josÉ francisco de assis dias - humanitas vivens · 1.1 – da etimologia ao conceito filosófico a...

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JOSÉ FRANCISCO DE ASSIS DIAS (Organizador) Humanitas Vivens LTDA O conhecimento a serviço da Vida!

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  • JOS FRANCISCO DE ASSIS DIAS (Organizador)

    Humanitas Vivens LTDA

    O conhecimento a servio da Vida!

  • 2

  • 3

    TICA Problemas ticos em Debate

  • 4

  • 5

    JOS FRANCISCO DE ASSIS DIAS (Organizador)

    TICA Problemas ticos em Debate

    AUTORES:

    Jos Francisco de Assis Dias

    Leomar Antnio Montagna

    Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonalves

    Kassiane Menchon Moura Endlich

    Humanitas Vivens Ltda O conhecimento a servio da Vida!

    Maring (PR)

    2010

  • 6

    Copyright 2010 by Humanitas Vivens Ltda

    EDITORES:

    Daniela Valentini Geraldo Antnio Dias

    CONSELHO EDITORIAL:

    Antonio Lorenzoni Neto / Jos Aparecido Pereira

    Paulo Roberto Veroneze

    REVISO GERAL:

    Andr Luis Sena dos Santos / Mrio Pedro Cabral

    CAPA, DIAGRAMAO E DESIGN:

    Agnaldo Jorge Martins

    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)

    Ivani Baptista Bibliotecria CRB-9/331

    O contedo da obra, bem como os argumentos expostos, de

    responsabilidade exclusiva de seus autores, no representando o

    ponto de vista da Editora, seus representantes e editores.

    Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por

    qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer

    sistema ou banco de dados sem permisso escrita do Autor e da

    Editora Humanitas Vivens Ltda.

    Av. 19 de Dezembro, 369, Sala 15, Zona 06, Maring-PR

    CEP: 87015-610

    www.humanitasvivens.com.br [email protected]

    Fone: (44) 3025-5001

    tica: problemas ticos em debate / Jos E84 Francisco de Assis Dias, organizador.

    -- Maring : Humanitas Vivens, 2010.

    377p.

    ISBN 978-85-61837-31-0

    Modo de acesso: www.humanitasvivens.com.br

    1. Direito vida. 2. Biotica. 3. Direito primordial. 4. Patrimnio gentico

    Proteo. I. Dias, Jos Francisco de Assis

    Dias, org. II. Montagna, Leomar Antnio. III.

    Gonalves, Juliana Rui Fernandes dos Reis. IV.

    Endlich, Kassiane Menchon Moura.

    CDD-DIR 4.ed. 341.27

    http://www.humanitasvivens.com.br/mailto:[email protected]

  • 7

    SUMRIO

    PREFCIO ..........................................................................

    CAPTULO I:

    PRINCPIO FUNDAMENTAL

    DO DIREITO VIDA E O DIREITO

    VIDA COM QUALIDADE ............................................

    1 O Conceito de vida ....................................................

    1.1 Da etimologia ao conceito filosfico .................

    1.2 Conceito bioqumico ..........................................

    1.3 Conceito biolgico .............................................

    1.4 Conceito jurdico ................................................

    2 O direito vida na legislao ptria ...........................

    2.1 (Breve) Anlise do princpio constitucional

    da inviolabilidade do direito vida ................................

    2.2 Os artigos da Constituio Federal de 1988

    que asseguram o direito vida .......................................

    2.3 Os artigos da legislao civil

    que asseguram o direito vida .........................................

    2.4 Referncias legislao penal

    que asseguram o direito vida .........................................

    2.4.1 Homicdio ..................................................

    2.4.2 Aborto ........................................................

    2.4.3 Leses Corporais .......................................

    2.4.4 Periclitao da vida e da sade ..................

    2.4.5 Rixa ...........................................................

    2.4.6 Crimes contra a incolumidade

    Pblica ......................................................................

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  • 8

    3 Do direito consagrado pela

    norma constitucional brasileira

    a viver com qualidade e seus desdobramentos..................

    4 Teorias sobre o incio da vida .......................................

    4.1 Teoria natalista .....................................................

    4.2 Teoria concepcionista ...........................................

    4.3 Teoria da personalidade condicional .....................

    4.4 Teoria do embrio

    como pessoa em potencial ..............................................

    4.5 Teoria gentico-desenvolvimentista ....................

    4.6 A adoo de uma teoria

    como base para desenvolvimento do estudo ...................

    Bibliografia .........................................................................

    CAPTULO II:

    DA HUMANITAS AO DIREITO PRIMORDIAL

    VIDA: DIREITO DE NASCER E VIVER ......................

    1. Um Sinal de Progresso Moral ............................................

    1.1. Direito Vida e Direito a Viver ................................

    1.2. O Mito do Progresso ..............................................

    1.3. O Progresso Tcnico e o Direito Vida ...................

    1.4. Evoluo Histrica do Direito Vida .......................

    1.4.1. O Direito Vida

    um Direito Histrico? ...............................................

    1.4.2. A Afirmao Histrica do

    Direito Vida ...........................................................

    1.4.3. A Terceira Gerao dos Direitos .....................

    1.4.4. A Quarta Gerao dos Direitos .......................

    2. Significados Positivos do Direito Vida ...........................

    2.1. Convenes e Tratados Internacionais........................

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  • 9

    2.1.1. Declarao Americana dos

    Direitos e Deveres do Homem, 1948 ........................

    2.1.2. Declarao Universal dos

    Direitos do Homem, 1948 .........................................

    2.1.3. Convenzione Europea per la

    salvaguardia dei diritti dell'uomo e

    delle libert fondamentali, 1950 ..............................

    2.1.4. Pacto Internacional dos

    Direitos Civis e Polticos, 1966 ................................

    2.1.5. Conveno Americana de

    Direitos Humanos, 1969 ..........................................

    2.1.6. Conveno sobre os

    Direitos da Criana, 1989 .......................................

    2.2. Algumas Posies Atuais .........................................

    3. A Posio do Magistrio Eclesistico ...............................

    3.1. Mater et magistra, 15 de Maio de 1961 ...................

    3.2. Christifideles Laici, 30 de Dezembro de 1988 ..........

    3.3. Jornada Mundial da Paz, 1999 .................................

    3.4. Familiaris Consortio, 22 de Novembro de 1981 .......

    3.5. Donum vitae, 22 de Fevereiro de 1987 .....................

    3.6. Jus Canonicum ..........................................................

    4. O Direito de Nascer ..........................................................

    4.1. O Embrio Humano Pessoa? .................................

    4.1.1. O Reconhecimento .........................................

    4.1.2. Os Atributos Psicolgicos ..............................

    4.1.3. O Desenvolvimento Orgnico .........................

    4.1.4. O Carter Epigentico ....................................

    4.1.5. Os Gmeos Monozigticos ..............................

    4.2. Estatuto Ontolgico do Embrio Humano ................

    5. O Direito de Morrer ...........................................................

    5.1. Conceituao Terminolgica .....................................

    5.2. Declarao Iura et bona, 5 de Maio de 1980 .............

    5.3. Eutansia como Omisso ...........................................

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  • 10

    5.4. Eutansia como Piedade ............................................

    5.5. Interrogativos em Aberto ...........................................

    6. A Pena de Morte ............................................................

    CAPTULO III:

    DIREITO PROTEO DO PATRIMNIO

    GENTICO E INVESTIGAO

    CIENTFICA ....................................................................... 1 CINCIA, DIREITO E BIOTICA ...................................

    2 PRESSUPOSTOS DO DIREITO

    PROTEO DO PATRIMNIO GENTICO E

    INVESTIGAO CIENTFICA .................................

    2.1 O respeito pessoa ......................................................

    2.2 O respeito ao conhecimento e

    liberdade de investigao ..........................................

    2.3 A represso inteno de lucro ..................................

    2.4 A generalizao dos benefcios ...................................

    2.5 A responsabilidade do investigador ............................

    2.6 O respeito aos princpios bioticos ..............................

    3 BENS JURDICOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS

    IMPLICADOS NA PROTEO DO

    PATRIMNIO GENTICO E DA

    INVESTIGAO CIENTFICA ...................................

    4 O DIREITO PROTEO DO PATRIMNIO

    GENTICO E INVESTIGAO

    CIENTFICA: UM ENFOQUE A PARTIR

    DOS VALORES CONSAGRADOS

    NAS DECLARAES UNIVERSAIS DE

    DIREITOS E NA CONSTITUIO

    FEDERAL ...................................................................

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  • 11

    4.1 Princpios estruturadores do direito ao

    Patrimnio gentico e investigao cientfica na

    legislao nacional .......................................................

    4.2 Princpios universais do direito proteo ao

    patrimnio gentico e

    investigao cientfica .............................................

    A) Cdigo de Nuremberg ...........................................

    B) Declarao Universal dos Direitos do

    Homem .........................................................................

    C) Declarao de Helsinque

    (1964, 1983, 1997, 1999, 2001 e 2003) ......................

    D) Relatrio Belmont .................................................

    E) Declarao de Valncia sobre tica e

    o Projeto Genoma Humano .........................................

    F) Declarao de Bilbao sobre o Direito ante

    o Projeto Genoma Humano e Convnio sobre

    Direitos Humanos e Biomedicina ...............................

    G) Declarao Universal sobre o

    Genoma Humano e os Direitos Humanos

    da Unesco ..................................................................

    H) Declarao Ibero-latino-americana sobre

    tica e Gentica

    (Declarao de Manzanillo 1996/1998) ...................

    I) Declarao Internacional sobre os

    Dados Genticos Humanos UNESCO .....................

    J) Declarao Universal sobre Biotica e

    Direitos Humanos UNESCO ...................................

    5 ATITUDES LEGISLATIVAS PARA A

    PROTEO DO PATRIMNIO GENTICO ..............

    Referncias..............................................................................

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  • 12

    CAPTULO IV

    A DIMENSO TICA E SOCIAL DO AMOR ..................

    1 tica social, prolongamento da moral individual ................

    2 O amor enquanto fundamento tico de

    socializao do homem .........................................................

    3 Amar o prximo:

    a plenitude e as expresses do amor-caridade .....................

    3.1 Amar o prximo os parentes .....................................

    3.2 Amar o prximo os amigos .......................................

    3.3 Amar o prximo os pobres .........................................

    3.4 Amar o prximo os inimigos .....................................

    3.5 Amar o prximo os frutos ..........................................

    4 Fundamento da verdadeira justia no Estado:

    o amor ....................................................................................

    5 Finalidade imediata do Estado terreno:

    a ordenada concrdia ou a paz temporal ...............................

    6 Fundamentos da ordenada concrdia ou

    paz temporal no Estado: a verdadeira justia........................

    7 A paz e a guerra justa na histria .................................

    8 Complemento:

    A Paz justa e o carter social do Estado ............................

    9 Instrumento garantidor da ordenada concrdia ou

    paz temporal no Estado o poder temporal ..........................

    Consideraes Finais............................................................

    Referncias............................................................................

    Primrias.................................................................................

    Secundrias.................................................................................

    Comentrios Sobre Santo Agostinho.....................................

    Outras Obras de Apoio.............................................................

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  • 13

    PREFCIO

    Bobbio, escrevendo em 1981, afirmou que ao estado

    atual da conscincia tica da Humanidade, tende-se a

    reconhecer ao indivduo no somente o direito de viver

    que um direito elementar e primordial do Homem mas

    tambm o direito de haver o mnimo indispensvel para

    viver1.

    O direito vida um direito que implica da parte do

    Estado, pura e simplesmente, um comportamento negativo:

    No matar! J o direito a viver implica da parte do Estado

    tambm um comportamento positivo, isto , implica

    interveno de polticas econmicas inspirados a princpios

    de justia distributiva; e da parte dos outros tambm um

    comportamento positivo de sustentao, promoo e

    proteo solidria da vida, como valor primordial.

    Em outras palavras, hoje, reconhece-se ao Indivduo-

    cidado no somente o direito de no ser morto por

    nenhuma razo no-natural, mas tambm o direito de no

    morrer de fome.

    Bobbio ainda observou que basta enunciar os termos

    do problema para que se apresente s nossas mentes o

    grande problema da relao entre pases ricos e pases

    1 Cfr. IDEM, I diritti delluomo e la pace (1982), in TerAs, p. 95:

    Ho parlato del diritto alla vita, e dei diritti di libert, e della loro

    incompatibilit con lo stato di guerra. Ora occorre aggiungere che

    allo stato attuale della coscienza etica dellumanit, si tende a

    riconoscere allindividuo non soltanto il diritto di vivere (che un

    diritto elementare e per cos dire primordiale delluomo) ma anche il

    diritto di avere il minimo indispensabile per vivere.

  • 14

    pobres, entre pases que consomem o suprfluo e pases que

    carecem do necessrio, como um dos grandes problemas do

    sculo XX e tambm do nascente sculo XXI2.

    No presente volume, os autores trabalham alguns

    temas fundamentais para a tica da vida humana; cada um,

    dentro de suas reas de interesse, aborda um problema

    urgente para os nossos dias.

    No primeiro captulo a Prof. Juliana trabalha o

    PRINCPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO VIDA E O

    DIREITO VIDA COM QUALIDADE; no segundo

    captulo o Prof. Dias trabalha DA HUMANITAS AO

    DIREITO PRIMORDIAL VIDA: DIREITO DE NASCER

    E VIVER, partindo principalmente do pensamento de

    Norberto Bobbio; no terceiro captulo a Prof. Kassiane

    trabalha DIREITO PROTEO DO PATRIMNIO

    GENTICO E INVESTIGAO CIENTFICA; e no

    quarto e ltimo captulo o Prof. Pe. Montagna trabalha A

    DIMENSO TICA E SOCIAL DO AMOR, no

    pensamento do grande Santo Agostinho.

    Com sentimento de grande satisfao oferecemos aos

    leitores, pela Editora Humanitas Vivens o presente volume.

    2 Cfr. Ibidem, p. 96.

  • 15

    CAPTULO I: PRINCPIO FUNDAMENTAL DO

    DIREITO VIDA Prof. Ms.

    Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonalves

    1 O Conceito de vida

    1.1 Da etimologia ao conceito filosfico

    A palavra vida, como tantas outras, em cada lngua

    tem sua forma de ser escrita. Derivada do grego o, escreve-se em latim e italiano como sendo vita; no ingls,

    life; no francs, vie e, no alemo, Leben. Mas,

    independentemente da forma como se escreve, indica o

    fenmeno que ocorre com os mais diversos seres por um

    determinado perodo de tempo, ou seja, do incio ao seu

    trmino, a qual pode, ainda, transcender de acordo com a

    crena.

    Segundo o Novo Dicionrio Aurlio da Lngua

    Portuguesa, por vida, tem-se 1. conjunto de propriedades e

    qualidades graas as quais animais e plantas, ao contrrio

    dos organismos mortos ou da matria bruta, se mantm em

    contnua atividade, manifestada em funes orgnicas tais

    como o metabolismo (2), o crescimento (1), a reao a

  • 16

    estmulos, a adaptao ao meio, a reproduo (1), e outras;

    existncia. 2. estado ou condio dos organismos que se

    mantm nessa atividade desde o nascimento at a morte;

    existncia; 3. a flora e/ou a fauna; 4. a vida humana; 5. o

    espao de tempo que decorre desde o nascimento at a

    morte; existncia;3, sendo, portanto, no sentido em que se

    analisar, uma atividade funcional peculiar aos animais,

    vegetais e ao homem.

    Na Antigidade, os fenmenos da vida eram

    caracterizados com base em sua capacidade de

    autoproduo, vale dizer, com base na espontaneidade com

    que os seres vivos se movem, se nutrem, crescem, se

    reproduzem e morrem, de um modo que, pelo menos

    aparente e relativamente, no depende das coisas externas4.

    O filsofo grego Plato identificava vida alma, j

    que ele considerava prpria da alma a capacidade de

    mover-se por si5; Aristteles entendia por vida a nutrio,

    o crescimento e a destruio que se originam por si

    mesmos6.

    Na idade mdia, So Toms de Aquino entendia que

    vida significava a substncia qual convm por natureza

    mover-se ou conduzir-se espontaneamente e de qualquer

    modo ao7, sendo a alma o seu princpio.

    3 FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. O Dicionrio Aurlio Eletrnico

    (Novo Dicionrio Aurlio) Sculo XXI. Lexicon Informtica Ltda (Rio de

    Janeiro: Editora Nova Fronteira), 1999. Verbete: Vida. 4 ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de Filosofia. So Paulo: Martins Fontes,

    2000. p. 1.001. 5 Ibid, p. 1.001. 6 Ibid, p. 1.001. 7 Ibid, p. 1.001.

  • 17

    Com Descartes e Hobbes foi que surgiu o conceito

    mecanicista de vida, comparando o homem e os organismos

    vivos em geral mquina bem montada, onde se manteve,

    portanto, o sentido de autonomia separado da ligao com a

    alma que fora anteriormente tratado8.

    Leibniz, para quem o conceito de vida se faz de

    acordo com o princpio da fsica que diz que um corpo s se

    move se impelido por um corpo vizinho e em movimento,

    considerava que a nica teoria da V. compatvel com esse

    princpio a da harmonia preestabelecida, segundo a qual a

    V. consiste na concordncia da ao das substncias,

    preestabelecidas por Deus9.

    Kant asseverava que a vida a capacidade de atuar

    segundo a faculdade de desejar10.

    Hegel identificava vida com o princpio que d

    incio e movimento a si mesmo11, e Bergson entendia a

    fonte da vida como sendo a conscincia criadora que extrai

    de si mesma tudo o que se produz.

    Extrai-se, portanto, que o conceito filosfico para

    vida demonstra uma idia de poder de autonomia, de se

    autoregular, mover-se sem depender de coisa alguma, o que,

    para alguns, dependia, tambm, da alma (do latim animus),

    sendo por isso ligados.

    8 A disputa entre vitalismo e mecanicismo versa sobre o seguinte: o mecanicismo

    afirma que a V. devida a certa organizao fsico-qumica da matria corprea,

    enquanto o vitalismo considera que essa organizao no suficiente, e que a V.

    depende de um princpio de natureza espiritual(Ibid, p. 1.001). 9 Ibid, p. 1.001. 10 Ibid, p. 1.001. 11 Ibid, p. 1.001.

  • 18

    1.2 Conceito bioqumico

    Para a bioqumica, vida um processo qumico

    envolvendo milhares de reaes diferentes de forma

    organizada, as chamadas reaes metablicas, ou, mais

    simplesmente, metabolismo12.

    1.3 Conceito biolgico

    Tendo em vista que a vida est em constante

    evoluo, os bilogos elaboraram alguns princpios com os

    quais entendem poder demonstrar os requisitos para se

    determinar a vida, sendo eles: 1) o fato de que todo

    organismo vivo tem que existir tanto no tempo quanto no

    espao; 2) apresentar auto-reproduo ou se reproduzir em

    outro organismo; 3) armazenar informaes sobre si

    prprio; 4) alternar-se por metabolismo, sendo capaz de

    transformar matria em energia; 5) agir no seu prprio

    ambiente; 6) conter partes interdependentes, e 7) manter a

    estabilidade durante as mudanas das condies ambientais,

    evoluir e crescer ou expandir.13

    12 ALARCN, Pietro de Jess Lora. Patrimnio Gentico Humano e sua proteo

    na Constituio Federal de 1988. So Paulo: Editora Mtodo, 2004. p. 116. 13 Conceito biolgico de vida. Disponvel em:

    . Acesso em: 02/09/04, s

    14:00 hs.

    http://www.geocities.com/Eureka/3211/v-biol.htm

  • 19

    1.4 Conceito jurdico

    Pode-se afirmar que boa parte dos juristas, pelo

    menos os aqui consultados, no tiveram a pretenso de

    estabelecer um conceito para se estabelecer o que seria vida,

    em sua respectiva tica, prendendo-se mais em realizar uma

    anlise do que esta representa dentro do ordenamento ptrio

    (para tanto, transcreve-se o que dizem alguns doutrinadores

    acerca do termo).

    Jos Afonso da Silva assevera:

    No intentaremos dar uma definio disto que se

    chama vida, porque aqui que se corre o grave risco

    de ingressar no campo da metafsica supra-real, que

    no nos levar a nada. Mas alguma palavra h de ser

    dita sobre esse ser que objeto de direito

    fundamental. Vida, no texto constitucional (art. 5,

    caput), no ser considerada apenas no seu sentido

    biolgico de incessante auto-atividade funcional,

    peculiar matria orgnica, mas na sua acepo

    biogrfica mais compreensiva. Sua riqueza

    significativa de difcil apreenso porque algo

    dinmico, que se transforma incessantemente sem

    perder sua prpria identidade. mais um processo

    (processo vital), que se instaura com a concepo (ou

    germinao vegetal), transforma-se, progride,

    mantendo sua identidade, at que muda de qualidade,

    deixando, ento, de ser vida para ser morte. Tudo que

  • 20

    interfere em prejuzo deste fluir espontneo e

    incessante contraria a vida14.

    Segundo Pietro de Jess Lora Alarcn,

    uma preocupao constante do ser humano

    conhecer sua origem e sua essncia. Desde o comeo

    e at hoje, a pesquisa biolgica e a filosfica, bem

    como aquelas realizadas em outras reas do

    conhecimento para descobrir o espinhoso tema, foi

    acompanhada, de maneira natural, por conquistas do

    homem no plano jurdico para a proteo da sua

    vida. Isso significa que o conceito vida, no sentido

    assinalado por outras cincias distintas da Cincia

    Jurdica, concebe-se em termos jurdicos como a (sic)

    idia de direito vida, e ainda em temos de dever de

    respeito vida do outro.(...) (...) Juridicamente, as

    sucessivas dimenses protetoras do direito vida

    passaram a ser um ponto de referncia sistmico

    para a prpria teoria da Constituio e do Estado.

    Assim, qualquer interpretao constitucional pr-

    compreende uma teoria dos direitos fundamentais.

    Reafirme-se, o foco constitucional desde sempre tem

    sido o ser humano. Logo, o homem ligado

    sociedade e, por ltimo, o homem cada vez mais

    limitado por uma sociedade de massas que cresce e

    se desenvolve marcada por desigualdades profundas.15

    14 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. So

    Paulo: Malheiros, 2000. p. 200. 15 ALARCN, Pietro de Jess Lora. op. cit., p. 85.

  • 21

    Sendo assim, pode-se dizer que a vida um processo

    por qual passa todo ser vivo e, em relao aos seres

    humanos, tem seu incio com a concepo, perfaz-se por

    todo perodo que se d entre aquele momento inicial at a

    morte, passando, ainda, durante esse processo, por diversas

    transformaes de ordem fsica e psquica, o que faz com

    que cada ser humano se torne mais diferente do que era no

    momento da sua concepo, tendo em vista que, desde esse

    momento, j nico.

    2 O direito vida na legislao ptria

    2.1 (Breve) Anlise do princpio constitucional

    da inviolabilidade do direito vida

    Os direitos fundamentais constituem o conjunto de

    direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e

    garantidos pelo direito positivo de determinado Estado,

    tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e

    temporalmente, cuja denominao se deve ao seu carter

    bsico e fundamentador do sistema jurdico do Estado de

    Direito16, sendo, portanto, assim considerados na medida

    em que so reconhecidos e inseridos na Constituio e em

    face dela gerem conseqncias jurdicas, o que quer dizer

    16 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre:

    Livraria do Advogado, 1998. p. 32.

  • 22

    que a interpretao das normas dever ser feita de acordo

    com o que est ali inserido17.

    Segundo Jos Joaquim Gomes Canotilho,

    a positivao de direitos fundamentais significa a

    incorporao na ordem jurdica positiva dos direitos

    considerados naturais e inalienveis do indivduo.

    necessrio assinalar-lhes a dimenso de

    Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das

    fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta

    positivao jurdica, os >, mas no direitos

    protegidos sob a forma de normas (regras e

    princpios) de direito constitucional (Grundrechts-normen).18

    De acordo com a necessidade de positivao dos

    direitos fundamentais, Jos Afonso da Silva sustenta que as

    regras que exprimem direitos fundamentais correspondem a

    preceitos positivos constitucionais, os quais somente seriam

    considerados assim desde que inseridos na Constituio.19

    Por outro lado, h aqueles que entendem que, em face

    da importncia do que se dispe nas regras que imprimem

    existncia positiva aos direitos fundamentais, estas podem

    17 ALARCN, Pietro de Jess Lora, op. cit., p. 77, observa sobre o descrito que

    assumidos como direitos subjetivos, os direitos fundamentais so direitos de defesa

    perante os poderes estatais. Como elemento da ordem coletiva, traduzem uma

    competncia negativa dos poderes estatais perante o status do indivduo, ainda que

    uma positiva de respaldo concretizao desse mesmo status. 18 CANOTILHO, Joaquim Jos Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

    Constituio. 3 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. p. 353. 19 SILVA, Jos Afonso da. op. cit., p. 48.

  • 23

    ser consideradas supra-estatais, tendo em vista o fato de que

    estas decorrem de uma ordem superior e so inerentes ao ser

    ntimo de cada homem, sendo repugnante pensar que estas,

    para serem reais, necessitem, antes, de serem dispostas em

    lei.20

    Mas a prtica tem-se demonstrado que esses direitos,

    tanto quando expressamente descritos no texto

    constitucional quanto decorrente destes, imprimem valores

    mximos, inerentes pessoa, devendo, portanto, serem

    seguramente resguardados, j que estes direitos so, na sua

    essncia, as bases condicionantes da formao do real

    Estado constitucional democrtico. Como bem asseverado

    pela doutrina:

    Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado

    da definio da forma de Estado, do sistema de

    governo e da organizao do poder, a essncia do

    Estado constitucional, constituindo, neste sentido,

    no apenas parte da Constituio formal, mas

    tambm elemento nuclear da Constituio material.

    Para alm disso, estava definitivamente consagrada a

    ntima vinculao entre as idias de Constituio,

    Estado de Direito e direitos fundamentais. Assim,

    acompanhando as palavras de K. Stern, podemos

    afirmar que o Estado constitucional determinado

    pelos direitos fundamentais assumiu feies de

    Estado ideal, cuja concretizao passou a ser a

    tarefa permanente.21

    20 MORAES, Guilherme Pea de. Direitos Fundamentais: conflitos e solues.

    Niteri: Labor Juris, 2000. p. 19. 21 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 59.

  • 24

    Expressa a doutrina, ainda, acerca dos direitos

    fundamentais, que:

    (...) os direitos fundamentais constituem, para alm

    de sua funo limitativa do poder (que, ademais, no

    comum a todos os direitos), critrios de legitimao

    do poder estatal e, em decorrncia, da prpria ordem

    constitucional, na medida em que o poder se justifica

    por e pela realizao dos direitos do homem e que a

    idia de justia hoje indissocivel de tais direitos.

    (...)

    (...) os direitos fundamentais passam a ser

    considerados, para alm de sua funo originria de

    instrumentos de defesa da liberdade individual,

    elementos da ordem jurdica objetiva, integrando um

    sistema axiolgico que atua como fundamento material de todo o ordenamento jurdico. 22

    Essas normas, ento, revelam as necessidades

    bsicas inerentes a qualquer ser humano, tendo em vista

    que protegem seus bens mais importantes que se

    personalizam tornando mais justo o texto de lei, sendo, por

    isso mesmo, considerado o ncleo substancial23 de toda

    Constituio.

    Sua proeminncia se deu, principalmente, aps o

    advento da 2 Guerra Mundial, em face das atrocidades

    nesta cometidas, principalmente contra judeus, tendo sido,

    de certa forma, uma resposta quelas e uma tentativa de

    controle para evitar novos desmandos.

    22 Ibid, p. 60/61. 23 Ibid, p. 62.

  • 25

    Dentro da Constituio Federal de 1988, no rol de

    direitos do art. 5. encontra-se grande parte dos direitos

    fundamentais assegurados constitucionalmente, mas no

    somente no artigo citado, bem como em outros (por

    exemplo, alguns incisos do art. 1.) e em direitos

    decorrentes do disposto em tais artigos, cujos direitos no

    foram claramente especificados, como hoje se fala no direito

    de ser diferente ou diferena, que decorre do disposto nos

    incisos XLI e XLII do art. 5., os quais tratam da

    discriminao e do racismo.

    Mais especificamente, no caput do artigo citado, tem-

    se determinada, expressamente, a inviolabilidade do direito

    vida, especificando, ainda, os pargrafos daquele mesmo

    artigo a sua aplicao imediata e a no excluso de normas

    decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou

    dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa

    do Brasil seja parte.24 Teria, assim, sido plenamente

    assegurado o direito vida a todos, sem se poder fazer

    qualquer exceo que j no estivesse naquele texto

    declarada.

    Para proteo desse direito, como dos direitos

    fundamentais em geral, em mbito normativo, foi-lhes

    assegurada limitao material explcita ao poder de reforma

    constitucional inserido no art. 60, 4., inc. IV da CF/88, ou

    seja, o respeito s clusulas ptreas, as quais tm como

    funo evitar a destruio ou a radical alterao da ordem

    constitucional e, assim, assegurar a integridade da

    Constituio, obstando a que eventuais reformas provoquem

    a destruio, o enfraquecimento ou impliquem profunda

    24 2., do art. 5 da Constituio Federal.

  • 26

    mudana de identidade. 25 Acerca da matria, profliga-se

    que:

    a norma veiculada pela Emenda Constituio

    tendente a (sic) abolir direitos fundamentais

    reputada por materialmente inconstitucional (...),

    sendo cabvel, inclusive, a impetrao de mandado de

    segurana por quaisquer dos membros do Congresso

    Nacional, como forma excepcional de controle de

    constitucionalidade jurisdicional e preventivo, ante

    ao direito lquido e certo de no se submeterem

    tramitao de Proposta de Emenda Constitucional

    que no encontre fundamento de validade na Constituio da Repblica.

    Na jurisprudncia, o Supremo Tribunal Federal

    reconheceu o cabimento de mandado de segurana,

    cuja legitimao ativa conferida a membro do

    Congresso Nacional, com o objetivo de impedir a

    deliberao, em plenrio, da Proposta de Emenda

    Constituio, tendo havido violao de limitao ao

    poder de reforma constitucional, porquanto a

    tramitao da referida proposta ofende direito

    lquido e certo do impetrante, uma vez que tem ele,

    na condio de parlamentar, o direito subjetivo de

    prevenir a deliberao congressual de tal proposta,

    que no seu entendimento ofende clusula ptrea da Carta da Repblica. 26

    25 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurdicos

    e polticos. So Paulo: Saraiva, 1990. p. 96/98. 26 MORAES, Guilherme Pea de. op. cit., p. 45/46, citando o julgamento do STF,

    MS n. 22.449, Rel. Francisco Rezek, J. 15.03.1996, DJU 20.03.1996.

  • 27

    Pode-se dizer, portanto, que, em sendo a garantia do

    direito vida inserido no texto constitucional ptrio no rol

    dos direitos fundamentais, como texto cimeiro, torna-o

    direito inviolvel e no passvel de excees, no sendo

    possvel que lei alguma, seja ela inserida no mbito

    constitucional ou infra, venha a renunciar ou mesmo

    relativizar esse direito27, j que, do modo como se forma o

    ordenamento, segundo a pirmide de Kelsen, a qual

    seguida por todos os ordenamentos que tm na Constituio

    o seu texto hierarquicamente superior a todos os outros e ao

    qual aderiu tambm o Brasil, o mandamento constitucional

    deve ser seguido e respeitado em todas as leis ordinrias,

    principalmente no tocante aos direitos fundamentais.

    Em relao garantia constitucional do direito vida,

    aduz Canotilho que, ele significa no apenas direito a no

    ser morto, mas tambm direito a viver28, no sentido do 27 CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos Jurdico-Penais da Eutansia. So

    Paulo: Instituto Brasileiro de Cincias Criminais (IBCCRIM), 2001. p. 99, assevera

    sobre o assunto: (...) a previso constitucional do direito vida como um direito

    fundamental, de cunho nitidamente garantista, impe deveres ao Estado e aos

    particulares. De primeiro, resulta na obrigao concernente s demais pessoas de

    respeit-lo, o que se traduz no dever de no realizar condutas comissivas ou

    omissivas, dolosas ou culposas que impliquem a sua destruio. De outro lado, ao

    Estado competem deveres muito importantes na consecuo do exerccio efetivo do

    direito vida, com o escopo de que no seja vulnerado. 28CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. op. cit., p. 377, discorre ainda que o direito

    vida (CRP, art. 24.) um direito subjectivo de defesa, cuja determinabilidade

    jurdico-constitucional no oferece dvidas, pois reconhece-se, logo a nvel

    normativo-constitucional, o direito do indivduo afirmar, sem mais, o direito de

    viver, com os correspondentes deveres jurdicos dos poderes pblicos e dos outros

    indivduos de no agredirem o bem da vida (dever de absteno). Isto no exclui

    a possibilidade de neste direito coexistir uma dimenso protectiva, ou seja, uma

    pretenso jurdica proteco, atravs do Estado, do direito vida (dever de

    proteco jurdica) que obrigar este, por ex., criao de servios de polcia , de

    um sistema prisional e de uma organizao judiciria. Todavia, o trao

    caracterizador do direito vida o primeiro direito de defesa e esse trao

    caracterizador que, prima facie, justifica o enquadramento deste direito no catlogo

    de direitos, liberdades e garantias.

  • 28

    direito a dispor de condies de subsistncia mnimas e o

    direito a exigir das entidades estatais a adopo de medidas

    impeditivas da agresso deste direito por parte de

    terceiros.29

    No mesmo sentido o posicionamento de Alexandre

    de Moraes, quando pondera:

    A Constituio Federal garante que todos so iguais

    perante a lei, sem distino de qualquer natureza,

    garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

    residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida,

    liberdade, igualdade, segurana e

    propriedade. O direito vida o mais fundamental

    de todos os direitos, j que se constitui em pr-

    requisito existncia e exerccio de todos os demais direitos.

    A Constituio Federal proclama, portanto, o direito

    vida, cabendo ao Estado assegur-lo em sua dupla

    acepo, sendo a primeira relacionada ao direito de

    E, na p. 384/385, observa que muitos direitos impem um dever ao Estado (poderes

    pblicos) no sentido de este proteger perante terceiros os titulares de direitos

    fundamentais. Neste sentido o Estado tem o dever de proteger o direito vida

    perante eventuais agresses de outros indivduos. (...) Diferentemente do que

    acontece com a funo de prestao o esquema relacional no se estabelece aqui

    entre o titular do direito fundamental e o Estado (ou uma autoridade encarregada de

    desempenhar uma tarefa pblica) mas entre o indivduo e outros indivduos. Esta

    funo de proteco de terceiros obrigar tambm o Estado a concretizar as normas

    reguladoras das relaes jurdico-civis de forma a assegurar nestas relaes a

    observncia dos direitos fundamentais (...). 29 Ibid, p. 375.

  • 29

    continuar vivo e a segunda de se ter vida digna

    quanto sua subsistncia.30

    Ainda, acerca da matria, aduz Pietro de Jess Lora

    Alarcn:

    A proteo da vida humana pelo Direito dialtica.

    Nesta afirmao inicial no h duvidas nem inovao

    nenhuma. Mas, o que se deve frisar que essa

    evoluo se confunde com a evoluo do prprio

    Direito e, particularmente, com a evoluo do Direito

    Constitucional. Tal afirmao se comprova

    examinando que a preocupao constante da

    positivao constitucional, a partir da prpria Carta

    Magna, passando pelas Declaraes31 de Direitos, 30 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7. ed. So Paulo: Editora

    Atlas, 2000. p. 61/62. 31 A preocupao com relao a deixar claro e escrito o direito primordial vida foi

    concebida aps o advento da 2 Grande Guerra, com as atrocidades cometidas pelo

    nazismo/stalinismo, sendo o primeiro documento a demonstrar tal prerrogativa a

    Declarao Universal de Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 criada pela

    Assemblia Geral da Organizao das Naes Unidas (ONU), a qual, em seu art. 3.

    dispe que todo homem tem direito vida, liberdade e segurana de sua

    pessoa.

    Ainda nessa trilha, a imensa maioria dos pactos e convenes internacionais

    contm menes ao direito vida, com escassas diferenas de contedo. assim que

    o Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos, aprovado pela Assemblia Geral

    das Naes Unidas em 16 de setembro de 1966, assinala em seu art. 6.1 que o

    direito vida inerente pessoa humana. Esse direito estar protegido pela lei.

    Ningum ser privado da vida arbitrariamente. Tambm nesse passo, a Conveno

    Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica), editada pela

    Organizao dos Estados Americanos (OEA) em 22 de novembro de 1969 prescreve

    que toda pessoa tem direito a ter sua vida respeitada (...). Ningum poder ser

    privado da vida arbitrariamente (art. 4.1). Mencione-se ainda o Convnio Europeu

    para a proteo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, aprovado em

    4 de novembro de 1950 pelo Conselho da Europa. O documento estabelece que o

    direito de toda pessoa vida est protegido por lei. Ningum poder ser privado de

    sua vida intencionalmente, salvo em execuo de uma condenao que imponha a

    pena capital ditada por um tribunal ao ru de um delito para o qual a lei preveja essa

    pena (...). A morte no ser considerada infligida com violao do presente artigo

  • 30

    por Constituies consideradas marcos na histria

    jurdica do mundo como a Constituio sovitica e a

    Constituio de Weimar e ainda, finalizando com

    documentos como a Declarao Universal dos

    Direitos do Homem, a proteo do direito vida.

    Pode-se dizer que o conjunto positivado de

    liberdades e garantias de alguma maneira forma o

    desdobramento do direito a viver, seja direito a

    existir, direito a conviver, ou direito a viver protegido

    dos impactos e choques do convulsionado mundo

    contemporneo.32

    Isto demonstra que cabe ao legislador ordinrio, na

    elaborao de leis, cri-las de acordo com o texto

    constitucional33 que, no caso, implica respeitar a

    quando se produza como conseqncia de um recurso fora que seja

    absolutamente necessrio: a) em defesa de uma pessoa contra uma agresso

    ilegtima; b) para deter algum conforme o direito ou para impedir a evaso de um

    preso legalmente detido; c) para reprimir, de acordo com a lei, uma revolta ou

    insurreio (art. 2.). (CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit., p. 97). 32 ALARCN, Pietro de Jess Lora. op. cit., p. 85. 33 O fato de alguns institutos migrarem do Cdigo (melhor: do direito civil)

    Constituio indica que as coordenadas traadas na Constituio devem ser seguidas

    por todo o aparelho regulamentador que lhe inferior. No basta que o legislador

    inferior passe a expedir normas que vo ao encontro da ordem constitucional.

    essencial que mesmo as normas ditas inferiores j existentes sejam analisadas,

    interpretadas e aplicadas de acordo com o preceito constitucional. A Constituio

    passa a constituir-se como o centro de integrao do sistema jurdico de direito

    privado. Assim que as normas constitucionais de proteo personalidade no

    devem ser vistas apenas como normas programticas (portanto no dotadas de

    concretude). Ao contrrio. Se todo o sistema jurdico gravita em torno da

    Constituio, tudo o que nela se contm forma e informa o direito ordinrio. (...) A

    norma constitucional parte integrante da ordem normativa, no podendo restringir-

    se a mera diretriz hermenutica ou regra limitadora da legislao ordinria. Aplica-

    se (direta ou indiretamente, mesmo porque constituio tambm norma) a

    Constituio ao caso concreto, dando-se vida norma constitucional. A normativa

    constitucional no deve ser considerada sempre e somente como mera regra

    hermenutica, mas tambm como norma de comportamento, idnea a incidir sobre

    o contedo das relaes entre situaes subjetivas, funcionalizando-as aos novos

  • 31

    inviolabilidade do direito vida e, ainda, dentro da

    sistemtica constitucional, entender que da garantia

    constitucional do direito protegido resulta o dever do Estado

    de adotar as medidas necessrias positivas a fim de proteger

    o efetivo exerccio do direito fundamental em risco de

    violao por terceiros, ou seja, com a criao de normas

    protetivas do direito assegurado constitucionalmente34.

    2.2 Os artigos da Constituio Federal de 1988

    que asseguram o direito vida

    Na Carta Magna, h vrios artigos que asseguram o

    direito vida, mesmo que no seja de forma expressa como

    o disposto no art. 5. citado35, mas que, da anlise

    valores. (CORTIANO JNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os

    chamados direitos da personalidade. In: FACHIN, Luiz Edson. Repensando os

    fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporneo. Rio de Janeiro/ So

    Paulo: Renovar, 2000. p. 37/38 citando na parte em itlico Pietro Perlingieri na obra

    Perfis do Direito Civil). 34 ALARCN, Pietro de Jess Lora. op. cit., p. 83 e 85, assevera que (...) o

    constitucionalismo teve, e tem, ainda, como eixo determinante, a proteo da vida

    do ser humano, isso significa que seus momentos de qualificao evolutiva so o

    reflexo de uma nova forma de entendimento da proteo da vida humana. Assim, as

    diversas maneiras de abordar essa proteo ocasionam o salto a uma nova dimenso

    protetora, que exatamente o ponto em que o constitucionalismo avana e em que,

    por fim, as Constituies se aperfeioam. Em suma: as dimenses, ou como prefere

    N. Bobbio, as geraes de direitos fundamentais, so apenas modalidades novas de

    amparo da vida humana, por isso so a essncia do movimento constitucionalista de

    hoje e de sempre. 35 So estes os artigos da Constituio Federal mencionados: Art. 3. Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil:

    III erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e

    regionais;

  • 32

    O art. 3. dispe como um dos objetivos fundamentais da Repblica Federativa do

    Brasil a erradicao da pobreza e da marginalizao, fatores estes que tm levado

    diversas pessoas a bito, principalmente crianas, tanto em razo da desnutrio e

    doenas que o primeiro pode causar como em razo dos altos ndices de

    criminalidade que se tem registrado no Brasil. A fim de tentar amenizar a primeira

    situao, o governo nacional criou o Fundo de Combate Erradicao da Pobreza

    denominado Fome Zero, com o fito de financiar, por exemplo, a distribuio de

    alimentos as pessoas pobres da regio Nordeste, entre outros programas como o

    bolsa-escola e vale-gs, os quais vieram a implementar o disposto no art. 79

    introduzido pela Emenda Constitucional n 31, de 14/12/00, o qual diz:

    Art. 79. institudo, para vigorar at o ano de 2010, no mbito do Poder Executivo

    Federal, o Fundo de Combate a Erradicao da Pobreza, a ser regulado por lei

    complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a nveis

    dignos de subsistncia, cujos recursos sero aplicados em aes suplementares de

    nutrio, habitao, educao, sade, reforo de renda familiar e outros programas

    de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.

    Art. 4. A Repblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaes internacionais

    pelos seguintes princpios:

    II prevalncia dos direitos humanos;

    VI defesa da paz;

    VII soluo pacfica dos conflitos;

    VIII repdio ao terrorismo e ao racismo.

    No art. 4 dispe-se que o Brasil reger-se-, nas suas relaes internacionais,

    mediante a prevalncia dos direitos humanos, da defesa da paz, da soluo pacfica

    dos conflitos e do repdio ao terrorismo e ao racismo, entre outros. Um pas que tem

    esses princpios assegurados em seu texto constitucional, assim o faz,

    principalmente porque por meio desses meios assegura o direito vida, posto que

    em todos os termos citados v-se que h preponderncia por aes humanitrias e

    pacficas, as quais contribuem para a manuteno da vida como um todo. Como

    exemplo, s o fato de a norma constitucional pregar a paz e buscar solues

    pacficas para conflitos, pode-se interpretar como forma de salvar muitas vidas que

    poderiam ser cerceadas, caso houvesse uma guerra.

    Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,

    garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade

    do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos

    seguintes:

    XXXVIII reconhecida a instituio do jri, com a organizao que lhe der a lei,

    assegurados:

    d) a competncia para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

    XLI a lei punir qualquer discriminao atentatria dos direitos e liberdades

    fundamentais;

    XLIX assegurado aos presos o respeito integridade fsica e moral;

    L s presidirias sero asseguradas condies para que possam permanecer com

    seus filhos durante o perodo de amamentao;

  • 33

    LXXI conceder-se- mandado de injuno sempre que a falta de norma

    regulamentadora torne invivel o exerccio dos direitos e liberdades

    constitucionais e das prerrogativas inerentes nacionalidade, soberania e

    cidadania;

    1. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao

    imediata.

    2. Os direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluem outros

    decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados

    internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte.

    Tendo em vista que no corpo do texto j se tratou do caput do art. 5, passar-se-

    diretamente anlise de seus incisos. Quanto competncia para o julgamento dos

    crimes dolosos contra a vida pelo jri popular, entende-se esta como uma forma de

    coibir de forma mais expressiva tais crimes, os quais tm penas mais severas que

    outros tipos de crimes, a fim de tentar diminuir o nmero de delitos cometidos

    atravs do exemplo e da comoo social. A punio, por lei, de atos atentatrios aos

    direitos e liberdades fundamentais tambm busca a tutela da vida, j que a

    manuteno desses direitos acaba por coibir prticas que venham atentar contra esse

    bem. Assegura a norma constitucional o direito vida do nascituro quando permite

    s presidirias a permanncia com seus filhos durante o perodo de amamentao e,

    estabelece, o mandado de injuno como meio processual assecuratrio de defesa do

    regular exerccio dos direitos e liberdades constitucionais.

    Art. 6. So direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a moradia, o lazer, a

    segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia

    aos desamparados, na forma desta Constituio.

    Ao assegurar, no art. 6, o direito sade, a proteo maternidade, infncia e a

    assistncia aos desamparados, busca, novamente, a tutela da vida, resguardando-a,

    principalmente, em relao queles que mais necessitam dessa proteo, como, por

    exemplo, o nascituro, a criana e aqueles que no tm acesso moradia e s

    condies mnimas para sobrevivncia, entendendo o legislador como necessrio

    assegurar-lhes direitos de defesa mais especficos, por se tratarem estes de pessoas

    mais necessitadas.

    Art. 7. So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem

    melhoria de sua condio social:

    XVIII licena gestante, sem prejuzo do emprego e do salrio, com a durao de

    cento e vinte dias;

    XXII reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de sade,

    higiene e segurana;

    XXIII adicional de remunerao para as atividades penosas, insalubres ou

    perigosas, na forma da lei;

    XXXIII proibio de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito

    e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condio de

    aprendiz, a partir de quatorze anos;

    Na mesma linha de raciocnio do artigo anterior, o 7, nos incisos retro citados,

    tambm tutela do direito vida, resguardando aquelas pessoas mais sensveis de

    sofrer leso quanto a esse bem, sendo redundante na proteo maternidade (o que

  • 34

    entende-se necessrio, j que se trata da formao de uma nova vida, a qual, em

    relao a outras, acaba por ser uma das mais frgeis) e mais especfico no tocante

    infncia.

    Art. 203. A assistncia social ser prestada a quem dela necessitar,

    independentemente de contribuio seguridade social, e tem por objetivos:

    I a proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia e velhice;

    II o amparo s crianas e adolescentes carentes;

    V a garantia de um salrio mnimo de benefcio mensal pessoa portadora de

    deficincia e ao idoso que comprovem no possuir meios de prover prpria

    manuteno ou de t-la provida por sua famlia, conforme dispuser a lei.

    O mesmo se repete no art. 203, com a proteo daqueles mais necessitados e da

    sociedade como um todo, ao proteger a famlia. Dispe, ainda, especificamente,

    sobre a vida do idoso e do deficiente sem condies de se manter ou de ser

    sustentado pela famlia, dispondo que caber ao Estado suprir essas necessidades,

    sem permitir, novamente, que a vida destes seja ameaada pela falta de suprimentos.

    Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

    uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

    Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e

    futuras geraes.

    V controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e

    substncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio

    ambiente;

    VI promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a

    conscientizao pblica para a preservao do meio ambiente;

    VII proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem

    em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino de espcies ou

    submetam os animais a crueldade.

    4 A Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal

    Mato-Grossense e a Zona Costeira so patrimnio nacional, e sua utilizao

    far-se-, na forma da lei, dentro de condies que assegurem a preservao do

    meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

    6 As usinas que operem com reator nuclear devero ter sua localizao definida

    em lei federal, sem o que no podero ser instaladas.

    Ao assegurar normas que buscam a preservao do meio ambiente equilibrado no

    art. 225, o faz com a inteno de criar condies de sobrevivncia a todos os seres

    humanos, desta e de outras geraes, numa viso da natureza a partir do homem, a

    qual tem assegurado sua existncia como meio de manter a subsistncia da prpria

    raa humana, dependente que do meio ambiente.

    Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao

    adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao,

    educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito,

    liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda

    forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.

  • 35

    interpretativa de seu texto, v-se a inteno legislativa de

    resguardar a vida36. Por outro lado, dentro do prprio art. 5,

    1 O Estado promover programas de assistncia integral sade da criana e do

    adolescente, admitida a participao de entidades no governamentais e

    obedecendo os seguintes preceitos:

    I aplicao de percentual dos recursos pblicos destinados sade na assistncia

    materno-infantil;

    VII programas de preveno e atendimento especializado criana e ao

    adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.

    4 A lei punir severamente o abuso, a violncia e a explorao sexual da criana

    e do adolescente.

    5 A adoo ser assistida pelo Poder Pblico, na forma da lei, que estabelecer

    casos e condies de sua efetivao por parte de estrangeiros.

    Art. 229. Os pais tm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos

    maiores tm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carncia ou

    enfermidade. 36 Acerca da matria, aduz-se que: No Brasil, resistiu-se ainda por longa data

    outorga de proteo constitucional explcita ao direito vida, muito provavelmente

    porque, como sem vida humana no seria possvel o exerccio dos demais direitos

    individuais, no se considerava necessria sua meno expressa no mais alto nvel

    normativo. assim que a Constituio Imperial de 1824 resguardava to-somente a

    inviolabilidade dos direitos civis e polticos dos cidados brasileiros, que tm (sic)

    por base a liberdade, a segurana individual, e a propriedade (art. 179). Mais tarde,

    a Constituio de 1891 manteve-se na mesma linha, no divulgando expressamente

    a tutela do direito vida, mas resguardando aos brasileiros e aos estrangeiros

    residentes no pas, nos moldes da Carta anterior, a inviolabilidade dos diretos

    concernentes liberdade, segurana individual e propriedade (art. 72). Adiante,

    porm, prescrevia que a especificao das garantias e direitos expressos na

    Constituio no exclua outras garantias e direitos no enumerados, mas resultantes

    da forma de governo estabelecida e dos princpios nela consignados (art. 78), com o

    que restava tutelada a vida humana, base de todos os demais direitos. Nessa mesma

    trilha seguiu a Constituio de 1934 que, ademais da inviolabilidade dos direitos

    concernentes liberdade, subsistncia, segurana individual e propriedade

    (art. 113), cuidava ainda de garantir outros direitos no expressos no texto

    constitucional que resultassem do regime e dos princpios nele adotados (art. 114).

    A Carta de 1937 no operou maiores modificaes: o direito vida continuou a no

    ser tutelado de modo explcito, em detrimento das garantias ao direito de liberdade,

    segurana individual e propriedade (art. 122). A vida humana s ganhou meno

    expressa nas Constituies a partir de 1946, quando a Lei Maior passou a assegurar,

    aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no pas a inviolabilidade dos direitos

    concernentes vida, liberdade, segurana individual e propriedade (art. 141).

    Redao semelhante teve o art. 150 da Constituio de 1967, que tambm cuidou de

    elencar expressamente a vida como entre os direitos e garantias individuais. Esse

    preceito no foi alterado pelas sucessivas emendas constitucionais quela Carta.

  • 36

    alm do caput, h outros dispositivos diretamente

    relacionados com o direito vida, que so:

    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino

    de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

    aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade

    do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:

    III - ningum ser submetido a tortura nem a

    tratamento desumano ou degradante;

    XLIII - a lei considerar crimes inafianveis e

    insuscetveis de graa ou anistia a prtica da tortura,

    o trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins, o

    terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por

    eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evit-los, se omitirem;

    XLVII - no haver penas:

    a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

    A insero tardia do direito vida de modo explcito no texto constitucional permite

    assinalar que o reconhecimento desse direito pelas Constituies tem, antes de tudo,

    um valor simblico, porquanto um direto inerente ao ser humano, que para existir

    no necessita seu reconhecimento expresso e que j dispe de tutela na legislao

    ordinria, qual seja a lei penal. Mas no se esgota apenas nessa funo simblica,

    vez que comporta ainda uma direta, efetiva e vinculante referncia ao marco dentro

    do qual a vida humana deve ser protegida, gerando um autntico dever jurdico para

    os destinatrios da norma contida no referido preceito. (CARVALHO, Gisele

    Mendes de. op. cit.., p. 98/99).

  • 37

    e) cruis;

    Alm de encontrar-se no regramento anteriormente

    descrito, o direito vida vem claramente disposto nos arts.

    227 caput e 230 do texto constitucional:

    Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do

    Estado assegurar criana e ao adolescente, com

    absoluta prioridade, o direito vida, sade,

    alimentao, educao, ao lazer,

    profissionalizao, cultura, dignidade, ao

    respeito, liberdade e convivncia familiar e

    comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda

    forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.

    Art. 230. A famlia, a sociedade e o Estado tm o

    dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua

    participao na comunidade, defendendo sua

    dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito vida.

    No inc. III do art. 5, quando o texto constitucional

    determina que ningum ser submetido a tortura nem a

    tratamento desumano ou degradante, est, de certa forma,

    assegurando a manuteno do direito vida, visto que tais

    formas de tratamento, no passado (e, com tristeza, pode-se

    dizer que at hoje isso ocorre, como o caso do oriental que

    morreu em uma cadeia, na cidade de So Paulo, aps ser

    torturado para entrega de dinheiro), acabaram por

    exterminar diversas vidas humanas no Brasil e em todo

    mundo. O que dizer do nazismo de Hitler e da ditadura no

    Brasil. V-se, portanto, tal medida como meio assecuratrio

  • 38

    do direito vida. O inciso XLIII elenca como crimes

    inafianveis, insuscetveis de graa ou anistia, crimes como

    a tortura, o trfico, o terrorismo e os crimes hediondos, por

    estes atentarem diretamente contra a vida humana, j que,

    em todos eles, normalmente, o bem que atingido acaba por

    ser este, e, ainda, determina no XLVII que no haver pena

    de morte ou pena cruel, sendo este tambm interpretado

    como instrumento protetor da tutela da vida.

    Os artigos 227, 229 37 e 230 da Constituio Federal

    tratam do dever de resguardo da vida e da sade da criana,

    adolescente e idoso pela famlia, sociedade e pelo Estado.

    Estes artigos vm a complementar o dever geral de proteo

    da vida elencado no artigo 5. outrora analisado,

    especificando a sua prioridade, especialmente em relao s

    pessoas ali contempladas, por se tratarem estas de figuras

    especiais que, por sua fragilidade, devem ter seu direito

    claro, posto que, nem mesmo assim, muitas vezes, v-se que

    nenhum dos obrigados em relao ao dever de proteo e

    cuidado tem realizado bem esse papel. Pode-se,

    perfeitamente, perceber esta falha pelo sem nmero de

    crianas abandonadas pelas ruas das grandes cidades que

    vm sendo constantemente abusadas (de todas as formas)

    tanto por seus pais, que, muitas vezes, delas se utilizam para

    auferir vantagens financeiras, quanto pela sociedade em

    geral e pelo Estado, que deixa de cumprir seu papel, quando

    no toma uma atitude prtica e efetiva que ponha termo com

    essas situaes. V-se, ainda, essa falha ao se constatar

    grande nmero de idosos deixados em asilos e nas ruas, sem

    qualquer auxlio financeiro ou emocional por parte de suas

    famlias, os quais ficam verdadeiramente abandonados,

    dependentes de qualquer ajuda que lhes possa ser oferecida 37 Citado em nota anterior.

  • 39

    por outros meios como a sociedade e o Estado. Mas este,

    para piorar, tem constantemente desrespeitado esses idosos,

    quando no lhes oferece condies mnimas de

    sobrevivncia com as enxutas aposentadorias, as quais, aps

    anos e anos de trabalho e contribuio previdncia social,

    no so devidamente remuneradas.38

    Pode-se perceber, ento, que em lei constitucional,

    buscou o legislador ptrio proteger direito vida no

    somente de forma direta como expressado no art. 5., mas,

    tambm, de forma indireta, determinando regras que

    impliquem a sua proteo, demonstrando sempre o valor

    que se d a esse bem como primordial e essencial a todos,

    posto que somente a partir dele outros direitos so

    resguardados. Assegurar esse direito, constitucionalmente,

    ainda mais da forma como fora assegurado, demonstra a

    preocupao do legislador constitucional em no v-lo

    infringido por qualquer meio, visto que se trata do maior

    bem que os seres humanos tm que a vida e seu direito de

    exerc-la em qualquer situao. E se, apesar de toda essa

    proteo, mesmo assim, esse direito no devidamente

    respeitado nem pela sociedade e tampouco pelo Estado, o

    qual deveria ser o seu maior guardio, imagine-se quando

    normas so estabelecidas que direta ou indiretamente violem

    esse direito, tutelando na contramo da Constituio, o que

    ir ocorrer? Essa uma preocupao constante para aqueles

    que entendem a vida, em todas as suas formas, como o

    maior bem existente, a qual deve ser assegurada a todos os

    seres humanos, sem exceo.

    38 Quando o so, j que muitos no a recebem em face das inmeras irregularidades

    que pairam no sistema previdencirio e tambm por causa da burocracia que impera

    nos diversos rgos governamentais.

  • 40

    2.3 Os artigos da legislao civil que asseguram o

    direito vida

    No Cdigo Civil, tm-se alguns artigos que

    asseguram o direito vida, os quais, semelhantemente

    Constituio Federal, no se apresentam de forma expressa,

    mas que, da anlise interpretativa de seu texto, v-se a

    inteno legislativa de resguardar a vida.

    O primeiro artigo que defende a vida, paralelamente

    quilo para o que foi criado, o art. 2. que estatui que a

    personalidade civil da pessoa comea do nascimento com

    vida; mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos

    do nascituro.

    Este trata, especificamente, do comeo da

    personalidade natural, tema que ser posteriormente tratado,

    mas assegura direitos ao nascituro desde o momento inicial

    de sua vida, ou seja, a concepo. A ele assegura, ento, o

    direito vida, do qual derivam outros direitos especificados

    em outros artigos como o direito filiao, integridade

    fsica, a alimentos, assistncia pr-natal, a ter curador que

    zele por seus interesses, quando houver incapacidade dos

    genitores de receber herana ou doao e o direito de ser

    reconhecido como filho, entre outros.

    Em relao ao art. 15 que estatui que ningum pode

    ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a

    tratamento mdico ou a interveno cirrgica, entende-se

    doutrinariamente que o artigo foi criado exaltando, antes de

    qualquer coisa, o direito de escolha ou a autonomia do

    paciente de se submeter ou no a tratamento, j que os

  • 41

    profissionais da sade devero agir de forma que seja

    respeitada a vontade do paciente, ou de seu representante

    quando se tratar de incapaz, buscando sempre agir de acordo

    com o princpio da beneficncia e da no-maleficncia (os

    quais implicam buscar-se o bem-estar e evitar danos ao

    paciente). Mas, ao se realizar uma interpretao extensiva

    do artigo, v-se que seu fim tambm resguardar a vida e a

    sade do paciente, o qual tem o direito de no se submeter a

    tratamentos que possam lhe cercear esse bem.

    Quanto ao art. 229 que expressa, em seu inciso III,

    que ningum pode ser obrigado a depor sobre fato que o

    exponha a perigo de vida, de demanda, ou de dano

    patrimonial imediato, ensina a doutrina que no inciso

    terceiro, resguardou-se, entre outros bens, a vida,

    desobrigando qualquer pessoa de testemunhar sobre fato que

    sabe, quando isto lhe implicar risco. Mas o risco, aqui, no

    se aplica apenas vida do depoente, mas estende-se,

    tambm, ao seu consorte, parentes ou amigos.39

    Tm-se, no art. 557, casos de possibilidade de

    revogao de doao realizada, em caso de tentativa de

    homicdio ou da ocorrncia deste e, ainda, no caso de haver

    recusa em prestar alimentos ao doador que deles

    necessitava, tendo o donatrio condies de faz-lo.

    Estatuem os incisos citados:

    Art. 557. Podem ser revogadas por ingratido as

    doaes:

    I se o donatrio atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicdio doloso contra ele;

    39 DINIZ, Maria Helena. Cdigo Civil Anotado. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 207.

  • 42

    IV se, podendo ministr-los, recusou ao doador os

    alimentos de que este necessitava.

    Cabe observar que a revogao, no caso do inciso I,

    somente poder ocorrer quando o atentado contra a vida do

    doador for doloso, no cabendo, aqui, a figura do crime

    culposo ou o caso de legtima defesa, posto que, nestes, no

    se poder revogar a doao. Mais uma vez, percebe-se a

    proteo da vida inserida no texto, visto que se busca retirar

    o prmio recebido daquele que atenta contra a vida de quem

    o premiou. Analisando, extensivamente, pode-se at mesmo

    dizer que o artigo busca coibir que se atente contra a vida de

    algum visando a obteno de benefcio financeiro, j que o

    agente poderia, mediante ameaa vida, buscar a doao de

    bem patrimonial, o qual, por fora deste artigo, acaba por

    ficar sem razo para faz-lo. Com relao questo dos

    alimentos, v-se, aqui, tambm, a proteo da vida, j que

    todo ser humano necessita de alimentos para sua

    sobrevivncia, contemplando o artigo a obrigatoriedade de

    se prestar alimentos quele que deles necessita, quando se

    tem condies de faz-lo (claro, que especfico a essa

    situao, j que no se est, neste artigo, tratando do dever

    geral de prestao de alimentos).

    Ao tratar do seguro de vida, estatui o art. 790:

    Art. 790. No seguro sobre a vida de outros, o

    proponente obrigado a declarar, sob pena de

    falsidade, o seu interesse pela preservao da vida do

    segurado.

  • 43

    Pargrafo nico. At prova em contrrio, presume-se

    o interesse, quando o segurado cnjuge, ascendente ou descendente do proponente.

    A professora Maria Helena Diniz aduz sobre o de

    seguro de vida que:

    O seguro de vida ter por escopo a garantia,

    mediante pagamento de prmio anual ajustado, de

    uma indenizao a determinada pessoa, em razo de

    morte do segurado.

    (...) visa garantir a pessoa do segurado contra riscos

    a que esto expostas sua existncia, sua integridade

    fsica e sua sade, no havendo reparao de dano

    ou indenizao propriamente dita, pois no se

    pretende eliminar as conseqncias patrimoniais de

    um sinistro, mas sim pagar certa soma ao beneficirio designado pelo segurado.

    (...) O seguro pode compreender a vida do prprio

    segurado ou a de terceiro; todavia, nesta ltima

    hiptese, dever-se- justificar o seu interesse jurdico

    ou econmico pela preservao da vida que segura,

    sob pena de o seguro no ter validade se se provar a

    falsidade do motivo alegado. Dispensar-se- tal

    justificao se o terceiro, cuja vida se pretende

    segurar, for descendente, ascendente, ou cnjuge do

    proponente, porque a afeio e o vnculo familiar

    revelam o natural interesse pela vida de qualquer

  • 44

    dessas pessoas. Todavia, tal presuno juris

    tantum, prevalecendo at prova em contrrio. 40

    E o art. 948, quando trata da indenizao dada pelo

    homicida a vtima estatui que:

    Art. 948. No caso de homicdio, a indenizao

    consiste, sem excluir outras reparaes:

    I no pagamento das despesas com o tratamento da

    vtima, seu funeral e o luto da famlia;

    II na prestao de alimentos s pessoas a quem o

    morto os devia, levando-se em conta a durao provvel da vida da vtima.

    No incio do inciso I, tem-se a proteo da vida e da

    sade da vtima no fatal, devendo-se indenizar, em caso de

    haver despesas com tratamento mdico e, no caso do inciso

    II, demonstra-se a proteo da vida, estendendo quele que

    causou a morte o dever de sustento daquelas pessoas que

    dependiam do de cujus para sobreviver. De acordo com a

    Smula 37 do STJ, sero cumulveis as indenizaes por

    dano material e moral que forem oriundas do mesmo fato e,

    pela Smula 491 do STF, indenizvel o acidente que

    causa a morte de filho menor, ainda que no exera trabalho

    remunerado.41

    40 Ibid, 477. 41 NERY JNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Cdigo Civil e

    Legislao Extravagante Anotados. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.

    329.

  • 45

    O art. 951 continua a tratar dos casos de indenizao,

    ao estabelecer quando esta devida pelo executor de

    atividade profissional:

    Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-

    se ainda no caso de indenizao devida por aquele

    que, no exerccio de atividade profissional, por

    negligncia, imprudncia ou impercia, causar a

    morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe leso, ou inabilit-lo para o trabalho.

    Este artigo tem a inteno primeira de demonstrar a

    responsabilidade subjetiva dos profissionais da sade, como

    mdicos, enfermeiros, dentistas, farmacuticos etc, a fim de

    que seja reparado o dano causado por um destes que, no

    exerccio de sua profisso, cause a morte, ferimento ou

    inabilite o paciente por imprudncia, negligncia ou

    impercia. Discorre a doutrina que, nestes casos, a prova

    dever ser realizada pelo prprio autor da pretenso,

    havendo, na relao estabelecida entre o profissional e o

    paciente apenas uma obrigao de meio, que se demonstra

    por intermdio da tentativa de cura deste por meio da

    aplicao dos cuidados necessrios para isso, sem, contudo,

    isso se efetivar em obrigao de resultado (a cura efetiva),

    s havendo este ltimo, em casos como os das cirurgias

    estticas, nos contratos de hospitalizao, nos quais o

    mdico assume o dever de preservar o enfermo de

    acidentes, hipteses em que sua responsabilidade civil ser

    objetiva e no subjetiva.42 Mas, v-se, aqui, de qualquer

    forma, a mesma preocupao com a proteo da vida que foi

    inserida em outros artigos, j que se busca a prestao de

    servio por profissional da sade que seja voltada prtica

    42 Ibid, p. 951.

  • 46

    efetiva de cuidados que possam preservar a sade e a vida

    do paciente.

    2.4 Referncias legislao penal que asseguram

    o direito vida

    Na legislao penal, h um captulo especfico que

    assegura o direito vida, onde, de forma expressa, so

    descritos os atos que podem ser considerados condutas

    tpicas, sendo s mesmas cominadas penas tanto de deteno

    como de recluso. Este captulo insere-se no Ttulo I, que

    trata dos crimes contra a pessoa, sendo intitulado dos

    crimes contra a vida, o qual inicia-se no art. 121 sobre o

    homicdio simples, e vai at o art. 128, que trata do aborto43.

    Como em relao matria no se tem pretenso de

    anlise, at porque o estudo sob o ponto de vista penal no

    faz parte do tema central desta dissertao, foram os artigos

    trazidos apenas para ilustrar e complementar, demonstrando

    que h uma preocupao constante do legislador ptrio em

    43 Mas, ainda, dentro da parte especial do Cdigo Penal, h diversos artigos que,

    indiretamente, tutelam a vida como os artigos referentes s leses corporais (art.

    129), da periclitao da vida e da sade (arts. 130 a 136), sobre a rixa (art. 137),

    incndio (art. 250), exploso (art. 251), uso de gs txico ou asfixiante (art. 252),

    inundao (art. 254 e 255), desabamento ou desmoronamento (art. 256), subtrao,

    ocultao ou inutilizao de material de salvamento (art. 257) e as formas

    qualificadas desses crimes (art. 258). Pode-se, ainda, perceber que na parte geral, o

    art. 61, no inciso II, letras d e h dispe sobre situaes que sempre agravam a

    pena, as quais implicam, quando realizadas, provveis danos sade e vida tanto

    da coletividade quanto apenas em relao a determinadas pessoas.

  • 47

    dar proteo ao bem maior que a vida humana44. Sendo

    assim, far-se-o referncias apenas aos artigos e, algumas

    vezes, comentrios sucintos acerca do assunto tratado. So

    os artigos citados:

    Art. 61 So circunstncias que sempre agravam a

    pena, quando no constituem ou qualificam o crime: (Redao dada pela Lei n 7.209, de 11.7.1984)

    II ter o agente cometido o crime: (Redao dada

    pela Lei n 7.209, de 11.7.1984)

    d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura

    ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; 45

    44 Gisele Mendes de Carvalho pontua acerca do direito vida: O bem jurdico vida

    humana, erigido categoria de direito fundamental pela Constituio Federal,

    constitui suporte indispensvel para o exerccio de todos os demais direitos, o que

    explica a especial proteo que lhe outorgada pela lei penal. Exsurge como o

    primeiro e mais importante direito do homem e, embora se discuta essa afirmao no

    que tange preponderncia da autonomia e da liberdade individual, impe observar

    que esses direitos se referem exclusivamente ao homem enquanto ser vivo,

    independentemente de qualquer reconhecimento pelo ordenamento jurdico.

    (CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit., p. 96). 45 PRADO, Luiz Rgis. BITENCOURT, Cezar Roberto. Cdigo Penal Anotado e

    legislao complementar. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 321,

    comentam acerca do inciso citado: Relaciona-se, (sic) aqui, exemplificativamente,

    os meios de cometimento do crime, que caracterizam-se pela insidiosidade ou

    crueldade. Meio insidioso (veneno) aquele capaz de iludir a ateno da vtima.

    Meio cruel (fogo, explosivo, tortura) aquele que causa, desnecessariamente, maior

    sofrimento vtima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste

    com o mais elementar sentimento de piedade (Exposio de Motivos do Cdigo

    Penal de 1940, n. 38). Meio de que pode resultar perigo comum (fogo, explosivo)

    o que pode atingir indeterminado nmero de pessoas ou coisas. Por razes bvias,

    esta agravante no se aplica aos crimes de perigo comum, por integr los.

  • 48

    h) contra criana, velho, enfermo ou mulher grvida;

    (Redao dada pela Lei n 9.318, de 5.12.1996) (Vide Lei n 10.741, de 2003).46

    2.4.1 Homicdio

    Do art. 121 ao art.123, tm-se como bem jurdico a

    vida humana, em geral, sendo considerado crime, em

    qualquer dos artigos citados, a ao humana que resulte na

    morte de outra pessoa, estando estabelecidas nos artigos

    citados, formas diferenciadas de cometimento que podem

    diminuir ou agravar a pena. 47

    46 Ibid., p. 322, aduzem acerca do inciso II, h: Considera-se, nas quatro hipteses, a

    presumida menor capacidade de defesa dessas vtimas, alm da perversidade e

    covardia do agente. Conseqentemente, se trata de presuno juris tantum.(...)

    Enfermo a pessoa doente, cuja resistncia tenha sido diminuda pela enfermidade.

    Enfermo, no entanto, deve receber interpretao ampla, para abranger, por exemplo,

    os deficientes fsicos e os portadores de molstias, fsica ou mental. 47Homicdio simples

    Art. 121 Matar algum:

    Pena recluso, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

    Caso de diminuio de pena

    1 Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou

    moral, ou sob o domnio de violenta emoo, logo em seguida a injusta provocao

    da vtima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um tero.

    Homicdio qualificado

    2 Se o homicdio cometido:

    I mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

    II por motivo ftil;

    III com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio

    insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

    IV traio, de emboscada, ou mediante dissimulao ou outro recurso que

    dificulte ou torne impossvel a defesa do ofendido;

  • 49

    V-se, claramente, neste captulo, a importncia que o

    legislador ptrio d vida humana, prevendo os artigos

    citados nesta parte penas severas que podem chegar at 30

    anos de recluso. Nestes casos, entende a doutrina que a

    vida protegida , aquela que se estabelece com o incio do

    parto, com o rompimento do saco amnitico. Antes do

    incio do parto, o crime ser de aborto.48 Aduzem, ainda, os

    V para assegurar a execuo, a ocultao, a impunidade ou vantagem de outro

    crime:

    Pena recluso, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

    Homicdio culposo

    3 Se o homicdio culposo:

    Pena deteno, de 1 (um) a 3 (trs) anos.

    Aumento de pena

    4 No homicdio culposo, a pena aumentada de um tero, se o crime resulta de

    inobservncia de regra tcnica de profisso, arte ou ofcio, ou se o agente deixa de

    prestar imediato socorro vtima, no procura diminuir as conseqncias do seu ato,

    ou foge para evitar priso em flagrante. Sendo doloso o homicdio, a pena

    aumentada de um tero, se o crime praticado contra pessoa menor de 14 (catorze)

    anos. (Redao dada pela Lei n 8.069, de 13.7.1990) (Vide Lei n 10.741, de 2003)

    5 Na hiptese de homicdio culposo, o juiz poder deixar de aplicar a pena, se

    as conseqncias da infrao atingirem o prprio agente de forma to grave que a

    sano penal se torne desnecessria. (Pargrafo acrescentado pela Lei n 6.416, de

    24.5.1977)

    Induzimento, instigao ou auxlio a suicdio

    Art. 122 Induzir ou instigar algum a suicidar-se ou prestar-lhe auxlio para que o

    faa:

    Pena recluso, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicdio se consuma; ou recluso, de

    1 (um) a 3 (trs) anos, se da tentativa de suicdio resulta leso corporal de natureza

    grave.

    Pargrafo nico A pena duplicada:

    Aumento de pena

    I se o crime praticado por motivo egostico;

    II se a vtima menor ou tem diminuda, por qualquer causa, a capacidade de

    resistncia.

    Infanticdio

    Art. 123 Matar, sob a influncia do estado puerperal, o prprio filho, durante o

    parto ou logo aps:

    Pena deteno, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. 48 PRADO, Luiz Rgis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 2 parte especial,

    arts. 121 a 183. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 45. O autor

    assevera, sobre o crime de homicdio, que o sujeito passivo o ser humano com

  • 50

    doutrinadores que, para que se estabelea a conduta tpica, a

    qual consiste em matar algum, nesses crimes, suficiente

    a vida, sendo indiferente a capacidade de viver49, bastando,

    portanto, para a caracterizao do delito em tela, que o

    sujeito passivo esteja vivo, no importando, dessa forma,

    seu grau de vitalidade ou a existncia ou no de capacidade

    de sobrevivncia. A presena de condies orgnicas

    precrias que impeam a continuidade da vida no afasta a

    configurao do delito.50

    E esta vida manifestada por meio da respirao.

    Contudo, este no um conceito absoluto, posto que se sabe vida. No homicdio, o sujeito passivo ser tambm o objeto material do delito, pois

    sobre ele recai diretamente a conduta do agente. Observe-se que a destruio da vida

    intra-uterina configura o delito de aborto (art. 124, CP). De outro lado, a morte dada

    ao feto durante o parto perfaz, em princpio, o delito de homicdio. Se o sujeito ativo

    for a me, sob a influncia do estado puerperal, tem-se identificado o crime de

    infanticdio (art. 123 CP). Infere-se da que o delito de homicdio tem com limite

    mnimo o comeo do nascimento, marcado pelo incio das contraes expulsivas.

    Nas hipteses em que o nascimento no se produz espontaneamente, pelas

    contraes uterinas, como ocorre em se tratando de cesariana, por exemplo, o

    comeo