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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA NACIONAL ESCOLA DE GESTORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA – CECOP 3
DANIEL SANTOS DE OLIVEIRA
BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO CHAPÉU PESQUISAÇÃO-AÇÃO-TRANSDICIPLINAR SOBRE CURRÍCULO
Santa Maria da Vitória 2016
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DANIEL SANTOS DE OLIVEIRA
BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO CHAPÉU PESQUISAÇÃO-AÇÃO-TRANSDICIPLINAR SOBRE CURRÍCULO
Projeto Vivencial apresentado ao Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica Pública, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do grau de Especialista em Coordenação Pedagógica.
Orientadora: Profª Maria Lucia Dantas de Oliveira
Santa Maria da Vitória 2016
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DANIEL SANTOS DE OLIVEIRA
BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO CHAPÉU PESQUISAÇÃO-AÇÃO-TRANSDICIPLINAR SOBRE CURRÍCULO
Projeto Vivencial apresentado como requisito para a obtenção do grau de Especialista em Coordenação Pedagógica pelo Programa Nacional Escola de Gestores, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia.
Aprovado em janeiro de 2016.
Banca Examinadora
Primeiro Avaliador ________________________________________________ Segundo Avaliador. _______________________________________________ Terceiro Avaliador. ________________________________________________
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a força cósmica por me presentear com as informações
contidas nesse trabalho.
A toda a minha família, minha companheira Maiara Reis e minha
pequena educadora, minha filha Maiara Potira, pelos seus ensinamentos e
experiências fantásticas.
A todas as minhas parceiras e parceiros que passaram pelo grupo
UNIRAAM. Todos contribuíram para a construção de minha formação
intelectual. Principalmente meu amigo-irmão Lídio do Santos Filho
A meu pai, sujeito anárquico, exemplo de vida. Homem bom por
natureza.
E não podia esquecer meu orientador, irmão camarada, pessoa que
devo parcela significativa de minha formação, pelos seus sagrados
ensinamentos, Professor Jorge Conceição.
. A minha orientadora, Profª Maria Lucia Dantas de Oliveira, que sem
falsa modéstia realizou com muito profissionalismo e precisão seu papel de
orientadora.
Para finalizar à Faculdade de Educação da UFBa e ao Programa Escola
de Gestores, por realizarem uma grande proposta de formação de
Coordenadores, contribuindo para que toda Bahia tenha cada vez mais
profissionais capacitados atuando nas escolas.
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“Ocupemos o latifúndio do conhecimento como mais uma das terras, como mais um dos territórios negados.” (Miguel Arroyo, 2012, p.361)
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OLIVEIRA, Daniel Santos. BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO CHAPÉU PESQUISAÇÃO-AÇÃO-TRANSDISCIPLINAR SOBRE
CURRÍCULO. 2015. Projeto Vivencial (Especialização) – Programa
Nacional Escola de Gestores, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.
RESUMO
O presente trabalho é um Projeto Vivencial que tem com objeto de estudo o
processo de marginalização que os saberes ecológicos populares sofre nos
currículos escolares e a importância da inclusão desse conhecimento no
processo de ensino-aprendizado na sala de aula. O nome do projeto é Bingo
Temático de Morro do Chapéu Pesquisa-Ação-Transdisciplinar sobre
Currículo e tem como objetivo promover a inserção dos saberes ecológicos
populares no currículo real do Colégio Estadual Cel. Dias Coelho, como forma
de despertar a consciência crítica dos estudantes e de toda a comunidade em
geral, levando-os a tornarem-se agentes de transformação da realidade local.
O projeto adotará uma metodologia de trabalho complexa envolvendo
transdisciplinarmente várias técnicas de pesquisa. O Bingo Temático de Morro
do Chapéu é uma proposta de trabalho vivencial que tem a finalidade de iniciar
as discussões sobre currículo no Colégio Estadual Dias Coelho e servir como
referência didática de como trabalhar os conteúdos ecológicos e os demais
conhecimentos produzidos no contexto local.
Palavras-chave: Marginalização, Bingo Temático de Morro do Chapéu Pesquisa-Ação-Transdisciplinar, Saberes Ecológicos Populares e Currículo,
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SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO .......................................................................................P.7
2– MEMORIAL .............................................................................................P.9
3– FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................P.20
4 – APRESENTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DO MUNICÍPIO .......................P.32
5 – JUSTIFICATIVA ......................................................................................P.35
6 – OBJETIVOS.............................................................................................P.38
7 – METODOLOGIA .....................................................................................P.39
8 – CRONOGRAMA .....................................................................................P.43
9 – CONCLUSÃO .........................................................................................P.44
REFERÊNCIAS
ANEXO
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1 - INTRODUÇÃO
O “Bingo Temático de Morro do Chapéu” é um projeto de pesquisa-ação-
transdisciplinar-vivencial que serve como Trabalho de Conclusão de Curso da
Pós-Graduação Lato Sensu em Coordenação Pedagógica do Programa
Nacional Escola de Gestores da Educação Básica, em parceria com a
Universidade Federal da Bahia (UFBA). O presente trabalho é orientado pela
professora pesquisadora orientadora Maria Lúcia Dantas de Oliveira e faz parte
do eixo temático 01 – Currículo. O proponente desse projeto é componente da
turma do polo de Santa Maria da Vitória/BA.
Como pesquisador vivencial milito há mais dez anos na educação
popular, atuando em movimentos sociais e instituições oficiais de ensino nas
três esferas governamentais: municipal, estadual e federal, como professor e
técnico administrativo. Como pedagogo, percebo que estes espaços carecem
debater com profundidade o tema currículo. É um tema central na educação,
perdemos muito tempo discutindo questões sintomáticas e não vamos direto à
raiz das causas dos problemas. O currículo é a raiz da educação e o reflexo
desse desinteresse é notório em todos os espaços, inclusive no presente curso
de especialização, este trabalho é o único que debate o tema. O Currículo é a
trincheira da luta de classes na educação, é neste espaço que é definido
depois de muito embate ideológico as diretrizes do que será ensinado dentro
das salas de aula.
O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC/PV) é fundamentado
teoricamente em três praxistas da educação (Jorge Conceição, Paulo Freire e
Miguel Arroyo). Os três autores trazem em suas obras importantes reflexões
sobre o objeto de estudo desse trabalho, que aborda o processo de
marginalização que sofrem os saberes ecológicos populares do currículo oficial
e a importância vital de revertermos essa lógica de segregação que está na
base da construção dos currículos escolares.
O trabalho é subdividido em vários tópicos: Memorial (onde apresento
minha trajetória profissional e as motivações pessoais que levaram a escolha
do tema da pesquisa); Fundamentação Teórica (apresento a linha teórica que
norteará o projeto); Apresentação Socioambiental de Morro do Chapéu (breve
histórico do município para situar o contexto onde a pesquisa-ação será
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desenvolvida); Justificativa (relato a relevância desse Projeto Vivencial);
Objetivos (o que o trabalho pretende alcançar); Metodologia (quais são os
caminhos que o projeto trilhará para concretizar os objetivos propostos);
Conograma (contendo as datas e locais de cada ação); Conclusão (que deixa
claro que este trabalho é apenas um ponta pé inicial e que é preciso novos
paços acerca do debate emergente sobre Currículo); e, por fim o Anexo
(formulário para ser aplicado como ferramenta na pesquisa-ação).
O Projeto Vivencial será executado no Colégio Estadual Cel. Dias
Coelho situado no município de Morro do Chapéu/BA, na rua ACM, nº26, CEP
44850000. Morro do Chapéu é um município que fica na Chapada Diamantina,
carregado de belezas naturais e de problemas socioambientais gravíssimos. O
Colégio é o mais antigo de Morro do Chapéu, foi instituído no início do século
passado pelo Cel. Francisco Dias Coelho, único coronel negro da história da
Bahia. Atualmente possui uma infraestrutura razoável, uma direção e um corpo
docente abertos para contribuição. O problema é que muitos professores não
são concursados e o colégio não têm uma coordenação pedagógica presente
na escola. Outra problemática é que a escola recebe muitos estudantes em
situação de risco e vulnerabilidade social e as nossas escolas não estão
preparadas, infelizmente, para lidar com esse público no sentido de emancipá-
los. Muita indisciplina ocorre no espaço escolar, baixo aprendizado e muita
evasão. Atualmente estão matriculados cerca de 400 estudantes no Ensino
Fundamental II e no PROEJA.
O projeto tem o objetivo de abrir um debate sobre currículo dentro da
escola, relacionando o campo de disputa que está por detrás da constituição
final do currículo oficial. Os saberes ecológicos populares foram marginalizados
das páginas dos currículos e excluídos das salas de aulas. Esse processo de
marginalização foi propositalmente realizado historicamente pelas elites
dominantes, como forma de silenciar qualquer atitude mínima de libertação das
classes oprimidas. Todos os valores ecológicos e solidários que vão de
encontro à voracidade insana do acúmulo de capital pela burguesia, foram
renegados dos espaços de formação e informação da sociedade. O projeto
será executado entre os meses de março a maio de 2016.
O projeto pretende através de uma proposta de didática lúdica e
participativa propor uma alternativa para se estudar o contexto local de forma
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crítica. Ao se apropriarem de sua realidade concreta, os estudantes são
levados conscientemente a transformá-la em algo melhor. O Bingo Temático é
uma grande ferramenta pedagógica para se trabalhar com prazer o Currículo
Diversificado como reza a LDB, mostrando que é possível e necessário incluir
no currículo oficial e real os saberes diversificados que brotam no chão da
própria escola. Toda a comunidade escolar estará direta e indiretamente ligada
ao projeto, além de eventuais colaboradores externos.
2 – MEMORIAL (Uma Vida de Militância na Educação)
Escrever um Memorial talvez seja uma das redações mais difíceis de
fazer, pois falar de si mesmo é uma coisa rara dentro de nosso processo
educacional. Se autoavaliar é uma necessidade importantíssima dentro de uma
educação crítica, a escola precisa ensinar as pessoas a olharem para dentro.
Esse Memorial é um trabalho referente ao componente curricular,
Trabalho de Conclusão de Curso, do curso de pós-graduação lato sensu em
Coordenação Pedagógica, Programa Nacional Escola de Gestores da
Educação Básica, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), como requisito
para conclusão de uma etapa do componente curricular.
Escolhi o eixo temático Currículo por identidade com minha militância na
educação ecológica popular desde meus 18 anos. Tive a grata satisfação de
ter participado durante 12 anos de significativos movimentos educacionais
diferenciados e de ter convivido com grandes mestres da educação voltada
para a valorização e preservação dos princípios vitais. Ao longo dessa jornada
a construção de uma outra proposta curricular fez parte central dos debates. Ao
ler Paulo Freire, Humberto Rodhen, Tomio Kikuchi, Osho, Gaiarsa, Edgar
Morin, Wilhelm Reich, Miguel Arroyo, Edson Hiroshi, Pedro Demo e Jorge
Conceição, compreendemos a necessidade urgente de uma mudança radical
no modelo curricular hegemônico, para que a escola consiga cumprir seu
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papel de educadora na sociedade contemporânea, esta, marcada por fortes
crises de toda ordem.
Na adolescência tinha uma grande dúvida, qual área de atuação
profissional eu escolheria para minha vida. Essa dúvida começou a se
findar em 2003, quando no meu 3º ano do ensino médio no Colégio Estadual
Alaor Coutinho, localizado no povoado de Açu das Torres, município de Mata
de São João-BA, tive o prazer de estudar Física e Matemática com o professor
Ricardo Macedo. Ele coordenava junto com sua companheira Edite Diniz o
Centro de Educação Popular Milton Santos – CEPMS. O centro ficava na
comunidade quilombola de Pau Grande, a três quilômetros do Alaor.
Eu e alguns amigos-irmãos fomos convidados por ele para
participarmos de uma intensa formação de educação ecológica popular no
CEPMS. A partir daí, praticamente todos fizeram um profundo mergulho nesse
oceano mágico chamado educação.
O CEPMS tinha como segmentos de atuação: o Infocentro Zumbi do
Palmares, a Biblioteca Carlos Marighela, o Centro de Formação de Educadores
Populares Paulo Freire, a Padaria Escola, a Turma de Alfabetização de Jovens
e Adultos, o Grupo de Artesanato, a Cozinha Comunitária, a Horta Comunitária
e a Escola Comunitária Infantil Tainá-Can.
O Infocentro Zumbi dos Palmares servia para a promoção da inclusão
digital tanto dos membros do CEPMS como também da Comunidade. Era uma
importante ferramenta para confecção de vários materiais didáticos e para
realização de algumas tarefas da Associação Comunitária do Quilombo de Pau
Grande.
A Biblioteca Carlos Marighela era uma biblioteca que tinha um rico
acervo bibliográfico e audiovisual, importante fonte de estudo e pesquisa da
comunidade interna e externa.
O Núcleo de Formação de Educadores Populares Paulo Freire era
responsável pela formação dos educadores populares que atuava no CEPMS.
Os encontros aconteciam nos finais de semana. Dezenas de jovens passaram
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pelo Núcleo, onde eram realizadas uma série de atividades formativas como:
grupo de leitura e debate, cine club, as mais variadas oficinas, construção do
PPP da Escola, planejamento das aulas e etc. A maioria dos jovens
que passou pela formação ingressou em cursos de licenciatura em instituições
públicas e privadas de nível superior, sendo a primeira geração de nativos do
litoral norte a ingressar em universidades públicas. Os componentes do
CEPMS estão hoje atuando de forma diferenciada nas mais variadas
instituições de ensino, da Educação Infantil ao Ensino Superior. O Núcleo no
ano de 2004 promoveu a formação pedagógica da Escola Comunitária Infantil
Letras e Números da comunidade de Massarandupió.
O CEPMS tinha uma Padaria Escola, com a finalidade de produzir pão
integral e lanche natural para a merenda da escola e para arrecadar fundos
para a ONG. As crianças participavam de forma recreativa e educativa de
oficinas de construção de lanches naturais para a merenda escolar. Nestas
oficinas eram trabalhados conteúdos de nutrição, formas geométricas,
alfabetização, matemática algébrica e coordenação motora. Os educadores
fabricavam e vendiam os produtos. A vendagem ambulante serviu como
valorosa forma de desinibição, quebra de preconceitos, elaboração do discurso
objetivo, divulgação do Centro dentre outras coisas. Depois de passar por essa
experiência de vendedor ambulante, chegamos à conclusão que todo curso de
licenciatura deveria ter como parte da formação uma experiência desse quilate.
De segunda-feira a sexta-feira no horário noturno acontecia no salão da
Escola Comunitária Infantil Tainá-Can uma Turma de Alfabetização de Jovens
e Adultos, projeto ligado ao Programa de Alfabetização do Ministério da
Educação – MEC, MOVA Brasil. Tínhamos a grata satisfação de ver idosos e
jovens historicamente excluídos, que não tiveram oportunidade de frequentar a
escola na “idade certa”, ampliar sua consciência crítica e cidadania através da
alfabetização baseada no método Paulo Freire. Pessoas de mais de 90 anos
felizes da vida por tirar sua identidade com a assinatura de seu nome.
O Grupo de Artesanato confeccionava vários tipos de artesanato para
venda e também como mais uma proposta curricular de arte educação para a
Escola.
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Tinha uma Cozinha Comunitária Vegana sustentada pela vendagem do
pão e do lanche. Os educadores se revezavam na elaboração do almoço e da
janta que servia a todos os profissionais e aos estudantes. Homens e
mulheres juntos na cozinha, superando o machismo e trabalhando a filosofia
Zen.
O centro também tinha uma Horta Escola que servia como mais um rico
espaço de aprendizado e produção de alimentos orgânicos para elaboração
das refeições.
A Escola Comunitária Infantil Tainá-Can tinha uma proposta pedagógica
holística brincante. A escola buscou ressignificar o currículo da educação
tradicional brasileira colonizada, que encara o currículo como uma mera “grade
curricular” de conteúdos eurocêntricos cartesianos, que serve apenas para
perpetuar a lógica capitalista europeia, baseada na individualização, machismo,
racismo, exploração, degradação ambiental e tantas outras ações deplorantes.
(ARROYO, 2011).
O currículo dentro de uma concepção holística de educação deve buscar
a re-ligação transdisciplinar dos diversos campos dos saberes que permeiam a
escola, contemplar amorosamente os conteúdos que as educandas e os
educandos trazem de todo seu contexto extra-escolar, pensar todos os tempos-
espaços da escola para que favoreçam plenamente o processo de ensino-
aprendizado e, sobretudo, adentrar nas entrelinhas desse livro mágico que é a
educação, sobretudo, a Educação Infantil.
Paulo Freire, Jorge Conceição e Gaiarsa são os três grandes praxistas
da educação que servem de alicerce para formulação dos referenciais teóricos
da Tainá-Can.
Paulo Freire contribui para a concepção de escola como espaço político
que tem a finalidade de emancipação crítica dos oprimidos. O método de
alfabetização de Freire é bastante trabalhado na escola. Outro ponto que é
preciso ser destacado no ensinamento freiriano é que o poder do exemplo tem
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mais poder que o da palavra. A criança aprende muito mais pelo olho que pelo
ouvido (FREIRE, 2005).
Gaiarsa contribui como educador e psicanalista para o entendimento do
processo psicoemocional, biológico, cognitivo e de tantas outras dimensões da
criança. Ele traz a importância-chave que tem o movimento corporal, o
dinamismo e a ludicidade na aprendizagem da criança. A educação concreta,
que passa pelas mãos, deve preceder à abstrata. (GAIARSA, 1995).
Jorge Conceição colabora com a questão da valorização da diversidade,
com a concepção radical de educação holística ecológica, com a pedagogia
brincante e com a formulação do processo da alimentação educativa saudável
(CONCEIÇÃO, 2012).
A Permacultura, a Agroecologia, a Capoeira Angola, a Meditação, a
Massagem, a Bionergética, Filosofia Zen, a Auto Avaliação, a Ciência e a
Matemática Divertida, as Sabedorias Afroindígenas, o Veganismo, a Educação
Pluriétnica, o Comunismo Primitivo, dentre outros componentes, formam um
Currículo avançado de educação. O Currículo da Tainá-Can é contextualizado,
nascido do chão da escola, escrito por muitas mãos e constantemente
atualizado. Além de cumprir as orientações estabelecidas nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, a Escola Tainá-Can preparava para a vida viva, era um
centro de excelência de formação do homem novo e da mulher nova no sentido
freiriano da palavra (Freire, 1987).
Além de todas estas atividades o CEPMS promovia junto com a
Associação Comunitária diversos eventos culturais e também prestava
assessoria educacional e administrativa à mesma.
Atuei ativamente em todas a áreas do CEPMS entre 2003 a 2005.
Dentro de uma reserva de mata atlântica, com várias cachoeiras e nascentes
de rio, em um escola construída no modelo de bioconstrução indígena, com um
variedade enorme de frutas, vivi umas das minhas três melhores experiências
educacionais. Infelizmente por atritos interpessoais o Centro acabou fechando.
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Todo o trabalho era voluntário. Eu e os demais jovens educadores chegamos
dormir dois anos em barracas.
Paralelamente ao trabalho do CEPMS, atuei como professor de
Matemática nível fundamental contratado por PST (prestação de
serviços temporários) no ano de 2005 no Colégio Municipal Luiz Gonzaga,
povoado de Porto do Sauípe, no município de Entre Rios-BA. Também em
2006 atuei como professor substituto de Matemática no Ensino Médio no
Colégio Estadual Alaor Coutinho. Nestas duas atuações pude fazer um paralelo
entre a escola pública e a nossa escola comunitária. De um lado uma escola
caótica e de outro um modelo de educação alternativa, que com muita
dedicação e comprometimento buscava reinventar e construir um currículo
capaz de educar para sobrevivência, tão ameaçada pelo Aquecimento Global
Antrópico.
A diversidade presente no “chão da escola” quase nada ou nunca é
explorada pelas maiorias dos currículos, e, no Colégio Alaor e no Gonzaga não
tínhamos um cenário diferente. (MOREIRA, 2008).
Fiz concurso para o Banco do Nordeste em 2004 e fui convocado em
2005 para trabalhar em minha cidade natal Morro do Chapéu. Desisti de
assumir porque queria continuar minha atuação na educação.
Em 2006 fui morar em Salvador porque passei no vestibular de
Pedagogia na UNEB. Na Universidade conseguir ampliar meus horizontes
sobre educação e casei com uma colega de sala. Nós dois realizamos alguns
eventos e atividades como forma de trazer o debate dos conteúdos presentes
no currículo marginal da educação popular para dentro do espaço formal.
Também em 2006 ingressei na minha segunda grande experiência de
educação, comecei a participar em Salvador da Universidade da Reconstrução
Ancestral Amorosa – UNIRAAM, ONG coordenada pelo professor Jorge
Conceição, que na minha opinião é um dos maiores ícones da educação desse
país. A UNIRAAM foi um verdadeiro aprofundamento de todos os conteúdos
estudados no CEPMS. Até hoje participo da instituição, que tem sua sede no
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Pelourinho em Salvador. Lá no espaço tem o Ponto de Cultura Boi Multicor que
é uma proposta pedagógica avançada de superação do racismo desde a
infância, Cine Debate, cursos de Educação Cosmovisionária, cursos de
Medicina Natural, uma vasta produção literária e de pesquisa-ação. Jorge foi
professor titular de Geopolítica da Universidade Católica de Salvador, professor
de História da África da UFBA e coordenador pedagógico da UNEB, tendo
rompido com a universidade formal para criar a Universidade Popular Aberta.
Vivenciei e vivencio experiências na UNIRAAM, infelizmente desconhecidas
pela maioria da população. Como todo bom revolucionário de verdade, Jorge
representa o currículo marginal. Aquilo que liberta as pessoas é marginalizado
pelo currículo formal, pela estrutura cartesiana machista, capitalista, especista
e racista de nossa sociedade eurocêntrica.
Em 2009, por conta da violência e da vida antiecológica da cidade
grande, eu e minha companheira Maiara Reis, resolvemos fazer o concurso do
Reda para professor em Morro do Chapéu. Ambos passamos em primeiro lugar
e saímos de Salvador. Transferimos nosso curso para a UNEB de Irecê, que
tinha na época o terceiro melhor curso de Pedagogia do Brasil. Atuamos como
professores no Colégio Edgar Dourado Lima no maior povoado do município,
considerado referência em educação de qualidade e organização do espaço
pela Secretaria Estadual de Educação. Eu ensinando Matemática e Geografia
e ela Sociologia.
Em 2010 ganhei minha maior experiência como educador que foi ser pai.
Maiara Potira (Sábia Flor em Tupi-Guarani) me levou a estudar muito
concepção, gestação, parto e cuidado integral com a criança. Nesse estudo
fiquei surpreso com tanta barbárie que o processo hospitalar, familiar, escolar e
social impõe à criança. Processo que submete um pesado atrofiamento mental,
afetivo, muscular, psicológico e espiritual ao ser humano. Compreendi, ao ler
Osho, que "os pais precisam aprender mais com as crianças do que ensiná-
las". (OSHO, 2001). Foi assim que ganhei minha grande educadora, que me
ensina muito a cada momento prazeroso que passo ao lado dela.
Por isto hoje dou um valor especial ao currículo marginal vindo da
criança, da rua, do terreiro, da floresta, do rio, dos bichos, do Sol, dos grandes
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mestres da vida, porque foi esse ensinamento que modificou profundamente
minha vida enquanto ser humano.
No 5º semestre resolvemos desistir da UNEB porque estava inviável
tanto financeira como fisicamente, o deslocamento para Irecê. Acabei
concluindo meu curso em Morro do Chapéu na Universidade Paulista (UNIP),
na modalidade EAD.
Em 2010 me transferi para o Colégio Estadual Jubilino Cunegundes, na
sede do município. Lecionei no Jubilino: Matemática, Filosofia, Sociologia e
Desenvolvimento Sustentável no curso Técnico em Agroecologia. Também
atuei como Articulador do Curso de Agroecologia. Fiquei na escola até 2012.
No Jubilino idealizei e coordenei o 1º Concurso de Seminários
Temáticos Veias Abertas de Morro do Chapéu-BA, um dos maiores e mais
significativos projetos educacionais da história da cidade, segundo vários
comentários de ambientalistas e professores do município. Levantamos 18
temas (Educação, Saúde, Animais e Plantas em Extinção, Pecuária,
Agricultura, Cultura, Recursos Hídricos, Comunidades Quilombolas, Violência,
Droga, Agricultura, Esporte, Poder Executivo, Sexualidade, Poder Legislativo,
Urbanização, Turismo, Servidores Público e Trabalho Infantil) sobre
o município e sorteamos um para cada turma. A tarefa era pesquisar, de forma
crítica, a problemática e propor sugestões para solucionar cada tema. Como
forma de estabelecer uma aproximação com a comunidade externa e orientar a
pesquisa, cada equipe convidou uma pessoa para palestrar sobre cada
temática nas suas respectivas salas. Cada turma ficou com um professor para
orientar os trabalhos.
O resultado da pesquisa foi apresentado em uma série de entrevistas na
rádio comunitária Diamantina FM, na forma de artigo-reportagem de duas
laudas postado no site Morro Notícias e em forma de seminário apresentado
em um grande evento no Teatro da Sociedade Filarmônica Minerva. O site
organizou uma enquete para os internautas escolherem o melhor artigo, o mais
bem votado ganhou uma premiação. O evento para apresentar os seminários
lotou o Teatro, que contou também com apresentações culturais. O público
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ficou impressionado com a qualidade das apresentações. E todo mundo
surpreso com tanto conteúdo significativo que historicamente ficou
marginalizado e escondido pelo currículo oficial. As três melhores equipes,
escolhidas por uma banca de cinco jurados, composta por pessoas bem
informadas sobre as questões locais, ganharam premiação.
Os estudantes ganharam um importante grau de criticidade que
incomodou muitos grupos políticos coronelistas morrenses e muitos
professores tradicionais que começaram a ser mais questionados pelos
educandos.
Foi um projeto inspirado no livro “Veias Abertas da América Latina” de
Eduardo Galeano, que trabalhou a pedagogia de projetos com
transdisciplinaridade, buscando integrar todo corpo docente e as áreas do
conhecimento de forma crítica e contextualizada. Levamos os estudantes a
fazerem uma coisa extremamente importante segundo Pedro Demo (1997),
que é pouco ou quase nunca trabalhado na educação que é produzir
conhecimento, pesquisar. Outro papel importante foi levar os estudantes a
trabalharem com diversas Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs.
Fruto da indignação perante os dados caóticos levantados no “Veias
Abertas” sobre o município, foi lançado por um grupo de militantes de
esquerda, coordenado por mim, um projeto político chamado “Mandato
Coletivo” para as eleições da Câmara de Vereadores. Uma proposta de
mandato diferenciado, onde todas as decisões deveriam ser tomados
coletivamente.
Transformamos nossa campanha em uma grande aula de educação
política e ecologia. Debatemos vários assuntos importantes para a sociedade
durante toda campanha através de inúmeras reuniões e seminários. A
campanha teve um viés educativo e ecológico muito forte. Nosso carro de som
era uma bicicleta, Músicas com letras educativas, panfletos incentivando o
plantio de árvores, comitê itinerante (barraca) montado nos bairros e povoados.
Nosso material também contemplava os surdos com o uso da Libras. Com toda
essa bonita mobilização elegemos a primeira campanha para o legislativo
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municipal à apresentar um projeto escrito de atuação parlamentar. A
representante desse projeto foi um professora afroindígena sem tradição
nenhuma na política.
No final de 2012 até 2014 fui contratado para atuar no Colégio Estadual
Cel. Dias Coelho, colégio de ensino fundamental II que fica no centro da cidade
de Morro do Chapéu. O Colégio enfrentava um baixo índice de aprendizado e
um alto índice de indisciplina. Criamos um plano de ação para despertamos
nos pais e nos estudantes a importância de estudar e de criamos um ambiente
de convívio respeitoso. Promovemos o debate de importantes filmes como o
Triunfo, palestras, reuniões com os pais na turma, coordenamos a construção
de um combinado do que pode e o que não pode na escola, feito pelos próprios
estudantes.
Neste colégio lecionei História, Geografia e Ciências. Também
coordenei vários projetos: a Feira de Ciências, a Conferência de Meio
Ambiente, o Bingo Temático de Morro do Chapéu, o dia da Consciência Negra,
o Plebiscito Popular da Reforma Política, o Parlamento Jovem e o projeto
Escola Sustentável. Estes dois últimos foram escolhidos como os melhores
projetos entre todos na DIREC 16, representando a região no Parlamento
Jovem na Assembleia Legislativa e na Conferência Estadual Infantojuvenil pelo
Meio Ambiente, respectivamente.
Implantamos no Dias Coelho várias ações como o projeto Escola
Sustentável entre elas: a merenda natural, tratamento de água com bananeira,
um pomar no sistema agroecológico, produção de sabão ecológico, descarga
ecológica em todos os vasos sanitários, horta escolar, adotamos papel
reciclado na escola, campanhas de conscientização e um concurso de poemas
sobre a água.
Além de tudo isto, demos uma boa visibilidade ao colégio na cidade,
através de entrevistas na rádio e matérias nos sites. Também indiquei a
contratação de outros profissionais que se dedicaram com firmeza para a
construção de uma escola de qualidade. No Dias Coelho “enferrujamos” um
pouco a grade curricular tradicional, que castra a imensa diversidade de
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saberes que cada estudante e cada profissional traz de casa e o que é
realmente importante aprender para a formação de sujeitos críticos, ecológicos,
construtores de uma sociedade socioambientalmente emancipada.
Em 2014 passei no concurso para o Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) como Assistente de Aluno, para
o campus de Seabra, em 1º lugar. Em outubro deste mesmo ano tomei posse.
Em 2014 ingressei neste curso de especialização que me ajudou muito a
compreender melhor a estrutura educacional do Brasil. Tive a oportunidade de
ler bons textos e assistir bons vídeos sobre educação. É bom destacar também
a excelente metodologia adotada na educação a distância, que nos
proporcionou intensas interações e intensos debates.
No IFBA fui nomeado como Coordenador de Extensão. À frente da
Extensão participei de várias comissões de trabalho, coordenei o Projeto Sala
de Debate, fomentei o surgimento de vários outros projetos, estabelecendo
vários convênios de estágios e parcerias estratégicas para melhorar a relação
da instituição com a comunidade. Uma dessas parcerias foi com a Associação
Recrearte, que tem um excelente trabalho educacional no município, com a
qual ajudamos a viabilizar uma série de iniciativas que deram uma boa
alavancada na instituição.
O IFBA não tem pavimentação de acesso ao campus por conta de uma
disputa politiqueira local, o que vem trazendo danos desastrosos para o
Instituto. O campus sofre com falta de telefonia fixa, internet precária, assaltos
a estudantes na estrada vicinal, acidentes, suspensão das aulas nos períodos
de chuva, não abertura de ofertas noturnas dentre outros problemas.
O IFBA tem uma estrutura de primeiro mundo, pois, o Governo Federal
investiu em Seabra mais de R$ 8 milhões em uma excelente infraestrutura,
totalmente subutilizada. O campus deveria absorver 1200 estudantes porém,
tem cerca de 350. Foi aprovada em audiência pública a indicação de se abrir
Licenciatura em Química e Física à noite, sendo uma forte demanda histórica
da região e do país pela falta de professores nestas áreas. E isto tudo está
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sendo impossibilitado por falta de dois quilômetros aproximadamente de
pavimentação.
Diante dessa problemática da estrada, mobilizei com as forças sociais e
políticas locais, regionais, estaduais e nacionais uma audiência pública para o
dia 16 de outubro para tratar do assunto. A mobilização vem surtindo efeito.
Parece que agora a estrada vai sair, depois de cinco anos de sofrimento.
O curso de especialização me trouxe também muita sorte. Fui aprovado
no concurso da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) como
Técnico em Assuntos Educacionais. Este mês de Outubro de 2015 fui
convocado para o campus de Amargosa, que é voltado para Formação de
Professores. Espero colaborar nessa minha nova missão ainda mais com a
educação do país.
Além da melhoria salarial, este curso servirá de base para meu
desenvolvimento profissional na UFRB e para prosseguimento nos estudos.
Queria agradecer todas as pessoas que tiveram juntas nessa minha trajetória,
especialmente o irmão-amigo Lídio dos Santos Filho, que é um forte parceiro
dessa caminhada desde 2003.
3 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Diante do panorama apresentado se faz necessário uma
fundamentação teórica que consiga propor uma reversão radical na lógica
como o vem sendo tratado o currículo pela educação tradicional. Paulo Freire,
Jorge Conceição e Miguel Arroyo são os três principais praxistas da educação
que servem de alicerce para formulação dos referenciais teóricos desse
trabalho de conclusão de curso.
A educação ficou reduzida nesta sociedade do consumo, a uma grande
fábrica de produção de engrenagens humanas, para a manutenção de uma
21
ordem injusta. Cada vez mais aumenta o fosso entre os ricos e os pobres,
entre os exploradores e os explorados.
Os problemas sociais como fome, desemprego, o alastramento de
enfermidades, violência, alto consumo de drogas; e os problemas ambientais
cada dia mais agravados como seca, tsunamis, enchentes, desertificação do
solo, dizimação da biodiversidade; estão mais presentes, causando dor e
sofrimento a bilhões de seres humanos e até mesmo as outras espécies. Estes
fatos obrigam a espécie humana a fazer uma radical reflexão de seu modelo
civilizatório, o obrigando por questão de sobrevivência, a fazer uma mudança
de rota no seu modo de vida.
A prática pedagógica como nunca antes na história da humanidade, tem
o compromisso de contribuir para o surgimento de novos paradigmas sociais. A
educação tem o papel na contemporaneidade de conduzir a humanidade para
novos caminhos.
É por meio do currículo que certos grupos sociais, especialmente os
dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social, sua “verdade”.
A educação não é um processo neutro, todos seus espaços são impregnados
de opções políticas, inclusive na construção do currículo. A educação é
utilizada pelos dominantes como ferramenta de manutenção de valores sociais
que servem de base para conservação de seus status quo. A educação popular
tem o compromisso de reinventar a educação de baixo para cima, modificar
radicalmente os currículos e demais segmentos pedagógicos.
O modelo curricular conteudista adotado hegemonicamente
proporcionou uma disciplinarização do conhecimento, que acabou isolando as
matérias escolares e colaborando para descontextualização do ensino.
Paralelamente, ao apontar os equívocos do processo de fragmentação do
conhecimento, é preciso apontar uma saída que está na interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade. A primeira propõe uma maior aproximação e a segunda o
rompimento das fronteiras das disciplinas. A superação do modelo de
disciplinarização é importante porque todos os grandes problemas da
22
atualidade exigem o rompimento das fronteiras disciplinares, convocando, pelo
menos, uma ação interdisciplinar, quando não, transdisciplinar.
A educação popular deve ter por objetivo a emancipação das classes
historicamente marginalizadas. Este processo tem um ponto central que é
munir os educandos de saberes necessários para fazer o enfrentamento nos
mais diversos espaços sociais, disputando palmo a palmo os espaços de
decisão da sociedade.
Sem dúvida “um dos graves desafios que a escola brasileira enfrenta é o
fato de, numa sociedade pluricultural, termos, desde sempre, uma escola
monocultural e etnocêntrica.” (Garcia, 2008, p.18). Esse processo descrito por
Garcia é fruto do processo de colonização portuguesa que tratou de silenciar
barbaramente a voz dos povos aqui colonizados.
A educação valorativa é ponto chave que precisa ser mais bem tratada
dentro dos currículos, pois “só aprende quem se vale do que lhe é ensinado
para mudar a vida” (Garcia, 2008, p.19). A grande maioria dos conteúdos
abordados pela escola pouco dialoga com a realidade viva dos educandos. “A
escola deve ensinar a pessoa a aprender. E não ensinar coisas, coisas e mais
coisas que entram por aqui e saem por lá.” (Gaiarsa, 1995, p.45).
A diversidade presente no “chão da escola” quase nunca é explorada
pelas maiorias dos currículos. Educar para um mundo socialmente igualitário e
culturalmente diversificado exige tratar com prioridade todas as mais variadas
formas de diversidades que brotam no “solo” escolar. Não é possível vivermos
em pleno século XXI como atitudes racistas, sexistas, especistas (desrespeito
as outras espécies) e com tantos outros tipos de preconceitos.
O currículo é sem dúvida “o verdadeiro coração da escola” (Moreira,
2008, p.5). Assim como o coração bombeia sangue para todo o corpo, o
currículo oxigena todos os espaços escolares, especializando e ao mesmo
tempo temporalizando as ações educativas dentro do contexto escolar. Por
esta centralidade dentro da educação, debater a reformulação do currículo a
partir da inserção dos conhecimentos vindos do currículo marginal produzido
cotidianamente pelos movimentos sociais e por todos os sujeitos que compõe a
23
própria comunidade escolar, constitui a linha de partida de qualquer jornada
verdadeiramente comprometida com a reformulação do processo educacional.
O currículo é o centro da escola, núcleo decisório do que se é ensinado
dentro dos muros da instituição. Espaço marcado historicamente por intensos
conflitos e disputas de classes. As diversas concepções e correntes
pedagógicas travam um verdadeiro campo de batalha diariamente para
construção e reconstrução do currículo.
A ação educativa do educador deve ter o compromisso de colaborar
para o surgimento de uma escola de qualidade, que tem como objetivo formar
sujeitos críticos capazes de não apenas compreender a realidade, mas,
sobretudo capaz de transformá-la em uma realidade mais justa, solidária e
sustentável. Para a concretização desse objetivo central se faz necessário que
a escola priorize em seus currículos o ensino de “conteúdos e atividades que
contribuam para formar pessoas autônomas, críticas e criativas, aptas a
compreender como as coisas são, por que são assim e como podem ser
modificadas por ações humanas.” (Moreira, 2008, p.4). A todo momento o
educador deve se interrogar sobre a importância e relevância daquilo que estão
ensinando.
O termo Currículo Marginal nasce aqui no presente trabalho por conta de
que a nomenclatura Currículo Oculto e os demais conceitos acadêmicos sobre
currículo não explicitam clara e criticamente toda a conjuntura política histórica
da luta de classes que está por trás da elaboração do Currículo Oficial e
execução do Currículo Real. As classes dominantes sempre buscaram
intencional e perversamente a marginalização das classes populares dos
centros decisórios da sociedade. Este processo, como não poderia ser
diferente, construiu uma série de artifícios que levaram à marginalização dos
conhecimentos produzidos pela maioria da população, ocupantes da base da
pirâmide social (parte segregada), da “grade curricular”. Todo conhecimento
produzido pelos educandos-educadores e o pelos movimentos sociais
libertários são impedidos de entrar pelo portão da escola, são deixados
marginalizados tanto dos documentos como dos espaços de ensino-
aprendizagens institucionais.
24
Os movimentos sociais vem há muito tempo tentando superar seu
processo de marginalização do currículo oficial brasileiro. É uma busca árdua
de longos anos para inserir na estrutura curricular conteúdos que retratem as
bandeiras de lutas de seus antepassados, suas vivências, seus contextos e
suas interpretações sobre os objetos cognoscíveis. Eles fazem uma devida
pressão para que cada vez mais o currículo oficial acolha as sabedorias, as
memórias coletivas e a cultura produzida cotidianamente pelas camadas
populares. Estas indagações que os movimentos sociais trazem para o campo
do currículo têm um cunho altamente transformador.
Todo direito da classe trabalhadora presente na legislação brasileira é
fruto de muito suor e sangue derramado nas trincheiras de luta pela própria
classe trabalhadora. Nem um direito surgiu de “mão beijada” todo direito foi
conquistado com muita batalha. Foi nesse campo de disputa que surgiu a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9394/96 - como resultado da luta
dos educandos e educadores brasileiros, que representou importantes avanços
em relação à legislação anterior. Também temos a lei 11.645/08 que
“estabelece a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afrobrasileira e
indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio
públicos e privados em todo o país” (BRASIL 2008), como símbolo de luta dos
povos quilombolas e indígenas durante estes mais de 500 anos de resistência
ao massacre europeu. E por último é importante frisar a LEI Nº 9.795/99 que
estabelece que “a educação ambiental é um componente essencial e
permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma
articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em
caráter formal e não-formal” (BRASIL 1999), como processo de luta dos
educadores ecológicos e movimentos ambientais do país.
A conquista desse arcabouço de leis supracitados gerou uma mudança
significativa na legislação educacional, obrigando consequentemente
alterações no currículo oficial. A luta é uma ferramenta que nunca deve sair da
mão da classe trabalhadora, a conquista legal precisa agora se materializar no
currículo real. Os educadores progressistas em cada espaço de atuação
precisam dar continuidade ao trabalho militante para que ocorra a efetivação
das mudanças no currículo propostos pelas leis educacionais conquistadas
25
pelos movimentos sociais e homologadas recente nesse período de
redemocratização política do país.
Este trabalho surgiu da mesma indagação feita por Arroyo: “como
incorporar essa ecologia de saberes, culturas, valores, leituras de mundo ao
currículo?” (2011, p.12). Essa indagação se faz sempre presente na atuação
pedagógica de milhares educadores populares ecológicos espalhados pelos
quatro cantos desse planeta. São muitos ensinamentos sagrados e essenciais
para a valorização da vida que estão excluídos das salas de aula e dos
materiais didáticos. A escola fechou os “ouvidos’ para a voz que vem das ruas,
os “olhos” para as paisagens do entorno, a “boca” para sentir o gosto da
merenda proveniente da agricultura familiar agroecológica, a “mente” para
entender as sabedorias populares e o “coração” para acolher amorosamente
toda diversidade trazida por cada educando de suas casas.
A educação tradicional montou uma estrutura rígida em todos os
espaços didático-pedagógicos para dificultar iniciativas de mudanças. E no
currículo essa rigidez alcança seu ápice, marginalizando todos os
conhecimentos prévios dos educando-educadores. O currículo é o núcleo e o
espaço mais cercado, mais normatizado da escola. Não é a toa que os
conhecimentos ensinados na escola estão organizados em uma estrutura
denominada “grade curricular”, fazendo alusão as grades da cadeia. São vários
outros termos utilizados na educação (disciplina, sirene, fardamento e etc) que
vem do militarismo. Arroyo explica muito bem o uso do termo “grade curricular”
na educação:
Em estruturas fechadas, nem todo conhecimento tem
lugar, nem todos os sujeitos e suas experiências e
leituras de mundo têm vez em territórios tão cercados. Há
grades que têm por função proteger o que guardam e há
grades que têm por função não permitir a entrada em
recintos fechados. As grades curriculares têm cumprido
essa dupla função: proteger os conhecimentos definidos
como comuns, únicos, legítimos e não permitir a entrada
26
de outros conhecimentos considerados ilegítimos, do
senso comum (ARROYO, 2011, p.17).
Estamos vivendo na era do conhecimento, onde o controle da
informação faz parte da estratégia política das classes opressoras para
manterem seus privilégios em detrimento da espoliação socioeconômica dos
oprimidos. Este processo desumano e bárbaro assassina diariamente milhares
de crianças por falta de água e comida. O capitalismo além de produzir milhões
de marginalizados dos progressos sociais contemporâneos, destroem a
natureza em ritmo avassalador colocando em risco a manutenção da vida
humana no planeta Terra. Os setores dominantes impõem um controle
autoritário na formatação do currículo, determinando o que pode e o que não
pode estar dentro da “grade curricular”. As disciplinas que compõe os
currículos acadêmicos são direcionadas para transformar a escola em uma
mera engrenagem para manutenção do sistema capitalista. (ARROYO, 2011)
Embora ainda haja uma predominância de currículos calcados em
metodologias tradicionalistas, vem surgindo em vários cantos do país
propostas inovadoras de educação Na contramão da educação tradicional
surgem experiências significativas realizadas em escolas públicas e
comunitárias, nos movimentos campesinos, grupos culturais e nos mais
diversos movimentos sociais que estão reinventando o currículo oficial e o real.
O currículo marginal começa a ter espaço dentro das paredes da escola. As
aulas começam a pautar temas importantes para a juventude como drogas,
sexualidade, participação política, violência contra mulher, desenvolvimento
sustentável, superação do racismo, economia solidaria, educação inclusiva,
combate ao bullying e muitos outros temas que fazem parte da vida social dos
estudantes.
São notórias as mudanças que estão ocorrendo na educação do país
depois do governo Lula em 2003, mudanças que se reflete também no
currículo. O ENEM se transformou em um grande veículo de progressão dos
estudos de camadas sociais historicamente excluídas desse direito
27
constitucional e também um impulsionador na reestruturação curricular da
educação básica nacional. A prova do ENEM vem cobrando temas
contemporâneos, conteúdos abordados na ótica dos movimentos sociais e
interdisciplinaridade no estudo das ciências que estão aos poucos corroendo a
velha grade curricular enferrujada. O livro didático, pedestal da educação
tradicional, está sendo reescrito para atender a esta nova demanda provocada
pelo ENEM, muitos deles já vem trazendo em suas linhas a visão de mundo
forjada nas milhares de lutas revolucionárias neste país.
A Revolução Tecnológica vivenciada atualmente pela sociedade
pressiona a escola a sair de seu anacronismo histórico (um alunado do séc.
XXI em uma Escola do séc. XIX). Explodem a cada momento no mercado e
nas mãos dos jovens novos aparelhos e mecanismos ligados às Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs). Essa revolução imprime mudanças
culturais e comportamentais em toda sociedade, principalmente na juventude.
Temos uma geração de estudantes com uma grande bagagem de
conhecimento para embarcar em um “Ônibus Escolar” velho, lotado e com um
bagageiro minúsculo. Toda essa dinâmica exige da escola um currículo em
constante construção, sempre aberto para acolher as novas metodologias de
aprendizados e o surgimento de novos conhecimentos.
Outro movimento importante que vem colaborando para mudanças nos
currículos é surgimento de uma intensa produção de conhecimento realizados
pelos próprios educadores e também pelos educandos. São cartilhas, livros,
documentários, jogos, experimentos, projetos de pesquisas e tantos outros
materiais que vem enriquecendo e diversificando de forma contextualizada os
materiais didáticos trabalhados nas salas de aulas.
A LDB 9394/96, maior ordenamento jurídico da educação brasileira,
determina diretrizes valorosas para a construção de um currículo escolar que
atenda a ampla diversidade étnico-cultural presente em cada região, fazendo
do Brasil uma grande colcha de retalhos multicultural. As alterações ocorridas
na LDB após o ano de 1996 colaboraram ainda mais para uma devida revisão
no currículo escolar, obrigando-o incluir em sua estrutura conteúdos
ambientais, ensinamentos das culturas afroindígenas, o ensino da música, os
28
direitos da criança e do adolescente no ensino fundamental, promoção de
exercícios físicos e questões relevantes da política e do ordenamento
democrático. (BRASIL,1996)
Sem dúvida um dos principais artigos da LDB que trata sobre o currículo
é o artigo 26, que declara que “os currículos do ensino fundamental e médio
devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema
de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
clientela.” (BRASIL,1996) Estes dois segmentos constituintes do currículo
contemplam duas necessidades fundamentais na formação dos estudantes,
por um lado que todos os estudantes tenham uma base de formação comum
evitando gritantes disparidades no que se é ensinado nas escolas de norte a
sul do Brasil, e, por outro a exigência legal que a escola aborde conteúdos que
retratem aspectos inerentes ao contexto e às problemáticas vivenciadas pelos
estudantes.
A não garantia de uma base curricular comum poderia aumentar ainda
mais o fosso socioeconômico entre os dominadores e dominados, na medida
em que haveria uma preferência ainda mais exacerbada dos conteúdos
trabalhados nas escolas das classes abastadas para compor os processos
seletivos de progressões nos estudos e também para entrada no mundo do
trabalho. Já a inserção da parte diversificada no currículo atende ao clamor que
vem da luta dos movimentos sociais para que a educação formal trabalhe
dentro de suas instituições conteúdos valorativos e emancipatórios das classes
marginalizadas pelo sistema capitalista racista, machista e antiecológico.
O artigo 27 aponta as diretrizes que precisam ser consideradas ao se
formular os currículos. Para efeito de análise são descritos a seguir, na integra
o caput do artigo e seus dois primeiros incisos:
Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica
observarão, ainda, as seguintes diretrizes:
29
I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social,
aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem
comum à ordem democrática;
II – consideração das condições de escolaridade dos
alunos em cada estabelecimento (BRASIL, 1996).
Estes dois incisos coadunam com as ideias trazidas por Paulo Freire em
seu livro “Pedagogia da Autonomia”. O primeiro inciso traz a proposta freiriana
da educação como ato político. O ato de educar não é neutro, é carregado de
escolhas. E no currículo esta constatação é muito aflorada. A escola que tem
um propósito libertário das classes populares tem o compromisso de reservar
uma parte significativa dentro do seu currículo para tratar das diretrizes
contidas no inciso I. Estes são conhecimentos necessários para o processo de
ensino-aprendizado dos educandos, para que tomem consciência da realidade.
À medida em que se apropriam teoricamente desta realidade, vai-se ganhando
conjuntamente a capacidade de transformá-la concretamente. Não se pode
modificar aquilo que não se conhece. (Freire, 2006)
O segundo inciso é uma pregação contida em toda a obra de Freire,
educar a partir da realidade e dos conhecimentos prévios dos educandos. O
inciso II defende, assim como Freire, que o educando não é um jarro vazio de
conhecimento a ser preenchido pretensiosamente pela escola. Os educandos
trazem riquíssimas sabedorias e valores de seu contexto sociocultural que
precisam ser absorvidos e transmutados dentro do trabalho educacional.
Contudo, esses incisos não defendem que se reduza o ensino apenas ao
contexto do educando, o contexto é sempre o ponto de partida para que ele
alcance a capacidade da leitura da “palavra-mundo” no sentido freiriano.
(Freire, 2006)
Para Paulo Freire a essência da vida é o inacabamento, tudo que é vivo
está em constante evolução e involução, sempre se aprimorando e
desaprimorando, numa eterna relação dialética. Por isso que o currículo não
pode cair na esquizofrenia de ser um ente encouraçado, não predisposto a
flexibilização e a mudanças. A abertura para a aquisição de novos
30
conhecimento pela tomada de consciência do inacabamento intrínseco à vida
como um todo e a valorização do saber dos educandos dentro de um prática de
educação emancipatória, é sintetizado por Freire:
Ao contrário, educar e educar-se, na prática da liberdade
é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem por isto
sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber
mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre,
pensam que nada sabem, para que estes, transformando
seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem,
possam igualmente saber mais. (FREIRE, 2002, p.25).
O processo dualista da educação foi exercido com mais eficácia pelos
europeus que pretendiam impor o modelo capitalista ao mundo. Pode-se
observar que “a escola que foi criada nos primeiros momentos da escravidão
tratou de ausentar dos conteúdos cotidianos, todos os valores que nutriam as
identidades étnico-culturais e os espíritos emancipados dos povos
escravizados.” (CONCEIÇÃO, 2012, p.12). Todas as informações trazidas nas
“bagagens-ancestrais” dos africanos eram cuidadosamente estudadas
(observadas), julgadas e distorcidas (“folclorizadas”) para que assim não fosse
mantido o mínimo potencial-cultural capaz de alimentar a auto-estima e a
necessidade de emancipação política nos escravizados. Esse processo foi
realizado com intuito de impor a cultura européia sobre as culturas colonizadas
no mundo inteiro, como forma de explorar os povos do “Além Mar” em
benefício das nações colonizadoras. O currículo oficial sempre foi
cuidadosamente elaborado para atender os interesses econômicos
sanguinários das classes dominantes.
Conceição propõe neste atual momento de crise uma educação nova,
cujo "papel da educação é contribuir para que cada indivíduo possa realizar o
resgate da ancestralidade ecológica amorosa, tão necessária para garantir a
sustentabilidade da vida planetária” (CONCEIÇÃO, 2012, p.35). Nessa nova
31
educação surgirá o homem novo e a mulher nova, estes terão a clareza de que
não podem parar de caminhar, a certeza que o processo revolucionário (evoluir
de novo) é feito em cada ato do cotidiano. Essa nova educação será pautada,
sobretudo em princípios ecológicos e podem-se citar quatro compromissos
sagrados para uma organização básica de um viver em harmonia com a
dinâmica natural de Gaia:
Primeiro, o ser compreende e cumpre com disciplina e
identidade, as leis que regem a dinâmica dos elementos
(terra, água, fogo, ar e tempo-movimento) e a vida
planetária; no segundo, ao compreendermos que somos
materialmente iguais a qualquer outra forma de vida, nos
solidarizamos e respeitamos os demais viventes internos
e externos a nós; no terceiro, através dos ecológicos
alimentos e das sagradas e precisas varridas, limpamos
por dentro e por fora do nosso corpo; na quarta,
aprendemos o ato de conviver com as diferenças
sexuais, de línguas, de filosofia, de religião e etc.
(CONCEIÇÃO, 2012, p.7)
Mais do que em qualquer outro momento se tem a necessidade da
escola voltar a assumir o seu papel central no processo educativo do
educando. Por muito tempo a escola transferiu irresponsavelmente seu papel
central de educação para famílias sem um mínimo de planejamento familiar,
para a mídia e outros segmentos sociais. É preciso que a escola reveja sua
posição, re-significando profundamente o papel que lhe cabe, articulando com
outros segmentos sociais iniciativas que venha a conceber uma sociedade
mais educada, no mais amplo sentido do termo.
32
4 - APRESENTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DE MORRO DO CHAPÉU
O atual território que pertence ao município de Morro do Chapéu era
habitado pelos índios payayá, que aqui estabeleceram por muitos anos uma
relação simbiótica com a natureza. Estes seres ecológicos, como todos os
outros povos de pindorama, foram dizimados com a chegada dos primeiros
colonizadores com suas missões religiosas e com as campanhas de
desbravamento em busca de pedras preciosas lideradas pelos bandeirantes.
Dos nossos irmãos payayá só restam no município alguns utensílios
encontrados e figuras rupestres que ainda não foram pichadas pelos atuais
destruidores das memórias ecológicas e dos princípios da vida. Atualmente os
descendentes deste povo vivem em uma tribo no município vizinho de Utinga.
Com muita bravura eles mantém ali a cultura de seus ancestrais. (Fonte, ano).
Emancipada politicamente em 07 de maio de 1864, Morro do Chapéu
recebe essa denominação por conta de um grande morro (Morrão) que fica
próximo à cidade, este possuía em seu topo uma imensa pedra que lhe dava o
formato de um chapéu. Esta pedra acabou rolando por conta dos ventos e
erosões. Atualmente o território tem uma extensão de 5.532 km², sendo um dos
maiores municípios do estado da Bahia, com uma população estimada de
aproximadamente 40 mil habitantes. (IBGE, 2007).
O município é caracterizado por um rico patrimônio natural e cultural. Seu
território apresenta uma vegetação complexa composta de: caatinga, cerrado,
floresta estacional, campos rupestres e ecótonos. Associado a esta variedade
vegetal encontram-se espécies de animais típicas como: carcará, siriema,
abelha mandaçaia, veado catingueiro, mocó, e tantos outros que já foram
extintos ou estão em processo de extinção por conta da caça predatória e da
destruição de seus habitats, como é o caso do colibri dourado, símbolo da
cidade. Localizado no Piemonte da Chapada Diamantina, Morro do Chapéu
possui um grande potencial turístico por conta dos fatores já citados, bem como
pela presença de nascentes de importantes rios (Salitri, Jacuípe e Utinga),
lindas cachoeiras (Ferro Doido, Agreste, Ventura, Domingos Lopes...), grutas
(Brejões, Boa Esperança e Igrejinha), canyons, pinturas rupestres, flores dos
mais variados tipos, clima frio e agradável. Esta complexidade natural
proporcionou a atração de diversos grupos sociais, favorecendo o surgimento
33
de uma ampla variedade de expressões culturais. (Fonte, ano). Apesar do
potencial eco turístico da região, essa característica é pouco explorada fazendo
com que a matriz econômica do município seja pouco diversificada, centrada
apenas em um modelo agrícola arcaico baseado em grandes latifúndios de
baixa produtividade e de enormes impactos ambientais.
Morro do Chapéu não está fora do quadro de degradação vivenciado
historicamente no Brasil, desde o processo da colonização europeia. Aqui
também os afrodescendentes foram brutalmente escravizados pela elite
branca, tendo que constituir mais de 13 comunidades quilombolas. Infelizmente
percebemos que, tanto aqui, como em todo o país, a escravidão não acabou,
mudou apenas de forma, os negros continuam sendo brutalmente
discriminados e marginalizados do acesso às políticas públicas. Apesar dos
inúmeros programas dos governos federal e estadual para este segmento da
sociedade, nestas comunidades as/os quilombolas vivem de maneira
extremamente precária, muitos sem acesso à luz e água, à educação e saúde,
morando em submoradias, enfim, abandonados à própria sorte. O município
sofre com a perda constante de seu patrimônio natural e cultural, evidenciado
pela redução da cobertura vegetal nativa, poluição dos rios, escassez de água,
destruição dos sítios arqueológicos, extinção de espécies da fauna e da flora e
desvalorização das manifestações tradicionais. Esse processo se deu e se dá
por conta da falta de conhecimento integral sobre os elementos culturais e
naturais morrenses, bem como da falta de consciência da necessidade de
preservação destes para fortalecimento da identidade local.
Na área social o município completa 147 anos de profundas desigualdades
sociais evidenciadas nas diferenças entre o patrimônio dos antigos e atuais
governantes e o patrimônio dos governados. O Índice de Pobreza atinge um
alto percentual. A falta de um bom planejamento político-administrativo ao
longo dos tempos produziu um estado de calamidade pública. O município
enfrenta problemas similares aos de grandes cidades, tais como violência, alto
consumo de drogas, exploração sexual, maciça quantidade de
desempregados, péssimas condições na educação e saúde pública, habitações
precárias, epidemia de dengue e tantos outros. O problema não está na falta
de recursos e sim na má gestão, já que o município tem um dos maiores
orçamentos da região. Embora tenha um volume de recursos financeiros maior,
34
vive um atraso em diversas áreas sociais, quando comparado com outros
municípios que possuem um volume financeiro bem menor e que já
pertenceram a Morro do Chapéu outrora, como é o exemplo de Bonito,
Tapiramutá, América Dourada, João Dourado e tantos outros.
De acordo com a história do município, dos 33 chefes do poder executivo
que já passaram na cidade, um dos únicos que honrou com dignidade as suas
atribuições foi o Coronel Francisco Dias Coelho, que esteve à frente do
executivo municipal entre 1914-1919, sendo este uma personalidade
endêmica, o único negro com a patente de coronel na história da Bahia. Esta
constatação está presente em um trecho do livro Diamante Negro de Dantas
que diz: “Morro do Chapéu ainda não reencontrou o caminho de
desenvolvimento iniciado pelo cel. Francisco Dias Coelho, tendo sérias
dificuldades para educar seus filhos e gerar emprego e renda para seu povo.”
(DANTAS, 2010, p.23).
Cidade Mãe que um dia foi caracterizada pelo clima agradável e por ser um
pólo educacional da região, atraindo estudantes das mais variadas cidades,
infelizmente, vivencia nos dias atuais um calor de mais de 30°c e uma intensa
emigração de seus filhos em busca de oportunidades, já que ela se tornou
ingrata, não oferecendo aos mesmos os cuidados necessários para uma
sobrevivência digna em sua própria casa.
O município de Morro do Chapéu é fortemente marcado por uma formação
educacional jesuítica. Esta serve de ferramenta para dois propósitos
coronelistas: o primeiro é a escolarização dos filhos da elite local para a
perpetuação do status quo social e o segundo é a domesticação das classes
populares para aceitar subservientemente os mandos das oligarquias racistas e
machistas. A escola teve na Igreja Católica um poderoso aliado em seu papel
social de controle e alienação.
Essa aliança entre a igreja e o comando político local ficou fortemente
evidenciado no episódio escandaloso acontecido na década de 1950, quando o
local onde funcionava a escola pública Grupo Escolar Cel. Dias Coelho foi
transformado no atual colégio particular Nossa Senhora da Graça. A direção do
novo Colégio ficou a cargo do Padre (Padre Juca) e do grupo político do
prefeito (grupo Jacu). Além de ser um forte crime de corrupção, também foi
uma atitude de racismo, a elite branca queria apagar o negro, Cel. Dias Coelho,
35
da memória da cidade. O Grupo Escolar foi deslocado naquela época para a
periferia da cidade, deixando o imponente prédio no centro da cidade para
sediar o novo colégio. O Grupo Escolar Cel. Dias Coelho foi um dos primeiros
colégios do município, tendo sido criado no início do século XX.
Dois grupos tradicionais (Jacu e Besouro) vêm se alternando na frente da
condução política-administrativa do município. Vivemos um anacronismo sem
tamanho, uma sociedade contemporânea com modelo educacional da idade
média e um sistema político da idade antiga. O fruto produzido por todos estes
anos de desmandos foi uma sociedade com menos de 40 mil pessoas,
convivendo com um absurdo número de homicídios, que já chega a mais de 20
nestes últimos 365 dias, em sua maioria jovens negros marginalizados
historicamente, sem acesso a um mínimo de políticas públicas. Vale ressaltar
que toda esta chacina, por incrível que pareça, é despercebida pelo poder
público municipal.
5 - JUSTIFICATIVA
A educação dos nossos ancestrais era vivenciada intensamente em todas
as práticas e os mais velhos ensinavam aos mais novos aprendizados inéditos.
Nesse contexto a função de educar era exercida por todos dentro da escola-
aldeia. Cada espaço, cada corpo era local da dialogicidade ensino-
aprendizagem. Todos eram ao mesmo tempo educandos-educadores. Os
indivíduos nas comunidades primitivas eram educados para a vida (FREIRE,
2006).
O conhecimento era solidariamente compartilhado através da oralidade, dos
instrumentos e registros deixados pelos antepassados. Todos os sujeitos
aprendiam todas as tecnologias e os saberes presentes em cada comunidade.
O conhecimento não era instrumento de domínio, mas sim de emancipação
coletiva. A educação para a vida acompanhou todo o período de produção
primitiva, modelo este baseado na economia solidária sustentável
(CONCEIÇÃO, 2012).
É importante fazer uma análise marxista da história para se perceber que a
mudança no modelo de produção impulsiona em cada período a mudança não
36
apenas do setor econômico, mas de todos os outros setores da sociedade
(ENGELS E MARX, 1999).
Com o surgimento do sistema escravista, de base racista, a sociedade
passa a ser dividida entre as classes dos exploradores e dos explorados. Daí
por diante, todo o processo de solidariedade e comunhão presentes nas
sociedades primitivas dá lugar à busca cega pelo capital, pelo acúmulo de
poder. A Escola foi criada pelos escravocratas para cumprir a função dualista
imposta pelo capital, de um lado a formação dos futuros dominadores, e de
outro a formação dos futuros dominados.
A cultura e os saberes destes povos foram suprimidos por um brutal
processo de aculturação imposto pelos colonizadores com o apoio da Igreja
Católica. Esse processo marcou profundamente o modo de pensar destes
territórios na atualidade. Aqui no Brasil pode-se perceber que o ensino nas
Instituições tem praticamente um monopólio dos pensamentos desenvolvidos
na Europa. Essa aculturação impôs um modelo de sociedade baseado na
competição, no individualismo, na exploração do homem pelo homem e deste
com a natureza, no machismo, no racismo e nas mais variadas formas de
preconceitos provenientes da lógica capitalista do velho continente.
É necessário repensar o Currículo Escolar profundamente, fazer com que
as vozes silenciadas das camadas populares ecoem dentro das aulas de aula.
É preciso construir, para ontem, uma escola inclusiva, que acolha e valorize as
múltiplas diversidades presentes no chão da escola (ARROYO, 2011).
O projeto contempla os objetivos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, a Carta da Terra, a Constituição Federal do Brasil, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e o Projeto Político Pedagógico do Colégio Estadual Cel.
Dias Coelho, que rezam pela construção de uma sociedade mais justa,
socialmente igualitária, culturalmente diversificada e ambientalmente
sustentável, a partir de um processo de educação crítica, que contribua para o
surgimento da base desta construção – o sujeito ecológico-solidário consciente,
além de concretizar os objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
no que diz respeito, principalmente, ao trabalho com os temas transversais, ao
caráter científico do ensino, à interdisciplinaridade, à produção de
conhecimento e ao fortalecimento da relação escola-comunidade.
37
Com esse projeto, estamos contribuindo para ações afirmativas nas
direções das identidades étnicas dos descendentes dos indígenas e africanos,
assim como, de propósitos sustentáveis da educação ambiental. Por isso, é de
fundamental importância tomar como bases jurídicas, os exercícios dos
conteúdos e métodos postos nos decretos: Lei 9795/99 (que torna obrigatória a
inclusão da educação ambiental nos currículos das escolas públicas e privadas
em todos os níveis de ensino) (BRASIL, 1999); e da Lei 11645/08 (que torna
obrigatória a inclusão de conteúdos e métodos que resgatam os valores
indentitários ancestrais dos povos colonizados – afroindígenas – nos currículos
das escolas públicas e privadas em todos os níveis de ensino) (BRASIL, 2008),
leis estas, que ainda não foram devidamente exercitadas em nosso município.
Outro ponto importante que diz respeito ao projeto, é o levantamento amplo
dos aspectos socioambientais de Morro do Chapéu, a serem sistematizados
em forma de um Bingo Temático e que contribuirá para o preenchimento de
uma lacuna profunda presente nas escolas e na comunidade em geral no que
se refere à falta de materiais de estudo sobre a localidade.
O Bingo Temático é uma proposta didática desenvolvida pelo proponente
desse projeto, já testada com outros temas em diversos locais. Consistente em
transformar a numeração presente nas tabelas do Bingo Tradicional em
Informações (nomes, operações matemáticas, imagens e etc) ligadas ao
conteúdo abordado. Cada informação é ligada a uma numeração
correspondente às bolas contidas no globo do bingo. Paralelamente é
construído uma apresentação em slides, contendo todas as informações em
ordem numérica, e, na medida em que é sorteado um número, o slide
correspondente é projetado e comentado. Também é organizada uma tabela
de conferência, contendo todas as informações com seus respectivos números.
Assim como no bingo tradicional, quem fechar primeiro a cartela ganha uma
premiação, neste caso, simbólica. É uma forma lúdica de debater diversos
conteúdos.
Serão selecionados nesta atual proposta 75 temas geradores sobre Morro
do Chapéu. Cada tema será pesquisado pelos estudantes, os mesmos
entregarão para Comissão Organizadora a pesquisa completa, um resumo
contendo as principais informações pesquisadas e imagens que ilustrem cada
assunto.
38
O projeto tem a proposta de trabalhar de forma lúdica conteúdos valorativos
sugeridos pelos próprios estudantes sobre a realidade e o contexto local. O
currículo oculto trazido pelos estudantes e por todo o entorno da escola sempre
foi marginalizado pelos currículos oficiais, tornando a escola um espaço sem
significância para a vida dos educandos, um local estranho e alheio à sua
realidade concreta. O Bingo Temático tem a finalidade de despertar a
curiosidade crítica e o gosto por estudar na classe estudantil.
6 – OBJETIVOS
6. 1 OBJETIVO GERAL
Promover a inserção dos saberes ecológicos populares no currículo real do
Colégio Estadual Cel. Dias Coelho, como forma de despertar a consciência
crítica dos estudantes e de toda a comunidade em geral, levando-os a
tornarem-se agentes de transformação da realidade local.
6.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
6.2.1 Estabelecer uma reflexão política profunda sobre o tema Currículo com
toda a comunidade escolar, principalmente com a equipe pedagógica,
explicitando as correlações de forças desiguais que se dá em sua construção.
6.2.2 Realizar um Bingo Temático de Morro do Chapéu com a finalidade de:
a) Pesquisar didaticamente temas socioambientais relevantes para a análise
crítica da realidade local;
b) Promover a educação transdisciplinar através da re-união dos diversos
campos dos saberes e técnicas pedagógicas numa proposta pedagógica
holística de cunho artístico-científico;
c) Acolher a diversidade de conhecimentos produzidos pelos movimentos
sociais e pelos próprios sujeitos pertencentes à comunidade escolar,
historicamente marginalizados das salas de aula e dos currículos escolares
oficiais.
39
d) Promover a interação dos estudantes entre si e destes com a comunidade,
numa didática que trabalhe os conteúdos valorativos contextualizados, através
dos temas geradores;
e) Sistematizar, organizar, arquivar e divulgar as informações relevantes
coletadas durante todas as etapas de execução do projeto;
f) Elaborar um Bingo Educativo Temático a partir das pesquisas promovidas
pelos estudantes. Este valoroso material didático será aplicado em outros
espaços educativos e comunitários, disseminando ludicamente ao máximo a
Pesquisa-Ação Transdisciplinar, realizada pelo projeto escolar.
7 - METODOLOGIA
Cada vez mais cresce o número de pesquisadores (produtores de
conhecimentos) que estão abrindo mão das metodologias cartesianas rígidas
das ciências “clássicas” surgidas no final da idade média, que tratou de
exterminar da academia os modos de produção de conhecimento das camadas
populares. O método científico cartesiano criou uma exacerbação da razão em
detrimento da intuição, da subjetividade e de todas as outras formas de
compreensão da realidade. Esse processo proporcionou o surgimento de um
modelo de produção de conhecimento altamente fragmentário, com múltiplos
campos científicos incomunicáveis entre si. Na educação ocorreu a
disciplinarização do ensino e a mera reprodução alienada dos conteúdos
impostos de cima para baixo pelos modelos educacionais elitistas. A dicotomia
se tornou a palavra de ordem da sociedade capitalista, estabelecendo
fronteiras intransponíveis, carregadas de ódio e preconceitos entre:
homem/mulher, branco/negro, opressor/oprimido, homem/natureza,
campo/cidade, sujeito/objeto, razão/intuição, objetividade/subjetividade,
quantitativo/qualitativo, dedução/indução entre tantas outras infinidades de
dicotomias.
O fruto desse modelo foi um profundo “analfabetismo ecológico”. As
pessoas estão mergulhadas em um sistema econômico caótico, distantes do
espírito de solidariedade e comunhão com os princípios que regem a Teia da
Vida (CAPRA, 2006).
40
As metodologias científicas rígidas, fechadas para a diversidade de técnicas
e caminhos para interpretação dos objetos de estudo não dão conta de
desvendar a realidade concreta, que é complexa, cheia de ligações e
desdobramentos. Edgar Morin analisa esse dilema:
A educação hegemônica atual se encontra dentro de um grande
paradoxo. Seus conteúdos cartesianos repetidos há séculos,
mecanicamente se deparam com a problemática atual cada vez mais
compreendida integralmente. Os problemas socioambientais desse
modelo civilizatório, este tão defendido pelas instituições de ensino
durante milênio, casou um desequilíbrio global que não pode ser
analisado por essa visão encurtada (MORIN, 2001, p.17).
A busca de interpretar os fatos na contemporaneidade com maior precisão
e profundidade tem levado muitos pesquisadores a resgatar a visão holística de
nossos ancestrais primitivos, tão bem ensinada e vivenciada na escola-aldeia.
É neste contexto que ressurge a Pesquisa-Ação-Transdisciplinar “que ressalta
a multidimensionalidade dos processos, causalidade circular, a incerteza, a
mudança, os processos globais, integradores e não-lineares” (MORAES E
TORRE, 2006, p.162).
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa que é concebida e realizada em
estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema
coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da
situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou
participativo.” (THIOLLENT, p.14, 1996).
Esse projeto adota a transversalidade como estratégia epistemológica para
compreender criticamente o objeto de estudo. Esse processo metodológico,
diferentemente do método científico mecanicista, enxerga na diversidade
metodológica e nas múltiplas técnicas de investigação, processos
complementares indispensáveis para se concretizar os objetivos dos projetos
de pesquisas. A pesquisa transdisciplinar estabelece uma dialogicidade bem
orquestrada entre as diversas metodologias, sem perder de vista o rigor
científico necessário e a não sobreposição de métodos.
A pesquisa-ação-transdisciplinar será adotada nesse projeto, uma vez que
esse modelo de pesquisa adota uma metodologia que agrega de forma
41
organizada diversas técnicas de investigação e abordagens, permitindo
perceber o objeto de forma mais integral, ao tempo que permite ao pesquisador
e aos pesquisados, realizarem em conjunto uma transformação na realidade
estudada (PALAVIZINI, 2012).
Como forma de orientar a execução do projeto e pautar o debate sobre
Currículo na perspectiva proposta por esse Projeto Vivencial será aplicado um
questionário como ferramenta de pesquisa para coletar dados e informações
relevantes sobre o presente objeto de estudo. (ver questionário em anexo). As
principais informações serão sistematizadas em forma de slide para subsidiar
um encontro com os educadores da escola para debater o tema e discutir o
passo a passo da execução do Bingo Temático.
PASSO A PASSO DO PROJETO BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO
CHAPÉU:
1) O proponente apresentará a proposta para Direção e para Equipe
Pedagógica como formar de sensibilizá-los para aprovação do Projeto Bingo
Temático no Colégio e amarrar seus pontos centrais;
2) Será feita uma reunião com todos os educadores do colégio com o objetivo
de compartilhar o projeto, discutir a metodologia, colher sugestões para seu
aperfeiçoamento e principalmente, criar uma unidade de trabalho entre o corpo
docente (fundamental para o bom andamento de todas as etapas). Nesta
reunião será constituída uma comissão organizadora;
3) Realizaremos um encontro com a participação dos profissionais da
educação do colégio e alguns educadores convidados para uma reflexão
política profunda sobre Currículo, explicitando as correlações de forças
desiguais que se dá em sua construção;
4) Apresentaremos nos três turnos a proposta para os estudantes. Neste
momento levantaremos a proposta dos 75 temas geradores sobre Morro do
Chapéu que irão compor o Bingo Temático;
5) A Comissão Organizadora definirá os 75 temas geradores a partir das
sugestões dos discentes;
6) Os líderes de turma se reunirão com a comissão organizadora para a
distribuição dos temas que ficaram a cargo de cada sala;
42
7) Cada turma, com a coordenação de um professor orientador, realizará um
plano de pesquisa para colher informações relevantes sobre os temas
escolhidos, além de trazerem imagens sobre cada temática. Os professores
explicarão os métodos de pesquisa adequados diante cada especificidade do
objeto de estudo;
8) Cada turma elaborará uma pesquisa, um texto resumo e selecionará as
imagens mais representativas sobre a temática;
9) Todo material online será entregue à comissão, que armazenará em um
computador da escola, em uma pasta com todas as pesquisas realizadas;
10) A Comissão organizadora montará o Bingo Temático através do resumo
elaborado e das imagens feitas dos temas geradores pelos estudantes. A
comissão buscará patrocínio no comércio local para a premiação simbólica do
Bingo;
11) Toda a comunidade escolar será convidada para realização do Bingo no
Teatro da Minerva. Cada pessoa presente ganhará uma cartela. O proponente
do projeto narrará o Bingo;
12) Depois da execução do Bingo será fornecido um lanche natural para os
presentes e terão algumas apresentações musicais dos estudantes;
13) A Comissão Organizadora se reunirá para avaliar o projeto;
14) O material elaborado será disponibilizado para a Escola, como forma
executar o Bingo Temático em outros momentos e espaços diferentes, além de
utilizar as informações pesquisadas para outras atividades educativas;
15) A Comissão Organizadora divulgará essa proposta didática na rádio
comunitária e nos sites locais.
43
8 – CRONOGRAMA
DATA/HORÁRIO ATIVIDADE LOCAL
25/03/16
17:00h (sexta-feira)
Reunião com a direção e
coordenação pedagógica.
Sala da Direção
30/03/16
17:30h (quarta-feira)
Reunião com os professores
(formação da comissão
organizadora)
Sala dos
Professores
01/04/16
19:00h (sexta-feira)
Encontro para debater o tema
Currículo com os todos os
profissionais do Colégio, pais e
com educadores convidados.
Pátio do Colégio
05/04/16
9:00 (matutino)
15:00h (vespertino)
19:00h (noturno)
(terça-feira)
Apresentação do projeto para os
estudantes (levantamento dos
temas geradores)
Pátio do Colégio
07/05/16
17:00h (quinta-feira)
Reunião com a Comissão para
organização do projeto e seleção
dos temas geradores para
pesquisa
Laboratório de
Informática
08/04/16
17:00h (sexta-feira)
Reunião com os líderes de turma
para sorteio dos temas
Sala de aula
08/04/16 a 08/05/16 Período para pesquisa
09/05/16
(segunda-feira)
Entrega do material pesquisado Secretaria da
Escola
09/05/16 a 19/06/16 Organização do Bingo
25/05/16
19:00h (segunda-feira)
Realização do Bingo
Teatro da Minerva
27/05/16
12:00h (sexta-feira)
Avaliação do projeto e entrega de
todo material elaborado
Sala dos
Professores
44
9 - CONCLUSÃO
Esse modelo educacional vigente produziu uma sociedade mal educada
e agora cabem as educadoras e os educadores verdadeiramente
comprometidos com a construção de um mundo socialmente justo,
ecologicamente equilibrado e culturalmente diversificado reeducar a sociedade.
E o começo deste processo utópico passa primeiramente pela reeducação dos
próprios educadores. Utópico aqui no sentido freiriano, ação constante de
denunciar uma realidade desumanizante e anunciar uma realidade mais plena.
“A realidade não é inexoravelmente esta. Está sendo esta como poderia ser
outra, e é para que seja outra que precisamos, os educadores, lutar.” (Freire,
2005, p.75)
Mas é preciso ter clareza que nunca foi tão difícil como hoje a tarefa da
educação. Todo o ambiente é hostil à subida, tudo é favorável à descida. O
educador e o educando de hoje têm que nadar contra a corrente.
Debater currículo é questão central dentro de uma educação
emancipadora, nele é direcionado todo processo de ensino-aprendizado, o que
uma escola ensina ou deixa de ensinar. Os saberes ecológicos populares e
outros temas que dizem respeito a vida concreta dos estudantes são excluídos
dos currículos oficias em nome da hegemonização de conteúdos colonizados
que servem para normatizar as barbáries produzidas pelo capital. A escola não
pode continuar não pautando criticamente o processo de marginalização que
os conteúdos produzidos pelas camadas populares sofrem dentro da “grade”
curricular e das quatro paredes das salas de aula.
A presente proposta de intervenção tem a finalidade de dá um primeiro
passo dentro dessa interminável caminhada para inclusão dos sabres
ecológicos populares e dos demais conhecimentos relevantes produzidos pelos
sujeitos locais dentro do currículo oficial e real do Colégio Estadual Cel. Dias
Coelho.
Redirecionar as finalidades da educação é uma tarefa para ontem, ou a
humanidade o faz, ou continuará trilhando o caminho da autodestruição que
45
colocará em risco cada vez mais a sua sobrevivência no planeta. A principal
tarefa da educação na contemporaneidade não pode ser outra se não tratar da
sobrevivência da própria humanidade.
A reestruturação curricular é uma questão chave para fazer com que a
educação dê conta de seu papel na contemporaneidade, esta marcada por
graves crises socioambientais. Nunca antes na história foi tão vital e evidente a
necessidade de repensar a lógica de como os currículos foram estruturados, é
preciso mudar os rumos da educação, e isto só será possível com um currículo
pensado e construído de baixo para cima. Não é possível a escola em pleno
século XXI continuar tentando “entupir” seus educandos de informações
desconectadas, que em sua grande maioria são desnecessárias para a vida.
46
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel G. Currículo, território em disputa. Petrópolis/RJ: Vozes, 2011. ___________________. Pedagogia do Oprimido. In: ARROYO, Miguel G. et al (Orgs). Dicionário da Educação do Campo. São Paulo: Expressão Popular, 2012. pp. 353- 360 BRASIL. Lei 11.645/08 de 10 de Março de 2008. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília. _______ Lei 9.795, de 27 de abril de 1999. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília. _______. Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília. CONCEIÇÃO, Jorge. NEGRITUDE: DO ESPELHO QUEBRADO À IDENTIDADE AUTÊNTICA. 1. ed. Salvador: Vento Leste, 2012. DEMO, Pedro. Educar pela Pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 1997 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 31. Ed. SP: Paz e Terra, 2005. ____________ A Importância do Ato de Ler. 5.ed. SP: Cortez, 1985. ____________. Extensão ou Comunicação. 12ª Edição. São Paulo: Paz e Terra. 2002 GAIARSA, José Ângelo. Sobre uma Escola para o Novo Homem. 2. ed. SP: Gente, 1995. GARCIA, R. M. C. Políticas de inclusão e currículo: transformação ou adaptação da escola?. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: lugares, memórias e culturas - livro 3. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. Currículo: questões contemporâneas sobre qualidade na educação. Salto para o Futuro, Brasília, DF, ano 18, p. 3-9, out. 2008 OSHO. O livro da Criança – 2.ed. SP: Ícone, 2001
48
Projeto de Intervenção Bingo Temático de Morro do Chapéu
Colégio Estadual Cel. Dias Coelho
Pesquisa de Campo Objeto de Estudo: Como são tratados os saberes ecológicos
populares dentro do Currículo do Colégio. Currículo Marginal x Currículo Oficial
Questionário
Nome:__________________________________________________________
Email:_________________________________Telefone:__________________
1 - Função na escola:
( ) Direção
( ) Docente
( ) Coordenação Pedagógica
2 – Carga horária de trabalho:
( ) 20 horas ( ) 40 horas
3 – Possui outro vínculo empregatício?
( ) Não
( ) Sim Qual? ___________________________________________________
4 – Formação Acadêmica:
( ) Pedagogia
( ) História
( ) Letras
( ) Geografia
( ) Química
( ) Física
( ) Ed. Física
( ) Filosofia
( ) Sociologia
( ) Matemática
( ) Outra
Qual?_________________________________________________________
5 - Nível mais elevado de formação acadêmica já finalizada:
( ) Graduação
( ) Especialização
( ) Mestrado
( ) Doutorado
49
6- Disciplinas lecionadas:
( ) Matemática
( ) Português
( ) Ciências
( ) História
( ) Geografia
( ) Inglês
( ) Ed. Física
( ) Outra(s)
Quais?______________________________________________________
7- Tipo de vínculo profissional com a escola?
( ) Servidor efetivo
( ) Contratado pelo REDA
( ) Contratado pelo PST
8 - A gestão do colégio é democrática?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não opinaram
Justifique:_______________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
9- O PPP da escola foi construído de forma democrática e participativa?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabem
Como se deu o processo de construção
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
10- PPP aborda a parte diversificada do currículo em seu texto?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabem
Justifique:_______________________________________________________
_______________________________________________________________
50
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
11- O colégio já realizou algum evento para debater seu currículo?
( ) Não Sabem ( ) Não
( ) Sim Quais:__________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
12-A formação acadêmica oferecida pelos cursos de licenciatura debate
criticamente o processo de marginalização dos conhecimentos populares dos
currículos oficiais e o processo de colonização do conhecimento?
( ) Sim
( ) Não
( ) mais ou menos
Justifique:_______________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
13-Existe projetos interdisciplinares ou não dentro da escola que abordem
temas contextuais sobre a realidade dos estudantes?
( ) Não Sabem ( ) Não
( ) Sim Quais:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
51
14-O intervalo é pensado dentro do currículo escolar como espaço de
aprendizado?
( ) Sim ( ) Não
Justifique:_______________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
15-Qual avaliação da escola no IDEB?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
16-Quais as taxas de evasão e reprovação da escola no último ano letivo?
Evasão:________________ Reprovação:______________________
17-Qual a avaliação do colégio no cumprimento do currículo comum
estabelecido pelo Ministério de Educação?
( ) Excelente
( ) Bom
( ) Regular
( ) Péssimo
Justifique:_______________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
18 Como são tratadas as leis 11645/08 (educação afroindígena) e a lei
9795/99 (educação ambiental) dentro do colégio?
Resposta:_______________________________________________________
_______________________________________________________________
52
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
19-Existem projetos sobre educação ambiental desenvolvidos pelo colégio?
( ) Não
( ) Sim Quais:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
20-Como é trabalhado o tema ecologia dentro do currículo?
Resposta:_______________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
21- Existem materiais didáticos produzidos pelo colégio que abordem temas
ecológicos e outros relevantes sobre o contexto que a escola está inserido?
( ) Não
( ) Sim Quais:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
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22-Os estudantes são incentivados para práticas alimentares saudáveis
através da merenda e das aulas ministradas?
( ) Não
( ) Sim Como:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
23-Qual a participação da comunidade externa na escola?
Resposta:_______________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
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_______________________________________________________________
24-Descreva quais as maiores dificuldades enfrentadas pela escola acerca do
currículo?
Resposta:_____________________________________________________________
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