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TIAGO CARZETTA MARCHINA EDUCAÇÃO ESTÉTICA E CONTEMPORANEIDADE: UM ESTUDO DA FORMAÇÃO HUMANA NO CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2010

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TIAGO CARZETTA MARCHINA

EDUCAÇÃO ESTÉTICA E CONTEMPORANEIDADE: UM ESTUDO DA

FORMAÇÃO HUMANA NO CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2010

TIAGO CARZETTA MARCHINA

EDUCAÇÃO ESTÉTICA E CONTEMPORANEIDADE: UM ESTUDO DA

FORMAÇÃO HUMANA NO CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA

Dissertação de Mestrado apresentada

como exigência parcial para obtenção do

título de Mestre em Educação junto à

Universidade Cidade de São Paulo -

UNICID, sob a orientação da Profa. Dra.

Margaréte May Berkenbrock Rosito

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2010

Ficha Elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID

M317e

Marchina, Tiago Carzetta. Educação estética e contemporaneidade: um estudo da formação humana no curso superior de tecnologia. / Tiago Carzetta Marchina. - São Paulo, 2010. 114 p. Bibliografia Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo - Orientador: Profa. Dra. Margarete May Berkenbrock Rosito. 1. Educação estética. 2. Educação como humanização. 3. Formação profissional tecnológica. I. Rosito Margarete May Berkenbrock. II. Título.

CDD 371.1

________________________________________

Profa.. Dra Margaréte May Berkenbrock Rosito (Orientadora)

________________________________________

Profa. Dra. Silvia Regina Rocha Campos Brandão

________________________________________

Prof. Dr. Julio Gomes Almeida

Comissão Julgadora

Agradeço a todos aqueles que enquanto fragmentos e luz fizeram possível esse trabalho:

Á Profa. Dra Margaréte May Berkenbrock Rosito pelas inúmeras “luzes”, pela

orientação, paciência, dedicação e pelo respeito.

A todos os professores do Programa de Mestrado em Educação da Unicid pelo aprendizado.

Aos colegas de sala pelo companheirismo e apoio, em especial ao Clovis e ao

Moyses, sempre parceiros.

Às secretarias Sheila e Juliana pela disposição e o carinho.

A Profa. Dra. Tereza Mª de Paula Cavalari Telles pela revisão do trabalho que iluminou meus pensamentos.

À Profa. Dra. Silvia Regina Rocha Campos Brandão e ao Prof. Dr. Julio Gomes

Almeida pela participação na banca: uma importante aula final.

Aos meus colegas de trabalho que acompanharam o processo, incentivando, apoiando, ouvindo... Sem vocês o trabalho teria sido muito mais escuro:

Bruna, Conceição, Cris, Dani, Edina, Eduardos, Fernanda, Gabriela, Gilmar, Ignatti, Joelma, Juliana, Liliane, Lisete, Luciana, Pepe (pelo incentivo em iniciar

o mestrado), Renata Salu, Sandras, Thais.

Aos amigos que tiveram paciência com as minhas ausências, Eddy, Ná e Lili.

Á minha madrinha, Tia Graça, pela silenciosa inspiração em seguir a carreira docente.

Aos meus pais, meu irmão, minha cunhada, minha Tia Cris, minha avó e meu

namorado por me apoiarem, ouvirem, incentivarem e mesmo sem entender muito bem o que eu estava pesquisando terem certeza de que iria dar certo,

OBRIGADO!

Dedico esse trabalho aos meus professores por me inspirarem a seguir a carreira docente, aos meus alunos que me motivam a estudar sempre e aos

colegas professores que se sentem desafiados a cada dia.

Disneylândia

Titãs

Filho de imigrantes russos casado na Argentina Com uma pintora judia,

Casou-se pela segunda vez Com uma princesa africana no México

Música hindu contrabandeada por ciganos poloneses faz sucesso No interior da Bolívia

Zebras africanas E cangurus australianos no zoológico de Londres.

Múmias egípcias e artefatos íncas no museu de Nova York Lanternas japonesas e chicletes americanos

Nos bazares coreanos de São Paulo. Imagens de um vulcão nas Filipinas

Passam na rede de televisão em Moçambique Armênios naturalizados no Chile Procuram familiares na Etiópia,

Casas pré-fabricadas canadenses Feitas com madeira colombiana

Multinacionais japonesas Instalam empresas em Hong-Kong

E produzem com matéria prima brasileira Para competir no mercado americano

Literatura grega adaptada Para crianças chinesas da comunidade européia.

Relógios suíços falsificados no Paraguay Vendidos por camelôs no bairro mexicano de Los Angeles.

Turista francesa fotografada semi-nua com o namorado árabe Na baixada fluminense

Filmes italianos dublados em inglês Com legendas em espanhol nos cinemas da Turquia

Pilhas americanas alimentam eletrodomésticos ingleses na Nova Guiné Gasolina árabe alimenta automóveis americanos na África do Sul.

Pizza italiana alimenta italianos na Itália Crianças iraquianas fugidas da guerra

Não obtém visto no consulado americano do Egito Para entrarem na Disneylândia

Quem sabe

Quem sabe sabe que não sabe

Porque sabe que ninguém sabe

E quem não sabe

Não sabe porque ninguém sabe

Luiz Tatit e Itamar Assumpção

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO______________________________________________ 12

1. A METÁFORA DO CALEIDOSCÓPIO: AS IMAGENS DA

NARRATIVA AUTOBIOGRÁFICA E OS PROCESSOS FORMATIVOS __

16

1.1 Um percurso singular formativo: a justificativa para a escolha do

tema_____________________________________________________

16

1.2 A imagem: a busca do sentido das experiências formadoras._____ 21

1.3 A abordagem hermenêutica: uma possibilidade de compreensão

dos discursos______________________________________________

25

2. A EDUCAÇÃO ESTÉTICA: UM PERCURSO PARA A FORMAÇÃ O

HUMANA DO TECNÓLOGO ___________________________________

35

2.1 A contemporaneidade: a necessidade de um processo contínuo de

formação_________________________________________________

35

2.2 A educação e a arte na contemporaneidade: um caminho em

direção à formação dos sujeitos________________________________

50

2.3 O processo formativo e a dimensão estética___________________ 57

3. A FORMAÇÃO HUMANA DO TECNÓLOGO: O

DESENVOLVIMENTO HUMANO PARA A VIDA PRODUTIVA ________

70

3.1 Uma reflexão sobre as Diretrizes Nacionais dos Cursos de

Tecnologia________________________________________________

70

3.2 A mobilidade social e a fluidez: a pertinência da formação estética

do tecnólogo_______________________________________________

86

3.3 O mundo contemporâneo: a essencialidade da liberdade na

construção da autonomia do sujeito ____________________________

91

CONSIDERAÇÕES FINAIS___________________________________ 104

REFERÊNCIAS____________________________________________ 110

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS CEB – Câmara de Educação Básica

CEE – Conselho Estadual de Educação

CES – Câmara de Educação Superior

CFE – Conselho Federal de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

CP – Câmara Plena

MEC – Ministério da Educação

s/d – sem data definida

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Mapa Hermenêutico________________________________ 31

Figura 2 Encolhimento do Mundo____________________________ 36

Figura 3 Abaporu_________________________________________ 48

RESUMO

O Ensino Superior de Graduação em Tecnologia caracteriza-se por sua

adequação às exigências do mercado de trabalho, portanto, a rapidez e a

pressa são as marcas indeléveis desses cursos. Neste contexto, a educação

estética seria uma referência para a humanização dos sujeitos. Neste estudo,

estabelece-se, como objetivo, a reflexão sobre a possibilidade da instauração

da educação estética, voltada para a formação humana no Ensino Superior de

Nível Tecnólogo. Considera-se, sobretudo, a aceleração do mundo moderno,

sujeito ao avanço científico e tecnológico. A humanização, nos cursos para

formação de tecnólogos, requer dos professores, coordenadores e alunos uma

atitude de reflexão ininterrupta, diante da velocidade do tempo, que distancia o

homem dos valores morais, éticos e estéticos. Este reflexão constante conduz

o homem à liberdade. As marcas da contemporaneidade conduzem à

percepção da necessidade da implantação da educação estética para a

formação humana, nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos

Superiores de Tecnologia.. A hipótese é, portanto, que haja, nos Cursos

Tecnológicos, a oportunidade para que se formem sujeitos estéticos. A

elaboração do trabalho pressupõe a pesquisa documental, apoiada na

perspectiva de Gadamer (2000). O material analisado é a Resolução CNE/CP,

3 de 18 de dezembro de 2002 e, como apoio a essa análise, o Parecer

CNE/CP nº. 29/2002 que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais de Nível

Tecnólogo que deu origem à Resolução CNE/CP 3/2002.

Palavras-chave: Educação Estética – Formação Humana – Tecnólogo -

Hermenêutica

ABSTRACT

Higher Education Degree in Technology is characterized by its suitability to the

demands of the labor market, so the speed and haste are the indelible marks of

these courses. In this context, the esthetic education would be an opportunity to

humanize the subjects. In this study it is established as an objective, the

reflection on the desirability of the establishment of esthetic education, focused

on the human education at the Technology Level in Higher Education of the

Professional Technologist. It is considered, especially the acceleration of the

modern world, subject to scientific and technological advancement.

Humanization in courses for technologists, requires teachers, coordinators and

students an attitude of continuous reflection, given the speed of time, that

distances the man from moral, ethical and esthetic values. This constant

reflection leads man to freedom. The marks of contemporary lead to the

perception of the need for implementation of esthetic education for human

development, in the National Curriculum Guidelines, at the level of technology,

in higher education, for the Technologist training courses. The hypothesis is

therefore that there is, in the Technologist training courses, the opportunity for

creating esthetic subjects. The creation of this work is based on documentary

research, based on the perspective of Gadamer (2000). The analyzed material

is the Resolution CNE/CP 3, dated December 18th, 2002 and in support of this

analysis, the CNE/CP #29/2002 which deals with National Curriculum

Guidelines in Technologist Level that led to the Resolution CNE/CP 3/2002.

Key-words : Esthetic Education – Human Development - Hermeneutic

12

INTRODUÇÃO

Neste estudo, o foco central é a formação, no Ensino Superior de

Graduação em Tecnologia, considerando a conveniência da introdução da

Educação Estética, como elemento presente nos processos formativos dos

tecnólogos.

Propõe-se uma reflexão, a partir de algumas especificidades que são

decorrentes do mercado de trabalho, entre outras, a rapidez, nos cursos de

Graduação Tecnológica, com uma duração média de dois anos. Neste

contexto, a educação estética seria uma possibilidade de humanização dos

sujeitos na contemporaneidade.

A proposição da educação estética, como fundamento da formação

humana dos profissionais tecnólogos, possibilita o surgimento de uma

pergunta: para que serve a valorização da estética, como forma de

humanização dos sujeitos, na educação superior no nível tecnológico?

Esta expressão interrogativa, “para que serve”, mostra que a educação

estética não tem sido objeto de reflexão, com frequência, nos cursos superiores

de formação do profissional tecnólogo. Pelo contrário, os propósitos da

educação e da formação passam pelo estabelecimento de privilégios do ensino

tecnicista, desconsiderando o valor da formação humana do profissional, que

visaria à aquisição da capacidade de pensar de forma crítica, reflexiva e

criativa. São aspectos legítimos e necessários para uma educação de

autonomia e emancipação dos sujeitos. Estes sujeitos não são anônimos, no

seu processo singular e plural de construção de suas histórias de vida.

No contexto da cultura líquida, em que vivemos, sem dúvida, a tarefa de

formação do sujeito é algo paradoxal. Por um lado, a formação humana requer

habilidades reflexivas que demandam tempo e preparo. Por outro lado,

constata-se que o que motiva o aluno a buscar o Ensino Superior é a busca de

status, melhor remuneração, ascensão social. Não há, realmente, o

estabelecimento de metas, voltadas para a aquisição do pensamento

autônomo, do autoconhecimento, da conscientização sobre si, sobre o outro e

sobre o mundo.

A compreensão do ser e, não apenas, do fazer e do saber, na

formação do tecnólogo, torna-se relevante no mundo contemporâneo. A

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formação, como modalidade de educação superior, no nível dos Cursos

Tecnológicos, organiza-se de forma apropriada às novas demandas

educacionais, decorrentes das mudanças na nova ordem econômica mundial,

com ênfase no saber-fazer imediato.

Portanto, esta formação requer dos professores, coordenadores e

alunos uma atitude de reflexão ininterrupta, diante da velocidade do tempo, que

distancia o homem dos valores morais, éticos e estéticos. Este reflexão

constante conduz o homem à liberdade.

Leciono as disciplinas "Comportamento Ético e Cidadania"; "Política

Social Empresarial", “Comunicação Empresarial” e “Metodologia da Pesquisa”.

Estas disciplinas são unidades curriculares que compõem módulos comuns aos

cursos superiores de tecnologia. Os cursos são organizados em 4 ou 5

módulos com duração de um semestre cada um.

Como coordenador, atuo, desde 2009, nos cursos de Graduação

Tecnológica em Turismo, Hotelaria, Gestão Hospitalar e Gestão Ambiental,

entre os quinze existentes na Instituição de ensino, na grande São Paulo, onde

trabalho. Este cargo favorece a possibilidade de que haja uma observação

minuciosa das práticas, tanto de docentes, como de discentes, evidenciando a

prevalência dos pensamentos objetivo, prático e mercadológico, nos cursos de

formação de tecnólogos, em detrimento da necessária formação humana.

Assim, é a partir deste contexto, que se elege o problema, neste estudo:

o sentido da formação humana, nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos

Cursos Superiores de Tecnologia, para a Educação Estética na

contemporaneidade.

Propõe-se, como hipótese, que o espaço da formação, nos Cursos

Superiores de Tecnologia, possibilita oportunidades de aprendizagem, de um

sujeito estético. O saber estético é construído, diante da manifestação de

encantamento ou desencantamento dos alunos e professores, inseridos no

processo de ensino, aprendizagem e formação. Os referenciais estético-

culturais podem fomentar uma cultura do fazer, que pode reforçar o

individualismo, o consumismo, a busca da novidade. No contexto da cultura

líquida, o esvaziamento humano distancia o ser de sua atribuição de sentido à

vida em sociedade e consigo mesmo.

14

Neste trabalho, estabelece-se como objetivo, a compreensão da

conveniência da introdução da formação humana, nas Diretrizes Curriculares

Nacionais dos Cursos Superiores de Tecnologia, sob a ótica da Educação

Estética. Constata-se que a formação nos cursos de tecnólogos requer, dos

formadores, uma reflexão sobre a construção do ser humano, como sujeito

estético em formação. Isto remete à possibilidade de que a formação do sujeito

estético é um fator emancipatório, considerando-se que a autonomia é um

caminho para a libertação e para a aprendizagem do pensamento crítico.

(Freire, 1997; Schiller, 2002).

Apresenta-se uma analise documental, com suporte na abordagem

hermenêutica, na perspectiva de Gadamer (2000).

O material analisado é a Resolução CNE/CP, 3 de 18 de dezembro de

2002 e, como apoio a essa análise, o Parecer CNE/CP nº. 29/2002 que trata

das Diretrizes Curriculares Nacionais de Nível Tecnólogo que deu origem à

Resolução CNE/CP 3/2002.

A compreensão da Resolução tem como referencial teórico, a estética

em Freire (1987, 1996), Boal (2008), Valcárcel (2005), Schiller (2002) e Perisse

(2009), a construção histórica do conceito Educação Estética em Wojnar

(1967). Os autores oferecem o sentido da educação estética para pensar a

formação, no nível tecnólogo.

Para a elucidação do contexto da contemporaneidade utilizou-se Hall

(2006), Bauman (1998, 2005), Harvey (2010) e Boutinet (s/d), recortando seus

olhares sobre a relação do sujeito na contemporaneidade, com suas

identidades e suas aflições. Tal olhar permitiu a reflexão sobre os caminhos da

construção do sujeito estético, em formação.

Os dados serão analisados na abordagem hermenêutica, na perspectiva

de Gadamer (2000). Esta abordagem tem apoio em pilares que possibilitam a

compreensão e interpretação dos discursos (conjunto harmonioso de palavras)

que pode ser o dito, ou seja, aquele factual, tangível, apresentado e os

discursos intrínsecos – não ditos, presentes nas entranhas dos pensamentos

representados por ideologias, agrupamentos morais e aspirações do

documento.

Estrutura-se este trabalho em três capítulos.

15

No primeiro capítulo, apresenta-se a narrativa autobiográfica do autor da

pesquisa, seu trajeto e as justificativas para a escolha dos temas e dos eixos

teóricos. Neste trabalho, há também, a fundamentação da escolha da

hermenêutica, como forma de análise do trabalho e há um olhar teatral sobre a

relação com a autonomia. A análise hermenêutica da história de vida permitiu

identificar a forma pela qual os fragmentos da história do pesquisador, antes,

em momentos de luz e sombra, compõem-se, em novos momentos de luz, que

somados aos fragmentos vividos, compõem novas imagens.

No segundo capítulo, reflete-se sobre o tempo liquefeito na formação

humana. Há a aproximação entre Schiller (2002), Freire (1987; 1996), Boal

(2008). Nesse capítulo, as teorias de educação estética e formação humana

são as luzes para a transformação e a composição das imagens fragmentadas

do sujeito esvaziado do sentido humano, na sociedade contemporânea. Essas

luzes, ao iluminar os fragmentos, tira-os da sombra, possibilitando

transformações estéticas, proporcionando, sensibilidade e razão, ao mesmo

tempo, um movimento caleidoscópico, um impulso lúdico, no campo da

educação de sensibilidade na formação humana. A idéia do teatro do oprimido

é jogo (lúdico) de luz, sombra e olhar, é o olhar sobre si que permite ver a

imagem transformada, é o ver-se oprimido e o ver-se opressor, em movimento

para a imagem estética de libertação.

No terceiro capítulo, ao apresentar-se a análise hermenêutica da

Resolução CBE/CP 3/2002, possibilita-se a visualização dos fragmentos da

composição do profissional, como autor e ator do jogo da formação. As partes

do documento analisadas exibem imagens e narrativas que dão contornos e

evocam o tema central deste estudo, dos fragmentos do todo: o sutil, a

diferença. O diferente vê o fio da construção do sujeito estético: as narrativas

(auto) biográficas, como possibilidade de fio condutor para uma formação mais

humana.

16

1 A METÁFORA DO CALEIDOSCÓPIO: AS IMAGENS DA NARRAT IVA

AUTOBIOGRÁFICA E OS PROCESSOS FORMATIVOS

Neste capítulo, resgata-se o percurso (auto) formativo do pesquisador,

buscando as influências de seus formadores em sua prática e, ainda, a

percepção de momentos específicos, na trajetória pessoal e profissional.

Surge, no resgate deste percurso, a possibilidade de refletir sobre o objeto de

estudo: a formação do ser humano, como profissional no Curso Tecnólogo.

1.1 Um percurso singular formativo: a justificativa para a escolha do tema

No regate de minhas memórias escolares, a primeira lembrança é a

professora, Tia Terê do Pré-I. Ela era afetuosa. Meus pais tinham seu telefone,

na agenda de casa, um símbolo de proximidade. Isto pode ser a causa de uma

das minhas características, como professor: na minha relação com os alunos,

há, sempre, a preocupação em saber quem são eles, de onde vieram e quais

são suas aspirações. A outra lembrança é do Prof. João Torres, da quarta série

do Ensino Fundamental I. Foi o primeiro professor, do sexo masculino, um

senhor com ar rígido, que permitia, durante suas aulas, o ensaio das

apresentações de teatro. No ensino fundamental II, recordo com saudades da

professora Elisa, de Matemática, também séria. Ficou a imagem de seu esforço

para que todos os alunos compreendessem as equações.

Até a 2ª série do Ensino Fundamental, estudei em escolas particulares

e, depois, em escolas estaduais. Durante os anos de estudo no ensino

fundamental, passei por duas escolas, nas quais tive dificuldade de

relacionamento com alguns grupos de alunos, devido ao fenômeno, hoje,

denominado bullying.

Os professores sentiam-se impotentes diante do constrangimento

vivenciado por alguns alunos, vítimas de bullying.

Hoje, como professor e como coordenador, percebo que o bullying é

uma forma de assédio moral ou agressão que resulta em males físicos e

psicológicos no indivíduo. Manifesta-se em forma de agressões verbais, físicas

e psicológicas. Ocorrem, no espaço escolar, nas universidades, nos ambientes

17

de trabalho, enfim, em todas as instituições de uma sociedade. Tais atitudes

são decorrentes de comportamentos socialmente aceitos, em muitos casos,

são apontados como naturais, pois são marcas de uma sociedade onde a

aceitação da pluralidade, inerente à existência humana, é subjugada.

A preocupação em pensar na formação humana do sujeito, hoje, provém

dessa inquietação, fruto do bullying, do qual fui vítima no passado.

A ética, ou seja, o compromisso com a vida e o bem-estar do outro são

desconsiderados, a favor de uma estética que valoriza o padrão, socialmente

aceito, o igual, suprime o diferente.

Como aluno, procurei a solução do problema, ao optar por prestar

vestibulinho, para escolas técnicas estaduais. Fui aprovado na Escola Técnica

Estadual Getúlio Vargas. Nela, tive contato com uma outra forma de educar e

formar: não era obrigatório o uso de uniformes, os portões ficavam abertos,

entrar e sair era determinado pelo querer de cada aluno, havia participação do

processo de eleição dos dirigentes da escola, éramos incentivados a ter idéias,

a sermos “seres pensantes”.

Nessa escola técnica de Ensino Médio, além da construção de um ciclo

de amigos, que permanece até hoje, há três professores que foram

extremamente marcantes. A professora de Biologia, Nilcéia, que permanece na

minha memória, devido à organização de um trabalho de estudo de campo,

com os alunos. Visitamos casas do bairro da escola. Neste estudo, o objetivo é

o mapeamento da quantidade e dos tipos de lixo, produzidos pelas pessoas da

comunidade. Havia a Profa. Ana Maria Aoki, do curso técnico de Química,

cujas aulas alcançavam um alto nível de qualidade. Construímos uma relação

próxima, principalmente, quando ela participou da festa de aniversário de uma

amiga. A coordenadora pedagógica, Profa. Fátima, foi marcante, por sua

proximidade com os alunos, pela dedicação, aliada à rigidez, elementos

imprescindíveis ao bom funcionamento da escola. Ela repetia as frases:

“Formar seres pensantes independente da área em que fossem atuar” e ”A

escola não era para formar só profissionais, mas, para formar cidadãos”. Tais

frases eram proferidas, durante uma reunião de abertura de ano letivo. Ainda

são importantes para mim.

Fiz um curso pré-vestibular que possibilitou a minha entrada no Ensino

Superior em Turismo. Este curso deixou sua marca, em minha formação,

18

devido às restrições que eu tinha pelo processo de ensino desenvolvido ali: o

foco era apenas o vestibular e não a real aprendizagem.

O (per) curso de turismo foi marcado, desde a sua escolha até a

conclusão, por diversos professores, pelo domínio dos temas, pelo

comprometimento e pelo incentivo ao desenvolvimento do processo criativo. A

relação afetiva e educacional que eu possuía com eles influenciou o meu modo

de agir no magistério.

Cursar turismo foi a opção para estudar em uma faculdade reconhecida

e, possivelmente, trabalhar com eventos. Tal trabalho era um sonho, eu o

considerava como momentos de diversão, de agito e de magia. Essa imagem

foi sendo desmontada, aula após aula, devido à organização dos

conhecimentos do curso: sociologia, história, geografia, antropologia,

comunicação, com a exigência de muita leitura. Enfim, organizar eventos se

apresentou como algo pequeno perto do universo de possibilidades, aos quais

eu estava sendo apresentado. Entre outras possibilidades, a carreira docente.

Desempenhando o meu papel de universitário, comecei a atuar em

agências de viagens, a partir do primeiro semestre, fui mudando de emprego,

sempre em empresas reconhecidas no mercado, o que elevava o meu status

como aluno. Consegui me posicionar, no trabalho com turismo GLS. Abria-se

um espaço para que as minhas crenças pessoais, de um mundo menos

preconceituoso e mais inclusivo, fossem afirmadas, por meio da minha prática

profissional, uma possibilidade de re-significar os constrangimentos

vivenciados no ensino fundamental.

Durante o curso de turismo, houve a elaboração de um inventário

turístico, na disciplina Planejamento Organizacional do Turismo, desenvolvido

em trio, com o objetivo de elaborar o planejamento turístico de uma das

subprefeituras da cidade de São Paulo. A Vila Mariana foi o local escolhido

pelo grupo. Isto possibilitou a descoberta de que eu seria capaz de realizar algo

bem feito, sobretudo, se fizesse com paixão.

Foi fundamental conseguir o prêmio “São Paulo Capital Mundial da

Gastronomia”, por um trabalho realizado pelo mesmo trio. Este trabalho era

sobre os pontos gastronômicos, no centro da cidade de São Paulo. A

qualidade do trabalho realizado angariou para o trio o apelido de “gênio”. A

elaboração do trabalho durou um ano. Houve um fato marcante: a boa

19

qualidade do texto do trabalho suscitou a dúvida da professora orientadora,

sobre a fidedignidade da autoria do texto. A dúvida foi esclarecida.

Tive o primeiro contato com a pesquisa acadêmica, na graduação em

Turismo, com o Trabalho de Conclusão de Curso, também em trio. O trabalho

foi uma seqüência ao trabalho premiado e foi aprovado com nota 10. Além da

avaliação positiva, foi significativa a escolha do tema, as leituras, a produção

dos textos, a pesquisa de campo. O resultado deste estudo foi a transformação

do aluno, que odiava as aulas do cursinho, no aluno que usufruía uma posição

de destaque e que, no semestre seguinte à formatura, iniciaria a atuação como

docente e como palestrante sobre turismo.

Atuar como professor universitário provocou duas situações: tornou-se

inviável a continuidade da posição de sócio, em uma agência de viagens, e a

migração da pesquisa em turismo para a pesquisa em educação.

A docência é uma abertura para descobertas, em ambos os campos: o

profissional e o acadêmico. A realização do curso de Pós-Graduação, Lato

Sensu, sobre Docência do Ensino Superior, resultou no trabalho de conclusão

de curso, que se apoiou, exclusivamente, em levantamento bibliográfico sobre

educação, memória e narrativas, intitulado: “Desafio do professor iniciante:

narrativas e audições na construção do conhecimento”.

Esse estudo aproximou-me da pesquisa em educação e das suas

diferentes vertentes. A escolha da temática “Narrativas (auto) biográficas no

espaço educacional” resultou na escolha, por cursar um programa de mestrado

que tratasse do tema e tivesse uma maior possibilidade de desenvolvimento

pessoal e profissional.

Ingressar em um programa de Mestrado em Educação é um momento

que marca o percurso pessoal, profissional e educacional de qualquer sujeito-

educador. É momento de mudança na forma de olhar a pesquisa; ela, agora, é

mais do que apenas um estudo. Trata-se, agora, da formação do pesquisador,

no espaço aberto para o desenvolvimento do pensamento, do raciocínio, da

lógica. Há, agora, a reflexão sobre a forma pela qual se produzem

conhecimentos.

A escolha da área de pesquisa, da linha de pesquisa e da temática a ser

abordada, remete a reflexões sobre as aspirações profissionais, educacionais e

pessoais.

20

No meu percurso formativo, ficaram as marcas dos professores com os quais

convivi.

Refletindo acerca dos acontecimentos da vivência, é possível que se

perceba que é, no aluno, que as impressões do professor ficarão fixadas mais

fortemente, embora, de certa forma, o professor também carregue consigo

influências dos alunos, mesmo que inconscientemente.

A revisão das passagens marcantes do processo formativo contextualiza

o nascedouro desta pesquisa. Emerge, da reflexão sobre a própria prática

docente, a problemática sobre a necessidade e a conveniência da formação

humana do profissional tecnólogo.

Como docente, no curso de Turismo, tomei consciência das grandes

transformações nos aspectos burocráticos da emissão de passagens aéreas,

em decorrência do avanço tecnológico. Da emissão manual dos bilhetes,

chegou-se ao bilhete virtual. Isto suscitou minha perplexidade sobre o ensino

de práticas que, em decorrência do avanço tecnológico, tornam-se,

rapidamente, obsoletas.

Como docente, vislumbrei, ainda, a conveniência da possibilidade da

vivência da construção da autonomia, nos cursos para tecnólogos. Isto seria

viável pela técnica de ensino, estudo de caso ou case, em Inglês. O estudo de

caso supõe a análise de um fato real, com o intuito de aproximar o aluno de

sua área de estudo. É uma prática que, embora contribua para a visualização

prática dos conceitos, pode provocar, no aluno, a desvalorização de sua

realidade e de sua história de vida.

A partir dos pressupostos freireanos, os conhecimentos contextualizados

tornam-se apropriáveis, como ponto de partida, transformando o processo de

conhecimento mais palpável, para compreender o outro, a realidade distante de

seu cotidiano. Nessa perspectiva, é um processo de atribuir sentido aos

conhecimentos e sua relação com o seu projeto de vida. A compreensão do

contexto, em que foram desenvolvidos os projetos, permite que o aluno possa

conviver com as evoluções tecnológicas, além de compreender como elas

repercutem no contexto local, planetário e universal. Esta compreensão

possibilita, ainda, o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos, construída a

partir da leitura do mundo, do próprio processo de decidir, de fazer escolhas,

de atribuir sentidos e significados de sua existência consigo mesmo, com o

21

outro e com o contexto.

1.2 A imagem: a busca do sentido das experiências formadoras.

As imagens que se veem, em um caleidoscópio, assemelham-se às que

emergiram, no processo de relato de minha própria trajetória. São imagens

externas que me conduziram a olhar a minha própria história, a refletir sobre a

minha travessia. Essas imagens ampliaram a compreensão dos motivos que

me levaram a eleger a formação humana como tema de pesquisa, que é a

compreensão da própria vida.

São imagens que só têm sentido e significado, individualmente, pois as

experiências formadoras ganham sentido no próprio percurso vivido. Traçar a

trajetória e atribuir sentidos e significados ao processo formativo é, ao mesmo,

tempo formar-se e compreender o processo de formação, é utilizar a vida como

espaço e tempo de aprendizagem.

Compreender o percurso formativo tem o sentido de desvelar a si

próprio, o profissional e a pessoa, revelando a historicidade das experiências

formadoras que nos habita. Maturana e Varela (1995, p.26) dizem que: “a

libertação do ser humano está no encontro profundo de sua natureza

consciente consigo mesma”. Portanto, o pesquisador deve empreender a

investigação do contexto do percurso formativo dos contornos de sua

identidade.

Hall (2006) diz que as representações do mundo apresentam aspectos

da identidade dos sujeitos, ou seja, o conhecimento científico não é asséptico,

ele é contextualizado nas vivências e no mundo no qual o individuo está

inserido, banhado de ideologias e influências.

Mergulhei, em meu processo formativo, com a narrativa e imagens, na

confluência do mundo exterior e interior. São vivências originais enraizadas no

corpo, metafóricas e poéticas, que, refletidas, tornaram-se uma experiência

formadora de abertura para a compreensão do tema proposto, neste estudo: a

compreensão do ser humano e sua formação na graduação de cursos

tecnológicos.

A narrativa do meu percurso singular foi produzida a partir da proposta

da disciplina Educação Estética e Formação de Professores, que compreende

22

a elaboração de três documentos, por meio da narrativa escrita, fílmica,

pictórica e oral. São movimentos integradores do método da Colcha de

Retalhos, preconizado por Berkenbrock-Rosito (2007; 2008).

A narrativa escrita é produzida por meio de duas estratégias. A primeira

estratégia aborda a narrativa Biográfica do Ensino Superior. E tem, como

primeira atividade, a realização de um trabalho Biográfico sobre o Ensino

Superior, compreendendo a formação como relação com o conhecimento, com

o professor e consigo mesmo, no campo das imagens.

O trabalho constitui-se do resgate de três cenas marcantes, no Ensino

Superior. Descrevem-se as cenas e analisa-se a própria formação, através dos

seguintes questionamentos: Como foi a sua relação com as disciplinas no

Ensino Superior? Foi de autoria ou submissão? Como foi a sua relação com o

professor? Foi de autoria ou submissão? Que aluno(a) você foi?

A segunda estratégia aborda a narrativa da História de Vida,

propriamente dita, onde há a elaboração do Quadro da Vida, buscando “os

momentos divisores de água”, inspirados nos “momentos charneiras” (Josso,

2002) que são os acontecimentos da existência, que causam transformações e

divisões na própria vida. Tais acontecimentos nos formam e nos modificam. O

Quadro da Vida tem, como objetivo, fazer o mapeamento dos momentos

“divisores de água”, buscando, no percurso de vida da pessoa, os espaços e

tempos, nos quais ocorreram acontecimentos que provocaram uma

transformação de referenciais de vida, uma mudança profunda, no modo de

pensar e agir do indivíduo. Com foco nas categorias de espaço e tempo: vida

familiar, escolar/acadêmica, profissional, pessoas, professores, livros, filmes,

relações amorosas, deslocamento geográfico. As narrativas são produzidas, ao

narrar os momentos “divisores de água”, resgatando as lembranças, a memória

vivida. A reflexão sobre o que se aprendeu é uma experiência da vivência. Se

não há uma reflexão, não há a experiência, há apenas a vivência. Há uma

diferença entre experiência e vivência, na perspectiva do paradigma

experiencial de Josso (2002).

A narrativa escrita da Atividade Biográfica do Ensino Superior e o

“Quadro Linha da Vida” transformam-se em narrativa pictórica. Na sala de aula,

cada participante narra para o outro, oralmente, a história tecida no retalho de

vida. Após a narrativa ocorre a costura de cada retalho, formando a Colcha.

23

Tal prática apoia-se em Freire, no que se refere à epistemologia de que

o conhecimento é produzido, a partir do projeto de vida da pessoa.

O estudo das histórias de vida dos professores tem se apresentado,

cada vez mais, como uma possibilidade de entendimento do processo

formativo desse sujeito, surgindo “(...) de vontade de produzir um outro tipo de

conhecimento, mais próximo das realidades educativas e do quotidiano dos

professores” (Nóvoa 1992:19).

Para Nóvoa, existem três AAA que sustentam a identidade do professor:

A de Adesão, A de Ação e A de Autoconsciência. Sobre esta última:

Autoconsciência, porque em última análise tudo se decide no processo de reflexão que o professor leva a cabo sobre sua própria ação. É uma dimensão decisiva da profissão docente, na medida em que a mudança e a inovação pedagógica estão intimamente dependentes deste processo reflexivo. (NÓVOA, 1992, p.16)

Após a produção de três documentos (orais, escritos e pictóricos),

compreendidos como processo de autoria, partimos para o entendimento da

dimensão estética que envolve esse processo, compreendendo ética e moral

como parte dessa Educação Estética. O filme COLCHA DE RETALHOS, título

original How to make an american quilt by Jocelyn Moorhouse, EUA, Universal

Home Vídeo, 1995. Drama, 116min, permitiu-nos interpretar e refletir sobre a

nossa própria realidade, tendo a arte cinematográfica como fio condutor para

novas experiências.

Tendo, como fio condutor, a narrativa fílmica e a narrativa de cada

participante, realizam-se debates sobre “Estética e Formação”, para a

compreensão dos diversos caminhos que compõem a formação do sujeito

concreto, sobretudo, a compreensão do arrebatamento e da arte, presentes de

diferentes formas, em nosso cotidiano, no processo de educar para um olhar

estético.

A conclusão da disciplina foi realizada, através da apresentação dos

retalhos de cada indivíduo (sua narrativa pictórica) e a elaboração coletiva da

Colcha de Retalhos. Foi possível perceber a singularidade tecida no coletivo,

ao unir as partes (retalhos), que compõem o todo. Tais procedimentos

possibilitaram a compreensão de reconstruir a História de Vida, uma

24

experiência autoformativa, na relação com o outro, de vivências em grupos

(plurais) que resultam em experiências individuais tecidas no coletivo.

Há uma compreensão hermenêutica, ao analisar as partes, para

compreender o todo e analisar o todo, para compreender as partes. Os retalhos

da Colcha de Retalhos são histórias de mestrandos, que possibilitam a

compreensão do todo, o contexto da sala de aula. A colcha é formada por

partes que são histórias maiores do que ela própria.

Bosi (1994: 411) comenta “por muito que deva a memória coletiva, é o

indivíduo que recorda” e, falando do papel do grupo na composição da

memória, traz um exemplo bastante feliz para o contexto dessa pesquisa:

Quando o grupo é efêmero e logo se dispersa, como uma classe para o professor, é difícil reter o caráter e a fisionomia de cada aluno. Para os alunos as lembranças são mais sólidas, pois tais fisionomias e caracteres são sua vivência de anos a fio. (BOSI, 1994, p. 414)

Nas obras, "Contos da Tradição Sufi" e "O violino cigano", de Regina

Machado, encontra-se o conto armênio "Fátima, a fiandeira". A heroína da

História sofre uma série de desafios e aventuras para tornar-se Fátima, a

fiandeira, a tecelã, a construtora de mastros de navio e de tendas para o

imperador da China. Fátima só consegue superar os desafios porque age, a

partir de um lugar, localizado em si mesma. Ao olhar para esse lugar encontra

um centro, um eixo norteador, a partir do qual: ela é capaz de se lançar ao

mundo.

A história ensina que, com os percalços que a vida nos apresenta, em

cada momento de nossa trajetória, em cada momento de nossa vida, com cada

experiência, há a possibilidade de aprender, com o sofrimento e com as

perdas.

No trabalho, com a história tecida no retalho de cada participante da

disciplina, visava-se ao encontro do enraizamento da autoria. Isto ocorreria,

vivenciando e experimentado as narrativas, desvelando o eixo norteador, de

nossa compreensão de ser e estar no mundo, como possibilidades de perceber

os movimentos de cada processo formativo e as articulações com o tema de

estudo da pesquisa. De forma lúdica, exploramos novas possibilidades de

interação com o mundo. Ao final tecemos imagens e narrativas a respeito de

25

nossos caleidoscópios de todo o trabalho, compreendendo que reconstruir a

História de Vida é uma obra de arte.

Quando a arte se ausenta da produção humana, há um embrutecimento

das relações humanas, retira-se a sensibilidade do indivíduo, necessária para

que se conviva com os diferentes e as diferenças, o processo de formação

tanto dos docentes, quanto dos discentes, deve ser permeado por experiências

de sensibilidade e arte.

Para a formação humana, é necessário pensar que a sensibilidade é

inerente à experiência artística e que a técnica reprodutora não pensada desfaz

a arte. Autores como Adorno (2002) apresentam o desmanchar da cultura e da

produção artística, ao reproduzirmos mecanicamente a arte através da

indústria cultural.

Benjamin (1994) afirma que a reprodutibilidade é uma arte, porque as

experiências são únicas, não é possível a cópia de um objeto. Toda cópia é

reinvenção, tem algo de original.

A arte e a sensibilidade são experiências que auxiliam na compreensão

da amplitude do conceito de belo. Em uma sociedade tão plural, como a

brasileira, as diversas representações artísticas existentes nos contemplam

com um sem número de possibilidades. A diversidade humana proporciona

sentimentos e emoções diversificadas de tudo que temos contato. A estética de

uma sociedade é o belo de sua pluralidade de conceitos de belo e feio, sem a

pretensão racional de sobrepor um ao outro, privar os alunos de contato com

as impressões das artes é privá-los da sensibilidade de serem humanos e de

se formarem como humanos.

1.3 A abordagem hermenêutica: uma possibilidade de compreensão dos

discursos

Para “fazer ciência”, exige-se um livre pensar que não pode ser

entendido como o pensar sem rigor, sem cientificidade, mas um pensar gerador

de conhecimento. O entendimento da diferença entre o

pensamento/conhecimento do senso comum e o pensamento científico torna-

se essencial para a construção do discurso. Diferente do senso comum, o

conhecimento científico pressupõe um pensar, um examinar a realidade

26

através de uma lógica, é o resultado de um raciocínio sistematizado. (BUZZI,

1983:102)

Para Demo (1987), “senso comum é a forma comum de conhecermos a

realidade”, é um conhecimento “acrítico, imediatista, crédulo. Não possui

sofisticação. Não problematiza a relação sujeito/objeto” (DEMO, 1987 p. 30).

Para Buzzi (1972): “o senso comum não argumenta nem justifica”, ou

seja, ele simplesmente é, está posto. Já, a ciência é uma representação da

realidade criada pela razão (BUZZI, 1972 p.114)

As pesquisas qualitativas possuem uma facilidade em direcionar-se para

o senso comum o que pode causar uma incredulidade em seus resultados,

embora autores como Mafessoli (2007) destaquem que alguns pesquisadores

“mostram mais zelo na defesa de uma ordem científica do que preocupação em

produzir idéias originais, de modo consentâneo ao tempo presente”

(MAFESSOLI, 2007 p.18).

Adota-se a abordagem hermenêutica, na perspectiva de Gadamer

(2000), para a compreensão dos discursos apresentados na forma da Narrativa

Autobiográfica, presente nessa pesquisa. Também, na forma da Resolução do

Conselho Nacional de Educação, por meio da resolução CNE/CP, 3 de 18 de

dezembro de 2002, será extraída a compreensão da Formação Humana no

Ensino Superior Tecnológico, percorrendo o sentido de estética, presente nas

Diretrizes Curriculares Nacionais.

Do grego hermeneuein originou a palavra interpretar, para o grego o ato

de interpretar significa “elucidação e explicação das elusivas mensagens

sagradas”. Hermes, nome associado ao hermeneuein, tinha a missão de trazer

à terra, os sentidos das mensagens dos deuses. É na teologia protestante, com

a busca de uma compreensão mais sistemática dos textos bíblicos, que surge

a hermenêutica: “uma arte de interpretação com seus próprios procedimentos e

técnicas”. Tais procedimentos foram criados para a interpretação correta da

bíblia entendida como “palavra de Deus, a divina revelação”. (LAWN, 2007

p.66).

A hermenêutica, atualmente, não se apresenta mais, exclusivamente,

como uma técnica ou um método para a correta compreensão dos significados

dos textos sagrados da tradição escrita; não há pretensão de alcançar

27

resultados absolutos com o seu uso, distanciando-se da certeza matemática do

positivismo.

Amaral (1994, p.09) afirma que a hermenêutica “não é uma disciplina

particular com limites e temas determinados, não é apenas uma opção

metodológica, mas, a condição da investigação. Constitui-se, antes, uma

‘corrente’ ou ‘tendência’ que se ocupa dos mais diferentes setores da

existência”, como uma corrente filosófica. Esse status de simples método foi

sendo alterado, ao longo do século XIX e XX, quando atingiu “a dignidade de

um tipo filosófico de questionamento”, a partir das contribuições de

Schleiermacher, Dilthey, Heidegger e Gadamer. (AMARAL, 1994 p.09).

Schleiermacher foi o primeiro a acentuar a genuína dimensão filosófica da hermenêutica na medida em que ele salientou o problema da correta compreensão e interpretação, não somente para os textos da tradição escrita, mas também de uma ampliação da tarefa hermenêutica para todas as formas de comunicação, especialmente o diálogo vivo. (AMARAL, 1994, p. 10)

Lawn (2007) e Amaral (1994) afirmam que foi, a partir do pensamento de

Schleiermacher, ao tentar construir uma hermenêutica geral, que emergiu a

possibilidade da Hermenêutica, como compreensão filosófica para todas as

formas de interpretação presentes em textos, que são formas de comunicação:

documentos, entrevistas, questionários, História de Vida, Memória. Com

Schleiermacher, a compreensão do sentido de um texto só é possível, quando

se conhece o contexto histórico de formulação.

Gadamer apresenta dois aspectos necessários para a interpretação dos

textos: um gramatical e outro psicológico. O primeiro consiste em reconhecer

as regras e formas de uso das palavras e o segundo, o contexto do autor,

sendo necessário, para a interpretação, conhecer o psicológico do autor mais

do que ele mesmo (Lawn, 2007).

No circulo hermenêutico, segundo (Lawn, 2007, p.70), há: “os processos

de pensamento do autor, suas crenças, intenções e os significados comumente

entendidos das palavras usadas”. Pressupõe-se, então, que o caráter

linguístico e o histórico são constitutivos do ser humano.

Em Gadamer, o Circulo Hermenêutico consiste na compreensão do

todo, a partir da parte, e a da parte, a partir do todo. Um texto não é nada sem

os parágrafos, que não são compreendidos sem as frases. Estas não existem

28

sem as palavras. No sentido inverso, as palavras não são nada sem o

contexto, frases, parágrafos e textos, apresentam uma relação cíclica.

Para Gadamer (2000):

A regra da hermenêutica de que tudo deve ser entendido a partir do individual, e o individual desde o todo, procede da retórica antiga e passou, através da hermenêutica moderna, da arte de falar à arte de compreender (GADAMER, 2000, p.141).

A compreensão é ponto de partida para a interpretação e para a volta a

uma compreensão mais profunda, fechando um ciclo. Para Gadamer (2000,

p.144), compreender, não é, em todo caso, estar de acordo com o que ou

quem se compreende. (GADAMER, 2000, p.23)

Nesse sentido, Gadamer (2000) afirma que o leitor, ao debruçar-se

sobre o texto, já o faz com um pré-conceito, com uma ideia do sentido que

buscará no texto, esse sentido, faz parte de um projeto, já pensado pelo leitor,

que é colocado à prova (GADAMER, 2000, p. 144-145).

O conceito de círculo de compreensão, em Gadamer, baseado em

Heidegger e Dilthey, consiste em interpretar, rompendo com os pré-conceitos e

pré-compreensões, que o intérprete, no caso pesquisador, tem ao deparar-se

com seu objeto de estudo. O desvelar dos sentidos e significados do texto são

postos à prova, evidenciando os pré-juízos e pré-conceitos do pesquisador,

para, no momento seguinte, estabelecer uma coerente compreensão.

A interpretação hermenêutica refere-se à compreensão dos significados

das obras produzidas pelos homens. Ela requer do pesquisador, a consciência

de sua historicidade e do contexto histórico, e que ele esteja suficientemente

de acordo com o modo de se relacionar com o mundo, a partir da superação do

pré-saber. Esse cuidado é necessário, pois os pré-juízos determinam a

interpretação das coisas.

É necessário que o intérprete examine tais pré-juízos, quanto a sua

origem e validez, havendo uma abertura por parte do intérprete. O círculo abre

espaço para um constante refazer. A interpretação inicia-se com conceitos

prévios e, no decorrer do trabalho e do tempo, eles são, geralmente,

substituídos por outros mais adequados, surgindo outras lentes de

29

compreensão. Isto quer dizer que o círculo não é fechado, mais sim, dinâmico,

ele interage com o sujeito.

Compreender um universo como ele é, não é julgá-lo ou compará-lo a

outro. Pressupõe interpretar, a partir do interior de quem pesquisa, verificando

a forma pela qual se estabelece o relacionamento com o tema da pesquisa.

Desse modo, transita-se entre o familiar e o não-familiar. Nesta perspectiva, o

pesquisador não nega seu referencial de mundo e de vida.

[...] O conhecimento histórico não pode ser descrito segundo o modelo de um conhecimento objetivista, já que ele mesmo é um processo que possui todas as características de um acontecimento histórico. A compreensão deve ser entendida como um ato da existência, e é, portanto um "pro-jeto lançado". (GADAMER, 2000, p. 55)

Gadamer mostra a importância da tradição, da arte e da linguagem. Ele

tem, como foco, a posição que o sujeito tem na história, isto quer dizer que a

interpretação envolve uma interação, um encontro denominado “fusão de

horizontes”.

Horizonte é o âmbito da visão que abarca e encerra tudo o que é visível deste um determinado ponto. Aplicando-o à consciência pensante. Devemos falar dos limites horizontes, da possibilidade de ampliar o horizonte, da abertura de novos horizontes (GADAMER, 2000, p.57).

A abertura de horizonte é uma tomada de consciência, provoca um

deslocamento em direção a outro ponto, a um novo horizonte histórico, também

o horizonte se desloca. Isto faz ampliar o horizonte do pesquisador, permite

alcançar um novo horizonte, revelando o seu sentido, desvinculado dos

conceitos pré-existentes do indivíduo. E, do contexto histórico, emerge a

interpretação possível, por via da linguagem, da arte, da tradição. Isto requer

estar atento à alteridade do texto.

Quem quiser compreender um texto deve estar pronto a deixar que ele lhe diga alguma coisa. Por isto, uma consciência educada hermeneuticamente deve ser preliminarmente sensível á alteridade do texto. Essa sensibilidade não pressupõe “neutralidade” objetiva nem esquecimento de si mesmo, mas implica numa preciosa tomada de consciência das próprias pressuposições e dos próprios pré-juízos (GADAMER, 2000, p.31).

30

Em Gadamer (2000), a tarefa da hermenêutica em compreender:

“não entregará sem mais à casualidade da própria opinião (...). Quem pretende compreender um texto está disposto a deixar que o texto lhe diga algo“. A compreensão começa quando algo nos chama a atenção. “Esta é a principal das condições da hermenêutica” (GADAMER, 2000, p. 145).

Ao compreendermos algo, nos aproximamos do pensar do outro e de

nosso próprio pensar. Para Coreth (1973 p.50), compreender significa

apreensão de sentido e questiona: qual o sentido do sentido?

Visto que o sentido de um enunciado se encontra sempre num determinado contexto de sentido, pode-se definir por um correspondente critério de sentido aquilo que, no respectivo contexto deve ter tido como significativo. (CORETH 1973 p.50).

Ainda diz o autor:

Se quisermos fazer justiça à totalidade e pluralidade do fenômeno, sem limitá-lo arbitrariamente, só podemos determinar o que denominamos ‘sentido’ como o conteúdo de uma compreensão possível: como o inteligível ou compreensível. (...) Em todo caso, porém, compreensão é apreensão de sentido, e sentido é o que se apresenta à compreensão como conteúdo (CORETH 1973 P.51-52).

A busca do sentido de possíveis respostas às inquietações que originam

este estudo envolve a compreensão – interpretação - compreensão. Desse

modo, compreensão e sentido apresentam-se, também, de forma cíclica, um

movimento circular, como relação de entendimento da parte pelo todo, do todo

pela parte, que Gadamer, define como círculo da compreensão (Lawn 2007

p.72-74).

Com o objetivo de mostrar a dinâmica da compreensão hermenêutica, a

partir das leituras feitas, apresenta-se a Figura 1, nomeada Mapa

Hermenêutico.

A compreensão hermenêutica de textos, falas, narrativas, discursos, é o

elemento central do mapa. Os textos apresentam um outro discurso, o não dito,

ou seja, aquele que está subentendido no texto, propiciado pelo contexto no

qual foi criado e pelos pensamentos do sujeito autor. Pensamentos esses

incontroláveis e, na perspectiva hermenêutica, são influenciados pelos

31

Narrativas

Discurso Dito

Discurso Não Dito

Linguagem

Pensamento

Palavra

Conceito

Conhecimento

Saber

HERMENÊUTICA

COMPREENSÃO

Fonte: Tiago Carzetta Marchina

conceitos que possuímos anteriormente, ao início da leitura ou produção do

texto.

Figura 1: Mapa Hermenêutico

Na outra direção do mapa, há o discurso dito, aquele tangível,

apresentado em uma linguagem intencional para a expressão de uma idéia que

se apresenta, na escolha proposital de palavras e nos conceitos que se

atribuem a elas, os quais são escolhidos, a partir dos pensamentos e conceitos

intangíveis.

Por mais que o discurso dito apresente uma organização de ideias, os

pensamentos e (pré) conceitos podem traduzir algo ou coisas diferenciadas.

Esses são elementos intangíveis fundamentados em saberes anteriores que

podem vir, na forma de vivência ou experiência dos sujeitos, mas, que não têm

necessariamente uma formalização e reflexão sobre ele.

32

As palavras e as linguagens apresentadas, no discurso dito, são

oriundas de um saber que a compreensão hermenêutica permite ter contato em

um primeiro momento. Porém, a análise mais atenta permite o encontrar,

através do uso recorrente das palavras e da linguagem, os pensamentos e os

conceitos apresentados nos discursos, como saberes e conhecimentos, do

contexto tanto do autor como do leitor.

O discurso dito expressa palavras que trazem consigo conhecimentos,

tais palavras originam linguagens que resultam em discursos, isso no campo

tangível do discurso dito, porém, a essas palavras são atribuídos conceitos e

pensamentos originários de diferentes saberes (científico, senso comum,

mítico, filosófico) que não são tangíveis e estão presentes no campo do

discurso não -dito.

A hermenêutica é, muito antes, uma visão fundamental acerca do que significa em geral, o pensar e o conhecer para o homem na vida prática, mesmo se trabalhando com métodos científicos (GADAMER, 2000, p.19)

A hermenêutica, como compreensão filosófica, não alcança (e nem

poderia alcançar) uma verdade absoluta, um resultado matemático sobre o

pensar do outro. O próprio ato de compreender e seus significados permitem

diversas interpretações. Ao compreender ou “hermeneutizar” algo se encontra

a proximidade com o outro, o contato, a relação do ponto de vista da obra com

o do sujeito que interpreta e compreende.

(...) a hermenêutica, enquanto filosofia, não é qualquer disputa de métodos com outras ciências, teorias das ciências ou coisas que tais, senão um modo de mostrar que – e isso ninguém pode negar – em cada momento em que pomos nossa razão a trabalhar, não fazemos apenas ciência (GADAMER, 2000 p.26).

Assim:

(...) se não apreendermos a virtude da hermenêutica, isto é, se não reconhecermos que se trata, em primeiro lugar, de compreender o outro, a fim de ver se, quem sabe, não será possível, afinal, algo assim como solidariedade da humanidade enquanto um todo, também, no que diz respeito a um viver junto e a um sobreviver com o outro, então – se isso não acontecer – não poderemos realizar as

33

tarefas essenciais da humanidade, nem no que tem de menor nem no que tem de maior (GADAMER, 2000, p.25).

Ao se compreender algo, aproxima-se do pensar do outro e do próprio

pensar. Através da leitura das palavras organizadas por outros, organizam-se

novos conceitos, dos quais se originam novos discursos que, ao serem

“hermeneutizados”, contribuem para relações entre o sujeito leitor e o sujeito

autor, sendo esse ato de compreender mais do que ciência e razão e, não

apenas, emoção.

Esse processo pode resultar em uma experiência estética, Neitzel (2006)

apresenta o conceito de estética da recepção que consiste em considerar o

leitor como co-autor do texto:

A partir da estética da recepção, atribuímos ao leitor a responsabilidade pela interpretação e ampliamos os alicerces da referência com o mundo histórico, pois a leitura depende do contexto do leitor, de suas vivências, de sua arca de palimpsestos, de um entendimento relativo à sua própria situação histórica. A teoria da recepção examina o papel do leitor enfatizando que os textos só adquirem sentido, que os processos significativos só se materializam na prática da leitura (NEITZEL, 2006 p.H).

Dessa forma, é responsabilidade do leitor o resultado da sua leitura, a

sua busca por compreensão não se dá isoladamente do contexto histórico.

Gadamer (2000) aponta a compreensão como a função da hermenêutica, não

um compreender ingênuo, mas um compreender crítico1, buscar o sentido além

do apresentado na superfície do dito, trata-se da arte de compreender.

Estamos, então, no domínio da hermenêutica. É assim que chamo a arte do compreender. (...) Compreender não é, em todo caso, estar de acordo com o que ou quem se compreende (grifo do autor). Tal igualdade seria utópica. Compreender significa que eu posso pensar e ponderar o que o outro pensa. (grifo nosso) Ele poderia ter razão com o que diz e com o que propriamente quer dizer. Compreender não é, portanto, uma dominação do que nos está à frente, do outro e, em geral, do mundo objetivo (GADAMER, 2000:23).

1 Referência ao conceito de curiosidade ingênua apresentado por Paulo Freire na obra “Pedagogia de Autonomia” onde o autor diferencia a curiosidade ingênua da curiosidade crítica aquela onde o “curioso” problematiza a sua busca por conhecimentos.

34

Considerando que: “Compreender significa que eu posso pensar e

ponderar o que o outro pensa” (GADAMER, 2000, p.23), infinitas possibilidades

abrem-se, para desvelar o sentido e significados de um texto.

A compreensão hermenêutica da história de vida do pesquisador

permitiu identificar, no discurso, categorias que serão exploradas ao longo

deste estudo. Do ponto de vista da hermenêutica, os discursos apresentam

informações que não estão ditas explicitamente. Assim, emergiu a necessidade

do estudo sobre a formação humana, na dimensão estética da educação e na

formação no curso tecnólogo.

É decorrente dessa compreensão, a análise do documento oficial que

rege as diretrizes dos Cursos Tecnólogos, que possibilitam a compreensão e

interpretação dos discursos da política educacional brasileira, a respeito da

graduação tecnológica, o dito, ou seja, aquele factual, tangível. A compreensão

perpassa o dito e o não-dito, presentes nas manifestações, nas entranhas dos

pensamentos, representados por ideologias, agrupamentos morais e

aspirações, nos discursos dos livros, teses, dissertações, leis que foram

utilizados para este estudo.

O círculo hermenêutico possibilitou a reconstrução de minha história de

vida e mostrou-me a relevância do trabalho com conceitos. A reconstrução de

nossa história de dos conceitos, percebendo como foram construídos,

historicamente, é condição essencial para tomarmos consciência de nossas

ações e exige um movimento circular, transformando-se na imagem do

caleidoscópio.

Em direção à metamorfose da formação profissional do tecnólogo, é

imprescindível entender o conceito de sujeito estético e desvelar seu sentido e

significado e a questão da formação humana nele imbricado, no mundo da

contemporaneidade. Para tanto, torna-se necessário o desenvolvimento dos

conceitos de estética, educação estética e contemporaneidade para que,

assim, se compreendam as concepções sobre o ser sujeito e suas relações

com a estética, com a libertação e com a autonomia.

35

2 A EDUCAÇÃO ESTÉTICA: UM PERCURSO PARA A FORMAÇÃO

HUMANA DO TECNÓLOGO

Caso se considere o pressuposto de que os seres humanos já estão em

seu estado acabado, não existiriam razões para pensar sobre sua

humanização. A educação estética aparece como possibilidade de caminho

para pensar uma formação mais humana dos profissionais tecnólogos,

sobretudo, tendo como contexto a sociedade líquida, na qual vivemos e as

inúmeras possibilidades “de si”, a que as identidades dos sujeitos são

submetidas.

2.1 A contemporaneidade: a necessidade de um proces so contínuo de formação A compreensão dos discursos se relaciona diretamente com o contexto

do interpretador e da sua elaboração. Como vimos em Gadamer (2000), o ato

de compreender é cíclico. Ás vezes, é necessário um distanciamento histórico

para a compreensão do texto, porém, esse faz sentido, se compreendido

dentro do contexto em que foi elaborado ou no contexto do interpretador.

Na perspectiva de Hall (2006 p.70), todo meio de representação se dá

em um determinado tempo/espaço. Tal concepção de Hall apoia-se em Harvey

(2010) e tem, como pressuposto, que os conhecimentos e os textos surgem,

em um determinado contexto histórico. A apresentação do contexto em que se

insere essa pesquisa, sobretudo as identidades culturais dos sujeitos, na

contemporaneidade ou pós-modernidade e o seu processo contínuo de (trans)

formação, torna-se imprescindível.

Para Harvey (2010 p.187), “o espaço e o tempo são categorias básicas

da existência humana”, os ciclos de tempo que se repetem trazem uma certa

segurança. Marcam-se e estabelecem-se as rotinas diárias, a partir do

entendimento de que o tempo é composto por uma “única escala temporal

objetiva”. O espaço é encarado como tangível que se pode quantificar através

das suas propriedades de “direção, área, forma, padrão e volume”, mas,

diferentes sociedades e grupos vão possuir uma concepção de espaço

diferente. Para o autor “nem tempo nem espaço podem ter atribuídos

significados objetivos sem levar em conta os processos materiais” e, mais

36

adiante, ele alega que, na perspectiva materialista, “podemos afirmar que as

concepções do tempo e do espaço são criadas necessariamente através de

práticas e processos materiais que servem à reprodução da vida social”, e

conclui: “cada modo distinto de produção ou formação social incorpora um

agregado particular de práticas e conceitos do tempo e do espaço” (HARVEY,

2010 p.189).

O autor apresenta um esquema gráfico da diminuição do “tamanho do

mundo”, uma consequência da evolução tecnológica. Neste esquema gráfico,

percebe-se a forma pela qual se tem a impressão de um encolhimento do

mundo e a forma pela qual se tem a impressão de que se vive em uma

sociedade comprimida.

Figura 2: Encolhimento do Mundo

Fonte: (Harvey, 2010 p. 220)

37

Após a revolução industrial e a troca dos meios de produção da

manufatura para a maquinofatura e o consequente aumento da capacidade de

produção, surgiu a necessidade de mão de obra e de mercado consumidor,

para os produtos sobressalentes. Nesse contexto, as famílias saíram do

campo, onde exerciam suas atividades econômicas e culturais, em um único

espaço físico e em tempos simultâneos, em direção aos centros urbanos.

Nestes centros, havia a divisão entre o tempo do trabalho e o tempo do lazer,

entre o espaço da família, o espaço da religião, da educação, proporcionando

uma nova organização social e novas formas de relacionamento, entre classes

e pessoas, permitindo assim a concepção do sujeito sociológico de Hall (2006),

condizente com os pensamentos de Harvey (2010): a aceleração do tempo de

giro de produção envolve acelerações paralelas na força e no consumo. O

autor complementa: a mobilização da moda em mercados de massa forneceu

um meio de acelerar o ritmo do consumo, não somente de bens de consumo,

mas também de estilos de vida e atividades de recreação. Outra modificação é

o aumento do consumo de serviços. Há também o aspecto volátil e efêmero da

moda e de todos os bens, uma sensação de que “tudo o que é sólido se

desmancha no ar”, uma característica dessa pós-modernidade. (HARVEY,

2010 p.257-258)

Bauman (2005) comenta que, na atualidade, as identidades dos sujeitos

são compostas por inúmeras partes que são integradas no processo de

construção da identidade. Porém, não se tem a ideia da imagem que será

formada, no final, diferente de um quebra-cabeça, exemplifica o autor, a

identidade do sujeito não tem uma imagem de referência para ser seguida

como a da caixa do quebra-cabeça, a identidade vai se compondo de infinitas

peças, das quais não se tem certeza, se estão, corretamente, encaixadas.

Bauman afirma que “nem sempre foi assim”. Na substituição, na modernidade,

dos estados pré-modernos que definiam a identidade do individuo no

nascimento, pelas classes, “as identidades se tornaram tarefas que as pessoas

deveriam desempenhar” (BAUMANN, 2005 p. 55).

As definições e diferenciações entre os termos, contemporaneidade e

pós-modernidade, pela perspectiva da sociedade atual, regida pelas forças do

capitalismo – são compreendidas, nessa pesquisa, como termos que

demonstram as transformações e relações sociais da atualidade. Esses termos

38

são entendidos, dentro de uma mesma esfera do conhecimento. Isto contribuirá

para a compreensão do problema da pesquisa e contextualização dos

discursos que serão analisados.

Para Boutinet (s/d, p.53), existem diversas possibilidades de

nomenclatura para esse momento social e elenca possibilidades propostas por

alguns autores:

(...) pós-industrial (Bell e Touraine) para dizer que o parâmetro produtivo deixou de ser determinante; anti-moderna (G. Blandier), a anti-modernidade difundindo modos de protesto não revolucionários e favorecendo o reaparecimento de formas arcaicas de existência social; super-moderna (M. Auge se esta super-modernidade se deixa assimilar, pela criação de não lugares, isto é, de lugares sem memória), ou, simplesmente, pós-moderna (J-F. Lyotard que foi buscar o termo ao arquitecto (sic) americano Ch. Jenck) para significar esta nova era da paralogia dos autores” (BOUTINET S/d p.53).

Outra possibilidade de nomenclatura é modernidade tardia, que significa

um estado novo dessa mesma modernidade, “que não elimina algumas

características que lhe são inerentes”. Dessa forma, independente dos nomes,

que iremos atribuir tem-se que, nunca, um novo período elimina ou rompe na

totalidade com o período que o antecedeu, contudo novos paradigmas se

estabelecem. (BOUTINET s/d p.54)

A modernidade é marcada pela característica descêntrica do sujeito pós-

moderno ou contemporâneo, que escorre por diversos caminhos, onde

encontra uma identidade com a qual se sente bem (mesmo que

temporariamente), essa fluidez levou a uma identificação com as ideias

apresentadas por Hall (2006), Boutinet (s/d), Bauman (1998; 2005) e

posteriormente Harvey (2010).

Há preocupações referentes à formação e ao desenvolvimento da

identidade, na fase compreendida na pós-juventude ou vida adulta. Pensa-se

que as aflições, que atingem os adultos, influenciam as tomadas de decisões

dos jovens, sobretudo no que diz respeito à sua carreira. Pensa-se, também,

que o recente aumento pela procura do diploma de ensino superior não

corresponde apenas aos jovens egressos do ensino médio e, sim, inclui

pessoas que buscam a formação superior para uma ascensão social ou

profissional. Isto é verdadeiro, sobretudo, ao confirmarmos o pensamento de

39

Boutinet (s/d p.19) sobre a imaturidade dos sujeitos adultos e de sua

dependência das instituições formativas, frente aos desafios da atualidade.

O “ser adulto” é composto, segundo Boutinet, por diversos parâmetros: o

parâmetro demográfico que diz respeito ao contexto da sociedade, onde esse

ser está inserido, compreendendo que as questões de um adulto em uma

sociedade jovem ou envelhecida se dão de forma diferente; o parâmetro

sociológico, referente às ideologias presentes na sociedade que influenciam

diretamente na formação da identidade do sujeito; o parâmetro cultural que

“confronta-nos com uma dinâmica histórica de heranças de valores

organizados, de códigos, de regras”; parâmetro econômico em relação ao

desenvolvimento da sociedade e sua forma de organização (rural e

tecnológica); e parâmetro psicológico que “permite recordar o itinerário singular

de cada indivíduo, em função dos acontecimentos e influências que ele viveu e

à sua maneira interiorizou” (BOUTINET s/d p.21-22).

A identidade do sujeito forma-se na relação social, mas, não apenas

nela. Hall alega que a Identidade Cultural do sujeito dá-se no “pertencimento a

culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais”

(Hall, 2006 p.8). Pode-se adicionar, a essa afirmação de Hall, que a identidade

do sujeito, também se constitui na sua relação com a educação e com o

trabalho, sendo esses outros processos formativos que contribuem para a

formação da identidade.

É importante considerarmos que a formação do sujeito para Ferry (1997

p.53-56) apresenta-se como um processo que pode ser visto de muitas formas:

- formação como dispositivo, ou seja, algo que se faz; - formação como algo

externo ao individuo, como algo a ser consumido, recebido por um indivíduo

vazio que será moldado à semelhança do seu formador; - formação como

processo solitário do indivíduo, como inverso ao processo de modelagem.

O mesmo autor apresenta a formação como “La dinâmica de un

desarollo personal” que, embora pessoal, tem mediações do professor

(“mediadores humanos”), das leituras, das circunstâncias, dos acontecimentos

da vida e da relação com os outros. Todas essas são mediações que

possibilitam a formação, que orientam e dinamizam o desenvolvimento em um

sentido positivo. Para o processo de formação ocorrer, Ferry (1997 p.53-56) vê

três condições básicas; “condiciones de lugar, de tiempo y de relación con la

40

realidad”. É necessário haver um tempo e um lugar para a formação, para o

individuo pensar sobre si mesmo, para trabalhar em si mesmo, para se

deslocar de sua realidade e representá-la de forma refletida. É no espaço e

tempo de formação que o indivíduo se dedica à representação de sua

realidade. Quando o indivíduo está, em espaço e tempo de formação, trabalha-

se sobre representações da realidade e não sobre a realidade propriamente

dita2.

Compreende-se que não apenas as instituições escolares são espaços

de formação na perspectiva apresentada por Ferry, mas, sim, as próprias

relações com suas inquietações e aflições possibilitam, ao sujeito, espaço para

formar sua identidade. A concepção de que a identidade do sujeito forma-se

apenas na relação social, segundo Hall (2006) está relacionada com os

pensamentos sociológicos, ou sujeito sociológico como denomina.

O processo de formação de identidade é inacabado e constante, o

adulto vive essa relação dialética entre estar maduro e imaturo, ao mesmo

tempo. Para Boutinet, “a identidade adulta é sempre frágil neste ponto de

encontro, entre a estabilidade de certos parâmetros percebidos e a mudança

na percepção de si próprio”. A formação de identidade do adulto, para o

mesmo autor, é dada, através de um sentimento, que surge na afinidade com

os grupos com os quais o sujeito se relaciona, como família, grupos sociais e

outros. Esse conjunto de relações é estruturante e formador para uma

segurança da identidade de si. Por outro lado, aquelas experiências vividas e

julgadas como únicas, também, contribuem para a criação dessa identidade,

tornando-se “paradoxal implicando a conjugação de dois sentimentos

contrastados” (BOUTINET, s/d p.170).

Durante muito tempo a idade adulta foi considerada como um estado, o de maturidade adquirida; a sociedade, seja ela puritana, neo-jansenista ou de moral laica, procura impor um quadro tradicional de existência que emerge em meados do séc. XIX, para se prolongar até ao fim da 2ª Guerra Mundial no nosso sec. XX;(...) o adulto foi então, definido como um estatuto. (BOUTINET s/d p.17)

O autor comenta mais adiante que, nos últimos trinta anos (1960 a

1995), o adulto passou da figura de “Adulto Padrão” para a figura de adulto,

2 Tradução livre do original em espanhol.

41

como um estado em perspectiva, em busca de uma maturidade vocacional,

nunca atingida, chegando ao status de um “Adulto com Problema” onde há:

“uma imaturidade gerada por circunstâncias frustrantes que tornam os

caminhos da vida adulta, vulneráveis e arriscados”. (BOUTINET s/d p.16)

Outras características da identidade do adulto e dos sujeitos, na pós-

modernidade, são apresentadas nos pensamentos de Hall (2006), que analisa

três concepções de identidade do sujeito, através do processo histórico: sujeito

do iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno. O autor entende

essas divisões como generalizações, mas, que contribuem para a

compreensão de seus pensamentos.

Conforme Hall (2006 p.8), o próprio conceito de “identidade” é muito

complexo e pouco desenvolvido para ser totalmente colocado à prova, mas, o

que se tem nesse momento é uma crise da identidade do sujeito

contemporâneo, afetando a sua identidade cultural e a “identidade de si”. Isto

abala a ideia que se tem de si mesmo, colocando em xeque se os processos

de mudança e de descentralização do sujeito representam, também, um

momento de alteração da própria modernidade.

Esta perda de um ‘sentido de si’ estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento – descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmo – constitui uma ‘crise de identidade’ para o indivíduo (HALL, 2006 p.9). Esses processos de mudança, tomados em conjunto, representam um processo de transformação tão abrangente que somos compelidos a perguntar se não é a própria modernidade que está sendo transformada (HALL, 2006 p.10).

Essas crises e modificações da sociedade podem se caracterizar como

a criação de uma pós-identidade diferente de qualquer outra presente

anteriormente.

Leva-se em conta que não é possível desconsiderar os aspectos sociais,

na construção da identidade. Ainda, considera-se que as identidades dos

sujeitos de uma sociedade também contribuem para a forma como essa

sociedade se desenvolve. Para Boutinet, essa construção ocorre entre o

paradoxo da imagem de si que leva em conta o sentimento de identificação e

de diferenciação e, também, o paradoxo entre o psicológico e o social, nas

42

relações entre aqueles do mesmo sexo e do sexo oposto, da mesma geração,

de gerações anteriores e com os mais jovens. Bauman (2005) também

apresenta a importância de um pertencimento ou de uma aceitação social da

identidade:

Quando a identidade perde as âncoras sociais que a faziam parecer ‘natural’, predeterminada e inegociável, a ‘identificação’ se torna cada vez mais importante para os indivíduos que buscam desesperadamente um ‘nós’ a que possam pedir acesso. (grifo nosso) (BAUMAN, 2005 p.30).

Ao relacionarmos a citação de Bauman (2005) com a fundamentação de

Boutinet (s/d), o pronome Nós pode ser compreendido, possivelmente, como

estando associado aos grupos definidos por gênero ou por idade do sujeito. É

“a idade e o gênero os dois elementos fundadores do sentimento de

identidade”. Na atualidade, há a “rejeição da idade”, ou seja, se quer ser

sempre jovem, abrindo mão dos benefícios da maturidade, das experiências,

das vivências e do distanciamento crítico. A rejeição da idade é “também a

rejeição da experiência”. Ao mesmo tempo, há uma rejeição do gênero, não

necessariamente no sentido negativo, mas, as funções, os comportamentos e

as manifestações sociais começam a se perder e não são mais definidas pelo

gênero da pessoa, nas organizações, nas famílias, no governo, na moda. Os

homens e mulheres trocam e compartilham suas atividades e costumes, essas

são características de uma sociedade pós-industrial. (BOUTINET s/d p. 168-

170).

Hall (2006, p. 45) atribui, ao feminismo, uma forma de rejeição dos

padrões de gênero, como proposto por Boutinet, transformações na

centralidade do sujeito. Há uma forte influência na ruptura, entre as

concepções de sujeito iluminista ou de sujeito cartesiano e de sujeito

sociológico. Isto se refere à concepção de sujeito mais centrado no “eu

individual” e o sujeito centrado nas relações sociais.

Outra característica da sociedade pós-moderna ou pós-industrial é o

mal-estar, pelo não reconhecimento, sobretudo, no espaço do trabalho. Hoje, o

trabalhador não se identifica mais com as empresas, ocupa, e sabe disso, um

cargo temporário que poderá ser a qualquer momento extinto. Esse

trabalhador, comandado por outros trabalhadores, igualmente, sem

43

identificação com as “instituições frias da era pós-industrial”, ignora o seu

subalterno que se sente desnecessário àquela organização, fazendo com que

se sinta desnecessário também para a vida. (BOUTINET s/d p. 168-170).

Bauman, refletindo sobre os aspectos das empresas pós-industriais, afirma

que, hoje, as empresas tornaram-se um espaço de disputa pelo

reconhecimento do chefe. Existe a busca por um “aceno de aprovação”, as

empresas deixaram de ser, como no passado, “estufas de solidariedade

proletária na luta por uma sociedade melhor”. (BAUMAN, 2005 p.40)

Essas rejeições de dois elementos fundadores da identidade e as

aflições, quanto ao seu reconhecimento e identificação com algo, demonstram

a descentração do sujeito. Hall (2006), ao comentar sobre a identidade do

sujeito pós-moderno e também Boutinet (s/d), ao tratar do fato que o adulto, na

contemporaneidade, aproxima-se de sua figura da infância, ao fragilizar-se

diante das aflições que a vida adulta lhe impõe, não quer ser adulto, para não

perder a sua ligação com o não saber. Esse adulto “sem pontos de referência

bem determinados sente-se perdido com múltiplas dependências; fragiliza-se e

reencontra a precariedade da sua infância”. BOUTINET (s/d/ p.19)

complementa esses aspectos.

De acordo com Bauman (1998, p.177), a caracterização frágil da figura

da criança não foi sempre apresentada na sociedade, é uma construção

moderna, “até aproximadamente o século XVI, as crianças, na Europa, eram

tratadas de modo não muito diferente do que ‘adultos de tamanho menor’”. Tal

situação passa a se alterar, a partir do século XVII, mas, se afirma, a partir do

século XVIII, com três desvios que, segundo o autor, foram fundamentais para

a modificação da concepção de criança e adulto:

(...) primeiro, em separar uma certa parte do processo da vida individual como o estágio da “imaturidade”, isto é, uma fase repleta de perigos, mas, também, caracterizada por necessidades especiais e que requer, assim, um ambiente, um regime e um processo todo seu; segundo, na separação especial daqueles que precisam de tal tratamento peculiar e na sua submissão ao cuidado de especialistas deliberadamente instruídos; e, terceiro, em conferir à família especiais responsabilidades de supervisão no processo de ‘amadurecimento” (BAUMAN, 1998 p.177).

44

Posteriormente, no século XIX, a criança vai ganhando maior status de

ingenuidade e fragilidade, sendo submetida a espaços estruturados para

recebimento de conhecimentos e para as suas fases do desenvolvimento,

sendo elevada, cada vez mais, a ingenuidade e fragilidade (Bauman, 1998

p.182). Para Boutinet (s/d), a sociedade pós-moderna e sua dinâmica,

principalmente, aquela que diz respeito às exigências do trabalho, cria no

sujeito uma imaturidade e uma infantilidade, sobretudo, na exigência constante

da sociedade, por um profissional mais capacitado. Isto eleva a formação

continuada à situação de solução aos problemas. Essa impotência que o

sujeito sente transforma-o nessa criança do século XVIII e XIX, frágil e

dependente.

Os diferentes momentos históricos causam impacto na identidade do

sujeito, as concepções de arte, ciência, adulto, criança, as organizações

morais, são relacionadas à forma como aquela determinada sociedade pensa.

Hall (2006) distingue três tipos de identidade, exemplificando o processo de

modificação que as transformações da sociedade causaram no sujeito

moderno, tal divisão contribui para entendermos o processo que constitui esse

adulto pós-moderno, frágil e aflito.

Tentar mapear a história da noção de sujeito moderno é um exercício extremamente difícil. A idéia de que as identidades eram plenamente unificadas e coerentes e que agora se tornaram totalmente deslocadas é uma forma altamente simplista de contar a estória do sujeito moderno. Eu a adoto aqui (em seu livro) como um dispositivo que tem o propósito exclusivo de uma exposição conveniente (HALL, 2006 p.24).

A ideia do autor é expressar a forma pela qual a concepção do sujeito

moderno mudou, em “três pontos estratégicos durante a modernidade”, e que

esse sujeito, como teve seu nascimento, em um determinado momento

histórico, passará por transformações e, possivelmente, morrerá.

A concepção do sujeito iluminista dá-se naquele “totalmente centrado,

unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação”.

Entende-se que essa ideia surge em oposição à idéia do sujeito individual,

submetido a uma decisão divina sobre sua individualidade, não sendo

soberano de sua existência. “O nascimento do “indivíduo soberano” está entre

o Humanismo Renascentista do século XVI e o Iluminismo do século XVIII,

45

representou uma ruptura importante com o passado” (HALL, 2006, pp.10, 11,

19, 46).

Contribuíram para a concepção de indivíduo soberano, ou sujeito

racional cientistas como Descartes que “colocou no centro da mente o ‘sujeito

individual’”. Essa noção de sujeito individual vai se perdendo na forma como

diversos sociólogos apresentam a relação do sujeito com a sociedade na qual

ele está inserido. Ele não é completamente autônomo, estando subordinado,

no caso do pensamento de Marx, ao capital e aos donos dos meios de

produção Esse sujeito reflete a “consciência de que este núcleo interior do

sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado, na relação com

‘outras pessoas importantes para ele”. O sujeito sociológico ainda possui um

núcleo o “’eu real’, mas, este é formado e modificado, num diálogo contínuo

com os mundos culturais exteriores, e as identidades que esses mundos

oferecem”, a identidade funciona como uma ponte entre o mundo interior e o

mundo exterior (HALL, 2006, pp.10-11;19-46).

Essa concepção de sujeito sociológico alinha-se à concepção de

Boutinet dos processos de formação de identidade, que se dão, na relação com

os outros e nas suas experiências interiores, ou seja, no paradoxo entre o

interno e o externo.

Bauman (2005) destaca dois pontos importantes do sujeito: a identidade

e o pertencimento. O pertencimento também é destacado por Boutinet (s/d). Ao

mesmo tempo, o sujeito quer pertencer a um grupo e quer se diferente deste

grupo. Para Bauman (2005):

Tornamo-nos conscientes de que o ‘pertencimento’ e a ‘identidade’ não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o ‘pertencimento’ quanto para a ‘identidade’ (BAUMAN, 2005 p. 17).

Bauman já apresenta, nesse trecho, a flexibilidade que a identidade do

sujeito possui. Esse sujeito se esforça para preservar sua identidade e seu

pertencimento. Hall (2006) afirma que o sujeito pós-moderno constrói uma

história para justificar as modificações da sua identidade. Ele se esforça para

dar um sentido de unidade à identidade e não de fluidez ou falta de centro.

46

Para Bauman (2005 p.19) poucos de nós, ou quase nenhum de nós, são

apresentados a apenas “uma comunidade de ideia e princípios”, influenciando

a “coerência daquilo que nos distingue como pessoas”.

O sujeito pós-moderno já não apresenta mais um único centro ou um

centro de referência que deve seguir, não há essa coerência de dever ser

como alguém, embora a necessidade de pertencer a um grupo exista, para

Bauman (2005 p. 33): “no admirável mundo novo das oportunidades fugazes e

das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis,

simplesmente não funcionam” e, mais adiante, comenta:

(...) a identificação é também um fator poderoso na estratificação, uma de suas dimensões mais divisivas e fortemente diferenciadoras. Num dos pólos da hierarquia global emergente estão aqueles que constituem e desarticulam as suas identidades mais ou menos à própria vontade, escolhendo-as no leque de ofertas extraordinariamente amplo de abrangência planetária. No outro pólo se abarrotam aqueles que tiveram negado o acesso à escolha da identidade, que não têm direito de manifestar suas preferências e que no final se vêm oprimidos por identidades aplicadas e propostas por outros (...). A maioria de nós paira desconfortavelmente entre esses dois pólos, sem jamais ter certeza do tempo de duração de nossa liberdade de escolher (...) (BAUMAN, 2005 p. 44).

Essa opressão dá-se, inclusive, no espaço da escola, onde sem a

existência da ética, há uma supressão das diferenças, em busca de uma

homogeneização dos alunos. O mesmo acontece, nas empresas, os ditos

diferenciais, que o profissional deve ter, são quase padronizados, entre as

organizações. Não há permissão para que aquele sujeito manifeste-se da

forma que preferir. São padronizadas as roupas, as instituições de ensino que

ele deve ter estudado, os países que deve ter visitado. Porém, em seu convívio

social, o sujeito tenta constituir uma identidade “própria” que, possivelmente,

será muito próxima de identidades globais.

Para Hall (2006), a identidade desse sujeito pós - moderno transpassa o

único centro, o contato com diversas possibilidades de centros, as inúmeras

relações propostas e disponíveis. No mundo contemporâneo, abrem, ao

sujeito, infinitas possibilidades de núcleo. Para Hall (2006), a globalização tem

importante contribuição nesse sentimento, não a globalização, no sentido do

senso comum, utilizada, vulgarmente, para definir qualquer manifestação

transnacional, mas, sim, uma globalização entendida como “um complexo de

47

processos e forças de mudança, que, por conveniência, pode ser sintetizado

sob o termo ‘globalização’” (HALL, 2006 p.67). Os processos mundiais sempre

foram globais. O próprio capitalismo não respeita fronteiras, mas, percebe-se

que, após a década de 1970, os processos passaram a caracterizar-se, de

forma mais global. Essas relações globais, para Hall, influenciam na construção

da identidade nacional do sujeito.

Bauman (2005) afirma que a idéia de identidade nacional, assim como a

idéia de identidade, é uma ficção e “não foi naturalmente gestada e incubada

na experiência humana, a idéia de identidade “surgiu da crise do

pertencimento”. (BAUMAN, 2005 p.28)

Assim, no processo de alinhamento dos pensamentos de Bauman

(2005) com a crise do reconhecimento, proposta por Boutinet (s/d) e a falta de

centro, proposto por Hall (2006), é possível inferir que o sujeito da atualidade

tem a sua identidade colocada em crise. Isto ocorre, mesmo que essa

identidade seja composta de modo ficcional. Ocorre, ainda, se o fenômeno da

globalização, na forma proposta por Hall, for considerado como algo que

permite que se tenham contatos (no processo global) com outras infinitas

possibilidades de identidades. Mesmo dentro de um mesmo país, as

identidades se diferenciam e se distanciam, aproximando-se, muitas vezes, de

identidades de outras nações.

Para Hall (2006), esse fenômeno apresenta três consequências, em

relação às identidades nacionais, que são importantes elementos da formação

da identidade cultural do sujeito. As identidades nacionais estão dando lugar a

identidades globais; as identidades nacionais estão se fortalecendo como uma

resistência à globalização; ou, as identidades nacionais estão dando lugar a

identidades híbridas que se dão, em uma relação espaço-temporal, tendo em

vista que cada época trama relações com uma forma de tempo e espaço e

essa influi nas suas representações do mundo (artes, comunicações, etc) e

essas representações do mundo apresentam aspectos da e na identidade dos

sujeitos. (Hall 2006, p.67-73)

Como exemplo da relação identidade-representação do mundo:

O sujeito masculino, representado nas pinturas do século XVIII, no ato de inspeção de sua propriedade, através das bem reguladas e controladas formas espaciais clássicas (...) tem um sentido muito

48

diferente de identidade cultural daquele sujeito que vê a ‘si próprio/a’ espelhado nos fragmentados e fraturados ‘rostos’ que olham dos planos e superfícies partidos de uma das pinturas cubistas de Picasso (HALL 2006 p.71).

O sujeito da modernidade, representado na obra da de Picasso,

apresenta-se muito mais fragmentado e disforme do que teria sido

representado na arte clássica, que manifestava um ideal, um modelo de

identidade.

Leva-se em conta o quadro Abaporu de Tarsila do Amaral. A figura

humana é disforme, fora dos padrões clássicos. Este quadro é um forte

representante da arte modernista brasileira, que deu origem ao movimento

antropofágico, que objetivava digerir e regurgitar a cultura europeia, de forma

mais nacional. Demonstra como os sujeitos dessa época (início do século XX)

estavam utilizando as representações artísticas, como forma de buscarem uma

identidade que já se mostrava relacionada com o global.

Figura 3: Abaporu – Tela de Tarsila do Amaral

Fonte: www.tarsiladoamaral.com.br/images/JPG/ABAPORU50.jpg

Essa arte, apresentada na obra de Tarsila do Amaral, abre-se como

inovadora em relação ao que a antecedia.

Para Bauman, é impossível falar de vanguarda, na pós-modernidade,

pois tal conceito está relacionado a algo que tem por essência uma distância

fixa entre dois pontos e um posicionamento, sendo de vanguarda aquele que

vai à frente dos outros. Para o autor: “(...) o mundo pós-moderno é tudo menos

imóvel. Mas os movimentos parecem aleatórios, dispersos e destituídos de

direção bem delineada.” Para o autor o modernismo caracteriza-se como um

“protesto contra as promessas descumpridas e esperanças frustradas, mas,

49

também um testemunho da seriedade com que as promessas e as esperanças

foram tratadas” (BAUMAN 1998 p.121-122).

Não é possível saber o que é para frente e o que é para trás. Há

movimentos em vários sentidos, diversas vertentes possíveis, há inúmeras

possibilidades, há uma coexistência entre tendências e comportamentos. A

sociedade que, para Boutinet, rompeu as questões de gênero e que, para Hall,

torna-se descêntrica vive, ao mesmo tempo, uma igualdade racial. Convivem

as manifestações preconceituosas, com a igualdade de gênero e com

sociedades machistas. Não existe algo à frente, assim como não existe algo

obsoleto. Havia mais clareza, na sociedade industrial, onde se estabelecia,

claramente, um ponto de separação, entre a era pré-industrial, com os meios

de produção artesanais e manuais, e a era industrial, com a máquina

transformando o homem. Em sua extensão, havia uma sinalização de uma

direção, que a sociedade estava seguindo, a direção da ruptura com as

tradições, da mobilidade social e também, da exploração do proletariado.

Embora, na atualidade, a tecnologia ganhe lugar de destaque e, em

alguns casos, características de feitor, coexistem uma necessidade e um

sentimento bucólico, em relação à vida no campo ou a uma vida menos

agitada, facilmente identificada nos anúncios de imóveis, que prometem bem-

estar para as famílias, área verde, reinventam os quintais, nas “varandas

gourmet”. Ao mesmo tempo, o mercado consumidor torna obsoletos, em

poucas horas, produtos como celulares, carros, computadores e demais bens

que são resultados da tecnologia.

Nas instituições escolares, pretende-se formar um sujeito habilitado a

trabalhar com essa coexistência e com essa falta de linearidade das evoluções

e dos conhecimentos. São representações da realidade e, consequentemente,

relacionadas com a arte e a estética da identidade cultural de um dado

momento.

Para Bauman (1998 p.127), na pós-modernidade, “os estilos não se

dividem em progressista e retrógrado, de aspecto avançado e antiquado”, as

novas artes não pretendem roubar a cena e os lugares das já existentes, mas,

sim se juntar a elas. Nesse contexto, para Adorno e Horkheimer (2002) “a

cultura contemporânea a tudo confere um ar de semelhança”. Menos otimistas,

quanto aos benefícios da pós-modernidade e da liberdade de estilos artísticos,

50

os autores atribuem, à “indústria cultural”, o sentido de padronização das

manifestações artísticas para comercializar a arte. Para Bauman (1998), a

dinâmica da arte tem de ser rápida para dar lugar, nas prateleiras, a novas

artes. Tal metáfora, utilizada por Bauman, alinha-se com a expressão “Indústria

Cultural” de Adorno.

No pensamento de Hall (2006), o sujeito pós-moderno é descentrado, já

nas reflexões de Adorno (2002, p.55), “na indústria cultural o indivíduo é

ilusório não só pela estandardização das técnicas de produção. Ele só é

tolerado à medida que sua identidade sem reservas com o universal

permanece fora de contestação”. A indústria cultural criou comportamentos

padronizados, se o sujeito pós-moderno não possui um centro e uma imagem

social fixa e não se dá apenas na relação com a sociedade, a sua identidade

forma-se nessa fluidez da sociedade atual.

Sintetizando os pensamentos apresentados, vê-se em Bauman (1998,

2005), que a sociedade atual não é organizada de forma linear e em Boutinet

(s/d) que essa organização atual da sociedade cria aflições no adulto, que se

sente imaturo. Em Adorno, a sociedade cultural padroniza o indivíduo, sendo

esse autor aquele mais contrário e pessimista quanto à mobilidade e à

liberdade do sujeito contemporâneo em escolher ser quem será.

2.2 A educação e a arte na contemporaneidade: um ca minho em direção à

formação dos sujeitos

Pensar que toda produção humana pressupõe uma estética e,

consequentemente, há aí uma concepção de arte que conduz à reflexão sobre

a formação dos sujeitos. Ela contribui para seu compromisso com o belo e com

o bem, sendo esses, em alguns casos, desassociados.

A educação será analisada pela perspectiva de Freire, principalmente,

nas reflexões sobre Educação Bancária, Autonomia e Pedagogia do Oprimido.

A hermenêutica pressupõe o conhecimento dos contextos para o

entendimento dos textos, sabe-se, também, através da hermenêutica, que, em

toda leitura, há o pressuposto de um preconceito acerca do tema e do texto

51

que será lido. A leitura permite, ao leitor, o distanciamento de seus

preconceitos e a sua contestação e possível reafirmação.

Pressupõe-se a necessidade de pensar uma educação que seja

libertadora, não mais opressora e aprisionadora e que o egresso dessa

educação não seja oprimido por novos conceitos que emergem, na sociedade,

como solução a todos os problemas. Convém que a tecnologia não seja o feitor

do profissional. Convém que a fluidez e a falta de centro das identidades, na

atualidade, não impeçam a autonomia dos sujeitos que serão capazes de

compreender a ética e estética, na sua produção. Tem-se ainda a ideia de que

a formação humana transpassa o espaço da educação regular e se

desenvolve, na sociedade, em um efeito multiplicador de atitudes éticas e

estéticas, ou seja, de bem e beleza.

Experiências como a de Augusto Boal (2008) com o “Teatro do

Oprimido”, que consiste na representação teatral de acontecimentos cotidianos,

permitindo a identificação dos papéis de oprimidos e de opressores,

desempenhados pelos indivíduos em sua atuação social. A proposta inicial, o

“apoio decidido do teatro às lutas dos oprimidos”, permite o acesso à forma

como a arte e à sua procedente estética. Tais experiências possibilitam a

aquisição da autonomia e da experiência com o sensível e com a

humanização.

Somente uma sociedade, na qual seja possível a mobilidade de classes,

pode ser pensada, na perspectiva da humanização dos oprimidos e dos

opressores. Nas sociedades antigas, nas quais os indivíduos, ao nascerem,

tinham já as posições sociais estabelecidas, havia mais dificuldades para a

humanização. As sociedades pós-modernas são espaços abertos para a

humanização.

Boal (2008), para explicar a estruturação do Teatro do Oprimido, utilizou,

como metáfora, uma árvore, que nasce do “solo fértil da Ética e a Política, da

História e da Filosofia, onde a nossa árvore vai buscar a sua nutriente seiva.”

Os frutos dessa árvore são a multiplicação que espalham pela sociedade as

ideias que compõem o teatro do oprimido. A solidariedade é “parte medular do

Teatro do Oprimido”. No tronco da árvore, está presente o Jogo que reproduz

características essenciais da vida em sociedade: as regras e a liberdade

criativas. “Sem regras não há jogo, sem liberdade não há vida”. Outros

52

componentes do tronco são o Teatro Imagem e o Teatro Fórum, sendo esse

“talvez a forma mais democrática do TO e, certamente, a mais conhecida e

praticada em todo o mundo, usa ou pode usar todos os recursos de todas as

formas teatrais conhecidas”. Na copa da árvore, estão as ações diretas, o

teatro legislativo, o teatro invisível, o arco-íris do desejo e o Teatro Jornal.

(BOAL, 2008 p.16-19)

Para Boal (2008), “(...) o teatro deve ser um ensaio para a ação na vida

real, e não um fim em si mesmo. O espetáculo é o início de uma transformação

social necessária e não um momento de equilíbrio e repouso.” (2008 p.19). A

arte é espaço de humanização, o teatro, sobretudo na forma proposta por Boal,

é espaço de reflexão sobre os oprimidos e opressores.

Pensar em humanização, para Freire (1987) implica em: “reconhecer a

desumanização, não apenas como viabilidade ontológica, mas como realidade

histórica.” Sendo humanização e desumanização “possibilidades dos homens

como seres inconclusos e conscientes da sua inconclusão”. (FREIRE, 1987

p.16)

A humanização é a vocação natural do homem, mesmo na sua negação

está presente sua afirmação, a desumanização não é vocação histórica do

homem, sua prática tem, na sua oposição, a humanização. Acreditar que a

vocação do sujeito é ser desumano leva ao desespero. A desumanização está

presente na violência dos opressores, que se fazem, também, desumanizados,

ao desumanizarem os outros. Esses, ao serem “feitos menos”, uma hora ou

outra, se voltam contra os que “se fazem mais”, porém, essa volta e busca por

sua humanidade, só se faz verídica, quando esses oprimidos não se tornam

opressores daqueles que os oprimiam, mas, sim tentam restaurar a

humanidade de ambos. (FREIRE, 1987 p.16)

A liberdade dos oprimidos não se dará por acaso, “mas pela práxis de

sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por

ela.” Essa luta se dará contra a violência dos opressores, “até mesmo quando

esta se revista da falsa generosidade”. (FREIRE, 1987 p.17)

Freire (1987) propõe uma pedagogia dos oprimidos, essa teoria

antecede a teoria de Boal (2008) de Teatro do Oprimido. Para alguns

pesquisadores, o teatro do oprimido tem sua origem na pedagogia do oprimido,

que, para Freire (1987), é aquela: “que tem de ser forjada com ele e não para

53

ele (o oprimido), enquanto homens ou povos, na luta incessante de

recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas

causas objeto da reflexão dos oprimidos” (1987 p.17).

Essa pedagogia do oprimido, de acordo com Freire (1987 p.16-18), é

aquela que libertará os oprimidos dos opressores, dessa forma, não pode ser

pensada ou criada por esses. Os oprimidos não podem pensar em libertação,

como a ocupação dos lugares dos opressores, sua projeção de liberdade não

pode se dar, na privação da liberdade dos seus opressores ou então, na

criação de novos oprimidos, porém, para o autor a descoberta da possibilidade

de libertação: “É que quase sempre, num primeiro momento deste

descobrimento, os oprimidos, em lugar de buscar a libertação, na luta e por ela,

tendem a ser opressores também, ou subopressores” (1987 p.17).

Complementando o pensamento de Freire temos em Boal (2008),

“oprimidos e opressores não podem ser candidamente confundidos com anjos

e demônios. Quase não existem em estados puros, nem uns nem outros.”

(2008 p.23)

Os oprimidos interiorizam a imagem do outro, do opressor, como um

modelo de homem. Ao pensarem em liberdade ficam amedrontados, pois

“Descobrem que, não sendo livres, não chegam a ser autenticamente. Querem

ser, mas, temem ser. São eles e ao mesmo tempo são o outro introjetado

neles, como consciência opressora”. (FREIRE, 1987 p.19)

Boal (2008) afirma que é impossível inocentarmos os opressores,

justificando que tal comportamento é conseqüência da sociedade, que agem

assim porque não conhecem outra forma de agir, alega que, se fosse assim,

todos teriam razão, na sua forma de agir e que “todas as razões se equivalem,

seria melhor que o mundo ficasse da forma que está”, e continua:

Nós, do TO, ao contrário, queremos transformá-lo (o mundo), queremos que mude sempre em direção a uma sociedade sem opressão. É isto que significa humanizar a Humanidade: queremos que o homem deixe de ser o lobo do homem, como dizia o poeta. (BOAL, 2008 p.25)

Freire (1996, p.31) afirma que “mudar é difícil, mas é possível”. Não

devemos pensar que basta pedirmos aos grupos oprimidos que se rebelem e

se voltem contra tudo, mas, no trabalho pedagógico, deve haver a possibilidade

54

de “desafiar os grupos populares para que percebam, em termos críticos, a

violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta”. Em

outra obra, Freire (1987 p.30) afirma que a realidade concreta de opressão não

pode ser um “mundo fechado, do qual não pudessem sair, mas, uma situação

que apenas o limita e que eles podem transformar”.

Essa percepção é condição essencial para a libertação, mas, a

libertação não é coisa simples, “a libertação, por isto, é um parto. E um parto

doloroso. O homem que nasce desse parto é um homem novo que só é viável

na e pela superação da contradição opressores/oprimidos, que é a libertação

de todos” (FREIRE, 1987 p.19)

“Como educador preciso ir “lendo” cada vez melhor a leitura de mundo

que os grupos populares com quem trabalho, fazem de seu contexto imediato e

do maior do qual o seu é parte” (FREIRE, 1996 p.32) É preciso compreender a

relação dos oprimidos com a parte e dessa parte com o todo.

O teatro do oprimido demonstra-se como possibilidade de contato com

essa representação da realidade do oprimido e da sua visão sobre os

opressores. Para Hall (2006), as representações da realidade são frutos do

momento histórico, em que vivemos e surgem, na forma das manifestações

artísticas.

A representação do teatro contribui para a visualização da identidade do

sujeito, é preciso que o oprimido entenda-se como sujeito da transformação,

não bastando apenas identificar seus opressores e, sim, se entender, como

oprimido, e buscar uma relação mais ativa com a falta de ética que faz parte da

vida.

“Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e

se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si

mesmos, superando, assim, sua “conivência” com o regime opressor. (FREIRE,

1987 p.29), não conivência como vontade de ser oprimido, mas, um medo da

liberdade, Freire (1996 p.32) complementa esse pensamento com:

É importante ter sempre claro que faz parte do poder ideológico dominante a inculcação nos dominados da responsabilidade por sua situação. Daí a culpa que sentem eles, em determinados momentos da relação com o seu contexto e com as classes dominantes por se acharem nessa ou naquela situação desvantajosa (FREIRE, 1996 p.32).

55

Para Boal (2008), a tomada de consciência, proporcionada pelo teatro,

contribui para a não conivência com as ações violentas dos opressores.

A função de pensar sobre a relação dos opressores com os oprimidos e

a necessidade de humanização não se dá apenas aos educadores ou, de

acordo com Boal (2008 p.29), aos artistas que pensam e executam a filosofia

por trás do Teatro do Oprimido:

Fôssemos veterinários, dentistas, pedreiros, filósofos, bailarinos, professores, jogadores de futebol ou lutadores de judô – qualquer que seja a nossa profissão – temos a obrigação cidadã de nos colocarmos ao lado dos humilhados e ofendidos (BOAL, 2008 p.29).

Para Freire (1987), os oprimidos atingem um estágio de dependência

emocional, resultado dessa situação de opressão em que vivem, Boutinet (s/d)

afirma que o adulto da contemporaneidade vive uma dependência dos espaços

de formação frente às exigências que o mercado de trabalho impõe, o mercado

de trabalho surge como um opressor.

Assim Freire (1996) afirma:

Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. (...) Exige de mim uma escolha entre isto e aquilo (FREIRE, 1996 p. 39).

Ser professor, para Freire, exige também uma concepção de estética no

sentido de compromisso com o belo:

Sou professor a favor da boniteza da minha própria prática, que dela some se não cuido do saber que devo ensinar se não brigo por esse saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado corre o risco de se amofinar (...). Boniteza que se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar (FREIRE 1996 p.40).

Percebe-se, nessa afirmação, uma relação entre a estética, ou seja, o

belo apresentado na forma da boniteza das ações docentes e a estética da

feiúra, no amofinar do corpo descuidado, há ainda uma relação com o bem ,

pois, o comportamento sem boniteza se apresenta como um comportamento

56

anti-ético , pois o professor, ao abrir mão do compromisso com a beleza de

sua profissão, age de forma não ética.

O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processo de busca (FREIRE, 1987 p.34).

A ideia dos opressores não é a de dar possibilidades de transformação e

humanização à sociedade, mas, sim, de transformar a mentalidade dos

oprimidos, para que sejam mais facilmente dominados. A concepção bancária

de educação tem, como sua humanização, o fato de torná-los integrantes de

uma sociedade que não lhes pertence, ao invés de transformar a sociedade

para que esses façam parte dela (FREIRE, 1987 p. 34-36).

Na concepção bancária da educação, os homens estão no mundo e não

com o mundo e com os outros, não são agentes de transformação. Quanto

mais adaptados à concepção bancária da educação, mais educados estarão,

não há espaço para o pensar autentico do educando, “a opressão, que é um

controle esmagador, é necrófila. Nutre-se do amor à morte e não do amor à

vida” (FREIRE, 1987 p.37). Tal concepção bancária da educação nutre-se do

anti-ético, ou seja, do não compromisso com a vida e o bem-estar coletivo.

O educador precisa de liberdade e autoridade, porém, dificilmente,

consegue-se entender e definir as atitudes libertadoras e autoritárias, sem a

utilização de um autoritarismo desnecessário.

Para Freire (1996), a liberdade sem limite é tão ineficiente quanto a

liberdade castrada: “Quanto mais criticamente a liberdade assume o limite

necessário tanto mais autoridade tem ela, eticamente falando, para continuar

lutando em seu nome”.

O bem estar e o compromisso com a coletividade estão intrínsecos à

busca por uma libertação, a beleza da execução da função do educador está

no compromisso com a estética, sendo essa o campo das possibilidades de

contato com o sensível e com o humano.

O Teatro do Oprimido, proposto por Boal (2008), é uma representação

artística que pretende a tomada de consciência da opressão que se sofre. Não

é pura arte, é arte crítica e lúcida. A pedagogia do oprimido ou a pedagogia da

57

autonomia, propostas por Freire (1987, 1996) são, igualmente, instrumentos

éticos e estéticos de se pensar as relações da educação com a estética e a

ética. Elas não são técnicas, receitas ou fórmulas mágicas, pois se assim

fossem tornar-se-iam novos mecanismos de alienação, são tratados para a

reflexão sobre nossa prática docente e, no caso dessa pesquisa,

direcionadores de caminhos para se pensar a formação humana do profissional

tecnólogo.

2.3 O processo formativo e a dimensão estética

A escola apresenta-se como um espaço de construção e manutenção de

relações humanas que reproduzem modelos sociais de convivência entre os

indivíduos. Seu ambiente propicia a reprodução de comportamentos e ações

socialmente aceitas tanto por educadores como por educandos. Mas, a escola

sendo um organismo vivo, composto por sujeitos individuais e coletivos é viva e

possui vida, é um espaço criador de novas práticas (ou práticas éticas) que

serão replicadas socialmente.

A discussão sobre ética (o bem e o bom), nas relações humanas, está

presente também no campo educacional e não há como pensar relações éticas

de convivência, sem pensar os preconceitos que balizam as relações e os

valores atribuídos às ações boas e belas.

Pressupõe-se a ética como o compromisso com a vida e o bem estar da

coletividade, entende-se como educação ética aquela que prima pela

preocupação com o bem-estar do educando e da sociedade em que ele está

inserido, sendo premissa da educação, a ética, o bem e o bom . Nesse

contexto, surge outro pressuposto o belo , a estética de uma sociedade em

constante mutação. Essa estética pressupõe e, ao mesmo tempo, compõe uma

estética da educação.

Entendendo “processo formativo”, como a formação de valores e visões

de mundo, no e do indivíduo, a escola emerge como espaço de formação de

cidadãos, indivíduos que convivem em uma sociedade diversa, no que diz

respeito à religião, aos costumes, à orientação sexual, às etnias, à deficiência,

às questões de gênero e de idade.

58

No ensino superior, essas diferenças apresentam-se como uma micro-

sociedade e, em alguns casos, na forma de preconceitos velados ou explícitos,

nas práticas de professores e alunos. Ao profissional docente, cabe o desafio

de lidar com a interação entre as diferenças presentes na escola.

O homem (no sentido de ser humano) se constrói, nas relações do

processo de aprender, tendo, como ponto de partida, o que já se sabe, ou seja,

um pré-conceito. Cabe à escola, sistematizar o conhecimento, apresentando ao

indivíduo outros saberes3 e, também, valorizar os conhecimentos ainda não

formalizados dos educandos. A própria hermenêutica nos deixa claro que, pela

leitura de textos, ou seja, formalizações de discursos, resgata-se um conceito

anterior, que será utilizado para ler aquela realidade, ao mesmo tempo, em que

será colocado à prova.

O tornar-se adulto exige, do sujeito, o contato com outros sujeitos

diferentes, entre si, que influenciarão a sua “identidade de si”. No espaço da

educação formal e nas empresas, exige-se uma identidade única, apresentada

como modelo – possivelmente a identidade do opressor internalizada pelo

oprimido – tal fato contraria, conforme o que foi apresentado por Bauman

(1998, 2005), Hall (2006) e Boutinet (s/d), a identidade líquida ou descêntrica

do sujeito pós-moderno.

O sujeito acaba por viver uma contradição, ao mesmo tempo em que é

liquefeito, obriga-se a solidificar-se em uma imagem que não é a sua. Da

mesma forma que o metal Mercúrio toma a forma do recipiente que o contém, o

sujeito contemporâneo molda-se, ou tenta moldar-se, às exigências do

ambiente. Criam-se, assim, sujeitos com inúmeras identidades: o sujeito-pai, o

sujeito-marido, o sujeito-aluno, o sujeito-profissional e assim por diante.

Constroem-se ficções acerca de si mesmo, aprisiona-se em um querer ser

como alguém e não no “ser a si mesmo”.

De acordo com Oliveira (1994), as instituições de ensino, muitas vezes,

contribuem para a reprodução de comportamentos das classes socialmente

dominantes, “forçando” o indivíduo a atribuir valor a aspectos muito diferentes

da sua realidade:

3 Nota de aula da Educação Estética e Formação de Professores ministrada pela Profa. Dra. Margarete May Berkenbrock Rosito no Programa de Mestrado em Educação na Universidade Cidade de São Paulo no ano de 2009.

59

Na escola, várias informações, valores e valorações se entrecruzam, se contaminam e se combinam ou se repelem quando observamos o processo manifesto da aula, no qual o professor, embora orientado por um movimento de elevar os estudantes a uma formação (‘Bildung’), tende a aderir às idéias e valores da classe dominante transmitindo-os como idéias e valores absolutos (OLIVEIRA in PUCCI, 1994 p.126).

Almeida (2009)4, em aula sobre a formação e o papel da escola,

expressou: “Não é papel da escola educar o aluno para esse modelo de

sociedade desigual, injusta (...) educar o aluno para ocupar um bom lugar em

uma sociedade ruim.” Ou seja, não é papel da escola “treinar” o aluno para

reproduzir as injustiças da sociedade de forma a beneficiar-se ou, então,

adaptar-se às injustiças, a favor de seus interesses individuais, sem

compromisso com o coletivo e o bem estar, pois, nessa reprodução e

adaptação, há a manutenção das desigualdades e injustiças da sociedade. Há,

no espaço escolar, a valorização da estética, um conceito de estética

relacionado à aparência física e não à sensibilidade proporcionada pelo

arrebatamento da arte. Essa noção de estética, presente no espaço da escola,

sobretudo, no entendimento dado pelos alunos, refere-se a um padrão de

beleza corporal, ou então, a um padrão de comportamento, não levando em

conta as diferenças. Aqueles que se submetem a esse padrão buscam ali uma

solidificação da sua identidade, na tentativa de encontrar um centro e pertencer

a um grupo.

Na sociedade atual atribuem-se diversos significados à palavra estética,

desde a representação mais popular de estética como o corpo belo

proporcionado pelas “Clínicas de Estética” da sociedade do “homem light” 5, até

a estética como o estudo da arte, como o belo, como conseqüência da ética,

como pressuposto para ética ou como a contra-ética, como apresenta Amélia

Valcárcel, em seu livro “Ética contra Estética”, que demonstra um panorama

histórico da relação ética / estética, ora a ética é associada à razão e a estética

à emoção, ora outros atribuem, às duas, uma parceria indissociável.

4 Nota de aula da Disciplina Formação de Professores: Concepções e Práticas ministrada em conjunto pela Profa. Dra. Ecleide Cunico Furlanetto e Prof. Dr. Julio Gomes Almeida no programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo no ano de 2009. 5ROJAS apud AMORIM NETO, R.C. e ROSITO, M. M. B. Ética e Moral na Educação , Editora Wak. 2009.

60

A obra de Valcárcel (2005) surge, a partir da análise da afirmação de

Wittgenstein: “A ética e a estética são uma coisa só”. Tal afirmação apresenta

uma das muitas discussões que surgem, a partir da relação entre ética e

estética. Tal discussão se torna pertinente a esta pesquisa, que pretende

pensar a ética e a estética na educação.

Para Valcárcel (2005), analisando o pensamento de Wittgenstein, a ética

é transcendental, ou seja, está fora do mundo: “O que está fora do mundo é o

sentido do mundo e não pode ser posto em palavra.” A autora, citando

Wittgenstein, apresenta a seguinte frase e depois a analisa “Está claro que a

ética não pode ser posta em palavras. A ética é transcendental” e, assim, ela

analisa: “Se a ética é algo transcendental, é por uma razão kantiana: ou é

assim, ou não é ética”. (VALCÁRCEL, 2005 p.3)

A ética e a estética poderiam ser consideradas uma coisa só, por ambas

serem inefáveis, “não podendo ser postas em palavras, nas palavras da

linguagem significativa, já que expressam algo mais elevado do que aquilo que

justamente essa linguagem não pode expressar”. Embora seja possível

identificar tal característica em ambas (ética e estética), para Valcárcel, isso

não é suficiente para que elas sejam uma só. (VALCÁRCEL, 2005 p.4)

Uma forma de dar sentido a afirmação de Wittgenstein, é afirmar que no

pensamento dele:

(...)a arte supõe uma ética, quer dizer, que toda estética leva consigo uma ética sobreposta. A arte é então simulacro e a ética continua inefável. A arte mostra justamente esse inefável. É bastante provável que assim seja, a partir de uma hermenêutica interna (VALCÁRCEL, 2005 p.6).

Ao analisar diversos autores, é possível extrair do pensamento de

Valcárcel (2005) diferentes possibilidades de relação entre ética e estética. A

ética e a estética são, diretamente relacionadas, sendo a estética uma

possibilidade mais sensível da ética racional.

“O que está bem feito é bom e belo ao mesmo tempo, e assim é

considerado se os prejuízos não distraem o julgamento” (VALCÁRCEL, 2005

p.65). Tal questão também é apresentada, na nossa sociedade, ao atribuirmos

a expressão “isso que você fez foi feio”, quando queremos dizer que algo está

errado ou, contra os padrões de comportamento moral ou ético daquele que

julga tal fato.

61

Jimenez (1999:21-23) apresenta a dificuldade de estabelecer uma regra

que atenda à estética e que defina diretrizes. Esta regra deveria pensar e criar

cronologias, para a sua definição, de dar conceitos de estética (e de belo),

propondo a existência de uma “estética platônica”, de uma estética em Kant, e

diferentes estéticas, de acordo com os movimentos artísticos ou “ismos”

(iluminismo, modernismo etc). Essa pluralidade apresenta a dificuldade de

escolher uma estética como absoluta.

De acordo com Jimenez (1999), arte é o objeto da estética. A arte, por

não ser perecível, abre outra dificuldade para a reflexão sobre estética: as artes

de diversos momentos históricos com conceitos diferentes de estética, ainda,

arrebatam e se mantêm como arte na contemporaneidade:

A antropologia da arte ensina-nos que o belo, assim como o feio, são valores relativos não somente a uma cultura, a uma civilização, mas, também a um tipo de sociedade, a seus costumes, à sua visão de mundo, em um dado momento da história (JIMENEZ, 1999 p.23)

Bauman (1998) também compartilha de tal opinião, ao afirmar que, na

contemporaneidade, não é possível estabelecer uma arte de vanguarda.

Jimenez (1999) atribui à estética também o domínio da sensibilidade e

concebe, como possível, uma história da estética se a pensarmos em um

conceito amplo:

(...) ela (a história) seria, por conseqüência, não a história das teorias e das doutrinas sobre a arte, sobre o belo ou sobre as obras, mas, a história da sensibilidade, do imaginário e dos discursos que procuraram valorizar o conhecimento sensível, dito inferior, como contraponto ao privilégio concebido na civilização ocidental, ao conhecimento racional (JIMENEZ,1999 p.25).

A estética, então, ultrapassa o belo absoluto, ou uma receita do que é o

belo, a estética é o estudo do sensível, a arte não apenas racionalizada, mas, a

arte como imaginário, emoção e sensibilidade.

Na atualidade, estabelecer um conceito de estética único se faz

impossível, sobretudo levando em conta a fluidez das relações com a arte e as

inúmeras possibilidades de representações artísticas.

Perisse (2009) fundamenta-se na análise dos escritos de Baumgarten

que é “considerado o criador da Estética, como disciplina científica, pois

cunhou a palavra, com base nos termos gregos aisthétukós (“que possui a

62

faculdade de sentir”) e aisthésis (“sensação”)”. Ainda, conforme Perisse (2009

p.11), a finalidade da estética é “levar, para o reino das ideias claras, as

sensações confusas e obscuras que apresentamos diante da poesia e da arte

em geral. A estética nos permitirá aperfeiçoar nosso conhecimento da beleza

(...)”.

Wojnar (1967, p.90) considera Baumgarten o criador da estética, como

uma teoria do conhecimento sensível, diferente da lógica que dirige as

operações da inteligência, tendo como objeto formal a perfeição e a beleza.

A autora ainda apresenta o pensamento de Tolstoi que, contrário às

afirmações de Baumgarten, afirma que a estética não pode ser associada

apenas à beleza e que a arte não é apenas o prazer. Para Tolstoi, a arte é

comunicação: “El arte es una forma de la actividad humana que consiste, para

el hombre, en transmitir sentimientos a otros, consciente y voluntariamente, por

médio de determinados signos exteriores” (Tolstoi 1931 p. 21 apud Wojnar

1967 p.91).

As ideias de Tolstoi , assim como diversos autores que pensaram a

estética, não são unânimes, Wojnar (1967 p.92-94), apresenta Abramowski

como um autor contrário à ideia da arte como comunicação, sobretudo porque,

no final do século XIX, a nova organização social permitiu um contato mais

generalizado com a arte, tirando seu aspecto solene e elitista, a arte é, então,

profunda e individual.

Silva (2001), ao analisar o pensamento de Schiller sobre Estética e

educação, afirma:

Se a arte está contaminando toda a ação humana, ela pode ser um princípio ético a todo procedimento, agregando no mundo da diversidade e de fragmentos, um princípio e um fim de beleza totalizadora. Nada mais adequado a todas as épocas, pois todas as épocas e todos os povos, ainda que na dureza da vida primitiva, desenvolveram sistemas de representações artísticas (SILVA, 2001 p.10).

Assim, para Silva (2001), a arte é pressuposto da produção humana e

toda produção humana tem seu conceito de estética.

Perisse (2009) apresenta a dificuldade de se definir a estética e afirma:

63

Nada garante que a leitura de dezenas de livros, escritos antes e depois de Baumgarten, faça alguém entender o que é a arte ou o que é a Estética. Por outro lado, se queremos compreender a natureza e o objeto da Estética, todas as leituras são bem-vindas. Contanto que saibamos conferir as palavras lidas com a realidade vivida. (...) A realidade artística necessita ser experimentada pessoalmente a fim de que se joguem luzes sobre as definições que buscamos com a razão... e o coração (PERISSE, 2009 p.12).

Embora nenhuma leitura garanta a definição de estética, a aproximação

entre os autores propicia reflexões, acerca do belo, em nossa própria

sociedade, e levanta questionamentos sobre os valores que atribuímos à

sensibilidade e ao belo na educação.

Compreender a dimensão estética da educação permite assimilar a

relação entre o sensível e a formação, não apenas na forma das aulas de

educação artística dos níveis fundamental e médio. Em uma perspectiva mais

ampla que engloba a hipótese de que toda produção humana possui uma

estética e que mesmo, ao ter contato com a arte, o sujeito é co-autor do

processo de sensibilização, porém, para tanto, é preciso entender a estética

em um sentido mais amplo do que o simples estudo de obras de arte.

Os pensamentos sobre educação estética não são privilégios dos

tempos atuais, Wojnar em sua obra “Esthétique et pédagogie” publicada, em

1963, em Francês e, em 1967, em Espanhol, com o título “Estética y

pedagogia” já refletia sobre essa prática.

Muito anterior a esse pensamento, há Schiller com “A educação estética

do homem numa série de cartas”, cartas escritas ao príncipe Augustenburg, no

final do século XVIII. Essas cartas apresentam os esboços preliminares das

investigações que culminarão na Educação Estética do homem. (SUZUKI in

SCHILLER, 2005 p.7)

A educação estética conserva sua particularidade e tem sua história.

Suas raízes podem ser descobertas na Antiguidade. Nessa época, “los

principos estéticos habían desempeñado, tanto en la teoria como en la prática

de la educación, un papel primordial6” (WOJNAR, 1967 p.103), para a autora

“Se trata aqui del arte como médio de formación del hombre moderno, de su

personalidad y de sus actitudes frente al universo” (WOJNAR, 1967 p.133)

6 Tradução: “Os princípios estéticos haviam desempenhado, tanto na teoria como na prática da educação, um papel primordial.”

64

Wojnar (1967) afirma que, nos anos seguintes, esse tipo de educação foi

ganhando cada vez menos espaço até o século XIX e o surgimento da Nova

Educação. Para a autora, há semelhanças entre as ideias da educação

ateniense e a Nova Educação, chamando assim o movimento que contribui

para o desenvolvimento da educação estética e que surgiu, no final do século

XIX. Os autores em destaque são Binet, Decroly, Dewey, Montessori e Stanley

Hall, sendo que “en la Nueva Educación se reconocen asimismo los vínculos

importantes con el “impulso vital” bergsoniano7”. A pedagogia proposta por

esses autores considerava a criança como o centro da educação e a pensaram

como uma alternativa à pedagogia tradicional, que tratava de modelar a

criança, de acordo com um modelo abstrato de adulto. A autora destaca, como

princípios da Nova Educação: “estimular a atividade das crianças; unir a

atividade manual ao trabalho do espírito; desenvolver na criança as faculdades

criativas” (WOJNAR, 1967 p.103-106).

A nova educação tinha, entre seus propósitos, alguns princípios da

educação estética:

la educación propuesta era la educación al servicio del niño, a partir del niño, y no de uma Idea abstracta de la infância. Y la educación estética parecia corresponder bien a estos objetivos educativos. Las actividades personales, sobre todo las de caracter artístico, permitían satisfacer las necesidades del niño y hacerle penetrar mejor en la realidad de la vida circundante. (WOJNAR, 1967 p.106).

Tal concepção de educação aproxima-se da necessidade apontada por

Freire (1987, 1996) de os oprimidos conhecerem a situação, na qual estão

inseridos e o contexto maior de que ela faz parte. Em Boal (2008) temos a arte,

na forma do teatro, como possibilidade de contato com a representação da

realidade. Wojnar (1967 p.109), citando Wheeler confirma: “son sobretodo la

música, la poesia y el arte dramático los que proporcionan médios importantes

en este método de intuición. El arte, opina Wheeler, ayuda a compreender

mejor el hombre y la vida”.

Após a segunda guerra mundial, segundo Wojnar (1967), o movimento

em favor da educação estética se amplia, a autora destaca um congresso

organizado pela Federação Internacional para a Educação Artística, no ano de

1958, em que não se discutia mais a importância, apenas, do entendimento da 7 Tradução: “Na Nova Educação se reconhecem, também, importantes vínculos com o “impulso vital” bergsoniano”

65

educação artística como o ensinar a desenhar, mas, o ensino artístico que

sugere o interesse por diferentes gêneros de arte, ao mesmo tempo, em que

apresenta o interesse, também, com a formação geral do homem “cuya vida

penetra cada vez más el arte”. (WOJNAR, 1967 p.124-25)

Sobre a importância da educação estética Wojnar (1967), afirma:

El hombre que vive en uma civilización técnica há de conservar sus faculdades creadroas, y esto puede hacerse gracias a la influencia del arte que sirve “para realizar y expandir las fuerzas sin las que ele hombre no puede vivir. (WOJNAR, 1967 p.125)

Schiller (2002), pensando o homem de negócio do seu tempo, século

XVII, traz afirmação condizente com a realidade atual dos profissionais,

apresentada por Boutinet (s/d) e por Wojnar (1967), que também retratava uma

época diferente da nossa, comprovando a importância de se pensar a

formação humana e a educação estética: “(...) o homem de negócios tem

freqüentemente um coração estreito, pois sua imaginação, enclausurada no

círculo monótono de sua ocupação, é incapaz de elevar-se à compreensão de

um tipo alheio de representação” (SCHILLER, 2002 p.39). Ainda, de acordo

com Schiller (2002 p.85), “A tarefa da educação estética é fazer das belezas as

belezas”.

Segundo Neitzel (2006), referendando-se em Eco (1986) e Barthes

(1993) o “gozo de uma obra de arte representa uma forma, ainda que calada e

particular, de execução, o que nos possibilita pensar o leitor numa postura

multivalente e de co-autoria” (NEITZEL, 2006 p.95). A autora explica tal

afirmação, expondo a importância da relação entre estética e educação:

(...) podemos iniciar refletindo sobre como nos comportamos diante da tela de nosso pintor preferido, ou ainda, no teatro, no cinema, em uma apresentação musical. Essas atividades artísticas nos exigem um desprendimento, uma entrega a fruição. Se tivermos como objetivo favorecer o desenvolvimento de habilidades apreciativas é imprescindível oportunizarmos a exposição dos estudantes, com freqüência, á arte. (NEITZEL, 2006 p.95)

Embora a autora enfoque, mais especificamente, o estudo da leitura

fruitiva, suas considerações incluem pensamentos sobre a relação estética e

66

educação. Como possibilidade de contato com a estética no ambiente escolar

ela alega:

Para o leitor interagir com o livro e tratá-lo como conhecimento estético, necessita estar envolvido, imbuído de espírito artístico, o que exige o desenvolvimento de habilidades apreciativas. Nesse sentido a leitura fruitiva necessita fazer parte do currículo da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental, figurando nos planos de ensino como conteúdo e não como estratégia. (...) A arte requer apreciação e sensibilização estética, o que nos exige um trabalho constante. (NEITZEL, 2006 p.96)

Neitzel (2006 p.97) afirma que “a leitura colabora para nossa formação

humanística, ela nos permite um crescimento individual e social”, a autora

continua:

Ver o texto como um objeto estético não representa torná-lo um material alienante. A literatura representa de maneira tocante uma forma de o indivíduo apreciar, julgar e criticar atividades sociais e políticas promovendo o questionamento ou a passividade, a conformidade ou a contestação, se incentivada como uma prática social. (NEITZEL, 2006 p.100)

Para Schiller (2002):

(...) o caminho para o intelecto precisa ser aberto pelo coração. A formação da sensibilidade é, portanto, a necessidade mais premente da época, não apenas porque ela vem a ser um meio de tornar o conhecimento melhorado eficaz para a vida, mas também porque desperta para a própria melhora do conhecimento. (SCHILLER, 2002 p.47)

Em Schiller (2002), encontramos dois impulsos, no homem, que

representam suas relações com a arte e os conhecimentos: o primeiro

chamado de sensível e o segundo de impulso formal, um terceiro que poderia

ser chamado de fundamental e uniria os dois é um conceito impensável.

O impulso sensível refere-se à necessidade de modificação da

sensação que manifesta a existência física do homem, é o impulso “ao qual se

prende, por fim, toda a aparição da humanidade” e aquele que “desperta e

desdobra as disposições da humanidade” e, também, aquele que torna

impossível sua perfeição, é o impulso do imaginário, da emoção e da

mutabilidade. O impulso formal “quer que o real seja necessário e eterno, e

que o eterno e o necessário sejam reais”, ou seja, é mais racional quando

define algo o toma como fixo, o primeiro impulso é mais sentimento e mutável.

67

“(...) São esses dois impulsos que esgotam o conceito de humanidade”

(SHILLER, 2002 p.63-65).

A arte e a sensibilização apresentam-se como possibilidade de

libertação do homem. Tomando como exemplo Boal (2008) e as experiências

do Teatro do Oprimido, ou Neitzel (2006) com a fruição da leitura, em Schiller

(2002 p.21-22) “a arte é filha da liberdade e quer ser legislada pela

necessidade do espírito, não pela privação da matéria” e continua “é pela

beleza que se vai a liberdade”, aproximando essa afirmação de Schiller aos

pensamentos de Freire (1987, 1996) vê-se que a libertação só se dá, através

da tomada de consciência do lugar de oprimido que ocupamos, é necessário,

então, a sensibilidade e a racionalidade, ou o impulso sensível e o impulso

formal. Da soma dos dois, surge o impulso lúdico. (SCHILLER, 2002 p.70-81)

Cabe à cultura, os limites de cada um dos impulsos, sendo, então sua

incumbência cultivar a faculdade do sensível e a faculdade do racional, sem

transformá-los em pontos competitivos. Outro impulso que surge é o impulso

lúdico que tem como objetivo a beleza, que não pode ser apenas vida, ou seja,

experiência e impulso sensível, mas, também, não pode ser apenas forma,

teoria, ou seja, impulso formal, a beleza é mais que apenas experiência e vida,

ela é o lúdico. (SCHILLER, 2002 p.70-81)

Schiller (2002) traz uma metáfora do aprisionamento que o homem

moderno (em seu tempo) encontra-se:

(...) eternamente acorrentado a um pequeno fragmento do todo, o homem só pode formar-se enquanto fragmento; ouvindo eternamente o mesmo ruído monótono da roda que ele aciona, não desenvolve a harmonia de seu ser e, em lugar de imprimir a humanidade em sua natureza, torna-se mera reprodução de sua ocupação, de sua ciência. (SCHILLER, 2002 p.37)

O homem transforma-se, então, em oprimido por sua própria criação. A

partir da razão, ele deixa de lado a emoção e aliena-se, subordina-se, sem

humanidade, a um conhecimento que não lhe faz sentido. Como vimos em

Freire (1987, 1996), a ausência de beleza, na prática educativa, especialmente,

na prática docente, afasta a educação da humanização e a aproxima dos

mecanismos dominantes de opressão, segundo Schiller (2002 p.91) “A beleza

liga os estados opostos de sensação e pensamento, e ainda assim não há

meio-termo entre os dois. A certeza daquilo é dada pela experiência; a disto,

68

imediatamente pela razão”, ou seja, há o equilíbrio entre o que é razão e o que

é emoção, criando a beleza:

A beleza, portanto, é objeto para nós, porque a reflexão é condição sob a qual temos uma sensação dela, mas é, ao mesmo tempo, estado de nosso sujeito, pois o sentimento é a condição sob a qual temos uma representação dela. Ela é, portanto, forma, pois que a contemplamos, mas, é ao mesmo tempo, vida, pois que a sentimos. Numa palavra: é, simultaneamente, nosso estado e nossa ação (SCHILLER, 2002 p.127).

A educação estética, cujo objetivo é a humanização, pressupõe a

presença do belo que, para o autor:

Da ação recíproca de dois impulsos antagônicos e da combinação de dois princípios opostos vimos nascer o belo , cujo Ideal mais elevado deve ser procurado, pois, na ligação e no equilíbrio mais perfeito de realidade e forma. Este equilíbrio, contudo, permanece sempre apenas numa Idéia, que jamais pode ser plenamente alcançada pela realidade. Nesta restará sempre o predomínio de um elemento sobre o outro, e o mais alto que a experiência pode atingir é uma variação entre os dois princípios, em que ora domine a forma ora a realidade (SCHILLER, 2002 p. 83).

Esse aspecto do belo de Schiller (2002) alinha-se à ideia inefável da

ética e da estética, propostas por Valcárcel (2005), que considera a arte um

simulacro da estética e essa pressupõe, em si, uma ética. Pode-se intuir,

então, que a arte é simulacro do belo e que o impulso sensível, ao detectar a

arte como real, o torna realidade. Essa realidade, ao ser analisada pelo impulso

formal, torna-se fixa, ou seja, o contato com o belo na forma de arte torna o

sensível real.

O homem, quer individualmente, quer coletivamente, passa por três

estágios de desenvolvimento que são fixos, em sua ordem. Embora possam

ser abreviados, não podem ser pulados, são eles o estado físico , o estado

estético e o estado moral . No primeiro estado, o homem está próximo do seu

estado mais natural e selvagem, o mundo é “apenas destino e não objeto”, só

existe para ele o que é experimentado. Seu contato com o mundo sensível é

imediato e passivo e desconhece a sua própria dignidade humana, sua relação

com o mundo é de uno, “e justamente por ser o próprio homem apenas mundo,

não há ainda mundo para ele” (p.122). “Este estado de natureza crua não pode

ser verificado, tal como descrevemos aqui, em nenhum povo ou época

determinados” (p.125). O homem nunca esteve, com seu todo, nesse estado,

porém, há no homem mais erudito aspectos desse homem selvagem e,

69

também, no mais selvagem, formas eruditas de representação. (SCHILLER,

2002 p. 119-121; p.125)

É apenas, no estado estético, que o homem deixa de ser uno com o

mundo e passa a concebê-lo fora dele, e assim passa a contemplá-lo sendo “a

contemplação (reflexão) a primeira relação liberal do homem com o mundo que

o circunda”. É um momento de trégua e de iluminação, frente à escuridão do

homem, no seu estado natural anterior, essa natureza que o dominava, agora,

se torna objeto do homem. Há um contato e compreensão da beleza, como

estando presente no sensível e na forma. “Já que a disposição estética da

mente, como desenvolvi nas cartas anteriores, dá antes o nascimento à

liberdade, fica fácil ver que ela não pode resultar da liberdade e,

conseqüentemente, ter uma origem moral. Ela tem de ser um presente da

Natureza”. Dessa libertação, surge a consciência estética. É o entendimento

da aparência e das belas artes que o impulso lúdico desperta e traz o “impulso

mimético da criação que trata a aparência como algo autônomo” (SCHILLER,

2002 p. 125-132)

Para Schiller (2002 p.132): “A aparência é estética somente quando

sincera (renunciando expressamente a qualquer pretensão à realidade) e

quando autônoma (despojando-se do apoio a realidade)” e quando não atende

esse pressuposto “torna-se nada mais que um baixo instrumento para fins e

nada pode provar quanto a liberdade do espírito”. Os homens apresentam sua

incapacidade estética e sua falta de valor moral quando “apóiam a realidade na

aparência ou a aparência (estética) na realidade”. (SCHILLER, 2002, p. 132-

133)

Os pensamentos de Schiller contribuem para compreendermos a

possibilidade formativa e de humanização. O belo representa o impulso lúdico,

por ser o equilíbrio entre os impulsos formadores da humanidade do individuo,

é instrumento de sociabilização, é apenas a beleza que pode dar ao homem

um “caráter sociável” e “somente o gosto permite harmonia na sociedade, pois

institui harmonia no individuo”. O impulso estético inicia na parte (o homem)

para o todo (a sociedade), o belo unifica o homem em seus impulsos. “O bem

sensível faz feliz a um, já que está fundado numa apropriação que implica

exclusão (...). Só a beleza faz feliz a todo mundo.” (SCHILLER, 2002 p. 139-

140)

70

3 A FORMAÇÃO DO TECNÓLOGO: O DESENVOLVIMENTO HUMANO

PARA A VIDA PRODUTIVA

A legislação brasileira define os direcionamentos que os cursos

superiores de tecnologia devem possuir. A analise hermenêutica dos discursos

permite destacarmos a reincidência de palavras e a sua relação com a

realidade. O uso das palavras e a despersonificação dos sistemas sociais

dificulta a visualização das possibilidades de humanização dos sujeitos.

3.1 Uma reflexão sobre as Diretrizes Nacionais dos Cursos de Tecnologia

Na perspectiva educacional brasileira, o ensino superior tem se

organizado, nos últimos anos, para atender às demandas sociais, sobretudo,

aquelas relacionadas ao trabalho e ao emprego. Assim uma das estratégias é a

criação de cursos do ensino superior de nível tecnólogo.

Buscar compreender a própria prática profissional do

sujeito/pesquisador, enquanto docente e coordenador do ensino superior de

nível tecnológico, tendo como objeto de estudo o que é instrumento legal,

definido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais de Nível Tecnológico, a

Resolução CNE/CP 3/2002 objetiva a compreensão do sentido da educação

estética e da formação humana do profissional, oriundo da graduação

tecnológica. Essa compreensão se dará, com base nos estudos de

hermenêutica, tendo como referencial teórico Gadamer visando contemplar a

problemática do trabalho.

Os documentos escolhidos para essa pesquisa são a Resolução

CNE/CP 3/2002 e o Parecer CNE/CP 29/2002, que a originou. Quando

necessário, buscaram-se outras fontes que auxiliaram no entendimento dos

documentos ou os complementaram como, por exemplo, a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional – LDB, o Decreto Federal 2.208/97 e a Lei

Federal 10.172/01.

Os cursos de graduação superior, em tecnologia, que certificam seus

egressos como tecnólogos têm se apresentado como uma modalidade de

ensino superior, com grande procura. Muitas instituições de ensino os

oferecem, como uma alternativa de formação mais rápida do que os

71

bacharelados e as licenciaturas, para o ingresso no mercado de trabalho.

Embora tenha surgido mais fortemente na última década, sobretudo, na rede

privada de ensino, os cursos de Tecnologia são oferecidos na cidade de São

Paulo, tradicionalmente, pelo Centro Paula Souza, uma autarquia de

abrangência estadual, criada em 1969, que tem como objetivo “articular,

realizar e desenvolver a educação tecnológica nos graus de ensino Médio e

Superior”. Os cursos superiores são oferecidos através das Faculdades de

Tecnologia (FATECs).

A relação direta com o mercado de trabalho e a capacitação para o uso

de tecnologias é o argumento para que o ensino superior tecnológico ganhe

traços de educação profissional. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional - LDB (Lei Federal 9394/96) - é aquela que conforme o

Art.39º, “integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à

tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida

produtiva”. Para a LDB essa forma de educação está presente nos diferentes

níveis de ensino, fundamental, médio e superior e também na educação livre.

Para a posterior análise hermenêutica da Resolução CNE/CP 3/2002,

faz-se necessária a apresentação do Parecer CNE/CP 29/2002, que a originou.

Neste parecer, ao iniciar um item sobre o “Histórico da Educação Tecnológica

no Brasil” diz, referendando-se a outro parecer CNE/CEB 16/99, “que a

educação para o trabalho não tem sido tradicionalmente colocada na pauta da

sociedade brasileira como universal”, e ainda continua:

(...) a educação profissional, em todos os seus níveis e modalidades, tem assumido um caráter de ordem moralista, para combater a vadiagem, ou assistencialista, para propiciar alternativas de sobrevivência aos menos favorecidos pela sorte, ou economicista, sempre reservada às classes menos favorecidas da sociedade (...) (BRASIL, 2002a).

A seguir, ainda no mesmo item e também se referenciando ao parecer

CNE/CEB 16/99, afirma-se que todos os cursos do ensino superior têm como

objetivo, também, uma formação profissional. Exemplifica-se com os cursos de

Direito, Medicina e Engenharia e destaca-se que, a rigor, “após o ensino médio

tudo é Educação Profissional”. Continua levantando as impressões de que a

sociedade tem atribuído aos cursos de formação profissional a missão de

apenas preparar mão-de-obra técnica.

72

Com a intenção de combater a ideia da formação profissional e do

ensino superior tecnológico, como uma expansão do ensino médio de nível

técnico, o Parecer CNE/CP 29/2002, que originou a Resolução CNE/CP

3/2002, apresenta-se com:

A tarefa, agora, com este conjunto de Diretrizes Curriculares Nacionais, é a de romper de vez com esse enraizado preconceito, nesta primeira década do século vinte e um, oferecendo uma educação profissional de nível superior que não seja apenas uma educação técnica de nível mais elevado, simplesmente pós-secundária ou seqüencial. O grande desafio é o da oferta de uma educação profissional de nível superior fundamentada no desenvolvimento do conhecimento tecnológico em sintonia com a realidade do mundo do trabalho, pela oferta de programas que efetivamente articulem as várias dimensões de educação, trabalho, ciência e tecnologia (BRASIL, 2002a p.341).

Percebe-se ai, a sinalização para uma educação que não forme apenas

um egresso executor de atividades e, sim, aquela que articule conhecimentos,

em vários aspectos. Tais conhecimentos visam à criação e à autoria. Esta

concepção alinha-se, hipoteticamente, ao pensamento de Freire, onde a

educação tem, como propósito, não apenas a transmissão de conhecimentos

prontos e acabados ao sujeito e, sim, a sua articulação e a possibilidade da

criação de um contexto para a criação e modificação de conhecimentos,

possibilitando autonomia. No sentido de esclarecer a educação tecnológica

como não apenas a criadora ou reprodutora de técnicas, o parecer apresenta a

Educação Tecnológica como:

(...) em sentido amplo como requisito de formação básica de todo cidadão que precisa de instrumental mínimo para sobrevivência na sociedade da informação, do conhecimento e das inúmeras tecnologias cada vez mais sofisticadas. Educação tecnológica, em sentido menos amplo, correspondente aos processos formais e informais de formação técnico profissional nos níveis básico, técnico, Tecnológico e superior em geral. Nesta acepção, a educação tecnológica pode ser considerada correspondente à educação profissional nos termos da atual legislação. Nesse ponto, cabe lembrar que os termos “técnica” e “tecnologia” estão presentes em todos os níveis da educação profissional” (BRASIL, 2002a p.360) (grifos nosso).

Tal afirmação já sinaliza a importância de considerar a educação

tecnológica como essencial para a sobrevivência na sociedade do

conhecimento, porém, sem transformá-la no único espaço para o estudo da

técnica e da tecnologia. No entanto, não se vê, nesse fragmento, a

73

preocupação com o estudo do conhecimento científico, que embasa o

desenvolvimento tecnológico.

O aprendizado de tecnologias não se dá apenas, no ambiente escolar,

ocorre também, na própria prática profissional do sujeito. Sobre isso, o Parecer

apresenta que o processo de aprendizagem da tecnologia e, consequente

educação profissional, está relacionado, tanto com as características da

tecnologia, quanto com o momento histórico de desenvolvimento de

determinada tecnologia. Exemplifica com os métodos de produção medieval,

que eram passados apenas aos aprendizes, limitando o contato com tal

informação e aumentando o tempo de formação desse profissional. Já, após a

Revolução Industrial, tem-se um aumento da força de produção, quando se

prepara mais mão-de-obra para o trabalho, “A produção sempre trazia consigo

a necessidade de formação profissional em massa”. Outro exemplo

apresentado é o investimento alemão em escolas técnicas, no início do século

XIX. Há, ainda, o investimento e criação, no Brasil, do Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (SENAI) para o setor industrial, e o Serviço Nacional

de Aprendizagem Comercial (SENAC) para o setor de comércio e serviços,

posteriormente criou-se o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e

o SENAT para o setor de transportes. (BRASIL, 2002a p.360)

Para a contextualização do surgimento das idéias apresentadas, na

forma das Diretrizes Curriculares Nacionais do Nível Tecnólogo, o Parecer

apresenta o panorama histórico da educação profissional, a partir da primeira

LDB, a Lei Federal nº. 4.024/61, destacando seu Artigo 104. Apresenta

também os Artigos 18 e 23 da Lei Federal Nº. 5.540/68, sobre a reforma do

ensino universitário, que já previa, em seus textos, a possibilidade de

implantação de faculdades e cursos de tecnologia. (BRASIL, 2002a).

O parecer dá ainda especial destaque ao processo histórico de criação

do curso de Engenharia de Operação aprovado pelo Parecer CFE nº. 60/63,

que surge como um marco, na criação de cursos de formação mais rápida,

para atender à demanda do mercado de trabalho. Com duração menor que o

curso tradicional de engenharia, surgiu para atender a demanda da crescente

indústria automobilística, no país, por um profissional “mais especializado em

uma faixa menor de atividades, capaz de encaminhar soluções para os

problemas práticos do dia a dia da produção, assumindo cargos de chefia e

74

orientando na manutenção e na superintendência de operações” (BRASILL

2002a p.342).

Embora bastante representativo para a história e desenvolvimento da

educação profissional de nível superior, pode-se afirmar:

História desses cursos de engenharia de operação, caracterizados muito mais como cursos técnicos de nível superior e que ofereciam uma habilitação profissional intermediária entre o técnico de nível médio e o engenheiro, foi relativamente curta, durando pouco mais de dez anos” (BRASIL, 2002a p.342).

O insucesso desse curso está relacionado com a resistência dos

engenheiros plenos à outorga do título de engenheiro a esses egressos do

curso, com menor duração. A justificativa é a alegação das dificuldades que o

mercado encontraria para diferenciá-los. Esse fato, aliado a outros, fez com

que muitos, que haviam se graduado no curso de menor duração, buscassem a

capacitação para a obtenção da certificação plena na área. Isto denota o

primeiro fracasso desse tipo de formação, mais voltado para a tecnologia e

para o mercado de trabalho. Ainda hoje, para muitos, os cursos tecnólogos são

encarados como uma compactação dos cursos de bacharelado, não sendo

essa a idéia apresentada, como proposta, pelas Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico, onde a

preocupação é mais relacionada ao perfil profissional do curso do que,

propriamente dito, ao tempo de duração.

O termo tecnólogo passa a aparecer de forma muito semelhante à, hoje,

conhecida, na década de 1970, com o Parecer CEE/SP nº. 50/70, que

apresenta:

(...) o tecnólogo virá preencher a lacuna geralmente existente entre o engenheiro e a mão de obra especializada (...) deverá saber resolver problemas específicos e de aplicação imediata ligados à vida industrial (...) vem a ser uma espécie de ligação do engenheiro e do cientista com o trabalhador especializado (...) e está muito mais interessado na aplicação prática da teoria e princípios, do que no desenvolvimento dos mesmos (...)” (Parecer CEE/SP 50/70 apud BRASIL, 2002a p.345).

No Parecer CFE 1.060/73, sobre os cursos oferecidos pela Faculdade

de Tecnologia de São Paulo, onde, novamente, aparece o termo tecnólogo, tais

75

cursos devem ser chamados de “cursos superiores de tecnologia”. Os

diplomados, nestes cursos, serão chamados de “tecnólogos””. Tal questão

reaparece, no Parecer CFE nº12/80, sobre a nomenclatura dos cursos

superiores de tecnologia, nas áreas da engenharia, das ciências agrárias e das

ciências da saúde, onde constava a mesma sugestão.

Na década de 1990, o termo tecnólogo passa a constar na CBO

(Classificação Brasileira de Ocupações) com a descrição de “estudar, planejar,

projetar, especificar e executar projetos específicos da área de atuação”,

Posteriormente, em 2002, no CBO, sua definição aparece de outra forma, com

atribuições tais como: “planejar serviços e implementar atividades, administrar

e gerenciar recursos, promover mudanças tecnológicas, aprimorar condições

de segurança, qualidade, saúde e meio ambiente, tal nomenclatura está

presente, também no Parecer CNE/CES 436/01 (BRASIL, 2002a pp.349-351).

Tendo em vista que, hoje, diferente da década de 1970, quando foi

elaborado o Parecer CEE/SP nº. 50/70, a economia, nos grandes centros

urbanos, não é mais baseada na atividade industrial e, sim, na prestação de

serviços, pretende-se com os cursos tecnólogos fazer a ponte entre as diversas

áreas do conhecimento científico e a aplicação nas organizações empresariais.

Tem-se, então, que a idéia de solução rápida, relacionada ao curso

tecnólogo não é especificidade desse início de século vinte um, o Parecer

CNE/CP 29/2002 apresenta que, nos Plano Setorial de Educação e Cultura dos

períodos 1972/1974 e 1975/1979, houve especial atenção aos cursos

tecnólogos, no primeiro, através do Projeto Setorial 19:

Previa incentivo especial para os cursos de nível superior de curta duração, no contexto e no espírito da reforma universitária” com o objetivo na prática de “responder aos anseios de parcela significativa da juventude brasileira na busca de ajustar-se às novas exigências decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico do país no decorrer do século vinte tanto com a formação de profissionais técnicos de nível médio (então segundo grau), quanto com a formação de tecnólogos, em cursos superiores de menor duração e carga horária mais reduzida (BRASIL, 2002a p.346).

No plano seguinte, para o período de 1975/1979, houve, também,

dedicação do Ministério da Educação e Cultura - MEC8, com a temática dos

cursos de menor duração ou tecnólogos, explicitado no Projeto Setorial 15.

8 Hoje apenas Ministério da Educação, porém a sigla MEC continua sendo utilizada.

76

Este projeto incentivava não, apenas, a criação de novos cursos superiores de

tecnologia, mas, sim a melhoria da qualidade dos cursos superiores oferecidos,

através da busca de uma melhor relação com o mundo empresarial e maior

afinidade com as reais necessidades do mercado de trabalho. Os cursos

criados teriam sua demanda de egressos absorvida pelos postos de trabalhos

disponíveis (BRASIL, 2002a p.348).

Com o não cumprimento das recomendações do Projeto 15, em 1977, o

Conselho Federal de Educação, através da Resolução CFE 17/77, passou a

exigir, para a criação de novos cursos, a justificativa de existência de mercado

de trabalho por esses profissionais e um perfil profissiográfico, alinhado com as

exigências do mercado, assim como corpo docente tecnicamente capacitado

para tal finalidade (BRASIL, 2002a p.348).

Em 1979, os próprios estudantes das Faculdades de Tecnologia de São

Paulo e da cidade de Sorocaba reivindicaram a transformação dos cursos

superiores de tecnologia em cursos de Engenharia Industrial, tendo como

principal motivo a dificuldade de inserção no mercado de trabalho (BRASIL,

2002a p.349-350).

Tal questão mostra-se bastante pertinente, sobretudo, quando temos tal

situação, em um curso pensado, justamente, para preencher lacunas do

próprio mercado de trabalho. Isto confirma a importância da existência de

resoluções, como a CFE nº17/77, que exigia a real necessidade do mercado

por profissionais para a criação dos cursos e o Projeto Setorial 15 que

incentivava uma maior aproximação entre as instituições de ensino e o mundo

empresarial.

No subitem “A Educação Tecnológica na Legislação Atual”, o documento

apresenta seu embasamento, tendo como suporte a Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional, Lei Federal 9394/96. Também, no Decreto Federal

2.208/97, que “regulamenta o §2º do art. 36 e os artigos 39 a 42 da Lei 9.394,

de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação

nacional“, esse decreto, no seu Artigo 3º, divide a educação profissional em

três níveis:

I – básico - destinado à qualificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia; II – técnico - destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados e egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este decreto;

77

III – tecnológico - correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico (BRASIL, 1997).

O Plano Nacional de Educação aprovado pela Lei Federal 10.172/01 e

com vigência de 10 anos dedica um item à Educação Tecnológica e à

Formação Profissional:

Prevê-se que a educação profissional, sob o ponto de vista operacional, seja estruturada nos níveis básico – independente do nível de escolarização do aluno, técnico - complementar ao ensino médio e tecnológico - superior de graduação ou de pós-graduação (BRASIL, 2001).

O Parecer CNE/CP 29/2002 destaca cinco metas para a educação

profissional, ao consultarmos a Lei, verificamos que foram destacadas aquelas

que melhor se relacionavam com o ensino superior, por ser esse o objeto do

referido parecer.

O Parecer destaca as incongruências entre diferentes decretos que

tratam da educação profissional de curta duração, ou então a Educação

Tecnológica e preocupa-se com os rumos que essas contradições podem

tomar, porém, apresenta como caminho para a sua superação o Artigo 4º do

Decreto Federal 1.406/97, que define os objetivos dos Centros de Educação

Tecnológica (BRASIL, 2002a p.355).

Sobre a questão do enquadramento da formação, em tecnologia, no

ensino superior, o Conselho Nacional de Educação – CNE é bastante claro ao

expor: “A formação do tecnólogo requer desenvolvimento de competências

mais complexas que as do nível técnico, requer maior nível de conhecimento

tecnológico” (BRASIL, 2002a p.360) e, ao comparar os objetivos da educação

tecnológica presentes, no Decreto Federal 2.208/97 - “atender aos diversos

setores da economia, abrangendo áreas especializadas” - e o Inciso II do Artigo

43 da LDB para a Educação Superior: “formar diplomados nas diferentes áreas

de conhecimentos, aptos para inserção em setores profissionais e para

participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua

formação contínua”, realça a semelhança entre os objetivos. Assim, o CNE

define como objetivos dos Cursos de Graduação Tecnológica:

78

- desenvolver competências profissionais tecnológicas para a gestão de processos de produção de bens e serviços; - promover a capacidade de continuar aprendendo e de acompanhar as mudanças nas condições de trabalho, bem como propiciar o prosseguimento de estudos em cursos de pós-graduação; - cultivar o pensamento reflexivo, a autonomia intelectual, a capacidade empreendedora e a compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos, nas suas relações com o desenvolvimento do espírito científico; - incentivar a produção e a inovação científico-tecnológica , a criação artística e cultural e suas respectivas aplicações no mundo do trabalho; - adotar a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a contextualização e a atualização permanente dos cursos e seus currículos; - garantir a identidade do perfil profissional de conclusão de curso e da respectiva organização curricular (BRASIL, 2002a p.357).

Em “Tecnologia, Educação Tecnológica e Formação do Tecnólogo”, há a

contextualização social e científica do próprio documento, argumentando que o

desenvolvimento tecnológico não é uma novidade recente, sendo possível

observá-lo na sociedade, desde os tempos mais antigos, com o surgimento dos

primeiros e rudimentares instrumentos em pedra lascada, sendo as

ferramentas seguintes, evoluções tecnológicas dessas técnicas anteriores. O

próprio parecer destaca a relação entre a tecnologia e a ciência, sendo a

evolução da ciência a genitora da tecnologia, porém, a segunda ganha maior

destaque na sociedade, sobretudo, por ser ela, a portadora das facilidades. O

Parecer atribui o status de recente às “aplicações sistemáticas intencionais da

tecnologia em si”, contribuindo esse uso para o atual cenário de

desenvolvimento econômico e social.

A sociedade atual convive com esse desenvolvimento que pode

melhorar sua qualidade de vida e também, gerar diversas outras aflições. No

cenário atual da contemporaneidade, há sempre a impressão de

desatualização diante do avanço tecnológico. A tecnologia gera benefícios,

mas ao mesmo tempo, gera exclusão e competição. O Parecer apresenta uma

citação de Rattner9, sobre a forma como a tecnologia, ao impactar nos meios

de produção, impacta no mercado. Porém, logo essa tecnologia “exclusiva” se

generaliza, criando a necessidade de novas tecnologias mais competitivas,

essas transformações impactam diretamente na forma como o trabalhador se

relacionará com o mercado de trabalho.

9 RATTNER, Henrique. Informática e Sociedade, São Paulo: Brasiliense, 1985, p.159

79

Sobre a função do poder público nesse contexto, o Parecer apresenta:

Além de atenuar e prevenir os efeitos danosos e perversos da tecnologia, garantindo e potencializando o seu lado positivo, os Poderes Públicos precisam adotar consistentemente políticas de desenvolvimento científico e tecnológico. Não significa acreditar em transferência e aproveitamento linear das descobertas científicas em inovações tecnológicas e, destas, para a produção de bens e serviços. Os estudos demonstram que essa cadeia não ocorre necessariamente nessa seqüência (BRASIL, 2002a p.359).

Assim, da necessidade de desenvolvimento científico e tecnológico

“assume papel especial a educação tecnológica”, entendendo educação

tecnológica, como requisito de formação básica para qualquer trabalhador e, de

forma menos ampla, como os processos formais e informais de formação

técnico-profissional.

O documento apresenta que “o dinamismo das novas tecnologias

demanda agilidade e flexibilidade em relação à mudança” exigindo do

trabalhador especializado “capacidade de aprender continuamente e de decidir

diante das situações imprevistas”, tal afirmação alinha-se com as afirmações

de Boutinet, já mencionadas neste trabalho.

Diferente de um cenário onde era fácil especificar as funções dos

trabalhadores mais e menos qualificados, na atualidade, essa definição torna-

se mais complexa, pois, há a sensação da necessidade de uma formação

tecnológica básica, segundo o Parecer:

Embora tenha pontos de atuação profissional situados nas fronteiras de atuação do técnico e do bacharel, o tecnólogo tem uma identidade própria e específica em cada área de atividade econômica e está sendo cada vez mais requerido pelo mercado de trabalho em permanente ebulição e evolução (BRASIL, 2002a p.362).

Sendo necessário, ao criar-se o curso de formação do tecnólogo, não

sobrepor as atribuições de cada modalidade de formação, para tanto, o

documento estabelece referenciais para a caracterização do tecnólogo:

a) Natureza: algumas áreas são essencialmente científicas como, por

exemplo, a matemática, já outras como a informática permeiam os

80

dois campos, sendo a primeira atribuída aos bacharelados e

licenciaturas.

b) Densidade: a formação do Tecnólogo tem um foco maior em

tecnologia, não excluindo os conhecimentos científicos, já o

Bacharelado foca mais os conhecimentos científicos e não exclui a

tecnologia “trata-se, de fato, de uma questão de densidade e foco do

currículo”.

c) Demanda: Ambas as formações devem atender as necessidades do

mercado de trabalho.

d) Tempo de formação: o tecnólogo pressupõe uma demanda mais

rápida para ser atendida, dessa forma pensa-se em uma formação

mais rápida que aquela do Bacharel.

e) Perfil: “o perfil profissional demandado e devidamente identificado

constitui a matéria primordial do projeto pedagógico de um curso,

indispensável para a caracterização do itinerário de

profissionalização, da habilitação, das qualificações iniciais ou

intermediárias do currículo e da duração e carga horária necessárias

para a sua formação.”

(BRASIL, 2002a p.362-363)

A relação entre a constante evolução tecnológica e conhecimento

científico e a grande velocidade, em que as transformações ocorrem exigem de

qualquer profissional flexibilidade. Ainda, exigem, do profissional tecnólogo, a

capacidade de contribuir para o desenvolvimento de novos conhecimentos e

novas tecnologias, “sendo esse profissional aquele capaz de fazer a ponte

entre o operário e o engenheiro”, nessa afirmação tem-se como engenheiro a

personificação dos bacharéis (BRASIL, 2002a p.362-363).

Dessa forma, “Os Cursos Superiores de Tecnologia surgem como uma

das principais respostas do setor educacional às necessidades e demandas da

sociedade brasileira”. Diferente do que se pensa, definir um currículo mínimo

não é o suficiente para a garantia da qualidade de formação do egresso. A

nova LDB “cria condições para quebrar as amarras que os burocratizavam,

flexibilizando-os e possibilitando a sua contínua adequação às tendências

contemporâneas de construção de itinerários de profissionalização e de

81

trajetórias formativas e de atualização permanente, em consonância com a

realidade laboral dos novos tempos” (BRASIL, 2002a p.365).

Para apresentar o item sobre “Princípios Norteadores e Objetivos da

Educação Profissional de Nível Tecnológico” o Parecer CNE/CP 29/2002 tem

como base pareceres do CNE sobre a organização do ensino superior no Brasil

e a LDB vigente.

Citando o Parecer CNE/CES 776/97 sobre o Ensino Superior, o Parecer

CNE/CP 29/2002 apresenta, sobre as novas diretrizes curriculares:

devem contemplar elementos de fundamentação essencial em cada área do conhecimento, campo do saber ou profissão, visando promover no estudante a capacidade de desenvolvimento intelectual e profissional autônomo e permanente, e também buscando reduzir a duração da formação no nível de graduação” (Parecer CNE/CES 776/97 apud BRASIL, 2002a p.365).

Continua:

O Parecer CNE/CES nº 776/97, procurou sinalizar a necessidade de se promover formas de aprendizagem que contribuam efetivamente para reduzir a evasão, bem como desenvolvam no aluno sua criatividade, análise crítica, atitudes e valores orientados para a cidadania, atentas às dimensões éticas e humanísticas. O assim chamado conteudismo é também apontado como característica superada pela proposta educacional em implantação, pela superação do enfoque em cursos reduzidos à condição de meros instrumentos de transmissão de conhecimento e informações. Doravante, devem orientar-se para oferecer uma sólida formação básica, preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios decorrentes das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício profissional em situações cambiantes (BRASIL, 2002a p.366) (grifo nosso).

Os Pareceres apresentam a preocupação com a formação do

profissional que sairá do ensino superior, sobretudo, a atenção ao fato de estar

apto a habituar-se às transformações sociais, econômicas, científicas e

tecnológicas. Destacam-se, nessas situações, as palavras: autônomo,

dimensões éticas e humanísticas.

Os Pareceres deixam claros os problemas que um currículo engessado

pode causar para uma formação que se pretende alinhada com as evoluções

tecnológicas e seu impacto na sociedade. Assim se referencia, no Parecer

CNE/CES 146/02, que busca “superar essa situação de engessamento”,

possibilitando maior flexibilidade para as Instituições de Ensino estruturarem

82

seus currículos, permitindo à educação caminhos autônomos e um processo

contínuo de evolução. Dessa forma, estabelece como princípios norteadores da

Educação Profissional de Nível Tecnólogo aqueles “enunciados pelo Artigo 3°

da LDB, são eles” :

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX. garantia de padrão de qualidade; X.- valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

(BRASIL, 1996)

Além dos princípios comuns à Educação Escolar, o Parecer define como

outros princípios para a Educação Superior de Nível Tecnológico:

A. Incentivar o desenvolvimento da capacidade empreendedora e da compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos; B. Incentivar a produção e a inovação científico-tecnológica, e suas respectivas aplicações no mundo do trabalho C. Desenvolver competências profissionais tecnológicas, gerais e específicas, para a gestão de processos e a produção de bens e serviços. D. Propiciar a compreensão e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais resultantes da produção, gestão e incorporação de novas tecnologias. E. Promover a capacidade de continuar aprendendo e de acompanhar as mudanças nas condições do trabalho, bem como propiciar o prosseguimento de estudos em cursos de pós-graduação. F. Adotar a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a contextualização e a atualização permanente dos cursos e seus currículos G. Garantir a identidade do Perfil Profissional de conclusão do curso e da respectiva organização curricular.”

(BRASIL, 2002a p.368-378)

A educação superior deve atingir seus objetivos de formação

profissional. Ela estará alinhada com a demanda do mercado, porém com

egressos capazes de se adaptarem às mudanças dos cenários sociais,

econômicos, científicos e tecnológicos. Os cursos superiores de tecnologia

podem ser organizados em módulos que, ao serem concluídos, proporcionam

83

ao aluno uma qualificação profissional. Esse fato proporciona “não apenas uma

maior flexibilidade, na elaboração dos mesmos (módulos), de modo que

estejam afinados com as demandas do setor produtivo, como contribui para

agilizar o atendimento das necessidades dos trabalhadores” (BRASIL, 2002a

p.381).

Sem a intenção de engessar o currículo dos cursos superiores de

tecnologia, mas com a idéia de melhor oferecer essa formação, há no Parecer

a proposta de passos para organização curricular dos cursos de Tecnologia:

1º passo: Concepção e elaboração do projeto pedagógico da escola, nos termos dos Artigos 12 e 13 da LDB; 2º passo: Definição do perfil profissional do curso, a partir da caracterização dos itinerários de profissionalização nas respectivas áreas profissionais; 3º passo: Clara definição das competências profissionais a serem desenvolvidas, à vista do perfil profissional de conclusão proposto, considerando, nos casos das profissões legalmente regulamentadas, as atribuições funcionais definidas em lei; 4º passo: Identificação dos conhecimentos, habilidades, atitudes e valores a serem trabalhados pelas escolas para o desenvolvimento das requeridas competências profissionais; 5º passo: Organização curricular, incluindo, quando requeridos, o estágio profissional supervisionado e eventual trabalho de conclusão de curso; 6º passo: Definição dos critérios e procedimentos de avaliação de competências e de avaliação de aprendizagem; 7º passo: Elaboração dos planos de curso e dos projetos pedagógicos de cursos, a serem submetidos à apreciação dos órgãos superiores competentes (BRASIL, 2002a).

Para uma melhor compreensão, apresentam-se os Artigos 12 e 13 da

LDB:

Art. 12º. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII - informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica. Art. 13º. Os docentes incumbir-se-ão de:

84

I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.” (BRASIL, 1996)

Essas orientações contribuem para a estruturação dos cursos e servem

como alicerce para a construção dos projetos pedagógicos dos cursos. Não se

exclui, no Parecer, objeto de estudo da pesquisa, as orientações sobre

elaboração de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Superior,

Parecer CNE/CES 776/97. Entre as orientações, o Parecer CNE/CP 29/2002

destaca aquelas que dizem respeito ao não prolongamento desnecessário dos

cursos, ao incentivo de uma formação sólida, liberdade na composição dos

currículos, reconhecimento das competências adquiridas fora do ambiente

escolar, estimular a prática de estudos independentes pelos alunos, fortalecer a

articulação entre teoria e prática.

Nas últimas páginas do Parecer, o CNE destaca que não há

necessidade de especificar diretrizes curriculares específicas para cada

curso/área de formação, tendo em vista que essas se basearão nas

transformações do mercado para atenderem ao perfil profissional que pretende

formar. Estabelecem-se as “Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a

Organização e o Funcionamento dos Cursos Superiores de Tecnologia”.

Quanto aos cursos e as vagas, o Parecer deixa a cargo das necessidades do

mercado e da sociedade e, também, da capacidade da própria instituição de

ensino em viabilizar tal formação.

Quanto à duração dos cursos, estabelece que isto dependerá de:

a) do perfil profissional de conclusão que se pretende; b) da metodologia utilizada pelo estabelecimento de ensino; c) de competências profissionais já constituídas em outros cursos superiores de graduação ou de pós-graduação; d) de competências profissionais já desenvolvidas no próprio mercado de trabalho mediante avaliação da escola; e) de competências adquiridas por outras formas, como em cursos técnicos, em cursos seqüenciais por campos do saber, de diferentes

85

níveis de abrangência, e mesmo no trabalho, que devem ser criteriosamente avaliadas pela escola.

(BRASIL, 2002a p. 385)

A elaboração de trabalho de conclusão de curso e a capacitação do

corpo docente é a mesma prevista pela LDB, respeitando, para o docente em

nível tecnólogo, a experiência profissional como tão importante quanto à

titulação acadêmica.

A organização das áreas de concentração dos cursos e sua

caracterização são estabelecidas por Parecer do CNE, de acordo com o

Cadastro Brasileiro de Ocupações e pelo Catálogo Nacional de Cursos

Superiores de Tecnologia, elaborados pelo MEC. O objetivo é “referenciar

estudantes, educadores, instituições ofertantes, sistemas e redes de ensino,

entidades representativas de classes, empregadores e o público em geral.” Tal

documento está alinhado com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Profissional de Nível Tecnólogo (Resolução CNE/CP 3/2002) e “em

sintonia com a dinâmica do setor produtivo e os requerimentos da sociedade

atual”, são as áreas expressas nesse documento: “Ambiente e Saúde”, “Apoio

Escolar”, “Controle e Processos Industriais”, “Gestão e Negócios”,

“Hospitalidade e Lazer”, “Informação e Comunicação”, “Infraestrutura”, “Militar”,

“Produção Alimentícia”, “Produção Cultural e Design”, “Produção Industrial”,

“Recursos Naturais”, “Segurança”. Essa divisão:

(...) não esgota todas as possibilidades de oferta destas graduações tecnológicas no país, admitindo-se, conforme estabelece o Decreto 5.773/06, em seu art. 44, cursos experimentais em oferta legal e regular, porém com outras denominações, as quais poderão futuramente – com base em análises contextuais – passar a integrar este instrumento (BRASIL, 2010).

As ideias, apresentadas por Boutinet, de que a sociedade atual exige do

sujeito adulto uma formação continuada, como uma possível forma de aquietar

a sua aflição de ser perecível às necessidades da empresa, aliadas às ideias

propostas por Hall, como uma identidade descêntrica do sujeito

contemporâneo, a liquidez da contemporaneidade, proposta por Bauman,

apresentam o cenário do momento em que vivemos na sociedade.

Anexo ao Parecer analisado, nesse item, está a proposta de Resolução

que estabelece “Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Organização e

86

o Funcionamento dos Cursos Superiores de Tecnologia”, aceita e que originou

a Resolução CNE/CP 3/2002.

3.2 A mobilidade social e a fluidez: a pertinência da formação estética do

tecnólogo

Pensar a formação humana do profissional tecnólogo, em uma

perspectiva estética se faz pertinente, ao nos referendarmos em Schiller, pela

forma como o belo e a beleza sensibilizam e contribuem para a socialização do

homem. Este pensamento cabe também, na perspectiva freiriana de libertação

e de opressão. O contexto atual de mobilidade social e fluidez se apresenta

como espaço perfeito para pensar a estética da formação de profissionais que

têm a busca pelo ensino superior como um projeto pessoal de

desenvolvimento.

A Resolução CNE/CP 3/2002 – que será chamada apenas de Resolução

- institui Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais, para a organização e o

funcionamento dos cursos superiores de tecnologia.

A Resolução apresenta em seu Artigo 1°:

Art. 1º A educação profissional de nível tecnológico, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir aos cidadãos o direito à aquisição de competências profissionais que os tornem aptos para a inserção em setores profissionais nos quais haja utilização de tecnologias (BRASIL 2002b).

Destaca-se, aqui, a preocupação da Resolução em focar tal nível de

ensino e suas relações com Trabalho , o conhecimento e domínio das

Tecnologias e a relação desses dois aspectos com a Ciência . Tais aspectos

apresentam-se na forma das seguintes expressões: Processo Tecnológico (Art.

2°); Mundo do Trabalho (Art. 2°, Art. 5°); Identida de Profissional (Art. 2°);

Inovações científico-tecnológicas (Art. 2°); Condiç ões de Trabalho (Art.2°);

Mercado de Trabalho (Art. 3°); Perfil Profissional (Art. 3°, Art.6°, Art. 9 §1, ARt.

10); Competências Profissionais (Art. 1°; Art. 2°, Art. 4° §1, Art. 5° §2, Art. 6°,

Art. 7°, Art. 8°, Art. 9°); Qualificações Profissio nais (Art. 5° §1); Fundamentos

Científicos e Humanísticos (Art. 6° §1).

87

Elegeu-se a expressão, Competências Profissionais, como objeto de

reflexão, entre as expressões selecionadas.

Art. 7º Entende-se por competência profissional a capacidade pessoal de mobilizar, articular e colocar em ação conhecimentos, habilidades, atitudes e valores necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho e pelo desenvolvimento tecnológico (BRASIL 2002b).

Nessa afirmativa temos – como em quase todo o parecer – o foco no

trabalho, sinalizando que essa formação abrange apenas esse pedaço da vida

do sujeito, como se formar-se para o trabalho não tivesse relação com o

formar-se para a vida, dividindo o que é momento de formação profissional do

momento para a formação do ser. Schiller (2002) sobre a fragmentação do

homem afirma:

Embora saibamos que o gênio poderoso não faz dos limites de sua profissão os limites de sua atividade, é certo que o talento mediano consome no ofício que lhe tenham atribuído toda a parca soma de suas forças, e é preciso ser já uma cabeça incomum para conservar suas predileções sem prejuízo de sua profissão. (SCHILLER, 2002 p.37-38).

A outra citação de Schiller, já apresentada nesse trabalho, explicita o

risco que o homem corre, ao submeter-se, apenas, a esse aspecto profissional

de sua vida:

(...) eternamente acorrentado a um pequeno fragmento do todo, o homem só pode formar-se enquanto fragmento; ouvindo eternamente o mesmo ruído monótono da roda que ele aciona, não desenvolve a harmonia de seu ser e, em lugar de imprimir a humanidade em sua natureza, torna-se mera reprodução de sua ocupação, de sua ciência (SCHILLER, 2002 p.37).

A formação fragmentada do homem leva-o ao aprisionamento, a um

fazer sem sentido, contudo essa fragmentação não se apresenta, unicamente,

como uma mazela, ela possibilitou, ao longo da história, o desenvolvimento de

conhecimento e evoluções. Cabe ao homem se reintegrar, em uma totalidade,

para se re-humanizar (SCHILLER, 2002 p.41).

O espaço da educação deve apresentar-se como esse espaço de re-

humanização e não como um espaço desumanizador. Além das competências

88

profissionais, a educação é espaço para a criação de competências para a

vida. É, ainda, espaço, para a compreensão dos papéis de opressores e

oprimidos que representamos. Caso contrário, a educação afirma-se, como

indicado por Freire (1987, 1996), em instrumento de opressão.

As demais expressões selecionadas estão dispostas, no texto, sem

definição tangível dos conceitos que englobam. Torna-se necessário conhecer

o contexto em que são apresentadas para, possivelmente, compreender o

sentido que possuem e a relação com a formação humana e sua dimensão

estética.

Perfil Profissional , no Art. 6°, possibilita essa compreensão:

Art. 6º A organização curricular dos cursos superiores de tecnologia deverá contemplar o desenvolvimento de competências profissionais e será formulada em consonância com o perfil profissional de conclusão do curso, o qual define a identidade do mesmo e caracteriza o compromisso ético da instituição com os seus alunos e a sociedade (grifo nosso) (BRASIL, 2002b p.2).

O perfil profissional é apresentado como a identidade que o sujeito

obterá, na conclusão do curso. Essa identidade será formada, a partir das

competências profissionais desenvolvidas, ao longo dos estudos. No item VII

do Artigo 2°, há o objetivo dos cursos: “VII - gara ntir a identidade do perfil

profissional de conclusão de curso e da respectiva organização curricular”

(BRASIL, 2002b p.1).

A identidade dos pensamentos de Bauman (1998 e 2005) e o papel que

a formação continuada tem, para o adulto aflito, apresentado por Boutinet (s/d)

aproximam-se do ensino tecnológico. É possível que estes pensamentos se

tornem uma saída, para a obtenção de uma identidade que não diz respeito ao

aluno, uma falsa identidade, que ele acreditará ser a dele. É sabido que os

profissionais devem possuir conhecimentos condizentes com a área em que

atuarão. Esse fato é pressuposto ético para a execução de qualquer atividade

profissional, assim, espera-se que o uso da palavra identidade seja no sentido

de conjunto de saberes e não, no sentido de “consciência de si”.

No Art. 5°, há o uso da expressão Qualificações Profissionais como a

aptidão para executar algo, tais qualificações tornam-se presentes no

Certificado de Qualificação Profissional de Nível Tecnológico, entende-se que o

89

sentido da qualificação é de apresentar o que esse profissional saberá fazer

para “agradar” ao mercado de trabalho.

É no Artigo 2°, sobre os objetivos dos cursos tecnó logos que existe o

primeiro uso da expressão Mundo do Trabalho no sentido de: “II - incentivar a

produção e a inovação científico-tecnológica, e suas respectivas aplicações no

mundo do trabalho ;” (BRASIL, 2002b p.1). No Artigo 5°, há também:

“Art. 5º Os cursos superiores de tecnologia poderão ser organizados por

módulos que correspondam a qualificações profissionais identificáveis no

mundo do trabalho .” (BRASIL, 2002b p.2)

Observando o contexto no qual surgem outras duas expressões:

Condições de Trabalho que aparece no Art. 2°. Item V - promover a

capacidade de continuar aprendendo e de acompanhar as mudanças nas

condições de trabalho , bem como propiciar o prosseguimento de estudos em

cursos de pós-graduação; (BRASIL, 2002b p.1).

Mercado de Trabalho que surge no Art. 3 item I - o atendimento às

demandas dos cidadãos, do mercado de trabalho e da sociedade. (BRASIL,

2002b p.2)

O mercado, o mundo e as condições de trabalho são dados em

contextos históricos iguais: um está entrelaçado ao outro. Se na atualidade o

profissional tem a sensação de estar constantemente em situação de

fragilidade (BOUTINET s/d), ele é oprimido pela forma como se relaciona com

o conhecimento, com os outros e com a libertação (FREIRE 1987, 1996). Ele

reflete e é reflexo, simultaneamente, da sociedade e do mercado de trabalho.

O mercado de trabalho é decorrente da sociedade que subordina o impulso

formal ao impulso sensível. Como vimos em Schiller (2002), o impulso sensível

é mutabilidade e o formal é a tentativa de tornar real o imutável, é esse

desequilíbrio entre os dois impulsos que impede a estética na forma do impulso

lúdico.

Pensar que o mercado, o mundo, as condições são sempre e apenas

mudança, não havendo nada fixo e que, para isso, é preciso estar, sempre,

confinado ao movimento de mudança, exclui desse processo educativo a sua

beleza de estabelecer algo sólido no sujeito. A partir dessa solidez, talvez, ele

possa, autonomamente, criar mudanças. Essas expressões Mercado, Mundo,

Condições são concentrações de sujeitos que co-habitam um mesmo tempo

90

social, se o encararmos apenas como sistema, como coisa e não como

humanos, fica impossível pensar em humanizá-los, a natureza possui beleza,

transformações (mutabilidade), fixações (imutabilidade), mas, não é humana.

Para ser humano é necessário possuir a tomada de consciência da

possibilidade de aprender o sensível, de ser sensível e de viver o sensível,

também, de forma racional.

Há, na Resolução, a preocupação com o entendimento do mundo pelo

sujeito, sendo esse, pressuposto para a humanização, como vemos no item I

do Art. 2°: “I - incentivar o desenvolvimento da ca pacidade empreendedora e

da compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos.” E,

também, no §1 do Art. 6°:

§ 1º A organização curricular compreenderá as competências profissionais tecnológicas, gerais e específicas, incluindo os fundamentos científicos e humanísticos necessários ao desempenho profissional do graduado em tecnologia. (BRASIL, 2002b p.2).

A “compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos” é

essencial para que o sujeito, egresso da educação tecnológica, não se torne

escravo da tecnologia e a exalte acima de tudo. Ele pode transformá-la em

mecanismo de alienação e opressão. Espera-se que o sujeito, ao possuir o

conhecimento da tecnologia e de seus impactos, tenha capacidade de usá-la

de forma benéfica, não utilizando o seu saber, como vantagem em relação aos

outros e, assim, transformar-se em opressor.

No Art. 2° item IV, há uma complementação da preo cupação com o

coletivo, que o conhecimento das tecnologias propicia: “IV - propiciar a

compreensão e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais

resultantes da produção, gestão e incorporação de novas tecnologias”

(BRASIL, 2002b p.1). Essa compreensão dos impactos da tecnologia da

sociedade demonstra uma preocupação ética com o bem estar coletivo, com o

todo em que se está inserido.

Espera-se que “os conhecimentos científicos e humanísticos”, embora

apreendidos utilitariamente, para o uso no trabalho, sejam absorvidos e

replicados, também, em suas práticas sociais. Ser humano é uma forma de

formar-se que vai além do escolher um lugar para utilizar.

91

Encontrar o sentido da educação estética na formação humana do

profissional tecnólogo não é tarefa fácil. O processo educativo é sempre

espaço para humanização, sobretudo se ponderarmos o papel representado

pelo professor.

3.3 O mundo contemporâneo: a essencialidade da libe rdade na

construção da autonomia do sujeito

O próprio carvalho afirmava : só este crescer pode fundar o que dura e frutifica. Crescer significa abrir-se à amplidão dos céus . Mas também deitar raízes na escuridão da terra. Tudo o que é maduro, só chega à maturidade, se o homem for, ao mesmo tempo, ambas as coisas: disponível para o apelo do mais alto céu e abrigado pela proteção da terra, que tudo sustenta. É o que o carvalho diz sempre ao caminho do campo, que lhe passa ao lado seguro de sua via.” ( O “Caminho do Campo”, 1948, Martin Heidegger).

No mundo em constantes mudanças, vê-se que a identidade do ser

humano oscila entre ser diet, soft, light, moderno, descolado adjetivos que o

levam ao esquecimento de Ser Humano.

A reflexão sobre a identidade do ser humano fabricada, pela mídia, por

teorias, não é suficiente para aquilo que permanece no humano, a condição de

sua liberdade para criar. Quando excluído dessa condição ele cria para o bem

ou para o mal.

Dussel (2000), ao compreender o sistema de materialidade da vida,

para construir seu conceito de ética da libertação, apresenta a categoria da

vitima. Leva-nos à reflexão de que a vitima que sofre a opressão, não é apenas

o oprimido. Todos somos vitimas, diante da fragilidade de um sistema social,

que fere a dignidade humana. O ser ferido é tragado pelo gosto da morte, não

da vida. Coloca em risco o todo e não apenas partes desse todo. Lembrando

Morin:”o todo é tecido de partes”.

A liberdade é essencial para a autonomia, porém, para ser autônomo é

preciso que se tenha consciência de responsabilidade pelos próprios atos. “A

autonomia vai se construindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que

vão sendo tomadas.” (FREIRE, 1996 p.40-41).

92

A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre com data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centra em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas de liberdade (FREIRE, 1996 p.41).

Tal pressuposto da pedagogia da autonomia está alinhado com a

pedagogia do oprimido, tendo em vista que, para tal, é necessária a liberdade.

A educação é um espaço, mas, não só ela, para a formação do sujeito, pela

sua busca de Ser Mais. Os mecanismos de opressão são, muitas vezes,

formas de reproduzir comportamentos já aceitos socialmente, de forma a

constranger aqueles que pretendem contestá-los. Os educandos e todos

aqueles que, de alguma forma, se relacionam com os outros são responsáveis

pela tomada de consciência da opressão que o oprimido sofre. Infelizmente,

somos todos oprimidos, muitas vezes, ingenuamente, acreditamos que essa

tomada de consciência basta para a transformação, pura ingenuidade, a

transformação exige ações éticas, para assim atingir um outro bem estar.

A educação, do ponto de vista das forças dominantes, é objeto de

repetição de assuntos interessantes aos opressores, no seu espaço, não há a

possibilidade de se pensar as mazelas da sociedade, essa função deve ficar a

cargo dos educadores que devem ter noção da sua situação de oprimidos. A

educação não pode ser posta a favor do mercado ou do capital como um

espaço formador de mão de obra apenas (FREIRE, 1996 p.39).

É reacionária a afirmação segundo a qual o que interessa aos operários é alcançar ao máximo a sua eficácia técnica e não perder tempo com debates ideológicos que a nada levam. (...) O empresário moderno aceita, estimula e patrocina o treino técnico de seu operário. O que ele necessariamente recusa é a sua formação (FREIRE, 1996 p.39).

A formação que o empresariado permite e apoia é a da técnica, a da

capacidade de produzir mais e melhor. Não há necessidade de que esse

sujeito pense sobre as infinitas possibilidades que a vida lhe oferece. A

subordinação, aos meios de produção, é o seu único caminho. Muitas vezes,

esse caminho soa até como liberdade, liberdade para consumir, liberdade para

comprar e liberdade para ascender profissionalmente e oprimir outros. No

93

entanto, é importante entender que os “empresários” e os “meios de

produção” são conjuntos de ser humanos, pois, embora redundante, é

importante reafirmar que se não personificados, não podem ser humanizados.

O mesmo acontece, quando pensamos os “professores” . Se forem tratados

apenas como uma categoria e não como sujeitos de suas ações, são reduzidos

apenas a máquinas reprodutoras dos comportamentos dos opressores. Eles

oprimem os alunos, com a intenção de reafirmar seus pensamentos, mesmo

que, para a libertação deles, são pensamentos que não pressupõem

autonomia, mas exigem uma tomada de consciência de que estão sendo

oprimidos. Nessa perspectiva, o ensino superior tecnólogo deve formar egressos

capazes de compreender as relações dominantes da sociedade e pensar em

uma forma de humanizá-la e de se humanizarem, enquanto homens. Nesta

análise buscam-se elementos para isso, nas Diretrizes Curriculares Nacionais,

de acordo com Freire (1987 p.29) “os oprimidos, nos vários momentos de sua

libertação, precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica e

histórica de Ser Mais.”

Comumente tratado de forma impessoal, o “Mercado de Trabalho”

deve ser entendido como uma estrutura, ou um sistema, criado por pessoas

que, ao mesmo tempo em que oprimem, são oprimidos. O mesmo acontece,

quando despersonificamos o “Capitalismo” , esses termos, quando tratados

assim, impossibilitam o pensamento de um diálogo e uma humanização. Não é

viável humanizar sistemas, se não pensarmos que são formados por humanos,

pessoas, indivíduos e sujeitos. Para Freire (1987), os oprimidos devem lutar

contra homens e não contra coisas.

Para Freire (1987), a educação é um espaço importante para a

compreensão da situação dos oprimidos, porém, ao mesmo tempo, pode servir

de espaço de opressão, sobretudo, na sua concepção bancária. Para o mesmo

autor, também é necessário pensar que a educação é uma forma de

intervenção no mundo (Freire, 1996), suas obras se complementam nesses

pensamentos.

A educação apresenta-se como um espaço de dissertação ou narração

da realidade, como algo estático, uma realidade distante da realidade do

educando. A aula é sonorizada, são os sons das palavras que importam e não

94

seu sentido. O educador é o único ativo no processo, sendo o educando

passivo para recebimento desses conteúdos sonorizados. Não há o diálogo,

condição inerente para a libertação. Na perspectiva bancária da educação, “o

saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber” e

tem, como pressuposto, que o outro nada sabe e que apenas o saber do

educador e importante impedindo, assim, uma constatação e um diálogo com a

realidade ficando o educando à disposição do educador e de seus mecanismos

de opressão (FREIRE, 1987 p.33).

Dessa forma, a educação torna-se uma encenação distorcida da

realidade e não um debruçar sobre a realidade propriamente dita, como

conseqüência, a realidade ali atuada não se aproxima, nem minimamente, da

realidade do educando. Torna-se uma realidade na sombra.

O formar estético pressupõe a formação de um sujeito autônomo e

sensível, ou seja, um sujeito estético. No contexto da sociedade

contemporânea, onde o sujeito é policêntrico e tem a sua identidade construída

como um caleidoscópio de múltiplos fragmentos e pedaços, a Educação traz

luz e movimento a esses fragmentos, para que haja possibilidade de

transformação e construção de imagens.

Essa construção de imagens se dá, através da possibilidade de contato

com a sensibilidade, o lúdico, a liberdade e, consequentemente, com o que

acreditamos como educação estética. Essa só fará sentido para o educando,

se fizer parte da sua vida, se for contextualizada e esse contexto apresentado

tiver significado para ele.

Nessa sociedade, onde não há uma rigidez da identidade e não

sabemos, exatamente, quem somos e em que acreditamos, diante das

inúmeras possibilidades, pensar uma educação padronizada descaracteriza

sua estética e impede as possibilidades de autonomia e libertação, é com se

impedíssemos um calidoscópio de girar, ou fechássemos seu orifício para a

entrada da luz, é o mesmo que censurar as emoções de um ator.

Compreender a dimensão estética da formação humana é compreender

o sentido da formação como um processo de libertação, humanização e

autonomia. Isto ocorre em espaços formais e informais, para tanto, é

necessário compreender o tempo presente (a contemporaneidade) e as

95

aflições dos indivíduos. Esses indivíduos se tornarão sujeitos de sua formação,

possibilitando assim a compreensão do “ser sujeito estético”.

Pereira (2007) apresenta:

“Convém observar que tudo repousa sobre o sujeito na época em que vivemos, uma vez que sem ele não haveria o que se considera denominar pensamento moderno. Porém, a leitura que fazem os filósofos sobre o sujeito não é unívoca; há aqueles que o admitem e o defendem e há aqueles que não o admitem e se posicionam contrariamente à sua existência.” (PEREIRA, 2007 p.180)

O termo sujeito, como é conhecido, provém da tradução de expressões

gregas que significam, também, suporte, substrato ou substância. Usualmente,

encontra-se, no cotidiano, o uso da palavra sujeito como sinônimo de homem,

de indivíduo e de pessoa. Tais usos, pela filosofia, são manifestações da

necessidade que os seres humanos têm de conhecerem a si próprios.

(PEREIRA, 2007 p.180).

O desenvolvimento do que é ser homem, pessoa, individuo e sujeito está

alinhado ao processo de desenvolvimento da filosofia. Sobre Descartes,

Pereira (2007 p185) afirma: “Transforma, pois, Descartes, a Filosofia, ao

valorizar o sujeito, a interioridade, a consciência e a imanência.”

Conveniente reafirmar, pois, que a filosofia, inicialmente, considerou o sujeito apenas numa perspectiva, isto é, enquanto aquele que conhece – sujeito cognoscente -, concepção esta adotada principalmente por pensadores que viveram o período de Descartes a Fichte. Ao perder a noção de sujeito, preferiu substituí-la, principalmente, pela noção de homem, ou de indivíduo, bem ao feitio da Ciência Moderna (PEREIRA, 2007 p.189).

Pereira (2007), então, alega que, no processo de desenvolvimento da

filosofia, houve a “morte do sujeito”.

Compartilho a idéia de retorno do sujeito. Mas, não nego que o mundo das ideias carece de uma teoria do sujeito. De um sujeito concebido de modo a refletir o momento em que vivemos, um sujeito não fragmentado e não dicotomizado (PEREIRA, 2007 p.190).

É interessante que se destaque o uso da expressão “não fragmentado”,

escolhida pelo autor porque, na metáfora que emergiu da narrativa de vida do

autor dessa pesquisa o ‘fragmento” também surge e é, na metáfora do

caleidoscópio que se encontram possibilidades de transformação positiva do

fragmento em unicidade, é a luz do conhecimento que unifica os fragmentos

96

em única imagem. O fragmento deixa de ser um pedaço isolado, tornando-se

um todo.

A experiência estética que arrebata é a soma dos impulsos sensíveis,

racionais e lúdicos. É a possibilidade de tomada de consciência de si e de (re)

nascimento do sujeito em perspectiva estética, ou seja, de um sujeito estético.

(...)é imprescindível que cada um de nós se construa e se reconheça sujeito. Construir-se sujeito nada mais é do que se construir, construindo as dimensões que são do sujeito. (...) O sujeito emerge num limiar – o da interioridade e o da exterioridade (PEREIRA, 2007 p. 192).

Pereira (2007) demonstra a relação da anulação do sujeito com o “mal-

estar generalizado no cotidiano”, conforme foi visto em Boutinet (s/d) autor que

aponta as aflições do sujeito na modernidade.

Para ser sujeito, é necessário ter consciência de si e do outro que

também é eu, a tomada de consciência que pode surgir pelas experiências

sugeridas por Boal (2008) que possibilitam libertação, ser livre é, então, ser

sujeito.

Assim, diz-se que aquele que tem consciência de si sabe de suas possibilidades, de seu valor ou da importância de suas ações. Que fique claro que se trata de uma determinação que designa ou caracteriza uma relação entre um eu e um outro (que é um eu) (PEREIRA, 2007 p.193).

A formação do tecnólogo, ao relacionar-se diretamente com o mundo do

trabalho (composto por outros que também são eu), considera apenas um

quadrante do caleidoscópio, retira e isola um fragmento que é menos do que a

parte. A beleza das imagens formadas pela dissolução da luz só se dá, quando

todos os fragmentos estão em movimento, formando imagens maiores que o

todo. Ao focalizarmos uma educação prioritariamente tecnicista, ignoramos a

parcela humana que o contato com a educação permite, não há espaço para a

tomada de consciência do lugar social que ocupamos.

Ao utilizar a técnica de estudo de caso, ou em inglês, case, o professor

apresenta, ao aluno, uma realidade que não lhe pertence, um cenário que não

encaixa com os papéis dos atores. Na lacuna, existente entre o estudo de caso

padronizado e produzido fora da realidade do educando e a necessidade de

humanização dos sujeitos, surge a possibilidade de se pensar a valorização

97

das narrativas autobiográficas como possibilidade de fio condutor para uma

educação estética e a humanização que, daí, advém.

A inclusão da Narrativa (Auto) Biográfica, no processo de formação, na

Educação Superior no Curso Tecnólogo, pode somar esforços na formação

humana e na profissional, com base em valores da estética, de respeito pela

vida como obra de arte. Algo que se tece e que se constrói dentro de um

contexto ético.

As habilidades reflexivas, para tratar de questões da Educação Estética,

demandam tempo e preparo. A formação para o pensar e para o sentir

responsáveis de si, do outro e do contexto, não aborda apenas a introdução da

narrativa (auto) biográfica, como atividade de formação, nas disciplinas do

Ciclo Básico dos Cursos de Tecnólogos. Trata-se de refletir sobre o pensar, em

seus diferentes matizes: sentimento, emoção, razão, como essenciais na

maneira de viver, como processo de conscientização de ser e estar no mundo.

Narrar é um ato mais responsável do que a simples ação de proferir um

discurso. Para abrirmos esse espaço de reflexão, tomamos uma citação que

fecha a obra de Benjamin que contribui para expandirmos nossa visão sobre o

ato de narrar e sua importância, enquanto forma de apresentar suas vivências

aos outros: “Saber narrar a sua vida é a sua vocação (do narrador), a sua

grandeza é narrá-la inteiramente. O narrador – eis um indivíduo capaz de

permitir que o pavio de sua vida se consuma inteiramente na suave chama de

sua narração” (BENJAMIN, 1969:81).

Essa vocação do narrador é justificada, ao longo de sua obra, sobretudo,

quando apresenta o narrador, enquanto artesão de experiências. Ao narrar

uma história existe a possibilidade de tomada de consciência sobre o que se

narra. Ao ouvirmos uma história, ela passa a fazer parte da nossa própria

história. O educador, ao ouvir as narrativas dos alunos e ao narrar a sua, pode

esculpir conhecimentos com base nas suas vivências e nas dos discentes.

A narrativa, tal como se desenvolveu durante muito tempo (...) é, por assim dizer, uma forma artesanal de comunicação. Sua intenção primeira não é transmitir a substância pura do conteúdo, como o faz uma informação ou uma notícia. Pelo contrário, imerge essa substância na vida do narrador para, em seguida, retirá-la dele próprio. Assim a narrativa revelará sempre a marca do narrador, assim como a mão do artista é percebida, por exemplo, na obra da cerâmica” (BENJAMIN, 1969:69).

98

Essa citação sinaliza para uma reflexão sobre a diferença entre o

conteúdo passado pela narração e pelas outras formas de difusão de

informações e conteúdos. O professor, enquanto mediador da construção do

conhecimento, e narrador de suas vivências, enquanto pesquisador ou

estudioso, banha os conteúdos apresentados em aula com sua ideologia e

suas experiências de vida, sendo inevitável tal relação.

Dessa forma, o conhecimento exposto leva as impressões digitais do

professor e não apenas nas formas de expressá-las. Para Benjamin (1969:80),

tais formas vão além da expressão da voz, estendendo-se por todo o gestual

do corpo, mas, também, na forma de contextualizá-las, tanto com base em

suas experiências, como naquelas ouvidas de seus discentes. Essas últimas

são pouco valorizadas, pelo distanciamento proposto, como necessário, para a

construção da relação docente / discente.

O processo de escolha do tema a ser explanado, em aula, já é balizado

pelas experiências e ideologias do professor, contribuindo para imprimir sua

vivência nessa modelagem de um novo conhecimento, embora o educador

deva também considerar as vivências e experiências do discente trazendo o

conhecimento para mais próximo da realidade dele, possibilitando uma maior

apropriação e familiarização. As atitudes do professor, nesse processo de

construção e seleção de conhecimentos, já expressa a posição em que ele se

percebe no jogo social, se se percebe oprimido ou opressor, modificará as

formas de se relacionar com esses conhecimentos.

Benjamin (1969. página.) trata a existência humana como a matéria

prima do narrador e indaga se a tarefa do narrador “não se resume exatamente

em trabalhar a matéria-prima das experiências – próprias e estranhas – de

forma sólida, útil e única?”

Essa pergunta é mais uma afirmação provocativa do que uma dúvida,

portanto, sua resposta é afirmativa. No contexto educacional, tomamos como

matéria prima do professor narrador, a existência e experiência dos alunos e a

sua própria, para serem trabalhadas e modificadas na aula como espaço para

a construção e a troca de saberes.

Benjamin, comentando sobre as diferenças entre a narrativa e as outras

formas de expressão literária, afirma:

99

Quem presta atenção em uma estória, está em companhia do narrador, mesmo aquele que a lê participa dessa companhia. Mas o leitor de um romance é solitário. É mais solitário que qualquer outro leitor. Pois mesmo o leitor de um poema está pronto a emprestar voz às palavras lidas. E nesta sua solidão o leitor de romance apodera-se do assunto com ciúmes mais intensos do que qualquer outro” (BENJAMIN, 1969, p. 75).

O professor, em momento algum, é um solitário leitor ou escritor e não

pode ter ciúmes dos seus conhecimentos, tendo em vista que sua profissão

exige a entrega de suas vivências para que outros as trabalhem.

Em todos os momentos, o professor está cercado pelas histórias e

vivências de seus alunos: no momento em que a aula acontece, nas

interjeições dos alunos que contribuem para comprovar que existe

compartilhamento concomitante da autoria da história e do conhecimento

criado, a partir da relação docente / discente que utiliza o espaço da aula, como

facilitador e integralizador de interesses.

“A experiência propicia ao narrador a matéria narrada, quer esta

experiência seja própria ou relatada. E, por sua vez, transforma-se na

experiência daqueles que ouvem a estória” (BENJAMIN, 1969, p.66). À medida

que o docente narra os conhecimentos adquiridos, ao longo de sua vida, ele

transforma os discentes em participantes dessa história e, automaticamente,

transforma-os em narradores.

Aquela descoberta ocorrida, em determinada aula, passará a fazer parte

da vida de todos os envolvidos. O papel do professor, como orientador na

pesquisa e na composição dos conhecimentos, é reafirmado. Já, ao observar-

se o papel do narrador, enquanto ”conselheiro”, ressaltado por Benjamim,

pode-se entender que o professor é um orientador das pesquisas dos seus

discentes e um conselheiro. Leva-se em conta a capacidade de transmitir,

oralmente ou por escrito, alguma experiência envolta no ato de aconselhar e no

ato de educar, pois, “dar conselho significa muito menos responder a uma

pergunta do que fazer uma proposta de continuidade de uma estória que neste

instante está a desenrolar” (1969:65).

Porque é necessário, para a criação de um conhecimento uma dúvida ou

inquietação, o papel do professor, enquanto orientador e conselheiro, contribui

para que essa dúvida seja contextualizada e passe a fazer parte da história de

100

vida do discente e do docente, criando espaço para a vivência de uma nova

história coletiva que terá reflexos individuais.

As vivências e experiências coletivas, ocorridas no ambiente

educacional, resultam em diversas formas de conhecimento, tanto um

conhecimento formal e acadêmico, quanto aquele voltado às experiências de

vida individuais, porém, por mais que a forma que as absorvamos seja

individual e subjetiva, ela tem suas raízes no coletivo. Da obra de Bosi,

destaca-se:

Uma memória coletiva se desenvolve a partir de laços de convivência familiares, escolares e profissionais. Ela entretém a memória de seus membros, que acrescenta, unifica, diferencia, corrige e passa a limpo (BOSI, 1994, p. 411).

e

É preciso reconhecer que muitas de nossas lembranças, ou mesmo de nossas idéias, não são originais: foram inspiradas nas conversas com outros. Com o correr do tempo, elas passam a ter uma história dentro da gente, acompanham nossa vida e são enriquecidas por experiências e embates (BOSI, 1994, p.407).

A partir do contato com as narrativas alheias, vai-se construindo as

próprias histórias e ideias. Das narrativas dos alunos, o professor constrói suas

narrativas, das narrativas dos professores o aluno constrói seus

conhecimentos, esses conhecimentos, ao serem hermeneutizados,

transformam-se em outros que são novamente narrados, essa relação ciclínica,

infinita, de movimento de narrativas abre espaço para a construção de novos

conhecimentos.

A escola é espaço de contatos entre diversas narrativas e olhares para o

mundo. Há aí terreno fértil para o nascedouro de ideias e a criação de uma

memória coletiva.

É no ambiente educacional, onde há a mediação do professor, enquanto

orientador, narrador e conselheiro e há o discente, enquanto narrador e

conselheiro, apresentando suas vivências que, unidas, resultarão em

conhecimentos novos e/ou reformulados.

A forma, pela qual a memória de cada um dos indivíduos vai trabalhar as

informações coletivas, resultará em novos conhecimentos ou conhecimentos

101

transformados “por muito que deva a memória coletiva, é o indivíduo que

recorda” (BOSI 1994:411).

Refletindo acerca dos conhecimentos produzidos e aprimorados, durante

a vivência educacional, é possível pensarmos que é, no aluno, que as

impressões do professor ficarão fixadas mais fortemente, embora, de certa

forma, o professor também carregue consigo influências dos alunos, mesmo

que inconscientemente ou já elaboradas e formalizadas.

É, no ambiente educacional, mais especificamente no espaço físico da

escola, que as vivências dos alunos e dos professores se encontram, suas

lembranças serão remetidas para dois polos: a um espaço físico onde aquele

momento único aconteceu e às pessoas que dele participaram.

No ensino superior, a faculdade representa um status e, em alguns

casos, um centro criador de novos conhecimentos e preenchedor de faltas.

Oliveira (in Pucci, 1994) faz uma reflexão sobre o ambiente educacional

bastante pertinente e aplicável à atual realidade do ensino superior no Brasil,

onde a disputa por alunos tem reduzido as instituições de ensino superior,

estritamente, a ambientes mercantilistas, que buscam um maior número de

alunos, vendendo a imagem do ensino superior, enquanto salvação, e a do

professor, enquanto salvador.

A venda dessa imagem não leva em conta a realidade e a história de

vida desse novo “consumidor”. Não se pensa quanto e como será o impacto

dessa atividade na vida desse indivíduo e quanto o ensino superior é realmente

necessário nessa vida. Muitas vezes, é o professor quem se depara com o

aluno que “comprou” a idéia mercantilizada da necessidade de cursar o ensino

superior.

Essa ampliação do ‘saber escolar’, coincidente com os tempos da hegemonia do capital, atrai as imensas legiões de filhos de trabalhadores (...) Uma época de “democratização” do ensino: uma época de indústria cultural e de semicultura. Situação complicada encontrarão os novos hóspedes no sentido etimológico original, que indica também o forasteiro, o “estranho” (OLIVEIRA in PUCCI, 1994, p.125).

e

Diferenciados numa sociedade diferenciada, até fragmentada, os estudantes trarão à escola as marcas e os estigmas da diferenciação social, em todos os aspectos (OLIVEIRA in PUCCI, 1994, p.125).

102

Boutinet (s/d) também apontou essa necessidade de estar em contato

com os saberes escolares, para uma tentativa de confortar as aflições do

mundo contemporâneo. Assim, a escola vira um local de enfrentamento de

diferenciações sociais, essas irão chocar-se no ambiente educacional, no

espaço físico da sala de aula. São diversas vivências que resultaram na

escolha pelo mesmo curso, são diferentes objetivos e valores dados a um

mesmo objeto.

Na escola, várias informações, valores e valorações se entrecruzam, se contaminam e se combinam ou se repelem quando observamos o processo manifesto da aula, no qual o professor, embora orientado por um movimento de elevar os estudantes a uma formação (‘Bildung’), tende a aderir às idéias e valores da classe dominante transmitindo-os como idéias e valores absolutos (OLIVEIRA in PUCCI, 1994,p.126).

Ideias e valores foram elaborados na história de vida do educador e são

influenciados pela sociedade e, consequentemente, por suas memórias

coletivas. De forma subjetiva, são absorvidas e, também, pela forma como o

educador se vê, enquanto opressor ou oprimido, nesse jogo de cena.

A ideologia do educador é resultado, também, da sociedade em que ele

está inserido. Sua formação profissional, que pouco motiva a contestação e a

reflexão sobre essa realidade e a forma como influi, na sua relação com os

educandos, tendo como resultado a imposição, por parte do educador, de seus ideais aos alunos, em uma estranha relação de poder e autoridade, um fazer-

se opressor para não ser um oprimido, através de um “ar professoral” conforme

comentado por Oliveira:

(...) devemos acrescentar que na deformação profissional do magistério torna-se evidente o chamado ‘ar-professoral’, um misto de conhecimentos válidos e conhecimentos simplesmente pedantes, uma mescla de conteúdos e simples fórmulas, tudo com determinadas posturas e num tom de voz característico por suas entonações e ênfases” (OLIVEIRA in PUCCI, 1994, p.131).

Vê-se, na ação do docente, uma narração do conhecimento, enquanto

interpretação de um papel social exigido para sua valorização. Para que esse

ocupe algum papel de autoridade, em uma sociedade, em que a força da

narração e a valorização do individual perdem espaço para uma cultura

103

padronizada, industrializada e instrumental, à qual o professor se rendeu e não

combateu, resultando na sua desvalorização.

Nesse contexto, alguns educadores acreditam no posicionamento

autoritário de suas narrações como solução, esquecendo que suas narrações

podem coexistir às narrações de seus alunos, resultando em um conhecimento

mais democrático, mais autônomo e mais tátil, um uso racional não

instrumental das narrativas de vida e do seu papel de narrador

Finalizando, cita-se Oliveira (PUCCI, 1994 p.31): “É preciso reforçar

sempre que as relações autoritárias contrariam o fim da educação: como

contribuir para criar seres autônomos, críticos e democráticos utilizando-se

meios autoritários, estimuladores do etnocentrismo?”

104

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Revolução Industrial iniciou-se, nos fins do século XVI. Atingiu seu

auge, no século seguinte, com a crescente automatização das indústrias.

Surgiram os grandes centros urbanos; os camponeses abandonam o campo,

em busca de melhores salários nas grandes cidades.

As marcas da contemporaneidade relacionam-se com a Revolução

Industrial: há o crescimento da produção e do consumo e o mundo vive um

processo de intensa aceleração. Há a crença na onipotência do homem, que se

deixa guiar quase que exclusivamente pela razão. No Ocidente, com o

aceleramento e a difusão dos processos de racionalização, surgem inovações

em cadeia, destruindo as bases da sociedade tradicional.

O intenso desenvolvimento industrial está aliado ao desenvolvimento

científico e, consequentemente, ao desenvolvimento tecnológico.

Assim, neste contexto, no Brasil, a ênfase recai sobre o ensino

tecnológico. Proliferam os Cursos Superiores de Tecnologia.

O Ensino Superior de Graduação em Tecnologia apresenta algumas

especificidades que lhe são próprias. Tais especificidades são decorrentes das

oscilações que caracterizam o mercado de trabalho, na contemporaneidade. O

processo de formação do tecnólogo caracteriza-se pela rapidez com que se

realiza, justamente, para atender às exigências do mercado de trabalho.

Esta nova conjuntura torna paradoxal a tarefa de formação dos sujeitos.

Há dois lados: a formação humana demanda tempo e preparo; a motivação do

aluno, ao buscar um curso superior, é a rápida ascensão social. No Ensino

Superior Tecnológico, não há tempo para que se estabeleçam processos de

conscientização ou habilidades reflexivas.

Para atenuar os possíveis malefícios oriundos dessa rapidez e da

formação, exclusivamente, voltada para a ciência e para a tecnologia, fez-se,

neste estudo, uma proposição: a introdução da educação estética, como

fundamento da formação humana dos profissionais tecnólogos. Ela seria, neste

contexto, uma possibilidade de humanização dos sujeitos.

A educação estética seria um caminho, visando à aquisição da

capacidade de pensar de forma crítica, reflexiva e criativa. Estes são aspectos

105

legítimos e necessários para uma educação de autonomia e emancipação dos

sujeitos.

Estabeleceu-se, na proposta de realização deste trabalho, um objetivo

para ser atingido. Propôs-se a reflexão sobre a possibilidade de formação

humana, nos cursos para tecnólogos, sob a ótica da educação estética, nas

Diretrizes Curriculares Nacionais, no Nível Tecnológico, do Ensino Superior.

Considerou-se, neste estudo, que, na nova ordem econômica mundial,

com ênfase no saber-fazer imediato, a compreensão do ser e não, apenas, do

fazer e do saber, na formação do tecnólogo, torna-se relevante.

Esta proposta requer, dos participantes do processo educacional, uma

atitude de reflexão ininterrupta sobre os fenômenos da pós-modernidade, e o

distanciamento do homem dos valores morais, éticos e estéticos. Este reflexão

constante conduz o homem à liberdade.

A instauração da formação humana, no Curso Superior de Tecnologia,

visa à reflexão sobre as ações de prazer ou desprazer, que são um caminho

para a aquisição da consciência crítica do homem. Esta aquisição seria um

modo de obtenção de liberdade e autonomia. O homem agiria como sujeito de

seu destino. A construção do ser humano, como sujeito estético em formação,

pode ser um fator emancipatório, considerando-se que a autonomia é um

caminho para a libertação e para que a incorporação do pensamento crítico.

A justificativa para a escolha da proposta contida, neste trabalho, recaiu

sobre a história de vida do autor deste trabalho e sobre o seu percurso

profissional, como professor e coordenador em cursos de Graduação

Tecnológica em Turismo, Hotelaria, Gestão Hospitalar e Gestão Ambiental.

Esta atuação profissional possibilita uma observação minuciosa das práticas de

docentes e de discentes, que privilegiam a racionalidade técnica, em

detrimento da formação humana, no ensino superior de tecnologia.

Por isso, problematizou-se, neste estudo, a possibilidade da implantação

de práticas voltadas para a educação estética e para a formação humana nas

Diretrizes Curriculares Nacionais, no Nível tecnológico, do Ensino Superior,

para os cursos de formação do Tecnólogo.

Como hipótese, foi proposto que o espaço, nos Cursos Tecnológicos,

seja um espaço de formação. Haveria oportunidades para a formação do

sujeito estético. Constrói-se o saber estético, a partir da manifestação de

106

encantamento ou desencantamento dos alunos e professores, inseridos no

processo de ensino, aprendizagem e formação. Esta nova postura evitaria o

reforço do individualismo, do consumismo, da busca desenfreada das

novidades. O esvaziamento humano, que priva o ser da atribuição de sentido à

própria vida, poderia ser atenuado, caso houvesse uma outra tendência

educacional, nos cursos para tecnólogos.

Neste trabalho, foi realizado um estudo documental, na abordagem

hermenêutica, na perspectiva de Gadamer (2000). As possibilidades de

compreensão e de interpretação dos discursos apoiam-se em bases que

conduzem à apreensão dos significados explícitos e dos significados implícitos

no texto.

Analisou-se a Resolução CNE/CP 3 de 18 de dezembro de 2002 e como

apoio a essa análise o Parecer CNE/CP nº.29/2002 que trata das Diretrizes

Curriculares Nacionais de Nível Tecnólogo que deu origem a Resolução

CNE/CP 3/2002.

Para que houvesse a compreensão da Resolução, recorreu-se ao

referencial teórico, relacionado à estética em Freire (1987, 1996), a Boal

(2008), a Valcárcel (2005), a Schiller (2002) e Perisse (2009), à construção

histórica do conceito de Educação Estética em Wojnar (1967).

A pesquisa, voltada para os referenciais teóricos destes autores,

proporcionou a percepção do sentido da educação estética para pensar a

formação, no nível tecnólogo.

Para a elucidação do contexto da contemporaneidade utilizou-se Hall

(2006), Bauman (1998, 2005), Harvey (2010) e Boutinet (s/d), visando à

reflexão do caminho da construção do sujeito estético em formação.

Estruturalmente, organizou-se a dissertação em três capítulos:

No primeiro capítulo, apresentaram-se a narrativa autobiográfica do

autor da pesquisa, seu trajeto e as justificativas para a escolha dos temas e

dos eixos teóricos. Neste capítulo, há, ainda, a fundamentação da escolha da

hermenêutica, como forma de análise do trabalho, e um olhar teatral sobre a

relação com a autonomia. A análise hermenêutica da história de vida permitiu

identificar a forma como os fragmentos da história do pesquisador compõem-se

em momentos de luz e sombra, os novos momentos de luz somados aos

fragmentos vividos compõem novas imagens.

107

No segundo capítulo, estabeleceu-se a reflexão sobre os efeitos do

tempo liquefeito na formação humana. Recorreu-se à aproximação entre

Schiller (2002), Freire (1987; 1996), Boal (2008), para explicitar a educação

estética e a formação humana. Refletiu-se, aqui, sobre a transformação e a

composição das imagens fragmentadas do sujeito esvaziado do sentido

humano, na sociedade contemporânea.

No terceiro capítulo, apresentou-se a análise hermenêutica da

Resolução CBE/CP 3/2002. Esta análise possibilitou a visualização dos

fragmentos da composição do profissional, como autor e ator do jogo da

formação. Possibilitou, ainda, a percepção do fio da construção do sujeito

estético: as narrativas (auto) biográficas, como possibilidade de fio condutor

para uma formação mais humana.

No documento analisado, buscou-se o sentido da educação estética,

através do uso da hermenêutica. Concluiu-se que, constatado este sentido, há

prenúncios de novas práticas para professores, coordenadores e

mantenedores de instituições que objetivem formar o profissional tecnólogo em

uma dimensão mais humana.

Observou-se, no processo da análise hermenêutica da Resolução, a

preocupação em relacionar o ensino, nos cursos de formação de tecnólogos,

com três áreas distintas: o curso e suas relações com o Trabalho; o

conhecimento e o domínio das Tecnologias; a relação do Trabalho e da

Tecnologia com a Ciência.

A constatação da prevalência destes temas apóia-se na presença das

seguintes expressões: Processo Tecnológico (Art. 2°); Mundo do Trabalho (Art.

2°, Art. 5°); Identidade Profissional (Art. 2°); In ovações científico-tecnológicas

(Art. 2°); Condições de Trabalho (Art.2°); Mercado de Trabalho (Art. 3°); Perfil

Profissional (Art. 3°, Art.6°, Art. 9 §1, ARt. 10); Competências Profissionais (Art.

1°; Art. 2°, Art. 4° §1, Art. 5° §2, Art. 6°, Art. 7°, Art. 8°, Art. 9°); Qualificações

Profissionais (Art. 5° §1); Fundamentos Científicos e Humanísticos (Art. 6° §1).

Houve uma reflexão minuciosa sobre cada uma destas expressões,

privilegiando a expressão: Competências Profissionais. Esta expressão

significa a capacidade pessoal de mobilizar, articular e colocar em ação os

conhecimentos, as habilidades, as atitudes e os valores, para implementar o

trabalho na área tecnológica.

108

Selecionou-se, também, a expressão Perfil Profissional. O perfil

profissional define a identidade do tecnólogo, caracterizando o compromisso

ético da instituição com os seus alunos e com a sociedade.

No decorrer da análise hermenêutica, refletiu-se sobre outras

expressões do documento. Há menções sobre Qualificações Profissionais,

considerada como a aptidão para executar algo, tais qualificações tornam-se

presentes no Certificado de Qualificação Profissional de Nível Tecnológico.

Mencionam-se, ainda, a expressão Mundo do Trabalho e Condições de

Trabalho. Estas expressões relacionam-se à promoção da capacidade de

continuar aprendendo e de acompanhar a transitoriedade do mundo da Pós

Modernidade. A expressão, Mercado de Trabalho, é mencionada no

documento. Percebe-se um entrelaçamento entre mundo do trabalho,

condições de trabalho e mercado de trabalho – as três expressões vinculam-se

a termos como: transitoriedade, efemeridade, opressão, libertação. O mercado,

o mundo e as condições caracterizam-se pelos mesmos fenômenos,

relacionados ao efêmero e ao provisório.

Na Resolução, através da afirmação de que as competências

profissionais tecnológicas incluem “os fundamentos científicos e humanísticos,

necessários ao desempenho profissional do graduado em tecnologia”, fica clara

a preocupação com a humanização.

Ainda na Resolução, observou-se, através da complementação, no

Art.2º, Item IV: “propiciar a compreensão e a avaliação dos impactos sociais,

econômicos e ambientais resultantes da produção, gestão e incorporação de

novas tecnologias”. Constatou-se, portanto, aqui, a preocupação com o coletivo

e com os impactos da tecnologia da sociedade.

Na contemporaneidade, a inserção da educação estética, na formação

do profissional, embora não seja uma tarefa fácil, é uma proposição sugerida

pela Resolução. Ela se constituiria no estabelecimento do equilíbrio necessário,

na atuação social do tecnólogo. Isto pôde ser constatado por meio das leituras

efetuadas, no decorrer da elaboração deste trabalho. Tais leituras são os

recortes das abordagens escolhidas, em cada autor. Compreendeu-se, nos

movimentos interpretativos das obras escolhidas, que a arte oferece, a todos,

inúmeras possibilidades. Entretanto, a arte inovadora se dará à margem da arte

que pode ser comercializada. No contato com Adorno, ficou clara a percepção

109

de que a indústria cultural impossibilita a ruptura com o existente. Já, Bauman

(1998, 2005) constatou não ser possível a distinção entre o novo e o obsoleto.

Essas contradições nas reflexões sobre a contemporaneidade representam a

dificuldade de se definir o sujeito pós-moderno e as multiplicidades de centros

e lugares de conforto que ele pode habitar.

Considera-se que sua classe social não irá definir a arte que apreciará, a

família que nasceu não definirá a tradição que seguirá, o seu padrão de

consumo será regido em uma perspectiva global de produtos e não na

semelhança com o vizinho. Os grandes centros urbanos como São Paulo,

Nova Iorque, Paris, Tóquio se assemelham, mais que capitais brasileiras e

cidades do interior, do nordeste.

A sociedade atual apresenta-se como plural e diversa. Um profissional

alinhado com essa fluidez da sociedade precisa ter uma formação humana. Tal

formação exige uma compreensão da estética, da arte, da vida, nesse mundo

caleidoscópico.

110

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