o anjo ao contrário · 2011-06-14 · mas entre o prazer de ler e escrever e ... parte de sua vida...

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O Anjo ao Contrário Poemas de André Ramos Pinturas de Nadir Ferrari OFFICIO | Florianópolis (SC) | 2009

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O Anjo ao Contrário

Poemas de André Ramos Pinturas de Nadir Ferrari

O F F I C I O | F l o r i a n ó p o l i s ( S C ) | 2 0 0 9

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Nadir Ferr ari nasceu em Arapongas, Paraná e, como André, mora há tanto tempo em Florianópolis que se sente aqui em sua terra. Pinta desde os onze anos de idade e adora ler desde que se conhece por gente, mas entre o prazer de ler e escrever e o gosto pela ciência, optou por esta. O caminho foi mais ou menos linear: graduação na Universidade Estadual de Londrina, mestrado na Federal do Paraná, doutorado em Oxford, carreira científica e docente na Federal de Santa Catarina, atividades entremeadas de incursões na literatura e nas artes plásticas. Durante uma licença da UFSC, no início da década de 90, atuou de forma profissional com pintura, gravura e um pouco de literatura, em Rennes, França. Ao aposentar-se da UFSC em 2006, retornou de forma mais regular à pintura, leitura e escrita, o que possibilitou este projeto com o colega e amigo André.

aNdré r amos nasceu em Lages, Santa Catarina, mas passou a maior parte de sua vida em Florianópolis, onde veio morar ainda criança com seus pais e quatro irmãos. Graduou-se em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Catarina, onde mais tarde veio a se tornar professor. É lá que o autor atua, desde 1992, como professor e pesquisador da Divisão de Genética. André Ramos publicou dois livros de poesia: Lata de Banha, pela prefeitura de Lages, em 1986, e De Nariz na Vidraça, pela Editora da UFSC, em 1994, ambos com suas edições esgotadas. Em vários de seus poemas, André expressa a influência forte e mesclada das terras onde viveu: os campos de Lages, a ilha de Santa Catarina, Nova Scotia no Canadá e Bordeaux na França.

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A o l o n g o das próx imas pág inas , você vai e ncontrar um mosaico de image ns e palav ras ; uma compos ição orque st rada por Edu Far ia , da Of f i c io , de poe mas inédi tos de A ndré R amos com p int uras també m or ig inai s de Nadir Fe r rar i . Os poe mas não foram e scr i tos para de screve r as p int uras . A s p int uras não foram fe i tas para i lust rar os poe mas . Tanto e s te s quanto aquelas nasce ram l iv re s , s e m pre te nsão maior que a de t rocar mut uame nte , e ntre s i e com o l e i tor, lampejos de bel e za e ar te . Uma e spéc i e de s ine rg ia , onde se e spe ra que o conjunto possa supe rar as par te s .

Mais a f ins pela l eve za do que pelo pe so, nossos poe mas e p int uras se pe r meiam , como doi s l íquidos . Qual a re lação, pode rão se pe rg untar alg uns , e ntre a poe s ia coloquial , cot id iana e r imada de A ndré R amos , e a p int ura minimal i s ta , e s se nc ial e cal ig rá f i ca , nasc ida da t radição japone sa do sumi- ê , de Nadir Fe r rar i? Pode r íamos dize r que a me sma ex i s te nte e ntre a mús ica que sa i dos láb ios de um home m do campo, que as sob ia e nquanto t rabalha , e a bela pai sage m campe stre que o ce rca . Uma não fo i f e i ta para ex pl i car a outra , mas ambas se e mbele zam e comple tam. Espe ramos que você e ncontre , nas pág inas que se seg ue m , mús ica e pai sage m ; e moção e har monia .

| Os au t o re s

Música e paisagem

R175a Ramos, André O anjo ao contrário / poemas de André Ramos ; ilustrações de Nadir Ferrari. – Florianópolis : [s. n.], 2009. 60 p. : il.

ISBN: 9788562720017

1. Poesia catarinense. I. Ferrari, Nadir. II. Título. CDU: 869.0(816.4)-1

Catalogação na fonte e laborada na Bibl ioteca daUnive rs idade Fede ral de Santa Catar ina

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Contém

o anjo ao contrár io . . . . . . . . . . . . . . . 9

t re ns . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

t inta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

sede s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

andanças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

conte de f ée s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

no f undo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

l i ção do de se r to . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

w ithdrawal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

e -poe m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

bouquet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

e scr i to no ve nto . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

of fe r . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

ant ídoto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

borbole tas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

revanche . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

minha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

o al fa iate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

se m pe so e s e m idade . . . . . . . . . . . 44

os mi lag re s de bordeaux . . . . . . 46

incômodo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

praga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

e staçõe s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

março . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

concre t i smo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

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O A n j o a o C o n t r á r i o

o anjo ao contrário

de ntro do meu ar már iohabi ta um anjo ao contrár io :se nsato como um sapato,sagaz como um dromedár io.

e ntre e s t úpido e ast utoà noi te f uma char utode folhas de cale ndár ioe quando o dia amanhecesor r i e de saparecenum vôo tor to e precár io.

prost i t uto e me rce nár ioque dá e mata de g raça .t rans for ma paixão e m de sg raçae abraça as mágoas do mundo.

pelo e r rado e pelo ce r tosó busca ág ua e m de se r toou poços que não tê m f undo.

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O A n j o a o C o n t r á r i o

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O A n j o a o C o n t r á r i o

trens

e m cada t re m que eu e mbarcome pe rco.me e ncontro e m cada barcoque abordo.me e squeço e me l e mbroque a bordode cada ae ronavea rota é se mpre mais suaveque as t r i lhasda te r ra .se e nte r ronos t r i lhos meus cal canhare s ,ao e nxe rgar luare sve r melhosme e rgo pelos cabelos . decolodo mundoe no seg uinte seg undome ancorocom medo da te mpe stade .na ve rdade tão ig uale tão di fe re ntede sta mult idão doe nteque e mbarca e m tre ns de me nt ira .te nho o olho,a bala e a mira .me mato e me salvose , e m minha breve t ra je tór ia ,mudo o f inal da e s tór iae ace r tono alvo.

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O A n j o a o C o n t r á r i o

tinta

depoi s dos t r intameus olhos v iraram t intae f lor ianopol i taname ntep intam nos hor izonte st rê s ponte s e um poe nte .

supe r f í c i e s ve rde s , obje tos t ranspare nte s ,cada t raçoe m seu lugar dev idoe como diz ia um amigoa um oceano daqui :tar ra fa é no sambaquie gar ra fa no bom abr igo.

. . . p inta poe s ia ,p inta ,que te nho meus olhos já rasos de t inta . . .

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P o e m a s d e a n d r é r a m o s | P i n t u r a s d e N a d i r F e r r a r i

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O A n j o a o C o n t r á r i o

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sedes

às ve ze s e n louqueçoe e squeço o caminho do poço.o balde que t rago é de ge s so,a sede que s into é no os so.

os l íquidos eu conheço,me rg ulhado até o pe scoço,do mais f ino ao mais e spe s sotodos molham só a l íng ua .

bebe ndo e mor re ndo à míng ua ,te nho a sede que me reço.

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andanças

par t i de canoade uma te r ra boa ,com o ve nto f racoda praia do for te :paulo lope s ou polo nor te?. . .o mar balança ,uma ae romoça joga sua t rança . . .– ‘rapunzel ,amé r ica ou f rança? ’

eu podia te r s ido cr iançanas pedras da aqui tânia ,rancho que imado, bar racão, be tânia .ve nho do por tode bordeaux ,do ar ro io do porco mor to,t roglodi ta de lascaux .no ae ropor to,onde pousopra pousada no raposo,cochi lo cox i lha r i ca .ve lha ig re ja dos mor r inhos ,santa ana da mão quebradada catedral do santo andré ,coste i rado p ira jubaé ,v i la seca , lava pé ,sacré coeurou saco g rande .não impor ta onde eu andeg uardo na boca o sotaquedo me smo poeta de araqueque pra por re de cachaçate m re s saca de conhaque .

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O A n j o a o C o n t r á r i o

conte de fées

l ’e mpe reur e s t mor t ,l e gé né ral bat t u ,l e royaume t r i s te ,l e peuple vaincu .e t un te l chag r incouv re l e s jardinsque mê me l e s chevauxn’y galope nt p lus .l e lac mag iquea e mpoisonné se s f ée se t s e s chants myst ique sjadi s euphor ique ssont deve nus muets .e t la p luie de l ’âmes i long te mps gardéemainte nant débordedu fond de se s yeux .l e s gout te s qui tombe ntfont de s tache s ronde ssur l e ve loursdu s i l e nce .la v i e é ta i t be l l ee t l e monde imme nseavant que ce conten’ai t pe rdu son se ns .

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O A n j o a o C o n t r á r i o

no fundo

o f undo não é o f undo.é o in í c io do meio,a quina ,a borda .o balde na ponta da cordaque toca ape nas a marge m.no f undo é me ra mirage mde um náuf rago no de se r to.e m noi te s de céu e ncobe r to,o f undo é a mar iposaque pousa no f io da navalha ,é o cor re r sobre a muralhade mi lhare s de chine se s .mulhe re s de campone se sdebr uçadas nas sacadas ,f re i ras var re ndo e scadase m conve ntos car mel i tas .o f undo, no f undo, são f i tasde um f i lme na pré - e s t ré ia ,

é a e spe ra da p laté iaque ate nta e ncara a cor t ina .

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O A n j o a o C o n t r á r i o

lição do deserto

na ime ns idão de seda se nto,tontode tanta luze de tão pouco ve nto.te nto, e s t udoe tarde ou cedoapre ndo o seg redo:não há nadaalé m de t udono de se r to mudo.

Eg i to, nove mbro de 1996

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withdrawal

i t catche s mel ik e a v ir us ,i t h i t s mel ik e a t rop ical in fec t ion .red dreams o f a ye l low feve rare dr ive nr ight into my ce l l s .in my souli t p lunge sl ik e a s ingle -dose dr ugin the ve inso f a junky.

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O A n j o a o C o n t r á r i o

e-poem

re fe re nte à sua msg rece nte ,vc seque r se nte , sua boba ,q nas cur vas de sua @eu e scondi minha se r pe nte .

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bouquet

no sábado de chuva f inasó o dedo da ig re jaf ura o bolo da nebl ina .e porquê é se te mbro,a f e i ra se i lumina .e porquê e la se i lumina , chovee porquê chove ,eu apre s so meus passos ,louco pra te ve r v irando uma e squinacom um bouquet de g iras sol nos braços .

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O A n j o a o C o n t r á r i o

escrito no vento

te amo como posso,não como devoe os poe mas que te e screvor i sco com o dedo no ve nto.não te pe nso quando que roe s im quando te ntoe squece r na gavetapoe mas de ve nto.

tão mais longe de mimtanto mais me agar ro,me ancoro,me amar ro,me alge mo a teu braço.e m t uas mãos me de smanchoe m t uas mãos eu re nasçose chove s t ua chuvae m meu pe i to de bar ro.

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O A n j o a o C o n t r á r i o

offer

i o f f e r to youthe sal t o f the se tears ,the b i t te r taste o f my fearsand the s i l e nce ,my most beaut i f ul song.and maybe one day, amongthe p lanet s ove r your headyou w i l l s ee a fa l l ing s tar,in the sky,draw ing an angle .i t may be the wax o f my candlethat t ur ned into f lameand f lame into l ight .so br ight to mak e us bel i evethat l ight s don’t d i sappear.God ble s s the pain o f th i s s i l e nceand the wate r o f the se tears .

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O A n j o a o C o n t r á r i o

antídoto

pra t ua boca de se r pe nteo meu de nte ant io f íd i co.nada de mais fat íd i copra cobra da t ua la iaque um ve ne noque fa ia .

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borboletas( p ro o s h o)

eu v i você , e l e fante l eve ,com pé s de raquete dançando na neve .

eu v i você logo após o me rg ulhovoando com asas de papel de e mbr ulho.

eu pe nso e m você e ar r i sco um poe ma,mas da ponta da minha canetat udo o que sa ié borbole ta .

escanear a borboleta

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revanche

crave i e m t ua car ne um cacodo v idro mais vagabundoe quanto mais mete s o dedomais o e mpur ras pro f undo.

às ve ze s o se nte s no joe lho,be m ao lado do me ni sco;às ve ze s só se nte s um r i sco,como um re lho, e ntre as coste las ; outras ve ze s ne m o se nte s ,sobre t udo e m dias que nte se noi te s de lua amarela .por ve ze s o crê s extraídoe al eg re te at i ras na cama,mas ao se se nt ir e squec idoe m teu cor po di s t raídoe nraivec ido o caco in f lama.

e e ntão o se nte s ace so,e m brasa , no músculo te soonde a in fecção se apro f undae depoi s ge ne ral iza .só e ntão e l e ate r r i sae m t ua vag ina r ubicunda ,no ve ntre , nas coxas , na bundae onde mais te de r ve rgonha .

e ne s sa revanche medonhasó uma co i sa o caco sonha:é vol tar a se r inte irojuntando-se aos outros cacospara e ntre teus olhos opacosdar seu golpe de r rade iro.

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O A n j o a o C o n t r á r i o

minha

minha moura , minha mirage m ,minha improvável parage m ,oás i s onde f indae pr inc ip iade minhas caravanas toda v iage m.l inho de e s t ranha l inhage m ,meio de se r to, me io savana ,meio a f rodi te e me io a f r i cana ,metade donzela , metade c igana ,e m par te de ate nas ,e m par te e spar tana .doce t i rana ,se sou o teu bárbaro, é s minha romana.eu , o e scravo. t u , sobe rana .sábia me orde naà boca peque nae num ge sto te r noo que e ra in fe r nose faz n ir vana .

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O A n j o a o C o n t r á r i o

o alfaiate

sobre a made ira da me sahá re talhos de seda chine sade core s que nunca houve mas que dev ia te r hav ido.r i scados a g iz no tec ido,os de se nhos do al fa iatesonham um dia te r s idobonequinhos de combate .

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sem peso e sem idade( p ra n ema)

par t iu ao meio -dia ,meio t ia ,meio mãe ,meio vó, muito obr igadopor te re s e s tado ao meu lado.e se hoje e s tás mais ac ima,inundada e m clar idade ,é que luz não se dominapela l e i da g rav idade .já se m pe so e s e m idade ,e ntre f lautas , har pas e banjos ,l ibe r ta da lampar ina ,t ua chama agora i luminao azul dos olhos dos anjos .

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os milagres de bordeaux

t i rar o pe so da pedrae t rans for má- la e m re nda ,t i rar o fato da hi s tór iae t rans for má- la e m l e nda ,t i rar o bar ulho do tombo,extrair r ubi sdo sang ue do pombo,botar ovos de colomboou de gal inha ,ape r tar as te tas da v inhaaté que se del e i teo mostona gar ra fa oca ,t i rar da me sa o e n fe i tee t rans for má- la e m gostode ca fé com bolona boca .

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O A n j o a o C o n t r á r i o

incômodo

no dia de ze s se te ,madame ive te sampaioquase faz um de smaiove ndo o sang ue no car pete .. . . co i sa do gato racl e t te ,cast rado ainda na se manapor te r ur inado,inte nc ionalme nte ,na porce lana .

“de sg raça nunca ve m soz inha” ,cumpriu- se o d i tado:a tarde , p i fa o ar condic ionadoda coz inha .

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O A n j o a o C o n t r á r i o

a noi te ,depoi s do ca fé com b i sco i toe pamonha,ve m o jor nal das o i to ,que não e r ra:“no pará ,pol i c ia mata de zoi tocaboclos se m -te r rae se m ve rgonha” .

dona ive te e m seu decote ,com uma mão no racl e t tee a outra num potede p lace nta de bale ia ,g r i ta: “t roca de canal joão pedro,que e s se humor neg rome ape r re ia” .

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O A n j o a o C o n t r á r i o

praga

na moráv ia , na moradamaeda so f r ia e cantavapraga pela cal çada .t raga a e la o teu ce ntavo,me nino je sus de praga ,t r inta cr ivos , um e s lavoque fo i kr idel ,que fo i c ravo

me nino je sus de praga ,por favor també m lhe t ragaquatro pregos com ponta de cr i s tale cabeça de g ranada ,de z voze s , c inqüe nta bocase quinhe ntas tor re s bar rocas .

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estações

no inve r no choro,pr imave ra adoro,no ve rão decoroa cara do sol ,o mor no do sol ,o for no do sol ,o contor no do sol ,o arco do céue m tor no do sol .ve ja , ve ja ,como e l e be i jaa pel e da ge ntebranca de tantaf ina nebl ina .olha me nina ,cê não imag inaque pe ni tê nc ia ,que pe rdição,varar t rê s inve r nosse m ve r um ve rão.a í o sol chegaque nt inho na nuca ,que nt inho na cuca ,que nt inho na cara

car inho que varaa pel e da ge ntee toca na almaque se e scancara ,que se de r ramae que i luminacom força de us inao f im do inve r no.olha me nina ,que h ipe rbacana ,que se nsac ional ,que brasa , mora?geada agorasó no natal .

O A n j o a o C o n t r á r i o

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março

fo i tão e scassoo mê s de marçoque abr i l s e abr iucomo um abraço.‘muito sonho e pouco faço,mas de s se outono eu não sa io’di s se logo o mê s de maio,poi s be m sabe que e m junhoo org ulho é não se r ju lhoce sar re i posto e depostopara o gosto de aug ustotambé m te r seu própr io agosto.se não l e mbro de se te mbroe vai que de scubro out ubrosó e m nove mbro,de ze mbro não sa i inte iro.jove m ge nte de jane iropeg ue m febre e m feve re iro,poi s o te mpo é tão e scassoque , olha lá ,já se abr iu março.

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concretismo

un poè me di t concre t .um poe ma de concre tocai pe sado, o obje tog r uda ao chão,só voa ao ve ntoa l eve poe ira do c ime nto.

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