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  • Direito Administrativo

    Ps-Graduao a distncia

    Formao de manifestao do estado Poderes de administrao: regulamentar, disciplinar.

    Prof. Caio Piva

  • Sumrio

    Aula 1 ................................................................................................................... 5

    CLASSIFICAO DOS PODERES .............................................................................................5

    PODER VINCULADO ............................................................................................................5

    Aula 2 ................................................................................................................... 6

    PODER DISCRICIONRIO ......................................................................................................6

    Aula 3 ................................................................................................................... 6

    Aula 4 ................................................................................................................... 7

    ALCANCE DA DISCRICIONARIEDADE .....................................................................................7

    Aula 5 ................................................................................................................... 9

    Aula 6 .................................................................................................................. 10

    Aula 7 .................................................................................................................. 12

    Discricionariedade na evoluo do Estado ............................................................................... 12

    Aula 8 .................................................................................................................. 14

    Fundamentos da discricionariedade ...................................................................................... 14

    Aula 9 .................................................................................................................. 16

    Discricionariedade e conceitos jurdicos indeterminados ............................................................ 16

    Aula 10 ................................................................................................................. 19

    Aula 11 ................................................................................................................. 20

    PODER HIERRQUICO ......................................................................................................... 20

    Aula 12 ................................................................................................................. 21

    PODER DISCIPLINAR ........................................................................................................... 21

    Aula 13 ................................................................................................................. 22

    PODER REGULAMENTAR ....................................................................................................... 22

    Aula 14 ................................................................................................................. 23

    Teoria acerca do Poder Regulamentar do Executivo .................................................................. 25

    Teoria tradicional .............................................................................................................................. 25

    Aula 16 ................................................................................................................. 26

    Teoria crtica ..................................................................................................................... 26

    Aula 18 ................................................................................................................. 28

  • Anlise de jurisprudncia .................................................................................................... 28

    Aula 20 ................................................................................................................. 30

    ADI 487 (MC) ..................................................................................................................... 30

    Aula 21 ................................................................................................................. 31

    Questo Oramentria (ADI 1287) ........................................................................................ 31

    Aula 21 ................................................................................................................. 33

    Poltica tarifria para fins de reduo de consumo de gua (AgrRE 201.603)

    ....................................................................................................................................... 33

    Poltica econmica (RE 203.954) .......................................................................................... 34

    Aula 23 ................................................................................................................. 35

    O Decreto Autnomo e o Supremo ........................................................................................ 35

    Aula 24 ................................................................................................................ 37

    Controle Prvio das Leis ....................................................................................................... 37

    INTRODUAO .................................................................................................................... 39

    PODER DE POLCIA ........................................................................................................................... 39

    AULA 26 ............................................................................................................... 39

    PODER DE POLCIA: NOES BSICAS .................................................................................. 39

    AULA 27 ............................................................................................................... 41

    PODER DE POLCIA E PRINCPIOS ......................................................................................... 41

    AULA 28 ............................................................................................................... 42

    PODER DE POLCIA E ESTADO .............................................................................................. 42

    AULA 29 ............................................................................................................... 44

    UMA NOVA VISO DO PODER DE POLCIA............................................................................... 44

    AULA 30 ............................................................................................................... 47

    LIMITES DO PODER DE POLCIA ........................................................................................... 47

    AULA 31 ............................................................................................................... 48

    Poder Legislativo e Executivo ...........................................................................................48

    AULA 32 ............................................................................................................... 49

    AULA 33 ............................................................................................................... 51

    ANATEL E O PODER DE POLICIA ............................................................................................ 51

    AULA 34 ............................................................................................................... 51

  • ADIN 1.668-5/DF - O PODER DE BUSCA E APREENSO DA ANATEL ............................................ 51

    AULA 35 ............................................................................................................... 52

    LEI N. 11.292/2006 RESTABELECE O PODER DE APREENSO. ................................................ 52

    AULA 36 ............................................................................................................... 55

    LEI COMPLEMENTAR 97/99 ................................................................................................... 55

    AULA 37 ............................................................................................................... 56

    AULA 38 ............................................................................................................... 58

    Polcia administrativa do trfego aquavirio ............................................................................ 58

    AULA 39 ............................................................................................................... 60

    bice ao exerccio do poder de polcia do trfego aquavirio ...................................................... 60

    AULA 40 ............................................................................................................... 65

    Poder de polcia de segurana da Autoridade Martima .............................................................. 65

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    Poderes Administrativos: Regulamentar e Disciplinar

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    Aula 1

    Os Poderes Administrativos so inerentes Administrao Pblica e possuem carter instrumental, ou seja, so instrumentos de trabalho essenciais para que a Administrao possa desempenhar as suas funes atendendo o interesse pblico. Os poderes so verdadeiros poderes-deveres, pois a Administrao no apenas pode como tem a obrigao de exerc-los.

    CLASSIFICAO DOS PODERES

    Poder VinculadoPoder DiscricionrioPoder HierrquicoPoder DisciplinarPoder RegulamentarPoder de Polcia PODER VINCULADO

    o Poder que tem a Administrao Pblica de praticar certos atos sem qualquer margem de liberdade. A lei encarrega-se de prescrever, com detalhes, se, quando e como a Administrao deve agir, determinando os elementos e requisitos necessrios.

    Poder Vinculado, tambm denominado de regrado, aquele que a lei confere Administrao Pblica para a prtica de ato de sua competncia, determinando os elementos e requisitos necessrios sua formalizao.

    Nesses atos, a Administrao Pblica fica inteiramente presa aos dispositivos legais, no havendo opes ao administrador: diante de determinados fatos, deve agir de tal forma.

    Assim, diante de um Poder Vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edio de determinado ato.

    Como exemplo do exerccio do Poder Vinculado, temos a licena para construir. Se o particular atender a todos os requisitos

    estabelecidos em lei, a Administrao Pblica obrigada a dar a licena ou a prtica de ato (portaria) de aposentadoria de servidor pblico.

    Diz-se vinculado o poder porque este se cinge norma jurdica que o regra, e por ela restringido. Em termos mais rigorosos, todo e qualquer poder que a Administrao detm vinculado; o que eventualmente varia a intensidade e a especificao desse vnculo.

    Com efeito, assevera Celso Antnio Bandeira de Mello, em seu Curso de Direito Administrativo: ...nenhum ato totalmente discricionrio, dado que conforme afirma a doutrina prevalente, ser sempre vinculado com relao ao fim e competncia, pelo menos. Hely Lopes Meirelles, por seu turno, sustenta que: Elementos vinculados sero sempre a competncia, a finalidade e a forma (do ato administrativo). Todavia, num sentido mais estrito o poder vinculado apresenta, alm desses componentes genricos, outros que o diferenciam do poder discricionrio. Convm, no entanto, consignar a especificao de Caio Tcito, de que no seria o mais correto falar em ato vinculado ou discricionrio como um todo orgnico; no h, usualmente - diz ele -, nenhum ato totalmente vinculado ou totalmente discricionrio. Existem variaes de predominncia, mais ou menos acentuados, dando relevo parte livre ou subordinada da manifestao administrativa... se nos detivermos na anlise de sua criao - prossegue o autor -, poderemos concluir que a vinculao ou a discrio se manifesta no tocante a cada um dos elementos essenciais do ato (competncia, finalidade e forma).

    Caracterizando de maneira mais precisa o poder vinculado, podemos afirmar que ele se manifesta quando, para a prtica de alguns atos, a competncia da administrao estritamente determinada na lei, quanto aos motivos e modo de agir; nesse caso, o Poder Pblico fica inteiramente restrito

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    ao enunciado da norma jurdica em todos as suas especificaes, as quais, se no retiram Administrao toda a liberdade de atuao, limitam-na sobremodo. Para Celso Antnio Bandeira de Mello no resta para o administrador - no Poder Vinculado - margem alguma de liberdade. Por critrios rgidos, afasta-se a elasticidade de ao do Poder Pblico, compreendida nos conceitos de oportunidade e convenincia - esses tpicos do poder discricionrio -, para vincul-lo a uma previso legal que, uma vez verificada no mundo dos fatos, objetivamente, desencadeia uma gama de efeitos determinados, sobre os quais no pode a Administrao deliberar.

    Podemos apontar como exemplo a aposentadoria compulsria aos 70 anos, bem como a liberao de alvar de licena de edificao, quando devidamente preenchidos os requisitos legais. Reunidos os pressupostos fticos previstos pela norma, resta Administrao apenas fazer cumpri-la; no h lugar, por exemplo, para se averiguar a convenincia ou no de faz-lo, sob pena de nulidade do ato.

    O desrespeito s especificaes da norma, concernentes atuao da Administrao, acarreta a ilegalidade do ato, bem como a sua conseqente invalidade, que pode revelar-se como anulabilidade (se sanvel o vcio) ou nulidade (se insanvel), ambas invocveis pela prpria Administrao ou pelo Poder Judicirio. Uma vez declarada a anulabilidade ou a nulidade do ato, os efeitos da declarao sero ex nunc para o primeiro caso - anulabilidade -, e ex tunc para o segundo - nulidade.

    Aula 2PODER DISCRICIONRIO

    aquele pelo qual a Administrao Pblica de modo explcito ou implcito, pratica atos administrativos com liberdade de escolha de sua convenincia, oportunidade e contedo.

    A discricionariedade a liberdade de escolha dentro de limites permitidos em lei, no se confunde com arbitrariedade que ao contrria ou excedente da lei.

    Ex : Autorizao para porte de arma; Exonerao de um ocupante de cargo em comissPoder Discricionrio aquele que o direito concede Administrao Pblica para a prtica de atos administrativos com liberdade na escolha de sua convenincia, oportunidade e contedo.

    Distingue-se do Poder Vinculado pela maior liberdade de ao que conferida ao administrador. Se para a prtica de um ato vinculado a autoridade pblica est adstrita lei em todos os seus elementos formadores, para praticar um ato discricionrio livre, no mbito em que a lei lhe concede essa faculdade.

    Como exemplo do exerccio do Poder Discricionrio, temos a nomeao para cargo em comisso, ato em que o administrador pblico possui uma liberdade de escolha, ou seja, pode nomear aquele que for de sua total confiana, no se exigindo nenhuma seleo prvia.

    O ato administrativo possui cinco elementos: competncia, objeto, forma, motivo e finalidade. Nenhum ato ser discricionrio em relao a todos os elementos, pois no que se refere competncia, forma e finalidade, o ato ser sempre vinculado. J os elementos objeto e motivo podem ser vinculados ou discricionrios, dependendo do ato analisado.

    Assim, a discricionariedade no alcana todos os elementos do ato administrativo, pois em relao competncia, forma e finalidade do ato a autoridade est subordinada ao que a lei impe.

    Aula 3 No quadro abaixo, mostramos esta

    distino.

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    ELEMENTOS VINCULAO DISCRICIONARIEDADECompetncia X Objeto X XForma X Motivo X XFinalidade X

    Segundo Hely Lopes Meirelles, Poder Discricionrio o que o Direito concede Administrao, de modo explcito ou implcito, para a prtica de atos administrativos com liberdade na escolha de sua convenincia, oportunidade e contedo. Outrossim, a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador, a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juzo a norma jurdica, diante do caso concreto, segundo critrios subjetivos prprios, a fim de dar satisfao aos objetivos consagrados no sistema legal.

    A lei no prev solues para todos os problemas que podem surgir para o Poder Pblico, nem o poderia fazer; em razo disso, fundamenta-se a discricionariedade, garantindo de forma eficaz os fins a que se prope a Administrao. A lei pretende que seja adotada em cada caso concreto unicamente a providncia capaz de atender com preciso finalidade que a inspirou. Dada a multiplicidade e variedade de situaes fticas passveis de ocorrerem preciso que o agente possa proceder eleio da medida idnea para atingir de modo perfeito o objetivo da regra aplicada.

    Se a lei, nos casos de discrio, comporta medidas diferentes, s pode ser porque pretende que se d uma certa soluo para um dado tipo de casos e outra soluo para outra espcie de casos, devendo ser sempre adotada a soluo pertinente.

    A compostura do caso concreto excluir obrigatoriamente algumas das solues admitidas in abstracto na regra e, eventualmente, tornar evidente que uma nica medida seria apta a cumprir-lhe a finalidade. A sua importncia reside em assegurar de

    forma justa os interesses pblicos entregues tutela administrativa, a qual os gerir segundo a necessidade de cada momento.

    Nos atos discricionrios, a lei deixa ao administrador certa liberdade para decidir diante das circunstncias que o caso lhe oferece, sendo-lhe facultado, por isso mesmo, usar de critrios prprios para tanto, critrios esses subsumidos nas noes de oportunidade e convenincia do ato.

    Aula 4 Contrariamente competncia vinculada

    que, como o prprio nome j informa, o legislador conferiu ao administrador pblico a discricionariedade ou competncia discricionria, que vem evoluindo no tempo e se tornando cada vez mais usual e corrente no ordenamento jurdico.

    Inicialmente, tratar-se- da distino entre a vinculao e a discricionariedade, depois, ser exposto um breve histrico acerca de sua evoluo nas diversas fases do Estado brasileiro, chegando ao Estado Democrtico de Direito. Em seguida, delimitar-se- a fundamentao da concesso da discricionariedade ao administrador pblico e, por fim, a relao que tem ela com os conceitos jurdicos indeterminados.

    Finalmente, de forma simplificada, concluir-se-, demonstrando posicionamento favorvel prtica da discricionariedade, optando por prticas que venham a melhorar a utilizao de tal prerrogativa no exerccio da funo administrativa.

    ALCANCE DA DISCRICIONARIEDADE

    Distino entre vinculao e discricionariedade

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    Segundo Carvalho Filho (2002, p. 02) compe-se o Estado de poderes, segmentos estruturais em que se divide o poder geral e abstrato decorrente de sua soberania. Por expressa determinao da Carta Magna outorgada em 1988, tais poderes do Estado so o poder Legislativo, Executivo e Judicirio, os quais se apresentam harmnicos e independentes entre si, porm interligados, ou seja, qualquer invaso na esfera de outro poder deve resultar de previso constitucional, em nome do princpio da separao dos poderes.

    Ao Executivo, portanto, atribui-se a funo administrativa. Para que haja desempenho das funes estatais com vistas ao atendimento das finalidades previstas na lei, Administrao Pblica se confere poderes.

    Como afirma Meirelles (2004, p.103), o poder administrativo, portanto, atribudo autoridade para remover os interesses particulares que se opem ao interesse pblico. Desta forma, o poder de agir se converte no dever de agir. O gestor pblico, estando subordinado ao ordenamento jurdico, no pode escolher se age ou no, pois tal deciso lhe imposta, assim

    o poder tem para o agente pblico o significado de dever para com a comunidade e para com os indivduos, no sentido de que quem o detm est sempre na obrigao de exercit-lo [...] o poder do administrador pblico, revestindo ao mesmo tempo o carter de dever para a comunidade, insuscetvel de renncia pelo seu titular. Tal atitude importaria fazer liberalidades com o direito alheio, e o Poder Pblico no , nem pode ser, instrumento de cortesias administrativas. (MEIRELLES, 2004, p.103).

    Para Di Pietro (2003), tais poderes so concedidos tambm para garantir a posio de supremacia sobre o particular, sem os quais os fins da Administrao no seriam atingidos. Dentre estes poderes, encontra-se o poder vinculado e o poder discricionrio.

    O poder vinculado se verifica quando a lei determina que o administrador pblico deve agir de acordo com as previses legais, ou

    seja, atrela a atuao administrativa lei, no deixando nenhuma margem de liberdade de opo ao administrador.

    Carvalho Filho (2002, p.103) afirma que quando o agente administrativo est ligado lei por um elo de vinculao, seus atos no podem refugir aos parmetros por ela traados. Deve, assim, o agente pautar sua conduta na determinao legal, sob pena de no atendimento ao interesse pblico, resguardado na lei. Diz ainda que sendo assim, o agente no dispor de nenhum poder de valorao quanto ao motivo e ao elemento do ato, limitando-se a reproduzi-los no prprio ato.

    Segundo Di Pietro (2003, p.204), na prtica de ato vinculado a Administrao deve demonstrar que o ato est em conformidade com os motivos indicados na lei, porque os atos vinculados, assim como os discricionrios, devem se submeter ao princpio da legalidade. Tudo isso se afirma porque a Administrao somente poder fazer aquilo que a lei lhe permite, de acordo com ensinamento de Tourinho (2004, p.17 apud Mello, 2000, p. 30).

    Para Di Pietro (2003), a vinculao se apresenta quando a Administrao deve agir de forma determinada, especfica, diante dos requisitos previstos na lei e que por esta razo que ela diz que diante de um poder vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edio de um determinado ato, sob pena de, no o fazendo, sujeitar-se correo judicial. Afirma ainda que:

    a atuao da Administrao Pblica no exerccio da funo administrativa vinculada quando a lei estabelece a nica soluo possvel diante de determinada situao de fato; ela fixa todos os requisitos, cuja existncia a Administrao deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem de apreciao subjetiva.(DI PIETRO, 2003, p.205)

    Medauar (2006, p.108), ao se referir

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    competncia vinculada, assevera que o ordenamento confere ao administrador um poder de deciso, mas predetermina as situaes e condies, canalizando-o a uma s direo. Ou seja, ao administrador que v exercer a competncia vinculada, s dada uma soluo, estando ele obrigado a adotar aquela deciso. por tal razo que, ela diz ainda que na doutrina se diz que h matrias de reserva legal absoluta, em que o vnculo da Administrao ao bloco de juridicidade mximo.

    Aula 5No poder vinculado, o agente

    administrativo no se utiliza dos critrios de convenincia e oportunidade, que se apresentam a ele no exerccio do poder discricionrio, uma vez que lhe imposta a adoo de medida determinada legalmente. Por tal adoo lhe ser obrigatria que Soares (1999, p. 50) aduz que a no-observncia das exigncias legais em relao ao ato vinculado, no que diz respeito ao motivo, substncia, finalidade, ao tempo, forma ou ao modo, importar na invalidao do ato administrativo [...].

    Mello (2003, p.393) conceitua atos vinculados como aqueles em que, por existir prvia e objetiva tipificao legal do nico comportamento da Administrao em face de situao igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administrao, ao expedi-los, no interfere com apreciao subjetiva alguma. E exemplifica com a aposentadoria do funcionrio que completou 70 anos ou do que completou 60 e tem 35 anos de contribuio. Administrao s cabe analisar a presena dos requisitos, no realizando nenhum juzo de valor.

    Em suma, existem casos em que a lei regula dada situao de forma a no deixar ao administrador pblico nenhuma margem de liberdade. A lei predetermina que a conduta a ser praticada deve ser tal e deve ser mesmo, sob de estar-se escapando das finalidades propostas pela lei, as quais visam ao atendimento do interesse da coletividade e

    ainda de estar violando princpios balizadores do nosso ordenamento, como o princpio da legalidade. Em tais casos, o administrador estar no exerccio do poder vinculado ou no exerccio da competncia vinculada.

    Contraposta competncia vinculada, tem-se a competncia discricionria, a qual decorre da impossibilidade do legislador de prever todas as situaes que, eventualmente, venham a ocorrer e reclamem uma soluo administrativa para bem do atendimento do interesse pblico.

    Meirelles (2004), inclusive, afirma ser esta a justificativa da atividade discricionria, qual seja a impossibilidade de o legislador arrolar na lei absolutamente todos os atos que a prtica administrativa exige. E mais:

    o ideal seria que a lei regulasse minuciosamente a ao administrativa, modelando cada um dos atos a serem praticados pelo administrador; mas, como isto no possvel, dadas a multiplicidade e diversidade dos fatos que pedem pronta soluo ao Poder Pblico, o legislador somente regula a prtica de alguns atos administrativos que reputa de maior relevncia, deixando o cometimento dos demais ao prudente critrio do administrador. (MEIRELLES, 2004, P.118)

    Mello (2002, p. 33), corroborando de tal entendimento, aduz que a nica razo lgica capaz de justificar a outorga de discrio reside em que no se considerou possvel fixar, de antemo, qual seria o comportamento administrativo, mas no qualquer comportamento e sim aquele pretendido como imprescindvel e reputado capaz de assegurar, em todos os casos, a nica soluo prestante para atender com perfeio ao interesse pblico que inspirou a norma.

    Destarte, a lei consagra a discricionariedade, outorgando-a aos administradores pblicos, para que possam valorar a situao concreta e optar pela que for mais conveniente e oportuna ao interesse pblico respaldado na lei, j que vai haver no procedimento de avaliao a aplicao de um

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    juzo subjetivo pelo administrador, como se v:

    [...] a norma legal s quer a soluo tima, perfeita, adequada s circunstncias concretas que, ante o carter polifactico, multifrio dos fatos da vida, se v compelida a outorgar ao administrador que quem se confronta com a realidade dos fatos segundo seu colorido prprio certa margem de liberdade para que este, sopesando as circunstncias, possa dar verdadeira satisfao finalidade legal (MELLO, 2003, p.35).

    Di Pietro (2004, p.205) afirma que a autoridade poder optar por uma dentre vrias solues possveis, todas vlidas perante o Direito. Ocorre que isso no deve querer que, no exerccio do poder discricionrio, qualquer ato que o administrador praticar seja o mais conveniente e oportuno, mas que a escolha tem que ser pelo que melhor atenda ao fim proposto pela lei, como colocado por Mello (2003, p.33) quando confirma que [...] o administrador est, ento, nos casos de discricionariedade, perante o dever jurdico de praticar, no qualquer ato dentre os comportados pela regra, mas, nica e exclusivamente aquele que atenda com absoluta perfeio finalidade da lei. E assim o porque existe vinculao da Administrao lei, podendo-se verificar que: no Estado de Direito e no modelo constitucional brasileiro onde expressamente se estatui, no art. 5, II, que ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei todo desempenho administrativo (e assim tambm o chamado poder discricionrio) s pode existir como um poder intra legal e estritamente dependente da lei, estritamente subordinado lei (MELLO, 2003. p.13)

    O poder discricionrio conceituado por Carvalho Filho (2002, p.33) a prerrogativa concedida aos agentes administrativos de elegerem, entre vrias condutas possveis, a que traduz maior convenincia e oportunidade para o interesse pblico.

    Diante de tal poder, a Administrao pondera se aquele ato deve ser praticado ou no; se, com a sua prtica, faz atendimento ao interesse pblico e se o momento de atuao aquele ou tem outro que melhor atende. Tal anlise se faz de acordo com os critrios da convenincia e oportunidade, uma vez que Administrao Pblica se confere certa liberdade na soluo do caso concreto.

    Aula 6Gasparini (2004, p.95) assevera que ante

    essa competncia, a Administrao poder deferir, deferir com condies ou no deferir pedido que lhe fora feito por determinado administrado, j que se lhe permite avaliar a solicitao formulada segundo os referidos critrios [...].

    A discricionariedade, para Medauar (2006, p. 111), significa uma condio de liberdade, mas no liberdade ilimitada; trata-se de liberdade onerosa, sujeita a vnculo de natureza peculiar. uma liberdade-vnculo. No se trata, portanto, de uma liberdade sem limites, uma vez que os fatos se encarregam de fixar limites atuao no caso concreto, pois o fato de existirem vrias condutas possveis, no implica em dizer que qualquer uma delas pode ser aplicada em todos os casos. Assim sendo, com base em habilitao legal, explcita ou implcita, a autoridade administrativa tem livre escolha para adotar ou no determinados atos, para fixar o contedo de atos, para seguir este ou aquele modo de adotar o ato, na esfera da margem livre.

    Quando do exerccio da atividade discricionria, imperativo que o agente pblico avalie a situao prtica de forma bastante criteriosa, no deixando de considerar que o objetivo precpuo da lei, o qual seja o atendimento do interesse pblico. Soares (1999, p. 60) ressalta que a lei, ao proteger o interesse pblico, vincula o agente, mesmo naquilo que diz respeito liberdade de atuao quanto convenincia e oportunidade. Diz ainda que: ao escolher

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    entre duas opes, a administrao pblica deve praticar aquela que mais convenha ao interesse pblico, a que represente a soluo mais justa, mais adequada, mais eficaz e que se revele em consonncia com a moral administrativa, e no a que seja mais conveniente e oportuna aos interesses pessoais de administrador pblico (SOARES, 1999, p. 61)

    Mello (2003, p. 395) define discricionariedade como a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juzo a norma jurdica [...], a fim de dar satisfao aos objetivos consagrados no sistema legal. E mais:

    ao agir discricionariamente o agente estar, quando a lei lhe outorga tal faculdade (que simultaneamente um dever), cumprindo a determinao normativa sobre o melhor meio de dar satisfao ao interesse pblico por fora da indeterminao legal quanto ao comportamento adequado satisfao do interesse pblico (MELLO, 2003, p. 395)

    Certamente o legislador sempre vai conferir a atuao discricionria nos casos em que as circunstncias reais, que exigem regulamentao, so dificilmente previsveis, no podendo ele prever todas as situaes sociais que devem ser resguardadas pelo Estado. O processo moroso de elaborao das normas no Brasil no pode receber mais essa funo; as situaes mudam numa rapidez incrvel, os problemas sociais crescem a cada dia e, nesse diapaso, a coletividade precisa do acolhimento da lei. Desta forma, o poder discricionrio exercido num contexto em que se deve observar a convenincia e a oportunidade das solues legalmente possveis, como afirma Medauar (2006).

    A convenincia e oportunidade que norteiam a atividade discricionria compem o mrito administrativo. Segundo Carvalho Filho (2002, p. 34) so os elementos nucleares do poder discricionrio, sendo que a primeira indica em que condies vai se conduzir o agente; a segunda diz respeito

    ao momento em que a atividade deve ser produzida.

    De acordo com Campos (2005), em seu artigo intitulado Discricionariedade administrativa: limites e controle jurisdicional, o mrito do ato administrativo o produto de um juzo de valor realizado pela autoridade pblica, quanto s vantagens e conseqncias, as quais devero ser levadas em conta como pressuposto da atividade administrativa.

    Seguindo os ensinamentos de Mello, mrito :

    o campo de liberdade suposto na lei e que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critrios de convenincia e oportunidade, se decida entre duas ou mais solues admissveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a nica adequada (MELLO, 2003, p. 823)

    Conceitualmente, ainda, Meirelles (2004, p.152 apud Campos, 2005) afirma que o mrito do ato administrativo consubstancia-se, portanto, na valorao dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administrao incumbida de sua prtica, quando autorizada a decidir sobre a convenincia e oportunidade e justia do ato a realizar.

    A discricionariedade s existe quando a lei permite, torna legtima a atuao administrativa. Di Pietro afirma que, normalmente, a discricionariedade existe:quando a lei expressamente confere administrao [...]; quando a lei omissa porque no lhe possvel prever todas as situaes supervenientes ao momento de sua promulgao, hiptese em que a autoridade dever decidir de acordo com os princpios extrados do ordenamento jurdico e, quando a lei prev determinada competncia, mas no estabelece a conduta a ser adotada (DI PIETRO, 2004, p. 206)

    Desta forma, como assegura Mello (2003, p. 399), a discricionariedade existe, nica

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    e to-somente para ajustar em cada caso concreto a opo pela melhor providncia, ou seja, daquela que realize superiormente o interesse pblico almejado pela lei aplicanda. No pode o administrador procurar atender seus interesses particulares e pessoais em detrimento do interesse de toda uma coletividade. No uma liberdade irrestrita, no uma liberdade para a Administrao decidir a seu talante, mas para decidir-se do modo que torne possvel o alcance perfeito do desiderato normativo.

    Aula 7Discricionariedade na evoluo do Estado

    A primeira fase de Estado Moderno foi chamada de Estado de Polcia, onde se adotou o regime monrquico absolutista. A atividade administrativa era totalmente discricionria, no sendo necessrio se pautar na lei, uma vez que a preocupao da poca no era com a legalidade dos atos, mas sim com a convenincia.

    Para atender coletividade, o administrador no encontrava limites na lei, nem em nenhum outro instrumento jurdico. Ele procurava atender s necessidades sociais e, para isso, podia fazer o que compreendesse suficiente para que tais fins fossem atingidos.

    Ocorre que essa prtica no podia continuar. Era compatvel com a Europa dos sculos XV a XVIII. As pessoas no podiam cobrar nada do administrador porque nenhuma lei embasava a luta pelos seus direitos, no tinham segurana, j que o ato era praticado e podia ser desfeito a qualquer tempo pelo administrador, no resguardando o direito do administrado.

    Surgiu, ento, a necessidade de se limitar a atividade da Administrao porque sem obedecer a nenhum regramento, as prticas eram arbitrrias, ferindo direitos dos administrados, que nada podiam reivindicar nem cobrar, pois nada estava positivado.

    Com a Revoluo Francesa e a difuso dos trs ideais (liberdade, igualdade e fraternidade) que lhe deram feio, comeou-se a pensar nos direitos individuais dos cidados, os quais no podiam mais continuar desamparados, a merc da ao poltica. Krell (2004, p. 17) aduz que a partir da pragmtica teoria da separao dos Poderes, comeou-se a impor limites s atividades dos rgos estatais, especialmente da Polcia, tudo em defesa dos direitos dos cidados.

    Como afirma Soares (1999, p.13), o ato inteiramente discricionrio passa a ser repudiado nas diferentes legislaes. O ato que no precisava seguir nenhum parmetro e, consequentemente, no se subordinava a nenhum tipo de controle, muito pelo contrrio, era praticado, na maioria das vezes, para atender interesses pessoais dos administradores ou qualquer outra finalidade por eles determinada, mas que nem sempre refletia o interesse pblico.

    No fazia mais sentido a atuao desregrada do Executivo, na medida em que as demandas individuais exigiam tratamento que tomasse como base os direitos individuais do cidado propugnados com o advento da Revoluo Francesa, como esclarecedoramente explica Medauar:

    [...] com a dinmica estatal intervencionista, ampliam-se as atividades administrativas; um nmero crescente de medidas e decises afeta direitos e interesses de indivduos e grupos. O contexto poltico-institucional das dcadas de 70, 80 e 90 apresenta-se muito diferente do contexto do incio do sculo. A realidade atual registra a existncia de inmeros centros de interesse na sociedade e a ampliao dos direitos de indivduos, de grupos e de direitos difusos. notria a heterogeneidade de interesses, acarretando presses de indivduos e grupos sobre a Administrao para atendimento de suas reivindicaes [...] (MEDAUAR, 2006, p. 110).

    Surge, ento, a segunda fase do Estado Moderno, que o Estado de Direito. Carvalho Filho (2002) assegura que esse novo Estado

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    se baseia no fato de que, ao mesmo tempo em que ele cria o direito, deve estar sujeito a ele. Com essa afirmao, ele consigna o princpio da legalidade e, por essa razo, Medaur (2006, p. 111) ressalta que hoje no mbito de um Estado de Direito impossvel cogitar-se de poder discricionrio fora do direito, subtrado a toda disciplina legal, porm, existe um obstculo a transpor. Compartilhando do mesmo entendimento, Mello (2003) vem afirmar que num Estado de Direito a Administrao tem que se apoiar na lei e almejar sempre cumpri-la fielmente, uma vez que a Administrao deve obedincia lei.

    Conforme Krell (2004, p. 17), o grande desafio do jovem Estado de Direito era conciliar a tradicional liberdade decisria do Executivo com a observncia do princpio da legalidade. E isso era necessrio diante das novas circunstncias, pois a atividade plenamente discricionria era sinnimo de arbitrariedade, e meio atravs do qual os administradores pblicos alcanavam seus interesses privados em detrimento do interesse pblico, que o fim primordial da lei. Ocorre que, o poder cegava os administradores. Eles percorriam numa busca incessante apenas por suas satisfaes pessoais, deixando a coletividade de lado, quando agiam ao arrepio da lei.

    Primordial nessa nova fase do Estado era tentar imprimir um carter de segurana s condutas praticadas e s decises tomadas pelo administrador pblico para evitar que o administrado fosse surpreendido com uma nova deciso a cada dia, de acordo com a convenincia do agente pblico. Afirmou Kelsen (2000, p. 346 apud Tourinho, 2004, p. 26) que a expresso Estado de Direito efetivamente utilizada para designar um tipo especial de Estado, que seria aquele capaz de satisfazer os requisitos da democracia e da segurana jurdica, o que pode ser entendido como uma ordem jurdica centralizada onde a jurisdio e a administrao esto vinculadas s leis.

    A lei baliza aquilo que pode e o que no pode ser feito, no podendo o exercente da atividade administrativa, olvidar do dever de observncia das disposies normativas. Importa salientar que o Estado de Direito foi marcado por uma fase mais liberal; o princpio da legalidade de forma extensiva. Era dado ao administrador pblico no s fazer aquilo que a lei permitia, mas tambm aquilo que a lei no proibia, ou seja, continuava ele a fazer tudo que entendesse por bem, j que no havia vinculao.

    Devido instituio dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade na Revoluo Francesa, a preocupao era com as liberdades individuais, favorecendo o individualismo, porm o Estado continuava impotente diante dos conflitos sociais. Urgia, ento, uma resposta prtica a essa nova situao.

    Avanou-se para a fase chamada Estado Social de Direito. Segundo Tourinho (2004), foi fase marcada pela atribuio de buscar a igualdade, como forma de ajudar aqueles mais necessitados, ficando a igualdade sobreposta liberdade, uma vez que se limitava o exerccio dos direitos individuais em benefcio do bem-estar coletivo. Assevera Tourinho (2004, p 28) ainda que, nesta fase [...] instalou-se a idia de socializao, que significa a busca do interesse pblico, em oposio ao individualismo que imperou no Estado Liberal. Com nova concepo acerca do Estado, as finalidades que se buscava atingir com relao sociedade que ansiava por solues prticas e eficazes para suas demandas no seriam alcanadas se o olhar no fosse global, ou seja, se fosse privilegiada a resoluo dos problemas de forma individualista.

    Nesta ocasio, Administrao no era mais dado fazer tudo o que estivesse determinado em lei e tudo o mais que a lei no proibisse. S podia a atuao administrativa se pautar em previses legais, o que quer implicar em que s se poderia fazer aquilo que a lei permitisse. A discricionariedade, ento, encontrou limites

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    e no era mais encarada como prtica arbitrria.

    O Estado Social de Direito foi incapaz de gerir todas as situaes postas sob sua responsabilidade, vindo a fracassar. Inclinou-se, novamente, a retomada ao Estado de Direito que, agora, no poderia ser concebido sem as influncias do ideal de democracia. A essa ltima fase d-se o nome de Estado Democrtico de Direito.

    Conforme Tourinho (2004, p. 29), a democracia implantada pelo Estado Democrtico de Direito um processo de convivncia social numa sociedade livre, justa e solidria, em que o poder emana do povo, devendo ser exercido em seu proveito [...]. Uma Administrao Pblica onde se busque atender interesses pessoais e particulares dos seus gestores pblicos completamente descabida, na medida em que se deve precipuamente atender s necessidades pblicas, com o poder derivando dos prprios interessados e dos que devem ser os beneficirios.

    Soares (1999) ressalta que nessa atual fase do Estado, ele deve objetivar priorizar os direitos e garantias do cidado, agindo no s em conformidade com a lei, mas sim com todo ordenamento jurdico, inclusive com os princpios constitucionais e os demais que regem a atuao da Administrao Pblica. E mais:o Estado Democrtico de Direito pressupe a garantia do cidado diante do poder estatal, em face das normas jurdicas. A soberania popular ganha realce e no se pode conceber qualquer ato emanado da autoridade pblica que seja desconforme a essa vontade popular, violando o princpio da moralidade administrativa (SOARES, 1999, p. 66).

    O desafio, portanto, era conciliar as liberdades individuais com as aspiraes sociais e tudo isso aliado participao do povo, uma vez que o que vigorava eram os seus direitos. O bem-comum haveria de ser tutelado nesse novo Estado. Outro no poderia ser o entendimento de Soares, o qual assinala que a Constituio elege,

    em seu prembulo, o bem-estar como um dos valores supremos a ser assegurado pelo Estado Democrtico e, no seu art. 3, assenta como objetivos fundamentais, entre outros, uma sociedade livre, justa e solidria, e o bem de todos. Os atos administrativos devem estar voltados observncia de tais princpios, atendendo ao fim maior do Estado, ou seja, a conquista e manuteno do bem-estar comum, a distribuio da justia e da paz social (SOARES, 1999, p. 61).

    Aula 8 Fundamentos da discricionariedade

    H divergncia doutrinria quanto a quais sejam os fundamentos da discricionariedade administrativa.

    Di Pietro (2004) utiliza uma justificao que tambm usada por Medaur (2006). Defende Di Pietro que a discricionariedade existe para evitar que a aplicao das normas tenha que ser de forma rgida, com as disposies j determinadas, o que transformaria a atuao dos agentes administrativos em algo mecnico, vez que ao legislador no possvel prever todas as situaes da vida administrativa. Outrossim, Medaur afirma que as funes polticas e administrativas no obteriam xito no seu desempenho se a lei previsse tudo de forma completa. Essa anlise feita por um ponto de vista prtico, como denominou Di Pietro.

    Por outro ngulo, ainda segundo Di Pietro (2004), pode-se analisar o ponto de vista jurdico, tambm considerado por Tourinho (2004, p. 33), apesar de esta entender que tal ponto de vista se reflete no fato de que caso fosse possvel ao legislativo prever todas as possibilidades de ocorrncia, guinado, minuciosamente, o administrador teramos a substituio de um rgo do poder por outro, e assim, o Legislativo daria ordens ao Executivo, que teria que cumpri-las, o que geraria violao ao princpio da separao dos poderes.

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    O fundamento jurdico para a existncia da discricionariedade no entender de Di Pietro (2004) a teoria da formao do Direito por degraus de Kelsen. Ela diz que no sistema jurdico brasileiro existe a Constituio que a norma de grau superior, e que, a partir dela, outras so editadas at a aplicao no caso concreto; em cada uma dessas etapas, acrescenta-se um novo elemento, possvel por causa da discricionariedade.

    de acatar-se, portanto, que a norma do escalo superior no pode vincular em todas as direes (sob todos os aspectos) o ato atravs do qual aplicada. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciao, de tal forma que a norma de escalo superior tem sempre, em relao ao ato de produo normativa ou de execuo que a aplica, o carter de um quadro ou moldura a preencher por este ato. Mesmo uma ordem o mais pormenorizada possvel tem de ter quela que a cumpre ou executa uma pluralidade de determinaes a fazer. Se o rgo A emite um comando para que o rgo B prenda o sdito C, o rgo B tem de decidir, segundo o seu prprio critrio, quando, onde e como realizar a ordem de priso, decises essas que dependem de circunstncias externas que o rgo emissor do comando no previu e, em grande parte, nem sequer podia prever (KELSEN, 2000 apud TOURINHO, 2004, p.32).

    Dessa forma, inegvel que a norma superior oferea os limites para a aplicao do ato, os moldes dentro do qual ele poder ser praticado. Latente tambm que necessrio se faz a presena de uma margem onde a apreciao pelo administrador seja livre, valorando o cabimento e o momento em que o ato deve ser praticado sem esquecer de observar o fim ltimo da lei, qual seja o atendimento do interesse pblico. Nesse diapaso, Di Pietro (2004, p. 206) assegura que a discricionariedade indispensvel para permitir o poder de iniciativa da Administrao, necessrio para atender s infinitas, complexas e sempre crescentes necessidades coletivas, porquanto, a

    dinmica do interesse do interesse pblico exige flexibilidade de atuao.

    A discricionariedade prerrogativa imprescindvel ao exerccio da atividade administrativa porque s o agente pblico pode adotar a melhor soluo no caso concreto, vez que, como afirmou Medauar (2006), fundamental a maleabilidade conferida pela atuao discricionria porque se vive uma poca de grandes transformaes, desde problemas corriqueiros, porm que exigem soluo rpida a grandes tragdias. Esse mais um fundamento de alguns doutrinadores, mencionado por Mello (2003, p. 824) quando diz que imperativa a liberdade de deciso da Administrao no caso concreto, tendo em conta sua posio mais favorvel para reconhecer, diante da multiplicidade dos fatos administrativos, a melhor maneira de satisfazer a finalidade da lei nas situaes empricas emergentes.

    H ainda uma classe de fundamento que o de ordem lgica e que, consoante Tourinho (2004, p. 32) vem a sustentar a impossibilidade de o legislador fixar o alcance de todos os conceitos utilizados na linguagem normativa, dizendo respeito aos conceitos jurdicos indeterminados, fluidos, vagos e imprecisos, que so aqueles que no apresentam sentido objetivo e preciso, mas sim incerto. preciso, por conseguinte, buscar a essncia do conceito jurdico indeterminado, sua parte de certeza, e, para tanto, no exerccio da competncia discricionria, como esclarece Queir (1940, p. 24 apud Tourinho, 2004, p. 32) logicamente necessrio que, nos limites da incerteza conceitual, o agente deva fixar-se, ele prprio, numa das interpretaes possveis, e, tendo-a fixado, deva agir consequentemente.

    Em suma, Mello afirma que o fundamento da discricionariedade (ou

    seja, a razo pela qual a lei a institui) reside, simultaneamente, no intento legislativo de cometer ao administrador o encargo, o dever jurdico, de buscar identificar e adotar

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    a soluo apta para, no caso concreto, satisfazer de maneira perfeita a finalidade da lei e na inexorvel contingncia prtica de servir-se de conceitos pertinentes ao mundo do valor e da sensibilidade, os quais so conceitos chamados vagos, fluidos e imprecisos (MELLO, 2003, p. 826).

    Aula 9Discricionariedade e conceitos jurdicos indeterminados

    Existem conceitos utilizados em normas jurdicas, portanto, conceitos jurdicos que, como a discricionariedade administrativa, precisam ser valorados, ou seja, necessitam que o administrador pblico analise a convenincia a oportunidade na hora de aplic-los. Estes conceitos no oferecem um padro de objetividade, mas de subjetividade, como assegura Tourinho (2004, p. 38) possuem uma inequivocidade difcil de ser alcanada, ou seja, tem um campo amplo de significao, necessitando de uma atividade interpretativa para se obter o seu real sentido. So chamados de conceitos jurdicos indeterminados.

    Conceitos jurdicos indeterminados so signos vagos, incertos, imprecisos, que podem ser analisados amplamente e que, por tal razo, podem ser aplicados nas mais diversas situaes, nas quais se possa adequar o seu sentido.

    Adeodato (2002, p. 280 apud Krell, 2004, p. 33) afirma que so opinies mais ou menos indefinidas a que, ainda assim ou talvez justamente por isso, a maioria empresta sua adeso, ao mesmo tempo que preenche os inevitveis pontos escuros e ambguos com sua prpria opinio pessoal.

    Segundo Carvalho Filho (2002, p. 37), so termos ou expresses contidos em normas jurdicas, que, por no terem exatido em seu sentido, permitem que o intrprete ou o aplicador possam atribuir certo significado, mutvel em funo da valorao que se proceda diante dos pressupostos da norma

    ou ainda so aqueles cujo mbito se apresenta em medida aprecivel incerto, encerrando apenas uma definio ambgua dos pressupostos a que o legislador conecta certo efeito de direito.

    Medauar (2006) assegura que no o conceito que no se pode determinar, pelo contrrio, pode-se aferir o seu significado; o que impossvel adequar anteriormente os conceitos fluidos s situaes vindouras, portanto, afirma Soares (1999, p.15) que ao aplic-los, o administrador ter de valer-se da exegese para precisar seu verdadeiro sentido e limites [...].

    Discricionariedade e conceitos jurdicos indeterminados no so a mesma coisa, embora apresentem semelhanas. Na discricionariedade, o legislador estabelece a situao jurdica e confere ao gestor da coisa pblica a margem de liberdade de optar pela atuao ou conduta mais oportuna e conveniente, para atender quela situao jurdica proposta; nos conceitos jurdicos indeterminados, a lei d opes para o administrador adequar diversos fatos a uma noo subjetiva, que pode variar de acordo com a interpretao do aplicador da lei.

    Perfilhando de tal entendimento, aduz Carvalho Filho (2002) que enquanto o conceito jurdico indeterminado situa-se no plano da previso da norma (antecedente), porque a lei j estabelece os efeitos que devem emanar do fato correspondente ao pressuposto nela contido, a discricionariedade aloja-se na estatuio da norma (conseqente), visto que o legislador deixa ao rgo administrativo o poder de ele mesmo configurar esses efeitos (CARVALHO FILHO, 2002, p. 37).

    Diz ele ainda que o fundamento para a confuso que tem sido feita com relao discricionariedade e aos conceitos jurdicos indeterminados que eles fazem parte das atividades da Administrao que no so vinculadas, vez que no oferecem padro de objetividade e, por tal razo, implicando na adoo de uma atividade interpretativa.

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    Passou-se ento a discutir a relao existente entre os dois institutos; formaram-se posicionamentos divergentes. A questo era saber se na utilizao de conceitos jurdicos indeterminados, caberia a discricionariedade.

    de observar-se que as discusses acerca dos conceitos jurdicos indeterminados no se iniciaram aqui no Brasil. Surgida na ustria, no sculo XIX, a doutrina dos conceitos jurdicos indeterminados levou verificao da presena da discricionariedade ou no nos referidos conceitos vagos. Nisso, divergiam os doutrinadores. Alguns, afirmavam no poder o Judicirio revisar as decises dos rgos competentes, a quem competia a delimitao do sentido do conceito empregado; outros, no entanto, afirmavam que era ao Judicirio que cabia tal interpretao.

    Hodiernamente, continua sendo controvrsia a possibilidade de existir discricionariedade nos conceitos jurdicos indeterminados.

    Enterra e Fernndez (2000, p. 457 apud Tourinho 2004) afirmam que o essencial do conceito indeterminado que sua indeterminao no se refere aplicao. Por necessitar de uma atividade interpretativa para encontrar a soluo adequada ao caso concreto, s tem cabimento uma nica soluo justa capaz de atingir o objetivo da lei. Mello (2002), adotando o posicionamento de autores germnicos, assegura que no caso concreto, no se pode falar em fluidez de conceitos, pois, diante da realidade, se deve determinar o sentido do conceito aparentemente abstrato, tornando-o inequvoco.

    Assim, os citados doutrinadores germnicos, admitem uma unidade de soluo diante da situao concreta, posta, o que diferentemente se verifica na discricionariedade. Eles, segundo Tourinho (2004, p. 43) aduzem que na aplicao dos conceitos jurdicos indeterminados no h um processo volitivo, como ocorre na discricionariedade, mas sim, um processo de aplicao e interpretao da lei.

    H quem diga, no entanto, que tal entendimento no deve ser extremado. Casos haver em que realmente uma nica soluo ser aplicvel, vez que apenas ela atende ao fim propugnado na lei; em outros, no ser possvel a aplicao de um sentido determinado, como se verifica em Mello (2002, p. 22) quando afirma que em inmeras situaes, mais de uma situao seria razoavelmente admissvel, ao se podendo afirmar, com vezos de senhoria da verdade, que um entendimento divergente do que se tenha ser necessariamente errado, isto , objetivamente reputvel como incorreto. Em suma, entende o autor que, a depender da situao, pode ou no haver uso da discricionariedade na aplicao dos conceitos imprecisos, como denomina.

    Por outro lado, h quem afirme que a discricionariedade tem origem nos conceitos jurdicos indeterminados. Queir (1940, p. 50 apud Tourinho 2004, p. 39) conceitua a discricionariedade como sendo uma faculdade de escolher uma entre vrias significaes contidas num conceito normativo prtico, relativo s condies de fato do agir administrativo. Di Pietro (2004), igualmente, aduz que, nas hipteses de conceitos de valor, como interesse pblico, medidas urgentes, moralidade, etc., poderia haver discricionariedade, embora limitada, j que os referidos conceitos apresentam um mnimo de certeza em seu contedo; tanto assim que, conforme Rozas (2006), em seu artigo, intitulado Conceitos jurdicos indeterminados e discricionariedade administrativa, nesses casos, o controle judicial um contorno de limites, sendo dado ao Judicirio apenas verificar se a escolha feita pela Administrao se manteve nos lindes do razovel.

    Outrossim, consoante afirmao de Oliveira, nessas hipteses, caber ao juiz adentrar ao exame das provas, a anlise das controvrsias que lhe so submetidas, at onde tiver elementos seguros de interpretao [...] possvel ao magistrado afirmar que o administrador no atribuiu o

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    alcance correto de certo conceito jurdico indeterminado no caso concreto, sob pena de substituir, indevidamente, o administrador (OLIVEIRA, 1992, p. 85 apud TOURINHO, 2004, 44)

    Destarte, nem sempre que se estivesse diante de um conceito que no pudesse ser determinado ou que comportasse adequao a mais de uma situao, estar-se-ia exercendo a atividade discricionria, e se o Judicirio fosse definir cada um dos conceitos quando da sua aplicao, como teria que acontecer para haver vinculao, violar-se-ia o princpio da separao de poderes.

    Certo que no pode afirmar que sempre diante de um conceito jurdico indeterminado haveria discricionariedade, como assevera Machado (2004, p. 116 apud Tourinho, 2004, p. 43), ao aplicarmos um conceito jurdico indeterminado, estamos no domnio do princpio da legalidade, enquanto que no exerccio da discricionariedade, j nos encontramos no setor regido pelo princpio da oportunidade. Desta forma, ainda segundo ele, a deciso tomada no exerccio de um poder discricionrio no pode confundir-se com a deciso tomada em aplicao de uma norma que exige preenchimento valorativo por utilizar conceitos indeterminados ou estar elaborada na frmula de clusula geral, contudo, se em determinada situao real o administrador reputar, em entendimento razovel (isto , comportado pela situao, ainda que outra opinio divergente fosse igualmente sustentvel), que se lhe aplica o conceito normativo vago e agir nesta conformidade, no se poder dizer que violou a lei, que transgrediu o direito. E se no violou a lei, se no lhe traiu a finalidade, claro que ter procedido na conformidade do direito. Em assim sendo, ter procedido dentro de uma liberdade intelectiva que, in concreto, o direito lhe facultava. Logo, no haveria ttulo jurdico para que qualquer controlador de legitimidade, ainda que fosse o Judicirio, lhe corrigisse a conduta [...] (MELLO, 2002, p. 23).

    Ora, com relao ao controle dos atos que comportem conceitos jurdicos indeterminados, pode-se dizer queo Judicirio tanto interpreta a lei para corrigir atos que desbordem das possibilidades abertas pela moldura normativa nos casos em que verifica se os conceitos vagos ou imprecisos foram apreendidos pela Administrao dentro da significao contextual que comportavam, como quando, para os mesmos fins, verifica se a opo de convenincia e oportunidade se fez sem desvio de poder, isto , obsquios s finalidades da lei [...] em ambos os casos o Judicirio pratica, desde logo, o ato de inteleco da lei, interpretando-a confrontando-a com o caso concreto, para aferi se foi bem ou mal aplicada [...] se for o caso, ter de concluir que o ato administrativo no passvel de censura porque a Administrao atuou dentro da esfera legtima, isto , dentro do campo de liberdade (intelectiva ou volitiva) que a lei lhe proporcionava, seja porque no excedeu a esfera de inteleco razovel de um conceito fluido, seja porque no se excedeu ao decidir que tal ou qual comportamento era o mais conveniente e oportuno, por ter se mantido dentro dos limites da razoabilidade (MELLO, 2002, p.27)

    Ainda perfilhando do entendimento esposado pelos autores que no concordam que discricionariedade e conceitos jurdicos indeterminados sejam a mesma coisa, Tourinho (2004) ensina que diante dos conceitos do valor, o intrprete da lei dever exercer a sua atividade de interpretao, buscando alcanar o sentido que se aplique ao caso concreto, vez que a variao do mesmo ocorre de acordo com o tempo e o espao, sendo sempre voltado para o entendimento da sociedade como um todo. E, a partir dessa anlise, chegar a uma nica soluo possvel, ressaltando a autora a distino entre a discricionariedade, a qual se configura pela possibilidade de diversas solues justas, de acordo com a convenincia e oportunidade, eleitas pelo administrador pblico.

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    Adverte ela, ainda, que em se tratando de conceitos jurdicos indeterminados, obviamente que nem sempre o processo interpretativo da norma jurdica levar a uma soluo indubitvel, ou seja, algumas vezes vrias podem ser as solues possveis, embora nem nessas situaes se possa afirmar estar diante de um caso de discricionariedade, visto que como bem esclarece Sousa (1994), s vezes, est-se perante uma situao existente (algo que j existe) que apenas tem de ser declarada (constatao de um ser) para legitimar uma atuao administrativa [...] Administrao no resta qualquer liberdade para criar seja o que for (caracterstica de quem livre), mas apenas lhe compete o poder-dever de constatar um realidade existente (SOUSA, 1994, p. 97 apud TOURINHO, 2004, p. 47)

    Aula 10H, entretanto, quem considere que

    deve ser observada a situao real e, a partir dela, constatar se tem cabimento a discricionariedade ou no.

    Assevera Medauar (2006, p. 115) que, havendo parmetros de objetividade para enquadrar a situao ftica na frmula ampla, ensejando uma nica soluo, no h que se falar em discricionariedade. Em contrapartida, se a frmula ampla, aplicada a uma situao ftica, admitir margem de escolha de solues, todas igualmente vlidas na noo, o poder discricionrio se exerce. Ocorre que a estar-se-ia igualando a aplicao dos conceitos jurdicos indeterminados discricionariedade, o que, como j discutido, no o mais adequado.

    Para estes doutrinadores que acreditam que deve haver uma ponderao, parece que o mais coerente, no caso em comento, as duas atividades devem ser vistas como fenmeno interligado, conforme Mancuso (1992. p. 70 apud Krell, 2004, p.35), visto que, muitas vezes, o rgo administrativo deve lanar mo desta para preencher aqueles.

    Em suma, de acordo com Rozas (2006), em seu trabalho intitulado Conceitos jurdicos indeterminados e discricionariedade administrativa, de um lado h aqueles que so adeptos da teoria da univocidade, quais sejam os que sustentam que na interpretao e aplicao dos conceitos jurdicos indeterminados, s h uma nica soluo justa e correta; de outro, h os adeptos da teoria da multivalncia, os que pensam que, como na discricionariedade, existe pluralidade de solues justas, corretas e aplicveis, diante de um conceito vago ou ambguo.

    E como tem se comportado os tribunais brasileiros no que respeita a tal discusso? Consoante a j mencionada autora, a jurisprudncia brasileira tem entendido que a existncia de conceitos jurdicos indeterminados no pode retirar do Poder Judicirio a funo de controlar se a aplicao dos conceitos amplos desbordou dos limites impostos pela lei, quanto ao atendimento do interesse pblico, embora possa haver discricionariedade, seno vejamos:

    RECURSO EM MANDADO DE SEGURANA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE REMOO. INEXISTNCIA DE FUNDAMENTAO QUE DEMONSTRE O INTERESSE PBLICO. CRITRIO DE ANTIGUIDADE MANTIDO. RECURSO PROVIDO. 1. O assento regimental n 1/88, no art. 8, estabelece o critrio de antiguidade para a remoo de magistrado, no caso de mais de um interessado pleitear a remoo para uma nica vaga. Critrio no absoluto, haja vista a disposio: salvo relevante interesse pblico, devidamente justificado. 2. Viabilidade do controle do Poder Judicirio acerca de conceitos jurdicos indeterminados e do motivo do ato administrativo. 3. Ausncia de demonstrao de prejuzo ao servio forense a justificar o afastamento do critrio de antiguidade. 4. Recurso ordinrio provido. (STJ, 5 Turma, RMS 19590/RS, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 02/02/2006).

    Com o objetivo de efetivar o controle, a jurisprudncia vem utilizando critrios

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    diversos com variaes no que respeita linha de argumentao e profundidade do controle dos tais conceitos jurdicos indeterminados, como bem reconhece Ohlweiler (2000, p. 40 apud Krell, 2004, p.36). Um exemplo disso o atendimento dos trs anos de atividade jurdica que se exige para que o bacharel em Direito ingresse na magistratura ou nas carreiras do Ministrio Pblico, que ainda no foi regulamentado oficialmente pelos rgos competentes, quais sejam o Conselho Nacional de Justia e o Conselho Nacional do Ministrio Pblico, mas que j so regulamentados por alguns concursos, seguindo julgamento de ADIN pelo STF, considerando constitucional a exigncia da totalidade da atividade, ou seja, os trs anos, depois do bacharelado e da comprovao desta no momento da inscrio.

    Enquanto isso, o que desbordar desses limites, ser objeto do controle jurisdicional, confirmando a mxima que os atos administrativos, sejam eles praticados no exerccio da atividade discricionria ou vinculada, devem ser controlados pelo Poder Judicirio, pois, no momento em que o legislador utiliza-se desses conceitos, ele no est nada mais que legitimando o comportamento da Administrao, cabendo a esta to-somente realizar um trabalho de constatao, plenamente subordinado ao controle jurisdicional, de acordo com Lucian (2004), em artigo intitulado A discricionariedade administrativa e os conceitos jurdicos indeterminados.

    Desta forma, Tourinho (2004), assegura que a posio adotada majoritariamente de se distinguir os conceitos jurdicos indeterminados da discricionariedade, harmoniza-se com os ideais do Estado de Direito de atender concretamente, atravs da lei, as vontades coletivas e no apenas os interesses individuais, fazendo-se necessrio que as leis fossem precisas, durveis e previsveis, que possibilitassem certa segurana, uma vez que isso reduz o campo de discricionariedade.

    Afinal, de acordo com os ensinamentos do mestre Carvalho Filho (2002, p. 38), considerando-se justamente a ausncia de standards de objetividade tanto na discricionariedade quanto na aplicao dos conceitos jurdicos indeterminados, surgem como mecanismos de controle os princpios da razoabilidade e da proporcionalidade, por meio dos quais, inclusive, ser possvel evitar excesso de poder e adequao da conduta ao fim a que a norma se destina

    Aula 11PODER HIERRQUICO

    aquele pelo qual a Administrao distribui e escalona as funes de seus rgos, ordena e rever a atuao de seus agentes, estabelece a relao de subordinao entre os servidores pblicos de seu quadro de pessoal. No seu exerccio do-se ordens, fiscaliza-se, delega-se e avoca-se.

    Poder hierrquico o de que dispe o Executivo para organizar e distribuir as funes de seus rgos, estabelecendo a relao de subordinao entre o servidores do seu quadro de pessoal.

    Inexistente no Judicirio e no Legislativo, a hierarquia privativa da funo executiva, sendo elemento tpico da organizao e ordenao dos servios administrativos.

    O poder hierrquico tem como objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no mbito interno da Administrao Pblica. Ordena as atividades da administrao ao repartir e escalonar as funes entre os agentes do Poder, de modo que cada qual exera eficientemente o seu cargo, coordena na busca de harmonia entre todos os servios do mesmo rgo, controla ao fazer cumprir as leis e as ordens e acompanhar o desempenho de cada servidor, corrige os erros administrativos dos seus inferiores, alm de agir como meio de responsabilizao dos agentes ao impor-lhes o dever de obedincia.

    Pela hierarquia imposta ao subalterno a estrita obedincia das ordens e instrues

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    legais superiores, alm de se definir a responsabilidade de cada um.

    Do poder hierrquico so decorrentes certas faculdades implcitas ao superior, tais como dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, delegar e avocar atribuies e rever atos dos inferiores.

    Quando a autoridade superior d uma ordem, ela determina, de maneira especfica, os atos a praticar ou a conduta a seguir em caso concreto. Da decorrente o dever de obedincia.

    J a fiscalizar o poder de vigiar permanentemente os atos praticados pelos seus subordinados. Tal se d com o intuito de mant-los de acordo com os padres legais regulamentares institudos para a atividade administrativa.

    Delegar conferir a outrem delegaes originalmente competentes ao que delega. No nosso sistema no se admitem delegaes entre os diferentes poderes, nem de atos de natureza poltica.

    As delegaes devem ser feitas nos casos em que as atribuies objeto das primeiras forem genricas e no fixadas como privativas de certo executor.

    Avocar trazer para si funes originalmente atribudas a um subordinado. Nada impede que seja feita, entretanto, deve ser evitada por importar desprestgio ao seu inferior.

    Rever os atos dos inferiores hierrquicos apreciar tais atos em todos os seus aspectos para mant-los ou invalid-los.

    MEIRELLES destaca subordinao de vinculao administrativa. A subordinao decorrente do poder hierrquico e admite todos os meios de controle do superior sobre o inferior. A vinculao resultante do poder de superviso ministerial sobre a entidade vinculada e exercida nos limites que a lei estabelece, sem retirar a autonomia do ente supervisionado.

    Aula 12PODER DISCIPLINAR

    aquele atravs do qual a lei permite a Administrao Pblica aplicar penalidades s infraes funcionais de seus servidores e demais pessoas ligadas disciplina dos rgos e servios da Administrao. A aplicao da punio por parte do superior hierrquico um poder-dever, se no o fizer incorrer em crime contra Administrao Pblica (Cdigo Penal, art. 320).

    Ex : Aplicao de pena de suspenso ao servidor pblico.

    Poder disciplinar no se confunde com Poder Hierrquico. No Poder hierrquico a administrao pblica distribui e escalona as funes de seus rgos e de seus servidores. No Poder disciplinar ela responsabiliza os seus servidores pelas faltas cometidas.

    Faculdade de punir internamente as infraes funcionais dos servidores, o poder disciplinar exercido no mbito dos rgos e servios da Administrao. considerado como supremacia especial do Estado.

    Correlato com o poder hierrquico, o poder disciplinar no se confunde com o mesmo. No uso do primeiro a Administrao Pblica distribui e escalona as suas funes executivas. J no uso do poder disciplinar, a Administrao simplesmente controla o desempenho dessas funes e a conduta de seus servidores, responsabilizando-os pelas faltas porventura cometidas.

    Marcelo CAETANO j advertia: o poder disciplinar tem sua origem e

    razo de ser no interesse e na necessidade de aperfeioamento progressivo do servio pblico.

    O poder disciplinar da Administrao no deve ser confundido com o poder punitivo do Estado , realizado por meio da Justia Penal. O disciplinar interno Administrao, enquanto que o penal visa a proteger os valores e bens mais importantes do grupo social em questo.

    A punio disciplinar e a penal tm fundamentos diversos. A diferena de substncia e no de grau.

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    Aula 13PODER REGULAMENTAR

    aquele inerente aos Chefes dos Poderes Executivos (Presidente, Governadores e Prefeitos) para expedir decretos e regulamentos para complementar, explicitar(detalhar) a lei visando sua fiel execuo. A CF/88 dispe que :

    Art. 84 - Compete privativamente ao Presidente da Repblica:

    IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execuo;

    O direito brasileiro no admite os chamados decretos autnomos, ou seja aqueles que trazem matria reservada lei.

    Poder regulamentar o poder dos Chefes de Executivo de explicar, de detalhar a lei para sua correta execuo, ou de expedir decretos autnomos sobre matria de sua competncia ainda no disciplinada por lei. um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo. , em razo disto, indelegvel a qualquer subordinado.

    O Chefe do Executivo regulamenta por meio de decretos. Ele no pode, entretanto, invadir os espaos da lei.

    MEIRELLES conceitua que regulamento ato administrativo geral e normativo, expedido privativamente pelo Chefe do Executivo, por meio de decreto, visando a explicar modo e forma de execuo da lei (regulamento de execuo) ou prover situaes no disciplinadas em lei (regulamento autnomo ou independente).

    A preocupao central deste estudo analisar as decises do Supremo Tribunal Federal, doravante STF, sob a vigncia da Constituio Federal de 1988, acerca da Poder Regulamentar do Executivo.

    Essa atuao regulamentar no Brasil regrada pelos arts. 84 e 87 da Constituio Federal de 1988:

    Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repblica: (...)

    IV sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execuo;

    Art. 87. (...) Pargrafo nico. Compete ao Ministro de Estado, alm de outras atribuies estabelecidas nesta Constituio e na lei: (...) II expedir instrues para a execuo das leis, decretos e regulamentos;. (grifos nossos).

    Porm, as demandas normativas do Estado contemporneo so inflacionadas pelas necessidades econmicas e sociais, levando ao alargamento das atribuies do Poder Executivo, cuja atividade normativa extrapola a delimitao estabelecida nos arts. 84 e 87 da Constituio Federal, de maneira que preciso reconhecer que a amplitude dessa atividade e o seu volume so fatos. E esse o impasse que serve de mote a todo o estudo.

    Ter-se- como hiptese de trabalho que a produo regulamentar do Executivo uma necessidade diante das demandas atuais e o STF tem reconhecido esse poder regulamentar, com um contedo maior do que admitido pela doutrina mais tradicional. Se esse reconhecimento do tribunal for comprovado, o estudo pretende confirmar o raciocnio de que a conseqncia lgica a refutao das teorias tradicionais sobre o tema. Outra hiptese a ser verificada a de que o STF no fundamenta esse reconhecimento de maneira consistente, esquivando-se da apreciao de um tema to delicado e relevante para o Direito Pblico e dando soluo aos casos especficos em demanda. O estudo pretende ir alm e desenvolver o raciocnio segundo o qual essa postura do STF deriva da dificuldade do Tribunal em lidar com as questes tocadas pelo poder regulamentar. Para tanto, o estudo parte de um esforo de contextualizao da produo normativa na sociedade contempornea, feita com base

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    em artigos de peridicos de relevo na rea do Direito Pblico Brasileiro, teses de doutorado e obras de tericos do assunto em tela. Essa contextualizao constitui o substrato sobre o qual se desenvolver a anlise posterior e central do trabalho, na exata medida da importncia dos processos sociais para as transformaes na estrutura do Estado e do ordenamento jurdico sobre o qual este se assenta. O passo seguinte esboar os principais posicionamentos tericos acerca do tema.

    Construdo esse panorama, segue-se a anlise da jurisprudncia do STF. O universo de anlise consiste de decises encontradas no site do STF que tratam da produo regulamentar do chefe do Executivo ou dos Ministros de Estado para a implementao de elementos de polticas pblicas. O corte metodolgico representado pela adoo de decises que envolvem elementos de poltica pblica foi feito com inspirao na teoria de Maria Paula Dallari Bucci, que apresenta como caminho para superao da concepo da norma geral e abstrata como referncia central do aparelho burocrtico do Estado a introduo, no mundo do direito pblico, do conceito de poltica pblica como programa de ao. Ela sugere que as polticas (instrumentos de ao dos governos) so uma evoluo em relao idia de lei em sentido formal, da mesma maneira que esta foi uma evoluo em relao ao governo de homens, de maneira que a viso liberal do direito como conjunto de normas cede lugar a compreenses baseadas na idia de comunicao do direito com as expresses no- jurdicas da vida

    Parece pertinente, ento, fazer um paralelo entre essa teoria e a questo do Poder Regulamentar, na medida em que, se a concepo de polticas pblicas para o direito pode envolver a superao da idia de lei em sentido formal como balizadora do direito pblico, um vis de anlise que contemplasse as decises acerca de elementos de polticas pblicas poderia permitir a verificao de indcios da aceitao de um Poder

    Regulamentar mais amplo do que o admitido pela doutrina tradicional, no condicionado e estreitamente limitado pela lei formal. Isso por que ao Poder Executivo da sociedade contempornea cabe no s a implantao de polticas, mas a determinao das mesmas. Nas palavras de Maria Paula Dallari: A idia de uma sucesso de atos no tempo, em que o Legislativo e o governo traam primeiro as diretrizes da poltica para depois a Administrao Pblica execut-la, passa a ser mais um tipo ideal que um dado da realidade. Esse conflito revela no s a crise entre o Executivo e o Legislativo, em termos da titularidade da iniciativa legislativa, como, tambm, a superao de toda a organizao formal do Estado liberal. Somente foram consideradas para o estudo as decises que se posicionavam pelo conhecimento da ao proposta contra a atividade normativa do Executivo via poder regulamentar, pois somente nessas decises seria vivel verificar uma possvel aceitao por parte do STF dessa atuao do Estado.

    Essa anlise jurisprudencial o foco central do trabalho e a possvel contribuio que o mesmo possa oferecer reflexo do assunto em tela.

    Aula 14Transformaes da estrutura do Estado e

    das atribuies do Executivo No Estado Liberal as funes estatais eram mnimas, em decorrncia do combate ao Antigo Regime e em atendimento aos interesses da burguesia. A preocupao fundamental era proteger os indivduos do arbtrio estatal, limitando ao mximo as prerrogativas do poder pblico. Essa limitao atendia aos interesses da burguesia na medida em que a referida classe detinha o poder econmico, mas no poltico, revestindo-se de importncia mpar tolher o poder pblico da possibilidade de controlar suas atividades econmicas em ascenso. Nesse intuito, consagram-se as liberdades

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    e garantias individuais, constituindo-se em valores desse Estado a garantia da liberdade, da segurana e da propriedade.

    Os modelos econmico e jurdico adotados no sculo XVIII e XIX espelham esses valores e princpios do pensamento liberal. A economia marcada pela autonomia da atividade econmica em relao ao Estado, consagrando o princpio da livre iniciativa, em reao ao regime anterior que editava regras reguladoras de preos e padres de mercadorias, disciplinava o treinamento de aprendizes e controlava as inovaes e concorrncia, tudo com o objetivo de assegurar balana comercial positiva, reforar reservas de ouro do pas e gerar riquezas taxveis. O modelo jurdico, por sua vez, constitudo pela idia do imprio da lei, em oposio ao governo dos homens, em que se baseava o regime absolutista anterior. E as leis deveria atender aos valores do Iluminismo de preservao das liberdades e valorizao da individualidade. Para tanto, alm do contedo material garantindo as liberdades e garantias individuais, consagrada a idia de normas gerais e impessoais de forma a evitar o arbtrio dos detentores do poder, elaboradas de acordo com um processo formal, pelo Parlamento.

    Mas as crises econmicas e sociais que marcaram o sculo XIX impuseram transformaes nesse modelo de Estado, exigindo uma atuao estatal mais ativa.

    No plano social, decorrncia das crises e movimentos sociais os sindicatos adquiriram fora de presso sobre o Estado. Por influncia das idias e dos partidos socialistas reivindicava-se intensamente que a igualdade formal se tornasse real, que as liberdades afirmadas nos textos constitucionais tivessem efetividade, que houvesse justia social, que se assegurasse o suficiente para as necessidades bsicas da vida. Clamava-se por respostas do Estado a essas necessidades. No mbito econmico, a crise de 1929, a desagregao econmica tpica das pocas

    do ps-guerra, a urbanizao crescente com o surgimento das grandes metrpoles e os problemas que acompanham seu surgimento e crescimento, entre outros fatores, constituam situaes que prescindiam da atuao estatal. O pressuposto liberal de que a sociedade e a economia dispunham de mecanismos naturais de controle e equilbrio eram refutados por dados inegveis da realidade.

    Na ordem jurdica, garantia dos direitos individuais reduzidos aos aspectos vida, propriedade e iniciativa privada, soma-se a garantia dos direitos polticos, econmicos e sociais. Tais direitos passam e ser encarados no somente como direitos- liberdade, mas como direitos- exigncia. O Estado deixa de ser visto como apenas garantidor das liberdades individuais e passa a ser aceito como instrumento de correo de desigualdades econmicas e sociais. Gradativamente... foi-se tornando mais e mais arraigada a concepo de que muitas das necessidades sociais no so passveis de serem atendidas por meio da livre contraposio das foras de oferta e de procura, o que exige, em diversos graus de intensidade, a instituio de normas destinadas a alterar o funcionamento aleatrio dos mercados, com vistas ao atendimento de certos fins eleitos pela ordem jurdica. Mais ainda, amplia-se o sentido de Estado de Direto, que tambm passa a apresentar preocupaes democrticas pluralistas no plano econmico, social, cultural e poltico

    O Poder Legislativo, por sua vez, revelou-se inapto para atender s exigncias normativas da sociedade contempornea, em primeiro lugar, porque o tratamento de alguns setores da vida econmica e social passaram a exigir conhecimentos tcnicos especializados; em segundo, a nova dinmica social e econmica exigem rapidez para editar e alterar as normas. Alm disso, o processo legislativo convencional e a prpria separao de poderes clssica foram concebidos para um ambiente

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    liberal, pressupondo a organizao social e econmica mediante mecanismos capazes de produzir uma harmonia natural pela ao de agentes individuais e hipersuficientes, no qual ao Estado caberia a funo de proteo (um no fazer ou prestaes negativas) das livres foras sociais...o Direito era restrito ao mnimo de normas necessrias manuteno dessas liberdades.

    Da no apresentar-se como estrutura apta a atender a inflao de exigncias normativas.

    Diante dessa inaptido do Legislativo, o Poder Executivo foi, paulatinamente, abarcando o papel de instituir essa normas demandadas. Hoje, a normatizao de setores econmicos e sociais pelo Executivo tornou-se corriqueira.

    A atribuio dessas funes ao Executivo suscita diversos problemas de Direito Pblico, que precisam ser enfrentados por tericos e

    pela jurisprudncia.

    Aula 15Teoria acerca do Poder Regulamentar do ExecutivoTeoria tradicional

    Um dos expoentes da doutrina brasileira tradicional do direito administrativo Celso Antnio Bandeira de Mello, que relega ao regulamento mero papel de estabelecimento de critrios e procedimentos de atuao administrativa, dentro de limites rgidos fixados em lei. Dessa forma, o poder regulamentar visa dar procedimentariedade lei, servido sua fiel execuo. Afirma que o princpio da legalidade no Brasil impe ao regulamento o carter de ato estritamente subordinado, isto , meramente subalterno e, ademais, dependente de lei. No admite regulamento sem lei anterior que o estipule e o limite. Assim, no tolera outra forma de regulamento no direito brasileiro que no os regulamentos executivos (estabelece fiel execuo da lei pela Administrao). Afirma que no

    h lugar sequer para os regulamentos autorizados ou delegados (atividade normativa desempenhada pelo Executivo mediante expressa autorizao de ato do Legislativo, dentro de seus limites), muito menos para os regulamentos independentes ou autnomos ( atividade normativa autorizada implcita ou explicitamente pela Constituio ao Executivo) e julga que a funo do regulamento em nosso sistema muito modesta. Quanto a possibilidade de inovao do ordenamento jurdico, Bandeira de Mello s admite que seja feito por lei, enquanto o regulamento no o altera: s a lei inova em carter inicial na ordem jurdica.

    Coerentemente com esse posicionamento, pode-se afirmar que nenhum tema tratado pela Constituio Federal poderia ser regulamentado diretamente pelo Executivo por decreto, mas teria que ser anteriormente tratado por uma lei e, se necessrio, seria estabelecido um regulamento para especificar com maior minudncia a regncia de situaes cuja previso e disciplina j tenham sido antecipadamente traadas na lei, mas sem pormenores cujo agregado, por via administrativa, conquanto conveniente ou imprescindvel, no afeta a configurao dos direitos e obrigaes nela formados.

    Aclamando o princpio da legalidade, o autor no admite que o regulamento inclua no sistema positivo qualquer regra geradora de direito ou obrigao novos. Interpreta o art. 5, inciso II da Constituio Federal de forma muito restrita, argumentando que a disposio: Ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei determina a exigncia de lei em sentido formal para que o Poder Pblico imponha obrigaes aos administrados, de maneira a no tolerar que o Executivo, por meio de decreto, pudesse, por si mesmo, interferir na liberdade ou na propriedade das pessoas. Ainda defendendo a obedincia ao princpio da legalidade, cita Pontes de Miranda :Onde se estabelecem, alteram ou

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    extinguem direitos, no h regulamentos _ h abuso do poder regulamentar, invaso de competncia legislativa. O regulamento no mais do que auxiliar das leis, auxiliar que si pretender, no raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem categoria de lei.

    Ao lado do art. 5, II da Contituio Federal, Bandeira de Mello cita os arts. 84, IV e 37 da Constituio Federal para defender a subordinao total de todos os atos da Administrao lei, e defende que o acrscimo da expresso nos termos da lei em alguns dispositivos constitucionais se d para vincar ainda mais reiteradamente a diretriz consagradora da subordinao da Administrao lei, tese que encontra oposio em alguns tericos que argumentam seres os temas dispostos na Constituio de maneira expressamente subordinada lei_ nos termos da lei, como a matria tributria_ os que contam com reserva legal, devendo ser tratados em lei formal e nos limites desta. Essa posio de Bandeira de Mello por ele defendida como forma de conter os arbtrios do Poder Executivo: Pode parecer, at mesmo estranho que a Lei Maior haja se ocupado com to insistente reiterao em sublinhar a inteireza do princpio da legalidade. F-lo, entretanto, a sabendas, por advertida contra a tendncia do Poder Executivo de sobrepor-se s leis. que o Executivo, no Brasil, abomina a legalidade e tem o costumeiro hbito de afront-la, sem ser nisso coartado, como devido. Da a insistncia constitucional, possivelmente na expectativa de que suas dices to claras e repetidas ad nauseam encorajem o Judicirio a reprimir os desmandos do Executivo.

    Desse ponto de vista resulta a concepo de que finalidade e a natureza da competncia regulamentar a produo de normas requeridas para a execuo das leis unicamente quando estas demandem uma atuao administrativa a ser desempenhada dentro de um espao de liberdade que enseje regulao ulterior sob o argumento da preocupao de uma aplicao uniforme da

    lei pelos agentes administrativos, garantindo o respeito ao princpio da igualdade dos administrados.

    Tudo o que foi defendido por Bandeira de Mello em relao aos regulamentos por ele aplicado s instrues, portarias, resolues, regimentos e quaisquer outros atos gerais do Executivo de maneira mais vigorosa ainda, defendendo que Tratando-se de atos subalternos e expedidos, portanto, por autoridades subalternas, por via deles o Executivo no pode exprimir poderes mais dilatados que os suscetveis de expedio mediante regulamento. Assim, esses atos dos rgos ou entidades da Administrao direta ou indireta devem apresentar uma dependncia e subordinao lei, bem como uma limitao por esta, ainda mais rigorosa que no caso dos regulamentos do chefe do Executivo.

    Essa construo terica, porm, vem se mostrando anacrnica diante da nova dinmica social que enseja maior produo