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CCDD Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 1 Tema Leitura: concepções e encaminhamentos Projeto Pós-graduação Curso Alfabetização e Letramento Disciplina Leitura e Produção de Textos Tema Leitura: concepções e encaminhamentos Professor Marilia Marques Mira Introdução Este tema está organizado em dois subtemas: 1) as concepções de leitura, que remetem ao sentido da leitura na escola e ao entendimento da compreensão leitora; e 2) os procedimentos, estratégias e capacidades para desenvolver a compreensão leitora. Na primeira parte do estudo, abordaremos as diferentes concepções de leitura, que se relacionam à percepção de língua, de texto, de sujeito e ao sentido da leitura. Abordaremos também uma breve análise sobre os resultados de algumas avaliações em larga escala, que mostram o desafio existente quando se trata do ensino da leitura na escola. Antes de iniciar seus estudos, acompanhe o vídeo no material on-line, em que a professora Sandra falará dos temas que serão abordados nesta aula. Problematização Imagine que você é a professora regente de uma turma do 2º ano do ensino fundamental. No início do ano, seus alunos realizaram a Provinha Brasil e sua turma obteve o nível 2. A direção da escola analisou os resultados de todas as turmas do 2º ano e comentou que sua turma obteve o menor resultado em comparação com as

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Tema – Leitura: concepções e encaminhamentos

Projeto Pós-graduação

Curso Alfabetização e Letramento

Disciplina Leitura e Produção de Textos

Tema Leitura: concepções e encaminhamentos

Professor Marilia Marques Mira

Introdução

Este tema está organizado em dois subtemas: 1) as concepções de

leitura, que remetem ao sentido da leitura na escola e ao entendimento da

compreensão leitora; e 2) os procedimentos, estratégias e capacidades para

desenvolver a compreensão leitora.

Na primeira parte do estudo, abordaremos as diferentes concepções de

leitura, que se relacionam à percepção de língua, de texto, de sujeito e ao

sentido da leitura.

Abordaremos também uma breve análise sobre os resultados de

algumas avaliações em larga escala, que mostram o desafio existente quando

se trata do ensino da leitura na escola.

Antes de iniciar seus estudos, acompanhe o vídeo no material on-line,

em que a professora Sandra falará dos temas que serão abordados nesta aula.

Problematização

Imagine que você é a professora regente de uma turma do 2º ano do

ensino fundamental. No início do ano, seus alunos realizaram a Provinha Brasil

e sua turma obteve o nível 2.

A direção da escola analisou os resultados de todas as turmas do 2º ano

e comentou que sua turma obteve o menor resultado em comparação com as

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demais. Por isso, você deverá reorganizar seu planejamento a fim de garantir

que seus estudantes possam melhorar o desempenho na área de alfabetização

até o final do ano, quando ocorrerá a próxima provinha. Espera-se que até lá,

os alunos já estejam lendo frases e pequenos textos.

Analisando as informações dos materiais disponibilizados na escola e no

site do MEC/INEP, você observa quais habilidades os estudantes dominaram

nesse nível da avaliação e quais os descritores que já se apropriaram:

No nível 2 os alunos, geralmente, já podem:

Diferenciar letras de outros sinais gráficos;

Identificar letra ou sequência de letras do alfabeto lida pelo aplicador.

Reconhecer palavras de formação silábica canônica escritas de

diferentes formas;

Estabelecer relação entre grafemas e fonemas, identificando, por

exemplo, a letra ou a sílaba inicial de uma palavra;

Ler palavras formadas por sílabas canônicas e não canônicas.

Considerando essa situação, o que você acharia mais adequado fazer,

levando em consideração o seu planejamento de trabalho?

Não responda agora. Vamos voltar ao conteúdo teórico do nosso tema

e, ao final, retomaremos a nossa história e apresentaremos as possibilidades

de solução para o problema.

O sentido da leitura na escola: em busca da compreensão

leitora

A importância do aprendizado da leitura no processo de alfabetização é

imensa. Nosso objetivo, ao explorar esse tema, é refletir sobre é desenvolvido

o processo de ensino-aprendizagem da leitura, buscando pistas que

contribuam para rever e/ou aperfeiçoá-lo.

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Vamos iniciar com algumas questões:

O que é ler? Para que lemos? Como lemos?

Podemos responder a essas perguntas de diferentes formas; cada uma

das possíveis respostas evidenciam diferentes concepções de leitura. As

respostas a essas perguntas são diferentes em cada momento histórico e

revelam que as formas de ler e de entender a leitura sofreram mudanças

significativas.

Se tivermos o objetivo de compreender melhor como o trabalho com a

leitura vem sendo desenvolvido, superando concepções “ingênuas” sobre a

própria leitura e sobre a alfabetização, aprofundar o estudo sobre as

concepções de leitura é uma necessidade (BRAGGIO, 2005).

Para Koch (2006, p. 9), as diferentes concepções de leitura são

decorrentes de outras concepções: de língua, de sujeito, de texto e do sentido

da leitura.

A concepção de leitura se relaciona à ação do sujeito ao ler; ao modo

como entendemos a língua e o seu ensino na escola; ao que concebemos

como texto; e ao sentido da leitura.

O diagrama a seguir representa a inter-relação entre todos esses

fatores:

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Clique no link a seguir e conheça a história da leitura, as diferentes

formas de conceber a leitura e suas práticas no decorrer dos tempos.

http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Marcia/marcia.htm

Koch (2006, p. 9-12) apresenta três diferentes concepções de leitura,

conforme o foco do processo:

Foco no autor

Nessa concepção, a língua é entendida como representação do

pensamento; e o sujeito é concebido a partir de uma dimensão individual,

psicológica, “senhor absoluto de suas ações e do seu dizer”. O texto é

considerado um produto lógico do pensamento do autor, sendo que cabe ao

leitor unicamente “captar” as ideias do autor, assumindo um papel passivo.

Foco no texto

Essa concepção parte de uma visão da língua como estrutura, como um

código (“mero instrumento de comunicação”). Nessa visão da língua, o sujeito é

(pré-)determinado pelo sistema, caracterizado por uma espécie de não

consciência.

O texto é o resultado da codificação feita por um emissor (autor) que

deve ser decodificado pelo receptor (leitor/ouvinte). Para isso, é suficiente o

conhecimento desse código (exemplo: se o texto foi escrito na língua inglesa,

basta que eu domine essa língua para entender o texto).

Nessa concepção, considera-se que tudo está dito no texto; assim, a

leitura exige que o leitor, tendo o texto como foco, reconheça o sentido das

palavras e estruturas do texto e reproduza o que nele está dito.

Foco na interação autor-texto-leitor

Nessa concepção, a língua é considerada a partir de uma perspectiva

dialógica, interacional e os sujeitos assumem um papel ativo na relação com o

texto e seu(s) autor(es).

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A construção do sentido do texto não é dada pelo autor, nem está pronta

no texto, mas ocorre na interação entre os sujeitos (autor e leitor) e o texto. A

leitura é, portanto, [...] “uma atividade interativa altamente complexa de

produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos

linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas

requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento

comunicativo.” (idem et ibidem, p. 11).

Já Braggio (2005, p. 2-4), analisa os modelos de leitura e de escrita a

partir do pensamento filosófico e educacional de cada momento histórico. Ela

relaciona os modelos de leitura e de escrita que definem os métodos de

alfabetização, aos quais define como pacotes prontos e impostos aos alunos e

professores, a uma concepção de base empirista-behaviorista, que

compreende o sujeito como uma “tábula-rasa”, desvinculado de seu contexto

histórico e social.

A autora também afirma que o modelo interacionista, surgido no final dos

anos de 1970, evidencia um salto qualitativo na concepção de leitura e,

consequentemente, na prática pedagógica. Para ela, no modelo interacionista

“tanto o sujeito como o material escrito concorrem para a compreensão, para a

construção do significado [...] ambos são foco de análise” (BRAGGIO, 2005, p.

3-4).

Para Braggio (2005), houve uma transição do modelo interacionista I

para o que denomina sociopsicolinguístico (ou interacionista II). No segundo

modelo, o “leitor e texto não apenas se tocam, mas no processo se

transformam.” (idem, p. 4)

Em sua análise, há necessidade de considerar, mesmo nos modelos

interacionistas, a formação de um leitor crítico, que use a linguagem escrita

para pensar e para agir sobre a realidade, no sentido de sua transformação.

Para tanto, é importante fundamentar o trabalho numa concepção sócio-

histórica de linguagem, à luz de autores como Vygotsky, Luria, Bakthin e Paulo

Freire.

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Na perspectiva interacionista, entende-se a linguagem como atividade

constitutiva do ser humano, que lhe permite atuar sobre a sociedade e

transformá-la, ao mesmo tempo em que se transforma nesse processo.

A perspectiva interacionista nos faz refletir sobre as funções

sociais da leitura, que, conforme Braggio, vão além do objeto de ensino-

aprendizagem, mas são funcionais para a vida em sociedade.

Se lermos apenas “o que está dito”, ou seja, o que está escrito no texto,

fica fácil perceber que, embora como professores(as) não tenhamos dificuldade

em “decodificar” as palavras ou entender as frases, a compreensão do texto

exige outros conhecimentos, para além das palavras. Isso implica em

compreender o texto, estabelecendo relações mais amplas. A decodificação é

apenas uma parte desse processo.

No caso de um gênero como a charge, precisamos ler as imagens: o

que elas dizem? Ler a referência pode trazer mais algumas pistas; precisamos

também buscar a resposta a outras questões: o que é uma charge? Qual sua

finalidade? Para quem foi “escrita” essa charge, ou seja, quem são os seus

leitores (público-alvo)? Em que contexto ela circula? Quando ela foi produzida?

O que sabemos sobre aquecimento global? Por que essa pergunta, nesse

contexto? E a resposta que foi dada: que outras informações precisamos ter

(ou buscar, e onde?) para entender o porquê dessa resposta? E outras mais:

que crítica o autor está fazendo? Qual sua posição em relação a essa crítica?

Sua posição, certamente, tem a ver com quem você é, de onde “fala” (se você

é um passageiro do ônibus, o dono da empresa de transporte coletivo, uma

mãe que teve a filha queimada em um desses episódios...). Sem essas

respostas, a compreensão da charge será sempre parcial, incompleta.

A interpretação literal (de acordo com o sentido restrito das

palavras) é obviamente insuficiente!

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O exemplo apresentado por Teberoski et al (2003, p. 13), ilustra a

diferença entre a decodificação e a leitura:

“Carmen esticurava um po e artemunia à laia. Pedro arteava pas ni tenes.”

O que Carmen esticurava? A quem artemunia? O que Pedro arteava?

Com certeza, qualquer pessoa alfabetizada consegue responder às três

questões. Mas, isso significa que entendeu o texto? Não, porque mesmo que

conhecesse essa língua (o código escrito), as questões solicitam uma

interpretação literal e, portanto, limitada.

Obviamente, alguns poderão afirmar que esse tipo de atividade nunca é

usado em classes de alfabetização. Porém, infelizmente, não é o que se

observa. É suficiente uma rápida busca pela internet para encontrar atividades

que não diferem muito desse tipo de encaminhamento, algumas inclusive com

comentários elogiosos e solicitação de outras sugestões.

Clique no link a seguir e note outro exemplo de “interpretação do texto”.

https://periodicos.ufsc.br/index.php/desterro/article/view/11655/11236

No próximo vídeo do material on-line, vamos explorar um exemplo, em

outra língua, para podermos refletir sobre a leitura e a interpretação de textos

na alfabetização.

Há muitos conhecimentos envolvidos na compreensão textual, para

além do conhecimento do sistema linguístico. Nessa perspectiva, Rojo (2004,

p. 2) afirma:

“[…] ser letrado e ler na vida e na cidadania é muito mais que isso: é escapar da literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-os em relação com outros textos e discursos, de maneira situada na realidade social; é discutir com os textos, replicando e avaliando posições e ideologias que constituem seus sentidos; é, enfim, trazer o texto para a vida e colocá-lo em relação a ela.”

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O que isso tem a ver com as concepções de leitura apresentadas

inicialmente?

Evidencia-se que a leitura, concebida como compreensão, requer ir além

do sentido dado unicamente pelo autor (leitor passivo) ou pelo texto (leitor

conhece o código para decodificar o texto). Ler, de acordo com Marcuschi

(2008, p. 239) equivale a ler compreensivamente. E a compreensão é um

processo cognitivo altamente complexo, que se dá na relação entre autor-texto-

leitor, mas implica também em outros conhecimentos, outras leituras, outros

textos/discursos que completam o sentido do que se quer dizer. Requer

posicionamentos e escolhas, sem os quais o texto não atinge sua finalidade e a

leitura não adquire seu sentido pleno.

Diversas pesquisas e diferentes estudiosos vêm discutindo a respeito

dos conhecimentos envolvidos na compreensão de um texto (SOLÉ, 1998;

LERNER, 2002; TEBEROSKI et al., 2003; KOCH, 2006; KLEIMAN, 2008;

MARCUSCHI, 2008). Sem a pretensão de esgotar os estudos já realizados,

apresentamos algumas ideias relevantes.

Kleiman (2008) aponta que são diversos os conhecimentos envolvidos

na busca de sentido da leitura. No primeiro capítulo da obra, ela explicita os

conhecimentos prévios necessários à compreensão:

Conhecimento linguístico: envolve o conhecimento sobre o vocabulário,

as regras gramaticais, entre outros.

Conhecimento textual: abrange noções sobre os gêneros e suas

características, tipos de texto etc.

Conhecimento de mundo: refere-se às informações, conhecimentos e

experiências sobre o assunto do texto

Para a autora, a ativação dos conhecimentos prévios é essencial à

compreensão textual, pois são eles que permitem ao leitor fazer inferências e

compreender informações implícitas ao texto.

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Marcuschi (2008, p.239) afirma que compreender um texto “é partir dos

conhecimentos (informações) trazidos pelo texto e dos conhecimentos

pessoais (chamados de conhecimentos enciclopédicos) para produzir (inferir)

um sentido como produto de nossa leitura. Compreender um texto é realizar

inferências a partir das informações dadas no texto e situadas em contextos

mais amplos.”

Já Koch (2006, p. 19) aponta, ainda, o fato de que a interação entre

texto e leitor também é regulada pelos objetivos da leitura. Nossa intenção ao

lermos determinados textos interfere no modo como realizamos a leitura. Como

exemplo, podemos comparar o modo como fazemos a leitura de um poema,

de uma notícia ou reportagem, uma receita culinária ou um texto científico.

Diferentes intenções implicam, portanto, em procedimentos e

estratégias diversas.

Considerando todos os fatores envolvidos na compreensão textual, o

mais adequado é tratarmos a leitura em uma perspectiva de pluralidade de

sentidos (KOCH, 2006).

Se ler é atribuir sentido(s) e significado(s), não cabe falar em uma única

interpretação; cabe, pensar nas possíveis leituras de um mesmo texto:

De leitor para leitor: pois são diferentes suas experiências e

conhecimentos.

De um mesmo leitor em tempos diferentes: é só lembrar-se de um texto

que, no início da faculdade, lhe pareceu muito difícil de compreender,

quando releu esse texto, tempos mais tarde, a compreensão foi bem

mais fácil. O que mudou: o texto ou o leitor, com seus conhecimentos e

experiências?

Mas, como a escola tem ensinado os estudantes a ler?

As atividades de leitura na escola, em especial (mas não somente) as

que são planejadas nas classes de alfabetização, se aproximam mais de qual

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enfoque ou encaminhamento?

Infelizmente, os resultados das avaliações externas ou em larga escala,

tanto nacionais - Prova Brasil/SAEB, Provinha Brasil e ENEM - quanto

internacionais - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes/PISA -

evidenciam que ainda não conseguimos sucesso na tarefa de formação de

leitores com a proficiência necessária e desejada para cada etapa da

escolarização.

Clique no link a seguir e note com tem sido implantadas algumas

questões sobre as avaliações em larga escala e seus objetivos.

http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/0/avaliar-as-avaliacoes-em-

larga-escala-desafios-politicos-302490-1.asp

Mesmo considerando que essas provas têm objetivos diferenciados em

relação às avaliações realizadas pela própria escola e seus profissionais, os

dados a seguir evidenciam os resultados do Brasil na avaliação do PISA,

realizada em 2012:

http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/12/03/pisa-desempenho-do-

brasil-piora-em-leitura-e-empaca-em-ciencias.htm

Tais resultados indicam que o Brasil ficou com a média de 410 pontos,

com 86 pontos abaixo da média dos países da OCDE (Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Obviamente, a análise desses

resultados requer considerar muitos outros fatores determinantes, o que não é

nosso objetivo nesse momento.

Outra avaliação que serve como análise para a formação de leitores,

pois diz respeito justamente ao período da alfabetização inicial, é a Provinha

Brasil. Ela avalia os estudantes no 2º ano do ensino fundamental, no início e ao

final do ano letivo.

Entender o que é avaliado e quais as competências e as habilidades que

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precisam ser trabalhadas no ciclo de alfabetização é fundamental a todos os

profissionais da educação.

No site do INEP, o professor tem acesso aos diferentes materiais

referentes à Provinha Brasil: o Caderno do Aluno, o Guia de Correção e

Interpretação dos Resultados, a Matriz de Referência da Avaliação, tanto de

Leitura quanto de Matemática. Acesse esse site e confira.

http://portal.inep.gov.br/web/provinha-brasil/provinha-brasil

Os resultados dessa avaliação podem ser analisados na perspectiva de

uma rede de ensino, de grupos de escolas, de uma escola isoladamente, por

turma ou por estudante. Tais resultados são organizados em cinco níveis, cada

um deles corresponde a determinadas capacidades ou habilidades de leitura

dos estudantes.

O material traz, também, considerações e sugestões de atividades que

podem ser desenvolvidas pelos professores, a partir dos resultados de sua

turma. Nesse sentido, permite propor ações de intervenção visando à melhoria

do processo de ensino-aprendizagem, em relação às competências avaliadas.

A série de pesquisas denominada Retratos da Leitura no Brasil também

traz algumas informações que podem auxiliar na composição desse quadro. O

objetivo principal da pesquisa é medir a intensidade, a forma, a motivação e as

condições de leitura da população brasileira. Porém, não é sua proposta

apontar soluções para o problema da leitura no país.

O último “Retratos da Leitura no Brasil” mostra que o uso do tempo livre

das pessoas para a leitura “caiu” de 36% (em 2007) para 28% (em 2011). A

partir da definição de leitor - aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos

um livro nos últimos três meses -, apresenta também dados como: o perfil

desse leitor, seu comprometimento com a leitura, a média de livros lidos, a

preferência e a frequência de leitura, os suportes e os gêneros lidos

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frequentemente, entre outras questões que merecem nossa reflexão atenta e

cuidadosa.

Outra questão levantada é em relação à identificação das principais

razões que levam as pessoas a ler menos do que antes. Nesse quesito, os

resultados foram agrupados em três categorias:

Dificuldades relacionadas ao interesse na leitura: falta de tempo, não

gosta de ler, não tem paciência, só lê por obrigação, que atinge 78% dos

participantes da pesquisa;

Dificuldades para ler: problemas de visão, dificuldade de compreensão,

leitura muito devagar, com 15% dos participantes;

Dificuldades de acesso: preço do livro, falta de local onde comprar livros

ou ausência de bibliotecas), indicado como causa para 4% dos

participantes.

Outro dado importante que a pesquisa traz se refere a quem mais

influencia a leitura, onde os professores e as mães (ou responsáveis do sexo

feminino) respondem por 45% e 43%, respectivamente.

Em síntese, as avaliações externas e as pesquisas recentes sobre a

leitura tem mostrado um quadro preocupante, que requer múltiplas ações dos

diferentes sujeitos e instituições envolvidas com a escola. Conforme indicado

por Rojo (2004, p.1):

“[...] as práticas didáticas de leitura no letramento escolar não

desenvolvem senão uma pequena parcela das capacidades envolvidas nas

práticas letradas exigidas pela sociedade”. Esse quadro mostra a necessidade,

entre outras questões, de aprofundarmos o estudo sobre os procedimentos, as

estratégias e as capacidades de leitura, para aprimorarmos, cada vez mais, o

processo de ensino-aprendizagem.

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Procedimentos, estratégias e capacidades de leitura

Temos que ter em mente que ler é compreender e atribuir sentido(s) ao

texto. Também é bom lembrar que a leitura é realizada por meio da relação

texto-autor-leitor; e que sua aprendizagem requer um conjunto de

procedimentos, estratégias e capacidades que implicam em um processo de

ensino voltado para essa aquisição, pois ela não se desenvolve

espontaneamente.

O leitor proficiente, ao ler/buscar o sentido dos textos, faz uso de

determinados procedimentos e/ou estratégias, que nem sempre ocorrem de

modo consciente. O professor, portanto, tem uma dupla e importante tarefa:

atuar como “modelo” de comportamento leitor para os estudantes e orientá-los

em direção ao desenvolvimento de sua competência leitora.

Isso é evidenciado por Lerner (2002, p. 95):

“Para comunicar às crianças os comportamentos que são típicos do

leitor, é necessário que o professor os encarne na sala de aula, que

proporcione a oportunidade a seus alunos de participar de atos de leitura que

ele mesmo está realizando, que trave com eles uma relação de leitor para

leitor.”

Para Rojo (2004, p. 2), os procedimentos do leitor se referem a um

conjunto mais amplo de fazeres e rituais que envolvem as práticas de leitura.

Coll (1987, apud SOLÉ, 1998, p. 68) define os procedimentos como um

conjunto de ações ordenadas, dirigidas à consecução de uma meta. Por

exemplo: ler da esquerda para a direita e de cima para baixo; folhear o livro da

direita para a esquerda e de maneira sequencial; usar caneta marca-texto para

destacar informações relevantes; “escanear” o jornal ou revista para encontrar

os assuntos de interesse. Alguns procedimentos podem ser ensinados, porém

outros devem ser aprendidos no próprio processo de aquisição da leitura.

Os exemplos mostrados evidenciam que os procedimentos variam de

acordo com o sistema linguístico, com o gênero e com o objetivo da leitura.

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Quando lemos um poema ou uma notícia de jornal, quando procuramos

um endereço em um catálogo telefônico, quando lemos uma carta ou um texto

publicitário não o fazemos do mesmo modo. Diferentes gêneros textuais se

relacionam a distintas finalidades e implicam em modos de leitura também

distintos.

Se vamos ler uma receita para fazer um bolo, precisamos inicialmente

ler (e conferir) se temos todos os ingredientes solicitados. Começar pelo “modo

de fazer” pode levar ao risco de chegar ao meio da preparação do bolo e

descobrir que precisava de um ingrediente que não se tem. Localizar uma

notícia sobre o resultado de um jogo de futebol, por exemplo, ou encontrar o

seu horóscopo diário em um jornal, não implica em ler todo o material, mas em

buscar a seção correspondente às informações que te interessam e, ao

encontrá-la, folhear as páginas e fazer uma leitura superficial dos títulos até

localizar a informação específica que lhe interessa.

Quanto às estratégias de leitura, Solé (1998, p. 70) afirma que são

procedimentos de ordem elevada que envolvem o cognitivo e o metacognitivo.

Nesse sentido, não podem ser tratadas como uma técnica específica ou uma

receita infalível, pois implicam no desenvolvimento da capacidade de

representar e analisar problemas e na flexibilidade para encontrar as possíveis

soluções.

Solé (1998) explicita algumas estratégias que devem ser trabalhadas no

processo de ensino aprendizagem da leitura:

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Essas estratégias devem ser trabalhadas durante todo o processo de

leitura/compreensão, cabendo ao professor organizar o encaminhamento do

trabalho considerando as estratégias mais adequadas a serem exploradas

antes da leitura do texto, outras que devem ser desenvolvidas durante a leitura

e, outras ainda, ao final do trabalho.

Rojo (2004) explica que as estratégias de leitura se relacionam às

capacidades envolvidas na busca da compreensão do texto. Ela divide as

capacidades de leitura em três “categorias”:

As Capacidades de Decodificação: 1.

Compreender diferenças entre escrita e outras formas gráficas (outros

sistemas de representação)

Dominar as convenções gráficas

Conhecer o alfabeto

Compreender a natureza alfabética do nosso sistema de escrita

Dominar as relações entre grafemas e fonemas

Saber decodificar palavras e textos escritos

Saber ler reconhecendo globalmente as palavras

Ampliar a sacada do olhar para porções maiores de texto,

desenvolvendo assim fluência e rapidez de leitura

As Capacidades de Compreensão (ou estratégias) 2.

Ativação de conhecimentos de mundo

Antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos

Checagem de hipóteses

Localização de informações

Comparação de informações

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Generalização

Produção de inferências locais

Produção de inferências globais

As Capacidades de Apreciação e Réplica (interpretação, interação) 3.

Recuperação do contexto de produção do texto

Definição de finalidades e metas da atividade de leitura

Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático)

Percepção de outras linguagens como elementos constitutivos do

sentido do texto

Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo)

Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas

Elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos

Para Rojo (2004), as capacidades de decodificação são consideradas

capacidades básicas e devem ser ensinadas e aprendidas durante os anos

iniciais do ensino fundamental, ou seja, durante o processo de alfabetização.

Porém, não podem ser trabalhadas de forma isolada, pois as capacidades de

compreensão, apreciação e réplica devem ser desenvolvidas simultaneamente.

Isso não significa que a criança deve primeiramente aprender a ler e só

depois a compreender, conforme já afirmado. Esse destaque se relaciona,

conforme Solé (1998, p. 52), ao entendimento de que “ler não é decodificar,

mas para ler é preciso saber decodificar”.

Clique no link a seguir e veja uma análise das práticas de leitura e de

letramento realizadas pelas escolas, abordando as capacidades de leitura que

precisam ser desenvolvidas nos estudantes, ao longo da educação básica.

http://www.academia.edu/1387699/Letramento_e_capacidades_de_leitur

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a_para_a_cidadania

Uma questão importante é auxiliar as crianças a desenvolverem as

habilidades de decodificação necessárias em contextos significativos.

O que isso significa?

Inicialmente, significa partir do princípio que muitas crianças, ao

iniciarem o processo formal de alfabetização, já possuem muitos

conhecimentos sobre a leitura e a escrita. E isso não pode ser desconsiderado.

Esses conhecimentos dependem da experiência prévia (contexto sociocultural)

e das condições pessoais de cada criança. Essas experiências podem ter sido

vivenciadas em casa e/ou na escola de educação infantil.

Cabe à escola de ensino fundamental e aos seus profissionais

identificarem o que elas já sabem, como ponto de partida para o

desenvolvimento do trabalho.

“A escola recebe uma criança que fala e usa a linguagem oral com desenvoltura e por meio dela interage com o outro e com o contexto em que vive. [...] Se o domínio da linguagem oral tem se colocado como um processo que ocorre com certa ‘naturalidade’, sem maiores traumas, o mesmo não tem acontecido com a escrita (e com a leitura). A aquisição da linguagem escrita tem apresentado uma série de dificuldades, a maior delas a submissão da criança a um processo mecânico, descolado de sua realidade, no qual a compreensão da função da escrita e o sentido e significado social são deixados de lado, ou mesmo ignorados.” (ZABOT; MIRA, 2004, p. 11).

Para Curto, Morillo & Teixidó (2000, p. 63-4), “entre três e quatro anos, a

maioria das crianças possui uma competência oral com uma complexidade

sintática próxima à do adulto.”

Esse domínio da linguagem permite compreender o conteúdo dos textos

usados socialmente. De acordo com esses autores, as ideias das crianças

sobre a linguagem escrita referem-se:

Ao ato de ler e escrever: como a posição do livro, o gesto de folhear, a

entonação, a sequência das páginas.

Ao conteúdo do que se pode ler ou escrever: por exemplo, para ler deve

ter pelo menos três letras diferentes.

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Às hipóteses sobre as letras, as características da escrita e da relação

entre a imagem e o objeto: por exemplo, que a palavra formiga deve ser

menor – ter menos letras – do que a palavra trem, pois o objeto que

representa é menor.

Aos conhecimentos acerca das características dos diferentes gêneros

textuais: sabem, por exemplo, que se a leitura começar com “era uma

vez”, muito provavelmente será lido um conto, conseguem diferenciar

alguns gêneros textuais de seu convívio.

Além de considerar os conhecimentos que as crianças possuem sobre a

leitura e a escrita, ensiná-las a aprender a ler em contextos significativos

implica em fazer isso em situações em que a leitura e escrita sejam

trabalhadas a partir de suas funções sociais.

A consciência fonológica também é importante, pois permite que a

criança explore semelhanças e diferenças entre as palavras e as partes de

palavras. Tanto a consciência fonológica quanto a metalinguística auxiliam a

aprendizagem da leitura e da escrita, ao mesmo tempo em que as crianças

ampliam essas habilidades ao aprenderem a ler e a escrever.

De modo geral, podemos dizer que o processo de ensino da leitura deve

estar voltado para a necessidade de a criança entender o significado da escrita,

ou seja, é pela busca do significado que precisamos guiar as aprendizagens

das crianças sobre a linguagem escrita.

Aprender a ler (e a escrever) implica – também (mas não somente) – em

aprender a decodificar. Precisamos ensinar às crianças a estabelecer

correspondências entre os sons da língua e sua representação gráfica. Isso

significa ensiná-las a “prestar atenção deliberada e consciente à linguagem

(seus sons, palavras, representação gráfica) e refletir sobre ela”, ou seja,

desenvolver ou ampliar a consciência metalinguística. (SOLÉ, 1998, p. 57)

Para Solé (1998, p. 58) esse encaminhamento evita que a criança

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construa uma ideia errônea sobre a leitura: a de que ler é dizer as letras (ou os

sons) e as palavras. Nesse sentido, ela destaca que existem distintas

propostas metodológicas - iniciar pelo ensino de fonemas; partir das frases;

partir de palavras que a criança reconhece globalmente etc.. Porém, nenhuma

delas é adequada, segundo a autora, se for exclusiva, pois se baseiam numa

pressuposição incorreta, a de que a criança só aprende por um único caminho.

Para essa autora:

“[...] a criança pode aprender e de fato aprende à medida que for capaz de utilizar diversas estratégias de forma integrada, e essas estratégias – todas – devem ser ensinadas. Para compreender, a criança pode se beneficiar tanto do contexto de uma frase conhecida para descobrir o significado de uma palavra nova inserida na mesma, como de sua experiência em correspondências. [...] o bom leitor é aquele que utiliza simultaneamente os indicadores contextuais, textuais e grafofônicos para construir o significado.” (SOLÉ, 1998, p. 60)

O ensino inicial da leitura deve propiciar que as crianças tenham, desde

cedo, a interação com a linguagem escrita em contextos significativos e

funcionais.

Cabe ao professor possibilitar que o acesso da criança ao texto nessa

perspectiva, usando e explorando a leitura e escrita nos seus diferentes

portadores (livros diversos, gibis, cartazes, bilhetes, dicionários, embalagens de

produtos, etiquetas, jornais, revistas, etc.). Ou seja, mais importante do que o

material, é o trabalho a ser desenvolvido com o mesmo. Observe o exemplo a

seguir, que evidencia o papel do professor nesse processo:

Inês: “E Branca de Neve cor-reu pelo bos-que até... até que ca-iu mmm u...

Usasta.”

Professora: Como? Leia de novo esta palavra (mostra para Inês).

Inês: Usas...mmm...ex-xausta... exausta.

Professora: Exausta, muito bem. O que será que exausta quer dizer?

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Inês: Não sei...

Professora: Vamos ver; se aqui diz que ela esteve correndo a noite inteira pelo

bosque, o que será que quer dizer? Olhe o desenho...

Inês: Triste...

Professora: Mais do que triste, o que será? Não se esqueça que a Branca de

Neve andou muito, muito tempo, pelo bosque...

Inês: Cansada!

Professora: Cansada. Muito cansada. Continue...

Quando uma criança está aprendendo a ler, ela ainda não consegue

confiar nos seus conhecimentos prévios para lhe auxiliar a descobrir, ou dar

pistas, sobre as palavras que ainda não conhece. Sua preocupação ainda se

centra na oralização correta das palavras, ou seja, ainda não consegue focar

na compreensão daquilo que lê.

Na verdade, de acordo com Solé (1998, p. 27), ”quando o processo de

previsão não se realiza, a leitura é muito ineficaz: primeiro porque não se

compreende; segundo, porque não se sabe o que não se compreende.”

E o que faz o professor?

Oferece à criança uma estratégia para ajudá-la; auxilia no processo de

decodificação; leva a criança a observar o contexto e a ilustração para tentar

inferir o significado da palavra que ela ainda não conhece.

Segundo Solé (1998), o controle do processo de leitura da criança ainda

está com o professor; o objetivo é levar a criança a assumir, gradativamente, o

controle sobre a própria leitura, conseguindo regulá-la. Quando isso ocorre, o

próprio estudante consegue perceber, por exemplo, que leu alguma palavra

incorretamente, pois verifica que não se adequa ao contexto, às hipóteses ou

previsões feitas e busca corrigi-las.

Para Curto, Morillo & Teixidó (2000, p. 47), “decifrar sem compreender é

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um sintoma de hábitos prejudiciais, em que se separou o mecânico do

compreensivo. Jamais deveria acontecer, na escola, uma situação em que a

compreensão não fosse prioritária.”

Desde o início do processo de alfabetização, o texto é a unidade básica

de trabalho, porém não qualquer um, mas aquele pleno de sentido.

Curto, Morillo & Teixidó (2000) sugerem um encaminhamento que pode

ser desenvolvido com as crianças no início do processo de alfabetização:

solicitar que tentem ler aquilo que tentaram escrever. Para essa tarefa, poderão

apoiar-se na memória (caso se lembrem exatamente do que queriam dizer),

nos desenhos que acompanham o escrito (se houver), no contexto ou na

própria leitura.

Nesse caso, podem ter surpresas, como descobrir que não conseguem

entender (decifrar) o que escreveram, o que constitui um conflito importante

que leva as crianças a tentarem avançar no processo a fim de descobrir o

“segredo da compreensão do escrito”.

De acordo com Palincsar & Brown (1984 apud SOLÉ, 1998, p. 70),

quando o leitor não apresenta dificuldades relacionadas ao processo de

decodificação, a compreensão da leitura é resultante de três condições:

A clareza e a coerência do conteúdo dos textos, da

familiaridade/conhecimento da sua estrutura e de seu léxico, da sua

sintaxe e da sua coesão interna.

O grau de conhecimento(s) prévio(s) necessário(s) para o leitor atribuir

significado aos conteúdos do texto.

As estratégias usadas pelo leitor para intensificar a compreensão do que

lê, ou para detectar possíveis erros ou falhas de compreensão.

Conforme já afirmado em momento anterior, segundo esses autores, o

leitor experiente utiliza as estratégias de forma inconsciente. Na verdade,

enquanto lê e compreende, é como se estivesse em “piloto automático”. O

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leitor só abandona esse estado quando se depara com obstáculos à

compreensão, como uma palavra desconhecida ou apagada, uma frase

incompreensível, uma página inserida fora de ordem.

O objetivo dos professores é possibilitar que todos os estudantes atinjam

a autonomia necessária no uso das estratégias que permitem a compreensão

dos textos com que se deparam no cotidiano. Em nossa prática social, lemos e

escrevemos textos sempre a partir de algum objetivo.

Confira, nos vídeos nos ícones a seguir, como desde pequenas as

crianças podem apresentar determinados comportamentos leitores, usando

procedimentos e estratégias.

https://www.youtube.com/watch?v=tsBX--j_bBI

https://www.youtube.com/watch?v=EsdzwgDZoVs

SOLÉ (1998, p.92-100) destaca alguns objetivos da leitura (para que ler)

relacionados a determinados gêneros textuais:

Esses exemplos não têm a pretensão de cobrir todas as finalidades ou objetivos da leitura nem os gêneros existentes, mas objetivam explicitar a relação entre a leitura desses textos e o uso de estratégias e/ou procedimentos específicos e diferenciados, permitindo ao professor organizar o processo de ensino-aprendizagem considerando essas questões.

Para obter uma informação precisa

Exemplos de Gêneros Textuais e/ou Portadores de Textos: lista

telefônica, dicionário, agenda, enciclopédia.

Exemplos de Procedimentos ou Estratégias: Conhecer o modo de

organização desses materiais (no caso, a ordem alfabética); leitura seletiva

(ignora informações não relevantes).

Para seguir instruções

Exemplos de Gêneros Textuais e/ou Portadores de Textos: jogo, receita,

bula de remédio, instruções de montagem de um aparelho.

Exemplos de Procedimentos ou Estratégias: necessidade de ler toda a

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informação e compreendê-la. Leitura funcional e significativa, voltada para uma

meta ou objetivo.

Para obter informação de caráter geral

Exemplos de Gêneros Textuais e/ou Portadores de Textos: jornal diário

e revistas.

Exemplos de Procedimentos ou Estratégias: leitura mais superficial,

guiada por interesse ou necessidade. Escolhe-se o que se quer ler ou não.

Para aprender

Exemplos de Gêneros Textuais e/ou Portadores de Textos: textos

científicos, relatórios, livros, textos informativos sobre assuntos diversos.

Exemplos de Procedimentos ou Estratégias: pode-se recapitular (reler),

sintetizar, elaborar esquemas, sublinhar ideias relevantes, anotar dúvidas.

Leitura mais aprofundada, que exige maior controle e consciência.

Por prazer

Exemplos de Gêneros Textuais e/ou Portadores de Textos: livros de

literatura, revistas, história em quadrinhos, poemas.

Exemplos de Procedimentos ou Estratégias: leitura guiada por critérios

próprios, a partir da experiência emocional desencadeada.

Para revisar um escrito próprio

Exemplos de Gêneros Textuais e/ou Portadores de Textos: diversos.

Exemplos de Procedimentos ou Estratégias: leitura adquire papel de

controle e regulação; implica em se colocar no lugar do leitor, a partir do

objetivo do texto.

Para comunicar um texto a um auditório

Exemplos de Gêneros Textuais e/ou Portadores de Textos: discurso,

sermão, conferência, apresentação de um poema.

Exemplos de Procedimentos ou Estratégias: implica em uso de recursos

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diversos (entonação, pausas, exemplificação, ênfases em determinados

trechos), objetivando a compreensão. Requer leitura prévia.

Serra & Oller (apud TEBEROSKI, 2003, p.42) destacam que o uso de

determinadas estratégias (e não de outras) sempre se relaciona ao tipo/gênero

textual, em um contexto determinado e de acordo com os objetivos dessa

leitura.

Segundo eles, a leitura (compreensão) de um texto expositivo será

diferente com a ativação de conhecimentos prévios - como informações sobre

as características do gênero e/ou sobre o conteúdo, vocabulário - ou sem que

isso ocorra; os resultados, em termos da compreensão leitora, são distintos. Da

mesma forma, a escolha das estratégias é regulada pela finalidade da leitura:

se, no caso desse texto, o objetivo for o preenchimento de um questionário ou

a comparação com outro(s) texto(s), as estratégias serão diferenciadas.

“Não é necessário programar atividades específicas para a

aprendizagem de uma ou outra estratégia fora do contexto e/ou separadas dos

conteúdos específicos implícitos na sequência de aprendizagem de cada

matéria” (idem et ibidem, p.42).

“Para aprender tais estratégias, o aluno precisa participar de atividades

nas quais possa vê-las em ação, testá-las com orientação e supervisão e

utilizá-las de modo independente” (SOLÉ apud TEBEROSKI, 2003, p.29).

Vamos detalhar um encaminhamento que explora uma obra literária e

permite identificar o trabalho de leitura considerando as diferentes estratégias e

capacidades que podem ser desenvolvidas. Para isso, assista ao vídeo no

material on-line.

Tudo que apresentamos e refletimos até esse momento evidencia que o

ensino da leitura (no sentido da compreensão leitora) não pode ser entendido

como uma questão exclusiva das aulas de língua portuguesa ou dos

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professores que atuam especificamente com esse componente curricular, a

partir dos anos finais do ensino fundamental.

Muitos gêneros textuais são trabalhados de forma sistemática nas aulas

de Ciências, História, Geografia, Matemática, Arte, etc.. E, embora o foco de

ensino seja o conteúdo específico da matéria, o objetivo de compreensão do

texto é importante para todos os componentes curriculares e, desse modo,

configura-se como uma tarefa de todos os professores.

Provavelmente, muitos professores já se depararam, por exemplo, com

estudantes que erram problemas de matemática – mesmo sabendo os

algoritmos – por dificuldade de compreender o enunciado do problema.

As estratégias de compreensão leitora confirmam-se como

procedimentos de ordem elevada que auxiliam os estudantes a se tornarem

leitores autônomos: leitores que sejam capazes de interrogar-se sobre sua

própria compreensão; de estabelecer relações entre o que leem e seus

conhecimentos prévios; que questionam seus próprios conhecimentos e o

modificam; que são capazes de fazer generalizações que permitem transferir o

que aprendem a outros contextos (SOLÉ, 1998, p. 72).

Nesse sentido, Solé (2003, p. 31) aponta a necessidade de se repensar

o ensino da leitura na escola sob três dimensões:

Como objeto de conhecimento: aprender a ler significa aprender a

compreender o que se lê; assim, desde o início, a leitura deve ser

trabalhada sempre em contextos significativos.

Como instrumento para a aprendizagem: ensinar a ler de modo que as

estratégias de leitura sejam postas a serviço dos objetivos de

aprendizagem.

Como meio para o prazer: ler por ler, ler o que se quer ler, no seu ritmo

e sem que haja uma demanda posterior à leitura. Para isso, a escola

precisa provocar a capacidade de desfrutar mediante a leitura.

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Revendo a Problematização

Muito bem! Acredito que você já teve tempo suficiente para refletir sobre

o caso apresentado no início dos estudos deste tema. Caso queira ver o

problema novamente antes de responder, acesse o vídeo do material on-line.

ocê analisa os resultados das crianças individualmente para saber 1.

exatamente em que nível cada uma está. Também observa, a partir dos

eixos de apropriação do sistema de escrita e leitura, quais as atividades

em que as crianças tiveram mais dificuldade. A partir da reorganização

do planejamento, prepara também atividades específicas e diferenciadas

para as crianças que apresentaram desempenho mais baixo na

avaliação.

Você analisa os resultados gerais de sua turma e observa que a maioria 2.

já está conseguindo ler palavras com sílabas canônicas e algumas

palavras formadas por sílabas não canônicas. Como ainda é início do

segundo ano, dá continuidade ao seu planejamento, pois irá priorizar as

atividades de leitura de textos depois que as crianças estiverem lendo

melhor palavras com diferentes padrões silábicos.

Você analisa o resultado geral da turma e os resultados individuais das 3.

crianças e identifica o que precisa ser revisto e/ou aperfeiçoado em seu

planejamento. Não desconsidera o resultado da Provinha Brasil, mas

sabe que o plano curricular da escola prevê atividades envolvendo os

eixos da oralidade, leitura e escrita, as quais possibilitarão às crianças

progredirem gradualmente no seu processo de aprendizagem.

Para consultar o feedback de cada uma das alternativas, acesse o

material on-line.

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Síntese

Considerando tudo o que foi apresentado, não podemos deixar de

concordar que o ensino da leitura não pode ser pensado como

responsabilidade somente de alguns professores, como se fosse possível

ensinar a ler nos anos iniciais e depois “deixar por conta” de cada estudante.

A leitura deve ser pensada como uma questão relevante e, nessa

perspectiva, deve ser parte essencial do projeto curricular de toda a escola.

Muitas decisões estão implicadas nessa forma de conceber a leitura, como a

escolha dos textos (tipos e gêneros a cada etapa/ciclo de aprendizagem); a

sequência de trabalho com esses textos; o papel da biblioteca escolar; a forma

de abordar a literatura em sala de aula; o envolvimento dos pais ou

responsáveis nesse processo. Esse é, ainda, um grande desafio, que envolve

toda a escola e seus profissionais.

Vamos sintetizar o que discutimos até agora e estabelecer algumas

relações com a problematização apresentada no início do trabalho com esse

tema. Para tanto, assista ao vídeo de síntese do material on-line e acompanhe

nossa reflexão.

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Referências

BRAGGIO, S. L. B. Leitura e Alfabetização: da concepção mecanicista à

sociopsicolinguística. Porto Alegre: Artmed, 1992.

BRASIL. Guia de Formação PNAIC. Unidade 03, ano 01. Brasília: Ministério da

Educação, 2012.

CURTO, L. M.; MORILLO, M. M.; TEIXIDÓ, M. M. Escrever e Ler: como as

crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler. Vol.

1. Porto Alegre: Artmed, 2000.

KLEIMAN, Ângela. Leitura: ensino e pesquisa. São Paulo: Pontes, 1989.

________. Texto e Leitor: aspectos cognitivos da leitura. 11.ed. Campinas:

Pontes, 2008.

KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e Compreender: os sentidos do texto. 2a. ed.

São Paulo: Contexto, 2006.

LERNER, D. Ler e Escrever na Escola: o real, o possível e o necessário. Porto

Alegre: Artmed, 2002.

MACHADO, A. M. Abrindo Caminho. 1a. ed. São Paulo: Ática, 2003.

MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão.

São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

SOLÉ, I. Estratégias de Leitura. 6ª. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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______. Ler, leitura, compreensão: “Sempre falamos da mesma coisa?”. In:

TEBEROSKI, A. et al. Compreensão de Leitura: a língua como procedimento.

Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

TEBEROSKI, A. et al. Compreensão de Leitura: a língua como

procedimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

ZABOT, G. M. L. ; MIRA, M. M. Elas se Tornaram Palavras. Curitiba: Ed.

Base, 2004.

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31

Atividades

Sobre as diferentes concepções de leitura, assinale a alternativa 1.

incorreta:

a. Estão relacionadas à forma de se conceber o texto, o leitor, a língua

e o próprio sentido da leitura.

b. A concepção de leitura que tem foco no texto considera a língua

como um código; nesse sentido, para interpretar o texto, o leitor deve

buscar descobrir o que o autor quis dizer, assumindo um papel

passivo nesse processo.

c. Na concepção de leitura que tem como foco a interação autor-texto-

leitor, a língua é considerada em uma perspectiva dialógica,

constituindo-se como uma atividade cognitiva complexa, em que a

busca de sentido guia todo o processo.

d. As concepções de leitura se referem aos diferentes contextos

históricos e ideológicos em que estão inseridas, e, nesse sentido, se

relacionam às concepções de educação, de ensino da língua e de

alfabetização, entre outras. Apesar de terem surgido em contextos

históricos específicos e se referirem a diferentes fundamentos

epistemológicos, essas concepções coexistem ainda hoje.

Foram listados abaixo fatores que contribuem para a compreensão do 2.

texto. Todos os fatores listados estão corretos, exceto:

a. Textos com conteúdos claros e coerentes, cuja estrutura e

vocabulário sejam conhecidos pelos estudantes, sem problemas de

sintaxe ou coesão interna.

b. O uso de estratégias diversas, possibilitando detectar equívocos ou

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falhas de compreensão e identificar a necessidade de retomar/reler o

texto.

c. O foco na interpretação literal, para possibilitar o posterior

estabelecimento de relações entre as partes do texto.

d. Os conhecimentos prévios do leitor em grau suficiente para

possibilitar a compreensão.

Considerando o conceito de procedimentos e estratégias de leitura, leia 3.

com atenção as alternativas abaixo:

I. Os procedimentos variam de acordo com o sistema

linguístico, o gênero e os objetivos da leitura. O

professor tem um papel importante atuando como

exemplo (modelo) para a aprendizagem dos

procedimentos de leitura.

II. As estratégias de leitura também podem ser

consideradas procedimentos, porém, num nível maior

de complexidade, pois envolvem o cognitivo e o

metacognitivo. O uso de estratégias possibilita aos

estudantes desenvolverem a capacidade de representar

e analisar problemas que surjam durante a leitura,

buscando as soluções mais adequadas para obter a

compreensão.

III. O uso ou ativação dos conhecimentos prévios e a

explicitação dos objetivos da leitura fazem parte das

estratégias de leitura que contribuem para a

compreensão do texto.

IV. As capacidades de decodificação, de compreensão e

de apreciação e réplica do leitor em relação ao texto

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são consideradas capacidades de leitura e devem ser

trabalhadas pelo professor nessa sequência, pois

implicam em níveis progressivos de complexidade.

Estão corretas as alternativas:

a. I, II e IV.

b. II, III e IV

c. I, II e III.

d. Somente I e II.

O leitor autônomo já desenvolveu as diferentes estratégias e/ou 4.

capacidades de leitura, conseguindo identificar falhas no processo de

compreensão. Além dessa característica do leitor autônomo, outras são

necessárias e importantes, exceto:

a. A confiança e a segurança para não questionar nem modificar os

conhecimentos aprendidos por meio da leitura.

b. O uso de indicadores grafofônicos, do contexto e do próprio texto

para buscar o significado do texto.

c. O estabelecimento de relações entre os textos lidos e seus

conhecimentos prévios.

d. A capacidade de fazer generalizações que possibilitam relacionar o

conteúdo apreendido a outros contextos e experiências.

Entender a leitura como busca de sentido(s), busca da compreensão e 5.

não apenas como um processo de decodificação traz algumas

implicações para o ensino inicial da leitura. Uma delas diz respeito aos

conhecimentos prévios das crianças sobre a leitura e a escrita.

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Considerando esses conhecimentos e a importância de desenvolver

uma prática pedagógica coerente com essa concepção de leitura e de

alfabetização, assinale a alternativa correta:

a. O professor deve priorizar o trabalho com as habilidades de

decodificação no início do processo de alfabetização, pois à medida

que a criança aprende a ler, consegue desenvolver as outras

habilidades necessárias para compreender o texto.

b. Deve-se definir um único método para as crianças aprenderem a ler,

o qual deve ser coerente com a concepção de leitura adotada. Assim,

garante-se que todas se apropriem dos conhecimentos necessários

para a compreensão do texto.

c. O desenvolvimento da consciência metalinguística implica na

capacidade de reflexão da criança sobre a linguagem (características

e finalidades dos textos, reflexão sobre as palavras e sentenças,

entre outros). As crianças chegam à escola de ensino fundamental

com esses conhecimentos já desenvolvidos, portanto, o professor

pode desenvolver o trabalho com a leitura e a escrita a partir desses

conhecimentos.

d. Considerando os conhecimentos que as crianças já possuem sobre a

leitura e a escrita, cabe ao professor propiciar que o trabalho

pedagógico seja desenvolvido de modo que as crianças possam,

desde cedo, interagir com a linguagem escrita em contextos

significativos e funcionais.

Para consultar o gabarito das questões, acesse o material on-line.