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2 // Estudo de Temas Tomistas

CAPA: São Tomás de Aquino:

http://www.dominicos.net/santos/santo_tomas_de_aquino/063b_pinacoteca_crivelli_carlo_the_demidov_altarpiece_detail_thomas_aquinas_.jpg

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Apêndice da Parte I // 3

ESTUDO DE TEMAS TOMISTAS Tomás de Aquino (1225-1274)

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4 // Estudo de Temas Tomistas

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Apêndice da Parte I // 5

José Francisco de Assis Dias Leomar Antonio Montagna

Lorella Congiunti (Organizadores)

ESTUDO DE TEMAS TOMISTAS Tomás de Aquino (1225-1274)

I Edição

Autores: Prof. Danilo Xavier de Morais

Prof. Lorella Congiunti Prof. Rodrigo Gabriel Matos

Editora Vivens O conhecimento a serviço da Vida!

Maringá-PR 2014

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6 // Estudo de Temas Tomistas

Copyright 2014 by Humanitas Vivens Ltda.

EDITORES: Daniela Valentini

José Francisco de Assis Dias CONSELHO EDITORIAL:

Prof. Daniel Eduardo dos Santos Prof. Mariane Helena Lopes

Prof. Reginaldo Aliçandro Bordin REVISÃO GRAMATICAL E DE ESTILO:

Prof. Antonio Eduardo Gabriel CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:

Rogerio Dimas Grejanim Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi – Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados com exclusividade para o território nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser

reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou

banco de dados sem permissão escrita da Editora. Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

Rua Sebastião Alves, nº 232-B – Jardim Paris III Maringá – PR – CEP: 87083-450; Fone: (44) 3046-4667

http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Estudo de temas tomistas: Tomas de Aquino

E79 (1225-1274) / José Francisco de Assis

Dias, Leomar Antonio Montagna, Lorella

Congiunti, organizadores; [autores] Prof.

Danilo Xavier de Morais, Prof.ª Lorella

Congiunti, Prof. Rodrigo Gabriel Matos.

- 1. ed. – Maringá, PR: Vivens, 2014.

176 p.; 14x21 cm.

ISBN: 978-85-8401-017-2

1. Filosofia medieval. 2. Tomismo. I. Tomaz, de Aquino, Santo, 1225-1274.

CDD 22.ed. 189.4

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Apêndice da Parte I // 7

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO............................................................. PARTE I: DA RAZÃO À FÉ EM TOMÁS DE AQUINO...................... I - RAZÃO E FÉ NO PENSAMENTO DE

TOMÁS DE AQUINO.......................................... II - “NATUREZA” NO PENSAMENTO DE

TOMÁS DE AQUINO......................................... III - A LEI E AS LEIS NA PERSPECTIVA DE

TOMÁS DE AQUINO......................................... IV - “CIÊNCIA” NO PENSAMENTO DE

TOMÁS DE AQUINO.............................................. V - ARTE E BELEZA NO PENSAMENTO DE

TOMÁS DE AQUINO............................................. VI - O “ACASO” NO PENSAMENTO DE

TOMÁS DE AQUINO........................................... VII - A SAGRADA DOUTRINA SEGUNDO

TOMÁS DE AQUINO............................................. VIII - A VERDADE EM TOMÁS DE AQUINO................ IX - A ALMA PARA TOMÁS DE AQUINO.................... X - O CORPO SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO..............

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8 // Estudo de Temas Tomistas

XI - OS ANJOS NO PENSAMENTO DE

TOMÁS DE AQUINO.............................................. XII - A AMIZADE SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO.......... XIII - “COMEÇAR DO PRINCÍPIO” SEGUNDO

TOMÁS DE AQUINO............................................. XIV - A CENTRALIDADE DE JESUS CRISTO NO

PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO.............. XV - A DIVINA PROVIDÊNCIA NO PENSAMENTO

DE TOMÁS DE AQUINO........................................ PARTE II: A LEI NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO......... I - O PENSAMENTO POLÍTICO DE

TOMÁS DE AQUINO.............................................. II - O TRATADO DA LEI EM

TOMÁS DE AQUINO.............................................. PARTE III: A PRUDÊNCIA EM TOMÁS DE AQUINO......................... I - O PENSAMENTO ÉTICO DE

TOMÁS DE AQUINO............................................. II - A VIRTUDE DA PRUDÊNCIA NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO......................... REFERÊNCIAS..................................................................

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APRESENTAÇÃO

Com alegria indizível, apresentamos aos amantes do pensamento de Tomás de Aquino, esta obra que põe em harmonia os trabalhos dos professores Lorella Congiunti, autora da primeira parte, Danilo Xavier de Morais, autor da segunda parte e Rodrigo Gabriel Matos, autor da terceira parte.

A primeira parte, DA RAZÃO À FÉ EM TOMÁS DE AQUINO, tem como objetivo trabalhar alguns dos mais relevantes temas, dentro do pensamento de Tomás de Aquino.

A Autora, através de reflexões profundas e, simultaneamente, simples, aborda temas de grande importância para se conhecer o pensamento do Aquinate, partindo da ratio até chegar na fides.

A segunda parte, A LEI NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO, tem por objetivo compreender a origem e a função da lei no pensamento de Santo Tomás de Aquino.

No primeiro capítulo, o Autor apresenta o pensamento político de Tomás de Aquino, seu projeto de governo e organização da sociedade. Apresenta também duas categorias necessárias para a compreensão da lei no pensamento tomista: a beatitude e as virtudes.

No segundo capítulo, o Autor apresenta a definição tomista de Lei e os tipos de leis apresentados por Tomás de Aquino na Suma Teológica: a lei eterna, a lei natural e a lei humana ou positiva.

A terceira parte, A PRUDÊNCIA EM TOMÁS DE AQUINO, tem por objetivo compreender e explicitar o conceito de prudência no pensamento de Tomás de Aquino.

Assim, no primeiro capítulo, o Autor busca fornecer um panorama geral da ética tomista, apresentando inicialmente o projeto da Suma teológica e elementos da

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antropologia de Tomás de Aquino, ponto de partida para sua ética.

Em seguida, o Autor trata dos elementos da ética como a moralidade dos atos humanos, as paixões, as virtudes e os vícios.

No segundo capítulo, o Autor apresenta o conceito de prudência, que é entendida como a reta razão aplicada à ação, e o analisa de acordo com a sequência apresentada na Summa Theologiae: a prudência em si mesma, suas partes integrantes, subjetivas, potenciais, relacionada ao dom do conselho e considerada pelo seu viés oposto, a imprudência.

Como os Autores nos lembram, Tomás de Aquino, herdeiro do pensamento aristotélico, concebeu o mundo dotado por uma ordem e finalidade e, nele, o homem como ser social. Em vista disso, a sociabilidade do homem é condição inerente à sua existência tanto quanto o desejo de felicidade, sua finalidade última. Entretanto, por ser um ser de relações, o homem não tem somente a sua finalidade última como objetivo, mas há antes uma finalidade que deve ser alcançada em comunidade: a ética. Tanto o fim último e individual do homem quanto sua finalidade enquanto sociedade não podem ser alcançadas senão por meio das virtudes, que podem ser adquiridas através dos hábitos.

Os Organizadores

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Apêndice da Parte I // 11

PARTE I:

DA RAZÃO À FÉ EM TOMÁS DE AQUINO

Prof. Lorella Congiunti1

1 Prof. Lorella Congiunti, professora de filosofia e Vice-Reitora da Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano – Roma – Itália.

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É essencial para a beatitude, ou felicidade, a perfeição da caridade, enquanto amor para com Deus, mas não enquanto amor para com o próximo. Pelo qual se existisse uma só alma admitida a gozar Deus, seria beata, mesmo não havendo o próximo para amar. Mas, suposto o próximo, o amor para com ele surge do perfeito amor para com Deus. Onde a amizade é quase um elemento concomitante da perfeita felicidade ou beatitude.

[Summa Theologiae, II-II, q. 4, a. 8, ad 3um]

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- I -

RAZÃO E FÉ NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO

Uma das questões fundamentais, para a

contemporaneidade e para todos os tempos, consiste na impostação da relação entre razão e fé. Uma impostação errada pode conduzir à sua separação, até às posições contrapostas do cientificismo racionalista e do espiritualismo fideísta.

O cientificismo racionalista ignora ou até mesmo nega todo valor cognoscitivo à fé, exaltando exclusivamente a razão, reduzindo-a unicamente à funcionalidade científica. O espiritualismo fideísta, ao contrário, critica a razão como estranha ou, até mesmo hostil à fé; delineando uma fé abstrata e desencarnada.

Em ambos os casos não só razão e fé aparecem contrapostas, mas tanto a razão quanto a fé aparecem reduzidas e, portanto, enfraquecidas; como magistralmente expressou João Paulo II na carta encíclica Fides et Ratio, 14 de setembro de 1998:

É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do ser. (n. 48).

Somente a plena realização de uma “delas” permite

também a excelência da outra: Não há motivo para existir concorrência entre a razão e a fé: uma implica a outra, e cada qual tem o seu espaço próprio de realização. (Cf. n. 17). No contesto atual, uma grande ajuda pode vir da explicação do significado desses dois termos.

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A explicatio terminorum é, de fato, o primeiro passo

para impostar bem toda questão. Neste âmbito, uma decisiva clarificação pode provir do pensamento de Tomás de Aquino, definido pela mesma encíclica Fides et Ratio como campeão da “harmonia que existe entre a razão e a fé” (Cf. n. 43).

1.1 A Razão A “razão”, do latim ratio, mesmo traduzindo apenas

em partes a ampla gama de significados do termo grego logos, é uma noção extremamente rica e fértil. Tomás de Aquino teve a grande capacidade teorética de explicar todos os significados da razão.

No comentário ao De divinis nominibus, Tomás distingue ao menos quatro modos principais de significação, cada um ulteriormente especificado2: a razão como faculdade cognoscitiva; a razão como causa; a razão como cálculo; a razão como conteúdo conceitual3.

A razão como faculdade cognoscitiva pode ser entendida em vários modos: enquanto conhecer espiritual, ou seja, não ligado à materialidade, não é exclusiva posse do homem, mas pertence a cada inteligência enquanto tal: angélica e divina4. Se vem entendida como capacidade discursiva ao invés, convém somente ao homem, enquanto implica a passagem do desconhecido ao conhecido, que é típico dos seres humanos5. Ainda, mesmo somente limitando o olhar ao homem, ratio pode ser entendida globalmente como oposta à sensibilidade; e,

2 Para uma eficaz análise destes significados da razão, cf. G. BARZAGHI, La potenza obbedienziale dell’intelletto agente come chiave di volta del rapporto fede-ragione, in “Angelicum”, 2, (2003), agora em IDEM, Lo sguardo di Dio. Saggi di teologia anagogica,

Cantagalli editore, Siena 2003, sobretudo o parágrafo 1 “Il significato del termine ragione in Tommaso d’Aquino”, pp. 96 e sgg. 3 Cf. TOMÁS DE AQUINO, In Div. Nom, c. 7, l. 5. 4 Cf. IDEM, Summa theol., I, q. 29, a. 3, ad4um. 5 Cf. Ibidem, q. 79, a. 8, resp.

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Razão e Fé... // 15

neste caso, cobre todas as faculdades espirituais humanas e significa: intelecto agente, intelecto possível, intelecto apetitivo (vontade)6.

Ocorre sempre recordar que para Tomás de Aquino o intelecto, isto é, a capacidade de “ver” intelectualmente a verdade, e a razão, como passagem gradual rumo a novas verdades a partir daquilo que já se conhece, são dois atos diversos de uma única faculdade7.

Compreendemos, portanto, como a razão tenha um significado muito vasto e, mesmo somente limitando-nos àquele de faculdade cognoscitiva humana, é também ele riquíssimo.

Conhecer racionalmente indica, de fato, uma vasta gama de processos humanos, de que a metodologia científica, fundada sobre a hipótese e a dedução, e tipicamente caracterizada pela experiência e pela matemática, é somente uma parte.

1.2 A Fé Para compreender o que seja a fides – a fé, antes

de tudo é importante repropor uma distinção – hoje frequentemente esquecida – fundamental, impostada por Tomás de Aquino com extrema clareza: a distinção entre Religião e Fé.

A Religião cai no âmbito da justiça8, que é uma virtude cardeal; a Religião é, de fato, a justiça no exercício do culto devido a Deus9. Portanto, a Religião é a mais excelente das virtudes morais, mas não é uma virtude teologal. A Fé, ao invés, é virtude teologal, enquanto é emanação da Graça santificante, havendo Deus como objeto direto e como motivo10.

6 Cf. Ibidem, q. 5, a. 4, ad1um. 7 Cf. Ibidem, q. 79, a.8, resp. 8 Cf. Ibidem, II-II, q. 80, a. 1. 9 Cf. Ibidem, q. 81, a. 8. 10 Cf. IDEM, Super Boethii De Trin., q. III, a. 2, resp.

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As virtudes cardeais são o aperfeiçoamento natural

da Pessoa Humana; as virtudes teologais constituem um aperfeiçoamento posterior, atuado pela Graça no homem que sabe acolhê-la. Exatamente porque a Religião é uma virtude moral, humana, há a própria medida na “mediedade”; de fato, todas as virtudes humanas se realizam no “justo meio”, isto é, na justa medida entre o excesso e o defeito (por exemplo, a coragem está no justo meio entre a covardia e a temeridade); existe, portanto, um vício por “defeito”, ou seja, a não-religiosidade, e também um vício por excesso, que Tomás de Aquino distingue segundo o modo (idolatria) e segundo o objeto (idolatria, divinação, vã observância)11.

Tomás de Aquino especifica que nada é “excessivo” para Deus, portanto, a natureza do excesso não está na proporção a Deus, que é infinito, mas relativamente às realidades do culto, que podem cair no supérfluo12.

As virtudes teologais, ao invés, não se deixam medir. Em relação à Fé não se dão excessos; se dá negação, resistência, rejeição, de uma parte, e possibilidade indefinida de crescimento de outra (a fé, de fato, pode ser superior pelo número dos artigos cridos, pela firmeza do intelecto, pela prontidão da vontade13).

Isto estabelecido, ocorre esclarecer um outro termo muito importante, isto é, “crer”. Na Quaestio disputata XIV De fide, Tomás de Aquino, partindo da reflexão de Santo Agostinho, argumenta com precisão a natureza do crer como ato do intelecto. Ele explica que, às vezes, o intelecto não é determinado pelos princípios ou pelas conclusões conhecidas, mas pela vontade, que escolhe de dar o consentimento a uma proposição como motivo de qualquer coisa que é suficiente a mover a faculdade apetitiva, mas não a faculdade cognoscitiva.

11 Cf. IDEM, Summa theol., II-II, qq. 92-100. 12 Ibidem, q. 93, a. 2. 13 Ibidem, q. 5, a. 4.

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Razão e Fé... // 17

De fato, lá onde o conhecimento é intelectualmente

seguro, não existe necessidade de crer para conhecer. Às vezes, ao invés, se conhece um conteúdo crendo a um testemunho; não se trata de um ato cego, porque é fundado sobre o conhecimento da testemunha e sobre a avaliação da sua credibilidade. Se conhece crendo, toda vez que é o testemunho de um outro a fazer-me conhecer conteúdos que não posso acessar.

Portanto, “crer” é um ato do intelecto, cujo objeto é o “verdadeiro”, mas é movido ao assentimento (isto é, à afirmação: “sim, isto é verdadeiro”) pela vontade.

Esta disposição em relação às afirmações dos homens é muito mais forte em relação à Revelação divina, onde a promessa da vida eterna constitui um fortíssimo movente para a vontade. Na dinâmica do crer humano, que implica seja o intelecto que a vontade, se enxerta o ato de Fé teologal, cujo princípio é Deus mesmo. No intelecto, como Sujeito, reside o ato de crer, de que a Fé é o próprio princípio. Portanto, a Fé implica um homem capaz de conhecer racionalmente.

Fé e razão, corretamente entendidas, estão em recíproca harmonia e se implicam reciprocamente.

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- II -

“NATUREZA” NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO

A noção de natura – natureza – desempenha um

papel fundamental na especulação filosófica e teológica de todos os tempos. Na longa história da noção de natureza, Tomás de Aquino ocupa um lugar particularmente importante pela capacidade de desenvolvimento de todas as dimensões naturais na perspectiva integrada da Graça: enim gratia praesupponit naturam – pois a Graça pressupõe a natureza14.

A este propósito, na Fides et Ratio, João Paulo II observa: Tomás reconhece que a natureza, objeto próprio da filosofia, pode contribuir à compreensão da revelação divina15.

A reflexão de Tomás, reveste ainda, particular importância no âmbito, hoje muito atual, da lei moral natural. Em numerosos textos ele rende razão da complexidade do termo que, ao lado do “Ser”, se diz em muitos modos. Fundamental é, antes de tudo, a consideração etimológica do termo.

Tomás sublinha como o termo grego physis tenha uma dupla dimensão, significando seja nascimento que princípio. Na elaboração da noção acontece uma extensão e também um uso metafórico do termo, que enfim significa todo princípio interno de movimento.

A multiplicidade dos significados pode ser reunida em dois modos de expressão principais, uma de tipo

14 S. TOMMASO D’AQUINO, Summa Theologiae, I-II, 99, 2 ad 1um; «Cum enim gratia non tollat naturam, sed perficiat, oportet quod naturalis ratio subserviat fidei; sicut et naturalis inclinatio voluntatis obsequitur caritati» I, 1, 8 ad 2. . 15 GIOVANNI PAOLO II, Lettera enciclica Fides et Ratio, 14 settembre 1998,

n. 43.

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extensivo – extensive loquendo – e uma de tipo intensivo – intensive loquendo. O significado de tipo intensivo é aquele predominante e indica a natureza enquanto essência das coisas – natura vel essentia – natureza ou essência, natura vel quidditas – natureza ou quididade.

Desde o jovem De ente et essentia, Tomás precisa que a natureza é essentia dinamice considerata, ou seja, a natureza é a essência considerada dinamicamente, isto é, com referência direta às operações essenciais, ou naturais. A natureza há um significado quase sobreposto àquele de essência.

A natureza como essência da espécie ou “quididade” implica a multiplicação dos indivíduos, nas substâncias compostas, e daqui deriva a expressão, recorrente no texto de Tomás, de rerum natura ou natureza (específica) das coisas (individuais). Existe também uma modalidade de abordar extensive – extensivamente – a natureza, isto é, a natureza enquanto conjunto das coisas naturais, ou seja, as coisas materiais não artificiais. Esta modalidade se encontra, na minha opinião, sobretudo na expressão res naturales – coisas naturais – que sendo plural é uma modalidade extensiva.

A expressão res naturales está presente na ilustre argumentação das cinco vias16, e precisamente em relação à quinta via, sobre o governo das coisas. Deus é aquela realidade inteligente que ordena ao fim todas as coisas naturais. As coisas naturais são o conjunto das realidades postas no “ser”, ordenadas segundo uma finalidade. Portanto, ordem e finalidade são duas características fundamentais da natureza na sua pluralidade. O significado de res naturales, ou seja, da natureza em sentido extensivo, vem por Tomás expresso também com os termos mundus e universum.

A natureza em sentido intensivo indica uma unidade na multiplicidade, enquanto a natureza em sentido extensivo alude a uma multiplicidade unitária, isto é, não

16 S. TOMMASO D’AQUINO, Summa Theologiae, I, 2, 3.

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Natureza... // 21

equívoca. Trata-se sempre, em um modo ou em outro, de saber reconduzir à unidade a multiplicidade dos significados e das realidades em que a natureza se dá.

A unidade da natureza, assim como a unidade do ser, encontra motivo na substância: Natureza é omnis substantia – toda substância – afirma Tomás de Aquino. E é interessante sublinhar como no adjetivo omnis encontra fundamento a consideração extensiva da natureza, enquanto no substantivo substantia se funda, ao invés, a consideração propriamente intensiva.

Por este uso múltiplo e não equívoco do termo natureza, Tomás faz referência à especulação aristotélica e em modo especial no precioso léxico teorético constituído pelo livro V da Metafísica. Esta raiz peculiarmente filosófica de matriz aristotélica se enriquece da reflexão especificadamente teológica ligada à definição dos mistérios do Símbolo cristão, com implicações sobretudo trinitárias e cristológicas; neste contexto é a natureza em sentido intensivo que resulta implicada e enriquecida, e ao lado da influência de Aristóteles, se faz sentir forte a proximidade do pensamento dos pensadores cristãos e, neste âmbito, desempenha um papel particularmente importante a reflexão de Boécio.

A natureza encontra uma maior definição em relação ao termo persona – pessoa. Tal distinção aparece particularmente fecunda: é Pessoa divina aquela de natureza divina, é pessoa humana o indivíduo de natureza humana.

A natureza, assim traçada, resulta implicada em numerosas problemáticas teológicas. Os percursos em que o termo natureza resulta inserido e central são, de fato, inumeráveis. Parece-nos que aqueles mais relevantes se referem à relação natureza e Graça; a natureza de Deus e a Trindade; a natureza humana e divina na Pessoa de Jesus Cristo. Nestas problemáticas é a natureza em sentido intensivo a revestir um papel central. Outra problemática teológica importante é aquela da Criação,

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que se refere intimamente à natureza em sentido extensivo.

Enfim parece que ambas as declinações resultem importantes entre a natureza da lei moral natural. Este último aspecto é particularmente rico e atual, tendo também contas que, como sublinha Kaczyński, a universalidade e a imutabilidade dos preceitos da lei natural de São Tomás fora confirmada pela “Veritatis Splendor” e pela “Evangelium Vitae”17.

A lei moral natural é a participação no ser humano da lex aeterna, isto é, do projeto de Deus relativo à inteira natureza em sentido extensivo, e consiste exatamente no conhecimento e no cumprimento daquilo que é verdadeiramente humano.

Hoje, no geral equívoco dos termos, é bom recordar que no vasto âmbito da natureza em sentido extensivo, cada espécie de substância há a própria natureza em sentido intensivo, assim que quando se define natural uma atitude ou uma situação ocorre reconhecer a modalidade de significado do termo mesmo.

Portanto, aquilo que é natural para um cão não o é para um gato, e aquilo que é natural para uma planta não o é para um animal. Aquilo que é particularmente importante é considerar que se pode definir natural para o homem somente aquilo que corresponde à sua própria específica essência de animal racional.

17 E. KACZYNSKI, Legge naturale e diritti umani in Karol Wojtyla e Giovanni Paolo II, Pontificia Università S. Tommaso d’Aquino, Roma

2004-2005, p. 9.

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- III -

A LEI E AS LEIS NA PERSPECTIVA DE TOMÁS DE AQUINO

“Lei” é uma noção analógica, de fato é predicada

em diversos modos, mas sem equívoco. Antes de tudo é predicada de Deus e do homem e, portanto, não pode ser uma noção unívoca. Ainda vem predicada do homem e da natureza, do conhecimento e do Ser. A noção de “lei” se apresenta dotada pela riqueza própria das noções analógicas. Mas qual é o seu núcleo constitutivo?

Reflitamos sobre a etimologia de “Lei”. O termo latino lex aparece de origem controvertida. Isidoro de Sevilha (560-636) propõe um forte vínculo entre lei, leitura e escritura: Lex a legendo vocata, quia scripta est18, como se a lei encontrasse a própria essência em ser escrita e em ser, consequentemente, lida.

No século XIII, São Bonaventura e São Tomás, ao invés, mais prudentemente fazem derivar o termo lex de ligar: a lei, portanto, obriga a agir porque é regra e medida.

Em todos os usos da palavra “lei” recorre o aspecto da regularidade e da necessidade, ao menos de princípio: seja nos usos técnicos e filosóficos, que naqueles da linguagem corrente. Seja que se fale de leis do esporte, de leis do Código Civil, de leis da física ou de leis do amor... sempre se entende veicular um significado que implica uma regra e a tendência (natural e/ou voluntária) de segui-la.

Esta regularidade e necessidade são explicáveis melhor, se refletirmos sobre a definição da noção de lex proposta por Tomás na Summa Theologiae, segundo o esquema das quatro causas aristotélicas: a lei é quaedam rationis ordinatio ad bonum commune, ad eo qui curam

18 ISIDORO DI SIVIGLIA, Etymologiae, II, 10.

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communitatis habet promulgata19- uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada por quem tem o cuidado da comunidade.

A causa formal da lei é, portanto, a razão, enquanto o bem comum é a causa final, a promulgação é a causa material e o promulgador (aquele que detém a cura da comunidade) é a sua causa eficiente.

O aspecto particularmente rico de significado é constituído pela formalidade da lei que é a razão: a lei indica uma recorrência natural ou implica uma obrigação a agir porque é “racional”. A regularidade e a necessidade encontram raiz exatamente na racionalidade.

A finalidade é sempre um bem: que seja o bem da sociedade, voluntariamente perseguido pelos cidadãos, ou que seja o bem da natureza, a que todos os entes naturalmente tendem. A promulgação implica que tal lei seja em algum modo conhecida: oficialmente desprendida, nas mesmas regularidades naturais ou em um código dotado de oficialidade.

Enfim, a causa eficiente remete à pessoa do legislador, que pode ser um rei, um parlamento ou, no caso da natureza, o seu próprio Autor. Consideramos, ainda, que uma das estradas para chegar a conhecer que Deus existe a partir da existência do criado, encontra o próprio ponto forte exatamente na ordem natural: se a natureza tem suas leis, quer dizer que existe um legislador supremo, quer dizer que a natureza é obra racional de um Autor inteligente.

De fato, todas as tentativas de explicar a ordem natural sem fazer referência a alguma “coisa” que exceda a ordem mesma, são destinados ao fracasso. Uma ordem que se rege e se perpetua por si, sem causas ou fins externos, ou é a Ordem absoluta da qual tudo deriva, ou então resulta impossível, inexplicável.

Já Aristóteles afirmava que o bem do universo consiste, seja na ordem mesma do universo, seja em um

19 TOMMASO D’AQUINO, Summa Theologiae, I-II, q. 90, a. 4, co.

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Bem separado, em si e por si, assim como o bem do exército está na ordem, mas o bem está também no general20. A regularidade pressupõe, portanto, uma finalidade interna mas também uma referência final a uma realidade transcendente.

Compreendido o núcleo comum da lei, ocorre investigar as distinções; ajudados ainda por Tomás de Aquino, consideramos que a lei se articula em cinco tipos: a lex aeterna, a lex naturalis, a lex humana e a lex nova.

A lex aeterna é o plano da ordem universal das coisas ao fim, é a lei universal promulgada nas coisas mesmas por Deus criador. De tal lei não se pode haver conhecimento direto, se não nos seus efeitos. A criatura racional, mediante a razão, pode conhecer em algum modo a lei eterna.

A lex naturalis é, exatamente, a participação da lei eterna no ser humano.

As leges humanae são as leis positivas, dadas pelos estados, que nunca deveriam contradizer a lei natural.

A lex divina revelada se distingue em vetera, ou seja, do Antigo Testamento, e nova, ou seja, a lei do Evangelho, que em última análise é o próprio Espírito Santo. As leis são mantidas juntas em um único “divino projeto”; como sintetiza Vendemiati: Tudo há origem na lex aeterna mas tudo tende à lex nova.21

A lei eterna, de fato, é o plano de Deus escrito na própria natureza (entendida em sentido extensivo, como conjunto ordenado dos entes materiais não artificiais) e na natureza mesma (em sentido intensivo, enquanto essência) das coisas:

20 ARISTOTELE, Metafisica, XII, 10, 1075a10 e ss. 21 A. VENDEMIATI, La legge naturale nella Summa Theologiae di S.

Tommaso d’Aquino, edizioni Dehoniane, Roma 1995, p. 81.

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Deus com a sua sapiência é criador de todas as coisas, rumo às quais ele há uma relação semelhante àquela entre o artesão e os seus manufaturados [...]. Portanto, a razão da divina sapiência como há natureza de arte ou de ideia exemplar, enquanto princípio criador de todas as coisas; assim há natureza de lei enquanto move toda coisa ao devido fim. Eis porque a lei eterna outra coisa não é que a razão ou plano da divina sapiência, relativo a toda ação e a todo movimento22.

Toda coisa natural segue a própria natureza, ou

seja, se move ao devido fim segundo uma ordem geral e completiva, que deriva da mesma razão e vontade de Deus criador. O conhecimento da ordem natural é exatamente o conhecimento dos efeitos da Lei Eterna. A Lei Natural, propriamente dita, se configura como participação consciente a tal plano geral, participação possível somente para os seres humanos, que têm natureza racional.

O homem racionalmente conhece em si certas inclinações ao fim, algumas de ordem vegetativa, que necessariamente segue como todas as outras realidades naturais, outras de ordem sensitiva, compartilhadas com os animais, mas racionalmente domináveis; e outras de ordem especificamente racional e espiritual. Do conhecimento destas finalidades, o homem pode compreender como deve comportar-se para atingir aqueles bens que o podem render homem completo, isto é, feliz.

Já Platão observava: E não é talvez verdadeiro que ninguém voluntariamente quer o mal ou aquilo que considera ser mal, e que isto, a quanto parece, não está na natureza humana, ou seja, o tender ao mal ao invés que ao bem, e ainda que, quando nos encontramos na necessidade de dever

22 TOMMASO D’AQUINO, Summa Theologiae, I—II, q. 93, a. 1. co.

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escolher entre dois males, ninguém escolherá o mal maior, havendo a possibilidade de escolher o menor?23

Este tender ao Bem, próprio da natureza humana,

é o núcleo da noção de Lei Natural. Porque a expressão Lei Natural sempre vem equivocada, hoje frequentemente é completada na locução lei moral natural24.

A precisão é necessária sobretudo para distinguir a lei moral natural das leis físicas naturais; trata-se de dois âmbitos legislativos completamente diversos: a lei natural se refere somente o homem, capaz de pensar e de querer, as leis da natureza ou físicas se referem ao invés todo ente (e, portanto, também o homem enquanto pertencem à natureza).

Podemos, portanto, chamar de leis físicas naturais ou leis de natureza aquelas recorrências reais que acontecem nos fenômenos naturais, aquele explicar-se da natureza das coisas que seguem o seu fim e explicitam o próprio específico comportamento, feito de propriedades, de tendências, de relações.

Também os seres humanos são submetidos às leis de natureza, segundo a sua natureza de substâncias animais racionais, mas enquanto racionais têm a exclusividade de poder racionalmente conhecer e livremente observar os preceitos da lei natural. Faz parte da natureza do homem o seu ser profundamente inserido na complexidade dos seres naturais, com uma peculiaridade inassimilável a outros.

Sem dúvidas existem leis às quais respondem todos os seres (o princípio de não contradição constitui a lei que tem junto todo o Ser e todos os seres), mas cada espécie possui suas próprias leis específicas: assim que aquilo que é natural para um cão, não é de modo algum natural para um homem, e vice-versa. As leis de natureza

23 PLATONE, Protagora, 358 C-D. 24 Così per esempio nella lettera enciclica di Giovanni Paolo II, Veritatis Splendor, 6 agosto 1993.

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são comuns à natureza em sentido extensivo, mas também distintas, segundo as respectivas naturezas em sentido intensivo. A lei moral natural se refere propriamente somente ao ser de natureza racional.

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- IV -

“CIÊNCIA” NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO

Hoje, com “ciência” no singular se identifica, na

maioria das vezes, o campo das ciências particulares, matemáticas e experimentais. Na verdade, as ciências particulares não esgotam o campo das ciências. Elas não são a “ciência”. Considerá-las como tais pode ser o indício de um perigoso reducionismo.

A ciência (scientia, episteme) etimologicamente significa aquilo que é próprio de quem sabe. Podemos genericamente considerar a ciência como um “conjunto de conhecimentos criticamente avaliados e sistematicamente organizados”25, um saber distinguido pela “objetividade, certeza argumentativa, rigor metódico, enriquecimento do conhecimento”26.

Trata-se de um conceito análogo, isto é, que engloba diversas modalidades, cada uma distinta por um próprio, objetividade, método e argumentação, que dependem do objeto estudado.

A diferenciação dos saberes, que a Filosofia foi delineando a partir da especulação platônico-aristotélica, é o quadro de referência onde inscrever a questão da ciência e das ciências dentro da reflexão de Tomás de Aquino: distinguem-se um saber teórico, isto é, especulativo, ou seja, que tem como finalidade o conhecimento mesmo; um saber prático, voltado à práxis, ao “agire”, portanto, a moral e a política; e um saber poiético, produtivo, ou seja, finalizado à produção de alguma coisa, como a arte.

25 F. RIVETTI BARBÒ, Dubbi, discorsi, verità, Jaca Book, Milano 1985, p. 15. 26 A. LIVI, Filosofia del senso comune. Logica della scienza & della fede, Ares, Milano 1990, p. 157.

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A questão da “ciência” se refere intimamente aos

saberes teoréticos, especulativos que são três: a Matemática, a Física e a Teologia.

Dentro de tal dimensão especulativa, a diferenciação vem magistralmente fundamentada por Tomás de Aquino, na Questão V do comentário ao De Trinitate de Boécio.

A ciência pode existir somente porque podemos prescindir da matéria (da singularidade) e do movimento (da contingência); as ciências especulativas se dão exatamente em relação à sua distância da matéria e do movimento.

Como Tomás de Aquino argumenta no Art. 3 da Questão V, na operação do intelecto, com que o intelecto se adequa às realidades, se distingue uma tríplice distinção: a Metafísica ou Teologia que se institui mediante a capacidade do intelecto de compor e dividir, portanto, de pensar sem matéria aquilo que realmente é separável ou separado da matéria; a ciência matemática que se institui em virtude de uma abstração capaz de prescindir da matéria sensível; enfim, mais em “baixo”, porque mais “próxima” à matéria e à contingência, existe a physica, ou seja, a filosofia da natureza, que se institui graças à capacidade de abstrair da matéria singular.

Particularmente importante é sublinhar que a metafísica é uma ciência de objetos que são realmente separáveis ou separados da matéria, isto é, que podem existir ou existem, sem ela (sempre, como Deus e os anjos, ou em alguns casos como, por exemplo, a substância e a qualidade).

Configura-se também o particular estatuto da Matemática, ciência que se institui sobre a possibilidade de pensar sem matéria aquilo que de fato existe na matéria, como a figura geométrica e o número. A Matemática constitui-se, portanto, em um nível totalmente diverso em relação àquele da Física. A Matemática e a Física correspondem a diversos graus de abstração,

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enquanto os seus objetos mantêm uma diversa relação com a matéria: os objetos da Física dependem da matéria em “ser” e em “ser pensados”, aqueles da Matemática dependem da matéria em “ser”, mas não em “pensamento”.

A diversidade das disciplinas teoréticas é ligada também à diversidade de método.

Nesta estrutura do saber não falta a consideração dos saberes de confim, ou seja, das ciências intermédias “que estão entre a Matemática e a Física”; dão-se de fato três ordens de ciências que estudam entidades naturais e matemáticas: puramente físicas; puramente matemáticas; ciências médias que aplicam os princípios matemáticos às realidades naturais, tais como a Música, e a Astronomia, por exemplo.

Tomás de Aquino nota que estas disciplinas são mais afins à Matemática, porque no seu estudo aquilo que é físico funciona como matéria e aquilo que é matemático funciona como forma.

No espaço aberto por esta mediação, coloca-se de fato a questão das ciências modernas e contemporâneas que, enquanto “físicas e matemáticas”, têm precisamente este estatuto intermediário, porém, têm-no universalizado, isto é, tornado extenso tanto quanto a physica27.

Tomás de Aquino tinha presente o erro de quem punha a Matemática no lugar da Metafísica, e não da Física, por isto sublinha os limites do saber matemático.

A questão das ciências modernas se põe, ao contrário, no nível da Matemática sobreposta à física, problema que Tomás não se punha enquanto tal, mas que

27 Cfr. L. CONGIUNTI, Dalla physica alla fisica. Galileo e i gradi di astrazione, in “Umanesimo cristiano nel III millennio: la prospettiva di Tommaso d’Aquino”, Atti del Congresso Internazionale, Pontificia Accademia di San Tommaso, Città del Vaticano 2005, vol. II.

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legitimamente pode ser abordado também a partir da sua reflexão28.

28 Sulla possibilità di leggere le scienze moderne e contemporanee, grazie alla riflessione teoretica di Tommaso, cfr. per esempio, una convincente disamina della nozione di astrazione nelle scienze contemporanee, cfr. F. BERTELÈ, A. OLMI, A. SALUCCI, A. STRUMIA, Scienza, analogia, astrazione. Tommaso d’Aquino e le scienze della complessità, Il Poligrafo, Padova 1999.

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- V -

ARTE E BELEZA NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO

O termo “arte” é, hoje, particularmente equívoco; é

muito difícil circunscrever a arte, porque está ligada a qualquer objeto e a qualquer sujeito, indistinta e indiferentemente: a arte parece estar em naufrágio à deriva do relativismo.

Também neste âmbito a clara e profunda reflexão de Tomás pode auxiliar-nos. É preciso dizer que ele não mostrou interesse particular pela dimensão estética e artística, porém, dentro do complexo organismo do seu pensamento, arte e beleza aparecem de um modo ou de outro delineadas com profunda clareza.

Tomás de Aquino oferece uma definição real de Ars – arte, segundo o gênero e a diferença: ars est recta ratio factibilium29, ou seja, a arte é a correta razão das coisas a serem feitas. Portanto, o gênero é a “recta ratio” – correta razão, e a espécie vem diferenciada pela referência aos “factibilia”, às coisas a serem feitas, a serem produzidas.

Em outros lugares a Arte vem definida “ordinatio rationis”30 – ordenação da razão. A Arte é, assim, posta entre as virtudes dianoéticas, isto é, entre as perfeições da alma racional; entretanto, é estreitamente ligada ao conhecimento e à fabricação de objetos; poderemos exemplificar que Arte é um “saber fazer”.

Trata-se de uma definição ampla, que mantêm juntas todas as modalidades de “saber fazer”: desde construir mesas a escrever poesias, desde pintar a cozinhar, desde que sejam bem feitos, com recta ratio – correta razão. Dentro deste conceito tão vasto, facilmente

29 TOMMASO D’ AQUINO, S. Theol., I-II, q. 57, a. 3, ad 3um. 30 IDEM, I Anal., I, a.

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se põe uma distinção entre as artes caracterizadas principalmente pela beleza e as artes caracterizadas principalmente pela utilidade.

A arte é um produto do espírito, é um fazer racional, seja ela arte liberal e/ou arte mecânica31. Escreve R. Papa:

Esta racionalidade consente ao artista imprimir uma forma na matéria. A isto pode ser sinteticamente reconduzida a ação criativa do artista: a um saber informar, em certo modo, a matéria. Isto implica, a meu ver, uma séria consideração da “premeditação” do fazer artístico que não é nunca, e nunca deveria ser, uma mistura com a matéria, sem projetualidade, sem finalidade, sem cultura32. A arte se confronta com o particular e com o

universal, como afirma o F. Olgiati: Quando se consegue imitar a forma (o universal) mediante a matéria (o particular) – e é bem este o verdadeiro conceito da “mimesis” aristotélica – nós temos a arte, cuja nota essencial consiste na claritas, diferentemente do verdadeiro cuja natureza está na evidência.33 Na Idade Média, as artes figurativas eram

excluídas do hall mais nobre, das artes liberais, e eram definidas artes servis: Tomás de Aquino distingue as artes mecânicas e as artes liberais; as primeiras “ordinantur ad opera per corpus exercita” – ordenadas à obra exercida pelo corpo; as segundas, “ordinantur ad opera rationis” –

31 Para um maior desenvolvimento destas questões: cf. R. PAPA, Lo statuto epistemologico dell’arte. Riflessioni teoretiche in margine a Leonardo, in “Euntes docete” (2001), I, pp. 159-173. 32 IDEM, Bellezza ed arte alla luce di san Tommaso, in L. CONGIUNTI-G. PERILLO (a cura di), Studi sul pensiero di San Tommaso d’Aquino nel XXX anniversario della SITA, LAS, Roma 2009. 33 F. OLGIATI, La “simplex apprehensio” e l’intuizione artistica, in “Rivista

di filosofia neoscolastica”, XXV (1933), 4, p. 529.

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ordenadas à obra da razão; e as primeiras são “serviles” – servis, “inquantum corpus serviliter subditur animae, et homo secundum animam est liber” – enquanto corpo servilmente submetido à alma, e o homem segundo a alma é livre; e nelas se figuram a pintura e a escultura, conforme à cultura medieval.

Tomás de Aquino, no entanto, acrescenta: “Nec oportet si liberales sunt nobiliores, quod magis eis conveniat ratio artis” – E se as artes liberais são mais nobres, nem por isto lhes convém mais a razão de arte – e – como já sublinhamos – “Ars nihil aliud est quam recta ratio factibilium”34 – A arte outra coisa não é que a correta razão das coisas a serem feitas.

Mesmo se as artes eram consideradas servis, também o agir do artifex (artifex creatus) – artífice criador – por analogia era usado para falar do Artifex divino. F. Olgiati sublinha que este uso análogo do termo testemunha como é redutivo traduzir o artifex medieval exclusivamente com “artesão”, redução que também vem costumeiramente usada para negar a consistência teorética e a atualidade da estética medieval e tomasiana em particular:

Não precisa admirar-se se para os nossos velhos não existissem abismos entre o artesão e o artista. Artesão tinha sido Jesus, o Mestre; e também a propósito de Deus, podia-se e devia-se falar de ars no sentido geral supra descrito: Eorum omnium – ensinava São Tomás – quae a Deo in esse procedunt ratio propria in divino intellectu est... Ratio autem rei fiendae in mente facientis ars est; unde Philosophus dicit (Ethic., VI, c. 5) quod ars est recta ratio factibilium. Est igitur proprie ars in Deo’. Palavras, que eu gostaria que fossem meditadas, quando se confunde ars com profissão! São Tomás

34 TOMMASO D’ AQUINO, S. Theol., I-II, q. 57, a. 3, ad 3um.

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nunca teria dito que Deus, propriamente falando, exercita uma profissão!35 A Arte, enquanto atividade superior humana, não

ligada somente ao mundo sensível – os animais, de fato, mesmo havendo um riquíssimo conhecimento sensível, não produzem arte), é sempre em um certo modo “abstrata”, ou seja, implica sempre uma abstração. Para recorrer ainda às límpidas explicitações da filosofia tomasiana operadas por F. Olgiati:

também para São Tomás o abstrato, enquanto abstrato, não é arte, ou seja, a simplex apprehensio – simples apreensão, enquanto simplex apprehensio, não é ainda atividade estética; todavia a atividade estética não seria possível se não existisse a ideia a ser exprimida.36

A peculiaridade da Arte, está no modo com que

exprime o universal, descendo na individualidade da obra: na Arte vem expresso

o abstrato mediante o concreto, a forma mediante a matéria, o universal mediante o individual, a simplex apprehensio – simples apreensão – intelectiva mediante a imagem sensível.37

Nesta operação, tão rica, na qual o homem, por

assim dizer, parte de uma realidade individual – a

35 F. OLGIATI, S. Tommaso e l’arte, in “Rivista di Filosofia Neoscolastica”, XXVI (1934) 1, p.. 97. A citação de Tomás de Aquino é tirada da S. Theol. I-II, q. 58, a. 5, ad 2um. NOTA DO EDITOR: Além disso, como acima foi demonstrado (c. LIV),

ao intelecto divino não pode faltar o conceito próprio das coisas que procedem de Deus quanto ao ser. Ora, na mente do autor, o conceito das coisas a serem feitas chama-se arte, donde o Filósofo dizer que a arte é a reta ideia do que será feito (VI Ética 4, 1140a; Cmt 3, 1153-1160). Logo, há propriamente arte em Deus. Daí afirmar a Escritura: O artífice me ensinou todas as coisas (Sb 7,21). 36 F. OLGIATI, S. Tommaso e l’arte, cit ,.p. 528. 37 Ibidem, p. 529.

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realidade conhecida – para depois voltar a uma outra realidade individual por ele mesmo produzida, o homem age segundo a imagem de Deus Criador.

Deus cria do nada, a criação é um puro ato perfeito do seu perfeito conhecimento e vontade. O homem, portanto, propriamente falando não cria, ao máximo “recria”, enquanto o operar artístico humano parte sempre das obras de Deus, do Criador. A “novidade” do operar artístico é uma novidade parcial; somente Deus é um “artista global”: a novidade das suas obras é, de fato, uma real inovação ontológica.

A reflexão de Tomás consente de compreender a realidade da Arte, inserindo-a nas complexas atividades humanas e radicando-a, como toda realidade boa, em Deus.

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- VI -

O “ACASO” NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO

É comum a todos, a experiência de acontecimentos

“casuais”. Frequentemente o “acaso” aparece também nas explicações científicas como se fosse uma “causa”. O argumento é muito importante e requer um esclarecimento.

O termo latino “casus” é um nome abstrato masculino derivado por sua vez de “casum (“kadtum” antigo supino do verbo “cadere”), com o significado primário de “queda”, seja no sentido literal, seja naquele translado de “declínio”, “fim”, “destruição”. Esta relação entre “cair” e “acaso” deverá ser considerada durante toda a nossa reflexão.

O significado de acaso se estende a “evento”, “acidente”, “eventual”, “imprevisto”, etc. também no Latim clássico, como testemunham Cícero, Cornélio Nepote e Virgílio.

O ablativo “casū” continua semanticamente nas locuções conjuntivas ou adverbiais, como “a-caso”, “por acaso”, “em caso de”. Do Latim e, mais decisivamente, nas línguas modernas o “casus” significa principalmente evento fortuito, imprevisto, acidental; causa misteriosa, irracional.

Notemos que a imprevisibilidade é englobada na ideia de “queda”, como ruptura da ordem das coisas, ruptura das sequências previstas. Há, por isto, um “tom” proeminente de significado negativo, ou ao menos problemática, exatamente como o cair físico.

O “acaso” é, para Tomás de Aquino, a natureza que opera sem intencionalidade ao fim; isto é, acontecem dos eventos dependentes do encontro não-entendido, não querido, fortuito, de causas eficientes e finais, nenhuma

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das quais, por si, teria produzido aquele efeito. Por exemplo, o choque casual entre uma folha movida pelo vento e o rosto de uma pessoa que vai em bicicleta: duas trajetórias que se encontram.

Muito frequentemente, na nossa própria vida, acontecem eventos não previstos, que reconhecemos como casuais. Por exemplo, duas pessoas, por motivos diversos se dirigem à Estação de trem: uma para viajar, a outra por curiosidade de contar quantos sejam os trilhos, e se encontram. Pois bem, este encontro, enquanto não procurado, não causado, pode dizer-se casual. Compreendamos bem que se trata de um evento casual e nem mesmo nos surpreendemos que aconteça com frequência. Sabemos bem que o entrelaçar-se das causas e dos fins produz constantemente eventos não queridos, não entendidos, não previstos.

Na natureza, o acaso se liga à contingência do operar das coisas físicas; de fato, o operar e o agir natural são falíveis, expostos ao erro, ao imprevisível; ainda a natureza é extremamente complexa, e nenhum evento acontece em modo isolado; tudo se encontra e se entrelaça, de modo que todo evento produz não só o próprio efeito, mas muitos outros não pretendidos, não previstos, exatamente pelo interagir constante dos eventos e das causas.

A casualidade é real, enquanto na ordem contingente natural, alguns efeitos não vêm atingidos, por fraqueza da causa, por indisposição da natureza, por intervenção de outras causas.

Os eventos casuais podem ser “contra naturam, praeter naturam, secundum naturam”, ou seja, contra a natureza, indiferente ou segundo a natureza; em palavras mais simples, podem ser positivos, neutros ou negativos. Os eventos casuais, no entanto, nunca podem ir além da possibilidade da natureza.

O acaso não constitui uma negação da ordem, de fato o caso não existiria na desordem geral, porque é

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exatamente um evento à margem da lei geral: o caso remete à ordem. Nós reconhecemos aquilo que acontece por acaso, exatamente porque aparece como diverso daquilo que tem uma razão própria na ordem geral das coisas.

O intelecto humano procura dominar o acaso, por exemplo, com o cálculo das probabilidades, com as estatísticas globais, que todavia consentem somente uma aproximação muito geral aos eventos casuais. O progresso dos saberes e das ciências conduz normalmente a compreender quais causas se escondem atrás daquilo que parece casual. Mas o acaso não aparece eliminável da realidade da natureza e da vida das pessoas: não conseguimos, nem logicamente poderemos nunca, dominar todas as variáveis e prever todos os efeitos.

Antes, o progresso da Física, normalmente conduz à consciência de quão pouco podemos prever e dominar o curso da natureza. Os eventos casuais no mundo microscópico e também macroscópico não se subtraem a esta análise: certamente lá onde não se manifesta a liberdade do homem aparecem mais fortes as opostas tentações de pensar que tudo é acaso ou, vice-versa, que tudo é necessidade. Só uma compreensão adequada da noção de causa, anula esta alternativa e consente de abraçar a realidade na sua complexidade, feita de necessidade e de liberdade, de ordem e de contingência.

De fato, somente a compreensão que a ordem natural é complexa e contingente, dinâmica e sempre instável, finalizada e não mecânica, pois bem, somente tal compreensão consente de admitir o acaso dentro da natureza, sem renunciar à compreensão da sua racionalidade.

Aparece logicamente implicado que somente para uma inteligência fora do tempo e onisciente o acaso não existe. Deus, de fato, conhece todo indivíduo, cada evento singular e em cada aspecto. De modo que somente a nível propriamente teológico, o acaso resulta radicalmente

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resolvido: o imprevisto não perde o seu grau de mistério, mas adquire um significado dentro de um horizonte providencial.

Escreve agudamente Tomás de Aquino na Summa contra Gentiles: Divinae providentiae exigit quod sit casus et fortuna in rebus38, ou seja, A Divina Providência exige que exista o acaso e a sorte nas coisas.

Portanto, se o acaso é aquilo que vai além das intenções do sujeito, então é exigido pela Divina Providência. O acaso é, em certo sentido, garantia de uma ordem contingente em que pode agir a liberdade dos homens e na qual se exprime a Providência de Deus.

Em uma visão global de fé e razão, o acaso não se anula, mas se torna compreensível, um pouco como se compreende quanto os incidentes e as catástrofes façam parte da beleza da terra.

Escreve ainda Tomás de Aquino na Summa Theologiae:

Sendo, portanto, Deus o provedor universal de todo o ser, pertence à sua providência o permitir alguns defeitos em alguma coisa em particular, para que não seja impedido o bem perfeito do Universo. Se de fato fossem impedidos todos os males, muitos bens viriam a faltar no Universo: como não existiria a vida do leão se não existisse a morte de outros animais, nem existiria a paciência dos mártires se não existisse a perseguição dos tiranos.39 Analogamente, não seria igual a ordem natural sem

o acaso, que torna divertidos os jogos (os jogos confiados somente à habilidade seriam cansativos) e que deixa espaço ao imprevisto que nos interpela, que se dirige a nós e nós estamos certos, por fé, que nada escapa ao “Provedor” universal de todo o ser.

38 TOMMASO D’AQUINO, Summa contra Gentiles, libro 3, cap. 74, n. 6. 39 IDEM, Summa theologiae, I, q, 22,a, 2, ad2um.

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- VII -

A SAGRADA DOUTRINA SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO

Na Questão I, da Parte I, da Summa Theologiae,

Tomás de Aquino se interroga se seja necessária uma outra doutrina, além das disciplinas filosóficas, isto é, conseguidas com a razão humana; ou seja, se seja necessária uma doutrina que proceda da divina Revelação.

A sua resposta é afirmativa e resulta bem motivada: a Sagrada Doutrina é necessária em relação ao fim do homem, que é a salvação; e é necessária em relação aos limites do conhecimento racionalmente conseguível, pelo qual resulta necessária a Revelação também referente àquelas verdades sobre Deus que a razão pode atingir, mas da parte de poucos, com longo tempo e com muitos erros:

Era necessário para a salvação do homem que, além das disciplinas filosóficas, objeto de indagação racional, existisse uma outra doutrina procedente da Divina Revelação. Antes de tudo porque o homem é ordenado a Deus como a um fim que supera as capacidades da razão, segundo o dito de Isaías [64, 3]. “Olho não viu, exceto tu, o Deus, que coisa preparastes para aqueles que te amam”. Ora, é necessário que os homens conheçam precedentemente este seu fim, para que lhe direcionem as suas intenções e suas ações. E assim, para a salvação do homem, foi necessário que mediante a Divina Revelação lhe fossem reveladas coisas superiores à razão humana. Antes, mesmo sobre aquilo que sobre Deus o homem pode indagar com a razão foi necessário que fosse admoestado pela Revelação Divina, porque um conhecimento racional de Deus não teria sido acessível se não a poucos, depois de longo

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tempo e não sem erros; e, no entanto, sobre o conhecimento de tais verdades depende a salvação do homem, que é posta em Deus. Portanto, para prover à salvação dos homens em modo mais conveniente e mais certo, foi necessário que sobre as realidades divinas eles fossem instruídos por Divina Revelação. Daqui a necessidade, além das disciplinas filosóficas, objeto da investigação racional, de uma doutrina

conseguida por Divina Revelação.40 Muito interessante é também a motivação

metodológica, que põe a distinção, mas também a relação entre o plano racional e aquele ulterior da Revelação:

A diversidade de princípios ou de pontos de vista causa a diversidade das ciências. Uma mesma conclusão científica pode ser demonstrada, de fato, seja por um astrônomo que por um físico: por exemplo, a circularidade da terra; mas o astrônomo parte de critérios matemáticos, isto é, faz abstração das qualidades da matéria, enquanto o físico a demonstra tendo conta da concretude da matéria. Portanto, nada impede que dos objetos tratados pela filosofia com a luz da razão natural trate também uma outra ciência que proceda à luz da Revelação. E assim a teologia que faz parte da doutrina sagrada difere, segundo o gênero, da teologia que faz parte das disciplinas filosóficas.41

Tomás de Aquino afirma que uma mesma

conclusão pode ser demonstrada, com diversos método e motivação, por diversas ciências; por exemplo, pelo astrônomo por meio de argumentações matemáticas (a astronomia é ciência média, materialmente física e formalmente matemática) e pelo filósofo natural por meio de considerações ligadas à matéria física. Mas nada impede que destas coisas, cognoscíveis por meio do lume

40 S. Tommaso d’Aquino, S. Theol., I, q. 1, a. 1, resp. 41 Ibidem, ad 2 um

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da razão natural, uma outra ciência possa tratar mediante o lume da Divina Revelação.

Sublinha-se que diversa é a teologia que pertence à Sagrada Doutrina e que haure, portanto, à luz da divina Revelação e procede da razão e da fé; e diversa é a teologia que é parte da Filosofia. Trata-se de uma diferença de gênero, que não implica diversidade de objeto: de fato, não se dá – nem poderia dar-se – contradição entre a teologia revelada e a teologia natural.

Algumas ciências do homem, procedem dos princípios conhecidos à luz do intelecto natural, como a aritmética e a geometria. Outras, ao invés, procedem de princípios tornados conhecidos pela aritmética. A Sagrada Doutrina é uma ciência que procede dos princípios conhecidos à luz de ciências superiores, que são a ciência de Deus e dos benditos:

A Doutrina Sagrada é uma ciência. Precisa porém, saber que existe um duplo gênero de ciências. Algumas, de fato, procedem de princípios conhecidos através do lume natural do intelecto, como a aritmética e a geometria, outras, ao invés, procedem de princípios conhecidos à luz de uma ciência superior: por exemplo, a perspectiva se embasa sobre princípios de geometria e a música sobre princípios de aritmética. E deste modo a Doutrina Sagrada é uma ciência: enquanto se apoia sobre princípios conhecidos à luz de uma ciência superior, isto é, da ciência de Deus e dos benditos. Como, portanto, a música admite os princípios que lhe fornece a matemática, assim a Doutrina Sagrada aceita os princípios revelados por Deus.42 Portanto, também a Sagrada Doutrina é ciência, e

é ciência subalterna como a música e a perspectiva; a peculiaridade é que a Sagrada Doutrina é subalterna de uma ciência não humana, isto é, da ciência de Deus e dos benditos.

42 Ibidem, q. 1, a. 2, resp.

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Tudo isto resulta em um magnífico edifício do

saber, onde as ciências do homem podem encontrar a luz da ciência de Deus. A Sagrada Doutrina, aquela que hoje chamamos teologia revelada ou teologia tout court, é o horizonte em que fides et ratio encontram íntima conexão: trata-se de um saber científico que epistemologicamente requer a fé na Revelação, porque vive de princípios que haure na ciência de Deus e dos benditos.

Esta fundamental diferença – que não é barreira de separação, mas fronteira de comunicação, não é muro, mas ponte – implica um tipo de percurso metodologicamente inverso43: as criaturas – as mesmas criaturas – que à luz da razão natural são consideradas por primeiras e que podem conduzir a Deus, ao invés, são consideradas a partir de Deus no saber revelado.

Entre as ciências que se ocupam “primeiro” da criatura, poderíamos colocar em destaque também as ciências particulares experimentais-matemáticas, também estas ciências humanas, porque são saberes do homem e sobretudo porque, corretamente entendidas e justamente colocadas, podem contribuir à cultivatio animi, que é a verdadeira essência da cultura humanista.

A justa colocação de cada ciência no grande edifício hierárquico das ciências (humanas, dos benditos, de Deus) consente de evitar invasões e equívocos, fruto de uma incorreta impostação metodológica.

43 IDEM, C. Gent., lib. II, cap. IV.

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- VIII -

A VERDADE EM TOMÁS DE AQUINO Sabemos bem como um dos grandes males do

mundo contemporâneo seja constituído pelo relativismo. Uma explicação muito clara do que seja o “relativismo” foi dada pelo então cardeal Joseph Ratzinger na homilia da Missa Pro Eligendo Romano Pontifice, do dia 18 de abril de 2005, na qual o definiu como “o deixar-se levar ‘cá e lá por qualquer vento de doutrina’” e nos mostra o violento perigo: “Vai se constituindo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que deixa como última medida somente o próprio eu e as suas vontades”.

Várias vezes no curso do seu magistério, Bento XVI insistiu sobre estes aspectos. Por exemplo, no Discurso sobre “Fé, razão e universidade”, pronunciado na Università de Regensburg, em 12 de setembro de 2006, o Papa descreve a situação do mundo relativista:

O sujeito decide, em base às suas experiências, o que lhe parece religiosamente sustentável, e a “consciência” subjetiva se torna definitivamente a única instância ética. Deste modo, porém, o éthos e a religião perdem a sua força de criar uma comunidade e caem no âmbito da discrição pessoal.

E ainda, por exemplo, na Encíclica Caritas in

veritate, 29 junho de 2009, Bento XVI mostra os perigos ínsitos em uma visão relativista do homem; em modo particular na delicada questão da educação:

Com o termo ‘educação’ não se refere somente à instrução ou à formação ao trabalho, ambas são causas importantes de desenvolvimento, mas à formação completa da pessoa. A este propósito vai sublinhado um aspecto problemático: para educar precisa saber quem

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é a pessoa humana, conhecer a sua natureza. O afirmar-se de uma visão relativista de tal natureza põe sérios problemas à educação, sobretudo à educação moral, prejudicando a sua extensão a nível universal. Cedendo a semelhante relativismo, todos se tornam mais pobres, com consequências negativas também sobre a eficácia da ajuda às populações mais necessitadas, as quais não tem somente necessidade de meios econômicos ou técnicos, mas também de caminhos e de meios pedagógicos que auxiliem as pessoas na sua plena realização humana (n. 61).

O verdadeiro problema é a questão da “verdade”,

que envolve a razão e a fé. Na Encíclica Fides et Ratio, 14 de setembro de 1998, João Paulo II escreveu:

A fé e a razão são como as duas asas com as quais o espírito humano se eleva rumo à contemplação da verdade. E Deus ao haver posto no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, definitivamente, de conhecê-lo porque, conhecendo-o e amando-o, possa chegar também à plena verdade sobre si mesmo.

Tomás de Aquino, na mesma encíclica, vem

proposto como modelo pelo “grande mérito de pôr em primeiro plano a harmonia que intercorre entre a razão e a fé”. (n. 43)

Como recorda ainda a Fides et Ratio: Intimamente convencido que ‘omne verum a quocumque dicatur a Spiritu Sancto est’ – toda verdade dita vem do Espírito Santo, São Tomás amou em maneira desinteressada a verdade. Ele a buscou por toda parte ela se pudesse manifestar, evidenciando ao máximo a sua universalidade. (n. 44)

Mas o que é a verdade para Tomás de Aquino?

Queremos nos limitar à análise de uma passagem bem precisa da sua reflexão, ou seja, a primeira Questão

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Disputada De veritate, na qual no corpus do Artigo I, a verdade vem definida “adaequatio rei et intellectus” – adequação da coisa e o intelecto. Antes de tudo notemos que se trata de uma relação dinâmica de conformidade (na adequatio aparece a finalidade desta ad-aequatio) entre o intelecto e a coisa.

No corpus do Artigo II, Tomás precisa que ocorre distinguir entre “intelecto divino” e “intelecto humano” (no qual se distinguem os intelectos especulativo e prático).

O homem não faz as coisas (exceto aquelas artificiais, que obtém por transformação); para o homem conhecer a verdade significa esforçar-se de compreender como são as coisas, adequar-se à verdade das coisas. Deus, ao invés, cria a realidade; o seu pensamento é criativo, portanto, as coisas são como Deus as pensa. Existe uma verdade ontológica da realidade, enquanto criada por Deus. Isto quer dizer que não se pode manipular a “bel prazer” a verdade. Podemos até “afirmar” que a água fervente não é fervente, mas sempre fervente ela será; assim como podemos também afirmar que o homem é somente matéria, mas ele permanecerá aquilo que ontologicamente é, síntese de alma e de corpo; ainda, pode-se afirmar que matar uma pessoa humana seja um bem, mas isto permanece sendo um mal.

Como escreve limpidamente Tomás de Aquino, no mesmo Artigo II, o intelecto divino é “mensurante” não é mensurado, ou seja, é a medida do verdadeiro, do bom, do belo e não é submetido a nenhum vínculo: as coisas naturais são mensuradas enquanto respondem à racionalidade de Deus, têm uma identidade ontológica dada (o ouro é ouro e não prata, a água é água e não fogo, o homem é homem e não fera); mas elas são também “mensurantes”, isto é, elas são o termo do conhecimento humano, impõem-se ao pensamento que quer conhecer a verdade. Enfim o intelecto humano não é “mensurante”, mas mensurado, ou seja, não é medida das coisas, mas é

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medido pelas coisas: se quisermos conhecer a realidade, devemos nos esforçar de reconhecê-la assim como ela é.

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- IX -

A ALMA PARA TOMÁS DE AQUINO A pessoa humana é uma realidade muito

complexa: física e espiritual. Às vezes, pensa-se o homem em termos dualistas, como se fosse composto de duas substâncias separadas, o corpo e a alma, caindo-se frequentemente em concepções reducionistas, ou de tipo materialista – considerando que no homem tudo é reduzível a elementos físicos; ou então espiritualistas, pensando o homem como se fosse um puro espírito. Ao invés, a pessoa humana é fortemente unitária; é uma única substância psicofísica, dotada de uma complexa vida vegetativa, sensitiva e racional.

Para compreender bem a profunda unidade da alma e do corpo; e ao mesmo tempo para garantir tanto a dignidade do corpo quanto a espiritualidade da alma, é fundamental fazer referência à reflexão de Tomás de Aquino.

Tomás sabe dar razão profunda do ser humano, explicando-o em toda a sua complexa riqueza. Ele se vale da filosofia aristotélica, mas a enriquece de uma reflexão mais profunda, tornada mais forte pela luz da Fé.

Tomás retoma de Aristóteles a concepção da alma como forma do corpo. Toda substância corpórea vem explicada, na perspectiva de Aristóteles, nos termos de uma composição unitária de dois princípios, um de atualidade, que confere identidade, e um de potencialidade, que possibilita de mudança. Ele chamou o princípio de atualidade “morphe”, ou seja, forma substancial, e o princípio de mudança, “yle”, ou seja, matéria.

Todas as substâncias corpóreas têm uma identidade estável mesmo mudando; têm uma individualidade i-repetível e, ao mesmo tempo, pertencem

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a uma espécie, em virtude de tal composição. Sem a forma substancial, a matéria seria pura possibilidade, ao invés, a forma dá ato à matéria, realiza-a como corpo.

O ato em sentido filosófico é uma perfeição atuada e adquirida estavelmente. Na substância, o ato primeiro é exatamente a forma substancial, o ato que dá identidade a toda a substância; nos viventes o ato primeiro da substância corpórea é a alma.

A forma substancial não pode ser identificada com um princípio material de informação (como o DNA, por exemplo) mas é aquele princípio que explica todas as possíveis informações que rendem a matéria uma coisa e não outra.

Pois bem, tal composição “ilê-mórfica” que distingue todos os corpos, há nos viventes uma relevância especial. De fato nos viventes, a forma substancial, ou seja, o princípio unificador e atuante, é sempre um princípio de vida, ou seja, uma alma.

Os corpos viventes são animados, ou seja, têm uma forma substancial capaz dos atos típicos da vida: dos atos mais simples próprios de todos os viventes (como gerar, nutrir-se, crescer), aos atos mais complexos próprios dos animais (como sentir, ter instintos) até aos riquíssimos atos próprios somente do animal racional, ou seja, do homem (pensar e livremente querer).

Seguindo a impostação de Aristóteles, Tomás de Aquino afirma que a alma vegetativa é a forma substancial dos vegetais e atua as funções vegetativas (nutrição, crescimento e reprodução), a alma sensitiva é a forma substancial dos animais e atua as funções vegetativas e aquelas sensitivas (reprodução sexuada, conhecimento sensitivo, instinto).

A alma racional é a forma substancial dos seres humanos e atua as funções vegetativas, aquelas sensitivas e racionais (conhecimento racional e intelectual; livre vontade, espiritualidade, etc.).

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Ocorre sublinhar, junto com Tomás de Aquino, que

toda substância individual há uma só forma substancial, porque seria contraditório um indivíduo com mais formas substanciais: pertenceria, simultaneamente, a mais espécies e não teria nenhuma individualidade, mas seria “composto”; seria si mesmo e outra coisa.

Em virtude de uma e única forma substancial, pode-se sustentar que quando um homem é reduzido à vida vegetativa é ainda um homem vivente e não é um vegetal, porque nos seres humanos as funções vegetativas são atuadas pela única alma racional.

Na natureza encontramos somente substâncias “hilemórficas”, isto é, compostas de matéria e forma, mas não se exclui que existam substâncias sem matéria, como os Anjos (aos quais Tomás dedica belíssimas reflexões).

Entre as substâncias “hilemórficas”, isto é, compostas de matéria e forma, a pessoa humana possui um valor peculiar, não é imersa na matéria como as outras coisas, a sua vida não é exclusivamente material e não termina como todas as coisas materiais.

Já Aristóteles havia levantado a hipótese da separação da alma racional, mas Tomás pensa mais a fundo a questão, conseguindo a explicar, com um verdadeiro golpe de gênio, a peculiaridade do ser humano que é ser psíquico-físico e espiritual.

De fato, ele afirma que a alma é a forma substancial do corpo, mas é também substância, isto é, há uma capacidade de subsistir, não depende do corpo para ser.

Isto se pode argumentar, partindo da experiência interna dos atos próprios de uma alma racional, isto é, nós podemos nos render conta da possibilidade de pôr atos em si imateriais, como pensar e tudo aquilo que dele resulta.

Escreve Tomás de Aquino: É necessário que a alma intelectiva aja por conta própria, havendo uma operação própria sem a ajuda de um órgão corpóreo. E porque cada um age enquanto em

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ato, ocorre que a alma intelectiva tenha o ser por si não dependente do corpo.

Da imaterialidade da alma, da sua espiritualidade,

do seu poder pôr atos que não implicam necessariamente um órgão corpóreo, compreendemos a possibilidade que a alma humana subsista também depois da morte do corpo, enquanto o seu ser não depende do corpo. Esta é a particularidade da alma humana em relação a todas as outras formas substanciais: a alma humana é forma substancial.

A imortalidade da alma vem, neste modo, explicada com argumentações racionais; a esta verdade atingida racionalmente se acrescenta a Fé na Ressurreição da carne, verdade inatingível pela razão pura: em modo misterioso a unidade da pessoa será recomposta; escreve Tomás:

a alma não permanecerá sempre dividida do corpo. Ela é imortal e por isto, um dia, deverá religar-se ao seu corpo. Isto não é outra coisa que a ressurreição.

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- X -

O CORPO SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO A concepção do corpo proposta por Tomás de

Aquino responde com coerência às dificuldades teológicas presentes no seu tempo, ou seja, a certa tendência platonizante que via a verdadeira essência do homem somente na alma, no corpo via uma condição degradada de prisão; e também a certa tendência a conceber a união de alma e corpo como sendo acidental.

Estas concepções eram sustentadas, também com certo equilíbrio, por muitos teólogos contemporâneos de Tomás, mas frequentemente degeneravam em concepções totalmente desequilibradas, nas quais o corpo e toda a atividade corporal eram consideradas como negativas, malignas, que deviam ser reprimidas. Por exemplo, a heresia cátara (cátaro significa “puro”) buscava na vida uma impossível pureza angelical, condenando até mesmo o Matrimônio.

Tomás de Aquino responde com grande coerência não só às degenerações heréticas, mas também às impostações teológicas espirituais, inspirando-se na filosofia de Aristóteles, mas renovando-a profundamente e vivificando-a com a visão superior da Revelação.

A concepção tomasiana do homem, fortemente unitária, baseia-se em uma sólida reflexão racional e sobre uma profunda meditação cristã. Enquanto solidamente fundada, tal concepção é capaz de responder também às dificuldades atuais; na nossa contemporaneidade, de um lado se respira excessivo espiritualismo, de outro lado se respira temerário materialismo; e em geral se é incapaz de conceber a profunda unidade de alma e corpo e, consequentemente, a profunda dignidade do corpo. Recordemos, de fato, que a relevância moral da

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corporeidade é diretamente proporcional ao reconhecimento da sua importância.

Desde o seu opúsculo juvenil De ente et essentia, Tomás de Aquino toma logo uma decisiva posição. A essência do homem está na composição de alma e corpo. O homem é alma e corpo. Certamente a alma, enquanto forma substancial, enquanto ato primeiro do corpo, enquanto racional e espiritual, possui prevalência ontológica e valorativa sobre o corpo, mas o corpo é parte substancial e essencial da pessoa humana.

A alma sozinha não pode ser dita “pessoa” (Summa Theologiae, I, q. 29, aq. 1, ad 5). O ser humano é proposto como exemplo de substância composta: não se pode dizer que o corpo sozinho seja a sua essência e nem mesmo que a alma sozinha o seja.

O que é, portanto, o corpo? O corpo é uma realidade unitária, um composto material tornado “uno” pelo ato da alma, que o faz corpo vivo e sensível, animado. Tomás de Aquino escreve: “enquanto forma espiritual, a alma dispõe de um próprio ato de ser, e enquanto forma do corpo, comunica o seu ato de ser” (Contra Gentiles, II, q. 68).

A união de alma e corpo é natural, não é contra a natureza da alma, antes “é natural à alma ser unida ao corpo humano” (De an., a. 8). A pessoa humana, como composição de alma e corpo, é extremamente harmoniosa: “a disposição do corpo ao qual é unida a alma racional deve ser um complexo muito harmonioso” (De an., art. 8).

O corpo é uma realidade unitária; as várias partes e as várias atividades funcionam juntas e com coordenação porque o corpo é animado por uma só alma, que dá vida, estrutura, movimento, atividade. A unidade do corpo exclui que ele seja um agregado de partes, antes, as partes não têm significado se separadas do corpo. Uma mão é uma mão verdadeira somente se está unida ao corpo, diversamente, é um pedaço de carne incapaz de

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agir, destinado a corromper-se, e não pode nem mesmo ser dita “mão”.

Recordemos que a imagem da unidade do organismo, enquanto unidade complexa animada por uma única vida, é frequente e importante – por exemplo, na teologia paulina. O corpo não é, portanto, intrinsecamente negativo, nem está em oposição ou em contraste à alma. Escreve, de fato, com muita clareza Tomás de Aquino: “Se o corpo pesa a alma, isto não acontece em força da sua natureza, mas porque se corrompe” (De pot., q. 3, a. 10, ad 7).

A importância da unidade de alma e corpo resulta confirmada e exaltada pela Revelação do mistério da Ressurreição dos corpos. Trata-se de um mistério inatingível para a razão humana, e todavia responde a uma expectativa da razão.

Escreve Tomás de Aquino: Vimos que as almas dos corpos são imortais; portanto, permanecem separadas dos corpos depois da morte. Mas sabemos também que a alma tem a tendência natural a ficar com o corpo, porque é forma do corpo; por isto, o estar separada dele é contrário à sua natureza. Ora, nada que é contrário à natureza pode durar em perpétuo; portanto, a alma não permanecerá para sempre dividida do corpo. Ela, de fato, é imortal, e por esta prerrogativa deverá um dia reunir-se ao seu corpo (Contra Gentiles, IV, q. 79).

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- XI -

OS ANJOS NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO

Faz parte de nossa fé crer na existência dos anjos.

A Sagrada Escritura propõe as criaturas celestes que se colocam como mensageiros entre Deus e os homens. Sobretudo, nos Evangelhos os anjos têm um papel bem definido. O grande anúncio da Encarnação do Verbo é levado a Maria por um Anjo.

Hoje, assistimos a duas atitudes opostas: de um lado, uma cética desconfiança em relação à existência real dos anjos; como se os anjos fossem figuras inventadas, adequadas à psicologia das crianças. De outro lado oposto, existem tendências esotéricas que pretendem de saber tantas coisas sobre os anjos, os seus nomes, a sua identidade particular, etc.

Os anjos existem verdadeiramente, não é uma fábula para crianças, mas dos anjos sabemos pouco: a Sagrada Escritura nos diz sobriamente somente aquilo que precisamos saber sobre eles, e a reflexão racional muito rica sobre as criaturas espirituais ajuda-nos a compreender, sem exagerações místicas.

Tomás de Aquino oferece uma reflexão muito profunda sobre os anjos, que pode ser útil para combater o ceticismo racionalista, mas também o esoterismo irracional. Os anjos são criaturas, portanto, são seres existentes, dependem de Deus para ser. Eles são substâncias espirituais, portanto, não têm os limites da matéria. São substâncias que “subsistem” na sua plena identidade em uma condição puramente espiritual. A essência de tais substâncias angélicas é somente forma substancial: poderemos defini-los substâncias intelectuais.

A espiritualidade total dos anjos implica algumas coisas: os anjos não têm corpo, portanto, não estão

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ligados às funções do corpo; não têm conhecimentos sensitivos, não têm instintos. Não são masculinos ou femininos. A sua individualidade não procede da corporeidade. Não existem tantos indivíduos anjos da mesma espécie, mas é como se cada anjo fosse uma espécie em si mesma.

A espiritualidade deles é mais ou menos perfeita em dependência da sua proximidade ao Criador. Tanto mais estão próximos a Deus, quanto mais são perfeitos. A perfeição dos anjos, porém, nunca é total; nunca coincide com a perfeição divina: eles são criaturas. Portanto, têm certos limites, certas carências; não se fizeram por si mesmos, mas receberam o seu “ser” de Deus.

Tomás de Aquino escreve com muita clareza: O ser deles não é, portanto, absoluto, mas recebido, e por isto limitado e finito segundo a capacidade da natureza receptora; mas a sua natureza ou “quididade” é absoluta, não recebida em alguma matéria. Portanto, diz-se no livro Sobre as causas que as inteligências são infinitas em baixo, e finitas em alto: de fato são finitas em relação ao ser que recebem daquilo que é superior; mas não são finitas em baixo, porque as suas formas não vêm limitadas segundo a capacidade de alguma matéria em grau de recebê-las. (De ente et essentia, n. 5)

Enquanto tais, os anjos não são eternos. Eles têm

um início no tempo. Não é necessário que tenham um fim, enquanto não sendo compostos de alma e corpo não incorrem na decomposição, mas poderiam ser aniquilados por Deus. A sua duração é, porém, igual à perfeita eternidade de Deus, exatamente porque não são perfeitos. A maior ou menor perfeição dos anjos, a sua proximidade a Deus, explica as diversas hierarquias. A distinção hierárquica se baseia sobretudo no grau da sua elevação sobrenatural e na sua visão beatífica, doada a eles por Deus.

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Os Anjos... // 61

Recordemos, enfim, que os anjos são pessoas.

Não pessoas compostas de alma e corpo, como as pessoas humanas, mas pessoas puramente espirituais, intelectuais, todavia, subsistentes na sua personalidade.

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- XII -

A AMIZADE SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO A amizade constitui uma das relações humanas

mais importantes. A filosofia sempre dedicou muita atenção à análise desta relação afetiva. Por exemplo, Aristóteles na Ética a Nicômaco dedica muito espaço à amizade, afirmando, no livro VIII, que ninguém poderia querer viver sem amigos.

Particularmente importante é a distinção dos tipos de amizade em base aos motivos: a amizade pode ser motivada pelo útil, pelo prazer e pelo bem.

Os primeiros dois tipos de amizade duram pouco, enquanto não apenas decai a utilidade ou cessa o prazer elas terminam. Ao invés, somente a amizade fundada sobre o bem recíproco é verdadeira e duradoura, enquanto “experimentam este sentimento por aquilo que os amigos são por si mesmos, e não acidentalmente” (Ética a Nicômaco, VIII, 1156 b 10-15).

Tomás de Aquino também dedica profundas análises à amizade, iluminando a reflexão filosófica com a superior perspectiva da Sagrada Doutrina. Neste contexto, é importante o confronto com a caridade que, em modo particular, ele propõe na Questão 23, da Parte II-II, da sua Summa Theologiae, no Artigo 1, onde se pergunta se a caridade seja uma “amizade”. No Respondo, Tomás parte exatamente da reflexão aristotélica:

Como ensina o Filósofo, não um amor qualquer, mas somente aquele acompanhado da benevolência há natureza de amizade: isto é, quando amamos alguém em modo a desejar-lhe o bem.

Tomás esclarece que bem diversa é a situação do

amor de concupiscência para com as coisas; antes,

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esclarece que é “ridículo dizer que alguém há amizade pelo vinho ou pelo cavalo”.

Ainda especifica que o amor requer uma reciprocidade: “requer-se o amor recíproco: porque um amigo é amigo para o amigo”. Porque existe uma mútua benevolência é necessária uma comunhão entre os amigos, e certa comunhão existe entre Deus e o homem porque Deus “nos rende partícipes da sua beatitude”, assim como afirma São Paulo: “Fiel é Deus, por obra do qual fostes chamados à comunhão do Filho seu”. Sobre esta base, Tomás reconhece que a caridade “é uma amizade do homem para com Deus”44.

Esta importante afirmação, em que a Revelação ilumina e realiza a reflexão filosófica, implica profundos esclarecimentos. De fato, à primeira objeção, relativa exatamente à comunhão, Tomás responde distinguindo dois gêneros de vida humana: uma fundada sobre a natureza sensível e material, a outra, ao contrário, espiritual, fundada sobre a alma. Pois bem, a comunhão e o consórcio com Deus são consórcio de vida espiritual, comum, que nesta vida é imperfeita, mas que se aperfeiçoará na pátria celeste:

esta convivência se aperfeiçoará na pátria, quando, segundo a expressão do Apocalipse, ‘os seus servos servirão Deus e verão a sua face’. Por isto, aqui temos uma caridade imperfeita, que se tornará perfeita na pátria.45 Na resposta à segunda objeção, Tomás especifica

que o amor pode acontecer também por causa de outra pessoa, como quando amando um amigo se ama também todos aqueles que estão a ele unidos,

44 TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, II-II, q. 23, a. 1, resp. 45 Ibidem, II-II, q. 23, a. 1, ad 1um.

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A Amizade... // 65

e o amor pode ser tão grande a abraçar pelo amigo aqueles que lhe pertencem, mesmo se nos ofendem e nos odeiam. E é assim que a amizade da caridade se estende também aos inimigos, os quais são amados por nós por caridade em ordem a Deus, que é o objeto principal desta amizade.46 A caridade, portanto, é amizade, antes, é a

verdadeira e mais alta amizade; e é a única amizade verdadeiramente necessária, o fim último do homem. Escreve a propósito Tomás de Aquino:

É essencial para a beatitude, ou felicidade, a perfeição da caridade, enquanto amor para com Deus, mas não enquanto amor para com o próximo. Pelo qual se existisse uma só alma admitida a gozar Deus, seria beata, mesmo não havendo o próximo para amar. Mas, suposto o próximo, o amor para com ele surge do perfeito amor para com Deus. Onde a amizade é quase um elemento concomitante da perfeita felicidade ou beatitude.47

O filósofo italiano Umberto Galeazzi, grande

conhecedor do pensamento de Tomás de Aquino, assim comenta:

Somente a amizade com Deus, bem não faltante e livre mesmo do limite temporal, que, por isto, nunca deixa de ser e nem desilude jamais, pode satisfazer o desejo profundo do coração do homem, cuja dimensão racional (com a vontade, que é apetite racional), aberta e propensa rumo ao infinito, é insatisfeita pela realidade finita. Deus é a única resposta verdadeira à exigência humana não só de perfeição e de plenitude, mas também de realização da obrigação moral com o

46 Ibidem, II-II, q. 23, a. 1,ad 2um. 47 Ibidem, II-II, q. 4, a. 8, ad 3um.

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reconhecimento e a adesão ao bem, e é uma resposta superabundante, inexaurível, além de toda espera48.

48 U. GALEAZZI, Il coraggio della ragione, Tommaso d’Aquino e l’odierno dibattito filosofico, Armando, Roma 2012, p. 95.

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- XIII -

“COMEÇAR DO PRINCÍPIO” SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO

Nos anos de 1252-1256, quando tinha menos de

trinta anos (tendo nascido em 1224 ou 1225), Tomás de Aquino escreve um opúsculo tradicionalmente recordado como De ente et essentia.

Tomás o oferece aos confrades e companheiros do convento dominicano de Saint Jacques (Paris) como subsídio de estudo, como esclarecimento de termos; durante a sua vida, espesso escreverá textos que são verdadeiras obras de caridade intelectual.

O opúsculo é uma obra prima, e desde o início se apresenta precioso por indicações de método: como precisa organizar o caminho do pensamento?

Os primeiros parágrafos do opúsculo constituem, de fato, um prólogo programático. Começa com os “Porque um pequeno erro no início, grande é no final, como diz Aristóteles...”. A primeira citação é dedicada a Aristóteles, sempre chamado “Philosophus”, porque considerado por Tomás o quanto de máximo a razão humana pode atingir sem a iluminação da Fé, porque Aristóteles era um pagão.

Tomás faz referência à passagem em que Aristóteles escreve: “o afastar-se em partida mesmo de pouco da verdade, multiplica-se ao infinito, à medida que se procede” (De caelo, I, 5, b-10).

A citação é interessante para a obra da qual é extraída e pelo teor metodológico. O texto do qual é tirada é, de fato, o De coelo, faz parte daquelas obras – físicas e metafísicas – que chegaram ao pensamento medieval europeu no século XII. Tomás escreve um comentário a esta obra aristotélica, Sententia super librum De caelo et mundo, provavelmente em Nápoles, em 1272-1273.

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O contexto da citação é a possibilidade de um

corpo infinito, mas vem tomada pela sua implicação no procedimento cognoscitivo. Aristóteles afirma que o erro pequeno no início, torna-se grande no final, porque o princípio é grande em potência e esta potência vai atualizando-se até ao final. Portanto, em um pequeno erro inicial são potencialmente contidos enormes erros finais.

Neste sentido gnosiológico, a frase tinha sido citada por Averróis. Tomás, portanto, recorda que um erro pequeno no princípio, torna-se grande no final. Pode parecer uma banalidade, mas não o é se refletimos sobre o que seja o “princípio” e o que seja o “fim” neste percurso aludido por ele.

Tomás começa do “princípio”. “Em princípio” é uma expressão que reevoca o

início das Sagradas Escrituras, em hebraico “be-reshit”, e in grego “en arché”. Aqui estamos em um percurso filosófico, e evidentemente Tomás está se referindo àquilo que é conhecido em princípio, o ponto de partida melhor para o aprendizado do conhecimento. De fato, súbito depois explica o que venha conhecido em princípio, ou seja, o “ente” e, depois, a “essência”. A este propósito, Tomás se refere à Metafísica de Avicena.

Avicena é um pensador persa, de religião muçulmana, que viveu entre 980 e 1077. O seu pensamento se nutre da Metafísica de Aristóteles, do neoplatonismo de Plotino e de raízes mais propriamente árabes. O De ente et essentia talvez seja o texto em que Tomás demonstra maior proximidade a Avicena, ao qual se refere muitas vezes, explicitamente ou implicitamente.

Tomás afirma que “em princípio” os homens conhecem os entes e as essências, portanto, é bem que sobre eles não se cometam erros que poderiam ser causados exatamente pela ignorância do significado dos termos (o erro é coisa diversa da ignorância: a remoção da ignorância pode impedir o erro).

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Começar do Princípio... // 69

O homem, de fato, primeiro conhece as realidades,

depois conhece a si mesmo como aquele que conhece e aquilo que conheceu como conhecido. Portanto, o homem é o único animal (enquanto racional) capaz de refletir, de voltar-se sobre si mesmo depois de haver conhecido: é o único animal que se reflete, reconhecendo-se.

No prólogo, Tomás explica também os motivos do procedimento escolhido. De fato afirma que para os homens a disciplina (ou seja, o processo de aprendizagem do discente, daquele que aprende) deve partir daquilo que é conhecido por primeiro, mesmo se, do ponto de vista do ser, é secundário. De fato, o homem deve remontar das coisas compostas àquelas simples, das coisas derivadas àquilo que precede, dos efeitos às causas. Este procedimento é o mais adequado à natureza dos homens.

Tomás distingue entre aquilo que é fácil e aquilo que é simples. “Fácil” se refere ao aspecto subjetivo, qualifica a modalidade com que o homem cumpre certos atos: para o homem é mais fácil, isto é, menos difícil, conhecer as coisas compostas, porque lhe são mais próximas.

“Simples”, ao invés, é relativo ao aspecto objetivo, ontológico: as realidades simples são aquelas não compostas, portanto, são mais perfeitas porque não se podem decompor e são privadas de potência. Para o homem tais realidades “simples” são mais “difíceis” de conhecer, porque as conhece depois e além de haver conhecido as coisas compostas.

Portanto, antes de tudo ocorre explicar o que são o ente e a essência, porque para nós é mais fácil. Esclarecido qual seja o “princípio”, sobre o qual é necessário evitar até mesmo os pequenos erros, precisa-se perguntar qual seja o “fim”, que sofreria a grandeza multiplicada do erro.

Se discorrermos rapidamente as páginas do opúsculo até ao epílogo, encontraremos que o “fim” é exatamente Deus “no qual é o fim e o cumprimento deste

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discurso”. Tomás não nomeia Deus diretamente aqui, mas fala daquele que é primeiro ontologicamente e infinitamente simples.

Portanto, um pequeno erro relativo ao conhecimento do ente, que é aquilo que conhecemos por primeiro, mas que é “posterior”, pode conduzir a enormes erros relativamente ao conhecimento de Deus, fim e cumprimento do discurso humano, mas primeiro e causa de toda a realidade.

O percurso de conhecimento propriamente humano parte daquilo que é conhecido por primeiro (mas é derivado na ordem do ser) para chegar àquilo que é primeiro na ordem do ser (mas é difícil de conhecer).

Um pequeno erro no conhecimento das coisas – dos homens, do mundo, daquilo que nos circunda – pode causar enormes erros no conhecimento de Deus, criador de todas as coisas.

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- XIV -

A CENTRALIDADE DE JESUS CRISTO NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO

A grandiosa obra de Tomás de Aquino pode ser

comparada a uma catedral, bem fundamentada e bem estruturada, na qual cada parte evoca o todo e cada particular é precioso e cuidado tanto quanto o conjunto; uma catedral fundamentada sobre a terra e que indica o alto em direção ao céu. A robusta articulação de “fides” e “ratio” constitui a dinâmica e a estática dessa catedral. Como toda catedral, o pensamento de Tomás possui o seu centro no Sacrário: Jesus Cristo é o centro da sua reflexão.

Na Itália, alguns estudiosos dedicaram específico aprofundamento ao cristocentrismo de Tomás de Aquino (por exemplo, Giuseppe Barzaghi e Inos Biffi), trabalhando também sobre aspectos menos vistosos (por exemplo, Aldo Vendemiati argumentou a estrutura cristocêntrica da Summa Theologiae).

Aqui queremos somente evidenciar algumas passagens nas quais Tomás mostra como Jesus Cristo seja o centro:

Cristo designou a si mesmo como Caminho unido ao termo, havendo em si mesmo tudo quanto se possa desejar, sendo a Verdade e a Vida. Se, portanto, busques por onde passar, recebe Cristo, porque Ele mesmo é o Caminho... Se busques onde ir, adere a Cristo, já que é Ele a Verdade à qual desejamos chegar... Se invés busques onde estar, adere a Cristo: Ele é a Vida... Adere, portanto, a Cristo, se quiseres ser seguro: não poderás desviar, sendo Ele o Caminho (Super Evangelium S. Ioannis Lectura,cap. 14, lect. III).

Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida, portanto,

é a estrada e também a meta e também a força de

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percorrê-la. Mas não só a “pessoa” de Jesus Cristo, em modo especial, o seu ser crucificado foi para Tomás um verdadeiro ponto de referência para o pensamento e para a vida.

Tomás de Aquino, de fato, indicava a Cruz não só como remédio para os nossos pecados, mas também como modelo de todas as virtudes, quase convidando a olhar o mundo com o mesmo olhar que Jesus teve sobre a cruz:

Foi necessário que o Filho de Deus sofresse por nós? Muito, e podemos falar de uma dupla necessidade: como remédio contra o pecado e como exemplo no agir. Foi, principalmente, um remédio, porque é na paixão de Cristo que encontramos remédio contra todos os males em que podemos incorrer pelos nossos pecados. Mas não menor é a utilidade que nos vem do seu exemplo. A paixão de Cristo, de fato, é suficiente para orientar toda a nossa vida. Quem quiser viver em perfeição não faça outro que desprezar aquilo que Cristo desprezou sobre a cruz; e desejar aquilo que Ele desejou. Nenhum exemplo de virtude, de fato, é ausente da cruz. Se busques um exemplo de caridade, lembra: ‘Ninguém tem um amor maior deste: dar a vida pelos próprios amigos’ (Jo 15, 13). Isto fez Cristo sobre a cruz. E, portanto, se Ele deu a sua vida por nós, não nos deve ser pesado suportar qualquer mal por Ele. Se busques um exemplo de paciência, encontrarás o mais excelente sobre a cruz. A paciência, de fato, se julga grande em duas circunstâncias: ou quando alguém suporta pacientemente grandes adversidades, ou quando se suportam adversidades que se poderia evitar, mas não se evitam. Ora Cristo nos deu, sobre a cruz, o exemplo de ambas. De fato ‘quando sofria não ameaçava’ (1Pd 2, 23) e como um cordeiro foi conduzido à morte e não abriu a sua boca (cf. At 8, 32). Grande é, portanto, a paciência de Cristo sobre a cruz: ‘Corramos com perseverança na corrida, tendo fixo o olhar sobre Jesus, autor e aperfeiçoador da fé. Ele, em troca da alegria que lhe era apresentada, submeteu-se à cruz, desprezando

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A Centralidade de Jesus Cristo... // 73

a ignomia (Hb 12, 2). Se busques um exemplo de humildade, olha o crucifixo: Deus, de fato, quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer. Se busques um exemplo de obediência, segues aquele que se fez obediente ao Pai até à morte: ‘Como pela desobediência de um só, isto é, de Adão, todos foram constituídos pecadores, assim também pela obediência de um só, todos serão constituídos justos’ (Rm 5, 19). Se tu buscas um exemplo de desprezo das coisas terrenas, segue aquele que é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores, ‘no qual estão escondidos todos os tesouros da sapiência e da ciência’ (Coll 2, 3). Ele é nu sobre a cruz, escarnecido, cuspido, açoitado, coroado de espinhos, embebido com vinagre e fel. Não ligarás, portanto, o teu coração às vestes e às riquezas, porque ‘se dividiram entre eles as minhas vestes’ (Jo 19, 24); não as honre, porque provei os ultrajes e as batidas (cf. Is 53, 4); não às dignidades, porque trançada uma coroa de espinhos, puseram-na sobre a minha cabeça (cf. Mc 15, 17); não aos prazeres, porque ‘quando eu tinha sede, deram-me a beber vinagre’ (Sl 68, 22)” (Conf. 6 sopra il «Credo in Deum»).

E porque em Tomás de Aquino o pensamento teve

perfeita coerência com a vida, é importante também contemplar as últimas ações da sua vida, as suas últimas palavras, assim como nos foram referidas pelos testemunhos; de fato, vem referido que recebendo o viático Tomás tenha assim orado: “Recebo a Ti, preço da redenção da alma minha, por cujo amor eu estudei, vigiei, trabalhei. Preguei a Ti, ensinei a Ti”. Toda a obra intelectual de Tomás de Aquino resulta iluminada por esta última confissão de fé, que põe em evidência o objeto e o fim do seu estudar, vigiar, trabalhar, pregar, ensinar.

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- XV -

A DIVINA PROVIDÊNCIA NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO

A “providência” é uma noção frequentemente

equivocada ou pouco clara, mas é importante refletir sobre ela. A providência divina se refere, de fato, à relação que Deus tem com o mundo que criou; a relação de amor que o Criador mantém com cada criatura. Uma correta reflexão sobre a Providência é ligada a uma correta visão do Criado: a ordem das partes no todo, e a ordem das partes e do todo ao fim revelam, de fato, a Providência divina.

Tomás de Aquino oferece uma tratativa clara e completa de o que seja a Providência de Deus na Questão 22, da Parte I, da Summa Theologiae.

Com a sua consuetudinária capacidade argumentativa, articula a questão “De Providentia Dei” (Sobre a Providência de Deus) em quatro artigos, que respondem às perguntas principais: “Utrum Deo conveniat providentia” (Se em Deus possa existir a Providência); “Utrum omnia divinae providentiae subsint” (Se todas as coisas estejam sujeitas à divina Providência); “Utrum divina providentia immediate sit de omnibus” (Se a divina Providência se ocupe imediatamente de todas as coisas); “Utrum providentia divina imponat necessitatem rebus” (Se a divina Providência renda necessário tudo aquilo a que provê).

Parecem interrogativos técnicos, ligados a questões peculiarmente teológicas, mas a Teologia na sua autêntica dimensão, como recordou recentemente a encíclica Lumen Fidei, fazendo referência aos “grandes doutores e teólogos medievais”, dentre os quais exatamente São Tomás (citado na nota 33, juntamente a São Boaventura), nasce do desejo de “conhecer melhor aquilo que amamos”, é “acolhida e busca de uma

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inteligência mais profunda do que aquela palavra que Deus nos dirige, palavra que Deus pronuncia sobre si mesmo, porque é um diálogo eterno de comunhão, e admite o homem ao interno deste diálogo”, está “ao serviço da fé dos cristãos” (Lumen fidei, n. 36).

A tradição tomasiana da Providência divina consente de afrontar aquelas perguntas e aquelas objeções que hoje, em modo particular, vêm levantadas: Porque Deus deveria ocupar-se do mundo e das pequenas coisas? Alguma coisa pode escapar à providência de Deus? O acaso não é talvez uma resposta alternativa à providência? Se Deus é providente, como podem existir a liberdade e o mal?

No primeiro artigo Tomás argumenta não só como é possível que Deus seja providente, mas até mesmo como é “necessário pôr em Deus a providência”. De fato, “todo o bem que se encontra nas coisas, é criado por Deus” e o bem não consiste só na substância das coisas, mas também no seu serem ordenadas a um fim; e, em modo especial, rumo a um fim último. Esta ordem das coisas é criada por Deus, como as coisas mesmas, portanto, tal ordem é causada por Deus e já “é”, desde sempre, na eterna mente divina. “Ora, a providência consiste precisamente neste predispor os seres ao seu fim” (Summa Theologiae, I, q. 22, a. 1, resp.).

Portanto, a Providência é uma noção que se consegue a pensar só se põe bem a questão do fim. Tudo tende a um fim, a um próprio fim, e a ordenação ao fim é a principal razão de ordem que nós encontramos na criação. Exatamente este ordenamento ao fim é a Providência. Não se trata de uma ordem mecânica e sempre igual, uma ordem genérica e impessoal, ao contrário é uma ordem que se refere a todos os singulares na sua individualidade:

é necessário dizer que todas as coisas, não só consideradas em geral, mas também individualmente, submetem-se à divina providência... Deus conhece todos os seres, universais e particulares. E porque o seu

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conhecimento está em relação às coisas como as normas de uma arte estão às obras da mesma, como foi dito acima, é necessário que todas as coisas sejam submetidas ao seu ordenamento, como as obras de uma arte estão submetidas às normas da arte (Ibidem, a. 2, resp.).

Portanto, Deus, como um artista conhece todas as

suas obras na sua individualidade e as coisas são submetidas à sua ordem como as obras de arte são submetidas às regras de arte. Tudo aquilo que existe, enquanto existe, é ordenado ao fim pelo seu criador, tendo recebido o fim na própria natureza mesma:

é necessário que tudo aquilo que em qualquer modo há o ser seja por Deus ordenado ao seu fim, segundo o dito do Apóstolo: ‘Aquilo que é, por Deus é ordenado’. De modo, portanto, que a providência de Deus não é outra coisa que a ordenação das coisas ao seu fim, como já foi dito, é necessário que todas as coisas sejam sujeitas à divina providência na medida da sua participação ao ser. (Ibidem)

Ainda, ocorre distinguir entre “o plano, a ordenação

dos seres rumo ao seu fim, e a execução deste plano, a qual se chama governo”. A ordenação dos seres ao seu fim é inteiramente fruto da providência divina em modo imediato: criando as coisas Deus as provê do seu fim:

Porque na sua mente há a ideia de todos os seres, também dos mais pequenos: e a todas as causas que pré-estabeleceu para produzir certos efeitos, deu capacidade de produzir aqueles dados efeitos. Por isto é necessário que tenha havido em antecedência na sua mente (toda) a ordem de tais efeitos.

Invés, para quanto se refere o governo, a divina providência se serve de intermediários:

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existem alguns intermediários da divina Providência. Porque ela governa os seres inferiores mediante os seres superiores, não já por defeito de potência, mas por superabundância de bondade, porque quer comunicar também às criaturas a dignidade de causas (Ibidem, a. 3, resp.). Portanto a providência como governo divino do

mundo dá razão da causalidade das criaturas; ser causa é uma dignidade que Deus criador participa às criaturas.

A providência não exclui a contingência, não implica rígida necessidade:

A divina providência rende necessárias algumas coisas, mas não todas, como alguns acreditaram. À providência, de fato, pertence endereçar as coisas ao seu fim. Ora, depois da bondade divina, que é o fim transcendente das coisas, o bem principal nelas imanente é a perfeição do universo, a qual não existiria de modo algum se nas coisas não se encontrassem todos os graus do ser. Portanto, à divina providência compete produzir todas as gradações do ente. Portanto, a alguns efeitos preestabeleceu causas necessárias, afim de que acontecessem necessariamente; a outros, invés, prefixou causas contingentes, para que pudessem acontecer em modo contingente, segundo a condição das suas causas imediatas (Ibidem, a. 4, resp.).

Toda a realidade, na sua singularidade, na sua

contingência, na sua gradação, é abraçada pela providência como no abraço de um Pai.

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A Divina Providência... // 79

PARTE II:

A LEI NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO

Prof. Danilo Xavier de Morais49

49 Danilo Xavier de Morais é professor de Filosofia, pela PUCPR. Esta é parte de uma pesquisa maior apresentada na PUCPR, como trabalho de conclusão de curso.

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[…] os bons se sujeitam perfeitamente à lei eterna, enquanto agem sempre segundo ela. Os maus sujeitam-se certamente à lei eterna, mas imperfeitamente quanto às ações dos mesmos, enquanto imperfeitamente conhecem e imperfeitamente se inclinam para o bem; entretanto, quanto falta da parte da ação é suprido pela parte da paixão, a saber, quanto mais faltam em praticar o que convém à lei eterna, tanto mais padecem o que a lei eterna determina sobre eles. […]

(TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 557)

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- I -

O PENSAMENTO POLÍTICO DE TOMÁS DE AQUINO

Tomás de Aquino, assim como Aristóteles,

compreende a política e a ética como ciências práticas, concebidas pela razão prática50, ou seja, que serviam para a vida humana como orientação para cumprir a sua finalidade enquanto componente de um grupo social. Sobre a política, Tomás não escreveu seu pensamento sobre o tema. Não se encontra entre seus escritos uma obra específica, ou seja, não há um tratado sistemático de filosofia política, mas se pode encontrar de modo disperso em seus vários escritos elementos que constituem seu pensamento político. Dentre os vários escritos do Aquinate, os que tratam de certo modo sobre a política são: De Regno51 e a Suma Teológica.

50 “Tomás faz uma distinção entre duas concepções de razão: razão especulativa ou teórica e razão prática, pois, segundo ele, é próprio do homem que se incline a agir segundo a razão. Enquanto a razão especulativa trata das coisas necessárias em busca de verdades universais, cabe à razão prática tratar das coisas contingentes, nas quais se compreendem as operações humanas, com o intuito de conhecer as realidades singulares, propondo tais bens particulares ao querer da vontade. E como o homem deve agir em vista do fim, sendo ele racional, poderá ter, portanto, domínio sobre seus atos pela razão prática e pela vontade, e como o bem é definido como algo “que toda coisa deseja” este se apresenta ao intelecto como verdadeiro e, portanto, algo desejável à vontade. O papel da razão prática é de suma importância, pois, por meio dela, o homem tem a possibilidade de conhecer as realidades contingentes, e estas ficam à mercê da vontade” (ROCHA, 2011, p. 64) 51 Do reino ou do governo dos príncipes ao rei de Chipre foi escrito por Tomás de Aquino entre 1265 e 1266; é um texto que foi deixado incompleto, tendo sido terminado por Ptolomeu de Luca, um discípulo de Tomás de Aquino. O livro foi escrito ao rei de Chipre como uma

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82 // Estudo de Temas Tomistas

Se o opúsculo De Regno não abarca a totalidade

do pensamento político de Tomás de Aquino, entretanto, nos oferece subsídios para compreender o que o autor entende como perfeição de um dos modos de governo: a monarquia. Além do mais, apresenta os argumentos do Aquinate sobre a discussão travada entre romanistas e canonistas no século XII e XIII sobre a disputa entre poder espiritual (Papa) e o poder temporal (Imperador). Tomás de Aquino apresenta seu pensamento sobre a questão da soberania que ganhou espaço de discussão na Universidade a partir dos estudos do Direito Romano e do Direito Canônico nas Universidades de Bolonha e Paris. Sobre a questão Doutor Angélico entende que:

afim de ficarem as cousas espirituais distintas das terrenas, foi portanto cometido o ministério dêste reino não à reis terrenos, mas a sacerdotes e, principalmente, ao sumo Sacerdote, sucessor de Pedro Vigário de Cristo, o Romano Pontífice, a quem importa serem sujeitos todos os reis da Cristandade, como ao próprio Senhor Jesus Cristo. Assim, pois, a êle, a quem pertence o trato do último fim, devem submeter-se os a quem pertence o cuidado dos fins antecedentes, e por êle ser dirigidos. Mas, como o sacerdócio dos gentios e todo o seu culto das coisas divinas tinha por fim a conquista dos bens temporais que se ordenam todos ao bem da multidão, da incumbência do rei, convinha se sujeitassem aos reis os sacerdotes da gentilidade. E, sendo na Lei Antiga prometidos bens terrenos ao povo religioso, não pelos demônios, senão pelo Deus verdadeiro, daí ler-se, na Antiga Lei, que os sacerdotes estivessem subordinados aos reis. Porém, na Lei Nova, há um sacerdócio mais alto, pelo qual são os homens levados aos bens celestiais; daí, na Lei de Cristo, os reis devem ser sujeitos aos sacerdotes. (TOMÁS DE AQUINO, 1955, p. 136-137)

espécie de modelo em que os príncipes deveriam se espelhar caso quisessem a perfeição de seus reinados (CALVÁRIO, 2008).

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O Pensamento Político de Santo Tomás de Aquino // 83

Forment entendeu que no pensamento do Aquinate

está de modo implícito que “[…] a atividade política pertence ao âmbito da razão natural humana, não ao campo da fé religiosa nem da Igreja. Poderia dizer-se em linguagem atual que a política é laica. […]” (FORMENT, 2010, p. 104)52, pois que Tomás não separou o poder espiritual do temporal, mas os distinguiu53, ou seja, ele não divide os poderes, mas justifica uma relação de dependência do poder temporal para com o espiritual. Neste sentido, seria o poder temporal, regulador da vida social, um meio para o fim do poder espiritual: a beatitude eterna. Por isso, os detentores do poder temporal que seriam reguladores da vida social deveriam estar sujeitos ao Romano Pontífice, pois este seria o condutor para a beatitude eterna enquanto aqueles seriam reguladores de uma sociedade virtuosa que daria condições para que os homens pudessem alcançar essa beatitude.

A posição de Tomás de Aquino quanto à Igreja é de que esta é a instituição que administra os sacramentos e que na hierarquia dos poderes o poder espiritual é superior ao temporal (VOEGELIN, 2012). No entanto, os escritos de Tomás de Aquino sobre os governos se enveredam de modo mais específico para o poder terreno a fim de tratar do poder temporal, entretanto, o Aquinate toma de fontes que se ligam diretamente ao poder espiritual, tais como a Sagrada Escritura e o pensamento de Santos do passado. Nota-se isto no proêmio de De Regno, onde Tomás explica que tal obra é escrita conforme a autoridade da divina Escritura, os ensinamentos dos filósofos e os exemplos dos príncipes mais dignos de louvor (TOMÁS DE AQUINO, 1955). Deste

52 “[…] la actividad política pertenece al ámbito de la razón natural humana, no al campo de la fe religiosa ni de la Iglesia. Podría decirse en lenguaje actual que la política es laica. […]”. (FORMENT, 2010, p. 104). 53 “[…] Siempre que se entienda porá laicidade la afirmación de la distinción de la esfera política y la esfera religiosa” (FORMENT, 2010, p. 104).

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modo, partindo de premissas aristotélicas, Tomás de Aquino elabora uma espécie de doutrina teológica do poder do Estado. Tais elementos teológicos podem ser notados na obra De regno onde o autor traça um projeto de governo monárquico ao rei de Chipre com base na filosofia aristotélica, mas também em fontes de valor religioso, como os Antigo e Novo Testamento da Sagrada Escritura.

1.1 Projeto de Governo de Tomás de Aquino Antes de necessariamente tratar de governo,

Tomás de Aquino (1955), estabelece os fundamentos do Estado e da sociedade humana. No início do opúsculo De regno o autor expõe argumentos que comprovam a necessidade dos homens que vivem em sociedade serem governados por alguém. Em sua concepção, em concordância com o pensamento de Aristóteles, todas as coisas são ordenadas para um determinado fim e para que se alcance este fim se faz necessário alguém por quem se atingirá de modo certo este determinado fim.

Todos os homens são destinados a um fim e poderia por si só, iluminados pela razão dada por Deus, conduzir-se a este fim e ser rei de si mesmo sob o supremo rei, Deus, pois, segundo Wolkmer “[…] o poder em sua essência tem uma origem divina, é captado e se realiza através da própria natureza do homem, capaz de seu exercício e de sua aplicação” (WOLKMER, 2013). Entretanto, baseado no pensamento de Aristóteles, para Tomás de Aquino (1955) o homem é um animal social e político segundo sua própria natureza; por natureza ele é o único animal com capacidade de se comunicar através da linguagem e consequentemente devido à necessidade de comunicação, o homem necessita viver em sociedade: em primeiro lugar a sociedade familiar – primeira forma de sociabilidade natural –, depois a sociedade aldeã –

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relacionada à vida profissional – e, por fim, a sociedade política, de onde recebe os bens corporais e espirituais.

competindo ao homem viver em multidão, por se não bastar para as necessidades da vida em permanecendo solitário, tanto mais perfeita será a sociedade da multidão, quanto mais auto-suficiente fôr para as necessidades da vida. Tem a família, no seu lar, algo do suficiente para a vida, quantos actos naturais de nutrição, proliferação e coisas semelhantes; o mesmo numa aldeia do pertinente à vida profissional; na cidade, porém, que é a comunidade perfeita (deve haver suficiência) quanto a todo o necessário à vida […] (TOMÁS DE AQUINO, 1955, p. 31).

As sociedades servem para que o homem cumpra

a sua necessidade natural de comunicação. Deste modo, sendo a sociedade civil a terceira forma de sociabilidade natural do homem e a mais perfeita, do mesmo modo que na família há o pai de família que assegura o suficiente para a vida, deve haver no meio da multidão alguém que governe para o bem comum de muitos em detrimento do bem particular de cada um (TOMÁS DE AQUINO, 1955).

[…] assim, importa existir, além do que move ao bem particular de cada um, o que mova ao bem comum de muitos. Pelo que, em tôdas as coisas ordenadas a um todo, se acha algo directivo a êle. E, no mundo dos corpos, um só corpo, isto é, o celeste, dirige os mais, por certa ordem da divina Providência, e a todos os rege a criatura racional. Igualmente, no homem a alma rege o corpo, e, entre as partes da alma, o irascível e o concupiscível são dirigidos pela razão. Também entre os membros do corpo, um é o principal, que todos move, como o coração ou a cabeça. Cumpre, por conseguinte, que, em tôda multidão haja um regitivo (TOMAS DE AQUINO, 1955, p. 29).

Santo Tomás de Aquino na obra De regno (1955)

denomina este governante de rei e o caracteriza como o

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pastor que guia suas ovelhas de modo justo, ordenado pelo bem comum e não pelo bem próprio, até seu fim. Caberia, portanto, ao rei, conduzir aqueles que governa para a felicidade guardando e conservando a unidade da paz.

Para defender que o governo de um é mais eficaz que qualquer outro modo de governo, Santo Tomás de Aquino apresenta argumentos que distinguem primeiro os maus governos dos bons. Como maus governos entende-se a tirania – por não governar pela justiça, mas pelo poder –, a oligarquia ou governos de poucos – pois estes sendo possuidores de riquezas acabam oprimindo o povo e se tornando também um governo tirano – e a democracia ou poder do povo – já que quando assume o poder, o povo também oprime os ricos tornando-se, deste modo uma tirania. Os bons governos, ou governos de regime justo, seriam a politia – quando o poder está com uma multidão –, a aristocracia – governo dos melhores – e o governo de um, chamado de rei (TOMÁS DE AQUINO, 1955).

No pensamento do Aquinate a monarquia é o modo ainda mais justo de governo, pois que quanto mais uno for, melhor. Para ratificar seu pensamento Tomás de Aquino (1955) utiliza-se do argumento da natureza e da razão. Segundo tal argumento, o que é natural está mais bem ordenado, e todo o governo natural é de apenas um, assim no corpo o que move todos os membros é coração e das partes da alma a principal e norteadora das outras é a faculdade da razão. De igual modo, continua o autor, as abelhas têm apenas uma rainha e em todo o universo há um só Deus criador e regente de todas as coisas. Desse modo, arremata o autor, que uma obra de arte, que é imitação da natureza, é melhor quanto mais se aproxima da natureza, portanto, também na multidão humana, será melhor que seja, imitando a natureza, governada por um só. Assim, Tomás de Aquino expressa seu pensamento favorável ao modo de governo monárquico, onde um governa e tem funções específicas para como o reino e

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também para com a multidão que governa devendo assegurar determinadas condições para que a multidão alcance seu fim de modo coletivo.

1.2 A Função do Rei e a Finalidade do Governo Tomás de Aquino compreende que o rei tem

funções específicas para com seu reino, por isso, especifica a função do rei tomando como base o argumento de que o rei no reino exerce função semelhante à razão no corpo e Deus no mundo. Tomando como princípio ainda o argumento da natureza ser mais bem ordenada, o autor prossegue argumentado que na natureza das coisas há o governo universal, onde Deus é o grande rei e todas as coisas são regidas por sua providência, e o governo particular que de certo modo é muito semelhante ao governo universal, considerando que a razão no homem é guia das outras potências da alma e, portanto, estaria a razão para o homem do mesmo modo que Deus está para o mundo. Entretanto, sendo o homem animal social que vive em sociedade ele se assemelha também a Deus no que diz respeito à multidão ser regida pela razão de um só homem: o rei. Deste modo, o rei deve estar para o reino do mesmo modo que a alma está para o corpo e Deus para o mundo.

Sendo, pois, o rei para o reino como a razão é para o homem e Deus para o mundo é de importância destacar o que Deus faz no mundo e a razão para o homem para assim descobrir o que o deve o rei fazer no reino. Em geral se consideram dois feitos de Deus no mundo, a criação e o governo, do mesmo modo essas duas ações têm a alma para o corpo de modo que “[…] é o corpo informado pela virtude da alma; depois, é o corpo regido e movido pela alma […]” (TOMÁS DE AQUINO, 1955, p. 125). Destas duas, governar é mais próprio ao rei, já que nem todos governam reinos por eles fundados.

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Todavia, o rei deve governar, ou seja, deve

conduzir o reino à sua finalidade de modo conveniente e segundo Forment “[…] A finalidade principal da comunidade política é a defesa e o desenvolvimento da perfeição de cada pessoa que a integra” (FORMENT, 2010, p. 97).54 Portanto, cabe ao rei governar para o bem comum, por consequência, cabe a ele assegurar, continua Forment, “[…] as condições materiais e espirituais que permitem que a sociedade promova a perfeição da pessoa […]” (FORMENT, 2010, P. 101)55. Para se desenvolver a vida virtuosa da pessoa ou sua perfeição, são necessárias três condições: a primeira delas é que a multidão deve estar fundada na unidade e na paz, a segunda é que seja dirigida a proceder bem e a terceira é que o rei assegure de modo abundante o necessário para se viver bem.

O bem comum é necessário para se alcançar a vida virtuosa de cada indivíduo, contudo, vivendo segundo a virtude, o homem está ainda ordenado para um fim posterior que é a fruição divina e vivendo em multidão, cumpre que o fim do homem seja também o fim da sociedade. Por conseguinte, do mesmo modo que o homem que vive segundo a virtude está ordenado para a fruição divina, a multidão também não tem seu fim na virtude, mas tem como meio a virtude para se chegar à fruição divina. Assim, entende-se que o poder do rei se limita ao governo das coisas terrenas, pois que sua finalidade é governar para que a multidão tenha condições de viver de modo virtuoso, pois, a virtude é meio necessário para se alcançar o fim sobrenatural. No entanto, a condução do homem para o fim último intrínseco não cabe ao governante, pois essa função foi dada por

54 “[…] La finalidad principal de la comunidad política es la defensa y el desarrollo de la perfección de cada persona, que la integra” (FORMENT, 2010, p. 97). 55 “[…] las condiciones materiales y espirituales que permiten que la sociedad pueda promover la perfección de la persona […]” (FORMENT, 2010, p. 101).

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Deus à Igreja (FORMENT, 2010). Ao rei cabe governar a multidão para a vida de virtude. Tomás de Aquino ainda apresenta elementos que fortificam seu pensamento sobre o poder espiritual e temporal. Sobre o assunto explica Wolkmer:

[…] certamente, tanto o poder temporal quanto o poder espiritual foram instituídos por Deus. Deus é o criador da natureza humana e, como o Estado e a Sociedade são coisas naturalmente necessárias, Deus é também o autor e a fonte do poder do Estado […]. Enquanto o homem necessita do Estado, este deve servir à comunidade dos cidadãos, promovendo a moralidade e o bem-estar públicos, efetivando sua plena missão de incentivar uma vida verdadeiramente boa e virtuosa e criando as condições satisfatórias do bem-comum. Por consequência os fins do Estado são fins morais (o bem-estar de toda a comunidade) sendo que os cidadãos estão comprometidos com um fim temporal (representado pela autoridade estatal) e com um fim espiritual (corporificado pela Igreja, que atua como instância maior). O poder do Estado não fica subordinado de forma alguma ao poder da Igreja (como defendia Santo Agostinho), mas sim de modo relativo; a autoridade da Igreja é superior em matéria espiritual (WOLKMER, 2001, p. 23).

No que diz respeito ao fim temporal cabe assegurar

as condições para o homem cumprir com suas finalidades. Desse modo para que a sociedade seja governada para a vida de virtudes deve o rei combater três obstáculos que possam impedir a preservação do bem público. A primeira delas é que o bem não deve ser instituído por tempo determinado, mas deve ser estabelecido para ser, de certo modo, perpétuo. Outro impedimento para a conservação do bem comum é oriundo do interior e “[…] consiste na perversidade das vontades ou pela sua desídia no executar as coisas que o Estado requer […]” (TOMÁS DE AQUINO, 1955, p. 146), ou ainda, quando um transgrida a

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virtude e passa a prejudicar a paz da multidão. E o terceiro é de origem externa, quando a penetração de inimigos no reino acaba dissolvendo a paz.

Para que se assegure a vida de virtudes no reino e, portanto, também a ordem, é necessário que o rei combata os três obstáculos que porventura atrapalhe a duração do bem público. Para isso também são três as medidas necessárias: a primeira é que a sucessão daqueles que contribuem para o governo nas mais variadas funções seja de modo quase imperceptível para o bom andamento do reino, isto é, cabe ao rei substituir com zelo os faltosos de modo que conserve o bem da multidão. A segunda medida a se tomar, valendo das palavras de Tomás de Aquino, é que o rei […] desvie da iniquidade, com suas leis e ordenações, penas e prêmios, os homens a êle subordinados e os induza às obras virtuosas […]” (TOMÁS DE AQUINO, 1955, p. 146), e tomem como exemplo o próprio Deus que entregou uma lei aos homens e recompensa todos aqueles que a obedecem e castiga aqueles que a descumprem. Em terceiro lugar é função do rei assegurar de inimigos o povo que a ele é confiado, pois de nada adianta evitar os perigos internos se não se evitar antes os externos.

Os três modos de se combater os obstáculos que possam atrapalhar o bem comum, se ligam ao externo do homem e um deles serve de regulador da ação do homem, de modo que este seja castigado por atos contrários ao bem da multidão, mas também premiado por seus bons atos. Esse regulador da ação dos homens seriam as leis promulgadas pelo rei a seus governados, de modo que contribua para que sejam realizadas obras virtuosas. Entende-se, portanto, que a lei é importante para que haja o bem comum do reino.

Compreende-se assim o caminho que o rei deve percorrer para que haja ordem e virtude em cada indivíduo do reino e assim, de modo hierárquico, se alcance também a virtude da multidão. Entretanto, a multidão e cada

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indivíduo precisa que sua alma seja virtuosa a fim de alcançar a salvação, pois é a virtude que faz do homem disposto a seguir os preceitos naturais que o conduzem à beatitude. Tais virtudes podem ser, de certo modo, obrigadas aos homens pela lei promulgada pelo rei. Portanto, na vida social, a lei pode fazer o homem virtuoso na medida em que o induz às boas obras que, consequentemente, geram a ordem para a sociedade e a salvação ou bem-aventurança para o homem.

Como entendido, tanto a política quanto a moral tendem para determinados fins que Tomás de Aquino atribui conceitos específicos. Nesse sentido, para melhor nos envolvermos no pensamento político e moral de Tomás de Aquino cabe-nos compreender tais categorias que são essenciais para em seu pensamento moral e político.

1.3 Categorias do Pensamento Moral e Político de Tomás de Aquino Tomás de Aquino, assim como quase todos os

pensadores medievais, tem seu pensamento voltado para Deus como princípio e fim de todas as coisas. Neste sentido, o que propõe para o homem em suas teorias serve como um guia para que o homem chegue a Deus. Desse modo, o seu pensamento político e moral não poderia ser diferente, e por isso, em seus escritos são utilizadas categorias de moral cristã que tem como finalidade, a salvação do homem. Entretanto, para melhor se compreender o pensamento político e moral de Tomás de Aquino cabe apresentarmos as principais categorias que compõe a finalidade do homem e da sociedade: Beatitude e Virtude, a primeira é o fim e a segunda o meio utilizado pelo homem para alcançar tal fim. A compreensão destes conceitos contribuirá para entendermos o pensamento do autor sobre o homem como ser social em busca de um fim

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sobrenatural que necessita antes cumprir seu fim coletivo, ou seja, a ordem social.

1.3.1 A Beatitude ou Bem-aventurança O conceito de beatitude é explicado por Tomás de

Aquino entre as questões 1 e 5 da Primeira Parte da Secunda da Suma Teológica56. Na questão I, trata-se do fim último e comum dos homens: a beatitude, e a partir daí se inicia a construção do conceito. Na questão II o autor inicia com as seguintes palavras: “Em seguida deve-se considerar a bem-aventurança. Primeiro, em que consiste; segundo, o que é; terceiro, de que modo podemos consegui-la” (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 46, I-II, q. 2).

Em primeiro lugar, busca-se saber se a beatitude do homem consiste nas riquezas e entende-se que não, pois que existem duas espécies de riquezas, as naturais e as artificiais. As naturais são aquelas buscadas pelo homem para satisfazer as suas necessidades naturais, como a alimentação, a moradia, o transporte. As riquezas artificiais são criadas pelos homens para que se alcance as riquezas naturais como, por exemplo, o dinheiro; riqueza criada pelo homem que serve de troca para as riquezas naturais. Destes argumentos conclui o Aquinate que as riquezas artificiais são um modo de se alcançar as riquezas naturais, as quais também não podem ser o fim último, pois que são elas necessárias para garantir outro fim, a vida e, portanto, nenhuma das riquezas seria o fim último.

Assim, do mesmo modo, Santo Tomás de Aquino argumenta contra as hipóteses de a beatitude consistir na

56 A Suma Teológica é dividida em três partes principais: na primeira delas Tomás de Aquino trata sobre Deus (Prima Pars), depois do movimento do homem para Deus (Secunda Pars), ou seja, a moral humana que estruturalmente se divide em outras duas partes (Prima secundae e Secunda secundae), e por fim sobre Cristo, que segundo

sua humanidade é para nós caminho para Deus (TORREL, 1999).

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honra, glória, poder, bens corporais, prazer e bens criados pelo homem. Ao tratar sobre a beatitude consistir em algum bem da alma, Santo Tomás considera que a alma deseja o bem universal e que qualquer bem que esteja de modo natural arraigado na alma não lhe é próprio em si, mas é participação de um bem maior que o homem busca através de sua alma. Desse modo, a beatitude é algo da alma, mas não consiste em nada da alma, mas em algo externo à ela.

A partir da questão 3 se chegará a uma definição mais específica de beatitude. Segundo Santo Tomás de Aquino, a beatitude é a conquista do fim último, ou seja, é a união, o deleite do homem com o bem incriado que é o próprio Deus, o que pode se dar de dois modos, de modo perfeito que ocorre após a morte e que consiste na união completa a Deus ou ainda em vida, de modo imperfeito, enquanto que se busca e se vive para o fim último, isto é, neste mundo se consegue uma participação na beatitude perfeita, pois que a sua perfeição se alcança apenas depois da morte, pois que com a morte, o homem tem a visão da essência divina.

Na Questão 4 e 5, o Aquinate trata respectivamente do que é necessário para a beatitude e do modo de se conseguir a beatitude. Cabe destacar que é necessário a retidão da vontade antes da beatitude, e esta retidão permanecerá mesmo para aqueles que alcançarem a beatitude, pois a visão divina faz com que a vontade de quem a vê ame a tudo e de modo antecedente explica Tomás de Aquino:

[…] antecedentemente, porque a retidão da vontade existe pela ordenação concernente ao fim último. O fim se refere àquilo que se ordena a ele, como a forma à matéria. E como a matéria não pode se unir à forma, se não estiver devidamente disposta para ela, também não pode conseguir um fim o que não estiver devidamente ordenado para ele logo, ninguém pode chegar à bem

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aventurança se não tem a retidão da vontade. […] (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 85, p. 85, I-II, q. 4 a. 4).

Neste sentido, entende-se que para se alcançar a

beatitude são necessárias obras, e uma delas é a retidão da vontade, ou seja, é necessária que a vontade esteja de acordo com a razão, pois que a beatitude é própria só de Deus sem necessidade de nenhum meio, no entanto, sendo ela superior à toda natureza criada, “[…] nem o homem, nem qualquer criatura poderão conseguir a última bem-aventurança por seus dons naturais.” (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 105, I-II, q. 5, a. 5). No homem, os movimentos são múltiplos e acontecem a partir dos atos meritórios, ou seja, a beatitude é recompensa das ações virtuosas.

Portanto, para se alcançar a beatitude é necessária a virtude, a realização de ações virtuosas. Assim, sendo o fim último da sociedade a beatitude e que para obtê-la é necessária a retidão da vontade que se dá através de ações virtuosas. Cabe a nós investigarmos o que Santo Tomás de Aquino entende por virtude de modo mais específico.

1.3.2 As Virtudes O homem não consegue a beatitude em um único

momento, mas paulatinamente durante sua vida por meio de seus atos humanos livres, espontâneos e dirigidos pela razão. A alma humana é levada a realizar ações que lhe são peculiares por meio de diversas faculdades de conhecimento e ação. Pela repetição de atos, as faculdades adquirem qualidades que facilitam e fortalecem as ações da alma em determinados sentidos. Para Fraile, estas qualidades são os hábitos que são entendidos e explicados por Tomás de Aquino como bons (virtudes) e maus (vícios), ou seja, a virtude é uma disposição da alma para agir bem. Desse modo, as virtudes humanas são hábitos operativos para o bem, e por isso fazem também

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bom àquele que as possui, ordenando suas ações para o bem e fazendo de suas obras boas.

Herdeiro do pensamento aristotélico, o Aquinate compreende que os princípios das ações humanas são duas das três faculdades da alma57: o entendimento e a vontade. Sendo as virtudes disposições da alma para agir bem, pode-se entender que existam virtudes que regulam o entendimento, as chamadas virtudes intelectuais e virtudes que regulam a vontade ou virtudes morais.

As virtudes intelectivas se dividem ainda em especulativas (inteligência, ciência e sabedoria) e práticas que têm por função deliberar, julgar e ordenar atos. Dentre todas essas, existe a prudência, que é a principal de todas as virtudes intelectivas e tem por objetivo dirigir o homem para o bem agir, isto é, a virtude pela qual o homem é capaz de escolher agir bem. Tomás de Aquino justifica a importância desta virtude da seguinte maneira:

a prudência é virtude mais necessária à vida humana. Pois, viver bem consiste em agir bem. Ora, para agir bem é preciso não só fazer alguma coisa, mas fazê-lo também do modo certo, ou seja, por uma escolha correta e não por impulso ou paixão. Como, porém, a escolha visa aos meios para se conseguir um fim, para ela ser correta exigem-se duas coisas: o fim devido e os meios adequados a esse fim. Ora, ao fim devido o homem se dispõe convenientemente pela virtude, que aperfeiçoa a parte apetitiva da alma, cujo objeto é o bem e o fim. Quanto aos meios adequados a esse fim, importa que o homem esteja diretamente disposto pelo hábito da razão, porque aconselhar e escolher, que são ações relacionadas com os meios, são atos da razão. É necessário, pois, haver na razão humana virtude intelectual que aperfeiçoe, para ela proceder com acerto

57 “Para Aristóteles a tripartição da alma se dá pela alma vegetativa proveniente das plantas, a vegetativa e sensitiva proveniente dos animais irracionais e a alma vegetativa, sensitiva e intelectiva proveniente do animal racional.” (GARCIA, 2012, p. 315).

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em relação com os meios. […] (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 125, I-II, q. 57, a. 5).

As virtudes morais têm origem na palavra latina

mos, mores e tem o sentido de tendência, inclinação natural ou quase natural para se fazer algo e inclinação para o ato é inclinação da virtude apetitiva, do que se entende que é virtude moral somente aquela que pertence à potência apetitiva (TOMÁS DE AQUINO, 2005). Deste modo, para agir bem o homem precisa, além de estar de razão disposta pela virtude intelectual também estar com a potência apetitiva disposta pela virtude moral. Seriam, portanto, as virtudes morais modos de regular o homem no que diz respeito às paixões e vontades sob a regência da prudência e da razão. Isto é, as virtudes morais regulam as ações do homem submetendo as paixões à razão, o que implica que o homem dotado de virtudes morais é aquele que tem suas vontades e paixões regidas pela prudência, submetidas à razão. Desse modo, as vontades deixam de gerar ações próprias e passam a agir conforme a razão.

Fraile compreende que as virtudes morais, no entanto, também se dividem em dois grupos. O primeiro diz respeito ao relacionamento do homem com o outro e pode ser resumida na virtude da justiça, virtude pela qual o homem age bem quando dá a cada um aquilo que lhe é devido. O outro grupo é constituído por dez virtudes individuais que se relacionam com as paixões, a saber: a fortaleza que modera o temor e a audácia na faculdade da vontade; a temperança que regula os apetites referentes à parte concupiscível e se refere à manutenção da pessoa e da espécie; a liberalidade que regula o desejo pelos bens exteriores; a magnificência responsável pelo desejo por dinheiro; a honra; a magnanimidade que inclina a alma a realizar obras grandes e difíceis dignas de honra; a mansidão que regula a raiva; a afabilidade que faz com que o homem seja agradável com os outros em palavras e atos em assuntos sérios; a sinceridade ou verdade que é

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a virtude pela qual o homem se mostra como realmente é em suas palavras e atos e a jovialidade, virtude que faz do homem agradável em situações de diversão (FRAILE, 1975). De todas essas virtudes, se destacam quatro de maior importância, são as chamadas virtudes cardeais ou fundamentais, que são a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança.

O Aquinate ainda explica sobre as virtudes teologais, isto é, virtudes que têm como fim Deus em si mesmo e que completam a disposição do homem para agir na ordem sobrenatural. As virtudes teologais seriam as virtudes que tem Deus por objetivo enquanto nos ordenam para ele e são infundidas somente por Deus através da revelação segundo as Sagradas Escrituras. As virtudes teologais são três: fé, esperança e caridade. Essas, portanto, são virtudes que não regulam a ação do homem no que diz respeito à sua vontade, mas conduz a alma humana a Deus; são virtudes que implantadas por Deus tem como fim não outra coisa senão ele mesmo.

Entende-se, entretanto, que todas as virtudes infundidas estão interligadas e que juntas dão força e disposição para que o homem tenha uma vida virtuosa. Em síntese Gilson compreende a virtude tomista do seguinte modo:

[…] por essência, ela [virtude] é um hábito, isto é, uma disposição adquirida e duradoura, que permite a quem a possui agir em conformidade com a sua natureza. Essa definição é de Aristóteles. Logo, é no plano da moral helênica que todo o edifício vai ser construído. Para uma coisa ser boa, é ser o que deve ser para satisfazer à sua própria essência e às exigências da sua natureza; adquirir o costume de agir como convém, dado o que somos, é portanto uma qualidade moralmente boa, e consumar o ato que decorre espontaneamente de um hábito desse gênero é agir bem ou, como também se diz, fazer o bem. Um ato é moralmente bom, ou virtuoso, quando é conforme à natureza de quem o consuma (GILSON, 2006, p. 397).

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Com relação às virtudes que se ligam às ações

humanas, isto é, em relação às virtudes morais, o homem necessita da lei que o oriente a fazer o bem ou a ser virtuoso caso não o seja, pois que a virtude serve para guiar o homem ao fim último, a beatitude. Entretanto, os meios escolhidos para se alcançar esse fim são dados pela lei ao homem. Por isso, Tomás de Aquino trata sobre a lei como orientadora do homem para a prática do bem e realização de sua natureza humana. Para tratar do assunto, Aquino desenvolve na Suma Teológica um tratado conhecido por Tratado da Lei.

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O TRATADO DA LEI EM TOMÁS DE AQUINO O Tratado da Lei de São Tomás de Aquino está

contido na Suma Teológica (I-II parte nas questões de 90 à 108)58. Tal tratado é de ciência prática e abrange em sua temática questões que explicitam a compreensão do autor sobre a lei desde sua origem à sua implicação na vida pessoal e comunitária naquilo que diz respeito às ações práticas do homem. A importância da lei é devido a ela ser um dos elementos fundamentais dos atos humanos, pois estes recebem o conteúdo moral pela lei e também por assinalar, como afirma Vaz um marco de uma “[…] longa evolução na qual são transmitidos os ensinamentos da tradição antiga (Aristóteles, o Estoicismo, M. T. Cícero, o Direito romano) e da tradição cristã (Agostinho, Isidoro de Sevilha e os teólogos do século XIII).” (VAZ, 2008, p. 234).

Na teoria tomista, a lei se apresenta também como um princípio regulador de ações humanas assim como as virtudes; no entanto, a lei é um princípio externo ao homem e tem em vista o bem comum. Para Tomás de Aquino toda lei supõe uma razão que orienta seus atos a um fim. Assim, a lei não tem sua procedência da vontade, mas da razão, isto é, não tem origem nos desejos, mas na atividade racional para, de modo geral, estabelecer regras que induzem, obrigam ou impedem a ação do homem, de modo que o conduza a um fim. É próprio da razão orientar para um fim e sendo a lei pertencente à razão, a lei orienta para o fim. Portanto, de modo individual, a lei orienta o

58 Nesta pesquisa utilizaremos as questões que se relacionam à aplicação prática da lei, portanto, as questões de 90 à 97. A partir da questão 98 Tomás de Aquino discute sobre a Lei Antiga, um tema de maior relevância para o pensamento teológico do autor.

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homem para a beatitude e de modo social a lei orienta para o bem comum.

[…] mas o último fim da vida humana é a felicidade ou bem-aventurança […]. Portanto, é necessário que a lei vise maximamente à ordem que é para a bem-aventurança. – Por outro lado, como toda parte se ordena ao todo como o imperfeito ao perfeito e cada homem é parte da comunidade perfeita, é necessário que a lei propriamente vise à ordem para a felicidade comum. […] (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 524, I-II q. 90. a. 2).

Ao introduzir o “Tratado da Lei”, Tomás de Aquino

antes explica a existência de dois princípios externos que impulsionam o homem à realização do mal e do bem. Para o Aquinate o diabo seria o princípio externo que inclinaria o homem ao mal e Deus seria o princípio externo que inclinaria o homem a fazer o bem. Para a realização do bem Deus concede ao homem a lei que o instrui e a graça que o mantém no reto agir (TOMÁS DE AQUINO, 2005). Seria, então, a lei uma espécie de “intervenção divina” na razão do homem para conduzi-lo e orientá-lo a fazer o bem, para a felicidade. A lei seria um instrumento extrínseco dos atos humanos utilizado por Deus para conduzir o homem à beatitude.

Entretanto, não se pode confiar na razão de cada um, pois, que o homem corre o risco de cair na ilusão e também por viver em sociedade tem não somente um fim individual, mas coletivo. Neste sentido, o homem tem como finalidade coletiva o bem comum e a lei é o instrumento próprio para orientar de modo objetivo a consciência humana para o bem coletivo. Por ser, portanto, a lei própria para o bem comum deve ser ordenada pela multidão ou então por aquele que a representa e cuida. Deste modo, para que a lei venha a ter força para regular o homem socialmente, esta deve ser promulgada, pois que para que regule os homens ela deve

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ser aplicada e para ser aplicada deve ser conhecida. Sendo assim, se faz necessária a promulgação das leis para que o homem conheça e possa ser regulado por elas. Ao partir do argumento da promulgação como necessária para que a lei tenha força reguladora da ação do homem, Tomás de Aquino define a lei como “[…] uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele que tem o cuidado da comunidade” (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 527-528, I-II, q. 90, a. 4)59 isto é, a lei é guia da ação moral promulgada pelo chefe do Estado.

Tal definição é o cerne de todo o tratado da lei, pois define de modo universal a lei e sua função. Entretanto, para se chegar ao campo político, onde a lei tem papel de reguladora e mantenedora da ordem social, Tomás de Aquino percorre um caminho que explicita a origem da lei. Assim apresenta o fundamento e princípio de todas as leis: a Lei Eterna.

2.1 A Lei Eterna: Princípio e Fundamento de Todas as Leis Após definir a lei como um ditame da razão prática

daquele que governa uma comunidade perfeita, o autor explica que por ser o mundo regido pela divina Providência60 pode-se compreender que todas as comunidades do universo são governadas por uma única razão superior: a razão divina que tem por natureza a lei para governar. Por ser Deus, no entanto, um ser

59 “[…] esta definição contém explicitamente a causa formal (universalidade como ordenação da razão), a causa final (o bem comum) e a causa eficiente (a promulgação pela autoridade legítima) da lei, ou seja, a especificação (diferença última) da ordenação da razão (gênero próximo) pelo bem comum a ser realizado pelo promotor legítimo dessa realização”. (VAZ, 2008, p. 236) 60 “Todas las cosas están sometidas a la providencia divina, y todas son medidas y reguladas por la ley eterna, que las inclina a sus proprios actos e fines, pero de distinta manera. Los seres irracionales, de una manera pasiva y necesaria. El hombre, de una manera racional y libre. […]”. (FRAILE, 1975, p. 469)

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atemporal, entende-se que também a razão divina não concebe o que seja temporal, pois tudo na razão divina é eterna, de modo que se pode então atribuir a lei que Deus rege o universo o nome de lei eterna (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 91, a. 1).

A doutrina da lei eterna foi desenvolvida por Santo Agostinho e sua definição tornou-se clássica. Segundo Agostinho “[…] A lei eterna é a razão divina ou vontade de Deus, ordenando a conservação da ordem natural e proibindo a sua perturbação […]” (AGOSTINHO Apud AUBERT, 2005, p. 548). Tal definição foi apropriada por Tomás de Aquino que inova a tese ao relacionar a lei eterna à Providência. No entender do Aquinate a Providência seria uma espécie de execução da lei eterna, princípio da Providência ou princípio da execução da lei eterna nas criaturas.

A lei eterna é, pois, a sabedoria divina ativa que move os seres a estarem em conformidade com suas naturezas. A lei eterna é assim chamada porque a razão divina conhece somente aquilo que é eterno e, por isso mesmo, a lei do governo divino tem caráter de eterna e, portanto, perfeita. Por ser fundamento da ação de Deus sobre a criação, toda a obra divina está submetida a Lei Eterna, menos o que pertence à natureza ou essência divina, pois se diz que esta essência é a própria lei eterna. Assim, somente o próprio Deus e o que lhe é consubstancial, portanto, somente a Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) não estariam submetidas à Lei Eterna.

Fazendo analogia à lei humana, Tomás de Aquino entende que do mesmo modo que o governante promulga leis para a multidão através da razão, Deus também O faz com a criação. Ou seja, ao ser determinar que a sociedade deve ser governada a partir da razão de seu governante, também o mundo é governado pela razão divina e toda a lei que dela provém não pode ser outra senão a lei eterna. A lei eterna é a reguladora das “atividades” de Deus como

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governador do mundo, pois no mundo nada está isento do governo de Deus e, portanto, das “normas” da lei eterna.

Malacarne interpreta o pensamento de Tomás sobre a lei e explica que “[…] A lei eterna é o plano divino que conduz todas as coisas para a busca de seus fins; é a ordem ideal do universo que preexiste em Deus. […]” (MALACARNE, 2012, p. 7) e o fim da lei eterna não é outro senão o próprio Deus. Todas as outras leis têm seu fundamento na lei eterna, responsável para que cada coisa esteja numa certa ordem; para que cada criatura esteja de acordo com os seus fins, ou seja, para que tudo esteja segundo a ordem da razão divina, também dita ordem natural.

Constituindo a ordem natural ideal do universo, aqueles que a seguem cumprem a vontade de Deus. E estando todas as coisas criadas sob a lei eterna se faz necessário seu cumprimento para se alcançar os fins, pois é ela que conduz ao fim todas as coisas. Segundo Aubert (2005), para cada coisa existe um fim que está dado segundo a lei eterna e então caberia às criaturas seguir a lei para cumprir o seu fim, estabelecendo certa ordem. Tal ordem é seguida de modo perfeito pelos animais e outras criaturas, visto que agem não pela consciência, mas pelos instintos. Assim, as coisas e os animais não podem fazer diferente daquilo que prevê a lei eterna, pois a seguem sem a compreender já que não são capazes disto, pois que diferente dos homens, os animais não possuem livre-arbítrio e são, portanto, desprovidos de razão e vontade.

Entretanto, o homem que é uma criatura distinta das outras, por ser dotado de razão, deve antes conhecer a lei eterna para segui-la de modo livre. No entanto, não é possível ao homem o conhecimento perfeito da lei eterna, pois isto é possível somente aos bem-aventurados que contemplam a Deus em sua essência e cumprem a lei de modo natural, pois se encontram em estado de beatitude. Para o homem é possível conhecer a lei eterna por certa irradiação (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 93, a. 2). Ou seja, para as criaturas racionais existe uma participação

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ou irradiação da lei eterna no que serve de princípio regulador dos atos humanos e que tende para o bem. Este princípio é no entender de Tomás de Aquino a lei natural.

2.2 A Lei Natural A lei natural seria uma espécie de centelha inata da

lei eterna no homem (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II q. 91 a. 2); ou seja, é a ordem divina promulgada no homem por meio da razão. Toda lei é certa regra e medida de algo e pode estar presente nas coisas de dois modos, explica o Aquinate: o primeiro é o que está naquele que regula e mede e o segundo no que é regulado e mensurado, pois que participando de algo da regra ou medida se é por isso regulado e medido e como tudo que está sujeito à divina providência é regulado e medido pela lei eterna, assim, tudo tem participação na lei eterna na medida em que, por impressão desta mesma lei, se inclina para seus próprios atos e fins. Na criatura racional, entretanto, não se diz que tem em si a lei eterna impressa somente como nas outras criaturas, pois sendo dotado de razão participa da lei eterna de modo mais formal, ou seja, não só por impressão recebida, mas também como autor e regulador. Deste modo, entende-se que o homem é chamado a ser providência de si em delegação da providência divina.61

Compreende-se que no homem a participação na lei eterna é chamada lei natural, pois que o homem não somente tem a lei impressa em si e age segundo seus instintos, mas que a conhece através de sua razão. Assim, a lei natural é pelo homem conhecida na medida em que usa de sua razão, porque é a razão aquilo que assemelha o homem a Deus e o faz conhecer as vontades divinas.

61 “[…] nele [homem], a sua razão é como uma participação da luz divina, permitindo dirigir-lhe a si próprio, e discernindo o bem do mal. Nesse nível, não é mais nele a participação simplesmente impressa do querer divino, mas é a participação da luz do pensamento divino” (AUBERT, 2005, p. 531).

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Neste sentido, afirma-se a necessidade da razão para que o homem tenha conhecimento da lei natural a fim de cumprir a lei eterna e também a compreensão da utilização da razão como essencial para que o homem pratique o bem.

Neste ponto, pode-se compreender a razão humana como participação na razão divina, e entendendo que Deus concebe em sua razão somente o bem, também o homem a partir da razão conhece o bem e passa a ser de modo racional e livre regulador ético de seus próprios atos a partir daquilo que concebe da lei natural. Torna-se a lei natural fundamento para a ética humana, de modo que ao conceber a lei natural racionalmente o homem livremente assuma sua inclinação para os fins dados. Por isso, o homem torna-se providência para si e para os outros na medida em que se utilizando da razão conhece a lei natural, princípio do bem agir humano e realização da vontade divina.

Segundo a teoria tomista, Deus teria colocado em cada criatura o fim para o qual deve tender para servir de guia para seus fins. Nos animais e na natureza, como explicado acima, o fim é alcançado de modo sempre reto, ou seja, a natureza; inclusive os animais, cumprem sempre seu fim. O homem, entretanto, explica Aubert (2005), ser racional que tem como guia de ação a razão não só age de modo instintivo, mas conhece aquilo que faz. E do mesmo modo que Deus se utiliza da lei eterna para reger o mundo, o homem deve através de sua razão apreender a lei natural para reger suas ações.

Assim, entende-se que a lei natural é o que guia o homem para uma vida virtuosa, uma vez que nela está o fim a ser alcançado, enquanto que a virtude é o meio pelo que se alcança o fim. No entendimento de Tomás de Aquino, alguns hábitos são adquiridos e servem para aperfeiçoar a ação e o próprio homem. Entretanto, explica Rocha (2011) que alguns hábitos segundo a concepção de Alberto e Tomás são inatos, são estes hábitos inatos que em conformidade com a natureza humana dispõe o

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homem para adquirir outras virtudes. Isto é, existe no homem um princípio da razão prática chamado de sindérese, uma espécie de intuição dos primeiros princípios da lei que estabelece o fim das virtudes morais.

No entender de Tomás de Aquino, é a sindérese responsável por apreender a lei natural para então preestabelecer em conformidade com a razão um fim para a virtude moral, ou seja, o bem humano. Neste sentido, compreende Rocha (2011) que a sindérese é a virtude dos princípios universais, pois que se apreende tais princípios através da lei natural, entendida como os próprios princípios universais. Em síntese, no homem existe uma virtude inata chamada sindérese pela qual se apreende a lei natural e dá ao homem a possibilidade de se regular, de ser providência de si mesmo, pois que a sindérese é a virtude que revela ao homem a lei natural. Assim, todos os homens são capazes de conhecer por si a lei natural desde que utilizem a razão, pois nela está a virtude que permite conceber a lei de Deus para o homem. Tomás de Aquino apresenta a sindérese da seguinte maneira:

[…] deve-se dizer que a sindérese se diz lei de nosso intelecto, enquanto é hábito que contém os preceitos da lei natural, os quais são os primeiros princípios das obras humanas (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 560, I-II, q. 94, a. 1).

Ao conceber a lei natural por meio da sindérese, o

homem concebe seus conteúdos ou preceitos. No entender de Tomás de Aquino, o primeiro dos preceitos é o bem. É o bem inerente ao homem, pois tem razão de fim enquanto que o mal tem razão contrária, por isso, tudo aquilo para que o homem tenha inclinação natural, a razão o interpreta como bem. Ou seja, tudo o que naturalmente o homem tem inclinação é um bem, pois que tudo aquilo que é natural é da lei natural e sendo a lei natural um modo de guiar a ação do homem para o bem, tudo o que dela possa derivar é entendido pela razão como um bem.

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Por assim dizer, explica Simon que “[…] Bastará, pues, preguntarse cuáles son las tendencias o inclinaciones del hombre para saber cuáles son los valores fundamentales de la vida humana […]” (SIMON, 1981, p. 254). E Tomás de Aquino expõe três inclinações naturais principais dos seres racionais, sendo delas a primeira partilhada entre todos os seres, a segunda com os animais e a terceira específica do homem.

[…] pois é inerente ao homem por primeiro, a inclinação para o bem segundo a natureza que tem em comum com todas as substâncias, isto é, conforme cada substância deseja a conservação de seu ser conforme sua natureza. E segundo essa inclinação, pertencem à lei natural aquelas coisas pelas quais a vida do homem é conservada, e o contrário é impedido. – Em segundo lugar, é inerente ao homem a inclinação a algumas coisas mais especiais, segundo a natureza que tem em comum com os outros animais. E segundo isso, dizem-se ser da lei natural aquelas coisas “que a natureza ensinou a todos os animais”, como união do macho e da fêmea, a educação dos filhos, e semelhantes. – Em terceiro lugar, é inerente ao homem a inclinação ao bem segundo a natureza da razão, que lhe é própria, como ter o homem inclinação natural para que conheça a verdade a respeito de Deus e para que viva em sociedade. E segundo isso, pertencem à lei natural aquelas coisas que dizem respeito a tal inclinação, como que o homem evite a ignorância, que não ofenda aquele com os quais deve conviver, e outras coisas semelhantes que a isso se referem. (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 563, I-II, q. 94, a.2).

Os primeiros preceitos da lei natural seriam então

a conservação do ser, a multiplicação da espécie e a vivência racional que consiste de modo sintético em o homem reconhecer-se como dependente de Deus radicalmente e como um ser de relações sociais. Entretanto tais preceitos não são necessariamente leis estabelecidas, mas apenas condições para a lei. No

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entender de Honnefelder “[…] Elas [inclinações naturais] não geram normas concretas, mas erguem exigências que se tornam normas somente através da intervenção ordenadora da razão. […]” (HONNEFELDER, 2010, p. 330). Assim, os primeiros preceitos se resumem a um único fim: o bem e por isso se compreende que o primeiro preceito da lei natural é que o homem pratique e busque o bem e evite o mal (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 94, a. 2).

É destes preceitos ou inclinações naturais que o homem tem base para estabelecer pela razão prática regras que regularão sua ação. No pensamento tomista toda ação é fruto do livre-arbítrio, isto é, fruto da vontade unida à razão prática onde a própria vontade com seu poder de escolha enquanto penetrada pela razão tem como objeto próprio as escolhas dos meios para alcançar um fim. Tudo sempre busca um fim, pois tudo que existe está sob a lei eterna que infunde em todas as coisas através da Providência divina a necessidade de um fim. Do mesmo modo, a vontade no homem se inclina na busca de fins, entretanto, sozinha a vontade acaba que por tomando os meios por fins, pois ela busca um fim, mas não reconhece qual fim é o último. Quando auxiliada pela razão prática que tem seus fundamentos na lei natural, a vontade se direciona para a busca do bem absoluto. Entretanto, em Tomás de Aquino, no entender de Rocha, a ação não é somente um simples comando racional à vontade, pois que toda a ação humana tem sua origem no livre-arbítrio, ou seja, na união entre razão e vontade.

A lei natural na ação do homem é base para as ações, entretanto, somente conhecê-la não garante a boa ação. Tomás de Aquino parte da ideia de ação humana como uma espécie de colaboração harmônica entre a razão que conhece a verdade e vontade que tende para o bem. A vontade busca o fim e o bem. Explicando sobre a vontade Rocha afirma que é o bem que gera o desejo e movimenta a vontade em direção ao fim último do homem,

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mas para isso o homem tem de ser virtuoso, pois são as virtudes que farão o homem merecedor da bem-aventurança. As virtudes, com exceção das que já são inatas, são adquiridas pelo homem através dos hábitos, mas os hábitos necessitam da lei natural para guiá-los, pois que toda virtude deve contribuir para o cumprimento da lei natural.

Por isso Santo Tomás de Aquino afirma que o homem por si tem condições suficientes para alcançar a virtude. Entretanto, o homem após o pecado original perdeu a capacidade de reconhecer o que era absolutamente bom e verdadeiro e passou a incorrer no erro de buscar o que aparentemente é verdade. Quando trata da possibilidade da lei ser abolida do “coração” do homem Tomás de Aquino (2005, I-II, q. 94, a. 6) responde que aquilo que é preceito universal ou princípios comuns não se pode destruir, entretanto, aquilo que é particular ou prático à razão é impedida de aplicar o que é comum ao campo prático particular em razão da concupiscência.

Por leis particulares ou práticas o Aquinate entende aquilo que deriva dos primeiros princípios, aquilo que o homem com base nos primeiros princípios em acordo com a razão estabelecerá como regras para sua ação a fim de alcançar o fim para o qual foi criado. Entretanto, o homem falha devido ao conhecimento, pois muitos têm a razão depravada pela paixão, mau costume ou má disposição da natureza (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 94, a. 4). Aubert (2005, p. 533) comenta que

[…] A partir do momento que a lei natural incide sobre o universal, os seus preceitos gerais dever ser aplicados […] às realidades concretas da vida humana, responsabilidade que não se pode deixar às consciências individuais, sujeitas ao erro ou influências externas. […]. Assim, não se poderia em sociedade confiar o bem

comum somente a partir daquilo que cada um concebe por

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sua própria razão, visto quem nem todos têm a razão reta para retirar dos preceitos universais as práticas humanas. Tais determinações ou atos legislativos devem ser de responsabilidade da sociedade ou daquele que a representa e deve considerar os costumes e a história particular de cada corpo social. Portanto, devem as leis humanas, também chamadas de positivas, servir como uma espécie de razão coletiva da sociedade para conduzi-los ao bem comum.

2.3 Lei Humana ou Lei Positiva É o Direito positivo que tem como finalidade

dissuadir o homem do mal e levá-lo a prática do bem. A lei humana que deve ter como base a lei natural deve ser promulgada pela multidão ou governador da comunidade e deve ter em vista o bem comum. Isto quer dizer que o legislador não deve governar para si e nem para as vontades individuais, mas deve priorizar o bem comum da multidão. O poder de estabelecer leis cabe à multidão, pois nenhuma ação de um simples particular pode ter força coagente diante da sociedade, mas somente à multidão ou ao seu representante (governante) é dado tal poder, pois que este estabelecerá as penas legais tendo como objetivo o bem comum. Segundo Pêcego, a força coercitiva da lei vem do fato de que é constituída numa sociedade a partir do consenso da multidão ou do seu representante que recebeu da multidão seu poder. O governante retira de sua razão a lei que regerá a sociedade tomando como princípio a lei natural, cuja origem é a lei eterna e, portanto, a razão de Deus.

Tudo tem de certo modo seu fim em Deus, então do mesmo modo que a Providência divina rege o mundo a partir da lei eterna que está na razão divina, do mesmo modo, a lei humana criada a partir da razão do governante servirá de base para as ações dos homens na sociedade, de modo que também se cumpra a lei natural. A lei humana

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seria uma espécie de “guia prático” da lei natural. Pela lei humana se pode forçar o homem a viver segundo a virtude de modo que haja o bem comum na sociedade.

Segundo Tomás de Aquino, para que a lei seja justa deve estar de acordo com a lei natural, por isso, a lei humana deriva da lei natural. Tomás explica que a lei positiva pode derivar da lei natural de dois modos (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 95, a. 2), o primeiro por conclusão dos princípios: por exemplo, o governante que percebendo que não matar não faz mal a ninguém e preserva a comunidade deduz que matar não é algo bom e, portanto, não se deve matar; o segundo modo é por determinações, ou seja, decisões que só têm vigor em favor da lei humana. Das determinações podemos entender, por exemplo, as penas que devem sofrer aqueles que transgridam a lei; as penas são determinações que existem e têm vigor somente em favor da lei humana. Toda a lei humana deve ser racional, pois que a lei humana é certa particularização da lei natural indispensável para que esta possa adaptar-se às características de cada sociedade. A lei humana então é certo modo de se fazer cumprir a lei natural numa determinada sociedade a partir de regras que regulam as ações particulares de cada membro da comunidade.

Entretanto, a lei positiva não tem função de assegurar que todas as virtudes humanas sejam perfeitas nos que estão sob ela regidos. A lei positiva busca em primeiro lugar, o bem comum, ou seja, tem como objetivo assegurar a boa ordem e a paz, não deve ela segundo Turienzo (2002) se limitar a coibir todos os vícios, mas somente aqueles que afetam diretamente o bem comum da sociedade, ou seja, a lei positiva deve estar voltada para os ocorridos mais frequentes, deve regular de modo que tenha caráter de universalidade para evitar a multiplicação inútil de leis e também o desprestígio das já estabelecidas

Existem então para regular a sociedade, a lei humana ou o Direito positivo é dividido em duas espécies:

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Direito das gentes e Direito civil e são derivadas a partir da lei da natureza como explicado anteriormente. De tal modo explica o Direito das gentes e o Direito civil da seguinte maneira:

[…] pertencem ao Direito das gentes aquelas coisas que derivam da lei da natureza como as conclusões dos princípios, como as compras justas, as vendas, e outras coisas semelhantes, sem as quais os homens não podem conviver um com os outros, o que é da lei da natureza, porque o homem é naturalmente animal social, como se prova no Livro I da Política. Aquelas coisas, entretanto, que derivam da lei da natureza, a modo de determinação particular, pertencem ao Direito civil, segundo o qual qualquer cidade determina algo a ela acomodado. […] (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 581, I-II, q. 95, a. 4).

Portanto, entende-se que o Direito civil é próprio de

cada nação enquanto que o “Direito das gentes” significa o Direito natural explicitado pela lei humana, como uma tradução da lei natural. Assim, o Direito das gentes serve para regular o homem naquilo que lhe é exigido como criatura racional.

O homem, como criatura racional, na teoria tomista é naturalmente inclinado à virtude, entretanto, se faz necessário determinada disciplina para que tenha tal virtude de modo perfeito (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 95, a. 1). No entender de Tomás de Aquino, não seria a lei humana necessária se todos os homens fossem inclinados aos atos de virtude por terem boa disposição da natureza, do costume e do dom divino, para estes somente o conselho seria o suficiente para as virtudes. No entanto, existem alguns imprudentes inclinados ao vício que não se movem facilmente apenas pelas palavras; assim explica o Aquinate:

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[…] foi necessário que pela força e pelo medo fossem coibidos do mal, de modo que, ao menos desistindo assim de fazer o mal, aos outros, tornassem tranqüila a vida, e os mesmos, por fim, por força de tal costume, fossem conduzidos a fazer voluntariamente o que antes cumpriam por medo, e assim se tornassem virtuosos. […] (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 574, I-II, q. 95, a. 1).

Essa disciplina que se utiliza do medo das penas é

a disciplina das leis. Para o Aquinate, o homem corrompido pelo pecado não é capaz de obedecer fielmente à lei natural e, portanto, somente ela não basta para fazer dele virtuoso, entretanto, o pecado e o vício presentes no homem são como obstáculos para o funcionamento da lei natural. Por isso, explica Aubert que a lei humana tem a função de ensinar de modo oficial numa sociedade a lei natural seja forçando a agirem bem aqueles que com seus vícios prejudicam a sociedade seja para dar a todos uma verdadeira educação da consciência.

A lei humana, então, pode ser entendida como portadora de função pedagógica e absolutamente indispensável para a vida social, porque é através da lei positiva que se pode fazer virtuoso mesmo aquele que se inclina aos vícios. Entretanto, a preocupação da lei humana está em coibir os vícios, mas não todos. Tomás de Aquino explica que a lei humana coíbe os vícios que de modo direto possam interferir na paz e na ordem da comunidade (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 96, a. 2) e que é de possível que a maior parte dos homens se abstenha. Destes, principalmente aqueles que de modo direto afetam o outro como o homicídio, o roubo ou coisas semelhantes. Do mesmo modo sobre as virtudes a lei humana não está para preceituar sobre todos os atos de todas as virtudes (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 96, a. 3), mas àquelas que são ordenáveis ao bem comum como a justiça e a paz.

Para que se assegure o poder regulador da lei se faz necessário que ela seja maleável, pois e

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diferentemente da lei natural a lei humana não é imutável (TOMÁS DE AQUINO, 2005, I-II, q. 97, a. 1). No entender de Fraile (1975), para que se possa sempre garantir o bem comum da comunidade a lei positiva não deve ser imutável, mas deve quando necessário sofrer mudanças que variam conforme as circunstâncias e o tempo. Como já é de conhecimento a lei é um ditame da razão e, portanto, a partir do conhecimento adquirido a lei pode ser aperfeiçoada pela razão na medida em que esta se desenvolve e se aperfeiçoa, do mesmo modo pode a lei mudar devido às também mutáveis condições humanas. Entretanto, a lei nunca perde seu caráter pedagógico, ela somente se modifica para melhor cumprir sua função na sociedade, a busca pelo bem comum.

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PARTE III:

A PRUDÊNCIA EM TOMÁS DE AQUINO

Prof. Rodrigo Gabriel Matos62

62 Rodrigo Gabriel Matos é professor de Filosofia, pela PUCPR. Esta é parte de uma pesquisa maior apresentada na PUCPR, como trabalho de conclusão de curso.

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[...] a prudência é, absolutamente, a mais importante de todas as virtudes.

(TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 164, I-II q. 61 a. 3)

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- I -

O PENSAMENTO ÉTICO DE TOMÁS DE AQUINO O pensamento ético de Tomás de Aquino faz parte

de um grande sistema filosófico e teológico elaborado pelo autor, de modo que não é um pensamento desconexo. Assim, para apresentar a ética tomista, mesmo que de modo geral, partimos primeiro da apresentação da Suma teológica, visto que esta obra apresenta as conexões de seu pensamento ético com as outras partes de seu sistema.

1.1 A Estrutura da Suma Teológica Apesar das diversas fontes a partir das quais

Tomás de Aquino formulou seu pensamento, o fato de ter dialogado profundamente com a filosofia aristotélica, como tratamos no capítulo anterior, o conduziu a um esforço para conciliar a fé e a razão. De maneira geral, todo este esforço está sintetizado na Suma teológica. Como observa Nicolas (2003), a Suma unifica toda a obra de Tomás de Aquino, isto porque ela já é uma obra de maturidade do autor, que constitui uma síntese de seu pensamento e de sua visão de mundo.

Além disso, a Suma foi pensada e estruturada para ser um instrumento de ensino da doutrina cristã, de modo que, além de sintética, é possível classificá-la como pedagógica, a partir de uma referência do próprio autor: “[...] nos propusemos nesta obra expor o que se refere à religião cristã do modo mais apropriado à formação dos iniciantes” (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 135, I prol.). Ora, todos os conteúdos da Suma estão divididos em questões, e cada questão se divide em artigos, que abordam temáticas menores relativas à questão. Os artigos, por sua vez, sempre partem de uma interrogação,

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à qual é apresentada uma resposta aparente e os argumentos que a sustentam; em seguida, é apresentada uma contestação à resposta, sempre retirada da Sagrada Escritura ou de alguém considerado autoridade de conhecimento para a época (filósofos ou santos, tais como Aristóteles, Cícero, Agostinho, Ambrósio etc.) e então Tomás de Aquino apresenta sua resposta à questão e refuta a cada um dos argumentos apresentados para sustentar a resposta aparente.

Como observa Torrell (2011), já no início da Suma sua estrutura é apresentada, sendo ela dividida em três partes: a primeira trata da questão de Deus e da essência divina, que é o princípio e fim de todas as coisas, e do modo pelo qual as criaturas procedem de Deus; a segunda trata do homem, da sua finalidade (que é alcançar a felicidade, ou seja, contemplar a Deus) e dos meios pelos quais ele se aproxima ou se afasta dela; e a terceira trata sobre Jesus Cristo, o Salvador da humanidade, caminho que conduz o homem a Deus:

o principal intento, pois da doutrina sagrada é transmitir o conhecimento de Deus, não somente enquanto existente em si, mas ainda como princípio e fim dos seres e, especialmente, da criatura racional [...]. Ora, pretendendo fazer a exposição destra doutrina, 1° trataremos de Deus; 2° do movimento da criatura racional para Deus; 3° de Cristo que, enquanto homem, é via para tendermos a Deus (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 161, I q. 2, prol.).

Como é possível notar, o objetivo de Tomás de

Aquino não consiste apenas em ensinar a doutrina cristã sobre bases racionais, mas fazer com que, conhecendo a doutrina, os homens se voltem para Deus e busquem sua salvação. E é a partir desta base que se compreende a ética tomista, apresentada principalmente na segunda

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parte da Suma63, que é exatamente a parte que trata do movimento da criatura racional para Deus: para Tomás de Aquino, a ética orientará a ação do homem para que, agindo bem, atinja o seu fim último, que é a contemplação de Deus, o Sumo Bem. Assim, compreendemos que a ética tomista parte de uma compreensão do ser humano e de sua finalidade.

1.2 A Compreensão do Homem e sua Finalidade Antes de buscar exatamente a compreensão da

ética de Tomás de Aquino, é preciso compreender, de maneira geral, o que é a ética. Apresentamos aqui uma definição:

ética [...] - em geral, a ciência da conduta. Existem duas concepções fundamentais dessa ciência: 1ª a que considera como ciência do fim a que a conduta dos homens se deve dirigir e dos meios para atingir tal fim; e deduz tanto o fim quanto os meios da natureza do homem; 2ª a que a considera como ciência do móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar a mesma conduta (ABBAGNANO, 1970 p. 360).

Partindo desta definição, e conhecendo o projeto

apresentado por Tomás de Aquino, no qual o homem tem por finalidade a felicidade, que consiste em voltar a Deus, compreendemos que a ética tomista será a ciência do fim ao qual o homem tende e dos meios para atingir este fim. Assim, no início da discussão sobre a ética, encaminhada por Tomás de Aquino, estarão os problemas do finalismo

63 Apesar de existirem outras obras de Tomás de Aquino sobre a ética, tais como os comentários à Ética a Nicômaco e à Política de Aristóteles, e diversas Questões disputadas, a Suma teológica, por sua constituição, nos oferece um panorama excelente desta temática, de modo que não é necessário recorrer às outras obras para a finalidade deste trabalho.

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e do agir humano. Não é por acaso que a primeira questão da segunda parte da Suma tratará do Último fim do homem. Como explica Turienzo (2002), o fato de considerar a contemplação divina como finalidade do homem fará da ética tomista uma ética essencialmente teológica. Este fato, entretanto, não a impede de ser rigorosamente lógica e racional.

Como está explícito na definição apresentada, toda ética finalista visa um fim deduzido da natureza humana, ou seja, de uma compreensão antropológica do homem. Como explica Nicolas (2005), a antropologia tomista perpassa as três partes da Suma teológica, mas é na primeira parte que se encontra o tratado acerca do homem, no qual é apresentada a compreensão do homem em virtude apenas de sua natureza. Neste tratado, encontraremos a definição do homem como união substancial da alma e do corpo:

mas porque está unida ao corpo como forma, a alma deve encontrar-se no corpo inteiro e em cada uma de suas partes, porque ela não é uma forma acidental, mas substancial. Ora, a forma substancial constitui não só a perfeição do corpo, mas ainda de cada parte (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 399, I q. 1 a. 8)

É importante observar que, para Tomás de Aquino,

a alma não é apenas o princípio motor do corpo, é antes “princípio intelectivo que se une ao corpo como forma” (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 372, I q. 76 a. 1). Como explica Lima Vaz, Tomás de Aquino considera o homem uma unidade hilemórfica64, rejeitando assim a tese da pluralidade das formas substanciais de um mesmo

64 “Segundo o hilemorfismo, toda realidade natural é composta de matéria e forma. Mais especificamente, o hilemorfismo sustenta que cada corpo natural é composto de dois princípios substanciais: a matéria (ou matéria prima) e a forma substancial. Estes princípios estão relacionados entre si do mesmo modo como estão a potência e o ato” (MORA, 1986, p. 1508, tradução nossa).

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composto, que até então possuía diversos adeptos. Deste modo, a alma intelectiva será “o ato que o integra [o corpo] na perfeição do ser-homem e da sua unicidade deriva a unicidade do agir e do fazer humanos” (LIMA VAZ, 1993 p. 69). Desta maneira, da compreensão do homem como animal racional conclui-se que, exatamente pelo fato de a racionalidade ser a diferença específica do homem que este, compreendendo seu lugar na natureza, empreende a busca de seu fim, que é a felicidade (LIMA VAZ, 1993).

É preciso considerar aqui que Tomás de Aquino compreende o intelecto humano a partir de duas finalidades diferentes, ou seja, embora o intelecto seja uma única potência da alma, será chamado de intelecto especulativo e intelecto prático: aquele, para designar a finalidade do conhecimento da verdade, ou seja, de consideração do que é bom para alcançar a felicidade e este, para aplicar o que foi obtido do outro à ação, ou seja, encontrar e aplicar os meios necessários ao bem agir:

e tal é a diferença entre o intelecto especulativo e o intelecto prático. O intelecto especulativo é aquele que não ordena o que apreende para a ação, mas somente para a consideração da verdade. Ao contrário, o intelecto prático ordena para a ação aquilo que apreende (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p.459, I q.79 a. 11).

Entretanto, para Tomás de Aquino, o agir humano

não será determinado apenas pelo intelecto (razão), mas também pela vontade, que é entendida como um apetite racional que tende ao bem:

[...] a vontade é um apetite racional. Todo apetite é somente do bem. A razão disto está em que o apetite nada mais é do que a inclinação daquele que deseja alguma coisa. Ora, nenhuma coisa se inclina senão para algo semelhante e conveniente a si (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 143, I-II q. 8 a.1).

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A vontade, entretanto, embora seja um apetite

racional, não é movida apenas pelo intelecto. Tomás de Aquino explica que além do intelecto, a vontade é movida pelos apetites sensíveis, por si própria, e por um princípio exterior, no caso, Deus (I-II q. 9). Assim, se compreende que os atos humanos não são puramente racionais, mas também volitivos, e é exatamente a relação entre o intelecto e a vontade que caracteriza a liberdade das ações humanas, ou seja, o livre arbítrio:

a escolha é o ato próprio do livre-arbítrio. Somos livres, enquanto podemos aceitar uma coisa, rejeitada outra: o que é escolher. Deve-se portanto considerar a natureza do livre arbítrio segundo a escolha. Ora, para a escolha concorre algo da parte da potência cognoscitiva e algo da parte da potência apetitiva. Da parte cognoscitiva requer-se o conselho pelo qual se julga o que deve ser preferido; da parte apetitiva requer-se que, ao desejar, aceite o conselho que julga (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 491, I q.83 a.3).

Esta concepção do homem como ser livre, a partir

de sua razão e de sua vontade, é o alicerce da ética tomista, pois, tendo em vista que a finalidade do homem é a bem aventurança, estes são, segundo Tomás de Aquino, os requisitos para alcançá-la:

chama-se bem aventurança a aquisição do perfeito bem. Por isso, quem seja capaz do sumo bem pode chegar à bem aventurança. Vê-se que o homem é capaz do sumo bem porque o seu intelecto pode apreender o bem perfeito e universal, e a sua vontade pode desejá-lo. Por isso, o homem pode conseguir a bem-aventurança (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 96, I-II q. 5 a.1).

Deste modo, todo pensamento ético de Tomás de

Aquino (a concepção dos atos humanos, das paixões da alma, das virtudes, dos vícios, etc.), e inclusive seu pensamento político parte desta concepção do homem

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como um ser livre que tem a felicidade (Deus) por finalidade, tende naturalmente a ela, e possui em si próprio os meios para alcançá-la, embora seja necessário um esforço, que é a prática da virtude, para isso.

1.3 A Bondade ou Maldade dos Atos Humanos e as Paixões da Alma Ao definir a finalidade do homem como a busca da

felicidade ou bem-aventurança, Tomás de Aquino compreenderá os atos humanos como bons à medida que conduzirem o homem a ela e maus à medida que o afastarem. Entretanto, para obter suas conclusões, o Aquinate, na prima secundae (primeira seção da segunda parte) da Suma, faz um minucioso estudo da estrutura dos atos humanos. Essa estrutura nos é apresentada de um modo sintético por Boehner e Gilson, segundo os quais, no pensamento tomista, o ato humano é compreendido da seguinte maneira: a intenção, que é a direção da vontade para um determinado fim; o conselho, que é a deliberação sobre os meios para atingir o fim visado pela vontade; o consentimento, que é o reconhecimento, a partir dos juízos formulados durante o conselho, de uma bondade no ato a ser praticado, que o torna desejável e o faz adquirir um valor subjetivo; e a eleição, que é um ato comum do intelecto e da vontade que determina a prática da ação, é a última decisão, a não ser que exista apenas uma possibilidade, o que faz com que a decisão de praticar determinada ação coincida com o consentimento (BOEHNER; GILSON, 2009).

Como fica claro, o ponto de partida para o ato humano é a intenção, ou seja a vontade. No entanto, para Tomás de Aquino a vontade tende sempre ao bem, ou seja tende sempre ao fim último do homem, exatamente porque é racional:

[...] deve-se dizer que somos senhores de nossos atos enquanto podemos escolher isso ou aquilo. A escolha

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não versa sobre o fim, ela versa sobre os meios para o fim [...]. Em consequência, o desejo do fim último não faz parte dos atos de que somos senhores (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 477, I q.82 a.1)

Ora, se a vontade tende naturalmente ao Sumo

bem, e a possibilidade de escolha do homem está limitada aos caminhos a serem percorridos para atingir este bem, então o mal, neste sentido, só será possível a partir do momento em que o homem forma uma opinião errônea sobre os meios pelos quais atingir sua finalidade, fazendo com que sua vontade tenda ao mal, pelo aspecto de bem que este aparenta. Aliás, para Tomás de Aquino, todo mal possui algo de bem, por compreender o bem no sentido ontológico. Como observa Fraile (1975), no pensamento tomista o bem ontológico das coisas está no fato de elas serem conforme a sua natureza, do mesmo modo que o mal está no defeito em ser de acordo com a natureza. Entretanto, como não existe o completo não ser, não existirá o mal supremo, mas o mal como um defeito do bem:

[...] deve-se falar do bem e do mal nas ações como do bem e do mal nas coisas, porque cada coisa age como é. Também cada coisa tem de bem quanto tem de ser, pois o bem e o ente se convertem [...]. Somente Deus possui toda a plenitude do seu ser segundo é uno e simples. Mas cada coisa possui a plenitude do ser que lhe convém segundo é diversa. [...] deve-se dizer que o mal age em virtude de um bem deficiente. Se aí não houvesse nada de bem, não haveria ente, nem poderia agir. Por isso, a ação causada é um bem deficiente, que segundo certo aspecto é bem, e mal de modo absoluto (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 239, I-II q. 18 a. 1).

Partindo desta concepção, é necessário

compreender que, mais do que uma norma moral fixa para atos bons e maus, a moralidade se aplica de maneira diferente a cada caso. Elders (2008) explica que Tomás de

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Aquino, para considerar a moralidade do ato, analisa o objeto, as circunstâncias e o fim buscado. Isto porque é completamente diferente, por exemplo, o caso de alguém que mata para roubar do que alguém que mata em legítima defesa.

Além disso, entretanto, é preciso considerar que o homem não é apenas um ser racional e suas ações não existem apenas no limite da razão. Tomás de Aquino também trata das paixões, ou seja, dos apetites sensíveis que existem no homem por conta de sua natureza corpórea: movimentos da sensibilidade, observadas nos movimentos afetivos, nos sentimentos e nas emoções. Albert Plé (2003) faz a importante observação de que, para Tomás de Aquino, mesmo que as paixões sejam consideradas apetites sensíveis, todas elas são paixões da alma, pois esta é o princípio de toda a vida vegetativa e animal: isto evoca novamente o conceito de homem como unidade de corpo e alma. Além disso, é importante considerar que a palavra “paixão”, no pensamento tomista, possui um sentido que não coincide com o uso contemporâneo: a paixão é entendida como a modificação do sujeito, no plano da afetividade, em função da atração que um objeto exterior exerce sobre ele, quer ele o aceite ou recuse (PLÉ, 2003).

Tomás de Aquino apresenta a distinção entre as paixões: podem ser elas concupiscíveis ou irascíveis. As paixões concupiscíveis são aquelas que movem o homem a desejar o que é sensivelmente bom, e as irascíveis são aquelas que levam o homem a vencer os obstáculos que impedem o concupiscível de tender ao seu objeto:

[...] deve-se dizer que o bem, enquanto agradável move o concupiscível. Mas se o bem a ser atingido apresenta alguma dificuldade, por isso tem algo que se opõe ao concupiscível. Era preciso que houvesse outra potência que tenda para este fim. A mesma razão vale para o mal. Essa potência é o irascível. Donde se segue que as

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potências do concupiscível e do irascível diferem em espécie (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 312, q. 23 a. 2)

As paixões concupiscíveis e irascíveis são

enumeradas por Tomás de Aquino, que posteriormente as explica detalhadamente (I-II q. 23 a.4). As concupiscíveis são o amor e o ódio, o desejo e a aversão, e o prazer ou alegria e a tristeza. As irascíveis são a esperança e o desespero, a audácia e o temor, e a ira. No que se refere à moralidade de cada uma dessas paixões, Tomás de Aquino as considerará neutras, de modo que será a sua submissão ou não às faculdades superiores da razão e da vontade que fará delas boas ou más:

as paixões da alma podem ser consideradas de duas maneiras: primeiro, em si mesmas; segundo, enquanto dependem do império da razão e da vontade. Se pois, as paixões forem consideradas em si mesmas, ou seja, enquanto movimentos do apetite irracional, desse modo não há nelas bem ou mal moral, o que de depende da razão, como foi dito antes (TOMÁS DE AQUINO, 2003, p. 319, I-II q. 24 a.1).

Entendendo desta maneira as paixões, Tomás de

Aquino as relacionará, juntamente com o livre arbítrio, ou seja, a razão e a vontade, ao desenvolvimento das virtudes e dos vícios, que serão os elementos que facilitarão ou degradarão a vida moral do homem.

1.4 As Virtudes e os Vícios O conceito de virtude de Tomás de Aquino, tal

como toda a sua ética, faz parte de um todo, que constitui seu sistema de pensamento. Lima Vaz (2006) observa que o Aquinate sintetiza, em seu tratado das virtudes, o conceito aristotélico de virtude como mediania entre dois extremos, e o conceito agostiniano, que compreende a

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virtude como uma boa qualidade da mente pela qual se vive com retidão.

O tratado das virtudes se encontra na prima secundae da Suma. Entretanto, antes de tratar propriamente das virtudes, Tomás de Aquino discorre sobre o hábito, que é o ponto de partida para a compreensão das virtudes. Como explica Torrell, o conceito de hábito, para Tomás de Aquino, não possui o significado de uma ação fixa e determinada, como normalmente o compreendemos. Hábito (habitus), tradução da palavra grega exis, siginifica alguma coisa que se tem (habere = ter), uma disposição, uma capacidade da natureza humana de se desenvolver em uma certa direção, “uma capacidade de adaptação e de ultrapassagem sempre nova, que aperfeiçoa a faculdade na qual nasce e lhe dá uma perfeita liberdade de exercício, fonte de um verdadeiro prazer no agir” (TORRELL, 2008, p. 318).

Tomás de Aquino apresenta esta explicação porque compreenderá a virtude, em si, como um hábito. Tendo em vista a busca da perfeição humana, o filósofo sabe que esta não se pode obter em um único momento, mas ao longo de toda a vida, a partir de atos voluntários dirigidos pela razão. Como observa Fraile (1975), a alma humana realiza atos que lhe são próprios a partir das diversas faculdades de conhecimento e de ação, e pela repetição destes atos, tais faculdades adquirem qualidades que as reforçam e as dispõem para agir em um determinado sentido com maior facilidade. Estas qualidades são as virtudes e os vícios. Deste modo, compreende-se a virtude como uma disposição para agir bem: a virtude é um hábito bom, que confere perfeição às potencias da alma. O sujeito da virtude é a própria alma, não enquanto potência de ser, mas enquanto princípio de agir, ou seja, a natureza da virtude é uma forma de agir, embora a perfeição da virtude não esteja em sua natureza, mas na razão, que escolhe os melhores meios para agir:

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a virtude designa certa perfeição da potência. Mas a perfeição de uma coisa é considerada, principalmente, em ordem ao seu fim. Ora, o fim da potência é o ato. Portanto, a potência será perfeita na medida em que é determinada por seu ato. Existem, porém, potências que são determinadas em si mesmas para os seus atos, como as potências naturais ativas e, por isso, elas próprias se chamam virtudes. – Já as potências racionais, próprias do homem, não são determinadas a uma coisa só, antes se prestam, indeterminadamente, a muitas coisas. Ora, é pelos hábitos que elas se determinam aos atos [...]. Por isso, as virtudes humanas são hábitos (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 95, I-II q.55 a.1)

Ao caracterizar a virtude como hábito, Tomás de

Aquino passa a discorrer sobre a ação das virtudes nas potências da alma e a partir das diferentes potências da alma aperfeiçoadas pelas virtudes, estas serão classificadas: as que aperfeiçoarem a potência do intelecto serão chamadas de virtudes intelectuais, e as que aperfeiçoarem a potência apetitiva serão chamadas de virtudes morais:

a virtude humana é um hábito que aperfeiçoa o homem, para proceder bem. Ora, os atos humanos só têm dois princípios, ou seja o intelecto ou razão e o apetite [...]. É preciso pois que a virtude humana aperfeiçoe um desses dois princípios. Se for virtude que aperfeiçoa o intelecto especulativo ou prático para o bom agir do homem, a virtude será intelectual; se aperfeiçoar a potência apetitiva, será virtude moral, donde se conclui que toda virtude humana é intelectual ou moral (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 134, I-II q. 58 a. 3).

Por compreender o intelecto como especulativo e

prático, Tomás de Aquino classificará as virtudes intelectuais de acordo com o intelecto que aperfeiçoam. As que aperfeiçoam o intelecto especulativo serão chamadas intelecto, sabedoria e ciência. Tomás de Aquino explica

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que aperfeiçoar o intelecto especulativo significa o aperfeiçoar na compreensão da verdade (I-II q. 57 a. 2). Deste modo, o hábito que leva a verdade a ser considerada em si mesma e percebida imediatamente pelo intelecto é denominada homonimamente por intelecto, que é o hábito dos princípios. O hábito que analisa e organiza as coisas e conduz o homem à compreensão das causas primeiras para que possa ter um juízo perfeito e universal de tudo é a sabedoria. E, por fim, o hábito que aperfeiçoa o intelecto em um determinado gênero do conhecimento é a ciência. No que se refere ao intelecto prático, as virtudes que o aperfeiçoam são a prudência e a arte. A arte está relacionada à aplicação da razão ao domínio da produção das coisas, e a prudência consiste na “razão reta dos próprios atos humanos” (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 123, I-II q. 57 a. 4). Por esse motivo, todas as virtudes morais terão ligação com a prudência (que de certa forma é uma virtude moral), pois todas elas dependerão da reta razão.

Com relação às virtudes morais, embora sejam diversas, podem elas ser reduzidas a três: a justiça, a temperança e a fortaleza. Estas três virtudes, juntamente com a virtude da prudência, serão chamadas de virtudes cardeais, pelo fato de todas as demais virtudes girarem em torno delas. Tomás de Aquino explica que o princípio formal da virtude é o bem da razão (I-II q. 61 a. 2). A justiça será a aplicação deste princípio no que se refere às ações; a temperança e a fortaleza no que se refere às paixões: esta quando a paixão afasta o homem das normas da razão, e ele deve se firmar no que é racional, e aquela, quando a paixão impele o homem a algo contrário à razão e deve ser controlada. Torrell (2008) observa que, neste sentido, é função da temperança disciplinar o concupiscível, e função da fortaleza tornar o irascível mais forte. Deste modo, utilizando-se corretamente das paixões, a virtude fortalece o homem em seu apego ao bem, ao

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passo que se cedesse à inclinação natural de suas paixões, conduziria o homem à desagregação.

Como já vimos, para Tomás de Aquino as virtudes conduzem o homem à boa ação (I-II q. 62). Deste modo, saindo do campo da filosofia e adentrando o campo da teologia, o Aquinate apresenta uma nova classe de virtudes, as teologais. São elas: fé, esperança e caridade. Torrell (2008) explica que, no pensamento tomista, embora o homem possua a capacidade de adquirir as virtudes intelectuais e morais, se fosse deixado à sua própria força, não conseguiria alcançar seu êxito pessoal e comunitário. Deste modo, partindo do ensinamento da revelação cristã de que o homem é chamado a uma bem aventurança que supera suas capacidades, são identificadas virtudes infundidas por Deus no homem para que este possa atingir seu fim sobrenatural. Por fim, ainda no âmbito teológico, Tomás de Aquino trata dos dons do Espírito Santo, que, além das virtudes teologais, consistem também em auxílio divino para que o homem atinja sua finalidade.

Terminada a sua exposição sobre as virtudes, Tomás de Aquino considera a questão dos vícios e dos pecados. Ora, os vícios são entendidos como hábitos opostos às virtudes. Portanto, se a virtude é a perfeição da ação de acordo com a natureza humana, o vício será uma ação contra a mesma, ou seja, uma ação contra a razão, e mais do que isso, um hábito que leva o homem a agir cada vez com mais facilidade contra os seus princípios racionais:

o vício opõe-se à virtude. Ora, a virtude de cada coisa consiste em que esteja bem disposta segundo o que convém à sua natureza. Logo, deve chamar-se vício, em qualquer coisa, o fato de estar em disposições contrárias ao que convém à sua natureza [...]. Mas, deve-se notar que a natureza de uma coisa é antes de tudo a forma pela qual recebe a espécie. Ora, o que constitui a espécie humana é a alma racional. Eis porque, tudo o que é contra a ordem da razão é, propriamente, contra

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a natureza do ser humano considerado como tal [...]. Por conseguinte, a virtude humana, a que faz com que o ser humano seja bom e boa também sua obra, está em conformidade com a natureza humana, na medida em que ela está em harmonia com a razão. E o vício é contra a natureza humana, na medida em que é contra a ordem racional (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 292-293, I-II q. 71 a .2).

Tomás de Aquino trata sobre os vícios e os

pecados na mesma parte da prima secundae, mas discorre muito mais sobre o pecado, que se refere à teologia, do que sobre o vício, que seria mais filosófico. Entretanto, como explica Mongillo, Tomás de Aquino une o vício e o pecado, utilizando-os quase como sinônimos, afirmando que ambos são contrários à virtude. Tomado em si, o vício é compreendido como uma falta, uma desordem que tende a se tornar um modo de ser. O vício se enraíza na pessoa, tornando-a indisponível à sua natureza e ao fim ao qual ela se ordena, acarreta uma espécie de desagregação interna. E tomado em si, o vício pode ser engendrado por um pecado mortal, que acarreta uma ruptura entre o apetite sensível e o racional e compromete a relação do ser humano com seu fim último que é a fonte de toda a ordem moral (MONGILLO, 2005).

Ainda sobre este tema, Bortolo Valle (2011) explica que, no pensamento tomista, o vício é o hábito que impede o homem de ser melhor naquilo que é e no que faz, entretanto, para um homem ser bom não basta a prática da virtude, pois a ação individual só se realiza plenamente em sociedade. Deste modo, tal como em Aristóteles, a ética de Tomás de Aquino será a base para seu pensamento político, visto que a moralidade humana não envolve apenas princípios internos, mas também princípios externos, e estes princípios são as leis que, embora façam parte do pensamento político, por serem guias das ações humanas também fazem parte do pensamento ético.

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1.5 A Natureza da Lei Tal como citamos acima, Tomás de Aquino

compreende que faz parte da natureza do homem viver em sociedade. Entretanto, a vida social exige princípios que regulem as ações humanas em vista do bem comum. Estes princípios são chamados de leis:

a lei é certa regra e medida dos atos, segundo a qual alguém é levado a agir, ou a apartar-se da ação. Diz-se, com efeito, “lei” “do que deve ser ligado”, pois obriga a agir. A regra e a medida dos atos humanos é, com efeito, a razão, a qual é o primeiro princípio dos atos humanos [...]; cabe, com efeito, à razão ordenar ao fim, que é o primeiro princípio do agir, segundo o Filósofo. Em cada gênero, com efeito, o que é princípio é medida e regra desse gênero, como a unidade no gênero do número, e o primeiro movimento no gênero dos movimentos. Daí resulta que a lei é algo que pertence à razão (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 522, I-II q. 90 a. 1).

O fato de a lei pertencer à razão faz com que ela

seja formulação das exigências racionais para se alcançar o bem comum, a fim de que ela não seja injusta. Como observam Boehner e Gilson, visto que o fim dos atos humanos é a beatitude (felicidade), então a lei deve servir para conduzir o homem à beatitude, entretanto não como um indivíduo isolado, mas como participante de uma coletividade. Por este motivo, ela deve emanar da comunidade ou de seu legítimo representante (BOEHNER; GILSON, 2009).

Tomás de Aquino apresenta e explica os diferentes tipos de lei: a lei eterna é a razão de Deus, que governa todo o universo, e é assim chamada pelo fato de Deus não conceber nada no tempo; a lei natural é a manifestação da lei eterna na natureza humana, que dirige e orienta os homens ao seu fim último, de modo que é única para todos os homens, imutável e conhecida por todos em seus

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O Pensamento Ético de Tomás de Aquino // 133

princípios comuns (fazer o bem e evitar o mal), acerca dos quais não cabe ignorância a nenhum homem; e a lei humana é a definição e aplicação da lei natural a casos particulares de cada nação ou comunidade política, sendo mutável de acordo com as circunstâncias visto que pode ser compostas por determinações que não são conclusões diretas da lei natural (I-II q. 91).

Aubert (2005) salienta que a lei possui uma função pedagógica ao conduzir o homem para o seu fim último. Lima Vaz (2006), por sua vez, entende que a partir do desenvolvimento do tratado da Lei, Tomás de Aquino termina de elaborar o horizonte objetivo da existência ética, a fim de desenvolver, em seguida, sua exposição sobre o horizonte subjetivo, ou seja, a esfera individual da existência ética, que envolve a enumeração e explicação das virtudes, sua ordem, unidade e as modalidades de seu exercício na vida do ser humano. Contido nesta explicação sobre o horizonte subjetivo da ética está o tratado da prudência, tema de nosso próximo capítulo.

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- II -

A VIRTUDE DA PRUDÊNCIA NO PENSAMENTO DE TOMÁS DE AQUINO

Para Tomás de Aquino, a prudência é uma virtude

cardeal, como afirmamos no capítulo anterior. Por ser virtude, a prudência deve, portanto, ser um hábito que conduz o homem à prática do bem e o aperfeiçoa, de modo a agir corretamente com crescente facilidade. Por ser virtude cardeal, significa que é uma das principais virtudes para a vida moral do homem. Ora, ao ser entendida como a aplicação da reta razão à ação, Tomás de Aquino compreende que não podem existir as virtudes morais sem a prudência, pois todas elas dependem da aplicação dos princípios racionais à ação, ou seja, a prudência dirige todas as virtudes morais: “portanto, deve-se dizer que a prudência é, absolutamente, a mais importante de todas as virtudes” (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 164, I-II q. 61 a.2).

Para explicar detalhadamente a virtude da prudência, Tomás de Aquino se utiliza das questões 47 a 56, da segunda seção da segunda parte (secunda-secundae) da Suma teológica. Essas questões foram denominadas o tratado da prudência. Embora na segunda seção da primeira parte da Suma esta virtude tenha sido apresentada como virtude cardeal, é no tratado da prudência que Tomás de Aquino discorrerá sobre a prudência em si mesma, as partes que a integram e os vícios e pecados relativos a ela. É a partir deste tratado que buscamos explicitar, então, o conceito de prudência no pensamento tomista.

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2.1 A Prudência em si Mesma Para iniciar o estudo sobre a prudência, Tomás de

Aquino a considera em si mesma, questionando se está ela na razão (potência cognoscitiva) ou na vontade (potência apetitiva). Como a potência apetitiva conhece apenas o que se apresenta aos sentidos, então a prudência não pode estar nela, visto que pela prudência o homem conhece o futuro a partir da dedução das situações passadas e presentes, o que é próprio da razão. Compreendendo então a prudência como racional, cumpre saber se ela está ligada à razão prática ou especulativa, e já aqui aparece a definição aristotélica de prudência adotada por são Tomás, apesar dos diferentes desdobramentos dados a ela: a prudência é a “capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito aos bens humanos” (ARISTÓTELES, 1979, p. 145, 1140b 20-21). Por ser a prudência a aplicação da reta razão à ação, pertence ela, portanto, ao intelecto prático. Deste modo, a prudência está estritamente vinculada às situações às e coisas que são singulares (particulares), pois ela aplica considerações racionais às ações, de modo que, embora seja necessário o conhecimento do que é universal (a finalidade do homem e a aplicação deste princípio para que a ação seja boa), cada caso prático terá suas particularidades, a partir das quais a razão, pela prudência, conceberá as diversas adaptações na ação, para que ela seja moralmente boa. Josef Pieper, filósofo do século XX e estudioso de Tomás de Aquino, afirma que o bem concreto pressupõe que se encare a realidade, ou seja, não é possível fazer o bem de fato sem o conhecimento das situações contingentes. É nesse sentido que se entende que para a realização de qualquer boa obra se faz necessária a prudência (PIEPER, 2012).

Somente depois de fazer estas considerações é que Tomás de Aquino questiona se de fato a prudência é uma virtude. Depois de estabelecido o conceito de virtude,

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e analisando os sentidos sobre os quais se compreende o bem, o Aquinate conclui que a prudência é não apenas uma virtude intelectual, mas também uma virtude moral:

como já foi dito, quando se tratou da virtude em geral, “a virtude torna bom aquele que a possui, e boa a obra que faz”. Ora, o bem pode ser dito em dois sentidos: materialmente, para designar o que é bom, formalmente, quando é entendido sob a razão de bem. O bem enquanto tal é objeto da potência apetitiva. É por isso que, se há hábitos que tornam reta a consideração da razão, sem levar em conta a retidão do apetite, eles têm menos razão de virtude, pois se orientam a um bem compreendido materialmente, isto é a algo que de fato é bom, mas não considerado sob a razão de bem. Enquanto que os hábitos que se referem à retidão do apetite realizam em grau maior a razão da virtude, porque eles se referem ao bem não só materialmente mas ainda formalmente, a saber, considerado sob a razão de bem. Ora, compete à prudência, como já foi dito, aplicar a reta razão à obra, que não se faz sem o apetite reto. É por isso que a prudência não realiza somente o conceito de virtude como as outras virtudes intelectuais, mas possui também a noção de virtude própria das virtudes morais, entre as quais ela está enumerada (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 591-592, II-II q. 47 a. 4).

Recordamos que, para Tomás de Aquino, a virtude

é sempre um hábito, uma disposição boa que conduz ao bem agir. Como explica Torrel, as virtudes não são um obstáculo imposto à natureza humana, mas um aperfeiçoamento suplementar que a conduz à sua realização verdadeira, que é a prática do bem, visto ser a natureza humana uma criação divina (TORREL, 2008).

A partir desta definição, Tomás de Aquino trata da especificidade (ou especialidade) da prudência, pois, compreendida como a aplicação da reta razão a todas as ações humanas, a prudência se afiguraria no conceito

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geral de virtude, e portanto estaria em todas as virtudes, ao invés de ser uma virtude específica. Esta objeção é respondida considerando que o objeto da prudência é específico, pois, como virtude intelectual, difere da sabedoria, da ciência e do intelecto, que têm como objeto as coisas necessárias (pertencem à razão especulativa), e difere da arte (que pertence à razão prática) pois esta tem como objeto as coisas a serem fabricadas, no sentido material. Assim, por ser o objeto específico da prudência aquilo que deve ser feito (as ações imanentes do sujeito), conclui-se que ela é uma virtude específica. Entretanto, no que se refere às virtudes morais, a prudência de fato se afigura em sua definição geral (e não na definição geral para todas as virtudes), mas difere de todas as outras por seu aspecto formal, que é o intelectual, em oposição ao âmbito apetitivo, de todas as outras virtudes morais, de onde se conclui que a prudência ajuda todas as virtudes morais e opera em todas, mas é uma virtude específica (II-II, q. 47 a.5).

Por compreender que a prudência opera em todas as virtudes morais, Tomás de Aquino analisa a relação da prudência com as virtudes morais, questionando, inicialmente, a determinação ou não do fim das virtudes morais pela prudência (II-II q. 47 a.6). Ora, se se compreende o fim das virtudes morais como o bem humano e o bem da alma humana como a conformidade desta à razão, então é necessário que os fins das virtudes morais preexistam na razão. Pois, da mesma forma que existem certos conhecimentos naturais na razão especulativa e certas conclusões obtidas a partir delas, na razão prática existem princípios que são naturalmente conhecidos, neste caso, o fim das virtudes morais, e as conclusões obtidas a partir deles, que são os modos de agir que conduzem a este fim, e são estas conclusões que

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se referem à prudência, que dispõe os meios para atingir os fins já estabelecidos65.

Assim, compreende-se que a prudência estabelecerá o meio termo para as virtudes morais, pois, embora o fim de cada uma delas esteja dado e o meio termo seja o fim das virtudes morais, ele não pode ser encontrado senão pela reta disposição dos meios da ação. Por exemplo, o fim da temperança, já estabelecido, é que o homem não se afaste da razão por conta da concupiscência, no entanto, o meio termo que consistirá na ação temperante em cada ocasião não é dado senão pela prudência, visto que a inclinação natural age sempre da mesma forma, independente da ocasião. Nesse sentido, Torrel ressalta que a conexão das virtudes pela prudência, realizada por Tomás de Aquino (não pode haver virtude moral sem prudência, nem prudência sem virtude moral) só é compreendida à luz da concepção antropológica do homem como unidade substancial entre o corpo e a alma: o homem não é uma inteligência ligada por acidente ao corpo, e também não é vontade pura sem inteligência, de modo que a virtude não se limita somente ao campo intelectual ou ao campo do apetite, mas faz parte dos dois. Por ser a prudência virtude intelectual e moral ao mesmo tempo, todas as outras virtudes morais estão ligadas a ela, pois é por ela que tais virtudes se orientam retamente à finalidade do homem (TORRELL, 2008).

Após concluir o que estabelece a virtude da prudência, Tomás de Aquino questiona sobre o ato principal da prudência, entendendo que este será o ato de

65 No pensamento de Tomás de Aquino, o homem compreende os fins da ação moral pela sindérese, que designa “o guia da consciência moral do homem ou esta mesma consciência”, e especificamente no pensamento de Tomás de Aquino se refere à “compreensão dos princípios que estão à base da atividade prática” (ABBAGNANO, 1970 p. 872), tal qual o intelecto compreende os princípios últimos que embasam a ciência. A prudência será a virtude da utilização dos melhores meios para atingir tais fins.

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comandar66, pois, visto que a prudência é a reta razão do que deve ser feito, seu ato principal será aquele que seja o principal ato da razão orientado ao que deve ser feito. Como os atos da razão consistem na deliberação, no julgamento e no comando, e este consiste na aplicação à ação do resultado obtido nos dois atos anteriores, este está mais próximo do fim da razão prática, sendo portanto o ato principal da razão prática, e consequentemente da prudência. Neste ponto, Tomás de Aquino observa outra distinção entre a arte e a prudência, pois a perfeição da arte consiste no julgamento e não no comando, de modo que um artista que comete um erro voluntário em sua obra é tido como melhor do que o que comete um erro involuntário, pois aquele possui um julgamento melhor do que este (II-II q. 47 a.8).

No que se refere à prudência, no entanto, quem comete uma falta voluntariamente falha no ato principal da prudência, que é comandar, e portanto é mais imprudente do que quem falha involuntariamente. Em seguida à explicação sobre o ato de comandar, Tomás de Aquino apresenta a solicitude como pertencente à prudência. Ao compreender a solicitude a partir do pensamento de Isidoro como uma sagacidade do espírito que leva à rapidez para a realização de uma devida ação, e partindo do pensamento de Aristóteles, para quem “a conclusão do que se deliberou deve ser posta logo em prática, mas a deliberação deve ser lenta” (ARISTÓTELES, 1979, p. 148, 1142b 4-5), o Aquinate conclui que de fato a solicitude tem relação com a prudência, ou seja, pertence a ela. Como observa Lauand, o ato de comandar, como principal característica da prudência, e a solicitude como prontidão para a execução da atitude correta, se contrapõe ao sentido assumido pela palavra prudência atualmente, que

66 “Comandar neste tratado não deve ser entendido só – nem principalmente – como dirigido a outro: é pela prudência que o homem ‘comanda’ a si mesmo.” (LAUAND, 2005, p.107)

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se refere mais à indecisão e à falta de atitude do que a prontidão para a ação correta (LAUAND, 2002).

Após as considerações acerca do comando, e da solicitude, Tomás de Aquino questiona se a prudência se estende ao governo da multidão ou apenas ao governo de si próprio. Partindo do princípio da caridade e do julgamento da reta razão de que o bem comum é mais importante que o bem individual (até porque o próprio bem individual não pode subsistir sem o bem comum), e por ser próprio da prudência bem deliberar, julgar e comandar, então a prudência se estende também ao governo da multidão, e tomada por esta referência denomina-se política:

[...] assim como toda virtude moral que se refere ao bem comum se chama justiça legal, assim a prudência referida ao bem comum se chama “política”, de modo que a política se relaciona com a justiça legal da mesma forma que a prudência simplesmente dita à virtude moral (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 602, II-II q. 47 a. 10).

Entretanto, o Aquinate distingue a prudência e a

política, explicando que não são da mesma espécie. A política visa o bem comum de uma cidade, do mesmo modo que a economia visa o bem de uma família. Entretanto, o modo de buscar o bem individual, familiar e social são diversos entre si, de modo que a reta razão do agir relativa à política não é a mesma relacionada ao cuidado familiar e individual. Deste modo, conclui-se que existem diferentes espécies de prudência, uma relativa a cada fim específico.

Tratando prudência como política, Tomás de Aquino explica que a prudência não está apenas no governante, mas também nos súditos e escravos, pois, embora caiba ao governante dirigir e governar segundo a reta razão, de modo que a prudência pertença a ele como governante, e não nos súditos e escravos enquanto tais, o fato de todos os homens serem racionais faz com que eles

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participem em algo do governo, segundo o julgamento da razão, e nessa medida a prudência convém a eles também, embora não da mesma maneira que convém ao governante Para exemplificar, Tomás recorre a Aristóteles, que explica, na Ética a Nicômaco, que a prudência está no governante como a arte de um arquiteto, e nos súditos como a arte manual de um operário, para exprimir as duas espécies de prudência política por ele concebida: a legislativa, que cabe aos governantes, e a que conserva o nome comum de política, que se refere às coisas singulares, e que diz respeito também aos súditos (II-II q. 47 a. 12). Albert Raulin destaca que, ao tratar deste tema, Tomás de Aquino “manifesta claramente em que consiste a dignidade da pessoa humana: todo ser humano, esteja ele no grau mais baixo da escala social, é dotado de prudência” (RAULIN, 2004 p.605).

Como já foi dito, toda a filosofia de Tomás de Aquino está relacionada à teologia moral. Assim, ainda tratando da prudência em si mesma, pergunta-se se pode haver prudência nos pecadores. À resposta negativa, Tomás explica que a prudência pode ter três sentidos. O primeiro é a prudência falsa ou por semelhança: por ser a prudência a disposição reta do agir para alcançar um fim bom, toda vez que houver uma reta disposição do agir em vista de um fim mau, tal capacidade será uma prudência falsa, pois no lugar de um bem verdadeiro busca-se uma semelhança de bem. É neste sentido que se pode falar de um ladrão prudente: aquele que encontra os meios apropriados para atingir um fim que é mau em si. O segundo é a prudência verdadeira, mas imperfeita, que se dá de dois modos: primeiro, quando a aplicação da reta razão ao agir não acontece em vista de um fim comum a toda vida humana, mas em vista de um fim específico, como o caso do comerciante prudente ou do navegador prudente; segundo, quando a deliberação e o julgamento são bem feitos, mas não o é o comando, de modo que falta o ato principal da prudência. O terceiro sentido é a

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prudência verdadeira e perfeita, que é aquela que delibera, julga e comanda retamente em vista de um fim bom para a vida toda, e apenas esta pode ser chamada de prudência em absoluto (II-II q. 47 a. 13).

Esta prudência não pode ser encontrada nos pecadores, visto que, ao pecar, buscam eles um bem aparente, o que faz com que possuam a prudência falsa. Quanto à prudência verdadeira mas imperfeita, esta encontra-se tanto nos homens bons e maus, no sentido de ser imperfeita por buscar um fim particular. A prudência imperfeita por deficiência do ato principal, por sua vez, só é encontrada nos homens maus, pois acabam sendo incapazes de agir bem pela falta do comando (II-II q. 47 a. 14).

Partindo disto, se afirmará que a prudência encontra-se em todos aqueles que possuem a graça de Deus, pois quem possui a graça possui a caridade, e quem possui a caridade possui todas as outras virtudes, em maior ou menor grau67. Albert Raulin explica que as objeções a esta afirmação (a de que nem todos os que possuem a graça têm a habilidade de prever como se deve agir; a de que muitos que possuem a graça não são pessoas de bom conselho e precisam de outros que os dirijam e a de que alguns jovens têm a graça, mas Aristóteles afirma que não consta que os jovens sejam prudentes) são bastante pertinentes. Para respondê-las, Tomás de Aquino afirma que existem dois tipos de habilidades que são relativas à prudência: uma, que é suficiente para fazer o que é necessário para alcançar a salvação, e outra, mais completa, pela qual o homem provê a si mesmo e aos outros o que é necessário à

67 Do mesmo modo que atribui à prudência um papel arquitetônico em relação às virtudes, Tomás de Aquino o faz com a caridade, porém num nível superior, entendendo que apenas a caridade pode colocar o homem à altura de seu fim verdadeiro, e que não pode haver a prudência sem a caridade. Como as virtudes morais precisam da prudência para existir, precisam também da caridade (TORRELL, 2008).

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salvação e também o que está relacionado à vida humana. Deste modo, aquele que está em estado de graça possui ao menos a primeira habilidade. Além disso, com relação às pessoas que têm a graça mas possuem a necessidade de serem dirigidos por outros, a prudência se afigura no fato de a pessoa discernir que necessita do conselho, e de sentir a impiedade de certos conselhos. Por fim, explica que a prudência dada com a graça é causada por infusão divina, e está de acordo com a capacidade mental (ou idade mental) de cada um, de modo que os jovens a possuem ao menos como a habilidade de fazer o que é necessário à salvação, e a partir do exercício da virtude (repetição dos atos bons) e acúmulo de experiência poderão chegar à perfeição da prudência (RAULIN, 2004).

Na discussão seguinte, Tomás de Aquino explica que a prudência não faz parte da natureza humana, ou seja, não é inata no homem. Partindo do princípio de que a prudência inclui o conhecimento dos universais e dos particulares para conduzir o homem ao reto agir, no que se refere ao conhecimento dos universais, a prudência coincide com a ciência especulativa, e embora os primeiros princípios universais sejam conhecidos naturalmente, os princípios universais posteriores, tanto da razão especulativa quanto da razão prática, são descobertos ou pela experiência ou pela instrução, ainda que os princípios comuns da prudência (os fins das virtudes morais, o reto agir humano) sejam, nas palavras do Aquinate, “mais conaturais ao homem” (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 610, II-II q. 47 a. 15).

No que se refere ao conhecimento particular, se faz necessária a distinção sobre o que diz respeito ao fim da ação humana e o que diz respeito aos meios para atingir determinado fim. Ora, os fins da reta vida humana estão determinados, de modo que é possível dizer que são conhecidos naturalmente pelos homens. No entanto, os meios para atingir tais fins nas diferentes realidades humanas são diversos, e visto que a inclinação da

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natureza é sempre para algo determinado e a prudência é relativa aos meios (indeterminados) e não aos fins, conclui-se que a prudência não é natural no ser humano. Neste sentido, Jean Lauand atenta para o caráter dramático da prudência, pois não existem critérios operacionais para determinar a decisão certa: existem até critérios objetivos, mas os meios para atingir determinado fim são variados e é necessário que o homem os escolha (LAUAND, 2006).

A última discussão sobre a prudência considerada em si mesma é se ela é passível de se perder pelo esquecimento. Neste artigo, Tomás de Aquino explica ser o esquecimento referente apenas ao conhecimento, e não à prudência, porque esta não está unicamente no conhecimento, mas também na vontade, visto que seu ato principal é o comando (aplicação do conhecimento ao desejo e à ação). No entanto, de modo indireto, o esquecimento do conhecimento pode impedir a prudência, visto que só pode haver o comando a partir de um conhecimento prévio (II-II q. 47 a. 16).

Tomás de Aquino realiza um percurso para apresentar a prudência em si, como uma virtude especial, e todas as suas nuances, de modo a deixá-la muito bem definida. A partir desta definição, continua a exposição de seu pensamento apresentando as partes constituintes da prudência, ou seja, aquilo que faz com que a prudência corresponda de fato à definição apresentada. Segundo sua divisão, a prudência possui partes integrantes, que estariam para ela como as paredes, o teto e as fundações estariam para uma casa; as partes subjetivas, que estariam tal qual uma espécie ou outra de animal estariam para todo o gênero; e as partes potenciais, que são parte da prudência da mesma maneira que as faculdades nutritiva e sensitiva são partes da alma (II-II q. 48).

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2.2 As Partes como que Integrantes da Prudência Antes de iniciar propriamente este tema, cabe uma

observação referente ao título: as partes como que integrantes da prudência, ou as partes quase integrais da prudência. Jean Laund (2005) explica que, para Tomás de Aquino, a virtude (o hábito) é uma qualidade simples, não constituída por outras partes, de modo que não admite partes integrantes em sentido próprio, mas por similaridade, ou seja, são elementos que permitem que se possa praticar perfeitamente esta virtude, mas não a constituem em si:

se, pois, considerarmos o hábito nas realidades às quais ele se estende, nele encontraremos, certamente, alguma multiplicidade. Como, porém, esta multiplicidade se ordena a algo uno, a que o hábito visa principalmente, segue-se daí que o hábito é uma qualidade simples, [...] embora se estenda a muitas coisas. Um único hábito, na verdade, não se estende a muitas coisas. Um único hábito, na verdade, não se estende a muitas coisas a não ser em vista de algo uno, donde tem a sua unidade (TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 93, I-II q. 54 a. 4).

A partir da compreensão de tal questão, é possível

analisar, então, as partes da prudência. A primeira parte da prudência elencada por Tomás de Aquino é a memória. Explica ele, partindo do já explicitado conceito de que a prudência se refere às ações contingentes, que nessas ações o homem não pode se guiar por verdades absolutas e necessárias, mas por aquilo que acontece na maioria dos casos, e para saber o que é verdade na maioria dos casos a experiência se faz necessária. Entretanto, a experiência só existe por conta das muitas lembranças de modo que a prudência, consequentemente, exigirá a memória de muitas coisas, de modo que é conveniente considerar a memória como parte da prudência. Além

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disto, a memória dos fatos passados se torna argumento para analisar as situações futuras, tornando-se necessária ao bom conselho para as situações que virão. Neste sentido, Josef Pieper (1964 apud LAUAND 2004) explica que, para Tomás de Aquino, a memória relativa à prudência é mais do que simplesmente o fato da recordação:

por memória [Tomás de Aquino] entende algo mais do que, por assim dizer, a mera faculdade natural de lembrar-se [...]. A ‘boa’ memória, entendida como requisito de perfeição da prudência, não significa senão uma memória ‘fiel ao ser'. [...] O falseamento da recordação, em oposição à realidade, mediante o sim ou o não da vontade, constitui a mais típica forma de perversão da prudência (PIEPER, 1964 apud LAUAND, 2004)

Em seguida, é apresentado o intelecto ou

inteligência como parte da prudência, sendo este conceito entendido não como faculdade intelectiva, mas como a capacidade intelectual de compreender retamente um princípio primeiro, evidente por si, pois toda dedução racional procede dos princípios aceitos como primeiros, de modo que todo processo racional proceda de algo conhecido, ou seja, dependa de uma inteligência. Por ser a prudência a reta razão aplicada à ação, é necessário que todo o seu desenvolvimento proceda do intelecto, de modo que este pode ser considerado parte da prudência (II-II q. 49 a. 2).

A parte seguinte a ser apresentada é a docilidade, compreendida como a disposição para receber bem a instrução. Como existe praticamente uma infinidade de casos particulares aos quais a prudência deve ser aplicada, e não é possível que um homem os conheça em um curto espaço de tempo, torna-se necessária a instrução por outro mais experiente, a fim de agir retamente nos diversos casos que se apresentam. Por

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este motivo a docilidade também é parte da prudência (II-II q. 49 a. 3). Ao tratar deste tema, Tomás de Aquino destaca a grande importância que possuem os anciãos que, pela experiência conseguem formar um reto juízo a respeito dos fins das ações. Além de citar os livros bíblicos de Provérbios e Eclesiástico acerca da importância dos mais velhos, cita também Aristóteles:

devemos acatar não menos que as demonstrações, os aforismos e opiniões não demonstradas de pessoas experientes e mais velhas, assim como das pessoas dotadas de sabedoria prática. Com efeito, essas pessoas enxergam bem porque a experiência lhes deu um terceiro olho (ARISTÓTELES, 1979, p. 151, 1143b 11-17).

Entretanto, a docilidade não se trata de submissão

e zelo superficial, como observa Pieper: se trata antes de uma disponibilidade leal, que em face à multiplicidade das coisas e das situações, não confia estupidamente na autarquia de um saber fictício, ou seja, é a capacidade de deixar-se ensinar, não por uma falsa modéstia, mas por um desejo verdadeiro de aprender (PIEPER apud LAUAND, 2006).

Ao tratar da prudência em si, Tomás de Aquino dispusera a solicitude como pertencente à prudência, entendendo por solicitude certa sagacidade do espírito que agiliza a ação prudente. Tratando agora das partes integrantes da prudência, Tomás discorre apenas sobre a sagacidade, apresentando-a como tal. A sagacidade aqui é compreendida como parte da eustochia68, sendo esta a

68 Eustochia é um termo retirado dos Analíticos Posteriores de Aristóteles, que pode ser entendido como perspicácia: “a perspicácia é um tipo de talento para atinar o termo médio sem um único momento de hesitação. Alguém percebe que a lua tem sua face luminosa voltada para o sol e imediatamente compreende a razão, qual seja, porque a lua retira sua luminosidade do sol [...]” (ARISTÓTELES, 2005, p. 312, 89b 10-11)

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capacidade de conjecturar bem sobre todas as coisas, e aquela a conjectura fácil e rápida com relação aos meios para se atingir o fim determinado. Ao responder a objeção de que a sagacidade se referiria apenas à descoberta do meio termo nas demonstrações, Tomás de Aquino afirma que a sagacidade compreende o meio termo na ordem prática, e para isto utiliza o seguinte exemplo, retirado de Aristóteles: quando dois inimigos se tornam amigos, conjectura-se que têm um inimigo em comum. Tal conjectura é fruto da sagacidade (II-II q. 49 a. 4). Sobre isso, comenta Raulin que a sagacidade é a “prudência do detetive”, tomando por exemplo alguns romances policiais: é a relação das particularidades do crime com as características das personagens que levam o investigador a desvendar o crime. Entretanto, é importante notar que a sagacidade não se aplica apenas a situações exteriores a cada homem, mas muito mais às ações particulares de cada um, pois ela leva o homem a regular suas ações (RAULIN, 2004).

Outra parte integrante da prudência, para Tomás de Aquino, é a razão. Explica ele que a obra do prudente é deliberar com acerto, e a deliberação é obra da razão, visto ser ela uma pesquisa que parte de alguns dados e alcança outros. Assim, para haver prudência é necessário o bom raciocínio. À objeção de que o sujeito de um acidente não é parte do mesmo e, por ser a prudência residente na razão como em seu sujeito, de modo que a razão não poderia ser parte da prudência, Tomás de Aquino responde que não se trata da razão como potência, mas sim do bom uso da razão. Jean Lauand assinala que o termo razão, neste contexto, se refere à “inteligência que discorre, raciocina, em oposição à inteligência que intui diretamente” (LAUAND, 2005 p. 110).

A previdência também se afigura como parte integrante da prudência, aliás, é esta a principal parte integrante da prudência. Tomás de Aquino observa que as ações do passado de certo modo se tornam necessárias,

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pois não se pode mudá-las, e assim também as do presente possuem certa necessidade, pois estão acontecendo. Deste modo, apenas os contingentes futuros pertencem à prudência, visto que podem ser ordenados pelo homem ao fim da vida humana. Neste sentido, a palavra previdência se refere a algo distante, e para o qual o presente deve ser encaminhado (II-II q. 49 a. 5). Assim, Tomás de Aquino define a previdência como a principal parte da prudência por ser aquela à qual todas as outras estão ordenadas:

[...] todas as vezes que muitas coisas são requeridas para uma ação, uma delas é necessariamente a principal à qual todas as outras são ordenadas. Também há em cada todo uma parte formal dominante, da qual o todo recebe sua unidade. Neste sentido, a previdência é principal entre todas as partes da prudência: porque, todas as outras coisas requeridas para a prudência são necessárias para algo que se ordene retamente ao fim. Por esta razão, o próprio termo prudência deriva de previdência, como de sua parte principal (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 627-628, II-II q. 49 a. 6).

As duas últimas partes integrantes da prudência

assinaladas por Tomás de Aquino são a circunspecção e a precaução. A circunspecção refere-se à consideração das circunstâncias de cada situação, pois, para as diversas situações particulares que ocorrem, em algumas delas uma ação que é boa considerada em si mesma, pode tornar-se má ou inoportuna, dependendo da situação. O exemplo utilizado por Tomás de Aquino é o da demonstração do amor: dar mostras de amor para alguém parece algo bom considerado em si mesmo, a fim de suscitar o amor no outro. Porém, é possível que, de acordo com as circunstâncias, suscite a soberba ou a desconfiança da adulação, de modo que a atitude em si torna-se inconveniente a seu fim: “é por isso que a circunspecção é necessária para a prudência, a fim de que

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se compare o que é ordenado ao fim com as circunstâncias” (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 629, II-II q. 49 a. 7).

No que se refere à precaução, esta consiste no fato de escolher os bens e evitar os males, visto que o mal se mistura com o bem tal qual o verdadeiro ao falso, e por vezes o mal aparece sob a forma de bem. Assim, a precaução é capaz de prevenir que o homem deixe de praticar atos virtuosos e, embora possa existir uma quase que infinita quantidade de males que se apresentarão ao homem, um certo número deles que acontece com maior frequência pode ser aprendido pela razão, a fim de se poder evitá-los totalmente, ou ao menos diminuir seu dano. E mesmo contra os males desconhecidos, pela precaução pode o homem se preparar para a adversidade e assim reduzir seus danos. Deste modo, a precaução pertence à prudência pois visa sempre escolher o bem nas diversas situações particulares que se apresentam:

a matéria da prudência são as ações contingentes, nas quais assim como o verdadeiro se mistura com o falso, o mal se mistura com o bem, devido à grande variedade dessas ações nas quais o bem é frequentemente impedido pelo mal e o mal assume aparência de bem. É por isso que a precaução é necessária à prudência, para escolher os bens e evitar os males (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 630, II-II q. 49 a. 8).

Encerrando, assim, a exposição sobre as partes

como que integrantes da prudência, Tomás de Aquino inicia as questões sobre as partes subjetivas desta virtude.

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2.3 As Partes Subjetivas da Prudência As partes subjetivas da prudência correspondem

às diferentes espécies de prudência. Tomadas em sentido próprio, estas espécies se dividem na prudência pela qual cada um governa a si próprio e a prudência pela qual se governam os outros. Os grupos governados por uma pessoa também são de diferentes espécies, de modo que a prudência que se refere ao governo dos outros se divide em espécies de acordo com os diferentes grupos governados. São estas espécies relativas ao governo dos outros que se tornam o objeto de estudo de Tomás de Aquino, visto que a prudência referente ao governo de si já foi explicada ao se tratar da prudência em si e das partes como que integrais da prudência.

Assim, a primeira espécie de prudência apresentada é a ciência do governo. Para Tomás de Aquino, onde há uma razão específica de direção dos atos humanos, aí há uma espécie de prudência. Por isto, no governante, que deve guiar tanto a si mesmo quanto aos outros, há uma prudência própria, segundo uma razão especial, pois o governo da cidade ou reino se torna mais perfeito quanto mais universal, visando a fins mais elevados (II-II q. 50 a. 1).

A segunda espécie é a chamada prudência política, que difere da ciência do governo visto que esta se relaciona aos bens gerais, e está no governante, e aquela tem por objeto o que é singular, e deste modo está nos súditos. Ao tratar da prudência em si, Tomás de Aquino, partindo de Aristóteles, já explicara que a prudência está no governante como a arte de um arquiteto e nos súditos como a arte manual de um operário. Entretanto, os súditos são seres racionais e movem-se por seu livre arbítrio, de modo que, embora sejam movidos por outros, é necessário que possuam a prudência para se dirigir na obediência que prestam a seus chefes (II-II q. 50 a. 2). Raulin observa que, embora explique esta espécie de

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prudência sobre a cobertura de um vocabulário aristotélico, Tomás de Aquino se afasta de Aristóteles ao ensinar que os súditos são capazes de verdadeira prudência política. Neste sentido, a doutrina tomista é mais humanista que a aristotélica, pois se os súditos não participassem da prudência política, seriam manipulados como seres irracionais, o que consistiria num atentado à dignidade humana. Assim, ao passo que para Tomás de Aquino a prudência política envolveria todo o ser humano em relação com o bem comum, para Aristóteles ela apenas teria sua especificidade pela atenção que destinava aos casos particulares da ação política (RAULIN, 2005).

A terceira espécie de prudência apresentada é a prudência econômica ou doméstica, ou seja, aquela que se refere aos cuidados de uma família (tanto no que se refere à provisão material quanto à vida virtuosa em família). Tomás de Aquino retoma o argumento de que existe uma espécie de prudência para cada razão específica dos atos humanos, e dado que a família ocupa a posição mediana entre a pessoa individual e a cidade ou reino, existe uma espécie de prudência relativa a ela, assim como existe uma espécie relativa ao governo de si mesmo e ao governo da cidade (II-II q. 50 a. 3).

A quarta e última espécie de prudência é a prudência militar. Tomás de Aquino compreende tal espécie de prudência partindo do pressuposto da natureza, que possui duas tendências: a de reger cada realidade em si mesma e a de resistir contra os perigos externos e as causas de destruição. Prova disto é o fato de os animais possuírem não somente a potência concupiscível, pelo qual busca o que é conveniente à sua conservação, mas também a potência irascível, pelo qual resiste aos ataques exteriores. Deste modo, naquilo que é feito segundo a razão não deve existir somente a prudência política, pela qual se dispõe as coisas a fim de atingir o bem comum, mas também a prudência militar, a

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fim de repelir os ataques inimigos e proteger o bem comum dentro de determinada sociedade. Tomás de Aquino ainda explica que, embora seja o exercício da arte militar ser próprio da fortaleza, a prudência se refere à direção de tal atividade:

[...] em tudo o que é dirigido pela razão, não somente deve haver prudência política, pela qual se disponham convenientemente as coisas que pertencem ao bem comum, mas também a prudência militar, pela qual se repelem os ataques dos inimigos (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 636, II-II q. 50 a. 4)

Deste modo, Tomás de Aquino encerra sua

apresentação das partes subjetivas da prudência, e passa a considerar as partes potenciais, ou seja, as virtudes anexas à prudência.

2.4 As Partes (Quase) Potenciais da Prudência Para Tomás de Aquino, as partes potenciais da

prudência não são partes da virtude em si, mas virtudes conexas a ela, que se voltam para atos secundários, e que não possuem a potencialidade da virtude principal, ou seja, são virtudes que realizam a perfeição de uma determinada atividade necessária à virtude principal:

[...] chamam-se partes potenciais de uma virtude as virtudes conexas ordenadas a atos ou matérias secundárias, significando com esse nome que elas não possuem toda a potência da virtude principal. Neste sentido, são atribuídas à prudência como partes: a eubulia, que concerne ao conselho, a synesis, que se refere ao juízo relativo às circunstâncias ordinárias, a gnome, que se refere ao juízo sobre casos, em que como se diz, é preciso se afastar da lei comum. Quanto à prudência, ela se refere ao ato principal, que é comandar (TOMÁS DE AQUINO, 2004, p. 616, II-II q. 48 a. un.).

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A eubulia, primeira virtude enumerada por Tomás

de Aquino como parte potencial da prudência, é a virtude referente ao bom conselho (do grego eu, que significa bom, e boulé, conselho). O bom conselho é parte da prudência, mas é uma atitude distinta da prudência, de modo que sua perfeição decorre de uma virtude particular, neste caso a eubulia, que é subordinada à prudência assim como o ato de aconselhar está subordinado ao ato de comandar. Tomás de Aquino observa que a eubulia não pode estar presente nos pecadores, visto que todo pecado é oposto ao bom conselho, pois através deste se encontram os meios necessários para atingir o fim bom e as melhores circunstâncias, como o modo de deliberar e o tempo necessário para que tal deliberação seja firme, de modo que se o pecador possuísse o bom conselho, teria evitado o pecado. E no caso do homem virtuoso que possui a eubulia, isto significa apenas que ele é capaz de deliberar bem no que se refere às coisas que se ordenam ao fim da virtude, de modo que suas deliberações (ou conselhos) acerca de assuntos particulares, como o comércio ou os assuntos militares, podem ser totalmente errôneas (II-II q. 51 a. 1-2).

A synesis (que em grego significa sensatez) é a virtude referente ao juízo reto nas ações particulares, para as quais a prudência se volta como um todo. A synesis é necessária porque é possível que uma pessoa possa deliberar bem, pelo fato de possuir uma razão capaz de discorrer sobre coisas diversas e que, no entanto, julgue mal, o que acontece por um defeito na inteligência, que se dá principalmente pela má disposição do senso comum, que não julga corretamente. Tomás de Aquino explica a faculdade cognoscitiva utilizando o exemplo de um espelho: quando o espelho se encontra em boas condições, as imagens refletidas serão semelhantes aos corpos que lhes deram origem, ao passo que se as condições do espelho não forem boas, as imagens serão distorcidas e deformadas. Assim, o reto juízo ocorre

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quando a faculdade cognoscitiva apreende uma coisa como ela é em si mesma, atividade que se aperfeiçoa pelo exercício ou pelo dom da graça (II-II q. 51 a. 3).

A última parte potencial da prudência enumerada por Tomás de Aquino é a gnome, que pode ser entendida como equidade. Embora seja função da synesis julgar retamente acerca das coisas, entre os diversos casos particulares que se apresentam ao homem, a atitude reta diante de alguns deles estará fora das regras comuns da ação. A synesis julga apenas de acordo com tais regras, de modo que, para os casos incomuns, exista um julgamento segundo princípios mais elevados. E julgar segundo estes princípios é próprio da gnome, virtude que exige certa perspicácia no juízo (II-II q. 51 a. 4). Jean Lauand observa existir, no pensamento de Tomás de Aquino, uma proximidade entre a gnome e a epiqueia (também traduzida como equidade), virtude anexa à justiça, pela qual, em um determinado caso no qual a aplicação de uma lei resultaria em um mal (como restituir uma arma a uma pessoa fora do estado de sã consciência, por exemplo), passa-se por cima da letra da lei para seguir o que pede o espírito de justiça e o bem comum (LAUAND, 2005).

Terminando a apresentação das partes potenciais da prudência, Tomás de Aquino encerra, de um modo geral, a apresentação de seu conceito sobre prudência. Em seguida, trata da prudência relacionada ao conselho, dom do Espírito Santo.

2.5 A Prudência e o Dom do Conselho Tomás de Aquino entende que os dons do Espírito

Santo são “certas disposições que tornam a alma apta para ser movida pelo Espírito Santo” (2004, p. 645, II-II q.52 a.1). Como observa Ramirez, o Espírito Santo está presente em toda a obra do Aquinate: é uma “presença fundamental, profunda, que vivifica cada parte, cada

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tratado, e lhes dá harmonia e unidade” (RAMIREZ, 1976 apud TORRELL, 2008 p.188).

Não é diferente com o tratado da prudência: Tomás de Aquino identifica a prudência com o dom do conselho. Por si só, o conselho é a investigação da razão ou deliberação que leva a criatura racional à ação. Entendido como dom do Espírito Santo, o conselho é o meio pelo qual o Espírito conduzirá o homem no que se ordena ao fim da vida eterna. Ora, visto que a prudência consiste exatamente na retidão da razão a fim de atingir um fim bom (que conduza o homem à salvação), o conselho identifica-se exatamente com ela, entretanto, como dom do Espírito Santo, a auxilia e aperfeiçoa.

2.6 A Consideração do Viés Oposto à Prudência Tomás de Aquino, no tratado da prudência, não

pensa tal virtude apenas em caráter conceitual e positivo. Pensa-a em seu oposto também, ou seja, discorre sobre os pecados e vícios que vão diretamente contra ela, ou que lhe são parecidos na aparência.

Assim, as primeiras considerações feitas por Tomás de Aquino são relativas à imprudência, diametralmente oposta à prudência. Para o Aquinate, a imprudência se dá de dois modos: pela privação e pela contrariedade. No que se refere à privação, entende-se que há a imprudência quando alguém carece da prudência que deveria ter, e nesse sentido a imprudência é pecado pela negligência nos esforços de alcançar a prudência. No sentido de contrariedade, a imprudência é compreendida quando a razão se move e opera de modo contrário à prudência, ou seja, infringindo as regras da prudência, das quais a reta razão depende (II-II q. 53 a.1)

Tomás de Aquino explica que a imprudência existe sob várias espécies e diferentes modos, em oposição às partes subjetivas, às partes potenciais e às partes quase integrais da prudência. No que se refere às partes

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subjetivas, a imprudência existe por oposição à prudência individual, que é o governo de si mesmo, e em oposição às espécies de prudência que se referem aos governos da multidão. Em relação às virtudes adjuntas (partes potenciais), a temeridade ou precipitação se opõe à eubulia, a inconsideração ou falta de julgamento se opõe à synesis e à gnome, e a inconstância ou negligência se opõe ao comando, que é o principal ato da prudência. Para o Aquinate, fala-se em precipitação de modo metafórico, apenas para explicar que se trata de uma atitude externa (corpórea) que não passou pelas etapas intermediárias entre a razão e tal atitude, ou seja, partindo da razão, não desceu ordenadamente, passando pela memória do passado, pela inteligência do presente, pela sagacidade ao considerar o futuro, pelo raciocínio de comparação e pela docilidade aos conselhos dos mais velhos. Assim, a ação que passa à margem destas etapas é precipitada e desordenada (II-II q. 53 a. 1-3).

Quando à inconsideração, Tomás de Aquino a explica como uma falha no juízo, ou seja, a não consideração de um aspecto que deveria ser considerado na realização de um julgamento reto para a ação. E com relação à inconstância, esta é um abandono de um bom propósito definido, por algo desordenadamente prazeroso, que se dá por uma falha na razão, visto que esta não consegue resistir às paixões e falha em mandar aquilo que foi deliberado e julgado. Raulin observa que a constância e a perseverança, no geral, são ligadas por Tomás de Aquino à fortaleza, e não à prudência. Entretanto, a inconstância ocorre apenas quando a razão se rende, de modo que a inconstância se refere a um defeito da razão quanto à sua consumação (RAULIN, 2004).

Para Tomás de Aquino, estes vícios (precipitação, inconsideração e inconstância) tem sua origem na luxúria, pois o prazer, especialmente o prazer venéreo, é responsável por extinguir o julgamento da razão. Lauand explica que os sete pecados capitais arrastam atrás de si

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todos os outros, como filhos. Daí a preocupação de Tomás de Aquino de explicitar a origem dos pecados contra a prudência (LAUAND, 2001).

No que se refere à negligência, esta é tomada como um pecado específico, pois ela corresponde à falta da solicitude, e, sendo esta uma virtude específica, tal característica se aplica ao vício que corresponde à sua falta. A negligência se opõe à prudência porque corresponde ao ato de não escolher, ou seja, de não comandar. Daí que não escolher ou desprezar algo necessário à salvação da alma consiste em um pecado grave, ao passo que, em se tratando de matéria branda, a negligência é apenas pecado venial (II-II q. 54).

Encerrando as considerações dos vícios e pecados opostos à prudência, Tomás de Aquino trata sobre os vícios opostos à prudência que têm semelhança com ela, ou seja, atitudes que têm características da prudência, mas direcionadas a um fim mau. A primeira consideração é feita sobre a prudência da carne, entendida como o estabelecimento dos bens carnais como fim último da vida. Deste modo, a prudência da carne torna-se um amor desordenado e ilícito, sendo mais ou menos grave à medida que afasta o homem de seu reto caminho, visto que o homem pode estabelecer fins particulares, que não o desviam completamente de seu fim último. Em seguida, Tomás de Aquino trata da astúcia, referindo-se a ela como um pecado específico, visto que consiste na utilização de vias fingidas e aparentes para se atingir um fim bom ou mal. Independente da bondade do fim desejado, a utilização de um meio falso, ou seja, a astúcia, é pecado oposto à prudência, visto que esta busca sempre os fins bons através dos meios bons e verdadeiros. Adjuntos à astúcia estão o dolo, que consiste na execução de uma ação premeditada pela astúcia, e a fraude, que se distingue do dolo no sentido de que este é a realização da astúcia de modo geral, por palavras e atos, e a fraude é a

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execução da astúcia propriamente pelos atos (II-II q. 55 a. 1-5)

Ainda tratando dos vícios opostos à prudência, mas semelhantes a ela, Tomás de Aquino trata da solicitude pelas coisas temporais e pelas coisas futuras. Explica que a solicitude, entendida como empenho para obter algo, deve estar voltada aos bens espirituais, pois quando se busca o que é terreno, perde-se o foco do fim último do homem, que é a salvação. No que se refere à solicitude do futuro, explica ser ela contrária à virtude pois toda obra virtuosa apenas o é quando revestida das circunstâncias devidas, e uma delas é o tempo. Assim, a cada tempo convém a sua solicitude própria, de modo que a solicitude pelo futuro é desnecessária e viciosa. À objeção, baseada no livro dos Provérbios, de que as formigas (elemento da natureza, criado por Deus e, portanto, sem maldade) armazenam comida para o futuro, Tomás de Aquino responde que elas têm solicitude exatamente em conformidade com o tempo, visto que se agem de acordo com o possível e o necessário (II-II q. 55 a. 6-7).

Por fim, Tomás de Aquino explica que tais vícios semelhantes à prudência têm origem na avareza, e não na luxúria, como os vícios relativos às partes subjetivas da prudência. Pois, se naqueles o prazer afastava o homem da razão, nestes existe ainda o elemento racional, porém desordenado. Sendo o mau uso da razão uma característica típica dos vícios que se opõe à justiça e, por ser a avareza o vício mais oposto à justiça (vício capital), deduz-se que os outros nascem prioritariamente dela (II-II q. 51 a. 8).

Assim, ao encerrar as considerações sobre o viés oposto à prudência, encerramos também a exposição geral do conceito de prudência no pensamento de Tomás de Aquino.

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OS ORGANIZADORES: Prof. Dr. José Francisco de Assis DIAS, Brasileiro; Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano (2005); doutor em Filosofia pela mesma Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano (2008). Atualmente: Defensor do Vínculo e Promotor de Justiça do Tribunal Eclesiástico Interdiocesano de Maringá-PR; Professor de Filosofia do Direito e Ética nos mestrados em Ciência Jurídica e em Gestão do Conhecimento nas Organizações, no UNICESUMAR.

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Prof. Pe. Leomar Antonio MONTAGNA, possui Mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR. É Coordenador e Professor do Curso de Licenciatura em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR - Campus Maringá. Autor de vários artigos para revistas e jornais, palestras e cursos de breve duração; Na área de Filosofia, atua, principalmente, nos seguintes temas: Filosofia, Ética, Filosofia Política, Santo Agostinho, História da Filosofia e História do Pensamento Brasileiro e Latino-americano; Na área de Teologia tem experiência em Moral Social e Doutrina Social da Igreja.

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Prof.a Dra. Lorella Congiunti, italiana, é Vice-reitora da Pontifícia Universidade Urbaniana – Cidade do Vaticano – Roma – Itália; e é professora na Faculdade de Filosofia, ensinando as disciplinas de Filosofia da Natureza, Filosofia da Ciência, Tomás de Aquino, Platão e Aristóteles. Autora de vários livros e inumeráveis artigos científicos nas mais relevantes áreas da filosofia.

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