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Para adultos que permanecem meninos ESSAS CRIANÇAS Osvaldo Reis MARINGÁ - PR - 2011 EDITORA HUMANITAS VIVENS O conhecimento a serviço da vida

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Para adultos que permanecem meninosESSAS CRIANÇAS

Osvaldo Reis

MARINGÁ - PR - 2011

EDITORA HUMANITAS VIVENSO conhecimento a serviço da vida

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Para adultos que permanecem meninos

ESSAS CRIANÇAS

Osvaldo Reis

MARINGÁ - PR - 2011

EDITORA HUMANITAS VIVENSO conhecimento a serviço da vida

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Art. 4º. - Fica decretado que o

homem

não precisará nunca mais

duvidar do homem.

Que o homem confiará no

homem

como a palmeira confia

no vento,

como o vento confia no

ar,

como o ar confia no

Essas crianças... Osvaldo Reis

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Essas crianças... Osvaldo Reis

Copyright ©2008 by Osvaldo Reis Texto, edição e capa: Osvaldo Reis Fotos das crianças: fornecidas pelos familiares, com autorização formal para publicação. Foto do autor: Edson Burzega Guitti

A violação de Direitos Autorais é crime (Art. 184 do Código Penal Brasileiro)

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Sistema de Bibliotecas Públicas Municipais de Maringá – PR, Brasil)

Antônio Facci

Só será permitida a reprodução de parte da obra, com a autorização expressa do autor e o comprometimento de citação da fonte. Contatos com o autor Rua Tabaetê, 131 – Jd. Novo Horizonte – CEP 87005-140 – Maringá -Pr Telefones: (44) 3227-6594/ 9962-5994

Reis, Osvaldo R3753e Essas crianças: para adultos que permanecem meninos / Osvaldo

Reis - Maringá : Edição do Autor, 2008. 209 p.

ISBN 978-85-907906-0-0

1. Crianças - Linguagem. 2. Crianças – Humor. 3. Folclore. I. Título.

CDD 21. ed. B869.7

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Essas crianças... Osvaldo Reis

PROTAGONISTA (S) / FAMÍLIAS PÁG.

Apresentação................................................................................................................................... 11Prefácio........................................................................................................................................... 13Ode à Criança.................................................................................................................................. 17Gabriela e Gustavo / Norma e Cláudio Saldan............................................................................... 19Flávia, Cláudia e primos / Maysa Facci e Eliel Diniz.................................................................... 26Marília e Pedro / Regina Daefiol e Dirceu Herrero Gomes............................................................ 31Sofia, Manoel / Janete e Paulo Pupim............................................................................................Isabela e Melina / Leila Figueiredo e Paulo Lee............................................................................ 36Maysa, Lara e Serginho / Tânia e Sergio Alvares da Silva............................................................. 40Marcelo, Raphael e Henrique / Noth Camarão / Domingos Trevizan Filho.................................. 44Ana e Alexandre / Maria Rosa e Alberto Rocha............................................................................. 46Eduarda / Heloísa e Renato Pereira Lopes...................................................................................... 48Guilherme / Ana Cláudia e José Mário Cassiolato......................................................................... 50Naira / Cris e Edson Burzega Guitti............................................................................................... 54Juninho / Isabel e Umberto Crispim............................................................................................... 56José Francisco e Maria Alice / Mirlei e Atílio Sanches.................................................................. 58Sandro, Guilherme e Gustavo / Beth, Sandro; Geny e Jaime Bedin.............................................. 59Gisele / Vitória e Durvalino Bedin................................................................................................. 62Josiane / Ofélia e Antônio Fávero.................................................................................................. 63Josiane, Vinícius, Jônia / Clarice e Tadeu França...........................................................................Vinicinho / Alline e Vinicíus França............................................................................................... 65Amadeu Júnior / Elza e Amadeu da Silva Félix............................................................................. 68Thaís e Rodrigo / Lia e José Renato Pereira................................................................................... 71Cristiano / Iara Bolsoni e Fernando Souza..................................................................................... 73Sérgio Augusto / Célia A. Rosa e Domingos F. Souza................................................................... 74Lucas / Marcela Alarcon e Lúcio Borges....................................................................................... 75Didi /Anna e Job Ribeiro Borges.................................................................................................... 76Luana / Liliana e Henrique Magalhães........................................................................................... 77Fatinha e Kildare / Doralice e José Zito Magalhães....................................................................... 78Murilinho / Luzia e Murilo Filho................................................................................................... 79Balissa / Nilcéia e Orlei dos Santos................................................................................................ 81Rebeca / Maria Helena e Teodoro Alencar..................................................................................... 82Ana Paula e Carolina / Ione e Paulo Fernandes Reis...................................................................... 86Lorena, Fabrícia e Beto / Rosana e Luiz Jorge............................................................................... 91Cláudinha / Ieda e Paulo Bacchi..................................................................................................... 92Juliana / Cláudia e Milton José Ferri............................................................................................... 93Victor Hugo / Márcia e Klybson Oliveira....................................................................................... 94Silvia, César e Débora / Isabel e Mauro Fernandes Reis................................................................ 95Victor Enzo / Juliana e Rodrigo Germani....................................................................................... 97Bruno / Vera e Valdir Semensato.................................................................................................... 99Débora e Moisés / Josefa e José Barros de Souza.......................................................................... 100Cinthia, Claciele e Gláucia / Claudete e Antônio Schiavon........................................................... 101Pedro / Dalva Caetano.................................................................................................................... 102Vinícius e Carla / Luzia e Edson Lima........................................................................................... 103Mario Prata e António Araujo Costa / os mesmos.......................................................................... 104Priscila e Maurício / Arlene Lima e Ayrton Justus......................................................................... 105Reginaldo / Justino Farias............................................................................................................... 107Elton e César / Nina e Luiz Bassoli................................................................................................ 108Roberto, Ricardo, Rafael e Renato / Astrid e Amélio Ruy.............................................................. 110Paola, Étore e Isabela / Majô Baptistoni e Altamir Cardoso............................................................. 112Ana Carla e Isabela / Olga Agulhon............................................................................................... 113Camila / Maria de Lourdes e Paulo Sérgio..................................................................................... 114Ayres Augusto / Mara Rolim e Aires Gonçalves............................................................................ 115Renan / Mara Rolim e Aires Gonçalves......................................................................................... 116Larissa / Janete e Antônio Rolim Borges....................................................................................... 117Thiago / Lucilene Alexandra e Leiva Gonzaga............................................................................................ 118João Victor e Grazielle / Laide e Altair Andrade............................................................................ 119

SUMÁRIO

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Essas crianças... Osvaldo Reis

Elton, Wanessa e Márcia / Dalva e Manoel Paruche.......................................................................... 120Augusto / Ediclei e Valter A. Oliveira................................................................................................ 121Sofia / Maria Luiza e Célio Costa...................................................................................................... 122Raquel / Neusa e Massaiko Tanahara................................................................................................. 123Yumi / Juliana e Henrique Sérgio de Oliveira................................................................................................. 124Bárbara / Marta Medeiros e Agnaldo Darcis...................................................................................... 126Robertinho / Eolinda Moraes e Roberto Silva.................................................................................... 127Roberto Silva / Messias e Antônio J. Silva......................................................................................... 128Bárbara e Maria Eugênia / Mônica Ganen e Beto Fráguas................................................................ 129Júlia / Maria Montserrat e Luiz Antônio Furlan................................................................................................130Eduardo / Maria Emília e José Manoel.............................................................................................. 132André Eduardo / Lúcia Rosa e Darci Romoaldo da Silva............................................................................. 133Yandre, Daryne, Andrey e Luciano / Lucia e Sebastião Gomes da Costa......................................... 134Fernando e Paulo César / Dulce e Mauro Bianchi............................................................................. 137Lara, Lúcia e Beatris / Laura e Reynaldo Costa................................................................................ 138Marcelo e Alexandre / Maria Luzia e Humberto Raposo.................................................................. 139Athaybel / Leomara Cristina Tezin.................................................................................................... 140Guilherme e Gustavo / Beatriz e Francisco Carlos Barbosa..........................................................................141Bruna e Bia / Rose e Pedro Mariano Pereira...................................................................................... 143Max e Rafael / Beth e Eduardo Hase.................................................................................................. 147Gianna / Fátima e Carlos Furlan......................................................................................................... 148Davi / Maria Paula e Daniel Bemon................................................................................................... 149Luciano e Luciene / Angelita e Adailton Almeida.............................................................................. 150Samira, Samantha e Sabrina / Ivanilde e Milton Rui.................................................................................... 151Aline / Eliane e Anízio Costa Carvalho...............................................................................................152Gabriel / Andréa Barud e Cláudio Maciel...........................................................................................153Norma e Douglas / Maria Helena e Osmar Galdini............................................................................ 154João / Sara e Reinaldo Maia............................................................................................................... 158Fernando, Leandro e Rafael / Marinalda e Aparecido Baptista.......................................................... 159Paulo Popovick / o mesmo..................................................................................................................161Jayanna e Nadyanna / Joanaina e José Luiz Silva...............................................................................162Jarmiram / Marly e José Edwirges Cardoso........................................................................................163Hélinton / Jassanan e Tom Gomes.......................................................................................................164Eduardo, Ricardo e Mayra / Rose e Ricardo Plépis Filho...................................................................165Diego / Dina e José Donizete da Silva................................................................................................167Nando, César, Fabiola e Jayminho / Marilene e Jayme Rodrigues Carvalho............................................169Júlia / Edna e Marcos Roberto Meneghin...........................................................................................171Edgar, Erick e Pâmela / Ângela e Edgar Tibúrcio...............................................................................173Felipe e Ana Luísa / Cláudia e Denerval Batista.................................................................................175Michel e irmãos / Mônica e Euclides Cotrim..................................................................................... 177Felipe e primos / Yara e César Santos.................................................................................................178Fabrício / Florisbela e Francisco Durante........................................................................................... 179Léo / Elizabete e Paulo Bezerra...........................................................................................................181Isadora / Eliana Patrícia e Rubens Silva..............................................................................................183Poliana e Carlos / Odézia e Fortunato Bergamo................................................................................. 185Elora / Cristina e Marcos Corrêa.........................................................................................................187Juliane / Aparecida e Edmar Isolani....................................................................................................189Rogério, Carolina e Rosana / Cleufe, Nair e Francisco Dantas.......................................................... 190Gabriela, Geórgia e Camila / Néia e Roberto Galante........................................................................ 191Guilherme e Isadora / Margareth e Aires Pelegrin Melon.................................................................. 193José Atílio / Nilce e José Sanches Filho............................................................................................. 195Luíza / Clarisse e Lélis Vieira dos Santos...........................................................................................196Landinho e Fernando / Leonor e Orlando Manin............................................................................... 197Paula / Ivone e Paulo Monteiro..........................................................................................................198Beto / Rosana e Luiz Jorge................................................................................................................. 199Lorena / Rosana e Luiz Jorge............................................................................................................. 200

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PROTAGONISTA (S) / FAMÍLIAS PÁG.

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Essas crianças... Osvaldo Reis

Apresentação

Osvaldo Reis mais uma vez surpreende o público leitor com uma obra fascinante; desta vez reúne mais de duas centenas de fatos inusitados vividos por crianças na plenitude da pureza, da inocência, ingenuidade e sinceridade. Dotado de rara sensibilidade e de um profundo amor pelas crianças, Osvaldo Reis, por mais de dez anos, foi coletando junto a casais amigos os fatos engraçados apresentados por seus filhos.

A coletânea traz as fotos e os dados dos personagens que vivem essa fase esplêndida de suas vidas.

Segundo o autor, o objetivo do livro é mostrar a sinceridade da criança, o que em muitos casos faz o adulto pensar e refletir sobre as simples observações que demonstram verdades. “Busco preservar esse tempo de inocência das crianças que, com o passar dos anos, vão perdendo essa ingenuidade, essa espontaneidade de expresssar o que pensam. Tenho certeza, quando estiverem na fase adulta, ESSAS CRIANÇAS terão bons motivos para rirem dos casos engraçados que viveram junto aos familiares e amigos”, enfatizou Osvaldo.

O livro não é direcionado apenas aos pais das crianças apresentadas em suas páginas, é colocado à disposição dos pais e familiares, que por intermédio da leitura se lembrarão de fatos similares vividos pelos filhos como doces lembranças e muita risada.

Com ESSAS CRIANÇAS, uma pequena e modesta lição sobre a difícil arte de manter sempre viva a criança que habita dentro de nós.

Boa leitura!

Antonio Padilha AlonsoEscritor / Historiador

Os folguedos das crianças não são folguedos; pelo contrário, é preciso julgá-los como suas ações mais sérias.

Montaigne

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Essas crianças... Osvaldo Reis

Prefácio

Plural. Singular. Antíteses que dão a verdadeira dimensão da versatilidade do escritor Osvaldo Reis. Plural, porque apresenta múltiplas faces de criatividade. Anteriormente nos brindou com um livro - “A história em conta-gotas” - em que se revela estudioso pesquisador e profundo conhecedor da história de Maringá. Escreve com nuances de rara beleza poemas e trovas; conta e escreve “causos”, textos religionalistas em que assume seu verdadeiro “ eu”; o homem sertanejo, singular, porque a cada nova obra uma nova face do escritor surge, com um toque de seu individual talento.

Uma das provas disso é esta fascinante obra: “Essas Crianças", em que deixa vir à tona o menino travesso e a alma de criança que há em cada um de nós.

Ele transforma os textos dando-lhes riqueza de detalhes, colocando senso de humor, leveza, sutilezas e ironias que permeiam palavras e entrelinhas, abordando com maestria o mundo e o vocabulário; aliás, o “zecabulário” infantil.

Fica bem patente neste livro, que, apesar das dificuldades da vida, Osvaldo Reis não se deixa massificar pelo cotidiano, muitas vezes adverso; ao contrário, aflora mais do que nunca esse seu lado criança.

Foi preciso mergulhar no universo infantil, achar-se um igual, para dele retirar preciosidades que, ao longo do tempo, deixaram marcas. Aos familiares cabe grande parcela por essa riqueza, porque eles retiveram na memória e podem agora ver imortalizados fatos, palavras e histórias que vivenciaram.

O livro “Essas Crianças” revela, muito, quem e como é o homem Osvaldo Reis: sensível, engraçado, brinca com o inusitado, ri, faz piadas até de si mesmo, encara a vida com um humor invejável, como se o tempo estivesse aprisionado na criança que povoa seu universo.

Florisbela Margonar DuranteProfessora e poeta

Membro da Academia de Letras de Maringá

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Essas crianças... Osvaldo Reis

A todos os “inhos” e “inhas” que alegram e

enfeitam a vida da gente...

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Essas crianças... Osvaldo Reis

Ode à Criança

O balbuciar da primeira palavra de paz e sinceridade,

(foi mamãe ou foi papai?) de sonhos e de esperanças,

O primeiro gracejo, um mundo só de crianças...

De quem foi seu primeiro beijo? Estes são os meus planos:

E o primeiro palavrão? Que congelar por uns bons anos,

papelão...! sem direito de crescer,

Ah... Crianças, quantas não chorar, não sofrer;

lembranças... não ter fome, nem doenças

A infância sem maldade, quanta e nem vacinas com dor,

saudade, quero tudo congelado;

O Ataulfo já dizia, com muita eu quero um mundo de amor,

propriedade, de boquinhas sem dentes,

sem nenhuma fantasia, que quando sorrindo alegremente,

era criança, ensinando-nos a viver,

foi feliz e não sabia... puxando-nos pelas mãos,

Tem coisas que o tempo não apaga mostrando-nos o caminho,

coisas de que não se esquece... com seu amor e carinho,

Então fico meditando, e com aquele jeitinho...

tristonho me perguntando: Agora pense comigo,

Por que é que criança cresce? minha amiga, meu amigo,

Se um dia eu tiver mandato, que tal se fosse assim:

senador ou deputado, num prazo bem dilatado,

apresento no Congresso, todo o amor congelado,

e sei que vou ter sucesso, pra nós, pra você, pra mim?

um projeto diferente,

que vai alegrar muito a gente:

imagine, de repente, Osvaldo Reis

um mundo sorridente,

sem maldade, nem malícia,

nem polícia,

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Essas crianças... Osvaldo Reis

A TV VIRTUAL

Uma dúvida atroz está me atormentando... Tenho certeza que uma dessas “figuras” - Gustavo, Rebeca, Guilherme, Marcelo, Yumi, Manoel, Sofia, Cláudia, Pedro, Marília, Carolina, Maysa, Naira, Juninho, Lucas, Josiane, Bia - foi quem ensinou o rato a subir em lata de banha. Bem... Comecemos pelo Gustavo.

Gustavo, o irmão predileto da Gabriela (depois do temporão Pedro), tem sempre perguntas e respostas na ponta da língua; parece adulto, mas só tem quatro anos.

Dia desses, ele se aproximou de sua avó Helena e mostrou a ela um desenho - um quadro com alguns pontos em círculos nos cantos e o meio vazio. A avó examinou o dito cujo e, sem nada dizer, devolveu-o ao neto. Gustavo não aceitou a aparente indiferença e indagou:

– Ô, VÓ, VOCÊ NÃO SABE O QUE É ISTO?

– Eu não...

– VOCÊ NÃO TÁ VENDO QUE É UMA TELEVISÃO?

– Claro que não é uma televisão. Cadê a imagem?

A resposta veio na bucha, silenciando a sabidona da vovó:

– Ê, VÓ, VOCÊ NÃO TÁ VENDO QUE TÁ DESLIGADA?!...

CRUELDADE...

O Gustavo, dias passados, conversava com a mãe e a irmã a respeito de carne, mais precisamente de salsicha, que ele queria saber como era feita. Explica pra lá, explica pra cá, o sujeitinho acabou entendendo. Mas apesar de ser “atirado na nuca” o jovenzinho mostrou ao final da conversa que seu coração é bom...

Ocorre que ele soube uma coisa incrível, uma descoberta que o deixou muito chateado, triste mesmo, é que pra fazer a salsicha que ele tanto gosta, que ele acha uma delícia... O boi...

A avó que acabou por receber a grande reclamação do neto, que muito triste, chateado, preocupado, constatou:

– Ô VÓ, ELES ESTÃO MATANDO BOI VIVO...

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Essas crianças... Osvaldo Reis

MOTEL MIRIM...

O Gustavo era bem miudinho, estava por volta de três a quatro anos de idade e adorava brincar com uma garotinha da mesma faixa etária, da qual, certamente, ele deve ter saudades mil. Brincavam de tudo, de médico, professor, professora, aluno e tudo o mais que suas férteis imaginações criavam. Na casa onde morava Gustavo, havia uma bela árvore, – uma goiabeira –, e os dois imaginaram construir em seu topo uma casa. Pelo tamanho dos dois, claro que não ia dar certo. Ainda bem que os dois, por um detalhe levantado por Gustavo, desistiram do empreendimento.

Certa tarde a amiguinha de Gu convidou o carinha pra brincar de hotel, com o que ele não concordou. E sua explicação é repleta de lógica e a amiguinha é que acabou também discordando e a goiabeira, ainda bem, acabou se livrando dos Tarzans...

– EU BRINCO DE HOTEL, VOCÊ BRINCA DE MOTEL... EU SOU HOMEM; HOMEM É HOTEL. MOLHER É MOTEL; E VOCÊ É MOLHER.

E fim de papo!!!

UM PROBLEMA INTERNACIONAL...

De tanto ouvir falar que tal coisa é do Paraguai, esse “treco” veio do Paraguai, esse rádio com liquidificador veio do Paraguai, essa escova de cabelos que também tira retrato veio do Paraguai e mais um monte de outras tantas baboseiras que os adultos “babam”, imagine uma criança... Gustavo sente-se atraído pelo tal Paraguai. Pergunta se é longe, se não tem jeito dele ir lá e coisa e tal. A mãe promete, o pai idem, a avó avaliza... O garotão fica então pentelhando querendo saber a data da viagem, quando seria realizado seu grande sonho...

Algum tempo depois, juntando tudo o que tinham direito, incluindo a sogra, se mandam para o vizinho país. Gustavo está ansiosíssimo, elétrico, a todo instante perguntando. A partir de Floresta, uns 20 quilômetros viajados, tava lá o sujeitinho:

– JÁ TÁ PERTO?O pai responde que não... Logo à frente, ali por perto de Campo Mourão, Gu

ataca novamente:– JÁ TÁ CHEGANDO?Ainda não, Gustavo - e quando pai ou mãe fala o nome inteiro é que a paciência

está se despedindo). A viagem prossegue e a ansiedade do garotão aumenta... Mas o cansaço da viagem e da aventura o faz dormir. Chegam em Foz do Iguaçu

o pai acorda o filhote, avisando-lhe que estava quase chegando, que "tava" pertinho... Gu acorda, arregala os olhos, espreme o nariz no vidro, nem pisca. Com o coração a mil, atravessam a ponte. O pai anuncia:

– Chegamos. Aqui é o Paraguai...Gustavo, antes demasiadamente ansioso, não se sabe por que, parece ter perdido

o interesse. Disse uma única palavrinha de duas sílabas: – CREDO!!! virou e dormiu novamente.

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Essas crianças... Osvaldo Reis

SE MANDA, GABRIELA...

Gustavo está hoje com seus seis, sete anos, mas continua a fera de sempre. A

irmãzinha Gabriela tem entre quatorze, quinze anos, e também continua sendo uma de

suas vítimas preferidas e como (nem sempre) maior bate no menor, Gabriela vai

levando a vida. A avó materna mora pertinho da casa dos pais de Gustavo. Gu e Gabi

vivem ao lado da casa dos avós paternos, Delvi e Henrique, e os jovenzinhos vivem a

pentelhar ambos.

Dia desses, vão visitar a avó Helena... Os dois caminham pela calçada

tranqüilamente quando surge na frente deles um cidadão puxando um baita cachorro,

“marca” Rotivailer, por uma corrente, grossinha, é verdade... E todo dono de cachorro

acha seu bichinho mansinho que só, mas esqueceram de convencer a Gabriela, que fica

apavorada. Gustavo nem aí... O condutor do animal percebe a tremedeira de Gabriela e,

galanteador, tenta acalmar a mocinha avisando-lhe:

– Não se preocupe, ele não morde moça bonita...

Não dá outra, Gustavo entra em cena alfinetando:

– ENTÃO, CORRE GABRIELA!!!

PRESENTE BOBO...

Dar presente é uma coisa deliciosa, talvez mais até que ganhar, mas de vez em

quando a coisa degringola e pode não agradar a quem recebe. Toda mãe acha que criança é

bobona, e só porque ganhou um presente tem de mudar a personalidade e se “abrir” mais

que sanfona de italiano, “e isto” somente para agradar quem lhe deu um mimo(...).

Gabriela não pensava assim...

Um dia, recebe um presente qualquer e não gostou do “trem”; fez aquela carinha

de desaprovação própria de criança. A mãe endoidou e deu uma bronca terrível na

ingrata da filha:

– ÊÊÊ, Gabi, você ganha um presente e fica com essa cara de bunda...??!!

Gustavo que está por perto corre em direção da irmã, fixa seu rosto e corrige a

mãe:

– NÃO É BUNDA, NÃO... NÃO TEM AQUELE PARTIDINHO NO MEIO...

COLOCA OUTRA VEIZ...

O pai de Gustavo, aquele, é São-paulino doente e faz questão de espalhar pra

todo mundo. Um dia, tá lá o cara com uma camisa, mais velha que o rascunho da Bíblia,

de seu time do coração. A camisa do São Paulo Futebol Clube é branca, preta e

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Essas crianças... Osvaldo Reis

vermelha. Tricolor, portanto...

Gustavo, pra variar um pouco, está fazendo perguntas para o pai. O sujeitinho

aponta o dedo para um lugar da surrada camisa e quer saber:

– PAI, PORQUE AQUI NÃO É PRETO?

Didático, o pai explica:

– É porque desbotou...

Ato contínuo Gustavo volta a atacar:

– ENTÃO BOTA DE NOVO...

O UGO E A UGA

Um criminalista ambiental deu a Gustavo um casal de tartarugas, cuja guarda

cabia à irmã mais velha Gabriela, que, um pouco distraída, deixou escapar o tartarugo.

Os bichinhos, no início, fizeram a alegria do garotão, tanto é que ele, orgulhoso,

mostrava-os a todo mundo.

Era um tal de põe na bacia, tira da bacia que a região escrotal de um deles estava

prestes a explodir. Numa dessas amostragens, talvez pela forma de tratamento

empregada pelo “dono”, o enfezado “tartarugo” tacou o “dente” no dedo de Gustavo e,

por bom tempo, lá ficou pendurado... Gustavo deve ter ofendido a masculinidade, ou sei

lá o quê de um de seus bichinhos de estimação, quando explicou:

– ESSA AQUI É A UGA, ELA É FÊMEA. ESSE É O UGO, ELE É

MAIÚSCULO....

O MACACO TÁ CERTO...

Criança faz as mais diversas associações: coisas, nomes, masculino, feminino

etc. E, como afirmava um bordão de antigo programa de televisão, onde um símio dava

um monte de “bola fora” – em verdade, “dentro” – ele mesmo concluía: o macaco tá

certo...

...

É o seguinte. Gustavo era um tanto quanto precoce e, em razão de o pai ser

professor, embora de matemática, o sujeitinho aprendeu a ler bem pequeno, só não

aprendeu a fazer contas, o que seria mais lógico. E criança aprendendo a ler é um

“barato”... Fala mexendo os lábios, soletra, tudo ao mesmo tempo: pa = pá, nó = nó, aí

despacha os acentos e conclui: pano... Gustavo deve ter imaginado o óbvio, se da

chaleira vem o chá; da leiteira, o leite; do orfanato, o órfão...

Um dia, Gustavo, em companhia do pai, está passeando nas proximidades da

Universidade Estadual de Maringá, onde “tá assim” de repúblicas. O garoto vai lendo o

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Essas crianças... Osvaldo Reis

que aparece pela frente. O paciencioso paizão, dá a maior força... Numa casa, onde

funcionava uma das tantas repúblicas, tá lá uma baita placona: PENSIONATO PARA

RAPAZES. Gustavo demora um pouquinho, mas acaba lendo. Aí faz ao pai uma

filosófica pergunta:

– PAI, É AQUI QUE OS RAPAZES VEM PENSAR?!...

VERBO “BINOCULAR”

Gustavo encheu o saco da mãe para que ela lhe desse um “trem” que ele dizia ser

um “espiadô”...

A sabidona da mãe (e também pão-duro) foi numa loja de um-e-noventa-e-nove

(deu um “trabalhão” pra achar...) e lá, após perguntar o preço (?), comprou um belo

binóculo “made in proximidades de Ciudad de Leste” achando que teria matado a

charada...

Era o tal objeto muito bem falsificado, com alça, botões de aproximar, enfim,

dava para se enxergar uma pulga com até trezentos metros de distância, já que o dito

cujo, com seus recursos, fazia os alvos se aproximarem, dando, de vez em quando, um

susto nos “miradores” ...

A mãe, toda orgulhosa, com aquela cara de vitória estampada no semblante,

entregou o “bicho” ao filhote, que, curiosamente, continuou chiando e esclarecendo (?)

de vez a genitora:

– MÃE ISSU NUM É ESPIADÔ... ISSU É BINÓCULO... EU NÃO VÔ

BINOCULAR, EU VÔ ESPIAR...

CRESCENDO...

Quase toda criança adora crescer. As garotas brincam com suas bonecas e as

tratam de filhas, são mães miudinhas, cuidando de sua “família”. Os garotos, sem o

instinto maternal, são práticos e “insensíveis” já que entendem, por exemplo, que

crescer é ter barba e pronto... Gustavo não era diferente dos outros meninos, era só ver o

pai entrar no banheiro pra “fazer” a barba que o sujeitinho ia atrás para fazer a sua

também... Cortava a penugem facial, perguntava ao pai se estava bom, se não “tava”

grande e outras tantas perguntas nesse sentido...

Um dia, no entanto (ou no banheiro...), exagerou na dose e sua pergunta, um

tanto quanto pornográfica e pornofônica, deixou o pai encabulado e rindo:

– PAI, QUANDO É QUE O MEU PILILICO VAI FICÁ BAIBUDO???

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Essas crianças... Osvaldo Reis

O “CÃOPAGAIO”...

Gustavo, que se o pai não fosse professor de Matemática, faria um livro só dele,

tinha um medo terrível do Urso, um enorme animal da raça canina, paradoxalmente sem

raça, isto é, o famoso SRD, ou sem raça definida, com seus quase trinta centímetros de

altura, por uns 15 de comprimento, lembrando um gato (e dos pequenos). Mas sempre

que Gustavo passava por perto da fera, reparava se o dito cujo estava bem amarrado e se

a corrente era forte. A dona de Urso, a avó Helena, onde, quase sempre, aos domingos, a

família se reúne, tinha no quintal uma baita “arvona” onde o Urso “tava” amarrado, por

causa do neto Gustavo... Atrás da árvore (se é que árvore tem frente), está a prima Ana

Paula, encoberta por seu tronco, o que impedia que Gustavo a enxergasse. E lá vem o

ressabiado garotão que teria de passar por perto do objeto de seu terrível medo...

Ana Paula puxa conversa com Gu:

– Oi, Gustavo...

Gustavo pára, desconfiado, examina bem a corrente que segurava Urso, pensa

um pouco, nota que não corre nenhum perigo, e não querendo, de jeito algum,

aproximação com o “inimigo”, encara-o e desafia:

– O QUE VOCÊ QUÉ, MEU? QUÉ ENCARÁ?...

A GRANA SANTIFICADA...

Gustavo, quando bem pequeno, não sei a quem puxou, era pão-duro que só

vendo. Foi matriculado na escolinha. Lá provavelmente o pessoal da cantina nunca

deve tê-lo visto de perto. Gustavo não se arriscava, pois se olhasse de perto a vitrine

poderia sofrer alguma recaída, assim não passava por perto dos salgadinhos, doces,

refrigerantes, sorvetes e outras tantas guloseimas. Os pais achavam estranho o fato de o

garotão não comer nenhum lanche na escolinha, já que chegava em casa devorando

tudo o que via pela frente, demonstrando um apetite de leão...

A mãe, que sempre dava um “troco” pro filhão, quer saber por que é que ele não

comprava o que comer na escolinha. Gustavo sabiamente esclarece:

– É QUE EU GOSTO DE CANONIZAR MEU DINHEIRO...

“GOLADONA”...

Outra de restaurante (só não sei se do mesmo...). O Gustavo “tá” aparentemente

(mas só aparentemente mesmo...) morto, nem aí com a prosa dos outros, mas ligado,

antenado, como quase toda criança...

Vem o pedido das bebidas. Cláudio, o pai, adora açúcar. Se nascesse meia hora

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Essas crianças... Osvaldo Reis

depois, na certa teria nascido formiga. Pede um suco de frutas, já devida e

generosamente adoçado pela natureza, mesmo assim, acrescenta umas

“trocentas”colheradas de açúcar e a coisa vira um melado.

Gustavo caladão. A mãe do jovenzinho, vaidosa, “tá” sempre fazendo dieta, de

regime e coisas do gênero. Gustavo deve ter se lembrado das ordens da mãe na hora da

comida e, principalmente, dos remédios, com aqueles tradicionais “come tudo”, “bebe

tudo” e, incentivando, “duma vez”... Cláudio, cavalheiresca e “sacaneosamente”, dá

uma chacoalhada no copo e oferece à esposa, que recusa terminantemente e explica:

– Você “tá” doido. Isso aí, superdoce, engorda demais. Deve ter umas mil

calorias cada gole... Aí é a vez de Gustavo aconselhar:

– ENTÃO BEBE NUM GOLE SÓ !!!

ABSTÊMIO...

Domingão bonito que só. Gustavo, aquele, acompanha a família para um

almoço num restaurante da cidade. Chegam, escolhem a mesa, lavam as mãos, ritual de

sempre. Os garçons, competentes profissionais, escancaram suas bocas dando as boas

vindas etc. e tal.

Aí, com todo mundo já à mesa, o garçom, simpático, começa a fazer as

tradicionais perguntas pela mãe, junto com um baita sorrisão:

– A senhora quer tormar o quê?

Norma pede um suco qualquer, a mesma pergunta para a irmãzinha Gabriela,

que pede um refrigerante, depois ao pai que por sua vez pede também um suco. Aí o

garçom se aproxima de Gustavo e, simpaticamente, puxando brincadeira, dá um

tapinha nas costas do garotão e manda ver:

– E para você, uma “pinga” ?

A resposta de Gustavo deixou o sujeito com cara de “dois de paus” :

– NÃO, OBRIGADO, PAREI DE BEBER.

GABRIELA SALDAN

GUSTAVO SALDAN

PEDRO SALDAN

PAIS

Norma / Cláudio Saldan

AVÓS MATERNOS

Maria Helena / Osmar Galdini

AVÓS PATERNOS

Delvi / Henrique Saldan

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SERVIÇO INCOMPLETO

A mãe do Márcio Júnior tinha o belo hábito de lavar o traseiro do filhote após o

tradicional cocô. Um dia, o tio Eliel leva o sobrinho até o clube. Assim que chegaram o

garotão disse que precisava ir até o banheiro. O tio mandou que fosse. Ele obedeceu,

mas voltou logo em seguida, sem deixar a “coisa” lá no devido lugar, explicando ao tio

que o banheiro não estava limpo... Eliel disse ao sobrinho que o seguisse, que ele

limparia o vaso pra ele... Mas não deu tempo... Aconteceu o imprevisto... Eliel ensinou-

lhe o que fazer para disfarçar: amarre a toalha na cintura e caminhe normalmente até o

banheiro... Márcio obedeceu (como sempre!), só que o “normalmente” não foi assim

tão normal: uma perna caminhava pelo sul e outra, pelo norte, lembrando uma

forquilha. Nada de excepcional para a situação. Lá chegando Márcio completou o

“trabalho” enquanto o tio lavou seu calção. Deixando o trono, Eliel limpou-lhe também

o traseiro...

O tempo passou, um ano, dois. Belo dia Márcio resolve encarar Eliel, e o tio

exigindo respeito, lembrou-lhe:

– Qual é a tua, rapaz, eu já limpei o seu traseiro...

Márcio não discutiu com o tio; apenas lembrou-o, com a maior naturalidade:

– LIMPOU, MAS NÃO LAVOU...

SEM LENÇO E SEM DOCUMENTO...

O Márcio, sabe-se lá por que, tinha um medo terrível daquele treco de lavar

carros, aquelas buchonas redondas que espirram água e a gente fica dentro do veículo,

sem saber direito se é o carro ou o “bicho” que tá andando. E não é só o Márcio que tem

medo daquilo, não. Tem mais gente. Acontece que o Júnior gostava de sair muito com o

tio, que gostava de manter o carro limpo e, para ser rápido, sem perder muito tempo,

lavava sempre por este método. O Júnior sempre chorava. Eliel resolveu colocar um

basta no berreiro que se avizinhava sempre que ia lavar o possante e, um dia, ameaçou o

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sobrinho:

– Se você chorar eu vou cortar o seu documento!

Júnior retruca:

– TIO, MAS, EU NÃO TENHO DOCUMENTO...

Eliel explica:

– Seu documento é o seu pipi...

O carro foi lavado, Júnior não chorou. Em casa delatou para a mãe, mas apenas

trocou alguma coisa:

– Ô MÃE, O TIO FALOU QUE SE EU CHORASSE ELE IA CORTAR MEU

CARTÃO DE CRÉDITO!!!

O CARRO “DESCOBERTO”...

Cláudia, a caçulinha da Maysa e do Eliel, foi passear no carro novo do pai. Olha

pra lá, olha pra cá, nota aquele buraco na capota do veiculo. Em razão da liberdade que a

coisa propicia, do vento que assopra os cabelos da baixinha, entre tantas outras

novidades, faz com a pequena Cláudia goste do “treco”. E ela gostou tanto que danou a

contar, a espalhar pra Deus e o mundo o que vira. Só não se sabe se suas “escutantes”

estavam entendendo o que a gatinha afirmava, toda orgulhosa e cheia de razão sobre o

teto solar do veículo:

– O CARRO DO MEU PAI É SEM TELHADO...

ELA BATEU NA MINHA FILHA...

Um belo dia a “violenta” Flavinha pega a irmãzinha Cláudia dando uma surra

em sua boneca... Uma surra braba, a pobrezinha da boneca tava jogada no chão, olhos

cheios de poeira, braços quase arrancados, pernas idem, pescoço soltando a cabeça,

uma tragédia... Não deu outra: Flavinha vingou-se da maninha aplicando-lhe também

uma surra, só não tão violenta, não aconteceu nenhuma quebra de dentes, braços ou

qualquer outro órgão... Mas surra é surra... É uma coisa humilhante, a “apanhada” chora

(e dá-lhe choro), de todos os modos e tipos, vai do “coennnnnn” ao “buááááá” em

segundos e corre contar pra mãe... Mãe é pra essas coisas (também!). Flávia vai, meio

ressabiada, atrás da irmã que a “entrega” para a genitora:

– MÃE, A FLÁVIA BATEU NI MIM...

Maysa quer saber por que, onde já se viu uma violência dessas?

Flávia, a “agressora” explica e justifica:

– ELA BATEU NA MINHA BONECA... E MINHA BONECA É COMO UMA

FILHA PRA MIM...

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QUE BICHO É ESSE?????

Eliel tinha por volta de três anos. Morava com a família em Iguatemi, casa de

madeira, na verdade num “pedaço” do grupo escolar onde o pai trabalhava, água de

poço, “casinha” lá nos fundos e, de vez em quando, tinha de imitar nosso maratonista

Vanderlei Cordeiro de Lima, se era coisa mais urgente, era longe, enfim... Surge em

Maringá o primeiro conjunto habitacional (não posso falar o ano para não entregar a

idade do Eliel) que ficava nas proximidades do (hoje) Country Club. Seu José se

inscreve e consegue uma casa.

Casa novinha em folha, ou melhor, de material, como eram chamadas na época

as casas de alvenaria... Eliel estranhou uma casa sem as tradicionais tábuas... O pai

começa a explicar ao filho a nova técnica de construção e também a mostrar os

compartimentos da nova casa, aqui é isso, aqui aquilo, e vem o banheiro. Banheiro com

vaso sanitário e tudo. Um luxo, Eliel ressabiado, desconfiado. O pai explica pra que

serve e mostra a “cordinha” - no caso uma correntinha com uma argola na ponta - que

deveria ser puxada. O garoto tenta, pula, esperneia, mas não consegue, não alcança... O

pai o coloca sobre o vaso, aí ficou fácil... Eliel enfia o dedo na argola e manda a corrente

pra baixo, a água descamba da caixa, enchendo o vaso, barulho terrível. Eliel salta do

vaso e sai em desabalada carreira e, se não fosse contido três quarteirões adiante, hoje,

alguns janeiros depois, certamente estaria ali por perto de Sena Madureira, no “vizinho”

Acre... Tadinho do Vanderlei, nessa manhã teria fatalmente perdido pro mocinho que

veio de Iguatemi...

SEIS POR MEIA DÚZIA...

Claudinha é do tipo contestadora. E o que é pior, vez por outra, não é que ela tem

razão? Seguinte: tanto o pai, quanto a mãe, corrige, sempre que percebem, as filhas

naqueles tradicionais “subi pra cima”, “desci pra baixo” etc. Tem gente que basta ouvir

batida na porta ou a campainha, que “manda entrar para dentro”, como se alguém

pudesse entrar para fora. É comum também se ouvir de profissionais da “latinha”,

quando em apresentação de algum evento, após o discurso, principalmente em

comícios, o locutor anunciar: acabamos de ouvir as palavras do (a)... Como se no

microfone, num discurso, pudesse ser ouvida qualquer outra coisa que não fosse

palavra...

Assim, o casal “tá” sempre corrigindo as gatinhas... Mas... Maysa precisava sair

e Cláudia não estava querendo ir, e não se concebia deixá-la sozinha... Maysa convence

a filha a ir junto. “Enfia” a criança no carro e se manda. Aí percebe a chegada da avó das

meninas. Dá marcha à ré e deixa a filhota em casa.

O pai chega e pergunta o porquê dela não ter ido e o que a mãe fez para deixá-la

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voltar. Cláudia explica:

– A GENTE IA SAINDO AÍ A MÃE VIU A VÓ E VOLTOU PARA TRÁS...

Atento, Eliel corrige a filha, dizendo que não se volta para trás. A explicação de

Cláudia é lógica e convincente:

– OLHA EU VOU PA TRÁS DE VOCÊ, VOU PA SUA FRENTE E DEPOIS EU

VOLTO PRA ONDE EU TAVA. VOLTEI OU NUM VOLTEI PA TRÁS????

EU COMO DE TODO JEITO...

Claudinha não gostava muito de comer. Tem criança que é assim mesmo. O pai

apela, promete mundos e fundos, ameaça, e nada. A mãe faz a mesma coisa e tudo do

mesmo jeito, nada da filhota se alimentar bem, só belisca... E todo dia à hora da refeição

a história se repete: come filha, come filha... Vendo que a menina não queria mesmo

saber de comida, o pai resolve puxar a faca: encara Claudinha, com cara fechada, de

poucos amigos, resolve mostrar quem manda e ordena:

– Come direito, filha!!!!

Aí, a fêmea do gado vacum encaminhou-se para o alagadiço... Claudinha encara

o pai, mexe com a boca, com os dois cantos, pra lá e pra cá, faz um “bico” e tasca:

– EU COMO DIREITO, ESQUERDO E PELO MEIO...

PATO PEQUENO MOÍDO...

A Camila é um “grude” com tio Eliel. Quando tem oportunidade ela acompanha

o tiozão onde quer que ele vá, jornal, farmácia, quitanda, hospital... Dia desses, a esposa

Maysa resolve botar pra fora seus dotes culinários, uma receita que usaria “boi

ralado”... Maysa “despacha” o marido para o açougue, a sobrinha se manda junto. Lá

chegando, Eliel vai direto ao balcão e pede ao atendente:

– Por favor, eu quero um quilo de carne de boi, moída, de primeira...

A sobrinha presta atenção no pedido achando-o muito estranho. Carne de boi

moída? Esquisito, pensou Camila, que, curiosa, pergunta a Eliel:

– TIO, VOCÊ COMPRA CARNE DE BOI MOÍDA?

Eliel diz que sim. Aí a garota explica:

– A MINHA MÃE SÓ COMPRA PATO... CARNE DE PATO MOÍDA...

O açougueiro ajudou a “traduzir”: a mãe de Camila só usava “patinho”, em vez

de alcatra, coxão mole, filé, ou qualquer outra carne...

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LEITE MUSICAL...

O casal Maysa/Eliel Diniz tem duas filhotas, a Cláudia, mais nova e a Flávia, a

maiorzinha, já começando a ler, apesar de ter apenas quatro anos incompletos. Eliel

sempre compra para a filha aqueles livrinhos infantis que traz aquele mundaréu de

perguntas... Aquele negócio de o que é? O que é? Que não acaba mais...

E quando ela não sabe, o pai, lógico, sabe, a mãe idem. Dia desses, a garota acha

num desses livrinhos uma perguntinha, uma charadinha, bem marota, não conseguindo

saber, vai ter com Eliel:

– PAI, QUANDO É QUE O LEITE VIRA MÚSICA?

E mostra o livro ao velho. Eliel procura a página que tem a resposta e, sabidão,

responde:

– Quando é sonata. Uma mistura de cacófato com trocadilho que para entender é

preciso acentuar a letra "o" e separar as duas sílabas iniciais.

A gatinha entendeu. Entendeu tanto, que dias depois Eliel vai tomar leite, coloca

a vasilha naquele televisor, também parecido com computador, mas que na verdade é

fogão e muita gente chama de microondas para esquentar. Após o aquecimento, Eliel

apanha a vasilha notando que a parte superior tinha virado nata, em razão da gordura. Aí

o “guloso” do paizão “agarra” com os dedos aquela coisa que lembra um espaguete

mostra e diz à filha:

– É nata e é uma delícia... E mandou para baixo.

Flávia lembrou da pergunta e, mais que depressa, encostou o ouvido no copo

para ouvir a música que deveria sair de dentro do dito cujo...

Fico com a pureza das respostas das crianças...

Gonzaguinha

CLAUDIA FACCI DINIZFLÁVIA FACCI DINIZ

PAISMaysa Facci / Eliel Diniz

AVÓS MATERNOSGuiomar / Antenor Facci

AVÓS PATERNOSClara / José Pereira Diniz

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SENSIBILIDADE!!!

Marília, musa de um Dirceu contemporâneo, seu pai, é tema e inspiração do livro “Cartas para Marília - de Pai para Filha: Uma Declaração de Amor”, aliás, belíssimo, digno do outro Dirceu e com uma diferença, lá a Marília só tinha o Dirceu, aqui, no caso, ela tem também a “babona” mãe Regina. Regina Célia. É mole ser Marília, ter um pai Dirceu e a mãe, Rainha do Céu? A gatinha, com razão, tá com tudo e não tá prosa... Os pais colecionam suas pérolas para, provavelmente, fazerem um outro livro falando de suas “bolas foras”, suas “tiradas”, já que ambos são jornalistas (e dos bons!). Mas algumas dessas pérolas “consegui arrancar” do casal.Uma delas é a seguinte:

Um dia, “tá” lá a mãe e a filhota brincando, de repente Marília, que ainda não havia completado três anos, quase nocauteia a mãe acertando-lhe um direto, soco mesmo, no abdômen. Regina reclama e ensina ao mesmo tempo:

– Ai, filha, a barriga da mamãe é sensível...O cérebro da gatinha entra em ação e vem, na bucha, a pergunta:– E QUANDO É QUE VAI SER COM SÍVEL?????

O FRIO TÁ LÁ FORA...

A Marília começou a freqüentar a escolinha. A tarefa de levá-la e buscá-la era “fraternalmente” dividida entre o pai e a mãe. A fraterna divisão é mais ou menos assim: Regina a leva e busca, dia sim e outro também. Dirceu, só de vez em quando cumpre o prazeroso dever de carregar a filhota para estudar. Num desses raros dias, o sol “tá” estalando mamona e assim que a garota entrou no carro, começou a abrir os vidros. O pai quer saber o motivo:

– TÁ MUITO QUENTE AQUI... TÔ ABRINDO O VIDRO PRA ENTRAR O FRIO!

No dia seguinte, mais uma vez coube a Dirceu deixá-la na escolinha. Assim que parou o veículo pra filha descer, lembrando o dia anterior, Marília dá uma dura no velho, que, mais uma vez, danou a rir da rabugice da filhota:

– PAI, VÊ SE HOJE VOCÊ NÃO DEIXA O CARRO NO SOL, TÁ???

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ADVOGANDO EM CAUSA PRÓPRIA!

A Marília, pequena ainda, tem personalidade forte. Na saída da escolinha, sempre cansada e esfomeada, gosta que a mãe leve a mamadeira para ela e mama que é uma grandeza. Depois, se entrega ao sono no carro mesmo; nem dá tempo de chegar em casa.

Quando o paizão tem de apanhá-la, não tem mamadeira: é que o pai vai do trabalho para a escola e lá no trabalho não tem fogão, leite e, principalmente, a mamãe; assim, não é possível preparar a mamadeira. Papai explica isso pra filhota, que não tá nem aí com a argumentação; pra ela tudo é papo furado e ela quer mesmo é saber:

– PAI, PORQUE CÊ NÃO TROUXE MEU MAMÁ?O pai tenta repetir a “desconvincente” explicação. Marília vai direto ao assunto, isto é, à parte que lhe interessa:– PAI, SE VOCÊ NÃO PODE TRAZER MAMADEIRA, ENTÃO POR QUE

VOCÊ NÃO DEIXA A MAMÃE VIR ME BUSCAR???

VELHO E USADO! Os avós nem sempre gostam de ser chamados de velhos. Acho que no fundo, no

fundo, ninguém gosta, principalmente pelo sentido que a coisa simboliza, velho não serve mais, é “gagá”, trapo ou coisa que o valha. O vovô Luiz, de Marília, não foge à regra.

Numa bela manhã, manhã mesmo, cedinho, os pais estão ainda dormindo e a gatinha, num rompante, “xinga” o avô de velho.

O avô, bem humorado, disse que não era velho, mas sim usado. Usado? Marília não entendeu bulhufas, não soube exatamente o que o avô quis

dizer e pede explicação.Esclarece o vovô:– Sou usado pela vovó, pela mamãe...Marília aceitou, entendeu a explicação e completou:– USADO PELO PAPAI...O avô percebeu a escorregadela e protestou:– Ooôpa pelo papai, não senhora!!!

FUTURÓLOGA...

O avô tava deitadão no chão, sem camisa, à vontade mesmo. Marília está brincando por perto. De repente se aproxima e “garra” nos cabelos do peito dele. Cabelos nevados, branquinhos da silva... Sem mais, nem menos, Marília, que não obteve nenhuma resposta, indaga:

– VÔ, QUANDO MEU PAI VIRAR VELHO, O CABELO DO PEITO DELE VAI CRESCER IGUAL O SEU???

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MUDA O DISCO!

Marilia está na escolinha. Por lá, tem um montão de amigas e também amigos.

Dentre esses tantos amigos, Aninha, que acaba de ganhar um irmãozinho...

Marília chega da escola, indignada e conta pra mãe:

– MAMÃE, A MINHA AMIGA ANINHA SÓ FALA NO IRMÃOZINHO

NOVO DELA, O MATEUS... FALA O TEMPO TODO DELE... NÃO PODE SÓ

FALAR DISSO, MAS TAMBÉM DE OUTRAS COISAS, NÉ, MÃE???

MAL COMPARANDO...

O irmão da Marília, Pedro, está na escolinha. O sujeitinho tem uma professora

que além de muito simpática é também muito bonita e se destaca por sua estatura. O

Pedro, aparentemente, nada tinha a ver com o peixe. Ou tinha? A bela professora está

tentando fazer um coleguinha de Pedro comer, tarefa, aliás, nada fácil. Seus argumentos

já estavam se dissipando, desaparecendo, escafedendo, aí vem a professora com uma

“tirada” irresistível, infalível... E teria dado certo se não fosse a espirituosidade de

Pedro... A “tia” manda ver, orgulhosa:

– Se você comer tudo, vai ficar grande como eu...

Pedro desconcerta a professora:

– MAS PROFESSORA, A SENHORA É PEQUENININHA!!!

FICA NA “SUA” MEU!

O autor é uma das maiores feras de nossa literatura, Pedro não tem ainda a menor idéia de quem é Mário Prata, que, entre outras coisas, escreve crônicas como ninguém... Pedro sabe, no entanto, que o pai prefere um livro do que dar a atenção devida ao filho... Resumindo: o pai tá lendo Mário Prata, e Pedro, deitado no chão, ao lado, brinca com um carrinho em miniatura. O pai, devorando o livro, quase nem percebe a presença do garotão...

Pedro resolve conversar sozinho. Bater um papo com ele mesmo... O pai não consegue saber o que o filhote está falando... Pedro parece estar desabafando... O pai, desatento, querendo saber o que o filho dizia, vem com aquele jeito tradicional de perguntar, sem saber o quê:

– Hããã??? Hãããã?????Pedro se vinga. Levanta-se, incluindo a voz e indignado, mostra o brinquedo e

tasca:– EU NÃO TÔ FALANDO COM VOCÊ... EU TÔ FALANDO COM O MEU

CARRINHO!!!! VRUUUUMMMM!!!!

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OUVINDO COM OS OLHOS...

Naquela noite o Pedro resolve fazer uma birrazinha antes de pegar no sono. O pai, já um pouco impaciente, tenta fazer o filhão entregar-se a Morfeu... Mas Pedro prefere continuar conversando, tava com a pilha toda, isto é, com a corda toda e pilha nova... O pai não teve outro jeito deu-lhe uma sonora bronca... Pedro chantageia: encolhe-se todo, cara de anjo, pede a mamadeira, o pai resmunga, ou melhor, responde:

– Tá bom. Vou fazer a mamadeira, mas fecha os olhos e dorme!O pai sai para preparar a mamadeira. Pedro “reacorda” e começa a conversar

com Marília (a quem, vez por outra, chama Lila):– LILA, CONTA UMA HISTORINHA!Marília lembra-o da recomendação do pai:– Pedro, o papai mandou você ficar de olho fechado...

Pedro não pestaneja:

– ENTÃO CONTA A HISTORINHA QUE EU ESCUTO DE OLHO

FECHADO!!!

VOCÊ NÃO PAGA A LUZ QUE APAGA!

O Pedro desde bem miudinho, é muito responsável, e põe responsável nisso! Pra

se ter uma idéia dessa boa mania do garoto, basta dizer que, com um ano e meio de vida,

já acertava, colocava no devido lugar, os tapetes que encontrava fora, chutados por pés

distraídos. Luz acesa, então, nem pensar, bastava ver que saía apagando. Se alguma

coisa caía no chão, tá o Pedro catando. Tem mais um punhado de outras tantas coisas

que o jovenzinho “conserta”... Ultimamente “tá” com mania de limpeza, quer por que

quer lavar tudo o que vê pela frente, só tem um detalhe: sua cabeça ainda nem alcança a

pia e ele acaba se valendo de um banquinho...

Mas naquela madrugada Pedro se excedeu... Cinco horas da manhã e o carinha

começa a resmungar... Balbuciando alguma coisa, morrendo de sono, com um olho

fechado e o outro idem. O pai se aproxima do berço pra “descobrir” o que estava se

passando e consegue “traduzir” uma palavrinha de duas sílabas, cuja pronúncia saía

bem separada:

– XI...... XI....! Em razão de tanto sono, não consegue sequer emendar. O pai

pega o filhote no colo e se manda para o banheiro. Acende a luz da luminária e o coloca

no trono. Pedro cumpre rigorosamente o anunciado... O xixi é “escrito” com uns

trocentos e tantos is, tal a intensidade. Terminada a coisa, o pai levanta a calça do filhote

que ainda meio dormindo, é levado de volta ao berço... Mas mesmo dormitando, Pedro

não perde o senso de responsabilidade, e enquanto o pai o ajeita no ninho, com os olhos

bem fechados, lembra a distração do velho:

– CÊ ESQUECEU DE APAGAR A LUZ DO BANHEIRO!!!

Vá ter responsabilidade assim lá na... Casa do Dirceu, da Regina, da Marília...

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DÁ LICENÇA!!!

Essa do Pedro, aparentemente, não tem nenhuma graça. Ninguém, com certeza,

vai morrer de rir quando ler ou ouvir essa história... Mas entre no clima. O carinha não

tem ainda dois anos, mas já é motoqueiro, um tanto quanto precoce, é verdade...

Um belo dia, tá lá o Pedro com sua “Harley Davidson” de plástico,

incansavelmente, dando voltas em volta da casa da vovó...

Adultos “mal educados” adoram estragar brincadeiras de criança... Com Pedro e

sua moto não foi diferente... Avô, avó, pai, mãe resolvem ficar parados na frente do

viajante atrapalhando sua passagem... Se você acha que Pedro danou chorar, fez birra

ou coisa do gênero, enganou-se redondamente: Pedro ignorou a presença daquela

“gente” no meio de seu caminho, sequer levantou os olhos pra ela, deu meia-volta e

continuou sua “pedalante” trajetória, imaginando, certamente, que aqueles “babacas”

não iriam interromper seu passeio. Pedroca não deu a mínima e deixou todo mundo com

cara de tacho.

MARÍLIA DAEFIOL HERRERO GOMESPEDRO DAEFIOL HERRERO GOMES

PAISRegina Daefiol / Dirceu Herrero Gomes

AVÓS MATERNOSMaria da Conceição / Luiz Daefiol

AVÓS PATERNOSDolores / Dorival de Assis Gomes

O encontro

Eis que encontro um retrato meu aos 10 anos.

Escondo, súbito, o retrato.

Sei lá o que estará pensando de mim aquele guri.

Mário Quintana

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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NÃO “TÔ” DESCALÇO...

Noth resolve, antes de buscar os filhotes na escola, passar na casa de Janete e

Paulo Pupim e convidar a Sofia para ir junto. Feito o convite, a gatinha, com dois anos e

alguns meses, topa sem pestanejar. A mãe da garota também não colocou nenhuma

objeção. Noth, cuidadosa, ajeita a pequena no banco do carro, com cadeirinha e tudo,

aperta o cinto e quer saber da filhinha da amiga como ela estava se sentindo, se estava

tudo bem, tudo normal, saber, enfim, da vida dela e, sem mais delongas, vai direto ao

assunto e indaga:

– E aí, Sofia, como é que você está?

A resposta da garota também direta e objetiva, esclarece, clareia, tirando

qualquer dúvida que por acaso a amiga adulta pudesse ter:

– EU TÔ DE SANDÁLIA!!!!!!!!!

QUEM SOU EU???!!!!

Manoel tinha por volta de dois anos. A mãe e a tia Claudete davam ao garoto

tanto dengo (e põe dengo nisso!) que sequer percebiam o exagero. Eram tantos os

nomes, que, em bom Mandarim, significaria, mais ou menos, o trem que sai às sete, vai

desfilando suavemente pelas curvas da estrada, até chegar ao seu destino (ou seja, chi,

cham, chung, pong, bloong, e por aí afora). Ao Manoel, em bom português (?)

chamavam-no Chu, chuchu, tchuco, thuthuco e mais um montão de outros tantos

adjetivos.

Adulto é um barato...

Resolveram então ensinar o seu nome correto. Tia e mãe “babonas”, algum

tempo depois, certíssimas de que o garoto tinha memorizado o nome, resolvem indagá-

lo, começando pela mãe:

– Como é o seu nome, filho? Fale filho, responde pra mamãe que é Manoel... Vou

perguntar de novo...

– Como é o seu nome?

Manoel dá uma pensadinha e manda ver:

– É TCHUCA!!!

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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QUAL DELAS???

Manoel, filho de Paulo Pupim e Janete de Carvalho, sempre foi uma criança

muito gentil, daquelas crianças que parecem ter nascido sorrindo e continuaram vida

afora, apesar de “mensalão”, “malas”, “cuecas” e tantas outras melecas que os

chamados adultos produzem, aliás, em demasia, quase que “Rondoniana”, nos últimos

tempos.

O sujeitinho, com três anos aproximadamente, saía do prédio em que morava em

companhia da mãe, quando “trombaram” com a zeladora, uma senhora negra, que

acompanhada por uma ajudante, lavava o corredor. A mãe de Manoel ao passar por elas

cumprimentou-as sorridente, com aquele tradicional (e gostoso, diga-se) Bom Dia...

Não deu outra: Manoel, atento à cena, também decidiu fazer a mesma coisa e

olhando, como a mãe, para as duas, mandou o seu sonoro:

– BOM DIA!

A zeladora observou:

– Que graça! Tão pequeno e tão educado...

Até hoje ninguém sabe por que é que o Manoel olhando para trás, perguntou:

– QUEM FALOU, MÃE... A BRANCA OU A PRETA???

ENDOIDANDO...

Manoel tinha três anos e meio. A mãe sempre cantava, dançava e fazia caretas

pra ele. Uma verdadeira “palhaça”, fazia de tudo para divertir o menino. Um dia,

lanchando à mesa, a mãe resolveu tornar ainda mais agradável a refeição do filho.

Começou, como sempre, a cantar e a dançar animadamente, convicta de que estava

abafando... Mas criança é criança... De repente o lado artístico maternal veio abaixo

quando Manoel, aparentemente irritado, perguntou:

– O QUE CÊ TÁ, MÃE? TÁ DOIDA?

CAINDO DO CÉU...

Manoel ia completar seis anos. Mas a festa não seria tão animada, tão alegre: sua

tia Claudete não estaria presente: a morte a levara meses antes. E era difícil esquecer,

passar um mata-borrão numa tia tão querida, tão atenciosa, tão carinhosa e que o enchia

de presentes, mesmo sem ser aniversário. E naquele dia era seu aniversário e a tia não

estava lá... Seus amiguinhos estavam. Festinha de criança, balões, pipoca, brigadeiro,

aquelas coisinhas, sem falar claro, no bolo, que criança nunca esquece. Tudo estava

indo muito bem. Lá pelo meio da festa, Manoel olha pra cima e pergunta:

– MÃE, SERÁ QUE A TIA VAI JOGAR PRESENTES LÁ DO CÉU???

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DESAFINADO...

A tia Claudete em companhia do sobrinho Manoel adorava ouvir música, ambos

curtiam de montão. A tia, mais ainda, vendo o interesse de Manoel pela arte. Mas...

Manoel estava com seis anos e a tia veio a falecer. No velório Manoel quer saber da mãe:

– MÃE, SERÁ QUE DEUS NÃO DEIXA EU FALAR COM ELA SÓ UM

POUQUINHO?

O pai, tentando dizer ao filho que era impossível, se propõe a conversar com ele.

O filho não aceita e esclarece:

– VOCÊ NÃO ENTENDE NADA DE MÚSICA!!!!

O BANGUELA...

Aos quatro anos e meio Melina queria porque queria andar de ônibus circular em

Maringá, coisa que ainda não tinha feito. Queria, decerto, conhecer não só o ônibus,

mas também sua cidade. A mãe sabe-se lá o porquê, nunca atendia ao pedido da filha.

Mas, sempre nessas horas, surge alguém de coração “mais mole” que acaba tendo

sensibilidade suficiente para atender desejo tão simples.

No caso de Melina, a salvadora foi a tia Janete a levar a pequena para a grande

aventura.

As duas entraram no ônibus. Melina, miúda, ajoelhou-se no banco e em vez de

observar a paisagem, as árvores floridas, enfim, a cidade, achou mais interessante olhar

um senhor que cochilava (e alguém ronca cochilando?) num banco logo atrás... Em

determinado momento, o homem acordou e deu de cara com aquela carinha linda de

olho nele. Resolveu, então, oferecer-lhe um baita sorrisão, simpático deveras, daqueles

que mostravam a famosa abóbada palatina, também conhecida como “céu da boca”.

Melina deve ter se assustado diante da inusitada cena e imediatamente, com voz

estridente e ardida, gritou para todos ouvirem:

– TIA JANE, POR QUE ELE NÃO TEM DENTES???

QUESTÃO DE ORDEM

Melina, filhota de Leila e Paulo, nasceu em Maringá e vive hoje em Curitiba.

Quando morava na Cidade Canção, no prédio em que viviam havia um morador que era

muito querido das crianças, em razão do carinho que a elas dedicava. Este senhor,

conhecido pelo seu sobrenome, tratava a todos com muita atenção.

Melina, então com três anos e poucos meses, estava na garagem para sair com a

mãe. De repente, avista seu amigo e querendo puxar uma prosa, começou a chamá-lo:

– SEO NOGUEIRO! SEO NOGUEIRO!

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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A mãe interfere e corrige a filha:

– Melina, não é seo Nogueiro, é seo Nogueira (o sobrenome correto daquele

senhor).

Ninguém mandou nossa língua ser tão complicada... Em vez de corrigir, a mãe é

que acabou sendo ensinada:

– MAS, MÃE, ELE NÃO É MULHER!!!

DUELO À BALA

A Sofia adora doce (será só ela?) e, particularmente, tem uma queda por bala,

indiferentemente do sabor. Pode ser canela, beterraba, chuchu, abobrinha, melancia,

menta, não importa, a gatinha “tá” sempre com um punhado nas mãos e as devora com

certa volúpia.

Sofia é muito prática e objetiva, parece não ter (nem completou!) dois anos.

Num domingo desses, quando se faz macarronada em casa e a mãe, em razão de

tantos afazeres, “esquece” um pouco os pequenos, está acontecendo uma ferrenha

competição entre a favorita Sofia e algumas outras crianças, mais ou menos da mesma

faixa etária. Sofia dispara: está, no mínimo, quinze balas à frente. As adversárias, sem a

mínima chance.

Dayane, um pouco mais velha, (está com seus quatro anos e poucos) experiente,

catimbeira, arranca, na “manha”, o segredo de Sofia que acabou por entregar o ouro na

próxima disputa, fatalmente, não vão perder tão feio.

Com todo mundo já “baleado”, Dayane como quem não quer nada, pergunta:

– SOFIA COMO É QUE VOCÊ FAZ PRA CHUPAR TANTA BALA?

A pequena Sofia, sem pestanejar, “descasca” velozmente uma bala e, no mesmo

ritmo, enfia na boca e esclarece:

– ASSIM Ó!!!!!!!!!!

AVÓS PATERNOS

Iraci / Manoel Hermes

Alba / Lee Pao Sen

AVÓS MATERNOS

Carma / João Julio Carvalho

Maria / José Figueiredo

MANOEL PUPIM

SOFIA PUPIM

MELINA FIGUEIREDO LEE

ISABELLA FIGUEIREDO LEE

PAIS

Janete / Paulo Cesar Pupim

Leila / Paulo Lee

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A COROA DIVIDIDA

Maysa, morena de cabelos negros é mais bonita do que laranja de amostra, com

seus bem vividos (quase) dois anos, reinava sozinha no lar de Tânia e Sérgio. Era a

única filha do casal e uma das netas prediletas do “avô Paceco” e, do mesmo modo dos

outros avós, igualmente “babões”...

O casal vivia num apartamento confortável, onde Maysa “deitava e rolava”,

dava cartas e jogava de mão...

Aí, Tânia engravida. Um barrigão daqueles... Inicialmente as esquinas dos

braços de Maysa têm cócegas, depois vira, de verdade, uma baita dor de cotovelo;

afinal, seu reino estava sendo ameaçado com a chegada de um intruso... O pior se deu,

não foi apenas um intruso: foram dois, os gêmeos Serginho e Lara. Maysa roía as unhas,

inclusive as dos pés...

Com tanta gente, o apartamento acabou ficando pequeno e, para dar maior

conforto e liberdade para as crianças, mudam-se para uma casa. Casa gostosa, com

quintal... Mas Maysa anda macambúzia, cabisbaixa, triste mesmo. Tânia vendo a

filhota naquele deprimente estado, tenta resolver o problema, achando que a menina

não estava gostando do novo lar, resolve propor à mais velha da prole o retorno à casa

antiga, achando que com isso a questão estaria resolvida. Propõe, então à filha:

– Maysa, você quer voltar para o apartamento?

Maysa abre um sorrisão do tamanho do mundo, de orelha a orelha, e com o dedo

indicador da mão direita apontando para seus concorrentes, os irmãos Lara e Serginho,

tasca uma pérola:

– TUDO BEM, MAS A GENTE NÃO VAI LEVÁ ELES NÃO, NÉ, MÃE???

PAI ANTIGO

O Serginho brincava com a carteira do pai Sergio - coisa de que criança quase

não gosta. Examina um documento, confere, olha outro, depara com a carteira de

reservista, documento emitido quando portador (ou cidadão) tem por volta de 18 anos.

Para o filhote, com seus três/quatro anos, uma coisa já bastante velha.

Com o mencionado documento nas mãos, mostra-o ao pai e, curioso, quer

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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saber:

– PAI, ESSA FOTO É DO TEMPO QUE VOCÊ ERA EM PRETO E

BRANCO ??? (?)

RUIVA DE CABELO PRETO...

Lara, uma das bonecas da casa de Tânia e Sérgio, é ruiva, simpática e também

muito bonita (e tem boneca feia?), mas curiosamente “não se gosta” ou gosta muito da

irmãzinha mais coroa, Maysa. Maysa tem os olhos de jabuticaba, o cabelo é liso, bem

cuidado e preto. Maysa é a “ídala” da menorzinha Lara.

Dia desses, Mari, madrinha de Lara, que lida com pincéis e tinta, resolve fazer

um retrato da afilhada. Até aí, nada demais. Vem o ritual que antecipa a cena, vira pra lá,

mais pra cá, sorria etc. e tal. Lara, parecendo gente grande, participa, aliás, protagoniza

a coisa. Mari inicia uma espécie de aquecimento, de teste com seu material. Lara tá

paradinha, nem pisca e Mari olha pra modelo, olha pros pincéis, pra tinta e por aí afora...

Larinha, até então quieta, resolve “abrir o bico” e, se a madrinha a tivesse atendido, em

razão do já mencionado puxa-saquismo explícito de sua irmã mais velha, teria se

transformado em LARYSA ou MALARA, em razão do pedido, no mínimo estranho,

que fez à madrinha pintora:

– VOCÊ PODE PINTAR... SÓ QUE VOCÊ PINTA OS ZÓIO E O CABELO

DE PRETO, TÁ???

OS PODERES DO LEITE

Sérgio (também conhecido por Serginho, ou Raulzinho, já que é o tio em forma

menor), que, junto com Lara ajudou a desbancar Maysa de seu reinado absoluto, vive

hoje de dengo com a mais velha, a quem a mãe atribui algumas tarefas, aliás, sempre

cumpridas a contento. Maysa tem pelos irmãos verdadeira paixão (nem quer mais

abandoná-los, deixá-los na casa de onde se mudaram, logo após o nascimento da

dupla)... Sabe-se lá por que, Serginho não gosta de tomar leite, embora o suco de vaca

não lhe faça mal, pelo contrário...

Os pais do trio são professores e vivem em perfeita harmonia, com sorrisos e

mais sorrisos, é bom dia, boa tarde, boa noite, olá, tudo bem, tem também aquele

tradicional “saúde”! quando alguém espirra. Lá é assim: espirrou - saúde, tropeçou,

desculpa... As crianças ouvem e aprendem...

Uma das tarefas confiadas a Maysa era convencer o irmãozinho a tomar leite...

“Tá” lá a gatinha explicando que leite é bom pra isso, bom pra aquilo, que faz ficar forte,

que muda até a cor dos olhos, mas nada de o sujeitinho concordar... Serginho não tá nem

aí com o falatório de Maysa... A mocinha não quer desapontar a mãe e vem com um

argumento infalível, convincente:

– TOMA LEITE, SERGINHO... BEBE... LEITE É BOM PRA ESPIRRO !!!!!!

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O “DEUS” XAROPE...

Maysa, já apresentada, se entende muito bem com a mãe a quem ouve e atentamente atende, sem nunca pestanejar. A mãe falou, tá falado. O mínimo desejo materno é para ela a mais importante das ordens... Sabe-se lá por que Maysa detesta tosse, para ela, uma das piores coisas do mundo... Essa história de “cof cof” não é com ela.

O pai é professor, a mãe também, só que o pai trabalha fora o que o faz viajar mais do que o anjo Gabriel. É um sem-fim de idas e vindas, motivo de muita preocupação para a mãe... A mãe se preocupa com acidente, assalto, comer “porcaria”, comer fora de hora, e outros tantos motivos. A filhota nem sabe o que é isso ainda. Todas as noites, antes de dormir, a mãe reza com a filhota e, com tanta preocupação pede a solidariedade da filha em relação ao pai e, com maternal afeto pede a Maysa que reze pelo papai. Maysa obedece fielmente e em voz alta, devidamente ajoelhada, manda ver:

– PAPAI DO CÉU PROTEGE O PAPAI PRA ELE NUNCA FICÁ CUM TOSSE!!!!!!!

FELINO COM PENAS...

A Professora Maria Augusta Bolsanello, da Universidade Federal do Paraná, especialista em Educação Infantil, no dia 19 de abril, considerado o “Dia do Índio” está visitando uma escola, onde os alunos, com idade entre dois a quatro anos, estão caracterizados, com suas cabecinhas enfeitadas com penas de diversas cores.

A visitante começa a conversar com a criançada perguntando pelas roupas e pelos ornamentos de suas cabeças. As perguntas são sempre as mesmas: qual é a cor dessa pena em sua cabeça? As respostas só se diferenciam em termos de tonalidade. Uma é verde, outra azul, amarela, vermelha e por aí afora... Mas um garotinho tinha uma pena diferente: a de uma galinha carijó... A “tia” pergunta ao garoto, o mesmo que fez a outras tantas crianças:

– E essa pena que você tem na sua cabeça, é de que?O garotinho não titubeia e sua resposta é uma verdadeira obra de arte:– É PENA DE TIGRE !!!!!

CONFERINDO...

As crianças (que novidade!) fazem associações das mais diversas, que os adultos, às vezes, com muita dificuldade, acabam sempre imaginando, traduzindo ou, de fato, entendendo. Nenhuma criança, que se tenha conhecimento, disse até hoje que aquele objetozinho que usamos para cortar outros objetos, como tecidos, por exemplo, é a fêmea do tesouro... As crianças normalmente aprendem a usar esta invenção, das mais úteis, vale frisar, nas escolinhas cortando bichinhos de papel, flores e outras coisas, assim. Para Maysa, aquela famosa faca de duas pernas que se abrem e ao fechar é

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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que corta, conhecida por tesoura, nada mais é que recorteira... Um dia, ela pediu ao pai que a levasse ao estádio já que queria assistir a um jogo

de futebol. O paizão atende ao seu pedido. Esperou que acontecesse um jogo amistoso ou inexpressivo pra levá-la com tranqüilidade. Assim fez. Era um joguinho bem mequetrefe, e eles se mandam para o “campo” do “Grêmio” - nome popular do Estádio Willie Davids, em Maringá.

Maysa nunca tinha ido, tampouco visto um jogo de bola... Novidade das grandes, portanto. Entram no estádio, Maysa olha tudo, bota reparo no que vê. Acham um lugar (nesse joguinho não foi difícil...). Sentam.

Algum tempo depois surge o extinto Grêmio. Jogadores correndo enfileirados, aceno para a torcida, repórteres, corridas, aquecimento etc, Maysa olha tudo muito atenta para logo em seguida perder o interesse ao afirmar:

– PAI, É BEM IGUAL NOSSA TELEVISÃO...

IRMÃO ENTULHO

Domingo à tarde, sem ter muito que fazer, o pai Sergio resolve passar uma água no “possante”. A filharada, liderada pela Maysa, quer ajudar. A mãe Tânia pra não ficar sozinha, também entra na dança. O serviço acontece lá na frente da casa, pertinho da rua e, com tanta gente trabalhando, acaba logo.

Aí, Serginho sai do quintal e vai pra rua, e quer porque quer ficar por lá. Inadmissível, nem pensar, pensa o pai. A mãe vai direto ao assunto avisa ao filho que ele não pode ficar lá, sozinho, na rua, que é perigoso, que pode passar um “ladrão de criança”, lobisomem, mula sem cabeça... Mas nada disso convence o irmãozinho gêmeo da Lara a deixar a rua. A líder Maysa desiste, o pai idem. A mãe também tá quase desistindo... Lara, objetiva e direta, encontra a solução, Serginho não gostou nada do que ouviu, fez um bicão daqueles, mas em dúvida, acatou a “sugestão” de Lara, que cheia de razão, tascou:

– FICA AÍ... SE O LIXEIRO PASSAR E PENSAR QUE VOCÊ É LIXO, ELE LEVA VOCÊ... FICA...

E Serginho não ficou!

AVÓS PATERNOS

Basília / Manoel Tomé da Silva

AVÓS MATERNOS

Mílcia / José Pacheco dos Santos

LARA PACHECO ALVAREZ DA SILVA

SÉRGIO ALVAREZ DA SILVA JUNIOR

MAYSA PACHECO ALVAREZ DA SILVA

PAIS

Tânia / Sergio Alvarez da Silva

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EU QUERO SANGUE!!!!!

O pai, Domingos Trevizan, leva seus três “anjos” - Raphael, o mais velho e os

gêmeos Marcelo e Henrique a um circo. A mãe, Noth, solta fogos de artifício, conseguiu

se livrar dos três ao mesmo tempo. Era um baita circo e estava montado no Ginásio de

Esportes “Chico Neto”, em Maringá. O mais velho é o mais comportado do “bando”, tá

tranqüilão e prestando atenção em tudo, principalmente nos palhaços. Henrique deixou

toda sua cota de malandragem para o irmão Marcelo, sem dúvida o mais atirado da

trinca, mas por motivos desconhecidos, está com o bico maior que de pelicano. Mas só

com bico, não reclamava nem aplaudia, tava nem aí... O pai começa a se preocupar com

o filhote, achando até que os tinha levado em lugar errado já que, aparentemente, não

estavam se divertindo, principalmente o anjo Marcelo, que em casa é chamado de Celo

e até Celinho.

Indiferente a eles, o espetáculo seguia seu roteiro, com o locutor - sempre

falando em peculiar espanhol - anunciava suas “internacionales atraciones”: Era fulano

de tal, directamente de Praga, Beltrano de Hannover (só de Jussara é que não tinha

ninguém...) e por aí afora. Em determinado momento os tambores rufam com mais

entusiasmo, o locutor idem, com seu tradicional “respeitávelll públicooo” o Gran sei lá

o que Circus orgujosamente apresienta su major atración: los trapezistas voladores...

E lá vem os caras, parecendo guarda-roupas, músculos dos pés à cabeça e só o

aquecimento já é um espetáculo, era vôo pra todo lado... Aí se posicionam para o

“show” – dois de um lado, dois do outro. Voam de um trapézio para o outro, um

segurando a mão do outro, e o outro a mão do um, se penduram em três, trocam de

trapézio – tudo a uns doze metros de altura. – o público delira! O pequeno Marcelo

continuava do mesmo jeito que entrou, ou seja, desligado... O locutor anuncia: agora

eles vão hacer lo mismo número com los ojos cerrados... Os olhos dos artistas foram

vendados; o pano era preto e, certamente, não dava para enxergar nadica de nada... O

espetáculo prossegue... Um deles despenca no ar e só pára na proteção. Marcelo até

então calado embora bicudo, para o deleite das pessoas próximas, dispara:

– COM REDE NÃO TEM GRAÇA NENHUMA !!!!!!!

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TESOURA SEM CORTE...

Marcelo, o “anjo atentado” do casal Noth/Domingos Travizan, lá com seus seis, sete anos, já sabe ler, escrever e aprontar... Um belo dia tá lá o carinha enchendo o saco da mãe, pentelhando mesmo e, a mãe precisava de paz; pelo menos por um momento, “despacha” o filhote para o quintal e, pede-lhe que corte a grama (e que de preferência demorasse o dia inteiro). Marcelo junta sua ferramenta de trabalho e se manda para efetuar a tarefa que a mãe lhe atribuiu. Só que para tristeza da genitora, logo em seguida tava de volta... A mãe quer saber o porquê de o filhote não estar fazendo o trabalho a ele confiado e, entre uma pequena bronca e muito desapontamento, quer saber o motivo da desistência. Chama-o pelo nome inteiro, e quando mãe fala o nome inteiro a coisa começa a se complicar.

O diálogo:– MARCELO TREVIZAN, por que você não está cortando a grama???O garotão, coberto de razão, diga-se de passagem, com o excesso de sinônimos

de nossa língua, palavras quase iguais, significados diferentes, solta uma pequena pérola:

– É QUE O TESOURÃO DESAFIOU !!!!

JURISCONSULTO MIRIM

O pai é jornalista, a mãe idem. Raphael, o coroa da casa, está com seus sete, oito anos. Numa reunião de jornalistas, Rafa está lá dando “segurança” à genitora. O colega Roberto Silva gosta de brincar com criança e leva jeito pra coisa... Roberto se aproxima de Raphael e “gruda” em seu punho, apertando-o e, logicamente, dificultando a circulação... Rafa, sério e compenetrado apenas encara o brincalhão... Alguns instantes depois, Roberto solta seu braço e quer saber do garotão:

– E daí, Raphael, gostou?Pela resposta do jovenzinho, entende-se que não, mas o que deixou Roberto

boquiaberto (com rima e tudo) foi a reação do precoce advogado, que continuou a fixá-lo, olhos nos olhos, e mandou ver:

– VOCÊ SABIA QUE EU POSSO PROCESSÁ-LO POR LESÃO CORPORAL???

AVÓS PATERNOS

Maria / Domingos TrevizanAVÓS MATERNOS

Cleonice / Luis Cavalcanti Camarão

RAP AEL CAMARÃO TREVIZAN (Rafa)H

HENRIQUE CAMARÃO TREVIZAN (Rique)

MARCELO CAMARÃO TREVIZAN (Celo/Celinho)

PAIS

Noth Camarão / Domingos Trevizan Filho

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O PRÓXIMO ERA O GATO...

Da união de Alberto e Maria Rosa nasceram Alexandre e Ana Carolina. O

Alexandre era o terror da rua, era mais de ação que fala, Ana, ao contrário, filosofava

mais, apesar de bem mais novinha. Nesta história a protagonista foi Ana, mas todos

tiveram participação decisiva...

Num daqueles dias em que o cara se sente como se tivesse brigado com Myke

Tysson e Evander Holleyfield juntos e, de sobra, descarregado um caminhão de lajotas

sozinho, Alberto chegou ao lar-doce-lar, atirou-se no sofá, ao lado da mulher, louco para

receber uma mordomiazinha, pediu a Maria Rosa que apanhasse sua chinela. Maria

Rosa ouve atentamente e passa para Alexandre:

– Filho, vá lá no quarto e traga a chinela do papai...

Alexandre, mais que depressa, transfere a responsabilidade para a irmã Ana

Carolina:

– ANA, VÁ LÁ QUARTO BUSCAR O CHINELO DO PAPAI...

A resposta de Ana Carolina, no alto de seus quatro anos, é digna de José Maria

Alckmim e Tancredo Neves juntos:

– E EU, VOU PEDIR PRA QUEM? PRO GATO????

ALUNA ERUDITA

Ana Carolina, já devidamente apresentada, está no pré sei lá o quê, dois, três, por

aí... A tia passa uma tarefa pra casa (não pra casa fazer, mas pra ela fazer em casa, mas se

fala assim mesmo...) o que, aliás, criança “adora”. A tarefa consistia numa pergunta que

era saber da meninazinha qual seria o seu nome, caso fosse um menino... Pra variar, só

um pouquinho, Ana esqueceu de fazer o exercício. O que fazer? A tia, na certa iria ficar

fula da vida com ela, iria contar pra mãe, pro pai, pra torcida do Santos e ela não queria

levar pito, nem da tia, nem dos pais... Seu cérebro de cinco anos, quase sem uso,

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ALEXANDRE MARCOS MARIN ROCHA

ANA CAROLINA MARIN ROCHA

PAIS

Maria Rosa / Alberto Abraão Vagner da Rocha

AVÓS MATERNOS

Aparecida / Rubens MarinAVÓS PATERNOS

Adalgisa / Antônio Cândido

portanto, entrou em funcionamento e começaram aquelas propaladas associações: João

- Joana, Mário - Maria, Paulo - Paula etc. Então, com essas “coisinhas” povoando seu

pensamento, antes um pouco de começar a aula, sacou o caderno, onde gastou parte de

seu latim, escreveu:

– ANUS CAROLINUS...

Pedido de criança

Se tivesse mais de dois anos, chamá-lo-ia mentiroso. No seu verdor, é apenas um ser a quem a imaginação comanda, e que com isso, dispõe de todos os filtros da poesia.

Ama as coisas pelo prazer abstrato da posse, menos pelas coisas em si, ou pelo seu uso vuluptuoso. Há um lápis.

– Me dá esse lápis prá mim?– Não posso.– Me empresta?– Não posso, preciso dele.– Ah, me empresta...– Está bem, empresto.– Agora ele é meu?– Seu não. Emprestado.– Eu queria tanto um lápis pra mim... Me dá, anda.– Está bem, pode ficar com ele.– É meu? Oba !E joga fora, imediatamente.

Carlos Drummond de Andrade(“Netinho”, de “Fala, amendoeira”)

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DAQUILO QUE O MEU PAI TEM...

A Maria Eduarda tem quatro anos incompletos, bem incompletos mesmo, passou só um pouquinho dos três, mas já faz das suas. Os pais, Heloísa e Renato possuem uma chácara no Distrito de Iguatemi, no Município de Maringá. Era uma época de Exposição-feira, anualmente realizada na cidade, onde tem de tudo, de algodão-doce até a mais moderna colheitadeira. Tem gente caindo de cavalo, de boi e um mundaréu de outras tantas atrações artísticas.

Pra se visitar a feira, chamada EXPOINGÁ, paga-se ingresso. Então os organizadores fazem todo tipo de propaganda para atrair o público, não só para os espetáculos artísticos, mas principalmente pelos negócios. A pequena Maria Eduarda vê um desses anúncios na televisão. Coisa bem feita, imagens atraentes, redação perfeita, enfim, convincente. E quando é convincente, acaba convencendo (?). Primeiro convenceu a gatinha, que convenceu os pais que a levassem à feira. E o fizeram.

Na volta da visita e da grande aventura, na chácara, a garota explica que “lá tem aquilo que o pai tem”. Ninguém entendeu nada, ninguém descobriu, nem traduziu o que a menina quis dizer. Com tantas indagações ela explicou:

– É AQUILO QUE CHEIRA.Todos pensaram que era um nariz. Nariz na feira? O pai tem nariz, seria o nariz

do pai?Algum tempo depois, com mais gente envolvida na discussão, incluindo a avó

Maria Aparecida, é que o mistério foi desvendado: O “aquilo que cheira” nada mais é do que um suíno macho, também conhecido como (e como!) porco. E a gatinha tá certa: Na feira tem porco, o pai tem porco e ambos cheiram..

JOÃO COPO QUEBRADO...

Em Iguatemi, como em toda Maringá, tem um grande número de famílias descendentes de italianos, dentre essas, está a família Trintin, muito conhecida, já que por lá vive há muitos anos.

Um belo dia na casa de Maria Eduarda o assunto versava sobre a tal família...

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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MARIA EDUARDA SILVA PEREIRA

PAISHeloisa / Renato Pereira Lopes

AVÓS MATERNOSMaria Aparecida / Antônio Ribeiro da Silva

AVÓS PATERNOSLourdes / Otaviano Pereira

Aquele assunto que o nome servia de referência, como por exemplo “é aquela casa perto de onde moram os Trintin”, “os Trintin moram naquela casa azul em tal rua, depois de tal coisa, tal bar” etc. E o nome foi repetido algumas vezes.

Maria Eduarda está ouvindo a conversa, aparentemente “desligada”, mas só

aparentemente... É que a garotinha resolveu explicar que o nome não era daquele jeito,

que não era João Trintin, mas sim João-Quebra-Copo e explicou:

– TODO COPO QUI CAI, QUEBRA, I QUANDO QUEBRA FAZ TRIN-TRIN

ENTÃO NÃO É JOÃO TRINTRIN, É JOÃO QUEBRA-COPO !!!

Impossível...

O telefone toca e Juquinha, com 2 anos de idade,

atende.

– Alô! – diz Juquinha

A pessoa do outro lado percebe que é uma criança e fala:

– Tem outra pessoa em casa?

– Tem.

– Dá pra você chamá-la pra atender o telefone?

– Dá. Espera aí um instantinho.

Pouco depois, Juquinha fala:

– A Mariazinha não pode vir não. É que eu não

consegui tirar ela do berço.

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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VOCÊ SABE COM QUEM TÁ FALANDO?

Guilherme é o neto predileto dos avôs Cleusa e José (só têm ele) e, filho de Ana

Cláudia e José Mário. Em companhia da avó Cleusa, Gui vai até Porto Alegre a fim de

visitar o tio Celso.

Era a primeira viagem interestadual do garotão. Guilherme, como toda criança

de sua idade (3, 4 anos), nem pisca, olha tudo com a costumeira ansiedade que ocorre

nessas aventuras.

Tempos depois eles chegam à capital gaúcha, onde um digno comitê de recepção

os aguarda – Celso tem por lá muitos amigos que foram ver de perto o sobrinhão vindo

de Maringá (PR). Só não tinha banda de música; tudo o mais havia. Celso ria à toa na

expectativa de ver o simpático Guilherme. Na descida do ônibus, Gui se desmancha em

gentilezas, abraça e beija os amigos do tio. Uma moça, Maria Amélia, parece ter

contagiado o jovenzinho; foram beijos, abraços e mais beijos, pareciam apaixonados...

E para frustração de Celso, que promovera aquele belo evento, Guilherme nem

olhou na cara. O tio tentou se conformar e entender a situação, creditando a frieza do

sobrinho em razão da distância, pouca convivência e coisa e tal. Avó Cleusa, atenta, não

gostou nem um pouco da atitude do neto em relação ao tio. À noite, antes de Guilherme

pegar no sono, resolve tirar tudo a limpo... Onde já se viu uma coisa dessas? Coisa feia...

E pensando assim, de cara amarrada, vai ter com o neto:

– O tio Celso adora você, leva um montão de gente para receber você, você

abraça e beija todo mundo, gente que você nunca viu... E para o tio Celso você nem

tchum? E para o tio Celso, nenhum abraço, nenhum beijo, nenhum sorriso... Por que

isso Guilherme?

Guilherme, com o prelado de sua idade, dá à avó uma resposta que o compara, no

mínimo, a Frank Sinatra:

– EU AMO O TIO CELSO, VÓ... SÓ NÃO DEI ABRAÇO NEM BEIJO NELE

PRA ELE NÃO FICÁ SE ACHANDO !!!!!

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“SUBORNOLACHA”

Guilherme tinha um ano, no máximo. Cabia a avó Cleusa e a mãe traduzir sua

“fala”, mas, como sempre, elas acabavam entendendo o que o carinha queria dizer. A

família tinha uma cachorra que era braba que só a peste. Siri na lata era pouco. Era feroz

mesmo, além do mais não gostava, como quase todo cachorro, de moleque, sabe-se lá

por que e ainda por cima tava grávida o que aumentava ainda mais sua bravura. O nome

da fera (sem brincadeira) era Lilica - Guilherme chamava-a de Líli. Ela lhe mostrava os

dentes e como se sabe, cachorro não ri, era ameaça mesmo. Aí, Lilica deu cria. Um

filhote somente. Criança, como também se sabe, é doida por cachorrinho, ou animais

pequenos. A zelosa mãe mantinha sua cria dentro de uma caixa de papelão da qual não

saía de perto por nada no mundo. E Guilherme doido pra brincar com seu filhote. O

diabo é que assim que ele aparecia a cachorra se aproximava, ficava por perto do

sujeitinho. Aí o Guilherme achou uma maneira de fazer amizade com o animal. A cada,

no máximo, cinco minutos tava o rapazinho lá no pé da avó:

– VÓ DÁ BOLACHA...

A derretida avó o atendia pensando que ele ia comer.

O engenhoso Guilherme chamava a inimiga e, quebrando em pedaços miúdos a

bolacha, também ia caminhando em direção à caixa onde estava o filhote da cadela, que

vinha logo atrás devorando o petisco. E assim foi.

Quando perceberam o que Guilherme estava fazendo, todo mundo se apavorou.

Ele, no entanto, continuou oferecendo à cachorra as bolachas que a avó lhe dera. Um

dia, como por encanto, tá lá o Guilherme dividindo com o filhote de Lilica sua casa, e a

cuidadosa mãe, ali por perto, já não oferecendo ameaça... Dias depois o mais incrível

aconteceu: Guilherme, o filhote e a mãe dividiam fraternalmente a residência canina.

Pra completar a história, até o nome do filhote foi ele quem colocou: Bam-bam, a quem

Guilherme continua amigo e oferecendo guloseimas, sempre com a supervisão da antes

enciumada Lilica, sabiamente subornada pelas bolachas da avó.

O FILÓSOFO TRAVESSO...

O Guilherme, como quase toda, ou boa parte das crianças de sua idade, tem lá

seus antídotos contra broncas, pitos, surras e coisas do gênero. Uns apelam para o

tradicional “eu te amo” e, em vez de broncas, acabam ganhando beijos, principalmente

das avós... Guilherme tem seu jeito próprio, provavelmente exclusivo: basta tomar um

chega pra lá que o sujeitinho apela (lógico, com aquela cara de cachorro pidão e

lágrimas prestes a eclodir): você não é mais meu amigo... A avó Cleusa é uma de suas

principais vítimas, além das tias e tios...Dia desses, a coisa aconteceu com sua mãe, que não é muito de alisar. O

“santinho” aprontou mais uma das suas e a mãe tascou-lhe uma bronca daquelas, puxou

a faca mesmo, pois era uma arte das grandes. O sujeitinho, chantagista de carteirinha,

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com seu malabarismo verbal passa de réu à vítima, manda ver:– VOCÊ NÃO É MAIS MINHA AMIGA...A mãe, pensando ser, na condição de mãe, mais que amiga, retrucou:– EU NÃO SOU SUA AMIGA, SOU SUA MÃE...Aí Guilherme deitou e rolou. Parecia um advogado defendendo alguém que

matou, cortou o corpo em pedaços, escondeu e jura inocência. Sua outra pergunta

deixou a mãe calada, pensativa e rindo por dentro:– VOCÊ NÃO PODE SER MINHA MÃE E MINHA AMIGA? E A VÓ

CLEUSA, NÃO É SUA AMIGA?????

DESENHO BIRRENTO

Guilherme tá com três anos e poucos meses e como toda criança dessa idade,

adora pintar (incluindo o sete...), Gui é igual todo mundo e a avó Cleusa o “libera” para

que a deixe, de vez em quando, em paz.Guilherme é jeitoso, habilidoso, combina bem as cores, lógico, na sua

imaginação, fertilíssima, diga-se. Compenetrado demora um bom tempo para fazer um

desenho. Mas o tempo não foi perdido. O quadro ficou lindo, fantástico, maravilhoso.

Esse tal de Van Gogh, se vivo, morreria de inveja. A avó adorou... Era um menino alto,

magro, bem vestido e com lindos olhos azuis... A avó rasga seda, afirmando que o neto

será um novo Portinari, e por aí afora. Guilherme estufa o peito. Junta sua obra e volta a

mexer na coisa. Algum tempo depois volta a mostrar o desenho para a derretida avó,

com uma pequena alteração do original: os olhos agora eram vermelhos, a avó acha

estranho, Guilherme esclarece:– É QUI A MÃE DELE BRIGOU COM ELE E ELE CHOROU...

RECEITA PARA NÃO FICAR ENRUGADO...

Guilherme, vez por outra, se “desentende” com sua bisavó materna, e sua

vingança, é chamar sua “bisa” de murcha... Mas como ele fala e dá risada, dona Hilda tá

sempre perdoando. Segundo o doutorzinho e sua filosofia própria, a avó é “murcha”

porque não estudou. E vai dando explicações mil: a avó tava ficando velha, aí ela

começou a estudar e agora ela não é mais velha... Embora com seus quatro anos de “tiradas e aprontações”, Guilherme tem um

medo terrível de ficar velho, chega a chorar se alguém toca nesse assunto (dele ficar

velho). Sujeitinho tinhoso. Sabe das coisas esse Gui... E continua seu rosário de

explicações: a tia Claudenice não é velha, ela estuda, tio Celso não é velho, tio Fábio,

não é velho... O final é sempre o mesmo - não são velhos porque estudam - Se o carinha

soubesse que velhice é uma coisa democrática, talvez não teria “peito” pra,

categoricamente, afirmar, de olho no futuro, sem rugas, claro:– EU VOU ESTUDAR MUITO. MUITO, MUITO, PRA NÃO FICAR VELHO!...

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MÉDICO DE ARMÁRIO...

Guilherme adora “trabalhar” com a avó, de vez em quando, também “trabalha”

com a tia. Gui além de simpático, só não fala quando tá dormindo ou com sono... O

sujeitinho tá naquela fase dos “porquês”. E criança tem fase, dos “porquês”, do “di

novo” e um punhado de outras tantas... E tem também os adultos que querem saber o

que a criança vai ser quando crescer, pergunta quase que inevitável, ou por falta de

assunto. Ao Guilherme, não é preciso perguntar nada, o carinha quer ser médico.

Dia desses, “tá” lá o Guilherme “trabalhando” com a avó. Ao passar por uma das

salas, percebe Lucila, funcionária da repartição, tentando abrir um armário. E a coisa

tava mais difícil que abrir cofre de mineiro. Guilherme se interessa (lembra dos

porquês?) e dispara apontando para o objeto:

– POR QUE ELE NÃO QUER ABRIR?

Lucila explica que o tal armário “tá” enguiçado, estragado... Aí, tentando obter a

solidariedade do amigo, ela pede a Guilherme:

– Quando você crescer você conserta ele pra nós?

Guilherme faz um bico razoável e dá uma resposta que faz todos caírem na

gargalhada:

– QUANDO EU CRESCER EU VOU SER MÉDICO DE CONSERTAR

GENTE, NÃO MÉDICO DE CONSERTAR ARMÁRIO!!!!!!

O “ACADÊMICO” DA ACADEMIA... DE GINÁSTICA

Coisa linda. Família unida. Sala repleta. Todo mundo de olho na televisão.

Devia ser, em razão de tanto interesse, final de novela. Só se ouvia o som que vinha da

telinha... Só Guilherme não participava de tão comovente momento...

De repente, o ambiente televisivo é abruptamente invadido pelo único familiar

ausente, o que, logicamente desagradou a todos... Aí a coisa desandou quando ele

solenemente anunciou:

– EU VOU FICAR FORTÃO, VOU MALHAR MUITO... VOU ENTRAR

NESSA ACADEMIA AÍ DA ESQUINA..

Até aí nada de excepcional se o sujeito não tivesse apenas três anos e alguns

meses...

GUILHERME COSTA CASSIOLATO

PAIS

Ana Cláudia / José Mário Cassiolato

AVÓS MATERNOS

Cleuza / José Amado da Costa

AVÓS PATERNOS

Tereza / Natal Cassiolato

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MEDITAÇÃO FORÇADA...

Criança é doida para atender telefone, abrir porta e coisas assim, e algumas,

gostam também de ir pra escola. Naira juntava tudo isso. As escolinhas de hoje são mais

modernas que as de antigamente, pelo menos no que se refere à “tortura” - antes quem

saísse dos trilhos recebia palmatórias, reguadas, quilométricos sermões, iam pra

secretaria, ajoelhavam no milho, eram colocadas em quartos escuros e mais um montão

de outras coisas. Hoje a “tortura” é mais psicológica (e deve funcionar melhor): coloca-

se, ou manda a criança sentar numa cadeira e pensar no que ela fez... É mais ou menos

como na igreja quando o padre pede que as pessoas (em pensamento) confessem seus

pecados, ou pelo menos, pensem no que fazem ou fizeram de errado - só falta lá a

cadeira...

Um belo dia, o pai se desentendeu com a mãe e ela o deixou na sala falando

sozinho e se mandou pro quarto - o pai pinoteou para a rua. Naira foi até a mãe e a viu

sentada numa poltrona ao lado da cama, esperando, certamente, passar a raiva... A

secretária doméstica chega para o trabalho e pergunta por Cris, mãe de Naira.

Naira em sua ótica de quase cinco anos, explica:

– A MINHA MÃE BRIGOU COM O MEU PAI E AGORA ELA TÁ LÁ, NO

QUARTO, NA CADEIRA DO PENSAMENTO!!!!!!!!

SE FOR AQUELA MULHER...

Eu costumo dizer que criança é igual à torcida de futebol: é igual em Belém, no

Pará e até em Quinta do Sol, no Paraná. E esta história deve ter acontecido, no mínimo

em trocentos lugares, somente nesse espaço geográfico, mas essa tem uma picada de

inteligência (ou inocência) a mais... A Naira não tinha ainda quatro anos... Não posso

dar maiores detalhes, ou todos os pormenores, em razão de morarem ainda na mesma

casa, com a tal mulher ainda rondando por lá... Naira é muito “viva” (desde pequena!).

A mãe pediu a Naira que se alguém tocasse a campainha que ela fosse atender,

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NAIRA BANNO GUITTI

PAISCris / Edson Burzega Guitti

AVÓS MATERNOSMieko / Jorge Banno

AVÓS PATERNOSBenedita / João Guitti

mas se fosse “aquela mulher que vende (?)”, era pra dizer que a mãe não estava...

Naira cumpre fielmente a vontade da mãe. Terminada a explicação, parecia até

coisa ensaiada, a campainha dispara... Naira também dispara em direção à porta... “Tá”

lá uma mulher com uma sacola na mão esperando ser atendida... Não dá outra... Naira

não diz nem o tradicional “bom dia”: olha pra senhora e obediente, manda bala:

– SE A SENHORA FOR AQUELA MULHER CHATA QUE VENDE... A

MINHA MÃE MANDOU EU DIZER QUE ELA NÃO ESTÁ...

Ó Deus que nos deste a flor

e as crianças e as estrelas,

dá-nos agora, Senhor,

a graça de merecê-las!

A. A. de Assis

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PACIÊNCIA IMPACIENTE

O Luiz Carlos “tá” com trinta e oito anos, seu amigo Umberto Júnior só tem seis,

não manja muito de computador, tampouco jogo de cartas. No computador da prima

Larissa (não só no dela) tem lá um jogo chamado paciência... Luiz Carlos convida

Juninho pra jogar. Juninho topa. No começo até que a coisa tava indo bem, mas o

Juninho, uma espécie de “Joãozinho”, começa, mesmo sem saber, a dar pitacos no jogo

do adversário. Aperta ali, mexe aqui, aí não, e coisas do gênero... O marmanjão do Luiz

Carlos dá um chega pra lá no Juninho:

– Juninho, senta aí e fica quieto... Pára de dar palpites...

Aí a cabecinha, muito ativa, diga-se de passagem, de Juninho, na certa

nocauteou o adversário com uma pergunta cheia de lógica e razão. Sentenciou:

– ME DIZ, COMO É QUE VOCÊ QUER JOGAR PACIÊNCIA, SE NEM

COM CRIANÇA VOCÊ TEM PACIÊNCIA???

CABELO BRANCO DERRUBA DENTES...

A casa do primo Ademir, pai da também prima Larissa, é a extensão da casa de

Juninho, já que lá todo mundo, incluindo o papagaio, gato e cachorro, trata bem o

carinha e com isso ele, sempre que pode, “tá” por lá... Em junho último, Preta, a dona da

casa, também prima, resolveu promover uma festa movida a pipoca, quentão, pé-de-

moleque, pinhão, paçoca, enfim, festão digno da comemoração dos Santos... Ademir

estava se empanturrando com as guloseimas e, ao passar pelo pequeno primo, em tom

de ironia, disse:

– Juninho, eu perdi dois dentes... (brincadeira, claro).

Juninho entrou no clima e mandou bala:

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UMBERTO CRISPIM DE ARAÚJO JÚNIOR (Juninho)

PAISIsabel / Umberto Crispim de Araújo

AVÓS MATERNOSArgentina / Egídio Fiori

AVÓS PATERNOSRaimunda / Miguel Crispim de Araújo

– EU TAMBÉM!

O papo continua. Ademir consola-o:

– Isso acontece, Juninho... Pior fui eu que quebrei a minha dentadura, brincou

Ademir.

Juninho ouviu, entendeu, baseado na precoce e esbranquiçada cabeleira de

Ademir, cheio de razão, sentenciou:

– É ISSO MESMO... TODO MUNDO QUE TEM CABELO BRANCO É

VELHO... E TODO VELHO USA DENTADURA!!

A mão que puxa o gatilho

difere em número e grau

da mão que protege o filho

para subir um degrau.

José Bidóia

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A QUÍMICA NA TV...

Essa mistura de piada e realidade deve ter sido criada pelos concorrentes. Existia (não sei se ainda "tá" no ar...) um programa mais comprido que esperança de pobre: começava por volta de dez da manhã e terminava lá pela meia noite e vinte e cinco.. E todo mundo dizia que o apresentador de tal programa era, muito provavelmente, o maior químico do Brasil, já que conseguia, em razão da boa audiência, transformar o domingo de muita gente numa... (glup!).

Na casa do Atílio e da Mirlei existem dois artistas, o José Francisco e a Maria Alice, que começou sua carreira com menos de dois anos, na televisão, ou melhor no televisor da sala...

É o seguinte, indiferentemente do que estava sendo mostrado, podia ser o homem pisando na Lua, o Papa falando, americanos invadindo o Iraque ou o São Paulo Futebol Clube decidindo contra sei lá quem o campeonato mundial de futebol, que Maria Alice desligava o televisor e ficava dançando e fazendo gestos e caretas na frente do dito cujo - e não era de parar tão cedo - só parava quando acabasse de dar o seu espetáculo, seu "show" particular, imitando os cantores que se apresentam na televisão, fazendo de conta que estão cantando. Lá estava, bastava que tivesse bom público, a Maria Alice em suas quase diárias apresentações...

E sabe o nome da arte da gatinha? Ela, sempre ao final, explicava que estava FAZENDO QUÍMICA, já que em razão de sua pouca idade não conseguia falar mímica... A sua, de Maria Alice, era infinitamente superior a do tal apresentador (quase) citado no início, já que suas inesquecíveis apresentações acabavam se transformando em risos e, hoje, doces lembranças...

Essas crianças... Osvaldo Reis

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JOSÉ ATÍLIO SANCHES

MARIA ALICE FERREIRA

JOSÉ FRANCISCO FERREIRA SANCHES

PAIS

Mirlei / José Atílio Sanches

Nilce / José Sanches Filho

AVÓS MATERNOS

Margarida / Francisco

Ana / Atílio Ferrari

AVÓS PATERNOS

Rosa / José Sanches

Nilce / José Sanches Filho

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A PRIMEIRA VEZ A GENTE NÃO ESQUECE!

O Sandro tinha por volta de cinco anos e nunca tinha ido num restaurante. Um

belo dia, tio Lino resolve satisfazer o garoto e o leva a uma churrascaria, daquelas que

servem o famoso espeto corrido e, em algumas, é corrido mesmo. O garçom chega, diz

alguma coisa que você nunca entende direito, e o “espeto sai corrido” ou correndo, daí

espeto corrido, corre da gente, ou será por que “tá” sempre um garçom correndo atrás do

outro, com carnes de tipos diferentes? Sei lá...

Só sei que o Sandro nunca tinha ido numa churrascaria... Aí vem um garçom e

oferece tal carne, outro oferece outra, e dá-lhe espeto corrido... Aí um garçom, com

sotaque não tão normal para um ouvido infantil e sem conhecer absolutamente nada de

carne, chega à mesa e indaga, em altos brados, como sempre, aliás:

– CUPIM DE BOI????

Sandro não entendeu, e sua resposta deve ter feito o tal garçom pensar um pouco

mais antes de falar para ouvidos tão delicados:

– NÃO... EU NÃO QUERO PINTO DE BOI...

MIL UTILIDADES...

Um conhecidíssimo produto brasileiro é famoso por suas mil e uma utilidades,

todo mundo sabe o que é, e as donas de casa adoram este objeto. Aqui, no caso, seu uso

é no mínimo, inadequado. E a comparação serve também pra descobrir uma outra

utilidade do famoso amido de milho...

O Guilherme tinha por volta de quatro anos, e pelo excesso de energia, própria

da idade, vez por outra, “pintava” uma assadurazinha no seu bumbum, que a cuidadosa

mãe tratava com maisena e uma pomada de uso específico... Até aí, nada de

excepcional. Mas “vó” adora passear com neto. Um dia a avó Geni levou Guilherme até

o mercado e o sujeitinho, folgado que só, embarcou no carrinho com ela de “motorista”.

Compra isso, olha o preço daquilo, de outro aquilo também, e por aí afora. Até

que a avó resolveu pegar na prateleira uma embalagem de maisena... Guilherme ainda

não sabia ler, mas reconheceu a embalagem, memorização que nenhuma criança tem

dificuldade, somente a indagação do neto é que deixou a avó Geni um tanto quanto

embaraçada. Guilherme apanha a caixa dentro do carrinho, mostra para avó e tasca:

– VÓ, É PRA PASSAR NA BUNDA????

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DANÇA COM PENAS...

Lembra aquela velha piada do alemão que chegou ao Brasil e a primeira palavra

que aprendeu foi feijoada e durante uns quinze dias ficou comendo a mesma coisa?

Claro que lembra... Depois ele tentou trocar por um sanduíche e, vem aquela história do

quente e frio e o coitado voltou a comer feijoada... O mesmo, ou quase, se deu com o

Gustavo, com seus três anos e uma fala ainda muito enrolada.

No parque do Ingá, em Maringá, o garoto se encantou com um ganso. Chamou a

atenção da mãe para a empenada ave e mandou ver:

– MÃE, OLHA O DANÇO...

A mãe, que tenta ensinar, corrigir, pergunta o nome do bicho. Gu volta, da

mesma maneira, a responder que era “danço”, e ficam os dois naquela (também quase)

infindável disputa, a mãe perguntando e ele respondendo:

– É DANÇO...

Lá pela décima oitava vez, Gustavo já tava mais brabo que gago em briga... É

“danço”...

– É o quê? – quer saber a “chata” da mãe.

Gustavo põe fim à leréia:

– OLHA LÁ O PAAAAATO !!!!!!!!!

DEPOIS EU “VÔ”...

Quase toda criança tenta falar, ou seguir, em sua ótica o que os adultos estão

dizendo e tem também vocabulário exclusivo. Dia desses, por exemplo, naquela

tradicional troca de letras ("c" pelo "t", principalmente), o pai Sandro “atropelou” um

piolho de cobra e o pobre bichinho acabou por falecer... Gustavo explica pra todo

mundo que o pai matou um piolho de “toba”. Noutro dia, Gu estava jantando (ele adora

macarrão!) e sua mãe achando que já “tava” na hora de parar, perguntou ao filhão:

– Gu, você quer mais ou chega?

Só a mãe deve ter entendido o que o filhote respondeu:

– EU QUERO MAIS DEPOIS EU “VÔ” CHEGÁ!!!

CLARO QUE VOCÊ “PÓDA”...

Gustavo está com dois anos e pouco, é o irmão mais querido do Guilherme,

filhote da Bete e do Sandro. Gustavo não é gordo, aliás, muito boa pinta esse sujeitinho,

mas parece ter o traseiro muito pesado e o carinha não gosta muito de movê-lo, isto é, é

mais folgado que colarinho de palhaço. A mãe corta um doze para atender todas as

solicitações do jovem, mas de vez em quando, em razão de trabalhar fora, ter outros

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afazeres, não é possível resolver os “problemas” do filhão. E, como toda a criança de

sua idade, ele tem também seu vocabulário próprio, que a mãe, quase sempre, acaba

“traduzindo”.

Criança tem aquela coisa de crescer de vez em quando, e também ser pequeno

quando é conveniente... Basta a mãe atravessar a soleira da porta que Gustavo a quer

com exclusividade, para atender todos os seus desejos, suas vontades...

O diálogo entre mãe e filho aconteceu recentemente.

Gustavo “tá” ali grudado na mãe, parecendo até um centroavante marcado por

um zagueiro, sabe aquele cara que vai atrás do outro até pra fora do campo? Gustavo é

assim. E ainda tem a pachorra de discordar da mãe, principalmente quando o assunto é

do interesse dele. Dia desses, por exemplo, a mãe super ocupada e ele pentelhando, aí

Gustavo pede pra mãe apanhar alguma coisa pra ele, a mãe responde:

– Agora eu não posso...

Gustavo não quer nem saber por que e volta a afirmar:

– POSSA SIM...

GUILHERME DA SILVA BEDINSANDRO BEDIN

GUSTAVO DA SILVA BEDIN

PAISBete / Sandro Bedin (Gui e Gu)

Geny / Jaime Bedin

AVÓS MATERNOSMercedes / Bruno Nanuzzi

Julieta / Antônio Lopes da Silva (Gui e Gu)

AVÓS PATERNOSDolores (Dona Lola) / Mário Bedin

Geny / Jaime Bedin (Gui e Gu)

Desconhecido...

A família está reunida vendo os álbuns de fotografias. Lá esta a

foto de um jovem elegante, porte atlético, ar simpático. A Mariazinha

vira-se para a mãe e pergunta:

– Quem é esse homem tão bonito, mãe?

– Esse aí é o seu pai, Mariazinha.

Mariazinha chega perto do ouvido da mãe e pergunta bem baixinho:

– E quem é aquele gordo, feio e chato que mora com a gente?

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GISELI YAMAGUCHI BEDIN

PAISVitória / Durvalino Bedin

AVÓS MATERNOSDolores (Dona Lola) / Mário Bedin

AVÓS PATERNOSNair / Shigueo Yamaguchi

PARABÉNS PRO DEFUNTO...

Giseli não tinha completado dois anos quando, num dia de finados, os avós Nair

e Shigeo resolveram levar a gatinha até o cemitério, coisa que ela, até então, não tinha

feito. Uma aventura a mais nas tantas que viriam pela frente. Criança observa tudo e tem

o cérebro privilegiado (o dela, então, quase sem uso) e uma precocidade incrível de

tanto ver televisão, ouvir outras pessoas, conviver com crianças da mesma idade, acaba

virando “fera”, mesmo sem ter ainda dois anos, caso da enfocada.

Giseli não era diferente...

No cemitério, ela deve ter achado que era uma festa coletiva, já que tinha lá um

montão de gente, com as mãos cheias de flores, andando pra todo lado. Outra coisa que

ela deve ter achado estranho eram as alturas das mesas, muito baixinhas, mesmo pra

ela... É o seguinte, quando seus avós se ajoelharam diante do túmulo que foram visitar,

assim que acenderam as tradicionais velas, não deu outra:

Embora solitária, sem ninguém a acompanhando, Giseli, feliz da vida, batendo

palmas, mandou ver:

– PARABÉNS PRA VOCÊ !!!!!!

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NÃO COMERA, POR QUE DEIXARA?

A gatinha Josiane, em companhia dos pais, como quase em todos os

domingos, vai almoçar na casa da “vó Lola”. Além de “leonística” fome e

“camelídea” sede, mais papagaio, gato, cachorro, uns animais de estimação e outros

nem tanto, levaram também um frango assado e duas garrafas (daquelas grandonas)

de refrigerante.

Comeram, beberam, sujaram pratos, garfos, facas, travessas, toalhas de mesa,

banho e rosto, enfim, mordomia total; coisa de avó. A comida era tanta (coisa típica de

italianos) que o galináceo que levaram sequer foi desempacotado. Após o lauto

banquete, depois de colocarem a conversa em dia, chegou a hora de voltar para casa. Na

despedida, recomendações, beijos, abraços, essas coisas bonitas que acontecem e

envolvem as dominicais visitas.

Por falar em envolver, os adultos envolvidos com a cerimônia da despedida, não

perceberam que Josiane tinha desaparecido. Logo em seguida, vem a garotinha se

aproximando dos demais, carregando o tal pacote com o filho da galinha, também

conhecido por frango, gesto que o pai tenta impedir, achando-o, no mínimo, indelicado:

– Não, filha, leva o frango de volta pra geladeira.... Pode deixar ele lá.

Josiane, discordando do pai, justifica:

– NÓIS COMPRARA, NÓIS LEVARA!!!

O MESTRE BEBUM...

Em Jandaia do Sul havia um professor que todo mundo gostava. Gostava é

pouco; adorava seria mais coerente. Era um sujeito que além de competente, era

também muito sério, daqueles professores que os colegas e os alunos nunca esquecem.

Mas, como ninguém é eterno, o grande mestre acabou falecendo.

Comoção geral. A cidade, literalmente, parou no seu sepultamento. O professor

Antônio Fávero era amigo do ilustre professor, mas viajando, não conseguiu chegar a

tempo para as exéquias do colega. Poucos dias depois do sepultamento, Fávero,

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acompanhado da filha Josiane, de aproximadamente cinco anos de idade com uma

imaginação fertilíssima, vai até o túmulo do professor de Jandaia...

Demonstrando o carinho que a cidade tinha com o falecido, seu túmulo ainda

estava coberto de flores, com as mais diferentes homenagens: da Prefeitura, Câmara,

Lions, Rotary, Maçonaria, dos colegas professores e também de diversos

estabelecimentos de ensino, não só da cidade, mas de outras, da vizinhança. No entanto,

uma coroa, faltando uma letra, no final, chamou, particularmente, a atenção de Josiane.

A letra que caiu, diga-se de passagem, forma o nome de duas cidades do Paraná: uma,

Santo Antônio a outra, São João do Caiuá (um trocadilho infame), só pra comparar.

Josiane só viu aquela coroa com a vogal “a” caída, às outras, nem notou e fez a seguinte

observação e ao mesmo tempo mudar o tom triste de seu velho:

– NOSSA, PAI, ELE DEVIA BEBER MUITO... ATÉ A ESCOL MANDOU

FLORES PRA ELE!!!!!!!

JOSIANE FÁVERO

PAISOfélia / Antônio Fávero

AVÓS MATERNOSMercedes / Bruno Nanuzzi

AVÓS PATERNOSDolores (Dona Lola) / Mário Bedin

Talento

A garotinha exibicionista, mostra suas habilidades

na bicicleta. Vai lá, volta e grita para o pai:

– Olha, pai: sem as mãos.

Dá outra volta.

– Olha, pai: sem os pés.

Mais outra volta e ...capummm! Uma bela queda!

– Olha, pai: sem os dentes.

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JOSIANE BEDIN FRANÇA

VINÍCIUS TADEU BEDIN FRANÇA

JÔNIA BEDIN FRANÇA

PAIS

Clarice / Tadeu França

AVÓS MATERNOS

Dolores (Dona Lola) / Mário Bedin

AVÓS PATERNOS

Maria / Militão Bento França

A IRMÃ É MINHA E NINGUÉM TASCA...

A Josiane é a mais velha (nem tanto!), Vinícius, do meio, e a caçulinha é Jônia.

Este belo trio forma a família de Clarice e Tadeu. Jônia é a própria ternura, não briga,

não xinga... Josiane é muito bem comportada e também muito educada e, como os

demais, inteligente que só... O Vinícius... Bem o Vinícius é moleque. E moleque é

moleque, e de vez em sempre, apronta das suas. Uma das coisas que o sujeitinho, talvez

pra provar que é macho, adorava fazer era bater (bater mesmo!) na irmã mais velha,

Josiane, que não reagia.

Mas, como ninguém é de ferro, vez por outra, reclamava com a mãe, que

resolveu mostrar ao filhote quem é que manda, impondo-lhe a autoridade e também

limites... Após mais uma das tantas investidas contra a irmã, Clarice aplica-lhe uma

correção “federal”, bronca pesada. Sabe aquele negócio de “se você fizer isso de novo”

vai acontecer aquilo, e por aí adiante... Vinícius, com uma das orelhas entre o polegar e o

indicador da mão da mãe, ouviu em silêncio... Mas assim que se livrou dos dedos, com

uma certa distância, onde não corria tanto “perigo”, desafiante, mandou ver:

– A IRMÃ É MINHA E EU BATO NELA QUANDO QUISER!!!!!

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PALAVRÃO “IDOSO”...

Vinícius, em razão de o pai, por inveja pura (?) ter também o mesmo nome, é

mais conhecido, principalmente no meio familiar, como Vinicinho... O irmão do Pietro

já tá meio “coroa” - com quase sete anos e estuda numa escola da área central de

Maringá. Sabe-se lá por que cargas d'água o sujeito quer trocar de escola, mudando para

uma outra que fica num bairro muito distante... A avó Clarice que sempre o leva e busca

na escola, chia barbaridade, não concorda com o neto e pede uma explicação plausível:

– Vinicinho, por que é que você quer estudar lá na puta que pariu?

Aí a coisa engrossa, fica feia, mas pro lado da avó. Só faltou o carinha tirar o

chinelo ou o cinto, mas a bronca foi pra valer e, provavelmente, a mãe de seu pai, não vai

cometer jamais tal desatino, já que a censura do pequeno Vinícius é pra nunca mais

esquecer:

– NOSSA, VÓ, EU NÃO SABIA QUE GENTE DA TERCEIRA IDADE

FALAVA ESSAS COISAS!!!!!

BONÉ PROTETOR

Vinícius é o primeiro filhão do casal Aline e Vinícius França. O carinha ainda

nem fala, mas engatinha e faz outras coisitas mais. Uma delas é subir num sofá que fica

encostado na janela. Subir no sofá parece óbvio, só que o enfocado subia mesmo é no

encosto do sofá, onde ficava sentado, cheio de pose, até que alguém o retirasse...

Quanto mais se dizia que aquilo era perigoso, mais ele teimava.

Um belo (?) dia, não deu outra, sujeitinho se despencou do tal sofá e ainda bem

que bateu a parte mais dura do corpo, isto é, a cabeça. Foi um tombo e tanto, e de ponta-

cabeça, o que provocou um corre-corre danado.

Depois de médico, benzedeira, rezadeira, e mais um montão de outras eiras e

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VINÍCIUS TADEU BATISTUSSI FRANÇA

PAISAlline / Vinícius Tadeu Bedin França

AVÓS MATERNOSBerenice / Alan Kardec Batistussi

AVÓS PATERNOSClarice / Tadeu França

eiros, sobraram alguns pontos e curativos na cabeça do descabeçado. Onde é que já se

viu subir no encosto do sofá, sem sequer saber andar direito?

A avó Clarice deu uma baita bronca no neto, que por motivos também óbvios,

não respondeu (o carinha nem falava...) A didática avó explicava ao netão:

– Você não pode subir aqui, é perigoso, você pode cair, e se cair vai machucar a

cabecinha de novo, e coisas do gênero.

Vinicinho parece ter entendido tudo. Mas no dia seguinte, por sua atitude,

“disse” aos pais e à preocupada avó, com um gesto desafiante que, a seu ver, aquilo de

subir no sofá não tinha mais nenhum perigo, e para desespero de todos, tava lá, cheio de

razão, novamente no mesmíssimo lugar, com um boné na cabeça. Se caísse, só

“machucaria” o boné...

Adultos não entendem nada de criança!

Mascote

A família toda reunida janta, e depois de pagar a

conta o pai diz ao garçom:

– Embrulhe essa carne que sobrou que vamos levar

pro cachorro.

– Obá! – gritam em coro as crianças. – Papai vai

comprar um cachorro pra gente!

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DEMISSÃO PROMOVIDA

Amadeu da Silva Félix Júnior, também conhecido como Júnior, é filho da Elza e

do, lógico, Amadeu. Júnior está no prézinho (na Escola Adventista, em Cianorte - PR),

não conhece, portanto, o significado de muita coisa, mas tem suas “tiradas” como toda

criança de sua idade. Nem sempre fala, mas adora ouvir os adultos, com aquele

“aparente desinteresse”...

Amadeu pai, funcionário da Receita Federal, após anos e anos de trabalho, um

dia chega em casa feliz da vida; recebera um reconhecimento por sua lealdade e

dedicação. Na hora do jantar, família reunida, anuncia a boa notícia:

– Fui promovido!

Como os demais, Júnior também escutou. Aconteceram parabéns, brindes etc.

No dia seguinte Júnior, logo cedo, vai para sua escolinha e, todo “metido”, em

todas as rodinhas, dá, do seu jeito, a notícia que tanto alegrara a família, mas, pouca

coisa diferente. Dizia o sujeitinho, cheio de razão:

– MEU PAI FOI DEMITIDO...

Como é que pode uma coisa dessas?! Afinal Amadeu muito conhecido e

competente ser vítima de tamanha sacanagem, sacanagem mesmo, injustiça era pouco.

A “tia” Onide Carraro ficou indignada e também intrigada em razão do contentamento

de seu aluninho. Além de amiga da família, morava na mesma rua. Não deu outra: logo

após o expediente, foi conferir com Elza o que realmente havia acontecido, e até hoje

dão risada da demissão promovida, claro, pelo Júnior e seu famoso “zecabulário”...

LOBISOMEM DESDENTADO...

O Júnior, com mais ou menos, dois anos, talvez, por ouvir outros falarem,

mesmo sem “conhecer”, falou pra mãe que tinha medo de lobisomem. O pai, pra

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sacanear o filhote, quando ele estava por perto, fazia de conta que não o estava vendo e

dizia que estava acontecendo, principalmente em noites de lua cheia, coisas estranhas

com ele, que suas unhas estavam crescendo, os dentes idem, enfim, “pintava-se” do

bicho... As unhas crescidas talvez não tenham assustado tanto o garoto (que também

fazia de conta que nunca tinha escutado a conversa do pai - um não sabia do outro e o

outro não sabia de um...) mas os dentes...

Numa certa manhã, o filho chega apressado e nervoso pra mãe e faz-lhe uma

proposta, pra ele, decente:

– MÃE, O PAI TÁ LÁ NO BANHEIRO... EU VÔ PEGAR UMA CORDA E

VOCÊ VAI ME AJUDAR A AMARRAR ELE... VOCÊ SEGURA EU AMARRO...

A mãe, intrigada, não entendeu o que o filhote exatamente quis dizer, e pergunta:

– Amarrar o pai pra quê?

A resposta veio rápida, desvendando a preocupação do garoto:

– A GENTE AMARRA ELE E LEVA NUM DENTISTA E MANDA

ARRANCAR TODOS OS DENTES...

AMADEU DA SILVA FÉLIX JÚNIOR

PAISMaria Elza / Amadeu da Silva Félix

AVÓS MATERNOSAna / Geraldo Fernandes Reis

AVÓS PATERNOSLázara / Joaquim da Silva Félix

O gênio

O pai, orgulhoso do rebento, exibe-o aos amigos.

– Ele já conhece as letras do alfabeto, não é Joaquinzinho?

– É. – responde Joaquinzinho.

– Diga pra eles qual é a primeira letra do alfabeto,

Joaquinzinho.

– É a letra A.

– Viram? Esse garoto é um gênio! Agora, diga o que vem

depois da letra A.

– Depois do A vem as outras...

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XIXI QUASE NOBRE...

A Thaís era mais arteira que filósofa, ou seja, aprontava mais que falava. Dizem

que o apressado come cru. Um outro ditado, no mesmo sentido, ensina, que o ansioso

nem espera a batata assar... A Thaís não tinha ainda dois anos, era comilona e gostava

muito de coisas doces (baita novidade essa!), principalmente bolo de chocolate, não

dando muita bola pra receita ou quem fizesse.

Um belo dia, como tantos outros, a mocinha pediu à mãe que fizesse um bolo

pra ela. A mãe “obedeceu” preparou a massa, enfiou na assadeira e tacou no forno. O

“bicho” cresceu, ficou lindão. Thaís adorou o visual. A mãe deixou-o no forno para

esfriar e foi cuidar de outros afazeres. Thaís ficou “cuidando” do bolo. Algum tempo

depois uma vozinha, quase desesperada, chama a atenção de Lia, a mãe, que de onde

estava quase não ouvia: era a filhota dizendo apenas MÃE... MÃE... É que num

pequeno acidente a filhota, tentando agarrar o bolo, tombou com fogão e tudo, e a voz

saía baixinha, já que sua posição era não muito cômoda; afinal, estava dentro do fogão,

com a cara enfiada no bolo e de cabeça para baixo...

Thaís também tinha medo de tudo que fizesse barulho: trovão, foguete, moto e,

por incrível que pareça, de descarga de banheiro. Em determinado dia, Rose, a

secretária, que praticamente a conheceu dias depois de nascer, resolveu tirar o medo da

gatinha e a levou até o banheiro e, com jeito, apertando a descarga, disse a ela que não

precisava ter medo, que não era perigoso... Mesmo assim, a mocinha deu no pé. Rose

continuou seu trabalho, limpou o vaso e desinfetou com aquele “treco” colorido.

Passado o barulho e o susto, Thaís volta e, admirada, diz pra sua amiga (até hoje) algo

que a fez rir e muito; se fosse azul, seria nobre. É que a miudinha, de olhos arregalados

olhou para Rose e constatou:

– EU NÃO SABIA QUE O SEU XIXI ERA COR DE ROSA !!!

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AMEAÇA...

Rodrigo, o irmão predileto de Thaís, com cinco, seis anos, entrou para a escola,

onde não era nenhuma “Brastemp”, depois ficou bom... Mas o começo foi um tanto

quanto complicado. A mãe Rosely é tranqüilona, leva a coisa na “maciota”. Já o pai

Renato, muito atencioso com os filhos, é enérgico, sabe cobrar, sabe exigir... Se a mãe

não “assustava” os filhos, com o pai a conversa era diferente...

Um belo dia, Rodrigo tirou uma nota menor que o salário mínimo, baixinha,

baixinha... O que fazer? A mãe não era tanto problema, mas o pai... E o pior, um dos

dois tinha de assinar o fatídico boletim. Ao pai não teve nem coragem pra falar,

também com a mãe não quis arriscar. Assim pensando, resolveu “falsificar” a

assinatura da genitora em tal documento. A professora duvidou da assinatura da mãe e

ligou pra ela... Bronca feia... Renato deu um chega pra lá no filhão. Bronca pra mais de

metro...

No dia seguinte, ao voltar da aula, com a poeira aparentemente já assentada,

Rodrigo conversa com a mãe:

– MÃE, HOJE EU PASSEI EM FRENTE UMA CASA QUE TAVA ESCRITO

CONSELHO TUTELAR...

A mãe não entendeu o porquê da estranha afirmação... Com tanta coisa pra

ver... Intrigada, quer saber do filho:

– E o que é que tem isso?

Aí Rodrigo, como não quem quer nada, confessou à mãe o verdadeiro motivo:

– É QUE EU TÔ PENSANDO EM LEVAR O PAI LÁ POR CAUSA DE

ONTEM!!!

RODRIGO SOARES FREITAS (Digão)THAÍS SOARES FREITAS

PAISRosely (Lia) / José Renato Freitas

AVÓS MATERNOSAurora / Jairo Campos Soares

AVÓS PATERNOSLídia / Benjamim Freitas

Observação do garotinho ao ver um senhor passar com uma bengala:

– PAI, OLHA LÁ UM HOMEM COM UM GUARDA-CHUVA PELADO!

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CRISTIANO BOLSONI DE SOUZA (Nano)

PAISIara / Fernando Tadeu de Souza

AVÓS MATERNOSEster / Aureo Bolsoni

AVÓS PATERNOSCélia Alcântara Rosa / Domingos Fernandes de Souza

EU SAÍ SOZINHO...

O Cristiano com três anos, acompanhou os pais que saíram de Maringá e foram

para Cuiabá. O garotão arrumou por lá, logo de cara, um punhado de amigos com os

quais ele e também o irmão Athos brincavam o dia inteiro.

Num belo dia, estão brincando num terreno baldio e lá encontram uma cisterna,

baixa, sem tampa, e água até quase a boca, da qual era tirada água para os animais. E

qual é o garoto que não tem a curiosidade de olhar pra baixo? Cristiano, com um

bichinho de pano a tiracolo, debruçou-se para ver o que tinha dentro e despencou poço a

dentro. Foram instantes de muita apreensão, mas logo em seguida o garotão veio à tona,

sem se desgrudar de seu bichinho de estimação.

Dois anos depois, relembrando o fato, avó Célia, com fé e gratidão, comentou:

– Foi Deus que tirou você do poço!

Cristiano, cheio de orgulho pelo feito, emendou:

– NÃO VÓ, FUI EU QUE SAÍ SOZINHO...

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SÉRGIO AUGUSTO ROSA DE SOUZA (Sanhaço)

PAISCélia Alcântara Rosa / Domingos Fernandes de Souza

AVÓS MATERNOSMaria José / Joaquim P. Souza

AVÓS PATERNOSAnésia / Teodorico de Souza

LIVRE DA PROFESSORA...

Sérgio Augusto, com oito anos, estudava no Instituto de Educação, em Maringá,

e cursava a terceira série. Na época, estava estreando no cinema nacional um filme que,

aliás, fez muito sucesso; o clássico “Independência ou Morte”.

Um belo dia, assim que a professora deixou a sala, Sérgio subiu à mesa, sacou de

sua espada, representada por uma régua e, com exagerado entusiasmo, tascou o célebre

grito de independência... O pior é que sua independência durou muito pouco: a

professora supreendeu-o e não deu outra; – foi parar na diretoria... E a coisa não

engrossou mais, nem teve maiores conseqüências porque a diretora, Professora Iara

Barnabé, que um dia também foi criança, (tem muita gente que esquece...), entendeu

perfeitamente o gesto do pequeno aluno que, apenas repetiu a cena histórica do filme

nacional, tornando-se o Tarcísio Meira da escola.

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Todos nós somos crianças,mesmo fingindo que não:

brincamos com esperanças,nossas bolhas de sabão...

Maria Thereza Cavalheiro

EU ESTOU AQUI, TIA!!!

Lembra aquele antigo jogador de futebol apelidado Viola? Lembrou? Viola tinha

mania de falar as coisas na terceira pessoa, isto é, em vez de falar eu fui, dizia o Viola

foi... O Viola vai marcar um gol no jogo de hoje etc. e tal. Esse polêmico boleiro que

passou pelo Corinthians, Palmeiras, Santos, Brumarim da Serra, entre tantas outras

equipes (só não jogou em Jussara e Marialva...), acabou fazendo escola, deixando

seguidores, como o Lucas, de dois anos e meio, um dos sobrinhos prediletos da tia

Silvana, que se derrete em gentilezas para agradar os filhotes de seus irmãos, além dos

“agregados”. Quando está falando com Lucas, Silvana acompanha até o modo de

falar...

Um belo dia, “tá” lá a tia passeando com o sobrinhão. Silvana, querendo saber

como está o aprendizado de Lucas, pergunta:

– Fale pra titia: o que o Lucas está fazendo na escola?

Lucas, sentadinho no banco traseiro, de acordo com o figurino e a Lei, estica-se

todo para responder:

– TITIA, O LUCAS NÃO ESTÁ NA ESCOLA, AGORA! O LUCAS ESTÁ

PASSEANDO DE CARRO COM A TIA SIL!

LUCAS FLAUBERT ALARCON BORGES

PAISMarcela / Lúcio Flaubert Alarcon Borges

AVÓS MATERNOSAnna / Jair Alarcon

AVÓS PATERNOSAnna / Job Ribeiro Borges

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DÚVIDA EXISTENCIAL

A tia pediu ao Job Diógenes, mais conhecido por Didi, sua certidão de

nascimento, sabe lá Deus por quê. Didi chega da escolinha e fala com sua mãe a respeito

da solicitação da professora. O carinha só tinha três anos, mas o documento, raramente

usado nessa idade, escafedeu-se. A mãe, nem por decreto, conseguia achá-lo. É um tal

de mexe no armário, revira gaveta, fala com São Longuinho (dá uns 14 pulinhos...) e

nada do “bicho” aparecer.

O filhote, de camarote, acompanhava o já quase desespero da mãe, sem

nenhuma preocupação aparente. Afinal, o problema não era dele.

Nessa altura do campeonato, depois de tanta procura, a mãe, entre irritada e

intrigada, deixa escapar:

– Eu não acho a certidão de nascimento desse menino!

Didi, que ouviu atentamente o desabafo da mãe, mais assustado que indignado,

quer saber:

– MÃE, ENTÃO, EU NÃO NASCI???

JOB DIÓGENES RIBEIRO BORGES (Didi)

PAISAnna / Job Ribeiro Borges

AVÓS MATERNOSDivina / José Anacleto Garcia

AVÓS PATERNOSRita / Braz Ribeiro

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COVARDE, EU?????

Luana tem cinco anos, sua irmãzinha Letícia, somente dois. Luana é filha de

Henrique e Liliane. Um belo (?) dia, ela deu umas porradas na coitadinha da Letícia;

não chegou a ser uma surra de matar, mas a mais novinha apanhou. A avó Maria do

Carmo mostrando sua autoridade e também fazendo justiça, deu-lhe uma tremenda

bronca:

– Você não tem vergonha de bater numa criança menor que você? Isso é

covardia, sabia?

A resposta de Luana fez a sabidona da vovó pensar um pouco... Se ela, quase do

tamanho da irmã, era covarde, imagine a “outra”. Luana deu de ombros e tascou:

– EU NÃO! COVARDIA É DA MINHA MÃE, DAQUELE TAMANHO E

AINDA BATE EM MIM!...

PAISLiliane / Henrique Jorge

AVÓS PATERNOSMaria do Carmo / Sebastião Magalhães

Mesmo fim...

– Seu Joaquim, me dê um rolo de papel de limpar bunda.

– Não fale assim, garoto. Diga somente ‘um rolo de papel higiênico’.

– Certo. Me dê um rolo de papel higiênico.

– Aqui está. É pra botar na conta?

– Não. É pra limpar a bunda.

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UM “MATADOR” BONZINHO...

Fátima Selma, a Fatinha, tem quatro anos, seu sobrinho Kildare, três. Os dois resolvem “criar” um estranho bicho de estimação: uma lagarta que eles chamavam de boizinho. Os dois estão brincando na casa dos avós de Kildare, Doralice e José Zito. Brinca pra lá, brinca pra cá, de repente, bem à tardinha, um grito de choro rompe o quase silêncio deles. Um corre-corre daqueles pra ver o que estava acontecendo lá nos fundos. Kildare chorava em todos os tons e sons: buááááá.... coeeeeennnnn... Lágrimas sentidas molhavam seu rosto. Fatinha, em pé, ao lado, parecia não ter nada com o peixe, “tava” nem aí. Mas o dedo indicador da mão direita de Kildare apontava para ela e soluçando dizia:

– A FATINHA MATOU A LAGARTA...Ao mesmo tempo em que aumentava o choro e seu volume.A avó do garoto viu no “pestinha” um “santo”, e admirada com a atitude do neto

afirmava, orgulhosa:– Olha gente, que menino bom! Que coração lindo! Que coisa linda... Chorando

porque “essa menina” matou a lagartinha.Na hora do “essa menina”, pra evitar ciúmes e também choro da filhota, a avó,

sem que o neto percebesse, piscou para Fatinha.O indignado Kildare contou para avó como é que a tia havia matado o boizinho e

o real motivo de sua revolta:– VÓ, ELA PISOU DEVAGARINHO...Uma morte lenta, sob tortura, inadmissível, lamentável mesmo, quanta

crueldade. Um pecado e tanto cometera a maldosa gatinha, pensava dona Doralice. Mas Kildare estava mesmo era frustrado, quando para gargalhada geral e ainda

soluçando, afirmou batendo o pé no chão sem retirá-lo, com uma volta completa sobre o calcanhar:

– EU QUERIA PISAR ASSIM Ó...

FÁTIMA SELMA MAGALHÃES (Fatinha)

PAISDoralice / José Zito Magalhães

AVÓS MATERNOSMaria / Antônio Nobre

AVÓS PATERNOSCristina / Teodulfo Magalhães

KILDARE MAGALHÃES CRUZ (Kikil)

PAISMaria Auxiliadora / Kleber Cruz

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MEDO ATÉ DO NOME...

Murilo Filho estava com três anos, e com a mãe Luzia e Murilo pai foram visitar

os avós em Fortaleza. Você sabe como é que ficam os avós com visita de neto, com

Murilinho foi uma festa. Era mordomia que não acabava mais. Não só dos avós, mas

também das tias e tios.

É novidade de ambos os lados e todos acabam gostando, criança ainda mais.

Nesse clima, o tio Francisco resolve levar todo mundo pra um pedaço de paraíso

chamado Prainha, em Aquiraz, ali por perto.

O carinha todo feliz no colo da mãe, “tá” adorando a viagem e a paparicação da

família. Chegando à praia, ao passar na vila, mais precisamente na aldeia dos

pescadores, um baita porcão (e põe baita nisso!), devagarinho, atravessa na frente do

carro. Murilo nunca tinha visto um bichão daqueles, nem pequeno, a bem da verdade. O

sujeitinho ficou apavorado, arregalou os olhos e quis saber:

– O QUE É ISSO?

– É um porco, responde a mãe.

Murilo, entre surpreso e aliviado, encerrou a conversa:

– EU PENSIA QUE ERA UMA ONÇA!...

FOI ELE, MÃE...

O Murilo Filho, já apresentado, não tinha ainda completado quatro anos. A mãe

resolve levar o filhote numa igreja. E o fez. Era uma igreja católica. Lá chegando, para

ele, tudo era novo, Murilo fica indignado quando vê uma imagem de Jesus Cristo, todo

ensangüentado, nos braços da mãe, Maria. Indignado é pouco, Murilo ficou

horrorizado, chocado, e botando pra fora seu espírito de justiça quis saber:

– MÃE, QUEM FEZ ISSO COM ELE?

A mãe ficou pasma, quieta, calada, sem voz, sem ação, mudinha da silva.

O filhote que gostava de assistir na tevê um desenho chamado Cavaleiros do

Zodíaco, assimilando a fala de tal desenho, com a inusitada visão, diante de tamanha

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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crueldade, fez suas deduções e voltou a falar:

– JÁ SEI, FOI O INIMIGO...

A mãe senta-se e começa a prestar atenção na missa que estava começando. O

curioso e indignado Murilo vai lá pra frente. Algum tempo depois, ele vê uma imagem

de São Judas Tadeu com sua lança. Boa parte das pessoas presentes, mesmo sem

entender o que estava se dando, já que não ouviram a conversa de mãe e filho, não

deixaram de cair na risada, quando o “detetive” Murilo gritou para a genitora:

– MÃE!

E apontando a imagem, completou:

– OLHA O INIMIGO!!!!!

MURILO MACEDO FILHO (Murilinho)

PAISLuzia / Murilo Macedo

AVÓS MATERNOSDoralice / José Zito Magalhães

AVÓS PATERNOSOyara / Luiz Augusto Macedo

Da terra ao céu - que distância !

Tão grande, mas, mesmo assim,

pude vencê-la na infância,

quando o Céu morava em mim !!

Otávio Babo Filho

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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BÁRBARA LARISSA SANTOS (Balissa)

PAISNilcéia / Orlei Jesuino dos Santos

AVÓS MATERNOSMaria Aparecida / Antônio Jesuino dos Santos

AVÓS PATERNOSNeuza / Valdevino de Matos

UM “BICHÃO” DE GUARDAR LÍQUIDO

Bárbara Larissa - Balissa -, com dois anos recentemente completados, é a

simpatia em pessoa. Vive sorrindo, e em razão da idade “come” uma letra e outra

quando fala. Em se tratando de homem, ela chama de migo, mulher é miga, assim todo

mundo é migo e miga da gatinha.

Balissa, em companhia da tia Léia, vai quase todos os dias na casa do Paulo e

Ione visitar suas amigas Carol e Paula, assim como os pais delas. Sua conversa gira

sempre em torno do que aprende na escolinha. Um dia contou que estava aprendendo os

nomes dos bichos: cachorro, gato, cavalo, etc. Paulo, a quem considerava migo querido,

quis participar da conversa, entra no papo e quer saber:

– Como é o nome daquele bichão de pescoço comprido?

A resposta vem na bucha com toda certeza e a maior segurança do mundo:

– É GARRAFA !!!!

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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A TIA NÃO DEU: COMPROU PRA MIM...

Rebeca está com seis anos e está na pré-escola e quer porque quer um caderno de

dez matérias usado pelos universitários. Pela contradição e bom senso, sua mãe jamais

compraria um “trem” desses... Mas Rebeca tem lá seus métodos de obter o que quer... A

tia Ione e o tio Paulo têm um mercado onde começou o “namoro” com tal caderno...

Mas sua mãe a proibiu terminantemente de comprar qualquer coisa dos dois, já que a

mocinha é consumista que só, compra até capim pegando fogo, e dos tios então... Aí é só

festa... A mãe também pediu aos tios que não vendessem nada pra ela... Esse “vender”

não tá muito claro... Rebeca é muito simpática, jeitosa, e repito, tem sua própria

metodologia, aliás, infalível de alcançar seus objetivos, mas não podia comprar (nem

levar na “flauta” já que a proibição valia também para os tios)... E o cadernão???

Rebeca está apaixonada pelo dito cujo... Anda pra lá, anda pra cá e seus olhos de

jabuticaba não desgrudam dele... A tia Ione começa a se preocupar com aquele jeitão de

Rebeca e pergunta o que está acontecendo. Rê aponta o caderno, “entregando” a mãe:

– SABE, TIA IONE, A MINHA MÃE FALA QUE VAI COMPRAR UM

CADERNO DESSES PRA MIM, MAS NUNCA COMPRA...

O coração da tia, que é professora, balançou e aí começou entre as duas um

diálogo quase que infindável:

– Então, Rê, pode pegar o caderno, a tia dá de presente pra você....

– A MINHA MÃE NÃO DEIXA...

– Mas é a tia que está dando...

Rebeca dramatiza:

– NÃO TIA, NÃO POSSO...

Será que ela abriu mão da conquista?

– Então, “tá” bom, se você não quer...

Claro que ela queria, ela não se “entregaria” tão fácil assim... Rebeca continua

com seu vai e vem, sempre de olho no tal caderno... Aí sua cabecinha começa a

encontrar meios de obtê-lo, já que não podia comprar nem ganhar de presente, achou a

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solução e acabou conseguindo, mais uma vez, o objeto de seu momentâneo desejo:

– ENTÃO, TIA IONE, VOCÊ FALA PRA MÃE QUE VOCÊ NÃO ME DEU...

VOCÊ FALA QUE COMPROU NA LIVRARIA...

E, com aquela carinha sapeca, olhos brilhando concluiu:

– E DEU PRA MIM, TÁ??? E foi embora com seu “universitário” de prezinho...

INTERESSEIRA...

Rebeca vê em sua prima Cláudia, a quem chama de tia, já que Claudinha tem

alguns aninhos a mais que ela, a sua “ídala”. Cláudia realmente é muito bonita, se veste

bem, tá sempre de sapatos altos, muito bem maquiada, usa jóias de verdade, é linda,

enfim, uma Ana Hickman em carne e osso ou como dizem os gaúchos, ela é uma gota de

orvalho numa folha de inhame numa manhã ensolarada. Rebeca acha bonito até o seu

rastro, sua roupa, suas coisas, tudo... E tenta imitar a prima Curitibana.

Num natal em casa dos avós Olga e José Bordin, em Jussara, Rebeca “fuça” na

bagagem de Cláudia e depois vem falar com a prima:

– TIA CLÁUDIA, O TEU PAI DEIXA VOCÊ DAR TUAS COISAS VELHAS

PARA OS OUTROS?

Cláudia fica intrigada. Ela não iria carregar coisas velhas, e “beirando” os trinta

janeiros, não é e nem tem coisas assim... Estranha a pergunta, pensa um pouco e

responde:

– Olha Rebeca, eu acho que sim!...

A resposta de Cláudia revela o motivo real de a priminha ter mexido em suas

coisas...

– A SUA MAQUIAGEM JÁ TÁ VELHA, ENTÃO, VOCÊ DÁ ELA PRA

MIM?

MISERÊ...

Rebeca está com cinco anos, a filha do Teodoro e da Maria Helena vive com os

pais num amplo e confortável apartamento em Ibaiti, onde tem muitos amigos.

Freqüenta o clube que tem parquinho, uma baita piscina e tantas outras mordomias que

ela desfruta sem nenhuma modéstia... A mãe de Rebeca é professora, o pai lida com

madeira.

Teodoro vai para Rondônia montar um fábrica de móveis. A mãe recebe uma

licença (3 meses) no colégio onde trabalha e, com a filhota a tiracolo se manda pra

Rondônia a fim passar a temporada com o maridão...

Lá, a coisa é um pouco diferente de sua casa no Paraná... O pai se “esconde” na

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própria fábrica, tudo é improvisado, menos a preocupação do pai em dar um certo

conforto para a filhota... Teodoro usa uma caminhoneta para os afazeres da indústria,

pois em Rondônia não é só a corrupção que é grande, o calor é maior ainda... É um sol

para cada pessoa, sol de estalar mamona...

O dedicado pai coloca uma lona na carroceria do veículo e enche o “bicho”

d'água, o que seria a piscina da filha... Rebeca se molha, se refresca, mas “tá” bastante

intrigada... Lá pelas tantas, numa distração do pai, Rebeca chama a mãe, e tristemente,

constata:

– COMO NÓS FICAMOS POBRINHAS, NÉ MÃE???

A FALSA

Após três meses no sol de Rondônia, Rebeca e a mãe precisam voltar para Ibaiti.

Rebeca tá triste, macambúzia, pensativa... Mas...

E chega o dia da partida... O pai as leva até o aeroporto... Rebeca tem adoração

pelo pai, paixão seria mais correto... O som anuncia a hora do embarque... Rebeca

“tarraca”, gruda, “se enrola” no pescoço do velho, não quer ir embora, não quer deixá-

lo, cena triste e por demais emocionante. Rê chora copiosamente, e põe choro nisso...

As pessoas próximas se comovem, o pai engole seco, aperta o peito, avermelha os

olhos, a mãe, com muito custo tira-a dos braços, ou melhor dizendo, do pescoço do pai.

O avião decola. O pai fica só naquele mundão...

O avião ainda nem tinha deixado direito o aeroporto, Rebeca abre um sorrisão,

de orelha a orelha, passa as costas das mãos nos olhos e manda ver:

– AGORA NÓS VAMOS VOLTAR PRA NOSSA VIDA DE RIQUINHA, NÉ

MÃE?

REBECA BORDIN DE ALENCAR

PAIS

Maria Helena / Teodoro Alencar

AVÓS MATERNOS

Anna Olga / José Bordin

AVÓS PATERNOS

Maria / Alonso Moreira de Alencar

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“BRINCADEIRA” CHATA...

Na casa de Carol todo mundo é católico. Católico mesmo, não só de fachada... A avó é católica, o avô, as tias, tios, primos, mãe, pai, a irmãzinha Ana Paula... Até seu ursinho de pelúcia... Todos, enfim... A mãe começa a mostrar o caminho à filhota ensinando-lhe como rezar o terço, explicando-lhe pra que é que serviam as contas, as maiores, as menores etc. e tal... Um belo ritual que consiste em perguntas e respostas... Mas criança gosta só de perguntar, responder; nem sempre... Ione reza:

– Ave Maria...Carol responde:– SANTA MARIA... E a coisa continua...!Lá pelo terceiro mistério, Carol perde a paciência e sentencia:– MÃE, VAMOS MUDAR DE REZA, PORQUE SEMPRE É A MESMA

COISA... SEMPRE A MESMA COISA...

VOCÊ TEM ALGO CONTRA MINHA MÃE???

A Carol, em companhia da mãe Ione e da avó Olga, vai à missa... Ana Carolina, Carolzinha para a “vó Olga” tem quatro anos, um montão de tias, uma delas de nome Rosana. Todo mundo adora a companhia da gatinha para os passeios, não apenas para ir à igreja... Naquele domingo não foi diferente...

As três; mãe, avó e a enfocada chegam à igreja, aliás, próxima, em todos os sentidos, de sua casa... Carol senta, olha pra todos os lados, confere, e acha tudo de acordo.

Começa a missa com o padre solenemente anunciando:– Essa missa foi encomendada por Olga Bordin...

Carol observa calada a cerimônia e capta tudo... Logo em seguida, durante a

celebração, todos começam a cantar o hino HOSANA NAS ALTURAS... Carol não se

conteve e fez com que a mãe e a avó desviassem um pouco a atenção da missa para rirem

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por dentro. É que, a seu ver, sua mãe estava sendo vítima de uma grande injustiça e a

gatinha quis saber:

– MÃE, JÁ FALOU O NOME DA VÓ OLGA, JÁ FALOU O NOME DA TIA

ROSANA, QUE HORA O PADRE VAI FALAR O TEU NOME???

O LUGAR É O MESMO...

Ione, a mãe de Carol e Paula, estudou, lecionou e foi diretora do Colégio

Estadual Senador Morais de Barros, em Jussara, que tempo desses pegou fogo,

arrancando-lhe sentidas e saudosas lágrimas, já que sua história de amor pela escola

começara tão cedo, um amor que nenhum incendiozinho besta vai interromper...

Ione, um belo dia, ouve uma professora contar na sala onde se reúnem, as

peripécias de um aluninho de apenas sete anos, mas por seu apelido, a maneira como era

tratado (por todos) dá pra se ter uma idéia do “anjo” que era o sujeitinho: ele era

conhecido (e como!...) por “Capetinha”...

Um dia “Capetinha” se excedeu... Pouca coisa... Desentendeu-se com um

coleguinha e a coisa não teve proporções maiores graças à intervenção da experiente

educadora... No auge da raiva, do ódio e sei mais o quê, “Capetinha”, aos “berros”,

manda o coleguinha tomar... Não era café nem água, é exatamente o que você pensou...

– VÁ TOMAR NO... – bradou Capetinha...

A professora, didática, explica ao jovenzinho que era feio dizer palavrões, que

era feio brigar e aproveitou também pra explicar ao “descomportado” aluno, o nome do

“trem”... Contou pra “Capetinha” que “aquilo” não era “aquilo”, que o nome correto era

(e continua) ânus...

“Capetinha” ouve, paradoxalmente, muito atento e ainda muito nervoso.

Baixando (só um pouquinho) o volume, concluiu:

– ENTÃO ELE QUE VÁ TOMÁ NO ANUS MESMO......

ONTEM É HOJE?

Ana Carolina, com seus quatro anos, “adorava” ir à escola. Certo dia, chega pra

mãe e afirma, feliz da vida:

– AMANHÃ NÃO TEM AULA PRA MIM...

À noite entregou-se aos braços de morfeu e dormiu que só uma pedra... Acordou

com a energia de sempre, e de novo, pega a mãe pra Cristo e quer saber?

– HOJE É AMANHÃ???

A mãe, lembrando a afirmação do dia anterior, intrigada responde:

– É, Carol...

Carolina abre um sorrisão e conclui o diálogo:

– ÔBAAA, ENTÃO HOJE NÃO TEM AULA PRA MIM...

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FILOSOFIA CAROLINIANA...

O quadro é um desenho daquela história do cupido, lembra? É aquele coração atravessado por uma flecha, a flecha do amor, dizem os românticos. Para Carol, com seus quatro anos, era outra coisa:

– É UM CORAÇÃO MATADO.

Mais ou menos com a mesma idade, no jantar, após o mesmo, afirma orgulhosa:– PRATEI UMA PRATADA DE FEIJÃO...

No Natal de 1991, Carolina está com cinco anos. A irmã predileta de Ana Paula tratava-a carinhosamente por maninha (ainda é assim), e toda invocada, fala pra enciumada Ana Paula:

– SOU PRESENTÁVEL.... PAPAI NOEL TRAZEU UM MONTÃO DE PRESENTE PRA MIM.

Família toda reunida vendo televisão. Aí a caçula da prole, Carolina, com seus quase cinco anos reclama:

– EU NÃO TÔ ESCUTANDO NADA. QUEM DESAUMENTOU A TELEVISÃO?????

Um outro filósofo, então com cinco anos, o poeta Paulo Assis, irmão, um pouco mais novo, do também poeta A.A. de Assis (poesia é dom e bem de família), ajuda a esclarecer a história da página anterior, com sua pergunta cheia de sabedoria e sagacidade:

– HOJE É QUE É O AMANHÃ DE ONTEM?

“CAMISINHA” PRA ANIMAR

Era época de carnaval. O Governo fazia aquela propaganda contra a DST, ou as doenças sexualmente transmissíveis, com enfoque para a AIDS, cuja pronúncia, de acordo com o significado, deveria ser SIDA, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Deixando de lado o pormenor de nossa alienação com o imperialismo americano, inclusive lingüístico, uma campanha meritória, embora muitos entendam que a mencionada campanha incentiva o sexo fora do casamento... Mas qualquer coisa

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pra se evitar uma doença dessas é bem-vinda...Ana Carolina, no alto de seus cinco anos, assistia a todo instante, na televisão, a

dita propaganda. A coisa era mais ou menos assim: um monte de gente pulando carnaval e uma voz no fundo apregoava: “NESSE CARNAVAL USE CAMISINHA”... Carol gostou de ver uma festa tão animada, com aquela alegria toda, e quer saber do pai:

– PAI, AMANHÃ VOCÊ VAI PRA MARINGÁ?O pai diz que sim. Ato contínuo, a filhota revela ao pai o interesse por sua

viagem:– ENTÃO VOCÊ TRAZ UM MONTÃO DE CAMISINHA PRA MIM PULÁ

CARNAVAL? TRAZ COLORIDA, TÁ PAI?

ERA UM ESTOURO

Ana Carolina, a Carol, com seus dois anos já filosofava, cabendo à mãe, professora, a tradução do que dizia a filhota. Mãe sempre sabe das coisas, e também é pra essas coisas... Na comemoração dos dois anos da gatinha, tá lá um montão de crianças em sua casa para o tradicional parabéns pra você. Festona e tanto, com bolo, brigadeiro, sorvete, refrigerante e um punhado de balões, popularmente chamados de bexiga, decorava o ambiente... A criançada estava se divertindo à beça, mas de vez em quando... Pummmmmmmm (calma, não é o que você pensou!). O som misturava-se à algazarra e a aniversariante fazia explodir mais um balão dos tantos que ela já havia pipocado. A mãe jura que Carol dizia: “não enche a bexiga que eu estouro”. E, assim, ela ia “desenchendo” balões e mais balões e, como dona da festa, a rainha do pedaço, desafiante tascava:

– NÃO FUA QUI EU DISSÓPRO!!!

LÓGICA INFANTIL...

Ana Paula está aprendendo a falar. Os pais moram ao lado dos avós maternos da mocinha. Os paternos são falecidos. Paula conhecia, portanto, os pais de sua mãe. E, como se sabe, criança é danada pra fazer associações... A curiosidade em torno da avó de Ana Paula é que em razão de sua bondade e paciência, todo mundo, não só os netos, a tratam por “vó Olga”, até os marmanjões o fazem, por carinho e também pra imitar as crianças, netas de verdade. Entretanto o avô de Ana Paula é só “vô”, nem avô, nem vovô, como é natural. Como ela só tem ele, é “vô” e fim de papo...

Um belo dia, um abestado de um tio “espreme” Ana Paula querendo saber por que era "vó Olga", e porque “vô” era só “vô”, “vô” o quê?

– É VÔ, UÉ. – Responde Ana Paula.A resposta não agrada o insistente tio... – Mas por que é vó Olga? Repete tudo, começa tudo de novo, as mesmas

perguntas.Ana Paula fica braba, acaba com a conversa dando sua lógica explicação:

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DOENÇA ESTRANGEIRA...

Ana Paula tinha lá seus quatro anos. Está cursando o pré não sei o quê, tá, enfim,

na escolinha - acho que escola de criança só devia se chamar escolinha, é muito

complicado esse negócio de prezinho, pré-um, pré-dois etc. Só escolinha e pronto...

Assim, na escolinha de Ana Paula ocorreu um surto de, sabe aquele “treco” que deixa os

olhos vermelhos e doendo pra burro? Sabe, né? Lá na escolinha tava quase todo mundo

com isso, menos algumas poucas crianças, dentre elas, a enfocada Ana Paula.

Paula chega em casa e faz um desenho lindão. E põe lindo nisso. Era uma

criança igual a ela, só que os olhos não eram iguais aos seus, da mesma cor, eram

vermelhos... Paula mostra à mãe seu trabalho.

A mãe rasgou elogios e deixou pra, no final, fazer a tal pergunta sobre os olhos

vermelhos da obra de arte da filha:

– Por que é que os olhos são vermelhos?

A resposta esclarece tudo, inclusive o nome da doença:

– É QUE ELE TÁ COM CONVIQUIVIQUI...

EU SOU A QUE NÃO TÁ DENTRO...

Ana Carolina é a irmãzinha mais nova da Ana Paula, com quem, aliás, é muito

carinhosa e a chama de maninha. É um tal de maninha pra lá, maninha pra cá...

Carinhosa mesmo...

Um dia, Carol tá mostrando uma foto de quando elas ainda eram bem novinhas.

O retrato mostrava as duas crianças. Uma em pé e a outra sentada, calçando uma meia.

Carolina explica:

– ESSA QUE TA DENTRO DA MEIA É A MANINHA E A QUE TÁ FORA DA

MEIA É EU...

ANA PAULA BORDIN FERNANDES REIS (Paula)ANA CAROLINA BORDIN FERNANDES REIS (Carol)

PAISIone / Paulo Fernandes Reis

AVÓS MATERNOSAnna Olga / José Bordin

AVÓS PATERNOSAna / Geraldo Fernandes Reis

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APENAS UM SAPATO GRANDE…

Do casal Rosana/Luiz Jorge, depois da Fabrícia “surge” uma loirinha, loirinha

mesmo, a Lorena, que, com aproximadamente cinco anos, falava não só pelos

cotovelos, pelos poros, seria mais coerente. A mocinha era (e continua) simpaticíssima

e também muito sabida...

Num certo dia, numa rodinha de crianças, com quase a mesma idade, Lorena se

desentende com o amiguinho Luciano e xinga-o:

– LUCIANO, VOCÊ É UM GUEI...

A prima Ana Paula, pouco mais velha, quer saber se Lorena sabia o que estava

dizendo. E não é que ela sabia mesmo? Lorena, sem meias palavras, responde:

– SEI... GUEI É UM HOMEM QUE NAMORA COM HOMEM...

Ana Paula, certamente querendo acabar com a “briga”, muda o rumo da

conversa e pergunta:

– E você sabe o que é mulher que namora com mulher?

Lorena, sem pestanejar:

– EU SEI. É GUEIA...

A sabidona da Ana Paula explica-lhe que não é gueia e sim sapatão...

Algum tempo depois, já sem briga, Ana Paula, pra saber se a “aluna” havia

aprendido, repete a pergunta:

– Lorena, o que é mesmo mulher que namora com mulher?

A loira Lorena pensa um pouco, faz suas deduções e manda ver:

– É... É... É BOTA !!!

Essas crianças... Osvaldo Reis

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LORENA JORGEFABRÍCIA JORGE

LUIZ ALBERTO (BETO)

PAIS

Rosana / Luiz Jorge

AVÓS MATERNOS

Anna Olga / José Bordin

AVÓS PATERNOS

Bealina / Pedro Jorge

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EU “FALI” TÁ FALADO...

Quase toda criança tem seu vocabulário, ou jeito próprio de falar. Claudinha,

uma das filhotas do Paulo e da Ieda não fugia à regra. Assim que começou a falar, de

verdade, com seus dois, três anos, em vez de falar pegar ela dizia “pegui”, brincar era

“brinqui”, gritei, “griti” e um montão de outras tantas palavras...

A dedicada tia Ione, que é professora, “acorrege” a sobrinha:

– Claudinha, não é brinqui, é brinquei... Não é pegui, é pegue,i etc e tal.

O tempo passa, o tempo voa, a poupança não continua numa boa, eis que um

belo dia “tá” lá a Claudinha almoçando, e criança gosta de mostrar o prato limpinho,

parecendo “lambido”. Cláudia olha para a tia professora, orgulhosa de seu feito, cheia

de razão, afirma:

– TIA IONE, EU COMI TUDO!!!!!

Aí a garota, lembrando o ensinamento, encara com pesado sentimento de culpa

a tia, e muda tudo:

– TIA, EU COMEI TUDO...

CLÁUDIA BORDIN BACCHI (Claudinha)

PAISIeda / Paulo Bacchi

AVÓS MATERNOSAnna Olga / José Bordin

Na infância, o sumo interesse

– calças longas, sem demora

(Ah! se a vida devolvesse

as calças curtas de outrora)

Waldir Neves

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NÃO QUERO SER QUE NEM ELE...

O tio Paulo está hospedado na casa da Juliana, que tem cinco anos e é filha da Cláudia e do Milton, em Curitiba. Mesmo sendo bem tratado, Paulo adora aporrinhar a paciência da gatinha, que por seu lado, não gosta nem um pouquinho da brincadeira do tio.

É o seguinte: Juliana, recentemente freqüentando a escolinha, se “apaixonou” por uma das “tias” e gostava de imitá-la. A tia dava aulas batendo palmas, contando coisas, cantando aquelas musiquinhas que criança tanto gosta. Em casa a gatinha imita a professora e seu “aluno”, único, por sinal, é o tio Paulo. A garota explica a coisa e pede ao aluno que repita e ele faz tudo ao contrário. Diz a “professora” Juliana, por exemplo, o sapo... Paulo responde “o passo”; ela, o gato; ele, “o toga”; Ju, o passarinho; ele, o “saparinho”; e o bate-boca demora horas e horas até um dos dois desistir, ou jogar a toalha, o que, quase sempre acontecia com a professorinha Juliana, que não tinha a devida paciência com aluno tão desligado.

Um bom tempo se passou. Tio Paulo já tinha ido embora... Sabe um dia daqueles? Garoava, fazia frio, chovia, ventava... A mãe, com medo de a filhota ficar dodói, resolve não mandá-la pra escola. Juliana, desesperada, com infalível argumento, fala:

– Ô MÃE, QUANDO EU CRESCER VOCÊ QUER QUE EU FIQUE BURRA IGUAL O TIO PAULO????

ÓRFÃO CONTRABANDEADO...

Mariana tem cinco anos, filha do casal Cláudia/Milton. Um dia, toda garbosa, chega em casa e conta pra mãe que em sua escola tinha um menino órfão. A mãe, lógico, em razão de sua pouca idade, quer saber da filhota se ela realmente sabe o que é órfão. E não é que ela sabia mesmo? Veja a resposta:

– É QUANDO A MÃE DA BARRIGA MORRE E DAÍ TEM OUTRA MÃE FALSA COMPRADA NO PARAGUAI...

JULIANA FERRI

PAISCláudia / Milton José Ferri

AVÓS MATERNOSIeda / Paulo Bacchi

AVÓS PATERNOSBenvenuta / João Ferri

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LUZ SEM RISCO !!!.

O Victor Hugo, no alto de seus quatro anos, não deve ter lido Gênesis, onde

Deus, após ter criado o céu e a terra, então sem forma e vazia e também em trevas, entre

tantas coisas disse: HAJA LUZ. E houve luz. Tempos depois um tal de Thomas Edison

é que artificiou a coisa, inventou a energia e democratizou seu uso. E, em Maringá, onde

nasceu nosso enfocado, foi montado o 1º escritório da Cia. Paranaense de Energia

Elétrica - COPEL, da qual Victor é tiete a não mais poder. Victor Hugo, por muito

tempo, ficando no lugar comum, e por ser o primeiro neto, foi literalmente “o xodó” não

só dos avós Lucia e Oscar, mas principalmente dos pais Márcia e Klibson... Depois

veio o Heitor e seu reinado foi dividido, mas não perdeu o título de primeiro neto.

Um belo dia, melhor numa bela noite, a luz da casa de “vó” Lucia se escafedeu,

tomou doril, “viajou” ... A avó Lúcia achou por bem dar a notícia ao neto, cuja

conversa, mesmo no escuro, é sempre gratificante. Dois tipos de pessoas têm solução

para tudo: mãe e criança. “Vó” Lúcia, liga então para Victor e , após os cumprimentos

de sempre, informa-o:

– Victor acabou a luz aqui em casa... A “vó” “tá” sozinha e no escuro, lamentou.

Doutro lado da linha, Victor, precoce e prático, ensina a avó a resolver o

problema:

– VÓ LÚCIA, NÃO FIQUE COM MEDO, ORE PRO PAPAI DO CÉU... ORE

BASTANTE, BASTANTE MESMO.

A conclusão do conselho, sábio, diga-se, mostrou que Victor, no caso, tem a fé

dividida, isto é, não sabe em quem acredita mais (ou sabe?) ...

– VÓ LÚCIA, DEPOIS QUE VOCÊ ORAR BASTANTE PRO PAPAI DO

CÉU, SE A LUZ NÃO VOLTAR, AÍ VOCÊ LIGA PARA A COPEL...

VICTOR HUGO TORRES DE OLIVEIRAPAIS

Márcia / Klibson Wesley de Oliveira

AVÓS MATERNOSAparecida / José Torres

AVÓS PATERNOSLúcia / Oscar Batista de Oliveira

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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SAINDO PELA TANGENTE

Sílvia, a Silvinha, irmã mais velha da Débora, (que uma vez ganhou do pai um

cachorro “botininho”), filha do Mauro e da Isabel, com seus três anos de idade, como

quase toda criança nessa faixa etária, fala pelos cotovelos, e o que é pior, “brigava”

muito com a mãe a quem xingava (coisa feia!) de boba, embora não soubesse direito o

que estava falando, mais ou menos como faz o papagaio. A mãe, sempre insultada

injustamente, quer cortar o barato da filha e resolve dar um basta no impróprio

palavreado da gatinha. Com a bronca, Silvia deve ter aprendido uma outra palavra. É

que certo dia quando iniciava o xingamento, deu de cara com a mão da mãe contendo

uma chinela numa das pontas, levantada, prontinha para entrar em ação, lógico, na

região glútea de Silvinha... E o diálogo (?) fica assim:

– MÃE, BO...

A “enchinelada” mãe interrompe-a perguntando, brava que só:

– O quê?

A gatinha dá um nó na língua e conclui, entre apavorada e sorridente:

– BOOOOOO... NIIIIIIIIITTTA!...

VÓ EXCLUSIVA...

Silvia nasceu em Maringá mas é descendente de japoneses, os japoneses do

Japão mesmo, não de japoneses de Assaí, Osvaldo Cruz, Cotia e tantos outros “japões”

do Brasil. Os avós maternos da gatinha de quatro anos vieram do país do sol nascente,

onde nasceram. Os paternos são falecidos; assim, ela só conhece o dityan e a batyan, por

quem morre de amores. Afinal a batyan faz tudo que a mocinha quer (será que é só ela?),

daí o xodó, de ambos os lados. Silvia, em razão da idade, não sabe direito o significado

da palavra batyan, sabe no entanto, que a batyan é dela e fim de papo, nem por decreto

poderia ser de mais alguém...

Um belo dia, em companhia da mãe e da batyan, Silvia, pela primeira vez, vai até

a ACEMA, clube que congrega a comunidade nipo-brasileira. Era “Dia da Criança”,

uma festa, algum motivo especial, gente que não acabava mais. Tomam lugar na

arquibancada e “tão” lá participando do evento. Atrás delas, tá lá uma outra batyan, a

batyan de outra garota, mais ou menos da idade da Silvia. Festona aquela, agradava a

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MARA SILVIA REIS

CEZAR HENRIQUE REIS

DÉBORA CRISTIANE REIS

PAIS

Isabel / Mauro Fernandes Reis

Essas crianças... Osvaldo Reis

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todos, principalmente as crianças. De repente aparece lá embaixo a tal garota da outra

batyan e querendo falar-lhe, começa a gritar:

– BATYAN, BATYAN...

Foi um Deus nos acuda... Silvinha levantou-se de dedo em riste, mandou a

“adversária” calar a boca, puxou a faca... Ninguém entendeu nada até que a mãe

explicou a ciumeira da filha. Depois de muito agarra, escapa, segura, separa, a gatinha

foi finalmente contida, mas mesmo assim, continuava gritando para a quase

usurpadora:

– A BATYAN É MINHA.... SÓ MINHA.... SUA FEIA, SUA BOBA... SUA

CHATA... SUA ...

BENZIMENTO VAGABUNDO...

O César, então com três anos, tinha medo de cobra cega, cabo de vassoura,

piolho-de-cobra, queda de rede e tantas outras fobias. Mas medão mesmo ele tinha de

assombração... A mãe, o pai e a vó Ana começaram a se preocupar com o garotão.

Conversa pra lá, pergunta pra cá, descobrem uma benzedeira perita em espantar

“coisas”. Sua perícia era tanto que bastava uma rezada que a coisa se escafedia, era fim

de papo, isto é, do medo...

A mãe e a avó levaram o sujeitinho na tal benzedeira, só com um detalhe, o

“benzido” não podia saber que o motivo do benzimento era pra curar medo, se não, não

valia, pra ele tinha de ser segredo.

E lá vem a bondosa velhinha com seu ritual e instrumentos de trabalho, são

galhos de arruda, réstias de alho, mãos na cabeça do carinha, palavras ininteligíveis, que

ela nem sabia - aqueles tradicionais mmmmmmmmmbbbbbbbbbbbtttttttttttsssssss -

entendeu?

Tudo bem. César, compenetrado, se deixa levar ou seja, benzer....

À noite César vai dormir. Algum tempo depois, assusta todo mundo com seus

gritos:

– Ô MÃE, VÓ, CORRE AQUI! ESSA PORCARIA DE BENZIMENTO NÃO

VALEU NADA... EU TÔ MORRENDO DE MEDO!...

AVÓS PATERNOS

Ana/ Geraldo Fernandes Reis

AVÓS MATERNOS

Mineta Ada / Noi Ada

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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EXCESSO DE TRABALHO...

Victor Enzo é, segundo o próprio, o neto preferido da Dora e Décio, do Erasmo e

Hercília. É um sujeitinho levado da breca e “tá” sempre a tiracolo de um dos avós,

principalmente Décio, com quem gosta de “jogá bola”... Victor tem tênis, meião,

camisa, bola e o avô de parceiro. Todo dia, no mínimo por duas vezes, Victor queria

“jogá bola”... Naquele dia o avô Décio não podia atender o neto, já que estava enrolado

com algumas outras coisas. Logo de manhã, “tá” lá o Victor, todo paramentado,

chamando o avô para fazer o que ele mais gostava:

– VAMO JOGÁ BOLA, VÔ?

O avô, pacientemente, responde:

– Não, o “vô” vai “tabaiá”.

Tudo bem... “tabaiá” pode. Senão não tem doce, presente, Natal, bicicleta etc. A

“inocente” criança sempre “engole” a tal desculpa... Na hora do almoço a coisa se

repete, igualzinho de manhã:

– VAMO JOGÁ BOLA, VÔ?

A resposta também é a mesma:

– O vô vai “tabaiá”...

Victor aceita, mas já de nariz um pouco torcido. À noite (o “estádio” deles,

proximidades da Catedral, em Maringá, era iluminado...), não dá outra, lá vem o

pentelho do neto com a mesma proposta:

– VAMO JOGÁ BOLA, VÔ?

Décio volta a falar que novamente vai trabalhar...

Victor endoida, coloca um pé sobre a bola, a outra mão na cintura e a uma

levantada, mais enfezado que siri na lata, com três dedinhos apontados em direção ao

nariz do avô, desafia:

– MAIS TREIS VEIZ???!!!

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ZELOSO...

Victor é “colocado” na escolinha. Não tem ainda quatro anos. Entre as tarefas da

vó Dora em relação a ele, era a de levá-lo, e lógico, apanhá-lo na tal escolinha.

Um dia, em razão de outros tantos afazeres no corre-corre do dia-a-dia,

literalmente, Dora esquece o neto na escola. Naqueles tempos, ainda não existia

telefone celular. Dora estava fora de casa cuidando da vida... É banco, armazém,

compra isso, paga aquilo... E o pobre do neto “abandonado” na porta da escolinha... Aí,

Dora se lembra de alguma coisa... Do neto... Se manda para a escola, toda preocupada...

Lá chegando em vez de encontrar o neto aos prantos, apavorado, tá lá o carinha no maior

papo, falando pelos cotovelos, joelhos e até pela boca com uma professora que o

acompanhava...

A avó nem teve tempo para pedir as tradicionais desculpas, já que com sua

chegada a autoridade do neto aumentou muito, e sem mais delongas e nenhuma

pergunta, com a maior cara de pau, cheio de razão, Victor explicou:

– OLHA VÓ, EU QUERIA IR EMBORA, MAS TIVE QUE FICAR PRA

CUIDAR DA TIA...

VICTOR ENZO FERNANDES GERMANI

PAISJuliana / Rodrigo Germani

AVÓS MATERNOSDora / Décio Fernandes Reis

AVÓS PATERNOSHercília / Erasmo Germani

Corações

– Juquinha – pergunta a professora –, quantos

corações nós temos?

– Dois, professora: o seu e o meu.

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PAI VIGARISTA

Pertinho de Maringá, em Mandaguari, vivia o casal Vera e Valdir, de cuja união

nasceu Bruno, com cinco anos de idade, o carinha, pela historia a seguir, de bobo não

tem nem o jeito de andar... Seguinte, tempo desses, o pai precisava fazer alguma coisa:

reforma, sabe-se lá o quê na casa. O pessoal deixou próximo à entrada um monte de

lajotas. Reforma que nunca iniciava e a mãe do jovem sempre cutucando o pai para que

fizesse logo o serviço ou no mínimo, tirasse aqueles “troços” da frente da casa. O pai viu

a solução no filho:

– Filhão, se colocar essas lajotas lá no fundo, eu te dou cinco reais...

O garotão topou. O pai vai trabalhar e ele também. Levou tudo pro fundo, uma

pilha bonitona. Noitezinha, o pai tá no boteco perto de casa. O filho vai ter com ele:

– PAI EU JÁ COLOQUEI AS LAJOTA LÁ NO FUNDO. CADÊ O MEU

DINHEIRO?

O pai, talvez não acreditando no filho e querendo conferir o serviço contratado,

disse a ele:

– Em casa eu te dou os “cincão” combinados...

O filho de imediato volta pra casa.

O pai ao retornar encontra as lajotas no mesmo lugar, e o filho morto de cansado.

Ele quer saber o que estava acontecendo:

– Ué, filho, você voltou as lajotas pro mesmo lugar?

A resposta, na lata, deixa o velho numa baita sinuca de bico:

– CLARO, VOCÊ NÃO ME PAGOU...

BRUNO SEMENSATO

PAISVera / Valdir Semensato

AVÓS MATERNOSMercedes / Bruno Manuzzi

PATERNOSAparecida / Valdemar Semensato

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A ENSINAGEM...

Débora está no prézinho e tem entre três e quatro anos de idade. Com a mãe

Josefa fora de casa, Moisés, um pouco mais velho, se sente o rei da cocada e quer porque

quer dar ordens para a irmãzinha.

Débora está compenetrada fazendo a tarefa que a tia passou. Moisés ensinando,

isto é, perturbando: isso não é assim, é assim, e dá-lhe encher os picuás da pobrezinha.

Débora está prestes a explodir com a sacanagem do irmão. Reclamou umas

trocentas vezes:

– PÁRA, MOISÉS! EU VOU CONTÁ PRA MÃE E A MÃE VAI TE BATER...

e patati, patatá...

Moisés, nem aí, apesar da ameaça de a mãe lhe dar um chega pra lá, continuava a

perturbar Débora.

Aí a gatinha tem uma tirada genial, e aos berros, silencia o irmão-professor:

– PÁRA MOISÉS!!! PÁRA QUE EU NÃO PRECISO DE SUA

ENSINANÇA!!!

DÉBORA BARROS DE SOUZA

PAISJosefa / José de Souza

AVÓS MATERNOSClarice / Antônio Damásio Pereira

AVÓS PATERNOSMaria / José Barros de Souza

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QUE SACO DE MENINA!!!

O casal Claudete/Antônio Schiavon tem três filhas: Clacieli, a mais velha;

Gláucia, a do meio e a caçula Cinthia, conseqüentemente o xodó da casa, isto é, dos

pais. Já as duas maiores morrem de inveja da menorzinha. E pra piorar ainda mais a

coisa, Cinthia ganhou um “trenzinho” daqueles em que se coloca na cintura e o “bicho”

toca uma fita cassete, nome pomposo, americano, walkmen, ou coisa parecida. O ódio

ficou ainda maior. E a caçulinha contribuía decisivamente para isso já que desfilava na

frente das duas com tal aparelho grudado na cintura como se fosse a Gisele Bündchen,

toda “inzibida”, fazendo os cotovelos das duas aumentarem a olhos vistos, não cabendo

mais de tanto inchaço...

Mas as duas acabaram encontrando um jeito de se vingarem da irmã “metida”:

cada vez que Cinthia passava por perto, elas aumentavam o volume da coisa, o que fazia

a gatinha endoidar, ficar maluca de raiva, e quem “tá” por perto vira o muro de

lamentações da egoísta “escutante”, que, com fone nos ouvidos, não dividia com

ninguém o som emitido pelo mencionado aparelho...

Um belo dia a história se repetiu, só que em proporções alarmantes, o som foi

aumentado em demasia ferindo as “oreia” de Cinthia, fazendo-a apelar para a genitora

em altos brados:

– Ô MÃE, A GLÁUCIA VAI ACABAR ARREBENTANDO MEUS

TESTÍCULOS!!!!

CLACIELI SIMÕES SCHIAVON

GLÁUCIA SIMÕES SCHIAVON

CINTHIA PRISCILA SCHIAVON

PAIS

Claudete / Antônio Schiavon

AVÓS MATERNOS

Maria Augusta / José Miguel SimõesPATERNOS

Irene / Izaltino Schiavon

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PEDRO CAETANO

MÃEDalva Caetano

AVÓS MATERNOSMaria / Francisco Caetano

NÃO ERA PA COMÊ...

Dalva é confeiteira de mão cheia e esse tipo de profissional adora trocar receita.

Um dia, não trocou, recebeu de uma freguesa da loja onde trabalhava na época. Dalva

endoida e quer fazer logo o doce para o filhote Pedro, então com sete anos. Ela se manda

pra casa, onde além dela e Pedro, também morava sua mãe. Lá chegando nem troca

roupa e começa a preparar a guloseima. Pedro quer saber:

– MÃE, O QUE É ISTO?

Dalva, sem maiores detalhes, responde:

– É pavê.

Pedro se cala e fica por ali vendo a mãe trabalhando. Dia seguinte, Pedro vai

para a escola e Dalva ao trabalho. A mãe de Dalva, a avó Maria, não era muito chegada

em doce...

Após o expediente, como de costume, Dalva volta pra casa. Abre a geladeira e tá

lá o doce inteirinho, de tão bonito parecia até estar olhando pra ela... Dalva fica intrigada

e quer saber do obediente Pedro:

– Por que você não comeu do doce que a mamãe fez pra você e pra vovó?

A resposta vem na bucha:

– A SENHORA DISSE QUE ERA PA VÊ!!!

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O CAMINHÃO DE CONSERTAR ESCURO...

Tempos atrás em Maringá, bastava trovejar que a energia pifava, escafedia. E

dá-lhe breu. Era um problema bem democrático, atingia ricos e pobres, sobrava pra

todo mundo. No bairro Aeroporto, no esplendor de seus cinco anos, o irmão da Vanessa,

Vinícius, vivia com os pais Luzia e Edson Lima, onde a coisa não era diferente. Era um

tal de apaga e acende que se repetia, no mínimo, duas vezes por semana. Com o natural

interesse de uma criança de sua idade, Vinícius acompanhava o drama observando

atentamente a movimentação ocorrida logo após a energia “tomar doril” isto é, o corre-

corre do pessoal da Companhia Paranaense de Energia Elétrica (COPEL), para

resolver, mesmo que momentaneamente, o crucial problema...

Num determinado dia, com Vinícius já especialista em apagão, após mais uma

queda de energia, o garoto corre pra fora e na volta tranqüiliza todo mundo:

– PAI, JÁ TÁ CHEGANDO O CAMINHÃO DE CONSERTAR ESCURO!!!

MARCOS VINÍCIUS LANDI DE LIMAVANESSA KARLA LIMA

PAISLuzia / Edson Lima

AVÓ MATERNAHélcia Oliveira

AVÓS PATERNOSAntônia / Menezes Lima

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VÁ PRA...

Perto de criança é complicado falar certas coisas, mas de vez em quando, escapa. Em briga, como ensinava Dolores Duran, a gente diz coisas que não quer dizer, coisas impensadas. Criança “pesca”, já que apesar de aparentemente não estar nem aí, suas antenas estão sempre ligadas.

A história contada pelo escritor MÁRIO PRATA, no Programa do Jô, tempo desses, confirma a afirmação. É o seguinte, diz Mário ao robusto e criativo Jô:

Minha irmã precisava ir a um lugar muito longe do centro de São Paulo, e com ela a tiracolo, foi sua filha de quatro anos. O ônibus, em razão da estrada em grande parte não ser asfaltada, não era nenhuma “Brastemp”; estava caindo aos pedaços. Depois de marchas e contramarchas, finalmente chegam ao lugar. Era um lugarzinho feio. E põe feio nisso! Era esgoto a céu aberto, animais mortos em plena rua, gente brigando, “peixeira” comendo e a garota observando tudo no maior silêncio, até que em dado momento esse silêncio foi rompido com uma pergunta que, em sua inocência, representava o quadro:

– MÃE, É AQUI QUE É A PUTA QUE PARIU???

SE A VIDA LHE DER UM LIMÃO... I

Esta história é oriunda de correspondência recebida de ANTÔNIO ARAÚJO COSTA, residente em Paiçandu (PR), cujo conteúdo transcrevemos “ipsis literis”:

“Sou deficiente físico, não tenho nem mãos nem pés. Meus braços vão até o cotovelo e minhas pernas até o joelho. Sou baixinho...” Certa vez, eu e minha irmã estávamos caminhando na cidade de Tapejara quando encontramos uma garotinha que tinha lá por volta de quatro anos, que ficou me olhando e depois perguntou:

– VOCÊ NASCEU ASSIM?A minha resposta:– Sim, eu nasci assim...A outra pergunta da garota me deixou dando risada:– MAS DE BOTINHA TAMBÉM ???

SE A VIDA LHE DER UM LIMÃO... II

Eu passeava pela cidade de Paiçandu, onde moro. De repente encontrei um garoto, de lá dos seus cinco anos, que eu nunca tinha visto antes, que parou, ficou me olhando e disse:

– EU CONHEÇO VOCÊ!Surpreso eu quis saber:– Quem sou eu então?Aí eu descobri que era famoso, só que não sabia, o garoto é que me explicou:– VOCÊ É UM ANÃOZINHO DO FILME “BRANCA DE NEVE E OS SETE

ANÕES”!!!

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VINGANÇA...

Arlene Lima por muitos anos dirigiu o Lar Betânia, uma instituição que

acolhe meninos e meninas de rua e além de lhes oferecer teto e comida, ajuda a

mostrar-lhes o caminho. Arlene tratava as crianças como se fossem filhos,

brincava, jogava futebol, ensinava a trabalhar, estudar, puxava as orelhas. Mãe de

verdade. É Arlene quem faz as campanhas que mantém a entidade, cujos resultados

ajudam a não faltar quase nada, em termos materiais.

Entre as tantas tarefas de Arlene junto ao Lar, a que mais a preocupava,

certamente, era a falta do pão nosso de cada dia... Justificando isso, num terreno

perto da casa juntou a meninada e lá plantou uma roça de feijão. E até que colheram

bastante, mas a chuva em excesso impedia que o produto fosse descascado, o que só

pode ser feito com o cereal muito seco. Era um sem-fim de colocar o feijão no sol e

tirar por causa da chuva... E o tal feijão não podia nunca ser debulhado. Até que um

belo dia sai um solzão. Arlene reúne seu exército e dá a cada um deles um pedaço de

pau, lembrando um cabo de vassoura e explica que devem bater no monte de feijão

para que os grãos se soltem da casca. O trabalho começa, só que a criançada estava

muito desanimada. Arlene usa a cabeça, chama seus filhos e orienta:

– Vocês vão bater como se estivessem batendo numa pessoa que vocês

odeiam. Dito e feito. Cada um tinha lá seus motivos. E o pau corria solto... Todo

mundo botando pra fora seus tantos “ódios”. Um garoto (Maurício) se excedia na

força e na rapidez com que descia a madeira no pobre do feijão. Arlene quis saber o

motivo pelo qual ele batia com tanta violência, e chegou a pensar que o garotão

estava batendo nas pessoas que o abandonaram. Coisa absolutamente normal, mas

em verdade, o motivo era outro:

– EU TÔ BATENDO NA SENHORA... EU NÃO GOSTEI DESSE

NEGÓCIO DE COLHER FEIJÃO, NÃO...

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PRISCILIA JUSTUS

PAISArlene / Airton Justus

AVÓS MATERNOSHelena / Ary de Lima

AVÓS PATERNOSEmília / Otto Justus

ESSA É DAQUELAS, MÃE???

Arlene Lima, com a filha a tiracolo, está fazendo visitas. Chegam numa casa

muito humilde e as pessoas quanto mais humildes mais generosas são. A filhota de

Arlene, Priscila, entre seus três a quatro anos, observa tudo, como faz toda criança.

Lá pelas tantas a dona de casa oferece às visitantes café e pão.

Arlene não teve tempo nem de piscar quando viu a filhota pedir à bondosa

senhora:

– EU QUERO MANTEIGA...

– Não tem. Responde a senhora.

– ENTÃO ME DÁ MEL. Repete a garota.

– Também não tem...

– PODE SER GELÉIA. Insiste a gatinha.

A dona da casa volta a repetir o de sempre: não tem.

Arlene fica vermelha de vergonha da atitude da filha. Ao saírem daquela casa,

mais que depressa, Arlene orienta a filhota:

- Filha, quando alguém te oferecer apenas café e pão, é porque só tem café e pão,

se tivesse outras coisas, ela trazia junto. É gente pobre, gente que não tem nada em

casa...

A garotinha ouviu tudo com muita atenção, nem perguntas fez.

Alguns dias depois Arlene e a filhota estão visitando outras casas, e, como de

costume, são muito bem recebidas. Numa dessas casas, lhes é oferecido café. Somente

café. A garotinha, lembrando o pito anterior, evita o desconforto da mãe sofrido na outra

casa. Não pede nada para a moradora, mas pergunta para a mãe em alto e bom tom:

– MÃE, ESSA AQUI TAMBÉM É DAQUELAS PESSOAS BEM

POBRINHAS QUE NÃO TEM NADA EM CASA??????

Alguma dúvida?

A professora para o Juquinha:– Juquinha, diga cinco alimentos que contém leite.– Cinco vacas, professora.

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A TRAVESSIA DO MAR VERMELHO

Justino Farias é membro da Igreja Evangélica Testemunhas de Jeová, em

Brasília, onde ensina, com fervor, lições bíblicas aos filhos menores: Quésia, Ricardo e

Reginaldo; além, claro, dos outros meninos e meninas da igreja. Reginaldo está com

quatro anos. O professor-pai fala sobre a passagem do mar Vermelho. Falou, ilustrou,

esclareceu e todo mundo (ou quase...) aprendeu.

O dedicado mestre quer então saber dos “afiados” alunos:

– O que é que aconteceu quando Moisés bateu com a vara nas águas do mar?

Ninguém se coçou. Aí Reginaldo mandou ver:

– OLHA PAI, QUANDO MOISÉS VIU QUE OS ISRAELITAS NÃO

TINHAM POR ONDE PASSAR, ENCURRALADOS, BATEU COM A VARA NA

ÁGUA E O MAR SE ABRIU...

Mas, segundo o raciocínio do garoto a batida foi muito forte e acabou acordando

um bichinho, que descansando, não gostou de ser incomodado... Se não fosse a surra

inesquecível que levou, sua conclusão teria sido deveras sábia:

– AÍ SAIU UM JACAREZÃO DESSE TAMANHO E COMEU TODO

MUNDO!

O retrato Dele

Uma garotinha, na creche, estava compenetrada

desenhando. A professora passa por perto e quer saber:

– Carol, o que é que você está desenhando?

– Estou desenhando Deus, responde Carol.

A professora parou e disse:

– Mas ninguém sabe como é Deus...

Sem tirar os olhos do desenho, nem piscar a

garotinha mandou ver:

– DENTRO DE UM MINUTO SABERÃO...

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BAILE DA INJEÇÃO

Os pais Nina e Luiz gostavam muito de passear e nessas horas

“abandonavam” o filhote Elton Luiz, então com quatro anos, deixando-o com a

vovó, e “enrolavam” o sujeitinho dizendo que iam à farmácia tomar injeção. De

tanta injeção, o filhote começou a desconfiar e também a se preocupar com a saúde

dos pais; afinal era muito médico, muita farmácia, injeção quase todos os dias.

Criança, quase sempre, se finge de morto...

Um dia, acometida pela doença de sempre, a mãe conversa com o filhão e

explica-lhe do constante problema e as tradicionais desculpas, aliás, esfarrapadas.

O diálogo deixa a mãe na maior saia justa e o pai com um risinho “besta” nos

lábios:

– Filho, você fica com a vovó que o papai e a mamãe vão...

A mãe não teve nem tempo de concluir a frase. Elton, muito sério, a

interrompeu e afirmou:

– JÁ SEI, JÁ SEI, VOCÊ VAI TOMÁ INJEÇÃO LÁ NO CLUBE!!!

INGRATIDÃO...

César, com seus três anos de idade anda fazendo birra do tamanho do mundo.

Nada dá jeito na “bravura” do meninão. A mãe tenta de toda maneira dar um jeito no

berreiro do filhote (o pai, como sempre, quando acontecem essas coisas, está fora).

É um tal de toma isso, olha aquilo, olha que bonitinho, toma o apito, a bola, e nada

de o menino se acalmar.

A mãe, como sempre, “descobre” uma solução: entregou ao “chorante

incontido” o álbum de casamento - e não é que a coisa deu certo? O garoto parou de

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chorar na hora. A mãe, aliviada, continuou com seus afazeres. Mas de repente, a

todo vapor, choro estridente, o filho ataca novamente e com razão, diga-se de

passagem: na foto, pai e mãe sorrindo felizes, como se estivessem ganho (sozinhos)

na loteria esportiva... César fica indignado com a cena. A mãe quer saber:

– O que foi que aconteceu, meu filho?

– VOCÊ E PAPAI NESSA FESTONA E NÃO ME LEVARAM...

E aumentou o volume...

ELTON LUIZ BASSOLICÉSAR RICARDO BASSOLI

PAISNina / Luiz Bassoli

AVÓS MATERNOSMaria Penha / Jazão Silva

AVÓS PATERNOSMaria da Glória / Mário Orlando Bassoli

– Zezinho, seja específico

e me diga o que é molécula...

E ele, com ar científico:

– É uma guria “sapécula”...

Joaquim Carlos

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O “DESCONHECIDO” PAPAI NOEL...

Não gosto, repito, de me incluir nas histórias que conto. Mas que fazer, se esta

aconteceu comigo? A metade dos nomes masculinos iniciados pela letra R (Ricardo,

Renato, Roberto...) está na família da Astrid e do Amélio. Rafael, um dos “erres” era o

mais novinho de todos, tava começando a falar, e uma particularidade: era mais folgado

que pente de careca, isto é, não saía do colo da mãe.

O abestado aqui se fantasiava de Papai Noel, que os “sabidões” dos adultos

falam para as “bobonas” das crianças que vem da Lapônia (fica logo depois de

Marialva, entrando à esquerda), e as pobrezinhas e inocentes acreditam (ou quase...). A

história a seguir, sem os tantos “quases”, que no mínimo, significa não sei direito, não

confirma tal teoria. Esclareço (ou tento; cansei do “quase”). Era época de Natal, lá por

22, 23 de dezembro, o ano só Deus sabe. Só sei que o enfocado Rafael apenas

balbuciava algumas palavras...

Chego à casa da Dora e do Décio, lógico, sem a vestimenta vermelha e aquela

barba branca (que coça pra burro) do bom velhinho. Astrid, com o filhote no colo, desce

para abrir a porta pro imbecil já citado. O caçulinha dorme à sono solto. Após os

cumprimentos de praxe, começa o papo. Conversa vai, conversa vem, uma risada um

pouco mais alta, desperta (mais ou menos) o dorminhoco Rafael. O sujeitinho, com um

olho aberto e outro meio fechado (?), dá uma olhada na minha cara e manda ver:

– ÔI, PAPAI NOEL...

MACHISMO OCULTO !

O casal Astrid e Amélio tem quatro garotos, aqueles dos erres: Ricardo, Renato,

Roberto e Rafael. O “coroa” é Ricardo, Renato e Roberto, no meio, Rafael, o caçula. O

casal recebe a visita de um amigo. Conversa vai, conversa vem, garotada brincando,

estudando, sem participar efetivamente do bate-papo. Sabe aquela hora em que o

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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RICARDO TUPAN RUYRENATO TUPAN RUY

ROBERTO TUPAN RUYRAFAEL TUPAN RUY

PAISAstrid / Amélio Ruy

AVÓS MATERNOSLevi / Icléia Aguiar Tupan

AVÓS PATERNOSFiorentina (Dona Nêga) / Rui Cesare

assunto desaparece? Aí, vem aquele tradicional vai chover, tá frio e coisa e tal...

Criançada nem aí com a prosa dos velhos... Rafael, o mais novinho, num desses

momentos que o assunto tinha se escafedido, é questionado pelo visitante, que quer

saber do xodó da mãe (depois dos outros três...):

– Escuta, Rafael, quer dizer que na sua casa são quatro homens?

O espírito de justiça mistura-se com o dever de defender a honra da casa, e

principalmente do genitor quase ofendido embora não intencionalmente. Rafael estufa

o peito, cheio de orgulho, e só com uma pequena dose de machismo responde, na bucha:

– NÃO, É CINCO... O MEU PAI TAMBÉM É!!!

Fuga

Com três anos já sabia reagir como homem ao impacto das grandes injustiças paternas. Não estava fazendo barulho: estava só empurrando uma cadeira.

– Pois então pára de empurrar a cadeira.– Eu vou embora. Foi a resposta.Distraído, o pai não reparou que juntava ação às palavras, no ato de juntar

do chão suas coisinhas, enrolando-as num pedaço de pano. Era a sua bagagem: um caminhão de madeira com apenas três rodas, um resto de biscoito, uma chave (onde diabo meteram a chave da dispensa? – a mãe mais tarde irá dizer), metade de uma tesourinha enferrujada, sua única arma para a grande aventura, um botão amarrado num barbante.

A calma que baixou então na sala era vagamente inquietante. De repente o pai olhou ao redor e não viu o menino...........................................................................................................................

Correu até a esquina e teve tempo de vê-lo ao longe, caminhando cabisbaixo ao longo do muro. A trouxa, arrastada ao chão, ia deixando pelo caminho alguns de seus pertences: o botão, o pedaço de biscoito e – saíra de casa prevenido – uma moeda de 1 cruzeiro.

Fernando Sabino (”Fuga”, de “Quadrante”)

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ISABELA GIOVANA

ÉTTORE TIAGO

PAIS

Majô Baptistoni / Altamir Cardoso

AVÓS MATERNOS

Elizabeth / Ângelo BaptistoniAVÓS PATERNOS

Diva / Erato Cardoso

SEM JANTAR...

A irmã do Éttore, a Isabela, estava na escolinha e eram convites e mais convites para festinhas em casas de coleguinhas. As mães, nem sempre se conhecem; assim, a mãe de Isabela levava os filhotes e depois ia buscá-los.

Um dia recebe um convite para uma festa que seria num domingo... A vizinha Rosemeire Pastor pede para que sua gatinha, amiga dos filhos de Majô, fique com ela, já que iria sair. Assim sendo, Paola deveria ir também à festinha. Majô estava enjoada de ver os filhos irem a um montão de festas e chegarem em casa e pedir pra mãe fazer janta... Naquele domingo a mãe resolve dar um basta na situação. Onde é que já se viu ir numa festa e voltar pra casa, encontrando a mãe cansada do dia-a-dia de tantas preocupações e afazeres, e ter ainda que fazer comida para quem chegou de uma festa?

Assim pensando, Majô, antes de sair de casa, reuniu a prole mais Paola e recomendou:

– Crianças, toda vez que vocês vão a alguma festa, ficam só correndo, pulando, brincando e não comem nada e quando chegam em casa eu tenho de fazer comida pra vocês. Podem brincar, pular, mas tratem de comer...

Todo mundo entendeu o recado, inclusive Paola. Como era domingo e a festa era numa chácara que ficava longe, Majô também ficou por lá. Procurou uma mesa, sentou-se, sozinha, já que não conhecia ninguém. Em seguida, vem sentar-se com ela uma senhora que se apresentou como mãe da aniversariante. Era uma pessoa muito elegante e também muito simpática o que propiciou que Majô ficasse (quase) à vontade. As duas estão ali na maior prosa, conversavam sobre tudo, estavam realmente se entendendo... A criançada brincando, se divertindo, pulando, correndo... Aí Paola, com um punhado de salgadinhos nas mãos, mostra a guloseima para Majô, que pela fala da menina deve ter se transformado num arco-íris, ficando vermelha, azul, roxa, tal foi a saia justa em que a gatinha a deixou quando, bem alto, anunciou:

– TIA, VOCÊ FALOU QUE ERA PRA APROVEITAR E COMER, QUE NÃO IA TER JANTA... Ó, EU TÔ COMENDO BASTANTE, VIU????????

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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ANA CARLA AGULHON

ISABELA AGULHON

MÃE

Olga Agulhon

AVÓS MATERNOS

Dimaura / João Agulhon

“VIDENTES”

Mamãe Olga passava pelo Rio de Janeiro acompanhada de seus pais Dimaura e João e as filhotas Ana Carla de oito, e Isabela com dois anos. Olga mostrava a cidade e fazia também comentários: aqui é isso, ali aquilo, lá a praia tal, o Maracanã e coisas do gênero. Aí passam em frente ao mais belo cartão-postal da (ainda) Cidade Maravilhosa: o Cristo Redentor. A mãe, que já o conhecia de longa data, diminui a velocidade, e, didática, aponta o belíssimo monumento e informa às gatinhas:

– Aqui está o Cristo Redentor...Os olhos das meninas enchem-se de brilho em razão da beleza da estátua, um

conjunto maravilhoso, onde arte e fé misturam-se na mais perfeita harmonia. Uma obra realmente encantadora.

A viagem prossegue. Dias depois retornam. Uma garoa daquelas (daquelas mesmo!) envolve a cidade. Não dava pra enxergar absolutamente (quase) nada – a velocidade era de, no máximo, 5 km por hora – coisa feia de verdade. Passando pelo local em que suas gatinhas mais gostaram, Olga, tristemente, lamenta:

– Que pena, filhas, não dá pra gente ver o Cristo Redentor...Pena pra ela, pras filhas nem tanto. Ato contínuo, Ana Carla, a maior, encosta os

olhos no vidro lateral do carro e tasca:– EU TÔ VENDO O CRISTO...Isabela, a miudinha, como de costume, não quer, de jeito nenhum, “perder” pra

outra: encosta o nariz no vidro, estica os olhos, “presta mais atenção” que a irmã e manda ver:

– EU TÔ VENDO O CRISTO... A MARIA E O JOSÉ!!!

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CAMILA DE OLIVEIRA

PAIS

Maria de Lourdes / Paulo Sérgio de Oliveira

AVÓS MATERNOS

Maria Conceição / Valdemar Marinho Gonçalves

AVÓS PATERNOS

Elvira / Severino de Oliveira

OBEDIÊNCIA CEGA...

Essa aqui é bem recente. A protagonista Camila está (ainda) com quatro anos,

vive com os pais numa casa térrea, onde é mais fácil para os transeuntes conversarem

com os moradores. Nos apartamentos é bem mais difícil já que nos prédios, quase

sempre, têm vigias, porteiros, guardas, é complicado chegar, no máximo se consegue

falar via interfone... É o seguinte, assim que surgiram os tais produtos de R$ 1,99, uma

senhora, provavelmente moradora da região onde vivia Camila, pelo menos uma vez

por semana, visitava sua casa oferecendo tais produtos. E não vinha sozinha, estavam

sempre em sua companhia, alguns cachorros que acabavam por sujar a área da casa,

pois não tinham “nenhuma educação”... A mãe da Camila (e até ela) conhecia a dita

vendedora....

Um belo dia, a mãe, com serviço até o pescoço, ouve, lá do portão, palmas... A

mãe fala com seus botões e também com Camila:

– Vender essas porcarias, tudo bem, mas trazer essa cachorrada sarnenta, isso

não...

Camila vai atender até o portão e repete para a atônita vendedora de R$ 1,99 tudo

o que a mãe havia dito, e pra complicar (só um pouquinho) mais a situação, lá do portão,

com a tal senhora ainda por ali, grita para a genitora:

– MÃE, EU FALEI, VIU??????????

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CANIBALISMO MATERNO...

Essa aqui é famosa, já saiu até na televisão, embora com final diferente. A piada

foi contada e interpretada no Programa Zorra Total, da Globo. Seguinte... Ayres Júnior,

o primeiro filhote do casal Mara e Ayres, ainda nem fala direito. Incrível, deve ser coisa

“patológica” - o sujeitinho gostava de água - de tomar banho, um montão de criança

com a mesma idade, nem tanto. Já fazia um tempão que a mãe dava banho no rebento e a

temperatura da água, sais, carinho de mãe e coisa e tal, não deixava Juninho, por nada no

mundo, sair da banheirinha. A mãe pensa pra lá, pensa pra cá, promete uma coisa,

oferece outra e nada, o jovenzinho continuava firme em seu “aquático” deleite. Aí a

mãe, após ter recorrido a tantos truques e argumentos vãos, lembrou-se de um objeto

“secante”, presente da avó, que ele não conhecia. A mãe bateu um papo com seus

botões: “agora ele não resiste, vai ser tiro e queda”. Avó é coisa envolvente, é mãe com

açúcar... A mãe mostra o citado objeto ao filhote e tenta convencê-lo:

– Filhinho, tá vendo essa toalha de cachorrinho? É um presente da vovó pra

você. Mamãe quer enxugar você com ela.

O garotão não conhecia, não lembrava, não havia sido apresentado a tal toalha

achou até que a mãe estava pregando uma peça nele, quer conhecer maiores detalhes e

pergunta-lhe:

– QUANDO FOI?

A mãe, orgulhosa, aponta para a barriga e diz:

– Você ainda estava aqui...

A pergunta do filhote deixa a mãe numa baita saia justa:

– NOSSA, MÃE, VOCÊ MI INGULIU????

AYRES AUGUSTO GONÇALVES JÚNIOR (Juninho)

PAISMara Rolim / Ayres Augusto Gonçalves

AVÓS MATERNOSJanet / Hamilton Rolim

AVÓS PATERNOSMargarida / Antônio Gonçalves

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SE O SANTO FALHAR...

Renan Felipe, três anos, paranaense e bom de papo, é primo de Larissa, e como

sua priminha, até seu dedão do pé esquerdo é católico. Felipe adorava dormir sempre

por perto da avó, cujo colo todo mundo diz ser muito macio e sua bisa não era diferente

das outras, nem no carinho, nem no colinho... O garotão acreditava muito no “pessoal lá

de cima” mas também botava fé em alguém como ele, de carne e osso... É o seguinte:

toda noite o menino rezava pra dormir, aquela oração que todo mundo conhece e a

criançada adora. É uma palavra que rima com a outra e fica fácil decorar e também

aprender. A dele, no entanto, tinha uma linhazinha a mais, mas não alterava nada seu

conteúdo, e com certeza, Deus e os demais espíritos citados não ficavam bravos nem

um pouquinho...

Sem mais delongas, eis a reza do Renan Felipe, repetida todas as noites:

– “COM DEUS ME DEITO, COM DEUS ME LEVANTO, COM A VIRGEM

MARIA E O ESPÍRITO SANTO... E A VÓ SANTANA LÁ NO CANTO”...

RENAN FELIPE GONÇALVES

PAISMara Rolim / Ayres Augusto Gonçalves

AVÓS MATERNOSJanet / Hamilton Rolim

AVÓS PATERNOSMargarida / Antônio Gonçalves

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DÚVIDA CELESTIAL...

Essa mocinha tem dois anos e oito meses. É de Laguna, Santa Catarina, e como

sua família, é católica até a medula. Toda noite, sempre com a mãe do lado, reza para

dormir. Mas naquela noite, alguma coisa estava acontecendo em sua cabecinha... As

rezas eram as de sempre: “Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador”... “Com Deus

me deito, com Deus me levanto”... Mas tão novinha, inocente, sem pecado e por conta

própria resolveu economizar, afinal; a seu ver, não precisa tanta reza. Aí, antes de

deitar-se, Larissa resolve, com seu sotaque característico e pronúncia correta, deixar a

mãe numa baita saia justa quando pergunta a ela:

– MAMÃE, O QUE É QUE TU ACHAS? COM DEUS ME DEITO, OU COM

SANTO ANJO?????

LARISSA ROLIM BORGES

PAISJanete / Antônio Rogério Rolim Borges

AVÓS MATERNOSJanet / Hamilton

Sem combustível

Dois garotinhos estão juntos. Um pára, aponta o alto e

mostra ao outro o que vira: Um helicóptero totalmente parado no

ar. O outro olha e pergunta:

– Ué, porque será que ele tá parado no ar?

– Deve ter acabado a gasolina...

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THIAGO DA SILVA CONZAGA

PAISLucilene Alexandra / Leiva Aparecido Gonzaga

AVÓS MATERNOSOrides / Nelson Lopes da Silva

AVÓS PATERNOSTerezinha / Luiz Gonzaga

A SERPENTE ENCEGUECIDA...

Thiago estudava numa escolinha em Maringá e como era época de aniversário da

cidade, sua professora mandou que ele fizesse um desenho mostrando, na sua ótica, a

cidade. Com seus quatro anos incompletos, resolveu pedir ajuda à mãe. A mãe do

jovenzinho explicou-lhe que em Maringá tem a catedral, o Parque do Ingá, muitas

árvores, flores, etc. Thiago entendeu tudo direitinho e mandou bala. Fez o desenho.

Fizera seu trabalho como lhe dissera a mãe: catedral, Parque do Ingá, árvores, flores e

uma cobra... Uma cobra-cega.

A mãe pergunta o que o filhote havia desenhado e o garoto explica:

– AQUI É A CATEDRAL, AQUI O PARQUE DO INGÁ, ESTAS SÃO

ÁRVORES, AQUI SÃO FLORES E AQUI UMA COBRA-CEGA...

A mãe, achando que alguma coisa estava destoando, que seu Portinari não havia

feito um desenho perfeito, pergunta:

– Thiago, “isso” aqui você falou que era uma cobra; mas cadê os olhos?

A mãe deve ter se arrependido de ter feito tal pergunta:

– Ê, MÃE, EU NÃO TÔ FALANDO QUE É UMA COBRA-CEGA!!!!

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SUOR DUVIDOSO...

João Victor, filhote mais velho da Laide e do Altair, está beirando os quatro

anos, tá na escolinha, é muito ativo e não menos sapeca. Está naquela idade em que a

criança, principalmente, caso dele, do sexo masculino, já tem uma certa vergonha de

“desaguar” na cama. Com o irmão mais velho da Graziele, dia, ou melhor, noite dessas,

a coisa aconteceu e, lençol, cama, colchão, cobertores, tudo virou uma sopa só.

Na manhã seguinte a mãe, ao acordá-lo, censura o filhote:

– Nossa, filho, você fez xixi na cama?

João Victor jurou inocência e acabou “convencendo” a mãe com um argumento

irrefutável:

– NÃO FOI XIXI, NÃO, MAMÃE... EU É QUE SUEI NA PARTE DE

BAIXO... SUEI MUITO!!!!

JOÃO VICTOR DE SOUZA ANDRADEGRAZIELE DE SOUZA ANDRADE

PAISLaide / Altair Andrade

AVÓS MATERNOSMaria de Souza / José Miguel

AVÓS PATERNOSArelina / José Eufrásio

Ligeirinho...

Na sala de espera da clínica pediátrica:

– Esses filhos da senhora formam um belo par de

gêmeos!

– É não, minha senhora. É só um filho que eu tenho.

Mas muito inquieto.

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“VIAJANDO”...

O Manoel e a Dalva têm três filhotes: o Elton, a Wanessa e a Márcia. A Márcia

tem por volta de três anos, a mesma idade da prima Camila com quem adora brincar...

Brincam de tudo. Brinquedo pra lá, brinquedo pra cá, amarelinha, boneca etc. Como

elas brincam muito, um dia o estoque de brinquedo acabou. Pensam que pensam e nada

de “achar” um brinquedo. Aí, a cabecinha da Márcia resolveu funcionar e a criar uma

“combona”, lógico, imaginária, com a qual resolveu dar uma “carona” para Camila, e

pergunta-lhe:

– VAMOS BRINCAR DE ÓPTIO?

Que diabo será isso? Pensa Camila e pede que Márcia esclareça.

Márcia contou direitinho o que era.

Camila compreendeu tudo e esclareceu, para risada geral dos pais e tios:

– NÃO É OPTIO... É ÔMBIS!!!

E as duas “viajaram”...

ELTON SILVAWANESSA SILVAMÁRCIA SILVA

PAISDalva / Manoel Alves da Silva

A vida é alegria pura,desde que assim se inicie:

- vicie seu filho em leitura,antes que a droga o vicie !

Osvaldo Reis

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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AUGUSTO SIQUEIRA DE OLIVEIRA

PAISEdiclei / Valter Augusto de Oliveira

AVÓS MATERNOSMaura / Enedino Leôncio Siqueira

AVÓS PATERNOSMariana / Natalino Augusto de Oliveira

ANJO VAIDOSO

O Augusto, com dois anos de idade, um dia resolveu tomar um chá de sumiço,

misturado com doril, isto é, desapareceu mesmo. A mãe, já quase desesperada, acabou,

muito tempo depois, encontrando o filhote escondido entre a máquina de lavar e a

parede. Lembrando, quem sabe, os tempos da brilhantina, o garotão trazia nas mãos um

pote de gel, já quase vazio e o mais interessante, ele não usava tal produto só no cabelo,

seu corpo inteiro estava lambuzado. A mãe, já meio esquentada com o desaparecimento

momentâneo, mas preocupante, resolve dar uma dura no filhão e quer saber:

– Filho, por que é que você usou quase todo o pote de gel?

A resposta imediata de Augusto mostrou que seu anjo da guarda devia achá-lo

“feio”, ou sua mãe não iria bater em seu protetor:

– FOI UM ANJINHO QUE MANDOU EU PASSAR BASTANTE PARA

FICAR BONITO...

Lembrança escolar

A professora está estimulando os alunos a comprar aquela tradicional fotografia da turma – inclusive com ela junto – e vem com um argumento irresistível:

– Olha, daqui a vinte anos vocês vão olhar a foto e observar: A Catarina é médica, a Paula, professora, o Luiz Cláudio, jornalista...

Lá do fundo da sala, uma vozinha joga um balde de água fria no negócio:– Ali está a professora... Coitada, já morreu...

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UM LANCHE MUITO PESADO...

O nome da gatinha é Sofia, linda que só, não tem ainda três anos... Um belo dia, a

mocinha em companhia da mãe, voltava da escolinha pra casa, no caminho, sempre no

mesmo lugar, um carrinho de lanches, aqui em Maringá, popularmente chamado de

“carrinho de cachorrão”. Sofia quer saber da mãe o que é que tinha naquele “treco”. A

mãe explica que era lanche e isto, aparentemente, satisfazia a curiosidade da filhota. A

tarefa de levar e trazer Sofia à escolinha sempre coube à mãe, mas um dia ela teve de

viajar e a coisa ficou por conta do pai. Passando em frente ao dito carrinho, a menina

perguntou ao pai se podia comer um daqueles lanches. O atencioso pai disse que o

lanche era muito pesado para ela. A resposta também parece ter agradado a pequena, já

que naquele dia não perguntou mais nada.

Dia seguinte com a mãe ainda viajando, novamente o pai foi buscar a filha na

escola, e de novo passam em frente ao tal carrinho. De novo Sofia quer conhecer o tal

lanche, mas praticamente não pediu, determinou ao “velho” que comprasse um lanche:

– COMPRA UM LANCHE VOCÊ, PAI... VOCÊ É GRANDE E CONSEGUE

LEVAR PRA CASA...

O pai, intrigado, quer saber:

– Mas por que é que eu posso levar o lanche pra casa?

Sofia, lembrando o ensinamento de dias anteriores, esclareceu:

– PORQUE É UM LANCHE MUITO PESADO!!!

SOFIA FURLAN COSTA

PAISMaria Luiza / Célio Costa

AVÓS MATERNOSValdomira (Mira) / José Furlan

AVÓS PATERNOSIolanda / Lourival Costa

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TEMPO PRA TUDO...

A Raquel, uma garotinha linda e também muito simpática, nasceu no Japão,

mas os avós vivem em Maringá, onde a garota há bem pouco tempo veio parar. Os

japoneses, ao contrário de nós outros, levam muito a sério a questão da disciplina, e

como diz ditado antigo: “é de pequenino que se desentorta o pepino” (ou é de menino?).

Enfim, Raquel só tem cinco anos e o avô quer que a neta, desde cedo, aprenda a ter

limites, a ter respeito por horário, disciplina em outras palavras. É hora de acordar, de

almoçar, de ir pra escola, jantar, tomar café, banho, etc. Raquel, atenta, ouve o avô (que

ela fala na língua japonesa: Ojii-Sam)...

Raquel ainda não domina completamente a língua portuguesa, e de vez em

quando mistura a com o, o com a, masculino com feminino, o que a faz ainda mais

engraçada. Um belo dia, a gatinha quer saber do avô:

– OJII-SAM, BICHO TAMBÉM TEM QUE FAZER TUDO NO HORA

CERTA?

O paciente e zeloso avô explica:

– Não, bicho não precisa...

Por falar em bicho, o avô de Raquel deve ter ficado com a pulga atrás da orelha

com a próxima fala da gatinha, que pôs fim ao diálogo:

– A OBA-SAM SILVIA DISSE QUE TÁ NA HORA DO ONÇA BEBER

ÁGUA!!!!!!

RAQUEL KAORI TANAHARA

PAISNeusa / Massaiko Tanahara

AVÓS MATERNOSShikeko / Hazime Yamamoto

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TODA GATINHA TEM UM PAI QUE É UMA FERA...

A Yumi, filhota do casal Juliana e Henrique, uma das nestas prediletas da avó

Satico, tem por volta de três anos, mas escutando e prestando atenção em suas “tiradas”

parece que a jovenzinha tem muito mais idade. Dias desses, por exemplo, Yumi está no

elevador “assustando” todo mundo, quando, por repetidas vezes, anunciava em alto e

bom tom:

– O MEU PAI É MUITO BRAVO...

Os presentes começaram a se perguntar o porquê dessas afirmações com tanta

ênfase e também tantas vezes. Será que alguém ali teria feito alguma coisa que Yumi

não gostou? Seria um recado? Seria um aviso? E assim, com todos intrigados, e pior,

sob suspeita, a viagem prosseguia. Yumi contou também que tinha dois cachorros

Poodol, a Vitória, com quase 10 centímetros de comprimento e o mesmo tanto em

largura, e o Yuri, um pouco menor, mas mesmo assim assustador... Depois dos humanos

da casa, esses dois são os xodós da menina... E com a tecla já um tanto quanto amassada

de tanta repetição, tá lá a gatinha:

– O MEU PAI É MUITO BRAVO...

E o suspense continua...

Termina a viagem, o elevador pára, todo mundo desce, uns saem apavorados

sem sequer olhar para trás, mas nem todos têm o mesmo comportamento: um senhor

aparentando demasiada valentia, vai ter com Yumi e, desafiante, indaga:

– Que história é essa que seu pai é muito bravo???

Yumi, sem perder a pose, com aquela cara enfezada, põe fim ao mistério,

esclarecendo a bravura do genitor:

– A VITÓRIA LATE MUITO... O YURI TAMBÉM... É SÓ UM LATIR QUE O

OUTRO LATE... E O MEU PAI FICA BRAVO!

E, no mesmo tom inicial, volta a atacar:

– O MEU PAI É MUITO BRAVO!...

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EU NÃO SOU SUA ESCRAVA...

A Yumi brinca com um copo de água que está sobre a mesa e a mãe pegando em

seu pé, deixa a garota ainda mais à vontade para continuar com a brincadeira. Você sabe

como é criança quando invoca com alguma coisa, quando é contrariada... Yumi

continua brincando e a mãe ameaçando:

– Você vai derrubar esse copo, vai derramar a água e daí...

A bronca vai aumentando de acordo com a brincadeira, isto é, quanto mais

bronca levava, mais “aprontava”... Até que não deu outra... A previsão de sua mãe se

confirmou: o copo caiu e foi água pra todo lado, molhando mesa, pé de cadeira, chão e

até seus cachorros que estavam por perto. A mãe, com sua incontestável autoridade,

lembrando a filha de seus constantes avisos, cheia de razão mandou ver:

– Eu não disse que você ia derramar essa água? Eu não disse.... Agora você vá lá

pegue um pano e limpe tudo...

Yumi não dá muita “bola”. A mãe insiste:

– Limpe tudo e já...

Yumi sentindo que a coisa ia engrossar, resolve, muito a contragosto, atender à

mãe, antes retrucando:

– VOCÊ NÃO TÁ VENDO QUE EU SOU CRIANÇA? Mesmo assim, sai em

direção do armário a fim de apanhar o tal pano, pára no meio do caminho, vira-se para

mamãe Juliana, e desafiante pergunta:

– VOCÊ TÁ PENSANDO QUE SOU SUA EMPREGADA?????????????

LUISA YUMI IKEDA OLIVEIRA

PAISJuliana / Henrique Sérgio de Oliveira

Ganhei, fessora!

A professora fala sobre higiene, limpeza, banhos e essa coisas nem sempre muito apreciadas pelas crianças. Ela chama o Juquinha e pede para ele mostrar as mãos. Ele mostra a mão esquerda que está sujíssima. A professora aproveita a oportundade para uma lição.

– Aposto que é essa é a mão mais suja da escola.– Perdeu, professora. Veja só a direita como está.

AVÓS MATERNOSSatico / Mario Shin Iti Ikeda

AVÓS PATERNOSRaimunda / José Pedro de Oliveira

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BÁRBARA MEDEIROS DARCIS

PAISMarta Medeiros / Agnaldo Darcis

AVÓS MATERNOSClarinda / Luiz Antônio Fanha

AVÓS PATERNOSAntônia / Alcebíades Darcis

“IMPRENDÍVEL”...

Marta está passeando de carro com a filhota Bárbara que tem entre quatro e

cinco anos. A mãe notou que a filha não estava usando cinto de segurança... Criança tem

um medo terrível de polícia, de guarda, enfim... Marta ao pedir à filha que coloque tal

objeto, vale-se da figura policial para ajudá-la, e “ameaça” a filha:

– Bárbara, coloque o cinto se não o guarda vai te prender.

A resposta de Bárbara, com astúcia e conhecimento, fez a mãe descobrir a

vocação da menina, que sem dúvida, vai ser advogada “grande”:

– NÃO, MÃE, ISSO NÃO É DE PRENDER... ISSO SÓ É DE MULTAR!!!

O avô é o animal que o filho amansa para o neto montar.Felizardo Meneguetti (11 filhos, 25 netos e 03 bisnetos).

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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ROBERTO MORAES SILVA (Robertinho)

PAISEolinda / Roberto Silva

AVÓS MATERNOSMessias / Antônio Joaquim da Silva

AVÓS PATERNOSMaria / José de Moraes

PERDEU O FREIO!

O mestre Pedro Bloch, festejado autor de mais de uma centena de obras, com

destaque para “As mãos de Eurídice”, “Dona Xepa”, “Criança diz Cada Uma...”, que

ajudou a inspirar essas mal traçadas, ensinava que a criança normal quase sempre

quebra o brinquedo. E é fácil entender, gosta tanto, brinca tanto, que acaba quebrando.

Existem outros que quebram de “bravos” mesmo... Parece ser o caso de Roberto, que,

com seus quatro anos, adorava quebrar seus brinquedos...

Um belo dia, Robertinho ganhou de Roberto pai, um brinquedo eletrônico,

provavelmente “made in Paraguai”, um carrinho, que o garotão subiu na mesa pra

brincar. Lá pela segunda, terceira volta, o “bicho” despencou lá de cima da mesa e ficou

paradinho, quietinho... Roberto pai não gostou nem um pouco e foi tirar satisfações com

o filhote:

– Filho, você já quebrou o carrinho???

A resposta de Robertinho fez o pai dar risada e esquecer a bronca:

– NÃO PAI, NÃO QUEBROU NÃO... FOI O MOTORISTA QUE

MORREU!!!

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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PAUSA PRO BERREIRO...

Roberto está com cinco anos. Sabe-se lá o motivo (de vez em quando nem

precisa...) está chorando. Chorando à cântaros, isto é, uma verdadeira chuva de

lágrimas. Lágrimas sentidas e barulhentas, choro pra ninguém botar defeito. O garotão

chorava tanto, de literalmente fazer dó, tanto é, que um cidadão que passava por perto,

com pena, se aproximou do jovenzinho, admoestando-o e também consolando:

– Pare de chorar... Chorando você fica feio... É feio chorar... – e dá-lhe conselho

e também (só um pouquinho) bronca.

Parece que a coisa deu certo, tão certo que o garotão logo parou com a

choradeira. O cidadão sentiu-se importante, um mestre, suas sábias palavras foram

capazes de conter aquela cachoeira lacrimal... Assim pensando, em vez de ficar calado e

dar no pé, já que entendia ter cumprido a missão, em condição professoral, volta a

conversar com o chorão:

– Tá vendo só, agora você tá mais bonito... Foi só parar de chorar... E coisa e tal...

Como criança nem sempre concorda com os adultos, Roberto, sem mesmo ter

enxugado os olhos, com força total diz, desafiante ao cidadão:

– EU NÃO PAREI DE CHORAR NÃO... SÓ ESTOU DESCANSANDO... EU

VOU CHORAR DE NOVO...

E começou tudo outra vez.

ROBERTO SILVA

PAISMessias / Antônio Joaquim da Silva

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MARIA EUGÊNIA GANEN FRÁGUASBÁRBARA GANEN FRÁGUAS (Babi)

PAISMônica / João Roberto Fráguas

AVÓS MATERNOSMary / João Ganen

AVÓS PATERNOSGemma / João Batista Fráguas

COM O MEU PAI, NÃO!!!

João Roberto Fráguas é o Professor Beto. Beto e Mônica são os pais de Bárbara, a Babí, e de sua irmã gêmea Maria Eugênia.. No final de 2004, aniversário de Beto, uma aluna envia-lhe um cartão e também um presente. Tempos depois, a casa quase caiu. É que Babí achou o cartão, e teve um chilique daqueles... Seus cotovelos encheram-se de edemas em face de tanto ciúme. Nada de excepcional se Babí não tivesse apenas quatro anos e a concorrente mais ou menos a sua idade. Babí pensou em queimar o cartão, arrancar os cabelos da menina... Onde já se viu uma coisas dessas? Que garota desaforada! E por aí afora. Mas, de acordo com ditado popular, aquela história do filho de peixe... Babí resolve ensinar a chata da menina como deveria se comportar num caso desses e envia-lhe uma carta, manuscrita, com letra grandona e bem legível, para que a “outra” não tivesse nenhuma dúvida:

– “onde já se viu saber que meu pai já é casado e escrever uma carta dessa pode é parando por aí porque isso é coisa de namorada e não de aluna. Pelamor de Deus não é para você escrever isso de novo se for para escrever uma carta de aniversário para o meu pais escreva assim de alsione para Beto. Feliz aniversário que Deus o proteja e te dê paz de sua amiga e aluna Alsione”

É MOLE???

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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MISSA OU “AMARELINHA”???

Júlia não era lá muito “católica”, isto é, não manjava muito os rituais, aquela

história de sentar, rezar, ajoelhar, pegar na mão do vizinho, também não sabia, não

conhecia muitas rezas...

Em companhia de sua amiga Gabriela, que também tinha praticamente sua

idade, (seis, sete anos), vão assistir a um terço. Do mesmo modo, que a pequena Júlia,

Gabi também não entendia bulhufas do assunto. Mas Gabriela dá uma de professora: de

terço na mão, dizendo que “sabia tudo e mais um pouco”.

– Julinha, você reza nessas dez bolinhas pequenas (também conhecidas por

contas...). A hora que chegar nessa grande, é o “Pai Nosso” e “Pai Nosso” é muito

difícil, você pula...

Júlia entendeu tudo direitinho e também fez tudo certinho. Os demais

freqüentadores é que não devem ter entendido o motivo de tanto pulo. Júlia deve ter

ficado com as pernas cansadas... O terço foi tão demorado, comprido...

O CLÁSSICO BIOLÓGICO...

Júlia, então com seis anos, está visitando os avós Mira e José Furlan. Resolve

mudar o programa. Quer ir ao cinema. Quer porque quer assistir ao filme “Anastácia”. E

ninguém (que falta de sensibilidade!) quer levar a pobrezinha no cinema. Aí, Júlia, sem

ter praticamente com quem contar, tenta convencer tia Luísa de sua necessidade em

assistir a tal filme:

– TIA, TENHO QUE ASSISTIR ANASTÁCIA, POIS É UM CLÁSSICO.

Clássico?... A tia, em razão da pouca idade de Júlia, fica intrigada, será que

elazinha sabia o que estava falando? Como diz o ditado popular: “quem tem boca vai a

Roma”, tia Luísa quer saber:

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JÚLIA PEDROSA FURLAN

PAISMaria / Luiz Antônio Furlan

AVÓS MATERNOSLeonor / Ivan Neves Pedrosa

AVÓS PATERNOSValdomira (Mira) / José Furlan

– Você sabe o que é clássico, Júlia? Júlia responde cheia de razão:

– EU NÃO, PERGUNTA PRA MINHA MÃE, ELA É BIÓLOGA... (?????)

A FILOSOFIA DA FILÓSOFA

Júlia, a filhota da Monse e do Luiz Furlan tem cinco anos e está cursando o

Jardim-III. Júlia está na casa da tia Luisa e tio Célio, ambos professores. Papo pra lá,

papo pra cá, a curiosa Júlia quer saber do tio:

– VOCÊ DÁ AULA DO QUE MESMO?

– De Filosofia. Responde Célio.

A gatinha gostou dessa tal de filosofia e, solenemente, afirmou:

– EU TAMBÉM TENHO AULA DE FILOSOFIA.

Aí tia Luisa entra na conversa:

– Imagine, Júlia, se você tem aula de Filosofia...

Júlia, talvez arrependida do “campo queimado”, volta a brincar, antes

afirmando:

– FILOSOFIA É AQUELA COISA QUE FAZ A GENTE PENSAR POR

DENTRO ANTES DE FALAR...

Sexo????

A garotinha, lá com seus seis, sete anos, pergunta ao pai:– PAI, O QUE É SEXO?O pai endoida com a pergunta: fica azul, vermelho, roxo,

conversa com seus botões, indaga para si, que diabo de menina precoce... A garotinha percebe o desconforto do pai e o salva mostrando-lhe um papel que a “tia” lá na escolinha, lhe dera para preencher:

– NÃO É POR NADA NÃO, PAI, É SÓ PRA COLOCAR AQUI AQUI NA FICHA...

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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MÃE FRAQUINHA!

O filhote da Maria Emília e José Manoel, Eduardo, está entre três e quatro anos,

e, como toda criança dessa idade, é extremamente falante, curioso e também faz suas

associações, enfim, um sujeitinho igual aos outros.

Um belo dia Edu, sabe-se lá o porquê, quer conversar, ou aporrinhar a mãe e

desafia:

– MÃE, VOCÊ NÃO É MAIS FORTE QUE UMA GALINHA...

A mãe, sem titubear, responde ao aparente insulto, apenas afirmando:

– Claro que sou...

Aí o garotão solta uma tirada que faz a mãe rir até hoje:

– CLARO QUE NÃO... VOCÊ NÃO BOTA OVO.

EDUARDO SEBRIAN (Edu)

PAISMaria Emília Sebrian / José Manoel

Dorminhoco

O paciente-mirim acorda chorando depois da cirurgia e chama a enfermeira.

– Enfermeira, eu quero ir pra minha casa.– Que história é essa de ir pra casa? Você já é um homem.O pacientezinho toma um susto, pensa um pouco e pergunta:– Quanto tempo passei dormindo?

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AGORA ELE ME CONHECE...

Darci e Lúcia moravam em Campo Mourão. Ao lado da casa deles viviam os

músicos de um grupo chamado Minuano. Em razão de suas constantes viagens, com

todo mundo saindo de casa, só deixavam o cão, um baita pitibul, literalmente uma fera.

Era um guarda que não dava moleza, o bicho era brabo que só vendo e seus latidos

faziam a terra tremer. Exageros à parte, o cachorro era deveras assustador... E não é que

um dia Darci vê o filhote brincando com o animal? Darci fica apavorado. Não

interrompe o diálogo para não assustar nenhum dos dois e o final não se complicar,

lógico, para o lado do filho, então com quatro anos. O pai vai ter com a mãe e explica a

situação, alertando-a para o risco que o garoto estava correndo:

– Eu vi o André brincando com o cachorro do vizinho. Fale pra ele que é

perigoso, que o cachorro não o conhece e por aí afora.

A mãe treme na base só de pensar e misturando suas palavras com as do marido

vai conversar com o filhote:

– Olha filho, você tava lá na cerca brincando com aquele cachorrão, isso é muito

perigoso... Ele não conhece você, por Deus, não faça mais isso, você é estranho pra ele,

ele não sabe quem você é, e um monte de coisas do gênero.

O filho ouve tudo atentamente e entende o recado. Em seguida sai da cozinha, a

mãe vai atrás, e para seu desespero, vê André dirigir-se para a tal cerca a fim de

“conversar” com o guarda da casa vizinha. A inusitada cena, desfeito o medo, faz o casal

até o dia de hoje cair na gargalhada: o garoto chega à beira da cerca e vem o cachorro.

Não dá outra: a mãe dissera que o cão não o conhecia, daí... O final é cinematográfico:

– MUITO PRAZER, MEU NOME É ANDRÉ EDUARDO DA SILVA...

ANDRÉ EDUARDO DA SILVA

PAISLúcia Rosa / Darci Romoaldo da Silva

AVÓS MATERNOSNair / Bonifácio Rosa

AVÓS PATERNOSMargarida / José Romoaldo da Silva

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AMIZADE NÃO TEM COR...

Andrey é o filho mais velho do casal Lucia/Sebastião. Yandre é o do meio e a caçula é Daryne. Andrey tem entre quatro e seis anos, por aí, toma suas primeiras lições no Núcleo Social, em Maringá (ao lado do Colégio Vital Brasil). O garotão tinha um amigo inseparável e era comum, quase que diariamente, os pais ouvirem o filhote, com brilho nos olhos, falar do Lincoln, das aventuras dos dois, dos jogos de futebol, das brincadeiras, enfim, Andrey “tava” sempre falando no amigo.

Um dia, os pais acompanharam o jovenzinho para assistir uma competição esportiva, um campeonato de futebol de salão. Andrey e um garotinho negro pareciam “cano de garrucha”, não se separam nunca. Mesmo com o jogo correndo solto, os dois estavam “desligados” batendo o maior papo. A grande alegria dos pais foi quando no intervalo do jogo, o filhote, em companhia do amigo, se aproxima dos dois e orgulhosamente, apresenta aos pais seu querido companheiro:

– PAI, MÃE, ESSE É O MEU AMIGO LINCOLN...Os olhos dos dois brilharam de contentamento e também de orgulho, já que

Andrey sempre falava de seu amiguinho Lincoln nunca se referindo a ele como “negrinho”, “polaquinho” ou “japonesinho”. Andrey, de pouca idade e tamanho, carregava um enorme coração, coração de criança, coração grande, coração que não sabe discriminar...

EDUCAÇÃO MOLHADA...

Daryne, a caçulinha de Lucia e Sebastião é a "responsável" pela saia justa dos velhos. Os pais têm um casal de amigos, hoje falecidos, na vizinha Cambé: Leopoldino que é médico e a esposa Irene que toma conta da casa. Todas as crianças são ainda, muito pequenas, Daryne, para se ter uma idéia, só tem três anos... Para que o comportamento de seus “anjos” não os envergonhe, aconteciam broncas, recomendações, preleções, e coisas do gênero. Numa dessas tantas viagens, Tião instrui a filharada:

– Pessoal, cuidado com a compostura... Ninguém vai chegando lá e cumprimentando, bom dia doutor Leopoldino, bom dia dona Irene e tchibummmmm na piscina, heinnnn?

Chegaram.

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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Mesa posta, todo mundo reunido em volta, criançada calada, até que a pequena Daryne rompe o silêncio fazendo todos caírem na gargalhada, quando caprichosamente, lembrou as palavras do pai e em alto e bom tom, sapecou:

– DONA IRENE, MEU PAI AVISOU PRA TODO MUNDO QUANDO A GENTE TAVA VINDO PRA CÁ QUE NÃO ERA PRA GENTE DIZER BOM DIA DONA IRENE, BOM DIA DOUTOR LEOPOLDINO E, TCHIBUMMMMM NA PISCINA!!!

GOL CONTRA...

Yandre tinha dois anos, em companhia do pai, está no Estádio Willie Davids em Maringá, para assistirem ao time local: o Grêmio, que naquela tarde enfrentava o Criciúma, de Santa Catarina. Era o campeonato nacional. O contraste do amarelo e preto da camisa do visitante, um colorido bem chamativo, deve ter empolgado Yandre...

Joguinho besta, morno, chutão pra lá, chutão pra cá, a torcida quase dormindo - não é preciso dizer que o placar era de zero a zero - lembrando mais uma apresentação de balé do que o famoso esporte bretão, onde até mães são “homenageadas”, mormente as do juiz e dos bandeirinhas... Nesse clima Yandre abre o peito e manda um grito, grito de acordar bêbado, gritão mesmo:

– VAI CRICIÚMA... VAI...O pai censura o filhote dando-lhe uma olhadela de canto de olho... O pessoal em

volta também olha, nem é preciso dizer que com cara fechada pro pequeno torcedor. Onde já se viu uma cria nossa, de Maringá, torcendo pro adversário? Aí, o pai aperta o filho e quer saber:

– Filhão, que história é essa de torcer pro outro time? Nosso time é o Grêmio!Yandre consertou tudo, quando, mais alto ainda repetiu (em parte, aumentou só

um pouquinho...) o grito:– VAI... VAI PERDER CRICIÚMA!!!!!!!

JOGUINHO CHATO...

Em companhia do irmão mais velho Andrey, Yandre, filho do meio do Sebastião e da Lucia, capitaneados pelo pai, lá pelos idos de 77, 78, iam sempre ao estádio para assistir aos jogos do Grêmio, de saudosa memória (e põe saudosa nisso!). O garotão “adorava” futebol, principalmente o primeiro tempo quando se empanturrava de tudo o que tinha direito: pipoca, amendoim, sorvete, churrasquinho, refrigerante e os infindáveis passeios que fazia da arquibancada ao banheiro.

Já no segundo tempo, com o “bucho” explodindo, o sujeitinho virava as costas pro jogo. O pai fingia que não estava vendo e Yandre, cheio de autoridade, repetia o de sempre (pra ele, no segundo tempo não tinha jogo bom...) para o pai, que realmente gostava de futebol:

– PAI, ANDREY, VAMOS PRA CASA... ESSE JOGO TÁ MUITO CHATO...

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E NO CONFESSIONÁRIO...

Andrey e Yandre, mais o primo Luciano, iam fazer a primeira comunhão. Os meninos contavam com oito, dez e onze anos, respectivamente. Aí a coisa começou a engrossar: vão ter de confessar seus pecados para o padre. Foi um verdadeiro Deus-nos-acuda. O trio se reúne e centram suas atenções no dia-a-dia vivido no mesmo quintal, onde tia Laura, volta e meia, aplicava-lhes sonoras broncas, quase sempre por causa de Benji, cachorrinho da prima Beatriz que em razão de caninos ameaçadores, lembrando pontas de anzóis, apavoravam os meninos. Benji, a fera, era um Pequinês “meio sangue” e a molecada o “adorava”...

Chega a hora de irem para o confessionário... Os mais velhos (como sempre!) empurram o mais novo, depois obedecem a ordem de idade. O menorzinho, Yandre, de acordo com o combinado, “abre a mala”, dizendo ao padre:

– EU BRIGUEI COM A MINHA PRIMA, CHUTEI O CACHORRINHO DELA E XINGUEI A MINHA TIA.

É a vez de Andrey que manda ver:– CHUTEI O CACHORRINHO DA MINHA PRIMA, BRIGUEI COM ELA E

XINGUEI A MINHA TIA.Luciano, o coroa do trio, indagado, não titubeia:– XINGUEI A MINHA TIA, BRIGUEI COM MINHA PRIMA E CHUTEI O

CACHORRINHO DELA...O padre, “meio quase tudo” velho, surdo, enxergando pouco, dana a tossir, e

encabuladíssimo, sentencia:– Meu filho, o pecado não é tão grave assim. Não era preciso você ter entrado na

fila três vezes. Eu te perdôo... Reze 150 vezes o “Pai Nosso” e pronto!...

ANDREY MALDONADO GOMES DA COSTADARYNE LU MALDONADO GOMES DA COSTAYANDRE MALDONADO E GOMES DA COSTA

LUCIANO DA COSTA TORTORELLI (Primo)

PAISLucia / Sebastião Gomes da Costa

Alice / Dario Tortorelli

AVÓS MATERNOSCarmem / Evilásio João Maldonado

Dolores / Alfredo José da Costa

AVÓS PATERNOSDolores / Alfredo José da Costa

Rosa / Salvador Tortorelli

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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FERNANDO LUIZ BIANCHI

PAULO CÉSAR BIANCHI

PAIS

Dulce / Mauro Bianchi

AVÓS MATERNOS

Dolores / Alfredo José da Costa

AVÓS PATERNOS

Pierina / Stéphano Bianchi

MEIÃO DO PALMEIRAS, “PERNA DE PAU...”

Fernando (irmão do Paulo), um dos sobrinhos preferidos do Tião, é filho de sua

irmã Dulce e do Mauro. O sujeitinho tinha lá seus dez, doze anos e uma vontade louca

de vestir a camisa (titular, claro) do “aguerrido esquadrão” da incipiente Vila

Esperança... Um timaço. Acontece que os “Parreiras” de plantão começaram a botar

defeito no jovem “felômeno” que poderia ter mudado o resultado da Copa do Mundo de

1982. Se fosse ele a cobrar aquele pênalti contra a França, certamente, a história seria

outra...

Mas sua carreira sofria terríveis ameaças dos invejosos que não queriam vê-lo

encantar a todos com seu futebol. Diziam a Fernando que suas pernas eram finas (onde

já se viu: as do Garrincha não eram tortas?), que ele era muito franzino e por aí afora.

Mas Fernando, que de bobo não tem nada, achou um jeito de resolver o problema de

suas “afinadas canetas”: o garotão havia ganho um par de meias do Palmeiras... Mas o

time de seu pai, Mauro (já falecido), era o São Paulo...

O astuto Fernando pegou então o meião do Palmeiras e enrolou nas pernas,

colocou por cima a do São Paulo, com isso agradou ao pai, enganou a torcida, o

“treneiro”, a imprensa, enfim, todo mundo. Eram pernas de um “puro sangue”: grossas

que só vendo... O duro é que a “bola” de Fernando imitava as pernas... E, com essa

horrível perseguição, não se tem conhecimento de que Fernando tenha sido escalado

em algum jogo, dessa forma, nem Vila Esperança, nem o mundo puderam conhecer o

talento desse ex-quase futuro ídolo do esporte bretão....

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LARA SYLVIA BIANCHI COSTALÚCIA BIANCHI COSTA

BEATRIZ BIANCHI COSTA

PAISLaura / Reynaldo Costa

AVÓS MATERNOSPierina / Stéphano Bianchi

AVÓS PATERNOSDolores / Alfredo José da Costa

CHEGOU DA “GUERRA”...

Lara e a irmã Lúcia (ainda não tinha “surgido” a Beatriz), filhas de Laura e

Reynaldo (o Dade), adoravam jogar-se na rede para ouvir as estórias que o tio Tião (para

elas era “Tão”) inventava para alegrar e “enrolar” a garotada. Era só chegar da aula que

seus olhinhos buscavam a boa e aconchegante rede, que também servia para depositar

as roupas a serem passadas...

Um belo dia, Larinha chega em casa depois de atividades mil na aula de

Educação Física, mortinha da silva, e, para sua total frustração, a mesa não estava posta,

e ainda por cima, a rede cheia de roupas. A gatinha se desespera diante do “dantesco”

quadro, e seu apelo fez os corações se derramarem de emoções, misturadas com

gargalhadas. Afinal nunca se viu tanta carência de uma só vez:

– MAMÃE: VOCÊ NÃO TÁ VENDO QUE SUA POBRE FILHINHA

CHEGOU CANSADA, COM SEDE, COM FOME E COM FRIO?

Confuso...

Mãe (apavorada): Por que você engoliu o dinheiro que eu lhe dei?

Filho: Quando a senhora me deu, a senhora me disse que era o meu lanche.

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EU QUERO SER GARI...

Início da década de 1970, Tião e Lucia passam férias em Santos. Filam “bóias” e

pousos no apartamento da irmã Luzia e do cunhado Humberto. Os finais de tarde eram

alegrados com a passagem do caminhão coletor de lixo, pela contagiante algazarra e

animação promovida pelos garis. O pessoal trabalhava cantando, batucando nas latas,

caixas de madeira, papelão; enfim, no que aparecia pela frente. Para eles tudo era

motivo para samba e alegria. Além da música, também contavam piadas, lógico, com o

som “lá em cima”. Todo mundo se acotovelava nas janelas para não perder o inusitado

espetáculo proporcionado por aqueles humildes profissionais.

Alexandre e Marcelo, os filhotes de Luzia e Humberto, se deliciavam agarrados

na grade da janela e imitavam os assessores ecológicos gritando como eles. Em

determinado momento, o mais novinho, Marcelo, empolgou-se tanto que saltou sobre o

sofá e daí para o chão, e com os olhinhos faiscantes, como se tivesse descoberto

naqueles modestos prestadores de serviços a fórmula mágica da felicidade, cheio de

razão, a todo vapor, afirmou:

– MÃE, PAI, TIO TÃO, TIA LU, QUANDO EU CRESCER EU QUERO SER

GARI...

ALEXANDRE DA COSTA RAPOSOMARCELO DA COSTA RAPOSO

PAISMaria Luzia / Humberto José Soares da Costa

AVÓS MATERNOSDolores / Alfredo José da Costa

AVÓS PATERNOSDinorah / José Soares Raposo

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ATHAYBEL TEZIN NETO

MÃE

Leomara Cristina Tezin

AVÓS MATERNOS

Maria Josefina / Athaybel Tezin

IMPORTANTE SEM IMPORTÂNCIA...

Essa aqui lembra aquela manjada de “você sabia que o sabiá sabia “sobiar”?” Quem não se lembra? O Athaybel estava na segunda série do pré-primário, não sabia ainda um montão de coisas, mas sabia “assoviar”, o que o tornava diferente dos demais já que criança (quase sempre) não consegue emitir qualquer outro som (via boca) além do choro e da fala. Athaybel sabia “assoviar” e se sentia o rei da cocada preta por isso. O professor, seu avô, o ensinou quase a trinar quando colocava a língua entre os dentes e soprava, era coisa linda os sons que ele emitia.O garotão era o alvo das gatinhas, assunto de todas as rodas... E quando se é líder, admiração, inveja e ódio se misturam. Assim foi com o epigrafado Athaybel, quando um garoto bem mais velho que ele (já com aproximadamente cinco anos), quase alfabetizado, aproximou-se de nosso herói e entre satírico e irônico mandou ver:

– ASSOVIAR NÃO TORNA NINGUÉM IMPORTANTE. O IMPORTANTE MESMO É SABER LER, SEU TONTO...

O estraga-prazeres e chato do menino fez o jovenzinho ficar triste e decepcionado, frustrado, quase deprimido... Nesse dia, à saída, não falou com ninguém (imagine ele que já quase dava autógrafos...) e foi pra casa a passo acelerado. Lá a avó Maria foi seu ombro amigo, seu silencioso muro de lamentações, quando, tristemente, constatou:

– VÓ, EU AINDA NÃO SOU IMPORTANTE PORQUE LÁ NA ESCOLA UM MULEQUE ME DISSE QUE IMPORTANTE É SABER LER E EU SÓ SEI ASSOVIAR!!!!!

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PAIS "NOVOS"...

O título, aparentemente, dá a entender que os filhos são vítimas de maus tratos.

Mas não é nada disso. Guilherme e Gustavo são os filhotes de casal Bia e Kiko, que dos

dois são tietes a não mais poder, assim como todos os demais parentes: avós, tias, tios,

primos... É "paparicação", chamego e dengos que não acabam mais. Em resumo, todo

mundo trata Gui e Gu como merecem. Bia e Kiko são vizinhos, há muitos anos, do Tião

e da Lucia. Vivem próximos não apenas na geografia, mas fraternal e carinhosamente;

são amigos de fato e de direito, amigos de verdade.

Em relação aos meninos alguma coisa parece estar errada. É que Guilherme

resolveu "adotar" os vizinhos queridos como seus pais, mas também não quer

"abandonar" os pais biológicos, misturando-se aí, afeto, ternura, pureza e inocência. E a

cabecinha de Guilherme, ativa que só, acha a solução para o caso, colocando, de vez,

um ponto final nessa controvertida história de paternidade dupla, ou desejo de. E a

solução até que é simples, de acordo com Gui: iriam ao Programa do Ratinho fazer um

tal de DNA e aí sim ficaria provada, com real originalidade, a vontade de Guilherme.

Sem mais delongas, com o resultado do exame, sem medo de errar, Guilherme vai poder

afirmar que:

– É FILHO DO TIÃO E DA LUCIA...

O VOCABULÁRIO DO GUSTAVO

O casal Lucia/Sebastião Gomes da Costa, tem ótimos vizinhos, já que também

promovem, em razão comportamental, um tratamento fraterno. Mas os filhos do Kiko e

da Bia, Guilherme e Gustavo, são especiais. Tião é bem crianção, apesar de já estar

beirando os sessenta, mas permanece com sua alma de criança, e assim se relaciona com

seus amiguinhos. Alma boa à parte, Tião tem um “defeito” muito grande: uma sede

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GUILHERME AUGUSTO DE OLIVEIRA BARBOSAGUSTAVO DE OLIVEIRA BARBOSA

PAISBeatriz / Francisco Carlos Barbosa

AVÓS MATERNOSDébora / Francisco Alves

AVÓS PATERNOSGraciema / Alfredo Alves Barbosa

insaciável, chegando a levantar, segundo Lucia, “trocentas” vezes à noite, para degustar

o precioso líquido... Água mesmo! Pra se ter uma idéia das idas e vindas de Tião até a

geladeira, pode se comparar à pequena área de um campo de futebol onde nem com reza

braba nasce grama. O “caminho” da geladeira do Tião é lisinho da silva.

Os irmãos Guilherme e Gustavo acompanham todos os passos de Tião, cuja

casa é como se fosse o quintal da deles, aonde só vão para brincar.

Um dia, “tá” lá o trio mais a meninada dos donos da casa. Curiosamente Tião

demorou um pouco mais para tomar o famosíssimo “suco sanepariano” ou de torneira.

Aí Gustavo, com sua inocente pureza, criou um termo que os seguidores de Buarque e

Houais fatalmente vão inserir em nossos dicionários. Gu, vendo que amigo não estava

tomando tanta água, resolve ajudá-lo, lembrando-o de seu “vício”:

– TIÃO, TÁ NA HORA, VAMOS LÁ SEO REPETIDOR DE ÁGUA...

“Meliantes”

Um senhor muito bem vestido, muito elegante vai andando pela calçada quando vê um garoto tentando tocar a campainha de uma casa, mas o botão da campainha fica muito alto e o garoto não alcança. O senhor se aproxima e pergunta:

– Posso ajudá-lo?– Pode, sim. O senhor me ajuda a tocar a campainha?– Claro.O senhor levanta o garoto nos braços e o garoto toca a

campainha. Aí o garoto diz:– Agora, vamos correr.

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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“ ”

A Bruninha contava com um ano e poucos meses, aquela fase em que a criança

começa a falar, e o faz tudo errado, troca letras - principalmente o “c” pelo “t” - entre

outras tantas e os adultos adoram “sacanear”, e estão sempre fazendo perguntas só para

ouvir” as bolas fora”.

Bruna nasceu em Assis Chateaubriand, no Paraná.

Um belo dia, no colo da mãe, o pai ao volante, a gatinha “está mostrando” a

cidade aos dois. Mostrando mesmo, pois tudo que avistavam, acabavam por perguntar à

filhota o que era, e ela, pacientemente, ia respondendo: é uma “tasa”, um “talo”, uma

“aive”, e por aí a fora, até que se cansou e se “desligou” um pouco, mas a mãe, nem aí,

queria continuar com aquela infindável seção de perguntas e respostas...

Aí passam em frente ao hospital onde nasceu a garota. A mãe, com o dedo

indicador apontado para a direção do dito cujo, pergunta à filha:

– O que é isso?

Como seu dedo estava encostado no pára-brisa, não deu outra, a resposta de

Bruna foi lógica, clara e objetiva:

– É VIDO!!!!!!

Só faltou completar “te ela o vido da flente do talo”...

E TEM GARANTIA???

Bruna estava prestes a completar quatro anos, queria fazer uma festona e

comprar para si um presente, para tanto juntava todos os trocados que conseguia,

principalmente moedas, que criança adora e adultos nem tanto.

Seu aniversário, tão esperado, “chega”. Os pais dão à filha uma linda bicicleta.

Bruninha fica feliz da vida... Até conversava com seus botões: “isso é que é pais”, “os

meus são os melhores pais do mundo” e coisas assim, afinal ganhara uma bicicleta e

ISSO NÃO ERA “AQUILO”...

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nem precisou usar seu próprio dinheiro.

Era um presente perfeito se não tivesse vindo sem bomba, aquele “treco” que se

usa para encher pneu. Poderosa e cheia da “bufunfa”, em companhia do avô Sérgio, vai

até uma bicicletaria próxima com a finalidade de comprar uma... Onde já se viu uma

bicicleta novinha mas sem bomba? Chegam à loja, vão direto ao balcão. Bruna pede ao

atendente uma bomba... O rapaz apanha o tal objeto. Era azulzinha, lindona, de plástico,

uma beleza mesmo... Bruna adora a danada, namora, troca carícias, empurra, puxa,

empurra de novo etc. e tal... De repente... Silêncio... Silêncio total... Bruna fica com o

complemento de seu desejo nas mãos apenas olhando, misteriosamente... O atencioso

balconista quer saber:

– Você não gostou da bomba?

A resposta da garotinha, seguida de uma indagação, deixam boquiabertos o avô

Sérgio e o vendedor :

– E QUANDO ACABAR O AR, VOCÊ DÁ OUTRO???!!!

INOCENTE CONCLUSÃO!

Transar, de acordo com o “pai” Aurélio Buarque de Holanda, quer dizer: fazer

uma transa a respeito de; combinar, ajustar, maquinar, pactuar, tramar... Mas os

dicionaristas de hoje, dão um outro significado à palavra, mais ou menos como “ficar”

que ninguém sabe realmente o que quer dizer...

Bruna, tem uma rara particularidade, em razão de ter somente cinco anos, fala

tudo corretamente, embora não saiba direito o que os adultos falam, e por viver na era da

Internet e da televisão, ouve muita coisa. Dia desses, “espreme” a mãe querendo saber

de sua boca, para que a cruel dúvida não persistisse, o significado de certa palavra e

manda ver:

– MAMÃE O QUE É TRANSAR?

A mãe titubeia um pouco, pensa e responde:

– Transar ééééé... Conversar... Namorar...

O interrogatório prossegue:

– E VOCÊ NAMORA COM O PAPAI?

Aí a mãe não tem nenhuma dúvida e responde na bucha:

– Claro filha...

Dias depois, a avó, que mora na casa ao lado, entra em casa de Bruna e pergunta

à neta:

– Bruninha, onde é que “tá” sua mãe?

A resposta de Bruna deixa a avó pensativa, intrigada, achando a neta um tanto

quanto precoce, quando de olhos arregalados ouve a criança responder:

– ESTÁ LÁ NO QUARTO TRANSANDO COM O PAPAI...

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SE É TÃO BOM ASSIM...

Depois de Bruna, "surge" Beatriz, a Bia, a mais novinha da casa, está começando a descobrir o mundo, ainda não fala direito (nem esquerdo!), mas de boba não tem nem o jeito de andar... Toda mãe, sabidona, em vez de dizer que remédio cura, fica com aquela história de que o danado é bom...

Dia desses, Bia apanhou um baita cof, cof... Era cof a não mais poder, o que debilitava a irmãzinha da Bruna. A mãe prepara um remédio e tenta, em vão, convencer Bia a mandá-lo pra baixo:

– Toma filha, é bom...Bia nem bola dá... A tosse continua firme e forte.... E a mãe insistindo: – Toma filha... toma filha...Até que... É o seguinte, de acordo com o ditado popular “água mole em pedra

dura, bate, bate até que molha”, a mãe conseguiu fazer a filhota se interessar pelo remédio... Acertou “na veia”... Seus argumentos foram realmente convincentes:

– Toma, filha, é gostoso...Palavrinha mágica essa. É o mesmo que ler “promoção” numa loja qualquer...

Bia olhou para a mãe com raro interesse e esticando a mãozinha, pegou o copo que continha o tal remédio “bom”... A mãe sorriu por dentro... Ôbaaaa, pensou.... Aí a gatinha, no seu enrolado português, pergunta à mãe:

– É TOTOSO, MÃE?A mãe, feliz da vida, confirma. Bia devolve-lhe o copo e tasca, na bucha:– ENTÃO BEBE!!!!!

FUGINDO DO FLAGRANTE...

Depois de um churrasco familiar, sabe-se lá por que, o banheiro do quarto do casal entupiu... No mesmo dia a mãe da Bruna, a mais velha, e da Bia, a caçulinha, teve de ser internada (meio às pressas) num hospital, onde passou por uma pequena cirurgia e o banheiro entupido, lógico, ficou em segundo plano.

Dias depois, a mãe retorna ao lar-doce-lar. As filhas, saudosas, cheias de dengo, sentam-se na cama, uma de cada lado onde está a mãe. Aí, o chato do pai querendo esclarecer o entupimento do vaso sanitário, pergunta às duas:

– Quem foi que jogou coisas no banheiro?Bia, mais que depressa se defende atacando a irmã maior e aplicando-lhe sonoro

pé-do-ouvido, explica:– FOI A TATA...Por sua reação, o pai detetive acabou “desconfiando” da menorzinha e

continuou a seção de “tortura”. E depois de um infindável interrogatório acabou obtendo a confissão de Bia (a razão: dois pedaços de costela com osso e tudo), que acabou por botar um ponto final no caso do vaso (bela rima), sendo antes alertado pela filhota sobre seus direitos:

– MAS NÃO FOI HOJE !!!

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CHIFRE EM CABEÇA DE CAVALO...

Bruna não tinha ainda dois anos, tampouco tinha saído de seu Estado, mas um “dodói” dos grandes fez com que a menina fosse levada até Campo Grande para tratamento, e a jovenzinha, por nada no mundo, deixou de curtir as aventuras de sua primeira viagem. Bem no meio da estrada (em Mato Grosso é comum isso), uma boiada. O pai teve de parar o carro para os “bichão” passarem...

Bruninha presta atenção em tudo e tem medo danado dos dentes daqueles monstrengos que sua mãe lhe explicou serem bois. A garota ficava apavorada quando via o pai passar as mãos nas cabeças dos mansos animais e não deixava de alertar ao pai do perigo que ele estava correndo diante dos ameaçadores dentes, certamente pensando que boi era um baita cachorro com aquele ornamento na cabeça. Bruna não dormiu, aliás, nem piscou, com tanta atividade.

Chegando ao final da viagem, vão direto ao hospital. Aconteceu entre Bruna e o médico uma enorme empatia, em razão da simpatia e atenção que o competente profissional lhe dedicara. Pra se ter uma idéia, a conversa entre os dois, assistidos pelos pais, durou umas duas horas... Num trecho da prosa, Bruna começa a contar ao doutor o encontro com a boiada, mas de maneira alguma ela se lembrava o nome dos “bichão” - por ela pronunciado com dois esses ou seja “bissão”... Saía de tudo, palavras muito mais difíceis, mas boi, nem com reza braba. E, sem dar o nome, não tinha como seu novo amigo entender sua história... Bruna começa a ficar nervosa, inquieta, aí, como por encanto, Bruna bate os olhos numa estatueta de um cavalo sobre a estante do médico que, comparando, a fez lembrar-se de tudo e do seu jeito, explicou o nome dos “bissão”:

– É UM BÚIO... UM BÚIO DI SIFRI...

BRUNA GARBULHA PEREIRA (Bruninha)BEATRIZ GARBULHA PEREIRA (Bia)

PAISRose / Pedro Mariano Pereira

AVÓS MATERNOSCezarina / Sérgio Garbulha

AVÓS PATERNOSTerezinha / Benedito Mariano Pereira

Manoplas

– Na minha mão direita eu tenho 8 laranjas e na mão esquerda eu

tenho 10 laranjas. O que temos então?

– Mãos enormes, professora.

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MAX HIDEKI HASE

RAFAEL HASE

PAIS

Beth / Eduardo Hase

AVÓS MATERNOS

Sunao / Natsuno Sakaguchi

AVÓS PATERNOS

Tomoji / Kazuko Hase

CADÊ O MEU NARIZ????

Max é o irmão mais velho da Érica e da Cinthia, tio do Rafael, filhos da Bete e do Eduardo. Lá por volta de seus quatro, cinco anos, um bichinho malvado, certamente procurando sobrinhas de doces, faz um baita buraco num de seus dentes. Max resmunga, chia, choraminga, esperneia, sapateia, e por aí afora, aquela tradicional mistura de dor e birra. Os pais levam o filhote à dentista, doutora Edna Tokunaga, que o examina a manda o diagnóstico:

– É uma cárie e já está, digamos, em estado avançado; tem de ser restaurada imediatamente.

Os pais concordam com a competente profissional e também amiga. Para a execução do serviço era preciso, claro, de anestesia. E lá vem a doutora Edna com aquele papo de dentista: “é só uma picadinha, uma abelhinha bem pequena, não vai doer nadica”... E a pobre criança quase hipnotizada pela “lábia” da especialista nem percebe a agulhada...

Aí vem o efeito que é chato pra burro. Com Max não foi diferente. O carinha nem sentia a “cara”. E doutora Edna tá mexendo e remexendo, acompanhada pelo delicioso barulho do motorzinho e coisa e tal. Num determinado momento tem de abrir um pouco mais a boca do pequeno paciente e precisa apoiar sua mão no nariz do doentinho... Aí desespero geral, Max dana a chorar: buáááááááá... buáááááááááá... E a coisa vai aumentando. A dentista achou que havia passado o efeito da anestesia e ficou preocupada, mas logo sua suspeita foi desfeita quando Max, aos prantos, afirmava e perguntava, quase que ao mesmo tempo:

– EU QUERO O MEU NARIZ... ONDE ESTÁ O MEU NARIZ???Foi preciso usar um espelho para mostrar ao “desnarizado” que seu “cheirador”

continuava lá, inteirinho, e pendurado no mesmo lugar...

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GIANNA CARLA FURLAN

PAISFátima / Carlos Furlan

AVÓS PATERNOSValdomira (Mira) / José Furlan

MAS É SÓ ISSO ?????

Depois desse episódio, “vó” Mira passou a chamá-la de legista mirim... A

Gianna tinha por volta de cinco a seis anos e aparentemente, uma curiosidade mórbida,

pavorosa, de terror mesmo. A gatinha queria porque queria saber o que era exumação -

que ela dizia “insumação”. E, o que é pior, ninguém conseguia tirar da cabecinha dela

essa vontade. Os adultos da casa explicaram, mas ela queria mesmo era ver de perto,

com seus olhos.

Um determinado dia, faleceu alguém da família e deveria ser sepultado no

mesmo túmulo de outro parente, já enterrado havia muito tempo...

Gianna foi também ao cemitério, e como por encanto “desapareceu” de perto de

seu pessoal. A gatinha foi assistir os funcionários do cemitério remover o cadáver

antigo, enfiou-se no meio daquela floresta de pernas e foi parar lá onde tal serviço

estava sendo feito e nem deu tempo de ser retirada: assistiu a tudo, matou a curiosidade

e voltou frustradíssima desabafando:

– INSUMAÇÃO NÃO TEM GRAÇA NENHUMA... É SÓ UNS OSSINHOS

CABELUDOS!!!

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BARREIRA TRANSPONÍVEL...

Davi, irmão da Ana Clara, filho da Maria Paula e do Daniel, tinha cinco anos de

idade, uma fera, não só na escola...

Com raro brilhantismo (de verdade!), Davi cursava o pré-primário, onde era o

terror na prática do esporte bretão, também conhecido por futebol. Escolheu, no

entanto, uma das posições mais ingratas: aquela em que não se pode falhar nunca; era

goleiro. Um Gilmar da nova era... Davi nunca falhava... Um goleiraço o sujeitinho...

Duvida?

Veja, então, o diálogo do promissor atleta com o avô Antônio Augusto de Assis,

o poeta A.A. de Assis, após chegar todo eufórico e suado ao final de uma disputadíssima

partida de futebol:

– VÔ, HOJE EU PEGUEI TODAS AS BOLAS... SÓ DEIXEI PASSAR

CINCO!...

DAVI JOSÉ DE ASSIS BEMOM

PAISMaria Paula / Daniel Bemom

AVÓS MATERNOSLucila / Antônio Augusto de Assis

AVÓS PATERNOSMabel / Heber Bemom

Naquela criança linda,que brinca cheia de pressa,o meu mundo, que se finda,

fita um mundo que começa !

Galdino Andrade

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LUCIANO GONÇALVES DE MATOSLUCIENE GONÇALVES DE MATOS

PAISAngelita / Adailton Araújo de Almeida

AVÓS MATERNOSMaria / Ponciano Gonçalves de Matos

AVÓS PATERNOSMaria José / Arlindo Pedroso de Almeida

O “SEQÜELADO” SAFADINHO

Luciano – o irmão da Lucilene – tem hoje sete anos. Quando bem miudinho

sofreu meningite, mas foi muito bem tratado e a atenção da mãe Angelita e do pai

Adailton ajudaram (e muito) a dar sumiço na doença do filhão. Em outras palavras, a

meningite do Luciano “tomou doril”, escafedeu, sumiu, não ficou nem um sinalzinho.

Só que, moleque é moleque...

O rapazinho é mais folgado que azeitona em boca de banguela. Um tremendo

cara de pau, mexe com todo mundo; enfim, é um “anjo” o nosso enfocado, mas também

muito simpático.

O curioso em Luciano é sua reação quando alguém tenta lhe passar um pito ou

dar-lhe uma bronca: Lu (só ele), se lembra da doença acometida no passado, aí, com um

baita sorrisão pra lá de maroto, acaba com a reação do eventual e momentâneo

“inimigo” que quase sempre se desconcerta, em razão dos motivos que levaram o

“pestinha” a cometer tais desatinos, quando ele com cara bem triste, de cachorro caído

de mudança, sempre que apronta, afirma:

– É SEQÜELA !!!

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BANANA PRO “MACACO”

Milton estreava um velho carro novo: um Galáxie, uma de suas paixões, depois, claro, da esposa Ivanilde e das filhotas: Sabrina, Samantha e Samira.

Numa bela manhã de domingo, se deliciando em sua “banheira” – apelido que os “invejosos” dão ao “possante” que marcou época, não só no Brasil, mas em boa parte do mundo – lá estão Milton e prole, incluindo gato, cachorro e papagaio, “navegando” em seu carrão. E lá vão eles... Sobe, desce, Milton elogia alguma coisa no carro, fala do freio, do rádio – que é original – mostra árvores, praças, ruas, igrejas, monumentos, e pra variar, fala um pouco mais do carro... Um passeio maravilhoso, as crianças estão adorando a inesquecível aventura daquele dia... Tudo está indo muito bem. Mas de repente... pufffffffff. Fura um pneu. Pneu dianteiro...

Para as crianças, um pouco mais de pimenta na aventura, uma baita novidade. Todo mundo desce pra ver o pneu arriado, murchinho da silva. As crianças se divertem, participam da cena, para elas inédita, e querem, lógico, também ajudar... Após aquela tradicional coçadinha de cabeça que antecede a troca de pneus, Milton comenta com a esposa:

– Vou pegar o macaco...Ato contínuo Samira oferece-lhe concreta solidariedade: estende a mão direita

que contém na ponta uma doce e inocente banana e completa:– TÓ, PAI...

SABRINA MARCOLLI RUI

SAMANTHA MARCOLLI RUI

SAMIRA MARCOLLI RUI

PAIS

Ivanilde / Milton Rui

AVÓS MATERNOS

Jorgina / Antonio Marcolli

AVÓS PATERNOS

Fiorentina (Dona Nêga) / Rui Cesare

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ALINE SATO CARVALHO

PAISEliane / Anízio Costa Carvalho

AVÓS MATERNOSMárcia / Macoto Sato

AVÓS PATERNOSCleusa / Nivaldo Costa Carvalho

O OVO OVALADO

Embora maringaenses natos, Eliane e Anízio, por questões profissionais, vivem na vizinha Cambé. Os pais de Aline, que além de gostar muito de sua cidade natal, a filha, idem, mas também adoram os avós, o que proporciona um gostoso e infindável vaivém de viagens entre as duas cidades, em parte para agradar a filhota e eles também, claro. Aline tem três anos e, logicamente, não sabe ainda o que é terça-feira, outras tantas feiras e também outras tantas palavras...

Só sabe que todo final de semana, mesmo sem saber direito o que está acontecendo, ou que dia é, Aline fica inquieta, doidinha pra viajar. A mãe tem de “se virar” pra não desagradar a filhota... Num desses tantos finais de semana, Aline “tá” acesa, com muita energia, pilha sempre nova, a mãe sente o “drama” e tenta acalmá-la explicando:

– Amanhã a gente vai pra Maringá...Aline escuta, pensa um pouco e dispara:– ENTÃO DEPOIS DE HOJE A GENTE VAI PRA MARINGÁ...E, momentaneamente, deixou a mãe em “paz”.

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AGENTE SECRETO...

Gabriel é um sujeitinho extremamente ativo. Quando bem miudinho era tratado

como “candidato”, já que saía, principalmente no restaurante, cumprimentando todo

mundo, pegando nas mãos, batendo nas costas, como fazem os políticos (em época de

campanha, claro...). Mas por Gabriel ser uma figurinha de 50/60 centímetros de altura e

ainda nem falar direito, era uma festa vê-lo, de mesa em mesa, cumprindo seu ritual.

Numa das suas primeiras viagens Gabriel, em companhia da mãe Andréa, avô

Nailor, avó Nilza, primo Paulinho, gato, maritaca, papagaio e também uma tartaruga, o

jovenzinho vai conhecer aquele “riozão” com sal dentro que os adultos chamam de mar.

O avô materno de sua mãe (Nilo, pai da “vó” Nilza) estava internado numa casa

de saúde em Curitiba. Gabriel gostava muito dele, a quem chamava de “biso”, e queria

visitá-lo, mas seu “biso” não podia receber visitas em razão da precariedade de seu

estado de saúde. Os marmanjões explicaram a Gabriel que ele estava num lugar de

nome bem pequeno e terminava com a letra “i”.

Ficaram na praia alguns dias. Na volta, Gabriel continuava querendo ver seu

amigo e insiste com a mãe, em seu particular “zecabulário”:

– MÃE, VAMOS LÁ NO FBI VISITAR O BISO???

GABRIEL BARUD MACIEL

PAISAndréa / Cláudio Maciel

AVÓS MATERNOSNilza / Nailor Marques

AVÓS PATERNOSElza / Názio Souza Maciel

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O COCÔ MOUCO...

Norma tinha um nojo terrível de fazer cocô, ficava segurando, se apertando, dando uma bronca nas fezes:

– VOLTA PRA SUA CASA SUA CACA NOJENTA...Mas um dia a “coisa” aconteceu... Algumas bolinhas da dita cuja acabou por

sujar-lhe as fraldas: eram brancas, mudaram pra, mais ou menos, marrom escuro. A garotinha também mudou a cor, ficou vermelha, numa mistura de nojo, raiva e ódio e se seu desabafo tivesse saído antes com a intensidade do grito final, talvez tivesse evitado a “tragédia”:

– EU FALEI PRA ELA VOLTÁ, MAS ELA NÃO ESCUTOU... MAS EU FALEI !!!

COM MEDO DO PRÓPRIO VENENO...

A Norma era ainda bem miudinha, mal falava, mas curiosamente cantava, vivia cantando, músicas, claro, que ela mesma compunha. E o repertório era grande, não se sabendo se era melhor cantando ou compondo, só se sabe que ela “tava” sempre se “esgoelando”...

Um belo dia, tá lá a Norminha cantando um de seus inúmeros sucessos, distraída, desligada do mundo, soltando a voz:

– BUNDA É BUNDA, PÉ É PÉ... PÉ NA BUNDA...Aí a cantora/compositora, achando que podia chutar a si mesma, levou um baita

susto e encostou o traseiro na parede, lá ficando por um bom tempo (até mudar de música...).

GRAVIDEZ GATUNA...

Douglas tem por volta de dois a três anos e está assistindo na TV um desenho animado (e tem desanimado?). A cena: mamãe gata, toda melosa, falava com seu filhote:

– Meu bebê...Logo em seguida, a outra mãe, a de Douglas, chama sua cria para alimentá-la e

como mãe, tio, tia, avô, avó e um mundaréu de adultos, com a intenção de agradar, fala

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mais ou menos do jeito das crianças. A pronúncia da mãe, “misturou” a cabecinha do garoto:

– Douglas, vem bebê leite...Douglas não topou o convite da mãe, ameaçou ir embora de casa, chorou, e não

quis tomar, nem por decreto, o tal produto extraído da vaca, e retrucou:– EU NÃO VÔ TOMÁ, NÃO!!! EU NUM QUERO FICÁ CUM UM

GATINHO NA BARRIGA!!!!!

CAMPEÃO DE AFOGAMENTO...

Douglas tinha lá por volta de quatro, cinco anos e foi “colocado” numa escola de natação. Até aí nada (?) de mais a não ser a vontade e necessidade que o sujeito tinha de contar, repetidas vezes, e pra todo mundo, a sua mais recente novidade. Não gosto (pior que é verdade!) de me incluir nas histórias, mas nessa não tive jeito de escapar já que sua vítima foi o babaca do tio aqui. É o seguinte: os pais viajaram e me deixaram na casa pra cuidar dos “anjinhos” Norma e o enfocado Douglas.

Eu me encontrava “atolado” na leitura de um jornal, e o sujeito no meu pé querendo contar que estava numa escola de natação, embora já soubesse da própria boca umas trocentas vezes, mas ele insistia me puxando pela barra da calça, manga da camisa etc. e tal, e a fala era sempre a mesma:

– TIO, EU TÔ NUMA ESCOLA DE NATAÇÃO...E eu continuava “enfiado” no jornal, já sem conseguir me compenetrar na

leitura, pois toda hora, de tempo em tempo, tava lá o carinha:– TIO, EU TÔ NUMA ESCOLA DE NATAÇÃO...Aí “comigo” já quase explodindo, parei de ler, virei-me pra ele, dei-lhe toda a

atenção do mundo e “pacientemente” perguntei:– “Tá”, você entrou numa escola de natação... E daí?...Daí é que descobri o motivo de tanto orgulho... Fazia pouco mais de uma semana

que ele freqüentava a escola e seu progresso era espantoso, um Einstein da braçada, uma fera... Em tão pouco tempo... Douglas, de peito estufado, explica:

– É QUE EU JÁ SEI ME AFOGAR SOZINHO...

EX-INDIANA JONES...

Tem criança medrosa e tem criança valente. Poderosas todas são, mudam montanhas de lugar, mudam a cor do mar, aumentam e secam suas águas de acordo com a conveniência e imaginação... A mãe do Gustavo e da Gabriela, quando criança, não fugia à regra.

Norminha tem esse apelido em razão, lógico, no início por ser criança, depois a alcunha permaneceu em razão de sua altura, podendo ser comparada à do Atchim, do Zangado, ou seja, pouco menos de um metro e quarenta e cinco, no máximo...

Em sua meninice, claro, um pouco menor, mas muito “macha”, valente como o diabo, tanto é que deixava sempre em polvorosa as pobres serpentes do passeio “cúbico”, em Curitiba, que, quando sentiam a presença da garotinha, tentavam, em vão

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se esconder. Mas como fazê-lo se estavam dentro de uma vitrina de vidro? Mas as coitadinhas ficavam realmente apavoradas com a Norminha por perto... As lagartixas, que ela chamava “pegatixa”, então, chegavam a voar, mudar de cidade, bairro, país até. Um de seus prazeres era dar nós nas pobres e indefesas jibóias....

Mas o tempo passa... Hoje, a “Indiana Jones” de saias tem medo até do “jacaré de parede”, suas famosas “pegatixas” da infância...

“VÃOCABULÁRIO”

Sabe aquele negócio que dá na gente de ficar repetindo a mesma coisa o tempo todo? Principalmente quando se trata de música... Isto já deve ter acontecido com todo mundo... Quando a gente, sem perceber, tá cantarolando somente um trecho, sempre muito curto, de uma mesma melodia: “Quando olhei a terra ardendo”... Um minuto depois, começa tudo de novo: “Quando...” E assim vai até deixar repleta a região testicular dos infelizes “escutantes”.

Um belo dia, voltando de uma viagem, a mãe Helena e este mentecapto, tio do dito cujo, ouvem Douglas se “desgüelando” a todo vapor mesmo, uma musiquinha. Acho que ele não decorou a letra por ter somente uns três ou quatro anos que falava de uma tal galinha de cor amarela, e, de minuto a minuto, tá lá o cantor Douglas, soltando a voz:

– A GALINHA AMARELINHA...E pouquíssimo tempo depois a história se repetia e assim foi um punhado de

vezes, a mãe já estava vermelha de raiva e o imbecil aqui, roxo de ódio. Douglas, nem aí:

– A GALINHA AMARELINHA...A GALINHA AMARELINHA... Aí, a mãe (se é que alguma vez teve) perdeu de vez a paciência, fez o sujeitinho

“fechar a matraca” e, virando-se para o banco traseiro, onde estava o seu Nelson Gonçalves, mandou bala:

– Que diabo, Douglas, você não tira essa galinha da boca...Douglas entrou num acordo com a genitora e fechou o bico... Silêncio total por

um bom tempo... Mas era muito silêncio e isso também incomoda. Douglas tá lá quietinho, mudinho, parecia até sem respirar... A mãe resolve pôr fim na situação:

– Douglas, também não é preciso ficar tão quieto assim...Aí o garoto dá uma lição na indecisa mãe:– Ô MÃE, O QUE VOCÊ QUERISSE QUE EU FAZISSE? EU CANTO,

VOCÊ DÁ BRONCA, EU FICO QUIETO, VOCÊ DÁ BRONCA?????????

LUZ DESACESA...

Uma particularidade no já apresentado Douglas: quando bem miudinho gostava de ver televisão... Calma, essa ainda não é a particularidade, aliás, nem tão particular

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assim... Direto ao assunto, ele gostava de assistir no escuro. Tem gente que acha que no escuro a imagem fica melhor. Acho que Douglas também achava... Mas criança sozinha no escuro, é complicado, moleque mais ainda... Assim, todos os marmanjos que estavam por perto, para tê-lo sob controle, pelo menos de vista, acendiam a luz, o que deixava o carinha bravo que só, e cada vez que a luz era acesa, ouvia-se (até no próximo quarteirão) os berros do garotão:

– PODE DISACENDER ESSA LUIZ !!!

“VALENTE” E “TRABALHADOR”

Douglas era miudinho de tudo e tinha um medo terrível de assombração. Bastava ele ver alguém rezando que ele achava que a reza era para espantar a “coisa” que estaria por ali... A mãe vai com Douglas visitar o túmulo de seus pais no cemitério de Maringá. Além de visitar, aproveitaria também para dar uma limpada na moradia dos avós de seu filhote. Helena vai à frente e Douglas, literalmente, arrastando um balde com objetos de limpeza incluindo uma vassoura, caminha bem atrás. Chegando ao túmulo a mãe se ajoelha e começa a rezar... Douglas imagina que tem alguma “coisa” por ali, abandona a vassoura e o balde no caminho, corre em direção à mãe e quer saber:

– MAE, ONDE “ELA” TÁ?A mãe interrompe a prece e explica ao garoto que não havia ali nenhuma

assombração e que ela estava rezando para Deus ajudar o avô e a avó. A reação de Douglas fez a mãe se desconcentrar:

– MÃE, SE REZAR DEUS AJUDA?A mãe responde que sim. Douglas fica feliz da vida, esquece até da

assombração, e pede para a mãe:– MÃE, ENTÃO, REZA PRA DEUS E PEDE PRA ELE ME AJUDAR A

CARREGAR ESSA VASSOURA...

NORMA HELEN GALDINIDOUGLAS ALEXANDRE GALDINI

PAISMaria Helena / Osmar Galdini

AVÓS MATERNOSAna / Geraldo Fernandes Reis

AVÓS PATERNOSNorma / Luiz Galdini

Evitando bronca...

Paula: Papai, você sabe escrever no escuro?Papai: Acho que sim. O que é que você quer que eu escreva?Paula: Seu nome no meu boletim.

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JOÃO HENRIQUE BARRETO MAIA

PAISSara Cristina / Reinaldo Maia

AVÓS MATERNOSLéa / José Maria Barreto

AVÓS PATERNOSMaria / José Maia

A “FERINHA” E O “FERÃO”

João tem lá por volta de seus quatro anos, uma cabeleira farta, cacheada, sorriso fácil, muita simpatia e malandragem a não mais poder. É filho da Sara e do Reinaldo. João adora sacanear todo mundo, mas um de seus alvos preferidos é o avô José Maria Barreto (o Barreto), a quem ele chama simplesmente "vô B".

No último dia 21 de abril, dia de Tiradentes, Barreto acompanha uma pequena reforma no bar do cunhado Léo e do filho Rogério, que fica nas proximidades do Parque do Ingá (em Maringá), local onde o pessoal pratica caminhada. O pequeno João “tá” por perto e puxa conversa com o avô:

– VÔ B, HOJE É FERIADO, NÉ?– É. Responde o avô.João continua:– E VOCÊ GOSTA DE FERIADO... NOS FERIADO TEM BAILÃO LÁ NO

CLUBE DO VOVÔ E VOCÊ ADORA IR LÁ PEGÁ AS VÉINHA...Barreto dá uma risadinha daquelas que significa nem sim, nem não, também não

diz nada. João fica intrigado... Aí vai passando uma “caminhante” em volta do parque,

instintivamente Barreto olha em sua direção... João endoida e volta cutucar o “vô” B que, após o diálogo, lembrou-se de fazer

alguma coisa lá dentro e se mandou:– TÁ VENDO? VOCÊ JÁ TÁ DE OLHO NAQUELA LÁ...

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ALUNO APLICADO...

Fernando, o filho mais velho do casal Marinalda e Aparecido, estava sendo

constantemente provocado pelo garoto do vizinho que ganhara do pai uma bicicleta

usada. Parece até que o único caminho que o sujeitinho tinha para percorrer era o que

passava em frente à casa de Fernando. Fernando conta pro pai as fosquinhas que o

menino lhe fazia em suas constantes idas e vindas. Cido toma as dores do filhão e lhe dá

de presente uma bicicleta, novinha em folha e faz também uma recomendação:

– Cada vez que você passar perto dele, fale que sua bicicleta é nova e não aquela

porcaria dele que é usada...

O garotão ouve atentamente o conselho paternal.

Dias depois, as mães do Fernando e do provocador garoto, estão conversando e

o filhote da vizinha está por perto. Fernando sente que o momento da vingança havia

chegado. Aproxima-se do concorrente e sua “lacraia” e manda ver:

– MINHA BICICLETA É NOVA E NÃO UMA PORCARIA USADA COMO A

SUA.

A mãe de Fernando dá-lhe uma tremenda bronca e o adverte:

– Você nunca mais fale isso...

Aí, ficou pior o soneto que a emenda... Fernando, orgulhoso, completou:

– MAS MÃE, FOI O PAI QUE MANDOU EU FALÁ...

EU TAMBÉM TENHO !

Além do já mencionado Fernando, completam a prole de Marinalda e

Aparecido, Leandro o do meio e o caçulinha Rafael. Na época Fernando contava com

cinco anos, Leandro dois, e Rafael oito meses.

Os pais estão conversando com uma vizinha, o caçula está no colo da mãe,

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FERNANDO BAPTISTALEANDRO BAPTISTARAFAEL BAPTISTA

PAISMarinalda / Aparecido José Dias Baptista

AVÓS MATERNOSDiamantina / Manoel Alves do Nascimento

AVÓS PATERNOSNelsina / José Dias Baptista

Fernando, brincando no quintal e Leandro por perto...

É muito comum pessoas da mesma família terem lá suas marcas,

principalmente pintas, caso dos meninos descritos. E o assunto gira exatamente sobre as

famosas pintas dos filhotes. A vizinha fala das pintas de seus pimpolhos, explica onde

estão etc. e tal. Leandro está, nem parece, como de costume, ouvindo a conversa,

embora aparente o máximo de desinteresse pelo assunto, desligado, nem aí, mas seu

nome é lembrado e o carinha sente-se na obrigação de entrar no papo.

A mãe está falando mais ou menos igual a vizinha, isto é, das famosas pintas de

seus garotões, e exemplifica:

– O Fernando tem a pinta na coxa esquerda, perto do joelho, o Rafael, aqui na

perninha (mostra o local), mas o Leandro não tem. Só o Leandro não tem pinta.

O até então desinteressado na conversa entra em ação... Se o sujeitinho não

contasse com dois anos incompletos a coisa teria tido, dimensões muito maiores, seria,

no mínimo, violento atentado ao pudor, os bons costumes teriam ido para as cucuias, a

vizinha teria tapado os olhos e disparado daquele local, enfim... É que quando Leandro

escutou que ele não tinha pinta, seu ouvido de pouca prática entendeu alguma outra

coisa e com o “pililico” de fora, agarrado no “bicho”, chamou a atenção de todos e,

mostrando seu instrumento, confirmou:

– EU TAMBÉM TENHO, OLHA AQUI Ó...Ó...

Quando o tempo de criançao meu tempo de hoje invade,eu sinto a mão da lembrança

apertar minha saudade !

Amália Max

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LÁPIS CORAL

Paulo Popovick, com seus três anos de idade, vivia com os pais e os irmãos na

zona rural em Apucarana (PR). Um belo, dia o garotão vê, pertinho da casa, uma

cobrinha coral. “Tá” certo que era bem pequena, mas era cobra, que faz tremer perna de

adulto. Se é grande, treme bastante; pequena, menos, mas que treme, treme.

Com Paulo foi diferente: em vez de tomar um susto daqueles e chamar de cara a

maior autoridade que é a mãe, depois o pai e em seguida o Exército, Marinha,

Aeronáutica, Suat, Corpo de Bombeiros, não fez nada disso. Soltou, sim, uma

perolazinha inesquecível:

– OLHA LÁ UM LÁPIS ANDANDO...

“Mãezona”

Sabe a anedota da mãe chata e super protetora? É

daquelas mães que ligam do trabalho para casa de cinco

em cinco minutos e pergunta à babá:

– Deu o leitinho?

– Deu a bananinha?

– Deu o lanchinho?

– Ele fez xixizinho?

– Trocou a fraldinha?

– Ele fez cocôzinho?

– Molinho ou durinho?

E vai por aí. A mãe desta anedota também é muito

coruja. Ela encontrou uma amiga e foi logo falando.

– Meu filinho está andando há mais de três meses.

– Chi! – disse a amiga. – A essa altura ele já deve

estar bem longe, não?

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Joanaina / José Luiz Silva

NADYANNA MATTOS PADILHA

JAYANNA MATTOS PADILHA

PAIS

AVÓS MATERNOS

Nadir / Antônio Padilha Alonso

AVÓS PATERNOS

Joracy / Pedro Luiz Silva

ASSOMBRAÇÃO DESNUDA...

Essa garotona, a Jayanna, está com seis anos, mora e estuda em Londrina e tem uma queda especial para as aulas de ciência, matéria em que sempre tira nota máxima (?).

Numa dessas aulas (de sua matéria predileta) a professora está falando sobre o corpo humano e, para dar maior brilho e ilustração à sua fala, chama a atenção de Jayanna e pergunta-lhe, apontando o esqueleto:

– Você sabe o que é isto?A gatinha, com toda certeza do mundo, responde, na bucha:– SEI... É UMA ASSOMBRAÇÃO PELADA!!!!!!!!!

QUESTIONAMENTO LÓGICO...

Nadyanna tem hoje seis anos, e em companhia dos pais e avós também vive em Londrina. Apesar da idade, mas pelo fato de a mãe ser professora, a gatinha já sabe ler. Já leu um montão de livros, e um particularmente lhe chamou a atenção: “Branca de Neve e os Sete Anões” que leu e releu um mundaréu de vezes. Acho que sua inteligência, um tanto quanto aguçada e porque não dizer prematura, deve fazer o autor repensar um pouco a história e mudar alguma coisa quando for lançar uma nova edição...

Dia desses, a Nadyanna conversando com a avó materna, Nadir, fez-lhe uma perguntinha, no mínimo curiosa e intrigante:

– VÓ, A BRANCA DE NEVE, MORANDO COM OS SETE ANÕES, NÃO É MÃE DE NENHUM ANÃOZINHO?????

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PAIS IMENSURÁVEIS...

A Jarmiran tem sete anos, vive com os pais Marly e José em Tibagi. Um dia, na

hora do recreio, está conversando com a coleguinha Nadiely, que tem mais ou menos a

sua idade. Nadiely resolve fazer uma propagandazinha, aparentemente enganosa, a

respeito de seu herói, peladeiro contumaz, mas que não chega a ser um Robinho. O

diálogo das duas lembra a conversa de antigos “coronéis” do Nordeste falando de suas

fazendas... Nadiely diz à amiguinha:

– MEU PAI É O MAIOR EM TUDO. QUANDO JOGA BOLA, A MINHA

MÃE DIZ QUE ELE SÓ NÃO FAZ CHOVER...

Jarmiram não deixa por menos e entrega seu “velho”:

– MEU PAI, SIM, É O MAIOR. MINHA MÃE DIZ QUE QUANDO ELE

QUER, ELE TAPA O SOL COM A PENEIRA!!!

JARMIRAM CARDOSO

PAISMarly / José Edwirges Cardoso

AVÓS MATERNOSEufrázia / João Carotti

AVÓS PATERNOSMaria / José Cardoso

“Mão de vaca”

Professora: Vamos imaginar que você tem um real no bolso e pede ao seu pai mais um real. Com quantos reais você fica?

Aluno: Um real.Professora: Você não sabe nada sobre matemática.Aluno: E a senhora não sabe nada sobre o meu pai.

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“DENOREX”

Lembra aquela propaganda de um xampu que alguns falavam que era remédio,

outros não? Ou era um xampu com efeito de remédio, sei lá... Esta historinha aqui é

mais ou menos do mesmo jeito: parece piada, mas (os que me contaram juram que é

verdade!) outros dizem que não é....

Era uma aula de catecismo. Criançada em torno de cinco, seis anos, dentre elas o

Hélinton. Se Jesus gosta de criança, a recíproca é muito verdadeira. E a professora

estava falando exatamente sobre o Filho de Deus. A mãe do garotão era (ainda é) um

tanto quanto rígida na questão da disciplina do filhote (é também professora). Seguinte,

a professora falou tanto em Jesus, que Ele oferece o paraíso a quem o segue, que Ele

leva as crianças para junto do Pai e coisas do gênero... A garotada segue no maior

respeito e silêncio a aula. O enfocado também. Aí, a professora querendo “medir” o real

interesse de seus alunos, vendo se sua aula teve o efeito desejado, pergunta à classe:

– Quem aí quer ir pro céu?

Hélinton nem pisca, responde na bucha:

– EU NÃO POSSO... MINHA MÃE FALOU QUE ERA PRA MIM IR PRA

CASA ASSIM QUE ACABASSE A AULA!!!!!

HÉLINTON PADILHA

PAISJassanan / Tom Gomes

AVÓS MATERNOSNadir / Antonio Padilha Alonso

AVÓS PATERNOSRosária / Luiz Gomes

Argentino

Professor: Júlio, diga o nome de algo importante que temos hoje e que não existia há dez anos.

Edu: Eu!

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“CÃOPANHEIROS”

Ricardo, hoje, é papai de Mayra e Eduardo, mas quando criança também deu

umas aprontadinhas...

Ricardo, com quatro anos de idade, arrumou um baita de um “dodói”. Pra

sarar era preciso tomar um montão de injeções e, como se sabe, criança “adora”

tomar injeções. Com o pequeno Ricardo a história não era diferente. Cada vez que o

“aplicador” aparecia – era um enfermeiro apelidado Chicão, que trabalhava no

hospital de seu pai – o Ricardo desaparecia...

O garotão tinha alguns animaizinhos de estimação: dois cachorros com

bocas maiores que as de jacaré e tamanho de um bezerro, duas feras, literalmente.

Determinado dia, chega lá o Chicão com sua maleta contendo a “deliciosa”

injeção de penicilina que curaria o dodói do garotão. Como de costume, Ricardo

escafedeu-se, mas deixou rastros: seus amigos cachorros foram com ele pra dentro

de casa, mas o profissional precisava fazer o seu trabalho e sabia onde se achava o

seu paciente... Pra resumir, Ricardo soltou seus amiguinhos, cujo resultado custou

ao pai, médico, um montão de desculpas, linhas, agulhas, bisturis, tesouras etc. já

que teve de costurar, quase que por inteiro, o coitado Chicão...

Outra do “anjo” – usando ou valendo-se de seus mencionados amigos, –

referia-se a um sorveteiro, que pelas ruas tocava aquela buzininha anunciando sua

passagem... Era só os três ouvirem a tal buzina que disparavam na direção do portão

onde se encontrava o carrinho de sorvetes e, claro, seu condutor. Ricardo tinha um

método infalível (e um crédito, “relativamente” forçado) pra se deliciar com os

gelados, claro, junto com a molecada da rua inteira: avisava gentilmente ao

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sorveteiro:

– SE O SENHOR NÃO VENDER FIADO, EU SOLTO OS

CACHORROS...

MAYRA SOARES PLEPISRICARDO PLEPIS Fº

EDUARDO SOARES PLEPIS

PAISRose / Ricardo Plepis Fº

Célia / Ricardo Plepis

AVÓS MATERNOSMayra / Eduardo: Aurora / Jairo Campos Soares

Ricardo Fº: Greta / Martin Plepis

AVÓS PATERNOSMayra / Eduardo: Célia / Ricardo Plepis

Ricardo Fº: Araci / Astrogildo Freire Aguiar

“A criança que não brinca não é criança...” “Mas o homem que não brinca perdeu parasempre a criança que era, e sentirá saudade”.

Da autobiografia de Pablo Neruda.

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UM PEIXÃO DE QUATRO RODAS

O Diego já “tá” meio “coroa” e vive na zona rural, na estrada Rio da Barra, no

município de Roncador. Ele gosta de montar a cavalo, ajudar os pais na lida do gado,

mas também manja um pouco de computador e de pescar, já que a poucos metros da

casa tem um rio e uma lagoa. Com nove anos, portanto, já é um pescador experiente e

pesca peixes dos mais variados tamanhos e espécies... Esta história foi ele mesmo quem

contou, o espírito de pescador, sempre acompanhado de pequenos (?) exageros, é dele.

Certa época, aconteceu um acidente num rio lá por perto de sua casa: um trator

perdeu o freio despencando ladeira abaixo, indo parar dentro do rio. Seu condutor

acabou falecendo. Até aqui é verdade...

Muito tempo depois, Diego, em companhia do pai, está pescando nas

proximidades de onde aconteceu o fatídico acidente... A pescaria até que estava indo

bem, mas só estavam pegando peixes pequenos. De repente, Diego fisga um daqueles,

tão grande que ele, mesmo com muita força e habilidade, não conseguiu tirar da água.

Aí, o pai é colocado na história, mergulha e vai tentar tirar o “bitelo” do rio e percebe

que é quase impossível, pois a linha não suportaria: o anzol do filhão estava enroscado

no volante do trator acidentado, uma baita coincidência... Mas tem só um detalhe, de

acordo com seu pai: quando não está muito seco o tempo, o rio tem, no máximo, um

metro de largura e uns 40 centímetros de profundidade...

Vai ser um grande... pescador... esse Diego....

GATO ESCALDADO EM CHAPA QUENTE!

O Diego, junto com os pais, forma a família DDD, isto é, ele, Diego, o pai,

Donizete e a mãe, Dina; DDD, portanto. Nessa aqui, o sujeitinho era bem miúdo, não

tinha ainda três anos e acabou por descobrir um meio novo de saber se a chapa do fogão

estava quente (não se sabe se o método foi bem aceito pela Sociedade Protetora dos

Animais!).

Na casa do carinha, além do fogão a gás, tem também um fogão à lenha. Diego,

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mesmo com o fogo aceso, queria saber se a chapa estava quente... E a chapa esquentou,

só que pro lado do gato... É que o medidor de temperatura usado pelo Diego foi o

focinho do bichano e pelo “berrô” que o gato deu, devia estar realmente muito quente e

o bichinho, assim que se desvencilhou do garotão, saiu num pique tão grande que no dia

seguinte foi localizado nos arredores de Londres e só foi reconhecido por causa da

mancha na fuça e estar “miando” em Português...

QUATRO “NUM” É FALTA...

O Diego voltava à pé da escola onde estuda. Ele e mais três coleguinhas. A disputa era

dura, terrível, renhida, era quase impossível saber quem é que “tava” com mais preguiça...

Nisso aparece um outro coleguinha montado num baita cavalão. Os três

“cansados” resolvem pedir uma carona, que na zona rural nunca é negada,

indiferentemente do meio de transporte.

A condução, no caso o cavalo, é que não deve ter gostado de ficar com cara de

cavalinho de carrossel e os quatro, numa linguagem pouco coloquial, foram literalmente

expelidos do dorso eqüino: o animal deu uma parada brusca e todos foram parar no chão,

beijando e cheirando a terra. Um tombão que certamente nenhum deles vai esquecer... Aí

tiveram de continuar a marcha à pé e o pior, mancando, em relação à mancada que deram

ao montar os quatro, sendo que dois em um já é falta, imagine quatro...

CAÇADOR ARREPENDIDO

Pelo fato de viver na zona rural, Diego também gosta ou gostava de brincar com

estilingue, no Nordeste chamado baladeira e até bodoque, embora bodoque seja outra

coisa. Nessas suas brincadeiras, o rapazinho, então com cinco anos, acabou acertando

um passarinho e ele quase morreu de pena; aqui no caso, de dó. Quem tem penas era o

bichinho que recebeu a pelotada...

Diego juntou sua caça e foi pedir à mãe que o ressuscitasse. A mãe rezou,

colocou água no bico, fez massagem no coração, enfim, acabou salvando a vida do

pobrezinho.

Diego então, quer saber da mãe a “marca” do passarinho que ele quase matou e

nunca mais brincou com aquela arma.

Mamãe explicou ao filhote o nome do pássaro:

– É uma “andurinha”...

Diego discordou e esclareceu:– NÃO MÃE, ELA NÃO TÁ DURINHA NÃO, ELA TÁ É MOLINHA !!

DIEGO MONTEIRO DA SILVA

PAIS

Dina / José Donizete da Silva AVÓS MATERNOS AVÓS PATERNOS

Judite / João Maria Monteiro Leonídia / Joaqum Gomes da Silva

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DORMINDO COM O INIMIGO

As histórias a seguir parecem também de folclore político, já que as pessoas

envolvidas são do meio. O casal Marilene/Jayme Rodrigues de Carvalho, tem, pela

ordem, quatro filhos, Jayminho, Fabíola, César e Fernando, mais conhecido por Nando.

Nem bem haviam chegado à cidade, o doutor Jayme (assim é tratado), bom de

fala, ótimo orador, filiou-se ao então MDB, e por este partido candidatou-se a vereador

tendo obtido excepcional votação; foi disparado o mais votado naquela eleição,

condição que o credenciou aos alçar vôos mais altos: tentou ser prefeito, mas...

Talvez nem Freud consiga explicar. Jayme tem um carinho muito especial pela

filharada, que com ele vai aos comícios, futebol, trabalho, enfim, eles estão sempre

juntos.

Um dos adversários de Jayme era Gil Marques de Almeida, que acabou se

elegendo e fez da cidade “o melhor lugar do mundo”. Distribuiu placas de Guaíra a

Fortaleza, e de Foz do Iguaçu ao Acre (pra não ficar naquela manjada do “Oiapoque ao

Chuí”) onde se lia: “Visite Goioerê, o melhor lugar do mundo”. Jayme, mesmo com

os dotes já mencionados, perdeu a eleição. Até aí nada de mais. Eleição se perde ou

ganha, empatar é muito difícil. O motivo da derrota é que é assustador: seu filho César

(por incrível que pareça) trabalhou, fez campanha, comícios, distribuiu santinhos de

Gil, o oponente de seu pai...

Pra resumir, o sujeito só não fez mais coisas, não teve uma participação mais

efetiva (embora tenha sido decisiva) na campanha do adversário, pelo simples fato de

contar na época entre três a quatro anos de idade...

“VIDINHA & VIDÃO”

Persistente, Jayme, em 1974, pelo MDB, candidatou-se a Deputado Estadual e

acabou se elegendo.

Em Goioerê, Jayme e prole viviam numa casa modesta, era uma espécie de

comitê, um entra e sai de gente a todo e qualquer instante, o que contribuía (e muito)

para que a casa – principalmente na área de entrada, onde se concentrava Jayme e seus

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Serventia paterna

– Manhê, que é quem nos dá o pão de cada dia? É

Jesus?

– É sim, meu filho.

– E foi a cegonha que trouxe o meu irmãozinho?

– Foi sim, meu filho.

– Então o pai, para que é que e ele serve? Só pra dar

bronca na gente?

amigos - nunca permanecesse em perfeita ordem, mesmo sendo a esposa muito

dedicada e eficiente.

Eleito Jayme, seu companheiro de dobradinha (na época uma coisa que era

levada muito a sério), Antônio Anibelli, arranjou uma casa para o novo deputado

estadual paranaense - Anibelli era federal. Casa bem localizada, bairro próximo ao

centro etc e tal...

Jayme e família se mandam para Curitiba, a fim de conhecer a nova moradia. Era

uma casa muito confortável, com churrasqueira, uma pequena piscina, um montão de

quartos, sala ampla, cozinha idem, além de escola por perto, enfim, quase perfeita.

Todos gostaram da casa e fizeram também algum tipo de comentário, menos

Nando que naquele dia, parecia mudo. Sua opinião só aconteceu quando já estavam

deixando a tal casa a fim de providenciar a mudança. E pela indagação feita pelo

sujeitinho, então com idade aproximada entre quatro e cinco anos, parece atestar tudo o

que foi dito a respeito do mencionado imóvel.

Cara a cara com o “velho”, olhos nos olhos, semblante fechado, o pequeno

Nando mandou ver:

– QUEM ERA NÓIS, HEIN PAI ????

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“MAMÃE EU QUERO”...

No Natal, o papai Noel recebe, lógico, em troca de um montão de promessas e

presentes, um mundaréu de chupetas, cujos usuários prometem deixá-las pelos motivos

expostos. E, curiosamente, as crianças largam a chupeta (àquelas que o bom velhinho

recolheu...).

Não era época de Natal. Edna, a mãe da Júlia (dois anos e oito meses) resolveu ir

direto ao assunto, e encheu a filhota de promessas – férias na Disney, almoço no

McDonalds, Carnaval no Rio de Janeiro, trinta dias em Cancun, não brigar pelo boletim

escolar em vermelho – e mais outras tantas coisas, além dos presentes, alguns já

entregues, tudo para tentar fazer a menina deixar a chupeta.

Corrupção ativa de um lado, aparentemente passiva do outro. Suborno no

duro... Quando a mãe estava quase se convencendo de que a coisa estava dando certo,

eis que Júlia, com personalidade, objetiva, direta, exige de volta seu objeto de

inenarrável prazer, deixando sem ação a genitora que quase conseguira seu intento...

Esbarrou no quase, já que Júlia cheia de razão, sem nenhuma dúvida, sentenciou:

– MÃE, EU NÃO QUERO ESSES PRESENTES... DEVOLVO TODOS, O

QUE EU QUERO É MINHA CHUPETA DE VOLTA !!!

HOMEM É QUE É...

Sabe-se lá o porquê, provavelmente (?) por alguma coisa que ela tenha feito de

errado, a mãe resolve dar uma bronca do tamanho do mundo em Júlia. A gatinha até que

está assimilando bem a tal bronca, afinal, mãe é mãe, sabe das coisas (ou pensa que

sabe, na ótica infantil). Quando a mãe já não encontrava mais nada pra dizer, quando sua

argumentação tinha ido pro espaço, resolve fechar, com chave de ouro, sua fala e, de

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dedo em riste, encara a filhota e tasca:

– Isso é coisa de maluco, menina...

Júlia ouve atentamente e prova à mãe que, pelo menos neste caso ela estava

errada. Na bronca pode ser que não; no vernáculo, a seu ver, não dava pra engolir.

Júlia “ensina” a mãe, e sem mortos ou feridos, termina a “briga”:

– MALUCO, NÃO... É MALUCA... PORQUE EU SOU MENINA !!!

JÚLIA SANTINI MENEGHIN

PAISEdna / Marcos Roberto Meneghin

AVÓS MATERNOSMaria Helena / Braz Santini

AVÓS PATERNOSOdila / Mário José Meneghin

Causa própria

Na hora do recreio, dois garotos vão até a

enfermaria da escola.

– O que houve? – pergunta a enfermeira.

– É que eu engoli uma bola de gude. – responde um

dos garotos.

– E você? – a enfermeira pergunta ao outro garoto.

– É que a bola é minha.

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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"GOLPE " NO MECÂNICO...

A Ângela tinha um carrão 1929 (ou quase). E quem tem um carro assim, precisa,

no mínimo, ter um amigo mecânico. No caso de Ângela, o "anjo da guarda" era Ângelo,

cuja oficina ficava perto de sua casa.

Entre outras coisas, Ângela usava seu possante para o transporte escolar de seus

filhotes: Edgar, o mais velho, de seis; Erick, quatro; e a caçulinha Pâmela, com dois

anos.

A oficina de seu quase xará e amigo ficava, mais ou menos, no meio do caminho,

nos dois sentidos, entre sua residência e a escola onde estudavam seus dois maiores.

Seu carrão falhava mais que isqueiro e gerente de banco, ou seja, pifava na hora

em que ela mais precisava...

Um belo dia, ela estava levando os garotos para a escola e pra variar, o carro

enguiçou. Aos trancos e barrancos conseguiu chegar até a oficina, falou com Ângelo e

este deu um jeito, rápido, explicando-lhe não poder atendê-la naquele momento.

Ângela, referindo-se aos meninos, disse ao mecânico:

– Eu vou levá-los à escola e depois passo por aqui.

Os meninos só ouviram esta parte da conversa.

Dias depois, o carro voltou a pifar, desta feita na volta da escola. A mãe, mais

uma vez, pára na oficina. Seu amigo disse que precisava dar uma olhada mais apurada

no veículo, pediu-lhe que o deixasse e ao término do conserto ele levaria a "condução"

em sua casa. Ângela concordou. Mas seus "anjos" não estavam a fim de andarem a pé e

eles estavam com (só um pouquinho...) preguiça...

Erick se lembrou do que a mãe, dias antes, dissera ao mecânico, e em nome de

todos sugeriu:

– MÃE, POR QUE VOCÊ NÃO DÁ AQUELE GOLPE QUE VOCÊ DEU

OUTRO DIA... DIGA A ELE QUE VOCÊ VAI LEVAR A GENTE EM CASA E

DEPOIS PASSA AQUI... E DEPOIS VOCÊ NÃO PASSA COISA NENHUMA...

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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"GOLPE" NO SANTO...

Como boa católica, Ângela, todos os domingos, vai à missa, e a tiracolo, seus

filhotes. Naquele domingo não foi diferente. Missa das nove, lá está a zelosa mãe e seus

pimpolhos. Meninos bem comportados, nenhuma bagunça na igreja, ao contrário,

pareciam gente grande... Ângela sempre teve a preocupação de dar a cada um deles R$

1,00 para, no tempo oportuno, ser dado em oferta.

Chega a hora do ofertório. Os três entram na fila acompanhados pela mãe.

Ângela vê (que coisa linda!) seus filhotes estenderem os braços até o cesto, um gesto

bonito que deixou a mãe orgulhosa.

Terminada a missa, na frente da igreja, pertinho da escadaria, está um carrinho

de cachorro-quente. A meninada quer. Todos partem para cima da mãe que se esquiva

avisando que não deviam comer, que já estavam indo pra casa, que aquilo "estragaria" o

almoço... Tudo em vão. Ninguém arreda pé do lugar. A mãe tenta a última e decisiva

cartada. Argumento incontestável:

– A mãe não tem dinheiro. O dinheiro que tinha dei pra vocês oferecerem à

igreja...

Ato contínuo, em coro, sincronizados, sacam dos bolsos uma nota de um real,

mostram a grana para mamãe "dura" e numa só voz, mandam ver:

– EU TENHO !!!

EDGAR TIBÚRCIO JÚNIORPÂMELA MARIA TIBÚRCIOERICK MATIAS TIBÚRCIO

PAISÂngela / Edgar Tibúrcio

AVÓS MATERNOSMarta / Mário Nakano

AVÓS PATERNOSMaria / José Tibúrcio

Estudioso

– Em qual dia da semana você mais gosta da escola?

– Domingo.

– Por quê?

– Porque ela tá fechada.

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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AULA DE GEOGRAFIA...

Felipe está com cinco anos; sua irmã Ana Luísa tem quatro. Esses dois, por

enquanto, são a alegria do casal Cláudia e Denerval. Ambos estão na escola e são muito

aplicados. Felipe, particularmente, tem uma carinha...

Além da carinha sapeca ele também tem uma queda por leitura. Ferinha, o

mocinho. Os pais gostam de sua vocação e compra para ambos, os mais variados livros.

Dia desses, por exemplo, Felipe "devorava" um livro que falava de Geografia, mais

especificamente sobre continentes. E lá vem o sujeitinho com suas explicações:

existem cinco continentes que são: Americano, Europeu, Asiático, Africano e a

Oceania. Continuando, disse que o Brasil, Argentina e Canadá, entre outros, são países

do Continente Americano; já a Alemanha, Espanha e Portugal, ajudam a formar o

Continente Europeu. As ilhas, incluindo Japão, Nova Zelândia e Austrália, são da

Oceania. E que tinha também (ou será que ainda tem?) o Continente UMA...

A mãe não entendeu nada. O pai um pouco menos. Em que parte da terra estaria

esse tal de continente UMA? Os dois consultaram a Internet, onze enciclopédias,

ciganos e não conseguiram saber a localização do mencionado continente.

A alternativa que restava era ler o livro do filhote. Enquanto a mãe "enrola" o

garoto, o pai o fez, e aí, com muito custo, acabou descobrindo o tal continente, quando

leu que os países do Oriente (alguns), dentre esses a Turquia, é que faziam (ou fazem...)

parte do misterioso continente. Esclarecendo: com base na Turquia, a "coisa" começou

a ser desvendada. No livro do filhão, com todas as letras, está escrito que "UMA PARTE

DA TURQUIA FICA NO CONTINENTE ASIÁTICO E A OUTRA FICA NO

CONTINENTE AFRICANO"... O detalhe: a palavra UMA era a última de determinada

linha e o final da explicação estava na linha de baixo, onde Felipe encerrou sua leitura.

O garotão ficou "paradão" na UMA que nem viu a outra...

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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O SOM DO "MARRONZINHOS"...

Na década de 1980, um grupo musical americano fazia muito sucesso no Brasil,

e não se dizia grupo ou conjunto, era apenas BEE GEES. O Felipe, que veio um pouco

mais tarde, não sabia, nem sabe ainda a pronúncia..

Como toda criança de sua idade, Felipe adora mexer nas coisas e o faz com

democracia: pode ser do pai, mãe, avô, tia, avó; enfim, mexe em tudo e de todos, mas

não "bagunça" muito: de vez em quando, some a chave da casa, do carro, tudo normal.

Esses dias, o jovenzinho resolveu dar uma mexidazinha básica nos CDs e um lhe

chamou a atenção, capa, colorido, letras, sei lá, só sei que Felipe fez ao pai uma

perguntazinha aparentemente estranha:

– PAI, POR QUE É QUE VOCÊ NÃO TOCA O BÉGES?

Béges? Que bicho será isso? E é de tocar? Põe estranho nisso.

Noutro dia, o casal com os filhotes passeava de carro quando parte da intrigada

trama passou a ser desvendada... No toca-CD do veículo, uma música... Felipe aponta o

dedo de onde vinha o som e manda ver:

– ESSE É O BÉGES...

Em casa mostrou aos pais o CD que lhe chamou a atenção: era um CD do famoso

grupo BEE GEES, cuja pronúncia correta é BIDÍS. Felipe só "manja" de Geografia e

por enquanto, ainda não fala Inglês...

FELIPE STEIMACHER BATISTAANA LUÍSA STEIMACHER BATISTA

PAISClaudia / Denerval Mendez Batista

AVÓS MATERNOSMaria / João Steimacher

AVÓS PATERNOSClarice / Paulo Batista

Pouco valor...

Joãozinho está chorando e o avô vem consolar.

– Por que você está chorando, Joãozinho?

– Eu perdi uma cédula de um real.

– Não chore mais. Tome aqui duas cédulas de um real.

– Buáááááááá´!!!

– E agora, por que você está chorando?

– Eu devia ter dito que tinha perdido uma de cinco reais... buáááááá...

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MARCELO CAETANO COTRIMMÔNICA CAETANO COTRIMMICHEL NAREZZI COTRIM

BERNARDO NAREZZI COTRIM

PAISMônica / Euclides Lopes Cotrim

AVÓS MATERNOSMaria Zilda / Paulo Narezzi

AVÓS PATERNOSDevita / Orlando Cotrim Ribeiro

O MOTIVO ERA JUSTO...

O coroa é Marcelo, depois vem Mônica, Michel e o caçulinha Bernardo. A diferença de idade entre eles (e ela...) é de três anos. O pai é advogado e também professor, a mãe deixou de ser comerciante para cuidar dos filhotes e da casa (sobraria tempo para mais alguma coisa ?).

Todos levam à sério a questão disciplina: hora de ir para escola, brincar, estudar, fazer tarefa, ler, ver televisão etc. e tal. Esse quesito, com certo rigor, é regido pela mãe, já que mulher, quase sempre, é mais organizada que o homem. Mamãe nunca foi de alisar se alguém foge à regra, e lá todos sabem disso, inclusive o pai...

Naquele belo dia, o carro do papai deu um defeitozinho, coisa relacionada à parte elétrica. O possante não conseguiu chegar em casa sem ter os parafusos apertados, fazendo com que papai e Michel, então com quatro anos, chegassem atrasados para o almoço... A mãe ouve o barulho da chegada e vai aguardá-los na porta, um tanto quanto intrigada e também preocupada com o atraso, coisa pouco comum, e olhando para o marido quis saber:

– Por que é que vocês estão chegando tão atrasados?O pequeno Michel, antes que o pai esboçasse qualquer reação, sem abrir a boca

para as explicações de praxe, como bom filho de peixe, entra em cena e o faz sem deixar margem à dúvida, e ainda por cima, mudou o semblante da mãe, que abriu um sorrisão após a inequívoca explicação do garotão:

– É QUE O PAPAI TEVE QUE PASSAR NA CONSERTARIA!!!

Você sabe o que é cobra na linguagem de criança?

– É um rabo que perdeu o cachorro.

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BRUNO (Primo)

FELIPE HENRIQUE VIEIRA SANTOS

VICTOR HUGO (Primo)

PAIS

Yara / Cesar Augusto dos Santos

AVÓS MATERNOS

Carmem / Edson dos Santos

AVÓS PATERNOS

Diola / José Augusto dos Santos

TAMANHO NÃO É DOCUMENTO...

O Felipe Henrique, filhote da Yara e do Cesar, nasceu em Maringá. Tem hoje

quatro anos, mas aos seis meses de idade, com a família, mudou-se para a "vizinha" Rio

Branco, no Acre. A mãe o mantém em "rédeas curtas" já que o sujeitinho, desde

pequeno, é, digamos, meio danado, tem personalidade, dá umas aprontadazinhas,

coisas normais para um menino de sua idade...

Os avós maternos moram ao lado, incluindo os primos Vitor, que conta com seis

anos e Bruno, quatro. Os três não se desgrudam por nada nesse mundo. E três moleques

juntos, a coisa é braba, na capital acreana ou Itaguajé, é o mesmo, isto é, boa coisa não se

pode esperar, e com isso a mãe de Felipe Henrique, do mesmo modo que os sobrinhos,

quer sempre tê-los por perto ou saber onde estão e, principalmente, saber o que estão

fazendo...Para tanto instalou no portão de casa uma baita duma trava numa altura que os

meninos não podiam alcançar, com isso, segurança máxima (ou por aí) para os pequenos, tranqüilidade para os adultos da casa... Mas é direito (quase que sagrado) de todo e qualquer "prisioneiro" tentar fugir... O menor dos três é o enfocado Felipe, então com dois anos, o "grandão" era Vitor e no meio dos dois, Bruno, mesmo assim, bem maior que Felipe (na época chamado de Feijão). Os dois planejaram a fuga, mas nenhum dos três alcançava a tal trava. Os dois pensam daqui, pulam dali, riscam, fazem cálculos e nada. E, como o priminho era bem miúdo, não pediram sequer sua opinião...

Felipe Henrique viu o drama dos dois e em vez de usar a força, usou sua

cabecinha: entrou em casa e, sorrateiramente, arrastou um banquinho, encostou o

"bicho" no portão, subiu, abriu a "cela" e os três ganharam a rua...

O final só a mãe sabe.

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MÃE DESANTENADA

A mãe acha que seu filhote é um Gianechini; a namorada, Tiago Lacerda; o pai, mais modesto e comedido, apenas um Marco Palmeira melhorado, claro. Esse cara aí, é o Fabrício (em casa, Fá), filho mais tudo: mais velho, mais novo, mais bonito e sem segundo. Na infância, então, era no mínimo um “Bebê Johnson”, mas tinha um péssimo defeito: era muito ruim de garfo, ou seja, só gostava das coisas que não dependiam de tal objeto: doces, sorvetes, chocolates, refrigerantes e um montão de outras “porcarias”. Pro sujeitinho comer era um tal de aviãozinho pra lá, trenzinho pra cá, presentes via Papai Noel, um punhado de estimulantes (Sadol, Biotônico, Cluvisol...) que ele mandava no bico da garrafa... Paradoxalmente, sua saúde era ótima.

Com quatro anos ele já freqüentava a escolinha. Fez Jardim da Infância, todos os prés: I, II, III, sempre na escola das “enes” Neide, Neiva e Neusa suas tias da Escolinha Feliz, em Umuarama. Fá era bom em desenho e gostava muito das histórias que as tias contavam. Um dia, a tia contou uma que falava de dois anjos: aliás, tema de sua obra de arte. Contou para a mãe. A coruja da mãe querendo esticar o papo pergunta-lhe:

– Que bom, meu filho, você está fazendo um desenho bem bonito?Fabrício, com ares de sabe-tudo, mandou ver:– CLARO, MÃE, EU TÔ DESENHANDO O BICHO...Bicho? Que bicho seria esse? Um coelho? Um cachorro? A mãe intrigada quer saber:– EU TÔ DESENHANDO O GARFÃO – disse com naturalidade, o artista.A mãe desmontou: tanta coisa pra desenhar e vai logo ele, ruim de garfo, desenhar

um grandão? Um garfão... Não dava pra entender. A zelosa mãe sugere que o filho faça outra coisa: uma árvore, casa, rios, montanhas... A mãe, professora, achou que o desenho seria muito comum e assim seu Renoir, com isso, tiraria uma nota muito baixa. O pai também achou estranho.

No dia seguinte, Fabrício chega em casa se abrindo mais que mala de mascate e chama a atenção da mãe para ver seu garfão já pronto e acabado. A mãe, que não conseguiu demovê-lo da idéia, pega o papel com o tal garfão e notou que não era um garfão qualquer: era o Capeta, com rabo, chifres, capa e seu inseparável tridente: pro pequeno, um garfão.

Só aí é que a mãe se antenou que garfão, para o filhote, simbolizava o MAL. E a partir dessa data, sempre que alguém, com Fabrício por perto, dizia um palavrão, o garoto ameaçava:

– OLHA O GARFÃO! O GARFÃO VAI TE PEGÁ!!!

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CERTIFICADO SANTIFICADO...

Com seis anos, no final daquele ano, Fá, na escolinha onde começou a estudar, ocorreu a primeira formatura do carinha: Pré-III. Para o grande evento, a professora convoca os pais para o detalhamento da festa. A alegria do jovenzinho era contagiante.

Aproxima-se o grande dia. Fabrício conta pra mãe algumas “coisas” que iriam acontecer em sua festa de formatura:

– A TIA DISSE QUE VAI TER SALGADOS, DOCES, DANÇAS, CANTOS...Fabrício completou as informações afirmando:– O MAIS IMPORTANTE VAI SER O SANTIFICADO...– Santificado? O que é isso? Quis saber a intrigada mãe.A resposta de Fá foi deveras “esclarecedora”:– SANTIFICADO, UÉ...À noite, a mãe está contando ao marido os detalhes da festa (só esqueceu de um) e o

pentelho aparentemente desligado, deitadão no tapete, lembra à genitora:– MÃE, VOCÊ ESQUECEU DE FALÁ DO SANTIFICADO.O pai também não entendeu bulhufas, e igual à mãe, perguntou:– Santificado? O que é isso? Parece até que combinaram as perguntas. A resposta é

que mudou (só um pouquinho):– UÉ, O SANTIFICADO, NÃO SABE?A mãe, professora, que sabe tudo e mais um pouco sobre escola, emendou:– Ah! Já sei, deve ser o certificado, algum tipo de diploma que os aluninhos

formandos vão receber.– NÃO É NÃO! É O SANTIFICADO! – completou o Fabrício, bravo que só.Chegou o tão esperado dia.A festa, sucesso total. Os “formandinhos” estavam impecáveis em seus trajes: calças

compridas, camisas azuis, cheias de rendinhas, tipo beca, com direito a um quepe debruado, tanto na parte superior como na inferior, com pele sintética. Um luxo...

As apresentações se sucediam. Em dado momento, a tia pediu a todos que se reunissem e dessem as mãos.

Fabrício dispara em direção à mãe e explica:– AGORA É O SANTIFICADO... E voltou para o seu lugar.A mãe ficou na maior expectativa. Afinal iria descobrir o que era o tal santificado.

Aí, as crianças e os presentes, todos em pé, lado a lado, com as mãos postas em oração, começaram:

– PAI NOSSO QUE ESTAIS NO CÉU, SANTIFICADO...

FABRÍCIO MARGONAR DURANTE (Fá)

PAIS

Florisbela / Francisco Durante

AVÓS MATERNOS

Florinda / José MargonarAVÓS PATERNOS

Inês/ João Durante

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O “TREM” ERA SURDO...

Sabe aquele sujeito magro, mas tão magro, que consegue se desviar dos pingos

de chuva? Esse sujeito é o Leonardo, para a família e amigos, apenas Léo, que nasceu

em São Paulo, filho da Beth e do Paulo e miudinho de tudo, foi morar em Patos de

Minas, lógico, em Minas Gerais, uai! (ou seria sô?) A magreza de Léo, que tia Bela

chama Pentelho, relaciona-se com a dificuldade em comer (deve ter puxado ao primo

Fabrício...). A coisa é feia mesmo. É um tal de agradar, prometer mundos e fundos, e

nada (não de nadar) de o garoto se alimentar. Quem não come fica anêmico (não só em

Minas...) e o remédio foi tomar uma injeção contra a tal anemia. Ao ver a enfermeira se

aproximar com aquela seringona na mão, Léo, então com quatro anos incompletos,

mostrou que já sabia falar o “mineirês” e mandou uma pérola das Gerais:

– MÃE, EU VOU CASCÁ FORA DAQUI!

A mãe, paulista de carteirinha, levou um susto e tanto, afinal nunca tinha ouvido

aquela expressão, não sabia se ria ou dava uma dura no filhão.

Léo é fera em desenho. Parece gente grande. Usa lápis e caneta em seus quadros,

borracha nunca. Tem um traço firme. Acha até que ele aprendeu a desenhar mesmo

antes de falar. Desenha com quase perfeição aqueles “trécos” que passam na TV,

principalmente os robôs que se transformam. Desenha ainda pessoas, animais, rios,

montes, paisagens enfim, tudo o que vê pela frente (de lado e por trás).

Léo vem até Maringá a fim de visitar tia Bela e tio Frank que moram em

apartamento. A tia foi esperá-los na portaria e todos embarcaram naquele “negócio” que

leva as pessoas pra cima e pra baixo e tia foi “dirigindo”. Uma baita duma aventura para

o garoto.

No apartamento, Léo está um tanto quanto impaciente, querendo andar, pisar no

chão, conhecer a cidade, o Parque do Ingá, que a tia tanto falara. Tia Bela percebe sua

aflição e, enrolada com tanta coisa pra fazer, dá também uma “enrolada” no sobrinho,

dizendo a ele:

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– Léo, vá adiantando e chamando o elevador pra tia, tá?

E lá vai o pequeno Léo em direção do elevador, feliz da vida. Os adultos

ouviram quando o obediente Léo, cantando alegre, chamou o dito cujo:

– BO RO DOOOR! BO RO DOOOOOORRRRRR!

Os familiares do garotão ficaram em silêncio quando ele retornou à porta do

apartamento e disse:

– TIA, EU CHAMEI, CHAMEI, E O BORODOR NÃO VEIO!

Todos ficaram sem ação, tentando segurar o riso. Tia Bela contornou a situação:

– Desculpe querido, a tia bocó esqueceu de explicar que é preciso apertar esse

botão aqui...

Sempre que retornam a Maringá, todos fazem a mesma brincadeira:

– BO RO DOOOOOR... BO RO DOOOOOOOORRRRRR!!!!!!

LEONARDO MARGONAR BEZERRA (Léo)

PAISElizabete / Paulo Bezerra

AVÓS MATERNOSFlorinda / José Margonar

AVÓS PATERNOSNadir / Tibertino Bezerra Filho

Gustavo Borges precoce

O garotinho passeia com a mãe. Do outro lado da

rua, uma senhora grávida. Um baita barrigão. A mãe,

didática, explica:

– É barriga d´água...

O garotinho pergunta:

– O FILINHO DELA SABE NADAR, MAMÃE???

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DESBARATOU O BARATO...

A Isadora nasceu na era da Internet, é linda que só, saudável e inteligente. Sua

cabecinha acompanha o ritmo deste século acelerado pelos computadores e, em seu

(ainda) diminuto currículo, já porta um título que ninguém jamais arrebatará: é a

primeira neta (o efeito é mais ou menos como o do filho caçula, mas com muito mais

açúcar...). Seus avós de primeira viagem são: de um lado Eliana e Divanir, e do outro a

também "babona" Ângela, já que o "vô" Vicente é falecido.

A mocinha tem personalidade. E quando quer impor sua vontade é um Deus-

nos-acuda para contê-la. A Isadora, em suas primeiras birras, foi bastante original:

quando queria alguma coisa e não era atendida, com muito cuidado deitava-se no chão e

ficava sacudindo as pernas. A avó Eliana, querendo mudar o seu comportamento, em

vez de bronca resolveu imitá-la, e se as duas fossem flagradas naquela situação, no

mínimo iriam pensar que ambas estavam piradas. A gatinha ainda nem falava, mas não

gostava, nem um pouquinho, da imitação, já que fazia bico, olhava de rabo-de-olho,

fechava a cara, ameaçava ir embora de casa, e a avó, para enfezá-la mais ainda, sendo

um verdadeiro espelho da neta, dizia:

– Que legal essa brincadeira nova!!! Como é que se chama?

O bico de Isadora lembrava um pelicano quando isso acontecia. A avó, no

entanto, nem aí, olhava pra neta demonstrando também estar zangada... A coisa só

melhorava quando Eliana, sem conseguir se “segurar”, caía na gargalhada e daí a neta

também se desmanchava em risos, principalmente quando a avó falava:

– Que legal brincar com você, querida!

E a birra se escafedia. Passava... Mas não ia muito longe...

Um dia, ela estava realmente furiosa. E põe furiosa nisso!. Deitada como de

costume, sacudia as pernas com muita intensidade; freneticamente, para ser mais claro.

A avó continuou teatralmente a imitá-la. E o pior, para Isadora, uma coisa séria, e a

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abusada da vovó resolveu chamar de brincadeira... Onde já se viu? Brincadeira de

pernas-de-barata. Como por encanto, a “braveza” da neta desapareceu de vez. E a avó

acabou, brincando de barata, por cortar o barato da neta...

Hoje, “PERNAS-DE-BARATA” é uma brincadeira coletiva, com direito a

risadas e muito humor.

ISADORA MAGALHÃES PALMA E SILVA (Isa)

PAISEliana Patrícia / Rubens Jacinto da Silva

AVÓS MATERNOSMaria Eliana / Divanir Braz Palma

AVÓS PATERNOSÂngela / Vicente Jacinto da Silva

A nota com Z

Garotinho chega em casa e vai ter com o pai. Quer

contar as aventuras do dia, mês, ano... Ainda de uniforme

escolar, conta ao velho:

– PAI, A PROFESSORA PEDIU PRA EU FALAR

TRÊS COISAS QUE COMEÇAM COM “Z”...

– Sim, filho, e o que é que você respondeu?

– EU FALEI “ZÓIO”, “ZOREIA” E “ZUVIDO”...

– É, filhão, eu acho que você vai tirar uma nota que

também começa com “Z”...

– Ô, PAI, O SENHOR ACHA QUE EU VOU TIRAR

UM “ZOITO”???

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BUGIGANGAS

O Carlos é o mais velho, chegou primeiro, seis anos depois foi destronado pela Poliana, a caçulinha e, por conseguinte o xodó da casa de Odésia e Fortunato. E a menorzinha (como sempre) era bem mais “braba” que o maior, tanto é que cada vez que a mãe a ameaçava com uma surra ou coisa que o valha, Poliana, sempre resmungando, alertava a mãe que se vingaria quando crescesse: “se você bater em mim agora, quando eu crescer bato em você”. Pode estar certo de que a mãe da garota nunca levou dela nenhuma piaba: a graciosa Poliana, já adulta, mede, no máximo, com salto e tudo, um metro e sessenta...

A família leva os dois para conhecerem aquele riozão onde tombou um baita

caminhão carregado de sal e daí passou a chamar-se mar.

O mais velho não se assutou muito, tanto é que foi brincar na água, lógico, em

companhia do pai. A menorzinha, com a mãe, brincava na areia... E naquele dia, se

passasse alguém vendendo um viaduto, disco voador ou a estrada Belém/Brasília, a

filhota pedia pra mãe comprar. Era cachorrão, sorvete, pastéis, coco, refrescos mil,

refrigerantes, idem, e a mãe sempre se esquivando, e Poliana, sem baixar a guarda,

mandando ver:

– COMPRA, MÃE...

O estoque de “nãos” da genitora, incluindo sua paciência, já estava se

esgotando. Aí, passa um cidadão vendendo aquele “trenzinho” que o vento agita e por

isso, recebe o nome de cata-vento. Poliana não se descuida e, de novo:

– COMPRA, MÃE...

A mãe resolve dar um basta naquilo e, com cara de poucos amigos, diz à filhota:

– Eu já não falei que não vou comprar essa porcaria?

O vendedor (ainda bem) não escutou... Poliana, com a bronca, diminuiu o

ímpeto consumista.

O tal vendedor foi lá na frente e voltou. Poliana, brigada com a mãe, achou por

bem “comprar” sozinha o tal brinquedo. Chamou o vendedor e mandou ver:

– MOÇO, QUANTO CUSTA ESSA PORCARIA QUE VOCÊ TÁ

VENDENDO?????

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EVITANDO O TOMBO...

O Carlos vivia com os pais em Lobato e, como todo moleque de sua idade – dois,

três anos – dava um trabalho danado pra mãe. Era um tal de não faça isso, não faça

aquilo, não suba aí e mais um montão de outras recomendações da preocupada (com

motivos de sobra!) mãe. Criança é um barato: se fica quieta demais, o adulto pensa que

está doente e, se está aprontando alguma, tem de ser contida, ou avisada, alertada, no

mínimo. É uma “guerra” constante. Imagine um carinha super ativo, saúde de ferro,

energia a toda prova, sempre de pilha nova. Imaginou? Esse sujeitinho era o Carlos.

Pra se ter uma idéia, o enfocado já montava a cavalo logo que aprendeu a falar e

não gostava de companhia sobre o lombo do bicho; queria estar sozinho.

A família dele, dos avós maternos e paternos, incluindo primos, passando por

tias, tios, enfim, todo mundo é católico. Apesar de ser agitadíssimo, em determinados

locais, na igreja, por exemplo, Carlos se comportava como gente grande.

Naquela semana, o garotão levou um monte de chega pra lá da mãe, já que havia

subido em árvores, muros, cavalos, mas sua cabecinha estava sempre alerta com as

broncas da mãe. A preocupação da mãe acabou passando para o filhote...

Domingo. Missa na matriz. Igreja lotada. Muita gente em pé. Nesse ambiente,

chega o Carlos com a família para assistirem a mencionada missa. Com todo mundo em

pé, e em sua frente, o garoto não enxergava quase nada, só pertinho. Ele também estava

de pé, mas sua altura o impedia, já que ele “ia”, no máximo, até a cintura dos demais.

Começa o ritual. O padre manda todo mundo se ajoelhar, Carlos não se incluiu nesse

tudo mundo, permaneceu em pé...

Pertinho do altar, há uma uma cruz com o Cristo crucificado... O garoto vê o

quadro, lembra da mãe e, em alto e bom tom, avisa o Filho de Deus:

– Ô JESUIS, DESCE DAÍ, SENÃO VOCÊ VAI CAIR...

CARLOS RONALDO MORAES BERGAMOPOLIANA MORAES BERGAMO

PAISOdézia / Fortunato Bergamo

AVÓS MATERNOSBerenice Maria / José Campos Moraes

AVÓS PATERNOSMaria da Conceição / Silvino Fortunato Bergamo

– Pai, você faz os meus exercícios de matemática?

– Não, meu filho.

– Pelo menos tenta, pai.

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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ERA BANGUELA????

A Elora hoje tem por volta de dez anos, já “tá” meio coroa. Coroa com dez anos?

Não, não é maluquice. E se for, a culpa não é minha. Esclarecerei: a gatinha, um

pouquinho pra trás, contava com sete anos, e sempre que alguém perguntava sua idade,

simpática e graciosamente, ela respondia (passando as mãos pela cintura, como fazem

as modelos, lembrando uma famosa, que hoje mora em Nova Iorque, a Tássia, Tássia

Chando...). Era um barato a precocidade (ou medo de envelhecer) da filhota da Cristina

e do Marquinhos, quando dizia:

– EU TENHO SETE ANOS, MAS CORPINHO DE CINCO...

Uma baita duma diferença...

Com três anos, a mocinha está pentelhando a avó Hely e, como toda criança de

sua faixa etária, para desespero de quem está por perto, coloca na boca tudo o que vê:

botão, moeda, cabo de guarda-chuva, tampa de caneta e um sem-fim de outros tantos

outros objetos (comida, às vezes, precisa de aviãozinho, trenzinho, presentinho...).

Devia ser um chiclete imaginário, ou mais uma “pegadinha” que Elora aprontava pra

cima da avó. Só sei que a garota estava mastigando alguma coisa, ou movimentando a

boca... Aí vem a “vó” com aquela história de “caca”, estende a mão e manda depositar o

“trem” ali etc. e tal. A cuidadosa avó Hely não deixou por menos e quis saber:

– Elora, o que é que você tem na boca?

A resposta da pequena acabou por fazer ver à avó que seria feio falar com a boca

cheia, ou com alguma coisa em seu interior, sua resposta foi lógica, clara, objetiva

(apesar de todos terem caído na risada), sem piscar ou pestanejar, Elora mandou bala:

– A LÍNGUA...

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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ERRADA É A LÍNGUA...

Tem um ditado popular que ensina a pessoa a pescar com batata, usar batata

como isca... Você joga o anzol na água com a batata e, quando tira; batata.

Se fosse a Elora que quisesse batata frita, tudo bem...

Um belo dia, coisa linda, família reunida, bem pertinho um do outro, avó, mãe,

pai, e claro, a filha e neta Elora, todos juntos passeando de carro, paizão ao volante... É

um tal de sobe, vira à esquerda, dobra à direita, “não mexa aí Elora, não buzine, menina,

não vá colocar o braço pra fora de novo, é perigoso, e coisa e tal”. Ótimo passeio. Até

que papai resolve parar em frente a uma padaria onde iria comprar alguma coisa. A avó

Vita pede ao pai que compre batata frita... E quem é que não gosta de pegar no pé da

sogra? Marquinhos não era diferente. Estranhou o pedido e fez uma piada com a mãe de

sua esposa...

A avó de Elora não gostou da brincadeira e deu-lhe uma baita bronca.

Aí, é a vez de Elora participar, decisivamente, diga-se, da contenda, afinal a

“vó” falou alto com seu pai... Errado está o verbo. Se a gente entra numa panificadora é

para comprar pano? E não é sogro e sogra? Não é “vó” e “vô”? Todos riram da

“ensinagem” que Elora deu na avó, para defender seu pai, conseqüentemente genro de

“vó” Vita, quando com cara de poucos amigos, encarando a avó, a pequena mandou ver:

– VÓ, NÃO É ASSIM QUE SE FALA COM SEU NORO!!!!!!

ELORA CRISTINA BLUMATI CORRÊA

PAISCristina / Marco Antônio Corrêa

AVÓS MATERNOSMaria / Luiz Blumati

AVÓS PATERNOSHely / João (Zitão) Antônio Corrêa Júnior

Inflação...

Todos os dias, ao sair de casa, uma senhora encontrava um garoto vendendo chiclete. Todos os dias ela parava, dava cinqüenta centavos ao garoto, mas nunca levava a caixa de chicletes. Durante vários meses isso se repetiu, mas ela apenas dava o dinheiro ao garoto e não lhe falava nada. Até que um dia, depois de receber a moeda, o garoto falou pra senhora meio encabulado:

– Tia, eu gosto muito da senhora porque me dá esse dinheiro e nunca leva os chicletes. Mas é que desde a semana passada o preço subiu pra um real...

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JULIANE ZARA ISOLANI

PAISAparecida / Edmar Isolani

AVÓS MATERNOSAlzira / José Zara

AVÓS PATERNOSAmália / Amádio Isolani

A CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA - ANO 2

Existem secretárias domésticas que chegam até a torturar crianças, mas a Judite era diferente: carinhosa, eficiente, dedicada e gozava de total confiança por parte da mãe, em razão, lógico, de seus tantos atributos... Mas a Juliane, que tinha na época somente dois anos de idade, não tinha a mesma opinião a respeito da fiel escudeira de sua genitora. Juliane, desde novinha, tinha forte personalidade. No entanto, sua saúde não era tão forte assim, tanto é que vivia tomando vitaminas, estimulantes para apetite e um montão de outros remédios. Criança, como se sabe, “adora” tomar remédios e cabia à Judite a tarefa de dar os ditos cujos para a gatinha, o que aumentava ainda mais seu “ódio” em relação à secretária.

A mãe trabalhava fora, as duas “Jus” ficavam juntas o tempo todo, Juliane sempre “brigando” e a paciente Judite, nem aí com as rusgas da menina.

Um dia, a Juliane pegou um dodói dos grandes, e a mãe, mesmo sabendo da atenção que Judite dedicava à filhota, recomendou-lhe que não se esquecesse de dar os remédios na hora em que o pediatra recomendou e também que a fizesse tomar...

Chega a hora dos remédios: era xarope pra isso, comprimidos pra aquilo e lá vai Judite tentar convencer sua “inimiga” a engolir os tais remédios. Juliane não aceita de modo algum fazê-lo, e no auge da raiva, encara Judite ameaçadora e manda ver:

– UM DIA AINDA VAI TÊ MORTE NESSA CASA!!!!!!!!!!

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ROGÉRIO DE ASSIS POSSANI DANTAS (Cleufe Possani)CAROLINA ZARA DANTAS (Nair Zara)

ROSANA PAULA POSSANI DANTAS (Cleufe Possani)

PAISCleufe / Nair Zara Dantas / Francisco de Assis P. Dantas

AVÓS MATERNOSGuilhermina / Luiz Possani

Carolina: Alzira Botti Zara / José Zara

AVÓS PATERNOSMaria / João Pinheiro Dantas

O MASCOTE DO BASQUETE...

Era uma época de Natal e o “Papai Noel” ainda não tinha comprado os presentes

do Rogério, Carolina e Rosana. As meninas nem tanto, mas o Rogério, então com cerca

de quatro anos, estava desconfiadíssimo da mãe que precisava sair, "dar umas voltas" e

o sujeitinho queria porque queria ir com a mãe, mas se fosse, a surpresa iria pro beleléu.

Cabia ao pai a dificílima missão de despistar o filhote a quem já havia oferecido

aumento de mesada, carnaval no Rio de Janeiro, um mês sem fazer a tarefa de casa e

nada de o carinha aceitar. Ele queria mesmo é sair com a mãe...

O pai, peladeiro contumaz, resolveu achar uma posição para o garoto em seu

time e seria, claro, titular absoluto e o convida para ir junto ao seu sagrado (ou quase)

futebolzinho e, para reforçar, usa de um argumento também quase irredutível,

explicando que a mãe iria fazer um montão de coisas chatas, que não teria graça

nenhuma sair com ela, aí tira seu ás da manga e diz ao jovenzinho:

– Vamos com o papai, você vai ser o mascote do nosso time...

Aí a coisa degringolou de vez, e Rogério, não querendo mudar de idéia e também

sem saber direito o que iria ser, danou a chorar e a reclamar com a mãe:

– MÃE, EU NÃO QUERO SER BASQUETE DO TIME DO PAI!!!

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“CANABIS” DE MILHO

Criança vez por outra, prega peças inexplicáveis nos adultos, principalmente nos pais. Imagine uma criança sem ter ainda quatro anos pedir aos pais a famosa Canabis Sativa Lineu, também conhecida por maconha...

Foi o que aconteceu com Gabriela, filha da Lucinéia e do Roberto, uma das netas preferidas do José Bidóia e da Dona Antônia, depois, claro, de todas as outras e outros...

Num belo dia, com todo mundo em casa, a surpresa muito desagradável, vale frisar. Dizem que mulheres grávidas têm desejos, criança também tem, caso da Gabriela cujo desejo era por, pasmem, maconha. Maconha mesmo, seus olhos não te trairam não! Um corre-corre daqueles. Uns olhando para as caras dos outros e os outros olhando para as caras dos uns. Como poderia ser uma coisas dessas? Era o fim, a gatinha só tinha, na verdade incompletos, quatro anos e já estava viciada?! Deve ter sido algum traficante que visitou a creche. Só pode ser. Ninguém aqui usa tal coisa. Nem primos, nem os pais, nem tios, tias, ninguém mesmo. E dá-lhe pensamentos ruins e buscas inconstantes para o crucial problema. A culpa é sua, pensa o pai; é culpa do pai, pensa a mãe. Nesse sem-fim de perguntas sem respostas e respostas sem perguntas, uma kombi, caindo aos pedaços, passa em frente à casa. Gabriela chama a atenção dos pais, já quase desesperados, para o carro, e um anúncio emitido por um cidadão que pilotava o veículo e o som se espalhava por meio de duas cornetas de alto-falantes. Correm pra janela, pra porta, pra ouvir o tal anúncio, já que, demasiadamente nervosos, de onde estavam não conseguiam entender. Depois então, mais próximos, e com ouvidos esticados, o estranho pedido de Gabriela acabou sendo entendido e também "gargalhado". A kombi 1974, verde-musgo, acordava (ou despertava) a rua inteira, anunciando:

– OLHA A PAMONHA... OLHA A PAMONHA... VENHA PROVAR, MINHA SENHORA, É O VERDADEIRO CREME DE MILHO... PAMONHA DE DOCE E DE SAL... UMA DELÍCIA. VENHA PROVAR, MINHA SENHORA... OLHA A PAMONHA!!!

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COISA ESTRANHA...

Tá certo que o nome soa bem próximo, e o personagem, durante bom tempo, foi praticamente uma lenda em termos de Brasil. De Rondonópolis em Mato Grosso a Bom Sucesso no Paraná, e de Ribeirão Preto (SP) até Quixeramobim no Ceará, sempre tinha alguém que o tinha visto, que jurava que viu, que o primo também viu, que a sogra viu... Só que ninguém fotografou, nem entrevistou... Era uma espécie de ET de Varginha, só que mais "rodado"...

A Geórgia, um belo dia, gostou de uma frutinha. Gostou é pouco, adorou. E em razão de ser ainda miudinha não conseguia falar o que era, nem explicar. Mas, pelo menos onze vezes por dia, “tá” lá a gatinha querendo tal coisa. A avó Antônia, com mais paciência que Jó, e se derrete pra fazer a vontade da neta (e é só ela?), tenta saber, descobrir e, aí, a vaca, o terneiro com corda e tudo foram pro brejo quando a garota claramente explicou o nome da coisa que acabou de lembrar-se e mandou bala:

– CHUPÁ CABRA, VÓ... É CHUPÁ CABRA...Dona Antônia se enrolou ainda mais e chegou até a pensar que a neta estava

ficando maluca e, com a paciência já apregoada, quer saber:– E onde é que você viu isso, querida?A resposta da neta foi um primor e tirou toda e qualquer dúvida da "vó".– FOI LÁ NAQUELE LUGAR QUE A GENTE ALMOÇOU NAQUELE

DIA...Se lá não tivessem sido bem tratados, a família e a "netaiada", incluindo a

Camila, fatalmente o mistério teria persistido. Num domingo estavam viajando em direção ao vizinho Mandaguaçu, a gatinha reconheceu o famoso "Porco No Tacho" (um restaurante à beira da estrada) e informou a todos que foi ali, que era ali o lugar...

Conversando com o pessoal da casa, até que não foi tão difícil assim descobrir. A tal frutinha, para Geórgia, "Chupá cabra", nada mais era que a fruta que o mineiro mais gosta, ou seja, a famosa JABUTICABA, lá cultivada no fundo do quintal. E de jabuticaba pode até se esquecer do nome, mas é muito difícil se esquecer do sabor. Se consumida em demasia, o efeito também é inesquecível...

GABRIELA GALANTE BIDÓIAGEÓRGIA ANTÔNIA BIDÓIA

CAMILA BIDÓIA (Prima)

PAISLucinéia (Néia) / Roberto Galante

AVÓS MATERNOSAntônia / José Bidóia

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"BRIGADO UMA PINÓIA...”

Um filósofo italiano (não lembro o nome) afirma que a velhice é a idade mais

bonita da vida e que é uma pena durar tão pouco. Nem italiano, nem filósofo, apenas

pegando "carona" coloco a infância no mesmo nível, já que é muito comum ouvir-se

dizer que criança "cresce mais que abóbora"... E, como elas crescem rápido, já, já o

mercado brasileiro (ou será mundial?) vai ter uma empresa prestadora de serviços com

nome pomposo "SEMENSATO & MELON" (pra entender leia a página 99).

A mãe do Guilherme é professora, o pai é mecânico, e o casal tem uma tia em

Colorado (PR) e a tia tem um "pé-de-bode" que ela teima em chamar de carro... Em

"troca" do almoço, tia Janda pede ao sobrinho que examine um pequeno defeito em seu

possante. Enquanto isso, mãe Margareth e a tia preparam o regabofe. O pai Aires e Gui

vão consertar o veículo... Aires tem uma baita duma caixa de ferramentas que, de

acordo com a necessidade, vai pedindo ao filhote que o atende prontamente...

Terminam o conserto.

Gui e o pai entram pra lavar as mãos e tia Janda aproveita para agradecer ao

sobrinho pelo trabalho – trabalho que, aliás, deixou o pequeno Gui de bigode suado – e

Janda pensando na economia que fez, diz ao pai do mocinho:

– Ô Aires, muito obrigada!

Mesmo antes de o pai abrir a boca para o tradicional "de nada", Gui mostra a

todos que, mesmo ainda não sabendo trabalhar direito, pra cobrar sabe tudo e mais um

pouco, mesmo tendo apenas três anos. Todos cairam na gargalhada, apenas Guilherme

ficou sério quando, encarando a tia mandou ver:

– BRIGADO NÃO! SÃO TRÊS REAUS...

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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"PANHA” NELA...

A filhota da Margareth e do Aires, em encarnações passadas, deve ter sido

mineira (não sei de "sô" ou de "uai") mas fala, desde miudinha, o bom, velho e

simpático "mineirês". O mineiro (de Minas Gerais...) é (dizem) muito econômico, não

apenas em termos financeiros, mas até em palavras. Mineiro diz, por exemplo, em vez

de boa tarde, somente "tarde", bom dia é "dia" e para eles o verbo "panhar" tem dois

sentidos: um deles, "panhar" laranja; o outro, "panhar" de alguém – O Divino brigou

com o Tião e "panhou" dele...

Era uma campanha de vacinação. A mãe leva Isabela pra tomar a tradicional

gotinha (ou "mordidinha" de abelhinha que não dói nadinha...). Já na fila, vendo a

meninada berrando, Isa começa o seu "mineirês" assistindo a choradeira da garotada,

misturando aí sua pronúncia com o Nordeste (ou seria ela do norte de Minas?), vez por

outra deixava escapar:

– Viiiiiixii...

Isabela apenas observava, sem chorar. Aí, bem na frente dela e da mãe, uma

garota, de colo ainda, berrava, gritava, esperneava, uma birra pra ninguém botar

defeito. Isabela achando aquilo uma aberração (?), coisa feia, comportamento indevido,

e por aí afora...

A mãe da outra garota, da chorona, referindo-se a Isabela, mostra a gatinha para

sua filha e compara:

– Olha, filha, que garota boazinha... Ela não chora...

A menina "ruim" não deve sequer ter ouvido o que a mãe disse, ao contrário,

aumentou ainda mais sua "esgoelação". A psicóloga Isabela encara a mãe "da

descomportada" menina e diz, cheia de razão:

– PANHA NELA QUE ELA PÁRA!!!

GUILHERME CAVALHEIRO MELONISABELA CAVALHEIRO MELON

PAISMargareth / Aires Pelegrin Melon

AVÓS MATERNOSRomilda / Alécio Cavalheiro

AVÓS PATERNOSLurdes / Olívio Pelegrin Melon

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JOSÉ ATÍLIO SANCHES

MARIA ALICE FERREIRA

JOSÉ FRANCISCO FERREIRA SANCHES

PAIS

Mirlei / José Atílio Sanches

Nilce / José Sanches FilhoAVÓS MATERNOS

Margarida / Francisco

Ana / Atílio Ferrari

AVÓS PATERNOS

Rosa / José Sanches

Nilce / José Sanches Filho

QUASE IGUAL...

Repetidas vezes tenho afirmado o que todo mundo sabe: criança adora atender telefone, portão, porta etc. Basta se ouvir o dindon da campainha, o trim do telefone ou o plac plac das palmas que, mesmo antes de o som ir embora, "tá" lá a criança apostando corrida pra ver quem chega primeiro... Com o Atilio, o filhote da Nilce e do José Sanches, com três anos de idade, a coisa não podia ser diferente. Numa noitinha, lá por volta de sete horas, o garotão ouve o ruido de palmas e dispara rumo ao portão. Lá chegando, encontra um cidadão que pergunta por seu pai, se o pai estava. O eficiente "secretário" informa que sim, e indaga ao visitante:

– E QUEM É QUE QUER FALAR COM MEU PAI?– Diga que é o Itiro?O carinha não entendeu nadica e até pensou: que será que é esse negócio de tiro?

Será que o meu pai vai caçar? A dúvida martelando sua cabecinha, pergunta de novo:– QUEM É MESMO O SENHOR?– Fala que é o Itiro...A resposta, deveras esclarecedora, clareou tudo... Atílio continuou a olhar o

cidadão com cara de dois paus. O amigo de seu pai percebeu e completou a informação:– Fala pro seu pai que é o Itiro Nishiama...Aí a coisa ficou completa e clara de verdade. O jovenzinho "entendeu" tudinho.

Disparou corredor a dentro e foi falar com o avô dos gêmeos Maria Alice e José Francisco:

– PAI TÁ LÁ NO PORTÃO UM TAL DE JOAQUIM QUERENDO FALAR COM O VOCÊ...

Sanches vai ter com o cidadão. E já chegou dando risada. Aí, explicou ao amigo o motivo do riso. E os dois continuaram rindo...

Hoje, com Atílio já "grandinho", com trinta e poucos anos, cada vez que tromba com o amigo Itiro, este lembra do fato, já que para Itiro o nome Atílio pouco significa, ou ele ignora, pois trata o amigo pelo nome "inventado" por ele quando menino, isto é, Joaquim... Joaquim e Itiro, muito "palecido", Atírio também...

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IGUALDADE...

Luíza tem hoje quatro anos e é o único xodó do casal Lélis e Clarisse. É a filha

mais nova, mais velha, a mais tudo, singular, única; sua cabecinha não representa, nem

de longe, sua idade, parece mais "coroa".

O papai – é assim que ela fala – é cúmplice em suas travessuras, parceiro nas

brincadeiras e os dois dão um trabalho danado pra mãe, que não dá mole,

principalmente pra menorzinha...

Foi um dia daqueles, o pai chegou em casa "mortinho da silva"; mesmo assim

teve de atender a vontade de Luíza, que queria brincar, e por nada do mundo aceita um

um não; desculpa, nem pensar. Quer e pronto. Luíza tem um montão de brinquedos,

brincando sabe organizá-los: o carrinho é aqui, o caminhão ali, a ambulância lá, o carro

da polícia mais pra cá, e o paizão fielmente obedece, senão... Luíza gosta mais de

brincar do que guardar os brinquedos, motivo que a faz, quase sempre, se desentender

com a mãe exigente. Naquela noite (como sempre tenta) queria ir dormir sem guardar os

brinquedos. A mãe "pega em seu pé":

– Luíza, vá guardar os brinquedos...

Luíza resmunga. A mãe repete a bronca. Luíza pede à mãe que mande o papai

ajudá-la. A mãe retruca:

– Vá você e anda logo. Brincou, tem de guardar...

O precoce, e quase sem uso cérebro da mocinha, desmonta a mãe quando, cheia

de razão, afirma:

– ENTÃO O PAPAI TEM QUE AJUDAR... O PAPAI TAMBÉM BRINCOU!!!

LUÍZA LÉLIS COPINI VIEIRA SANTOS

PAISClarisse / Lélis Vieira dos Santos

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"TORTURISMO"...

Orlando Manin Filho está com (incompletos) cinco anos. Bom aluno, bom filho,

bom irmão – que o diga Fernando, um pouco mais novinho. Orlando pai é católico e a

mãe Leonor, também. Adulto, puxando ao pai, fatalmente será Landão, mas por

enquanto, é Landinho – engrossando a fileira dos "inhos" – em cuja dedicatória nos

referimos.

O Fernando, uma espécie de repórter, em homenagem à profissão do pai,

radialista dos bons e também bons tempos, é daqueles, segundo o "mineiro" – "que não

espera a batata assar"; dá logo as notícias e conta as novidades e, como aquela era

grandona...

O pai chega em casa e o filhote Fernando o está esperando no portão. A

informação daquela tarde fez, no começo, o pai arregalar os olhos, e o susto só foi

desfeito quando o pai viu a esposa dando risada, coisa que, aliás, até hoje fazem,

principalmente nas macarronadas de domingo quando o fato é sempre relembrado, com

saudades e gargalhadas...

Fernando, ainda embaralhando letras e coisas, doido pra contar pro velho o

ocorrido, trocou apenas umas coisinhas quando mandou ver:

– Ô PAI, A MÃE FOI NA IGREJA E PONHÔ O LANDINHO NO

CACETISMO!!!

“In dubio pro reu”

– O que fará você meu filho – pergunta o padre ao menino – para entrar

no céu?

– Bem, eu vou correndo até lá e fico entrando e saindo, entrando e

saindo, até que São Pedro, aborrecido, me pergunte:

– “Como é, garoto, saia ou entre de uma vez!”.

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IRMÃO DE BRINQUEDO

A Paula era a primeira filha do casal Ivone e Paulo e, nessa condição, “dava

cartas e jogava de mão”, isto é, era a “dona do pedaço” - princesa, rainha e um pouco

mais. Aí a mãe engravidou. Com a gravidez pipoca a ciumeira, comum nesses casos. A

pequena começa a enjeitar comida, não querer sair, não ter vontade de brincar, enfim,

aquelas coisas que os pais conhecem bem e, o que é pior, a coisa aumentava de acordo

com o crescimento da barriga da mãe.

Já em fase de pré-natal, cuidadosa, a mãe indaga ao médico se é possível mostrar

à filhota o “retrato” do irmãozinho que já era tratado pelo nome (menos por Paula,

claro!). O médico consente, inclusive recomenda.

Chega o dia do exame. Paula aparentemente “nem aí”, mas a didática

explicação do médico aguça a curiosidade da gatinha. O doutor, então, passa aquele

tradicional gel no abdomen da mãe e começa a ultrassonografia. Paula está petrificada

com a cena mostrada no vídeo, aliada aos comentários do médico que lhe explica:

– Aqui está o pézinho... Olhe, aqui o outro pézinho, ali a mãozinha, o rostinho, a

perninha e um montão de outros tantos “inhos” e “inhas”, bem do jeito que criança

entende e gosta. A irmãzinha nem pisca em face do clima criado pelo competente

profissional. Termina a “aula”. O médico sai da sala deixando a sós mãe e filha. Era um

tal de mãozinha pra lá, pézinho pra cá... Tudo espalhado.... Com essas coisinhas

movimentando seu cérebro, Paula quer saber:

– Ô MÃE, O MURILO VEM TODO DESMONTADO E DEPOIS VOCÊ

MONTA???

PAULA MONTEIRO

PAISIvone / Paulo Monteiro

AVÓS MATERNOSClossilde / José Antonelli

AVÓS PATERNOSMaria do Carmo/ Paulo Monteiro

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SUMIRAM CONOSCO...

O Luiz Alberto, também conhecido como Beto, um dos homens da família de

Rosana e Luiz Jorge, nunca tinha viajado de ônibus. E como da primeira viagem nunca

se esquece, dessa, pelo menos os pais, certamente, não vão esquecer.

Era um ônibus leito, com bancos reclináveis, travesseiros, cortinas, enfim, uma

casa que anda. Se é confortável para um adulto, imagine para alguém de menos de um

metro de altura e uns três ou quatro anos de idade.

Tudo claro até começar a viagem. Aí vem aquele barulhinho do motor, o balanço

e o garotão se entrega aos braços de morfeu. Sono tranquilo e profundo. O paizão fecha

as cortinas e o sono vai longe...

Um montão de tempo depois o jovenzinho acorda. Era um breu só. Não se

enxergava nadica de nada. E Beto, mais perdido que cachorro caido de mudança,

descobre mais uma utilidade de genitora e quer saber:

– Ô MÃE, CADÊ NÓIS ???!!!

Meus sonhos estão murchando,perdendo a cor e a fragrância...- Meus Deus, estou precisandode uma transfusão de infância !

A. A. de Assis

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DÚVIDA...

Toda criança adora atender telefone. grande novidade. Parece até a descoberta

da pólvora tal afirmativa. Com a loira Lorena, já devidamente qualificada, apresentada

e mostrada (pag. 91), a coisa não era diferente. A família da gatinha, mais tio Paulo, tia

Ione, possuiam, pertinho de Maringá, em Jussara, um armazém que comercializava

gêneros de primeira necessidade com o pomposo nome de Mercado Varejo Bom Dia.

Lembra aquela manjada da coruja que perguntou ao passarinho qual era seu

nome? E o passarinho, tadinho, todo atencioso responde: Tico-tico. E a mal humorada

coruja pensando ser ironia do “penoso” coleguinha, retrucava: não precisa repetir que

não sou surda...

O diálogo com a loirinha era quase o mesmo. Bastava o telefone fazer “trim” que

a telefonista mirim, com especial simpatia prontamente atendia, deixando confusa a

pessoa que estava do outro lado. Se de manhã, dizia Lorena:

– VAREJO BOM DIA. BOM DIA !!!

Quando não era sacanagem de alguma tia, tio ou amigo, era realmente

complicado. Pensaram até em mudar o nome do mercado, de “telefonista”, nem pensar.

À tarde era (pouca coisa!) mais complicado. Como dissemos, já no primeiro

toque a baixinha atendia, misturando a cabeça de quem ligava (ou própria?). E o diálogo

ficava assim:

– VAREJO BOM DIA. BOA TARDE !!!

E sempre tinha um(a) engraçadinho(a) que pedia esclarecimento deixando

Lorena mais vermelha que um tomate da banca ao lado. E a discussão ia longe, até

Lorena “puxar a faca” ou a outra pessoa “afinar”...

Hoje não tem nem Bom Dia nem Boa tarde: o mercado foi vendido, trocou de

nome e Lorena, lamentavelmente, cresceu...

Que pena!

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Essas crianças... Osvaldo Reis

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AGRADECIMENTOS

A todas as pessoas mencionadas: pais, avós, tios, primos,

sobrinhos, cujas “DELAÇÕES” espero sejam “PREMIADAS” com

lembranças saudáveis de um tempo que não volta mais, que sejam as

mais gratas e ternas recordações. Sincera e modestamente, gostaria de

ser o instrumento dessas reflexões, comentários, dúvidas, discussões e,

se tiver o privilégio de arrancar pelo menos um pequeno sorriso ou uma

lágrima alegre, confesso-me plenamente recompensado. Aos que me

incentivaram e aos que me criticaram, o mesmo respeito, já que, de

acordo com NELSON RODRIGUES, “toda unanimidade é burra”.

Assim pensando e agindo, com a mesma humildade e ternura, aceito as

críticas, que findam por me ensinar; do mesmo modo, não gosto do falso

elogio nem da bajulação, pois, como diz SANTO AGOSTINHO,

acabam por me corromper.

Alguém disse que escrever é viver de ilusão. MÁRIO LAGO, um

dos maiores brasileiros dos últimos tempos, para o seu coração, queria

“nada além” de uma ilusão. Que os tantos amigos e amigas continuem

me ajudando a manter a minha alma de poeta, mesmo com mínima

escolaridade, tropeçando nas palavras e na emoção, com dicionário

diminuto, conhecendo, no entanto, os significados de algumas palavras,

doces palavras, como GRATIDÃO, LEALDADE, ÉTICA...

OBRIGADO GENTE!!!

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Ademir Penha Edson Marassi

Adriano Valente Elaine / Wal Barrionuevo

Alaor Gregório de Oliveira Elenice / Fernando Ferreira

Eliane Feitosa SantosAlberto Paco

Elidir D´Oliveira (em memória)Aldilene / Milson Vanderlei Rocha

Elizabeth / José Carlos GoulartAline Rodrigues da Silva

Elza/Renato Bernardi (em memória)Ana Carolina Gonçalves dos Santos

Emília SantanaAna Maria/ Altino Pedroso dos Santos

Emílio GermaniAna Paula MachadoEmydio BritoAna/Maurício CadamuroEnedina/Antônio SenaAna/Rogério BarretoEsmeralda/Walber GuimarãesAntenor SanchesEuclides BritaAntero RochaEuclides ZagoAntônio “Nhô Juca” Mário ManicardiFares Jamil FeresAntônio BárbaraFátima/Messias MendesAntônio Carlos MorettiFernando VasconcellosAntônio Luiz de JesusFrancisco GuazelliAntônio MolonhaFrancisco Jorge Ribeiro (em memória)Aparecida “Bia” Fabiana CorreaGaldino Andrade (em memória)Armando BettinardiGenalva/Paulo BôhmAyako/Tadaci NishiraGentil Guido DemarchiBete/ José SilvaGilceane / Alcenir Antônio BarettaCamila KretzmannGilda/Leonardo ContrerasCamila / Ricardo Tupan RuiGlória / Orlando Fernandes DiasCarlos MariucciHermelindo AlibertiCarmen RibeiroHenri “Francês” Jean VianaCarmen/Milton SeixasInês/ Ademir MulonCibele SantiagoInês/Ataide DantasCida/ Ademar SchiavoneIolanda HoffCidinha / Nelson “Jaca” PupimIrene / Jorge FregadolliClara/Mário MazonIrma/Said FerreiraClaudenice / Fábio Aparecido SargeItamar BelasmaCônego Benedito Vieira TellesIvana MartinsDalti TortatoJacira / José Roberto BalestraDari PereiraJaime RibeiroDeroteu Gonçalves da SilvaJaime VieiraDiniz NetoJair AmimDirce/Antônio Alexandre Pereira (em memória)Janete/Dorival CavalcanteDiudi/Nelson BritoJoão FrigoEdalvo Garcia

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João Gualberto de Lima (em memória)

João Laércio Lopes Leal

Joel Cardoso

Jorge “Ploc” Meneguele

José “ Tavarico” de Oliveira Tavares

José “Bicudo” Antônio da Silva

José Barbosa

José Cardoso

José Carlos de Andrade

José Cícero de Oliveira

José Hilário

José Usan

Judite/Elon Bragança

Kassiane Sueli de Oliveira

Kely Schemberger

Laércio Quadros

Lázaro Domiciano

Léo Jr.

Lenir/ Fidelcino Cruz

Leonete Bonazio

Lídia/ Daniel Zecheto

Lidiane / Marcelo Menegassi

Lígia Leal

Lourdes/Ivo Machado

Lucila / Getúlio Vilmar Afonso

Lucilene/ Pedro Brambilla

Luiz Alexandre Solano Rossi

Luiz Bolota

Luiz Carlos Kaltoé

Luiz Júlio Bertin

Márcia/Cesar Castanharo

Márcia/ Cláudio Vismara

Marco André Lima

Maria Antonieta / Valdecir Amorim

Maria Aparecida / Valdecir Solomoni

Maria da Penha Santana

Maria José/Celso Robles

Maria José/Lizeu Nora Ribeiro

Maria/Matheus Recco

Mariane Hoff

Marina / João Batista Lima

Marizalda/Ademir Tavares Moura

Milton Siqueira

Moisés Zanardi

Nelson Maimone

Nelzi / Wilson Bokorny Fernandes

Nica/ José Bonifácio Moron

Nilsa Melo

Nitlon Tuller

Odair Mario Bordini

Odete Alcântara Rosa

Odete Salata Mendes (em memória)

Oliveira Reis

Orlando Carnelós

Osvaldo Chiucheta

Paulo Peixoto

Paulo Roberto Pereira de Souza

Reginaldo Dias

Renata / Keith Angel Balestra

Roberta/Luiz Carvalho

Rogel Martins Barbosa

Rogério Recco

Rosa/ Mário Yamamoto

Rose Leite

Rosalino Felícios dos Santos

Rosangela / Roberto Plepis

Rose/Francisco Alves da Rocha

Rosemar Bertequini

Sakae Yamao

Salim Haddad (em memória)

Sandra/ Nélio Sanches Gonzales

Sandro Scolari

Sebastião Palma

Shirlei/José Antônio Moscardi

Sidnei Alves

Silvana Borges

Simone / Alexandre Campos Soares

Simone Labegaline / Antônio R. de Paula

Sirlei/Izac “Grego” Rodrigues de Lima

Suzana Sasaki

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Tánia Facci

Terezinha/ Sebastião Pitarelli

Toninho Mendes

Ulisses Maia

Ulda Ramos Gabriel

Valdecir Brito (em memória)

Valdecyr Pozza

Valdir Carniel

Vera Dias

Vera Lúcia / José Carlos Nascimento

Victor Hugo Dias Gonçalves

Wagner da Silva

Walter Alexandrino

Walter Poppi

Wanderlei Vieira

Wilson Costa

Wilson Nakashima

Zacarias Quintanilha

Zélia / Antônio Picoli Sobrinho

Zery Monteiro

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(Em memória)

J B MARIANO

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O AUTOR

É o caçula de uma família de dez. Filho

de mineiros, Ana de Paiva Reis e Geraldo

Fernandes Reis, nasceu paranaense na

fazenda Santa Helena, município de Bom

Sucesso. Autodidata. Foi articulista e

colaborador em diversos órgãos da imprensa

maringaense. Membro fundador da

Academia de Letras de Maringá, tendo sido

seu primeiro orador. Na área pública prestou

serviços à Assembléia Legislativa do Estado

do Paraná (chefe de gabinete do deputado

Jayme Rodrigues de Carvalho), Câmara dos

Deputados (chefe de gabinete do deputado

Renato Bernardi) e Prefeitura do Município

de Maringá, onde foi chefe de gabinete

(Prefeito Said Ferreira). Osvaldo Reis

define-se como um “contador de causos” brinca de fazer trovas, inclusive caipiras.

Pretende continuar escrevendo, e, por enquanto, tem os seguintes trabalhos publicados:

BOCA MALDITA – Poucas e Boas das Velhas Raposas – Editora Clichetec - 1994

MARINGÁ E SEUS PREFEITOS – Editora Clichetec - 1996

COLETÂNEA DA ACADEMIA DE LETRAS DE MARINGÁ – Editora Gráfica Bertoni - 2000

MARINGÁ 57 ANOS – A HISTÓRIA EM CONTA-GOTAS – Gráfica e Editora Primavera - 2004

COLETÂNEA DOS POETAS DE MARINGÁ III – Editora Gráfica Bertoni - 2006

MARINGÁ – A HISTÓRIA EM CONTA-GOTAS – Gráfica e Editora Primavera - 2ª edição - 2007

NAPOLEÃO MOREIRA DA SILVA - Um Monumento da História - Editora Canadá - 2008(Em parceria com Antonio Padilha Alonso)

O PIONEIRO ANÔNIMO (cordel) Edição do Autor - 2008

US MEUS CACHORRU (cordel) Edição do Autor 2008

ESSAS CRIANÇAS – Edição do Autor - 2011

Fotografia: Edson Burzega Guitti – março / 2011–

Essas crianças... Osvaldo Reis

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