história da matemática

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Texto de referência e uma obra que já nasceu clássica, História da Matemática, de Carl B. Boyer, é fonte de pesquisa para professores e todos aqueles que se interessam por essa trajetória. Um texto envolvente que parte da origem do conceito de número e da geometria, passando pela aritmética, álgebra e trigonometria dos egípcios, pelo desenvolvimento do raciocínio matemático na Mesopotâmia, Índia e China, pelos saltos teóricos dos gregos (Pitágoras, Platão, Aristóteles, Euclides, Arquimedes e Ptolomeu, para citar apenas os mais comumente lembrados), pelas contribuições de Da Vinci e da Renascença, de Galileu, Kepler, Torricelli, Pascal, Descartes, pela era de Newton, pelo século XIX (quando a Matemática se liberta das limitações sugeridas por observações da natureza e se torna também uma "ciência pura"), e chega até nossos dias, marcados por avanços até pouco tempo inimagináveis.

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XI

CONTEÚDO

1 ORIGENS .................................................................................................................1O conceito de número, 1. Primeiras bases numéricas, 2. Linguagem numérica e a origem da contagem, 3. A origem da geometria, 4.

2 EGITO ......................................................................................................................6Registros primitivos, 6. Notação hieroglífi ca, 7. Papiro de Ahmes, 8. Frações unitárias, 9. Ope rações aritméticas, 10. Problemas algébricos, 11. Problemas geométricos, 12. Razão tri gonométrica, 13. Papiro de Moscou, 13. Fraquezas matemáticas, 14.

3 MESOPOTÂMIA ....................................................................................................16Registros cuneiformes, 16. Numeração posicional, 18. Frações sexagesimais, 19. Operações fundamentais, 19. Problemas algébricos, 21. Equações quadráticas, 21. Equações cúbicas, 23. Ternas pitagóricas, 23. Áreas poligonais, 26. A geometria como aritmética aplicada, 27. Fra quezas matemáticas, 28.

4 A JÔNIA E OS PITAGÓRICOS .............................................................................30As origens gregas, 30. Tales de Mileto, 31. Pitágoras de Samos, 33. O pentagrama pitagórico, 34. Misticismo sobre números, 36. Aritmética e cosmologia, 36. Números fi gurativos, 37. Pro porções, 38. Numeração ática, 39. Numeração jônia, 40. Aritmética e logística, 42.

5 A IDADE HEROICA ...............................................................................................43Anaxágoras de Clazomene, 43. Três problemas famosos, 44. Quadra tura de lunas, 45. Proporções contínuas, 46. Hípias de Elis, 47. Filolau e Arquitas de Tarento, 48. Duplicação do cubo, 49. Incomensurabilidade, 50. A secção áurea, 50. Paradoxos de Zeno, 51. Raciocínio dedutivo, 53. Álgebra geométrica, 53. Demócrito de Abdera, 54.

6 A IDADE DE PLATÃO E ARISTÓTELES ..............................................................57As sete artes liberais, 57. Sócrates, 57. Sólidos platônicos, 58. Teodoro de Cirene, 59. Arit mética e geometria platônicas, 59. A origem da análise, 60. Eudoxo de Cnido, 61. O método de exaustão, 62. Astronomia matemática, 64. Menaecmus, 64. Duplicação do cubo, 65. Dinós trato e a quadratura do círculo, 66. Autólico de Pitane, 67. Aristóteles, 68. Fim do período helênico, 68.

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XII

7 EUCLIDES DE ALEXANDRIA ...............................................................................69Autor de Os Elementos, 69. Outras obras, 70. Objetivo de Os Elementos, 71. Defi nições e postulados, 72. Alcance do livro I, 73. Álgebra geométrica, 74. Livros III e IV, 77. Teoria da proporção, 77. Teoria dos números, 78. Números primos e números perfeitos, 79. Incomensurabilida de, 80. Geometria no espaço, 81. Apócrifos, 81. Infl uência de Os Elementos, 82.

8 ARQUIMEDES DE SIRACUSA .............................................................................83O cerco de Siracusa, 83. Lei da alavanca, 83. O princípio hidrostático, 84. O contador de areia, 85. Medida do círculo, 86. Trissecção do ângulo, 87. Área de um segmento parabólico, 88. Volume de segmento de paraboloide, 89. Segmento de esfera, 90. Sobre a esfera e o cilindro, 91. O Livro de lemas, 92. Sólidos semirregulares e trigonometria, 93. O Método, 93. Volume de uma esfera, 94. Recuperação de O Método, 95.

9 APOLÔNIO DE PERGA ........................................................................................96Obras perdidas, 96. Restauração de obras perdidas, 97. O problema de Apolônio, 97. Ci clos e epiciclos, 98. As Cônicas, 98. Nomes das secções cônicas, 100. O cone duplo, 100. Propriedades fundamentais, 101. Diâmetros conjugados, 102. Tangentes e divisão har mônica,102. O lugar a três e quatro retas, 103. Intersecção de cônicas, 103. Máximas e mí ni mas, tangentes e normais, 104. Cônicas semelhantes, 105. Focos de cônicas, 106. Uso de co ordenadas, 106.

10 TRIGONOMETRIA E MENSURAÇÃO NA GRÉCIA ..........................................108Início da trigonometria, 108. Aristarco de Samos, 109. Eratóstenes de Cirene, 109. Hiparco de Niceia, 110. Menelau de Alexandria, 111. O Almagesto de Ptolomeu, 112. O círculo de 360 graus, 113. Construção de tabelas, 114. Astronomia ptolomaica, 115. Outras obras de Ptolo meu, 115. Óptica e astrologia, 117. Heron de Alexandria, 117. Princípio da mínima distância, 118. Declínio da matemática grega, 119.

11 RESSURGIMENTO E DECLÍNIO DA MATEMÁTICA GREGA ...........................120Matemática aplicada, 120. Diofante de Alexandria, 121. Nicômaco de Gerasa, 121. A Ari thmetica de Diofante, 122. Problemas diofantinos, 123. O lugar de Diofante na álgebra,124. Papus de Alexandria, 125. A Coleção, 126. Teoremas de Papus, 126. O problema de Papus, 127. O Tesouro da Análise, 128. Os teoremas de Papus-Guldin, 129. Proclo de Alexandria, 129. Boécio, 130. Fim do período alexandrino, 130. A Antologia Grega, 131. Matemáticos bi zantinos do sexto século, 131.

12 CHINA E ÍNDIA ....................................................................................................133Os documentos mais antigos, 133. Os Nove Capítulos, 133. Quadrados mágicos, 134. Nume rais em barras, 135. O ábaco e as frações decimais, 135. Valores de pi, 138. Álgebra e método de Horner, 139. Matemáticos do século treze, 139. O triângulo aritmético, 140. Ma temática primitiva na Índia, 140. Os Sulvasutras, 141. Os Siddhantas, 142. Aryabhata, 143. Numerais hindus, 144. O símbolo para zero, 145. A trigonometria hindu, 147. Multiplicação hindu, 148. A divisão, 149. Brahmagupta, 149. A fórmula de Brahmagupta, 150. Equações inde terminadas, 151. Bhaskara, 151. O Lilavati, 152. Ramanujan, 153.

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13 A HEGEMONIA ÁRABE ......................................................................................154A Casa da Sabedoria, 155. Al-jabr, 156. Equações quadráticas, 157. O pai da álgebra, 157. Fundamentos geométricos, 158. Problemas algébricos, 158. Um pro blema de Heron, 159. ‘Abd al-Hamid ibn-Turk, 159. Thabit ibn-Qurra, 160. Numerais arábicos, 161. Trigonometria árabe, 162. Abu’l Wefa e al-Karkhi, 163. Al-Biruni e Alhazen, 163. Omar Khayyam, 164. O postu lado das paralelas, 165. Nasir Eddin, 166. Al-Kashi, 167.

14 A EUROPA NA IDADE MÉDIA ............................................................................168Da Ásia à Europa, 168. Matemática bizantina, 168. A Idade das Trevas, 170. Alcuin e Ger bert, 170. O século da tradução, 171. A expansão dos numerais indo-arábicos, 172. O Li ber abaci, 174. A sequência de Fibonacci, 174. Uma solução de uma equação cúbica, 175. Teoria dos números e geometria, 175. Jordanus Nemorarius, 176. Campanus de Novara, 177. O saber no século treze, 177. Cinemática medieval, 178. Thomas Bradwardine, 179. Nicole Oresme, 180. A latitude das formas, 180. Séries infi nitas, 182. Declínio do saber medieval, 183.

15 RENASCIMENTO ................................................................................................184Humanismo, 184. Nicholas de Cusa, 185. Regiomontanus, 186. Aplicação da álgebra à geo metria, 188. Uma fi gura de transição, 189. O Triparty de Nicolas Chuquet, 189. A Summa de Luca Pacioli, 190. Leonardo da Vinci, 191. Álgebras germânicas, 192. A Ars magna de Carda no, 193. A solução da equação cúbica, 195. A solução de Ferrari para a equação quártica, 196. Cúbicas ir redutíveis e números complexos, 197. Robert Recorde, 199. Nicolau Copérnico, 200. George Joachim Rheticus, 200. Pierre de la Rammée, 200. A Álgebra de Bombelli, 201. Johannes Wer ner, 202. Teoria da perspec-tiva, 203. Cartografi a, 204.

16 PRELÚDIO À MATEMÁTICA MODERNA ...........................................................207François Viète, 207. Conceito de parâmetro, 208. A arte analítica, 208. Relação entre raízes e coefi cientes, 209. Thomas Harriot e William Oughtred, 210. Novamente o método de Horner, 210. Trigonometria e a prostaférese, 211. Resolução trigonométrica de equações, 212. John Napi er, 213. A invenção dos logaritmos, 214. Henry Briggs, 215. Jobst Bürgi, 216. Matemática apli cada e frações decimais, 216. Notações algébricas, 219. Galileu Galilei, 219. Valores de pi, 220. Reconstrução do Sobre tangências de Apolônio, 221. Análise infi nitesimal, 221. Johan nes Kepler, 222. As Duas novas ciências de Galileu, 224. Galileu e o infi nito, 225. Boaven tura Cavalieri, 226. A espiral e a parábola, 228.

17 O TEMPO DE FERMAT E DESCARTES ............................................................229Principais matemáticos da época, 229. O Discours de la méthode, 229. Invenção da geometria analítica, 231. Aritmetização da geometria, 231. Álgebra geométrica, 233. Classifi cação das curvas, 233. Retifi cação das curvas, 235. Identifi cação das cônicas, 235. Normais e tangentes, 236. Conceitos geométricos de Descartes, 237. Lugares geométricos de Fermat, 238. Geome tria analítica em dimensão superior, 239. Diferen-ciação de Fermat, 239. Integrações de Fer mat, 241. Gregório de St. Vincent, 242. Teoria dos números, 243. Teoremas de Fermat, 243. Gilles Persone de Roberval, 244. Evangelista Torricelli, 244. Curvas novas, 245. Girard Desar gues, 247. Geometria projetiva, 247. Blaise Pascal, 249. Probabilidade, 250. A cicloide, 252.

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18 UM PERÍODO DE TRANSIÇÃO ..........................................................................253Philippe de Lahire, 253. George Mohr, 254. Pietro Mengoli, 254. Frans van Schooten, 255. Jan de Witt, 255. Johann Hudde, 256. René François de Sluse, 257. O relógio de pêndulo, 257. Involutas e evolutas, 259. John Wallis, 261. Sobre secções cônicas, 261. Arithmetica in fi nito rum, 261. Christopher Wren, 263. Fórmulas de Wallis, 263. James Gregory, 264. A série de Gregory, 265. Nicolaus Mercator e William Brouncker, 266. Método de Barrow das tan gentes, 267.

19 NEWTON E LEIBNIZ ...........................................................................................269Primeiras obras de Newton, 269. O teorema binomial, 270. Séries infi nitas, 271. Método dos fl uxos, 273. Principia, 273. Leibniz e o triângulo harmônico, 275. O triângulo diferencial e as séries infi nitas, 273. O cálculo diferencial, 273. Determinantes, notação e números imaginá rios, 279. A álgebra da lógica, 280. A lei do inverso do quadrado, 280. Teoremas sobre côni cas, 281. Óptica e curvas, 282. Coordenadas polares e outras, 282. O método de Newton e o paralelo gramo de Newton, 283. Arithmetica universalis, 284. Últimos anos, 285.

20 A ERA BERNOULLI ............................................................................................286A família Bernoulli, 286. A espiral logarítmica, 288. Probabilidade e séries infi nitas, 289. Re gra de L’Hospital, 289. Cálculo exponencial, 290. Logaritmos de números negativos, 291. Pa rado xo de Petersburgo, 292. Abraham de Moivre, 300. Teorema de De Moivre, 293. Roger Cotes, 294. James Stirling, 295. Colin Maclaurin, 295. Série de Taylor, 296. A controvérsia do The Analyst, 296. Regra de Cramer, 297. Transforma-ções de Tschirnhaus, 298. Geometria analítica no espaço, 299. Michel Rolle e Pierre Varignon, 300. Matemática na Itália, 301. O postulado das paralelas, 301. Séries divergentes, 302.

21 A IDADE DE EULER ...........................................................................................303Vida de Euler, 303. Notação, 305. Fundamentos da análise, 306. Séries infi nitas, 307. Séries convergentes e divergentes, 308. Vida de d’Alembert, 309. Identidades de Euler, 310. D’Alembert e limites, 311. Equações diferenciais, 311. Os Clairaut, 312. Os Riccati, 313. Pro babilidade, 314. Teoria dos números, 315. Livros didáticos, 317. Geometria sintética, 317. Geo metria analítica no espaço, 318. Lambert e o postulado das paralelas, 319. Bézout e a eli minação, 320.

22 MATEMÁTICOS DA REVOLUÇÃO FRANCESA ................................................322A idade das revoluções, 322. Matemáticos principais, 323. Publicações antes de 1789, 324. Lagrange e determinantes, 324. Comitê de Pesos e Medidas, 325. Condorcet a respeito de educação, 326. Monge como administrador e professor, 327. Geometria descritiva e geometria analítica, 328. Livros didáticos, 330. Lacroix sobre geometria analítica, 330. O Organizador da Vitória, 331. Metafísica do cálculo e geometria, 332. Géométrie de position, 333. Transver sais, 334. A geometria de Legendre, 335. Integrais elípticas, 336. Teoria dos números, 336. Teo ria das funções, 337. Cálculo das variações, 338. Multiplicadores de Lagrange, 339. Laplace e probabilidade, 339. Mecânica celeste, 340. Mudanças políticas, 341.

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23 O TEMPO DE GAUSS E CAUCHY .....................................................................343O século dezenove, 343. Primeiras obras de Gauss, 343. Teoria dos números, 345. Recepção das Disquisitiones arithmeticae, 347. Contribuições de Gauss à astronomia, 348. A meia-idade de Gauss, 348. O início da geometria diferencial, 349. Últimos trabalhos de Gauss, 350. Paris em 1820, 351. Cauchy, 353. Comparação entre Gauss e Cauchy, 359. Geometria não euclidi ana, 361. Abel e Jacobi, 361. Galois, 364. Difusão, 366. Reformas na Inglaterra e na Prússia, 367.

24 GEOMETRIA ........................................................................................................369A escola de Monge, 369. A geometria projetiva: Poncelet e Chasles, 370. Geometria sintética métrica: Steiner, 372. Geometria sintética não métrica: von Staudt, 373. Geometria analítica, 373. Geometria riemanniana, 377. Espaços de dimensão superior, 378. Felix Klein, 379. A geometria algébrica pós-riemanniana, 381.

25 ANÁLISE..............................................................................................................383Berlim e Göttingen ao meio do século, 383. Riemann em Göttingen, 383. Física matemática na Alemanha, 384. Física matemática nos países de língua inglesa, 385. Weierstrass e estu dantes, 386. A aritmetização da análise, 388. Cantor e Dedekind, 390. Análise na França, 395.

26 ÁLGEBRA ............................................................................................................399Introdução, 399. A álgebra na Inglaterra e o cálculo operacional de funções, 399. Boole e a ál gebra da lógica, 401. De Morgan, 403. Hamilton, 404. Grassmann e Ausdehnungs-lehre, 405. Cayley e Sylvester, 407. Álgebras lineares associativas, 412. Geometria algébrica, 412. Intei ros algébricos e aritméticos, 413. Axiomas da aritmética, 414.

27 POINCARÉ E HILBERT ......................................................................................417Vista geral da virada do século, 417. Poincaré, 417. Física matemática e outras aplicações, 419. Topologia, 420. Outros campos e legado, 420. Hilbert, 421. Teoria dos invariantes, 422. O Zahlbericht de Hilbert, 423. Os fundamentos da geometria, 424. Os problemas de Hilbert, 424. Hilbert e Análise, 427. O problema de Waring e a obra de Hilbert depois de 1909, 428.

28 ASPECTOS DO SÉCULO VINTE ........................................................................429Visão geral, 429. Integração e medida, 429. Análise funcional e topologia geral, 431. Álgebra, 433. Geometria diferencial e análise tensorial, 434. A década de 1930-40 e a Segunda Guerra Mundial, 435. Probabilidade, 436. Álgebra homológica e teoria das categorias, 437. Bourbaki, 438. Lógica e computação, 439. Perspectiva para o futuro, 440.

REFERÊNCIAS ..............................................................................................................443BIBLIOGRAFIA GERAL ................................................................................................464APÊNDICE .....................................................................................................................472ÍNDICE ...........................................................................................................................480

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ORIGENS 1

1 ORIGENS

Trouxeste-me um homem que não sabe contar seus dedos?Do Livro dos mortos

O CONCEITO DE NÚMERO

Os matemáticos do século vinte desempenham uma atividade intelectual altamente sofi sti cada, que não é fácil de defi nir, mas boa parte do que hoje se chama matemática deriva de ideias que originalmente estavam centradas nos conceitos de número, grandeza e forma. De fi nições anti quadas da matemática como uma “ciência do número e grandeza” já não são váli das; mas suge rem as origens dos diversos ramos da matemática. Noções primitivas re laciona das com os con ceitos de número, grandeza e forma podem ser encontradas nos pri meiros tem pos da raça hu mana, e vislumbres de noções matemáticas se encontram em for mas de vida que podem datar de milhões de anos antes da humanidade. Darwin no Descent of Man (1871) ob servou que al guns animais superiores possuem capacidades como memória e imaginação, e hoje é ainda mais claro que as capacidades de distinguir número, tamanho, ordem e forma — rudimentos de um sentido matemático — não são propriedades exclusivas da humanidade. Experiências com corvos, por exemplo, mostraram que pelo menos alguns pássaros podem distinguir conjuntos contendo até quatro elementos. Uma percepção de dife renças de padrões em seus ambientes claramente existe em muitas formas inferiores de vida, e isso tem paren tesco com a preocupa ção dos matemáticos com forma e relação.

Em certa época pensou-se que a matemática se ocupava do mundo que nossos senti dos percebem e foi somente no século dezenove que a matemática pura se libertou das limi tações sugeridas por observações da natureza. É claro que a matemática originalmente sur giu como parte da vida diária do homem, e se há validade no princípio biológico da “sobrevivência dos mais aptos” a persistência da raça humana provavelmente tem relação com o desenvolvimento de conceitos matemáticos. A princípio as noções primitivas de número, grandeza e forma po di am estar relacionadas com contrastes mais do que com se me lhanças — a diferença entre um lobo e muitos, a desigualdade de tamanho entre uma sardinha e uma baleia, a dessemelhança entre a forma redonda da Lua e a retilínea de um pi nheiro. Gradualmente deve ter surgido, da massa de experiências caóticas, a percepção de que há analogias: e dessa percepção de seme lhanças em número e forma nasceram a ciência e a matemática. As próprias diferenças pare cem indicar semelhanças, pois o contraste entre um lobo e muitos, entre um carneiro e um re banho, entre uma árvore e uma fl oresta, suge rem que um lobo, um carneiro e uma árvore têm algo em comum — sua unicidade. Do mesmo modo se observaria que certos grupos, como os pares, podem ser postos em corres pondência um a um. As mãos podem ser relacionadas com os pés, os olhos e as orelhas ou as narinas. Essa percepção de uma propriedade abstrata que certos grupos têm em comum e que nós chamamos número, representa um grande passo no caminho para a matemática mo derna. É improvável que isso tenha sido descoberta de um in divíduo ou de uma

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2 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

dada tribo; é mais provável que a percepção tenha sido gradual, desenvol vida tão cedo no desen-volvimento cultural do homem quanto o uso do fogo, talvez há 300.000 anos. Que o desen volvimento do conceito de número foi um processo longo e gradual é suge rido pelo fato de que certas línguas, o grego inclusive, conservaram na sua gramática uma dis tinção tripartite entre um e dois e mais de dois, ao passo que a maior parte das línguas atuais só faz a distin ção em “número” entre singular e plural. Evidentemente nossos mais antigos an tepassados a princípio contavam só até dois qualquer conjunto; além desse nível era dado como “muitos”. Mesmo hoje muitos povos primitivos ainda contam objetos dispondo-os em gru pos de dois.

PRIMEIRAS BASES NUMÉRICASA ideia de número fi nalmente tornou-se sufi cientemente ampla e vívida para que se sentisse a necessi-dade de exprimir a propriedade de algum modo, presumivelmente a princípio so mente na linguagem de sinais. Os dedos de uma mão podem facilmente ser usados para in dicar um conjunto de dois, três, quatro ou cinco objetos, não sendo o número 1 geralmente reconhecido inicialmente como um verdadeiro número. Usando os dedos das duas mãos podem ser repre sentadas coleções contendo até dez elementos; combinando dedos das mãos e dos pés pode-se ir até vinte. Quando os dedos humanos eram inadequados, podiam ser usa dos montes de pe dras para representar uma correspondência com elementos de um outro conjunto. Quando o homem primitivo usava tal método de representação, ele frequentemen te amontoava as pedras em grupos de cinco, pois os quíntuplos lhe eram familiares por

Esquema cronológico represen-tando a extensão de algumas ci-vilizações antigas e medievais. (Reproduzido, com permissão, de O. Neugebauer, The Exact Sciences in Antiquity)

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6 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

2 EGITO

Sesóstris ... repartiu o solo do Egito entre seus habitantes... Se o rio levava qualquer parte do lote de um homem ... o rei mandava pessoas

para exami nar, e determinar por medida a extensão exata da perda ... Por esse costu me, eu creio, é que a geometria veio a ser conhecida no Egito, de

onde pas sou para a Grécia.Heródoto

REGISTROS PRIMITIVOSÉ costume dividir o passado da humanidade em eras e períodos, com particular referência a ní veis e características culturais. Tais divisões são úteis, embora devamos ter sempre em mente que são apenas uma estrutura superposta arbitra riamente para nossa conveniência e que as di visões no tempo que sugerem não são fossos intransponíveis. A Idade da Pedra, um longo pe ríodo que precede o uso de metais, não teve um fi m abrupto. Na verdade, o tipo de cultura que re presentou terminou muito mais tarde na Europa do que em certas par tes da Ásia e da África. O surgimento de civilizações caracteri-zadas pelo uso de metais teve lugar primeiro em vales de rios, como os do Egito, Mesopotâmia, Índia e China; por isto nós designaremos a parte mais antiga do período histórico pelo nome de “estágio potâmi co”. Os registros crono lógicos das civilizações nos va les dos rios Indo e Yang-tse não me recem confi ança, mas dis pomos de in forma ção razoavelmente segura sobre os povos que viveram ao longo do Nilo e no crescente fértil dos rios Tigre e Eufrates. Antes do quarto milênio a.C. uma forma primi-tiva de escrita estava em uso tanto no vale mesopotâmico como no Nilo. Lá os primitivos re gistros pictográ fi cos, por um processo de gradual con vencionalização, evoluíram para uma ordem linear de símbolos mais simples. Na Mesopo tâmia, onde o barro era abundante, marcas em forma de cu nha eram feitas com um estilete sobre tabletas moles que depois eram cozidas em fornos ou ao calor do sol. Esse tipo de es crita chama-se cuneiforme (da palavra latina cu neus, cunha) por causa da forma dos sinais. O signifi cado a ser transmitido em cuneiforme era determinado pe los arranjos das marcas em cunha. Documen tos cuneiformes tinham grande durabilidade; por isso muitos milhares de tais tabletas sobreviveram até nosso dias, muitos datando de cerca de 4.000 anos.

Naturalmente, só uma fração dessas se refere a temas relacionados com matemática. Além disso, até há cerca de um século a mensagem nas tabletas permaneceu muda, pois a es cri ta não fora deci-frada. Na década de 1870 foi feito um progresso signifi cativo na lei tura, quando se descobriu que a Rocha Behistun trazia uma narração trilingüe da vitória de Dario sobre Cambises, a inscrição sendo em persa, elamítico e babilônico. O conhecimento do persa con sequentemente forneceu a chave para a leitura do assírio, língua proximamente aparentada com o babilônico, mais antigo. Mesmo depois dessa importante descoberta, a decifração e análise das tabletas com conteúdo mate mático avan çou devagar, e foi só no se gundo quarto do século vinte que a per cepção das contribuições matemáticas da Mesopo tâmia se tornou apre ciável, devido em grande parte à obra pioneira de Fr. Thureau-Dangin na França e Otto Neugebauer na Alemanha e América.

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EGITO 7

NOTAÇÃO HIEROGLÍFICAOs escritos egípcios, enquanto isso, tinham tido melhor sorte que os babilônios num parti cu lar. A Pedra de Rosetta, trilíngue, desempenhando papel análogo ao da Rocha Behis tum, ti nha sido descoberta em 1799 pela expedição de Napoleão. Essa grande peça, achada em Rosetta, antigo porto de Alexandria, continha uma mensagem em três escritas: grega, de mótica e hie roglífi ca. Sabendo o grego, Champollion na França e Thomas Young na In gla terra fi zeram rápido pro gresso na decifração dos hieroglifos (isto é, “inscrições sagra das”) egípcios. Agora as inscri ções nas tumbas e monumentos no Egito podiam ser lidas, embora tais do cumentos cerimoni ais não sejam a melhor fonte de informação quanto a ideias mate máticas. A numera ção hiero glífi ca egípcia foi facilmente decifrada. O sis tema, pelo menos tão antigo quanto as pirâmides, datando de cerca de 5.000 anos atrás, baseava-se, como se ria de esperar, na escala de dez. Usando um es quema iterativo simples e símbolos diferentes para a primeira meia dú zia de po tências de dez, números maiores que um milhão foram in cisos em pedra, ma deira e outros ma teriais. Um traço vertical representa uma uni dade, um osso de calcanhar invertido indicava 10, um laço como uma letra C maiúscula va lia 100, uma fl or de lótus 1.000, um dedo dobrado 10.000, um peixe era usado para in dicar 100.000 e uma fi gura ajoelhada (talvez o deus do Sem-fi m) 1.000.000. Por repetição desses símbolos, o número 12.345, por exemplo, se es crevia como

Às vezes os dígitos menores eram colocados à esquerda, e às vezes os dígitos eram dispos tos

verticalmente. Os próprios símbolos ocasionalmente eram colo cados com orientação in ver tida, de modo que o laço tanto podia ser convexo para a direita como para a esquerda.

As inscrições egípcias revelam familiaridade com grandes números desde tempos re mo tos. Um museu em Oxford possui um cetro real de mais de 5.000 anos sobre o qual aparece um registro de 120.000 prisioneiros e 1.422.000 ca bras capturadas1. Esses números podem ser exagerados, mas de outras conside rações fi ca claro, no entanto, que os egípcios eram louva velmente precisos no contar

Reprodução (alto) de uma parte do Papiro de Moscou, mostrando o problema do volume de um tronco de pi râ mide qua drada, junta-mente com a transcrição hieroglífi ca (abaixo).

1J.E. Quibell, Hierakonpolis (Londres: b, Quaritch, 1900). Ver especialmente placa 26B.

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A IDADE DE PLATÃO E ARISTÓTELES 57

6 A IDADE DE PLATÃO

E ARISTÓTELES

Eu, de boa vontade, morreria queimado como Faetonte, se esse fosse o preço a pagar para alcançar o Sol e saber

qual sua forma, tamanho e substância. Eudoxo

AS SETE ARTES LIBERAISA Idade Heroica se situa principalmente no quinto século a.C. e desse período quase ne nhu ma evi-dência direta restou sobre o desenvolvimento da matemática. As histórias de He ródoto e Tucídides e as peças de Ésquilo, Eurípedes e Aristófanes até certo ponto se preser varam, mas quase não há uma linha do que foi escrito pelos matemáticos da época. Fontes matemáti cas de primeira mão do quarto século a.C. são quase igualmente raras, mas essa falta é supri da em grande parte pelas exposições escritas por fi lósofos que estavam au cou rant da mate mática de seu tempo. Temos a maior parte do que Platão escreveu acerca de metade da obra de Aristóte les; com os escritos desses dois líderes intelectuais do quarto sé culo a.C. como guia, podemos dar uma exposição muito mais digna de fé do que aconteceu em seu tempo, do que podemos fazer quanto à Idade Heroica.

Incluímos Arquitas entre os matemáticos da Idade Heroica, mas num certo sentido ele é na verdade uma fi gura de transição na matemática durante o tempo de Platão. Foi um dos últimos pitagóricos, tanto literal quanto fi guradamente. Podia acreditar ainda que o nú mero era o que há de mais importante na vida e na matemática, mas a onda do futuro ia elevar a geome tria à posição de supremacia, em grande parte devido ao problema da inco mensurabili dade. Por outro lado, diz-se que foi Arquitas quem estabeleceu o quadrivium — aritmética, geometria, música e astronomia — como o núcleo de uma educação liberal e nisto suas opiniões iriam dominar muito do pensamento pedagógico até nossos dias. As sete artes libe rais, que perma neceram intocáveis por dois milênios, eram constituídas pelo quadrivium de Arquitas mais o trivium da gramática, da retórica e da dialética de Zeno. Por isso pode-se com alguma justiça sustentar que os matemáticos da Idade Heroica foram responsáveis por muito, quanto à orien tação nas tradições educacionais do Ocidente, especialmente na forma transmi tida pelos fi lóso fos do quarto século a.C.

SÓCRATESO quarto século a.C. iniciou-se com a morte de Sócrates, um fi lósofo que adotou o método dialético de Zeno e repudiou o pitagorismo de Arquitas. Sócrates reconhecia que na juven tude fora atraído por questões como por que a soma 2 + 2 é igual ao produto 2 × 2, bem como pela fi losofi a da natureza de Anaxágoras; porém, percebendo que nem a matemática nem a ciência podiam satisfazer seu desejo de conhecer a essência das coisas, ele se entre gou à sua caracte rística busca do homem.

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EUCLIDES DE ALEXANDRIA 69

7 EUCLIDES DE ALEXANDRIA

Ptolomeu uma vez perguntou a Euclides se havia um caminho mais curto, para a geometria, que o estudo de Os elementos,

e Euclides lhe respondeu que não havia estrada real para a geome tria.Proclo Diadoco

AUTOR DE OS ELEMENTOSA morte de Alexandre, o Grande, levou a disputas entre os generais do exército grego; mas em 306 a.C. o controle da parte egípcia do império estava fi rmemente nas mãos de Ptolo meu I, e esse go-vernante pôde voltar a atenção para esforços construtivos. Entre seus pri meiros atos está a criação em Alexandria de uma escola ou instituto conhecido como Mu seu, insupe rado em seu tempo. Como professores ele chamou um grupo de sábios de pri meira linha, en tre eles Euclides, o autor do texto de matemática mais bem-sucedido de to dos os tempos — Os ele mentos (Stoichia). Considerando a fama do autor e de seu best seller, sabe-se notavel mente pouco sobre a vida de Euclides. Tão obscura fi cou sua vida que nenhum lugar de nas cimento é associado a seu nome. Embora edições de Os elementos frequentemente identifi cas sem o autor como Euclides de Megara, e um retrato de Euclides em Megara frequentemente apareça em histórias da matemática, trata-se de um erro de identi dade. O verdadeiro Euclides de Megara1 era um discípulo de Sócrates e, embora se preocu passe com lógica, não se sen-tia mais atraído pela matemática que seu mestre. Nosso Eucli des, em contraste, é conhecido como Euclides de Alexandria, porque foi chamado para lá ensinar matemática. Da natureza de seu trabalho pode-se presumir que tivesse estudado com discípulos de Platão, senão na pró pria Academia. Len das associadas com Euclides o pintam como um bondoso velho. A estória contada acima em relação a Alexandre, o Grande, que desejava uma introdução fácil à geome tria é repetida no caso de Ptolomeu, a quem se diz que Euclides garantiu que “não há uma es trada real para a geometria”. Evidentemente Eu clides não dava ênfase aos aspectos práticos do assunto, pois há uma estória contada sobre ele que diz que quando um estudante perguntou para que servia o estudo da geometria, Euclides disse a seu escravo que desse três moedas ao estudante, “pois ele precisa ter lucro com o que aprende”.

Euclides e Os elementos são frequentemente considerados sinônimos; na realidade o homem escreveu cerca de uma dúzia de tratados, cobrindo tópicos variados, desde óptica, as tronomia, música e mecânica até um livro sobre secções cônicas. Com exceção de A esfe ra de Autólico, os livros de

1 Veja frontispício no início do Cap. 15.

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ARQUIMEDES DE SIRACUSA 83

8 ARQUIMEDES DE SIRACUSAHavia mais imaginação na cabeça de Arquimedes que na de Homero.

Voltaire

O CERCO DE SIRACUSADurante toda a Idade Helenística o centro da atividade matemática permaneceu em Alexan dria, mas o maior matemático desse tempo — e de toda antiguidade — não nasceu nessa ci dade. Arquimedes pode ter estudado por algum tempo em Alexandria com os estudantes de Eucli des, e manteve co-municação com os matemáticos de lá, mas viveu e morreu em Sira cu sa. Co nhecem-se poucos fatos de sua vida, mas tem-se alguma informação tirada na nar ração de Plutarco da vida de Marcelo, o general romano. Durante a Segunda Guerra Púnica a cidade de Siracusa se viu envolvida na luta entre Roma e Cartago; tendo-se associado a essa última, a ci dade foi sitiada pelos romanos durante aos anos de 214 a 212 a.C. Lemos que durante o cerco Arquimedes inventou engenhosas máquinas de guerra para conservar o inimigo à dis tância — catapultas para lançar pedras; cordas, polias e ganchos para levantar e espatifar os navios ro manos; invenções para queimar os navios. Por fi m, no entanto, Sira cusa caiu devido a uma “quinta coluna”; durante o saque da cidade Arquimedes foi morto por um soldado ro mano, apesar das ordens de Marcelo para que o geômetra fosse poupado. Como se diz que Arquime des tinha então setenta e cinco anos, provavelmente nasceu em 287 a.C. Seu pai era um as trônomo, e Arquimedes também adquiriu uma reputação em astronomia. Diz-se que Marcelo reservou para si, como parte do saque, engenhosos plane tários que Arquimedes tinha constru ído para retratar os movimentos dos corpos celestes. Todas as narrações da vida de Ar quime des, no entanto, concordam que ele dava pouco va lor a seus engenhos mecânicos, em compa ração com o produto de seus pensamentos. Mesmo quando lidava com alavancas e ou tras má quinas simples, ele estava muito mais inte ressado em princípios gerais que em aplica ções práti cas.

LEI DA ALAVANCA Arquimedes não foi, é claro, o primeiro a usar alavancas, nem mesmo o primeiro a formu lar a lei geral. As obras Aristóteles contêm a afi rmação de que dois pesos numa alavanca se equili bram quando são inversamente proporcionais a suas distâncias ao fulcro; e os peripa téticos as sociavam essa lei à sua pressuposição de que o movimento retilíneo vertical é o único movi mento natural sobre a Terra. Eles faziam observar que as extremidades dos bra ços desiguais de uma alavanca, em seus deslocamentos em torno do fulcro, descrevem cír culos em vez de retas; a extremidade do braço maior se moverá num círculo que é maior, por isso o caminho se aproximará mais do movimento retilíneo vertical natural do que o do braço mais curto. Portan to, a lei da alavanca é uma consequência natural desse princípio ci nemático. Arquime des, por outro lado, deduziu a lei de um postulado estático muito mais plausível — que corpos bilate ralmente simétricos estão em equilíbrio. Isto é, suponhamos que uma barra sem

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154 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

13 A HEGEMONIA ÁRABE

Ah, mas meus cálculos, dizem as pessoas, trouxeram o Ano à Medida humana? Então, foi por cortar do Calendário

o Amanhã que ainda não nasceu e o morto Ontem.Omar Khayyam (Rubayat, segundo Fitzgerald)

Pela época em que Brahmaguta escrevia, o Império Sabeano da Arábia Félix tinha caído e a peninsula passava por uma crise séria. Era habitada principalmente por nômades do deserto, cha-mados beduínos que não sabiam ler nem escrever; entre eles estava o profeta Maomé, nas cido em Meca cerca de 570. Durante suas viagens Maomé entrou em contato com os ju deus e cristãos, e o amálgama dos sentimentos religiosos que surgiram em sua mente levou-o considerar-se como apóstolo de Deus enviado para conduzir seu povo. Durante dez anos pregou em Meca, mas em 622, perante uma conspiração para matá-lo, aceitou um convite para ir a Medina. Essa “fuga”, conhecida como Hégira, marcou o início da era maometana — era que exerceria forte infl uência sobre o desenvolvimento da matemática. Maomé tornou-se um líder militar além de religioso. Dez anos depois estabeleceu um estado maometano, com cen tro em Meca, no qual os judeus e cristãos, sendo também monoteístas, recebiam proteção e liber dade de culto. Em 632, enquanto planejava atacar o Império Bizantino, Maomé morreu em Medina. Sua morte súbita não impediu a expansão do domínio islâmico, pois seus segui dores invadiram territórios vizinhos com espantosa rapidez. Dentro de poucos anos Damasco e Jerusalém e grande parte do vale mesopotâmico caíram perante os conquistadores; em 641 Al exandria, que por muitos anos fora o centro matemático do mundo, foi capturada. Há uma lenda que diz que quando o chefe das tropas vitoriosas perguntou o que devia ser feito com os livros da biblioteca, foi-lhe dito que os queimasse; pois se estivessem de acordo com o Corão, eram supérfl uos, se tivessem em desacordo eram pior que supérfl uos. No entanto, as estórias de que os banhos por muito tempo foram aquecidos com fogueiras de livros queimados são sem dúvida exageradas. Após as depredações de fanáticos militares e religiosos anteriores, e longos períodos de abandono, provavelmente havia relativamente poucos livros na biblioteca que antes fora a maior do mundo.

Por mais de um século os conquistadores árabes lutaram entre si e com seus inimigos, até que por volta de 750 o espírito guerreiro se abrandou. Nessa época surgira um cisma entre os árabes ocidentais de Marrocos e os árabes orientais que, sob o califa al-Mansur, tinham es tabelecido uma nova capital em Bagdá, cidade que logo se transformaria em um novo centro da matemática. No entanto, o califa de Bagdá não podia sequer conseguir a obediência de to dos os muçulmanos da metade oriental de seu império, embora seu nome aparesse nas moedas e fosse incluído nas orações de seus “súditos”. A unidade do mundo árabe, em outras palavras, era mais econômica e religiosa que política. A língua árabe não era necessariamente usada por todos, embora fosse a língua franca dos intelectuais. Por

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184 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

15 RENASCIMENTOPorei, como muitas vezes uso no trabalho, um par de paralelas,

ou retas gêmeas de um comprimento, assim: ==porque duas coisas não podem ser mais iguais.

Robert Recorde

HUMANISMOA queda de Constantinopla em 1453 representou o colapso do Império Bizantino, e serve co mo um marco cronológico conveniente na história dos acontecimentos políticos. A importân cia da data para a história da matemática, no entanto, é discutível. Afi rma-se frequentemente que por essa ocasião refugiados que escaparam para a Itália levaram manuscritos preciosos de an tigos tratados gregos, e assim puseram o mundo europeu ocidental em contato com obras da antiguidade. É provável, porém, que a queda da cidade tivesse exatamente o efeito oposto: ag ora o Ocidente já não contava com o que tinha sido uma segura fonte de material manuscrito de clássicos da antiguidade, tanto literários quanto matemáticos. Qualquer que seja a decisão fi nal quanto a esse ponto, não pode haver dúvida de que na metade do século quinze a atividade matemática estava outra vez aumentando. A Europa estava se recuperando do cho que físico e espiritual da peste negra, e a invenção então recente da impressão com tipos móveis tornava possível uma difusão de obras eruditas muito maior do que em qualquer período anterior. O primeiro livro impresso na Europa Ocidental data de 1447, e pelo fi m do século mais de 30.000 edições de várias obras estavam circulando. Dessas, poucas eram obras matemáticas; mas essas poucas, junto com os manuscritos existentes, forneceram uma base para expansão. A re-cuperação de clássicos geométricos gregos não familiares foi a princípio menos signifi cativa do que a impressão de traduções medievais latinas de tratados árabes de álgebra e aritmética, pois poucos homens do século quinze liam grego ou conheciam sufi cien temente a matemática para tirar proveito das obras dos melhores geômetras gregos. Uma parte substancial dos tratados de Arquimedes, na verdade, já existia em latim na tradução de William de Moerbeke, mas com escasso resultado pois poucos podiam apreciar a matemática clássica. Quanto a isso a matemática diferia da literatura, e mes-mo das ciências naturais. À medida que os humanistas dos séculos quinze e dezesseis se enamoravam mais profunda mente dos tesouros gregos redescobertos nas ciências e nas artes, sua apreciação pelas reali zações latinas e árabes imediatamente precedentes baixava. A matemática clássica, excetuadas as par tes mais elementares de Os elementos de Euclides, era uma disciplina intensamente esotérica, só acessível aos que tinham grande preparo prévio; por isso a revelação dos tratados gregos nesse campo a princípio não interferiu muito no prosseguimento da tradição medieval. Os estudos medie-vais latinos de geometria elementar e teoria das proporções, bem como as con tribuições árabes às operações aritméticas e métodos algébricos, não apresentavam di fi culdades comparáveis às obras de Arquimedes e Apolônio. Os ramos mais elementares é que iam chamar a atenção e aparecer em obras impressas.

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PRELÚDIO À MATEMÁTICA MODERNA 207

16 PRELÚDIO À MATEMÁTICA MODERNA

Na matemática não posso achar defi ciência, a não ser que os ho mens não compreendem sufi cientemente o uso excelente

da mate mática pura.Francis Bacon

FRANÇOIS VIÈTEQuando, em 1575, Maurolico e Commandino morreram, a Europa ocidental tinha recuperado a maior parte das principais obras matemáticas da antiguidade agora existentes. A álgebra árabe fora perfei-tamente dominada e tinha sido aperfeiçoada, tanto pela resolução das cúbicas e quárticas quanto por um uso parcial de simbolismo; e a trigonometria se tornara uma disci plina independente. A época estava quase madura para rápidos progressos além das contribui ções antigas, medievais e renascen-tistas — mas não completamente. Há na história da mate mática um alto grau de continuidade de um período para o seguinte; a transição da Renas cença para o mundo moderno também se fez através de um grande número de fi guras inter mediárias, das quais consideraremos agora algumas das mais importantes. Dois desses ho mens, Galileu Galilei (1564-1642) e Bonaventura Cavalieri (1598-1647), vieram da Itália; vários outros, como Henry Briggs (1561-1639). Thomas Harriot (1560-1621), e William Ou ghtred (1574-1660), eram ingleses; dois deles, Simon Stevin (1548-1620) e Albert Girard (1590-1633), eram fl amengos; outros vieram de vários países — John Napier (1550-1617) da Escó-cia, Jobst Bürgi (1552-1632) da Suíça, e Johann Kepler (1571-1630) da Alemanha. A maior parte da Europa Ocidental participava agora do desenvolvimento da matemática, mas a fi gura central e mais magnífi ca na transição foi um francês, François Viète (1540-1603) ou em latim Franciscus Vi eta.

Viète não era matemático por vocação. Na juventude ele estudou e praticou direito, tornando-se membro do parlamento da Bretanha; mais tarde tornou-se membro do conselho do rei, servindo primeiro sob Henrique III, depois sob Henrique IV. Foi enquanto servia a esse último, Henrique de Navarra, que teve tanto sucesso ao decifrar as mensagens em códigos do inimigo que os espanhóis o acusaram de ter um pacto com o demônio. Só o tempo de lazer de Viète era dedicado à matemática, no entanto fez contribuições à aritmética, álgebra, trigono metria e geometria. Houve um período de quase meia dúzia de anos, antes da ascensão de Henrique IV, em que Viète esteve em desfavor, e esses anos ele dedicou em grande parte a estudos matemáticos. Na aritmética, ele deve ser lembrado por seu apelo em favor do uso de frações decimais em lugar de sexagesimais. Em uma de suas primeiras obras, o Canon-mathe maticus de 1579, ele escreveu:

Sexagesimais e múltiplos de sessenta devem ser pouco, ou nunca, usados, e milésimos e milhares, cen tésimos e centenas, décimos e dezenas, e progressões semelhantes ascendentes e descendentes, usadas frequentemente ou exclusivamente.

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A IDADE DE EULER 303

21 A IDADE DE EULER

A álgebra é generosa: frequentemente ela dá mais do que se lhe pe diu.

D’Alembert

VIDA DE EULER A história da matemática durante o período moderno difere da história na antiguidade ou no mundo medieval pelo menos num ponto: nenhum grupo nacional conservou a liderança por período longo.

Na antiguidade a Grécia sobrepujava de cabeça e ombros todos os outros povos em desen-volvimento matemático: durante boa parte da Idade Média o nível da matemática no mundo árabe era mais alto que no resto. Do Renascimento ao século dezoito o centro da ativi dade matemática se deslocou repetidamente — da Alemanha para a Itália para a França para a Holanda para a Inglaterra. Se as perseguições religiosas não tivessem obrigado os Bernoulli a deixar Antuérpia, a Bélgica poderia ter tido sua vez; mas a família emigrou para Basileia e em consequência a Suíça foi a terra natal de muitas das principais fi guras da matemática do início do século dezoito. Já mencionamos a obra de quatro dos matemáticos do clã Bernoulli, bem como a de Hermann, um de seus protegidos suíços. Mas o mais importante matemático nasci do na Suíça nessa época — ou em qualquer outra — foi Leonhard Euler (1707-1783), que nasceu em Basileia.

O pai de Euler era um ministro religioso que, como o pai de Jacques Bernoulli, espera va que seu fi lho seguisse o mesmo caminho. Porém o jovem estudou com Jean Bernoulli e se associou com seus fi lhos, Nicolaus e Daniel, e através deles descobriu sua vocação. O pai de Leonhard Euler também tinha conhecimentos de matemática, tendo sido aluno de Jacques Ber noulli, e ajudou a instruir seu fi lho nos rudimentos do assunto, apesar de sua esperança de que Leonhard seguiria a carreira teológica. De qualquer modo o jovem recebeu instrução am pla, pois ao estudo da matemática somou teologia, medicina, astronomia, física e línguas ori entais. Essa amplitude lhe foi muito útil quando em 1727 ele ouviu da Rússia que havia um lugar vago em medicina na Academia de S. Pertersburgo, para onde os jovens Bernoulli ti nham ido como professores de matemática. Essa importante instituição fora fundada poucos anos antes por Catarina l, segundo moldes fi xados por seu falecido marido Pe-dro, o Grande, aconselhado por Leibniz. Por recomendação dos Bernoullis, dois dos mais brilhantes lumina res dos primeiros tempos da Academia, Euler foi chamado como membro da secção de medi-cina e fi siologia, mas no dia em que chegou à Rússia, Catarina morreu. A recém-nascida Aca demia quase expi rou com ela, porque os novos governantes mostraram menos simpatia para com os sábios es trangeiros que Pedro ou Catarina.

A Academia conseguiu sobreviver de algum modo, e Euler, em 1730, veio a ocupar a cadeira de fi losofi a natural em vez da de medicina. Seu amigo Nicolas Bernoulli tinha morri do afogado em

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322 HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

22 MATEMÁTICOS DA REVOLUÇÃO FRANCESA

O progresso e aperfeiçoamento da matemática estão intimamente li gados com a prosperidade do Estado.

Napoleão I

A IDADE DAS REVOLUÇÕESO século dezoito teve a infelicidade de vir depois do dezessete e antes do dezenove. Como

po deria qualquer período que seguisse o “Século do Gênio” e precedesse a “Idade Áurea” da ma-temática ser considerado outra coisa senão um interlúdio? A geometria analítica e o cálculo foram inventados no século dezessete; o surgimento do rigor matemático e o fl orescimento da geometria estão associados ao dezenove. Existem histórias da matemática dos séculos dezes seis e dezessete e para o século dezenove; mas não existe uma comparável para o século de zoi to, nem é para o século dezoito que olhamos quando queremos observar as tendências sig nifi cativas na matemática. Isso está em contraste marcante com o que ocorre em outros cam pos. Para os americanos a data 1776 foi decisiva; na França o ano de 1789 foi crucial. E a Era da Revolução não se confi nou à política. A Revolução Industrial mudou toda a estrutura so cial do Ocidente, e a revolução termótica dos mesmos anos lançou os fundamentos da moder na quí mica. Estaria a matemática durante esses acontecimentos excitantes gozando uma sesta? Este capítulo mostrará que os matemáticos da França na época da Revolução não só contribuí ram bastante para a reserva de conhecimentos como foram em grande medida responsáveis pelas li nhas principais do desenvolvimento na proliferação explosiva da ma-temática no século seguin te. Ficamos até tentados a acrescentar à já notável lista de revoluções da época mais duas: uma “revolução geométrica” e uma “revolução analítica”.

Toda era se inclina a pensar em si mesma como sendo de revolução — um período de tremen-das modifi cações. Mas quase toda era de rápidas mudanças foi precedida por um longo período em que foram feitos os preparativos para a revolução, às vezes conscientemente, mais frequentemente inconscientemente. Entre os arautos da Revolução Francesa estavam Voltaire, Rousseau e d’Alembert e Diderot — nenhum dos quais viveu bastante para ver a queda da Bastilha (Voltaire e Rousseau morreram em 1778, d’Alembert em 1783 e Diderot um ano de pois) — e seu colega Condorcet, que vitima do holocausto que ajudou a gerar. Na matemática seis homens que iriam indicar os novos caminhos — Monge, Lagrange, Laplace, Legendre, Carnot e Condorcet — estavam no meio do torvelinho e é desses homens que este capítulo se ocupa principalmente.

Nossa meia dúzia de matemáticos era quase da mesma idade: Lagrange, o mais velho, nasceu em 1736; Condorcet em 1743; Monge em 1746; Laplace em 1749; Legendre em 1752; Carnot, o mais jovem, nasceu em 1753. Com a exceção de Condorcet, que se suicidou na pri são, todos esses matemáticos viveram para serem septuagenários, e um deles, Legendre, um octogenário.

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ANÁLISE 383

25 ANÁLISENa maior parte das ciências uma geração põe abai xo

o que outra construiu, e o que uma estabeleceu a outra desfaz. Somente na matemática é que cada geração constrói

um novo andar sobre a antiga es trutura.Hermann Hankel

BERLIM E GÖTTINGEN AO MEIO DO SÉCULONewton e Leibniz tinham entendido que a análise, o estudo de processos infi nitos, tratava de grande-zas contínuas, tais como comprimentos, áreas, velocidades e acelerações, ao passo que a teoria dos números claramente tem como seu domínio o conjunto discreto dos números na tu rais. No entanto vimos que Bolzano tentou dar provas puramente aritméticas de proposi ções, tais como o teorema da locação na álgebra elementar, que pareciam depender de pro priedades de funções contínuas; e Plücker tinha aritmetizado completamente a geometria analítica. A te oria dos grupos originalmente tratara de conjuntos discretos de elementos, mas Klein tinha em mente uma unifi cação dos aspectos discreto e contínuo da matemática sob o conceito de grupo. O século dezenove foi de fato um período de correlação na matemática. A interpreta ção geométrica da análise e da álgebra foi um aspecto desta tendência; a introdução de técnicas analíticas na teoria dos números foi outra. Pelo fi m do século a corrente mais forte era a da aritmetização; afetava a álgebra, a geometria e a análise.

Em 1855 Diichlet sucedeu a Gauss em Göttingen. Deixou em Berlim uma tradição de confe-rências sobre aplicações da análise a problemas de física e de teoria dos números. Tam bém deixou um pequeno grupo de amigos e estudantes, seus e de Jacobi, que continuaram a infl uenciar a mate-mática na Academia, no Journal für die reine und angewandte Mathematik, e na universidade. Em Göttingen conferências de matemática eram menos solidamente estabe lecidas. Como já se observou, o ensino limitado de Gauss usualmente dava ênfase a temas como o método dos mínimos quadrados que seriam úteis a seus assistentes no observatório. A maior parte da matemáica propriamente dita era ensinada por um professor, Moritz Stern (1807-1894). Dirichlet tentou enfatizar o “verdadeiro” legado de Gauss com conferências so bre teoria dos números e teoria do potencial.

Dois jovens em Göttingen seriam profundamente infl uenciados por Dirichlet, embora diferissem grandemente em personalidade e orientação matemática. Um foi Richard Dedekind (1831-1916), o outro Bernhard Riemann. Riemann já tivera a infl uência de Dirichlet e Jacobi alguns anos antes, quando passou alguns semestres como estudante em Berlim. Quando Diri chlet morreu inesperadamente em 1859, foi Riemann que lhe sucedeu.

RIEMANN EM GÖTTINGENQuando Riemann se tornou professor em Göttingen, não era um estranho na universidade.

Matriculou-se lá em 1846, passou vários semestres em Berlim obtendo de Jacobi e Dirichlet seu

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ASPECTOS DO SÉCULO VINTE 429

28 ASPECTOS DO SÉCULO VINTE

A idade de ouro da matemática — não foi a de Euclides, é a nossa.

C. J. Keyser

VISÃO GERALMuito da matemática do século vinte foi caracterizado por tendências que já eram perceptíveis no fi m do século dezenove. Incluem a ênfase nas estruturas subjacentes comuns que indicam correspon-dências entre áreas da matemática que tinham sido consideradas não relacionadas até então. Também incluem a interação crescente entre matemáticos em diferentes partes do mun do. Apesar de grandes diferenças políticas e econômicas, a maioria dos matemáticos do século vinte teve melhor percepção do trabalho de seus colegas em outros continentes do que seus precursores tiveram de resultados obtidos por alguém numa província vizinha. Pelo fi m da Primeira Guerra Mundial, matemáticos da Itália, da Rússia, dos Estados Unidos eram parte do movimento matemático principal que durante os duzentos anos precedentes parecia restrito a contribuições da Europa Ocidental e do Norte. Desde o fi m da Segunda Guerra Mundial, o mesmo se tornou verdade para numerosas comunidades mate-máticas na Ásia e na América do Sul.

Este século não é menos imune a modas e ao domínio de certas escolas matemáticas que períodos anteriores. Infl uem o estado da pesquisa numa dada área bem como a força de alguns indivíduos, mas há também fatores externos como o desenvolvimento de campos asso ciados, como a física, estatística e ciência da computação, ou pressões econômicas e sociais que usu almente servem para apoiar aplicações.

INTEGRAÇÃO E MEDIDAPelo fi m do século dezenove a ênfase no rigor levou numerosos matemáticos à produção de exemplos de funções “patológicas” que devido a alguma propriedade incomum violavam um teorema que antes se supunha válido em geral. Houve preocupação entre alguns analistas re nomados de que o estudo aprofundado de tais casos especiais desviaria matemáticos mais jo vens da busca de respostas às ques-tões abertas mais importantes do dia. Hermite dizia que ele evitava “com medo e horror essa praga lamentável de funções sem derivada”. Poincaré com partilhava da preocupação de seu professor:

Antigamente, quando se inventava uma nova função era com algum objetivo prático; agora inventa-se unica mente para apontar falhas no raciocínio de nossos pais e nunca se derivará delas qualquer coisa a não ser isso [de citação em Saks, 1964].

Porém, através do estudo de casos incomuns e do questionamento dos mais velhos, dois ma-temáticos franceses mais jovens chegaram à defi nição de conceitos que seriam fundamentais ao

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