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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DANFLAUER ANTUNES PEREIRA JÚNIOR CONDIÇÕES DA AÇÃO: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DA ASSERÇÃO São José 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

DANFLAUER ANTUNES PEREIRA JÚNIOR

CONDIÇÕES DA AÇÃO: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DA ASSERÇÃO

São José

2010

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1

DANFLAUER ANTUNES PEREIRA JÚNIOR

CONDIÇÕES DA AÇÃO: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DA ASSERÇÃO

Monografia apresentada à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito

parcial a obtenção do grau em Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. MSc. Geyson da Silva

Gonçalves

São José 2010

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2

DANFLAUER ANTUNES PEREIRA JÚNIOR

CONDIÇÕES DA AÇÃO: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DA ASSERÇÃO

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Processual Civil.

São José, 03 de novembro de 2010.

Prof. MSc. Geyson Gonçalves da Silva UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

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3

Dedico este trabalho aos meus pais.

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4

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Danflauer Antunes Pereira e Sueli Maria da Silva Pereira,

pelo constante e incansável apoio, além do irretribuível amor e carinho que a mim é

transmitido diariamente.

Aos meus amigos Germano Tedesco, Guilherme Maurício Wiethorn Filho e

Fernando Dias Zimmermann que estão presentes até mesmo nos momentos mais

difíceis.

Ao meu amigo Rui Pedro Pina Cabral da Silva (“Portuga”) que gentilmente

colaborou com a pesquisa bibliográfica desta monografia.

Aos meus amigos Felipe Zanatta Michelon e Thiago Yukio Guenka Campos

que sempre me apoiaram na escolha do tema a ser enfrentado.

Ao meu professor orientador Msc. Geyson Gonçalves pela confiança

depositada.

Ao Dr. Paulo Roberto Froes Toniazzo, Juliana Fernandes Foggaça de

Almeida, João Hercílio Leoveral de Oliveira, Caroline Claumann, Miriam Priscila

Farias, Lucas Inácio da Silva, Gleysonn Phillip Oliveira e Camila, da Vara da

Fazenda Pública da Comarca de São José, por confiarem todos no meu trabalho e

se mostrarem colegas da mais alta qualidade.

À Dra. Haidée Denise Grin e Fernanda Galizza, da 1ª Vara Cível da

Comarca da Capital, por todo o aprendizado adquirido ao longo de dois anos de

estágio.

Enfim, a todos que contribuíram direta ou indiretamente com esta pesquisa

científica.

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5

“Se você conhece tanto o inimigo quanto

a si mesmo, não precisa temer o

resultado de 100 batalhas”.

Sun tzu.

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6

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 03 novembro de 2010.

Danflauer Antunes Pereira Júnior

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7

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo examinar a aplicabilidade da teoria da asserção

ou da prospettazione na aferição das "condições da ação" no ordenamento

processual jurídico brasileiro. Para compreender o assunto, fez-se necessário

perscrutar no primeiro capítulo as principais teorias que envolvem o direito de ação,

a começar pela obsoleta teoria civilista (ou imanenista) da ação, culminando na

teoria eclética do mestre italiano Enrico Tullio Liebman. Em direção à questão a ser

enfrentada, a legitimidade de parte, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do

pedido – tríade que compõe as tradicionalmente intituladas "condições da ação" –

foram objeto de estudo no segundo capítulo. Por fim, a cognição das “condições da

ação” – como categoria intermediária que juntamente com os pressupostos

processuais precedem o exame do mérito – ganha relevo ao ser estudada no

terceiro capítulo sob a perspectiva da teoria da asserção.

Palavra-chave: direito processual civil. teoria da ação. condições da ação. teoria da

asserção ou da prospettazione.

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ABSTRACT

The scope of this work is to examine the applicability of the theory of the assertion or

prospettazione in gauging the "conditions of action" in the Brazilian legal procedural

law. To understand the issue, it was necessary to peer into the first chapter the main

theories that involve the right of action, starting with the obsolete civilist theory (or

imanenista) of action, culminating in the eclectic theory of the Italian master Enrico

Tullio Liebman. Towards the issue which is being addressed, the legitimacy of some,

the interest of legal action and the possibility of the application – that makes up the

triad traditionally entitled "conditions of action" – which have been the object of the

studies in the second chapter. Finally, the cognition of the "conditions of action" – as

an intermediate category that along with the procedural prerequisites precede the

examination of the substance – becomes important to be studied in the third chapter

from the perspective of the theory of the assertion.

Keywords: civil procedural law. theory of action. action conditions. theory or

assertion or the prospettazione.

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

Art. – Artigo

AgRg – Agravo Regimental

CPC – Código de Processo Civil

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Des. – Desembargador

i.é. – isto é

J. – Julgado

Min. – Ministro

REsp – Recurso Especial

STJ – Superior Tribunal de Justiça

v.g. – verbi gratia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

1 DA AÇÃO ........................................................................................................... 14

1.1 EVOLUÇÃO CONCEITUAL SOBRE O DIREITO DE AÇÃO ......................... 16

1.1.1 Teoria civilista, imanentista ou sincrética ......................................... 18

1.1.2 Polêmica entre Bernhard Windscheid e Theodor Muther ................ 20

1.1.3 Teoria da ação como direito concreto ............................................... 25

1.1.3.1 Teoria da ação como direito potestativo ............................................. 27

1.1.4 Teoria da ação como direito abstrato ................................................ 29

1.1.5 Teoria eclética da ação ....................................................................... 31

2 AS CONDIÇÕES DA AÇÃO .............................................................................. 35

2.1 INTERESSE DE AGIR .................................................................................. 41

2.2 LEGITIMIDADE DE PARTE ......................................................................... 44

2.3 POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO .................................................... 47

2.4 UTILIDADE DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO ................................................... 52

3 A COGNIÇÃO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO .................................................... 55

3.1 COISA JULGADA MATERIAL E COISA JULGADA FORMAL ...................... 58

3.2 A COGNIÇÃO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO E O MÉRITO DA CAUSA ....... 62

3.3 O MOMENTO DO EXAME DO PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES DA

AÇÃO E A TEORIA DA ASSERÇÃO ...................................................................... 67

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 81

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 85

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem por escopo examinar a aplicabilidade da teoria

da asserção (ou da prospettazione) na aferição das “condições da ação” no

ordenamento jurídico processual brasileiro.

À primeira vista parece despropositado o estudo sobre o vetusto instituto

“condições da ação”, aos olhos dos incontáveis importantes assuntos que dia a dia

estão na berlinda da ciência jurídico-processual brasileira.

Entretanto, não é à toa que alguns poucos estudiosos da Teoria Geral do

Processo ainda despendam esforços à medida que buscam desmistificar a aferição

de instituto tão opulento – que antes de qualquer coisa prima pela economia

processual –, mas cuja aplicação na prática forense nem sempre é a mais

adequada.

Conforme a dicção do art. 267, § 3º, do Código de Processo Civil, o juiz

conhecerá de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, enquanto não

proferida sentença de mérito, da matéria relativa às “condições da ação”.

Assim sendo, denota-se que o Código de Processo Civil não determinou

momento específico para aferição das “condições da ação”, sendo possível que haja

dilação probatória a fim de que tais condições sejam constatadas, de forma que a

ausência de qualquer uma delas acarretará na extinção do processo, sem o exame

do mérito, produzindo coisa julgada formal, muito embora tenha adentrado no mérito

da questão.

Contudo, há juristas que preferem proscrever o instituto das “condições da

ação” do ordenamento jurídico, pois quando a inviabilidade jurídica é manifesta,

seria caso de improcedência macroscópica (prima facie), sobrevindo extinção do

processo com o exame do mérito, produzindo coisa julgada material.

Em contrapartida, alguns juristas preferem condicionar as “condições da

ação” à aplicação da teoria da asserção ou da prospettazione, por meio da qual tais

condições seriam analisadas à luz do que foi afirmado pelo o autor na petição inicial,

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mitigando a aplicação irrestrita do aludido art. 267, § 3º do Código de Processo Civil,

de modo que a decisão que acolher a ausência de qualquer uma das “condições da

ação” extinguirá o processo, sem o exame do mérito, produzindo coisa julgada

formal.

É nesse momento que surge a controvérsia, ponto de exame da presente

pesquisa e alvo de entendimentos divergentes.

Por conseguinte, o objetivo do presente trabalho é analisar a aplicabilidade

da teoria da asserção ou da prospettazione na aferição das “condições da ação” no

ordenamento jurídico-processual brasileiro.

Dessa forma, foram levantadas as seguintes hipóteses: i) é possível

examinar a presença das “condições da ação” a qualquer tempo?; ii) a sentença de

“carência de ação” faz coisa julgada formal ou coisa julgada material?; iii) é possível

examinar a presença das “condições da ação” mesmo após a instrução probatória?

Para enfrentar estas questões, dividiu-se a presente pesquisa em três

capítulos, os quais abordarão a matéria pertinente ao desenvolvimento do tema

proposto.

No primeiro capítulo, discorrer-se-á sobre as principais características sobre

jurisdição, processo e ação – os quais compõem a trilogia estrutural do processo

civil –, como também sobre as principais teorias que envolvem o direito de ação, a

começar pela obsoleta teoria civilista da ação (também intitulada de imanentista ou

sincrética), defendida por Friedrich Karl Von Savigny, culminando na teoria eclética

do italiano Enrico Tullio Liebman.

No segundo capítulo, em direção à questão a ser enfrentada, o interesse de

agir, a legitimidade de parte e a possibilidade jurídica do pedido – também

denominadas “condições da ação” – foram objeto de estudo, assim como sua

utilidade no ordenamento jurídico-processual brasileiro.

No terceiro capítulo, examinar-se-á a categoria das “condições da ação”

como o segundo objeto de cognição do juiz no processo de conhecimento – cuja

análise precede o exame do mérito – na busca em demonstrar que a aplicação de

tal instituto, aos olhos do que prescreve o enviesado art. 267, § 3º do Código de

Processo Civil, é possível apenas mediante a adoção da teoria da asserção (ou da

prospettazione).

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No que concerne à metodologia utilizada, cumpre frisar que lançou-se mão

do método dedutivo, uma vez que se parte de uma formulação geral do problema a

ser enfrentado, em direção a subsídios científicos que poderão sustentá-lo (ou negá-

lo), afim de que, ao final, sejam respondidas a hipóteses ventiladas.

Ademais, a técnica empregada é a documental indireta, ou seja, as doutrinas

e as legislações referentes à matéria estudada, como também se lançará mão de

pesquisa documental direta, por meio da análise de julgados e demais artigos

científicos pertinentes.

Portanto, almeja-se com a presente pesquisa cutucar matéria relativa às

“condições da ação”, atinente à Teoria Geral do Processo, que há muito permanece

adormecida no âmbito jurídico, sobretudo no que concerne ao momento processual

adequado de sua aferição.

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1DA AÇÃO

Nos primórdios da civilização humana os conflitos eram solucionados

mediante o emprego da força física, porquanto a idéia de Estado ainda não havia

sido concebida e, conseqüentemente, normas que incidissem sobre os interesses

dos particulares sequer existiam.1

A essa altura os direitos individuais eram confiados à força privada dos

interessados, os quais, para fazer valerem os seus direitos, ou acordavam

voluntariamente entre si, ou lançavam mão da força física, quando inviável qualquer

possibilidade de tratativa.2

Nesse contexto, diante da inexistência de um poder estatal capaz de intervir

na resolução dos conflitos, vigorava a denominada defesa privada ou autodefesa, a

qual transformava todo conflito em uma rixa aberta, de forma a comprometer a

pacífica convivência social.3

Com o advento do Estado organizado e, por via de conseqüência,

estabelecida a ordem jurídica, por meio da qual passaram a viger regramentos de

conduta perante os cidadãos, se pôs fim ao regime da defesa privada (ou da

autodefesa), de modo que a função de prestar a jurisdição ficou a cargo do Estado.4

A jurisdição nos dizeres de Giuseppe Chiovenda pode ser entendida como

[...] a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva.5

Nesse aspecto, a jurisdição – enquanto uma das funções do Estado, tais

como a legislativa e a administrativa, distinguindo-se destas duas últimas por fazer

1 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 27.

2 CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. São Paulo: Bookseller, 1999, v. 1, p. 183.

3 CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. São Paulo: Bookseller, 1999, v. 1, p. 184.

4 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: RT, 1999, p. 16.

5 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2000, v. 2, p. 8.

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atuar o direito perante o caso concreto6 – exibe algumas características particulares,

dentre elas: a) a substitutividade e a b) inércia.7

A substitutividade resume-se na característica fundamental do Estado em

suceder, por intermédio de uma atividade sua, a atuação das partes na resolução do

litígio, de modo a obstar, por vias oblíquas, o emprego da força privada.8

A seu turno, a inércia consiste na provocação da atividade jurisdicional pela

parte interessada, de forma a tornar defesa a atuação de ofício pelo Estado-juiz (ne

procedat iudex ex officio); ou seja, a jurisdição configura-se como atividade

provocada, e não espontânea, conforme expressa disposição do art. 2º do Código

de Processo Civil.9

Para melhor ilustrar a idéia da inércia da atividade jurisdicional, convém

transcrever o pensamento de Enrico Tullio Liebman:

Essa é a regra fundamental, que define a relação entre as pessoas e a função jurisdicional: os juízes não agem e não decidem por sua própria iniciativa; mas exclusivamente mediante provocação da parte interessada ou, nos raros casos previstos em lei, a requerimento do Ministério Público [...]. Nexo iudex sine actore, ne procedat iudex ex officio.10

Nesse particular, tem-se que a atividade jurisdicional é efetivamente

desempenhada por intermédio do processo, cuja instauração decorre do exercício

do direito de ação dirigido ao Estado.11

Sob esse prisma, faz-se indispensável para a compreensão da ação como

condição sine qua non para avocar a atividade jurisdicional, a transcrição de

excertos da reflexão elaborada por Piero Calamandrei:

[...] a regra fundamental é que não se tem jurisdição sem ação; isto é, que a justiça não se movimenta senão existe quem a solicite. [...] a ação aparece como uma condição indispensável para o exercício da jurisdição (nemo iudex sine actore). [...] A ação constitui, então, in

6 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 66-69.

7 SAMPIETRO, Luiz Roberto Hijo. Das Teorias sobre a ação e da Análise Crítica sobre as Condições da Ação. Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), São Paulo, n. 79, out. 2009, p. 49.

8 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 170.

9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 46-47.

10 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 194.

11 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 193-194.

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iure condito, no civil e no penal (e este é o segundo aspecto desta noção) um limite e uma condição da jurisdição.12

Diante disso, conclui-se que jurisdição, processo e ação são conceitos

indissoluvelmente associados, os quais compõem a trilogia estrutural do direito

processual13, pois, como já dito, a ação provoca a jurisdição, a qual é exercida por

uma série de atos, que é o processo.14

Dessarte, traçados os aspectos gerais sobre jurisdição, processo e ação,

tornam-se prescindíveis – para a compreensão do presente trabalho – maiores

elucubrações acerca dos dois primeiros elementos, de sorte que todos os esforços

doravante se prestarão ao estudo do direito de ação.

1.1 EVOLUÇÃO CONCEITUAL SOBRE O DIREITO DE AÇÃO

Cabe dizer, desde logo, que no âmbito jurídico é árdua a tarefa para

conceituar ação, posto que ao longo dos séculos passados inúmeros esforços

tenham sido lançados com este propósito, hodiernamente não se pode considerar

encerrada a evolução conceitual do direito de ação, tendo em vista a complexidade

que envolve o assunto.15

A dissonância doutrinária a respeito da matéria é demais gritante, a ponto

que Alexandre Freitas Câmara a considera “tema dos mais polêmicos, senão o mais

polêmico de toda a ciência processual, não há (nem se vislumbra possibilidade de

que haja) consenso doutrinário acerca do conceito de ação”.16

12

CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. São Paulo: Bookseller, 1999, v. 1, p. 188-189. 13

FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 32-33.

14 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1, p. 139-141.

15 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 113.

16 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 119.

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Nesse passo, não cintila Fábio Luiz Gomes ao dizer que “[...] não obstante

tudo quanto foi escrito sobre este tema, [...] não houve pacificação em torno de uma

idéia predominante”.17

No mesmo sentido, Fredie Didier Júnior assevera que “[...] sem exagero, que

este foi o principal tema, o principal objeto de pesquisa dos processualistas na fase

de afirmação do processo civil como ramo autônomo do Direito”.18

Assim sendo, cumpre advertir que o vocábulo ação comporta inúmeras

acepções.19

A ação é comumente traduzida como sinônimo de direito, o que na práxis

quer dizer “carecer de ação”; isto é, a ausência de um direito que conduza uma

sentença favorável ao autor.20

De outra parte, a ação como sinônimo de demanda em sentido formal possui

a conotação de admitir ou rejeitar a ação; de interpor ou adiar a ação.21

Enquanto faculdade de provocar a atuação do Poder Judiciário, a ação se

traduz no poder jurídico destinado a avocar a atividade estatal, por intermédio dos

órgãos competentes, a fim de que seja efetivamente pronunciado o direito.22

Acrescente-se ainda a acepção de ação adotada por Pontes de Miranda23 –

a qual categoricamente é defendida por Ovídio Araújo Baptista da Silva –, que

distingue a ação de direito material e a “ação” processual, podendo ser entendida

aquela como o ato privado do titular do direito para torná-lo efetivo (v.g., o desforço

imediato no esbulho possessório), à medida que esta representa a faculdade de o

titular do direito de invocar a tutela jurisdicional para satisfazê-lo.24

17

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2006, p. 91.

18 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 203.

19 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2006, p. 91.

20 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do Direito Processual Civil. Tradução de Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 18.

21 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do Direito Processual Civil. Tradução de Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 18.

22 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do Direito Processual Civil. Tradução de Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p 18.

23 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado das ações. Campinas: Bookseller, 1999, t. I, p. 10-14.

24 SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil: processo de conhecimento. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 1, p. 62-67.

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18

Não é demais recordar, neste ponto, que operam em equívoco – impondo

como verdade aos desavisados – aqueles que conferem à ação o sentido de

processo, de procedimento e, até mesmo, de autos.25

Ultimada, portanto, a abordagem acerca das variadas acepções do vocábulo

ação, convém reproduzir o ensinamento de Marcos Destefenni que “o direito de

ação tem sido conceituado como um direito público, abstrato, autônomo, subjetivo,

de invocar a prestação jurisdicional do Estado [...]”.26

Porém, para alcançar tal definição, foi extenso o caminho percorrido ao

longo do tempo, como se verá a seguir, no breve estudo das mais importantes

teorias sobre o direito de ação27, partindo da teoria civilista da ação, até se chegar à

teoria eclética de Enrico Tullio Liebman.

1.1.1 Teoria civilista, imanentista ou sincrética

A primeira concepção acerca do direito de ação que merece realce é a

denominada teoria civilista (também chamada imanentista ou sincrética), a qual –

embora hodiernamente ultrapassada – exerceu grande influência sobre a doutrina

até a metade do século XIX.28

A doutrina civilista, que apresentava como principal expoente Friedrich Karl

Von Savigny, acreditou encontrar a concepção de ação na célebre definição adotada

pelo jurista romano Celso, pela qual a ação seria “o direito de pedir em juízo o que

25

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2006, p. 94-95.

26 DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil: processo de conhecimento e cumprimento da sentença. São Paulo: Saraiva, 2006, v.1, p. 98.

27 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 267.

28 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16. ed. rev. e atual. até a Lei 1.419/2006, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 119-120.

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nos é devido” (nihil aliud est actio quam ius, quod sibi debeatur judicio

persequendi).29

Entendia Savigny que da violação de um direito surgia, para aquele que a

sofre, uma relação ou o direito intitulado como “direito de ação” ou “ação”.30

Em outras palavras, o titular de um direito lesionado trazia consigo a

faculdade de invocar a jurisdição para se ver protegido, de modo que a ação e o

direito a ela correlato se fundiam.31

Nessa vereda, Cândido Rangel Dinamarco assevera que “[...] vista com

olhos da cultura atual, actio era muito mais que ação – era um conceito

intrincadamente sincrético, que fundia em si os conceitos de direito subjetivo e do

direito de buscar sua satisfação por via judicial”.32

Para Arruda Alvim a teoria civilista acerca da natureza jurídica da ação “[...]

identificava-a com o direito material; uma e outro eram a mesma realidade, apenas

apresentadas sob formas diversas”.33

Por sua vez, Alexandre Freitas Câmara ensina que “[...] essa teoria é reflexo

de uma época em que não se considerava o Direito Processual como ciência

autônoma, sendo o processo civil mero „apêndice‟ do Direito Civil”.34

Isso porque existia apenas o direito civil (direito material), sendo o processo

mero procedimento; ou seja, o processo seria somente uma extensão da relação de

direito material, compartilhando a mesma natureza.35

Não obstante as pequenas variações introduzidas por seus adeptos pode-se

afirmar que o que caracteriza essa teoria é que “[...] a ação se prende

indissoluvelmente ao direito que por ela se tutela”.36

29

GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 20-21.

30 SILVA, Ovídio Baptista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. 4. ed. rev. atual. com a recente reforma processual, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 95.

31 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de Direito Processual Civil: roteiros de aula – processo de conhecimento. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 74

32 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 321.

33 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, v. 1, p. 356.

34 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16. ed. rev. atual. até a Lei 1.419/2006, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 119-120.

35 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de Direito Processual Civil: roteiros de aula – processo de conhecimento. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 74

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Infere-se desta teoria que três são os resultados inevitáveis: “não há ação

sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza do direito”.37

Vale lembrar que essa arcaica concepção era propalada pelo art. 75 do

Código Civil de 1916, o qual dispunha que “a todo direito corresponde uma ação,

que o assegura”.38

Ademais, a doutrina não hesitava em adotar tal concepção, podendo-se citar

como arautos os civilistas Clóvis Bevilaqua e Frederico Carpenter; e os

processualistas João Monteiro, Paula Baptista e João Mendes Júnior.39

Como crítica a essa teoria – e que por isso a torna inaplicável40 – pode-se

dizer que ela não contemplou situações como a sentença que declara a inexistência

do direito subjetivo material invocado, à medida que julga infundada a pretensão do

autor (ação improcedente), assim como nos casos em que se pleiteia apenas a

declaração da inexistência de uma relação jurídica e, portanto, da inexistência de um

direito (ação declaratória negativa).41

1.1.2 Polêmica entre Bernhard Windscheid e Theodor Muther

A partir da teoria civilista da ação outros estudiosos alemães, na segunda

metade do século XIX, incutiram fundamentos para a construção da nova ordem

36

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1, p. 144.

37 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1, p. 144.

38 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 320-321.

39 ASSIS, Araken de. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001, p. 27.

40 ASSIS, Araken de. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001, p. 27-28.

41 MAGGIO, Marcelo Paulo. Condições da ação: com ênfase à ação civil pública para a tutela dos interesses difusos. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 48.

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processual civil, sobretudo no que concerne ao desenvolvimento do estudo da ação,

destacando-se a polêmica travada entre Bernhard Windscheid e Theodor Muther.42

Bernhard Windscheid, em 1856, publicou na Alemanha a obra intitulada

originariamente como Die Actio des römischen Civilrechts vom Standpunkte des

heutigen Rechts Düsseldorf, Verlag Von J. Buddeus, 185643, cujo título traduzido

para o vernáculo, ensina José Eduardo Carreira Alvim, quer dizer: “A ação do direito

civil romano do ponto de vista do direito moderno”.44

Após discutir o Direito Romano, Bernhard Windscheid, em crítica às

posições defendidas por Friedrich Karl Von Savigny, não admite que os romanos

identificassem o direito de ação com o direito material45, uma vez que “no era

necesario pasar muchas páginas del Corpus Iuris para hallar em él referencias a

actiones que no presuponen la lesión de um derecho”.46

Logo, “[...] a actio está em lugar del derecho; no es una emanación de este.

Puede tenerse uma actio sin tener um derecho, y a su vez, aun teniendo un derecho

puede carecerse de ella”.47

Para Bernhard Windscheid, “[...] o cidadão romano não era o titular de um

direito contra alguém, mas sim de uma actio; ou seja, o direito de agir contra outrem,

poder esse que não lhe advinha de um direito, mas da concessão do Pretor”.48

Bernhard Windscheid, assim, pretendeu demonstrar que a definição de actio

romana não coincidia em absoluto com a de ação (Klagerecht) do direito germânico

42

ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 116.

43 WINDSCHEID, Bernhard. La “actio” del derecho civil romano, desde el punto de vista del derecho actual. In: Polemica sobre la “actio”, Bernhard Windscheid y Theodor Muther. Trad. Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1974, p. 2.

44 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 116.

45 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Condições da ação e o princípio constitucional do acesso à justiça. In: Direito e processo: Estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 766.

46 WINDSCHEID, Bernhard. La “actio” del derecho civil romano, desde el punto de vista del derecho actual. In: Polemica sobre la “actio”, Bernhard Windscheid y Theodor Muther. Trad. Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1974, p. 6.

47 WINDSCHEID, Bernhard. La “actio” del derecho civil romano, desde el punto de vista del derecho actual. In: Polemica sobre la “actio”, Bernhard Windscheid y Theodor Muther. Trad. Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1974, p. 10.

48 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 22.

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moderno49, de modo a defender que tal conceito correspondia à definição de

pretensão (Anspruch).50

A actio, pois, era a denominação utilizada pelos romanos para dizer o que

alguém pode exigir de outrem.51

Nesse diapasão, oportuno trazer à baila a lição de Luiz Guilherme Marinoni:

Windscheid concluiu que a pretensão é o equivalente moderno da actio, delineando-a como uma situação jurídica substancial, distinta tanto do direito de se queixar quanto do próprio direito subjetivo, do qual é uma emanação que funda a possibilidade de o autor exigir a realização judicial do seu direito.52

A propósito, pode-se afirmar que coube a Bernhard Windscheid o mérito de

haver sugerido a concepção de pretensão, cujo vocábulo, explica Alfredo Buzaid,

“[...] pode ser entendido como a tendência do direito a submeter a vontade alheia

como tal, independentemente de ser ele direito real ou pessoal, absoluto ou

relativo”.53

Bernhard Windscheid afirmou, em resumo, que “o ordenamento jurídico não

é um ordenamento de direitos, mas um ordenamento de pretensões judicialmente

perseqüíveis. Confere direitos ao autorizar a persecução judicial. A actio não é algo

derivado, sim algo originário e autônomo”.54

Em 1857, Theodor Muther, em resposta às considerações de Bernhard

Windscheid, publicou obra intitulada como Zur Lehre Von der römischen Actio, dem

heutigen Klagrecht, der Litiscontestation und der Singularsucession in Obligationen –

Eine Kritik des Windscheid’ schen Buches.55

49

ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 117.

50 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16. ed. rev. atual. até a Lei 1.419/2006, v. 1, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 120-121.

51 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 22.

52 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo Civil: teoria geral do processo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008, v.1, p. 161-162.

53 BUZAID, Alfredo. Estudos e pareceres de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 89.

54 WINDSCHEID, Bernhard. La “actio” del derecho civil romano, desde el punto de vista del derecho actual. In: Polemica sobre la “actio”, Bernhard Windscheid y Theodor Muther. Trad. Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1974, p. 8.

55 Sobre a doutrina da actio romana, do direito de acionar atual, da litiscontestação e da sucessão singular nas obrigações – Crítica ao livro de Windscheid, 1857. Tradução: GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. p. 23.

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Theodor Muther, ao revés de Bernhard Windscheid, buscou demonstrar que

a actio romana coincidia com a klagerecht do direito germânico moderno.56

Para tanto, Theodor Muther asseverou que a actio romana, após o

desaparecimento das legis actio, poderia ser compreendida para designar o ato pelo

qual o demandante iniciava o processo, pois, neste momento, desnecessária a

presença solene das partes diante do pretor para a concessão da fórmula.57

Nesse ponto, explica Luiz Guilherme Marinoni que

[...] o direito à concessão da fórmula nasce de um “direito originário”, e que, enquanto o obrigado perante “o direito originário” é o particular, o obrigado diante do direito à fórmula somente pode ser o pretor ou o Estado. Existiriam, portanto, dois direitos, sendo o direito privado o pressuposto do direito contra o Estado; os dois direitos coexistiriam, ainda que o direito contra o Estado existisse para proteger o direito privado.58

Anteriormente à concessão da fórmula, ensina Fábio Gomes, “[...] já possuía

o autor a pretensão a que ela fosse concedida [...]. O sentido, portanto, no qual se

usava mais freqüentemente a palavra actio era o de aspirar à concessão de uma

fórmula”.59

Para Theodor Muther o ordenamento jurídico romano “[...] não era um

ordenamento de pretensões judicialmente perseqüíveis, senão um ordenamento de

direitos e somente estes [...] eram susceptíveis de persecução judicial”.60

Sob esse prisma, é de bom grado a reprodução da síntese do pensamento

de Theodor Muther elaborada por Fábio Gomes:

Muther apresentava uma concepção da actio romana desvinculada do direito subjetivo material, pois caso o Pretor enunciasse a fórmula (e não estava obrigado a enunciá-la), poderia o juiz, depois, não confirmá-la. Foi ainda mais explícito ao afirmar que a par dos direitos individuais existia um direito à proteção do Estado, razão pela qual não necessitavam os romanos pressupor uma lide, e que a relação do direito à fórmula com o direito originário consistia no fato de que

56

ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 116-117.

57 MUTHER, Theodor. Sobre la doctrina de la actio romana, del derecho de accionar actual, de la litiscontestatio y de la sucesion singular em la obligaciones. In: Polemica sobre la “actio”, Bernhard Windscheid y Theodor Muther. Trad. Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1974, p. 237.

58 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo Civil: teoria geral do processo. 3. ed. rev. e atual., v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008, p. 163-164.

59 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 24.

60 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 120.

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no primeiro o obrigado era o Pretor, como representante da soberania do Estado, e no segundo era o cidadão particular. E mais: enquanto o direito à fórmula era público, o direito originário (subjetivo material) era privado.61

A ação, para Theodor Muther, portanto, é o direito contra o Estado de

invocar a sua tutela jurisdicional, apresentando-se como um direito público subjetivo,

distinto do direito material62, “[...] mas exercitável somente a quem tenha o direito

subjetivo material violado”.63

Marcelo Abelha Rodrigues ensina que a partir das idéias de Theodor Muther

“[...] nasceriam dois direitos: a) direito do ofendido à tutela jurídica do Estado; b)

direito do Estado de eliminação da lesão, contra aquele que a praticou”.64

Em 1857, Bernhard Windscheid, em obra intitulada como Die Actio. Abwehr

gegen Dr. Th. Muther Düsseldorf, Verlag Von J. Buddeus, 1857 ofereceu réplica às

críticas formuladas pelo seu contendor, mas acabou aceitando alguns pontos por ele

defendidos, “[...] dentre os quais pode ser citado o fato de que a ação é exercitável

contra o Estado e deste para o titular do pólo passivo, reforçando a idéia de

autonomia, essencial na confecção do conceito de ação”.

Em virtude disso é que se pode dizer que “[...] as doutrinas dos dois autores

antes se completam do que propriamente se repelem, desvendando verdades até

então ignoradas e dando nova roupagem ao conceito de ação”.65

Por derradeiro, não obstante as interpretações divergentes conferidas pelos

alemães Bernhard Windscheid e Theodor Muther à actio romana, observa-se que o

principal fruto desta polêmica é a demonstração do rompimento entre o direito

material e o direito de ação, consagrando de vez a autonomia da ação.66

61

GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 24.

62 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1, p. 144-145.

63 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Condições da ação e o princípio constitucional do acesso à justiça. In: Direito e processo: Estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 767.

64 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2003, v. 1, p. 229.

65 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 268.

66 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005.

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1.1.3 Teoria da ação como direito concreto

Convém advertir, antes de qualquer coisa, que para seguir a ordem

cronológica do estudo evolutivo acerca do conceito de ação dever-se-ia apreciar, por

primeiro, a teoria da ação como direito abstrato, visto que as obras de Degenkolb e

de Plósz precederam aos estudos de Adolph Wach.67 Entretanto, seguindo a

orientação da maioria da doutrina – que atribui indubitavelmente um caráter didático

para a compreensão do assunto – é preferível examinar por primeiro a teoria

concreta do direito de ação68.

Em 1888, Adolph Wach, em homenagem a Bernhard Windscheid, publicou

obra intitulada como Der Feststellungsanspruch (que traduzida para o espanhol quer

dizer La pretensión de declaración), pela qual se dispôs a estudar o direito de

ação69.

Adolph Wach, ao perfilhar as idéias de Bernhard Windscheid, pretendeu

demonstrar definitivamente a autonomia do direito de ação, de modo a reconhecer o

rompimento do elo entre o direito de material e o direito de ação, o qual sequer

poderia ser confundido com a pretensão do direito civil.70

Conquanto Adolph Wach entendesse que o direito de ação não se confundia

com o direito material, afirmava que aquele é consectário deste, com exceção no

caso da ação declaratória negativa.71

Isso porque verificou Adolph Wach que além da ação condenatória, havia

também a ação declaratória, a qual não é passível de execução, porquanto visa

67

GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 29.

68 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Condições da ação e o princípio constitucional do acesso à justiça. In: Direito e processo: Estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 769.

69 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 30.

70 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 30.

71 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Condições da ação e o princípio constitucional do acesso à justiça. In: Direito e processo: Estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 769.

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apenas à proclamação de uma certeza jurídica.72 A ação declaratória negativa,

assim, “[...] não tem por objetivo proteger ou conservar um direito subjetivo, senão

manter a integridade da situação jurídica do demandado”.73

Adolph Wach, citado por José Eduardo Carreira Alvim, entende que a

pretensão à tutela jurídica “[...] não é uma função do direito subjetivo, pois não está

condicionada por ele”.74

Para Adolph Wach, conforme lição de Araken de Assis, a ação “[...] dirige-se

contra o Estado, para que a dê, e contra o adversário, para que a suporte”.75 A partir

disso, deduz-se que coexistiam duas realidades distintas: a relação processual e a

relação de direito privado.76

Nessa direção, com o propósito de tornar lúcido o pensamento de Adolph

Wach, faz-se imprescindível referir a lição de Moacyr Amaral Santos:

Segundo Wach, a ação, direito autônomo, com base no direito subjetivo material ou num interesse, se dirige contra o Estado e contra o adversário, visando à tutela jurisdicional. Direito subjetivo público contra o Estado, como obrigado à prestação da tutela jurisdicional. Entretanto, a tutela jurisdicional deverá conter-se numa sentença favorável, o que quer dizer que o direito de ação depende da concorrência de requisitos de direito material, as chamadas condições da ação, e de direito formal, os chamados pressupostos processuais, sem os quais não se concebe uma tal sentença e não haverá ação. Daí a denominação: teoria do direito concreto à tutela jurídica.77

Em resumo, os traços essenciais do pensamento de Adolph Wach são

reproduzidos por Arruda Alvim:

1.º) a ação é relativamente independente do direito material (substancial), que por seu intermédio se pretende fazer valer; 2.º) é, assim, um direito secundário, dado que supõe – na generalidade dos casos – um outro direito, o qual é, por sua vez, o direito primário; 3.º) com este direito primário, porém, não se confunde, embora haja de tratar qual seja esse direito. Essa afirmação é verdadeiramente axiomática, se tivermos presente a hipótese da ação declaratória

72

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, v. 1, p. 357.

73 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 125.

74 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 125.

75 ASSIS, Araken de. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001, p. 29.

76 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 30-31.

77 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo:

Saraiva, 1995, v. 1, p. 145.

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negativa, cujo pressuposto é a própria inexistência de uma relação jurídica de direito material; 4.º) os requisitos do direito de ação são determinados pelo direito processual; 5.º) a ação é bifronte, exercitável em duas direções: a) em face do Estado, a quem se pede prestação jurisdicional; b) contra o réu, obrigado a suporta a referida prestação.78

Diante disso, conclui-se que Adolph Wach impõe três condições para o

exercício da ação: a) a existência de um direito violado, sob pena de não haver

legítimo interesse; b) a legitimação pela qual define o laço que vincula juridicamente

as partes com o Estado e as partes entre si79; e a c) possibilidade jurídica do pedido,

consubstanciada em fatos previamente definidos.80

Entrementes, a crítica que se faz a respeito da teoria de Adolph Wach –

como se faz em relação à teoria civilista – consiste em dizer que para este jurista

“[...] só seria admitido o exercício do direito de ação quando resultasse em uma

sentença favorável em decorrência das condições impostas, restando inexplicável o

fenômeno da ação improcedente”.81

1.1.3.1 Teoria da ação como direito potestativo

Desde logo, cabe ressaltar que embora seja considerada uma variante da

teoria concreta do direito de ação, faz-se necessária – ainda que perfunctoriamente

– a abordagem sobre a teoria da ação como direito potestativo, formulada por

Giuseppe Chiovenda, seguidor das idéias de Adolph Wach.82

Anota Giuseppe Chiovenda no que se refere ao estudo da ação como direito

potestativo:

78

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, v. 1, p. 358.

79 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do Direito Processual Civil. Tradução de Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 25.

80 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 31.

81 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 32.

82 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 32.

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Quanto a mim, que comecei a ocupar-me desses problemas quando a categoria dos direitos potestativos estava já largamente estudada na doutrina, não tive dificuldade, com subsídio de semelhantes estudos, em ser o primeiro a inscrever a ação naquela categoria: recolhendo a parte substancial da teoria de Wach, defini a ação como um “direito potestativo” (1903).83

Nessa esteira, convém reproduzir a definição de ação elaborada por

Giuseppe Chiovenda:

A ação é um poder que nos assiste em face do adversário em relação a quem se produz o efeito jurídico da atuação da lei. O adversário não é obrigado a coisa nenhuma diante desse poder: simplesmente lhe está sujeito. Com seu próprio exercício exaure-se a ação, sem que o adversário nada possa fazer, quer para impedi-la, quer para satisfazê-la. Sua natureza é privada ou pública, consoante a vontade de lei, cuja atuação determina, seja de natureza privada ou pública.84

Para Giuseppe Chiovenda, na generalidade dos casos, a vontade concreta

da lei efetiva-se independentemente do processo. Porém, em caso de

inadimplemento da obrigação, ou de inobservância da lei que incide no caso

concreto, vislumbra-se a necessidade da atuação da atividade jurisdicional, por

intermédio do processo.85

Nesse rumo, destaca-se a lição de Fábio Gomes:

A ação deve ser entendida segue Chiovenda, como um direito concreto atual, existente antes do processo, e precisamente como uma potestad jurídica para obter, contra o adversário, um resultado favorável no processo. A ação, como todos os direitos potestativos, é um poder meramente ideal, ou seja, um poder de querer determinados efeitos jurídicos.86

Por conseguinte, verifica-se que não há propriamente um direito contra o

Estado, visto que, na verdade, o titular do direito de ação – a qual também se

manifesta como poder – tem o direito de invocar a atividade jurisdicional sem que a

parte adversa possa esquivar-se dos seus efeitos.87

Ao final, pode-se dizer que as mesmas críticas lançadas à teoria de Adolph

Wach cabem a Giuseppe Chiovenda, porquanto este, como já dito, entende que a

83

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2000, v.1, p. 41.

84 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2000, v.1, p. 42.

85 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, v. 1, p. 359.

86 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 33.

87 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1, p. 145.

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existência da ação depende de a sentença ser favorável, condicionando-a, ainda

que discretamente, ao direito material.88

1.1.4 Teoria da ação como direito abstrato

A teoria da ação como direito abstrato foi concebida pelo jurista húngaro

Plósz, em 1876, e posteriormente pelo jurista alemão Degenkolb, em 1877, em

contraposição às inúmeras teorias que conferem o caráter concreto à ação.89

Para Degenkolb, consoante lição de José Eduardo Carreira Alvim, “[...] a

ação é um direito abstrato de agir, desvinculado de todo fundamento positivo que

legitime as pretensões dos que a exercitam [...]”.90

Nessa senda, prosseguiu Degenkolb explicitando que diante de qualquer

conflito, quaisquer das partes envolvidas no litígio têm a faculdade de levar o outro

para frente do juiz, de modo que o réu tem a obrigação de participar do processo; e

ainda, o que obriga o réu a participar do processo é o interesse de agir, o qual se

distingue do direito material.91

Isso na perspectiva de que para levar a cabo o direito de acionar, faz-se

necessário “[...] apenas que autor faça referência a um interesse seu, protegido em

abstrato pelo direito, ficando o Estado, tão só por isso, levado a exercer a sua

atividade jurisdicional, proferindo uma sentença, ainda que contrária”.92

88

MAGGIO, Marcelo Paulo. Condições da ação: com ênfase à ação civil pública para a tutela dos interesses difusos. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 52.

89 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1, p. 146.

90 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 124.

91 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo Civil: teoria geral do processo. 3. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008, v.1, p. 165.

92 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1, p. 146.

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30

A seu turno, Plósz admitia a natureza pública do direito de ação, uma vez

que para obter uma sentença, desnecessário que o peticionário seja titular de um

direito privado. Tal concepção confere à ação também um caráter abstrato.93

Desse modo, Luiz Guilherme Marinoni ensina que para Plósz o direito

abstrato de ação “[...] exige apenas a boa-fé do autor, embora tenha sustentado a

existência de dois direito de ação, um processual, de caráter público, e outro

material, identificado com a pretensão de direito material”.94

A essa altura, portanto, a ação era compreendida como direito autônomo,

outorgada a qualquer cidadão que a invocasse para ouvir o pronunciamento de um

Tribunal, porquanto desvinculada do direito subjetivo material.95

Segundo Eduardo J. Couture, “[...] a doutrina que define a ação como „um

direito abstrato de agir‟ dá por admitido um ponto fundamental: o de que existe um

direito a agir em juízo ainda quando não se tenha direito subjetivo válido”.96

Pontifica Alexandre Freitas Câmara que “[...] em outros termos, para essa

teoria a ação é o direito de se obter um provimento jurisdicional, qualquer que seja o

seu teor”.97

Nesse caminhar, revela-se valiosa a lição de Fábio Gomes:

O direito de ação, segundo a concepção de Degenkolb e Plósz, é o direito subjetivo público que se exerce contra o Estado e em razão do qual sempre se pode obrigar o réu a comparecer em juízo. É o direito de agir, decorrente da própria personalidade, nada tendo em comum com o direito privado argüido pelo autor; pode ser concebido com abstração de qualquer outro direito (por isso denominou-o Plósz direito abstrato); preexiste à própria demanda, constituindo-se esta tão-somente o meio através do qual pode ser exercido. Competiria a qualquer cidadão que viesse invocar a proteção de uma normal legal em benefício do interesse alegado. Conseqüentemente, só seria titular do direito de ação quem postulasse acreditando (de boa-fé) na existência do direito que se atribui.98

93

ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 124.

94 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo Civil: teoria geral do processo. 3. ed. rev. e atual., v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008, p. 165.

95 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 7. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 1, p. 84.

96 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do Direito Processual Civil. Tradução de Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 28.

97 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 123.

98 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 37.

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31

Como adeptos desta teoria, inobstante as pequenas variantes na sua

construção99, destacam-se os juristas Alfredo Rocco, Ugo Rocco, Francesco

Carnelutti e Eduardo J. Couture.100

A crítica que gravita em torno desta concepção diz respeito à sua

semelhança com o direito cívico de petição, entendido como o “direito de acesso aos

tribunais” outorgado indistintamente a todos os cidadãos, à medida que o direito de

ação está condicionado ao preenchimento de certos requisitos prévios.101

Por derradeiro, acrescenta Leonardo Greco que outra crítica lançada pelos

concretistas é a de que “[...] o direito de ação nasce das próprias afirmações do

autor, ainda que totalmente inverídicas ou até absurdas”.102

1.1.5 Teoria eclética da ação

Em 1949, na universidade de Turim, Enrico Tullio Liebman expôs sua teoria

sobre o direito de ação, na famosa conferência L’ azione nella teoria del processo

civile, pouco mais de três anos do regresso da longa permanência no Brasil.103

Com efeito, para definir o direito de ação Enrico Tullio Liebman buscou

conciliar o extremo da teoria concreta e da teoria abstrata da ação, aportando em

ponto intermediário, concebendo a denominada teoria eclética da ação.104

A propósito, cabe reproduzir a lição de Enrico Tullio Liebman:

Das várias teorias que concebem a ação como um direito autônomo, destacam-se, de um lado, as que lhe atribuem caráter concreto,

99

FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 55.

100 SAMPIETRO, Luiz Roberto Hijo. Das Teorias sobre a ação e da Análise Crítica sobre as

Condições da Ação. Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), São Paulo, n. 79, out. 2009, p. 55.

101 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 7. ed., rev. e

atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 1, p. 85. 102

GRECO, Leonardo. A teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003, p. 27. 103

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 202.

104 ASSIS, Araken de. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001,

p. 34.

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32

porque a definem como o direito a conseguir uma sentença favorável, e as que atribuem caráter abstrato, porque a definem como o direito de provocar a atividade dos órgãos jurisdicionais e de conseguir uma decisão qualquer, sem nenhuma condição prévia, subjetiva ou objetiva. Entre essas duas correntes, cabe uma posição intermédia, que se ajusta à definição, dada há pouco, da função jurisdicional. A ação, como direito de provocar o exercício da jurisdição, significa o direito de provocar o julgamento do pedido, a decisão da lide. É abstrata, porque tendo por conteúdo o julgamento do pedido incluiu ambas as hipóteses em que este for julgado procedente ou improcedente, mas é subjetiva determinada, porque é condicionada à existência dos requisitos definidos como condições da ação.105

Para explicar a ação, Enrico Tullio Liebman voltou os olhos para o direito

positivo, mais especificamente para a 1ª parte do art. 24 da Constituição de

República Italiana, porquanto “o direito de agir em juízo é realmente atribuído para a

tutela dos próprios direitos e interesses legítimos [...]”.106

Não obstante, adverte Enrico Tullio Liebman que “[...] isso não significa que

não pertenceria a quem postulasse tutela para direitos alheios”.107 Disso resulta o

que ele denomina de “legitimação para agir”.108

Ademais, Enrico Tullio Liebman esclarece que como o direito de agir é

conferido apenas para satisfação de um interesse legítimo, “[...] existe apenas

quando há necessidade dessa tutela”.109 E acrescenta: “[...] individualiza-se, com

isso, a situação objetiva que justifica a propositura de uma demanda: é o que se

chama interesse de agir”.110

Nessa ordem de raciocínio, Enrico Tullio Liebman define a ação:

Esse direito é precisamente a ação, que tem por garantia constitucional o genérico poder de agir, mas que em si mesma nada tem de genérico: ao contrário, guarda relação com uma situação concreta, decorrente de uma alegada lesão a direito ou a interesse legítimo de seu titular e identifica-se (como veremos) por três elementos bem precisos: os sujeitos (autor e réu), a “causa pretendi” (i.é, o direito ou relação jurídica indicada como fundamento de uma

105

LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004, p. 97.

106 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil.. 3. ed. Tradução e notas de

Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 198. 107

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 199.

108 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido

Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 199. 109

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 199.

110 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido

Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 199.

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33

demanda) e finalmente o “petitum” (que é o concreto provimento judicial postulado para a tutela do direito lesado ou ameaçado [...]).111

O caráter abstrato da ação, explica Enrico Tullio Liebman, é decorrência das

condições que esta possui para ser efetivamente exercitada, resultando num

julgamento de procedência ou improcedência do pedido:

A ação, como direito ao processo e ao julgamento do mérito, não garante um resultado favorável no processo: esse resultado depende da convicção que o juiz formar sobre a procedência da demanda proposta (levando em consideração o direito e a situação de fato) e, por isso, poderá ser favorável ao autor ou ao réu. Só com o exercício da ação se saberá se o autor tem ou não razão: só correndo o risco de perder poderá ele procurar a vitória.112

Nessa perspectiva, entende Enrico Tullio Liebman que quando ausentes as

condições da ação – legitimação, interesse de agir e impossibilidade jurídica do

pedido113 –, ou mesmo uma delas, há ocorrência do fenômeno denominado

“carência de ação”, pela qual deverá o juiz negar o julgamento do mérito e declarar

inadmissível a demanda.114

Entretanto, como observa Fábio Gomes, a teoria do mestre italiano não se

mostra insuperável:

A construção formulada por Liebman padece de pelo menos três vícios insuperáveis. O primeiro deles constitui na tentativa de conciliação do inconciliável, ou seja, postar-se em uma posição intermediária entre a doutrina concreta e a abstrata, como que criando uma “zona comum” entre ambas; essa circunstância fez que a aferição da presença ou da ausência das chamadas condições da ação deva ser feita mercê de juízos meramente hipotéticos. A uma tentativa de construção unitária já havia se insurgido Pekelis. O segundo consistiu e, confundir ação com pretensão e, por via de conseqüência, conferir o direito de ação também ao réu. E o terceiro foi a redução do campo da atividade jurisdicional. Para aceitar-se a posição de Liebman ter-se-ia que criar uma atividade estatal de natureza diversa das três existentes (executiva, legislativa e judiciária), para enquadrar aquela exercida pelo juiz ao decidir sobre as condições da ação; ou, o que é pior, atribuir a um

111

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 199-200.

112 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido

Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 200. 113

Cândido Rangel Dinamarco destaca que até 1970 quando foi instituída a lei do divórcio na Itália, Enrico Tullio Liebman, na 3ª edição de seu Manual, sentiu-se desencorajado em contemplar a possibilidade jurídica do pedido com uma das condições da ação, visto que era o clássico exemplo de pedido juridicamente impossível (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 204).

114 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido

Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 200.

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funcionário ou agente qualquer a competência para o exame destas condições.115

Essa teoria, conquanto suporte as críticas acima mencionadas, foi adotada

pelo ordenamento jurídico brasileiro, como se observa no teor dos arts. 3º e 267, VI

do Código de Processo Civil.116

Por fim, cabe dizer que a adequação da teoria de Enrico Tullio Liebman será

examinada com maior profundidade em tópico específico, de sorte que o capítulo a

seguir será reservado ao estudo das chamadas “condições da ação”.

115

GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 45-46.

116 BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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35

2AS CONDIÇÕES DA AÇÃO

Convém repisar, de início, que o Código de Processo Civil brasileiro de 1973

adotou a concepção eclética acerca do direito de ação, por meio da qual o direito de

ação consiste no “[...] direito ao julgamento do mérito da causa, julgamento esse que

fica condicionado ao preenchimento de determinadas condições, aferíveis à luz da

relação jurídica material deduzida em juízo”.117

A legitimidade de parte, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do

pedido são as denominadas “condições da ação”, as quais, embora tenham sido

assimiladas por Enrico Tullio Liebman no desenvolvimento da sua teoria a respeito

do direito de ação, desde muito já haviam sido cogitadas nos estudos pioneiros de

Adolph Wach118 e, posteriormente, de Giuseppe Chiovenda119.

À guisa de ilustração, torna-se oportuna a transcrição de excerto da obra de

Giuseppe Chiovenda no que atine às condições da ação:

Entendem-se como condições da ação as condições necessárias a que o juiz declare existente e atue a vontade concreta de lei invocada pelo autor, vale dizer, as condições necessárias para obter um pronunciamento favorável. Variam segundo a natureza do pronunciamento. Assim, se se pleiteia uma sentença condenatória, veremos que as condições para obtê-la normalmente são: 1º a existência de uma vontade de lei que assegure a alguém um bem obrigando o réu a uma prestação; 2º a qualidade, isto é, a identidade da pessoa do autor com a pessoa favorecida pela lei e da pessoa do réu com a pessoa obrigada; 3º o interesse em conseguir o bem por obra dos órgãos públicos.120

Nada obstante, entende Giuseppe Chiovenda que as condições da ação

referem-se a condições de atuação da vontade da lei para um pronunciamento

favorável (e, portanto, de mérito); à medida que Enrico Tullio Liebman entende que

117

DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 207.

118 GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 31. 119

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2000, v.1, p. 89-90.

120 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2000,

v.1, p. 89.

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36

tais condições precedem a análise do mérito, de modo a encerrar num julgamento

favorável ou desfavorável ao autor.121

Nesse particular, cabe mencionar que é tormentosa a trajetória do status

conferido às condições da ação, podendo-se valer das palavras de Humberto

Theodoro Júnior para corroborar tal afirmação:

Não é pacífica, na doutrina, a questão pertinente à determinação da natureza jurídica das condições da ação. Há correntes que as assimila, ao próprio mérito da causa, de sorte que só haveria, concretamente, o binômio pressupostos processuais-mérito. Outras colocam as condições da ação numa situação intermediária entre os pressupostos processuais e o mérito da causa, formando um trinômio entre as três categorias do processo.122

Em igual norte, Leonardo Greco não olvidou de advertir sobre a controvérsia

da natureza jurídica das condições da ação:

Na doutrina italiana e em todos os sistemas processuais que sofreram a sua influência, fala-se de condições da ação, embora em sentidos bastante diversos. No direito alemão, essas condições são tratadas como pressupostos processuais relativos ao objeto litigioso.123

Nessa ordem de idéias, vale dizer, a doutrina da ação como direito concreto

divide o amplo e complexo material apresentado ao juiz para que ele possa

examinar os pedidos articulados pelas partes em pressupostos processuais e

condições da ação (teoria do binômio).124

Para esta doutrina, os pressupostos processuais são compreendidos como

condições que visam à obtenção de um pronunciamento qualquer, favorável ou

desfavorável (pressupostos do exame do mérito). Em sua vez, as condições da ação

encerram num julgamento favorável ao autor (requisitos do mérito propriamente

dito).125

De outra parte, a parcela da doutrina que confere à ação o caráter abstrato

distingue os requisitos de admissibilidade da ação e o mérito da causa,

considerando-os categorias autônomas. Nessa acepção, os pressupostos

121

ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 136.

122 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 66. 123

GRECO, Leonardo. A teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003, p. 17. 124

BUZAID, Alfredo. Estudos e pareceres de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 113.

125 BUZAID, Alfredo. Estudos e pareceres de direito processual civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002, p. 113.

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processuais são mantidos como categoria autônoma, pelo que exsurge o trinômio

pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa.126

Para melhor ilustrar a idéia do trinômio pressupostos processuais, condições

da ação, e mérito da causa, extrai-se fragmento da obra de Alfredo Buzaid:

Ação e processo não se identificam. A ação antecede o processo e dá causa ao seu nascimento. O processo pode extinguir-se por nulidade ou por outro motivo e a ação subsiste imprejudicada, podendo o interessado repropô-la. A ação preexiste e pode subsistir ao processo, ao passo que este só se inicia pelo direito de ação. As condições da ação igualmente não se confundem com o mérito da causa. Consiste este no julgamento da procedência ou improcedência do pedido. Assim a falta de possibilidade jurídica, de legitimidade, ou de interesse processual não tem o efeito de produzir uma sentença definitiva de rejeição no mérito, antes apenas uma decisão de que o autor é carecedor de ação. Sendo o objeto do processo, a questão de mérito é a “questão principal” e de ordinário a “última” a ser decidida. Normalmente o juiz começa pela análise dos pressupostos do processo, a fim de verificar se a relação se constituiu e se desenvolveu regularmente. Superada esta fase, examinará se concorrem os requisitos de admissibilidade da ação. Isto posto, ingressará afinal no mérito da causa. Esta ordem lógica de apresentação das questões é puramente hipotética, porque não há entre elas uma separação cronológica, de forma que uma necessariamente preceda a outra. Na prática podem elas surgir simultaneamente, ou em ordem inversa.127

Dessarte, sem mais delongas, há que se ressaltar que o sistema processual

civil brasileiro, nitidamente, contempla a teoria do trinômio, segundo a qual há três

grandes categorias fundamentais do processo – pressupostos processuais,

condições da ação e mérito da causa –, que embora inter-relacionadas, não se

confundem.128

Vale lembrar que embora seja a ação dotada até certo ponto de caráter

genérico e abstrato, por expressa disposição constitucional (art. 5º, inc. XXXV da

CRFB/88), tal circunstância não impede que ela seja submetida ao preenchimento

de determinadas condições impostas pelo legislador ordinário.129

Nesse contexto, recorda Luiz Guilherme Marinoni que há distinção entre a

ação proposta e a ação exercida, pelo que tais condições a esta se referem:

126

BUZAID, Alfredo. Estudos e pareceres de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 118.

127 BUZAID, Alfredo. Estudos e pareceres de direito processual civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002, p. 118. 128

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, v.1, p. 356.

129 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini.

Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 276.

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O direito de ação de base constitucional não pode ser limitado a um ato de provocação da jurisdição, pois deve dar ao cidadão a possibilidade de obter a efetiva proteção do direito material violado ou ameaçado de lesão. Porém, para que o autor possa obter a tutela do direito material, ele deve exercer a ação – ou atuar ou agir em juízo. Nesse sentido, a ação não é meramente proposta, mas sim exercida, desenvolvendo-se com o fim de permitir o julgamento do mérito e, no caso de reconhecimento do direito material, a tutela jurisdicional que seja realmente capaz de protegê-lo. De modo que as condições da ação somente podem ser requisitos para o seu pleno exercício. Esses requisitos têm relação com o mérito e, dessa forma, não podem ser considerados requisitos para a existência da ação. Tais requisitos são os primeiros degraus para a apreciação do mérito – e, nessa direção, para o reconhecimento do direito.130

Apropriadas, também, as palavras de Fredie Didier Júnior ao certificar que

as condições da ação referem-se à “ação exercida”:

[...] as condições da ação não são da “ação abstrata”, constitucionalmente garantida, mas, sim, da “ação exercida”, concretamente visualizada na demanda: pedido, causa de pedir e partes. À luz desses elementos é que se examinam as condições da ação.131

As condições da ação, como há pouco mencionado, para os arautos da

teoria eclética a respeito do direito de ação – e perfilhada pelo Código de Processo

Civil brasileiro de 1973 – são três: a) a legitimidade de parte; b) o interesse de agir; e

c) a possibilidade jurídica do pedido.132

Impende salientar, entretanto, que Enrico Tullio Liebman a partir da terceira

edição do seu Manual de Direito Processual Civil deixou de contemplar a

possibilidade jurídica do pedido como condição da ação.133

Isso porque na Itália, no ano de 1970, entrou em vigor a lei do divórcio,

razão do que Enrico Tullio Liebman – como bem lembra Cândido Rangel Dinamarco

em nota na obra traduzida do autor – “[...] sentiu-se desencorajado de continuar a

incluir a possibilidade jurídica entre as condições da ação (afinal, esse era o principal

exemplo de impossibilidade jurídica da demanda)”.134

130

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo Civil: teoria geral do processo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008, v.1, p. 181-182.

131 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade

do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 211-212. 132

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 55. 133

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 204

134 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido

Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 204.

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39

Em seqüência, veio a lume, no ano de 1973, o Código de Processo Civil

brasileiro, mesmo ano em que Enrico Tullio Liebman – adotando novo

posicionamento quanto à existência de três condições da ação – renunciou à

possibilidade jurídica do pedido como condição da ação.135

Por conseguinte, sendo Alfredo Buzaid discípulo de Enrico Tullio Liebman e

autor do anteprojeto do Código de Processo Civil brasileiro de 1973, não há dúvida

quanto à adoção das idéias deste por parte daquele na composição do panorama

processual civil pátrio, de modo que contemplada está a possibilidade jurídica do

pedido como condição da ação.136

Nesse quadro, em momento brilhante, explana Fredie Didier Júnior:

Entendemos que o legislador, além de incoerente em vários pontos, andou mal em seguir deliberadamente uma teoria que, à época, já havia sido revista, ainda que em parte, por seu pai (como é sabido, LIEBMAN, na 3ª edição de seu “Manuale” já não mais mencionava a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação).137

Enrico Tullio Liebman também já se manifestou favorável à adoção de um

quarto grupo das condições da ação:

São condições da ação a possibilidade jurídica, o interesse processual e a legitimação. Além disso, inclui-se na mesma categoria a falta de fatos extintivos da ação, como a coisa julgada e a perempção da ação conseqüente a três absolvições da instância [...] e de fatos suspensivos da ação, como o beneficium excussionis.138

Ao definir a categoria das condições da ação, Cândido Rangel Dinamarco

leciona que estas

[...] constituem faixas de estrangulamento entre o direito processual e o substancial, sabido que é sempre da situação da vida lamentada pelo demandante, em associação com o resultado jurídico-substancial pretendido, que resultam a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade de parte.139

Em sentido semelhante, Leonardo Greco ensina que as condições da ação

afiguram-se como

135

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 204.

136 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed.

rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 83. 137

DIDIER JR., Fredie. Um réquiem às condições da ação: Estudo analítico sobre a existência do instituto. Disponível em <http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B090C3970-2C5E-423E-9D19-26ECDDC04872%7D_028.pdf>. Acesso em: 28 out. 2010.

138 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004, p.

93. 139

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 300.

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[...] requisitos da existência do direito ao exercício da função jurisdicional sobre determinada pretensão de direito material. Sem elas, as partes não devem ter direito à jurisdição, a um provimento jurisdicional que possa vir a assenhoreá-las do bem da vida postulado. À sua falta, a movimentação da máquina judiciária seria abusiva e ilícita, pois são elas que justificam e fundamentam a necessidade da intervenção judicial nas relações jurídicas entre particulares ou entre estes e o Estado.140

E ainda, sobre as condições da ação, faz-se necessária a reprodução do

pensamento de Humberto Theodoro Júnior:

São verdadeiras questões prejudiciais de ordem processual e que, por isso mesmo, não se podem confundir com o mérito da causa, já que nada têm a ver com justiça ou injustiça do pedido ou com a existência ou inexistência do direito material controvertido entre os litigantes.141

A ausência de uma das condições da ação, no direito brasileiro, encerra na

prolação de uma sentença que, de imediato, extingue o processo sem a resolução

do mérito (art. 267, inc. VI do CPC), de ofício pelo juiz da causa ou a requerimento

da parte, pelo que é declarado o fenômeno conhecido como “carência de ação” (art.

301, inc. X do CPC).142

Acerca do fenômeno “carência de ação” é de fundamental importância a

análise feita por Ovídio A. Baptista da Silva:

Se o juiz constatar que o pedido formulado não é admitido, nem hipoteticamente, pelo ordenamento jurídico, perante o qual esse pedido seria, em tese, impossível; ou se ficar evidenciado que o autor não tem interesse legítimo na tutela que pretende; ou que ele não é o legitimado para agir, ou o demandado não o é para responder a ação como réu (legitimatio ad causam, ativa e passiva), então deverá pronunciar uma sentença declarando o autor carecedor da ação, sem, todavia, dizem os partidários da “teoria eclética”, julgar o mérito da causa, pois precisamente a presença de tais condições é que tornaria possível o julgamento da lide. Inexistente que seja qualquer uma das três condições da ação, o processo deve encerrar-se sem que o juiz decida o mérito da causa.143

No que tange à expressão “carência de ação”, adverte Rodrigo da Cunha

Lima Freire:

O uso da expressão, entretanto, é inconveniente, pois, apesar da posição esposada por Liebman, no sentido de que o não preenchimento de uma das condições da ação implica a inexistência

140

GRECO, Leonardo. A teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003, p. 18. 141

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 67.

142 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed.

rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 83. 143

SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil: processo de conhecimento. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 1, p. 90.

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da própria ação, o que se pode limitar, em verdade, é o exercício da ação, e não a sua existência. Carência significa falta, privação ou ausência, e desta forma, melhor seria falar em carência de condição da ação.144

De toda sorte, desse breve apanhado, lembra Fredie Didier Júnior que “as

condições da ação aparecem, em nosso Código, como requisitos de admissibilidade:

o mérito somente poderá ser examinado se todas as condições da ação estiverem

presentes”.145

Kazuo Watanabe, de igual modo, informa que “[...] não confere às „condições

da ação‟ o sentido de condições de existência da ação, e sim condições para o

exame do mérito da causa”.146

Ultrapassadas, portanto, essas considerações preliminares – ainda que

superficialmente –, os tópicos a seguir reservar-se-ão ao breve estudo das

condições da ação.

2.1INTERESSE DE AGIR

O interesse de agir, como uma das condições da ação, é contemplado pelo

ordenamento jurídico brasileiro, no art. 3º, do CPC, o qual prevê que “[...] para

propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”.147

Essa condição, de modo geral, fixa-se na premissa de que, conquanto tenha

o Estado avocado para si o exercício da jurisdição, não convém seja acionado o

Poder Judiciário quando inviável a extração de um resultado útil desta modalidade

de atividade.148

144

FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 83-84.

145 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade

do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 212. 146

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 56. 147

BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 148

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 277.

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Para José de Albuquerque Rocha, “o interesse de agir é, justamente, essa

necessidade que tem alguém de recorrer ao Estado e dele obter proteção para o

direito que julgue ter sido violado ou ameaçado de violação”.149

No entanto, cumpre advertir, desde logo, que inúmeras acepções relativas

ao conteúdo e ao significado são conferidas à expressão interesse de agir150, de

modo a existir, pelo menos, três grandes correntes que buscam explicar esse

fenômeno.151

Assim, de forma mais corriqueira, há aqueles que confundem o interesse de

agir com o interesse substancial.152

Nessa perspectiva, Salvadore Satta, citado por Rodrigo da Cunha Lima

Freire, afirma que “[...] não existe um direito de agir desvinculado do interesse

substancial juridicamente protegido”.153

Entretanto, atenta-se para o fato de que é inconfundível o interesse

substancial do processual, porquanto este se afigura como instrumental e

secundário, em razão de proteger aquele.154

Nesse ponto, Enrico Tullio Liebman ensina que o interesse de agir distingue-

se do “[...] interesse processual para cuja proteção se intenta a ação, da mesma

maneira como se distinguem os dois direitos correspondentes: o substancial que se

afirma pertencer ao autor e o processual que se exerce para a tutela do primeiro”.155

No mesmo sentido, preservando a independência do interesse substancial e

processual, explicita Arruda Alvim:

[...] os interesses substancial e processual são independentes, embora este último emerja da insatisfação do interesse substancial. É ele um interesse que há de ser admitido com mais amplitude do que o interesse primário, e deste derivado, bastando que haja mera

149

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 183. 150

FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 144.

151 SAMPIETRO, Luiz Roberto Hijo. Das Teorias sobre a ação e da Análise Crítica sobre as

Condições da Ação. Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), São Paulo, n. 79, out. 2009, p. 58.

152 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed.

rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 144. 153

FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 144.

154 MAGGIO, Marcelo Paulo. Condições da ação: com ênfase à ação civil pública para a tutela dos

interesses difusos. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 72. 155

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 206.

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possibilidade da presença do direito material para a existência do de índole processual. Existindo o interesse processual, deverá o juiz admitir a ação. Para essa admissão, terá o juiz que ter raciocinado sobre a possibilidade da presença do direito material, o qual será, in concreto, constatado na sentença, à luz das provas, e quase sempre depois de discussão.156

Noutro norte, há aqueles que compreendem o interesse de agir como

resultado do binômio “necessidade e adequação”.

Com propriedade, Cândido Rangel Dinamarco preleciona que

Existem dois fatores sistemáticos muito úteis para a aferição do interesse de agir, como indicadores da presença deles: a necessidade da realização do processo e a adequação do provimento jurisdicional postulado.157

Entende-se por “necessidade” quando o autor, sem lançar mão do processo

– instrumento indispensável para o efetivo exercício da atividade jurisdicional – seria

incapaz de obter o bem da vida almejado.158 A exemplo disto, “[...] seria a demanda

de condenação do devedor que já houvesse posto o valor do débito à disposição do

credor”.159

Por sua vez, a “adequação” reside na existência de certos procedimentos

instituídos pela legislação que visam à solução de diversas situações; isto é, deixará

de haver o interesse de agir quando a medida jurisdicional se mostrar inadequada,

segundo a lei, à resolução de determinada situação.160

Marcelo Paulo Maggio, neste aspecto, assevera que “[...] o remédio precisa

ser adequado à satisfação da situação afirmada pelo autor. Além disso, a escolha do

procedimento deve ser idônea para se alcançar a defesa pleiteada”.161

Por derradeiro, há aqueles que compreendem o interesse de agir sob o

ponto de vista do trinômio “necessidade, utilidade e adequação”, enaltecendo o

elemento interesse-utilidade do provimento jurisdicional.162

156

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, v. 1, p. 373.

157 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, v. 2, p. 305. 158

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 305.

159 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, v. 2, p. 305. 160

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 305-306.

161 MAGGIO, Marcelo Paulo. Condições da ação: com ênfase à ação civil pública para a tutela dos

interesses difusos. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 74.

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Nesse ângulo de visão, preleciona Rodolfo de Camargo Mancuso:

O interesse processual é hoje configurado pelo trinômio necessidade-utilidade-adequação, significando que a ação judicial: a) deve mostrar-se indispensável parra a obtenção do bem da vida pretendido e que não poderia ser obtido de outra forma; b) deve trazer uma utilidade prática para o autor, seja acrescentando algo à situação jurídica pré-processual; seja removendo o obstáculo lamentado; c) deve, corolariamente, apresentar-se adequada, proporcionada aos pedidos mediato e imediato perseguidos em juízo.163

A “utilidade”, pois, para esta corrente, está fundada na idéia de que o

acionamento da atividade jurisdicional deva proporcionar um resultado efetivamente

útil ao autor, de modo a conferir-lhe uma situação jurídica de vantagem.164

Para encerrar o exame sobre o interesse de agir, vale-se da conclusão

lograda por Enrico Tullio Liebman:

[...] o interesse de agir é representado pela relação entre a situação antijurídica denunciada e o provimento que se pede para debelá-la mediante a aplicação do direito; deve essa relação consistir na utilidade do provimento, como meio para proporcionar ao interesse lesado a proteção concedida pelo direito. Desaparecidas as ações típicas, vinculadas a cada uma das relações jurídicas substanciais, ele é o elemento característico da ação, ou seja: o elemento com base no qual a ordem jurídica mede a aptidão da situação jurídica deduzida em juízo [fattispecie] a colocar-se como objeto da atividade jurisdicional, verificando se a demanda se conforma aos objetivos do direito, sendo merecedora de exame.165

Portanto, esboçadas as características primordiais sobre o interesse de agir,

passa-se ao estudo da legitimidade de parte como condição da ação.

2.2LEGITIMIDADE DE PARTE

162

FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 162.

163 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceitos e legitimação para agir. 4. ed.

São Paulo: RT, 1997, p. 132. 164

MAGGIO, Marcelo Paulo. Condições da ação: com ênfase à ação civil pública para a tutela dos interesses difusos. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 74.

165 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido

Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 207.

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A noção preliminar de legitimidade de parte, como diz Enrico Tullio Liebman,

refere-se à titularidade ativa e passiva da ação.166

Nesse contexto, Cássio Scarpinella Bueno informa que a legitimidade de

parte “[...] relaciona-se à identificação daquele que pode pretender ser o titular do

bem da vida deduzido em juízo, seja como autor (legitimidade ativa), seja como réu

(legitimidade passiva)”.167

Quanto à terminologia, vale dizer, a legitimidade de parte também é

representada, no campo técnico, por meio das expressões legitimidade ad causam

ou legitimidade para agir.168

Segundo Enrico Tullio Liebman a legitimidade de parte pode ser

compreendida como

[...] a pertinência subjetiva da ação, isto é, a identidade entre quem a propôs e aquele que, relativamente à lesão de um direito próprio (que afirma existente), poderá pretender para si o provimento da tutela jurisdicional pedido com referência àquele que foi chamado em juízo.169

Com efeito, a idéia de pertinência subjetiva encontra-se relacionada com a

titularidade do autor em buscar sua pretensão em face do réu, pela qual depende

sempre da presença do vínculo entre o sujeito e causa170

Ademais, como lembra Humberto Theodoro Júnior, parte, sem sentido

processual “[...] é um dos sujeitos da relação processual contrapostos diante do

órgão judicial, isto é, aquele que pede a tutela jurisdicional (autor) e aquele em face

de quem se pretende fazer atuar dita tutela (réu).171

Cabe dizer que a legitimidade de parte, como condição da ação, encontra-se

esculpida no Código de Processo Civil no art. 3º: “Para propor ou contestar ação é

166

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 208.

167 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do

direito processual civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, v.1, p. 363. 168

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, v.1, p. 363.

169 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido

Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 211. 170

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 306.

171 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 71.

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necessário ter interesse e legitimidade”.172 Tal disposição faz referência à

denominada legitimação ordinária.173

É importante anotar, a título de exemplificação, as situações descritas por

Alexandre Freitas Câmara que configuram a denominada legitimação ordinária:

[...] na “ação de despejo” a legitimidade ativa (para ser autor) é daquele que se diz locador, enquanto a legitimidade passiva (ou seja, para figurar como demandado) é daquele que o autor apontou como sendo o locatário. Da mesma forma, em uma “ação de cobrança”, legitimado ativo será aquele que se diz titular de um direito de crédito, e legitimado passivo aquele apontado pelo autor como devedor.174

No que concerne, ainda, à legitimidade de parte, preconiza o Código de

Processo Civil, no art. 6º que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito

alheio, salvo quando autorizado por lei”.175

A ressalva final do dispositivo supracitado faz alusão à denominada

legitimação extraordinária, a qual autoriza – nos casos previstos em lei – que uma

pessoa ingresse em juízo para defender os interesses de outrem.176

Nessa direção, valedoura a observação de Moacyr Amaral Santos:

Às vezes, entretanto, a lei concede direito de ação a quem não seja o titular do interesse substancial, mas a quem se propõe a defender o interesse de outrem. Assim, no caso do gestor de negócio, em defesa do interesse do gerido; no do marido, em defesa dos bens dotais da mulher. Nesses casos, de legitimação extraordinária, surge a figura do substituto processual [...].177

Acerca da legitimação extraordinária, revela-se preciosa a anotação feita por

Antônio Carlos de Araújo Cintra, Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini

Grinover:

A Constituição Federal, contudo, ampliou sobremaneira os estreitos limites do art. 6º do Código de Processo Civil, que vinha sendo criticado pela doutrina por impedir, com seu individualismo, o acesso ao Poder Judiciário (sobretudo para a defesa de interesses difusos e coletivos). O caminho evolutivo havia se iniciado pela implantação legislativa da denominada ação civil pública em defesa do meio

172

BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 173

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1, p. 167.

174 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 16. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 129. 175

BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 176

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 307.

177 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo:

Saraiva, 1995, v. 1, p. 167.

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ambiente e dos consumidores, à qual a lei 7.347, de 24 de julho de 1985, legitimou, além do Ministério Público e de outros órgãos do Poder Público, as associações civis representativas; e foi depois incrementado pela Constituição de 1988, que abriu a legitimação a diversas entidades para a defesa de direitos supra-individuai (art. 5º, incs. XXI e LXX; art. 129, inc. III e § 1º, art. 103 etc.) O Código de Defesa do Consumidor seguiu a mesma orientação (art. 82, c/c art. 81, par.).178

É de palmar evidência que a legitimidade de parte (condição da ação), no

âmbito do processo, não se confunde com a capacidade processual (pressuposto

processual).179

A legitimidade de parte resume-se na atribuição específica para deduzir

concretamente em juízo, outorgada pelo direito objetivo às partes envolvidas no

litígio, com a ressalva de que poderá a lei autorizar casos em que alguém pleiteie

direito alheio.180

Por seu turno, a capacidade processual consiste na aptidão genérica para

operar em juízo, relacionando-se fundamentalmente à capacidade de exercício ou

de fato civil (v.g., são dotados de capacidade processual aqueles indicados pela

legislação substantiva como capazes).181

Dessarte, delineadas as principais características da legitimidade de parte,

convém elucidar que maiores desdobramentos sobre o assunto extrapolariam os

limites deste trabalho, de sorte que o item a seguir cuidará de estudar – também de

maneira simplificada – a possibilidade jurídica como condição da ação.

2.3POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

178

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 278.

179 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1997, v. 1, p. 375. 180

FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 136.

181 MAGGIO, Marcelo Paulo. Condições da ação: com ênfase à ação civil pública para a tutela dos

interesses difusos. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 68.

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48

A terceira condição da ação admitida pelo Código de Processo Civil

brasileiro é a possibilidade jurídica do pedido.182

Cândido Rangel Dinamarco, em nota na obra Manual de Direito Processual

Civil de Enrico Tullio Liebman, que por ele foi traduzida, aponta que

[...] o terceiro requisito da ação é representado pela admissibilidade em abstrato do provimento pedido, isto é, pelo fato de incluir-se este entre aqueles que a autoridade judiciária pode emitir, não sendo expressamente proibido. Quaisquer que sejam as circunstâncias do caso concreto, não pode ser apreciada pelo mérito uma demanda com vista a um provimento que o juiz não possa pronunciar.183

Segundo Arruda Alvim, a possibilidade jurídica do pedido estriba-se na idéia

de que “[...] ninguém pode intentar uma ação sem que peça providência que esteja,

em tese, prevista, ou que a ela óbice não haja, no ordenamento jurídico material”.184

Para José de Albuquerque Rocha, a possibilidade jurídica do pedido traduz-

se na “[...] exigência de que a situação afirmada pelo autor seja, em tese, protegida

pelo ordenamento jurídico para que possa ser susceptível de merecer o

conhecimento do juiz”.185

Por sua vez, Moacyr Amaral Santos afirma que a possibilidade jurídica do

pedido “[...] é condição que diz respeito à pretensão. Há possibilidade jurídica do

pedido quando a pretensão, em abstrato, se inclui entre aquelas que são reguladas

pelo direito objetivo”.186

Em simples palavras, dizer que o pedido é juridicamente possível condiz

com a não vedação no ordenamento jurídico da solicitação formulada pelo autor

para satisfazer sua pretensão.187

A construção teórica formulada por Cândido Rangel Dinamarco apresenta-se

como a mais adequada para explicar a possibilidade jurídica do pedido:

Para que a demanda seja juridicamente possível, é necessária a compatibilidade de cada um de seus elementos com a ordem

182

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, v.1, p. 363.

183 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido

Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 205. 184

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, v. 1, p. 370.

185 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 176.

186 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo:

Saraiva, 1995, v. 1, p. 166. 187

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2003, v. 1, p. 236.

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jurídica. O petitum é juridicamente impossível quando se choca com preceitos de direito material, de modo que jamais poderá ser atendido, independentemente dos fatos e das circunstâncias do caso concreto (pedir o desligamento de um Estado da Federação). A causa petendi gera a impossibilidade da demanda quando a ordem jurídica nega que fatos como os alegados pelo autor possam gerar direitos (pedir a condenação com fundamento em dívida de jogo). As partes podem ser causa de impossibilidade jurídica, como no caso da Administração pública, em relação à qual a Constituição e lei negam a possibilidade de execução mediante penhora e expropriação pelo juiz (Const., art. 100; CPC, arts. 730 ss.).188

No mesmo sentido, explana Cássio Scarpinella Bueno:

Descrevendo o instituto em linguagem técnica, esta condição da ação refere-se tanto à proibição do pedido propriamente dito como também da causa de pedir [...]. O pedido ou a sua causa de pedir, portanto, não podem ser “impossíveis” [...].189

Portanto, denota-se que a possibilidade jurídica do pedido não é restrita tão-

somente ao objeto que se pleiteia em juízo, como também “[...] a da causa, ou

origem jurídica do objeto e de seus sujeitos”.190

Enquanto condição da ação, a possibilidade jurídica do pedido figura no rol

das hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, previstas no art.

267 do Código de Processo Civil, caso em que será decretada a “carência de

ação”.191

Ocorrerá, pois, a extinção do processo sem a resolução do mérito (questão

de fundo) quando da incidência do inciso VI do art. 267 do Código de Processo Civil,

o qual prevê: “quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a

possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”.192

Malgrado há quem defenda que a possibilidade jurídica do pedido integre o

mérito da causa, uma vez que o juiz, ao reconhecer da possibilidade ou da

impossibilidade jurídica do pedido, estaria adentrando a questão de fundo do litígio,

de modo a proferir um julgamento favorável ou desfavorável autor.193

188

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 301.

189 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do

direito processual civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, v.1, p. 368. 190

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 176. 191

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 87.

192 BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

193 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed.

rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 132.

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Melhor sorte, todavia, não assiste àqueles que entendem poder a

possibilidade jurídica do pedido integrar o mérito da causa, porquanto a posição

reinante no Código de Processo Civil é a de que as condições da ação constituem-

se requisitos prévios de admissibilidade do mérito.194

Por essa razão, portanto, convém restringir a possibilidade jurídica do pedido

ao campo processual.195

Nesse passo, lembra Humberto Theodoro Júnior que o pedido articulado

pelo autor é dúplice: “[...] 1º, o pedido imediato, contra o Estado, que se refere à

tutela jurisdicional; e 2º, o pedido mediato, contra o réu, que se refere à providência

de direito material”.196

Assim, a possibilidade jurídica deve se posicionar nos contornos do pedido

imediato, ou seja, nos casos em que a pretensão do autor não seja obstaculizada no

âmbito do direito positivo.197

Em virtude disso, o estatuto processual civil brasileiro distinguiu,

expressamente, os casos de impossibilidade jurídica do pedido imediato e do pedido

mediato no art. 295, parágrafo único, incisos II e III.198

A propósito, apropriada a observação projetada por Rodrigo da Cunha Lima

Freire:

Aliás, o Código brasileiro, em certo sentido, estabelece uma hierarquia entre as condições genéricas da ação, ao considerar a impossibilidade jurídica do pedido uma causa de inépcia da petição inicial, diferentemente do que ocorre com as demais (legitimidade para a causa e interesse de agir).199

Na hipótese de inépcia da petição inicial prevista no inciso II, do parágrafo

único, do art. 295 do Código de Processo Civil, quando “da narração dos fatos não

decorrer logicamente a conclusão”200, verifica-se que o indeferimento acarretará no

194

MAGGIO, Marcelo Paulo. Condições da ação: com ênfase à ação civil pública para a tutela dos interesses difusos. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 77.

195 MAGGIO, Marcelo Paulo. Condições da ação: com ênfase à ação civil pública para a tutela dos

interesses difusos. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 77. 196

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 68.

197 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 68. 198

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 68.

199 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed.

rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 133. 200

BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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exame do mérito, com a improcedência prima facie do pedido, de modo a constituir

coisa julgada material (impossibilidade de direito material ou do pedido mediato).201

Corroborando tal entendimento, reproduz-se a lição de Vicente Greco Filho:

Cabe observar que a rejeição da ação por falta de possibilidade jurídica deve limitar-se às hipóteses claramente vedadas, não sendo o caso de se impedir a ação quando o fundamento for injurídico, pois, se o direito não protege determinado interesse, isto significa que a ação deve ser julgada improcedente e não o autor carecedor de ação. Assim, por exemplo, se alguém pede o despejo, em contrato de locação residencial, por motivo não elencado na Lei de Inquilinato e isto for, afinal, verificado, o juiz deverá julgar a ação improcedente e não o autor carecedor da ação. Isto porque o pedido era juridicamente possível (despejo), mas seu fundamento não está amparado pela lei.

Ademais, lembra Humberto Theodoro Júnior que “[...] não há razão séria

para tratar fora do mérito da causa questão como a cobrança de dívida de jogo, ou a

disputa sobre a herança de pessoa viva”.202

Entretanto, na hipótese do inciso III, parágrafo único, do art. 295 do Código

de Processo Civil, pela qual a inépcia é declarada quando “o pedido for

juridicamente impossível”203, é que se terá a possibilidade jurídica do pedido como

verdadeira condição (impossibilidade de direito instrumental ou do pedido

imediato).204

Isso porque “[...] o que o juiz vai decidir é que o pedido de tutela jurisdicional

é insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário, sem cogitar sua procedência ou

improcedência diante das regras substancias da ordem jurídica”.205

Nesse caso, não ocorrerá coisa julgada material, de modo a permitir que o

autor proponha nova ação. Exemplo disso é o caso em que se pede a prisão por

dívida que não seja de caráter alimentar.206

201

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 68.

202 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 69. 203

BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 204

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 68.

205 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, v. 1, p. 68. 206

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 87.

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52

Adverte-se, contudo, que não é fácil distinguir os casos de impossibilidade

jurídica do pedido (carência de ação) e improcedência do pedido (julgamento do

mérito).207

Finalmente, cumpre observar que a possibilidade jurídica do pedido,

enquanto condição da ação, como dito linhas atrás, foi suprimida da concepção de

Enrico Tullio Liebman, mercê do advento da lei do divórcio na Itália, no ano de 1970,

não sendo demais recordar que a tendência moderna caminha no sentido de

desconsiderá-la como requisito de admissibilidade do mérito da causa.208

2.4UTILIDADE DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO

De tudo que foi exposto, cabe verificar, neste momento, a importância das

condições da ação no panorama processual civil brasileiro.

Ao discorrer sobre a utilidade sistemática da técnica das condições da ação,

Cândido Rangel Dinamarco explica que

Caracterizada a ação como direito ao processo, as razões éticas e econômicas que legitimam seu condicionamento a requisitos aconselham que aquele se extinga e portanto não prossiga, sempre que faltar alguma das condições da ação. [...] Não seria ético nem econômico dar seqüência a um processo que nada produzirá de efetivo na vida dos litigantes.209

Outrossim, louvável a colocação de Leonardo Greco sobre a utilidade das

condições da ação:

Creio que a necessidade das condições da ação resulta, destarte, das garantias fundamentais do Estado de Direito, que se impõe o dever se assegurar a eficácia concreta dos direitos dos cidadãos. Essa eficácia estará completamente comprometida se o titular do direito puder ser molestado, sem qualquer limite, no seu pleno gozo, por ações temerárias ou manifestamente infundadas contra ele propostas. Essa necessidade transparece com mais vigor, se se

207

DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 226.

208 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade

do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 227. 209

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 315.

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53

considera que na sociedade moderna existem relações de força, e que a litigiosidade de muitos direitos e a sua perpetuação, decorrente da morosidade da justiça, certamente favorecem aqueles sujeitos de direito que têm mais condições de suportá-las, impondo aos mais fracos a subordinação à sua vontade ou a aceitação de acordos iníquos, sob pena de nunca gozarem em plenitude desses direitos.210

Antônio Carlos de Araújo Cintra, Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini

Grinover prelecionam que “a exigência da observância das condições da ação deve-

se ao princípio da economia processual [...]”.211

Embora discorde da adoção de tal instituto, lembra Fredie Didier Júnior que

“[...] costuma-se dizer que a técnica das condições da ação tem por fundamento a

economia processual, evitando que um processo inviável se prolongue à toa”.212

José de Albuquerque Rocha dá razão às condições da ação em face de sua

função político-ideológica:

As condições da ação não são conceitos universais e necessários, como faz crer a doutrina. Em outros termos, essas condições da ação não têm uma existência eterna e imutável, ou seja, elas dependem de cada ordenamento jurídico e são condicionadas pelas realidades sociais. Portanto, são conceitos históricos, isto é, mutáveis no tempo e no espaço, e dotados de uma clara função político-ideológica na sociedade.213

A seu turno, Marcelo Abelha Rodrigues entende que as condições da ação

“[...] funcionam como um filtro, uma peneira, das demandas que serão ou não

julgadas”.214

Nesse diapasão, é importante notar que o art. 267, § 3º do Código de

Processo Civil, no intuito de preservar a ética e a economia do processo, autoriza o

juiz a conhecer ex officio, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não

proferida uma sentença de mérito, a ausência de qualquer uma das condições da

ação, extinguindo desde logo o processo, por se tratar, acima de tudo, de matéria de

ordem pública.215

210

GRECO, Leonardo. A teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003, p. 27. 211

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 276.

212 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade

do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 213. 213

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 185. 214

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2003, v. 1, p. 235.

215 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, v. 2, p. 315.

Page 55: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DANFLAUER ANTUNES …

54

Nessa direção, Cândido Rangel Dinamarco alerta que o juiz deverá

conhecer logo na primeira oportunidade que lhe couber a ausência de qualquer das

condições da ação:

Por isso, a ordem processual desaconselha vivamente a prática de adiar a apreciação das condições da ação, mediante o clássico e pernicioso despacho as preliminares confundem-se com o mérito e com ele serão decididas. Isso só se justifica quando a verificação das condições está vinculada a fatos ainda não provados. Tratando-se de matéria de direito ou estando clara a situação de fato, tem o juiz o dever de manifestar-se, realizando estudos para isso quando o tema for controvertido ou difícil – jura novit curia.216

Em apertada síntese, observa-se que as condições da ação têm por escopo

mitigar o exercício ilimitado da denominada “ação abstrata”, de modo a contribuir

para que o Estado e a sociedade não despendam recursos financeiros

desnecessários, como também de evitar o sobrecarregamento dos órgãos

judiciários, se caso inexista um resultado prático que justifique a propositura de uma

demanda.217

Portanto, examinadas as condições da ação, caminha-se, neste momento,

em direção ao tema a ser estudado, qual seja, a análise das condições da ação à luz

da teoria da asserção.

216

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 315-316.

217 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, v. 2, p. 315.

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55

3A COGNIÇÃO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO

Dizer que o exercício do direito de ação está condicionado a certos

requisitos (diga-se de passagem: às “condições da ação”) não é tão aceitável quanto

parece – ao menos em nível doutrinário –, tendo em vista a disposição constitucional

de que “[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito” (art. 5º, XXXV, da CRFB/88).218

Paulo de Tarso Brandão lembra muito bem que “[...] a maior gravidade do

estabelecimento de condições para a ação está no âmbito constitucional, por ser

uma afronta ao princípio do acesso à justiça”.219

Galeno Lacerda não titubeou ao cotejar a teoria de eclética de Enrico Tullio

Liebman com a teoria concreta a respeito do direito de ação formulada por Adolph

Watch:

Entendemos de inteira procedência o esquema clássico depurado das implicações com a teoria do direito concreto de agir. Qualquer que seja o resultado da sentença, favorável ou desfavorável, há-de exigir-se do autor, para a aceitação processual do pedido, existência de norma que o autorize (ou possibilidade jurídica, segundo fórmula de LIEBMAN), legitimação para a causa e interesse.220

Trocando em miúdos, as críticas atribuídas às condições da ação, portanto,

estão relacionadas à decisão que ao acolhê-las extinguirá o processo sem o exame

do mérito, pelo que sequer haverá ocorrido o exercício do direito de ação (“carência

de ação”), tampouco a imutabilidade da sentença por coisa julgada material.221

Essa concepção acerca do direito de ação, adotada pelo ordenamento

jurídico brasileiro, como dito há pouco, é fruto da teoria eclética de Enrico Tullio

Liebman, o qual afirmava que “as condições da ação [...] são os requisitos

218

DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 210-212.

219 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Condições da ação e o princípio constitucional do acesso à

justiça. In: Direito e processo: Estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 775.

220 LACERDA, Galeno. Despacho Saneador. 2. ed. Porto Alegre: Fabris. 1985, p. 77.

221 DIDIER JR., Fredie. Um réquiem às condições da ação: Estudo analítico sobre a existência do

instituto. Disponível em <http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B090C3970-2C5E-423E-9D19-26ECDDC04872%7D_028.pdf>. Acesso em: 28 out. 2010.

Page 57: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DANFLAUER ANTUNES …

56

constitutivos da ação. Estando presentes, esta deve ser considerada existente,

como direito a provocar o exame e decisão do mérito”.222

Aliás, não é demais lembrar o pensamento de Enrico Tullio Liebman sobre

jurisdição:

Entendendo por jurisdição a atividade do poder judiciário, destinada a realizar a justiça mediante a aplicação do direito objetivo às relações humanas intersubjetivas, no processo de cognição somente a sentença que decide a lide tem plenamente a natureza de ato jurisdicional, no sentido mais próprio e restrito. Todas as outras decisões têm caráter preparatório e auxiliar: não só as que conhecem dos pressupostos processuais, como também as que conhecem das condições da ação e que, portanto, verificam se a lide tem os requisitos para poder ser decidida. [...] Nessa fase preparatória o processo funciona, em certo sentido, como um filtro para evitar que haja exercício de jurisdição quando faltam os requisitos que a lei considera indispensáveis para que se possam alcançar resultados satisfatórios.223

Para Eduardo Ribeiro de Oliveira “a aceitar-se integralmente a doutrina de

Enrico Tullio Liebman, ter-se-ia processo sem ação, muito embora não iniciado de

ofício”.224 “Seria negar natureza jurisdicional ao juízo de admissibilidade”, conforme

assevera Fredie Didier Júnior.225

Por essa razão, Rodrigo da Cunha Lima Freire admite que mesmo diante da

ausência de uma condição da ação “[...] será realizada atividade jurisdicional, pois,

além do direito a um julgamento da lide, todos possuem o direito a uma decisão

sobre a possibilidade de ser decidida a própria lide”.226

Ademais, Fredie Didier Júnior não isenta de equívoco o legislador

infraconstitucional “[...] ao regrar a produção de coisa julgada material das sentenças

que declaram a chamada carência de ação, pois finge não se analisar a relação

jurídica de direito material quando se reconhece a carência de ação”.227

222

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil.. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 212.

223 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004, p.

96-97. 224

OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido, 1987. In: DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 210.

225 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade

do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 210-212. 226

FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 65.

227 DIDIER JR., Fredie. Um réquiem às condições da ação: Estudo analítico sobre a existência do

instituto. Disponível em <http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B090C3970-2C5E-423E-9D19-26ECDDC04872%7D_028.pdf>. Acesso em: 28 out. 2010.

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Com desmedida ousadia, perquire Fredie Didier Júnior:

Ora, quem foi que disse que, ao dizer o direito (“júris dicere”, “jurisdizer”, jurisdição), o juiz apenas aplica o direito material? Onde isso está escrito? No Decálogo, Corão ou Talmud? [...] Limitar o direito de ação apenas à declaração de cabimento ou não de determinada fattispecie prevista na lei material (“si riferisce ad uma fattispecie determinata ed esattamente individuata”), fazendo pouco caso do próprio direito objetivo formal, é, também, violentamente e sem autorização, restringir o conceito de jurisdição, que se tornaria mera aplicação do direito material, ou considerar o direito objetivo formal não é, nem nunca foi, digno de aplicação [...].228

Em virtude disso, Alexandre Freitas Câmara prefere designar as

tradicionalmente intituladas “condições da ação” como “requisitos do provimento

final”:

Não se mostra adequada a utilização da designação “condições”, uma vez que não se está aqui diante de um evento futuro e incerto a que se subordina a eficácia de um ato jurídico, sendo por esta razão preferível falar em requisitos. Ademais, não parece que se esteja aqui diante de requisitos da ação, pois esta, a nosso sentir, exista ainda que tais requisitos não se façam presentes, Mesmo quando ausente algumas das condições da ação, o que levará à prolação de sentença meramente terminativa, a qual não contém resolução do mérito, terá havido exercício de função jurisdicional.229

Eis a síntese formulada por Fredie Didier Júnior sobre a problemática

doutrinária da adoção da teoria proposta por Enrico Tullio Liebman:

a) em caso de carência de ação, não haveria direito de ação? E o que teria acontecido até o momento em que a sentença de carência foi prolatada? b) a sentença de carência de ação faz ou não coisa julgada material? c) é possível examinar a presença das condições da ação a qualquer tempo, mesmo que isso dependa de instrução probatória?230

Mais uma vez, Fredie Didier Júnior extrapola os limites razoáveis de reflexão

com as brilhantes indagações: “[...] o que seria, então, o espaço de tempo que

medeia a propositura da ação e o despacho saneador ou extinção liminar do

processo? Nada? Zona cinzenta? Não houve jurisdição? Não houve processo?”.231

228

DIDIER JR., Fredie. Um réquiem às condições da ação: Estudo analítico sobre a existência do instituto. Disponível em <http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B090C3970-2C5E-423E-9D19-26ECDDC04872%7D_028.pdf>. Acesso em: 28 out. 2010.

229 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 16. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 128. 230

DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 209-210.

231 DIDIER JR., Fredie. Um réquiem às condições da ação: Estudo analítico sobre a existência do

instituto. Disponível em <http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B090C3970-2C5E-423E-9D19-26ECDDC04872%7D_028.pdf>. Acesso em: 28 out. 2010.

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58

Como é de se perceber – não esquecidas as demais indagações – o ponto

nodal da problemática, para o presente trabalho, gira em torno da decisão que, ao

constatar a inexistência de uma das condições da ação, extinguirá o processo sem o

exame do mérito (lide) e, de conseguinte, não se sujeitará à imutabilidade da coisa

julgada material, aos olhos do seu caráter meramente terminativo, assim como não

haverá ocorrido atividade jurisdicional.

Dessa forma, esboçados os principais problemas a serem enfrentados com

a adoção do instituo “condições da ação”, necessário se ter em mente a noção de

coisa julgada material e coisa julga formal.

3.1COISA JULGADA MATERIAL E COISA JULGADA FORMAL

A distinção conceitual entre coisa julgada material e coisa julgada formal

ostenta relevante importância na compreensão do presente trabalho, tendo em vista

que a natureza jurídica da decisão que examina as questões de admissibilidade do

mérito não se confunde com a que examina as questões do mérito propriamente

dito.232

Notáveis, a este respeito, os apontamentos de Donaldo Armelin ao observar

que “[...] as conseqüências práticas de uma decisão que reconhece a ausência de

condição ou condições de admissibilidade da ação e de uma que examina o mérito

do processo são, pois, radicalmente diversas”.233

No primeiro caso, verifica-se a extinção do processo sem resolução do

mérito (sentença terminativa ou puramente processual) e, no segundo, a extinção do

processo com resolução do mérito (sentença definitiva ou de mérito).234

232

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 535.

233 ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1979, p. 46. 234

ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11. ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 282.

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59

Indubitável que o juiz – antes de decidir o mérito – deverá apreciar os

requisitos de admissibilidade do exame do mérito (pressupostos processuais e

condições da ação), de forma que não preenchidos tais requisitos, sobrevirá à

extinção do processo sem resolução do mérito.235

Tal episódio é definido por Cândido Rangel Dinamarco como “extinção

anômala do processo”:

Verdadeira crise do processo só existe quando ele é extinto sem julgamento do mérito. Como toda instituição humana, o processo não é destinado a ser perpétuo e, precisando terminar um dia, ele termina de modo natural e ordinário quando seu objetivo se consegue – a pretensão trazida pelo autor é julgada e assim a tutela jurisdicional é concedida a uma das partes [...]; crise existe quando ele deve terminar sem esse julgamento. Ordinariamente diz-se extinção do processo para designar sua terminação anômala, ou seja, extinção sem haver cumprido o objetivo de julgar a demanda (CPC, art. 329), embora rigorosamente também haja extinção quando o mérito é

julgado (art. 269).236

Nessa perspectiva, não é demais lembrar que esta decisão não ficará

acobertada pela imutabilidade absoluta – ou seja, repercutindo efeitos na vida dos

litigantes fora processo –, tendo em vista que “[...] só as sentenças de mérito, que

decidem a causa acolhendo ou rejeitando a pretensão do autor, produzem coisa

julgada material”.237

De toda sorte, o juiz desenvolveu as atividades necessárias para declarar

inadmissível o exame do mérito238, pelo que “[...] a sentença se limita a decidir sobre

o processo, extinguindo-o sem julgamento do mérito, sua imutabilidade é fenômeno

puramente processual, inerente e interno ao processo que se extingue [...]”.239

Assim sendo, a imutabilidade – ainda que relativa – da sentença circunscrita

ao próprio processo, quando “[...] exauridos os possíveis recursos contra ela

235

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 535.

236 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, v. 3, p. 181. 237

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 329.

238 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini.

Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 328. 239

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 3, p. 296.

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60

admissíveis, não mais se poderá modificá-la na mesma relação processual, dá-se o

nome de coisa julgada formal [...]”.240

É também o que afirma Luiz Guilherme Marinoni: “a coisa julgada formal,

como se nota, é endoprocessual, e se vincula à impossibilidade de rediscutir o tema

decidido dentro da relação jurídica processual em que a sentença foi prolatada”.241

Em expressiva síntese, elucida Cândido Rangel Dinamarco que “coisa

julgada formal é a imutabilidade da sentença como ato jurídico processual”.242

A propósito, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Cândido Rangel Dinamarco e

Ada Pellegrini Grinover destacam as situações em que haverá coisa julgada formal,

de modo a não propalar seus efeitos fora do processo:

Não têm essa autoridade (embora se tornem imutáveis pela preclusão) as sentenças que não representam a solução do conflito de interesses deduzido em juízo – ou seja, as que põem fim à relação processual sem julgamento de mérito, as proferidas em procedimento de jurisdição voluntária, as medidas cautelares – assim como as interlocutórias em geral (salvo raras exceções).243

Dessa forma, na hipótese de inadmissibilidade do exame do mérito quando

verificado o fenômeno “carência de ação” (art. 267, VI do CPC), por se tratar de

decisão terminativa – i.é., por não adentrar no mérito da questão – torna-se possível

a repropositura da ação, desde que sanados os defeitos identificados.244

Isso ocorre por expressa disposição do art. 268 do Código de Processo Civil:

“[...] salvo o disposto no art. 267, V, a extinção do processo não obsta a que o autor

intente de novo a ação. A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova

do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado”.245

Reproduza-se, aliás, a lição de José de Albuquerque Rocha:

Se o processo foi encerrado sem decisão de mérito, ou seja, sem que o Estado tenha-se pronunciado sobre a situação jurídica substancial deduzida nele, a repropositura da ação é normal, vez que as partes têm direito à prestação jurisdicional. Mas se o processo foi

240

SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil: processo de conhecimento. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 1, p. 456.

241 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo Civil: processo de

conhecimento. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008, v.2, p. 642. 242

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 3, p. 297.

243 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini.

Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 329. 244

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 539.

245 BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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61

encerrado com decisão de mérito, a repropositura da ação traz sérios inconvenientes, pois põe em risco a certeza e a segurança jurídicas das relações entre as partes, certeza e segurança que são como sabemos, valores máximos do direito.246

Por essa razão, “[...] a chamada coisa julgada formal, em verdade, não se

confunde com a verdadeira coisa julgada (ou seja, com a coisa julgada material)”.247

O art. 467 do Código de Processo Civil define coisa julgada material como

“[...] a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a

recurso ordinário ou extraordinário”.248

Em nível doutrinário Luiz Guilherme Marinoni explica que “[...] quando se

alude à indiscutibilidade da sentença judicial fora do processo, portanto em relação a

outros feitos judiciais, o campo é da coisa julgada material”.249

Por seu turno, José de Albuquerque Rocha define coisa julgada material:

Assim, a coisa julgada material consiste na proibição a qualquer juiz de pronunciar-se sobre uma sentença de mérito não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Em poucas palavras, a coisa julgada material é a imutabilidade da sentença de mérito, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, fora do processo em que foi proferida.250

Não é ocioso lembrar, todavia, que “a coisa julgada formal é pressuposto da

coisa julgada material”.251

Nesse particular, convém reportar-se às palavras de Ovídio A. Baptista da

Silva:

Com tal definição, de certo modo ambígua, pretendeu o legislador indicar que a imutabilidade que protege a sentença, tornando-a indiscutível nos processos futuros, somente poderá ter lugar depois de formar-se sobre ela a coisa julgada formal; ou seja, a coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal. Por outras palavras, para que haja imutabilidade da sentença no futuro, primeiro é necessário conseguir sua indiscutibilidade na própria relação jurídica de onde ela provém. Não há coisa julgada material sem a prévia formação da coisa julgada formal, de modo que somente as

246

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 185. 247

MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo Civil: processo de conhecimento. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008, v.2, p. 643.

248 BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

249 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo Civil: processo de

conhecimento. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008, v.2, p. 642. 250

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 271. 251

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 329.

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62

sentenças contra as quais não caibam mais recursos poderão produzir coisa julgada material.252

À evidência, o art. 468 do Código de Processo Civil remata a concepção de

que coisa julgada material é a eficácia que torna imutável e indiscutível a

sentença.253 Confira-se: “Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide,

tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.254

Em resumo, Cândido Rangel Dinamarco ensina que coisa julgada material

“[...] é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito”.255

Dessarte, infere-se que a coisa julgada formal consiste na imutabilidade da

sentença (de mérito ou não), nos limites do processo em que foi proferida, à medida

que a coisa julgada material consiste na imutabilidade da sentença de mérito fora do

processo em que foi proferida.256

3.2A COGNIÇÃO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO E O MÉRITO DA CAUSA

A cognição do juiz, no processo de conhecimento, tem por escopo um

trinômio de questões a serem enfrentadas: a) os pressupostos processuais; b) as

condições da ação; e, ao final, c) o mérito da causa.257

Antes de tudo, é conveniente trazer à baila a definição de cognição redigida

por Kazuo Watanabe do ponto de vista prevalentemente lógico:

A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.258

252

SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil: processo de conhecimento. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 1, p. 457.

253 SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil: processo de conhecimento. 7. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 1, p. 457. 254

BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 255

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 3, p. 297.

256 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 271.

257 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 51.

258 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 41.

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63

Ademais, sobre a importância da cognição no estudo do processo moderno,

merecem destaque as palavras de Fredie Didier Júnior:

A cognição é um dos mais importantes núcleos metodológicos para o estudo do processo moderno (junto com o procedimento e a tutela jurisdicional, cujos conceitos estão intimamente relacionados com o de cognição). Basta ver que a própria noção que se tem de cada tipo e processo (conhecimento, cautelar e execução) estrutura-se a partir do grau de cognição judicial que se estabelece em cada um deles.259

Em síntese, Fredie Didier Júnior afirma que a análise da cognição judicial

traduz-se no “[...] exame da técnica pela qual o magistrado tem acesso e resolve as

questões que lhe são postas para a apreciação”.260

Desse modo, as categorias que irão ser objeto de cognição do juiz –

pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa –, as quais aludem

ao trinômio, são resultado da “[...] teoria defendida por Liebman, que no Brasil

formou inúmeros discípulos e continua ainda exercendo uma significativa

influência”.261

Não obstante, essa tríade de categorias não está livre de críticas, visto que

“juristas há, entretanto, que não aceitam as chamadas „condições da ação‟ como

categoria autônoma, enquadrando as questões assim rotuladas no âmbito do mérito

da causa [...]”.262

Galeno Lacerda entende que “se julgar inexistentes as condições da ação,

referentes à possibilidade jurídica e à legitimação para a causa, proferirá sentença

de mérito, porque decisória da lide”.263

Em sua vez, Fábio Gomes adverte acerca da impropriedade da existência da

categoria das condições da ação no ordenamento processual e, enquanto estas se

fizerem presentes, irão compor as questões do mérito da causa:

[...] entendemos restar demonstrada a absoluta impropriedade de se dar validade às condições da ação como categoria pertinente ao plano do Direito Processual, razão pela qual se impõe a supressão das mesmas do nosso Código; enquanto presentes neste, sua

259

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 293.

260 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 293. 261

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 52. 262

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 52. 263

LACERDA, Galeno. Despacho Saneador. 2. ed. Porto Alegre: Fabris. 1985, p. 82.

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64

apreciação importará exame de mérito, e de natureza jurisdicional será a atividade do juiz ao aferi-las.264

Paralelamente, Fredie Didier Júnior inclina-se pela abolição desta categoria

intermediária, ou pelo seu reenquadramento dentro de um binômio:

O mais correto seria proscrever as condições da ação da dogmática jurídica e, por tabela, do sistema jurídico, pois, ou compõem o mérito da causa, ou podem ser enquadradas na categoria dos “pressupostos processuais” ou dos requisitos de admissibilidade do processo.265

Em igual norte, Luiz Roberto Hijo Sampietro impetuosamente assevera:

Somos partidários da teoria do binômio, pela qual o juízo de admissibilidade de uma demanda ficaria circunscrito à categoria dos pressupostos processuais; vencida essa etapa, o juiz deve prover o mérito, no qual ficariam situadas as chamadas condições da ação.266

Deveras, essas críticas à categoria das condições da ação se justificam à

medida que “[...] há uma dificuldade muito grande de diferenciar aquilo que é mérito

daquilo que seja simples condição da ação”.267

No entanto, com o nítido escopo de distinguir o que é mérito, de modo a

“encerrar” a discussão, o Código de Processo Civil brasileiro, nos arts. 267 e 269,

ventilou as situações de extinção do processo sem resolução de mérito e com

resolução de mérito.268

Por essa razão, tem-se que os pressupostos processuais e as condições da

ação não integram as questões de mérito (art. 267, incs. IV e VI do CPC).269

Observa-se, assim, que o legislador brasileiro, ao perfilhar as idéias de

Enrico Tullio Liebman, optou por subdividir as questões de admissibilidade em duas

categorias: a) as questões relacionadas ao processo; e b) as questões relacionadas

ao direito de ação.270

264

GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: RT, 1999, p. 70.

265 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade

do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 213. 266

SAMPIETRO, Luiz Roberto Hijo. Das Teorias sobre a ação e da Análise Crítica sobre as Condições da Ação. Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), São Paulo, n. 79, out. 2009, p. 67.

267 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 180. 268

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, v. 1, p. 397.

269 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1997, v. 1, p. 397. 270

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 302.

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As condições da ação, explica Kazuo Watanabe, “[...] para os que aceitam o

trinômio, seriam o segundo objeto da cognição do juiz”.271

As questões de mérito – que na linguagem do Código também são

traduzidas por lide (ponto 6 da Exposição de Motivos)272 –, por sua vez, resumem-se

no “[...] conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é

convidado a decidir”.273

Dessarte, no Código de Processo Civil brasileiro as condições da ação

apresentam-se como requisitos de admissibilidade, pelo que “[...] o mérito somente

poderá ser examinado se todas as condições da ação estiverem presentes”.274

É o que certifica a doutrina de Arruda Alvim: “[...] afiguram-se-nos

tecnicamente inconfundíveis, como categorias, as condições da ação com o mérito

da demanda”.275

Em que pese, adverte Fredie Didier Júnior que conquanto o direito positivo

coloque um “ponto final” à discussão, em nível doutrinário as reprimendas são

demais que oportunas:

Embora o texto legal seja um contra-estímulo a qualquer indagação doutrinária que proponha solução distinta da concepção teórica adotada, nada impede que se questionem os critérios do legislador, em nível doutrinário e até com vistas a uma interpretação e análise críticas dos textos que possa eventualmente relativizar a adesão do legislador a conceito tão polêmico, ainda sujeito a tormentosa controvérsia e tenaz oposição.276

Nessa direção, cabe transcrever a indagação formulada por Fábio Gomes:

Para a maioria dos que seguem a doutrina de Liebman e consideram a ação como direito a um provimento sobre o mérito, uma vez extinto o processo por ausência de uma das condições da ação, poderá o autor “intentá-la de novo”; neste sentido é expresso nosso Código em seu art. 268. Aqui a identidade com a teoria do direito concreto revela-se ainda mais forte. Tomemos o exemplo de um caso em que o juiz extinguiu o processo julgando o autor de uma ação de despejo parte ilegítima por não ser o locador do prédio. Estaria o Código

271

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 55. 272

BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 273

LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004, p. 91.

274 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade

do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 212. 275

ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, v. 1, p. 396.

276 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade

do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 209.

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autorizando em seu art. 268 o mesmo autor a propor novamente a mesma ação?277

Isso porque, na realidade, “[...] a falta de condições da ação revela, muita

vez, situações de improcedência macroscópicas, que justificariam, inclusive, o

julgamento antecipado da lide”.278

Nesse ângulo de visão, convém reproduzir a lição de Luiz Guilherme

Marinoni:

[...] o verdadeiro pânico que toma conta dos operadores jurídicos quando se defrontam com casos como o da ação reivindicatória, na qual o juiz, após a instrução, verifica que o autor não é o proprietário.279

Assim sendo, “[...] deve ele extinguir o processo sem julgamento do mérito

por falta de legitimidade para a causa ou julgar improcedente o pedido porque o

autor não tem o direito material afirmado?.280

Evidencia-se, portanto, que a aplicação irrestrita do instituto das “condições

da ação”, como dito linhas atrás, leva muitas vezes à confusão com a matéria de

mérito, visto que o juiz, ao examinar o conjunto probatório a ele apresentado, pode

se deparar com um dos casos de carência de ação.

As conseqüências de uma decisão que extingue o processo sem resolução

do mérito e com resolução do mérito, conforme já visto, são completamente

diversas.281 À medida que a primeira estará acobertada pelos efeitos da coisa

julgada formal, de modo a permitir que o autor proponha nova ação repetida; a

segunda, entretanto, estará acobertada pelos efeitos da coisa julgada material, o

que, após o trânsito, não permite rediscussão sobre a matéria discutida.282

Assim sendo, enquanto persiste a adoção das “condições da ação” no

ordenamento processual em vigor, para que o processo seja extinto sem resolução

do mérito, é necessário que sua aferição fique vinculada à análise hipotética do que

277

GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: RT, 1999, p. 68.

278 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade

do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 214. 279

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 211.

280 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo:

Malheiros, 1999, p. 211. 281

ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 46.

282 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 180.

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foi afirmado pelo autor na petição inicial (in statu assertionis); ou seja, unicamente “à

vista do que afirmou o autor”, sob pena de uma aplicação inadequada do instituto.283

Dessarte, o item a seguir se prestará ao estudo da aplicação da teoria da

asserção ou da prospettazione na aferição das condições da ação.

3.3O MOMENTO DO EXAME DO PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO

E A TEORIA DA ASSERÇÃO

Conforme disposição do art. 267, § 3º do Código de Processo Civil, as

condições da ação poderão ser averiguadas em qualquer tempo e grau de jurisdição

– inclusive de ofício pelo juiz – enquanto não proferida sentença de mérito, cabendo

ao réu alegá-las, na primeira oportunidade em que lhe caiba, sob pena de arcar

pelas custas de retardamento.284

Com efeito, torna-se nítida a adesão do legislador infraconstitucional às

idéias de Enrico Tullio Liebman, uma vez que, ao discorrer sobre as condições da

ação, não hesitava em afirmar que “a ausência de apenas uma delas já induz

carência de ação, podendo ser declarada, mesmo de-ofício, em qualquer grau do

processo”.285

Ademais, Enrico Tullio Liebman pondera sobre o fato de que é possível que

“[...] as condições da ação, eventualmente inexistentes no momento da propositura

desta, sobrevenham no curso do processo e estejam presentes no momento em que

a causa é decidida”.286

Assim sendo, o Código de Processo Civil não determinou momento

procedimental específico para a análise do preenchimento das condições da ação,

de sorte constatada a ausência de uma delas, sobrevirá decisão que extingue o

283

GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: RT, 1999, p. 76.

284 BRASIL. Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

285 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido

Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 203-204. 286

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 204.

Page 69: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DANFLAUER ANTUNES …

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processo sem o exame do mérito (sentença terminativa), cuja imutabilidade não

estará acobertada pela coisa julgada material.287

Logo, é possível que haja dilação probatória para constatação do

preenchimento das condições da ação, pelo que estas não seriam aferidas da mera

alegação do autor, mas, sim, da situação trazida a julgamento, de modo a tornar

possível sua constatação durante a instrução do processo.288

Sob esse aspecto, reproduza-se da lição de Luiz Guilherme Marinoni no que

atine à concepção de Enrico Tullio Liebman em admitir a instrução processual para

averiguação das condições da ação:

Como é sabido, as condições da ação, para Liebman, não resultam da simples alegação do autor, mas da verdadeira situação trazida a julgamento. De acordo com Liebman as condições da ação não devem ser aferidas apenas em razão da afirmação do autor, cabendo também a sua análise em face da instrução do processo, pouco importando o momento procedimental do seu exame.289

Entretanto, o exame das condições da ação deve ser realizado conforme

“[...] a situação concreta trazida a juízo, mas abstratamente, conforme a relação

jurídica de direito material hipotética afirmada e os documentos que acompanham a

petição inicial. Tudo mais é mérito”.290

Em outras palavras, essa análise seria realizada à luz das afirmações do

autor contidas na petição inicial (in statu assertionis).291 Do contrário, estar-se-ia

adentrando no mérito da questão, o que, conforme demonstrado, não é apropriado.

Por essa razão, adverte Alexandre Freitas Câmara, “deve o juiz raciocinar,

provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras,

para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação”.292

287

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 178-181.

288 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 181. 289

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 211.

290 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed.

rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 65. 291

DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 217.

292 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 16. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 135.

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Conforme assevera Luiz Guilherme Marinoni, “o que importa é a afirmação

do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria

problema de mérito”.293

Em face da perplexidade em distinguir as condições da ação do mérito da

causa – associada ao ônus suportado pelas partes em decorrência de decisão que,

por carência de ação, extingue o processo sem apreciar o mérito – nasce uma

concepção doutrinária que busca suavizar a aplicação irrestrita do art. 267, § 3º do

Código de Processo Civil.294

Tal concepção doutrinária que confere às condições da ação tratamento

diverso daquele dado pelo Código de Processo Civil é a denominada teoria da

asserção ou da prospettazione.295

Nesse particular, Alexandre Freitas Câmara aponta que duas notáveis

correntes sondam o estudo da aferição das condições da ação no caso concreto:

Divide-se a doutrina, sobre o tema, em duas grandes correntes. Uma primeira, liderada por Liebman, e que conta com a adesão, entre outros, de Dinamarco e de Oreste Nestor de Souza Laspro, considera que a presença das “condições da ação” deve ser demonstrada, cabendo, inclusive, produzir provas para convencer o juiz de que as mesma estão presentes. De outro lado, uma segunda teoria, chamada “teoria da asserção” ou da prospettazione, segundo a qual a verificação da presença das “condições da ação” se dá à luz das afirmações feitas pelo demandante em sua petição inicial, devendo o julgador considerar a relação jurídica deduzida em juízo in statu assertionis, isto é, à vista do que se afirmou.296

A teoria da asserção é difundida por Kazuo Watanabe na obra “Da Cognição

no Processo Civil”, ao observar que a categoria das condições da ação não é

inconciliável com a teoria do direito abstrato de agir:

O ponto nodal da problemática está em saber se as condições da ação (rectius: “condições para o julgamento do mérito”), devem ser aferidas segundo a afirmativa feita pelo autor na petição inicial (in statu assertionis) ou conforme seu elo efetivo com a “situação de fato contrária ao direito” que vier a ser evidenciado pelas provas

293

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 211-212.

294 DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade

do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 216. 295

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 182.

296 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 16. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 135.

Page 71: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DANFLAUER ANTUNES …

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produzidas pelas partes. Somente se nos afigura compatível com a teoria abstratista a primeira opção.297

Prossegue Kazuo Watanabe afirmando que o exame das condições da ação

[...] deve ser feito “com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se ao julgador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui a res in iudicium deducta”; vale dizer, o órgão julgador, ao apreciá-las, “considera tal relação jurídica in statu assertionis, ou seja, à vista do que se afirmou”, raciocinando ele, ao estabelecer a cognição, “como que admita, por hipótese, e em caráter provisório, a veracidade da narrativa, deixando para a ocasião própria (o juízo de mérito) a respectiva apuração, ante os elementos de convicção ministrados pela atividade instrutória [...].298

É conveniente sublinhar que “não se trata, porém, de fazer um julgamento

sumário das condições da ação, como se elas pudessem voltar a ser apreciadas

com base em outra cognição”.299

A propósito, Machado Guimarães recorda que Enrico Tullio Liebman, em

conferência proferida em 29 de setembro de 1949, teria ensinado que

[...] todo problema, quer de interesse processual, quer de legitimação ad causam, deve ser proposto e resolvido, admitindo-se, provisoriamente e em via hipotética, que as afirmações do autor sejam verdadeira; só nesta base é que se pode discutir e resolver a questão pura da legitimação ou do interesse. Quer isso dizer que, se da constatação do réu surge a dúvida sobre a veracidade das afirmações feitas pelo autor e é necessário fazer-se uma instrução, já é um problema de mérito.300

No entanto, Kazuo Watanabe, em nota de rodapé, faz alusão à relevante

explicação formulada por Cândido Rangel Dinamarco sobre a retratação de Enrico

Tullio Liebman no que foi afirmado na referida conferência:

Informa Cândido Rangel Dinamarco que para Liebman “as condições da ação não resultam da simples alegação do autor, mas da verdadeira situação trazida a julgamento” (Execução Civil, cit, p. 139, nota 53), o que revela que, posteriormente, o eminente processualista reformulara a colocação feita na conferência mencionada por Machado Guimarães.301

Nessa perspectiva, até mesmo Fábio Gomes que prima pela proscrição das

condições da ação do ordenamento processual dá razão à teoria da asserção

sustentada por Kazuo Watanabe:

297

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 58. 298

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 58. 299

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 211.

300 GUIMARÃES, Luiz Machado. A instância e a relação processual, 1969. In: WATANABE, Kazuo.

Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 59. 301

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 59.

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De qualquer sorte, e não será demais que se insista, a única forma de compatibilizar esses dispositivos do Código ora comentados de modo a excluir do mérito as condições da ação será aferi-los da forma recomendada pelo próprio Kazuo Watanabe, ou seja, apenas e tão somente no “plano lógico e da mera asserção” do direito, cabendo ao juiz simplesmente confrontar a mera afirmativa do autor com o esquema abstrato da Lei.302

Para que se possa compreender a aplicação dessa teoria, é de fundamental

importância a reprodução dos exemplos carreados por Fredie Didier Júnior:

Se alguém se afirma filho de outrem, e por isso, pede-lhe alimentos, possui legitimidade ad causam, mesmo que se comprove, posteriormente, a ausência do vínculo de filiação, quando será caso de improcedência do pedido e não de carência de ação. [...] Um sujeito emprestou dinheiro a um gerente de banco, seu amigo, que não cumpriu a dívida. O mutuante demandou em face do Banco, afirmando a condição de inadimplente do gerente e pedindo a condenação do banco ao pagamento da dívida. Nota que da simples afirmação feita pelo demandante, tomada como verdadeira, a “legitimidade ad causam” não está presente, porque a relação jurídica afirmada envolve o autor e o gerente; o banco é, em relação a ela, um estranho.303

Além disso, revela Kazuo Watanabe como se comportariam as duas

correntes – teoria da asserção ou da prospettazione e a teoria eclética – frente a

casos hipotéticos:

[...] “A” proponha a ação de cobrança alegando que a dívida é proveniente de contrato de mútuo. A possibilidade jurídica, examinada in statu assertionis, está presente para a teoria abstratista. Se o réu alegar, em contestação, que a dívida é de jogo e não decorrente de mútuo, e se a instrução vier a evidenciar que a razão está realmente como ele, réu, o que o juiz irá julgar, para os abstratistas, é que, à vista da prova colhida, o direito que o autor afirmou existir (dívida de empréstimo), na verdade não existe, pois é esse o objeto do processo. Portanto, a ação deverá ser julgada pelo mérito e conclusão da sentença será no sentido da improcedência, e não da carência. O reconhecimento de que a dívida efetivamente é de jogo, e não de mútuo, ficará restrito ao âmbito da motivação, servindo apenas para o efeito de julgamento do mérito da causa. Para os defensores da teoria eclética, porém a conclusão última deverá ser de carência da ação pois o que se evidenciara, após a instrução e exame da provas, é que a dívida reclamada é resultante de jogo de azar e por isso é juridicamente impossível a pretensão do autor.304

302

GOMES, Fábio. Carência de ação: doutrina e comentários ao CPC, análise da jurisprudência. São Paulo: RT, 1999, p. 72.

303 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 182-183. 304

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987, p. 63-64.

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De tudo que foi exposto, infere-se que pela teoria da asserção (ou da

prospettazione) as condições da ação devem ser aferidas hipoteticamente pelas

meras alegações do autor contidas na petição inicial, sob pena de estar-se

proferindo juízo de mérito, de forma que a decisão que acolhê-las terá cunho

terminativo; isto é, não repercutirão os efeitos da coisa julgada material, restringindo

a imutabilidade da sentença aos limites do processo em que foi proferida (coisa

julgada formal).

A teoria da asserção ou da prospettazione vem gozando de certo prestígio

na doutrina, a exemplo de Alexandre Freitas Câmara:

Parece-nos que a razão está com a teoria da asserção. As “condições da ação” são requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um provimento de mérito. Sua presença, assim, deverá ser verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante em sua inicial são verdadeiras, sob pena de ser ter uma indisfarçável adesão às teorias concretas da ação. Exigir a demonstração das “condições da ação” significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha o direito material. Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz credor do réu. Em se provando, no curso do processo, que o demandante não é titular do crédito, a teoria da asserção não terá dúvidas em afirmar que a hipótese é de improcedência do pedido. Como se comportará a outra teoria? Provando-se que o autor não é credor do réu, deverá o juiz julgar seu pedido improcedente ou considerá-lo “carecedor de ação”? A se afirmar que o caso seria de improcedência do pedido, estariam os defensores dessa teoria admitindo o julgamento da pretensão de quem não demonstrou sua legitimidade; em caso contrário, se chegaria à conclusão de que só preenche as “condições da ação” quem dizer jus a um provimento jurisdicional favorável.305

Mais adiante, Alexandre Freitas Câmara vê na teoria da asserção a mais

adequada forma de se apreciar as condições da ação, até mesmo porque se deve

prezar pela concepção abstratista do direito de ação, repelindo-se de vez o

concretismo dissimulado da teoria eclética de Enrico Tullio Liebman:

Parece-nos, assim que apenas a teoria da asserção se revela adequada quando se defende uma concepção abstrata do poder de ação, como fazemos. As “condições da ação”, portanto, deverão ser verificadas pelo juiz in statu assertionis, à luz das alegações feitas pelo autor na inicial, as quais deverão ser tidas como verdadeira a

305

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 136.

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fim de ser perquirir a presença ou ausência dos requisitos do provimento final.306

Comunga também desta concepção Luiz Guilherme Marinoni, cujos

fragmentos de sua reflexão são a seguir reproduzidos:

Podemos dizer, sem medo de errar, que a teoria que aceita que o caso é de carência de ação está muito mais perto do concretismo do que pode imaginar. [...] As condições da ação devem ser aferidas de acordo com a afirmativa feita pelo autor na petição inicial, ou seja, in statu assertionis. [...] O princípio da economia processual nada ganha com a teoria eclética, e o que recebe de benefício com a teoria que entende que as condições da ação devem ser aferidas in statu assertionis poderia também obter se o Código não falasse, por exemplo, em legitimidade para a causa. Não há, nesse aspecto, qualquer diferença entre decidir pela carência ou pela improcedência. Seria relevante, porém, distinguir carência de improcedência em razão da questão da coisa julgada material. Note-se, entretanto, que não existe razão para a sentença de “carência de ação” não ficar coberta pela coisa julgada material, até porque não há, como foi dito, julgamento sumário das condições da ação; quando o juiz decida pela carência, ele decide com base no que é afirmado pelo próprio autor.307

Leonardo Greco, embora julgue necessário o acompanhamento de qualquer

indício da verossimilhança da alegação do autor a fim de que sejam aferidas as

condições da ação, se mostra adepto à teoria da asserção:

A concorrência das condições da ação é um juízo de fundada possibilidade que o autor veja acolhida a sua pretensão de tutela do direito material alegado, juízo esse formado através do exame da relação jurídica de direito material. A possibilidade de acolhimento é aferida a partir dos fatos afirmados pelo autor, in statu assertionis, porque se desses fatos categoricamente não puder vir a resultar o acolhimento do pedido, o autor deverá ser julgado carecedor da ação, não tendo ele direito ao exercício da jurisdição sobre o caso concreto.[...] As condições da ação se aferem a partir da asserção, pois são um juízo de mera possibilidade de acolhimento do pedido, concretamente fundamentada na logicidade da verdade relatada e das suas conseqüências jurídicas e na sua sustentação em provas, ainda que mínimas. Ou seja, não basta a simples asserção. Se esta for absurda ou vier desacompanhada de qualquer indício da sua verossimilhança, deverá o autor ser julgado carecedor da ação, para não submeter o réu ao ilegal constrangimento de ter de defender-se e de perder o pleno gozo do seu direito decorrente da litigiosidade, sem uma causalidade adequada. E não haverá coisa julgada. Volte o autor, se quiser, com outra postulação satisfatoriamente fundamentada. [...] O juiz deve vigiar a existência das condições

306

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 137.

307 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo:

Malheiros, 1999, p. 211-212

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desde o despacho da petição inicial (art. 295), para não sujeitar o réu a um processo injusto 308

Revela-se adepto também à teoria da asserção Leonardo José Carneiro da

Cunha ao buscar esteio no magistério de Kazuo Watanabe para dissertar acerca do

“Interesse de Agir na Ação Declaratória”:

O exame das condições da ação – em cujo espectro está inserido o interesse de agir – deve ser feito, ensina Kazuo Watanabe, com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se ao julgador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui a res in iudicium deducta. Em outras palavras, o órgão julgador, ao apreciar o interesse de agir, considera a relação jurídica de direito material in statu assertionis, ou seja, à vista do que se afirmou, raciocinando como que as alegações contidas na petição inicial fossem, todas elas, verdadeiras, protraindo para fase oportuna a apuração concreta de tal veracidade.309

Segue o reluzente processualista certificando que a análise do interesse de

agir deve estar pautada nas alegações do autor articuladas na petição inicial:

Enfim, a análise do interesse de agir, assim como de qualquer outra condição da ação, deve ser feita segundo as afirmações postas na petição inicial, formulando um juízo hipotético, no sentido de que, se realmente houve lesão, se de fato é verdadeira a afirmativa inserta na exordial, e se a única forma necessária de repará-la é a atividade judicial, então estará presente o requisito do interesse de agir.310

Em sentido contrário, Cândido Rangel Dinamarco demonstra-se fiel à

concepção clássica a respeito das condições da ação, rechaçando impetuosamente

os argumentos que firmam a teoria da asserção.311

Para tanto, Cândido reservou item específico em sua obra “Instituições de

Direito Processual Civil” intitulando-o de “condições existentes e não afirmadas

(repúdio à teoria da asserção)”.312 Confira-se:

Não basta que o demandante descreva formalmente uma situação em que estejam presentes as condições da ação. É preciso que elas existam realmente. Uma condição da ação é sempre uma condição da ação e por falta dela o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, quer o autor já descreva uma situação em que ela falte, quer dissimule a situação e só mais tarde os fatos revelem ao juiz a realidade. Seja ao despachar a petição inicial, ou no julgamento conforme o estado do processo (arts. 329-331) ou em qualquer outro

308

GRECO, Leonardo. A teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003, p. 24-25. 309

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Interesse de agir na Ação Declaratória. Curitiba: Juruá, 2002, p. 88-89.

310 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Interesse de agir na Ação Declaratória. Curitiba: Juruá,

2002, p. 89. 311

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Bahia: Juspodivm, 2009, v.1, p. 183.

312 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, v. 2, p. 316.

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momento intermediário do procedimento – ou mesmo afinal, no momento de proferir sentença – o juiz é proibido de julgar o mérito quando se convence de que a condição falta.313

Avante Cândido Rangel Dinamarco assevera que a teoria da asserção abre

caminhos para a incoerência:

Goza no entanto de crescente prestígio a teoria da asserção, que afirma o contrário. Segundo seus seguidores, as condições da ação deveriam ser aferidas in statu assertionis, ou seja, a partir do modo como a demanda é construída – de modo que se estaria diante de questões de mérito sempre que, por estarem as condições corretamente expostas na petição inicial, só depois se verificasse a falta de sua concreta implementação. Ao propor arbitrariamente essa estranha modificação na natureza de um pronunciamento judicial conforme o momento em que é produzido (de uma sentença terminativa a uma de mérito), a teoria della prospettazione incorre em um série de erros e abre caminho para incoerências que desmerecem desnecessária e inutilmente o sistema.314

Afinal, Cândido Rangel Dinamarco avista na teoria da asserção uma tese

arbitrária e absolutamente desnecessária ao sistema que

[...] busca subterfúgios e precisa propor novas interpretações de uma série de conceitos e institutos jurídico-processuais arraigados na cultura ocidental, como o de mérito, o de coisa julgada material e até mesmo o de condições da ação. Para aceitá-la seria indispensável uma mudança muito significativa na ordem jurídico-positiva do processo e em uma série de pilares da cultura processual de fundo romano-germânico.315

Com um quê de moderação – ao revés de Cândido Rangel Dinamarco –

Rodrigo da Cunha Lima Freire engendra crítica à teoria da asserção:

[...] não é o caso de se dizer, pura e simplesmente, que o juiz deve partir do pressuposto de que as afirmações do autor são provisoriamente verdadeiras ou de se afirmar, de maneira simplista, que se veda ao juiz examinar o conjunto probatório para verificar a presença das condições da ação, ou mesmo que este exame sobre as provas desnatura o requisito examinado, retirando-lhe o caráter de condição da ação. [...] Malgrado a autoridade tais posições, pensamos que ao juiz compete fazer cognição sobre as afirmações do autor – e não simplesmente aceitá-las provisoriamente –, podendo, inclusive, se valer do conjunto probatório, para aferir a presença das condições da ação.316

313

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 316.

314 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, v. 2, p. 317. 315

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 317-318.

316 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 3. ed.

rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2005, p. 66-67.

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Não obstante as críticas doutrinárias – muitas vezes até severas – atribuídas

à teoria da asserção (ou da prospettazione) é possível verificar que na prática

forense tal concepção vem gozando de discreto prestígio, uma vez que considerada

por expressiva parcela da doutrina como a melhor modalidade de aferição das

condições da ação.

No Superior Tribunal de Justiça, o acórdão proferido no Recurso Especial n.

879.188/RS, pelo Relator Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins, da Colenda

Segunda Turma, revela a aplicabilidade da teoria da asserção:

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO – TEORIA DA ASSERÇÃO – NECESSIDADE DE ANÁLISE DO CASO CONCRETO PARA AFERIR O GRAU DE DISCRICIONARIEDADE CONFERIDO AO ADMINISTRADOR PÚBLICO – POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. [...] 2. Nos termos da teoria da asserção, o momento de verificação das condições da ação se dá no primeiro contato que o julgador tem com a petição inicial, ou seja, no instante da prolação do juízo de admissibilidade inicial do procedimento. 3. Para que se reconheça a impossibilidade jurídica do pedido, é preciso que o julgador, no primeiro olhar, perceba que o petitum jamais poderá ser atendido, independentemente do fato e das circunstâncias do caso concreto. [...] 7. Em face da teoria da asserção no exame das condições da ação e da necessidade de dilação probatória para a análise dos fatos que circundam o caso concreto, a ação que visa a um controle de atividade discricionária da administração pública não contém pedido juridicamente impossível. 8. A influência que uma decisão liminar concedida em processo conexo pode gerar no caso dos autos pode recair sobre o julgamento do mérito da causa, mas em nada modifica a presença das condições da ação quando do oferecimento da petição inicial. Recurso especial improvido.317

Extrai-se do corpo do referido acórdão:

De início, se mostra saudável a lembrança de que a doutrina moderna, bem como, em decisões recentes, também o Superior Tribunal de Justiça, têm entendido que o momento de verificação das condições da ação se dá no primeiro contato que o julgador tem com a petição inicial, ou seja, no instante da prolação do juízo de admissibilidade inicial do procedimento. Trata-se da aplicação da teoria da asserção, segundo a qual a análise das condições da ação

317

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 879.188/RS. Rel. Ministro Humberto Martins. Segunda Turma. Julgado em: 21/05/2009. DJ 02/06/2009. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=5200008&sReg=200601863236&sData=20090602&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em 25 out. 2010.

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seria feita à luz das afirmações do demandante contida em sua petição inicial. Assim, basta que seja positivo o juízo inicial de admissibilidade, para que tudo o mais seria decisão de mérito. Não me olvido que a interpretação literal do art. 267, § 3º do CPC leva a entender que o preenchimento das condições da ação pode ser averiguado a qualquer tempo e grau de jurisdição. No entanto, a aplicação literal e irrefletida da literalidade do enunciado normativo, neste particular, gera, muitas vezes, conseqüências danosas, tal qual a extinção do processo sem julgamento do mérito após longos anos de embate processual. Por este motivo, é que a teoria da asserção vem se tonificando através da doutrina de processualistas como Alexandre Câmara, Kazuo Watanabe, Leonardo Greco, José Carlos Barbosa Moreira, Sérgio Cruz Arenhart, Leonardo José Carneiro da Cunha, Luiz Guilherme Marinoni etc.318

A aplicabilidade da teoria da asserção é contemplada também no acórdão

proferido em sede de Recurso Especial n. 832.370/MG, pela Relatora Ministra

Fátima Nancy Andrighi, da Colenda Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. ACÓRDÃO QUE, POR MAIORIA, REFORMA SENTENÇA TERMINATIVA E ADENTRA O JULGAMENTO DO MÉRITO. CABIMENTO. [...] - Aplica-se à hipótese, ainda, a teoria da asserção, segundo a qual, se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão. [...] Recurso especial conhecido e provido.319

Não é outro o entendimento do Relator Ministro Francisco Cândido de Melo

Falcão Neto, da Colenda Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, consoante

se denota do acórdão exarado em Agravo Regimental no Recurso Especial n.

877.161/RJ. Veja-se:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. POTENCIALIDADE DE DANO AO MEIO AMBIENTE. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA. EXISTÊNCIA DE PARECER TÉCNICO DE ENGENHARIA APONTANDO SER O CORTE DE ENERGIA CAPAZ DE GERAR LESÃO AO MEIO AMBIENTE. TEORIA DA ASSERÇÃO. FUNDAMENTO INATACADO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. I - Segundo o constante do acórdão recorrido, o parecer técnico de engenharia concluiu que o corte de energia, in casu, seria capaz de

318

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 879.188/RS. Rel. Ministro Humberto Martins. Segunda Turma. Julgado em: 21/05/2009. DJ 11/06/2010. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=5200008&sReg=200601863236&sData=20090602&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em 25 out. 2010.

319 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 832.370/MG. Rela. Ministra Nancy Andrighi.

Terceira Turma. Julgado em: 02/08/2007. DJ 13/08/2007. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=3138002&sReg=200600608021&sData=20070813&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 25 out. 2010.

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gerar lesão ao meio ambiente. E é fato ter a recorrente efetivado tal corte, sem prévio aviso de modo que não é razoável a tese defendida sobre sua ilegitimidade passiva. II - No particular, inclusive, é de se aplicar a Súmula n. 283/STF, porquanto fundou-se o julgado ora hostilizado na argumentação de que vigente no direito processual a teoria da asserção e não a teoria concretista da ação, motivo por que "as condições da ação são verificadas em abstrato". Sobre este fundamento, suficiente à mantença do acórdão, não se contrapôs a recorrente. III - A alegativa de violação do art. 3º do Código de Processo Civil, por si só, não tem o condão de reformar o acórdão recorrido, visto que a Corte ordinária justificou a existência da legitimidade passiva, in casu, tendo como base, à justa, a teoria da asserção. A recorrente, todavia, prende-se à alegativa de que "não é crível manter uma ação civil pública contra a fornecedora de energia elétrica se ela não produz o dano e muito menos está responsável pela operação de equipamentos que podem, em tese, evitá-lo (...)". Aí é que reside o nó górdio da questão: pela teoria da asserção é possível sim, que isto aconteça. IV - Ademais, consoante cediço, "a legitimidade do Ministério Público para ajuizar tais ações (civis públicas) é prevista in status assertionis, ou seja, conforme a narrativa feita pelo demandante na inicial ('teoria da asserção')" [...]. V - Agravo regimental improvido.320

Outra vez, o Relator Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins, da

Colenda Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, vale-se da teoria da

asserção para aferir a presença das condições da ação. Confira-se a ementa:

PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL NA NARRAÇÃO CONTIDA NA PETIÇÃO VESTIBULAR – CONDIÇÕES DA AÇÃO – LIMITES RAZOÁVEIS E PROPORCIONAIS PARA A APLICAÇÃO DA TEORIA DA ASSERÇÃO – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ENTE ESTATAL. 1. A teoria da asserção estabelece direito potestativo para o autor do recurso de que sejam consideradas as suas alegações em abstrato para a verificação das condições da ação, entretanto essa potestade deve ser limitada pela proporcionalidade e pela razoabilidade, a fim de que seja evitado abuso do direito. 2. O momento de verificação das condições da ação, nos termos daquela teoria, dar-se-á no primeiro contato que o julgador tem com a petição inicial, ou seja, no instante da prolação do juízo de admissibilidade inicial do procedimento. Logo, a verificação da legitimidade passiva ad causam independe de dilação probatória na instância de origem e de reexame fático-probatório na esfera extraordinária. 3. Não se há falar em legitimidade passiva ad causam quando as alegações da peça vestibular ilustrarem de maneira cristalina que o

320

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp n. 877.161/RJ. Rel. Ministro Francisco Falcão. Primeira Turma. Julgado em: 05/12/2006. DJ01/02/2007. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2786165&sReg=200601371753&sData=20070201&sTipo=51&formato=PDF>. Acesso em 25 out. 2010.

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réu não figura na relação jurídica de direito material nem em qualquer relação de causalidade. Agravo regimental provido.321

Do corpo do referido acórdão é possível colher a síntese que envolve a

temática:

[...] A questão pode – e deve – ser analisada, ainda, sob o prisma da teoria da asserção, que ganha expressão na doutrina, secundada por juristas como Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe.Para os adeptos dessa teoria, como é o caso também de José Roberto dos Santos Bedaque, na análise das condições da ação “se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão” (Direito e Processo, São Paulo: RT, 1995, p. 78). Em outras palavras, sempre que a relação existente entre as condições da ação e o direito material for estreita ao ponto da verificação da presença daquelas exigir a análise desta, haverá exame de mérito.322

No Tribunal de Justiça de Santa Catarina a teoria da asserção ou da

prospettazione também vem sendo sufragada, consoante se denota do acórdão

proferido no Agravo de Instrumento n. 2008.025072-6 pelo Relator Desembargador

Eládio Torret Rocha, da Colenda Quarta Câmara de Direito Civil:

AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO. EXCLUSÃO, PELO DESPACHO SANEADOR, DE DOIS LITIGANTES POSTADOS NO POLO PASSIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. TEORIA DA ASSERÇÃO. CAUSA DE PEDIR LIGADA À ESCRITURAÇÃO DO IMÓVEL E AO ATENDIMENTO DISPENSADO PELOS ALUDIDOS RÉUS, ADVOGADOS, AOS AUTORES, EXTRAPOLANDO OS LIMITES DOS PODERES CONTIDOS EM INSTRUMENTO PROCURATÓRIO. SITUAÇÃO FÁTICA QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO. ATO IMPUTADO QUE TERIA OCORRIDO NO ESCRITÓRIO DOS CAUSÍDICOS DEMANDADOS, APÓS NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL SUBSCRITA POR UM DELES. QUESTÃO QUE CARECE DA DEVIDA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. RECLAMO PROVIDO. [...] 2. Segundo a teoria da asserção, importa que se indague, a partir das afirmações inaugurais do autor, se há pertinência subjetiva entre os agentes constantes da relação jurídica de direito material descrita na petição inicial, e, ainda, a correspondente indicação no que pertine aos sujeitos do processo que se está a instaurar. 3. Presente o mínimo de razoabilidade e nexo de causalidade entre as assertivas expostas no petitório inaugural e o sujeito que as

321

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp n. 1.095.276/MG. Rel. Ministro Humberto Martins. Segunda Turma. Julgado em: 25/05/2010. DJ 11/06/2010. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=10059273&sReg=200802252878&sData=20100611&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em 25 out. 2010.

322 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp n. 1.095.276/MG. Rel. Ministro Humberto

Martins. Segunda Turma. Julgado em: 25/05/2010. DJ 11/06/2010. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=10059273&sReg=200802252878&sData=20100611&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em 25 out. 2010.

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perpetrou, autorizada está, pois, sua inclusão no pólo passivo da demanda.323

Por último, frise-se que a aplicabilidade da teoria da asserção ou da

prospettazione vem sendo sufragada tanto pela doutrina, quanto pelos tribunais

como forma de suavizar os efeitos decorrentes da aplicação irrestrita do art. 267, §

3º do Código de Processo Civil, até mesmo porque as normas processuais são de

natureza pública e, de regra, indisponíveis.

323

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. AI n. 2008.025072-6. Rel. Des. Eládio Torret Rocha. Quarta Câmara de Direito Civil. Julgado em: 18/02/2010. DJ 11/03/2010. Disponível em <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?parametros.frase=&parametros.todas=&parametros.pageCount=10&parametros.dataFim=&parametros.dataIni=&parametros.uma=&parametros.ementa=teoria+da+asser%E7%E3o&parametros.juiz1GrauKey=&parametros.cor=FF0000&parametros.tipoOrdem=data&parametros.juiz1Grau=&parametros.foro=&parametros.relator=&parametros.processo=&parametros.nao=&parametros.classe=&parametros.rowid=AAARykAAHAAABddAAB>. Acesso em: 29 out. 2010.

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CONCLUSÃO

Como visto, não é simples o estudo das “condições da ação” no direito

processual civil brasileiro.

Em razão disso, reservaram-se três capítulos na busca de elucidar – sempre

levando em consideração a natureza restrita deste trabalho – a aplicação deste

instituto fruto da adoção das idéias de Enrico Tullio Liebman pelo legislador

infraconstitucional.

O primeiro capítulo reservou-se ao breve estudo do direito de ação, sendo

traçados ainda os aspectos gerais sobre jurisdição, processo e ação – os quais

compõem a trilogia estrutural do direito processual civil – passando-se à análise das

mais relevantes teorias sobre o direito de ação.

A obsoleta teoria civilista (também intitulada de imanentista ou sincrética),

cujo seu maior expoente Friedrich Karl Von Savigny busca estudar o direito de ação

com base na célebre definição do jurista romano Celso, pela qual a ação seria “o

direito de pedir em juízo o que nos é devido” (nihil aliud est actio quam ius, quod sibi

debeatur judicio persequendi), época em que o direito de ação se confundia com o

direito material.

A notável polêmica travada em meados do século XIX entre os alemães

Bernhard Windscheid e Theodor Muther, cujos estudos – concentrados na obra

Polemica sobre la “actio”, traduzida para o espanhol por Tomás A. Banzhaf – dá um

passo importante à evolução do direito de ação ao reconhecerem sua autonomia.

A teoria concretista a respeito do direito de ação, desenvolvida pelo jurista

alemão Adolph Wach, no ano de 1888, na obra Der Feststellungsanspruch (em

espanhol: La pretensión de declaración), firma de vez o desprendimento do direito

de ação do direito material ao reconhecer a ação declaratória negativa, muito

embora condicione à existência da ação ao pronunciamento de uma sentença

favorável. Uma variante desta teoria é difundida por Giuseppe Chiovenda, segundo

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o qual a ação é compreendida como direito potestativo, de modo a assegurar um

resultado favorável no processo.

A teoria abstratista do direito de ação, desenvolvida pelo húngaro Alexander

Plósz (na obra Beiträge zur Theorie des Klagerechts, no vernáculo “Contribuição à

Teoria do Direito de Queixa”, 1876) e pelo alemão Heinrich Degenkolb (na obra

Einlassungszwang und Urteilsnorm, no vernáculo “Ingresso Forçado e Norma

Judicial”, 1877) demonstra que a ação é um direito processual subjetivo,

desvinculado de qualquer outro, e distinto de direito subjetivo material que possa ser

titular a parte interessada.

A teoria eclética do direito de ação, exposta pelo italiano Enrico Tullio

Liebman, em 1949, na universidade de Turim, na famosa conferência L’ azione nella

teoria del processo civile, busca conciliar o extremo da teoria concreta e da teoria

abstrata acerca do direito de ação, aportando em ponto intermediário, uma vez que

a obtempera a determinados requisitos conhecidos como “condições da ação”.

Registre-se que é a teoria adotada pelo Código de Processo Civil em vigor.

Em rumo ao tema proposto, o segundo capítulo reservou-se ao breve estudo

de cada uma das “condições da ação” – quais sejam: o interesse de agir, a

legitimidade de parte e a possibilidade jurídica do pedido –, demonstrando que estas

são compreendidas como requisitos de admissibilidade, as quais juntamente com os

pressupostos processuais precedem o exame do mérito (lide).

O interesse de agir como “condição da ação”, constitui-se fundamentalmente

na necessidade que alguém tem de recorrer ao Poder Judiciário para obter proteção

de direito que julgue ter sido violado, ou apenas ameaçado de violação.

A legitimidade de parte (ou legitimidade ad causam) como “condição da

ação” está relacionada, na linguagem de Enrico Tullio Liebman, com a idéia de

pertinência subjetiva da ação; isto é, a titularidade do autor em buscar sua pretensão

em face do réu, de maneira a depender do vínculo entre o sujeito e a causa.

A possibilidade jurídica pedido como “condição da ação”, traduz-se com a

não vedação no ordenamento jurídico da solicitação formulada pelo autor para

satisfação de sua pretensão.

Relativamente à utilidade das “condições da ação”, demonstrou-se sua

simetria com o princípio da economia processual, porquanto obsta que um processo

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inviável se prolongue no tempo à toa, poupando então o Estado de dispêndios

financeiros desnecessários, assim como amenizando o sofrimento das partes em

decorrência de uma demanda despropositada.

Por último, o terceiro capítulo reservou-se ao estudo da cognição das

“condições da ação”, advertindo desde logo que sua validade no plano jurídico não é

tão aceitável quanto parece, tendo em vista que a natureza da decisão (terminativa)

que acolhe a ausência de qualquer uma das “condições da ação” não é dotada de

caráter jurisdicional.

Assim sendo, distinguiu-se coisa julgada formal e coisa julgada material,

entendendo-se pela primeira a imutabilidade da sentença (de mérito ou não), nos

limites do processo em que foi proferida, autorizando a propositura de ação repetida;

à medida que a segunda consiste na imutabilidade da sentença de mérito fora do

processo em que foi proferida, pelo que seus efeitos repercutem na vida dos

litigantes.

Ademais, verificou-se que as “condições da ação” muitas vezes se

confundem com o mérito da questão, e até mesmo revelam casos de improcedência

macroscópica da ação que, inclusive, justificam o julgamento antecipado da lide.

Isso porque, não raras vezes, depara-se o juiz após a instrução do processo

com a ausência de qualquer uma das “condições da ação”. Exemplo clássico seria o

de ação reivindicatória na qual o magistrado, após a dilação probatória, denota que

o autor não é proprietário. Neste caso específico, é caso de improcedência ou

extinção do processo sem o exame do mérito?

A leitura do enviesado art. 267, § 3º do Código de Processo Civil conduz à

extinção do processo sem o exame do mérito, muito embora se tenha adentrado no

âmbito do mérito da questão.

Por essa razão, surge corrente doutrinária que prega pela aplicação da

teoria da asserção ou da prospettazione, quando da aferição das “condições da

ação”, de modo que estas deveriam ser analisadas à luz do que foi afirmado pelo

autor na petição inicial, sob pena de estar-se invadindo o mérito da causa.

Em conclusão, denota-se que a aplicabilidade da teoria da asserção ou da

prospettazione se mostra como a mais adequada a aferir as “condições da ação”, ao

mitigar a aplicação irrestrita do art. 267, § 3º do Código de Processo Civil, limitando

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o exame do preenchimento de tais condições à petição inicial, à vista do que foi

afirmado pelo autor, de sorte que a decisão que acolhê-las terá cunho terminativo;

ou seja, não repercutirão os efeitos da coisa julgada material, restringindo a

imutabilidade da sentença aos limites do processo em que foi proferida (coisa

julgada formal).

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