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TEMAS JURÍDICOS ATUAIS

Volume V

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Carlos Alexandre Moraes Jose Francisco de Assis Dias Larissa Yukie Couto Munekata

(Organizadores)

AUTORES: Andréa Carla de Moraes Pereira Lago

Andréia Angela Berner Schmitz Fernanda Carvalho Marques Gabrielli Agostineti Azevedo Gisele Mendes de Carvalho

Maíra de Paula Barreto Mayara Ruiz Ferreira

Paulo André de Souza Sharolene Gabriely Rigolin

Valéria Silva Galdino Cardin

TEMAS JURÍDICOS ATUAIS

Volume V

Primeira Edição E-book

Editora Vivens O conhecimento a serviço da Vida!

Maringá – PR – 2016

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6 Temas jurídicos atuais: Volume V

Copyright 2016 by

Carlos Alexandre Moraes / Jose Francisco de Assis Dias / Larissa Yukie Couto Munekata

EDITOR:

Daniela Valentini CONSELHO EDITORIAL:

Dr. Celso Hiroshi Iocohama - UNIPAR Dr. Daniel Eduardo dos Santos - UNICESUMAR Dra. Daniela Menengoti Ribeiro - UNICESUMAR

REVISÃO ORTOGRÁFICA: Prof. Antonio Eduardo Gabriel

CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Bruno Macedo da Silva

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados com exclusividade para o território nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou

transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem

permissão escrita da Editora. Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

Rua Sebastião Alves, nº 232-B – Jardim Paris III Maringá – PR – CEP: 87083-450; Fone: (44) 3046-4667

http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Temas jurídicos atuais, volume V. / organizadores

T278 Carlos Alexandre Moraes, José Francisco de

Assis Dias, Larissa Yukie Couto Munekata;

autores, Andréa Carla de Moraes Pereira Lago

...[et al.]. – 1. ed. e-book – Maringá, PR:

Vivens, 2016.

208 p.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.vivens.com.br>

ISBN: 978-85-8401-065-3

1. Lei Maria da Penha. 2. Direito da

personalidade. 3. Direitos fundamentais sociais.

4. Direitos humanos.

CDD 22. ed. 340

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.............................................................. I = A EFETIVIDADE E APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA Gisele Mendes de Carvalho Mayara Ruiz Ferreira......................................................... II = A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS CRIANÇAS E AS PRÁTICAS TRADICIONAIS NOCIVAS DA CULTURA INDÍGENA – UMA ANÁLISE DO PROJETO DE LEI 1057/2007 Andréia Angela Berner Schmitz Maíra de Paula Barreto....................................................... III = ASPECTOS JURÍDICOS DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DOS DEPENDENTES QUÍMICOS À LUZ DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Sharolene Gabriely Rigolin Valéria Silva Galdino Cardin............................................... IV = DO DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO GARANTIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Fernanda Carvalho Marques Paulo André de Souza........................................................ V = MEDIAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR Andréa Carla de Moraes Pereira Lago Gabrielli Agostineti Azevedo........................................

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APRESENTAÇÃO A presente obra é o Quinto Volume de uma série

coletânea de “Temas Jurídicos Atuais”, nascida da iniciativa empreendedora dos organizadores, pretendendo valorizar a produção científica dos formandos em Direito, na Unicesumar; levando ao grande público o resultado de seus trabalhos apresentados como conclusão do curso de bacharelado. Neste quinto volume, são contemplados os seguintes temas: - no primeiro capítulo, A efetividade e aplicabilidade da lei maria da penha, de Mayara Ruiz Ferreira e Gisele Mendes Carvalho; - no segundo capítulo, A proteção dos direitos fundamentais das crianças e as práticas tradicionais nocivas da cultura indígena – uma análise do projeto de lei 1057/2007, de Andréia Angela Berner Schmitz e Maíra de Paula Barreto; - no terceiro capítulo, Aspectos jurídicos da internação compulsória dos dependentes químicos à luz dos direitos da personalidade, de Sharolene Gabriely Rigolin e Valéria Silva Galdino Cardin; - no quarto capítulo, Do direito social à educação garantido pela constituição federal de 1988, de Fernanda Carvalho Marques e Paulo André de Souza; - no quinto capítulo, Mediação no ambiente escolar, de Gabrielli Agostineti Azevedo e Andréa Carla de Moraes Pereira Lago.

Boa leitura!

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= I =

A EFETIVIDADE E APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA

Gisele Mendes Carvalho*

Mayara Ruiz Ferreira** 1.1 INTRODUÇÃO

A banalização da violência doméstica levou a

invisibilidade de um problema social e cultural que influencia em todo âmbito nacional. A omissão do Brasil em relação ao problema fez com que a comunidade internacional se manifestasse a respeito, depois de denúncias que narravam os casos de violência e em especial o de Maria da Penha Fernandes, o país precisou modificar sua legislação para dar um tratamento diferenciado às vítimas, desde a forma de tratamento dado a ofendida à punibilidade do agressor, bem como à

* Pesquisadora do CNPq. Possui Graduação em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (2000), Mestrado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (2003), Doutorado (2007) e Pós-Doutorado (2009) em Direito Penal pela Universidade de Zaragoza, Espanha. Professora Adjunta de Direito Penal da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Penal e Criminologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Dogmática penal, Parte Especial do Código Penal brasileiro, Genética, Biodireito, Consentimento do ofendido, Responsabilidade médica, Eutanásia, Assédio moral e Lei Maria da Penha. Atual Coordenadora da Especialização em Ciências Penais da Universidade Estadual de Maringá. Atual Chefe do Departamento de Direito Público da Universidade Estadual de Maringá (mandato 2014-2016). ** Graduada em Direito pelo Unicesumar. Pós-graduada latu senso em Filosofia Política e Jurídica pela UEL. Especialista em Auditoria, perícia e Gestão ambiental pela FAPAN. Docente do curso de Direito na Universidade Estadual do Mato Grosso, UNEMAT.

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proteção da instituição familiar, responsável pela formação de valores morais e cívicos, além de eficaz meio de combate à criminalidade nos mais variados segmentos desta, assim, no dia 07 de agosto de 2006 foi publicada à Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha.

O objetivo deste trabalho é apontar dúvidas que se instalaram quanto à constitucionalidade e a falta de rigor técnico da Lei, trazendo as críticas mais ferrenhas em relação à aplicabilidade e ao tratamento dado de acordo com a realidade, a fim de demonstrar a necessidade de adaptações para melhor atender às vítimas, no presente e no futuro.

1.2 HISTÓRICO

Antes de quaisquer considerações à Lei 11.340/06

– Maria da Penha se faz necessário voltar aos primórdios, observar a trajetória da mulher e de sua luta travada até hoje, para ter em sentido amplo e dentro do mundo dos fatos a igualdade existencial e condição de ser humano digno, detentor de direitos, garantias e estrutura sólida para a base de uma sociedade mais justa.

Assim como na natureza, o lugar feminino esteve ligado ao cuidado e manutenção da prole, enquanto o masculino provia o sustento, contudo, anteriormente a noção de sociedade, estado ou poder que temos hoje, aproximadamente 10.000 a.C, quando o ser humano passava da condição de nômade para a de sedentário, o início das produções agrícolas, a domesticação de animais, o desenvolvimento da linguagem, a mulher era tida como deusa, sagrada, pois geradora de vida e símbolo da fertilidade, e por este motivo (a capacidade de gerar vidas) garantia à mulher poder político e econômico.

O ventre grávido, repositório da vida renovada, garantidor da perpetuação do grupo, era cultuado e

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venerado, impondo aos homens condição desvantajosa, o que lhes rendia certo ressentimento inconsciente1.

Com o tempo e com as mudanças de condições, sejam elas climáticas ou de escassez de alimentos, a mulher passa a não participar das caças e guerras por territórios, pois se ocupava com a prole e com os afazeres da aldeia, o que a impossibilitava era a função e o cuidado com os filhos, e não a força ou o físico, enquanto não gerava filhos, a mulher participava das atividades de caça e dos trabalhos mais pesados. A maior maldição que pesou sobre a mulher foi de ter sido excluída das expedições guerreiras, como afirma Beauvoir:

Não é dando a vida, é arriscando-a, que o homem se ergue acima do animal, eis por que na humanidade, a superioridade é outorgada não ao sexo que engendra e sim ao sexo que mata2.

A ideia de sexo frágil veio quando os homens

perceberam sua função na reprodução, aliados a dominação territorial e o início da propriedade privada, com a instauração de uma nova classe, de um novo regime: patriarcal. A extinção total do modelo matriarcal deu-se por volta de 2.000 a.C. onde passaram a valer tanto quanto escravos, e a exercer papel exclusivamente doméstico, submetida ao domínio masculino.

Assim, como ensina Leda Maria Hermann: Quando alguns subjugam e outros são submetidos, o desequilíbrio gera conflito; o conflito exacerbado deságua em violência. Da trajetória entre homens e mulheres, de suas relações desiguais e muitas vezes

1 MURARO, Rose Marie, BOFF, Leonardo, Feminino e Masculino: uma nova consciência para o encontro das diferenças, Editora Record, 1ª edição, 2010 p.54. 2 BEAUVOIR, S. O segundo sexo: fatos e mitos. 10. ed. Rio de Janeiro:

Nova Fronteira, 2000. p. 84.

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violentas, resultam focos de resistência e luta, pois não é próprio da natureza humana submeter-se eternamente3.

Diante de todas estas considerações, surgem

dúvidas, por que as mulheres representam um grupo minoritário? Na maioria dos casos é um acontecimento histórico que subordina o mais fraco ao mais forte: a diáspora judaica; a introdução da escravidão na América; e as conquistas coloniais. Na história das mulheres não existe esse acontecimento e por mais longe que se remonte na sua história, sempre estiveram subordinadas ao homem. Os grupos minoritários têm um passado, uma história, uma religião própria. As mulheres não têm passado, história, religião própria. Existe solidariedade entre os membros de um grupo marginalizado, porém as mulheres estão presentes em toda parte, inclusive nas minorias, pelo fato de estarem disseminadas dentro de todos os segmentos da sociedade: os pobres, os ricos, os negros, os judeus, os homossexuais, os portadores de necessidades especiais, os idosos, os clandestinos, os exilados, os refugiados, o proletariado, os guerrilheiros, entre outros. O proletariado pôde sonhar com a revolução, os negros com a liberdade, e todos os outros com a igualdade absoluta, mas mesmo em sonho, as mulheres não podem exterminar os homens pela boa razão que eles são seus filhos.

Por isso, neste trabalho, trataremos a desigualdade do homem e da mulher sob uma ótica existencialista.

O fardo de carregar no ventre o futuro agressor, amar e cuidar daquele que inferioriza e discrimina, sob o foco da existência é quase incoerente para uma espécie que se difere dos outros animais pela capacidade de discernimento.

3 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com nome de mulher, Servanda, Campinas, 2007, p.14.

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A luta até agora não nos é desconhecida, episódios

obscuros de uma época em que a fogueira era a salvação, em que um Deus implacável tinha a ânsia de exterminar o pecado original, a mulher carrega em sua história o carma do pecado, da impureza, da inferioridade. Com o século das luzes, os massacres cessaram, embora o tratamento submisso e a idéia “científica” de que o cérebro da mulher era muito pequeno para o intelecto, mas grande o bastante para o amor4, foram defendidos até meados do século XX, o impulso fundamental para o movimento feminista aconteceu no século XIX, com os ideais democráticos, a mulher era comparada aos portadores de necessidade especiais, aos doentes e incapazes no que correspondia ao voto, a batalha estava travada, no entanto passaram-se quase um século até que inglesas e americanas tivessem acesso ao sufrágio, em 1920.

No Brasil, somente em 1933, a mulher passou a ter direito de votar e também o de representação política5, surge então, o estopim para as primeiras correntes feministas que defendiam a igualdade e a liberdade, o ingresso maciço das mulheres no mercado de trabalho, seguido ao acesso ao ensino superior fez surgir uma nova corrente, onde ser diferente em se tratar de gênero (do ponto de vista cultural) e sexo (do ponto de vista biológico) não quer dizer ser melhor ou pior, não é a supremacia de nenhuma idéia que tenha como objetivo ceifar a instituição familiar, o casamento e o trabalho doméstico, se trata de aliar todas estas instituições com a política, a economia e com o mercado de trabalho externo, é permanecer com o “amor” e utilizá-lo de forma inteligente, é a possibilidade de escolha, é ser livre para escolher dedicar-se ao lar.

4 SILVA, Marco Aurélio da, Todo o poder às mulheres: esperança e equilíbrio para o mundo. São Paulo: Best seller, 2001.p. 131 – 132. 5 HOBSBAWM, Eric, A Era dos Extremos: o breve século XX – 1914-1991, tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, p. 304-305.

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E destas escolhas movidas por indeterminados

motivos, como mostra pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC, projeta uma chocante estatística: a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil. "Os dados mostram que a violência contra a mulher não é um problema privado, de casal. É social e exige políticas públicas", diz Gustavo Venturi, professor da USP e supervisor da pesquisa6. Importante salientar também que existem, além da violência que resulta em lesões corporais (física), a violência psicológica7, sexual8, patrimonial9 e moral10. A diminuição deste número, de 2001 a 2010 pode

6 Flavia Tavares, O Estado de São Paulo, disponível em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/02/21/a-cada-2-minutos-5-mulheres-espancadas-364535.asp, acessado em 24.08.2011. 7 Art. 7.º, II, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas emoções, comportamentos, crenças e decisões, mediante grave ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração, e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. 8 Art. 7. º, III, a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. 9 Art. 7.º, IV, a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. 10 Art.7.º, V, a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

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ser atribuída à Lei Maria da Penha. E como diria Simone de Beauvoir (1949)11:

Humanos estarão condenados a não verem o que têm de melhor: a sua liberdade. Enquanto homens e mulheres não se reconhecerem como semelhantes, enquanto não se respeitarem como pessoas em que, do ponto de vista social, político e econômico, não há a menor diferença, os seres.

1.2.1 Quem foi Maria da Penha

Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, foi

casada com um economista e professor universitário, que por duas vezes premeditou e preparou a sua morte. Uma das tentativas deixou-a paraplégica, o meio utilizado foi uma espingarda e uma semana depois, quando voltou do hospital, houve nova tentativa, desta vez o marido utilizou-se de uma descarga elétrica, enquanto a vítima estava no banho12.

Entre a data do fato até a sua condenação passaram-se 19 anos para que o réu fosse preso, condenado a pena de 10 anos e 6 meses, onde cumpriu 2 anos, não chegando nem a 1/3 em regime fechado, foi posto em regime aberto13, ressaltando-se em que a época do crime, o homicídio qualificado ainda não era tratado como crime hediondo, o que permitiu a progressão para o regime aberto14.

O episódio chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados

11 BEAUVOIR, Simone de, O Segundo Sexo, Editora Nova Fronteira, RJ, 1980. 12 SANCHES, Rogério Cunha e PINTO, Ronaldo Batista, Violência Doméstica, 2ª edição, Editora RT, 2008, p.21. 13 DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça, São Paulo, 2007, editora RT, p.13. 14 SANCHES, Rogério Cunha e PINTO, Ronaldo Batista, Violência Doméstica, 2ª edição, Editora RT, 2008, p.23.

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Americanos (OEA), como denúncia de que o Brasil era tolerante à violência doméstica, e que este caso era só mais um, o órgão sugeriu formalmente que fosse reformada a legislação, de modo a dar maior apoio às mulheres vítimas de violência doméstica15. O Brasil não se pronunciou e por duas vezes a Comissão Interamericana de Direitos Humanos se manifestou indagando seu posicionamento perante a comunidade internacional sobre este problema tão frequente16. Diante desta inércia foi aplicado o Art. 39 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos:

Com o propósito de que se presumisse serem verdadeiros os fatos relatados na denúncia, uma vez que haviam decorrido mais de 250 dias desde a petição, este não apresentou observações sobre o caso.

Após esse episódio, o país foi condenado a pagar

uma indenização a Maria da Penha, em sessenta mil reais pela demora e ineficácia do nosso sistema penal17 e também sob enfoque internacional. Com o apelo de todas as vítimas e com a mídia mostrando a realidade foi promulgada a Lei 11.340 em 7 de agosto de 2006, que trouxe mudanças no tratamento à vítima de violência doméstica, destas modificações restaram incongruências e debates doutrinários, bem como a aplicação e eficácia em todos os Estados do Brasil. Onde serão feitos, neste trabalho, os breves comentários a respeito desta legislação.

15 ALVES, Leonardo Barreto Moreira, O reconhecimento legal do conceito moderno de família: o art. 5°, II e parágrafo único, da Lei n° 11.340/2006, Lei Maria da Penha, disponível em:< http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/26887>. Acesso 24.05.2011. 16 SANCHES, Rogério Cunha e PINTO, Ronaldo Batista, Violência Doméstica, 2ª edição, Editora RT, 2008, p.25. 17 Ibidem.

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1.3 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Lei Maria da Penha vem com intuito de atender

preceitos constitucionais e tratados internacionais de Direitos Humanos, o compromisso do Art. 226 da CF: “A familia, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” E o Art. 226, § 8.º: “O Estado assegurará a assistência à familia na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”18

A proteção da mulher, preconizada na Lei Maria da Penha, decorre de sua condição –ainda – hipossuficiente no contexto familiar19, esta idéia é um dos pontos conflitantes, onde a doutrina esbarra em uma suposta inconstitucionalidade, pelo fato da mulher ser colocada de forma com que seja sempre o “sexo frágil” e hipossuficiente, e no entendimento de Valter Foleto Santin:

A nova legislação é visivelmente discriminatória no tratamento de homem e mulher, ao prever a uma das partes do genero humano a proteção especial e a outra o tratamento de segunda categoria em relação ao sistema de proteção contra a violência doméstica20.

Para tanto, o entendinento do legislador, no que

concerne à Lei, foi abranger toda e qualquer agressão no meio doméstico contra a mulher, mesmo quando o sujeito ativo não for o marido, no entendimento de Sérgio Ricardo de Souza:

Basta estar caracterizado o vínculo de relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade, pois

18 DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça, São Paulo, 2007, editora RT, p.27. 19 HERMANN, Leda Maria, Maria da Penha: Lei com nome de mulher, 2ª tiragem, Saravanda, Campinas, 2007, p.84. 20 Igualdade constitucional na violência doméstica. Disponível em

<www.ibccrim.org.br>. Acesso em 13.06.2011.

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deu-se prioridade à criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência contra a mulher, dentro desses requisitos, sem se importar com o gênero do agressor21.

Ou seja, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa

que se tem vínculo familiar, incluindo os dois sexos, já o sujeito pássivo tem qualidade determinada: ser mulher.22 Entretanto, existem detalhes onde a abrangência é dilatada, como no caso do Portador de Necessidade Especial, não importando o gênero, e com a concepção de Unidade Doméstica que dispoe o Art. 5.º, I: “espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”, com isso é possivel a aplicação da Lei para a empregada doméstica, mas com ressalvas, segundo Damásio de Jesus, é preciso fazer algumas distinções, como no caso da diarista que vai duas ou três vezes por semana, esta não estaria acoberdada pela Lei, já que aplicação está condicionada à sua participação no ambiente familiar, ou seja, deve-se observar se ela é considerada por todos e por ela própria membro da familia23, além de tias, irmãs, sobrinhas, filhas, ou seja, qualquer mulher que conviva junto e seja membro da familia.

21 SOUZA, Sérgio Ricardo, comentários à Lei de combate à violência doméstica contra a mulher, p.47. 22 FREITAS, Jayme Walmer, Impressões objetivas sobre a Lei de Violência doméstica. Boletim jurídico, ano 5, n.212, Uberaba, 2007, Disponível em <WWW.boletim jurídico.com.br/doutrina/texto.asp?id=8965>. Acesso em 30.07.2011. 23 JESUS, Damásio de, e SANTOS, Hermelino de Oliveira: A empregada doméstica e a Lei Maria da Penha, coletânea de artigos, disponível em <http://cjdj.damasio.com.br/?page_name=art_067_2006&category_id=339> Acesso em 13.05.2011.

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1.4 APLICABILIDADE DA LEI

1.4.1 Analogia quanto ao sujeito passivo

Desde a publicação da Lei Maria da Penha até

hoje, a sociedade passou por algumas mudanças consideráveis no Direito Civil, que buscou adaptar a legislação, abrindo espaço para analogias e constituindo direitos.

Neste sentido é mister citar alguns casos em que a Lei tornou possivel a utilização por analogia e estendeu a proteção, quais sejam:

Ao transexual, aquele que sofre uma dicotomia físico-psiquica, possuindo um sexo físico, distinto de sua conformação sexual psicológica. Neste quadro, ensina Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald: “ o transexual não se confunde com o homosexual, bissexual, intersexual ou mesmo com o travesti, ele utiliza-se da mudança de sexo para entrar em conformidade com seu estado físico e psíquico”24, neste entendimento, para Maria Berenice Dias, configuram também esses citados, desde que exista relação íntima de afeto, bem como às lésbicas e os trangêneros do sexo feminino25, pois afirma que em todos esses relacionamentos as situações de violência contra o gênero feminino justificam especial proteção.

Ao homossexual, com a ADI n.º 4277 e a ADPF n.º132 o STF reconheceu a união homoafetiva como instituição familiar, por analogia à união estável.26 Com este entendimento o Art. 5º da Lei Maria da Penha é claro ao dispor: “qualquer relação íntima de afeto”, e em seu

24 Direito civil – Teoria Geral. 4 edição. Rio de Janeiro: Lummem Iuris, 2006. P.115. 25 DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça, 2007, editora RT. p.36. 26 Ação Direta de Inconstitucionalidade: (Med. Liminar) 4277-7, disponível em< http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4277&processo=4277>. Acessado em 20.08.2011.

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parágrafo único salienta: “as relações pessoais enumeradas neste artigo independem de orientação sexual”.

Assim, a partir da nova definição de entidade familiar, trazida pela Lei Maria da Penha, não cabe mais questionar a natureza dos vínculos formados por pessoas do mesmo sexo. Como ensina Roberto Lorea:

A nova definição legal da familia brasileira se harmoniza com o conceito de casamento “entre os cônjuges” do Art. 1.511, do Código Civil, não apenas deixando de fazer qualquer alusão à oposição de sexos, mas explicando que a heterossexualidade não é condição para o casamento.

Com isso, derruba-se enfim a ultima barreira –

meramente formal – para a democratização do acesso ao casamento no Brasil27

Apartir deste entendimento, restaram dúvidas quanto a aplicação ao homossexual do sexo masculino, que a jurisprudência e a doutrina já se passificaram, tornando aplicavel analógicamente ao homem que vive em união estável homoafetiva.

Estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Mato Grosso são pioneiros nestas decisões, e trouxeram o tema do conceito familiar para justificar a aplicação analógica da Lei Maria da Penha para homens, e a maior crítica resta-se na questão da constitucionalidade.

Com o objetivo de prover o princípio isonômico e tratar os desiguais desigualmente, a Lei, voltada à parcela da população merecedora de especial proteção, como afirma Maria Berenice Dias: “A Lei Maria da Penha criou um microssistema que se identifica pelo gênero da

27 LOREA, Roberto Arriada, A nova Definição legal da família brasileira, TJ – Rio Grande do Sul. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br/institu/c_estudos/doutrinas.php>. Acesso em 20.08.2011.

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vítima”28, defende ainda, a idéia de que seria uma discriminação positiva, por razões sociais e culturais29, para ilustrar esta idéia o exemplo de um pai que bate nos dois filhos pequenos, um menino e uma menina, a menina estará amparada pela Lei Maria da Penha, o menino não, a pena em relação do filho homem será mais branda do que em relação a mulher30, ou então o filho que bate na mãe responderá na forma dos dispositivos desta Lei em estudo, mas o filho que bate no pai responderá apenas nas qualificadoras do Código Penal31, todas estas questões derivam da forma em que a Lei foi escrita e elaborada, temos consciência de que o estopim para a criação de um instituto próprio e especial na proteção da mulher decorreu de uma sanção, por parte da omissão do Brasil em relação a violência contra mulher, perante orgãos internacionais e tratados, neste pensamento muitos doutrinadores como Maria Berenice Dias, Damásio de Jesus, Victor Eduardo Rios Gonçalves, Luiz Flavio Gomes entre outros concordam em que o Art. 41 da Lei 11.340 onde utiliza-se da expressão: “violência doméstica e familiar contra a mulher” poderia ser substituido por “violência doméstica e familiar contra pessoa”, para atender os casos que serviram de exemplo.

Em um dos argumentos do STF32, quanto à incostitucionalidade, o Tribunal diz que “não há o que se falar em afronta ao princípio da isonomia, pois este não se refere à igualdade literal” e vale-se dos ensinamentos de Gomes Canotilho33, ilustre jurista portugues, onde destaca:

28 DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça, editora RT, São Paulo, 2007 p.55. 29 Ibidem, p.56. 30 Ibidem, p.57. 31 SANCHES, Rogério Cunha e PINTO, Ronaldo Batista, Violência Doméstica, 2ª edição, Editora RT, São Paulo, 2008. p.32. 32 TJSP, Conflito de Jurisdição 150.521-0/8, Rel. Maria Olívia Alves, j. 08.10.2007. 33 CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Ed. Almedina, 3 Ed.. p.399.

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Ser igual perante a Lei não significa apenas a aplicação igual da Lei. Significa “igualdade na aplicação do direito”. O princípio da igualdade pressupõe não somente a igualdade formal, mas também a igualdade material, ou seja, “para todos os individuos com as mesmas características devem prever-se, através da Lei, iguais situações ou resultados jurídicos”, ou ainda, deve-se tratar de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual.

Observa-se, neste sentido, que estamos diante de

uma incongruência, pois se ao mesmo tempo em que destaca claramente em sua decisão, de que os indivíduos “com mesmas características”34 merecem prever-se da Lei, diz respeito ao sexo feminino, biologicamente falando, por isso a Lei é especial, e por outro lado, estende-se seus efeitos ao homossexual masculino, sob a justificativa de que existe relação de afeto e afinidade no âmbito familiar, levando-se em conta a vontade subjetiva, a atitude, o gênero feminino35, a aplicabilidade se tornou elástica, são agregados casos e para cada justificativa que integre a constitucionalidade da norma, estamos diante de um exemplo da omissão brasileira na elaboração de leis, esta em especial, decorreu não da necessidade fatídica e real da mulher brasileira, mas resultado de uma condenação imposta ao Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos36 que determinou:

Prosseguir e intensificar o processo de reforma, a fim de romper com a tolerância estatal e o tratamento

34 Ibidem. 35 DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça, 2007, editora RT. .p.36-37. 36 ALVES, Leonardo Barreto Moreira, O reconhecimento legal do conceito moderno de família: o art. 5°, II e parágrafo único, da Lei n° 11.340/2006, Lei Maria da Penha, disponível em:< http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/26887>. Acesso 24.05.2011.

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discriminatório com respeito a violência doméstica contra as mulheres no Brasil.

Afirmação esta, que está presente também na

fundamentação do Rel. Lopes da Silva do TJSP.37. Embora a doutrina e a jurisprudência estejam um

passo adiante nestas questões, analisando o caso concreto e levando em consideração fatores existenciais e sociológicos, não podemos esquecer que nosso sistema é positivista, cabe ao legislador adequar a norma de maneira que passe a utilizar-se da Lei Maria da Penha para estender a norma, em nome da equidade e da isonomia, para alcançar a justiça. Nas palavras de Carlos Maximiliano38:

O direito justo não se esgota no direito positivo. Summum jus, summa injuria – supremo direito, suprema injustiça. "O direito elevado ao máximo, injustiça em grau máximo resultante. Faça-se justiça, porém do modo mais humano possível, de sorte que o mundo progrida e jamais pereça.”

Outros julgados isolados em que juizes aplicaram a

Lei Maria da Penha ao homem heterossexual, embora em número consideravelmente menor, como no caso do juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá. Ele acatou os pedidos do autor da ação, que disse estar sofrendo agressões físicas, psicológicas e financeiras por parte da sua ex-mulher, e em sua decisão39 justifica seu posicionamento da seguinte forma:

37 Correição parcial n.º11.189.013.000, Rel. Lopes da Silva, j.29.11.2007. 38 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. São Paulo: Revista Forense, 1999. 39 Disponível em < http://direito-publico.jusbrasil.com.br/noticias/157860/lei-maria-da-penha-e-aplicada-para-proteger-homem> Acesso 01.09.2011

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(...) existem casos em que o homem é quem vem a ser vítima da mulher tomada por sentimentos de posse e de fúria que levam a todos os tipos de violência, diga-se: física, psicológica, moral e financeira. No entanto, como bem destacado pelo douto causídico, para estes casos não existe previsão legal de prevenção à violência, pelo que requer a aplicação da lei em comento por analogia. Tal aplicação é possível? A resposta me parece positiva. Vejamos: É certo que não podemos aplicar a lei penal por analogia quando se trata de norma incriminadora, porquanto fere o princípio da reserva legal, firmemente encabeçando os artigos de nosso Código Penal: "Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal." Se não podemos aplicar a analogia in malam partem, não quer dizer que não podemos aplicá-la in bonam partem, ou seja, em favor do réu quando não se trata de norma incriminadora, como prega a boa doutrina: "Entre nós, são favoráveis ao emprego da analogia in bonam partem: José Frederico Marques, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Oscar Stevenson e Narcélio de Queiróz" (DAMÁSIO DE JESUS -Direito Penal - Parte Geral -10ª Ed. pag. 48) Ora, se podemos aplicar a analogia para favorecer o réu, é óbvio que tal aplicação é perfeitamente válida quando o favorecido é a própria vítima de um crime.

É preciso observar o caso concreto, a realidade dos

fatos no mundo real, se voltarmos aos princípios que possibilitaram a permeação destes direitos no âmbito jurídico, teremos em destaque a denominada “ponderação de valores” ou “ponderação de interesses”, onde procura-se estabelecer o peso relativo de cada princípio, e a vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejado, sacrificando assim o mínimo de cada um deles40, neste

40 BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição, 6 edição, Saraiva, São Paulo, 2004 p.330.

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sentido já existem algumas jurisprudências em que a Lei foi aplicada analogicamente ao homem. Nas sábias palavras de Daniel Sarmento41 e de Marcos Antonio Maselli de Pinheiro Gouvêa42:

À luz do conceito-chave da proporcionalidade, desenvolveu-se o método da ponderação pelo qual o magistrado, considerando-se a importância que os bens jurídicos cotejados têm em tese mas também as peculiaridades do caso concreto, poderá prover ao direito postulado, fundamentando-se na precedência condicionada deste sobre os princípios contrapostos.

O sujeito Passivo da Lei Maria da Penha se mostra

dinâmico, tal qual a sociedade, embora se preze pelo positivismo e pela formalidade, é preciso também observar essas mudanças e adequar a norma para atingir “pessoas” independente de seu sexo. Não se pode ficar restrito ao estudo da igualdade formal, sob pena de não se aplicar o princípio da igualdade em sua inteireza, razão pela qual se faz necessário reconhecer a existência de desigualdades reais entre os iguais, o que somente é possível por meio da igualdade material. Assim, nas palavras de Roger Raupp Rios43

Implica superar uma concepção na qual as formas jurídicas produzidas na vida estatal se desvinculam da realidade dada. É preciso – em suma – atentar para as condições concretas de vida em cada realidade, as quais não podem ser encobertas pelas formas.

41 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2000. 42 GOUVEIA, Marcos Antonio Maselli Pinheiro. A Sindicabilidade dos Direitos Prestacionais à Luz de Conceitos-Chave Contempôraneas. 2001. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Orientador: Ricardo Lobo Torres. 43 RIOS, Roger Raupp, em: O Princípio da Igualdade e a Discriminação por Orientação Sexual, pág.49, 2002, Editora RT.

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1.4.2 Ação Penal

Assim como no tema anterior, existem divergências quanto à Ação Penal da Lei, se pública condicionada a representação ou pública incondicionada, bem como a atuação do Ministério Publico e a possibilidade da retratação, onde resta a dúvida de que esta retratação seria desistência ou renúncia.

Para tanto, mister se faz a definição de alguns princípios que norteiam o Direito Penal, bem como o Processo.

Por ser praticamente indispensável que os delitos nec delict meant impunita, no momento em que ocorre a infração penal é necessário que o Estado-Juiz promova o jus puniendi, assim sendo, cria mecanismos através dos principios gerais para que se promova a Ação Penal, nas palavras de Tourinho Filho44: “A ação penal é a atuação correspondente ao direito à jusrisdição, que se exercita perante os órgãos da Justiça Criminal.”

A ação Penal em regra é Publica Incondicionada, por força do Art. 100, caput do CP, dando poderes ao Ministério Público para promovê-la, no que se refere o Art. 129, I da CF, e quando fixadas em Lei, haverá a possibilidade de ser Pública Condicionada, Art. 24 CPP e Art. 100, § 1º do CP, existe também a Ação Penal Privada, mas que não é o caso desta Lei.

A discussão reside, em prima, na questão das lesões corporais, em nosso Código Penal, como não há ressalvas quanto à necessidade de representação tem-se claramente uma Ação Pública Incondicionada, de outro lado a Lei 9.099/95, elegeu como crime de menor potencial ofensivo as lesões de natureza leve e culposa, transformando em delitos de Ação Publica Condicionada, todavia, a Lei Maria da Penha afastou a incidencia dos Juizados Especiais, por se tratar de violência doméstica e

44 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Código de Processo Penal Comentado, 9.ed. São Paulo, Saraiva, 2005,v.1.p135.

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familiar contra a mulher, independente da pena prevista, Art. 41 da Lei 11.340/0645, neste modelo está o impasse, pois não houve nenhuma alteração no CP e as posições se dividem entre os doutrinadores, Marcelo Lessa Bastos entende que a Ação Penal voltou a ser publica incondicionada nos casos de lesões corporais leves decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher46 no mesmo entendimento seguem Ana Paula Schwelm Gonçalves e Fausto Rodrigues Lima47:

A Lei não fez expressamente qualquer menção à natureza da ação penal nas infrações de que trata, no entanto, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, observando os princípios que regem a matéria e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, induz a conclusão de que tais crimes não mais dependem da vontade das vítimas para seu processamento, isso ocorre pois existe o afastamento da Lei anterior 9.099/95 (...) neste sentido, apesar do Art. 16 da Lei Maria da Penha, determinar que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida só será admitida a renúncia perante o juiz, tal situação não se aplica aos crimes de lesão corporal leve, mas somente nos crimes em que o Código Penal expressamente determinar que a ação seja condicionada.

Já para Maurício e Marcelo Saliba, a Lei Maria da

Penha apresenta um retrocesso, pois a conciliação civil

45 DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça, São Paulo, 2007, editora RT, p.116. 46 BASTOS, Marcelo Lessa, Violência doméstica e familiar contra a mulher. Alg7uns comentários disponível em <www.jusnavegandi.com.br> Acesso em 04.05.2011. 47 Ana Paula Schwelm Gonçalves e Fausto Rodrigues Lima, A lesão corporal na violência doméstica: nova construção jurídica. Disponível em <http://www.violenciamulher.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=417&catid=1:artigos-assinados&Itemid=5> Acesso em 09.06.2011.

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permitia que o autor da agressão e a ofendida buscassem, com o auxílio de mediadores, a solução adequada, pois a conversa entre as partes é o melhor caminho para se combater a violência, e a punição mais severa não é o melhor meio –neste caso- para a resolução dos conflitos48. Sendo defendida a idéia de que é Pública Condicionada, por dar a opção do diálogo e da retratação. Ainda acrescenta Adriana Ramos de Mello49:

Os motivos que orientam a vítima a se retratar são irrelevantes do ponto de vista do Direito Penal. Para tanto, é fundamental que haja livre manifestação da vontade no sentido de a vítima não persistir no propósito de ver o agente processado e punido criminalmente.

1.4.3 Renúncia ou retratação? É notável que temos dois institutos que se ligam no ponto da retratação, que se refere o Art. 16 da Lei50, assim como a doutrina entra em divergência quanto a ação penal, existem dúvidas em relação a letra do Art., qual seja “só será admitida a renúncia à representação perante o juiz.

Primeiramente, há que se realizar a distinção entre renúncia e retratação da representação, visto que aquela consiste no ato unilateral efetuado pela vítima antes da representação, enquanto esta seria a revogação da

48 SALIBA, Marcelo e Maurício Gonçalves, Violência doméstica e familiar - Crime e Castigo: Lei 11.340/06. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, n.12, p.50-52, Porto Alegre, jun-jul, 2006. 49 MELLO, Adriana Ramos, Comentários à Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, 2ª Edição, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2009. p.81-82. 50 Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

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representação já externada51. Para Luiz Flávio Gomes, a Lei somente permitiria a renúncia antes do oferecimento da representação, situação na qual logicamente não haveria denúncia, pois, ausente representação da vítima não há o que se falar nem em instauração do procedimento investigatório52, assim, nesta situação específica se aplica o Art 16 da Lei 11.340/06, pois o termo antes do recebimento da denúncia foi empregado de maneira errônea, permanecendo assim a hipótese do Art. 25 do CPP53, por outro lado, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, ocorreu um verdadeiro equívoco ao utilizar-se do termo renúncia, porque buscava mencionar a retratação da representação54. Sob uma analise jurisprudencial, entende-se que não há distinção nenhuma na aplicação do Art. 25 do CPP, Art.102 do CP55 e do Art. 16 da Lei 11.340/06, prevalecendo a segunda corrente, conclui-se que o legislador quis tratar da retratação quando mencionou renúncia.

Ocorre, porém, que o Ministério Público, legitimado para atuar nos casos em que há dedução de uma pretensão acusatória, desde que presentes os requisitos legais, não poderá desistir e nem dispor do Direito desempenhado, inexistindo espaço para a intromissão da vítima, o art.16 em destaque contraria o que está disposto em nossa legislação, consolidado por princípios regentes

51 ROSA, Flavia; MATTOS, Tupina de; SOARES, Rafael Junior: Incoerência Legal – Lei Maria da Penha contraria a Indisponibilidade, disponível em <http://www.ipebj.com.br/artigos/59/incoerencia-legal-lei-maria-da-penha-contraria-indisponibilidade> Acesso 06.06.2011. 52 GOMES, Luiz Flávio; RUDGE, Elisa M., Lei Maria da Penha: Exigência de representação, disponível em <http://www.lfg.com.br>. Acesso em 28.07.11. 53 Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia. 54SANCHES, Rogério Cunha e PINTO, Ronaldo Batista, Violência Doméstica, 2ª edição, Editora RT, São Paulo, 2008. 55 Art. 102 - A representação será irretratável depois de oferecida a denúncia. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

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do Processo Penal, tais como o da Obrigatoriedade e o da Indisponibilidade, desta forma, a possibilidade da renuncia à representação depois de oferecida a denúncia levaria a uma anomalia jurídica, justificativa advinda da lógica da impossibilidade da vítima não inferir no processo após o oferecimento da denúncia, pois não tem mais a titularidade ativa. Para Eduardo Luiz Santos Cabette56:

Nos casos de violência doméstica contra a mulher, derrogado o Art. 25 do CPP, para alongar o tempo para a retratação(jamais renúncia), teria o legislador criado uma nova formalidade processual antes do recebimento da denúncia, qual seja, a oitiva da vítima para que se manifeste quanto à eventual retratação da representação anteriormente ofertada.

Entretanto, não há fundamento que justifique a

inserção de formalidade processual no interregno entre o oferecimento da denúncia e o recebimento da denúncia, existe um obstáculo na promoção da Ação Penal de iniciativa pública pelo legítimo titular, visto que, uma vez recebida a denúncia, a vítima somente atuaria como assistente de acusação, ou seja, a atuação seria acessória a do Ministério Público. Ora, se o oferecimento da denúncia torna a ação penal indisponível ao seu titular, não há fundamento ou instituto jurídico que dê respaldo ao Art. 16 da Lei 11.340/06, em que a vítima, mesmo fora da relação jurídica, teria condições de dispor da ação penal.57

Por ser a Lei especial, a justificativa apontada na jurisprudência e posição majoritária de que o legislador

56 CABETTE, Eduardo Luiz Santos, Anotações críticas sobre a Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, Jus Navegandi, ano 10, n.1146, Teresina, 21 ago.2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8822> Acesso em 22.08.2011. 57 LOPES JUNIOR, Aury, Lei Maria da Penha contraria a Indisponibilidade, artigos, O consultor Jurídico, disponível em <http://www.conjur.com.br/2011-mar-17/retratacao-denuncia-incoerencia-lei-maria-penha Acesso 07.06.2011.

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“erroneamente” utilizou a palavra renúncia, possibilitando assim à vítima se retratar, seria porque se trata de instituição familiar, e possibilita um diálogo entre réu e vítima para possível resolução do problema, contrariando a lógica e a coerência das normas constitucionais e processuais vigentes, as quais preveem os titulares da ação penal58. Corroborando esta tese Hélio Tornaghi afirma:

O silêncio do ofendido, a falta de manifestação de vontade, é obstaculo à atuação do Ministério Público. Uma vez removido esse óbice se o Ministério Público já iniciou a ação, com o oferecimento da denúncia, já não produz efeitos a retratação do ofendido, pois do contrário ficaria este com o poder de invalidar os atos do Ministério Público e o próprio processo, o que esta inteiramente fora da vontade da Lei.

Desta forma, considerando que a criação de ato

processual específico para a oitiva da vítima foi uma solução louvável do legislador, como meio de evitar manifestações viciadas, entende-se que a audiência sobre a deliberação da retratação da representação deve ser realizada antes do oferecimento da denúncia, resguardando assim, a principologia e a sistemática legal proposta pela Lei Maria da Penha59.

Portanto, a regra inscrita no Art. 16 da Lei 11.340/06, deve ser aplicada parcialmente, no que tange apenas à realização e ao momento da audiência, e quanto à regra do Art. 25 do CPP e 102 do CP, deverá permanecer incólume, pois uma vez oferecida a denúncia não há respaldo legal para a vítima inferir nessa fase do processo,

58 ROSA, Flavia; MATTOS, Tupina de; SOARES, Rafael Junior: Incoerência Legal – Lei Maria da Penha contraria a Indisponibilidade, disponível em <http://www.ipebj.com.br/artigos/59/incoerencia-legal-lei-maria-da-penha-contraria-indisponibilidade> Acesso 06.06.2011. 59 Ibidem.

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cabendo ao Ministério Público promovê-la e se manifestar como lhe for pertinente60.

Recentemente a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, considerou suficiente a queixa da vítima no julgamento do recurso contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.61 Afirmou o relator do recurso na 5ª Turma, ministro Napoleão Nunes Maia Filho:

Ainda que se considere necessária a representação, entendo que esta prescinde de maiores formalidades, bastando que a ofendida demonstre o interesse na apuração do fato delituoso (...) o interesse da vítima “é evidenciado pelo registro da ocorrência na delegacia de polícia e a realização de exame de lesão corporal.

1.5 CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIAS E MEDIDAS PROTETIVAS 1.5.1 A raiz do mal

De um modo geral, este tópico é o ápice deste trabalho, pois é onde reside as maiores falhas, embora seja algo que tenha mudado a vida de muitas mulheres, a Lei Maria da Penha afasta outras tantas que não alcançam sua eficácia, dentro do mundo real dos fatos, as medidas protetivas, bem como o tratamento dado por parte das autoridades competentes aliados a um conjunto cultural subdividido e segregado pelas regiões brasileiras e pelo nível econômico de muitas vítimas, pois quanto mais baixa a renda, mais são as ocorrências e consequentemente as retratações num ritmo circular vicioso.

Antes de tudo, é preciso conceber a idéia de estamos diante de um problema social, com reflexos nos

60 Ibidem. 61 Revista Consultor Jurídico, 14 de outubro de 2010, disponível em http://www.conjur.com.br/2010-out-14/queixa-vitima-suficiente-abertura-acao-agressor>. Acesso em 22.06.2011.

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mais distintos setores, que vai do tráfico à delinquência juvenil62, nas sábias palávras de Minuchin63:

A família é considerada a atriz identidária do sujeito, por ser o contexto privilegiado onde os processos de pertencimento e separação são administrados.

Ângelo Andolfi64, também afirma que, “dentro de

uma leitura sistêmica, a família precisa ser compreendida em um sistema, dentro de outros sistemas”, assim, o sentido comum de família moderna está envolto a uma realidade que traz o sentimento de pertencimento ao lar, casamento tardio, precocidade de trabalho, problemas habitacionais, tradição de escolarização para a criança dentro de um contexto de desigualdades, famílias marginalizadas e a globalização cada vez mais presente, neste enfoque, o que Minuchin explica é o ciclo de vida destas famílias, sobrepostos e associados a inúmeras crises imprevisíveis, seja ela econômica, afetiva, a impossibilidade da vida em comum, vícios e outras tantas dificuldades modernas que associados à pobreza, a miserabilidade, falta de opção geram um câncer na sociedade, nas palavras de Tereza Cristina Carreteiro65:

Lugares marcados pelo desamparo social ou pela pobreza a lógica do direito é substituida pela lógica da violência, em um país com tantas incertezas e exclusões múltiplas vividas por grande parcela da população brasileira, podemos pensar na hipótese que a violência aoresenta-se como uma forma de lidar com a realidade.

62 AUGUSTO DE SÁ, Alvino: Criminologia clínica e psicologia criminal, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007. 63 MINUCHIN, S., Famílias: Funcionamento e tratamento, Artes Médicas, Porto alegre, 1982. 64 ANDOLFI, M. Ângelo: Tempo e mito em psicoterapia familiar, Artes Médicas, Porto Alegre, 1989. 65 CARRETEIRO, Tereza Cristina, Exclusão social e o processo de identidade: Estudos em Sociologia, Revista do programa de pós-graduação em sociologia da UFPE, 6 (1), 109 – 124, 2000.

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O que assistimos nos presídios de todo país, nas ruas das grandes cidades, pode ser caracterizado como uma “guerra”, onde a população, sem nehum suporte do Estado, precisa “fazer justiça com as próprias mãos”.

Ainda, dentro deste contexto, esses reflexos de uma sociedade violênta estão infiltrados no âmbito familiar, multiplicador dos efeitos desta onda criminosa e aparente retrocesso ao “estado natural”66. A Constituição vê na familia a base da sociedade (art. 226 da CF)67 e que o Estado é uma reunião de familias68 é neste seio que a criança vai receber as primeiras noções de valores, é o momento em que a sua personalidade será gravada, sendo a maneira mais eficaz, rápida e barata no combate à criminalidade69 e neste sentido a presença de violência, seja ela verbal, moral, sexual ou física, ficará intrisicamente no subconsciente da criança, segundo pesquisa realizada para o Projeto Ser Cidadão70, no Centro Universitário de Maringá em grupos de apoio ao Homem que bate, a grande parte veio de lares com o

66 Para a Concepção de Hobbes o homem no estado de natureza, os indivíduos vivem isolados e em luta permanente, vigorando a guerra de todos contra todos ou "o homem lobo do homem". Nesse estado, reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se protegerem uns dos outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas duas atitudes são inúteis, pois sempre haverá alguém mais forte que vencerá o mais fraco e ocupará as terras cercadas. Do livro: Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, ano 2000, pág. 220-223: Estado de Natureza, Contrato Social, Estado Civil na filosofia de Hobbes, Locke e Rousseau. 67 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves: Curso de Direito Constitucional, 33 edição, editora Saraiva, São Paulo, 2007, p.74. 68 ARISTÓTELES: A Política, Coleção Universidade de Bolso, Trad. de Nestor Silveira Chaves. Coleção Universidade de Bolso. Rio de Janeiro, 1992. 69 Apud CÁSSIO MARCELO MOCHI, em aula ministrada no 5º ano de direito matutino do CESUMAR em 03.06.2011. 70 Ser Cidadão – Cartilha Única: Grupo de violência Doméstica, pesquisa de violência contra a mulher, RUIZ, Mayara, ZANNIN, Lucélia, 1ª edição, CESUMAR, Maringá – Paraná, 2011.

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mesmo problema, além, claro, do álcool e das drogas. A violência doméstica é ciclica, avós, mães e filhas sofreram, e o tempo médio para que haja de fato a denúncia e o pedido de socorro varia de 5 a 20 anos, pois o amor e o ódio são dois sentimentos primários, básicos, fundamentais e sempre presentes na vida psíquica do homem, reprimidos ou explícitos71 acabam alimentando a esperança de que um dia o companheiro mude, ela passa por todos os tipos de violência elencadas, até que denuncie, ocorre o que diz Pufendorff:

Da mesma maneira como se transferem os próprios bens a outrem por meio de convenções e contratos, pode-se também se despojar de sua liberdade em favor de alguém72.

Neste sentido, define Kant que o casamento (ou

união entre duas pessoas que têm em comum laço de afeto ou de necessidade) obedece um critério geral para definir qualquer relação jurídica, ou seja, o critério da posse, pois, tratando-se de um instituto de direito pessoal de natureza real, esta posse é dada pelo fato de que, se o outro conjuge foge ou se entrega à posse de uma outra pessoa, ele tem o direito “em qualquer momento e de forma incontestavel de reconduzi-lo ao seu poder como uma coisa73.

O que significa que essa posse distingue-se de qualquer outra forma de posse, não somente sobre a matéria, mas também segundo o caráter formal da

71 FREUD, Sigmund, O mal Estar na Civilização e outros trabalhos 1927-1931, edição Standard, brasileira das obras psicológicas completas de S. Freud, v.21, Editora Imago,Rio de Janeiro,1996, p.2. 72 ROUSSEAU, Jean Jacques: A origem da desigualdade entre os homens, Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, v.16, tradução Ciro Mioranza, Editora Escala São Paulo, 1990 p.74. 73 KANT, Emanuel: Clássicos Politicos, Immanuel Kant, scritti politici e di fiolosofia della storia e Del diritto, trazudido por Gioele Solari e

Giovanni Vidari, Editora Utet, 1956, p.460.

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reciprocidade, importante de tal forma que impede o casamento de ser uma relação degradante74.

O raciocínio de Kant pode ser interpretado da seguinte forma:

Se um cônjuge possuísse o outro sem reciprocidade, o outro seria reduzido a coisa, o que é o contrário à lei moral que prescreve respeitar os outros como pessoa; mas, se existe reciprocidade, isso significa que, ao mesmo tempo que o primeiro possui o segundo, o segundo possui o primeiro; e então o segundo possuindo por sua vez o primeiro, livra-se do seu ser [coisa] e age como pessoa75.

E é desta forma que para Kant a relação conjugal

deve ser fundamentada na igualdade. E nesses casos estudados, a igualdade, a tolerancia e a reciprocidade já se perderam, e a relação passa a ser de pessoa e coisa, restanto apenas um emaranhado de amor e ódio fundidos, dificultando na aplicação do Direito, que faz com que muitas mulheres voltem atrás e tentem de novo.

Como é possivel perceber, o que caracteriza os requisitos da Lei Maria da Penha, está entranhado nessa esfera de tratamento desigual, pois não se dorme com o inimigo sem amá-lo ou sem haver alguma necessidade extrema, seja ela de afeto propriamente dito ou seja econômica, neste ultimo caso a falta de escolha, muitas vezes com filhos a mulher se anula, adquirindo a (des)qualidade de coisa.

Nas palavras da delegada titular da Delegacia de Atendimento à mulher do Rio de Janeiro, Celia Silva Rose: “Devemos mudar a cultura que ainda existe no paíz: de

74 BOBBIO, Norberto: Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, 3 edição, tradução Alfredo Fait, São Paulo, Editora Mandarim, 2000, p.179. 75 Ibidem, p.178-179.

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que o homem é o dono da mulher. É preciso que se ensine desde cedo que violência é crime”.76

Quando uma mulher tem a atitude da denúncia ela já chega perante às autoridades reduzida a rés, com a autoestima baixa, com a parte psíquica abalada e o corpo machucado, o fato existencial e submisso que a cultura do mundo impôs transformou a mulher em “minoria”, mas de forma interna e complexa, pois é uma minoria que está segmentada em todas as outras minorias.

1.5.2 Medidas integradas de prevenção e assistência à mulher em situação de violência doméstica

E é através desta raíz desigual que a Lei deveria se

embasar para redigir os arts. e dar a aplicabilidade necessária e eficaz aos efeitos protetivos do ordenamento jurídico em destaque, obrigando cada Estado membro a criar pelo menos uma delegacia da mulher por cidade, além de grupos de atendimento especializados com psicólogos e orientadores para vítimas e filhos e mais importante: para o agressor, com acesso à todas as mulheres, esse tipo de atendimento é raro, existe apenas em alguns Estados e geralmente nos grandes centros, com uma demanda grande demais para ser devidamente eficaz77. Nas cidades que não possuem sede especial, a mulher é atendida na própria delegacia, como qualquer outro caso, fugindo da verdadeira finalidade.

A Lei Maria da Penha foi criada para conter e prevenir os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher78, não vale a prisão sem o acompanhamento do agressor e da familia, pois é um problema futuro a mais

76 Portal quebre o ciclo – Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) em parceria com AVON, disponível em <http//:www.quebreociclo.org.br>. Acesso em 03.05.2011. 77 Artigos em debate: Rede social Maria da Penha, disponível em <http//:www.leimariadapenha.br/forum/debates>. Acesso em 04.06.2011. 78 Ibidem.

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para o Estado, a pena máxima aumentou de dois para três anos de prisão, passado este tempo o problema volta a ocorrer, segundo entrevista para o Pacto pela cidadania da delegada titular da Deam Legal-Rio, Célia Silva Rosa: “a repressão aumentou, e isso tem sido bom, mas há reincidências, e temos muitos casos de reincidencias”79.

O Art. 8º da Lei 11.340/06 dispõe o caput sobre os programas de proteção, um conjunto articulado de ações entre União, Estados, Distrito Federal, Municípios e entes não governamentais, efetivará as obrigações assumidas pelo Brasil quando da ratificação da Convenção de Belém do Pará (Art. 8.º), tais como adotar programas para: (a) Fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e que se respeitem seus direitos humanos; (b) modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e não-formais apropriados a todo nível do processo educativo, para contrabalancear preconceitos e costumes e e todo outro tipo de práticas que se baseiem que na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher que legitimam ou exacerbam a violência contra a mulher; (c) aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento necessário à mulher objeto de violência, por meio de entidades de orientação para toda a familia, quando for o caso, e cuidado e custódia dos menores afetados; (d) garantir a investigação e recompilação de estatísticas e demais informações pertinentes sobre as causas, consequências e frequência da violência contra a mulher, com o objetivo de avaliar a eficácia das medidas para prevenir, punir e eliminar a violência contra a mulher

79 Artigos em debate: Rede social Maria da Penha, disponível em <http//:www.leimariadapenha.br/forum/debates>. Acesso em 06.06.2011.

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e de formular e aplicar as mudanças que sejam necessárias; entre outras garantias80.

Em seguida, seus incisos voltam a falar sobre estes programas, como no inciso I e II, sobre a Integração operacional, é aqui que começa a falência do combate a criminalidade, pois a falta de integração entre os diversos órgãos que compõem o aparelho estatal é o maior responsável da não eficácia destas garantias trazidas pela Lei, além do isolamento do Poder Judiciário e do Ministério Público, impostos não raras vezes pelos membros destas instituições também conspiram contra a eficiência deste serviço81.

Nas palavras da socióloga Wânia Pasinato Izumino82:

O debate gerado com relação ao julgamento dos casos de violência contra a mulher trouxe também a discussão quanto à necessidade de estreitar as relações entre polícia e justiça. Na prática, observa-se uma separação entre as duas esferas, embora a Justiça dependa do bom trabalho realizado pela polícia para processar e julgar os crimes com rapidez e justiça(...)uma reclamação frequênte entre as delegadas de São Paulo é o desconhecimento quanto ao desfecho que os casos obtém na esfera judicial e afirmam que os processam muitas vezes acabam por serem arquivados ou resultam em absolvições devido ao “desinteresse das vítimas”, desconhecendo o teor das decisões judiciais e das negociações encaminhadas.

O legislador, em suma, pretendeu romper com

essa barreira que separa os diversos órgãos de atuação envolvidos em cada caso, unir todos aqueles responsáveis

80 SANCHES, Rogério Cunha e PINTO, Ronaldo Batista, Violência Doméstica, 2ª edição, Editora RT, 2008, p.68. 81 Ibidem, p.69. 82 Delegacias de defesa da mulher e juizados especiais criminais: Contribuições para a consolidação de uma cidadania de gênero. Revista Brasileiras de Ciências Criminais, n.40, out.-dez., p.293.

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pela segurança, proteção e julgamento, contudo, dentro da realidade do nosso país, a inviabilidade e a carência de juizados criminais especiais, delegacias da mulher e grupos de combate à violência acabam por deixar o que seria eficaz para a erradicação da violência doméstica e redução da criminalidade uma idéia utópica repleta de falta de vontade por parte de todos estes órgãos.

Logo após o inciso III apresenta uma temática importante para o combate a violência doméstica, procura evitar que os meios de comunicação (jornais, revistas, rádio, televisão, etc.) apresentem mulheres assumindo papéis que demosntram inferioridade, como por exemplo, grave submissão, déficit intelectual, descontrole emocional, ridicularização etc. E que o homem, ao revés, seja retratado com superioridade em contraste com a mulher, que lhe é subordinada, tudo isso criando um esteriótipo que desequilibra a igualdade entre os sexos83, como afirma Lênio Luiz Streck84:

A presença colonizadora dos meios de comunicação de massa é fator importante para a manutenção de um imaginário discriminador, no interior do qual a honra da mulher, por exemplo, é tida como a extensão da honra masculina. Basta ver como as novelas apresentam as mulheres que prarticam a infedelidade.

A tv aberta é vista pela massa da população, em

horário nobre, onde geralmente as famílias se reúnem para assistir esse tipo de entreterimento, e além de entreter a população ela é meio de formação de valores, é uma influência que entra na vida e produz efeitos fora de casa. Assim como a mídia televisiva influencia na vida das pessoas, existe uma certa obsolecência em tudo que nos

83 SANCHES, Rogério Cunha e PINTO, Ronaldo Batista, Violência Doméstica, 2ª edição, Editora RT, São Paulo, 2008, p.70. 84 O senso comum teórico e a violência contra a mulher: Desvelando a razão cínica do direito em Terra Brasilis. Revista Brasileira de Direito de Família, n.16, jan-mar.2003.

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cerca, não sendo percebida por grande parte dos afetados, como por exemplo a ingênua literatura infantil, que segundo Madel Therezinha Luz85:

A Bela Adormecida, doce, frágil e indefesa, “dorme”, enquanto um príncipe, forte e corajoso, vence todos os perigos para chegar até ela. Cinderela (que antes do baile era a Gata Borralheira) precisa de um nobre príncipe para tirá-la do fogão e das humilhações. Chapelzinho Vermelho que, no início da história, corajosamente transgride os limites “territoriais” femininos, termina a aventura levando uma lição de moral e aprendendo que as meninas têm que andar na linha, porque senão o lobo pega.

Neste sentido, destaca ainda Eugenio Raúl

Zaffaroni86:

Não é necessário possuir uma grande perspicácia para se dar conta de que estas perspectivas não fazem mais do que recorrer ao conjunto de falsidades ordinárias que, em forma de preconceito de gênero, pretendem legitimar o papel subordinado da mulher. A esses mesmos preconceitos deve-se atribuir o fato de que, inclusive hoje, a comunicação massiva continua apresentando a mulher criminalizada por um fato violênto como a mais fria e desapiedada(“estereótipo psicopático”), ou como um puro instrumento de poder viril de seu partícipe (“estereótipo oligofrênico”).

Há que se observar a linha tênue que separa a

programação, pois em alguns momentos, quando se mostra a agressão e a submissão sob um ponto de vista

85 LUZ, Madel T., O lugar da mulher: Estudos sobre a condição feminina na sociedade atual, Cadernos de Pesquisa, Rio de Janeiro, Graal, 1982, p.63. 86 Eugenio Raúl Zaffaroni, apud PANDJIARJIAN, Valéria, A mulher e o poder punitivo, tradução Silva Pimentel. São Paulo: Comitê Latino-Americano e do Caribe para a defesa dos direitos da mulher, Cladem – Brasil, 1995.

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coerente com os valores éticos e morais, gerando assim um debate e uma abordagem construtiva sobre a temática, pois estamos lidando com uma situação crítica, que separa o “controle” da censura.

Já os incisos IV e V dispõem sobre o atendimento policial especializado, a escolha das pessoas com aptidão para o trato com as mulheres e a sensibilidade necessária para a abordagem dos problemas por ela suportados, há preferência por policiais do sexo feminino, em face do constrangimento em narrar a prática de um crime contra a liberdade sexual por exemplo, um policial homem nem sempre estão preparados para ouvi-la. Como Eduardo Mayr elenca algumas atitudes que demosntram o despreparo estão as indagações formuladas às vítimas tais como: “Você tem sorte de ainda estar viva, por que você estava andando sozinha naquele local?, não sabe que não se pode sair à noite desse jeito? Por que não gritou?” A vítima é interrogada como se fosse culpada de um ilícito, por isso a portaria 11/9787 estabelece que:

Às delegacias de defesa da mulher deverão ser designadas, preferencialmente, policiais civis do sexo feminino, principalmente para o exercício das funções relacionadas ao atendimento público.

E a realidade, segundo pesquisa feita88 é a

precaridade deste atendimento, mesmo nos órgãos especializados. A mulher já chega humilhada, e recebe um tratamento indgno, fazendo que se sinta mais sozinha e mais humilhada, muitas vezes nem volta mais. O número 180 de denúncia também não fornece às informações necessárias. O resto dos incisos VI, VII, VIII e IX dispõem sobre capacitação, promoção de programas educacionais

87 A portaria foi publicada no DOE de 30.05.1997, p.107. 88 Ser Cidadão – Cartilha Única: Grupo de violência Doméstica, grupo de violência doméstica, RUIZ, Mayara, ZANNIN, Lucélia, 1ª edição, CESUMAR, Maringá – Paraná, 2011.

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e a inclusão de matérias referentes a direitos humanos nas faculdades de direito como matérias obrigatórias.

São condutas que deveriam estar certas e com reflexos na sociedade, mas existe uma inércia por parte do atendimento, um atraso nos procedimentos e principalmente o descaso e a precariedade de instituições de apoio no país.89

O que sem dúvida faz com que haja de fato o combate da violência doméstica vem das Organizações Não Governamentais e Grupos de Apoio90 que atendem, cuidam e combatem a violência, com isso o Estado se acomoda, não procura a garantia e a eficácia como deveria, não obsta criar uma Lei, deve-se cuidar para que ela seja eficaz. 1.5.3 Das medidas protetivas de urgência e juizados especiais

Diante da iminência, ou da prática de violência doméstica, cabe à autoridade policial adotar de imediato as providências legais cabíveis, dispoe o Art. 10 da Lei, contudo, como bem atenta Sergio Ricardo de Souza91, a “prática” da violência é fácil de ser determinada, pois é analisada a posteriori, ou seja, quando já consumada e visível92 ou tentada93. No entanto, no que diz respeito a “iminência da violência” dificulta a ação da policia, para estabelecer o momento de agir, a não ser quando se é

89 Casos e Testemunhos, Rede Social Maria da Penha, disponível em< http://www.leimariadapenha.com/group/casosetestemunhos/forum/topics/120408-policia-nao-prende-1> Acesso 22.05.2011. 90 Todos elencados neste rol na Rede Social Maria da Penha, disponível em <http://www.leimariadapenha.com/group/gruposdeapoio> Acesso em 12.05.2011. 91 SOUZA, Sérgio Ricardo de: Comentários à Lei de Combate à Violência doméstica contra a mulher – Lei Maria da Penha 11.340/06, Jurua, Curitiba, 2007, p.66. 92 CP, art. 14, I. 93 CP, art. 14, II.

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perceptível à ameaça, sequestro ou cárcere privado. As vias de fato e práticas das contravenções de pertubação ao sossego também permitem justificar providências policiais de urgencia94. É possível a prisão em flagrante nestas hipóteses.

O art. 22 da Lei obriga o agressor à algumas restrições, como a suspensão da posse de armas; manter distância da ofendida, de seus familiares e testemunhas; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência; restrição e suspensão de visítas aos dependentes menores; prestação de alimentos provisionais ou provisórios; devendo ser demonstrado o periculum in mora e o fumus boni iuris95. Importante salientar que estas medidas, bem como as obrigações de fazer ou não fazer do agressor são extintas com a renúncia da vítima96.

O art. 23, dispõe sobre as medidas protetivas à ofendida, que garantem a proteção, bem como o encaminhamento a programa oficial ou comunitário de atendimento ou proteção; a recondução ao respectivo domicílio após o afastamento do agressor; afastamento da ofendida do lar sem prejuízo dos direitos relativos aos filhos e aos bens; e a separação de corpos.

Ao legislar sobre matérias cíveis e criminais o legislador acumulou estas competências, ferindo o Art. 96, I, a, da Constituição:

Compete privativamente aos Tribunais: eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processos e garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.

94 DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça, São Paulo, 2007, editora RT, p.128. 95 SANCHES, Rogério Cunha e PINTO, Ronaldo Batista, Violência Doméstica, 2ª edição, Editora RT, São Paulo, 2008, p.146. 96 TJRS, Ap. Crim.70019552579, Rel. José Antonio Cidade Pitrez, j. 13.09.2007, DJ 23.10.2007.

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Ou seja, o legislador infraconstitucional invadiu a

competência exclusiva dos respectivos tribunais. Por este motivo, a Lei prevê a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, contudo, não foi determinada sua instalação, sequer foi imposto prazo para os Tribunais estruturarem tais varas especializadas97, que seria a melhor forma de dar efetividade à Lei, onde a ofendida seria amparada civil e criminalmente, pelos juizes respectivos das matérias competentes. Mesmo que a maioria das providências de urgência buscadas seja da espera do Direito de Família o expediente é enviado para a Vara Criminal. O legislador foi infeliz ao não obrigar a criação destes juizados, enquanto isso, a grande demanda de processos afoga as decisões, o Juiz Criminal decide matéria que um Juiz de Familia teria melhor tato para a promoção da conciliação e mais afeito para questões familiares.98

Entretanto o pecado da omissão continua aos arredores da justiça brasileira. Em cinco anos de vigência da Lei, ainda não se efetivaram estes juizados, que trariam a verdadeira eficácia e rapidez nos processos, tampouco se tem uma quantidade consideravel de grupos de apoio e delegacias da mulher pelos Estados, não obsta a criação de uma Lei, o legislador fez sua parte, mesmo com pouco rigor técnico, agora é a vez da justiça e das autoridades competentes darem o apoio a que foram destinadas e cumprirem com o que é disposto e garantido na Lei 11.340/06.

97 DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça, São Paulo, 2007, editora RT, p.148. 98 SANCHES, Rogério Cunha e PINTO, Ronaldo Batista, Violência Doméstica, 2ª edição, Editora RT, São Paulo, 2008, p.175.

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1.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi apresentado nestas breves linhas, podemos concluir que esta Lei veio para coibir, prevenir e erradicar a violência doméstica, um problema que está presente na história passada e contemporânea do homem, um culturalismo que levou a crer em falsas verdades por tantos anos, construindo errôneamente uma sociedade também violenta e criminosa, a família como um complexo de microssistemas dentro de outros é principal fonte de valores capaz de gerar cidadãos de bem ou delinquêntes, a criança carrega este fardo e como um espelho reflete os atos que presenciou, além de contribuir para todos os setores de criminalidade construirá uma família nestes moldes, ou piores. A violência é cíclica e impede o desenvolvimento de um país que deveria ser “forte, impávido e colosso’, cujo futuro espelharia esta grandeza”99, seria hoje o futuro que os autores idealizavam? Talvez esta retórica fique sem respostas, pois a grandeza que mostramos são as estatísticas alarmantes de violência, de desigualdade, de carência de educação.

Com base em estudos e pesquisas podemos ter uma singela noção do que está nos arredores, do que acontece sem que a maioria perceba, pois na maior parte do tempo os processos costumam ser arquivados e o ofenssor posto em liberdade, vez ou outra é noticiado algum caso grave deste tipo de violência e os olhos se voltam diretamente para a Lei 11.340/06, o legislador padece ao clamor público sempre que um caso ganha fama, multidões se formam em frente ao congresso, a imprensa retira toda a audiência que pode, invade a provacidade, expõe vítimas, e há o sensacionalismo exarcebado que da mesma forma que vem, acaba, e todos

99 Hino Nacional do Brasil foi escrita por Joaquim Osório Duque Estrada (1870 – 1927) e a música é de Francisco Manuel da Silva (1795-1865). Tornou-se oficial no dia 1 de setembro de 1971.

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se esquecem deste problema, até o legislador, basta a criação de um dispositivo, existência no papel, a falsa sensação de justiça e pronto, não se fala mais em eficácia, em estrutura, a aplicabilidade perde a importância, resta a inércia em atualizar os pontos incontroversos, em melhorar, abranger, “deitados em berço explendido”100 ficam os legisladores, no entanto, a Lei Maria da Penha é, sem dúvidas, um meio que está valendo para salvaguardar muitas mulheres, mas o fim social a que se destina não é atingido, esta Lei veio para proteger a familia, a instituição familiar, isto inclui não só a punição para o ofensor, mas também o apoio psicológico e o tratamento adequado em casos de dependência química e oferecendo meios para que não haja mais agressões, em todo o estudo somente algumas ONGs ofereciam este tipo de trabalho com o ofensor, pois se está remediando sem pensar no futuro, os casos que vão para julgamento e chegam em alguma condenação, prendem o agressor e não pensam que em alguns anos ele estará de volta à sociedade, na iminência de voltar e fazer tudo de novo.

Outra crítica se baseia nas Delegacias da Mulher, que surgiram em 1985, e até hoje não estão em todas as cidades brasileiras, com a Lei Maria da Penha, o tratamento especializado nestas delegaciais é o diferencial, embora mesmo assim ainda haja grandes faltas por parte das autoridades especializadas. O Brasil é um país que inverte certos valores, gasta com o que não é preciso e retira do que é necessário. Existe um certo comodismo por toda a parte, infelizmente nossos legisladores são eleitos pelo sufrágio destes brasileiros que sofrem os reflexos internos e externos da violência doméstica, da péssima educação, construindo uma sociedade precária.

Além disso, precisa-se fazer ajustes quanto à formalidade, atendendo os princípios que regem nosso ordenamento supremo, buscar por uma uniformidade

100 Ibidem.

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coerente ao caso concreto no que diz respeito ao sujeito passivo quanto a elasticidade da aplicabilidade ao homem, seja ele homossexual ou heterossexual, buscar a uniformindade do princípio da isonomia, não discriminando e nem excluindo.

Sem dúvida, este dispositivo foi feito às pressas e não foram considerados aspectos importantes, como a criação dos Juizados Especiais ao combate da violência doméstica, com juizes cíveis e criminais, existe a previsão, mas não a obrigatoriedade, com a garantia de um atendimento especializado por autoridades competentes não acontece na forma que a Lei dispõe, na maior parte dos depoimentos feitos , a primeira sensação que a mulher teve ao chegar na delegacia foi a de humilhação, vergonha e arrependimento por ter buscado ajuda, em alguns casos desistiram sem ao menos esperarem para serem atendidas.

Embora seja com este mecanismo que muitas mulheres tenham se valido para a obtenção de socorro, existem espalhadas por todo o país outras milhares de Marias que não conseguem tal feito, pela precariedade do sistema e pela falta de vontade. A Lei Maria da Penha veio com as melhores intenções, e de certa forma está ajudando muito, mas poderia ser melhor, com a adequação da formalidade e a aplicabilidade do já garante, bem como a humanização das autoridades competentes no tratamento à mulher vítima de violência doméstica, para que não afronte direitos personalíssimos e à dignidade da pessoa humana, para trasnformar a sociedade, garantir um futuro próspero a todos, apenas efetivando o que dispõe, colocando em prática tudo que foi garantido. Mas enquanto isso é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre, quem trás na pele esta marca, possui a estranha mania de ter fé na vida, Maria, Maria, é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta, uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer do

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A efetividade e aplicabilidade... 51

planeta, é a dose mais forte e lenta, de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta.101 1.7 REFERÊNCIAS Ação Direta de Inconstitucionalidade: (Med.

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= II =

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS CRIANÇAS E AS PRÁTICAS TRADICIONAIS NOCIVAS

DA CULTURA INDÍGENA – UMA ANÁLISE DO PROJETO DE LEI 1057/2007

Andréia Angela Berner Schmitz Maíra de Paula Barreto**

2.1 INTRODUÇÃO

No século XVI havia no Brasil mais de 1,5 milhão

de indígenas. Hoje eles somam pouco mais de 700 mil, divididos metade entre aldeados e outra metade em centros urbanos1.

Dentre os povos que ainda estão afastados da civilização, diversas pesquisas e estudos informam que algumas etnias indígenas ainda trazem na sua cultura a tradição de rejeitar crianças nascidas com deficiência, gêmeos, filhos de mães solteiras, ou por outros motivos, ocorrendo, na maioria das vezes, o homicídio dessas crianças, equivocadamente denominado de infanticídio (tipo penal que exige o estado puerperal da mãe, o que não é o caso, já que a morte da criança decorre de motivo

Graduada em Direito pela Unicesumar. E-mail: [email protected]. ** Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá - UniCesumar e Doutora pelo Programa Passado e Presente dos Direitos Humanos, da Universidade de Salamanca, Espanha. Membro da International Law Association. Advogada militante e Docente do UniCesumar. E-mail: [email protected] 1 SOUZA, Isaac; LIDÓRIO, Ronaldo. A Questão Indígena – Uma Luta Desigual. Viçosa, MG: Ultimato, 2008, p. 08.

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58 Temas jurídicos atuais: Volume V

exclusivamente cultural) 2.

Atualmente, apesar do grande esforço de pessoas que realmente se preocupam com a vida e o bem estar das crianças que são vítimas dessas tradições nocivas, o Estado ainda não se mostra efetivamente interessado na solução desse problema, preferindo adotar a cômoda posição de que a Constituição Federal assegura aos índios a manutenção de seus costumes.

Ocorre que, como se demonstrará neste artigo, cuja metodologia consistiu em pesquisa bibliográfica, não é preciso estudo muito aprofundado para se perceber que os direitos fundamentais da criança – e aqui pouco importa a origem, raça ou outra qualquer classificação – se sobrepõem a qualquer forma de violência que possa ser cometida, mesmo quando supostamente amparada por preceitos legais.

No ordenamento jurídico pátrio estão assegurados o direito à vida e à dignidade da pessoa humana como princípios norteadores das demais regras estabelecidas. Desse modo, o presente trabalho pretende demonstrar que a manutenção dos costumes e da cultura indígena não pode ser invocada como fundamento jurídico válido para que o Estado se abstenha de tutelar os direitos fundamentais das crianças indígenas, mediante políticas específicas, para as quais há necessidade de edição de lei própria, como era o caso do Projeto de Lei n. 1057/2007, cuja finalidade, entretanto, foi tolhida durante a tramitação legislativa. 2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais se compõem de um

padrão mínimo legal de valores inderrogáveis e irredutíveis, como, por exemplo, os direitos à vida, à

2 Conforme BARRETO, Maíra de Paula. Universalidade dos Direitos Humanos e da Personalidade versus Relativismo Cultural. Artigo

publicado em <http://www.conpedi.org.br>. Acesso em 31.ago.2014.

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A proteção dos direitos fundamentais... 59

personalidade, à dignidade, à intimidade, à saúde, dentre outros, que visam assegurar condições mínimas de existência digna. Estes são os direitos humanos que nenhum Estado ou sociedade está autorizado a reduzir ou violar, independentemente de seus valores culturais e particularismos locais.

Neste sentido, Cançado Trindade afirma: [...] subsiste (...) um mínimo irredutível que corresponde a valores universais, para cujo reconhecimento contribuíram muitas culturas de modos distintos. Os direitos fundamentais inderrogáveis, acompanhados das respectivas garantias e dos princípios gerais do direito, compõem este mínimo universal.3

Grande parte dos estudiosos esposa entendimento

no sentido de que os direitos fundamentais existem por si só, mas o Estado deve reconhecê-los formalmente, ou seja, devem restar previstos no ordenamento jurídico interno.

Vale destacar, no particular, a lição de Zulmar Facchin ao asseverar que “para a corrente jusnaturalista, os direitos fundamentais existem independentemente da chancela do Estado, que, por sua vez, deve positivá-los, reconhecendo-os, formalmente”4.

Para Gilmar Mendes, “a locução direitos fundamentais é reservada aos direitos relacionados com posições básicas das pessoas, inscritos em diplomas normativos de cada Estado”5, manifestando, ainda, que:

[...] o avanço que o direito constitucional apresenta hoje

3 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sérgio Antonio

Fabris Editor, v.3, 2003, p. 387. 4 FACCHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2008, p. 209. 5 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. rev.

e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.244.

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é resultado, em boa medida, da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar as normas asseguradoras dessas pretensões.6

Como ensina José Afonso da Silva, “direitos

fundamentais do homem são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana”7.

O mesmo renomado constitucionalista esclarece que os direitos fundamentais ostentam natureza constitucional, o que é consenso entre os doutrinadores que defendem, portanto, sua aplicabilidade ampla e geral, norteando todos os demais direitos previstos no ordenamento interno, já que funcionam como espécie de princípio de hierarquia superior.

Neste sentido, Gilmar Mendes esclarece que: Os direitos fundamentais, assim, transcendem a perspectiva da garantia de posições individuais, para alcançar a estrutura de normas que filtram os valores básicos da sociedade política, expandindo-se para todo o direito positivo. Formam, pois, a base do ordenamento jurídico de um Estado democrático.8

Convém, a respeito da aquisição e titularidade dos

direitos fundamentais, citar o mesmo autor para se ressaltar que ninguém pode ser excluído de sua esfera de incidência, já que a todos os seres humanos é que são direcionados, o que importa em não se fazer qualquer distinção em razão da raça ou etnia.

Não é impróprio afirmar que todas as pessoas são

6 Ibidem, p.231. 7 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª

ed. ver. atual. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 179. 8 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. rev.

e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.p.266.

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A proteção dos direitos fundamentais... 61

titulares de direitos fundamentais e que a qualidade de ser humano constitui condição suficiente para a titularidade de tantos desses direitos.9

Essa destinação a todas as pessoas caracteriza o que se chama de universalidade dos direitos fundamentais, muito bem definida por André Puccinelli Junior, in verbis:

A universalidade é apontada como traço típico por serem os direitos fundamentais vocacionados à proteção de todos os seres humanos, e não apenas de uma classe, estamento ou categoria de pessoas.10

Por certo que o principal e maior valor a ser

garantido como direito fundamental é o direito à vida, pois se constitui como fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada vale assegurar qualquer outro direito, ainda que fundamental – como liberdade, igualdade, intimidade – se a própria vida puder ser objeto de violação.

Vale, neste particular, citar Jacques Robert: O respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores ideias de nossa civilização e o primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não-aceitação do suicídio. Ninguém terá o direito de dispor da própria vida, a fortiori da de outrem e, até o presente, o feto é considerado como um ser humano.11

Ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira que “o

direito à vida é o primeiro dos direitos fundamentais constitucionalmente enunciados” e que se trata de “um

9 Ibidem, p.240. 10 PUCCINELLI JUNIOR, André. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 206. 11 ROBERT, Jacques. Libertés publiques, p. 234, apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª ed. ver. atual.

São Paulo: Malheiros, 2009, p. 198.

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direito prioritário, pois é condição de os outros direitos fundamentais”12.

Decorrente do direito à vida, vale citar também, como direito fundamental, o direito à existência, que, nas palavras de Jose Afonso da Silva, consiste “no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo”13.

A nossa Constituição foi ainda mais longe e assegura o direito a uma existência digna, já que consagra como princípio a dignidade da pessoa humana. Neste sentido, Zulmar Facchin expõe que “a vida, protegida pela Constituição, é a vida humana. Mais que isso: é a vida humana vivida com dignidade”14.

Nesse rumo, há que se ressaltar que a dignidade humana é princípio constitucional fundamental, também norteador de todo o ordenamento jurídico pátrio. De acordo com Flavia Piovesan, a introdução da concepção contemporânea de direitos humanos na Declaração Universal de 1948 torna a dignidade humana no valor que deve iluminar o universo de direitos. Diz a citada autora:

[...] a condição humana é requisito único e exclusivo, reitere-se, para a titularidade de direitos. Isto porque todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não dependendo de qualquer outro critério, senão ser humano.15

Devidamente demonstrada a importância, a

posição hierárquica no ordenamento e a titularidade dos

12 CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. São Paulo: RT, 2007, v. 1, p. 446-447. 13 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª

ed. ver. atual. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 198. 14 FACCHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2008, p. 227. 15 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, o Princípio da Dignidade Humana e a Constituição Brasileira de 1988. Artigo publicado Revista

dos Tribunais – RT 833/41, em março/2005, p. 313.

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direitos fundamentais, há que se esclarecer, ainda, que, no caso do direito à vida e à dignidade, estão impregnados pela inalienabilidade e indisponibilidade. Tratando do tema, muito bem pontua André Puccinelli Junior ao asseverar que “a ninguém, nem mesmo a seu titular, é facultado despojar-se de tais direitos considerados personalíssimos e indisponíveis”16.

Vale dizer, portanto, que o sujeito não tem a possibilidade jurídica de dispor desses direitos, ou seja, ainda que supostamente pudesse ter essa intenção de modo totalmente voluntário e consciente, não lhe é permitido abrir mão do direito à vida e do direito à dignidade. A esse respeito, Gilmar Mendes afirma que:

Da mesma forma que o homem não pode deixar de ser homem, não pode ser livre para ter ou não dignidade, o que acarreta que o Direito não pode permitir que o homem se prive de sua dignidade.17

Desta forma, não há como se querer atribuir

validade jurídica a qualquer ato que possa resultar na violação do direito à vida ou à dignidade, ainda que sob o pálio da aplicação de outros direitos, mesmo que assegurados na Constituição, como é o caso do direito do indígena à manutenção de suas culturas e tradições. 2.3 PRÁTICAS NOCIVAS INDÍGENAS

Recentes pesquisas têm demonstrado que

diversos povos indígenas ainda mantêm em sua tradição algumas formas – que chamamos de práticas nocivas – de violência contra a criança.

Para alguns povos indígenas, como os Iquipenguis,

16 PUCCINELLI JUNIOR, André. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 204. 17 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. rev.

e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.p.243.

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Guaranis, Kayuás, Kamayurás, Mayorunas, Suruwahas, entre outros, as crianças nascidas de mãe solteira, gêmeos, com deficiência física ou mental, ou com doenças não identificadas pela tribo, devem ser mortas – mediante envenenamento, sendo enterradas vivas ou simplesmente negligenciadas até a morte. Para tais povos, a morte dessas crianças não é um ato criminoso ou desumano, mas apenas uma prática cultural18.

Há ainda casos mais graves, como na etnia Yanomami, onde compete exclusivamente à mãe a escolha de matar ou deixar a criança viver, simplesmente pelo fato de ser do sexo indesejado ou de já ter outra criança de colo para cuidar. Foi constatado que nesse grupo indígena o número de homicídios elevou o coeficiente de mortalidade infantil de 39,56 para 121 no ano de 2003. Ao todo, 68 crianças foram vítimas de homicídio (erroneamente noticiado como infanticídio) naquele ano, aumentado para 98 em 200419.

Importante abrir um parágrafo para esclarecer que a figura do infanticídio, tipificada no art. 123 do Código Penal, se refere aos casos em que a mãe mata seu próprio filho, logo depois do nascimento, sob a influência do estado puerperal. Ocorre que a morte das crianças indígenas não se enquadra nessa hipótese, já que não decorre da influência do estado puerperal, mas das práticas tradicionais. Logo, a rigor, não se trata de infanticídio, mas de homicídio, na forma do que prevê o art. 121 do Código Penal.

Sobre o tema, é relevante trazer o ensinamento de Rogério Greco:

18 Conforme MARCOLINO, Suelen. Aspectos Culturais e o Papel da ONU na Defesa dos Direitos Humanos. Artigo publicado em Relações Internacionais – UNIP, 2012. Disponível em <http//www. http://internacionalistas.com.br/publicacoes>. Acesso em 31.ago.2014. 19 Conforme informações divulgadas pela Comissão Pró-Yanomami, disponíveis em: <http://www.proyanomami.org.br>, segundo BARRETO, Maíra de Paula, no artigo Os Direitos Humanos e as Práticas Tracionais Nocivas.

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A proteção dos direitos fundamentais... 65

Analisando a figura típica do infanticídio, percebe-se que se trata, na verdade, de uma modalidade especial de homicídio, que é cometido levando-se em consideração determinadas condições particulares do sujeito ativo, que atua influenciado pelo estado puerperal, em meio a certo espaço de tempo, pois o delito deve ser praticado durante o parto ou logo após.20

Por fim, a respeito do estado puerperal, valiosa a

lição de Paulo José da Costa Junior: A mulher, abalada pela dor obstétrica, fatigada, sacudida pela emoção, sofre um colapso do senso moral, uma liberação de instintos perversos, vindo a matar o próprio filho.21

Voltando às práticas nocivas, há que se destacar

que diversos pesquisadores tratam do assunto, de modo que se deve afastar o argumento de alguns antropólogos, como Rita de Souza, para quem “o infanticídio enquanto prática pertence a uma história remota, não ao universo contemporâneo desses grupos”22. Vale, então, colacionar o relato do missionário Raymond de Souza:

[...] porque entre muitas tribos o infanticídio é tabu. Em muitas tribos, quando uma índia está para dar a luz, ela vai sozinha para a floresta, ainda que seja muito jovem e aquele seja seu primeiro filho. Se a criança é perfeita e nasceu no sexo desejado, a mãe a trará de volta para tribo. Mas se tiver algum defeito, real ou suposto (lábio leporino ou alguma marca de nascimento na pele, tratar-

20 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial, volume II. 9ª ed. ver. atual. e ampl. Niterói, RJ: Impetus, 2012, p. 205. 21 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal, v. 2. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 18. 22 SANTOS, Rita. Direito à vida e práticas tradicionais. Artigo publicado em 09.04.2013. Disponível em <http://www.cienciahoje.uol.com.br>. Acesso em 23 fev.2014.

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se de gêmeos ou pertencer ao sexo não desejado, provier da mãe solteira ou nascer em família considerada já grande, etc.), a criança será afogada ou estrangulada ou enterrada viva, ou então simplesmente deixada na mata para morrer. (...) existe um silêncio tácito sobre o fato de a mulher grávida ter voltado sozinha para a maloca. Ninguém fala do assunto. O único som capaz de quebrar o silêncio é o choro da criança na mata. Mas o silêncio logo volta quando a criança morrer, comida por algum animal ou vitimada por alguém da tribo que, farto com o barulho, acabou com o ‘problema’ através de um golpe de tacape ou do estrangulamento.23

Além disso, diversos casos de tentativa de

homicídio contra crianças indígenas ganharam divulgação e notoriedade. Pode-se citar o caso da índia Hakani, da tribo Suruwaha, na parte oeste a Região Amazônica, que foi salva da morte aos cinco anos, quando desenterrada por seu irmão de nove anos, e então acolhida por um casal missionário; a coragem da indígena Muwaji Suruwaha, que lutou contra a tradição de seu povo que a ordenara matar sua filha Iganani, portadora de deficiência cerebral; o caso do índio Aisanan Paltu da tribo Kamayurá, na região do Xingu, que em audiência pública ocorrida na Câmara dos Deputados em 2007 narrou a dor de ter perdido um de seus filhos gêmeos, morto em nome da tradição.

Na revista Isto É houve publicação de reportagem, de autoria de Edson Suzuki, tratando da história de um menino igualmente da tribo Kamayurá que foi enterrado vivo pela mãe, logo depois de nascer. Vale transcrever parte do teor do texto veiculado:

O pequeno índio é, na verdade, um sobrevivente de sua própria história. Logo que nasceu, às 7 horas de 21 de

23 SOUZA, Raymond de. Infanticídio Indígena no Brasil: a tragédia silenciada. Editora: Saint Gabriel Communications International, 2009,

p 07.

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novembro de 2003, ele foi enterrado vivo pela mãe, Kanui. Seguia-se, assim, um ritual determinado pelo código cultural dos kamaiurás, que manda enterrar vivos aqueles que são gerados por mães solteiras. Para assegurar que o destino de Amalé não fosse mudado, seus avós ainda pisotearam a cova. Ninguém ouviu sequer um choro. Duas horas depois da cerimônia, num gesto que desafiou toda a aldeia, sua tia Kamiru empenhou-se em desenterrar o bebê. Ela lembra que seus olhos e narinas sangravam muito e que o primeiro choro só aconteceu oito horas mais tarde. Os índios mais velhos acreditam que Amalé só escapou da morte porque naquele dia a terra da cova estava misturada a muitas folhas e gravetos, o que pode ter formado uma pequena bolha de ar.24

Nesse caso relatado a criança indígena vítima da

prática nociva foi salva e conseguiu sobreviver, passando a levar uma vida normal. Mas isso não é o que normalmente ocorre com as demais crianças vítimas dessas práticas tradicionais inaceitáveis.

Registre-se, de outro lado, que há defensores da manutenção dessas práticas, principalmente entre os antropólogos, como, por exemplo, o alemão Erwin Frank, ao argumento de que esse é o modo de vida dos indígenas, em tradição arraigada na sua cultura desde há muitos anos, e que, por isso, não cabe aos “civilizados” julgá-los com base em seus próprios valores. Defende o citado antropólogo que a diferença entre as culturas deve ser respeitada e que “a nossa sociedade não deve perceber o infanticídio como um a barbárie contra criancinhas indefesas” 25.

24 REVISTA ISTO É. O garoto índio que foi enterrado vivo, edição 1998,

publicada em 20.fev.08. Disponível em <http://www.istoe.com.br/reportagens/1006_O+GAROTO+INDIO+QUE+FOI+ENTERRADO+VIVO>. Acesso em 25.jul.2014. 25 Em entrevista concedida ao Jornal Folha de Boa Vista, de 11 de março de 2005. Disponível em

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Devemos, entretanto, ter o cuidado de não

transformar os índios em seres malignos ou desprovidos de senso de solidariedade. Na verdade, essas práticas estão inseridas em sua cultura desde os mais remotos tempos, de modo que eles percebem a vida dessa forma, sem qualquer questionamento, como se fosse um dogma. A respeito disso, é interessante trazer o ensinamento da antropóloga Marianna Hollanda, ao explicar que:

O que nós, brancos, entendemos como sendo vida e humano é diferente da percepção dos índios. Um bebê indígena, quando nasce, não é considerado uma pessoa – ele vai adquirindo pessoalidade ao longo da vida e das relações sociais que estabelece.26

Se, de um lado, é certo que as tradições devem ser

respeitadas, de outro, deve-se levar em consideração que a criança ainda não tem discernimento para consentir, defender-se ou buscar proteção, de modo que se torna vítima da situação, não sendo válido – em face da criança – o argumento sobre o respeito à cultura. Ora, o costume ainda não está incorporado na criança, mas somente na sociedade de que ela nem chegará a fazer parte.

Por fim, há que se destacar que mesmo entre as comunidades indígenas há dissenso a respeito do infanticídio, uma vez que há relatos de membros de diferentes comunidades que para não verem seus filhos ou crianças de seu convívio serem mortas, deixaram sua comunidade levando a criança ou cometeram suicídio. No caso, o que se percebe é que os pais são oprimidos e obrigados a seguirem a tradição imposta pela sociedade

<http://www.proyanomami.org.br/v0904/index.asp?pag=noticia&id=3980>. Acesso em 01 jun.2014. 26 HOLLANDA, Mariana apud GRAMACHO, Maiesse. Estudo Contesta a Criminalização do Infaticídio Indígena. Artigo de 24 de junho de 2009, disponível em <http://www.direitoshumanos.etc.br>, segundo BARRETO, Maíra de Paula, no artigo Os Direitos Humanos e as Práticas Tracionais Nocivas.

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em que vivem, não havendo possibilidade de modificarem os costumes, pois, nessa hipótese, podem até ser excluídos do convívio dos demais membros da comunidade.

O certo, portanto, é que essas “práticas nocivas” contra crianças devem ser repudiadas e merecem atenção do Estado, no sentido de garantir a essas crianças a proteção do direito à vida, à saúde e à personalidade. 2.4 OS DIREITOS DA CRIANÇA E A GARANTIA DE RESPEITO AOS COSTUMES E TRADIÇÕES INDÍGENAS. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS

Desde o início do século XX a comunidade jurídica

internacional já vinha dispensando especial atenção sobre a necessidade de proteção especial aos direitos da criança, o que foi expressamente enunciado na Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, de 1924, que depois inspirou a Declaração sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1959. Pode-se destacar também o reconhecimento da necessidade dessa proteção especial na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, e no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também de 1966.

A existência de normas de proteção específica decorre do fato de se reconhecer que a criança é um ser que precisa de atenção e cuidados especiais em razão da evidente condição de hipossuficiência e fragilidade, como consequência natural de sua própria situação peculiar, não se podendo querer lhe equiparar – tanto para efeito de direitos, quanto de deveres – ao ser humano adulto e plenamente capaz.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 – que é inegavelmente um marco no campo da normatização de

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direitos e garantias fundamentais – revolucionou o tratamento normativo interno destinado às crianças ao adotar a doutrina da proteção integral, inaugurando uma nova era em que as crianças e adolescentes passam a assumir a condição de cidadãos plenos e não mais apenas objetos de ações assistencialistas.

Além de estabelecer a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental (art. 1º, III) e de dispor que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput) – o que já seria suficiente para assegurar às crianças toda a proteção destinada às pessoas em geral – a Constituição ainda traz dispositivo específico tratando do tema, no art. 227, de forma a deixar absolutamente claro que é dever do Estado a proteção especial e prioritária às crianças e adolescentes.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No campo infraconstitucional foi editado o Estatuto

da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990), que, visando regulamentar o referido art. 227 da Constituição Federal, dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Para o nosso enfoque, as disposições inseridas no Estatuto da Criança e do Adolescente que merecem mais destaque são os artigos 4º, 5º, 7º e 18, in verbis:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,

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à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Veja-se que – ainda que não fosse necessário, ante

a incidência plena das normas e princípios constitucionais – o texto do Estatuto da Criança e do Adolescente é inequívoco em estabelecer que é dever do Estado a efetivação dos direitos referentes à vida; que nenhuma criança será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão; que a criança tem direito a proteção à vida e à saúde; e que é dever de todos, o que, obviamente, inclui o Estado, garantir que a criança não seja vítima de tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou

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constrangedor.

Note-se que o legislador, tanto ao elaborar a Constituição (no uso do Poder Constituinte Originário) quanto ao editar a Lei n. 8.069/90, tratou da criança sem fazer qualquer distinção em razão do sexo, cor, religião, procedência, classe social ou etnia. Logo, a criança indígena goza, por força constitucional e legal, de todos os direitos assegurados a todas as demais crianças.

No mesmo ano de 1990 o governo brasileiro tratou de incorporar ao ordenamento interno, por meio do Decreto n. 99.710, de 21 de novembro, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1989, que já havia claramente servido de inspiração ao legislador pátrio para a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Referido diploma faz expressa menção à vedação de qualquer discriminação na aplicação dos direitos assegurados à criança (sem qualquer distinção de qualquer natureza), como se infere do seu artigo 2:

Artigo 2. 1. Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra índole, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais. 2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição, das atividades, das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais, representantes legais ou familiares.

Dessa forma, o art. 231 da Constituição Federal, ao

estabelecer que “são reconhecidos aos índios sua

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organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”, deve ser interpretado à luz dos demais princípios constitucionais, especialmente aqueles de incidência superior, ampla e irrestrita, como o direito à vida e à saúde e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Neste particular, vale citar Flávia Piovesan, para quem “o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico”, devendo ser utilizado, portanto, “como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional”27.

A mencionada autora traz ainda a seguinte argumentação, que deve ser levada em consideração:

É no valor da dignidade humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, a dignidade humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito Internacional e Interno.28

Para Paulo Bonavides “nenhum princípio é mais

valioso para compendiar a unidade material da Constituição que o princípio da dignidade da pessoa humana”29.

Assim, mesmo para aqueles que vislumbram a existência de conflito de preceitos constitucionais, quando se trata da garantia de manutenção das tradições e cultura indígenas (art. 231 da CF) em contraponto com a proteção outorgada às crianças (art. 227 da CF), a solução deve ocorrer pelo método da ponderação, através do qual se percebe, de modo simples, que a proteção à vida e saúde

27 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, o Princípio da Dignidade Humana e a Constituição Brasileira de 1988. Artigo publicado Revista dos Tribunais – RT 833/41, em março/2005, p. 316. 28 Ibidem, p. 317. 29 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 233.

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das crianças – ainda que indígenas – é direito de ordem muito superior à manutenção de crenças, tradições e culturas. Afinal, as crenças, tradições e culturas têm por objeto e finalidade o próprio ser humano.

De toda forma, a aparente existência de conflito se dissipa ao se analisar com mais vagar as disposições concernentes às garantias asseguradas aos indígenas e suas tradições, já que o Brasil ratificou a Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais (Decreto n. 5.051/2004), que traz previsão específica acerca do tema ora em destaque, ao dispor, no seu art. 8º, nº 2, que:

Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos.

Além disso, a Convenção dos Direitos da Criança é

ainda mais enfática e inequívoca, como se extrai do teor do art. 24, nº 3: “Os Estados Partes adotarão todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudicais à saúde da criança”.

Fica claro, portanto, que o Estado brasileiro teve a nítida e evidente intenção de seguir a orientação internacional acerca de priorizar a garantia aos direitos fundamentais – dentre os quais se encontra o direito da criança à vida e à saúde – mesmo que isso signifique romper com a aparente garantia absoluta de manutenção de costumes, crenças e tradições indígenas.

Há que se entender, portanto, que o Estado deve assegurar a garantia dos direitos à criança considerada como pessoa, ou seja, independentemente de raça, sexo, religião ou etnia.

Assim, o Estado tem o dever de proteger também a criança que nasce na mais remota tribo indígena ou sociedade não tradicional, pois antes de se tratar de um índio, se trata de uma criança, e não pode, por isso, ser

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vítima de tradições, costumes ou práticas que atentem contra a vida, saúde ou dignidade. 2.5 PROJETO DE LEI N. 1.057/2007

Com a intenção de positivar, de forma expressa e

contundente, as garantias já asseguradas pelos diplomas citados no presente estudo, houve a apresentação de projeto de lei na Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Federal Henrique Afonso, visando regular a atuação do Estado em defesa das crianças indígenas ou de outras sociedades não tradicionais que são vítimas de práticas nocivas.

O texto original do Projeto de Lei n. 1.057/2007 trazia o seguinte teor:

Art. 1º. Reafirma-se o respeito e o fomento a práticas tradicionais indígenas e de outras sociedades ditas não tradicionais, sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos humanos fundamentais, estabelecidos na Constituição Federal e internacionalmente reconhecidos. Art. 2º. Para fins desta lei, consideram-se práticas nocivas as práticas tradicionais que atentem contra a vida e a integridade físico-psíquica, tais como: I. homicídios de recém-nascidos, em casos de falta de um dos genitores; II. homicídios de recém-nascidos, em casos de gestação múltipla; III. homicídios de recém-nascidos, quando estes são portadores de deficiências físicas e/ou mentais; IV. homicídio de recém-nascidos, quando há preferência de gênero; V. homicídio de recém-nascidos, quando houver breve espaço de tempo entre uma gestação anterior e o nascimento em questão; VI. homicídios de recém-nascidos, em casos de exceder o número de filhos considerado apropriado para o grupo; VII. homicídios de recém-nascidos, quando estes possuírem algum sinal ou marca de nascença que os

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diferencie dos demais VIII. homicídios de recém-nascidos, quando estes são considerados portadores de má-sorte para a família ou para o grupo; IX. homicídios de crianças, em caso de crença de que a criança desnutrida é fruto de maldição, ou por qualquer outra crença que leve ao óbito intencional por desnutrição; X. abuso sexual, em quaisquer condições e justificativas; XI. maus-tratos, quando se verificarem problemas de desenvolvimento físico e/ou psíquico na criança; XII. todas as outras agressões à integridade físico-psíquica de crianças e seus genitores, em razão de quaisquer manifestações culturais e tradicionais, culposa ou dolosamente, que configurem violações aos direitos humanos reconhecidos pela legislação nacional e internacional. Art. 3º. Qualquer pessoa que tenha conhecimento de casos em que haja suspeita ou confirmação de gravidez considerada de risco (tais como os itens mencionados no artigo 2º), de crianças correndo risco de morte, seja por envenenamento, soterramento, desnutrição, maus-tratos ou qualquer outra forma, serão obrigatoriamente comunicados, preferencialmente por escrito, por outras formas (rádio, fax, telex, telégrafo, correio eletrônico, entre outras) ou pessoalmente, à FUNASA, à FUNAI, ao Conselho Tutelar da respectiva localidade ou, na falta deste, à autoridade judiciária e policial, sem prejuízo de outras providências legais. Art. 4º. É dever de todos que tenham conhecimento das situações de risco, em função de tradições nocivas, notificar imediatamente as autoridades acima mencionadas, sob pena de responsabilização por crime de omissão de socorro, em conformidade com a lei penal vigente, a qual estabelece, em caso de descumprimento: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Art. 5º. As autoridades descritas no art. 3º respondem, igualmente, por crime de omissão de socorro, quando não adotem, de maneira imediata, as medidas cabíveis.

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Art. 6º. Constatada a disposição dos genitores ou do grupo em persistirem na prática tradicional nociva, é dever das autoridades judiciais competentes promover a retirada provisória da criança e/ou dos seus genitores do convívio do respectivo grupo e determinar sua colocação em abrigos mantidos por entidades governamentais e não governamentais, devidamente registradas nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. É, outrossim, dever das mesmas autoridades gestionar, no sentido de demovê-las, sempre por meio do diálogo, da persistência nas citadas práticas, até o esgotamento de todas as possibilidades ao seu alcance. Parágrafo único. Frustradas as gestões acima, deverá a criança ser encaminhada às autoridades judiciárias competentes para fins de inclusão no programa de adoção, como medida de preservar seu direito fundamental à vida e à integridade físico-psíquica. Art. 7º. Serão adotadas medidas para a erradicação das práticas tradicionais nocivas, sempre por meio da educação e do diálogo em direitos humanos, tanto em meio à sociedades em que existem tais práticas, como dentre os agentes públicos e profissionais que atuam nestas sociedades. Os órgãos governamentais competentes poderão contar com o apoio da sociedade civil neste intuito. Art. 8º. Esta lei entre em vigor na data de sua publicação.

Como se percebe, a iniciativa em questão visava

assegurar a efetiva atuação da sociedade e do Estado na proteção do direito à vida das crianças indígenas e de outras sociedades ditas não tradicionais. Há que se destacar o teor o art. 3º, ao estabelecer a obrigatoriedade de comunicação aos órgãos específicos de proteção (FUNASA, FUNAI, Conselho Tutelar da respectiva localidade ou, na falta deste, autoridade judiciária e policial), por parte daquele que tivesse conhecimento ou suspeita de ocorrência de gravidez considerada de risco (tais como os itens mencionados no artigo 2º) ou de crianças correndo risco de morte, seja por

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envenenamento, soterramento, desnutrição, maus-tratos ou qualquer outra forma.

Isso certamente estabeleceria nas pessoas que mantêm contato com os povos indígenas o hábito de denunciar os casos verificados, especialmente por terem ciência de que há previsão legal para sua coibição. O que ocorre atualmente é que tais pessoas não fazem as denúncias, talvez por saberem que provavelmente nenhuma providência será tomada.

Veja-se que, ao contrário do que restou lançado nos pareceres apresentados no decorrer do processo legislativo, referido dispositivo não tinha a pretensão de criar obrigação legal para toda a sociedade e nem para todos os cidadãos, mas visava, ao que parece, atingir aquelas pessoas que efetivamente mantêm contato com as tribos indígenas e outras sociedades ditas não tradicionais, e que, presenciando as já referidas situações de violência contra a criança, se sentissem amparadas em promover a denúncia respectiva.

Outra disposição essencial é a instituição de obrigação por parte dos órgãos governamentais específicos de tutela dos povos indígenas de intervir quando verificada situação de violência à criança. Nesse sentido, o teor do proposto art. 6º era incisivo ao estabelecer que sempre que constatada a disposição dos genitores ou do grupo em persistirem na prática tradicional nociva, é dever das autoridades judiciais competentes promover a retirada provisória da criança e/ou dos seus genitores do convívio do respectivo grupo e determinar sua colocação em abrigos mantidos por entidades governamentais e não governamentais, devidamente registradas nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Ora, esse dever expresso na Lei é apenas a positivação de uma obrigação já existente, pois incumbe ao Estado, prioritariamente, a defesa dos direitos da criança, sendo certo que essa defesa não decorre da

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condição passiva, mas passa necessariamente por uma postura ativa e preventiva dos órgãos específicos.

Ocorre que o projeto de lei não recebeu a merecida análise por parte das comissões da casa legislativa em que fora proposto, já que, ao que parece, os estudos realizados não levaram em consideração a prevalência dos direitos da criança – como gênero – acima da manutenção de costumes, tradições e culturas.

Da leitura do parecer apresentado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, da lavra da relatora Deputada Janete Rocha Pietá30, percebe-se que as conclusões apresentadas se fundamentam na defesa do relativismo cultural.

Esse equivocado posicionamento acabou por impedir que se criassem ações positivas do Estado, que preferiu, ao contrário, estabelecer tão somente dispositivo de caráter genérico.

Disso resultou a apresentação de substitutivo que deturpou a intenção original do projeto de lei, esvaziando a finalidade precípua, que era a atuação do Estado na proteção da criança, transformando o projeto em mera inclusão de artigo no Estatuto do Índio.

Art. 1º Acrescente-se o art. 54-A à Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973: “Art.54-A. Reafirma-se o respeito e o fomento às práticas tradicionais indígenas, sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal e com os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos de que a República Federativa do Brasil seja parte. Parágrafo único. Cabe aos órgãos responsáveis pela

30 Disponível em: htttp://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid= A4C4A3A79E97A59EF8CA280D47665FDF.proposicoesWeb1?codteor=587656&filename=Tramitacao-PL+1057/2007>. Acesso em 08.jun.2014

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política indigenista oferecerem oportunidades adequadas aos povos indígenas de adquirir conhecimentos sobre a sociedade em seu conjunto quando forem verificadas, mediante estudos antropológicos, as seguintes práticas: I - infanticídio; II - atentado violento ao pudor ou estupro; III - maus tratos; IV - agressões à integridade física e psíquica de crianças e seus genitores.” Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Como se percebe, houve esvaziamento da

intenção inicial, que era positivar o dever do Estado em promover a efetiva proteção dos direitos da criança indígena e de outras sociedades ditas não tradicionais, como já está estabelecido no ordenamento jurídico pátrio, na mais pura aplicação do art. 227 da Constituição Federal e dispositivos insertos no Estatuto da Criança e do Adolescente, juntamente com as específicas previsões contidas na Convenção dos Direitos da Criança e na Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. 2.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi exposto, ainda que não se tenha

procurado apresentar estudo mais aprofundado acerca da definição e aplicação dos direitos fundamentais, resta bastante claro que as crianças são destinatárias de todos os direitos inerentes aos seres humanos em geral, sem qualquer distinção de sexo, raça, cor, religião ou etnia.

Além disso, à criança é assegurada, por expressa disposição constitucional, a garantia de proteção integral, havendo normativos específicos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e Convenções Internacionais, tratando especialmente do tema.

Diante disso, está evidente que mesmo às crianças nascidas nas tribos indígenas ou em outras sociedades

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ditas não tradicionais estão assegurados todos esses direitos que estão garantidos às crianças em geral.

Desse modo, não se pode aceitar que o Estado brasileiro continue omitindo-se na proteção dessas crianças nascidas fora da sociedade comum, ao argumento equivocado – já que não parte da premissa básica de que, antes de pertencerem às sociedades não tradicionais, as crianças são seres humanos comuns – de que se deve respeitar as tradições e culturas, ainda que em confronto com outros preceitos de ordem constitucional, como os direitos à vida, à saúde e à integridade física.

Há que se registrar que mesmo no âmago dessas sociedades não tradicionais há pais que não aceitam as práticas tradicionais nocivas e, para salvar a vida dos filhos, fogem das aldeias. Isso demonstra que muitas dessas pessoas vivem de certa forma oprimidas e obrigadas a seguirem as tradições de sua sociedade, sem possibilidade de se insurgirem contra condições que não aceitam. Para tanto seria indispensável a efetiva atuação do Estado brasileiro na defesa dos interesses de tais pessoas, que têm sua própria integridade físico-psíquica violada.

O Projeto de Lei n. 1.057/2007 buscava justamente assegurar a essas crianças uma posição ativa do Estado no sentido de efetivar condições para que se garantisse, na prática, a defesa da vida, saúde e integridade física daqueles seres. Entretanto, por evidente equívoco no estudo e nas discussões do projeto, o texto foi substituído, tendo sido esvaziada sua intenção principal.

Essa posição traz a impressão de que é mais fácil defender o isolamento – com a desculpa de proteção cultural – do que ter que investir recursos para resolver a situação.

Diante disso, é de extrema importância que a sociedade como um todo tome conhecimento da situação dessas crianças e seja instada a se manifestar, certamente

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na defesa desses seres inocentes que acabam vítimas de tradições e práticas nocivas sem qualquer possibilidade de salvação, para que, então, as autoridades legislativas e da sociedade em geral se sintam na obrigação de estabelecer políticas sociais para garantir a simples aplicação da legislação hoje já existente e dos preceitos constitucionais vigentes, que asseguram a todas as crianças os mesmos direitos fundamentais garantidos a todas as pessoas.

2.7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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= III =

ASPECTOS JURÍDICOS DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DOS DEPENDENTES QUÍMICOS À

LUZ DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Sharolene Gabriely Rigolin Valéria Silva Galdino Cardin**

3.1 INTRODUÇÃO

A abordagem desse estudo se dá sob o enfoque da

internação compulsória dos dependentes químicos com foco na proteção dos direitos das personalidades; para tanto, buscar-se-á fundamentação nos ensinamentos doutrinários e nas decisões das lides judiciais brasileiras.

Inicialmente será realizada uma abordagem histórica das drogas no mundo e no Brasil, progredindo com as espécies de drogas e as consequências do seu uso, em um estudo pautado tanto no Código Civil como em Leis Esparsas e na Constituição Federal, analisando, inclusive, a efetividade de políticas públicas no Brasil quanto a esse aspecto.

Concomitantemente, serão abordados os direitos da personalidade numa perspectiva constitucional, pois esses direitos têm proteção constitucional. Para um melhor

Pós-graduanda em Direito Civil, Processual e do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC) - Câmpus Maringá. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Maringá. Advogada em Maringá/PR. Orientada pela Professora Drª. Valéria Silva Galdino Cardin. [email protected]. ** Pós-Doutora em Direito pela Universidade de Lisboa. Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora da UEM – Universidade Estadual de Maringá e do Unicesumar – Centro Universitário de Maringá. Advogada em Maringá/PR.

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entendimento do assunto haverá capítulos destinados ao estudo dos direitos da personalidade, inclusive a garantia da dignidade da pessoa humana dos dependentes químicos. Também haverá um escorço sobre os tipos de internação, sendo apresentados conceitos básicos, passando para uma análise da lei de proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e modelo assistencial em saúde mental, bem como breves comentários do Projeto de Lei da nova Lei Antidrogas.

Portanto, nesse artigo, será analisada a internação compulsória de dependentes químicos, a fim de demonstrar que, quando sob efeitos das substâncias tóxicas (drogas), num grau mais elevado da dependência, perdem totalmente o seu discernimento, assim, em decorrência da perda da capacidade civil do dependente químico, é necessário o exercício da representação, assistência, curatela, tutela ou guarda, dependendo da análise do caso concreto, para que, então, haja a internação involuntária desses dependentes, sob a intenção de proteger a personalidade jurídica e prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por isso é necessário a intervenção do Estado, a fim de protegê-los, garantindo à eles a garantia do princípio da dignidade da pessoa humana, que pairam acima do ordenamento jurídico brasileiro e do próprio Estado, e, concorrentemente a proteção dos direitos da personalidade dos dependentes químicos. Dessa forma, assegura a esses indivíduos uma vida digna, reinserindo-os na sociedade, além de uma significativa mudança no cenário brasileiro. 3.2 EVOLUÇÃO DO USO DAS DROGAS MUNDO E NO BRASIL

O uso de substâncias psicoativas por seres

humanos é uma prática tão antiga quanto a existência do próprio homem, mostrando-se presente nas mais variadas

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Aspectos jurídicos da internação... 87

culturas e prestando-se às mais diversas finalidades, sendo elas, as bruxarias, as religiões, as terapêuticas, dentre outras.

Leciona Maurides de Melo Ribeiro: Hoje não há controvérsias no sentido de que o consumo de substâncias psicoativas acompanha a própria história da humanidade e se caracteriza pelo seu caráter gregário. Isto provocou, desde as primeiras civilizações, o aparecimento de normas e convenções sociais para regular a produção, a distribuição e o modo de consumo.1

Com o advento das civilizações grega e romana, a

ideia de paraíso se transformou, e passaram a utilizar substâncias psicoativas em alguns rituais com fins lúdicos, além de serem comumente utilizadas como mecanismos de cura. Já com o surgimento da igreja católica, foi diferente, os cristãos usavam as substâncias para fins terapêuticos. Aos poucos as substâncias psicoativas se difundiram pelo mundo, nesse sentido dispõe Antonio Escohotado:

A partir das Grandes Navegações (século XVI), os europeus entraram em contato com um grande número de substâncias psicoativas e as introduziram, progressivamente, em suas sociedades com finalidades médicas ou recreativas.2

Entretanto, o marco definitivo desse processo

foram as Guerras do Ópio (1839-1841), a partir das quais ingleses garantiram o monopólio internacional,

1 RIBEIRO, Maurides de Melo. Política Criminal e Redução de Danos. In: SHECAIRA, Sérgio Salomão (org.). Drogas uma Perspectiva. São Paulo: IBCCRIM, 2014, p. 161. 2 ESCOHOTADO, Antonio. Historia general de las drogas. Madrid:

Alianza Editorial, 1995, p. 122.

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consolidaram o domínio britânico no Extremo Oriente e implementaram a prática comercial de substâncias psicoativas em larga escala.3

Já no Brasil, as substâncias psicoativas sempre estiveram presentes no ceio da sociedade brasileira, ocorre que eram utilizadas para fins de rituais, remédios ou até mesmo só pelo simples fato de consumir as drogas a fim de obter os efeitos desejados. Entretanto, ante ao crescimento do consumo de drogas no Brasil, que no século XX teve as primeiras intervenções do governo brasileiro, a fim de controlar o uso e o comércio de drogas e consequentemente assegurar a saúde pública no país, Desse modo, para amenizar o avanço das drogas no Brasil, o Poder Legislativo, por meio de Leis e Decretos, proibiu e criminalizou o uso e o comércio de drogas no país.

Nesse aspecto, Ana Regina Machado e Paulo Sérgio Carneiro Miranda assevera:

Em 1911, o Brasil aderiu a Convenção de Haia, que estabeleceu o primeiro tratado internacional a propor o controle sobre a venda de ópio, morfina, heroína e cocaína. O país compareceu também às reuniões da Organização das Nações Unidas (ONU) realizadas em 1961, 1971 e 1988, as quais deram origem a convenções internacionais que reafirmaram a necessidade de adoção de medidas de repressão à oferta e ao consumo de drogas.4

3 RIBEIRO, Maurides de Melo. op.cit., p. 162-163. 4 MACHADO, Ana Regina, MIRANDA, Paulo Sérgio Carneiro. Fragmentos da história da atenção à saúde para usuários de álcool e outras drogas no Brasil: da Justiça à Saúde Pública. Hist. cienc. saude-Manguinhos [online]. Rio de Janeiro 2007, vol.14, n.3, p. 804. ISSN 0104-5970. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702007000300007> Acessado em 17/10/2014.

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Aspectos jurídicos da internação... 89

Portanto, com o decorrer dos anos mudanças

significativas ocorreram no Brasil quanto ao controle e repressão de drogas.

Assevera os autores supracitados: Primeiramente ao surgir no cenário jurídico-penal de 1971 como um complemento às ações de repressão e prevenção, servindo para o reaparelhamento do Judiciário através da absorção de sua tecnologia. Em segundo lugar, ao se apresentar como alternativa institucional ao destino dessa classe de excluídos, implicando a psiquiatrização dos procedimentos de controle do uso de drogas em nossa sociedade(...).5

Assim, devido ao crescimento do consumo de

drogas ilícitas, criou-se a Lei 6.368/1976, que abarcava sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências, sendo posteriormente revogada pela Lei 11.346/2006, atualmente conhecida como Lei de Drogas.

Dispõe Ana Regina Machado e Paulo Sérgio Carneiro:

É importante observar que tais portas assistenciais foram abertas aos consumidores de drogas ilícitas; os primeiros centros de tratamento, a princípio, não atenderam alcoolistas. Esse fato reafirma a tendência observada no Brasil de estabelecer ações

5 BITTENCOURT, Ligia Maria. Do discurso jurídico à ordem médica: os

descaminhos do uso de drogas no Brasil. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1986, p. 42. In: MACHADO, Ana Regina, MIRANDA, Paulo Sérgio Carneiro. Fragmentos da história da atenção à saúde para usuários de álcool e outras drogas no Brasil: da Justiça à Saúde Pública. Hist. cienc. saude-Manguinhos [online]. Rio de Janeiro 2007, vol.14, n.3, p. 804. ISSN 0104-5970. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702007000300007> Acessado em 17/10/2014.

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governamentais tendo em vista os compromissos assumidos no plano internacional para controlar e reprimir o uso de drogas ilícitas, e não orientadas pelas necessidades de atenção surgidas com o consumo de substâncias psicoativas.6

Segundo Maurides de Melo Ribeiro:

Dessa forma, as modernas políticas públicas de drogas surgiram para equacionar a nova realidade oriunda do consumo de substâncias psicoativas dentro do contexto sociocultural das nações ocidentais, uma vez que a utilização de novas substâncias, de forma desenfreada e sem nenhum mecanismo informal de controle social, revelou-se problemática.7

Portanto, aos poucos as drogas foram se

difundindo pelo mundo, não sendo diferente no Brasil, onde tomou grandes proporções tornando-se um problema de saúde pública que merece, atualmente, uma maior atenção pelo Estado. 3.3 ESPÉCIES DE DROGAS

As drogas podem ser definidas como toda substância aditiva que ao entrar em contato com o organismo humano, altera o seu funcionamento, trazendo prejuízos nos mais variados âmbitos da vida da pessoa, tanto psíquicos quanto físicos.

Nesse sentido, o “National Institute on Drug Abuse – NIH”, dispôs no artigo “Drogas e o Cérebro” de como o uso das drogas afeta o cérebro de uma pessoa fazendo com que ela perca sua razão e busque incansavelmente dia após dia somente o uso incontrolável das drogas, conforme pode ser observado no trecho abaixo:

6 MACHADO, Ana Regina, MIRANDA, Paulo Sérgio Carneiro. op.cit. p.806. 7 RIBEIRO, Maurides de Melo. op.cit., p. 163.

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A exposição crônica às drogas de abuso interrompe o caminho estruturas cerebrais críticas interagem para controlar e inibir comportamentos relacionados ao uso de drogas. Assim como o abuso continuado pode levar a tolerância ou a necessidade de maiores doses de droga para produzir um efeito, ele também pode levar ao vício, que pode conduzir o usuário a procurar e usar drogas compulsivamente. A dependência de drogas corrói uma pessoa de auto-controle e capacidade de tomar decisões sensatas, enquanto produz impulsos intensos a tomar drogas.8

Ainda, as drogas podem ser classificadas como

estimulantes, depressoras e alucinógenas (perturbadoras) e podem ser lícitas ou ilícitas, como será melhor exposto nas considerações seguintes. 3.3.1 Estimulantes

As drogas estimulantes, também conhecidas como psicoanalépticos, produzem um efeito estimulante no sistema nervoso central do indivíduo, é caracterizado por uma euforia, acrescido de estado de alerta, além de um aumento de energia e intensa emotividade.

Segundo Wilson Paulino, “As drogas estimulantes do sistema nervoso central são aquelas que aumentam a atividade das células nervosas, tornando a pessoa “ligada” ou “elétrica”, com a sensação de euforia e reduzindo a fome e o sono.”9

Ressalta-se, que dentro dessa classificação, pode-se encontrar as substâncias psicoativas, como a cocaína, os sintéticos, a nicotina e também a cafeína, sendo um estimulante mais suave para o cérebro.

8 Drugs, Brains and Behavior. The Science of Addiction: National Insitute on Drug Abuse (NIH). Pub.n.14-5605. Printes April 2007, p. 20. Disponível em http://www.drugabuse.gov/. Acessado em: 09/2014. 9 PAULINO, Wilson Roberto. Drogas. São Paulo: Ática, 2006, p.33.

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Quando se fala em drogas sintéticas, deve-se ter

em mente que são aquelas produzidas em laboratório para uso discriminado por meio de receitas médicas, como a anfetamina, metanfetamina (famosa por “pervitin”) e inibidores de apetite. 3.3.2 Depressoras

As drogas classificadas como depressoras, diminuem a atividade do cérebro, faz com que a pessoa fique “devagar”, “desligada” e desinteressada pelas coisas ao seu redor. Dentre as drogas depressoras mais conhecidas, tem-se álcool, soníferos (barbitúricos), ansiolíticos, opiáceos ou narcóticos (morfina e heroína), e inalantes ou solventes.

Nesse contexto, a Revista IMESC, no seu artigo “Drogas Psicotrópicas – o que são e como agem”, traz:

Drogas depressoras: como o próprio nome indica, diminuem a atividade do SNC, ou seja, esse sistema passa a funcionar mais lentamente. Como consequência, aparecem os sintomas e aos sinais dessa diminuição: sonolência, lentificação psicomotora etc. Algumas dessas substâncias são úteis como medicamentos em casos nos quais o SNC da pessoa está funcionando “muito acima do normal’, como por exemplo, em epilepsias, insônias, excesso de ansiedade etc. Entre os meninos em situação de rua, as drogas depressoras mais consumidas são: álcool, inalantes e benzodiazepíricos.10

Portanto, não se trata apenas de drogas

depressoras ilícitas, mas também lícitas, que muitas vezes são utilizadas pelos indivíduos de forma errônea, causando sérios problemas de saúde.

10 CARLINI, E.A., NAPPO, S.A., GALDURÓZ, J.F., NOTO, A.R. Drogas Psicotrópicas – o que são e como agem. Revista IMESC, 2001, p.9-35.

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Aspectos jurídicos da internação... 93

3.3.3 Alucinógenos

As drogas alucinógenas, também conhecidas como perturbadoras do SNC, são aquelas drogas que “perturbam” a mente do indivíduo, prejudicando a capacidade percepção das pessoas. São chamadas de alucinógenas porque a pessoa percebe coisas sem que elas existem, por exemplo, enxergam pessoas que não existem, objetos se movendo ou até mesmo cores luminosas, entre outros.

Nesse sentido, dispõe Wilson Paulino, “O alucinógeno é uma substância capaz de provocar alucinações, isto é, um estado em que a pessoa percebe coisas que, na verdade, não existem.”11 Dentre as drogas alucinógenas mais usadas atualmente, temos a maconha, o haxixe (extraída das folhas superiores da maconha), os cogumelos e plantas alucinógenas (datura arbórea, mimosa hostilis, banisteria caapi), LSD e o ecstay (normalmente encontrado em “baladas” de jovens).

Portanto, as drogas alucinógenas tendem a despersonalizar o usuário, já que ele perde a noção da realidade e não tem mais a plena consciência do certo ou errado.

3.4 ASPECTOS JURÍDICOS DAS DROGAS

3.4.1 A proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e o modelo assistencial em saúde mental (LEI Nº 10.216/2001)

O ano de 2001 foi um grande marco para as pessoas portadoras de transtornos mentais, foi nesse ano que foi aprovada a Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial

11 PAULINO, Wilson.op.cit.p.42.

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em saúde mental, obtendo, portanto, uma maior proteção dos seus direitos e garantias fundamentais.

Nos moldes da Lei 10.216/2001, as pessoas de transtornos mentais têm os seus direitos elencados no art. 2º dessa lei:

Art. 2 São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

Assim, para uma maior eficácia do normativo, é

necessário a intervenção do Estado a fim de amparar as pessoas portadoras de transtornos mentais com tratamentos adequados, preservando e garantindo a dignidade humana dessas pessoas, nada além, do que garante a Constituição Federal.

Ainda, a referida lei também trouxe uma inovação, no que concerne a forma de tratamento dos indivíduos portadores de doença mental, pois antes o tratamento era realizado em instituições asilares (hospital de custódia e

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Aspectos jurídicos da internação... 95

tratamento psiquiátrico e assimilares) que não tinham nenhum suporte para lidar com pessoas portadoras de transtornos mentais, ao contrário, em sua grande maioria, eram violadoras da dignidade humana e garantias e direitos fundamentais, mais conhecidas como manicômios.

E, atualmente, com o advento da Lei 10. 216/2001, e com o amparo do art. 5º, III e XLVI, alínea “e” da Constituição Federal, onde garante que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano e degradante, sendo vedado penas cruéis, devendo ser assegurado aos presos pleno respeito à integridade física ou moral, surgiu um novo modelo assistencial as pessoas portadoras de doenças mentais, a internação psiquiátrica em hospitais gerais.

A internação psiquiátrica é uma medida de segurança do indivíduo portador de transtorno mental, para que ele quando em situações de surtos psicóticos tenha auxílio de profissionais capacitados, a fim de garantir os direitos e proteção os portadores de doenças mentais.

Nesse sentido, o art. 6 da Lei 10.216/2001, dispõe acerca das três espécies de internação psiquiátrica, sendo elas, a internação voluntária, involuntária e compulsória.

Assim, para que ocorra a internação psiquiátrica do paciente, é avaliado primeiramente se ele deseja a internação de forma voluntária, porém muitas vezes esses pacientes não tem o total discernimento, e é necessário a intervenção dos familiares ou do Estado, caso da internação compulsória.

Portanto, com o advento da Lei 10.216/2001, trouxe inovações ao tratamento das pessoas portadoras de doenças mentais, buscando tão somente, a aplicação do princípio fundamental da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana, tanto para a pessoa com transtornos mentais, como para sua família e sociedade.

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96 Temas jurídicos atuais: Volume V

3.4.2 Aplicabilidade da lei de drogas (LEI Nº 11.343/2006)

A lei nº 11.343/2006, também conhecida como Lei das Drogas ou Antidrogas, instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre drogas. Referida lei traz em seu bojo questões relativas à prevenção, atenção, reinserção social do usuário e dependente de drogas, e ainda, penas mais rígidas quanto ao tráfico dessas substâncias.

Contudo, mesmo com um avanço significativo com o advento da Lei de Drogas, não foi suficiente para diminuir ou controlar de maneira eficaz os problemas sociais decorrentes das drogas.

Entretanto, comparado com outros crimes, o crime de tráfico de drogas teve um grande avanço quanto ao aumento de pena, porém o crime de uso de drogas, aquele para uso próprio, se tornou um crime de pequeno potencial ofensivo.

Outrossim, quando se trata do assunto de uso para consumo próprio de drogas, há divergências entre os doutrinadores, na medida em que, há posicionamentos doutrinários que defendem que com o advento da Lei de Drogas houve uma despenalização quanto ao crime de uso de drogas, e outros doutrinadores não concorda que ocorreu a despenalização, mas sim, a descriminalização.

Assim, entendeu o Suprema Corte que não houve a abolição do crime, mas apenas a despenalização do uso de drogas, enfatizando ainda, que tal conduta é considerada como crime no ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse aspecto, entende Theodoro12, que tal postura representa uma das falibilidades na Lei Antidrogas que dificultam a atuação do Estado em relação ao usuário. Pelo motivo de não se permitir a coerção deste a um

12 Palestra ministrada pelo Dr. José Theodoro, Promotor de Justiça do Distrito Federal e Territórios, durante o Fórum Drogas, Justiça e Redes Sociais, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

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tratamento ou intervenção médica, isso faz com que as autoridades fiquem limitadas em seu poder repressivo e preventivo, pois não podem ir além daquilo que a norma lhes autoriza.

Portanto, mesmo com o advento da Lei de Drogas, percebe-se que ainda há falhas no ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito ao combate das drogas, pois há uma ineficácia de políticas públicas, quando o assunto é tratamento adequado aos usuários de drogas.

Em razão disso, cada vez mais as penitenciárias no Brasil devido a crimes ligados à questão da droga - por dívidas, disputa de espaço entre traficantes ou o latrocínio (matar para roubar) na busca de dinheiro para compra de drogas e homicídio.

Por fim, não se trata apenas de advertir os usuários/ dependentes químicos dos malefícios causados pelas drogas e orientado a procurar auxílio profissional, ignora a repreensão judicial e volta a praticar o crime, não se importando com sua saúde e muito menos com a advertência judicial recebida. Mas, de uma lei mais invasiva no tocante as internações, refletindo assim, em políticas públicas eficazes, sobretudo, que garantam os princípios inerentes aos indivíduos, como o princípio da dignidade da pessoa humana. 3.4.3 Projeto da nova lei antidrogas (PL 7663/2010)

O Projeto da nova Lei Antidrogas13 foi apresentado em 14 de julho de 2010, pelo, à época, Deputado Federal

13 Projeto de lei 7663/2010.Acrescenta e altera dispositivos à Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para tratar do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, dispor sobre a obrigatoriedade da classificação das drogas, introduzir circunstâncias qualificadoras dos crimes previstos nos arts. 33 a 37, definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e dá outras providências. 2010. Disponível em: <www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=483808> Acessado em: 24/06/2014.

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Osmar Terra, tal projeto acrescenta e altera dispositivos à Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para tratar do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, dispor sobre a obrigatoriedade da classificação das drogas, introduzir circunstâncias qualificadoras dos crimes previstos nos arts. 33 a 37, definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e dá outras providências.

Para o criador do PL 7663/2010, Osmar Terra, destacou que o texto prevê a classificação de drogas e o aumento de penas para traficantes, introduz a baixa compulsória dos dependentes, estabelece uma rede de atendimento com organizações governamentais e não-governamentais e cria incentivos para a reinserção social do indivíduo. Ainda, ao analisar o PL nº 7663/2010 verifica-se claramente que por sua vez registrou o mesmo comando que a Lei 10. 216/2001, no que diz respeito as espécies de internação.

Ocorre que, como já mencionado acima a Lei 10.216/2001 trouxe inovações consideráveis quanto ao modelo tradicional e hospitalocêntrico de atenção na área da saúde mental, que por conta da luta antimanicomial, os direitos dos pacientes e os mecanismos de controle sobre eventuais abusos, são claramente expostos.

Nesse sentido, por exemplo, o art. 4º da Lei da Reforma Psiquiátrica (10.216/2001) estabelece que:

Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. § 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. § 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros. § 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos

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Aspectos jurídicos da internação... 99

mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o..

Ademais, o referido PL 7663/2010, traz questões

acerca de como ocorrerá a internação compulsória, se necessário do usuário de dependente de drogas no art. 10:

Art. 10. O Art. 23 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 23. ........................................................................................ §1º O usuário ou dependente de drogas deverá ser avaliado por uma equipe técnica multidisciplinar e multissetorial, observado o seguinte: I – é obrigatória a articulação entre as normas de referência do Sistema Único de Saúde, do Sistema Único de Assistência e do SISNAD na definição da competência, da composição e da atuação da equipe técnica que acolhe e avalia os usuários ou dependentes de drogas; II – a avaliação da equipe técnica subsidiará a elaboração e execução da terapêutica a ser adotada, levantando no mínimo: a) O padrão de uso da droga; e b) O risco à saúde física e mental do usuário ou dependente ou das pessoas com as quais convive de forma mais aproximada. III – é obrigatória a elaboração de um plano de atendimento no qual se articulem ações nas áreas dispostas no inciso III, do art. 5º-A desta Lei, incluindo ações voltadas para a família; e IV – as informações produzidas na avaliação e as registradas no plano de atendimento individual são consideradas sigilosas. (...).

Então, diante do Projeto de Lei acima mencionado,

pode-se verificar a ênfase dada aos usuários/ dependentes de drogas, quando o assunto é tratamento, como pode ser observado no art. 10 que modifica o art. 23

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da Lei de Drogas, demonstrando o procedimento necessário para lidar com um usuário ou dependente de drogas que necessita da proteção do Estado. 3.4.3 A tutela do direito da personalidade em relação aos usuários de drogas / dependentes de drogas

Primeiramente cumpre diferenciar o usuário de dependente de drogas, a fim de obter uma melhor compreensão quando se fala em perda do discernimento do indivíduo dependente de substâncias psicoativas.

O usuário de drogas deve ser considerado aquele indivíduo que faz uso de produtos, substâncias ou drogas ilícitas, sem depender delas para viver socialmente, assim, conclui-se que ele tem um certo domínio de suas vontades e atos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) através do Código Internacional de Doenças (CID-10), preconiza que a dependência química - F-10.2 é definida:

Conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após repetido consumo de uma substância psicoativa, tipicamente associado ao desejo poderoso de tomar a droga, à dificuldade de controlar o consumo, à utilização persistente apesar das suas conseqüências nefastas, a uma maior prioridade dada ao uso da droga em detrimento de outras atividades e obrigações, a um aumento da tolerância pela droga e por vezes, a um estado de abstinência física. A síndrome de dependência pode dizer respeito a uma substância psicoativa específica (por exemplo, o fumo, o álcool ou o diazepam), a uma categoria de substâncias psicoativas (por exemplo, substâncias opiáceas) ou a um conjunto mais vasto de substâncias farmacologicamente diferentes.14

14 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. CID-10: Classificação Internacional de Doenças. São Paulo: EDUSP, 1994, 1ª ed.

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Aspectos jurídicos da internação... 101

Ainda, Rang & Dale define: A dependência de um fármaco descreve a condição humana na qual a utilização da “droga” se torna compulsiva, tendo prioridade sobre outras necessidades e, geralmente, com consequências adversas graves. A dependência torna-se problema quando:

O desejo torna-se tão insistente que domina o estilo de vida do indivíduo e prejudica sua qualidade de vida.

O próprio hábito causa prejuízo real ao indivíduo ou à comunidade.15

Dessa forma, a dependência pode ser definida

como um desejo compulsivo que surge em decorrência da administração repetida da substância, dominando a vida do indivíduo de uma forma tão intensa que acaba perdendo a noção do certo e do errado, pois apenas vive em dependência do consumo das drogas.

Ademais, para Rang & Dale16 a dependência pode ser tanto física quanto psíquica, assim a dependência psíquica é ocasionada ao efeito que o uso da substância traz ao indivíduo, o que leva a sempre a buscar a repetir a experiência, pois ao tentar parar de consumir a substância, terá um efeito reverso e acabará por autoadministrar mais o uso de drogas.

No aspecto da dependência física, mais conhecida por síndrome da abstinência, se dá ao indivíduo tentar cessar a administração da droga. Rang & Dale define que

o indivíduo vivencia efeitos fisiológicos adversos ao longo de um período que varia entre dias e semanas, sendo que as respostas específicas do processo de abstinência são características do tipo de “droga” que estava sendo usada.17

15 Rang & Dale, op.cit.p.594. 16 Ibidem, p.595. 17 Ibidem.

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102 Temas jurídicos atuais: Volume V

Portanto, o dependente químico sofre os efeitos da

droga diariamente, haja vista, que quando não consome a substância ainda o seu corpo e mente estão dependentes dela, ocasionando a perda do controle do seu próprio corpo e sua personalidade, como um todo.

Um indivíduo dependente químico ao se ver cotidianamente vivendo em busca de sempre consumir mais drogas, deixa de ter a consciência para responder pelos seus atos na vida civil, já que a dependência é tanta, que leva a causa de transtornos mentais à ele, não sabendo mais discernir sobre seus atos.

Diante disso, o dependente químico deve ter garantido os seus direitos da personalidade, como relativamente ou absolutamente incapaz, o indivíduo dependente químico tem a proteção de seus direitos da personalidade, tendo em conta que são direitos fundamentais disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988, que, determina ser um dos fundamentos da República do Brasil a dignidade da pessoa humana.

Maria Helena Diniz entende que:

os direitos da personalidade são absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis.18

Desse modo, Gofferedo Telles Junior leciona que

“os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria etc.”19

Maria Helena Diniz discorre acerca de direito da personalidade, segundo Goffredo Telles Junior:

18 DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, v.1. – 24. ed. De acordo com a reforma no CPC. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 119. 19 GOFFFREDO, Telles Junior. Direito subjetivo, in Enciclopédia

Saraiva do Direito, v. 28, p. 315 e 316.

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Aspectos jurídicos da internação... 103

[...] a personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.20

Os direitos da personalidade são inerentes a

condição humana sendo eles devidamente reconhecidos pelo Estado, em sua grande parte estão inseridos no art. 5, caput e incisos V, X, entre outros e no Código Civil de 2002.

Então, sendo o direito da personalidade inerente ao ser humano protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, os dependentes químicos têm os mesmos direitos.

Entretanto, diante da dependência das substâncias, há necessidade da intervenção do Estado para que se garanta o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo esse o princípio que se desdobram todos os direitos fundamentais do ser humano.

Portanto, um dependente químico deve ter tutelados os seus direitos da personalidade, em razão que todo o ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente. Dessa forma, quando há perca da dignidade da pessoa humana, o Estado tem que intervir, a fim de garantir a proteção dos direitos da personalidade daquele indivíduo que se encontra em estado de incapacidade, dificultando a defesa de seus direitos, como o caso do dependente químico.

20 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 22. ed, v.1. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 121.

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3.5 INTERNAÇÃO

3.5.1 Dependências química: causadora de transtornos psiquiátricos.

O indivíduo dependente químico geralmente prioriza o uso da droga em detrimento de outras atividades e obrigações sócio ocupacionais, isso em decorrência do grau de dependência da substância psicoativa que se encontra.

A dependência é tanta sobre aquela droga, que a pessoa continua a usa apesar de saber todo mal que ela causou e causa na sua vida, demonstrando assim, que não está psiquiatricamente bem, podendo obter transtornos mentais devido aos efeitos colaterais da exposição constante a essas toxinas.

No DSM-IV 21(Manual de Diagnóstico de Estáticas Mentais) dispõe acerca das perturbações pela utilização de substâncias. Os tipos de substâncias que podem causar as perturbações são variáveis, podendo ser desde medicamentos usados em níveis altíssimos, até o consumo exagerado e descontrolado do álcool e de outras substâncias tóxicas, como as drogas (crack, cocaína, opiáceos, inalantes, etc.)

Elucida o DSM-IV: As Perturbações Relacionadas com Substâncias dividem-se em dois grupos: Perturbações pela Utilização de Substâncias (Dependência e Abuso de Substâncias) e Perturbações Induzidas por Substâncias (Intoxicação por Substâncias, Abstinência de Substância, Delirium Induzido por Substâncias, Demência Persistente Induzida por Substâncias, Perturbações de Humor Relacionadas com Substâncias, Perturbação de Ansiedade Induzida por Substâncias,

21 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-IV. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: ARTMED, 2002, 4ª ed.

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Perturbações Sexuais Induzidas por Substâncias e Perturbações do Sono Induzidas por Substâncias.22

Ademais, de acordo com o DSM-IV, a dependência

é definida como um conjunto de três ou mais sintomas referidos no próprio manual, que ocorrem em qualquer altura no mesmo período de 12 meses. Os sintomas são divididos em 7 (sete) critérios que serão analisados por um especialista na área, para só então, obter o diagnóstico de dependente.

Posto isso, um indivíduo dependente químico pode com o consumo abusivo de substâncias tóxicas adquirir algum transtorno mental que carece de tratamento adequado a fim de garantir a sua dignidade, tendo em vista que dependendo o grau de dependência diagnosticado, poderá ser considerado para fins legais, absolutamente ou relativamente incapaz, ante a perda da capacidade de discernimento e de juízo de valor pelo uso compulsivo de drogas. 3.5.2 Perda da capacidade civil dos dependentes químicos

3.5.2.1 O exercício da tutela, curatela ou guarda

A perda total ou parcial da capacidade civil do dependente químico será definida após uma avaliação de perícia médica, que irá constar o grau de dependência do indivíduo e até que ponto afeta o exercício de seus atos na vida civil.

Nesse aspecto, dispõe os arts. 3º, incisos II e III, e 4º, caput, inciso II, do Código Civil de 2002:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: (...)

22 Ibidem, p. 191 - 192.

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II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: (...) II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

Para Maria Helena Diniz: É preciso ressaltar que a existência de relatório médico não suprirá a necessidade de se realizar prova pericial (RT, 675:174), pois quando o requerimento de interdição tiver como fundamento a alienação mental do interditando sempre haverá obrigatoriedade de exame pericial médico-psiquiátrico [...].23

Segundo o art. 1.771 do Código Civil, “Antes de

pronunciar-se acerca da interdição, o juiz, assistido por especialistas, examinará pessoalmente o argüido de incapacidade.”

Por isso, vê-se a necessidade de interdição de um dependente químico, pois com a compulsão descontrolada para o uso de substâncias tóxicas, perde o discernimento de seus atos, e de modo desenfreado acaba por usar de toda sua renda financeira e de seus familiares, bem como dilapidar todo o patrimônio seu e de sua família e além de realizar negócios jurídicos, tudo para adquirir mais drogas, sendo necessário, portanto, interditá-lo.

23 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do direito civil. 1.v.24.ed.de acordo com a reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 179.

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Aspectos jurídicos da internação... 107

Assim, nos entendimentos de Maria Helena Diniz24,

o interdito, dependente químico, perde o seu direito de própria atuação na vida jurídica, visto que a interdição é a desconstituição, total ou parcial, da capacidade negocial em virtude de sentença judicial, prolatada por constatar insanidade mental.

Para Débora Gozzo: Interdição é, portanto, o procedimento especial de jurisdição voluntária, mediante o qual se apura a capacidade ou incapacidade de pessoa maior de 18 anos. Constatada a incapacidade, decretar-se-á a proibição, absoluta ou relativa, para que o interditando pratique, por si, ato jurídico, bem como ser-lhe-á nomeado um curador, que deverá representá-lo ou assisti-lo.25

A tutela é um instituto de proteção ao menor

incapaz que perdeu o poder familiar, seria como na nomeação de um tutor houvesse a substituição desse poder. Compete aos pais em conjunto nomear um tutor, por meio de testamento ou qualquer outro documento autêntico, nos termos do art. 1728 e 1729 do Código Civil de 2002.

Ainda, sob o manto do interesse dos menores, leciona Carlos Roberto Gonçalves:

A ordem dos fatores a serem observados na atribuição da guarda unilateral não deve ser considerada preferencial, tendo todos eles igual importância. Na realidade, deve o juiz levar em conta a melhor solução para o interesse global da criança ou adolescente, não se olvidando de outros fatores igualmente relevantes como dignidade, respeito, lazer, esportes,

24 Ibidem, p.178. 25 GOZZO, Débora. O procedimento de interdição. São Paulo, Saraiva, 1986 (Coleção de Prática do Direito, n.19). p. 43.

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108 Temas jurídicos atuais: Volume V

profissionalização, alimentação, cultura, etc. (ECA – Lei n. 8.069/90, art. 4º).26

A guarda consiste, portanto, em um instituto

conferido proteção dos direitos da criança ou adolescente, destinando-se a regularizar a posse de fato, nos procedimentos de tutela e adoção. Nesse caso, não há a destituição ou suspensão do poder familiar, mas aquele que tem a guarda está obrigado a promover a assistência moral, material e educação daquela criança ou adolescente.

Assim, na interdição de um dependente químico o juiz nomeará um curador, para a plena proteção dos seus atos na vida civil, em razão que não mais a causa da sua incapacidade é a idade.

Os legitimados para propor ação de interdição estão elencados no art. 1768 e 1.177 do Código Civil, sendo eles, pais ou tutores; cônjuge, ou qualquer outro parente; ou pelo Ministério Público.

Desse modo, a fim de proteger os direitos da personalidade de um dependente químico, os legitimados elencados no art. 1768 do Código Civil, poderão propor uma ação de interdição, onde o juiz irá nomear legalmente um curador para o interdito.

Ocorre que, na ausência dos pais ou tutores; do cônjuge ou de outro parente, frisa-se que o Ministério Público poderá propor a referida ação de interdição do dependente químico, haja vista a responsabilidade do Estado de garantir a proteção dos direitos da personalidade.

Posto isso, poderia o Estado, legalmente, utilizar da previsão de internação “compulsória” prevista na Lei n° 10.216/2001, interditando previamente o doente (dependente químico), como autoriza o Código Civil e desde que respeitado o procedimento de interdição do

26 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012, v.6. p. 294.

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doente na forma prescrita no Código de Processo Civil e depois o levando ao tratamento adequado compulsoriamente, já que diante da dependência não tem mais discernimento para responder pelos seus atos na vida civil27. 3.6 TIPOS DE INTERNAÇÃO

As internações pode se dar de três formas, segundo o art. 6º da Lei 10.216/200128, sendo elas, a internação voluntária, involuntária e compulsória. 3.6.1 Voluntária

A internação voluntária, segundo o inciso I do art. 6º da Lei 10.216/2001, é aquela que se dá com o consentimento do usuário, ou seja, é aquela que a iniciativa parte do próprio dependente químico que se vê em uma situação de necessidade diante do desejo compulsivo pelas drogas.

Com base na Lei 10.216/ 2001, a pessoa deve assinar um termo consentindo com esse tipo de tratamento. Assim, devido a voluntariedade, o término do tratamento se dá com uma solicitação escrita do paciente ou do médico assistente.

Entretanto, a princípio, para que haja a internação voluntária é necessária uma autorização por um médico devidamente registrado no Conselho Regional de

27 Cartilha de Saúde Mental: Ministério Público e tutela a saúde mental.

Ministério Público do Rio de Janeiro: 2ª.ed. 2011. 28 BRASIL, Lei nº 10.216/20011, art. 6 – “A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.”

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Medicina – CRM do Estado onde se localize o estabelecimento da internação.

Nesse tipo de internação o indivíduo tem ao menos um pouco de discernimento para buscar por um tratamento de forma voluntária, mesmo com a compulsão pelas drogas, tem capacidade, ainda que, parcial. 3.6.2 Involuntária

A internação involuntária é aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro, ou seja, são casos em que os familiares ou responsáveis pedem a internação do dependente químico contra a sua vontade, nos termos da Lei 10.216/2001.

Posto isso, a internação involuntária deverá m no prazo de 72 (setenta e duas) horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo também ser realizado esse mesmo procedimento quando da alta do paciente, nos termos do art. 8º, §1º da Lei 10.216/2001. Assim, no término do tratamento da internação involuntária deverá se dar por uma solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou o especialista responsável pelo tratamento. 3.6.3 Compulsória

3.6.3.1 As garantias do direito da personalidade na internação compulsória

A internação compulsória é aquela determinada pela justiça, depois de pedido formal, feito por um médico, atestando que a pessoa não tem domínio sobre a própria condição psicológica e física, se trata de uma exceção que se dá em caso iminente de perigo de vida do dependente químico, de seus familiares ou de terceiros.

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Aspectos jurídicos da internação... 111

Assim sendo, o dependente químico ao utilizar

compulsivamente as drogas, comete uma autolesão reiteradas vezes, gerando à ele dano físico, psíquico e moral, carecendo da internação compulsória para garantir os direitos da personalidade que inerentes de todo ser humano.

Assim sendo, o juiz levará em conta o laudo médico especializado, as condições de segurança do estabelecimento, o risco que o paciente aparenta à ele e à sociedade, para, só então determinar a internação compulsória do dependente químico.

Nesse sentido, leciona Clécio Lemos: Pesquisando os discursos que pretendem legitimar a internação forçada, basicamente pode-se perceber que eles giram em torno de dois pontos: 1) O risco oferecido pelos dependentes químicos à sociedade (argumento da defesa social); 2) A incapacidade do viciado de se livrar do vício (argumento da ajuda compulsória).29

Entretanto, há autores que entendem que tal

medida vai em confronto com o direito de liberdade do indivíduo, ou que não há tratamentos adequados, ou ainda, que não há especialistas suficientes para atender a demanda de dependentes químicos que necessitam serem internados.

Em entrevista ao site de notícias BBC, o médico australiano Nicolas Campion Clark, “da direção do abuso de substâncias da Organização Mundial da Saúde (OMS), a internação compulsória traz o risco de "criar uma barreira com o dependente" e afetar sua confiança, dificultando, portanto, o tratamento.”30

29 LEMOS, Clécio. Drogas: uma nova perspectiva. In: SHECAIRA, Sérgio Salomão (org.). Drogas uma Perspectiva. São Paulo: IBCCRIM, 2014, p. 13. 30 FERNANDES, Daniela. Especialistas da ONU e OMS criticam internação compulsória de viciados em crack. Disponível em: <

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112 Temas jurídicos atuais: Volume V

Assim, para Fernando Capez, “Espera-se que o

Poder Público não se porte como um mero espectador, sob o cômodo argumento do respeito ao direito de ir e vir dos dependentes químicos, mas, antes, faça prevalecer seu direito à vida.”31

Dessa maneira, verifica-se que não é pacífica a questão sobre a internação compulsória, ainda há muitas controvérsias acerca do assunto. Há ainda inúmeros posicionamentos quanto eficácia da internação compulsória, entretanto, deve prevalecer que a internação compulsória é um meio para garantir os direitos da personalidade do dependente químico.

Carlos Alberto Bittar classifica os direitos da personalidade em:

a) direitos físicos; b) direitos psíquicos; c) direitos morais; os primeiros referentes a componentes materiais da estrutura humana (a integridade corporal, compreendendo: o corpo, como um todo; os órgãos; os membros; a imagem, ou efígie); os segundos, relativos a elementos intrínsecos de personalidade (integridade psíquica, compreendendo: a liberdade; a intensidade; o sigilo) e os últimos, espeitantes a atributos valorativos (ou virtudes) da pessoa na sociedade (o patrimônio moral, compreendendo: a identidade; a honra; as manifestações de intelecto). 32

Dessa forma, a dependência de drogas traz para o

indivíduo consumidor uma dependência física e psíquica, a necessidade da proteção dos seus direitos da personalidade, haja vista, que a sua integridade física,

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/02/130129_crack_onu_df_ac.shtml> Acessado em: 17/10/2014. 31 CAPEZ, Fernando. Drogas: internação compulsória e educação.

Disponível em: http://www.fatonotorio.com.br/artigos/drogas-internacao-compulsoria-e-educacao94/17197/ Acessado em: 17/10/2014. 32 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7.ed.Rio de

Janeiro, RJ: Forense, 2004, p.17.

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Aspectos jurídicos da internação... 113

psíquica, moral e patrimonial, estão em ameaça constante, ante as consequências adversas graves decorrentes do uso de substâncias psicoativas.

Assim, se não houver a intervenção do Estado a fim de internar o indivíduo dependente, sua essência de ser humano pode se perder, tornando-se um animal irracional sem a proteção e defesa de sua personalidade, uma vez que alteram o funcionamento normal do cérebro e destrói progressivamente os órgãos do corpo humano.

Posto isso, se os direitos da personalidade são irrenunciáveis e, sabendo que alguns dependentes químicos perdem por completo a sua capacidade de discernimento e/ou não conseguem exprimir a sua vontade e, por consequência, são incapazes (art. 3º do Código Civil), não há óbice à internação compulsória, cuja a intenção é garantir a proteção dos direitos da personalidade, sob a luz do princípio matriz da dignidade da pessoa humana. 3.7 O PAPEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NAS INTERNAÇÕES DOS DEPENDENTES QUÍMICOS

Nos ensinamentos de Inocêncio Mártires Coelho: (...) considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos.33

Dessa forma, o Estado deve com base no princípio

do Estado Democrático de Direito garantir aos cidadãos

33 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocência Mártires. Curso de direito constitucional. 5ª ed.

São Paulo: Saraiva. 2010, p.213.

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114 Temas jurídicos atuais: Volume V

brasileiros a aplicação dos princípios e direitos a eles garantidos pela Carta Magna.

Diante disso, acerca do papel do Estado na sociedade, dispõe Celia Lessa Kerstenetzky:

O que são “políticas públicas”? Trata-se, genericamente, dos programas e ações desenvolvidos direta ou indiretamente pelo Estado, com vistas ao interesse público, ou, de modo mais estrito, dos princípios e propósitos que animam as decisões do Estado em várias áreas onde germina o interesse público, tal como estes se expressam em programas e ações. Mesmo nem sempre encontrando correspondência perfeita em normas constitucionais, as políticas públicas no mínimo não podem ferir esses preceitos e são, sob muitos aspectos, o braço executivo de direitos expressos na Constituição.34

Assim, é por meio de políticas públicas que o Estado, usando de programas e ações de desenvolvimentos, deve amenizar o problema das drogas na sociedade brasileira, e consequentemente, tratamentos mais adequados e eficazes aos dependentes químicos que se encontram em situação lamentável. Assim, ante a responsabilidade objetiva do Estado, é que se dará a intervenção ao dependente químico, de forma a garantir a proteção dos direitos da personalidade, a fim de preservar a sua dignidade.

Todavia, mesmo com algumas medidas existentes na legislação no ordenamento jurídico brasileiro, como a Lei Federal nº 10.216/2001, o amparo do Código Civil no tocante a possibilidade de interdição dos viciados em tóxicos, e os princípios abarcados pela Constituição Federal, ainda não são suficientes.

34 KERSTENETZKY, Celia Lessa. Políticas públicas sociais, Rio de Janeiro, 2014. (texto para discussão, nº92). Disponível em: http://www.proac.uff.br/cede/sites/default/files/TD92.pdf. Acessado em 10 de outubro de 2014.

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Aspectos jurídicos da internação... 115

Há também, programas criados pelo Governo

Federal para tratamento para os dependentes químicos, como “Marcha contra o Crack” e “Valadares Contra o Crack”, vinculados ao programa “Drogas é possível Vencer”. Ainda, dentro do programa “Drogas é possível vencer” há um serviço específico às pessoas usuárias de álcool, crack e outras drogas, que é o CAPS- AD (centro de atenção psicossocial álcool e outras drogas). Entretanto, não são eficazes, pois merecem um maior investimento pelo Estado, tanto em infraestrutura quanto em profissionais especializados.

Portanto, constata-se que a realidade da sociedade brasileira está constantemente sofrendo com a questão das drogas, seja por falta de políticas públicas preventiva ou por omissão a tratamentos adequados e especializados que respeitem a dignidade da pessoa humana do dependente químico. Ainda, é fato que o Brasil ainda não dispõe de estrutura adequada para internar todas as pessoas, mas é questão de dar uma chance, uma oportunidade, para aquele dependente químico. 3.7.2 Decisões judiciais envolvendo internação de usuários e dependentes químicos

Recentemente no Brasil, em 2013, o Governo do Estado deu início à parceria com o Ministério Público, o Tribunal de Justiça e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para plantão especial no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas) para atendimento diferenciado aos dependentes químicos. Em casos extremos, a Justiça pode decidir pela internação compulsória do dependente.35

35 PORTAL do Estado de São Paulo. Entenda o que é a internação compulsória para dependentes químicos. Disponível em:<http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=225660> Acessado em: 17/10/2014.

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116 Temas jurídicos atuais: Volume V

Diante disso vê-se a crescente preocupação com o combate as drogas e consequentemente ao tratamento do dependente químico. Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

APELAÇÃO - INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA - DEPENDENTE QUÍMICO - POSSIBILIDADE - INTERDIÇÃO PRÉVIA - DESNECESSIDADE. - A internação compulsória de dependente químico é medida extrema, mas possível de ser determinada, desde que realizada mediante laudo médico circunstanciado que indique a mesma como tratamento adequado. - Desnecessário o procedimento de interdição para requerimento da internação involuntária, na medida em que a Lei 10.216/2001 autoriza que a mesma se dê sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro. - Recurso Provido. (TJ-MG - AC: 10324130087350001 MG, Relator: Eduardo Andrade, Data de Julgamento: 11/02/2014, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/02/2014)36

Desse modo, os tribunais veem reconhecendo, em

alguns casos, a necessidade da internação compulsória de dependentes químicos. Além disso, também julgam como responsável o Estado por meio de seu ente estatal, Município, do domicílio do indivíduo (dependente químico) para que arque com todos os gastos de seu tratamento.

O Tribunal de Justiça do Paraná entende:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE PACIENTE DEPENDENTE QUÍMICO - OBRIGAÇÃO DO

36 BRASIL.Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Primeira Câmara Cível.

Apelação. Relator Eduardo Andrade. 11/02/2014. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0324.13.0087350%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>. Acessado em: 17/10/2014.

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Aspectos jurídicos da internação... 117

MUNICÍPIO - APLICAÇÃO DE MULTA DIÁRIA NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO - REDUÇÃO DO QUANTUM - POSSIBILIDADE - VALOR ELEVADO - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 4ª C.Cível - AC - 1125748-4 - Marechal Cândido Rondon - Rel.: Regina Afonso Portes - Unânime - - J. 09.05.2014)37

Portanto, é de extrema necessidade a intervenção

de um dependente químico a fim de garantir a proteção seus direitos da personalidade. E, por isso, o Poder Judiciário vem reconhecendo a responsabilidade do Estado em arcar financeiramente com um tratamento adequado e especializado, a fim de prover uma vida digna a ele. 3.8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dignidade da pessoa humana é um bem jurídico absoluto que deve ser resguardado a todas as pessoas, garantindo a proteção a elas por somente ser sujeito de direitos. Ante sua superioridade, o princípio da dignidade da pessoa humana abarca todos os princípios, leis, normativos, decretos, e demais fontes do direito, e consequentemente, engloba os direitos da personalidade, expostos, na sua maioria, no Código Civil de 2002.

Desse modo, um indivíduo sujeito de direito, por exemplo, o caso em discussão, um dependente químico, tem como proteção o princípio da dignidade da pessoa humana e é detentor dos direitos garantidos da sua personalidade, a fim de preservar o seu desenvolvimento físico, psíquico, e moral como ser humano.

37 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão. Relator: Regina Afonso Portes. 09/05/2014. Disponível em: <https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/publico/pesquisa.do?ationType=visualizar#. Acessado em: 17/10/2014>. Acessado em: 17/10/2014.

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118 Temas jurídicos atuais: Volume V

Assim, o ser humano, sujeito de direitos, em estado

de incapacidade civil, absoluta ou parcial, analisando o caso concreto, abarcado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade que são inerentes à ele, deve o Poder Estatal intervir e internar compulsoriamente, a fim de proteger e garantir os direitos ao dependente químico, em razão da falta de discernimento para a defesa de seus direitos.

Entretanto, a internação compulsória não é um assunto unânime na sociedade, mas, há de realçar a seguinte questão, até que ponto realmente não respeitar a vontade do indivíduo estaria ferindo o seu direito da sua manifestação de vontade ou do seu livre arbítrio, em prol da proteção dos direitos da personalidade daquele indivíduo que se encontra num estado de incapacidade para dirimir a sua própria vida, impedindo assim, de racionalmente optar por um tratamento que lhe traga benefícios à sua saúde. Por isso, há uma necessidade de haver uma maior intervenção do Estado por meio de políticas públicas quanto ao aspecto das drogas, não somente na forma de repressão dos usuários/ dependentes de drogas, mas tratamentos adequados com equipes especializadas, a fim de reverter o caso clinico do paciente e reinseri-lo na sociedade, e consequentemente, ocorrerá uma diminuição nos problemas sociais, como os crimes, relacionados ao uso das drogas.

3.9 REFERÊNCIAS <http://www.epm.tjsp.jus.br/Sociedade/SaudeMental.aspx

> Acessado em: 04 de Março de 2014. <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/04/1263816-

rafael-franzini-e-amerigo-incalcaterra-por-que-a-excecao-nao-deve-ser-a-regra.shtml > Acessado em: 04 de Março de 2014.

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Aspectos jurídicos da internação... 121

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Aspectos jurídicos da internação... 123

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= IV =

DO DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO GARANTIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Fernanda Carvalho Marques Paulo André de Souza**

4.1 INTRODUÇÃO

Através de uma abordagem dialética e sistêmica, realizada por meio de uma pesquisa bibliográfica, será afirmado que o direito à educação sempre esteve presente na história constitucional brasileira. Entretanto, este direito não foi recebido de forma tão democrática, ampla e restrita pelo Estado, em razão de não existirem previsões de instrumentos jurídicos que o efetivassem, tal como, o reconhecimento dado na Constituição Federal de 1988.

O direito à educação nesta Carta foi recebido na qualidade de direito fundamental, de natureza social (artigo 6º CF/88). Além do que, trouxe requisitos para que exista a concretização deste direito: a competência legislativa de cada ente da federação (União, Estados,

Acadêmica da Pós-Graduação de Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito do Trabalho do Centro Universitário Cesumar (UniCesumar); Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania (IDCC); Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar) - Trabalho de conclusão de curso apresentado na forma de artigo científico ao Centro Universitário Cesumar (UniCesumar) Orientador: Professor Paulo André de Souza; Advogada. ** Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Maringá (CESUMAR), Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Ex-Coordenador Pedagógico do Curso de Bacharelado em Direito da UNICESUMAR. Diretor Geral da Secretaria Municipal de Educação de Maringá

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Distrito Federal e Municípios), as prerrogativas da classe de professores frente à previdência social, a previsão de um sistema próprio de financiamento pela tributação, os princípios e objetivos que o informa. Todos como garantia desse direito, bem também, a essencial atuação do Estado na educação - por intermédio de políticas públicas eficazes, com o apoio de uma sociedade participativa.

É notório a evolução do direito à educação, no âmbito internacional e nacional. Foi historicamente que ele se destacou como uma norma de direito fundamental social, que deve ser exigível do Estado. Pois, é a educação um dos principais instrumentos de desenvolvimento humano e de cidadania.

Nesse sentido, o presente artigo demonstrará o estudo sobre o direito fundamental à educação no Brasil, no contexto da Constituição Federal de 1988. No qual, é classificado como público subjetivo e um dever do Estado e da Família. O estudo visa à busca de uma educação de qualidade, em conformidade com os propósitos constitucionais e sua efetividade, através de Políticas Públicas promovidas pelo Poder Público com o apoio de toda a sociedade.

Com isso, a finalidade desta pesquisa é demonstrar o valor da educação, como um direito fundamental de natureza social. Esse direito exige dos poderes públicos, para sua realização, mecanismos concretos, sem a necessidade de acionar o judiciário. Dessa forma, preservando a democracia, a dignidade humana, liberdade e igualdade.

4.2 CONTEXTO HISTÓRICO DO DIREITO A EDUCAÇÃO

A compreensão do momento atual em que sociedade se encontra inserida depende, necessariamente, de seus antecedentes históricos. Com a educação e com o direito não poderia ser diferente, assim,

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Do direito social à educação... 127

antes de explorar o tema central deste artigo que é “a educação na Constituição Federal de 1988”, é indispensável analisar o contexto histórico em que estes fatos estavam inseridos.

O constituinte, ao elaborar uma Constituição Federal, está preocupado em expressar os anseios de uma sociedade, em especial as reformas que este momento político exige e propicia. Os anseios ali expressos são metas que se quer atingir sem, todavia, existir uma garantia que será implementada. Mesmo porque, uma Constituição Federal não é um fim em si mesma, necessitando, a imensa maioria dos dispositivos, de uma regulamentação a ser feita pelo legislador ordinário. E, é nesse momento que muitos grupos (sociais, políticos, etc.) procuram fazer valer seus interesses, que, muitas vezes, não são os mesmos que a sociedade como um todo precisa.

4.2.1 Contexto internacional

O reconhecimento da educação como um direito se efetivou com a vinda do Estado Moderno em oposição ao Estado Absolutista da Idade Média. Esta valorização da educação é resultado das revoluções burguesas do século XVIII, que buscavam garantir o exercício das liberdades pelos cidadãos, limitando o exercício do poder pelos governantes.

Com a Revolução Francesa, os ideais de igualdade e liberdade passaram como fundamentos, a reger o mundo moderno no seu sistema de legislação, sendo estes ideais que compõem o sentido crítico de educação.

Essa educação, que possibilita o desenvolvimento humano em todas suas qualidades, tornando-o senhor de sua história, demonstra-se essencial para a formação de uma sociedade mais justa e igualitária, e indispensável para legitimação da soberania popular. O povo soberano, ativo e consciente, é a própria

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128 Temas jurídicos atuais: Volume V

legitimação da ordem política1.

A aceitação deste direito se deu em diversos textos internacionais e nas diversas Constituições dos Estados Modernos, demonstrando um processo de ampliação da constitucionalidade com a incorporação dos direitos fundamentais dos direitos humanos.

Com a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Weimar em 1919, vieram os direitos sociais, direitos estes, que dependem de uma atuação positiva do Estado2 - de forma que deverá fornecer à população condições materiais básicas. É imposto ao Estado o dever de atingir objetivos sociais e é atribuído aos indivíduos o direito de exigi-los3.

A princípio, como relata Gina Vidal Marcílio Pompeu:

Surgiram os direitos sociais ligados à condição dos trabalhadores. No entanto, em seguida, garantiu-se aos indivíduos o direito de exigir prestações e serviços do Estado, que assegurem o acesso à educação, saúde, previdência social, seguro-desemprego, segurança e lazer, dentre outros4.

O direito à educação é um direito social, e, mais

ainda, direito subjetivo do cidadão. Constitui um avanço para minimizar distorções na sociedade, busca uma

1 BASILIO, Dione Ribeiro. Direito à educação: um direito essencial ao

exercício da cidadania. Sua proteção à luz da teoria dos direitos fundamentais e da Constituição Federal brasileira de 1988. Dissertação (Mestrado em Diretos Humanos) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde-02122009-152046/>. Acesso em: 02 jun. 2013 2 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São

Paulo, Saraiva, 1998, p. 535. 3 POMPEU, Gina Vidal Marcílio. Direito à Educação: controle social e

exigibilidade judicial. Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC Editora, 2005, p. 31. 4 Ibidem, p. 32.

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Do direito social à educação... 129

melhoria de vida e a diminuição da desigualdade, por meio de intervenção estatal, para assegurar estes direitos sociais5.

Entretanto, o reconhecimento da educação como um direito no plano internacional se deu em especial a partir da década de 40, do século passado, no contexto do pós Segunda Guerra Mundial, especialmente pela atuação em 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A Declaração reconhece a fundamentalidade do direito à educação que deve ser promovida no sentido de proporcionar o pleno desenvolvimento da personalidade humana mediante a imposição de sua universalidade e sua obrigatoriedade e gratuidade ao menos em seus graus elementares6.

Além da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, outros documentos jurídicos, em âmbito internacional, que contêm dispositivos relevantes a respeito do direito à educação, foram proclamados, tais como: a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948, a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969.

5 KOEHLER, Rodrigo Oskar Leopoldino; MOTTA, Ivan Dias da. A Constituição Federal de 1988 e o Direito à Educação. Revista Jurídica Cesumar. Mestrado, Maringá, v. 12, n. 1, p.49-74, jan./jun. 2012, p. 60.

Disponível em: <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/view/2268/1641>. Acesso em: 05 jun. 2013. 6 BASILIO, Dione Ribeiro. Direito à educação: um direito essencial ao

exercício da cidadania. Sua proteção à luz da teoria dos direitos fundamentais e da Constituição Federal brasileira de 1988. Dissertação (Mestrado em Diretos Humanos) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 39. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde-02122009-152046/>. Acesso em: 02 jun. 2013

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130 Temas jurídicos atuais: Volume V

Neste contexto internacional, um fato mais recente

que pode ser considerado como marco do direito à educação é a conferência mundial sobre educação para todos, realizada na Tailândia, em 1990, pela UNICEF, onde se estabeleceu a educação como um direito e uma responsabilidade social na busca pelo desenvolvimento humano satisfatório. Gina Vidal Marcílio Pompeu relata:

a Conferência Mundial resultou em documento, internacionalmente reconhecido, que inclui expressamente a educação como um direito e uma responsabilidade social inseparável da operacionalização do direito ao desenvolvimento.7

Portanto, nota-se que o tratamento destinado à

educação no âmbito internacional mostrou-se um processo de ampliação da constitucionalidade, em razão, não somente da interiorização, mas também, da positivação deste direito, enquanto incorporação constitucional de direito fundamental social, isto é, uma responsabilidade social, destacando a educação como um dos principais instrumentos de desenvolvimento humano e de cidadania. 4.2.2 Contexto nacional e a promulgação da Constituição Federal de 1988

O direito à educação sempre esteve presente em

todas as constituições brasileiras, desde a primeira imperial, outorgada por D. Pedro I, em 1924, até a última promulgada em 05 de outubro de 1988.

Em relação ao acesso à educação e sua evolução historicamente constitucional, dispõe Edivaldo Boaventura, sobre a educação brasileira e a Constituição,

7 POMPEU, Gina Vidal Marcílio. Direito à Educação: controle social e

exigibilidade judicial. Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC Editora, 2005, p. 57.

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que a educação é o meio para superar obstáculos frente ao desenvolvimento social, sendo ela necessária para o bem-estar, ou seja, indispensável na presença de qualquer Constituição8.

A Constituição do Império de 1824 era centralizadora, demonstrando a superioridade do Imperador, em um quarto poder conhecido como moderador. Esta Carta demonstrou um reconhecimento formal da educação, mais como direito subjetivo dos cidadãos do que uma obrigação efetiva do Estado, pois, como esclarece Paulo Ghiraldelli Junior, ela inspirava a ideia de um sistema nacional de educação, em que o Império deveria possuir escolas primárias, ginásios e universidades. Todavia, a realidade evidenciava uma situação diferente, pela falta de organização mínima para a educação nacional9.

Com a Proclamação da República, em 1889, aspirou-se a uma modificação no quadro estrutural da educação nacional. Neste contexto, foi promulgada a Constituição de 1891. Esta Carta não fez menção a gratuidade e obrigatoriedade da educação, constatando que essa mudança desejada não era prioridade do governo10.

Na década de 1930, inaugurou-se um novo regime político no país, a instauração do Estado Novo. Nesse período, o país atravessou um processo de intensa

8 BOAVENTURA, Edivaldo. A Constituição e a educação brasileira. Revista de Informação Legislativa, ano 32, nº 127, p. 29 a 42.

Brasília, jul.1995. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/176348>. Acesso em 05 jun. 2013. 9 GHIRALDELLI Junior, Paulo. História da educação brasileira. São

Paulo: Cortez, 2006, p. 28. 10 SAVELI, Esméria Lourdes. A educação obrigatória nas constituições brasileiras e nas leis educacionais delas derivadas. Contra Pontos.

Itajaí: Revista Científica Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI, vol. 10, nº 2, mai./ago. 2010, p. 132. Disponível em: <http://www6.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/1879/1631>. Acesso em 05 jun. 2013.

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urbanização e industrialização, que acabou por inspirar a elaboração de um plano de metas sobre a educação nacional, que se desenvolveu no sentido de melhor servir aos interesses do regime econômico – o capitalismo11.

Já a Constituição de 1934 concebeu a educação como um direito de todos e uma obrigação do Estado. Naquele momento, estabeleceu uma dotação orçamentária para a educação. À União e aos municípios incumbia a aplicação de no mínimo 10%, e aos Estados e ao Distrito Federal a aplicação de nunca menos de 20% da renda advinda dos impostos no sistema educacional12.

Entretanto, a Constituição de 1937 comprometeu os princípios democráticos da Constituição de 1934, ao restringir os deveres do Estado na manutenção do ensino. Pois, excluiu o princípio de que a educação é direito de todos, e não reconheceu a dotação de recursos para a educação pública. Portanto, rompeu o caráter democrático da Carta anterior, no qual agora o Estado desempenharia um papel subsidiário e não central em relação ao ensino13.

Em 1945 com a derrubada do Estado Novo e a ditadura Vargas, uma nova Constituição é promulgada, em 1946. Ela retoma grande parte do que estava escrito na Carta de 1934, como o direito de todos à educação, a gratuidade do ensino primário e a aplicação dos impostos

11 GHIRALDELLI Junior, Paulo. História da educação brasileira. São

Paulo: Cortez, 2006. 12 BASILIO, Dione Ribeiro. Direito à educação: um direito essencial ao

exercício da cidadania. Sua proteção à luz da teoria dos direitos fundamentais e da Constituição Federal brasileira de 1988. Dissertação (Mestrado em Diretos Humanos) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p.43. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde-02122009-152046/>. Acesso em: 02 jun. 2013 13 SAVELI, Esméria Lourdes. A educação obrigatória nas constituições brasileiras e nas leis educacionais delas derivadas. Contra Pontos.

Itajaí: Revista Científica Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI, vol. 10, nº 2, mai./ago. 2010, p. 135. Disponível em: <http://www6.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/1879/1631>. Acesso em 05 jun. 2013.

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para manutenção da educação. Todavia, essa Constituição conservou características do regime anterior ditatorial.

A Constituição de 1967 representou um retrocesso à evolução do processo democrático brasileiro, devido à organização política ditatorial.

A Emenda Constitucional de 1969 determinou aplicação de 20% dos impostos em educação, para a União, Estados e Municípios14.

Em 1961 foi elaborada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 4.024), que restabeleceu a obrigatoriedade da prestação do ensino pelo Poder Público.

Em 1971, a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei. 5.692/1971) não rompeu completamente com o texto anterior e incorporou os objetivos gerais do ensino: a necessidade de

proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania.15 Foi a primeira vez que uma Constituição

determinou expressamente que a educação é um direito de todos e um dever do Estado, gratuito e obrigatório dos 07 aos 14 anos.

Nesta resumida análise histórica e constitucional, no âmbito nacional do desenvolvimento da educação, percebe-se que este direito não foi recebido de forma tão democrática, ampla e restrita pelo Estado, pois é notório que não havia previsão de instrumentos jurídicos que efetivassem o direito à educação. O Estado substituía o

14 BRASIL. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969.

Edita o novo texto da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967. Brasília, 31 de out. de 1969. 15 BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 11 de ago. de 1971.

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seu dever de garantir a responsabilidade social de acesso às escolas para o setor privado ou para família, assim, não sendo o direito à educação um gênero de primeira necessidade16.

Em razão desses fatores, bem como, a queda do Regime Militar, a nova democracia enraizou-se num apreço mais intenso à liberdade e com maior respeito à igualdade, trazendo consequentemente maiores discussões no campo educacional.

Neste contexto, de redemocratização, foi promulgada a Constituição Federal de 1988. A nova Constituição apresenta em seu texto, de modo intenso, para atender os anseios da sociedade, os direitos sociais e coletivos, ficando conhecida como a Carta cidadã, enfatizando uma relação do dever do Estado e os direitos do cidadão.

A Constituição de 1988 possui normas de organização e normas definidoras de direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais e políticos, normas programáticas que estabelecem princípios e fixam programas, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária, como dispõe Cury et al:

A constituição formaliza em si, como lei maior, algo que os sujeitos sociais já defendiam e em certo sentido haviam conquistado na prática. Dessa maneira, a Constituição Federal de 1988 vai incorporar em seu preâmbulo, entre outros princípios, o de assegurar ao Brasil uma 'sociedade fraterna e pluralista'. O art. 1º da Constituição assinala como um dos fundamentos do 'Estado Democrático de Direitos' a 'dignidade da pessoa humana' e o 'pluralismo político'. O artigo 3º afirma ser 'objetivo fundamental' da República "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" o art. 4º

16 POMPEU, Gina Vidal Marcílio. Direito à Educação: controle social

e exigibilidade judicial. Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC Editora, 2005, p. 88-89.

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estabelece como princípio o 'repúdio ao terrorismo e ao racismo'17.

A educação foi contemplada numa vasta previsão

constitucional, como forma de exaltar os princípios democráticos e de liberdade, sendo ela direito de todos e um dever do Estado. Ou seja, para o indivíduo, agora reconhecido como cidadão, há um direito subjetivo exigível. Já em relação ao Estado, um dever jurídico a cumprir, que deve ser de forma pública, de qualidade e gratuita, a fim de assegurar a todos os cidadãos, em qualquer circunstância o acesso à educação básica. Propiciando atendimento ao educando, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. Já a educação do ensino infantil, médio e superior, o Estado deve propiciar o ensino, na medida em que haja condições para isso.

Uma educação de qualidade é direito de todo ser humano e dever do Estado, têm de ser prioridades de todo governo, como um instrumento na luta a favor da redução das desigualdades e das discriminações sociais. Dessa forma, a educação constitui-se como um direito, não apenas social, mas um direito humano, porque representa uma contribuição essencial, para assegurar, dentre outras, uma vida digna a todos e integrar o que se chama de mínimo existencial18.

Seu objetivo fundamental é propiciar o pleno

17 CURY, C. R. J.; HORTA, J. S. B.; FÁVERO, O. A relação educação sociedade estado pela mediação jurídico- constitucional. In: FÁVERO, O. (Org). A educação nas constituintes brasileiras. 3. ed. Campinas:

Autores Associados, 2005, p. 27-28. 18 MOTTA, Ivan Dias da; RICHETTI, Tatiana. Da Necessidade de efetivação do direito à educação por meio de políticas públicas. CONPEDI/UNICURITIBA (Org.). Direitos fundamentais e democracia II. Florianópolis: FUNJAB, 2013, p. 246-268. Disponível

em:<http://www.publicadireito.com.br/publicacao/unicuritiba/livro.php?gt=124>. Acesso em: 05 jun. 2013.

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desenvolvimento da pessoa, seu preparo para cidadania e sua qualificação para o trabalho, como estabelece o artigo 205, da Constituição Federal de 1988:

Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Com essa postura principiológica da Constituição

de 1988 a educação veio concebida não apenas em um tópico específico dentro da Ordem Social (título VIII, Capítulo III, Seção I, art. 205 e ss.), mas, distribuída em outros capítulos. Foi reconhecida como um direito social, juntamente a outros, como saúde, trabalho, e segurança social (art. 6˚). Também foi incluída no Capítulo destinado à criança e à família como um direito prioritário (art. 227).

Além disso, de forma infraconstitucional, reforçando a necessidade de se promover a imediata erradicação do analfabetismo, mediante a adoção de uma universalização consecutiva da Educação Fundamental, e a progressiva e gradual do ensino médio, podemos citar os instrumentos jurídicos como: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), o Plano Nacional de Educação (Lei n. 10.172/2001).

Dessa forma, a promulgação da Constituição de 1988 reconheceu em seu texto a educação como um direito social, como um direito subjetivo do cidadão e um dever do Estado e da família. Sendo um importante direito na promoção e na defesa de uma vida social mais digna, tendo em vista que no cumprimento dele tem-se a possibilidade de se beneficiar dos demais direitos.

Pode-se afirmar que esta Constituição, em relação ao direito a educação, foi grandemente democrática. No entanto, ele deve ser regido além dessas normas escritas e ser efetivado de

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Do direito social à educação... 137

forma concreta e eficiente, por meio de políticas prioritariamente realizadas pelo governo.

4.3 A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O objetivo essencial da educação na Constituição

funda-se em propiciar o desenvolvimento das pessoas, seu preparo para cidadania e sua qualificação para o trabalho, sendo ela um direito de todos e um dever de ser promovida principalmente pelo Estado.

Isto, por que, com a educação e uma boa formação, a sociedade torna-se amadurecida para exigir dos governos as prestações dos serviços necessários para o seu bem-estar, além disso, autonomia para escolher seus representantes, de forma a controlar e ajudar uma gestão pública de qualidade, exercendo, assim, de forma consciente, a cidadania.

4.3.1 Atuação do Estado na educação

A educação, enquanto direito de todos e dever do

Estado e da família, é baseada no princípio da universalidade, positivado no artigo 208 da Constituição Federal, estabelecendo um rol de deveres garantidos, pelos quais o Estado deve torná-los efetivos através de políticas públicas, como se fundamenta:

As políticas públicas são o meio pelo qual se possibilita a verdadeira concretização das normas constitucionais de maior relevância como os direitos fundamentais, em especial, os de natureza social, a exemplo do direito à educação, cuja viabilidade é elemento determinante para o exercício das liberdades individuais e da própria

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democracia, traduzindo-se na mais notável via de efetivação19.

Em destaque as regras desse artigo em questão de

definição, podem-se elencar a obrigatoriedade e gratuidade da educação básica dos 04 aos 17 anos (art. 208, I, CF/88), como um direito público e subjetivo (art. 208, parágrafo 1º, CF/88). No caso de não oferecimento pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, a autoridade competente deverá ser responsabilizada (art. 208, parágrafo 2º, CF/88).

Conforme é analisado no artigo 208 da Constituição de 1988, esta universalização da educação é competente ao Poder Público, se não efetivada poderá gerar responsabilidade a este ente. Em razão da situação jurídica, formada entre o dever do Estado e o titular do direito, pode gerar uma pretensão apta a ser exercida por meio do direito de ação, em hipótese de sua lesão 20.

Porém, este dever do Estado para com a Educação, deve ser transcendente, isto é, a efetivação do direito da educação deve existir com a participação da família, do educando, de toda a sociedade, já que este direito não interessa somente a um indivíduo, mas a outras dimensões sociais constitucionais.

Helder Baruffi dispõe: A educação é um direito complexo, porque é objeto de várias pretensões de direito: dos pais, dos governos, das religiões, do educando. A educação se apresenta como um interesse não apenas do sujeito individualmente

19 MOTTA, Ivan Dias da; RICHETTI, Tatiana. Da Necessidade de efetivação do direito à educação por meio de políticas públicas. CONPEDI/UNICURITIBA (Org.). Direitos fundamentais e democracia II. Florianópolis: FUNJAB, 2013, p. 246-268. Disponível

em:<http://www.publicadireito.com.br/publicacao/unicuritiba/livro. php?gt=124>. Acesso em: 05 jun. 2013. 20 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo

modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 221-222.

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Do direito social à educação... 139

considerando, mas como um direito coletivo próprio da sociedade.21

A sociedade, então, é imprescindível a efetivação

do direito à educação, pois é ela a responsável pela participação no processo político, fazendo a exigência de implementações de políticas públicas necessárias e eficazes, bem como, o incentivo de uma melhor qualidade de ensino.

Acerca da participação da sociedade Elias de Oliveira Motta destaca que

A colaboração da sociedade também se faz necessária, principalmente para suprir as deficiências do Estado na promoção e incentivo da educação. É aqui que a ação da livre iniciativa ganha importância, não só por garantir maior número de vagas, mas, principalmente, pelas alternativas que oferece às famílias para poderem escolher, livremente, a escola que preferem, seja pelas suas tradições religiosas e culturais, seja pelo desejo de melhor qualidade do que a oferecida pelo poder público.22

A própria Constituição Federal de 1988, nos artigos

20523 e 22724, insere a sociedade como sujeito da relação educacional.

21 BARUFI, Helder. Educação como Direito Fundamental: um

princípio a ser realizado. In: FACHIN, Zulmar (Coord.) Direitos Fundamentais e Cidadania. São Paulo: Método, 2008, p. 85. 22 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília: UNESCO, 1997, pág. 168. 23 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 24 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

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Embora a responsabilidade da sociedade seja

voltada a efetivação do direito à educação, no incentivo ao exercício de políticas públicas eficazes, por melhorias na educação, ressalta esclarecer que o dever do Estado não pode ser substituído, ele é indissociável25. Dessa forma, somente ela atuando sozinha não irá resolver os problemas tão questionados.

Por consequência, é necessário que o Estado garanta esse direito à educação de qualidade com a implementação de políticas públicas e a permanência do educando na escola e permita, também, que a sociedade participe deste desenvolvimento26, como dispõe:

O Executivo, o Legislativo e o Judiciário desempenharão melhor suas funções e serão legítimos, se representarem uma sociedade capacitada e consciente. Essa capacitação só será possível por meio do acesso à educação. O direito fundamental à educação não é um benefício ou uma concessão do Estado, mas é uma conquista da sociedade, que reivindica, fiscaliza e cobra a aplicação de recursos e de planos governamentais que representem melhores condições de vida para a comunidade27.

A fomentação para políticas públicas são em regras

de competência do Poder Executivo, sendo ele o responsável para cumprimento do dever de garantir o

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 25 FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. Rio de

Janeiro, Forense, 2012, p. 610. 26 MOTTA, Ivan Dias da; RICHETTI, Tatiana. Da Necessidade de efetivação do direito à educação por meio de políticas públicas. CONPEDI/UNICURITIBA (Org.). Direitos fundamentais e democracia II. Florianópolis: FUNJAB, 2013, p. 246-268. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/publicacao/unicuritiba/livro.php?gt=124>. Acesso em: 05 jun. 2013. 27 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília: UNESCO, 1997.

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direito à educação. Entretanto, em caso de ausência ou insuficiência destas políticas, a fim de garantir a exigibilidade, por não ser um ato discricionário da administração, é possível recorrer ao Poder Judiciário, conforme determina a própria carta constitucional em seu artigo 5º, inciso XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Apesar da possibilidade de recorrer ao judiciário, deve ser ela uma possibilidade remota. Tendo em vista que o ideal é o exercício de políticas públicas através de uma ação concreta e eficaz do Estado, com a participação da sociedade, conforme a seguinte afirmação:

O ideal seria a efetivação dos direitos sociais por meio de uma ação concreta do Estado por meio de políticas públicas com a participação da sociedade na implementação e na fiscalização e não simplesmente diante da possibilidade de agir em juízo, até porque, quanto mais democrático for o sistema político com tomada de decisões pelo próprio Poder Executivo, baseadas no interesse da coletividade, menor será a atuação do Poder Judiciário para a garantia da Constituição e dos objetivos que permeiam o Estado Democrático de Direito28.

O reconhecimento dos direitos fundamentais

depende de uma revolução na gestão das políticas públicas educacionais - que são um conjunto de atividades a serem realizadas pela administração pública - para que os fins previstos na Constituição sejam cumpridos29, com a participação da sociedade. Como afirma Gina Vidal Marcílio Pompeu, “Os governos participativos, onde a

28 MOTTA, Ivan Dias da; RICHETTI, Tatiana. Da Necessidade de efetivação do direito à educação por meio de políticas públicas. CONPEDI/UNICURITIBA (Org.). Direitos fundamentais e democracia II. Florianópolis: FUNJAB, 2013, p. 246-268. Disponível em:

<http://www.publicadireito.com.br/publicacao/unicuritiba/livro. php?gt=124>. Acesso em: 05 jun. 2013. 29 Ibidem.

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sociedade civil e o poder público priorizam metas que garantem a efetivação dos direitos fundamentais, têm maior índice de legalidade e de legitimidade” 30.

Com isso, faz-se necessário garantir um mínimo de qualidade a todos, para que se possa falar em dignidade humana, liberdade e igualdade. Sendo a educação o principal mecanismo para o Estado garantir a finalidade dos direitos sociais, que são: promover a inclusão dos indivíduos no universo do conhecimento e a liberdade de escolha, diminuindo assim a desigualdade, como a própria condução dos destinos do país. 4.3.2 A educação como um direito social

Direitos sociais são aqueles que visam garantir aos indivíduos o exercício de direitos fundamentais, para que tenham uma vida digna, em condições de igualdade, por meio da proteção e garantias dadas pelo Estado Democrático de Direito.

Alexandre de Moraes define os direitos sociais da seguinte forma:

Direitos Sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal31.

Cabe esclarecer, que os direitos fundamentais são

direitos humanos ou direitos do homem. Os primeiros têm

30 POMPEU, Gina Vidal Marcílio. Direito à Educação: controle social e

exigibilidade judicial. Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC Editora, 2005, p. 152. 31 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo:

Atlas, 2003, p. 201.

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vigência universal e existem independentemente de seu reconhecimento pela Constituição de um país. Já os direitos do homem, conforme Fábio Konder Comparato,

são os direitos que, consagrados na Constituição, representam as bases éticas do sistema jurídico nacional, ainda que não possam ser reconhecidos, pela consciência jurídica universal, como exigências indispensáveis de preservação da dignidade humana.32 Então, o direito humano advém de uma ótica

internacional que, quando positivados em nosso sistema, possui eficácia de direito fundamental. Já os direitos do homem, são aqueles inseridos para limitar o poder do Estado frente à sociedade, preservando a dignidade da pessoa humana.

A efetivação desses direitos sociais é indispensável para o exercício de outros direitos e liberdades fundamentais, isto porque, trata de componentes essenciais do direito à vida e à dignidade da pessoa humana. O direito à dignidade, por exemplo, reclama o direito à moradia, à educação, à escolha de um trabalho digno e à proteção social.

Zulmar Fachin, em relação aos objetivos da educação, fundamenta:

A educação, direito fundamental social, expressamente previsto na Constituição de 1988, tem por objetivos o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 105, CF/88). Tanto no âmbito da escola pública quanto no da particular, a educação deve ter a pessoa humana como bem mais importante, tendo em vista o desenvolvimento de sua personalidade33.

32 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, P. 176. 33 FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. Rio de

Janeiro, Forense, 2012, p. 608.

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Com isso, a educação no Brasil é um direito

classificado como Social, porque é através desta que os indivíduos conseguem se inserir na sociedade e se reconhecer como pessoas de direitos. A educação visa à formação consolidada de cidadãos críticos e reflexivos, com vistas à diminuição das desigualdades sociais e da construção de uma sociedade democrática.

Nesse sentido, garantir o direito à educação é garantir a construção da própria personalidade, o que é precondição para o exercício da autonomia individual, e também, para o exercício pleno dos direitos de cidadania34.

Numa breve análise do artigo 6º, da Constituição Federal35, observamos que a palavra “educação”, antecede aos demais direitos sociais. Logo, a educação é vista como uma passagem para todos os outros direitos, esse processo é o verdadeiro caminho para a justiça social e transformação da sociedade.

O direito à educação faz parte da dignidade da pessoa humana e integra o que se chama de mínimo existencial. É visto como um direito social, bem como, um direito público subjetivo. Em razão dessa importância, é exigível sua efetividade, através da atuação do Estado, não podendo ele pertencer ao universo das normas meramente programáticas que dependem da vontade de seus aplicadores.

A educação é a maior aliada ao progresso do Estado, pois ela desenvolve a personalidade humana, com isso, se torna formadora de capacidade do indivíduo para uma possível participação (com certo grau de reflexão e

34 FONTE, Felipe de Melo. Políticas Públicas e Direito Fundamentais: Elementos de Fundamentação do Controle

Jurisdicional de Políticas Públicas no Estado Democrático de Direito. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 211. 35 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

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maturidade) na gestão pública. Ainda, possibilita ao cidadão exercer a democracia, não somente formal, mas como agente autônomo da sociedade, reconhecendo que as autoridades nada mais são do que seus representantes nas funções legislativas, judiciárias e executivas36. Porque, a sociedade não é somente objeto da legislação, é também autora, para o exercício da democracia, reconhecendo seus direitos e deveres, exigindo a busca pelo bem comum e a justiça.

Assim, é condição essencial para a formação de uma sociedade civil e de um regime democrático a existência de cidadãos emancipados. Não há emancipação, nem democracia, se o Estado não propiciar condições para que a população tenha acesso à educação e aos seus direitos sociais na sua totalidade.

Além disso, o Estado tem o dever de proporcionar aos indivíduos o pleno exercício dos direitos sociais, para que possam viver com dignidade, preservando um mínimo existencial. Sendo a educação, um direito social, relevante, é ela a porta para a sociedade amadurecer e reconhecer seus direitos e deveres, atuando de forma a conquistar a efetividade dos demais direitos garantidos na carta constitucional de caráter imediato.

4.3.3 Competência legislativa

O artigo 22, inciso XXIV, da Constituição Federal de 1988, elenca que é competência privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Já o artigo 24, inciso IX, diz que compete tanto à União, como aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino e desporto.

36 FONTE, Felipe de Melo. Políticas Públicas e Direito Fundamentais: Elementos de Fundamentação do Controle

Jurisdicional de Políticas Públicas no Estado Democrático de Direito. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 212.

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Deste modo, deve ser destacado que o sistema

federalista, adotado por nossa atual Constituição, é a forma de Estado soberano, com capacidade para autodeterminação. Entre cada ente da federação, sendo eles: União, Estados, Distrito Federal e Municípios, há repartição das competências, cada um autônomo entre si. Essa repartição de competência garante uma limitação dos exercícios dos poderes, logo, garante uma autonomia equilibrada, conforme a teoria da predominância de interesses sobre a matéria a ser normatizada, como explica José Afonso da Silva, que

à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos municípios concernem os assuntos de interesse local.37

Esta teoria da predominância de interesses

reconhece no estado federado a legitimação para edição de normas, por cada ente e sua competência. Esta competência pode ser classificada, como determina a Carta Constitucional em: exclusiva, privativa, comum, concorrente e suplementar - conforme distinção expressa pelo doutrinador José Afonso da Silva:

A - Exclusiva, quando é atribuída a uma entidade com exclusão das demais, por exemplo, o artigo 21 CF/88; B - Privativa, quando enumerada como própria de uma entidade, com possibilidade, no entanto, de delegação e de competência suplementar, como ocorre com os seguintes artigos da CF/88: o art. 22 e seu parágrafo único e art. 23 e seus parágrafos. A diferença entre a exclusiva e privativa está nisso, aquela não admite suplementaridade nem delegação;

37 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional Positivo.

28 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 478.

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C - Comum, cumulativa ou paralela, reputadas expressões sinônimas, que significa a faculdade de legislar ou praticar certos atos, em determinada esfera, juntamente e em pé de igualdade, consistindo, pois, num campo de atuação comum às várias entidades, sem que o exercício de uma venha a excluir a competência de outra, que pode assim ser exercida cumulativamente, como ocorre na competência prevista no art. 23 da CF/88; D - Concorrente, cujo conceito compreende dois elementos: possibilidade de disposição sobre o mesmo assunto ou matéria por mais de uma entidade federativa ou a primazia da União no que tange à fixação de normas gerais. Artigo 24 da CF/88. E - Suplementar, que é correlativa da competência concorrente, e significa o poder de formular normas que desdobrem o conteúdo de princípios ou normas gerais ou que supram a ausência ou omissão destas, (art. 24, §2 º)38.

Por isso, no âmbito educacional brasileiro, a

organização dos sistemas de ensino pelos entes federados deve ser feita em regime de colaboração recíproca, a fim de assegurar a universalização do ensino obrigatório, conforme disposto no artigo 211, § 4º39 da Carta Constitucional de 1988.

Assim sendo, na edição de normas gerais educacionais, a União aparece em nível hierarquicamente superior, sendo ela competente para organizar o sistema federal de ensino e dos territórios. Além disso, ela tem função coordenadora, supletiva e redistributiva em todo o sistema nacional, de forma a garantir equalização de

38 Ibidem, p. 480. 39 Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 4º

Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

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oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino - mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, como dispões o artigo 211, §1º da Constituição de 1988.

Em seguida, o mesmo artigo, no parágrafo 2º, informa que a atuação dos Municípios deverá ocorrer prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. Já os Estados e o Distrito Federal, por sua vez, devem atuar prioritariamente nos ensinos fundamental e médio, dispondo o artigo 211, §3º, do mesmo instituto legal.

Por fim, pode ser esclarecido que a atribuição da União é limitada ao estabelecimento de normas gerais. Em relação à competência concorrente, constante no artigo 24, inciso IX, da Constituição de 1988, não exclui a competência suplementar dos Estados, de maneira que, se não existir lei federal sobre a educação, poderão eles exercer a competência legislativa.

Desta forma, a competência legislativa dos Estados e Municípios é remanescente, ou seja, caso uma lei federal sobre normas gerais seja editada posteriormente, a lei estadual terá a sua eficácia suspensa no que lhe for incompatível.

4.3.4 A educação e o regime previdenciário

Neste tópico serão analisadas as regras da previdência aplicadas aos professores no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de Educação Básica, em seus diversos níveis.

Em determinadas situações para aposentadoria, os professores que comprovem exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, não estão sobre as regras gerais, mas sim regras especiais a eles.

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Em face da previdência social, o artigo 201 da

Constituição Federal, e sua alteração pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, estabelece que a previdência social seja organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Prevê, ainda, que a previdência social atenderá, nos termos da lei, os seguintes preceitos:

I) Cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II) Proteção à maternidade, especialmente à gestante; III) Proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV) Salário família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V) Pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

Destaque-se ainda que no artigo 201, parágrafo 7°,

esclarece que será assegurada, nos termos da lei, a aposentadoria no regime geral de previdência social, desde que obedecidas às seguintes condições não cumulativas, conforme expõe seus incisos:

I) 35 anos de contribuição se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher; II) 65 anos de idade, se homem, e 60 anos de idade, se mulher; 60 anos de idade, se homem, e 55 anos de idade, se mulher, para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

Os requisitos elencados no inciso I, do parágrafo

7º, em seguida, no parágrafo 8º, dispõe sobre aposentadoria especial, no caso do professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das

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funções de magistério, na educação infantil e no ensino fundamental e médio, serão reduzidos em 05 anos, ou seja, 30 anos de contribuição, se homem e 25 anos de contribuição, se mulher.

Além disso, o artigo 40, inciso III, da CF/88, também elenca que a aposentadoria voluntária, será concedida desde que cumprido o tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria. Desde que preencha o requisito idade e contribuição: 60 anos de idade e 35 de contribuição, se homem, e 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher.

Ainda em relação a esta aposentadoria voluntária, o artigo 40 em seu parágrafo 5º, dispõe que os requisitos exigidos de idade e tempo de contribuição serão reduzidos em 05 anos, sendo 55 anos de idade e 30 de contribuição, para o homem, e 50 anos de idade e 25 de contribuição, se mulher. Desde que o servidor exerça qualidade de professor e comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental.

As regras para aposentadoria especial aos profissionais do magistério foram estendidas além de somente o exercício da docência, mas também, para as direções de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico, conforme registrado pela Lei 11.301/200640−41.

Cumpre também esclarecer neste tópico a regra de transição da aposentadoria voluntária e proporcional para o professor.

40 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Rcl. 10860 SP. Rel. Min. Gilmar

Mendes. Brasília, 26 de maio de 2011. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22936114/medida-cautelar-na-reclamacao-rcl-10860-sp-stf>. Acesso em: 16 jun. 2013. 41 BRASIL. Lei nº 11.301, de 10 de maio de 2006. Altera o art. 67 da Lei

no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, incluindo, para os efeitos do disposto no § 5o do art. 40 e no § 8o do art. 201 da Constituição Federal, definição de funções de magistério. Brasília, 11 de maio de 2006.

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Regra de transição é o instrumento que visa resguardar os servidores que já possuíam direitos adquiridos relativos à aposentadoria na data de promulgação das reformas previdenciárias, ou seja, antes da promulgação da Emenda Constitucional nº20/98, assegurando, dessa forma, a Segurança Jurídica, elemento essencial em um Estado Democrático de Direito.42

Em relação a esta regra de transição de

aposentadoria voluntária integral aos professores podemos dizer que ela é aplicada a quem tenha ingressado no cargo até 16/12/199843, sendo homem ter 35 anos de contribuição, contado com o acréscimo de 17% no tempo de efetivo exercício até 16/12/1998, e se mulher, com 30 anos de tempo de contribuição, com acréscimo de 20%, desde que se aposente, exclusivamente, com tempo de efetivo exercício das funções de magistério44.

Em relação a esta mesma regra de transição, na aposentadoria proporcional os professores filiados ao Regime Geral de Previdência Social até 16/12/1998 têm direito a esta aposentadoria por tempo de contribuição. Quando forem atendidas às condições de idade, sendo 48 para mulher e 53 para o homem, bem como, cumprido o tempo mínimo de contribuições, no qual, 25 anos, se mulher e 30 anos, se homem. Com um período adicional de contribuição equivalente a 40% do tempo de que, na

42 MODESTO, Paulo. A Reforma da Previdência e suas Normas de Transição. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. Salvador:

Instituto de Direito Público da Bahia, nº 1, mar. 2005. Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 16 jun. 2013. 43 BRASIL. Regras Para Concessão de Aposentadoria a Servidores Vinculados a Regime Próprio De Previdência Social: Resumos

Esquematizados dos Critérios de Concessão, Cálculo e Reajustamento. Ministério da Previdência Social, abr. 2009. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_090403-150016-605.pdf>. Acesso em 16 jun. 2013. 44 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo:

Atlas, 2003, p. 356.

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data da publicação da Emenda Constitucional n° 20/98, faltaria para atingir o limite de tempo antes exigível45.

Com essas mudanças no regime da previdência, junto à Emenda Constitucional nº 20, 15 de dezembro de 1998, ficou extinta a aposentadoria do professor universitário, aos 30 anos para homem, e 25 anos para mulher, de efetivo exercício de magistério. Com isso, ficaram sujeitos a ter de cumprir o tempo de contribuição previsto na regra geral.

Todavia, caso estes segurados que tenham ingressado no magistério antes da reforma e se aposentarem pela regra de transição, com tempo de efetivo exercício de funções de magistério, terão direitos aos acréscimos conforme os profissionais da educação básica46.

Portanto, estas regras especiais da previdência social para os professores, que comprovem exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério, na educação infantil e no ensino fundamental e médio, mostram-se como reconhecimento social e econômico do direito à educação, e de valorização dos profissionais da educação escolar.

4.3.5 A tributação e a educação

Para a efetivação do direito à educação, não só ela

deve ser ofertada pelos poderes constituídos, como também são necessárias ações, no sentido de permitir que as pessoas tenham condições de ter acesso a escola, por isso, é de extrema necessidade a aplicação mínima do fator tributação em educação.

45 Ibidem, p. 668-669. 46 Paraná, Governo do Estado. Aposentadoria. Secretaria da

Administração e da Previdência. Portal do Servidor. Curitiba. Disponível em:<http://www.portaldoservidor.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=33> Acesso em: 16. Jun. 2013.

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A Constituição Federal estabelece quais são as

competências tributárias de cada ente federado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), determinando como deve ser exercido o poder de instituir e arrecadar recursos de sua responsabilidade para consecução das finalidades exigidas.

Tratando-se dessa competência de tributar de cada ente na aplicação dos recursos constitucionalmente previstos na área da educação e com a vigência da Emenda Constitucional nº 14, de setembro de 1996, tornou-se como princípio o artigo 34, inciso VII, da Constituição, para preservação do direito à educação, no qual, a inobservância pelo Estado-membro ou Distrito Federal a ele, possibilitará a intervenção federal47.

Os Constituintes da Carta de 1988, conscientes de que a educação é o melhor investimento que qualquer país pode fazer, e de que sem esse investimento é impossível democratizá-lo, redigiram o artigo 21248, a fim de conseguir acompanhar o desenvolvimento mundial.

O artigo 212 da Constituição Federal determina, com caráter de obrigatoriedade, que a União, aplicará anualmente, nunca menos de 18% e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão no mínimo, 25% da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e no desenvolvimento do ensino. Cabe ressaltar que a parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não serão consideradas para efeito do cálculo, como apresenta o parágrafo 1º do referido artigo.

47 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo:

Atlas, 2003, p. 674. 48 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI: incluindo comentários à nova lei de diretrizes e bases da

educação nacional e legislação conexa e complementar (Prefácio de Darcy Ribeiro). Brasília: UNESCO, 1997, p. 198.

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O parágrafo 2º do artigo 212, da Constituição,

informa que os sistemas de ensino que serão compreendidos pelos recursos públicos destinados para manutenção e desenvolvimento do ensino, serão: o ensino federal, estadual e municipal, bem como, os elencados no artigo 213 da mesma Carta Constitucional, que dispõe:

Art. 213 - Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

Além disso, a distribuição desses recursos públicos

assegurará, em prioridade, o atendimento as necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação.

Fazer um plano nacional de educação, de duração plurianual, é planejar o desenvolvimento educacional do País para os próximos anos, quer dizer, fixar objetivos e planejar49 para utilizar-se dos meios mais eficazes para concretizar a ação e atingir os objetivos dispostos nos incisos do artigo 214 da Constituição de 1988:

I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto

49 Ibidem, p. 202.

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Portanto, a Constituição Federal de 1988, garante

que a educação é direito de todos, mesmo consagrando a opção pelo ensino público, ela prevê a liberdade de ensino à iniciativa privada. Como forma de se estimular esta atuação da livre iniciativa na área educacional, objetivando suprir a enorme deficiência da ação do Estado, a Carta Constitucional de 1988 instituiu a regra da imunidade tributária, conforme disposto em seu artigo 150, inciso VI, alínea “c”50.

A imunidade tributária é o instrumento constitucional que visa à proteção de valores consagrados pela ordem constitucional, decorrentes dos princípios fundamentais, sendo a educação, necessária para concretização dos direitos humanos, preservado o exercício da cidadania, como melhor explica o tributarista Amaro:

Imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada instituição do tributo, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações51.

Destarte, combinando o artigo150, inciso VII, alínea

“c”, e o seu respectivo parágrafo 4º da Constituição

50 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de EDUCAÇÃO e de assistência

social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. § 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. (grifo nosso). 51 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2006, p. 151.

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Federal, verifica-se que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais, das instituições de educação, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei52.

Essas entidades de educação realmente beneficiadas, desenvolvem, então, atividades complementares ao Estado, cuja finalidade essencial é a promoção do direito social e de seus princípios, para convivência harmônica dos direitos fundamentais.

Conclui-se que a perspectiva de uma atuação conjunta entre esses institutos de forma mais racional, com o objetivo de alcançar a qualidade do atendimento escolar, beneficia toda uma sociedade, preservando não somente o direito à educação, mas a dignidade humana.

4.3.6 Princípios que devem reger a educação

Para concretização das finalidades expostas no artigo 205 da Constituição Federal, o ensino deverá ser ministrado com base nos princípios expressamente informados no artigo 206 da mesma Carta, que constitui nos princípios básicos para o planejamento da área. Sendo eles:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão

52 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília: UNESCO, 1997, p. 162

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democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.

O princípio da igualdade de condições (inciso I)

como direito de aprender, mediante acesso e permanência na escola, é regido pelo princípio maior norteador de nossa Constituição, o da igualdade, garantido pelo artigo 5º. A igualdade de condições, neste dispositivo, significa que ninguém poderá sofrer qualquer tipo de desigualdade para o acesso à educação53, tampouco uma discriminação que prejudique sua permanência. Segundo Pinto Ferreira, permanência significa que “ninguém será excluído da escola, a não ser por motivo grave, apurado em sindicância ou processo administrativo, com ampla defesa”.54

Em seguida, o princípio da liberdade de ensino (inciso II) foi consagrado em diversas dimensões: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Esse princípio propõe a autonomia da escola e dos professores, também, a livre atuação na área educacional privada. Impondo assim, condições que conduzam a qualidade do ensino e a fixação de conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum55. À vista disso, essa liberdade é limitada pelas normas gerais

53 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 5ª REGIÃO. APELREEX 4370 CE 0015653-69.2007.4.05.8100. Desembargador Federal José Maria

Lucena. Data de julgamento: 21.05.2009. Primeira Turma. In Diário da Justiça, data 16/06/2009, pág. 256, nº 112, 2009. Disponível em: <http://trf-5.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8325856/apelacao-reexame-necessario-apelreex-4370-ce-0015653-6920074058100>. Acesso em: 23 jun. 2013. 54 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São

Paulo, Saraiva, 1998, p. 480. 55 NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8ª ed. Rio

de Janeiro, Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013, p. 1042-1043.

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que regem a educação, confirmando ser esse princípio um ideal dos direitos e garantias fundamentais.

O princípio do pluralismo do ensino (inciso III) assegura a diversidade de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino. Isto é, comprovar o espírito de democracia, a liberdade de escolha das definições a serem adotadas nas escolas, como também, a interferência dessa escolha pela sociedade.

A gratuidade (inciso IV) total do ensino público e a obrigatoriedade do ensino fundamental, mantidos pelo Estado, apesar de serem elencados como princípio, a rigor possuem estrutura de regra56. Pois, é dever do Estado garantir a educação como um direito de todos. Até mesmo a Constituição incluiu de forma progressiva a gratuidade no ensino médio, como dispõe seu artigo 208, inciso II57, bem como, sobre este princípio, resume-se:

56 Ibidem, p. 1044. 57 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009) II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos

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Do direito social à educação... 159

Onde o ensino oficial, em qualquer nível, já é gratuito não poderá passar a ser pago. Onde é pago, se for fundamental, deverá passar imediatamente a ser oferecido gratuitamente, e se for médio, a entidade pública mantedora deverá tomar providências no sentido de que, progressivamente, se transforme em gratuito.58

Logo, se o ensino já é gratuito em

estabelecimentos oficiais, não tem mais que se falar em cobrança, por isso, não é devido à cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas, como imposto pelo STF na súmula vinculante nº 12: “a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV da constituição federal”.

Já o inciso V do artigo 206, da Constituição, dispõe sobre a valorização dos profissionais, é um princípio que impõe o investimento nos profissionais que atuam neste setor da educação. Garantindo assim a efetivação do direito social, mediante reconhecimento social e econômico, pois desempenham relevante missão enquanto formadores de pessoas e opiniões, conforme mesmo entendimento de Elias Oliveira Motta que dispõe,

Educar é uma das tarefas mais sublimes que se reserva ao gênero humano, pois implica em acender, no íntimo de cada estudante, a chamada do ideal de fraternidade, de autoestima, de amor à vida e de respeito à dignidade de cada ser humano.59

A Gestão Democrática (inciso VI) é uma forma de gerir uma instituição de maneira que possibilite a participação, transparência e democracia. Com isso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define que a

no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. (grifo nosso). 58 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional Positivo.

28 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 820-821. 59 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília: UNESCO, 1997, p. 280.

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160 Temas jurídicos atuais: Volume V

gestão do ensino público na educação básica será tratada com suas peculiaridades, e seguindo os princípios da “participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes”, conforme dispõe em seu artigo 14.

O inciso IX, do Art. 4º, da LDB mostra que o dever do poder público para com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de padrões mínimos de qualidade de ensino, auferíveis a partir da variedade e quantidade mínimas por educando. Entende-se por educação de qualidade aquela que permite, de fato, a equalização de oportunidades e proporciona aos estudantes sucesso escolar60, por consequência, preparando o indivíduo para exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, de forma a atingir a finalidade proposta pelo artigo 205 da Constituição de 1988. Em questão da garantia de padrão de qualidade (inciso VII) no ensino pouco existe sobre a definição e efetivação do assunto, até porque desde 1988 até hoje, pouco se fez no Brasil para atendimento deste princípio como qualidade61.

Como vemos em análise de pesquisas, nenhum diploma legal, jurisprudência, ou mesmo a Constituição Federal, descrevem claramente o que seja qualidade de educação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação traz, em seu artigo 4º, referências aos padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. Considera-se uma afirmação vaga pela relevância do assunto.

Ainda, a Constituição impôs a criação de um piso salarial profissional nacional (inciso VIII) para os profissionais da educação, o qual foi regulado pela Lei nº

60 Ibidem, p. 235. 61 MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI. Brasília: UNESCO, 1997, p. 220.

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Do direito social à educação... 161

11.738, de 16 de julho de 2008. Marcelo Novelino, ao dispor sobre o assunto, diz que:

para que haja uma harmonização com o princípio da valorização dos profissionais da educação escolar pública, o valor fixado deve ser compatível com a relevância da função desempenhada.62

Além disso, podemos completar com o teor da lei

que atender a educação básica é um dever solidário, tanto à União, como aos Estados, Municípios e Distrito Federal.

Com isso, o cumprimento destes princípios, que regem a educação, é essencial para o exercício do direito fundamental à educação e a garantia constitucional que o assegura como direito social. 4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurou-se demonstrar neste artigo a importância

da educação para o amadurecimento da sociedade e do Estado, construídos sobre valores sociais e humanos, na busca efetiva da cidadania e do desenvolvimento humano.

Com base na formação histórica internacional e na necessidade de reconhecer direitos básicos à condição da pessoa humana, o direito à educação, demonstrou a incorporação constitucional como um direito fundamental social, destacando a educação como um dos principais instrumentos de desenvolvimento humano e de cidadania.

Seguindo esta importância internacional e o contexto histórico de redemocratização em que foi promulgada a Constituição de 1988, para atender todo o anseio de uma sociedade na busca da democracia, a educação foi positivada como direito fundamental de natureza social.

62 NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8ª ed. Rio

de Janeiro, Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013, p. 1044.

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Estes direitos fundamentais visam proporcionar

uma igualdade entre os indivíduos, exigindo uma atuação positiva do Estado, ou seja, são normas que não podem pertencer ao universo de questões programáticas, são princípios, ou até mesmo regras, que fazem parte da condição da pessoa humana e integra o que se chama de mínimo existencial.

A educação é o mecanismo essencial para progresso do Estado. No anseio que seja prestada com qualidade, a Constituição traçou propósitos constitucionais essenciais. Trouxe a definição da organização da competência legislativa e do financiamento do ensino, no qual, o Estado deve atuar sobre o princípio Federalista, em um regime de colaboração recíproca e de atuação supletiva e redistributiva da União.

Além disso, são necessárias ações no sentido de permitir que as pessoas tenham condições de acesso à escola. Por isso, é de extrema necessidade a aplicação mínima de recursos públicos, com base em uma gestão democrática e progressiva na educação, bem como, a valorização dos profissionais do ensino, garantindo a efetivação do direito social à educação.

Esta gestão de políticas educacionais precisa de uma revolução, pois não é somente aumento de gastos públicos que atingirá à finalidade desejada. O problema da educação não é a falta de recursos, mas, de uma boa gestão e de estabelecer prioridades, que devem estar pautadas na universalização da educação. Há a necessidade da participação, não somente do Estado, mas também, da família, do educando, de toda a sociedade.

Portanto, não basta somente o reconhecimento formal destes direitos fundamentais, sendo imprescindíveis os meios para concretizá-los, por isso, estes direitos dependem de políticas públicas eficazes, pois, estas sim possibilitam a verdadeira concretização das normas constitucionais de maior relevância.

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Do direito social à educação... 163

Atuar de forma integral ao direito à educação, é

exigir que sejam cumpridas as obrigações básicas previstas na Constituição Federal de 1988, qualitativa e quantitativamente. Isto porque, a educação está aliada ao progresso e ao amadurecimento da sociedade, no desenvolvimento da pessoa humana e o exercício da cidadania, impedindo a exclusão de um universo de oportunidades.

Logo, se o direito à educação, previsto na Constituição Federal de 1988, visa alcançar o exercício da cidadania e da liberdade, preservando a dignidade e o mínimo existencial, é necessário que: o Estado garanta este direito, e que a sociedade participe deste desenvolvimento, no incentivo e exercício de políticas públicas educacionais. Sendo que essas determinem como deve ser estabelecida a educação no país, bem como, a necessidade de uma lei de responsabilidade educacional, frente a estas obrigações que são de caráter imediato.

4.5 REFERÊNCIAS AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed.

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um princípio a ser realizado. In: FACHIN, Zulmar (Coord.) Direitos Fundamentais e Cidadania. São Paulo: Método, 2008.

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Do direito social à educação... 167

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= V =

MEDIAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR

Andréa Carla de Moraes Pereira Lago*

Gabrielli Agostineti Azevedo 5.1 INTRODUÇÃO

O objetivo desse estudo é delinear a mediação como forma de resolução extrajudicial de conflito, para não sobrecarregar mais o Poder Judiciário, buscando, com isso, contribuir para a ampliação das possibilidades concretas da realização da justiça a todos indistintamente. A mediação pode ser conhecida como um método que propicia a solução do conflito através do diálogo entre as partes.

Quando do surgimento de um conflito, que existe em todas as relações, as pessoas possuem uma dificuldade enorme em solucionar. E com esses conflitos não solucionados por falta emocional ou por falta de ânimo, acabam por obstruírem uma relação pessoal que talvez, já era de anos.

* Graduação em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (1992); Pós-Graduação Lato Sensu; em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Sócio-Econômicos (1998); Mestrado em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá (2011); Doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidade do Minho/Portugal (2012); Professora da UniCesumar - Centro Universitário de Maringá no curso de Direito. Advogada militante há mais de 20 anos, com grande experiência em Direito Empresarial e Direito Urbanístico-Imobiliário. Advogada. Graduada em Direito pela UNICESUMAR –Centro Universitário de Maringá (2013); Pós-Graduada em Ciências Penais pela Universidade Estadual de Maringá – UEM (2014); Mestranda em Ciências Jurídicas com ênfase em Direitos da Personalidade pela UNICESUMAR – Centro Universitário de Maringá (2015 - atual).

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Com isso, observa-se, que o conflito está presente

em todas as relações, ou seja, o conflito é algo intrínseco a natureza humana.

Para resolver tais conflitos, existem os métodos alternativos de resolução de conflito, que podem ser, autocompositivos ou heterocompositivos. Os autocompositivos são os métodos que, as próprias partes conseguem através da negociação, da conciliação e mediação, um acordo. Já os heterocompositivos, as partes precisam de um terceiro para ajudar no deslinde, que acontece no caso da arbitragem e do processo judicial.

Por fim, o presente estudo visa demonstrar que a violência encontra-se em qualquer lugar, tanto na escola, como em casa.

Quanto a violência no ambiente escolar, pode ser solucionado através da mediação, que é uma alternativa de acesso ao judiciário, e ainda, ajudaria na educação das pessoas, para a formação de pessoas mais cidadãs, e principalmente, com mais auto confiança, pois além de resolverem através do diálogo seus próprios conflitos dentro da escola, sentiriam confiantes para resolver problemas na vida. 5.2 MÉTODOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Cumpre salientar que nos dias atuais, há a

necessidade de uma forma mais célere de resolução de conflitos, em função da correria do dia-a-dia das pessoas, até porque os processos na justiça comum, são mais morosos e demorados justamente em razão da grande demanda.

Portanto, se as partes do conflito optarem por um método mais célere para resolução, terão seu conflito solucionado mais rapidamente e ainda, ajudará a não obstar o bom andamento da justiça.

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Mediação no ambiente escolar... 171

Há muitos anos tem-se a utilização dos métodos

extrajudiciais de resolução de conflitos. Isso acontece em função de obstáculos que a

concretização do acesso à justiça traz, como por exemplo: a falta de celeridade na prestação jurisdicional, quantidades elevadas de processos, burocratização e custas judiciais e em função desses obstáculos, a população vem buscando outras formas para solução das controvérsias.

Observa-se assim, que na atualidade, a população vive em constante conflito, onde tem-se famílias e sociedades cada vez mais desgastadas em função desses conflitos, e que muitas vezes não são resolvidos.1

Uma das formas de resolver esses conflitos, é a utilização dos métodos alternativos de resolução de conflitos.

Com relação a utilização dos métodos alternativos de resolução de conflitos, pode-se dizer que oferece inúmeras vantagens aos advogados, ao Poder Judiciário e acima de tudo, às partes do conflito, pois, de uma forma menos “formal” há a possibilidade de ter seu conflito solucionado, em um espaço de tempo menor.2

Segundo Ivan Aparecido Ruiz, justamente essas formalidades excessivas que o processo judicial exige, é o que leva ao “formalismo indesejado”.3

Pensando nos métodos alternativos de resolução de controvérsias, o ordenamento jurídico brasileiro

1 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 40. 2 LOPES, Mariane Helena. Juizados Especiais para resolução dos conflitos de interesses nas relações familiares envolvendo os direitos da personalidade: uma nova face de acesso à justiça. 2012, p.52. 3 RUIZ, Ivan Aparecido. Estudo sobre Mediação no Direito Brasileiro: Natureza Jurídica e outros aspectos fundamentais. 2003. Dissertação apresentada no Doutorado em Direito das Relações Sociais na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo, p. 135.

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organizou-se em três formas de resolução de conflitos, quais sejam: autotutela, heterocomposição e autocomposição.

A autotutela ou autodefesa é conhecida como sendo o método que através da violência moral ou física tem o conflito solucionado quando um vence na resistência quanto ao outro. É conhecido ainda, por não ter um terceiro imparcial na solução do conflito.4

Quanto aos métodos heterocompositivos de resolução de conflito, acontece quando as partes interessadas provocam um terceiro que possui o poder de decidir. Os métodos heterocompositivos podem ser de Jurisdição Estatal ou através da Arbitragem.5

Já os métodos autocompositivos, são uma forma de solução onde as próprias partes entram em um acordo que os favoreçam. Pode-se afirmar que os autocompositivos são menos burocráticos e menos onerosos para as partes. Os métodos autocompositivos podem ser diretos, onde as partes decidem o conflito sem a intervenção de um terceiro, e podem ser assistida, onde possui a presença de um terceiro imparcial para a solução do conflito. Eles podem ser através da Negociação, da Conciliação e da Mediação.

Em sede de métodos alternativos, pode-se observar que alguns, tem um terceiro para trilhar as partes, e outros não tem um terceiro imparcial no processo. 5.2.1 Métodos heterocompositivos

Uma possibilidade de resolução de conflito, é através dos métodos heterocompositivos de solução de

4 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada

no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 42. 5 Ibidem, p. 43.

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Mediação no ambiente escolar... 173

controvérsia, onde um terceiro é instituído para solucionar o conflito juntamente com as partes.

Neste método, a resolução do conflito é delegado pelas partes a um terceiro, que pode ser através da jurisdição estatal, que é pelo magistrado, ou através de jurisdição privada, que é pelo arbitro.6

Portanto, a Arbitragem e o Processo Judicial são os dois exemplos dos métodos heterocompositivos de solução do conflito público e privada.

Segundo André Gomma Azevedo, os métodos heterocompositivos possuem as seguintes características: um terceiro que possui o poder porque as partes o delegaram; a lide; a substitutividade e a definitividade.7

Advém lembrar que, tanto na heterocomposição privada quanto na pública, ou seja, tanto os juízes como os árbitros são imparciais, neutros, portanto, não dão sua opinião acerca do assunto.8

Por fim, cumpre salientar que diferentemente dos métodos autocompositivos de resolução de conflito, os métodos heterocompositivos possuem a necessidade de que um terceiro - que é o magistrado quando for através da jurisdição estatal, ou o árbitro, quando for através da jurisdição privada - através do diálogo, consegue fazer com que as partes cheguem a um acordo que beneficie ambas. 5.2.1.1. Arbitragem

A arbitragem como método heterocompositivo de resolução de conflito, está presente quando um terceiro –

6 Ibidem. 7 AZEVEDO, André Gomma de (org). Estudos em arbitragem, mediação e negociação, Brasília: Grupos de Pesquisa, vol 2, 2004, p. 153. 8 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 43.

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174 Temas jurídicos atuais: Volume V

árbitro, nomeado pelas partes profere a decisão acerca do litígio, e as partes devem acatar tal julgamento.

Cumpre salientar que, para haver a nomeação de um árbitro, é necessário que haja um conflito diante do acordo de vontade celebrado pelas partes, onde as próprias partes instituíram a arbitragem como forma de resolução de conflito e por isso nomearam um árbitro de confiança, ao invés do Poder Judiciário.9

Somente pode ser possível a arbitragem, porque o Estado, delegou a terceiros particulares – árbitros, poder de resolver o litígio entre particulares.

Com isso, as partes nomeiam um árbitro que será um terceiro, e este vai proferir uma decisão que deve ser respeitada pelas partes do conflito, até porque foram as partes que o nomearam.

Deve-se ater ao fato de que o Estado-juiz não interfere na resolução proposta pelo árbitro. E ainda, a arbitragem não deve ser utilizada para todo e qualquer conflito, pois o nosso ordenamento somente permite se forem pessoas capazes e o conflito for relacionado a questões patrimoniais, porque se for conflito relacionado a direitos indisponíveis tais como, questões de família, não cabe a arbitragem pois é necessária a participação do Ministério Público.10

Andréa Carla de Moraes Pereira Lago concluiu com os conceitos dados pela doutrina que para a arbitragem acontecer é necessário que

a) A pessoa que institui a arbitragem seja pessoa capaz de contratar; b) O litígio verse sobre direitos patrimoniais disponíveis; c) O contrato preveja a arbitragem através da cláusula compromissória; d) Não havendo cláusula compromissória no contrato, que as partes firmem

9 RUIZ, Ivan Aparecido. Estudo sobre Mediação no Direito Brasileiro: Natureza Jurídica e outros aspectos fundamentais. 2003. Dissertação apresentada no Doutorado em Direito das Relações Sociais na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo, p. 160 10 Ibidem, p. 186.

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compromisso arbitral prévio; e) Havendo a cláusula compromissória, devem as partes convalidar através de ato a ser praticado perante o árbitro ou Tribunal de Arbitragem, firmando a convenção de arbitragem; e f) As partes deverão escolher os critérios e a qualidade da arbitragem.11

Portanto, a arbitragem tem cabimento quando do

descumprimento de um acordo de vontade pelas partes, e houve a instituição da arbitragem como forma de resolver o conflito, afastando assim, o poder judiciário muitas vezes, em razão da morosidade e formalidade que o mesmo exige.

5.2.1.2. Processo judicial

Deve-se observar que, a Constituição Federal

Brasileira em seu artigo 5º, inciso XXXV, garante a todos a proteção judicial contra lesão e ameaça a direito.

Portanto, nesse caso, as controvérsias são solucionadas através de um terceiro que é o Magistrado.

O processo judicial, é o meio através do qual as partes, exercem seu direito e o Estado exerce sua jurisdição, já que possui uma lide a ser solucionada.

Segundo José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier, quando as partes não conseguem solucionar o conflito de outra forma, buscam o Estado, para que ele preste a tutela jurisdicional. Deve-se ater ao fato de que o conflito pelo qual as partes buscam o Estado para solucionar, vem da sociedade, por isso o processo deve observar as variações sociais. 12

11 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 45. 12 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Parte Geral e Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. (Processo Civil Moderno), p. 30 e 31.

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Para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz

Arenhart, "a jurisdição é exercida pelo juiz, devidamente investido no poder do Estado e por meio do processo". Salienta ainda que o processo deve ser entendido como o procedimento que permite que o juiz exerça sua atividade se atender a Constituição Federal.13

O juiz que possui essa jurisdição, ou seja, esse poder de decidir um conflito para as partes, deve solucionar observando os interesses das partes, e não estar a favor de uma ou de outra parte. A sentença que ele irá proferir, será favorável a uma ou a outra parte, de acordo com o que ele julgar que está correto segundo os ditames da Constituição Federal.

O magistrado, provocado pelas partes e imbuído dos princípios da imparcialidade e do juiz natural, decide o litígio por meio da sentença, que independe da vontade e do interesse das partes. 14

Portanto, no caso do processo judicial, as partes possuem um terceiro imparcial, que irá decidir o conflito e proferirá sentença. 5.2.2 Métodos autocompositivos

Nos métodos autocompositivos, as partes

resolvem seu conflito, e como a solução advém das próprias partes, o seu comprometimento como negociado é maior, pois uma das finalidades precípuas é restaurar as relações sociais.

Segundo Ivan Aparecido Ruiz,

13 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 70. 14 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 43.

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Essas formas de autocomposição guardam em comum a circunstância de serem parciais, no sentido de que as próprias partes envolvidas solucionam o conflito de interesses, dependendo, pois, somente da vontade e da atividade de uma ou de ambas, ou melhor, dependendo de ato das próprias partes envolvidas no conflito de interesses. Não há aqui a presença de um terceiro, como ocorre nos meios heterocompositivos.15

Alguns doutrinadores entendem que possui duas formas de autocomposição, a autocomposição direta, e a autocomposição assistida.

Na autocomposição direta, as partes envolvidas resolvem o litígio sem uma terceira pessoa, seja um facilitador ou mediador, ou seja, uma das partes cedem para a outra.

Já na autocomposição assistida, possui um terceiro imparcial que não tem qualquer interesse para qualquer parte, podendo ser ele, um conhecido ou não pelas partes, como por exemplo, no caso de uma mãe mediar um conflito entre os filhos.16

Os métodos autocompositivos podem ser através da Negociação, da Conciliação e da Mediação. 5.2.2.1. Negociação

A negociação é considerada pela doutrina, um meio autocompositivo mais informal, onde as partes atuam com ou sem a intervenção de um terceiro, ou seja, as partes precisam chegar a um acordo com suas próprias ideias.

15 RUIZ, Ivan Aparecido. Estudo sobre Mediação no Direito Brasileiro: Natureza Jurídica e outros aspectos fundamentais. 2003. Dissertação apresentada no Doutorado em Direito das Relações Sociais na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo, p. 12. 16 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 46.

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Pode-se entender por negociação, o poder de

ouvir, de dialogar com o outro, de poder ter um relacionamento entre as partes do conflito.

Segundo Mariane Helena Lopes, a negociação

É um processo voluntário que acontece quando as partes buscam soluções para resolver suas negociatas, podendo ocorrer somente entre elas, ou utilizar-se de um terceiro, baseando-se em estilos e estratégias próprias.17

Na visão de Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo

Braga Neto, A característica mais marcante de todos os

métodos alternativos de resolução de conflitos é o emprego da negociação como instrumento primeiro e natural para solucionar os conflitos, ao qual muitas vezes recorrem seus agentes, mesmo de modo inconsciente, quando existe algo incômodo na inter-relação existente, seja ela de ordem afetiva, profissional ou comercial. Ao recorrer ao diálogo o que se tenta é atender ao reclamo de uma parte em relação à outra. Nesses casos, não existe – o terceiro-, imparcial e independente, pois a busca da solução se faz apenas por aqueles envolvidos na controvérsia, que recorrem ao diálogo e à troca de informações e impressões.18

Portanto, é mister o entendimento de que na negociação, um deve "ceder" em face do outro, pois a dinâmica é satisfazer os dois lados do conflito, ou seja, para satisfazer os dois lados do conflito, uma das partes

17 LOPES, Mariane Helena. Juizados Especiais para resolução dos conflitos de interesses nas relações familiares envolvendo os direitos da personalidade: uma nova face de acesso à justiça. 2012. Dissertação apresentada no Mestrado em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá, p. 84. 18 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de conflitos. 1.ed. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 11 e 12.

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terá que abrir mão no todo ou em partes de sua pretensão. Abrir mão de algo, quer dizer que através da negociação, as partes conflitantes buscam justamente uma negociação, um acordo.

A negociação pode ser direta ou indireta. A que caracteriza-se como um método autocompositivo direto é quando as partes chegam a um acordo sem a intervenção de um terceiro, onde possui apenas a participação das partes envolvidas que buscam por uma solução. A indireta é com a intervenção de um terceiro. 5.2.2.2 Conciliação

A conciliação é um método alternativo de resolução de conflitos antigo. Observa Andréa Carla de Moraes Pereira Lago que “constava no Código de Processo Criminal do Império de Primeira Instância, bem como era obrigatória para a propositura do procedimento contencioso no Regulamento nº 737 de 1850.”19

Deve-se ater ao fato de que a conciliação é diferente da Mediação, embora para a maioria da doutrina a diferença entre os dois é mais didática.

Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo Braga Neto entendem que

A conciliação é um procedimento mais célere e, na maioria dos casos restringe-se a uma reunião entre as partes e o conciliador. Trata-se de mecanismo muito eficaz para conflitos em que inexiste entre as partes relacionamento significativo no passado ou contínuo a futuro, portanto, preferem buscar um acordo de forma

19 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 48.

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imediata para pôr fim à controvérsia ou ao processo judicial.20

Tanto o juiz de direito supervisor ou juiz leigo como o Conciliador podem presidir a sessão de conciliação, que é obrigatória, sob pena de cerceamento de defesa. Porém, o conciliador não possui autonomia para decidir sobre a questão, ele apenas apresenta sugestões, com a finalidade de evitar processos judiciais, ele recomenda um acordo para as partes mostrando as condições benéficas e maléficas no caso do não aceitamento do mesmo. Isso não acontece com o Mediador, que não apresenta sugestões, a participação do Conciliador é maior do que do Mediador.

Portanto, na conciliação, as partes envolvidas delegam a um terceiro imparcial a resolução do conflito, e esse terceiro possui o dever de orientar e aproximar as partes propondo uma decisão e não impondo uma decisão. Tem-se nesse caso, que o papel do terceiro é imprescindível. 5.2.2.3 Mediação

O instituto de mediação é utilizado desde a Antiga China, onde havia uma pessoa para mediar os conflitos existentes entre os sujeitos e os grupos. Portanto, com o passar do tempo, e com a contemporaneidade, passou a não ter mais uma pessoa de bom senso para facilitar o diálogo entre as partes do conflito, o que faz com que a maioria dos conflitos sejam levados ao judiciário, o que faz com que fique sobrecarregado e cada vez mais moroso.21

20 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de conflitos. 1.ed. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 20 e 21. 21 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 49.

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A mediação reaparece nos Estados Unidos, nos

anos setenta, onde tornou um procedimento pré-judicial obrigatório para alguns estados.22

Desde então, a utilização pela doutrina deste método, vem aumentando significativamente mesmo que não tenha uma legislação específica, porque o uso dessa técnica demonstra a aplicação de dois princípios constitucionais, o da dignidade da pessoa humana e o acesso à justiça.

Andréa Carla de Moraes Pereira Lago demonstra que

Países como os Estados Unidos da América, Canadá, China, França, México, Inglaterra, Noruega, Espanha, Portugal e Argentina, nos últimos 30 (trinta) anos vêm utilizando a mediação como recurso técnico para a resolução de conflitos, sendo por vezes obrigatório nos processos judiciais.23

A mediação é uma forma de evitar ou prevenir a

violência na sociedade sem que haja a participação do Judiciário. É um método onde um terceiro imparcial e neutro chamado de mediador auxilia as partes para a resolução dos conflitos através do diálogo. O mediador apenas auxilia, e a decisão quem dá são as partes.

Esse método pode ser conceituado como um método, onde um mediador, que é uma terceira pessoa imparcial, ajuda na resolução do litígio das partes. Pode ser considerado um processo informal e sem litígios.

22 BEDÊ, JUDITH APARECIDA DE SOUZA. Mediação: uma forma de concretização do acesso à justiça. 2009. Dissertação apresentada na Pós-Graduação em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá, p. 37. 23 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 52.

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Um dos diferenciais da mediação, é que ela não

visa apenas o acordo entre as partes, como também, obter a satisfação dos interesses e das necessidades das partes presentes no conflito.24

Portanto, a mediação é um método autocompositivo de resolução de controvérsia, que visa ajudar as partes que encontram-se em conflito a chegar a um acordo de forma voluntária, e que essa decisão seja pacífica de aceitação para ambas as partes, com o intuito de um bom relacionamento sempre.

Uma das maiores vantagens da Mediação é que por ela, possui a possibilidade de um julgamento mais célere, e com um poder de eficácia no julgamento, e ainda, o tempo de espera para a solução da controvérsia é menor, fazendo com que o desgaste emocional se torne menor em razão da sua celeridade.

Na mediação não possui ao final, um vencido e nem um vencedor, pois o mediador assume apenas o papel de tentar aproximar as partes, para que elas encontrem uma solução amigável para o conflito.

Segundo Ivan Aparecido Ruiz, a mediação deve seguir um roteiro, para que não perca muito tempo com conversa sem utilidades. Esse roteiro a ser seguido, depende de cada mediador porque não há que se falar em um roteiro único. Primeiramente, o mediador segue aos cumprimentos. Após, o mediador explicará as partes no que consiste a mediação dizendo suas vantagens. Depois, prosseguirá a ouvir as partes. O mediador, após ter anotado o que as partes disseram, encontrará os pontos controvertidos e explicará às partes que eles que deverão chegar a um acordo que melhor atenda aos interesses de ambas. Após as partes decidirem, será feito por escrito um documento que deverá ser assinado pelo mediador e partes mediadas. Observando que as cópias serão relativas aos números de partes, pois uma cópia será para

24 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de conflitos. 1.ed. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 22.

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cada um. Esse documento assinado consiste em título executivo extrajudicial.25

Salienta Andréa Carla de Moraes Pereira Lago, que

A mediação é um método autocompositivo de resolução de conflito, que tem como escopo ajudar as partes em conflito a chegar de forma voluntária a um acordo mutuamente aceitável entre estas. O objetivo maior neste instituto é o reatamento entre as pessoas que estavam em conflito, pois as próprias partes constroem a solução de seu conflito, apesar da figura de um terceiro facilitador, denominado de mediador. É um processo que utiliza a comunicação, o diálogo entre as partes para a solução do conflito e explora o sentido positivo do conflito, buscando a compreensão exata do problema, evitando seu super dimensionamento.26

Há ainda, a possibilidade das partes não chegarem a um acordo, e mesmo assim será feito um documento assinado pelas partes e pelo mediador.

A mediação como um método autocompositivo de resolução de conflito, é utilizado por muitos em razão da pacificação social que o mesmo propõe, e inclusive, em razão da celeridade com que as partes tem seu conflito solucionado.

Aqui, as partes chegam a um acordo em razão do diálogo que o mediador, que é um terceiro imparcial, propõe, com o objetivo da harmonia no relacionamento entre as partes.

Pode-se dizer que são inúmeros os conceitos da mediação no ordenamento, visto as várias formas de

25 RUIZ, Ivan Aparecido. Estudo sobre Mediação no Direito Brasileiro: Natureza Jurídica e outros aspectos fundamentais. 2003. Dissertação apresentada no Doutorado em Direito das Relações Sociais na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo, p. 377 e 378. 26 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 50.

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interpretação do instituto, e por isso há confusão conceitual.27

Segundo Marilene Marodin e Sttella Breitman, a mediação é

Um processo de gestão de controvérsias no qual um profissional _ o mediador_ intervém de forma imparcial e neutra, facilitando a comunicação entre os envolvidos, com vistas à solução da disputa. Esta solução, de benefício mútuo, será construída pelos próprios participantes, a partir da identificação dos seus interesses e necessidades, e será legitimada através de um acordo voluntário que consubstanciará o seu cumprimento. O mediador pode ser oriundo de diferentes campos profissionais, distinguindo-se pelo fato de possuir capacitação teórica e metodológica específica.28

Portanto, a mediação é um método que se baseia por um conjunto de técnicas interdisciplinares, como da Psicologia da Comunicação, da Negociação e do Direito. Através do conhecimento dessas técnicas, um terceiro imparcial, neutro, orienta as partes para resolverem seu conflito.

Assim, entende-se como o primeiro objetivo da mediação, solucionar o conflito das partes de forma amigável, porque as partes apresentam uma forma para resolver oferecendo caminhos que tornariam pacífica a resolução do conflito, ou seja, as partes mantêm um diálogo entre elas, para melhor solucionar os problemas e por si só conseguirem chegar a um acordo.

Ainda, para Tania Almeida,

27 BEDÊ, JUDITH APARECIDA DE SOUZA. Mediação: uma forma de concretização do acesso à justiça. 2009. Dissertação apresentada na Pós-Graduação em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá, p. 39. 28 Ibidem.

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Em torno dessa dinâmica, o processo de Mediação se instala: ouvindo os mediandos, auxiliando-os a negociar as pautas objetiva e subjetiva, incentivando-os à autoria e à busca de soluções de benefício mútuo, responsáveis diretos pelo comprometimento na execução do acordado.29

Portanto, o mediador, que é um terceiro imparcial, tem a função precípua de auxiliar no diálogo entre as partes, tentar uma harmonia nas relações sociais para que as próprias partes do conflito cheguem a uma conclusão. 5.3 PRÍNCÍPIOS APLICÁVEIS A MEDIAÇÃO

Observa-se assim, que como em quase todos os institutos no ordenamento jurídico brasileiro, possuem princípios que devem ser observados na mediação.

Não possui unanimidade na doutrina quanto aos princípios que são aplicáveis ao instituto e quanto ao número de princípios também.

Para o presente trabalho, observaremos alguns princípios que melhor são aplicáveis a mediação.30

29 ALMEIDA, Tania. Mediação de conflitos: um meio de prevenção e resolução de controvérsias em sintonia com a atualidade. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 12 julho. 2014, p. 09. 30 Segundo Judith Aparecida de Souza Bedê, a mediação possui princípios que devem ser analisados. O primeiro princípio a ser observado, é o da igualdade, porque na mediação, o mediador deve primar pela igualdade no tratamento entre as partes, não optando por tratar melhor uma ou outra. O princípio da imparcialidade deve ser observado porque o mediador deve ser imparcial, neutro, não demonstrando preferência a qualquer das partes. O princípio da oralidade demonstra que as partes resolvem a situação conversando sobre o problema, é através do diálogo entre as partes e o mediador que se estabelece o procedimento da mediação. O princípio da simplicidade é presente porque a mediação não visa a formalidade que possui um processo judicial, primando pela liberdade entre as partes sem a morosidade de documentação. O princípio da flexibilidade por sua vez, demonstra a liberdade de formas, ou seja, não há necessidade de atos formais quando da presença do mediador. O princípio da

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5.3.1 Aplicados às partes

Quanto aos princípios aplicados às partes, observa-se dois, quais sejam: o da voluntariedade e o da livre decisão.31

O da voluntariedade é concretizado quando as partes procuram um mediador que não seja ligado ao judiciário para fazer a mediação da controvérsia. Pode ainda, ter o encaminhamento por um juiz da mediação, quando ele entende que a mediação seria uma boa forma de resolução, e a voluntariedade encontra-se presente no aspecto de aceitar ou não a mediação.

O princípio da livre decisão quer dizer que as partes tomam suas decisões por livre vontade, e cabe ao mediador facilitar a comunicação, o diálogo entre elas. 5.3.2 Aplicados ao mediador

Quando aos princípios aplicados ao mediador, estão ligados e relacionados com sua conduta, que é papel fundamental para o sucesso da mediação.

confidencialidade quer dizer que o mediador deve manter sigilo a respeito do que foi debatido, e com isso, torna a mediação agradável as partes fazendo com que a comunicação entre elas fluam. O princípio da solução pacífica dos conflitos nada mais é do que a busca da pacificação entre as partes. O benefício mútuo também está relacionado com uma solução que seja benéfica e proveitosa para ambas as partes, fazendo com que não incorra sobre o instituto da mediação a teoria que é aplicável ao processo judicial de que há um vencido e um vencedor. A condução dos trabalhos visa que o mediador através de provocação das partes deve conduzir o procedimento de mediação. BEDÊ, JUDITH APARECIDA DE SOUZA. Mediação: uma forma de concretização do acesso à justiça. 2009. Dissertação apresentada na Pós-Graduação em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá, p. 45 e 46. 31 BEDÊ, JUDITH APARECIDA DE SOUZA. Mediação: uma forma de concretização do acesso à justiça. 2009. Dissertação apresentada na Pós-Graduação em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá, p. 48.

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Com base nas autoras Marilene Marodin e Stella

Breitman, o mediador deve ser imparcial, neutro, confidencial e profissional. Tem-se portanto, os princípios elencados por elas para serem aplicados ao mediador.32

O princípio da imparcialidade quer dizer que o mediador não pode primar por uma das partes, não pode escolher um lado, e sim atuar para ambas as partes.

O princípio da neutralidade diz respeito ao mediador atuar respeitando as peculiaridades e particularidades do caso, ou seja, não pode impor uma opinião, uma decisão às partes, deve apenas conduzir o diálogo.

O princípio da confidencialidade impõe que o mediador, deve ser confidencial quanto a relatos feitos pelas partes, com exceção aos relatos relacionados a maus tratos e agressões.

Por último, o princípio da profissionalização atua no sentido de que o mediador deve ter uma formação profissional adequada ao conflito, para poder buscar a melhor solução ao caso, ou seja, deve passar por tratamento específico antes da atuação como mediador.

Esse tratamento pelo qual o mediador deve passar antes de atuar como tal, é mais abrangente até mesmo que o aspecto jurídico do caso, entrando inclusive na esfera da psicologia e da sociologia para efetiva atuação.

O trabalho do mediador, exige responsabilidade, afinal, a tarefa de procurar um acordo entre as partes não é fácil.

Ainda, quando da soma dos princípios aplicados às partes com os aplicados ao mediador, é possível promover uma linha de raciocínio da mediação, que nada mais é do que uma busca incansável por acordos.33

32 MARODIN, Marilene e BREITMAN, Stella. A prática da Moderna Mediação: Integração entre a Psicologia e o Direito, p. 505. 33 BEDÊ, JUDITH APARECIDA DE SOUZA. Mediação: uma forma de concretização do acesso à justiça. 2009. Dissertação apresentada na

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188 Temas jurídicos atuais: Volume V

Portanto, deve-se observar os princípios para a

realização da mediação. 5.4 PAPEL DO MEDIADOR

Deve-se ater que o mediador é um terceiro imparcial e neutro a situação, ou seja, não está do lado de qualquer das partes, apenas está tentando uma harmonia entre elas.

O mediador deve entender o que está ocorrendo entre os mediados sem apresentar qualquer juízo de valor que possa interferir e influenciar na sua decisão.

O papel do mediador ainda, deve ser o de formar uma comunicação entre os mediados, para que os próprios cheguem a um acordo amigável. Para chegar nesse acordo, é claro que uma das partes devem ceder um pouco quando ambas visam o fim do processo.

Ainda, o mediador não precisa ser necessariamente uma pessoa “versada em direito”. O que se exige para exercer esse cargo é conhecer as técnicas da mediação para auxiliar as partes.34

Para Judith Aparecida de Souza Bedê A sistemática da mediação atribui ao mediador um relevante papel no desempenho de seu labor, sendo este considerado um verdadeiro facilitador do diálogo a ser desenvolvido pelas partes. No entanto, para desenvolver sua tarefa, reduzindo distâncias entre as partes, buscando motivações para os entreves observados e, com intuito de proporcionar a reflexão acerca do conflito em si (bem como as posturas assumidas); deverá o mediador pautar sua atividade nos

Pós-Graduação em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá, p. 48,49 e 50. 34 RUIZ, Ivan Aparecido. Estudo sobre Mediação no Direito Brasileiro: Natureza Jurídica e outros aspectos fundamentais. 2003. Dissertação apresentada no Doutorado em Direito das Relações Sociais na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo, p. 386.

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princípios doutrinários da imparcialidade/neutralidade, credibilidade e competência.35

Como o mediador não apresenta juízo de valor, ele apenas deve sugerir uma forma de resolver o litígio. Nesse caso, as partes observam as motivações do litígio e encontram uma solução para o litígio que seja em comum acordo.

Uma visão errônea que tem-se do mediador é a de que ele se equipara ao juiz. O juiz resolve o mérito, e o mediador tem um papel de tentar aproximar as partes até que elas por si só, achem uma solução para a resolução do conflito, com a supervisão do mediador.

Segundo Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo Braga Neto, os papéis do mediador são:

Inevitavelmente o mediador desempenhará papel de líder perante os mediados, entendendo-se essa liderança como coordenadora do processo e, dessa forma, dois componentes destacam-se: a empatia e a habilidade que permitirão ao mediador transmitir aos mediados um conjunto de valores de grande importância para o bom andamento do processo – ou seja, confiança, lealdade, serenidade, cooperação, respeito e não violência. O segundo papel fundamental do mediador é o de servir como agente transformador, e o desempenho desse papel tem importantes consequências para o exercício de suas funções.... O mediador também exerce um terceiro e importante papel que é o de facilitador do processo, atuando na comunicação, na ampliação dos recursos, explorando os problemas, servindo de

35 BEDÊ, JUDITH APARECIDA DE SOUZA. Mediação: uma forma de concretização do acesso à justiça. 2009. Dissertação apresentada na Pós-Graduação em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá, p. 48,49 e 50.

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agente de realidade, prestando-se a ser um catalisador e, até mesmo, um “bode expiatório” das partes, em momentos de angústia e exacerbação das emoções.36

Certas habilidades o mediador deve ter para dar

seguimento ao procedimento da mediação. Deve ter uma capacidade de liderança, sob pena de não ter êxito na mediação.

O mediador deve ter um treinamento e deve ter um conhecimento específico para poder preservar a ética e a credibilidade que possui a mediação através de sua conduta. Portanto, os valores que um mediador deve ter, são irrenunciáveis, sendo eles: a imparcialidade; a independência; a competência; a confidencialidade e a diligência.37

Na visão de Ivan Aparecido Ruiz, o mediador deve ter algumas habilidades,

A par dessas habilidades, na condução do procedimento da mediação, deve o mediador observar determinadas tarefas básicas. Umas das tarefas básicas do mediador é assistir para que negociem a melhor e mais eficazmente. Deve assim, o mediador conhecer a arte e ciência da negociação, bem como transmitir suas experiências às partes mediadas. Essa transmissão pode ocorrer em momentos diversos no desenvolvimento do procedimento da mediação: antes da sessão da mediação propriamente dita, durante a sessão de mediação e, ainda, nas sessões em separado com cada uma das partes mediadas, acaso ocorra essas sessões.38

36 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de conflitos. 1.ed. São Paulo: Brasiliense, 2007), p. 92. 37 Ibidem, p. 96. 38 RUIZ, Ivan Aparecido. Estudo sobre Mediação no Direito Brasileiro: Natureza Jurídica e outros aspectos fundamentais. 2003. Dissertação apresentada no Doutorado em Direito das Relações Sociais na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo, p. 388.

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Mediação no ambiente escolar... 191

Para ser mediador, há a necessidade de aprovação

em concurso público, conforme art. 37, inciso II da Constituição Federal. E além da aprovação em concurso, o mediador deve ser cidadão brasileiro, dominar a língua portuguesa, não possuir menos que 25 anos e nem mais que 70 anos de idade, possuir formação acadêmica (participar de curso de capacitação em mediação administrado pela Escola da Magistratura ou outra entidade a ser regulamentada por Decreto e comprovar experiência de no mínimo2 anos no trato de maios alternativos de solução de conflitos), não haver condenação por crime doloso contra a vida e possuir idoneidade física e psíquica.39

Por fim, é mister saltar que o mediador, como sendo funcionário público, possui sua remuneração do Estado, portanto, seria absolutamente imoral cobrar preços abusivos dos mediados em razão dos acordos feitos. 5.5 ESPÉCIES DE MEDIAÇÃO

O conflito em si, é resolvido e discutido tendo em vista seus aspectos jurídicos. Mesmo que resolvido o aspecto jurídico, as partes podem estar ligadas ao conflito por uma questão emocional, como por exemplo a dor, a vingança, a tristeza, ou seja, várias hipóteses que impedem as partes de verem que a solução está clara e resolvida.

Esses são fatores considerados importantes na mediação, já que o mediador deseja que a solução encontrada pelas partes possa refletir no futuro, evitando que novos dissabores venham a trazer novas discussões entre as partes.

Com isso, os doutrinadores dividem a mediação de acordo com o contexto.

39 Ibidem, p. 390.

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192 Temas jurídicos atuais: Volume V

Na visão de Marlene Marodin e Stella Breitman,

existem cinco espécies de mediação, quais sejam:

a) mediação global e mediação parcial; b) mediação fechada e mediação aberta; c) mediação intrajudicial e mediação extrajudicial; d) mediação pública e mediação privada; e) mediação simples e co-mediação. 40

A mediação global é presente quando o acordo entre as partes versam sobre todas as questões do conflito, já a mediação parcial, é quando o acordo entre as partes tratam apenas de alguns dos tópicos do conflito.

A mediação fechada é presente quando os relatos das partes para o mediador não podem ser revelados, já a mediação aberta acontece quando a revelação dos relatos podem acontecer, se for cabalmente necessário.

Tem-se a mediação pública quando for a mediação oferecida por órgão público, já a mediação privada, é quando a mediação é oferecida por órgão privado, profissionais autônomos ou associação de mediadores. Quando a mediação privada, refere-se ao número de mediadores que estão envolvidos. Se tiver um mediador, tem-se a chamada mediação simples, porém se tiver mais que um mediador envolvido, ou seja, uma equipe, chama-se de co-mediação.

Há a possibilidade de falar ainda, da mediação comunitária ou social, que é aquela relacionada às relações sociais, visto que, na mediação atual, visa uma redefinição social, lembrando que, cada século ou cada época da nossa história possui um conceito de justiça diferente, depende dos valores que estão sendo protegidos na determinada época.

Por fim, é mister o entendimento de que a mediação possui uma finalidade, a de harmonizar as

40 MARODIN, Marilene e BREITMAN, Stella. A prática da Moderna Mediação: Integração entre a Psicologia e o Direito, p. 506.

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partes, e possibilitar um diálogo até que cheguem a um acordo. 5.6 NATUREZA JURÍDICA DA MEDIAÇÃO

Considerando que a mediação é baseada na manifestação de vontade das partes, é o entendimento de que a natureza jurídica da mediação é contratual.

Segundo Judith Apda de Souza Bedê, Lissa Cristina Pimentel Nazareth Ferenc e Ivan Aparecido Ruiz, no artigo publicado sobre Estudos preliminares sobre Mediação,

A mediação tem a natureza jurídica de um contrato, pois está pautada na manifestação da vontade das partes, criando, extinguindo o modificando direitos, devendo constituir-se de objeto lícito e não defeso em lei, razão pela qual, estão presentes os elementos formadores do contrato. Desta feita, vale lembrar, que só poderá ser objeto da mediação todo negócio jurídico, no qual não incidam sanções penais e que não atentem contra a moral e os bons costumes.41

Tem-se portanto, que a mediação é a

demonstração de vontade das partes, que estabelecem a mediação como forma de resolução de um litígio. 5.7 MEDIAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR

Para falar de mediação no ambiente escolar, é necessário entender o que é violência, visto que, a partir de então, pode-se entender o porquê a mediação escolar pode ser vista como um método eficaz para evitar que

41 BEDE, Judith Apda de Souza; FERENC, Lissa Cristina Pimentel Nazareth; RUIZ, Ivan Aparecido. Estudos Preliminares sobre Mediação. Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n. 1, p. 163-177, jan./jun. 2008, p. 170.

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alguns litígios sejam resolvidos perante o poder judiciário, haja vista estar sobrecarregado.

Entender a violência não é tão somente com base em um conceito, aplicar na prática, depende do contexto social e da forma com que essa violência ocorreu.

Ao conceituar violência, deve-se ater ao fato de que não se restringe a violência física, pois a violência pode estar presente nos atos de discriminação em razão da raça por exemplo.

Na visão de Miriam Abramovay, conceituar violência é algo muito complexo, pois "suas dimensões e seus significados passam por adaptações à medida que as sociedades se transformam". A autora salienta ainda, que possuem uns que defendam que a violência é física, posição essa que é considerada por muitos, limitada, e outros entendem que envolve dentro do conceito de violência, as subjetividades e processos sociais, ou seja, o uso da força e do poder.42

Ainda, Miriam Abramovay salienta que existem elementos comuns acerca do tema violência que ajudam a conceituação, quais sejam:

A noção de coerção ou força e o dano que é produzido a um indivíduo ou grupo social (classe ou categoria social, gênero ou etnia), violação de diretos humanos e sentidos para os vitimados, sendo portanto básico privilegiar no conceito de violência tanto princípios civilizatórios sobre direitos- já que muitas vezes os destituídos desses não tem condições objetivas ou parâmetros para se reconhecerem como vítimas - quanto o percebido, o sentido, o assumido como sofrimento, dor ou dano.43

Portanto, a conceituação de violência varia de acordo com a época social em que estiver vivenciando o

42 ABRAMOVAY, Miriam. Cotidiano das Escolas: entre violências. Brasília, Janeiro de 2006, p. 53. 43 Ibidem, p. 56.

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ato. Isso deve ser considerado ao fato de que, conceituar violência é subjetivo, ou seja, o que é um ato violento para uma pessoa, pode não ser para outra. Há ainda, doutrinadores que afirmam que a violência é condição do homem, é intrínseco ao homem estando presente em sua natureza humana. Levando por esse lado, todas as pessoas tem seu lado violento.44

Considerando os vários conceitos de violência, tem-se um que merece destaque, que afirma que a violência são os atos ou palavras que de certa forma machucam ou causam tristeza a outra pessoa.

Contudo, a violência encontra-se em qualquer lugar. Na escola, o conflito advém de várias formas, tanto dentro da sala de aula, como no pátio da escola, e inclusive por diversos motivos.

Miriam Abramovay demonstra que

A violência nas escolas perpassa as relações de classe e as relações entre grupos culturais e isso decorre do fato de os estabelecimentos de ensino se configurarem como um espaço social marcado por um desencontro entre a instituição escolar e as particularidades culturais das populações pobres das grandes cidades.45

A mediação em si, tem o fulcro de apaziguar essas violências, pois delas, surgem um conflito que acaba gerando danos morais ou materiais, que as vezes são irreparáveis.

Desses danos que podem ser causados em razão da violência, o bullying e a xenefobia são as violências escolares mais comuns, onde alunos e professores sofrem e muitas vezes ficam calados diante da situação para evitar mais constrangimentos. Nesses casos, o agressor continua a violentar em razão vítima ter se calado.

Segundo Áurea M. Guimarães, em um livro organizado por Julio Groppa Aquino, "a violência seria

44 Ibidem, p. 55. 45 Ibidem, p. 69.

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caracterizada por qualquer ato violento que, no sentido jurídico, provocaria, pelo uso da força, um constrangimento físico ou moral".46

Diante de tamanha violência, e tamanho estrago na vida das vítimas dessas violências, é essencial o desenvolvimento de uma educação para conviver com pessoas sem desrespeitar o próximo, ou seja, trabalhar a cidadania, a paz, o diálogo e principalmente a solidariedade.

Hoje, os pais acabam terceirizando a educação dos seus filhos, uma responsabilidade que seria deles, ficando para as escolas o encargo dessa educação de convívio em sociedade e respeito ao próximo.

É mister o entendimento de que o conflito está presente em quase todas as relações humanas, o que diferencia um ser humano do outro é saber controlar a sua agressividade, para então não causar dano ao próximo. 5.7.1 Violência na escola

Assim como conceituar a violência em geral gera polêmicas, o conceito de violência na escola é um assunto que dependendo da área profissional, visualiza de formas distintas.

Miriam Abramovay demonstra que a violência nas escolas podem se dar de várias formas, tais como

agressão física, como delito ou crime; como transgressão, como agressão verbal, como as várias formas de discriminação, como ataques ao patrimônio, entre outros.47

46 AQUINO, Julio Groppa. Indisciplina na Escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996, p. 73. 47 ABRAMOVAY, Miriam. Cotidiano das Escolas: entre violências. Brasília, Janeiro de 2006, p. 76.

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Há que se observar que a violência na escola está

relacionada ao ambiente escolar em si, onde aconteceu os atos de violência.

Dentre os atos de violência mais comuns nas escolas, como exposto acima, deve-se observar que não são somente os professores que praticam contra os alunos, os alunos também praticam contra os professores.

O fato de estar em uma sala de aula com pessoas que vieram de costumes e práticas diferentes, gera conflitos. O maior problema, é saber ministrar tais conflitos de forma que, não gere danos as vítimas e agressores.

Observa-se portanto, que a violência está cada dia mais presente na vida escolar. Contudo, a presença policial na resolução desses conflitos nem sempre se faz útil. Até porque deve-se ater a real atividade dos policiais e dos guardas municipais, que ao invés de estarem em locais públicos fazendo o policiamento, estariam nas escolas. 5.7.2 Fatores que geram violência

Além do mais, para entendermos a violência escolar, devemos entender as causas que geram a agressividade no ser humano, e esses fatores são chamados de endógenos ou exógenos.

Os chamados fatores exógenos ou externos são os que encontram-se fora do ambiente escolar, porém, através da prática reiterada dos atos fora da escola, os alunos são estimulados a praticar da mesma forma, dentro da escola. Os exemplos mais comuns dos fatores exógenos são: a) exclusão social, racial e de gênero (pobreza, desemprego); b) a situação dos familiares (alcoolismo, drogas, violência doméstica); c) a influência dos meios de comunicação (televisão, internet, rádio); e d)

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o espaço social da escola (bairro violento, tráfico, prostituição).48

Quanto aos fatores endógenos ou de contato direto diz respeito a aspectos que fazem parte da rotina dentro da escola. Os exemplos são: a) o clima escolar; b) as relações interpessoais; d) as características pessoais da parte; e d) a baixa qualidade de ensino e escassez de recursos. 49

No ambiente escolar, a mediação poderia resolver conflitos nas escolas através da comunicação, do diálogo entre alunos, diretores, coordenadores, professores e pais, para assim, a convivência ser considerada boa.

Segundo Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo Braga Beto

Na escola há a possibilidade de se fazer um programa de mediação preventivo, ou mesmo pontual, quando a controvérsia já está instalada. Um programa de mediação escolar outorga a possibilidade de intervir em uma organização complexa, com um dispositivo que favorece a comunicação, a integração, a colaboração, a participação e o compromisso de todos os membros da comunidade escolar.50

Deve-se observar que colocando a mediação como

forma de resolução de controvérsia no ambiente escolar, diminuiria o número de violência, de ausência e de suspensões, visto que através do diálogo os alunos e os responsáveis pela escola iriam “discutir” a respeito de seus conflitos.

48 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 62. 49 Ibidem, p. 66. 50 SAMPAIO, Lia Regina Castaldi; NETO, Adolfo Braga. O que é mediação de conflitos. 1.ed. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 120.

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Com a participação da escola nesse instituto, há

ajuda tanto para os jovens quanto para os adultos, pois assim, aprendem a conhecer mais a si mesmos e os demais, respeitando as diferenças que cada um possui.

Na mediação escolar, não terá a figura de um adulto resolvendo os problemas dos jovens/ crianças, e sim os jovens e as crianças que estariam resolvendo seus próprios problemas, e assim, far-se-á com que desde pequenos, as crianças aprendam a se responsabilizar pelos seus atos.

Através da mediação na escola, permite-se que a autoestima dos adolescente aumente vendo que, eles por si próprio conseguem solucionar seus conflitos, e assim, aprendem a ouvir e respeitar o próximo. 5.7.3 Tipos de violência escolar

Levando em consideração o conceito de violência, observa-se que pode ser tanto física como psicológica, com isso, suas consequências são distintas. Em uma, pode-se ter marcas aparentes, e na outra, as marcas são ofuscadas.

Como atos de violência tem-se as agressões verbais, que se caracterizam pelos xingamentos, ofensas, formas grosseiras de se relacionar, incivilidade. Dentre os atos de violência, esse, é um dos mais comuns. Tem também, as ameaças, que são utilizadas para demonstrar poder, para intimidar as vítimas, como por exemplo: quando os professores dão notas baixas aos alunos, quando exigem o uso de uniformes. Ainda, tem a agressão física, que pode ser um chute, uma paulada, furar o aluno com faca, socos, bater na cabeça, cuspir no rosto do colega. A discriminação racial também entra no rol dos atos de violência, e pode ser notada como uma ação ou omissão que demonstra as diferenças entre as pessoas com base na cor, com apelidos do tipo: feijão, macaco, negra maluca. A presença de armas na escola

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gera violências extremas, podendo causar até mortes. Os furtos / roubos já é considerado "normal" nas escolas, sempre acaba sumindo material escolar dos colegas, porém, as vítimas sentem-se desprotegidas.51

Portanto, quanto aos tipos de violência escolar, devemos destacar três, a saber: a) violência contra a pessoa (ameaças, brigas e violência sexual); b) violência contra a propriedade (roubo e furto de materiais escolares) e c) a violência contra o patrimônio (dilapidação do espaço e do equipamento escolar).52

Segundo Álvaro Chrispino a violência escolar se dá

a) entre os docentes, por: I) falta de comunicação; II) interesses pessoais; III) questão de poder; IV) conflitos anteriores; V) valores diferentes; VI) conceito anual entre docentes; VII) não-indicação para cargos de ascensão hierárquica; VIII) divergência em posições políticas ou ideológicas. b) entre alunos e docentes, por: I) não entender o que explicam; II) notas arbitrárias; III) divergência sobre critério de avaliação; avaliação inadequada (na visão do aluno); discriminação; falta de material didático; não serem ouvidos (tanto alunos quanto docentes); desinteresse pela matéria de estudo. c) entre alunos, por: I) mal entendidos; brigas; rivalidade entre grupos; discriminação; bullying; uso de espaços e bens; namoro; assédio sexual; perda ou dano de bens escolares; eleições (de várias espécies); viagens e festas. d) entre pais, docentes e gestores por: agressões ocorridas entre alunos e entre professsores; perda de material de trabalho, associação de pais e amigos; cantina escolar ou similar; falta do serviço pelos professores; falta de assistência pedagógica pelos professores; critérios de avaliação,

51 ABRAMOVAY, Miriam. Cotidiano das Escolas: entre violências. Brasília, Janeiro de 2006, p. 121 a 269. 52 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 66.

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Mediação no ambiente escolar... 201

aprovação e reprovação; uso de uniforma escolar; não atendimento a requisitos burocráticos e administrativos da gestão. 53

Portanto, há a violência em todos os graus de

hierarquia dentro da escola, de professores com alunos, de alunos com coordenadores. O mais preocupante nesse caso, são os danos morais e físicos que esses conflitos cotidianos podem causar, sendo que muitas vezes eles são irreparáveis. 5.7.4 Mediação escolar

Levando em conta o estudo acerca de violência e mediação, deve-se observar que a mediação no ambiente escolar traz aos alunos e adultos da escola um ambiente mais pacificado, e com mais valorização do ser humano, com a possibilidade de diálogo para resolução dos conflitos.

Com a possibilidade da mediação no âmbito escolar, propicia principalmente aos alunos, um ensino para a paz, ou seja, com profissionais habilitados para ensinar a respeito de mediação, consegue-se ter uma educação voltada para a paz, para a prevenção da violência.54

O processo de mediação deverá

1) Favorecer e estimular a comunicação entre as partes em conflito, o que traz consigo o controle das interações destrutivas; 2) Levar a que ambas as partes compreendam o conflito de uma forma global e não apenas a partir de sua própria perspectiva; 3) Ajudar na análise das causas do conflito, fazendo com que as partes separem os interesses dos sentimentos; 4) Favorecer a conversão das diferenças em formas criativas de resolução do conflito; 5) Reparar sempre

53 Ibidem, p. 67. 54 Ibidem, p. 75.

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que viável, as feridas emocionais que possam existir entre as partes.55

Observa-se portanto, que através da mediação tem

o conflito solucionado através de conversas, diálogos. Tal conflito, acontece em qualquer setor, ou seja, entre professores e direção, entre alunos e professores, entre professores e professores, professores e pais, e alunos e alunos, o que interfere diretamente nos níveis de violência e com isso, melhora a qualidade de ensino e aprendizagem porque desenvolve capacidades e competências que são essenciais ao exercício de uma democracia, cidadania e além do mais, prepara os jovens para a prevenção da violência.56

Para que haja a inclusão do instituto da mediação no ambiente escolar, deverá ter uma equipe multidisciplinar de mediadores, formado por psicólogos, pedagogos, professores e que deverão ser capacitados em mediação de conflitos, para que a educação caminhe à educação para a paz.57

Contudo, a prática da mediação no ambiente escolar, propicia uma formação de valores, pois, através da comunicação as pessoas resolveriam seus conflitos, o que faz com que aumente a confiança em si para enfrentar não somente os conflitos na escola, mas, na vida. Enfrentaria os problemas com mais segurança e confiança.

55 MORGADO, Catarina; OLIVEIRA, Isabel. Mediação em contexto escolar: transformar o conflito em oportunidade. Disponível em: < http://www.exedrajournal.com/docs/01/43-56.pdf>. Acesso em 21 de setembro de 2013, p. 50. 56 LAGO, Andrea Carla de Moraes Pereira. Mediação Educacional: Possibilidade de convergência entre os Direitos Da Personalidade e a solução de conflitos no âmbito escolar. 2011. Dissertação apresentada no Mestrado em Direito ao Centro Universitário de Maringá, p. 74. 57 Ibidem, p. 75.

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Aprender a solucionar seus conflitos de forma

pacificada é um grande avanço na formação de cidadãos democráticos e pacificados. 5.8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em tempos atrás, os homens resolviam seus

conflitos através dos meios autocompositivos de resolução de controvérsias, ou seja, eles buscavam a solução do litígio através da autotutela, resolviam a controvérsia com suas próprias mãos. Posteriormente, surgiram os métodos heterocompositivos, onde as partes nomeavam um terceiro imparcial, para que solucionasse os conflitos proferindo uma decisão, com isso tinham uma decisão a respeitar.

O presente estudo, não teve o escopo de esgotar a pesquisa acerca dos métodos de resolução de controvérsia, apenas demonstrar que a mediação no âmbito escolar pode ser uma alternativa de melhorar a educação, propiciar um ensino para a paz e para a democracia, onde através do diálogo, pode-se ter soluções de conflitos.

Observa-se ainda, que o conflito é visto como natural, pois encontra-se presente em todas as relações humanas, e em razão disso, a mediação escolar vem para propiciar que o ser humano através do diálogo, chegue a um acordo com a parte, sabendo que em uma relação de paz, um deve ceder para viver em harmonia. Ensinar que através da conversa com o próximo pode-se ter a solução do conflito.

Com a mediação no ambiente escolar, as pessoas aprenderiam a solucionar seus conflitos através do diálogo, fazendo com que a educação na escola mostre que a paz deve ser buscada para viver em harmonia com as demais pessoas.

A mediação se faz presente por ser uma forma célere e menos custosa de acesso a justiça. Ademais, por

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ser extremamente objetiva e prática, proporciona o desafogamento do Poder Judiciário. Por fim, estimula uma cultura de paz e obtém resultados efetivos de cooperação entre os mediandos.

Por isso que se a mediação já estivesse sendo utilizada, muitos processos que estão tramitando no Poder Judiciário, poderiam ter sido solucionados fazendo com que, em razão da ineficácia e da demora do Judiciário, as pessoas voltassem a acreditar no funcionamento do mesmo.

Portanto, como foi visto, no Brasil ainda não está incluso a mediação dentro do ambiente escolar, e é necessário que isso aconteça, para a criação de pessoas com mais autoestima, mais confiança em si, para implantar valores éticos e de paz social. 5.9 REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, Miriam. Cotidiano das Escolas: entre

violências. Brasília, Janeiro de 2006. ALMEIDA, Tania. Mediação de conflitos: um meio de

prevenção e resolução de controvérsias em sintonia com a atualidade. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 12 julho. 2014.

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Mediação no ambiente escolar... 205

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208 Temas jurídicos atuais: Volume V