a nova cara da pobreza rural desafios para politicas publicas

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InstItuto InteramerIcano de cooperação para a agrIcultura (IIca) representação do IIca no BrasIl SÉRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL A Nova Cara da Pobreza Rural: desafios para as políticas públicas Organizadores da Série Carlos Miranda e Breno Tiburcio Brasília – maio/2012 VOLUME 16

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InstItuto InteramerIcano de cooperao para a agrIcultura (IIca) representao do IIca no BrasIl

SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

A Nova Cara da Pobreza Rural: desafios para as polticas pblicas

VOLUME 16

Organizadores da Srie Carlos Miranda e Breno Tiburcio

Braslia maio/2012

Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura (IICA), 2012

A nova cara da pobreza rural: desafios para as polticas pblicas do IICA est sob licena de Creative Commons AtribucinNo Comercial-Compartir Igual 3.0 Unported. Disponvel em formato PDF em www.iica.int

Coordenao editorial: Carlos Miranda Copidesque: Valentina Pereira Buainain Diagramao: Fabiane de Arajo Alves Barroso Leiaute da capa: Fabiane de Arajo Alves Barroso Foto da capa: Regina Santos Impresso digital: Elite Comrcio e Servios Grficos LTDA

A nova cara da pobreza rural: desafios para as polticas pblicas / Antonio Marcio Buainain... [et.al] . Braslia: IICA, 2012. (Srie desenvolvimento rural sustentvel; v.16) 540 p., 15 x 23 cm ISBN 13: 978-92-9248-388-3 1. Desenvolvimento rural 2. Pobreza 3. Populao rural 3. Polticas 4. Setor publico 5. Brasil I. Buainain, Antonio Marcio C. II. IICA III. Ttulo AGRIS E50 DEWEY 338.18

APRESENTAO

Em maio de 2010, o IICA - Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura, iniciou a execuo do projeto intitulado A Nova Cara da Pobreza Rural no Brasil: transformaes perfil e desafios para as polticas publicas. Teve como objetivo formular proposies de polticas para o enfrentamento de pobreza rural no Brasil com uma focalizao mais apropriada e diferenciada para as aes de incluso scioprodutiva, que tomassem em conta as especificidades e potencialidades dos diferentes segmentos da populao rural em condies de pobreza. A concepo do projeto partiu da constatao que a sociedade e economia brasileira sofreram profundas transformaes nas ultimas duas dcadas, que incluram mudanas nas instituies em geral, na estrutura produtiva, nos padres tecnolgicos e na dinmica demogrfica, que se associaram redefinio dos espaos urbanos e rurais . Essas transformaes conjugadas s polticas sociais de garantia de renda , que incorporaram milhes de pessoas ao mercado interno, como tambm as polticas de sade , educao e eletrificao rural tiveram impactos importantes sobre as condies de vida da populao rural. Nesse contexto, anlises recentes informam tanto a queda da pobreza no campo, como as mudanas em seu perfil e dinmica reprodutiva. A importncia social destes movimentos fundamentaram a necessidade de maior conhecimento dos processos de transformao no meio rural, necessrio para consolidar as polticas existentes e para a construo de novas polticas capazes de reforar, de maneira positiva, o processo de transformao social no campo. Essas tendncias e seus impactos orientaram a elaborao dos estudos e a formulao das proposies do projeto, que na sua execuo focalizou trs dimenses principais: (i) a dimenso metodolgica para refletir e analisar as principais metodologias utilizadas para conceituar e quantificar a pobreza no Brasil; (ii) a dimenso emprica para realizao de analises sobre as caractersticas, perfil e diferenciao regional da pobreza rural; e (iii) a dimenso das polticas publicas, objetivando analisar a suficincia e adequao das polticas atuais, assim como as implicaes sobre o quadro poltico-institucionais relacionado com a gesto das aes de enfrentamento da pobreza rural.

Os contedos dos estudos e proposies do projeto esto consubstanciados nos volumes 16 e 17 da Srie de Desenvolvimento Rural Sustentvel, publicada pelo IICA. Os textos contidos no volume 16 esto organizados em cinco blocos temticos, a saber: dimensionamento e caracterizao da pobreza rural, a heterogeneidade da pobreza rural, determinantes da pobreza rural, avaliao das polticas publicas que incidem sobre a pobreza rural e, finalmente, elementos para uma agenda de polticas de enfrentamento da pobreza. Enquanto que os ensaios apresentados no volume 17 foram estruturados observando as seguintes temticas regionais : as caractersticas regionais da pobreza rural no Brasil , dinmica agrria na Amaznia e pobreza, dinmica agrcolas e rural no Nordeste, em especial no Semiarido, especificidades regionais e socioculturais da pobreza rural no Sudeste e Centro Oeste. Finalmente importante ressaltar que o projeto fruto de uma parceria celebrada entre o IICA, os Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, Desenvolvimento Social e da Educao e do IPEA. Contando para sua formulao e execuo com a orientao tcnica e acadmica do IICA, UNICAMP e UFU.

Carlos Miranda e Breno Tiburcio Organizadores da Srie DRS

PREFCIOA sociedade e economia brasileira sofreram profundas transformaes sociais e econmicas na ltima dcada, que mudaram a cara presente e o futuro do pas. Embora seja possvel mencionar muitas transformaes notveis, como a recuperao da economia, que voltou a crescer e hoje ocupa lugar de destaque e liderana no cenrio internacional; ou a recuperao da autoestima da populao brasileira e os avanos na rea nas reas estratgicas da Educao, Cincia, Tecnologia e Inovao, para mencionar apenas alguns exemplos, a mudana mais importante foi sem dvida a reduo da pobreza em geral, a incluso de quase 50 milhes de brasileiros cidadania e a reduo da desigualdade sociais - promovidas em grande medida pelas polticas adotadas durante a administrao do presidente Lula. Entre 2003 e 2010 aproximadamente 25 milhes de pessoas deixaram a pobreza e outros 25 milhes passaram a integrar uma nova classe mdia que j mostrou sua importncia estratgica no perodo recente, quando a crise internacional abateu a economia mundial e o Brasil pode sustentar o crescimento com base na fora do mercado domstico, que deixou de ser composto pela minoria da populao e do qual hoje participam praticamente toda a populao. Ainda assim, em 2010 em torno de 28 milhes de pessoas viviam em condies de pobreza, dos quais 16,2 em situao inaceitvel de misria, levando a Presidente Dilma a definir, antes mesmo de assumir o cargo, que a eliminao da misria seria prioridade do seu governo, com uma meta ambiciosa e clara de faz-lo at 2014. O Brasil um pas urbano com uma populao rural maior do que a populao total da maioria dos pases da Amrica Latina. De fato, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios PNAD/IBGE de 2008, o pas tinha uma populao de 10,5 milhes de pessoas ocupadas na agricultura e 27,8 milhes com domiclio rural para uma populao total de 186,9 milhes de pessoas. Destaca-se que de um total de 7,3 milhes de famlias com domiclio rural, 2,9 milhes se encontravam em situao de pobreza, ou seja, de uma populao rural de 26,2 milhes de pessoas, 12,2 milhes pertenciam a famlias em condio de pobreza em 2008. O tamanho da populao rural e ainda elevada proporo de pobres vivendo no meio rural, que foi historicamente marginalizada por um modelo de desenvolvimento com forte vis urbano, revela a necessidade de ateno especial e de polticas pblicas ativas para resgatar o passivo de pobreza e reduzir as disparidades rural urbano que so responsveis pelo esvaziamento do meio rural observado em vrias partes do pas e pelas migraes, em especial de jovens, que encontram nas cidades melhores condies para construir suas vidas. As polticas pblicas sociais de garantia de renda, as polticas de sade, eletrificao e educao tiveram impactos importantes sobre as condies de vida da populao rural, mas h ainda muito o que fazer.

no contexto destas preocupaes e da deciso do governo federal de priorizar a reduo da pobreza e eliminao da misria que se insere o projeto A Nova Cara da Pobreza Rural no Brasil, iniciativa do IICA, com o apoio e parceria dos Ministrios de Desenvolvimento Social e do Ncleo de Estudos e Desenvolvimento Agrrio NEAD, vinculado ao MDA, Ministrio da Educao e o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada - IPEA e contando como apoio acadmico da UNICAMP e da UFU. A srie de estudos, cujos resultados principais apresentamos nestes dois volumes, confirmam tanto a queda da pobreza como da reduo da desigualdade econmica no campo. Indicam, tambm, que alm da reduo, a pobreza rural est mudando de cara e de dinmica reprodutiva: em grande medida a pobreza j no se revela apenas na insuficincia de renda, ou na falta de moradia e luz eltrica bens e servios cuja proviso melhorou de forma notvel no perodo recente, mas na precariedade da educao rural, em problemas de acesso sade, nas condies de trabalho precrio e em carncias localizadas. Neste sentido os estudos revelam que as condies de vida dos pobres rurais se aproxima da situao dos no pobres e que os principais dficits so associados pobreza geral do meio rural, historicamente marginalizado pelas polticas pblicas. Mas os estudos revelam tambm a resistncia da pobreza velha, que aparece com todas as suas faces conhecidas da fome, do analfabetismo, da falta de acesso a gua e energia eltrica. O desafio da sociedade brasileira erradicar, nos prximos anos, esta pobreza. Os estudos, sob responsabilidade de um grupo de pesquisadores de prestigiadas universidades das 5 regies do pas e tcnicos de vrios ministrios, foram conduzidos com o objetivo explcito de aportar conhecimento dos processos de transformao no meio rural e de revelar a dinmica e faces da pobreza rural para apoiar a consolidao das polticas existentes e para a construo das novas polticas necessrias para reforar o movimento positivo e recente de transformao social no campo. Os estudos consideraram a diversidade regional e sociocultural do meio rural, buscando revelar as especificidades abre a possibilidade que as aes pblicas de enfrentamento da pobreza rural tenham uma focalizao mais adequada e uma diversidade de instrumentos compatveis com as necessidades e as potencialidades scio-econmicas de cada um dos segmentos mencionados. Esta publicao reafirma o compromisso do IICA, por meio do Frum Permanente de Desenvolvimento Rural Sustentvel - Frum DRS de trabalhar em prol do fortalecimento das instituies brasileiras visando melhorar as condies de vida de todas as famlias que moram no espao rural.

Manuel Rodolfo Otero Representante do IICA no Brasil

RESUMOEm maio de 2010, o IICA - Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura, iniciou a execuo do projeto intitulado A Nova Cara da Pobreza Rural no Brasil: transformaes, perfil e desafios para as polticas publicas. O objetivo foi formular proposies de polticas para o enfrentamento de pobreza rural no Brasil com uma focalizao mais apropriada e diferenciada para as aes de incluso scio produtiva, que tomassem em conta as especificidades e potencialidades das diferentes segmentos da populao rural em condies de pobreza. Os resultados dos estudos e proposies desse Projeto esto consubstanciados e publicados em dois volumes, 16 e 17 da Serie de Desenvolvimento Rural Sustentvel. O volume 16 est organizado em cinco blocos temticos, a saber: pobreza rural e desenvolvimento; dimenses do rural e o debate da pobreza; determinantes e dimenses da pobreza no Brasil; pobreza rural e polticas pblicas no Brasil; e pontos para agenda de polticas. Enquanto que os ensaios apresentados no volume 17 esto estruturado observando as seguintes temticas regionais: as caractersticas regionais da pobreza rural no Brasil , dinmica agrria na Amaznia e pobreza, dinmica agrcolas e rural no Nordeste, em especial no Semiarido, especificidades regionais e socioculturais da pobreza rural no Sudeste, e Centro Oeste.

RESUMEN

En mayo de 2010, el Instituto Interamericano de Cooperacin para la Agricultura IICA inici la ejecucin del proyecto titulado La Nueva Cara de la Pobreza Rural en Brasil: transformaciones, perfil y desafos para las polticas pblicas. El objetivo fue formular proposiciones de polticas para hacer frente a la pobreza rural en Brasil con un enfoque ms apropiado y diferenciado para las acciones de inclusin socio-productivas que lleven en cuenta las especificidades y potencialidades de los diversos segmentos de la poblacin rural en condiciones de pobreza. Los resultados de los estudios y proposiciones de dicho Proyecto estn resumidos y publicados en dos volmenes: 16 y 17 de la Serie de Desarrollo Rural Sostenible. El volumen 16 est organizado en cinco bloques temticos, que son: pobreza rural y desarrollo; dimensiones de la ruralidad y debate de la pobreza; factores y dimensiones de la pobreza en Brasil; pobreza rural y polticas pblicas en Brasil y temas para la agenda de polticas. En el volumen 17 los ensayos presentados estn estructurados en observancia a las siguientes temticas regionales: caractersticas regionales de la pobreza rural en Brasil, dinmica agraria en la Amazona y pobreza, dinmica agrcola y rural en el Noreste de Brasil, especialmente en el Semirido, especificidades regionales y socio-culturales de la pobreza rural en el Sureste y Centro Oeste.

ABSTRACT

In May 2010, the Inter American Institute for Cooperation on Agriculture IICA begun the execution of the project entitled The New Face of the Rural Poverty in Brazil: transformations, profile and challenges for public policies. The objective was to formulate proposals for policies tackling rural poverty in Brazil with a more appropriate focus and differentiated actions of socio-productive inclusion, considering the specifications and potentialities of several segments of the rural population under poverty conditions. The results of the studies and proposals of that Project are summarized and published in two volumes: 16 and 17 of the Series of Sustainable Rural Development. Volume 16 is divided in five thematic groups, as follows: rural poverty and development; rural dimensions and discussions about poverty; factors and poverty areas in Brazil; rural poverty and public policies in Brazil and themes for policies program. Volume 17 includes essays that were submitted and structured in accordance with the following regional themes: regional characteristics of the rural poverty in Brazil; agrarian management in the Amazon and its poverty; agricultural and rural management in the Northeastern Region, particularly in the semi-arid, with regional and socio-cultural specifications of the rural poverty in the Southeast and Middle West.

SUMRIO

PARTE 1 - POBREZA RURAL E DESENVOLVIMENTO ...............................................17CAPTULO I - UMA ABORDAGEM MULTIDIMENSIONAL DA POBREZA RURAL SEGUNDO A PERSPECTIVA DA POLTICA PBLICA ..............................................................................................................17(Cludio Dedecca, Antnio Buainain , Henrique Neder e Cassiano Trovo)

1. Introduo ...........................................................................................................................................................17 2. A nova centralidade da pobreza na poltica pblica .............................................................18 3. Monetizao, incentivo, multidimensionalidade ........................................................................22 4. A elaborao de indicadores multidimensionais de pobreza ............................................27 5. Os indicadores de multidimensionais de pobreza ....................................................................31 6. Perspectivas da populao rural na dinmica demogrfica ...............................................37 7. Tendncias gerais da pobreza segundo o critrio bsico de renda corrente ...........39 8. A pobreza rural segundo um enfoque multidimensional ....................................................43 9. Observaes gerais........................................................................................................................................45 CAPTULO II - AS DIFERENTES FORMAS DE DEFINIR O RURAL BRASILEIRO E ALGUMAS TENDNCIAS RECENTES IMPLICAES PARA POLTICAS DE DESENVOLVIMENTO E COMBATE POBREZA..............................................................................................................................................55(Arilson Favareto e Paulo Seifer)

Introduo ................................................................................................................................................................55 1. O que considerar rural e urbano na virada para o sculo XXI ...........................................56 1.1 As definies e dimenses do rural e do urbano nos pases do capitalismo avanado ................................................................................................................................................58 1.2 A longa evoluo das relaes rural-urbano....................................................................64 1.3 Implicaes para o desenvolvimento .................................................................................67 2. Relaes rural-urbano no Brasil: situao atual e possibilidades de futuro................71 2.1 As dimenses do rural e do urbano no Brasil .................................................................71 2.2 Para alm das mudanas demogrficas: o debate brasileiro sobre desenvolvimento rural na virada do milnio ...................................................................77 3. Polticas pblicas e investimentos na promoo do desenvolvimento rural e no combate pobreza.............................................................................................................................................86 3.1 Uma dcada de experimentaes..........................................................................................86 3.2 Condies para a definio de uma estratgia de futuro ........................................91

3.3 Uma nova agenda para o desenvolvimento rural .......................................................94 4. Concluso ............................................................................................................................................................98 CAPTULO III - CONTRIBUIES PARA A AGENDA DA POLTICA DE COMBATE POBREZA RURAL..............................................................................................................................................................................107(Cludio Dedecca)

1. Ponto de partida do projeto .................................................................................................................107 2. Contribuies para o desenvolvimento da poltica pblica de combate pobreza ..111 CAPTULO IV - DETERMINANTES DA POBREZA RURAL E IMPLICAES PARA AS POLTICAS PBLICAS NO BRASIL .............................................................................................................................................121(Steven Helfand e Vanessa Pereira)

1. Introduo ........................................................................................................................................................121 2. Determinantes da Pobreza Rural........................................................................................................123 2.1 Um quadro conceitual para a gerao de renda .........................................................123 2.2 Tipologia das sadas da pobreza rural .................................................................................127 3. A pobreza rural no Brasil e no mundo ............................................................................................129 3.1 Como o Brasil se compara a outros pases? ...................................................................129 3.2 A pobreza rural no Brasil..............................................................................................................131 4. Principais determinantes da pobreza rural ..................................................................................133 4.1 Introduo ..........................................................................................................................................133 4.2. Os determinantes da pobreza entre os produtores agrcolas: terra versus produtividade? .................................................................................................................................134 4.3 Ativos dos produtores agrcolas ...........................................................................................140 4.4 O capital humano no Brasil rural: o dficit educacional .........................................142 4.5 Obstculos para o sucesso da agricultura familiar: custos de transao e participao no mercado ..........................................................................................................149 4.6 Emprego rural no-agrcola (ERNA) e pobreza .............................................................152 5. Concluses.......................................................................................................................................................154 CAPTULO V - A POBREZA NA AMRICA LATINA E SEU COMBATE NO MEIO RURAL BRASILEIRO...................................................................................................................................................................161(Pierre Salama)

1. Introduo ........................................................................................................................................................161 2. A reduo da pobreza depende relativamente pouco das polticas de assistncias..165 3. As despesas sociais em progresso, mas nem sempre bem direcionadas. ...............183 4. Concluso .........................................................................................................................................................192

PARTE 2 - DIMENSES DO RURAL E O DEBATE DA POBREZA ..................... 205CAPTULO I - SIGNIFICADOS DA POBREZA NA SOCIEDADE CONTEMPORNEA..............205(Fernanda Calasans Lacerda)

1. Introduo ........................................................................................................................................................205 2. Os conceitos de pobreza ........................................................................................................................207 3. O estudo da pobreza no Brasil.............................................................................................................220 4. Polticas pblicas de combate pobreza .....................................................................................225 5. Consideraes Finais..................................................................................................................................233 CAPTULO II - POBREZA: CONCEITOS E MENSURAO ....................................................................241(Regis Oliveira, Antnio Buainain e Henrique Neder)

1. O que Pobreza? ........................................................................................................................................241 2. Mensurando a pobreza ............................................................................................................................246 2.1 Fontes de Informaes sobre a pobreza no Brasil ......................................................246 2.2 Medidas de Pobreza .......................................................................................................................248 2.3 As medidas das Naes Unidas ..............................................................................................250 2.4 Abordagem multidimensional ................................................................................................252 3. Consideraes finais ..................................................................................................................................255 CAPTULO III - A QUESTO AGRRIA E A POBREZA RURAL NO BRASIL ..................................259(Alexandre Valadares, Antnio Filho, Brancolina Ferreira e Fbio Alves)

1. Razes da pobreza do Brasil rural: o velho e o novo x a questo fundiria .............259 2. A Reforma agrria - atualidade ...........................................................................................................260 3. A Reforma agrria e a poltica de assentamentos rurais ....................................................262 4. Quadro geral da estrutura fundiria brasileira acesso terra e demanda potencial por reforma agrria .....................................................................................................................................266 5. A pobreza rural a partir das concepes e dados do Banco Mundial ........................268 6. Pobrezas absolutas, terras ocultadas: Brasil e Amrica Latina em perspectiva .....276 7. Consideraes finais ..................................................................................................................................284

PARTE 3 - DETERMINANTES E DIMENSES DA POBREZA NO BRASIL..... 287CAPTULO I - EMPREGO NA AGRICULTURA BRASILEIRA: NOTAS DE SUBSDIOS PARA AS POLTICAS PBLICAS DE ERRADICAO DA POBREZA....................................................................287(Otvio Balsadi)

1. Introduo ........................................................................................................................................................287 2. Um olhar sobre a populao ocupada, com foco no rural ................................................288

3. Fazendo um recorte para o mercado de trabalho assalariado........................................291 4. Avanos e dilemas no mercado de trabalho assalariado rural e agrcola no perodo recente ...............................................................................................................................................................296 4.1. O qu ainda merece ateno?................................................................................................301 5. Polticas pblicas integradas de erradicao da pobreza com foco nos assalariados rurais e agrcolas ................................................................................................................................................304 6. Consideraes finais ..................................................................................................................................316 CAPTULO II - POBREZA E EXTERMA POBREZA NO BRASIL RURAL ............................................319(Mauro Del Grossi)

1. Introduo ........................................................................................................................................................319 2. As informaes do Censo Agropecurio 2006 ..........................................................................319 3. As informaes das Pnads entre 2001 a 2009............................................................................322 4. A extrema pobreza rural em 2009 .....................................................................................................327 5. Consideraes finais ..................................................................................................................................334 CAPTULO III - DISTRIBUIO DE RENDIMENTOS E QUALIDADE DE VIDA DOS DOMICLIOS RURAIS BRASILEIROS ..............................................................................................................................................335(Alexandre Gori)

1. Introduo ........................................................................................................................................................335 2. Polticas pblicas, pobreza e desigualdade .................................................................................337 3. Indicadores subjetivos da qualidade de vida .............................................................................339 4. Dinmica da distribuio de rendimentos ..................................................................................342 4.1 Dinmica da pobreza e das fontes de rendimento ...................................................342 4.2 Distribuio das fontes de rendimento .............................................................................345 4.3 Distribuio regional das fontes de rendimento .........................................................348 5. Dinmica da qualidade de vida ..........................................................................................................350 5.1 Percepes sobre a qualidade de vida ...............................................................................350 5.2 Diferenas de renda da percepo de qualidade de vida......................................353 5.3 Diferenas regionais da percepo de qualidade de vida .....................................356 6. Padres de associao entre a dinmica dos rendimentos e da qualidade de vida ...359 7. Comentrios finais.......................................................................................................................................361

PARTE 4 - POBREZA RURAL E POLTICAS PBLICAS NO BRASIL ................. 367CAPTULO I - ALCANCE E LIMITE DAS POLTICAS SOCIAIS PARA O COMBATE POBREZA: DESAFIOS DO MUNDO RURAL ........................................................................................................................367(Lena Lavinas e Barbara Cobo)

1. Evoluo recente da pobreza e cobertura dos programas de renda..........................371 2. Atividade e Trabalho Infantil .................................................................................................................378 3. A preveno contra riscos e a pobreza .........................................................................................383 4. Pobreza no-monetria: acessibilidade e bem-estar da populao rural ................386 5. A cobertura de sade................................................................................................................................391 6. Pontos de uma agenda para erradicao da misria ...........................................................393 CAPTULO II - AS POLTICAS PBLICAS DE EDUCAO DO CAMPO E AS PERSPECTIVAS DE CONTRIBUIO PARA A SUPERAO DA POBREZA RURAL ..................................................399(Eliane Dayse Furtado e Jos Ribamar Furtado )

1. Introduo ........................................................................................................................................................399 2. Sumrio da situao histrica, sociocultural e econmica da populao rural ...403 3. Caractersticas gerais do sistema de educao do pas .......................................................406 4. Polticas pblicas na educao do campo...................................................................................412 4.1 Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria Pronera .......................413 4.2 Escola Ativa ..........................................................................................................................................418 4.3 Programa nacional de educao de jovens agricultores (as) familiares integrada qualificao social e profissional (ProJovem campo saberes da terra).........................................................................................................................................................425 4.4 Programa de apoio formao superior em licenciatura em educao do campo (Procampo) .....................................................................................................................428 4.5 Quadro sntese das polticas .....................................................................................................429 5. Alcance e possibilidades das polticas para a superao da pobreza rural .............432 CAPTULO III - AS ATUAIS POLTICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL ..........441(Brenda Braga)

Apresentao .....................................................................................................................................................441 1. Introduo ........................................................................................................................................................442 2. Polticas e programas federais de desenvolvimento rural selecionados ................444 2.1 Crdito Rural - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Pronaf .................................................................................................................................................444 2.2 Seguro agrcola .................................................................................................................................447 2.3 Comercializao ..............................................................................................................................449 2.4 Reforma agrria ..............................................................................................................................452 2.5 Assistncia tcnica .........................................................................................................................458

2.6 Energia renovvel ...........................................................................................................................459 2.7 Desenvolvimento territorial ......................................................................................................461 2.8 Articulao de polticas para enfrentamento da pobreza rural .........................462 3. Anlise das polticas e programas federais de desenvolvimento rural selecionados ............................................................................................................................................... 473 3.1 Crdito rural ......................................................................................................................................475 3.2 Seguro agrcola .................................................................................................................................478 3.3 Comercializao................................................................................................................................480 3.4 Reforma agrria .................................................................................................................................484 3.5 Assistncia tcnica .........................................................................................................................486 3.6 Energia renovvel ...........................................................................................................................487 3.7 Articulao de polticas para enfrentamento da pobreza rural ..........................488 3.8 Programa territrios da cidadania .........................................................................................491 4. Sntese dos desafios coordenao e alcance das polticas de desenvolvimento rural ............................................................................................................................................................................497 5. Sugesto de agenda prioritria .........................................................................................................498

PARTE 5 - POBREZA RURAL: PONTOS PARA AGENDA DE POLTICAS PBLICAS ..................................................................................................................................... 505(Antnio Buainain, Cludio Dedecca e Henrique Neder)

srIe desenvolvImento rural sustentvel

desafios para as polticas pblicas

A Nova Cara da Pobreza Rural:

PARTE 1 POBREZA RURAL E DESENVOLVIMENTO

CAPTULO I UMA ABORDAGEM MULTIDIMENSIONAL DA POBREZA RURAL SEGUNDO A PERSPECTIVA DA POLTICA PBLICA1

Cludio Salvadori DedeccaProfessor Titular do Instituto de Economia da Unicamp.

Antnio Mrcio Buainain

Professor Livre Docente do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador senior do Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia em Polticas Pblicas, Estratgia e Desenvolvimento (INCT/PPED).

Henrique Dantas NederProfessor adjunto do Instituto de Economia da UFU.

Cassiano Jos Bezerra Marques TrovoDoutorando do IE/Unicamp

1. IntroduoO objetivo do projeto foi enfrentar o desafio de conhecimento da pobreza rural, visando organizar conhecimento estruturado e adequado para as polticas pblicas. Neste sentido, esteve sistematicamente presente a necessidade de se analisar a pobreza em uma perspectiva multidimensional, que alargasse o enfoque centrado na viso monetria do problema, isto , da relao estreita entre necessidade bsica de renda e pobreza. As razes dessa preocupao decorrem do fato da situao de pobreza no apresentar um carter absoluto, mas dinmico, pois sua identificao depende do grau de desenvolvimento socioeconmico e dos valores coletivos morais e ticos considerados relevantes pela sociedade. Em outras palavras, no se pode considerar os critrios para definio de pobreza que eram adotados no incio ou em meados1 Este ensaio contou com o apoio do Professor Alexandre Gori Maia (IE/Unicamp).

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do Sculo passado. O pas se desenvolveu, novos padres de consumo foram estabelecidos, novo arcabouo de proteo social foi adotado e novas expectativas sobre nveis mnimos de bem-estar foram inscritas na sociedade. Portanto, faz-se necessrio entender o desafio de combate pobreza levando-se em conta estas diversas questes, ou melhor, dimenses do desenvolvimento socioeconmico. Esta anlise desenvolve os argumentos e metodologia de um enfoque multidimensional da pobreza, orientados para o quadro institucional de polticas sociais presente hoje no Brasil. Em termos analticos, so apresentados resultados agregados propiciados pela metodologia construda. Entretanto, explicitado o potencial que ela carrega para informar os investimentos, gesto e estruturao das polticas sociais.

2. A nova centralidade da pobreza na poltica pblicaDesde os anos 80, o tema da pobreza tem se apresentado como uma recorrncia nas agendas dos governos e das instituies multilaterais de desenvolvimento. O fim do ciclo de expanso do ps-guerra explicitou, ao menos, dois aspectos difceis do processo de desenvolvimento realizado. O primeiro, associado aos desafios colocados para os pases desenvolvidos do ocidente em face da situao de esgotamento de uma fase longa de desenvolvimento, referia-se aos riscos de emergncia da pobreza nestas naes, os quais demandavam novas alocaes de recursos para a poltica social que se faziam conflitantes com as diretrizes de austeridade fiscal que comeavam a ser adotadas. O aumento do desemprego prolongado associado reestruturao produtiva ampliava os riscos de emergncia da pobreza nos pases desenvolvidos, pois havia indcios que uma parcela no desprezvel da populao demandaria, por tempo prolongado, de proteo social com escopo mais amplo. Isto , a manuteno das condies de vida da populao de menor renda, com maior probabilidade de ser afetada negativamente pela crise e a reorganizao econmica, dependia do aprofundamento do Estado de Bem-Estar Social, via ampliao das polticas e programas existentes, estabelecendo a necessidade de aumentar o gasto pblico com a poltica social. A elevada participao da populao de mais de 60 anos indicava, por outro, uma fonte de presso autnoma por maior despesa pblica com os regimes nacionais de previdncia social. A presso por austeridade fiscal constrangia a adoo da soluo de simples aumento do gasto com a poltica social. A busca de inovaes na poltica social que no acarretassem aumento do financiamento se transformou em regra comum dos governos nacionais. Mudanas na gesto e na configurao das polticas e programas passaram a ocupar a agenda

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pblica. A soluo para a pobreza existente no poderia passar pela incorporao ao mercado de trabalho, considerando a ausncia de crescimento e o acesso crescente a novos programas da poltica social. A reorganizao da poltica social passava a ser encaminhada, aparecendo o tema da pobreza como uma questo a ser enfrentada com instrumentos especficos de poltica pblica. O segundo aspecto relacionava-se aos pases no desenvolvidos. Apesar das amplas diferenas econmicas e sociais que marcavam seus processos de desenvolvimento, um elemento comum era identificado. Constatava-se que, mesmo para aqueles que haviam conseguido alcanar estgios mais avanados, o processo de desenvolvimento no havia permitido resolver adequadamente o problema da pobreza. Ao contrrio, o processo de industrializao e urbanizao havia amplificado o problema em vrios pases, tendo como uma das referncias importantes a experincia brasileira. O esgotamento da expanso do ps-guerra interrompia o modelo de financiamento externo que havia viabilizado a industrializao de parte dos pases em desenvolvimento, pondo em xeque a prpria sustentao das condies econmicas e sociais alcanadas. Rompia-se, deste modo, as possibilidades destas naes equacionarem o problema da pobreza atravs de trajetria semelhante percorrida pelos pases desenvolvidos no ps-guerra. O combate pobreza via ampliao do gasto da poltica social se colocava em uma situao de impasse, havendo riscos crescentes de regresso da proteo social, seja em razo da crise financeira dos estados nacionais, como da maior demanda associada com a crise dos mercados nacionais de trabalho. No final do Sculo passado, a questo da pobreza voltava a rondar as naes, independentemente do grau de desenvolvimento econmico e social alcanado por cada uma delas, sendo que as restries execuo de polticas de combate pelo aumento do gasto social passavam a se apresentar quase como intransponveis. A fragilidade da situao fiscal dos estados nacionais em um contexto poltico adverso, onde posies polticas conservadoras passaram a ter prevalncia na definio das polticas pblicas, bloqueava possveis aumentos do gasto pblico, ao mesmo tempo em que emergia proposies de aumento da eficincia desse gasto na rea social pela reorganizao dos programas. As noes de focalizao, contrapartida e meta na definio dos programas foram se tornando progressivamente termos comuns na gesto das polticas sociais. Em vrios pases desenvolvidos, os programas de seguro-desemprego se constituram em balo de ensaio para a introduo de mudanas visando reorganizao das polticas sociais. A reduo de tempo de vigncia do auxlio associada a restries recusa pelo desempregado de uma oferta de emprego foi

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uma caracterstica que, em maior ou menor intensidade, esteve presente nas reformas dos programas de seguro-desemprego. As alteraes introduzidas neste programa foram dando o norte para a mudana em outros programas sociais, que inclusive ampliaram a vinculao do benefcio recebido iniciativa da populao adulta de busca ativa de emprego. A organizao e gesto dos programas sociais foram progressivamente incorporando a noo de proteo associada ao trabalho (Workfare), enfraquecendo paulatinamente aquela associada proteo universal (Welfare)2. Os argumentos em favor desta transio da orientao da proteo social foram que, em um ambiente de elevado e recorrente desemprego, era fundamental que houvesse presso e induo em favor da insero no mercado de trabalho, mesmo que as possibilidades ocupacionais pudessem ser mais desfavorveis que as vigentes na situao anterior de emprego. Havia a expectativa que esta orientao impediria a acomodao da populao desempregada ou com dificuldades de insero inicial, como os jovens, na poltica social. Abria-se, portanto, um movimento de reorientao dos sistemas nacionais de proteo social, marcado pela maior presena de exigncias e contrapartidas pela populao demandante. A questo da eficincia alocativa dos programas foi ganhando fora dentre os gestores das polticas pblicas e a representao poltica dos governos. Durante o crescimento do ps-guerra, a viso predominante entendia que a proteo social, exclusive as aposentadorias, no deveria estar condicionada a mecanismos de incentivo, pois as carncias sociais da populao decorriam de problemas de funcionamento da sociedade capitalista. A partir dos anos 90, foi se introduzindo a perspectiva que tais carncias tinham relao com a ausncia de iniciativa da populao em contribuir e se esforar para a sua superao. As implicaes desse processo foram precocemente esmiuadas em meados da dcada de 90 por Thurow (1996), que entendia serem elas um ameaa para a estabilidade e o desenvolvimento futuro do capitalismo. importante explicitar que estas duas perspectivas sempre estiveram presentes na discusso sobre a proteo social no processo de desenvolvimento capitalista. No processo pioneiro de formao da sociedade, trilhado pela Inglaterra, prevalecia a perspectiva que hoje tem maior expresso. Somente a partir do final do Sculo XIX, durante a era vitoriana, comeou a emergir a viso da poltica social de natureza mais universal e com baixas condicionalidades, movimento que ganhou fora ao longo dos anos 30 e se consolidou a partir de meados da dcada de 40 do Sculo passado. A disputa entre elas uma recorrncia na histria do capitalismo, afetando tambm o grau de universalizao e de mercantilizao da poltica social ao longo do tempo.2 Uma anlise abrangente da transio do modelo de proteo social do Welfare para o Workfare encontrada nos ensaios reunidos por Mead et al (1997).

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A orientao de se estabelecer maior restrio ao acesso ao seguro-desemprego acabou transbordando para as outras polticas sociais, exclusive aquela de educao para a populao entre 6 e 18 anos, em vrios pases desenvolvidos. Mecanismos de restrio ao acesso foram sendo paulatinamente adotados nas polticas de sade, garantia de renda, habitao e aposentadoria. Nos pases em desenvolvimento, este movimento foi mais intenso, tendo sido introduzidas alteraes profundas na organizao da poltica social, como observado na Argentina e Chile. O maior risco de aumento da pobreza, em um contexto de ausncia de crescimento econmico, isto , de crise de emprego, e de recuo do grau de proteo da poltica social, exigia maior ateno em relao ao problema por parte dos estados nacionais, desenvolvidos ou no. Por outro lado, as instituies internacionais passaram a buscar alternativas para suas aes, seja em razo da menor disponibilidade de recursos que passaram a dispor, seja por causa da exploso da demanda por financiamentos por parte dos pases em desenvolvimento. As orientaes para as polticas de combate pobreza foram tambm se modificando progressivamente, processo marcado at por uma perda de articulao entre os programas com fins especficos e os demais programas da poltica social. Ao mesmo tempo em que tanto a questo do incentivo como a monetizao do problema foi ganhando expresso nas orientaes para os programas nacionais de combate pobreza. Segundo tipologia proposta por Esping-Andersen (1990), amplamente conhecida nos ambientes acadmico e dos gestores da poltica pblica, possvel indicar trs modelos de regulao e proteo social presentes no desenvolvimento capitalista das naes, consolidados ao longo do Sculo XX: Liberal - caracterizado pela maior expresso de programas focalizados, com baixa incidncia das transferncias ou de protees universais. Nestes modelos, os regimes de aposentadoria por capitalizao e de sade via convnios privados, individuais ou coletivos, tendem a ser predominantes. Uma maior monetizao e mercantilizao das polticas sociais caracterstica fundamental. A experincia americana a mais representativa; Conservador com origens na presso dos interesses da igreja e dos partidos conservadores, caracterizado por uma pondervel regulao estatal, tendo na famlia sua referncia de estruturao. Segmentado e hierarquizado socialmente, teve na insero produtiva dos homens a vinculao da proteo social. O mercado de trabalho teve papel determinante para a estruturao da proteo social. Dominante na Europa Ocidental, ele tem as experincias da Frana e Alemanha como as mais representativas;

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Socialdemocrata estruturado a partir das demandas organizadas dos trabalhadores, transitou da proteo ao trabalho para a poltica social de natureza mais universal. Os benefcios sociais tenderam ser reconhecidos como direitos, tendo havido baixa incidncia de condicionalidades em seu acesso. Os pases nrdicos so apontados como as experincias mais importantes. Mesmo considerando os problemas existentes nesta tipologia3, que estabelece um forte enquadramento de uma ampla diversidade de experincias de sistemas nacionais de proteo social, inegvel que ela explicita a tenso dessas perspectivas, a liberal e a socialdemocrata, que em grande medida foram apontadas como relevantes para a redefinio das referncias bsicas da poltica social, nestes ltimos 30 anos, at mesmo daquela de combate pobreza. possvel argumentar que ao mesmo tempo em que a poltica de combate pobreza ampliou sua importncia na poltica social, novas orientaes foram lhe sendo imprimidas, alterando seus objetivos e suas caractersticas de modo pondervel.

3. Monetizao, incentivo, multidimensionalidadeOs novos termos propostos para as polticas de combate pobreza, nos anos 80 e 90, foram estreitamente marcados pelas noes de monetizao e de incentivo. A associao do problema renda e necessidade de ampliar os instrumentos de transferncia direta em substituio queles de natureza indireta tiveram proeminncia nos documentos de formulao de polticas de combate pobreza das instituies internacionais, em especial do Banco Mundial. A experincia americana do foodstamp era indicada como a mais eficiente em termos de alocao de recursos e de reduo da pobreza. Entendia-se que a existncia de um cadastramento criterioso das famlias em situao de pobreza e a transferncia direta de renda para aquelas em situao reconhecida de risco social se constitua na estratgia de maior eficincia. A orientao incorporava a necessidade de incentivar a populao pobre a buscar sadas prprias, aceitando a educao fundamental como a nica poltica sem condicionalidade de acesso. Para justificar a importncia do incentivo para que a populao buscasse sadas prprias, ampla importncia foi dada experincia do Grammen Bank em Bangladesh, criado pelo Professor Muhammad Yunus em 19764. A iniciativa buscou reduzir a pobreza por meio de pequenos financiamentos para a organizao de negcios3 4 Ver Ferrera (1998) e Moreno (2001). Ver .

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prprios pelas famlias, visando reduzir sua dependncia em relao s possveis iniciativas da poltica estatal. A associao da condio de pobreza a um nvel bsico de renda monetria ganhou proeminncia, afinal o enfoque na transferncia direta de renda encontravase dependente de uma referncia. Mesmo considerando outras carncias sociais e econmicas vividas pelas famlias pobres, a renda auferida era a referncia bsica. Ademais, em uma situao de crise de emprego, a ausncia de renda, em uma sociedade na qual o consumo viabilizado especialmente pelo acesso moeda por meio do trabalho, coloca a sobrevivncia imediata em situao de risco explcito. Um dos indicadores elaborados pelo Banco Mundial, que acabou recebendo ampla visibilidade da mdia, derivou a condio de pobreza extrema da situao de renda familiar per capita inferior a US$ 1,25. O indicador acabou sendo reconhecido como uma linha de pobreza representativa. A adoo de algum critrio monetrio bsico equivalente ganhou fora nas orientaes das instituies internacionais para financiamento dos programas de combate pobreza, que era acrescida da defesa da focalizao das demais polticas sociais, bem como da reduo da presena do Estado na execuo das aes. Esta funo deveria ser repassada para instituies no governamentais, pois se considerava que estas teriam mais agilidade e menor custo quando comparados aos incorridos pela gesto estatal. A nova orientao realizava uma forte crtica perspectiva dos programas de combate pobreza at ento conduzidos pelo Estado. A primeira se dirigia a uma possvel ineficincia de gesto, relacionada a gastos administrativos excessivos decorrentes da complexidade e diversidade das aes de transferncia indireta de renda. A segunda apontava que os programas no tinham focalizao na pobreza. Isto , imputava gesto e ao foco dos programas a responsabilidade da reiterao da pobreza no processo de desenvolvimento, em especial para os pases no desenvolvidos. Neste sentido, ela considerava que estes pases no deveriam buscar reproduzir os sistemas amplos de proteo social estabelecidos por vrios pases desenvolvidos, mas focar e discriminar a proteo para a populao efetivamente pobre. Ou melhor, transitar de um modelo de proteo social ampla para um restrito populao pobre. A experincia americana influenciava diretamente a nova orientao, em detrimento de uma perspectiva mais associada a dos pases da Europa Ocidental. Ademais, a nova orientao era convergente com o ambiente de restrio e austeridade fiscal defendido pelas instituies internacionais. Em um contexto de debilidade das condies de financiamento das polticas pblicas, esta perspectiva encontrou um ambiente favorvel para sua legitimao, levando que prosperassem os programas de combate pobreza com maior foco na

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transferncia direta de renda com menor presena do Estado, na gesto e na oferta de poltica pblicas de proteo social. A desarticulao da poltica de combate pobreza com as demais polticas sociais foi uma das consequncias produzidas pela nova orientao. Se do ponto de vista da renda, a diretriz atenuava uma dimenso da pobreza, se observou poucos avanos nos demais indicadores poltica social. Ademais, no se constatou a ocorrncia de resultados positivos e generalizados dos mecanismos de incentivo. De tal modo, que a dependncia das famlias da transferncia de renda no assumiu um carter transitrio, mas permanente. Em termos objetivos, se procedeu a uma ampliao do enfoque monetrio da poltica de combate pobreza, bem como lhe foi dada uma maior proeminncia na poltica pblica. Levando at mesmo a proposio de condicionar o processo de crescimento e desenvolvimento aos seus objetivos, sugerindo-se implicitamente que os termos do crescimento anterior eram insuficientes para um combate adequado da pobreza. No esteio desta perspectiva se concebeu o termo de crescimento prpobre. Isto , as novas diretrizes para os programas de combate pobreza seriam base para um modelo de crescimento e desenvolvimento, que deteria as condies adequadas para configur-lo, de fato, em um processo capaz de superar a pobreza, mas tambm a desigualdade social prevalecente nas sociedades no desenvolvidas. A centralidade de uma viso econmica para a reorganizao da poltica de combate pobreza acabou por se constituir em um ponto de partida de um processo maior de reflexo, em direo a uma nova abordagem mais abrangente do problema, mas com caractersticas distintas daquelas encontradas na gesto da poltica social do ps-guerra. A retomada de uma abordagem mais abrangente foi caracterizada pelo reconhecimento da necessidade de se adotar objetivos explcitos de combate pobreza na gesto da poltica social. Segundo as Naes Unidas, observa-se...que en todo el mundo hay un aumento de la prosperidad de algunos, acompaado lamentablemente de un aumento de la pobreza extrema de otros. Esta contradiccin evidente es inaceptable y se ha de remediar con medidas urgentes. La globalizacin, que es consecuencia del aumento de la movilidad humana, del progreso de las comunicaciones, del gran aumento del comercio y las corrientes de capital y de los avances tecnolgicos, abre nuevas oportunidades para el crecimiento econmico sostenido y el desarrollo de la economa mundial, particularmente en los pases en desarrollo. La globalizacin permite asimismo que los pases compartan experiencias y extraigan enseanzas de los logros y dificultades de los dems, y fomenta el enriquecimiento mutuo de sus ideales, valores culturales y aspiraciones. Al mismo tiempo, el rpido proceso de cambio y ajuste se ha visto acompaado de un aumento de la pobreza, el desempleo y la desintegracin social.

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Tambin se han globalizado ciertas amenazas al bienestar del ser humano, como los riesgos ambientales. Adems, las transformaciones globales de la economa mundial estn modificando profundamente los parmetros del desarrollo social en todos los pases. El desafo actual consiste en encontrar la forma de controlar esos procesos y amenazas para que aumenten sus beneficios y se atenen sus efectos negativos sobre las personas (Pag. 7)... Orientaremos nuestros esfuerzos y nuestras polticas a la tarea de superar las causas fundamentales de la pobreza y atender a las necesidades bsicas de todos. Estos esfuerzos deben incluir la eliminacin del hambre y la malnutricin; el establecimiento de la seguridad alimentaria, y el suministro de educacin, empleo y medios de vida, servicios de atencin primaria de la salud, incluida la salud reproductiva, agua potable y saneamiento, vivienda adecuada y oportunidades de participacin en la vida social y cultural. Se conceder prioridad especial a las necesidades y los derechos de las mujeres y los nios, que suelen soportar la mayor carga de la pobreza, y a las necesidades de las personas y los grupos vulnerables y desfavorecidos (pg. 15).

Nesta perspectiva, Oyen (2005) argumenta que a poverty is an extremely complex phenomenon that cannot be described or understood through a limited set of variables or a fixed context (pag. 2)5. A evoluo do indicador de pobreza da Organizao das Naes Unidas, observado nestes ltimos 20 anos, reflete a tendncia de progressivo alargamento da abordagem do problema. Como parte da construo do IDH foi elaborado o Indicador de Pobreza Humana (IPH), que alm da linha de limiar da pobreza de US$ 1,25 adotou alguns indicadores sintticos de educao, de expectativa de vida de acesso sade, gua potvel e nutrio. Recentemente, o IPH foi substitudo pelo Indicador de Pobreza Multidimensional (IPM). O Relatrio de Desenvolvimento Humano de 2010 (PNUD 2010) introduziu o IPM.Tal como o desenvolvimento, a pobreza multidimensional mas isto habitualmente ignorado pelos nmeros que surgem nos cabealhos. [O IPM] complementa as medidas baseadas no dinheiro ao tomar em considerao diversas privaes e respectiva sobreposio. O ndice identifica privaes nas mesmas trs dimenses que compem o IDH e mostra o nmero de pessoas que so pobres (que sofrem um dado nmero de privaes) e o nmero de privaes com as quais as famlias pobres normalmente se debatem. Pode ser decomposto por regio, etnia e outros grupos, bem como por dimenso, o que faz dele uma ferramenta vlida para os formuladores de polticas. Algumas concluses: i.5 Uma rica anlise abrangente das perspectivas analticas e metodolgicas sobre a pobreza encontrada em Pantaziset et al. (2006). No Captulo 2, The concept and measurement of poverty, elaborado por David Gordon (2006), encontrada uma apresentao das diversas vertentes analticas, com abordagem especial das vises de Sem e Townsend, dois dos maiores estudiosos do tema.

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Cerca de 1,75 mil milhes de pessoas dos 104 pases cobertos pelo IPM (um tero da sua populao) vive em estado de pobreza multidimensional ou seja, com pelo menos um tero dos indicadores a refletir privao grave na sade, na educao ou no padro de vida. Isto excede a estimativa de 1,44 mil milhes de pessoas desses pases que vivem com um mximo de USD 1,25 por dia (embora esteja abaixo da proporo que vive com USD 2 ou menos). Os padres da privao tambm diferem dos da pobreza de rendimento em aspectos importantes; ii. a frica Subsaariana tem a mais elevada incidncia de pobreza multidimensional. O nvel varia entre um mnimo de 3% na frica do Sul e uns enormes 93% na Nigria; a proporo mdia de privaes varia entre os 45% (no Gabo, no Lesoto e na Suazilndia) e os 69% (na Nigria). Contudo, metade dos multidimensionalmente pobres de todo o mundo vive no Sul da sia (51% ou 844 milhes de pessoas) e mais de vive na frica (28% ou 458 milhes de pessoas). Estas novas medidas proporcionam muitos outros resultados (e perspectivas) at agora desconhecidos, que podem orientar os debates e o desenho das polticas de desenvolvimento. As perdas grandes no IDH em razo da desigualdade indicam que a sociedade tem muito a ganhar se concentrar os seus esforos em reformas para melhoramento da igualdade. E um ndice Multidimensional de Pobreza elevado que coincida com uma baixa pobreza de rendimento sugere que h muito a ganhar com o melhoramento da prestao de servios pblicos bsicos. As medidas abrem novas e entusiasmantes possibilidades de investigao, o que nos permite lidar com questes vitais (pags. 8 e 9).

possvel encontrar uma crtica, mesmo que rpida ou velada, da abordagem monetria do problema da pobreza e o reconhecimento explcito da impossibilidade de combat-la sem incorporar o tema da desigualdade e de acesso amplo e adequado aos bens pblicos, propiciados particularmente pela poltica social. Tambm, o enfoque proposto ataca diretamente a viso utilitarista e individualista da perspectiva monetria da condio de pobreza, que na maioria das vezes domina a abordagem de natureza econmica. Prope-se o rompimento da perspectiva que vinha relacionando a superao da situao de pobreza capacidade individual das famlias de alocarem adequadamente a renda auferida. So reconhecidos os determinantes sociais e coletivos do problema da pobreza. Em termos objetivos, atenua-se fortemente a possibilidade de logro da condio de pobreza a partir de uma perspectiva individual, retomando-se aquela que reconhece a importncia das estratgias das famlias, mas considera que esta somente poder ser exitosa se bens e servios pblicos coletivos lhe estiverem adequadamente disponibilizados. Como aponta Larraaga (2007), o enfoque da pobreza em uma perspectiva multidimensional permite superar o equvoco da associao do problema capacidade das famlias em estabelecerem estratgias adequadas, as quais dependem da liberdade individual que elas acedem e que decorre da menor presena dos

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mecanismos estatais de regulao das polticas sociais6. Como aponta o autor, o enfoque multidimensional requer a superao do marco terico proposto por Rawls (1971), amplamente adotado na reorganizao das polticas pblicas a partir dos anos 70, que tem na liberdade individual sua referncia bsica. Retomando a proposta do PNUD sobre o ndice de Pobreza Muldimensional, pode-se dizer que, se do ponto de vista quantitativo, a iniciativa tem potencial de dar uma contribuio original para ampliar o conhecimento da poltica pblica de combate pobreza, no se pode dizer o mesmo em relao a sua contribuio terica ou metodolgica. As proposies de uma abordagem multidimensional da pobreza podem ser encontradas desde os anos 30 na discusso sobre poltica social na Europa e mesmo nos Estados Unidos7. Do ponto de vista da evoluo estrita da pobreza nos pases desenvolvidos, sua regresso foi parte das transformaes polticas, expressas na consolidao dos regimes democrticos, que se traduziu na construo progressiva de um amplo leque de polticas pblicas entre o final do Sculo XX e os anos imediatos do aps Segunda Guerra (Polanyi, 1957).

4. A elaborao de indicadores multidimensionais de pobreza8Um aspecto relevante a ser destacado sobre a abordagem multimensional diz respeito s maiores condies dela ser hoje adotada, em razo do intenso desenvolvimento das bases de informao socioeconmicas propiciado pelas rpidas transformaes realizadas pela tecnologia da informao nestas ltimas dcadas. Apesar do amplo reconhecimento das implicaes do acesso aos bens e servios pblicos para a determinao da condio de pobreza, sua melhor caracterizao encontrava restries na disponibilidade reduzida de dados adequados e atualizados. Mesmo nos pases desenvolvidos, o Censo Demogrfico era a principal, e em muitos casos a nica, fonte de informao disponvel e acessvel, muitas vezes em um prazo bastante defasado, at a dcada de 1970. A divulgao dos resultados do Censo Demogrfico brasileiro pode ser tomada como um exemplo representativo. Ainda no final do Sculo XX, o total da populao, que se constitui no primeiro dado divulgado por qualquer Censo Demogrfico, era feito dois ou trs anos aps a concluso dos trabalhos de campo. O levantamento6 Ver tambm Nolan et al (1996).

7 Uma pequena retrospectiva do debate pode ser encontrada nos ensaios elaborados por professores da London School of Economics nas primeiras dcadas do Sculo passado. Ver Desai (1995). Merece tambm referncia do ensaio clssico de Titmuss (1962). 8 A metodologia para a elaborao dos indicadores de pobreza segue a elaborada por Dedecca (2009) para anlise multidimensional da desigualdade no Brasil.

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brasileiro de 2010 teve este resultado divulgado no prprio ano, bem como os demais resultados devero estar disponveis ainda em 2011. O acesso mais diversificado e rpido s informaes socioeconmicas, bem como ao seu processamento, ampliam a possibilidade da elaborao de indicadores multimensionais de pobreza, bem como permitem o acesso em um curto prazo de tempo dos indicadores pela poltica pblica. possvel ainda indicar o grande potencial que as bases de informao administrativas abrem para a produo de indicadores multidimensionais para a conduo e gesto da poltica pblica. No Brasil, temos uma ampla gama de sistemas de informao administrativa, que possuem a possibilidade de razovel integrao via o nmero de Cadastro Nacional de Informaes Sociais. Informaes sobre transferncia de renda, previdncia, sade e trabalho podem ser obtidas e consolidadas a partir dos sistemas setoriais de informaes de cada uma das polticas. Existe ainda a perspectiva de agregar as informaes oriundas das bases de informao administrativa quelas disponibilizadas pelas bases de dados domiciliares, adotando-se algum procedimento estatstico. A definio de grupamentos homogneos de famlias nas bases de dados pode permitir cruzar suas informaes. No mbito do projeto, foi realizado o esforo de abordar a pobreza rural na perspectiva multidimensional. Portanto, o principal desafio colocado no foi determinado pela necessidade de se mensurar, mas de estabelecer a mais ampla caracterizao da populao em situao de pobreza, exigindo a seleo de dimenses econmicas e sociais relevantes para a configurao da condio social das famlias, de modo a explicitar a(s) privao(es) associadas ao estado de pobreza9. Tambm, o projeto no privilegiou o debate e a definio da linha de pobreza, em razo de seus resultados serem destinados gesto das polticas sociais. Neste sentido, foram adotados os critrios de acesso aos programas sociais do Governo Federal, isto , renda familiar inferior a e salrio mnimo per capita. Foi dado destaque ao primeiro critrio, por ser ele a referncia bsica para o Programa Bolsa Famlia. Cabe esclarecer que a adoo destes critrios no implica consider-los enquanto possveis linhas representativas de pobreza. O projeto no tratou desta questo, reconhecendo a inegvel importncia da definio de uma linha de pobreza monetria que seja amplamente reconhecida. Ao adotar as referncias consideradas pela poltica social, entende-se que a populao potencial para os programas considerada pobre e a caracterizao desta populao, em um enfoque multidimensional, permitiria9 Com esta mesma perspectiva metodolgica, ver Tsakloglou et al. (2002).

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instrumentalizar a poltica pblica com informaes relevantes sobre seu pblico alvo. Em suma, o projeto teve como preocupao informar a poltica pblica sobre dimenses das condies sociais da populao pobre, mesmo que a dimenso populacional indicada possa no expressar a totalidade da populao em situao de pobreza. Entretanto, acredita-se que a populao pobre, que pode ser enquadrada nos critrios da poltica social, constitui-se na maior e mais expressiva parcela da populao em situao de pobreza. Ao apresentar estas observaes, explicita-se que o projeto adotou a renda corrente como critrio bsico para a definio da populao pobre. Esta conduta incontornvel e no enfraquece os argumentos anteriores. Em uma sociedade onde o consumo corrente da populao se faz predominantemente via relaes de troca estabelecidas por meio da moeda, no se justifica desconsiderar a renda monetria como um critrio relevante para a mensurao da populao pobre. Mesmo em uma perspectiva multidimensional, quase impossvel, metodologicamente, no se adotar a renda como primeiro critrio para a definio da situao de pobreza. prtica dentre os estudiosos do tema, estabelecer um valor monetrio correspondente a um padro de consumo mnimo satisfatrio, referenciado, por exemplo, nas necessidades bsicas de consumo para a sobrevivncia adequada de uma famlia (Cepal, 2010, e Rocha, 2003). O projeto poderia ter adotado este critrio, construindo at uma referncia prpria a partir dos resultados da Pesquisa de Oramentos Familiares do IBGE. Porm, em razo dos objetivos propostos, foram assumidos os parmetros da poltica social conduzida pelo Governo Federal. Definida a populao potencial segundo os critrios de habilitao para a poltica social, se trabalhou a definio das dimenses relevantes (eixos) para a caracterizao das condies socioeconmicas. Foram estabelecidas seis dimenses: insero no mercado de trabalho, renda familiar corrente, acesso terra, acesso educao, perfil demogrfico das famlias e condies de vida. Apesar da importncia e do interesse no acesso aos servios de atendimento sade em uma caracterizao multidimensional da condio de pobreza, no foi possvel construir indicadores de acesso a partir das duas fontes de dados adotadas, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios Pnad e a Pesquisa de Oramentos Familiares POF, ambas produzidas pelo IBGE. Ainda no mbito das atividades desenvolvidas, visando ampliar a contribuio do projeto para a gesto das polticas pblicas de combate pobreza, foi realizado esforo de articulao entre as bases de dados socioeconmicas de origem domiciliar com algumas bases produzidas pelos sistemas de informao administrativa do

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Governo Federal (ver esquema abaixo). O objetivo de incorporar s informaes adicionais quelas encontradas no CAD-nico. Infelizmente, o recebimento tardio dos dados do Cad-nico permitiu somente construir os grupos homogneos de famlias, procedimento necessrio para a articulao das bases de dados administrativas e domiciliares. A incorporao de indicadores produzidos a partir da Pnad ou POF ao Cad-nico no foi possvel de ser realizada, em razo da falta de tempo compatvel e adequado para o tratamento da base desta ltima base de dados. A caracterizao multidimensional da populao pobre, reconhecida pela poltica pblica, se restringiu, portanto, s possibilidade dadas pela Pnad e POF. O trabalho realizado indicou a possibilidade de articulao adequada dos sistemas de informao, procedimento que poder ser ampliado quando da disponibilizao dos resultados do Censo Demogrfico 2010 pelo IBGE, em razo desta base permitir estabelecer uma caracterizao multidimensional da pobreza com um maior detalhamento espacial, que pode chegar, em alguns casos, a desagregao regional dos grandes municpios brasileiros.Figura 1 - Esquema de articulao de bases de dados adminisstrativasdomiciliar Esquema de articulao de bases de dados administrativas e e domiciliar para anlise das dimenses de insegurana da condio de pobreza no meio rural para anlise das dimenses de insegurana da condio de pobrezano meio rural

Cad-nico, MDSCod. Familiar NIS-Pis/Pasep CPF

Grupos Homogneos

PNAD / POF IBGE Renda

DA-Pronaf MDA Censo Escolar MEC

Demogrfica

Condies De Vida Trabalho

Rais MTE

Acesso Sade

Escolaridade Cnis MPS Acesso Terra

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Como apontado anteriormente, foram construdos indicadores para seis das sete dimenses inicialmente consideradas pelo projeto. A partir da anlise das variveis encontradas na Pnad e na POF, foram definidas aquelas de interesse para a construo dos diversos indicadores presentes em cada uma das dimenses consideradas. Foram incorporadas algumas informaes da POF Pnad, utilizando a construo de agrupamentos homogneos de famlias, pelo instrumental estatstico de anlise multivariada (ver anexo 1). Esse procedimento tambm foi realizado com o Cad-nico, permitindo que agrupamentos homogneos de famlias pudessem ser identificados e que permitissem se transformar em chaves de identificao para articulao das informaes das diversas bases de dados. Realizado os procedimentos bsicos de estruturao das bases de dados, de elaborao de variveis padronizadas e de definio dos agrupamentos homogneos de famlias, foi desenvolvida a atividade de elaborao dos indicadores de cada uma das dimenses consideradas, tendo havido uma seleo de temas considerados mais relevantes em cada uma delas.

5. Os indicadores de multidimensionais de pobrezaComo apontado anteriormente, o enfoque multidimensional da pobreza no pode ser visto como um procedimento indito, tanto no campo da anlise acadmica quanto da gesto da poltica pblica. A re-emergncia do enfoque no perodo recente no pode ser desvinculada da exacerbada valorizao dada dimenso monetria condio de pobreza. Este estreitamento de enfoque se traduziu em reorientao da poltica pblica de combate pobreza, perspectiva que no atendeu s expectativas quanto superao estrutural do problema. Apesar do reconhecimento do sucesso de algumas experincias, no mnimo estranho que o novo sculo tenha se iniciado revelando um estado alarmante de pobreza em partes extensas do mundo, como reconhece o Pnud (2010). A importncia da adoo deste tipo de enfoque para as aes de combate pobreza se justifica, ao menos, por dois motivos. Primeiro, na ampla literatura sobre pobreza que reconhece sua associao carncia de bens e servios pblicos e na experincia europeia do ps-guerra conseguiu transformar, garantindo este acesso de forma universal para toda a populao, a pobreza enquanto um problema residual. Segundo, por causa da complexa estrutura institucional de polticas sociais presente hoje no Brasil. Em comparao com a maioria dos pases desenvolvidos, pode-se dizer que somente dois pilares no se encontram presentes nesta estrutura: os subsdios habitao e ao transporte pblico. possvel discutir a debilidade da cobertura de vrios dos programas, mas no se pode desconsiderar que o pas congrega um escopo abrangente de polticas sociais, que o diferencia de outras naes em

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desenvolvimento e mesmo de algumas desenvolvidas, como os Estados Unidos. A implementao da transferncia de renda aportou ao pas a instituio de referncia para a estruturao das diversas aes de poltica sociais dirigidas ao combate pobreza. inegvel, portanto, a necessidade do pas passar a contar com uma estratgia de combate pobreza de natureza multidimensional, que procure estimular a articulao, e mesmo a integrao, dos programas e das aes das polticas sociais, ampliando suas complementaridades e superando o estado atual de fragmentao que marca sua estrutura e sua gesto. com esta preocupao que se buscou construir indicadores de insuficincia ou desvantagem de acesso a bens ou servios pblicos, de insero no mercado de trabalho e associados s caractersticas demogrficas ou de condies de vida das famlias. Em termos objetivos, foi aceito o critrio do Programa Bolsa Famlia para a definio da populao pobre de referncia, dedicando-se esforos para analisar as insuficincias ou desvantagens que ela possui em termos econmicos e sociais. Deste modo, procura-se explicitar dimenses da pobreza que podem ser teis para identificar possveis elos com as demais polticas sociais, bem como para avaliar como a reduo da pobreza de natureza monetria se processa em comparao s demais dimenses que caracteriza as condies de vida da populao foco do programa social. Fica evidente, portanto, que o desenvolvimento metodolgico extrapola tanto a anlise monetria da pobreza como uma perspectiva restrita populao rural, que a isola do conjunto que fornece os parmetros vlidos de comparao da situao de bem-estar. O instrumental metodolgico tem um escopo mais amplo, permitindo que sejam explicitadas as particularidades da pobreza rural que podem no ser comuns populao urbana, sem, no entanto, perder de referncia o quadro mais geral. Aceito o critrio de renda do Programa Bolsa Famlia10, se identificou a populao alvo do programa. Indicadores de insuficincia ou fragilidade foram construdos tanto para essa populao, considerada focal para a poltica de combate pobreza, como para a populao total.

10 Este procedimento no foi realizado de modo estrito, pois no se considerou o valor preciso adotado pelo programa para a habilitao das famlias a cada ano. Foi adotada a referncia de de salrio mnimo per capita de renda familiar, que no obrigatoriamente coincide com os valores exercidos pelo programa.

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As dimenses e os indicadores adotados so apresentados a seguir. A) Insero no mercado de trabalho 1. Razo de Dependncia Relao entre o nmero de dependentes (pessoas com idade menor que 14 e maior que 65 anos) e o total da populao economicamente ativa (pessoas com idade superior a 14 e inferior a 65 anos). Varivel utilizada V8005; Trabalho infantil Relao entre o total de crianas de 9 a 14 anos que exerceram algum tipo de ocupao e o total de crianas nessa faixa de idade. Variveis utilizadas: V8005, V0701, V0702, V0703, V0602, V4714; Trabalho infantil no remunerado Relao entre o total de crianas de 9 a 14 anos que exerceram algum tipo de ocupao sem remunerao e o total de crianas nessa faixa de idade. Variveis utilizadas: V8005, V0708, V4715, V0701, V0702, V0703, V0602, V4714; Contribuio para a Previdncia Relao entre o total de ocupados com declarao de contribuio Previdncia Social e a Populao Economicamente Ativa (ocupados e desempregados). Variveis utilizadas: V4706 e V4711, V4805; Trabalho por conta-prpria Relao entre o total de ocupados por contaprpria e a Populao Economicamente Ativa. Variveis utilizadas: V4706 e V4711, V4805; Taxa de Ocupao Relao entre o total de ocupados e a Populao Economicamente Ativa. Variveis utilizadas: V4706, V4805.

2.

3.

4.

5.

6.

B) Renda familiar 1. Rendimento de Polticas Pblicas Relao entre o rendimento mdio oriundo das polticas pblicas (aposentadorias e penses - V1251, V1252, V1254, V1255, V1257, V1258, V1260, V1261) e o rendimento mdio de todas as fontes (V4720) da populao brasileira; Rendimento do Trabalho Relao entre o rendimento mdio oriundo de alguma forma de trabalho (V4719) e o rendimento mdio de todas as fontes (V4720) da populao brasileira; Peso do Rendimento Monetrio Relao entre a massa de rendimentos monetrios (REND_MONET da Pesquisa de Oramento Familiar - POF) e o total dos rendimentos (REND_TOTAL da POF);

2.

3.

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4.

Peso do Rendimento No Monetrio Relao entre a massa de rendimentos no monetrios (REND_N_MONET da POF) e o total dos rendimentos da POF.

C) Acesso terra 1. Propriedade da terra Relao entre o total de domiclios agrcolas com propriedade da terra (chefes de famlia empregadores ou conta-prpria com idade inferior a 60 anos e que possuem declarao da existncia da 1 parcela da terra) e o total de domiclios agrcolas. Variveis utilizadas: V0401, V8005, V9151, V9201.

D) Acesso educao 1. Analfabetismo Relao entre o total de analfabetos com idade maior que 14 anos e o total da Populao em Idade Ativa. Variveis utilizadas: V8005, V0601; Escolarizao Relao entre o total de crianas e adolescente de 7 a 14 anos que freqentam a escola e o total de pessoas nessa faixa de idade. Variveis utilizadas: V8005 e V0602; Defasagem escolar Relao entre o total de crianas e adolescentes de 7 a 14 com nvel de escolaridade incompatvel com a sua idade e o total de pessoas nessa faixa de idade. Variveis utilizadass: V8005 e V0605.

2.

3.

E) Perfil Demogrfico 1. Chefia feminina Relao entre o nmero de domiclios chefiados por uma pessoa do sexo feminino e o total de domiclios. Variveis utilizadas: V0302 e V0401; Chefia de no brancos Relao entre o nmero de domiclios chefiados por uma pessoa no branca e o total de domiclios. Variveis utilizadas: V0302 e V0404; Taxa de mortalidade perinatal Relao entre o nmero de filhos nascidos mortos e o total de nascimentos em mil pessoas. Variveis utilizadas: V1111, V1112, V1141, V1142.

2.

3.

F) Condies de vida 1. Parede apropriada Proporo de domiclios sem parede apropriada, isto , construo diferente de alvenaria. Varivel utilizada: V0203;

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Telhado apropriado Proporo de domiclios sem telhado apropriado, ou seja, cobertura diferente de telha, laje de concreto ou madeira aparelhada. Varivel utilizada: V0204; Banheiro exclusivo Proporo de domiclios sem banheiro exclusivo ao domiclio. Variveis utilizadas: V0215 e V0216; Densidade por dormitrio Relao entre o nmero de moradores do domiclio e o total de dormitrio do mesmo domiclio. Variveis utilizadas: V0206 e V0105; gua encanada Proporo de domiclios sem abastecimento de gua apropriado (gua canalizada no domiclio). Varivel utilizada: V0211; Coleta de lixo Proporo de domiclios sem coleta de lixo alguma. Varivel utilizada: V0218; Energia eltrica Proporo de domiclios sem energia eltrica. Varivel utilizada: V0219; Geladeira ou freezer Proporo de domiclios sem qualquer equipamento de refrigerao de alimentos (geladeira ou freezer). Variveis utilizadas: V0228, V0229; Esgotamento sanitrio Proporo de domiclios sem rede coletora de esgoto ou fossa sptica. Varivel utilizada: V0217.

3. 4.

5. 6. 7. 8.

9.

Estabelecidas as dimenses e os indicadores, se procurou definir algum procedimento que pudesse dar uma referncia relativa da posio de insuficincias ou fragilidades que gravam a populao pobre. Com este objetivo, foi realizada a padronizao dos indicadores, visando que a mtrica de cada um deles se estabelecesse em uma mesma escala e que pude permitir relacionar o indicador da populao pobre com aquele conhecido para a mdia da populao brasileira. Esta conduta permite avaliar se a debilidade apresentada para a populao pobre lhe especifica ou se ela comum mdia da populao brasileira. O posicionamento do indicador na primeira situao sinaliza que o acesso a uma poltica pblica, por exemplo, mais frgil para a populao pobre. Quando observado o posicionamento do indicador na segunda situao, pode-se considerar que a situao de fragilidade no pode ser tomada como particular ou especfica da populao pobre, mas da maioria da populao. Neste caso, o resultado sinaliza que o problema de acesso poltica no uma especificidade da populao pobre, devendo ser relacionado a restries mais amplas de cobertura de uma determinada poltica social.

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A padronizao dos indicadores visou situ-lo na amplitude de zero a dois, sendo a posio zero correspondente da situao limite de completa insuficincia, a um representando a situao mdia da populao brasileira e dois aquela que expressa a situao limite de melhor posio do indicador. O procedimento adotado para estabelecer indicadores entre zero e dois foi o seguinte: A) Se o aumento do indicador expressar maior grau de insuficincia ou fragilidade, o calculo do indicador padronizado segue o procedimento seguinte: IP = 1 + (IMBR IPA) / (IMAX IMIN) B) Se a reduo do indicador expressar maior grau de insuficincia ou fragilidade, o calculo do indicador padronizado segue o procedimento seguinte: IP = 1 + (IPA IMBR) / (IMAX IMIN) sendo, IP o Indicador padronizado; IMBR o indicador mdio para o Brasil; IPA o indicador da populao alvo; IMAX o indicador mximo observado entre todos os estados brasileiros e entre todas as situaes dos domiclios para pobres e nopobres; e IMIN o indicador mnimo observado entre todos os estados brasileiros e entre todas as situaes dos domiclios para pobres e no-pobres. Como se notar, o procedimento metodolgico no se traduziu na elaborao de um indicador sinttico, que pudesse expressar a totalidade das dimenses consideradas. inegvel que a existncia deste indicador tem relevncia para a anlise acadmica e mesmo para uma comparao internacional, por exemplo. Entretanto no parece ser justificvel quando se prope uma caracterizao da pobreza para orientao da poltica pblica. fundamental que a abordagem permita informar a situao da populao pobre quanto ao acesso da poltica social e, se possvel, aos programas que cada uma delas conduz. Tambm, no parece ser consistente buscar eleger a dimenso que pode ter maior contribuio, caso fosse adotado, para a melhoria do indicador sinttico. Avaliar diferenas de contribuio da educao ou do mercado de trabalho para a reduo da pobreza leva muitas vezes a adotar uma viso esttica e imprecisa do papel de cada uma das dimenses, bem como possveis articulaes existentes entre elas e que podem se traduzir em comportamento diferenciado de cada uma delas. Ao desenvolver a abordagem multidimensional, o esforo teve por objetivo informar a evoluo de cada uma das dimenses nas condies de vida da populao pobre. Do ponto de vista do gestor pblico, os indicadores possibilitam a leitura

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sobre quais dimenses tem contribudo mais ou menos para a reduo da pobreza e, portanto, quais so as polticas que devem ser reforadas para que se reduza a situao de desigualdade de acesso s polticas pblicas pela populao pobre.

6. Perspectivas da populao rural na dinmica demogrficaO esforo de debater e caracterizar a pobreza no meio rural encontra como primeira justificativa a importncia presente e futura que este segmento da populao tem e continuar tendo na dinmica demogrfica brasileira. Ao contrrio das expectativas encontradas no debate sobre a populao rural durante os anos de crescimento acelerado da economia brasileira nas dcadas de 60 e 70, quando se considerava que o segmento populacional assumiria uma posio residual na configurao da estrutura demogrfica brasileira, constata-se a recorrncia e reproduo de uma populao rural expressiva. A projeo populacional elaborada pela Cepal apresenta evidncias rpidas sobre este processo na primeira metade do Sculo. De acordo com a instituio, a populao rural brasileira ficar praticamente estvel, em termos absolutos, de 2010 a 2050. Ao redor de 30 milhes de pessoas continuaro a residir na zona rural, cifra esta que poderia ser ampliada se considerada a parcela da populao urbana residente nos pequenos municpios11. Entre 2030 e 2050, a populao rural brasileira conhecer uma taxa de crescimento zero, contra uma taxa de -0,3% a.a. para o conjunto da Amrica Latina.

11 De acordo com as Naes Unidas, deve-se incorporar populao rural a parcela de populao urbana residente nos pequenos municpios, em razo da inegvel dependncia econmica que eles possuem da atividade agrcola. reconhecido que a renda urbana destes municpios dependente da atividade agrcola. No possvel adotar este procedimento quando se utiliza os dados da Pnad, em razo deles no serem desagregados para a malha municipal brasileira. Somente com o Censo Demogrfico seria possvel avaliar a dimenso da populao rural em uma perspectiva mais ampla, isto , incorporando a populao urbana dos municpios com at 20 mil habitantes. Entretanto, ainda no se encontram disponveis os resultados do Censo Demogrfico 2010, fato que impede uma avaliao socioeconmica do pas na primeira dcada do Sculo.

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Tabela 1 - Estimativas de populao segundo situao bsica de domiclio Amrica Latina e Brasil, 1990/2050

1990 Brasil Urbana Rural Rural/Total Amrica Latina Urbana Rural Rural/Total Brasil Urbana Rural Amrica Latina Urbana Rural 149.689.806 111.847.452 37.842.354 25,3 433.594.916 306.222.673 127.372.243 29,4

2010 Valores Absolutos 199.991.561 170.017.429 29.974.132 15,0 582.417.247 463.152.0