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NELSON PERES DA SILVA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO (PCNEM) UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO UNICID SÃO PAULO 2011

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NELSON PERES DA SILVA

A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NOS PARÂMETROS CURRICULARES

NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO (PCNEM)

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO UNICID

SÃO PAULO 2011

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NELSON PERES DA SILVA

A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NOS PARÂMETROS CURRICULARES

NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO (PCNEM)

Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Educação junto à Universidade Cidade de São Paulo - UNICID, sob a orientação do Prof. Dr. Jair Militão da Silva.

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

UNICID

SÃO PAULO

2011

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Profa. Dra. Carla Andréa Soares Araújo - convidada

Profa. Dra. Edileine Vieira Machado (Titular)

Prof. Jair Militão da Silva (Orientador)

COMISSÃO JULGADORA

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AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me concedido o dom da vida.

Ao meu orientador Prof. Dr. Jair Militão da Silva pelo apoio, paciência e respeito.

Ao Prof. Dr. João Gualberto de Carvalho Meneses e ao Prof. Dr. João Pedro da

Fonseca pelas valiosas contribuições na qualificação deste trabalho.

À Secretaria do Programa pelo apoio, orientações e suporte nas questões

burocráticas.

Aos colegas pela convivência e amizade.

À minha esposa Izabel pela compreensão nas minhas ausências e apoio em todos

os momentos.

Aos meus filhos Fábio e Rodrigo e às minhas noras Elaine e Gláucia pelo

incentivo nos momentos da pesquisa.

À minha neta adorável Laura, pelos sorrisos alegres e carinhosos.

.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................... CAPÍTULO I – A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA AO LONGO DA HISTÓRIA 1 – Noções de cidadania........................................................................................

2 – A evolução do conceito de cidadania...............................................................

3 – A cidadania e a democracia no Brasil..............................................................

4 – Perspectivas sobre educação, cidadania e liberdade......................................

CAPÍTULO II – A EDUCAÇÃO NO BRASIL – DA INDEPENDÊNCIA AOS NOSSOS DIAS 1 – As relações entre educação e cidadania.........................................................

2 – Educação e cidadania no período imperial......................................................

3 - A educação na Constituição Republicana de 1891..........................................

4 - A educação nas Constituições de 1934 e de 1937...........................................

5 – Educação e cidadania na redemocratização do Brasil....................................

6 - A educação brasileira no período da ditadura militar........................................

7 – As relações entre educação e cidadania na nova república............................

8 – Educação e cidadania na atualidade brasileira................................................

CAPÍTULO III - A PREPARAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA EDUCAÇÃOA BÁSICA 1 – A educação para a cidadania no ambiente escolar.........................................

2 – Educação e a cidadania na sociedade brasileira............................................

3 - O conceito de educação básica na atual lei de diretrizes e bases da

educação nacional n°. 9394/96..............................................................................

4 - O ensino médio como terminalidade da educação básica................................

5 – Relações entre educação, cidadania e mundo do trabalho............................

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CAPÍTULO IV – ANÁLISE DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NUMA CONCEPÇÃO CRÍTICA DE EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA 1 – O contexto histórico, político e econômico da reforma curricular proposta

para o ensino médio expressa nos parâmetros curriculares nacionais ................

2 – A educação básica como política social da década de 1990...........................

3 – As diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio e sua articulação

com os parâmetros curriculares nacionais.............................................................

4 – A reorganização e articulação curricular do ensino médio...............................

5 – As funções da tecnologia na atual educação básica.......................................

6 – A cidadania e o mundo do trabalho nos parâmetros curriculares para o

ensino médio..........................................................................................................

7 - A avaliação da educação básica brasileira.......................................................

7.1 – A avaliação da educação básica no âmbito nacional....................................

7.2 – A avaliação da educação básica no Estado de São Paulo...........................

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................

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RESUMO

A presente pesquisa procurou analisar de forma crítica e reflexiva a nova proposta

curricular para o ensino médio protagonizada pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais e interpretada como política pública social para a educação básica na

década de 1990. Para efetivá-la, optou-se por uma abordagem metodológica

exploratória e argumentativa, procurando compreender o conceito de cidadania a

partir de sua origem no mundo grego e seu percurso na história da humanidade, a

evolução da educação na sociedade brasileira a partir da Independência do País,

a educação básica no contexto atual e o novo currículo escolar do ensino médio.

Os resultados da pesquisa bibliográfica demonstraram as mutações do conceito

de cidadania na história da humanidade, seus avanços e recuos na organização

de uma sociedade mais justa e a construção da educação brasileira fundada em

interesses das classes dominantes. Mesmo assim, podemos destacar que a

educação brasileira conquistou avanços significativos nas últimas décadas,

principalmente com a Constituição Federal de 1988 que assegurou a

universalização do ensino médio a todos os brasileiros, pelo menos em termos

constitucionais.

Durante a descrição e análise da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e Parâmetros Curriculares

Nacionais constatamos que o pretenso currículo escolar para o ensino médio não

assegura a formação do educando para a cidadania, mas adota sua centralidade

na formação de mão de obra para atender às exigências do mercado capitalista de

cunho neoliberal. Os altos índices de evasão escolar e baixo rendimento são os

principais fatores que tornaram o ensino médio um instrumento de exclusão social,

principalmente por atingir com maior intensidade as classes menos favorecidas.

PALAVRAS-CHAVE: POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO

BÁSICA, CIDADANIA, CURRÍCULO ESCOLAR

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ABSTRACT

This research analyzed critically and reflexively the new curricular proposal for

Secondary Education, based on Brazilian Curricular Parameters, that was

interpreted as public social policy for basic education in the 1990s.

This current research utilized a theoretical method in an attempt to understand the

citizenship concept since its origin in the Greek society and its journey in the

humanity history; the education development in the Brazilian society since the

Brazilian’s Independence; the basic education in the current days and the new

curriculum proposal for Secondary Education by the Brazilian Curricular

Parameters.

The bibliography research results showed that the citizenship concept had

mutations during the humanity history, it showed also its influences for an equality

society development, and the Brazilian education arrangement based on ruling

social groups interests.

It has been showed that the Brazilian education has achieved significant advances

in the last few decades, mainly with the National Constitution (1988), which has

ensured the Secondary Education rights to all the Brazilian students, at least in

constitutional terms.

The analysis of the following items - Education Basis and Aims Act National

Education, Curricular Basis for Secondary Education and Brazilian Curricular

Parameters - has showed that the Secondary Education basis does not teach the

citizenship concept, but its intend to training the students for the requirements of

the capitalist market.

The high rates of dropout and student low income contributed to turn the

Secondary Education into social exclusion factor, and those factors should affect

mainly poor social groups.

KEY WORDS: PUBLIC POLICIES IN EDUCATION, BASIC EDUCATION,

CITIZENSHIP, SCHOOL CURRICULUM

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LISTA DE SIGLAS

ANEB – Avaliação Nacional da Educação Básica

ANRESC – Avaliação Nacional do Rendimento Escolar

CF – Constituição Federal

CEB – Câmara de Educação Básica

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNE – Conselho Nacional de Educação

DCNEM - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

DUDH - Declaração Universal de Direitos Humanos

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FUNDEF – Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IDESP – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação, Cultura e Desportos

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ONU – Organização das Nações Unidas

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PCNEM - Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica

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SARESP – Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar

SEE – Secretaria de Estado da Educação

SEMTEC – Secretaria da Educação Média e Tecnológica

SENAC – Serviço Nacional do Comércio

SENAI – Serviço Nacional da Indústria

SESI – Serviço Nacional da Indústria

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

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INTRODUÇÃO

Restringir a ideia de cidadania, apenas a direitos, pode significar uma limitação da formação do cidadão. Nilson Machado.

O interesse pelo tema construção da cidadania no ambiente escolar

com apoio dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio está

relacionado à minha experiência profissional, como professor da educação básica

em escolas particulares e públicas durante mais de 20 anos, ministrando aulas de

Matemática, quase na sua totalidade nesse nível de ensino e longa experiência na

área de recursos humanos em empresas de médio porte. Foi um período em que

também ministrei aulas de diversas disciplinas da área técnica de informática em

escolas particulares da capital paulista que ofereciam o ensino médio

profissionalizante.

Com graduação plena na área de exatas e cursos complementares

em gestão de recursos humanos, mais tarde, em 1997, ingressei no curso de

pedagogia com o firme propósito de, após sua conclusão, assumir um cargo de

diretor de escola pública, mediante concurso público de provas e títulos.

No início do ano de 2002, assumi, em caráter efetivo, o cargo de

diretor da Escola Estadual Professor Miguel Sansígolo, jurisdicionada à Diretoria

de Ensino – Região Leste 4 em São Paulo, com quase dois mil alunos

matriculados no ensino fundamental – Ciclo II e ensino médio, instalada num

prédio bem conservado e com dependências escolares adequadas à sua

finalidade.

A idealização da escola dos meus sonhos sofreu uma ruptura

quando constatei a falta de funcionários administrativos e burocráticos para

atender a demanda da comunidade escolar e alguns professores mal preparados

para lecionar, principalmente as disciplinas da área de exatas, Matemática e

Física, além dos ranços de uma gestão pública, em que os direitos superam as

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obrigações e os mecanismos de controles funcionais são frágeis e inviabilizam a

formação de uma equipe de trabalho em tempo hábil, comprometida de forma

efetiva com o trabalho escolar.

Nessa passagem pela escola pública, como diretor, ainda com a

esperança de contribuir para a melhoria da qualidade da educação brasileira,

ingressei no curso de Gestão Educacional promovido para gestores de escolas

públicas da rede estadual paulista e realizado pela Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP). Com a frequência às aulas durante um semestre, a

temática educação para a cidadania começou a contagiar o meu trabalho de

gestor da escola pública, principalmente por considerar assunto de grande

relevância para o cotidiano escolar.

Nesse cenário educacional e social, após poucos meses no cargo de

diretor de escola, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo promoveu

um concurso para supervisor de ensino e, mesmo com um certo ceticismo em

relação à possibilidade de poder contribuir para a melhoria da educação pública

paulista, participei do referido evento e em agosto de 2004, já estava exercendo

as funções de supervisão de ensino em escolas públicas e privadas da Diretoria

de Ensino – Região Leste 4 em São Paulo, deixando para trás o antigo cargo de

direção de escola pública.

Numa perspectiva mais abrangente, procurei reunir e apreciar

documentos oficiais que pudessem consolidar o meu conhecimento sobre a

educação básica, vista como política pública social adotada pela Secretaria de

Estado da Educação de São Paulo, embasada na Constituição Federal de 1988,

incorporada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 e

outros dispositivos normativos e legais afins. A partir dos objetivos propostos,

analisamos a legislação educacional brasileira, as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio e os Parâmetros Curriculares, considerando que

nosso interesse estava centrado na educação básica, mais especificamente no

ensino médio regular, como etapa conclusiva dessa modalidade de ensino.

Essa passagem marcou um período de investigação da educação

básica, vindo a emergir um grande interesse em conhecer mais e escrever sobre o

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tema educação para a cidadania, focando o significado de ambos os termos e

suas relações como elementos norteadores da construção de um projeto de vida

em sociedade, alicerçado no conhecimento construído com base na formação

promovida pela educação escolar. Com esse empenho, procuramos identificar nos

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, como política pública

social, os fatores que podem, ou não, contribuir para a preparação dos

adolescentes para o exercício da cidadania plena, através da educação básica,

não ignorando suas contribuições para a formação básica para o trabalho.

Com esse olhar, a presente pesquisa procurou descrever e analisar a

proposta de educação escolar expressa nos PCNEMs de forma crítica e reflexiva,

buscando investigar pontos e contrapontos que poderiam interferir na preparação

do aluno para o exercício da cidadania no decorrer dos três anos de ensino médio,

caracterizado como etapa final da educação básica, direito universal assegurado a

todos os brasileiros pela atual Constituição Federal de 1988.

Para o desenvolvimento da pesquisa, optou-se por uma abordagem

metodológica exploratória e argumentativa, procurando compreender o conceito

de cidadania a partir de sua origem no mundo grego e seu percurso na história da

humanidade, sua relevância para a construção de uma democracia plena fundada

no Estado de Direito e sujeita às mutações sociais advindas de lutas e desafios

decorrentes da busca por melhores condições de vida.

Organizou-se uma reflexão sobre a evolução da educação no Brasil,

adotando como marco inicial a independência do país ocorrida em setembro de

1822, vislumbrando sua trajetória panorâmica, porém remetendo ao

aprofundamento da investigação ao período da consolidação da democracia

brasileira a partir da promulgação da atual Constituição.

A instauração desse regime democrático consolidou-se no Estado de

Direito, pelo menos, no âmbito constitucional, passando a assegurar desta forma a

todos os brasileiros os direitos civis, sociais e políticos, anteriormente mutilados

pela ditadura tecnocrata militar que assolou o país durante mais de 20 anos,

cristalizando sequelas cerebrais que ainda cauterizam a consciência de muitos

educadores.

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Sob a vigência dessa nova Constituição, a educação passou a

ocupar posição de destaque, tornando-se fator de promoção social e de

desenvolvimento de todos os brasileiros.

Artigo 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2007)

Nestes termos, a Carta Magna assumiu a importância da educação

nacional como processo formativo da pessoa humana, visando sua qualificação

para o trabalho e preparação para o exercício da cidadania, abrangendo a

educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio, o ensino superior e a

pós-graduação, porém a presente pesquisa limita-se apenas à etapa terminal da

educação básica, concentrada nas orientações expressas nos Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEMs).

Considerando os objetivos da presente pesquisa, procurou-se

delimitar a realidade a ser investigada, concentrando-se na formação do

adolescente para o exercício da cidadania plena através da educação escolar,

faixa etária entre 15 e 17 anos, cursando o ensino médio na modalidade regular,

de acordo com a proposta formalizada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais

para o Ensino Médio.

Assumiu-se a hipótese de que nos documentos oficiais denominados

PCNEMs, elaborados pelo Ministerio da Educação, da Cultura e dos Desportos e

distribuídos aos sistemas escolares no ano 2000 para todo o país, o ensino médio

contribui para a preparação do educando para o exercício da cidadania, no

entanto existe um equívoco entre o que se proclama e o que efetivamente ocorre

nas escolas públicas e esse fato deve ser investigado.

A partir dos objetivos da pesquisa, optou-se por planejar sua

organização e desenvolvimento em duas etapas, sendo a primeira bibliográfica e a

segunda, análise documental embasada na legislação educacional, normas e

orientações emanadas de órgãos oficiais.

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Preliminarmente, procurou-se elaborar uma reflexão crítica sobre os

paradigmas da cidadania na história da humanidade desde a Antiga Grécia, numa

perspectiva panorâmica consubstanciada nas contribuições das obras: A História

da Cidadania de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky, O Que é Cidadania de

Maria de Lourdes Manzini Covre, A Era dos Direitos de Norberto Bobbio, A

Condição Humana de Hannah Arendt, dentre outros.

Na segunda etapa, buscaram-se subsídios na obra: Estrutura e

Funcionamento da Educação Básica de João Gualberto de Carvalho Meneses e

outros, além de diversos artigos de renomados educadores como Guiomar Nano

de Mello, Carlos Roberto Jamil Cury, Rui Berger Filho, Paul Singer e outros. Para

finalizar essa etapa, procedeu-se à análise das Constituições do Brasil de 1824,

1892, 1934, 1967, Emenda Constitucional n° 1/69 e Constituição de 1988, no que

tange à educação nacional e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

n° 9394/96 que incorporou as finalidades e princípios consagrados na atual Carta

Magna. Prosseguindo o processo investigativo, realizou-se uma análise das

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, procurando assinalar os

princípios que nortearam a proposta de implementação do novo currículo escolar

para esse nível de ensino, centrados nos procedimentos normativos que devem

ser adotados pelos sistemas de ensino e unidades escolares de todo o país.

Analisaram-se os Parâmetros Curriculares Nacionais, tendo como

objetivo investigar de que maneira esses documentos, que representam o discurso

oficial do Ministerio de Educação, Cultura e Desportos, podem orientar as escolas

no sentido de potencializar a implementação de um novo currículo escolar para o

ensino médio que priorize o processo formativo do aluno para sua inserção na

sociedade contemporânea, assumindo seus direitos e deveres no meio em que

vive.

A presente pesquisa adota o Estado de Direito como eixo propulsor

da formação de uma sociedade mais justa e igualitária, em a diversidade deve

nortear as ações que puderam transformar os caminhos a serem seguidos pela

democracia no seu sentido pleno, apontando mecanismos que indiquem novas

práticas educativas para as escolas brasileiras.

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Caminhando nessa direção, buscou-se compreender os princípios

axiológicos e doutrinários que nortearam a elaboração dos documentos oficiais

DCNEMs e PCNEMs, ambos embasados na Carta Magna de 1988 que consagrou

a educação como um dos direitos sociais assegurados a todos os brasileiros no

mesmo patamar da saúde, do trabalho, da moradia, do lazer, da previdência

social, da proteção à maternidade e à infância.

Procurou-se descobrir os elementos que, segundo o discurso oficial,

apontam caminhos para a formatação de um “modelo” de educação balizado nos

princípios norteadores da educação problematizadora preconizada por Freire

(2005), como mediadora da construção de um educando autônomo e capaz de

protagonizar o seu próprio destino, contribuindo para a instituição de um novo

paradigma na sociedade contemporânea brasileira.

No desenvolvimento desta pesquisa, buscou-se intermediar um

diálogo entre as diversas obras pesquisadas, os documentos oficiais como

PCNEMs, DCNEMs e Pareceres do Conselho Nacional de Educação, além da

Constituição Federal de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n°.

9394/96, selecionando o ensino médio para embasamento conceitual em virtude

desse nível de ensino possuir características de terminalidade de uma etapa da

educação nacional – a educação básica.

Concordamos com Freire (2005) ao sublinhar que, no ambiente

escolar, as contradições emergem a partir de relações macro e microestruturais,

desfigurando, muitas vezes, o objetivo da escola, que é formar o cidadão

consciente para a vida, ressaltando que nem sempre a escola propicia ao

educando a construção de suas competências, principalmente por tolher muitas de

suas iniciativas com medidas disciplinares fundadas no autoritarismo e na

punição, impondo em alguns casos “a cultura do silêncio”.

A ruptura para a construção de uma cidadania plena deve

fundamentar-se numa reflexão constante inerente aos objetivos reais da escola e

se tais objetivos estão sendo alcançados ou, pelo menos, idealizados no cotidiano

das ações que são implementadas na educação básica.

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Observando sob o mesmo prisma, Andrade (2005) afirma que

surgem certas interrogações no ambiente escolar - “Sua escola educa para a

cidadania? Qual cidadania? O que é cidadania?”. Estes questionamentos

provocam inquietações nos meios educacionais entre professores e gestores

escolares, refletindo o comprometimento com o dia a dia da escola; estas

questões invadem a escola, um dos campos de conflito entre as identidades

sociais, e atravessam a complexa problemática da cidadania.

Naturalmente, esses tipos de questionamentos provocam grandes

preocupações no ambiente escolar, principalmente porque a escola tem como

finalidade principal propiciar ao educando uma formação cidadã, para torná-lo

consciente e protagonista da construção do seu caminho a ser trilhado por toda a

vida.

Essa reflexão adquire um valor inestimável no momento atual,

principalmente porque o país passou por um grande período de ditadura militar,

deixando profundas sequelas na sociedade brasileira. A construção de uma nova

sociedade democrática, mais justa e igualitária constitui um imenso desafio a ser

enfrentado pelos educadores, principalmente aqueles que atuam nas escolas

públicas, de uma forma geral.

No cotidiano escolar, focando a relação educador versus aluno, as

contradições tornam-se muito evidentes, pois a dinâmica pedagógica preconizada

pela escola nem sempre busca formar o verdadeiro cidadão autônomo,

consciente, responsável pela construção do seu futuro, através de uma pedagogia

problematizadora, libertadora e não bancária, segundo Freire (2005).

Como a reflexão sobre as relações da temática educação para a

cidadania é bastante ampla, a presente pesquisa delimita a sua abrangência, e

busca respostas para perguntas como:

• Qual é o conceito de cidadania no contexto educacional?

• Qual a relação existente entre cidadania e educação no ensino médio?

• Qual é o conceito de cidadania na Constituição Federal de 1988?

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• O que a escola pode fazer para educar para a cidadania?

• Que tipo de cidadania deve ou pode ser construída no ambiente escolar?

• Como os PCNEMs podem (ou não podem) contribuir para a preparação da

pessoa para o exercício da cidadania no contexto atual? (grifo nosso).

Para consolidação dos objetivos propostos, a presente pesquisa foi

estruturada em uma introdução, quatro capítulos e as considerações finais,

promovendo uma reflexão sistemática sobre o tema “A Construção da Cidadania

nos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio”.

Em linhas gerais, a introdução buscou organizar uma visão geral de

como o trabalho foi elaborado, sublinhando os pontos e contrapontos abordados

durante a exploração da temática em uma visão crítica e reflexiva.

No capítulo I, organizou-se uma reflexão sobre os paradigmas da

cidadania na história da humanidade, adotando como ponto inicial a Antiga Grécia,

considerada berço da democracia, procurando identificar fatores que contribuíram

para superar as restrições impostas à sociedade, por vieses ditatoriais de cada

período histórico e que foram se diluindo nas mutações da sociedade na grande

maioria dos países.

Com uma visão crítica foram abordados os múltiplos significados da

cidadania na sociedade contemporânea com seus diferentes paradigmas

decorrentes de práticas sociais ditatoriais e inibidoras que, em muitos países,

inviabilizaram a conquista de espaços de participação na vida social e política,

enfatizando as contribuições do Estado de Direito conquistado pelos franceses e

americanos no século XVII.

No capítulo II, organizou-se de forma sistematizada e reflexiva a

evolução histórica da educação no Brasil a partir de sua independência,

procurando assinalar seus avanços, recuos e desafios que marcaram diversos

períodos de turbulência na política educacional brasileira.

O capítulo III aborda de forma exploratória, analítica e reflexiva a

educação básica como política pública do Brasil, seus princípios legais,

axiológicos e doutrinários e sua relação com a cidadania democrática na

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sociedade atual, destacando sua identidade como terminalidade de uma etapa

educacional indispensável para a democratização do país.

A pesquisa procurou identificar os princípios que nortearam a

elaboração de toda legislação educacional brasileira, no que tange à construção

histórica da aproximação da educação com a cidadania na trajetória do direito

educacional do país, apontando para a formação de um aluno reflexivo, crítico,

consciente e autônomo através da educação formal, com destaque para a

dignidade humana, justiça social e combate às desigualdades sociais, pobreza e

violência contra os mais fracos.

Nesse aspecto, evidencia-se a relevância da educação básica

destinada a preparar o jovem para o exercício da cidadania plena e convívio

social, fundamenta em habilidades e competências que o educando deve

incorporar no ensino médio, através do aprendizado dos conteúdos curriculares,

ancorado no discurso oficial.

O capítulo IV procurou elaborar a descrição e análise reflexiva das

DCNEMs e PCNEMs com o objetivo de entender a proposta de reformulação do

currículo escolar para o ensino médio regular formalizada pelo discurso oficial e

estruturada em três áreas de conhecimento: Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências

Humanas e suas Tecnologias, organizados de forma sincrônica.

Nessa análise foi investigado se o “modelo” de ensino médio

proposto através do discurso oficial contribui para a formação da cidadania do

jovem estudante, centrado no princípio de flexibilização prescrito pela LDBEN/96 e

ancorado na interdisciplinaridade e contextualização dos conteúdos disciplinares

ministrados na sala de aula sob orientação dos PCNEMs.

Ainda neste capítulo, formalizou-se uma análise crítica dos PCNEMs,

salientando os pontos que se consideram débeis e inconsistentes para subsidiar a

elaboração de um currículo escolar que possa nortear a implementação de

políticas públicas para a educação básica em todo o território brasileiro, com

ênfase na formação da autonomia intelectual do jovem, preconizada pelas três

áreas de conhecimento com suas disciplinas potenciais.

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E nas considerações finais, formalizou-se uma síntese dos pontos e

contrapontos que subsidiaram a análise crítica e reflexiva da construção da

cidadania na história da humanidade e suas relações com o processo formativo

protagonizado pela educação escolar.

Nesta mesma perspectiva, enfatizam-se as orientações expressas

nos PCNEMs, interpretados nesta pesquisa como política social da educação,

definidos pelos órgãos oficiais do sistema educacional como capazes de subsidiar

a implementação de um currículo escolar que propicie ao estudante a formação

para o exercício da cidadania e a preparação básica para o trabalho no mundo

globalizado com dimensões planetárias.

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CAPÍTULO I – A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA AO LONGO DA HISTÓRIA

Cidadania não é um conceito estanque, mas um conceito histórico, o que

significa que o seu sentido varia no tempo e no espaço. Jaime Pinsky

1 – NOÇÕES DE CIDADANIA Na história da humanidade, o conteúdo semântico de cidadania tem

percorrido uma longa trajetória, cheio de mutações, interpretações diversas e

centrado em diferentes paradigmas que podem variar de acordo com a cultura de

cada país e do momento histórico no qual está inserido.

O conceito de cidadania possui uma multiplicidade de significados,

podendo ser apreciado na perspectiva histórica, sociológica ou filosófica, porém,

no presente trabalho, destacamos a sua dimensão pública centrada na

participação dos homens na vida social e política.

Cidadania é algo bom, indica respeito pela própria vida como ideal de

transformar o cotidiano do trabalhador, lutando por dias melhores, sendo sujeito

de seus próprios direitos e com a participação nas decisões dos destinos da

sociedade da qual faz parte, devendo haver sintonia entre direitos e deveres.

(COVRE, 2008).

É nesse sentido que este capítulo buscou sistematizar uma reflexão

sobre o significado de cidadania desde a Antiga Grécia até a atualidade,

classificando o Estado de Direito como instrumento capaz de assegurar o

progresso da humanidade de forma civilizada na ótica de Jean Jacques

Rousseau, e acreditando na educação como fator relevante para a construção de

uma sociedade melhor, potencializando ao homem sua inserção com dignidade no

universo social.

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2 – A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CIDADANIA Segundo Pinsky (2010), a evolução do significado de cidadania na

história da humanidade não percorreu uma trajetória linear, pois é impossível

estabelecer uma sequência única e determinista para a conquista de direitos em

todos os países do planeta, com a sua ampliação no decorrer dos tempos,

cidadania está associada à conquista de direitos e assunção de deveres.

Para o desenvolvimento desta pesquisa e melhor compreensão do

conceito de cidadania com suas mutações na história da humanidade, adotou-se

como ponto de partida deste percurso a Antiga Grécia localizada às margens do

Mar Mediterrâneo.

Nessa região, conhecida como polis grega, os homens eram livres e

participavam de uma democracia direta com atuação política contínua, marcada

por debates promovidos pelos cidadãos para resolução de conflitos com

embasamento em direitos e deveres da coletividade, centrados na vida de todos.

(Covre, 2008).

Essa atuação dos homens estava vinculada à cidade, onde homens

livres tinham responsabilidades jurídica e administrativa pelos negócios públicos,

dispondo de local para discutir e resolver tudo mediante palavras de persuasão,

sem nenhum tipo de coação ou violência, demonstrando uma forte tendência a

princípios democráticos.

As cidades-estado ou polis grega foram construídas por associação

de proprietários de terras agrícolas localizadas às margens do Mar Mediterrâneo,

estruturadas de maneira progressiva por habitantes do local. Todos se defendiam

de forma recíproca, integrados numa relação dialética, porém excluindo os

estrangeiros. (GARINELLO, 2008).

Nesse cenário, predominava um espírito de democracia ancorado em

direitos e deveres, porém restritivo e excludente. Só podiam participar das

decisões homens livres e pertencentes à comunidade, devendo ser preteridos os

estrangeiros, as mulheres, as crianças e os escravos.

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Na realidade, os conflitos de interesse existentes na polis grega eram

resolvidos de forma comunitária por mecanismos públicos, devendo participar

somente o conjunto de proprietários de terra. Desta forma, as decisões eram

políticas de caráter coletivo, pois os assuntos não podiam ser resolvidos por uma

única autoridade superior a todos.

Em Atenas, na Grécia, a cidadania estava atrelada à liberdade, visto

que o status de cidadão garantia ao homem livre o privilégio de participar das

decisões políticas. (PALMA FILHO, 1998).

Outro aspecto importante a ser considerado é a forma de criação e

manutenção das comunidades, bastante singular no tocante à sua organização, se

comparado à atualidade.

Sua identidade comunitária foi construída ao longo do tempo a partir de

populações muitas vezes díspares, sem unidade étnica ou racial. Foi criada e

recriada, reforçada e mantida por mecanismos que produziram o cidadão ao

mesmo tempo em que faziam nascer cultos comuns, moeda cívica, língua, leis,

costumes coletivos – modos de a comunidade fechar-se sobre si mesma e

definir seu território GARINELLO (2008:34).

Ainda nesta perspectiva, o autor acrescenta que naquela região a

cidadania antiga era transmitida por vínculos sanguíneos, passando de geração a

geração, e as comunidades eram formadas de maneira bem distinta, não existindo

nenhum princípio universal que legitimasse a concessão desse privilégio, e os que

migrassem para outras localidades perderiam sua cidadania original. No entanto,

essas cidades-estado fundadas na região do Mediterrâneo foram constituídas de

cidadãos originários de diferentes cidades-estado.

Além dessas comunidades, surgiram outras cidades-estado ao norte

da África, nas costas da Sicília e nas costas da Itália que tiveram seus habitantes

provindos de diversas origens não configurando, portanto, comunidade com a

mesma constituição étnica. Sob o direito de cidadania, Garinello (2008) salienta

que este poderia ser concedido em qualquer época e de forma individual,

bastando, conferir homenagens a uma pessoa importante ou promover retribuição

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ou favor à coletividade, ficando evidente que cidadania não era direito

conquistado, mas outorgado.

Destarte, o direito à cidadania não era para todos, pois pertencer às

comunidades cidadãs representava um grande privilégio concedido para um grupo

reduzido de pessoas.

Pertencer à comunidade da cidade-estado não era, portanto, algo de pouca

monta, mas um privilégio guardado com zelo, cuidadosamente vigiado por

meio de registros escritos e conferidos com rigor. Como já ressaltava o filósofo

grego Aristóteles, fora da cidade-estado não havia indivíduos plenos e livres,

com direitos e garantias sobre sua pessoa e seus bens. Pertencer à

comunidade era participar de um ciclo próprio da vida cotidiana, com seus

ritos, costumes, regras, festividades, crenças e relações pessoais. Garinello

(2008:35)

A formação dessas comunidades não constituía nenhum tipo de

processo de inclusão social; pelo contrário, o fechamento das cidades-estado

indicava de forma evidente um processo de exclusão social e estas eram mais

fortes que os estado nacionais existentes na sociedade contemporânea.

É nessa dinâmica social que as comunidades promoviam a liberdade

na esfera política, contrapondo ao processo de violência existente no lar privado,

segundo procura demonstrar Arendt (2010:37):

O que todos os filósofos gregos tinham como certo, por mais que se

opusessem à vida na polis, é que a liberdade situa-se exclusivamente na

esfera política; que a necessidade é primordialmente um fenômeno pré-

político, característico da organização do lar privado; e que a força e a

violência são justificadas nesta última esfera por serem os únicos meios de

vencer a necessidade – governando escravos, por exemplo – e tornar-se livre.

Nesse sentido, o autor assinala que na Antiga Grécia, os cidadãos

estabeleciam uma enorme diferença entre lar e comunidade, pois segundo o

pensamento grego, no lar não existia igualdade entre os diversos membros, mas

sim desigualdade, o que justificava o uso da força e da violência, no entanto na

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polis, as decisões eram tomadas entre os “iguais”, o que demonstrava uma

separação entre polis e família; na polis o homem recebia uma segunda vida

“além de sua vida privada”.

Ademais, a liberdade era considerada na polis grega como fator

relevante para assegurar a felicidade, entretanto a discriminação, a violência e a

exclusão social estavam presentes contra pobres e escravos, como afirma Arendt:

Uma vez que todos os seres humanos são sujeitos à necessidade, tem o

direito de empregar a violência contra os outros; a violência é um ato pré-

politico de liberar-se da necessidade da vida para conquistar a liberdade do

mundo. Essa liberdade é a condição essencial daquilo que os gregos

chamavam de felicidade, eudaimonia, que era um estado objetivo dependente,

em primeiro lugar de riqueza e saúde. Ser pobre ou ter má saúde significava

estar sujeito à necessidade física, e ser um escravo significava estar sujeito,

também, à violência praticada pelo homem. Arendt (2010:37).

Arendt ainda acrescenta que na polis grega, a manutenção de

escravos naquele contexto cultural e social era justificada pelos cidadãos como

uma necessidade instituída para garantir a felicidade e o bem-estar das pessoas

excluídas dos direitos de cidadania, pois nesse regime poderiam viver sem

preocupação com o futuro.

Essa “infelicidade” dupla e redobrada da escravidão é inteiramente

independente do efetivo bem-estar subjetivo do escravo. Assim, um homem

livre e pobre preferia a insegurança de um mercado de trabalho que mudasse

diariamente a uma ocupação regular e garantida; esta última por lhe restringir

a liberdade de fazer o que desejasse a cada dia, já era considerada servidão

(douleia) e até o trabalho árduo e penoso era preferível à vida tranquila de

muitos escravos domésticos. (ARENDT, 2010:37-38).

Tendo em vista esta perspectiva, a escravidão era algo bom para o

escravo, pois lhe assegurava um bem-estar permanente, livre das inquietações do

mercado de trabalho, assegurando-lhe maior tranquilidade com a promoção do

seu bem estar, ficando disponível para fazer o que bem lhe aprouvesse,

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independente do que pudesse lhe acontecer no dia seguinte. Essa visão

paradoxal demonstra um período histórico de contradições no tocante ao conceito

de liberdade disseminado na sociedade contemporânea, pois a desqualificação da

pessoa humana fica bastante evidente no texto elaborado por Arendt.

Arendt (2010) ainda acrescenta que nas cidades-estado antigas, o

mecanismo de funcionamento da democracia era completamente diferente dos

regimes democráticos da atualidade, pois as decisões eram tomadas através de

voto direto e individual de seus membros, sem nenhum tipo de representação.

Não havia orientação doutrinária de qualquer natureza, nem partidos

políticos, nem divisão de poderes constitucionais, e cada assembleia decidia de

acordo com as circunstâncias e interesses em conflito. Mesmo assim, na

realização desses eventos ficava evidente com muita clareza a existência de

interesses antagônicos entre ricos e pobres, assinalados pelas divergências dos

partícipes.

Garinello (2008) salienta que a dinâmica da cidadania romana era

mais aberta que as demais cidades-estado e esta estratégica acabou contribuindo

para que Roma conseguisse unificar todas as cidades-estado da região do Mar

Mediterrâneo, deixando de ser uma cidade-estado para se tornar numa

comunidade romana. Desta forma articulada e com aporte de sua expansão

militar, Roma instaurou naquela região a maior aliança de cidades-estado que o

mundo conheceu.

Nesse novo contexto histórico, a sociedade romana foi estruturada e

organizada em dois grandes grupos: de um lado a nobreza composta por um

conselho de anciãos e o restante da população, posicionado numa condição

subalterna e, portanto, sem direitos de cidadania. Diante dessa nova estruturação

da sociedade romana, “os sem direitos” deflagraram lutas por direitos sociais e

pelos direitos de cidadania contra os que tinham assegurado os direitos civis

plenos. (FUNARI, 2008).

Em Roma, apesar das restrições impostas à prática de cidadania, se

comparadas à realidade contemporânea, aquele momento histórico e cultural

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repercute muitos de seus princípios nos dias de hoje. Essa constatação pode ser

apreciada nas palavras de Funari (2008):

As eleições, em Roma, constituem outro grande tesouro da cidadania. Os

comícios por tribos eram muito importantes, pois elegiam questores, edis,

tribunos e militares e tribunos da plebe. À diferença de muitas cidades gregas,

em que o direito de voto era restrito, em Roma votavam pobres e mesmo

libertos. As funções das assembleias eram tanto eleitorais como legislativas, e

o princípio fundamental do voto romano era o voto por grupo e não individual.

Funari (2008:63)

É importante salientar, segundo afirma Funari (2008), que o direito de

cidadania romana em termos jurídicos e políticos, quando concedido a alguém,

assinalava ascensão social de grande repercussão na comunidade. O cidadão

romano trazia consigo diversos privilégios legais e fiscais relevantes consagrados

pelo Direito Romano, destacando a possibilidade de elaboração de contratos com

direitos e assunção de responsabilidades, testamentos, direitos de propriedade e

outros.

Apesar da grande importância da repercussão até os dias atuais dos

princípios que nortearam a construção da cidadania da Antiga Grécia e do povo

romano, as lutas e conquistas de direitos em nível mundial continuaram sendo

ampliadas pelo decorrer da história, merecendo destaque, segundo Funari (2008),

a Independência dos Estados Unidos da América do Norte ocorrida em 1776, pois

esse fato histórico apresentou novas concepções para a política e para a

consolidação da cidadania, alicerçados em mecanismos jurídicos consistentes

para a instituição da democracia mais ampla da época, buscando inspiração no

discurso religioso, na influência dos pensadores, na luta contra a Inglaterra e nas

condições específicas de sua própria colonização.

Segundo Karnal (2010), a Declaração da Independência do povo

norte-americano expressa de forma clara e objetiva que - “todos os homens foram

criados iguais e dotados pelo Criador de direitos inalienáveis, como vida,

liberdade, busca de felicidade”, procurando instaurar uma nova consciência de

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liberdade no país. Neste contexto político e democrático, em 1787 foi elaborada a

Constituição Norte-Americana que se inicia com a célebre expressão: “Nós, o

povo dos Estados Unidos”, procurando salientar a forma coletiva como o assunto

estava sendo tratado e a valorização do indivíduo com relação à garantia de

direitos individuais.

É importante salientar neste momento que, para assegurar a certeza

de liberdade individual, os estados aprovaram e introduziram dez emendas à

Constituição, consideradas de grande relevância para a democracia daquele país,

garantindo ao cidadão o direito de portar armas, de ter julgamentos abertos e com

júri, de não ser penalizado com penas cruéis, além de assegurar o direito de

quase absoluta liberdade de expressão.

Karnal (2010) afirma ainda que a concepção de cidadania e liberdade

conquistadas pelo povo norte-americano com a independência do país e

promulgação da Constituição apresentava-se de forma bastante avançada para a

época, porém excludente e restritiva, se comparada com a atualidade. A

democracia, ora instaurada, era bastante seletiva, pois mulheres escravas e

brancas pobres não tinham direito de votar, configurando desta maneira um

regime democrático dos séculos XVIII e XIX naquele país, convivendo com

exceções, inclusive com a escravidão negra.

Essa visão de cidadania justificava-se pelo fato de ter sido inspirada

no modelo estético e político da Grécia Clássica, em que escravos, mulheres e

estrangeiros eram excluídos da participação das decisões da comunidade. Esse

“modelo” de cidadania carregava no seu bojo uma maneira implícita de excluir a

maioria das pessoas de participação política, assegurando privilégios para uma

pequena minoria, contrapondo ao processo de inclusão total. Apesar disso, a

Constituição norte-americana era muito ampla, em relação aos princípios

democráticos, pois cidadania e igualdade constituíam um todo inseparável,

consequentemente, a ampliação desses direitos foi sendo efetivada de forma

paulatina no período do país independente.

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De uma maneira geral, a ampliação dos direitos de liberdade e de

cidadania decorrentes da Revolução Norte-Americana e centrados num processo

democrático foi relevante para a humanidade, segundo afirma Singer:

A Revolução Americana foi pioneira na formulação dos direitos humanos. Pela

primeira vez, um povo fundamenta sua aspiração à independência nos

princípios da cidadania, ou seja, coloca como finalidade primordial do Estado a

preservação das liberdades dos integrantes do povo, elevados à condição de

sujeitos políticos. (SINGER, 2010: 201)

Naquele contexto político e social, os direitos humanos, a liberdade e

a cidadania garantiam ao povo norte-americano uma condição substancialmente

privilegiada para a época, em comparação com outras nações.

Para se aprofundar numa análise mais detalhada e reflexiva sobre o

significado de cidadania na sociedade contemporânea, segundo Covre (2008), há

necessidade de remeter à sua construção histórica marcada por referenciais

relevantes daquele período, destacando as Cartas de Direitos dos Estados Unidos

da América do Norte (1776), da Revolução Francesa (1789) e a Carta de Direitos

Humanos da Organização das Nações Unidas (1948).

Na conquista de direitos protagonizada pelos norte-americanos e

expressos na Carta de Direitos dos Estados da América, merecem destaque o

direito à liberdade de expressão, de manifestações públicas e outros, declarados

em seu artigo I.

ARTIGO I – O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma

religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos, ou cerceando a liberdade

de palavra, ou de imprensa, ou o direito do provo se reunir pacificamente, e

de dirigir ao Governo petições para reparação de seus agravos.

Este artigo representa uma pequena amostra do conjunto de direitos

conquistados nessa época pelos americanos, pois outros artigos liberam a posse

de armas, a inviolabilidade de casas, a proibição de as pessoas serem obrigadas

a testemunhar contra si mesmas, a garantia de julgamento rápido público e

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imparcial, além de outros, representando um grande avanço no tocante à

conquista da liberdade e consequentemente da cidadania democrática.

Em decorrência da Revolução Francesa, os homens passaram a

viver em núcleos urbanos, destacando-se de forma gradativa o exercício da

cidadania, consolidando-se uma nova relação jurídica diferenciada e centralizada,

o chamado Estado de Direito, com estabelecimento de direitos iguais para todos

os homens, considerado de grande relevância por se tratar de uma conquista

pioneira em toda a história da humanidade, declarada nas Cartas Constitucionais

que se opunham ao processo de normas difusas e indiscriminadas da sociedade

feudal e às normas arbitrárias dos regimes ditatoriais. Covre (2010)

Com essa Revolução emergiu o Estado Liberal Burguês,

protagonizou-se um grande avanço em termos de direitos do cidadão, instituindo-

se direitos iguais para todos, ainda que somente perante a lei, trazendo como

proposta a cidadania.

Essas conquistas provocaram uma verdadeira ruptura no antigo

sistema feudal vigente que reconhecia como direito o obtido pelo nascimento,

próprio da sociedade feudal, em que os servos e os camponeses eram tratados

como gado, agregados em glebas, sem direitos, sem escolhas de seus destinos,

sem arbítrios sobre seus valores.

A instauração do Estado Liberal Burguês, ancorado nos princípios do

capitalismo, promoveu a instituição e visão de classes sociais, provocando o

desenvolvimento da cidadania vinculada à valorização do trabalho, desprestigiado

e indigno na Idade Média por convicções religiosas.

A autora afirma que a cidadania sob a visão burguesa foi elaborada

por intelectuais e demorou séculos para sua formação, vinculando direitos

humanos somente aos donos de propriedades. Instituiu-se um conceito de

cidadania “mais formal, a que serve a dominação”, pois “num tipo de cidadania

mais efetivo, os direitos são extensivos, quantitativa e qualitativamente a todos”,

destacando-se a formulação de determinadas “cidadanias” de caráter universal e

outras com objetivo de prover a dominação.

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Mais tarde, no ano de 1948, a promulgação da Declaração Universal

de Direitos Humanos (DUDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) veio

consolidar mais uma grande conquista para os países signatários de acordos

internacionais, inclusive para o Brasil.

Em seus 30 artigos, a DUDH enumera uma coletânea de Direitos de

grande relevância para a liberdade e dignidade humana, como o Artigo I que

declara que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

São dotados de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com

espírito de fraternidade”, além de promulgar o direito à vida com dignidade, a

liberdade de religião, a não discriminação por qualquer natureza, a proibição de

escravidão, a igualdade perante a lei, a liberdade de pensamento, o acesso aos

serviços públicos, dentre outros.

Em linhas geais, esses documentos descrevem direitos e deveres

relacionados à cidadania democrática, representando conquistas para as pessoas:

Todos cabem o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário

condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à

habitação e ao lazer. E mais, é direito de todos expressar livremente, militar

em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus

valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna, de ser homem. Covre (2008:9)

Na perspectiva de construção da cidadania plena, lutas, conquistas e

desafios para o homem contemporâneo, com ênfase em direitos, mas também em

deveres, a autora aponta caminhos para essa jornada:

Ele também deve ter deveres: ser o próprio fomentador da existência dos

direitos a todos, ter responsabilidade em conjunto pela coletividade, cumprir as

normas e propostas elaboradas e decididas coletivamente, fazer parte do

governo, direta, ou indiretamente, ao votar, ao pressionar através dos

movimentos sociais ou participar de assembleias no bairro, sindicato ou

escola. Covre (2008:9)

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Não muito distante desse período que foi marcante para a sociedade

contemporânea, segundo Covre (2008), no limiar do século XIX, o tema cidadania

começou a ser debatido na grande maioria dos países do planeta, inclusive no

Brasil. Pronunciamentos de políticos, capitalistas, intelectuais e organizações não

governamentais invadiram a mídia, repercutindo nos meios de comunicação de

massa, rádios, TVs, Internet a pretensa importância da cidadania para os povos,

figurando também nos movimentos sociais com ênfase para reivindicações de

saneamento básico, saúde, educação, direito à livre expressão e outros.

Concordamos com o questionamento da autora que, ao apreciar de

forma crítica o tema abordado, pergunta quem são essas pessoas que debatem a

cidadania, pois pertencem a diferentes segmentos da sociedade contemporânea e

completa: qual tipo de cidadania que esses extratos sociais estão discutindo, pois

cidadania não é algo estanque, implica diálogo?

Nesse cenário, Covre (2008) assinala que muita gente ainda

confunde o privilégio de ser cidadão com o direito de votar, porém apenas essa

prática não garante nenhum tipo de cidadania se não vier acompanhada de

determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural, enfatizando

ainda a importância da participação das pessoas em igrejas, escolas, sindicatos,

comunidades de bairro ou outras instituições.

Expressando de forma semelhante, Pinsky (2005) salienta que

cidadania pode ser configurada numa atitude de cotidiano de cada um; implica em

consciência de pertinência a uma sociedade, à responsabilidade coletiva e ainda

afirma que o exercício de cidadania está expresso no voto, no respeito aos

pedestres na faixa de trânsito, no controle de ruídos de seu carro, na conservação

da limpeza da via pública, dentre outras atitudes.

Acrescenta que, em linhas gerais, o conteúdo semântico do termo

cidadão pode advir de vertentes completamente antagônicas, com interesses

conflitantes, procurando definir o cidadão como um tipo de pessoa educada, ideal

para conviver em sociedade, ou alguém com autonomia intelectual, com

capacidade para intervir no meio em que vive, buscando a promoção de

mudanças na sociedade.

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Nesta perspectiva, Andrade(2005) aborda o assunto e aponta alguns

paradigmas de cidadania que precisam ser apreciados, principalmente quando se

pensa num cidadão crítico e reflexivo capaz de construir o seu próprio destino ou

outro passivo, obediente e conformado com tudo que a sociedade lhe impõe.

Na concepção tradicional de educação, há um modelo de cidadão culto,

civilizado e erudito a ser educado nos padrões tidos como democráticos de

convivência social e aptidão para o mercado. Na vertente crítica, o caminho

está na possibilidade de uma educação baseada na tomada de consciência da

injustiça do sistema capitalista, desmistificando suas ideologias e promovendo

a mudança social. Os enunciados pós-críticos questionam ao mesmo tempo a

suposta neutralidade dos conhecimentos veiculados pela escola, como

pretendem as teorias tradicionais, e a existência de um sujeito autônomo,

capaz de desmascarar as ideologias, via educação conscientizadora, como

querem as concepções críticas. Andrade (2005:213)

Pinsky (2010) afirma que o significado de cidadania é construído

historicamente através da cultura de um país, portanto existem diferenças

significativas entre ser cidadão brasileiro, cidadão americano ou cidadão alemão e

completa: “ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade

perante a lei, em resumo, ter direitos civis. É preciso também participar do destino

da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos”. Além disso, destaca que

somente direitos civis e políticos não garantem democracia, pois há também a

necessidade dos direitos sociais, assegurando a participação na riqueza coletiva

do país, o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, a uma velhice

tranquila.

Covre (2008) adverte que, de uma maneira geral, há certa tendência

de as pessoas pensarem em cidadania somente em termos de direitos a receber,

omitindo-se o fato de que a própria pessoa pode ser o agente desses direitos e

acrescenta que é imprescindível trabalhar para conquistar esses direitos. De

alguma forma todos devem fazer parte do governo.

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A autora salienta que a cidadania é o próprio direito à vida no sentido

pleno e esse direito deve ser construído diariamente de forma coletiva, não

apenas em termos de necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de

assistência, quando indispensáveis. Completando, a cidadania está associada a

direitos e deveres e o seu exercício é algo possível, dependendo do embate

político de quem não dispõe de muito poder. Só é possível existir cidadania se

houver prática de reivindicação e luta para fazer valer os direitos da pessoa

humana. Demo (1995) acrescenta que a cidadania é o componente mais

importante para o desenvolvimento da sociedade atual, destacando-se o processo

emancipatório com a apreensão da capacidade de dizer não às imposições das

elites dominantes.

Covre (2008) destaca a importância de lutar por direitos na

perspectiva do Estado de Direito, procurando o desenvolvimento social.

A prática da cidadania pode ser a estratégia por excelência para a construção

de uma sociedade melhor. Mas o primeiro pressuposto dessa prática é que

esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento

deste se estenda cada vez mais a toda a população. Covre (2008:10)

A autora completa afirmando que os diferentes significados de

cidadania podem ser abarcados pelos direitos civis, direitos políticos e direitos

sociais, interligados num todo orgânico que se materializa no cotidiano cultural e

social, pois sem direitos políticos não existem direitos civis e sociais, não se

esquecendo de que em contraposição, devem vir acompanhados dos deveres,

numa concepção de sociedade democrática.

Numa perspectiva análoga, Bobbio (2004) associa os direitos e

deveres da pessoa humana na dinâmica prática da cidadania como componente

fundamental para o desenvolvimento social.

Como uma metáfora usual, pode-se dizer que direito e dever são como o verso

e o reverso de uma mesma moeda. Mas qual é o verso e qual é o reverso?

Depende da posição com que olhamos a moeda. Pois bem: a moeda da moral

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foi tradicionalmente olhada mais pelo lado dos deveres do que pelo lado dos

direitos. Bobbio (2004:51)

A visão de cidadania preconizada por Rousseau (1712-1778),

segundo Covre (2008), aponta para a construção de relações justas entre os

homens, sem exploração, sem dominação de homem sobre homem, declarada em

“O Contrato Social”, defendendo um regime político legítimo em que nenhum

homem deve ter autoridade natural sobre o seu semelhante e de forma nenhuma

a força possa produzir direito. Nesse sentido, PALMA FILHO (1998) salienta que o

filósofo Rousseau, se conhecesse a fragilidade do regime democrático brasileiro,

certamente encontraria evidências que contrariam suas convicções.

A proposta de Rousseau, segundo Covre (2008), pressupõe a

preservação de direitos e deveres numa democracia direta, sem restrições

relacionadas à condição de igualdade e associadas aos aspectos econômicos e

políticos, com a participação de todos.

3 – A CIDADANIA E A DEMOCRACIA NO BRASIL A construção da cidadania no Brasil percorreu um longo caminho,

pois direitos civis, direitos sociais e direitos políticos, elementos fundamentais para

uma vida cidadã e que evidenciam a consolidação da justiça social, nem sempre

caminharam juntos. O país amargou períodos de ditadura, escravidão dos negros,

fraudes em eleições (1890-1930), desigualdade social e discriminação racial, além

de outros ingredientes da anticidadania. (CARVALHO, 2008)

Covre (2008) assinala que numa cidadania democrática plena, os

direitos sociais ocupam posição de grande relevância, pois procuram atender às

necessidades humanas básicas, sublinhando a reposição da força de trabalho,

assegurando o sustento do corpo humano, a alimentação, a saúde, a educação, o

trabalho com um salário justo, habitação e outros.

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Os direitos políticos dizem respeito à deliberação do homem sobre

sua vida, ao direito de ter livre expressão de pensamento e prática política,

religiosa etc., além, de abarcarem o relacionamento e convivência em organismos

dirigidos por outros homens, de forma representativa direta, tais como sindicatos,

partidos políticos, movimentos sociais, associação de bairros e outros,

enfrentando imposições dos poderosos por meio de greves, movimentos sociais e

pressões.

E acrescenta que, em síntese, direitos civis, direitos sociais e direitos

políticos não podem existir de forma dissociada, pois a sua materialização

depende de uma relação recíproca entre os três, proporcionando a extensão a

todos do direito à vida no sentido pleno, elemento fundamental da cidadania.

A autora salienta que o ordenamento jurídico de um país se constitui

num ente fundamental para a liberdade e a democracia, refletindo diretamente na

cidadania democrática plena, com ênfase para a Carta Magna que representa

uma arma nas mãos dos cidadãos para reivindicações e conquistas de posições

mais igualitárias, pois estes e outros princípios estão expressos em maior ou

menor grau nas constituições de cada país.

A Constituição impõe limites no poder dos governantes e condensa a

ideia de direitos de cidadania, constituindo-se num instrumento que assegura a

não violência para os cidadãos. Os assuntos que lhe dizem respeito não podem

ser tratados de forma arbitrária e, nessas circunstâncias, os homens podem

partilhar das mesmas normas jurídicas, lançando mão delas para sua defesa e

proteção.

Na sociedade contemporânea, apesar da conquista de direitos em

muitos países, a grande maioria da população mundial não tem esses direitos

assegurados, inclusive no Brasil, haja vista o período de duas décadas de ditadura

tecnocrática militar, quando a sociedade brasileira passou por uma fase de

anticidadania, restrição de liberdade, tortura e mesmo eliminação de pessoas

contrárias à forma de pensar e agir desse regime dominante.

Não se pode apreender que somente leis possam potencializar a

efetivação da cidadania, pois para construí-la no seu sentido universal, fazendo

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valer os direitos civis, sociais e políticos e servir de fato às necessidades das

pessoas, é preciso de lutas e desafios que sedimentam as conquistas e

possibilitam a sua estruturação que está sempre em processo, com ênfase em leis

mais justas.

No Brasil, mesmo com a existência de leis em vigor, ocorrem fatos

que configuram a anticidadania, como é o caso dos Esquadrões da Morte

constituídos por policiais militares que decidem o destino de supostos marginais,

julgando-os e condenando-os sumariamente à morte. Na maioria das vezes, são

trabalhadores que foram levados à marginalidade devido à exclusão social,

protagonizada por uma estrutura subjacente construída pelo regime tecnocrático –

militar, ainda sobrevivente na sociedade brasileira. (COVRE, 2008)

Além desses fatos, outro doloroso exemplo de anticidadania pode ser

constatado no Norte e Nordeste do Brasil, onde muitos trabalhadores rurais são

tratados como escravos, como pode ser observado em denúncias feitas pelos

meios de comunicação de massa do país.

Apesar desses fatos degradantes da sociedade brasileira, é

importante destacar que a luta dos trabalhadores tem sido intensa em nosso país,

iniciando-se praticamente na década de 1920, quando emergiu o processo de

urbanização e industrialização do Brasil, surgindo a conhecida cidadania operária,

representada com o aumento do operariado. (CARVALHO, 2008).

Covre (2008) acrescenta que, no Brasil, quando surgiram as

primeiras reivindicações de trabalhadores, foram considerados casos para a

polícia resolver, porém, logo em seguida, foram transformados em impasses para

os políticos encontrarem solução, ampliando os direitos de cidadania.

Nesse cenário “A grande atuação política dos trabalhadores nas

décadas de 1910 e 1920 levou a um contexto em que as elites pensavam como

atender ou acenar com o atendimento de certas reivindicações” (COVRE,

2008:54) O Estado atendeu parte das reivindicações dos trabalhadores com a

finalidade de desmobilizá-los, atrelando as atividades sindicais ao próprio Estado.

Questionando sobre as conquistas dos trabalhadores e sua liberdade

para reivindicar mais direitos, a autora assinala que nem sempre os trabalhadores

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escolhem o local onde querem trabalhar ou em que condições e ritmos preferem

desempenhar suas atividades, pois o filme Tempos Modernos demonstra, através

de Charles Chaplin, o sofrimento dos trabalhadores em uma fábrica e a sua

maneira mecânica de trabalhar, sem alternativa para escolha.

É importante salientar que na sociedade contemporânea os direitos

sociais assumem uma relevância maior para o cidadão, na medida em que os

detentores do capital e do poder têm construído o seu conceito de cidadania,

buscando manter os trabalhadores passivos e receptores desses direitos, a

despeito das mudanças decorrentes das transformações advindas do capitalismo,

acenando para a construção de uma sociedade melhor.

Por um lado, isso pode significar um engodo se os trabalhadores se

mantiverem subalternizados aos seus empregadores. No entanto, essa situação

pode ser mudada, bastando que os trabalhadores submissos busquem reverter o

quadro de submissão, procurando ocupar de forma efetiva os espaços apontados

pelos direitos.

No período que abrange 1930 a 1945, criou-se no Brasil o Ministerio

do Trabalho, Indústria e Comércio e instituíram-se direitos sociais à frente de

direitos políticos. Num contexto autoritário, aprovou-se a Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT) promulgada em 1943 pelo então Presidente Getúlio Vargas,

“colocado no poder pelos militares”, com participação política praticamente nula e

precária vigência de direitos civis. (CARVALHO, 2008)

De 1945 a 1964, segundo Covre (2008), instaurou-se no país uma

espécie de democracia fundada no liberalismo e no monopolismo, com princípios

autoritários, período em que se fizeram sentir as primeiras grandes lutas pela

conquista de direitos e pela construção da cidadania, lideradas por trabalhadores

italianos que chegaram ao Brasil para trabalhar na indústria nacional.

Nesse cenário, a autora questiona como ficou a construção da

cidadania nesse momento de ditadura liderada por Getúlio Vargas e com o apoio

dos militares.

De 1945 a 1964, desenvolveu-se no Brasil a chamada democracia populista.

Sendo democracia, ainda que autoritária e atravessada pelas duas vertentes

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(liberalismo e monopolismo), como ficou a cidadania nesse período?

(COVRE, 2008:54)

E mais tarde, de 1964 a 1985, o país imergiu num regime ditatorial

consubstanciado na anticidadania, época em que mutilaram direitos,

principalmente, na vigência do Ato Institucional número 5, editado no ano de 1968,

provocando uma grande imobilização da sociedade. Vale destacar que qualquer

projeto de cidadania deve estar atrelado às condições mínimas de democracia,

com ênfase para o respeito à Constituição e sua consolidação requer luta contínua

de toda a sociedade.

No Brasil, a experiência recente da Constituinte, período em que o

Congresso Nacional elaborou a atual Constituição Federal, promulgada em 1988,

representou um fato marcante para toda a sociedade brasileira com a instituição

de um novo ordenamento jurídico para o país, configurado em princípios

democráticos.

Apesar da instituição de um regime democrático conquistado no país,

os direitos civis têm sido motivo de luta intensa tanto no Brasil quanto em outros

países da América Latina, pois se referem à locomoção e à liberdade de

expressão. Para o usufruto desses direitos, é imprescindível a existência de

regimes democráticos que assegurem a existência dos direitos políticos.

A autora salienta que o Estado de Direito pode assegurar o

desenvolvimento necessário ao progresso da humanidade, sem retornar à

barbárie primitiva, pois se trata de um instrumento que potencializa a vida de

forma civilizada que só depende do ordenamento jurídico da sociedade.

Nesta perspectiva, afirma:

O Estado de Direito, o governo pelas leis, foi uma conquista histórica da

humanidade e deve ser irreversível. Com toda a sua ambiguidade, a lei pode

ser também instrumento da maioria dos cidadãos. Mas não devemos ser

ingênuos e acreditar que a luta pela cidadania se restringe às leis, embora elas

lhe sejam essenciais. As leis são instrumentos importantes para fazer valer

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nossos direitos, ainda que por meio de inúmeras pressões sociais. Covre

(2008:29)

A autora tem razão quando afirma a conquista de direitos pela

humanidade deve ser ampliada e não reduzida. Sua posição jamais deve ser

revertida e por outro lado, as leis devem ser utilizadas como instrumentos para

assegurar aos cidadãos uma vida melhor.

4 – PERSPECTIVAS SOBRE EDUCAÇÃO, CIDADANIA E LIBERDADE

Em toda história da humanidade, não há como dissociar cidadania de

liberdade, no entanto o conceito de igualdade nem sempre se apresentou com as

mesmas características e convicções. O liberalismo sempre procurou valorizar

mais as ações individuais do que as coletivas, admitindo as desigualdades

materiais como normais, pois os indivíduos não são iguais na capacidade de

aprendizagem e desenvolvimento de seus talentos.

Nesta perspectiva, PALMA FILHO (1998) salienta que essa liberdade

não abrange o campo das condições materiais, assinalando que a desigualdade

material é perfeitamente coerente com o princípio liberal, pois as pessoas não são

iguais em talentos. A igualdade fica restrita apenas ao plano de oportunidades e a

democracia moderna, segundo Bobbio (2004), assenta na soberania não do povo,

mas dos cidadãos, pois o povo é apenas uma abstração que foi sempre utilizado

para encobrir diversos tipos de realidades.

Na doutrina liberal, a liberdade é compreendida como a ausência de

coerção de indivíduos para indivíduos no sentido de se recorrer à força ou

métodos espúrios para induzir o ser humano a fazer o que não deseja.

(STEWART JR, 1984)

As lutas e conquistas dos povos estão atreladas ao progresso

democrático possível, à consecução dos direitos humanos e sua emancipação

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política, tanto de maneira individual quanto coletiva das pessoas. A cidadania é

abordada sob diferentes paradigmas, porém sempre vinculados aos ideais de

liberdade e de igualdade. Uma das mais importantes conquistas dos povos no

século XX tem como fulcro a cidadania, perfazendo um dos componentes

fundamentais do desenvolvimento humano, selecionando o mercado com a função

de meio, numa concepção neoliberal. (DEMO, 1995),

A democracia é um sistema político organizado, regulado e

administrado em prol da maioria das pessoas, devendo ser gerido de forma a não

suprimir o fenômeno do poder, indispensável para a estrutura social, porém

balizado no Estado de Direito, potencializando o seu acesso com o apoio

majoritário dos interessados, não realizado em prol de aligarquias.

Com esse olhar, Demo (1995) conceitua cidadania como a

competência humana de se fazer protagonista de seu futuro, para construir a sua

própria história, coletivamente organizada, fundada na sua capacidade crítica,

buscando interferir na sua realidade de modo alternativo, apontando para o

processo emancipatório, potencializado pela formação escolar através da

educação, organização política, identidade cultural, informação e comunicação.

Para a consolidação da cidadania é imprescindível a competência humana de se

fazer sujeito de suas ações, de construir sua história de forma coletiva e

organizada.

Nesse sentido Pinsky (2005) acrescenta que um trabalho de base

realizado por professores, alunos, comunidade e governo pode contribuir para

mudanças de atitudes em relação à escola, numa responsabilidade mútua,

destarte, potencializando a participação de todos, conquistando direitos e

assumindo obrigações, num processo formativo de construção da cidadania,

demonstrando que cidadania se aprende na escola.

No entanto, Demo (1995) aborda a temática e destaca que o maior

desafio da construção da cidadania na atualidade é a eliminação da pobreza

política, pois a ignorância potencializa a ampliação da condição de massa de

manobra das pessoas, inibe a consciência crítica da marginalização que lhe é

imposta pelos poderosos, obscurecendo sua visão política de organização, de

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concessão de uma história alternativa, admitindo que a injustiça constitui elemento

de seu destino e que produz riqueza para os outros, sem dela poder participar.

Para combater a miséria econômica, o pobre necessita superar sua

condição de pobreza política, descobrindo que existem as oportunidades e a

cidadania constitui-se em requisito indispensável para o desenvolvimento,

ressaltando a necessidade de construir as competências para enfrentar os

desafios que emergem, pois basta sua aplicação no cotidiano social.

Numa sociedade democrática, o avanço das políticas públicas pode

contribuir e favorecer a construção da cidadania, , incentivando a sociedade

organizada a controlar a elite e o Estado de forma coordenada e dialeticamente

polarizada. A mais próxima das políticas públicas nesse segmento é a educação

básica, desde que tenha boa qualidade, característica indispensável para gerar

um processo formativo capaz de construir as competências indispensáveis à

cidadania, destacando sua obrigatoriedade e os recursos financeiros para seu

financiamento.

No Brasil, a educação básica encontra-se muito atrasada, refletindo a

condição perversa do capitalismo, sobretudo no confronto entre o poderio

econômico e a miséria reinante, evidenciando seus traços de perversidade no

fracasso escolar, em que a adoção de um sistema de seleção, mesmo à revelia da

legislação educacional, trata o fator repetência mais comum que a aprovação,

ignorando o sentido essencial que se funda na equalização de oportunidades,

atingindo principalmente as camadas mais pobres da população.

Esses indicadores divulgados pelo MEC através do censo escolar

demonstram o péssimo rendimento escolar da educação básica, agravando-se

com os desequilíbrios regionais, principalmente nos estados do norte e nordeste

do país, com ênfase nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática.

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CAPÍTULO II – A EDUCAÇÃO NO BRASIL – DA INDEPENDÊNCIA AOS NOSSOS DIAS

O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer

coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações

fizeram. Jean Piaget.

1 – AS RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E CIDADANIA

Numa perspectiva histórica, este capítulo procurou analisar as

relações entre educação e cidadania no Brasil, desde a sua Independência de

Portugal até os dias de hoje, sublinhando o período que abrange a promulgação

da Constituição Federal de 1988 e a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional n° 9394/96, com sua repercussão no processo de redemocratização do

país e formação do jovem para uma sociedade que se avança em alta velocidade

na tecnologia da comunicação e da informação.

Nessa trajetória, adotou-se como pressuposto que a educação

escolar não é neutra, portanto está sempre a serviço da formação de um tipo de

cidadania, potencializando a inserção do jovem no universo social, construindo no

cotidiano escolar a sua cidadania que pode ser de obediência e passividade ou

crítica e reflexiva. (PALMA FILHO, 1998)

A partir dos objetivos do presente trabalho, desenvolve-se uma

análise reflexiva e crítica das relações existentes entre educação e os diferentes

tipos de cidadania construídos durante o período em estudo. Destacam-se os

princípios universais e fundamentais da dignidade humana, justiça social e no

combate às desigualdades, pobreza e violência contra os mais fracos.

Na atualidade, o discurso oficial declara a educação escolar como

um dos pilares de desenvolvimento sustentável da democracia, construção da

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identidade juvenil, preparação da pessoa para o exercício da cidadania plena,

convívio social e qualificação para o trabalho.

É com esse espírito audacioso que o Estado brasileiro se propõe a

implementar uma política educacional que priorize o processo formativo da pessoa

através da educação básica, proporcionando a todos os brasileiros a construção

de competências e habilidades imprescindíveis para o exercício da cidadania

democrática e preparação básica para o trabalho, consolidado na conclusão do

ensino médio, etapa terminal desse nível de educação.

Nesta perspectiva, a educação básica, consubstanciada no discurso

oficial expresso na atual legislação educacional brasileira, normas e orientações

sobre a temática, busca formar o jovem para o mundo do trabalho, mundo do

conhecimento, prática social e preparação para o prosseguimento de estudos.

2 – EDUCAÇÃO E CIDADANIA NO PERÍODO IMPERIAL A proclamação da Independência do Brasil foi realizada de forma

pacífica em 7 de setembro de 1822, negociada entre a elite brasileira, a coroa

portuguesa e a Inglaterra, tendo como mediador o próprio príncipe Dom Pedro.

Mediante o pagamento da quantia vultosa de dois milhões de libras esterlinas ao

reino de Portugal, o Brasil conquistou sua independência, proporcionando nessa

época a unificação territorial do país. Algumas províncias receberam a notícia

somente três meses depois e o conceito de cidadania não sofreu nenhuma

alteração com essa mudança de regime de governo. (CARVALHO, 2008).

A primeira Constituição brasileira recebeu a denominação de

Constituição do Império do Brasil e foi outorgada em 25 de março de 1824 pelo

então imperador Dom Pedro I. Com 179 artigos, a Constituição estabeleceu que

são cidadãos brasileiros os nascidos no Brasil, os libertos, os filhos de brasileiros

nascidos em países estrangeiros que viessem residir no país, dentre outros,

estando sujeitos à perda da cidadania em casos de naturalização em país

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estrangeiro, aceitação de condecoração de governo estrangeiro, sem autorização

do imperador ou ser banido por sentença, portanto o “modelo” de cidadania

adotado no país estava vinculado apenas à nacionalidade.

O perfil da Constituição Imperial demonstrava que para a elite

governante do Brasil, a educação popular não era considerada relevante, pois

apesar de estabelecer como direito a instrução primária gratuita aberta a todos os

cidadãos, determinava que a sua implementação deveria ser realizada de forma

descentralizada através das províncias e sem nenhum tipo de apoio financeiro ou

técnico do Governo Central, tornando o processo inexequível em virtude da

carência de recursos (CURY, HORTA e FÁVERO, 1996).

Nesse cenário de dificuldades, haveria necessidade de uma política

educacional que contemplasse a concessão de recursos financeiros às províncias

e a criação de um sistema público para gerir todo o processo da educação

nacional. No entanto, as dificuldades não foram superadas e desta forma o

princípio educacional estabelecido pela Constituição Imperial expresso em seu

artigo 179 – [...] Inciso XXXII – A Instrução primária, e gratuita a todos os

cidadãos”, tornou-se letra morta.

A gratuidade da instrução primária a todos os cidadãos foi o único

princípio educacional estipulado pela Constituição Imperial, apresentado como

ideal, segundo Saviani (2008), porém considerando a falta de recursos

organizacionais e financeiros, acabou sendo reduzido à instalação de algumas

escolas de primeiras letras, não produzindo os frutos esperados, e deixando

muitas ideias apenas no papel. Na corte e nas grandes cidades, instituições

educacionais particulares passaram a oferecer um ensino primário mais rico que o

oferecido pelas escolas públicas. (HAIDAR e TANURI, 1998)

Para se ter uma ideia mais concreta do processo educacional do país

no Período Imperial, Carvalho (2008) destaca que meio século após a

proclamação da independência do Brasil, a maioria da população brasileira era

constituída por analfabetos, pois no ano de 1872, apenas 16% da população era

alfabetizada.

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Neste contexto educacional sob a vigência da Constituição Imperial,

o Governo Central demonstrou que não conseguiu zelar pela instrução primária.

Apenas fixou o currículo para as escolas de primeiras letras e instituiu o ensino

primário para o sexo feminino. A educação do povo, na realidade, ficou à mercê

de interesses pessoais e políticos do soberano centrado no seu poder absoluto.

No tocante ao ensino superior, o Governo Imperial instalou nos país os cursos

jurídicos na cidade de Olinda no estado de Pernambuco e na capital paulista e

criou as faculdades de medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, restando anseios,

esperanças e planos não realizados. Deixou para a República uma enorme tarefa

a ser promovida no que tange à instrução pública. (HAIDAR e TANURI, 1998).

3 - A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA DE 1891 Em 15 de novembro de 1889, com a Proclamação da República, a

monarquia sai de cena e através de um golpe militar sem a participação popular,

instaura-se no Brasil um novo regime de governo, o republicano, criando

expectativas sobre mudanças de paradigmas de cidadania, considerando que a

escravidão havia sido abolida em 1888, portanto num passado bastante recente.

No novo cenário institucional o Governo Provisório tinha a incumbência de

reorganizar o país jurídica e politicamente. (MARÇOLA, 2010).

Com a mudança do regime de governo, a Constituição Imperial foi

revogada e em 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição Republicana é

promulgada, assegurando a todos os brasileiros os direitos civis e a ampliação dos

direitos políticos. O exercício do direito ao voto, anteriormente limitado pelo valor

da renda, passa a ser contemplado a todos os brasileiros alfabetizados, portanto

excluindo os analfabetos do processo eleitoral. (CURY, HORTA e FÁVERO,

1996)

Essa mesma Constituição estabeleceu um postulado declarando a

igualdade das pessoas na sociedade, no entanto ignorou a dura realidade dos

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negros recém-libertos, caboclos e índios, além de retirar o único direito

educacional consagrado na Constituição Imperial de 1824, o princípio de

gratuidade da educação primária.

O ensino secundário passou a ser controlado diretamente pela

União, buscando o seu aperfeiçoamento e a sua estruturação em nível de país;

por outro lado, procurando a superação de seu caráter propedêutico em relação

ao ensino superior. Essa Constituição Republicana não contemplava gratuidade

nem obrigatoriedade de ensino elementar no país.

A Constituição de 1891 desvinculou a Igreja Católica do Estado,

estabelecendo a proibição expressa do uso de dinheiro público para subvencionar

todos e quaisquer tipos de atividades religiosas, manteve o legado do Império no

que tange à educação elementar e instituiu a laicidade do ensino em todos as

escolas públicas brasileiros, expressa no seu “Artigo 72 – [...] § 6º - Será leigo o

ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”.

Esse princípio constitucional, segundo Saviani (2008), desonerou o

Estado e transferiu as questões de ordem confessional para a iniciativa privada.

Para viabilizar sua aplicação, a União deveria organizar e instaurar um “sólido”

sistema público de educação capaz de estruturar e gerir o ensino em todo o

território nacional, em consonância com os princípios de um Estado republicano.

A inexistência de um Ministerio específico para gerir e articular os

negócios da educação e a ausência de uma política educacional eficaz para o

setor agravaram ainda mais a situação do país. Qualquer medida que fosse

adotada seria de difícil implementação, por isso no período da Primeira República

(1889-1930) a educação apresentou poucos avanços.

A organização e a instauração de um sistema público de ensino

“sólido” acabaram ficando apenas no papel, pois a elite governante do Brasil

argumentou que numa República Federativa o regime político é descentralizado,

portanto a organização nacional do ensino também deve ser e, neste caso, sob a

responsabilidade das antigas províncias, agora transformadas em Estados

federados com a Proclamação da República.

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Na realidade, a argumentação apresentada pela União não se

confirma, pois o novo regime vigente no Brasil apenas mudou de denominação, de

Império para República, mas se manteve de forma centralizada. A Constituição

Republicana não sofreu alterações substantivas nesse aspecto e com a

insuficiência de recursos organizacionais e financeiros os estados federados não

dispunham de meios para a implementação e manutenção do ensino de forma

descentralizada.

Nas duas primeiras décadas do regime republicano, a área da

educação se manteve com as mesmas ideias do período Imperial. Nenhum tipo de

mudança significativa aconteceu e as estratégias permaneceram idênticas,

apenas mudança de regime de governo e concessão de alguns direitos. (HAIDAR

e TANURI, 1998)

A Constituição Republicana de 1891 manteve o dever de animar no

país o desenvolvimento das artes e ciências à União, não de forma privativa,

devendo ainda promover a instrução secundária apenas no Distrito Federal,

estabelecendo como sua competência o poder para legislar sobre o Ensino

Superior na Capital da República.

Aos Estados, a Carta Magna facultava o exercício de poder ou direito

de legislar, contanto que sua negação não estivesse expressa em cláusula

constitucional, ficando implícito que não era proibido aos respectivos Estados a

criação de escolas de qualquer nível ou modalidade de ensino, bem como legislar

sobre sua organização e funcionamento.

Apesar desse cenário educacional de dificuldades, no início do

período republicano (1890/1893) a educação no Estado de São Paulo

implementou reformas, assegurando um ensino primário de melhor qualidade,

principalmente por se constituir num dos principais polos econômicos do país,

sendo considerado um dos Estados mais progressistas.

Nesse período, o Estado de São Paulo destacou-se pela construção

dos chamados grupos escolares, cujas classes eram formadas por alunos de

acordo com o seu nível de adiantamento e pela elevação do nível da escola

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normal. Nesse período, outros Estados fizeram uso do modelo paulista de

educação para implementação de melhorias em suas escolas de ensino primário.

De forma paralela, foram processadas mudanças qualitativas e

quantitativas no ensino normal, procurando o aprimoramento e disseminação do

ensino primário, destacando que, apesar de alguns Estados ampliarem seu

currículo e prolongarem sua duração, o curso normal funcionou com conteúdo

concentrado em cultura geral e de forma paralela ao ensino secundário.

Nesse longo período (1822-1830), o ensino secundário no Brasil

ficou, praticamente, por conta da iniciativa privada, pois a União mantinha apenas

um colégio que ministrava esse nível de ensino, o Colégio Dom Pedro. Mesmo

assim, o controle dessa modalidade de ensino permanecia como competência da

União, ampliando-se ainda mais, porém de forma progressiva com as reformas

Maximiliano (1915) e João Luiz Alves (1925). A educação popular nessa fase ficou

concentrada em estabelecimentos de ensino da esfera estadual e o ensino

secundário concentrou-se nas escolas particulares.

O ensino normal, a instrução primária e o ensino profissional ficaram

à mercê das possibilidades financeiras dos Estados, pois a União continuava

ausente na organização e manutenção da instrução popular, ignorando a

“instrução básica comum necessária à formação da consciência nacional”,

apontada no período imperial como ameaça à integridade política da nação.

A partir desta constatação, movimentos nacionalistas buscaram

empunhar a bandeira de luta contra o analfabetismo, exigindo a efetiva

participação do governo Federal, como participante desse setor inclusive,

abordando a constitucionalidade dessa participação. Nesse período foram

promulgadas diversas leis que propunham a cooperação do governo central na

educação popular no país, bem como, a discussão deste tema.

No ano de 1926, o Brasil passou por uma Reforma Constitucional;

foram apresentadas diversas emendas com o objetivo de viabilizar de forma

expressa a participação da União na cooperação e manutenção da instrução

popular, porém nenhuma delas foi aprovada. Somente mais tarde, após o

fechamento de escolas alemãs na Região Sul do Brasil, o Governo Federal

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concedeu auxílios financeiros para manutenção de escolas primárias, construídas

por estados e prefeituras, através de medidas isoladas de exceção, após o final da

Primeira Guerra Mundial.

Até o final da Primeira República, foram criadas escolas de ensino

técnico para formação de aprendizes artífices e de patronatos agrícolas, de forma

isolada, persistindo assim a ausência de uma política nacional de educação e de

uma coordenação central de todos os segmentos e modalidades de ensino. Os

Estados desincumbiram-se sozinhos da tarefa de manutenção do ensino popular,

organizando-o de forma independente de ações da União.

A consciência da necessidade de um sistema de educação eficaz

com abrangência nacional, inspirado numa política pública dessa natureza,

marcou o final da Primeira República e esses ideais vieram a fazer parte do

Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), documento elaborado por um

grupo de intelectuais brasileiros, consubstanciado em princípios educacionais

bastante avançados para a época e endereçados ao Governo e à população.

4 - A EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES DE 1934 E DE 1937 Com a Revolução de 1930, encerra-se um período histórico da

política brasileira com a queda da Primeira República e assunção da Presidência

do Brasil por Getúlio Vargas, na condição de governo provisório. O momento

clama por uma nova ordem jurídica, uma nova Constituição.

Com esse idealismo, os paulistas se rebelaram e passaram a exigir

do governo provisório a convocação imediata de uma Constituinte, porém não

sendo atendidos, desencadearam a Revolução Constitucionalista de 1932, sendo

sufocados pelas forças leais ao governo e em seguida concedida anistia para

todos os rebelados. Apressou-se a convocação da idealizada Constituinte, cuja

instalação ocorreu no dia 10 de novembro de 1933. Nessa época, o governo

provisório já acenava sua grande preocupação com relação à extensão da

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cidadania, o voto das mulheres e dos maiores de 18 anos. (QUIRINO e MONTES,

1987)

Em 16 de julho de 1934, foi aprovada a nova Constituição brasileira

de teor democrático-liberal, preservando o caráter do princípio federativo em vigor

e ampliando as atribuições da União na área da educação, fixando-lhe, dentre

outras, as seguintes competências: “traçar as diretrizes da educação nacional,

fixar o plano nacional da educação e coordenar sua execução em todo o país,

organizar e manter os sistemas dos territórios e exercer a ação supletiva, onde

necessária”. (HAIDAR e TNURI, 1998:89)

Após a Revolução de 1930, as relações entre o governo Federal e os

Estados passaram por um processo de centralização política, atingindo todos os

segmentos da sociedade e com as mudanças na política e na economia, o Brasil

passou de uma sociedade pré-capitalista agrocomercial e artesanal para uma

sociedade urbana industrial.

O crescimento da indústria provocou uma grande migração da

população rural para as cidades com expectativas de conquistar novas

oportunidades de trabalho, melhores possibilidades de mobilidade social e êxito

profissional, resultando num aumento de demanda pela escolarização. As

matrículas aumentaram de 1933 a 1960 – 253% para o ensino primário, 817%

para o total do ensino técnico, 402% para o ensino normal e 1207% para o ensino

secundário.

No período de 1930 a 1945, houve uma expressiva expansão da

rede pública de ensino de nível médio, principalmente na modalidade acadêmica,

secundária. Esse crescimento decorreu do grande aumento da demanda por

escolarização e não de uma política educacional que procurasse ajustar a

organização escolar a sua clientela, ora heterogênea. Na ausência de uma política

educacional para o setor, o índice de evasão escolar e repetência, passou a ser

extremamente significativo.

Vale salientar que houve avanço na área educacional. A Constituição

de 1934 foi a primeira Constituição brasileira a destinar um capítulo à questão

educacional, o Capítulo II, da Educação e da Cultura, estabelecendo que:

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CAPÍTULO II

Da Educação e da Cultura

Art. 148 – Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o

desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral,

proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do país, bem

como prestar assistência ao trabalhador intelectual.

Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrado pela família e

pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a

estrangeiros domiciliados no país, de modo que possibilite eficientes fatores da

vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a

consciência da solidariedade humana.

A Constituição de 1934 estabeleceu princípios educacionais muito

relevantes para a sociedade brasileira: a gratuidade do ensino primário, a

universalização da educação, a obrigatoriedade do ensino primário, a liberdade de

ensino, dentre outros.

A vigência dessa Carta Magna foi extremamente curta, pois em 10

de novembro de 1937 o então Presidente Getúlio Vargas outorgou uma nova

Constituição instituindo no país a ditadura do Estado Novo, silenciando em relação

a alguns princípios e relativizando outros, e , estabelecendo em seu artigo 129 a

criação do ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos

favorecidas e em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. (SAVIANI,

2008).

O princípio de liberdade de ensino foi mantido na Constituição

Federal de 1937 quando estabeleceu que a arte, a ciência e o ensino poderiam

ser livres à iniciativa individual e a de associações coletivas públicas e particulares

e que o dever do Estado é contribuir para o desenvolvimento dessas iniciativas,

favorecendo a fundação de instituições dessa natureza.

A Constituição também estabeleceu que o ensino primário seria

gratuito, porém relativizou essa gratuidade, pois exigia que os mais favorecidos

contribuíssem em termos de solidariedade na ocasião da matrícula para beneficiar

os menos favorecidos com uma contribuição mensal para a caixa escolar.

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No período de vigência do Estado Novo foram criadas as leis

orgânicas do ensino, estabelecendo diretrizes para a organização da educação

nacional, não de forma sistêmica, mas por partes, não havendo adoção de um

sistema integrado para todo o país.

A Constituição estabeleceu como dever das indústrias e sindicatos, a

criação de escolas de aprendizes destinadas aos filhos de seus empregados ou

de seus associados na esfera de suas especificidades, sendo criados nessa

época o Serviço Nacional da Indústria (SENAI), o Serviço Nacional do Comércio

(SENAC) e o Serviço Nacional da Indústria (SESI), com esse objetivo.

5 – EDUCAÇÃO E CIDADANIA NA REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL

Em 1945, com a queda da ditadura de Getúlio Vargas, iniciou-se o

processo de redemocratização do país, sendo convocada em apenas dois meses

uma Assembleia Nacional Constituinte com poderes ilimitados para elaborar e

votar a Constituição do Brasil e eleições: presidencial e legislativas, sendo eleito

para presidência do Brasil Eurico Gaspar Dutra. Os trabalhos da Constituinte

foram concluídos em 2 de setembro de 1946, e a nova Constituição brasileira

promulgada no dia 18 de setembro de 1946, restituindo direitos essenciais à

sociedade civil e liberdade de iniciativa aos cidadãos. (QUIRINO e MONTES,

1987).

Nesse mesmo ano, com o final da Segunda Guerra Mundial, o

ambiente planetário traduzia um clima democrático, segundo Carneiro (2010), pois

trazia no seu bojo um conjunto de valores universais representados pela liberdade,

dignidade humana e solidariedade internacional, vistos como pilares de

sustentação daquele momento histórico.

A nova Constituição brasileira aprovada neste cenário político

recuperou a orientação descentralista e liberal da Carta Magna de 1891,

restabelecendo uma parte dos principais dispositivos relacionados à educação,

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com destaque para os princípios da obrigatoriedade do ensino primário e sua

gratuidade, assegurando o direito de todos à educação. Além disso, delegou à

União a competência para legislar sobre as diretrizes e bases da educação

nacional, potencializando a organização de um sistema Federal de ensino de

caráter supletivo, procurando amenizar as deficiências de cada localidade em todo

o território nacional. (HAIDAR e TANURI, 1998)

No tocante aos recursos financeiros para a área educacional, a

Constituição de 1946 estabeleceu a obrigatoriedade de a União aplicar

anualmente nunca menos que 10%, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, nunca menos que 20% da renda resultante dos impostos para a

finalidade específica de manutenção e desenvolvimento do ensino, nos termos

estabelecidos pelo seu artigo 169. Por outro lado, liberou o ensino à livre iniciativa

privada, condicionado a atender os dispositivos legais que regulamentassem a

matéria.

Os Estados e o Distrito Federal restabeleceram a atribuição expressa

de organizar e implementar os seus respectivos sistemas de ensino de forma

bastante análoga ao estabelecido pela Constituição de 1934. A mesma

Constituição de 1946 outorgou a competência para a União legislar sobre as

diretrizes da educação nacional e por isso todos os planos de trabalho elaborados

pelos entes federados ficaram na dependência de legislação Federal,

inviabilizando o seu desenvolvimento em nível estadual.

E nesse período histórico, ano de 1948, o Poder Executivo

encaminhou à Câmara Federal o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da

Educação. Ele só foi aprovado em dezembro de 1961, 13 anos depois, após longa

e tumultuada discussão no Congresso Nacional, o que evidencia as dificuldades

enfrentadas pelos Estados federados e pelo Distrito Federal.

Nesse longo período de tramitação do projeto de lei de Diretrizes e

Bases, de forma paralela à Constituição de 1946, permaneceram em vigor as Leis

Orgânicas da Educação, passando por algumas modificações somente em 1962,

ficando mantidos durante esse tempo o ensino primário e o normal nos moldes

anteriores.

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Em 20 de dezembro de 1961 entrou em vigor a primeira Lei de

Diretrizes e Bases – LDB n° 4024, regulamentando a educação brasileira,

estabelecendo novas normas para a educação nacional.

Dá-se um importante passo no sentido da unificação do sistema de

ensino e da eliminação do dualismo administrativo herdado do Império.

Inicia-se, pela primeira vez, uma relativa descentralização do sistema

como um todo, concedendo-se considerável margem de autonomia aos

Estados e proporcionando-lhes as linhas gerais a serem seguidas na

organização de seu sistema (HAIDAR e TANURI, 1998:96)

A nova LDB manteve a autonomia dos Estados quanto à organização

do ensino primário, limitou a fixação de suas finalidades, duração e

obrigatoriedade, fixando as normas gerais e as grandes linhas de um sistema

nacional de educação, consolidando a vitória dos educadores de 1920, início de

1930, conferindo à União a competência para fixar diretrizes gerais e as grandes

linhas de um sistema nacional de educação. Passou a coordenar a ação educativa

de todo o país e, aos Estados, coube a organização de seus sistemas de ensino

nas respectivas modalidades.

Para estruturação e organização do ensino técnico e secundário, os

Estados, os municípios e a iniciativa privada deveriam adotar os padrões federais,

ficando a União responsável pela autorização e fiscalização dos estabelecimentos

que viessem a oferecer essas modalidades de ensino, com padrões rígidos e

uniformes. Na realidade toda rigidez curricular e de programas não passou dos

aspectos formais, pois o Governo Central não dispunha de recursos técnicos e

financeiros para bancar o controle nos termos propostos pela legislação

educacional da época.

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6 - A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR

Em 31 de março de 1964, as Forças Armadas desencadearam um

movimento armado vitorioso, depondo o Presidente da República, dando inicio à

destruição da Constituição Federal que regera a república liberal-democrática

desde o ano de 1946. (QUIRINO e MONTES, 1987).

Com a instauração do regime militar, instituiu-se no país uma

progressiva centralização política e administrativa da educação, contrariando o

processo de descentralização estabelecido pela LDB N° 4024/61. O planejamento

da educação que era incumbência do Conselho Federal de Educação passou a

ser executado por órgãos centrais do Poder Executivo, assegurando a sua

hegemonia absoluta, nos termos dos Atos Institucionais de 1964 a 1966.

(HAIDAR e TANURI, 1998)

Neste contexto autoritário, em 24 de janeiro de 1967, o Governo

Militar outorgou uma nova Constituição ao país, relativizando o princípio de

gratuidade do ensino público, estendendo a possibilidade de o Poder Público

substituir o regime de gratuidade pela concessão de bolsas de estudo. Era

possível exigir o posterior reembolso no caso de ensino superior. Extinguiu a

promoção por mérito, estabilidade de professores e remuneração condigna de

docentes, dentre outros direitos, estabelecidos na Constituição de 1946.

Apenas dois anos depois, em 17 de novembro de 1969, entre o

período de doença do General Costa e Silva e a posse do novo presidente

General Emílio Garrastazu Médici, a junta militar que governava o país outorgou a

Emenda Constitucional número 1, mantendo os mesmos dispositivos expressos

na Constituição de 1967 no que tange à educação nacional, apenas procedendo a

algumas alterações em sua redação. (SAVIANI, 2008)

A educação nacional teve de incorporar de forma compulsória a

ideologia dominante inspirada na segurança do país. A Constituição outorgada

pelos militares em 1967 abriu espaço para a criação de escolas particulares,

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direcionando recursos públicos para sua ampliação e fortalecimento, sem critérios

claros e previamente definidos. (CARNEIRO, 2010)

Em linhas gerais, a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional

de 1969 mantiveram a divisão de atribuições relativas ao ensino estabelecidas

pela Constituição de 1946 com poucas alterações, porém, houve uma ampliação

de regulamentação e controles federais, principalmente no tocante à definição de

diretrizes e bases da educação nacional. (HAIDAR e TANURI, 1998).

Com a tendência centralizadora do regime militar, o Ministerio do

Planejamento assumiu a liderança do processo educacional do país, em

consonância com as novas Leis que normatizavam a educação nacional. Nesse

período podemos destacar a Lei n° 5540 de 28 de novembro de 1968 que “Fixa

normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com

a escola média e dá outras providencias” e a Lei 5692 de 11 de agosto de 1971

que “Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2° graus”, refletindo a tendência

de centralização do novo regime de governo, tanto pela sistemática quanto pelo

conteúdo das legislações, reservando poucos assuntos para a competência dos

Estados.

A Lei 5692/71 manteve o conceito de grau de ensino, presente na lei

anterior à de número 4024/61, no entanto estabeleceu uma mudança bastante

radical na estrutura básica da educação nacional. Na legislação anterior o curso

primário era de quatro anos no mínimo, o médio ginasial de três anos e o ensino

médio colegial de três, perfazendo um total de dez anos de escolarização nesse

nível de ensino.

A nova lei (5692/71) estabeleceu o ensino de primeiro grau com

duração de oito anos e o ensino médio com duração de três, perfazendo um total

de 11 anos de escolarização, promovendo o prolongamento da escola única e

contínua, segundo Carneiro (2010), vindo ao encontro da ampliação da

escolaridade obrigatória estabelecida pela Constituição Federal de 1967. (HAIDAR

e TANURI, 1998)

Carneiro (2010) salienta ainda que a Lei 5692/71 apresentava uma

estrutura única e profissionalizante para o ensino médio centrada no mercado de

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trabalho, impondo um currículo universal para o todo o país, disponibilizando para

o estudante uma enorme gama de habilitações profissionais, no entanto essa

configuração foi marcada por grande resistência da sociedade brasileira.

Na realidade, essa LDB estabeleceu a profissionalização do ensino

médio de forma compulsória no nível de segundo grau, procurando integrar vários

cursos colegiais em um único segundo grau direcionado para uma habilitação

ocupacional, porém essa modalidade de curso não chegou a ser implementada na

totalidade das escolas, nem na rede pública nem na particular.

Neste contexto histórico, é interessante destacar o que estabelece a

Lei 5692/71 – “Artigo 1º. - O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral

proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas

potencialidades como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e

preparo para o exercício consciente da cidadania”, em plena ditadura militar.

PALMA FILHO (1998) destaca que essa LDB adotou um modelo de

cidadania que atribui um maior valor ao aprendizado do convívio social, ignorando

as desigualdades sociais, demonstrando que cidadania é algo inerente ao próprio

ser humano. Basta apenas a educação criar condições para o seu

desenvolvimento idealizado, sem nenhum tipo de problematização sociopolítica,

completamente antagônica à defendida por Demo (1995) que assinala o conceito

de cidadania focado na emancipação da pessoa humana, na construção do sujeito

de sua própria história.

A rejeição pela sociedade, a inviabilidade e a inconveniência dessa

legislação acabaram pressionando o Conselho Federal de Educação que resolveu

relativizar sua aplicação, normatizando seu cumprimento através do Parecer CFE

76/75, introduzindo as “habilitações básicas” com o objetivo de potencializar uma

formação mais geral para o trabalho, mas com a possibilidade de ser completada

nas empresas, segundo assinala Haidar e Tanuri (1998). Em 1982, a

obrigatoriedade da profissionalização compulsória do segundo grau foi abolida

definitivamente pela Lei 7044, convalidando os atos normativos estabelecidos pelo

Conselho Federal de Educação.

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7 – AS RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E CIDADANIA NA NOVA REPÚBLICA

No período da ditadura militar, conhecido como Nova República,

mais especificamente de 1964 a 1980, o Brasil imergiu num processo de

anticidadania. Direitos foram simplesmente extintos e sua extinção legitimada pelo

Ato Institucional número 5 editado no ano de 1968, promovendo uma verdadeira

varredura na democracia brasileira. Nesse cenário ditatorial, a cidadania ficou

aniquilada, pois sua existência deve estar sempre atrelada à democracia,

consolidada no respeito e cumprimento da Constituição. (COVRE, 2010)

Romanelli (1998) salienta que o Ato Institucional número 5 de 13 de

dezembro de 1968 retirou dos brasileiros todas as garantias individuais, quer

públicas, quer privadas, concedendo ao presidente da república plenos poderes

para atuar como executivo e legislativo.

A promulgação do Decreto-Lei 477 de 26 de fevereiro de 1969

“simplesmente” estabelece normas de conduta para os profissionais da educação

e para os educandos. O referido decreto “Define infrações disciplinares praticadas

por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de

ensino público ou particulares, e dá outras providências”, impondo regras ao corpo

docente, discente e administrativo de todas as escolas, proibindo todo tipo de

manifestação de caráter político ou protesto no âmbito das universidades,

contornando a crise de insuficiência de vagas e pressão sobre a reivindicação de

mais vagas.

Direitos sociais passaram por mudanças radicais, apontando um

grande retrocesso no tocante aos salários e condições de vida, além da inibição

do exercício de direitos de organização e manifestação. A educação nacional teve

de incorporar a ideologia dominante inspirada na segurança do país, a

Constituição outorgada pelos militares em 1967 abriu espaço para a criação de

escolas particulares, direcionando recursos públicos para sua ampliação e

fortalecimento, sem critérios claros e previamente definidos. (LUCA, 2010)

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Carneiro (2010) salienta que no período da ditadura militar a

obrigatoriedade do ensino fundamental de sete a catorze anos representou “uma

grande conquista” estabelecida pela Lei 5692/71, conflitando com a permissão de

trabalho para crianças a partir dos 12 anos de idade e relativizando a gratuidade

do ensino com a concessão de bolsas de estudo reembolsáveis determinado pela

Constituição.

Mesmo com esse possível avanço no setor educacional, o autor

acrescenta que a trajetória da educação brasileira consolidou sua fragilidade e

debilidade, pois há pouco tempo o Brasil esteve entre os países com menores

índices de escolarização do mundo. Admitiu a igualdade de direitos a todos no ano

de 1948, após a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela

Assembleia da Organização das Nações Unidas, assegurando a todas os

brasileiros, pelo menos em termos legais, o direito ao trabalho, à moradia, à

saúde, à livre expressão e a uma vida digna.

Com relação à vida cidadã, o direito de votar com algumas restrições

foi incorporado à primeira Constituição brasileira, promulgada no ano de 1924.

Teoricamente um direito político assegurado, ignorando por completo a situação

de penúria dos negros libertos e também dos índios, estabelecendo, pelo menos

em termos jurídicos, que todos os brasileiros são iguais perante a lei. (CURY,

HORTA, FÁVERO, 1996)

8 – EDUCAÇÃO E CIDADANIA NA ATUALIDADE BRASILEIRA

No ano de 1988, restabeleceu-se no Brasil a democracia com a

promulgação de uma nova Constituição Federal, em substituição à Carta de 1967

com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional de 1969. Nessa

Constituição os direitos fundamentais apareceram em destaque, nos títulos iniciais

dos capítulos, indicando sua centralidade na ordem em que se fundava, a

democracia plena.

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Nesse cenário, os debates dos trabalhadores desempenharam um

papel de grande relevância na participação da vida pública, marcando presença

no interior dos Estados nacionais, amparados pelas transformações decorrentes

do capitalismo, à busca de justiça social na divisão da riqueza produzida de forma

coletiva. A nova Constituição resgatou o direito de votar de forma universalizada,

estendido de forma facultativa aos analfabetos e aos maiores de 16 anos e

menores de 18, assegurando sua cidadania política, ativa e participativa,

reconhecida como ampliação da democracia brasileira. (LUCA. 2010)

A partir desse novo contexto político e jurídico nacional, os princípios

constitucionais que normatizam a educação no país passaram a apontar para o

funcionamento das redes escolares, a formação de recursos humanos para a

função docente e atividades correlatas, os recursos financeiros para a educação, a

gestão das escolas públicas, a qualidade do ensino e outros fatores inerentes à

temática, destacando que devem ser ajustados através da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, em harmonia com a Carta Magna. (SOUZA e

SILVA, 1997).

A nova Constituição promulgada em 1988, sob a bandeira da

redemocratização do país, não afastou essencialmente a divisão de competências

relacionadas à educação nacional fixadas pela Constituinte de 1934. Manteve as

mesmas atribuições para a União, pois a organização dos sistemas passou a ser

de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de

forma concorrente. A competência para legislar sobre as diretrizes e bases da

educação nacional continuou sendo privativa da União. (HAIDAR e TANURI,

1998)

Princípios de grande relevância foram estabelecidos pela Carta

Magna, como o direito ao acesso e permanência na escola em condições de

igualdade para todos, liberdade de ensinar, aprender, pesquisar, além da

divulgação do pensamento, da arte e do saber. Além destes, pluralismo de ideias

e de concepções pedagógicas e a coexistência de instituições públicas e privadas

de ensino, gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, gestão

democrática, dentre outros, afirma Saviani (2008).

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Além desses princípios, o autor salienta que a Constituição Federal

de 1988 procurou imprimir à educação brasileira uma modalidade de política

educacional centrada na democratização da sociedade. Disponibilizou meios

jurídicos e apoio financeiro para implementação de medidas que potencializassem

a construção da cidadania no ambiente escolar, com liberdade e democracia,

segundo afirma Saviani (2008). Estatuiu o princípio de autonomia universitária,

mantendo os princípios de universalidade da educação; gratuidade e

obrigatoriedade do ensino fundamental e liberdade de ensino. Restabeleceu o

princípio de vinculação orçamentária, impondo à União a aplicação de 18% na

educação e aos Estados, Distrito Federal e Município o percentual de 25% da

receita de impostos arrecadados.

Em 20 de dezembro de 1996, o então presidente da república

Fernando Henrique Cardoso promulgou a nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDBEN n°. 9394/96, da qual destacamos a educação

básica:

Art. 21. A educação escolar compõe-se de:

I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e

ensino médio;

II - educação superior.

Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando,

assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania

e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

Na nova LDBEN, a educação básica impõe-se como um direito de

todos os brasileiros e dever do Estado, assinala uma ampliação da cidadania, e ao

mesmo tempo indica uma nova estrutura para esse nível de educação no Brasil.

Esse nível de escolarização passa a ser constituído pela educação infantil, ensino

fundamental e ensino médio, representando um todo orgânico, declarado pela

Constituição Federal de 1988 como um direito social.

Nesse aspecto, Cury (2008) assinala que a CF/88 estabeleceu que a

educação visa “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício

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da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Deve ser efetivada mediante a

garantia do ensino fundamental de caráter obrigatório e gratuito, portanto direito

subjetivo, e a universalização do ensino médio a todos os brasileiros, expressos

nos artigos 205 e 208 da referida Constituição.

De uma maneira geral, a educação escolar deve buscar a

autorrealização do educando, sua formação básica para o trabalho e preparação

para o exercício da cidadania, princípios estabelecidos pela LDBEN. Precisa

constituir-se na maior preocupação dos educadores, considerando sua relevância

para o processo formativo do educando na sociedade contemporânea. (SOUZA e

SILVA, 1997)

Apreendendo os mesmos princípios, a LDBEN estabeleceu que a

educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na vida

familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e

pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas

manifestações culturais (artigo 6°.). Declara que o desenvolvimento do processo

de educação escolar deve ser realizado, de preferência, em instituições próprias

de ensino, vinculando-se ao mundo do trabalho e à prática social.

É importante salientar que a atual LDBEN 9394/96 foi a primeira lei

da educação brasileira que não diz que o ensino profissional vincula-se ao

trabalho, mas que toda a educação escolar será vinculada ao trabalho e à prática

social. Não especifica níveis ou modalidades de ensino, pelo contrário, faz

compreender que todo processo formativo educacional deve estar entrelaçado de

forma global. (MELLO, 1999)

Essa dinâmica deve ser processada mediante a interação da pessoa

com a família e com a sociedade de uma forma bastante abrangente. Busca uma

articulação entre as diversas fontes de estímulos educativos vinculados ao

processo educacional e ao mundo do trabalho. Caracteriza como dever da família

que não pode ser alienada e dever do Estado que deve assegurar vagas para o

ingresso e permanência dos educandos até a conclusão da educação básica,

finalizada com ensino médio. (SOUZA e SILVA, 1997)

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Em linhas gerais, a educação escolar foi inspirada em princípios e

fins estabelecidos pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDBEN) n° 9394/96 que declara que:

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho.

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o

pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

VII - valorização do profissional da educação escolar;

VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação

dos sistemas de ensino;

IX – garantia de padrão de qualidade;

X – valorização da experiência extraescolar;

XI – vinculação entre educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

Este conceito de formação da pessoa humana fundado em

princípios, consagrados pela Constituição Federal de 1988 e incorporados pela Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9394/96 declara a educação como

um direito de todos os brasileiros e um dever do Estado, assegurado no contexto

de uma sociedade democrática, balizada no Estado de Direito. Nesse sentido,

salienta Cury (2008:296):

A educação escolar, pois, é erigida em bem público, de caráter próprio, por ser

em si cidadã. E por implicar a cidadania no seu exercício consciente, por

qualificar para o mundo do trabalho, por ser gratuita e obrigatória no ensino

fundamental, por ser gratuita e progressiva a obrigatoriedade no Ensino médio,

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por ser também a educação infantil um direito; a educação básica é um dever

do Estado.

Ainda no aspecto de construção da cidadania no ambiente escolar e

seu exercício de forma consciente, Cury (2008) assinala que a educação escolar

tem por finalidade o desenvolvimento do educando, assegurando-lhe formação

comum para o exercício da cidadania, fornecendo-lhe meios para progredir no

trabalho e em estudos posteriores.

Cury (2008) destaca que a escola se constitui num local privilegiado

de interação e desenvolvimento social, onde igualdade e equidade se cruzam.

Deve procurar e formalizar o atendimento a determinados grupos sociais

representados por minorias discriminadas num cenário social, em que pessoas

com necessidades especiais, afrodescendentes e outros se relacionam

mutuamente, tornando evidente a função social da instituição escolar, pressuposto

fundamental do direito a um serviço público de qualidade.

Nesse contexto social, enfatiza o autor, há necessidade de se prover

uma educação para a cidadania, com enfoque estratégico na construção de uma

vida melhor, buscando compreender que o conhecimento é essencial para todas

as pessoas.

Por fim, assinala Mello (1999), o processo formativo consolidado na

conclusão da educação básica representada pelo ensino médio deve potencializar

ao jovem a construção de um projeto de vida, com ênfase para o trabalho e

cidadania. Cada estudante deve procurar protagonizar a sua própria maneira de

viver e seu estilo de pensar.

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CAPÍTULO III - A PREPARAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA EDUCAÇÃOA BÁSICA

Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a

apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem

consigo. Michel Foucault

1 – A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA NO AMBIENTE ESCOLAR

Na sociedade brasileira, pensar a educação básica como instrumento

de desenvolvimento social centrada na formação do educando para a cidadania

democrática representa um grande avanço para a construção de uma democracia

plena, sedimentada em princípios universais, sustentada na dignidade humana, na

justiça social e no combate às desigualdades sociais, pobreza e violência contra

os mais fracos.

A educação básica consolida-se como um dos pilares do

desenvolvimento sustentável da democracia, da construção da identidade juvenil e

preparação da pessoa para o exercício da cidadania, convívio social e qualificação

para o trabalho, no ambiente escolar. Educar implica potencializar a construção de

competências e habilidades para enfrentar os desafios de ordem social e pessoal

do mundo contemporâneo.

Signo da formação mínima exigida pelo mundo contemporâneo para

a convivência democrática, representa no Brasil um direito assegurado pela

Constituição Federal de 1988 e se consolida na conclusão do ensino médio, etapa

final desse nível de escolarização.

Possui características próprias de terminalidade, devendo

potencializar ao educando um processo formativo com enfoque no mundo do

trabalho, mundo do conhecimento e prática social. Procura priorizar a formação da

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pessoa para o exercício da cidadania, aprofundamento de conhecimentos

incorporados no ensino fundamental e preparação para prosseguimento de

estudos.

O presente capítulo explora essa temática e promove uma reflexão

sobre sua repercussão no processo formativo dos jovens nos dias de hoje.

Destaca o ensino médio como etapa final da educação básica, sua relação com o

mundo do conhecimento, sua preparação para o exercício da cidadania,

construção de sua identidade numa sociedade que avança em alta velocidade na

tecnologia da comunicação e informação, em sintonia com legislação educacional

vigente e normas formuladas pelos órgãos oficiais, vinculados ao Ministerio da

Educação e dos Desportes.

2 – EDUCAÇÃO E A CIDADANIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA

No Brasil, a conquista de direitos não percorreu uma trajetória linear

ao longo de toda a sua história. Os avanços nesse sentido foram se ampliando e

consolidando no decorrer dos tempos, sendo incorporada à cultura nacional a

ideia de cidadania. (PINSKY, 2010)

Nesse sentido, declara que o exercício da cidadania plena consiste

em usufruir os direitos civis, políticos e sociais, com ênfase em votar, ser votado,

participar dos destinos da sociedade, ter um salário justo, ter direito à propriedade,

ter direito à educação básica de qualidade, igualdade perante a lei, além de ter

uma velhice tranquila.

As relações entre educação e cidadania estão presentes no discurso

educacional, documentos oficiais e em diversas leis brasileiras, assinalando de

forma consensual que a educação visa a formação do cidadão. Destaca a

necessidade de preencher espaços vazios que se alojam entre o discurso e a

ação, espalhando sementes que gerem projetos e que visem de forma efetiva a

construção da cidadania através da educação. (MACHADO, 2002)

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Nesse cenário, a sistematização de uma reflexão sobre as relações

existentes entre educação e cidadania implica conhecer previamente o significado

de ambos os termos e sua contextualização no cotidiano escolar e social dos

educandos.

Atualmente, a expressão educar para a cidadania na interpretação

de Silva (2002) implica transformar uma situação existente, superá-la através do

deslocamento de um ponto inicial, percorrer um caminho denominado estratégia e,

nesse percurso, provocar transformações significativas com o objetivo de atingir

um ponto de chegada, enfatizando a consecução das transformações que se

pretende atingir.

O educador deve analisar o processo formativo do aluno centrado no

seu aprendizado, nos seus direitos e deveres e no que é bom para o próprio

aluno, utilizando-se do currículo escolar como instrumento dinâmico para priorizar

temas e juízos de valor sobre eles.

Na realidade, a educação para a cidadania pressupõe educar para a

convivência numa sociedade de pessoas semelhantes, numa mesma região

geográfica e com a mesma cultura, assumindo o valor de uma identidade que

reflete o signo dos partícipes desse convívio social.

Com essa perspectiva, o autor aborda a temática e salienta:

O instrumento do educador é o currículo, constituído mediante temas, juízos

de valor sobre esses temas e formas.

Educar para a cidadania supõe a escolha de temas pertinentes ao convívio

social solidário, à emissão de juízos de valor que olhem positivamente os

esforços no sentido da tolerância, respeito, dignidade humana e a escolha de

forma que em si já seja mensagem educativa. É sempre oportuno lembrar ao

educador de que diante de temas curriculares semelhantes, diferentes

posturas valorativas e diversas formas utilizadas podem produzir resultados

até antagônicos. (SILVA. 2002:274)

Essas concepções pedagógicas relacionadas ao currículo escolar,

formuladas por Silva (2002), procuram assinalar que educar para a cidadania

pressupõe instrumentalizar o aluno para que ele construa os seus próprios juízos

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de valor sobre temas vinculados ao seu cotidiano escolar e social, incorpore o

conceito de tolerância, dignidade humana e respeito mútuo, focados no convívio

social solidário.

Numa sociedade democrática, aponta Demo (1995), os avanços das

políticas públicas bem elaboradas podem contribuir e favorecer a construção da

cidadania, incentivando a população organizada a controlar a elite e o Estado de

forma coordenada e dialeticamente polarizada.

Dentre essas políticas públicas, a mais próxima desse segmento é a

educação básica, desde que tenha boa qualidade, característica indispensável

para gerar um processo formativo capaz de potencializar a construção das

competências e habilidades indispensáveis à cidadania, não se omitindo de

disponibilizar recursos financeiros para a sua manutenção e financiamento.

Salienta o mesmo autor que a educação básica no Brasil encontra-se

bastante debilitada, refletindo a condição perversa do capitalismo, sobretudo no

confronto entre fatores econômicos e as desigualdades sociais reinante em

grande parte do território nacional.

O fracasso escolar, o péssimo rendimento escolar, desequilíbrios

regionais e estigmatização da escola pública como “escola de pobre para pobre”,

além da má qualidade do ensino decorrente da formação inadequada do corpo

docente e da falta de motivação, com reflexos na maior vítima da educação, o

aluno oriundo das camadas mais pobres da população, demonstram a situação

caótica da educação básica brasileira.

Concordamos com as críticas formuladas por Demo (1995), pois os

indicadores de qualidade da educação básica brasileira divulgados recentemente

pelo MEC/INEP, com base no censo escolar do ano letivo de 2010, demonstram a

situação caótica de aprendizagem dos alunos, principalmente das escolas

públicas de grande parte do território nacional. Houve um crescimento significativo

no número de matrículas no ensino fundamental e médio, no entanto o índice de

retenção e evasão é assustador, pois ambos somados chegam a ultrapassar os

50% dos educandos em algumas escolas de regiões mais pobres.

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3 - O CONCEITO DE EDUCAÇÃO BÁSICA NA ATUAL LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL N°. 9394/96.

A educação básica impõe-se como um direito de todos os cidadãos

brasileiros e um dever do Estado. Significa uma ampliação da cidadania e ao

mesmo tempo assinala como uma nova forma de organização da educação

escolar do país. Além disso, a educação básica traduz uma nova realidade para a

sociedade brasileira, sendo constituída pela educação infantil, ensino fundamental

e ensino médio, salientando seu caráter de terminalidade de uma fase de

escolarização da pessoa humana, consagrada como o primeiro direito social

estabelecido pelo artigo 6° da Constituição Federal de 1988. (CURY, 2008)

A educação escolar, segundo assegura a Carta Magna, deve visar

ao “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania

e sua qualificação para o trabalho”, devendo ser promovida mediante a garantia

de oferta do ensino fundamental, de caráter obrigatório e a universalização do

ensino médio, ambos gratuitos.

Balizada nesses mesmos princípios, a LDBEN N°. 9394/96

incorporou os direitos da educação consagrados pela CF/88, e estabeleceu que a

educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na vida

familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e

pesquisa, nos movimentos sociais da sociedade civil e nas manifestações

culturais. De forma complementar assinala que o processo de educação escolar

deve ser realizado, de preferência, em instituições próprias de ensino, vinculando-

se ao mundo do trabalho e à prática social.

Mello (1999) acrescenta que a atual Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional é a primeira lei da educação brasileira que não vincula apenas

o ensino profissional ao mundo do trabalho, mas declara que toda educação

escolar será vinculada ao trabalho e à prática social. Não especifica cursos, níveis

ou modalidades de ensino; pelo contrário, faz-se compreender que todo o

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processo formativo potencializado pela educação deve estar entrelaçado de forma

global.

A efetivação desse processo formativo deve ser realizada mediante a

interação da pessoa com a família e com a sociedade, de uma forma bastante

abrangente, procurando buscar uma articulação entre diversas fontes de estímulos

educativos vinculados ao processo educacional e ao mundo do trabalho,

caracterizado como dever da família que não pode ser alienado. Como dever, o

Estado deve assegurar vagas para o ingresso e permanência dos educandos até

a conclusão da educação básica. (SOUZA e SILVA, 1997)

Considerando a relevância da educação escolar para as práticas

sociais e para a empregabilidade, Cury (2008:296) salienta que “A educação

escolar, pois, é erigida em bem público, de caráter próprio, por ser em si, cidadã.

E por implicar a cidadania no exercício consciente, por qualificar para o mundo do

trabalho [...]”.

Nesta perspectiva, a LDBEN n° 9394/96 declara:

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o

pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação

dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extraescolar;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

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Em linhas gerais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional assinala que a maior preocupação da educação escolar deve estar

centrada na autorrealização do educando e sua formação para o trabalho e

cidadania, como fatores de grande relevância para o seu desenvolvimento social.

Ainda neste aspecto, Cury (2008) acrescenta que a educação básica

declarada na CF/88 como um direito da pessoa e um dever do Estado representa

um avanço no Estado Democrático de Direito, considerado um bem público,

implica em formação para a cidadania e mundo do trabalho, deve ser gratuito e

abranger a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, como um

todo orgânico.

O autor ainda salienta a grande relevância da educação básica por

constituir-se num momento privilegiado, em que igualdade e equidade se cruzam,

procurando formalizar atendimento a determinados grupos sociais representados

por minorias discriminadas num cenário social constituído por pessoas com

necessidades especiais, afrodescendentes e outros, assumindo a função social da

educação, pressuposto fundamental do direito a um serviço público.

4 - O ENSINO MÉDIO COMO TERMINALIDADE DA EDUCAÇÃOBÁSICA

A denominação educação básica, instituída pela LDBEN N°.

9394/96, representa um conceito novo na forma de organização da educação

nacional, significando um pilar para a construção da cidadania no ambiente

escolar. (CURY, 2008)

Em se tratando de um conceito inovador na legislação educacional

brasileira, a educação básica assinala para um reconhecimento positivo dentro do

processo de redemocratização da nação, um grande avanço na ampliação do

direito à cidadania com ênfase na educação escolar, considerada um bem público,

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procurando promover a qualificação para o trabalho e a preparação para o

exercício da cidadania.

A terminalidade da educação básica indica a conclusão do ensino

médio, posicionado entre o ensino fundamental e a educação superior. Sua

denominação tem variado de acordo com a legislação educacional vigente no

país. No período de vigência da LDB 4024/61, a primeira legislação que fixou as

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, esse nível de ensino recebeu a

denominação de ensino médio com duas ramificações: ensino secundário e

ensino técnico e mais tarde com a aprovação da LDB 5692/71, o nome adotado

passou a ser segundo grau, instituindo-se no país, de forma compulsória, um

ensino médio profissionalizante. Em 20 de dezembro de 1996, com a promulgação

da atual LDBEN, o então segundo grau passou a denominar-se ensino médio com

uma configuração mais geral. (SOUZA e SILVA, 1997)

No contexto educacional brasileiro, esse nível de educação escolar

tem provocado muitas polêmicas quanto à sua natureza e finalidades, suscitando

debates nos meios acadêmicos e sociais.

Para uns trata-se de um ensino destinado a ampliar a cultura geral do

educando e, nesse sentido, subdividiu-se, antes da promulgação da Lei

4.024/61, em dois grandes ramos: o clássico mais voltado para as letras, as

ciências sociais e a filosofia, e o cientifico, mais endereçado às ciências

exatas: Matemática, Física, Química e Biologia. Para outros, deveria voltar-se,

de preferência, para a habilitação profissional, com ênfase maior para as

disciplinas específicas e menor para a cultura geral. Foi a corrente que se

impôs na reforma de 1.971, obrigando a todas as escolas desse grau de

escolaridade a priorizar à formação técnica sobre qualquer outra. (SOUZA e

SILVA, 1997:59)

Os autores Souza e Silva (1997) acrescentam, ainda, que essa

profissionalização compulsória do antigo segundo grau estabelecida pela Lei

5.692/71 culminou com um enorme fracasso, pois não conseguiu potencializar a

formação de técnicos, devidamente qualificados para o mundo do trabalho, nem

fomentar a motivação dos jovens para a cultura geral. As consequências dessa

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medida foram a proliferação de cursinhos preparatórios para a entrada nas

universidades e a desqualificação de cursos superiores em virtude do ingresso de

alunos sem o devido preparo cultural necessário.

Para Saviani (2008), a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional promoveu alterações bastante significativas na educação escolar,

determinando a separação entre o ensino médio e o ensino técnico,

estabelecendo que “o ensino médio, atendida a formação geral do educando,

pode prepará-lo para o exercício de profissões técnicas”.

Cury (2008) acrescenta que a educação básica constitui uma nova

organização da educação escolar, representando ampliação da cidadania com

significação democrática no âmbito civil, social, político e cultural. Seu objetivo

enfoca o desenvolvimento do educando, potencializando-lhe a formação para a

participação na sociedade como cidadão, assegurando-lhe meios para progredir

no trabalho e em estudos posteriores.

Esse conceito de educação básica, tal qual se expressa na

Constituição Federal de 1988, transparece o universalismo de diversos direitos,

consagrados como direito do cidadão e dever do Estado, subdividida em três

etapas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio e consolidado numa

única realidade.

O ensino médio circunscrito como etapa terminal da educação básica

tem passado por muitas transformações no tocante a seus objetivos, oscilando

entre preparar o educando para cursar uma universidade ou prepará-lo para sua

inserção no mundo do trabalho, não necessariamente habilitá-lo ao exercício de

uma profissão técnica. Na prática, pode-se constatar uma ambiguidade entre os

objetivos do ensino médio, além da fragmentação excessiva do conhecimento

através das disciplinas escolares, normalmente ministradas.

Apreciando a configuração do ensino médio de forma crítica, Zibas

(2005) afirma que o período compreendido entre o final do século XX e início do

século XXI ficou marcado pelo confronto de ideias entre o conceito e a estrutura

do ensino médio no Brasil, porém não se materializou de forma concreta nenhum

tipo de melhoria na qualidade do ensino ministrado nas escolas.

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Nesta mesma perspectiva, Cury (2008) assinala que a pretensa

reforma do ensino médio expressa no discurso oficial, estabelecida pela Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional e normatizada pelo Conselho Nacional

de Educação (CNE), não se consolidou da maneira prenunciada devido à

deficiência de política pública direcionada à sua implementação. Pode ser

comparada à reforma do então segundo grau instituído pela Lei 5692/71 que

instaurou a profissionalização desse nível de ensino de forma compulsória, não

efetivada, ficando somente na pretensão por ser inviável sua implementação no

contexto histórico da época. O autor acrescenta ainda que, para entender a

reforma do ensino médio dos anos de 1990 no Brasil, é indispensável

compreender a proposta de reforma educacional de uma forma global, nos termos

da referida legislação e outros dispositivos normativos estabelecidos pelos órgãos

oficiais.

Procurando viabilizar a implementação do novo currículo escolar

para o ensino médio, o Ministerio da Educação através do Conselho Nacional de

Educação representado pela Câmara de Educação Básica, organizou e publicou

as Diretrizes Curriculares Nacionais. Esse documento oficial foi redigido pela

Conselheira Guiomar Nano de Mello do CNE/CEB, recomendando uma audaciosa

transformação na organização curricular do ensino médio de acordo com a

Resolução CEN/CEB n°. 3/1998. Essa pretensa reforma curricular ganhou sentido

entre o final da década de 1990 e início do século XXI, assinalando um novo olhar

para o ensino médio devido à grande ampliação da demanda, às transformações

dos meios de produção e à necessidade de uma aproximação maior da cultura

juvenil com a compreensão do mundo contemporâneo.

Essa explosão de demanda por matrículas no ensino médio ocorreu

no período de 1994 a 2000, saltando de cinco milhões de matrículas para oito

milhões, respectivamente, um acréscimo de 60% em apenas sete anos. A

demanda continuou aumentando e em 2003 o país já protagonizava a cifra de

nove milhões de alunos no ensino médio, segundo dados do MEC, evidenciando

uma maior democratização da educação brasileira para os jovens, cujos pais não

tiveram, praticamente, nenhum tipo de educação formal.

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Apesar da expressiva ampliação da demanda por matrículas no

ensino médio, evidencia-se nessa fase a dura crítica dos educandos quanto aos

conteúdos disciplinares ministrados sem contextualização, implementados através

de métodos tradicionais de ensino, buscando preparar o aluno para o ingresso no

ensino superior, contribuindo para a evasão escolar e a repetência.

Mesmo assim, há mais de dez anos, o discurso oficial disseminado à

sociedade contemporânea destaca a importância da escola para formar o jovem

com competências e conhecimentos que potencializem interações com o meio

produtivo de bens, salientando as mudanças culturais, socioeconômicas e

tecnológicas do mundo globalizado. Diante desse cenário, procurando tornar o

ensino médio mais inclusivo, Zibas (2005) recomenda a implementação de uma

reforma nesse nível de ensino para atender a essa demanda da sociedade,

considerando ainda a heterogeneidade do alunado.

Apesar das duras críticas de renomados educadores com

embasamento bem fundamentado contra esse discurso oficial, não se pode negar

que o desenvolvimento social e econômico é concreto e que a formação do jovem

para essa nova realidade constitui um grande desafio para o sistema educacional

e para a sociedade.

É preciso destacar que a formação necessária do jovem para

enfrentar as mudanças da sociedade atual precisa transcender a demandada pela

produção, pois esta deve ser mais ampla e mais profunda do que apenas a

exigida pelo sistema produtivo global.

A educação escolar não deve ignorar as exigências do processo de

produção impostas pela sociedade tecnológica, no entanto não se pode

simplesmente se submeter de forma passiva à atual racionalidade econômica,

anulando a exigência de desenvolvimento de conhecimentos e valores para a

construção de uma cidadania democrática.

Evidentemente, a escola deve instrumentalizar os jovens para que

eles consigam compreender o mundo real, o que, na prática, significa potencializar

o desenvolvimento da cidadania democrática focada na compreensão da estrutura

da atual sociedade no mundo da economia globalizada, com possibilidade de

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protagonizar transformações pelo próprio indivíduo nessa sociedade passível de

mudanças; os jovens devem aprender a sobreviver no mundo real e conseguir

compreender a estrutura do mundo do qual eles fazem parte, focado nas relações

econômicas.

Além disso, em se tratando de preparação do alunado para o

exercício da cidadania democrática através da educação escolar, as opiniões não

são unânimes, em virtude da própria história da instituição escolar no seu contexto

social. Diante do aumento expressivo das desigualdades sociais, violência

generalizada, crise de valores, dificuldades de socialização da juventude e anomia

social, um novo currículo escolar pode facilitar a compreensão desse

posicionamento político-pedagógico.

No cotidiano escolar, ainda segundo Zibas (2005), há necessidade

de maior aproximação entre o currículo do ensino médio e a cultura juvenil, pois os

docentes têm encontrado grandes dificuldades para a elaboração de uma

articulação entre ambos, o que acaba provocando certa aversão por parte dos

alunos aos conteúdos das disciplinas escolares, dificultando as relações entre

escola e estudantes, acarretando prejuízos para o desenvolvimento de sua

aprendizagem.

E com a automatização de muitas estruturas produtivas e o

crescimento inexpressivo das atividades econômicas do país, as oportunidades de

trabalho para os jovens acabam sendo reduzidas, diminuindo os postos de

trabalho, mesmo para os que concluíram o ensino médio, apontando para um

panorama de incertezas em relação à sua própria empregabilidade.

Neste cenário de preocupações, o estudante convive com situações

muito contraditórias, pois mesmo com a obtenção do certificado de conclusão do

ensino médio, suas possibilidades de conquistar um emprego formal são

pequenas. Sem esse mínimo de escolaridade, a situação torna-se ainda pior, pois

a exigência mínima na atualidade é a educação básica concluída.

Diante dessa incerteza, o adolescente é induzido ao desinteresse

pelas atividades escolares, potencializando comportamentos agressivos no

cotidiano escolar. Para atenuar esse tipo de conduta incompatível com o ambiente

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educacional, a atuação do professor deve voltar-se para a cultura do jovem,

focando música, dança e atividades afins, como estratégias para promover o

enriquecimento dos conteúdos das disciplinas escolares. É preciso buscar a

construção da identidade do aluno no sentido positivo em relação às atividades do

seu cotidiano escolar e social.

A autora destaca ainda que, no cotidiano escolar, essa estratégia

não deve reduzir ou simplificar o currículo, mas buscar uma aproximação maior

entre os jovens e a escola, contribuindo para facilitar o trabalho do professor, não

apenas como instrumento de sedução do alunado.

5 – RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO, CIDADANIA E MUNDO DO TRABALHO

As principais características do mundo do trabalho e do mundo do

conhecimento têm passado por inúmeras transformações no decorrer da história

da humanidade. Suas relações são influenciadas por fatores culturais, sociais e

culturais decorrentes das próprias mutações da sociedade. Atualmente, não se

pensa o conhecimento aplicado ao trabalho, mas uma quase total identificação

entre o mundo do conhecimento e o mundo do trabalho, o conhecimento aplicado

ao conhecimento, o aprender a aprender. (MACHADO, 2002)

O aprender a aprender, segundo Delors (1996), constitui um dos

pilares da educação, signo de uma aprendizagem contínua e por toda a vida

produtiva, ocupando espaços na dinâmica das sociedades modernas.

Na atualidade, a sociedade está passando por mudanças bastante

significativas com reflexos na economia, na produção de bens, na educação e nas

práticas sociais, segundo Severino (2000), destacando os desafios que o mundo

enfrentará no presente milênio, inclusive na busca de construção da cidadania

através da educação escolar.

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É importante salientar que os avanços da sociedade tecnológica

estarão presentes nas mutações que o momento histórico reserva à humanidade,

no trabalho, na economia, nas relações sociais e na construção da cidadania:

A humanidade vive, hoje, um momento de sua história marcado por grandes

transformações, decorrentes, sobretudo, do avanço tecnológico, nas diversas

esferas de sua existência: na produção econômica dos bens naturais; nas

relações políticas da vida social; e na construção cultural. Essa nova condição

exige um redimensionamento de todas as práticas mediadoras de sua

realidade histórica, quais sejam, o trabalho, a sociabilidade e a cultura

simbólica. Espera-se, pois, da educação, como mediação dessas práticas, que

se torne, para enfrentar o grande desafio do 3° milênio, investimento

sistemático nas forças construtivas dessas práticas, de modo a contribuir mais

eficazmente na construção da cidadania, tornando-se fundamentalmente

educação do homem social. (SEVERINO. 2000:65)

Nesse cenário de grandes mudanças, o autor assinala a relevância

da educação básica como um processo pedagógico sistematizado, visando

interferir na própria dinâmica das relações sociais, buscando priorizar um estudo

de objetos científicos com o objetivo de subsidiar a formulação de políticas

públicas focadas no desenvolvimento integral da sociedade contemporânea.

Ainda no tocante às relações sociais com ênfase no significado do

trabalho e suas especificidades, remetendo-se à história da humanidade, segundo

Machado (2002), o mundo do trabalho e o mundo do conhecimento nem sempre

apresentaram o mesmo tipo de vínculo. A Bíblia consigna o trabalho como castigo

ao primeiro casal, por não ter sido devidamente educado, segundo os preceitos

divinos, para obedecer ao criador. Eles se alimentaram dos frutos da árvore do

conhecimento e receberam o trabalho como punição, o que assinala sua

configuração como castigo, podendo associar o trabalho escravo a essa forma de

interpretação bíblica.

No atual cenário brasileiro, o trabalho é consagrado como um direito

social estabelecido pela Constituição Federal em seu artigo 6°, sendo equiparado

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a outros direitos sociais, como a educação, a saúde, a previdência social, moradia,

proteção à maternidade e infância, dentre outros.

Machado (2002) assinala, ainda, que no mundo grego as relações

entre trabalho e conhecimento eram bastante distantes. O trabalho escravo e o

dos artesãos estavam alheios ao universo do conhecimento. E o mundo do

trabalho na época da Revolução Industrial exigia um tipo de conhecimento, no

entanto não significava algum nível de escolarização, mas treinamento prático

para operar máquinas ou equipamentos industriais, completamente diferentes da

atualidade, em que o mundo do trabalho e o mundo do conhecimento estão

integrados.

Sobre o trabalho, no cenário da Revolução Industrial (1789), o autor

ainda salienta que a exigência não era estudo ou escolarização, mas técnica,

conhecimento representava prática para o exercício da função ou treinamento,

completamente diferente do contexto atual, em que o trabalho, o conhecimento e a

formação profissional estão interligados por um forte vínculo.

Nos séculos XVII e XVIII, o conhecimento científico passou por um

período de ampliação, com a frequência de gênios nas academias, merecendo

destaque Newton e mais tarde o inventor da máquina a vapor, Watt. Em

consequência, a relação entre o universo do trabalho e o universo do

conhecimento foi de aproximação. Trabalho e conhecimento foram contemplados

com novas significações; destaca-se nessa fase a Revolução Industrial, pois o

conhecimento passou a ser utilizado como instrumento de trabalho nos meios

produtivos, surgindo o termo tecnologia, com significado bastante semelhante ao

utilizado na atualidade.

No cenário histórico da humanidade, a abordagem do conhecimento

como ciência está vinculada ao censo promovido pela França em 1872, sob o

reinado de Luiz XV. Preocupado com a necessidade de construção de navios,

determinou a realização do censo das árvores, procurando dimensionar o volume

de matéria-prima disponível no país para a consolidação de seus projetos.

A partir dessa época, o conhecimento passou a ser tratado como se

fosse uma mercadoria e uma enciclopédia, como se fosse um empreendimento,

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instituindo-se o direito de propriedade para ambos, elevando-se a importância da

relação do conhecimento com o universo do trabalho.

De uma maneira geral, ainda segundo Machado (2002), é importante

salientar que os educadores até agora não assimilaram a ideia da relevância da

incorporação do conhecimento para o mundo do trabalho, em todos os níveis e

modalidades de ensino do país. Sua atenção não se mostra suficiente para

atenuar a falta de sintonia existente entre a escola e o trabalho, principalmente

nesse momento de crise de desemprego estrutural visível em todas as economias

do mundo.

Na atualidade, a crise do desemprego com fortes evidências no

mercado de trabalho global, divulgada pela mídia, não tem conscientizado a

população sobre suas características e dimensões. A princípio, tinha-se a

expectativa de que a situação era temporária, no entanto as mudanças estruturais

na economia globalizada estão demonstrando que a tendência de redução de

empregos está se consolidando nos setores produtivos, agrícolas e industriais.

Destaca-se um significativo crescimento no setor de serviços, decorrente da

utilização de novas tecnologias da informação e comunicação.

Os diagnósticos relacionados à redução do emprego estrutural estão

contemplando segmentos fragmentados, apontando fatores econômicos, políticos,

sociopolíticos, dentre outros. Procura contribuir para a idealização de políticas

públicas que possam potencializar alguma melhora no mercado de trabalho. As

leis formuladas com esse objetivo em vez de promover contribuição positiva têm

prejudicado o seu funcionamento natural.

A partir das análises relacionadas ao desemprego estrutural, a

dimensão educacional se destaca pela sua importância tanto no que se refere à

formação para o trabalho quanto para a construção de novos projetos de valores,

ou novas concepções sobre o trabalho.

No cenário industrial, quando se refere ao ensino médio, “a formação

profissional parece estar ainda mais comprometida com o significado do trabalho”,

destaca Machado (2002).

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A contraposição de uma formação técnica a uma formação geral, a

especialização precoce em vez de alimentação contínua de múltiplos centros

de interesse, e, sobretudo, o encurtamento do período escolar, em vez de um

alongamento do mesmo ao infinito, na perspectiva de uma educação

permanente parecem condenar o ensino técnico a andar na contramão das

transformações em curso. (MACHADO. 2002:19-20)

Os paradigmas cartesianos marcam presença na organização das

escolas de educação básica, priorizando a decomposição de tarefas com ênfase

na hierarquia e fragmentação. O próprio ambiente ressente a necessidade de

buscar novas alternativas mais apropriadas às mudanças de significação para o

mundo do conhecimento e o mundo do trabalho.

Especificamente sobre o desemprego estrutural, o autor salienta que

está evidente o agravamento da crise de desemprego, pois a formação escolar

promovida pelas instituições de ensino superior não estão em sintonia com as

necessidades dos atuais meios empresariais, centrados em novos paradigmas

organizacionais. Diante desse quadro desolador de desemprego, há necessidade

de implementação de ações que viabilizem a criação de postos de trabalhos que

atendam aos ideais das pessoas e não contrariem as leis trabalhistas.

A educação escolar representa um elemento de fundamental

importância para atenuar a crise de desemprego e, nesse momento oportuno, os

educadores devem explorá-lo, procurando a superação da situação existente,

sinalizando a dimensão econômica. A falta de sintonia entre o mundo do trabalho

e o mundo do conhecimento não indica a existência de subordinação de um ao

outro, porém há necessidade da identificação de fatores que possam contribuir

para a busca e o equacionamento de uma solução viável para esse impasse. Sua

exploração pelos educadores, com certeza, constituir-se-á num desafio para

superar essa divergência entre ambos, com reflexos diretos nas atividades

econômicas.

Não se pode esperar a elaboração de mecanismos que possibilitem

a simples transferência dos conhecimentos construídos na escola para o meio

empresarial. A otimização dos meios de produção e de bens de consumo

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identificados como qualidade total, competitividade e gestão estratégica, nada tem

a ver com a construção de uma cidadania plena, muito menos imaginar que a

melhoria da qualidade do ensino possa transformar a escola numa empresa.

Ainda nos dias de hoje, os currículos escolares procuram viabilizar o

ensino da maior quantidade possível de conteúdos nos poucos anos de educação

formal, sem a expectativa de uma educação permanente. Essa preocupação se

justifica pelo fato de as empresas estarem passando por transformações

estruturais de grande monta no meio econômico, procurando mecanismos para

melhoria de desempenho e qualidade, identificando o conhecimento como um dos

fatores de maior relevância para a produção de bens. Considerando os grandes

avanços decorrentes da sociedade tecnológica na atualidade, a ideia de que há

necessidade de uma formação permanente e que a escola não ensina tudo sobre

o trabalho está crescendo nos meios empresariais. Destacam-se as mudanças

que vêm ocorrendo no universo econômico, no mundo do trabalho e no mundo do

conhecimento, e com ênfase na reorganização das empresas, destacando a

aprendizagem permanente focada no aprender a aprender.

O debate sobre essa modalidade de aprendizagem ganha destaque

no modelo de educação proposto pela UNESCO através do “Relatório da

Comissão Internacional para o Século XXI – Educação: Um tesouro a descobrir”

(1996), cujo Relator foi Jacques Delors.

O autor destaca que a educação básica não deve estar vinculada

apenas à qualificação das pessoas para o mundo da economia e adaptação a um

emprego, mas desenvolver outros tipos de aptidões, dentre eles a concepção de

educação permanente. O acúmulo de informações e conhecimentos no início da

vida, não assegura que perdurem para sempre, de forma indefinida. É de

fundamental relevância o aprendizado de como se aprende, o aprender a

aprender centrado na aplicação do conhecimento sobre o conhecimento.

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CAPÍTULO IV – ANÁLISE DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NUMA CONCEPÇÃO CRÍTICA DE EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA

A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida. John Dewey

1 – O CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E ECONÔMICO DA REFORMA CURRICULAR PROPOSTA PARA O ENSINO MÉDIO EXPRESSA NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

Na década de 1990, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais

para o Ensino Médio (PCNEM), o Brasil e os demais países da América Latina

demonstravam estar em extrema desvantagem com relação aos índices de

escolarização e nível de conhecimentos, se comparados aos países

desenvolvidos, havendo necessidade de promover reformas na área educacional,

priorizando o desenvolvimento social.

Numa perspectiva centrada em fatores econômicos e políticos,

materializada no modo capitalista de produção de bens e num ideário neoliberal,

consubstanciada na mundialização do capital, globalização da economia e numa

visão planetária, caracterizada pela Revolução Técnico-Científica, o Brasil

procurou definir suas políticas sociais, priorizando a educação básica para atender

a essas demandas de mercado.

O discurso oficial assinala a implementação de políticas públicas

focadas no desenvolvimento social através da educação, norteada por agências

multilaterais, considerando a necessidade de formação de mão de obra qualificada

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para atender às necessidades do mercado de trabalho e preparação para o

exercício da cidadania.

Para potencializar a superação das desvantagens da formação

escolar em relação a outros países mais desenvolvidos, o Ministerio da Educação

e do Desporto determinou com certa urgência a organização das diretrizes gerais

e os parâmetros curriculares nacionais para orientar, através desses instrumentos,

a formatação de um novo currículo para o ensino médio, etapa terminal da

educação básica, em consonância com a Constituição Federal.

A reforma curricular proposta, segundo os PCNEMs, tem como fio

condutor as mudanças do conhecimento advindas dos avanços tecnológicos

definidos na chamada revolução da informática, cujo papel principal foi provocar

uma ruptura nos paradigmas educacionais predominantes, buscando potencializar

a incorporação das novas tecnologias com seus múltiplos desdobramentos,

destacando os fatores econômicos, produção de bens e as relações sociais.

Os reformadores argumentaram que, com a evolução das indústrias

da América Latina, ocorridas nas décadas de 1960 e 1970, os sistemas

educacionais passaram por mudanças significativas para atender às demandas de

mão de obra mais qualificada e profissionalizada daquela época, inclusive o Brasil.

Neste contexto histórico, político e econômico foi promulgada a LDB

N° 5692/71, instituindo no país o ensino de segundo grau, atual ensino médio,

compulsoriamente profissionalizante, tendo como principal objetivo atender à

demanda de mão de obra qualificada para a indústria nacional, provocando uma

redução na procura por Ensino Superior.

Entendemos que o processo educacional brasileiro sempre buscou

atender às demandas de mão de obra para a indústria de bens de consumo, numa

visão capitalista e liberal, e não necessariamente a formação do educando para o

exercício da cidadania democrática plena.

O discurso oficial declarou a educação como fator indispensável para

a formação da cidadania, mesmo em pleno regime ditatorial com direitos políticos

mutilados, tal qual expressa a LDB 5692/71 em seu primeiro artigo.

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“ Art. 1º O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao

educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades

como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o

exercício consciente da cidadania”. (grifo nosso).

PALMA FILHO (1998) salienta que todas as reformas educacionais

instauradas no Brasil nos últimos cem anos enfatizaram o papel da educação na

formação do cidadão. Adotaram sempre um conceito genérico para a cidadania,

portanto o seu significado pode ser de passividade e obediência ou crítica e

reflexiva.

Considerando as necessidades de adequar a educação nacional aos

princípios e fins estabelecidos pela LDBEN, o MEC buscou num trabalho conjunto

com membros da sociedade civil, professores da rede pública, professores

universitários, secretários da educação e especialistas nas três áreas de

conhecimento, organizar um novo currículo para o ensino médio. Definiu-se um

novo perfil para o concluinte da educação básica, ancorado na pedagogia de

competências.

Para difundir os princípios dessa reforma curricular e orientar os

professores da educação básica, na busca de novas abordagens e metodologias

para o aperfeiçoamento da prática educativa nas escolas brasileiras, o Professor

Ruy Leite Berger Filho, Diretor do Departamento de Desenvolvimento da

Educação Básica e Tecnológica e a coordenadora do projeto Professora Eny

Marisa Maia, ambos do MEC, estruturaram os Parâmetros Curriculares Nacionais

para o Ensino Médio (PCNEM). Essa coletânea de documentos, após longo

período de debates, consolidada em sua versão final, foi apresentada e aprovada

consensualmente por todos os participantes.

As orientações formuladas por esses documentos, representando o

discurso oficial, foram descritas em seus quatro módulos; não são normas ou

regulamentos que os sistemas e unidades escolares devem seguir, em caráter

obrigatório, mas representam um instrumento de grande relevância para a

educação. Podem contribuir para a melhoria das práticas educativas a serem

implementadas pelos docentes no cotidiano da sala de aula.

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Sua proposta foi centrada na organização de um currículo escolar

que prioriza o desenvolvimento de competências básicas com significados para o

estudante, fundados na contextualização dos conhecimentos construídos através

da interdisciplinaridade. Incentiva o desenvolvimento do raciocínio focado na

capacidade de aprendizagem, completamente diferente da legislação anterior, que

contemplava um ensino descontextualizado e com ênfase no acúmulo de dados e

informações, sem significado para o momento histórico atual.

Os PCNEMs salientam que na década de 1990, as novas tecnologias

da informação passaram a produzir uma quantidade extremamente grande de

informações, sendo superadas em um tempo relativamente pequeno.

Pressionaram os sistemas educacionais a buscarem novos parâmetros para a

formação dos cidadãos, empobrecendo o fator “acúmulo de conhecimentos”.

A proposta curricular para o ensino médio buscou priorizar a

aquisição de conhecimentos básicos pelo educando, a preparação científica, o

desenvolvimento da capacidade de utilizar os diversos recursos da tecnologia, o

pesquisar, procurar informações, aprender a aprender, em sintonia com a LDBEN

n° 9394/96 e em consonância com o Relatório Delors formalizado pela UNESCO.

Apontam para a necessidade de pensar um currículo escolar que

abarque as mudanças estruturais da sociedade contemporânea, os novos

mecanismos de produção identificados como fator econômico, a organização

social e seus paradigmas, não se esquecendo das contribuições formativas que o

sistema educacional brasileiro pode proporcionar para o grande contingente de

jovens que, a cada ano, ingressa no ensino médio.

Apesar de o ensino médio ter se expandido de forma bastante

significativa a partir da década de 1980, considerando o intervalo de 15 a 17 anos,

o índice de escolarização nesse segmento ainda está em grande desvantagem,

comparado com outros países, inclusive, da América Latina. Atender a essa

demanda deve ser um grande desafio para a educação brasileira.

Na atualidade, salienta-se que grande parte desse contingente tem

origem em famílias de baixa renda, segundo o INEP. Isso permite concluir que

está havendo mudanças na sociedade, grupos de excluídos estão podendo

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retornar para continuar seus estudos, compreendendo a necessidade de melhor

escolarização para enfrentar o desafio das novas exigências para o novo mercado

de trabalho emergente.

Na visão dos reformadores, o currículo escolar do novo ensino médio

precisa atender a um melhor padrão de qualidade que contemple as mudanças

decorrentes da revolução do mundo do trabalho, do mundo do conhecimento e

das novas relações sociais daí decorrentes, exigência da sociedade atual.

Com base nesse entendimento, PCNEM procuram formalizar uma

proposta curricular fundada na construção de competências e habilidades a serem

construídas no ambiente escolar pelo aprendizado de conteúdos de disciplinares.

Nesse trabalho, deve predominar a contextualização de temas do cotidiano

escolar e social do aluno na convivência com os seus semelhantes, na perspectiva

de práticas sociais e no mundo do trabalho, enfatizando a cidadania democrática

globalizada.

Com esse objetivo, os reformadores procuraram sistematizar um

conjunto de fatores que possam nortear a preparação da pessoa para o exercício

da cidadania e qualificação básica para o trabalho, através da educação escolar

com base em competências e habilidades estabelecidas pela legislação

educacional.

Não concordamos com a expressão dos reformadores no tocante à

preparação do jovem para o exercício da cidadania através do ensino médio na

configuração proposta, pois não há uma conceituação clara e objetiva sobre o tipo

de cidadania que se pretende construir através da educação escolar.

Ao abordar a “Pedagogia das Competências”, os reformadores

explanam a temática de forma ambígua. Ao descrever as competências e

habilidades que os estudantes deverão incorporar durante um mínimo de três

anos do ensino médio, imprimem a ideia de que ambos os termos têm o mesmo

significado prático. Eles são apresentados nos PCNEMs de forma mesclada em

diversas situações.

Questionamos, ainda, como construir uma consciência cidadã num

país de tantas desigualdades sociais como o Brasil, onde a pobreza, a miséria e o

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desemprego contagiam grande parte da população e cujo mundo do trabalho está

articulado na visão do ideário neoliberal, transformado num mercado e submisso

ao capitalismo contemporâneo, procurando atender suas demandas?

Palma Filho (1998) assinala que a educação escolar está sempre a

serviço da formação de um tipo de cidadania. Ela pode ser de conformismo,

obediência, submissão ou crítica reflexiva, dependendo da forma que se articula o

processo educacional. No planejamento do currículo escolar estão selecionados

objetivos, conteúdos e critérios de avaliação que repercutem na relação educativa

do aluno.

Apesar do “belo” discurso oficial incorporado pela legislação

educacional centrado no desenvolvimento social, segundo os PCNEMs, a difícil

formação para a cidadania democrática plena e a competitividade perversa do

neoliberalismo emerge no mundo atual e foram expressas nas palavras do então

Ministro de Estado da Educação e do Desporto (Brasil, 1994-2002) Paulo Renato

Souza:

Existe hoje uma arena global na qual, gostemos ou não, é até certo ponto

jogado o destino de cada indivíduo. Apesar de uma promessa latente, a

emergência desse novo mundo, difícil de apreender e ainda mais difícil de

prever, está criando um clima de incertezas, para não dizer de apreensão, que

torna a busca de um enfoque verdadeiramente global para os problemas ainda

mais angustiantes (DELORS, 1996:9)

Essa forma de abordagem da competitividade existente na sociedade

contemporânea declarada por uma autoridade da educação e de âmbito Federal,

a nosso ver, demonstra que os PCNEMs podem ser vistos como política social da

educação, porém sem muita credibilidade. Os objetivos expressos nos

documentos oficiais são conflitantes e muitas vezes sua argumentação não

apresenta consistência quando de sua contextualização no cotidiano escolar e

social do aluno.

Para problematizar os princípios e objetivos das propostas de

mudanças na educação brasileira, o presente capítulo analisou a atual LDBEN,

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mais especificamente no que se refere ao ensino médio, as DCNEMs e os

PCNEMs, ancorados em pressupostos de uma concepção crítica da educação

básica. Apontou fatores que relacionam a política educacional brasileira com a

construção da cidadania no ambiente escolar versus ideário neoliberal circunscrito

no Relatório Delors (1996), representando organismos internacionais como a

UNESCO, consubstanciado em interesses multilaterais.

2 – A EDUCAÇÃO BÁSICA COMO POLÍTICA SOCIAL DA DÉCADA DE 1990

A política educacional brasileira implantada no país, a partir do limiar

do século XXI através da LDBEN/96 e dispositivos normativos organizados pelo

MEC, foi formulada com base no relatório para a UNESCO da Comissão

Internacional para o Século XXI sob o título Educação: um tesouro a descobrir,

iniciado em março de 1993 e concluído em setembro de 1996 por Jacques Delors.

Mais tarde, no ano de 2001 esse relatório foi publicado no Brasil em parceria com

o Ministerio da Educação e do Desporto.

Esse documento conhecido como Relatório Delors (1996) foi

produzido na Conferência Mundial de Educação para Todos promovida pela

UNESCO, UNICEF, PNUD e Banco Mundial na cidade de Jontien na Tailândia em

1990, tendo como principal objetivo subsidiar reformas educacionais em países

emergentes, inclusive, o Brasil, procurando incorporar na formação do aluno da

educação básica, o princípio do aprender a aprender, significando a educação por

toda vida produtiva.

Essa assertiva pode ser testificada pelas palavras do então Ministro

de Estado da Educação e do Desporto de nosso país (1994-2002) Paulo Renato

Sousa, que destacou a sua relevância para as reformas educacionais da década

de 1990, final do século XX: “trata de contribuição ímpar à revisão crítica da

política educacional de todos os países”, distinguindo “o processo de globalização,

das relações econômicas e culturais que estamos vivendo”. (DELORS, 1996)

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Expressando o espírito dessa Conferência, Delors 1996) assinala a

relevância da educação básica para o desenvolvimento das pessoas e da

sociedade.

“Não como um remédio milagroso”, não como um “abre-te sésamo” de um

mundo que atingiu a realização de todos os seus ideais, mas, entre outros

caminhos e para além deles, como uma via que conduza a um

desenvolvimento humano mais harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer

recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões, as

guerras... (DELORS, 1996:11)

É importante salientar que os reformadores sinalizam a educação

básica como instrumento de transformação social, capaz de provocar um recuo na

pobreza e na exclusão social através de um processo formativo fundado na

construção de competências básicas através da educação escolar.

Os próprios PCNEMs advertem que a nova sociedade que emerge

da evolução tecnológica dos processos de produção capitalista provocará uma

redução nos níveis de emprego e os jovens deverão ser os mais atingidos, pois

não haverá emprego para todos. O próprio discurso oficial expresso nesses

documentos se contradiz, pois nesse panorama histórico, não haverá emprego

para todos. (grifo nosso)

De uma forma geral, os PCNEMs traduzem uma política social para o

país e sinalizam para a educação básica como solução para todos ou quase todos

os problemas que assolam o território brasileiro, tais como pobreza, violência,

discriminação racial e o desemprego estrutural. Esses documentos não indicam

mecanismos que possam atenuar os efeitos da ideologia neoliberal impregnada na

sociedade brasileira dos dias atuais. (grifo nosso)

Não concordamos com o discurso oficial expresso através desses

documentos, pois, somente a educação básica consolidada na conclusão do

ensino médio não resolverá os problemas das desigualdades sociais; pelo

contrário, com os altos índices de evasão e repetência desse nível de ensino

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divulgado pelo INEP/MEC, a educação escolar está acentuando e ampliando a

exclusão social, principalmente para as classes menos favorecidas.

A proposta dos reformadores buscou sua centralidade numa

perspectiva mundial consubstanciada na Revolução Técnico-Científica com base

na informática. Segundo os PCNEMs, o sistema educacional deve priorizar a

universalização da educação básica, associando à formação do aluno o

desenvolvimento dos meios de produção.

Esses documentos destacam como ideal dos reformadores a

educação permanente, aprender a aprender, incorporada no ensino médio como

medida necessária para o desenvolvimento humano. Nessa visão reformista, a

educação básica concluída é capaz de promover a equidade social.

Essa pretensa reforma educacional brasileira centrada no ensino

médio, etapa final da educação básica, está formulada em quatro módulos. O

primeiro apresenta o conceito do novo ensino médio e os fundamentos legais que

orientaram o trabalho dos reformadores, a LDBEN e as DCNEMs e os demais

organizam os conteúdos disciplinares nas áreas de Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências

Humanas e suas Tecnologias, buscando promover uma articulação entre os

potenciais conteúdos disciplinares.

3 – AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO E SUA ARTICULAÇÃO COM OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS O Conselho Nacional de Educação (CNE) por meio da Câmara de

Educação Básica (CEB) formalizou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Ensino Médio (DCNEMs), configurando normas obrigatórias para orientação e

planejamento curricular das escolas e sistemas de ensino de todo o país, em

consonância com a atual LDBEN e com expresso vínculo ao trabalho e as práticas

sociais. (MELLO, 1999)

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As DCNEMs nasceram do Parecer CNE/CEB 15 aprovado em

05/061998, redigido pela relatora e conselheira Guiomar Nano de Mello que

salientou a relevância dessas normas e orientações no sentido de subsidiar a

organização de um novo currículo para o ensino médio com base num

aprendizado contextualizado, recheado de ferramentas da tecnologia da

comunicação e informação.

A autora assinala que as DCNEMs incorporaram os princípios e

finalidades da educação básica consagrados pela LDBEN e expressos no

Relatório Delors (1996) da UNESCO, o desenvolvimento do educando,

assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e

o fornecimento de meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

Concordamos com a opinião da educadora, em parte, porém

asseveramos que, apesar das DCNEMs se constituírem num documento muito

bem elaborado e articulado para a implementação de um novo currículo escolar

para o ensino médio, somente normas e orientações não tornarão a escola formal

brasileira um instrumento de construção de cidadania democrática plena.

Para consecução desse processo formativo, a LDBEN vinculou toda

a educação escolar ao trabalho e a prática social, perpassando a educação

infantil, o ensino fundamental, o ensino médio, a graduação e avançando para os

cursos de pós-graduação, apontando para uma integração educacional, sem

nenhum tipo de especificação de níveis de escolarização ou disciplinas escolares.

E nesse contexto educacional, destacam-se as DCNEMs como

normas obrigatórias a serem adotadas pelos sistemas educacionais e escolas

desse nível de ensino em todo o país, porém sem discriminar as disciplinas que

deverão compor o currículo escolar, apenas dando ênfase ao desenvolvimento de

competências cognitivas.

Acreditamos que o foco do ensino foi direcionado para a

aprendizagem, centrado na construção de competências e habilidades e não

assimilação de conteúdos disciplinares, ficando evidente a presença do princípio

da flexibilização consagrado pela LDBEN e incorporado pelos DCNEMs e pelos

PCNEMs.

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Essa legislação estabelece que as escolas deverão organizar um

currículo escolar que contemple a construção de competências básicas em todo o

seu processo formativo e com duração mínima de três anos correspondentes ao

ensino médio, etapa conclusiva da educação básica, sem vincular disciplinas

escolares, assinalando para os conteúdos a serem ministrados como meios e não

fins em si mesmos.

A lei explicitamente abre portas para um currículo voltado para competências e

não para conteúdos. Este currículo ou doutrina curricular tem como referência

não mais a disciplina escolar clássica, mas sim as capacidades que cada uma

das disciplinas pode criar nos alunos. Os conteúdos disciplinares se concebem

assim como meios e não como fins em si mesmos. (MELLO, 1999:164)

Outros pontos de grande relevância expressos na LDBEN indicam

para a pretensa autonomia intelectual, segundo a autora, com significado de

incorporação do aprender a aprender, centrado na educação permanente e o

conhecimento dos fundamentos científicos e tecnológicos dos processos de

produção a serem incorporados até a conclusão da educação básica.

As DCNEMs estabelecem o vínculo entre teoria e prática em cada

disciplina do currículo escolar do ensino médio. Buscam incorporar o significado

das ciências, das artes das letras e não simplesmente aprendê-las. A atribuição de

significado ao conhecimento aponta para sua aplicabilidade em contextos

diferentes do aprendizado, por exemplo, a língua portuguesa pode ser utilizada no

sentido de instrumentalizar a comunicação, o exercício de cidadania e acesso a

outras informações e conhecimentos à procura de novos significados, atentando

para a construção de uma educação escolar como um todo orgânico.

Atualmente, segundo os PCNEMs, um novo tipo de jovem tem

ingressado no ensino médio, com idade significativamente menor, fato decorrente

da redução da faixa etária dos concluintes do ensino fundamental. Esse fator

demonstra um grande esforço por parte dos sistemas educacionais no sentido de

buscar soluções para problemas básicos de qualidade de ensino, principalmente

no tocante à repetência escolar.

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Mello (1999) sublinha que, quando o estudante conclui a 8ª. série

mais cedo, normalmente tem muito mais disposição para continuar seus estudos,

o que tem sido um indicativo de que o ensino médio está deixando de ser

excludente. Um contingente maior de adolescentes na faixa etária de 15 a 17

anos, cujos pais não tiveram oportunidade de estudar, estão ingressando nesse

nível de ensino, atribuindo significado para a escola, fato que seus ancestrais não

conseguiram.

Esse panorama histórico torna bastante oportuno para a organização

de uma escola média para acolher esse novo tipo de aluno que traz consigo o

ideal de construir um projeto para sua própria vida, no qual esteja incluído o

prosseguimento dos estudos ou pelo menos um emprego.

Apesar desses indicativos apresentados pelas DCNEMs e abordados

por Mello (1999), o censo escolar elaborado pelo IBGE consolidado no ano letivo

de 2010 demonstrou a fragilidade do sistema educacional brasileiro. Enquanto o

país tem uma população de aproximadamente 16 milhões de adolescentes na

faixa etária de 15 a 19 anos, apenas 8.357.675 jovens frequentaram o ensino

médio nesse ano letivo de 2010. (IBGE, 2010) Ainda, segundo o MEC/INEP, está

havendo uma acomodação da demanda nessa modalidade de ensino, no entanto

acreditamos que a educação pública brasileira continua excluindo muitos dos

jovens em idade escolar, principalmente nos anos finais da educação básica.

A autora ainda salienta que o aumento da competitividade na busca

por uma oportunidade de trabalho, e sobremaneira marcado por uma crise de

empregabilidade, atinge de forma quase que geral e cruel a população mais

jovem, provavelmente mais madura, com mais autonomia para tomar decisões em

sua própria vida, ao mesmo tempo angustiada e vulnerável à falta de recursos

financeiros, na maioria das vezes, procurando ajudar economicamente seus pais e

sua família, vivendo em condições de pobreza.

É diante dessas novas demandas sociais que os reformadores

propõe a organização de um novo ensino médio, cujo currículo escolar contemple

as inovações que estão ocorrendo no mundo do trabalho, no mundo do

conhecimento e nas práticas sociais. Enfatizam a construção de competências e

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habilidades básicas gerais, focadas no desenvolvimento de um perfil que

contemple as exigências do mercado de trabalho, contribuindo para a formação de

um trabalhador polivalente, com capacidade de análise para solução de

problemas, tomada de decisões, autonomia intelectual e com capacidade para

continuar aprendendo. (grifo nosso)

No discurso oficial protagonizado pelos PCNEMs as escolas deverão

adotar os princípios pedagógicos que proporcionem a construção da identidade do

aluno, sua autonomia intelectual, a aprendizagem interdisciplinar contextualizada e

a incorporação da ideia de convivência na diversidade.

Para materializar essas competências no cotidiano escolar e social,

as DCNEMs estabelecem a organização de um currículo escolar para o ensino

médio capaz de promover um aprendizado focado na superação da dualidade

profissional ou acadêmica, no sentido de proporcionar uma diversidade de

conteúdos que pode ser mais voltada para a formação propedêutica ou para o

trabalho, dependendo das características da clientela de cada local ou região.

Para atender essa nova demanda ancorada na LDBEN, o currículo escolar para

esse nível de ensino deve ser composto por uma base nacional comum e uma

parte diversificada, ambas organizadas para contemplar as necessidades da

respectiva clientela, apontando para a construção de um todo orgânico vivo, em

permanente ajuste e mutação. (MELLO, 1999)

E para complementar a base nacional comum do currículo escolar,

segundo os PCNEMs, cada sistema de ensino e unidade escolar podem definir a

sua parte diversificada, tendo como objetivo atender às características de sua

economia e de sua clientela, destacando a cultura regional e local da sociedade.

É importante destacar que na organização de uma matriz curricular,

a base nacional comum deve contemplar as demandas regionais, buscando focar

os aspectos econômicos, socioculturais e políticos, procurando um novo

significado para o ensino médio, porém sem inviabilizar a elaboração de projetos

que possam contribuir no sentido de potencializar a preparação básica do

educando para o mundo do trabalho, em consonância com seus interesses e de

sua comunidade. (PCNEMs, 1999)

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O discurso oficial salienta que a parte diversificada do currículo

escolar não deve implicar em profissionalização, pois seu objetivo é consolidar

conhecimentos de forma contextualizada focados em práticas sociais e produtivas.

Considerando que nem sempre as escolas possuem as mesmas

vocações, umas têm mais vocação para a área biológica, outras para a área de

exatas, outras para ciências sociais e assim sucessivamente, as DCNEMs e os

PCNEMs propõem de forma articulada que todas devem contemplar a preparação

básica para o trabalho no contexto da educação básica, mesmo com vocações

diferentes. (grifo nosso). Independente da vocação de cada unidade escolar as

DCNEMS estabelecem que o currículo escolar para o ensino médio deve ser

organizado em três grandes áreas de conhecimento: Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências

Humanas e suas Tecnologias.

Mesmo com a organização do currículo escolar em áreas de

conhecimento, as DCNEMs não pretendem estabelecer ou propor a eliminação

das disciplinas escolares, mas recomenda-se uma articulação em permanente

diálogo entre aquelas que têm maior afinidade, no sentido de, através da

contextualização, procurar resolver problemas do cotidiano escolar e social do

aluno e, por outro lado, procurando buscar uma integração global entre as

respectivas áreas de conhecimento.

Nesse contexto de construção de conhecimento no ambiente escolar,

as DCNEMs estabelecem dois princípios de fundamental importância para o

aprendizado do aluno: a interdisciplinaridade e a contextualização com o objetivo

de auxiliar as escolas na organização de seus respectivos currículos escolares

para o ensino médio, como salienta Mello (1999):

O primeiro é o princípio da interdisciplinaridade, partindo da noção de que as

disciplinas escolares são recortes arbitrários do conhecimento. Esperamos que

comece nas escolas um exercício de solidariedade didática entre as

disciplinas. Dizemos solidariedade didática porque solidariedade implica boa-

vontade, a ideia de desarmar resistências em relação aos feudos disciplinares.

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O segundo princípio vem da educação profissional. Em inglês é conhecido

como aprendizagem situada. Em português é chamado de contextualização de

conteúdo. A contextualização tem a ver com motivação, conceito fartamente

explorado em pedagogia. Motivar o aluno depende de fazê-lo entender, dar

sentido àquilo que aprende. (...) É quase impossível, quando se ensina ou se

faz a transposição didática desse conhecimento, despertar na sala de aula o

mesmo encantamento de quem fez a descoberta original. (MELLO. 1999:170)

A autora acrescenta que o princípio da interdisciplinaridade não se

resume apenas à solidariedade didática. À medida que se aprofunda mais numa

determina disciplina, mais se percebe a conexão que existe entre as diversas

disciplinas que compõem cada área de conhecimento e sua relação com as

demais áreas. A contextualização aponta para o relacionamento da teoria com a

prática, como estabelece a LDBEN, que consiste em relacionar o aprendizado do

aluno em sala de aula com a sua experiência imediata no contexto escolar e

social, inclusive na produção de bens e serviços no seu próprio trabalho secular.

Nesse processo de contextualização do aprendizado, o jovem do

ensino médio precisa compreender a sua própria sexualidade, conceitos e tabus,

como escolher seu parceiro ou parceira, sexo seguro, ter condições de decidir se

deve fazer dieta, conhecer hábitos saudáveis, decidir se deve fumar, usar drogas,

aprender a conviver com sua própria família e incorporar outros conhecimentos

que possam participar da vida em sociedade.

Ainda com relação às competências a serem incorporadas ao ensino

médio, as DCNEMs estabelecem que na organização do currículo escolar cada

escola deverá promover situações da aprendizagem coerentes com princípios

estéticos, políticos e éticos, assinalando a Estética da Sensibilidade, a Política da

Igualdade e a Ética da Identidade.

O discurso oficial expresso através das DCNEMs e dos PCNEMs

formaliza a organização de um currículo escolar para o ensino médio, buscando

proporcionar a incorporação de competências e habilidades em cada área de

conhecimento de forma bem organizada, utilizando os conteúdos disciplinares

como apoio de tais competências.

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Na educação profissional, as habilidades específicas exigidas para a

qualificação ou habilitação para o exercício de uma profissão técnica, por

exemplo, Curso de Enfermagem, deverão ser ministradas fora da carga normal do

ensino médio.

O ensino médio regular ou profissionalizante pode ser promovido de

maneira separada, ou integrados, contanto que sejam atendidas prescrições

estabelecidas pela LDBEN, Diretrizes Curriculares específicas para essa

modalidade de ensino, bem como a respectiva carga horária mínima

profissionalizante estabelecida pelo MEC.

4 – A REORGANIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO

O currículo escolar do ponto de vista dos PCNEMs representa um

importante instrumento de cidadania democrática, contempla os conteúdos e os

procedimentos metodológicos de aprendizagem contextualizada, potencializando

ao educando sua integração na sociedade, nas relações políticas, no mundo da

produção de bens e da simbolização subjetiva.

Nesta perspectiva, propõe-se uma reforma educacional voltada para

a construção de uma nova cidadania no país, incorporando as diretrizes e

premissas apontadas pela UNESCO, presentes no Relatório Delors (1996) com

ênfase nos quatro pilares estruturadores da educação para o século XXI, aprender

a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser.

A premissa aprender a conhecer incorpora a ideia de que há

necessidade de ter uma prática educativa que priorize o domínio dos instrumentos

do conhecimento, vislumbrando-os como meios e não como fins.

A educação nesta perspectiva busca consolidar mais uma formação

focada na compreensão do mundo, no direito à vida com dignidade, no entender,

no descobrir e no conhecer, estimulando o senso crítico, a capacidade de

discernimento, a autonomia em vez de memorizar informações ou fatos.

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À medida que aumenta a compreensão do mundo, instiga-se a

curiosidade intelectual e o senso crítico, refletindo na capacidade de autonomia,

do discernimento e do entendimento do mundo real.

Aprender a conhecer pressupõe a aquisição de instrumentos de

aprendizagem que potencializem a continuação da aprendizagem por toda a vida.

Na prática, significa incorporar a ideia do aprender a aprender.

Aprender a fazer implica associar teoria e prática, privilegiando a

aplicação da ciência e tecnologia com significação para a vida contemporânea, a

construção de competências e habilidades advindas da contextualização do

conhecimento escolar. Aprender a conhecer e aprender a fazer são premissas

indissociáveis, estão intimamente ligadas e no cotidiano escolar e social se

complementam.

Aprender a viver significa construir as competências e habilidades

para compreender o outro, entender a interdependência que existe entre as

pessoas, viabilizando a realização de projetos comuns, administrando os conflitos

que na maioria das vezes são inevitáveis, aprender a viver juntos na mesma

sociedade.

De uma forma geral, os PCNEMs propõem uma educação que visa a

formação do educando no sentido completo, como pessoa e como cidadão,

potencializando o desenvolvimento de sua autonomia, senso crítico e capacidade

de discernimento diante das circunstâncias de seu cotidiano na sociedade,

incorporando a capacidade de criação de juízos de valor sem a ingerência de

outras pessoas.

Aprender a viver e aprender a ser decorrem de aprender a conhecer

e aprender a fazer, devendo no seu conjunto constituir ações contínuas para

consolidação da formação da pessoa humana como cidadão.

Para articular a incorporação dessas aprendizagens, os PCNEMs

propõem uma organização curricular para o ensino médio que potencialize a

ministração de conteúdos significativos para a construção de competências e

habilidades, em consonância com os seus eixos norteadores.

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Nesse sentido, salienta-se a relevância dos eixos a serem articulados

na organização do currículo escolar, pois valores históricos, culturais e sociais

incorporados nos conteúdos disciplinares validam a relevância social da educação

nas dimensões histórica e cultural da sociedade. Um eixo epistemológico

potencializa a construção de novos conhecimentos, assegurando a eficácia desse

procedimento.

No tocante à organização curricular, a LDBEN determina que o

ensino fundamental e o ensino médio formalizem uma grade curricular para cada

nível de ensino, ambos constituídos por uma base nacional comum e uma parte

diversificada.

Especificamente para o ensino médio, os PCNEM orientam que a

base nacional comum deve contemplar a contextualização de conteúdos

disciplinares com enfoque para a construção de competências e habilidades

básicas para o mundo do trabalho e prosseguimento de estudos. Apontam para a

solução de problemas concretos relacionados a contextos sociais, produção de

bens, dentre outros, desprezando a memorização de informações ou esquemas

preestabelecidos. Exemplificando, os PCNEMs apontam para o estudo de biologia

com ênfase no impacto ambiental e o uso da tecnologia para prevenir doenças

profissionais e aplicações de recursos tecnológicos para a produção de novo

conhecimento cientifico.

A incorporação dessa modalidade de aprendizagem consolidada na

construção de competências e habilidades básicas significa conquistas na

democratização do país, direitos consagrados na CF/88 e incorporados pela

LDBEN/96 e que servirão de referência para a avaliação da educação básica em

todo o território nacional.

Nesta perspectiva, os PCNEMs salientam as diretrizes e orientações

estabelecidas pelo artigo 35 da atual LDBEN n°. 9394/96:

Seção IV Do Ensino médio Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima

de três anos, terá como finalidades:

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I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no

ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para

continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a

novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a

formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento

crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos

produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

(BRASIL, 1996)

Neste dispositivo legal, segundo os PCNEMs fica evidente que o

ensino médio deve potencializar ao aluno a consolidação e aprofundamento dos

conhecimentos incorporados no ensino fundamental, oportunizando sua formação

para continuação de estudos. Incluem-se nesse contexto, a formação ética,

desenvolvimento de autonomia intelectual e do pensamento crítico, além da

compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos

relacionados à teoria e à prática no ensino de cada disciplina escolar.

Complementando, o discurso oficial expresso nos PCNEMs confirma

que esses princípios e valores estabelecidos pela LDBEN/96 foram formalizados

mediante orientação de organismos internacionais como a UNESCO no relatório

Delors (1996), fortalecendo o argumento de que há necessidade de preparar o

trabalhador para continuar aprendendo diante das transformações que ocorrem na

sociedade atual, sinalizando para a revolução informacional.

Ainda nesta mesma perspectiva, os PCNEMs acrescentam a

relevância do artigo 36 da LDBEN que determina:

Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste

Capítulo e as seguintes diretrizes: I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da

ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da

sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de

comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;

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II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa

dos estudantes; III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória,

escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo,

dentro das disponibilidades da instituição. IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em

todas as séries do ensino médio. (Incluído pela Lei nº 11.684, de 2008) § 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão

organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção

moderna; II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem. (BRASIL, 1996).

Neste artigo, a legislação educacional formaliza as diretrizes para

constituição orgânica dos conhecimentos e competências que o aluno deverá

construir no decorrer do ensino médio através do estudo de conteúdos

disciplinares, domínios de princípios científicos que emergem no sistema de

produção moderna, além dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia, atualmente

incluídos como disciplinas obrigatórias nas três séries desse nível de ensino,

consideradas como indispensáveis para o exercício da cidadania, contrariando, a

nosso ver, os princípios de flexibilização expressos na LDBEN. (grifo nosso)

Apesar dessa obrigatoriedade estabelecida pela Lei 11684/2008 que

alterou a LDBEN/96, os PCNEMs orientam que o currículo escolar do ensino

médio deverá contemplar uma base nacional comum, priorizando a flexibilização

dos conteúdos a serem ministrados e a metodologia adotada pelas escolas para

materialização do ensino e da aprendizagem, sem mencionar disciplinas

escolares, exceto em casos muito específicos.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino e os Parâmetros

Curriculares salientam a importância dos sistemas e unidades escolares

procurarem alternativas de organização curricular comprometida com a formação

do educando, centradas na apropriação de conhecimentos direcionados ao mundo

do trabalho e as práticas sociais, incorporando o princípio de flexibilização

prescrito pela LDBEN. A escola deve internalizar a ideia de formação do aluno

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para o mundo globalizado, consubstanciado na articulação das três áreas de

conhecimento, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza,

Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias.

Nesse cenário escolar de construção de conhecimentos, as DCNEMs

e os PCNEMs apontam para a adoção de disciplinas potenciais, não de caráter

obrigatório, ou mesmo recomendadas, nem eliminando conteúdos específicos ou

empobrecendo seu ensino, mas assinalando para a integração destes de forma

global com o objetivo de desenvolver competências e habilidades focadas no

mundo do trabalho e nas práticas sociais, em consonância com os dispositivos

normativos e legais vigentes no sistema educacional brasileiro.

A estruturação do currículo escolar do ensino médio em áreas de

conhecimento procura assegurar um “modelo” de educação de base científica e

tecnológica, reunindo conhecimentos que são imbricados pela sua própria

natureza, compartilhando objetos de estudos e facilidade de comunicação que

podem ser desenvolvidos de maneira interdisciplinar, centrados na solução de

problemas do cotidiano escolar e social do aluno, numa perspectiva sociocultural

direcionada para conciliar humanismo e tecnologia numa sociedade em constante

mutação.

De uma forma geral, a LDBEN/96 estabelece a adoção de estudos

da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural

e da realidade social e política, especialmente do Brasil, o ensino da arte [...] de

forma a promover o desenvolvimento cultural do educando e a educação física,

integrados à proposta pedagógica da escola, a serem desenvolvidos na base

nacional comum do currículo escolar do ensino médio.

Ainda quanto à organização curricular do ensino médio, as DCNEMs

apontam para a construção de um currículo planejado, orgânico, superando a

organização de disciplinas estanques, priorizando a integração e a articulação dos

conhecimentos, num processo contínuo de interdisciplinaridade. Destaca a sua

organicidade no tocante à educação tecnológica básica, a compreensão do

significado da ciência, das letras e das artes, o processo histórico de

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transformação da sociedade e da cultura e o estudo da língua portuguesa como

instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania.

Na perspectiva da interdisciplinaridade e contextualização dos

conteúdos a serem desenvolvidos em sala de aula, os reformadores sinalizam

para a organização do currículo escolar nas três áreas de conhecimentos para

facilitar o processo educativo. Adota o princípio da flexibilidade expresso na

LDBEN/96, DCNEMs e PCNEMs, demonstrando ser exequível sua implementação

em todo o território brasileiro, mesmo com as desigualdades sociais e regionais.

O discurso oficial expresso nos PCNEMs destaca que o ensino

médio passou a ser um direito assegurado pela CF/88, devendo o Estado oferecer

a todas as pessoas que desejarem concluí-lo, pois é considerado indispensável

para o exercício da cidadania, acesso às atividades produtivas, prosseguimento

de estudos, desenvolvimento pessoal, inserção plena na sociedade e progresso

no trabalho, contribuição para construção de sua identidade. Potencializa o

desenvolvimento de sua capacidade para continuar aprendendo com status de

produtor de conhecimento, através da construção de competências básicas

embasadas na ciência e na tecnologia.

Na realidade, a legislação educacional buscou integrar a educação

básica como um todo orgânico articulado. Salientou o desenvolvimento de valores

e competências indispensáveis para a construção de um projeto individual

vinculado ao projeto de sociedade de uma forma global, a formação ética, o

desenvolvimento da autonomia intelectual, preparação básica para o mundo do

trabalho centrado no conceito de educação geral. Potencializou a formação para a

criticidade e autonomia, devendo ser efetivada no ambiente escolar como o apoio

estratégico dos PCNEMs.

O conceito de linguagem nos PCNEMs está vinculado à capacidade

humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de

representação. Seus atos apontam para a construção de sentidos compartilhados,

e que variam de acordo com as carências e experiências da vida em sociedade.

De uma forma geral, propõe que as linguagens possibilitem o inter-

relacionamento nas práticas sociais e na história, promovendo a circulação de

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sentidos, produzindo formas sensoriais cognitivas e diferenciadas. Por outro lado,

implicando a apropriação demonstrada pela utilização e pelo entendimento de

sistemas simbólicos sustentados em diferentes suportes e de seus instrumentos

considerados de organização cognitiva da realidade e de sua comunicação.

Os PCNEMs priorizam a aprendizagem da língua portuguesa como

língua materna capaz de propiciar a geração de significados, a integração do

mundo e da própria interioridade e o conhecimento de língua (s) estrangeira (s).

Potencializam a ampliação de horizontes de acesso a pessoas de outros países

com outras culturas e outras informações e o uso da informática como ferramenta

de informação e comunicação na resolução de problemas em atividades

profissionais, de gestão de pessoal e as artes. Inclui a literatura e as atividades

físicas e desportivas como domínio do corpo e como forma de expressão e

comunicação.

Outros fatores de grande relevância, para a compreensão das

linguagens e dos códigos, estão situados no tempo e no espaço, sendo

representados por seu caráter histórico, sociológico e antropológico, considerando

suas relações com as práticas sociais e produtivas, inclusive a inserção do aluno

no mundo letrado e simbólico com ênfase para o convívio social e negociação de

sentidos através das linguagens como instrumentos de comunicação. A linguagem

e seus sistemas apontam para uma articulação entre eles, sinalizando a

necessidade de uma garantia de participação ativa na vida social, a cidadania

desejada.

O aprendizado das ciências da natureza no ensino médio difere

significativamente do ensino fundamental em termos qualitativos, pois nesse nível

de ensino a aprendizagem deve contemplar a apropriação e a construção de

pensamentos mais abstratos e com novos significados, tratando-os como um

processo cumulativo do saber e de ruptura de consensos e pressupostos

metodológicos.

O aprendizado dessa área deve destacar as concepções científicas

atualizadas do mundo físico e natural, centradas na solução de problemas. Buscar

o aprimoramento do educando para o trabalho de investigação científica e

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tecnológica, desenvolvendo atividades institucionalizadas de produção de

conhecimentos, bens e serviços. Os estudos dessa área de conhecimento devem

visualizar a matemática como uma linguagem que busca representar os aspectos

do real, como instrumento formal de expressão e comunicação para as diversas

ciências.

As ciências e as tecnologias são produções humanas, historicamente

construídas, segundo os PCNEMs, no entanto os objetos de estudo por elas

utilizados e os discursos por elas elaborados não se confundem com o mundo

físico e natural. Importa entender que o mundo é o mesmo, mas os objetos de

estudos são diferentes. É fundamental que o aluno entenda os princípios

presentes nas tecnologias e sua associação com os problemas relacionados com

os conteúdos aprendidos de forma contextualizada, procurando aplicar aqueles

princípios em situações reais ou simuladas.

A área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias

deve proporcionar um aprendizado centrado na incorporação de competências e

habilidades que apontem para a compreensão e a utilização dos conhecimentos

científicos, visando explicar o funcionamento do mundo, com destaque para o

planejamento, execução e avaliação de ações que possam intervir na realidade.

Finalmente, a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias

engloba a Filosofia e a Sociologia, e deve promover o desenvolvimento de

competências com enfoque para a construção de consciências críticas e criativas

com capacidade para gerar respostas adequadas a problemas da atualidade e

solução para situações novas, com ênfase para a ampliação da cidadania, através

do conhecimento da produção histórica dos direitos e deveres do cidadão,

potencializando o desenvolvimento da consciência cívica e social em relação ao

outro, na tomada de decisão e na forma de ação no sentido público e particular.

Ainda expresso no discurso oficial representado pelas DCNEMs e

pelos PCNEMs destacam-se o desenvolvimento de competências e habilidades

que promovam o entendimento da sociedade como uma construção humana,

construída e reconstruída num processo histórico contínuo ao longo de gerações.

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No processo educativo, é fundamental destacar o espaço construído,

ocupado e consumido pelo homem, representado como de sociabilidade humana

em âmbito coletivo. Definir espaços públicos com reflexos da constituição das

individualidades, demonstrando a si próprio a identidade de um agente social que

intervém na sociedade e avalia o sentido dos processos sociais que orientam o

constante fluxo social com sua intervenção nesse processo.

A organização do currículo escolar do ensino médio por áreas de

conhecimento com a articulação das linguagens, da filosofia, das ciências

humanas e suas tecnologias não visa a criação de novas disciplinas, mas através

da interdisciplinaridade e da contextualização pretende-se superar o tratamento

estanque e compartimentalizado atribuído ao conhecimento escolar e bastante

disseminado no cotidiano das escolas brasileiras. Procura utilizar o aprendizado

incorporado através das disciplinas escolares para subsidiar a construção de

competências e habilidades para resolver problemas concretos do dia a dia do

educando.

Por fim, é importante sublinhar que o desinteresse pela escola e

consequente evasão escolar são decorrentes do ensino de conteúdos muito

distantes do cotidiano escolar e social do educando, perpetuados nos rituais da

escola, sem reflexão ou crítica dos docentes, portanto sem significado ou

contextualização com o mundo real.

É indispensável que a aprendizagem esteja vinculada a um

referencial que o educando se identifique no seu dia a dia e com o seu mundo

real, vislumbrando sua compreensão e interferência de maneira autônoma na sua

própria realidade social.

Para complementar a base nacional comum do currículo escolar,

independente da adoção de áreas de conhecimentos, cada sistema de ensino e

unidade escolar deve definir a sua parte diversificada, tendo como objetivo atender

às características de sua economia e de sua clientela, destacando a cultura

regional e local da sociedade.

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5 – AS FUNÇÕES DA TECNOLOGIA NA ATUAL EDUCAÇÃO BÁSICA

Os PCNEMs como política pública abordam as características da

nova sociedade, embasada na revolução tecnológica, com seus reflexos na

produção de bens e de informações, focada na centralidade do conhecimento.

Nesta perspectiva, a educação básica amparada na tecnologia da

comunicação e da informação deve assegurar ao aluno do ensino médio uma

autonomia, jamais atingida, considerando que as competências cognitivas e

culturais exigidas para o mundo do trabalho estão muito próximas das necessárias

ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e seu preparo para o exercício da

cidadania como fator de desenvolvimento social.

A educação não assegura as oportunidades sociais para todos, pois

os avanços tecnológicos reduzem as oportunidades de atividades simbólicas, em

que o conhecimento constitui instrumento de atuação profissional e diante disso

muitos jovens continuarão se vendo excluídos.

Mesmo com o crescimento econômico, ocorrem fatos na sociedade

contemporânea que provocam a exclusão social, como o desemprego estrutural, a

pobreza, a violência e a intolerância, todos decorrentes da falta de conhecimento

do jovem, refletindo nos processos de solidariedade e coesão social, dificilmente

possíveis de serem inferidos, descobrindo quantos e quais são as pessoas que

terão acesso à educação, incorporando os benefícios disponibilizados pelos

avanços tecnológicos.

E nesse cenário de desigualdades sociais e excludência é

necessário o combate a dualidade dessa sociedade, pois o processo educativo

deve assegurar a oportunidade para que todas as pessoas desenvolvam as

competências básicas necessárias para o exercício da cidadania e para o mundo

do trabalho.

Essas competências descritas nos PCNEMs são inerentes à

capacidade de abstração, curiosidade, criatividade, pensamento sistêmico,

capacidade para trabalhar de forma coletiva, pensamento crítico, capacidade de

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comunicação e busca por conhecimento tanto na esfera social quanto cultural,

com ênfase no exercício da cidadania democrática.

Os reformadores destacam que para efetivação da reforma curricular

do ensino médio faz-se necessário investir na área de macroplanejamento, pois

ficou constatado que para atender à demanda nacional, é preciso aumentar o

número de vagas nesse segmento educacional e melhoria na formação dos

docentes. Os professores precisam incorporar as novas tecnologias de

informática, priorizando a sua utilização como ferramentas para seleção e

tratamento de conteúdos, o que exige mudanças na sua formação. Estas foram

algumas das prioridades indicadas pela Secretaria de Educação Média e

Tecnológica (SEMT) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais (INEP) fundamentadas no Sistema de Avaliação da Educação

Básica (SAEB) e que subsidiaram a elaboração da proposta de reforma curricular

para o ensino médio.

Os PCNEMs recomendam a incorporação dos avanços da ciência e

da tecnologia, em destaque no setor produtivo e nas relações sociais com enfoque

das tendências apontadas para o século XXI, sugerindo mudanças permanentes e

rupturas rápidas de paradigmas dominantes, completamente diferentes dos

séculos passados, época em que os avanços do conhecimento caminhavam de

forma muito mais lenta. Os avanços da biogenética têm provocado debates em

nível global quanto à ética, o avanço da tecnologia da informação e da robótica

tem alterado a configuração dos processos de produção industrial, contribuindo

para acentuar o desemprego estrutural.

Os PCNEMs destacam que, apesar do crescimento econômico e da

migração de vagas do setor industrial para o terciário, a geração de empregos tem

sido insuficiente para atender a demanda, principalmente para os trabalhadores

com baixa qualificação. As exigências do mercado de trabalho permanecem da

mesma forma e os conhecimentos são superados rapidamente em virtude dos

avanços científicos, provocando certa instabilidade na organização educacional e

na política produtiva e social.

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Os avanços da tecnologia mudaram a configuração dos processos

de socialização, transformaram os conceitos de identidade individual e coletiva;

mudaram os paradigmas da prática social e do mundo do trabalho e do

conhecimento.

No cenário dessa revolução tecnológica, a globalização econômica

eliminou as fronteiras e impôs a necessidade da implementação de uma educação

com muitos desafios, utópica, mas necessária para a construção de uma

sociedade mais justa, mais livre, balizada nos princípios contidos no relatório

Delors (1996) da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, da

UNESCO. Sinaliza para a redução da pobreza, da exclusão social, das opressões

aos menos favorecidos e das guerras, buscando protagonizar uma educação que

contemple um triplo papel: econômico, cientifico e cultural, estruturada em quatro

pilares, aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver e aprender a ser,

segundo Delors (1996).

6 – A CIDADANIA E O MUNDO DO TRABALHO NOS PARÂMETROS CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO O discurso reformista do ensino médio delineado pelos PCNEMs

enfatiza a formação básica do educando para o mercado de trabalho e para a

cidadania numa sociedade globalizada e com visão planetária. Procura sua

consolidação num ideário neoliberal, num contexto de reestruturação dos

processos de produção decorrentes dos avanços da tecnologia, sobretudo da

microinformática e biogenética, instaurado no país no governo do presidente

Fernando Henrique Cardoso (1994-2002).

Os princípios axiológicos, conceito de cidadania e trabalho expressos

na política educacional brasileira para o ensino médio e incorporados pela LDBEN

estão fundamentados no Relatório Delors (1996) para a UNESCO da Comissão

Internacional para o século XXI, formalizado na Conferência Mundial de Educação

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para Todos, realizada em Jontien, na Tailândia, em 1990. Procuram atender às

prioridades impostas por agências internacionais.

Segundo o discurso oficial expresso nos PCNEMs, o Brasil e outros

países da América Latina estão em grande desvantagem em termos de

escolarização e nível de conhecimento se comparados aos mais desenvolvidos da

Europa. O trabalhador brasileiro “modelo fordista” precisa ser substituído por um

profissional mais especialista, mais proativo, polivalente e flexível; exigência do

setor produtivo no contexto atual. Para essa requalificação do trabalhador, como

exigência do mercado de trabalho, o país precisa implementar uma política pública

centrada na educação básica de qualidade que contemple o desenvolvimento de

competências e habilidades necessárias para sua inserção no mundo produtivo.

Acreditamos que a educação básica brasileira expressa no discurso

oficial contempla sua submissão aos processos de produção de bens e serviços,

procurando sempre atender ao capitalismo globalizado, ancorado na política

neoliberal e centrado muito mais na formação de mão de obra qualificada para o

setor industrial do que na formação ou preparação para o exercício da cidadania

democrática.

O atual mundo do trabalho, descrito pelos PCNEMs, exige um

trabalhador com competências de caráter geral, com status de sujeito produtor de

conhecimento, centrado no “aprender a aprender” e participante dos processos de

produção, completamente diferente do expresso pela Lei 5692/71 que apenas

habilitava o educando para o exercício de uma profissão técnica. O mundo

produtivo exige uma escola reformada que atenda às exigências do capital. A

nova LDBEN estabelece que a educação deve estar vinculada ao mundo do

trabalho e à prática social, contagiando dessa forma toda a prática educativa

escolar.

O discurso oficial formalizado através dos PCNEMs destaca as

características da nova sociedade originária da revolução tecnológica com seus

reflexos na produção de bens e de informações, focadas na centralidade do

conhecimento. Deve assegurar à educação uma autonomia, jamais atingida,

considerando que as competências cognitivas e culturais, exigidas para o mundo

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do trabalho, aproximam-se das necessárias para o pleno desenvolvimento da

pessoa humana e seu preparo para o exercício da cidadania. Aponta a educação

como fator de desenvolvimento social e que o desemprego é contingência da falta

de qualificação profissional.

Os PCNEMs asseveram que a educação proposta pelos

reformadores não garante oportunidades sociais iguais para todos, pois os

avanços tecnológicos da sociedade capitalista reduzem as oportunidades de

atividades simbólicas, em que o conhecimento constitui instrumento de atuação

profissional. Muitos jovens continuarão sendo excluídos do mercado de trabalho,

portanto o próprio discurso oficial aponta a educação básica promovendo a

anticidadania, incorporada ao desemprego.

Fica muito evidente que a cidadania propalada no discurso oficial e a

cidadania efetivada não se confirmam, pois mesmo com o crescimento

econômico, ocorrem fatos na sociedade atual que provocam exclusão social: o

desemprego, a pobreza, a violência e a intolerância. Segundo os PCNEMs, esses

fatores degradantes da sociedade atual decorrem da falta de conhecimentos do

educando, refletindo nos processos de solidariedade e coesão social.

Não concordamos com essa assertiva do discurso oficial, afinal de

contas, quantos e quais serão as pessoas que terão acesso à conclusão da

educação básica com qualidade, direito universal outorgado pela Constituição

Federal, incorporando os benefícios disponibilizados pelos avanços tecnológicos?

Nesse cenário de desigualdades sociais e excludência, o combate a

essa dualidade social deve ser promovido através do processo educativo,

segundo os PCNEMs, assegurando oportunidades para que todas as pessoas

desenvolvam as competências básicas para o exercício da cidadania e para o

mundo do trabalho. (grifo nosso) Essas tais competências são inerentes à

capacidade de abstração, curiosidade, criatividade, pensamento sistêmico,

capacidade para trabalhar de forma coletiva, pensamento crítico, capacidade de

comunicação e busca por conhecimento, tanto na esfera social quanto cultural,

com enfoque para o exercício da cidadania democrática.

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Apesar desse “belo discurso oficial”, não encontramos nenhum tipo

de proposição para a equalização das oportunidades na educação básica, no

mercado de trabalho e na busca por redução das desigualdades sociais.

Ainda com esse olhar, conflitando com o ideal dos reformadores,

Donald Stewart Jr adverte que para promover a equidade social, haveria

necessidade da promoção de medidas compensatórias com o objetivo de atenuar

as desigualdades entre as pessoas, pelo menos no campo das igualdades de

oportunidades, do ponto de vista econômico e social. (STEWART JR, 1995)

Complementando essa análise, e apreciando o contexto da política

educacional brasileira centrada na educação básica, não acreditamos ser possível

superar as desigualdades sociais com apenas uma proposta de implementação de

um “modelo” de currículo escolar que, na prática, cria uma sociedade fabricada

por intelectuais, fundada na ideologia do capitalismo e ancorada no

neoliberalismo, sem formalizar um mecanismo que priorize o processo de

equidade social, principalmente nas regiões mais pobres do território nacional.

Os próprios PCNEMs destacam o problema do desemprego

estrutural provocado pela revolução tecnológica, no entanto dá a impressão de

que os reformistas procuram explicar que os desempregados deverão aceitar sua

condição como natural, pois a educação básica constituir-se-á num remédio para

todos os males.

7 - A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA 7.1 – A Avaliação da Educação Básica no Âmbito Nacional

A avaliação permanente da educação básica emerge como um

diagnóstico para que o país conheça os problemas existentes nas escolas

públicas e privadas, e como prognóstico para que seja possível direcionar políticas

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públicas com o propósito de melhoria da qualidade da aprendizagem dos alunos.

(DEMO, 1995)

Os pais, alunos e a população têm o direito de saber o que acontece

nas instituições escolares e nos órgãos que administram os sistemas

educacionais. A questão da aprendizagem no Brasil, segundo o autor, é algo

vergonhoso para todos. Não há como esconder a situação caótica em que se

encontra a educação básica e seria um absurdo colocar esse problema nas costas

do professor, que, na prática, também é uma vítima do sistema, juntamente com

os alunos. Não se pode negar que a formação do professor repercute na formação

do aluno, pois um docente mal preparado, desatualizado e com baixa

remuneração também contribui para o fracasso escolar.

Sobre a qualidade da educação no país, a LDBEN deixa claro que

compete à União estabelecer, em colaboração com Estados, Distrito Federal e

Municípios, diretrizes para os currículos escolares e competências que serão

indispensáveis para assegurar a formação do aluno, inclusive assegurando o

processo nacional de avaliação do rendimento escolar com o objetivo de definir

prioridades para melhoria da sua aprendizagem.

A legislação assinala no Título IV, da Organização da Educação

Nacional, em seu artigo 9°. :

Art. 9º A União incumbir-se-á de:

[...].

I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios;

IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino

fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos

mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;

V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação;

VI - assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no

ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de

ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do

ensino.

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A avaliação da educação básica no Brasil é bastante complexa e se

constitui num grande desafio para os órgãos que administram os sistemas

educacionais do país. Há necessidade de construir estratégias avaliativas que

contemplem sua qualidade formal e política, com transparência até certo ponto

obsessiva e subsidiada por mecanismos de constante aprimoramento, procurando

superar a resistência das escolas e reduzir ou mesmo atenuar os efeitos

agressivos da avaliação. (DEMO, 1995)

Em 1990, segundo informações oficiais, o MEC promoveu a primeira

avaliação da educação básica brasileira denominada Sistema de Avaliação da

Educação Básica (SAEB) com a participação de um número reduzido de escolas

em todo o país, ofertada apenas e tão somente às 1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries do ensino

fundamental das escolas públicas da rede urbana, abrangendo os conteúdos de

língua portuguesa e matemática, incluindo uma redação para os alunos das 7ª

séries. Esse formato de provas se manteve até a edição do ano de 1993.

O SAEB foi reestruturado a partir do ano de 1993, passando a ser

constituído por duas avaliações: Avaliação Nacional da Educação básica (ANEB)

e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), mais conhecida como

Prova Brasil.

Essa avaliação externa da educação básica realizada em larga

escala a cada dois anos tem como objetivo diagnosticar o sistema educacional

brasileiro, destacando alguns fatores sociais e econômicos que podem interferir no

desempenho da aprendizagem dos alunos, servindo de indicador de qualidade do

ensino que é ofertado no país e subsidiando a formulação e a reformulação de

políticas públicas na área educacional: municipal, estadual ou Federal. Sua

realização foi promovida nos anos de 2005, 2007 e 2009 pelo MEC/INEP e poderá

contribuir para a melhoria da qualidade da educação básica, equidade e eficiência

do ensino nas escolas públicas e particulares.

Segundo esses órgãos oficiais, o SAEB e a Prova Brasil são dois

exames complementares que juntas compõem o Sistema de Avaliação da

Educação Básica e tem como objetivo avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo

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sistema educacional brasileiro através de testes padronizados e questionários

socioeconômicos. Atualmente, o SAEB realizado pelo INEP/MEC abrange

estudantes das redes públicas e privadas de todo o país, localizadas em área

urbana e rural, matriculados na 4ª e 8ª séries (ou 5° e 9°. Anos) do ensino

fundamental e terceiras séries do ensino médio.

Nas avaliações, os educandos respondem a questões de língua

portuguesa com foco em leitura e matemática com foco na resolução de

problemas, além de fornecerem informações socioeconômicas e outras que

podem estar associadas ao seu desempenho escolar. Os professores e os

diretores respondem a questionários sobre dados demográficos, perfil profissional

e condições de trabalho.

Essa avaliação é aplicada por amostragem, cujas classes a serem

avaliadas são selecionadas através de sorteio e depois das provas corrigidas. O

resultado é disponibilizado no portal do INEP para todos os Estados da federação

e sociedade em geral. Outro fator de grande relevância para o sistema

educacional brasileiro no tocante aos objetivos da Prova Brasil e SAEB é estimular

a cultura da avaliação, fomentado dessa maneira a implementação de avaliações

estadual e municipal, inclusive, com o aporte técnico do próprio INEP. (grifo

nosso)

Para determinar o nível de qualidade da educação de cada escola ou

cada rede de ensino, o INEP criou, no ano de 2007, o Índice de Desenvolvimento

da Educação Básica (IDEB), variando de zero a dez para facilitar o entendimento

de todos, Esse indicador é calculado com base no desempenho dos estudantes

nas avaliações realizadas pelo INEP e nas taxas de aprovação da unidade

escolar, dados esses obtidos através do censo escolar. Para que o IDEB cresça, é

necessário que o aluno frequente as aulas, aprenda e não seja reprovado no ano

letivo, pois as taxas de aprovação influenciam no cálculo do IDEB.

Esse índice é medido a cada dois anos e tem como objetivo

demonstrar a situação da educação básica em todo território nacional, subsidiando

as escolas e o sistema educacional a partir das metas definidas para cada ano,

chegando em 2022 à nota seis, correspondente à qualidade do ensino em países

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desenvolvidos. Esse indicador fixado pelo MEC considerou o resultado obtido

pelos 20 países mais bem colocados do mundo, considerando os países da

Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A partir das informações consolidadas pelo INEP através do IDEB, o

Ministerio da Educação, Cultura e Desporto e as Secretarias Estaduais e

Municipais de Educação têm subsídios para definir ações a serem implementadas

para o aprimoramento da qualidade da educação no país, redução das

desigualdades regionais existentes e promoção de correção de distorções e

debilidades identificadas. É possível direcionar recursos técnicos e financeiros

para serem aplicados em áreas identificadas como prioritárias, pois a União

dispõe de recursos adicionais do FUNDEB para investimentos em ações de

melhoria da educação básica.

O MEC de posse desse instrumento traçou metas de desempenho

da educação básica para cada escola de cada rede, a cada dois anos,

organizando uma projeção até o ano 2022. Esse novo indicador (IDEB) foi

utilizado tendo como marco inicial o ano letivo de 2005 e em 2007, foram

apresentados resultados positivos, demonstrando que a união de pais em torno da

educação de seus filhos promove mudanças nos resultados. Através dos dados

dessas avaliações, ao longo do tempo, as escolas, as redes ou mesmo o sistema

como um todo poderá acompanhar a evolução do desempenho da educação

básica.

Ainda segundo o MEC, a metodologia adotada para elaboração dos

testes e sua aplicação, SAEB e Prova Brasil é adequada para avaliar redes ou

sistemas de ensino e não para avaliação de alunos individualmente. Nesse

processo cada grupo de alunos representa uma unidade dentro do sistema de

ensino como um todo e o resultado reflete cada unidade e não alunos

individualmente.

Os processos de avaliação do SAEB e da Prova Brasil estão

ancorados em critérios técnicos definidos pelo INEP e disponíveis em seu sítio.

O Saeb, por sua vez, é uma avaliação por amostra, isso significa que nem

todas as turmas e estudantes das séries avaliadas participam da prova. A

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amostra de turmas e escolas sorteadas para participarem do Saeb é

representativa das redes estadual, municipal e particular no âmbito do país,

das regiões e dos estados. Dessa forma, não há resultado do Saeb por

escola e por município.

A base metodológica das duas provas é a mesma, a diferença está na

população de estudantes aos quais são aplicadas e, conseqüentemente,

aos resultados que cada uma oferece. Ambas avaliam as mesmas

disciplinas, Língua Portuguesa e Matemática. (INEP, 2011)

Segundo dados oficiais do MEC e do Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica (IDEB) consolidado no ano de 2009 mostra uma evolução na

qualidade da educação em todos os níveis, tanto do ensino fundamental quanto

do ensino médio, pois as metas de progressão estabelecidas para a avaliação

foram superadas.

Apesar dos dados oficiais apresentarem resultados positivos na

progressão da aprendizagem dos estudantes da educação básica, não confiamos

em todos os seus critérios utilizados para seleção das escolas avaliadas. Em

algumas situações destacadas neste trabalho, as unidades escolares participantes

são selecionadas por sorteio, sem critério técnico para definição da referida

amostra a ser pesquisada. (grifo nosso).

Através do Censo Escolar de 2010, formalizado e divulgado pelo

MEC, o índice de repetências de alunos do ensino médio supera os 30% dos

matriculados em milhares de escolas distribuídas por todo o país, inclusive, em

alguns casos esse índice chega a 50%. Esses indicadores demonstram que a

construção da cidadania no ambiente escolar, almejada pelo ideário dos

reformadores da educação básica e expressa nos PCNEMs, está muito distante

de se tornar realidade, apesar do grande aumento de matrículas nesse nível de

educação.

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7.2 – A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

O Estado de São Paulo, segundo informações oficiais da Secretaria

de Estado da Educação (SEE), promove anualmente a avaliação da educação

básica ministrada em sua rede pública, de caráter obrigatório, através do Sistema

de Avaliação do Rendimento Escolar (SARESP). Esse processo de avaliação foi

planejado, em princípio, para avaliar a educação pública paulista, no entanto na

atualidade as redes municipais e particulares podem ser atendidas pelo mesmo

processo avaliativo.

Normalmente, no mês de novembro de cada ano, os alunos são

avaliados em todas as escolas estaduais na modalidade de ensino regular,

mediante aplicação de provas do 3°, 5°, 7° e 9° anos (2ª, 4ª, 6ª, 8ª séries) do

ensino fundamental e da 3ª Série do ensino médio nos componentes curriculares

Língua Portuguesa com Redação, Matemática, Ciências da Natureza (Física,

Química e Biologia) desde o ano de 1996.

Para aprofundamento da análise das variáveis que podem interferir

na aprendizagem dos alunos, são aplicados questionários aos pais, alunos,

professores, professores coordenadores e diretores de todas as escolas públicas,

solicitando dados que possam contribuir para a análise do sistema escolar, cujos

resultados servirão de instrumentos para subsidiar a implementação de políticas

públicas na área da educação e do plano de metas das escolas.

Seu objetivo consiste em produzir informações consistentes sobre a

educação básica pública paulista e visa orientar os órgãos centrais da Secretaria

de Estado da Educação e os gestores das escolas no sentido de procurar meios

para melhoria da qualidade da educação no Estado de São Paulo.

A partir do ano de 2007, a SEE-SP promoveu algumas adequações

no SARESP, compatibilizando sua base de dados com o SAEB, proporcionando a

comparação dos resultados de ambas as avaliações, nas disciplinas de Língua

Portuguesa e Matemática, ano após ano.

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Desta forma, a SEE-SP e os gestores das escolas públicas da rede

estadual paulista podem identificar o desempenho escolar dos alunos de cada

escola nas séries e habilidades avaliadas e por outro lado, proceder a um

acompanhamento da evolução da qualidade da educação ao longo dos anos.

A metodologia utilizada para elaboração das provas do SARESP é

adequada para avaliar sistemas de ensino e não apenas para avaliar alunos de

forma individualizada. Essas avaliações são aplicadas em todas as escolas da

rede pública estadual paulista.

Essa avaliação é representada por indicadores que assinalam os

níveis de desempenho da educação básica no Estado de São Paulo, classificados

de acordo com a proficiência em Língua Portuguesa e Matemática.

A classificação adotada pelo SARESP abrange três níveis de

desempenho, com subdivisões, assim descritos:

Insuficiente – Abaixo do básico: os alunos neste nível demonstram domínio

insuficiente dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis para o

ano/série escolar em que se encontram.

Suficiente: Básico: os alunos neste nível demonstram domínio mínimo dos

conteúdos, competências e habilidades, mas possuem as estruturas

necessárias para interagir com a proposta curricular no ano/série subsequente.

Adequado: os alunos nesse nível demonstram domínio pleno dos conteúdos,

competências e habilidades desejáveis para o ano/série escolar em que se

encontram.

Avançado: Avançado: os alunos neste nível demonstram conhecimento e

domínio dos conteúdos, competências e habilidades acima do requerido para o

ano/série escolar em que se encontram. (BOLETIM SARESP, 2010)

Considerando que a presente pesquisa está centrada no ensino

médio regular, salientamos os resultados do SARESP divulgados pela SEE-SP

referente ao ano de 2010. A avaliação aplicada em todas as escolas públicas

estaduais demonstrou uma situação bastante preocupante, pois 37,9% dos alunos

avaliados estão abaixo do nível básico; 38,3% estão no nível básico; 23,3% no

nível adequado e apenas 6% no avançado.

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Esses indicadores demonstram que os objetivos do novo ensino

médio protagonizado pelos reformadores, oficializados pela LDBEN, DCNEMs e

PCNEMs, estão distante de se tornarem realidade no Brasil. Estamos pensando a

educação em um dos estados mais evoluídos do país. Não há como discordar de

Demo (1995) quando afirma que aprendizagem no Brasil “é uma vergonha”.

Os indicadores de fluxo escolar (repetência e evasão) em grande

parte das escolas públicas estaduais de ensino médio da grande São Paulo

variam entre 25% e 50%. Esses fatores assinalam que a “cidadania sonhada” e a

preparação para o trabalho no ambiente escolar estão muito distantes de se

tornarem uma realidade; pelo contrário, a exclusão social emerge das próprias

escolas pelos baixos indicadores de desempenho, repetência e evasão que

comprometem todo o sistema educacional brasileiro.

Para exemplificar os indicadores citados, listamos algumas escolas

de ensino médio localizadas na região leste da capital paulista e que demonstram

a função excludente da escola pública, pois o indicador de fluxo aponta para a

exclusão social promovida pelas unidades escolares.

ITEM ESCOLAS ESTADUAIS - SÃO PAULO INDICADOR

DE FLUXO

1 JOAO RAMACCIOTTI PROF 51%

2 JOAO SARMENTO PIMENTEL 41%

3 ARTHUR CHAGAS JUNIOR PROF 40%

4 VICTOR MIGUEL ROMANO PROF 40%

5 JORGE DUPRAT FIGUEIREDO 39%

6 JULIETA FARAO PROFA 39%

7 AROLDO DE AZEVEDO PROF 37%

8 CHIBATA MIYAKOSHI 36%

9 JOZINEIDE PEREIRA GAUDINO 34%

10 ASTOLFO ARAUJO DEPUTADO 32%

11 AFONSO PENNA JUNIOR PR 32%

12 OCTACILIO DE CARVALHO LOPES PROF 30%

13 INAH JACY DE CASTRO AGUIAR 27%

14 JOAO CAMARGO PROF 27%

15 JOSE TALARICO 27%

Fonte: Boletim SARES/IDESP - 2010

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, procurou-se descrever e analisar o conteúdo dos

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, como política social

implementada no final da década de 1990 pelo governo Fernando Henrique

Cardoso. Buscou-se identificar pontos que relacionam a educação básica com a

formação do jovem para a idade adulta, tendo como eixo norteador o processo de

flexibilização expresso na LDBEN/96 e o seu vínculo com a construção da

cidadania no ambiente escolar.

Para consolidar os resultados obtidos na contextualização teórica

desses documentos oficiais, preliminarmente, formalizou-se uma reflexão de forma

sistematizada sobre os principais paradigmas da cidadania na história da

humanidade. Inicia-se na Antiga Grécia, em torno dos séculos VI e V antes de

Cristo, perpassando a Revolução Francesa, Revolução Americana, Declaração

Universal dos Direitos Humanos (DUDH) protagonizada pela UNESCO em 1948,

alcançando o momento atual.

Tal percurso envolveu a análise das relações entre cidadania e

educação no contexto histórico, político e econômico da sociedade brasileira,

ancorado nos referenciais bibliográficos e documentais selecionados para esta

pesquisa, o que permite assegurar que as questões formuladas anteriormente

formam respondidas.

Na construção histórica da humanidade, foi possível notar que o

conceito de cidadania incorporou inúmeras mutações, porém sempre esteve

atrelado à liberdade e à inserção da pessoa humana no mundo social e político.

Nesse longo tempo, o conceito de igualdade desempenhou papéis diferentes,

dependendo da cultura de cada país. Ser cidadão no Brasil e ser cidadão na

Alemanha não significa viver nas mesmas condições de liberdade e igualdade,

pois a equidade social depende da cultura local e nem sempre atende às

demandas de maneira igualitária.

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Em pleno século XXI, para grande parte da população brasileira,

cidadania está vinculada apenas aos direitos de votar, de ir e vir, de receber

assistência social do governo, não incorporando o ideal de emancipação política,

criticidade e reflexão sobre a construção de sua própria história, procurando deixar

de ser objeto para tornar-se sujeito de seu próprio destino, segundo Demo (1995).

Nos limites desta pesquisa, analisou-se a educação brasileira numa

visão panorâmica, desde a Independência do Brasil até os dias de hoje, podendo

notar que na fase imperial a população brasileira, na sua grande maioria, não

sabia sequer ler e escrever. Era representada, principalmente, por negros

escravos, caboclos e índios, vivendo na pobreza e, por outro lado, uma pequena

elite que usufruía benefícios e regalias de forma muito semelhante às elites de

países europeus.

Após a Proclamação da República no ano de 1889, muitos brasileiros

acreditavam que fosse ocorrer mudança significativa na sociedade brasileira, no

entanto apenas uma Constituição promulgada em 1891 estabeleceu direitos iguais

para todos, sem se preocupar com os negros libertos e índios que viviam em

condição de penúria diante desse novo regime de governo.

Na realidade, ao analisarmos as constituições brasileiras anteriores a

de 1988, identificamos a cidadania como um “status de cidadão”, outorgado pelo

Estado, sem vínculo com conquistas ou emancipação política e suas relações

débeis com o processo formativo adotado pela educação escolar.

Na década de 1960 e 1970, em plena ditadura militar, houve uma

ampliação no número das escolas de educação média e, consequentemente,

oferta de vagas para atender a demanda com o objetivo de formação de mão de

obra para a indústria de bens e serviços.

Segundo a visão dos reformadores expressa nos PCNEMs, a

educação brasileira nos moldes estabelecidos pela LDB N°. 5692/71 transformou

o ensino médio, compulsoriamente, em ensino profissionalizante com o objetivo de

atender a demanda de mão de obra qualificada, exigida pela industrialização do

Brasil, centrada principalmente na região Sudeste do país.

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Quanto à descrição e análise dos PCNEMs, foi possível constatar

que as reformas educacionais protagonizadas pela sociedade brasileira nas

últimas décadas sempre estiveram a serviço de interesses de organismos

multilaterais como o Banco Mundial, UNESCO, dentre outros. Incorporados num

ideário liberal e mais tarde neoliberal, estavam ancorados em princípios de

natureza capitalista, com objetivo de melhoria da produção de bens e mais

centrados na formação de mão de obra do que na preparação para o exercício da

cidadania.

Esse discurso oficial enfatiza que na década de 1990, outros

paradigmas nos processos de produção foram criados decorrentes da evolução

tecnológica, porém a escola continuava ainda preparando o trabalhador para o

sistema fordista. Por esse motivo a educação precisava mudar, passando a formar

um novo tipo de trabalhador, priorizando o “desenvolvimento social”.

Nesse contexto político e econômico, o presidente FHC promulgou a

atual LDBEN n°. 9394/96, incorporando os ideais do Relatório Delors (1996),

formalizado em sintonia com as orientações da UNESCO e que mais tarde deram

origem às DCNEMs e aos PCNEMs, documentos oficiais que nortearam a

implementação do novo currículo escolar para o ensino médio nos moldes atuais.

. Numa análise minuciosa dos PCNEMs pode-se identificar que a

proposta de uma nova organização curricular para o ensino médio adota a

pedagogia das competências. Ela deve ser construída com conteúdos

disciplinares independentes das disciplinas estabelecidas nas matrizes

curriculares, o que configura o princípio de flexibilização estabelecido pela LDBEN.

Durante os três anos de ensino médio, o jovem deve incorporar as

competências indispensáveis à cidadania e formação básica para o trabalho. Essa

temática é abordada pelos PCNEMs de forma ambígua, mesclando competências

e habilidades, induzindo o leitor a entender que ambos os termos têm o mesmo

significado prático.

Esses documentos não deixam claro o tipo de cidadania que se

pretende formar no ensino médio, pois, de uma maneira geral, o foco, a nosso ver,

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está mais centrado na preparação básica para a mão de obra, atendendo às

necessidades do mercado de trabalho produtivo.

Apesar disso, não se pode negar que o MEC tem se esforçado para

melhorar a educação básica, inclusive elaborou e divulgou novas orientações

curriculares para as três áreas de conhecimento denominadas PCNEM+,

procurando eliminar dúvidas quanto à aplicabilidade dos PCNEMs. O assunto

continua na pauta dos órgãos oficiais e certamente não será esgotado tão logo.

Defende-se, ainda, a criação de uma sociedade com o aporte dos

recursos tecnológicos, procurando desta forma atenuar os efeitos do desemprego

estrutural, a exclusão social e as desigualdades regionais, balizado no conceito de

uma educação permanente, centrado na educação por toda a vida produtiva.

Essa configuração de sociedade parece um tanto contraditória no

próprio discurso oficial, pois os reformadores assinalam que não haverá emprego

para todos e os mais jovens terão mais dificuldades para conseguir o emprego tão

desejado.

Na prática, essa nova sociedade que se propõe a criar através da

educação básica não apresenta consistência; pelo contrário, demonstra que sua

sustentação está embasada no neoliberalismo e capitalismo excludente, em que

aparentemente todas as pessoas estão em condições iguais de enfrentar a

competitividade do mercado de trabalho, o que não é verdade.

Fica evidente que o novo currículo escolar proposto para o ensino

médio busca preparar o educando para o mercado de trabalho e não para a

cidadania democrática, e ainda, salientam os PCNEMs que nem todos terão

acesso a uma educação de qualidade à altura das necessidades do novo mercado

de trabalho.

Em resumo, a análise demonstrou que o discurso oficial expresso na

LDBEN, nas DCNEMs e nos PCNEMs, que assinalam a educação básica capaz

de preparar a pessoa para o exercício da cidadania e formação básica para o

trabalho, não se efetiva de forma eficiente e eficaz no cotidiano escolar e social do

aluno do ensino médio.

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Tal afirmação pode ser comprovada pelos indicadores de

desempenho da educação básica nacional divulgados pelo Ministério da

Educação e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP)

representados pelo IDEB e no Estado de São Paulo pelo SARESP.

Na realidade, houve um grande avanço no número de matrículas no

ensino médio e oferta de vagas para atender a demanda, isso é inquestionável,

porém milhões de alunos avaliados das mais diversas escolas, principalmente

públicas, em todas as regiões do país, têm demonstrado um índice de

desempenho extremamente baixo. Vale relembrar a afirmação de Demo (1995)

que destaca que a aprendizagem no Brasil “é uma vergonha”.

O índice de repetência e a evasão escolar, principalmente no ensino

médio em grande parte das escolas, variam de 30% a 40%, demonstrando que a

escola está contribuindo intensamente para a propagação da anticidadania,

principalmente das grandes massas menos favorecidas da população brasileira.

Diante dessas fortes evidências de práticas de anticidadania,

salientamos e concordamos com Cury (2008) quando ele afirma categoricamente

que a pretensa reforma do ensino médio expressa no discurso oficial declarado na

nova LDBEN 9394/96 não se consolidou da maneira prenunciada, devido à

deficiência da política pública direcionada à sua implementação. Ela pode ser

comparada à reforma do então segundo grau estabelecida pela Lei 5.692/71 que

instituiu a profissionalização desse grau de ensino de forma compulsória, não

efetivada Fica somente na pretensão por ser inviável sua implementação no

contexto histórico da época.

Esta pesquisa não propõe a formulação de mudanças no currículo

escolar para o ensino médio. Espera-se que as críticas relatadas possam

contribuir para que se pense numa política pública social centrada na educação

básica, que contemple a equidade para as classes que mais necessitam de apoio

governamental e que estão à mercê de inúmeras instituições que promovem a

exclusão social através da repetência e evasão escolar.

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