alzheimer

1
C M Y K C M Y K E Ed di it to or ra a: : Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 17 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, domingo, 25 de janeiro de 2015 » PALOMA OLIVETO É uma pergunta que quase sempre fica sem resposta. Você gostaria de saber que tem uma doença degene- rativa e incurável, que só se ma- nifestará daqui a 10 anos? Nem os cientistas que pesquisam o tratamento do Alzheimer têm opinião fechada. Enquanto al- guns acham que ainda é cedo pa- ra surpreender os pacientes com esse diagnóstico, outros apostam na identificação do problema em pessoas mais velhas que come- çam a apresentar os primeiros si- nais. A justificativa é que, com tempo hábil, é possível fazer in- tervenções para amenizar e mes- mo retardar os sintomas associa- dos a esse mal. Embora o Alzheimer não te- nha sido decifrado por completo, nos últimos cinco anos as pes- quisas avançaram significativa- mente. Hoje, já é certo o papel de duas proteínas na degeneração do cérebro: a tau e a beta-amiloi- de. No primeiro caso, o que mata as células são emaranhados de fios que se formam dentro do ór- gão devido a alterações na estru- tura da tau. Quando saudável, a Primeiros sinais do Alzheimer Cientistas avançam na criação de exames que detectam a doença antes de os primeiros sintomas aparecerem. O objetivo é iniciar o tratamento mais cedo, amenizando, assim, as consequências do mal degenerativo proteína, semelhante a trilhos de trem, organiza o transporte celu- lar cerebral. Mas, por motivos desconhecidos, ela começa a se embolar, o que destrói os neurô- nios. Já a beta-amiloide é uma substância normalmente descar- tada pelo líquido cefalorraqui- diano, que circula do cérebro pa- ra a coluna espinhal. Contudo, um distúrbio também ainda sob investigação faz com que ela se acumule, formando placas tóxi- cas e nocivas. Os cientistas lutam para en- tender o que desencadeia os dois processos. Há algumas pistas e sabe-se que fatores hereditários, problemas vasculares e obesida- de favorecem o surgimento do mal. Mas, mesmo sem conhecer a raiz do Alzheimer, o avanço das pesquisas permite, hoje, identifi- car essas alterações pré-clínicas, que surgem muito antes de os sintomas mais consistentes apa- recerem. Além de técnicas de imagem, exames de sangue e of- talmológicos, que indicam a pre- sença de biomarcadores, testes cognitivos cada vez mais apri- morados são capazes de diag- nosticar a doença. Essas ferra- mentas ainda estão sob estudo e só se aplicam no universo restri- to das pesquisas científicas. A ex- pectativa, porém, é de que boa parte delas estejam disponíveis em breve nos consultórios. “O diagnóstico preciso e pre- coce é benéfico por diversas ra- zões”, diz Guy M. McKhann, neu- rocientista da Faculdade de Me- dicina da Universidade Johns Hopkins e um dos autores das diretrizes adotadas pe- los médicos americanos para a detecção da doen- ça. “Existe tratamento para os sintomas, co- mo depressão, ansie- dade e perda de me- mória. Começar es- se tratamento ce- do pode ajudar a preservar as fun- ções mentais e ce- rebrais por algum tempo, embora o processo por trás da doença ain- da não possa ser alterado”, afirma. Não invasivos McKhann enumera outros motivos: ajudar o paciente e a fa- mília a planejar o futuro, tomar decisões financeiras, legais e ma- teriais, e desenvolver uma rede de apoio. “Há uma outra razão bem prática também. O diagnós- tico precoce pode fornecer uma grande oportunidade para as pessoas com a doença se envol- verem em estudos científicos, nos quais testamos a segurança e a efetividade de uma medicação ou de outra intervenção.” Atualmente, os médicos dão o parecer sobre a doença a par- tir de exames clínicos, que ava- liam mudança de comporta- mento e alterações cognitivas para encaixar o paciente em uma dessas duas categorias: de- ficiência cognitiva moderada devido à doença de Alzheimer ou demência. No primeiro caso, estão presentes as mudanças na memória e nas capacidades de pensamento já perceptíveis e mensuráveis. Porém, a ativida- de cotidiana ainda não foi total- mente comprometida. Na de- mência, contudo, o paciente exibe os sinais clássicos do Alzheimer, como não reconhe- cer mais as pessoas e perder a habilidade de executar tarefas simples, como se alimentar. Os testes que estão sendo pesquisados visam detectar a doença em uma fase que, hoje, ainda não é contemplada pelas diretrizes disponíveis. Trata-se do Alzheimer pré-clínico, quando o mal não se manifesta por sinais claros. Nesse mo- mento, porém, já é possível vi- sualizar os emaranhados da proteína tau ou detectar, no sangue ou em amostras do lí- quido cefalorraquidiano, quan- tidades anormais da beta-ami- loide. Esses métodos já vêm sendo utilizados nos estudos científicos, mas os pesquisado- res também querem encontrar meios não invasivos, simples e seguros para, em um exame de rotina, notarem sinais precoces do Alzheimer. Enquanto o PET scan ainda é um método caro e indisponível em muitos luga- res, a análise do líquido se dá pela punção lombar, quando uma agulha é inserida entre duas vértebras. “Essa doença é uma epidemia crescente e, em face disso, há uma pressão muito grande para testes simplificados que identifi- quem os riscos muito antes que o processo da doença siga seu curso”, afirma Heather Snyder, diretora de operações médicas e científicas da Associação de Alzheimer. “Isso é especialmen- te verdadeiro à medida que os pesquisadores se concentram em novos tratamentos que con- sigam retardar o progresso da doença”, opina. Um dos métodos investiga- dos hoje foi apresentado no ano passado na conferência interna- cional da organização, realizada em Copenhague (Dinamarca). Dois estudos mostraram que a perda acentuada da capacidade de sentir odores está significati- vamente associada à progressão da doença. Isso porque a defi- ciência pode, nesse caso, ser um indicativo da morte de células cerebrais que fazem o papel de reconhecimento olfativo. A associação foi feita por pes- quisadores da Faculdade de Saú- de Pública de Harvard, que in- vestigaram 215 pacientes idosos aparentemente saudáveis. Essas pessoas, contudo, já apresenta- vam pequenos problemas de perda da habilidade e, nos exa- mes laboratoriais, verificou-se que tinham depósito de beta- amiloide. Os pesquisadores tam- bém mediram o tamanho de duas importantes estruturas existentes nos lobos temporais. De fato, eles descobriram que os indivíduos com maiores níveis de proteína amiloide no cérebro são aqueles com me- nor capacidade de identifica- ção de odores e pior desempe- nho nos testes cognitivos e de memória. De acordo com John H. Growdon, um dos autores do estudo, o exame, por ora, poderá ajudar a identificar candidatos em potencial para as pesquisas clínicas de Alzheimer. “É um re- sultado promissor, mas temos que nos aprofundar mais nos es- tudos para saber como o teste olfativo poderá ser utilizado nos consultórios para a detecção ini- cial da doença”, diz.

Upload: jwestmister

Post on 25-Dec-2015

2 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Artigo

TRANSCRIPT

Page 1: Alzheimer

C M Y KCMYK

EEddiittoorraa:: Ana Paula [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

17 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 25 de janeiro de 2015

» PALOMA OLIVETO

É uma pergunta que quasesempre fica sem resposta.Você gostaria de saber quetem uma doença degene-

rativa e incurável, que só se ma-nifestará daqui a 10 anos? Nemos cientistas que pesquisam otratamento do Alzheimer têmopinião fechada. Enquanto al-guns acham que ainda é cedo pa-ra surpreender os pacientes comesse diagnóstico, outros apostamna identificação do problema empessoas mais velhas que come-çam a apresentar os primeiros si-nais. A justificativa é que, comtempo hábil, é possível fazer in-tervenções para amenizar e mes-mo retardar os sintomas associa-dos a esse mal.

Embora o Alzheimer não te-nha sido decifrado por completo,nos últimos cinco anos as pes-quisas avançaram significativa-mente. Hoje, já é certo o papel deduas proteínas na degeneraçãodo cérebro: a tau e a beta-amiloi-de. No primeiro caso, o que mataas células são emaranhados defios que se formam dentro do ór-gão devido a alterações na estru-tura da tau. Quando saudável, a

Primeiros sinais do

AlzheimerCientistasavançamnacriaçãodeexamesquedetectamadoençaantesdeosprimeiros sintomasaparecerem.Oobjetivo é iniciaro tratamentomaiscedo, amenizando,assim, asconsequênciasdomaldegenerativo

proteína, semelhante a trilhos detrem, organiza o transporte celu-lar cerebral. Mas, por motivosdesconhecidos, ela começa a seembolar, o que destrói os neurô-nios. Já a beta-amiloide é umasubstância normalmente descar-tada pelo líquido cefalorraqui-diano, que circula do cérebro pa-ra a coluna espinhal. Contudo,um distúrbio também ainda sobinvestigação faz com que ela seacumule, formando placas tóxi-cas e nocivas.

Os cientistas lutam para en-tender o que desencadeia os doisprocessos. Há algumas pistas esabe-se que fatores hereditários,problemas vasculares e obesida-de favorecem o surgimento domal. Mas, mesmo sem conhecera raiz do Alzheimer, o avanço daspesquisas permite, hoje, identifi-car essas alterações pré-clínicas,que surgem muito antes de ossintomas mais consistentes apa-recerem. Além de técnicas deimagem, exames de sangue e of-talmológicos, que indicam a pre-sença de biomarcadores, testescognitivos cada vez mais apri-morados são capazes de diag-nosticar a doença. Essas ferra-mentas ainda estão sob estudo esó se aplicam no universo restri-to das pesquisas científicas. A ex-pectativa, porém, é de que boaparte delas estejam disponíveisem breve nos consultórios.

“O diagnóstico preciso e pre-coce é benéfico por diversas ra-zões”, diz Guy M. McKhann, neu-rocientista da Faculdade de Me-

dicina da Universidade JohnsHopkins e um dos autores

das diretrizes adotadas pe-los médicos americanos

para a detecção da doen-ça. “Existe tratamento

para os sintomas, co-mo depressão, ansie-

dade e perda de me-mória. Começar es-se tratamento ce-do pode ajudar apreservar as fun-

ções mentais e ce-rebrais por algum

tempo, embora oprocesso por trás

da doença ain-da não possa

ser alterado”,afirma.

Não invasivosMcKhann enumera outros

motivos: ajudar o paciente e a fa-mília a planejar o futuro, tomardecisões financeiras, legais e ma-teriais, e desenvolver uma redede apoio. “Há uma outra razãobem prática também. O diagnós-tico precoce pode fornecer umagrande oportunidade para aspessoas com a doença se envol-verem em estudos científicos,nos quais testamos a segurança ea efetividade de uma medicaçãoou de outra intervenção.”

Atualmente, os médicos dãoo parecer sobre a doença a par-tir de exames clínicos, que ava-liam mudança de comporta-mento e alterações cognitivaspara encaixar o paciente emuma dessas duas categorias: de-ficiência cognitiva moderadadevido à doença de Alzheimerou demência. No primeiro caso,estão presentes as mudanças namemória e nas capacidades depensamento já perceptíveis emensuráveis. Porém, a ativida-de cotidiana ainda não foi total-mente comprometida. Na de-mência, contudo, o pacienteexibe os sinais clássicos doAlzheimer, como não reconhe-cer mais as pessoas e perder ahabilidade de executar tarefassimples, como se alimentar.

Os testes que estão sendopesquisados visam detectar adoença em uma fase que, hoje,ainda não é contemplada pelasdiretrizes disponíveis. Trata-sedo Alzheimer pré-clínico,quando o mal não se manifestapor sinais claros. Nesse mo-mento, porém, já é possível vi-sualizar os emaranhados daproteína tau ou detectar, nosangue ou em amostras do lí-quido cefalorraquidiano, quan-tidades anormais da beta-ami-loide. Esses métodos já vêmsendo utilizados nos estudoscientíficos, mas os pesquisado-res também querem encontrarmeios não invasivos, simples eseguros para, em um exame derotina, notarem sinais precocesdo Alzheimer. Enquanto o PETscan ainda é um método caro eindisponível em muitos luga-res, a análise do líquido se dápela punção lombar, quando

uma agulha é inserida entreduas vértebras.

“Essa doença é uma epidemiacrescente e, em face disso, háuma pressão muito grande paratestes simplificados que identifi-quem os riscos muito antes queo processo da doença siga seucurso”, afirma Heather Snyder,diretora de operações médicas ecientíficas da Associação deAlzheimer. “Isso é especialmen-te verdadeiro à medida que ospesquisadores se concentramem novos tratamentos que con-sigam retardar o progresso dadoença”, opina.

Um dos métodos investiga-dos hoje foi apresentado no anopassado na conferência interna-cional da organização, realizadaem Copenhague (Dinamarca).Dois estudos mostraram que aperda acentuada da capacidadede sentir odores está significati-vamente associada à progressãoda doença. Isso porque a defi-ciência pode, nesse caso, ser umindicativo da morte de célulascerebrais que fazem o papel dereconhecimento olfativo.

A associação foi feita por pes-quisadores da Faculdade de Saú-de Pública de Harvard, que in-vestigaram 215 pacientes idososaparentemente saudáveis. Essaspessoas, contudo, já apresenta-vam pequenos problemas deperda da habilidade e, nos exa-mes laboratoriais, verificou-seque tinham depósito de beta-amiloide. Os pesquisadores tam-bém mediram o tamanho deduas importantes estruturasexistentes nos lobos temporais.

De fato, eles descobriramque os indivíduos com maioresníveis de proteína amiloide nocérebro são aqueles com me-nor capacidade de identifica-ção de odores e pior desempe-nho nos testes cognitivos e dememória. De acordo com JohnH. Growdon, um dos autores doestudo, o exame, por ora, poderáajudar a identificar candidatosem potencial para as pesquisasclínicas de Alzheimer. “É um re-sultado promissor, mas temosque nos aprofundar mais nos es-tudos para saber como o testeolfativo poderá ser utilizado nosconsultórios para a detecção ini-cial da doença”, diz.