistência alimentar e recreação qualificadas, como fatôres de fixação

de adultos nos cursos, além de seus efeitos educativos.

8. Fixação das seguintes prioridades em relação aos cursos diretos

previstos no item 6:

a) Prioridade número um: condições sócio-econômicas dos Municípios,

dando-se preferência aos que oferecerem melhores condições de aproveitamento

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dos efeitos obtidos pelos educandos e maiores possibilidades quanto ao

desenvolvimento nacional;

b) Prioridade número dois: faixas etárias que congregam idades vitais no

sentido de pronta e frutuosa receptividade individual e de maior capacidade de

contribuição ao desenvolvimento do País.

9. Integração, em tôdas as promoções de alfabetização e educação, de

noções de conhecimentos gerais, técnicas básicas, práticas educativas e

profissionais, em atendimento aos problemas fundamentais da saúde, do trabalho,

do lar, da religião, de civismo e da recreação.

10. Promoção progressiva de cursos de continuação (diretos, radiofônicos

ou por televisão), objetivando estender a alfabetização funcional, entendendo-se

que, para efeito de assistência financeira, só serão considerados os cursos

radiofônicos ou por televisão ministrados através de rádio-escolas ou telescolas

enquadradas em sistemas organizados, e em proporção ao respectivo número de

educandos matriculados e freqüentes.

11. Tendo em vista as prioridades estabelecidas no item 8, a acão

sistemática começará pela faixa etária compreendida entre 10 e 30 anos, em cada

município - capital de Estado, Território e Distrito Federal, e em grandes municípios

industriais e agrícolas, observados os respectivos planos-pilotos.

12. Instalação de centros de educação social e cívica, para sociabilidade

de adolescentes e adultos e fixação de hábitos e técnicas adquiridos, mediante a

utilização dos meios de comunicação coletivos - livro, música, rádio, cinema,

televisão, teatro e publicações periódicas.

13. Descentralização da ação sistemática, com a execução pelos Estados,

Territórios e Distrito Federal, Municípios e entidades particulares, mediante

convênio.

14. Dentro de 60 dias a contar da data em que adquirir personalidade

jurídica, a Fundação apresentará ao Ministério da Educação e Cultura um esquema

de prazo para execução das seguintes etapas operacionais:

a) apresentação do projeto básico;

b) instalação dos grupos federais de coordenação;

c) instalação das equipes federais nos Estados, Distrito Federal e

Territórios;

d) apresentação dos cadernos básicos para os cursos;

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e) apresentação do material áudio-visual;

f) lançamento do programa;

g) início do treinamento trimestral do magistério e colaboradores locais,

para execução dos planos-pilotos.

15. As dotações orçamentárias terão como base de cálculo as seguintes

previsões de despesas anuais, cuja proporcionalidade por espécie de aplicação fica

desde logo fixada:

a) custo básico de NCr$ 100,00 para uma população de 1.500.000

adolescentes e adultos entre 15 e 30 anos (item 6 do plano) NCr$ 150.000.000,00;

b) custo básico de NCr$ 50,00 para incorporação à Escola comum, de

850.000 analfabetos entre 10 e 14 anos (item 3 do plano) NCr$ 42.500.000,00;

c) custo básico de NCr$ 33,00 para 500.000 alunos de rádio-escolas,

telescolas, e outros sistemas, em qualquer idade (item 4 do plano) NCr$

16.500.000,00;

d) 1% sôbre o total das cifras anteriores, para administração federal, NCr$

2.090.000,00;

e) 1% sôbre o mesmo total, para material áudio-visual, inclusive impressão

de livros NCr$ 2.090.000,00.

Total NCr$ 213.180.000,00.

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ANEXO B - Ficha de devolução de livro da MOBRALTECA

Fonte: BRASIL, 1976.