2 metafísica e conhecimento - humanitas vivens · legado cético, em particular a leitura de sexto...

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2 Metafísica e conhecimento

METAFÍSICA E CONHECIMENTO Zaratustra: Arte e Vida

4 Metafísica e conhecimento

IMAGEM DA CAPA: https://cafilunioestedotcom.files.wordpress.com/2016/05/banner-60x120-1.png?w=775

Wilson Antonio Frezzatti Jr. Gilmar Henrique da Conceição

Célia Machado Benvenho José Francisco de Assis Dias José Luiz Giombelli Mariani

(Organizadores)

METAFÍSICA E CONHECIMENTO Zaratustra: Arte e Vida

Primeira Edição E-book

Editora Vivens O conhecimento a serviço da Vida!

Toledo – PR

2016

6 Metafísica e conhecimento

Copyright 2016 by

Organizadores EDITORA:

Daniela Valentini CONSELHO EDITORIAL:

Ademir Menin – UNIOESTE – PR / José Aparecido Pereira – PUC-PR / José Beluci Caporalini – UEM / Lorella Congiunti – PUU – Roma

COMITÊ CIENTÍFICO: Dr. César Augusto Battisti – UNIOESTE – PR / Dr. Clademir Luis Araldi – UFPel – Pelotas – RS / Dr. Claudinei Aparecido de Freitas da Silva – UNIOESTE – PR / Dr. Ivo da Silva Jr. – UNIFESP – SP / Dr. João Virgílio Tagliavini – UFSCar – SP / Dr. José Luiz Ames – UNIOESTE – PR / Dr. Roberto Saraiva Kahlmeyer Mertens – UNIOESTE – PR / Dr.ª Ester Maria Dreher Heuser – UNIOESTE - PR

REVISÃO: Prof. Ademir Menin

DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Editora Vivens Ltda

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados com exclusividade para o território na-cional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmi-tida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qual-quer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

Os textos são de responsabilidade exclusiva de seus autores. Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

Rua Pedro Lodi, nº 566 – Jardim Coopagro Toledo – PR – CEP: 85903-510; Fone: (45) 3056-5596

http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Metafísica e conhecimento: Zaratustra: arte

M587 e vida. / organizadores, Wilson Antonio

Frezzatti Jr. ... [et al].–1. ed. e-book –

Toledo, PR: Vivens, 2016. 82 p.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.vivens.com.br>

ISBN: 978-85-92670-23-8

1. Zoroastrismo. 2. Filosofia alemã. 3.

Nietzsche, Friedrich Wilhelm, 1844-1900.

CDD 22. ed. 193

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO..................................................... I = HAMLET E ZARATUSTRA: O DIFÍCIL CAMINHO PARA “TORNAR-SE O QUE SE É” Abraão Lincoln Ferreira Costa..................................... II = ZARATUSTRA E O GRANDE MEIO-DIA: NIETZSCHE E A AFIRMAÇÃO DIONISÍACA DA EXISTÊNCIA Neomar Sandro Mignoni.............................................. III = ZARATUSTRA E A DANÇA DOS CONCEITOS Célia Machado Benvenho........................................... IV = UMA LEITURA DE ZARATUSTRA: TRAGÉDIA NIETZSCHIANA Olímpio Pimenta.......................................................... Anexos: RESUMOS I = “ZARATUSTRA: A SUPERAÇÃO DO SÓCRATES MUSICANTE?” Wilson Antonio Frezzatti Jr.......................................... II = “ZARATHUSTRA VS. PARSIFAL” Stefano Busellato........................................................

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APRESENTAÇÃO Este livro resultou das conferências proferidas

durante as Jornadas de Ética & Filosofia Política e Metafísica & Conhecimento, que realizaram em 2016 a sua 9ª edição. O evento conjugado teve como principal característica reunir especialistas de diferentes regiões do Brasil que pesquisem determinado assunto, autor ou problema. A cada ano, um docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Filosofia organiza o evento como forma de propiciar, a cada nova edição, a discussão de diferentes temas filosóficos relacionados a ambas as Linhas de Pesquisa como uma forma de articulação de diferentes grupos de pesquisa em atividade (Ética e Filosofia Política: Gilmar Henrique da Conceição; Metafísica e Conhecimento: Wilson Antonio Frezzatti Jr. e Stefano Busellato).

Por sua vez, anualmente, o colegiado do curso de graduação em filosofia designa um professor como coordenador da Semana Acadêmica (José Francisco de Assis Dias). As edições anteriores reuniram pesquisadores de diversos Estados brasileiros e até mesmo alguns do exterior. Nessa oportunidade, os especialistas puderam debater sobre temas bastante pontuais.

Para 2016, visando, pois, a promover o debate em torno da questão da fundamentação do ceticismo, a Jornada em Ética e Filosofia Política almejou estudar o legado cético, em particular a leitura de Sexto Empírico feita por Montaigne, principal divulgador do ceticismo no início da Idade Moderna. Recorre-se a argumentos que levam à incerteza sobre a apreensão de um conhecimento verdadeiro. O procedimento de Montaigne é o de opor a toda razão uma razão igual, objetivando negar o Dogmatismo e estabelecer a dúvida radical em relação às doutrinas que afirmam ter a verdade. Como

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base da sua crítica, recorre à tradição cética antiga, advinda de Pirro, e de modo particular às Hipotiposes Pirrônicas. O estudo dos Ensaios constitui uma fonte inesgotável de problemas. A apropriação e inovação montaigniana do ceticismo é um deles.

O ceticismo é uma forma de pensar que nos livraria das amarras de uma racionalidade comprometida em revelar um conhecimento indubitável. Mas, como isso aparece nos Ensaios? Por que a diaphonia, até agora, na história do pensamento tem se revelado invencível?

Na realidade, em torno do ceticismo, os textos desta obra apontam três pensadores que de alguma forma se articulam: Santo Agostinho que passou pelo ceticismo acadêmico e foi lido pelo pirrônico Montaigne. Este, por sua vez, foi lido por Nietzsche, quando ganhou de presente um exemplar dos Essais.

O tema da Jornada em Metafísica e Conhecimento é “Zaratustra: Arte e Vida”. De certa maneira, é sequência do tema da II Jornada (2009): “Zaratustra: Filosofia e Vida”. A jornada deste ano debateu com pesquisadores, pós-graduandos, graduandos e professores de filosofia do Ensino Médio a relação entre filosofia, arte e vida, partindo do eixo teórico do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, no qual a filosofia é expressão de modos de vida.

Diferentes modos de vida produzem diferentes filosofias, ou seja, uma determinada filosofia expressa uma determinada experiência. Esse tema, além da importância de apresentar uma perspectiva acerca da própria filosofia, é relevante para os trabalhos de pesquisa que vêm sendo desenvolvidos no Doutorado, Mestrado e Graduação da UNIOESTE.

Os organizadores desta obra têm a grata satisfação de apresentar textos de estudiosos de dois autores tão importantes para o pensamento filosófico como é o caso de Montaigne e de Nietzsche. Por questões de ordem metodológica, os textos estão sendo

Apresentação 11

publicados em dois livros, conforme a proposta das duas Jornadas.

Boa leitura a todos.

Gilmar Henrique da Conceição Wilson Antonio Frezzatti Jr.

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= I =

HAMLET E ZARATUSTRA: O DIFÍCIL CAMINHO PARA “TORNAR-SE O QUE SE É”

Abraão Lincoln Ferreira Costa*

Em que medida Hamlet se compara a

Zaratustra? Para dar essa resposta, o presente estudo tem por tarefa realizar um levantamento sobre as possíveis relações entre o príncipe dinamarquês, da obra de Willian Shakespeare, com o célebre personagem do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Embora ambas as personagens apresentem em comum a ausência de um mestre e a conquista do conhecimento pelo acúmulo de suas experiências de vida, não é de interesse destacar a rigor o quanto podemos encontrar de semelhanças entre elas, dada a importância em guardarmos uma devida cautela sobre as origens e os elementos constitutivos de cada uma dessas criações. Contudo, pretendo concentrar esforços na tarefa de interpretar a “solidão” como característica comum em cada uma dessas personagens para então concluir algo subjacente à tarefa da conquista do vir-a-ser. Solidão compreendida pelo retorno a si mesmo, ou a conquista da “respiração de um ar livre, leve,

* Doutorando em filosofia pela UNIOESTE e professor de filosofia do Centro Universitário Planalto do Distrito Federal – UNIPLAN.

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lúdico...”1; vista também como restauradora por tratar-se de situação determinante em suas vivências. Portanto, esse é um convite para inferirmos que a solidão de nossos protagonistas é condição sine qua non para o “tornar-se aquilo que se é”.

Do mesmo modo que o Assim falava Zaratustra, a peça Hamlet é também considerada uma obra que reflete um processo de formação. A história de Shakespeare remete ao desencadeamento trágico de um processo catártico que leva o protagonista ao reconhecimento da própria identidade. Em linhas gerais, podemos interpretá-lo como o tipo homem que não sucumbe à metafísica. Aquele que, mesmo atormentado pelo doloroso dilema da consciência, consegue agir por meio da liberdade e da ausência de culpa. Para chegar a este estado de superação, entretanto, será preciso resolver o problema da “podridão” do reino dinamarquês, simbolicamente expresso pelo momento de ressignificação do seu próprio eu. O eu pelo qual deve tornar-se senhor do próprio destino; sendo, a partir de então, necessário compreendê-lo como princípio instaurador de uma nova ordem, sem o pressuposto de algum plano religioso ou transcendente.

Durante vários momentos da peça, percebemos a melancolia de Hamlet. Assim como o personagem Zaratustra, ele também está em confronto com o mundo dos homens e, por isso, o rejeita. Sua rejeição o levará ao recurso da simulação da loucura, conduzindo-o, dessa forma, a

1Ecce Homo, Por que sou tão sábio, § 8.

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um tipo de solidão. Solidão entendida aqui como modo necessário de reabilitar a força ativa, considerando-se os riscos apontados por Schlegel de uma mente que “puxa a si mesma em diferentes direções como se estivesse em uma máquina de tortura”.2 Nesse caso, os leitores da obra podem perceber a sua cabeça servindo de pano de fundo das ações. Trata-se de uma história encenada dentro de outra história, pois seu pensar é resultante de um espetáculo teatral e, para encená-lo, nossa protagonista deverá distanciar-se daqueles já corrompidos pela pobreza do espírito.

Aquilo que circunscreve o problema existencial colocado pelo bardo inglês há mais de quatro séculos nos leva, diretamente, ao dilema de como aprender a viver com o sofrimento do espírito. Vale destacar que, no começo, Hamlet pensou no suicídio, pois, tomado ainda pelo receio de aceitar o seu destino, não havia até então dentro de si força suficiente para cumprir a promessa feita ao fantasma do pai e vingá-lo matando aquele que o destronara. Como havia medo do desconhecido, agravado pelos preceitos de uma metafísica religiosa, contrária aos propósitos da constituição do seu vir-a-ser, dava-se então o dilema:

Oh, que esta carne tão, tão maculada, derretesse, explodisse e se evaporasse em neblina! Oh, se o Todo-Poderoso não tivesse gravado um mandamento contra os que se suicidam. Ó Deus, ó Deus! Como são enfadonhas, azedas ou rançosas, todas as práticas do mundo! O tédio, ó nojo! Isto é um jardim abandonado, cheio de ervas

2 1970, p. 144

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daninhas, invadido só pelo veneno e o espinho – um quintal de aberrações da natureza. Que tenhamos chegado a isto... Morto há apenas dois meses! Não nem tanto. Nem dois. Um rei tão excelente. Compará-lo com este é comparar Hipérion, deus do sol, com um sátiro lascivo. Tão terno com minha mãe que não deixava que um vento mais rude lhe roçasse o rosto.3

Portanto, a solidão de Hamlet será o recurso

indispensável para reaver a força necessária no comprimento do seu destino. Com essa distância, consegue enxergar o mundo como algo estranho ao humano, como aquilo que conduz ao iminente processo de decadência ao invés de assegurar a potência e a afirmação do viver. Distante de todos, a nossa personagem revigora-se, podendo então enfrentar a si mesmo, derrotando o comodismo e as interdições oriundas da moral metafísica. Se a incerteza do porvir pode causar paralisia em decorrência do medo, também pode encorajar o homem para a ação.

Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e setas com que a fortuna, enfurecida, nos alveja, ou insurgir-nos contra um mar de provações e em luta pôr-lhes fim?4

Ao aproximar esse entendimento às palavras

de Hegel, vemos que “Não é a vida que se atemoriza ante a morte e se conserva intacta da devastação,

3 1997, p. 23. 4 1997, p. 67

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mas é a vida que suporta a morte e nela se conversa, que é a vida do espírito”.5

Hamlet vê o mundo em desmoronamento e, por conseguinte, sofre. Por conta disso, inferimos que a necessidade de organizar internamente as forças para enfrentar um mundo aparentemente invencível, que só pode ser alcançado no encontro com a solidão. “Maldita a sina que me fez nascer um dia pra consertá-lo!6” Hamlet reconhecerá, assim, no fantasma de seu pai o propósito para o cumprimento da ação, do destino, mas para isso será preciso evitar a fraqueza – que o levaria ao comodismo –, e o enquadramento dos seus interesses mundanos. Mais do que compreender o sentido da vida, é preciso configurá-la dentro de um sentido artístico para conhecê-la enquanto possível interpretação – nisso vemos a estreiteza do seu propósito com o de Zaratustra, pois dentro de ambas as consciências ocorre uma importante transformação.

A realidade deve ser entendida como um acúmulo de contradições e, nesse caso, o olhar artístico pode se incumbir da tarefa de assumir parte de uma dessas interpretações. Por qual motivo? O de não somente entender o mundo, mas também de suportá-lo. Verificando aquilo que apontara Hegel sobre uma razão que ao se voltar contra a religião, inevitavelmente “se voltou contra si mesma e se converteu em inimiga da razão, ao afirmar que só o pressentimento, o sentimento, a convicção própria [são] as regras subjetivas que deveriam valer para o homem”, chegamos à conclusão de serem as

5Fenomenologia do espírito, p. 38. 6 1997, p. 41.

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opiniões o limite daquilo que o conhecimento humano pode alcançar.

Hamlet é aquele que renuncia à postura dogmática da transcendência ou da recompensa a ser alcançada no além-mundo. Está ciente de pertencer a um plano de criaturas sofredoras, submetidas às mais duras leis do destino. Diferentemente de outras personagens barrocas de tipo religioso do seu tempo, Shakespeare inaugura através do príncipe dinamarquês a criação de um homem reflexivo que tenta arranjar forças para controlar a ordem do seu próprio destino. Vemos, dessa maneira, o distanciamento da comum tipificação religiosa, que durou até meados da Contra-Reforma, para o surgimento de uma nova personagem dramática de caracterização imanente. A respeito disso, o filósofo Walter Benjamin afirma:

Pelo menos uma vez a época logrou conjurar a figura humana correspondente à dicotomia entre a iluminação neo-antiga e a medieval, na qual o barroco via o melancólico. Mas não foi a Alemanha que conseguiu esse resultado. Foi a Inglaterra, com Hamlet [...]. No drama barroco, somente Hamlet é espectador das graças de Deus.7

A tragédia da peça revela as dificuldades da

condição humana e, assim como em Zaratustra, denuncia a crise dos valores de cada tempo. A fragilidade do príncipe, de início, apresenta de modo categórico o dilema da consciência, que sabedora da efemeridade da vida, oscila entre a hesitação e a

7 BENJAMIN, 179

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ação. A superação desse impasse, dar-se-á de acordo com Benjamin na melancolia, mas e por que não dizer, também através da solidão? Para vingar a morte do pai e destronar seu tio, o Rei Cláudio, Hamlet precisa conhecer a si mesmo, o que implica distanciar-se do mundo. Dar conta das forças que o arrastam à covardia e ao comodismo, devendo então assumir seu papel de transformador, ainda que isso implique em seu sacrifício.

Contrário aos heróis trágicos, reconhecidos por seus feitos estarem marcados no selo da eternidade, Hamlet parece não ter em seu desfecho a mesma resolução. Não existe glória e, tampouco torna-se possível entender o seu feito a partir de uma ação consideravelmente exemplar. A vingança chega somente após a representação da sua insanidade e de uma sucessão de mortes, que visivelmente demonstra a falta de controle naquela ação. Por conta disso, notamos a impossibilidade de alguma transcendência. Sem qualquer verdade a ser revelada, sem nenhuma explicação acerca da origem de toda a trama, vemos como “verdade” a ausência da verdade, pois tudo nada mais é do que simples representação. A respeito dessa intepretação Nietzsche, no Nascimento da Tragédia, acrescenta:

O conhecimento mata a atuação, para atuar é preciso estar velado pela ilusão – tal é o ensinamento de Hamlet e não aquela sabedoria barata de João, o Sonhador, que devido ao excesso de reflexão, como se fosse por causa de uma demasia de possibilidades, nunca chega à ação; não é o refletir, não, mas é o verdadeiro conhecimento, o relance interior da horrenda

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verdade, que sobrepesa todo e qualquer motivo que possa impelir à atuação, quer em Hamlet quer no homem dionisíaco. Agora não há mais consolo que adiante, o anelo vai além de um mundo após a morte, além dos próprios deuses; a existência, com seu reflexo resplendente nos deuses ou em um além-mundo imortal, é denegada. Na consciência da verdade uma vez contemplada, o homem vê agora, por toda parte, apenas o aspecto horroroso e absurdo do ser, agora ele compreende o que há de simbólico no destino de Ofélia, agora reconhece a sabedoria do deus dos bosques, Sileno: isso o enoja.8

Antes de prosseguir sobre a análise do

Zaratustra, cabe discutirmos brevemente sobre a provável indagação: como pensar uma personagem teatral shakespeariana em concordância com uma das figuras mais emblemáticas da filosofia? Para estabelecer essa ponte, recorro ao auxílio de alguns filósofos, a começar por Deleuze. Segundo o filósofo francês, é inegável a existência de um caráter artístico no Zaratustra, o que torna seu criador ninguém menos do que um homem do teatro. A postura singular da personagem nietzschiana realiza uma adequação entre o conteúdo e a expressão, o que não somente transforma seus ensinamentos numa filosofia como também em um fazer artístico. De acordo com essa interpretação9, devemos notar que Nietzsche introduziu conteúdos teatrais na filosofia enquanto, ao mesmo tempo, o teatro teria introduzido conteúdos de expressividade

8 NT, § 7 9“Conclusions – sur la volonté de puissance et l’éternel retour”, in Nietzsche, Cahiers de Royaumont, 1967, p. 287.

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transformadores na filosofia. Desse modo, a interpretação deleuziana conclui que o Assim falava Zaratustra pode ser visto dentro de um plano de criação filosófica que alude a conteúdos fundamentais no pensamento do filósofo alemão, como a vontade de potência e o eterno retorno, mas, além disso, interpretado de maneira teatral, sugeriria a esses termos formas de expressão artística capazes de operar outro tema capital referente à transvaloração de todos os valores.

Zaratustra é inteiramente concebido na Filosofia, mas também para a cena. Tudo aí é sonorizado, visualizado, posto em movimento, em andamento e em dança. E como ler esse livro sem procurar o som exato do grito do homem superior? Como ler o prólogo sem encenar o funâmbulo que abre toda a história? Em certos momentos, é uma ópera bufa sobre coisas terríveis; e não é por acaso que Nietzsche fala do cômico do super-homem.10

Ao lermos a obra de Nietzsche, notamos que

a comunicabilidade do seu protagonista pode ser vista de diversas maneiras. Ora Zaratustra discursa na praça do mercado, ora fala a seus discípulos e a pessoas que cruzam o seu caminho; até mesmo conversa com os animais. Também canta e monologa, mas na maior parte das vezes escuta o silêncio, motivo pelo qual em certo instante da vida necessita da solidão. Próximo de um relato autobiográfico, ou numa espécie de alter ego, a personagem nietzschiana se vê envolta de experiências singulares, quando em momentos

101988, p. 30.

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queixa-se do silêncio, da solidão do caminho a trilhar.

“Afastai-vos de mim e defendei-vos do Zaratustra! E, melhor ainda: envergonhai-vos dele! Talvez vos tenha enganado”. Logo, no desfecho da primeira parte do Assim falava Zaratustra, o protagonista se despede dos seus discípulos e encoraja-os a se afastarem dele. Trata-se nesse instante do incentivo de seguirem com os “próprios pés” sem se deixarem guiar ingenuamente pelos tolos ensinamentos de algum sedutor. De acordo com a interpretação de Scarlett Marton, essa passagem significa a importância de os discípulos darem conta do processo de transformação pelo qual devem passar. Por isso, o distanciamento, a descrença; então numa espécie de “dúvida hiperbólica”11 chegarem à certeza de não estarem sendo levados por qualquer décadent. Negar nesse instante o Zaratustra, como modo de garantir certeza do próprio caminho, pois nenhum homem deve seguir a outro que não seja a ele mesmo.

Tal como o príncipe Hamlet, o protagonista de Nietzsche propõe-se à pergunta sobre o propósito do existir, o “ser ou não ser”, enquanto busca pela afirmação daquilo que se é. Desse modo, vemos um convite aos leitores para indagar a respeito de suas próprias vidas. Mas para se chegar à resposta é

11 Recorro nesse momento a uma expressão cartesiana, entretanto, sem qualquer relação com Descartes. Pretendo unicamente mostrar que a interpretação dessa passagem no Zaratustra esclarece a necessidade dessa ação proposital, desencadeada pelos discípulos de o negarem, a fim de, na conclusão final do processo (como a dúvida hiperbólica), terem a certeza de que assim o verão como seu autêntico mestre e não um décadent.

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preciso assumir uma atitude semelhante àquela das duas personagens: a limpeza do olhar e a lisura nas ações.12 Para isso, será preciso largar a multidão, o que também remete interpretarmos, como o abandono, as formas vigentes de conduta e dos valores comumente obedecidos na tradição. É preciso chegar à certeza de que o caminho do autoconhecimento passa pela solidão, por isso dissipar-se das pequenezas do ressentimento, da corrupção e de toda pobreza do espírito. Sobre esse entendimento, o próprio Zaratustra nos diz:

Foge, meu amigo, para a solidão! Vejo-te ensurdecido pelo ruído dos grandes homens picados pelos ferrões dos pequenos. Dignamente sabem calar-se contigo a floresta e o rochedo. Volta a ser igual à árvore que amas, a de ampla ramagem: silenciosa e atenta pende sobre o mar. Onde cessa a solidão, ali começa o mercado; e onde começa o mercado, ali também começa o ruído dos grandes comediantes e o zumbido das moscas venenosas.13

Afastar-se do mundo, refugiando-se na

solidão, considerando a elevação do espírito frente à banalidade do cotidiano fez com que Zaratustra adquirisse nojo a tudo aquilo que o apequena. “O

12 Embora o Zaratustra não aponte diretamente a esse entendimento, não é errado atribuir ao mesmo essa postura. De toda forma, em Ecce Homo, Por que sou tão sábio, § 8, Nietzsche afirma: “como sempre foi meu hábito – uma extrema lisura comigo mesmo é o pressuposto do meu existir, eu pereço em condições impuras -, eu nado e me banho e patinho continuamente em água, em algum elemento perfeitamente transparente e luminoso.” 13AFZ I: “Das moscas do mercado”.

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que aconteceu, afinal? Como me libertei do nojo? Quem rejuvenesceu meu olho? Como voei até às alturas onde nenhuma gentalha mais senta à beira do poço?” Somente após libertar-se do nojo, Zaratustra alcança a liberação, transformado pela solidão. Nesse momento, seu comportamento não é mais o mesmo de antes, quando recorria a formas para não se contagiar pela gentalha. Sabe agora pôr-se diante dos homens, sem ter de limitar-se, pois aprendeu a ser resistente, enxergando o mundo através da ludicidade da representação, ou seja, da expressão artística.

Semelhante a Hamlet, que enxerga em toda sua volta o ambiente usurpador e traiçoeiro, proveniente dos homens bajuladores e repulsivos, Zaratustra também assim os identifica em sua história. Homens da educação e da ciência que esconderam sua sujeira no culto à erudição.14 Tal como a personagem de Shakespeare que tenta se apartar da decadência moral encalacrada no palácio de Elsinor, Nietzsche descreve o seu Zaratustra como adverso ao filisteu da cultura: “É deles que, com determinação, quer manter-se inteiramente à parte”.15 São estes que utilizam de ardilosas manobras para controlar as pessoas, os que se dispõem de todo recurso para manterem-se no poder. Para Nietzsche, seriam os sedutores decadentes, incansáveis na arte de dissimular na busca de sempre aumentar suas influências. Não poderíamos remetê-los como “a gentalha do poder, do escrever e do prazer?”16

14EH, Por que sou tão sábio, §8. 152000, p. 79. 16AFZ II, “Da gentalha”.

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Na passagem sobre as “moscas do mercado”, Zaratustra ensina aos leitores que os homens do presente são desnecessários, superficiais e desprovidos de potência. Nosso protagonista nietzschiano as acusa, ainda, no decorrer da obra, de serem vazias, de promoverem o ódio, o ressentimento e a confusão. Embora despeje sobre estes as tantas acusações, consegue ao mesmo tempo distanciar-se daquilo que acontece, conseguindo melhor visão por estar imune à baixeza de espírito. É dessa forma que Zaratustra consegue a transvaloração de todos os valores. Traz consigo a potência criadora capaz de superar o filisteísmo cultural da sua época – cria novos valores quando adota perspectivas aquém daqueles a quem se distância. É dentro dessa singularidade que ele tem ciência de estar envolto pela solidão e de como isso se acentua enormemente. Motivo pelo qual o vemos entoar parte do seu canto: “Para onde foram as lágrimas do meu olho e a penugem do meu coração? Ó solidão de todos os que dão! Ó silêncio de todos os que iluminam!”17

A sabedoria de Zaratustra o faz padecer, mas por quê? Pela “abundância de vida”; por estar repleto de amor a dar, porém seu lamento é não poder receber nada em troca. Já na seção intitulada “Do caminho do criador”, notamos a estreita relação entre o amor, a solidão e a criação; por isso, aquilo que de tão belo irradia também, por efeito, o faz sofrer. Sente profundamente por aqueles que receberam seu amor não terem a dimensão daquilo que lhes fora dado. Isso o deixa cansado, e dessa

17 AFZ II, “O canto noturno”.

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forma decide parar de irradiar a todos esse sentimento. Conclui desse esgotamento a necessidade de retornar à solidão, tarefa única que agora lhe compete. Vejamos esta passagem:

Solitário, tu percorres o caminho do criador: um deus queres criar para ti dos teus sete demônios! Solitário, tu percorres o caminho do amante: amas-te a ti mesmo e por isso te desprezas, como só os amantes desprezam. Criar quer o amante, porque despreza! Que sabe do amor aquele que não teve de desprezar precisamente o que amava! Vai para tua solidão com o teu amor e com o teu criar, meu irmão. Amo aquele que quer criar para além de si e assim vai ao fundo.18

Vemos em Shakespeare e Nietzsche a busca

por leitores que possam se identificar com as mensagens de suas obras. Tratar-se-iam de leituras impróprias para certos leitores apáticos, incapazes de se questionarem sobre a ordem dos acontecimentos e, tampouco, sobre aquilo que continuamente suceda dentro de cada um deles. Hamlet e Assim Falava Zaratustra são leituras desejosas por estabelecer outro tipo de relação com seus interlocutores – vejo nisso, certamente, algo de próximo entre os dois autores. Vão em busca daqueles que aceitem sofrer a tensão dos impulsos, disposições e afeições comuns aos seus personagens. Esperam por aqueles que tracem a direção de seus próprios caminhos, tornando-se, dessa maneira, cúmplices da direção em que

18AFZ, “Do caminho do criador”.

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pretenderam seguir. “Quero juntar-me aos que criam, aos que colhem, aos que festejam”, disse Zaratustra, e por que não subentendermos isso a Hamlet?

Quero mostrar-lhes o arco-íris e todas as escadas do além-do-homem. Cantarei minha canção aos solitários ou aos solitários-a-dois; a quem ainda tiver ouvidos para o inaudito, quero oprimir-lhe o coração com a minha felicidade.19

Sendo assim, é possível concluir sobre as

duas obras o quanto a arte e a filosofia tornam-se fundamentais para entendê-las inseridas dentro dos temas mais comuns da nossa existência. Ao observarmos atentamente a peça Hamlet, vemos o ultrapassamento das questões teatrais obtendo espaço para pensá-la filosoficamente; e, da mesma maneira, Zaratustra, ao ultrapassar as questões filosóficas, consegue nos sugerir a reflexão através do drama e do teatro. Penso, a partir disso, tratarem-se de criações com o fino propósito de educar para um seleto tipo de homens que aspiram o crescimento enquanto força de espírito e vitalidade. O processo de formação circunscrito em cada um desses trabalhos pode ainda ser pensado como verdadeiras lições voltadas ao desenvolvimento das potências na busca pelo “tornar-se aquilo que se é”.

Shakespeare e Nietzsche criaram obras com capacidade de assumirem distintas configurações, uma vez tendo seus elementos poéticos e teatrais convertidos em preciosos aspectos do processo de formação (Bildung). Cabe ainda ressaltarmos que

19 AFZ, Prólogo, 9 Seção.

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além de se formarem por meio da solidão, tanto Hamlet quanto Zaratustra não se dispuseram de mestres que os pudessem orientar, tendo então aprendido sobre eles próprios pelas experiências. Embora de diferentes épocas, os dois autores, por meio de suas produções literárias, colocaram-se como denunciantes do período histórico ao qual pertenceram, cujos acontecimentos, sobretudo na cultura, pareciam, para eles, acentuar nos homens o estado decadente. A respeito disso, notamos que enquanto o bardo inglês inaugura com Hamlet o questionamento da ordem metafísica e religiosa ainda presente no Renascimento, o filósofo alemão utilizou o Zaratustra para diagnosticar o mundo moderno. Com base nesse diagnóstico, convidar aqueles que se sentissem à margem da modernidade a se oporem à falsa erudição promovida pelos filisteus da cultura. Seriam novas perspectivas, ou contramovimentos que, em cada época, permitiria um novo tipo de interpretação da vida no esforço constante de preservar o sentido e os valores humanos mais elevados, frente a um mundo inautêntico em constante luta pela manutenção de seus interesses.

Contudo, é certo concluirmos que tanto o bardo inglês quanto o filósofo alemão estavam mais preocupados em levantar questões cruciais acerca da condição humana do que proporem soluções a cada uma delas. A intempestividade desses escritores, expressa através de suas obras, permite-nos, mesmo depois de alguns séculos, perguntar: é possível em meio ao pragmatismo do mundo atual haver chance de configurarmos a vida através do sentido artístico? Ainda é possível nos afirmarmos

Hamlet e Zaratustra... 29

enquanto sujeitos autônomos e de criação num tempo dominado pela exigência da rápida formação e do consumismo fugaz? Ouso dizer que, para aqueles que estejam submersos nas preocupações do cotidiano, essas questões podem fazer pouquíssimo sentido, todavia, sob a perspectiva dos raros espíritos inquietos, servirão como ponto de partida para a dolorosa e solitária trilha em busca do “tornar-se aquilo que se é”. REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984.

DELEUZE e GUATTARI. Diferença e Repetição. Trad.: Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Trad.: Paulo Meneses. Petropolis: Editora Vozes, 2011.

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SÜSSEKIND, Pedro. Shakespeare: o gênio original. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

= II =

ZARATUSTRA E O GRANDE MEIO-DIA: NIETZSCHE E A AFIRMAÇÃO DIONISÍACA DA

EXISTÊNCIA

Neomar Sandro Mignoni* O papel essencial que a personagem de

Zaratustra desempenha no contexto da filosofia madura de Nietzsche é, sem dúvidas, dar forma ao projeto da Transvaloração de todos os valores. Nesse interim, tal tarefa é perpassada pelo meio-dia e pelo grande meio-dia. O primeiro refere-se, sobretudo, ao momento a partir do qual a tarefa da personagem se inicia, enquanto que o último, é marcado pela efetivação desta. Ademais, é a partir do evento do grande meio dia que o filósofo projeta o engendramento de uma nova forma de interpretação de mundo e de uma nova concepção de homem. Tal concepção apoia-se, sobretudo, na afirmação dionisíaca da existência enquanto consequência da experiência e aceitação do eterno retorno do mesmo. Sendo assim, nossa tarefa consiste em evidenciar que a tarefa zaratustriana só pode ser levada a cabo mediante a afirmação incondicional do vir-a-ser, a afirmação dionisíaca da existência. Tal afirmação, portanto, figura enquanto um critério para que o grande meio-dia e, consequentemente, o projeto de uma Transvaloração de todos os valores possam efetivarem-se.

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Introduzido na Gaia Ciência (IV, § 342) sob o título de Incipit Tragoedia, o enredo filosófico de Assim falava Zaratustra encontra sua unidade na figura da personagem. É através de seu ocaso (Untergang) que conhecemos a reviravolta que vem anunciar; e, nesse sentido, a obra já se inicia falando da transformação que Zaratustra acaba de passar. Depois de deixar sua pátria, a personagem permaneceu por dez anos nas montanhas onde gozou de seu espírito e de sua solidão até que por fim seu coração se transformou. É da mesma forma que o sol já teria se fartado de sua luz e de seu caminho se não tivesse a quem iluminar, também Zaratustra encontra-se farto de sua sabedoria por ainda não ter a quem doar. Carente devido à sua abundância, a personagem necessita ir às profundezas e, da mesma forma que o sol, ao se pôr detrás do horizonte, leva sua luz ao mundo inferior, também Zaratustra espera atingir seu ocaso (Untergang) para ir ter com os homens (cf. ZA, Prólogo, § 1).

Depois de abandonar sua caverna e revelar seu conhecimento acerca da morte de Deus, depois de ter se livrado de todo embuste superior, Zaratustra vê seu anúncio acerca do além-do-homem ser rejeitado pelos homens da praça pública. Diante disso, a personagem toma consciência de que não é de rebanhos que precisa, mas sim de companheiros livres e altivos que sejam aniquiladores de velhas tábuas e criadores de novas tábuas de valores. Não é a partir da perspectiva do “mundo verdadeiro”, ainda assegurado pelo povo da praça do mercado, que Zaratustra pode levar a cabo sua tarefa. Precisa antes de tudo estabelecer um

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novo solo sobre o qual se possa engendrar uma nova concepção de homem e de mundo. Emblematicamente o reconhecimento dessa “nova verdade” se dá exatamente ao meio-dia, no mesmo instante em que os animais de Zaratustra, símbolos de superação das dualidades, evidenciam, não só a perspectiva do eterno retorno, como também a reconciliação da physis com o logos.

É aqui, neste mesmo evento em que definitivamente colapsado o mundo verdadeiro, aniquiladas as dualidades, suprimidas as sombras, dá-se a reconciliação do homem com o vir-a-ser. É aqui que este mesmo vir-a-ser, agora liberto do caráter de aparência, pode expressar-se sob a forma do eterno retorno do mesmo, simbolizado nos círculos traçados pelos animais de Zaratustra. Por conseguinte, aqui se desenvolve a perspectiva segundo a qual, o meio-dia figura, ao lado da noção de eternidade, como “indícios de uma nova vida” (11[195] da primavera-outono de 1881). Daqui procede toda a filosofia construtiva de Nietzsche, pensada não apenas como um “esboço de uma nova forma de vida” em que se deseje viver tudo outra vez sob o “Annulus aeternitatis”, mas, sobretudo, como o “esboço de uma filosofia heroica” (1[83] de julho-agosto de 1883). Aqui é o momento que Incipit Zarathustra (começa Zaratustra), o momento em que se dá abolição do mundo verdadeiro, o momento da sombra mais breve, do fim do mais longo erro, o momento do apogeu da humanidade (cf. CI, “Como o ‘mundo verdadeiro’ se tornou finalmente fábula”).

Sob essa perspectiva, o meio-dia nada mais é do que a compreensão de que o mundo verdadeiro,

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a dicotomia entre mundo sensível e suprassensível, a oposição entre homem e mundo, não passa de uma invenção humana que agora já não tem força para nada e, portanto, queda-se aniquilada. Os “indícios de uma nova vida” pautam-se justamente na compreensão de que, frente a derrocada do mundo verdadeiro e a morte de Deus, o homem encontra-se outra vez livre e reinserido no vir-a-ser: “eis que enfim o horizonte nos aparece livre oura vez” – afirma o filósofo – “talvez nunca dantes houve tanto ‘mar aberto’” (GC, V, § 343). Essa é a razão pela qual o meio-dia configura-se como o ponto alto da humanidade e o fim do mais longo erro. A velha vida, a vida subjugada pelos valores do mundo verdadeiro, ficou para trás podendo o homem, agora, engendrar uma nova concepção de mundo e de homem, uma nova humanidade. Nisso consiste a tentativa nietzschiana de conferir um novo sentido à humanidade.

É com o objetivo de engendrar uma nova concepção de homem e de mundo, capaz de suportar a realidade do vir-a-ser, que o filósofo pretende desenvolver uma “filosofia heroica”, uma filosofia dionisíaca, uma filosofia do meio-dia. Tal filosofia não apenas pretende livrar o homem das garras da metafísica, da religião e da moral niilista, mas, sobretudo, conferir-lhe a liberdade de criação de novos valores que estejam em consonância com o sentido da terra. Esta é a razão pela qual o homem deve ser superado e, permanecendo fiel à terra, deixar de acreditar em “falsas esperanças supraterrenas” (cf. ZA, prólogo, § 3). Somente quando o homem perfizer a travessia do niilismo, e, mediante a experiência do eterno retorno afirmar a

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realidade do vir-a-ser, ele será capaz de vivenciar sua vida plenamente; somente assim ele poderá libertar-se do nojo e das sombras que agora o assombram.

Instaurado o meio-dia, cabe a Zaratustra empreender a tarefa de anunciar o além-do-homem, evidenciar a vontade de potência e vivenciar o eterno retorno do mesmo a fim de que ao final de sua tarefa resplandeça um grande meio-dia, momento em que os homens se tornam senhores de si mesmo, capazes de tomar em suas mãos as rédeas do próprio destino. Enquanto esperança e derradeira vontade, o grande meio-dia é o objetivo maior da tarefa zaratustriana, uma vez que ele ao assinalar a definitiva superação da morte de Deus, já instaurada no meio-dia (cf. 16[3] do outono de 1883), alcança a liberdade para a efetiva criação de novos valores. Assim, enquanto o meio-dia, ao marcar o fim das dualidades mediante a reconciliação do homem com a natureza reconquista o direito de criar por si mesmo, o grande meio-dia consiste no ato mesmo dessa criação. Enquanto o meio-dia possibilita que se alcance o novo começo, a roda a girar por si mesma, o primeiro movimento, o grande meio-dia efetiva este anseio, efetiva a continuidade da criação e do aniquilamento no vir-a-ser. Nesse sentido, ao passo que o primeiro suprime definitivamente o mundo verdadeiro e o aparente, libertando o vir-a-ser de toda e qualquer categorização humana, este último efetiva a passagem à criação de novos valores, consuma a transvaloração de todos os valores. O grande meio-dia deverá ser o instante que mantém a roda da existência a girar por si mesma, quando o homem,

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em sua rota entre o animal e o além-do-homem, na constante afirmação do vir-a-ser quer outra vez encontrar seu ocaso, e assim como o sol (cf. 15[9] do verão – outono 1883) fazer a travessia e com isso, redimir a própria existência tornando-se senhor de si mesmo.

Nisso consiste o próprio projeto da transvaloração de todos os valores, o qual tem Zaratustra como seu protagonista. É a partir do Incipit Zarathustra, do evento mesmo do meio-dia, que o filósofo pensa a face mais construtiva de toda sua filosofia, que em certa medida é experimentada no decorrer do Assim falava Zaratustra. Cabe a Zaratustra levar a cabo por vez primeira esta travessia. Se ao homem, agora reconciliado com o vir-a-ser, libertado da ilusão do mundo verdadeiro, não lhe resta outra saída senão a de afirmar e vivenciar incondicionalmente o vir-a-ser, os valores que agora tem de engendrar devem, necessariamente, ser valores afirmativos, valores do meio-dia, do dionisíaco dizer sim, da inocente e incondicional afirmação da existência. É somente com a total inserção e afirmação da realidade do vir-a-ser, da realidade do eterno retorno que o homem pode encontrar a si mesmo, tornar-se aquilo que é, alcançar o dionisíaco dizer sim e vivenciar o amor fati.

Quando Nietzsche concebe uma transvaloração de todos os valores ele a concebe sob um duplo viés. De um lado seu principal objetivo é aniquilar o solo mesmo a partir do qual os valores até então foram engendrados, sejam eles provenientes da metafísica, da fabulação cristã ou das doutrinas morais. É sobre este aspecto que o

Zaratustra e o grande meio-dia... 37

filósofo reivindica a tarefa de dinamitar fundamentos, demolir alicerces e derrubar ídolos evidenciando assim, toda a face corrosiva de sua filosofia. Por outro lado, o filósofo opera através da face construtiva e afirmativa, a qual pretende, não só transformar em “ouro” (cf. carta de Nietzsche a Brandes de 23/05/1888) aquilo que até então foi odiado pela humanidade, ou seja, a própria efetividade, mas também criar novos valores que estejam em consonância com a perspectiva da Terra. Dessa forma, a transvaloração de todos os valores nada mais é do que a total supressão do mundo verdadeiro e de suas decorrentes agregações a fim de que o homem possa, outra vez, reconciliar-se e reinserir-se, de maneira afirmativa, na própria perspectiva do vir-a-ser.

Nesse sentido, Zaratustra é concebido pelo filósofo como a mudança de perspectiva, é a figura sob a qual toda dualidade, forjada sob os auspícios da perspectiva engendrada pelo Zaratustra histórico, deverá dar lugar à visão agonística da vontade de potência à própria luta de impulsos antagônicos que, na fluidez do vir-a-ser, eternamente cria e destrói a si mesmo. Zaratustra é a personagem destinada a levar a cabo uma visão dionisíaca do mundo. É dele a tarefa de engendrar essa filosofia dionisíaca, essa filosofia heroica (cf. Fragmento Póstumo 1[83] de julho-agosto de 1883) capaz de suportar a realidade do vir-a-ser. É em virtude disso que, para o filósofo, Zaratustra é o mais afirmativo dos espíritos, “nele todos os opostos se fundem numa nova unidade. As mais baixas e as mais elevadas forças da natureza, o mais doce, mais leve e mais terrível flui de uma nascente com certeza perene [...]. Mas essa é a

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ideia mesma do Dionísio; (Ecce Homo, Assim falava Zaratustra, § 6).

Pensado no contexto de uma filosofia essencialmente afirmativa, Zaratustra é associado diretamente à figura de Dionísio. Símbolo da dinâmica do vir-a-ser, da tensão entre os opostos no jogo da criação-destruição, Dionísio é visto por Nietzsche, não apenas como o nome para o eterno fluxo do vir-a-ser, como a personificação da criação-destruição presentes no cosmos, mas também como a “afirmação religiosa da vida, da vida inteira, não negada e pela metade” (Fragmento Póstumo 14 [89] da primavera de 1888). É na afirmação incondicional do vir-a-ser enquanto eterno fluxo de criação-destruição que Dionísio serve de parâmetro para a personagem. Zaratustra só poderá desempenhar sua tarefa se incorporar os próprios traços de Dionísio, uma vez que é somente nessa acessibilidade aos contrários que “Zaratustra se sente como a forma suprema de tudo o que é” (Ecce Homo, Assim falava Zaratustra, § 6).

É, pois, sob essa perspectiva que, desde as primeiras páginas do Assim falava Zaratustra, a personagem figura como o anunciador de uma completa reviravolta em nossa cultura. Encarnando a proposta nietzschiana de dar cabo à moral decadente, Zaratustra deixa à mostra, desde o início da obra, ao que sua vivência e sua doutrina vem se opor. Tal qual Jesus aos trinta anos deixa sua pátria, também Zaratustra deixa sua terra. Entretanto, diferente daquele, não é no deserto que a personagem se retira, mas nas montanhas. E, ao contrário da personagem evangélica, que se retira por quarenta dias, Zaratustra retira-se por dez anos.

Zaratustra e o grande meio-dia... 39

Ainda, ao contrário dos evangelhos (cf. Lc 3,23), não é aos trinta, mas aos quarenta anos que inicia seu ministério; e, ao contrário de Platão, não é fora da caverna, mas dentro dela que se faz sábio.

Opondo-se ao cristianismo e ao platonismo, ele tem que voltar ao convívio dos homens. Assim como o sol que, após abrasar a terra vai para trás do oceano levando sua luz também ao mundo inferior (cf. Assim Falava Zaratustra, Prólogo, § 1), Zaratustra, após saturar-se de sua sabedoria, também tem que abandonar a montanha e ir ao vale. Zaratustra tem que declinar, tem de perfazer a travessia do niilismo e incorporar o eterno retorno, pois somente assim poderá afirmar a existência no desejo de vivenciá-la, dionisiacamente, uma e outra vez mais. Somente assim poderá vivenciar e celebrar o grande meio-dia uma vez que é somente a partir da celebração do grande meio-dia que se torna efetiva a nova concepção de homem capaz de vivenciar o vir-a-ser tal qual ele se apresenta, sob a irrestrita afirmação da efetividade, sobretudo, no que ela tem de mais terrível e doloroso.

Tal concepção congrega uma aceitação incondicional do próprio vir-a-ser que, no eterno fluxo da circularidade do tempo, desenvolve-se ininterruptamente no eterno processo de criar e aniquilar a si mesmo. Nesse sentido, não é por mero acaso que em seus últimos escritos, sobretudo no Ecce Homo (cf. Assim falava Zaratustra, § 6), o filósofo tenha se referido à própria figura de Dionísio enquanto afirmação irrestrita da vida e da existência. Por conta disso, há aqui, uma estreita ligação entre Dionísio e a personagem Zaratustra, uma vez que é responsabilidade deste último incorporar ao mesmo

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tempo a destruição e a criação supremas, características de Dionísio. Nesse sentido, Zaratustra é o afirmador par excellence, uma vez que é ele quem “contradiz com cada palavra, esse afirmativo dos espíritos; nele todos os opostos se fundem numa nova unidade” (Ecce Homo, Assim falava Zaratustra, § 6).

Nesse sentido, o vir-a-ser mesmo é dionisíaco, uma vez que com a palavra ‘dionisíaco’ já se expressa “o sentimento da unidade entre a necessidade do criar e do aniquilar” (Fragmento Póstumo, 14[14] da primavera de 1888). O mundo mesmo é dionisíaco, ele é o pleno vir-a-ser, uma mudança seguida de outra, em que, a cada estágio alcançado, por outro é sucedido. O mundo mesmo é uma totalidade em permanente geração e destruição de si mesmo. É um processo, uma inter-relação e permanente luta, uma interconexão de campos de força, quantas dinâmicos em constante tensão. Segundo Nietzsche, “esse mundo é a vontade de potência – e nada além disso” (Fragmento Póstumo, 38 [12] de junho – julho 1885). Não é um ser, mas sim um pathos do qual resulta o efetivar-se (cf. Fragmento Póstumo, 14[79] da primavera de 1888). Nela não cabem as características de um ente metafísico ou transcendente, uma vez que, enquanto qualidade de todo o acontecer no qual se efetiva a própria força, ela é um fenômeno universal e absoluto (cf. Além de Bem e Mal, § 22).

Sendo assim, Zaratustra [nietzschiano] não é apenas um antagonismo à perspectiva negadora da vida, não é apenas uma personagem com a missão de desfazer o equívoco histórico engendrado pelo profeta persa, ele é, antes de tudo, a própria

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incorporação de Dionísio, que, na incondicional aceitação do vir-a-ser, não só afirma a existência naquilo que ela tem de melhor e de pior, mas também resgata e redime o homem de seu maior engano, da perspectiva do mundo verdadeiro. Ao ensinar que o homem deve ser superado e que o além-do-homem é o sentido da terra (cf. Assim Falava Zaratustra, Prólogo, § 3), Zaratustra, em sua incorporação do eterno retorno e em sua vivência no amor fati, aponta para a abundância de vida em contraposição ao enfraquecimento da vida.

É sob esse aspecto que o filósofo contrapõe sua concepção de mundo à concepção forjada pela filosofia socrático-platônico-cristã. Enquanto a primeira considera o sofrimento como parte integrante da existência e o aceita, esta última o concebe como punição e castigo; e, portanto, o rejeita. Se a perspectiva do primeiro consiste em celebrar a vida e o mundo, a destes últimos consiste em negá-lo e depreciá-lo. De um lado, Dionísio; do outro, o Crucificado; e a diferença não está no martírio, mas no seu significado, pois, enquanto “o deus na cruz é uma maldição sobre a vida, um dedo apontado para redimir-se dela, o Dionísio cortado em pedaços é uma promessa de vida: eternamente renascerá e voltará da destruição” (Fragmento Póstumo, 14[89] da primavera de 1888).

Por conseguinte, uma filosofia dionisíaca, tal qual Nietzsche a concebe, é aquela que afirma o fatum sem reservas, que aceita sua afirmação através do homem, que traduz vida, não mais concebendo o homem em oposição ao mundo, mas ambos em harmonia. Dionisíaca é também a filosofia que concebe o homem como criador e não mais

42 Metafísica e conhecimento

como criatura, que tem prazer no destruir e no criar, e que, ao contrário da perspectiva do mundo verdadeiro, se volta àquilo que é terreno, uma vez que esta é a única realidade existente. Essa é sem dúvida, a máxima expressão de uma filosofia que se pretende acima de tudo afirmativa e dionisíaca. E esse talvez seja o motivo pelo qual o filósofo também pôde sentenciar ao final do Ecce Homo (Por que sou um destino, § 9): “Fui compreendido? – Dionísio contra o crucificado...”. REFERÊNCIAS CONSTÂNCIO, João. Arte e niilismo: Nietzsche e o Enigma do mundo. Lisboa: Tinta da china, 2013.

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MARTON, Scarlett. Nietzsche: a transvaloração dos valores. São Paulo: moderna, 1993 (coleção logos).

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______. Fragmentos Postumos. Vol II. (1875 – 1882). Edición española dirigida por Diego Sanchez

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Meca. Tradución, introdución y notas de Manuel Barrios y Jaime Aspiunza. Edición realizada bajo lós auspícios de la Sociedad Española de Estudios sobre Nietzsche (SEDEN). Editorial Tecnos, Madrid, 2008.

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______. Correspondencia. Vol IV – Enero de 1880 – Deciembre de 1884. Edición dirigida por Luis Enrique Santiago Guervós. Introdución, notas y apêndices de Marco Parmeggiani, Editorial Trota, 2010.

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______. A Gaia Ciência. 4ª Ed. Trad. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

______. Crepúsculo dos Ídolos, ou Como se filosofa com o martelo. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

______. Ecce Homo: como alguém se torna o que é. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

______. Humano Demasiado Humano I: um livro para espíritos livres. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

_______. Obras incompletas. Seleção de textos de Gerard Lebrun. Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. Pósfácio de Antônio Cândido. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1978 e 1996. (Os Pensadores).

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WOTLING, Patrick. Le vocabulaire de Nietzsche. Ellipses Édition Marketing, Paris, 2001.

= III = ZARATUSTRA E A DANÇA DOS CONCEITOS

Célia Machado Benvenho*

O objetivo deste trabalho é apresentar a

crítica que o filósofo Nietzsche faz à linguagem conceitual, herdeira da linguagem metafísica e uma possível estratégia para tentar escapar das tramas da mesma por meio do que o filósofo chama de uma “arte dançarina”. O tema da linguagem já é abordado por Nietzsche desde seus primeiros escritos (1869 a 1873), quando ainda era filólogo. Em uma de suas primeiras atividades como recém-nomeado professor na Universidade da Basiléia, prepara uma série de aulas sobre a “Retórica antiga” e a “História da eloquência”, cuja questão central era a origem da linguagem. Nestes primeiros estudos, o filósofo traça um percurso histórico sobre a retórica antiga e a

* Célia Machado Benvenho é Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2008), financiado pelo CNPQ, na linha de pesquisa Metafísica e Conhecimento. Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1994). Especialista em Administração e Planejamento de Sistemas Educacionais pela UNIPAR - Universidade Paranaense (1997), e especialista em Computação Aplicada ao Ensino pela Universidade estadual de Maringá (1998). Tem experiência na área de Filosofia, Filosofia da Educação, Ensino de Filosofia e Filosofia para crianças. Atualmente é professor Assistente da UNIOESTE - campus de Toledo, onde atua como Coordenador de área do CCHS, leciona para o curso de graduação em Filosofia, orienta Trabalho de Conclusão de Curso e Estágio Supervisionado.

46 Metafísica e conhecimento

relação entre linguagem e retórica com o objetivo de compreender se os elementos da retórica mantêm uma relação com a origem da linguagem. A conclusão a que Nietzsche chega é que toda linguagem é, em sua essência, retórica, ou seja, “é o resultado de artes puramente retóricas”, pois, em seu uso, a linguagem já é figurativa; expõe uma imagem sonora que se perde no tempo, acentua marcas que se destacam para ela, não podendo ser remetida a um referente extralinguístico. Entendido que a retórica, por meio de sua figura de linguagem (tropo), estabelece um vínculo natural com a linguagem formal, que também estabelece seu discurso na figuração e representação das coisas através de conceitos/palavras, temos que concluir que não há diferença entre a linguagem de discurso autêntico e a linguagem retórica. A consequência disso é que o homem não possui acesso à essência das coisas por meio da linguagem, pois esta designa apenas a relação do mesmo com as coisas.

Nietzsche retoma essa discussão em seu texto Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, reforçando o caráter convencional e figurativo da linguagem, utilizando como exemplo a metáfora, o elemento capaz de deslocar o sentido das coisas e formar o caráter figurativo da linguagem. Consequentemente, o filósofo irá propor que todo conceito é, em sua origem, uma metáfora, operando uma desconstrução na dicotomia metáfora/conceito.

Para Nietzsche a origem da linguagem não está ligada à verdade, à metafísica, mas surgiu a partir da necessidade de conservação da existência humana (FW/GC, § 354). Para o filósofo é a vontade de verdade, fruto da metafísica, que faz com que o

Zaratustra e a dança dos conceitos 47

homem busque na vida parâmetros estáveis, sólidos, verdadeiro, negando assim, o caráter fundamental do mundo, ou seja, o seu estado de contínua transformação.

Acreditamos saber algo das coisas em si mesmas, quando falamos de árvores, de cores, de neve e de flores e, entretanto, não possuímos nada mais que metáforas das coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades originais. (WL/VM § 1)

Ou seja, todo conhecimento que supomos

produzir sobre o mundo se reduz, segundo Nietzsche, a uma coleção de metáforas.

A linguagem, pela sua própria natureza, é incapaz de captar as coisas, pois é fruto de um duplo deslocamento: um estímulo nervoso é transposto em imagem e este, por sua vez, é transposto em som. Contudo, este estímulo nervoso é antes de qualquer coisa um estímulo “subjetivo”: “Um estímulo nervoso, primeiramente transposto em uma imagem! Primeira metáfora. A imagem, por sua vez, modelada em um som! Segunda metáfora” (WL/VM § 1).

Segundo Nietzsche, os conceitos, assim como as palavras, são resíduos de metáforas, são metáforas mortas, fixadas pela necessidade de identidade. Neste sentido, o filósofo mostra que o conceito também é uma ilusão. Ele “nasce por igualação do não igual”, tendo, portanto, na sua base, “uma desconsideração do individual e do efetivo”.

As verdades são ilusões cuja origem está esquecida, metáforas que foram usadas e que

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perderam a sua força sensível, moedas nas quais se apagou a impressão e que desde agora não são mais consideradas como moedas de valor, mas como metal. (WL/VM § 1)

Como tudo isso se relaciona com a dança?

Nietzsche faz uso da manifestação artística da dança, em um primeiro momento, como um recurso estético para descrever o espírito dionisíaco. Já em seus escritos posteriores, especialmente em seu Zaratustra, a dança simboliza a caracterização do espírito de leveza, por isso, uma arte dançarina.

Nietzsche busca uma arte que seja expressão da vida, “uma arte dançarina” (FW/GC § 107) que, com sua leveza e agilidade, possa conduzir o homem ao cimo mais alto, já que é uma “arte leve”, ascendente, que se libertou das determinações asfixiantes do espírito de peso que impede o homem de ser livre. “Meu alfa e ômega é que tudo o que é pesado e grave se torne leve; tudo o que é corpo, lança; tudo o que é espírito, pássaro” (ZA/ZA III “Os sete selos”).

Ora, toda essa busca desenfreada pela verdade, combinada com uma moral e seus rígidos preceitos, faz com que o homem tenha uma existência pesada, marcada pela negação da vida, pois nega tudo que é mais de essencial para o homem, as suas sensações, os seus impulsos. As palavras são para os espíritos pesados, nunca poderá transmitir o resplendor de um pensamento, nem a força de um sentimento ou a paixão de uma emoção. Seus limites e seus contornos estão tão bem definidos, não há espaço para a improvisação, para o simultâneo. Zaratustra dizia a seus pares que havia de pôr para dançar as palavras e as frases,

Zaratustra e a dança dos conceitos 49

para que as imagens ocultas por detrás delas revelassem, assim, o sentido originário. “Somente na dança eu sei dizer o símbolo das coisas supremas” (Za/ZA II “O canto do túmulo”), já que muitos aspectos da experiência humana não são dados a conhecer pela linguagem.

O que implica fazer dançar os conceitos? Implica, num primeiro momento, renunciar a uma visão de mundo sistemática atrelada a um racionalismo oferece uma segurança que, como um cão faminto, procura a tudo devorar. Implica assumir a transitoriedade e o risco do pensar, uma não tranquilidade, um devir, um estar sempre buscando um equilíbrio sobre uma corda, sabendo que ela é flexível e que a qualquer momento pode ceder.

De que o pensar deve ser aprendido, tal como a dança deve ser aprendida, como uma espécie de dança... Quem, entre os alemães, ainda conhece por experiência o sutil calafrio que os pés ligeiros em coisas espirituais transmitem a todos os músculos? [...] saber dançar com os pés, com os conceitos, com as palavras; ainda tenho que dizer que é preciso saber dançar com a pena – que é preciso aprender a escrever? (GD/CI, O que falta aos alemães, § 7)

Nietzsche quer restituir à linguagem sua

dimensão metafórica e arrancá-la do âmbito da moral. A metáfora dá espaço, para fluir arranjos diferentes, para explicar as coisas, ou seja, o movimento metafórico do mundo significa o poder e a força do mesmo mundo em pluralidade e reinterpretação de si mesmo. A metáfora é o elemento desestabilizador da unidade, capaz de

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reconduzir o mundo ao jogo de perspectivas. As coisas dançam, abrem-se em seu significado para perspectivas sempre novas desde seu vir-a-ser casual; desdobram seu significado de mil maneiras numa mobilidade contínua. O mundo das perspectivas é, portanto, uma consequência do “pensamento dançarino”, já que fazer dançar os conceitos supõe introduzir neles a perspectiva, que é algo convencional que vale para hoje, pois talvez seja amanhã outra coisa diferente. REFERÊNCIAS NIETZSCHE, F. W. Além do bem e do mal. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

_____. Curso de Retórica. Tradução: Thelma L. da Fonseca. In: Cadernos de Tradução. São Paulo, 1999.

_____. Escritos sobre retórica. Edição, tradução e introdução de Luis Enrique de Santiago Guervós. Madrid: Editorial Trotta, 2000.

_____. A gaia ciência. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. (FW/GC)

_____. Crepúsculo dos ídolos. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. (GD/CI)

_____. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral. (Org. e Trad. Fernando de Moraes Barros). São Paulo: Hedra, 2007. (WL/VM)

Zaratustra e a dança dos conceitos 51

_____. Assim falou Zaratustra. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. (Za/ZA)

52 Metafísica e conhecimento

= IV =

UMA LEITURA DE ZARATUSTRA: TRAGÉDIA NIETZSCHIANA

Olímpio Pimenta*

Amo aquele que prodigaliza sua alma, não

quer que lhe agradeçam e nada devolve, pois é sempre dadivoso e não quer conservar-se.

Logo que recebi o convite dos amigos Stefano e Wilson, percebi algumas ótimas oportunidades. Porque o mote era a ligação entre arte e vida, algo muito negligenciado na filosofia acadêmica hoje em dia, que prioriza a emulação do procedimento científico e, com isso, enfraquece outro nexo chave, entre vida e pensamento, tinha a chance de trazer à baila um livro cuja recepção entre nós não me parece suficientemente proveitosa, além de render homenagem a um mestre a quem a pesquisa

* Cursou e concluiu a graduação em filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais (1987), o mestrado em filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais (1991) e o doutorado em estudos literários, também na Universidade Federal de Minas Gerais (1996). Realizou entre 2005 e 2006 pós-doutorado junto ao departamento de filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os três trabalhos resultantes das respectivas pós-graduações foram publicados na forma de livros. Leciona na Universidade Federal de Ouro Preto desde 1993, onde atualmente ocupa o cargo de professor titular. Tem experiência na docência em Filosofia, com ênfase em História da Filosofia, tendo estudado principalmente temas relacionados ao conhecimento e à moral, quase sempre referenciados ao pensamento de Nietzsche.

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Nietzsche no Brasil deve parte importante de seu fôlego e inspiração. Assim, o que pretendo fazer hoje é o seguinte exercício: restituir para vocês o principal da reflexão presente em Zaratustra: tragédia nietzschiana, de Roberto Machado, de modo a evidenciar a fecundidade da apresentação das pretensões centrais da filosofia de Nietzsche que ali se desenvolve.

De saída, então, vale indicar de forma inequívoca o interesse mais destacado do livro. Trata-se de uma defesa radical da aproximação entre arte e filosofia, em nome da qual é proposta uma visão de conjunto da obra do pensador que consegue ser, ao mesmo tempo, plausível na teoria e extraordinariamente estimulante quanto às suas implicações vitais e existenciais.

Como isso funciona? Primeiro de tudo, pelo estabelecimento de uma coerência, tão rigorosa quanto insuspeitada, entre O nascimento da tragédia e Assim falou Zaratustra, sob a égide do pensamento trágico, não obstante a autocrítica de 1886 e o abandono da metafísica de artistas, que consideraremos daqui a pouco.

Quais as teses do livro de estreia que importa considerar nesta reconstrução? Contestação da metafísica racional em favor da arte como lugar da experiência da verdade, para Nietzsche é o inverso que vale, e contestação da validade da ação do espírito científico de tipo socrático em favor da validade da ação do espírito da música, pois um quer corrigir os sofrimentos do mundo enquanto o outro é capaz de festejá-lo, sem desconto de seus aspectos mais difíceis.

Zaratustra e a dança dos conceitos 55

Ora, no miolo deste assunto vive uma questão decisiva, que diz respeito à forma de expressão ou exposição da filosofia. As reivindicações do jovem Nietzsche dependem de admitirmos a legitimidade da palavra poética como meio de se fazer filosofia, o que implica a não exclusividade do conceito e do argumento como “linguagem oficial” do campo. Ao recusar a dicotomia entre ser e não ser, adotando o fluxo como imagem da realidade, o filósofo alemão restringe o alcance do princípio de não-contradição a regimes de prova específicos, justificando sua iniciativa pela concepção da continuidade entre os opostos. Nesses termos, é a estrutura do real que demanda, para sua justa apropriação, um pensamento capaz de cantar, isto é, um pensamento cujo logos não esteja fundado na identidade, mas articulado à diferença.

Pois bem: um documento que importa considerar, no que tange ao O Nascimento da tragédia, é a tentativa de autocrítica, dada a público 15 anos depois da primeira edição do livro. Embora ali Nietzsche recuse os conteúdos da obra e a estratégia tomada para apresentá-los, pois aqueles são herdeiros de uma concepção ainda metafísica da realidade, enquanto, esta, inviabiliza a si mesma, ao contestar a prática da argumentação racional servindo-se ainda de argumentos, uma coisa ele ressalva: a ideia da crítica à razão e à racionalidade, em nome de outras modalidades de invenção da verdade. Ora, pensa Roberto Machado, isto só se autoriza graças ao que já foi realizado no caminho entre 1871 e 1886, por meio da criação do Zaratustra: a oferta de uma tópica integralmente própria, livre das influências de Wagner e

56 Metafísica e conhecimento

Schopenhauer, na qual estão dispostos os experimentos filosóficos cruciais para a validação de suas ideias.

Porque é exatamente aí que a coisa pega. Como se sabe, a constatação da morte de Deus como resultado do niilismo e o anúncio das chances de sua superação em função do aprendizado da afirmação do eterno retorno estão no cerne do projeto filosófico nietzschiano. Porém, mais do que apenas teses teóricas, essas proposições são demandas ou desafios relativos à transformação de nossos modos de viver. Leitor iniciado na filosofia antiga, Nietzsche sabe que não basta repetir o que outros dizem para se apropriar do que é dito, nisto ecoando o Fedro, mas cumpre torná-lo efetivo, incorporá-lo, e isso só ocorre quando se vive o que se pensa e se pensa o que se vive. Este amálgama nunca é alcançado se admitimos a acepção hegemônica que a filosofia recebeu desde o classicismo grego: esforço de traduzir o mundo em conceito, buscando enunciar o que é o real de modo universal e necessário. A esse respeito, lê-se em Zaratustra: tragédia nietzschiana:

[...] a posição ímpar do 'Zaratustra' está sobretudo em pretender realizar a adequação entre conteúdo e expressão, o que faz dele uma obra de filosofia e, ao mesmo tempo, uma obra de arte, o canto que Nietzsche não cantou em seu primeiro livro, o que permite considerá-lo o ápice de sua filosofia trágica.

É por isso que Assim falou Zaratustra é

considerado por seu autor como sua conquista mais alta. Não se encontra nele um conjunto sistemático

Zaratustra e a dança dos conceitos 57

de demonstrações, à moda de um tratado geral do mundo, mas um conjunto de questões que só fazem sentido quando tomadas a peito pelo leitor, que deve fazer delas o roteiro de um percurso pessoal. Paradoxalmente, a história do protagonista vale por seu caráter intransferível: ele não dá lições, não propõe doutrina nem prescreve uma regra de vida, mas narra como fez para chegar a ser o que é. O único jeito de segui-lo é afastar-se dele, procurando fazer não o que ele fez, mas como ele o fez.

Entende-se, desse modo, o quanto as escolhas de Nietzsche a favor da forma poética e da forma narrativo-dramática são consequentes. Nesse passo, vale seguir de perto o que o livro do Roberto fala a seu respeito. Tendo variado à beça os modos de enunciação de seu pensamento, produziu dissertações, tratados, ensaios, prosa por aforismos, máximas, poemas e assim por diante, Nietzsche aqui se lança num empreendimento radical. A recusa da universalidade conceitual exige, como contrapartida, a proposição de um discurso em que as singularidades respondam pelo sentido do que se diz. Mas que não se aplique a isso as dicotomias filosofia/retórica ou filosofia/arte. Porque canta seu pensamento, o protagonista ultrapassa essas classificações restritivas. Daí vem que o livro seja um poema sinfônico, a eloquência tornada música pelo retorno da linguagem à natureza da imagem. Isto não só é filosofia, mas filosofia tal como foi praticada pelos seus criadores originais: livre pensar aliado à arte, na intenção de falar da vida para o vivente sem a mediação obsessiva de uma lógica binária, que confina o movimento e a mudança ao domínio do que não é possível pensar.

58 Metafísica e conhecimento

Mas entender o Zaratustra como poema musical filosófico não esgota ainda as implicações de sua conformação a uma estrutura narrativa dramática. A pretensão de envolver o leitor, despertando nele o pathos sentido pelo protagonista em meio às peripécias de sua jornada, só é devidamente atendida se se abandona a ambição de conduzir o enredo através de provas objetivas ao alcance do raciocínio de qualquer um. Apenas a força dramática das circunstâncias em que eles são enunciados é capaz de fazer com que o conteúdo dos pensamentos fique disponível para o leitor experimentá-lo. Não custa repetir: o que está em jogo é a abertura do trânsito entre vida e pensamento, por meio da confirmação do laço entre vida e arte. O convite ao aprendizado da afirmação da existência, feito filosófico que, por sua ousadia e consequências, ombreia Nietzsche a Platão, não faz o menor sentido se e quando apresentado na forma de resultado doutrinal, conclusão de uma argumentação acessível a todos. A vivência do personagem é o que empresta força às questões filosóficas formuladas a partir de si.

Aliás, é a propósito disso mesmo que Roberto Machado avança sua hipótese principal. Diz ele:

No meu entender, apesar das diferenças entre os dois livros, o grande parentesco de 'Assim falou Zaratustra' com o primeiro livro de Nietzsche se evidencia dramaticamente com Zaratustra, o personagem central, despontando como um herói apolíneo e, em seguida, percorrendo um caminho que o levará a integrar o lado noturno, tenebroso da vida, tornando-se dionisíaco. 'Assim falou

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Zaratustra' é a narração dramática do aprendizado trágico de Zaratustra.

Reservando o esclarecimento disso para

adiante, importa considerar um último aspecto do nosso tema, ainda tomado do ângulo das generalidades. Ao chamar o livro Assim falou Zaratustra de tragédia, não cabe supor que se esteja aplicando a ele uma classificação segundo os gêneros poéticos tradicionais. Admitida a distinção entre a tragédia como gênero e o trágico como problema filosófico relativo à existência, formulada por Peter Szondi em sua leitura do desenvolvimento da filosofia alemã desde Schelling, fica claro que o título só cabe em função deste segundo significado do termo. Trágica é nossa condição existencial e é do aprendizado de sua afirmação que se ocupa o conto da aventura do protagonista. De todo modo, se se quiser um enquadramento genérico, mais plausível é considerar o livro como um romance de formação. Afinal, se é característico dos heróis de tragédias permanecerem idênticos a si mesmos ao longo da ação, este não é, de modo algum, o caso do nosso herói. Em relação a ele, o que importa é precisamente o contrário: sua transformação, por força de um aprendizado, tornado acessível ao leitor por meio da narrativa de suas experiências.

Mas qual é, enfim, a história que o livro conta? Se prestamos atenção aos títulos dados por Machado às etapas em que ele dispõe sua interpretação, já temos em mãos pistas bastante seguras para acompanhá-lo. As três partes principais do livro são abordadas sucessivamente em A morte de Deus e o super-homem futuro, A

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vontade de potência e o desafio do passado e O eterno retorno do instante. A cada uma delas corresponde uma metamorfose fundamental do personagem em sua demanda pela superação do niilismo. Eixo articulador da trama, o confronto com a apreciação mórbida da vida típica dos niilistas demanda ampla preparação. A cada mudança, Zaratustra se aproxima mais de sua meta, embora a cada vez essa se afigure mais difícil de ser alcançada.

No início, Zaratustra desce de sua montanha pleno de contentamento consigo mesmo e com sua sabedoria. Viveu lá por dez anos em solidão, acumulando os dons que o tornaram capaz de ensinar o super-homem. Mas sabemos que, ao subir para lá, não se sentia nada bem. Levava com ele sua cinza, o resto deixado pela descoberta de que também procedera como qualquer um, desejando consolação em outros mundos para as dores que padecia neste. A alusão parece dirigida à maneira pela qual a questão do sentido foi equacionada na primeira filosofia de Nietzsche, ainda onerada por pesados compromissos metafísicos.

Entregue à sua própria companhia, este Nietzsche-Zaratustra se cura dessas mazelas ao mudar de hábitos e de dieta. Ao invés de ópera, os moralistas franceses; fisiologia e materialismo no lugar da campanha pelo renascimento do espírito grego; a paisagem meridional no espaço em que antes estava o mito germânico. Isso tudo traz de volta a saúde: doravante psicólogo e cultor do sentido histórico, ele é capaz de oferecer uma saída apolínea para a crise de valores que se instalou na modernidade. “Deus está morto”, isto é, a atribuição

Zaratustra e a dança dos conceitos 61

de valor e sentido à existência a partir de uma instância ontoteológica fundacional não é mais viável. Somos esclarecidos demais para admitir a crença no ideal.

Em seu lugar, o ensino do super-homem propõe a fidelidade à terra. Se não há mais sentido em tomar o homem como apogeu da criação, ainda resta muito interesse em sua condição natural, terrena. Afinal, é aqui que vivem os corpos, fonte primitiva do deleite na existência. Desde sempre objeto de más interpretações religiosas e morais, eles poderão, doravante, recobrar seu papel como nossa grande razão. Se os homens não têm mais Deus, nada impede que venham a ter um futuro diferente.

Tudo isso é posto em cena na ida de Zaratustra à praça do mercado na cidade grande. Falando de sua esperança futura baseada na visão do super-homem, recebe como resposta o escárnio da multidão. Propondo a travessia desde o animal, que nada sabe, até os homens livres e contentes com sua condição terrena, que finalmente sabem viver sem sacrificar seus corpos e afetos no altar da moralidade, ele só encontra entendimento equívoco e rejeição.

Decorre daí uma inflexão importante. Zaratustra compreende que a maioria não está ainda apta a lidar com seu ensinamento. Entretanto, a vida fica melhor na presença de bons amigos, e é a estes que o herói deseja agora procurar. Não deve mais falar para o povo, mas para seus pares, se e quando os encontrar. Mas quem serão eles? Os raros que se dedicam à criação de novas tábuas de valores e de formas de viver compatíveis com a ventura da vida à

62 Metafísica e conhecimento

revelia do apelo do absoluto, do transcendente e do incondicional.

É oportuno recuperar, de passagem, a genealogia do niilismo. Tudo começa com a recusa, a depreciação e a negação da vida em nome dos valores superiores. É a matriz metafísica e religiosa de sua trajetória. Segue-se a ela, como já vimos, uma crise articulada aos próprios deveres decorrentes da eleição da verdade como valor absoluto, ao lado do bem. Porque tudo tem de ser certificado pela verdade para poder valer, uma hora essa mesma disposição para a verdade realiza seu autoexame, provando-se apenas algo humano, demasiado humano. De instância última na ordem dos valores, a verdade passa por seu próprio escrutínio, revelando-se, no fim das contas, um interesse entre outros. Mas se tudo vale o mesmo, qualquer coisa vale muito pouco. Se nada presta, cabe até considerar que a resignação é o melhor para nós. Eis a vontade de nada, penúltimo degrau no caminho declinante que pode chegar à recusa da vontade ela mesma, o nada de vontade, o avatar do niilismo passivo.

Mas o que destrói traz consigo as forças que poderão tornar-se novamente fecundantes. Se os valores superiores são criação humana e se sua crítica também é criação humana, uma coisa ao menos fica indicada: a criatividade humana talvez seja o traço mais surpreendente da trajetória dessa curiosa espécie animal. Mas quem cria em nós é a vida, e o reencontro de Zaratustra com a vida se dará sob os auspícios da vontade de potência, já longe da praça pública e próximo de seus amigos e

Zaratustra e a dança dos conceitos 63

discípulos – os que sabem apreciar a própria condição de criadores.

No princípio deste segundo movimento, o ensino do personagem é ainda moldado pela sabedoria apolínea. Voltado para o que pode dar certo, ele mira o futuro como espaço em que os descaminhos e desenganos da história passada, individual e coletiva, não mais se repetirão. Se a civilização se extraviou ao procurar no além sua salvação, trata-se agora, reconhecido o potencial criador dos viventes, de reorientar suas inclinações e sensibilidade a favor desta vida. Mas o passo guarda uma variação importante: porque a devoção ao divino transfere nossa alegria para a eternidade, a reforma em nossa sensibilidade deve nos tornar amigos do tempo que passa e das coisas próximas. A dimensão da temporalidade é, assim, recuperada em uma chave diferente: se ela é o sinal mais insistente de nosso destino inelutável, precisamos de aprender a viver com ela numa relação cuja tonalidade afetiva não seja ditada pelo medo. Como no livro de estreia, a solução para o horror baseada no velamento de nossa condição real é notável, mas só dá conta de uma parte da história. Projetada para o futuro, ela ignora o que pode ser o pior em nós: o ressentimento quanto ao passado.

Advertido pela vida, para quem é superficial uma sabedoria cuja proposta se restringe a incitar o vivente a fazer diferente da próxima vez, Zaratustra se vê às voltas com a intuição do maior dos desafios que terá de enfrentar. O lado solar das coisas, os projetos de um futuro melhor, tudo isso é desejável, mas a vida não se confina a essa prospecção. O que adoece a sério é o passado que não pode ser

64 Metafísica e conhecimento

alterado e que segue mordendo a consciência do vivente. O acerto de contas com este, a admissão amorosa de que, feito ou malfeito, o que passou está perfeito, o querer que tudo tenha sido exatamente como foi, eis o ingrediente que falta para que o herói seja capaz do amor fati, no seio do qual a sabedoria dionisíaca reencontrará a vida em sua plenitude. Só afirmando o tempo passado é que se poderá afirmar o passar do tempo.

Mas esta é uma lição que, no plano individual, não pode ser aprendida junto dos amigos e dos discípulos, porque diz respeito ao mais íntimo e pessoal das próprias experiências. Não há compartilhamento ou comunicação viável quanto a isso, e Zaratustra tem que abandonar mais uma vez suas companhias para partir ao encontro de seu destino. Se nos é permitido, vislumbramos aí outra nota biográfica, reunindo autor e personagem. Depois da saída do magistério, âmbito em que militou como publicista, dirigindo sua palavra a todos – "reforma dos estabelecimentos de ensino" ele pedia! – o filósofo viveu uma maravilhosa trégua em sua solidão, contando com alguns a quem considerava autênticos pares. Mas isso também precisou de acabar, e a redação do livro de Zaratustra é realizada por um homem de novo entregue a si mesmo. Seja como for, assim diz Machado: E o caminho mais árduo que,

à meia noite, ele começará a trilhar parece-me ser o caminho do superhomem considerado não mais como esperança futura e sim como mestre do eterno retorno, seu sentido fundamental, seu sentido trágico.

Zaratustra e a dança dos conceitos 65

Como se afigura a questão decisiva, que vai determinar o sucesso ou o fracasso do aprendizado da afirmação da existência? O incômodo acompanhante neste cenário desolado é o anão, aquele espírito pesado que destila nos ouvidos do herói seu veneno, que fala da hora em que Zaratustra não estava à altura de seu melhor e, então, fez tudo errado – quem aqui não conhece o estraga prazeres que nos lembra do que preferíamos não ter feito? Essa voz infernal segue Zaratustra por toda parte, e o herói já não aguenta mais. Em uma estrada feia e erma, numa noite lívida, longe de toda doçura, os dois estacam diante de um portal, sob cuja influência ocorre uma conversa crucial.

Pois o portal, como se sabe, sinaliza o encontro de dois caminhos, um que segue para a frente e outro que segue para trás. Ora, nada impede a conjectura de que a convergência de ambos no instante prove sua unidade fundamental. E mais: se o passado e o futuro são contínuos, tudo que aconteceu deverá se repetir sempre, infinitas vezes, por toda a eternidade. Daí que a chance de libertação da memória ressentida pela via de um futuro melhor só poderá conduzir de volta ao passado de que se pretende tomar distância. Em não havendo linearidade temporal, não existe a chance de uma escatologia redentora. A circularidade do tempo e o movimento circular e repetitivo de todas as coisas no tempo são os temas apavorantes que a conversa aflora.

Mas então Zaratustra é tomado por uma visão: um pobre homem, um pastor, é visto caído no campo a se contorcer, sufocado por uma serpente que se metera em sua goela. Sem conseguir

66 Metafísica e conhecimento

removê-la de lá, é instado pelo herói a arrancar a cabeça da cobra com uma dentada. Essa solução instantânea, em meio ao seu maior perigo, lhe salva a vida e lhe devolve a ela com uma alegria nova, diferente. E então ele ri: “Não mais um pastor, não mais um homem – um ser transformado, transfigurado, que ria! Nunca até aqui, na terra, riu alguém, como ele ria”.

O grande nojo com a existência, simbolizado pela impossibilidade de imprimir ao curso circular do tempo um rumo redentor, restando uma espécie de condenação irrevogável ao passado, só pode ser enfrentado de um jeito: na entrega completa à vivência no instante. Se, a cada instante, dou às minhas ações e pensamentos a melhor parte da energia de que disponho, não sou mais refém do resultado dessas ações e pensamentos. Se, alerta, me abandono ao instante, recupero a conexão com o fluxo do devir, integrando feitos e mal feitos na perfeição do todo. A intensidade da adesão é o indicador preciso de que o passado não é mais assombrado pelo ressentimento nem o futuro é mais determinado pela esperança, pois tudo está integrado na sucessão de instantes aos quais finalmente integrei-me de novo.

O niilista está enredado na negação dos instintos, na recusa dos jogos que envolvem o corpo e o desejo, postos desde o tempo arcaico sob a proteção de Dioniso. Ora, quando este passa a inspirar as avaliações do vivente, tudo o que estimula a viver é retomado, livre da trama das significações morais, disponível de novo para toda sorte de experimentações. Com Dioniso, trata-se de superar o desgosto que leva à condenação da vida

Zaratustra e a dança dos conceitos 67

pela moralidade – esta que é absurda, ávida e indecente – em favor da afirmação de sua inocência.

A aprovação do pensamento do eterno retorno depende, assim, de que se alcance a perspectiva dionisíaca a seu respeito – aquela que vê do ponto de vista da continuidade global entre os eventos, em que justo e injusto estão igualmente justificados, porque se está devidamente à vontade com o desejo. Nada a reparar no passado, nada a corrigir no que já foi, pois o amor dionisíaco pela vida a vê além das rubricas bem e mal. Num tal registro, nem o trágico é objeção à afirmação, pois mesmo ele é um conto de louvor ao que há. Enfim, se se quiser uma outra versão, pode-se dizer – em termos pascalianos, ainda que contra toda sua intenção teológica –, que até mesmo a miséria pode ser reconhecida como grandeza – basta visá-la pela lente do dionisíaco.

Cumprida sua formação, Zaratustra chegou a ser o que ele é. Em ondas sucessivas, sua sabedoria foi se fortalecendo, e ele por fim aprendeu a querer o eterno retorno de todas as coisas. A conclusão de sua viagem merece ser mostrada pelas palavras sintéticas e definitivas de Roberto Machado:

[...] trata-se de tornar-se o que se é – e não o que não se é, [como prega a máxima a favor da conversão cristã] – , quer dizer, de se criar como singularidade, estabelecer seus próprios valores, constituir-se como seu próprio legislador, dar a si mesmo suas virtudes, para além de normas universais. E visto que para Nietzsche o devir não aponta para um estado final, não flui em direção a um ser, 'o que se é', em vez de indicar deixar de

68 Metafísica e conhecimento

devir, significa afirmar o ser do devir. 'Tornar-se o que se é' é atingir o máximo de intensidade que se pode, afirmando integralmente o que se é, em uma perspectiva para além de bem e de mal. Se Nietzsche, o solitário que se sentia o homem mais independente do seu tempo, escreveu 'Assim falava Zaratustra' indicando como ele se criou a si mesmo e se tornou um filósofo trágico, foi como um presente para que outros raros espíritos livres, outros filósofos-artistas [...] atinjam a altura ou a profundidade que os tornará quem eles são.

REFERÊNCIAS MACHADO, Roberto. Zaratustra: tragédia nietzschiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra: um

livro para todos e para ninguém. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1983. (Tradução de Mário da

Silva).

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Anexos:

RESUMOS

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= I =

“ZARATUSTRA: A SUPERAÇÃO DO SÓCRATES MUSICANTE?”

Wilson Antonio Frezzatti Jr.*

O Zaratustra de Nietzsche é o antagonista do

Zaratustra histórico, fundador da primeira manifestação religiosa de um dualismo moral metafísico, de uma oposição de qualidades absolutas que irá caracterizar o pensamento metafísico socrático-cristão. Se o persa foi o primeiro a ver a luta entre o bem e o mal como o verdadeiro mecanismo do movimento do mundo, ele deve ser também o primeiro a reconhecer seu funesto erro de criar a moral. Não é a primeira vez que Nietzsche utiliza essa fórmula: uma argumentação semelhante foi usada com outra personagem central no pensamento nietzschiano e em sua primeira obra

* Professor associado dos cursos de graduação e pós-graduação (mestrado/doutorado) em Filosofia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Professor colaborador do Mestrado em Filosofia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Coordenador do GT-Nietzsche (ANPOF). Membro do Groupe Internationale de Recherche sur Nietzsche (GIRN), do Grupo de Estudos Nietzsche (GEN-USP) e do Grupo de Pesquisa "Filosofia, Ciência e Natureza na Alemanha do século XIX" (UNIOESTE). Autor dos livros: Nietzsche contra Darwin (2001, 1ª ed.; 2014, 2ª ed.) e A Fisiologia de Nietzsche: a Superação da Dualidade Cultura/Biologia (2006).

72 Metafísica e conhecimento

publicada: trata-se de Sócrates em O nascimento da tragédia. O filósofo grego é considerado o destruidor da tragédia clássica ateniense e iniciador do pensamento metafísico ocidental. Entretanto, em O nascimento da tragédia, um outro Sócrates surge para lutar contra a obra do primeiro Sócrates: trata-se do Sócrates musicante, antagonista do Sócrates platônico. Se o Sócrates platônico implanta uma cultura teórica em detrimento da cultura trágica, o Sócrates musicante, ao menos, prepara o terreno para o nascimento de uma nova cultura trágica por meio da música. Perguntamos, nesta conferência, se o Zaratustra nietzschiano é uma tentativa de superação do Sócrates platônico.

= II =

“ZARATHUSTRA VS. PARSIFAL”

Stefano Busellato* Se é verdade que no período entre a primeira

aparição do nome de Zaratustra nos cadernos nietzschianos, no verão de 1881, e o começo do verdadeiro trabalho de composição do texto, que se pode datar no verão de 1883, encontram-se a relação com Lou Salomé e a esperança não realizada de encontrar nela uma discípula para a própria filosofia, e se é plausível que um dos moventes à elaboração do Zaratustra foi ter nascido como provável reação psicológica à tal decepção, pela vontade de tornar-se mestre, ele mesmo, do próprio pensamento, criando para si um público de hipotéticos alunos no porvir a partir da figura do sábio persiano, assim, devemos perceber da mesma forma a importância do fato de que também nesse período encontra-se a estreia do Parsifal, com tudo aquilo que a precede, como vimos: a relação não resolvida com Wagner, o significado simbólico que o Parsifal tinha para Nietzsche, o “entrecruzar-se de duas espadas”, o paralelismo com a ingênua

* Graduado em Filosofia pela Università di Pisa (2001); doutorado em História da Filosofia pela Università Degli Studi di Macerata (2009); pós-doutorado em História da Filosofia pela Università di Siena (2011-2013), pela USP (2014-2016) e pela UNIOESTE (2016). Publicou, entre outros, os livros Nietzsche e Lo Scetticismo (2012) e Schopenhauer lettore di Spinoza (2015).

74 Metafísica e conhecimento

cristandade juvenil do próprio Oratório, a busca por uma alternativa estética a Wagner via Bizet.

OS ORGANIZADORES: Célia Machado Benvenho é Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2008), financiado pelo CNPQ, na linha de pesquisa Metafísica e Conhecimento. Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (1994). Especialista em Administração e Planejamento de Sistemas Educacionais pela UNIPAR - Universidade Paranaense (1997), e especialista em Computação Aplicada ao Ensino pela Universidade estadual de Maringá (1998). Tem experiência na área de Filosofia, Filosofia da Educação, Ensino de Filosofia e Filosofia para crianças. Atualmente é professor Assistente da UNIOESTE - campus de Toledo, onde atua como Coordenador de área do CCHS, leciona para o curso de graduação em Filosofia, orienta Trabalho de Conclusão de Curso e Estágio Supervisionado.

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Gilmar Henrique da Conceição é pós-doutorando na UFMG, Doutorando em Filosofia Moderna e Contemporânea, na linha de pesquisa Metafísica e Conhecimento (UNIOESTE) , Mestre em Filosofia Moderna e Contemporânea, na linha de pesquisa Ética e Filosofia Política (UNIOESTE), doutor em educação, na linha de pesquisa Filosofia da Educação (UNICAMP), mestre em educação, na linha de pesquisa Fundamentos Filosóficos da Educação (UFSCar), graduado em filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Lorena. Membro do GT Ética e Política na Filosofia do Renascimento (ANPOF). Atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Filosofia, (com ênfase em filosofia política e ceticismo - especialmente em Montaigne), atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia política, política na filosofia do Renascimento, ceticismo pirrônico.

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José Francisco de Assis Dias é Professor Adjunto da UNIOESTE, Toledo-PR; professor do Mestrado em Gestão do Conhecimento nas Organizações, na UNICESUMAR; pesquisador do Grupo de Pesquisa “Educação e Gestão” e do Grupo de Pesquisa “Ética e Política”, da UNIOESTE, CCHS, Toledo-PR. Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano, Roma, Itália; Doutor em Filosofia também pela mesma Pontifícia Universidade; Mestre em Direito Canônico também pela mesma Pontifícia Universidade Urbaniana; Mestre em Filosofia pela mesma Pontifícia Universidade; Especialista em Docência no Ensino Superior pela UNICESUMAR; Licenciado em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo – RS; Bacharel em Teologia pela UNICESUMAR. Pesquisador do Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICETI). E-mail: [email protected]

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José Luiz Giombelli Mariani é acadêmico do terceiro

ano do curso de licenciatura em Filosofia da Universidade

Estadual do Oeste do Paraná, bolsista do Programa

Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID),

vinculado a CAPES/MEC. Cursou três semestres do

curso de Filosofia da Faculdade Palotina (FAPAS) de

Santa Maria – RS. Participou como organizador da XIX

Semana Acadêmica de Filosofia, evento organizado pelo

Centro Acadêmico de Filosofia. Atualmente desenvolve

pesquisa na área de Ética e Filosofia Política, com o

tema, ceticismo na Reforma Protestante, com o pensador

Montaigne, orientado pelo Professor Dr. Gilmar Henrique

da Conceição (UNIOESTE). Participa como membro do

Diretório do Centro Acadêmico de Filosofia da

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, ocupando o

cargo de Coordenador Geral.

Uma leitura de Zaratustra... 79

Wilson Antonio Frezzatti Jr. é professor associado dos cursos de graduação e pós-graduação (mestrado/doutorado) em Filosofia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Professor colaborador do Mestrado em Filosofia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Coordenador do GT-Nietzsche (ANPOF). Membro do Groupe Internationale de Recherche sur Nietzsche (GIRN), do Grupo de Estudos Nietzsche (GEN-USP) e do Grupo de Pesquisa "Filosofia, Ciência e Natureza na Alemanha do século XIX" (UNIOESTE). Autor dos livros: Nietzsche contra Darwin (2001, 1ª ed.; 2014, 2ª ed.) e A Fisiologia de Nietzsche: a Superação da Dualidade Cultura/Biologia (2006).

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