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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS E SUA EFICÁCIA NA PREVENÇÃO DO MENOR INFRATOR SE TORNAR UM ADULTO DELINQUENTE LARISSA CRISTINA ANASTÁCIO Itajaí (SC), Maio de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS E SUA EFICÁCIA NA PREVE NÇÃO DO

MENOR INFRATOR SE TORNAR UM ADULTO DELINQUENTE

LARISSA CRISTINA ANASTÁCIO

Itajaí (SC), Maio de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS E SUA EFICÁCIA NA PREVE NÇÃO DO

MENOR INFRATOR SE TORNAR UM ADULTO DELINQUENTE

LARISSA CRISTINA ANASTÁCIO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professora Mestre Adriana Maria Gomes d e Souza Spengler

Itajaí (SC), Maio de 2008.

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AGRADECIMENTO

A Deus , pela serenidade e perseverança a

mim conferidas;

À minha família e amigos

pelo apoio nas horas difíceis;

À minha orientadora, Professora e Mestre

Adriana Maria Gomes de Souza Spengler ,

pela dedicação em demonstrar a beleza do

Direito;

Ao Excelentíssimo Senhor Promotor de

Justiça Celso Antonio Ballista Junior ,

pelos preciosos ensinamentos, fundamentais

para realização desta obra.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Otávio Turatti Anastácio e

Vanilda da Silva Anastácio , condutores em

minha longa caminhada;

Às minhas irmãs, Aline Thaíse Anastácio e

Janaína Tanara Anastácio , companheiras e

melhores amigas de todos os momentos;

A meu namorado e companheiro Renato

Ramos Justino nos momentos difíceis da

realização deste trabalho;

De modo geral, à todos aqueles que, de

alguma forma, contribuíram para meu

engrandecimento pessoal e profissional,

tornando-se incentivadores em minha

escolha acadêmica e apaixonada pela

nobreza do Direito.

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"O que se faz agora com as crianças é o

que elas farão depois com a sociedade."

Karl Mannheim.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), Maio de 2008.

Larissa Cristina Anastácio Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Larissa Cristina Anastácio, sob o título AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS E SUA EFICÁCIA NA PREVE NÇÃO DO MENOR INFRATOR SE TORNAR UM ADULTO DELINQUENTE , foi submetida em 11 de junho de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Adriana Maria Gomes de Souza Spengler e Osmar Dinis Facchini (examinador) e aprovada com a nota [9,5] (nove e meio).

Itajaí (SC), maio de 2008.

Professora Mestre Adriana Maria Gomes de Souza Spengler

Orientadora e Presidente da Banca

Professor Mestre Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Adolescência

“A adolescência está caracterizada como a etapa de transição da dependência

infantil à emancipação própria dos adultos”. 1

Adolescente

“São as pessoas que tenham entre doze e dezoito anos incompletos, conforme o

art. 2.º do ECA.”2

Ato Infracional

“Define-se ato infracional a conduta que, praticada pelo adolescente ou pela

criança, está descrita como crime ou contravenção penal (art. 103, ECA)”. 3

Delinqüência

“Universalmente, a delinqüência é considerada como a transgressão às leis

normativas da sociedade, por uma pessoa com idade determinada de acordo com

a legislação local”. 4

Infrator

“A palavra infrator, segundo a definição do Dicionário Aurélio, significa: “aquele

que infringe”, que viola a lei”. 5

1 VEZZULLA, Juan Carlos. A Mediação de Conflitos com Adolescentes Autores de Ato Infracional, p. 30. 2 VERONESE, Josiane Rose Petry. Infância e Adolescência, o Conflito com a Lei: algumas discussões. p.40. 3 SARAIVA, João Batista Costa. http://www.datavenia.net/artigos/Direito_Processual_Penal/processoaplicacaomedidasocieducativa.htm 4 ALVES, Sirlei Fátima Tavares. Efeitos da Internação Sobre a Psicodinâmica de Adolescentes Autores de Ato Infracional. – SP.: Método, 2005. p. 44.

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Inimputabilidade

“Causa de exclusão da responsabilidade penal”. 6

Responsabilidade Jurídica

Para Stocco, “a responsabilidade jurídica se cinde em responsabilidade civil e

penal; enquanto esta pressupõe uma turbação social, determinada pela violação

da norma penal e objetiva estabelecer e conservar o equilíbrio desfeito, a

responsabilidade civil, que é a repercussão do dano privado, faz surgir ao atingido

o direito de pedir reparação”. 7

5 ALVES, Sirlei Fátima Tavares. Efeitos da Internação Sobre a Psicodinâmica de Adolescentes Autores de Ato Infracional. – SP.: Método, 2005. p. 60. 6 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional. P. 20. 7 STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade civil. 6ª edição. São Paulo: Editora RT, 2004.

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SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................ X

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ......................................... ............................................. 4 HISTÓRICO E FUNDAMENTOS DA LEGISLAÇÃO VOLTADA À CRIANÇA, AO ADOLESCENTE E AO ATO INFRACIONAL 1.1 INTRODUÇÃO.............................................................................. 4 1.2 PRECEDENTES HISTÓRICOS .................................................... 5 1.3 LEGISLAÇÃO NACIONAL............................ ............................... 7 1.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS.......................... ............................ 13 1.5 ATO INFRACIONAL: CONCEITO E PROCEDIMENTOS DE APURAÇÃO ........................................... .......................................... 17 CAPÍTULO 2......................................... ..............................................24 A FIGURA DO MENOR E SUA ADEQUAÇÃO AO SISTEMA JURÍDICO-SOCIAL VIGENTE 2.1 A EDUCAÇÃO E A RELAÇÃO DO MENOR COM A SOCIEDADE......................................................................................................... 24 2.2 A INSTITUIÇÃO FAMILIAR E A FORMAÇÃO DE CARÁTER DO MENOR ............................................................................................ 33 2.3 ASPECTOS DA MENORIDADE NO BRASIL ............... ............. 49 CAPÍTULO 3......................................... ..............................................43 INTERVENÇÃO ESTATAL: REMÉDIOS JURÍDICOS, EFICÁCIA E PRÁTICA FUNCIONAL 3.1 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO E.C.A......... .............. 55 3.2 DAS MEDIDAS PROTETIVAS ......................... .......................... 59 3.3 DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS: PRINCÍPIOS ORIENTADORES............................................................................. 61 3.4 DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM ESPÉCIE........ ........ 66 3.4.1 ADVERTÊNCIA ................................................................................................66 3.4.2 REPARAÇÃO DO DANO ....................................................................................69 3.4.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE ........................................................72 3.4.4 LIBERDADE ASSISTIDA ....................................................................................73 3.4.5. SEMILIBERDADE ............................................................................................76 3.4.6. INTERNAÇÃO .................................................................................................77 3.5 DA COMPETÊNCIA PARA A APLICAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO -EDUCATIVA.......................................... ........................................... 81 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................... ............................... 84 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...................... .................... 87

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x

RESUMO

Esta pesquisa foi concebida sob a perspectiva de produção normativa, com o

objetivo de abordar o perfil do menor infrator no Direito Brasileiro, bem como as

medidas adotadas na tentativa de readequá-lo à realidade social. Serão

abordados fatores históricos de evolução do tratamento dos menores dado pelas

civilizações antigas, além de aspectos relevantes ao seu desenvolvimento,

buscando detectar a figura do infante, as influências sofridas por ele no seio de

sua família e sociedade, sua forma de entender o mundo e os motivos que o

conduzem à prática desenfreada de infrações. A forma como a legislação

brasileira trata o infante, bem como seus alicerces de proteção e reeducação,

serão vislumbradas a partir da análise dos remédios jurisdicionais previstos em

legislação competente, dentre as quais se destacam as medidas protetivas e

sócio-educativas. A perspectiva de futuro atribuída ao menor, será abordada sob

a ótica psico-criminal, em consonância com o estudo das possibilidades de que

seu tratamento efetivo, durante a apuração do ato infracional, tornar-se-á fator

relevante na tentativa de impedir que o menor infrator de hoje, torne-se um adulto

delinquente no futuro.

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objeto a investigação acerca do

tratamento atribuído pela legislação nacional ao adolescente em situação de

vulnerabilidade social, isto é, aquele que, de alguma forma, tenha vindo a cometer

ato diverso daquele efetivamente esperado para sua condição, tido como ato

infracional e, através das medias sócio-educativas prevenir que se torne um

adulto delinquente.

O objetivo institucional deste trabalho é promover um estudo acerca

da eficácia da aplicação de medidas sócio-educativas ao adolescente infrator,

ressalvada sua função pedagógica e protetiva, sobretudo no que tange à tentativa

de impedir que a conduta reprovável deste adolescente venha a representar fator

determinante na sua vida, capaz de torná-lo um adulto delinqüente. A lei atribui ao

infante, normas de caráter protecionista, que culminam com tratamento

diferenciado, em especial pelo fato de gozarem estes de formação incompleta de

caráter.

Para tanto, a abordagem temática se divide em três Capítulos, pelos

quais se pretende abordar toda a dinâmica existente, levantando pontos históricos

de caráter legislativo e funcional sobre o tratamento de crianças, adolescentes e

do ato infracional, a individualização do menor no cenário legislativo brasileiro e

as formas e eficácia da intervenção estatal nos casos de cometimento de ato

infracional.

No Capítulo 1 serão abordados pontos históricos da legislação

voltada à criança, ao adolescente e ao ato infracional. Para tanto, serão

apontados precedentes históricos acerca dos interesses juvenis durante a

evolução da Humanidade. A legislação nacional será contemplada com a

elucidação dos direitos atinentes à criança e ao adolescente, nos principais

diplomas legislativos existentes, com especial atenção para a Constituição

Federal Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Os direitos

fundamentais elencados nestes diplomas, quando atribuídos ao tema em questão,

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serão enfocados e embutidos de forma a proporcionar o entendimento acerca de

sua importância e conseqüências de seu eventual esquecimento. Será tratado

ainda neste capítulo, do conceito e procedimento de apuração do ato infracional,

com a indicação do tratamento legislativo atribuído à sua configuração e

execução.

No Capítulo 2, tratar-se-á da figura do menor e sua adequação ao

sistema jurídico-social vigente. Serão levantados os principais aspectos da

menoridade no Brasil, com a abordagem dos instrumentos legislativos mais

importantes, dentre os quais a Constituição Federal Brasileira, o Código Civil

Brasileiro, o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. A educação

será estudada diante da influência exercida no menor em relação à sociedade.

No Capítulo 3, serão estudados os efeitos da intervenção estatal no

caso de cometimento de ato infracional pelo adolescente, ressaltando os

remédios jurídicos trazidos a cada caso concreto, bem como sua eficácia de

aplicação prática e funcional. Apresentar-se-á o papel do Ministério Público no

Estatuto da Criança e do Adolescente, e os casos de aplicação de medidas

protetivas previstas por este diploma. No que tange às medidas sócio-educativas,

vislumbrar-se-ão os princípios orientadores de sua aplicação, e a classificação

destas quanto à espécie, em advertência, reparação de danos, prestação de

serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação,

apontando o conceito, a aplicação e a eficácia de cada uma destas medidas na

formação do menor.

O presente relatório de pesquisa se encerra com as Considerações

Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da

estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões acerca da eficácia das

medidas sócio - educativas na prevenção do adulto delinqüente.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

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1ª Hipótese – A estrutura familiar é imprescindível para que as

crianças e os adolescentes cresçam com respeito e dignidade na sociedade.

2ª Hipótese – As Medidas Sócio Educativas são eficazes para

prevenir que o menor infrator se torne um adulto delinqüente.

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CAPÍTULO 1

HISTÓRICO E FUNDAMENTOS DA LEGISLAÇÃO VOLTADA À CRI ANÇA, AO

ADOLESCENTE E AO ATO INFRACIONAL

1.1 INTRODUÇÃO

A constante evolução da sociedade impõe a correspondente

evolução do direito. 8

Neste contexto, relata Cabrera9 que, após séculos de obscurantismo

e regimes totalitários, o Brasil evoluiu ao Estado Democrático de Direito.

Durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte de 1988,

verificou-se imensa mobilização popular, liderada por entidades ligadas à infância

e juventude, governamentais e não – governamentais, que culminaram pela

apresentação de duas emendas de iniciativa popular, conhecidas como “Criança

e Constituinte”, e “Criança – Prioridade Nacional”. 10

Após análise e discussão, as emendas foram aprovadas e inseridas

no texto final da Constituição Federal de 1988. 11

A criança e o adolescente, assim, passaram a ser tutelados pela

Constituição Federal. 12

8 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. XVII. 9CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. XVII. 10 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. XVII 11 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. XVII.

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5

O texto constitucional, porém, carecia de regulamentação em

determinadas questões. 13

Em 13 de julho de 1990, em conseqüência, foi promulgada a Lei

8.069, conhecida como ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente14.

1.2 PRECEDENTES HISTÓRICOS

A criança, até meados do Século XVII, sequer era percebida como

sujeito de direitos, sendo confundida com os adultos. 15

Com efeito, Cabrera16 demonstra que ao analisarmos a arte anterior

ao século XVII, perceberá que a criança é retratada com as mesmas roupas

utilizadas pelos adultos e realizando as mesmas tarefas por eles desenvolvidas.

Já a partir do século XVII o autor demonstra que surge o “retrato de

família”, onde a criança é apresentada com outra aparência, com roupas de

crianças e desenvolvendo atividades improdutivas ou próprias da infância,

brincando, por exemplo.

Ocorre que com este “surgimento”, a criança é incorporada no

mundo dos adultos como um sujeito incapaz, “menor”. 17

12 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. XVII. 13 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. XVII. 14 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. XVII. 15 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 3. 16 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 3. 17 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 4.

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Nesse momento, destaca Cabrera que, a educação sai do âmbito

privado e é incorporada à vida pública, gerando um processo de reconhecimento

da infância e da juventude, mas criando uma nova forma de exclusão social.

Sendo que aquele que não tem acesso à escola ou lá não

permanece, acaba sendo excluído do processo de socialização. 18

Saraiva19, destaca que do ponto de vista do Direito, surge a

possibilidade de dividir a história do Direito Juvenil em três etapas distintas: a

primeira de caráter indiferenciado, a segunda de caráter tutelar, e ainda uma

terceira, com caráter penal juvenil.

Neste sentido, destaca ainda Saraiva, sobre as etapas da História

do Direito Juvenil:

A primeira etapa, do caráter indiferenciado, é a marca do tratamento dado pelo direito desde o nascimento dos códigos penais, de conteúdo eminentemente retribucionista, do século XX. Esta etapa caracteriza-se por considerar os menores de idade praticamente da mesma forma que os adultos, fixando normas de privação de liberdade por um pouco menos tempo que os adultos e a mais absoluta promiscuidade, na medida em que eram recolhidos todos ao mesmo espaço. O segundo momento, de caráter tutelar da norma, tem sua origem nos Estados Unidos e se irradia pelo mundo, no início do século XX. Num período de tempo de vinte anos, iniciando em 1919 com a Legislação da Argentina, todos os países da América Latina adotaram o novo modelo, resultante da profunda indignação moral decorrente da situação de promiscuidade do alojamento de maiores e menores nas mesmas instituições (...). A terceira etapa, com o advento da Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança, inaugura um processo de

18 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 3-4. 19 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 14.

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responsabilidade juvenil, caracterizada por conceitos como

separação, participação e responsabilidade20.

Áries21 também relata que antes e durante a idade média a infância

não existia tal como a concebemos, ou seja, as crianças não eram percebidas

pela consciência social como seres diferentes do mundo dos adultos.

Entretanto, para Cabrera22 já no final do século XIX e início do

século XX, começam a surgir programas oficiais de assistência ao menor,

culminando com a Fundação, no Rio de Janeiro, do Instituto de Proteção e

Assistência à Infância.

Nessa época o termo “criança” e “menor” começam a ser

diferenciados, sendo este destinado à população infanto – juvenil em situação de

vulnerabilidade social e aquele à população infanto – juvenil incorporada na

sociedade convencional. 23

Finalmente, em 1990, é promulgado o Estatuto da Criança e do

Adolescente cuja função é regulamentar e dar efetividade aos dispositivos

constitucionais da carta política de 1988. 24

1.3 LEGISLAÇÃO NACIONAL

Durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e por

força da mobilização desenvolvida pelas entidades governamentais e não –

governamentais ligadas à infância e à juventude, foram apresentadas à

20 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 14. 21 ARIÉS, Philippe, História Social da Criança e da Família, p. 50-69. 22 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 4. 23 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 4. 24 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 5.

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Assembléia duas emendas de iniciativa popular, contendo mais de duzentas mil

assinaturas. 25

As emendas foram objeto de discussão e foram incorporadas no

texto final da Constituição Federal de 1988. 26

Cabrera, ressalta que os trabalhos desenvolvidos para a elaboração

do texto constitucional tiveram por base a Convenção Internacional dos Direitos

da Criança, cujo projeto – embora tenha sido adotado pela Assembléia - Geral

das Nações Unidas apenas em 20 de novembro de 1990 – já era conhecido no

Brasil quando da elaboração da Constituição Federal.

Assim sendo, a Constituição de 1988 erigiu crianças e adolescentes

à condições de titulares autônomos de interesses juridicamente tuteláveis,

assegurando-lhes, com absoluta prioridade e em atenção à condição peculiar de

pessoa em desenvolvimento, direitos fundamentais, como vida, saúde, educação,

dentre outros.27

Destaca ainda Cabrera que, o texto constitucional também atribui à

família, à comunidade, à sociedade em geral e ao Poder Público a

responsabilidade na efetivação dos direitos fundamentais consagrados na Carta

Magna, impondo uma conjunção de esforços para a resolução dos problemas da

população infanto - juvenil.

Neste contexto e sob a influência da Europa, surge no Brasil as

primeiras manifestações de um direito voltado à infância e à juventude que,

25 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 6 26 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 27 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 6

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inicialmente, era apenas assistencialista, passando, posteriormente, para uma

fase correcional e, finalmente, para a proteção integral. 28

Posteriormente, mais precisamente em 12 de outubro de 1927,

como descreve Cabrera, surge o primeiro Código de Menores Brasileiro, criado

por meio do Decreto – Lei 17.947/27, conhecido como “Código de Mello Matos”. 29

Especificamente sobre este ponto, declara, Saraiva:

O Código de Menores incluía praticamente 70% da população infanto-juvenil brasileira, permitindo que mais tarde se afirmasse que quem estava em situação irregular era o Estado Brasileiro. Por esta ideologia, os menores tornam-se interesse do direito especial quando apresentam uma patologia social, a chamada situação irregular, ou seja, quando não se ajustam ao padrão estabelecido. A declaração de situação irregular tanto pode derivar de sua conduta pessoal, como da família ou da sua própria sociedade. Haveria uma situação irregular, uma moléstia social, sem distinguir, com clareza, situações decorrentes

da conduta do jovem ou daqueles que o cercam30.

Após um longo período de vigência, o Código de Menores de 1979

já se mostrava bastante obsoleto, sobretudo no que confere à competência do

Juiz e do Promotor de Justiça nas relações que envolviam menores.

Ambos eram sujeitos neutros, que não assumiam uma postura na

relação processual. Segundo Alves:

O Código de Menores de 1979 dispunha sobre assistência,

vigilância e proteção aos menores de 18 anos, que se

28 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 4. 29 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 4.

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encontrassem em situação irregular, ou entre 18 e 21 anos,

nos casos expressos em lei. Eram previstas seis situações

irregulares – que determinavam a competência da Justiça

de Menores - , graduadas desde o abandono até a infração

penal. O Código propunha para elas seis diferentes

medidas de assistência e proteção, desde a advertência ou

entrega do menor a seus pais até a internação31.

Destaca-se que não havia dada proporcionalidade entre as

situações irregulares e as medidas propriamente ditas. No entanto, a aplicação

das medidas era dependente de um processo de avaliação social e cultural, do

menor e sua família.

Três documentos internacionais iniciaram uma mudança profunda no

ordenamento brasileiro, trazendo fatores marcantes ao Direito da Infância e do

Adolescente: as Regras Mínimas para a Administração da Justiça de Menores32; a

Convenção sobre os Direitos da Criança33; e as Diretrizes para a Prevenção da

Delinqüência Juvenil34. Além destes, contribuíram para o aperfeiçoamento de

dado ramo do Direito Brasileiro, as chamadas Regras Mínimas das Nações

Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade.

Em 1942, durante o governo de Getúlio Vargas, é criado o Serviço

de Assistência Social ao Menor (SAM), órgão ligado ao Ministério da Justiça cuja

função era equivalente à atribuída ao sistema penitenciário comum que, com uma

única diferença, era voltado à população infanto – juvenil.35

30 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 44. 31 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. p. 06. 32 Regras de Beijing, Res. 40/33, de 29 de novembro de 1985, da Assembléia Geral das Nações Unidas. 33 Res. 1.386, de 20 de novembro de 1989, da Assembléia Geral da ONU. 34 Diretrizes de Riad, Res. 45/112, de 14 de dezembro de 1990, da assembléia Geral da ONU. 35 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 5.

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Já em 1964, após anos de luta para o fim do SAM – órgão

tipicamente repressivo – é estabelecida a Política Nacional do Bem – Estar do

Menor (Lei 4.513/64) que, para Cabrera cujo enfoque era claramente

assistencialista.

Tinha como órgão nacional a FUNABEM, tendo surgido como órgão

do Ministério da Justiça passando, de 1972 a 1986, a integrar o Ministério da

Previdência Social. 36

O Código de Menores (Lei 6.697/79) que tratava da proteção de

proteção e vigilâncias às crianças e aos adolescentes em situação irregular foi

aprovado em 1979. 37

Este Código de Menores apresentava um único conjunto de

medidas destinadas, indiferentemente, às pessoas menores de dezoito anos,

autoras de ato infracional, carentes ou abandonadas. 38

Na década de 1980, em plena abertura política, surge no Brasil um

grande movimento em prol de uma nova concepção da infância e juventude, que

busca o desenvolvimento de uma nova consciência e uma nova postura em

relação à população infanto – juvenil como expõe Cabrera.

Finalmente, em 1990, é promulgado o Estatuto Criança e do

adolescente cuja função é regulamentar e dar efetividade aos dispositivos

constitucionais da carta política de 1988.

A este respeito, ensina Saraiva:

36 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 5. 37 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 5. 38 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 5.

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Desde os primeiros dias de vigência do ECA, a nova ordem decorrente da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, incorporada na normativa nacional brasileira e afirmada no art. 227 da Constituição Federal39, cuja regulamentação desembocou no Estatuto da Criança e do Adolescente, promoveu uma completa metamorfose no Direito da criança no País, introduzindo um novo paradigma, elevando-o até então menor à condição de cidadão, fazendo-se sujeito de direitos.(...). Até crianças e adolescentes conquistarem o status de titulares de direitos e obrigações próprios da condição de pessoa em peculiar condição de desenvolvimento que ostentam, deram-se muitas lutas e debates. Este avanço, expresso no Brasil no

39 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204.

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texto do ECA, não resulta de uma dádiva do legislador nem

é produto de uma elocubração transitória40.

Destaca Alves:

A CF de 1988, ainda que anterior à Convenção sobre os Direitos da Criança, utilizou como fonte e projeto da normativa internacional e sintetizou aqueles preceitos que mais tarde seriam adotados pelas Nações Unidas. Uma vez imposto um novo rumo pela Constituição, editou-se a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tambem deveria concentrar a tarefa de manter perfeita identidade com a Convenção da ONU Claro que a própria diretriz da nova lei não ficou imune à críticas: limitando-se a considerar a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (...)41.

1.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Expõe Cabrera que todos os direitos da criança e do adolescente,

sem exceção, são indisponíveis.

Conforme registrado pelo Professor Paula:

A indisponibilidade decorre da condição especial de seus

titulares – crianças e adolescentes – e da proteção integral

a eles devida, abrangendo a totalidade de seus direitos,

estabelecidos também em razão do interesse social em

garantir efetivo atendimento às necessidades básicas da

infância e da juventude. 42

40 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 18-19. 41 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude, p. 07. 42 PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Encontros pela Justiça na Educação – FUNDESCOLA/MEC,Brasília, 2000, págs.194/195.

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O citado mestre registra que os direitos atribuídos às crianças e aos

adolescentes são compostos de uma parte individual e de outra pública, que os

caracterizam como insuscetíveis de qualquer forma de renuncia ou transação.

O Professor Alexandre de Morais43 conceitua os direitos humanos

fundamentais como o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser

humano que tem por finalidade básica o respeito e sua dignidade, por meio de

sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições

mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

A Constituição Federal de 1988 classifica o gênero direitos e

garantias fundamentais em cinco espécies: direitos individuais; direitos coletivos;

direitos sociais; direitos à nacionalidade; e direitos políticos.

O ECA estabelece a proteção à vida e à saúde das crianças e

adolescentes, delineada nos artigos 7º a 14 de referido diploma44, propiciando a

43 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais – São Paulo: Atlas, 6ª ed., 2005, p.21. 44 Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal. § 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e hierarquização do Sistema. § 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal. § 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade. Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a: I - manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos; II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente; III - proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais; IV - fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato; V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe.

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iniciação de políticas públicas de incentivo ao nascimento e desenvolvimento

sadio e digno, que devem surtir efeitos antes mesmo da sua origem.

Além de estabelecer normas de desenvolvimento em hospitais e

postos de atendimento ao menor, o ECA afirma a obrigatoriedade da vacinação

de crianças, sob pena de intervenção por parte do Ministério Público.

Para Alves:

O direito de liberdade compreende os seguintes aspectos: a)ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; b) opinião e expressão; c) crença e culto religioso; d) brincar, praticar esportes e divertir-se; e) participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; f) participar da vida política, na forma da lei; g) buscar refúgio, auxílio e orientação. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e

objetos pessoais45.

O ECA determina o dever que todo cidadão têm em manter as

crianças e adolescentes livres de qualquer tratamento desumano, constrangedor,

violento, vexatório ou aterrorizante.

Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. (Redação dada pela Lei nº 11.185, de 2005) § 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado. § 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. Art. 12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente. Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. 45 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. p. 16.

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A máxima trazida pelo Estatuto, de que as crianças ou adolescentes

não devem ser separadas de seus pais biológicos, ainda que lhes falte ou sejam

insuficientes os recursos materiais, traduz o direito à convivência familiar e

comunitária.

Faz-se necessário que o menor seja educado no seio familiar, a fim

de desenvolver sua personalidade em potencial.

Além disso, a lei assegura igualdade de direitos e condições aos

filhos havidos fora do casamento, anteriores ou concomitantes com a relação

familiar atual, assegurando assim, o direito à investigação de paternidade,

alimentação, exigência de ter o nome do pai, e herança.

Elias trata da matéria sob o óbice do exercício do pátrio poder:

Estabelecida a igualdade entre pessoas de sexos diferentes (...), não se justifica mais a preponderância, antigamente existente, do pai. Em caso de discordância quanto ao exercício do poder familiar (pátrio poder), o Judiciário é quem dará a solução. Excetuam-se, é óbvio, aqueles casos em que o filho está sob a guarda de um dos pais, (...). O novo Código Civil (Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002) modificou o nome do instituto, que agora se denomina “poder familiar”. A troca de “pátrio” por “familiar” quer, sem dúvida, enfatizar que referido poder deve ser exercido tanto pelo pai como pela mãe46.

Toda esta inovação de tratamento culmina com a divisão de

responsabilidades entre o homem e a mulher para com os filhos, fruto de um

relacionamento amoroso.

Neste cenário, tanto o homem quanto a mulher, na condição de

genitores, devem respeito ao disposto na legislação pertinente, sobretudo no que

46 ELIAS, Roberto João. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente, p. 22.

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se refere ao zelo pela saúde e dignidade de seus filhos, em concomitância de

funções.

A nova conotação implica também numa equiparação de tratamento

entre os genitores, a fim de garantir, ainda mais, a segurança dos menores, no

que tange à sua proteção integral.

Vale destacar que todo este quadro de proteção aos direitos

fundamentais é trazido de forma precípua pela Constituição Federal, e ampliada à

legislação específica, no caso aqui exposto, ao Estatuto da Criança e do

Adolescente.

Qualquer manifestação alheia aos interesses do menor deve ser

considerada uma afronta aos seus direitos, bem como à formação e manutenção

de um cenário propício ao seu pleno desenvolvimento.

1.5 ATO INFRACIONAL: CONCEITO E PROCEDIMENTOS DE AP URAÇÃO

A situação socioeconômica atual vem acompanhada de um

significativo crescimento do índice de infrações cometidas por crianças e

adolescentes, demonstrando uma suposta imaturidade do Estado em promover o

equilíbrio social.

Em certo aspecto, pode-se deduzir que a violência apresentada à

sociedade pelos menores, nada mais é do que uma resposta aos padrões de vida

que a eles são impostos.

Neste contexto, é cada vez mais alto o número de crianças e

adolescentes que beiram a marginalidade. As causas e motivos deste fato, ainda

são discutidos pelo Poder Executivo, mas as reflexões não deixam de ser

evidenciadas na doutrina especializada.

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Na visão de Luiz Orlando Carneiro e Inês Carneiro Cavalcanti47, “o

ato infracional é qualquer crime ou contravenção cuja prática seja imputada a

criança ou adolescente”.

Como crime, entende-se toda conduta tipificada no Código Penal

Brasileiro48, e como contravenção, aquela descrita na Lei das Contravenções

Penais49.

Diante da inimputabilidade50 penal atribuída aos menores de 18

anos, crianças e adolescentes que praticarem atos descritos e tipificados como

crime ou contravenção, não poderão receber penas de multa ou de prisão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também diferencia o ato

infracional de acordo com o sujeito da conduta, criança ou adolescente, diz

Cabrera. 51

No mais, o ato infracional praticado por criança corresponderão as

medidas previstas no art. 101 (medidas de proteção), enquanto ao ato infracional

praticado por adolescente corresponderão as medidas previstas no art. 112

(medidas sócioeducativadas e/ou as medidas de proteção previstas nos incisos I

a VI do art. 101.52

Em poucas palavras, pode-se entender o ato infracional como todo

ato cuja conduta é tipificada como crime ou contravenção penal, mas que assim

se denomina, ante a incapacidade civil de seus sujeitos ativos.

47 CARNEIRO, Luiz Orlando; CAVALCANTI, Inês Carneiro. O ABC do estatuto da criança e do adolescente, p.14. 48 BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940, alterado pela Lei n.º 9.777, de 26 de dezembro de 1998. 49 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941. 50 Em Direito, chama-se de imputabilidade penal a capacidade que tem a pessoa que praticou certo ato, definido como crime, de entender o que está fazendo e de poder determinar se, de acordo com esse entendimento, será ou não legalmente punida. 51 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 63. 52 CABRERA, Carlos Cabral. JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa Wagner. JUNIOR, Roberto Mendes de Freitas. Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso. P. 63.

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É uma ação praticada por criança ou adolescente, correspondente

às ações definidas como crime cometidas pelos adultos. O conceito legal vem

delineado no artigo 103 do ECA53, e é fruto de um processo de avanço normativo

nesta matéria.

Saraiva trata desta evolução com bastante prudência, dizendo que:

O ECA construiu um novo modelo de responsabilidade do adolescente em conflito com a lei. A adoção da Doutrina da Proteção Integral, promovendo o então ‘menor’, mero objeto do processo, para uma nova categoria jurídica, passando-o à condição de sujeito do processo (...), estabeleceu uma relação de direito e dever, observada a condição especial de

pessoa em desenvolvimento, reconhecida ao adolescente.54

No entender de Ramidolf55, a prática de ato infracional não se

constitui numa conduta delituosa precisamente por inexistir nas ações/omissões

infracionais um dos elementos constitutivos e estruturantes do fato punível, isto é

culpabilidade.

Há de ser observado, a idéia de garantias, na área multidisciplinar

da infância e da juventude, por certo, não se limita apenas ao âmbito jurídico, na

verdade, prende-se à implicação necessária entre os sistemas de direitos e

garantias fundamentais então estabelecidas no Estatuto da Criança e do

Adolescente – Lei Federal 8.069, de 13.07.1990.56

Que, aliás Ramidolf descreve que importam verdadeiramente numa

revolução cultural orientada pelas opções políticas adotadas pelo Constituintes de

1987/1988, e, assim, insculpidas na Constituição da República de 1988.

53 Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. 54 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 75-76. 55 RAMIDOLF, Mário Luiz. Lições de Direito da Criança e do adolescente. P. 69. 56 RAMIDOLF, Mário Luiz. Lições de Direito da Criança e do adolescente. P. 30.

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Ramidolf explica que, esta ordem de princípios que orienta a

integração entre os sistemas de garantias determina que, primeiro, crianças e

adolescentes são sujeitos de direitos, pelo que devem desfrutar de todos os

direitos fundamentais assegurados à pessoa humana.

Segundo, crianças e adolescentes são detentores de direito à

proteção integral.

Terceiro, crianças e adolescentes são garantidos por todos os

instrumentos necessários para assegurar o desenvolvimento pleno de suas

personalidades – físico, mental, moral e espiritual, em condições de liberdade e

dignidade.

Saraiva prossegue seus ensinamentos a este respeito:

O Estado de Direito se organiza num binômio direito / dever, de modo que às pessoas em peculiar condição de desenvolvimento, assim definidas em lei, cumpre ao Estado definir-lhe direitos e deveres próprios de sua condição. A sanção estatutária, nominada medida socioeducativa, tem inegável conteúdo aflitivo (...), e por certo esta carga retributiva se constitui em elemento pedagógico imprescindível à construção da própria essência da proposta socioeducativa. Há regra e há ônus de sua violação57.

O ECA, em seu artigo 11058, repete a garantia constitucional de que

ninguém será privado de sua liberdade, sem o devido processo legal, adequando

o princípio para o caso de ato praticado por criança ou adolescente.

Prossegue o legislador, determinando novas garantias asseguradas

ao adolescente em situação irregular59, tratada por Elias, da seguinte forma:

57 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 76. 58 Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.

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As várias garantias alinhadas no artigo visam, sem dúvida, a plena defesa do adolescente que se encontra no pólo passivo da ação socioeducativa. Conquanto, sempre é oportuno ressaltar, ele não possa sofrer medidas punitivas, mas tão-só pedagógicas, é certo que algumas delas, como, por exemplo, a internação e a semiliberdade, pelo simples fato de afastá-lo de sua família, deve ser aplicada apenas em caso de necessidade. Destarte, a ampla defesa será de grande valia para aquilatar o grau de responsabilidade do menor que, muitas vezes, poderá ter agido em legítima defesa ou estado de necessidade, não se lhe podendo atribuir ‘culpa’ pelo ato praticado. Assim (...), o adolescente deve saber do que está sendo acusado, para melhor se

defender 60.

Neste contexto, a Constituição Federal, em seu art. 127 diz que, o

Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do

Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponível.

Assim sendo, Cabrera destaca que, diante do interesse social

existente nas questões da infância e juventude e da indisponibilidade de todo e

qualquer direito envolvendo uma criança ou um adolescente, pode-se afirmar que

o Ministério Público é o defensor constitucional dos direitos da criança e do

adolescente.

Ainda nessa linha, o autor descreve que, as funções atribuídas pelo

estatuto ao Ministério Público é extensa, cobrindo toda a esfera de direitos

59 Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias: I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; III - defesa técnica por advogado; IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento. 60 ELIAS, Roberto João. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. p.119.

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conferidos à criança e ao adolescente, assim considerados sob o aspecto

individual ou meta individual (coletivos e difusos).

Com efeito, nos termos do art. 201 do Estatuto da criança e do

Adolescente, foram atribuídas ao Ministério Público as seguintes funções:

conceder a remissão como forma de exclusão do processo; promover e

acompanhar os procedimentos relativos às infrações atribuídas a adolescentes;

promover e acompanhar as ações de alimentos e os procedimentos de

suspensão e destituição do pátrio poder, nomeação e remoção de tutores,

curadores e guardiães, bem como oficiar em todos os demais procedimentos da

competência da Infância e Juventude.

Também, promover, de ofício ou por solicitação dos interessados, a

especialização e a inscrição de hipoteca legal e a prestação de contas dos

tutores, curadores e quaisquer administradores de bens de crianças e

adolescentes nas hipotecas do art. 98.

Seguindo com as funções atribuídas ao Ministério Público, compete

a este, promover inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos

interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência,

inclusive os definidos no art. 220, §3º, inciso II, da Constituição Federal, dentre

outras funções alencadas no ECA.

No entendimento de Saraiva 61, faz-se fundamental, seja qual for a

medida socioeducativa que deva ser cumprida, que esta se inicie em uma

audiência admonitória própria.

Nesta audiência, presente o adolescente, seus pais ou

responsáveis, com Ministério Público e Defensoria, procederá o Juiz à

admoestação, em caso de advertência, ou ainda, em caso de PSC – Prestação

de Serviço à Comunidade ou LA – Liberdade Assistida, presente a entidade

responsável pela operacionalização da medida socioeducativa.

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Devendo advertir o adolescente de seus compromissos, das

eventuais repercussões do descumprimento injustificado da medida

socioeducativa, que pode levar à imposição de uma internação sanção. (Art. 122,

III, do ECA).

Esta audiência, a ser realizada diante do juízo com jurisdição sobre

a execução da medida socioeducativa, tem um caráter formal, de fundamental

importância para que o adolescente sinta a presença do Estado – Poder, da

autoridade judiciária, neste momento crucial de sua vida. 62

Saraiva ainda refere que é imprescindível que se opere a

advertência formal relativa às conseqüências do descumprimento da medida

socioeducativa, como meio de legitimar a ação do Estado em face de um eventual

descumprimento injustificado de parte do adolescente.

O capítulo a seguir trata da figura do menor e sua adequação ao

sistema Jurídico – Social vigente.

61 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional. P. 94. 62 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional. P. 94.

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CAPÍTULO 2

A FIGURA DO MENOR E SUA ADEQUAÇÃO AO SISTEMA JURÍDICO-SOCIAL VIGENTE

2.1 A EDUCAÇÃO E A RELAÇÃO DO MENOR COM A SOCIEDADE

Nem sempre a criança e o adolescente tiveram sua imagem tão

divulgada na sociedade como nos últimos anos. 63

No entanto, no entender de Veronese, isso é devido a uma situação

muito mais de lamento do que propriamente regozijo, como propaga o discurso

político.

O que outrora era esquivado pela maioria e abafado pelas quatro

paredes da vida privada tornou-se público, e veio revelar as verdadeiras

condições a que são submetidas muitas crianças e adolescentes. 64

Levados ao esquecimento social e excluídos dos escopos político –

econômicos, perdem prioridade para a minoria privilegiada que direciona o

desenvolvimento do país.65

Nesse contexto Verenose refere que, são induzidos a, em nome da

fome, deixarem se explorar, violentar... sem quaisquer restrições.

Contudo, esses pequenos e jovens indivíduos durante muito tempo

permaneceram bem mais distantes dos interesses sociais da maioria e,

63 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 9. 64 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 9. 65 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 9.

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consequentemente, das expectativas para a realização concreta de seus direitos,

do que no presente. 66

No entender de Ramidolf67, a construção de uma política

efetivamente emancipadora da humanidade não pode desprezar a emergência

destas novas subjetividades – criança e adolescente.

Pois, tanto a criança, quanto o adolescente, é algo raro que advém

intempestivamente para alterar as rotinas e os sentidos estabelecidos e produzir o

novo. 68

E isto, por certo, exige a construção de uma espacialidade pública

da palavra e da ação69 própria para a discussão de questões tão importantes

quanto as relativas à infância e à juventude.

As novas necessidades humanas e o próprio significado da

autonomia da pessoa estão por (re) construir o próprio sentido de dignidade da

pessoa humana. 70

Ramidolf ainda descreve que, os seres humanos em geral, e, aqui,

particularmente, a criança e o adolescente enquanto novas dimensões da

subjetividade, ultimamente, têm experimentado uma nova espécie de convivência

conflitiva precisamente estabelecido pela tensão permanente resultante do

compartilhamento concomitante entre o individual e o coletivo.

Diante da concepção de Saraiva, ainda funciona em nossa

sociedade, produto da discriminação e do preconceito, de quem ainda distingue

criança de menores, uma certa lógica, em especial com a adolescência excluída,

de que estes seriam adolescentes diferentes dos outros (os incluídos).

66 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 9. 67 RAMIDOLF, Mário Luiz. Lições de Direito da Criança e do adolescente. P. 26. 68 RAMIDOLF, Mário Luiz. Lições de Direito da Criança e do adolescente. P. 26. 69 ARENDT, Hannah. A condição humana. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

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Ainda no raciocínio do autor acima, no tratamento distinto que é

dado aos jovens, a uns justificando e a outros implacavelmente cobrando uma

postura adulta, resulta a conclusão de que seriam eles diferentes entre si.

Afigura-se algo como aquela conversa que seguidamente se escuta

em um encontro de pessoas para um chá, ou em um verão abrasador, sob o

frescor de um ar condicionado. 71

Ou então no inverno gelado, no aconchego de uma lareira, quando

alguém, entre um canapé e outro, sempre indaga: “Como será que os pobres

agüentam?” 72

Imaginam por certo que estes, sendo diferentes, teriam uma

resistência desumana ao frio ou ao calor, quando na verdade, sabe-se: passam

muito frio ou padecem intensamente no calor. 73

Saraiva relata que, efetivamente em uma sociedade como a nossa,

onde por meio de uma mídia avassaladora e mecanismos de merchandising

extraordinários se impõe a todos um intenso sofrimento porque não têm coisas de

que não precisam.

Entretanto, ressalta ainda que, em uma assustadora prevalência do

TER sobre o SER, não é de se admirar que se imagine existirem duas

adolescências: a dos que podem adolescer e a dos que não podem.

Segundo Gusmão:

(...) assim é por ser o direito o único controle social que tem mais possibilidade de garantir a ordem, a paz e a segurança sociais, viabilizando, assim, a sociedade em todas as etapas de sua evolução. Em razão disso, olhando-se para trás,

70 RAMIDOLF, Mário Luiz. Lições de Direito da Criança e do adolescente. P. 27 71 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional. P. 34. 72 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional. P. 34. 73 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional. P. 34.

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depara-se com a viabilidade do direito. Da natureza do grupamento social depende a natureza jurídica do direito, que a reflete e a rege. Do tipo de sociedade depende a sua ordem jurídica, destinada a satisfazer as suas necessidades, dirimir possíveis conflitos de interesses, assegurar a sua continuidade, atingir as suas metas e garantir a paz social. (...) Por outro lado, a sociedade é reduzível a um complexo de normas, podendo ser por isso entendida como ordem social estabelecida por normas sociais74.

A adolescência, enquanto etapa de desenvolvimento físico e

psíquico, deflagrada pela puberdade, é adolescência para todos, dos bairros mais

nobres à periferia, submetidos às mesmas aflições próprias desta época,

alcançados todos pelos mesmos apelos de mídia, todos destilando hormônios,

todos desejantes, todos fascinados pelo tênis importado. 75

Galeano, analisando as relações da sociedade com exclusão social,

tratando da adolescência, afirma: “A sociedade de consumo os insulta oferecendo

o que nega”.

Sentenciando adiante: “...Sociedade que sacraliza ordem ao mesmo

tempo em que gera a desordem”.

A contribuir com esta reflexão, discorre Souza:

Torna-se mais fácil compreender suas aflições quando

consideramos com atenção o que se passa com seu corpo e

sua mente. Num determinado momento, por comando do

hipotálamo e da hipófise, na base do cérebro, as glândulas

do aparelho reprodutor, entre outras que participam menos

intensamente do processo, começam a produzir grandes

quantidades de hormônios e sob o efeito desses passa a

74 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito, p. 31-32. 75 GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Tradução de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999, p 19/20.

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ocorrer uma série de transformações orgânicas. Há um

grande crescimento estatural (período de estirão), surgem

os caracteres sexuais secundários; seios, distribuição de

pêlos no corpo – pêlos axilares, pêlos pubianos, aspecto

dos cabelos e desenvolvimento da barba. Modificam-se as

proporções do corpo, com aumento da bacia e distribuição

da gordura da mulher, e dos ombros e da musculatura no

homem. A libidoenergia que alimenta a conduta sexual –

que na fase anterior estava dirigida à atividade muscular e

às especulações intelectuais (no período de latência – dos

seios aos dez ou doze anos), e agora dirigida à genitalidade.

O interesse heterossexual passa a predominar e,

habitualmente, entre as brincadeiras, carícias e

masturbação os adolescentes treinam para o intercurso

sexual, amadurecendo em direção da sexualidade adulta.

Isso não se passa abruptamente, mas nem sempre os três

ou quatro anos em que esses fatos se sucedem constituem

tempo suficiente para que o amadurecimento mental

acompanha o desenvolvimento físico.

Todo o quadro social e familiar acaba por influenciar diretamente na

formação de caráter do indivíduo, sendo paradigma fundamental na determinação

de sua evolução, podendo ser responsável, inclusive, pelo desvirtuamento deste,

no que tange ao descumprimento de regras comuns aos membros da sociedade.

Neste sentido, assim dispõe Coon:

Quando os pais não conseguem dar um bom início de vida aos seus filhos, todo mundo sofre - a criança, os pais e a sociedade como um todo. As crianças precisam crescer com a capacidade de amar, alegria, realização, responsabilidade e autocontrole. A maioria das pessoas disciplina seus filhos da maneira como foi disciplinada. Infelizmente, isso significa que muitos pais cometem os mesmos erros que os seus pais cometeram. Dois ingredientes chave para ser um pai ou uma mãe eficazes são a comunicação e a disciplina. Os pais têm de atingir o

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equilíbrio entre a liberdade e a orientação em cada uma dessas áreas (...).Os filhos devem se sentir livres para expressar seus sentimentos mais profundos pela falta e pelos atos. Porém, isso não significa que eles podem fazer o que quiserem. Em vez disso, a criança pode se movimentar livremente dentro de limites que são mais ou menos "rígidos". Mas essa escolha é menos importante do que a coerência (manter regras de conduta estáveis). Disciplina coerente dá à criança uma sensação de segurança e estabilidade. A incoerência faz o mundo da criança parecer inseguro e imprevisível76.

Neste contexto, deve ser ressaltada a importância destes fatores na

perspectiva de vida do indivíduo, que pode influenciá-lo tanto de maneira boa,

formando um adulto íntegro, leal e responsável; quanto prejudicá-lo, desvirtuando

sua formação para aquilo que é repudiado pelas normas do meio em que vive.

Vários são os fatores sociais que são indispensáveis para a boa

fruição da vida em sociedade, tais como a segurança pública, a educação, as

políticas de desenvolvimento sanitário, saúde pública e gerenciamento político-

funcional.

Diante deste quadro, merece destaque a questão da educação,

representando papel fundamental no desenvolvimento das pessoas.

A educação ostenta hoje um dos mais importantes alicerces do

desenvolvimento social, configurando direito constitucional assegurado aos

cidadãos.

Sua importância deve ser ressaltada desde as primeiras fases da

vida, sendo responsável pela complementação essencial para a boa formação

humana.

76 COON, Dennis. Introdução à Ppicologia: uma jornada, 117/118.

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Repetindo os princípios constitucionais, o ECA trata da Educação

enquanto direito elementar à criança e ao adolescente77. A legislação brasileira

assegura o acesso da criança e do adolescente à educação de qualidade, na

tentativa de proporcionar o desenvolvimento de sua personalidade.

Na Constituição Federal Brasileira, a Educação aparece como

direito de todos, e dever do Estado e da Família. Tal relação deve ser vista de

77 Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais. Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador; VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência à escola. Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de: I - maus-tratos envolvendo seus alunos; II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares; III - elevados níveis de repetência. Art. 57. O poder público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório. Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura.

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forma concomitante, não sendo possível que nenhuma das duas instituições se

exima de sua responsabilidade.

No entanto, todo este processo não pode ser tido como único ou

pacífico. São possíveis casos em que esta realidade jurídica seja corrompida,

incorrendo em sérios problemas para a sociedade.

Destarte, é extremamente possível que uma eventual falha na forma

educativa proporcionada aos infantes acabe por contribuir na formação de

menores infratores.

A ausência de educação apropriada, capaz de sustentar o bom

desenvolvimento do menor, imputando-lhe elementos básicos do convívio em

sociedade, pode ser um agravante ou até mesmo um motivo para que este

busque formas ilegais e socialmente repudiáveis de garantir seu futuro.

É assim que diariamente, dezenas de crianças e adolescentes

trocam as escolas pela rua, os livros, pelas armas e artefatos, descobrindo um

mundo de irregularidades e infrações, que não pode margear a estrutura política

estatal.

Oliveira elucida a importância da educação na formação dos

indivíduos, no meio social em que se inserem:

Educação é um processo que faz parte do conteúdo global da sociedade. É uma prática social em intensa relação com o contexto sócio-político-econômico e, somente a partir deste, pode ser compreendida e interpretada, uma vez que é ali que ela obtém seus significados e tornam-se inteligíveis suas finalidades e métodos. Por ser um fenômeno intimamente ligado às situações histórico-culturais, a educação deve ser compreendida como um

Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude.

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processo político, exatamente por traduzir objetivos e interesses de grupos sociais economicamente diferentes78.

O incentivo à educação deve ser visto como uma possibilidade de

impedir que crianças e adolescentes acabem por seguir o caminho da

marginalidade, passando a ser vistos como problema para a sociedade.

É importante ressaltar que a educação deve ser presente desde os

primeiros dias de vida das crianças, seguindo ao longo de seu desenvolvimento,

representando uma prestação contínua durante as fases de seu crescimento.

A família e a sociedade também exercem influência neste processo.

A disciplina, acompanhada da imposição de limites ao menor, constitui

aprendizado importantíssimo na tentativa de impedir que sua formação seja

corrompida.

Especificamente sobre este tema, Rosa discorre:

A vida familiar e social da criança e do adolescente exigem interdições, impõe proibições as quais devem ser explicadas.(...) uma educação liberal promove, de regra, a autonomia da criança, já que sua liberdade de exploração de um mundo desconhecido, a partir da imposição de limites dialogada, ao mesmo tempo firme e flexível, pode ser muito importante no momento em que passa a ocupar uma atividade na vida social. Após o desmame e a abertura para o mundo, durante sua exploração, aos pais cabe o papel de indicar as proibições para proteção dos perigos, ensejando a socialização com os demais, construindo-se, desde então, a proibição de danos, condutas não acolhidas socialmente, como a de respeitar o que não é seu79.

78 OLIVEIRA, Maria Rita Neto Sales. Didática, ruptura, compromisso e pesquisa, p. 81. 79 ROSA, Alexandre Morais da. Direito Infracional: garantismo, psicanálise e movimento antiterror, p. 87.

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Assim, a criança deve aprender que está inserida dentro de um

contexto político-social, em que os interesses comuns sobressaem-se aos seus

interesses individuais. Em outras palavras, deve ser embutida a idéia de que não

se pode fazer sempre aquilo que se quer, rompendo direitos de outras pessoas.

Ao revés, a noção de vida em sociedade requer uma aproximação

disciplinar da realidade, em que todos exercem seu papel para o bom

desempenho das questões sociais.

Para tanto, há limites que devem ser expostos e explicados à todos,

desde criança, proporcionando um crescimento responsável, que certamente

surtirá efeitos positivos durante a adolescência, guiando as escolhas dos infantes

pelo caminho lícito.

No entanto, se deve julgar tais reflexos como os únicos

responsáveis pela situação que temos hoje, em caráter minorista. Políticas

públicas de desenvolvimento nestas áreas, agregadas a programas de

atendimento especializado são alternativas cabíveis para estes casos, evitando

assim, que os infantes sejam corrompidos ao cometimento de práticas legalmente

indesejadas.

2.2 A INSTITUIÇÃO FAMILIAR E A FORMAÇÃO DE CARÁTER DO MENOR

O tema relacionado à família encontra certas dificuldades de

tratamento, haja visto que nos subordina a uma realidade próxima, que compõe a

essência humana de forma bastante íntima e intrigante.

A evolução da instituição familiar se deu de forma bastante

acelerada, incorrendo em profundas mudanças estruturais em pequeno prazo.

O desenvolvimento histórico da instituição familiar é bastante

variável, tornando impossível a elaboração de um conceito único e imutável sobre

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a família, uma vez que sua transformação acompanha a função que exerce na

sociedade em que se insere.

Durante a Idade Antiga desde muito cedo quando ingressava no

período da puberdade, o jovem era separado de sua família e colocado sob um

sistema rígido de educação. 80

No qual desenvolvia através de exercícios coletivos, suas aptidões

físicas e intelectuais para compor o corpo militar e alcançar o status de cidadão

grego. 81

Tal condição cita Veronese, representava na época a possibilidade

de participar das atividades sociais da cidade, de construir uma família e vir a ser

futuramente um mestre na arte de guerrear.

As tarefas eram desenvolvidas por grupos de jovens comandados

por chefes mais velhos e experientes, que estimulavam em seus alunos uma

vontade ininterrupta pela perfeição pessoal e habilidade. 82

O fato é que na Idade Antiga, limitando-se aqui a Grécia, a única

participação expressiva era a do jovem masculino utilizado ao mesmo tempo

como instrumento para expansão da força militar, e objeto da experiências

promíscuas dos mais velhos. 83

Assim sendo, as crianças e as mulheres (fossem jovens, adultas ou

idosas) tinham suas atividades direcionadas à vida domésticas, sob algumas

restrições impostas pelo chefe da família. 84

Com o surgimento da Idade Média, estabelece-se também o sistema

feudalista de produção. 85

80 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 11. 81 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 11. 82 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 11. 83 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 12.

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Instituído sobre uma economia agrária de subsistência, sem uma

divisão especializada do trabalho, foi palco da sociedade estamental européia, da

cultura teocêntrica e da família medieval, cujo o chefe era o senhor feudal, classe

dominante da época. 86

Dentro desse paradigma, novos rumos traçam-se às crianças e aos

adolescentes, que num primeiro momento foram reduzidos da pouca presença à

exclusão social. 87

Em outras palavras, Veronese diz em sua obra que, a infância

tornou-se obscura e isenta de qualquer relevância do âmbito em que está

inserida.

Havia uma negação à idéia de que assim como cada adulto possuía

peculiaridades que o distinguiam dos demais, a criança e o adolescente também

as continham. 88

Era a ausência do chamado “sentimento da infância” 89, denominado

por Ariès, que assim o descreve:

O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição

pelas crianças: corresponde à consciência da

particularidade infantil, essa particularidade que distingue

essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem.

Uma conseqüência um tanto lógica da cultura teocêntrica, já que

renunciava a individualidade em nome da vontade divina. 90

84 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 12. 85 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 13. 86 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 13. 87 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 13. 88 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 13. 89 ARIES, Philippe. Historia social da criança e da família, 1981, P.156.

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Entretanto, o próprio sistema de produção aliado aos preceitos

religiosos impostos pela Igreja Católica, encarregava-se de estabelecer o modo

de vida dos indivíduos. 91

Ora determinando regras de comportamento dentro dos padrões

cristãos, ora condenando aqueles que não os seguiam, aos males do pecado. 92

Assim, descreve Horowitz93 que, os filhos dos senhores feudais

após uma rígida educação católica eram levados ao sacramento do matrimônio,

especialmente as meninas, vendidas por seus pais em troca de dotes ou lotes de

terra.

Em contraposição, ainda o autor acima diz que, os descendentes de

servos acabavam dando continuidade aos serviços prestados por seus

progenitores ao senhor.

Os jovens que desrespeitavam os costumes eram recriminados

socialmente e tidos como infiéis cristãos, por isso, muitas idéias negativas a

respeito da juventude foram difundidas. 94

Em síntese a tal pensamento esboça Pastoureau, remontando

textos da época:

Em geral, a juventude e mostrada aí como turbulenta,

ruidosa, perigosa. Faz desordem não respeita nada,

transgride a ordem social e a ordem moral. Os jovens

desprezam os valores estabelecidos e as pessoas idosas

consideradas ‘caquéticas’. São insolentes e briguentos,

crêem saber tudo, vivem na luxúria e no pecado. É preciso

dar-lhes lições, cortar seu orgulho, orientar seus corpos

90 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 13. 91 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 13. 92 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 13. 93 HOROWITZ, Elliott. Os diversos mundos da juventude judaica na Europa. P. 102/103 e 115/116. 94 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 14.

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para exercícios úteis, ensinar-lhes a desprezar a vida e,

sobretudo casá-los jovens para evitar a fornicação e o

adultério. 95

No entanto, tal austeridade moral revelava-se impotente perante as

regras familiares, pois, os adultos discutiam livremente suas vidas particulares na

frente de crianças e pré-adolescentes com a maior naturalidade. 96

Além disso, Veronese ainda destaca que, as liberdades domésticas

no relacionamento criança – empregado não possuíam o menor controle.

E era comum as crianças dormirem junto a empregados, escutarem

conversas privadas, presenciarem relações íntimas, quando não envolvidas em

tais atos, etc.

Contudo, nada disso era observado como fator negativo para a

formação moral infantil, eram apenas situações rotineiras indiferentes aos

interesses do universo adulto. Afirma Ariès que isso decorria de duas razões:

Primeiro porque se acreditava que a criança impúbere fosse

alheia e indiferente à sexualidade. Portanto, os gestos e as

alusões não tinham conseqüência sobre a criança,

tornavam-se gratuitos e perdiam sua especificidade sexual

– neutralizavam –se. Segundo porque ainda não existia o

sentimento de que as referências aos assuntos sexuais,

mesmo que despojados na prática de segundas intenções

inequívocas, pudessem macular a inocência infantil - de fato

ou segundo a opinião que se tinha dessa inocência. 97

95 PASTOUREAU, Michel. Os emblemas da juventude: atributos e representações dos jovens na imagem medieval. P. 259. 96 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 15. 97 ARIES, Philippe. Historia social da criança e da família, 1981, P.275.

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Obviamente toda essa visão decorre da forte vinculação existente

neste período, entre a idéia de anjo – ser espiritual que serve de mensageiro

entre Deus e os homens 98 - e infância.

Somente no instante em que a criança passava a ter condições de

“se virar” sozinha, sem o auxílio constante de familiares e terceiros, e que

ingressava na fase adulta e não mais saía. 99

O interessante e que mesmo passando para esta etapa, ela não

adquiria uma individualidade, ao contrário, ingressava na obscuridade do universo

coletivo. Relata Ariès com minudência:

Na Idade Média, no início dos tempos modernos, e por

muito tempo ainda nas classes populares, as crianças

misturavam-se com os adultos assim que eram

consideradas capazes de dispensar a ajuda das mães ou

das amas, poucos anos depois de um desmame tardio – ou

seja, aproximadamente aos sete anos de idade. A partir

desse momento, ingressavam imediatamente na grande

comunidade dos homens participando com os amigos

jovens ou velhos dos trabalhos e dos jogos de todos os

dias. O movimento da vida coletiva arrastava numa mesma

torrente as idades e as condições sociais, sem deixar a

ninguém o tempo da solidão e da intimidade. Nessas

existências densas e coletivas, não havia lugar para um

setor privado. 100

Com o advento da Idade Moderna (1453, séc. XV – 1789, séc. XVIII)

pela decadência do feudalismo e, introdução do sistema mercantilista como novo

modo de produção, o “sentimento da infância” ampliou.101

98 FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Minidicionário da língua portuguesa, 1977, P.29. 99 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 16. 100 ARIES, Philippe. Historia social da criança e da família, 1981, P.275. 101 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 16.

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Passando a ser objeto tanto de interesses psicológicos como

morais, não só dos chamados eclesiásticos ou dos homens da lei, seus

incentivadores, como da própria família. 102

Segundo Ariès isso significava que “não apenas o futuro da criança,

mas também sua simples presença e existência eram dignas de preocupação – a

criança havia assumido um lugar central dentro da família.

O filho primogênito, que durante um longo tempo carregou todas as

responsabilidades pela perpetuação da família em detrimento da ocultação dos

demais, deixou de ser o centro das atenções. 103

Paralelamente, Veronese em sua obra destaca que, a situação das

filhas primogênitas que nasciam predestinadas à vida de solteira nos conventos,

enquanto as caçulas eram reservadas ao casamento.

Conclui assim Ariès:

Os pais não se contentavam mais em pôr os filhos no

mundo, em estabelecer apenas alguns deles,

desinteressando-se dos outros. A moral da época lhes

impunha proporcionar a todos os filhos e não apenas ao

mais velho – e, no fim do séc. XVII, até mesmo às meninas

– uma preparação para a vida. 104

Ago afirma que a “instituição da primogenitura” 105 foi uma

conseqüência da problemática da constituição do dote e aumento do patrimônio

familiar.

102 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 16. 103 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 17. 104 ARIES, Philippe. Historia social da criança e da família, 1981, P.277. 105 AGO, Renata. Jovens nobres na era do absolutismo: autoritarismo paterno e liberdade. P. 326.

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Enquanto o filho primogênito é – salvo exceções – o

herdeiro do nome e do título, encontrando-se assim em

situação privilegiada para casar e ter filhos, são quase

sempre as filhas mais velhas que seguem para os

mosteiros, deixando às irmãs caçulas o prazer ou o dever

de arranjar marido. Tudo isso parece de novo ligado

estreitamente ao problema da constituição do dote: na

prática destinar ao matrimônio uma caçula em vez de uma

primogênita significava ter mais tempo para reunir a cifra

considerável exigida. E ainda: programar as núpcias de uma

filha mais ou menos em concomitância com a do herdeiro

permitia contar também com o dote da mulher dele, e vista

diferença na idade matrimonial entre homens e mulheres, a

moça só podia ser uma irmã mais jovem. 106

Verenose ensina que, a disciplina e a educação ascenderam

socialmente recebendo incentivos tanto por parte da família, que de organização

privada assumiu o papel de protagonista moral e espiritual.

Como também, dos educadores que se conscientizaram da sua

influência no comportamento dos alunos, pela introdução do regime de disciplina

e vigilância, difundindo o respeito rígido aos ditames sociais.

Cada vez mais a educação tornava-se indispensável à vida

moderna, impulsionando o combate às idéias absolutistas impostas pelo regime

monárquico. 107

Ainda na idéia do autor, a cultura, a filosofia de um modo geral

conquistavam espaços na sociedade antropocentrista, que nomeava a razão um

guia da sabedoria.

106 AGO, Renata. Jovens nobres na era do absolutismo: autoritarismo paterno e liberdade. P. 327. 107 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 18.

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A prova disso foi a ocorrência de inúmeros movimentos sociais,

como por exemplo, o Renascimento, a Reforma Protestante entre outros. 108

Portanto, é na educação que os modernistas irão fortalecer a sua

participação social e derrubar o poder ditador imposto, sobretudo, construir um

novo cidadão a partir do processo educacional infantil. 109

Marshal sintetiza esta realidade:

A educação das crianças está diretamente relacionada com

a cidadania, e, quando o Estado garante que todas as

crianças serão educadas, este tem em mente, sem sombra

de dúvidas, as exigências e a natureza da cidadania. Está

tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em

formação. O direito à é um direito social de cidadania

genuíno porque o objetivo da educação durante a infância e

moldar o adulto em perspectiva.

Paralelamente, como cita Veronese atuava o fator etário,

incentivando o aprimoramento da formação pedagógica e didática, pois, à vista

dos costumes da época a idade parecia não ter importância, uma vez que não era

critério para divisão de turmas.

Venosa completa esta idéia dizendo:

A célula básica da família, formada por pais e filhos, não se alterou muito com a sociedade urbana. A família atual, contudo, difere das formas antigas no que concerne a sua finalidade, composição e papel de pais e mães. Atualmente, a escola e outras instituições de educação, esportes e recreação preenchem atividades dos filhos que originariamente eram de responsabilidade dos pais. Os ofícios não são mais transmitidos de pai para filho dentro dos lares e das corporações de ofício. A educação cabe ao

108 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 18. 109 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 18.

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Estado ou a instituições privadas por ele supervisionadas. A religião não mais é ministrada em casa e a multiplicidade de seitas e credos cristãos, desvinculados da fé originais, por vezes oportunistas, não mais permite uma definição homogênea. Também as funções de assistência a crianças, adolescentes, necessitados e idosos têm sido assumidas pelo Estado110.

A Constituição Federal Brasileira trata da família como sendo a base

de uma sociedade, em que é dever do Estado a sua proteção111.

110 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família, p.20. 111 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

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Representam deveres da família, a segurança ao direito à vida, à

saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de

colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão; exercida em acordo com a sociedade e o Estado.

Como cita Veronese poder – se – ia afirmar que, na Idade

Contemporânea (1789, séc. XVIII – até os dias atuais) implantando o sistema

capitalista, o ensino educacional obteve maior destaque.

Afinal, a livre concorrência requeria habilidades econômicas

significativas por parte daqueles que desejavam obter lucros.

A organização e divisão dos meios de produção, geraram para

crianças e adolescentes novas funções, entre elas fontes de exploração e

consumo. 112

Exploradas, representava a habilidade no processo de

aprendizagem do manuseio de maquinários; as mãos pequenas, facilitavam o

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 112 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 19.

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alcance em determinados espaços estreitos das máquinas, onde a mão adulta

não alcançava. 113

Além disso, Veronese destaca que os salários ínfimos recebidos

convertiam-se em lucros a mais para os patrões, que pagavam por igual ou maior

carga horária de trabalho, um valor bem menor do que do restante dos

empregados adultos.

Já na questão inerente ao desenvolvimento social da criança e do

adolescente deve ser pormenorizada, observando a educação por ele adquirida

no seio familiar, e seus reflexos na sociedade em que se insere.

Nas primeiras fases de vida que a criança recebe lições que surtirão

reflexos durante todo o seu crescimento.

A figura materna é vista como fonte de amor, carinho e dedicação,

diante da demonstração afetiva e de dependência que a criança tem com a mãe.

Deve-se atentar também, à questão do desenvolvimento psíquico do

infante, adquirido no decorrer das fases de sua evolução.

A este respeito, declaram Croce e Croce Junior:

Com efeito, a criança, por desenvolvimento incompleto do neocórtex, substractum orgânico das funções psíquicas, tem comportamento diverso dos adultos, pois só com a natural evolução etária e as constantes experiências que o meio ambiente lhe impõe é que desenvolve a censura à mentira e à fabulação, em gradações variáveis da consciência, e os sentimentos da responsabilidade e da moralidade. Então, tem a criança uma vida psíquica própria nada assemelhada com a vida psíquica do adulto. Admite existência real tão-somente para aquilo que lhe interessa; assim, apenas o que é sentido pela criança é

113 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 19.

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verdadeiramente aceito e integrado na personalidade. Além disso, tem a criança a capacidade de fundir a realidade com a fantasia, animando o inanimado que adquire vida e passa a integrar a sua verdade. Para conhecer melhor o mundo em que vive e a si própria – o que ocorre segundo formas e configurações que se multiplicam e se substituem até o infinito -, a criança imita os adultos e se identifica com eles. Desse modo, aprendem a mendácia com os adultus, pois estes mentem para a criança cotidianamente. E deste então entregam-se com freqüência à mentira, apenas por mentir, ou por solidariedade, vaidade, vingança etc114.

Neste processo, o ente familiar retrata a força e o trabalho. Os

genitores devem transmitir aos filhos a sensação de companheirismo e

cumplicidade, enquanto bases sólidas de uma união conjugal.

À medida que atinge a adolescência, o indivíduo passa a ter uma

noção mais exata de sua existência.

É a partir de então, que ele começa a despertar para um mundo

mais claro, reconhecendo a interdependência entre sua família e a sociedade.

Rosa, a este respeito, destacou:

A nova concepção de família se fundamenta no desejo. No interesse de estar junto, de se unir afetivamente, para além da conformação social do casamento. Neste contexto, impera o desejo de estar junto, compartilhar a vida, os momentos, enfim, da eterna luta de ser feliz, rejeitando-se os modelos Estatais de controle discriminatório (...). Mesmo nesta concepção plural de família, para efeito da estrutura psíquica do sujeito, é necessário que as funções paternas e maternas sejam exercidas. Não mais com os rigorismos do pai e mãe casados, até porque se sabe que o fato de serem casados não implica no exercício das respectivas funções, sempre, ademais, conflituosa. Por isto insistir na crise da família é uma contradição em termos. A família é sinônimo

114 CROCE, Delton; CROCE JR., Delton. Manual de Medicina Legal, p. 660.

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de crise. Se não houver crise no sentido de culpa, angústia, alguma coisa falha e o normal, no sentido que se quiser, acaba se instalando. Então, o seu mancar, falhar é importante (...). Quando ausentes os limites simbólicos e o autarquismo prepondera, a imagem do pai ideal se desfaz, não no sentido que se deseja da autonomia, mas da foraclusão da lei, com as conseqüências decorrentes da subjetividade do sujeito. A dinâmica familiar, diante das novas conformações perdeu, em grande parte, a intimidade115.

Os pais sempre serão referência para seus filhos. Qualquer atitude

boa por eles realizada será vista como exemplo a ser seguido pelos filhos.

Da mesma forma, atitudes contrárias aos parâmetros de

normalidade e afetividade, serão absorvidos de forma negativa pelos

infantes, influenciando diretamente na formação de seu caráter. Rosa

segue a sua tese neste sentido:

Rosa segue a sua tese neste sentido:

De qualquer forma, é preciso que a criança seja provida das funções maternas e paternas para que possa se desenvolver. A função paterna é de proteger a criança ao mesmo tempo que impõe os interditos sociais (respeito, educação, crimes). Neste contexto, uma violação social precisa ser explicada, eventualmente sancionada, para que não deixe a criança e o adolescente entregues ao silêncio do imaginário e sua culpabilidade. As sanções, quer vindas do ambiente escolar ou das Instituições, atendidas as normas jurídicas, se mostram como necessárias em caso de violação e a postura protetiva gera, em regra, efeitos nefastos, depois, na relação da criança e do adolescente com a lei jurídica e o entorno social116.

115ROSA,Alexandre Morais da.Dto infracional:garantismo,psicanálise e movimento antiterror, p.103.

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Na realidade brasileira, como menciona Veronese no contexto social

das crianças Portuguesas que compunham a elite brasileira, do estado de

inexistência onde se encontravam passaram para o centro das atenções.

Pois, com a vinda da família real para o Brasil houve uma

redefinição das normas de comportamento, costumes e valores, transformando a

família em uma instituição nuclear. 117

Pormenorizando este processo descreve Roure:

Com a intervenção da medicina na redefinição de hábitos,

costumes e valores da sociedade colonial brasileira, visando

a sua ‘reeuropeização’, também a figura da infância passa a

ser considerada como objeto de cuidado e desvelo. Ate

mesmo o aleitamento materno, que ate então era rejeitado

pela mãe, passa a ser propalado em nome de uma ordem

higiênica. A redefinição da infância enquanto momento de

preocupação, desvelo e educação marca o novo lugar da

criança e do adolescente no seio da família brasileira. Sua

educação que, até então, restringia-se ao ensino tradicional,

agora é realizada por preceptoras vindas da Europa, cujos

objetivos deverão se voltar para o cultivo dos bons hábitos

encontrados na Europa, contrapondo-se aos hábitos da

família colonial brasileira. 118

Somente com a chegada dos imigrantes, entre eles italianos e

alemães, na tentativa de construírem, no Brasil, uma vida mais próspera e

favorável, dividindo o mercado de trabalho com os africanos recém libertos, é que

o processo de absorção da cultura e do comportamento europeu tornou-se uma

rotina. 119

117 RUORE, Glacy Q de. Vidas silenciadas: a violência com crianças e adolescentes na sociedade brasileira, 1996, P.67. 118 RUORE, Glacy Q de. Vidas silenciadas: a violência com crianças e adolescentes na sociedade brasileira, 1996, P.64.

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De forma que todas àquelas transformações ocorridas na Europa

em relação à criança e ao adolescente, tais como as descobertas do sentimento

da infância, o advento da disciplina e educação como parte da vida infanto –

juvenil, surtiram aqui também seus efeitos. 120

Veronese em sua obra enfatiza que a diferença é que a sociedade

brasileira estava marcada tanto pela variação etária, como pelo acentuado

desnível social.

Além disso, o autor lembra que a tendência da afirmação do sistema

capitalista no panorama mundial, garantindo o pleno desenvolvimento aos países

que por ele optasse, também propiciou uma série de mudanças, principalmente

no âmbito político econômico.

Ocorre que os maiores alvos desta situação degradante foram os

infanto – juvenis, que além de serem vítimas do poder autoritário do pai, que

ditava as regras e os padrões a serem seguidos estabelecendo seus limites

passaram a sofrer a intervenção do poder estatal. 121

A questão é que esta interferência, se por um lado obrigou o Estado

a reconhecer juridicamente como cidadãos, as crianças e os adolescentes,

prevendo legalmente alguns de seus direitos, desvendou por outro, o aspecto

explorador da máquina estatal. 122

Em contraposição à figura social do “marginal ou trombadinha”

(denominação constantemente adotada pelos meios de comunicação

sensacionalistas), está também a das vítimas infanto – juvenis da violência física,

psicológica e sexual dos adultos. 123

119 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 25. 120 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 25. 121 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 27. 122 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 27. 123 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 29.

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A violência surge, nesse caso, como justificativa para o exercício da

disciplina, mantenedora do equilíbrio das relações sociais e familiares. 124

No entanto, o que se constata são constante atos de extrema

autoridade e severidade, que auto afirmam a dominação do universo adulto sobre

o infanto – juvenil ou o exercício da obediência em função da garantia do poder,

como adverte Roure.

2.3 ASPECTOS DA MENORIDADE NO BRASIL

O Código Civil brasileiro125, em seu artigo 5º, caput, traz parâmetros

a serem seguidos no que tange à menoridade civil, e ao início da

responsabilização pela prática de atos nesta esfera jurídica126.

Uma vez completados os 18 anos de idade, é cessada a

menoridade civil, ficando a pessoa perfeitamente apta ao exercício dos atos da

vida civil.

O parâmetro etário utilizado pelo Código Civil de 2002 ostenta

profunda inovação legislativa, que surtirá efeitos, inclusive, na esfera penal.

O Código Civil de 1916, que foi revogado pelo novo diploma,

entendia ser a maioridade civil conquistada apenas aos 21 anos, portanto, três

anos a mais do que o patamar atual, fundado na necessidade de um tempo maior

124 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. P. 29. 125 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Institui o Código Civil. Publicado no Diário Oficial da União em 11 de janeiro de 2002. 126 Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II - pelo casamento; III - pelo exercício de emprego público efetivo; IV - pela colação de grau em curso de ensino superior; V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

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para aquisição da maturidade suficiente para a atribuição da responsabilização

civil.

A este respeito, Diniz ressalta que:

Da análise do (...) Código Civil surge a noção de capacidade, que é a maior ou menor extinção dos direitos de uma pessoa. De modo que a esta aptidão, oriunda da personalidade, para adquirir direitos e contrair obrigações na vida civil, dá-se o nome de capacidade de gozo ou de direito. A capacidade de direito não pode ser recusada ao indivíduo, sob pena de se negar sua qualidade de pessoa, despindo-o dos atributos da personalidade. Entretanto, tal capacidade pode sofrer restrições legais quanto ao seu exercício pela intercorrência de um fator genérico como o tempo (maioridade ou menoridade), de uma insuficiência somática (loucura, surdo-mudez). Aos que assim são tratados por lei, o direito denomina “incapazes”. Logo, a capacidade de fato ou de exercício é a aptidão de exercer por si os atos da vida civil dependendo, portanto, do discernimento que é critério, prudência, juízo, tino, inteligência, e, sob o prisma jurídico, a aptidão que tem a pessoa de distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial127.

Por outro lado, o Código Penal Brasileiro128 trata da questão da

maioridade sob o ponto de vista voltado para a responsabilização criminal, nos

casos de cometimento de condutas típicas.

O artigo 27 do referido diploma129 elucida a idéia de que os menores

de dezoito anos serão considerados inimputáveis, não cabendo a estes sujeitos, a

aplicação das normas constantes no Código Penal, mas sim, observadas as

causas de aplicação de penas de caráter sócio-educativo, constantes em

legislação especial.

127 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 104-105. 128 BRASIL.Decreto-Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940, alterado pela Lei n.º 9.777, de 26 de dezembro de 1998. 129 Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

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O Código Penal Brasileiro, neste contexto, traz o mesmo conteúdo

expresso no artigo 228 da Constituição Federal Brasileira130.

Denota-se assim, que o menor de 18 anos, vindo a cometer conduta

descrita como crime, terá a ele imputada uma medida diversa daquela imposta a

uma pessoa de idade superior.

A legislação especial, a que fazem referência tanto o texto

constitucional quanto a norma de Direito Penal exposta, pode ser representada

pelo ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

Criado em 1990, que é o instrumento normativo que tutela as

questões pertinentes aos menores de 18 anos.

Tratando-o como sujeitos processuais, na medida em que serão

protegidos, prevendo também, formas de responsabilização por seus atos, na

proporção de seu cabimento.

O que se entende comumente é a determinação de que o menor de

18 anos ainda não tem completa a sua formação de caráter.

Não sendo possível ainda, a ele, a determinação dos seus ideais e

objetivos, bem como o discernimento acerca da gravidade do cometimento de

condutas ditas indesejadas.

O ECA promove, de início, a diferenciação entre os sujeitos que são

objetos da matéria deste diploma legal.

130 Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

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Saraiva a este respeito afirma que, a inimputabilidade – causa de

exclusão da responsabilidade penal – não significa, absolutamente,

irresponsabilidade pessoal ou social.

O clamor social em relação ao jovem infrator – menor de 18 anos –

surge da equivocada sensação de que nada lhe acontece quando autor de

infração penal. 131

Seguramente a noção errônea de impunidade se tem revelado no

maior obstáculo à plena efetivação do ECA, principalmente diante da crescente

onda de violência, em níveis alarmantes.132

A criação de grupos de extermínio, como pseudodefesa da

sociedade, foi gerada no ventre nefasto daqueles que não percebem que é

exatamente na correta aplicação do ECA que está a salvaguarda da sociedade. 133

Desta forma, os menores de idade passam a ser vistos como

aqueles que gozam de idade inferior a dezoito anos, parâmetro estipulado ao

arbítrio do legislador brasileiro.

Os menores de dezoito anos poderão, ainda, ser vistos como

crianças ou adolescentes, dependendo da sua faixa etária.

O artigo 2º do ECA134 declara serem crianças as pessoas de até

doze anos de idade; e adolescentes aquelas que possuem idade entre doze anos

e dezoito anos.

131 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 22. 132 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 22. 133 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 22. 134 Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

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A imputabilidade penal também inicia aos dezoito anos, com a

ressalva da Alemanha e Dinamarca, onde o parâmetro é estendido dos dezoito

aos vinte e um anos, e de Portugal, onde a imputabilidade penal inicia aos

dezesseis e se estende até os vinte e um anos135.

É inegável ser cada vez maior o número de crianças e adolescentes

que cometem condutas típicas, enquadradas como crime, chamadas atos

infracionais

.

Saraiva destaca, que:

Todo o questionamento que é feito por estes setores parte

da superada doutrina que sustentava o velho Código de

Menores, que não reconhecia a criança e o adolescente

como sujeitos, mais como meros objetos do processo. Daí

crerem ser necessário reduzir a idade de imputabilidade

penal para responsabilizará – los. Engano ou

desconhecimento.

Veronese discorre que:

O Estatuto da Criança e do Adolescente não incorporou em seus dispositivos o sentido da acusação. Apesar de não ocultar a necessidade de responsabilização social do adolescente infrator, no entanto, esta não resulta em pena. Ser-lhe-á aplicada uma medida sócio-educativa – art. 112 -, que poderá ser a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços comunitários, a imposição da liberdade assistida, e a internação em estabelecimento educacional, a qual será sempre breve e de caráter excepcional – art. 227, parágrafo 3º, V da CF136.

135 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 90.

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A circunstância de o adolescente não responder por seus atos

delituosos perante a Corte Penal não o faz irresponsável. 137

No dizer de Saraiva:

Ao contrário do que sofismática e erroneamente se propala,

o sistema legal implantado pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente faz estes jovens, entre 12 e 18 anos, sujeitos

de direitos e de responsabilidades e, em caso de infração,

prevê medidas sócioeducativas, inclusive com privação de

liberdade, com natureza sancionatória e prevalente

conteúdo pedagógico.

É notório que toda esta impressão de impunidade atribuída ao

menor infrator é um conceito visivelmente difundido pela mídia como um todo,

observado o seu grau de abrangência.

No próximo capítulo será analisada a intervenção estatal, tendo as

medidas sócio educativas como remédios jurídicos.

136 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente, p. 100. 137 SARAIVA, João Batista. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 22.

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CAPÍTULO 3

INTERVENÇÃO ESTATAL: REMÉDIOS JURÍDICOS, EFICÁCIA E PRÁTICA FUNCIONAL

A história da legislação voltada à criança e ao adolescente é fruto de

um processo de constantes transformações, influenciadas pelas doutrinas do

mundo todo.

Nos dias que correm, no Brasil, a legislação juvenil funda-se nos

princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, que asseguram um

tratamento diferenciado para crianças e adolescentes em situação irregular,

voltada pela primazia no seu tratamento, resguardados seus direitos mais

elementares, cuja competência é atribuída à família, ao Estado e à sociedade em

geral.

3.1 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO E.C.A.

Crianças e adolescente são indivíduos que se encontram em estágio

de formação pessoal, tratados pela lei como inimputáveis, ou seja, a eles, no caso

de cometimento de infrações, não é atribuída pena nas mesmas proporções às

aplicadas aos criminosos no regime penal.

No entanto, esta afirmação não deve ser vista sob as lentes da

impunidade, uma vez que ocorre uma penalização específica, com o intuito de

promover a adequação do infante à realidade social.

Neste contexto, o Ministério Público exerce, ao lado do Juizado da

Infância e Juventude, função essencialmente voltada à proteção de crianças e

adolescentes.

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A atividade do Ministério Público é essencial à função jurisdicional

do Estado, sendo a ele atribuída a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme

descrito na própria Constituição Federal Brasileira138.

No que tange à proteção dos direitos da criança e do adolescente, é

atribuída ao Promotor de Justiça a competência para zelar pelo respeito aos

direitos e garantias legais assegurados aos infantes, atuando na defesa de seus

interesses.

Além disso, mais especificamente, nos casos de cometimento de ato

infracional por parte destes agentes, cabe ao curador da Infância e Juventude

zelar pela proporcionalidade na aplicação das medidas, na tentativa de promover

a ressocialização do infrator, observados os princípios norteadores do Direito

Juvenil no Brasil.

Uma vez presente a prática do ato infracional, o infrator deve ser

apresentado ao representante do Ministério Público, que neste caso, poderá

arquivar os autos, conceder a remissão ou representá-lo frente ao Juiz da infância

e Juventude, com o fim de aplicar uma medida sócio-educativa.

Realizada esta representação, esta surtirá os efeitos de um

processo, abrindo-se a oportunidade de defesa por parte do adolescente, através

de advogado por ele constituído, colimando com a aplicação de medida protetiva

ou sócio-educativa.

138 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. § 1º. São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. § 2º. Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas e de provas e títulos; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. § 3º. O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.

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Como completa Alves:

No processo destinado ao julgamento de adolescentes infratores o Ministério Público assume, necessariamente, a posição de parte. A ação tendente à imposição de medida ao adolescente é sempre pública, não se admitindo a acusação privada ou popular. Deve-se insistir em que o Ministério Público é parte, mas no processo de adolescentes, mais que em qualquer outro, o Promotor de Justiça deve velar pelo efetivo respeito às garantias legais asseguradas ao infrator. Afinal, é bastante íntima a relação do Ministério Público com as normas de proteção à criança e ao adolescente, que dispõem sobre direitos individuais indisponíveis (...)139.

Deve-se atentar para o fato de que a competência do Ministério

Público em sede de direitos da criança e do adolescente não é restrita aos casos

de cometimento de infrações. Ao revés, o próprio ECA elenca a partir do seu

artigo 200, a atribuição do membro de Ministério Público neste panorama140.

139 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. p. 57. 140 Art. 200. As funções do Ministério Público, previstas nesta Lei, serão exercidas nos termos da respectiva Lei Orgânica. Art. 201. Compete ao Ministério Público: I - conceder a remissão como forma de exclusão do processo; II - promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações atribuídas a adolescentes; III - promover e acompanhar as ações de alimentos e os procedimentos de suspensão e destituição do pátrio poder, nomeação e remoção de tutores, curadores e guardiães, bem como oficiar em todos os demais procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude; IV - promover, de ofício ou por solicitação dos interessados, a especialização e a inscrição de hipoteca legal e a prestação de contas dos tutores, curadores e quaisquer administradores de bens de crianças e adolescentes nas hipotecas do art. 98; V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal; VI - instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los: a) expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não-comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela polícia civil ou militar; b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta ou indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias; c) requisitar informações e documentos a particulares e instituições privadas; VII - instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à juventude;

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Diante disso, é evidente que o Ministério Público conserva profunda

identidade no exercício da defesa dos interesses de crianças e adolescentes,

conforme trazido pelo próprio dispositivo legal que versa sobre o tema: o ECA. É

através deste instrumento que o Ministério Público torna visível a realidade

protetiva incorporada pela lei, atuando de forma positiva na tentativa de manter

assegurados os direitos de crianças e adolescentes, bem como criando condições

propícias ao desenvolvimento dos infantes, de maneira ampla e efetiva.

Uma vez presente a ofensa direta ou indireta a estes direitos,

caberá, dependendo do caso concreto, a aplicação de algumas medidas,

VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; IX - impetrar mandado de segurança, de injunção e habeas corpus, em qualquer juízo, instância ou tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente; X - representar ao juízo visando à aplicação de penalidade por infrações cometidas contra as normas de proteção à infância e à juventude, sem prejuízo da promoção da responsabilidade civil e penal do infrator, quando cabível; XI - inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas; XII - requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços médicos, hospitalares, educacionais e de assistência social, públicos ou privados, para o desempenho de suas atribuições. § 1º. A legitimação do Ministério Público para as ações cíveis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo dispuserem a Constituição e esta Lei. § 2º. As atribuições constantes deste artigo não excluem outras, desde que compatíveis com a finalidade do Ministério Público. § 3º. O representante do Ministério Público, no exercício de suas funções, terá livre acesso a todo local onde se encontre criança ou adolescente. § 4º. O representante do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, nas hipóteses legais de sigilo. § 5º. Para o exercício da atribuição de que trata o inciso VIII deste artigo, poderá o representante do Ministério Público: a) reduzir a termo as declarações do reclamante, instaurando o competente procedimento, sob sua presidência; b) entender-se diretamente com a pessoa ou autoridade reclamada, em dia, local e horário previamente notificados ou acertados; c) efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública afetos à criança e ao adolescente, fixando prazo razoável para sua perfeita adequação. Art. 202. Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará obrigatoriamente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que cuida esta Lei, hipótese em que terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos e requerer diligências, usando os recursos cabíveis. Art. 203. A intimação do Ministério Público, em qualquer caso, será feita pessoalmente. Art. 204. A falta de intervenção do Ministério Público acarreta a nulidade do feito, que será declarada de ofício pelo juiz ou a requerimento de qualquer interessado. Art. 205. As manifestações processuais do representante do Ministério Público deverão ser fundamentadas.

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utilizadas com o fim específico de garantir ao infante, a permanência sadia em

ambiente propício ao seu desenvolvimento.

3.2 DAS MEDIDAS PROTETIVAS

O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura a aplicação de

medida de proteção aos infantes que estiverem em uma das situações descritas

no seu artigo 98, nos casos de violação ou ameaça de direitos, em razão da ação

ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou

responsável, ou ainda em razão de sua conduta.

Para Alves:

A norma do art. 98 do ECA tem importância transcendental. É ela que, por um lado estabelece os destinatários das medidas de proteção previstas pelo Estatuto, e, por outro lado, serve de critério para atribuição de competência ao juiz da infância e da juventude (art. 148, parágrafo único, do ECA). As hipóteses do art. 98 caracterizam a chamada situação de risco, que se configura quando os direitos de crianças e adolescentes forem ameaçados ou violados (...). Verificada qualquer das hipóteses do art. 98, cabe ao juiz determinar medidas de proteção, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo umas por outras (art. 99 do ECA), e serão acompanhadas da regularização do registro civil, se necessário (art. 102 do ECA)141.

Conforme determinação legal142, as necessidades pedagógicas do

menor serão observadas no instante da aplicação das medidas de proteção, com

o intuito de aproximá-lo da realidade social em que se insere.

141 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. p. 39. 142 Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

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O artigo 101 do ECA143 elenca as medidas de proteção que poderão

ser aplicadas em benefício do menor, a saber: encaminhamento aos pais ou

responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e

acompanhamento temporários; matrícula e freqüência obrigatórias em

estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário

ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de

tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou

ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e

tratamento a alcoólatras e toxicômanos; abrigo em entidade; colocação em família

substituta.

Vale destacar que o rol trazido pelo art. 101 do ECA não é taxativo,

sendo possível a aplicação de outras medidas, desde que atendam os mesmos

objetivos propostos.

O encaminhamento aos pais ou responsável recebe prioridade

dentre estes, tendo em vista que mantém o infante no seio de sua família,

afastando-o apenas das causas dos problemas por ele atravessados.

Implícito à esta medida, está a orientação, apoio e

acompanhamento temporário, que pode se dar por tempo necessário para a

adequação do menor à sua realidade familiar.

143 Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII - colocação em família substituta. Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.

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Pode-se aplicar também a obrigatoriedade de matrícula e freqüência

em estabelecimento oficial de ensino fundamental, na tentativa de impedir o

analfabetismo, proporcionando uma alternativa de futuro ao menor, distante da

marginalidade, ou ainda pode haver a inclusão em programa comunitário ou

oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento

médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a

alcoólatras e toxicômanos, conforme for o caso concreto.

Elias entende que “O abrigo em entidade é medida que somente

deve ser aplicada quando não for possível o retorno do menor à sua família ou,

então, ser colocado em uma família substituta” 144.

A colocação em família substituta deverá ser aplicada nos casos em

que, por qualquer motivo, não for conveniente que o menor viva no seio de sua

família, com o fim de assegurar seu desenvolvimento em outra família,

preservando a função e a importância que esta instituição representa no

desenvolvimento dos indivíduos.

3.3 DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS: PRINCÍPIOS ORIENT ADORES

O ECA passa a elencar a partir do seu artigo 98 uma série de

medidas que devem ser utilizadas nos casos de violação dos direitos de crianças

e adolescentes. No momento da apuração do ato infracional, o adolescente é

conduzido pela autoridade policial ou pelos seus responsáveis até o Fórum de

Justiça, onde será apresentado, em audiência, para o Juiz da Infância e

Juventude, e ao Promotor de Justiça.

Para Saraiva:

Desde o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente vige o princípio da legalidade ou da anterioridade penal.

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Aliás, desde o advento da Constituição Federal, que não recepcionou o Código de menores de 1979. Ou seja, somente haverá medida socioeducativa se ao adolescente estiver sendo atribuída a prática de uma conduta típica. Ainda assim, para sofrer a ação estatal visando a sua socioeducação haverá de esta conduta ser reprovável, ser passível desta resposta socioeducativa que o Estado sancionador pretende lhe impor, na medida em que o Ministério Público, na Representação que oferece, deduz a pretensão sócio-educativa do estado em face do adolescente ao qual atribui a prática de ato infracional. A conduta, pois, além de típica, há de ser antijurídica, ou seja, que não tenha sido praticada sob o pálio de quaisquer das justificadoras legais, as causas excludentes da ilicitude (...)145.

Isto posto, a partir do artigo 98, o ECA poderia ser dividido em duas

vertentes de aplicação: medidas de proteção e as medidas sócio-educativas. As

primeiras, em geral, estão elencadas no art. 101 do referido diploma, e se

destinam, basicamente, às crianças e adolescentes, cujos direitos reconhecidos

pela lei forem ameaçados ou de alguma forma violados.

Além disso, se uma criança, um infante menor de 12 anos, portanto,

vir a praticar uma infração, a lei lhe reserva a aplicação de uma medida protetiva

também.

Por outro lado, as medidas sócio-educativas, previstas no art. 112,

do ECA, devem ser aplicadas somente aos adolescentes que tenham praticado

ato infracional, sendo assim utilizada como forma de responsabilização deste.

Visando o respeito ao princípio da proteção integral, já citado

anteriormente, o ECA assegura a aplicação de uma medida sócio-educativa

capaz de interferir no desenvolvimento do infante, proporcionando-lhe segurança

144 ELIAS, Roberto João. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente, p. 108. 145 SARAIVA, João Batista Saraiva. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral, p. 77.

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para a formação de seu caráter, sem deixar de penalizá-lo diante de sua conduta

socialmente repudiada.

O objetivo principal desta medida é proporcionar ao menor uma

aceitação dos padrões sociais a que ele se submete, com uma visão mais clara

da realidade social e das formas de buscar sua integração a este contexto.

A aplicação de medidas sócio-educativas deve obedecer todo um

aparato funcional, que culmina na efetivação da utilização destes instrumentos

reformadores de conduta.

O ideal é que a medida seja aplicada obedecendo o Princípio da

Imediatalidade, ou seja, uma vez praticado o ato infracional, deve-se buscar o

enquadramento em uma das medidas propostas pelo ECA, garantindo assim, a

pronta reeducação e reenquadramento social dos envolvidos.

É dever do Estado proporcionar políticas públicas de

desenvolvimento, em todas as áreas sociais, garantindo uma melhor formação

para os jovens de nosso país.

Tal afirmação não objetiva a crítica às propostas governamentais,

tampouco, sua depreciação. Ao revés, o que se busca neste estudo é a

viabilização de medidas intimamente ligadas ao contexto social existente, numa

tentativa de proporcionar melhores condições ao desenvolvimento juvenil.

O artigo 111 do ECA146 garante a aplicação de medidas sócio-

educativas somente após o exercício do direito de defesa do menor, devidamente

146 Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias: I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; III - defesa técnica por advogado; IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

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representado, dando-se prioridade para medidas que viabilizem sua adequação

social e familiar.

Ensina Alves que:

O ECA se apóia num modelo que, por um lado, introduz o caráter garantista do processo e reconhece garantias de julgamento inerentes ao processo penal e outras próprias das pessoas em desenvolvimento; por outro, atribui ao infrator uma responsabilidade em relação a seus atos. A intervenção sobre os adolescentes pode tomar por base uma grande diversidade de respostas, que devem ser adequadas à gravidade do fato e, em especial, à personalidade e à reeducação do infrator. O ECA procura especialmente estabelecer um sistema de preservação da educação, sem abandonar as exigências de defesa social. Impõe-se a punição pelo fato praticado, mas as medidas se destinam essencialmente a impedir que o adolescente volte a delinqüir. As medidas têm, por isso, um caráter mais subjetivo que objetivo, mais educativo que repressivo (...)147.

A doutrina brasileira caminha no sentido de promover a proteção ao

menor infrator, uma vez vislumbrado que este se encontra em processo de

formação de caráter. Visto isso, e diante ainda da inimputabilidade a ele atribuída,

ao menor, na hipótese de prática de ato infracional, será aplicada medida de

caráter sócio-educativo, dentre aquelas previstas no artigo 112 do ECA, e

disciplinadas pelos artigos seguintes148, cumulativamente ou não com as medidas

de proteção.

147 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. p. 89-90. 148 Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º. A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º. Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

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O ECA trata do conceito de menor de dezoito anos sob dois

aspectos distintos: até os doze anos, chamando-o de criança; e dos doze aos

dezoito anos onde passa a tratá-lo como adolescente.

Ressalta-se assim, que as medidas de proteção poderão ser

aplicadas apenas às crianças, enquanto que para os adolescentes, poderá ser

conferida uma das medidas sócio-educativas, bem como as de proteção, de

forma cumulativa.

Estas medidas conferem ao adolescente infrator uma certa punição

e retribuição frente à conduta praticada e socialmente repudiada.

Na aplicação das medidas deverá ser levada em conta pelo juiz a

capacidade de cumprimento do menor, dentro de padrões de proporcionalidade e

razoabilidade entre o fato praticado, e sua punição.

Implícito está o teor educativo atribuído a esta punição, muito mais

que repressivo, uma vez que o que se busca aqui é afastar da vida criminosa o

então menor infrator.

Faz-se assim, infrutífera a alegação comum nas rodas de discussão

que dão por certa a impunidade do adolescente que comete infrações, de

qualquer natureza e proporção.

O que ocorre, é a atribuição de tratamento diverso àquele dedicado

aos adultos, já que o objetivo, nesta fase do desenvolvimento pessoal, é conduzir

§ 3º. Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. Art. 113. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100. Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127. Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.

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o adolescente pelo caminho do bem, através da aplicação de medidas capazes

de proporcionar sua readequação social.

3.4 DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM ESPÉCIE

O artigo 112 do ECA elenca as medidas sócio-educativas que

poderão ser aplicadas aos adolescentes infratores, a saber: advertência;

obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade

assistida; inserção em regime de semi-liberdade; internação em estabelecimento

educacional; ou ainda qualquer uma daquelas previstas no art. 101, I a VI, ou

seja, encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de

responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e

freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao

adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em

regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de

auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

Vale destacar que algumas destas medidas só poderão ser

aplicadas mediante a comprovação da materialidade e autoria da infração

cometida, conforme disposição expressa do ECA149. O rol trazido pelo artigo 112

do ECA deve servir de base para a aplicação das medidas sócio-educativas ao

caso concreto, observados os princípios orientadores da prática judicial, como se

verá a seguir.

3.4.1 Advertência

Lima declara que:

149 Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127. Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.

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O termo “advertência” deriva do latim advertentiva e significa o mesmo que admoestação, observação, aviso, adversão, ato de advertir. De todos os significados que o termo assume na linguagem natural, o Estatuto da Criança e do Adolescente captou o de “admoestação”, “repreensão”, “censura”, acentuando a finalidade pedagógica (...). De modo geral, o “ato de advertir”, no sentido de “admoestar”, contém em sua estrutura semântica um componente sancionatório. Ainda quando externada informalmente, toda “advertência” representa, em última instância, um ato de autoridade e pressupõe que, numa dada relação social, alguém detém a faculdade de se impor a outrem (orientando, incutindo valores, induzindo comportamentos, etc.), mesmo contra a vontade daquele contra quem ou em relação a quem essa faculdade é exercida150.

A advertência é uma das mais antigas práticas repressivas

constantes em nosso ordenamento. Sua efetivação pressupõe a materialização

do poder social, fundada em ideais de supremacia, onde uma das partes

demonstra, através da advertência, a insatisfação frente à conduta da outra.

Resguarda-se assim, a função repressiva atribuída ao ato de

advertir. Diante do cometimento de ato infracional, a advertência assume a função

de informar o adolescente e seus responsáveis sobre a reprovabilidade de seus

atos, bem como dos riscos de sua perpetuação.

A advertência consiste numa medida a ser aplicada sempre que

presentes indícios de autoria e materialidade do ato infracional, observado o

disposto no artigo 115 do ECA151.

Tem o objetivo principal de alertar os pais sobre a conduta do

adolescente, sendo aplicada de forma oral, na presença do Juiz e do Promotor da

Infância e Juventude.

150 LIMA, Miguel Moacyr Alves et al. Estatuto da criança e do adolescente comentado, p. 385. 151 Art. 115. A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.

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Em alguns casos, representa um voto de confiança dado ao infante

pelas autoridades judiciais, informando-o da gravidade de sua conduta, mas

oportunizando sua reforma mediante a aplicação de medidas de proteção ou

simples compromisso de seus genitores.

Quanto à forma de aplicação desta medida, ensina Liberati:

Para a aplicação da medida sócio-educativa de advertência, o Estatuto determina a realização de uma audiência admonitória, onde deverão estar presentes o Juiz, o Ministério Público, o adolescente e seus pais ou responsável. Nesta audiência, envolta num procedimento ritualístico, será manifestada a coerção da medida, com evidente caráter intimidativo e de censura, devendo-se levar em conta, no entanto, que o adolescente advertido é titular do direito subjetivo à liberdade, ao respeito e à dignidade; e alguém que se apresenta na condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, não podendo ser exposto ou submetido a constrangimento ou vexame. Por ser singela, a medida sócio-educativa de advertência não é menos importante que as demais. A presença da autoridade, alertando o jovem para as conseqüências do ato indesejado que praticou, irá contribuir, sobremaneira, para sua educação152.

O ato de advertir torna-se efetivo quando consegue embutir na

consciência do adolescente, a reprovabilidade de seus atos, bem como as

conseqüências que poderão ser sofridas por ele, no caso de reiteração da

conduta.

A prática revela, no entanto, que em se tratando de infratores

reincidentes, não surtirá efeitos a advertência sofrida, sendo necessária a

utilização de outra medida sócio-educativa, dentre as anteriormente citadas.

152 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e ato infracional: medida sócio-educativa é pena?,p. 103.

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3.4.2 Reparação do dano

O art. 116 do ECA153 prevê a obrigação do adolescente em reparar

o dano causado à outrem, uma vez constatada a sua infração. Possui conteúdo

estritamente educativo, uma vez que estimula o desenvolvimento da

responsabilidade e do cuidado do infante com as coisas que não lhe pertencem.

Por uma questão de efetividade, é utilizada apenas nos casos em

que for comprovada a capacidade do adolescente em arcar com os danos

causados, sem prejuízo de sua subsistência, diante da situação social de pobreza

comprovada, vez que será aplicada uma medida substitutiva.

Sobre este tema, assim dispõe Alves:

A obrigação de reparar o dano (art. 112, II, do ECA) se aplica aos delitos que tenham causado prejuízo patrimonial. Pode consistir na devolução de uma coisa ou em qualquer outra forma de reparação do prejuízo à vítima (art. 116, do ECA). A reparação não será aplicada quando resulte ser impossível para o adolescente. A reparação do dano prevista no ECA é bastante tímida, já que não contém qualquer perspectiva de conciliação entre autor e vítima. Por outro lado, a reparação não deveria ser tratada como medida independente, mas como uma condição para a concessão de benefícios154.

O objetivo da medida de reparação deve ser vislumbrada não

apenas sob a ótica do terceiro lesado, mas sim como alternativa para o

aprendizado do infante e sua conscientização frente aos direitos alheios. Vale

destacar que o Código Civil Brasileiro155 é o instrumento legislativo que trata da

153 Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima. Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada. 154 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. p. 92. 155 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Publicado no Diário Oficial da União em 11 de janeiro de 2002..

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responsabilidade civil, bem como das formas de indenização do dano, em seu

artigo 927 e seguintes156.

156 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram. Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I). Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz. Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior. Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

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Referido ordenamento impõe aos pais a responsabilidade em

reparar o dano causado por seus filhos menores, na tentativa de conciliar os

interesses do menor para com a vítima dos atos infracionais por ele causados.

No entanto, o ECA traz a medida de reparação como uma forma de

aprendizado ao infante em situação irregular, proporcionando que a vítima venha

a adquirir a reparação pelos prejuízos causados, sem valer-se das prerrogativas

do Código Civil Brasileiro.

O que se busca aqui é a proteção do adolescente infrator, já que o

acordo entre as partes será homologado perante o Juizado da Infância e

Juventude, sob segredo de justiça, mantendo intacta a reputação do infante, e

evitando sua exposição desnecessária.

Não se pode omitir, por fim, que a medida de reparação de danos

tem pouca aplicabilidade na prática jurídica, uma vez que acaba por gerar um

ônus maior para os genitores do infante, já que a indenização recairá sob seu

patrimônio, uma vez que são raros os casos em que adolescente têm bens em

seu nome.

No entanto, é uma opção para aqueles que gozam de boa qualidade

de vida, adolescentes de classe média alta, por exemplo, principalmente porque

preservam a identidade do infante, não o expondo as atividades contrárias ao

interesse pedagógico da medida.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932. Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.

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3.4.3 Prestação de serviços à comunidade

A medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade

está prevista no artigo 112, III, do ECA e disciplinada pelo artigo 117 do mesmo

dispositivo legal157.

Em suma, consiste na atribuição do menor infrator em realizar

serviços, de forma gratuita, em hospitais, creches, escolas e entidades

assistenciais.

Tal medida constitui uma das mais eficazes em seus objetivos

pedagógicos, proporcionando ao menor a reparação pelos danos por ele

causados na sociedade.

Será utilizada aqui, a força de trabalho do próprio infante, de modo

que ele sinta na pele os efeitos de sua conduta repudiada.

O ECA, dotado do princípio da proteção integral, estipulou o prazo

máximo de seis meses para o cumprimento da medida, prazo este que poderá ser

renovado, no caso de cometimento de nova infração.

De igual modo, deve a medida ser cumprida nos locais citados pelo

artigo 117 do ECA, evitando-se assim, que o menor freqüente lugares impróprios,

expondo-se ao risco.

Devem-se observar, ainda, as aptidões físicas e morais de cada

adolescente, no que tange à escolha da entidade a que este será encaminhado.

157 Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho.

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A respeito do cumprimento da medida, ensina Elias que “Além de

serem observadas as aptidões físicas de cada adolescente, a referida prestação

de serviço, obrigatoriamente, deve restringir-se a oito horas semanais.

Por outro lado, deve-se escolher horários que não prejudiquem a

freqüência à escola e, se por acaso ele trabalhar, sua jornada normal de

trabalho158.”

A proteção tida como base do direito juvenil no Brasil deve também

ser observada na aplicação de medidas sócio-educativas aos adolescentes

infratores.

Neste sentido, a escola exerce papel importante na formação do

menor, e sua efetividade não deve ser prejudicada.

Ao revés, a medida aqui explicitada deve ser utilizada em

concomitância com as atividades escolares do adolescente, fortalecendo seus

laços pedagógicos e a garantia constitucional que assegura à todos o direito à

educação de qualidade.

3.4.4 Liberdade assistida

A medida sócio-educativa de liberdade assistida surge no

ordenamento como uma opção mais branda de aplicação ao menor infrator,

quando comparada com casos extremos de internação.

Através da liberdade assistida, a autoridade proporciona ao infante a

possibilidade de cumprimento junto à sua família, em pleno gozo de sua

liberdade, mas sob o controle da sociedade e do Juizado de Menores. Vem

disciplinada pelos artigos 118 e 119 do ECA159, vindo a ser adotada nos casos em

158 ELIAS, Roberto João. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente, p. 126. 159 Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. § 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.

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que representar-se como a mais adequada ao caso concreto, com o objetivo de

acompanhar, auxiliar e controlar o menor em situação irregular.

Quanto a efetividade da medida em tela, ensina Elias:

Normalmente se aplica a liberdade assistida a menores reincidentes em infrações mais leves, como pequenos furtos, agressões leves ou porte de entorpecentes para uso próprio. Por vezes, aplica-se àqueles que cometeram infrações mais graves, onde, porém, efetuado o estudo social, verifica-se que é melhor deixa-los com sua família, para sua reintegração à sociedade. Outras vezes, aplica-se àqueles que, anteriormente, estavam colocados em regime de semiliberdade ou de internação, quando se verifica que os mesmos já se recuperaram em parte e não representam um perigo à sociedade160.

A função da liberdade assistida é a de promover a integração social

do adolescente e de sua família, fazendo uso de programas de apoio em caráter

municipal. Vale destacar aqui, a importância do comprometimento público com a

questão de readequação do menor infrator e sua família. Sendo assim,

investimentos nas áreas de educação e emprego são importantíssimos na busca

pela efetividade da medida.

O parágrafo 2º do artigo 118 do ECA fixa o prazo mínimo de seis

meses para o cumprimento da medida sócio-educativa em apreço. Entretanto,

traça a possibilidade de extensão deste prazo, através de prorrogação ou

§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor. Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros: I - promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; II - supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula; III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho; IV - apresentar relatório do caso. 160 ELIAS, Roberto João. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente, p. 127.

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renovação desta, bem como a substituição por outra medida, uma vez ouvidos o

orientador, o defensor e o Ministério Público.

A medida sócio-educativa de liberdade assistida não deve

representar um meio de vigiar o menor fora dos centros de internação,

escusando-se assim de maiores gastos e responsabilidades com sua conduta.

Ao revés, o simples fato de vigiar não surtiria os efeitos devidos se

não viesse acompanhada da obrigação do Estado em garantir ao menor

assistência, orientação social e pedagógica, bem como encaminhamento ao

trabalho e à instituições profissionalizantes.

Ademais, deve haver a designação de um orientador que

acompanhará o menor e sua família, zelando pela eficácia da medida.

A família exerce papel importante na formação dos jovens, e sua função é ainda

mais salutar nos casos de reeducação ante a prática de ato infracional.

O acompanhamento simultâneo dos adolescentes e de seus

familiares, realizado pelo orientador e pelo Juizado de Menores, traduz a

necessidade de harmonia familiar no sentido de buscar as mudanças viáveis à

recuperação do infante, dando-lhe apoio e estímulo.

O tratamento em meio aberto, proporcionado por esta medida, é o

ponto crucial no atendimento ao adolescente infrator. No entanto, uma vez

vislumbrado que a medida não surtiu os efeitos esperados, poderá ser aplicada a

semiliberdade ou a internação, observado o caso concreto, e a vulnerabilidade de

sua função.

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3.4.5. Semiliberdade

O regime de semiliberdade está previsto no artigo 112, V, do ECA, e

vem delineado, em seguida, no artigo 120 do mesmo diploma legal161. Tal medida

pode ser aplicada imediatamente após a prática do ato infracional, bem como

numa segunda fase, atuando como transição para o semi-aberto, quando

comparada à internação.

No entanto, em ambos os casos, a medida sócio-educativa de

semiliberdade deve vir acompanhada de encaminhamento para instituição de

ensino e profissionalização, conforme disposição do próprio Estatuto, que ainda

não traz nenhuma estipulação de prazo para seu cumprimento.

A este respeito, esclarece Elias:

A medida pode ser aplicada desde o início, quando pelo estudo técnico, se verificar que é adequada e suficiente do ponto de vista pedagógico. Pode ser, ademais, aplicada como forma de transição para o meio aberto, isto no caso do adolescente que sofreu medida de internação. Se este deixou de representar um perigo à sociedade, deve passar para um regime mais ameno, em que possa visitar os familiares e freqüentar escolas externas ou trabalhar. Embora o menor tenha cometido uma infração grave, se não for considerado perigoso, basta a semiliberdade para a sua reintegração à família e à sociedade, que é o objetivo final de todas as medidas que se aplicam aos adolescentes. Na verdade, a proteção integral que lhes deve ser dada, sempre que possível, o será na família, biológica ou substituta. A possibilidade de atividades externas é inerente a esta espécie de medida e não depende de autorização judicial. Dependerá, evidentemente, do responsável pelo estabelecimento em que estiver o menor, com base em

161 Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. § 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. § 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.

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estudo multiprofissional, que observará a sua conveniência162.

A natureza da medida implica numa privação da liberdade do

infante, sendo indispensável, portanto, a obediência ao princípio do devido

processo legal. Ademais, nos casos de remissão, é estritamente vedada a

aplicação da medida sócio-educativa de semiliberdade, tampouco a internação,

conforme previsto no artigo 127 do ECA163.

A medida sócio-educativa de semiliberdade deve ser vista como

uma alternativa frente à aplicação da medida de internação, podendo ser aplicada

nos casos mais brandos, ou ainda, como pré-requisito para aplicação daquela,

dita mais gravosa, no caso de não atingir sua eficácia funcional.

3.4.6. Internação

A medida sócio-educativa de internação é a mais grave de todas as

medidas tratadas pelo artigo 112 do ECA, e vem delineada a partir do seu artigo

121164.

162 ELIAS, Roberto João. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente, p. 131. 163 Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação. 164 Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. § 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. § 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. § 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. § 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida. § 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. § 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público. Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. § 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses. § 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.

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Nos dizeres de Ishida:

Constitui a medida de internação a mais grave dentre as socioeducativas, constituindo, a teor do caput, em medida privativa de liberdade. Difere do regime de semiliberdade, tendo em vista que, neste, dispensa-se autorização judicial para saída. O ECA, visando garantir os direitos do adolescente, contudo, condicionou-a a três princípios mestres: o da brevidade, no sentido de que a medida deve perdurar tão-somente para a necessidade de readaptação do adolescente; o da excepcionalidade, no sentido de que deve ser a última medida a ser aplicada pelo Juiz quando da ineficácia de outras; e o do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, visando manter condições gerais para o desenvolvimento do adolescente, por exemplo, garantindo seu ensino e profissionalização165.

Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas. Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; II - peticionar diretamente a qualquer autoridade; III - avistar-se reservadamente com seu defensor; IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; V - ser tratado com respeito e dignidade; VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; VII - receber visitas, ao menos, semanalmente; VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos; IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI - receber escolarização e profissionalização; XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer: XIII - ter acesso aos meios de comunicação social; XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje; XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade; XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade. § 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade. § 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente. Art. 125. É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança. 165 ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência, p.206.

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A privação da liberdade do adolescente infrator é a marca mais forte

da medida de internação, tornando-a, em tese, mais gravosa para o infante.

No entanto, este procedimento deve vir dotado de atenção especial,

sobretudo no que tange à moderação de sua aplicação, não sendo cabível o

esquecimento de sua função estritamente pedagógica.

O objetivo máximo desta medida é promover a reeducação do

adolescente, a partir do afastamento deste em relação à sua família e sociedade,

por um período de tempo que não poderá ser superior a três anos, com a

colocação em instituição previamente determinada e estruturada para recebê-lo,

mediante a realização de atividades pedagógicas.

O infante deverá passar por uma avaliação a cada seis meses, para

verificação da efetividade da medida.

A internação é vista como alternativa de aplicação para

adolescentes de conduta mais gravosa e perigosa, que merecem maior atenção e

acompanhamento para que assim sejam atendidos os objetivos de sua aplicação.

À ele devem ser atribuídas, sem menor relevância, cuidados de

proteção, educação, esporte, lazer e segurança. A aplicação desta medida está

sujeita à observância de princípios institucionais, sendo cabível nos casos

elencados no artigo 122 do ECA, ou seja, quando tratar-se de ato infracional

cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; por reiteração no

cometimento de outras infrações graves; ou descumprimento reiterado e

injustificável da medida anteriormente imposta.

Vale ressaltar que tal medida só será imposta se não houver outra,

mais branda, a ser aplicada ao caso.

O artigo 124 do ECA assegura os direitos do adolescente infrator,

tendo em vista que, embora sua conduta ilícita seja repudiada, à ele devem ser

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dirigidas toda e qualquer forma de proteção destinadas aos membros de um

Estado Democrático de Direito.

Em contrapartida, ao Estado é notória a obrigação de criar meios de

averiguação e proteção dos infantes internados, dando subsídios para as

instituições dotadas desta função.

O Ministério Público será ouvido em todas as fases de aplicação

desta medida, sendo também a ele assegurada a prerrogativa de desinternação.

Revela-se estritamente importante a observação acerca da entidade

de internação que receberá os menores infratores. O fato destes serem

inimputáveis torna mais clara a idéia de que deve-se primar por sua estadia em

ambiente diverso daquele destinado aos adultos, portanto, imputáveis, a fim de

que sejam evitados os contatos que arriscariam a função da medida de

internação.

O local deverá, também, ser distinto daquele destinado ao abrigo,

sobretudo diante da natureza corretiva desta medida, e da observância de que os

abrigos correspondem a locais destinados a crianças e adolescentes

abandonados, e não necessariamente infratores166.

O artigo 185 do ECA167 trata da questão pertinente à entidade que

receberá o infante infrator, que não deverá gozar de caráter prisional, haja vista o

intuito pedagógico da medida. Caso a Comarca não conte com instituição própria

para tais objetivos, o adolescente deverá ser transferido para localidade próxima,

a fim de garantir a efetividade da medida.

166 ELIAS, Roberto João. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente, p. 135-136. 167 Art. 185. A internação, decretada ou mantida pela autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional. § 1º Inexistindo na comarca entidade com as características definidas no art. 123, o adolescente deverá ser imediatamente transferido para a localidade mais próxima. § 2º Sendo impossível a pronta transferência, o adolescente aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo máximo de cinco dias, sob pena de responsabilidade.

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3.5 DA COMPETÊNCIA PARA A APLICAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO -

EDUCATIVA

O caput do artigo 112 do ECA reza que, uma vez verificada a prática

de ato infracional, a autoridade competente aplicará ao adolescente uma medida

sócio-educativa. Cabe ao operador do direito interpretar e atribuir a competência

para aplicação das medidas sócio-educativas supramencionadas.

O artigo 146 do ECA168 estabelece que a autoridade a que se refere

o texto do Estatuto é o Juiz da Infância e Juventude, sendo fixada sua

competência, em razão do local, no artigo seguinte169.

A competência para julgamento de questões pertinentes à criança e

ao adolescente é atribuída ao juiz de menores do domicílio dos pais ou

responsável, ou, na falta destes, no local em que se encontra a criança ou

adolescente infrator.

No entanto, no caso de cometimento de ato infracional, a

competência será fixada de acordo com autoridade do lugar da ação ou omissão.

Em caso de execução das medidas, porém, há a prerrogativa de

delegação desta função à autoridade competente da residência dos pais ou

responsável, ou ainda, do lugar em que estiver situada a entidade que abriga a

criança ou adolescente em tela.

168 Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local. 169 Art. 147. A competência será determinada: I - pelo domicílio dos pais ou responsável; II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável. § 1º. Nos casos de ato infracional, será competente a autoridade do lugar da ação ou omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção. § 2º A execução das medidas poderá ser delegada à autoridade competente da residência dos pais ou responsável, ou do local onde sediar-se a entidade que abrigar a criança ou adolescente. § 3º Em caso de infração cometida através de transmissão simultânea de rádio ou televisão, que atinja mais de uma comarca, será competente, para aplicação da penalidade, a autoridade judiciária do local da sede estadual da emissora ou rede, tendo a sentença eficácia para todas as transmissoras ou retransmissoras do respectivo estado.

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O artigo 148 do ECA170 traça a competência da Justiça da Infância e

Juventude em relação à matéria, dentre as quais destaca, no inciso I do referido

artigo, a competência para conhecer e aplicar as medidas cabíveis ao infante no

caso de cometimento de ato infracional.

Neste contexto, ao representante do Ministério Público cabe a

provocação da máquina jurisdicional, através de representação do adolescente

infrator. Nos termos do artigo 180 e seguintes do ECA171, uma vez procedida a

170 Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: I - conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis; II - conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção do processo; III - conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes; IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209; V - conhecer de ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento, aplicando as medidas cabíveis; VI - aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à criança ou adolescente; VII - conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis. Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de: a) conhecer de pedidos de guarda e tutela; b) conhecer de ações de destituição do pátrio poder, perda ou modificação da tutela ou guarda; c) suprir a capacidade ou o consentimento para o casamento; d) conhecer de pedidos baseados em discordância paterna ou materna, em relação ao exercício do pátrio poder; e) conceder a emancipação, nos termos da lei civil, quando faltarem os pais; f) designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente; g) conhecer de ações de alimentos; h) determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento e óbito. 171 Art. 180. Adotadas as providências a que alude o artigo anterior, o representante do Ministério Público poderá: I - promover o arquivamento dos autos; II - conceder a remissão; III - representar à autoridade judiciária para aplicação de medida sócio-educativa. Art. 181. Promovido o arquivamento dos autos ou concedida a remissão pelo representante do Ministério Público, mediante termo fundamentado, que conterá o resumo dos fatos, os autos serão conclusos à autoridade judiciária para homologação. § 1º Homologado o arquivamento ou a remissão, a autoridade judiciária determinará, conforme o caso, o cumprimento da medida. § 2º Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar. Art. 182. Se, por qualquer razão, o representante do Ministério Público não promover o arquivamento ou conceder a remissão, oferecerá representação à autoridade judiciária, propondo a instauração de procedimento para aplicação da medida sócio-educativa que se afigurar a mais adequada.

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oitiva do adolescente infrator, cabe ao Promotor de Justiça três opções distintas:

promover o arquivamento dos autos ou aplicar remissão, ambos de forma

motivada; ou ainda representar pela aplicação de medida sócio-educativa.

Uma vez atribuída a competência para aplicação da medida à

autoridade judiciária, por esta devem ser atendidos os objetivos do artigo 189 do

ECA172.

Desta forma, para justificar a aplicação da medida sócio-educativa, a

autoridade judiciária deve verificar a procedência do fato, bem como a

caracterização da conduta como sendo ato infracional, para a correta aplicação

da medida sócio-educativa, obedecidos aos princípios atinentes à sua função.

§ 1º A representação será oferecida por petição, que conterá o breve resumo dos fatos e a classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada pela autoridade judiciária. § 2º A representação independe de prova pré-constituída da autoria e materialidade. 172 Art. 189. A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na sentença: I - estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência do fato; III - não constituir o fato ato infracional; IV - não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional. Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, estando o adolescente internado, será imediatamente colocado em liberdade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo demonstrar que as medidas

sócio-educativas e sua eficácia na prevenção do menor infrator se tornar um

adulto delinqüente, desde que dentro das normas da lei, poderá sim mudar o

comportamento das crianças e dos adolescentes a fim de que estes não se

tornem um adulto delinqüente.

A escolha pelo tema ocorreu face a constatação da importância da

valoração das crianças e adolescentes junto à sociedade, bem como a

observância de como essas crianças e adolescentes podem se ressocializar

dentro da sociedade com os remédios jurídicos aplicados.

Para uma melhor compreensão do tema abordado a presente

monografia foi dividida em três capítulos.

Do primeiro capítulo, pôde-se verificar os pontos históricos da

legislação voltada à criança e ao adolescente e ao ato infracional, bem como foi

percebido os precedentes históricos acerca dos interesses juvenis durante a

evolução da Humanidade. Foram elencados também os direitos fundamentais de

forma a proporcionar o entendimento acerca de sua importância e conseqüência

de seu eventual esquecimento.

Do segundo capítulo, tratou-se da figura do menor e sua adequação

ao sistema jurídico – social. Como também foi levantado os principais aspectos da

menoridade no Brasil, com a abordagem dos instrumentos legislativos mais

importantes, como a Constituição Federal Brasileira, o Código Civil Brasileiro, o

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Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Foi frisada a educação

diante da influência exercida ao menor perante a sociedade.

No terceiro e último capítulo, discorreu acerca da intervenção

estatal; dos remédios jurídicos e sua eficácia e prática funcional de cometimento

de ato infracional pelo adolescente, observando os remédios jurídicos trazidos a

cada caso concreto. Sendo apresentado também, o papel do Ministério Público no

Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como os casos de aplicação de

medidas protetivas previstas por este diploma. Por fim, foi realizado suas medidas

sócio – educativas, vislumbrando-se os princípios orientadores de sua aplicação,

e a classificação destas quanto à espécie, em advertência, reparação de danos,

prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e

internação, demonstrando seu conceito, aplicação e a eficácia de cada uma

destas medidas na formação do menor.

Por fim, retomam-se as hipóteses levantadas na introdução.

A 1ª hipótese restou confirmada tendo em vista que a família é a base de tudo, da formação da criança e do adolescente, como citou o autor Coon no presente trabalho “Disciplina coerente dá à criança uma sensação de segurança e estabilidade. A incoerência faz o mundo da criança parecer inseguro e imprevisível.

Já Rosa ensinou que “A vida familiar e social da criança e do

adolescente exigem interdições, impõe proibições as quais devem ser explicadas.(...) uma educação liberal promove, de regra, a autonomia da criança, já que sua liberdade de exploração de um mundo desconhecido, a partir da imposição de limites dialogada, ao mesmo tempo firme e flexível, pode ser muito

importante no momento em que passa a ocupar uma atividade na vida social.

Neste contexto vários autores demonstraram como a família é importante na educação e formação da criança e do adolescente para que estes não se tornem alvos da delinqüência infantil e vítimas de uma sociedade injusta.

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Sobre esta hipótese também se destacou Veronese dizendo que, “a

educação ostenta hoje um dos mais importantes alicerces do desenvolvimento

social, configurando direito constitucional assegurado aos cidadãos. Sua

importância deve ser ressaltada desde as primeiras fases da vida, sendo

responsável pela complementação essencial para a boa formação humana”.

Diante de todo este contexto pode-se dizer que ter uma educação e

uma base familiar sólida traz consequentemente à criança e ao adolescente um

futuro com mais dignidade e respeito diante da sociedade.

A 2ª hipótese também restou confirmada tendo em vista que as

medidas sócio educativas são eficazes e previnem que o menor infrator se torne

um adulto delinqüente como constatou no ensinamento de Alves: “as medidas se

destinam essencialmente a impedir que o adolescente volte a delinqüir. As

medidas têm, por isso, um caráter mais subjetivo que objetivo, mais educativo que

repressivo (...).

O presente trabalho demonstrou que as medidas aplicadas às

crianças e aos adolescentes previnem os jovens a não cometerem mais atos

infracionais, prevenindo também atitudes erradas por parte destes, que

consequentemente à essas medidas aplicadas terão possibilidade de refletir

sobre seu futuro, e suas atitudes diante de qualquer ilícito.

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