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EDUCAÇÃO ESPECIAL E DIREITOS HUMANOS

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Imagens da capa: https://pixabay.com/pt/guerra-refugiados-crian%C3%A7as-ajuda-953246/

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Ademir Menin Euda Márcia Dias Paiva

Gabriel Bassaga Nascimento Ivan Vieira da Silva

José Francisco de Assis Dias (Organizadores)

AUTORES: Marlene Maria de Souza Benhossi / Luciana Bovo Andretto

Maracelis Gezualdo / Euda Márcia Dias Paiva Luis Fernando de Carvalho Sousa

EDUCAÇÃO ESPECIAL E DIREITOS HUMANOS

Livro produzido com apoio do

Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICETI)

Primeira Edição E-book

Toledo - PR 2017

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6 Educação especial e direitos humanos

Copyright 2017 by

Organizadores EDITORA:

Daniela Valentini CONSELHO EDITORIAL:

Dr. Celso Hiroshi Iocohama - UNIPAR Dr. Daniel Eduardo dos Santos – UNICESUMAR

Dr. José Aparecido Pereira - PUCPR Dr. José Beluci Caporalini – UEM

Dr. Lorivaldo do Nascimento - UNIOESTE Dr.ª Lorella Congiunti – PUU-Roma

REVISÃO FINAL: Prof. Rogério Dimas Grejanim

CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Editora Vivens Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados aos Organizadores.

Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

Rua Pedro Lodi, nº 566 – Jardim Coopagro Toledo – PR – CEP: 85903-510; Fone: (45) 3056-5596

http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Educação especial e direitos humanos /

E24 organizadores Ademir Menin ... [et al.].

– 1. ed. e-book – Toledo, PR:

Vivens, 2017.

202 p.:il; color.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.vivens.com.br>

ISBN: 978-85-92670-44-3

1. Educação inclusiva. 2. Conhecimento. 3.

Educação. 4. Direitos Humanos. I. Título.

CDD 22. ed. 371.9

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................... 9 I A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO Marlene Maria de Souza Benhossi Luciana Bovo Andretto...................................................................11 II A QUESTÃO DO ENTENDIMENTO DO AUTISMO EM RELAÇÃO À SÍNDROME DE ASPERGER NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Marlene Maria de Souza Benhossi Luciana Bovo Andretto...................................................................27 III EDUCAÇÃO DO SÍNDROME DE DOWN: HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO Maracelis Gezualdo Euda Márcia Dias Paiva ...............................................................45 IV TEOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: APONTAMENTOS PARA UMA PRÁXIS PASTORAL EM DIREITOS HUMANOS Luis Fernando de Carvalho Sousa...................................................85

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APRESENTAÇÃO Com alegria apresentamos aos acadêmicos de Gestão

do Conhecimento e Educação esta obra que recolhe trabalhos oriundos de pesquisa interdisciplinar formando um corpo harmonioso entorno do problema da educação especial e dos direitos humanos.

No primeiro capítulo, as professoras Marlene Maria de Souza Benhossi e Luciana Bovo Andretto trabalharam a importância da consciênccia fonológica no processo de alfabetização.

No segundo capítulo, as professoras Marlene Maria de Souza Benhossi e Luciana Bovo Andretto trabalharam a questão o entendimento do autismo em relação à síndrome de asperger na educação inclusiva, dando importantes contribuições à discussão sobre o tema.

No terceiro capítulo, as professoras Maracelis Gezualdo e Euda Márcia Dias Paiva trabalharam a educação do síndrome de down, apresentando um histórico e uma contextualização fundamental para o estudo deste problema.

No quarto capítulo, o professor Luis Fernando de Carvalho Sousa trabalhou a teologia e os direitos humanos, apresentando importantes apontamentos para uma práxis pastoal em direitos humanos.

Boa leitura! Os Organizadores

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I

A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NO PROCESSO DE

ALFABETIZAÇÃO

Marlene Maria de Souza Benhossi1 Luciana Bovo Andretto2

1 Graduada em Pedagogia, pela Universidade Castelo Branco (UCB) – Rio de Janeiro. Especialista em Administração, Supervisão e Orientação Educacional pela Faculdade Noroeste do Paraná (FANP) e Instituto de Estudos Avançados e Pós-Graduação (ESAP). Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional pela UCP e Instituto Rhema Educação de Arapongas – Paraná. Especialista em Neuropedagogia na Educação pela UCP e Instituto Rhema Educação de Arapongas – Paraná. Especialista em Gestão Administrativa e Financeira pela UCP e Instituto Rhema Educação de Arapongas – Paraná. Especialista em Gestão das Relações Humanas na Educação pela FATEC e Instituto Rhema Educação de Arapongas. Especialista em Educação Especial com Enfase em Transtornos Globais do Desenvolvimento/TEA pela FATEC e Instituto Rhema Educação de Arapongas. Email: [email protected] – Flórida/Paraná 2 Mestranda em Gestão do Conhecimento, Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR. Pós-Graduada em Gestão das Relações Humanas na Educação pela Faculdade Tecnológica do Vale do Ivaí. Acadêmica do Curso de Pedagogia pela Universidade Paulista – UNIP. Graduada em Zootecnia na Universidade Estadual de Maringá – UEM, Gestão Pública pelo Instituto Federal do Paraná –UFPR e Processos Gerenciais pelo Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR – Funcionária Pública PM/ Santa Fé – PR. E-mail: [email protected]

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RESUMO O presente artigo é de análise das possibilidades de estimulação das habilidades fonovisuoarticulatórias em crianças no seu processo de alfabetização, focado na Educação Infantil e nos três primeiros anos do Ensino Fundamental, e o efeito dessa estimulação na consciência fonológica em crianças com dificuldades ou distúrbios na aquisição da leitura e escrita. Destaca alguns procedimentos metodológicos no âmbito escolar para desenvolver níveis de consciência fonológica dando mais segurança aos alunos em seu processo de alfabetização e que contribuam para a aquisição e domínio da leitura e escrita. Palavras-Chave: Educação; Consciência Fonológica; Habilidades Fonovisuoarticulatória, 1.1 INTRODUÇÃO

A fonologia indica o reconhecimento dos sons, mas o significado “integração sensorial” quando falamos sobre fonologia se dá através dos nossos sentidos (visão, audição, tato/motricidade, paladar e olfato), recebemos e percebemos todas as informações que chegam até nós do exterior. Essas percepções formam a base de tudo o que aprendemos. Usamos nossos sentidos para interagir com o mundo exterior. Geralmente, temos que usar o maior número de canais sensoriais possível, de modo a perceber, aprender e compreender da melhor maneira possível. Para se obter sucesso na leitura/escrita, devemos envolver os sentidos da visão, audição, tato e movimento. Não podemos pensar que seja suficiente mostrar uma letra ou uma palavra à criança e acreditar que ela irá lembrar só de olhar novamente. Nossas crianças precisam entender que toda a informação que chega até nós tem uma

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correspondência. A sequência de letras que vemos deve corresponder à sequência de sons que ouvimos de nós mesmos enquanto as pronunciamos. Ao escrever, será mais fácil lembrar quais letras devem ser usadas se as palavras forem pronunciadas antes de se começar a escrevê-las. Dessa forma as sílabas que compõem cada palavra podem ser pronunciadas à medida em que vão sendo escritas (PAMELA KVILEKVAL).

Com 26 letras do alfabeto podemos escrever todas as palavras da língua portuguesa. A importância da aprendizagem do alfabeto na fase inicial da alfabetização está, sobretudo, na necessidade de o aluno identificar e saber os nomes das letras. Além disso, um conhecimento básico a ser trabalhado nesse momento é a regra geral de que o nome de cada letra tem relação com pelo menos um dos “sons” da fala que ela pode representar na escrita (BRASIL, 2008, p. 28).

Apropriar-se do sistema de escrita depende de um de seus princípios básicos: os fonemas são representados por grafemas na escrita.

A compreensão de que a escrita representa o sistema fonológico da língua, contribui para a fundamentação de propostas de alfabetização pelos professores. O saber docente sobre a leitura e escrita, combinado ao conhecimento do modo pelo qual a criança realiza o processo de aprendizagem, abre novas perspectivas para a prática docente do alfabetizador.

A consciência fonológica surge inicialmente do interesse suscitado pela língua falada e por algumas de suas propriedades, como a rima, por exemplo, leva a criança a explorar semelhanças e diferenças entre palavras e partes de palavras. Assim, com ajuda do adulto, pode estabelecer a diferença entre o início e a rima e ter acesso aos fonemas individuais. A partir daí, pode ser levada a fixar a atenção em outros fonemas das palavras mediante

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tarefas de segmentação fonêmica (golpear, contar, etc.). (SOLÉ, 1998).

1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa é de caráter bibliográfico.

Buscou-se em livros, artigos, PCNs discutir a presente temática, visando cumprir com os objetivos e suas finalidades.

Tendo em vista que a pesquisa bibliográfica é realizada com base em materiais e acervos disponíveis, o estudo realizado foi desenvolvido com base em material já elaborado, resultado de pesquisas anteriores. 1.3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 1.3.1 Consciência e Habilidades Corporais

Segundo entendimento de Renata Jardini, “o corpo é nosso ponto de partida e por meio dele fazemos todas as exposições necessárias a qualquer tipo de aprendizagem. Portanto, é fundamental que a consciência corporal e suas habilidades sejam desenvolvidas e na escola, junto dos amigos, em segurança e aceitação incondicional, é a melhor forma desse aprendizado e desenvolvimento procederem”.

Na fase escolar da Educação Infantil, época em que o desenvolvimento da criança ocorre num ritmo singular, se faz de suma importância a realização de uma estimulação consciente e adequada, visando a otimização de todos os potenciais da criança. Para isso, a Psicomotricidade vem auxiliar muito nesse trabalho, visto que estimula o hemisfério cerebral que mais se desenvolve durante a fase pré-escolar: o hemisfério direito, onde se encontram as áreas corporal, cinestésica, criativa, gestual, ou seja, atividades não verbais, que são de suma importância, pois servirão de base para o processo de alfabetização da criança. Em momento posterior,

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na fase de aprendizado da leitura propriamente dita, os processos de linguagem serão muito exigidos, pertinentes ao hemisfério esquerdo do cérebro. A interligação dos dois hemisférios confere uma aprendizagem plena, multissensorial, que leva o sujeito aprendente à reflexão, tornando-se consciente e compromissado com os processos de aprendizagem. 1.3.2 Área Psicomotora a ser desenvolvida

De acordo com a ideia de Renata Jardini, a primeira área psicomotora a ser desenvolvida é o esquema ou imagem corporal, já que é pelo corpo que se estabelecem todas as relações do indivíduo com o mundo e se constrói a sua aprendizagem, pois, através do corpo se organizam todas as sensações, percepções e se elaboram conceitos que aparecem nas expressões de reação do homem.

Assim a criança deve vivenciar e experimentar as mais diversas sensações e percepções além de vários tipos de movimentos, para que tome contato com o seu corpo e espaço, explorando-o, conhecendo-o e utilizando-o de maneira a obter dele o maior domínio e autoconsciência favoráveis ao seu crescimento e aprendizagem. A aprendizagem corporal se inicia a partir de áreas globais do corpo, depois articulações de ombros, quadril, cotovelos e joelhos e por último as distais, como as mãos dedos e pés.

O educador nunca deve se esquecer de que a criança apresenta algumas particularidades, como suas facilidades e limitações próprias. Ela deve ser respeitada como um ser em formação e nunca comparada ou exposta aos demais. Cada criança evolui no seu ritmo, devendo ser avaliada continuamente, sendo ela mesma o seu referencial, assim poderemos traçar o seu perfil de aprendizagem, favorecendo sempre a evolução.

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1.3.3 Consciência Fonológica, Fonêmica e Fonoarticulatória

De acordo com Renata Jardini, a definição de consciência fonológica seria atentar para os sons da fala enquanto esta é pronunciada, ou seja, observar os sons envolvidos “dentro” de uma palavra, de uma sílaba, escutar cada pedacinho que é dito, individualmente. Independe de o indivíduo ser alfabetizado ou não. O obstáculo dessa etapa dá-se porque a fala da língua portuguesa é pautada na sílaba. Assim, ouvimos sílabas, pronunciamos as palavras dividindo-as em sílabas, mesmo que inconscientemente. No entanto as crianças compreendem o treino de aliteração silábica (repetição da sílaba inicial das palavras) com bastante facilidade, o que já não ocorre com a rima e aliteração fonêmica. “O princípio básico da alfabetização está na conversão fonema/grafema, ou seja, aprender o som de cada letra” (RENATA JARDINI, 2012, p. 21).

Aprender a ter a consciência do som que cada letra, significa possuir e usá-lo para decodificar ou codificar as palavras. A esse entendimento dá-se o nome de consciência fonológica. Nos indivíduos normais, sem distúrbios de leitura e escrita, esta ligação som/letra (fonema/grafema) se inicia a partir dos 4 anos de idade e é fundamental para aquisição da leitura e escrita, ou seja, a alfabetização. Essa consciência é preditor de sucesso de uma alfabetização segura e deve ser treinada, estimulada e praticada já na Pré-Escola (CIELO, 1998, 2002, 2003).

A consciência fonêmica é a análise refinada desses sons dentro da palavra, que pode envolver a sua organização sequencial, discriminação, intensidade, ritmo, localização, etc. Concentremo-nos na sequência dos sons, ou seja, o que é ouvido antes, depois e depois, para que se compreenda a ter consciência de que na palavra /pasta/ o som da letra /S/ está no meio da palavra, enquanto na palavra /sapo/ o mesmo

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som encontra-se no início. Esse conceito pode e deve ser treinado antes do indivíduo ser alfabetizado, uma vez que confere a chave do princípio alfabético de nossa língua Portuguesa e também a predição de sucesso de uma alfabetização. Porém, esses conceitos, que envolvem fonologia, são por demais abstratos e requerem habilidades que nem sempre estão assegurados em crianças na faixa etária da educação infantil, ou por prejuízos neuromaturacionais, intelectuais e até mesmo socioemocionais. Isso sem levar em consideração que um desvio, por mínimo que seja, na esfera do processamento auditivo, que é a instância cerebral que processa e interpreta as informações recebidas pelos ouvidos, pode causar sérios impedimentos e entraves na continuidade escolar bem-sucedida. “Por isso faz-se imperioso esse treino, que na metodologia Boquinhas, é auxiliado pela consciência fonoarticulatória, explicada a seguir” (RENATA JARDINI, 2012, pp. 21-22).

A consciência fonoarticulatória é o mesmo que ter conhecimento de qual gesto que a boca está articulando enquanto se fala. Seria o desmembrar a fala em mínimas unidades articulatórias (ALBANO, 2000), uma exploração sensorial da boca que fala curiosidade intrínseca e natural aos indivíduos de faixa etária da educação infantil. O fato da fala ser silábica dificulta essa compreensão, mas não a impede. Essa consciência é possível de ser adquirida, com treino específico utilizado pelo Método das Boquinhas para a aquisição da leitura e escrita é visível e palpável e facilmente reconhecido por quaisquer crianças portadoras ou não de necessidades especiais. “O método das Boquinhas é uma proposição fônica de alfabetização e, como consequência, propicia resultados mais rápidos e eficazes” (RENATA JARDINI, 2012, p. 23).

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1.3.4 Compreensão da Natureza Alfabética do Sistema de Escrita

Existem sistemas humanos que não grafam o mesmo som da língua falada, e entre os que o grafam, não são todos considerados como alfabéticos. Na escrita chinesa existem símbolos que não representam sons e sim ideias, considerados como ideográficos. Já na grafia japonesa existem sinais que representam sílabas.

O nosso sistema de escrita é o chamado de alfabético, pois apresenta cada som é representado por uma letra – ou seja, “fonema”. A história da invenção da escrita nos mostram que a correlação som-letra não é obvio e tão natural como se parece e tão pouco é a única forma possível. Através desta conotação é perfeitamente entendível que algumas crianças imaginem que a escrita do português seja ideográfica, ou silábica, e que, portanto, deve ser trabalhado esta questão dentro das salas de aulas. (BRASIL, 2008). 3.5 Analogia entre a Fala e a Escrita

Considerando os estudos da psicogênese da escrita percebe-se que muitas crianças elaboram a hipótese silábica, acreditando que cada letra representa uma sílaba e não um fonema, isso denota que é fundamental que os alunos precisam adquirir durante o processo de alfabetização é a natureza da relação entre a escrita e a cadeia sonora das palavras que eles tentam ler ou escrever.

A partir deste entendimento por parte do professor alfabetizador se faz necessária a sua intervenção na orientação das crianças para que estas possam superar esta hipótese e entenda realmente como funciona o sistema de escrita da língua portuguesa.

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É o aprendizado da correspondência letra-som ou

grafema-fonema que por parte dos alunos que representa o avanço significativo no processo de alfabetização, e é perceptível se manifesta quando a criança começa a tentar ler e escrever tendo como base o princípio alfabético, ou seja, para cada letra um “som” (BRASIL, 2008, pp. 31-32). 1.3.6 Analogias entre Grafemas e Fonemas

Compreender que os fonemas são representados por grafemas na escrita é necessário para a apropriação do sistema de escrita. Assim entende-se que os fonemas são os elementos da estrutura fonológica da língua que se manifestam nas unidades sonoras mínimas da fala.

Os grafemas nada mais são que letras ou grupo de letras, entidades visíveis e isoláveis, exemplos: a,b,c,d já a junção das letras qu, rr, ss, ch, lh, nh representam os fonemas. Portanto é necessário que o aluno através de um trabalho sistemático aprenda as regras de correspondência entre fonemas e grafemas (BRASIL, 2008).

1.3.6.1 Dominar Regularidades Ortográficas

Quando há compreensão da natureza do sistema, ou

seja, quando o aluno demonstrar ter compreendido que as unidades menores da fala são representadas por letras, o processo de alfabetização precisa se orientar pela abordagem sistemática das relações entre grafemas e fonemas, no sentido do domínio da ortografia do português. Destacando algumas regras de correspondência entre grafemas e fonemas, organizando-as em dois grupos: o dos grafemas cujo valor não depende do contexto e o daqueles cujo valor é dependente do contexto (BRASIL, 2008).

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1.3.7 Descrição Metodológica

Os métodos fônicos também são conhecidos por métodos sintéticos ou fonéticos. Partem das letras (grafemas) e dos sons (fonemas) para formar, com elas, sílabas, palavras e depois frases. São vários modelos de fônicos. Entre eles, o mais antigo e mais consistente, em termos de pedagogia da alfabetização em leitura, é o alfabético ou soletração, que consiste em primeiro ensinar as letras que representam as consoantes e, em seguida, unir as letras-consoantes às letras-vogais.

Como relata Capovilla; Capovilla (2004), no Brasil as pesquisas científicas também mostram a superioridade do ensino fônico. A equipe de pesquisa da Universidade de São Paulo elaborou um programa intensivo de intervenção visando desenvolver diferentes níveis de consciência fonológica. As intervenções, de acordo com ele, foram com grupos de crianças de escola particular, escola pública, estudantes com severo distúrbio motor e da fala e com a professora em sala de aula. Estes estudos confirmam, assim como as bibliografias internacionais, a importância do processamento fonológico e a eficácia do Método Fônico:

Todo esse esforço de pesquisa evidencia claramente que um dos principais responsáveis pela queda sistemática no desempenho dos alunos tem sido o mesmo método global de alfabetização, que já foi fartamente condenado no exterior, mas que no Brasil continua a carcomer as competências das crianças sob os auspícios do construtivismo. Tal achado, entretanto, é encorajador, já que aponta para uma solução prática ao alcance de autoridades educacionais responsáveis. Se os líderes mundiais em pesquisa e em educação descobriram que o Método Global contraria o conhecimento científico e prejudica o desenvolvimento da criança, mudemos o método! Se a ciência nacional e internacional aponta para

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uma mesma direção, revelando a falácia dos PCNs brasileiros atuais, basta reorientar esses PCNs para o rumo certo (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2004, p. 66).

O método fonovisuoarticulatório, carinhosamente

apelidado de Método das Boquinhas, criado por Renata Jardini, utiliza-se além das estratégias fônicas (fonema/som) e visuais (grafema/letra), as articulatórias (articulema/Boquinhas) indicado inicialmente para alfabetizar e reabilitar os distúrbios da leitura e escrita foi idealizado em meados de 1985 e desenvolvido em parceria entre a Fonoaudiologia e a Pedagogia em 1995, partindo de pressupostos na aquisição de conhecimento e da linguagem, com crianças normais e outras com distúrbios de aprendizagem, que o sustenta, sendo indicado para alfabetizar quaisquer crianças e mediar/reabilitar os distúrbios da leitura e escrita. Parte das reflexões deste método foi proporcionada pelo contato com o Programa de Mejoramento de la calidad de la Educación (MECE) – “Programas das 900 Escolas”, desenvolvido no Chile desde 1990, indicado pela UNESCO e estendido a outros países (Guttman, 1993). Sua fundamentação encontra-se também nos estudos de Dewey (1938), Vygotsky (1984, 1989), Ferreiro (1986), Watson (1994), entre outros, cujas idéias são resumidas numa percepção holística frente a alfabetização, tendo a Visão da linguagem – em especial a fala – como foco principal da aprendizagem:

Mas, apesar de fortes contribuições e ganhos na alfabetização, tanto de crianças com ou sem necessidades especiais, acreditamos que a pista fônica é ainda muito abstrata, exigindo alto grau de atenção e percepção auditiva, que por vezes, não corresponde a totalidade dos aprendentes. Também encontramos relatos por parte dos educadores, de que sua aplicabilidade carece de realismo prático, quando dirigida a salas numerosas, ruidosas e os

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exercícios podem não atingir o interesse do aluno, pois são muitos abstratos e complexos. Acrescenta-se isso, a falta de preparo da maioria dos educadores em utilizar de sua voz para dar aulas e, para produzir fonemas, o que pode acarretar equívocos fonológicos, sobrecarga e exagero na fonação, trazendo consequências negativas às cordas vocais, como disfonias e/ou alterações mais graves (JARDINI; SOUZA. 2011, p. 13).

Também é considerável a porcentagem de educadores

que desconhecem os verdadeiros fonemas, distorcendo, produzindo equívocos e, consequente trazendo mais malefícios do que benefícios, por uma ensinagem duvidosa, insegura e distante do treino e preparo teórico que deveriam acompanhar uma nova abordagem.

Diante das queixas, acrescentou-se a esse processo abstrato de produção de fonemas – o método fônico puro -, os pontos de articulação de cada letra ao ser pronunciada isoladamente (articulemas, ou boquinhas). Desta forma, focalizamos a aprendizagem em uma boca concreta que produz o som, que está inserido dentro de palavras significativas, que por sua vez, estarão imersas em frases e textos. Essa abordagem foi baseada nos princípios da Fonologia Articulada – FAR, que preconiza a unidade fonético-fonologia, por excelência, o gesto articulatório (Browman e Goldstein, 1986; Albano, 2001) como unidade mínima de fala. Assim, “o Método das Boquinhas é multissensorial, oralista, fônico e articulatório” (JARDINI; SOUZA, 2011, p. 13). 1.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da situação atual em que se encontra a educação, devemos priorizar a alfabetização e devemos aproveitar a oportunidade e participar da Proposta do Governo Federal - Pacto Nacional Pela Alfabetização na

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Idade Certa, que é alfabetizar todas as crianças até oito anos de idade, porém deve haver um estudo urgente na proposta curricular dos cursos de Pedagogia e Magistério. Destacando uma ação imediata e interdisciplinar entre os cursos de Letras e de Fonoaudiologia. As ações seriam conteúdos abrangentes a atender a relação de interdisciplinariedade, buscando preparar melhor os profissionais envolvidos com a educação e todos os que trabalham com a iniciação da escolarização das crianças: os educadores infantis, os professores dos anos iniciais do ensino fundamental e de outras modalidades de ensino. Oportunizando um suporte teórico mais abrangente que, por sua vez desenvolveria o hábito de refletir sobre seu trabalho na condição de educadores, professores e de agentes críticos e transformadores sendo corresponsáveis pela mudança da realidade em que muitas vezes os alunos chegam até a escola, e de, que forma está dela saindo.

A presente pesquisa focaliza um trabalho na qual devemos pensar sobre trabalho do alfabetizador como árduo e constituído, de significados envolventes para atender todas as especificidades de cada um dos alunos em seu processo de ensino-aprendizagem. Sabemos que, nossa língua possui como base de seu sistema de escrita o princípio alfabético. Portanto no trabalho com a alfabetização, o professor muitas vezes destaca os aspectos gráficos, sem chamar a atenção para os aspectos sonoros ou de dar menor destaque aos sons que compõem o sistema alfabético. E com isso, não se dá conta de que os fonemas estão intimamente ligados aos processos de significação da língua, e que devemos levar os alunos a perceber a relação fonema/grafema e suas variações quando for o caso. O professor deve sempre fazer uma autoavaliação sobre o seu desempenho na escola, procurando melhorar buscando curso que venham de encontro com as necessidades próprias e de ter segurança e conhecimento na questão da alfabetização. Podendo então desempenhar um papel facilitador na aprendizagem da leitura e da escrita. E essas

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habilidades implicam o desenvolvimento da consciência fonológica, da lexical e da sintática também do professor. O que no caso, podemos fazer cursos direcionados a professores, fonoaudiólogos, psicólogos que tragam a formação necessária para trabalhar e desenvolver a consciência fonológica nas crianças desde a educação infantil. Sabendo que a consciência fonológica é apenas uma parte dela, é importante que os educadores envolvidos com alfabetização continuem investigando os aspectos metalinguísticos que envolvem esse processo de ensino e aprendizagem. REFERÊNCIAS BRASIL. Pró Letramento: Alfabetização e Linguagem. ed. rev. e ampl. Brasília: MEC, 2008.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione, 2009.

CAPOVILLA, Alessandra G. S.; CAPOVILLA, Fernando C. Alfabetização: Método Fônico. 2. ed. São Paulo: Memmon, 2003.

JARDINI, Renata Savastano R. Boquinhas no Desenvolvimento Infantil. Bauru: Boquinhas Aprendizagem e Assessoria, 2012.

JARDINI, Renata Savastano R.; GOMES, Patrícia Thimótea S. Alfabetização com as Boquinhas. Bauru: Boquinhas Aprendizagem e Assessoria, 2011.

KVILEKVAL, Pamela. Panlexia Plus: Metodologia Ampliada e Atualizada para a Reeducação das Dificuldades Específicas de Linguagem. Curitiba: Íthala, 2010.

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SARAIVA, Juracy Assmann. Literatura e Alfabetização: Do plano do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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II

A QUESTÃO DO ENTENDIMENTO DO AUTISMO EM RELAÇÃO À SÍNDROME DE ASPERGER NA

EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Marlene Maria de Souza Benhossi* Luciana Bovo Andretto**

RESUMO O objetivo deste trabalho é o de abordar o Autismo diante do contexto social da inclusão no ensino regular e as diferenças

* Graduada em Pedagogia, pela Universidade Castelo Branco (UCB) – Rio de Janeiro. Especialista em Administração, Supervisão e Orientação Educacional pela Faculdade Noroeste do Paraná (FANP) e Instituto de Estudos Avançados e Pós-Graduação (ESAP). Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional pela UCP e Instituto Rhema Educação de Arapongas – Paraná. Especialista em Neuropedagogia na Educação pela UCP e Instituto Rhema Educação de Arapongas – Paraná. Especialista em Gestão Administrativa e Financeira pela UCP e Instituto Rhema Educação de Arapongas – Paraná. Especialista em Gestão das Relações Humanas na Educação pela FATEC e Instituto Rhema Educação de Arapongas. Especialista em Educação Especial com Enfase em Transtornos Globais do Desenvolvimento/TEA pela FATEC e Instituto Rhema Educação de Arapongas. Email: [email protected] – Flórida/Paraná. ** Mestranda em Gestão do Conhecimento, Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR. Pós-Graduada em Gestão das Relações Humanas na Educação pela Faculdade Tecnológica do Vale do Ivaí. Acadêmica do Curso de Pedagogia pela Universidade Paulista – UNIP. Graduada em Zootecnia na Universidade Estadual de Maringá – UEM, Gestão Pública pelo Instituto Federal do Paraná –UFPR e Processos Gerenciais pelo Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR – Funcionária Pública PM/ Santa Fé – PR. E-mail: [email protected]

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dos portadores em relação à Síndrome de Asperger. No meio educacional ainda existem educadores que confundem a Síndrome de Asperger com o Autismo, e isto torna-se de relevante importância no desenvolvimento do ensino e aprendizagem das crianças. A síndrome de Asperger é frequentemente considerada uma forma altamente funcional de autismo. Pode levar à dificuldade de interagir socialmente, comportamentos repetitivos e falta de jeito. Já o autismo é fundamentalmente uma forma particular de se situar no mundo e, portanto, de se construir uma realidade para si mesmo. A inclusão no ensino regular de crianças portadoras de algum distúrbio tem chamado a atenção dos educadores para o fato de que existe a necessidade de que todos estejam capacitados para receber esse aluno da melhor maneira. Essa capacitação pode englobar treinamentos para melhor discernir as necessidades individuais que cada criança além de merecer, possui direito adquirido e garantido à uma Educação de qualidade e igualitária. A metodologia será apresentada a partir de obras de autores fidedignos através de afirmações referentes a esta diferenciação em relação ao Austimo e a Síndrome de Asperger. Os resultados obtidos através das considerações finais demonstram que ainda existe grande necessidade em capacitar profissionais direcionados às especificidades de cada aluno. Este trabalho é fundamentado em Boscheti (2010), Lessa (2011) e Hanakawa (2009). Palavras-Chave: Síndrome de Asperger; Autismo; Família; Educação Inclusiva; Cidadania. 2.1 INTRODUÇÃO

É público que a Síndrome de Asperger ainda é um grande mistério tanto para os educadores. A Educação transformadora da contemporaneidade requer cuidados e entendimentos específicos em relação aos alunos recebidos no ensino o regular. É público também o fato de que, crianças com Síndrome de Asperger têm uma vida totalmente

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normal diante das dificuldades que o tempo pode trazer, embora sejam obrigadas a certas percepções e adaptações, ou seja, é possível ter uma vida social e familiar inserida no contexto das diversidades. A realidade é que tanto crianças com Síndrome de Asperger como crianças autistas, já podem estar inclusas regularmente nas escolas partindo da ideia legal de direitos adquiridos. O espaço escolar vem aumento gradativamente no que tange a educação inclusiva, e desse modo, proporcionando a crianças detectadas com algum distúrbio possam ter o atendimento especializado, estando desta maneira também inserida na sociedade.

O Dr. Drauzio Varela, (2010), caracteriza o Autismo, como um transtorno global do desenvolvimento com três características essenciais com graus de comprometimento variável são elas: dificuldade de interação social, inabilidade de domínio da linguagem e comportamento repetitivo. Ainda segundo Drauzio Varela (2010) os graus de comprometimento, podem ser desde os mais leves quando não há o comprometimento da fala e da inteligência, até as formas mais severas em que a criança é incapaz de manter qualquer tipo de contato interpessoal, apresenta comportamento agressivo e também retardo mental. Existe no ambiente escolar uma certa “confusão” entre a detecção de crianças portadoras de autismo e crianças com síndrome de Asperger. Mais uma

O Dr. Drauzio Varela, (2010), especifica o Autismo, como sendo um transtorno global do desenvolvimento marcado por três características fundamentais: Inabilidade para interagir socialmente; Dificuldade no domínio da linguagem para comunicar-se ou lidar com jogos simbólicos; Padrão de comportamento restritivo e repetitivo. O grau de comprometimento é de intensidade variável: vai desde quadros mais leves, como a síndrome de Asperger (na qual não há comprometimento da fala e da inteligência), até formas graves em que a criança se mostra incapaz de manter qualquer tipo de contato interpessoal e é portador de comportamento agressivo e retardo mental.vez, a questão da educação inclusiva se torna fator predominante, pois inserir no contexto escolar crianças detectadas com essas patologias, faz com que se torne indispensável a capacitação profissional.

A Educação inclusiva compreende a Educação especial dentro da escola regular e transforma a escola em um espaço para todos. Ela favorece a diversidade na medida em que considera que todos os alunos podem ter necessidades especiais em algum momento de sua vida escolar” (ALONSO, 2011, p. 8).

Apesar dessa síndrome ter em sua forma ou descrição, características definidas, a pessoa que é acometida por ela pode ter uma

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vida normal, mesmo diante das dificuldades e limitações, o que corresponde a uma vida social e familiar correspondente às suas necessidades individuais. Nesta mesma direção, também já se constata nos dias atuais uma maior incidência de pessoas com Síndrome de Asperger frequentando a escola de ensino regular ou escolas especiais, objetivando ter os direitos igualitários constituídos e celebrados em legislação nacional, em prol do seu desenvolvimento educacional e social.

O nome Síndrome de Asperger deriva da descoberta do Dr. Hans Asperger, psiquiatra e pediatra austríaco, que esteve no anonimato e desconhecido desde 1952. O reconhecimento se deu no ano de 1994, internacionalmente, pela Associação Americana de Psiquiatria, através de artigo publicado no Manual de doenças mentais DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). No ano de 2013, a Síndrome de Asperger passa a ser classificada como uma extensão leve do autismo, pois a criança com esta síndrome não apresenta comprometimento intelectual ou retardo cognitivo. Isto posto, os primeiros sintomas são dificilmente detectados, seja pela família, pela escola ou pela sociedade onde a criança está inserida. Walkiria Boschetti, neuropsicóloga do Hospital Albert Einstein, (2010), diz,

[...] Muitos portadores da síndrome possuem, inclusive, QI acima dos índices normais. E o fato de terem habilidade verbal muito desenvolvida, com um vocabulário amplo, diversificado e rebuscado, reforça nos pais a ideia de que seus filhos são superdotados (REVISTA EINSTEIN SAÚDE NA VIDA, 2010, p. 28).

Os sinais e sintomas da síndrome de Asperger podem aparecer

nos primeiros anos de vida da criança, mas raramente são valorizados pelos pais como algo negativo, especialmente se as manifestações forem leves. A grande maioria dos diagnósticos da Síndrome de Asperger é feita a partir da fase escolar, quando a dificuldade de socialização, considerada a característica mais significativa desse distúrbio, manifesta-se com maior intensidade, juntamente com o desinteresse por tudo que não se relacione com o foco de atenção.

A expressão autismo foi utilizada pela primeira vez por Bleuler na década de 1911, para designar a perda do contato com a realidade, o que acarretava uma grande dificuldade ou impossibilidade de comunicação. O autismo caracteriza-se por um trio de anomalias comportamentais: limitação ou ausência de comunicação verbal, falta de interação social e padrões de comportamento restritos. A manifestação dos sintomas ocorre antes dos três anos de idade e persiste durante a vida adulta. Segundo estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

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Estatística (IBGE, 2014) e o Hospital das Clínicas de São Paulo, a incidência do autismo é de cinco a cada mil crianças, sendo mais comum no sexo masculino, na razão de quatro homens para cada mulher afetada.

A síndrome do autismo é encontrada em todas as partes do mundo e em famílias de qualquer raça, etnia e classe. Até o presente momento ainda não conseguiu vincular a síndrome há causas psicológicas ou ambientais. De acordo com o estudo acima mencionado, os sintomas, causados por disfunções físicas do cérebro são: Fala ou linguagem ausentes ou atrasadas às crianças da mesma faixa etária, distúrbios nas habilidades físicas, sociais e linguísticas, alterações no equilíbrio corporal, audição, visão, equilíbrio, tato, olfato, gustação, dor.

A inclusão social é o movimento amplo que não somente objetiva a inclusão das pessoas com deficiências, mas também abrange todos os segmentos da sociedade que foram excluídos, como pobres, negros, mulheres, crianças, homossexuais, nordestinos, deficientes etc., como destacou de forma exímia por Pinel (1995, p. 48).

Há que se ter compreensão de que os processos desencadeadores de exclusão têm estreitas vinculações com a sociedade (FREITAS, 2006):

Ao debatermos sobre o Movimento Social de Inclusão, na perspectiva da inclusão escolar, fazemos um recorte acerca da inclusão das pessoas com deficiência, com foco sobre a inclusão da criança no contexto da escola regular. Assim, estudos têm revelado que grande parte do sucesso da inclusão depende do trabalho pedagógico adequado às diversidades dos discentes no cotidiano escolar (DRAGO, 2011, p. 38).

A importância da escolha deste tema para a realização do artigo

em questão e para o curso de pós-graduação é chamar a atenção para o fato de que o Autismo é totalmente diferente da Síndrome de Asperger e muitos educadores ainda necessitam de capacitação formal para perceber as diferenças. Mesmo com grandes experiências vivenciadas na Educação Especial, muitos docentes mantém a mesma prática pedagógica para ambos casos e isso pode acarretar em uma série de complicações na vida dessas crianças, seja no meio familiar, educacional ou social, e que a Educação Inclusiva consiste em tratar e receber todos de forma igualitária, pois não existem pessoas ou crianças desiguais, existem pessoas e crianças com especificidades diferentes. O objetivo desta pesquisa é o de abordar a Síndrome de Asperger diante do contexto social da inclusão no ensino regular e as diferenças dos portadores desta síndrome em relação ao Autismo.

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2.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A fundamentação teórica deste artigo baseou-se em autores e obras fidedignos através de revisão bibliográfica, permitindo maior diversificação de posicionamento desses autores em relação ao tema escolhido. Sabe-se que o tema ainda exige muitos estudos , principalmente nas áreas pedagógicas. Partindo deste pressuposto, tomou-se como embasamento Fonseca (2002), o qual possibilitou maior entendimento dos estudos metodológicos realizados neste estudo:

A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem porém pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta (FONSECA, 2002, p. 32).

Dessa forma no que tange o estudo pode ser considerado como

pesquisa bibliográfica, e destaca-se fundamentalmente a contribuição de Fonseca (2002), para o desenvolvimento do tema. 2.3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.3.1 Síndrome de Asperger

A Síndrome de Asperger (S.A) faz parte de um conjunto de

classificadores de condições dos Transtornos Globais de Desenvolvimento:

Grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e modalidades de comunicação e por um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Estas anomalias qualitativas constituem uma caracterização global do funcionamento do sujeito, em todas as ocasiões. (CID-10, 2003, p. 367).

Segundo Tamanaha (2008), o Transtorno Global do

Desenvolvimento é definido pela presença de desenvolvimento anormal e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de 3 anos e pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas: de interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo. O

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transtorno ocorre três a quatro vezes mais no sexo masculino que no feminino:

A Síndrome de Asperger é um transtorno de validade nosológica incerta, caracterizado por uma alteração qualitativa das interações sociais recíprocas, semelhante à observada no autismo com um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Ele se diferencia do autismo essencialmente pelo fato de que não se acompanha de um retardo ou uma deficiência de linguagem ou do desenvolvimento cognitivo. Os sujeitos que apresentam este transtorno são em geral muito desajeitados. As anomalias persistem frequentemente na adolescência e idade adulta (CID-10, 2003, p. 369).

Crianças com a Síndrome de Asperger são em geral muito

inteligentes, desenvolvem talentos quase que indescritíveis e isso leva os pais que não conseguem reconhecer a síndrome em seus filhos a incentivar essas habilidades. Essa atitude acaba provocando na criança uma reclusão irreconhecível, ou seja, quanto mais se apropria das habilidades mais a criança se torna solitária. Iara Pereira, (2009), afirma:

A criança com Síndrome de Asperger é habitualmente mal interpretada pelos seus pares, não sendo raros os frequentes desentendimentos nos relacionamentos interpessoais, levando ao isolamento social ou quadros depressivos. Agressividade, crises de birra, fobias e outras perturbações são manifestações inespecíficas e reacionais que podem estar presentes nesses pacientes, daí a importância do diagnóstico precoce a fim de minimizar disfunções adaptativas significativas (PEREIRA, 2009, p. 25).

Tanto a inteligência como as manifestações contrárias a vivência

social necessitam ser percebidas pela escola onde a criança está inserida. Faz parte de toda competência básica partir do princípio de que a inclusão está diretamente ligada a formação. Alguns autores, atualmente, acreditam que a S.A. não pertence ao mesmo grupo de Transtornos Autistas, sugerindo que se faça uma nova classificação da síndrome; porém ainda não há consenso quanto a isso:

A Síndrome de Asperger, assim como outros quadros autísticos, é um transtorno evolutivo raro, caracterizado por um severo déficit no contato social, que surge desde a infância persistindo até a idade adulta. É uma condição ainda pouco conhecida e de difícil diagnóstico, pois essa terminologia tem sido empregada em diferentes situações: como sinonímia de autismo atípico ou residual (que seria um autismo de bom prognóstico ou um autismo de alto funcionamento), como outras

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formas de transtorno invasivo do desenvolvimento ou mesmo como um transtorno independente do autismo (FERREIRA et al., 2002, p. 109).

Seu curso de desenvolvimento precoce está marcado por uma

falta de qualquer retardo clinicamente significativo na linguagem falada ou na percepção da linguagem, no desenvolvimento cognitivo, nas habilidades de autocuidado e na curiosidade sobre o ambiente (CAMARGOS, et al, 2005, p. 23).

O autor ainda afirma:

A Síndrome de Asperger é um transtorno de múltiplas funções do psiquismo com afetação principal na área do relacionamento interpessoal e no da comunicação, embora a fala seja relativamente normal. Há ainda interesses e habilidades específicas, o pedantismo, o comportamento estereotipado e repetitivo e distúrbios motores. A Síndrome de Asperger (S.A.) é uma das entidades categorizadas pela CID-10 no grupo dos Transtornos Invasivos, ou Globais, do Desenvolvimento F84 e que todas elas iniciam invariavelmente na infância e com comprometimento no desenvolvimento além de serem fortemente relacionadas à maturação do sistema nervoso central. Pode-se dizer também que desse grupo (Autismo Infantil, Autismo Atípico, a Síndrome de Rett e outros menos relevantes) a S.A. é o transtorno menos grave do continuum autístico (CAMARGOS, 2005, p. 25).

Segundo Asperger (apud FERREIRA et al., 2002), crianças com

essa síndrome apresentam uma entonação bizarra, falam mais como adultos do que como crianças, apresentam a falta de contato olho-olho, alterações de gestos, postura e qualidade vocal, falta de humor, pedantismo. A dificuldade não é somente em relacionar-se com outras pessoas, mas também em lidar com objetos. O autor relatou a presença de obsessões por meio da descrição de coleções de objetos. Estimou excessivamente as habilidades intelectuais, apesar de ter reconhecido a presença de déficits atentivos e distúrbios de aprendizagem em crianças com bom nível intelectual. A característica mais flagrante era a falta de integração no grupo social, mas em outros casos, essa falta era compensada por uma originalidade particular na forma de pensar. Outros dois aspectos que foram enfatizados são os altos graus de inteligência e de habilidades especiais nas áreas da lógica e da abstração:

As crianças com S.A. falam como adultos, por mais que estejam nos estágios iniciais de desenvolvimento de linguagem, apesar de, ao mesmo tempo, possuírem um nível de interação e manutenção de regras lingüísticas simples. A entonação de fala é freqüentemente anormal, sendo ou pouco melódica ou variada em demasia. Utilizam

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preferencialmente o meio verbal de comunicação em detrimento de outras pistas comunicacionais (WOWLIN apud CAMARGOS et al., 2005, p. 171).

Esses sintomas resultam em prejuízo significativo no

funcionamento social e educacional e acima de tudo funcional. Para Ferreira et al (2002) a linguagem para essas pessoas não apresenta uma função comunicativa sócio interracional, mas aparece desprovida de objetivo, com um fim em si mesma. Já, Szatmari (apud FERREIRA et al., 2002), um dos sintomas mais importantes dessa síndrome seriam as alterações verbais e não-verbais da linguagem.

FRITH (apud FERREIRA et al., 2002) relata que a tentativa de estabelecer conversação suscita, às vezes, apenas em respostas metódicas, pequenas e sem apelo.

Sabe-se que a escola é o espaço de interação social para troca de experiências e transmissão do conhecimento científico. Partindo dessa premissa, se faz necessária a adaptação de todo corpo docente na inserção de uma criança portadora de Asperger, isto no que tange todo o processo educacional. Vigotski (1994), diz que o sujeito se desenvolve pelo acesso à cultura, a escola é o espaço pensado para garantir que uma geração mais nova se aproprie do conhecimento que a geração mais velha deixou. O trabalho da escola, nesse sentido, sempre é intencional. A escola deve estar diretamente ligada ao sistema de saúde para que o trabalho conjunto traga resultados positivos no sentido de amenizar ou minimizar qualquer tipo de sofrimento que a criança com Asperger venha a sentir. Para que a aceitação por parte de todos no ambiente escolar aconteça, é fundamental que o professor esteja totalmente dedicado a prática pedagógica individual a ser oferecida a esta criança, ou seja, o professor deve ser o mediador do conhecimento através das linguagens próprias e peculiares das crianças com Asperger. Vygotsky (2000), em igualdade de pensamento com Orrú (2010),

A linguagem não é apenas o ato de comunicar, mas uma ferramenta do pensamento que encontra sua unidade com o próprio pensamento no significado das palavras. Assim, o trabalho com o significado traz consigo a realização do processo de generalização durante a busca da apropriação de conhecimentos por parte do aluno (VIGOTSKI, apud ORRÚ, 2010, p. 09).

O processo de escolarização de crianças portadoras da Síndrome

de Asperger é um grande desafio tanto para escola, como para o professor, contudo são as práticas pedagógicas diárias que farão desta criança um ser humano ético e integrado a sociedade. Muitas das estratégias de ensino

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para estudantes com autismo são aplicáveis para estudantes com SA. A literatura profissional frequentemente não distingue o autismo de elevada funcionalidade da síndrome de Asperger. Entretanto, é importante considerar as suas características particulares de aprendizagem, para fornecer apoio quando necessário, e construir sobre as suas competências. De acordo com o Dr. Carlos Lessa (2011), não existe um manual a direcionar a escola, porém existe forma de amenizar o reconhecimento. O que se segue identifica a dificuldade específica de aprendizagem:

Dificuldades com linguagem - tendência fazer comentários irrelevantes; - tendência a interromper; - tendência para falar em sobreposição ao discurso de outro; - dificuldade em compreender linguagem complexa, seguir direções, e compreender a intenção das expressões/palavras com significados múltiplos.

Pobreza na interação social - dificuldade em compreender as regras da interação social; - interpreta literalmente o que é dito; - dificuldade em ler as emoções dos outros; - dificuldade em compreender as regras sociais que “não estão escritas” e, quando as aprendem, pode aplicá-las demasiado rigidamente.

Escala restrita dos interesses - limite discussões e perguntas obsessivas.

Concentração pobre - frequentemente fora da tarefa; - distraído; - pode ser desorganizado; - dificuldade em manter a atenção; - pode ter dificuldade em lidar com as exigências sociais e emocionais da escola; - facilmente ansioso devido à sua inflexibilidade; - baixa auto-estima; - dificuldade em tolerar os próprios erros; - pode ser propenso à depressa; - pode ter reações da raiva e rompantes temperamentais.

De acordo com Lessa (2011, p. 35), não existe um milagre, porém podem existir atalhos na compreensão dos portadores de Asperger e isso se torna um facilitador para a escola e professores.

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2.3.2 Autismo

O autismo é o causador de muitos distúrbios nas interações

sociais:

[...] tais distúrbios podem ser observados já no início da vida; o contato "olho a olho" é anormal antes mesmo de completar o primeiro ano de vida, dentre outras características. Isso prova que não é uma tarefa muito difícil de identificar, entretanto muitos pais têm medo de descobrir que tem uma criança diferente e não buscam auxílio por receio do diagnóstico e, muitas vezes, quando buscam, os profissionais não estão capacitados para dar um diagnóstico preciso (VASQUEZ, 2011, p. 21).

A maioria das crianças autistas necessita da presença da família

durante toda a infância. E é nesse período que se afloram muitos sintomas e os responsáveis devem dispor do maior tempo possível e necessário na companhia dos autistas. Isso é fator predominante no vínculo que deve ser criado pelos pais, já que através dele nascerá um elo de confiança para que ocorra o desenvolvimento das etapas com sucesso. Muitas pessoas consideram o autismo como uma “doença familiar”, já que todos os membros da família devem estar ligados a criança na busca de soluções adequadas para o convívio. Muitas famílias necessitam de ajuda para a recomposição no processo de aceitação do autismo. De acordo com Manoel Learzentiz (2008)

A família não espera receber em seu seio uma criança totalmente avessa ao mundo exterior. A fase de adequação e aceitação é maior do que a fase de procura por ajuda. Pais e mães tendem a culparem-se pela existência dos filhos com autismo, buscando os “porquês” dos acontecimentos. Pais fragilizados necessitam ser auxiliados e ajudados nesta compreensão (LEARZENTIZ, 2008, p. 126).

As crianças autistas necessitam de assistência e supervisão de

adultos durante toda a sua infância. A presença constante dos pais é indispensável indispensáveis para o sucesso das etapas de desenvolvimento, que se encontram alteradas. O autismo por ser uma doença crônica deve ser considerado por todos como “a doença da família”. Estes pais sentem-se, muitas vezes, culpados e envergonhados pela doença do seu filho, portanto médicos, psicólogo ou o pedagogo da escola devem ter uma sensibilidade para apoiar estes pais que precisam de cuidados especializados para a criança autista nas instituições que os acolhem. Esses profissionais podem amenizar os sintomas de vergonha e culpa que geralmente acometem os pais destas crianças bem como fornece

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os aconselhamentos desde o início do distúrbio e na sua evolução, sendo incentivados a cuidarem da criança em casa, na maioria dos casos (MANTOAN, 1997, p. 13).

De acordo com estudos realizados por Hanakawa (2009),

[...] mães de crianças autistas revelaram maiores propensão a depressão na maioria das dimensões comparadas às mães de crianças com dificuldades de aprendizagem ou com desenvolvimento típico. [...] O impacto do fator estressor sobre a família pode ser aumentado se houver um acúmulo de exigências preexistentes ou simultâneas na unidade familiar (HANAKAWA, 2009, p. 85).

Boscheti (2010, p. 8), afirma que o suporte social é um valioso

recurso para o amortecimento do estresse nestas famílias. A troca de informações interpessoal provê um apoio emocional e um sentimento de pertença a uma rede social onde existe compreensão mútua. O autor complementa que os profissionais que atuam nesta área, podem trabalhar auxiliando estas famílias não só na avaliação dos fatores causadores de estresse quanto propondo recursos para solução ou amenização dos problemas.

Esse modelo pressupõe que as famílias podem ser auxiliadas a aceitarem a nova condição familiar através das relações externas com a comunidade. A avaliação das crenças familiares sobre seus relacionamentos com os membros da mesma família e também com a comunidade pode exercer um papel fundamental na diminuição ou aumento do estresse. Os pais geralmente apoiam-se em algumas leis incapazes de tratar todos os casos especificamente, no entanto, de acordo com Ferrari (2008), existem algumas dicas que podem facilitar a vivencia dos pais com crianças portadoras da síndrome como: viver de forma de forma positiva, sempre encorajando a desenvolver ao máximo das suas capacidades e sem subestimar o potencial da criança, mantenha o bom humor, não negligencie o cônjuge ou demais filhos, seja gentil e compreensivo consigo mesmo, entre outras.

A Educação tem um papel importantíssimo no desenvolvimento de qualquer criança. Como avaliado por Cool (1995, p. 26), a atividade educativa tem por objetivos gerais proporcionar o desenvolvimento máximo de habilidades e competências; garantir um equilíbrio pessoal; estabelecer relações significativas e até mesmo proporcionar um bem estar emocional. Isso tudo deve ser objetivo para a educação de todas as crianças, sejam elas normais ou autistas, como proposto neste trabalho. Apesar de estes objetivos educacionais serem para todos, os autistas necessitam de modelos especiais, já que eles apresentam fortes deficiências de comunicação, interação, linguagem e atenção:

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A incapacidade de desenvolver um relacionamento interpessoal se mostra na falta de resposta ao contato humano e no interesse pelas pessoas, associada a uma falha no desenvolvimento do comportamento normal, de ligação ou contato. Na infância, estas deficiências se manifestam por uma inadequação no modo de se aproximar, falta de contato visual e de resposta facial, indiferença ou aversão a afeto e contato físico (GAUDERER, 1985, p. 14).

É importante salientar que, para se educar um autista é preciso

também promover sua integração social e, neste ponto, a escola é, sem dúvida, o primeiro passo para que aconteça esta integração, sendo possível por meio dela a aquisição de conceitos importantes para o curso da vida e não apenas a transmissão do conhecimento científico, mas a formação cidadã. 2.3.3 Educação Inclusiva

De acordo com a Constituição Federal de 1988, cabe destacar o

artigo 205, que afirma que a educação é direito de todos, do Estado, da família e da sociedade. E o artigo 208, inciso III, que garante o atendimento educacional especializado aos deficientes, preferencialmente na rede regular de ensino, estabelecendo no artigo 227, inciso II a:

Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental; bem como a integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação (BRASIL, 1988).

A Educação é um direito de todos os cidadãos e deve estar

voltada à garantia do pleno desenvolvimento e fortalecimento da personalidade de todos, devendo sempre ser incentivada pois constitui-se como o caminho para construção e efetivação da cidadania:

Educação inclusiva, portanto, significa educar todas as crianças em um mesmo contexto escolar. A opção por este tipo de Educação não significa negar as dificuldades dos estudantes. Pelo contrário. Com a inclusão, as diferenças não são vistas como problemas, mas como diversidade. É essa variedade, a partir da realidade social, que pode ampliar a visão de mundo e desenvolver oportunidades de convivência a todas as crianças (ALONSO, 2010, p. 34).

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Atualmente, já se tornou uma realidade nas redes públicas de

ensino, alunos com necessidades especiais frequentarem a escola em salas de aula com inclusão. Isso é importante para que, “independentemente do tipo de deficiência e do grau de comprometimento, possam se desenvolver social e intelectualmente na classe regular” (PEREIRA, BENITE, 2011, p. 48).

De acordo com artigo publicado na Revista Brasil Escola, (Ed. 8, 2010), os professores enfrentam dificuldades não só em transmitir para esses alunos as disciplinas específicas em suas áreas de formação, mas falta também a capacitação necessária para tal.

A inclusão não deve ser apenas um desafio do professor, mas sim de toda a escola e da rede de ensino. Ainda seguindo o artigo acima mencionado, os autistas têm gestos e atitudes diferentes, e incluí-los dá trabalho, os educadores têm de entender o autismo, compreender que aquele aluno processa as informações de maneira diferente, tem resistência a mudanças, pode ser mais sensível ao barulho. Cada uma dessas especificidades exige adaptações na rotina, complementa. É preciso, então, criar uma rede de apoio em que o professor da turma regular, o profissional do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e o coordenador pedagógico atuem em conjunto. Há que se mobilizar, também, diretores, funcionários, pais e alunos, de modo a envolvê-los em um projeto de escola inclusiva, na qual as diferenças são respeitadas e utilizadas em prol da aprendizagem. 2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização deste trabalho possibilitou um esclarecimento maior

em relação a Síndrome de Asperger, ou seja, ainda é quase que um mistério para os educadores. Está fortemente ligada ao desenvolvimento cerebral da criança e com o autismo isso também ocorre. O fato é que a maioria das escolas não se encontram capacitadas para uma inclusão no real sentido da palavra. Existe toda uma tentativa de sucesso, porém, os professores ainda se encontram inaptos para certos tipos de casos. A realização deste trabalho garantiu de forma totalmente esclarecedora fatos que são diariamente acometidos da mais pura verdade. A realidade das crianças autistas e com síndrome de Asperger ainda pode ser considerada, de certa maneira, uma realidade distante de acontecimentos e propósitos firmes.

A Educação é transformadora e isso leva a crer que o espaço de direito legal dessas crianças no ensino regular necessita ser respeitado. A transmissão de conhecimento científico deve estar pautada nos profissionais capacitados para que tal fim e que seja obtido sucesso.

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Finalizo este trabalho com a esperança de ver futuros estudos

acerca do Autismo e da Síndrome de Asperger com professores executando trabalhos efetivos nas escolas amparados por cursos e profissionais experientes e capacitados, trazendo sentido e nova realidade à vida dessas crianças. O desejo é realmente vê-las inseridas num contexto de igualdade, com suas capacidades reconhecidas e que não exista no mundo preconceito pessoal e legal que venham a diminuir os direitos de cada uma dessas crianças, tão especiais, no sentido literal da palavra. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOSCHETTI, W. Asperger e o cérebro. Revista Saúde na Vida. Hospital Alberto Einstein, São Paulo. 4ª Ed. 2010.

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III

EDUCAÇÃO DO SÍNDROME DE DOWN: HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO

Maracelis Gezualdo* Euda Márcia Dias Paiva**

3.1 INTRODUÇÃO

Em se tratando de educação especial, a primeira dificuldade para se tratar do tema surge quando da sua delimitação. A abundância de artigos, livros, sites tratando do tema é imensa, assim como a variedade de problemas sobres o quais cada um deles apresenta considerações.

Indiferentemente do tipo de necessidade especial pelo qual o indivíduo seja afetado, há as mais diversas formas de limitação com os quais tem que lidar diariamente. Desde a entrada de círculos de amizade na infância até a inclusão no

* Graduada em Pedagogia, com especializações em Educação Infantil e Fundamental do 1º ao 9º ano, Psicopedagogia Institucional, Educação Especial, Panlexia e Neuropedagogia. Atua há 9 anos como diretora pedagógica do Centro Educacional Tuiuti, trabalhando com orientação e atendimento especializado. Cursa atualmente o mestrado em Gestão do Conhecimento pela Unicesumar. ** Possui graduação em Pedagogia - UDF Centro Universitário (1999). Bacharelado em Direito pela UNIEURO (2008); Advogada com registro na OAB/DF sob o n. de 29229. Pós-graduação em Psicopedagogia pela Universidade Candido Mendes (2003) Habilitação em Português pela FGF (2013), com programa especial de formação pedagógica. Atualmente é professora - Secretaria de Educação do Distrito Federal. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Tecnologia Educacional e, também na área Jurídica no ramo de direito familiar, cível, trabalho e previdenciário.

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mercado de trabalho na adolescência e vida adulta, esse indivíduo encontra entreves à sua completa inclusão social.

Aliado a esse problema aparece a falta de políticas pública eficazes para que se apresente aos portadores de necessidades especiais um modelo de sociedade em que todos tenham direitos iguais.

Ao longo da história, poderemos ver neste trabalho, houve um grande avanço na compreensão do problema e consequente busca de soluções de inclusão dos indivíduos que compõem esse público. No Mundo e no Brasil poderemos acompanhar como se dá esse processo, chegando ao que temos hoje no país para a atenção a essas pessoas.

Quanto aos portadores de necessidades especiais, nosso foco será o portador da Síndrome de Down. Traçaremos um histórico das origens da descoberta da doença, suas causas e origens e de que forma isso a afeta os portadores, assim como os aspectos físicos e biológicos que os caracterizam, tentando compreender o quanto sua qualidade especial pode afetar sua capacidade de aprendizado, assim como sua integração social.

Ao longo deste trabalho buscaremos compreender não somente a doença que afeta os portadores da Síndrome de Down, mas o universo que os cerca, especialmente as políticas públicas existentes para sua proteção e integração, assim como a legislação existente para que seus direitos fundamentais lhe sejam assegurados. 3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

O objetivo do presente capítulo é analisar a evolução história da forma como a sociedade trata o indivíduo portador de necessidades especiais, primeiramente no mundo e posteriormente no Brasil. Pudemos avaliar que a forma como é tratada a pessoa com deficiência é reflexo, sobretudo, da forma como se

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constitui a sociedade em suas relações sociais, econômicas e culturais, e o significado do deficiente diante desse contexto. 3.2.1 No mundo

Segundo a literatura especializada, há quatro fases de desenvolvimento do tratamento da pessoa com necessidades especiais, que enumeramos a seguir:

Para Pessotti (1984) antes da era cristã os indivíduos portadores de deficiências eram completamente negligenciados. Num momento histórico em que a forma física era exaltada as deficiências eram consideradas inaceitáveis, sendo muitas das vezes seus portadores perseguidos, abandonados e mesmo mortos por tal motivo, com completa legitimação por parte da sociedade. Segundo o mesmo autor, com o advento do cristianismo as formas do tratamento dado aos portadores de deficiência variavam conforme a visão que se tinha do problema. Em alguns casos os indivíduos eram tratados de forma caritativa por religiosos, em outros eram segregados por representaram uma forma de castigo para a família ou para a comunidade.

Mendes (1995) afirma que num outro momento, a partir do século XVIII, as pessoas portadoras de deficiência eram segregadas em instituições para serem protegidas, mas ainda não se trata de educação dos especiais.

Posteriormente, já no final do século XIX, começam a ser desenvolvidas escolas ou grupos separados em escolas públicas com a proposta de proporcionar educação às pessoas especiais. Nessa época, segundo Miranda (2003) o médico francês Jean Marc Itard a partir do estudo de um menino de 12 anos, conhecido como “o selvagem de Aveyron”, afirma que, mesmo com a deficiência mental, o indivíduo pode ser educado.

Baseado nos métodos desenvolvidos pelo médico francês, Edward Seguin, ainda segundo Miranda (2003), criou

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um método de desenvolvimento cerebral através de estímulos sensoriais e físicos. Para aplicar seus métodos, ele fundou uma escola para educação daqueles indivíduos.

Miranda (2003) cita ainda que, na esteira do médico Itard, outra educadora, Maria Montessori, desenvolveu um método pedagógico para crianças com deficiência mental, utilizando a manipulação de objetos concretos, tendo seu método sido utilizado em diversos países da Europa e da Ásia.

Somente num quarto estágio, segundo Mendes (1995), que se inicia por volta dos anos de 1970, busca-se a integração dos indivíduos com deficiência, da forma mais próxima possível, aos alunos da educação regular.

Os métodos desenvolvidos por esses três educadores foram amplamente utilizados no século XIX visando, sobretudo, através de modelos educacionais e pedagógicos, encontrar a cura da doença mental. 3.2.2 No Brasil

Segundo Ferreira (1989), por falta de informação sistematicamente organizada, analisar a história da educação de especiais no Brasil torna-se tarefa bastante difícil. Mesmo a forma como se desenvolveu a educação especial no Brasil difere da forma como se deu na Europa e nos Estados Unidos. Nesse sentindo, Dechichi (2001) diz que não é possível identificar os quatro estágios vistos naqueles países.

Miranda (2003) avalia que a fase da negligência, que ocorre nos demais países até o século XVII, no Brasil se estende até os meados do século XX, não havendo até então atendimento para tais indivíduos.

Para Mazzota (1996) a fundação do Instituto dos Meninos Cegos e do Instituto dos Surdos-Mudos, respectivamente em 1854 e 1857, no Rio de Janeiro, então capital imperial, apesar de sua precariedade em número de atendimentos, representou um grande avanço para

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atendimento aos deficientes, pois permitiu a existência de discussões e conscientização sobre sua educação.

Miranda (2003) diz que a história da educação especial se caracterizou por ações esporádicas voltadas ao atendimento de deficientes visuais e auditivas, em menor grau as deficiências físicas. Quando às deficiências mentais nada foi feito, sequer discussões.

É importante salientar o que diz Jannuzzi (1992) quanto aos rótulos dados pela sociedade ao denominado deficiente mental. Segundo o autor, alunos indisciplinados, com dificuldade de aprendizado, abandonados pela família, assim como aqueles que de fatos possuíam problemas mentais graves eram considerados deficientes, por não cumprirem as expectativas para alguém normal. Cabe salientar que Mendes (1995, apud MIRANDA, 2003), avalia que no Brasil “[...] a deficiência mental não era considerada como uma ameaça social nem como uma degenerescência da espécie. Ela era atribuída aos infortúnios ambientais, apesar da crença numa concepção organicista e patológica”.

Januzzi afirma que, apesar das reformas e investimento na educação nas décadas de 1930 e 1940, visando a expansão do ensino fundamental, assim como a Fundação da Universidade de São Paulo (USP), nada acrescentaram em relação à educação das pessoas com deficiência. Não havia no Brasil sequer a preocupação em identificá-los e classificá-los, enquanto em outros países já avançava a criação de escolas especiais ou classes especiais em escolas regulares. Miranda (2003, p. 4) diz que:

No panorama mundial, a década de 50 foi marcada por discussões sobre os objetivos e qualidade dos serviços educacionais especiais. Enquanto isso, no Brasil acontecia uma rápida expansão das classes e escolas especiais nas escolas públicas e de escolas especiais comunitárias privadas e sem fins lucrativos. O número de

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estabelecimentos de ensino especial aumentou entre 1950 e 1959, sendo que a maioria destes eram públicos em escolas regulares.

Mendes (1995) descreve que em 1945 foi criada a

Sociedade Pestalozzi do Brasil e em 1954 a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Em 1962 a APAE já conta com 16 instituições, número também atingido pela Pestalozzi em 1967. Em 1963 ocorreu o primeiro congresso nacional das APAES.

Miranda (2003) observa que a expansão de instituições se dá no setor privado e filantrópico, não havendo ainda uma atenção do Estado a tais necessidades. Segundo a mesma autora, somente em 1957 que o governo federal assumiu formalmente o atendimento aos indivíduos com deficiência, criando campanhas para tal finalidade, tais como a “Campanha para Educação do Surdo Brasileiro” e a “Campanha Nacional de Educação e Reabilitação do Deficiente de Visão”, respectivamente lançadas em 1957 e 1958.

Em 1960, segundo Mazzota (1996), foi lançada a “Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais” (CADEME), que pretendia promover por todo o país a “[...] educação, treinamento, reabilitação e assistência educacional das crianças retardadas e outros deficientes mentais de qualquer idade ou sexo” (p. 52).

Miranda (2003) escreve que na década de 1960 ocorreu a maior expansão da história do Brasil na educação especial, sendo que em 1969 já havia mais 800 estabelecimentos de ensino para deficientes mentais.

Na década de 1970, segundo a mesma autora, enquanto nos países desenvolvidos era discutira a inserção dos deficientes mentais na sociedade, no Brasil é criado Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), visando

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elaboração de políticas públicas e planejamento para a institucionalização da educação especial.

Nos anos de 1980 o Brasil passa por um período de agitação política, de manifestações nas ruas em defesa da democracia, culminando com o fim do regime ditatorial e eleição livre para presidente. Ao final da década, é promulgada a Constituição Federal de 1988 que, segundo Miranda (2003)

[...] seu artigo 208, estabelece a integração escolar enquanto preceito constitucional, preconizando o atendimento aos indivíduos que apresentam deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (p. 5).

Bueno (1994, apud Miranda, 2003) afirma que “[...] é

mínimo o acesso à escola de pessoas que apresentam deficiência mental, com o agravante de esse acesso servir mais a legitimação da marginalidade social do que à ampliação das oportunidades educacionais para essa população” (p5).

Em 1996 é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, trazendo em seu conteúdo significativos avanços. Dentre eles salientamos alguns:

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular. § 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.

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III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.

Apesar de estar muito aquém do que se considera um

atendimento educacional adequado, com formas apropriadas de educação e inserção social, ficou evidente neste breve histórico os avanços alcançados pelo Brasil neste período. Apesar do atraso histórico quando comparado aos países mais avançados, aqui também houve medidas para buscar a integração e atendimento ao portador de deficiência.

Se há pouco mais de um século esses indivíduos eram ignorados quase que completamente, hoje é patente a preocupação, não somente governamental, mas também da sociedade civil, em considerar a necessidade especial não como uma característica limitadora ou restritiva. Além disso, governo e sociedade têm cada vez mais trabalhado em prol da integração social desses indivíduos, permitindo que tenham direitos assegurados e possam, cada vez mais, ter acesso às mesmas condições de vida que a média da população.

3.2.3 No Paraná

No Paraná, a primeira instituição voltada para o

atendimento a pessoas portadoras de necessidades especiais

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foi o Instituto Paranaense de Cegos, fundado em 1939, acompanhando o movimento que se manifestava em todo o Brasil, conforme já visto.

A partir dos anos de 1950, surgem outras instituições voltadas para pessoas especiais, sendo que em 1953 sete estavam registradas na Secretaria Estadual de Educação, das quais cinco estavam na capital e duas no interior, na cidade de Londrina.

Em 1963 foi instituído pela Secretaria de Educação o serviço de educação para excepcionais, então contemplado pela primeira vez na educação relativa à educação.

Na década de 1970, a Secretaria de Educação do estado é reestruturada e a educação especial fica sob responsabilidade do Departamento de Educação Especial sendo dividida em subáreas que visam contemplar todas as áreas de necessidades especiais, a saber: Educação de Deficiência Auditiva, de Deficiência Física, de Deficiência Mental, de Deficiência Visual, altas habilidades e condutas típicas e Apoio à Profissionalização.

Atualmente o Paraná é um dos estados com maior número de escolas voltadas para a educação especial, sendo que a maioria delas são Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAES), responsáveis por diversos avanços na metodologia de ensino e formas de inclusão de alunos portadores de necessidades especiais. 3.3 SINDROME DE DOWN

Através de observações realizadas em 1866, John Langdon notou que havia características muito similares na fisionomia de certar crianças com atraso mental. O termo utilizado para denominá-los foi “mongóis”, por ser aquele grupo considerado “inferior”.

Segundo Leite (s/d) as células de um indivíduo comum são formadas por 23 pares (23 do pai e 23 da mãe),

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somando 46 cromossomos. Jérôme Lejeune, em 1958, constatou que no caso dos portadores da Síndrome de Down, há um erro nessa distribuição, resultando em indivíduos com células de 47 cromossomos. Esse último cromossomo se liga ao par de número 21.

Ainda segundo Leite (s/d) surgiu, então o termo Trissomia do 21 que é o resultado da não disjunção primária, que pode ocorrer em ambas as divisões meióticas e em ambos os pais. O que se identificou é que não célula não ocorre um pareamento dos cromossomos da forma devida para os polos, de forma que um dos gametas receberá dois cromossomos 21 e o outro nenhum. Em homenagem às observações de John Langdon, Lejeune denominou o problema como Síndrome de Down.

Ainda segundo Leite (s/d) registros de antropólogos dão conta de que o caso mais antigo da síndrome foi verificado num crânio saxônico, do século VII, em que foram verificadas modificações estruturais características das crianças portadoras da Síndrome de Down. Apesar de se ter registro da síndrome já em 3000 AC, através de estatuetas da cultura Olmeca, nenhum documento bem fundamentado sobre portadores da Síndrome de Down foi publicado antes doséculo XIX.

3.3.1 Trissonoma 21

Leite (s/d) destaca que a Síndrome de Down há três

anomalias cromossômicas, que citamos, devido à linguagem técnica, citamos diretamente do artigo:

1. Trissomia simples (padrão): a pessoa possui 47

cromossomos em todas as células (ocorre em 95% dos casos de Síndrome de Down). A causa da trissomia simples do cromossomo 21 é a não disjunção cromossômica.

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2. Translocação: o cromossomo extra do par 21 fica

"grudado" em outro cromossomo. Nese caso embora indivíduo tenha 46 cromossomos, ele é portador da Síndrome de Down (cerca de 3% dos casos de Síndrome de Down). Os casos de mosaicismo podem originar-se da não disjunção mitótica nas primeiras divisões de um zigoto normal.

3. Mosaico: a alteração genética compromete apenas parte das células, ou seja, algumas células têm 47 e outras 46 cromossomos (ocorre em cerca de 2% dos casos de Síndrome de Down). Os casos de mosaicismo podem originar-se da não disjunção mitótica nas primeiras divisões de um zigoto normal.

O autor ainda salienta que no caso da translocação

convém que os pais façam o exame genético, pois são grandes as chances de terem outro filho com a Síndrome de Down. Outro fator que se relaciona com a Síndrome de Down é a idade da mãe, conforme descrito no gráfico abaixo:

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Gráfico 1 - Relação entre a idade da mãe e incidência da Síndrome de Down. Fonte: APNEM de Nova Odessa-SP.

Através da análise do gráfico podemos visualizar claramente a relação diretamente proporcional entre a idade da mão e a incidência da Síndrome, sendo que quando mais avançada a idade, maior o índice de incidência.

Abaixo apresentamos o cariótipo, ou o conjunto de cromossomos de uma célula de uma pessoa normal e de um portador da Síndrome de Down.

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Figura 1 - Cariótipo de pessoa normal. Fonte: Leite s/d

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Figura 2 - Cariótipo de pessoa portadora de Síndrome de Down. Fonte: Leite s/d

Pode-se observar que claramente a presença de 46 cromossomos no cariótipo da pessoa normal e 47 cromossomos no cariótipo do portador da Síndrome, o que vem a causar o distúrbio. 3.3.2 Características físicas

Leite (s/d) descreve algumas características físicas que ajudam a descobrir se a criança é portadora da Síndrome de Down, que apresentamos com as respectivas figuras:

Cabeça: a cabeça do portador da Síndrome é um pouco maior que o normal, com a parte posterior levemente

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achatada, dando a forma arredondada. O cabelo é liso e fino, podendo haver queda parcial ou mesmo queda total dos cabelos.

Rosto: devido aos ossos faciais pouco desenvolvidos, o rosto tem um contorno achatado e nariz pequeno.

Olhos: os olhos têm uma inclinação lateral para cima e a pálpebra superior desloca-se para dentro, assemelhando-se aos olhos dos orientais.

Figura 3 - Respectivamente: olhos do portador de Down, olhos de um indivíduo asiático e olho de um indivíduo não asiático. Fonte: Leite s/d

Orelhas: a orelhas são menores que de as de uma

pessoa normal e muitas vezes sua parte superior é dobrada: Apenas para ilustrar de forma mais clara,

apresentamos abaixo o rosto de um jovem não portador da Síndrome, para comparação do formato da orelha.

Boca: geralmente a boca do portador da Síndrome é pequena, que faz com que muitas vezes seja mantida aberta e com a língua projetando-se para fora. O céu da boca é mais estreito que da criança comum e a dentição apresenta formato diferente, com ausência de alguns dentes e alguns dentes com formato diferente.

Mão e pés: tendem a ser menores que o normal e mais grossos que das crianças normais. Os dedos dos pés geralmente são curtos e o quinto dedo curvado para dentro. Há também a ausência da falange no dedo mínimo. Além

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disso, as mãos apresentam uma prega única, ou prega simiesca. As imagens de um portador da Síndrome e um não portador podem ser comparadas abaixo, evidenciando-se as características de casa um deles.

Figura 4 - Palma da mão de um portador da Síndrome de Down. Fonte: Leite.

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Figura 5 - Palma da mão de um indivíduo não portador da Síndrome de Down. Fonte: Site Papiloscopia.

Figura 6 - Pés de portador da Síndrome de Down. Fonte: Clinica de Cirurgia dos Pés.

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Figura 7 - Pé de indivíduo não portador da Síndrome de Down. Fonte: Portal R7

Genitais: os meninos apresentam pênis pequeno e

criptorquidismo, ou seja, os testículos não se encontram na bolsa escrotal, enquanto as meninas apresentam lábios e clitóris pouco desenvolvidos. Indivíduos do sexo masculino são estéreis, mas as mulheres ovulam, porém em períodos irregulares.

Pode-se notar também na imagem acima, que o abdome é saliente e o tecido adiposo abundante, característico do portador da Síndrome.

Cabe salientar aqui que as características descritas acima não se apresentam da mesma forma em todos os portadores da Síndrome de Down. Em alguns elas podem se evidentes e em outros aparecem de forma pouco manifesta, muitas vezes pouco se diferenciando do indivíduo não portador da Síndrome.

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3.4 METODOLOGIA

Numa primeira etapa faremos discussões para definir a área específica da educação especial que será trabalhada nesta monografia. Tentaremos focar naquela que for mais próxima da realidade, para que este trabalho sirva não somente para nosso aprendizado, mas para aplicação prática e melhoria na atenção do grupo estudado.

Posteriormente faremos um levantamento bibliográfico do assunto tratado, buscando informações não somente em autores que podem ser considerados clássicos, mas também em trabalhos atuais que tratam do assunto e buscam compreender o problema no contexto atual. Buscaremos também informações em revistas, jornais, sites e blogs que tratem do assunto, considerando importante a contribuição não acadêmica para a compreensão do tema.

A seguir faremos compilação das informações de forma sistemática, buscando compreender suas origens históricas, o processo de inclusão no Mundo e no Brasil e a forma como o assunto é tratado nos dias atuais e, mais importante, como se dá o processo educacional dos especiais em nosso país atualmente. 3.5 INCLUSÃO

Sempre que se trata de inclusão, seja de portadores de deficiência, minorias ou qualquer outro grupo que sobra discriminação, o caminho indispensável para sua efetiva efetivação é através de políticas públicas que permitam dar àqueles indivíduos condições de serem tratados de forma similar aos demais cidadãos.

Faria Lins (2009), afirma que apesar de seu avanço nas últimas décadas, as políticas públicas de inclusão ainda são precárias, não tanto no seu planejamento, mas no que tange à sua efetivação. Diz ela que o grande problema das políticas

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públicas hoje em dia é assegurar a proteção dos indivíduos contra qualquer forma de discriminação.

Para compreender o que pode ser considerado discriminação, a autora cita a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência fora promulgada pelo Decreto Nº3.956, de oito deoutubro de 2001, art. 1º:

[...] o termo “discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência” significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais. [...] Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado Parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá discriminação.

Ainda segundo Faria Lins (2009), todos os estados signatários da convenção devem empenhar todos os esforços para que os indivíduos portadores de deficiência não sofram discriminação e sejam plenamente integrados à sociedade.

A partir desse acordo, depreende-se que sendo as políticas públicas ineficientes, para sanar tais problemas pode haver intervenção dos demais signatários.

Bobbio (2004, apud FARIA LINS, 2009) diz que sem proteção aos direitos dos homens não há democracia. Os

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direitos sociais exigem uma atuação efetiva do Estado, ou não serão aplicados.

Gomes (2004) diz que ao longo da história, os portadores de deficiência tiveram seu papel transformado gradualmente, de forma que as suas demandas antes ignoradas passaram a ser considerados direitos, mas sem garantia alguma por parte do estado de sua proteção social plena.

Nesse sentido, Bobbio (2004, p. 23), afirma:

Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, independentemente do maior ou menor poder de convicção de seu fundamento absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja inquestionável, começam as reservas e as oposições. O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.

Vê-se pelas afirmações acima que teoricamente muito

se produz e decide sobre a inclusão, mas as políticas que a devem tornar efetiva ainda são ineficientes ou mesmo inexistentes. Inevitavelmente, as políticas de inclusão perpassam as políticas educacionais, conforme veremos no capítulo seguinte.

Nesse sentido é importante a análise de Carvalho (2003, p. 33), em que afirma:

A situação administrativa dos órgãos gestores da educação especial, nas diversas Secretarias de Educação é outra barreira no contexto das macro relações. Varia muito nas Unidades Federadas, com implicações diretas sobre a organização do atendimento educacional. Apesar de no MEC a educação especial constar de sua estrutura orgânica como Secretaria, em igualdade administrativa com as demais, responsáveis pelos graus de ensino, essa equivalência não é, necessariamente, imitada pelas

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secretarias estaduais e municipais de educação. Nestas, além de equipes mínimas (às vezes 3 ou 4 pessoas), a educação especial não tem o mesmo nível hierárquico conferido ao ensino fundamental, médio ou superior. Por quê?

3.5.1 Educação inclusiva

Um dos problemas que vem à tona quando se trata de

educação inclusiva é levando por Prieto (2002, p. 13), que afirma que:

[...] para organizar propostas de intervenção no sistema de ensino para este sentido, devem ser colhidas informações caracterizando a população escolar e a que não teve acesso à escola, a estrutura e as condições de funcionamento da rede e a situação dos profissionais. Conhecendo profundamente cada um desses elementos, poderão ser traçadas as reais necessidades desse sistema para que então possa partir à ação.

Veiga-Neto (2005), por sua vez, afirma que as políticas de inclusão não passam de uma forma sutil de exclusão, ao dizer:

O que quero salientar é o fato de que existe uma tensão muito interessante, muito sutil, em que os processos de inclusão, os processos de aproximação do outro — e o outro, aqui, significa aquele que não sou eu —, são processos que me levam a (re)conhecer esse outro e, ao se dar tal (re)conhecimento, eu o mantenho sempre como o outro, como algo ou alguém diferente de mim mesmo, que jamais será eu mesmo [...] Ainda que se possa dizer que, nesse caso, não se trata de uma exclusão social, mas sim de uma exclusão num outro nível, no nível do sujeito - ou, talvez melhor, da subjetivação dos indivíduos —, não se pode negar que se trata de uma exclusão.

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Em se tratando da ineficiência da efetivação de políticas públicas de inclusão, a legislação brasileira fornece vasto material. Exemplo disso é a Lei 7.853/1989, que no seu artigo 2º reza:

Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo a infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico. Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência e finalidade. aos assuntos objeto desta Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas: I - na área da educação: a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios; b) a inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e públicas; c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimentos públicos de ensino; d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar e escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência; e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo;

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f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino;

O não cumprimento das suas obrigações por parte da instituição de ensino resulta no que prevê seu artigo 8º:

Art. 8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa: I - recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta; II - obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a cargo público, por motivos derivados de sua deficiência; III - negar, sem junta causa, a alguém, por motivos derivados de sua deficiência, emprego ou trabalho; IV - recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial, quando possível, a pessoa portadora de deficiência; V - deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedido na ação civil a que alude esta Lei; VI - recusar, retardar ou omitir dados técnicos e indispensáveis à propositura da ação civil objeto desta Lei, quando requisitados pelo Ministério Público.

Segundo Faria Lins (2009) apesar da previsão do

provimento de vagas, assim com a punição pelo não cumprimento da lei, as inúmeras interpretações possíveis, assim como a falta de condições dos estabelecimentos de ensino resultam no não cumprimento do que é determinado, assim como a não punição. Inúmeros subterfúgios são apresentados para justificar a não aceitação e não inclusão dos indivíduos portadores de deficiência e a morosidade da lei

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permitem que o problema se arraste por anos sem solução. Em escolas que sequer os alunos regulares têm condições adequadas de aprendizado, o argumento para a não inclusão se fortalece.

Outras normas importantes em relação à educação de especiais são apresentadas pelo Plano Nacional de Educação (PNE), regulamentado pela Lei 10.172/2001, que estabelece objetivos serem cumpridos em relação à educação especial, dos quais podemos destacar:

1. Organizar, em todos os Municípios e em parceria com as áreas de saúde e assistência, programas destinados a ampliar a oferta da estimulação precoce (interação educativa adequada) para as crianças com necessidades educacionais especiais, em instituições especializadas ou regulares de educação infantil, especialmente creches. 2. Generalizar, em cinco anos, como parte dos programas de formação em serviço, a oferta de cursos sobre o atendimento básico a educandos especiais, para os professores em exercício na educação infantil e no ensino fundamental, utilizando inclusive a TV Escola e outros programas de educação a distância. 3. Garantir a generalização, em cinco anos, da aplicação de testes de acuidade visual e auditiva em todas as instituições de educação infantil e do ensino fundamental, em parceria com a área de saúde, de forma a detectar problemas e oferecer apoio adequado às crianças especiais. 4. Nos primeiros cinco anos de vigência deste plano, redimensionar conforme as necessidades da clientela, incrementando, se necessário, as classes especiais, salas de recursos e outras alternativas pedagógicas recomendadas, de forma a favorecer e apoiar a integração dos educandos com necessidades especiais em classes comuns, fornecendo-lhes o apoio adicional de que precisam. 5. Generalizar, em dez anos, o atendimento dos alunos com necessidades especiais na educação infantil e no ensino fundamental, inclusive através de consórcios entre

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Municípios, quando necessário, provendo, nestes casos, o transporte escolar. 6. Implantar, em até quatro anos, em cada unidade da Federação, em parceria com as áreas de saúde, assistência social, trabalho e com as organizações da sociedade civil, pelo menos um centro especializado, destinado ao atendimento de pessoas com severa dificuldade de desenvolvimento.

Ainda em 2001, segundo Faria Lins (2009), foram instituídas as Diretrizes para Educação Especial que prevê que atendimento a portadores de necessidades especiais é um desafio que deve ser superado pelo sistema educacional. A mesma autora diz que por sua função social privilegiada, o projeto pedagógico deve prever políticas de inclusão em que tomem parte todos os atores envolvidos. Observa ela que desde sua instituição, a educação especial ocorre de forma paralela à regular, decorrendo disso projetos desarticulados que promovem, de forma mascarada, a exclusão dos portadores de deficiência. 3.5.2 Declaração de Salamanca

Em 1994, líderes de vários países sem reuniram na

cidade de Salamanca, na Espanha, para a realização da Conferência Mundial Sobre Educação Especial, cujo objetivo era elaborar diretrizes para a formulação de e reformulação de políticas e sistemas de educação, visando a efetiva inclusão de portadores de necessidades especiais.

Para Faria Lins (2009):

A Declaração de Salamanca de 1994 é um marco na história da inclusão de crianças com necessidades especiais no ensino regular. A sua implementação tem sido bastante discutida em eventos científicos e tem sido objeto de pesquisas. O entendimento dos seus pressupostos políticos

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filosóficos, bem como o estudo de formas de implantação de suas diretrizes, ajudará a pôr a iniciativa da inclusão em prática (p.43).

O documento é considerado uma das principais

referências mundiais sobre inclusão, sendo resultado dos movimentos de educação inclusiva, de direitos humanos e de lutas antimanicomiais das décadas de 1960 e 1970.

Segundo Menezes (2002):

A Declaração de Salamanca ampliou o conceito de necessidades educacionais especiais, incluindo todas as crianças que não estejam conseguindo se beneficiar com a escola,seja por que motivo for. Assim, a ideia de "necessidades educacionais especiais" passou a incluir, além das crianças portadoras de deficiências, aquelas que estejam experimentando dificuldades temporárias ou permanentes na escola, as que estejam repetindo continuamente os anos escolares, as que sejam forçadas a trabalhar, as que vivem nas ruas, as que moram distantes de quaisquer escolas, as que vivem em condições de extrema pobreza ou que sejam desnutridas, as que sejam vítimas de guerra ou conflitos armados, as que sofrem de abusos contínuos físicos, emocionais e sexuais, ou as que simplesmente estão fora da escola, por qualquer motivo que seja.

E mais adiante o mesmo autor diz:

Uma das implicações educacionais orientadas a partir da Declaração de Salamanca refere-se à inclusão na educação. Segundo o documento, “o princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes

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de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de currículo apropriado, modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parceiras com a comunidade (...). Dentro das escolas inclusivas, as crianças com necessidades educacionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação efetiva [...]”.

Obviamente a proposta implica em uma reavaliação

do sistema educacional e na quase completa reformulação do modelo de ensino instituído no Brasil. Apesar de haver reconhecimento da necessidade de implementação de tais medidas, objetivamente muito pouco tem sido feito para a real inclusão.

3.6 INCLUSÃO DO SÍNDROME DE DOWN

Segundo Voivodic (2007), o principal fator limitador do portador da Síndrome de Down é a deficiência mental, que se apresenta também como principal motivo de preconceito e dificuldade de inclusão social e na escola. Basicamente, o portador da síndrome apresenta dificuldade moderada para adquirir certas habilidades, que em outras crianças surgem naturalmente. Segundo Faria Lins (2009, p. 49):

Os mitos gerados ao redor das pessoas com Síndrome de Down impedem a sociedade de ver quem elas são, bem como suas qualidades e potencialidades. Na realidade, a sociedade tende a generalizar as minorias, como se o grupo ao qual ela pertence a definisse. Deve-se ter em mente que as pessoas com Síndrome de Down, como quaisquer outras pessoas, são diferentes entre elas; o comportamento é diferente, bem como o desenvolvimento da inteligência.

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Na verdade, segundo Voivodic (2007) o

desenvolvimento da criança não depende apenas de sua genética, mas dos estímulos que recebe ao longo de sua formação, assim com sua relação como o meio. Por sua vez, Vygotsky (1989), ao considerar sobre a importância do meio social para o aprendizado de crianças com deficiência mental, escreve que as funções do intelecto não são afetadas da mesma forma e proporção por todas as crianças com determinado retardo mental. O autor afirma que funções desenvolvidas em diferentes níveis podem se compensar e repercutir umas nas outras. Ele ainda afirma que o desenvolvimento de crianças portadoras e não portadoras de necessidades especiais se dá sob as mesmas leis, mas as condições e o meio social desfavorecem o portador da deficiência, agravando seu problema e aumentando ainda mais a diferença entre ambos.

Kleinhans (2006, apud Faria Lins, 2009) afirma que devido à deficiência mental o portador da Síndrome de Down apresentará atraso no seu desenvolvimento, inclusive na sua capacidade de compreender a realidade que o envolve, exatamente por sua limitação, inclusive física em compreendê-la.

Voivodic (2007, p. 43, apud Faria Lins [2009, p. 51]), afirma:

[...] usam comportamentos repetitivos e estereotipados, mantendo-os mesmo que se mostrem inúteis; seu comportamento exploratório é impulsivo e desorganizado, dificultando um conhecimento consistente do ambiente, sendo que a exploração dura menos tempo.

Faria Lins (2009) diz que se a criança não possuir lesões graves, a correta estimulação permitirá o desenvolvimento da linguagem de forma apropriada.

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Segundo Mantoan (2008, p.28, apud Faria Lins [2009,

p. 52]):

A fala, a expressão gráfica e gestual, o faz-de-conta e outras manifestações da capacidade de representação podem aparecer tardiamente e/ou muito rudimentares nessas pessoas. [...] A organização espaço-temporal de um dado acontecimento vivido pelo deficiente real, quando projetada no pensamento não consegue se estruturar senão a partir de ideias fragmentadas e desordenadas, correspondendo às qualidades das ações e percepções anteriores.

Ainda segundo Mantoan (2000, p. 57, apud Faria Lins

[2009, p. 54]), sobre a capacidade cognitiva dos portadores da Síndrome de Down, podemos ler:

O que tem sido verificado pelos pesquisadores piagetianos que se dedicam como nós ao estudo da construção das estruturas do conhecimento nos deficientes mentais é que estas pessoas conseguem evoluir, manter estáveis suas aquisições intelectuais, assim como generalizá-las para uma gama considerável de atividades.

E mais adiante (2000, p. 62, apud Faria Lins [2009, p.

54]):

A que se refere à solicitação do desenvolvimento das estruturas mentais e a que propicia uma melhoria de condições de funcionamento intelectual. Tem-se, portanto, de assegurar ao sujeito cognitivamente prejudicado uma ação concomitante de apoio e estimulação da construção de seus instrumentos intelectuais (estruturação mental) e de utilização mais ampla, adequada e eficiente dos mesmos na resolução de situações-problemas (funcionamento intelectual).

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3.6.1 Processo de inclusão na escola

Hoje em dia, quando se fala de educação especial já não se trata apenas das escolas de educação especial, mas do atendimento especial dispensado a essas crianças dentro do sistema convencional de ensino.

Segundo Fávero (2008), no Brasil, na prática, há duas formas de atendimento aos estudantes com deficiência: nas escolas especiais, voltadas especificamente para eles, que não frequentam a escola convencional e nas escolas de ensino regular onde sua educação é complementada com atendimento especializado. Para a autora, apenas o segundo modelo se apresenta como forma de educação inclusiva.

Corroborando esse pensamento, Faria Lins (2009) afirma que estudos práticos realizados nos Estados Unidos relatam que quando acompanhadas de forma adequada, os estudantes com diferentes níveis de deficiência mental apresentam considerável melhora no aprendizado num ambiente integrado.

Para que isso de fato ocorra, deve haver uma política de Estado que crie condições para que escola e educadores tenham condições de por em pratica tais metodologias de ensino.

Nesse sentido, Santos (2006), afirma que: O professor deve perceber o seu papel político enquanto educador, e as práticas buscadas em prol da inclusão não podem simplesmente advir de suas próprias convicções, mas sim com perspectivas da construção de sujeitos conscientes social, política e culturalmente. (p.24)

Ainda quanto ao papel fundamental do professor o

processo de inclusão, Salgado (2006) afirma:

[...] defendemos a ideia de que o papel ativo dos professores é um dos elementos principais para que o

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processo de inclusão em educação realmente ocorra. Este profissional, enquanto sujeito em permanente construção, forma suas subjetividades e seus modos de atuação pedagógica em plena interação, em vários momentos e ao longo dos diversos processos de constituição de si próprio, ao longo de sua história de vida (p. 60).

Por outro lado, os motivos alegados por professores

e diretores de escola para o não atendimento de portadores de deficiência nas escolas é infundado, sobre o qual Prieto (2006), comenta:

O ensino escolar comum e o despreparo dos professores, por sua vez, não podem continuar sendo justificativas dos que querem escapar da inclusão escolar pelos mais diferentes motivos. De fato, esse despreparo dos professores e das escolas tranquiliza e é o argumento favorito de muitos pais de crianças e jovens com deficiência, que acharam uma boa saída para fugir da inclusão. Felizmente nem todos são tão ingênuos a ponto de ‘engolir’ essa argumentação. Surpreende-me que ela ainda esteja sendo utilizada! (p. 29).

Ora, se a finalidade da escola, como discutido

anteriormente é proporcionar a educação inclusiva, ela deve buscar, através dos recursos disponíveis, dar diferentes respostas para as diferentes necessidades apresentadas pelos alunos. Segundo Miranda (2000), a nova visão propõe, ao invés de classificar o aluno conforme seu déficit, adaptar a escolas para atender as necessidades de seus alunos, sendo o aluno o foco e não o sistema. Segundo o mesmo autor (2000, p. 66):

É necessário saber não só o que o aluno é capaz de fazer, mas, também, como o faz, isto é, as características individuais com que o aluno responde às tarefas escolares. Isto porque a aprendizagem tem um componente tanto

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cognitivo quanto emocional, e por isso é preciso saber sua própria perspectiva diante da aprendizagem, o sentido que dá ao que se ensina, sua maneira de enfrentar e responder aos conteúdos e tarefas escolares, suas preferências e motivações, seu ritmo de aprendizagem.

Além disso, para que seja possível a inclusão, é

necessário o envolvimento e comprometimento de todas as pessoas relacionadas de forma direta e mesmo indireta à criança especial. Compreende-se que a ação isolada do professor não é suficiente para o processo inclusive. Pode-se dizer que “A ação pedagógica é, sempre, uma ação coletiva, apesar da solidão que muitas vezes ocorre quando o pensar e o fazer do professor não dão conta dos muitos problemas que enfrenta” (SALGADO, 2006, p. 7, apud FARIA LINS, 2009, p. 62).

3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho pudemos compreender o processo histórico através do qual os portadores de necessidade especiais passaram a ser considerados indivíduos detentores de direitos como os demais e determinadores de suas próprias histórias.

Como qualquer processo histórico, ele é longo, conflituoso e milhares de indivíduos tiveram de colaborar para que alcançasse o estágio atual.

Se no período pré-cristão esses indivíduos não podiam fazer parte da sociedade, com o advento e avanço do cristianismo, ainda que timidamente, começa a haver um tratamento caritativo para com eses indivíduos. Ainda que distante do ideal, esse passo foi essencial, pois ao menos suas vidas passam a ser preservadas e lhes são dispensados alguns cuidados especiais.

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A partir do século XVII, na Europa, eles passam a ser

atendidos por escolas especiais, onde havia atenção a esses indivíduos portadores de deficiência, sem haver ainda a educação especial.

A partir do século XIX, ainda na Europa, incia-se o processo de educação de deficientes, havendo nesse período importantes estudos de pensadores como Itard e Montessori, que compreenderam que os indivíduos portadores de deficiência tinham capacidade de ser educados.

Como nas mais diversas áreas, o Brasil sempre esteve passos atrás dos países europeus e dos Estados Unidos. Enquando naqueles países já de discutia a inclusão em escolas comuns, o Brasil ainda tentava criar escolas especiais para essas pessoas.

Pudemos avaliar que antes criar políticas de inclusão, devemos compreender do que se trata a deficiência que afeta o indivíduo. No caso do portador da Síndrome de Down, trata-se de uma falha na distribuição de cromossomos que afeta o desenvolvimento físico e mental do indivíduo.

As características da Síndrome de Down afetam de forma e graus diferentes os indivíduos que a possuem, podendo ser mais acentuadas em uns que outros nos aspectos físicos e mentais. Dentro desse público encontramos pessoas que são bastante afetadas, enquanto outras pouco diferem de um indivíduo normal.

O elemento que pode aproximar ainda mais esses indivíduos das demais pessoas é a educação. Como dito anteriormente, de acordo as peculiaridades da síndrome que o afeta, os indivíduos especiais têm capacidade de aprendizado, sendo esse processo essencial para seu pleno desenvolvimento.

No Brasil, de acordo com a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes de Base e o Plano Nacional de Educação, os indivíduos portadores de necessidades especiais devem ser

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não somente incluídos na educação, mas também integrados ao processo educacional juntamente com os demais.

Por um lado, compreendemos a dificuldade que podem apresentar as escolas para a atenção a um aluno especial num ambiente de trabalho onde sequer se dá a devida atenção ao aluno normal, mas é preciso compreender que a própria participação dos alunos especial numa sala normal já lhe dá estímulos para desenvolvimento. Além disso, os alunos normais começam a entender que as diferenças que lhes pareciam enormes quando vistas de longe, quando vistas no ambiente de classe tornam o aluno especial mais próximo de seu meio.

Finalmente, nossa avaliação é que mais que uma atuação do Estado para inclusão desses indivíduos, é essencial uma atuação de cada indivíduo para o rompimento de barreira e preconceitos que afetam a inclusão dos portadores de necessidades especiais que, como qualquer outro indivíduo, podem participar ativamente da sociedade e contribuir plenamente com suas habilidades para melhoria de vida não somente dele e de outros portadores de necessidades especiais, mas de todos os indivíduos. REFERÊNCIAS BLOG DA MARÍLIA. Disponível em: http://mariliaescobar.wordpress.com/ 2011/02/01/a-sindrome-de-down-na-doutrina-espirita/. Acesso: 14 set 2012.

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84 Educação especial e direitos humanos

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IV

TEOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: APONTAMENTOS PARA UMA PRÁXIS PASTORAL

EM DIREITOS HUMANOS

Luis Fernando de Carvalho Sousa* 4.1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa consiste no desdobramento do projeto de pesquisa intitulado “A linguagem teológica de Frei Betto na revista Caros Amigos”, uma proposta de espiritualidade a partir de uma militância política e social, orientado pelo professor Dr. Cláudio de Oliveira Ribeiro, no período de 2009/2010, sob auxílio da FAPESP.

O projeto de pesquisa teve por meta dialogar com duas áreas do conhecimento – teologia e política – ao analisar a proposta de espiritualidade do teólogo e escritor Frei Betto na revista secular Caros Amigos. Tal análise foi feita a partir de um diálogo entre fé e política nos escritos periódicos do autor na revista entre os anos de 1997, quando surgiu a revista, e 2008.

A análise partiu da relação entre a fé e a política construída pelo autor, marcada pela militância social e política, e pela Teologia da Libertação, que tem um caráter fortemente social, comprometido com a articulação entre a vida e a fé. O conceito de “Reino de Deus” é central na Teologia da

* Mestrando em Filosofia na Unioeste, Campus de Toledo-PR. Possui graduação em Teologia pela Universidade Metodista de São Paulo (2011) e graduação em História pelo Centro Universitário de Barra Mansa (2007). , atuando principalmente no seguinte tema: erótica, libertação, mulher, alteridade, totalidade. E-mail: [email protected]

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Libertação, o que revela, de certa forma, sua opção pelos grupos oprimidos, e fundamenta sua teoria e sua prática no sentido de uma transformação social.

Naquela ocasião, concluiu-se que o fundamento que norteia o pensamento do autor é a vida, e que o amor (com todas as nuanças do termo) é a via pela qual se exerce a chamada espiritualidade militante. Sendo assim, apontou-se para a construção e o reconhecimento dos direitos humanos como um possível caminho para se exercer a espiritualidade militante, uma vez que esta também consiste na luta pela vida.

Por esse motivo optou-se por investigar os direitos humanos em conjunto com a teologia latino-americana. A sinalização já havia sido feita, ainda que de forma incipiente, no projeto de pesquisa, e ganhou contornos mais concretos nos diálogos com o professor Oswaldo de Oliveira Santos Junior, nos intervalos das aulas sobre direitos humanos e igreja e sociedade.

Estudar o desenvolvimento dos direitos humanos é algo muito complexo, como salientou Dr. Enrique Dussel na palestra de abertura da I Semana de Educação em Direitos Humanos, realizada na Universidade Metodista de São Paulo no ano de 2010.

O palestrante iniciou sua exposição falando dos direitos humanos que são conquistados a partir das demandas de determinados grupos sociais. Para ilustrar sua fala, usou vários exemplos da Antiguidade. Hamurabi e o personagem bíblico Moisés foram citados, em seus devidos contextos, como situações em que os direitos humanos foram construídos, conquistados ou, ainda, inventados, a partir das necessidades de grupos sociais específicos.

Essa é uma das perspectivas em que os direitos humanos podem ser abordados. Porém, é importante ressaltar que o tema é objeto de várias discussões, que podem compreender os direitos naturais, os direitos humanos, as garantias individuais e os direitos concretos, entre outros. Para

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muitos, a questão se resume aos direitos inerentes à vida e à segurança individual, ou seja, ao que está ligado à preservação da humanidade. Outros vão compreender a temática objetivando seus aspectos jurídicos, sobretudo no que diz respeito ao Estado, uma vez que para esses o Estado teria a competência legislativa de reconhecer diretos e estabelecer o equilíbrio na sociedade. A temática é diversificada, e permite a abordagem a partir de diferentes e variadas perspectivas.

De acordo com João Ricardo W. Dornelles, as origens mais antigas dos direitos humanos encontram-se nos chamados “primórdios da civilização humana”.1 Em sua concepção, no mundo antigo, vários princípios embasavam sistemas de proteção da vida humana, marcados, especialmente, pelo humanismo ocidental presente nas culturas judaico-cristã e greco-romana. Na cultura hebraica, por exemplo, pode-se observar que vários princípios de proteção de valores humanos são feitos por meio da concepção religiosa. O caso típico que pode ser citado é o do personagem bíblico Moisés, que, de acordo com a tradição cristã, foi o redator do chamado Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio).2 Esses escritos contemplam diversas prescrições que dizem respeito à vida humana. No livro de Levítico, por exemplo, há várias questões sobre a saúde, a vida em comunidade e, inclusive, preceitos alimentares.

1 DORNELLES, João Ricardo. Que são Direitos Humanos. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 14. 2 Tradicionalmente atribui-se a Moisés a autoria desses textos, porém há alguns autores, como Norman Gottwald, que trabalham com a chamada crítica bíblica e contestam a autoria de Moisés, afirmando que tais textos teriam sido redigidos por escribas muitos séculos após a morte do patriarca. Sobre isso Cf. In: GOTTWALD, Norman Karol. As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto, 1250-1050. Trad. Anacleto Alvarez. São Paulo: Paulus, 1986, p. 51-57.

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Tomando por base a história ocidental, e tendo como

pano de fundo o período conhecido como medieval, tem-se no modelo feudal o chamado jusnaturalismo3 cristão, que se fundamentava teoricamente no pensamento tomista.4 De acordo com essa perspectiva, a jurisprudência humana e os demais poderes denominados seculares estavam sob a égide do direito divino. Nesse sistema, a proteção da pessoa era cumprida por meio das ações do soberano no seu exercício do poder absoluto que lhe era legado.

Na sociedade feudal, os valores essenciais para a vida dos indivíduos eram legitimados através da vontade divina. Tratava-se de um ambiente sem espaço para interpelações da autoridade do soberano, que tinha seus interesses individuais, juntamente com o de toda a sua cúpula, (clero, aristocracia feudal, entre outros) imbricados com aquilo que se entendia como a vontade de Deus.

A sociedade feudal constituía-se num espaço em que a noção de igualdade formal entre as pessoas era inexistente. Os direitos eram legados a partir da condição social de cada classe. Sendo assim, os senhores feudais, os membros da nobreza e do clero possuíam diversos privilégios.5

3 É entendido como um direito estabelecido pela própria natureza. Um conjunto de regras que terá por fundamento a natureza humana, portanto, consideradas gerais e imutáveis, contrapondo-se ao Direito positivo, que deriva dos poderes do Estado. No século XVIII, no contexto do iluminismo, o direito natural possuiu um caráter revolucionário tendo sido a sustentação ideológica da Revolução Francesa e utilizado também nas articulações para a independência dos Estados Unidos. A teoria do Estado elaborada por J.J. Rousseau teve como princípio o direito natural, que resultou em um contrato social. 4 Pensamento baseado na obra de São Tomás de Aquino (1225-1274). Considerado o ponto culminante do pensamento escolástico, em que se destaca a busca de uma harmonia entre o pensamento aristotélico e a tradição cristã. 5 DORNELLES, 2006, p. 14.

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Este trabalho tem por objetivo estabelecer o diálogo e

a reflexão entre teologia pastoral, história, filosofia e direitos humanos, visando encontrar os apontamentos na produção do pensamento teológico latino-americano que favoreçam a práxis pastoral e que contribuam para a promoção, o controle e o monitoramento dos direitos humanos.

Para isso utilizaremos como elemento articulador o diálogo transdisciplinar. Pedro Demo afirma – no que tange aos aspectos metodológicos – que o diálogo “não é a expressão de consensos, da intelecção fácil e mecânica; é sempre também confronto, se for comunicação entre atores com ideias próprias e posições contrárias”.6

Nas pesquisas referentes às ciências sociais, o exercício do diálogo constitui-se em algo de suma importância, pois demonstra, de forma salutar, a maneira de questionar e receber críticas dos diversos pontos de vistas existentes, uma vez que só se pode utilizar essa metodologia quando há maturidade tanto do lado de quem propõe, quanto do lado de quem contrapõe.7

O intuito dessa pesquisa em apontar para a práxis pastoral faz-se por entender que a reflexão possui conteúdo transformador, radical e libertário, imbuído de elementos políticos e ideológicos que podem contribuir com a emancipação do sujeito:

Pesquisa como principio científico e educativo faz parte integrante do processo emancipatório no qual se constrói o sujeito histórico auto-suficiente, crítico e auto-crítico, participante, capaz de reagir contra a situação de objeto e de não cultivar os outros como objeto.8

6 DEMO, Pedro. Pesquisa: principio cientifico e educativo. São Paulo: Cortez, 1990, p. 37. 7 Ibid., p. 37. 8 Ibid., p. 42.

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90 Educação especial e direitos humanos

Dessa forma, a presente pesquisa espera responder a

seguinte questão: Quais os caminhos apontados pelo diálogo entre a teologia pastoral e os direitos humanos, no que diz respeito à promoção, controle e monitoramento dos direitos humanos na sociedade contemporânea?

Essa questão só pode ser respondida de forma concreta quando, juntamente com o diálogo transdisciplinar, realiza-se uma pesquisa bibliográfica ancorada na história e no desdobramento do pensamento filosófico.

A pesquisa bibliográfica constitui-se em algo imprescindível na investigação histórica, sobretudo quando se relaciona com os temas chaves desse trabalho, a saber, teologia, história, filosofia e direitos humanos:

Ela é obrigatória nas pesquisas exploratórias, na delimitação do tema de um trabalho ou pesquisa, no desenvolvimento do assunto, nas citações, na apresentação das conclusões. Portanto, se é verdade que nem todos os alunos realizarão pesquisas de laboratório ou de campo, não é menos verdade que todos, sem exceção, para elaborar os diversos trabalhos solicitados deverão empreender pesquisas bibliográficas.9

Dialogar entre teologia e direitos humanos, a partir do

pensamento teológico, visando encontrar em suas obras indicações para uma práxis pastoral que aponte caminhos para o reconhecimento dos direitos humanos, torna-se então uma tarefa que demanda vasta pesquisa bibliográfica e articulação metodológica, que compreende não somente o método histórico, mas também o comparado, constituindo, dessa forma, no método histórico-comparado, ou história comparada.

9ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico. São Paulo: Atlas, 2001, p. 26.

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Esse método consiste em investigar os

acontecimentos históricos, verificando sua influência no cotidiano da sociedade a partir do pressuposto de que as origens das formas sociais encontradas no presente ancoram-se no passado, necessitando, assim, investigar sua gênese e desdobramentos para compreender suas características. Opta-se por fazê-lo de maneira comparada por observar a necessidade de comparar a atualidade a fim de melhor compreender o desenvolvimento de seus estágios.10

Devido à complexidade na abordagem em relação aos direitos humanos, a delimitação ficará restrita ao período conhecido na história ocidental como Modernidade, até o século XX. Nesse levantamento, as ênfases serão dadas aos momentos em que houve maior contribuição e discussão em torno do assunto, como no caso das revoluções e declarações burguesas, do movimento dos trabalhadores e do pós-guerra.

Dessa forma, o primeiro capítulo visa, a partir da noção de Estado Moderno, discutir as ênfases, assim como os desdobramentos dos direitos humanos que se seguiram nos períodos posteriores.

O objetivo do segundo capítulo é investigar quais as aproximações possíveis entre teologia latino-americana e direitos humanos. O diálogo buscará articular os dois temas. Para isso será feito um levantamento bibliográfico das principais obras da teologia latino-americana, com o intuito de se compreender o escopo de seu ideário.

No terceiro capítulo buscar-se-á apontar caminhos para uma práxis pastoral em direitos humanos, a partir da compreensão dos fundamentos da práxis e da teologia wesleyana. Na investigação sobre a filosofia da práxis, as ênfases serão dadas ao período da Antiguidade grega e ao desdobramento que ela teve no pensamento marxista. Tais pontos servirão para fundamentar a filosofia da práxis e

10 Ibid., p. 121.

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apontar para a práxis pastoral, baseada na teologia de John Wesley.

O referencial teórico a ser usado nesta pesquisa está fundamentado nos seguintes elementos: 1. Clássicos do pensamento filosófico moderno. A intenção dessa pesquisa é descobrir quais apontamentos foram feitos em relação aos direitos humanos, a partir dos principais pensadores da Modernidade. 2. História Moderna e Contemporânea. Por meio dos trabalhos de estudiosos da história, a pesquisa buscará investigar as origens dos temas propostos. As concepções dos diversos autores têm por intuito comparar as distintas posições para, assim, obter uma melhor compreensão dos eventos históricos. 3. Filosofia da práxis. Por meio da contribuição dos pensadores marxistas, a pesquisa buscará as bases norteadoras da práxis e, posteriormente, seu desdobramento no trato com as questões do cotidiano. 4. Teologia latino-americana. A seleção das obras tem por intuito contribuir para a reflexão sobre teologia e direitos humanos. Como se trata de uma corrente com muitos autores, não será possível explorá-las em seus pormenores. 5. Teologia pastoral. A obra Teologia Prática, de Casiano Floristán, será usada como eixo articulador entre a práxis e a teologia pastoral; nela, pode-se compreender a práxis pastoral de Jesus. Floristán trabalha fundamentos da práxis com elementos da práxis marxista. Concomitantemente, aponta para elementos que lhe são próprios a partir de uma reflexão teológico-pastoral. 6. Teologia wesleyana. As obras elencadas são as dos principais estudiosos do tema, juntamente com fragmentos do pensamento de John Wesley. O objetivo desta pesquisa é buscar as raízes do metodismo histórico, visando sua contribuição para a temática proposta.

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4.1 A INVENÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS 4.1.1 A invenção histórica dos direitos humanos: breve panorama 1.1.1 Discussão sobre a origem do Estado Moderno

No período compreendido entre os séculos XVI e XVIII, foi gestada uma filosofia que buscou compreender os direitos naturais de forma diferente da que vinha sendo conduzida. Com o declínio da sociedade medieval e o advento da burguesia tem-se uma nova concepção de Estado, que conforme Paulo Bonavides “mudou todos os pressupostos jurídicos e políticos conhecidos até então”.11 As transformações ocorridas nesse período, bem como a transição do sistema feudal para a sociedade burguesa, propiciaram a formação do Estado Moderno. Essa nova forma de conceber a realidade visava explicar os direitos naturais a partir da racionalidade do ser humano, desvinculando-se da relação desses direitos com a vontade divina (ou direito divino) – vigente durante todo o período da chamada Idade Média.12

A partir do século XIV tem-se algumas mudanças na concepção de sociedade. Isso ocorreu devido ao novo modo de produção capitalista que, gradualmente, foi se consolidando. Concomitantemente, surgia um novo sujeito histórico: o burguês. Tal indivíduo buscava, nessa nova configuração, defender os interesses de sua classe, a burguesia, principalmente aqueles ligados à propriedade privada. Sendo

11 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros editores, 2007, p. 60. 12 DORNELLES, 2006, p. 18.

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assim, os jusnaturalistas foram os precursores da defesa da propriedade privada como direito do indivíduo.13

É importante destacar as deficiências da sociedade política feudal como uma das principais razões do surgimento do Estado Moderno. A estrutura descentralizada do período conhecido como Idade Média propiciava a tolerância dos senhores feudais em relação às exigências de alguns monarcas que impunham regras econômicas e sociais nocivas à sociedade. Na concepção de Bonavides, essa relação serviu como “ponto de partida” para a busca do poder soberano, que fosse reconhecido como supremo de uma determinada “delimitação territorial”.14 Dalmo Dallari afirma que: “Os tratados de paz de Westfália tiveram o caráter de documentação de existência de um novo tipo de Estado, com característica básica de unidade territorial dotada de um poder soberano”15, o que corrobora a tese de que, paulatinamente, foi se consolidando a noção moderna de Estado, a partir da ruptura com os valores da Idade Média e a incorporação de novas ideias.

13 PIZA, Suze de Oliveira. Ciência e sociedade: o pensamento político de Hobbes, Locke e Rousseau. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2008. DVD [v.1], 100 min, Digital, son. (Graduação a distância. Teleaula). 14 BONAVIDES, 2007, p. 60. 15 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 70.

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Teologia e direitos humanos... 95

4.1.1.2 A noção moderna de Estado

a) Nicolau Maquiavel (1469-1527)

Maquiavel é considerado como o primeiro pensador a

refletir sobre o tema do Estado numa perspectiva histórica. Em sua obra O príncipe (1513)16, o pensador indica o Estado como organismo abarcador de vários ramos da vida social (economia, direito, política), e que se constitui, portanto, em algo demasiado complexo.17

Maquiavel sinaliza para uma nova concepção de política. A partir disso, ela deixa de ser legitimada por meio de argumentos teológicos e passa a ser concebida como atividade feita entre os seres humanos. Isso o levou a ser considerado um dos proeminentes pensadores que deram origem ao que passou a ser conhecido posteriormente como Estado Moderno.

O uso moderno do termo “Estado” é decorrência do pensamento maquiavelista. Tal concepção aponta para o Estado como organismo vivo, imbuído de poder “coercitivo, imposto à força, e destinado ao desaparecimento”.18 Sendo assim, a estrutura do Estado, no que diz respeito a sua manutenção, fica dependente daquilo que é denominado por Vicente Masip como “virtude cívica” dos cidadãos, ou seja, a dedicação do mesmo em prol da melhoria das instituições.19

A análise elaborada por Maquiavel foi sustentada, de acordo com Oswaldo de Oliveira Santos Júnior, em sua teoria

16 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. 17 DALLARI, 2005, p. 51. 18 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros editores, 2007, p.179. 19 MASIP, Vicente. História da filosofia ocidental. São Paulo: EPU, 2001, p. 136.

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96 Educação especial e direitos humanos

“pela filosofia da história e pela psicologia humana”.20 Maquiavel entende que, a partir da filosofia da história, os fatos históricos são, de modo geral, cíclicos, sendo que para compreendê-los torna-se necessário apreender primeiro a realidade. Todos os indivíduos, para Maquiavel, são egoístas e ambiciosos em relação ao poder:

Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm

autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas

ou principados. Os principados, por sua vez, ou são

hereditários, neste caso o príncipe é tal por

descendência antiga, ou são novos. Os novos, por sua

vez, ou o são completamente, como por exemplo

aconteceu em Milão com Francisco Sforza, ou são

apenas apêndices do Estado do soberano que os obtém,

como é o reino de Nápoles para o rei da Espanha. As

propriedades assim conquistadas estão acostumadas ou

a viver sob um príncipe ou a serem livres; podem ser

conquistadas com armas de outros, ou com as próprias,

ou ainda graças a um destino propício, ou mediante

dotes pessoais.21

Marilena Chauí atenta para dois termos-chave no

pensamento maquiavelista, são eles: a fortuna e a virtú. Por meio da virtú, ou seja, da capacidade de retirar do passado formas de ação que ajudem a administrar o presente, o príncipe administrará, de forma boa ou má, a fortuna:22

20SANTOS JR., Oswaldo de Oliveira. Estado contemporâneo e políticas públicas. In: PRAUN, Luci (org.). Do global ao Local: tensões e conflitos no espaço urbano. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2009, p. 93. 21 MAQUIAVEL, 2004, p. 11. 22 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000, p. 396.

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A virtú será condição essencial do estadista, que diante da fortuna, ou seja, do imponderável e incerto, irá depender dela para manter o controle de todas as coisas. O príncipe virtuoso não é necessariamente aquele bom cristão, cheio de qualidades morais e virtudes, na realidade esta virtú diz respeito às qualidades do governante para chegar e se manter no poder.23

Esses dois elementos constituem-se nos pilares

principais do pensamento maquiavelista. Na obra O príncipe, Maquiavel, dirigindo-se aos Médici de Florença, procura ressaltar a virtú e a fortuna como elementos primordiais para uma boa gestão. b) Thomas Hobbes (1588-1679)

Hobbes foi um dos eminentes filósofos

contratualistas. Em sua obra mais famosa, O Leviatã, o autor desenvolve sua teoria política, afirmando que a origem do Estado (ou da sociedade) encontra-se num contrato.24 O pensador especula sobre como seriam os primórdios da humanidade. Sua tese é de que, antes de existir o contrato social, os seres humanos viviam sob um estado denominado de estado natural, no qual não havia poder, nem organização. Esse contrato, chamado de contrato social ou, ainda, pacto social, é tido por ele como uma espécie de transição, que estabelece as regras de convívio social e de subordinação

23 SANTOS JR., 2009, p. 93. 24 MALMESBURY, Thomas Hobbes de. Leviatã ou matéria: forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural (Os pensadores), 1997, p. 108-109.

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política – nesse caso, a subordinação seria ao Estado, o Leviatã.25

Hobbes tem uma concepção antropológica negativa acerca do ser humano. Para ele, a natureza humana é má. O filósofo entende a maldade como intrínseca ao ser humano devido a sua concepção teológica ou, nas palavras de Renato Janine Ribeiro, a sua “teologia política”.26 Hobbes vincula tal estado à denominada “queda”, ou na concepção tradicional cristã, pecado original – explicação religiosa para a propensão humana em relação ao mal.

De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória. A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurança; e a terceira, a reputação. Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens; os segundos para defendê-los; e os terceiros por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido as suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome.27

Não se pode separar o pensamento político de

Hobbes de seu pensamento teológico, uma vez que o Leviatã,

25 WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, “o federalista”. São Paulo: Editora Ática, 1991, p. 53. 26 RIBEIRO, Renato Janine. Thomas Hobbes, ou: a paz contra o clero. In: BORGON, Atílio A. (org.) Filosofia política moderna: de Hobbes a Marx. Buenos Aires : Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales - CLACSO ; San Pablo: Depto. de Ciência Política - FFLCH - Universidade de São Paulo, 2006, p.20. Disponível em < http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/filopolmpt/filopolmpt.pdf> Acesso em: 30 de março de 2011. 27 MALMESBURY, 1997, p. 108 e 109.

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citado pelo autor, faz referência à figura mencionada no livro bíblico de Jó, e serve como força religiosa para garantir a ordem social. Por isso, menciona a necessidade de um Estado forte, que controle o estado de “desordem” da humanidade.28 Dessa maneira, o ser humano precisa abdicar de alguns direitos que são naturais, submetendo-se ao poder do Estado. Hobbes salienta que um desses direitos naturais é o direito à liberdade, o que significa afirmar que a liberdade poderia ser usada para diversos fins, conforme pontua:

O direito de natureza, a que os autores chamam de jus naturele, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim.29

De acordo com a concepção hobbesiana, somente um

poder pleno pode controlar esse ímpeto do ser humano, uma vez que esse governo propiciaria à humanidade a possibilidade da convivência em paz.30 Porém, para isso, é necessário que se firme o contrato social com o Estado, renunciando aos direitos naturais.

Nesse contrato social o indivíduo conserva o direito à vida, enquanto o Estado garante a ordem social. O intuito de Hobbes, ao propor a paz de Estado, era subordinar, inclusive

28 RIBEIRO, 2006, p. 21. 29 RIBEIRO, 2006, p. 113. 30 WEFFORT, 1991, p. 63.

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o clero31, ao poder estatal.32 Hobbes sustenta sua tese num momento em que a incipiente sociedade burguesa lutava para se afirmar, e a formulação de seu pensamento foi um dos argumentos que visou legitimar a defesa da propriedade privada por essa emergente classe.

O direito à vida, pontuado por Hobbes, tem ligação direta com o direito à propriedade, ou seja, os detentores das propriedades privadas teriam sua vida e propriedades preservadas enquanto não se rebelassem contra o poder do Estado.

É importante atentar para o fato de que o Estado hobbesiano tolerar o individualismo possessivo não significa afirmar que ele seja um Estado individualista possessivo; entretanto, ele continua sendo um típico Estado burguês, em que o dono das propriedades privadas tem livre acesso para prosperar.33 c) John Locke (1632-1704)

Juntamente com Hobbes e Rousseau, Locke foi um dos destacados jusnaturalistas modernos. A concepção lockeana assemelha-se a de Hobbes, contudo, existem vários pontos de discordância no que tange o estado natural.34

Para Locke, a existência do indivíduo precede a sociedade e o Estado. De acordo com o filósofo, os seres humanos viviam, originalmente, antes da formação do Estado

31 No período vivido por Hobbes o clero exercia forte influência na formação de consciência das pessoas. A idéia de subordinação a um poder estatal era uma forma de enfraquecê-lo, reforçando assim a autonomia estatal. Por mais que o filósofo possuísse uma teologia política, sua posição pendia mais para o lado laico do que para o religioso. 32 RIBEIRO, 2006, p.27. 33 QUIRINO, Célia Galvão; VOUGA, Cláudio; BRANDÃO, Gildo Marçal. Clássicos do pensamento político. São Paulo: EDUSP, 2004, p. 83. 34 WEFFORT, 1991, p. 84.

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Teologia e direitos humanos... 101

e da sociedade, num estágio caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade: o chamado “estado natural”.35 Tal estado é diferente da concepção hobbesiana, baseada na insegurança e violência. O estado de natureza lockeano se baseia na paz, concórdia e harmonia. Nota-se que, para Locke, o ser humano – nos seus primórdios – tem as características de um gentleman, ou seja, é racional, educado e dotado de virtudes. Não era mau, como afirmava Hobbes.36

Outro ponto de destaque da filosofia de Locke é a chamada teoria da propriedade, como destaca Atílio Borgon:

Locke utiliza também a noção de propriedade numa segunda acepção, que em sentido estrito significa especificamente a posse de bens moveis e imóveis. A teoria da propriedade de Locke, que é muito inovadora para sua época, também difere bastante da de Hobbes.37

Enquanto para Hobbes a propriedade inexistia no

estado de natureza, para Locke ela era uma instituição anterior à sociedade, sendo um direito natural que não poderia ser violado pelo Estado.

Locke concebe o ser humano como indivíduo naturalmente livre e proprietário de sua pessoa e de seu trabalho. O trabalho seria, então, o fundamento originário da propriedade; essa, por sua vez, teria seu limite fixado pela capacidade de trabalho do ser humano.

35 VÁRNAGY, Tómas. O pensamento político de John Locke e o surgimento do liberalismo. In: BORGON, Atílio A. (org.) Filosofia política moderna: de Hobbes a Marx. Buenos Aires : Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales - CLACSO ; San Pablo: Depto. de Ciência Política - FFLCH - Universidade de São Paulo, 2006, p.59. Disponível em <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/filopolmpt/filopolmpt.pdf> Acesso em: 30 de março de 2011. 36 BORGON, 2006, p. 63. 37 Ibid., p. 85.

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Em Locke, pode-se compreender como a doutrina

dos direitos naturais pressupõe uma concepção individualista de sociedade e de Estado. Concepção individualista significa que em primeiro lugar vem o indivíduo, que tem valor em si mesmo, e depois o Estado. Tal concepção aponta para o direito à vida como um dos direitos essenciais defendidos pelo filósofo.38

O contrato social de Locke diferencia-se do contrato de Hobbes. Enquanto que para Hobbes o Estado precisa ser pleno e forte, gerando um pacto de submissão entre o indivíduo e ele, em Locke esse contrato nada mais é do que um pacto de consentimento, em que os seres humanos concordam livremente em formar a sociedade civil a fim de preservar e consolidar os seus direitos naturais.

Bobbio salienta que Locke elabora sua tese tendo como ponto de partida o burguês do século XVIII, e seu pensamento tem como intuito defender a propriedade privada dessa classe, uma vez que o filósofo pensa a partir dela.

E, não obstante, Locke tinha examinado a fundo a natureza humana; mas a natureza humana que ele examinara era a do burguês ou do comerciante do século XVIII, e não lera nela, porque não podia lê-lo daquele ângulo, as exigências e demandas de quem tinha uma outra natureza ou, mais precisamente, não tinha nenhuma natureza humana (já que a natureza humana se identificava com a dos pertencentes a uma classe determinada).39

Em Locke, compreende-se a gênese do que

posteriormente foi conhecido como liberalismo político. Seus ideais contribuíram, sobremaneira, com o ideário

38 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 76. 39 BOBBIO, 2004, p. 52.

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burguês. Suas contribuições transitam em vários campos das ciências humanas e permitem uma análise mais apurada do pensamento do século XVIII. d) Jean-Jacques Rousseau (1702-1778)

Dentre os filósofos do chamado período das luzes, que propagaram a difusão do saber como a forma mais cabal para suplantar a concepção mística que permeou o imaginário do ser humano medieval, Rousseau se destaca como um pensador que contribuiu de forma profícua com o desenvolvimento da filosofia política.

O pensador construiu sua teoria de forma diferente em relação aos dois outros contratualistas referidos. O filósofo ressalta que existe uma condição natural humana de felicidade, virtude e liberdade. Diferentemente de Locke, Rousseau assegura que a civilização limita as condições naturais de felicidade humana. Para ele, os seres humanos eram naturalmente livres e iguais, porém encontravam-se acorrentados em todas as partes do mundo:

O homem nasceu livre, e por toda a parte geme agrilhardo; o que julga ser senhor dos demais é de todos o maior escravo. Donde veio tal mudança? Ignoro-o. Quem a legitima? Esta questão creio poder resolver.40

Na opinião de Jean-Jacques Rousseau, não bastava

garantir a propriedade para realizar a felicidade humana. A propriedade era a fonte da desigualdade humana, assim como a perda da liberdade. Nessa perspectiva, os seres humanos não deveriam abrir mão de sua liberdade, nem de sua soberania e muito menos de sua igualdade. Dornelles destaca que

40 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato social. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 23.

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Rousseau entende o princípio da igualdade como “condição essencial para o exercício da liberdade”.41

Em sua obra Contrato social42, o filósofo trata dos temas mais relevantes da filosofia política clássica, como a passagem do estado de natureza ao estado civil, o contrato social, a liberdade civil, o exercício da soberania, etc. Por esse motivo, Dornelles afirma:

É interessante notar que Rousseau vai além dos outros pensadores do Iluminismo. Vai além dos princípios liberais clássicos, introduzindo a concepção democrático-burguesa. O conteúdo radical-democrático da concepção rousseauniana se enquadra nas especiais circunstâncias históricas da França do século XVIII, nas quais a burguesia aparecia no cenário político-social como uma classe revolucionária em luta contra o absolutismo feudal, capaz de aglutinar em torno dos seus próprios projetos um enorme contingente de setores populares, possibilitando condições para uma ruptura com o antigo regime e instituindo a nova ordem burguesa.43

Rousseau trabalhou de forma intensa os principais

valores da filosofia política, fazendo releitura de outros teóricos e se dedicando em lutar contra o absolutismo. Por

41 DORNELLES, 2006, p. 20. 42 É no Contrato Social, que Rousseau elabora a sua teoria do Estado. Ele constata que a humanidade passou por três etapas em seu desenvolvimento, a saber: o estado da inocência – período em que a humanidade viveu sem abusos e corrupções, o ser humano é essencialmente bom; a falsa civilização – período em que viveu com bases em valores primitivos, onde certos abusos começaram a ser cometidos e os valores corrompidos, há uma degeneração do estado de inocência. o estado social, a verdadeira civilização – período de retorno aos valores antigos, à vida moral e disciplinada, em que se estabelece o contrato social, e o indivíduo é transformado em cidadão, renunciando aos direitos pessoais em detrimento da sua coletividade. 43 DORNELES, 2006, p. 20.

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isso seu pensamento ganha destaque em meio a tantos teóricos de sua época, sobretudo pelo fato de propor o exercício da soberania pelo povo como premissa básica para a libertação, o que certamente lhe legou a eleição, por parte dos protagonistas da Revolução Francesa, como o primeiro revolucionário.44

Em seu contrato social, Rousseau estabelece as condições de um pacto em que os seres humanos, após terem perdido sua liberdade, ganhariam em troca a liberdade civil, dada, dessa vez, sob condição plena. Sendo o povo soberano, ele participaria ativa e passivamente do processo de elaboração das leis. Nesse sentido, haveria conjugação perfeita entre liberdade e obediência. O contrato, ou seja, o ato que determina a constituição de um povo como tal, implica num conjunto de operações com a finalidade de instaurar uma ordem consensual organizada em torno da abstração jurídica.45

A filosofia rousseauniana aponta para três reivindicações como direitos naturais dos seres humanos: a vida, a liberdade e a igualdade. De forma singular, o pensador trabalha em sua obra esses três pilares que posteriormente seriam um dos slogans da Revolução Francesa. Contudo não se pode perder de vista que sua motivação é o ideário burguês, pois por mais que Rousseau se diferencie de Hobbes e Locke, sua reivindicação em relação aos direitos naturais é feita sob uma perspectiva eminentemente burguesa. Não somente ele, mas todos os três contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau), dadas as suas peculiaridades, fazem apontamentos em relação aos direitos naturais dos seres humanos, tendo como pano de fundo histórico a luta contra o absolutismo feudal e a

44 WEFFORT, 1991, p. 194. 45 CIRIZA, Alejandra. A proposta de Jean-Jacques Rousseau: contrato educação e subjetividade. In: BORGON, 2006, p.84. Disponível em <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/filopolmpt/filopolmpt.pdf> Acesso em: 30 de março de 2011.

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ascensão da burguesia, assim como os direitos da mesma e a prosperidade de suas riquezas, sobretudo no que tange à propriedade privada.

Em linhas gerais, esses três pensadores trabalharam algumas noções do que posteriormente viria a ser conhecido como direitos humanos. Outrossim, nota-se que a fundamentação de seus argumentos pertence à esfera político-filosófica. De acordo com Bobbio, essa é a primeira fundamentação dos direitos humanos: “as declarações nascem como teorias filosóficas”.46

Os direitos naturais reivindicados pelos jusnaturalistas não são nada mais do que conquistas a partir da demanda de um determinado grupo social. Tal dado reforça a tese de Bobbio, na qual os direitos humanos são adquiridos, conquistados, reivindicados:

Partimos do pressuposto de que os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que merecem ser perseguidos, e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por toda a parte e em igual medida) reconhecidos; e estamos convencidos de que lhes encontrar um fundamento, ou seja, aduzir motivos para justificar a escolha que fizemos e que gostaríamos fosse feita também pelos outros, é um meio adequado para obter para eles um mais amplo reconhecimento.47

A partir dos pensadores supracitados e seus

respectivos pensamentos, compreende-se a trajetória reivindicativa dos direitos a partir de determinada classe. Esses esforços contribuíram para posteriores reivindicações e ampliações de direitos.

46 BOBBIO, 2004, p. 48. 47 Ibid., p. 35 e 36.

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4.1.3 Direitos Humanos a partir das declarações burguesas

O objetivo desse tópico não é abordar os pormenores das revoluções burguesas; contudo, necessita-se pontuar alguns antecedentes históricos que nos ajudam a analisar quais foram as influências dessas constituições e/ou declarações e quais foram os motivos que levaram às mesmas. 4.1.3.1 Revolução Inglesa

A primeira revolução burguesa e talvez uma das precursoras, quando refere à questão dos direitos humanos, é a Revolução Inglesa. Este movimento teve seu ponto culminante na chamada Revolução Gloriosa de 1688, porém suas raízes datam de 1640, período em que surge a chamada Grande Rebelião (1640-1642), acontecimento que ficou marcado pela revolta do parlamento contra a monarquia absolutista da dinastia Stuart. Outro elemento relevante foram os conflitos religiosos envolvendo a Igreja Anglicana e a ideologia calvinista puritana.48

Num segundo momento desse processo, pode-se apontar para a chamada Guerra Civil (1642-1648) como um dos principais fatores de destaque. Nesse período houve o confronto entre o Parlamento e a Monarquia, fortemente marcado pelas divergências religiosas, contando, inclusive, com enfrentamento armado. Outro fator importante foi a República de Cromwell (1649-1658), que entrou para a história como o período marcado pela deposição do rei Carlos I, seu julgamento, execução e proclamação da

48 FLORENZANO, Modesto. As revoluções burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 67.

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república.49 Cromwell50 é apontado por Idel Becker como “um ditador”. Após sua morte, seu filho Ricardo não demonstrou aptidão para governar e abdicou o governo.

Com o país sem governante, o parlamento inglês convidou o príncipe Carlos, filho de Carlos I, para assumir o governo. O novo governante restabeleceu a monarquia e a Igreja Anglicana.

No ano de 1679, votou-se no parlamento o habeas corpus, que garantiu a liberdade individual dos cidadãos, impedindo-os de serem vítimas de possíveis arbitrariedades. Posteriormente o habeas corpus foi adotado por vários países, tornando-se parte das denominadas conquistas da legislação universal.51

O período da Revolução Gloriosa (1688-1689) foi marcado pela deposição do rei Jaime II e a ascensão ao poder por parte de Guilherme III. O nome “gloriosa” deveu-se ao fato de não ter havido derramamento de sangue. Sua importância no que tange aos direitos humanos deve-se ao fato de nesse período ter sido aprovada a Declaração de Direitos de 1689:

A “Declaração de Direitos” foi lida solenemente, a 13 de fevereiro de 1689, na presença de todo o Parlamento e dos futuros reis. Guilherme, em seu nome e no da esposa, jurou respeitar e manter os princípios da Declaração. Logo após foram proclamados reis, com o nome Guilherme III e Maria III52.

49 Ibid., p. 112. 50 No período Cromwell a Igreja Anglicana perdeu seus privilégios, assim como, seu status de igreja oficial do Estado. O ditador é tido por Becker como um tolerante das várias seitas protestantes, mas perseguidor voraz dos católicos e anglicanos. Cf: In. BECKER, Idel. Pequena história da civilização ocidental. S/t. São Paulo: Ed. Nacional, 1970, p. 389. 51 BECKER, Idel. Pequena história da civilização ocidental. São Paulo: Ed. Nacional, 1970, p. 390. 52 Ibid., p. 390 e 391.

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A Lei de Tolerância também foi outra resolução

importante no período, pois concedeu liberdade religiosa aos protestantes ingleses. Com essa lei, a Grã-Bretanha ficou inteiramente pacificada. No que tange à Declaração dos Direitos, a Revolução Gloriosa influiu poderosamente nas duas outras revoluções burguesas, a saber, a Revolução Americana e a Francesa.53 4.1.3.2 Revolução Americana

Após a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), a

Inglaterra criou um sistema de novos impostos que deveriam ser pagos por todos os súditos do reino, e isso incluía os colonos norte-americanos, que na época contavam com 13 colônias, somando, aproximadamente, dois milhões de habitantes. Esses habitantes não eram somente ingleses, também havia franceses, escoceses, irlandeses e alemães. Tais colonos responderam aos Decretos do Parlamento inglês com protestos.54

Esses protestos se desdobraram em intensas lutas sobre impostos e embargos que a Inglaterra impunha à colônia – como foi o caso do imposto do chá, da lei do selo, entre outros – um dos fatos mais relevantes foi a chamada revolta do chá, conforme salienta Becker:

Em 1773, chegaram a Boston três navios com um carregamento inglês de chá. Colonos, fantasiados de pele vermelha, invadiram os navios e lançaram o carregamento ao mar. O governo inglês, em represália, declarou fechado o porto de Boston, proibiu reuniões públicas nessa cidade e enviou tropas inglesas para garantir o cumprimento dessas ordens (1774).55

53 Ibid., p. 392. 54 BECKER, 1970, p. 414. 55 Ibid., p. 415.

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110 Educação especial e direitos humanos

Os anos que se seguiram, 1775 e 1776, foram

marcados pela Guerra da Independência e pela Declaração de Independência, respectivamente. A Declaração foi redigida por uma comissão, que tinha como integrantes Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, e outros eminentes intelectuais da época. Nela havia um preâmbulo que expunha os chamados “Direitos do Homem”, que nada mais eram do que os ideais jusnaturalistas que circulavam na Europa do século XVIII.

Em 4 de julho 1767, Thomas Jefferson (partido republicano), elaborou uma Declaração de Independência que somente seria aceita pela Inglaterra em 1783, ao assinar o chamado Tratado de Paris. Contudo, na Declaração, tem-se o primeiro documento no mundo a cuidar de temas como: princípios da democracia e direitos humanos, baseados na igualdade e liberdade formal. A Declaração da Virgínia, de 1776, teve seu texto original elaborado por George Mason, que terminou por representar o Estado na convenção de Filadélfia, quando foi votada e aprovada, em 1787, a Constituição Americana.56

O auxílio da França e da Espanha foram decisivos para a vitória estadunidense. Isso fez com que o exemplo estadunidense estimulasse outros movimentos de independência nas Américas Central e do Sul, influenciando, sobretudo, na derrocada do absolutismo francês.57 4.1.3.3 Revolução Francesa

A situação da França pré-revolucionária apresentava-se da seguinte maneira: a estrutura socioeconômica era predominantemente agrária (feudal). A estimativa é que 80%

56 PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em história. Nova Friburgo: Imagem Virtual, 2002, p. 258. 57 Ibid., p. 264.

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da população era camponesa.58 A nobreza e o clero correspondiam aproximadamente a 3% da população, e viviam da exploração do trabalho dos camponeses, devido às suas posses e os direitos que lhes eram garantidos.

A aristocracia estava satisfeita com sua situação, em contrapartida, a burguesia – grupo social que estava em processo de ascensão em diversas partes da Europa – buscava melhor lugar na escala da pirâmide social, uma vez que não participava do processo de decisões políticas:

Assim, a burguesia, sem abandonar o desejo de penetrar na aristocracia, começava cada vez mais a aderir às novas ideias que estavam no ar, isto é, às idéias do Iluminismo. O grande desenvolvimento da filosofia e da ciência do século XVIII, conhecido como o século das luzes, decorria do próprio progresso material (desenvolvimento das forças produtivas) e do crescimento e diversificação da burguesia.59

A aproximação da burguesia a setores representantes

do chamado Terceiro Estado francês foi o que catalisou a revolução.60 Nesse tópico, apontaremos os aspectos que tangem a questão dos direitos humanos no processo da Revolução Francesa; por isso, vamos nos ater aos aspectos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aboliu oficialmente todos os privilégios da classe média e da aristocracia – ainda fundamentados sobre argumentos da Idade Média – e consolidou a burguesia francesa como classe

58 FLORENZANO, 1981, p. 16. 59 Ibid., p. 24. 60 Eric Hobsbawn analisa com mais detalhes esse processo em Ecos de Marselhesa. Cf. HOBSBAWM, Eric J. Ecos da marselhesa: dois séculos revêem a Revolução Francesa. Trad. Maria Célia Paoli. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

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revolucionária, porém o feudalismo só foi abolido oficialmente no ano de 1793.61

Esse documento tinha por objetivo suplantar o Ancien Régime e instaurar uma nova sociedade baseada nos ideais iluministas. Assim afirma Modesto Florenzano:

O objetivo deste documento, de alcance universal, e sempre atual, era simples: enunciar, da maneira mais solene possível, todos os pressupostos básicos sobre os quais se fundamentaria a construção da nova sociedade.62

Analisando-se os direitos humanos a partir das

declarações e revoluções burguesas, nota-se – em relação à Revolução Americana – que inexoravelmente foi ela quem abriu a porta para as revoluções europeias. Seus princípios são, verossimilmente, os mesmos, e influenciaram as revoluções burguesas na Europa.63 Contudo, constata-se, também, a existência de algumas disparidades entre as declarações decorrentes da Revolução Americana e as declarações das revoluções europeias.

Norberto Bobbio aponta as diferenças em relação às constituições. O autor destaca que o tema da felicidade não aparece como meta principal na Declaração de 1789. Em contrapartida, na Declaração da Virgínia de 1776, os termos mais utilizados, segundo ele, são “felicidade” e “segurança”.64 Em sua comparação, trata a Declaração Francesa como mais intransigentemente individualista do que a da Virgínia, porém ressalta que as duas são de caráter individualista:

61 HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789 - 1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 80. 62 FLORENZANO, 1981, p. 42. 63 BOBBIO, 2006, p. 102. 64 Ibid., p. 103.

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Ambas as Declarações partem dos homens considerados singularmente; os direitos que elas proclamam pertencem aos indivíduos considerados um a um, que os possuem antes de ingressarem em qualquer sociedade.65

Observa-se que há certos avanços nessas declarações

em relação às teses defendidas pelos jusnaturalistas. Apesar de o ideal iluminista ser a principal influência delas, os elaboradores não se fixaram somente nele. Entretanto, o ideal burguês foi o que ditou o tom de ambas, uma vez que a burguesia tentava justificar a posição social de sua classe e se consolidar como classe predominante e revolucionária por meio desses ideais.

Até o presente momento, tratamos - adotada a terminologia de Dornelles, entre outros - da chamada “primeira geração dos direitos humanos”.66 Nota-se que a perspectiva dos direitos humanos apresentada nesse tópico se refere uma classe específica, por isso alguns estudiosos vão tratar desse momento como período da conquista dos direitos individuais, e outros ainda vão tratá-los como direitos burgueses.67

4.1.4 A reivindicação dos direitos coletivos

Passada a era, ou ainda, a geração dos diretos individuais, tem-se no cenário político mundial uma nova configuração. As revoluções burguesas conseguiram conquistar seus objetivos e marchavam rumo a consolidação do Estado Liberal. Dornelles assegura que os primeiros anos do século XIX foram marcados pela consolidação desse Estado e pelo desenvolvimento da economia industrial.68 Mas,

65 Ibid., p. 104. 66 DORNELLES, 2006, p. 18. 67 Os críticos a esses direitos são, em sua maioria, pensadores marxistas. 68 DORNELLES, 2006, p. 22.

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e os trabalhadores? E os pobres? Será que os direitos que a burguesia conquistou estendiam-se a eles?

A burguesia, com a ascensão ao poder, já não era mais a classe revolucionária, vanguarda das revoluções; ao contrário, havia se acomodado com algumas benesses e paulatinamente estava sendo ameaçada por aqueles que não foram contemplados com as conquistas advindas das revoluções. Por isso não era interessante reivindicar os direitos de uma massa minoritária. Enquanto a burguesia constituía o seu Estado liberal, a economia incorporava novos modelos produtivos. Com isso concentrou-se numa mesma unidade de produção uma massa de trabalhadores desprovidos de direitos, que posteriormente ficaria conhecida como proletariado.69

Karl Marx analisou criticamente a questão dos direitos conquistados pela burguesia e apontou para a liberdade como um argumento que servia para as classes burguesas concretizarem seu desejo de legitimar a propriedade privada. No livro A questão judaica, o filósofo tece pesadas críticas à burguesia, sobretudo no tocante a liberdade. Para ele, o tom das conquistas era eminentemente individualista:

Nenhum dos chamados direitos humanos ultrapassa, portanto, o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, isto é, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular, em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade. Longe de conceber o homem como um ser genérico, esses direitos, pelo contrário, fazem da própria vida genérica, da sociedade, um marco exterior aos indivíduos, uma limitação de sua independência primitiva. O único nexo que os mantém em coesão é a necessidade natural,

69 Ibid., p. 23.

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a necessidade e o interesse particular, a conservação de suas propriedades e de suas individualidades egoístas.70

Eric Hobsbawm, ao tratar da temática dos direitos

humanos e dos trabalhadores no período subsequente às revoluções burguesas, aponta para a condição dos proletários como pessoas “subprivilegiadas”, ou seja, pessoas que não usufruíam dos mesmos direitos que haviam sido conquistados pelas classes burguesas.71

Para o historiador, a noção dos direitos humanos, numa perspectiva mais ampla, foi conquistada a partir do movimento operário europeu:

Os movimentos operários europeus surgiram, e consequentemente começaram a influenciar as lutas pelos direitos humanos e por sua definição, numa época em que o próprio conceito desses direitos estava passando por mudanças bastante profundas. Na verdade, naquela época uma variedade de tipos de “direitos” coexistia, cada um influenciando e sendo influenciado pelas características e exigências dos movimentos operários, e pelos desdobramentos causados por sua existência.72

Não obstante, os movimentos operários, em sua

militância, ainda funcionavam dentro das estruturas conquistadas pelas revoluções burguesas. Os trabalhadores do século XIX lutaram pelos direitos à plena cidadania, e deram força especial à luta pelos direitos do cidadão, pelo fato de o movimento ser composto por uma gama de pessoas que não usufruíam de tais direitos e também por que os direitos, que

70 MARX, Karl. A questão judaica. Trad. Wladmir Comide. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969, p. 44-45. 71 HOBSBAWM, Eric J. Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária. Trad. Wander Marcelo e Sandra Bedran. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 418. 72 Ibid., p. 419.

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haviam sido aceitos na teoria, eram contestados, na prática, pelos adversários dos trabalhadores.73

A mais importante contribuição dos movimentos operários do século XIX em relação aos direitos humanos foi explicitar que eles exigiam uma dimensão mais ampla e que necessitavam ser efetivados tanto na teoria quanto na prática.74

O novo e emergente perfil das sociedades do século XIX, aliado às crescentes lutas que se travaram, tendo como protagonista a classe operária, a burguesia industrial e o Estado liberal não-intervencionista, propiciou uma série de críticas sociais ao sistema vigente, assim como a organização sistematizada dos setores da classe operária.75

Nesse sentido, a reivindicação dos direitos humanos uniu os pobres, os operários e uma gama de pessoas que lutavam por seus direitos. Porém, como se tratava de uma sociedade em que as consequências negativas da industrialização (desemprego, salários baixos, fome, etc.) atingiam altos índices, os protestos se restringiram, em sua maioria, às questões relacionadas ao trabalho.76 Dessa maneira, Hobsbawm afirma: “O Direito ao Trabalho mobiliza as pessoas, mas o Direito ao Socialismo não”.77 A grande contribuição dos movimentos operários se deu na ruptura da forma com que a natureza individualista dos direitos humanos estava sendo tratada. Nesse ponto, o historiador evoca a crítica feita por Marx de que os direitos que haviam sido conquistados sob os ideais liberais diziam respeito ao ser humano egoísta, isolado dos outros seres humanos e da comunidade em que estava inserido.78

73 Ibid., p. 427. 74 Idem. 75 DORNELLES, 2006, p. 23. 76 HOBSBAWM, 2000, p. 430. 77 Ibid., p. 431. 78 Ibid., p. 432.

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A pretensão de se ter um caráter universal não afastou

a concepção liberal dos direitos humanos e sua natureza de classe. Outrossim, a universalidade desses direitos só apareceu na medida em que a burguesia concebia como conquista sua alguns objetivos que foram generalizados na luta contra o absolutismo.79

Na verdade, os direitos proclamados pelas declarações burguesas não haviam chegado ao povo, que se encontrava refém do trabalho mal remunerado, e vivendo submetido às mais duras condições de existência, trabalhando mais de dez horas por dia, sem o mínimo de direito que lhe conferisse dignidade. 4.1.5 A Declaração Universal dos Direitos Humanos 4.1.5.1 Contexto histórico

Os desdobramentos da industrialização do século XIX tiveram efeitos avassaladores no início do século XX. A eclosão da Primeira Guerra Mundial foi fruto da busca desenfreada pelo mercado consumidor por parte das principais potências europeias. A primeira grande Guerra foi um fato que envolveu todas as grandes potências, com exceção da Espanha, os Países Baixos, os três países da Escandinávia e a Suíça.80 A Segunda Guerra veio na esteira de sua antecessora, tendo seus efeitos atingido proporções globais. Não se fazem necessárias maiores demonstrações dos efeitos globais da Segunda Guerra, uma vez que todos os Estados independentes se envolveram nela e consequentemente foram também suas vítimas.81

79 DORNELLES, 2006, p. 25. 80 HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914 -1991. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 31. 81 HOBSBAWM, 1995, p. 31.

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As atrocidades que foram cometidas entre os anos de

1914 e 1945 ficaram marcadas na história da humanidade, sobretudo, pelo fato de violarem a vida e não respeitarem a dignidade humana. O período pós-guerra ficou marcado como um momento no qual a humanidade se empenhou nas lutas contra os modelos totalitários, visando o resgate da dignidade humana. Dessa nova realidade surgiram novos interesses que foram reivindicados por diversos movimentos sociais, dentre os quais se destacam: o direito à paz; ao desenvolvimento e o direito à autodeterminação dos povos; o direito a um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado e o direito à utilização do patrimônio comum da humanidade.82 4.1.5.2. A Organização das Nações Unidas e a Declaração

As ideias germinais da ONU (Organização das Nações Unidas) se encontram na mensagem sobre o estado da União, dirigida pelo então presidente americano Franklin Delano Roosevelt ao congresso americano em janeiro de 1941, assim como na Carta do Atlântico, que foi assinada pelo próprio presidente e o primeiro ministro inglês Winston Churchill, em agosto do mesmo ano.83

No ano de 1942, a Carta do Atlântico foi incorporada à Declaração das Nações Unidas. As potências que combatiam as forças do Eixo (Japão, Itália e Alemanha) proclamaram seus objetivos como objetivos de guerra, sendo os signatários considerados membros ordinários da ONU, que teve a carta da fundação assinada por 51 países em junho de 1945.84

82 DORNELLES, 2006, p. 35 e 36. 83 COMPARATO, 2008, p. 216. 84 Idem.

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Em fevereiro de 1946, uma sessão do Conselho

Econômico e Social das Nações Unidas decidiu criar uma comissão de Direitos Humanos que atuaria em três etapas. Na primeira, os delegados seriam responsáveis por elaborar uma declaração de direitos humanos; na segunda, a incumbência era de produzir um documento que, juridicamente, fosse mais “veiculante” do que uma simples declaração e por fim criar-se-ia um mecanismo para assegurar e monitorar os direitos humanos. A Comissão de Direitos Humanos conseguiu concluir a primeira em 18 de junho de 1948, sendo o projeto da Declaração Universal de Direitos Humanos aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro do mesmo ano85:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, como se percebe da leitura de seu preâmbulo, foi redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, e cuja revelação só começou a ser feita – e de forma muito parcial, ou seja, com omissão de tudo o que se referia à União Soviética e de vários abusos cometidos pelas potências ocidentais – após o encerramento das hostilidades. Além disso, nem todos os membros das Nações Unidas, à época, partilhavam por inteiro as convicções expressas no documento: embora aprovado por unanimidade, os países comunistas (União Soviética, Ucrânia e Rússia Branca, Tchecoslováquia, Polônia e Iugoslávia), a Arábia Saudita e África do Sul abstiveram-se de votar.86

O momento da Declaração destaca-se como período

em que se observou uma necessidade imediata de unir os diferentes povos em prol de uma ação em conjunto. Roseli Fischmann salienta dois marcos desse período: a carta de São

85 COMPARATO, 2008, p. 225. 86 Ibid., p. 226.

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Francisco de 1945, e a Declaração Universal em 10 de dezembro de 1948. Fischmann destaca a importância da conjugação desses dois momentos históricos para a história da humanidade: “Se a criação da ONU destacava a importância de proteger os Estados, a DUDH explicitava o reconhecimento do caráter insubstituível de cada indivíduo para a espécie humana”.87

Observou-se ao longo desse capítulo que a construção dos direitos humanos é uma luta constante do reconhecimento de reivindicações de determinados grupos ou classes sociais no decorrer dos anos. Pode-se também notar que as demandas em torno dos direitos nunca foram plenamente suprida, uma vez que surgem constantemente novos grupos sociais com novas necessidades a serem contempladas.

A partir dos apontamentos feitos, pode-se concluir que a luta pelo reconhecimento dos direitos dos seres humanos constitui-se em algo dinâmico, e que por isso necessita de constante atualização. Não se pode cristalizá-los, ignorando as necessidades que surgem no cotidiano.

Como algo dinâmico e inacabado, a temática dos direitos humanos dialoga com várias áreas das ciências, como história, filosofia, sociologia e teologia, que também estão em constante renovação e releitura. Por isso, ao analisar seu desenvolvimento histórico pode-se encontrar pontos comuns com essas outras áreas, estabelecendo, inclusive, diálogo com elas.

No próximo capítulo buscar-se-á investigar os temas comuns aos direitos humanos e à teologia, salientando as possíveis convergências entre ambas as áreas. Qual a temática que une os direitos humanos e a teologia? Será

87.FISCHMANN, Roseli. Educação, direitos humanos, tolerância e paz. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pqideia/v11n20/08.pdf> Acesso em: 29 de março de 2011.

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Teologia e direitos humanos... 121

possível um diálogo entre essas áreas do conhecimento? O intuito do segundo capítulo desse trabalho é responder a essas questões.

4.2 TEOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: UM DIÁLOGO POSSÍVEL? 4.2.1 Teologia e direitos humanos em diálogo

O século XX constituiu-se num período de grandes

transformações nas diversas dimensões sociais. Após o período pós-guerra, experimentava-se uma nova fase de transformações em diversas partes do mundo: os movimentos populistas; as lutas pelos direitos civis; a liberação sexual; os movimentos feministas e outros movimentos populares faziam suas reivindicações e ganhavam cada vez mais expressão no cenário mundial. É nesse contexto que surge, a partir de reflexões sobre a condição da América Latina, a chamada “Teologia da Libertação”, que tinha como propósito principal a luta pela vida e expressava uma das frentes na luta contra a exploração do continente.88 Tal propósito identifica-se com a temática dos direitos humanos, uma vez que ambos têm como ponto de intersecção a afirmação dos valores essenciais para a vida. Disto resulta o fato de se procurar observar com maior profundidade o desenvolvimento e os pressupostos da Teologia da Libertação, a fim de compreender sua relação, ou não, com as temáticas relacionadas aos direitos humanos.

88 RICHARD, Pablo. Força ética e espiritual da Teologia da Libertação no contexto atual da globalização. Trad. Cristina Paixão Lopes. São Paulo: Paulinas, 2006, p.12.

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4.2.1.1 Teologia da Libertação no contexto latino-americano

A Teologia da Libertação é uma corrente teológica

que foi desenvolvida inicialmente na América Latina, entre as décadas de 1960 e 1970, inspirada na opção pelos pobres e na luta contra a pobreza pela libertação e emancipação dos pobres. Utiliza, como ponto de partida de sua reflexão, a situação de pobreza e exclusão social, que são interpretados à luz da fé cristã, possuindo como eixo articulador a libertação dos oprimidos e cativos. Este estado é entendido como produto de estruturas econômicas e sociais injustas, construído a partir das relações econômicas que expropriam as riquezas e as distribuem de modo desigual. Esta reflexão é influenciada pela visão das ciências sociais, sobretudo pela teoria da dependência na América Latina, que possui inspiração marxista.89

Essa corrente notabilizou-se na luta pela vida e pela justiça social frente ao sistema capitalista, somando-se a outras correntes ideológicas que protagonizavam o embate vivido durante o século XX.

No século XX, há dois marcos determinantes: a Revolução Russa (1917) e a queda do muro de Berlim (1989).90 Este século viveu sob a tensão entre o comunismo e o capitalismo, sendo que, em face dessa dicotomia

89 Teóricos como Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos, debruçaram-se em debater criticamente os principais elementos elaborados pela CEPAL (Comitê Econômico para as Nações Unidas da América Latina) de que o desenvolvimento na América Latina se daria pela industrialização. Baseados no materialismo dialético e histórico procuravam explicar o caráter e permanente do desenvolvimento capitalista desigual, que era baseado, sobretudo, na superexploração do trabalho. Ver: TRANSPADINI, Roberta; STÉDILE, João Pedro. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão popular, 1995, p. 28 e 29. 90 HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914 -1991. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia da Letras, 1995, p. 400.

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estabelecida por essas duas propostas, houve alguns atenuantes que fizeram partidos que não eram comunistas serem, conforme afirma Hobsbawm, “empurrados” para esse lado, tornando-se simpáticos a tal ideologia. Um exemplo clássico foi o Partido Comunista Cubano que, devido às campanhas antissocialistas da década de 195091 e os ideais da Guerra Fria, teve que tomar uma decisão, sendo impelido a seguir na direção do comunismo marxista e fazendo os latinos anti-imperialistas olharem Marx “com bondade”.92

A Revolução Cubana forçou uma redefinição de posições em relação aos padrões de integração social que correspondiam às alternativas de desenvolvimento da civilização mundial.93 No caso de Cuba, a prática sempre precedeu a teoria, ou seja, as lutas foram sendo travadas enquanto se traçavam as estratégias político-ideológicas.94

A bipolarização mundial contribuiu para a aproximação cada vez maior entre os revolucionários cubanos e os pressupostos teóricos marxistas, sendo que, inicialmente, a intenção de Fidel Castro era que a revolução tivesse caráter nacional; para Fidel, a revolução deveria ser “dos humildes, pelos humildes e para os humildes”.95 Não havia, nos primeiros anos da revolução, nenhuma definição sobre o seu caráter socialista.96

A Revolução Cubana (1959) pode ser tomada como parte do pano de fundo para o surgimento da TdL (Teologia

91 Um dos exemplos que podem ser citados nesse ponto é o famoso “caça às bruxas”, idealizado pelo senador McCarthy. Também conhecido como McCarthysmo, a campanha antissocialista tinha o intuito de erradicar toda e qualquer ameaça comunista. 92 HOBSBAWM, 1995, p. 427. 93 FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a revolução cubana. São Paulo: T.A. Queiroz, 1979, p. 4. 94 Ibid., p. 10. 95 Ibid., p. 89. 96 Essa posição só foi definida em abril de 1961.

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da Libertação) por tratar-se de um fato de suma importância, tanto para a América Latina, como para toda a comunidade mundial, pois se, por um lado, a revolução liderada por Fidel Castro, Ernesto “Che” Guevara, Raul Castro e demais militantes da frente revolucionária cubana teve a capacidade de despertar o ânimo dos jovens idealistas latino-americanos97, por outro, ela foi capaz de mobilizar setores como o serviço de inteligência estadunidense no combate ao regime cubano. As represálias às ameaças comunistas não ficaram somente em Cuba – por meio da invasão da Baía dos Porcos –, mas estenderam-se por todo o continente pelos diversos golpes militares:

A onda de regimes militares direitistas que começou a inundar grandes partes da América do Sul na década de 1960 – o governo militar jamais saíra de moda na América Central, com exceção do México revolucionário e da pequena Costa Rica, que na verdade aboliu seu exército após a revolução em 1948 – não respondia, basicamente, aos rebeldes armados. Na Argentina, eles derrubaram o caudilho populista de Juan Domingo Perón (1895-1974), cuja força estava na organização dos trabalhadores e na mobilização dos pobres (1955), após o que se viram retomando o poder a intervalos, pois o movimento de massa peronista se revelou indestrutível e não se pôde construir nenhuma alternativa civil estável (...). As forças Armadas tomaram o poder no Brasil em 1964 contra um inimigo bastante semelhante: os herdeiros do grande líder populista brasileiro Getúlio Vargas (1883- 1954), que se deslocavam para a esquerda no início da década de 1960 e ofereciam democratização, reforma agrária e ceticismo em relação à política americana.98

97 Florestan Fernandes trata da Revolução Cubana com exemplo de tomada de posição frente aos interesses capitalistas a ser seguido pelos países latino-americanos. 98 HOBSBAWM, 1995, p. 429.

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No Brasil, o Golpe civil-militar de 1964 contou com

o apoio da burguesia – além dos setores das forças armadas.99 Caio Prado Junior, ao analisar a evolução política, pontua que o papel do país frente aos interesses imperialistas caracterizou-se pela “frequente passividade”. Prado Júnior assegura que a burguesia brasileira sequer considerava imperialistas as inversões de capitais estrangeiros no país, o que revela a ausência do que se pode denominar consciência da “burguesia nacional”.100

Por isso destaca, em sua análise, que a função da burguesia nacional – fazer frente aos interesses imperialistas em prol dos interesses nacionais, visando o desenvolvimento do país – não pode ser aplicada ao contexto brasileiro.101 Para Prado Júnior, a mentalidade da burguesia brasileira não representou os interesses internos do país, mas “refletia os interesses internacionais”, sendo este um dos motivos que fez com que grande parte dela apoiasse o regime militar.102

4.2.1.2 América Latina na relação com o “primeiro mundo”

A América Latina, desde a chegada dos europeus,

entre o final do século XV e início do XVI, foi objeto de exploração do capital europeu e, mais tarde, do capital norte-americano. Tal relação justificaria a influência

99 Caio Prado Júnior entende por burguesia a maioria dos representantes dessa classe. O autor admite que alguns representantes individuais dela podem ter discordado da forma com que se negociava com o capital estrangeiro, entrado em conflito com tais interesses, mas, de forma geral, analisa que tais atitudes não passaram de setores isolados sem expressão relevante frente toda a classe. 100 PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 120. 101 Ibid., p. 121. 102 Para Caio Prado o conceito sociológico de burguesia nacional não pode ser aplicado à burguesia brasileira.

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intervencionista e o apoio aos regimes militares em todo o continente.103

Enrique Dussel destaca que a exploração europeia em terras latino-americanas se deu por haver uma ideologia que legitimava as práticas de expropriação das riquezas naturais, além do fato de o continente ser considerado a periferia da Europa.104 Dessa forma, o autor assegura que “a periferia da Europa serve assim de “espaço livre” para que os pobres, fruto do capitalismo, possam se tornar proprietários nas colônias”.105

Já Galeano analisa os principais pontos do que se pode denominar de “colonização” da América Latina, tratando-os como “veias abertas”. O autor destaca os aspectos dos períodos mais importantes, ressaltando suas devidas implicações.106 Como o recorte proposto para esse capítulo é o pós-guerra, apontaremos alguns fatores destacados por ele referentes a esse período.

A década de 1950 foi marcada pela industrialização na América Latina, promovida, em grande parte, pelos Estados Unidos da América (EUA). Os EUA estavam preparados para guiar os países não-desenvolvidos nessa empreitada, fazendo com que ela fosse controlada; tal controle tinha o intuito de evitar um golpe econômico fora

103 GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Trad. Galeano Freitas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 14. 104 Para Dussel, a expressão “descobrimento” deve ser substituída por “encobrimento”, uma vez que as investidas europeias na América Latina foram sempre no intuito de encobrir o que aqui se achou (costumes, povos, culturas, etc.). Nesse sentido, desenvolve sua teoria criticando o pensamento eurocêntrico e a noção de Modernidade a partir das chamadas Grandes Navegações. 105 DUSSEL, Enrique. Mil quatrocentos e noventa e dois: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Trad. Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 23. 106 GALEANO, 1983, 200.

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da égide norte-americana.107 Entre 1957 e 1964, duplicaram-se as vendas das filiais norte-americanas, enquanto suas importações, sem incluir os equipamentos, “multiplicaram-se por mais de três”.108

O contexto em que a América Latina encontrava-se nos primeiros anos da segunda metade do século XX era de dependência do capital estrangeiro e de forte influência em sua política econômica, principalmente por parte dos EUA. Esse é um dos fatores que explicam a repressão aos movimentos populares e políticos que contestam o status quo. Conforme Galeano, não só houve repressão a tais movimentos como também embargo em relação aos países comunistas:

As alavancas fundamentais do comércio exterior ficam, assim, em mãos das empresas norte-americanas ou européias que orientam a política comercial dos países, segundo o critério de governos e diretorias alheias à América Latina. Assim como as filiais dos Estados Unidos não exportam cobre à URSS nem a China vende petróleo a Cuba, tampouco se abastecem de matérias-primas e maquinárias nas fontes internacionais mais baratas e convenientes.109

Na década de 1960, crescia uma mentalidade

denominada “terceiro mundismo”110, em que havia a crença de que o mundo seria emancipado pela libertação de sua periferia empobrecida e agrária, explorada e forçada à dependência pelos países-núcleos. Essa corrente tomou conta de grande parte dos teóricos de esquerda do chamado

107 Ibid., p. 260. 108 Idem. 109 Ibid., p. 261. 110 HOBSBAWM, 1995, p. 431.

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Primeiro Mundo.111 Compreende-se que o sujeito histórico havia se adaptado ao tempo em que se vivia, pois, se outrora o proletariado foi visto como sujeito histórico de vanguarda, agora haviam novos sujeitos que, paulatinamente, ganhavam espaço no cenário das lutas sociais.

De acordo com Hobsbawm, nos notáveis países do capitalismo industrial não havia a crença de que a clássica perspectiva de revolução social e ação de massa lograriam êxito. Contudo, mesmo no auge do que o autor denomina “prosperidade ocidental”, os governos, subitamente, se viram diante de algo que não apenas parecia a “velha revolução”, mas também revelava a fraqueza de tais regimes, que se demonstravam aparentemente firmes: era o movimento estudantil:

Em 1968-9, uma onda varreu os três mundos, ou grande parte deles, levada essencialmente pela nova força social dos estudantes, cujos números se contavam agora às centenas de milhares mesmo em paises ocidentais de tamanho médio, e logo se contariam aos milhões. Além disso, seus números eram reforçados por três características políticas. Eram facilmente mobilizados nas enormes usinas de conhecimento que os continham, deixando-os ao mesmo tempo mais livres que os operários em fábricas gigantescas. Eram controlados em geral nas capitais, sob olhos dos políticos e das câmeras dos meios de comunicação. E sendo membros das classes educadas, muitas vezes filhos da classe média estabelecida, e – quase em toda parte, mas, sobretudo no Terceiro Mundo – base de recrutamento para a elite dominante de suas sociedades, não eram tão fáceis de metralhar quanto as classes mais baixas.112

111 HOBSBAWM, 1995, p. 431. 112 Idem.

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A revolta estudantil de fins da década de 1960 foi o

último ataque da revolução mundial. Ela foi revolucionária tanto no antigo sentido utópico de buscar uma inversão permanente de valores e uma nova sociedade perfeita, quanto no sentido operacional de procurar realizá-la pela ação nas ruas e barricadas. Foi global, pelo fato de que o mundo em que viviam os ideólogos dos estudantes era global. Os mesmos livros eram publicados nas livrarias das diversas partes do mundo, quase que simultaneamente. Dessa forma, os turistas da revolução cruzavam o mundo falando a mesma língua.113

A década de 1960 também ficou marcada por novos fenômenos latino-americanos, que se constituíram em uma novidade que era, ao mesmo tempo, intrigante e perturbadora. Tratava-se do surgimento de padres católico-marxistas, que apoiavam, participavam e lideravam insurreições:

A tendência, legitimizada por uma “teologia da libertação”, apoiada por uma conferência episcopal na Colômbia (1968), surgira após a Revolução Cubana e encontrara poderoso apoio intelectual no setor mais inesperado, os jesuítas, e na menos inesperada oposição do Vaticano.114

Tais fatores emergiram como catalisadores no

processo de gestação de um novo fazer teológico, e contribuíram com o momento histórico vivido na história da América Latina nos anos 1960 e 1970.

113 Idem. 114 HOBSBAWM, 1995, p. 438 e 439.

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4.2.1.3 Teologia da Libertação no contexto brasileiro

No Brasil, os pontos que podem ser tomados como

pano de fundo para o nascimento da TdL são a posse do presidente da República, João Goulart (1962), e o Golpe Militar (1964). Faremos, então, uma sucinta abordagem do governo de Jango, como era popularmente conhecido.

Desde o início da década de 1950, houve um avanço dos movimentos sociais e o surgimento de novos atores. Alguns setores, como o campo, que outrora haviam sido esquecidos pelo governo populista, começaram a se mobilizar, dando origem a um importante movimento do período, chamado Ligas Camponesas.115

Essas Ligas surgiram na década de 1950, entretanto, foi na década de 1960 que ganharam força, transformando-se no maior movimento agrário do país. Lideradas por Francisco Julião, contaram, a partir de 1961, com o apoio da Igreja Católica e do PCB. Inaugurava-se, nesse momento, um período de intensas ocupações de terras nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e no Nordeste.116

Durante o governo de Jango, os estudantes, por meio da UNE, também se mobilizavam e radicalizavam suas propostas de transformação, passando, inclusive, a intervir diretamente no jogo político. No que diz respeito à Igreja Católica, mudanças significativas começaram a acontecer.117 Houve, nesse período, diversas posições tomadas pelos seus líderes, que iam desde o ultraconservadorismo até aberturas à esquerda, típicas da Juventude Universitária Católica (JUC).

A Igreja Católica desenvolvia, nesse período, várias ações no meio estudantil, com o intuito de que houvesse

115 FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2008, p. 443. 116 GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo, Loyola, 2003, p. 101. 117 FAUSTO, 2008, p. 446.

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maior participação dos estudantes na política. Toda a orientação era feita por meio da leitura humanista do Evangelho.118 O resultado dessa iniciativa foi a criação de lideranças, que ganhariam, nos anos posteriores, projeção nacional.119

Ainda no que tange ao cenário político, o que marcou o período foram algumas mudanças que ocorreram em relação às Forças Armadas. A mudança mais significativa foi a formulação de uma nova doutrina, elaborada pelos militares durante a Guerra Fria, e que ganhou contornos mais nítidos após a Revolução Cubana.120 Havia um interesse em conter as influências comunistas; por isso, surgiu a doutrina da segurança nacional, que foi gerada na Escola Superior de Guerra.121

O governo de João Goulart começou com algumas limitações devido ao sistema parlamentarista. Em janeiro de 1963, o sistema presidencialista voltara, e João Goulart assumia, de vez, o governo. Suas medidas - que visavam reformas nos mais diversos setores da sociedade brasileira - motivaram, no ano seguinte, o Golpe Militar, liderado por militares que eram apoiados por políticos conservadores. É nesse contexto de confronto (de um lado, as tentativas de ascensão de diversos movimentos sociais e, de outro, a supressão da liberdade pelo regime militar) que surge a TdL. Foi um período marcado por disputas políticas e pela ascensão dos movimentos sociais.

De acordo com Leonardo Boff, a TdL nasceu em meio à “reivindicação dos movimentos populares que tomaram consciência”, nos anos 50 e 60, da exploração

118 GOHN, 2003, p. 96. 119 Uma das lideranças, que ganhou projeção nacional tendo sido formada politicamente por essas iniciativas da Igreja Católica, foi o frei dominicano Carlos Alberto Libânio, conhecido popularmente como Frei Betto. 120 FAUSTO, 2008, p. 452. 121 Fundada em agosto de 1949.

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capitalista promovida pelos governos populistas. Tais reivindicações provocaram o surgimento de “ditaduras militares em toda a América Latina”.122 Não obstante, havia, por parte dos países capitalistas, interesse em conter a influência socialista de Cuba, que serviu, na verdade – principalmente no contexto latino-americano –, como contraponto à política econômica que vigorava em todo o continente.

Em meio ao contexto dos golpes militares, que ocorriam em todo o continente latino-americano, e da dependência econômica, provocada por um modelo excludente, observou-se a necessidade de dialogar temas concernentes à Igreja e à sociedade. Por conseguinte, foi, aos poucos, sendo gestada uma teologia em que se contestasse a injustiça e a exploração gerada por um modelo econômico excludente.

Na década de 1950, no meio protestante brasileiro, foi realizada, na cidade de São Paulo, uma conferência para discutir as relações entre as igrejas e a sociedade.123 Tal evento inspirou a articulação de esforços de diferentes setores evangélicos preocupados com a relação igreja-sociedade e as diversas expressões nacionais da sociedade latino-americana. Essa conferência influiu nos esforços desenvolvidos por setores mais politizados e teologicamente mais abertos que faziam parte da série de encontros continentais conhecidos como “Conferências Evangélicas Latino-Americanas” (CELAS). É a partir desses empenhos que se cria, em 1961, a “junta Latino-Americana de Igreja e

122 BOFF, Clodovis; BOFF, Leonardo. Como fazer teologia da libertação. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 110. 123 TEIXEIRA, Faustino; DIAS, Zwinglio Mota. Ecumenismo e dialogo inter-religioso: a arte do possível. Aparecida, SP: Editora Santuário, 2008, p. 64.

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Sociedade”, que posteriormente passou a ser conhecida como ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina).124

O marco efetivo desse período foi a realização, em 1962, no Recife, da chamada Conferência do Nordeste, terceira de uma série de encontros sobre as relações de Igreja e Sociedade, que marcaram de forma decisiva o meio protestante brasileiro.125

Carlos Cunha, secretário executivo da Conferência do Nordeste, pontua que a conferência, na verdade, foi o resultado de um processo que se iniciou na década de 1950. Tal processo tinha o intuito de estudar as relações da Igreja com a sociedade. Inicialmente, as reflexões eram feitas a partir de bases bíblicas, porém, paulatinamente, as ciências sociais foram ganhando espaço, culminando na Conferência do Nordeste, que, segundo Cunha, foi a primeira vez que as igrejas, de expressão evangélica, se aventuraram a escutar as vozes de cientistas sociais e lideranças populares não-evangélicas, “na cratera de um vulcão que era o Nordeste brasileiro”.126

Tem-se, também, nesse período, no meio teológico católico, certa tendência de liberdade e criatividade, estimulada, principalmente, pelo Concílio do Vaticano II (1962-65). Este concílio foi considerado um marco para a Igreja Católica no século XX, pois foi visto por muitos como uma tentativa de modernizar a Igreja.127 A abordagem de vários temas estimulou a coragem de muitos teólogos a

124 Idem. 125 Ibid., p. 65. 126 CUNHA, Carlos. Conferência do Nordeste: um aperitivo. Contexto Pastoral. Campinas: CEBEP/CEDI. n. 8, junho de 1992, p.2, caderno debate, p. 2. 127 Sobre as transformações eclesiais a partir do Concílio Vaticano II existe uma vasta bibliografia. Para uma melhor interpretação desta temática, veja: PALÁCIO, Carlos. A identidade problemática: em torno do mal-estar cristão, em Perspectiva Teológica, 21 (1989) 151-177.

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134 Educação especial e direitos humanos

pensar em questões pastorais que respondessem aos dilemas e contradições do sistema:

Teólogos como Gustavo Gutierrez, Segundo Galilea, Juan Luis Segundo, Lucio Gera e outros do lado católico e, do lado protestante, Emílio Castro, Júlio de Santa Ana, Rubem Alves e José Miguez Bonino começaram, mediante encontros, a aprofundar as reflexões sobre a relação entre fé e pobreza, evangelho e justiça social. No Brasil, a esquerda católica produziu entre 1959-1964 uma série de textos básicos sobre a necessidade de um ideal histórico cristão (Pe. Almery Bezerra, Pe. H. de Lima Vaz, DCE-PUC do Rio de Janeiro), ligando a uma ação popular, cuja metodologia já prenunciava a Teologia da Libertação; urgia-se um engajamento pessoal na realidade, decodificada mediante o estudo das ciências do social e do homem e iluminada pelos princípios universais do cristianismo.128

Algumas obras clássicas surgiram nesse período e

tiveram muita relevância para o pensamento da TdL. Cláudio de Oliveira Ribeiro elenca algumas delas:129

• Da esperança. Papirus, Campinas -SP 1987 [1968], de Rubem Alves;

• Teología de la Liberación, CEP, Lima-Peru 1971, de Gustavo Gutiérrez (tradução para o português:

128 BOFF, C.; BOFF, L., 1989, p. 111 e 112. 129 RIBEIRO, Cláudio de Oliveira. A Teologia da Libertação morreu? Um panorama da Teologia Latino-Americana da Libertação e questões para aprofundar o debate teológico na entrada do milênio. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, v. 250, n. 63, 2003, p. 323-324.

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Teologia e direitos humanos... 135

Teologia da Libertação. Vozes, Petrópolis – RJ 1975);130

• Teologia e prática: teologia do político e suas meditações. Vozes, Petrópolis – RJ, 1978, de Clodovis Boff;

• Como fazer Teologia da Libertação. Vozes/IBASE, Petrópolis – RJ/ Rio de Janeiro 1986, de Clodovis Boff & Leonardo Boff;

• As obras de Leonardo Boff: Jesus Cristo libertador (1972); A fé na periferia do mundo (1978); Igreja, carisma e poder: ensaios de eclesiologia militante (1981); Vida segundo o Espírito (1981) e Do lugar do pobre (1984). Todos esses livros foram publicados pela editora Vozes, Petrópolis-RJ.

Quanto aos aspectos concernentes à avaliação metodológica, Ribeiro destaca as seguintes obras: Teologia da Libertação: política ou profetismo? Visão panorâmica e crítica da teologia latino-americana, Loyola, São Paulo-SP 1977, de Alfonso Garcia Rubio; Teologia da Libertação: roteiro didático para um estudo, Loyola, São Paulo-SP 1987, de João Batista Libânio; Fé e eficácia: uso da sociologia na Teologia da Libertação, Loyola, São Paulo - SP 1991, de Paulo Carneiro de Andrade; e Teologia & Economia: repensando a teologia da libertação e utopias , Petrópolis –RJ 1994, de Jung Mo Sung.131

4.2.1.4 Teologia como instrumental marxista

A novidade metodológica da TdL, de acordo com

Ribeiro, está no “apelo prático”, na “sensibilidade especial em relação à realidade desumana” e opressiva vivida pelas populações empobrecidas e socialmente marginalizadas, e

130 Nessa obra o autor sistematiza a partir de um ponto de vista teológico as experiências de libertação vividas na América Latina. É, sobretudo, nesse trabalho que ficou consagrado o método ver-julgar-agir. 131 RIBEIRO, 2003, p. 324.

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também em relação à “valorização das experiências de leitura popular da Bíblia”. Paulatinamente, surgia uma nova forma de ser da Igreja. Tal forma estava vinculada às possibilidades de transformação social e política, evidenciadas nas décadas de 1960 e 1980, possuindo como um de seus objetivos principais a busca de uma sociedade justa, igualitária, participativa e firmada nos princípios de justiça social.132

Essa proposta representou, desde seus primórdios, uma contraposição ao modelo econômico capitalista, sobretudo devido a sua forma segregacionista de ser: concentrador de riquezas em benefício de grupos minoritários, principalmente quando se trata da utilização dos países periféricos em relação aos centrais. Sendo assim, a perspectiva teológico-pastoral da TdL representou também uma contraposição à visão desenvolvimentista surgida nos anos de 1950. Tratava-se, portanto, de um novo referencial teórico da realidade, baseado nos estudos científicos que emergiam especialmente no campo sociológico.133

A utilização das ciências sociais foi o ponto de partida de reflexão da TdL. A presença da teoria da dependência nas primeiras obras da TdL é inegável. Nesse ponto, destaca-se a figura de Clodovis Boff, devido ao seu trabalho de fundamentação sistemática, dada a necessidade de uma mediação sócio analítica.134

A América Latina, na década de 1950, havia sido influenciada pelos Estados Unidos. Em vários países foi implantada a visão desenvolvimentista, que se baseava no incentivo de poupança capaz de gerar um capital acumulado que, investido em setores produtivos, seria capaz de gerar aumento do Produto Interno Bruto. Na falta de capital

132 Idem. 133 Ibid., p. 327. 134 MO SUNG, Jung. Teologia e economia: repensando a teologia da libertação e utopias. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 94.

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suficiente, ele deveria ser buscado fora do país. Dentre outros mentores dessas articulações, estão o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Comitê Econômico das Nações Unidas para a América Latina (CEPAL).135

Em contraposição a essa concepção desenvolvimentista surgiram diferentes interpretações da realidade social; em especial, podem ser destacadas as produções teóricas de Celso Furtado, Theotônio dos Santos, Fernando Henrique Cardoso, Enzo Falleto e Rui Mauro Marine. Esses são os chamados precursores da teoria da dependência.

A análise de conjuntura dos teólogos da libertação foi feita com o instrumental marxista, no qual a sociedade é vista por intermédio das relações dialéticas entre opressores e oprimidos, dominadores e dominados. Jung Mo Sung afirma:

Frente a alguns que pudessem ver na teoria da dependência um pensamento desvinculado do marxismo, situando-a dentro do estruturalismo, Gutierrez já esclarecia que “só a análise de classes permitirá ver o que está realmente em jogo na oposição entre países oprimidos e povos dominantes. (...) Por isso a teoria da dependência equivocaria seu caminho e levaria ao engano se não situasse sua análise no marco da luta de classes que se desenrola em nível mundial.136

Para o desenvolvimento da TdL, havia uma

necessidade vital da ciência sociológica para a realização completa de sua tarefa: a “libertação dos oprimidos”. Todavia, Alfonso Garcia Rubio ressalta que a sociologia funcionalista não pode ajudar, dado que evita

135 RIBEIRO, 2003, p. 327. 136 MO SUNG, 1994, p. 96.

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metodologicamente as questões para as quais a TdL busca uma base científica. Para ele, o marxismo pretende “evidenciar a mentira social” e, para isso, elaborou um instrumental analítico científico. Em sua opinião, o cristão deve “regozijar-se” e “alegrar-se” com o fato desse instrumental ser empregado também para manifestar a “ideologização da própria Igreja” e da reflexão teológica.137

Diante da realidade social (pobreza e opressão) vivida na América Latina – no contexto do surgimento da TdL –, Michael Löwy destaca que o marxismo “aparece aos olhos dos teólogos como a explicação mais sistemática, coerente e global das causas da pobreza”, sendo também a única proposição “suficientemente radical” para a sua abolição. A luta pelos pobres sempre foi uma tradição milenar da Igreja, que remonta, inclusive, às origens do cristianismo. Sendo assim, os teólogos latino-americanos se situaram em continuidade a essa tradição que lhes serviu constantemente de referência e inspiração. Nesse sentido, o instrumental marxista não serve somente para a emancipação dos trabalhadores, mas para todos os oprimidos pelo sistema capitalista, pois quando se cunha o termo pobre, ele não se restringe somente àquele que é desprovido de bens e dinheiro, mas o termo é carregado de significações “morais, bíblicas e religiosas”.138

O emprego da análise marxista em luta de classes não foi usado na TdL somente como instrumento de análise, mas como guia para a ação, ao passo que se torna uma peça essencial para a chamada Nova Igreja dos pobres.139

137 GARCIA RUBIO, Alfonso. Teologia da libertação: política ou profetismo? Visão panorâmica e crítica da teologia política latino-americana. São Paulo: Loyola, 1977, p. 225. 138 LÖWY, Michael. Marxismo e teologia da libertação. Trad. Myrian Veras Baptista. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1991, p. 95 e 96. 139 Ibid., p. 97.

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Teologia e direitos humanos... 139

O teólogo da libertação, de acordo com Luigi Bordin,

ao pensar sua teologia, deve ter uma “clara consciência” de seu lugar social, o mesmo precisa partir da opção prática “ético-política” das classes dominadas. Feito isso, evidencia-se a necessidade de uma análise adequada da realidade social. Nesse ponto o marxismo se faz importante, pois, ainda segundo o mesmo autor, a opção pelos pobres, em si, não garante a qualidade de análise. Esta tem que ser feita com a utilização de um instrumental adequado, a mostrar, principalmente, “os mecanismos geradores da pobreza e os caminhos que levam à libertação”.140

A escolha de uma teoria social adequada pode ser feita a partir de duas ordens de critérios, a saber, os critérios científicos e os éticos. No que tange aos critérios científicos, a teoria escolhida deve ser a mais explicativa; já no que diz respeito aos critérios éticos, o determinante são os valores que parecem mais adequados em face do próprio projeto de vida e da própria opção política.

Na medida em que parte da opção pelos pobres e pela classe operária, a TdL considera “mais coerente e mais adequada a análise marxista”, pois é no bojo do projeto histórico que essa análise “surge para os movimentos populares”. Tal análise se revela importante para a compreensão dos “mecanismos de opressão da ordem social imperante”, pois o que os explorados sociais questionam é o sistema, uma vez que não seria possível viver e pensar a fé desvinculada desse questionamento141.

Bordin ainda destaca que, depois da análise científica da realidade, necessita-se de um segundo estágio, que é “interpretá-la teologicamente”; isso se dá à luz da “fé e da Bíblia”. Tem-se, então, a necessidade da interpretação do

140 BORDIN, Luigi. Marxismo e teologia da libertação. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1987, p. 73. 141 BORDIN, 1987, p. 74.

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texto – hermenêutica –, uma vez que a Palavra de Deus “não se encontra nem na letra da Escritura nem no espírito da comunidade auditora, mas entre os dois, em relação mútua dinâmica, nesse movimento de vaivém nunca perfeitamente objetável”142:

No que se refere à Teologia da Libertação, é importante captar a articulação entre os dois momentos – o sócioanalítico e o hermenêutico. Depois do primeiro momento, em que a análise científica decodifica criticamente a realidade, intervém o momento em que esta mesma realidade é interpretada teologicamente, isto é, à luz da fé e da Palavra de Deus testemunhada nas Escrituras. “Trata-se de uma verdadeira prática teórica mediante a qual se produzem conhecimentos teológicos: há uma matéria-prima (realidade decifrada analiticamente) sobre a qual se aplicam instrumentos teóricos (categorias teológicas) que transformam num produto teológico (leitura teológica da realidade social).143

A partir disso, pode-se compreender como a TdL

busca a articulação com a realidade e propõe a superação da mesma por meio das reflexões ancoradas na fé e com a mediação das ciências sociais.

4.2.1.5 Teologia e direitos humanos: um diálogo possível

A teologia latino-americana da libertação, desde seu

nascedouro, notabilizou-se pela contestação das estruturas injustas de opressão, assim como pela luta em prol da vida, da justiça e da dignidade humana. Dessa maneira, constitui-

142 Ibid., p. 75. 143 Idem.

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Teologia e direitos humanos... 141

se em uma das principais correntes de contestação frente à injustiça social do século XX.144 a) Teologia e direitos humanos: uma luta em prol da vida

José Miguez Bonino, teólogo metodista argentino, chama atenção para a responsabilidade dos evangélicos latino-americanos em relação à política: “Em nosso contexto latino-americano, mal se pode falar de política sem referir-se aos direitos humanos”.145 Sua opinião é de que o continente carece de melhor abordagem bíblico-teológica sobre o ponto de intersecção entre os direitos humanos e a Teologia da Libertação: a vida.

Bonino se dedica a analisar, à luz da teologia, a vida proposta nas escrituras, apontando para as contribuições da teologia latino-americana em relação à temática dos direitos humanos. Para o autor, um dos importantes papéis desempenhados com êxito pela TdL é o discurso de “fé em defesa da vida”, salientando que os teólogos sempre compreenderam a vida como um dom de Deus e que “todas as formas de vida provêm de dele”.146 Dessa maneira, destaca que ela não pode ser compreendida simplesmente como subsistência, mas como plenitude. Depreende-se disso que para Bonino as lutas pelos direitos humanos na América Latina estão em consonância com o cerne da teologia147,

144 LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina. Trad. Vera Mello Joscelyne. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 58-61. 145 En nuestro contexto latinoamericano, mal se puede hablar de política sin referirse a la lucha por los derechos humanos. BONINO, José Miguez. Poder del evangelho y poder político: la participación de los evangélicos em la política en América Latina. Kairos ediciones: Buenos Aires, 1999, p. 49. 146 Ibid., p. 54. 147 Ibid., p. 56 e 57.

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142 Educação especial e direitos humanos

sendo, inclusive, inexorável a responsabilidade da promoção e luta pela vida, que se põe frente ao teólogo:

Essa responsabilidade não conhece exceções nem condições: se trata de toda a vida, e particularmente de toda vida humana. Não podemos eleger por preferências ou seleções ideológicas ou qualquer outra ordem o âmbito da responsabilidade. Onde apareça uma forma humana, há um direito inapelável a vida e portanto um dever indeclinável de defendê-la e protegê-la. A questão acerca dos direitos humanos não é, para nós, uma mera lei humana, por importante que seja: o que está em jogo é nossa obediência ao Deus da aliança, mas ainda o convite e o chamado em ser <<colaboradores com Deus>> na promoção da vida.148

Tem-se, a partir dessa afirmação, o diálogo perfeito

entre a TdL e a temática dos direitos humanos, uma vez que ambas as áreas do conhecimento têm como intuito a promoção da vida e a luta contra os mecanismos de dominação que perpetuam a injustiça. Sendo assim, a afirmação de Bonino equipara o fazer teológico com a luta e a conquista pelos direitos humanos apontada por Norberto Bobbio:

Partimos do pressuposto de que os direitos humanos são coisas desejáveis, isto é, fins que merecem ser

148 Esa responsabilidad no conoce excepiciones ni condicionamentos: se trata de toda vida, y particularmente de toda la vida humana. No podemos elegir por preferencias o selecciones ideológicas o de cualquer outro orden el ámbito de la responsabilidad. Donde aparezca una forma humana, hay um derecho inapelable a la vida y por lo tanto un deber de defenderla y protegerla. La cuestion la cerca de los derechos humanos, no es, para nosotros, una mera ley humana, por importante que sea: lo que está em juego és nuestra obediencia al Dios de pacto, mas aún la ivitación y el llamado a ser << colaboradores con Dios>> en la promoción de la vida. Ibid, p. 61.

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Teologia e direitos humanos... 143

perseguidos, e de que, apesar de sua desejabilidade, não foram ainda todos eles (por toda a parte e em igual medida) reconhecidos; e estamos convecidos de que lhes encontrar um fundamento, ou seja, aduzir motivos para justificar a escolha que fizemos e que gostaríamos fosse feita também pelos outros, é um meio adequado para obter para eles um mais amplo reconhecimento.149

Essa afirmação de Bobbio coaduna a temática dos

direitos humanos e a teologia latino-americana, evidenciando as consonâncias existentes entre ambas e apontando o horizonte, sempre dinâmico, que as perpassa. b) Teologia da Libertação e a controvérsia em torno do debate estrutural

Na visão de Franz Josef Hinkelammert, não há

possibilidade de se abordar a temática dos direitos humanos desvinculando-os do contexto em que os indivíduos estão inseridos. Se esse contexto não for levado em conta, corre-se o risco de, em nome dos direitos humanos, violá-los.150 Nesse sentido, torna-se necessário repensar a dimensão da teologia em relação à estrutura da sociedade no que tange à ação política.

A ação política precisa levar em conta o fator dialético entre o sujeito e a estrutura, pois as demandas do sujeito humano exigem as satisfações das necessidades vitais em toda a sua amplitude, de maneira que “as estruturas são mediações de relações entre sujeitos”.151

149 BOBBIO, 2004, p. 35 e 36. 150 HINKELAMMERT, Franz Josef. La fe de Abraham y el edipo occidental. San José: DEI, 1989, p. 78. 151 Las estructuras son mediatizaciones de las relaciones entre sujeitos. Ibid., p. 79.

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144 Educação especial e direitos humanos

A discussão em torno da temática é desenvolvida a

partir da releitura da história do personagem bíblico Abraão, que a pedido de Deus leva seu filho para ser sacrificado, mas no momento do sacrifício não o faz. Tem-se, então, por meio da ação política orientada pela fé, a ruptura com uma norma instituída em prol da vida. Isso é o que Hinkelammert aponta como mediações possíveis em prol da vida: dialogar, de forma constante, entre a estrutura e as necessidades dos seres humanos.152

A polêmica em torno da questão estrutural foi um tema que perpassou o debate teológico da TdL. Alguns de seus principais expoentes dedicaram seus esforços em debater a temática, tendo como horizonte norteador o “Reino de Deus”.153

Mo Sung ressalta que “equívocos” foram cometidos por alguns teólogos no tocante a questão estrutural da sociedade.154 Segundo ele, a proposta de “implantação do Reino de Deus”, ou seja, da historicização do Reino, por exemplo, não é plausível.155 Não obstante, deve-se atentar para o perigo de se absolutizar sistemas estruturantes.156 A interpretação da sociedade vai determinar a forma de se relacionar com os sistemas políticos. Dessa maneira, a

152 HINKELAMMERT, 1989, p. 78. 153 Dentre os teólogos que defenderam tal posição se destacam os irmãos Boff. Ver: BOFF, Clodovis; BOFF, Leonardo. Como fazer teologia da libertação. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 128 e 129. 154 Jung Mo Sung ressalta que teólogos como: Frei Betto, João Batista Libânio e Gustavo Gutierrez confundiram o horizonte utópico do Reino de Deus com estruturas política históricas, ou seja, houve certa imbricação de conceitos. Dessa maneira, faz apontamento sobre tais questões. Ver: MO SUNG, Jung. Teologia e economia: repensando a teologia da libertação e utopias. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 211-218. 155 ASSMANN, Hugo; MO SUNG, Jung. Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres. São Paulo: Paulus, 2010, p. 101. 156 HINKELAMMERT, Franz J. Critica a la razon utopica. San José: DEI, 1984, p. 112.

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Teologia e direitos humanos... 145

transcendentalização, ou absolutização, seja do capitalismo ou do socialismo, por exemplo, tende a constituir-se em idolatria. Conforme afirma Franz Hinkelammert:

Cada uma dessas correntes tem sua posição a partir de seu marco teórico-categorial: se existe Deus, é tal como Deus. Por esta razão qualquer teórico – seja conservador, burguês, anarquista, socialista ou marxista –, pelo menos alegoricamente, estabelece sua imagem respectiva de Deus e do diabo157.

Pode-se considerar um desvio teológico pressupor a

realização absoluta da utopia do Reino de Deus na história da humanidade; ou seja, por se constituir em utopia, o Reino de Deus deve nortear ações práticas no cotidiano, mas de forma alguma sua realização por completa, na história, é possível.158 A proposta de libertação pode ser feita da seguinte maneira: “na luta contra situações sociais desumanizadoras e opressoras e nas práticas de libertação dentro das possibilidades humanas”, levando em consideração suas limitações históricas.159

Necessita-se, portanto, reconhecer as limitações, tanto dos sistemas estruturantes, quanto as relacionadas à antropologia humana. Procedendo dessa forma, pode-se construir um projeto de sociedade que não se conforme com a opressão e a injustiça, mas que ao mesmo tempo não tenda para a absolutização de nenhum sistema político. Mo Sung destaca que

157 Cada una de estas corrientes tiene su posición a partir de su marco teórico-categorial: si existe Dios, es tal y cual Dios. Por esta razón cualquier teórico – sea conservador, burguês, anarquista, socialista o marxista –, por lo menos alegóricamente, estabelece su imagem respectiva de Dios y del diablo.112 158 ASSMANN; MO SUNG, 2010, p. 101. 159 Ibid., p. 165.

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Na medida em que não se espera do ser humano mais do que ele pode dar, a convivência se torna mais humana. Além disso, isso nos ajuda a construir um projeto de uma sociedade alternativa mais realista e eficiente porque nos leva a criar mecanismos de controle e de correção no interior do próprio projeto.160

Ribeiro, ao tratar dos temas inerentes a TdL, atenta

para as discussões em torno da cidadania e da dignidade humana. Na visão do autor, o desafio que se põe frente a essas questões é o de articular as diversas demandas estruturais da sociedade com os “desafios do cotidiano”.161 Ribeiro aponta para a necessidade de renovação acerca da reflexão sobre tais questões:

Para isso, não basta a reflexão sobre as intenções pessoais. É necessário descobrir como a estruturação social nelas intervém e quais os conflitos inevitáveis com os interesses dos outros com os quais cada um necessita conviver.162

A contestação das estruturas injustas, que sempre

caracterizou a TdL, faz-se presente na medida em que se atenta para o apelo da renovação da reflexão em torno das demandas sociais. Dessa maneira, Ribeiro atenta para a necessidade de se conjugar “saberes acumulados de experiências do passado” com as reflexões sobre os desafios do presente para uma “prática libertadora”.163

Pode-se observar que a teologia, a exemplo dos direitos humanos, tem a missão de renovação constante frente à realidade. Nesse sentido, ambas as áreas constituem-se em permanente renovação:

160 ASSMANN; MO SUNG, 2010, p. 166. 161 RIBEIRO, Cláudio de Oliveira. A teologia da libertação morreu?: reino de Deus e espiritualidade hoje. São Paulo: Fonte Editorial, 2010, p. 150. 162 Idem. 163 Idem.

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O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua se modificando, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc.164

Nota-se que há diversos pontos em comum entre a

temática dos direitos humanos e a TdL, sendo o eixo principal a promoção da vida e da dignidade humana. Outro fator importante é o fato de que ambas as áreas do saber estão em constante renovação, pois são pensadas a partir das demandas do cotidiano.

Conclui-se com isso que a temática dos direitos humanos se constitui em um dos principais temas da TdL. Nesse sentido, qualquer tentativa de se fazer teologia vinculada a essa corrente que não leve em conta essa dimensão torna-se incompleta, não abarcando seu eixo principal.

As tentativas de se pensar, tanto a teologia como a temática dos direitos humanos, necessitam de uma aplicação prática. Dessa maneira, não se pode isentar de apontar caminhos que visem a superação dos dilemas enfrentados no cotidiano. Buscar-se-á, a partir dos conceitos e reflexões trabalhados até o presente momento, encontrar pistas que nos levem a superação dos mesmos por meio de uma práxis pastoral.

O terceiro capítulo tem por intuito conjugar a temática dos direitos humanos e a teologia, no apontamento de pistas para ação pastoral. Por meio da comparação entre os assuntos elencados, a pesquisa buscará estabelecer bases para uma teologia pastoral que contemple as demandas do contexto latino-americano e, em especial, do brasileiro.

164 BOBBIO, 2004, p. 38.

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148 Educação especial e direitos humanos

4.3 APONTAMENTOS PARA UMA PRÁXIS PASTORAL EM DIREITOS HUMANOS 4.3.1 Fundamentos da práxis

Adolfo Sánchez Vázquez, ao investigar o processo de

desenvolvimento histórico da práxis, constata que os filósofos gregos, inicialmente, “ignoravam e reprimiam o mundo prático”, por considerá-lo indigno dos homens livres e somente “apropriado para os escravos”.165 Na Antiguidade, o ser humano fazia-se a si mesmo dedicando-se à atividade contemplativa e intelectual, mas ignorando a atividade prática, ou seja, dava-se mais valor às atividades ligadas à filosofia reflexiva do que às atividades práticas.166

Essa concepção tem maior expressão no pensamento de Platão. Vázquez defende que, para o filósofo, a vida teórica como contemplação expressa o sentido da vida plena, o que em outras palavras significa afirmar que viver é contemplar. “A vida plena é alcançada mediante a libertação em relação a tudo que nesse mundo empírico obstaculiza essa contemplação das ideias perfeitas, imutáveis e eternas”.167 Para Platão teoria e prática são coisas distintas, cabendo ao ser humano livre (filósofos e políticos) viver plenamente em estado de contemplação, e aos demais (escravos), a práxis.

Aristóteles elabora seu pensamento na mesma linha de seu mestre; porém, avança em relação à reflexão de Platão. Apesar de reconhecer a superioridade do mundo teórico (contemplativo) sobre o prático, propõe que a práxis é algo inerente ao ser humano, constituindo-se basicamente no trabalho.168 Casiano Floristán defende que, para Aristóteles, a

165 VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Trad. Luiz Fernando Cardoso. São Paulo: Paz e Terra, 1990, p. 17. 166 Idem. 167 VÁZQUEZ, 1990, p. 18. 168 Idem.

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simples “participação cidadã” no cotidiano da pólis169 “constitui-se em práxis”.170

Santos Junior observa que, em Aristóteles, a práxis pode ser entendida “como trabalho humano distinto da técnica e da arte, que entranha uma opção ética”.171 Aristóteles contribui na reflexão aprimorando o conceito do termo; a partir de sua elaboração, a noção de práxis passa a ser compreendida como algo inerente ao ser humano. 4.3.1.1 Práxis, poiésis e theoria 4.3.1.1.1 Práxis

Ao tratar da questão da práxis na Antiguidade

necessita-se fazer um paralelo entre a concepção de Platão e Aristóteles. Ao mesmo tempo em que se observa uma distinção da práxis e da theoria em Platão, pode-se, também, perceber que há apontamentos para uma práxis destinada à manutenção do status quo da classe dominante oligarca. Como ressalta Vázquez:

Os homens livres só podem viver – como filósofos ou políticos – no ócio; entregues à contemplação ou à ação

169 A participação nas atividades da pólis era algo destinado somente aos homens livres. Os escravos não eram contemplados. 170 FLORISTÁN, Casiano. Teología práctica: teoría y praxis de la acción pastoral. Salamanca: Sigueme, 2002, p. 174. O termo práxis foi utilizado demasiadamente por Aristóteles. De forma que não se pode atribuir a ele um único sentido. Cf: KONDER, Leandro. O Futuro da filosofia da práxis: pensamento de Marx no século XXI. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 97. 171 SANTOS JUNIOR, Oswaldo de Oliveira. A filosofia da práxis em diálogo com a pastoral urbana. In: (Org.) DA SILVA, Geoval Jacinto. Itinerário para uma pastoral urbana: a ação do povo de Deus na cidade. São Bernardo do Campo: EDITEO, 2008, p. 89.

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política, isto é, em contato com as ideias ou regulando conscientemente os atos dos homens.172

Vázquez assegura que, para Platão, além da distinção

em relação à theoria, há uma práxis de manutenção que visa a “conservação” das estruturas sociais da pólis, que se diferencia da práxis dos demais (escravos); trata-se da práxis política.173 Para Aristóteles, a práxis constitui-se em algo inerente ao ser humano, e não se reduz meramente a repetição de atos, mas demanda entendimento e reflexão.174 4.3.1.1.2 Poiésis.

Floristán aponta para a diferença entre poiésis e práxis,

sobretudo em Aristóteles. “Aristóteles distinguiu a práxis (atividade imanente, como é a filosofia ou a política) de poiésis (ação transitiva, como é a produção artística ou técnica de algo)”.175

Aristóteles aponta para a poiésis como trabalho destinado aos escravos, dedicado exclusivamente à produção. Já a práxis é um trabalho distinto, que extrapola a esfera do técnico; ela pressupõe sempre uma base reflexiva e não a mera execução, como no caso da poiésis.176 A poiésis, para Aristóteles, nada mais é do que uma ação humana que engendra um objeto exterior ao sujeito a seus atos.177

172 VÁZQUEZ, 1990, p. 19. 173 Embora Platão e Aristóteles admitam a existência de uma práxis política, ambos não renunciam a primazia da teoria sobre qualquer outra ação. Cf: VÁZQUEZ, 1990, p. 19. 174 FLORISTÁN, 2002, p. 174. 175 Idem. 176 Idem. 177 VÁZQUEZ, 1990, p. 5.

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4.3.1.1.3 Theoria

A ideia de theoria separada da práxis foi elaborada por Platão.178 Como o filósofo dava primazia para a contemplação em detrimento da ação, fez distinção entre ambas destacando que a theoria tem origem justamente no mundo das ideias, que contrapõe o mundo das aparências.179 Floristán destaca que:

A teoria é privilégio de uma minoria; à maioria basta a práxis ou a participação cidadã na vida comunitária. Aos escravos se lhes reservava a poiésis, a produção. A teoria é, pois, a visão fundadora do real. Em uma palavra, a única via de realização humana é a contemplação das idéias, captar o <<real>> nas aparências.180

Platão não desconsidera todas as formas de atividades

práticas. O filósofo concebe a prática da política, ou práxis política, como salutar, mas salienta que essa deve repousar sobre a theoria. Em última instância, a theoria deveria sempre determinar a prática. Um exemplo disso é a proposição do rei-filósofo, em que a teoria se ajusta plenamente a prática.181

Vázquez salienta que, apesar de afirmar que a práxis é algo “inerente ao ser humano”, Aristóteles também reconhece a theoria como “superior” a ela, assemelhando-se, nesse sentido, a Platão. Entretanto, destaca que, por pressupor uma teoria, ela é diferente da poiésis.182

178 Ibid., p. 18. 179 FLORISTÁN, 2002, p. 174. 180 La teoría es privilegio de una minoría; a la mayoría le basta la práxis o la participación ciudadana em la vida comunitaria. A los escravos se les reservaba la poiésis, la producción. La teoría es, pues, la vision fundadora de lo real. En una palabra, la única vía de realización humana es la contemplación de las ideias, atrapar lo <<real>> en las aparencias. FLORISTÁN, 2002, p. 174. 181 VÁZQUEZ, 1990, p. 19. 182 Ibid., p. 20.

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Pode-se, dessa forma, concluir que no mundo antigo

existiam dois elementos distintos relacionados à práxis: poiésis e theoria. Desse período em diante, os filósofos têm despendido tempo em suas reflexões sobre as nuanças das atividades humanas em relação às questões da teoria, da prática e da contemplação. As divergências em torno da temática se deram, ao longo da história do pensamento filosófico, sobretudo quando se teve que enfatizar uma atividade em detrimento de outra.183 4.3.2 A práxis no pensamento marxista

Ao longo da história do pensamento filosófico,

inúmeros pensadores se dedicaram em refletir sobre a práxis. Entretanto, destaca-se dentre eles os pensadores marxistas, simplesmente pelo fato de se empenharem em fazer da reflexão filosófica algo exequível no desafio de transformar a sociedade. É de Marx e Engels a célebre frase: “Os filósofos limitaram-se até agora em interpretar o mundo de diferentes modos; do que se trata é de transformá-lo”.184 Tal frase expressa com bastante nitidez o intuito dos pensadores marxistas ao se debruçarem sobre a temática da práxis: viabilizar a mudança radical na sociedade.

Na obra Teses sobre Feuerbach, Marx e Engels encontraram a inspiração necessária para elaborar suas ideias sobre a práxis.

VI. Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua realidade, é o conjunto das relações sociais.

183 KONDER, 1992, p. 98. 184 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. Trad. João Batista Machado. São Paulo. Marin Claret, 2004, p. 120.

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VIII. Toda a vida é essencialmente prática. Todos os ministérios que levam a teoria para o misticismo encontram solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis.185

O que motivou Marx e Engels foram as afirmações de

Feuerbach sobre a abstração, na qual a práxis só encontra “lugar em Deus”.186 Na obra Essência do cristianismo, Feuerbach desenvolve sua tese de que o ser humano projeta as representações a partir de seu imaginário, afirmação esta que o levou a ser criticado pela dupla187:

A “libertação” é um ato histórico e não um ato de pensamento, e é ocasionada por condições históricas, pelas con[dições] da indústria, do co[mércio], [da agricul]tura, do inter[câmbio][...] A “concepção” feuerbachiana do mundo sensível limita-se, por um lado, à mera contemplação deste último, e por outro lado, à mera sensação; ele diz “o homem” em vez de os “homens históricos reais”.188

Baseado em tais reflexões, Marx e Engels propõem a

práxis a partir das condições materiais, isto é, pela revolução econômica e social. O pensamento marxista entende a práxis da pessoa humana como critério da verdade e sinaliza para tal práxis como o fundamento e fim de toda a teoria.

185 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ad Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista. Trad. Pietro Nasssetti. São Paulo. Marin Claret, 2005, p. 112 e 113. 186 VÁZQUEZ, 1990, p. 136. 187 MARX; ENGELS, 2005, p. 111. 188 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 29 e 30.

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A concepção marxista de práxis pressupõe a releitura

tanto do materialismo tradicional quanto do idealismo. Como faz uso da dialética, ela nega e absorve elementos tanto do primeiro quanto do segundo. Dessa forma, entende-se que ela extrapola a simples atividade da consciência humana, como afirmava Feuerbach, implicando na ação do ser humano, que participa da história com o intuito de transformá-la.189

Leandro Konder destaca que, dentre os pensadores marxistas, Antonio Gramsci merece atenção especial. O italiano debruçou-se no estudo do marxismo a partir de uma concepção centrada na práxis.190 Konder defende que Gramsci foi o precursor em termos de elaboração das questões antropológicas em torno da temática:

Gramsci foi o primeiro a formular explicitamente a ideia de que concebido o homem como sujeito da práxis, não tem muito sentido perguntarmos: quem é o homem? O homem não é; seu ser consiste num tornar-se. O que nos cabe indagar, então, é o que o homem pode se tornar?191

Para Gramsci, a práxis consiste numa ação

transformadora mediada pela reflexão crítica, isto é, não se limita à prática repetitiva. Ela consiste na ação objetiva de superação da realidade, e que, por ser reflexiva, aponta novos horizontes e questões relacionadas ao cotidiano.192

A ação transformadora da realidade torna-se possível à medida que o ser humano reflete sobre o cotidiano de suas ações. Nesse sentido, o “homem comum” encontra-se limitado em relação a ela pelo fato de estar cercado por mecanismos que obscurecem e limitam sua percepção de mundo. Como salienta Adolfo Vázquéz:

189 VÁZQUÉZ, 1990, p. 6. 190 KONDER, 1992, p. 91. 191 Idem. 192 Ibid., p. 93.

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O homem comum e corrente é um ser social e histórico; ou seja, encontra-se imbricado numa rede de relações sociais e enraizado num determinado terreno histórico. Sua própria cotidianidade está condicionada histórica e socialmente, e o mesmo se pode dizer da visão que tem da própria atividade prática. Sua consciência nutre-se igualmente de aquisições de toda espécie: ideias, valores, juízos e preconceitos, etc. Nunca se enfrenta um fato puro; ele está integrado numa determinada perspectiva ideológica, porque ele mesmo – com sua cotidianidade histórica e socialmente condicionada – encontra-se em certa situação histórica e social que engendra essa perspectiva.193

Por isso Gramsci chama a atenção para uma figura de

suma importância na sociedade: “o intelectual orgânico”. Tal indivíduo, além de manter o constante contato com o povo, é responsável por “organizar a classe que representa”, ou seja, viabilizar o conhecimento teórico e organizar as ações práticas para as transformações sociais.194 Essa ação só é possível porque ele dedica parte de seu tempo na abstração e reflexão crítica da realidade. Nesse aspecto, o autor atenta para os intelectuais eclesiásticos, que consistem em a categoria mais típica dos intelectuais orgânicos:

A mais típica dessas categorias intelectuais é a dos eclesiásticos, que monopolizaram durante muito tempo (numa inteira fase histórica, que é parcialmente caracterizada, aliás, por esse monopólio) alguns serviços importantes: a ideologia religiosa, isto é, a filosofia e a ciência da época, com a escola, a instrução, a moral, a justiça, a beneficiência, a assistência, etc.195

193 VÁZQUÉZ, 1990, p. 9. 194 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. 1. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p.16 e 17. 195 GRAMSCI, 1999, p. 16.

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As classes possuem intelectuais que as representam,

tendo como principal área de concentração o campo da formação.196 A responsabilidade que lhes é incumbida compreende:

• Educação;

• Formação de uma nova cultura;

• Organização de sua classe;

• Participação das lutas cotidianas que envolvem sua classe.

Nesse sentido, pode-se afirmar que não é possível a superação da realidade com perspectiva de um novo horizonte fora da práxis. O ser humano, para romper com a realidade em que está inserido, necessita mais do que a simples ação concreta cotidiana. É necessária a reflexão, ou, em outros termos, a teoria, que é responsável por nortear a prática libertária resultante da práxis. 4.3.3 A práxis pastoral

4.3.3.1 Modelos da práxis pastoral de Jesus

Casiano Floristán apresenta a práxis pastoral de Jesus

por meio do que denomina como “modelos”. Tais modelos são apontados com o intuito de distingui-los dos religiosos de sua época e mostrar qual era a posição de Jesus em relação à situação sócio-politica-religiosa.197 Sua diferença em relação aos sacerdotes do templo evidencia-se mediante seu posicionamento, visto que os sacerdotes da época eram submetidos ao Império e afirmavam que o templo era o lugar de se cultuar a Deus. Jesus rompe com essa lógica, ensina que Deus está em todas as partes, que privilegia os mais fracos e

196 Ibid., p. 15. 197 FLORISTÁN, Casiano. Teología práctica: teoría y praxis de la acción pastoral. Salamanca: Sigueme, 2002, p. 21.

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que não há diferenças nos lugares de culto, contrariando a lógica vigente entre os religiosos e poderosos de seu tempo. Seu compromisso era tamanho que levou seus ensinos às últimas consequências, morrendo pelo ideal do Reino. Nesse sentido, ele foi considerado sumo sacerdote, pois foi semelhante aos que sofrem morrendo por amor à justiça e pela fidelidade a Deus.198

Essa abordagem em relação ao sacerdócio de Jesus tem por intuito servir de inspiração a todos que desejam segui-lo. Assim como ele entregou-se em favor de seus irmãos, é também função de todos os seus seguidores se entregarem em atitude de amor ao próximo, já que a vida cristã é marcada pela entrega ao próximo, em espírito e em verdade. Seu sacerdócio foi baseado no amor e na entrega. “Em resumo, Jesus é o sumo sacerdote porque se fez semelhante aos que sofrem, veio à morte por amor à justiça e se entregou com fidelidade e amor a Deus”.199

O autor também faz questão de desvincular a imagem de Jesus dos escribas da lei – Jesus ensinava como eles, mas não pertencia a essa classe. Seus ensinos eram dirigidos aos seus discípulos e ao povo, não se limitando às sinagogas. Ele ensinava também em locais abertos (públicos), ou seja, era um mestre peripatético. Outro aspecto era o conteúdo de seus discursos, que tinham uma distância dos ensinos da Tora.200

Jesus, com o intuito de anunciar o Reinado de Deus, ensina sobre o novo mandamento: “a caridade”. Isso pode ser considerado como uma revolução no pensamento da época, acostumado a sacrifícios, rituais e “longos mandamentos a serem guardados”.201

198 FLORISTÁN, 2002, p. 22 e 23. 199 En resumen, Jesús es sumo sacerdote porque se hizo semejante a los que sufren, llegó a la muerte por amor de la justicia y se entregó con fidelidade a Dios. Ibid., p. 25. 200 Ibid., p. 26. 201 Ibid., p. 27 e 28.

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A práxis pastoral de Jesus é marcada pelo serviço em

relação à comunidade, em outras palavras, a diakonia.202 Não se observa nada em relação ao despotismo e autoritarismo em sua ação. O que se nota na ação de Jesus é o compromisso com o povo, o amor, o perdão, a comunhão e o serviço. 4.3.3.2 Práxis pastoral e o Reinado de Deus a) Dimensão de Jesus

O cerne da mensagem de Jesus era o Reinado de Deus. Suas palavras e obras estavam centradas em instaurar o reinado e anunciar a boa nova aos desprestigiados. Dessa forma, uma das dimensões de sua práxis consistia em fazer com que os que estavam à margem da sociedade fossem os primeiros a participar do Reinado, porque a justiça de Deus consiste em primeiro lugar na defesa dos seres oprimidos, marginalizados, ignorantes e pobres. Ela possui dimensões escatológicas. Ao mesmo tempo em que está presente e pode ser vivida na realidade concreta, vem de uma dimensão futura e aparecerá plenamente no término desse sistema iníquo, chamado de mundo pecador. A proposta do Reinado consiste numa sociedade alternativa que visa transformar as estruturas de uma sociedade injusta:

A palavra e obra de Jesus se centram no reinado de Deus, que para Marcos é <<evangelho>> ou <<boa notícia>>, posto que sua chegada é salvação de pobres pecadores e enfermos. A missão de Jesus é proclamar essa notícia.203

202 Termo grego que significa serviço. Também é utilizado no Novo Testamento para se referir a ministério. Cf: 2 Co 4:1; 5:18 e 1Tm 1:12. 203 La palabra y obra de Jesús se centran en el reinado de Dios, que para Marcos es <<evangelio>> o <<buena noticia>>, puesto que su llegada

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Uma das temáticas principais da práxis de Jesus é o

perdão. Todo o ministério de Jesus tem relação direta com o perdão. Com efeito, só se pode compreender a dimensão do Reinado de Deus, pregado por Jesus, a partir de sua “dimensão perdoadora”.204 A reconciliação proposta por Jesus é exatamente diante de um sistema pecaminoso, sem Deus, e que carece dessa graça. b) Dimensão da comunidade

Um dos pontos que Floristán salienta é a ação pastoral

da comunidade. Em sua concepção, a comunidade também deve exercer ações pastorais, não deixando estas a encargo exclusivo do pastor. Sendo assim, aponta para várias ações que a comunidade dos primeiros cristãos exerceu.

Destaca-se a ação do perdão dos pecados, por parte da comunidade, como uma das principais práticas que seguiram o legado de Jesus. Nesse sentido, o perdão dos pecados, entre os primeiros cristãos, é apontado como algo de importância capital:

Em caso de faltas leves bastava um arrependimento geral sem confissão pessoal detalhada. Por suas faltas graves, o pecador era separado da comunidade até cumprir uma penitência proporcional a seu pecado. A reconciliação primitiva era o retorno à comunidade.205

es salvación de pobres, pecadores y enfermos. La misión de Jesús es proclamar esta buena noticia. FLORISTÁN, 2002, p. 29. 204 Ibid., p. 51. 205 Em caso de faltas leves bastaba un arrepentimiento general sin confesión personal detallada. Por sus faltas graves, el pecador era separado de la comunidad hasta cumplir una penitencia proporcionada a su pecado. La reconciliación primitiva era retorno a la comunidad. Idem.

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A dimensão pastoral não é entendida somente na ação

do líder em relação à comunidade; expressa, também, a ação da comunidade em relação às pessoas que a compõem. Dessa forma, contribui no processo pedagógico de instauração do Reinado de Deus proposto por Jesus.

Floristán, em sua abordagem sobre a práxis, aproxima-se das concepções marxistas. Seus apontamentos coadunam alguns dos conceitos (marxistas) supracitados e permitem melhor compreensão da temática. Convém, porém, ressaltar que, para o autor, a práxis tem pelo menos quatro elementos fundadores. Ela possui dimensões criadoras, na medida que demanda consciência crítica; reflexivas, com o objetivo de superar a mera repetição de práticas espontâneas; libertadoras, pois tem o propósito de transformação da realidade; e radicais, no sentido de não ser reformista e tratar as questões em seu cerne.206 Floristán admite que somente na eucaristia pode-se notar uma práxis cristã, pelo fato de, nela, estar presente a dimensão do perdão, do amor e da fraternidade - o que faz do evangelho uma “práxis distinta de qualquer outra”.207

Para Floristán, a práxis pastoral de Jesus compreende tanto a teoria quanto a prática, ou seja, há tempo dedicado para a reflexão – por meio dos ensinos – e para a ação. Nesse sentido, pode-se entender que a relação dialética sinalizada pelo pensamento marxista se faz presente, na medida em que se reconhece que a síntese sempre resulta na superação da realidade cotidiana.208

206 FLORISTÁN, 2002, p. 180. 207 Ibid., p. 194. 208 Ibid., p. 176 e 177.

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4.3.4 Teologia wesleyana: expressão de uma práxis pastoral em direitos humanos 4.3.4.1 Pressupostos da teologia wesleyana

A Teologia wesleyana consiste no pensamento

teológico desenvolvido a partir de John Wesley (1703 - 1791).209 Wesley foi um pastor anglicano que viveu na Inglaterra do século XVIII e iniciou um movimento que ficou conhecido como metodista.210 Devido às divergências com as autoridades anglicanas do período, o movimento foi paulatinamente adquirindo autonomia, culminando, posteriormente, na fundação da Igreja Metodista.211

A teologia wesleyana é tida como teologia prática, ou seja, não consiste na sistematização de conceitos e temas do pensamento teológico como se costuma ver nas obras de teólogos como Karl Barth, Paul Tillich, Emil Brunner, Jünger Moltmann, dentre outros. Ela se notabiliza pelas práticas e alguns pensamentos do pastor, que foram registrados em seus sermões, em suas notas bíblicas e em seu diário.212 Conforme assegura José Carlos de Souza:

209 A teologia wesleyana possui quatro pontos que são conhecidos como “quadrilátero" wesleyano, constituídos dos seguintes elementos: razão, tradição, experiência e criação, tendo como centro de reflexão a Bíblia. 210 O movimento metodista contou com outros personagens de bastante expressão na história do pensamento protestante. Além de John Wesley, o movimento tinha como principais expoentes Charles Wesley (1707 - 1788) – irmão de John – e George Withefield (1714-1770). 211 O caminho de autonomia do movimento metodista pode ser mais bem analisado na obra de HEITZENRATER. Cf: HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o povo chamado metodista. Trad. Cleide Zerlotti Wolf. São Bernardo do Campo: Editeo, 2006, p. 119 -242. 212 A teologia wesleyana tornou-se conhecida no meio teológico por seu enfoque na temática da Graça de Deus - nesse sentido John Wesley é influenciado por marcantes pensadores cristãos, desde a Antiguidade, como no caso de Agostinho, passando pelos reformadores e místicos. Para maior aprofundamento. Cf: KLAIBER, Walter; MARQUARDT,

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De fato, há poucas semelhanças entre os escritos de John Wesley e o que, comumente, se classifica como teologia, sobretudo no que se refere ao caráter sistemático, rigorosamente lógico e assentado na sólida base racional. Não que Wesley desprezasse quaisquer destas características. A verdade é que o seu pensamento escapa do discurso academicista. Antes, encontra-se profundamente arraigado na vida das comunidades de fé [...].213

O pensamento de Wesley pode fornecer pistas para

alguns apontamentos no sentido de uma práxis pastoral em direitos humanos, uma vez que, no século XVIII, a Inglaterra passou por diversas mudanças abruptas, levando o teólogo a dialogar com elas e construir, por conseguinte, um modelo de prática pastoral. Sendo assim, buscaremos bases na teologia wesleyana que sinalizem para as questões ligadas aos direitos humanos. 4.3.4.2 Wesley e os direitos humanos

Falar de direitos humanos em Wesley pode soar como algo anacrônico, devido ao fato de a expressão “direitos humanos” ter sido cunhada somente no final do século XVIII. Contudo, observa-se que há no teólogo forte tendência para as questões que giram em torno da temática.214 Uma delas tem ligação direta com um dos temas controversos do século XVIII: a escravidão. Wesley se opôs

Manfred. Viver a graça de Deus: um compêndio de teologia wesleyana. Trad. Helmut Alfred Simon. São Bernardo do Campo: Editeo, 2006, p. 1 – 39. 213 SOUZA, José Carlos. Fazendo teologia numa perspectiva wesleyana. In: (Org.) RENDERS, Helmut. Prática e teologia na tradição wesleyana: John Wesley 300 anos. São Bernardo do Campo: EDITEO, 2008, p. 113 e 114. 214 RUNYON, Theodore. A nova criação: teologia de João Wesley hoje. Trad. Cristina Paixão Lopes. São Bernardo do Campo: Editeo, 2002, p. 214.

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veementemente a tal prática. “De acordo com Wesley, no entanto, os colonos rebeldes americanos eram hipócritas: clamavam por liberdade e ao mesmo tempo defendiam a escravidão”.215

Ao visitar uma colônia na Carolina do Sul, teve contato pela primeira vez com a escravidão. Lá presenciou brutalidades dos mercados de escravos, famílias sendo vendidas e outras atrocidades.216 Daquele dia em diante tornou-se opositor voraz da escravidão, chegando a relatá-la “como execrável soma de todas as vilanias”.217

Em 1774, Wesley fez algumas reflexões sobre a escravidão, apontando para a temática dos direitos humanos. Nesses escritos, o teólogo tem por intenção mostrar a seus contemporâneos a humanidade dos africanos, salientando que os mesmos são pessoas dignas e que os europeus estavam desrespeitando-os ao usufruir de sua força de trabalho e submetê-los a situações deploráveis.218

Wesley chamava a atenção de três grupos envolvidos com o comércio de escravos negros, a saber, capitães dos navios negreiros, comerciantes e donos de plantações (que compravam os escravos), apelando para que houvesse reflexão e tomada de consciência sobre a questão.219

No final de sua vida, Wesley estabeleceu contato com um jovem membro do parlamento inglês chamado William Wilberforce, que iniciava naquele momento – final dos anos 1780 – uma incipiente luta no parlamento contra a escravidão. A esta parlamentar o pastor escreve:

215 RUNYON, 2002, p. 220. 216 Idem. 217 WESLEY, John. O diário de John Wesley. Trad. Izilda Peixoto Bella. São Paulo: Arte Editorial, 2009, p. 294. 218 RUNYON, 2002, p. 220. 219 RUNYON, 2002, p. 226.

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Não vejo como o Sr. poderá levar avante a sua gloriosa empresa, opondo-se àquela execrável vilania – a escravidão, que é o escândalo da Inglaterra e da natureza humana. Se Deus não o levantou para essa tarefa, o Sr. será gasto pela oposição dos homens e dos demônios. Mas se Deus for consigo, quem será contra o Sr.? São eles juntos mais fortes do que Deus? Oh, não se entristeça de fazer o bem! Continue em nome de Deus e no seu poder, até que mesmo a escravatura americana, a mais vil que o sol já viu, desapareça. (Cartas: “ A William Wilberforce” VIII, 265).220

Diante das posições de Wesley em relação à

escravidão, pode-se ter a noção de como o teólogo pensava as questões pertinentes aos direitos humanos. De acordo com Theodore Runyon, não é correto tomá-lo como alguém “conservador ou reacionário”. Suas posições demonstram uma pessoa sensível às necessidades humanas, sobretudo as relacionadas à dignidade.221

Como se pode notar, a teologia wesleyana aproxima-se em muitos pontos da temática dos direitos humanos. No caso da escravidão, cabe ressaltar que as oposições tanto de Wesley, como de Wilberforce, iam na direção contrária em que caminhava a sociedade do período. Por esse motivo é relevante pontuar a atuação do líder metodista e o incentivo despendido ao jovem parlamentar na luta contra tal prática. a) Wesley e a questão das mulheres

Item indispensável na abordagem da teologia wesleyana e dos direitos humanos é a temática da mulher. A participação das mulheres no movimento metodista se fazia

220 BURTNER, Robert W.; CHILES, Robert E. Coletânea da teologia de João Wesley. Trad. Messias Freire. Rio de Janeiro: Editora Bennett, 1995, p. 238; 221 RUNYON, 2002, p. 228 e 229.

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presente desde os primórdios. De acordo com Maria Inês Simeone, elas não foram apenas pioneiras, mas também sustentadoras e mártires da causa metodista.222

A participação das mulheres no movimento wesleyano dava-se em meio às diversas atividades exercidas, que iam desde as reuniões em que se falava da Bíblia e dos problemas do povo até a organização de grupos de trabalho, que compreendia visitas e auxílio aos necessitados, trabalho com encarcerados e crianças223:

Não podem as mulheres, bem como os homens, participar desse honroso serviço [de visitação aos doentes]? Sem dúvida podem. Não apenas podem, devem – é seu dever apropriado justo e sagrado. Aqui não há diferença, “não há aqui homem nem mulher em Cristo Jesus”.224

Runyon considera que a abertura de Wesley para a

questão das mulheres deu-se pela “influência que a mãe exerceu em sua vida”. No período de sua infância, Suzana Wesley liderava grupos de oração - algo que não era comum para o século XVIII.225 No movimento, as metodistas tinham participação ativa. Não houve ordenação de mulheres, porém elas trabalhavam muito e de forma autônoma.

222 SIMEONE, Maria Inês. A participação das mulheres no movimento metodista nascente. In: (Org.) RENDERS, Helmut. Prática e teologia na tradição wesleyana: John Wesley 300 anos. São Bernardo do Campo: EDITEO, 2008, p. 50. 223 SIMEONE, 2008, p. 52. 224 Sermão 98. “On visiting the sick”, §III.7, Works 3:396 apud RUNYON, 2002, p. 248. 225 RUNYON, 2002, p. 242 e 243.

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b) Wesley e as crianças

Os estudiosos do metodismo, via de regra, apontam

para as atitudes de Wesley como influências de sua família. Duncan Alexander Reily, a exemplo de Runyon, destaca que a conduta de Wesley em relação às crianças está “ligada a sua infância”. Numa família de nove crianças, o pregador aprendeu desde a terna idade os ensinamentos cristãos. Sua mãe era responsável por instruí-lo, “juntamente com seus irmãos”, ensinando os preceitos básicos do cristianismo.226

No período do movimento metodista, Wesley frequentemente visitava as crianças pobres, instruindo-as nos ensinamentos cristãos e incentivando sua educação. Alguns metodistas, inspirados por seu exemplo, mantinham financeiramente várias crianças na escola, o que mostra o quão importante elas eram para o movimento.227

A educação infantil servia para as crianças daquele período como instrumento de libertação.228 A instrução que era dada não se restringia ao aspecto confessional, ela abarcava os demais aspectos da vida, como aprender a ler e a lidar com as adversidades cotidianas. Os metodistas instruíam seus alunos sobre economia, inclusive.229 Em suas anotações o pregador destaca tais atividades:

226 REILY, Duncan Alexander. João Wesley e as crianças. In: (Org.) RENDERS, Helmut. Prática e teologia na tradição wesleyana: John Wesley 300 anos. São Bernardo do Campo: EDITEO, 2008, p. 10. 227 Duncan Reily destaca Guilherme Morgan como um dos metodistas que financiavam a educação das crianças. Para o metodismo elas eram extremamente importantes e por isso mereciam atenção especial. Cf: REILY, 2008, p. 14 e 15. 228 Reily aponta para os orfanatos e escolas metodistas não como mero assistencialismo, mas como iniciativas, empreendimentos que visavam à formação cidadã e construção da identidade cristã, visando, posteriormente a emancipação dos educandos como sujeitos éticos. Cf: REILY, 2008, p. 16-20. 229 REILY, 2008, p. 17.

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Visitei Kingswood mais uma vez, e tive grande satisfação em estar com as crianças. No domingo falei com as maiorezinhas, uma por uma, aconselhando-as de acordo com suas necessidades; e era fácil notar que Deus estava se manifestando aos seus corações.230

O metodismo se preocupou com as crianças, em

especial com os filhos de mineiros, que, em muitos casos, trabalhavam também sob horas exaustivas para ajudar na renda familiar. Para esses foram construídos escolas e orfanatos – pois havia um número significativo de órfãos no período.231 c) Wesley e os pobres

Ao tratar da relação de Wesley com os pobres não se

pode omitir sua preferência em relação aos pobres. O teólogo inglês resgata na tradição bíblica a identificação de Deus com os pobres e oprimidos, retomando alguns trechos dos evangelhos que relatam Jesus atendendo aos necessitados e aflitos232.

No sermão sobre “A tristeza através de muitas tentações”, o pregador fala de como a situação dos pobres na Inglaterra do século XVIII era delicada:

Não é triste para alguém, depois de um dia pesado de trabalho, chegar à sua casa pobre, suja e sem conforto e não encontrar pelo menos o alimento necessário à

230 BUYERS, Paul E. Trechos do diário de João Wesley. S/t. São Bernardo do Campo: Imprensa metodista, 1965, p. 166. 231 REILY, 2008, p. 16 e 17. 232 LOCKMANN, Paulo Tarso de Oliveira. Wesley e os pobres. In: (Org.) RENDERS, Helmut. Prática e teologia na tradição wesleyana: John Wesley 300 anos. São Bernardo do Campo: EDITEO, 2008, p. 42.

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reparação de suas energias gastas? (Sermões: “A tristeza através de muitas tentações”, III, 3. S, II, 270-71).233

A motivação aos estudos de medicina veio devido ao

contato com os pobres, criando, posteriormente, uma cooperativa popular que atendesse os mineiros. Foram criadas, também, escolas para seus filhos. Em Kingswood, Wesley concentrou sua ação em favor dos pobres, dedicando atenção especial a estes, que eram bastante explorados pela companhia de mineração.234

Runyon lembra que as iniciativas dos metodistas e, sobretudo, de Wesley, levaram aos pobres não somente o sentimento de valor próprio, mas também a serem impelidos a decidir sobre o “próprio destino”. Partindo da premissa de que eram a “imagem de Deus”, eles foram motivados a se organizar e trabalhar em diversas atividades. Nas bands – classes organizadas pelos metodistas –, os pobres eram incentivados a participar de atividades sociais. Em conjunto com as sociedades metodistas, os pobres eram instruídos sobre toda a sorte de “atividades organizacionais”.235

Esses apontamentos revelam a expressão da uma práxis pastoral que a teologia wesleyana adquiriu. A base da reflexão de Wesley foi a teologia bíblica, e tal elemento reflete a teoria (theoria) embasadora da práxis. Suas ações tentavam adequar, da melhor maneira possível, a teoria à realidade, isto é, o ideal bíblico e as situações do cotidiano.

Pode-se também aproximar o horizonte utópico do Reinado de Deus – comumente utilizado pelos teólogos latino-americanos – das práticas wesleyanas, uma vez que, ao sinalizar para o ser humano como imagem e semelhança de Deus, procurando assim dignificá-lo, Wesley explicita a intersecção entre ambas as teologias, sobretudo quando se

233 BURTNER; CHILES, 1995, p. 229 e 230. 234 LOCKMANN, 2008, p. 46 e 47. 235 RUNYON, 2002, p. 239.

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observa os pormenores das lutas contra a exploração e negação da vida que foram travadas tanto no pensamento do teólogo inglês, quanto no contexto dos teólogos latino-americanos.

A forma com que Wesley lidou com os problemas de seu tempo leva-nos a identificar a dinâmica de suas ações. Tal prática aproxima sua ação – ou práxis – do conceito marxista supracitado, resultando, dessa maneira, numa práxis pastoral com enfoque na temática dos direitos humanos.

Essas aproximações são possíveis, porém as limitações históricas precisam ser respeitadas para não se incorrer em anacronismo. A identificação da teologia wesleyana com a práxis pastoral em direitos humanos não tem por intuito fazer de Wesley precursor do marxismo ou das lutas pelos direitos humanos, mas apontar a semelhança existente em ambos os pensamentos. 4.3.5 Distorções no metodismo latino-americano

O objetivo desse tópico é fazer um breve

levantamento de como o protestantismo, em especial o metodismo, foi implantado na América Latina – e particularmente no Brasil. Pretende-se, sobretudo, apontar as divergências e distorções do metodismo latino-americano e brasileiro em relação ao metodismo inglês. Por fim, buscar-se-á apontar possíveis caminhos no auxílio à retomada do legado wesleyano.

O protestantismo que se instalou no Brasil e que deu origem ao metodismo como é conhecido nos dias atuais foi fruto da incursão de missionários norte-americanos que, impulsionados pelo ideal da expansão da fé protestante em todo o território americano, lançaram-se em missão nos

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primórdios do século XIX.236 Tal empreitada trouxe consigo alguns traços que marcaram a instalação do metodismo em todo o continente latino-americano.

Mortimer Arias destaca que, devido às mudanças de contexto (Inglaterra – Estados Unidos – América Latina), o metodismo latino-americano apresentou muitas distorções em relação ao metodismo praticado por Wesley. A biografia do pregador e sua obra “não foram muito conhecidas” no contexto metodista norte-americano, salvo alguns sermões e poucos dados biográficos. Nesse sentido, houve certa controvérsia, sobretudo no tocante aos principais conceitos do metodismo.237 As consequências disso foram o que Arias denomina como “distorcionantes” na implatação do metodismo na América Latina.238

Arias destaca alguns pontos que retratam a distorção do metodismo wesleyano em relação ao continente latino-americano, no tocante a temática dos direitos humanos. a) O ideal de destino manifesto

A expressão de Wesley: “minha paróquia é o mundo”,

foi alvo de distorção por parte dos norte-americanos. O ideário do destino manifesto, que concebia a expansão e o progresso como bênçãos divinas, serviu para justificar a conquista do oeste dos Estados Unidos, tendo como uma das

236 MENDONÇA. Antônio Gouvêa. O celeste porvir: inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008, p. 94 e 95. 237 Dentre esses conceitos destacam-se a questão da santidade bíblica e perfeição cristã, enfatizados por Wesley, mas que ganharam outros contornos na concepção dos missionários norte-americanos. 238 ARIAS, Mortimer. As Transmissões Distorcionantes no Legado Original de Wesley. In: (Org.) BONINO, José Miguez. Luta Pela Vida e Evangelização: A Tradição Metodista na Teologia Latino-Americana. São Paulo, Paulinas/UNIMEP, 1985, p. 75 e 76.

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metas o acúmulo de capital por meio de uma mentalidade triunfalista.

Inicialmente, tanto no metodismo inglês, como no americano, as camadas sociais que mais aderiam eram as camadas sociais mais baixas da população; porém, com o passar dos anos, a igreja foi se configurando em uma igreja de classe média. Mortimer Arias ressalta: “as intenções são muito boas, mas não cabe dúvida de que fomos contagiados de algum modo pelo triunfalismo do destino manifesto”.239 Na América Latina, a Igreja Metodista ocupou as principais cidades e portos, concentrando sua ação evangelizadora nos imigrantes, principalmente europeus.240 b) Educação com caráter elitista

A educação foi uma das bandeiras pelo qual se

procurou trabalhar a evangelização, tanto em escolinhas, quanto em colégios. Aos poucos, o alvo passou a ser as mulheres de classe média. Tal ação se deu por meio da junta feminina. Como se tratava de educação particular, a educação ganhou perfil elitista, destoando, assim, do princípio wesleyano de educar os pobres. “Embora sempre houvesse bolsas para as pessoas de menores posses, tratava-se de escolas pagas e, portanto, para elites”. Arias ainda destaca que as famílias que podiam pagar passavam a influir tanto na filosofia, quanto na orientação dessas instituições, que prioritariamente deveriam atender os pobres.241

Eugène Enriquez pontua que a mentalidade que traz certo descompasso entre teoria e prática tem marcado a vida na Modernidade. “Tudo se passa como se quanto mais elevadas as palavras dos homens, mais rebaixada sua

239 ARIAS, 1985, p. 87 240 Ibid., p. 85. 241 Ibid., p. 90.

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experiência humana”.242 De acordo com o autor, esse fenômeno não acontecia com frequência em outros períodos da história, que foram marcados, sobretudo, pela fidelidade dos seres humanos aos ideais com que estavam comprometidos. Embora Wesley se enquadre dentro da Modernidade, não se observa em sua vida a teoria desvinculada da prática. 4.3.5.1 Limitações do metodismo brasileiro

José Carlos de Souza destaca que, no tocante ao

metodismo brasileiro, houve algumas iniciativas de educação voltadas para as classes menos favorecidas, como no “caso do ICP” (Instituto Cristão do Povo).243 Porém, prevaleceram as escolas voltadas para a classe média – corroborando o pensamento de Arias. Outro aspecto destacado por Souza foi a dependência da Igreja brasileira em relação à norte-americana. O autor salienta que, durante quarenta anos após sua “autonomia”, a igreja brasileira “dependeu financeiramente da igreja mãe”.244

O metodismo brasileiro herdou traços do protestantismo conversionista do sul dos Estados Unidos; o discurso adequado ao progresso e à modernidade, impulsionado pelo ideal “American way of life”, expressava a mentalidade individualista do período. Fatores como o “anticatolicismo”, o “proselitismo” e o “espiritualismo”

242 ENRIQUEZ, Eugène. O outro, semelhante ou inimigo? In: (Org.) NOVAES, Adauto. Civilização e barbárie. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 45. 243 SOUZA, José Carlos de. A igreja Metodista no Brasil: passado, presente e futuro. In: (Org.) RENDERS, Helmut; SOUZA, José Carlos de. Teologia wesleyana, latino-americana e global: uma homenagem a Rui de Souza Josgrilberg. São Bernardo do Campo: EDITEO, 2011, p. 155. 244 Ibid., p. 156.

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faziam com que a ênfase no compromisso social, destacada por Wesley, ficasse mais distante dos fiéis.245

Por outro lado os hinos, liturgias e doutrinas desenvolvidas a partir dos pressupostos anglo-saxões não levavam em conta as características do país, pois não conseguiam dialogar com a cultura e com as necessidades dos nativos. Até mesmo o Credo Social foi importado e “incorporado à tradição brasileira”. Souza destaca que mesmo a versão de 1970, que consta nos documentos da Igreja, “carece de atualização”.246

Dessa maneira, observa-se que as discrepâncias do metodismo latino-americano em relação ao metodismo proposto por Wesley perpassam os principais eixos da teologia wesleyana, carecendo de releituras frente à realidade do continente. 4.3.5.2 Práxis pastoral em direitos humanos na teologia wesleyana: retornando às origens e ampliando os horizontes

A teologia wesleyana, em seus primórdios, buscou um

constante diálogo com a sociedade em que estava inserida. A Inglaterra do século XVIII passava por diversas transformações, impulsionadas, sobretudo, pela Revolução Industrial. Isso levou John Wesley a interagir com as situações de seu tempo, como foi com o caso das mulheres, das crianças, dos pobres e dos escravos. Disso depreende-se que a teologia wesleyana não é uma teologia dogmática, cristalizadora de dogmas ou temas teológicos. Ao contrário, ela possui ênfases teológicas que a norteiam e permitem o diálogo com a realidade cotidiana de forma dialética.

245 Ibid., p. 166. 246 Ibid., p. 167.

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Por esse motivo, ao retomar as bases da teologia

wesleyana, pode se harmonizá-la com a teologia pastoral, ou práxis pastoral, no apontamento para as questões dos direitos humanos, uma vez que Floristán destaca a pastoral como um serviço prestado à comunidade, que tem por intuito o acolhimento e a inclusão dos desprestigiados. A consonância entre ambas se faz no sentido de que possuem as quatro dimensões citadas por Floristán:

• Criadora: na medida em que demandam consciência crítica;

• Reflexiva: pois que têm o objetivo de superar a mera repetição de práticas espontâneas;

• Libertadora: pois que têm o propósito de transformação da realidade.

• Radical: no sentido de não serem reformistas, mas tratarem as questões em seu cerne.247 Os pressupostos da práxis gramsciana também

coadunam com a teologia wesleyana, na medida em que têm, como eixos norteadores de sua ação, a educação, a formação de uma nova cultura, a organização das classes desprestigiadas e a participação nas lutas cotidianas que envolvem essas classes.248 Nesse sentido, pode-se ter como referenciais as experiências registradas no diário de Wesley e suas iniciativas contidas tanto nesses registros, quanto em seus sermões e notas explicativas sobre o Novo Testamento.

O aporte da teologia latino-americana pode servir como mediação para interagir com a realidade social brasileira, uma vez que tal corrente teológica é a que expressa de forma verossímil as demandas do contexto social brasileiro. A atualização da teologia wesleyana pode ser feita por meio dessa mediação.

247 FLORISTÁN, 2002, p. 180. 248 GRAMSCI, 1999, p. 15.

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Embora a Igreja Metodista brasileira tenha

documentos que compreendem os direitos humanos249, nota-se a frequente necessidade de atualização dos mesmos, juntamente com a reflexão dos novos temas que surgem. Nesse sentido, a ampliação dos novos horizontes, no que tange à teologia wesleyana, torna-se cada vez mais necessária, uma vez que os direitos humanos não são universais, mas tratam de algo em constante construção.250

Como ressalta Arias, muito da descaracterização do metodismo em terras latino-americanas deu-se por falta de conhecimento, tanto dos aspectos biográficos de Wesley, quanto de suas resoluções – bases da teologia wesleyana. Por isso, retomar os temas principais de seu pensamento é premissa fundamental para se pensar uma práxis pastoral em direitos humanos.

O aporte filosófico e teológico pode ser feito por meio da adaptação de alguns conceitos centrais da teologia latino-americana com o horizonte utópico do Reinado de Deus à imagem da doutrina da graça de Deus – tema chave da teologia wesleyana. A filosofia da práxis pode auxiliar na elaboração dessa pastoral.

Os caminhos apontados pelo diálogo entre a teologia pastoral e os direitos humanos, no que diz respeito à promoção, controle e monitoramento dos direitos humanos na sociedade contemporânea, podem ser sinalizados pela harmonização entre os eixos temáticos desta pesquisa, a saber: pressupostos filosóficos dos direitos humanos, teologia latino-americana, teologia wesleyana e práxis

249 Não há nenhum documento específico para tratar da temática dos diretos humanos de forma abrangente. O que existe são algumas resoluções que apontam para a temática, a exemplo do credo social, plano para vida e missão da igreja e cartas pastorais – circulares que o Colégio episcopal da Igreja Metodista emite sobre determinados assuntos: crianças, negritude, ceia, entre outros temas. 250 BOBBIO, 2004, p. 38.

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pastoral. Ancorando-se nas bases da teologia wesleyana, dialogando com a teologia latino-americana e tendo como instrumental a filosofia da práxis pode-se refletir uma pastoral em direitos humanos. 4.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa concluiu-se que a luta pelos direitos

humanos se constitui em algo dinâmico e que deve passar por constantes releituras à medida que as reivindicações presentes na sociedade vão se fazendo.

Nota-se que a cada dia a sociedade está mais organizada. Se outrora eram os grupos trabalhistas, partidos políticos e sindicatos que levantavam a bandeira e ditavam o tom da organização da sociedade, atualmente há inúmeros grupos que se organizam de forma autônoma e das mais variadas maneiras, que variam desde organizações não governamentais a movimentos virtuais.

Isso faz com que haja maior interação entre tais movimentos e a sociedade, mostrando a cada dia que a luta pela conquista dos direitos humanos não pode se cristalizar e muito menos ter a pretensão de ser universalizante, pois as diferentes culturas têm suas demandas, que precisam ser respeitadas e sanadas no seio de suas respectivas sociedades.

Outro aspecto que necessita ser levado em consideração é que o Estado tem assumido, em muitos lugares, um caráter eminentemente burguês, garantindo a reprodução de uma sociedade conservadora e que atende preferencialmente os direitos dos poderosos, em detrimento dos direitos dos necessitados, pobres e trabalhadores assalariados. Veicula-se que todos têm direitos iguais, e que não há, por parte da maioria das constituições, discriminação em relação às diferentes classes sociais que compõem a sociedade. Tal afirmação constitui uma meia verdade, pois todos podem ter direitos iguais, porém o acesso a esses

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direitos não é igual para todos, uma vez que os menos favorecidos não têm as mesmas condições que os poderosos, tanto em relação ao acesso, quanto aos recursos que tais direitos propiciam.

A questão ganha contornos mais complexos quando se trata, por exemplo, da educação. Necessita-se que a educação adquira contornos que sinalizem para a cidadania; que visem a emancipação do sujeito, independentemente de sua classe social. A educação em direitos humanos, nesse sentido, pode ser um caminho a ser trilhado para se sanar algumas deficiências. Contudo, não se observa interesse por essa área, sobretudo em locais que são controlados por grupos oligárquicos que não se sentem ameaçados por nada que proponha uma mudança no status quo.

Nesse sentido as críticas marxistas sobre o Estado e a democracia são pertinentes. Vive-se num Estado e numa democracia burguesa que tem por intuito garantir os privilégios de determinadas classes sociais, inviabilizando, por exemplo, as conquistas relacionadas aos trabalhadores, sobretudo os pertencentes às classes inferiores.

Observa-se também que há por parte dos grupos ligados ao poder o exercício de uma prática denominada cooptação. Quando determinado grupo ou classe social passa a reivindicar direitos e melhorias para si é cooptado por parte da estrutura, passando a fazer parte do aparelho, deixando, assim, de ter autonomia em relação aos poderes aos quais fazia frente. Esse modelo é frequentemente usado nos sindicatos, que em diversos lugares do mundo foram os precursores na luta pelos direitos dos trabalhadores.

A luta pelos direitos humanos deve, portanto, concentrar sua área de atuação na educação e na constante autonomia. Tendo esses dois pontos como área de concentração, certamente a luta pelo reconhecimento, promoção e monitoramento dos direitos humanos cumprirá seu objetivo.

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Nessa pesquisa, uma das conclusões a que se pôde

chegar foi que a luta pelos direitos humanos e a teologia latino-americana têm muitos pontos afins. Um deles está na luta que ambas as correntes travam em prol da vida, libertação e emancipação do ser humano como cidadão.

O foco principal da teologia latino-americana da libertação são os pobres. Eles se constituem tanto em sujeitos da própria libertação, quanto em objetos principais da elaboração teológica. A tarefa do teólogo é, nesse caso, atuar como mediador entre a realidade do pobre e a teologia, propiciando uma reflexão crítica à luz da Bíblia.

Um dos pontos de partida da TdL foi a indignação com a situação de pobreza em que vivia a América Latina entre as décadas de 60 e 70. Naquele período, o referencial teórico usado para contrapor a chamada teoria desenvolvimentista foi a teoria da dependência, o que aproximou cristãos, marxistas e outros pensadores. A metodologia da TdL aos poucos foi se moldando ao método ver-julgar-agir, que combina aspectos bíblicos e teológicos com o estudo das ciências sociais e políticas.

No final da década de 80, a TdL passou por profundas mudanças. Devido a vários fatores que ocorreram no cenário mundial, os teólogos passaram a refletir sobre diversos temas, como a economia, a política, a sociedade, entre outros. Tais reflexões já estavam sendo desenvolvidas na década de 70, mas ganharam mais força no final dos anos 80, o que contribuiu para a ramificação da teologia, dando ênfase a outros temas como, por exemplo, gênero, natureza, sexualidade; surgindo, assim, novos sujeitos que não eram necessariamente o pobre.

Com a queda do muro de Berlim e o fim da URSS, a TdL teve muitas dificuldades em se adaptar à nova realidade mundial. O projeto histórico que ela sinalizava acabou sendo posto em cheque, havendo uma série de dificuldades de adaptação frente ao novo modelo capitalista que surgia. Não

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se esperava que a versatilidade do capitalismo conseguisse ser tão dinâmica a ponto de a esquerda mundial não possuir um projeto político além do antigo modelo socialista, que o contrapusesse. Com isso constatou-se que a TdL – teologia essencialmente política – não possuía um projeto histórico. Contudo, houve várias tentativas de recontextualização. Uma das formas de recontextualização da TdL foi apontar para novos horizontes que contemplassem a questão dos direitos do ser humano como cidadão.

A ausência de formação cidadã é uma situação que é constatada em diversos países latino-americanos, uma vez que a minoria da população desse continente participa ativamente das decisões importantes de seus países.

Alguns teólogos da libertação passaram a refletir a partir desse viés da cidadania e apontaram para a libertação – termo chave da TdL – como o processo de aprender a ser cidadão, contribuindo na formação do indivíduo livre. O tema da cidadania como libertação ocupa o pensamento de alguns notáveis teólogos latino-americanos.

Por isso encontra respaldo na luta pelos direitos humanos, visto que ambas as áreas do conhecimento têm como eixo central a luta pela vida, cidadania e emancipação dos seres humanos.

Assim, o desafio que se impõe a cada dia àqueles que se interessam em refletir sobre o assunto é fazer a leitura da realidade e coadunar os dois temas - teologia e direitos humanos - na luta em prol da vida e da conquista da cidadania plena.

Essas lutas só podem ser colocadas em prática a partir do momento em que se pensa uma ação concreta e dinâmica que vise a superação das mazelas enfrentadas no cotidiano da sociedade.

Cabe ressaltar que de nada adianta ter um discurso libertário sem uma prática libertária - como é o caso de muitos intelectuais que, vivendo em seus gabinetes, sem contato com

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o povo, insistem em ter as melhores soluções para os problemas da sociedade. O exemplo de John Wesley mostra uma pessoa que uniu teoria e prática, conseguindo formar uma mentalidade que perpassou os tempos.

Seu legado não se restringe à Igreja Metodista, mas ganha importância para o período vivido no século XVIII, momento em que o mundo e, sobretudo a Inglaterra, passou por várias transformações importantes.

Infelizmente, os metodismos latino-americano e brasileiro não souberam aproveitar a contribuição de seu fundador. Pressionado por grupos fundamentalistas cristãos, o metodismo brasileiro não deu continuidade a seu legado, permitindo que houvesse o deslocamento do centro de sua missão.

A partir dos anos 1980, o fenômeno do pentecostalismo autônomo passou a ganhar notoriedade no meio religioso como objeto de investigação, tanto na academia, em geral, quanto no contexto da teologia em si. Seu vertiginoso crescimento se notabilizou pela adesão do grande número de seguidores, bem como pela aquisição por parte de alguns líderes religiosos de veículos de comunicação e inserção massiva na política.

Os ecos do crescimento do pentecostalismo autônomo reverberaram nas igrejas históricas devido ao seu discurso, que unia elementos relacionados à autoestima, tanto dos membros, quanto dos líderes (através das promessas de prosperidade e crescimento numérico). A fragilidade dos ideais ligados à esquerda e a incorporação das igrejas ao modelo neoliberal contribuíram para reforçar a admiração a esse novo modelo de igreja emergente.

A Igreja Metodista brasileira não ficou imune a esse processo. Por isso, no ano de 1995, foi publicado pela Igreja um estudo enfatizando as marcas básicas da identidade metodista. O que se constituía numa tentativa de reafirmação de identidade. Com isso, dois grupos distintos (esses grupos,

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basicamente, caracterizavam-se ou pela adesão ou pela recusa às práticas do pentecostalismo autônomo) buscaram bases na história para legitimar suas posições. Buscou-se frisar que a identidade se constitui num processo sempre em construção e, portanto, inacabado, mas que se ancora nas tradições legadas das gerações anteriores. Não se trata de se prender ao passado, mas de dialogar com ele e recriá-lo a partir da interação com o presente. Nesse aspecto, salienta-se que a pastoral de resultados, reforçadora do individualismo, não tem relação com as raízes históricas do metodismo.

A questão dos Dons e Ministérios251 foi tratada como algo revolucionário, levando em consideração o período de sua instituição. A intenção inicial era ter a igreja com uma ação pastoral menos burocrática e mais participativa, sobretudo no tocante ao laicato. Tal proposta não ficou imune aos desvios referentes aos seus propósitos iniciais, pois a influência do pentecostalismo autônomo mostrou-se mais uma vez presente. Muitos, imersos nessa mentalidade, supervalorizavam alguns ministérios, elegendo-os como mais importantes e desqualificando outros.

O objetivo da implementação da nova organização da Igreja foi parcialmente atingido. Contudo, o clericalismo continuou reforçado em detrimento das lideranças leigas. Tanto bispos como pastores não souberam administrar de forma democrática a questão do poder.

A questão do crescimento como alvo a ser perseguido foi tratada como algo que pode ser nocivo à vida das igrejas, pelo fato de romper com vários aspectos da tradição e não levar em conta a dimensão existencial do ser humano, preocupando-se somente com a quantidade numérica.

No tocante à formação teológica aponta-se para a crise pela qual passava a Escola Bíblica Dominical como um

251 Forma organizacional da Igreja Metodista que visou a maior participação do laicato no cotidiano da igreja.

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lugar de formação das lideranças leigas. Essa também foi influenciada por determinados movimentos carismáticos que ganhavam espaço no seio da igreja. Já o problema enfrentado na formação teológica era que muitos dos acadêmicos, antes de ingressarem nos cursos de formação, já exerciam funções de liderança e tinham por meta apenas a aquisição do diploma, não dando a devida importância à formação teológica.

Se no passado discutia-se a questão do legado wesleyano e a legitimidade de determinadas práticas na vida da igreja, na atualidade valorizam-se as tendências e práticas que tragam o crescimento e a prosperidade. Isso fica muito evidente quando, por exemplo, abre-se mão da doutrina e do legado histórico da igreja e permite-se a inserção de métodos e estratégias outrora abominados e criticados.

A igreja tem aberto mão de muitos princípios e se inserido cada vez mais naquilo que pode ser chamado de mercado religioso. Num passado não muito distante, resolveu-se romper com relações históricas e eleger pessoas que não tinham aptidão para ocupar determinadas posições administrativas por conta da tendência evangélica que circula no país. Talvez não demore muito para que se reformule o ensino acadêmico da formação teológico-pastoral e a estrutura da igreja, adaptando-a ao tão cobiçado (por muitos) modelo autônomo.

A relação que se faz de tais apontamentos com a temática dos direitos humanos é simples. Quando se opta pelos números e os chavões correntes da teologia da prosperidade, esquece-se de enfatizar o valor das pessoas como indivíduos. Muda-se o paradigma da missão – o Reino de Deus – convertendo-o na disputa pelo poder.

Embora seja a realidade, não só do metodismo brasileiro, como da maioria das igrejas evangélicas em solo brasileiro, fica a esperança de que a dinâmica da história dê, àqueles que acreditam na vida e se empenham para que o ser humano possa a cada dia conquistar sua dignidade e

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OS ORGANIZADORES ADEMIR MENIN é Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma-PUG (2013). Especialista em Letras (Estudos Linguísticos e Literários) pela Universidade Estadual do Norte do Paraná-UENP (2010). Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná-UNIOESTE (1995). Graduado em Teologia pela Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma-PUU (1999). Atualmente é professor de Filosofia Moderna e Contemporânea na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. E-mail: [email protected]

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EUDA MÁRCIA DIAS PAIVA possui graduação em Pedagogia - UDF Centro Universitário (1999). Bacharelado em Direito pela UNIEURO (2008); Advogada com registro na OAB/DF sob o n. de 29229. Pós-graduação em Psicopedagogia pela Universidade Candido Mendes (2003) Habilitação em Português pela FGF (2013), com programa especial de formação pedagógica. Atualmente é professora - Secretaria de Educação do Distrito Federal. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Tecnologia Educacional e, também na área Jurídica no ramo de direito familiar, cível, trabalho e previdenciário. E-mail: [email protected]

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GABRIEL BASSAGA NASCIMENTO possui graduação em Teologia pelo Instituto Seminário Bíblico de Londrina (2011) e graduação em Teologia pelo Centro Universitário de Maringá (2012). Atualmente é graduando do curso de Direito pelo Centro Universitário de Maringá. Possui ampla experiência como Executivo de Vendas em todo o território. E-mail: [email protected]

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IVAN VIEIRA DA SILVA é graduado em Matemática pela Universidade Paranaense – UNIPAR (2006); é especialista em Matemática Financeira e Estatística pela Universidade Paranaense – UNIPAR (2008); é especialista em Gestão Escolar pela FAESI - DINÂMICA (2016); é especialista em Transtornos Globais de Desenvolvimento pela FAESI - DINÂMICA (2016) e Mestrando em Gestão do Conhecimento nas Organizações pelo Centro Universitário Cesumar – UNICESUMAR (2017-2018). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]

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JOSÉ FRANCISCO DE ASSIS DIAS é Professor Adjunto da UNIOESTE, Toledo-PR; professor do Mestrado em Gestão do Conhecimento nas Organizações, na UNICESUMAR; professor do Mestrado em Filosofia da UNIOESTE; pesquisador do Grupo de Pesquisa “Educação e Gestão” e do Grupo de Pesquisa “Ética e Política”, da UNIOESTE, CCHS, Toledo-PR. Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano, Roma, Itália; Doutor em Filosofia também pela mesma Pontifícia Universidade; Mestre em Direito Canônico também pela mesma Pontifícia Universidade Urbaniana; Mestre em Filosofia pela mesma Pontifícia Universidade; Especialista em Docência no Ensino Superior pela UNICESUMAR; Licenciado em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo – RS; Bacharel em Teologia pela UNICESUMAR. Pesquisador do Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICETI). E-mail: [email protected]

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