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1 → DIA 25/01/2010. INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO O direito processual civil contemporâneo deve ser compreendido a partir dos resultados das relações entre: processo e direito material; processo e teoria do direito; e processo e Constituição. Portanto, pode-se dizer que o processo moderno é formado por esse tripé. 1. Relações entre processo e direito material. Em todo processo, por mais simples que ele seja, sempre há a afirmação de um direito a ser protegido pela jurisdição. Isso quer dizer que o processo nasce para tutelar direitos, para servir ao direito afirmado. Por esse motivo, há regras processuais para atender a um direito específico. A essa função primordial do processo, como instrumento para o direito material, é que se chama de instrumentalidade processual . Entretanto, vale lembrar que não há hierarquia entre direito material e direito processual, pois ambos se complementam. O direito material diz como as coisas devem ser e o direito processual concretizará as disposições do direito material. O direito processual serve ao direito material (pois aquele tem a função de concretizar as determinações deste); ao passo que o direito material tb serve ao direito processual (pois aquele é a razão de existir deste). Há, portanto, uma relação mutualista, circular entre ambos, que é chamada de teoria circular dos planos material e processual . Questão de concurso: Explique a razão circular entre direito material e processual.

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→ DIA 25/01/2010.

INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO

O direito processual civil contemporâneo deve ser compreendido a partir dos resultados das relações entre: processo e direito material; processo e teoria do direito; e processo e Constituição. Portanto, pode-se dizer que o processo moderno é formado por esse tripé.

1. Relações entre processo e direito material.

Em todo processo, por mais simples que ele seja, sempre há a afirmação de um direito a ser protegido pela jurisdição. Isso quer dizer que o processo nasce para tutelar direitos, para servir ao direito afirmado. Por esse motivo, há regras processuais para atender a um direito específico. A essa função primordial do processo, como instrumento para o direito material, é que se chama de instrumentalidade processual.

Entretanto, vale lembrar que não há hierarquia entre direito material e direito processual, pois ambos se complementam. O direito material diz como as coisas devem ser e o direito processual concretizará as disposições do direito material.

O direito processual serve ao direito material (pois aquele tem a função de concretizar as determinações deste); ao passo que o direito material tb serve ao direito processual (pois aquele é a razão de existir deste). Há, portanto, uma relação mutualista, circular entre ambos, que é chamada de teoria circular dos planos material e processual.

Questão de concurso:

Explique a razão circular entre direito material e processual.

A resposta correta é esta contida acima.

O mundo do direito material é o mundo da certeza. Mas, quando essa certeza é levada a juízo, aquele direito que, para o demandante, é certo, passa a ser direito afirmado, ou processualizado, não mais sendo um direito certo. Para o processo, o demandante não tem direito até o trânsito em julgado — ele tem afirmação de direito. Isso se explica porque quem vai a juízo pode perder a causa.

2. Relações entre processo e teoria do direito.

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A ciência jurídica se transformou sobremaneira após a 2ª guerra mundial. A ciência jurídica foi criada pelos alemães no século XIX, mas até hoje não existem na Inglaterra e EUA.

Ao passo que a ciência jurídica tornou lícito e referendou os atos de Hitler, ela passou a entrar em crise e o processo não ficou alheio a esse fato. Esse período posterior à crise da ciência jurídica, que ocorreu pós-guerra, com sua reflexão, passou a ser chamado de neoconstitucionalismo (ou neopositivismo, ou pós-positivismo, ou positivismo reconstruído). O neoconstitucionalismo perdura até os dias atuais.

São características básicas do neoconstitucionalismo:

a) reconhecimento da força normativa da Constituição – a Constituição passou a ser encarada como um conjunto de normas a serem aplicadas e não mais como um projeto ou carta de intenções. Norma Constitucional programática, sem eficácia, não tem cabimento para o moderno direito.

b) teoria dos princípios – princípio hoje é espécie do gênero norma. O princípio pode ser aplicado sozinho no caso concreto, sem que seja aplicada regra. Princípio, portanto, passou a ser regra e não mais forma de integração do direito.

c) transformações da hermenêutica jurídica – é a percepção de que a atividade jurisdicional é criadora. O direito se desenvolve pela jurisdição. O juiz não é mais tido como mero declarador de normas, mas sim um elemento que cria normas em suas decisões (Ex: a súmula vinculante é norma criada pelo juiz e não norma já existente que foi meramente declarada).

Destarte, pode-se dizer que texto e norma são distintos, já que a norma é o que resulta da interpretação do texto. Por isso, um mesmo texto de 20 anos atrás pode possuir hoje uma interpretação distinta daquela época, o que se leva a deduzir que um mesmo texto gerou normas diferentes. Ex: um modo de se vestir, considerado atentatório ao pudor há 20 anos, hoje não mais o é.

Em virtude dessa transformação do entendimento que se tinha da norma, o princípio da proporcionalidade se desenvolveu para que se pudesse dar um sentido proporcional e ético à interpretação da norma. Esse princípio se irradiou para todos os ramos do direito (Ex: o princípio da insignificância do direito penal é um viés da proporcionalidade).

d) teoria dos direitos fundamentais. Visto em direito constitucional.

e) controle de constitucionalidade. Visto em direito constitucional.

Leitura recomendada:

Texto de Humberto Ávila sobre neoconstitucionalismo (site www.direitodoestado.com.br). Esse texto é uma crítica a essas características

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do neoconstitucionalismo — mas não a sua negação —, de forma a revelar o abuso e a banalização dessas características.

As transformações do neoconstitucionalismo repercutiram na ciência processual, de modo que esta já se encontra na 4ª fase.

Fases da ciência processual:

1ª – fase do sincretismo ou pragmatismo – o início da ciência processual se dá no séc. XIX, onde direito material e direito processual eram uma só coisa, sincrética, sem distinção. O praxismo (ou pragmatismo) se refere ao fato de que o processo só era discutido em sua forma prática, ou seja, como uma mera praxi forense.

2ª – fase do processualismo ou fase científica – há uma total separação entre o direito material e o direito processual, de forma que se reconhece que o direito processual possui princípios próprios a serem estudados. É a fase da afirmação da ciência processual, onde houve uma total ruptura entre direito material e processual.

3ª – fase do instrumentalismo – reconhece que o direito material e processual são distintos, mas que ambos devem conviver juntos, harmoniosamente. Essa é a fase da reaproximação entre eles.

4ª – fase do neoconstitucionalismo – é uma fase tão nova que sequer é mencionada por alguns doutrinadores. Essa fase ainda não possui um nome definido, mas já há algumas propostas:

a) Neoprocessualismo – o livro síntese é o volume I do Curso de Processo Civil de Marinoni.

b) Formalismo-valorativo – é uma definição do processo que segue o neoconstitucionalismo, pregando a ética e a boa-fé do processo. É uma denominação criada pela escola gaúcha.

3. Relação entre processo e Constituição.

O processo é pautado por direitos constitucionais processuais, com direitos fundamentais do processo (devido processo legal, ampla defesa, contraditório, juiz natural, etc.).

Os direitos processuais constitucionais possuem uma dupla dimensão:

a) Dimensão objetiva – os direitos fundamentais são normas constitucionais, que garantem um conteúdo mínimo, fundamental, e que por isso estão na CF para serem seguidos pelo legislador infraconstitucional.

b) Dimensão subjetiva – os direitos fundamentais, além de normas, são direitos propriamente ditos, ou seja, não no sentido direito-norma, mas

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direito como relação jurídica — um bem jurídico (posição jurídica vantajosa do seu titular). Direito com D maiúsculo é norma; mas com d minúsculo é situação jurídica.

No aspecto objetivo, o processo deve ser pautado pelos direitos fundamentais constitucionais. Pelo aspecto subjetivo, o processo tem que ser adequado, estruturado para proteger, tutelar, um direito fundamental.

Princípios constitucionais do processo.

1. Devido processo legal ( due process of law ).

No séc. XIV, o rei Eduardo III cunhou essa expressão, apesar de que a idéia do devido processo legal foi concebida no séc. XI. A Magna Carta (1215) não menciona tal expressão, apesar de alguns autores mencionarem isso.

Em português, a correta tradução de “of law” é direito. Lei, em inglês, é “statute law”. Assim, a expressão “due process of law” significa devido processo conforme o direito, ou seja, o sentido do devido processo legal é maior do que a lei.

Na expressão “due process of law”, o termo processo significa método de criação de normas jurídicas, não sendo processo no sentido de sucessão de atos processuais. Por esse motivo, o legislador deve observar o devido processo legal — quer dizer que nenhuma lei pode ser criada sem o devido processo legal. Da mesma forma, até as normas administrativas infralegais (decretos, portarias, regulamentos, etc.) devem obedecer ao devido processo legal administrativo. No mesmo sentido, a norma criada pela jurisdição — ao julgar e interpretar — deve obedecer ao devido processo legal jurisdicional.

As normas de cunho privado tb devem obedecer ao devido processo legal privado. O próprio STF reconhece o devido processo legal privado, estabelecendo inclusive o direito de defesa mesmo em processo privado, bem como demais direitos fundamentais na esfera privada. Essa decisão do STF fez com que o legislador alterasse o art. 57 do CC/02.

De todo o exposto, observa-se que o devido processo legal se aplica a qualquer processo. A incidência do devido processo legal no âmbito privado é decorrência da chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais (que é a eficácia dos direitos fundamentais entre particulares, nas relações entre os cidadãos). A eficácia vertical dos direitos fundamentais é a eficácia dos direitos fundamentais entre o Estado e o cidadão. Exemplo típico da eficácia horizontal dos direitos fundamentais é o direito de defesa mesmo nas relações privadas, amparado pelo devido processo legal.

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O termo “devido”, na expressão “devido processo legal”, estabelece que o poder deve está conforme o processo legal. O rei João sem terra aceitou esse termo como sendo uma limitação ao seu poder. Por todo seu período de existência, desde a criação do devido processo legal até os dias atuais, houve um acúmulo histórico do que se deve ter no devido processo legal para que ele seja devido (Ex: vedação à prova ilícita, ampla defesa, contraditório, decisão motivada, etc.). Essa formação histórica é dinâmica e vai se sedimentando do decorrer do tempo. Muitos direitos garantidores do processo legal devido foram incorporados, mas o devido processo legal continua vedando o abuso de poder e continuará vedando-o, mesmo qdo ao devido processo legal forem incorporados outros direitos.

A efetividade é o conteúdo do processo legal devido, pois, apesar de a efetividade não está prevista expressamente na CF/88, não haveria processo legal devido se ele não for efetivo. Dessa forma, não há que se exigir a disposição legal expressa ou implícita acerca da efetividade, pois ela integra o próprio devido processo legal, de forma que existe presumidamente.

→ DIA 01/02/2010.

Distinção entre devido processo legal formal e devido processo legal substancial (divisão feita inicialmente pelos americanos): na dimensão formal (processual), o devido processo legal é o conj. das garantias processuais mínimas que devem ser observadas para que o processo seja formalmente devido. Tais garantias foram sendo acumuladas historicamente (motivação das decisões, vedação à prova ilícita, etc). Todavia, um processo devido não é só aquele formalmente devido. É preciso que as decisões produto do processo sejam tb devidas para que o processo seja substancialmente devido. Isso porque não é razoável que o Estado faça o que bem entenda apenas cumprindo as formalidades; preciso é controlar as opções do Estado e não só as formas. Ou seja, as decisões não bastam ser só devidas, tem que ser justas, razoáveis, equilibradas.

A jurisprudência do STF desenvolveu a idéia de devido processo legal substancial dando um sentido diferente daquele originalmente pensado pelos americanos. Esse novo sentido é o entendimento de que o devido processo legal é, em sua dimensão substancial, o fundamento da máxima da proporcionalidade e da razoabilidade, ou seja, a proporcionalidade e razoabilidade decorrem do devido processo legal substancial. Dessa forma, a fundamentação do STF ao principio da proporcionalidade e razoabilidade está no inciso do art. 5º da CF que trata do devido processo legal (mas em seu aspecto substancial). É bom observar que essa construção é do direito brasileiro (tanto doutrina quanto jurisprudência) e que não corresponde à idéia original dos americanos — o que não quer dizer que a visão

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americana é correta e que o sentido brasileiro é errôneo. Essa compreensão brasileira é fundamentada, difundida e bem compreendida.

Entretanto há na doutrina quem defenda que a leitura do STF, pelo fato de está diferente do primeiro sentido dado pelos americanos ao devido processo legal substancial, está errada. Entretanto essa crítica não é aceita por outros doutrinadores que entendem que o princípio do devido processo legal, em seu aspecto substancial, admite outros sentidos.

Outra crítica ao sentido empregado pelo STF diz que a proporcionalidade e a razoabilidade são extraídas de outras normas (principio da igualdade e Estado de direito, que seriam as verdadeiras fontes da proporcionalidade e razoabilidade) e não do devido processo legal. Para esse matiz crítico, o devido processo legal só passou a vigorar na CF/88 e a proporcionalidade e razoabilidade são anteriores; ademais, argumenta que na Alemanha (onde surgiu a proporcionalidade e razoabilidade) eles estão ligados ao principio da igualdade e do Estado de Direito. Entretanto, esses 2 principios não tem a pretensão da exclusividade e não se prestam ao papel de que só eles criam outros princípios.

Para os americanos, o devido processo legal serve como proteção para todos os direitos fundamentais implícitos. Só que isso é inútil no Brasil, já que a CF estabelece que o rol dos direitos fundamentais é exemplificativo e não elimina outros.

OBS 1: a própria doutrina que defende que devido processo legal substancial se originou dos princípios da igualdade e do Estado de direito não tem um consenso entre si acerca da natureza jurídica da proporcionalidade a razoabilidade. Uns afirmam (a maioria) que se trata de princípios; outros, que se trata de regras (a exemplo de Virgílio Afonso da Silva); já outros entendem que se trata de postulados (norma que determina como outras normas devem ser aplicadas — ex: Humberto Ávila, no livro teoria dos princípios — esse livro é tido como uma obra prima).

OBS 2: Ler texto de Humberto Ávila “o que é devido processo legal” (contra a concepção brasileira, do STF, do devido processo legal substancial).

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS:

1- Princípios constitucionais processuais expressos: contraditório, ampla defesa, duração razoável do processo e publicidade.

a) Contraditório.

Processo é procedimento organizado em contraditório, ou seja, conj. de atos tendentes a uma decisão final, em que os suj. desses atos participam e podem

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interferir nessa decisão. O contraditório possui dupla dimensão: formal — é garantia de participação (de ser ouvido); e substancial — é a garantia de que a parte possa influenciar a decisão proferida, com os poderes de produzir provas, alegar defesas, de ter advogado, recorrer, ou seja, são conseqüências do contraditório, que vai de fato efetivar o processo1.

b) Ampla defesa.

A ampla defesa é o aspecto substancial do contraditório, é o arsenal de que dispõe a parte para efetivar o poder de influencia (é o poder de produzir prova, alegar, etc). Hoje, contraditório e ampla defesa se confundem, sendo esta o aspecto substancial daquele.

c) Duração razoável do processo.

Consoante esse princípio, o processo deve demorar somente o tempo necessário para solucionar o direito em discussão, não podendo haver demora não razoável, injustificada. Entretanto, as garantias processuais (ampla defesa, produção de prova, fundamentação de decisão) demandam tempo e atrasam o processo. Por isso um processo devido demora e tb por isso deve haver uma demora mínima (com um mínimo de atos) para que a decisão seja justa. A demora só não pode ser desarrazoada. Mas só no caso concreto para saber se a demora é ou não razoável.

Os critérios que devem ser levados em consideração para saber se a demora é razoável são: 1- complexidade da causa; 2- estrutura do judiciário; 3- comportamento das partes (se as partes protelam, o processo é mais longo); 4- comportamento do juiz. Esses critérios são desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

d) Publicidade.

1 É preciso que a decisão não esteja tomada e que a parte possa influenciar na decisão que só acontecerá depois da instrução. Se a decisão já está tomada e a parte é chamada ao processo, só há contraditório formal, tolhido. Em algumas circunstancia, a lei permite que o juiz traga ao processo questões sem provocação da parte — são atos ex officio. Ex: inconstitucionalidade de uma lei. Para compatibilizar a decisão ex officio (não provocada) com o contraditório (poder de influência), o juiz deve (conforme diretriz do contraditório substancial) abrir oportunidade para que as partes se manifestassem acerca dessa inconstitucionalidade. Ex: uma “intempestividade de um recurso”, inicialmente não alegada por nenhuma das partes e nem pelo juiz a quo, que o desembargador reconhece e indefere o recurso de ofício; só que depois é observado que era feriado na pequena cidade do juízo a quo e não havia intempestividade — se fosse dada a possibilidade do contraditório essa situação seria evitada.

Pergunta dissertativa de concurso para Procurador: “Relacione a regra da congruência com o principio do contraditório”. Resposta: a regra da congruência exige que o juiz decida de acordo com o que foi pedido; como o réu só se manifesta de acordo que foi pedido, o juiz não pode decidir sobre o que não foi requerido, pois neste não houve contraditório. Se o juiz não observar esse detalhe, a decisão é nula por inobservância ao contraditório.

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O processo para ser devido tem que ser público, pois assim se controla o poder. Entretanto, é possível restrições pontuais à publicidade, inclusive garantido pela CF/88, desde que a restrição se fundamenta na proteção à intimidade e no interesse público. Um questionamento dos constitucionalistas brasileiros é se é bom para a democracia o julgamento televisionado do STF.

2- Princípios constitucionais processuais implícitos (estes têm laços íntimos com o devido processo legal): efetividade, adequação e boa-fé processual.

a) Efetividade.

Um processo para ser devido deve ser efetivo, ou seja, tem de realizar os direitos em discussão no seu bojo, tem que efetivar os direitos. Não basta reconhecer os direitos, necessário é reconhecer que há direito fundamental de ter o direito efetivado2.

b) Adequação.

Processo devido é processo adequado. As normas processuais tem de ser adequadas a três fatores:

b.1- ao objeto do processo- um processo não pode ter o mesmo regramento de qualquer outro processo (Ex: a regra do processo de alimentos é diferente da regra do processo de cobrança contratual). As peculiaridades do direito material discutido impõem as regras ao procedimento adequado, por isso a existência dos procedimentos especiais do CPC. A exigência de regras específicas é imposta pela instrumentalidade (uma relação do processo com o direito material que este visa a tutelar);

b.2- aos sujeitos que vão participar do processo (é a adequação subjetiva do processo)- da mesma forma, o processo deve tratar diferentemente sujeitos diferentes, como um capaz de um incapaz, um particular da Fazenda Pública. É, portanto, uma imposição do princípio da igualdade.

b.3- à finalidade do processo (adequação teleológica)- as normas processuais devem ser adequadas aos fins do processo. Se o escopo é executar, é preciso que

2 Esse direito de ter seu direito efetivado é chamado de direito do credor — do titular do direito. Entretanto o direito do credor é mal visto, pois sua raiz é romana que, por sua vez, foi influenciada pelo cristianismo. O cristianismo prega o perdão, a piedade, ou seja, o credor deve perdoar — é o princípio do “FAVOR DEBITORIS” (o devedor deve ser protegido). Os direitos fundamentais do executado sempre foram protegidos (em virtude da dignidade da pessoa humana), mas só a pouco tempo é que se fala em direito do credor, que só veio a se manifestar a partir do princípio da efetividade (a partir da década de 80). Esse “conflito” de direitos fundamentais do devedor e do credor tem que ser analisado no caso concreto. Ex: pelo princípio da efetividade, é possível penhorar parte do salário (apesar da regra de impenhorabilidade do salário), desde que não comprometa a dignidade do executado, ou seja, caso o executado ganhe bem e consiga se prover com a parte do salário não executado.

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haja regras processuais à execução (Ex: sem ampla discussão, pois não é essa finalidade do processo de execução).

Tradicionalmente, o principio da adequação era estudado como se ele fosse dirigido ao legislador (devendo este criar normas processuais adequadas). Atualmente, fala-se que o princípio da adequação é tb dirigido ao juiz, ou seja, um processo adequado não é só aquele previsto em lei, o juiz tb deve adequar as regras processuais. Enquanto o legislador cria regras processuais adequadas gerais, o juiz deve criar uma regra processual adequada ao caso concreto. O direito a um processo adequado é um direito a um processo adequado às peculiaridades do caso concreto — e isso só o juiz pode fazer. Logo, a adequação é legislativa e jurisdicional (por isso fala-se em um sub-princípio da adequação — princípio da adaptabilidade do procedimento ao caso concreto ou principio da elasticidade ou princípio da flexibilidade do procedimento). Ex: o prazo de defesa é de 15 dias, mas, a outra parte juntou 10.000 documentos, esse prazo no caso concreto é inadequado, de forma que o juiz pode dar mais prazo em homenagem ao princípio da elasticidade.

c) Boa-fé processual.

O termo jurídico Boa-fé assume duas acepções:

c.1- boa-fé subjetiva (boa-fé como fato, como estado anímico, mental) – é o fato de alguém acreditar que está agindo corretamente (é a boa intenção, a boa-fé como fato). Esse fato pode ser levado em consideração pelo direito em algumas situações (Ex: a posse de boa-fé).

c.2- boa-fé objetiva (boa-fé como norma de conduta) – impõe comportamentos leais, éticos e em respeito à confiança. Esses comportamentos são tidos como devidos, pois estão em conformidade com o padrão de conduta que se espera das pessoas. Essa norma de conduta é o princípio da boa-fé (boa-fé objetiva é sinônima de princípio da boa-fé). O comportamento de boa-fé independe se há boa intenção, pois a análise é objetiva e não subjetiva. Ex: a uma pessoa age de uma forma que cria uma expectativa na outra parte e não corresponde à expectativa, age sem boa-fé objetiva.

O principio da boa-fé se desenvolveu na Alemanha inicialmente no direito privado. Mas se observou que essa norma de conduta é válida para todos os ramos do direito. No processo, todos estão vinculados pelo princípio da boa-fé, até o juiz, advogado e auxiliares da justiça (vide art. 14, II, CPC).

O fundamento constitucional processual da boa-fé é o devido processo legal. O STF já reconheceu isso. Tanto que se diz que processo devido é processo leal — por isso o termo devido processo leal. O CPC, art. 14, II, prevê expressamente o devido processo leal e a boa-fé — esse é o fundamento legal e não constitucional. Já o

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fundamento constitucional da boa-fé para no direito civil é a igualdade, solidariedade ou dignidade da pessoa humana.

As conseqüências práticas do principio da boa-fé processual não são exaustiva. Ex de algumas conseqüências: I- proibir comportamentos dolosos (é conduta ilícita em virtude do principio da boa-fé); II- vedação ao abuso dos direitos processuais (abuso do direito é ato ilícito, pois é contrário à boa-fé, como, por exemplo, a defesa a texto expresso de lei); III- proibição “DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM” (comportar-se contra os próprios fatos, contra as próprias atitudes3 — é espécie de abuso, só que menos amplo que o conceito de abuso visto acima); IV- deveres de cooperação (que é conseqüência da boa-fé, mas vai ser visto à frente).

Há uma expressão em alemão, muito difundida, que é sinônima do princípio da boa-fé objetiva: “TREU UND GLAUBEN” (que quer dizer “lealdade e confiança”). TREU pronuncia-se trói e as palavras Treu e Glauben escrevem-se com a 1ª letra no maiúsculo, pois substantivo em alemão é sempre maiúsculo.

PRECLUSÃO 4 .

1 – Conceito: é a perda de um poder jurídico processual. Como juízes e partes têm poderes processuais, há preclusão para ambos. São as chamadas preclusão para a parte e preclusão para o juiz (ou preclusão PRO IUDICATO, que será estudada mais abaixo).

2 – Importância da preclusão: a preclusão serve para dar segurança às partes (pois dá estabilidade à situação processual), assim como tb serve para acelerar o processo, ao dar impulso para frente. Não há processo sem preclusão.

Processo é marcha pra frente, ou seja, é uma sucessão de atos jurídicos ordenados (seguindo uma ordem, devendo ser praticados em tempo e lugar certos) e destinados a alcançar um fim, que é a prestação da tutela jurisdicional. O processo se vale de um conjunto de regras que ordenam a participação e o papel dos sujeitos do processo – a esse conjunto de regras, dá-se o nome de formalismo processual.

A preclusão, portanto, é de suma importância, pois visa a limitar o exercício abusivo dos poderes processuais das partes, bem como impede o reexame dos magistrados sobre questões já decididas por si próprios, evitando-se o retrocesso processual

3 Se o comportamento gera na outra parte a expectativa de comportar-se em um sentido e se comportar-se em um outro sentido, há uma conduta contrária à boa-fé. Até na guerra, qdo uma tropa hasteia bandeira branca e blefa, deve haver respeito à boa-fé objetiva — que nesse caso é crime de guerra. Ex de falta de “do venire contra factum proprium”: um sujeito executado que dá um bem em penhora e depois o quer de volta alegando que é bem de família.

4 Precluir vem do latim praecludere, que significa fechar, proibir, vedar.

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(marcha è ré), a insegurança jurídica, e a má-fé e deslealdade processuais. Entretanto, o formalismo processual pode minimizar a preclusão de certas situações (ex: exame de questão de ordem pública a qualquer tempo), sem, porém, eliminá-la.

→ DIA 08/02/2010.

3 – Espécie de preclusão.

Chiovenda classificou a preclusão, de acordo com o fato que a gera, em 3 espécies: preclusão temporal, preclusão consumativa e preclusão lógica. Mas a moderna doutrina já trata de um quarto tipo de preclusão: a preclusão-sanção.

3.1 – Preclusão temporal: é a perda de um poder processual, tendo em vista a perda de um prazo, ou seja, em decorrência do seu não exercício no momento oportuno.

Obs.: os prazos temporais para o juiz se manifestar são impróprios, ou seja, não-preclusivos, já que nenhum efeito processual se verificará pelo seu descumprimento, qdo muito pode haver efeito disciplinar. Assim sendo, sem consequência processual para a omissão do juiz na prática do ato, não há que se falar em preclusão temporal para o juiz, já que, mesmo transcorrido o prazo para a realização do ato, a sua realização é totalmente lícita.

3.2 – Preclusão consumativa: é a perda de um poder processual em razão de seu exercício, não importando se ele fora bem ou mal exercido, pois fato consumado não pode ser repetido. Ex1: no poder que se tem de recorrer, o ato de recorrer impede que se recorra novamente. Ex2: se a parte contestou logo no 1º dia do prazo e depois se lembrou que se esqueceu de alegar argumento importante, não pode ela contestar novamente, emendá-la, corrigi-la ou melhorá-la, ainda que tenha sobejado prazo.

A preclusão consumativa aplica-se inclusive ao juiz (Ex: um juiz que já julgou não pode julgar novamente, ou seja, uma vez publicada a decisão, não pode o juiz emendá-la ou refazê-la, salvo em casos excepcionais previstos em lei – art. 463, CPC).

3.3 – Preclusão lógica: é a perda de um poder processual em razão da prática anterior de um comportamento incompatível com o citado poder. Ex1: a aceitação de uma decisão, expressa ou implicitamente, torna incompatível um recurso (art. 503, CPC); Ex2: o oferecimento de um bem a penhora, faz perder, por preclusão, o direito de questionar a validade dessa penhora; Ex3: confessar um fato impede que posteriormente se queira produzir prova sobre o fato confessado.

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Há preclusão lógica em relação ao magistrado. Ex1: se um juiz concede antecipação de tutela com base no abuso do direito de defesa, ele não poderá se recusar a condenar o réu por litigância de má-fé com base no mesmo comportamento abusivo (salvo se posteriormente se observar que houve um erro na 1ª avaliação – na antecipação de tutela). Ex2: se o juiz julga uma lide antecipadamente, ele não pode julgá-la improcedente sob o fundamento de que o autor não provou o alegado, pois o julgamento antecipado da lide exige que os fatos alegados estejam provados. Entretanto, no tocante às decisões interlocutórias, como se sabe que elas são recorríveis por agravo e que esse recurso autoriza juízo de retratação, sempre seria possível, ao menos mediante provocação, que o juiz reconsidere a decisão tomada, não se podendo falar em preclusão lógica.

Observa-se que a preclusão lógica é a proibição “DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”. Por isso, pode-se dizer que a preclusão lógica é um exemplo de uma relação entre preclusão e o princípio da boa-fé (boa-fé objetiva), tanto para a parte qto para o magistrado, pois impede que estes adotem um comportamento que contraria o comportamento anterior, frustrando deslealmente as expectativas legítimas dos sujeitos processuais. Logo, a preclusão lógica nada mais é do que a aplicação do princípio da boa-fé objetiva no campo processual. Nesse caso, a preclusão lógica não é efeito do comportamento contraditório (ilícito), mas sim um instituto jurídico-processual que incide sobre o dito comportamento contraditório impedindo que ele produza efeitos – a preclusão lógica é, portanto, consequência da prática do 1º ato e não do ato contraditório (2º ato).

Preclusão PRO IUDICATO.

A preclusão que se opera em relação ao órgão jurisdicional (preclusão para o juiz) é chamada pela doutrina de preclusão “PRO IUDICATO”.

A doutrina majoritária entende que o juiz está sujeito apenas à preclusão lógica e consumativa (o caso mais importante desta última é a preclusão que ocorre para o juiz após a publicação da sentença – art. 463, CPC). Entretanto, nem todas as decisões judiciais estão sujeitas à preclusão consumativa, como aquelas atinentes à matéria de ordem pública (ex: matérias referentes à condição da ação ou pressuposto processual não precluem jamais).

A preclusão lógica tb pode ser aplicada ao magistrado, mas esta pode ser excluída em se tratando de decisões interlocutórias, como visto supra.

Como os prazos para o juiz são impróprios (ou seja, não há efeito processual para o seu descumprimento), ele não se sujeita à preclusão temporal.

3.4 – Preclusão-sanção ou preclusão punitiva: a classificação de Chiovenda nos 3 supracitados tipos de preclusão é uma classificação da preclusão de atos lícitos, de

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modo que a preclusão seria, pois, um ônus processual. Chiovenda não identificava a preclusão de atos ilícitos, ou seja, ele não via a preclusão como uma sanção processual (ou seja, como consequência da prática de ato ilícito).

Observa-se, portanto, que a natureza jurídica da preclusão decorrente de ato lícito é de ônus processual; já a natureza jurídica da preclusão decorrente de ato ilícito é de sanção processual.

Sucede que é possível identificar preclusão como conseqüência de ilícitos processuais. Esse ilícito que gera a perda de um poder jurídico processual é chamado de ilícito caducificante 5 .

Exemplos de preclusão-sanção: a) no atentado, a punição é a proibição (preclusão) de falar nos autos enquanto as conseqüências do atentado não forem sanadas — art. 881 do CPC; b) perda da situação de inventariante, em razão da prática de ilícitos apontados no art. 995 do CPC.

4 – Preclusão e questões que podem ser conhecidas pelo juiz ex officio .

Ponto importante é saber se as questões que o juiz pode conhecer de ofício precluem. Este ponto deve ser analisado sob 2 prismas:

1ª prisma – preclusão para o exame das questões de ofício: o juiz perde o poder de examinar questões que podem ser conhecidas de ofício? O juiz pode conhecê-las de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, conforme dicção do § 3º do art. 267, CPC. Por isso, a afirmação “a qualquer tempo” não quer dizer tempo infinito, mas ao tempo enquanto pendente o processo (enquanto não proferida a sentença de mérito), pois, se assim não fosse, não haveria coisa julgada.

OBS.: a expressão “a qualquer tempo” alcança o recurso extraordinário?

Sim, desde que o recurso extraordinário tenha sido admitido para discutir outra questão, a questão pública passa a ser possível de ser analisada, como se pode ver na explicação abaixo.

Para que o recurso extraordinário seja conhecido há uma série de exigência. Mas, uma vez conhecido o recurso ordinário, o seu mérito deve ser julgado. O recurso extraordinário tem muitas peculiaridades em sua admissibilidade, mas, uma vez vencida esta etapa, o julgamento de mérito dos recursos extraordinários não tem nenhuma peculiaridade. O recurso extraordinário não pode ser manejado com a finalidade de analisar fatos e nem provas (não sendo nem conhecido o recurso

5 Nota-se que esse tipo de ilícito caducificante não tem eficácia de dever indenizatório, mas apenas a perda de um direito (poder) jurídico processual.

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nesse caso), mas se o recurso extraordinário foi conhecido para analisar questão de direito, o tribunal deverá analisar provas e fatos para julgar a causa, ou seja, uma vez conhecido o recurso, o tribunal superior terá que julgar a causa de modo que sua jurisdição de abre (reexaminado provas e fatos). Isso ocorre porque não há como reexaminar a causa sem reanalisar os fatos e provas. Por isso, diz-se que a extraordinariedade do recurso somente está em sua admissibilidade e não no mérito — ver súmula 456 do STF. Essa súmula foi incorporada ao regimento interno do STF e STJ.

É dentro desse contexto que surgem as questões de ordem pública em recurso extraordinário. Não se pode, no recurso extraordinário, suscitar uma questão de ordem pública pela falta de pré-questionamento. Mas, se o recurso extraordinário foi admitido por discutir outra questão (que foi pré-questionada e aceita), a questão de ordem pública poderá ser analisada, pois a jurisdição se abre. Uma questão de ordem pública não pode ser objeto do recurso extraordinário sem ser pré-questionada, mas o tribunal pode reconhecer a questão de ordem pública se o recurso extraordinário foi admitido. Por isso, é correta a afirmação de que uma questão de ordem pública pode ser analisada em um recurso extraordinário; ela só não pode ser objeto do recurso extraordinário.

2ª prisma – preclusão para o re exame das questões que podem ser conhecidas de ofício: nesse caso há divergência doutrinária. A maior parte da doutrina (sem qualquer fundamentação) defende que tb não há preclusão para reexame de questões conhecíveis de ofício (para essa doutrina, um juiz que se julgou incompetente pode se declarar competente posteriormente). Apesar disso, há críticas ácidas para esse raciocínio. Entretanto, há doutrina ainda que minoritária (Barbosa Moreira) que entende haver preclusão nesse tipo de reexame.

5. Distinção entre preclusão temporal, prescrição e decadência.

Para Didier, caducidade é gênero, da qual são espécies preclusão e decadência6, pois a caducidade é a extinção de um direito potestativo (poder), sendo a preclusão a extinção de um direito potestativo processual e a decadência a extinção de um direito potestativo pré-processual.

5.1. Decadência.

Decadência é a extinção de direitos potestativos em razão da inércia, do seu não-exercício, dentro de um prazo legal ou convencional. Porém, a decadência refere-se a direitos pré-processuais, tanto aos direitos potestativos essencialmente materiais (ex: direito de invalidar um ato jurídico), qto aos direitos potestativos mais relacionados ao direito processual, mas exercitáveis fora dele (ex: direito à escolha de um procedimento, submetido à prazo, como no caso do MS).

6 Não obstante, Pontes de Miranda tem caducidade e decadência como sinônimas.

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5.2. Preclusão.

Preclusão é a perda de poderes jurídicos processuais.

A decadência se aproxima da preclusão temporal, pois esta também se refere à perda de direito potestativo decorrente da inércia do seu titular. Mas elas se diferenciam por que a decadência se refere à perda de direitos pré-processuais; enquanto a preclusão refere-se à perda de poderes/faculdades processuais. Ademais, a decadência sempre decorre de um ato-fato lícito; já a preclusão pode decorrer de ato-fato lícito ou ato ilícito (preclusão-sanção).

5.3. Prescrição.

A prescrição é a extinção da eficácia de determinada pretensão por não ter sido exercitada no prazo legal. É, portanto, a perda do poder de efetivar o direito a uma prestação (de não poder exigir essa pretensão do Estado-juiz).

Apesar de decorrer da inércia do seu titular, a prescrição não conduz à perda do direito/poder/faculdade (sejam elas materiais ou processuais), como ocorre na decadência ou preclusão, mas sim na neutralização da sua eficácia, da sua pretensão, impedindo que o credor satisfaça a prestação almejada. Ademais, a prescrição relaciona-se a direitos de uma prestação de cunho material, enquanto a preclusão temporal refere-se a faculdade/poderes processuais.

Por fim, deve-se observar que prescrição e decadência são institutos de direito substantivo (pois se operam em fase pré-processual, extraprocessual, embora sejam reconhecidas geralmente dentro do processo) e suas finalidades projetam-se para fora do processo (visando à paz/harmonia social e à segurança jurídica). Já a preclusão temporal é instituto de direito processual, operando-se dentro do processo (visando ao impulso ordenado deste e à lealdade processual).

6. Efeitos da preclusão.

A observância ou inobservância da preclusão pode gerar efeitos dentro e fora do processo:

- a preclusão impulsiona o processo ao seu destino final (provimento jurisdicional). Chegado ao fim, tem-se a preclusão máxima, que é a irrecorribilidade da decisão final (ou coisa julgada formal), que, recaindo sobre provimento jurisdicional de mérito e fundado em cognição exauriente projeta efeitos para fora do processo (coisa julgada material);

- a inobservância da preclusão pode gerar invalidades processuais, que ocorre qdo juiz ou parte praticam ato já precluso que gera prejuízo para a outra parte. Ex: reformar sentença publicada; recurso extemporâneo; recurso após a aceitação expressa ou tácita do decisum. Todos esses exemplos, se praticados, devem ser anulados.

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JURISDIÇÃO:

1 – Conceito: a jurisdição é uma função atribuída a terceiro imparcial para, mediante um processo, reconhecer, efetivar ou proteger situações jurídicas concretamente deduzidas, de modo imperativo e criativo em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível.

→ 1ª parte – a jurisdição é uma função atribuída a terceiro imparcial. Esse terceiro é um sujeito estranho ao problema e essa pessoa deve ser desinteressada pelo resultado a ser apresentado.

O fenômeno de ingresso deste terceiro na lide é a IMPARTIALIDADE (aquele que não é parte), que é diferente de imparcialidade. Jamais confundir imparcialidade com neutralidade. Não há neutralidade quando se envolve ser humano (juiz).

A jurisdição é uma forma de heterocomposição (solução dada por terceiro). Por isso, Chiovenda dizia que a atividade jurisdicional é substitutiva, ou seja, ela substitui a vontade dos litigantes pela vontade do Estado-juiz. A substitutividade á uma característica fundamental da jurisdição, segundo Chiovenda. Entretanto, há críticas a esse tratamento de caráter fundamental da substitutividade apregoada por Chiovenda, já que há outras funções com a mesma característica, como as decisões do CADE.

Há na doutrina quem defenda que a jurisdição é monopólio do Estado, logo só o Estado pode ser esse terceiro imparcial. No entanto, pode-se observar que, apesar de a jurisdição ser monopólio do Estado, isso não significa que só ele pode exercê-lo, já que o Estado pode autorizar que outros exerçam a jurisdição (Ex: arbitragem — jurisdição aprovada; o Tribunal de Águas de Valencia na Espanha, que, há mil anos, julgam problemas relativos ao uso das águas de Valência — esse Tribunal particular foi reconhecido pela Constituição Espanhola).

→ 2ª parte – utilização de um processo. Para que a jurisdição seja exercida, necessário é um processo e que este processo seja devido. Não há jurisdição instantânea. O processo é o método de exercício da jurisdição.

→ 3ª parte – reconhecer/efetivar/ou proteger.

→ 4ª parte – situações jurídicas concretamente deduzidas. Melhor usar “situações jurídicas” do que “direitos”, pois situações jurídicas implicam em direitos e deveres. A jurisdição atua sobre problemas concretos e nunca sobre situações especulativas (por isso Carnelutti dizia que a jurisdição atua sobre encomenda). Isso ocorre em qualquer processo, inclusive em ADIN. A atividade jurisdicional é usada para resolver problemas específicos (tópicos).

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Carnelutti dizia que as questões levadas ao juiz são sempre lide, conflitos. Entretanto, apesar de os conflitos serem o principal problema levado ao judiciário, há situações concretas deduzidas perante o judiciário que não são lides. Ex: retificação de nome estranho. Por isso correto é dizer que a jurisdição atua sobre situações jurídicas concretamente deduzidas.

→ 5ª parte – modo imperativo. Um dos aspectos da soberania é o poder jurisdicional em um determinado território. Por isso a jurisdição é um ato de império, que faz valer suas decisões.

→ 6ª parte – atividade criativa. Qdo um magistrado julga, ele cria o direito, pois constrói a norma, cria a norma jurídica. O juiz não declara o que a lei diz, mas a interpreta e dela extrai uma norma que vai regular o caso concreto. Por esse motivo, pode-se dizer que um mesmo problema é julgado de formas diferentes quando analisado por juízes diferentes.

A criatividade jurisdicional deve ser analisada sob 2 aspectos: a) ela cria a norma jurídica individualizada do caso concreto (diz qual é a norma jurídica que vai regular um caso concreto, qual é a imposição da decisão, ex: A deve para B e deve pagar); b) qdo a jurisdição julga, ela tb cria, a partir do caso concreto, uma norma jurídica geral, que serve como precedente para casos semelhantes que por ventura apareçam.

→ 7ª parte – insuscetibilidade de controle externo. Nenhum dos outros poderes pode interferir na decisão judicial. Uma lei ou um ato administrativo não podem rever uma decisão judicial, mas a jurisdição pode controlar a atividade legislativa ou do executivo. A jurisdição só pode ser revista pela própria jurisdição.

→ 8ª parte – aptidão para tornar-se indiscutível. Somente as decisões judiciais podem tornar-se indiscutíveis; somente elas podem fazer coisa julgada7. Essa indiscutibilidade é um limite para a própria jurisdição. Ocorrendo a coisa julgada, a decisão não pode ser revista nem internamente pela própria jurisdição.

2 – Equivalentes jurisdicionais:

São os modos de solução de conflitos não jurisdicionais, porém se equivalem à jurisdição. São eles quatro:

2.1 – Autotutela.

Na autotutela, um dos conflitantes submete o outro à sua vontade, através de imposição coercitiva. Em regra, é proibida a autotutela, sendo inclusive tipo penal, pois nesse caso o sujeito usurpa a função estatal. Entretanto, há raras hipóteses de autotutela que permanecem lícitas, como a guerra, a greve, a legítima defesa, desforço incontinenti8, auto executoriedade da Administração Pública, etc.

7 A coisa julgada é fenômeno eminentemente jurisdicional.

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2.2 – Autocomposição.

É a solução negociada do conflito, através da qual os conflitantes resolvem entre si o conflito. A autocomposição é estimulada pelo Estado (como câmaras de conciliação, audiência de conciliação, separação consensual).

A autocomposição pode ser judicial ou extrajudicial. Há o direito de levar a juízo qualquer autocomposição extrajudicial, para que o juízo a homologue — art. 475-N, V, do CPC.

A autocomposição pode se dá de duas formas: a) ou cada parte cede um pouco para chegar ao fim do litígio — é a transação; b) ou uma parte, de forma voluntária, se submete integralmente à outra — pode ocorrer no processo, onde recebe o nome de renúncia (se for o autor que submete), ou de “reconhecimento da procedência do pedido” (se for o réu que se submete).

Toda forma de resolução de litígio não jurisdicional foi designada por uma convenção internacional de ADR (alternative dispute resolution). A autocomposição é a ADR por excelência.

2.3 – Mediação.

Na mediação um terceiro é inserido no conflito para auxiliar, estimular, as partes para chegar à conciliação. O mediador não decide, mas só estimula a que as partes cheguem à decisão do conflito. O mediador vai aproximar as duas partes que se afastaram em virtude do conflito.

A mediação pode ser judicial (ex: os conciliadores de juizados) ou extrajudicial.

2.4 – Julgamento de conflitos por tribunais administrativos.

Há, no direito administrativo contemporâneo, órgãos administrativos que julgam conflitos sob a forma de jurisdição. Eles não são jurisdição porque suas decisões podem ser submetidas ao controle do judiciário, além de não fazer coisa julgada. São exemplos de heterocomposição: tribunais de contas, tribunal marítimo (julgam acidentes nas águas), CADE, agências reguladoras, etc.

3 – Arbitragem.

A arbitragem não é equivalente judicial. Na arbitragem, um terceiro escolhido pelos conflitantes não estimula a composição do litígio, mas sim julga o conflito. A solução é por heterocomposição, de forma que a arbitragem não serve para facilitar o diálogo como na mediação.

A arbitragem é manifestação da liberdade, pois é uma opção entre os conflitantes (de autonomia privada); por isso, jamais a arbitragem pode ser imposta. Este é o

8 É o desforço imediato para proteger a própria posse.

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motivo da nulidade da cláusula de arbitragem em contrato de adesão, uma vez que ela retira de uma das partes a opção pela arbitragem.

Como a escolha pela arbitragem é manifestação de vontade e posterior submissão à sua decisão, só pessoas capazes podem optar pela arbitragem. Ademais, não é qualquer questão que pode ser submetida à arbitragem, mas só questões concernentes a direito disponível.

Pode-se haver arbitragem em questões trabalhistas (CF, art. 114, §§ 1º e 2º). Pessoas jurídicas de direito público podem optar pela arbitragem, mas não sempre, de sorte que há arbitragem no direito administrativo — não se discute mais se é possível arbitragem no direito público; discute-se apenas os seus limites. Tema polêmico, sem posicionamento consolidado na doutrina, é aquele atinente a possibilidade da arbitragem no âmbito das tutelas coletivas.

Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz (e não só advogado). Na prática, os árbitros costumam formar juntas arbitrais, compostas cada junta por 3 árbitros (um árbitro de cada parte e um terceiro árbitro escolhido por uma pessoa indicada pelas partes. Ex: as partes indicam um pessoa A e esta pessoa indica um árbitro B).

Os árbitros são, para todos os fins, juízes de fato e de direito (inclusive na esfera penal — claro que nos casos em que o Estado delega essa função). Porém, esse poder de juiz só é válido em um caso específico e estritamente para os poderes conferidos pelas partes unicamente para aquele caso. Os árbitros são equiparados a servidores públicos para efeitos penais.

O processo no âmbito da arbitragem é semelhante ao processo judicial, com a diferença de que é ele flexível, conforme o modelo decidido pelas partes (prazos, quantidade de testemunhas, etc), porém respeitados as limitações constitucionais (ampla defesa, contraditório, etc). É permitida decisão por equidade, uso de normas de direitos estrangeiro, desde que assim decidido pelas partes. O único recurso que cabe na arbitragem é embargos de declaração, já que as partes, qdo decidiram pela arbitragem, abriram mão de contestar a decisão arbitral para um outro órgão.

O judiciário pode executar a sentença arbitral, já que o árbitro não pode executar, mas só julgar. O arbitro tb não poderá conceder provimentos de urgência, que exigem atividade executiva para serem implementadas. A sentença arbitral é titulo executivo judicial. O judiciário não pode revisar a sentença arbitral, de forma que o mérito da sentença arbitral é insuscetível de controle do judiciário — SENTENÇA ARBITRAL NÃO SE SUBMETE A HOMOLOGAÇÃO DO JUDICIÁRIO, ELA ESTÁ PRONTA PARA SER EXECUTADA, POIS É TITULO JUDICIAL.

A sentença arbitral pode ser anulada pelo judiciário somente se houver vicio formal, mas o judiciário nunca pode rediscutir esta sentença — neste caso, volta para o árbitro julgar. Essa anulação é feita por ação anulatória cujo prazo é de 90 dias da notificação da decisão. Passado esse prazo, não há o que se discutir nem pelo

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judiciário, nem se tiver havido grave erro inconstitucional. Por isso, pode-se dizer que há coisa julgada arbitral, de forma a não caber nem ação rescisória fora dos 90 dias supracitados. A ação anulatória cabível nos 90 dias é a própria ação rescisória da decisão arbitral.

Logo, pode-se dizer que a arbitragem é jurisdição privada, pois tem tudo o que a jurisdição tem. Esse é o entendimento majoritário da doutrina. Há doutrina que diz que a arbitragem não é jurisdição porque não é estatal — tese pouco aceita. Há doutrina que diz que a arbitragem não é jurisdição porque o árbitro não executa (tese pouco aceita, já que o juiz penal não executa — quem executa é o juiz de execuções penais — e mesmo assim é jurisdição).

A arbitragem é constitucional, pois é exercício de atividade privada voluntária, já que nada impediu as partes capazes de ir ao judiciário. Na escolha da arbitragem, as partes optaram pela arbitragem e não pela jurisdição estatal. Inconstitucional seria a lei que impusesse a arbitragem.

No Brasil, a arbitragem foi regulamentada pela Lei 9.307/96. A arbitragem tem cunho negocial. O nome do negócio jurídico que gera a arbitragem é a “convenção de arbitragem”. Há, conforme art. 3º da aludida lei, 2 espécies de convenção de arbitragem: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Cláusula compromissória é a convenção em que as partes resolvem que as divergências oriundas de certo negócio jurídico serão resolvidas pela arbitragem, prévia e abstratamente. Antes de o litígio ocorrer, as partes determinam que, qualquer que seja este litígio, deverá ser ele resolvido pela arbitragem.

Compromisso arbitral é o acordo de vontade para submeter uma controvérsia concreta, já existente, ao juízo arbitral, prescindindo o Poder Judiciário.

Para efetivar a cláusula compromissória, necessário é que se faça um compromisso arbitral, que regulará o processo arbitral para o conflito que surgiu.

→ DIA 22/02/2010.

4 – Características da Jurisdição.

4.1 – Substitutividade (característica proposta por Chiovenda).

Consiste em o Estado, ao analisar o caso concreto, substituir a vontade das partes pela vontade da norma jurídica. Esta característica é que diferencia a jurisdição das outras funções do Estado, pois o Estado-juiz não formula decisão sobre própria

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atividade9, mas sobre a atividade de outros sujeitos — é a atividade do Estado substituindo as atividades daqueles envolvidos no litígio.

4.2 – Imparcialidade.

Não confundir imparcialidade com neutralidade, pois, se existisse neutralidade do magistrado, o juiz não teria uma vontade inconsciente (sua carga cultural, religiosa, etc.), ademais a vontade do litígio seria a vontade das partes e não do Estado-juiz, além do que o juiz não interviria no resultado do litígio.

Por essa característica, o órgão judicial deve aplicar o direito ao caso concreto com imparcialidade, ou seja, o juiz não pode ter interesse no litígio e deve tratar as partes com igualdade jurídica. A imparcialidade significa que o juiz não tem prévia decisão dos conflitos, podendo as partes interferirem nela.

4.3 – Lide.

Para Carnelutti, a jurisdição consistia em justa composição da lide. Logo, para ele, para haver jurisdição deveria haver necessariamente litígio (pretensão de alguém e resistência de outro), ou seja, só haveria jurisdição em atividade contenciosa. Carnelutti inicialmente até excluía a execução como atividade jurisdicional.

Entretanto, como já visto, a jurisdição não só atua no litígio, podendo atuar em questões onde não haja lide, como no controle difuso de constitucionalidade, na jurisdição voluntária, etc.

4.4 – Monopólio do Estado.

Inicialmente entendia-se que a atividade jurisdicional era monopólio do Estado10. Atualmente, esta característica perdeu prestígio, pois já é entendido que a arbitragem é atividade jurisdicional. Logo, a jurisdição não seria monopólio do Estado.

A arbitragem possui o elemento da confiança, já que as partes escolhem o julgador; o que não ocorre na jurisdição, cujo julgador independe da vontade das partes e mesmo assim impõe sua decisão.

4.5 – Inércia.

A jurisdição é inerte porque só atua quando provocada. A jurisdição é sempre a última solução, mas pode haver outras formas de solução como aquelas estudadas nos equivalentes jurisdicionais.

9 Como ocorre nas decisões da Administração, que visão a atender a sua vontade (interesse público).

10 Mas não confundir monopólio do Estado com monopólio do judiciário, pois o executivo e o legislativo podem exercer a atividade jurisdicional.

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No entanto, essa visão é hoje mitigada, tendo em vista a ampliação dos poderes do juiz, como: os poderes de direção do processo sem provocação (produção probatória); concessão por parte do juiz de pedidos implícitos, em que ele concede aquilo que não fora expressamente solicitado; poder de efetivar suas decisões, podendo tomar providências que julgar necessárias e adequadas, conforme art. 461, § 5º, CPC, mesmo que tais providências não estejam expressamente contidas em lei; instauração de alguns procedimentos de ofício (como inventário, art. 989 do CPC, além de outros procedimentos de jurisdição voluntária).

Por tudo isso, pode-se dizer que a inércia se reduz à instauração de processo e à determinação do objeto litigioso (o mérito da causa), que em princípio dependem de provocação da parte

4.6 – Unidade.

Como é expressão do poder estatal, a jurisdição é una. Para cada Estado soberano só há uma jurisdição. A jurisdição é uma das feições da soberania, de forma que, se houvesse mais de uma jurisdição, haveria mais de uma soberania e, portanto, mais de um Estado.

Mas essa jurisdição, que é una, pode ser repartida em vários órgãos (o que não ofende a unidade da jurisdição), cada um com sua competência para não invadir a competência alheia. O poder é uno, mas é divisível.

4.7 – Definitividade: aptidão para produção de coisa julgada material.

A coisa julgada só ocorre na jurisdição, mas não se pode dizer que só haverá jurisdição se houver coisa julgada material.

A coisa julgada é opção política do Estado, logo este poderia retirar de certas decisões a aptidão de produzir coisa julgada material, sem que com isso se retire essas mesmas decisões do bojo da jurisdição.

A coisa julgada não é característica ou elemento de existência da decisão, já que a coisa julgada é posterior à decisão. Correto é dizer que a coisa julgada não pode ocorrer fora da jurisdição, de forma que ela somente ocorrerá nesta. Não haverá coisa julgada na função legislativa ou executiva, pois sempre um ato executivo ou legislativo passará pelo crivo judicial, ou seja, a decisão da jurisdição é última, definitiva, não podendo ser controlada por outro poder (essa definitividade é a coisa julgada). Mas deve-se atentar que o legislativo pode exercer a jurisdição (ex: julgamento de crime de responsabilidade do Presidente da República), sendo, nesse caso, atribuídas as características da jurisdição (como aptidão para produção de coisa julgada material) ao processo jurisdicional exercido pelo legislativo – qdo se diz que não haverá coisa julgada na função legislativa, está se referindo à sua atividade própria (legislar/fiscalizar) e não à imprópria (julgar).

5. Fins da jurisdição.

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De acordo com a concepção instrumentalista da jurisdição, a jurisdição possui três fins: jurídico, social e político.

5.1 – Escopo jurídico – é a atuação da vontade concreta da lei, ou seja, a jurisdição tem por objetivo primeiro atingir os objetivos da norma material. Mas esse escopo não é privativo da jurisdição, pois, qdo os particulares ou a administração cumprem a lei, estão atingindo o objetivo do direito material.

5.2 – Escopo social – consiste em promover o bem comum, com a justa pacificação dos conflitos.

5.3 – Escopo político – consiste no ato de o Estado afirmar seu poder através da jurisdição, fazendo valer sua vontade (soberania), além de estimular a participação popular (ação popular, ação coletiva, presença de leigos nos juizados, etc.) e da liberdade pelos meios dos remédios constitucionais (tutela dos direitos fundamentais).

6. Princípios inerentes da jurisdição.

6.1 – Investidura.

A jurisdição só será exercida por quem tenha sido regularmente investido na autoridade de juiz.

6.2 – Indelegabilidade.

A função jurisdicional não pode ser delegada. Não pode o órgão jurisdicional delegar suas funções a outro órgão. Essas assertivas, no entanto, são de cunho doutrinário e sofrem alterações expressas por lei federal ou CF/88.

Exemplo disso é aquele previsto no art. 492 do CPC, onde os Tribunais podem expedir cartas de ordem solicitando providências para os juízes a eles vinculados.

Observar que nas cartas precatórias não há delegação, pois neste caso sequer há competência a ser delegada, já que juiz pede a outro juízo uma cooperação para situações onde ele não pode agir fora de seu território (não há competência do juízo deprecante sobre o território do juízo deprecado).

Outro exemplo é aquele do art. 102, I, m, CF/88, que permite ao STF delegar atribuições para a prática de atos processuais relacionados à execução dos seus julgados. Essa delegação deverá ser sempre endereçada a juízes de primeira instância e jamais pode versar sobre atos decisórios desses juízes, mas só sobre atos executivos; se na prática do ato executivo houver incidente que demande julgamento, este deve ser realizado pelo Tribunal.

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O art. 93, XI, da CF/88, autoriza delegação da competência do Tribunal Pleno (composto por todos os membros do Tribunal) para órgão especial deste mesmo Tribunal.

Também o art. 93, XIV, CF/88, permite expressamente a delegação de atos de administração e de atos de mero expediente, sem caráter decisório, a serventuário. Tanto ato não-decisório quanto atos administrativos11 podem ser delegados, como vistas obrigatórias ao MP, vistas de documentos às partes, etc.

6.3 – Inevitabilidade.

As partes obrigatoriamente se submeteram ao que foi decidido pelo órgão jurisdicional. A Jurisdição é inevitável. Qualquer pessoa pode ser ré, já que basta ajuizar uma ação contra ela, ainda que seja tal ação absurda.

A inevitabilidade diz que qualquer pessoa pode ter que se submeter à jurisdição. Já a inafastabilidade (que será vista abaixo) diz que a lei não pode se escusar de apreciar lesão a direito ou ameaça de lesão a direito.

A partir do momento em que o ordenamento jurídico conferiu a qualquer pessoa o acesso à Justiça, ou seja, o direito de postular em juízo (inafastabilidade da jurisdição), esse mesmo ordenamento jurídico concebeu a possibilidade de que qualquer pessoa possa se submeter à jurisdição.

6.4 – Territorialidade.

A jurisdição é exercida sempre em um determinado território. O território sobre o qual a jurisdição se exerce é o foro. Foro é a delimitação territorial para o exercício da jurisdição. Na justiça estadual, costuma se falar em Comarca ou Distrito12 (distrito é subdivisão da comarca). Na justiça federal a terminologia é seção judiciária (sempre com nome de Estado) e as subseções (com nome de cidade).

Extraterritorialidade:

O art. 107 do CPC estabelece que se um imóvel estiver na região de divisão entre duas comarcas (seja de municípios diferentes, seja de estados diferentes), o juiz que primeiro conhecer da causa alusiva a este imóvel possuirá extraterritorialidade sobre todo o imóvel, inclusive sobre a área que estiver localizada em outra comarca.

O art. 230, CPC, estabelece que oficial de justiça pode fazer comunicação processual (citação/intimação) em comarca contígua (limítrofe) ou de mesma região metropolitana (mesmo que não contígua) — é caso de extraterritorialidade. Mas só pode fazer comunicação, não podendo fazer

11 Desde que sejam atos administrativos burocráticos, quase automáticos, para impulso do processo. Há doutrina que entende pela não delegação do poder de polícia.

12 Comarca tem nome de cidade. Distrito pode ter nome de cidade ou bairro.

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penhora (que dependerá de carta precatória).

Logo, extraterritorialidade é a extensão da competência territorial para a prática de determinados atos, alcançando um território além do foro original, em decorrência de algumas circunstâncias, como, por exemplo: a) prevenção em caso de imóveis que se situam em região de divisão de 2 ou mais foros (o juiz prevento, que primeiro conheceu da causa alusiva a este imóvel, estende sua competência para além do seu foro original, abarcando todo o imóvel); b) comunicação processual (citação/intimação) em comarcas contíguas (limítrofes) ou da mesma região metropolitana, independentemente de carta precatória.

A decisão sempre será proferida em um lugar, mas, uma vez proferida a decisão, a mesma produzirá efeitos em todo o território nacional e até mesmo no exterior (desde que a decisão seja homologada no tribunal de outro país).

6.5 – Inafastabilidade.

Presente no art. 5º, XXXV, da CF/88. Por este princípio, a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito. Ele garante o acesso à Justiça. É daí que surge o direito de ação, ou seja, o direito de provocar a atividade jurisdicional sobre qualquer problema, sem restrição de tema13.

Há uma idéia errônea de que não se pode ir ao judiciário para discutir o mérito de decisão discricionária de ato administrativo. Porém é um grande erro. O problema é saber como se controla o ato discricionário administrativo — tal controle se faz através da proporcionalidade e discricionariedade. A lei do MS de 1951 impedia ajuizamento de MS contra ato disciplinar, só que essa norma nunca vingou (pois não tinha respaldo da doutrina ou jurisprudência), de forma que a atual lei de MS vetou esse impedimento.

OBS.: Na arbitragem não é a lei que afasta a jurisdição, mas as partes, ao escolherem-na. Ademais, na arbitragem a jurisdição estatal é afastada quanto a direitos disponíveis, em favor do princípio da autonomia privada da vontade.

Os crimes de responsabilidade do Presidente da República não podem ser analisados pelo Judiciário, mas somente pelo Senado. Neste caso, não há afastamento da jurisdição, mas só a determinação de que a jurisdição será exercida pelo Senado e não pelo judiciário.

Uma demanda da justiça desportiva, consoante previsão do art. 217, § 1º, da CF/88, só poderá ser levada ao judiciário qdo esgotada as instâncias da justiça desportiva.

13 Na ditadura, a CF vetava ação que versasse sobre os atos institucionais.

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Essa é a única exceção em que a CF permite um condicionamento (esgotamento da via administrativa) ao acesso perante o judiciário. Inúmeras leis infraconstitucionais prevêem a exigência de prévio esgotamento administrativo para acionar o judiciário (Ex: Habeas-data, MS, Súmula vinculante, etc.), mas para que elas não sejam inconstitucionais, deve se dar interpretação conforme a CF —, ou seja, se há urgência, não pode a lei exigir o prévio esgotamento administrativo (exemplo disso foi o julgamento das ADIN’s 2139 e 2160).

A CF diz que a mera ameaça de lesão a direito é inafastável da jurisdição. É uma medida preventiva inovadoramente prevista na CF/88.

6.6 – Juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII).

Garante que ninguém será processado ou julgado se não por autoridade competente (mediante regras prévias, gerias e legais14) e imparcial (através de regras que impeçam a escolha do juiz da causa). Por isso veda-se a criação de tribunal de exceção15. Entretanto, até hoje certos Tribunais designam muitos juízes para determinadas causas, o que é inconstitucional na inteligência do princípio do juiz natural.

Essa garantia, embora não muito observada, se estende aos processos administrativos. Por isso, o correto é que exista comissão permanente de licitação, comissão permanente disciplinar, etc.

Ler julgado da Reclamação 417 do STF.

7. Jurisdição voluntária.

1 – Conceito:

Jurisdição voluntária é uma atividade estatal de fiscalização e integração da vontade das partes, pois o judiciário, depois de fiscalizar se foram atendidos certos requisitos legais, integrará a vontade das partes para torná-la apta a produzir determinada situação jurídica.

Há certos efeitos jurídicos decorrentes da vontade humana que só podem ser obtidos após a integração da vontade perante o Estado-juiz, que o faz mediante a fiscalização da obediência de certos requisitos legais. Portanto, na jurisdição voluntária, a jurisdição fiscaliza para depois integrar.

2 – Características gerais indiscutíveis:

14 Não pode lei posterior criar competência para uma causa, ou seja, não pode haver tribunais de exceção.

15 Tribunal de exceção é um tribunal criado especificamente para julgar determinada causa que já existe (exemplo disso é o Tribunal de Nuremberg; por isso criou-se o Tribunal Penal Internacional, para substituir o Tribunal de Nuremberg). O órgão jurisdicional deve ser permanente e prévio.

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→ É uma atividade de integração da vontade – o juiz na jurisdição voluntária integra a vontade dos sujeitos. Nesse caso, a simples vontade não é bastante para produzir efeitos, sendo necessário que o juiz a integre. Portanto ela serve para integrar, completar.

→ é uma atividade de fiscalização – o juiz fiscaliza se a prática do ato pela parte está regular. Para integrar é preciso fiscalizar.

→ a jurisdição voluntária é necessária – se a parte quer que o efeito jurídico se produza, ela tem que ir ao judiciário. Ex: a interdição só é possível se deferido pelo judiciário. Entretanto há casos excepcionais em que se admite jurisdição voluntária optativa (Ex: separação consensual sem filhos).

→ é predominantemente uma atividade constitutiva – novas situações jurídicas são criadas, outras são extintas ou alteradas.

→ na jurisdição voluntária, tb há contraditório – por isso, tem-se que ouvir todos os interessados na ação, no prazo de 10 dias. Logo, há citação (Ex: cita-se o interditando) — art. 1105 CPC. Há tb todas as garantias fundamentais do processo, necessárias à sobrevivência do Estado de direito.

→ a jurisdição voluntária se resolve por sentença16 (que pode ser apelável).

→ na jurisdição voluntária o juiz tem todas as garantias da magistratura. Houve época em que o juiz na jurisdição voluntária era comparado a tabelião.

→ o MP intervirá em todo o processo de jurisdição voluntária que aludir sobre direitos indisponíveis. Esse é o entendimento do STJ, mesmo que o art. 1105 do CPC diga que o MP deverá ser intimado17 em todos os casos. Qdo tratar de direitos disponíveis, o MP não atuará, exceto se presente circunstâncias do art. 82 do CPC.

→ a doutrina costuma afirmar que o processo de jurisdição voluntária é processo inquisitivo. Processo inquisitivo é aquele em que o principal protagonista é o juiz, ou seja, este goza de muitos poderes para instruir o processo. O seu contraponto é o processo dispositivo ou adversarial ou acusatório (nesse caso o protagonismo é das partes, de forma que o papel do juiz é basicamente julgar). A manifestação de inquisitividade ocorre porque muitos procedimentos de inquisição voluntária podem ser instaurados ex officio (Ex art. 1129, 1142, 1160, 1171, do CPC).

→ a jurisdição voluntária permite decisões formadas em equidade, ou seja, o juiz poderá não se ater à legalidade estrita, podendo decidir conforme conveniência e oportunidade. Por isso, diz-se que o poder do juiz na jurisdição voluntária é poder

16 Segundo Rogério Greco, todos os procedimentos cognitivos que exigem do juiz um provimento declaratório ou constitutivo encerram-se por sentença. Já os demais provimentos (meramente receptícios, probatórios ou executivos) se encerram com o desempenho das atividades que lhe são próprias e não por sentença.

17 O art. 1105 do CPC fala em citação, mas a doutrina unanimemente entende ser caso de intimação.

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discricionário. Neste caso, o poder do magistrado é reforço da inquisitividade. Ex: art. 1109 do CPC — a guarda compartilhada de filhos, mediante acordo entre cônjuges, era aplicada na prática mesmo muito antes de prevista por lei (2008); Ex: o juiz tem obrigatoriamente que interrogar o interditando, mas, se ele estiver em coma, o juiz pode dispensar o interrogatório.

→ há um procedimento comum de jurisdição voluntária previsto nos arts. 1103 a 1111 do CPC. A partir do art. 1112 têm-se procedimentos especiais de jurisdição voluntária. O processo se instaura por petição inicial, cujo valor da causa é estimado pelo autor; as despesas processuais são antecipadas pelo requerente (art. 24 do CPC) e rateadas entre os interessados.

3 – Características polêmicas:

A polêmica se dá quanto à natureza jurídica da jurisdição voluntária. Há 2 grandes correntes doutrinárias acerca da natureza jurídica.

a) a jurisdição voluntária, segundo a corrente tradicional (doutrina preponderante), não é atividade jurisdicional18, mas sim administrativa, onde o juiz administra interesses privados (por isso se comparava juiz com tabelião qdo ele atuava na jurisdição voluntária).

Para essa doutrina, na jurisdição voluntária só há interesses privados, de forma que não há conflito, logo não há partes (e sim interessados).

Alegam tb que não há jurisdição (pois a atividade é administrativa), logo não há processo (e sim procedimento). Não há, portanto, ação, mas só requerimento.

Se não há nada disso dito antes, e de acordo com o art. 1.111 do CPC, não há coisa julgada (pois coisa julgada vem da jurisdição) — há, no máximo, preclusão.

Essa corrente afirma, ainda, que, como algumas dessas funções administrativas podem ser exercidas por órgãos estranhos ao Poder Judiciário (como serventuários, notários ou órgãos da Administração), não podem ser consideradas jurisdição.

b) segundo a corrente jurisdicionalista (mais moderna e que vem crescendo, apesar de ainda ser minoritária), a jurisdição voluntária é atividade jurisdicional, mesmo que com algumas peculiaridades, pois a jurisdição pressupõe um caso a ser resolvido mediante a interferência de um terceiro imparcial, não necessitando ser litigioso.

Ademais, pode haver sim lide na jurisdição voluntária (como na interdição de incapaz ou na emancipação a pedido do menor) e todos os seus casos são potencialmente conflituosos, tendo, inclusive, que haver citação (art. 1.105 do CPC) e possível resistência dos citados — por isso são de atribuição do Poder Judiciário. 18 Há doutrina que diz que a jurisdição voluntária sequer é voluntária, pois os atos da vida privada que precisam passar pela jurisdição voluntária só podem ser validados por meio dela. Realmente a regra é da obrigatoriedade, mas há casos que não necessitam da jurisdição voluntária.

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A jurisdição voluntária, mesmo quando sem litígio, serve para tutelar interesse particular — o que é de atribuição da jurisdição — e aplica o direito objetivo em última instância e sem controle de outro poder estatal.

Há tb processo, pois é através dele que o direito produzirá normas jurídicas no caso concreto e isso acontece na jurisdição voluntária (com petição, apelação, etc.), da mesma forma que ocorre com o processo administrativo. A jurisdição voluntária é exercida por um juiz imparcial, desinteressado do caso, como ocorre na jurisdição contenciosa, enquanto a administração age com interesse próprio. Desta forma, não há bom senso em reconhecer que no processo administrativo há jurisdição enquanto na jurisdição voluntária não há jurisdição.

Se há processo e jurisdição, há ação. Por tudo isso, pode dizer tb que há partes, até mesmo porque elas ingressam na jurisdição voluntária com interesses, logo são parciais.

Há tb coisa julgada, apesar de boa parte da doutrina, baseada no art. 1.111 do CPC, não defender esse ponto. Para a doutrina jurisdicionalista, este artigo justamente consagra a coisa julgada na jurisdição voluntária, pois, qdo ele diz que a sentença poderá ser modificada se ocorrerem circunstâncias supervenientes, ele deixa claro que, não ocorrendo tais circunstâncias, a sentença não será modificada. Ora, se uma parte ajuizar demanda de jurisdição voluntária para mudar seu nome e o juízo negar, não poderá ela ajuizar demandas com o mesmo objetivo indefinitivamente, pois, se assim não o fosse, não haveria segurança jurídica e nem a força do Estado-juiz em fazer valer seu poder decisório. Ocorre que o art. 1.111 do CPC é claro ao dizer que “a sentença pode ser modificada, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, se ocorrerem circunstâncias supervenientes ”, ou seja, a sentença pode ser modificada sim, mas se houver circunstância superveniente — não havendo tais circunstâncias, opera-se a coisa julgada19.

4 – Classificação dos procedimentos de jurisdição voluntária segundo Leonardo Greco.

4.1 – Receptícios – a atividade judicial se limita a registrar, documentar e comunicar manifestações de vontade. Ex: notificações, interpelações e protestos, etc.

4.2 – Probatórios – a atividade judicial se limita à produção de provas. Ex: justificação.

19 Ex: o nome Bráulio, antes da propaganda da camisinha realizada pelo Ministério da Saúde que o compara ao órgão sexual masculino, era um nome que não expunha a pessoa ao ridículo, de forma que se o juiz negasse pedido de mudança desse nome antes da campanha, não cabia ao demandante ajuizar nova demanda com o mesmo objeto, pois havia coisa julgada. Mas, com o advento da propaganda (que é a circunstância superveniente), poderia novamente a mesma pessoa ajuizar nova ação, pois essa causa superveniente (propaganda) passou a ser motivo de situações vexatórias.

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4.3 – Declaratório – a atividade judicial se limita a declarar a existência ou inexistência de uma relação jurídica (e não de um fato). Ex: extinção de usufruto, posse em nome de nascituro, confirmação do testamento particular, etc.

4.4 – Constitutivos – a atividade judicial se limita a criar, modificar ou extinguir uma situação jurídica, por meio de autorizações, homologações ou aprovações. Ex: interdição, arrendamento ou oneração de bens de incapazes, aprovação de estatuto de fundações, alvará para a venda de bens de incapazes, etc.

4.5 – Executórios – a atividade judicial se limita a exercer uma atividade prática que modifica o mundo exterior. Ex: arrecadação de herança jacente, arrecadação de bens dos ausentes, etc.

4.6 – Tutelares – ocorre a proteção de interesses daqueles que se encontram em situação de desamparo, como os incapazes, cujo procedimento pode ser instaurado pelo Poder Judiciário de ofício. Ex: nomeação ou remoção de tutor/curador; procedimentos do ECA, etc.

COMPETÊNCIA:

1. Conceito.

A jurisdição, como função estatal que aplica o direito ao caso concreto em última instância, é exercida em todo o território nacional (art. 1º do CPC). Qualquer país soberano deve ter jurisdição e esta deve ser exercida em um dado território, pois é neste território que vigorará a soberania de um Estado.

Para exercer a jurisdição em todo o seu território, o Estado a distribui, através de lei20, para os órgãos jurisdicionais. Mas, como se verá mais adiante, a distribuição de competência não ocorre só sob o critério territorial. A jurisdição é una, pois é manifestação do poder e soberania estatais, mas pode ser dividida para sua melhor administração.

A competência é o resultado desses critérios de distribuição. Logo, competência é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos pela lei. A competência é, portanto, a medida da jurisdição, ou seja, a quantidade de jurisdição atribuída a cada órgão.

2. Princípios da tipicidade e da indisponibilidade da competência.

20 Aqui se trata de lei em sentido amplo, pois a competência pode tb ser determinada por regimento interno de Tribunais, por exemplo, desde que este não avance sobre determinação legal ou constitucional de competência.

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Esses princípios compõem o conteúdo do juiz natural, de forma que o desrespeito deles implica no desrespeito ao princípio do juiz natural.

Pelo princípio da tipicidade, as competências são aquelas expressamente determinadas pela CF. Entretanto, o STF reconhece a competência implícita (IMPLIED POWER), segundo a qual, pode haver competência ainda que não determinada expressamente pela CF (Ex: A CF não fala que o STF ou STJ possuem competência para julgar embargos de declaração interpostos para atacarem suas próprias decisões, mas é óbvio que tal competência compete ao próprio Tribunal que proferiu a decisão).

Pelo princípio da indisponibilidade, a competência determinada pela CF não pode ser transferida a órgãos diferentes dos que ela fixou. Mesmo no caso de delegação de competência deve haver prévia permissão constitucional.

→ DIA 24/02/2010.

3. Distribuição de competência.

Cabe ao legislador, em sentido amplo, distribuir a competência, de forma que a CF faz a primeira grande distribuição de competência. Para tanto, o constituinte criou as 5 justiças brasileiras: federal, trabalhista, militar, eleitoral e estadual. À justiça estadual cabe a competência residual, tendo sido a competência das 4 outras justiças definidas na CF.

Um juiz que julga causa de outra justiça não possui competência constitucional. Ada Pellegrini defende que a falta da competência constitucional implica em decisão proferida por não juiz, sendo este ato uma não decisão, uma decisão inexistente. Para Ada, a competência constitucional é pressuposto de existência, mas seu entendimento não é majoritário. Majoritariamente, se entende que a falta de competência constitucional implica em invalidade da decisão (em decorrência da nulidade) e não em inexistência, até por que tal decisum pode já ter gerado efeitos e não se pode negar que esses efeitos advieram de uma decisão existente.

Feita a primeira distribuição de competência pela CF, cabe às leis infraconstitucionais fazer as demais subdivisões. As leis estaduais subdividem a competência na esfera estadual.

Há, ainda, os regimentos internos dos Tribunais. A competência do Tribunal é imposta pela lei, mas o Tribunal pode dividir essa sua competência (já definida pela lei) internamente (ex: criando varas comuns ou varas especiais). O que o regimento interno do Tribunal não pode é invadir a competência que não lhe foi outorgada.

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4. Determinação ou fixação da competência.

Essas distribuições supracitadas dividem as competências de forma abstrata, mas não tem como a parte saber ainda qual juiz apreciará a sua causa (até por que numa comarca ou seção pode haver várias varas que lidam com aquela matéria). Para concretizar a competência, surge o fenômeno da determinação ou fixação da competência.

Determinação ou fixação da competência é o momento em que se sabe qual é o juízo que julgará determinada causa. Esse momento se dá na data da propositura da ação. A data da propositura da ação é a data da distribuição da demanda (qdo houver mais de uma vara) ou é a data do despacho inicial qdo não houver necessidade de distribuição (ex: comarca onde só há um único juízo). Isso está previsto no art. 87 combinado com o art. 263, ambos do CPC.

Identificado o juiz da causa, a causa deverá se fixar em um juízo, ficando a jurisdição perpetuada nessa vara determinada — esse fenômeno é a perpetuação da jurisdição.

Conforme art. 87 do CPC, fatos supervenientes não podem tirar a causa daquele juízo que a perpetuou (ou seja, “são irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente”). Tal regra serve à estabilidade do processo, para que um processo não fique ad infinitum sem julgamento, de vara em vara. Entretanto, há somente 2 exceções à perpetuação de jurisdição, ou seja, há dois fatos supervenientes com aptidão para quebrar a perpetuação da jurisdição: a) desaparecimento do órgão judicial (nesse caso, redistribui-se a demanda); b) alteração superveniente de competência absoluta21 (Ex: a EC/45 transformou a competência da Justiça Trabalhista, de modo que esta passou a ser competente para julgar acidente de trabalho — nesse caso, as ações que versavam sobre acidente de trabalho migraram da Justiça Comum Estadual para a Justiça Trabalhista22).

5. Classificação da competência.

5.1. Competência originaria e derivada.

Competência originaria é a competência para conhecer a causa primeiramente. A regra é que a competência originaria é do juiz de 1º instância. Mas,

21 O art. 87 do CPC fala em mudança de competência em razão da matéria ou da hierarquia. Competência é gênero, enquanto matéria e hierarquia são espécies, por isso a doutrina é pacífica em entender que a correta interpretação é quanto à mudança de competência absoluta e não quanto à matéria ou hierarquia.

22 Se um processo de acidente do trabalho que tramita na Justiça estadual possui sentença antes da EC/45, a causa não migrará para a Justiça Trabalhista, pois já houve julgamento de juízo competente à época.

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excepcionalmente, a causa pode ser de competência originaria de um Tribunal (logo um Tribunal tb tem competência originária, porém de forma excepcional).

Competência derivada e a competência para julgar a causa em nível de recurso. A regra é que a competência derivada é dos Tribunais. No entanto, juiz de 1ª instância tem competência derivada em determinados casos (Ex1: embargo de declaração do juízo de 1ª instância deve ser julgado por este juízo; Ex2: em execução fiscal de até 50 ORTN, o juiz da causa é que julgará o recurso contra sua própria sentença — art. 34, § 3º, Lei 6.830/80).

Apesar de Turmas Recursais de juizados serem formadas por juízes, elas possuem competência derivada, pois o órgão é recursal.

5.2. Competência absoluta e relativa23.

As regras de competência absoluta são criadas para atender a interesse público e por conta disso são regras que não podem ser alteradas pela vontade das partes e nem podem ser modificadas por conexão ou continência. Em virtude disso, a incompetência absoluta pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, pode ser alegada por qualquer das partes, pode ser alegada por qualquer forma e enquanto estiver pendente o processo (ou seja, pode ser alegada por um juízo enquanto este juízo não proferir a sua última decisão). Isso ocorre devido à gravidade da incompetência absoluta.

Já as regras de competência relativa são regras criadas para atender um interesse particular e, por conta disso, podem ser alteradas por vontade das partes. A incompetência relativa não pode ser conhecida de ofício, pois só o réu pode alegá-la e ele tem que fazer isso no 1º momento de falar nos autos24 (prazo de 15 dias contado do fato que ocasionou a incompetência – art. 305, CPC – que, qdo for

23 Segundo Freitas Câmara, é atécnico dizer “competência absoluta” e “competência relativa”. A competência é bastante em si mesma e não deve ser adjetivada. Já a incompetência pode ser absoluta ou relativa.

24 Se o réu não impugnar no prazo, presume-se aceita a incompetência relativa pelo réu — é a modificação tácita da competência relativa. Há, porém, casos de modificação expressa de competência — são casos de foro de eleição ou foro contratual — em que se escolhe o foro (a localidade) e não a vara.

Há cláusulas de foro de eleição em contrato de adesão que não são abusivas (Ex: se um aluno assina um contrato com uma escola e coloca o foro da cidade onde ocorrem as aulas, tal cláusula não é abusiva para os alunos que moram na cidade onde ocorrem as aulas). Logo, nem todo contrato de adesão é abusivo. Ademais, nem todo contrato de adesão ocorre em causas consumeristas, podendo ocorrer em contrato fora do direito do consumidor.

Qdo o CDC diz que a proteção do consumidor é questão de ordem pública e que cláusula abusiva é nula de pleno direito, permite-se ao juiz controlar ex officio uma incompetência relativa (sob o fundamento da questão de ordem pública). O STJ aceita essa excepcionalidade, de conhecimento ex officio de incompetência relativa, desde que em causas de consumo e desde que a cláusula seja abusiva.

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conhecida no momento da citação, deve ser tal prazo contado a partir desta), sob pena de preclusão, tendo que alegá-la no bojo de um instrumento próprio chamado de “exceção de incompetência relativa” 25 (logo, a forma não é livre).

A incompetência absoluta não permite prorrogação de competência; enquanto a incompetência relativa permite prorrogação de competência. Prorrogar a competência é ampliar a competência, tornar competente um juízo originalmente incompetente.

Qualquer das espécies de incompetência (absoluta ou relativa) tem por efeito a remessa dos autos ao juízo competente, de forma que o processo não é extinto. Entretanto, há 2 exceções a essa regra: a) a incompetência no âmbito dos juizados especiais extingue o processo; b) tb extingue o processo a incompetência internacional (logo, se proposta a ação no juízo de um país, este não terá que remeter a causa para o juízo de outro país).

Na incompetência absoluta (e não na relativa), além de se remeter os autos ao juízo competente, os atos decisórios praticados pelo juízo incompetente serão havidos como nulos.

6. Critérios para distribuição da competência.

A doutrina lista 3 critérios para distribuição de competência:

- objetivo – a distribuição da competência se dá em razão da demanda;

- funcional – a distribuição da competência se dá em razão da função do órgão judicial;

- territorial – a distribuição da competência se dá em razão do foro.

6.1. Objetivo – é aquele que leva em consideração a demanda. Uma demanda possui 3 elementos: partes, pedido e causa de pedir.

Por isso, surgem 3 sub-critérios para distribuir a competência sob o critério objetivo, a saber, respectivamente: a) competência em razão da pessoa (das partes); b)

O art 112, § único, CPC, mudado em 2006, consagrou esse pensamento do STJ, só que de forma mais ampla, pois esse conhecimento de ofício vale para qualquer contrato de adesão, ampliando-se a aludida excepcionalidade das causas de consumo para as causas em que conste contrato de adesão (seja de consumo ou não). O art. 114 do CPC, alterado em 2006, diz que, se no caso do art. 112 o juiz não conhecer a incompetência de oficio e se o réu tb não a alegar, preclui-se a modificação da competência. Nesse caso específico do art. 114, o juiz pode conhecer uma competência de oficio, mas não o pode a qualquer tempo — é uma situação mista.

25 Porém há varias decisões aceitando a alegação de incompetência relativa feita na contestação e não por exceção, se não houver prejuízo ao autor. No entanto, em questão de concurso, se a assertiva disser que a alegação deve ser proposta por exceção de incompetência, esta assertiva é certa; mas, se a assertiva disser que “a alegação pode ser proposta na contestação, desde que não prejudique o autor”, essa assertiva tb é certa.

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competência em razão do valor da causa (do pedido); c) competência em razão da matéria (causa de pedir).

6.1.1. A competência em razão da pessoa – é a competência distribuída conforme o sujeito do processo. Ex: competência das varas da Fazenda Pública e da Justiça federal, leva em questão as partes do processo — é caso de competência absoluta.

A súmula 206 do STJ diz que vara privativa (ela quis dizer vara da fazenda pública) instituída por lei estadual não altera competência territorial resultante das leis processuais. Ou seja, caso um estado só tenha vara da fazenda pública em sua capital ou em alguma outra cidade diferente daquela onde um administrado demandou contra a fazenda pública, esta demanda não deve ir para a capital ou outra cidade só por que nestas há vara da fazenda pública, devendo-se respeitar a competência territorial da comarca onde não há vara da fazenda pública. Mas, se houver demanda na comarca onde tenha vara da fazenda publica, ai sim essa vara atrai a demanda.

6.1.2. A competência em razão do valor da causa – é a competência distribuída conforme o pedido constante na demanda (mais especificamente qto ao seu valor). Ex: competência dos juizados.

O CPC se limitou a prever a possibilidade de se distribuir a competência em razão do valor da causa, mas a regulamentação desse critério objetivo ficou a cargo das leis locais de organização judiciária.

Pelo art. 111 do CPC, observa-se que a competência absoluta26 não pode ser modificada pela vontade das partes; ademais, esse mesmo artigo diz que a competência territorial e em razão do valor podem ser modificadas pelas partes (ou seja, ambas competências são relativas). Em 1973, qdo não existiam os juizados e este artigo 111 vigia em absoluto, o juiz com competência para causas até determinado valor não podia apreciar causas superiores a este valor, sendo incompetente absolutamente para causas superiores ao valor de sua alçada, de forma que, assim sendo, podia a parte propor ou não a demanda em outro juízo. Entretanto, as leis dos juizados especiais federais e dos juizados especiais da fazenda pública dizem que sua competência é absoluta para aquela causa cujo valor máximo é estabelecido, não podendo a parte, a partir dessas leis de juizados, propor a demanda sequer em outro juízo.

6.1.3. A competência em razão da matéria – é a competência distribuída conforme a causa de pedir, de acordo com a natureza da relação jurídica

26 Melhor dizer competência absoluta em vez de em razão da matéria e da hierarquia.

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discutida. Ex: se a relação for trabalhista, a vara do trabalho será a competente. A competência em razão da matéria é sempre absoluta.

O CPC se limitou a prever a possibilidade de se distribuir a competência em razão da matéria, mas a regulamentação desse critério objetivo ficou a cargo das leis locais de organização judiciária.

6.2. Funcional – é aquele que leva em consideração a função do órgão judicial. Iniciado o processo, várias são as funções que o órgão jurisdicional deve exercer ao longo do processo (colher provas, julgar, receber petições, executar, etc.). O legislador distribui essas funções entre diversos órgãos, gerando a competência funcional. A divisão de competência original e derivada, vista supra, são exemplos de competência funcional. A competência funcional é absoluta. Ela pode ser visualizada em 2 dimensões:

6.2.1. Vertical – a competência é distribuída em razão das funções de instâncias diversas, por isso é chamada tb de competência em razão da hierarquia (Ex: julgamento de recurso).

6.2.2. Horizontal – a competência é distribuída em razão das funções de uma mesma instância, de num mesmo nível hierárquico. Ex: no Tribunal do Júri, o juiz pronuncia, o júri condena e o juiz dosa a pena.

6.3. Territorial – a distribuição da competência se dá em razão do foro. A competência territorial é, em regra , relativa, podendo ser territorial absoluta em casos excepcionais (ex: art. 95 do CPC) .

Há autores italianos que, diante de uma regra de competência territorial absoluta, dizem que, porque é absoluta, não é territorial, mas sim funcional. No Brasil esse pensamento foi repercutido (Ex: art. 2º da Lei 7347/85). No entanto esse não é o melhor entendimento.

O art. 209 do ECA já trata o assunto com melhor técnica, sem denominar de competência funcional. Da mesma forma o fez o art. 80 do Estatuto do Idoso27.

OBS.: Como fixar uma competência.

A 1ª questão a se resolver é estabelecer se se aplica a competência internacional, ou seja, saber se a demanda pode ser submetida à jurisdição brasileira. Na verdade, essa é uma análise anterior à competência. Para tanto, se aplica os arts. 88 e 89 do CPC. O art. 88 trata dos casos em que a jurisdição brasileira possui competência internacional concorrente (a demanda pode ser ajuizado no Brasil ou em outro país que tb tenha tal competência

27 O aludido art. 80 só se aplica às ações coletivas (pois a própria redação desse art. 80 diz que ele só se aplica ao capítulo III, que trata das ações coletivas), não se aplicando às ações individuais, pois o idoso não é obrigado a propor a ação em determinado foro — ocorre de modo similar como determinado pelo art. 101, I, do CDC.

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internacional). O art. 89 trata dos casos em que a jurisdição brasileira possui competência internacional exclusiva.

Podendo a demanda ser ajuizada na jurisdição brasileira, analisa-se a competência interna.

O 2º passo é determinar se a demanda se enquadrará no critério objetivo (cuja competência pode ser absoluta ou relativa, a depender de seus subcritérios), funcional (a competência será sempre absoluta) ou territorial (a competência é, em regra, relativa).

Sendo escolhido o critério objetivo, ainda é necessário um 3º passo: saber se a competência será distribuída em razão da pessoa (a competência será sempre absoluta), em razão do valor da causa (de competência absoluta ou relativa, a depender da lei de organização local) ou em razão da matéria (se é competente um juízo especializado ou um juízo residual, cuja competência será sempre absoluta).

O 4º passo está em fixar qual das 5 “Justiças” existentes é a competente: federal, militar, eleitoral, trabalhista ou estadual (que é residual, ou seja, ela será competente se a demanda não for de competência de nenhuma das outras 4).

Escolhida a “Justiça”, o 5º passo determina em que foro deverá prosseguir a demanda.

Por fim, o 6º passo identifica o juízo competente em um foro, caso haja mais de uma vara com competência para a demanda.

7. Regras básicas de competência do CPC.

Convém ressaltar que as regras descritas abaixo são as regras básicas, mas elas podem ser excepcionadas por outras regras, em se tratando de: consumidor (CDC), da mulher em caso de divórcio ou anulação de casamento, do alimentando, etc.

→ O art. 94 do CPC dispõe que, qdo se tratar de ação pessoal ou qdo se tratar de ação real mobiliária28, o foro competente é aquele do domicílio do réu. Essa é uma competência relativa, pois se relaciona ao foro (territorial), portanto pode ser prorrogada.

→ O art. 95 do CPC dispõe que, qdo se tratar de ação real i mo biliária, a competência é do foro da situação do imóvel (“FORUM REI SITAE”). Entretanto, esse artigo cria situações de foros concorrentes, onde o autor pode optar pelo foro

28 Observa-se que aqui se trata de bens móveis e não sobre bens imóveis. Avião e navio são bens móveis, mesmo podendo ser hipotecados. Logo, em ações cujo objeto seja avião ou navio, obedece-se a regra do art. 94 do CPC e não a regra de bens imóveis.

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de seu domicílio ou foro de eleição; mas, no seu fim, este artigo prevê 7 situações 29

em que o autor não pode optar, devendo propor a ação no foro do local da situação da coisa (logo, essas 7 hipóteses são de competência territorial absoluta30).

Copiar tabela do livro Código de Processo Civil Comentado de Nelson Nery, na parte de possessório, falando das ações possessórias e suas características, e estudar por ela para concurso.

OBS.: Ação publiciana (chamada tb de ação reivindicatória sem titulo) é a ação real pela qual se reivindica um bem de que se afirma ser proprietário, mas que não tem título de propriedade. Ex1: coisa herdada sem transcrição de formal de partilha no registro. Ex2: propriedade já adquirida pela usucapião, mas ainda não declarada em sentença.

8. Conflito de competência.

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE PARA O ESTUDO DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA (NO ITEM 8.2):

A Justiça Federal é dividida em 5 regiões (tem que decorar):

1ª região – o restante não compreendido as regiões abaixo.

2ª região – RJ e ES.

3ª região – SP e MS.

4ª região – estados do sul.

5º região – SE até CE, acompanhando o litoral.

8.1. Conceito – há conflito de competência sempre que dois ou mais juízos divergirem em torno da competência para julgar uma ou mais causas. Pode ser positivo (qdo ambos os juízos se afirmarem competentes) ou negativo (qdo ambos os juízos se afirmarem incompetentes).

O conflito é incidente processual que pode ser suscitado por qualquer das partes, pelo MP e pelos juízos conflitantes. Na prática, os próprios juízos suscitam o conflito.

Se o MP não suscitar o conflito, ele deve intervir necessariamente com seu parecer.

29 Essas 7 situações, que devem ser decoradas, ocorrem qdo se trata de litígio sobre: direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terra e nunciação de obra nova. Observar que enfiteuse e usufruto não estão nessas hipóteses.

30 Vê-se, portanto, que nem toda competência territorial é relativa.

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A parte não pode simultaneamente suscitar o conflito e alegar incompetência do juízo; pode até fazer isso em momentos distintos, mas nunca simultaneamente.

Não se pode falar em conflito de competência se já houver decisão com trânsito em julgado proferida por um dos juízos conflitantes (súmula 59 do STJ), assim como não se pode falar em conflito de competência se houver diferença hierárquica entre os órgãos teoricamente conflitantes31 (Ex1: não pode haver conflito de competência entre STF e qualquer outro órgão do país; Ex2: não há conflito entre STJ e qualquer outro Tribunal de Justiça; Ex3: não há conflito entre um Tribunal estadual e um de seus juízes; Ex4: pode haver conflito de competência entre Tribunais Superiores, pois não há hierarquia entre eles; Ex5: juiz pode conflitar com Tribunal, desde que este não seja um Tribunal ao qual o juiz esteja hierarquicamente submetido).

O conflito sempre será julgado por um Tribunal com hierarquia superior a todos os conflitantes. É, pois, incidente de competência original de Tribunal.

8.2. Competência para julgar conflito de competência.

No âmbito do processo civil, deve-se analisar a competência do STF, STJ e TRF/TJ para julgarem conflito de competência. Decorando-se a competência de 2 desses Tribunais, a competência do terceiro pode ser deduzida. O melhor é decorar a competência do STF e do TRF/TJ, deixando o residual para o STJ, pois a competência do STJ é mais extensa. Ocorrendo dúvida em questão de concurso, marcar como sendo competente o STJ, pois este tem competência quase infinita.

Competência do STF – só há uma: julga conflito de competência qdo houver Tribunal Superior em um dos lados.

Competência do TRF/TJ – só há uma: julga conflito entre juízes e somente se tais juízes forem vinculados ao próprio tribunal.

Todo o restante cabe ao STJ. Conflito entre juiz do trabalho e juiz estadual é julgado pelo STJ (art. 105, I, “d”, CF/88), pois TRT ou TST só julgará conflito sempre houver juízes ou Tribunais estritamente trabalhistas. O STF só julgara conflito de competência envolvendo Tribunal Superior, se tal Tribunal Superior estiver em um dos lados do conflito.

Conflito entre juiz estadual investido de jurisdição federal (que julga causas federais por delegação) e juiz federal será julgado por TRF, desde que ambos os juízes estejam vinculados ao mesmo TRF — é o que estabelece a súmula 3 do STJ. Vale ressaltar que, se o juiz federal e o juiz estadual estiverem vinculados a TRF’s diferentes, compete ao STJ dirimir o conflito (conforme art. 105, I, “d”, CF/88).

31 Ou seja, não há conflito de competência entre um Tribunal A e outro Tribunal B ou juízo hierarquicamente submetidos àquele Tribunal A, pois, nesse caso, prevalecerá a decisão de competência do Tribunal de hierarquia maior (A).

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A súmula 348 do STJ32 foi superada pelo STF (RE 590.409, que diz que, no conflito de competência entre juízo federal e juizado especial federal pertencentes ao mesmo TRF, quem julga é o TRF). Por coerência lógica, esse raciocínio do STF se aplica a casos envolvendo conflitos entre juizados estaduais e juízos estaduais, ou seja, nesses casos cabe ao TJ dirimir o conflito.

→ DIA 01/03/2010.

9. Conexão e continência.

Litispendência é a existência de 2 processos, idênticos entre si, tramitando, ou seja, é a pendência de 2 processos iguais. Por serem idênticos, eles possuem as mesmas partes, pedidos e causas de pedir (conforme §§ 1º e 2º do art. 301, CPC). A litispendência é causa de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267, V, CPC), devendo ser arguida pelo réu na própria contestação, em sede preliminar, por se tratar de uma defesa judicial peremptória (caput do art. 301, PC).

A palavra litispendência tb pode ser utilizada em outro sentido menos comum, que é a existência de um processo que ainda não chegou ao fim, ainda pendente de julgamento, mesmo que não exista outro processo igual . É nesse sentido que se diz que o recurso produz a litispendência, pois o recurso prorroga o fim do processo.

Nesse último sentido, caiu a seguinte pergunta no MPF: Quais os efeitos da litispendência em relação a terceiros?

Pode haver, no entanto, 2 processos distintos, mas que guardam entre si algum nível de vínculo, de semelhança, sem que sejam idênticos – trata-se da conexão.

Conexão é a uma relação de semelhança entre processos distintos 33, podendo a similitude está na causa de pedir, mas, como se verá mais abaixo, tb podendo haver semelhanças mesmo qdo as causas de pedir forem diferentes (nesse caso, haverá conexão qdo a solução de uma ação prejudicar a solução de outra ação). Observa-se, portanto, que pode haver conexão mesmo que eventualmente haja partes

32 Súmula 348 do STJ: compete ao STJ decidir os conflitos de competência entre juizado especial federal e juízo federal, ainda que na mesma seção judiciária. Essa súmula entendia que, como as decisões dos juizados devem ser reavaliadas pelas Turmas Recursais, de forma que não há hierarquia funcional entre o juizado federal e seu respectivo TRF, não poderia o TRF dirimir esse conflito, por não ter competência recursal perante juizado federal.

33 Logo, nota-se que litispendência e conexão são institutos diferentes. Litispendência é a existência de 2 processos idênticos tramitando. Já conexão é a existência de 2 processos semelhantes tramitando, mas distintos entre si.

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diferentes34. Se, entretanto, houver mesmos pedidos, mesmas causas de pedir e tb mesmas partes, será caso de litispendência e não de conexão.

O fenômeno da conexão é importante para o direito, pois o direito deve guardar um tratamento especial nesses casos.

Ao contrário da litispendência, a conexão não é causa de extinção de processo, pois não se trata de processos idênticos, mas, consoante art. 105 do CPC, de reunião entre eles, para que sejam julgados simultaneamente (salvo algumas situações excepcionais onde não há reunião, como em casos em que os processos pertençam a juízos com respectivas competências absolutas ou em ações repetitivas, dentre outros casos). Apesar de o aludido art. 105 dispor que o juiz pode reunir os processos, entende-se que, havendo conexão, possibilidade de reunião e possibilidade de decisões contraditórias (caso não haja a reunião), essa norma processual é cogente, de modo que o juiz deve reuni-los.

Como visto, a semelhança entre causas distinta produz no direito alguns efeitos, como a reunião das causas em um único juízo, que as processará e as julgará em um único julgamento35. O objetivo dessa reunião é a economia processual e para evitar decisões contraditórias, desarmônicas. Logo, havendo conexão, uma causa deve sair de um juízo e ir para o outro, mudando a competência, de forma a gerar uma competência nova no juízo onde as causas serão reunidas, enquanto o juízo de onde a causa saiu perderá a competência.

A competência que pode ser modificada pela conexão é a competência relativa, portanto a conexão jamais poderá mudar competência absoluta. Destarte, é correto dizer que na conexão a regra é da reunião de processos de juízos com competência relativa.

Qdo a conexão muda a competência de um juízo, essa nova competência passa a ser absoluta, ou seja, a conexão muda uma competência relativa para uma competência absoluta, de modo que a nova competência não pode ser prorrogada. Por isso, a alegação de incompetência relativa é diferente da alegação de conexão. Só o réu pode alegar incompetência relativa e no 1º momento de falar nos autos, através da exceção de incompetência. Já a conexão pode ser conhecida de ofício, pode ser tb alegada pelo autor (este inclusive pode pedir na Exordial a distribuição por dependência, em virtude da conexão) e deve ser alegada pelo réu dentro da contestação (e não por exceção de incompetência, pois não existe exceção de incompetência por conexão). Na conexão, a parte deverá dizer que o juiz, que era competente em um primeiro momento, perdeu a competência em virtude da conexão, de sorte que a causa deve ir para outro juízo.

34 Ex: causas repetitivas, cujas partes são distintas.

35 Deve-se observar, porém, que, em se tratando de competência absoluta, processos conexos não podem ser reunidos.

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Conexão é fato (é um vínculo de semelhança), cujos efeitos são, em regra, reunião e processamento simultâneo. A reunião, pois, não é conexão, mas efeito desta.

Entretanto, há casos de conexão que não gera reunião de processos, logo não gera processamento simultâneo: a) se as causas conexas estiverem em juízos distintos com competência material absoluta (ex: uma causa na vara cível e outra na vara penal), não se pode reunir, pois a conexão não pode mudar competência absoluta; b) outro exemplo de conexão sem reunião, inclusive conforme súmula 235 do STJ, é a situação de 2 processos onde uma das causas já foi julgada; c) ou onde uma causa já está em fase de recurso no momento em que a outra causa semelhante é ajuizada — nesse caso, há competência funcional distinta (é a chamada competência funcional vertical ou competência funcional em razão da hierarquia, que tb é competência absoluta).

Qdo há conexão, mas não há reunião, é conveniente que um dos processos seja suspenso à espera do julgamento do outro, para que não haja desarmonia no julgamento (art. 265, IV, “a”, CPC). Isso ocorre, afora outras hipóteses, em julgamentos de causas repetitivas no âmbito do RE e do REsp.

Os vínculos de semelhança causadores da conexão estão presentes no art. 103 do CPC (são: objeto ou a causa de pedir). Mas a doutrina entende que esse conceito legal, mesmo não estando errado, não é completo, pois há casos em que há conexão somente com a identidade da causa de pedir ou até mesmo qdo as causas de pedir são distintas.

O art. 104 conceitua continência, colocando-a como exemplo de conexão, pois para que haja continência é necessária a identidade da causa de pedir, e se isso ocorre já é caso de conexão. A continência, portanto, é uma conexão mais rigorosa (já que há pedido maior que abrange o menor), porém com os mesmos efeitos da conexão. Na continência, há identidade de partes (o que não é necessário que ocorra na conexão) e de causa de pedir, mas um pedido de uma demanda é mais amplo e abrange o pedido do outro processo (art. 104, CPC). Por esse motivo, pode-se dizer que esse art. 104 é inútil, já que a continência é prevista na conexão. Por isso, tudo o que foi visto de conexão se aplica à continência, de forma idêntica36.

O conceito de conexão do CPC é considerado um conceito mínimo de conexão, porque o que ele diz é conexão, mas há conexão em outros casos não previstos pelo CPC. Exemplos: a) numa ação de alimentos e noutra ação de investigação de paternidade, tais pedidos são diversos, com causas de pedir diversas, mas é caso típico de conexão, mesmo não previsto na letra do art. 103 do CPC; b) uma ação de despejo e uma ação de consignação de pagamento dos aluguéis do mesmo imóvel objeto do pedido de despejo possuem pedidos diversos, com causas de pedir diversas, mas é caso típico de conexão, mesmo não previsto na letra do art. 103 do

36 Para concurso, só basta saber o que fala o art. 104, pois o restante é igual na conexão.

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CPC. Observa-se, pois, que pode haver conexão mesmo que haja causas de pedir diversas.

Para saber qdo haverá conexão fora das hipóteses previstas pelo art. 103 do CPC, como ocorre nos 2 exemplos supra, basta observar se a solução de uma causa prejudica a solução da outra. Ocorrendo isso, haverá conexão — é a conexão por prejudicialidade.

As causas conexas serão reunidas no juízo prevento. A prevenção é o critério de escolha do juízo onde as causas deverão ser reunidas. O CPC prevê 2 regras de prevenção:

→ 1ª regra: prevenção do despacho inicial – através da qual, em se tratando de causas conexas que estiverem na mesma competência territorial (na mesma comarca), prevento é o juízo que primeiro despachou a inicial — art. 106 do CPC.

→ 2ª regra: prevenção da citação válida – através da qual, em se tratando de causas conexas que estiverem tramitando em comarcas distintas, prevento é o juízo onde primeiro se deu a citação válida — art. 219 do CPC.

Questão de concurso: Como compatibilizar o art. 106 com o art. 219 ambos do CPC? Resposta: vendo se as causas conexas estão na mesma comarca ou em comarcas diversas.

Conexão nas causas repetitivas:

Há uma espécie de ação chamada de ação repetitiva (ou demandas repetitivas, ou ações homogêneas, ou ações isomórficas). Essas ações são aquelas que guardam entre si a mesma tese a ser discutida, de forma que o 1º julgamento serve de modelo para os demais julgamentos (ex: causas de expurgos inflacionários; causas previdenciárias de mesmo pedido; ou quaisquer outras causas que só mudam as partes, sendo o objeto igual).

As causas repetitivas aumentaram bastante, pois novas pessoas que passaram a ter acesso ao mercado de consumo passaram tb a demandar o poder judiciário.

Tais causas repetitivas são indiscutivelmente um grande problema para o judiciário brasileiro, pois os réus apostam em julgamentos distintos em vez de mudarem a sua conduta.

Em virtude de tudo isso, o direito processual brasileiro teve que se moldar a essa nova conjuntura.

Uma dessas transformações se deu na conexão. Até pouco tempo atrás, o entendimento era de que as causas repetitivas não eram conexas entre si

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(logo não careciam de ser reunidas), pois era inviável reuni-las num só juízo. Todavia, com essa nova conjuntura, viu-se ai um novo modelo de conexão que produz outros efeitos além da reunião, pois, ao invés de se determinar a reunião, escolhe-se uma ou algumas causas que representam bem a controvérsia, paralisa-se as demais causas até que as causas que representam a controvérsia sejam julgadas para servirem como modelo para as demais. Essa suspensão de causas repetitivas atualmente só se aplica no âmbito dos recursos extraordinário ou especial37. Trata-se de forma racional de julgar causas repetitivas.

9.1- Resumo de conexão.

9.1.1. Causas em que há conexão.

- qdo há mesmo objeto ou mesma causa de pedir (art. 103, CPC). Aqui tb se incluem as causas repetitivas – são causas de partes diferentes, mas com causas de pedir iguais. A suspensão de causas repetitivas só ocorre em julgamentos de RE e REsp;

- na continência, que é espécie de conexão, porém naquela há mesmas partes, mesmas causas de pedir, mas o pedido de uma demanda é mais amplo e abrange o pedido da outra demanda;

- conexão por prejudicialidade – trata-se de outros exemplos fora do art. 103, CPC, desde que a solução de uma demanda prejudicar a solução da(s) outra(s) demanda(s). Ex1: ação de alimentos e ação de investigação de paternidade; Ex2: ação de despejo e uma ação de consignação de pagamento dos aluguéis do mesmo imóvel objeto do pedido de despejo. Nesses exemplos, há conexão, mesmo havendo pedidos diversos com causas de pedir diversas.

9.1.2. Conexões que não geram reunião de processos.

Nesses casos, sempre que possível um ou alguns processos devem ser suspensos à espera do julgamento de outro, para evitar julgamentos desarmônicos.

- causas conexas em juízos distintos, mas cujos juízos tenham competência absoluta (qualquer que seja a competência absoluta, podendo ser material, funcional, etc.);

- causas conexas, mas que uma delas já foi julgada. Aqui não tem como suspender um processo, pois o outro já foi julgado;

37 Pode haver suspensão de processos nos casos de conexão em circunstâncias que não sejam RE ou REsp, mas, qdo se tratar de causas repetitivas, só se aplica a suspensão no RE ou REsp.

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- causas conexas em que uma delas é ajuizada qdo a outra já está na fase de recurso. Trata-se, na verdade de competência absoluta funcional vertical, ou em razão da hierarquia;

- causas repetitivas – são causas de partes diferentes, mas de objetos iguais. A suspensão de causas repetitivas só ocorre em julgamentos de RE e REsp.

10. Competência da Justiça Federal.

Observar a importância da competência dessa justiça, pois não é prevista por lei infraconstitucional. Trata-se de competência prevista na CF/88, nos arts 108 e 109.

O art. 108 cuida da competência dos TRF’s e o art. 109 cuida das competências dos juízes federais.

O juiz estadual investido de jurisdição federal é autorizado pela CF para determinadas causas. Para que isso ocorra, deve-se observar 2 pressupostos cumulativos:

a) na localidade não deve haver sede da Justiça Federal;

b) deve haver autorização legislativa para a delegação da jurisdição federal de determinada causa. A legislação autorizadora pode ser a CF/88 (que, conforme § 3º do seu art. 109, previamente permitiu que causas previdenciárias e assistenciais contra o INSS podem ser ajuizadas perante o juízo estadual do foro do domicílio do segurado ou beneficiário) ou leis infraconstitucionais (consoante § 3º, in fine, do art. 109, CF, que autorizou a permissão legal para demais situações não previstas no próprio § 3º citado retro. Ex: lei da usucapião especial rural, ou da execução fiscal federal, ou da justificação perante ente federal, ou cumprimento de cartas precatórias federais, etc.).

Deve-se observar que, não obstante o juiz estadual possa exercer judicatura federal por delegação, os recursos contra as decisões dos juízos estaduais no exercício da jurisdição federal serão julgadas pelos TRF’s da área de jurisdição do juiz de 1º grau e não pelos TJ’s (§ 4º do art. 109, CF). Ademais, a criação de vara federal na comarca do juízo estadual faz com que tais causas sejam remetidas para a vara federal criada, modificando a perpetuação da competência, pois se trata de alteração superveniente de competência absoluta (art. 87, in fine, CPC), desde que o juízo estadual não tenha ainda proferido sentença.

A competência para ação civil pública não é caso permitido para juiz estadual se investir da competência federal. Logo, ação civil pública federal será sempre de competência exclusiva da Justiça Federal.

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O TFR (extinto Tribunal Federal de Recursos) era a 2ª instância de toda a Justiça Federal, de forma que os recursos de juízes federais não eram julgados por TRF’s. Com a extinção do TFR, as decisões de 2ª instância da justiça federal passaram a ser atribuição dos criados TRF’s.

O TFR, quando ainda existia, editou a súmula 216, que até hoje é aplicada pelo STJ. Essa súmula diz que o Mandado de Segurança impetrado contra ato de autoridade previdenciária deve ser processado e julgado obrigatoriamente pela Justiça Federal, ainda que tal autoridade previdenciária esteja localizada em comarca onde não haja vara da justiça federal, não cabendo, nesse caso específico, a permissão constitucional da delegação da jurisdição federal para juízes estaduais nas causas previdenciárias e assistenciais. Entretanto, este entendimento é bastante criticado pela doutrina, por obstar o acesso à Justiça.

A súmula 689 do STF estabelece que o jurisdicionado que mora no interior pode impetrar ações previdenciárias na Justiça Federal da capital, mesmo que na sua cidade haja sede da Justiça Federal. Como quem pode mais tb pode menos, quem mora na cidade do interior que não tenha sede da Justiça Federal tb pode ajuizar causas previdenciárias em vara federal da capital do seu estado.

10.1. Competência cível dos juízes federais (art. 109 da CF):

→ 10.1.1. Competência cível em razão da pessoa (incisos I, II e VIII).

a) Inciso I – União (e não União Federal), Empresa Pública Federal (Obs.: Sociedade de Economia Mista Federal cabe à Justiça Estadual) e Entidade Autárquica (essa deve ser entendida de forma genérica, abrangendo uma série de entes como Autarquia propriamente dita, Fundações Autárquicas, as Agências Reguladoras, os Conselhos de Fiscalização Profissional — CRM, OAB).

A simples presença do MPF não torna a causa de competência da Justiça Federal. Mas há doutrina e decisão do STJ (REsp 440.002) que entendem de forma contrária. Entretanto, é matéria ainda não sedimentada.

Consoante súmula 150 do STJ38, somente o juiz federal pode decidir se um ente federal pode figurar num processo conforme rol do inciso I. Destarte, o juiz estadual não pode fazê-lo, mesmo qdo investido de jurisdição federal. Logo, se tramita ação contra ente federal na justiça estadual, esta deve remeter os autos para que a justiça federal decida pela exclusão ou não do ente. Somente depois dessa decisão é que a justiça federal remeterá os autos de volta à justiça estadual. Caso o

38 Súmula 150 do STJ: compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interessejurídico que justifique a presença, no processo, da União, suasautarquias ou empresas publicas.

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juiz federal entenda pela exclusão do ente federal, o juiz estadual tem que acatar tal decisão (súmula 254 do STJ39) e excluir da ação o ente federal, continuando o processo sem o ente excluído, mas com os demais entes não excluídos. Dessa forma, não pode ser suscitado conflito de competência para essa decisão do juiz federal, pois o seu entendimento, nesse caso, é soberano (súmula 22440 do STJ).

São exceções ao inciso I do art. 109, mesmo sendo as partes os entes previstos no próprio inciso I:

- causas trabalhistas de natureza celetista são de competência da Justiça do Trabalho, mesmo que seja contra a Caixa Econômica ou BACEN, por exemplo;

- causas eleitorais são de competência da Justiça Eleitoral, mesmo figurando no processo entes previstos no aludido inciso I;

- causas de falência (em sentido amplo, como sendo falência empresarial, recuperação empresarial e solvência civil) são de competência da Justiça Estadual, mesmo havendo no processo partes ou interessados previstos no citado inciso I.

- causas relativas a acidente do trabalho, de natureza previdenciária, são de competência da Justiça Estadual, bem como as ações de revisão tocantes a este acidente do trabalho de natureza previdenciária. Um acidente pode ser dividido em acidente do trabalho e acidente de outra natureza (fora do ambiente de trabalho). O acidente de trabalho gera 2 direitos: a) a indenização (contra o empregador), que deve ser ajuizado na Justiça do Trabalho; b) a benefício previdenciário por acidente de trabalho (contra o INSS) que deve ser ajuizado sempre na Justiça Estadual (aqui não se trata de jurisdição federal delegada a juiz estadual, mas de competência propriamente dita da Justiça Estadual, portanto independe de haver vara federal no foro do domicílio do acidentado). Já o acidente de outra natureza (que não é acidente do trabalho), como um acidente de trânsito, por exemplo, pode ter natureza indenizatória ou previdenciária (este último seria caso de auxílio doença). Se for de natureza indenizatória (contra o responsável pelo acidente),

39 Súmula 254 do STJ: A decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual entefederal não pode ser reexaminada no Juízo Estadual.

40 Súmula 224 do STJ: Excluído do feito o ente federal, cuja presença levará o JuizEstadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal restituir osautos e não suscitar conflito.

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pode ser proposta na Justiça Federal (se o causador for ente federal previsto no inciso I) ou na Justiça Estadual (se o causador for distinto daqueles do inciso I); se for de natureza previdenciária (contra o INSS, como no caso do auxilio doença) deve ser ajuizado na Justiça Federal (ou na Justiça Estadual, desde que no exercício da jurisdição federal por delegação).

b) inciso II – nesse caso, são partes: município ou pessoa domiciliada ou residente no Brasil X Estado estrangeiro ou organismo internacional. A peculiaridade desse inciso é que os recursos contra decisões das causas previstas nele são de competência direta do STJ e não do TRF. No direito internacional há um princípio de imunidade de jurisdição, ou seja, um Estado soberano é imune à jurisdição de outro Estado, mas esse princípio foi mitigado para casos onde o Estado não atue como ente soberano, mas como ente privado (ex: se os EUA alugam uma casa de uma pessoa natural domiciliada no Brasil e não pagam o aluguel, a ação de despejo pode ser ajuizada contra o EUA e será julgada pela Justiça Federal).

c) Inciso VIII – autoridade federal para esse inciso é designação genérica, sendo não só autoridade que faz parte do funcionalismo federal, mas tb autoridades privadas no exercício de funções federais (ex: autoridades de instituições de ensino superior privadas41).

→ 10.1.2. Em razão da matéria (incisos III, V-a, X in fine e XI).

a) inciso III – nesse caso é irrelevante saber quem são as pessoas, devendo-se apurar a matéria (ex: o caso de guarda do garoto Sean compete à Justiça Federal, mesmo que o litígio se deu entre sua avó e seu pai, pois o assunto é regulado por tratado de seqüestro internacional de crianças; ou ação de alimentos internacionais, como num caso em que uma pessoa estrangeira demanda alimentos contra pessoa residente no Brasil, pois tal assunto é regulado por tratado). É preciso que a causa se funde exclusivamente em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (ex: ONU), não podendo haver norma de direito interno a regrar o assunto.

b) inciso V-a – é caso peculiar de competência da Justiça Federal, em causas relativas a direitos humanos (podendo se dá no âmbito penal ou cível), pois é condicionado a pedido exclusivo do Procurador Geral da República e posterior decisão do STJ qto ao deslocamento para a Justiça Federal. Convém ressaltar que quem julga o mérito é um juiz federal, sendo que o STJ somente irá decidir, deferindo ou não, o

41 Obs.: se for instituição de ensino superior público estadual, a competência é da Justiça Estadual.

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deslocamento da Justiça Estadual para a Federal. Quando o STJ julgou o primeiro pedido atinente a esse inciso, ele disse que a competência só poderia se deslocar para a Justiça Federal se fosse comprovada a ineficiência das autoridades estaduais, pois de outra forma não se justificaria o deslocamento da competência.

c) inciso X, fine – trata-se da competência do juiz federal para processar e julgar causas referentes à nacionalidade (inclusive a respectiva opção) e à naturalização.

d) inciso XI – refere-se a causas coletivas que se atém aos direitos dos índios e não de um índio individualmente, conforme sumula 140 do STJ.

→ 10.1.3. Em razão da função (inciso X, segunda parte, onde fala sobre a competência do juiz federal para processar e julgar ‘a execução de carta rogatória, após o "exequatur” 42, e de sentença estrangeira, após a homologação’) – essa competência independentemente da matéria ou das pessoas, pois à justiça federal foram atribuídas essas funções executórias. Por fim, vale ressaltar que a EC 45 retirou do STF e atribuiu ao STJ a competência para a exequatur da carta rogatória e tb para a homologação de sentença estrangeira.

→ DIA 03/03/2010.

10.2. Competência cível dos TRF’s (art. 108 da CF):

→ O inciso I, alíneas b, c e “e”, do art 108, CF, cuidam da competência originária dos TRF’s:

a) inciso b – todo Tribunal tem competência para processar e julgar ações rescisórias de suas próprias decisões (de forma que um Tribunal não pode rescindir decisões de outro Tribunal), bem como das decisões dos juízes de sua jurisdição. Ainda na alínea b, onde se lê juízes federais, pode-se ler juízes estaduais investidos de jurisdição federal;

42 Exequatur é a permissão dada pelo Tribunal de um país para a execução dentro do seu território nacional de um pedido ou decisão proferida por um Estado estrangeiro. O exequatur (permissão) é da competência do STJ, mas a execução da carta rogatória é da competência de um juiz federal. Ou seja, um juiz federal não pode atender (executar) um pedido (carta rogatória) da Justiça estrangeira sem que o STJ dê a permissão (exequatur).

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b) inciso c – sempre quem processa um mandado de segurança contra ato de um Tribunal é o próprio Tribunal. Tb na alínea c, onde se lê juízes federais, pode-se ler juízes estaduais investidos de jurisdição federal;

c) inciso “e” – no caso do inciso “e”, deve-se tb incluir juízes estaduais investidos de competência federal.

→ O inciso II do art. 108, CF, cuida da competência derivada dos TRF’s: competência para julgar recursos de decisões de juízes federais e de juízes estaduais investidos de jurisdição federal.

MODELOS DE PROCESSO.

1. Modelos tradicionais de processo: dispositivo e inquisitivo.

Tradicionalmente, a doutrina em todo o mundo classifica o processo segundo dois modelos:

- a) Acusatório/dispositivo/adversarial – nesse caso, o protagonismo do processo cabe às partes; protagonismo este que se estende do início do processo aos seus atos (produção de provas, etc.). Aqui, ao juiz cabe praticamente fiscalizar o processo e decidir.

- b) Inquisitivo/inquisitorial – o protagonismo é do juiz, de sorte que a ele é dado muitos poderes.

Dessa divisão clássica, surgiram 2 princípios do processo: o princípio dispositivo e o princípio inquisitivo. Esses princípios não são tidos como norma, mas como orientação.

Sempre que o legislador deixa às partes o encargo do processo, fala-se que o legislador seguiu o princípio do dispositivo. Mas, sempre que ele conferir poder ao juiz para interferir no processo, fala-se que o legislador seguiu o princípio inquisitivo. Porém, vale observar que não há processo puramente dispositivo ou puramente inquisitivo; o que pode haver é a preponderância de um desses princípios.

O processo civil começa por provocação das partes (dispositivo), mas o juiz tem o poder de produzir prova de ofício (inquisitivo). Ademais, o juiz só pode decidir o que foi pedido pelas partes (dispositivo). Vê-se, portanto, que o início da demanda e o objeto da demanda (alcance da demanda) dependerão sempre das partes (dispositivo).

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É erro grande e ultrapassado dizer que o processo civil é dispositivo e que o processo penal é inquisitivo. Tb não se deve dizer que no common law há processo dispositivo e no civil law há processo inquisitivo.

2. O 3º novo modelo processual: cooperativo.

Atualmente, já se fala na existência de um terceiro modelo, que é o processo cooperativo, no qual a condução do processo não é nem dispositiva e nem inquisitiva, mas sim cooperativo entre os sujeitos do processo. Nesse caso, não há protagonistas, de forma que as partes e juiz, fundados na boa-fé, trabalham de forma cooperativa, em harmonia, para a mais justa composição do litígio. Por isso, no processo cooperativo não há assimetria entre juiz e partes na condução do processo, de modo que o juiz só se destaca no momento da decisão.

A repercussão prática dessa simetria entre juiz e partes é que o princípio da cooperação gera deveres para o juiz. Tal dever de cooperação (para partes e juiz) é imposto pelo princípio da boa-fé e do devido processo legal.

Os deveres que o princípio da cooperação gera para o juiz são:

a) dever de esclarecimento – através do qual, numa relação cooperativa, preciso é deixarem claras as manifestações, bem como deve o juiz pedir esclarecimentos para a parte, em vez de denegar o pedido porque não o entendeu. Ou seja, o juiz deve esclarecer suas manifestações, bem como deve pedir esclarecimento das manifestações das partes.

b) dever de prevenção ou proteção – pelo qual o juiz, se constatar a existência de um defeito processual, tem o dever de indicar o defeito e apontar a solução. O próprio STJ já decidiu que não é possível indeferir uma petição inicial sem dar a possibilidade de a parte emendá-la.

c) dever de consulta – pelo qual o juiz deve consultar as partes acerca de qualquer ponto de fato ou de direito relevante para o julgamento da causa que ainda não tenha sido posto em contraditório. Ex: se o juiz observar no processo a existência de uma inconstitucionalidade que pode fulminar um direito, ainda que não alegada por nenhuma das partes, deve ele dar oportunidade para que as partes se manifestem sobre essa suposta inconstitucionalidade observada pelo juiz, pois daí pode surgir um novo fato não observado pelo magistrado – nesse caso, sobre essa suposta inconstitucionalidade, houve exercício do contraditório.

TEORIA DA AÇÃO.

1. Conceito de ação.

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A palavra ação na linguagem processual assume várias acepções. Dentre outras, há:

1.1. Acepção de ação como direito de ação – corresponde ao direito de acesso à Justiça, ou seja, o direito de provocar a atividade jurisdicional sobre qualquer problema, sem restrição de tema. Logo, é direito processual abstrato43, de ir ao judiciário alegando qualquer coisa. Esse direito de ação é um direito fundamental, constitucional (art. 5º, XXXV, CF/88).

A ação, nessa acepção, é direito autônomo, pois é direito distinto do direito afirmado em juízo, já que, enquanto o direito de ação é direito processual, o direito afirmado em juízo é direito material. Ex: se uma pessoa almeja ir ao judiciário reclamar uma indenização, ela tem o direito de ação e tb o direito à indenização (obs.: sendo que este último necessita ser confirmado pela jurisdição, ao passo que o direito de ação é um direito que não precisa ser confirmado, pois ele já existe pelo simples fato de seu postulante ser pessoa de direito).

Essa acepção já foi estudada pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição e não é objeto da teoria da ação.

1.2. Acepção do termo ação em sentido material – nessa acepção, ação é igual a direito44, ou seja, é um bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico, é uma situação jurídica ativa material45.

Observa-se que, enquanto nessa acepção a palavra ação é um direito enquanto gênero (qualquer direito), na acepção anterior ação corresponde a um direito específico (ou seja, ao direito de acesso à Justiça).

Essa acepção tb não é objeto da teoria da ação.

1.3. Acepção processual da palavra ação – ação, nesse caso, é o ato46 de provocar a atividade jurisdicional, ou seja, é o exercício do direito de ir a juízo (aqui, ação é o exercício do direito de ação, sendo este direito de ação aquele visto no item 1.2).

Importante é distinguir o direito de ir ao judiciário da ida ao judiciário. A ação, nessa acepção processual, é o exercício da ação na acepção anteriormente definida (no item 1.1). Quando se exercita o ato de provocar a jurisdição (acepção 1.3), se afirma o direito (ação na acepção 1.2 retro).

43 Pois pode até não ser concretamente exercido pelo jurisdicionado, mas está à sua disposição.

44 Direito material propriamente dito. Por isso, nesse caso, a palavra ação substitui a palavra direito — Ex: “A tem direito de regresso contra B” é igual a dizer que “A tem ação de regresso contra B” (direito e ação são sinônimos). No CC, o art. 195 expressa essa acepção.

45 E não processual como na acepção anterior.

46 Nas acepções 1.1 e 1.2, ação é direito e não ato.

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Este ato de acionar o judiciário é chamado de demanda e é sempre concreto, pois só se concebe após a afirmação de algo perante o judiciário. Já a ação como um direito de acesso à Justiça é sempre abstrata. A demanda inicia o processo perante o judiciário. Como a demanda é ato, ela tem suas condições.

Pode-se deduzir que: a ação na acepção 1.1 é direito processual abstrato; a ação na acepção 1.2 é direito material; e a ação na acepção 1.3 é direito processual concreto.

Essa acepção de ação como demanda é o objeto do estudo da teoria da ação.

A maioria dos livros conceitua ação na acepção de “direito de ação” (1.1) como sendo a ação objeto do estudo da teoria da ação, ou seja, classifica a ação como direito (1.1) para depois estudá-la como demanda (acepção 1.3) — o que é errado. A ação que deve ser estudada como demanda é a ação na acepção processual, ou seja, o ato, o exercício de provocar a jurisdição.

2. Relação entre elementos da ação, elementos da relação jurídica e condições da ação.

Em toda demanda afirma-se pelo menos um direito e, por conseguinte, afirma-se pelo menos uma relação jurídica47. Por isso, pode-se dizer que em toda demanda há, ao menos, a afirmação de uma relação jurídica litigiosa.

Os 3 elementos de uma relação jurídica são sujeitos, objeto e fato, pois o fato vincula o sujeito em torno de um objeto.

Por este motivo a parte geral do CC é dividida em 3 partes: pessoas, bens e fato jurídico. Tb pelo mesmo motivo, são elementos da ação as partes, pedido e causa de pedir. Tb não é outro o motivo de existirem 3 condições da ação: legitimidade das partes, possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir (que é condição da ação relacionada à causa de pedir). Pela mesma razão, o critério objetivo de distribuição da competência é dividido em competência em razão da pessoa, em razão do valor e em razão da matéria.

Elementos de uma relação

jurídica:

Divisão da parte geral

do CC:

Elementos da ação ou

elementos da demanda:

Condições da ação:

Sub-critérios objetivos de distribuição

da competência:

Sujeito Pessoas Partes Legitimidade Competência

47 Relação jurídica é o direito que se alega ter. A relação jurídica é formada por partes, objeto e fato.

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das partes em razão da pessoa

Objeto Bens Pedido Possibilidade jurídica do

pedido

Competência em razão do

valor

Fato Faro jurídico Causa de pedir

Interesse de agir

Competência em razão da

matéria

3. Elementos da ação.

São três:

3.1. Parte.

Parte é o sujeito parcial do processo. A parte pode ser a parte da demanda — tb chamada de parte principal (é a pessoa que formula um pedido ou contra quem se formula um pedido) —, mas tb pode ser a parte auxiliar (que é o assistente). Ademais, existe sujeito que só é parte qdo há incidente em um determinado processo (Ex: o juiz em regra não é parte, mas qdo se argüi sua suspeição, ele passa a ser parte somente deste incidente de suspeição).

Parte do processo não é a mesma coisa da parte do litígio, pois às vezes a parte do processo pode não ser a parte do conflito (Ex: o MP que atua em defesa de incapaz é parte do processo, enquanto o incapaz é parte do litígio).

Parte complexa, segundo a doutrina, é aquela que ocorre sempre qdo no processo estiver um representante e um representado (ex: mãe e filho incapaz num processo). Ambos formam a mesma parte, mas, a esse conjunto que age no processo, chama-se de parte complexa — que na verdade é a parte formada por dois sujeitos.

Parte ilegítima é parte, mesmo estando ela no processo qdo não poderia ter estado. Tanto é parte que ela própria pode alegar sua ilegitimidade.

3.2. Pedido (será estudado mais à frente, qdo se for estudar petição inicial).

3.3. Causa de pedir.

Quadro esquemático para estudar a causa de pedir:

Direitos2. HIPÓTESE NORMATIVA.

1. FATO.

3. FATO JURÍDICO. 4. RELAÇÃO JURÍDICA. 5. DEMANDA

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LINHA DO TEMPO Deveres

Um fato da vida acontece (1). Sobre este fato, incide uma hipótese normativa (2) que o torna um fato jurídico (3), ou seja, que o torna relevante para o direito. Do fato jurídico, surge a relação jurídica48 (4), que é o direito que se alega ter (ex: o direito à herança, ou o direito de receber um bem, ou o direito de exigir que outra pessoa não construa um muro, etc.). Dentro da relação jurídica existem os direitos e os deveres, aos quais as partes têm que se submeter. A demanda (5) só surgirá depois de formada a relação jurídica, ou seja, depois que houver um fato que vincule as partes em torno de um objeto. Vale observar que demanda não é sinônimo de processo; demanda é o fato gerador do processo, pois se ajuíza primeiro a demanda (através da petição inicial) e depois esta fará nascer o processo.

A causa de pedir é o fato jurídico + relação jurídica49. Isso ocorre por que, para se analisar ou formular a causa de pedir, deve-se conhecer o fato jurídico e tb o direito que se alegar ter (relação jurídica).

A hipótese normativa é Direito (com letra maiúscula, no sentido de norma). A relação jurídica é direito (com letra minúscula, no sentido de direito que se afirma ter, do bem jurídico a ser tutelado pelo Estado).

Fundamento jurídico do pedido (que é = a relação jurídica) não é hipótese normativa (lei), mas sim o direito (com letra minúscula) que se alega, pedindo que o Estado tutele. Fundamento legal não é causa de pedir, inclusive por que o autor não precisa informar o dispositivo de lei (pois é dado ao juiz conhecê-lo), mas deve informar o fundamento jurídico (o direito que se afirma ter).

●Ex1: Numa ação de responsabilidade civil por acidente de trânsito, o fato jurídico é o acidente de trânsito que causou dano a alguém de modo culposo; a relação jurídica é o direito de ser indenizado; e a demanda (ou pedido) é a indenização.

●Ex2: Numa ação de anulação de contrato por erro, o fato jurídico é o erro na celebração do contrato; a relação jurídica é o direito de anular o contrato; e a demanda é o pedido de anulação.

●Ex3: Numa ADIN afirmando que a lei X é inconstitucional, o fato jurídico é a inconstitucionalidade da lei X; a relação jurídica é o direito difuso de invalidar a lei inconstitucional; e a demanda é a decretação da lei como inconstitucional.

48 Que é formada por partes, objeto e fato.

49 Relação jurídica é o fundamento jurídico do pedido, ou seja, é o direito que se afirma ter.

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●Ex4: Numa ação de alimentos, o fato jurídico é a necessidade de alimentos de A e a condição de pagar de B; a relação jurídica é o direito de receber alimentos; e a demanda é o pedido de prestação de alimentos.

Causa de pedir = causa de pedir remota + causa de pedir próxima (que, no quadro esquemático acima, é igual a fato jurídico mais relação jurídica – não necessariamente nessa ordem). Para saber o que é causa de pedir remota e próxima, deve-se saber se ela é remota ou próxima a quê? No quadro acima, tendo como referência a demanda, a causa de pedir remota é o fato jurídico e a causa de pedir próxima é o direito (relação jurídica). Um único autor, Nelson Nery, inverte essa relação.

A doutrina afirma que o CPC, ao exigir que o autor indique na petição inicial os fatos e os fundamentos jurídicos dos pedidos (art. 282, III, CPC), adotou a teoria da substanciação da causa de pedir. Pela teoria da substanciação, o conteúdo da causa de pedir é formado por fato jurídico + fundamento jurídico do pedido. Dessa forma, para que uma causa de pedir seja igual a outra causa de pedir, os fatos jurídicos de ambas têm que ser idênticos, assim como a relação jurídica (direito que se alega ter) de ambas tb devem ser idênticas. Portanto, havendo diferenças entre 2 demandas no tocante aos fatos jurídicos ou ao fundamento jurídico, então essas demandas então não são iguais.

Exemplo:

Processo 1 - uma ação de anulação de contrato por erro.

Processo 2 – uma ação de anulação de contrato por dolo.

Esses 2 processos não têm a mesma causa de pedir, pois o fato jurídico de um é o dolo e do outro é o erro (portanto, as causas de pedir remotas são distintas), apesar de as causas de pedir próximas serem idênticas (a relação jurídica de ambos é o direito de anular).

O importante de se conhecer a teoria da substanciação da causa de pedir incide em identificar se em 2 demandas distintas há ou não litispendência ou coisa julgada. Nesses dois exemplos supra, não haverá litispendência e nem coisa julgada, pois a causa de pedir remota é diferente entre ambos.

A teoria que se contrapõe à substanciação é a teoria da individualização da causa de pedir. De acordo com essa teoria, a causa de pedir é formada apenas pelo fundamento jurídico do pedido, ou seja, é apenas o direito que se afirma ter. Destarte, para essa teoria, os fatos jurídicos são irrelevantes. Se o CPC tivesse

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adotado a teoria da individualização, no exemplo acima as causas jurídicas seriam iguais, pois o direito afirmado nos 2 processos é o mesmo (direito de anular).

Subdivisão da causa de pedir remota .

A causa de pedir remota se divide em ativa e passiva50.

A causa de pedir remota ativa é o fato-título (é o fato gerador do direito). Já a causa de pedir remota passiva é o fato que impulsiona a ida ao judiciário.

Exemplo cobrado em concurso: na ação de resolução do contrato por inadimplemento, o fato jurídico é o inadimplemento do contrato; a relação jurídica é o direito de resolver o contrato; e a demanda é o pedido de resolução.

A causa de pedir remota (que é o fato jurídico, que no exemplo é o inadimplemento do contrato) se subdivide em:

- causa de pedir remota ativa – é o contrato (fato-título, pois é o fato que gerou o direito);

- causa de pedir remota passiva – é o inadimplemento (que impulsiona o credor a ir ao judiciário).

Por isso se diz que para examinar o interesse de agir se analisa a causa de pedir remota passiva (pois é ela que impulsiona o sujeito a ir ao judiciário). No exemplo retro, para saber se há interesse de agir, deve-se observar se houve inadimplemento.

4. Classificação das ações (ou das demandas).

4.1. Segundo a natureza da relação jurídica discutida (natureza do direito que se alega ter):

→ 4.1.1. Ações reais – são ações cuja causa de pedir próxima (direito – fundamentação jurídica do pedido) é um direito real.

→ 4.1.2. Ações pessoais – são ações cuja causa de pedir próxima (direito – fundamentação jurídica do pedido) é um direito pessoal.

OBS.: Não confundir ações reais e pessoais com ação reipersecutória. Ação reipersecutória é aquela pela qual se persegue alguma coisa51, se busca a entrega

50 Observar que causa de pedir ativa e passiva só ocorre em causa de pedir remota (pois é subdivisão desta), e nunca causa de pedir próxima.

51 Reipersecutória: rei (coisa); persecutória (perseguir).

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de alguma coisa. A ação reipersecutória pode ser real ou pessoal (Ex: a ação reivindicatória e a ação de reintegração de posse são ações reipersecutórias reais; a ação de despejo é uma ação reipersecutória pessoal).

É o pedido que torna a ação reipersecutória e não a natureza as relação jurídica discutida. Ex1: a ação de reintegração de posse é uma ação reipersecutória real, pois o pedido é para a entrega/restituição da posse e a natureza da relação jurídica discutida é real. Ex2: a ação de despejo é uma ação reipersecutória pessoal, pois o pedido é para que uma pessoa entregue/desocupe um imóvel e a natureza da relação jurídica discutida é pessoal.

4.2. Segundo o objeto do pedido mediato.

→ 4.2.1. Ações mobiliárias – o objeto é um bem móvel.

→ 4.2.2. Ações imobiliárias – o objeto é um bem imóvel.

4.3. Ações necessárias.

São aquelas em cuja causa de pedir próxima há a afirmação de um direito que somente pode ser exercitado em juízo. Por isso, as ações necessárias são sempre constitutivas (pois só o juízo pode criar, extinguir ou modificar a relação jurídica das ações necessárias). Ex: ações anulatórias, de falência, rescisória, resolução do contrato, etc.

Quando a ação é necessária, não se discute interesse de agir, pois só se pode exigir o direito em juízo (não se discute a necessidade de ir ao judiciário, que é óbvia, bastando só ver se o fato alegado existiu para que a ação seja procedente).

A maior parte das ações de jurisdição voluntária é necessária, pois a maioria dessas ações é constitutiva.

4.4. Ações dúplices.

Possuem duas acepções:

● a) na acepção processual, a ação é dúplice sempre que o réu puder52 formular uma demanda contra o autor dentro da sua contestação. Ex: nos juizados especiais e procedimentos sumários, o réu pode, na contestação, se defender e contra-atacar.

Nessa acepção, ação dúplice se confunde com pedido contraposto. O réu pode contestar, mas, se quiser, pode contra-atacar; entretanto, pode não contra-atacar (se não contra-atacar, a contestação será somente uma defesa).

52 Nessa acepção processual, o réu pode formular uma demanda contra o autor, mas não o faz necessariamente.

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● b) na acepção material, a ação é dúplice quando a simples defesa do réu já é, necessariamente, um contra-ataque. Ex1: oferta de alimentos (se o alimentando contesta esta ação dizendo que cabe valor maior que o oferecido, ele nega o direito do autor e já afirma o direito seu); Ex2: consignação em pagamento (o devedor oferece um valor, mas o credor se defende dizendo que lhe cabe valor maior); Ex3: uma ADIN (onde a defesa de que a lei é constitucional já é um contra-ataque ao pedido de inconstitucionalidade).

Toda ação meramente declaratória é dúplice na acepção material do termo, pois, se o autor pede para se declarar a verdade de sua afirmação, sempre que o réu se defender, esta defesa necessariamente é de que a afirmação do autor é falsa (declaração contrária).

Obs.: as ações possessórias são dúplices nos sentidos material e processual. No sentido material, as possessórias são dúplices porque negar a ação possessória é afirmar a própria posse. Qdo o réu, na possessória, pede indenização na contestação, há ação dúplice em sentido processual (pois essa demanda contra o autor é facultativa).

→ DIA 09/03/2010.

4.5. Classificação das ações de conhecimento.

Noções iniciais:

De acordo com o tipo de tutela que se quer ter do judiciário, as ações são divididas em: ação de conhecimento (serve para formar o reconhecimento de um direito); ação de execução (serve para efetivar um direito já reconhecido); e ação cautelar (serve para proteger um direito). Obs.: convém ressaltar que o intuito desse tópico 4.5 é classificar especificamente as ações de conhecimento.

Antigamente, cada ação tinha um único objetivo: ou ela servia para formar o reconhecimento de um direito (ação de conhecimento); ou para efetivar o direito (ação de execução) ou para proteger um direito (ação cautelar).

Mas, atualmente, uma só ação passou a incorporar esses vários objetivos, são as ações sincréticas. Ação sincrética é aquela que alberga diversos tipos de tutela (reconhece um direito, executa-o e o protege, simultaneamente). Esse tipo de ação é uma realidade já efetivada no direito brasileiro. Por isso é incorreto dizer que só há execução no processo de execução, já que pode haver execução no

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processo de conhecimento (ações sincréticas).

Como será visto abaixo, a classificação das ações de conhecimento mais aceita pela doutrina brasileira é a classificação ternária (que classifica em ações de conhecimento em ação declaratória, ação condenatória e ação constitutiva, sendo que as ações mandamentais e executivas em sentido amplo53 são espécies do gênero condenatória).

Mas, como tb será visto mais abaixo, há a classificação quaternária (que divide as ações de conhecimento em 4 grupos: constitutiva, declaratória, mandamental e executiva) e a classificação quinária (que divide as ações de conhecimento em 5 grupos: condenatória, constitutiva, declaratória, mandamentais e executivas). As classificações quaternária e quinária são menos aceitas na doutrina brasileira.

Os direitos se dividem em 2 grandes grupos: direitos a uma prestação (objetos da ações de prestação — que são condenatórias) e direitos potestativos (objetos das ações constitutivas). As ações declaratórias só servem para confirmar, declarar uma relação jurídica (e não um fato).

→ 4.5.1. Ações de prestação (para assegurar direitos a uma prestação).

Os direitos a uma prestação são direitos que consistem um poder de exigir (pretensão) o cumprimento de uma prestação. A prestação é sempre uma conduta, que só pode ser de 4 tipos: fazer, não fazer, dar dinheiro ou dar coisa diferente de dinheiro.

Nos direitos a uma prestação, para que o direito se efetive, preciso é que a conduta se realize.

Qdo se vai ao judiciário pedindo a tutela ao direito de cumprimento de uma prestação, a parte vale-se de uma ação de prestação.

As obrigações são direitos a uma prestação. Mas há outros direitos que tb são de prestação, mas não são obrigacionais, como os direitos reais. Logo, todo

53 Essa execução latu sensu corresponde à execução no bojo da ação de conhecimento condenatória, mas há execução strictu sensu (que é aquela ação de execução propriamente dita). A ação condenatória é uma das espécies da ação de conhecimento, sendo que a ação condenatória, no processo sincrético, além de conhecer o direito à prestação devida, pode executá-la diretamente (através da execução em sentido amplo – qdo o Estado faz com que a obrigação seja cumprida independentemente da participação do devedor, ex: penhora e adjudicação) ou executá-la indiretamente (através da ação mandamental – qdo o Estado força o devedor para que este cumpra a obrigação, ex: multa sancionatória). Nota-se que a execução acima descrita é uma subespécie da ação condenatória, que, por sua vez, é espécie da ação de conhecimento. Mas também há a ação de execução autônoma (executiva em sentido estrito), que, juntamente com a ação cautelar autônoma, está fora da ação de conhecimento.

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direito obrigacional é direito a uma prestação, mas nem todo direito a prestação é direito obrigacional (como direitos reais).

Os direitos a uma prestação são os únicos direitos que podem ser lesados ou inadimplidos54. Lesar ou inadimplir é não cumprir a prestação devida . Só se pode falar em inadimplemento qdo se tratar de direitos a uma prestação. Somente direitos a uma prestação é que prescrevem, pois só eles é que cria no sujeito uma pretensão55 (art. 189, CC/02 — só direitos a prestação podem ser violados, surgindo, a partir dessa violação, a pretensão, que se extingue por prescrição).

Os direitos à prestação exigem uma realização material, pois eles somente se efetivam se a conduta devida for cumprida (se a conduta não for cumprida, o direito não se efetiva). A conduta é sempre algo material, físico, que ocorre no mundo físico. O nome técnico dessa realização material é execução.

Executar é realizar uma prestação. A execução pode ser voluntária ou forçada. Só se pode falar em execução qdo há uma prestação, pois executar é fazer cumprir uma prestação devida. Tanto é assim que o livro do CPC que cuida da execução se divide em execução de fazer, de não fazer, de dar dinheiro e de dar coisa que não é dinheiro (são justamente os tipos de prestação). Pelo mesmo motivo, o art. 189 do CC/02 diz que só se pode executar se houver inadimplemento; e o art. 617 do CPC fala da prescrição na execução.

A execução pode se dá de 2 maneiras: pode ser objeto de um processo autônomo de execução (processo instaurado só para executar, ex: execução de titulo extra-judicial); ou pode ser uma fase de um processo sincrético56, ocorrendo dentro de um processo que tb serve para executar, mas não só para executar (ex: processo de reconhecimento do direito à prestação + execução). Em ambas as hipóteses, há processo de execução, mas na primeira há processo autônomo, exclusivo de execução (ou execução em sentido estrito); enquanto na segunda, é processo tb de execução, mas não só de execução (execução em sentido amplo).

Diferença entre execução direta e execução indireta:

54 Não tem como inadimplir a existência de um direito (objeto da ação declaratória), pois aqui não se trata de uma prestação devida; bem como não tem como inadimplir um direito potestativo (objeto da ação constitutiva), pois nestes o seu titular pode invadir a órbita alheia fazendo valer a sua vantagem jurídica, sem que seja necessário o cumprimento da prestação.

55 Observar que a prescrição extingue a pretensão, enquanto a decadência extingue o direito potestativo. Já a ação declaratória de existência de um direito é imprescritível.

56 A doutrina dizia que as sentenças no processo sincrético de execução possuem “força executiva própria”, por poderem executar, efetivar seus efeitos, no bojo do próprio processo onde foram proferidas.

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Há execução direta qdo o Estado faz com que a obrigação seja cumprida independentemente da participação do devedor – aplica-se em regra a prestações fungíveis. Nesse caso, o Estado ignora o devedor e realiza a prestação no lugar dele, substituindo-o (o Estado, portanto, executa diretamente). Por causa dessa substituição, há quem chame a execução direta de execução por sub-rogação. Ex: o Estado penhora e vende bens do devedor; o Estado demole um muro que o devedor deveria ter derrubado; o Estado toma uma coisa que o devedor não devolveu. Observa-se que essa execução é ostensiva.

Há execução indireta qdo o Estado força o devedor, pressiona-o, para que ele cumpra a prestação devida (o Estado, portanto, executa indiretamente) – aplica-se em regra a prestações infungíveis. Nota-se que nesse caso o Estado não realiza a prestação, mas força psicologicamente o devedor para que a cumpra, ou pelo medo (ex1: se não pagar a prestação, haverá multa; ex2: prisão civil em caso de descumprimento de prestação alimentar) ou pelo estímulo57 (ex: pagando uma prestação até o dia X, tem abatimento ou isenção de custas e honorários). Como é uma execução psicológica, ela é mais camuflada, podendo ser despercebida. A execução indireta, em regra, é mais barata, pois ela não precisa de nenhum ato físico, material do Estado, só do temor.

Ações condenatórias.

Evolução histórica da classificação da ação condenatória:

→ 1º momento.

Em 1973, ano de início da vigência do CPC, as ações de prestação eram, em regra, puras ações de conhecimento (a parte tinha que provocar o judiciário, em uma primeira fase, para se obter, no máximo, o reconhecimento da existência do direito à prestação). Se se quisesse executar o direito já reconhecido, dever-se-ia voltar ao judiciário, em uma 2ª fase, para propor outra ação com o objetivo de efetivar o direito reconhecido pela ação de conhecimento. A execução, portanto, em regra, ocorria em ação autônoma (execução em sentido estrito), não ocorrendo sincreticamente (execução em sentido amplo), salvo raras exceções.

Essas ações de prestação puras (de conhecimento), a doutrina majoritária chamava de ação condenatória (pois aqui o juiz somente condenava, não executando), que era uma ação de prestação, cognitiva, que poderia dar ao autor um título que só poderia ser executado em outro processo próprio de execução (seja ela execução direta ou indireta). Excepcionalmente, à

57 Qdo a execução se dá pela recompensa/estímulo, fala-se que há sanção premial.

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época, havia ações de prestação sincréticas (que certificavam e efetivavam simultaneamente). Condenatórias e sincréticas eram, ambas, ações de prestação, mas, enquanto a primeira só reconhecia (condenava), a segunda reconhecia (condenava) e executava.

Essas ações sincréticas eram divididas pela doutrina em ações executivas em sentido amplo e ações mandamentais. Enquanto a mandamental se valia da execução indireta; a executiva em sentido amplo se valia da execução direta.

Entretanto, havia doutrinadores minoritários que não aceitavam essa distinção que era feita à época, entre ações executivas em sentido amplo e ações mandamentais. Essa doutrina divergente dizia que toda ação de prestação era condenatória, pouco importando se ela ocorresse em um processo de conhecimento puro (pois aqui obviamente se condenava) ou nas ações sincréticas de conhecimento e execução (pois aqui tb há condenação). Por isso, para essa corrente, era irrelevante classificar a execução na ação sincrética em mandamental ou execução latu sensu, já que todas elas eram condenatórias.

→ 2º momento.

Em 1994, o legislador reescreveu o art. 461 do CPC e, ao fazer isso, o legislador generalizou o sincretismo para as ações de prestação de fazer e não fazer (ficando de fora as ações de dar dinheiro ou coisa que não era dinheiro). As ações de prestação sincréticas, que eram exceções para as obrigações de fazer e não fazer, viraram regra nessas obrigações.

Por conta dessa reforma de 1994, houve doutrina que dizia que não existia mais ação condenatória de fazer e não fazer, uma vez que não mais havia ação de prestação pura (somente de conhecimento) nessas obrigações de fazer e não fazer, sendo todas elas, agora, sincréticas. Por isso, diziam tb que era errado pedir para condenar alguém a fazer ou não fazer, já que o juiz mandava (execução indireta) ou executava (execução direta), de modo que jamais condenava.

Entretanto, a doutrina minoritária, que continuava recalcitrante, dizia que não tinha como distinguir mandamental de executiva em sentido amplo, pois todas eram condenatórias, mesmo com a mudança do art. 461.

→ 3º momento.

Em 2002, cria-se o art. 461-A no CPC, que universalizou o sincretismo para as obrigações de entrega de coisa (que não era dinheiro).

Por conta disso, parte da doutrina passou a dizer o mesmo que dizia na reforma de 1994 (nos casos de prestação de fazer e não fazer), que não

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existia mais ação condenatória nas obrigações de entregar coisa (já que elas não eram mais só de conhecimento), uma vez que todas essas agora são sincréticas, de forma que seriam elas, depois do art. 461-A, mandamental ou executiva em sentido amplo. Dessa forma, as condenatórias só restariam para pagamento de quantia.

Entretanto, a outra doutrina continuava dizendo que não tinha como distinguir mandamental de executiva em sentido amplo, pois todas eram condenatórias em qualquer tipo de obrigação (fazer, não fazer, dar coisa diferente de dinheiro ou dar dinheiro).

→ 4º momento.

Em 2005, o legislador generalizou o sincretismo tb para o pagamento de quantia, de modo que, agora, todas as obrigações passaram a ser objeto do processo sincrético.

Para aquela doutrina que dizia que as ações condenatórias só existiam para as ações de prestação de puro conhecimento, teriam agora que, por coerência, dizer que as condenatórias extinguiram-se no processo civil brasileiro, já que não mais havia ação de prestação puramente de conhecimento. Foi o que disse Ada Pelegrini, afirmando que, a partir de 2005, as ações eram divididas não mais em 5, mas em 4 (excluindo-se a condenatória): constitutiva, declaratória, mandamental e executiva.

Mas, mesmo assim, a nomenclatura secular de “condenatória” não se extinguiu no direito brasileiro. Por conta disso, a ação condenatória passou a ser tratada pela doutrina como ação para cumprimento de prestação (agora todas sincréticas) — hoje simplesmente pede-se a condenação de uma prestação. Ao Invés de 5, agora tem 3: condenatórias, constitutivas e declaratórias. As mandamentais e executivas passaram a ser espécies de condenatórias. No fim, vingou o entendimento da doutrina minoritária que dizia que, independente de haver ação sincrética ou não, todas eram condenatórias.

Uma coisa não muda: ação condenatória é sempre ação de prestação. Antes, ela apenas concebia o titulo para uma futura execução, e agora ela faz parte do processo sincrético.

Concebeu-se, pois, a classificação ternaria, que é a classificação das ações de conhecimento em 3 grupos: ação condenatória, constitutiva e declaratória. Com a classificação ternária, as ações mandamentais e executivas passaram a ser espécies da ação condenatória. Essa classificação prevalece hoje.

A classificação quaternária (é a classificação proposta por Ada Pellegrini) divide as ações de conhecimento em 4 grupos: constitutiva, declaratória,

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mandamental e executiva. Vê-se que ela exclui a ação condenatória. Essa classificação quaternária é a que tem menos adeptos.

Classificação quinaria é a classificação das ações de conhecimento em 5 grupos: condenatória, constitutiva, declaratória, mandamentais e executivas. Essa corrente é defendida pela doutrina do Sul do Brasil.

Questão de concurso:

As ações condenatórias estão relacionadas aos prazos de prescrição? Verdadeiro, pois as ações condenatórias se relacionam a uma prestação e somente esta se relaciona com a prescrição.

→ 4.5.2. Ações constitutivas (para assegurar os direitos potestativos).

Direito potestativo é o direito de interferir na situação jurídica de outrem independentemente da vontade deste, criando, alterando ou extinguindo situações jurídicas. É o direito de submeter outra pessoa a uma mudança em sua esfera jurídica.

Os direitos potestativos não se relacionam a nenhuma conduta do sujeito passivo, ou seja, o sujeito passivo não deve nada, por isso não tem prestação nenhuma a adimplir. Pelo fato de o sujeito passivo nada dever, o direito potestativo não pode ser lesado, não pode ser inadimplido, logo não há prescrição (pois tb não há prestação). Há, sim, decadência. Decadência é o fim do prazo de exercício de um direito potestativo; enquanto prescrição é o fim do prazo de exercício do direito de exigir uma prestação.

O mundo jurídico é um mundo ideal, onde as situações jurídicas ocorrem sem que ninguém perceba, pois se operam pela palavra do juiz e não pela situação fática. Ex: vendo uma pessoa, não tem como saber se ela é casada só pelo fato de usar anel; a verdadeira situação jurídica só é certificada pela certidão de casamento, não havendo mudança fática para os sujeitos casados. Os direitos potestativos se efetivam no mundo jurídico pela simples palavra (do juiz).

Para se afirmar o direito potestativo, a parte deve-se valer de uma ação constitutiva. Por isso, é correta a afirmação de que ações constitutivas se relacionam a prazos decadenciais. Em virtude disso, pode-se dizer que a ação constitutiva é aquela que pretende a criação, a alteração ou a extinção de uma situação jurídica.

Tb é correto dizer que sentença constitutiva não pode ser executada, pois ela não se refere a prestações, de modo que elas são efetivadas com a decisão

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do juiz (e não com a prestação da outra parte). O que se pode executar são os efeitos decorrentes da decisão na ação constitutiva, se tais efeitos repercutirem em prestações (ex: se, numa ação constitutiva de revisão de contrato, este for revisado, uma parte pode ser obrigada a ressarcir valores pagos a menor).

Exemplo de ações constitutivas: ação anulatória de ato jurídico; ação rescisória de sentença; ação de exclusão de herdeiro; ação de revisão contratual.

É errado dizer (e muitos livros dizem) que as ações constitutivas só produzem efeitos ex tunc. Apesar de essa ser a regra, há exceções, como, por exemplo, expressamente, a ação de anulação de ato jurídico (art. 182 do CC/02).

Exemplos de ações constitutivas polêmicas:

a) ação de nulidade de ato jurídico (não se trata de ação de anulação – a qual é ação constitutiva sem polêmica – mas sim de nulidade de ato jurídico) – para a maior parte dos civilistas, esta ação é declaratória (o juiz declara a nulidade que sempre existiu, ao contrário da ação de anulação que de fato é constitutiva). Já a doutrina processualista entende que ela é constitutiva, pois desfaz vínculo jurídico, com a sutileza de que ela pode ser alegada a qualquer tempo e por qualquer pessoa, ao passo que a ação de anulação só pode ser alegada por determinadas pessoas e não pode ser alegada a qualquer tempo.

b) ação de interdição – os civilistas acham que esta ação é declaratória, mas os processualistas entendem que ela é constitutiva, pois atuam sobre situação jurídica.

c) ação de falência – os comercialistas acham que esta ação é declaratória, mas os processualistas entendem que ela é constitutiva, pois atuam sobre a situação jurídica.

d) ADIN – os constitucionalistas acham que esta ação é declaratória, mas os processualistas entendem que ela é constitutiva. Obs.: ADIN é ação direta de inconstitucionalidade e não declaratória de constitucionalidade.

e) ação de investigação de paternidade – esta é bastante polêmica, pois muitos acham que esta ação é declaratória, mas os processualistas entendem que ela é constitutiva. Para os processualistas, genitor é diferente de pai. Genitor tem vínculo biológico, pois é aquele que contribuiu geneticamente para a formação do indivíduo. Já pai tem vínculo jurídico (herança, alimentos, etc.). O sujeito que gerou o filho é genitor, mas o que o filho quer é torná-lo pai, ou seja, criar/constituir uma nova situação jurídica.

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→ 4.5.3. Ações meramente declaratórias.

São aquelas em que se pede a certificação da existência, inexistência ou modo de ser (como existe) 58 de uma relação jurídica (e não de um fato, salvo uma única exceção que será vista abaixo). A ação meramente declaratória não busca efetivar direito algum, mas somente dar certeza que ela existe, não existe ou como existe.

As condenatórias certificam e efetivam as prestações; as constitutivas certificam e efetivam os direitos potestativos; já as meramente declaratórias somente certificam o direito, não o efetivando.

Conforme art. 4º, I, CPC, a ação meramente declaratória, via de regra, não serve para declarar fato (Ex: uma ação declaratória não pode se prestar a dizer que o Brasil fica no sul, que uma parede é branca, etc.), mas só uma relação jurídica. Só há um caso em que se admite ação declaratória de fato: é a ação declaratória de autenticidade ou falsidade de documento (art. 4º, II, do CPC).

Por conta disso tudo, pode-se dizer que a ação declaratória é imprescritível, pois ela não busca efetivar direito algum, mas só obter certeza — e não há prazo para se obter certeza.

Exemplos de ação meramente declaratória:

Ação de usucapião;

Ação de consignação em pagamento;

ADC (ação declaratória de constitucionalidade);

Ação declaratória de união estável.

O art. 4º, § único, do CPC, determina que aquele que sofreu a lesão pode simplesmente ajuizar ação meramente declaratória, caso não opte por ajuizar ação condenatória. Nesse caso, o pedido é para declarar um direito que já foi lesado. Ex: uma ação de responsabilidade civil, meramente declaratória, de familiares de vítimas da ditadura, que querem só o reconhecimento da responsabilidade do Estado, sem indenização.

Mas, no exemplo acima, se a família da vítima fosse ganhadora da ação meramente declaratória (nos casos do art. 4º, § único, do CPC), poderia ela ajuizar execução contra o Estado, baseada na sentença (título) de ação meramente declaratória (e não condenatória) que reconheceu a

58 A súmula 181 do STJ confirma que a ação meramente declaratória tb serve para reconhecer um modo de ser de uma relação jurídica.

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responsabilidade do Estado? Há 2 correntes: a) a corrente minoritária diz que o autor deveria impetrar outra ação condenatória, para só executar no bojo desta condenatória; b) outra corrente, majoritária, diz que, na ação declaratória, há sentença reconhecendo a responsabilidade, devendo só liquidar a sentença existente, pois já há certeza jurídica (ou seja, uma sentença declaratória pode ser titulo executivo). Para essa última corrente (defendida por Teori Zavascki, que hoje é ministro do STJ), se uma sentença é declaratória, mas declara que a dívida existe, pode-se executar — é caso previsto pelo art. 4º, § único, do CPC.

Ademais, o art. 475-N, I, CPC, confirma que sentença declaratória que reconheça existência de titulo judicial pode ser executada (já que esse dispositivo afirma que ela é título executivo).

Obs.: uma determinada empresa ajuizou ação declaratória de inexistência da relação tributaria contra o estado de SP. O Tribunal julgou improcedente essa ação, de modo que tal decisão transitou em julgado. Ora, com essa improcedência, o Tribunal declarou que houve relação tributária. O estado de SP, então, executou essa sentença, que é sentença declaratória de improcedência. O STJ disse que, baseado no art. 475-N, I, a execução era possível.

O que não se pode fazer é ajuizar ação declaratória para reconhecer a existência de uma dívida (já prescrita, portanto inviável de ser pretendida no bojo de ação condenatória), para depois executar o título baseado na declaratória que é imprescritível. Nessa hipótese, o mérito da ação declaratória poderá ser julgado, pois esta é imprescritível, mas a prestação prescrita não poderá ser executada. Logo, a ação declaratória do art. 4º, § único, CPC, pode ser executada desde que suas prestações não estejam prescritas, pois, por mais que o fato tenha existido na forma da declaração judicial (e a ação declaratória é imprescritível), as suas prestações podem estar prescritas.

→ DIA 15/03/2010.

5. Condições da ação.

5.1. Teorias que explicam a ação.

Das diversas teorias que explicavam a ação, as principais são:

→ 5.1.1. Concepção concretista do direito de ação.

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Para os concretistas, o direito de ação é o direito a um julgamento favorável, ou seja, é o direito a uma sentença favorável. Para essa teoria, só terá direito de ação aquele que saiu vencedor do processo, de modo que se uma parte perdeu é porque esta não teve o direito de ação. Dessa forma, mesmo que com o processo se arrastando por anos, só ao fim, depois do trânsito em julgado, é que se iria saber quem ganhou, isto é, quem tinha o direito de ação.

Para essa doutrina, as condições da ação são as condições para um julgamento favorável. Destarte, carência de ação59 é sinônimo de improcedência da ação. Ainda para essa doutrina, carência da ação é decisão de mérito, já que equivale à improcedência da ação.

Essa concepção está superada, mas é muito estudada por ser um embrião das condições da ação.

→ 5.1.2. Teoria abstrativista do direito de ação.

Para essa corrente, o direito de ação é o direito à jurisdição, ou seja, a ter uma decisão, pouco importando o conteúdo da decisão (se procedente ou não). Para os abstrativistas, as condições da ação é um nada para o direito, já que haverá ação sempre, pela inafastabilidade da jurisdição.

→ 5.1.3. Teoria eclética do direito de ação (desenvolvida por Liebman).

A partir dessas duas teorias antagônicas, surgiu uma teoria intermediária — a teoria eclética do direito de ação.

Para a teoria eclética, o direito de ação é o direito a uma decisão de mérito (nem é uma decisão favorável, como para a teoria concretista; nem é qualquer decisão, como para a teoria abstrativista). É o direito a ter o pedido examinado, ou seja, o mérito examinado.

Para a concepção eclética, condições da ação são as condições que devem existir para que se possa examinar o mérito da causa, ou seja, uma vez preenchidas essas condições, permite-se que o mérito seja examinado. Para a corrente eclética, carência de ação não é decisão de mérito. Carência de ação se distingue da decisão de mérito (se faltou condição de ação, o juiz não julgou o mérito; mas se o juiz julgou improcedente é por que ele entendeu haver mérito, mesmo que depois tenha negado provimento).

O CPC brasileiro seguiu a teoria eclética do direito de ação, pois seu anteprojeto foi feito por Buzaid (discípulo de Liebman). Essa teoria foi desenvolvida por Liebman e por ele introduzida no direito brasileiro.

Liebman, que era judeu italiano, fugiu da Itália para o Brasil e ministrava aula na USP. Como no Brasil só havia Pontes de Miranda como processualista (e este era

59 Carência de ação é falta de condições da ação.

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mais um jurista do que um professor — de forma que nem ministrava aula), a teoria de Liebman foi facilmente difundida. Estudaram com Liebman: Alfredo Buzaid, Amaral Santos, Frederico Marques, dentre outros importantes processualistas. Acabada a guerra, Liebman voltou para a Itália. Buzaid torna-se ministro da justiça e é convidado para fazer o projeto do CPC, que foi muito influenciado por Liebman, inclusive com a teoria eclética.

Entretanto, a teoria eclética é muito criticada, a saber:

a) No processo há dois tipos de questões: questões relativas ao processo (são os pressupostos processuais) e questões relativas ao mérito. Liebman afirmava que havia um terceiro tipo de questão, que eram as questões relacionadas à ação e não relacionadas ao mérito. Cria ele, portanto, um outro nome para as questões que já eram questões processuais. Entretanto, para a doutrina, uma questão está relacionada obrigatoriamente ao mérito ou ao processo, não havendo um terceiro tipo.

b) acerca das situações que Liebman coloca como condições da ação, ele não consegue as separar do mérito. Ex1: todos sabem que a possibilidade jurídica do pedido é condição da ação, mas o pedido é o mérito; logo, para saber se o pedido é possível ou não, deve-se examinar o mérito60. Ex2: todos sabem que a legitimidade ad causam é condição da ação; mas se o possuidor propõe ação possessória e depois o juiz nega, é porque o juiz entende que ele não é possuidor — o que leva a crer que é uma decisão de mérito (a legitimidade, que para Liebman é condição da ação, é exame de mérito, já que qdo o juiz indefere um pedido, ele está analisando o mérito da ação).

Observar que as preliminares (condições da ação) se confundem com o mérito, por isso diversos juízes deixam para julgá-las na sentença.

Teoria da Asserção:

Para Liebman, o controle das condições da ação pode ser feito a qualquer tempo enquanto o processo estiver pendente. Ademais, esse controle pode se valer de meios de prova, podendo o juiz interromper a continuidade do processo para fazer uma perícia, ou ouvir testemunha para saber se a parte é legítima. Portanto, pode-se controlar as condições da ação a qualquer tempo, inclusive se valendo de meios de prova para isso.

No entanto, a maioria da doutrina entendeu que isso era demais, por isso desenvolveu uma teoria pata mitigar o que Liebman defendia — é a teoria da

60 Qdo uma parte entra com ação para que o juiz declare válida a existência de um contrato que venda um terreno na lua, o juiz invalida esse contrato analisando o mérito, ou seja, está indeferindo o pedido. Apesar disso, a possibilidade jurídica do pedido, conforme o CPC, é tratada como uma condição da ação.

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asserção, ou PROSPETTAZIONE, ou teoria da “Verificação IN STATU ASSERTIONIS”.

Para a teoria da asserção (majoritária na doutrina brasileira, apesar de não ser muito utilizada na jurisprudência), a análise das condições da ação deve ser feita apenas com base naquilo que foi afirmado pela parte. Nesse caso, o magistrado deve analisar se a afirmação da parte corresponde, ao menos em tese, com a realidade, ou seja, se a afirmação da parte é hipoteticamente verdadeira. Se a resposta for positiva, estão presentes as condições da ação. Se for negativa, se extingue por carência da ação.

Ex: A pede usucapião, mas afirma está no imóvel em tempo menor do que o exigido para usucapir. Assim sendo, o juiz reconhece a carência de ação. Mas, se A disser que está no imóvel há um tempo suficiente para usucapir, o juiz não indefere por falta de condições da ação. Nesse caso, a ação continua seu trâmite normal. Entretanto, se depois o juiz verifica que o período alegado por A não corresponde à realidade, ai ele indefere o pedido na sentença.

Dessa forma, para os adeptos da teoria da asserção, não deve o magistrado realizar a produção de provas para examinar se há ou não as condições da ação, de forma que as condições da ação devem ser analisadas somente pela asserção.

Para Fred, essa primeira análise proposta pela asserção seria um indeferimento macroscópico (qdo está de imediato patente a improcedência do pedido).

5.2. Condições da ação.

→ 5.2.1. Possibilidade jurídica do pedido.

Pedido juridicamente possível é aquele que pode, em tese, ser acolhido.

No Brasil, Cândido Dinamarco é liebmaniano convicto (por isso ele não adota a teoria da asserção). Em virtude disso, Dinamarco propôs a expansão da possibilidade jurídica do pedido, criando o termo “possibilidade jurídica da demanda”. Para ele, não é só o pedido que deve ser juridicamente possível, mas todos os elementos da demanda. Assim sendo, não basta que o pedido seja possível, a causa de pedir tb tem que ser possível (Ex1: pedido de usucapião de imóvel público tem causa de pedir juridicamente impossível e não o pedido juridicamente impossível, já que o pedido perante a jurisdição é possível; Ex2: da mesma forma, o pedido de cobrança de dívida de jogo tem causa de pedir juridicamente impossível).

→ 5.2.2. Interesse de agir.

O interesse de agir possui duas dimensões:

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a) Utilidade – é preciso que o processo seja útil, ou seja, ele deve resultar em uma utilidade, um proveito, para a parte. Daí é que surge a perda do objeto de um pedido (Ex1: uma pessoa que consegue liminar no MS para fazer a 2ª etapa de um concurso, mas, posteriormente, perde nesta 2ª etapa que a liminar autorizou a fazer — o julgamento do mérito desse MS perdeu o objeto, já que o candidato foi eliminado; Ex2: processo de execução que pede para vender os bens do devedor, mas cujos bens não cobrem nem as custas processuais — nesse caso, não há utilidade no processo, já que não haverá mais bens para cobrir a dívida).

b) Necessidade – é preciso demonstrar não só a utilidade, mas a necessidade do processo, ou seja, o processo deve ser útil e necessário. Ex: Se A for a juízo propor ação sem nenhuma controvérsia, o processo é desnecessário. Não confundir necessidade da ação com as ações necessárias, pois nestas a necessidade é presumida.

A falta de interesse de agir não gera extinção do processo. Por isso em alguns países ele é tratado como pressuposto processual.

Para a USP, no interesse de agir deve haver ainda uma terceira dimensão — é a adequação. Para a USP, o procedimento escolhido deve ser adequado, assim como o pedido tb deve ser adequado ao que se pretende. Nesse caso, usa-se a expressão “inadequação da via eleita”. Só a USP adota essa tese, de forma que nenhuma outra doutrina a defende, já que a escolha equivocada do procedimento nada tem a ver com falta de interesse de agir, podendo-se até corrigir o procedimento, pois, ainda que ele seja errado, haverá interesse de agir.

→ 5.2.3. Legitimidade ad causam.

É a aptidão conferida a alguém para conduzir validamente um processo em que se discuta determinada relação jurídica. A legitimidade é a pertinência subjetiva do processo. Não se pode dizer que legitimidade é a possibilidade de ser parte, pois uma pessoa pode ser parte mesmo sendo ilegítima para a causa (tanto que pode haver parte ilegítima e esta pode alegar sua própria ilegitimidade). Para saber se é possível que um sujeito seja legítimo ou não, deve-se relacioná-lo com aquilo que se discute, ou seja, deve saber se uma pessoa é parte legítima para determinado conteúdo, pois uma pessoa pode ser parte legítima em um processo e não o ser em outro processo. Por isso, a legitimidade é sempre aferida pela relação jurídica conflituosa. Sempre se é legítimo ou ilegítimo em face de algo.

A legitimidade, dentre outras classificações, divide-se em:

a) legitimidade exclusiva – é aquela atribuída somente a um sujeito. É a regra, pois somente o titular pode demandar em juízo.

b) legitimidade concorrente (ou co-legitimação) – é aquela atribuída a vários sujeitos, tendo estes legitimidade para discutir o mesmo problema em juízo. É

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exceção. Ex: qualquer condômino pode defender o condomínio; qualquer credor solidário pode ir a juízo cobrar o crédito; qualquer cidadão pode propor ação popular. Saber legitimação concorrente é indispensável para compreender litisconsórcio unitário.

a) legitimação ordinária – é aquela concedida ao sujeito da relação jurídica discutida. Se quem está em juízo é o sujeito da relação jurídica discutida, há legitimação ordinária, pois alguém está em nome próprio defendendo a própria situação. É a regra. Na legitimação ordinária, há uma coincidência entre os sujeitos do processo e os sujeitos da relação jurídica. Ex: se o crédito discutido é de A (sujeito da relação jurídica) e se A cobra o crédito (sujeito do processo), há relação ordinária.

b) legitimação extraordinária – é aquela em que alguém está em juízo em nome próprio defendendo interesse alheio. Esta pessoa que está em juízo é o legitimado extraordinário. Na legitimação extraordinária, não há a coincidência entre parte e o sujeito da relação discutida. Quando um cidadão propõe uma ação popular, ele é sujeito extraordinário, pois o direito defendido é da coletividade (interesse difuso) e não dele. O MP, qdo pede alimentos para uma criança, é legitimado extraordinário.

Há casos em que a parte é, a um só tempo, legitimado ordinário e extraordinário — isso ocorre qdo ele vai a juízo defender direito que tb é dele (mas não só dele). Ex: condômino que propõe ação em defesa do condomínio.

Características da legitimação extraordinária:

- conforme art. 6º do CPC, a legitimidade extraordinária decorre sempre da lei (em sentido amplo, no sentido de direito), de forma que não existe legitimação extraordinária contratual;

- o legitimado extraordinário é parte (embora não seja sujeito da relação jurídica discutida), o que quer dizer que todas as conseqüências que decorrem do fato dele ser parte vão ocorrer. Ex1: a OAB propôs uma ação civil pública, cujo demandado foi plano de saúde, na Justiça Estadual; a juíza deste juízo declinou da competência por entender que a OAB é autarquia federal — observa-se que a OAB, como parte, foi determinante para a incompetência. Ex2: as custas devem ser pagas pelo legitimado extraordinário;

- a atribuição de legitimação extraordinária faz com que a coisa julgada advinda deste processo atinja o titular do direito (ou seja, o titular do direito fica vinculado à coisa julgada, senão não haveria utilidade para a legitimidade extraordinária). Este é caso raro de coisa julgada que atinge terceiro. Mas, pode ocorrer coisa julgada em processo movido por legitimado extraordinário que não vincule terceiro, desde que haja regra expressa (Ex: art. 274 do CC/02);

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- a falta de legitimação extraordinária gera decisão que não examina o mérito, pois o juiz não investiga o direito discutido, mas sim diz que o autor que se apresentou não pode figurar como parte.

Há, na doutrina, outra designação para referir-se à legitimação extraordinária — que é a substituição processual. Entretanto, há outra doutrina que defende a idéia de que a substituição processual é uma espécie de legitimação extraordinária e não sinônimo desta — para essa doutrina, ocorreria substituição processual nos casos em que o legitimado extraordinário estiver sozinho em juízo (se houvesse litisconsórcio entre legitimado extraordinário e ordinário, não haveria substituição processual).

Distinção de substituição processual da sucessão processual:

Sucessão processual é a troca de sujeitos no processo, é a mudança subjetiva do processo (nesse caso, um sai para entrar o outro). Ex: uma parte morre e em seu lugar entra seu espólio.

Distinção de substituição processual da representação processual:

Na representação processual, alguém está em juízo em nome alheio defendendo interesse alheio (ex: mãe que defende interesse de seu filho menor). O representante está ali para suprir uma incapacidade. O representante não é parte.

Obs.: parte complexa, segundo a doutrina, é aquela que ocorre sempre qdo no processo estiver um representante e um representado (ex: mãe e filho incapaz num processo). Ambos formam a mesma parte, mas, a esse conjunto que age no processo, chama-se de parte complexa — que na verdade é a parte formada por dois sujeitos.

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS.

São divididos em:

1. Pressupostos de existência do processo.

É tudo aquilo que deve haver para que o processo nasça, para que ele exista. Se o processo existe, todo o resto será um problema dos pressupostos de validade. São 3 os pressupostos de existência do processo:

1.1. Capacidade de ser parte (ou personalidade judiciária).

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É a aptidão de ser sujeito de um processo. Se um ente pode ser sujeito de um processo, ele tem capacidade para ser parte. É uma análise absoluta (ou se tem capacidade de ser parte ou não se tem, logo não se pode ter capacidade para ser parte em um processo e não ter para outro61).

Tem capacidade de ser parte todos os sujeitos de direito62, ou seja, as pessoas naturais ou jurídicas, o nascituro, o espólio, o condomínio, a massa falida, uma tribo, o NONDUM CONCEPTUS (é a prole eventual de alguém63).

Há uma sólida corrente doutrinária que defende que os grandes primatas (gorilas, chimpanzés, orangotango e bonobos), pela sua proximidade genética com os homens, são sujeitos de direito, porém absolutamente incapazes. Os direitos humanos, neste caso, seriam direitos humanóides. Essa corrente se auto-intitula de abolicionismo animal (em referência à abolição da escravatura). Outro ponto que essa teoria defende é que essas espécies sofrem, tem dores, se reconhecem nos espelhos, dentre outras características que os aproximam aos humanos.

1.2. Demanda.

É o ato que inaugura o processo.

Vale lembrar que demanda não é sinônimo de processo; demanda é o fato gerador do processo, pois se ajuíza primeiro a demanda (através da petição inicial) e depois esta fará nascer o processo.

1.3. Órgão investido de jurisdição.

Para que o processo exista, é preciso que alguém demande perante o juiz. Essa assertiva mostra os 3 pressupostos de existência (capacidade de ser parte, demanda e jurisdição). Havendo esses 3, já há processo (foi cumprido o pressuposto de existência processual); todo o resto seria pressuposto de validade.

61 É diferente de legitimidade, pois se pode ter legitimidade para um processo e não se ter para outro. A legitimidade é o poder para se estar em um determinado processo (concreto), pois somente será legítimo o sujeito apto para conduzir validamente um processo (pode ser legitimado ordinário ou extraordinário). Capacidade para ser parte é a possibilidade abstrata (em tese), ou seja, é a resposta para a pergunta: fulano pode ser sujeito de um processo qualquer?

62 Não confundir sujeito de direito com pessoa. Sujeito de direito é gênero, sendo a pessoa sua espécie, assim como tb é espécie de sujeito de direito o nascituro, o espólio, o condomínio, a massa falida, a prole eventual, etc.

63 Estes podem, por exemplo, receber herança. Uma pessoa pode deixar bens para eles num testamento, mas cuja transmissão se operará se o feto nascer com vida.

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Há autores que defendem outros pressupostos de existência afora esses 3. Tem autor que defende ser a pressupostos de existência a capacidade postulatória, a citação, os quais serão vistos e explicados mais à frente.

→ DIA 22/03/2010.

2. Pressupostos de validade processual 64 .

2.1. Subjetivos.

2.1.1. Relacionados ao juiz.

→ 2.1.1.1. Competência – já estudado em competência.

→ 2.1.1.2. Imparcialidade – já estudado nos princípios da jurisdição.

2.1.2. Relacionados à parte.

→ 2.1.2.1. Capacidade processual65 – é a aptidão para praticar sozinho atos processuais66. É diferente de capacidade de ser parte (pois esta está ligada à personalidade).

64 Diferenças entre condições da ação, pressuposto de existência do processo e pressuposto de validade processual:

Condição da ação, para a teoria eclética, é a condição que deve existir para que haja uma decisão de mérito. É o direito a ter o pedido examinado, ou seja, o mérito examinado. São condições da ação (LIP): legitimidade da parte; interesse de agir; e possibilidade jurídica do pedido.

Pressuposto processual de existência é aquilo que deve haver para que o processo exista (para que o processo nasça). Por isso, se não houver pelo menos um dos pressupostos de existência, o processo sequer nasce (sequer se inicia). São eles (DOC): demanda; órgão investido de jurisdição; e capacidade para ser parte (ou personalidade judiciária).

Pressuposto processual de validade é aquilo que deve existir para que o processo seja válido; logo, o processo já deve ter nascido (ou seja, já se deve ter ultrapassado o pressuposto de existência) para se analisar o pressuposto de validade. São pressupostos de validade: a) subjetivos (relacionados ao juiz – competência e imparcialidade; e relacionados à parte – capacidade processual e capacidade postulatória); b) objetivos (intrínsecos e extrínsecos).

65 Ou capacidade para estar em juízo.

66 Legitimidade, capacidade para ser parte (ou personalidade judiciária) e capacidade judiciária são conceitos distintos entre si.

Legitimidade é a aptidão para conduzir validamente um processo (pode ser legitimado ordinário ou extraordinário). É, portanto, o poder de estar em um processo específico (concreto); logo, pode-se ter legitimidade para um processo e não se ter para outro.

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Não havendo capacidade processual, a parte deve ser representada.

Está relacionada à capacidade civil do direito civil. A regra é que quem tem capacidade civil tem capacidade processual. Mas há exceções, como no caso do sujeito que tem capacidade civil sem ter capacidade processual (Ex: uma pessoa casada tem capacidade civil, mas possui várias restrições à sua capacidade processual). Há quem não tem capacidade civil, mas tem capacidade processual (Ex: um cidadão eleitor de 17 anos não tem capacidade civil plena, mas tem capacidade processual para ajuizar ação popular).

Conseqüências da incapacidade processual (art. 13 do CPC):

Se o juiz constata a incapacidade processual, ele deve providenciar o suprimento desta incapacidade. Caso esta capacidade não seja suprida, pode-se haver 3 conseqüências possíveis:

a) se for autor, o processo é extinto sem exame do mérito;

b) se for o réu, o processo seguirá à sua revelia;

c) se for um terceiro, este será expulso do processo.

Capacidade processual das pessoas jurídicas:

As pessoas jurídicas são processualmente capazes. Por isso, é errado dizer que as pessoas jurídicas agem por meio de seus representantes, já que, se assim fosse, o representante existiria para suprir a incapacidade da empresa, mas esta não precisa de que supram tal capacidade, pois ela a possui.

Quando a empresa age por meio de um sócio ou empregado, a empresa age por meio de seus órgãos, como sendo a mesma

Capacidade para ser parte é aptidão de ser sujeito de qualquer processo, ou seja, é uma possibilidade abstrata (em tese) de ser sujeito um processo qualquer.

Capacidade processual é a aptidão de praticar sozinho atos processuais, por isso, em regra, tem capacidade processual quem tem capacidade civil plena (as exceções serão vistas adiante).

A legitimidade é condição da ação. A capacidade para ser parte é um pressuposto processual de existência. A capacidade processual é um pressuposto processual de validade subjetivo relacionado à parte.

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pessoa da empresa. Dessa forma, qdo um de seus órgãos age, é a própria pessoa jurídica que age. A relação entre pessoas jurídicas e seus órgãos não é relação de representação, mas sim relação de presentação.

Entretanto, a pessoa jurídica tb pode ser representada, como se dá com a presença de um preposto. Logo, um funcionário pode presentar ou representar a empresa.

Curador especial:

Curador é o representante do incapaz. Curador especial é representante de um incapaz processual, pois ele é um representante designado pelo juiz da causa para atuar exclusivamente naquele processo (logo, é um curador ad hoc ou tb chamado de curador à lide). Observar que o curador especial não é parte, mas sim representante no processo da parte incapaz.

A função do curador especial é de defesa processual do interesse do curatelado, por isso ele não pode fazer acordo e nem pode reconvir. Mas pode embargar a execução (conforme súmula 196 do STJ), já que esse embargo é defesa processual. Pode tb o curador especial ajuizar MS contra ato judicial. A curatela especial é um múnus, uma função, de forma que o curador deve sempre contestar, não podendo optar por contestar ou não.

A curatela especial é função institucional da defensoria pública — o defensor público é curador especial por excelência. Se na localidade não houver defensor público, qualquer pessoa capaz pode ser curador, embora o juiz costume nomear um advogado.

O juiz deverá nomear curador especial nas seguintes situações (que são situações de incapacidade processual), conforme art. 9º do CPC:

a) qdo o incapaz processual não tiver representante67;

b) incapaz em litígio contra o seu representante;

c) réu revel citado por edital ou com hora certa (note-se que não

67 Qdo o sujeito é incapaz, ele deve ir ao juízo de família para que o juiz nomeie curador para todos os processos. Mas, no caso de curador especial, o juiz de um determinado processo (que não precisa ser necessariamente da vara de família) indica curador especial para aquele processo em específico.

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é qualquer réu, mas aquele revel e, ainda assim, que foi citado exclusivamente por edital ou por hora certa – réu que recebeu a citação, mas mesmo assim não comparece ao processo, não tem direito a curador especial);

d) réu preso (não precisa ser réu revel preso, basta ser um mero réu preso), mas desde que não tenha advogado.

Capacidade processual das pessoas casadas:

→ a) polo ativo (art. 10, caput, CPC, e art. 1647, II, c/c I, CC/02).

Em algumas situações, a restrição da capacidade processual de pessoa casada se dá qdo esta figura no polo ativo, devendo neste caso haver o consentimento68 do cônjuge para ajuizamento de certas ações, podendo ser este consentimento expresso ou tácito. Ex: propositura de ações reais imobiliárias — entretanto este consentimento está dispensado se o casamento se deu em regime de separação de bens, conforme art. 1.647, caput (in fine) e II c/c o inciso I do CC/02, que afetou o art. 10 do CPC.

Se o consentimento não puder ser dado (como em casos em que o cônjuge está em estado de coma) ou qdo o cônjuge não quiser dá-lo sem motivo, pode-se pedir o suprimento judicial do consentimento, que é pedido ao juízo de família em sede de jurisdição voluntária (art. 11 do CPC e art. 1.648 do CC).

O juiz não pode indeferir a petição inicial por falta de consentimento, pois este defeito só pode ser argüido pelo cônjuge preterido, mas este deve ser intimado pelo juiz para que se manifeste, já que o cônjuge preterido pode não ter conhecimento da ação. Se o cônjuge intimado se silenciar, a ação continua normalmente, mas se ele externar seu não consentimento, a ação se extingue — ver art. 1.649 e 1.650 do CC.

A doutrina diverge sobre a aplicação desse consentimento à união estável, pois, para uma corrente, os efeitos da união estável são os mesmos do casamento; mas, para outra corrente, como a união estável é informal, não há como saber se à época da propositura da ação existia união estável. Para Fredie Didier,

68 Neste caso, não há necessidade de que ambos os sujeitos do casal vá a juízo, pois não se trata de litisconsórcio ativo necessário, mas sim de mero consentimento para que um deles vá sozinho a juízo. Mas não impede que seja litisconsórcio, somente este não é necessário.

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se nos autos houver indícios de que há união estável, deve o juiz intimar o cônjuge; porém, se nos autos não houver indício, deve o feito continuar como se o demandante não tivesse parceiro.

→ b) Pólo passivo (art. 10, § 1º, do CPC).

Neste caso, a lei exige litisconsórcio necessário passivo (ambos os cônjuges devem ser citados), a saber:

- situações de obrigação solidária entre os cônjuges (pois o inciso II diz “ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles”), em casos de ato ilícito que ambos praticaram — inciso II;

- nas obrigações solidárias provenientes das dívidas contraídas para a economia doméstica (Ex: dívida de um supermercado) — inciso III. O inciso III deve ser reinterpretado à luz do novel CC (art. 1.643 e 1.644), de forma que onde se lê marido, leia-se cônjuge;

- nas ações reais imobiliárias contra uma pessoa casada, salvo em regime de separação absoluta — incisos I e IV.

→ c) Ações possessórias (art. 10, § 2º, do CPC).

Essas ações, por opção legislativa, possuem regramento especial. O consentimento do cônjuge no pólo ativo da ação possessória só ocorrerá em caso de composse. O litisconsórcio necessário no pólo passivo só deve ser exigido nos casos de atos por ambos praticados.

→ 2.1.2.2. Capacidade postulatória – alguns atos processuais exigem que a parte tenha uma capacidade técnica para praticá-la, que é a capacidade postulatória (exigida para os atos postulatórios). Tal capacidade técnica é atribuída aos advogados, aos membros do MP e aos defensores públicos. Há casos, porém, em que o legislador atribui capacidade postulatória ao leigo, como ocorre: na Justiça do Trabalho; no HC; nos Juizados Especiais (na primeira instância); governador de estado para propor ADIN; credor de alimentos (este só pode no primeiro pedido, mas, para continuar depois da petição, deve-se constituir advogado); mulher que se diz vítima de violência doméstica — lei Maria da Penha (só pode no primeiro pedido, mas, para continuar depois da petição, deve-se constituir advogado); em caos onde na comarca não haja advogado ou se

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os advogados da comarca se negarem a aceitar a defesa (art. 36 do CPC), etc.

Obs1:

Natureza do ato praticado por não advogado: se o ato deveria ser praticado por advogado, mas não foi praticado por este, é ato nulo (art. 4º do Estatuto da OAB).

Obs2:

Ato praticado por advogado sem procuração: é ato válido, pois o agente (advogado) é capaz (há capacidade postulatória), mas é ineficaz para o suposto representado, caso este não o ratifique (art. 662 do CC). Isso significa dizer que não é ato inexistente, mas só é válido para quem o pratica sem a procuração e não para a parte do processo. Por isso, o § único, art. 37 do CPC, não pode ser entendido como inexistente, já que não haveria como se declarar inexistente um ato que pode ser ratificado ou que pode gerar custas para quem o praticou.

Para Fredie Didier, este § único do art. 37 foi revogado pelo art. 662 do CC.

Para Ovídio Batista, neste § do art. 37, CPC, onde se lê inexistência, leia-se ineficácia.

A súmula 115 do STJ afirma que este § é sim caso de inexistência. Para a PUC-SP, o § único do art. 37, CPC, coloca a capacidade postulatória como pressuposto de existência, apesar de a doutrina crítica afirmar que tal dispositivo sequer se refere à capacidade postulatória.

2.2. Objetivos.

2.2.1. Extrínsecos (ou negativos).

São fatos que não podem ocorrer para que o processo seja válido, por isso são tb chamados de impedimentos processuais. São fatos externos ao processo (por isso são extrínsecos) 69. Ex: inexistência de litispendência; inexistência de coisa julgada; inexistência de convenção de arbitragem; inexistência de perempção.

2.2.2. Intrínsecos.

69 Há doutrinadores (como Barbosa Moreira) que consideram esses pressupostos como sendo condição da ação.

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É, substancialmente, o respeito ao procedimento, às suas disposições. Ex: a petição inicial tem que ser apta; a petição inicial deve vir acompanhada de documentos indispensáveis à propositura da ação.

Uma desses pressupostos de validade processual intrínsecos é a citação. Para que o processo alcance a validade, deve haver a citação e esta deve ser válida.

A citação exerce no processo um duplo papel:

a) ela é uma condição de eficácia do processo para o réu, ou seja, o processo produzirá efeitos para o réu somente a partir da citação;

b) a citação é um requisito de validade da sentença proferida contra o réu, ou seja, para que haja qualquer decisão definitiva contra o réu, ele deve ser citado.

Observe que, neste último caso, não se mencionou decisão interlocutória, mas sim decisão definitiva (sentença), pois pode haver decisão interlocutória de urgência tomada antes da citação do réu (inaudita altera pars). Nota-se, tb, que deve ser decisão definitiva contra o réu, já que decisão favorável ao réu não precisa de citação deste (Ex: indeferimento da inicial). Sentença proferida contra réu revel não citado ou citado invalidamente é nula, podendo ser invalidada a qualquer tempo, mesmo após o prazo da ação rescisória, por meio da QUERELA NULLITATIS.

A QUERELA NULLITATIS serve para invalidar essas sentenças consideradas especialmente defeituosas, cujo defeito seja muito significativo. Por conta disso, fala-se que a falta de citação ou a invalidade de citação que gerou revelia são espécies de vícios transrescisórios (podem ser alegados mesmo após o prazo da ação rescisória).

A disposição da QUERELA NULLITATIS está expressamente prevista no art. 475-L, I, e art. 741, I, ambos do CPC. Não obstante esteja prevista como defesa na execução, ela pode ser usada fora da execução — como em ação autônoma de QUERELA NULLITATIS.

Vale observar que a QUERELA NULLITATIS é um meio muito excepcional, só podendo ocorrer nesses dois casos (falta de citação ou falta de citação válida, como ação autônoma ou no bojo da execução). Entretanto, pode ser utilizada nos juizados.

É plausível ressaltar que, se o réu for condenado e, mesmo depois de décadas, for executado, e se defender na execução sem utilizar a QUERELA NULLITATIS contra a citação defeituosa, haverá a

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preclusão e esta não mais pode ser alegada de forma autônoma. Logo, a QUERELA NULLITATIS deve ser utilizada no primeiro momento à disposição do réu cuja citação se deu de forma defeituosa.

Obs.:

Somente para a PUC-SP, a sentença proferida nesses dois casos supracitados (falta de citação ou citação inválida) é sentença inexistente, pois, para eles, a citação é pressuposto de existência do processo, ou seja, sem citação o processo não logra existência. Dessa forma, a PUC defende que a QUERELA NULLITATIS é ação declaratória de inexistência.

Entretanto, a doutrina majoritária entende que a citação é ato do processo, logo o processo já deve ter nascido antes da citação, existindo, portanto, o processo. Ademais, se citação fosse pressuposto de existência processual, no indeferimento da petição inicial (que ocorre antes da citação) não haveria processo, já que não houve citação; no entanto, há processo70 nesse caso.

Observações:

→ Parte da doutrina utiliza a palavra pressuposto processual para o plano de existência do processo e requisito processual para o plano de validade do processo, de forma que, para essa corrente, há pressuposto processual de existência e requisito processual de validade.

→ Muitos doutrinadores, ligados à USP, além de Marinoni e Fredie Didier, defendem a idéia de que o sistema das nulidades processuais se aplique à verificação dos pressupostos processuais de validade — é o que se chama de INSTRUMENTALIDADE SUBSTANCIAL DO PROCESSO71. Para essa corrente doutrinária, aplica-se o art. 249, § 2º, CPC, tb nos casos de ausência de pressupostos processuais de validade. A sua conseqüência prática é que é possível desconsiderar a falta de pressuposto processual de validade se isso não causar prejuízo a quem aproveitaria a declaração de nulidade, pois esse entendimento comunga da idéia de que não há nulidade, mesmo do processo, sem prejuízo. Ex1: caso o MP não seja intimado em uma causa contra incapaz, desde que o incapaz seja vitorioso, não se pode anular o processo. Ex2: o postulante que vai a juízo sem advogado, mas seu pedido é acolhido — nesse caso não se pode anular o processo,

70 Sempre que houver concurso, ver no site www.cnpq.br (no link plataforma lattes e depois em buscar currículo), para saber o perfil do examinador.

71 Em uma alusão ao princípio processual da instrumentalidade, ou seja, de que o processo é instrumento para a satisfação do direito material, só que aqui em seu caráter substancial.

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pois não houve prejuízo, mesmo com a ausência de advogado, pois a carência de advogado anula o processo para se proteger a parte desprovida desse profissional.

LITICONSÓRCIO.

1. Conceito.

Há litisconsórcio sempre que houver uma pluralidade de sujeitos em um dos polos do processo. Não se trata de pluralidade de partes, pois um processo já terá mais de uma parte (autor e réu).

2. Classificação.

2.1. Ativo, passivo e misto.

Há litisconsórcio ativo qdo houver pluralidade de sujeitos no polo ativo.

Há litisconsórcio passivo qdo houver pluralidade de sujeitos no polo passivo.

Há litisconsórcio misto qdo houver pluralidade de sujeitos tanto no polo ativo qto no polo passivo.

2.2. Inicial e ulterior (ou superveniente).

Litisconsórcio inicial é aquele que se forma concomitantemente à formação do processo (o processo já nasce em litisconsórcio).

Litisconsórcio ulterior é aquele em que o litisconsórcio surge durante o processo (o processo nasce sem litisconsórcio). Só se admite litisconsórcio ulterior em 3 situações:

a) em razão da intervenção de terceiro – logo, o terceiro intervém somando-se a um dos sujeitos do processo, em um dos polos (ativo ou passivo). O terceiro, portanto, não forma um outro polo no processo diferente do ativo ou passivo;

b) em razão da conexão – como na conexão há reunião de processos, ela pode unir partes em um polo;

c) em razão da sucessão, qdo a parte inicial é sucedida por uma pluralidade de sucessores (Ex: A morre e seus herdeiros ocupam seu lugar no processo).

2.3. Unitário e simples (ou comum).

A distinção entre unitário e simples é feita em decorrência do direito material discutido (relação jurídica discutida). Logo, para analisá-los, deve-se observar o

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direito material que os envolve.

No litisconsórcio unitário, a decisão de mérito tem que ser a mesma para todos os litisconsortes, pois se discutirá uma única relação jurídica indivisível. Todos os litisconsortes são tratados como se fosse uma só parte 72, apesar de não sê-la.

No litisconsórcio simples, cada litisconsorte pode ter uma decisão diferente, pois se discutirá mais de uma relação jurídica ou uma única relação jurídica divisível. O simples fato de poder haver decisões diferentes, o transforma em litisconsórcio simples.

Portanto, para identificar o litisconsórcio unitário, deve-se utilizar o seguinte método, que possui duas etapas:

1ª) Os litisconsortes estão discutindo qtas relações jurídicas? Se a resposta for superior a uma, o litisconsórcio é sempre simples e jamais unitário. Mas se for somente uma relação jurídica, deve-se partir para a segunda etapa a seguir;

2ª) Essa única relação jurídica discutida é indivisível? Se a resposta for sim, será litisconsórcio unitário. Mas se a resposta for não, ou seja, se a relação jurídica discutida for fracionada, será caso de litisconsórcio simples.

Por isso, pode se dizer que haverá litisconsórcio unitário sempre que os litisconsortes discutirem uma única relação jurídica e sempre que esta relação jurídica for indivisível.

Ex1 – litisconsórcio em obrigações solidárias: Dois credores solidários e dois devedores solidários para a entrega um cavalo. Neste caso, discute-se somente 1 relação jurídica e tal relação jurídica é indivisível, logo é litisconsórcio unitário.

Ex2 – outra situação de litisconsórcio em obrigações solidárias. Dois credores solidários e dois devedores solidários para entregar dinheiro. Neste caso, discute-se 1 relação jurídica e tal relação jurídica é divisível, logo é litisconsórcio simples.

Observa-se, portanto, que obrigações solidárias podem redundar em litisconsórcio simples ou unitário.

Ex3: um menor e o MP vão a juízo pedir alimentos. Há só uma relação jurídica e a relação jurídica é indivisível, por isso é litisconsórcio unitário. Observa-se que sempre que um legitimado extraordinário estiver em litisconsórcio com um legitimado ordinário, o litisconsórcio é unitário, já que o legitimado extraordinário e o legitimado ordinário estarão discutindo a mesma relação jurídica (que diz respeito ao legitimado ordinário).

72 Daí ser chamado de litisconsórcio unitário.

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→ DIA 05/04/2010.

Ex4: dois cidadãos em litisconsórcio propondo ação popular ou dois MPs propondo ação civil pública são casos de legitimados extraordinários em litisconsórcio. Tal situação repercutirá em litisconsórcio unitário. Logo, toda situação de legitimação extraordinária em litisconsórcio redundará sempre em litisconsórcio unitário, pois ambos os legitimados extraordinários estarão discutindo a mesma relação jurídica (que diz respeito ao sujeito da relação jurídica, cujo direito os legitimados extraordinários estão defendendo em nome próprio).

Ex5: litisconsórcio em demandas repetitivas é sempre simples, pois há mais de uma relação jurídica discutida. Pode haver decisões diferentes, como no caso em que um dos demandantes renuncia ou faz acordo, já que cada um discute sua própria relação. Obs.: vale ressaltar que, se a decisão puder ser diferente, o litisconsórcio já é simples.

Ex6: numa ação pauliana73 em que um 3º busca desconstituir uma situação fraudulenta contra os dois que realizaram a fraude. É caso de litisconsórcio passivo em ação constitutiva, onde são réus os sujeitos que realizaram a fraude. Se há litisconsórcio e a ação é constitutiva, na esmagadora maioria das vezes o litisconsórcio é unitário.

Condutas determinantes e condutas alternativas:

O fato de o litisconsórcio ser unitário ou simples faz com que o regime de tratamento dos litisconsortes varie.

Conduta determinante é aquela conduta praticada pela parte que a coloca em uma 73 A ação judicial que pode se valer o credor para atacar a fraude contra credores é Ação Pauliana. Trata-se de uma ação pessoal e não real, com prazo decadencial de 4 anos para a sua propositura. É uma ação específica, o que explica, inclusive, não se poder discutir a fraude em sede de embargos de terceiro (súmula 195 do STJ).

A legitimidade ativa para propor ação pauliana é do credor preexistente, inclusive aquele que tenha garantia, desde que esta se torne insuficiente (art. 158, § 1º, CC). Ex: se um imóvel hipotecado se desvaloriza em virtude de uma obra que provocará alagamento, o credor que possui esta hipoteca pode se valer da ação pauliana.

A legitimidade passiva é do devedor insolvente, e, se for o caso, contra a pessoa que com ele contratou e tb o terceiro de má-fé (ver REsp 242.151-MG). Ex: A doa bem para B e este vende o bem para C que, por sua vez, o compra de má-fé (sabendo da fraude contra credores). A, B e C podem ser litisconsortes passivos. Mas se C agiu de boa-fé, ele não poderá ser acionado. Com base no princípio da boa-fé, que orienta a interpretação do art. 161 do CC/02, se o terceiro a quem se transferiu o bem demonstrar a sua boa-fé, não poderá ser prejudicado. Nesse caso, o credor buscará outras vias de compensação, mas não pode anular o negócio onde C agiu de boa-fé.

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situação desfavorável, pois determina um resultado desfavorável. Ex: confissão, desistência, renúncia, não recorrer, não contestar, etc.

Conduta alternativa é aquela conduta praticada pela parte com o objetivo de melhorar a sua situação, ainda que o resultado prático não seja de melhora. A conduta é alternativa porque a parte a pratica, mas não tem certeza que sua situação irá melhorar. Ex: produzir prova, recorrer, contestar, alegar, etc.

A conduta determinante de um litisconsorte não prejudica o outro litisconsorte. Se o litisconsórcio for simples, a conduta determinante prejudicará somente o litisconsorte que a praticou. Se o litisconsórcio for unitário, a conduta determinante de um só produzirá efeito se todos a praticarem, já que a decisão de mérito deve ser a mesma para todos os litisconsortes (logo, se um litisconsorte unitário desistiu, confessou, renunciou, não contestou, etc., tais condutas não prejudicam os demais litisconsortes unitários).

A conduta alternativa de um litisconsorte unitário beneficia os demais. No litisconsórcio simples, a conduta alternativa de um não beneficia os demais (vale a máxima: cada um por si) – entretanto, há algumas mitigações, como na parte de resposta do réu e comunhão da prova, que serão examinadas quando tratados esses tópicos.

Enfim, no litisconsórcio unitário, haverá comunicação da conduta para todos os litisconsortes se ela for favorável (conduta alternativa); mas não haverá comunicação da conduta desfavorável (conduta determinante), ao menos que todos os litisconsortes a pratiquem, pois a decisão de mérito deve ser uniforme para todos os litisconsortes. No litisconsórcio simples, jamais haverá a comunicação da conduta de um dos litisconsortes para com os demais, pois a decisão de mérito pode ser diferente para eles, de modo que a conduta determinante no litisconsórcio simples só prejudica quem a praticou, assim como a conduta alternativa nesse litisconsórcio tb só beneficia quem a praticou (salvo exceções que serão vistas mais adiantes).

À época do CPC/1939, a doutrina mencionava 3 causas de litisconsórcio (3 situações que originam litisconsórcio74, seja qual fosse o litisconsórcio), chamada de três figuras de litisconsórcio:

a) comunhão de interesses – qdo os litisconsortes discutirem uma mesma relação, ou seja, interesses comuns — art. 46, I, do CPC. Ex: credores solidários em litisconsórcio. Aqui o litisconsórcio pode ser unitário ou simples,

74 Não confundir essas 3 situações que originam litisconsórcio (comunhão de interesses, conexão de interesses e afinidade de interesses) com as 3 situações que originam litisconsórcio ulterior (intervenção de terceiros, conexão e sucessão).

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a depender se a relação jurídica for divisível ou indivisível, já que se trata de uma única relação jurídica.

b) conexão de interesses – qdo os litisconsortes têm interesses conexos entre si (nota-se que não são interesses comuns entre si, como comunhão de interesses, mas sim ligados entre si) — art. 46, II e III, do CPC. Ex: mãe e filho se liticonsorciam contra o pai, sendo que o filho pede a investigação de paternidade e a mãe quer ressarcimento dos custos do parto. Aqui o litisconsórcio pode ser simples ou unitário, já que pode haver mais de uma relação jurídica ou uma única relação jurídica (e esta pode ser divisível ou indivisível).

c) afinidade de interesses – interesses semelhantes — art. 46, IV, do CPC. Ex: litisconsórcio nas ações repetitivas. Aqui o litisconsórcio será sempre simples, pois a relação jurídica não será uma única, já que haverá afinidade por apenas um ponto comum de fato ou de direito, e não identidade entre todos eles.

Todo litisconsórcio por afinidade é simples. Os demais (por comunhão ou por conexão) podem ser simples ou unitários.

Na vigência do CPC/1939, o litisconsórcio por afinidade ativo era recusável, ou seja, o demandado tinha o direito de não aceitar figurar nessa ação como réu. Por isso, esse litisconsórcio era chamado de litisconsórcio facultativo impróprio. Porém, o CPC de 1973 elimina a possibilidade de o réu recusar esse litisconsórcio.

No entanto, a profunda transformação das demandas de massa (ações repetitivas), ocorrida na década de 70 e 80, fez com que existissem ações por afinidade com dezenas e até centenas de pessoas no pólo ativo. Tal situação criou um prejuízo para o réu, que tinha que se defender com o mesmo prazo. Esse litisconsórcio formado por muitos indivíduos é chamado de litisconsórcio multitudinário. Para racionalizar essa situação, resgatou-se a idéia da recusa do litisconsórcio, porém com algumas modificações – mas vale ressaltar que tal recusa só vale para litisconsórcio multitudinário por afinidade e nunca para litisconsórcio unitário (pois neste a decisão tem que ser a mesma para todos os litisconsortes).

Esse regramento está no art. 46, § único, CPC. Segundo a antiga disposição do CPC/1939, o réu poderia recusar tal litisconsórcio de forma desmotivada. O novo dispositivo desse art. 46, § único, CPC, determina que o réu pode pedir a limitação dos indivíduos no pólo ativo, porém de forma motivada. Ademais, o próprio juiz pode, de oficio, limitar a quantidade de partes no pólo ativo.

O pedido de limitação feito pelo réu interrompe o seu prazo de defesa, de forma que o juiz julgará o pedido do réu e depois devolverá a este o prazo integral para defesa. O recomeço desse prazo de defesa se inicia a partir da intimação da decisão acerca do pedido de limitação.

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Se o litisconsórcio for unitário, pode haver milhares de indivíduos, já que a decisão é única. Por isso, o art. 46, § único, CPC, só se aplica em litisconsórcio por afinidade multitudinário, cujo exemplo mais emblemático são as demandas de causas repetitivas.

2.4. Necessário/facultativo.

Qdo a sua formação for obrigatória, o litisconsórcio é necessário.

Qdo a sua formação não for obrigatória, o litisconsórcio é facultativo.

O litisconsórcio é necessário qdo ele for unitário ou por expressa previsão legal. Ou seja, se o litisconsórcio é unitário, ele é necessário; ele é tb necessário em casos onde, mesmo não sendo unitário, é determinado como obrigatório por lei. Por isso, o litisconsórcio necessário por força de lei é simples75, entretanto, o legislador, por erro de redundância (art. 47, CPC), pode criar hipótese de litisconsórcio necessário, mesmo sendo unitário.

Todo litisconsórcio necessário é unitário? Falso, pois pode haver litisconsórcio necessário simples (em casos de expressa previsão legal).

Todo litisconsórcio unitário é necessário? Falso, pois pode haver litisconsórcio facultativo unitário quando este litisconsórcio unitário ocorrer no polo ativo (apesar de não ser essa a impressão que o art. 47 do CPC traduz). Para saber se o litisconsórcio facultativo é unitário, deve-se partir da premissa de que não existe litisconsórcio necessário ativo, pois não há como exigir que uma pessoa só possa ir a juízo (logo como autora) se outra pessoa se litisconsorciar com ela. Se não existe litisconsórcio necessário ativo, toda vez que o litisconsórcio unitário for ativo, ele será facultativo.

Entretanto, há quem pense de forma diferente: Nelson Nery defende que há litisconsórcio necessário ativo, mas, segundo ele, se um litisconsorte não quiser ir a juízo, o outro pode ir sozinho, desde que peça a citação daquele que não quis ir a juízo, de modo a colocar este que não quis ir a juízo no polo passivo. A doutrina divergente defende que quem não foi a juízo deve ser intimado para se manifestar (e não citado), pois jamais poderá figurar no polo passivo, até porque quem ajuizou a ação não quer resolver qualquer demanda com aquele que se furtou a ir a juízo.

No caso acima — de litisconsórcio facultativo unitário não formado (pois um indivíduo não quis estar em juízo) —, a coisa julgada atinge o possível litisconsorte unitário que não quis ir a juízo? Há 3 correntes:

1ª corrente (Talamini): a coisa julgada não atinge o possível litisconsorte unitário, pois a coisa julgada não atinge terceiro.

75 Ex: litisconsórcio necessário na ação de usucapião de imóveis e o litisconsórcio necessário na ação de demarcação de terras.

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2ª corrente (Leonardo Greco): a coisa julgada só atinge o possível litisconsorte unitário se a decisão for favorável a ele.

3ª corrente (Fredie Didier e Barbosa Moreira): a coisa julgada atinge o possível litisconsorte unitário independentemente se a decisão for favorável ou desfavorável a ele, pois a lide é uma só e a decisão é uma para todos. Por isso, deve-se intimar (e não citar, como defende Nelson Nery) o possível litisconsorte unitário, para que ele possa se manifestar em um processo que pode afetar a sua situação jurídica, de modo que, se este não foi intimado, a coisa julgada não pode atingi-lo. Inicialmente, Ada Pellegrini se filiava à 1ª corrente, mas depois aderiu à 3ª corrente.

Conseqüência da falta de citação de um litisconsórcio necessário passivo.

A despeito do que possa parecer, não há necessariamente a anulação do processo caso não tenha havido a citação do litisconsorte passivo necessário, pois se deve primeiro saber se o litisconsórcio necessário passivo é simples ou unitário. Convém relembrar que pode haver litisconsórcio necessário passivo simples por disposição de lei (logo, nesse caso, ele será simples e não necessário).

Se o litisconsorte necessário passivo unitário não for citado, a sentença é nula, pois tem que ser a mesma para todos. Portanto, tal sentença não vale para ninguém, não produzindo qualquer efeito.

Se um litisconsorte necessário passivo simples não for citado, a sentença contra aquele que foi citado é válida; e contra o que não foi citado, é ineficaz. Aqui, o litisconsórcio é simples, de modo que pode haver decisão diferente para cada litisconsorte. Logo, tal sentença tem valor para alguém e por isso opera efeitos.

Necessário Unitário

Facultativo Simples

No gráfico acima, só não existe litisconsórcio necessário ativo. O resto tem de tudo.

Há 3 espécies de litisconsórcio facultativo: eventual, alternativo e sucessivo. Estes serão vistos mais à frente.

Intervenção IUSSU IUDICIS.

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Intervenção IUSSU IUDICIS é a intervenção de um terceiro por determinação judicial. O terceiro é trazido ao processo por decisão estritamente judicial.

Era ela expressamente prevista no CPC/1939, que determinava que, se o juiz entendesse a necessidade de um terceiro figurar no processo, deveria ingressá-lo. Essa determinação era muito ampla.

O CPC/1973 reduziu a abrangência da Intervenção IUSSU IUDICIS a uma hipótese única: art. 47, § único — é a situação de trazer o litisconsorte necessário não citado.

Entretanto, a doutrina e a jurisprudência começaram a perceber a necessidade de permitir ao juiz trazer ao processo outros sujeitos além do litisconsorte necessário não citado, como o cônjuge que não autorizou a propositura da ação real imobiliária; ou intimar o possível litisconsorte facultativo unitário (que poderia atuar no polo ativo).

Intervenção litisconsorcial voluntária

Esse termo existe com duas acepções:

1. Intervenção litisconsorcial voluntária como assistência litisconsorcial (será visto mais adiante).

2. Intervenção litisconsorcial voluntária como um litisconsórcio facultativo ulterior ativo simples.

Ocorre em casos de ação repetitiva, onde um indivíduo estranho ao processo, mas com uma situação jurídica parecida com aquela que se discute nesse processo, pede para ingressar nele com o escopo de aproveitar uma situação vantajosa do processo. Em sendo admitido, ocorrerá um litisconsórcio facultativo ulterior ativo simples76.

A maioria da doutrina ainda entende que essa situação é maligna, pois fere o princípio do juiz natural, já que a parte demanda já sabendo o juiz da causa.

No entanto, a doutrina mais moderna passou a ter outra visão sobre tal situação, mormente com o advento das causas repetitivas e o redimensionamento do processo à luz das causas repetitivas. Pesam razões de igualdade e economia processual.

76 Como visto anteriormente, o litisconsórcio em demandas repetitivas é sempre simples, pois há mais de uma relação jurídica discutida. Pode haver decisões diferentes, como no caso em que um dos demandantes renuncia ou faz acordo, já que cada um discute sua própria relação. Obs.: vale ressaltar que, se a decisão puder ser diferente, o litisconsórcio já é simples.

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A lei de Mandado de Segurança, art. 10, § 2º, determina que não será admitida a intervenção do litisconsorte ativo após o despacho inicial. Esse dispositivo acabou admitindo a intervenção litisconsorcial (desde que até o despacho inicial).

Intervenção de terceiros.

1. Introdução.

1.1. Fundamentos das intervenções de terceiros.

Um processo de A contra B necessariamente irá repercutir para além destes. Pode ser uma repercussão moral, afetiva (de um parente da parte perdedora), econômica, jurídica, etc. Como esses terceiros sofrem a repercussão do processo, permite-se que eles intervenham no processo em alguns casos, além de se permitir o contraditório desses terceiros, por uma questão de economia processual.

1.2. Conceitos fundamentais.

- Conceito de parte – parte é quem está no processo e faz parte do processo.

- Conceito de terceiro – terceiro é quem não é parte.

- Conceito de intervenção de terceiro – é o ingresso de terceiro em processo alheio, tornando-se parte77.

- Conceito de incidente do processo – é um procedimento novo que surge de um processo já existente, de modo não necessário, sendo que dele passa a fazer parte. O incidente do processo o torna mais complexo e maior, mas não faz nascer outro processo. Ex: impugnação ao valor da causa; exceção de impedimento ou suspeição; reconvenção; todas as intervenções de terceiro , etc.

- Conceito de processo incidente – é processo novo que surge de um processo já existente, que dele se desgarra e nele produz efeito. Ex: embargos de terceiro; MS contra ato judicial; embargos da execução; etc. Observar que nenhuma intervenção de terceiro é um processo incidente, mas sim um incidente do processo.

1.3. Efeitos das intervenções de terceiro no processo.

- Pode amplia subjetivamente o processo (acréscimo de partes). Ex: chamamento ao processo, assistência.

77 Como já visto, o litisconsórcio ulterior é formado por conexão, sucessão ou por intervenção de terceiro. Por isso, o terceiro intervém somando-se a um dos sujeitos do processo em litisconsórcio, no polo ativo ou passivo, tornando-se parte, de modo a não formar outro polo no processo diferente do ativo ou passivo.

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- Pode mudar subjetivamente o processo. Ex: nomeação à autoria.

- Pode ampliar objetivamente o processo – algumas intervenções de terceiro acrescentam ao processo um novo pedido, uma nova demanda. Ex: denunciação da lide; oposição, etc.

1.4. Controle pelo magistrado.

Toda intervenção de terceiro se submete ao controle do juiz. O terceiro não pode ingressar no processo sem passar pelo crivo do magistrado (ver art. 51 do CPC). Mesmo que todas as partes do processo autorizem a entrada do terceiro, necessário é que o juiz autorize.

1.5. Classificação da intervenção de terceiro.

→ 1.5.1. Espontâneas e coactas (ou provocadas).

Na espontânea, o terceiro pede para entrar no processo (Ex: assistência, oposição, recurso de terceiro). Coacta é aquela em que o terceiro é trazido ao processo (Ex: denunciação da lide; chamamento ao processo; e nomeação à autoria).

Obs.: para saber se se trata de intervenção espontânea ou provocada, deve-se fazer a pergunta: o terceiro trazido a juízo tem relação com o seu adversário ou com aquele que provocou a sua intervenção?

Se tiver relação com o adversário dele, é por que a intervenção é espontânea, já que ele ingressou no processo para obter um benefício próprio. Se tiver relação com aquele que provocou sua intervenção, é por que o terceiro foi levado ao processo de forma provocada.

→ 1.5.2. AD COADJUVANDUM E AD EXCLUDENDUM.

No primeiro caso, o terceiro adentra no processo para ajudar a parte (Ex: assistência); já no 2º, o terceiro adentra para se contrapor (Ex: oposição).

→ DIA 09/04/2010.

1.6. Cabimento.

As intervenções de terceiros cabem sempre no procedimento ordinário.

Nos juizados especiais, as intervenções de terceiros não são cabíveis .

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No procedimento sumário, admitem-se a assistência, o recurso de terceiro e a intervenção fundada em contrato de seguro. A duas primeiras são espécies de intervenção de terceiros, mas a intervenção fundada em contrato de seguro não é espécie de intervenção de terceiros, mas gênero de intervenção de terceiros que possui como espécies a denunciação da lide e o chamamento ao processo em causas de consumo78. Denunciação da lide e chamamento ao processo não cabem em procedimento sumário, mas denunciação da lide em contrato de seguro e chamamento ao processo em contrato de seguro cabem no procedimento sumário. Logo, as intervenções de terceiros aceitas no procedimento sumário são: assistência, recurso de terceiro, denunciação da lide em contrato de seguro e chamamento ao processo em contrato de seguro.

Intervenção de terceiro nas ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADIN, ADC e ADPF).

Há duas leis que tratam dessas ações de controle concentrado de constitucionalidade: 9.868/99 e 9.882/99. Ambas as leis vedam expressamente a intervenção de terceiros nessas ações (pois esta vedação foi feita em consonância com a jurisprudência do STF à época, de modo que, até 1999, o STF entendia que terceiros particulares não podiam intervir nessas ações).

Entretanto, a doutrina fez duas ponderações que passaram a ser aceitas pelo STF pós 1999:

a) não há como proibir a intervenção de um co-legitimado na propositura dessas ações, pois se este foi proibido, ele poderá propor outra ADIN de mesmo conteúdo, que será depois reunida com a ADIN já existente. Por isso, o STF entendeu que tal proibição não atinge o co-legitimado. Ex: numa ADIN já proposta pelo procurador geral da república, o presidente da república pode intervir.

b) tais processos (de controle concentrado de constitucionalidade) admitem a intervenção de AMICUS CURIAE.

AMICUS CURIAE:

O AMICUS CURIAE é o amigo da Corte. É o sujeito que intervém no processo para oferecer subsídios que auxiliam o órgão jurisdicional a decidir. É, portanto, uma espécie de conselheiro, que vai contribuir com o aprimoramento da decisão judicial, dando novo enfoque.

O AMICUS CURIAE não é perito, pois o perito analisa fato e o AMICUS CURIAE traz um enfoque técnico ao caso em debate. O AMICUS CURIAE é um auxiliar da Justiça, que ajuda o juiz a decidir, mas isso não quer dizer que ele seja

78 O chamamento ao processo em causas de consumo está previsto no art. 101, II do CDC. Convém ressaltar que esse chamamento ao processo previsto em causas de consumo (CDC) é aceito no procedimento ordinário e sumário, mas nunca no procedimento dos juizados (procedimento sumaríssimo – lei 9.099), pois não se admite intervenção de terceiros no rito dos juizados especiais.

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imparcial. Por ser um auxiliar, parte da doutrina entende que a intervenção do AMICUS CURIAE não é intervenção de terceiro. Mas há doutrina que entende que no AMICUS CURIAE há intervenção de terceiro.

Se prevalecer o entendimento de que o AMICUS CURIAE é intervenção de terceiro, este é caso de intervenção de terceiro na ADIN, ADC e ADPF, pois é permitido a intervenção de AMICUS CURIAE pela própria lei.

Normalmente o AMICUS CURIAE intervém de forma escrita, através de um memorial, mas o STF permite a sustentação oral do AMICUS CURIAE desde 2003. O AMICUS CURIAE tb pode intervir em audiências públicas realizadas pelo STF.

A doutrina defende que o primeiro caso de AMICUS CURIAE no Brasil se deu com a Lei 6.385/79, que criou a CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Para essa lei, em qualquer processo no Brasil onde se discuta matéria de competência da CVM, esta deve ser intimada obrigatoriamente para se manifestar (por se tratar de matéria complexa e de difícil entendimento até pelo juiz, de forma que a CVM vai atuar como AMICUS CURIAE, auxiliando o magistrado). A CVM é uma autarquia que cuida da fiscalização do mercado de ações. No caso desta lei, o AMICUS CURIAE (CVM) é obrigatório e é identificado.

Outro caso de AMICUS CURIAE está presente na Lei 8.884/94 (LAT — Lei anti truste). A LAT criou o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica — autarquia cuja função é defender a livre concorrência). Segundo essa lei, em qualquer ação no Brasil que cuida de matéria de competência do CADE, este deve ser obrigatoriamente intimado a intervir. O CADE tb é um AMICUS CURIAE que auxiliará o juiz nesse tema que é complexo. Aqui tb, o AMICUS CURIAE (CADE) é obrigatório e é identificado.

Esse tratamento de AMICUS CURIAE muda de figura com as leis de controle concentrado de constitucionalidade (leis 9.868/99 e 9.882/99), pois essas leis seguem um outro modelo: intervenção opcional de AMICUS CURIAE; intervenção espontânea ou por provocação do AMICUS CURIAE. Ademais, essas 2 leis não determinam quem é o AMICUS CURIAE, cabendo ao ministro do STF escolhê-lo, podendo ser pessoa física ou jurídica, desde que tenha representatividade e possa colaborar com o juízo. Logo, as Leis 9.868/99 e 9.882/99 criaram hipóteses de AMICUS CURIAE opcional e não identificado previamente (tal identificação será feita pelo ministro do STF no caso concreto).

Em 2003, o STF julgou um de seus casos mais importantes, que envolveu a acusação de racismo por antissemitismo de um dono de editora. Essa pessoa foi condenada pelo juízo a quo e impetrou um HC no STF (nº 82.424), dizendo que judeu não é raça, pois não há raças humanas, e, por isso, o crime de racismo é impossível. Nesse HC, o STF admitiu AMICUS CURIAE, mesmo sem

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previsão legal, pois a lei não prevê AMICUS CURIAE no HC. O AMICUS CURIAE era Celso Lafer, um judeu, ex-ministro de Estado e professor titular da USP, que apresentou suas razões por meio de um memorial de 100 páginas.

O STF, depois desse julgamento, entendeu que o racismo é crime contra a diferença e não contra a raça.

Atualmente, é pacífico o entendimento de que o AMICUS CURIAE cabe em qualquer processo (principalmente em ações coletiva, para dotar as ações coletivas de um caráter ainda mais democrático e, portanto, para dotá-la de legitimidade), desde que se trate de um processo relevante e que o AMICUS CURIAE tenha representatividade .

1.7. Intervenções de terceiro em espécie.

→ 1.7.1. Assistência (é espontânea).

Assistência é uma intervenção espontânea que pode ocorrer em qualquer momento do processo (enquanto este estiver pendente), em qualquer dos pólos do processo, sendo ela uma intervenção que não trás pedido novo (o assistente não formula pedido novo, mas só adere à pretensão da parte).

Para que o sujeito intervenha como assistente, ele deve demonstrar interesse jurídico na causa. Há 2 dimensões de interesse jurídico que compõe a assistência: a) interesse jurídico forte, direto ou imediato; b) interesse jurídico fraco, indireto ou mediato (reflexo).

a) interesse jurídico forte, direto ou imediato.

Nesse caso, o assistente faz parte da demanda discutida em juízo.

É caso em que A litiga contra B, de modo que C pede para intervir auxiliando A, pois a demanda (objeto da discussão) lhe diz respeito, já que C faz parte dela. Ex1: um condômino que pede para intervir em processo ajuizado por outro condômino. Ex2: se o autor for o substituto processual daquele que quer intervir. Há interesse forte tb qdo o terceiro é um co-legitimado extraordinário (Ex: no caso da ADIN, qdo o Procurador Geral da República propõe a ADIN e o Presidente da República intervém na ação).

A assistência do interesse jurídico forte é a assistência litisconsorcial. É chamada de assistência litisconsorcial porque o assistente se transforma em um litisconsorte unitário do assistido. A assistência litisconsorcial nada mais é do que um litisconsórcio facultativo unitário ulterior — por ser facultativo, ocorre na maioria das vezes no polo ativo, pois o litisconsorte unitário passivo é necessário (e não facultativo).

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A relação entre assistente e assistido na assistência litisconsorcial é a mesma que ocorre no litisconsórcio unitário já estudado. Não há subordinação entre o assistente litisconsorcial e o assistido. Portanto, o assistente litisconsorcial se vincula à coisa julgada, já que ele é parte principal.

b) interesse jurídico fraco, indireto, reflexo ou mediato.

Aqui, o assistente não faz parte da demanda discutida em juízo, mas sim possui uma relação jurídica com o assistido, sendo que esta relação jurídica com o assistido tem uma conexão com a demanda discutida em juízo.

Apesar de haver um interesse fraco, há interesse. Nesse caso, o assistente quer ajudar uma das partes por ter com o assistido uma outra relação jurídica que não está sendo discutida no processo, mas cuja demanda discutida está conexa com uma outra relação jurídica entre o assistente e o assistido. Ou seja, a relação do interveniente com o objeto do processo em discussão é indireta. Ex: numa ação de despejo, o assistente é o sublocatário e por isso sofrerá os reflexos do despejo, pois, se a locação se extinguir, terá cabo tb a sublocação; nesse exemplo, o sublocatário não integra diretamente a ação de despejo.

Obs.: o servidor poderá ser assistente do ente público em ações que verse sobre a responsabilidade desse ente público por um ato praticado pelo servidor. Aqui, o servidor procurará auxiliar o ente público a sair vencedor da lide, para que aquele não sofra uma ação regressiva do ente público.

Qdo o interesse é fraco, a assistência é simples. O assistente simples sim é uma parte auxiliar e não um litisconsorte unitário.

O assistente simples é um legitimado extraordinário subordinado , pois estará em juízo em nome próprio discutindo interesse alheio, de forma que sua atuação fica subordinada à vontade do assistido (o art. 53 do CPC só se aplica à assistência simples, pois, como visto, a conduta determinante do litisconsorte unitário só produzirá efeito se todos os demais litisconsortes unitários a praticarem, já que a decisão de mérito deve ser a mesma para todos os litisconsortes).

Se o assistido for revel, o assistente pode contestar por ele. Para a lei (art. 52, § único, CPC), a revelia não é manifestação de vontade (por isso o assistente não se subordina a esta).

Se há uma sentença contra o assistido e este não recorre, fazendo com que o assistente recorra, para o STJ tal recurso não deve ser examinado (é como se o assistido tivesse concordado com a sentença). Mas, parte da doutrina entende que esse é caso semelhante à revelia descrita no parágrafo anterior (art. 52, § único, CPC).

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O assistente simples não se submete à coisa julgada. Ele se submete àquilo que se chama de eficácia da intervenção (ou eficácia preclusiva da intervenção, ou, conforme redação do art. 55, caput, CC, ele se submete à justiça da decisão) — é uma outra força preclusiva que não é coisa julgada. A eficácia da intervenção em um aspecto é mais grave que a coisa julgada, pois esta só vincula o dispositivo da decisão. A eficácia da intervenção vincula o assistente aos fundamentos da decisão (a ratio decidendi), ou seja, tudo o que o juiz disser no fundamento não pode ser discutido pelo assistente. Ex: se a ação de despejo se fundar no fato de que a casa foi utilizada como casa de prostituição e o juiz julgar procedente essa tese, tal fundamento é indiscutível pelo assistente — logo, este não pode mais discutir que não houve uso da casa como ambiente de prostituição. Em um outro aspecto, a eficácia da intervenção é mais suave que a coisa julgada, pois a coisa julgada pode ser desconstituída por ação rescisória (que possui diversas limitações), enquanto a eficácia da intervenção pode ser afastada de uma forma mais simples (art. 55 e incisos do CPC79).

Alienação da coisa ou do direito litigioso (art. 42 do CPC).

É caso, por exemplo, em que A litiga contra B pelo objeto X. Depois, B vende a coisa litigiosa para C (mas poderia, como exemplo, ser uma coisa vendida pelo autor). Esse fato é lícito e possível, mas é ineficaz para A, pois a venda não alcança este. Por isso, se A ganhar, ele poderá buscar a coisa na mão de C, já que C comprou a coisa sabendo ser ela objeto do litígio.

Logo, quem compra a coisa litigiosa se submete à coisa julgada (§ 3º do art. 42, CPC), exceto na aquisição de imóvel litigioso em cuja matrícula não tenha sido averbada a pendência do processo, cuja exceção existe para proteger a segurança jurídica.

Exatamente porque o adquirente se submete à coisa julgada, ele pode pedir para entrar no lugar de B (vendedor), sucedendo-o, se e somente se A consentir (§ 1º do art. 42, CPC). Nesse caso, B sai do processo, porém B pode pedir para continuar no processo auxiliando C (para que este ganhe e não entre com ação regressiva contra B). Observa-se que a assistência de B é um patente caso de assistência simples.

Vê-se que a alienação de coisa litigiosa pode gerar uma sucessão processual e uma assistência simples (do alienante, que foi substituído), caso a outra parte consinta com a sucessão.

Se A não consentir com a sucessão, esta não ocorrerá. Não havendo sucessão, o adquirente poderá intervir no processo como assistente do alienante (§ 2º do art.

79 Este artigo só se aplica à assistência simples. As duas situações dos incisos do art. 55, CPC, que permitem que o assistente simples escape da eficácia da intervenção é o EXCEPTIO MALE GESTIS PROCESSUS (exceção da mau gestão do processo). Obs.: este art. 55 cai muito em concurso.

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42, CPC). Ocorre que aqui é caso de assistência litisconsorcial (pois o assistente intervém discutindo direito próprio). Nesse caso, A litiga contra B e C (sendo que B e C atuam como litisconsortes unitários), de forma que B continuará no processo defendendo direito alheio (pois a coisa não é mais dele). Portanto, B (alienante) permanece no processo como legitimado extraordinário superveniente.

Observa-se que a alienação da coisa litigiosa pode gerar uma assistência litisconsorcial e uma legitimação extraordinária superveniente (tb chamada de substituição processual superveniente), caso a outra parte não consinta com a sucessão.

→ 1.7.2. Intervenções especiais dos entes públicos (é espontânea) — art. 5º da lei 9.469/97.

Há duas situações:

a) caput – é uma intervenção que só cabe à União. Trata-se de intervenção espontânea, a qualquer tempo, em qualquer dos polos, sem trazer pedido novo (pois se assemelha a uma assistência). Observa-se que todas as suas características parecem com a assistência, porém difere desta só porque a União é dispensada de demonstrar o interesse jurídico, bastando, pois, só a sua vontade — é como se houvesse presunção absoluta de interesse jurídico. Vale ressaltar que a União só pode se utilizar dessa intervenção especial nos processos de que faça parte autarquia, fundação, empresa pública e sociedade de economia mista, todas elas federais.

b) § único – é uma intervenção para as pessoas jurídicas de direito público. Todas as características elencadas acima se aplicam aos casos previstos no § único (é intervenção espontânea, a qualquer tempo, em qualquer dos pólos, sem trazer pedido novo). A diferença é que a situação prevista no § único cabe em qualquer processo; ademais, deve-se demonstrar interesse econômico (é único caso de intervenção fundada em interesse econômico) e cujo objetivo é esclarecer questões e juntar documentos — por isso boa parte da doutrina diz que essa intervenção especial do § único do art. 5º, Lei 9469, é uma intervenção de AMICUS CURIAE. Ademais, tais pessoas jurídicas de direito público podem recorrer, sendo que nesse caso obedecer-se-á o foro ratione personae dessas pessoas jurídicas, como se parte fossem.

→ 1.7.3. Oposição (é espontânea).

Numa demanda entre A e B para discutir uma demanda X, surge C para pleitear a coisa disputada. Na oposição, um terceiro intervém no processo para pleitear aquilo que é disputado.

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O processo passa a ter 2 configurações: A contra B; e C contra A e B. Portanto, o processo passa a ter 2 pedidos: o pedido original e o pedido do terceiro, de modo que a oposição agrega ao processo um pedido novo.

Conforme art. 61 do CPC, o juiz, no momento da sentença, primeiro julga a oposição, para depois julgar a ação, já que a oposição pode prejudicar o julgamento da ação.

A oposição faz surgir um litisconsórcio passivo, ulterior, necessário, simples. Tanto o litisconsórcio é simples que, no CPC, o art. 58 estabelece uma conduta determinante (que não prejudica o outro).

Embora haja litisconsórcio, o prazo na oposição é comum e os opostos serão citados na pessoa de seus advogados (não necessitando ser citados pessoalmente).

Depois da sentença, não cabe oposição.

Se a oposição for ajuizada até o início da audiência, ela é regulada pelo art. 59 — é chamada de oposição interventiva (pois é uma intervenção de terceiros) — em que se trata de um incidente do processo, onde o juiz terá que julgar ambas as demandas na mesma sentença. Ou seja, até antes da audiência, a oposição é verdadeira intervenção de terceiro, devendo ser julgada juntamente com a ação.

Se a oposição é interposta entre a audiência e a sentença, ela é regulada pelo art. 60 do CPC — é chamada de oposição autônoma (não é intervenção de terceiros) — em que é processo incidente (que seguirá o rito do procedimento ordinário), podendo não ser julgada em conjunto com a ação. Nessa hipótese, o art. 60, in fine, CPC, permite que o juiz sobresteja o andamento do processo, a fim de julgá-lo conjuntamente com a oposição.

→ DIA 12/04/2010.

→ 1.7.4. Chamamento ao processo (é provocada).

Características do chamamento ao processo:

- O chamamento ao processo é uma intervenção provocada pelo réu (nunca pelo autor).

- O chamamento ao processo é uma opção do réu, podendo o réu se valer dele ou não.

- É típico de ações de conhecimento (não cabe, por exemplo, em execução).

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- O chamamento ao processo cabe nos casos em que há solidariedade entre chamante e chamado. O réu demandado chama ao processo outrem que responde solidariamente com ele. Ex: devedores solidários. Nota-se que nessa relação o chamado tem tb, junto com o réu, relação com o autor da ação.

O art. 77 do CPC traz casos de chamamento ao processo em 3 incisos: I – fiador demandado pode chamar ao processo o devedor80; II – um fiador pode chamar ao processo um co-fiador; III – o devedor pode chamar ao processo outro co-devedor.

No entanto, o CDC prevê uma 4ª hipótese de chamamento ao processo em seu art. 101, II, 1ª parte, no qual o fornecedor, demandado pelo consumidor, pode chamar ao processo a seguradora. Esta é uma hipótese sui generis, pois a seguradora, nesse caso, responde solidariamente perante o fornecedor e não somente perante o segurado.

Com o chamamento, o chamado passará a ser litisconsorte ulterior do chamante.

O chamamento ao processo revela certa desarmonia entre o direito material e o direito processual, pois o direito material determina que o credor pode escolher qualquer devedor para demandar, enquanto o CPC, com o chamamento ao processo, permite que um responsável pela dívida traga os demais responsáveis pela dívida. Apesar disso, o chamamento ao processo não é de todo ruim, pois ele faz com que a sentença possa ser proferida contra chamante e chamado, podendo tb ser executada contra ambos (ampliando o rol de patrimônio a ser penhorado). Se, por ventura, um dos devedores vier a pagar a dívida (chamante ou chamado), ele (o pagador) já disporá de uma sentença para cobrar do outro co-obrigado o seu respectivo quinhão (já que se sub-rogou da dívida), sem a necessidade de entrar com uma ação de regresso autônoma — art. 80 do CPC.

→ 1.7.5. Nomeação à autoria (é provocada).

É intervenção de terceiro provocada pelo réu, mas não por opção, e sim por um dever . Se o réu não cumprir este dever, ele arca com perdas e danos .

O objetivo da nomeação à autoria é promover a correção do pólo passivo da demanda, fazendo com que haja uma sucessão processual. É caso em que o réu fora indevidamente nomeado, por ser parte ilegítima. Depois que o réu nomear à autoria, se o juiz constatar que houve erro no pólo passivo, o réu devido adentra na demanda no lugar do réu inicialmente indicado (indevidamente).

O réu só tem o dever de indicar a parte legítima nos casos de nomeação à autoria. Nos demais casos, ele deverá defender-se alegando que não é parte legítima, porém sem necessariamente indicar o réu (mas pode fazê-lo, só para reforçar sua defesa, pois não será caso de nomeação à autoria).

80 A recíproca não é verdadeira, pois o devedor não pode chamar ao processo o fiador.

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Nos casos de nomeação à autoria, o autor é iludido pela aparência de que o réu por ele indicado é parte legítima, mesmo sem o ser; ademais, trata-se de uma situação em que o réu erroneamente indicado sabe quem é o réu legítimo. Por uma questão de boa-fé (e cooperação processual), o CPC determina que este é caso de nomeação à autoria, onde o réu inicial tem que indicar o réu legítimo, sob pena de perdas e danos.

Do exposto, observa-se que, se o autor, iludido pela aparência, indica o réu errado e se esse réu sabe quem é o réu legítimo, é caso de nomeação à autoria, devendo o réu ilegítimo nomear à autoria o réu legítimo. Mas, se o autor indica o réu errado não por erro de aparência, mas por entender que o réu é aquele por ele indicado, ou se o réu indicado não conhece o réu legítimo, não é caso de nomeação à autoria, devendo o réu somente alegar sua ilegitimidade passiva.

Na nomeação à autoria, o nomeado tem relação com o autor, mas observa-se que só ele o tem, de modo que o polo passivo será alterado e não ampliado (como ocorre no chamamento ao processo).

A redação do final do art. 66, CPC, é muito criticada. A sua interpretação correta é a seguinte: se o nomeado nega a qualidade que lhe é atribuída, o processo segue contra o nomeante, só que este atua como legitimado extraordinário (defendendo interesses que não são dele, mas sim do nomeado), de forma que a sentença produzirá efeitos contra o nomeado . Ocorrendo isso, a situação do nomeado se assemelha à revelia.

A nomeação à autoria do art. 62, CPC, é própria das ações reipersecutória, onde o nomeante é o detentor e o nomeado é possuidor ou proprietário. Ex: A propõe ação reipersecutória contra um mero servo da posse (caseiro, motorista, etc.), mas não contra o legítimo possuidor; nesse caso, A acha que o caseiro é o possuidor da casa, ou que o motorista é o possuidor do carro. Mas o caseiro e o motorista sabem quem é o legítimo possuidor.

A nomeação à autoria do art. 63 é caso de ação indenizatória, onde o nomeante é preposto que recebeu ordens ou instruções, e não a parte legítima. Quem propôs a ação acha que o preposto é a parte legitimada, mas o preposto sabe quem é a parte legitimada, devendo nomeá-la.

Obs.: a matéria abaixo se trata de novidade que só deve ser respondida se perguntada em prova dissertativa ou oral.

Alguns autores afirmam que a nomeação à autoria nas ações indenizatórias não é nomeação à autoria (uma vez que não seria caso de correção do pólo passivo), pois os artigos 932, III, c/c 942, § único, do CC/02, juntos, estabelecem a responsabilidade solidária entre preposto e preponente, não havendo que se falar em correção do pólo passivo, mas de chamamento ao processo.

Segundo Fredie Didier, esses artigos do CC são muito claros em determinar, de

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fato, tal solidariedade. Entretanto, há doutrina que não entende dessa forma.

Mas, mesmo assim, em prova objetiva, não se deve considerar esse entendimento, devendo tratar essa situação como nomeação à autoria e não como chamamento ao processo.

Vale ressaltar que a nomeação à autoria é intervenção de terceiro típica de processo de conhecimento, ou seja, em execução não cabe nomeação à autoria, de modo que o réu tem que defender-se alegando a própria ilegitimidade.

→ 1.7.6. Denunciação da lide (é provocada).

Na denunciação da lide, o denunciante formula pedido contra o denunciado que consiste no ressarcimento a ser arcado pelo denunciado caso o denunciante perca no processo. Por isso o denunciado já é trazido ao processo ou na petição inicial (qdo o denunciante for o autor) ou na contestação (qdo o denunciante for o réu).

A denunciação da lide é outra intervenção de terceiro típica de processo de conhecimento.

A denunciação da lide pode ser provocada por autor ou réu. O autor pode fazê-lo já na petição inicial e o réu já na sua contestação. Feita a denunciação da lide pelo autor, ela não será propriamente uma intervenção de terceiro, pois se o autor o fez, o processo já nasce contra o terceiro, não havendo a intervenção deste depois do processo formado.

A denunciação da lide é uma demanda, já que o denunciante formula pedido contra o denunciado. Por isso, a denunciação da lide agrega novo pedido ao processo: além do pedido originário (do autor contra o réu), há outro pedido (do autor contra o denunciado ou do réu contra o denunciado).

Tal demanda nova é uma demanda de regresso, cujo objetivo é um ressarcimento a ser arcado pelo denunciado. Entretanto, deve-se sempre observar que a denunciação da lide é uma demanda regressiva eventual, uma vez que a denunciação da lide é proposta para a hipótese de o denunciante (seja ele autor ou réu) vir a perder a ação principal. Ex: o denunciante pede ao juiz o reembolso a ser arcado pelo denunciado, caso aquele perca a ação; portanto, já pede que se traga esse terceiro ao processo. Por esse motivo, a denunciação da lide só será examinada se o denunciante vir a perder a ação principal; se o denunciante ganhar na ação principal, a denunciação da lide sequer será examinada (nesse caso, ela restará prejudicada).

Se o denunciante sair vitorioso no juízo de 1º grau, mas houver recurso e o denunciante perder nesta fase recursal, o Tribunal deverá julgar a denunciação da lide.

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Na denunciação da lide, o denunciado não terá relação com o autor, caso ele seja denunciado pelo réu; se for denunciado pelo autor, ele já não terá relação com o réu. Nota-se que na denunciação da lide o denunciado jamais terá relação com o adversário daquele que provocou a sua intervenção.

A posição processual do denunciado na 2ª demanda (feita pelo denunciante contra o denunciado) é de réu, pois na 2ª demanda (gerada pela denunciação da lide) o denunciado é demandado. Na 1ª demanda — principal — (feita pelo autor contra o réu), o denunciado é um legitimado extraordinário, pois atuará em nome próprio defendendo os interesses do seu denunciante, mesmo sendo este seu adversário na 2ª demanda (já que o denunciado quer que seu denunciante ganhe, para que aquele não tenha que indenizar este).

O CPC diz que denunciado e denunciante são litisconsortes — é uma situação de litisconsorte entre o legitimado extraordinário e ordinário, logo é caso de litisconsórcio unitário. Portanto, deduz-se que a natureza do litisconsórcio entre o denunciante e o denunciado é de litisconsórcio unitário.

Não obstante, em um 2º entendimento, Dinamarco entende que o denunciado é assistente litisconsorcial do denunciante. Ocorre que assistente litisconsorcial é idêntico a litisconsórcio unitário. Mas Dinamarco se nega a chamá-lo de litisconsorte unitário.

Já uma 3ª corrente, encabeçada por Nelson Nery, entende que o denunciado é assistente simples do denunciante, pois Nery diz que o interesse do denunciado (em relação à 1ª demanda) é reflexo e não direto, ou seja, para ele, o assistente não faz parte da demanda discutida em juízo, mas sim possui uma relação jurídica com o assistido, sendo que esta relação jurídica com o assistido tem uma conexão com a demanda discutida em juízo. Apesar de ser este um entendimento coerente, o CPC o trata como litisconsórcio unitário. Passa-se a impressão de que o CPC quis tratá-lo com os poderes do litisconsórcio unitário e não como litisconsórcio simples.

Condenação direta do denunciado.

O denunciado é condenado após a condenação do denunciante.

Do ponto de vista do direito material, não é possível haver condenação direta do denunciado, pois este não tem relação com o adversário do denunciante (o denunciado não deve nada a quem saiu vencedor no processo). Mas o STJ, desnaturando a denunciação da lide, passou a admitir a condenação direta da seguradora.

Ex: o autor da ação é a vítima; o réu é o causador de um acidente – que é segurado (por isso denuncia a seguradora) –; e a seguradora é o denunciado. Em muitos casos, o réu segurado não tinha patrimônio e não pagava o que a sentença determinava, de modo que a seguradora não ressarcia, já que o sucumbente não pagava. Por isso, o STJ acabou por condenar diretamente a seguradora, mesmo

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que esta não tenha nenhuma relação direta com a vítima.

Essa jurisprudência do STJ fez com que o CDC determinasse a solidariedade da seguradora, com já mencionado anteriormente. Ademais, o CC/02, no art. 788, prevê expressamente um caso em que seguradora responde diretamente à vítima — é caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil (como o DPVAT). Nesses 2 casos, não cabe denunciação da lide , pois já há expressa determinação legal. Entretanto, o STJ vem aplicando esse entendimento mesmo em casos não previstos por lei, como o faz o CDC.

Distinção entre denunciação da lide e chamamento à autoria.

Chamamento à autoria é intervenção de terceiros que não mais existe (existiu até 1973 e deu lugar à denunciação da lide).

Entre ambas há um vínculo genético, mas elas são distintas. Apesar disso, muitas pessoas começaram a entender a denunciação da lide como se fosse o chamamento à autoria, só que com nome diferente.

Evicção.

Evicção é a perda, para uma terceira pessoa, de uma coisa adquirida onerosamente de alguém. Ex: A compra um imóvel de B; C ajuíza ação reivindicando imóvel de A e ganha, de forma que A sofre evicção (A é um evicto, pois perdeu coisa de outra pessoa; e C é um evictor).

Havendo evicção, o alienante tem que ressarcir os prejuízos do adquirente. Atualmente, cabe denunciação da lide em caso de evicção, de forma que o demandado (comprador do bem) pode denunciar à lide o alienante.

Antes da existência da denunciação da lide (que surgiu com o CPC/1973), o evicto era protegido pelo chamamento à autoria (que só cabia para casos de evicção). Mas a denunciação da lide (posteriormente criada) cabe para este caso e para diversos outros. Logo, a denunciação da lide é muito mais ampla.

Pelo chamamento à autoria, o comprador avisava o alienante que, caso ele perdesse o bem, ajuizaria ação contra o alienante depois (e não na mesma ação).

A 1ª diferença, pois, é que a denunciação da lide não é simples aviso (como no chamamento à autoria), mas uma demanda efetivamente ajuizada e que será julgada caso o denunciante saia vencido.

Qto à 2ª diferença, no chamamento à autoria, o alienante poderia simplesmente ignorar a comunicação (pois, de fato, o problema só seria debatido numa possível

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futura ação do evicto contra o alienante) ou pedir para entrar no processo no lugar do comprador. Nota-se que no chamamento à autoria havia uma possibilidade de o alienante intervir no processo; já na denunciação da lide, o alienante entra como réu da 2ª demanda sem escolher se quer ou não intervir no processo.

“Obrigatoriedade” da denunciação da lide.

Se a parte não denunciar à lide, ela perde direito de regresso? Ou seja, a denunciação da lide é pressuposto do direito de regresso?

Segundo o caput do art. 70 do CPC, a denunciação da lide é obrigatória, pois o seu inciso III traz possibilidades muito amplas de denunciação da lide. O chamamento à autoria (que só existia no caso de evicção) tb era obrigatório. Por um erro do legislador, que não ponderou que a denunciação da lide não cabe só para evicção, como prevê o art. 70, I, II e III, a denunciação da lide foi colocada como obrigatória sempre, já que o inciso III do art. 70 é um caso geral que trata de hipóteses muito amplas.

Inicialmente, a doutrina entendia que a denunciação da lide só era obrigatória nos casos do inciso I do art. 70 (hipótese de evicção), pois só nesses casos há regra de direito material que impõe a denunciação da lide.

Atualmente, a doutrina pacificamente entende que há 2 situações de evicção em que a denunciação da lide não é obrigatória: a) qdo a denunciação da lide é proibida (no procedimento sumário e nos juizados especiais); b) qdo a denunciação da lide for impossível (como na evicção administrativa81, pois nesse caso não há processo jurisdicional para se denunciar à lide). Nessas duas situações de não obrigatoriedade de denunciação da lide na evicção, admite-se ação autônoma de evicção.

Atualmente, a situação acima descrita é pacífica. Mais tormentosa é a afirmação de que a denunciação da lide não é obrigatória em qualquer hipótese. Há muita doutrina que assim afirma, além do STJ, para os quais a não denunciação da lide não gera a perda do direito de regresso. Entretanto, esse entendimento não é pacífico. Essa doutrina, apesar de disposição da lei que exige a obrigatoriedade da denunciação da lide na evicção, defende a não obrigatoriedade da denunciação da lide em qualquer caso, através dos seguintes fundamentos:

- O artigo 456 do CC, que reproduziu identicamente o CC/16, é obsoleto, pois foi

81 Qdo um comprador perde a coisa por ato administrativo. Ex: compra-se um carro que depois o DETRAN o apreende por ser roubado.

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reproduzido qdo ainda existia o chamamento à autoria, que exigia a notificação (própria do chamamento à autoria);

- a proibição de enriquecimento ilícito, pois o simples fato de o sujeito não denunciar à lide não pode repercutir em favorecimento daquele que vendeu indevidamente;

O inciso III do art. 70, CPC, é um caso geral, de hipótese muito ampla. Uma primeira corrente interpreta literalmente esse inciso, afirmando que cabe a denunciação da lide em qualquer caso de ação de regresso. Uma outra corrente, completamente oposta, defende uma interpretação restritiva desse inciso, de forma a não permitir a denunciação da lide em qualquer direito de regresso, para não tumultuar o processo. Para esta 2ª corrente, este inciso só permitia ação regressiva em negócios que envolvessem transmissão de direitos (é o que se chama de garantia própria — garantia fundada em contratos de transmissão de direitos), de forma que não cabe a ação regressiva nem em casos de seguros.

Essa é a origem da célebre discussão se a pessoa de direito público pode denunciar à lide o servidor público.

Segundo Fredie Didier, não há proibição, mas cabe ao juiz, no caso concreto, observar se a denunciação da lide vai ou não tumultuar o processo, admitindo-a ou não. Esse entendimento de Didier foi acolhido pelo STJ (REsp 975.799).

→ DIA 19/04/2010.

Petição Inicial.

Petição inicial é o instrumento da demanda, é a forma pela qual a demanda se apresenta.

A demanda inicial deve ter pedido, causa de pedir e parte.

1. Requisitos 82 da petição inicial.

Esses 10 requisitos estão consolidados no art. 282 do CPC. Na falta de algum requisito na Petição Inicial, o juiz deve intimar o autor para emendá-la83 (em 10 dias)

82 Requisito da petição inicial é aquilo que deve existir para que a petição inicial seja válida.

83 Emendar a petição inicial é corrigi-la.

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e não indeferi-la. É direito do autor a emenda da Petição Inicial, a despeito do seu indeferimento sumário (art. 284 do CPC).

1.3. Endereçamento.

A petição Inicial deve ser dirigida ao juízo competente. Pode ser a juiz ou a Tribunal.

Se a parte vai se dirigir a um Tribunal, deve-se usar EGRÉGIO/COLENDO Tribunal. Se for dirigida ao STF, utilizar EXCELSO Tribunal.

Se se dirigir a juiz, usar excelentíssimo.

Se for Justiça Estadual, mencionar “juiz de direito da comarca X”. Se for Justiça Federal, mencionar “juiz federal da seção/subseção Y”.

1.4. Qualificação das partes.

1.4.1. Qualificação do autor.

O autor deve ser integralmente qualificado, já que ele próprio sabe de todas as suas qualificações: nome completo, endereço, profissão, estado civil e, de acordo com o CNJ, o nº do CPF (para identificá-lo em caso de homonímia).

União Estável não é, tradicionalmente, uma espécie de estado civil. Entretanto, atualmente, a União Estável muda a situação patrimonial do casal. Por isso a doutrina moderna defende que em casos de União Estável deve-se usar o termo “estado de convivente” e não solteiro.

Se o autor for pessoa jurídica, ele deve ser qualificado pelo seu tipo (Ex: sociedade Ltda., associação civil, sociedade anônima, autarquia, fundação, etc.). Se for pessoa jurídica, deve-se usar o termo sediada em..., estabelecida em... O verbo situar rege com a preposição “em” e não “a”. Não se deve tb usar o termo “sito” à Rua ...

Se for nascituro, por não ter nome, deve identificar por “nascituro de (nome da mãe)” e qualificar a mãe. Nascituro não tem estado civil.

1.4.2. Qualificação do réu.

Como o réu pode não ser completamente conhecido, o autor deve identificar o réu com o máximo de elementos que dispuser, como apelido (dizendo que o nome civil e demais dados são ignorados). Se o endereço for ignorado, a citação deve se dá por edital.

Se o autor não souber quem é o réu, a citação deve ocorrer por edital. Ex: um autor de ação de consignação em pagamento de terreno foreiro, que não souber quem é o credor, deve identificar como “o credor do imóvel X”, devendo citá-lo por edital.

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Em caso de demasiado quantidade de réus, como em caso de vários réus que invadem um imóvel, a jurisprudência admite que identifique um ou alguns invasores, pois seria inviável exigir do autor o nome de todos os réus.

1.5. Causas de pedir.

Ver a aula de causas de pedir.

1.6. Pedido.

É o núcleo da petição inicial. O pedido tem que observar alguns requisitos:

a) o pedido deve ser certo/expresso. O pedido deve estar expresso, não se admitindo pedido implicitamente formulado. Tanto é assim que o art. 293 do CPC diz que o pedido deve ser interpretado restritivamente. Há casos excepcionais em que se admite pedido implícito, ou seja, admite como formulado o pedido que não foi formulado. Ex: juros legais e correção monetária; condenação à verba da sucumbência; pedido de alimentos provisórios na ação de alimentos; pedido relativo à obrigação de prestações periódicas84.

b) o pedido deve ser determinado. O pedido deve ser delimitado em relação ao que se quer e ao quanto se quer. Há casos em que se admite pedidos genéricos, ilíquidos — art. 286 do CPC (nas ações universais85; ações indenizatórias, qdo não se pode, de logo, determinar a extensão do prejuízo86; qdo o valor só puder ser alcançado depois do comportamento do réu87). Qdo o pedido é genérico, o valor da causa é arbitrado pelo autor (e não por lei). O art. 286, caput, do CPC contém um erro na partícula “ou”, que deve ser substituído por “e” (logo, o pedido deve ser certo e determinado).

c) o pedido deve ser coerente. Ele deve estar logicamente vinculado à causa de pedir.

d) o pedido deve ser claro. Se for obscuro, a petição é inepta.

84 Como dispõe o art. 290, CPC. É caso de obrigações cuja prestação vence periodicamente. Qdo uma obrigação de prestações periódicas está sub judice, as parcelas vincendas se reputam incluídas no pedido, como pedido implícito.

85 Ação universal é aquela que tem por objeto uma universalidade, como um rebanho, uma biblioteca, etc. Como nesses casos pode-se não conseguir individuar o pedido, ele pode ser ilíquido.

86 Essa é a hipótese mais freqüente. Ex: indenização de danos morais. Entretanto, há doutrina que critica esse exemplo, pois o valor já pode ser fixado pelo autor, já que ele deve saber qual é a compensação para a lesão à sua moral. Só se pode ser genérico em casos em que o dano se prolongue, seja continuado.

87 Ex: O autor quer cobrar uma quantia, mas a dívida só pode se auferida depois que o réu prestar contas.

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Obs.: os mesmos requisitos do pedido se aplicam à sentença. Portanto, esta deve ser certa, clara, coerente e determinada.

Diferença de pedido imediato e pedido mediato:

Pedido imediato é o pedido de decisão, de providência jurisdicional.

Já o pedido mediato é o resultado que se espera alcançar no processo — é o que se espera obter com o processo. É mediato porque primeiro o juiz decide (imediato) para depois se alcançar o resultado do processo.

Cumulação de pedidos.

Há cumulação de pedidos sempre que houver mais de um pedido formulado no mesmo processo.

A cumulação pode ser homogênea, se ela for feita pela mesma parte. Será heterogênea qdo os pedidos provierem de partes distintas (Ex: a reconvenção).

Há cumulação inicial qdo o processo já nasce com cumulação de pedidos. Há cumulação superveniente qdo ela surge durante o processo (Ex: aditamento da petição inicial; denunciação da lide feita pelo réu; oposição; reconvenção; ação declaratória incidental; conexão de causas).

1.7. Requerimento de citação do réu.

Essa é uma exigência legal sem fundamento, pois é óbvio que o juízo sabe que deve citar o réu. Entretanto, deve-se requerer a citação do réu na petição inicial.

Se o autor não escolher o modo de citação que ele deseja, a citação será postal. No entanto, não cabe citação postal nas hipóteses do art. 222 do CPC.

1.8. Requerimento de produção de provas.

É outra exigência do legislador sem fundamentos. Mesmo assim, o autor deve requerer a produção das provas que ele pretende utilizar. Por isso, utiliza-se muito o termo “todos os meios de provas admitidos pelo direito”, para englobar todos os meios de prova. Mas deve-se observar que há procedimentos que não admitem todos os meios de prova, como no MS, que só cabe prova documental (assim sendo, nesses procedimentos que limitam o meio de prova, não se deve pedir “todos os meios de provas admitidos pelo direito”).

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1.9. Documentos indispensáveis à propositura da ação.

Toda petição inicial deve vir acompanhada de documentos indispensáveis à propositura da ação. A grande dificuldade é saber quais documentos indispensáveis são esses.

Há 2 tipos de documentos indispensáveis à propositura da ação:

a) Documento indispensável por força de lei. Ex: procuração; titulo executivo na execução; prova escrita na ação monitória, etc.

b) Documento que se torna indispensável porque o autor faz referência a ele na Petição Inicial88.

1.10. Atribuição de valor à causa.

Toda causa deve ter valor. Por isso não se deve dizer “atribui a causa valor inestimável” ou “atribui a causa valor ínfimo”. Esse valor deve ser, portanto, numérico, expresso em moeda nacional.

O valor da causa tem várias funções, como: para definir competência; definir procedimento; como base de cálculo das custas processuais; como base para multas processuais; como base para o depósito da ação rescisória; dentre outras.

Por ter várias finalidades, não se justifica determinar o valor e depois dizer “para fins meramente fiscais”. Basta somente atribuir o valor da causa. Tb não se deve dizer “dá-se (ou atribui-se) à causa o valor de”, pois o verbo dá-se é indeterminado, enquanto o autor (sujeito da oração) é determinado; o correto é “dá a causa o valor de”...

Há 2 tipos de valor da causa.

a) valor da causa legal – ocorre em casos em que a lei determina qual deve ser o valor da causa — são casos do art. 259 do CPC. Nesses casos, não há margem de decisão por parte do autor sobre o critério do valor da causa.

b) valor da causa por arbitramento do autor – cabe ao autor fixar o valor. Tais casos são aqueles que não se encaixam no art. 259 do CPC. Ex: ação de guarda de filho.

O controle da atribuição do valor da causa (ou seja, se o valor da causa é correto) é fácil qdo o valor da causa é legal. Mas, qdo o valor da causa se der por arbitramento da parte, fica mais difícil o controle, que deve ser feito somente em situação de abuso/desproporção — mesmo nesses casos de arbitramento do autor, o juiz pode controlar de ofício, bem como o réu pode provocar o controle (por meio da impugnação ao valor da causa).

88 Se na Petição Inicial se fizer menção a um documento que não se dispõe, a parte deve pedir que o juízo determine ao réu (ou a um terceiro) a exibição do documento.

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A impugnação ao valor da causa é uma petição avulsa apresentada pelo réu, que deve ser autuada separadamente e decidida pelo juiz mediante decisão interlocutória, sendo esta decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento.

2. Alteração, aditamento e redução da petição inicial.

Alterar a petição inicial é mudar um de seus elementos (partes, pedido ou causa de pedir). A alteração pode ser subjetiva, como a troca do réu (que pode ser feita até a citação). A alteração pode ser objetiva, sendo esta a alteração do pedido ou da causa de pedir.

O processo se divide em 3 fases: 1) do ajuizamento da petição inicial até a citação; 2) da citação até o saneamento; 3) do saneamento até a decisão. Segundo o art. 264 do CPC, até a citação é possível mudar pedido ou causa de pedir. Entre a citação e o saneamento, é possível alterar pedido ou causa de pedir, desde que o réu consinta. Depois do saneamento, não é possível alterar pedido nem causa de pedir.

O aditamento é o acréscimo de pedido novo à petição inicial (não é a troca de pedido). Segundo o art. 294 do CPC, o acréscimo de pedido só pode ser feito até a citação. Para a doutrina, trata-se de regra sem sentido, pois a alteração pode ocorrer até mesmo depois da citação, mas o aditamento só pode ocorrer até a citação.

Redução da petição inicial é a diminuição da demanda. Não há artigo em lei que cuida da redução da petição inicial, apesar de esta poder ocorrer de várias maneiras (pode haver uma desistência parcial, uma renúncia parcial, um acordo parcial).

3. Indeferimento da petição inicial.

É uma decisão proferida antes de ouvir o réu, pela qual o juiz rejeita a petição inicial, impedindo o prosseguimento do processo (nesse caso, extingue-se o processo). Por isso, o indeferimento da petição inicial é peculiar, pois sequer ouve-se o réu.

Há várias causas de indeferimento da petição inicial. Havendo uma dessas causas, pode o juiz indeferi-la. Se o juiz não observar tais causas e o réu, em sua defesa, alegar uma das várias causas de indeferimento, pode o juiz acolher o pedido do réu — mas, nessa hipótese, com a provocação do réu, não é mais caso de indeferimento, mas sim de extinção do processo por outros motivos89.

Qdo ocorrer indeferimento da petição inicial, não há condenação em pagamento de honorários em desfavor do autor, pois o réu sequer foi citado, não havendo, portanto, oneração do réu com o processo.

89 Por isso o art. 267 do CPC, no inciso I fala em indeferimento, no inciso IV fala em pressuposto processual; e já no inciso VI fala em condições da ação.

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Conforme art. 296, CPC, se o juiz profere sentença de indeferimento da petição inicial, caberá apelação. Essa apelação, diferentemente do que ocorre com as outras, permite juízo de retratação do juiz a quo (que é um caso raro) . Se o juiz não se retratar, a apelação subirá ao Tribunal sem contra-razões do réu (este não será intimado para contra-arrazoar90). Se, por ventura, a apelação for provida pelo Tribunal, o réu será citado e terá ampla defesa.

O indeferimento da petição inicial pode ser total ou parcial. Se for parcial, o processo não se extinguirá; só haverá extinção se o indeferimento for total. Se o indeferimento for parcial (sem a extinção do processo), o recurso contra esse indeferimento será agravo91 e não apelação.

Se o indeferimento da petição inicial se der em sede de Tribunal (como no caso de ação de competência originária do Tribunal), pelo relator, o recurso contra tal indeferimento é agravo regimental. Se o indeferimento se der pela turma (por acórdão), o recurso será recurso ordinário especial (ou extraordinário, conforme o caso).

O indeferimento pode se dá com decisão de mérito ou sem exame do mérito.

Indeferimento da petição inicial com exame de mérito é chamado de julgamento liminar de mérito ou improcedência prima facie, pois o juiz já julga, desde logo, improcedente o pedido. Essa improcedência, que é rara, pode fazer coisa julgada material. São exemplos principais:

- indeferimento em razão de prescrição ou decadência legal – são casos em que o juiz pode conhecer de oficio, por isso só pode ocorrer em casos de prescrição ou decadência legal (jamais ocorrerá em decadência convencional). De 2002 a 2006, o juiz só poderia conhecer de oficio prescrição em favor de absolutamente incapaz. Em 2006, o § 5º do art. 219, CPC, foi reformado para permitir que o juiz conheça de oficio qualquer prescrição92.

Obs.: o art. 267 do CPC, no inciso I, diz que o indeferimento da petição inicial é decisão sem exame do mérito. O art. 295, IV, CPC, fala sobre indeferimento da petição inicial em casos de decadência e prescrição. Já o art. 269, IV, CPC, fala que indeferimento da petição em casos de prescrição e decadência é caso de decisão com exame do mérito. Apesar dessa confusão, deve-se interpretar que o indeferimento da petição inicial, em caso de prescrição e decadência, ocorre com decisão do mérito, fazendo

90 Ao contrário do indeferimento liminar (prima facie) nas ações repetitivas, onde, como se verá mais adiante, subindo a apelação para o juízo ad quem pela não retratação do juízo a quo, será dada ao réu a oportunidade de responder ao recurso (§ 2º do art. 285-A, CPC).

91 Que permite retratação, como todo agravo.

92 Isso só ocorre no Brasil. É um dispositivo muito criticado, pois subverte o direito privado brasileiro.

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coisa julgada material. Para o réu saber que ele ganhou essa coisa julgada, a qual não acompanhou (por não ter sido citado), caberá ao escrivão do cartório judicial enviar uma carta ao réu comunicando a sua vitória (art. 219, § 6º, CPC) — é a primeira hipótese de improcedência prima facie.

- julgamento liminar das ações repetitivas em que se dispensa prova em audiência, porque a matéria se prova por documento (art. 285-A e §§, CPC). Nesse caso, o juiz já tem o entendimento de que o pedido é improcedente, não sendo preciso citar o réu, pois já analisou o mesmo pedido em outras demandas repetitivas, indeferindo-os.

Se o autor apelar, cabe retratação. Mas, se o juiz não se retratar, a apelação subirá para o Tribunal com contrarrazões do réu (é uma peculiaridade dessa situação, pois foge do padrão visto anteriormente, em que o réu não é citado para contra-arrazoar 93 ), já que a decisão do Tribunal pode julgar procedente o pedido do autor, devendo o réu ter direito à ampla defesa. Essa contrarrazão terá o conteúdo similar ao de uma contestação, já que será a primeira manifestação do réu.

Para Marinoni, o juiz só pode julgar improcedente o pedido nessas hipóteses de ações repetitivas se o posicionamento dele seguir a orientação do Tribunal, já que, se assim não ocorrer, as decisões seriam todas reformadas pelo juízo ad quem.

A OAB ajuizou uma ADIN contra esse dispositivo, alegando que o autor teria direito a um processo mais demorado — tal argumentação é muito criticada. Por isso, boa parte da doutrina entende que não há inconstitucionalidade nesse art. 285-A e §§, CPC, já que se trata de mais um caso de improcedência prima facie.

Hipóteses de indeferimento da petição inicial sem exame de mérito:

- inépcia (prevista no art. 295, I, CPC) – inépcia é sinônimo de inaptidão. É um defeito da petição inicial relacionado ao pedido ou a causa de pedir. Há 5 casos de inépcia: 4 deles estão previstos no § único do art. 295; o último está na legislação extravagante, no art. 50 da Lei 10. 931.

- a 2ª hipótese de indeferimento da petição inicial sem exame de mérito é carência de ação (art. 295, II e III, CPC: ilegitimidade de partes e falta de interesse processual). Observa-se que a 3º condição da ação (possibilidade jurídica do pedido) está consagrada dentro de inépcia, pois está no art. 295, § único, III.

93 Nesses casos de ações repetitivas, o réu só é citado para se defender se o Tribunal julgar procedente a apelação, de modo a dar continuidade no processo.

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- a 3ª hipótese de indeferimento sem exame de mérito é o erro na escolha do procedimento. Nesse caso, o juiz só pode indeferir se não puder adaptá-lo (art. 295, V). O grande problema é que em qualquer caso o juiz pode adaptá-lo, razão pela qual é incomum o indeferimento por esse motivo.

Obs.: os incisos IV e VI do art. 295, CPC, se aludem à prescrição e decadência, que, como já visto, é caso de indeferimento da petição inicial com julgamento de mérito.

→ DIA 26/04/2010.

4. Cumulação de pedidos.

4.1. Cumulação própria.

Há cumulação própria de pedidos quando o autor formula mais de um pedido, pretendendo o acolhimento simultâneo de todos eles.

Observa-se que nesse caso o objeto da demanda é composto, o que implica que a decisão judicial seja proferida em capítulos. A cumulação própria está prevista no art. 292 do CPC, tendo uma relação íntima com o princípio da economia processual.

A cumulação própria subdivide-se em simples ou sucessiva:

4.1.1. Cumulação própria simples.

Aqui não há precedência lógica entre um pedido e outro (com pedido prejudicial ou preliminar), de forma que um pedido pode ser analisado independentemente do outro, ou seja, um pedido pode ser acolhido total ou parcialmente, ou rejeitado, sem que isso interfira no acolhimento do outro pedido. Ver súmula 37 do STJ (fala da possibilidade da cumulação de indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato).

4.1.2. Cumulação própria sucessiva.

O autor quer ambos os pedidos, mas só ganhará o 2º se obtiver êxito no 1º pedido. Ex: investigação de paternidade (1º pedido) cumulada com alimentos (2º pedido).

Essa cumulação pode gerar um litisconsórcio, em que o pedido de uma parte dependa do acolhimento do pedido de outra parte. Se isso ocorrer, ou seja, se o litisconsórcio se forma mediante a cumulação sucessiva, ocorre o

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litisconsórcio sucessivo. Ex: mãe e filho se litisconsorciam contra o pai, sendo que o filho pede a investigação de paternidade e a mãe quer ressarcimento dos custos do parto — nesse caso, o pedido da mãe só prospera se houver êxito no pedido do filho.

4.2. Cumulação imprópria (é regida pela partícula “ou”).

Nessa espécie de cumulação, só um dos pedidos cumulados poderá ser atendido (por isso chama-se de impróprio).

Essa cumulação tb se divide em 2 subespécies:

4.2.1. Cumulação imprópria eventual (ou subsidiária).

Prevista no art. 289, CPC, o autor formula dois ou mais pedidos, estabelecendo uma ordem de preferência: o que o autor quer é o 1º pedido; caso este não possa ser atendido, ele opta pelo segundo; e assim sucessivamente, caso haja mais pedidos.

Nesse caso, se o autor tem deferido o 2º pedido, é porque ele, necessariamente, perdeu o primeiro. O juiz não pode saltar um pedido, de forma que ele só pode conceder um pedido posterior se negar o anterior. Se o juiz julga pedido posterior sem analisar o pedido anterior, a sentença é nula, de forma que o autor ganhador do 2º pedido pode recorrer, alegando que o que mais lhe interessa é o pedido precedente.

A cumulação eventual pode tb gerar um litisconsórcio diferente: um autor formula dois pedidos, cada um deles dirigidos a um réu diferente, pedindo para condenar o réu A e, se este não for condenado, condenar o réu B (o 2º pedido só será examinado se o 1º for negado) — nessa hipótese, surge um litisconsórcio eventual. Ex: qdo um autor faz uma denunciação da lide — o autor quer êxito contra o réu, mas, se ele perder para o réu, quer condenação contra o denunciado.

4.2.2 Cumulação imprópria alternativa.

Essa cumulação imprópria alternativa segue basicamente a cumulação imprópria eventual, só que sem hierarquia (ordem preferencial de pedidos). Não existe previsão legal expressa da cumulação alternativa, mas ela é aceita porque quem pode estabelecer a ordem, pode tb não estabelecer ordem (quem pode mais, pode menos).

Se a cumulação é alternativa e o autor tem deferido somente o 2º pedido, ele não poderá recorrer, já que para ele tanto faz um pedido ou outro.

A cumulação alternativa tb pode gerar um litisconsórcio diferente — litisconsórcio alternativo. É caso de litisconsórcio em que há mais de um pedido formulado em face de mais de um réu, independentemente se o juiz

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condena A ou B. Ex: consignação em pagamento, em que não se sabe quem é o credor (seguro de vida contra possíveis herdeiros).

Obs.: não confundir cumulação alternativa de pedido com pedido alternativo.

Pedido alternativo (art. 288, CPC) é o nome que se dá ao chamado pedido de cumprimento de obrigação alternativa. Ocorre qdo a obrigação pode ser adimplida por mais de uma maneira. Se se pede o cumprimento dessa obrigação, é porque se quer um único pedido, mas que pode ser efetivado por mais de uma maneira.

Já na cumulação alternativa (estudada neste tópico), tem-se mais de um pedido.

4.3. Requisitos para cumulação de pedidos (§ 1º do art. 292, CPC).

- competência do juízo para examinar todos os pedidos cumulados. Aplica-se esse requisito tanto para a cumulação própria qto para a imprópria;

- identidade do procedimento (se cada um dos pedidos tiver um procedimento diferente, eles devem tramitar pelo procedimento ordinário — art. 292, § 2º, CPC). Aplica-se esse requisito tanto para a cumulação própria qto para a imprópria;

- compatibilidade entre os pedidos. Se os pedidos forem incompatíveis, haverá inépcia da inicial. Esse requisito não se aplica à cumulação imprópria, pois nesse caso somente um pedido pode ser acolhido.

Resposta do réu 94 .

1. Noções introdutórias.

Resposta do réu é um gênero que engloba várias atitudes do réu, como:

- reconhecimento da procedência do pedido;

- a contestação (que é a defesa do réu);

- a revelia (que é o silêncio do réu);

- a reconvenção;

- oposição de exceções instrumentais;

94 Não é sinônimo de contestação. Contestação é espécie do gênero resposta do réu.

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- impugnação ao valor da causa (estudada na última aula);

- pedido de revogação da justiça gratuita concedida ao autor;

- etc.

2. Classificação das defesas.

2.1. Defesas de admissibilidade e defesas de mérito.

Defesas de admissibilidade são aquelas em que o réu questiona a validade do processo, alegando que a demanda sequer deve ser admitida – o que o réu quer é impedir o exame do pedido. Ex: alegação de incompetência; falta de pressuposto processual; etc.

Defesa de mérito é aquela em que o réu pretende que o pedido não seja acolhido, após o seu exame. Ex: pagamento, decadência, todas as exceções substanciais95.

2.2. Defesa direta e defesa indireta.

Na defesa direta, o réu não alega fato novo, ou seja, ele rebate diretamente os fatos trazidos pelo autor sem inovar com novos fatos. Por isso, o ônus da prova é todo do autor. Tb por isso, não haverá réplica (manifestação do autor em relação à contestação). Só há duas formas de manifestar defesa direta96: a) o réu simplesmente nega os fatos do autor; b) o réu reconhece os fatos do autor, mas nega as conseqüências jurídicas que o autor pretende extrair desses fatos (aqui ocorre a chamada confissão qualificada).

A defesa indireta ocorre qdo o réu traz ao processo fato novo. Por isso, o ônus da prova do fato novo é do réu e haverá necessidade de réplica do autor. Toda defesa de admissibilidade é indireta; as exceções substanciais (vistas mais abaixo) tb são defesas indiretas.

Há uma modalidade curiosa de defesa indireta: o réu reconhece os fatos do autor, mas traz fatos novos que impedem, modificam ou extinguem aquilo que o autor pretende (art. 333, II, CPC). Qdo isso acontece, ocorre o que se chama de confissão complexa. Essa confissão é a única confissão divisível (art. 354, CPC).

Observar que na confissão qualificada o réu reconhece os fatos alegados pelo autor, mas nega as consequências jurídicas que o autor pretende extrair dos fatos ; ao

95 Como será visto mais abaixo, a exceção substancial é um direito exercido contra o exercício de um outro direito. Ex: A alega ter direito contra B; se B tiver exceção substancial, ele terá um direito que anula o direito de A (logo, um direito que extingue um outro direito é chamado de exceção substancial). As exceções substanciais não negam o direito que visam a neutralizar, mas só o anulam como um antídoto. Ex: direito de retenção; exceção de contrato não cumprido (em que A não cumpre o contrato até que B cumpra o que foi acordado); prescrição (não nega o crédito, mas apenas a exigência deste); o benefício de ordem do fiador.

96 Todas as demais são indiretas.

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passo que não confissão complexa o réu tb reconhece os fatos alegados pelo autor, mas traz fatos novos que impedem, modificam ou extinguem aquilo que o autor pretende. Ou seja, enquanto na primeira o réu nega as consequências jurídicas que o autor pretende extrair dos fatos, sem trazer fatos novos; na segunda o réu traz novos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

2.3. Objeções e exceções em sentido estrito.

Objeção é toda defesa que o juiz pode reconhecer de ofício, como incompetência absoluta, decadência legal, pagamento, etc.

Exceções em sentido estrito são as defesas que o juiz não pode conhecer de ofício (Ex: decadência convencional, incompetência relativa, exceções substanciais97).

2.4. Defesas dilatórias e defesas peremptórias.

Defesa dilatória é aquela cujo objetivo é prolongar, retardar a eficácia daquilo que o autor pretende. Ex: incompetência, exceção de contrato não cumprido, etc.

Defesa peremptória visa a aniquilar a pretensão do autor. Ex: carência de ação, pagamento, compensação, etc.

As defesas dilatórias e peremptórias podem ser tanto defesa de admissibilidade qto defesa de mérito.

3. Contestação.

A contestação está para a defesa como a petição inicial está para a demanda. Assim como a petição inicial é a forma da demanda, a contestação é a forma da defesa, ou seja, a defesa é veiculada pela contestação.

A ação está mais voltada para o autor, e o réu está mais voltado para uma reação à ação proposta pelo autor. Exceção é a palavra do réu (enquanto a ação é palavra do autor98). A exceção está para o réu como a ação está para o autor.

Correspondência entre ação e exceção.

A palavra ação tem 3 acepções. Acepções da Exceção.

Em sentido constitucional, que é o direito de ação.

Em sentido constitucional, que é exceção como direito constitucional de defesa.

97 Apesar de a prescrição ser uma exceção substancial, ela pode ser reconhecida de ofício pelo juiz (art. 219, § 5º, CPC); fato este que torna anômalo o sistema processual brasileiro.

98 Réu não tem direito à ação, mas à exceção.

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Em sentido processual — que é a demanda.

Em sentido processual, é a defesa concretamente deduzida.

Em sentido material, é o direito propriamente dito. É ação como sinonímia de direito.

Em sentido material (ou exceção substancial).

A exceção substancial é assunto de direito civil (material) e não processual.

A exceção substancial é um direito (não é fato). É um direito exercido contra o exercício de um outro direito. Ex: A alega ter direito contra B; se B tiver exceção substancial, ele terá um direito que anula o direito de A (logo, um direito que extingue um outro direito é chamado de exceção substancial). As exceções substanciais não negam o direito que visam a neutralizar, mas só o anulam como um antídoto.

Ex: direito de retenção; exceção de contrato não cumprido (em que A não cumpre o contrato até que B cumpra o que foi acordado); prescrição (não nega o crédito, mas apenas a exigência deste); o benefício de ordem do fiador.

Obs.: decadência é fato e exceção substancial é direito, por isso decadência não é exceção substancial.

Toda exceção substancial qdo vai a juízo vira uma defesa.

Ler “prescritibilidade das exceções” no livro comentário ao CC (art. 190) de Humberto Theodoro Jr.

O prazo da contestação é de 15 dias, mas, se o ente público for réu, o prazo será quadruplicado (60 dias). Se houver litisconsórcio passivo com advogados diferentes

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(de sujeitos privados e não de entes públicos), o prazo dobra. Se o réu estiver sendo patrocinado por defensor público, o prazo tb é em dobro.

Essas regras não se somam, logo se um ente público estiver em litisconsórcio, seu prazo de 60 dias não irá dobrar.

Conforme o CPC, primeiro o réu tem que se defender da admissibilidade, para depois se defender do mérito.

A contestação se submete a duas regras fundamentais:

a) regra da concentração da defesa ou da eventualidade – a contestação deve concentrar toda a defesa do réu. O réu tem que formular sua defesa para a eventualidade do que passar pela mente do juiz, com diversas linhas de argumentação, se possível.

Essa regra da concentração da defesa sofre duas mitigações:

- há defesas que, por expressa previsão legal, devem ser feitas fora da contestação (Ex: incompetência relativa, impedimento e suspeição);

- há defesas que, por autorização de lei, podem ser formuladas depois da contestação – são aquelas previstas no art. 303 do CPC99. São esses casos do citado art. 303 que permitem o aditamento da contestação.

b) Ônus da impugnação especificada – o réu deve impugnar especificadamente cada um dos fatos afirmados pelo autor (art. 302, CPC). Fato não impugnado especificadamente será considerado como fato ocorrido (incontroverso). Essa regra visa a evitar contestações genéricas.

Essa regra tem duas mitigações:

- não se submetem a ela o curador especial, o advogado dativo ou o membro do MP100, conforme § único do art. 302, CPC;

- há fatos que, mesmo não impugnados especificadamente, não podem ser considerados como ocorridos. São 3: a) relativos a direitos indisponíveis, posto serem insuscetíveis à confissão, mormente ao silêncio da contestação (art. 302, I, CPC e art. 213 do CC); b) fatos que só se provam por instrumento – por isso não podem ser considerados

99 A decadência convencional é exemplo do inciso III do art. 303.

100 Qto ao advogado dativo e curador especial, isso ocorre porque geralmente eles assumem o processo de súbito, sem conhecer seus detalhes. Qto ao MP, há doutrina que defende não se aplicar mais tal disposição, pois tal regra era do CPC de 1973, qdo o MP tinha outras funções no processo civil (atualmente, dificilmente o MP faz a defesa de alguém, sendo hoje tarefa da defensoria pública). A defensoria pública pode fazer defesa genérica somente qdo ela atuar como advogado dativo ou curador especial.

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verdadeiros pelo silencio do réu101 (art. 302, II, CPC); c) fatos que não estejam em contradição com o conjunto da defesa (art. 302, III, CPC).

4. Revelia 102 .

Revelia é a não apresentação tempestiva da contestação. A revelia é um ato-fato processual (é um fato jurídico em sentido amplo, que produz efeitos). Revelia se origina de rebeldia.

Não confundir revelia com os efeitos da revelia, pois pode haver revelia sem que haja efeitos da revelia. Por isso, não se pode dizer na petição “pede-se a citação do réu sob pena de revelia”, mas sim “sob pena de sofrer os efeitos da revelia”.

4.1. São efeitos da revelia:

- confissão ficta (presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor) – é o efeito material da revelia (o mais drástico).

- efeito mediato da revelia – se houver confissão ficta, a revelia autoriza o julgamento antecipado da lide. Esse efeito é mediato porque ele é reflexo, indireto, pois se dá através da confissão ficta.

- prosseguimento do processo sem a intimação do réu revel (art. 322 do CPC), desde que ele não tenha advogado constituído nos autos (se tiver advogado constituído, deve haver intimação).

- preclusão do direito de alegar algumas defesas (pois algumas defesas só são possíveis até o momento da contestação).

4.2. Regras de proteção do réu revel 103 .

- art. 303 do CPC. Ex: contestação apresentada fora do prazo, mas que traz matérias do art. 303, CPC, é válida como defesa.

- a confissão ficta não é um efeito necessário. Para que haja confissão ficta, é preciso de um mínimo de verossimilhança nas afirmações do autor. Se os fatos do autor forem um absurdo, a revelia não tem o condão de transformá-los no possível. Dessa forma, não há confissão ficta se o contrário resultar das provas dos autos.

- a revelia não significa procedência do pedido do autor. Réu revel pode ganhar.

- o réu revel tem o direito a intervir no processo a qualquer tempo, assumindo o processo no estado em que ele se encontra (§ único do art. 322, CPC). A partir

101 Ou o autor junta o instrumento, ou não se reputa como provado. Ex: testamento.

102 Autor tb pode ser revel. Por isso pode usar a expressão réu revel.

103 Visa garantir a defesa daquela revel que não se ausentou por rebeldia.

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desse momento, o réu será intimado. Tb a partir desse momento, se couber produzir provas, o réu pode fazê-lo.

- réu revel com advogado constituído nos autos tem o direito de ser intimado dos atos processuais (conforme início do art. 322, CPC). Logo, a regra de não ser o réu intimado não se aplica aos casos em que ele tenha advogado. Esse é um caso de réu com advogado constituído nos autos, mas que não contesta; ou de advogado que se manifesta sobre tutela antecipada, mas não contesta.

- havendo revelia, o autor só poderá alterar o pedido ou a causa de pedir se promover nova citação (art. 321 do CPC).

- a QUERELA NULLITATIS, pois réu revel não citado ou citado invalidamente tem o direito de anular a sentença a qualquer tempo (já que os vícios da não citação ou da citação inválida são trasrescisórios).

- réu revel citado por edital ou com hora certa tem direito a curador especial (o qual faz a defesa no lugar do réu). Nota-se que, no caso de citação por edital ou por hora certa, não prosseguirá os efeitos da revelia, pois haverá contestação.

- o assistente pode contestar pelo assistido revel, evitando os efeitos da revelia (art. 52, § único, CPC).

- a contestação de um litisconsorte impede a confissão ficta do outro litisconsorte revel (art. 320, I, CPC). Essa regra se aplica plenamente ao litisconsórcio unitário. No litisconsórcio simples, essa regra só se aplica em relação aos fatos comuns a ambos os litisconsortes.

- não há confissão ficta em relação a fatos que dizem respeito a direitos indisponíveis (art. 320, II).

- não há confissão ficta de fatos que se provam só por instrumento (art. 320, III).

→ DIA 03/05/2010.

5. Exceções instrumentais.

Devem ser ajuizadas por instrumento em separado (separadas da contestação), por isso recebem o nome de instrumentais. Quem suscita a exceção é o excipiente e a pessoa contra quem se suscita é o excepto. São 3 espécies: Exceção de incompetência relativa, exceção de impedimento e exceção de suspeição.

Na exceção de incompetência relativa, o excipiente é sempre o réu e o excepto é sempre o autor.

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Como as exceções de impedimento e suspeição não são necessariamente suscitadas pelo réu, elas não são, tecnicamente, exceções. Por isso, melhor é chamá-las de argüição de suspeição e impedimento .

O excepto, no impedimento ou suspeição, pode ser juiz, promotor ou auxiliar da justiça. O excepto é sempre aquele acusado de ser impedido ou suspeito, por isso a parte processual contrária não pode ser excepto (já que ela, por óbvio será parcial). Quem deve recorrer é o excepto; logo, se a exceção se der contra o juiz, MP ou auxiliar, estes devem recorrer e, para tanto, contratar advogado.

As exceções instrumentais são incidentes processuais, que, conforme o CPC, suspendem o processo. Há, entretanto, uma única exceção: se se tratar de suspeição e impedimento contra membro do MP ou auxiliar da justiça, não haverá suspensão do processo. Como a exceção de incompetência relativa e as arguições de impedimento e suspensão do juiz podem impossibilitar que o magistrado atue no processo, elas suspendem o processo; o que não ocorre caso a arguição se pese sobre a suspeição ou impedimento de membro do MP ou de auxiliar da justiça.

A Lei diz que a parte deve ajuizar tais exceções no prazo de 15 dias contados do fato que gerou a incompetência relativa, suspeição ou impedimento. Esse dispositivo dá a impressão de que tais exceções podem ser ajuizadas a qualquer momento.

No entanto, a incompetência relativa é sempre original, devendo o réu alegá-la nos 15 primeiros dias após a citação, pois o juiz é relativamente incompetente no início do processo, não podendo se tornar relativamente incompetente no decorrer deste. Uma vez não sendo suscitada a incompetência relativa no inicio do processo, o juiz perpetua sua competência.

Em relação ao impedimento e suspeição, o prazo de 15 dias é inócuo, pois, conforme entendimento unânime da doutrina, o impedimento ou suspeição podem ser alegados a qualquer tempo. Em relação à suspeição, esse prazo é questionável, pois só vale para as partes (que perde o direito de excepcionar passados esses 15 dias), mas pode o juiz se declarar suspeito a qualquer tempo.

A competência para julgar a exceção de incompetência relativa é do juiz da causa. Essa decisão é atacada por agravo de instrumento. Acolhida a exceção de incompetência relativa, os autos devem ser remetidos ao juízo competente.

O réu pode ajuizar exceção de incompetência relativa em seu domicílio, não necessitando de fazê-lo onde se encontra o processo. Isso ocorre para evitar que o autor cometa abusos contra o réu, ajuizando ações em juízos relativamente incompetentes em diversos lugares fora do domicilio do réu, para que este tenha gastos.

A competência para julgar as exceções de impedimento ou suspeição é do juiz da causa somente em casos de impedimento e suspeição de membros do MP ou de auxiliares da justiça, cabendo impugnação por agravo de instrumento. Se a

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suspeição ou impedimento for argüida em face de um juiz, a competência para julgamento será sempre de um Tribunal. Como é o Tribunal quem vai julgar — através de um acórdão —, cabe REsp ou RE, conforme o caso. Acolhida a argüição de impedimento ou suspeição do juiz pelo Tribunal, a remessa dos autos será para o juiz substituto; ademais, os atos decisórios já praticados serão anulados, além de que o juiz que não se declarou suspeito ou impedido deverá arcar com as despesas processuais (art. 314, CPC).

Se a parte quiser argüir a suspeição ou impedimento da maioria absoluta do Tribunal ou de todo ele, quem deve julgar essa argüição é o STF; ademais, reconhecida tal suspeição ou impedimento total ou parcial do Tribunal, o mérito da causa deve ser julgado pelo STF. Se a suspeição ou impedimento se der contra ministros do STF, em número tal que comprometa o quorum de votação (como ocorreu no julgamento de Fernando Collor), deve-se convocar ministros do STJ para compor o quorum do STF. Se todo o STF for impedido ou suspeito, não há resposta na doutrina. A regra de convocação de ministros do STJ está prevista no regimento interno do STF, que menciona ainda o TFR, mas, no lugar do qual, deve-se ler STJ.

O advogado pode argüir a suspeição do juiz sem ter poder especial (procuração) para isso. Logo, a suspeição do juiz é poder geral do advogado.

A decisão sobre suspeição e impedimento em um processo vale para outros processos onde haja nexo (Ex: um Tribunal entende que um juiz X é inimigo de uma parte Y em um processo, mas, se essa parte tiver outra demanda distribuída para o mesmo juiz, a suspeição ou impedimento valerá para os demais processos). Portanto, há coisa julgada da decisão de suspeição ou impedimento. Se a situação entre a parte e o juiz mudar (extinguindo a suspeição ou impedimento), deve haver novo julgamento do Tribunal para declarar o juiz apto a julgar o caso .

Se o juiz declarado suspeito ou impedido for de comarca de vara única, ele será substituído pelo juiz da comarca vizinha que o substitui.

6. Reconvenção.

Reconvenção é uma ação do réu contra o autor no mesmo processo em que o réu está sendo demandado.

Reconvenção não é defesa, mas sim ataque, ou seja, é uma demanda. A reconvenção não gera processo novo, pois o réu se vale de um processo já existente — até mesmo porque, se o juiz indeferir a petição inicial da reconvenção, a decisão será interlocutória e impugnável por agravo de instrumento.

O réu que reconvém, chama-se réu reconvinte; e o autor contra quem pesa a reconvenção é o reconvindo.

A reconvenção é exemplo de cumulação ulterior de pedidos, pois se acrescenta um pedido novo a processo que já existe. Por causa dessa cumulação, é que a

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reconvenção deve observar dois requisitos da cumulação de pedidos: a) a competência do juízo (o réu só pode reconvir se o juiz for também competente para a reconvenção); b) identidade do procedimento (a reconvenção deve processar-se pelo mesmo procedimento da ação, pois ambas irão tramitar juntas).

Se o procedimento é especial, caberá reconvenção desde que o procedimento especial se transforme em ordinário a partir da defesa104. Por isso é que cabe reconvenção em ação monitória (súmula 292 do STJ).

Reconvenção e ação principal são autônomas, o que quer dizer que o destino de uma é irrelevante para o destino da outra. Assim, se em uma houver desistência ou defeito, a outra prossegue. Mas, se ambas forem julgadas, deverão ser julgadas na mesma sentença.

Apresentada a reconvenção, o autor (reconvindo) será intimado por meio do advogado, que terá 15 dias para contestar a reconvenção. O autor que contestar a reconvenção, pode tb reconvir (portanto, cabe a reconvenção da reconvenção). Se o réu perder o prazo para reconvir, essa “reconvenção” proposta fora do prazo terá a natureza de uma ação autônoma, que será distribuída por prevenção, não mais sendo uma reconvenção. O conteúdo da reconvenção e da ação autônoma é o mesmo, mas o lado positivo da reconvenção é que o ajuizamento dela não paga custas.

O autor poderá ser revel na reconvenção, apesar de está presente no processo inicial. Essa revelia é diferente, porque se trata de um revel que já está nos autos e não de um revel ausente e tb porque é um revel que já se manifestou nos autos através da petição inicial (por isso, a revelia na reconvenção só gera confissão ficta naquilo que não for contraditório com o alegado na petição inicial). Por que o reconvindo revel já está nos autos, deverá ser intimado dos demais atos processuais.

A reconvenção deve ser proposta no prazo da contestação (15 dias; se for Fazenda Pública, 60 dias). Entretanto, a reconvenção deve ser proposta simultaneamente com a contestação, sob pena de preclusão, ou seja, se se contestou em 5 dias, a reconvenção deve ser apresentada com a contestação nesse 5º dia. Se o réu só quiser reconvir, pode reconvir sem contestar, mas no prazo da contestação.

A reconvenção pressupõe conexão com a ação principal ou com os fundamentos de defesa. Portanto, deve haver uma relação da reconvenção com os fundamentos de defesa e com a ação principal. Não se trata da conexão para fins de competência – mais rigorosa. Conexão para fins de reconvenção é qualquer espécie de vínculo com os fundamentos de defesa e ação principal, por mais singelo que seja.

104 Há procedimentos especiais que se transformam em procedimento ordinário a partir da defesa, ou seja, ele é especial até a resposta do réu.

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A reconvenção, via de regra, é contra um autor, mas pode haver reconvenção contra um terceiro, desde que haja litisconsórcio necessário deste com o autor da ação principal. A reconvenção não pode ser só contra o terceiro, mas sempre contra o terceiro e o autor (ambos em litisconsórcio necessário). Por isso a reconvenção pode trazer um terceiro até então inexistente no processo.

A reconvenção pode ter qualquer natureza, podendo ser declaratória, condenatória e constitutiva.

Se A demanda contra B, mas A é substituto processual (pois está em juízo em nome próprio defendendo interesse de C), pode o réu reconvir, desde que o réu formule um pedido contra o substituído, mas cuja resposta deva ser dada pelo autor (substituto) — o autor da ação principal (substituto) deve ser o réu da reconvenção (nesse caso, como réu da reconvenção, o autor é tb um legitimado extraordinário). Destarte, o pedido é dirigido contra o substituído, mas a defesa cabe ao autor-demandado e este é o réu da reconvenção. Observa-se, do exposto, que, se o MP propôs ação civil pública contra um banco, esse banco não pode interpor uma reconvenção por danos morais contra o MP, pois o pedido deve se dá contra a coletividade (e, no exemplo, a coletividade não tem como arcar com a indenização) — assim reza o § único do art. 315, CPC.

Nem sempre a reconvenção é admitida, pois há casos em que a lei a proíbe. Isso ocorre expressamente no âmbito dos juizados especiais e implicitamente no procedimento sumário.

Embora não se admita a reconvenção nesses dois casos, admite-se pedido contraposto. Ambos são demandas do réu contra o autor, mas o pedido contraposto é uma demanda mais simplificada, porque é feito no bojo da própria contestação (e não em instrumento separado) e porque o pedido contraposto deve se ater ao mesmo fato da causa.

O interesse de agir na reconvenção é examinado conforme a seguinte premissa: não se admite reconvenção pela qual se peça algo que poderia ter sido obtido com a contestação. Nesse caso, a reconvenção é desnecessária porque seu pedido pode ser obtido através da contestação — portanto falta interesse de agir. Ex1: numa ação declaratória de existência de relação jurídica, não pode o réu reconvir para pedir a declaração contrária (negativa), pois o acolhimento da contestação já engloba tal pedido; mas isso não quer dizer que não caiba reconvenção em ação declaratória (sumula 258 do STF), desde que não seja para pedir declaração contrária. Ex2: compensação não se alega por reconvenção, pois esta é matéria de defesa (logo, deve ser alegada na contestação); mas pode-se reconvir para pleitear diferença na compensação. Ex3: exceções substanciais (já estudadas anteriormente) não se exercem por reconvenção, pois são defesas (devem ser exercidas na contestação), logo não se pode reconvir para pedir retenção ou exceção de contrato não cumprido.

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Providências preliminares e julgamento conforme o estado do processo.

1. Providências preliminares.

Após a resposta do réu, dá-se início a uma nova fase do processo chamada de fase de saneamento ou fase de ordenamento do processo. Nessa fase, caberá ao magistrado tomar uma série de providências que tornem o processo apto para que nele seja proferida uma decisão — é uma fase de arrumação, de correção do processo.

O saneamento do processo pode ser feito em todo ele, desde o seu início até a sentença. Entretanto, nessa fase saneadora, a correção do processo se concentra. Essas providências que o juiz toma após a resposta do réu, no intuito de tornar o processo apto, são as providências preliminares.

As providencias preliminares são infinitas, como, por exemplo:

- intimar o autor, caso haja reconvenção.

- em caso de defesa indireta do réu, o juiz deve intimar o autor para a réplica.

- se o réu for revel, o juiz deve verificar se se procederam os efeitos da revelia.

- se o réu alega defeito no processo, o juiz deverá determinar a correção do defeito.

- designar curador especial.

- citar o denunciado em caso de denunciação à lide.

- etc.

Dentro os diversos exemplos de providência preliminar, uma deve ser tomada obrigatoriamente, como visto no retângulo abaixo:

Toda decisão tem fundamentação e dispositivo. No dispositivo, o juiz decide a questão principal, que é o pedido105. Questão principal é a questão que será decidida PRINCIPALITER TANTUM (é o pedido).

Somente a solução da questão principal é que se torna indiscutível pela coisa julgada.

Na fundamentação, o juiz decide as questões incidentes, que são todas aquelas que devem ser examinadas para a solução da questão principal. As questões

105 A questão principal é aquela que é objeto do dispositivo.

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incidentais são aquelas resolvidas INCIDENTER TANTUM.

Em todo processo há questões principais e questões incidentes.

A solução das questões incidentes não faz coisa julgada.

Ex: a inconstitucionalidade de uma lei pode ser examinada INCIDENTER TANTUM no controle difuso, sendo, neste caso, a inconstitucionalidade um simples fundamento. Entretanto, a inconstitucionalidade de uma lei pode ser PRINCIPALITER TANTUM na ADI. Observa-se que uma questão pode ser incidental em um processo e principal em outro, dependendo de como ela é posta no processo, se é ela o pedido ou não.

Questão preliminar e questão prejudicial.

Ambas são questões prévias, ou seja, elas são questões que devem ser examinadas antes de outras. Logo, sempre que se quiser saber se se trata de um a questão preliminar ou prejudicial, deve-se analisá-la em relação a outra questão (a qual será subordinada à questão preliminar ou à questão prévia). Isso, entretanto, não quer dizer que elas serão sempre incidentais, pois a questão prejudicial pode ser principal, como se verá mais abaixo.

A diferença entre preliminar e prejudicial é que, na preliminar, a depender da solução que se dá a ela, a questão seguinte sequer será examinada — a questão preliminar é um obstáculo a ser superado (Ex1: na cumulação eventual, o pedido B só será examinado se não houver êxito no pedido A; A é preliminar a B. Ex 2: se uma preliminar de ilegitimidade ad causam do réu for julgada procedente, o pedido contra este réu sequer será analisado).

Já na questão prejudicial, a outra questão em relação à prejudicial sempre será examinada, mas o exame da prejudicial determinará a solução da questão subordinada. Logo, a resolução da questão prejudicial aponta a solução da questão seguinte (que sempre será examinada). Ex: num pedido de alimentos, a paternidade prejudica os alimentos, já que, se o réu não for pai, ele não deverá os alimentos. A prejudicial indica o caminho da solução da questão subordinada.

Uma questão prejudicial pode ser principal ou incidental, a depender de como ela é posta no processo. Logo, nem toda questão prejudicial será incidental.

Uma questão prejudicial se tornará principal de duas formas:

a) o autor, já na petição inicial, coloca a prejudicial como principal. Ex: numa ação de investigação de paternidade c/c alimentos, a investigação de paternidade tb será um pedido principal (juntamente com os alimentos), mas ela será prejudicial aos alimentos.

b) no caso de ação declaratória incidental – se a questão prejudicial é trazida pelo autor como simples fundamento (analisada INCIDENTER TANTUM, como no caso

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de ação de alimentos pura, em que a paternidade é uma incidental), mas o réu nega a questão prejudicial trazida pelo autor (ex: afirmando que não é o pai), o autor tem o direito de propor uma ação declaratória incidental em 10 dias (art. 325, CPC).

Essa ação declaratória incidental é um pedido novo pela qual o autor pede a declaração da prejudicial, de forma que o autor transforma a prejudicial em questão principal. A ação declaratória incidental transforma-se, de inicialmente incidental para principal. Essa ação declaratória incidental é verdadeiro aditamento da petição inicial.

Caso a questão prejudicial se transforme em principal, haverá coisa julgada (art. 470, CPC). Mas, se a questão prejudicial for decidida como um incidente no processo, ela não faz coisa julgada (art. 469, III, CPC).

O art. 325 do CPC prevê ação declaratória incidental só pelo autor, mas não é empecilho que o réu proponha a ação declaratória incidental na reconvenção.

2. Julgamento conforme o estado do processo.

As providências preliminares preparam o processo para o julgamento conforme o estado do processo.

O julgamento conforme o estado do processo pode assumir 7 variações:

● 1ª variação – extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267, CPC).

→ 2.1.1. Extinção do processo sem exame do mérito por inadmissibilidade106.

É caso de processo defeituoso, cujas possibilidades estão previstas no art. 267, no inciso I (indeferimento da petição inicial – já estudado), IV (falta de pressuposto processual – já estudado), V (perempção, litispendência e coisa julgada), VI (carência de ação – já estudada) e VII (convenção de arbitragem – já estudado).

Abaixo será analisado o inciso V, pois os demais já foram estudados:

Há perempção qdo o sujeito perde o direito de demandar em razão de ter abandonado por 3 vezes sucessivas o processo. Nesse caso, o direito material continua existindo, de forma que o que a perempção obsta é a análise do mérito pela jurisdição. A perempção está regulada no art. 268, § único do CPC.

106 Diz-se inadmissibilidade porque o processo não pode ser admitido qdo ocorrer uma das hipóteses dos incisos (I, IV, V, VI e VII do art. 267, CPC), ou seja, ele já nasce defeituoso, desde o início. As demais causas de extinção do processo sem julgamento do mérito (incisos II, III, VIII, IX, X e XI do art. 267, CPC) ocorrem por circunstâncias (que não são defeitos) que aparecem no curso do processo.

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→ 2.1.2. Extinção do processo sem resolução de mérito por morte do autor + intransmissibilidade do direito do autor.

Está preciso no inciso IX do art. 267, CPC.

Nesse caso, o processo se extingue sem exame de mérito, mas não por defeito. Se o direito for transmissível, não é caso de extinção do processo, pois o espólio assume o lugar do autor.

→ 2.1.3. Revogação (vem de re + vocar, ou seja, dar macha à ré na voz, na vontade).

Revogar é não mais querer. Nesse caso, o processo não é extinto por defeito, mas pela falta de vontade da parte.

A revogação pode se dá por abandono (do autor — inciso III do art. 267; ou de ambas as partes — inciso II do art. 267) ou desistência (inciso VIII do art. 267).

O inciso X do art. 267 fala em extinção por confusão. A confusão ocorre qdo as situações de credor e devedor se reúnem na mesma pessoa107.

A confusão é caso de extinção da obrigação, como ocorre com o pagamento, a transação, a compensação, etc. Nesses 3 casos, o juiz examina o mérito para dizer se houve pagamento, a transação ou a compensação. Logo, à semelhança dessas 3 hipóteses, a confusão extingue o processo com exame de mérito.

Houve, portanto, erro do legislador em colocar o inciso IX do art. 267 estabelecendo confusão como extinção do processo sem exame de mérito.

→ DIA 10/05/2010.

Extinção do processo sem reexame do mérito não obsta a propositura da demanda (art. 268, caput, CPC). A única exceção é o inciso V do art. 267 do CPC (coisa julgada, perempção e litispendência). Como essas 3 hipóteses obstam a repropositura da demanda, há doutrina que defende que coisa julgada, perempção ou litispendência tratam-se de decisão que pode ser objeto de ação rescisória, ou seja, nessas hipóteses do inciso V, a decisão judicial sem exame do mérito desafia ação rescisória.

107 É errado dizer que credor e devedor sejam a mesma pessoa.

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O STJ já decidiu que esta ressalva do art. 268 deve ser entendida a outras hipóteses de extinção sem exame de mérito além das hipóteses de coisa julgada, perempção e litispendência – logo, para o STJ, a referência do art. 268, CPC, seria exemplificativa.

Destarte, para o STJ, outras hipóteses tb impedem a repropositura da demanda, como:

- a) a extinção do processo por morte impede a repropositura da ação — pois o titular faleceu, não podendo ele repropor a demanda;

- b) as situações de inadmissibilidade (incisos I, IV, V, VI e VII do art. 267, CPC) — pois não se pode repetir o que foi considerado inadmissível, devendo-se corrigir o erro para propor novamente outra ação. Seria, pois, propositura de nova ação e não repropositura da ação anterior.

Por isso, a rigor , só os casos de extinção por revogação (incisos II, III e VIII do art. 267, CPC) permitem repropositura. Extinto por morte, não poderá repropor nunca, por motivos óbvios. Extinto o processo por inadmissibilidade, repropositura não haverá, mas sim nova propositura com o defeito corrigido.

A extinção sem exame de mérito por revogação possui 3 hipóteses:

→ a) desistência do processo (inciso VIII do art. 267).

Desistência do processo é um negócio unilateral pelo qual o autor abdica do direito ao exame do seu pedido, ou seja, desiste do processo. Não se trata de renúncia ao direito discutido, tanto que a renúncia ao direito discutido gera decisão de mérito e a desistência do processo gera decisão que não é de mérito.

A desistência exige poder especial conferido ao advogado. Não pode ser procuração genérica, mas sim aquela que consta de forma específica o poder de desistir.

A desistência só produzirá efeito após a homologação judicial. Se o réu já apresentou resposta, a desistência só será homologada com o seu consentimento (art. 267, § 4º, CPC), pois a resposta dá ao réu o direito à análise de mérito. Observa-se que essa situação não se aplica ao réu revel, mas só ao réu que apresentou resposta, ou seja, se o réu é revel, o autor poderá desistir. Essa é a melhor interpretação do § 4º do art. 267, CPC.

A desistência só pode ocorrer até a sentença, pois, se assim não ocorresse, a parte poderia desistir após saber se ele obteve êxito ou não na ação.

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Não é correto falar em “pedido de desistência”, pois o autor desiste unilateralmente e não a pede. O que se pede é a homologação da desistência.

O art. 3º da lei 9469/97 diz que qdo um ente público federal for réu, ele só poderá concordar com a desistência do autor se o autor, além de desistir do processo, renunciar ao direito material. A intenção do legislador é que houvesse uma decisão de mérito em favor do poder público.

Nos processos de controle concentrado de constitucionalidade não se admite desistência. Na ação popular e na ação civil pública, a desistência não gera extinção do processo, mas sim sucessão processual — um outro ente assumirá o lugar do autor desistente.

→ b) abandono da causa pelas partes por mais de 1 ano (inciso II do art. 267, CPC).

A peculiaridade dessa extinção é que, antes de extinguir por abandono, o juiz deverá intimar pessoalmente as partes para em 48 hs darem andamento ao processo. Se as partes quedarem-se silentes, o processo é extinto.

Esse caso do inciso II dificilmente se verá no caso concreto, pois depende de negligência de ambas as partes cumulativamente no mesmo processo.

→ c) abandono pelo autor que não promover atos e diligências em mais de 30 dias (inciso III, art. 267, CPC).

Nesse caso, a parte (autor) tb deve ser intimada para tomar providência em 48 hs. Conforme § único do art. 268, CPC, ao mencionar o inciso III do art. 267, é este abandono que, se ocorrer 3 vezes consecutivas, gerará a perempção.

Se o réu já tiver apresentado resposta, o juiz só pode extinguir o processo por abandono do autor se o réu (não revel) solicitar — esse é o entendimento da súmula 240 do STJ. Nessa súmula, o STJ aplicou por analogia a regra da desistência (art. 267, § 4º, CPC).

Só haverá abandono se o ato que o autor deixou de praticar em 30 dias foi ato indispensável ao andamento do processo, ou seja, sem o qual o processo não pode continuar. Se o autor deixa de pagar honorários periciais, por exemplo, não há inviabilidade do processo, pois, nesse caso, somente haverá processo sem perícia (que provavelmente prejudicará o autor, mas não é fator determinante para o não andamento do processo). No entanto, se o autor não paga custas ou não indica endereço do réu, ai sim se extingue o processo por abandono, tendo em vista que, sem esses atos, o processo não poderá prosseguir.

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Vale aqui a mesma regra mencionada anteriormente sobre a desistência nas ações coletivas, ou seja, o abandono do processo pelo autor nas ações coletivas não gera extinção do processo.

● 2ª variação – extinção do processo pela prescrição ou decadência.

Já estudado.

Obs.: como já visto, a extinção do processo por prescrição ou decadência ocorre com análise do mérito (art. 269, IV, CPC).

● 3ª variação – extinção por autocomposição das partes.

Trata-se de extinção com exame do mérito.

Autocomposição é gênero que engloba a transação (art. 269, III, CPC), a renúncia do direito pelo autor (art. 269, V, CPC) 108 e o reconhecimento da procedência do pedido feito pelo réu (art. 269, II, CPC). Nota-se que são 3 negócios jurídicos: um bilateral (transação); e dois unilaterais (renúncia do autor e reconhecimento da procedência do pedido do réu).

Como é negócio jurídico, é preciso que o direito em jogo admita autocomposição (direitos disponíveis). Há direito que admite uma modalidade de autocomposição, mas não todas, ou seja, que pode ser transigido, mas que não se pode renunciar — um exemplo é o direito a alimentos. Os direitos coletivos são insuscetíveis de renúncia, mas admitem transação. Na investigação de paternidade, cabe, por exemplo, reconhecimento da procedência do pedido.

Tais negócios jurídicos (transação, renúncia, reconhecimento da procedência do pedido) podem ocorrer em qualquer momento do processo. Para praticá-los, o advogado tem que ter poder especial, de modo a não servir procuração genérica.

Esses negócios jurídicos, no plano material, produzem efeitos imediatamente, mas devem ser homologados para que se extinga o processo.

A autocomposição109 pode abranger matéria que não está sendo discutida no processo. Exemplo: na hora de fazer acordo, as partes podem incluir outra dívida que não está sendo discutida, juntando com a que está sendo discutida.

● 4ª variação – Julgamento antecipado da lide.

108 Aqui se trata de renúncia do direito pelo autor (art. 269, V, CPC) e não de desistência da ação pelo autor (art. 267, VIII, CPC). Observa-se que a 1ª hipótese trata de extinção do processo com resolução de mérito, enquanto a 2ª refere-se à extinção do processo sem resolução de mérito.

109 Aqui está a se falar somente em autocomposição, e não em renúncia do direito pelo autor ou reconhecimento da procedência do pedido pelo réu.

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Observando que não ocorreu nenhuma das 3 variações citadas (as quais geram extinção do processo), o juiz deverá julgar a causa, podendo julgar antecipadamente a lide (4ª variação) ou julgar a lide posteriormente (5ª, 6ª e 7ª variações).

Julga-se a causa imediatamente quando há somente prova documental e quando essa prova documental for bastante para o julgamento. Nesse caso, ocorre o julgamento antecipado da lide.

Julgamento antecipado do processo é caso em que o juiz julga a lide conforme provas documentais já existentes no processo, analisando tb, por óbvio, a petição inicial e a resposta do réu (caso haja esta, onde não seja caso de revelia). O julgamento antecipado da lide é uma técnica para abreviar o procedimento, evitando atos desnecessários.

O julgamento antecipado da lide é possível em 2 hipóteses (art. 330 do CPC): qdo as questões de fato podem ser comprovadas por documento — chamada causa unicamente de direito; qdo a revelia produz confissão ficta.

O julgamento antecipado da lide pode ser de procedência ou improcedência (acolhendo ou não o pedido do autor). Todavia, o juiz não pode julgar antecipadamente a lide concluindo pela improcedência por falta de provas, pois, se faltam provas, não é caso de julgamento antecipado, devendo o juiz adentrar na instrução (podendo ouvir testemunhas). No julgamento antecipado da lide, não há a necessidade de produção de provas em audiência; o que é diferente da improcedência por falta de provas.

O julgamento antecipado da lide sempre trará consigo o risco de cerceamento de defesa, pois o juiz estará dispensando demais provas afora as documentais — por isso o juiz deve fundamentar bem o julgamento antecipado da lide.

Se o juiz não julgar antecipadamente a lide, ele deve julgar a causa posteriormente, determinando a instrução. Essa situação ocorre qdo as provas acostadas aos autos são insuficientes para julgar antecipadamente a lide.

● 5ª variação – julgamento posterior com audiência preliminar .

O juiz marca a audiência preliminar para: tentar conciliar as partes; para fixar os pontos controvertidos da causa, caso as partes não conciliem; e, por fim, para delimitar a atividade instrutória (organizar a instrução, estabelecendo quais provas serão produzidas, como e onde serão produzidas).

Essa audiência preliminar não tem nada a ver com a audiência de conciliação dos juizados, até porque esta audiência dos juizados é feita antes da defesa. A audiência preliminar é feita depois da defesa.

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No juizado especial cível, se o autor não comparece pessoalmente, o processo se extingue; na audiência preliminar, se o autor não comparece, o processo não se extingue, pois se deduz que não há intenção de conciliação.

No juizado, se o réu não comparece pessoalmente, ele é revel; na audiência preliminar, se o réu não comparece, o processo não se extingue, pois se deduz que não intenção de conciliação.

● 6ª variação – despacho saneador ( sem audiência preliminar) .

Não será marcada audiência preliminar em 2 hipóteses: se a autocomposição for impossível; e se a autocomposição for improvável, pela manifestação dos autos. Havendo essas 2 hipótese, ou seja, sem audiência preliminar, o juiz deve declarará o despacho saneador

Despacho saneador é um decisão escrita com 2 partes nítidas:

1ª) uma parte retrospectiva – o juiz analisa o processo dali para traz e declara que ele não tem nenhum vício, podendo ser instruído e julgado. Por isso, a rigor, é de se reconhecer que esse despacho não saneia o processo, mas sim declara o processo saneado, pois são as providências preliminares que o saneiam.

2ª) uma parte prospectiva – onde o juiz fixa os pontos controvertidos e organiza a instrução, determinando o que será feito na instrução. Vê-se que o despacho saneador ocorre antes da instrução.

Nota-se que o despacho saneador nem é despacho (mas sim decisão) e nem é saneador (pois não saneia, mas sim declara saneado).

● 7ª variação – decisão parcial.

Imagina-se que uma demanda tenha 4 pedidos, onde o juiz entende que: um pedido está prescrito; outro é inepto; outro teve acordo; e o último precisa de instrução. Nesse caso, há decisões parciais, pois cada parte do processo é decidida de uma maneira. Isso pode ocorrer sempre que houver cumulação de pedidos.

Em decisões parciais, o processo não se extingue, pois ele prossegue em relação a alguma parte que não foi decidida.

A decisão parcial pode ser de mérito, como na prescrição parcial, no acordo parcial, no julgamento antecipado parcial, etc. Por ser de mérito, a decisão é apta à coisa julgada material, apta à execução definitiva, apta à ação rescisória, etc., ou seja, elas não extinguem o processo, mas são definitivas. Todo o exposto neste parágrafo é pacífico na doutrina.

O seu grande questionamento é a natureza jurídica dessas decisões parciais. Uma corrente defende que são decisões interlocutórias impugnáveis por agravo de

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instrumento; outra corrente entende que são sentenças parciais (porém, que não extinguem o processo).

Para quem acha que são sentenças parciais, há 3 subcorrentes: são sentenças apeláveis; ou são sentenças agraváveis; ou são sentença apeláveis por instrumento (de construção meramente doutrinária).

Questão de concurso: Cabe rescisória em agravo?

A resposta está logo acima, sendo positiva para a corrente que defende sentença agravável.

NESTE MOMENTO, ENCERRA O VOLUME I DO LIVRO DE FREDIE. OS ASSUNTOS A SEGUIR SÃO DO SEU VOLUME II.

Teoria da prova.

1. Acepções da palavra prova.

1.1. Prova como fonte de prova.

Fonte de prova é tudo aquilo de que se possa extrair prova. Há 3 fontes de prova: as pessoas (testemunha), as coisas (como documento) e os fenômenos110.

Ex: a testemunha é uma prova. Testemunha neste caso é fonte de prova.

1.2. Prova como meio de prova.

Meio de prova é o modo pelo qual se tira prova de uma fonte e se coloca no processo. Exemplo de meios de prova: a perícia, a inspeção judicial, o depoimento, a juntada de documento, etc.

Para se distinguir fonte de prova e meio de prova, deve-se usar a seguinte comparação: a testemunha é fonte de prova; o testemunho é meio de prova.

No Brasil, conforme art. 332 do CPC, vigora o princípio da liberdade dos meios de prova, ou seja, as provas podem ser produzidas por qualquer meio, mesmo que ele não seja típico (expressamente regulado), desde que seja idôneo e não contrário ao direito. Exemplo de prova atípica: prova emprestada, que não está prevista em legislação.

O limite da liberdade dos meios de prova é a sua licitude, pois a CF/88 veda prova ilicitamente obtida. Prova ilícita é aquela que viola direito.110 Coisas que ocorrem no dia-a-dia como a gravidez, o barulho, o mal-cheiro, etc.

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A proibição de prova ilícita compõe o devido processo legal, tendo sido gestado para o processo penal, mas se espraiou para o processo civil. Da mesma forma como ocorre no processo penal, a prova ilícita ocorre no processo civil, somente com uma ponderação: no processo penal se admite a mitigação da proibição de prova ilícita em favor do réu e em algumas situações específicas; no processo civil, tal mitigação se opera em favor de qualquer das partes, sempre que a proibição da prova ilícita se mostrar irrazoável.

1.3. Prova como convencimento do juiz.

Nesse caso, prova assume um sentido subjetivo — é a convicção do juiz que o fato afirmado existiu. Por essa acepção, qdo se diz que alguém provou algo, é por que o juiz se convenceu.

Acepções: Fonte → Meio → Resultado. Extrai-se a prova da fonte, a coloca no processo pelo meio, para convencer o juiz (resultado).

2. Prova e contraditório.

O art. 5º da CF não menciona expressamente um direito à prova. Entretanto, o direito à prova é um direito fundamental, pois ele é conteúdo do direito fundamental ao contraditório. Logo, apesar de não haver texto expresso, o direito fundamental à prova é conteúdo essencial do direito fundamental ao contraditório (decorre do contraditório).

O direito fundamental à prova tem o seguinte conteúdo: direito à produção de prova; direito a participar da produção da prova, para fiscalizar se ela está sendo produzida de forma correta111 (art. 431-A, CPC); direito de manifestar-se sobre a prova produzida; e, ainda, o direito a que o juiz se manifeste sobre a prova produzida.

3. Juiz e a prova.

3.1. Poder instrutório do juiz.

No processo civil brasileiro, o juiz tem poder instrutório, ou seja, o juiz pode determinar a produção probatória independentemente do requerimento das partes.

Esse poder instrutório é paralelo ao poder das partes de requererem as provas, logo um não depende do outro. Mesmo as partes tendo produzido provas, o juiz pode determinar a produção das provas de ofício (art. 130 do CPC).

Esse poder instrutório do juiz independe de o direito discutido ser disponível ou indisponível. No processo penal, a discussão do poder instrutório do juiz tem outros fundamentos e é bem divergente, que não se aplica ao processo civil (onde o tema é pacificado).

111 Por isso, a parte, por exemplo, tem o direito de ver o juiz assistindo a um vídeo juntado em um processo, para saber se o juiz o assistiu mesmo, para avaliar se o juiz analisou todo o vídeo, para saber se o vídeo estava com uma boa imagem, etc.

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3.2. Prova e verdade.

Tema bem controvertido é saber se o juiz com a prova busca a verdade no processo.

Ao longo da história, a verdade se dividiu em verdade real e verdade formal.

Verdade formal é a verdade das partes. A doutrina mais antiga afirmava que o processo civil se pautava pela verdade formal, mas atualmente essa afirmação não mais se aplica, já que nosso sistema confere poder instrutório ao juiz.

Verdade real é a correspondência precisa entre aquilo que se diz e aquilo que ocorreu. O processo civil tb não se pauta na verdade real, pois esta não é uma meta do processo. A verdade real não existe, ela é ideal, inalcançável, impossível de saber se a verdade é real ou não, já que o fato está no passado e o passado só nos chega por intermédio de alguém; alguém este que, qdo relata o que viu, relata com suas circunstâncias (com medos, preconceitos, parcialidade, crenças, etc.), com suas interpretações. “O segredo da Verdade consiste em saber que não existem fatos, só existem histórias”. O fato que passou, deixa de existir, virando só história, que é a versão de quem conta o fato.

A verdade do processo é a verdade possível de ser construída, que pode ser construída nos limites do devido processo legal. A busca da verdade real justifica a tortura, o messianismo, as inquisições, etc. — ademais, dá ao homem que julga um poder que nenhum homem tem: que é o poder da onisciência.

3.3. Sistemas de apreciação da prova pelo juiz.

3.3.1. Sistema da convicção íntima.

O juiz examina a prova intimamente, sem qualquer fundamentação. Esse sistema é praticamente abolido, mas existe no júri.

3.3.2. Sistema da prova legal.

A prova tem o valor que a lei atribuir, de modo que o juiz não pode valorar a prova livremente. Tira-se o poder de valoração da prova pelo juiz.

3.3.3. Sistema da persuasão racional ou do livre convencimento motivado (previsto no art. 131, CPC).

O juiz examina as provas livremente, mas terá que expor as razões do seu convencimento. Com intuito de coibir abusos, esse sistema deve observar uma série de limitações:

- devido processo legal – pois o juiz deve motivar seu convencimento, devendo decidir respeitando o contraditório, apenas com as provas que estão nos autos, proibindo a prova ilícita.

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- regras de prova legal que ainda sobrevivem no sistema, que funcionam como balizas (ex: quando se diz que determinado ato só se prova com documento).

- a argumentação racional – o juiz só pode decidir com base em argumentos racionais, eliminando fundamentos de fé, transcendentais, abstratos, etc.

→ DIA 28/05/2010.

O livre convencimento motivado é limitado pelas regras ou máximas da experiência, pois o juiz valorar uma prova contrariamente à regra de experiência.

3.4. Regras ou máximas de experiências.

Regras da experiência são regras extraídas da experiência humana, isto é, são regras extraídas da observação humana acerca daquilo que normalmente acontece. Ex: a gravidez da mulher dura, em regra, 9 meses; a lei da gravidade. Esses exemplos são de regras da experiência universais, mas pode haver regras de experiência locais, como o engarrafamento em determinada rua e em determinado horário.

Um juiz não pode valorar as provas contra as regras da experiência, mesmo que argumente o livre convencimento motivado112, ou seja, um juiz não pode revogar a lei da gravidade (determinar que uma das partes prove que um objeto lançado por uma pessoa alcançou o chão); ou aceitar a acusação de que uma pessoa trafegou por uma rua, que sempre se congestiona, a 120 Km/h no horário do rush.

As regras da experiência possuem 4 funções:

- limitar o livre convencimento motivado (como já esboçado acima);

- ajudar o juiz na valoração da prova. Ex: um juiz se depara com 2 testemunhos contraditórios, de modo que ele deve dar menos credibilidade àquele testemunho em que a pessoa se manteve nervosa, pois sua máxima de experiência lhe permite constatar que pessoas nervosas costumam mentir113.

- ajudar o juiz a aplicar os conceitos jurídicos indeterminados, já que em vários textos de leis aparecem conceitos indeterminados, abertos (Ex: não se pode arrematar bem em juízo com preço vil; pode-se penhorar imóvel do executado se de

112 Por isso que a máxima de experiência limita o livre convencimento motivado.

113 Entretanto, este deve ser um dos critérios a ser ponderado pelo juiz dentro de um universo a ser analisado, pois uma pessoa pode estar nervosa sem que esteja faltando com a verdade.

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elevado valor — a máxima de experiência do juiz irá determinar, no caso concreto, o que é preço vil e elevado valor).

- as regras da experiência servem como premissa maior para as presunções judiciais. Presumir é ter como ocorrido determinado fato. Presunção judicial é o resultado de um raciocínio feito pelo juiz. A regra de experiência é a premissa maior, a premissa menor é o indício114 e a conclusão é a presunção. Ex1: a regra da experiência (premissa maior) diz que marca de batom é sinal de traição; João tem uma marca de batom (premissa menor — indício); a conclusão (presunção) é que João traiu. Ex2: a regra de experiência (premissa maior) diz que a morte de um filho entristece os pais; morre o filho de João (premissa menor — indício); a conclusão (presunção) é que João fica triste com a morte do filho e por isso deve receber indenização por dano moral do causador da morte do filho115. Nesse caso, o indício é um meio de prova, pois, através do indício, chega-se à prova de um outro fato. Portanto, prova indiciária é meio de prova, mas tb é prova indireta116 (que se prova por meio de outra prova, isto é, por meio indireto).

Presunção não é meio de prova; ela é o resultado do raciocínio (é o fim e não meio).

3.5. Objeto da prova.

É o que se prova no processo. Portanto, são as afirmações de fatos e não os fatos em si mesmos. A expressão “fato probando” se refere ao fato que se busca provar.

Podem ser provados tanto fatos jurídicos qto fatos não jurídicos. Fato não jurídico é aquele que não têm relação nenhuma com o direito, como a cor de uma camisa. Ex: uma pessoa diz que viu, no momento do crime, o assassino com a camisa verde — nesse caso, a cor da camisa não é fato jurídico — apesar de ser fato probando —, mas sim um fato não jurídico.

Um fato para ser objeto de prova tem que ter 3 atributos:

- tem que ser fato relevante para a causa – o juiz não vai perder tempo com fato sem importância para a causa.

- o fato tem que ser controvertido – o juiz não irá produzir prova de fato incontroverso, pois este é reconhecido pela outra parte (art. 334, III, CPC).

114 Indício é um fato que se liga a outro fato e que, uma vez provado (o indício), permite que se presuma a existência deste outro fato. Indício e indicador têm a mesma origem terminológica, por isso o indício aponta, ou seja, indica outro fato.

115 Decisões judiciais que não podem ser provadas por prova direta são provadas por presunção. Por isso, dano moral sempre é provado por presunção.

116 No citado exemplo, só o indício (fato indireto) está provado. O fato direto não está provado, mas só presumido por outro fato.

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- o fato tem que ser determinado – é aquele que delimita o fato no tempo (quando se deu o fato) e no espaço (onde se deu o fato), sob pena de se tornar impossível de se provar, como ocorre com os fatos negativos indeterminados117.

→ 3.5.1. Prova de fato negativo.

Fato negativo é aquele fato que se alega não ter ocorrido.

O não-fato, ou seja, o fato que não ocorreu, é sim objeto de prova, pois se pode provar fato negativo. Exemplo: a certidão negativa (cuja finalidade é provar um fato que não ocorreu).

Agora, para ser provado o fato negativo, necessário é que ele seja determinado. Por isso, não há como provar que uma pessoa nunca esteve no Japão, pois este fato é indeterminado. Mas, pode-se provar que uma pessoa, no dia tal, não esteve no Japão, pois este fato é determinado. Observa-se, portanto, que fato negativo indeterminado, como qualquer fato indeterminado, não é objeto de prova.

→ 3.5.2. Prova diabólica.

Há fatos cuja prova é impossível ou excessivamente onerosa de se obter. Qdo isso ocorre, fala-se que há a prova diabólica.

Observa-se que a prova diabólica pode ser um fato negativo indeterminado (cuja prova é impossível), mas pode tb ser um fato cuja prova é excessivamente onerosa de se obter (nesse caso a prova não é impossível, ou seja, não é um fato negativo indeterminado, mas sim excessivamente onerosa).

Ex: a CF diz que, para que alguém consiga usucapir um bem de maneira especial, é preciso que essa pessoa não tenha nenhum outro imóvel; nesse caso, para que a pessoa prove que não tem outro imóvel, ela teria que apresentar certidão negativa de todos os cartórios de imóveis do mundo; por isso, razoável é exigir que a pessoa só apresente certidão negativa dos cartórios da comarca do imóvel a se usucapir.

3.6. Prova de Direito.

Às vezes necessário é provar o Direito; melhor dizendo, é necessário provar o seu teor e a sua vigência.

117 Nota-se que o fato impossível de se provar é o fato negativo e indeterminado, cumulativamente.

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Esse direito pode ser objeto de prova se o juiz não o conhecer. Direito objeto de prova é o Direito municipal118, estadual119, estrangeiro e costumeiro (consuetudinário).

3.7. Fatos que não dependem de prova (art. 334, CPC).

→ 3.7.1. Fatos notórios.

São aqueles cuja ocorrência se tem como sendo de conhecimento de todos. Ex: Lula é o presidente do Brasil; as torres gêmeas caíram em 11 de setembro de 2001. Esses exemplos são de fatos notórios universais, mas pode haver fato notório local.

Fato notório é diferente de regra da experiência, já que a regra da experiência não é fato, mas sim regra, hipótese, suposição (Ex: homens com marca de batom costumam ter traído — isso é regra, hipótese); já o fato notório é um acontecimento, ou seja, aquilo que realmente ocorreu.

→ 3.7.2. Fato afirmado por uma parte e confessado pela outra.

Pois fato confessado é fato incontroverso.

→ 3.7.3. Fato admitido no processo como incontroverso.

É aquele que não foi contestado, que não foi impugnado, pois quem cala admite. Não confundir fato não impugnado (admitido) com fato confessado, já que a confissão é expressa e a admissão é tácita. Por isso pode-se dizer que todo fato confessado é incontroverso, mas nem todo fato incontroverso é confessado (pois pode haver fato incontroverso simplesmente não impugnado).

Por ser expressa, a confissão exige poder especial do advogado, enquanto a admissão (não impugnação) não exige poder especial do advogado. A confissão é ato jurídico em sentido estrito; enquanto a admissão é ato-fato. A confissão pode ser extrajudicial também; enquanto a admissão é sempre judicial, pois só se pode deixar de impugnar no processo, já que a impugnação depende de existência de demanda judicial.

O ponto em comum entre fato confessado e fato não contestado é que ambos dispensam prova, mas todo o restante, aludido supra, é caso de distinção.

→ 3.7.4. Fato em cujo favor milita presunção legal120 de existência ou de veracidade.

118 Desde que seja de município onde o magistrado não atue.

119 Desde que seja de estado onde o magistrado não atue.

120 As presunções anteriormente citadas foram casos de presunções judiciais.

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Presunção legal é uma norma jurídica (regra jurídica) que impõe ao juiz tomar o fato presumido como ocorrido. As presunções legais nada têm a ver com valoração das provas, pois presunções são norma-regras.

As presunções legais se subdividem121 em:

- absoluta (juris et de jure, ou seja, “do direito e pelo direito”) – é aquela que torna irrelevante a discussão sobre determinado fato, pois o legislador transforma o fato em indiscutível. Por isso se diz que presunção absoluta não autoriza prova em contrário. Ex: um cônjuge presume-se autorizado pelo outro cônjuge para contrair dívidas para a economia doméstica (art. 1.643, CC); aquele que compra imóvel, em cuja matrícula esteja averbada uma penhora, conhece a penhora (art. 659, § 4º, CPC).

- relativa (juris tantum, ou seja, “apenas de direito”) – é aquela em que o legislador presume o fato, mas admite prova em contrário. Quem se baseia numa presunção relativa fica dispensado da prova, mas a outra parte pode produzir prova em contrário. Ex: a recusa ao exame de DNA gera presunção relativa de paternidade (art. 2º, § único, da lei 12.004); presunção de necessidade diante da declaração de pobreza, para não arcar com as custas processuais (art. 4º, lei 1060/50).

Distinção em presunção legal e ficção legal:

Ambas são muito parecidas, inclusive com as mesmas conseqüências práticas.

Na ficção legal, o legislador toma o fato como ocorrido mesmo sabendo que ele não ocorreu. Ex: a revelia gera confissão ficta — é uma ficção, pois o legislador sabe que não ocorreu, já que o réu revel não confessou.

Já na presunção, o fato pode ou não ter acontecido. Ele somente é presumido.

3.8. Ônus da prova.

Ônus da prova é uma regra que atribui responsabilidade (encargo) pela falta de prova de um determinado fato, ou seja, quem tem o ônus da prova arcará com as conseqüências se a prova não for produzida.

Por isso, o ônus da prova não determina quem deve produzir a prova (pois a regra do ônus da prova não obriga ninguém a provar), mas determina quem arcará com a 121 Essa divisão em presunção absoluta e relativa são só para presunções legais, jamais para presunções judiciais.

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falta da produção da prova. Ônus da prova não é a entrega de tarefa, mas a entrega de uma responsabilidade (é um encargo).

O ônus da prova é uma regra de julgamento, pela qual o juiz, constatando que não há prova de um fato, julga em desfavor daquele que não se desincumbiu de ter provado o fato. Essa regra de ônus da prova só se aplica no momento do julgamento, desde que não haja prova suficiente para convencer o juiz de que o fato ocorreu ou não ocorreu e tb desde que não se possa mais produzir novas provas, pois, se for possível a sua produção, o juiz deve encarregar de determiná-la. Se prova suficiente houver, deve o juiz julgar conforme as provas dos autos e não com base no onus probandi.

As regras de ônus da prova são regras de aplicação subsidiária, pois o juiz só decide com base no ônus da prova se não houver prova suficiente para o deslinde do caso ou se não for mais possível produzir prova. Se for possível, deve o juiz determinar a produção probatória.

Se vir no concurso questão dissertativa pedindo para relacionar ônus da prova e sistema de poder instrutório do juiz, deve-se trabalhar a idéia de que o julgamento com ônus da prova só é possível qdo não for possível produzir mais prova, pois, se for possível, deverá o juiz exercer seu poder instrutório e determinar a produção probatória.

É possível haver convenção das partes para mudar as regras de ônus da prova. Para que haja essa convenção, é preciso que não envolva direitos indisponíveis e é preciso que não torne excessivamente oneroso para uma parte a produção probatória determinada pelo ônus contratual (§ único do art. 333, CPC).

O CPC, no art. 333, diz que o ônus da prova é de quem alega (se for do autor, ele alega fato constitutivo de seu direito; se for do réu, ele alega fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor) — essa regra é a consagração da teoria estática de distribuição do ônus da prova (porque o ônus da prova é distribuído previamente, fixamente, rigidamente, de forma estática).

Entretanto, essa concepção estática se revelou, muitas vezes, injusta na prática, porque, por exemplo, se a prova for diabólica, o ônus da prova para quem deve alegar o onerará excessivamente. Por isso, adveio uma moderna teoria que afirma que o ônus da prova deve ser da parte que, no caso concreto, possa se desincumbir desse ônus com mais facilidade, ou seja, o ônus da prova deve ser distribuído caso a caso, conforme suas peculiaridades, e não previamente — a essa doutrina, se convencionou chamar de teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Por essa doutrina, o ônus deve ser de quem possa se desincumbir dele.

Essa teoria da distribuição dinâmica das cargas probatórias já foi encampada pela jurisprudência brasileira, inclusive pelo STJ. Tal teoria se funda em direitos

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fundamentais à igualdade122 e a um processo adequado. Não há texto expresso adotando tal teoria, mas ela é consectária constitucional do processo devido. Todos os novos projetos de lei que tratam sobre prova em processo civil adotam essa teoria.

O CDC já havia previsto essa flexibilidade do ônus da prova qdo diz que o juiz pode inverter o ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC). A diferença é que nas causas de consumo, a inversão do ônus da prova será sempre em favor do consumidor, mas isso não deixa de ser uma flexibilidade. O ônus da prova na causa de consumo é igual à previsão do art. 333, CPC, ou seja, é de quem alega, mas se permite a redistribuição em favor sempre do consumidor e sempre na análise do caso concreto (se houver verossimilhança da alegação do consumidor e se este for hipossuficiente). Essa inversão do ônus da prova no CDC é um exemplo de inversão dinâmica do ônus da prova, mas atentar que, enquanto a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova prega a distribuição para qualquer parte, a teoria da distribuição dinâmica no CDC determina a distribuição somente em favor do consumidor.

Atualmente, pode o juiz inverter o ônus da prova em qualquer processo, já que a jurisprudência brasileira aceitou a teoria da distribuição dinâmica como aplicação de direitos fundamentais, mas, em causas de consumo, isso só se aplica em favor do consumidor.

O momento da redistribuição do ônus da prova, pela teoria dinâmica, deve ser sempre antes da sentença e mediante comunicação do juiz, para permitir que a parte que recebeu um ônus (e que não o tinha antes) possa se desincumbir deste ônus.

Regras de ônus da prova são regras de julgamento, mas a inversão de ônus da prova não é regra de julgamento (é regra processual), inclusive devendo ser feita antes do julgamento, para se respeitar o contraditório. Esse posicionamento é majoritário, apesar de haver quem defenda que o juiz pode inverter o ônus da prova na sentença (mudando as regras do jogo) — o que é ferrenhamente criticado, por não se respeitar a boa-fé processual, o contraditório e, portanto, o devido processo legal.

Obs.: em causas de consumo, em que se discute publicidade enganosa, o ônus da prova de que a publicidade não é enganosa é do fornecedor. Dessa forma, o consumidor não precisa provar que a publicidade é enganosa (art. 38, CDC).

Teoria da decisão.

122 Igualdade de armas no processo.

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1. Introdução e conceito.

Nos editais de concurso, esse assunto aparece com o nome sentença, pois assim é tratado no CPC. Mas a palavra sentença tem duas acepções:

a) acepção ampla – sentença é sinônima de decisão judicial (é esse o sentido trazido pelo CPC). Nesse sentido a palavra sentença será estudada neste momento.

b) acepção restrita – sentença é espécie de decisão. Há duas correntes sobre o conceito da sentença como espécie de decisão:

- sentença é a decisão de um juiz que encerra uma fase do procedimento (ex: encerra a fase de conhecimento; encerra a fase de execução). Decisão que o juiz toma e que não encerra a fase do processo é uma decisão interlocutória. Essa é a visão tradicional e majoritária.

- sentença é a decisão de um juiz que tenha qualquer dos conteúdos do art. 267 ou do art. 269 do CPC, encerrando ou não o procedimento, pois importa o conteúdo da sentença e não sua finalidade.

Ex: decisão que exclui um litisconsorte do processo, para a primeira corrente é decisão interlocutória; já para a 2ª corrente é sentença (pois tem base no art. 267, CPC).

2. Sentença como norma (TEORIA DO PRECEDENTE).

Em toda decisão judicial se examina questão incidente e questão principal. As questões incidentes são examinadas na fundamentação da decisão. A questão principal é examinada no dispositivo.

Qdo o juiz decide uma questão principal (no dispositivo), ele cria a norma jurídica individualizada — que é a norma no caso concreto. Ex: no dispositivo o juiz diz: A deve a B. Essa norma jurídica individualizada se submete à coisa julgada. Portanto, coisa julgada é a indiscutibilidade da norma jurídica individualizada.

Na fundamentação (onde estão as questões incidentes), o juiz terá de identificar a norma jurídica geral do caso concreto. Isso quer dizer que na fundamentação o juiz deve demonstrar a norma geral (pois serve para todos), onde ele encontrou a solução do caso concreto em questionamento. Ex: no exemplo acima citado, em que A deve a B, a norma geral é quem toma dinheiro emprestado deve devolver.

Ex: o parlamentar que troca de partido perde o mandado (norma geral, pois vale para todos os parlamentares), por isso o deputado X deve perder o seu mandado (norma individualizada, pois só serve para o deputado X).

Do exposto, observa-se que em toda decisão judicial deve haver no mínimo duas normas: a norma individual do caso concreto; e a norma geral do caso concreto.

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A norma geral do caso concreto (que está na fundamentação), por ser geral, pode ser aplicada em outras situações semelhantes. Por isso é que as partes utilizam julgados que tratam da mesma matéria na sua argumentação, porque os julgados contêm normas gerais. O que a parte que apresenta um julgado quer é que se aplique a norma geral e não a norma individual (que pode não ser a mesma). A norma geral do caso concreto (que está na fundamentação e da qual se extrai a norma individual) é chamada de PRECEDENTE.

Características do precedente:

- é uma norma criada pela jurisdição (pois, mesmo podendo partir de uma lei criada pelo legislativo, ela é aplicada aos casos concretos gerais pela jurisdição123);

- é uma norma criada a partir de um caso concreto, mas é norma geral (por isso pode ser aplicada em casos futuros);

- o precedente sempre está na fundamentação do julgado.

A norma geral (precedente) não é atingida pela coisa julgada, pois coisa julgada é a imutabilidade da norma individualizada.

Sobre o precedente, recaem 3 efeitos:

- efeito persuasivo – pois o precedente serve como argumentação, podendo ser mais forte ou mais fraco a depender da origem do precedente124. Esse feito persuasivo é um efeito menor do precedente.

Se o precedente for reiteradamente aplicado por um Tribunal, ele transforma-se em jurisprudência125. A jurisprudência é a reiteração da aplicação da norma jurídica construída através de um caso concreto.

A diferença entre precedente e jurisprudência é que aquele é uma única decisão, enquanto esta é a aplicação reiterada de uma decisão, de um precedente.

Qdo a jurisprudência passa a ser dominante, ou seja, passa a prevalecer em um Tribunal, ela pode se transformar em súmula. Súmula é o texto da norma jurídica geral construída a partir de um caso e que vem sendo reiteradamente aplicado, ou seja, a súmula é o texto da jurisprudência dominante. A súmula, por ter sua origem no precedente, tb é norma geral.

A relação entre precedente e súmula é que súmula é o texto normativo do 123 Até mesmo a validade da lei depende de passar pelo crivo da jurisdição, pois ela pode ser declarada inconstitucional.

124 Um precedente de uma decisão do STF tem mais força do que um precedente de um juiz de uma pequena comarca do interior.

125 Atualmente, a jurisprudência é fonte do direito no ordenamento brasileiro.

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precedente, desde que este seja dominante.

Súmula é substantivo coletivo, ou seja, é um conjunto de enunciado. O STF só tem 2 súmulas (a súmula comum e súmula vinculada) e o STJ só tem a súmula comum. O número que popularmente se atribui ser a súmula, na verdade é uma numeração de um enunciado de uma única súmula – por isso, o correto é dizer “súmula do STF de nº 15” ou “enunciado de nº 15 da súmula do STF” e não “súmula 15 do STF”.

- efeito impeditivo de recurso – há precedentes que, se forem seguidos, impedem recursos da decisão que o seguir. Ex: súmula de Tribunal Superior se seguida impede recurso. É o efeito médio do precedente.

- efeito vinculante – há precedentes que têm que ser seguidos, é o que ocorre com as súmulas vinculantes. Esse é o efeito maior que o precedente pode ter.

Enquanto a norma individualizada só produz efeito entre as partes; as normas dos precedentes (gerais que são) produzem efeitos erga omnes, pois podem se aplicar a outros processos.

A coisa julgada da norma individualizada pode ser superada por ação rescisória. A superação de um precedente (que, diga-se de passagem, é absolutamente normal) é chamada de “OVERRULING”. O OVERRULING é fomentado por um novo contexto histórico, por novos argumentos, por uma nova visão de um Tribunal, etc.

A superação de um precedente viola a boa-fé do particular que atua em cima do entendimento do precedente. Este é um grande tema do momento, que trabalha a idéia da equação, da compatibilização da segurança jurídica com as modificações dos precedentes. Por isso, a doutrina entende que o OVERRULING deve ser dividido em 2 espécies:

- OVERRULING prospectivo – é a superação do precedente; superação esta que opera efeitos dali pra frente. Nesse caso, mantém-se a orientação anterior para os fatos anteriores, de modo que a mudança de precedente só atinja os fatos posteriores à mudança. O OVERRULING prospectivo vale para um precedente já sedimentado, pois somente este pode criar uma perspectiva para a parte;

- OVERRULING retrospectivo – que produz inclusive efeitos retroativos. Esta espécie só se justifica para precedente a ser superado (não sedimentado), ainda não consolidado na jurisprudência, pois, como ele não está sedimentado, a parte não pode alegar que foi surpreendida.

Observa-se que a compatibilização da segurança jurídica com as modificações dos precedentes ocorre com o respeito ao OVERRULING prospectivo, já que o OVERRULING retrospectivo opera efeitos retroativos.

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Muitas vezes os Tribunais não realizam o OVERRULING, mas já apontam para uma mudança de orientação (é como se fosse um prelúdio do OVERRULING). Essa indicação da mudança de orientação é o “SIGNALING”. Um exemplo de SIGNALING ocorreu numa ADI que tratava casamento homossexual, em que o ministro Celso de Melo indeferiu a ADI, mas deu indicação que caberia ADPF (dando a entender que na ADPF o pedido seria deferido).

→ DIA 31/05/2010.

Para saber se um precedente se aplica a um caso ou não, é preciso confrontar este caso em análise com o caso que gerou o precedente. Verificar se um caso tem peculiaridades compatíveis com o caso que gerou o precedente é fazer o DISTINGUISHING. DISTINGUISHING é, portanto, o método de comparação do caso concreto a ser analisado com o caso que gerou o precedente. O DISTINGUISHING é absolutamente indispensável para a aplicação do precedente — isso demonstra que a interpretação do precedente tb é indispensável. Por mais célebre que seja o precedente (a exemplo da súmula vinculante), deve haver DISTINGUISHING.

Por tal motivo, o sistema de súmula vinculante não tolhe o juiz em seu mister, pois, ao fazer o DISTINGUISHING, o magistrado atua com decisão, já que pode não aplicar a súmula vinculante se entender que o caso em análise não é semelhante àquele outro caso que originou a súmula vinculante.

RATIO DECIDENDI é a norma geral do caso concreto que fundamenta a decisão judicial, ou seja, é a norma (que é um precedente) que se encontra na fundamentação. RATIO DECIDENDI é a razão de decidir e é sinônima de precedente. Em inglês, RATIO DECIDENDI é chamada de HOLDING (que quer dizer agasalhar, abraçar).

O OBTER DICTUM é tudo aquilo que está na fundamentação da decisão e não é a RATIO DECIDENDI. O OBTER DICTUM126 é um comentário oblíquo, fortuito, feito de passagem, é aquilo que pode ser retirado da decisão sem comprometê-la. Porém, mesmo sendo um comentário passageiro e desnecessário, ele não é inútil, pois o OBTER DICTUM pode servir como um SIGNALING (que é aquilo que aponta a orientação de um Tribunal). O voto vencido é um exemplo de OBTER DICTUM.

O que está colocado como OBTER DICTUM não produz efeitos de precedente. Como o OBTER DICTUM não é um precedente, ele não gera súmula e não é atingido por coisa julgada. Ex: o art. 475-J, CPC, estabelece uma multa para o caso de não cumprimento de sentença; esta multa é muito polêmica, sendo tb polêmica a contagem do prazo para se aplicar a multa; em 2007, o STJ deu uma decisão de 126 OBTER DICTUM quer dizer dito de passagem. Seu plural é OBTER DICTA.

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que o prazo iniciava-se do trânsito em julgado127 (tal decisão era uma RATIO DECIDENDI); mas um ministro tb disse que se o advogado não comunicar ao seu cliente o trânsito em julgado, ele arcará com a multa (essa decisão era o OBTER DICTUM — que não era o objeto da decisão). Este OBTER DICTUM não tem o condão de criar precedente, podendo ser dispensável para a decisão; embora não seja inútil, já que indicou uma orientação do Tribunal.

3. Elementos da sentença.

A sentença possui 3 elementos:

3.1. Relatório.

É a parte descritiva da sentença. Nele há a história relevante do processo, com a suma dos pedidos e dos incidentes processuais.

Entretanto, o relatório é um elemento da sentença sem prestígio. Nos juizados especiais, o relatório está expressamente dispensado. Na prática, os Tribunais costumam fazer relatórios muitos sucintos, muitas vezes repetindo a sentença. Por isso, dificilmente se consegue invalidar uma decisão pela falta de relatório — é um defeito pouco relevante.

3.2. Fundamentação.

Elemento muito importante, a fundamentação é de exigência constitucional (art. 93, IX), de modo que toda decisão judicial deve contê-la.

A fundamentação é corolário da publicidade e do contraditório, pois é na fundamentação que o juiz responde aos pedidos e argumentos das partes. Mesmo se não houvesse exigência expressa da CF, a fundamentação seria exigida por ser corolário desses 2 princípios.

Decisão sem fundamentação é decisão nula. Há um autor italiano (Taruffo) que defende uma tese de que decisão sem fundamentação é decisão inexistente. Esta tese, porém, não é aceita no Brasil, até porque a CF/88 é muito clara em dizer que sua ausência implica em nulidade e não em inexistência do decisum.

Na fundamentação está a RATIO DECIDENDI e ela é o precedente que produz uma série de efeitos já estudados. Entretanto, como visto, a coisa julgada jamais recai sobre a fundamentação. Sobre a fundamentação recai os efeitos do precedente.

A fundamentação tem 2 funções:

a) função endoprocessual – é visualizada de 2 formas: dentro do processo, a fundamentação serve para que as partes possam elaborar o seu recurso e para que o Tribunal possa manter ou reformar a decisão.

127 Hoje o STJ entende que o prazo começa da intimação do executado.

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b) função extraprocessual: serve para dar publicidade ao exercício da função jurisdicional e para permitir o controle político das decisões.

3.3. Dispositivo.

É a conclusão da decisão. É a norma jurídica individualizada, que pode tornar-se indiscutível pela coisa julgada material.

Decisão sem dispositivo é decisão inexistente, pois, se não há dispositivo, decisão não há.

Obs.: decisão sem fundamentação é decisão nula. Decisão sem dispositivo é decisão inexistente.

Entretanto, pode ocorrer de o dispositivo de uma sentença conter várias decisões. Qdo isso ocorre, a sentença é, embora formalmente única, substancialmente formada por uma pluralidade de decisões em uma única peça — ocorre uma cumulação de decisões. Qdo uma decisão tem várias decisões, fala-se que ela é uma sentença objetivamente complexa. Cada uma dessas decisões contidas em uma sentença chama-se de capítulo de sentença.

O capítulo de sentença é a unidade decisória da sentença. Se o autor formulou 4 pedidos, haverá 4 capítulos de sentença; logo, sempre que houver pluralidade de pedidos, haverá capítulos de sentença. Numa sentença, melhor é que cada capítulo de sentença conste em um parágrafo, além de haver mais um parágrafo concernente aos honorários advocatícios. Tb é plausível que haja um parágrafo para cada espécie de fundamentação (apesar de não existir na prática, melhor é que haja tb um capítulo com a fundamentação dos honorários, explicando por que atribuiu honorários em 10%, por exemplo).

Se um juiz acolhe 2 pedidos e indefere um terceiro, não se pode dizer que houve procedência parcial. A procedência parcial ocorre, por exemplo, qdo o sujeito pede 100 e o juiz concede 70.

A sentença, embora una, pode ser parcialmente nula, já que ela substancialmente é fracionada em capítulos. Ex: qdo o juiz se esquece de fundamentar um capítulo, somente este será nulo. Da mesma forma, a parte pode recorrer somente de um capítulo e não de toda a sentença — nesse caso, o capitulo não recorrido faz coisa julgada, enquanto o capítulo recorrido não fará coisa julgada. O capitulo sobre o qual operou a coisa julgada pode ser executado isoladamente, enquanto o recurso pesa sobre os demais capítulos.

Obs.: ler o livro Capítulo de Sentença de Cândido Dinamarco, publicado pela Malheiros. Não ler os dois primeiros capítulos do livro.

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4. Requisitos da sentença.

São os atributos que a sentença deve ter para ser válida. Esse conjunto de atributos costuma ser reunido sobre a rubrica “congruência da sentença” (no sentido de sentença perfeita, bem feita).

A congruência da sentença se divide em 2 espécies:

4.1. Congruência externa da sentença.

A sentença tem que ser congruente (está em conformidade) com a demanda. É um ato externo, pois está fora da sentença — está combinada com a demanda (pedido).

Qdo a sentença não observa a congruência externa, fala-se que se trata de uma sentença extra petita, ultra petita ou citra petita.

Na sentença extra petita, o juiz concede algo que não foi demandado. Esta decisão extra petita é nula, por violar regra da congruência. Tal nulidade decorre do desrespeito ao contraditório, pois o juiz na decisão extra petita concede o que não foi debatido.

Na sentença ultra petita, o juiz concede aquilo além do que foi pedido. A decisão ultra petita é nula, mas só qto ao excesso, de modo que se corrige este efeito podando o excesso.

Na sentença infra petita, o juiz deixa de examinar questões que ele tinha que examinar. A decisão citra petita se divide em 2 espécies: aquela em que o juiz, mesmo examinando o pedido, deixa de examinar um fundamento relevante (esta ausência de exame se dá na fundamentação, por isso, a decisão, nesse caso, é nula por vício de motivação); aquela em que o juiz deixa de examinar o pedido (esta omissão está no dispositivo, por isso, a decisão, nesse caso, é inexistente — não há decisão, por isso não haverá tb coisa julgada128).

4.2. Congruência interna da sentença.

A sentença deve ser congruente intrinsecamente, observando 4 atributos (chamados de atributos da congruência interna de uma sentença):

a) a sentença deve ser certa – a sentença tem de resolver o problema, dar uma solução para este problema. A sentença não pode gerar incerteza.

128 A parte pode alegar a ausência de decisão no embargo de declaração, mas, se a parte não embargou, não há preclusão, podendo a parte renovar o pedido, já que não houve decisão. Questão diferente ocorre na decisão infra petita na fundamentação, onde há decisão e, portanto, onde opera a preclusão.

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b) a sentença deve ser clara129, inteligível – não se trata só de escrever de forma correta o vernáculo. Deve ser escrita com letra legível. Texto estrangeiro citado deve ser traduzido.

c) a sentença deve ser coerente – não deve ser contraditória, devendo ser coerente com ela mesma.

Pela falta de um desses 3 atributos, sentença incompleta, obscura e incoerente é atacável por embargos de declaração.

d) a sentença deve ser líquida – sentença líquida é aquela que define, de modo completo, os elementos da norma individualizada. A norma individualizada completa é aquela que responde a essas 5 perguntas:

- Existe dívida?

- Quem é o devedor?

- A quem se deve?

- O que se deve?

- Qto deve?

Se a sentença responde a essas 5 perguntas, ela é completa, líquida, já podendo ser executada.

Há casos, porém, em que se admite sentença ilíquida, sem que ela tenha defeito algum. Admite-se sentença ilíquida se o pedido for genérico (art. 286, CPC). Entretanto, a iliquidez que se admite é a liquidez em relação ao “quanto do valor”, transferindo-se essa decisão para um outro momento. Liquidar uma sentença é exatamente preencher aquilo o que falta, completando a norma individualizada.

Essa iliquidez mencionada é a iliquidez padrão prevista no CPC. Há, porém, casos de iliquidez mais ampla (em que a sentença é ainda mais ilíquida), como na sentença em ação coletiva. A sentença em ação coletiva condena o réu a ressarcir as vítimas, mas não tem como mensurar quem são as vítimas — nesta liquidação, deve-se abranger não só “o quanto”, mas tb o “a quem se deve”. Uma lei pode permitir iliquidez em relação a outros quesitos, mas jamais poderá haver iliquidez em relação a existência da dívida ( se “há dívida”), pois, neste caso, a sentença não mais será ilíquida, mas sim incerta.

Se o pedido for líquido, a sentença tem que ser líquida. Se, por ventura, a sentença de pedido líquido não for líquida, o autor, e somente ele130, poderá impugnar a iliquidez da sentença (súmula 318 do STJ).

129 A clareza é, inclusive, imposição do princípio da cooperação.

130 Pois, como o pedido foi feito pelo autor, somente ele tem o interesse da sua liquidação.

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Nos juizados especiais, a sentença sempre terá que ser líquida.

No procedimento sumário, em causas que dizem respeito à indenização de acidente de trânsito ou cobrança de seguro de acidente de trânsito, a sentença tb tem que ser líquida.

O assunto liquidação de sentença será visto no tópico da execução, no intensivo II.

5. Decisão e fato superveniente.

Entre a data da propositura da demanda e a data da sentença pode se passar muito tempo. Por isso, o sistema jurídico brasileiro (art. 462, CPC) adotou o sistema em que o juiz deve julgar para fazer justiça no tempo decisão e não no tempo da propositura da demanda.

Por isso, todos os fatos que ocorreram depois da propositura da ação e que tenham relevância para o julgamento da causa devem ser levados em consideração até mesmo de ofício. Ex: se na pendência da causa houver pagamento, o juiz deve levar esse fato em consideração; se na pendência da causa houver correção do defeito que fomentou a propositura da ação, o juiz deve levar esse fato em consideração.

6. Sentença determinativa.

Sentença determinativa é aquela em que há discricionariedade judicial, onde o juiz exerce um poder criativo (norma) que não está predeterminada pelo legislador. Ex: sentenças que aplicam cláusulas gerais; aplicação de função social do contrato; aplicação do princípio da boa-fé; etc.

Outra parte da doutrina, minoritária, denomina sentença determinativa com outra acepção. Para esta doutrina, sentença determinativa é aquela que decide relações jurídicas continuativas (que se prolonga no tempo, como relações de família, relações de alimentos, relações tributárias, etc.).

7. Efeitos da sentença.

Há 4 tipos de feitos da sentença:

7.1. Efeitos principais da sentença.

É aquele que decorre do conteúdo da sentença para atingir a relação jurídica controvertida (a questão discutida). Isso quer dizer que esse efeito decorre do comando judicial (da norma individualizada criada pelo juiz), portanto decorre da vontade do juiz. Entretanto, não basta ser daquilo que o juiz determinou; é preciso que atinja a relação discutida. Ex1: o efeito principal de uma sentença condenatória é autorizar a execução de um determinado crédito. Ex2: o efeito principal de uma

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sentença constitutiva é criar, modificar ou extinguir uma nova situação jurídica. Ex3: o efeito principal de uma sentença declaratória é a certeza jurídica.

7.2. Efeito reflexo da sentença.

Tb decorre do conteúdo da sentença, mas atinge relação jurídica que não é aquela que está sendo discutida, mas sim uma relação jurídica outra conexa com a relação discutida131. Ex: uma sentença de despejo que reflete na sublocação.

Qdo puder haver efeito reflexo, admite-se a intervenção do assistente simples. Analisar eficácia reflexa da sentença conjuntamente com assistência simples.

7.3. Efeito anexo da sentença.

É um efeito atribuído pela lei à sentença. Não é um efeito que decorre da sentença (do seu conteúdo), por isso não adianta ler a sentença para saber qual é o seu efeito, já que ele advém da lei132. Esse efeito anexo independe de manifestação judicial e independe de pedido da parte. A lei, neste caso, trata a sentença como um fato e não como um ato. Ex1: a terceira sentença por abandono da causa gera, por efeito anexo, a perempção (nota-se que este efeito não é determinado pelo juiz e nem pedido pela parte, pois é gerado automaticamente pela lei). Ex2: sentença que condena o réu a pagar quantia ou a entregar coisa é apta a servir como título de uma hipoteca em imóvel do réu — trata-se de uma hipoteca judiciária133 (o juiz não precisa de determinar a hipoteca judicial134 e nem a parte precisa pedir, bastando a sentença para que ela seja constituída — art. 466 do CPC).

7.4. Efeito probatório da sentença.

A sentença faz prova dela própria. Tudo o que o juiz confirma que presenciou na sentença serve como prova.

Entretanto, a sentença não prova fatos que o juiz reputou provado, de modo que, em outro processo, outro juiz pode ter um entendimento diferente do fato. O que a sentença prova é que o juiz reputou aquele fato como provado. Ou seja, a sentença não prova que um fato aconteceu, mas que um juiz entendeu que ele aconteceu — a prova é do juízo do magistrado e não do fato em si mesmo.

Coisa julgada.

131 Por isso chamada de efeito reflexo, pois ela decide uma relação, mas reflete em outra.

132 Daí o nome efeito anexo, pois é como se o legislador anexasse outro efeito.

133 Não negocial.

134 A parte pede para que o juiz expeça um ofício determinando ao cartório averbar a hipoteca. O juiz não pode se negar a conceder essa expedição.

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1. Conceito.

Coisa julgada é a indiscutibilidade da norma individual que consta no dispositivo de uma decisão. Tal indiscutibilidade ocorre no processo em que a decisão foi proferida e em qualquer outro processo. A coisa julgada é uma estabilidade da norma criada pelo juiz.

Toda essa definição de coisa julgada supra é tida como o conceito de coisa julgada material. A coisa julgada material é a verdadeira coisa julgada, tratada pela constituição.

Coisa julgada formal é a indiscutibilidade da decisão no processo em que foi proferida. A coisa julgada formal é um fenômeno endoprocessual. Nesse sentido, coisa julgada formal e preclusão são sinônimas.

Toda essa visão de coisa julgada é um entendimento tradicional, majoritário. Entretanto, há uma moderna visão, minoritária, porém bem fundamentada, desenvolvida por Luis Eduardo Mourão, que entende que a coisa julgada material é a coisa julgada de mérito e que a coisa julgada formal é a coisa julgada das decisões processuais (com base no art. 267 do CPC).

Para Mourão, a coisa julgada processual impede a nova propositura da ação, por isso tb é coisa julgada, inclusive em outro processo, só que com um viés processual (por isso coisa julgada formal).

2. Pressupostos da coisa julgada.

Para que haja coisa julgada, preciso é que se preencha 3 pressupostos.

2.1. Deve haver coisa julgada formal.

Para que a decisão se torne indiscutível em qualquer lugar, é preciso primeiro que ela se torne indiscutível dentro do processo.

2.2. Deve se tratar de decisão de mérito.

Só decisões de mérito devem fazer coisa julgada material.

2.3. Deve ser decisão fundada em cognição exauriente.

O juiz tem que examinar o mérito exaustivamente, profundamente. Cognição sumária, superficial, não pode fazer coisa julgada.

→ DIA 07/06/2010.

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3. Efeitos da coisa julgada.

São três:

3.1. Efeito negativo ou impeditivo da coisa julgada.

A coisa julgada impede nova apreciação da demanda que já foi julgada; mas só daquilo que foi julgado, pois aquilo que não foi analisado pelo juiz (decisão citra petita, por exemplo) não faz coisa julgada.

3.2. Efeito positivo da coisa julgada.

A coisa julgada às vezes é utilizada como fundamento de um pedido. Ex: execução de sentença é uma demanda que se fundamenta em uma coisa julgada. Ex: a ação de alimentos que se funda em uma coisa julgada de reconhecimento de paternidade.

Qdo isso ocorre, a coisa julgada opera um efeito positivo, pois o juiz da 2ª demanda terá de levar a coisa julgada em consideração.

3.3. Eficácia preclusiva da coisa julgada.

Essa espécie de eficácia faz com que tudo aquilo que poderia ter sido alegado para o acolhimento ou rejeição do pedido seja considerado como alegado pela parte e rejeitado pelo juiz. Se a parte poderia ter alegado, por exemplo, prescrição e não a alegou, após a coisa julgada é como se ela tivesse pedido a prescrição e o juiz a tivesse indeferido.

A coisa julgada, portanto, protege a decisão, conferindo a segurança jurídica, para que o litígio tenha fim.

Obs.: qdo se diz que algo pode ser alegado a qualquer tempo, este “a qualquer tempo” é até o trânsito em julgado da decisão.

Se o autor tiver uma outra causa de pedir, ele poderá voltara juízo, pois ela voltará com uma nova demanda e não a demanda anteriormente atingida pela coisa julgada. Portanto, a eficácia preclusiva da coisa julgada não abrange outras causas de pedir — este é o pensamento doutrinário majoritário. A eficácia preclusiva da coisa julgada torna o deduzível deduzido e repelido (art. 474 do CPC).

O que a eficácia preclusiva da coisa julgada torna imutável é tudo aquilo que a parte poderia ter suscitado. Por isso, a eficácia preclusiva da coisa julgada não abarca fatos posteriores à coisa julgada. Qualquer coisa julgada pode ser afetada por fatos que lhe são posteriores. Destarte, toda coisa julgada se submete à causa REBUS SIC STANTIBUS.

4. Coisa julgada e relações jurídicas continuativas.

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Relação jurídica continuativa é aquela que se prolonga no tempo, ou seja, não é instantânea. Ex: relação de família, relação de alimentos, relação locatícia, relação previdenciária, relação tributária, etc.

Qdo o juiz decide uma relação continuativa, há coisa julgada, ao contrário do que muitos pensam. A coisa julgada permanecerá se forem mantidas as mesmas circunstâncias.

Porém, por se prolongar no tempo, depois da coisa julgada sobrevierem novas circunstâncias, claro que uma nova decisão se impõe. Nota-se que é uma nova decisão para uma nova situação135.

5. Limites objetivos da coisa julgada.

Limite objetivo da coisa julgada é aquilo que se torna indiscutível pela coisa julgada — é um dispositivo da decisão, é o comando normativo da coisa julgada, é a norma jurídica individualizada. Por isso, aquilo que foi decidido na fundamentação não fica indiscutível pela coisa julgada.

Assim sendo, a análise das provas não faz coisa julgada. Da mesma forma, a questão prejudicial decidida incidentalmente tb não faz coisa julgada, salvo se houver pedido de declaração da prejudicial. A RATIO DECIDENDI que está na fundamentação tb não se torna indiscutível pela coisa julgada. O que atinge a fundamentação é a eficácia do precedente judicial (ver em aula já ministrada sobre teoria do precedente) e a eficácia da intervenção do assistente simples (art. 55 do CPC — ver na aula já ministrada sobre assistência).

6. Limites subjetivos da coisa julgada.

Analisa quem se submete a coisa julgada. Há 3 modelos de limite subjetivo da coisa julgada:

6.1. Coisa julgada inter partes.

Neste caso, conforme art. 472 do CPC, a coisa julgada vincula apenas as partes (quem participou do processo). Essa é a regra.

6.2. Coisa julgada ultra partes.

Há, excepcionalmente, caso de coisa julgada ultra partes, que atinge um terceiro exterior ao processo. Ex: coisa julgada que atinge o substituído processual; coisa julgada que atinge o adquirente de coisa litigiosa; coisa julgada coletiva em ação civil pública que versa sobre direitos coletivos (art. 103, II, CDC).

6.3. Coisa julgada erga omnes .

135 Ou seja, a relação alimentícia faz coisa julgada nas condições em que foi julgada, mas, se o pai perder o emprego, uma nova decisão será cabida.

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É a coisa julgada que atinge a todos. Se vincular todo mundo, a coisa julgada é erga omnes. Ex: coisa julgada da ADI, ADC, ação civil pública para direitos difusos.

7. Regimes de produção da coisa julgada.

A coisa julgada pode produzir-se de 3 maneiras:

7.1. Coisa julgada pro et contra .

É a coisa julgada que se produz qualquer que seja o resultado da causa. Favorável ou desfavorável a decisão, haverá coisa julgada, pois esta é indiferente ao resultado.

Esta é a regra. A regra é a coisa julgada pro et contra e inter partes.

7.2. Coisa julgada secundum eventum litis .

Neste caso, a coisa julgada só ocorre em um determinado resultado (daí o nome secundum eventum litis). No processo civil, ela praticamente não existe. No processo penal, a regra é secundum eventum litis, pois a sentença que não for absolutória não fará coisa julgada.

O art. 103, III, CDC136, determina que as ações coletivas deste Código terá alcance erga omnes se a decisão for procedente, ou seja, favorecendo as vítimas e seus sucessores; mas, se a ação coletiva aludida não tiver decisão de procedência do pedido, esta não afetará o plano individual das vítimas e seus sucessores conferindo-lhes malefícios. Observa-se, pois, que não é caso de coisa julgada secundum eventum litis, pois este dispositivo do CDC determina que a coisa julgada existe sempre, mas só se utiliza em favor da vítima e de seus sucessores se for procedente; se não for procedente, a decisão não opera efeitos em desfavor destes, mas, mesmo assim, haverá coisa julgada. Por isso, secundum eventum litis não é a coisa julgada, mas a extensão da coisa julgada coletiva ao plano individual.

7.3. Coisa julgada secundum eventum probationis.

Essa coisa julgada não ocorrerá se o julgamento for por insuficiência de provas. Se o juiz julgar improcedente por falta de provas, não haverá coisa julgada. Esse modelo não é a regra137, apesar de haver vários exemplos, como: coisa julgada no MS; coisa julgada na ação popular; coisa julgada na ação coletiva que verse sobre direitos difusos e coletivos.

8. Revisão da coisa julgada.

136 Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

137 A regra é que a coisa julgada existirá, mesmo havendo julgamento por insuficiência de provas.

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Nos primórdios da teoria processual, a coisa julgada era intocável. Posteriormente, passou-se a adotar meios para proteger certos indivíduos dos efeitos da coisa julgada.

O direito positivo brasileiro atualmente prevê 4 instrumentos de revisão da coisa julgada:

8.1. Ação rescisória (art. 485, CPC).

É o principal instrumento de revisão da coisa julgada. Deve ser ajuizada em até 2 anos a partir da coisa julgada.

Permite a revisão da coisa julgada por questões formais e substanciais, o que a confere um alcance muito amplo.

A ação rescisória será estudada no intensivo II.

8.2. QUERELA NULLITATIS (art. 475-L, I, e art. 741, I, do CPC).

É o meio de revisão da coisa julgada em questões formais (vício na citação) e não tem prazo para impetração.

8.3. Correção de erros materiais (art. 463, CPC).

Erros materiais de uma decisão podem ser corrigidos a qualquer tempo.

Ex: jamais se pode alegar coisa julgada em erro de cálculo, podendo este ser corrigido a qualquer tempo.

Ex: nome erroneamente atribuído à parte não faz coisa julgada.

8.4. Revisão das sentenças inconstitucionais nos termos do art. 475-L, § 1º e art. 741, § único, do CPC.

Será estudado no intensivo II, no tópico execução, pois está regulado no CPC como defesa do executado.

Teoria da relativização da coisa julgada.

Recentemente (por volta do ano 2000), concebeu-se no Brasil uma teoria que prega a insuficiência desses citados controles da coisa julgada. Isto quer dizer que, para essa teoria, deve haver outros meios que mitiguem a coisa julgada, pois estes 4 meios de revisão citados são insuficientes.

Para essa teoria, preciso é relativizar ainda mais a coisa julgada. A coisa julgada deveria, portanto, ser sempre relativizada nas situações atípicas, diferentes das situações atualmente existentes.

Essa nomenclatura adotada por essa corrente (relativização da coisa julgada) é incorreta, pois a coisa julgada no Brasil já é relativizada; o que ela quer é a

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relativização atípica da coisa julgada.

Para essa teoria, a relativização atípica é admitida qdo houver manifesta injustiça, manifesta inconstitucionalidade e/ou manifesta irrazoabilidade, pois a coisa julgada não pode perpetuar a injustiça.

São seus principais defensores Cândido Dinamarco e Humberto Theodoro Jr.

Esse movimento acabou por repercutir no STJ, que, em algumas situações, permitiu a relativização da coisa julgada em ações de paternidade, por exemplo138. Esse movimento tb repercutiu na esfera legislativa, porque a revisão das sentenças inconstitucionais nos termos do art. 475-L, § 1º e art. 741, § único, do CPC, é um fruto deste movimento.

Entretanto, posteriormente, surgiu um contra-movimento à relativização da coisa julgada, encabeçado por Barbosa Moreira, Ovídio Batista, Nelson Nery, Marinoni, etc., que defendia a coisa julgada como crucial para a segurança jurídica. Depois desse contra-movimento, a teoria da relativização da coisa julgada perdeu fôlego, tendo, hoje, poucos defensores.

Recursos.

1. Teoria dos recursos.

1.1. Conceito.

Recurso é meio de impugnação da decisão judicial, previsto em lei, voluntário, para, no mesmo processo, reformar, invalidar, esclarecer ou integrar uma decisão judicial.

→ 1.1.1. Meio de impugnação de decisão judicial.

→ 1.1.2. Previsto em lei.

Só pode haver recursos previstos em lei.

Não é correto dizer que agravo regimental é ilegal por não estar previsto em lei, mas em regimento. O agravo é regulamentado pelo regimento, mas, antes disso, ele tem previsão legal.

→ 1.1.3. Voluntário.

Só há recurso por provocação do interessado. Logo, não há recurso de ofício, ou seja, não há recurso necessário.

138 Qdo o exame de DNA mostrava o contrário do que o juiz decidira.

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Por isso que o exame necessário não é recurso.

→ 1.1.4. No mesmo processo.

Recurso não dá origem a processo novo, mas sim prolonga a existência de um processo que já existe.

→ 1.1.5. Reformar, invalidar, esclarecer ou integrar uma decisão judicial.

Esses são os 4 objetivos de um recurso. O recurso é uma demanda e esses 4 objetivos são o pedido da demanda.

O recurso é uma demanda que não se confunde com a demanda inicial (petição inicial), pois cada uma dessas demandas tem seu próprio pedido e seu próprio mérito (há o mérito da petição inicial — que é o mérito da causa —, e há o mérito do recurso). Ex: uma questão que verse sobre incompetência não é o mérito da causa, mas pode, no mesmo processo, ser o mérito de um recurso.

Como demanda, o recurso tb tem que ter pedido e causa de pedir. O pedido pode ser a reforma, invalidação, esclarecimento e/ou integração da decisão.

● 1.1.5.1. Pedido de reforma.

Pede-se a reforma qdo seu objetivo é a correção da decisão (a qual se reputa ser injusta, errada), para que o Tribunal a corrija, a aperfeiçoe. Qdo se pede a reforma de uma decisão, discute-se o conteúdo da decisão, ou seja, discute-se a solução que o juiz deu.

A causa de pedir do pedido de reforma é o ERROR IN IUDICANDO — é o erro de análise, o erro que gera injustiça. O ERROR IN IUDICANDO pode tb ser um erro material ou processual.

● 1.1.5.2. Pedido de invalidação.

É pedido de anulação de decisão, para desfazê-la em razão de um defeito. Neste caso, alega-se que a decisão é nula.

Quem pede a invalidação da decisão não discute o que foi decidido, mas sim a forma, a validade da decisão.

Por isso, a causa de pedir do pedido de invalidade é o ERROR IN PROCEDENDO — é o erro que gera invalidade. Exemplo de ERROR IN PROCEDENDO: decisão ultra petita, decisão extra petita, decisão sem motivação.

Obs.:

Como demanda que é, o recurso permite cumulação de pedidos. Por

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isso, pode-se cumular em um recurso um pedido de reforma com um pedido de invalidação.

Nos recursos, cabe cumulação própria e imprópria.

Se o recorrente desejar acolhimento de todos os pedidos cumulados ao mesmo tempo, a cumulação é própria. Exemplo de cumulação própria em recurso: a reforma de um capítulo de sentença e a invalidação de outro capítulo.

Se se desejar apenas um dos pedidos, a cumulação é imprópria. Exemplo de cumulação imprópria em recurso: invalidar a decisão, mas, se assim não entender o magistrado, que a reforme.

● 1.1.5.3. Pedido de esclarecimento.

A causa de pedir neste caso é a obscuridade e a contradição da decisão.

● 1.1.5.4. Pedido de integração.

Integrar a decisão é torná-la íntegra, ou seja, torná-la completa, caso ela seja incompleta. Esse pedido é próprio dos embargos de declaração.

1.2. Panorama dos meios de impugnação de uma decisão judicial.

A decisão judicial pode ser impugnada de 3 maneiras:

- recurso;

- ações autônomas de impugnação (é um processo novo em que se busca impugnar a decisão judicial). Ex: Rescisória, Reclamação, MS contra ato judicial, Embargo de Terceiro, etc.;

- sucedâneo recursal139 (é tudo aquilo utilizado para impugnar uma decisão judicial e que não é recurso ou ação autônoma). Ex: Reexame Necessário, Correição Parcial, Pedido de Suspensão de Segurança.

1.3. Atos sujeitos a recurso.

Somente decisões são recorríveis. Os despachos são irrecorríveis, mas o despacho saneador é recorrível porque ele não tem natureza de despacho (como visto na aula que o analisou).

139 Alguns autores colocam as ações autônomas como um sucedâneo processual, adotando uma classificação binária.

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As decisões judiciais são assim classificadas:

a) decisões do juiz

a.1) decisões interlocutórias – cabe agravo de instrumento (art. 524140) e agravo retido (art. 542).

a.2) sentença – cabe apelação (art. 513).

b) decisões do Tribunal

b.1) decisão monocrática

- decisão de relator – cabe agravo regimental (ou agravo interno).

- decisão de presidente e vice-presidente de Tribunal.

b.2) acórdão

→ 1.3.1. Observações acerca das decisões do juiz.

● Obs. 1: não se esquecer dos problemas das decisões parciais, porque, para uma doutrina, elas são decisões interlocutórias e agraváveis; para outra, são sentenças parciais apeláveis; e, para uma terceira doutrina, são sentenças parciais agraváveis. Ainda há doutrina que entenda ser sentenças parciais apeláveis por instrumento.

● Obs. 2: existem sentenças que a doutrina entende, pacificamente, ser agraváveis. Ex: sentença que decreta falência, sentença que julga liquidação de sentença (art. 475-H, CPC).

● Obs. 3: sentença em execução fiscal de até 50 ORTN é impugnável por um recurso que se chama embargos infringentes (art. 34 da Lei 6.830/80). Só que este embargo infringente não é aquele do CPC, mas um recurso específico. É, portanto, caso de sentença que não é apelável.

● Obs. 4: nos juizados especiais, a sentença não é apelável, mas sim impugnada por um recurso que não tem nome (recurso inominado). Nos juizados estaduais, as interlocutórias não são agraváveis. Nos JEF’s, cabe agravo apenas das decisões interlocutórias que versem sobre tutela de urgência.

● Obs. 5: a lei de assistência judiciária (Lei 1.060/50), no art. 17, determina que as decisões proferidas no caso dessa lei são apeláveis. Mas as decisões dessa lei, que avalia o mérito na assistência judiciária, são decisões interlocutórias. Por isso, a jurisprudência diz que decisões com base na Lei

140 Tem que especificar que é o agravo de instrumento do art. 524 do CPC.

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1.060 só serão apeláveis qdo proferidas em autos apartados (é caso de decisão que julga pedido de revogação de justiça gratuita e de decisão sobre pedido superveniente de justiça gratuita).

● Obs. 6: Delosmar Mendonça Jr. tem uma tese que diz que as decisões de juiz não são apenas interlocutórias e de sentença. Para ele, há um 3º tipo de decisão de juiz, que é a decisão que não admite apelação. Esta decisão inapelável não é sentença, exatamente porque proferida depois da sentença. Tb não é interlocutória, porque se trata de uma decisão apta a extinguir o processo (qdo o juiz não admite apelação). Para ele, essa decisão seria impugnável por agravo de instrumento.

→ 1.3.2. Observações acerca das decisões do Tribunal.

Qto ao agravo regimental, existem vários dispositivos legais que prevêem agravo contra decisão de relator. Mas há um desses dispositivos considerado como dispositivo geral de agravo regimental (regra geral de cabimento de agravo contra decisão de relator) — art. 39 da Lei 8038/90.

Esta Lei 8.038 veio a regular o processo no âmbito do STJ e STF, mas o STJ deu ao seu art. 39 uma interpretação como se ele fosse aplicável a qualquer Tribunal.

Qdo um relator decide sozinho, preciso é que haja um instrumento capaz de levar ao colegiado a decisão do relator para ser apreciada — esse instrumento é o agravo regimental. Mas isso não quer dizer que toda decisão do relator é impugnável por agravo.

Há uma tendência de se criar obstáculos ao agravo regimental contra decisão de relator que não extingue o processo (Ex: art. 527, § único, CPC). Até 2009, a súmula 622 do STF dizia que não cabia agravo regimental contra decisão de relator em liminar de MS, mas esta súmula está superada pela nova lei de MS.

Observar o exemplo abaixo e sua conclusão:

Um relator julgou monocraticamente uma apelação. Contra essa decisão, foi interposto agravo regimental.

Este agravo regimental vai para a Turma. Esta turma, ao examiná-lo, ou mantém a decisão do relator, ou a modifica. Mantendo-a ou modificando-a, é a apelação que terá sido julgada, pois haverá uma modificação ou uma manutenção de uma decisão da apelação. Isso quer dizer que, ao julgar um agravo regimental, a Turma sempre julgará o recurso que fora julgado monocraticamente.

Logo, o julgamento do agravo regimental contra decisão de relator que

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julgou monocraticamente um recurso (apelação, especial, extraordinário, etc.) tem a natureza do julgamento do recurso que fora decidido monocraticamente.

→ DIA 14/06/2010.

Questão de concurso:

Cabe embargo de divergência contra agravo regimental?

Embargos de divergência (cujo objetivo é uniformizar as decisões) só são cabíveis no âmbito do STF e STJ, qdo uma decisão de uma dessas Cortes, em REsp ou RE, divergir do entendimento de turma, seção, órgão especial — no caso do STJ —, ou de turma ou plenário — no caso do STF.

Como o julgamento do agravo regimental tem a natureza do recurso analisado pela decisão monocrática atacada pelo agravo, caberá embargos de divergência contra agravo regimental se este analisou o mesmo objeto do embargo de divergência, ou seja, se o agravo regimental, contra decisão de ministro do STF ou STJ, divergir do entendimento de um órgão de sua própria Corte. Ver súmula 316 do STJ.

Os embargos infringentes são cabíveis contra acórdão não unânime que reforma apelação ou que julga procedente ação rescisória. Os embargos infringentes tb podem caber contra acórdão de agravo regimental, desde que estes tenham a natureza de julgamento de apelação — pelo mesmo raciocínio citado anteriormente.

Contra a decisão monocrática proferida por presidente ou vice-presidente de Tribunal, há uma regra geral: cabe agravo interno (art. 39 da Lei 8.038/90). Entretanto, há regras específicas, como o cabimento de agravo de instrumento contra decisão que não admite REsp ou RE. A decisão que não admite REsp ou RE é a decisão de presidente ou vice-presidente de Tribunal, só que uma ponderação: este agravo de instrumento não é aquele do art. 524 do CPC, mas sim o agravo de instrumento do art. 544 do CPC.

Os recursos que cabem contra os acórdãos são 5: Embargos de divergência; Embargos infringentes; RE; REsp; e Recurso ordinário constitucional (ROC).

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Contra qualquer decisão (seja de juiz singular, a quo, ad quem, etc.) cabem Embargos de Declaração.

1.4. Juízo de admissibilidade dos recursos.

→ 1.4.1. Conceito.

Juízo de admissibilidade é um juízo acerca do preenchimento dos requisitos indispensáveis à análise do mérito do recurso. Para que se examine o mérito do recurso, preciso é que veja se ele, antes de mais nada, é admissível.

Qdo o órgão jurisdicional faz o juízo de admissibilidade, este pode ser positivo ou negativo — ou seja, favorável (fala-se em conhecer/admitir o recurso) ou desfavorável (fala-se em não conhecer ou não admitir o recurso). No juízo de mérito, o Tribunal dá provimento ou nega provimento.

Qdo um Tribunal não conhece do recurso, não tem nem como provê-lo ou não provê-lo, já que o recurso não vai à análise de mérito.

→ 1.4.2. Competência para o juízo de admissibilidade.

O juízo de admissibilidade do direito processual brasileiro se submete a um duplo exame/controle.

Juízo a quo – é o juízo de origem, que proferiu a decisão recorrida.

Juízo ad quem – é o juízo de destino, que julgará o recurso.

No Brasil, a regra é de que o recurso seja interposto perante o órgão a quo. Por isso, cabe a este juízo a quo formular o primeiro juízo de admissibilidade.

Se este juízo conhecer o recurso, ele encaminhará o recurso ao Tribunal, que, por sua vez, poderá fazer um novo juízo de admissibilidade. Logo, em um mesmo recurso, pode haver dois juízos de admissibilidade.

Se o juízo a quo não reconhece a admissibilidade do recurso, caberá recurso contra esta decisão de não conhecimento. A função deste recurso é exatamente de permitir que o juízo ad quem controle a fase recursal.

Entretanto, há duas observações:

- o agravo de instrumento do art. 544 do CPC é o único recurso interposto diretamente no juízo ad quem, por conta disso tal recurso não passa pelo duplo juízo de admissibilidade. Esta é uma exceção à regra de interposição do recurso perante o juízo a quo .

- alguns recursos permitem que o juízo a quo se retrate. Qdo isso ocorre, é como se o juízo a quo aceitasse as razões do recurso, revogando, em

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seguida, sua decisão atacada. Isso é uma exceção, pois a regra é de que o juízo de mérito de um recurso seja feito somente pelo juízo ad quem. Qdo ocorre essa possibilidade, é como se desse ao juízo a quo a possibilidade de rever sua decisão de mérito — essa revisão é chamada de efeito regressivo ou efeito de retratação. Ex: Apelação contra sentença que indefere a petição inicial; os agravos; a apelação nas causas do ECA.

→ 1.4.3. Natureza jurídica do juízo de admissibilidade.

O juízo de admissibilidade positivo é, conforme doutrina pacífica, uma decisão declaratória. A natureza jurídica do juízo de admissibilidade negativo varia conforme 3 correntes doutrinárias:

a) 1ª corrente (de Barbosa Moreira) – para quem o juízo de admissibilidade negativo é declaratório com eficácia retroativa. Ex: se em 2004 uma pessoa apela de uma decisão e em 2008 o Tribunal não conhece a admissibilidade, tal recurso jamais produziu efeito — é como se o Tribunal jamais o tivesse conhecido, desde 2004, por isso a coisa julgada existe desde 2004, não cabendo sequer ação rescisória neste exemplo, pois foram passados mais de 2 anos. Apesar da correção científica desse entendimento, na prática ele não procede.

b) 2ª corrente – para a qual o juízo de admissibilidade negativo é declaratório, mas sem eficácia retroativa, salvo em 2 situações que podem haver retroatividade: intempestividade e manifesto incabimento. Essa corrente mista é majoritária e consagrada inclusive na súmula 100 do TST. O anteprojeto do CPC consagra essa concepção somente no tocante à intempestividade.

c) 3ª corrente (Fredie Didier) – para a qual a decisão de admissibilidade negativa é desconstitutiva, portanto sem eficácia retroativa. Para essa corrente, o juízo de inadmissibilidade é um juízo de invalidação.

→ 1.4.4. Requisitos de admissibilidade.

São 7 os requisitos que se dividem em:

● 1.4.4.1. Requisitos intrínsecos de admissibilidade:

a) Cabimento.

Se a decisão é recorrível e o recurso interposto é o correto, ele é cabível. Há 2 regras básicas do cabimento141:

- regra da taxatividade – segundo a qual só existem os recursos taxativamente previstos;

141 Alguns autores chamam essas regras de princípios.

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- regra da singularidade ou unirrecorribilidade – só cabe um recurso por vez para impugnar a decisão. Entretanto, há uma situação excepcional de interposição simultânea de RE e REsp na mesma decisão.

No cabimento, pelo princípio da fungibilidade, o recurso indevidamente proposto pode ser aproveitado como o recurso correto. O princípio da fungibilidade decorre da instrumentalidade das formas (pelo qual não tem como invalidar um ato se não houve prejuízo).

O CPC/1939 tinha menção expressa do princípio da fungibilidade e dizia que a fungibilidade só poderia ser aplicada se observados 2 pressupostos: a inexistência de erro grosseiro142; e observância do prazo correto para o recurso que deveria ser impetrado. Mesmo sem texto expresso no atual CPC, tais pressupostos ainda existem.

b) Interesse Recursal.

Aplica-se o que já foi visto sobre interesse de agir, ou seja, o recurso tem que ser útil e necessário.

Costuma-se relacionar interesse recursal com sucumbência, o que não é errado. Mas deve-se atentar para o fato de poder haver interesse recursal sem que se haja sucumbência (Ex: recurso de terceiro, já que o terceiro não sucumbe; e réu diante de uma sentença terminativa, pois neste caso ele não sucumbiu, e sim ganhou143, porém ele pode recorrer, por ser mais útil a improcedência do que a decisão sem exame de mérito).

Não há interesse recursal para discutir somente fundamentação da decisão, pois falta-lhe utilidade. Entretanto, deve-se fazer 2 ponderações:

- na coisa julgada secundum eventum probationis, não há coisa julgada (como já estudado anteriormente), mas na coisa julgada por falta de direito, há coisa julgada, por isso é possível recurso só para discutir a fundamentação. Neste caso, o réu pede para o Tribunal manter a improcedência só que com base em outro fundamento, para que passe a existir a coisa julgada;

- na fundamentação encontra-se a RATIO DECIDENDI (é o precedente), que pode ter eficácia vinculante, por isso já se fala em

142 O erro não é grosseiro qdo não decorrer de uma dúvida objetivamente aferível, ou seja, qdo o ponto sobre o qual se pesa a dúvida for defendido por parte da jurisprudência ou doutrina. Neste caso, o erro é justificável.

143 Já que o juiz, neste caso, extinguiu o processo que pesava contra o réu sem o exame de mérito.

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recurso para analisar a RATIO DECIDENDI (já que esta repercutirá em outras ações).

c) Legitimidade.

Podem recorrer: a parte (o que incluem todos os terceiros que intervieram, bem como aqueles que só são partes de alguns incidentes, como o juiz, pois este é parte no incidente de suspeição, só podendo recorrer neste), o MP fiscal da lei (que pode recorrer mesmo que as partes não recorram144) e o terceiro prejudicado (é aquele que poderia ter intervindo no processo, mas não interveio, como o denunciado). Só tem um sujeito que poderia ter intervido no processo e não interveio, não podendo recorrer — é aquele que poderia ter sido opoente.

O prazo para recurso de terceiro é o mesmo prazo que a parte dispõe.

d) Inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer145.

Este requisito é negativo, pois se aduz a fatos que não podem ocorrer para o recurso seja admitido.

Ex1: renúncia ao recurso (pressupõe que o recurso não tenha sido interposto, pois, depois de interposto, não se pode renunciar, mas sim desistir). A renúncia independe da aquiescência do recorrido, pois até a renúncia nem recorrido ele é ainda.

Ex2: aceitação da decisão, podendo ser expressa ou tacitamente. É caso de preclusão lógica, que não aceita comportamento contraditório.

Se uma decisão determina que uma parte faça algo sob pena de multa, tal decisão pode ser recorrida mesmo depois de cumprida, pois tal ato foi forçado — neste caso não há comportamento contraditório. Só não se pode recorrer se o cumprimento foi espontâneo.

Ex3: desistência do recurso, a qual ocorre depois do recurso já impetrado. A desistência do recurso não depende de consentimento do recorrido e nem de homologação judicial. A desistência do recurso pode ocorrer até o início da votação, inclusive podendo-se desistir oralmente.

● 1.4.4.1. Requisito extrínseco de admissibilidade:

a) Tempestividade.

144 Essa legitimidade é autônoma, inclusive conforme súmula 99 e 226, ambas do STJ.

145 Fica na zona de fronteira entre os intrínsecos e extrínsecos, sendo de muita polêmica doutrinária.

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Refere-se ao prazo para recorrer.

Os entes públicos, o MP, a Defensoria Pública e os litisconsortes com advogados diferentes têm prazo em dobro para recorrer.

O MP e entes públicos têm prazo em dobro para recorrer e não para apresentar contra-razões (cujo prazo é simples).

O prazo em dobro dos defensores públicos (conforme Lei de Assistência Judiciária) é para falar nos autos (inclusive para apresentar contra-razões). Como essa lei é de 1950, há doutrina que entende que tal prazo deve ser estendido a todos que prestem assistência judiciária, inclusive a quem presta assistência judiciária em núcleos jurídicos de faculdade, apesar de que o STJ não entende dessa forma.

O litisconsorte com advogado diferente não tem prazo em dobro se só um eles sucumbiu — súmula 641 do STF.

O STF entende que o recurso interposto antes do início da fluência do prazo (isto é, antes de ser intimado) é um recurso intempestivo, por ser precoce/prematuro, apesar de fortes críticas doutrinárias. O STJ já não pensa mais assim, entendendo que a parte que recorre antes da intimação se deu por intimada. No anteprojeto do CPC, há a permissão de se recorrer antes do início da fluência do prazo.

A súmula 216 do STJ deixa o risco para a interposição do recurso pelos Correios para o recorrente, independentemente se o atraso se deveu por culpa exclusiva dos Correios. Como a maioria dos Tribunais fica nas capitais, os Tribunais criaram os protocolos descentralizados, mas, não obstante isso, o STJ edita a súmula 256, que vinha sendo aplicada até 2008, qdo, em maio deste ano, tal súmula foi cancelada.

b) Preparo.

É o pagamento das despesas relacionadas ao processamento do recurso. O preparo é a soma das custas + as despesas postais (portes de remessa e de retorno dos autos).

O preparo deve ser feito antes do recurso e deve ser comprovado no ato da proposição do recurso, com 2 exceções: no art. 42, § 1º, da lei 9.099 (juizados especiais) permite-se que se faça o preparo em até 48 hs. após a interposição do recurso; na Justiça Federal, o preparo dos recursos contra a sentença pode ser feito em até 5 dias após a interposição do recurso (art. 14, II, da Lei 9.289/96).

Se o valor do preparo pago for menor do que o valor devido, o órgão judicial terá de intimar o recorrente para complementar o preparo, mas

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desde que observado o princípio da boa-fé que impede o valor parcial irrisório pago. Se houver justo motivo para o não pagamento do preparo (como greve bancária, calamidade pública, etc.), pode o juiz relevar o não preparo e dar um prazo para que se faça o preparo (art. 519 do CPC, que é um artigo sobre apelação, mas se aplica de forma genérica aos demais recursos).

O nome que se dá ao não reconhecimento do recurso pela falta de preparo é deserção.

A parte que recorre, mas depois desiste, não tem o valor do preparo reembolsado.

Há recursos que dispensam o preparo, como: agravo retido, embargos de declaração, agravo regimental, todos os recursos do ECA.

Existem sujeitos que estão dispensados de fazer o preparo: MP, entes públicos, o beneficiário da justiça gratuita146. Observar a súmula 178 do STJ qto à não isenção do INSS em alguns recursos em justiça estadual.

c) Regularidade formal.

O recurso tem que observar as suas formalidades. Ex: o recurso tem que ser escrito, só podendo ser oral o agravo retido ou recurso nos juizados (embargos de declaração e agravo retido).

O recurso tem que ter pedido, sob pena de ser inepto.

O recurso tem que ter fundamentação, razões, em obediência ao princípio do contraditório, para que o recorrido apresente suas contra-razões (alguns autores a chamam de princípio da dialeticidade dos recursos, apesar de parte da doutrina entender que se trata de regra e não de princípio).

1.5. Efeitos dos recursos.

→ 1.5.1. Impedir o trânsito em julgado147.

→ 1.5.2. Efeito regressivo ou efeito de retratação.

Que permite que o juízo a quo se retrate.

146 Se a parte não tivesse requerido a justiça gratuita, mas pediu a justiça gratuita no recurso para não fazer o preparo, ele deve fazê-lo no próprio recurso. Se o Tribunal não deferir seu pedido de justiça gratuita requerido no recurso, deve-se dar um prazo para fazer o preparo.

147 Como já visto, para Barbosa Moreira, recurso inadmissível não impende o trânsito em julgado. Para a corrente majoritária, recurso intempestivo e manifestamente incabível não impede o trânsito em julgado.

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→ 1.5.3. Efeito expansivo subjetivo.

Em regra, o recurso só produz efeito para o recorrente, mas há casos em que os efeitos dos recursos se expandem para alem do recorrente. Ex1: recurso de litisconsorte unitário aproveita ao outro (art. 509, caput, CPC). Ex2: recurso de devedor solidário aproveita o co-devedor se versar sobre defesa comum (art. 509, § único, CPC). Ex3: embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso para ambas as partes.

→ 1.5.4. Efeito suspensivo do recurso.

É efeito que prolonga a ineficácia de uma decisão. A regra no Brasil é de que o recurso tenha feito suspensivo por força de lei. Aqueles que não têm esse efeito por força de lei podem ter o aludido efeito atribuído por decisão judicial (Ex: agravo de instrumento). Qdo a lei é quem determina o efeito suspensivo, fala-se em OPE LEGIS; qdo o juiz é quem determina o efeito suspensivo, fala-se em OPE IUDICIS.

→ 1.5.5. Efeito substitutivo do recurso.

Um recurso tem a finalidade de reformar ou de invalidar uma decisão, podendo, nestes dois caos, ser provido ou improvido.

Somente os recursos que reformam a decisão a substituem. Se um Tribunal der provimento a um recurso para invalidar a decisão, ele não estará substituindo este decisum, pois, neste caso, o tribunal determinará que a sentença é invalida, devendo ser decidida novamente pelo juízo recorrido — neste caso, a decisão será substituída pelo juízo recorrido e não pelo recurso. A decisão que nega provimento não substitui a decisão recorrida, pois assim o tribunal quer dizer que aceitou a decisão recorrida.

Em caso de decisão reformadora, a decisão recorrida desaparece, ficando em seu lugar a decisão do recurso. A decisão que faz coisa julgada é a última decisão que substituiu, sendo esta o objeto da ação rescisória.

O efeito substitutivo só ocorrerá se o recurso for conhecido; de modo que, não sendo ele conhecido, não há que se falar em substituição. Logo, só haverá substituição se houver decisão de mérito do recurso.

→ 1.5.6. Efeito devolutivo.

O efeito devolutivo tem 2 dimensões:

a) horizontal (chamada de extensão do efeito devolutivo).

É a delimitação daquilo que o Tribunal terá de decidir, ou seja, é o que o tribunal terá de reexaminar. Encontra-se no art. 515, caput, CPC. Esta dimensão delimita a questão principal — o mérito do recurso.

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É o recorrente que define qual a extensão do efeito devolutivo, por isso pode-se dizer que a extensão do efeito devolutivo segue o modelo de processo dispositivo. Assim, se a decisão tem 3 capítulos e o recorrente só recorre do primeiro e do terceiro capítulo, ele impede a devolução do segundo capítulo, de modo que se o tribunal decide fora dos capítulos impugnados, ele decidirá extra petita.

b) vertical (chamada de profundidade do efeito devolutivo ou efeito translativo).

Determina quais são as questões incidentes do recurso, ou seja, quais questões o tribunal deve examinar para decidir a questão principal do recurso. Essas questões serão examinadas na fundamentação do recurso, não sendo objeto de decisão (dispositivo).

Essas questões incidentais que o Tribunal tem que examinar para julgar o mérito do recurso sobem como o recurso, independentemente da vontade do recorrente. Isso quer dizer que o recorrente não delimita as questões incidentes. Por isso, a profundidade do efeito devolutivo segue o modelo de processo inquisitivo.

As questões incidentes do recurso são todas as questões suscitadas e não decididas pelo juízo a quo, além de todas as questões de ordem pública, que não precisam de ter sido suscitadas. Mas, observa-se que sobem todas as questões incidentes que se referirem àquilo que foi impugnado — por isso, se o recorrente impugnou só 2 capítulos, sobe tudo aquilo referente a esses capítulos, de modo que jamais irá subir aquilo que se refere ao terceiro capítulo não impugnado, nem mesmo subirá as suas questões de ordem pública.

Exemplo: um sujeito foi condenado em danos morais e materiais, mas só recorreu do capitulo que o condenou aos danos morais. Ao julgar o recurso, o Tribunal reconhece uma incompetência absoluta. Essa decisão do Tribunal afeta o capítulo dos danos materiais (que não foi recorrido)?

Não atinge, de modo que o capítulo dos danos materiais não foi devolvido, mesmo sendo a incompetência uma questão de ordem pública.

A extensão do efeito devolutivo bitola a sua profundidade.

2. Recursos em espécies.

2.1. Embargos de declaração.

→ 2.1.1. Cabimento.

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Os embargos de declaração cabem contra qualquer decisão. O STF tem um posicionamento isolado de não admitir embargos de declaração contra decisão de relator, o que é muito criticado pela doutrina.

O prazo de embargos de declaração é de 5 dias. Os embargos de declaração não têm preparo.

Os embargos de declaração é um recurso de fundamentação vinculada, pois só cabem em hipóteses típicas, não podendo se alegar qualquer coisa. As situações típicas são 3: omissão; obscuridade; e contradição na decisão.

A lei dos juizados prevê uma quarta hipótese — em caso de decisão em que houver dúvida. Essa hipótese da lei dos juizados é criticada pela doutrina e não existe na prática, por não ter sentido, já que a dúvida é própria do ser humano e não da decisão.

A jurisprudência ampliou as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, mesmo sem previsão legal, como nos casos de: decisão ultra ou extra petita; e nos casos de decisão com erro material (ex: o juízo erra o cálculo aritmético em uma execução — neste caso, a parte pode ajuizar um embargo de declaração para que o juiz corrija somente o cálculo).

A CLT, no art. 897-A, prevê expressamente outras hipóteses de cabimento dos embargos de declaração: qdo se alegar erro na análise de pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso.

→ 2.1.2. Efeitos.

● 2.1.2.1. Efeito modificativo dos embargos de declaração.

Se o juiz acolher as alegações de omissão e contradição, a decisão será modificada148.

O efeito modificativo dos embargos de declaração é tb conhecido como efeito infringente do embargos de declaração.

Se uma parte apela e outra parte impetra embargos de declaração e, na análise dos embargos de declaração, o juiz modifica a sua decisão, a parte que já apelou poderá complementar o seu recurso em 15 dias (é o que se chama de princípio da complementaridade dos recursos), já que a sentença contra a qual ele apelou não mais é a mesma.

Se o juiz não mudar a sua decisão, o STJ entende que a parte que apelou tem que ratificar a sua apelação sob pena de cair a apelação — súmula 418 do STJ.

● 2.1.2.2. Efeito interruptivo dos prazos para interposição de recurso.

148 Nota-se que a obscuridade não modifica a decisão.

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Por conta desse efeito, os embargos de declaração são utilizados freqüentemente com fins protelatórios. Por isso, o legislador (art. 538, § único, CPC) pune os embargos protelatórios com 1% do valor da condenação e, em caso de reincidência, a multa é de 10 %, sendo que, nestes casos da multa punitiva, só se poderá ajuizar novo recurso se depositar o valor da multa.

Se os embargos tiverem a finalidade de pré-questionamento, não haverá natureza protelatória — súmula 98 do STJ.

Nos juizados especiais, os embargos de declaração suspendem o prazo para a interposição de outros recursos. Mas o STF entendeu que essa regra especial dos juizados só se aplica nos embargos opostos contra sentença, ou seja, se os embargos de declaração forem opostos contra acórdão de Turma Recursal, eles não interrompem o prazo para interposição de recurso.

→ DIA 21/06/2010.

→ 2.1.3. Contra-razões no embargo de declaração.

O CPC não previu contra-razões para embargos de declaração. A jurisprudência, com respaldo da doutrina, passou a exigir contra-razões nos casos de embargos de declaração que possam modificar a decisão embargada — esse entendimento é pacífico doutrinária e jurisprudencialmente.

→ 2.1.4. Competência para julgar embargos de declaração.

A competência para julgar os embargos de declaração é do órgão que proferiu a decisão embargada.

→ 2.1.5. Natureza jurídica do julgamento dos embargos de declaração.

A natureza do julgamento dos embargos de declaração é a mesma natureza do julgamento embargado, ou seja, se se embargou uma sentença, o julgamento do embargo deverá ser uma sentença.

Cabe embargo infringente contra acórdão de embargo de declaração se este acórdão tiver natureza de acórdão de apelação.

2.2. Apelação 149 .

149 Boa parte do assunto apelação já foi visto em teoria geral dos recursos, de forma que será visto apenas o que não foi tratado. A apelação é encarada como recurso modelo, servindo como base para

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O prazo para a apelação é de 15 dias.

→ 2.2.1. Efeito suspensivo na apelação.

No Brasil, a regra é de que a apelação tem o efeito suspensivo, ou seja, ela impede a execução provisória da sentença. Mas há casos excepcionais em que a apelação não tem efeito suspensivo automático, onde, portanto, caberá execução provisória das sentenças.

Os casos em que a apelação não tem efeito suspensivo automático estão previstos no art. 520 do CPC e em legislação esparsa:

a) sentença que homologa divisão ou demarcação de terras (art. 520, I, CPC);

b) sentença que condena ao pagamento de alimentos (art. 520, II, CPC) – este caso visa a permitir que o alimentando possa ir recebendo os alimentos, que têm caráter de urgência;

c) sentença em processo cautelar (art. 520, IV, CPC) – uma sentença pode ter vários capítulos e a apelação ser ajuizada contra um ou alguns capítulo e não contra todos. É freqüente que o juiz julgue, ao mesmo tempo, o processo principal e o processo cautelar. A apelação será recebida no efeito não suspensivo somente no capítulo que tratar acerca da medida cautelar;

d) sentença que rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes (art. 520, V, CPC) – o seu efeito prático é permitir os efeitos práticos da execução, antes paralisada pelos embargos à execução. A grande dúvida é que, mesmo a execução voltando a correr (pela rejeição dos embargos), se ela corre provisória ou definitivamente?

Execução de titulo extrajudicial é definitiva, motivo pelo qual, se ela foi paralisada, voltará a correr como definitiva — esse posicionamento é pacífico e até sumulado (súmula 317 do STJ). Porém, com o advento da alteração do art. 587 do CPC, contrário a este posicionamento doutrinário e da súmula, a redação afirma que “é provisória enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos de execução, qdo recebido com efeito suspensivo”. Essa dicção legal é atacada veementemente pela doutrina pela sua falta de coerência. Porém, em prova de marcar que transcreva o texto da lei, deve-se marcar o texto legal, mas em prova dissertativa, deve-se apontar que não há sentido para este texto.

e) sentença que julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem (art. 520, VI, CPC);

f) sentença que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela (art. 520, VII, CPC). Esse dispositivo gera 2 situações:

a lacuna legislativa nos demais recursos e como aplicação subsidiária.

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- o mesmo ocorre se a antecipação de tutela for concedida na sentença, pois é como se o juiz já julgasse confirmando a antecipação de tutela;

- se o juiz revoga a tutela antecipada na sentença, a apelação não suspende a revogação. Este entendimento não está dito expressamente na lei.

g) sentença que decreta interdição;

h) sentença de despejo;

i) sentença que concede MS;

j) sentença que concede Habeas Data;

j) sentença com base no ECA (art. 199-A e 199-B), como adoção;

l) sentença em ação civil pública.

→ 2.2.2. Exame do § 3º do art. 515, CPC.

Antes da lei 10.352/2001, sentença que extingue o processo sem resolução de mérito não permitia que o Tribunal examinasse o mérito. Esta proibição da análise do mérito pelo Tribunal ocorria porque não se permitia que o juízo ad quem analisasse o que não fora decidido pelo juízo a quo.

Entretanto, o § 3º do art. 515 avançou o processo civil por permitir que o Tribunal, ao julgar a apelação, pudesse avançar na decisão de mérito não examinada pelo juiz. Mas, para que o Tribunal avance, necessário é que se preencha alguns pressupostos:

- a apelação tem que ser provida, já que assim o Tribunal entende que o juiz recorrido errou. Se o Tribunal não der provimento à apelação, é porque ele entendeu que o juízo a quo acertou em sua decisão;

- a apelação tem que ser por ERROR IN IUDICANDO, pois, se se tratar de ERROR IN PROCEDENDO, o tribunal deverá invalidar a decisão a quo (tendo que devolvê-la a este juízo para novo julgamento) e não a compor.

- a causa tem que está madura. O Tribunal só pode julgar o mérito se a causa estiver em condições de ser julgada imediatamente;

- há corrente doutrinária que defende um 4º pressuposto, apesar de tal pressuposto ser polêmico. Trata-se de situação em que o apelante deve pedir o acolhimento com base no § 3º do art. 515 do CPC150, pois, normalmente, o apelante, nesses casos sem exame de mérito, é o autor, que pode ter uma análise de mérito do Tribunal, porém improcedente. Nesta circunstância, a situação do apelante piorará, motivo pelo qual parte da doutrina entende que

150 Neste caso, dentre os pedidos da apelação, deve constar requerimento do acolhimento da apelação com base no art. 515, § 3º, CPC.

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o apelante deve pedir para arcar com as conseqüências de um decisão pior. Esse efeito do § 3º do art. 515, CPC, é chamado pela doutrina de efeito desobstrutivo da apelação.

→ 2.2.3. Exame do § 4º do art. 515.

Se o Tribunal, ao julgar a apelação, constatar que o processo tem algum defeito, poderá, em vez de invalidar o processo em decorrência deste defeito, providenciar a correção do defeito, de modo a não invalidar o processo. Esse artigo é mais pedagógico do que necessário, já que o sistema processual das nulidades já impunha isto.

→ 2.2.4. Exame do art. 517 do CPC.

Na apelação, só é possível suscitar novas questões de fato em 2 circunstâncias:

- se se trata de fatos novos.

- se se tratar de fatos já acontecidos à época da instrução, desde que a parte que alegar tais fatos na apelação (mas já ocorridos à época da instrução) tiver justo motivo para fazê-lo, ou seja, demonstrar que houve motivos que impediram sua alegação antes (no momento da instrução).

→ 2.2.5. Procedimento da apelação no juízo de 1º grau.

A apelação deve ser apresentada no juízo a quo, o qual faz o primeiro juízo de admissibilidade. Se o juiz entender que a apelação é admissível, ele ouvirá o apelado em suas contra-razões. Após a contra-razões, o juízo a quo poderá fazer um novo juízo de admissibilidade — logo, poderá haver 2 juízos de admissibilidade só no 1º grau.

Entretanto, o § 1º do art. 518, CPC, diz que “o juiz não receberá o recurso de apelação qdo a sentença estiver em conformidade com a súmula do STJ ou do STF”. É caso de eficácia impeditiva do precedente (já visto em teoria dos precedentes). Uma vez seguido o precedente pelo julgado, ele impede recurso que o discuta.

Contrariando esse dispositivo, há casos em que a apelação terá que subir, mesmo se a sentença se basear em súmula:

- apelação em que se alegue nulidade da sentença, pois, neste caso, não está se discutindo a tese sumulada;

- apelação em que se alegue que o caso não é de aplicação da súmula (é caso de aplicação do DISTINGUISHING);

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- apelação que trouxer argumentos suficientes para o OVERRRULING (ou seja, para a superação dos precedentes).

2.3. Embargos infringentes.

Cabem contra Acórdão não unânime. Esse recurso é muito criticado e inclusive está extinto pelo anteprojeto do CPC, pois o objetivo deste anteprojeto é de que prevaleça o voto vencido151.

Entretanto, os embargos infringentes cabem somente contra acórdão não unânime em julgamento de ação rescisória ou apelação. Ademais, não é contra qualquer acórdão não unanime de ação rescisória que cabem embargos infringentes, mas só contra aqueles que tenham rescindido a decisão152. Do mesmo jeito, não é contra qualquer acórdão não unanime de apelação que cabem embargos infringentes, mas contra aqueles que tenham reformado153 (e não anulado) a sentença de mérito.

Há muitas divergências doutrinárias em diversos temas que versam sobre os embargos infringentes.

→ 2.3.1. Cabimento dos embargos infringentes.

● a) Não cabem embargos infringentes:

- em reexame necessário (pois este não é apelação) — súmula 390 do STJ.

- em MS, conforme nova lei de MS.

● b) Cabem embargos infringentes:

- em falência (súmula 88 do STJ):

- contra acórdão, proferido em maioria, em agravo retido, qdo se tratar de matéria de mérito (súmula 255 do STJ). Ver na última aula o assunto acerca da possibilidade de embargos infringentes contra acórdão de agravo regimental.

- se o tribunal aplica o § 3º do art. 515 (claro que sua aplicação tem que ser não unânime). O § 3º do art. 515 pode ser aplicado contra sentença que não analisou o mérito, por isso cabem embargos infringentes nessa situação, já que, neste caso, o tribunal irá analisar, na apelação, o mérito da decisão recorrida.

151 O seu objetivo é de que o voto vencido prevaleça e não que a votação seja unânime.

152 Logo, acórdão de ação rescisória que não rescinda a decisão, ou seja, que não a modifique, não podem ser atacados por embargos infringentes.

153 Caso de ERROR IN IUDICANDO.

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- contra acórdão que houver voto médio. Voto médio é aquele que ocorre qdo há condenações de valores diferentes, de modo que a sentença definitiva é aquela que pondera a média das condenações. Ex: se há 3 condenações diferentes, de 30, 40 e 50 reais, a decisão final é de 40 Reais, mas não se pode dizer que os votos de 30 e 50 Reais são vencidos. Como, no exemplo, não houve unanimidade na decisão, caberá embargos infringentes.

No exemplo supracitado, é mais fácil observar o cabimento de embargos infringentes, pois a divergência é quantitativa; mas, em divergência qualitativa, a decisão é mais difícil (Ex: 3 decisões acerca da guarda de um menor, onde um desembargador entende que a criança deve ficar com o pai, outro entende que a criança deve ficar com a mãe e um terceiro entende que deve ficar com a avó).

→ 2.3.2. Interpretação do art. 498 do CPC.

Os embargos infringentes é a ultima possibilidade de recursos ordinários. Por isso, se costuma dizer que os embargos infringentes antecedem os recursos extraordinários. Assim sendo, se ainda couber embargos infringentes, a parte não pode ignorá-los e impetrar recursos extraordinários (conforme entendimento da súmula 207 do STJ).

Se um acórdão tiver 2 capítulos, sendo um unânime e outro não unânime, contra o capítulo unânime é possível ajuizar REsp. e RE; e contra o capítulo não unânime é possível ajuizar os embargos infringentes, podendo, depois dos embargos infringentes, ajuizar tb REsp e RE. Ou seja, contra essa decisão com 2 capítulos, seria cabível 5 recursos. Por isso, segundo o art. 498 do CPC, no prazo de 15 dias deve-se somente atacar o capítulo não unânime com embargos infringentes. Julgado este, poder-se-á ajuizar RE e REsp contra tudo (contra o capítulo não unânime e contra o capítulo unânime, cujo prazo ficou sobrestado). Mas, se a parte não ajuizar os embargos infringentes nos 15 dias, o capítulo não unanime fará coisa julgada, de modo que, após a coisa julgada, a parte terá mais 15 dias para ajuizar RE ou REsp do capítulo unânime.

2.4. Agravos.

O agravo cabe contra decisão interlocutória, podendo ser agravo retido ou agravo de instrumento. Não há opção para o agravante, pois ele não pode escolher qual dos 2 agravos ele deseja impetrar, já que a escolha não cabe ao agravante. Ademais, nunca caberá os dois agravos simultaneamente.

→ 2.4.1. Agravo retido.

O agravo retido é um recurso sem preparo, que é interposto diretamente no órgão a quo com o objetivo de impedir a preclusão, mas, neste caso, o recurso não será processado imediatamente. O agravo retido só será

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processado se o agravante confirmá-lo no futuro. Destarte, no momento da apelação ou das contra-razões da apelação, o agravante deve requerer que o agravo seja julgado antes da apelação ou das contra-razões da apelação. Se o agravo retido não for confirmado pelo agravante, ele cai.

Há 2 espécies de agravo retido:

a) oral – que é o agravo interposto contra decisões interlocutórias proferidas em audiência (cuja decisão tb é oral). Este agravo retido oral deve ser interposto na hora.

Questão de concurso:

O juiz em audiência deu uma antecipação de tutela, qual recurso é cabido.

Não é caso de agravo retido, mesmo sendo em audiência. É caso de agravo de instrumento, devido à urgência da antecipação de tutela.

b) agravo retido proferido contra decisões escritas do juiz tb é escrito e deve ser interposto no prazo de 10 dias. Se a parte deveria agravar oralmente, mas só interpõe agravo de instrumento (que, obviamente, sempre é escrito), não pode haver conversão em agravo retido, pois a conversão do agravo de instrumento em agravo retido só é possível em casos em que o agravo retido deveria ser escrito. Neste caso, ocorre a preclusão de quem agravou por instrumento em vez de ter utilizado o agravo retido oral.

→ 2.4.2. Agravo de instrumento.

Há 3 situações em que cabe agravo de instrumento, de modo que, se não houver uma dessas 3 situações, será hipótese de agravo retido. São elas:

- urgência – em situações de urgência, cabe agravo de instrumento. É caso de lesão irreparável ou de difícil reparação. Como exemplo tem-se a decisão que antecipa os efeitos da tutela. Se a parte ajuizar agravo de instrumento, mas a situação não é de urgência, o relator converterá o agravo de instrumento em agravo retido e contra esta decisão do relator não cabe agravo regimental (art. 527, § único, CPC). Neste caso, as custas do agravo de instrumento não serão devolvidas.

- qdo a lei expressamente o previr. Neste caso não há que se falar em urgência e muito menos em conversão em agravo retido, pois a determinação é legal e deve ser obedecida. São exemplos: decisão que não recebe apelação; decisão que recebe apelação em efeitos diversos; decisão que julga liquidação de sentença; decisão que recebe ação de improbidade administrativa.

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- nos casos em que o agravo retido for incompatível com a situação. Ex1: decisão interlocutória em execução é sempre impugnada por agravo em instrumento, pois não há momento posterior para julgar o agravo retido. Ex2: decisões parciais de mérito devem ser atacadas por agravo de instrumento, já que tais decisões já resolvem o mérito, não havendo razão para aguardar um agravo futuro.

O agravo de instrumento é interposto diretamente no órgão ad quem — é o único recurso que é assim. Por isso, o agravante deve instruir o agravo com uma série de instrumentos que permitem o controle da decisão pelo tribunal.

Para tanto, o legislador exige que o agravante junte 4 peças: cópia da decisão agravada; cópia da procuração ad judicia do advogado do agravante; cópia da procuração ad judicia do advogado do agravado; e a certidão de intimação da decisão agravada (é uma peça que existe para averiguar a tempestividade do recurso). Há decisões que admitem o agravo de instrumento sem esta certidão de intimação da decisão agravada (embora a lei não a mencione), nos casos de tempestividade manifesta (ex: se a decisão agravada é do dia 20 e o agravante agrava no dia 22 do mesmo mês).

Se o agravado não tiver advogado constituído, o agravante deverá juntar certidão do cartório confirmando tal situação.

Além dessas peças previstas por lei, a jurisprudência considerou como obrigatórias outras peças, que são as peças indispensáveis à compreensão da controvérsia. Essa criação jurisprudencial é muito criticada pela doutrina154.

As cópias não precisam ser autenticadas, pois o advogado pode reputá-las autenticas sob sua responsabilidade.

Interposto o agravo de instrumento no tribunal, cabe ao agravante, em 3 dias, juntar, no juízo a quo, a cópia do agravo de instrumento, o protocolo de interposição e a relação de documentos. Se o agravante não o fizer, o agravo poderá não ser admitido. Entretanto, o agravo só não será admitido pela não juntada dessas peças no juízo a quo se o agravado alegar tal desídia, no primeiro momento que lhe couber falar nos autos (art. 526 do CPC). Caso o agravado não o alegue, tal direito preclui, de modo que o agravo será admitido mesmo sem que haja a juntada das citadas peças no juízo a quo.

O agravo de instrumento não tem efeito suspensivo automático, motivo pelo qual a decisão agravada produz efeitos imediatamente. O agravante poderá, no entanto, pedir ao relator que atribua efeito suspensivo ao seu agravo — não é caso de suspensão do processo, mas só de suspensão da decisão

154 Numa prova prática de concurso, deve dizer que a peça encontra com cópia de todo o processo, para evitar que o examinador questione sobre um documento importante não anexado.

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agravada. O § único do art. 527 do CPC diz que a decisão do relator que der tal efeito suspensivo não é impugnável por agravo regimental.

Se a decisão agravada for negativa (ou seja, se ela nega o que se pediu, como aquela que nega uma tutela antecipada), o efeito suspensivo é chamado pela doutrina de efeito suspensivo ativo (pois suspender a negação da sentença do juízo a quo é o mesmo que conceder o que foi negado em 1º grau), ou de antecipação da tutela recursal.

Cabe agravo de instrumento contra decisão liminar em MS, conforme disposição da nova lei de MS.

Se o agravo de instrumento estiver pendente e o processo, que prosseguiu normalmente, foi sentenciado, o agravo de instrumento não necessariamente vai cair. Se o provimento do agravo puder afetar a validade da sentença, ele permanece em vigor, podendo derrubar a sentença (ex: agravo que discute a competência do juízo).

Recursos extraordinários.

1. Introdução.

Recurso extraordinário é um gênero que abrange o REsp e o RE. Também engloba o Recurso de Revista no âmbito trabalhista e o recurso extraordinário propriamente dito (para o STF).

Neste assunto, será analisado o REsp (para o STJ) e o RE (para o STF), podendo ambos serem chamados de recurso extraordinário (apesar de parecer que só o RE para o STF é extraordinário).

O REsp e o RE possuem a mesma espinha dorsal (por isso há muitas regras em comum), porém com algumas peculiaridades.

2. Histórico.

Até 1988 não havia o STJ, por isso não havia REsp. Só havia o RE para o STF, como 2 propósitos: proteger a CF e controlar a aplicação de lei federal. Ou seja, o RE fazia as vezes do próprio RE e do REsp. Isso, entretanto, era um caos, pois o STF, com 11 ministros, tinha uma atribuição muito extensa.

Com a criação do STJ, criou-se o REsp, que acolheu o controle da aplicação da lei federal do antigo RE. Por isso, o REsp já nasceu com toda uma jurisprudência formada pelo STF.

3. Características em comum entre o RE e o REsp.

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3.1. Prazo.

15 dias.

3.2. Permitem a execução provisória.

Pois ambos os recursos não têm efeito suspensivo automático.

3.3. São interpostos nos Tribunais a quo .

O RE e REsp passam, portanto, pelo 1º juízo de admissibilidade feito pelo presidente ou vice-presidente (a depender do regimento interno) do tribunal a quo.

Contra a decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal a quo que não conhecer do recurso extraordinário, caberá o agravo de instrumento do art. 544 do CPC. Este agravo de instrumento é específico do art. 544, sendo, pois, diferente do agravo de instrumento estudado antes, tendo, inclusive, algumas peculiaridades155.

Se o recorrente quiser atribuir efeito suspensivo ao seu recurso extraordinário, ele deverá recorrer ao presidente do tribunal a quo enquanto, sobre este recurso extraordinário não tiver sido feito ainda o juízo de admissibilidade na origem (pelo tribunal a quo). Mas, superada a admissibilidade na origem, caberá ao tribunal superior examinar o pedido de efeito suspensivo (súmula 634 e 635 do STF, mas que o STJ tb aplica).

3.4. Pressupõem o esgotamento das instâncias ordinárias.

Só cabe recurso extraordinário se não couber qualquer outro recurso ordinário. Por isso, se diz que não cabe recurso extraordinário PER SALTUM.

3.5. São recursos de fundamentação vinculada.

Isso quer dizer que os recursos extraordinários não cabem em qualquer situação, mas só em hipóteses tipicamente previstas pela CF.

3.6. São recursos de efeito devolutivo restrito 156 .

Significa que a devolução não opera sobre toda a matéria do caso sub judice, mas só sobre questão de direito. Dessa forma, a parte só pode ajuizar recurso extraordinário para discutir questão de direito. Fatos não são revisados pelo recurso extraordinário.

Por conta desta característica, não se admite recurso extraordinário em que se pleiteia reexame de prova (súmula 7 do STJ). Entretanto, nada impede que o recurso extraordinário discuta a aplicação do direito probatório (como as regras de direito probatório, que são regras de direito). Logo, se um juiz viola regra de direito

155 Como a desnecessidade de preparo.

156 Pois não podem impugnar qualquer coisa.

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probatório, pode haver a impetração do recurso extraordinário (por isso, não se pode pedir que o STJ analise uma perícia não analisada pelo TJ, mas, se um Tribunal aplicou mal uma regra sobre perícia, caberá recurso extraordinário).

Em virtude da não possibilidade da análise dos fatos pelos recursos extraordinários, não poderá ser objeto deste recurso a interpretação de cláusula contratual (súmula 5 do STJ), pois interpretar um contrato é recompor os fatos. Entretanto, às vezes, a interpretação da cláusula contratual é indispensável para se saber qual é a lei que se aplica àquele contrato (como para saber se é contrato de compra e venda à prazo ou leasing; ou se é comodato ou locação). Qdo a interpretação de uma cláusula contratual for indispensável para a definição de qual a lei se aplica àquele caso, caberá REsp (o REsp irá dizer se é a lei leasing ou da compra e venda). Ex: em contratos bancários onde o valor residual do leasing já era embutido nas parcelas, para saber se tal cláusula desnatura o leasing e o transforma em compra e venda, deve-se analisar a interpretação da cláusula contratual (súmula 293 do STJ).

→ DIA 04/07/2010 (DOMINGO).

3.7. Pré-questionamento.

O pré-questionamento é uma exigência para a admissibilidade dos recursos extraordinários.

O pré-questionamento está dentro do cabimento dos recursos extraordinários. Logo, sem questionamento, os recursos extraordinários não serão cabidos.

Não há um consenso acerca do que seja o pré-questionamento, de modo que há 3 correntes:

→ 3.7.1. Pré-questionamento com ato da parte.

Para essa concepção, o pré-questionamento é a provocação que a parte faz para que o tribunal recorrido se pronuncie acerca da questão objeto do recurso. Se tal questionamento já tivesse ocorrido anteriormente no processo, então há pré-questionamento, ou seja, na petição inicial o sujeito já alega que está questionando uma questão para fins de futuro recurso extraordinário.

→ 3.7.2. Pré-questionamento como ato da parte e do tribunal.

Além de a parte recorrente tenha suscitado a questão e o tribunal deve ter se manifestado sobre a questão suscitada. O pré-questionamento, portanto, é a soma desses dois requisitos.

→ 3.7.3. Pré-questionamento com ato do tribunal.

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Basta que o tribunal recorrido tenha se manifestado sobre a questão objeto do recurso, pouco importando se a parte tenha suscitado esta questão.

A 2ª concepção é a soma das outras duas, logo havendo a provocação da parte e a resposta do tribunal, não há dúvida de que houve pré-questionamento. Dúvida ocorrerá se houver as outras 2 situações, ou seja, se só a parte suscitar ou se só o tribunal se manifestou.

A 3ª concepção (manifestação do tribunal) vem sendo aceita. Mas, se só houve a suscitação da parte, mas o tribunal não se manifesta, a parte deve impetrar embargos de declaração para que o tribunal de manifeste e a matéria esteja pré-questionada. Mas, se, após os embargos de declaração, o tribunal continua se omitindo, o STJ entende que não houve pré-questionamento (súmula 211). Observa-se que neste caso a parte ficaria em prejuízo, por isso o STJ admite que a parte entre com um REsp para anular a decisão do tribunal que não supriu a omissão. Só que a doutrina critica muito esse entendimento do STJ, pois deve haver primeiro um REsp para anular a decisão, para que depois de o STJ determinar a anulação e uma nova decisão, para que só depois a parte ajuíze um novo REsp.

Para o STF, que tem entendimento diferente, se o tribunal omitiu e a parte embarga, a matéria está pré-questionada, para que a parte não tenha prejuízo — ver súmula 356. Esse pré-questionamento da súmula 356 é chamado de pré-questionamento ficto. O STJ não utiliza o pré-questionamento ficto.

Pré-questionamento implícito é o exame da questão pelo tribunal sem fazer menção expressa ao artigo de lei — este pré-questionamento é admitido.

A súmula 320 do STJ diz que “a questão federal somente ventilada pelo voto vencido não atende ao requisito do pré-questionamento”. Portanto, a questão deve estar no voto vencedor, para que haja pré-questionamento.

Para que o recurso extraordinário seja conhecido há uma série de exigência. Mas, uma vez conhecido o recurso ordinário, o seu mérito deve ser julgado. O recurso extraordinário tem muitas peculiaridades em sua admisibilidade, mas, uma vez vencida esta etapa, o julgamento de mérito dos recursos extraordinários não tem nenhuma peculiaridade. O recurso extraordinário não pode analisar fatos e nem provas (não sendo nem conhecido), mas se o recurso extraordinário foi conhecido para analisar questão de direito, o tribunal deverá analisar provas e fatos para julgar a causa, ou seja, uma vez conhecido o recurso, o tribunal superior terá que julgar a causa de modo que sua jurisdição de abre (reexaminado provas e fatos). Isso ocorre porque não há como reexaminar a causa sem re-analisar os fatos e provas. Por isso, diz-se que a extraordinariedade do recurso somente está em sua admissibilidade e não no mérito — ver súmula 456 do STF. Essa súmula foi incorporada ao regimento interno do STF e STJ.

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É dentro desse contexto que surge as questões de ordem pública em recurso extraordinário. Não se pode no recurso extraordinário suscitar uma questão de ordem pública pela falta de pré-questionamento. Mas se o recurso extraordinário foi admitido por discutir outra questão (que foi pré-questionada e aceita), a questão de ordem pública poderá ser analisada, pois a jurisdição se abre. Uma questão de ordem pública não pode ser objeto do recurso extraordinário sem ser pré-questionada, mas o tribunal pode reconhecer a questão de ordem pública se o recurso extraordinário foi admitido. Por isso, é correta a afirmação de que uma questão de ordem pública pode ser analisada em um recurso extraordinário; ela só não pode ser objeto do recurso extraordinário.

Pesquisar no site do STJ a súmula 456 do STF e ler duas decisões qualquer, de preferência as mais recentes, para ver como os tribunais decidem baseados nesta súmula. Ver REsp 1.080.808.

3.8. Recursos extraordinários retidos (art. 542, § 3º, CPC).

Se um juiz profere uma decisão interlocutória e a parte impetra agravo, o acórdão de julgamento do agravo pode ser combatido por REsp ou RE (ver súmula 86 do STJ). Este REsp ou RE, interposto contra julgamento de agravo, ficaram retidos nos autos, não sendo processados imediatamente.

Isso, entretanto, não se aplica em processo de execução. Trata-se de uma expressa previsão legal. A jurisprudência estendeu essa previsão a outros casos: em situações de urgência (em tutela antecipada não há como reter o recurso extraordinário); em casos de decisões parciais, mas definitivas, Tb não há como o recurso ficar retido, já que não mais nada a decidir depois da decisão interlocutória. O instrumento para destrancar esses recursos que ficaram retidos pode ser, conforme o STJ, cautelares (deve-se ajuizar cautelar no STJ para destrancar tais recursos), mas o STJ simplificou o procedimento e permite destrancamento de recurso retido até por simples petição (embora ainda seja possível a cautelar).

Mas se não for caso de destrancamento do recurso, o recurso extraordinário continuará retido. Neste ínterim, o processo continuará a ser julgado no juízo de 1º grau, havendo sentença. Depois pode haver acórdão de apelação e ainda depois acórdão de embargos infringente. Depois deste, só será possível RE e REsp. Qdo não mais couber recurso ordinário, só sendo possível RE ou REsp, é o momento de reiterar o recurso extraordinário retido, ou seja, neste momento a parte deve pedir a reiteração do recurso extraordinário retido (no prazo para a interposição de recurso extraordinário contra a última decisão157).

4. Recurso Especial (art. 105, III, CF).

157 A ultima decisão é aquela contra a qual não caiba mais nenhum recurso ordinário.

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O recurso especial só cabe de acórdão de tribunal de justiça ou de TRF. Não cabe recurso especial no âmbito de turma recursal dos juizados.

São hipóteses de cabimento do recurso especial:

- alínea a: contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência.

Contrariar deve ter um sentido muito amplo, sendo qualquer espécie de ofensa (como negar vigência, não cumprir, etc.). Lei federal Tb tem sentido amplo (podendo ser LO, LC, medida provisória, decreto-lei, etc.).

Há determinados tratados que podem ter natureza de norma constitucional (cujo conteúdo é de direito humano e aprovado com quorum qualificado). Neste caso, será cabido recurso extraordinário e não o especial.

- alínea b: julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal. Se o acórdão entende que o ato de lei local prevalece contra lei federal, pode ser interposto recurso especial. Este inciso não é caso de conflito de lei local com lei federal, pois tal conflito é um conflito legislativo de competência constitucional (já que não há hierarquia entre lei local e lei federal, já que elas tratam de competência diferente), que deve ser julgado pelo STF (art. 102, III, d, CF).

- alínea c: der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. É caso de divergência na interpretação de lei federal entre os tribunais (TJ’s e TRF’s). Para que caiba recurso especial nessa hipótese, a parte deve provar que a sua situação cabe no precedente de outro tribunal (deve-se abrir um item na petição do recurso, chamado de confronto analítico). Tal confronto analítico é o DISTINGUISHING. É possível buscar o julgado divergente em sites na internet.

Sentença contra a Fazenda Pública se submete a reexame necessário, por isso a Fazenda pode não recorrer. Se no reexame necessário, a Fazenda perde e depois ajuíza REsp, para o STJ, se o poder público não recorreu, não poderá ajuizar REsp.

Poder público que não apela não pode ajuizar REsp contra decisão que analisa a apelação.

4. Recurso Extraordinário (art. 102, III, CF).

O RE cabe contra qualquer decisão, mesmo sendo decisão de juiz singular e em qualquer Tribunal, desde que seja a última decisão (contra a qual não se pode ajuizar nenhum recurso ordinário). Por isso, cabe RE até mesmo de decisão proferida no âmbito dos juizados especiais.

A súmula 733 do STF entende que o não cabimento que ela elenca ocorre por ser decisões administrativas.

A súmula 735 do STF é bastante criticada pela doutrina.

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O STF entende que o RE só cabe em violação direta, frontal, à CF. Logo, violação reflexa, indireta, à CF não é passível de RE. Violação indireta ocorre qdo, para constatar se há violação à CF, primeiro tenha que analisar a lei. A súmula 636 do STF dispõe dessa forma.

O RE é o principal instrumento do controle de constitucionalidade difuso, pois qualquer cidadão pode levar sua questão ao STF. O controle difuso vem se transformando muito, de modo que decisões do STF, mesmo no controle difuso, têm efeito vinculativo. Esse fenômeno é chamado de objetivação do controle difuso.

Há uma ligação muito forte entre RE, precedente e controle difuso. Pelo fato de um RE poder gerar precedente, a EC/45 criou uma exigência nova para o RE, que é a repercussão geral da questão discutida. Isso quer dizer que a questão discutida agora precisa ir além da esfera jurídica do demandante, ou seja, sem repercussão geral, um RE não é analisado, por isso, ao impetrar o RE, deve-se abrir um item na petição para demonstrar a repercussão geral (é um ônus do recorrente).

O § 3º do art. 543-A é caso de repercussão geral com presunção absoluta.

Só o STF pode examinar se há repercussão geral, de modo que o presidente do Tribunal que receberá o RE não pode fazer esse controle de admissibilidade (ele só pode ver se a parte afirmou que há repercussão geral, mas se o conteúdo é de repercussão geral, só o STF pode analisar).

O STF tem 11 ministros. A CF diz que apenas com o voto de 8 ministros o STF pode dizer que não há repercussão geral — é como se o constituinte esteja estabelecendo uma presunção de repercussão geral, pois somente com voto de 8 ministros a repercussão geral pode ser rejeitada. Logo, se somente 4 ministros disserem que há repercussão geral, esta está validada, independente de outros 7 dizerem que não há. Essa análise é feita eletronicamente (plenário virtual ou eletrônico), onde o relator faz a 1ª análise e submete eletronicamente a causa aos demais ministros. O ministro tem 20 dias para analisar a existência ou não da repercussão geral; se ele se silenciar nesses 20 dias, a repercussão geral é admitida automaticamente. Isso tudo está previsto no art. 543-A e §§ do CPC.

O AMICUS CURIAE pode intervir na repercussão geral, em decorrência do § 6º do art. 543-A.

O procedimento do art. 543-B, CPC, foi criado para a análise de RE repetitivos. Da mesma forma, o art. 543-C, CPC, foi criado para os REsp repetitivos. Nestes casos, o tribunal superior instaura um procedimento de julgamento de causas repetitivas. O tribunal (STF ou STJ) escolhe alguns recursos por amostragem para servirem como modelo. Os demais ficam suspensos aguardando a análise desses escolhidos. A tese fixada no julgamento dos recursos modelos vale imediatamente para todos os outros recursos que se discute a mesma coisa. Neste procedimento pode haver intervenção de AMICUS CURIAE, por ser de interesse de uma grande quantidade

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de pessoas. A tese fixada irá confirmar ou rejeitar a tese da decisão do tribunal recorrido. Se a tese contrariar a decisão do TJ ou TRF, estes terão que se retratar (efeito regressivo). Ocorre que, na prática, os tribunais não estão revendo a sua decisão, de modo que o STJ determinou que o tribunal não pode mais manter a sua decisão pelos mesmos fundamentos, dizendo porque não quer rever sua decisão.

Quem mais tem perdido com os julgamentos repetitivos, são os litigantes habituais (mormente empresas que tem muitas ações na justiça). Por isso, qdo um recurso de uma dessas empresas era escolhido na amostragem, elas costumavam desistir do recurso, para não firmar a decisão com efeito repetitivo. Diante disso, o STJ não aceitou a desistência dos recursos que foram escolhidos como modelo.

Se um TJ suspende um processo indevidamente (ou seja, um processo que não está sendo discutido em sede de repercussão geral, mas que o tribunal acha que esteja), esperando o julgamento de uma causa repetitiva, o STF determinou que contra este ato deve ser interposto agravo regimental. O correto seria uma reclamação para o STJ e STF, mas o STF preferiu o agravo regimental para impedir a avalanche de reclamações perante o STF e STJ.

Antecipação de tutela.

1. Noções iniciais.

Tutela definitiva é a tutela que se funda em cognição exauriente, é a tutela final, é aquilo que se busca no processo. Essa se estabiliza.

Tutela provisória se funda em cognição sumária. O juiz não julga aprofundadamente. Essa é menos instável, pois pode ser substituída.

Nota-se que essas tutelas variam conforme a sua estabilidade.

A tutela definitiva pode ser tutela de conhecimento, executiva ou cautelar. As tutelas de conhecimento e executiva são chamadas de tutela satisfativa, pois satisfazem o direito das partes. A tutela cautelar não satisfaz, mas só assegura — garante futura satisfação. Como qualquer tutela definitiva pode ser concedida provisoriamente, haverá tutela provisória de cognição, de execução e cautelar.

Tutela antecipada é a tutela provisória, concedida antes do final do processo. A tutela antecipada é uma técnica de antecipação provisória dos efeitos de uma tutela definitiva. Como se pode antecipar qualquer tutela definitiva (de conhecimento, executiva e cautelar), o juiz pode antecipar (conceder provisoriamente) uma tutela satisfativa (de cognição ou executiva) ou cautelar.

Para conceder uma antecipação de tutela, o juiz exige 2 requisitos:

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a) demonstração da probabilidade do direito – é a evidência, ou seja, a demonstração da probabilidade do direito. É o fumus boni iuris.

b) existência do perigo – é a urgência da necessidade da antecipação da medida. É o periculum in mora.

Entretanto, nada impede que o legislador preveja uma tutela antecipada só fundada em evidência (ex: na ação monitoria o juiz pode autorizar uma ordem de pagamento, mesmo que não haja urgência) ou só fundada em urgência. Mas o comum é que o legislador comungue a evidência e a urgência.

2. Histórico.

1ª fase (CPC/1973) – este CPC tinha o art. 804 que previa qualquer tutela antecipada cautelar genérica. No entanto, neste CPC não havia previsão semelhante para a tutela antecipada satisfativa. Na época, tutela antecipada satisfativa só era prevista em situações excepcionais (em ação de alimentos, ação possessória, MS, etc.) — se o caso não se encaixasse em uma dessas situações (procedimentos especiais), a pessoa ficaria desprotegida.

Qdo havia tal desproteção, os advogados começaram a distorcer o art. 804, de modo a aplicar a generalidade deste artigo como uma válvula de escape para situações não previstas especificamente. Daí, surge um fenômeno forense chamado de cautelar satisfativa (a intenção não era obter uma medida cautelar, mas sim uma medida satisfativa). Por conta disso, houve a necessidade de reformulação da legislação.

2ª fase (reforma de 1994 no CPC) – essa reforma manteve o art. 804, mas criou uma regra semelhante a este artigo para a tutela satisfativa, que foi o art. 273 e art. 461, § 3º, os quais consagraram a tutela antecipada satisfativa genérica. Destarte, a partir deste momento, qualquer medida satisfativa pode ser concedida antecipadamente.

A reforma de 1994 não criou a tutela antecipada, mas generalizou a tutela antecipada satisfativa.

Agora há tutela antecipada cautelar genérica, tutela antecipada satisfativa genérica e tutelas antecipadas satisfativas específicas.

Qdo um concurso cobra no edital tutela antecipada, eles vão cobrar a tutela antecipada satisfativa genérica.

Com a tutela antecipada satisfativa genérica, não mais é necessário ajuizar uma ação cautelar e outra ação satisfativa, bastando ajuizar uma ação satisfativa, pleiteando a antecipação dos efeitos da tutela.

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No Início da vigência da reforma de 1994, com o advento da tutela antecipada, os juízes tinham receio em conceder a tutela antecipada, por ser mais comum a tutela cautelar. Por isso, o legislador introduziu no art. 273 o § 7º, que consagrou a fungibilidade. Com esta inovação, a parte pode obter uma medida cautelar dentro de um processo não cautelar (processo satisfativo, portanto), tornando o processo ainda mais sincrético, sem nem precisar de adaptar o processo. O art. 273, § 7º, permite a concessão de uma medida cautelar em um processo não cautelar, mas não pode conceder uma antecipação de tutela em um processo cautelar sem adaptação de ritos, pois serem de ritos diferentes (com prazos diferentes, etc.).

3. Regras da antecipação de tutela satisfativa.

O art. 461, § 3º, trata das ações de fazer, não fazer e dar coisa diferente de dinheiro.

O art. 273 cuida das ações de dar coisa pecuniária, ações constitutivas e ações declaratórias. Ações de tutela em ações constitutivas e declaratórias cabem para antecipar efeitos da declaração e efeitos da constituição, mas não se pode pedir a antecipação da declaração e nem a antecipação da constituição. Não se pode pedir um divórcio antecipado, mas pode pedir que se antecipe os efeitos do divórcio.

Esses dois dispositivos (art. 461, § 3º e art. 273) formam um sistema que deve ser interpretado conjuntamente.

Dentro desse sistema de antecipação de tutela satisfativa para qualquer caso, há um micro-sistema de tutela antecipada satisfativa contra o poder público (que tem regras próprias, reguladas pela Lei 9494/97, CTN arts. 151, V, e 170-A, Lei 8437/92, súmula 729 do STF).

A ADC nº 4 reputou constitucionais as restrições da Lei 9494 à antecipação de tutela contra o poder público. Contra as restrições (Lei 9494/97, CTN arts. 151, V, e 170-A, Lei 8437/92, súmula 729 do STF), pode haver tutela antecipada contra o poder publico.

4. Diferença entre liminar e tutela antecipada.

Liminar é qualquer decisão dada no início, ou seja, dada antes de ouvir o réu.

Uma tutela antecipada pode ser dada antes de ouvir o réu (tutela antecipada liminar) ou em qualquer outro momento no processo (até na sentença, para que não se atribua efeito suspensivo à sentença).

5. Diferença entre tutela antecipada e julgamento antecipado da lide.

Julgamento antecipado da lide é uma decisão definitiva (como explicado em julgamento conforme o estado do processo), mas a tutela antecipada é a antecipação de efeitos de um futuro julgamento.

6. Art. 273 do CPC.

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A tutela antecipada não pode ser concedida de ofício.

A legitimidade para requerer a tutela antecipada é do autor e do réu (como na reconvenção, ou com a formulação de pedido contraposto, ou em casos de ações dúplices, ou se o réu simplesmente contesta158). O MP pode pedir tutela antecipada se ele intervier no processo, com fiscal da lei, em razão da presença de incapaz.

Conforme § 3º do art. 273, a execução da decisão que antecipa a tutela pode se valer dos §§ 4º e 5º do art. 461 do CPC. Isso quer dizer que o juiz possui amplos poderes para a execução da decisão da tutela antecipada. O art. 588 não mais existe, de modo que deve-se ler este art. como 475-O.

A tutela antecipada segue as regras da execução provisória. Na execução provisória, todos os prejuízos causados ao executado devem ser ressarcidos em responsabilidade objetiva — valendo o mesmo para a tutela antecipada (logo, se o juiz reverter a tutela antecipada, quem a pleiteou responderá objetivamente). A execução provisória (logo Tb a tutela antecipada) só autoriza a alienação de bem ou levantamento de dinheiro se houver caução idônea — essa caução é dispensada nos casos de dívida alimentar até 60 salários-mínimos.

Para que o juiz conceda a tutela antecipada satisfativa genérica, devem ser observados os seguintes pressupostos:

a) pressupostos obrigatórios.

- prova inequívoca159 – deve haver prova produzida nos autos, com todos os seus requisitos (contraditório, licita). Nos casos de liminar, em que o réu não é ouvido, pode haver prova com contraditório, o que ocorre com algumas provas documentais; mas se essas provas mesmo que documentais não forem pautadas pelo contraditório, o juiz não pode conceder a tutela antecipada sem que antes permita o contraditório.

- verossimilhança – é o juízo de probabilidade.

- reversibilidade dos efeitos da decisão – em casos onde a tutela é necessária, mas a decisão não é reversível (ex: transplante de órgãos), o juiz deve ponderar e ver se as conseqüências irreversíveis ocorrerão se houver concessão da tutela ou não concessão, por isso que esse pressuposto não é intransponível.

b) pressupostos alternativos160.

158 É caso de antecipação dos efeitos da improcedência.

159 Prova inequívoca não é necessariamente documental e pode acontecer depois da perícia. Se for em liminar, provavelmente será documental.

160 Para que haja uma antecipação de tutela, deve haver todos os pressupostos obrigatórios e pelo menos um alternativo.

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- perigo (art. 275, I) – neste caso, concede-se a tutela antecipada pela urgência. É caso de tutela antecipada de evidência (com os pressupostos obrigatórios) e urgência.

- abuso do direito de defesa manifesto, proposital e protelatório – neste caso, concede-se a tutela antecipada como punição e não pela urgência. . É caso de tutela antecipada somente com evidência (com os pressupostos obrigatórios) e, por isso, não pode ser conferida em sede de liminar, pois a outra parte deve ser ouvida para poder se defender qto ao não abuso do seu direito.

7. § 6º do art. 273.

É caso de incontroversa parcial da demanda. Ora, se há parcela incontroversa, o juiz não antecipa a tutela, não há decisão provisória, mas sim resolve a decisão. Logo, o que este dispositivo consagra é uma decisão parcial definitiva.