adriana bauer usos dos resultados do saresp: o papel
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Adriana Bauer
USOS DOS RESULTADOS DO SARESP: O PAPEL DA AVALIAO NAS POLTICAS DE FORMAO DOCENTE
So Paulo Dezembro de 2006
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FACULDADE DE EDUCAO
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
Adriana Bauer
USOS DOS RESULTADOS DO SARESP: O PAPEL DA AVALIAO NAS POLTICAS DE FORMAO DOCENTE
Dissertao apresentada Banca Examinadora da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (FEUSP), como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE na rea de Educao. Orientadora: Prof. Dr. Sandra Maria Zkia Lian Sousa.
So Paulo Dezembro de 2006
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE EDUCAO
Este exemplar corresponde redao final
dissertao defendida por Adriana Bauer.
Data: ___/___/______
Assinatura: ___________________________
Orientadora: _________________________
Prof. Dr. Sandra Maria Zkia Lian Sousa
Comisso Julgadora:
Prof. Dr. Clarilza Prado Souza
______________________________________
Prof. Dr. Jos Cerchi Fusari
______________________________________
Prof. Dr. Romualdo Luis Portela de Oliveira
______________________________________
Prof. Dr. Luis Carlos de Freitas
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379.5 B344u Bauer, Adriana Usos dos resultados do SARESP: o papel da Avaliao nas polticas de formao docente / Adriana Bauer; orientador Sandra Maria Zkia Lian Sousa. - - So Paulo: s.n. 2006. 173 p.; tab
Acompanha CD-ROM
Dissertao (Mestrado) Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
1. -Poltica Educacional (Avaliao) 2.-Formao de professores. 3. Formao continuada. 4.-Avaliao de Programas Educacionais. I.- Sousa, Sandra Zkia Lian de
Ficha catalogrfica elaborada pelo Servio de Biblioteca E Documentao da FEUSP.
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Os que lutam
H aqueles que lutam um dia, e por isso so bons; H aqueles que lutam muitos dias,
e por isso so muito bons; H aqueles que lutam anos, e so melhores ainda;
Porm, h aqueles que lutam toda a vida, esses so imprescindveis. (Bertolt Brecht)
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memria de meu pai, Paulo Bauer,
que lutando toda sua vida ensinou-me o valor da
perseverana para o alcance de meus sonhos.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a todos os que contriburam para a realizao deste estudo:
A Deus, que sempre me iluminou nos momentos mais difceis, dando-
me foras para o trmino dessa jornada;
minha me, Brasilina, e minha tia, Ottilia, pelo gesto de carinho e
apoio presente no oferecimento de cada xcara de caf que tornava as
madrugadas de estudo mais agradveis;
minha orientadora, Sandra Maria Zkia Lian Sousa, pela
confiana, pelo apoio nas adversidades e pela orientao cuidadosa,
sem a qual este trabalho no teria se concretizado;
Aos professores Romualdo Lus Portela de Oliveira e Elba Siqueira
de S Barreto por estimularem a construo desse projeto, quando o
mesmo no passava de uma tmida idia, ajudando-me a acreditar
que este sonho seria possvel;
Aos professores Jos Cerchi Fusari e Clarilza Prado Souza, pelas
contribuies no Exame de Qualificao;
A todos os amigos, em especial Amlia Cristina Abreu Artes,
Vandr Gomes da Silva, Ocimar Alavarse Munhoz e Ana Maria
Falsarella, que apoiaram de diversas formas este projeto.
Aos colegas do grupo de discusso sobre avaliao e aos amigos do
CEPPPE, pela troca constante de idias e informaes;
Aos Dirigentes Regionais, Supervisores de Ensino, Assistentes
Tcnico-pedaggicos e Tcnicos da Secretaria da Educao pela
disponibilidade e pelas indicaes que alimentaram as reflexes aqui
apresentadas;
Maria Alice Peres, pela cuidadosa reviso dos originais.
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RESUMO
Esta pesquisa tem por objeto o uso dos resultados do Sistema de Avaliao do
Rendimento Escolar de So Paulo (SARESP) na formulao de aes de formao de
professores, no mbito das Diretorias Regionais da capital paulista. Dessa forma, o problema
que guia as reflexes apresentadas a anlise sobre em que medida os resultados da avaliao
sistmica subsidiam a formulao de polticas de formao docente. Como suporte terico,
so utilizados autores que se dedicam ao estudo da temtica da avaliao de polticas, bem
como aqueles que refletem sobre a problemtica da avaliao de sistemas e programas
educacionais. A fim de iluminar a questo da articulao entre avaliao de sistema e
formao docente e elucidar contradies percebidas por meio da leitura dos documentos
oficiais sobre a poltica educacional mais geral, a pesquisadora opta por uma metodologia
qualitativa, enfatizando o uso da enqute com carter exploratrio. Tambm realizado um
estudo em algumas diretorias regionais, a fim de observar o trabalho de formao realizado
nessas instncias. Os dados obtidos e sua anlise, a partir da bibliografia pesquisada,
sinalizam que o uso dos resultados do SARESP para a elaborao de aes direcionadas
formao docente depende da equipe responsvel por essa formao no mbito da Diretoria
Regional. Verifica-se que as equipes tm dificuldades no entendimento dos resultados da
avaliao, fato que pode ser uma das explicaes para a diferenciao das aes observadas
entre as diretorias. Alm disso, muitas das aes realizadas na diretoria regional so
desdobramentos de atividades de formao definidas pela Secretaria da Educao, para toda a
rede de ensino, indicando, particularmente a partir de 2002, uma tendncia centralizao das
aes de formao, as quais, inclusive, na opinio de alguns entrevistados, parecem ter sido
definidas independentemente dos resultados das avaliaes. possvel perceber algumas
iniciativas locais que as diretorias buscam consolidar um movimento que privilegia aes de
formao balizadas pelas necessidades dos professores evidenciadas pelos resultados da
avaliao. No entanto, as informaes coletadas, em seu conjunto, permitem inferir que a
articulao entre os resultados do SARESP e a poltica de formao docente, da forma
prevista nos documentos deste sistema, ainda est por ser consolidada.
PALAVRAS-CHAVE: SARESP, AVALIAO DE POLTICAS E
PROGRAMAS EDUCACIONAIS, FORMAO CONTNUA, POLTICA
EDUCACIONAL
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ABSTRACT
The subject of this survey is the use of the results of the So Paulo Student
Performance Appraisal System (Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar de So Paulo
SARESP) in the formulation of actions for teachers development within the scope of the
Regional Administrations of the state of So Paulo. As such, the guiding question of the
reflections herein presented was to what extent the results of systemic appraisal subsidize the
formulation of policies for teachers development. As theoretical basis, authors who dedicate
to the study of such policy appraisals were used, as well as those who reflect on the evaluation
of teachers educational programs. Aiming to enlighten the question of the articulation
between system appraisal and teachers development and to explain contradictions perceived
by means of the analysis of the official documents regarding a more general educational
policy, the researcher opted for a more qualitative methodology, emphasizing the use of
questionnaires with exploratory purposes. A study took place in some regional
administrations, aiming to observe the development works therein performed. The results
obtained and their analysis, based on the researched bibliography, indicate that the use of
SARESPs results for the elaboration of actions towards teachers development depends on
the teams responsible for such development within the scope of the regional administrations.
It was verified that the teams have difficulties with the understanding of the appraisal results,
a fact that can be one of the explanations for the differentiation of actions among the
individual administrations. Besides, many of the actions done at the regional administrations
are consequences of development activities defined by the Secretary of Education (Secretaria
da Educao), for the entire education network, and indicating particularly beginning 2002
a trend of centralization of the development actions (actions which on the opinion of some
interviewees seem to have been defined regardless the appraisals results). However, it is
possible to note local initiatives in which the administrations seek to consolidate a movement
that privileges development actions based on the teachers needs, which came to light by the
appraisal results. Notwithstanding, the collected information in its entirety allow to infer that
the articulation between SARESPs results and the policy of teachers development, as
formally stipulated, remains to be consolidated.
KEYWORDS: SARESP APPRAISAL OF POLICIES AND EDUCATIONAL PROGRAMS CONTINUOUS FORMATION EDUCATIONAL POLICY
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LISTA DE SIGLAS
Avaliao Nacional da Educao Bsica ANEB
Avaliao Nacional do Rendimento Escolar ANRESC
Assistente Tcnico-Pedaggico ATP
Centros Especficos de Formao e Aperfeioamento do Magistrio CEFAM
Coordenadoria de Ensino da Regio Metropolitana da Grande So Paulo COGESP
Coordenadoria de Ensino do Interior CEI
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas CENP
Departamento de Recursos Humanos DRHU
Diretoria Regional de Ensino DE
Dirigente Regional de Ensino DR
Fundao Carlos Chagas FCC
Fundao Cesgranrio CESGRANRIO
Fundao para o Desenvolvimento da Educao FDE
Horrio de Trabalho Pedaggico Coletivo HTPC
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Ansio Teixeira INEP
Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB
Lei do Ensino Fundamental e Mdio LEFM
Ministrio da Educao e Desporto MEC
Programa de Expanso e Melhoria do Ensino no Meio Rural do Nordeste Brasileiro
EDURURAL
Secretaria da Educao do Estado de So Paulo SEE/SP
Sistema de Avaliao da Educao Bsica SAEB
Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar de So Paulo SARESP
Teoria da Resposta ao Item TRI
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LISTA DE TABELAS
TABELA 1: Estrutura da Secretaria da Educao de So Paulo 24
TABELA 2: Iniciativas de avaliao de sistemas em curso nas Amricas 50
TABELA 3: Objetivos de algumas iniciativas de avaliao de sistemas da
Amrica Latina 53
TABELA 4: Avaliaes e Carreira do Magistrio: potencialidades,
limitaes e alternativas 65
TABELA 5: Entrevistas realizadas nas Diretorias Regionais 110
TABELA 6: Sistematizao das informaes obtidas na pesquisa de
campo 114
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SUMRIO
AGRADECIMENTOS 07
RESUMO 08
ABSTRACT 09
LISTA DE SIGLAS 10
LISTA DE TABELAS 11
APRESENTAO UM TEMA EM BUSCA DE UM PROBLEMA 14
INTRODUO O PROBLEMA, SUA ORIGEM, SUA IMPORTNCIA... 16
CAPTULO 1 - AVALIAO DE SISTEMAS EDUCACIONAIS: ORIGENS,
TENDNCIAS E INDAGAES SOBRE O USO DE SEUS RESULTADOS. 26
1. Um comeo de conversa: por que avaliar programas e polticas educacionais? 26
2. Tendncias na avaliao de polticas pblicas 27
2.1. Definindo poltica pblica 29
2.2. As diversas etapas de uma poltica 31
3. Antecedentes histricos e evoluo da avaliao de polticas e programas
educacionais 34
3.1. As origens da moderna avaliao de programas e polticas educacionais 36
3.2. A avaliao de programas e polticas educacionais no Brasil 40
3.3. Os anos 90 e a avaliao de programas e sistemas educacionais: para que
servem os resultados da avaliao? 46
4. Avaliando as avaliaes: balano crtico a partir de algumas iniciativas da Amrica
Latina 56
5. Relao entre avaliao de sistemas e programas educacionais, formao e trabalho 60
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docente: tenses e limites das polticas avaliativas e de formao.
CAPTULO 2 - PROCEDIMENTOS DE PESQUISA 67
CAPTULO 3 A POLTICA EDUCACIONAL DO ESTADO DE SO PAULO
(1995-2005) 75
1. Poltica Educacional do governo Mrio Covas/Rose Neubauer 77
1.1. Diretrizes educacionais para o Estado de So Paulo 77
1.2. Dos princpios s aes: o SARESP e a formao de professores nos
documentos oficiais 81
2. Poltica Educacional do governo Geraldo Alckmin/Gabriel Chalita 93
2.1. A poltica de formao contnua 97
3. As relaes entre os resultados do SARESP e os Programas de Formao Docente: o
que dizem os documentos especficos do SARESP 104
CAPTULO 4 ENTRE TRILHAS E BARRANCOS: ALGUMAS
CONSIDERAES SOBRE O TRABALHO DE CAMPO 110
1. O previsto e o realizado: um balano da trajetria percorrida durante a pesquisa
emprica 110
2. Retomando os indicadores de anlise 111
2.1. Acesso dos profissionais da Diretoria Regional aos resultados da avaliao 114
2.2. Existncia de atividades de formao (na Secretaria, nas diretorias, nas
escolas) 132
2.3. A proposio de aes propriamente dita (relatrios, planos de trabalho) 139
2.4. Comentrios acerca da cultura de avaliao 144
2.5. Outros usos dos resultados 147
CAPTULO 5 - CONSIDERAES ACERCA DO USO DOS RESULTADOS DO
SARESP E A FORMULAO DE POLTICAS DE FORMAO DOCENTE 151
REFERNCIAS 162
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APRESENTAO
UM TEMA EM BUSCA DE UM PROBLEMA...
O interesse pelo tema da pesquisa nasceu de uma inquietao pessoal no que se refere
formao de professores. Ainda na graduao em Pedagogia, algumas preocupaes comearam a se
delinear: por que as aes realizadas no mbito da escola e da Diretoria de Ensino pareciam no
surtir efeito para a melhoria do trabalho do professor em sala de aula? Como diagnosticar as
necessidades dos professores para, a partir da, propor aes e projetos de formao docente?
Essas preocupaes ampliaram-se durante atividades profissionais posteriores na formao
contnua de professores, quando foi possvel observar que as dificuldades enfrentadas pela maioria
deles eram de diversas ordens e extrapolavam a formao strictu senso: faltavam materiais de apoio
ao trabalho, a formao inicial no dava conta dos problemas que enfrentavam cotidianamente e as
atividades de formao contnua no vinham ao encontro com o que percebiam como suas
necessidades.
Nesse momento, e como interesse pessoal, surgiu a idia de desenvolver uma pesquisa que
permitisse uma viso mais sistematizada e aprofundada sobre a temtica das aes de formao
contnua, que englobasse aspectos relativos s demandas dos professores e s polticas de oferta
dessas atividades na rede. Restava a dvida se esse interesse, to particular e subjetivo, poderia ser
transformado em um problema de relevncia para a comunidade cientfica. Fez-se necessria, ento,
uma aproximao com discusses realizadas no mbito da universidade, a fim de avaliar a
pertinncia do tema e obter subsdios para a construo do problema de pesquisa.
A partir da participao nos seminrios do Centro de Estudos e Pesquisas em Polticas
Pblicas de Educao (CEPPPE), da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
(FEUSP) e da reflexo sobre questes relacionadas poltica educacional no tocante s avaliaes
de sistema1, principalmente no que se refere aos usos dos resultados das avaliaes, foi possvel
redefinir o objeto do presente estudo. A possibilidade de articular as polticas de formao contnua
1 A depender do autor de referncia, pode-se utilizar tambm os termos avaliao de monitoramento, sistema de avaliao e avaliao em larga escala para se referir s aferies realizadas sobre o sistema educacional. Neste trabalho, estaremos utilizando o termo avaliao de sistemas, terminologia que tem sido mais utilizada nas referncias s avaliaes que o poder pblico realiza sobre seu sistema de ensino.
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formuladas pelos gestores com a necessidade do Estado de avaliar seus sistemas educacionais
parecia sugerir um caminho fecundo para reflexo. Alm disso, a realizao de tal articulao
poderia contribuir para a ressignificao das polticas de avaliao.
Assim, em busca da articulao de dois aspectos fundamentais da agenda educacional do
sculo XXI, o propsito do presente projeto foi sendo definido.
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INTRODUO
O PROBLEMA, SUA ORIGEM, SUA IMPORTNCIA...
O propsito deste trabalho analisar, no contexto das polticas educacionais
contemporneas, possibilidades e limites da utilizao dos resultados obtidos pelas avaliaes
de sistema2 para a formulao e direcionamento de polticas de formao de professores. O
foco da anlise ser o Sistema de Avaliao do Rendimento Escolar do Estado de So Paulo
(SARESP) e sua articulao com as polticas de formao contnua3 da rede estadual So
Paulo.
2 Apesar da expresso permitir inferir que, a partir da avaliao, todo sistema de ensino avaliado, importante ressaltar que, no caso do SARESP a avaliao realizada pelos alunos, envolvendo apenas um nvel do sistema: a escola. Mesmo apresentando essa limitao, essa terminologia balizar as anlises, devido disseminao de seu uso. 3 Ainda que a maioria dos documentos oficiais e estudos sobre formao docente utilizem a expresso formao continuada, neste trabalho as atividades de formao que se do ao longo da carreira docente, a partir de sua formao inicial, sero consideradas como formao contnua, terminologia que d expresso uma idia de algo constante, em que no h interrupo, ao passo que o termo continuada, por ser uma forma nominal em particpio, indica uma ao j acabada. importante ressaltar que h uma diferenciao entre as expresses formao contnua e formao contnua em servio. Jos Cerchi Fusari chama a ateno para o fato de que a formao contnua no sentido mais amplo e irrestrito abarca todas as aes pelas quais os professores passam e que lhes agregam conhecimentos. Nesse sentido, a ida a museus, o debate com os pares, enfim, tudo formao contnua. J a formao contnua em servio seria aquela realizada no mbito da escola, do trabalho, englobando as atividades que abarcam a coletividade docente. Assim, Fusari tenta romper com a concepo de que as iniciativas de formao docente devem ser restritas participao de educadores em situaes formativas pontuais (cursos, palestras, etc.). Para o autor, a idia de formao contnua atravs de atividades isoladas faz com que, em geral, constituam um conjunto de aes descontnuas, desconexas entre si, que assumem um carter imediatista no sentido de alcance de objetivos previamente definidos. Defende, ainda, que para uma maior efetividade das atividades de formao contnua, elas devem sofrer a mediao da construo do projeto poltico pedaggico das escolas. (Informao pessoal fornecida por Jos Cerchi Fusari, So Paulo, 2006).
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A avaliao de sistemas educacionais intensificou-se no incio da dcada de 90,
tornando-se um ponto de destaque nas propostas de polticas pblicas ligadas educao, no
s no Brasil, mas em diversos pases.
Este fenmeno, que muitos autores [Afonso (1998), Machado (2003), Dias Sobrinho
(em Freitas, 2002)] relacionam mudana do papel do Estado na educao, necessidade de
melhor gerenciamento dos recursos disponveis (a partir da possibilidade de auxiliar no
direcionamento dos investimentos na escola pblica) e necessidade de diagnstico para a
melhoria do ensino pblico, tem feito com que a avaliao ocupe papel de destaque nas
polticas pblicas educacionais, como mostra Vianna:
A avaliao vai ter um papel importante na crtica para a transformao da escola, de seus currculos e de seus programas, o que ocorreu mais visivelmente nos pases do Primeiro Mundo [sic] e que vem ocorrendo em ritmo retardado nos chamados pases emergentes (Brasil, por exemplo). (VIANNA, 2000, p. 23).
O SARESP, sucessor de outra iniciativa de avaliao de sistemas em So Paulo, o
Programa de Avaliao Educacional da Rede Estadual (de 1992, que procurava aferir se havia
melhoria no desempenho dos alunos que participavam do Projeto EscolaPadro), foi
formulado, segundo os documentos oficiais, em resposta necessidade da Secretaria da
Educao do Estado (SEE) de definir uma poltica clara de avaliao.
Essa poltica est inserida em um amplo movimento de reforma do ensino em So
Paulo, que se iniciou na gesto do governador Mrio Covas, em 1995, tendo frente da
Secretaria da Educao a Prof. Teresa Roserley Neubauer da Silva. A introduo da
avaliao de sistema foi parte de um repensar sobre a educao paulista, que inaugurou uma
reforma administrativa e pedaggica nas diversas instituies responsveis pelo ensino em
So Paulo. Dentre as modificaes introduzidas por este governo, destacam-se: Regime de
Progresso Continuada (institudo pela Deliberao CEE 09/97), a organizao das escolas da
rede estadual por meio de ciclos (Resoluo SE-4/98), a avaliao do rendimento escolar
(ao da qual faz parte o SARESP), reclassificao dos alunos (Indicao CEE 08/97), o
Programa de Reorganizao das Escolas da Rede Pblica Estadual de So Paulo4
(PRERPESP, institudo pelo Decreto 40.473, de 21.11.05), a reorganizao da jornada escola
(Instruo Conjunta CENP-COGSP-CEI, de 12/2/98), a definio de Matrizes Curriculares
Bsicas para o Ensino Fundamental (Resoluo SE-4/98), a reformulao das Normas
4 Este programa estabeleceu que, a partir de 1996, o ensino na rede estadual passaria a ser oferecido em escolas separadas em quatro tipos: a) escolas exclusivas para alunos de 1 a 4 sries do Ensino Fundamental; b) escolas exclusivas para alunos de 5 a 8 sries do Ensino Fundamental; c) escolas para alunos de 5 a 8 sries do Ensino Fundamental e do Ensino Mdio; d) escolas para alunos do Ensino Mdio.
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Regimentais Bsicas (Parecer CEE 67/98), a introduo do Programa de Educao
Continuada (PEC) e a implantao de um novo Plano de Carreira, Vencimentos e Salrios do
Quadro do Magistrio da Secretaria da Educao (Lei Complementar 836/97).
Atravs destas modificaes, parece existir uma intencionalidade e uma
complementaridade entre as diversas medidas: h o estabelecimento de uma nova organizao
da escola, no apenas fsica, mas tambm pedaggica. Novas diretrizes curriculares so
propostas e, baseada nelas, h uma avaliao externa do rendimento. Concomitantemente
implementado um programa de formao para os professores, anunciando-se que as demandas
por formao sero definidas a partir dos resultados da avaliao. O fato permite inferir uma
inteno de formar professores de acordo com as diretrizes curriculares definidas. Enfim, h
um plano de avaliao, reclassificao de alunos e progresso continuada que, mais do que
iniciativas isoladas, parecem convergir para a satisfao de uma meta declarada: o combate
reprovao e evaso escolar.
Para alm dessas reflexes, bastante pontuais pode-se dizer que no Documento de
Implantao do SARESP alguns argumentos so apresentados para justificar sua introduo
na rede paulista, sendo um deles a participao da SEE nas trs primeiras aferies do
Sistema de Avaliao da Educao Bsica, o SAEB5, momento em que teria ficado evidente o
papel da avaliao enquanto instrumento de gesto e melhoria da qualidade de ensino:
A participao da SEE nessas experincias evidenciou a importncia da avaliao educacional enquanto instrumento orientador para as tomadas de deciso que visem melhoria da qualidade de ensino oferecido pelas escolas. Imps-se, assim, a necessidade de formular e consolidar uma poltica de avaliao do sistema educacional do Estado. (SO PAULO (b), 1996, p. 05).
Essa melhoria da qualidade de ensino aparece atrelada busca de uma maior
eficincia na prestao de servios educacionais, que seria alcanada atravs da
racionalizao de recursos e descentralizao da administrao e das decises pedaggicas,
para o que a produo de informaes sobre o sistema resulta essencial e justifica a
implantao do SARESP.
5 O SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica a avaliao proposta em nvel nacional, de carter amostral, proposta pelo MEC. Esta avaliao realizada a cada dois anos, utilizando testes padronizados e questionrios e abrange amostras de todas as unidades da federao. A partir de 2005, o SAEB composto pela Avaliao Nacional da Educao Bsica (Aneb) que mantm as caractersticas do SAEB, com um carter sistmico geral e sendo aplicada a uma amostra aleatria de estudantes e pela Avaliao Nacional do Rendimento Escolar (Anresc). De maior extenso, com foco em cada unidade escolar, pretende coletar informaes sobre o desempenho em leitura e matemtica dos alunos das escolas urbanas de 4 e 8 sries da rede pblica brasileira.
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Nessa direo, a gesto iniciada em 1995 aponta como uma de suas diretrizes principais o aumento da autonomia administrativa, financeira e pedaggica dessas instncias [Diretorias de Ensino e Unidades Escolares] (sic). Define, tambm, como um dos pontos essenciais e complementares a estas diretrizes, a implantao de um Sistema de Avaliao de Rendimento Escolar, buscando subsdios para aprimorar a gesto educacional e, sobretudo, o sistema de ensino como um todo. A avaliao da qualidade da Educao no apenas resulta na verificao do rendimento escolar, mas constitui um momento importante na caracterizao da qualidade do ensino, pois revela aspectos importantes do processo educacional que vem sendo desenvolvido nas escolas das Redes Estadual, Municipal e Particular. Dessa forma, inteno que se estabelea um fluxo de informaes entre a SEE, as demais Redes de Ensino e as Unidades Escolares, favorvel construo de uma poltica educacional para o Estado. Espera-se, com isso, que a avaliao se constitua em subsdio constante para a gesto educacional, contribuindo, notadamente, para o aprimoramento do ensino em So Paulo. (SO PAULO (b), 1996, p. 5-6).
Apesar do documento de implantao relacionar avaliao e gesto educacional, em
documento posterior afirma-se que a insero da avaliao externa fazia parte de um projeto
de construo de uma cultura avaliativa que combatesse a idia de avaliao enquanto
instrumento de gesto, numa clara tentativa de substituir a concepo inicial. A importncia
da cultura avaliativa e sua relao com a prtica pedaggica das escolas so ressaltadas pela
ento secretria da Educao de So Paulo Rose Neubauer:
[...] Em seu lugar, estamos vendo surgir uma viso mais ampla e produtiva, onde os dados da avaliao se colocam, antes de mais nada, como ferramentas importantes para se repensar a prtica pedaggica e orientar as polticas pblicas na rea educacional. (SO PAULO, 1997, p. 03, grifo nosso).
Cabe registrar, assim, a dvida que fica sobre qual seria a concepo de gesto
educacional da secretria de educao poca, j que ressalta a inteno de utilizar os dados
da avaliao para orientar polticas pblicas, mas no entende essa orientao como um
aspecto da gesto.
Outro argumento utilizado para justificar a implantao do SARESP foi o imperativo
de cada escola se reconhecer nos quadros de desempenho divulgados a partir dos resultados
da avaliao, caso que no ocorria com o SAEB, por seu carter amostral. Com a inteno de
subsidiar cada escola em particular, ter-se-ia optado por trabalhar com um sistema que
abrangesse o universo da Rede, inicialmente em algumas classes pr-fixadas e,
posteriormente, de forma censitria.
Tendo em vista a necessidade de implantar uma cultura avaliativa e fornecer
informaes sobre o desempenho dos alunos para as escolas, dois objetivos gerais foram
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declarados, inicialmente, para o SARESP, e encontram-se explicitados no documento de
implantao desse sistema de avaliao:
Desenvolver um sistema de avaliao de desempenho dos alunos dos
ensinos Fundamental e Mdio do Estado de So Paulo, que subsidie a Secretaria da Educao nas tomadas de deciso quanto Poltica Educacional do Estado;
Verificar o desempenho dos alunos nas sries do Ensino Fundamental e Mdio, bem como nos diferentes componentes curriculares, de modo a fornecer ao sistema de ensino, s equipes tcnico-pedaggicas das Delegacias de Ensino e s Unidades Escolares informaes que subsidiem: - a capacitao dos recursos humanos do magistrio; - a reorientao da proposta pedaggica desses nveis de ensino, de modo a aprimor-la; - a viabilizao da articulao dos resultados da avaliao com o planejamento escolar, a capacitao e o estabelecimento de metas para o projeto de cada escola, em especial a correo do fluxo escolar. (SO PAULO (b), 1996, p. 7-8).6
No decorrer da histria do SARESP, tais objetivos foram sendo desmembrados em
objetivos mais especficos que, contudo, no rompem com aqueles definidos no incio do
programa de avaliao, principalmente com aqueles que se referem utilizao de seus
resultados para a reelaborao curricular e para a reorganizao da trajetria escolar, bem
como para a formulao de aes de capacitao de professores e tcnicos da Secretaria da
Educao.
Evidencia-se, assim, o papel do SARESP na poltica educacional do governo, que ser
analisada no prximo captulo, e o carter de gerenciamento e de subsdio ao planejamento
pedaggico que a avaliao pode assumir, a depender dos usos que so feitos dos seus
resultados.
A perspectiva de gerenciamento nas indicaes sobre os usos dos resultados se
manifestar em outros documentos, como em um material distribudo rede em 1998,
denominado Manual do Orientador. Nele foi reforada a intencionalidade de utilizar os
resultados da avaliao para a gesto educacional, ampliando suas possibilidades para a
definio das polticas pblicas de formao: o SARESP foi criado com a inteno de gerar
uma cultura de avaliao que agilizasse tomadas de deciso de melhoria e incrementasse a
capacitao contnua de todos os educadores e demais profissionais envolvidos no
sistema. (SO PAULO, 1998, p. 01, grifo nosso).
Enfatizando a qualificao docente como fator preponderante da qualidade de ensino,
e da decorrendo a necessidade de formao contnua, essa possvel influncia da avaliao de
6 De maneira geral, tais objetivos permanecem em todas as aferies do SARESP, com exceo do ano de 2001, quando a avaliao assumiu um carter bastante especfico: embasar as decises quanto ao encaminhamento de cada aluno para a continuidade de estudos ou para a recuperao de ciclos (SO PAULO, 2002).
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sistemas na formulao de polticas pblicas de formao docente tambm foi explicitada por
Bittar (1998), integrantes da equipe de Avaliao da Fundao para o Desenvolvimento da
Educao (FDE), instituio responsvel pelo gerenciamento das aes do SARESP.
Os resultados da avaliao, devidamente levados em conta, podem indicar caminhos para as atividades de capacitao propostas pelos rgos centrais ou pelas DE para serem desenvolvidas junto s escolas ou, inversamente, para atividades por elas sugeridas s instncias superiores [...]. As necessidades de capacitao so mapeadas a partir da anlise dos dados do SARESP e outros indicadores de rendimento e procuram fortalecer o ensino justamente nos pontos do currculo em que o rendimento escolar se mostrou mais frgil. (BITTAR et al, 1998, p. 05, grifo nosso).
Tendo em vista que um dos objetivos do SARESP refere-se indicao de novos
caminhos para as polticas de formao, conforme o Manual de Orientao e o Documento de
Implantao, importante analisar em que medida esse objetivo est sendo atingido,
propondo uma avaliao das polticas de formao e uma anlise das potencialidades e limites
da utilizao dos resultados da avaliao para a indicao desses caminhos.
A partir dessas colocaes, possvel estabelecer alguns questionamentos que
permitiro investigar o problema proposto:
Como o SARESP contempla, na sua formulao, a questo da formao dos
educadores? O que declara vivel?
Os resultados do SARESP vm subsidiando a elaborao de programas de formao
de professores? Como est se estabelecendo a articulao entre essas duas iniciativas?
Como profissionais da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo, responsveis
pela formao, entendem a relao entre a avaliao e a formao de professores?
Se a magnitude poltica e pedaggica da rede estadual de So Paulo pode justificar, em
parte, tal estudo, a mesma imps alguns recortes para sua viabilizao. Dessa forma, o foco de
trabalho recai sobre as propostas realizadas para os professores de Lngua Portuguesa, do
Ensino Fundamental, em especial das sries iniciais.
Este trabalho se justifica na medida em que permitir o levantamento dos usos dos
resultados do SARESP sob a tica da formao de professores, a fim de apreender o que tem
sido feito por parte de rgos gestores, como a Secretaria da Educao e as Diretorias de
Ensino, ou seja, tanto no nvel central, como no intermedirio, para que esta formao possa
ser aprimorada, de acordo com a demanda do sistema educacional paulista.
Acredita-se que a relevncia do tema reside no fato de que, apesar da possibilidade de
utilizar os resultados do SARESP para se pensar em polticas de formao contnua de
professores, ser apontada em documentos oficiais e em alguns estudos realizados no meio
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acadmico e no mbito da prpria SEE/SP (BITTAR et al, 1998 e MACHADO, 2003),
observa-se que ainda no existem pesquisas empricas que se proponham a verificar e analisar
como esses resultados tm sido utilizados tanto pela Secretaria da Educao, quanto pelas
Diretorias de Ensino e escolas.
Outros estudos que se propem a avaliar os impactos do SARESP (FELIPE, 1999 e
ESTEVES, 1998) se debruam pouco sobre a questo dos usos dos resultados da avaliao, j
que priorizam outro foco para a anlise, no caso, o impacto desta sobre as escolas.
Oliveira (1998), cujo objeto de estudo tambm foi a avaliao paulista, preocupou-se
em compreender os princpios fundantes do SARESP e as intenes da SEE ao propor a
avaliao, tecendo uma anlise poltica focada na sua viabilidade funcional e nas
possibilidades de sua efetivao na rede. Aps fazer uma reflexo conceitual sobre alguns
princpios presentes nos documentos oficiais, como qualidade de ensino, autonomia da escola,
projeto pedaggico e cultura avaliativa, a autora enfoca os possveis usos que as escolas
poderiam fazer dos resultados das duas primeiras aplicaes do SARESP, da forma como
ocorreram, na reformulao de seus projetos pedaggicos. No toca, assim, na questo do
subsdio formao contnua de professores.
A possibilidade de relacionar avaliao e formao apontada por Machado (2003) ao
verificar, por meio de sua anlise dos Relatrios Oficiais do SARESP, que a formao
deficiente dos professores um critrio bastante apontado, pelas Diretorias Regionais, como
dificultador do trabalho pedaggico de qualidade. Segundo a autora, alguns documentos
produzidos no mbito das Diretorias Regionais indicam a necessidade de fazer modificaes
na escola, em sua proposta pedaggica, na formao dos professores, entre outros aspectos,
sem evidenciar como essas colocaes se tornariam efetivas, o que configura o processo de
usos de resultados do SARESP, pelas Diretorias Regionais, como limitado, pois:
Observamos, tambm, que as aes propostas para serem desenvolvidas com os professores, na sua grande maioria, objetivam capacit-los nas disciplinas do SARESP com contedos especficos, mesmo quando a anlise do relatrio aponta dificuldades de outras ordens. (MACHADO, 2003, p. 172).
J ESTEVES (1998) aponta que, a partir dos resultados do SARESP, o Programa de
Educao Continuada (PEC), uma iniciativa da Secretaria da Educao, passou a atender mais
professores, porm no se prope a aprofundar a anlise sobre as aes do PEC, identificando
em que medida elas correspondem s necessidades apontadas pela avaliao de sistema.
Finalmente, FELIPE (1999) observou que o sistema de avaliao, em um primeiro
momento, no foi bem aceito pela comunidade escolar. Os alunos que entrevistou em sua
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pesquisa de campo pareciam apticos avaliao, enquanto que os professores a
consideraram como uma interveno indevida da Secretaria da Educao em seu trabalho. J
os pais julgaram a avaliao muito abstrata, apesar das explicaes fornecidas pela escola e
pela prpria Secretaria da Educao.
Em artigo posterior (2002), o mesmo autor faz uma releitura das concluses que havia
chegado durante a dissertao de mestrado, e aponta os usos que estavam sendo feitos dos
resultados, tanto pela escola, quanto por rgos gestores. Observa que apesar dos professores
apontarem, em seus discursos, a importncia do SARESP, no percebia aes na escola que
refletissem o uso dos resultados, enquanto informaes utilizadas para a melhoria da
qualidade do trabalho desenvolvido. Como argumenta o autor:
Alguns professores declararam que no efetivaram uma reviso em seus planejamentos, pois no poderiam fugir do previsto em seus planos de ensino, para no se atrasarem com seus contedos. Outros, menos pragmticos , alegaram que no ficaram com a prova, portanto nenhum
trabalho de reviso foi realizado. As razes que impediram a viabilizao da correo, anlise dos resultados e reviso dos itens variam de professor para professor e de escola para escola. (FELIPE, 2002, p. 178).
Retomando suas concluses iniciais e apontando as principais crticas dos professores
ao sistema de avaliao, Felipe comenta que as concluses que havia tirado em seu trabalho
inicial se concretizaram. Segundo o autor no houve melhoria nas condies de trabalho dos
professores, nem tampouco na qualidade das aulas ofertadas. E, alm disso, os resultados do
SARESP passaram a ser utilizados de forma discriminatria quando a Secretaria dividiu as
escolas em cores, conforme seu desempenho na prova.
Tendo em vista as produes acadmicas realizadas at o momento, um estudo
emprico em que seja feito o levantamento sobre aes que tm sido efetivadas, no tocante
formao contnua de professores, a partir dos resultados da avaliao, em algumas Diretorias
de Ensino da Rede Estadual Paulista, dever contribuir para o avano do debate sobre os usos
dos resultados do SARESP e para a avaliao de programas que tm tido lugar de destaque
nos ltimos anos, nas polticas implementadas na rede estadual.
A escolha das diretorias regionais de ensino, como foco prioritrio deste trabalho,
deve-se posio que elas ocupam na estrutura da Secretaria da Educao de So Paulo que,
como mostra o organograma, est em um nvel intermedirio entre os rgos centrais e as
escolas.
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TABELA 1: Estrutura da Secretaria da Educao de So Paulo
Fonte: Organograma elaborado pela pesquisadora a partir de informaes retiradas do site da Secretaria da Educao do Estado de So Paulo. Informaes disponveis em: www.educacao.sp.gov.br, acesso em 30/09/2006.
Alm dos indicativos desses estudos especficos sobre o SARESP, pouco est sendo
produzido sobre os usos dos resultados das avaliaes de sistema, tema que seria fundamental,
como discutido em Freitas (2002).
No que se refere formao docente, observa-se que, apesar da dcada de 90 ter sido
marcada por uma proliferao de estudos sobre a formao dos professores e seu carter de
desenvolvimento profissional, a maioria deles reflete sobre a formao relacionando-a ao
atendimento das necessidades da escola e do sistema educacional, desconsiderando a questo
da poltica de avaliao e a relao dela com as polticas de formao.
Como mostra Prada (2001), a nfase que vem sendo dada ao tema da formao, pelos
gestores da educao, refere-se sua relao com a qualidade de ensino. Segundo o autor, que
pesquisou algumas experincias de formao docente que vm acontecendo em diversos
pases:
As polticas de qualificao da educao e os programas, projetos, campanhas que as concretizam, esto orientadas, ao menos intencionalmente, ao atendimento da qualificao dos professores, a qual para a maioria de polticos espertos, e pessoas em geral, considerada o n gordo da qualidade da educao. Esta qualificao entendida mais no sentido da eficcia e eficincia do trabalhador da educao do que do ponto de vista do desenvolvimento do ser humano profissional e docente inserido na cultura local (escola), da regio e do pas onde trabalha. Desta forma, os programas, projetos e outras atividades que concretizam essas polticas, terminam sendo implantaes verticais, com pouca considerao dos reais interesses e necessidades dos profissionais da educao, embora os princpios democrticos que regem legalmente os pases expressem intenes de contribuir para o desenvolvimento humano de toda a populao e para a valorizao do magistrio. (PRADA, 2001, p. 98-99).
A anlise dos documentos de programas e projetos de formao que fazem parte da
poltica educacional da Secretaria do Estado de So Paulo evidencia que a questo da
GABINETE DO SECRETRIO
COGESP CEI CENP DRUH
DE DE
Unidades Escolares
FDE CEESP
http://www.educacao.sp.gov.br
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formao contnua de professores est vinculada necessidade de melhoria da qualidade de
ensino, como ser visto posteriormente.
Dessa maneira, a relao entre dois dos diversos programas/projetos que fazem parte
da poltica educacional do Estado de So Paulo tem sido um tema pouco explorado. Preencher
esta lacuna, alm de necessrio, parece imprescindvel quando se leva em conta que formao
de professores e avaliao de sistemas so temas que tm ocupado papel de destaque na
agenda educacional, no s em nvel estadual, mas tambm nacional.
inteno deste trabalho, aprofundar a discusso em torno da concepo de avaliao
enquanto instrumento direcionador de polticas e sobre os limites e potencialidades dos usos
de seus resultados, tendo em conta que tais usos esto atrelados concepo de educao e
qualidade da educao daqueles que so responsveis pela elaborao e execuo das
polticas. Concorda-se, assim, com Machado (2003), quando advoga que:
[...] compreender a criao e implantao de um sistema de avaliao, nos moldes do SARESP, bem como o potencial e os limites da utilizao dos seus resultados para direcionarem a poltica educacional visando melhorar a qualidade da educao, fundamental para o entendimento do papel que a educao possui para a sociedade, do ponto de vista de quem governa o Estado (MACHADO, 2003, p. 08).
Para proceder a esta discusso, o presente trabalho est organizado em cinco captulos.
O primeiro tem como objetivo delinear o debate terico que vem sendo realizado
sobre o uso dos resultados das avaliaes e a avaliao das polticas pblicas, buscando
subsidiar a anlise dos resultados da pesquisa de campo.
As decises metodolgicas que embasam a pesquisa so apontadas no segundo
captulo, dedicado ao esclarecimento sobre os procedimentos de pesquisa, no qual explicita-se
as decises que foram sendo tomadas durante o trabalho de campo.
No terceiro captulo so apresentados e discutidos os princpios da poltica
educacional do governo de So Paulo nos ltimos dez anos, no que se refere poltica de
avaliao e de formao contnua de professores. Em um primeiro momento, a anlise recai
sobre a gesto da secretria Rose Neubauer para, posteriormente, focar nos programas da
gesto de Gabriel Chalita realizados at 2005, perodo de abrangncia deste estudo.
O quarto captulo enfatiza algumas consideraes sobre o trabalho de campo, e
contempla a anlise dos dados obtidos durante a pesquisa emprica, a partir dos quais sero
traadas as reflexes finais, apresentadas no quinto e ltimo captulo do relatrio.
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CAPTULO 1
AVALIAO DE SISTEMAS EDUCACIONAIS: ORIGENS,
TENDNCIAS E INDAGAES SOBRE O USO DE SEUS
RESULTADOS
1. UM COMEO DE CONVERSA: POR QUE AVALIAR PROGRAMAS E POLTICAS EDUCACIONAIS?
O objetivo deste trabalho analisar como os resultados do Sistema de Avaliao do
Rendimento Escolar de So Paulo esto sendo utilizados para subsidiar a elaborao de
programas de formao contnua de professores. Dessa forma, se proceder a uma avaliao
do programa de avaliao, que faz parte de uma poltica mais ampla, j que se busca verificar
o cumprimento de um dos objetivos a que se propunha.
O leitor poder questionar a importncia de estudar as polticas pblicas e os
programas atravs dos quais elas se efetivam se, usualmente, o meio acadmico tem pouca
influncia em sua elaborao. Para responder a esta questo, recorre-se ao cientista poltico
Austin Ranney, citado por Palumbo (1998), que expe quatro razes para o estudo das
polticas:
Uma puramente cientfica, ou seja, a meta do estudo das polticas aprofundar nosso conhecimento sobre elas, essa pode ser chamada uma razo puramente acadmica, por no haver considerao sobre como o conhecimento ser utilizado. Ela envolve uma pesquisa bsica em sua forma
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mais pura; sua meta aumentar o conhecimento e a teoria. Muitos especialistas crem que a anlise das polticas deve ser restrita a esse papel. A segunda razo profissional, ou seja, a meta do estudo de polticas poder aprimorar essas polticas [...]. A terceira razo para se aprofundar no estudo de polticas o que Alice Rivlin (1971) chamou de revoluo silenciosa. Os estudos de poltica tm crescentemente se tornado uma parte das agncias governamentais a nvel federal e estadual [...]. A quarta razo para estudar as polticas, mencionada por Ranney, poltica: para aconselhar os polticos sobre que polticas eles devem apoiar em suas campanhas de eleio e tambm depois de serem eleitos. (PALUMBO, 1998, p. 55-56).
As pretenses deste trabalho situam-se, indubitavelmente, na primeira e segunda
razes, ou seja, no desejo de colaborar com o aumento do conhecimento e da teoria sobre
avaliao de poltica e, se possvel, fornecer material para que as polticas e programas
estudados se aprimorem.
Tal trabalho no simples, devido complexidade que envolve os estudos sobre
poltica educacional e a pouca tradio brasileira na rea de avaliao de polticas e
programas. Este fato justifica o esforo na produo de reflexes que possam contribuir para a
socializao das reflexes j realizadas na rea e para o esclarecimento dos conceitos e
pressupostos que esto subjacentes anlise que ora se inicia.
Para iniciar esta reflexo, uma sntese das tendncias tericas atuais em avaliao de
polticas pblicas, bem como um breve histrico da avaliao de programas e sistemas
educacionais, sero delineados nas prximas sees.
2. TENDNCIAS NA AVALIAO DE POLTICAS PBLICAS
Dennis Palumbo (1998) identifica trs formas de se fazer estudo sobre polticas: a
anlise das polticas, a anlise da implementao das polticas e a avaliao de programas.7
Os estudos sobre polticas e programas sociais e educacionais que se desenvolveram a
partir da dcada de 40 concentravam-se na anlise da poltica e das estratgias utilizadas para
7 Palumbo faz uma breve descrio de cada uma dessas formas. Segundo ele, a anlise de polticas geralmente acontece antes de se tomar as decises sobre uma determinada poltica. Seu principal objetivo encontrar a forma mais eficiente de maximizar as metas e os objetivos. J a implementao das polticas focaliza basicamente o processo pelo qual as polticas so traduzidas em programas e como eles so administrados e gerenciados. Finalmente, a avaliao de programas basicamente uma atividade ps-decisria que visa determinar se um programa est alcanando suas metas, o que o programa est realizando. (PALUMBO, 1998, p. 57-58). No objetivo deste trabalho aprofundar na temtica da anlise das polticas. Fica registrado que, na prtica, a pesquisadora acredita que essas etapas deveriam ser intercambiveis, em um movimento cclico e dialgico.
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sua execuo, ou seja, na sua implementao. Muitas vezes declarou-se que tais estudos
tinham como objetivo auxiliar as organizaes governamentais a aprimorarem suas metas e
maximizarem a ao da poltica, como ser visto na prxima seo deste captulo. Por ora,
cabe frisar que atravs da avaliao poderiam ser planejadas aes. Alm disso, tais estudos
avaliativos eram utilizados no preparo de oramentos para as agncias governamentais, que
subsidiavam a implementao e continuidade da poltica. A nfase, ento, recaa na anlise da
exeqibilidade da poltica e em seu processo, no havendo, inicialmente, uma forte
preocupao com a avaliao da poltica em seu sentido mais estrito.
Esta tradio modifica-se a partir da dcada de 70, quando a existncia de presses
sociais e o surgimento de novas tendncias polticas apontaram a necessidade de que as
decises sobre as aes polticas em educao fossem mais racionalizadas, sendo que a
avaliao destas polticas passa a assumir um importante papel, como expressa Maria Amlia
Goldenberg8, citada por Sousa (2004) em sua anlise da produo acadmico-cientfica sobre
avaliao no Brasil:
Na medida em que a unidade do processo de planejamento educacional garantida pelo plano, testar a racionalidade daquele procurar determinar a racionalidade das decises que geraram o plano e das aes que ele produziu. A racionalidade nas decises confere ao plano sua dimenso de eficcia enquanto que a racionalidade na execuo lhe confere a dimenso de eficincia. Eficcia e eficincia so duas dimenses absolutamente indispensveis ao modelo de um programa educacional vlido. (GOLDENBERG apud SOUSA, 2004, p. 180).
Os estudos sobre polticas pblicas se intensificaram e constituram um campo de
investigao especfico (Figueiredo e Figueiredo, 1986). Nesse momento, as aes
governamentais passaram a ser avaliadas inclusive pelas prprias administraes que as
propunham (Barreto e Pinto, 2001).
Cabe abrir parnteses para frisar que essa no , ainda, pelo menos no Brasil, uma
tendncia fortemente arraigada entre as instituies governamentais, pois, como explicita
Palumbo, a reflexo nem sempre precede uma ao; comumente, um indivduo ou uma
agncia governamental age primeiro e depois analisa o que foi feito. (PALUMBO, 1998, p.
59).
Observa-se que, apesar dos estudiosos apontarem para um maior desenvolvimento da
rea da avaliao de polticas, ainda no h consensos sobre alguns conceitos especficos da
8 GOLDENBERG, Maria Amlia A. Avaliao e planejamento educacional: problemas conceituais e metodolgicos. Cadernos de Pesquisa, n., p. 61-72, jun. 1973.
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rea nem tampouco sobre os quadros de referncia terica da temtica, fato que gera
dificuldades para o pesquisador que pretende dedicar-se a este tipo de trabalho.
Como explicitam Barreto e Pinto,
[...] h uma srie de dificuldades conceituais para delimitar o campo de anlise das polticas pblicas, bem como o de sua avaliao propriamente dita, visto que os referentes tericos que lhes servem de base ainda no esto fortemente consolidados. (BARRETO e PINTO, 2001, p. 104).
Na verdade, como demonstraram as autoras no trabalho citado, poucas so, no Brasil,
as publicaes destinadas temtica da Avaliao de Programas e Polticas, ou Pesquisa de
Avaliao, sendo que estas, normalmente, so realizadas no meio acadmico (notadamente
em teses e dissertaes) e apenas algumas se desenvolvem em agncias especializadas, a
pedido das prprias administraes. Como destacam as autoras, grande parte dos trabalhos
no explicita a metodologia de avaliao utilizada nem o suporte terico de anlise,
assumindo mais um carter descritivo da poltica ou programa, a partir dos quais sero tiradas
concluses acerca de sua eficincia e eficcia. Esta lacuna provavelmente se deve pouca
tradio deste tipo de estudo, mas mesmo que justificada, a escassez de produes na rea
dificulta, ao pesquisador iniciante, a construo de um quadro de referncia para suas
anlises.
Levando em considerao tais dificuldades, necessrio explicitar os pressupostos
que norteiam a anlise a que se prope, bem como as concepes acerca da temtica que sero
definidoras do debate proposto. A esses esclarecimentos que sero dedicadas as prximas
linhas.
2.1. Definindo poltica pblica
Poltica um processo, ou uma srie histrica de intenes, aes e comportamentos de muitos participantes.
(PALUMBO, 1998).
Tomando como referncia o trabalho de Dennis Palumbo, considera-se, aqui, que
uma poltica no algo palpvel, objetivo e, portanto, de fcil apreenso. Por estar em
constante mutao e envolver vrios agentes, em diversos nveis, uma poltica muitas vezes
tem que ser inferida atravs das aes traadas para sua execuo e do comportamento dos
que so encarregados de sua elaborao e execuo. Estas aes e comportamentos, assim
como as leis, regulamentos e os documentos elaborados, so apenas alguns elementos
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indicativos do que a poltica. O autor chama a ateno para o fato de que esses elementos,
isolados, no constituem a poltica, pois parte da concepo de que uma poltica pblica,
assim como a poltica partidria complexa, invisvel e elusiva [...] e no algo que possa ser
identificado, considerando-se um nico evento ou uma nica deciso. (PALUMBO, 1998, p.
35).
Analisar uma poltica, levando-se em conta que esta no algo objetivo que possa
ser apreendido e que, portanto, deve ser inferido a partir de alguns elementos, implica ter
clareza que as concluses tiradas estaro estreitamente relacionadas ao olhar do pesquisador
que toma para si essa tarefa. Este um primeiro pressuposto a ser considerado. Ou seja, a
anlise que ser realizada a respeito da poltica educacional do estado de So Paulo levar em
conta que as declaraes presentes nos documentos oficiais dos programas analisados so
apenas indcios da poltica mais ampla e, portanto, as inferncias realizadas a partir dos
indcios so bastante particulares, tendo em vista as lentes tericas utilizadas pela
pesquisadora.
Um segundo pressuposto que uma poltica nem sempre implementada de acordo
com o seu desenho original, tendo em vista os muitos fatores que influenciam no processo de
execuo, principalmente as concepes e crenas dos diversos agentes responsveis pela
implementao. Nem sempre todos os fatores que ascendem sobre a execuo da poltica
podem ser controlados ou antecipados no momento de sua formulao.
Como ensina Arretche (2001), ingenuidade acreditar que ao avaliar a eficcia,
eficincia ou efetividade de uma determinada poltica ou programa social devem ser
considerados apenas como critrios de avaliao os objetivos e as estratgias de
implementao definidas em um primeiro momento, j que na traduo do que foi definido no
desenho original do programa para a realidade h sempre um distanciamento. Para esse
distanciamento contribuem, entre outros fatores, os implementadores do programa ou poltica,
pois segundo a autora a implementao modifica as polticas pblicas (ARRETCHE, 2001,
p. 48).
Deve-se levar em conta que h diversos fatores que influenciam na formulao e na
implementao de polticas pblicas. Estes vo desde a afinidade poltica dos agentes que
implementam o programa aos seus princpios e diretrizes at escolha de estratgias de
implementao (muitas vezes influenciadas pela possibilidade de aceitao dos agentes e do
pblico que vai se beneficiar da poltica).
Em concordncia com Arretche, ao avaliar a poltica educacional do estado de So
Paulo, ser levado em conta este pressuposto:
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Uma adequada metodologia de avaliao no deve, portanto, concentrar-se em concluir pelo sucesso ou fracasso de um programa, pois, como espero haver demonstrado, independentemente da vontade poltica, da tica ou do interesse dos formuladores e implementadores, a distncia entre formulao e implementao uma contingncia da ao pblica. Com efeito, uma adequada metodologia de avaliao deve investigar, em primeiro lugar, os diversos pontos de estrangulamento, alheios vontade dos implementadores, que implicariam que as metas e os objetivos inicialmente previstos no pudessem ser alcanados. Alm disso, uma adequada metodologia de avaliao deveria concentrar-se no exame das razes pelas quais a distncia entre os objetivos e a metodologia de um programa tal como previstos por seus formuladores -, bem com sua implementao efetiva, ocorre por deciso dos prprios agentes implementadores. (ARRETCHE, 2001, p. 52, grifos do autor).
Considerando que os implementadores, no caso do foco privilegiado na presente
anlise, so os agentes das Diretorias de Ensino, pretende-se verificar se estes conhecem os
objetivos do SARESP, e se articulam seus resultados aos programas de formao docente e
quais so as referncias que levam em conta durante as aes que desenvolvem no mbito
desses programas. Cabe, ainda, analisar como avaliam os programas de avaliao e de
formao e qual sua postura perante eles.
Finalmente, as condies de implementao e continuidade das polticas em anlise
sero observadas e confrontadas com os objetivos e aes de implementao traados nos
documentos oficiais. Ser levado em conta que, muitas vezes, os objetivos iniciais traados
para um determinado programa educacional podem se modificar ao longo do perodo de sua
vigncia, sendo fundamental considerar essas mudanas no momento da avaliao. Eis o
terceiro pressuposto norteador deste trabalho.
2.2. As diversas etapas de uma poltica
No que se refere s palavras e expresses utilizadas, cabe esclarecer que a utilizao
do termo programa na referncia a dois aspectos distintos da poltica educacional (a proposta
de avaliao do sistema e as de formao docente), mais que uma questo epistemolgica
uma escolha conceitual que se apia na concepo de Palumbo. Segundo o autor, pode-se
entender programas enquanto atividades especficas nas quais as agncias se envolvem
durante a implementao de uma poltica pblica [...] Um programa pode tambm ser visto
separado de uma poltica. Ele pode ser definido como um meio especfico adotado para
colocar uma poltica em prtica. (PALUMBO, 1998, p. 37).
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Estas definies so importantes para que se diferencie a poltica, dos programas e
das diversas ferramentas utilizadas para implementar e executar uma poltica. Palumbo chama
tais ferramentas de estratgias ou tticas e aponta a dificuldade existente na diferenciao
entre esses elementos, ou seja, entre as ferramentas e tticas e a poltica mais ampla9.
J para Snia Draibe (2001), ao se falar em poltica pblica necessrio distinguir
poltica, programa e projeto, sendo que haveria uma hierarquia entre esses conceitos
relacionada abrangncia de cada um deles. Nesse sentido, poltica seria o termo de maior
amplitude, evocando a poltica como um todo, enquanto que programas so aes mais
especficas que fazem parte da poltica. Tanto a poltica como os programas podem se
desdobrar em diversos projetos. Nas palavras da autora:
Tomemos um exemplo da poltica governamental brasileira. Se nos referimos poltica educacional como o conceito mais abrangente da interveno na educao, o programa da merenda escolar constitui uma entre as tantas aes em que se desdobra aquela poltica, enquanto o projeto de descentralizao do programa da merenda escolar constituiria uma unidade ainda menor de ao, entre as que integram o programa da merenda. (DRAIBE, 2001, p. 17).
importante que o leitor tenha claro que no se est analisando a poltica como um
todo ao focar sua anlise em um programa especfico. No caso especfico deste trabalho, o
foco o Programa de Avaliao de Sistema Educacional (SARESP) e os programas de
formao de professores que mais se destacaram no perodo de estudo: o Programa Teia do
Saber e o Projeto Letra e Vida.
Barreto e Pinto chamam a ateno para a dificuldade de se avaliar uma poltica
exatamente devido sua abrangncia. Explicam, ainda, que muitos estudos que tm se
autodenominado como avaliao de poltica constituem, na verdade, avaliaes de programas
que fazem parte da poltica mais ampla. Como enfatizam a autoras:
A avaliao de polticas sociais [...] tem, na literatura especializada, freqentemente se restringido ou mesmo se confundido com a avaliao de programas, que constituem um elenco de aes ordenados com propsitos definidos e mais claramente delimitados dentro de uma determinada poltica. Nesse caso, alm de verificar se os objetivos dos programas esto sendo alcanados, as avaliaes se prestam a examinar os processos pelos quais eles so implantados e os efeitos que lhes podem ser atribudos. (BARRETO; PINTO, 2001, p. 104).
9 Para a definio de poltica pblica, Palumbo faz a distino entre funes do governo, poltica, agncias, leis, regulamentos, decises e programas. O autor ressalta, ainda, que algumas dessas etapas podem se inter-relacionar ou manter-se independentes Nesse sentido, as polticas seriam as intenes que dirigem as aes enquanto os programas seriam as aes propriamente ditas. Assim, considera-se que os diversos programas de formao docente fazem parte da poltica educacional mais ampla, assim como o SARESP. (PALUMBO, 1998, p. 37).
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Outra questo a ser levada em conta na avaliao de polticas refere-se deciso
sobre qual etapa da poltica incidir a avaliao.
Segundo Palumbo (1998), uma poltica pblica constitui-se a partir de trs etapas
distintas10: a etapa inicial que compreende o planejamento da agenda, ou seja, a deciso dos
problemas que sero abordados, a discusso desses problemas, a fim de decidir se aes
devem ser realizadas no que se refere ao problema, e a formulao da poltica, onde so
traadas as diretrizes e a metodologia do trabalho a ser realizado. A esta, segue-se uma etapa
intermediria, que consiste na implementao da poltica, atravs de aes e programas
definidos para execut-la. Na etapa final, correspondente avaliao da poltica, a ateno
recairia sobre sua eficcia e eficincia, alm das decises sobre seu trmino ou continuidade.
Para o autor, a considerao de uma poltica como um processo seqencial e
cronolgico til na medida em que simplifica a realidade e auxilia na compreenso das
aes e comportamentos observados, bem como no entendimento do processo como um todo.
No se pode perder de vista que muito provavelmente os estgios acima descritos se mesclam
e nem sempre obedecem a essa seqncia lgica. Alm disso, o ciclo de uma poltica pode
englobar outros processos que no foram considerados nessas etapas.
Deve-se considerar, ainda, que tal separao ajuda a perceber que, tradicionalmente,
os estudos sobre polticas pblicas focam nos estgios iniciais da elaborao das mesmas,
sendo que as etapas de implementao e avaliao, ou seja, que fazem parte do estgio
intermedirio e final da poltica, recebem pouca ateno por parte dos estudiosos sobre o tema
(PALUMBO, 1998).
A anlise realizada no mbito deste trabalho tem como objetivo acompanhar e
compreender os usos dos resultados do SARESP para a elaborao de polticas de formao
docente. Sem deixar de lado o estgio de elaborao das polticas, procurar-se- trabalhar,
tambm, com a fase intermediria da poltica. Para proceder a essa avaliao da poltica, ser
necessrio partir das intenes iniciais expostas pelos formuladores da poltica educacional do
estado de So Paulo, a fim de tentar compreender se foram alcanadas, bem como os
possveis impactos que as estratgias traadas para concretizao daquelas intenes tiveram
sobre o sistema educacional paulista no que se refere avaliao e formao docente.
10 Outros autores trazem organizaes diferenciadas sobre o ciclo de uma poltica. Para Viana (1996), por exemplo, as fases das polticas pblicas consistem em construo da agenda, formulao de polticas, implementao de polticas e avaliao de polticas (VIANA, 1996, p. 06, grifos do autor). Percebe-se, contudo, que as fases das polticas so coincidentes, distinguindo-se apenas a forma de organizao das mesmas. Para a anlise no presente texto escolheu-se, contudo, a abordagem de Dennis Palumbo, citada no corpo do texto.
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Dessa forma, neste trabalho ser contemplada a implementao do programa
SARESP (que faz parte da poltica educacional mais ampla) e a avaliao de um de seus
objetivos, ou seja, a utilizao dos resultados para a elaborao de programas de formao
contnua para professores da rede estadual.
3. ANTECEDENTES HISTRICOS E EVOLUO DA AVALIAO DE POLTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS11
3.1. As origens da moderna avaliao de programas e polticas educacionais
Ainda que a avaliao constitua um campo de estudos e pesquisas que se desenvolveu
notadamente a partir do sculo XX, alguns estudiosos so unnimes em afirmar que avaliar,
em seu sentido mais amplo, uma prtica to antiga que remonta aos primrdios da histria
do homem:
A avaliao, em um sentido amplo, uma atividade que faz parte da vida humana e est presente no cotidiano dos indivduos.(SOBRINHO, 2002, p. 17).
Ousaramos dizer que a avaliao surgiu com o prprio homem, se entendermos por avaliao a viso apresentada por Stake o homem observa; o homem julga, isto , avalia. (VIANNA, 2000, p. 22).
Avaliao no um conceito novo. Com relao ao aspecto de examinar e julgar, determinar o valor, a prtica da avaliao sem dvida precedeu muito sua definio, e suas razes remontam aos primrdios da histria humana. O homem de Neanderthal praticou-a ao determinar que tipos de madeira se prestavam confeco das melhores lanas, assim como os patriarcas persas ao selecionar os pretendentes mais adequados para suas filhas ou os pequenos proprietrios rurais da Inglaterra, que abandonaram seus arcos curtos (bestas) e adotaram os arcos longos do Pas de Gales [...] (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 36).
Nos sentidos apresentados acima, a avaliao pode ser entendida enquanto prtica
informal (sem procedimentos sistemticos ou coleta formal de dados/evidncias, normalmente
baseada em percepes) e social, usada no s para julgamento, mas tambm para escolha e
11 Muitos autores tm procurado traar, com nveis de complexidade diversos, um histrico da avaliao na rea da educao, levando em considerao diversas dimenses da avaliao: da aprendizagem, de polticas, de programas, etc. O objetivo do presente trabalho, menos ambicioso, traar brevemente a evoluo da avaliao de sistemas e programas educacionais, citando alguns marcos relevantes para o desenvolvimento da rea que influenciaram sua atual constituio. Informaes mais detalhadas sobre o desenvolvimento histrico da rea de avaliao, em suas vrias dimenses, podem ser encontradas nas obras de Freitas (2004), Sousa (2004), Sanders et al (2004), Sobrinho (2002) e Vianna (2000), cuja referncia completa encontra-se na bibliografia ao final deste trabalho.
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seleo. Permeando as escolhas e decises humanas, essas avaliaes informais assumiam (e
ainda assumem) os mais diversos significados e utilidades. Apesar dessa avaliao informal
estar presente no cotidiano, ao retomar alguns marcos histricos da moderna avaliao de
programas, este estudo ir resvalar na avaliao formal, definida como uso sistemtico de
informaes e critrios acurados para atribuir valores e justificar juzos de valor.
(WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 60-61).
Segundo Worthen, Sanders e Fitzpatrick (2004), as primeiras iniciativas de avaliao
formal, mais especificamente no que se refere avaliao de programas e sistemas
educacionais, esto relacionadas pesquisa social emprica, realizada atravs de
levantamentos quantitativos j no final do sculo XVII. Tais pesquisas, que viriam a inspirar a
avaliao de programas educacionais, teriam sofrido uma forte influncia das Cincias
Naturais em desenvolvimento acirrado naquela poca.
A idia de avaliar sistemas e programas educacionais, to alardeada aps os anos 90,
remonta ao incio do sculo XIX, desenvolvendo-se a partir dos primeiros levantamentos
empricos de cunho quantitativo. Tambm influenciaram neste processo as transformaes
ocorridas, a partir do sculo XIX, no apenas na forma de avaliar os alunos no interior das
escolas (que anteriormente era feita oralmente, muitas vezes em sesses pblicas), mas
tambm uma intensificao na funo de organizao social da avaliao, que passou a ser
vista como instrumento de legitimao das prticas escolares e seleo de alunos e
profissionais para cargos pblicos, baseada em uma perspectiva de mrito. (SOBRINHO,
2002).
Exemplos dessas primeiras iniciativas so encontrados na Inglaterra, Irlanda e Estados
Unidos da Amrica. Na Inglaterra e Irlanda, a presso por reformas dos programas
educacionais fez com que ocorressem as primeiras avaliaes de instituies escolares,
realizadas por representantes nomeados pelo rei. Tambm digna de nota a primeira
experincia que pode ser identificada como uma avaliao em larga escala, ocorrida em
Massachusetts, EUA, onde se avaliava o desempenho dos estudantes e se fazia comparaes
entre as escolas da regio. (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 62)
Outro exemplo de avaliao que surgiu influenciada por essa concepo seria o
baccalauret francs, sistema de certificao que selecionava os alunos que poderiam
ingressar no sistema superior e, ao mesmo tempo, legitimava o trabalho realizado no nvel
anterior de escolaridade, equivalente ao Ensino Mdio no Brasil. Concebido no incio do
sculo XIX (1808), Sobrinho (2002) localiza no baccalauret uma primeira experincia de
avaliao de sistemas educacionais, que ele denomina de "prottipo dos exames nacionais".
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Deve-se considerar que as primeiras avaliaes de programas e sistemas educacionais
diferem em objetivos e funo se comparadas quelas que so realizadas atualmente. Nas
primeiras iniciativas, a avaliao estava muito relacionada mensurao de rendimento
individual dos alunos, atravs de testes escritos, com forte preocupao em avaliar suas
capacidades psquicas. Esta tendncia continuou no incio do sculo XX, com o
desenvolvimento de metodologias mais sofisticadas de coleta e anlise de dados, como
ilustram Worthen, Sanders e Fitzpatrick:
A dcada de 1920 viu o rpido surgimento de testes baseados nas normas dos programas, criados para avaliar os nveis individuais de desempenhos. Em meados da dcada de 1930, mais da metade dos Estados Unidos tinha algumas formas de testes estaduais, e os testes padronizados, baseados nas normas de referncia dos programas, inclusive testes para avaliar o aprendizado, assim como testes de personalidade e perfis de interesses, transformaram-se em um grande negcio. Durante esse perodo, os educadores consideravam as mensuraes e a avaliao quase sinnimos, sendo esta ltima em geral vista como um teste final para avaliar o desempenho de um aluno e atribuir-lhe notas. (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 63).
Nesse sentido pode-se dizer que a avaliao do sculo XIX e do incio do sculo XX
foi dominada por uma perspectiva psicolgica, que buscava mensurar a inteligncia e o
desempenho dos alunos. A essa tendncia seguiu-se, nas dcadas de 1930 e 1940, uma
preocupao com a avaliao das aquisies propiciadas pelos programas educacionais. Em
uma conjuntura de reconstruo social e econmica, necessria aps a recesso pela qual
alguns pases, principalmente os Estados Unidos, passaram na dcada de 1930, observa-se
uma ampliao do campo da avaliao para alm da medida das capacidades individuais:
A avaliao deveria se dedicar ao xito na escolarizao. Comprometia-se, ento, com a ideologia da eficincia social. Os objetivos educacionais eram estabelecidos em funo do desenvolvimento industrial e com o esforo de recuperao da economia norte-americana. Observa-se, ento, uma certa ampliao do campo da avaliao. Continua sendo fundamentalmente um processo de medida, porm, agora, mais preocupada com a adequao dos currculos s exigncias sociais e econmicas, com a formulao de objetivos e a medida de seu cumprimento. A avaliao, nesta fase, ganha um sentido mais operativo: ela passa a averiguar at que ponto os currculos e as prticas pedaggicas esto atingindo os objetivos de levar a escola a ser eficaz e alcanar as metas de eficincia que a economia exigia. Portanto, torna-se mais evidente a sua racionalidade instrumental. Ainda que permanecesse muito centrado nas escolas e, sobretudo, no eixo ensino-aprendizagem, seu campo se ampliou, na medida em que passou a articular os rendimentos dos alunos s questes de currculos e programas. Sua importncia tambm cresceu como mecanismo de controle e seleo, segundo a lgica utilitarista que ento predominava, bem como a aceitao de sua fidelidade e cientificidade, graas ao aperfeioamento dos instrumentos de testes e medidas (SOBRINHO, 2002, p. 21-22).
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A partir da metade da dcada de 60, a rea sofreu novo grande impulso. Com a
promulgao da Lei Educacional de Defesa Nacional de 1958, nos Estados Unidos, em
resposta necessidade de um ensino mais eficiente nas escolas, principalmente na Matemtica
e nas Cincias12, sendo que se passou a demandar avaliaes de programas elaborados para a
melhoria dos currculos e programas das reas citadas. Alm disso, o desenvolvimento de
programas nas reas sociais e da sade, com o objetivo de eqalizar as oportunidades para
todos os cidados americanos, bandeira dos governos de John Kennedy e Lyndon Johnson
levou a um investimento macio em programas sociais.
Segundo Jos Dias Sobrinho, tais investimentos calcavam-se na crena liberal de que
ao investir em programas que combatessem os diversos problemas sociais existentes seria
possvel super-los e propiciar, assim, um melhor desenvolvimento da sociedade.
(SOBRINHO, 2002, p. 26). Nesse sentido, a avaliao da eficcia dessas polticas e
programas, atravs da quantificao dos resultados obtidos, passou a ser foco de ateno dos
governos. Era necessrio avaliar os programas para conferir maior racionalidade aos
investimentos, assegurando credibilidade aos projetos e transparncia na gesto dos recursos,
j que muitos bilhes de dlares estavam sendo destinados ao financiamento de programas.
Tanto Worthen, Sanders e Fitzpatrick, quanto Sobrinho, autores de referncia na
construo desse breve histrico, apontam o ano de 1965 como de importncia seminal para a
avaliao, notadamente para a avaliao de polticas e programas educacionais. Foi o ano da
aprovao da Lei do Ensino Fundamental e Mdio (LEFM), que propunha um aumento
colossal do financiamento federal da educao, com dezenas de milhares de bolsas federais
para escolas municipais e estaduais e para universidades e rgos regionais (WORTHEN;
SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 69).
A falta de evidncias que comprovassem que financiamentos federais tivessem
impactos positivos ou melhorias genunas no setor da educao fez com que fosse exigida, por
parte do Congresso americano, e com o apoio do presidente John Kennedy, a avaliao das
atividades realizadas pelos beneficirios dos fundos federais. Os educadores passaram a ter
que avaliar suas prprias atividades, sendo que a LEFM considerada praticamente o marco
inicial da avaliao de programas e polticas educacionais.
12 Worthen, Sanders e Fitzpatrick apontam que o lanamento do Sputinik I, foguete sovitico, em 1957, abalou a crena dos Estados Unidos em sua potencialidade tcnica e cientfica, gerando uma demanda por avaliaes dos currculos e prticas de Matemtica e Cincias, j que o ensino dessas disciplinas deveria ser mais eficaz. Dessa forma, o governo americano passou a investir milhares de dlares para o aprimoramento de programas e desenvolvimento dos currculos dessas reas. (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 65)
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Em sua abordagem sobre o desenvolvimento da avaliao de programas, Worthen,
Sanders e Fitzpatrick apontam, que no incio desse processo de avaliao dos programas
educacionais, a falta de pessoal especializado para suprir a demanda por avaliaes desses
programas fez com que muitas delas fossem realizadas a partir de concepes e metodologias
inadequadas. Muitas vezes elas se apoiavam nos conhecimentos produzidos em teorias de
reas afins, como a psicometria e as cincias sociais, gerando, dentre outros problemas,
relatrios de avaliao irrelevantes. Segundo os autores, foi o diagnstico deste
empobrecimento terico e metodolgico da rea que propiciou a abertura do debate sobre a
avaliao de programas, resultando na ampliao da discusso sobre questes conceituais e
metodolgicas que balizavam a prtica dos avaliadores.
Este movimento deu incio ao desenvolvimento de diferentes abordagens filosficas e
metodolgicas na rea, com efetivos esforos para a construo de conhecimentos empricos e
conceituais que a subsidiassem. Contudo, apesar de comear a existir uma preocupao dos
tcnicos e estudiosos com aspectos que ultrapassavam a mensurao de resultados obtidos
pelos programas, observa-se que o foco, neste momento, mantinha-se sobre os dados mais
quantitativos da avaliao.
Esta questo tambm destacada por Sobrinho, em seu histrico sobre a avaliao de
programas educacionais:
Mesmo que se enriquecendo com perspectivas e metodologias de feitio qualitativo, naquele perodo que se iniciou por volta de 1965 e chegou at os anos 80 predominou o positivismo e idias conseqentes, como o gerencialismo, o objetivismo, a mensurao ou a quantificao. No estranha que tenham gozado do maior prestgio os modelos de anlise dos sistemas, preocupados com a eficincia na relao custo-benefcio, de objetivos comportamentais, interessados na produtividade e de deciso, voltados eficcia e ao controle gerencial de qualidade. (SOBRINHO, 2002, p.27).
A lgica de racionalidade tcnica e econmica que embasou a avaliao de programas
e sistemas nas dcadas de 60 e 70 do sculo XX, apesar de persistir na dcada posterior, foi
influenciada pela reconfigurao da sociedade e economia observadas a partir das mudanas
tecnolgicas, principalmente nas reas da informtica e das telecomunicaes, que influem
sobre o sistema capitalista13. Tais mudanas tiveram implicaes tanto na organizao quanto
no papel dos Estados-Nao, que viram a necessidade de alterar algumas de suas funes a
13 Essas redefinies tiveram lugar principalmente nos ltimos vinte e cinco anos do sculo XX, acirrando-se com o fim da Guerra Fria e a abertura dos estados soviticos economia capitalista.
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fim de viabilizar o crescimento econmico interno e superar a crise de Estado que levava ao
aumento da desigualdade e excluso social. 14
Assim, a avaliao de programas e polticas educacionais ressignificada e adquire
papel central no mbito das polticas pblicas. Nesta lgica, diversos governos, no Brasil e no
mundo, passam a demandar avaliaes dos sistemas educacionais, como ser visto
posteriormente.
3.2. A avaliao de programas e polticas educacionais no Brasil
No Brasil, observa-se que a produo mais sistematizada da pesquisa em avaliao
comea a despontar, ainda que timidamente, a partir do final dos anos de 1930. Um fator
propulsor para o desenvolvimento das pesquisas educacionais foi a criao do Instituto
Nacional de Estudos Pedaggicos (INEP), atualmente denominado Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Ansio Teixeira, no momento que se sentia a preocupao com o carter
de cientificidade das pesquisas e o uso das mesmas na orientao e planejamento das questes
educacionais.
Vale abrir parnteses para comentar que, segundo Alicia Bonamino (2002), ao se
retomar a trajetria brasileira em avaliao, percebe-se que o INEP teve um papel seminal no
desenvolvimento da avaliao no pas. Para ela, as poucas iniciativas desse tipo [ou seja, de
pesquisa avaliativa] desencadeadas na dcada de 60 estiveram marcadas pela descontinuidade
e no permitiram que se acumulassem experincias e conhecimentos mais sistemticos na
rea (BONAMINO, 2002, p. 37).
Coube ao INEP o desenvolvimento mais estvel de pesquisas, surveys e o
encaminhamento de parte dos projetos educacionais que marcaram os anos de 1950 e 1960,
sendo possvel notar-se a inteno de articular a produo de informaes com uma ao
poltica mais direcionada.
14 Muitos so os autores que analisam as relaes entre neoliberalismo, papel do Estado e avaliao de forma bastante detalhada, constituindo-se referncia para os que buscam se aprofundar nesta questo. Tendo em vista a existncia de trabalhos de excelente qualidade sobre esta temtica, optamos por no aprofund-la nesta reflexo, j que o objetivo ressaltar as diversas perspectivas que a avaliao de sistemas e programas tem assumido durante seu desenvolvimento. Para um maior aprofundamento nas questes concernentes ao Neoliberalismo, Estado e Avaliao, conferir as obras de Afonso (1998 e 2000), Sousa (1997), Hidalgo e Silva (2001) e Freitas (2004), que se ocupam especificamente da Avaliao da Educao Bsica no Brasil.
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Analisando essas questes, Dirce Nei de Freitas tambm aponta a relao entre as
informaes estatsticas, obtidas atravs das pesquisas em educao realizadas pelo INEP e
sua relao com as aes do governo:
No Brasil do perodo 1937-1945, o Estado-Novo deu expressivo impulso cincia e tcnica de quantificar/ mensurar a educao tendo em vista a inteno de planificar aes governamentais voltadas para a instaurao de uma ordem social integral. Os estudos em educao se tornaram mais institucionais, cientficos e acadmicos, tendo obtido impulso a valorizao da quantificao/ mensurao para o bom-governo da educao brasileira. (FREITAS, 2004, p. 35).
Ainda segundo a autora, nesse momento predominou, na pesquisa avaliativa, uma
forte influncia da psicologia educacional, tal como acontecera, nas dcadas anteriores, em
outros pases, principalmente nos Estados Unidos. Sendo assim, possvel dizer que se
desenvolvia no Brasil um sistema de produo de informaes15 e medidas educacionais que
se centravam na medida do desempenho dos alunos:
Esse processo foi dominado, nos anos 1940 e parte dos 1950, pelas pesquisas de enfoque psicopedaggico, sendo contemplados os temas relativos avaliao da aprendizagem e do desenvolvimento psicolgico. O enfoque da avaliao estava, pois, centrado em indivduos e grupos de indivduos e buscava elementos que pudessem orientar polticas de subsdio aos processos didtico-pedaggicos. (FREITAS, 2004, p. 37).
A partir de meados da dcada de 1950, observa-se uma mudana de foco na pesquisa
avaliativa, que deixa de enfatizar apenas as questes psicolgicas e passa a centrar-se nas
questes trazidas pela Sociologia, que procurava contribuir para o entendimento da relao
entre os resultados do ensino, as formas de funcionamento das escolas e o atendimento das
necessidades sociais:
[...] no perodo 1956 a 1964, tendo predominado o enfoque sociolgico na pesquisa em educao, perseguiu-se a obteno de informaes sobre a relao entre prticas educacionais e necessidades sociais e econmicas da populao, nas distintas regies brasileiras, sendo que o tratamento dado ao tema avaliao refletiu esse quadro. (FREITAS, 2004, p. 41).
Nos anos 50 e 60 do sculo XX a pesquisa social e educacional no Brasil ganha novo
flego. Nessa poca, como explica Alcia Bonamino, Ansio Teixeira assume a direo do
INEP imprimindo instituio um compromisso de articular as pesquisas realizadas nas reas
15 necessrio diferenciar, aqui, a produo de informao, via levantamento estatstico, da avaliao. Produzir informaes sobre um aspecto do sistema educacional no significa avaliar esse sistema. Entende-se, neste trabalho, que as iniciativas realizadas no mbito do INEP, nas dcadas de 30 e 40, foram levantamentos de informaes educacionais, importantes para o desenvolvimento da pesquisa educacional do pas, mas que no constituram avaliaes de programas educacionais no sentido que foi atribudo ao termo nesta reflexo. Para um aprofundamento na distino entre pesquisa e investigao em educao e avaliao vale conferir o trabalho de Vianna denominado Avaliao: consideraes tericas e posicionamentos, cuja referncia completa se encontra na bibliografia ao final deste trabalho.
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sociais ao poltica em educao. O fato possibilitou que novas orientaes metodolgicas
e temticas (BONAMINO, 2002, p. 38- 39) fossem desenvolvidas no mbito das pesquisas.
Tais mudanas tambm esto calcadas no clima de otimismo que paira no Brasil aps o fim
da ditadura getulista e a esperana de se democratizar o ensino no Brasil. Para Bonamino,
esse iderio influenciou a pesquisa e a trajetria da avaliao no pas, relacionando-a ao
propsito de desenvolvimento do setor educacional:
Tambm a criao do CBPE [Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional], com caractersticas de centro voltado para a pesquisa, a orientao de poltica educacional e a experimentao pedaggica e como rgo responsvel pela racionalizao dos servios pblicos de ensino e pelo planejamento e acompanhamento de projetos educacionais, parece coerente com o propsito de promover a democracia social e poltica e o desenvolvimento econmico via educao (BONAMINO, 2002, p. 40, grifo nosso).
Mesmo com a mudana do foco psicolgico (que predominou em um primeiro
momento do desenvolvimento da pesquisa educacional no Brasil), para o sociolgico, e o
anncio da possibilidade de usar as pesquisas para a orientao da poltica educacional e o
planejamento do sistema, Freitas (2004) observa que tais estudos avaliativos foram pouco
efetivos no sentido de fundamentar o planejamento e a regulao do sistema educacional. A
proposta de Ansio Teixeira de conferir uma maior articulao entre pesquisa e ao poltica
parece ter ficado no plano das intenes ou pelo menos ter sido dificultado por razes no
explicitadas nos textos consultados.
A tendncia racionalizao das questes da educao, j apontada por Bonamino
como um dos aspectos que justificava a criao do CBPE, parece ganhar maior nfase no
perodo que vai de meados dos anos de 1960 at o final da dcada posterior, quando se
observa que as questes educacionais passam a ser analisadas sob a gide da Teoria Geral da
Administrao. O olhar sobre a escola mediado pelas lentes de uma perspectiva econmica
que enfatizava a racionalidade nos processos educacionais conferindo avaliao um papel de
destaque:
Nos anos ps-1964 e anos 1970, as pesquisas e estudos com enfoque econmico ganharam proeminncia, no Brasil. Foram temas tratados com freqncia, nesses anos: a educao como investimento, os custos educacionais e a relao entre educao escolar e demanda de profissionais. (FREITAS, 2004, p. 42).
Mesmo