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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA NACIONAL ESCOLA DE GESTORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA CECOP 3 DANIEL SANTOS DE OLIVEIRA BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO CHAPÉU PESQUISAÇÃO-AÇÃO-TRANSDICIPLINAR SOBRE CURRÍCULO Santa Maria da Vitória 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA NACIONAL ESCOLA DE GESTORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA – CECOP 3

DANIEL SANTOS DE OLIVEIRA

BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO CHAPÉU PESQUISAÇÃO-AÇÃO-TRANSDICIPLINAR SOBRE CURRÍCULO

Santa Maria da Vitória 2016

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DANIEL SANTOS DE OLIVEIRA

BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO CHAPÉU PESQUISAÇÃO-AÇÃO-TRANSDICIPLINAR SOBRE CURRÍCULO

Projeto Vivencial apresentado ao Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica Pública, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do grau de Especialista em Coordenação Pedagógica.

Orientadora: Profª Maria Lucia Dantas de Oliveira

Santa Maria da Vitória 2016

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DANIEL SANTOS DE OLIVEIRA

BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO CHAPÉU PESQUISAÇÃO-AÇÃO-TRANSDICIPLINAR SOBRE CURRÍCULO

Projeto Vivencial apresentado como requisito para a obtenção do grau de Especialista em Coordenação Pedagógica pelo Programa Nacional Escola de Gestores, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia.

Aprovado em janeiro de 2016.

Banca Examinadora

Primeiro Avaliador ________________________________________________ Segundo Avaliador. _______________________________________________ Terceiro Avaliador. ________________________________________________

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a força cósmica por me presentear com as informações

contidas nesse trabalho.

A toda a minha família, minha companheira Maiara Reis e minha

pequena educadora, minha filha Maiara Potira, pelos seus ensinamentos e

experiências fantásticas.

A todas as minhas parceiras e parceiros que passaram pelo grupo

UNIRAAM. Todos contribuíram para a construção de minha formação

intelectual. Principalmente meu amigo-irmão Lídio do Santos Filho

A meu pai, sujeito anárquico, exemplo de vida. Homem bom por

natureza.

E não podia esquecer meu orientador, irmão camarada, pessoa que

devo parcela significativa de minha formação, pelos seus sagrados

ensinamentos, Professor Jorge Conceição.

. A minha orientadora, Profª Maria Lucia Dantas de Oliveira, que sem

falsa modéstia realizou com muito profissionalismo e precisão seu papel de

orientadora.

Para finalizar à Faculdade de Educação da UFBa e ao Programa Escola

de Gestores, por realizarem uma grande proposta de formação de

Coordenadores, contribuindo para que toda Bahia tenha cada vez mais

profissionais capacitados atuando nas escolas.

4

“Ocupemos o latifúndio do conhecimento como mais uma das terras, como mais um dos territórios negados.” (Miguel Arroyo, 2012, p.361)

5

OLIVEIRA, Daniel Santos. BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO CHAPÉU PESQUISAÇÃO-AÇÃO-TRANSDISCIPLINAR SOBRE

CURRÍCULO. 2015. Projeto Vivencial (Especialização) – Programa

Nacional Escola de Gestores, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

RESUMO

O presente trabalho é um Projeto Vivencial que tem com objeto de estudo o

processo de marginalização que os saberes ecológicos populares sofre nos

currículos escolares e a importância da inclusão desse conhecimento no

processo de ensino-aprendizado na sala de aula. O nome do projeto é Bingo

Temático de Morro do Chapéu Pesquisa-Ação-Transdisciplinar sobre

Currículo e tem como objetivo promover a inserção dos saberes ecológicos

populares no currículo real do Colégio Estadual Cel. Dias Coelho, como forma

de despertar a consciência crítica dos estudantes e de toda a comunidade em

geral, levando-os a tornarem-se agentes de transformação da realidade local.

O projeto adotará uma metodologia de trabalho complexa envolvendo

transdisciplinarmente várias técnicas de pesquisa. O Bingo Temático de Morro

do Chapéu é uma proposta de trabalho vivencial que tem a finalidade de iniciar

as discussões sobre currículo no Colégio Estadual Dias Coelho e servir como

referência didática de como trabalhar os conteúdos ecológicos e os demais

conhecimentos produzidos no contexto local.

Palavras-chave: Marginalização, Bingo Temático de Morro do Chapéu Pesquisa-Ação-Transdisciplinar, Saberes Ecológicos Populares e Currículo,

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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO .......................................................................................P.7

2– MEMORIAL .............................................................................................P.9

3– FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................P.20

4 – APRESENTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DO MUNICÍPIO .......................P.32

5 – JUSTIFICATIVA ......................................................................................P.35

6 – OBJETIVOS.............................................................................................P.38

7 – METODOLOGIA .....................................................................................P.39

8 – CRONOGRAMA .....................................................................................P.43

9 – CONCLUSÃO .........................................................................................P.44

REFERÊNCIAS

ANEXO

7

1 - INTRODUÇÃO

O “Bingo Temático de Morro do Chapéu” é um projeto de pesquisa-ação-

transdisciplinar-vivencial que serve como Trabalho de Conclusão de Curso da

Pós-Graduação Lato Sensu em Coordenação Pedagógica do Programa

Nacional Escola de Gestores da Educação Básica, em parceria com a

Universidade Federal da Bahia (UFBA). O presente trabalho é orientado pela

professora pesquisadora orientadora Maria Lúcia Dantas de Oliveira e faz parte

do eixo temático 01 – Currículo. O proponente desse projeto é componente da

turma do polo de Santa Maria da Vitória/BA.

Como pesquisador vivencial milito há mais dez anos na educação

popular, atuando em movimentos sociais e instituições oficiais de ensino nas

três esferas governamentais: municipal, estadual e federal, como professor e

técnico administrativo. Como pedagogo, percebo que estes espaços carecem

debater com profundidade o tema currículo. É um tema central na educação,

perdemos muito tempo discutindo questões sintomáticas e não vamos direto à

raiz das causas dos problemas. O currículo é a raiz da educação e o reflexo

desse desinteresse é notório em todos os espaços, inclusive no presente curso

de especialização, este trabalho é o único que debate o tema. O Currículo é a

trincheira da luta de classes na educação, é neste espaço que é definido

depois de muito embate ideológico as diretrizes do que será ensinado dentro

das salas de aula.

O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC/PV) é fundamentado

teoricamente em três praxistas da educação (Jorge Conceição, Paulo Freire e

Miguel Arroyo). Os três autores trazem em suas obras importantes reflexões

sobre o objeto de estudo desse trabalho, que aborda o processo de

marginalização que sofrem os saberes ecológicos populares do currículo oficial

e a importância vital de revertermos essa lógica de segregação que está na

base da construção dos currículos escolares.

O trabalho é subdividido em vários tópicos: Memorial (onde apresento

minha trajetória profissional e as motivações pessoais que levaram a escolha

do tema da pesquisa); Fundamentação Teórica (apresento a linha teórica que

norteará o projeto); Apresentação Socioambiental de Morro do Chapéu (breve

histórico do município para situar o contexto onde a pesquisa-ação será

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desenvolvida); Justificativa (relato a relevância desse Projeto Vivencial);

Objetivos (o que o trabalho pretende alcançar); Metodologia (quais são os

caminhos que o projeto trilhará para concretizar os objetivos propostos);

Conograma (contendo as datas e locais de cada ação); Conclusão (que deixa

claro que este trabalho é apenas um ponta pé inicial e que é preciso novos

paços acerca do debate emergente sobre Currículo); e, por fim o Anexo

(formulário para ser aplicado como ferramenta na pesquisa-ação).

O Projeto Vivencial será executado no Colégio Estadual Cel. Dias

Coelho situado no município de Morro do Chapéu/BA, na rua ACM, nº26, CEP

44850000. Morro do Chapéu é um município que fica na Chapada Diamantina,

carregado de belezas naturais e de problemas socioambientais gravíssimos. O

Colégio é o mais antigo de Morro do Chapéu, foi instituído no início do século

passado pelo Cel. Francisco Dias Coelho, único coronel negro da história da

Bahia. Atualmente possui uma infraestrutura razoável, uma direção e um corpo

docente abertos para contribuição. O problema é que muitos professores não

são concursados e o colégio não têm uma coordenação pedagógica presente

na escola. Outra problemática é que a escola recebe muitos estudantes em

situação de risco e vulnerabilidade social e as nossas escolas não estão

preparadas, infelizmente, para lidar com esse público no sentido de emancipá-

los. Muita indisciplina ocorre no espaço escolar, baixo aprendizado e muita

evasão. Atualmente estão matriculados cerca de 400 estudantes no Ensino

Fundamental II e no PROEJA.

O projeto tem o objetivo de abrir um debate sobre currículo dentro da

escola, relacionando o campo de disputa que está por detrás da constituição

final do currículo oficial. Os saberes ecológicos populares foram marginalizados

das páginas dos currículos e excluídos das salas de aulas. Esse processo de

marginalização foi propositalmente realizado historicamente pelas elites

dominantes, como forma de silenciar qualquer atitude mínima de libertação das

classes oprimidas. Todos os valores ecológicos e solidários que vão de

encontro à voracidade insana do acúmulo de capital pela burguesia, foram

renegados dos espaços de formação e informação da sociedade. O projeto

será executado entre os meses de março a maio de 2016.

O projeto pretende através de uma proposta de didática lúdica e

participativa propor uma alternativa para se estudar o contexto local de forma

9

crítica. Ao se apropriarem de sua realidade concreta, os estudantes são

levados conscientemente a transformá-la em algo melhor. O Bingo Temático é

uma grande ferramenta pedagógica para se trabalhar com prazer o Currículo

Diversificado como reza a LDB, mostrando que é possível e necessário incluir

no currículo oficial e real os saberes diversificados que brotam no chão da

própria escola. Toda a comunidade escolar estará direta e indiretamente ligada

ao projeto, além de eventuais colaboradores externos.

2 – MEMORIAL (Uma Vida de Militância na Educação)

Escrever um Memorial talvez seja uma das redações mais difíceis de

fazer, pois falar de si mesmo é uma coisa rara dentro de nosso processo

educacional. Se autoavaliar é uma necessidade importantíssima dentro de uma

educação crítica, a escola precisa ensinar as pessoas a olharem para dentro.

Esse Memorial é um trabalho referente ao componente curricular,

Trabalho de Conclusão de Curso, do curso de pós-graduação lato sensu em

Coordenação Pedagógica, Programa Nacional Escola de Gestores da

Educação Básica, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), como requisito

para conclusão de uma etapa do componente curricular.

Escolhi o eixo temático Currículo por identidade com minha militância na

educação ecológica popular desde meus 18 anos. Tive a grata satisfação de

ter participado durante 12 anos de significativos movimentos educacionais

diferenciados e de ter convivido com grandes mestres da educação voltada

para a valorização e preservação dos princípios vitais. Ao longo dessa jornada

a construção de uma outra proposta curricular fez parte central dos debates. Ao

ler Paulo Freire, Humberto Rodhen, Tomio Kikuchi, Osho, Gaiarsa, Edgar

Morin, Wilhelm Reich, Miguel Arroyo, Edson Hiroshi, Pedro Demo e Jorge

Conceição, compreendemos a necessidade urgente de uma mudança radical

no modelo curricular hegemônico, para que a escola consiga cumprir seu

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papel de educadora na sociedade contemporânea, esta, marcada por fortes

crises de toda ordem.

Na adolescência tinha uma grande dúvida, qual área de atuação

profissional eu escolheria para minha vida. Essa dúvida começou a se

findar em 2003, quando no meu 3º ano do ensino médio no Colégio Estadual

Alaor Coutinho, localizado no povoado de Açu das Torres, município de Mata

de São João-BA, tive o prazer de estudar Física e Matemática com o professor

Ricardo Macedo. Ele coordenava junto com sua companheira Edite Diniz o

Centro de Educação Popular Milton Santos – CEPMS. O centro ficava na

comunidade quilombola de Pau Grande, a três quilômetros do Alaor.

Eu e alguns amigos-irmãos fomos convidados por ele para

participarmos de uma intensa formação de educação ecológica popular no

CEPMS. A partir daí, praticamente todos fizeram um profundo mergulho nesse

oceano mágico chamado educação.

O CEPMS tinha como segmentos de atuação: o Infocentro Zumbi do

Palmares, a Biblioteca Carlos Marighela, o Centro de Formação de Educadores

Populares Paulo Freire, a Padaria Escola, a Turma de Alfabetização de Jovens

e Adultos, o Grupo de Artesanato, a Cozinha Comunitária, a Horta Comunitária

e a Escola Comunitária Infantil Tainá-Can.

O Infocentro Zumbi dos Palmares servia para a promoção da inclusão

digital tanto dos membros do CEPMS como também da Comunidade. Era uma

importante ferramenta para confecção de vários materiais didáticos e para

realização de algumas tarefas da Associação Comunitária do Quilombo de Pau

Grande.

A Biblioteca Carlos Marighela era uma biblioteca que tinha um rico

acervo bibliográfico e audiovisual, importante fonte de estudo e pesquisa da

comunidade interna e externa.

O Núcleo de Formação de Educadores Populares Paulo Freire era

responsável pela formação dos educadores populares que atuava no CEPMS.

Os encontros aconteciam nos finais de semana. Dezenas de jovens passaram

11

pelo Núcleo, onde eram realizadas uma série de atividades formativas como:

grupo de leitura e debate, cine club, as mais variadas oficinas, construção do

PPP da Escola, planejamento das aulas e etc. A maioria dos jovens

que passou pela formação ingressou em cursos de licenciatura em instituições

públicas e privadas de nível superior, sendo a primeira geração de nativos do

litoral norte a ingressar em universidades públicas. Os componentes do

CEPMS estão hoje atuando de forma diferenciada nas mais variadas

instituições de ensino, da Educação Infantil ao Ensino Superior. O Núcleo no

ano de 2004 promoveu a formação pedagógica da Escola Comunitária Infantil

Letras e Números da comunidade de Massarandupió.

O CEPMS tinha uma Padaria Escola, com a finalidade de produzir pão

integral e lanche natural para a merenda da escola e para arrecadar fundos

para a ONG. As crianças participavam de forma recreativa e educativa de

oficinas de construção de lanches naturais para a merenda escolar. Nestas

oficinas eram trabalhados conteúdos de nutrição, formas geométricas,

alfabetização, matemática algébrica e coordenação motora. Os educadores

fabricavam e vendiam os produtos. A vendagem ambulante serviu como

valorosa forma de desinibição, quebra de preconceitos, elaboração do discurso

objetivo, divulgação do Centro dentre outras coisas. Depois de passar por essa

experiência de vendedor ambulante, chegamos à conclusão que todo curso de

licenciatura deveria ter como parte da formação uma experiência desse quilate.

De segunda-feira a sexta-feira no horário noturno acontecia no salão da

Escola Comunitária Infantil Tainá-Can uma Turma de Alfabetização de Jovens

e Adultos, projeto ligado ao Programa de Alfabetização do Ministério da

Educação – MEC, MOVA Brasil. Tínhamos a grata satisfação de ver idosos e

jovens historicamente excluídos, que não tiveram oportunidade de frequentar a

escola na “idade certa”, ampliar sua consciência crítica e cidadania através da

alfabetização baseada no método Paulo Freire. Pessoas de mais de 90 anos

felizes da vida por tirar sua identidade com a assinatura de seu nome.

O Grupo de Artesanato confeccionava vários tipos de artesanato para

venda e também como mais uma proposta curricular de arte educação para a

Escola.

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Tinha uma Cozinha Comunitária Vegana sustentada pela vendagem do

pão e do lanche. Os educadores se revezavam na elaboração do almoço e da

janta que servia a todos os profissionais e aos estudantes. Homens e

mulheres juntos na cozinha, superando o machismo e trabalhando a filosofia

Zen.

O centro também tinha uma Horta Escola que servia como mais um rico

espaço de aprendizado e produção de alimentos orgânicos para elaboração

das refeições.

A Escola Comunitária Infantil Tainá-Can tinha uma proposta pedagógica

holística brincante. A escola buscou ressignificar o currículo da educação

tradicional brasileira colonizada, que encara o currículo como uma mera “grade

curricular” de conteúdos eurocêntricos cartesianos, que serve apenas para

perpetuar a lógica capitalista europeia, baseada na individualização, machismo,

racismo, exploração, degradação ambiental e tantas outras ações deplorantes.

(ARROYO, 2011).

O currículo dentro de uma concepção holística de educação deve buscar

a re-ligação transdisciplinar dos diversos campos dos saberes que permeiam a

escola, contemplar amorosamente os conteúdos que as educandas e os

educandos trazem de todo seu contexto extra-escolar, pensar todos os tempos-

espaços da escola para que favoreçam plenamente o processo de ensino-

aprendizado e, sobretudo, adentrar nas entrelinhas desse livro mágico que é a

educação, sobretudo, a Educação Infantil.

Paulo Freire, Jorge Conceição e Gaiarsa são os três grandes praxistas

da educação que servem de alicerce para formulação dos referenciais teóricos

da Tainá-Can.

Paulo Freire contribui para a concepção de escola como espaço político

que tem a finalidade de emancipação crítica dos oprimidos. O método de

alfabetização de Freire é bastante trabalhado na escola. Outro ponto que é

preciso ser destacado no ensinamento freiriano é que o poder do exemplo tem

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mais poder que o da palavra. A criança aprende muito mais pelo olho que pelo

ouvido (FREIRE, 2005).

Gaiarsa contribui como educador e psicanalista para o entendimento do

processo psicoemocional, biológico, cognitivo e de tantas outras dimensões da

criança. Ele traz a importância-chave que tem o movimento corporal, o

dinamismo e a ludicidade na aprendizagem da criança. A educação concreta,

que passa pelas mãos, deve preceder à abstrata. (GAIARSA, 1995).

Jorge Conceição colabora com a questão da valorização da diversidade,

com a concepção radical de educação holística ecológica, com a pedagogia

brincante e com a formulação do processo da alimentação educativa saudável

(CONCEIÇÃO, 2012).

A Permacultura, a Agroecologia, a Capoeira Angola, a Meditação, a

Massagem, a Bionergética, Filosofia Zen, a Auto Avaliação, a Ciência e a

Matemática Divertida, as Sabedorias Afroindígenas, o Veganismo, a Educação

Pluriétnica, o Comunismo Primitivo, dentre outros componentes, formam um

Currículo avançado de educação. O Currículo da Tainá-Can é contextualizado,

nascido do chão da escola, escrito por muitas mãos e constantemente

atualizado. Além de cumprir as orientações estabelecidas nos Parâmetros

Curriculares Nacionais, a Escola Tainá-Can preparava para a vida viva, era um

centro de excelência de formação do homem novo e da mulher nova no sentido

freiriano da palavra (Freire, 1987).

Além de todas estas atividades o CEPMS promovia junto com a

Associação Comunitária diversos eventos culturais e também prestava

assessoria educacional e administrativa à mesma.

Atuei ativamente em todas a áreas do CEPMS entre 2003 a 2005.

Dentro de uma reserva de mata atlântica, com várias cachoeiras e nascentes

de rio, em um escola construída no modelo de bioconstrução indígena, com um

variedade enorme de frutas, vivi umas das minhas três melhores experiências

educacionais. Infelizmente por atritos interpessoais o Centro acabou fechando.

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Todo o trabalho era voluntário. Eu e os demais jovens educadores chegamos

dormir dois anos em barracas.

Paralelamente ao trabalho do CEPMS, atuei como professor de

Matemática nível fundamental contratado por PST (prestação de

serviços temporários) no ano de 2005 no Colégio Municipal Luiz Gonzaga,

povoado de Porto do Sauípe, no município de Entre Rios-BA. Também em

2006 atuei como professor substituto de Matemática no Ensino Médio no

Colégio Estadual Alaor Coutinho. Nestas duas atuações pude fazer um paralelo

entre a escola pública e a nossa escola comunitária. De um lado uma escola

caótica e de outro um modelo de educação alternativa, que com muita

dedicação e comprometimento buscava reinventar e construir um currículo

capaz de educar para sobrevivência, tão ameaçada pelo Aquecimento Global

Antrópico.

A diversidade presente no “chão da escola” quase nada ou nunca é

explorada pelas maiorias dos currículos, e, no Colégio Alaor e no Gonzaga não

tínhamos um cenário diferente. (MOREIRA, 2008).

Fiz concurso para o Banco do Nordeste em 2004 e fui convocado em

2005 para trabalhar em minha cidade natal Morro do Chapéu. Desisti de

assumir porque queria continuar minha atuação na educação.

Em 2006 fui morar em Salvador porque passei no vestibular de

Pedagogia na UNEB. Na Universidade conseguir ampliar meus horizontes

sobre educação e casei com uma colega de sala. Nós dois realizamos alguns

eventos e atividades como forma de trazer o debate dos conteúdos presentes

no currículo marginal da educação popular para dentro do espaço formal.

Também em 2006 ingressei na minha segunda grande experiência de

educação, comecei a participar em Salvador da Universidade da Reconstrução

Ancestral Amorosa – UNIRAAM, ONG coordenada pelo professor Jorge

Conceição, que na minha opinião é um dos maiores ícones da educação desse

país. A UNIRAAM foi um verdadeiro aprofundamento de todos os conteúdos

estudados no CEPMS. Até hoje participo da instituição, que tem sua sede no

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Pelourinho em Salvador. Lá no espaço tem o Ponto de Cultura Boi Multicor que

é uma proposta pedagógica avançada de superação do racismo desde a

infância, Cine Debate, cursos de Educação Cosmovisionária, cursos de

Medicina Natural, uma vasta produção literária e de pesquisa-ação. Jorge foi

professor titular de Geopolítica da Universidade Católica de Salvador, professor

de História da África da UFBA e coordenador pedagógico da UNEB, tendo

rompido com a universidade formal para criar a Universidade Popular Aberta.

Vivenciei e vivencio experiências na UNIRAAM, infelizmente desconhecidas

pela maioria da população. Como todo bom revolucionário de verdade, Jorge

representa o currículo marginal. Aquilo que liberta as pessoas é marginalizado

pelo currículo formal, pela estrutura cartesiana machista, capitalista, especista

e racista de nossa sociedade eurocêntrica.

Em 2009, por conta da violência e da vida antiecológica da cidade

grande, eu e minha companheira Maiara Reis, resolvemos fazer o concurso do

Reda para professor em Morro do Chapéu. Ambos passamos em primeiro lugar

e saímos de Salvador. Transferimos nosso curso para a UNEB de Irecê, que

tinha na época o terceiro melhor curso de Pedagogia do Brasil. Atuamos como

professores no Colégio Edgar Dourado Lima no maior povoado do município,

considerado referência em educação de qualidade e organização do espaço

pela Secretaria Estadual de Educação. Eu ensinando Matemática e Geografia

e ela Sociologia.

Em 2010 ganhei minha maior experiência como educador que foi ser pai.

Maiara Potira (Sábia Flor em Tupi-Guarani) me levou a estudar muito

concepção, gestação, parto e cuidado integral com a criança. Nesse estudo

fiquei surpreso com tanta barbárie que o processo hospitalar, familiar, escolar e

social impõe à criança. Processo que submete um pesado atrofiamento mental,

afetivo, muscular, psicológico e espiritual ao ser humano. Compreendi, ao ler

Osho, que "os pais precisam aprender mais com as crianças do que ensiná-

las". (OSHO, 2001). Foi assim que ganhei minha grande educadora, que me

ensina muito a cada momento prazeroso que passo ao lado dela.

Por isto hoje dou um valor especial ao currículo marginal vindo da

criança, da rua, do terreiro, da floresta, do rio, dos bichos, do Sol, dos grandes

16

mestres da vida, porque foi esse ensinamento que modificou profundamente

minha vida enquanto ser humano.

No 5º semestre resolvemos desistir da UNEB porque estava inviável

tanto financeira como fisicamente, o deslocamento para Irecê. Acabei

concluindo meu curso em Morro do Chapéu na Universidade Paulista (UNIP),

na modalidade EAD.

Em 2010 me transferi para o Colégio Estadual Jubilino Cunegundes, na

sede do município. Lecionei no Jubilino: Matemática, Filosofia, Sociologia e

Desenvolvimento Sustentável no curso Técnico em Agroecologia. Também

atuei como Articulador do Curso de Agroecologia. Fiquei na escola até 2012.

No Jubilino idealizei e coordenei o 1º Concurso de Seminários

Temáticos Veias Abertas de Morro do Chapéu-BA, um dos maiores e mais

significativos projetos educacionais da história da cidade, segundo vários

comentários de ambientalistas e professores do município. Levantamos 18

temas (Educação, Saúde, Animais e Plantas em Extinção, Pecuária,

Agricultura, Cultura, Recursos Hídricos, Comunidades Quilombolas, Violência,

Droga, Agricultura, Esporte, Poder Executivo, Sexualidade, Poder Legislativo,

Urbanização, Turismo, Servidores Público e Trabalho Infantil) sobre

o município e sorteamos um para cada turma. A tarefa era pesquisar, de forma

crítica, a problemática e propor sugestões para solucionar cada tema. Como

forma de estabelecer uma aproximação com a comunidade externa e orientar a

pesquisa, cada equipe convidou uma pessoa para palestrar sobre cada

temática nas suas respectivas salas. Cada turma ficou com um professor para

orientar os trabalhos.

O resultado da pesquisa foi apresentado em uma série de entrevistas na

rádio comunitária Diamantina FM, na forma de artigo-reportagem de duas

laudas postado no site Morro Notícias e em forma de seminário apresentado

em um grande evento no Teatro da Sociedade Filarmônica Minerva. O site

organizou uma enquete para os internautas escolherem o melhor artigo, o mais

bem votado ganhou uma premiação. O evento para apresentar os seminários

lotou o Teatro, que contou também com apresentações culturais. O público

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ficou impressionado com a qualidade das apresentações. E todo mundo

surpreso com tanto conteúdo significativo que historicamente ficou

marginalizado e escondido pelo currículo oficial. As três melhores equipes,

escolhidas por uma banca de cinco jurados, composta por pessoas bem

informadas sobre as questões locais, ganharam premiação.

Os estudantes ganharam um importante grau de criticidade que

incomodou muitos grupos políticos coronelistas morrenses e muitos

professores tradicionais que começaram a ser mais questionados pelos

educandos.

Foi um projeto inspirado no livro “Veias Abertas da América Latina” de

Eduardo Galeano, que trabalhou a pedagogia de projetos com

transdisciplinaridade, buscando integrar todo corpo docente e as áreas do

conhecimento de forma crítica e contextualizada. Levamos os estudantes a

fazerem uma coisa extremamente importante segundo Pedro Demo (1997),

que é pouco ou quase nunca trabalhado na educação que é produzir

conhecimento, pesquisar. Outro papel importante foi levar os estudantes a

trabalharem com diversas Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs.

Fruto da indignação perante os dados caóticos levantados no “Veias

Abertas” sobre o município, foi lançado por um grupo de militantes de

esquerda, coordenado por mim, um projeto político chamado “Mandato

Coletivo” para as eleições da Câmara de Vereadores. Uma proposta de

mandato diferenciado, onde todas as decisões deveriam ser tomados

coletivamente.

Transformamos nossa campanha em uma grande aula de educação

política e ecologia. Debatemos vários assuntos importantes para a sociedade

durante toda campanha através de inúmeras reuniões e seminários. A

campanha teve um viés educativo e ecológico muito forte. Nosso carro de som

era uma bicicleta, Músicas com letras educativas, panfletos incentivando o

plantio de árvores, comitê itinerante (barraca) montado nos bairros e povoados.

Nosso material também contemplava os surdos com o uso da Libras. Com toda

essa bonita mobilização elegemos a primeira campanha para o legislativo

18

municipal à apresentar um projeto escrito de atuação parlamentar. A

representante desse projeto foi um professora afroindígena sem tradição

nenhuma na política.

No final de 2012 até 2014 fui contratado para atuar no Colégio Estadual

Cel. Dias Coelho, colégio de ensino fundamental II que fica no centro da cidade

de Morro do Chapéu. O Colégio enfrentava um baixo índice de aprendizado e

um alto índice de indisciplina. Criamos um plano de ação para despertamos

nos pais e nos estudantes a importância de estudar e de criamos um ambiente

de convívio respeitoso. Promovemos o debate de importantes filmes como o

Triunfo, palestras, reuniões com os pais na turma, coordenamos a construção

de um combinado do que pode e o que não pode na escola, feito pelos próprios

estudantes.

Neste colégio lecionei História, Geografia e Ciências. Também

coordenei vários projetos: a Feira de Ciências, a Conferência de Meio

Ambiente, o Bingo Temático de Morro do Chapéu, o dia da Consciência Negra,

o Plebiscito Popular da Reforma Política, o Parlamento Jovem e o projeto

Escola Sustentável. Estes dois últimos foram escolhidos como os melhores

projetos entre todos na DIREC 16, representando a região no Parlamento

Jovem na Assembleia Legislativa e na Conferência Estadual Infantojuvenil pelo

Meio Ambiente, respectivamente.

Implantamos no Dias Coelho várias ações como o projeto Escola

Sustentável entre elas: a merenda natural, tratamento de água com bananeira,

um pomar no sistema agroecológico, produção de sabão ecológico, descarga

ecológica em todos os vasos sanitários, horta escolar, adotamos papel

reciclado na escola, campanhas de conscientização e um concurso de poemas

sobre a água.

Além de tudo isto, demos uma boa visibilidade ao colégio na cidade,

através de entrevistas na rádio e matérias nos sites. Também indiquei a

contratação de outros profissionais que se dedicaram com firmeza para a

construção de uma escola de qualidade. No Dias Coelho “enferrujamos” um

pouco a grade curricular tradicional, que castra a imensa diversidade de

19

saberes que cada estudante e cada profissional traz de casa e o que é

realmente importante aprender para a formação de sujeitos críticos, ecológicos,

construtores de uma sociedade socioambientalmente emancipada.

Em 2014 passei no concurso para o Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) como Assistente de Aluno, para

o campus de Seabra, em 1º lugar. Em outubro deste mesmo ano tomei posse.

Em 2014 ingressei neste curso de especialização que me ajudou muito a

compreender melhor a estrutura educacional do Brasil. Tive a oportunidade de

ler bons textos e assistir bons vídeos sobre educação. É bom destacar também

a excelente metodologia adotada na educação a distância, que nos

proporcionou intensas interações e intensos debates.

No IFBA fui nomeado como Coordenador de Extensão. À frente da

Extensão participei de várias comissões de trabalho, coordenei o Projeto Sala

de Debate, fomentei o surgimento de vários outros projetos, estabelecendo

vários convênios de estágios e parcerias estratégicas para melhorar a relação

da instituição com a comunidade. Uma dessas parcerias foi com a Associação

Recrearte, que tem um excelente trabalho educacional no município, com a

qual ajudamos a viabilizar uma série de iniciativas que deram uma boa

alavancada na instituição.

O IFBA não tem pavimentação de acesso ao campus por conta de uma

disputa politiqueira local, o que vem trazendo danos desastrosos para o

Instituto. O campus sofre com falta de telefonia fixa, internet precária, assaltos

a estudantes na estrada vicinal, acidentes, suspensão das aulas nos períodos

de chuva, não abertura de ofertas noturnas dentre outros problemas.

O IFBA tem uma estrutura de primeiro mundo, pois, o Governo Federal

investiu em Seabra mais de R$ 8 milhões em uma excelente infraestrutura,

totalmente subutilizada. O campus deveria absorver 1200 estudantes porém,

tem cerca de 350. Foi aprovada em audiência pública a indicação de se abrir

Licenciatura em Química e Física à noite, sendo uma forte demanda histórica

da região e do país pela falta de professores nestas áreas. E isto tudo está

20

sendo impossibilitado por falta de dois quilômetros aproximadamente de

pavimentação.

Diante dessa problemática da estrada, mobilizei com as forças sociais e

políticas locais, regionais, estaduais e nacionais uma audiência pública para o

dia 16 de outubro para tratar do assunto. A mobilização vem surtindo efeito.

Parece que agora a estrada vai sair, depois de cinco anos de sofrimento.

O curso de especialização me trouxe também muita sorte. Fui aprovado

no concurso da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) como

Técnico em Assuntos Educacionais. Este mês de Outubro de 2015 fui

convocado para o campus de Amargosa, que é voltado para Formação de

Professores. Espero colaborar nessa minha nova missão ainda mais com a

educação do país.

Além da melhoria salarial, este curso servirá de base para meu

desenvolvimento profissional na UFRB e para prosseguimento nos estudos.

Queria agradecer todas as pessoas que tiveram juntas nessa minha trajetória,

especialmente o irmão-amigo Lídio dos Santos Filho, que é um forte parceiro

dessa caminhada desde 2003.

3 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Diante do panorama apresentado se faz necessário uma

fundamentação teórica que consiga propor uma reversão radical na lógica

como o vem sendo tratado o currículo pela educação tradicional. Paulo Freire,

Jorge Conceição e Miguel Arroyo são os três principais praxistas da educação

que servem de alicerce para formulação dos referenciais teóricos desse

trabalho de conclusão de curso.

A educação ficou reduzida nesta sociedade do consumo, a uma grande

fábrica de produção de engrenagens humanas, para a manutenção de uma

21

ordem injusta. Cada vez mais aumenta o fosso entre os ricos e os pobres,

entre os exploradores e os explorados.

Os problemas sociais como fome, desemprego, o alastramento de

enfermidades, violência, alto consumo de drogas; e os problemas ambientais

cada dia mais agravados como seca, tsunamis, enchentes, desertificação do

solo, dizimação da biodiversidade; estão mais presentes, causando dor e

sofrimento a bilhões de seres humanos e até mesmo as outras espécies. Estes

fatos obrigam a espécie humana a fazer uma radical reflexão de seu modelo

civilizatório, o obrigando por questão de sobrevivência, a fazer uma mudança

de rota no seu modo de vida.

A prática pedagógica como nunca antes na história da humanidade, tem

o compromisso de contribuir para o surgimento de novos paradigmas sociais. A

educação tem o papel na contemporaneidade de conduzir a humanidade para

novos caminhos.

É por meio do currículo que certos grupos sociais, especialmente os

dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social, sua “verdade”.

A educação não é um processo neutro, todos seus espaços são impregnados

de opções políticas, inclusive na construção do currículo. A educação é

utilizada pelos dominantes como ferramenta de manutenção de valores sociais

que servem de base para conservação de seus status quo. A educação popular

tem o compromisso de reinventar a educação de baixo para cima, modificar

radicalmente os currículos e demais segmentos pedagógicos.

O modelo curricular conteudista adotado hegemonicamente

proporcionou uma disciplinarização do conhecimento, que acabou isolando as

matérias escolares e colaborando para descontextualização do ensino.

Paralelamente, ao apontar os equívocos do processo de fragmentação do

conhecimento, é preciso apontar uma saída que está na interdisciplinaridade e

transdisciplinaridade. A primeira propõe uma maior aproximação e a segunda o

rompimento das fronteiras das disciplinas. A superação do modelo de

disciplinarização é importante porque todos os grandes problemas da

22

atualidade exigem o rompimento das fronteiras disciplinares, convocando, pelo

menos, uma ação interdisciplinar, quando não, transdisciplinar.

A educação popular deve ter por objetivo a emancipação das classes

historicamente marginalizadas. Este processo tem um ponto central que é

munir os educandos de saberes necessários para fazer o enfrentamento nos

mais diversos espaços sociais, disputando palmo a palmo os espaços de

decisão da sociedade.

Sem dúvida “um dos graves desafios que a escola brasileira enfrenta é o

fato de, numa sociedade pluricultural, termos, desde sempre, uma escola

monocultural e etnocêntrica.” (Garcia, 2008, p.18). Esse processo descrito por

Garcia é fruto do processo de colonização portuguesa que tratou de silenciar

barbaramente a voz dos povos aqui colonizados.

A educação valorativa é ponto chave que precisa ser mais bem tratada

dentro dos currículos, pois “só aprende quem se vale do que lhe é ensinado

para mudar a vida” (Garcia, 2008, p.19). A grande maioria dos conteúdos

abordados pela escola pouco dialoga com a realidade viva dos educandos. “A

escola deve ensinar a pessoa a aprender. E não ensinar coisas, coisas e mais

coisas que entram por aqui e saem por lá.” (Gaiarsa, 1995, p.45).

A diversidade presente no “chão da escola” quase nunca é explorada

pelas maiorias dos currículos. Educar para um mundo socialmente igualitário e

culturalmente diversificado exige tratar com prioridade todas as mais variadas

formas de diversidades que brotam no “solo” escolar. Não é possível vivermos

em pleno século XXI como atitudes racistas, sexistas, especistas (desrespeito

as outras espécies) e com tantos outros tipos de preconceitos.

O currículo é sem dúvida “o verdadeiro coração da escola” (Moreira,

2008, p.5). Assim como o coração bombeia sangue para todo o corpo, o

currículo oxigena todos os espaços escolares, especializando e ao mesmo

tempo temporalizando as ações educativas dentro do contexto escolar. Por

esta centralidade dentro da educação, debater a reformulação do currículo a

partir da inserção dos conhecimentos vindos do currículo marginal produzido

cotidianamente pelos movimentos sociais e por todos os sujeitos que compõe a

23

própria comunidade escolar, constitui a linha de partida de qualquer jornada

verdadeiramente comprometida com a reformulação do processo educacional.

O currículo é o centro da escola, núcleo decisório do que se é ensinado

dentro dos muros da instituição. Espaço marcado historicamente por intensos

conflitos e disputas de classes. As diversas concepções e correntes

pedagógicas travam um verdadeiro campo de batalha diariamente para

construção e reconstrução do currículo.

A ação educativa do educador deve ter o compromisso de colaborar

para o surgimento de uma escola de qualidade, que tem como objetivo formar

sujeitos críticos capazes de não apenas compreender a realidade, mas,

sobretudo capaz de transformá-la em uma realidade mais justa, solidária e

sustentável. Para a concretização desse objetivo central se faz necessário que

a escola priorize em seus currículos o ensino de “conteúdos e atividades que

contribuam para formar pessoas autônomas, críticas e criativas, aptas a

compreender como as coisas são, por que são assim e como podem ser

modificadas por ações humanas.” (Moreira, 2008, p.4). A todo momento o

educador deve se interrogar sobre a importância e relevância daquilo que estão

ensinando.

O termo Currículo Marginal nasce aqui no presente trabalho por conta de

que a nomenclatura Currículo Oculto e os demais conceitos acadêmicos sobre

currículo não explicitam clara e criticamente toda a conjuntura política histórica

da luta de classes que está por trás da elaboração do Currículo Oficial e

execução do Currículo Real. As classes dominantes sempre buscaram

intencional e perversamente a marginalização das classes populares dos

centros decisórios da sociedade. Este processo, como não poderia ser

diferente, construiu uma série de artifícios que levaram à marginalização dos

conhecimentos produzidos pela maioria da população, ocupantes da base da

pirâmide social (parte segregada), da “grade curricular”. Todo conhecimento

produzido pelos educandos-educadores e o pelos movimentos sociais

libertários são impedidos de entrar pelo portão da escola, são deixados

marginalizados tanto dos documentos como dos espaços de ensino-

aprendizagens institucionais.

24

Os movimentos sociais vem há muito tempo tentando superar seu

processo de marginalização do currículo oficial brasileiro. É uma busca árdua

de longos anos para inserir na estrutura curricular conteúdos que retratem as

bandeiras de lutas de seus antepassados, suas vivências, seus contextos e

suas interpretações sobre os objetos cognoscíveis. Eles fazem uma devida

pressão para que cada vez mais o currículo oficial acolha as sabedorias, as

memórias coletivas e a cultura produzida cotidianamente pelas camadas

populares. Estas indagações que os movimentos sociais trazem para o campo

do currículo têm um cunho altamente transformador.

Todo direito da classe trabalhadora presente na legislação brasileira é

fruto de muito suor e sangue derramado nas trincheiras de luta pela própria

classe trabalhadora. Nem um direito surgiu de “mão beijada” todo direito foi

conquistado com muita batalha. Foi nesse campo de disputa que surgiu a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9394/96 - como resultado da luta

dos educandos e educadores brasileiros, que representou importantes avanços

em relação à legislação anterior. Também temos a lei 11.645/08 que

“estabelece a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afrobrasileira e

indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio

públicos e privados em todo o país” (BRASIL 2008), como símbolo de luta dos

povos quilombolas e indígenas durante estes mais de 500 anos de resistência

ao massacre europeu. E por último é importante frisar a LEI Nº 9.795/99 que

estabelece que “a educação ambiental é um componente essencial e

permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma

articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em

caráter formal e não-formal” (BRASIL 1999), como processo de luta dos

educadores ecológicos e movimentos ambientais do país.

A conquista desse arcabouço de leis supracitados gerou uma mudança

significativa na legislação educacional, obrigando consequentemente

alterações no currículo oficial. A luta é uma ferramenta que nunca deve sair da

mão da classe trabalhadora, a conquista legal precisa agora se materializar no

currículo real. Os educadores progressistas em cada espaço de atuação

precisam dar continuidade ao trabalho militante para que ocorra a efetivação

das mudanças no currículo propostos pelas leis educacionais conquistadas

25

pelos movimentos sociais e homologadas recente nesse período de

redemocratização política do país.

Este trabalho surgiu da mesma indagação feita por Arroyo: “como

incorporar essa ecologia de saberes, culturas, valores, leituras de mundo ao

currículo?” (2011, p.12). Essa indagação se faz sempre presente na atuação

pedagógica de milhares educadores populares ecológicos espalhados pelos

quatro cantos desse planeta. São muitos ensinamentos sagrados e essenciais

para a valorização da vida que estão excluídos das salas de aula e dos

materiais didáticos. A escola fechou os “ouvidos’ para a voz que vem das ruas,

os “olhos” para as paisagens do entorno, a “boca” para sentir o gosto da

merenda proveniente da agricultura familiar agroecológica, a “mente” para

entender as sabedorias populares e o “coração” para acolher amorosamente

toda diversidade trazida por cada educando de suas casas.

A educação tradicional montou uma estrutura rígida em todos os

espaços didático-pedagógicos para dificultar iniciativas de mudanças. E no

currículo essa rigidez alcança seu ápice, marginalizando todos os

conhecimentos prévios dos educando-educadores. O currículo é o núcleo e o

espaço mais cercado, mais normatizado da escola. Não é a toa que os

conhecimentos ensinados na escola estão organizados em uma estrutura

denominada “grade curricular”, fazendo alusão as grades da cadeia. São vários

outros termos utilizados na educação (disciplina, sirene, fardamento e etc) que

vem do militarismo. Arroyo explica muito bem o uso do termo “grade curricular”

na educação:

Em estruturas fechadas, nem todo conhecimento tem

lugar, nem todos os sujeitos e suas experiências e

leituras de mundo têm vez em territórios tão cercados. Há

grades que têm por função proteger o que guardam e há

grades que têm por função não permitir a entrada em

recintos fechados. As grades curriculares têm cumprido

essa dupla função: proteger os conhecimentos definidos

como comuns, únicos, legítimos e não permitir a entrada

26

de outros conhecimentos considerados ilegítimos, do

senso comum (ARROYO, 2011, p.17).

Estamos vivendo na era do conhecimento, onde o controle da

informação faz parte da estratégia política das classes opressoras para

manterem seus privilégios em detrimento da espoliação socioeconômica dos

oprimidos. Este processo desumano e bárbaro assassina diariamente milhares

de crianças por falta de água e comida. O capitalismo além de produzir milhões

de marginalizados dos progressos sociais contemporâneos, destroem a

natureza em ritmo avassalador colocando em risco a manutenção da vida

humana no planeta Terra. Os setores dominantes impõem um controle

autoritário na formatação do currículo, determinando o que pode e o que não

pode estar dentro da “grade curricular”. As disciplinas que compõe os

currículos acadêmicos são direcionadas para transformar a escola em uma

mera engrenagem para manutenção do sistema capitalista. (ARROYO, 2011)

Embora ainda haja uma predominância de currículos calcados em

metodologias tradicionalistas, vem surgindo em vários cantos do país

propostas inovadoras de educação Na contramão da educação tradicional

surgem experiências significativas realizadas em escolas públicas e

comunitárias, nos movimentos campesinos, grupos culturais e nos mais

diversos movimentos sociais que estão reinventando o currículo oficial e o real.

O currículo marginal começa a ter espaço dentro das paredes da escola. As

aulas começam a pautar temas importantes para a juventude como drogas,

sexualidade, participação política, violência contra mulher, desenvolvimento

sustentável, superação do racismo, economia solidaria, educação inclusiva,

combate ao bullying e muitos outros temas que fazem parte da vida social dos

estudantes.

São notórias as mudanças que estão ocorrendo na educação do país

depois do governo Lula em 2003, mudanças que se reflete também no

currículo. O ENEM se transformou em um grande veículo de progressão dos

estudos de camadas sociais historicamente excluídas desse direito

27

constitucional e também um impulsionador na reestruturação curricular da

educação básica nacional. A prova do ENEM vem cobrando temas

contemporâneos, conteúdos abordados na ótica dos movimentos sociais e

interdisciplinaridade no estudo das ciências que estão aos poucos corroendo a

velha grade curricular enferrujada. O livro didático, pedestal da educação

tradicional, está sendo reescrito para atender a esta nova demanda provocada

pelo ENEM, muitos deles já vem trazendo em suas linhas a visão de mundo

forjada nas milhares de lutas revolucionárias neste país.

A Revolução Tecnológica vivenciada atualmente pela sociedade

pressiona a escola a sair de seu anacronismo histórico (um alunado do séc.

XXI em uma Escola do séc. XIX). Explodem a cada momento no mercado e

nas mãos dos jovens novos aparelhos e mecanismos ligados às Tecnologias

da Informação e Comunicação (TICs). Essa revolução imprime mudanças

culturais e comportamentais em toda sociedade, principalmente na juventude.

Temos uma geração de estudantes com uma grande bagagem de

conhecimento para embarcar em um “Ônibus Escolar” velho, lotado e com um

bagageiro minúsculo. Toda essa dinâmica exige da escola um currículo em

constante construção, sempre aberto para acolher as novas metodologias de

aprendizados e o surgimento de novos conhecimentos.

Outro movimento importante que vem colaborando para mudanças nos

currículos é surgimento de uma intensa produção de conhecimento realizados

pelos próprios educadores e também pelos educandos. São cartilhas, livros,

documentários, jogos, experimentos, projetos de pesquisas e tantos outros

materiais que vem enriquecendo e diversificando de forma contextualizada os

materiais didáticos trabalhados nas salas de aulas.

A LDB 9394/96, maior ordenamento jurídico da educação brasileira,

determina diretrizes valorosas para a construção de um currículo escolar que

atenda a ampla diversidade étnico-cultural presente em cada região, fazendo

do Brasil uma grande colcha de retalhos multicultural. As alterações ocorridas

na LDB após o ano de 1996 colaboraram ainda mais para uma devida revisão

no currículo escolar, obrigando-o incluir em sua estrutura conteúdos

ambientais, ensinamentos das culturas afroindígenas, o ensino da música, os

28

direitos da criança e do adolescente no ensino fundamental, promoção de

exercícios físicos e questões relevantes da política e do ordenamento

democrático. (BRASIL,1996)

Sem dúvida um dos principais artigos da LDB que trata sobre o currículo

é o artigo 26, que declara que “os currículos do ensino fundamental e médio

devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema

de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas

características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da

clientela.” (BRASIL,1996) Estes dois segmentos constituintes do currículo

contemplam duas necessidades fundamentais na formação dos estudantes,

por um lado que todos os estudantes tenham uma base de formação comum

evitando gritantes disparidades no que se é ensinado nas escolas de norte a

sul do Brasil, e, por outro a exigência legal que a escola aborde conteúdos que

retratem aspectos inerentes ao contexto e às problemáticas vivenciadas pelos

estudantes.

A não garantia de uma base curricular comum poderia aumentar ainda

mais o fosso socioeconômico entre os dominadores e dominados, na medida

em que haveria uma preferência ainda mais exacerbada dos conteúdos

trabalhados nas escolas das classes abastadas para compor os processos

seletivos de progressões nos estudos e também para entrada no mundo do

trabalho. Já a inserção da parte diversificada no currículo atende ao clamor que

vem da luta dos movimentos sociais para que a educação formal trabalhe

dentro de suas instituições conteúdos valorativos e emancipatórios das classes

marginalizadas pelo sistema capitalista racista, machista e antiecológico.

O artigo 27 aponta as diretrizes que precisam ser consideradas ao se

formular os currículos. Para efeito de análise são descritos a seguir, na integra

o caput do artigo e seus dois primeiros incisos:

Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica

observarão, ainda, as seguintes diretrizes:

29

I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social,

aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem

comum à ordem democrática;

II – consideração das condições de escolaridade dos

alunos em cada estabelecimento (BRASIL, 1996).

Estes dois incisos coadunam com as ideias trazidas por Paulo Freire em

seu livro “Pedagogia da Autonomia”. O primeiro inciso traz a proposta freiriana

da educação como ato político. O ato de educar não é neutro, é carregado de

escolhas. E no currículo esta constatação é muito aflorada. A escola que tem

um propósito libertário das classes populares tem o compromisso de reservar

uma parte significativa dentro do seu currículo para tratar das diretrizes

contidas no inciso I. Estes são conhecimentos necessários para o processo de

ensino-aprendizado dos educandos, para que tomem consciência da realidade.

À medida em que se apropriam teoricamente desta realidade, vai-se ganhando

conjuntamente a capacidade de transformá-la concretamente. Não se pode

modificar aquilo que não se conhece. (Freire, 2006)

O segundo inciso é uma pregação contida em toda a obra de Freire,

educar a partir da realidade e dos conhecimentos prévios dos educandos. O

inciso II defende, assim como Freire, que o educando não é um jarro vazio de

conhecimento a ser preenchido pretensiosamente pela escola. Os educandos

trazem riquíssimas sabedorias e valores de seu contexto sociocultural que

precisam ser absorvidos e transmutados dentro do trabalho educacional.

Contudo, esses incisos não defendem que se reduza o ensino apenas ao

contexto do educando, o contexto é sempre o ponto de partida para que ele

alcance a capacidade da leitura da “palavra-mundo” no sentido freiriano.

(Freire, 2006)

Para Paulo Freire a essência da vida é o inacabamento, tudo que é vivo

está em constante evolução e involução, sempre se aprimorando e

desaprimorando, numa eterna relação dialética. Por isso que o currículo não

pode cair na esquizofrenia de ser um ente encouraçado, não predisposto a

flexibilização e a mudanças. A abertura para a aquisição de novos

30

conhecimento pela tomada de consciência do inacabamento intrínseco à vida

como um todo e a valorização do saber dos educandos dentro de um prática de

educação emancipatória, é sintetizado por Freire:

Ao contrário, educar e educar-se, na prática da liberdade

é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem por isto

sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber

mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre,

pensam que nada sabem, para que estes, transformando

seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem,

possam igualmente saber mais. (FREIRE, 2002, p.25).

O processo dualista da educação foi exercido com mais eficácia pelos

europeus que pretendiam impor o modelo capitalista ao mundo. Pode-se

observar que “a escola que foi criada nos primeiros momentos da escravidão

tratou de ausentar dos conteúdos cotidianos, todos os valores que nutriam as

identidades étnico-culturais e os espíritos emancipados dos povos

escravizados.” (CONCEIÇÃO, 2012, p.12). Todas as informações trazidas nas

“bagagens-ancestrais” dos africanos eram cuidadosamente estudadas

(observadas), julgadas e distorcidas (“folclorizadas”) para que assim não fosse

mantido o mínimo potencial-cultural capaz de alimentar a auto-estima e a

necessidade de emancipação política nos escravizados. Esse processo foi

realizado com intuito de impor a cultura européia sobre as culturas colonizadas

no mundo inteiro, como forma de explorar os povos do “Além Mar” em

benefício das nações colonizadoras. O currículo oficial sempre foi

cuidadosamente elaborado para atender os interesses econômicos

sanguinários das classes dominantes.

Conceição propõe neste atual momento de crise uma educação nova,

cujo "papel da educação é contribuir para que cada indivíduo possa realizar o

resgate da ancestralidade ecológica amorosa, tão necessária para garantir a

sustentabilidade da vida planetária” (CONCEIÇÃO, 2012, p.35). Nessa nova

31

educação surgirá o homem novo e a mulher nova, estes terão a clareza de que

não podem parar de caminhar, a certeza que o processo revolucionário (evoluir

de novo) é feito em cada ato do cotidiano. Essa nova educação será pautada,

sobretudo em princípios ecológicos e podem-se citar quatro compromissos

sagrados para uma organização básica de um viver em harmonia com a

dinâmica natural de Gaia:

Primeiro, o ser compreende e cumpre com disciplina e

identidade, as leis que regem a dinâmica dos elementos

(terra, água, fogo, ar e tempo-movimento) e a vida

planetária; no segundo, ao compreendermos que somos

materialmente iguais a qualquer outra forma de vida, nos

solidarizamos e respeitamos os demais viventes internos

e externos a nós; no terceiro, através dos ecológicos

alimentos e das sagradas e precisas varridas, limpamos

por dentro e por fora do nosso corpo; na quarta,

aprendemos o ato de conviver com as diferenças

sexuais, de línguas, de filosofia, de religião e etc.

(CONCEIÇÃO, 2012, p.7)

Mais do que em qualquer outro momento se tem a necessidade da

escola voltar a assumir o seu papel central no processo educativo do

educando. Por muito tempo a escola transferiu irresponsavelmente seu papel

central de educação para famílias sem um mínimo de planejamento familiar,

para a mídia e outros segmentos sociais. É preciso que a escola reveja sua

posição, re-significando profundamente o papel que lhe cabe, articulando com

outros segmentos sociais iniciativas que venha a conceber uma sociedade

mais educada, no mais amplo sentido do termo.

32

4 - APRESENTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DE MORRO DO CHAPÉU

O atual território que pertence ao município de Morro do Chapéu era

habitado pelos índios payayá, que aqui estabeleceram por muitos anos uma

relação simbiótica com a natureza. Estes seres ecológicos, como todos os

outros povos de pindorama, foram dizimados com a chegada dos primeiros

colonizadores com suas missões religiosas e com as campanhas de

desbravamento em busca de pedras preciosas lideradas pelos bandeirantes.

Dos nossos irmãos payayá só restam no município alguns utensílios

encontrados e figuras rupestres que ainda não foram pichadas pelos atuais

destruidores das memórias ecológicas e dos princípios da vida. Atualmente os

descendentes deste povo vivem em uma tribo no município vizinho de Utinga.

Com muita bravura eles mantém ali a cultura de seus ancestrais. (Fonte, ano).

Emancipada politicamente em 07 de maio de 1864, Morro do Chapéu

recebe essa denominação por conta de um grande morro (Morrão) que fica

próximo à cidade, este possuía em seu topo uma imensa pedra que lhe dava o

formato de um chapéu. Esta pedra acabou rolando por conta dos ventos e

erosões. Atualmente o território tem uma extensão de 5.532 km², sendo um dos

maiores municípios do estado da Bahia, com uma população estimada de

aproximadamente 40 mil habitantes. (IBGE, 2007).

O município é caracterizado por um rico patrimônio natural e cultural. Seu

território apresenta uma vegetação complexa composta de: caatinga, cerrado,

floresta estacional, campos rupestres e ecótonos. Associado a esta variedade

vegetal encontram-se espécies de animais típicas como: carcará, siriema,

abelha mandaçaia, veado catingueiro, mocó, e tantos outros que já foram

extintos ou estão em processo de extinção por conta da caça predatória e da

destruição de seus habitats, como é o caso do colibri dourado, símbolo da

cidade. Localizado no Piemonte da Chapada Diamantina, Morro do Chapéu

possui um grande potencial turístico por conta dos fatores já citados, bem como

pela presença de nascentes de importantes rios (Salitri, Jacuípe e Utinga),

lindas cachoeiras (Ferro Doido, Agreste, Ventura, Domingos Lopes...), grutas

(Brejões, Boa Esperança e Igrejinha), canyons, pinturas rupestres, flores dos

mais variados tipos, clima frio e agradável. Esta complexidade natural

proporcionou a atração de diversos grupos sociais, favorecendo o surgimento

33

de uma ampla variedade de expressões culturais. (Fonte, ano). Apesar do

potencial eco turístico da região, essa característica é pouco explorada fazendo

com que a matriz econômica do município seja pouco diversificada, centrada

apenas em um modelo agrícola arcaico baseado em grandes latifúndios de

baixa produtividade e de enormes impactos ambientais.

Morro do Chapéu não está fora do quadro de degradação vivenciado

historicamente no Brasil, desde o processo da colonização europeia. Aqui

também os afrodescendentes foram brutalmente escravizados pela elite

branca, tendo que constituir mais de 13 comunidades quilombolas. Infelizmente

percebemos que, tanto aqui, como em todo o país, a escravidão não acabou,

mudou apenas de forma, os negros continuam sendo brutalmente

discriminados e marginalizados do acesso às políticas públicas. Apesar dos

inúmeros programas dos governos federal e estadual para este segmento da

sociedade, nestas comunidades as/os quilombolas vivem de maneira

extremamente precária, muitos sem acesso à luz e água, à educação e saúde,

morando em submoradias, enfim, abandonados à própria sorte. O município

sofre com a perda constante de seu patrimônio natural e cultural, evidenciado

pela redução da cobertura vegetal nativa, poluição dos rios, escassez de água,

destruição dos sítios arqueológicos, extinção de espécies da fauna e da flora e

desvalorização das manifestações tradicionais. Esse processo se deu e se dá

por conta da falta de conhecimento integral sobre os elementos culturais e

naturais morrenses, bem como da falta de consciência da necessidade de

preservação destes para fortalecimento da identidade local.

Na área social o município completa 147 anos de profundas desigualdades

sociais evidenciadas nas diferenças entre o patrimônio dos antigos e atuais

governantes e o patrimônio dos governados. O Índice de Pobreza atinge um

alto percentual. A falta de um bom planejamento político-administrativo ao

longo dos tempos produziu um estado de calamidade pública. O município

enfrenta problemas similares aos de grandes cidades, tais como violência, alto

consumo de drogas, exploração sexual, maciça quantidade de

desempregados, péssimas condições na educação e saúde pública, habitações

precárias, epidemia de dengue e tantos outros. O problema não está na falta

de recursos e sim na má gestão, já que o município tem um dos maiores

orçamentos da região. Embora tenha um volume de recursos financeiros maior,

34

vive um atraso em diversas áreas sociais, quando comparado com outros

municípios que possuem um volume financeiro bem menor e que já

pertenceram a Morro do Chapéu outrora, como é o exemplo de Bonito,

Tapiramutá, América Dourada, João Dourado e tantos outros.

De acordo com a história do município, dos 33 chefes do poder executivo

que já passaram na cidade, um dos únicos que honrou com dignidade as suas

atribuições foi o Coronel Francisco Dias Coelho, que esteve à frente do

executivo municipal entre 1914-1919, sendo este uma personalidade

endêmica, o único negro com a patente de coronel na história da Bahia. Esta

constatação está presente em um trecho do livro Diamante Negro de Dantas

que diz: “Morro do Chapéu ainda não reencontrou o caminho de

desenvolvimento iniciado pelo cel. Francisco Dias Coelho, tendo sérias

dificuldades para educar seus filhos e gerar emprego e renda para seu povo.”

(DANTAS, 2010, p.23).

Cidade Mãe que um dia foi caracterizada pelo clima agradável e por ser um

pólo educacional da região, atraindo estudantes das mais variadas cidades,

infelizmente, vivencia nos dias atuais um calor de mais de 30°c e uma intensa

emigração de seus filhos em busca de oportunidades, já que ela se tornou

ingrata, não oferecendo aos mesmos os cuidados necessários para uma

sobrevivência digna em sua própria casa.

O município de Morro do Chapéu é fortemente marcado por uma formação

educacional jesuítica. Esta serve de ferramenta para dois propósitos

coronelistas: o primeiro é a escolarização dos filhos da elite local para a

perpetuação do status quo social e o segundo é a domesticação das classes

populares para aceitar subservientemente os mandos das oligarquias racistas e

machistas. A escola teve na Igreja Católica um poderoso aliado em seu papel

social de controle e alienação.

Essa aliança entre a igreja e o comando político local ficou fortemente

evidenciado no episódio escandaloso acontecido na década de 1950, quando o

local onde funcionava a escola pública Grupo Escolar Cel. Dias Coelho foi

transformado no atual colégio particular Nossa Senhora da Graça. A direção do

novo Colégio ficou a cargo do Padre (Padre Juca) e do grupo político do

prefeito (grupo Jacu). Além de ser um forte crime de corrupção, também foi

uma atitude de racismo, a elite branca queria apagar o negro, Cel. Dias Coelho,

35

da memória da cidade. O Grupo Escolar foi deslocado naquela época para a

periferia da cidade, deixando o imponente prédio no centro da cidade para

sediar o novo colégio. O Grupo Escolar Cel. Dias Coelho foi um dos primeiros

colégios do município, tendo sido criado no início do século XX.

Dois grupos tradicionais (Jacu e Besouro) vêm se alternando na frente da

condução política-administrativa do município. Vivemos um anacronismo sem

tamanho, uma sociedade contemporânea com modelo educacional da idade

média e um sistema político da idade antiga. O fruto produzido por todos estes

anos de desmandos foi uma sociedade com menos de 40 mil pessoas,

convivendo com um absurdo número de homicídios, que já chega a mais de 20

nestes últimos 365 dias, em sua maioria jovens negros marginalizados

historicamente, sem acesso a um mínimo de políticas públicas. Vale ressaltar

que toda esta chacina, por incrível que pareça, é despercebida pelo poder

público municipal.

5 - JUSTIFICATIVA

A educação dos nossos ancestrais era vivenciada intensamente em todas

as práticas e os mais velhos ensinavam aos mais novos aprendizados inéditos.

Nesse contexto a função de educar era exercida por todos dentro da escola-

aldeia. Cada espaço, cada corpo era local da dialogicidade ensino-

aprendizagem. Todos eram ao mesmo tempo educandos-educadores. Os

indivíduos nas comunidades primitivas eram educados para a vida (FREIRE,

2006).

O conhecimento era solidariamente compartilhado através da oralidade, dos

instrumentos e registros deixados pelos antepassados. Todos os sujeitos

aprendiam todas as tecnologias e os saberes presentes em cada comunidade.

O conhecimento não era instrumento de domínio, mas sim de emancipação

coletiva. A educação para a vida acompanhou todo o período de produção

primitiva, modelo este baseado na economia solidária sustentável

(CONCEIÇÃO, 2012).

É importante fazer uma análise marxista da história para se perceber que a

mudança no modelo de produção impulsiona em cada período a mudança não

36

apenas do setor econômico, mas de todos os outros setores da sociedade

(ENGELS E MARX, 1999).

Com o surgimento do sistema escravista, de base racista, a sociedade

passa a ser dividida entre as classes dos exploradores e dos explorados. Daí

por diante, todo o processo de solidariedade e comunhão presentes nas

sociedades primitivas dá lugar à busca cega pelo capital, pelo acúmulo de

poder. A Escola foi criada pelos escravocratas para cumprir a função dualista

imposta pelo capital, de um lado a formação dos futuros dominadores, e de

outro a formação dos futuros dominados.

A cultura e os saberes destes povos foram suprimidos por um brutal

processo de aculturação imposto pelos colonizadores com o apoio da Igreja

Católica. Esse processo marcou profundamente o modo de pensar destes

territórios na atualidade. Aqui no Brasil pode-se perceber que o ensino nas

Instituições tem praticamente um monopólio dos pensamentos desenvolvidos

na Europa. Essa aculturação impôs um modelo de sociedade baseado na

competição, no individualismo, na exploração do homem pelo homem e deste

com a natureza, no machismo, no racismo e nas mais variadas formas de

preconceitos provenientes da lógica capitalista do velho continente.

É necessário repensar o Currículo Escolar profundamente, fazer com que

as vozes silenciadas das camadas populares ecoem dentro das aulas de aula.

É preciso construir, para ontem, uma escola inclusiva, que acolha e valorize as

múltiplas diversidades presentes no chão da escola (ARROYO, 2011).

O projeto contempla os objetivos da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, a Carta da Terra, a Constituição Federal do Brasil, a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) e o Projeto Político Pedagógico do Colégio Estadual Cel.

Dias Coelho, que rezam pela construção de uma sociedade mais justa,

socialmente igualitária, culturalmente diversificada e ambientalmente

sustentável, a partir de um processo de educação crítica, que contribua para o

surgimento da base desta construção – o sujeito ecológico-solidário consciente,

além de concretizar os objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

no que diz respeito, principalmente, ao trabalho com os temas transversais, ao

caráter científico do ensino, à interdisciplinaridade, à produção de

conhecimento e ao fortalecimento da relação escola-comunidade.

37

Com esse projeto, estamos contribuindo para ações afirmativas nas

direções das identidades étnicas dos descendentes dos indígenas e africanos,

assim como, de propósitos sustentáveis da educação ambiental. Por isso, é de

fundamental importância tomar como bases jurídicas, os exercícios dos

conteúdos e métodos postos nos decretos: Lei 9795/99 (que torna obrigatória a

inclusão da educação ambiental nos currículos das escolas públicas e privadas

em todos os níveis de ensino) (BRASIL, 1999); e da Lei 11645/08 (que torna

obrigatória a inclusão de conteúdos e métodos que resgatam os valores

indentitários ancestrais dos povos colonizados – afroindígenas – nos currículos

das escolas públicas e privadas em todos os níveis de ensino) (BRASIL, 2008),

leis estas, que ainda não foram devidamente exercitadas em nosso município.

Outro ponto importante que diz respeito ao projeto, é o levantamento amplo

dos aspectos socioambientais de Morro do Chapéu, a serem sistematizados

em forma de um Bingo Temático e que contribuirá para o preenchimento de

uma lacuna profunda presente nas escolas e na comunidade em geral no que

se refere à falta de materiais de estudo sobre a localidade.

O Bingo Temático é uma proposta didática desenvolvida pelo proponente

desse projeto, já testada com outros temas em diversos locais. Consistente em

transformar a numeração presente nas tabelas do Bingo Tradicional em

Informações (nomes, operações matemáticas, imagens e etc) ligadas ao

conteúdo abordado. Cada informação é ligada a uma numeração

correspondente às bolas contidas no globo do bingo. Paralelamente é

construído uma apresentação em slides, contendo todas as informações em

ordem numérica, e, na medida em que é sorteado um número, o slide

correspondente é projetado e comentado. Também é organizada uma tabela

de conferência, contendo todas as informações com seus respectivos números.

Assim como no bingo tradicional, quem fechar primeiro a cartela ganha uma

premiação, neste caso, simbólica. É uma forma lúdica de debater diversos

conteúdos.

Serão selecionados nesta atual proposta 75 temas geradores sobre Morro

do Chapéu. Cada tema será pesquisado pelos estudantes, os mesmos

entregarão para Comissão Organizadora a pesquisa completa, um resumo

contendo as principais informações pesquisadas e imagens que ilustrem cada

assunto.

38

O projeto tem a proposta de trabalhar de forma lúdica conteúdos valorativos

sugeridos pelos próprios estudantes sobre a realidade e o contexto local. O

currículo oculto trazido pelos estudantes e por todo o entorno da escola sempre

foi marginalizado pelos currículos oficiais, tornando a escola um espaço sem

significância para a vida dos educandos, um local estranho e alheio à sua

realidade concreta. O Bingo Temático tem a finalidade de despertar a

curiosidade crítica e o gosto por estudar na classe estudantil.

6 – OBJETIVOS

6. 1 OBJETIVO GERAL

Promover a inserção dos saberes ecológicos populares no currículo real do

Colégio Estadual Cel. Dias Coelho, como forma de despertar a consciência

crítica dos estudantes e de toda a comunidade em geral, levando-os a

tornarem-se agentes de transformação da realidade local.

6.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

6.2.1 Estabelecer uma reflexão política profunda sobre o tema Currículo com

toda a comunidade escolar, principalmente com a equipe pedagógica,

explicitando as correlações de forças desiguais que se dá em sua construção.

6.2.2 Realizar um Bingo Temático de Morro do Chapéu com a finalidade de:

a) Pesquisar didaticamente temas socioambientais relevantes para a análise

crítica da realidade local;

b) Promover a educação transdisciplinar através da re-união dos diversos

campos dos saberes e técnicas pedagógicas numa proposta pedagógica

holística de cunho artístico-científico;

c) Acolher a diversidade de conhecimentos produzidos pelos movimentos

sociais e pelos próprios sujeitos pertencentes à comunidade escolar,

historicamente marginalizados das salas de aula e dos currículos escolares

oficiais.

39

d) Promover a interação dos estudantes entre si e destes com a comunidade,

numa didática que trabalhe os conteúdos valorativos contextualizados, através

dos temas geradores;

e) Sistematizar, organizar, arquivar e divulgar as informações relevantes

coletadas durante todas as etapas de execução do projeto;

f) Elaborar um Bingo Educativo Temático a partir das pesquisas promovidas

pelos estudantes. Este valoroso material didático será aplicado em outros

espaços educativos e comunitários, disseminando ludicamente ao máximo a

Pesquisa-Ação Transdisciplinar, realizada pelo projeto escolar.

7 - METODOLOGIA

Cada vez mais cresce o número de pesquisadores (produtores de

conhecimentos) que estão abrindo mão das metodologias cartesianas rígidas

das ciências “clássicas” surgidas no final da idade média, que tratou de

exterminar da academia os modos de produção de conhecimento das camadas

populares. O método científico cartesiano criou uma exacerbação da razão em

detrimento da intuição, da subjetividade e de todas as outras formas de

compreensão da realidade. Esse processo proporcionou o surgimento de um

modelo de produção de conhecimento altamente fragmentário, com múltiplos

campos científicos incomunicáveis entre si. Na educação ocorreu a

disciplinarização do ensino e a mera reprodução alienada dos conteúdos

impostos de cima para baixo pelos modelos educacionais elitistas. A dicotomia

se tornou a palavra de ordem da sociedade capitalista, estabelecendo

fronteiras intransponíveis, carregadas de ódio e preconceitos entre:

homem/mulher, branco/negro, opressor/oprimido, homem/natureza,

campo/cidade, sujeito/objeto, razão/intuição, objetividade/subjetividade,

quantitativo/qualitativo, dedução/indução entre tantas outras infinidades de

dicotomias.

O fruto desse modelo foi um profundo “analfabetismo ecológico”. As

pessoas estão mergulhadas em um sistema econômico caótico, distantes do

espírito de solidariedade e comunhão com os princípios que regem a Teia da

Vida (CAPRA, 2006).

40

As metodologias científicas rígidas, fechadas para a diversidade de técnicas

e caminhos para interpretação dos objetos de estudo não dão conta de

desvendar a realidade concreta, que é complexa, cheia de ligações e

desdobramentos. Edgar Morin analisa esse dilema:

A educação hegemônica atual se encontra dentro de um grande

paradoxo. Seus conteúdos cartesianos repetidos há séculos,

mecanicamente se deparam com a problemática atual cada vez mais

compreendida integralmente. Os problemas socioambientais desse

modelo civilizatório, este tão defendido pelas instituições de ensino

durante milênio, casou um desequilíbrio global que não pode ser

analisado por essa visão encurtada (MORIN, 2001, p.17).

A busca de interpretar os fatos na contemporaneidade com maior precisão

e profundidade tem levado muitos pesquisadores a resgatar a visão holística de

nossos ancestrais primitivos, tão bem ensinada e vivenciada na escola-aldeia.

É neste contexto que ressurge a Pesquisa-Ação-Transdisciplinar “que ressalta

a multidimensionalidade dos processos, causalidade circular, a incerteza, a

mudança, os processos globais, integradores e não-lineares” (MORAES E

TORRE, 2006, p.162).

A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa que é concebida e realizada em

estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema

coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da

situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou

participativo.” (THIOLLENT, p.14, 1996).

Esse projeto adota a transversalidade como estratégia epistemológica para

compreender criticamente o objeto de estudo. Esse processo metodológico,

diferentemente do método científico mecanicista, enxerga na diversidade

metodológica e nas múltiplas técnicas de investigação, processos

complementares indispensáveis para se concretizar os objetivos dos projetos

de pesquisas. A pesquisa transdisciplinar estabelece uma dialogicidade bem

orquestrada entre as diversas metodologias, sem perder de vista o rigor

científico necessário e a não sobreposição de métodos.

A pesquisa-ação-transdisciplinar será adotada nesse projeto, uma vez que

esse modelo de pesquisa adota uma metodologia que agrega de forma

41

organizada diversas técnicas de investigação e abordagens, permitindo

perceber o objeto de forma mais integral, ao tempo que permite ao pesquisador

e aos pesquisados, realizarem em conjunto uma transformação na realidade

estudada (PALAVIZINI, 2012).

Como forma de orientar a execução do projeto e pautar o debate sobre

Currículo na perspectiva proposta por esse Projeto Vivencial será aplicado um

questionário como ferramenta de pesquisa para coletar dados e informações

relevantes sobre o presente objeto de estudo. (ver questionário em anexo). As

principais informações serão sistematizadas em forma de slide para subsidiar

um encontro com os educadores da escola para debater o tema e discutir o

passo a passo da execução do Bingo Temático.

PASSO A PASSO DO PROJETO BINGO TEMÁTICO DE MORRO DO

CHAPÉU:

1) O proponente apresentará a proposta para Direção e para Equipe

Pedagógica como formar de sensibilizá-los para aprovação do Projeto Bingo

Temático no Colégio e amarrar seus pontos centrais;

2) Será feita uma reunião com todos os educadores do colégio com o objetivo

de compartilhar o projeto, discutir a metodologia, colher sugestões para seu

aperfeiçoamento e principalmente, criar uma unidade de trabalho entre o corpo

docente (fundamental para o bom andamento de todas as etapas). Nesta

reunião será constituída uma comissão organizadora;

3) Realizaremos um encontro com a participação dos profissionais da

educação do colégio e alguns educadores convidados para uma reflexão

política profunda sobre Currículo, explicitando as correlações de forças

desiguais que se dá em sua construção;

4) Apresentaremos nos três turnos a proposta para os estudantes. Neste

momento levantaremos a proposta dos 75 temas geradores sobre Morro do

Chapéu que irão compor o Bingo Temático;

5) A Comissão Organizadora definirá os 75 temas geradores a partir das

sugestões dos discentes;

6) Os líderes de turma se reunirão com a comissão organizadora para a

distribuição dos temas que ficaram a cargo de cada sala;

42

7) Cada turma, com a coordenação de um professor orientador, realizará um

plano de pesquisa para colher informações relevantes sobre os temas

escolhidos, além de trazerem imagens sobre cada temática. Os professores

explicarão os métodos de pesquisa adequados diante cada especificidade do

objeto de estudo;

8) Cada turma elaborará uma pesquisa, um texto resumo e selecionará as

imagens mais representativas sobre a temática;

9) Todo material online será entregue à comissão, que armazenará em um

computador da escola, em uma pasta com todas as pesquisas realizadas;

10) A Comissão organizadora montará o Bingo Temático através do resumo

elaborado e das imagens feitas dos temas geradores pelos estudantes. A

comissão buscará patrocínio no comércio local para a premiação simbólica do

Bingo;

11) Toda a comunidade escolar será convidada para realização do Bingo no

Teatro da Minerva. Cada pessoa presente ganhará uma cartela. O proponente

do projeto narrará o Bingo;

12) Depois da execução do Bingo será fornecido um lanche natural para os

presentes e terão algumas apresentações musicais dos estudantes;

13) A Comissão Organizadora se reunirá para avaliar o projeto;

14) O material elaborado será disponibilizado para a Escola, como forma

executar o Bingo Temático em outros momentos e espaços diferentes, além de

utilizar as informações pesquisadas para outras atividades educativas;

15) A Comissão Organizadora divulgará essa proposta didática na rádio

comunitária e nos sites locais.

43

8 – CRONOGRAMA

DATA/HORÁRIO ATIVIDADE LOCAL

25/03/16

17:00h (sexta-feira)

Reunião com a direção e

coordenação pedagógica.

Sala da Direção

30/03/16

17:30h (quarta-feira)

Reunião com os professores

(formação da comissão

organizadora)

Sala dos

Professores

01/04/16

19:00h (sexta-feira)

Encontro para debater o tema

Currículo com os todos os

profissionais do Colégio, pais e

com educadores convidados.

Pátio do Colégio

05/04/16

9:00 (matutino)

15:00h (vespertino)

19:00h (noturno)

(terça-feira)

Apresentação do projeto para os

estudantes (levantamento dos

temas geradores)

Pátio do Colégio

07/05/16

17:00h (quinta-feira)

Reunião com a Comissão para

organização do projeto e seleção

dos temas geradores para

pesquisa

Laboratório de

Informática

08/04/16

17:00h (sexta-feira)

Reunião com os líderes de turma

para sorteio dos temas

Sala de aula

08/04/16 a 08/05/16 Período para pesquisa

09/05/16

(segunda-feira)

Entrega do material pesquisado Secretaria da

Escola

09/05/16 a 19/06/16 Organização do Bingo

25/05/16

19:00h (segunda-feira)

Realização do Bingo

Teatro da Minerva

27/05/16

12:00h (sexta-feira)

Avaliação do projeto e entrega de

todo material elaborado

Sala dos

Professores

44

9 - CONCLUSÃO

Esse modelo educacional vigente produziu uma sociedade mal educada

e agora cabem as educadoras e os educadores verdadeiramente

comprometidos com a construção de um mundo socialmente justo,

ecologicamente equilibrado e culturalmente diversificado reeducar a sociedade.

E o começo deste processo utópico passa primeiramente pela reeducação dos

próprios educadores. Utópico aqui no sentido freiriano, ação constante de

denunciar uma realidade desumanizante e anunciar uma realidade mais plena.

“A realidade não é inexoravelmente esta. Está sendo esta como poderia ser

outra, e é para que seja outra que precisamos, os educadores, lutar.” (Freire,

2005, p.75)

Mas é preciso ter clareza que nunca foi tão difícil como hoje a tarefa da

educação. Todo o ambiente é hostil à subida, tudo é favorável à descida. O

educador e o educando de hoje têm que nadar contra a corrente.

Debater currículo é questão central dentro de uma educação

emancipadora, nele é direcionado todo processo de ensino-aprendizado, o que

uma escola ensina ou deixa de ensinar. Os saberes ecológicos populares e

outros temas que dizem respeito a vida concreta dos estudantes são excluídos

dos currículos oficias em nome da hegemonização de conteúdos colonizados

que servem para normatizar as barbáries produzidas pelo capital. A escola não

pode continuar não pautando criticamente o processo de marginalização que

os conteúdos produzidos pelas camadas populares sofrem dentro da “grade”

curricular e das quatro paredes das salas de aula.

A presente proposta de intervenção tem a finalidade de dá um primeiro

passo dentro dessa interminável caminhada para inclusão dos sabres

ecológicos populares e dos demais conhecimentos relevantes produzidos pelos

sujeitos locais dentro do currículo oficial e real do Colégio Estadual Cel. Dias

Coelho.

Redirecionar as finalidades da educação é uma tarefa para ontem, ou a

humanidade o faz, ou continuará trilhando o caminho da autodestruição que

45

colocará em risco cada vez mais a sua sobrevivência no planeta. A principal

tarefa da educação na contemporaneidade não pode ser outra se não tratar da

sobrevivência da própria humanidade.

A reestruturação curricular é uma questão chave para fazer com que a

educação dê conta de seu papel na contemporaneidade, esta marcada por

graves crises socioambientais. Nunca antes na história foi tão vital e evidente a

necessidade de repensar a lógica de como os currículos foram estruturados, é

preciso mudar os rumos da educação, e isto só será possível com um currículo

pensado e construído de baixo para cima. Não é possível a escola em pleno

século XXI continuar tentando “entupir” seus educandos de informações

desconectadas, que em sua grande maioria são desnecessárias para a vida.

46

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel G. Currículo, território em disputa. Petrópolis/RJ: Vozes, 2011. ___________________. Pedagogia do Oprimido. In: ARROYO, Miguel G. et al (Orgs). Dicionário da Educação do Campo. São Paulo: Expressão Popular, 2012. pp. 353- 360 BRASIL. Lei 11.645/08 de 10 de Março de 2008. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília. _______ Lei 9.795, de 27 de abril de 1999. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília. _______. Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília. CONCEIÇÃO, Jorge. NEGRITUDE: DO ESPELHO QUEBRADO À IDENTIDADE AUTÊNTICA. 1. ed. Salvador: Vento Leste, 2012. DEMO, Pedro. Educar pela Pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 1997 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 31. Ed. SP: Paz e Terra, 2005. ____________ A Importância do Ato de Ler. 5.ed. SP: Cortez, 1985. ____________. Extensão ou Comunicação. 12ª Edição. São Paulo: Paz e Terra. 2002 GAIARSA, José Ângelo. Sobre uma Escola para o Novo Homem. 2. ed. SP: Gente, 1995. GARCIA, R. M. C. Políticas de inclusão e currículo: transformação ou adaptação da escola?. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: lugares, memórias e culturas - livro 3. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. Currículo: questões contemporâneas sobre qualidade na educação. Salto para o Futuro, Brasília, DF, ano 18, p. 3-9, out. 2008 OSHO. O livro da Criança – 2.ed. SP: Ícone, 2001

47

ANEXO

48

Projeto de Intervenção Bingo Temático de Morro do Chapéu

Colégio Estadual Cel. Dias Coelho

Pesquisa de Campo Objeto de Estudo: Como são tratados os saberes ecológicos

populares dentro do Currículo do Colégio. Currículo Marginal x Currículo Oficial

Questionário

Nome:__________________________________________________________

Email:_________________________________Telefone:__________________

1 - Função na escola:

( ) Direção

( ) Docente

( ) Coordenação Pedagógica

2 – Carga horária de trabalho:

( ) 20 horas ( ) 40 horas

3 – Possui outro vínculo empregatício?

( ) Não

( ) Sim Qual? ___________________________________________________

4 – Formação Acadêmica:

( ) Pedagogia

( ) História

( ) Letras

( ) Geografia

( ) Química

( ) Física

( ) Ed. Física

( ) Filosofia

( ) Sociologia

( ) Matemática

( ) Outra

Qual?_________________________________________________________

5 - Nível mais elevado de formação acadêmica já finalizada:

( ) Graduação

( ) Especialização

( ) Mestrado

( ) Doutorado

49

6- Disciplinas lecionadas:

( ) Matemática

( ) Português

( ) Ciências

( ) História

( ) Geografia

( ) Inglês

( ) Ed. Física

( ) Outra(s)

Quais?______________________________________________________

7- Tipo de vínculo profissional com a escola?

( ) Servidor efetivo

( ) Contratado pelo REDA

( ) Contratado pelo PST

8 - A gestão do colégio é democrática?

( ) Sim ( ) Não ( ) Não opinaram

Justifique:_______________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

9- O PPP da escola foi construído de forma democrática e participativa?

( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabem

Como se deu o processo de construção

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

10- PPP aborda a parte diversificada do currículo em seu texto?

( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabem

Justifique:_______________________________________________________

_______________________________________________________________

50

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

11- O colégio já realizou algum evento para debater seu currículo?

( ) Não Sabem ( ) Não

( ) Sim Quais:__________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

12-A formação acadêmica oferecida pelos cursos de licenciatura debate

criticamente o processo de marginalização dos conhecimentos populares dos

currículos oficiais e o processo de colonização do conhecimento?

( ) Sim

( ) Não

( ) mais ou menos

Justifique:_______________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

13-Existe projetos interdisciplinares ou não dentro da escola que abordem

temas contextuais sobre a realidade dos estudantes?

( ) Não Sabem ( ) Não

( ) Sim Quais:

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

51

14-O intervalo é pensado dentro do currículo escolar como espaço de

aprendizado?

( ) Sim ( ) Não

Justifique:_______________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

15-Qual avaliação da escola no IDEB?

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

16-Quais as taxas de evasão e reprovação da escola no último ano letivo?

Evasão:________________ Reprovação:______________________

17-Qual a avaliação do colégio no cumprimento do currículo comum

estabelecido pelo Ministério de Educação?

( ) Excelente

( ) Bom

( ) Regular

( ) Péssimo

Justifique:_______________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

18 Como são tratadas as leis 11645/08 (educação afroindígena) e a lei

9795/99 (educação ambiental) dentro do colégio?

Resposta:_______________________________________________________

_______________________________________________________________

52

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

19-Existem projetos sobre educação ambiental desenvolvidos pelo colégio?

( ) Não

( ) Sim Quais:

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

20-Como é trabalhado o tema ecologia dentro do currículo?

Resposta:_______________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

21- Existem materiais didáticos produzidos pelo colégio que abordem temas

ecológicos e outros relevantes sobre o contexto que a escola está inserido?

( ) Não

( ) Sim Quais:

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

53

22-Os estudantes são incentivados para práticas alimentares saudáveis

através da merenda e das aulas ministradas?

( ) Não

( ) Sim Como:

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

23-Qual a participação da comunidade externa na escola?

Resposta:_______________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

24-Descreva quais as maiores dificuldades enfrentadas pela escola acerca do

currículo?

Resposta:_____________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________