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CCDD Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 1 Tema Atenção Primária à Saúde: história e conceitos Projeto Pós-graduação Curso Saúde Pública com Ênfase na Saúde da Família Disciplina Processo de trabalho em Saúde da Família Tema Atenção Primária à Saúde: história e conceitos Professor Rodrigo Cechelero Bagatelli Introdução O estudo da Atenção Primária à Saúde (APS) é essencial para uma compreensão mais profunda sobre vários aspectos do sistema de saúde pública no Brasil e no mundo a fora. Aqui, trataremos da APS como conceito construído historicamente em um processo de debate acadêmico e político sobre a saúde. Você conhecerá alguns desafios que ainda persistem nos dias de hoje e as respostas recentes para esses problemas. Citamos, para começar, uma frase de Bárbara Starfield, que expressa a importância da APS para a saúde: “Um sistema de saúde com forte referencial na Atenção Primária à Saúde, é mais satisfatório para a população, tem menores custos e é mais equitativo mesmo em contextos de grande iniquidade social(STARFIELD, 2002, p. 565 596). (Vídeo disponível no material on-line) Problematização Você é um profissional da saúde e trabalha no município de Arapoti, uma cidade pequena do interior do Paraná cuja economia é sustentada por uma fábrica de papel e pelo cultivo de soja e outros grãos. Você foi convidado para ser coordenador da unidade recém-inaugurada de Estratégia em Saúde da Família (ESF), chamada Vila Romana. Essa unidade é fruto de uma luta que se iniciou com um movimento da

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CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico

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Tema – Atenção Primária à Saúde: história e conceitos

Projeto Pós-graduação

Curso Saúde Pública com Ênfase na Saúde da Família

Disciplina Processo de trabalho em Saúde da Família

Tema Atenção Primária à Saúde: história e conceitos

Professor Rodrigo Cechelero Bagatelli

Introdução

O estudo da Atenção Primária à Saúde (APS) é essencial para uma

compreensão mais profunda sobre vários aspectos do sistema de saúde

pública no Brasil e no mundo a fora.

Aqui, trataremos da APS como conceito construído historicamente em

um processo de debate acadêmico e político sobre a saúde. Você conhecerá

alguns desafios que ainda persistem nos dias de hoje e as respostas recentes

para esses problemas.

Citamos, para começar, uma frase de Bárbara Starfield, que expressa a

importância da APS para a saúde:

“Um sistema de saúde com forte referencial na Atenção Primária à Saúde, é mais satisfatório para a população, tem menores custos e é mais equitativo – mesmo em contextos de grande iniquidade social” (STARFIELD, 2002, p. 565 – 596).

(Vídeo disponível no material on-line)

Problematização

Você é um profissional da saúde e trabalha no município de Arapoti,

uma cidade pequena do interior do Paraná cuja economia é sustentada por

uma fábrica de papel e pelo cultivo de soja e outros grãos. Você foi convidado

para ser coordenador da unidade recém-inaugurada de Estratégia em

Saúde da Família (ESF), chamada Vila Romana.

Essa unidade é fruto de uma luta que se iniciou com um movimento da

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Associação de Moradores pedindo por uma reforma na antiga unidade que era

uma casa pequena que tinha sido adaptada para ser um posto de saúde. A

estrutura era precária, o barulho do compressor de ar para a inalação

atrapalhava os atendimentos, os consultórios eram pequenos e mal distribuídos

e a recepção também não tinha espaço para mais de 15 pessoas.

Algumas vezes a população se revoltava e agredia verbalmente os

funcionários ou cometiam pequenos vandalismos como sinal de protesto. O

chão do posto era de cimento pintado e os bancos do lado de fora na varanda

eram pequenos e insuficientes para a imensa fila que se formava logo de

manhã, para pegar a senha de atendimento.

As pessoas tinham que chegar de madrugada para pegar a senha e

quem não conseguia atendimento tentava agendar a consulta no balcão ou ia

para o hospital que ficava longe dali, no outro lado da cidade. Se uma pessoa

passava mal, como não havia transporte público, tinha que pagar para um

vizinho levá-la até o hospital, pois a ambulância demorava a chegar.

Sabendo que a maior parte da população era contrária à situação

política do momento, o secretário de saúde lançou o projeto de reforma da

Unidade, junto à Associação de Moradores. Os moradores apoiaram o projeto,

aprovaram a reforma no Conselho Municipal de Saúde e, após dois anos, foi

terminada a reforma, com duas equipes de ESF assumindo a área.

Cada área tem em torno de 5000 habitantes, mais de 95% das pessoas

dependem do SUS e, como a fábrica de papel se modernizou, o desemprego

tem aumentado na região. A maioria das pessoas em idade produtiva não tem

curso técnico ou graduação e trabalham na agricultura ou no corte da madeira

para a produção de papel. Essas pessoas foram, aos poucos, substituídas

pelas máquinas e não conseguiram mais emprego.

Após a inauguração da Unidade de Saúde, o prefeito chamou você para

assumir a coordenação da unidade, pois você é pós-graduado em Saúde

Pública, pela Uninter. Ao assumir, você encontra uma Unidade de Saúde nova,

com a equipe completa, mas com alguns problemas desafiadores:

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Os médicos da unidade não fazem visita domiciliar, geralmente pedem

para a enfermeira avaliar os casos e renovam as receitas quando preciso.

Alguns pacientes reclamam do atendimento médico, pois não conseguem

marcar as consultas com facilidade. A agenda da tarde é só para os

atendimentos programados e de manhã cada médico só se atende dez senhas

e dois “encaixes”.

Os enfermeiros não realizam consultas e ficam sempre fazendo a

triagem ou resolvendo problemas burocráticos. Não conseguem fazer o

acompanhamento das gestantes, pois os médicos as encaminham para fazer

pré-natal na maternidade e nunca há horário livre na agenda para atendê-las. A

maioria das crianças faz acompanhamento com o pediatra da cidade (rede

privada), porque é muito difícil agendar uma consulta na Unidade de Saúde, e

as que frequentam a Unidade de Saúde são acompanhadas por um programa

que só uma das enfermeiras desenvolve.

Outro problema que você percebeu é a enorme quantidade de pessoas

de meia-idade usando benzodiazepínicos (calmantes). A fila da manhã

geralmente tem algumas pessoas que comparecem somente para renovar

receitas de medicação controlada e esses geralmente “fazem barraco” se não

conseguem uma consulta.

A equipe não tem território definido, pois os Agentes Comunitários de

Saúde (ACS) nunca fizeram o mapeamento da região e não sabem que papéis

deveriam exercer na unidade. Geralmente eles ficam encarregados de levar os

encaminhamentos e avisar as pessoas das consultas e exames agendados.

A população usa mais o pronto-socorro do hospital municipal do que a

Unidade de Saúde (US), cuja fila para agendamento pode levar até dois

meses. A população acha que os médicos da US estão desmotivados, por

causa da grande fila de manhã, e a enfermagem se tornou alvo de

reclamações porque só dizem “não” para as pessoas.

No fim, apesar da estrutura nova do local, a população começou a se

revoltar porque não veem diferença em relação à situação anterior. Quando

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você conversa com a equipe, percebe que todo mundo está preocupado com a

qualidade do atendimento oferecido, mas já desistiram de tentar mudar porque

em outras oportunidades foram silenciados pela antiga coordenadora e

ninguém participa das reuniões do Conselho Local de Saúde e nem da

Associação de Moradores.

Agora, eles perguntam o que poderia ser feito para melhorar a satisfação

das pessoas e a falta de tempo dos médicos para fazerem as visitas

domiciliares. Que a estratégia você usaria? Você não precisa responder agora!

Realize seus estudos e ao fim deste tema você poderá escolher a melhor

alternativa para a solução do problema.

(Vídeo disponível no material on-line)

O modelo biomédico

O cuidado com a saúde das pessoas sempre foi uma preocupação nas

sociedades, mesmo nas mais primitivas. Os papéis desenvolvidos pelos

doentes, pelos agentes de cura e pela sociedade, em geral, se articulam para

prover o reestabelecimento ao enfermo e proteger os indivíduos e a sociedade

desses agravos.

Com o desenvolvimento da ciência moderna, esses saberes foram

construídos dentro de uma filosofia que chamamos de Modelo Biomédico.

Esse modelo está pautado no reconhecimento da doença como um fenômeno

biológico, ou seja, algo que pode ser caracterizado dentro das ciências naturais

(biologia, física, química, matemática etc.).

Esse modelo é centrado na doença e todos os esforços (políticas

públicas de saúde, formação dos profissionais de saúde e técnicas ou ações)

são voltados a resolver a perturbação física causada pelo problema. Aqui o

homem é entendido como uma máquina e qualquer disfunção que ele

apresente deve ser investigada e tratada como uma “peça quebrada”. A esse

esforço deu-se o nome de mecanicismo.

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Outra característica do Modelo Biomédico é a necessidade de buscar,

através da metodologia científica, uma análise cada vez mais pormenorizada

do problema. Assim, na busca por entender os processos patológicos, o

homem passa da dissecação dos cadáveres às análises biomoleculares,

procurando entender cada vez mais os detalhes dos processos de

adoecimento. Essa característica ficou conhecida como reducionismo.

Para adequar esse modelo aos fenômenos não físicos, isto é, àquilo que

permanece na subjetividade, é necessário dividir as situações que acometem o

homem entre fenômenos que pertencem ao corpo e que pertencem à alma.

Assim, a responsabilidade pelos fenômenos que acometem a alma

direciona os esforços dos especialistas da alma (poderíamos citar os

psicólogos). Já os demais fenômenos pertencem à medicina e suas

metodologias. Esse movimento é chamado de dualismo, onde tudo é

entendido dentro da perspectiva da divisão entre alma e corpo.

(Vídeo disponível no material on-line)

Modelo tradicional de atenção à saúde

O modelo tradicional de atenção à saúde é pautado no Modelo

Biomédico. Nele, os profissionais percebem o processo de adoecimento com o

entendimento de que “saúde” é sinônimo de ausência de doença, sem

considerar que a saúde das pessoas depende da relação entre vários

determinantes.

Também no Modelo Biomédico, com o objetivo de suprir a demanda por

mais conhecimento e controle dos processos patológicos, a indústria

farmacêutica e de insumos aplica seus recursos para gerar lucro através da

criação de tecnologias cada vez mais caras para a população. Além disso, cria-

se uma cultura que amplia o que é categorizado como doença. Fatos normais

da vida como velhice, gestação, menopausa, tristeza, revolta, nascimento e

morte são remediados e passam a pertencer à Saúde.

O conhecimento médico sobre esses assuntos toma uma proporção

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mais abrangente, desenvolvendo tratamentos ou regimes que passam a

considerar as questões da vida como propriedade do saber médico. A esse

movimento econômico-político-social chama-se medicalização da saúde.

Essa é uma das marcas do modelo tradicional de atenção à saúde no

mundo ocidental moderno, sustentado pelo Complexo Médico Industrial,

englobando tudo que ampara e comporta a saúde, como a indústria

farmacêutica, os pesquisadores, a mídia e os produtores de insumos.

Quer saber mais sobre medicalização da saúde? Acompanhe a seguir o

documentário “O Marketing da Loucura”, disponível no link:

https://www.youtube.com/watch?v=OhxqNqQDxwU

(Vídeo disponível no material on-line)

O problema é que a atenção produzida nesse tipo de modelo é vertical

em relação à autonomia do sujeito (não respeita essa autonomia e decide o

que deve ser feito). Ela desconsidera que as pessoas têm sua forma de

enxergar a vida (cosmovisão) e mais especificamente a saúde e a doença.

Um estudo antropológico realizado no Paquistão percebeu que apesar

dos grandes esforços da indústria do país em produzir sais de reidratação oral

e do sistema de saúde prescrevê-lo para as crianças com diarreia, o número de

mortes ainda permanecia alto. Entre os fatores levantados, um deles era

relacionado à compreensão das mães da comunidade sobre a diarreia.

Como em muitos povos, elas separam as doenças em “frias” e

“quentes”. As medicações ocidentais são consideradas pela maioria delas

como tratamentos “quentes”, logo, inapropriados para tratar uma doença

“quente”. Assim as mães evitavam fornecer a medicação aos seus filhos,

mesmo com toda a assistência à saúde fornecida para eles. A falha em aceitar

as medicações ocidentais se dá por algo maior do que o conhecimento técnico

da medicina para aquela comunidade.

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A abordagem vertical favorece esse tipo de erro por não considerar a

cultura e nem as condições sociais para que o cuidado em saúde seja exercido

(HELMAN, 2009). A atenção fragmentada exige que cada parte se torne mais

especializada o possível, só que países como o Brasil ainda sofrem com a

escassez de profissionais para trabalharem na Atenção Básica como

generalista ou Médico de Família e Comunidade.

Os sistemas de saúde que dependem apenas de profissionais

superespecializados sofrem pelos altos custos do sistema e pela precariedade

de resultados. A seguir, na Figura 1, nota-se que o país com maior custo de

saúde é os EUA e que isso é relacionado à baixa organização do sistema de

saúde em APS (apresenta poucos elementos que caracterizem seu sistema de

saúde como um sistema baseado na APS). Curiosamente, os piores desfechos

em saúde também pertencem aos EUA (Figura 2):

Figura 1: Relação entre a força da atenção primária

e os gastos totais com atenção à saúde.

Fonte: Starfield (2002).

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Figura 2: Relação entre a força da atenção primária

e os resultados combinados.

Fonte: Starfield (2002).

Observação: analise o gráfico invertendo a lógica numérica: quanto menor o

valor, mais acentuada a característica (pior no caso dos indicadores de

resultado).

(Vídeo disponível no material on-line)

A estrutura do sistema de saúde tradicional é hierarquizada: existe uma

relação vertical entre os níveis de assistência. A conhecida pirâmide de

atenção à saúde (Figura 3) exemplifica o modelo mais aceito até alguns anos

atrás. O benefício é que esse modelo organiza o sistema de saúde baseando-

se nos níveis de atenção e coloca a APS como a base da pirâmide.

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Figura 3: Pirâmide de Atenção à Saúde.

O problema é que, com o passar do tempo, notou-se que a comunicação

entre os níveis não é eficiente. Existem pessoas que acessam o sistema de

saúde pela atenção secundária (por exemplo, a emergência de um hospital) e

nunca retornam para serem cuidados na APS.

A APS tem muita dificuldade, também, em acessar os outros níveis com

qualidade: um dos grandes problemas na prática é a falta de contrarreferência

quando um paciente é encaminhado para realizar algum procedimento na

Atenção Secundária/Terciária.

Na maioria dos casos, o paciente não traz uma informação adequada

para a continuidade do acompanhamento na APS. Como a APS está na base

da pirâmide, era esperado que ela fosse a coordenadora do cuidado, porém o

que se percebe é que essa falta de comunicação obedece a um nível

hierárquico típico do modelo biomédico, no qual os níveis acima da base são

os mais valorizados no sistema como um todo (financiamento, prestígio

acadêmico e social) e não precisam “prestar contas” à APS.

(Vídeo disponível no material on-line)

Antes de continuarmos a discussão sobre a APS, é importante

percebermos como foi a construção histórica dessa filosofia.

2ªAtenção Primária

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História da APS

Os sistemas de saúde são o resultado dos esforços sociais para prover

a saúde a uma determinada população. Esses sistemas dependem de

inúmeros fatores e são resultados da capacidade de organização social de um

povo. Dependem do nível de riqueza da nação, da cultura e da relação entre o

Estado e a iniciativa privada, pois o sistema público depende diretamente do

financiamento direcionado para ele.

O primeiro documento oficial que trouxe a expressão “Atenção Primária”

foi o relatório Dawson em 1920. A Inglaterra, após a I Guerra Mundial,

precisava organizar a provisão de cuidados para a sua população e o médico

Dawson Penn, que tinha trabalhado nos serviços de emergência durante a

guerra, foi nomeado coordenador de uma comissão que foi criada para fazer

um estudo sobre a realidade da saúde do país e uma proposta de estratégia

para a organização dele:

http://www.sochealth.co.uk/resources/healthcare-generally/history-of-

healthcare/interim-report-on-the-future-provision-of-medical-and-allied-services-

1920-lord-dawson-of-penn/

Alguns princípios eram extremamente avançados e traziam já questões

sobre território, rede de atenção integrada, APS como coordenadora, acesso,

entre outras, e fazia uma crítica à formação médica hospitalar, que produzia

médicos descontextualizados com a realidade da prática clínica geral.

A proposta trazia um sistema de APS, com apoio da atenção secundária

através da figura do especialista e também os hospitais universitários

(conhecidos hoje como atenção terciária) que fariam também um estímulo à

produção de conhecimento e atualização técnica de toda a estrutura. A

formação se daria também na APS, representando um grande avanço nesse

quesito.

O relatório teve algumas controvérsias e a principal foi a de não ter uma

proposta final e ser muito caro. Ele foi descartado naquele momento, mas seu

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conteúdo foi adaptado e aplicado por vários países na construção de um

sistema de saúde. Talvez a principal contribuição para a época foi perceber

que as ações curativas e preventivas deveriam ser integradas e organizadas

em uma rede de assistência.

Apesar de haver algumas formas diferentes de entender como foi o

início da APS no mundo, é comum atribuir à Conferência Internacional sobre

Cuidados Primários à Saúde realizada na cidade de Alma-Ata (ex. capital do

Cazaquistão/ex-URSS) como o evento simbólico do início mundial da APS.

Essa conferência foi realizada em 1978 e o documento final se chamou

Declaração de Alma-Ata.

Essa conferência foi o evento final de vários encontros prévios

promovidos pela OMS e UNICEF com o intuito de reunir as experiências de

sucesso na aplicação dos Cuidados Primários à Saúde. Nesse evento os

delegados e participantes visitaram comunidades em que eram aplicados os

conceitos dos Cuidados Primários e ao final dos debates redigiram um

documento de definições e recomendações para a melhoria dos sistemas de

saúde em geral.

O conceito de saúde trabalhado no documento extrapola a “ausência de

doença”, contrapondo-se ao que configuramos hoje como modelo biomédico. A

partir daí a saúde passa a ser o resultado de vários determinantes e inclui o

princípio de saúde como direito social. No montante abordado, questões como

fome, pobreza, organização social, autonomia, promoção à saúde e condições

sanitárias se tornam elementos chave para a melhoria da saúde.

As denúncias contra a corrida do modelo vigente para a aquisição de

tecnologia sem levar em consideração o acesso também apontaram para outra

resistência às tendências já constituídas na época. Nesse sentido é

emblemática a frase “Saúde para todos no ano 2000”.

(Vídeo disponível no material on-line)

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No decorrer dos anos seguintes à Alma Ata, percebeu-se a necessidade

de incluir elementos que definissem os limites do que é APS ou não, pois logo

após a Conferência da Alma Ata, houve um movimento internacional para

amenizar os efeitos dessa conferência, baseado em interesses econômicos e

arquitetado, segundo a opinião prevalente, pelas agências internacionais.

Da mesma maneira que ocorreu na história da saúde pública do Brasil,

percebe-se um movimento de resistência contra a estruturação de um serviço

de saúde pública de qualidade. Essa lógica é mercantilista por ser sustentada

pela filosofia de lucro com a saúde e é amplamente defendida por corporações

médicas de iniciativa privada e pelo Complexo Médico Industrial. Se as

pessoas tiverem acesso à saúde sem precisar pagar mais nada por isso (pois

já pagam seus impostos), a procura por serviços da iniciativa privada vai

perdendo força, como ocorre em muitos países em que é raro as pessoas

procurarem um serviço particular de saúde.

O problema é que a implementação da APS a partir da proposta da Alma

Ata seguiu dois caminhos. Na Europa, Canadá e em países com maior

organização social, houve uma transformação nos sistemas de saúde, baseada

nos princípios já descritos e foram criados serviços que ofereciam integralidade

na assistência, compondo uma rede robusta de saúde pública. Já nos países

da América Latina em geral, seja por influência de estímulos econômicos de

agências internacionais ou por questões políticas internas, houve uma

adaptação distorcida de APS.

Essa APS defendida pelas organizações internacionais oferecia um

pacote mínimo de serviços a custos reduzidos e ficou conhecida como

Atenção Primária à Saúde Seletiva. Essa forma de entender APS veio da

ideia de fazer com que os governos arcassem com as despesas das pessoas

que não poderiam pagar por sua saúde, oferecendo uma estrutura de

atendimento mínimo a custos baixos.

O pacote proposto pelas agências internacionais e assumido pelos

governos incluía a prestação restrita de serviços, direcionada exclusivamente

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para a camada pobre da população e que na compreensão de críticos ao

modelo, servia exclusivamente de um “tampão” para conter a instabilidade

gerada pela desigualdade social.

Esse modelo de APS Seletiva no Brasil, apesar da Reforma Sanitária,

conseguiu sobreviver graças à falta de financiamento do SUS e a possibilidade

da coexistência da rede de saúde suplementar. Um resultado prático dessa

APS Seletiva pode ser observado na (des)organização da saúde pública em

várias regiões do país: o acesso das pessoas à saúde se dá principalmente

pelos consultórios particulares, que possuem horários diferenciados e

atendimento “diferenciado”, em contrapartida aos hospitais e pronto-

atendimentos com horas de fila de espera e que, pela qualidade oferecida, são

a última opção das pessoas.

Houve discussão no Brasil sobre qual termo traduziria melhor o conceito

de Cuidados Primários. A Atenção Primária à Saúde (APS) é o termo derivado

da tradição internacional (Primary Care) e foi adotado por uma parcela razoável

do meio científico em geral. Porém havia certa preocupação de que o termo

gerasse recusa por parte das pessoas/entidades que participaram da Reforma

Sanitária Brasileira e que na época lutaram pela não implantação da APS

Seletiva.

Assim o termo Atenção Básica foi constituído no país dentro da

organização do sistema de saúde público brasileiro e teve sua trajetória

relacionada com a Reforma Sanitária Brasileira e muitos sanitaristas.

Convencionou-se com o passar do tempo que a APS do Brasil seria

denominada Atenção Básica e mantém-se o uso dos dois termos como

sinônimos.

A APS no Brasil

A Reforma Sanitária Brasileira e o SUS inicialmente não utilizaram a

APS como ideologia de sistema de saúde. À época, com a APS Seletiva, a

menção desse conceito no meio acadêmico era mal vista, fazendo que tanto a

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APS como a Medicina de Família e Comunidade fossem rechaçadas.

Havia a suspeita de que a luta pela democratização da saúde sofresse

um golpe com a entrada de um pacote de serviços mínimos como a APS

Seletiva e fugiria da ideia inicial de transformar o sistema brasileiro de saúde

em um sistema democrático e qualificado. Tanto é verdade que nos

documentos das primeiras fases da Reforma Sanitária, o termo Atenção

Primária não aparece. Na evolução da APS no país, opta-se pelo termo

Atenção Básica como já explicado.

Após a implementação do SUS, houve uma demora de alguns anos até

que a APS pudesse entrar como modelo assistencial. A aceitação em parte

pode ter-se dado pela constituição de uma sólida base de evidências sobre a

superioridade desse em relação aos outros modelos de atenção à saúde, seja

na questão de produzir melhores efeitos na saúde da população, seja como

custo efetividade.

Os equipamentos assistenciais herdados pelo SUS tinham algumas

características importantes que podemos destacar:

O acesso à saúde se dava principalmente pela rede privada

(suplementar ou particular) e no caso da saúde pública através dos

prontos-socorros hospitalares na maioria dos casos.

As unidades de saúde tinham baixo poder de resolutividade e não

estavam integradas com o sistema.

Não existia territorialização, comprometendo o planejamento das

ações de saúde. Essas ações eram verticais (as decisões eram feitas

a nível central), descontextualizadas (nem sempre correspondiam às

demandas locais) e incapazes de impactar os níveis de saúde em

geral porque não tinham uma suficiente para a população.

As unidades de saúde eram os locais onde as campanhas de saúde

ou programas eram executadas, conferindo uma característica

preventivista às unidades. Podemos citar que as campanhas de

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vacinação, programas contra tuberculose e hanseníase eram

executados por essas unidades e a função assistencial era mínima,

pois nem todas as unidades tinham médicos disponíveis.

A lógica demonstrada dava força para a crítica ao modelo de atenção

à saúde no sistema público, que obedecia a ideia de “medicina pobre

para os pobres”. Os esforços para lidar com o direito à saúde da

população eram minimizados a um assistencialismo precário.

A necessidade de um modelo que atendesse a proposta da Reforma

Sanitária Brasileira era urgente. O SUS nascia e se desenvolvia em meio à

crise do sistema de saúde público e contava com a resistência da inciativa

privada através do Complexo Médico industrial, de uma grande parcela das

corporações médicas e da saúde suplementar. É nesse ponto que a APS se

cruza com a Reforma Sanitária Brasileira. O modelo assistencial falido

precisava de algo que ofertasse a integralidade da atenção.

(Vídeo disponível no material on-line)

Rede de Atenção à Saúde

Apesar dos avanços conquistados pela hierarquização, os sistemas de

saúde em geral apresentavam características que obstruíam o

desenvolvimento de uma atenção integral e qualificada. A hierarquia

representada pela pirâmide acaba por valorizar mais alguns setores do que

outros, causando perturbação no relacionamento entre os vários pontos: má

qualidade na troca de informações e comunicação.

Um sistema de saúde fragmentado é organizado por componentes

isolados, é reativo e acaba focando a atenção para o atendimento das

condições agudas. Nesse sistema, não há planejamento para as ações e nem

estudo da realidade, focando as ações principalmente nos aspectos curativos e

no cuidado profissional. O paciente nesses casos é o foco da atenção,

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desconsiderando assim seu contexto e os determinantes sociais.

O Brasil em especial tem passado por uma tripla carga de doenças:

A primeira carga seria a permanência de doenças infecciosas e

parasitárias, os problemas de saúde reprodutiva e a desnutrição que

são problemas antigos refletindo a baixa condição de organização

social do país e também a má distribuição das riquezas.

A segunda carga é composta pelas mazelas do desenvolvimento mal

planejado da industrialização e urbanização do país, aumentando as

causas externas de morbidade e mortalidade, como resultados da

violência e dos acidentes de trânsito.

Associado a essas duas cargas, a terceira seria resultado da

transição demográfica do país, com o aumento da expectativa de vida

e consequentemente a prevalência das doenças crônicas.

As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são a resposta para esse

panorama e a sua eficácia tem sido comprovada internacionalmente por

melhorar os índices de saúde sendo mais custo-efetiva. A RAS é composta por

uma população adscrita, uma estrutura operacional e um modelo de atenção.

Ela deve ser organizada em territórios de responsabilidade sanitária, colocando

a Atenção Básica em saúde como estruturante do sistema.

A oferta integral de serviços é garantida através da disponibilização de

equipamentos de atenção especializados que passam a integrar o setor. Para

tanto, é necessário criar mecanismos de gestão e coordenação (sistemas de

governança) capazes de integrar os vários pontos da rede em uma lógica

adequada às necessidades da população. É relevante ressaltar que o

financiamento aqui deve ser tripartite, ou seja, vindo de todas as instâncias de

governo e a gestão deve ser baseada em resultados, não mais em quantidade

de procedimentos como era feito anteriormente. A participação da população

deve ser ativa para garantir, de fato, o controle social.

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A estrutura operacional da RAS com seus elementos está representada

na figura abaixo:

Figura 8: Modelo Estrutural da RAS.

Fonte: Mendes (2012).

As RAS então aglutinam os esforços de organizar o sistema de saúde

para lidar de forma inteligente, estabelecendo linhas de cuidado para as

condições agudas ou crônicas, fazendo com que o sistema consiga prestar

assistência com integralidade.

(Vídeo disponível no material on-line)

Revendo a problematização

Agora que você conhece a estrutura e a herança histórica da Saúde

Pública no Brasil, qual das alternativas abaixo seria mais adequada para a

melhoria da qualidade do atendimento da U.S. Vila Romana?

a. Solicitaria mais médicos para atender a população.

b. Faria uma discussão com a equipe sobre a questão do modelo de

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atenção à saúde no local e sobre a integralidade.

c. Reuniria as equipes com o Conselho Local de Saúde para discutir a

problemática da assistência local.

Feedbacks:

a. A ideia não deixa de ser interessante, já que a sobrecarga de

habitantes para o atendimento da Unidade de Saúde é um dos

motivos da precariedade da assistência. Mas não seria interessante

enxergar por outro lado a questão? Será que os recursos não estão

sendo mal utilizados? A ideia de fazer uma oferta estanque (fichas de

manhã e programas à tarde) talvez seja ainda a repercussão do

antigo modelo de saúde pública baseada em programas que muitas

vezes não atendem a demanda da população. A integralidade da

assistência deve envolver ações de maior amplitude (participação no

Conselho Local de Saúde dos profissionais) e oferecer um serviço

que absorva as condições crônicas e agudas. Seria interessante

repensar esse modelo antes de pressionar o município para conseguir

mais médicos para a unidade.

b. Realmente essa é uma aposta boa. Talvez trabalhar com os membros

da equipe sobre as questões de integralidade ajude os profissionais a

repensarem sobre os modelos de assistência que estão reproduzindo.

A questão do desemprego na área pode ser alvo de discussão e

contemporização em relação ao sofrimento mental e uso de

calmantes. A unidade de saúde pode ser mobilizadora de ações

comunitárias para acessar outros setores da sociedade em relação a

isso, fazendo a Promoção de saúde ser algo mais real. Muitas vezes,

é o necessário para movimentar mudanças de maior amplitude como

programas municipais de formação técnica ou criação de empregos.

Isso também pode mudar o perfil do serviço, indo além da prescrição

de calmantes e ampliando a visão dos profissionais para o sofrimento.

Discutir na prática esses conceitos e a relevância deles para as ações

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em saúde qualifica ainda mais a atenção.

c. Essa é uma alternativa muito sofisticada. A Unidade de Saúde já tem

uma tradição de mobilização popular através da Associação de

Moradores. Se os profissionais de saúde começarem a oferecer um

espaço privilegiado de escuta, muitas soluções criativas podem surgir

dessa conversa. É claro que deverá ser feito um preparo primeiro,

explicando o poder que a comunidade tem para ajudar as equipes a

enfrentarem as questões de saúde e que o principal não é acusar

ninguém, mas identificar os problemas prioritários e os factíveis de

serem resolvidos. Também é importante sensibilizar a população

sobre as necessidades dos profissionais de saúde. A partir da junção

entre a comunidade e os profissionais de saúde muito pode ser

mudado e uma estratégia pode ser montada levando em

consideração a integralidade da atenção e os princípios do SUS. Uma

equipe legitimada pela comunidade trabalha com maior satisfação e

resultados melhores.

Síntese

Neste tema você conheceu os principais conceitos que estão envolvidos

nas políticas públicas de saúde e iniciamos a abordagem histórica com o

modelo biomédico. Vimos que, nesse modelo, a saúde era vista sob o viés do

mecanicismo, do reducionismo e do dualismo, o que trouxe interpretações

equivocadas de como a atenção à saúde deveria ser planejada.

Desse modelo surgiu a atenção à saúde tradicional que levou a uma

medicalização da saúde, inclusive em áreas como a psiquiatria, e que

considerava a estrutura de saúde de forma hierarquizada e vertical, ignorando

o contexto social do paciente.

A história da APS começa mesmo com a Declaração de Alma-Ata em

1978, só que esse modelo ainda sofreu com a pressão dos complexos médicos

e da indústria farmacêutica para que os estados se responsabilizassem

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somente por um cuidado mais barato, dedicado aos cidadãos mais pobres, de

forma que seus negócios não fossem prejudicados.

Em nosso país o movimento foi o mesmo, houve pressões de várias

partes para que o estado criasse o que eles chamaram de Atenção Primária à

Saúde Seletiva, dando um atendimento mínimo e a custo baixo para a

população mais pobre. Esse modelo não resolveu os problemas e então a APS

surgiu na reforma sanitária como uma possível solução para a atenção à

saúde.

As Redes de Atenção à Saúde anda sofrem com algumas restrições do

contexto brasileiro, como a hierarquização e a preferência pelos hospitais, no

entanto elas se apresentam como uma maneira de tentar equalizar as

desigualdades presentes em nosso sistema de saúde.

(Vídeo disponível no material on-line)

Referências

BRASIL. Lei n.8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições

para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o

funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário

Oficial da União, Brasília, s. 1, p.18055 – 18059, 1990.

DUNCAN, B. B. et al.. Medicina Ambulatorial. 4ª Edição. Porto Alegre:

Artmed, 2013.

CAPRA, F. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura

emergente. Tradução: Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1992.

GUSSO, G.; LOPES, J. M. C. Tratado de Medicina de Família e

Comunidade. 1ª Edição. Porto Alegre: Artmed, 2012.

HELMAN, C. G. Introdução: a abrangência da antropologia médica. In:

HELMAN, C. G. Cultura, saúde e doença. Porto Alegre: Artmed, 2009.

MCWHINNEY, I. R.; FREEMAN, T. Manual de Medicina de Família e

Comunidade. Porto Alegre: Artmed, 2010.

MENDES, E. V. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à

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saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família.

Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2012.

MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-

Americana da Saúde, 2011.

OMS/UNICEF (Organização Mundial de Saúde/Fundo das Nações Unidas para

a Infância). Cuidados Primários de Saúde – Relatório da conferência

internacional sobre cuidados primários de saúde. Alma-Ata, Brasília, 1978.

PAIM, J. S. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e

crítica. Salvador: Edufba Fiocruz, 2008.

STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde,

serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde, 2002.

Atividades

O Modelo Biomédico é o modelo tradicional de perceber o processo

saúde/doença. Assinale a afirmação que contém o argumento correto

sobre esse paradigma:

a. O Modelo Biomédico é a essência da modernização na saúde e produz

riqueza ao ajudar as pessoas com a toda a tecnologia disponível.

b. A lógica mercantilista na sociedade fez com que a saúde fosse

entendida como mercadoria e assim, produziu ótimos resultados nos

países capitalistas desenvolvidos, como os EUA. Países com menos

recursos não conseguiram atingir níveis adequados.

c. O reducionismo é o exagero na importância dada às questões

biológicas, fazendo com que as pessoas sejam vistas apenas como

máquinas em pequenas partes.

d. O dualismo produziu uma distorção da concepção do processo

saúde/doença fazendo com que as pessoas tivessem sua subjetividade

menosprezada ao serem atendidas por profissionais de saúde.

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Qual a importância da Declaração de Alma-Ata para a formação da APS?

a. Ela na verdade não teve relação com a APS, pois não foi seguida no

Brasil como uma referência. A Reforma Sanitária Brasileira foi a

formadora dos conceitos da APS.

b. A importância dela foi apenas de registrar o que já estava sendo

realizado no mundo todo nos sistemas de saúde modernos.

c. Ela definiu o que eram os cuidados primários de saúde, apesar de não

ter definido o que era a Atenção Primaria à Saúde como sistema de

saúde.

d. Ela foi importante porque já definiu uma legislação para a formação das

APS nos países e colocou um pacote de serviços mínimos para que os

sistemas de saúde pudessem funcionar a custos menores.

O modelo biomédico, aliado a um sistema fragmentado de atenção,

produziu características peculiares que fizeram com que a saúde pública

no país sofresse uma série de problemas. Quais dessas situações não se

aplicam à crise do sistema de saúde público antes do SUS:

a. A saúde pública tinha um viés preventivista, que privilegiava ações de

cunho educacional ou campanhas.

b. A lógica mercantilista desfavorecia um modelo democrático de acesso à

saúde.

c. A saúde pública era uma “medicina pobre para os pobres”.

d. Apesar dos problemas de acesso, sempre houve planejamento de saúde

com territorialização e a gestão tinha poder de pelo menos gerenciar seu

local ou região.

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As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são a evolução da resposta

hierarquizada na “pirâmide” dos sistemas de saúde. Elas integram o

sistema de forma diferenciada em relação ao modelo antigo. Assinale a

alternativa que não corresponde com a lógica da RAS:

a. As RAS contrapõe a ideia de um sistema fragmentado, pois em vez de

colocar cada serviço em Atenção Primária, Secundária ou Terciária, ela

coloca os serviços em pontos estratégicos conectados com os outros,

tornando assim o sistema mais eficiente.

b. Por ser um sistema vertical, ela consegue ser mais eficiente na indução

de processos mais eficazes, pois faz com que os centros de maior

capacidade coordenem os outros de menor capacidade.

c. A atenção oferecida nas RAS é integral, pois procura planejar suas

ações em todos os níveis de complexidade e oferece serviços em todos

os setores.

d. O modelo de atenção das RAS compreende as estratégias para lidar

com a tripla carga de doenças do país, articulando as estratégias e

serviços tanto na atenção aos agravos crônicos e como nos agudos.

Qual é o efeito que a verticalização do sistema traz para a atenção à

saúde?

a. Ela ajuda a contextualizar os problemas das pessoas e da população.

b. Ela consegue ser mais eficiente, pois o planejamento e a execução são

mais ordenados.

c. Ela torna as ações em saúde descontextualizadas em relação à

população, pois oferece autonomia para as pessoas e comunidades

fazerem o planejamento.

d. Ela torna as ações em saúde, muitas vezes, equivocadas, pois não

consegue enxergar o processo saúde/doença de maneira

contextualizada com vários determinantes.